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1966-1977
Introdução
David Zé (1944-1977), nome artístico de David Gabriel José Ferreira, é uma peça
fundamental para a compreensão de um tema ainda pouco abordado pela
historiografia brasileira e angolana: as reações artísticas dos angolanos frente ao
golpe-contragolpe fraccionista de 27 de maio de 1977. Neste episódio, temos mais
quatro personagens de suma importância: Nito Alves (1945-1977), ex-dirigente do
Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA), revoltado com a postura
ideológica do seu superior, o primeiro presidente republicano, Agostinho Neto (1922-
1979), um dos principais responsáveis pelo processo de descolonização. Dessa
revolta, resultaria uma oposição entre outros dois movimentos ditos nacionalistas, a
Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), liderada pelo falecido General
Mobuto Sese Seko. De uma nova fragmentação será criada a União Nacional para a
Independência Total de Angola (UNITA), por Jonas Malheiro Savimbi.
Nossa proposta gira em torno dos movimentos culturais desse período, num
contexto em que política e cultura estão intrinsecamente ligadas, principalmente
quando se percebe uma lacuna historiográfica no que diz respeito às manifestações
artísticas frente ao golpe fraccionista angolano. Antes, porém, é preciso fazer a
contextualização, do ponto de vista de uma leitura, vista de cima, dita tradicional,
para depois problematizar a relação entre a política e a cultura angolana no
processo de independência e no pós-independência.
David Zé, foco da nossa atenção nesse trabalho, no meio dessa turbulenta ditadura,
expõe sua arte. “Suas letras trazem mensagens implícitas sobre o sentimento da
revolução angolana. Com poesias dotadas de um conteúdo de caráter muito
politizado, David Zé defendia nas suas canções as ideias nacionalistas do MPLA de
Agostinho Neto. Independentemente desse conteúdo, musicalmente, David Zé foi
um dos grandes da história angolana. Morreu durante os tristes episódios do golpe-
contragolpe de 27 de maio de 1977.”i Esta é uma das raríssimas informações sobre
David Zé, disponíveis na internet, onde só foi encontrado um site com uma sucinta
biografia sua. Por outro lado, o artista é saudado pelos angolanos entrevistados
como “O guerreiro revolucionário! O Maior compositor de todos os tempos”.
Perguntado sobre o que representa David Zé para ele e para a Angola, Raul Jorge
de Resende Rosário1 responde:
1
Ator e Músico. Combateu a UNITA ao lado do MPLA durante a guerra civil de Angola em 1992.
Até hoje as causas são estranhas... pois estes cantavam também e acima de
tudo ao amor à igualdade... e com uma sonoridade e música acima da
média...
Ouvi falar de David Zé pela primeira vez quando tinha 5 anos. Em 1977
estavam em Luanda os três movimentos de libertação: FNLA, ao norte,
apoiadas pelo ex-Zaire e mercenários franceses; MPLA, no centro, apoiada
pelos comunistas e com os intelectuais mulatos e brancos e a UNITA, ao sul,
apoiada pelos racistas sul-africanos. Ganhou o MPLA e declarou a
independência. A FNLA enfraqueceu e a UNITA combateu o governo com
armas até 2004. Estive nos confrontos em Luanda somente em 1992 quando
a UNITA não aceitou as primeiras eleições gerias. (Raul Jorge de Resende
Rosário, depoimento concedido em 18/09/2014)
Perguntado sobre o que levou David Zé – um músico tão popular, que acompanhou
o presidente Agostinho Neto em diversas viagens e apresentações – a ser posto na
linha de frente da guerra civil, Raul Jorge sugeriu a sua hipótese:
“Eu era pequeno, mas hoje sei que houve ciúmes dos militares e políticos em
relação à popularidade dos artistas e intelectuais que já na altura tinham mais
fama e também tinham os seus ideais. Isso abalou a cultura popular angolana
até hoje.” (Raul Jorge de Resendo Rosário, depoimento concedido em
18/09/2004)
Quanto à vida de David Zé, sabe-se apenas sobre sua filiação à moral baseada na
Igreja Metodista, o casamento, o serviço Militar pela FAPLA, a profissão de professor
e fundidor. Iniciou sua carreira artística em 1966 e gravou 14 singles até 1975.
Tratam-se de informações muito vagas e incompletas.
Justificativa
Angola foi escolhida como lugar da nossa proposta como uma forma de
agradecimento à excelente receptividade que foi concedida a um grupo de artistas
valencianos, no qual também me encontrava. A troca de experiências no meio do
teatro, da música e outras artes foram as causas que me fizeram escolher o recorte
temporal e nosso personagem principal: David Zé e golpe e contra-golpe fraccionista
de maio de 1977, pelo estranho fato do “maior compositor de todos os tempos, o
guerrilheiro, o revolucionário,” cantor e professor só ter disponível na internet apenas
um site (Wikpédia), contendo a sua biografia com apenas cinco pequenos
parágrafos.
Considerações Teórico-Metodológicas
A música sempre esteve presente nas escolhas que fiz. Quando graduando
em Licenciatura Plena em História pelo Campus V da UNEB, decidi pesquisar a vida
e a obra de Raul Seixas diante das mazelas da Ditadura Militar no Brasil, suas
técnicas de drible à censura, influências filosóficas e musicais. Esse projeto de
pesquisa me permitiu um apoio da FAPESB para a Iniciação Científica durante dois
anos. Neste período, publiquei alguns artigos e finalizei meu Trabalho de Conclusão
de Curso com o artigo denominado “Eu não sou besta pra tirar onda de herói: Uma
micro-história da juventude brasileira nos anos de chumbo. 1964-1985”.
Durante os estágios ( de Observação, Oficina e Regência) , levava o violão
pra a sala de aula e aprendi como utilizar a música de diversas formas, seja
reproduzindo-as sozinho, ensaiando corais ou auxiliando os alunos na composição
de paródias relacionadas aos temas propostos para as séries em que realizei os
referidos estágios.
Em 2012, nosso grupo teatral de Valença foi contemplado no edital
Calendário das Artes do Governo do Estado da Bahia para apresentar a peça A Órfã
do Rei, escrita pelo dramaturgo angolano José Mena Abrantes. O drama conta a
história das órfãs portuguesas enviadas para Angola e submetidas ao casamento
forçado, entre outras estratégias de dominação colonialista, com a finalidade de
“higienizar” a população da colônia. Compus a trilha sonora deste espetáculo e o
apresentamos em Valença e em duas comunidades quilombolas do Baixo Sul:
Laranjeiras e Boitaraca.
Em 2013, fui contemplado novamente pelo Calendário das Artes no projeto
Musicalizar nas escolas. Com este novo projeto, promovemos um bate papo nas
quatro escolas estaduais da zona urbana de Valença. Acompanhado pela minha
banda, Os Aimorés, cantávamos 12 músicas do período da Ditadura Militar e
dividíamos em quatro blocos de discussão com os professores de filosofia,
português e história de cada escola.
Atualmente, trabalho na Escola Estadual Gentil Paraíso Martins, em Valença,
e – desde o maio de 2014 − venho promovendo o projeto Música na Ditadura.
Neste, realizo uma apresentação, seguida de debate, aula-show, lembrando os 50
anos do Golpe Militar de 1964. Através de canções, que canto acompanhado do
violão, letras, imagens, trechos de filmes, vídeos e clipes musicais, demonstrando as
estratégias de sobrevivência que os artistas e jovens brasileiros encontraram para
fugir dos porões da Ditadura. Este projeto foi apresentado pela primeira vez na
Escola Estadual da Cachoeira, através da ONG Casa de Barro. Em seguida, percorri
as oito escolas estaduais de Valençaii. Cinco na zona rural e três na cidadeiii. O
projeto Música na Ditadura também já foi apresentado na cidade de Gandu, pela
Secretaria de Cultura, na cidade de Cruz das Almas, no Colégio Montessori e, até o
final de 2014, percorrerá várias cidades do estado da Bahia, como parte do
calendário pedagógico da rede estadual pelo programa “Direito à Memória”.
Este pequeno curriculum é uma forma de demonstrar que sempre tive a
intenção de procurar me aprimorar nos meus estudos para continuar pondo a teoria
em prática. Penso que a música é uma excelente ferramenta para a sala de aula.
Ressalto que não é preciso ser músico para trabalhar com ela, mas é preciso estar
atento às reflexões que uma canção possibilita. Sobre a produção historiográfica
contemporânea, Maria Izilda Santos de Matos ressalta, em seu artigo História e
música: reflexões, pesquisa e ensino:
Essas canções nos fazem refletir, como o fez Aby Warburg, que “Deus está no
particular”, nos detalhes, nos sinais, nas pistas, por consequência nas descobertas e
finalmente nas transformações que estas descobertas proporcionarão à sociedade e
aos seus indivíduos como agentes sociais, cientes da sua história.
Através deste documentário, pretendemos refletir sobre a contribuição de David Zé
para a cultura, a política e a educação de Angola de 1966 a 1977; Ampliar a
biografia de David Zé bem como a produção historiográfica sobre a época em que
Produzir materiais didáticos que reflitam a atuação de David Zé na luta pela
independência de Angola e promover o debate sobre as possibilidades de execução
das Leis 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que torna obrigatório o ensino sobre
História e Cultura Afro-Brasileira nos níveis médio e fundamental e da lei 11.769 de
18 de agosto de 2008 que torna obrigatório mas não exclusivo, o ensino de música
no componente curricular.
Esta canção será uma das fontes que pretendo analisar no documentário. Com ela,
podemos proporcionar aos discentes um contato com uma das línguas africanas,
além de contextualizá-la diante da luta pela descolonização angolana. As Forças
Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) era o exército do MPLA, o
mesmo em que David Zé prestou serviço militar e foi diretor musical do agrupamento
Aliança FAPLA-POVO. Através desta ligação, David Zé acompanhou o presidente
Agostinho Neto aos festejos de independência de Moçambique, São Tomé e
Príncipe e Guiné-Bissau, onde cantou a canção Quem Matou Amílcar Cabralviii,
político de Guiné-Bissau, assassinado por dois membros do seu próprio partido, o
Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
Coincidência ou não, os angolanos afirmam que quem matou David Zé foi o MPLA,
seu próprio partido.
A maior parte das minhas fontes serão as canções de David Zé. Pretendo ainda
entrevistar pessoas que conviveram com David Zé em Angola e as comunidades
angolanas no Brasil. Para isso, utilizarei os contatos que fiz na minha experiência
cultural em Luanda, onde pude conversar com pessoas que participaram
efetivamente da guerra civil. São pessoas que estiveram tanto no campo político e
cultural quando no campo de guerra.
Bibliografia:
BURKE, Peter. O que é História Cultura? Tradução de Sérgio Goes de Paula. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
GINZBURG, Carlo. O nome e o como. In: A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1989, p.173-174.
HUNT, Lynn. A nova história cultural. Tradução Jefferson Luiz Camargo 2ªed. SP: Martins
Fontes, 2001.LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-História. In: BURKE, Peter. A Escrita da
História: novas perspectivas .São Paulo: UNESP, 1992.
MATOS, Maria Izilda Santos de. História e música: reflexões, pesquisa e ensino. PUC-SP
MATTOS, Hebe; ABREU, Martha; DANTAS, Carolina Viana; MORAES. Personagens negros
e livros didáticos: Reflexões sobre a ação política dos afrodescendentes e as representações
da cultura brasileira. UFF. p. 299-319
MELLO, Adilson da Silva; JUNIOR, Otávio Candido da Silva. Uma leitura da “circularidade”
entre culturas em Carlo Ginzburg. Janus, lorena, ano 3, nº 4, 2º semestre de 2006.
PARANHOS, Adalberto. Sons de sins e nãos: a linguagem musical e a produção de
sentidos. Projeto História, São Paulo: EDUC/FAPESP/FINEP, n. 20, p. 221-226, 2000.
REFERÊNCIAS DA INTERNET
i
http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Z%C3%A9
ii
http://www.direc5.com/2014/05/projeto-musica-na-ditadura-tem-novo.html
iii
http://www.direc5.com/2014/06/alunos-do-jequirica-conhecem-classicos_5.html
iv
http://www.lastfm.com.br/music/David+Z%C3%A9
v
http://exoticinvasive.blogspot.com.br/2011/07/david-ze-guerrilheiro.html
vi
https://www.youtube.com/results?search_query=David+Z%C3%A9
vii
https://www.youtube.com/watch?v=yJMY0URjRCQ
viii
https://www.youtube.com/watch?v=X3AoF3UpNPE
http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Z%C3%A9
http://www.lastfm.com.br/music/David+Z%C3%A9
http://exoticinvasive.blogspot.com.br/2011/07/david-ze-guerrilheiro.html
https://www.youtube.com/results?search_query=David+Z%C3%A9