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08/06/2018 15:44
Pode-se dizer que tal iniciativa, de aplicabilidade restrita, tem inspiração nos sistemas de
Whistleblowing, termo de origem anglo-saxã empregado para se referir a programas de
denunciação interna, cujo objetivo é sistematizar, incentivar e proteger aqueles sujeitos
que, integrando o sistema laboral de qualquer pessoa jurídica, de direito público ou
privado, e veri cando a prática de um ilícito de qualquer ordem, o reportam à autoridade
competente. Países como os Estados Unidos, Itália, Chile e Peru já incorporaram tal
mecanismo às suas legislações, observando as recomendações de tratados
internacionais, dentre os quais, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
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A temática, no Brasil, não é inédita. Em 2015, a proposta de lei nº 362 foi apresentada sob
a justi cativa de fomentar e aprimorar instrumentos que “incentivem uma cultura de
combate à corrupção”. O projeto, arquivado em abril de 2016, pretendia criar um
programa de proteção aos Whistleblowers, denunciantes de irregularidades perpetradas
no interior da Administração Pública ou de empresas privadas. Exigia, assim como a
atual proposição, que a denúncia fosse impelida por “boa fé” e baseada em “motivos
razoáveis”, compreendidos como indícios relevantes de ilegalidades ou irregularidades.
A crescente complexidade das organizações empresariais tem tornado cada vez mais
difícil a prevenção de condutas ilícitas no ambiente intraempresarial. Suas opções de
ordenação própria têm apresentado embaraços de forma crescente, não somente à
individualização e imputação da responsabilidade penal, mas principalmente à
descoberta da própria infração. Neste prisma, fala-se de um relevante mecanismo de
prevenção técnica, de índole político criminal extrapenal, capaz de auxiliar a persecução
estatal.
Porém, para alcançar a efetividade que deles se espera nesta conjuntura de aplicabilidade
ampliada, os sistemas de Whistleblowing não podem estar fundamentados unicamente
na previsão de recompensas aos cidadãos colaboradores ou na garantia do sigilo da
fonte da informação. É preciso pensar em uma segura estrutura de proteção aos
denunciantes, principalmente àqueles considerados os mais vulneráveis nesta relação:
os trabalhadores privados.
O projeto de lei nº 362/2015, nesta senda, citava que nenhum empregado poderia ser
responsabilizado civil, penal ou administrativamente por revelar informações à autoridade
competente. Trata-se de proteção relevante, uma vez que afasta uma inibição decorrente
do medo de represálias em face da denúncia apresentada. No núcleo das relações
trabalhistas propriamente ditas, assegurava a impossibilidade de “demissão,
rebaixamento de função, transferência imotivada, punição, perda de benefícios ou
qualquer outra espécie de represália” (art. 3º, §1º), instituindo sanções à empresa que
ignorasse essas recomendações, punições que poderiam variar desde a reversão do ato,
à aplicação de multa (com teto máximo de 10.000 – dez mil – salários mínimos) e, no
caso da Administração Pública, à responsabilização administrativa do superior. São
garantias não reproduzidas no anteprojeto contra o crime organizado apresentado ao
Congresso Nacional, até mesmo em razão do âmbito de alcance que lhe foi conferido.
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1 “Este ponto é re etido no fato de que uma quantidade signi cativa de fraudadores (14
por cento) foi detectada por acidente, ao invés de serem detectados por controles
internos e monitoramento. […] ‘Os métodos mais e cazes de detecção são mecanismos
de denúncias anônimas e delações, e não auditoria interna nem revisão gerencial. Os
fraudadores potencializados são geralmente os mais difíceis de se capturar,’ diz Jimmy
Helm, Head de Forensic, KPMG Europa Central e Leste Europeu”. (ps. 10 e 13). Disponível
em: https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/br/pdf/2016/09/br-per l-do-
fraudador-2016.pdf. Acesso em: 24 de maio de 2018.
RODRIGO SÁNCHEZ RIOS – Doutor em Direito Penal e Criminologia pela Università degli studi di Roma III – La
Sapienza. Professor de Direito Penal da PUCPR. Advogado Criminalista.
ALLIAN DJEYCE RODRIGUES MACHADO – Mestre em Direito pela PUC-PR. Advogada Criminalista
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