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Capítulo 1

Humanismo

Habilidades Este capítulo desenvolverá em você a habilidade


de identificar historicamente e compreender o
Humanismo jurídico como o movimento que marcou
a busca inicial pela sistematização do Direito
e pela racionalização das leis. No final do seu
estudo, você também estará apto/a a distinguir os
momentos históricos e as causas que motivaram
as principais gerações de direitos. Uma última
habilidade a desenvolver com o estudo deste
capítulo é relacionar a terceira geração de direitos
com o objeto desta unidade de aprendizagem: os
interesses difusos e coletivos..

Seções de estudo Seção 1:  Considerações iniciais

Seção 2:  O Humanismo jurídico

Seção 3:  Dos direitos humanos

Seção 4:  As gerações dos direitos humanos

Seção 5:  Presente e futuro dos direitos humanos

Seção 6:  Conclusões

ABRAHÃO, Roberto Mattos. “Humanismo”. In: ABRAHÃO, Roberto Mattos. Interesses difusos e coletivos.
Palhoça: UnisulVirtual, 2014.

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Capítulo 1

Seção 1
Considerações iniciais
Inicialmente, cabe assinalar que o Humanismo tem-se justificado, em diferentes
momentos, enquanto bandeira de luta e de reação em defesa da humanidade,
como foi o caso, na Renascença, contra a ameaça do fanatismo religioso; e, no
Iluminismo, contra o nacionalismo extremo e contra a escravização do homem
pela máquina e pelos interesses econômicos.

Atualmente, o Humanismo tem sido utilizado contra os efeitos malignos


da globalização e da destruição dos interesses difusos, como no caso das
devastações ao meio ambiente e violação aos direitos das crianças, dos
adolescentes e dos índios.

O Humanismo transita por vários campos das ciências humanas e consiste em


uma expressão que remete, frequentemente, a um campo de discussão filosófica.
Esta primeira localização não define precisamente seu teor, apenas situa-o, de
modo a se poder desdobrá-lo em discussões as quais permitem identificar seus
efeitos em contextos tais como o político e o jurídico, de interesse deste curso.

Por um lado, os efeitos políticos do Humanismo foram maléficos, tendo resultado em


regimes totalitaristas e fascistas. Por outro lado, no que se refere aos efeitos jurídicos,
um sistema de direitos humanos foi erguido a partir do pressuposto humanista.
Este sistema, no entanto, apresentou falhas: não privilegiou a igualdade material e
desatendeu às relações homem e natureza, com um déficit de consideração por esta
última calcado nos interesses egocentristas do homem e de suas sociedades.

Hoje, quem sabe, pelo desejo de ver as pessoas em melhor condição e em paz
— gozando de bem-estar social e individual, com boa qualidade de vida, tendo
atendidas as suas complexidades existenciais, com os seus direitos íntimos
respeitados e, além disso, prestados —, o Humanismo representa mais que um
ato filosófico de união dos homens como irmãos.

Percebe-se na prática que a sua evolução vem trazendo um movimento de


vedação da guerra como maior evidência de que o Direito caminha para a paz,
evitando os embates violentos e privilegiando o diálogo e a compreensão mútua
como meios de solução de controvérsias. Isto se reflete atualmente nos direitos
humanos, cujo atendimento ocorre via termos de ajustamentos de conduta e
arbitragem, por exemplo.

Se, historicamente, o “Humanismo” apresentou faces tendentes ao totalitarismo de


compreensão, hodiernamente, no núcleo contemporâneo de aspirações jurídicas, o
apreço pelo ser humano prevalece e é condição para o reconhecimento constante da
dignidade das pessoas, conforme teremos a oportunidade de estudar neste curso.

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Interesses Difusos e Coletivos

O Humanismo é essencialmente necessário como elemento de compreensão do


mundo e de valoração dos objetos do conhecimento. Prescindir de sua existência é
afastar-se do núcleo de ação pautado pela condição e natureza humana.

O Direito, por sua vez, como ciência humana e social, é farto de pré-compreensões
do ser humano. Os argumentos da história da filosofia, acompanhados
paralelamente dos debates sobre o Humanismo, auxiliam-no a compreender o
homem e atribuir-lhe sentido.

A condição humana, de alguma forma, nos confere a característica da


parcialidade: de existência, de percepção, de convicção, de realidade.
Entretanto, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento intelectual, a amplitude das
possibilidades humanas se manifesta disponível às considerações, na tentativa
de visualizar horizontes culturais e individuais distintos.

O Humanismo, então, é um convite ao debate, que sempre se apresenta


transdisciplinar e sem respostas definitivas, exigindo uma disposição do
intérprete ao enfrentamento.

Como vimos e teremos a oportunidade de aprofundar, o pensamento humanista


perpassa diversas fontes e tem muitas interfaces, que vão desde a produção e a
recepção das ideias filosóficas até a implementação de ações orientadas pelos
princípios que animam essa visão e essa atitude diante do mundo.

O Humanismo pretende unidade e coerência. Por se basear na defesa do humano


como um valor fundamental, por reconhecer e valorizar a diversidade pessoal e
cultural, por defender a igualdade de todos os seres humanos, por repudiar todas as
formas de violência e por afirmar a liberdade de ideias e de crenças, o pensamento
humanista se coloca hoje como um ponto de orientação capaz de servir de guia na
travessia do constante processo de transformação e de mudança que vivemos.

Definir o que são direitos humanos não é tarefa das mais fáceis. Para alguns
juristas, os direitos humanos equivalem a direitos naturais, ou seja, aqueles que
são inerentes ao ser humano. Outros preferem tratar os direitos humanos como
sinônimo de direitos fundamentais, isto é, um conjunto normativo que resguarda
os direitos dos cidadãos.

Adotaremos, por uma questão didática, a definição de direitos humanos dada


pelo cientista político e jurista italiano Norberto Bobbio (2002) em seu Dicionário
de Política. Em sua definição, Bobbio resgata as raízes históricas da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, evidenciando seu reflexo nas constituições e os
problemas políticos e conceituais impostos pelo novo paradigma civilizatório.

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Capítulo 1

Segundo Norberto Bobbio (2002), o constitucionalismo tem, na Declaração, um


dos seus momentos centrais de desenvolvimento e conquista, que consagra as
vitórias do cidadão sobre o poder. Ele afirma que os direitos humanos podem
ser classificados em civis, políticos e sociais, destacando que, para serem
verdadeiramente garantidos, “devem existir solidários”.

Luta-se, ainda, por estes direitos, porque, após as grandes transformações


sociais, não se chegou a uma situação garantida definitivamente, como sonhou
o otimismo iluminista, reflete o jurista, alertando para o fato de que as ameaças
não vêm somente do Estado, como no passado, mas também da sociedade de
massas e da sociedade industrial.

Seção 2
O Humanismo jurídico
Período capital da história do Direito, que, infelizmente, ainda não foi devidamente
estudado, é o Humanismo jurídico. Ele representa uma importante ruptura entre
o Direito romano e o Direito moderno, motivada principalmente pela eclosão das
filosofias helênicas na Europa.

O Humanismo jurídico surge na época histórica conhecida por Renascimento.


Este movimento intelectual e artístico, que deixou marcas profundas em toda
a cultura ocidental, tem seu momento de esplendor nos arredores do século
XVI. Por volta dessa época, a Europa tornava-se mais rica com o florescimento
do mercantilismo e com as grandes descobertas acontecendo a todo vapor. As
cidades italianas, de início, são o núcleo do Renascimento, o qual, depois, se
espalhou por vários países da Europa.

Com respeito ao Direito, interessa especialmente a acolhida do Renascimento


por parte das elites intelectuais italiana e francesa. Concretamente, o Humanismo
renascentista representa um retorno a vários dos moldes de beleza e de
pensamento do mundo greco-romano.

A característica fundamental do Humanismo é, como o próprio nome diz, a


tentativa de colocar o homem como centro de todo o universo. A principal
preocupação filosófica dos humanistas não é mais a metafísica, mas a moral — a
conduta individual, o comportamento virtuoso e o viciado, a perfeição da pessoa:
isto é o que verdadeiramente importa.

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Interesses Difusos e Coletivos

No auge das universidades medievais, Aristóteles foi «o Filósofo»: seus livros foram
comentados por vários dos maiores filósofos de então, especialmente por Tomás
de Aquino; sua visão de mundo, que levava a uma revalorização da experiência
sensível, com uma consequente postura aberta perante as realidades temporais,
revolucionou todo o pensamento medieval nos séculos XII e XIII. Também Platão foi
sempre tido em alta conta no mundo medieval, sendo uma das principais bases da
filosofia de Santo Agostinho, o maior vulto da Patrística Ocidental.

Entretanto, no início do Renascimento, esses dois filósofos passam a competir,


no gosto da intelectualidade, com os filósofos helênicos, bem como com poetas,
escritores, moralistas, artistas e personagens da Grécia decadente e de Roma.

Frequentemente, os juristas têm a tentação de encaixar o Direito dentro dos


sistemas de ideias emergentes. Tendo trazido o Renascimento novas formas
de pensar, era praticamente inevitável que também surgissem escolas jurídicas
diferentes das anteriores, que colocassem no mundo do direito as novas
visões da realidade.

Contudo, no Renascimento, os juristas cultos serão coerentes com sua filosofia


e procurarão moldar o Direito a ela. Disto surgirá uma série de consequências
fundamentais, como a busca da sistematização do direito, a valorização do ensino
jurídico, o desprezo ao direito medieval, o intento de racionalização das leis, a
concepção do direito como uma criação humana, e assim por diante. Todas estas
transformações têm seu fundamento no Estoicismo, segundo o qual a razão é o
mais importante atributo do ser humano.

Como já foi dito, o principal interesse dos estoicos era o aperfeiçoamento


moral, e eles construíram toda uma ética centrada na virtude, que deveria ser o
fundamento de todo o agir humano. Dentro desta visão, o direito se torna algo
muito mais vinculado ao interior da pessoa, à sua subjetividade, do que era no
Direito romano. Nota-se uma espécie de confusão entre o Direito e a Moral, com
aquele sendo, na prática, englobado por esta.
Embora Cícero (106-
Em seu afã por uma vida virtuosa e tranquila, os
43 a.C.) tenha sido
um cidadão romano humanistas buscaram na filosofia helênica as regras
que viveu após o de conduta que deviam seguir. Talvez aí esteja uma
período helenístico explicação do interesse por Cícero. Este excepcional
(323-146 a.C.), ele é
orador era um pensador eclético, e nele podem ser
aqui considerado um
pensador helenista, encontradas, de maneira mais nítida, as bases do
porque foi educado pensamento humanista.
conforme os preceitos
dessa escola filosófica.

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Capítulo 1

Com efeito, no ambiente cultural do Humanismo, excessivamente requintado, a


moral dos gregos era por demais exigente para ser aceita em sua pureza. Já a
moral de Cícero era mais facilmente digerível, com menores exigências e, por
isso, mais apropriada ao ambiente de então.

Portanto Cícero acaba tornando-se a leitura predileta dos humanistas,


especialmente dos juristas. Afinal, ele era um homem público e um advogado,
que teceu uma série de considerações sobre o Direito em suas obras.

Como, por ilustração, em uma célebre passagem, onde afirmou que “a justiça
é a mais esplêndida das virtudes”, e que “seu fundamento é a boa-fé, ou seja,
a sinceridade nas palavras e a fidelidade nas convenções”. Falando sobre a
promessa, ele sustenta que, mesmo sob a pressão de circunstâncias, quem fez
uma promessa ao inimigo deve manter a sua palavra. Além disso, “a palavra
empenhada deve sempre refletir o que se pensa, e não o que se diz”. Ao escrever
sobre o valor da palavra dada, Cícero está tratando de um assunto principalmente
moral, que interessa ao Direito de forma apenas oblíqua. Entretanto, devido à
confusão entre Direito e Moral, alguns juristas começam a construir uma teoria
dos contratos baseada em postulados morais, e não na justiça em sentido estrito.
Quando o afã de sistematização e racionalização se alastrar pela Europa e se
buscarem ideias mestras a partir das quais fosse possível extrair a maior parte dos
princípios jurídicos, será proposta a ideia estoica do valor da palavra dada como
fundamento de todo o Direito dos contratos.

Alguns juristas defendem que será, então, quebrada a linha da tradição


que provinha do Direito romano e havia continuado com o Direito medieval,
caracterizada pelo método de busca do direito no caso concreto e pela rejeição
de sistematizações a priori. Estranho paradoxo: aqueles que se consideravam os
maiores amantes do autêntico Direito romano, o qual teria sido pervertido pelos
juristas medievais, dariam o primeiro passo que tornaria a obra dos jurisconsultos
do Lácio uma autêntica obra de museu, digna de ser venerada e conhecida,
todavia algo não mais vital para se resolverem os problemas do presente.

O chamado “uso moderno” Praticamente todos os juristas franceses da época


surgiu na Alemanha, entre foram bastante influenciados pela jurisprudência
os séculos XVII e XVIII, e
elegante e pelo pensamento humanista. Tinha sido
dali passou a outros países.
Representou uma nova então lançada a semente do consensualismo, senão
metodologia de estudo na prática, na doutrina de muitos juristas, o que, mais
e aplicação do Direito adiante, numa época de ainda maior racionalização
romano, relacionada com o
e individualismo, dará seus frutos. Entretanto, apesar
jusracionalismo, conhecida
por usus modernus da consideração de que gozou, a Escola humanista
pandectarum: uso moderno não conseguiu implantar o usus modernus em toda a
dos jurisconsultos clássicos Europa, havendo dificuldades na penetração de suas
(pandectae).
teses entre os dogmáticos.

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Interesses Difusos e Coletivos

Afinal, a prática de milhares de anos era por demasiado forte para ser destruída em
favor de postulados semelhantes àqueles que alimentavam a jurisprudência elegante.
Na Itália, por exemplo, permaneceu a utilização do método, de continuidade com
o direito medieval. Também a Alemanha, apesar da docência de vários dos juristas
cultos em suas terras, não foi de imediato tomada pela nova escola.

Pode-se afirmar que o Humanismo, na aplicação do Direito, não é uma decisão


sentimental ou emanada do arbítrio judicial. O Humanismo é um critério
hermenêutico amparado por vasta doutrina.

Se, em todas as profissões, deve haver traço humano, em algumas profissões o traço
humano deve ser a estrela-guia. Coloco a magistratura, ao lado da medicina, como
tarefas nas quais o Humanismo é condição sine qua non do exercício profissional.

Desumaniza-se o Direito sempre que se estabelece um abismo separando juízes


e jurisdicionados, advogados e cidadãos comuns. Os jurisdicionados devem
poder falar com o juiz diretamente, e não apenas através do advogado. Os
advogados devem estar sempre com os ouvidos abertos para ouvir o clamor dos
que querem obter justiça.

Com extrema frequência ouvimos a velha máxima de que a aplicação impiedosa


da lei é classista. “Para os pobres, é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei.

Para os ricos, é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica”. (Fernando Sabino).

Seção 3
Dos direitos humanos
O constitucionalismo moderno tem, na promulgação de um texto escrito
contendo uma declaração dos direitos humanos e de cidadania, um dos seus
momentos centrais de desenvolvimento e de conquista, que consagra as vitórias
do cidadão sobre o poder.

Atualmente, para determinar a origem da declaração no plano histórico, é


costume remontar à Déclaration des droits de l’homme et du citoyen, votada pela
Assembleia Nacional francesa em 1789, na qual se proclamava a liberdade e a
igualdade nos direitos de todos os homens, reivindicavam-se os seus direitos
naturais e imprescritíveis (a liberdade, a propriedade, a segurança, a resistência à
opressão), em vista dos quais se constitui toda a associação política legítima.

Na realidade, a Déclaration tinha dois grandes precedentes: os Bills of rights


de muitas colônias americanas que se rebelaram em 1776 contra o domínio da
Inglaterra e o Bill of rights inglês, que consagrava a gloriosa Revolução de 1689.

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Capítulo 1

Do ponto de vista de suas concepções, não existem diferenças


substanciais entre a Déclaration francesa e os Bills americanos, dado
que todos amadureceram no mesmo clima cultural dominado pelo
jusnaturalismo e pelo contratualismo: os homens têm direitos naturais
anteriores à formação da sociedade, direitos que o Estado deve
reconhecer e garantir como direitos do cidadão.

Bastante diverso é o Bill inglês, uma vez que nele não são reconhecidos os
direitos do homem, e sim os direitos tradicionais e consuetudinários do cidadão
inglês, fundados na Common Law.

Durante a Revolução Francesa foram proclamadas outras Déclarations (1793, 1795):


interessante é a de 1793, por seu caráter menos individualista e mais social em nome
da fraternidade, e a de 1795, porque ao lado dos “direitos” são precisados também
os “deveres”, antecipando assim uma tendência que tomará corpo no século XIX
(podemos pensar nos Doveri delI’uomo, de Mazzini); a própria Constituição Italiana
tem como título da primeira parte “Direito e deveres do cidadão”.

Um problema deriva da natureza destes direitos: os que defendem que tais direitos
são naturais, no que respeita ao homem enquanto homem, defendem também que
o Estado possa e deva reconhecê-los, admitindo, assim, um limite preexistente
à sua soberania. Para os que não seguem o jusnaturalismo, trata-se de direitos
subjetivos concedidos pelo Estado ao indivíduo, com base na autônoma soberania
do Estado, que, desta forma, não se autolimita. Uma via intermediária foi seguida
por aqueles que aceitam o contratualismo, os quais fundam estes direitos sobre
o contrato, expresso pela Constituição, entre as diversas forças políticas e
sociais. Variam as teorias, mas varia também a eficácia da defesa destes direitos,
que atinge seu ponto máximo nos fundamentos jusnaturalísticos, por torná-los
indisponíveis. A atual Constituição da República Federal alemã, por exemplo,
prevê a impossibilidade de revisão constitucional para os direitos do cidadão,
revolucionando assim toda a tradição juspublicista alemã, fundada sobre a
teoria da autolimitação do Estado.

Outro problema refere-se ao modo de tutelar estes direitos: enquanto a tradição


francesa recorria à separação dos poderes (sobretudo à autonomia do poder
judiciário) e à participação dos cidadãos através dos próprios representantes
na formação da lei, a tradição americana, desconfiada da classe governante,
quis uma Constituição rígida, que não pudesse ser modificada a não ser por
um poder constituinte, e um controle de constitucionalidade das leis aprovadas
pelo legislativo. Isto garante os direitos do cidadão frente ao despotismo legal
da maioria. Os países que experimentaram o totalitarismo, como a Itália e a
Alemanha, inspiraram-se mais na tradição americana do que na francesa para a
sua Constituição.

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Interesses Difusos e Coletivos

Finalmente, esses direitos podem ser classificados em civis, políticos e sociais:

•• Os primeiros são aqueles que dizem respeito à personalidade do


indivíduo (liberdade pessoal, de pensamento, religião, de reunião
Qualidade do e liberdade econômica), através da qual é garantida a ele uma
que é lícito. esfera de arbítrio e de liceidade, desde que seu comportamento
não viole o direito dos outros. Os direitos civis obrigam o Estado a
uma atitude de impedimento, a uma abstenção.
•• Os direitos políticos (liberdade de associação nos partidos, direitos
eleitorais) estão ligados à formação do Estado democrático
representativo e implicam uma liberdade ativa, uma participação dos
cidadãos na determinação dos objetivos políticos do Estado.
•• Os direitos sociais (direito ao trabalho, à assistência, ao estudo, à
tutela da saúde, liberdade da miséria e do medo), maturados pelas
novas exigências da sociedade industrial, implicam, por seu lado,
um comportamento ativo por parte do Estado, ao garantir aos
cidadãos uma situação de certeza.
O teor individualista original da declaração, que exprimia a desconfiança do
cidadão contra o Estado e contra todas as formas do poder organizado, o
orgulho do indivíduo que queria construir seu mundo por si próprio, entrando em
relação com os outros num plano meramente contratual, foi superado: pôs-se
em evidência que o indivíduo não é uma mônada, mas um ser social que vive
num contexto preciso e para o qual a cidadania é um fato meramente formal em
relação à substância da sua existência real; viu-se que o indivíduo não é tão livre
e autônomo como o iluminismo pensava que fosse, mas é um ser frágil, indefeso
e inseguro. Assim, do Estado absenteísta, passamos ao Estado assistencial,
garante ativo de novas liberdades.

O individualismo, por sua vez, foi superado pelo reconhecimento dos direitos dos
grupos sociais: particularmente significativo quando se trata de minorias (étnicas,
linguísticas e religiosas), de marginalizados (doentes, encarcerados, velhos e
mulheres) etc. Tudo isto são consequências lógicas do princípio de igualdade,
que foi o motor das transformações nos conteúdos da Declaração, abrindo
sempre novas dimensões aos direitos humanos e confirmando por isso a validade
e atualidade do texto setecentista.

Tal atualidade se comprova pelo fato de que, hoje, luta-se, em todo o mundo, de
uma forma diversa, pelos direitos civis, pelos direitos políticos e pelos direitos
sociais: fatualmente, eles podem não coexistir, mas, em vias de princípio, são
três espécies de direitos que, para serem verdadeiramente garantidos, devem
existir solidários. Luta-se, ainda, por estes direitos, porque, após as grandes
transformações sociais, não se chegou a uma situação garantida definitivamente,
como sonhou o otimismo iluminista.

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Capítulo 1

As ameaças podem vir do Estado, como no passado, mas podem vir também da
sociedade de massa, com seus conformismos, ou da sociedade industrial, com
sua desumanização. Tudo isso é significativo na medida em que a tendência do
século atual e do século passado parecia dominada pela luta em prol dos direitos
sociais, e, agora, assiste-se a uma inversão de tendências e se retoma a batalha
pelos direitos civis.

Seção 4
As gerações dos direitos humanos
Um ponto importante a ser abordado refere-se à análise evolutiva dos direitos
humanos no âmbito social, descrevendo sua construção histórica ao longo do
processo civilizatório. Esta seção pretende iniciar tal análise com foco nas lutas e
reclamações que ensejaram a enunciação teórica desses direitos e sua posterior
inserção em documentos internacionais e nos diversos ordenamentos jurídicos,
para, ao final, tecer considerações sobre o atual estágio de seu desenvolvimento
teórico e sobre a sua proteção no plano concreto.

A abordagem aqui feita é orientada por uma perspectiva sociológica quanto à


formação dos direitos humanos ao longo da história, exatamente porque, ao final,
objetiva-se tecer considerações acerca das discussões atuais sobre a formulação
de novos direitos e a concretização daqueles já admitidos. Também se pretende
examinar o fenômeno de desequilíbrio na proteção de determinados direitos em
detrimento de outros, decorrente da falha na harmonização prática dos interesses
jurídicos colidentes.

Os direitos humanos são mais bem compreendidos mediante uma retrospectiva


histórica de sua evolução ao longo do processo civilizatório. O entendimento
de como foram construídas as bases teóricas das prerrogativas humanas
elementares permite uma melhor percepção da sua forma e do seu conteúdo.

Antes de tal esboço histórico, contudo, importa formular um acordo semântico,


considerando as várias expressões cunhadas pelos filósofos, encontradas nas
doutrinas para designar as principais prerrogativas humanas, entre elas: “direitos
da personalidade”, “direitos humanos”, “liberdades públicas”, “direitos públicos
subjetivos”, “direitos fundamentais do homem”, “direitos naturais”, “direitos do
cidadão e do trabalhador” etc. A proliferação destas diversas denominações
decorre das suas diferentes origens e da variação de fundamentos que lhes são
atribuídos pelas diversas correntes de pensamento.

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Interesses Difusos e Coletivos

As raízes evolutivas dos direitos humanos deitam-se na Antiguidade Clássica,


época em que os filósofos passaram a admitir a existência de prerrogativas
inerentes à personalidade humana, com base em postulados extraídos da razão,
de fundamento jusnaturalista, embora sem a conotação que hoje lhes é atribuída.
Conforme registros históricos, nas antigas cidades da Grécia, cogitavam-se
direitos que não poderiam ser desconsiderados nem mesmo pelos governantes,
na medida em que se fundavam na própria natureza humana, a qual não poderia
ser contestada por normas positivas. Outrossim, os gregos antigos consideravam
que os direitos naturais ao homem eram incorporados à personalidade de forma
imediata, dispensando prévio reconhecimento legislativo. Ademais, tais atributos
jurídicos da personalidade, inerentes à condição humana, suplantavam a força
cogente das leis da cidade.
Importa destacar, todavia, que os gregos não admitiam a pertinência de
direitos humanos a todos os membros da sociedade, mas tão somente àqueles
possuidores do status de cidadãos. Os escravos, por exemplo, não eram
considerados pessoas no contexto social grego, pois eram despidos de sua
liberdade e da possibilidade de adquirirem bens. Eram tratados como meras
coisas, integrantes do acervo patrimonial de algum cidadão, que lhe poderia
dar qualquer destino. Sua morte, então, era tida como um prejuízo material
ao seu respectivo titular. Exatamente por isto, Aristóteles professou que não
poderia consolidar-se a virtude da amizade entre um cidadão e um escravo, por
considerá-lo apenas uma «ferramenta viva».
Na história romana, podem-se identificar estatutos que reconhecem liberdades
básicas aos cidadãos, evidenciando remotas sementes do ciclo de conformação
da chamada primeira geração de direitos humanos. Entre os antecedentes
formais do reconhecimento governamental de prerrogativas humanísticas
básicas, cabe mencionar a possibilidade de o tribuno da plebe opor veto às
determinações parlamentares injustas perpetradas pelos patrícios, faculdade esta
que expressa uma garantia institucional aos direitos humanos. A Lei de Valério
Publícola, por outro lado, proibia sanções físicas contra os cidadãos em certas
situações. Também o conhecido interdicto de homine libero exhibendo, remoto
precursor do habeas corpus atual, foi constituído nesta época, como garantia da
ampla liberdade de locomoção, nos casos de abuso do poder prisional.
Já na Idade Média, firmou-se o meio de produção feudal e, sob tal sistema, vasta
parcela da população se encontrava subjugada à condição de vassalagem perante
um suserano, que detinha a propriedade das terras cultiváveis e o controle militar. A
atividade predominante era a agricultura, de modo que os súditos cultivavam a terra
e entregavam parte de sua produção ao seu senhor, que, em troca, assegurava-lhes
a proteção contra as forças externas. Nesta fase do processo civilizatório, foram os
dogmas da igreja católica que influenciaram sobremaneira o conteúdo e os valores a
serem reconhecidos como fundamentais à existência do homem.

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Capítulo 1

Foi somente com o surgimento do comércio e a gradativa substituição do regime


feudal pelo sistema de produção capitalista, no final da idade média, que os
direitos humanos de primeira geração iniciaram seu efetivo desenvolvimento, no
sentido de prerrogativas jurídicas oponíveis em face dos próprios governantes.
Muito embora a fundamentação filosófica, de cunho jusnaturalista, tenha evoluído
desde a antiguidade clássica, conforme anteriormente delineado, somente no
contexto social do surgimento da burguesia é que efetivamente inaugurou-se a
fase da força vinculante dos direitos do homem.

Com efeito, a fase inicial do capitalismo fundou-se na atividade comercial


da classe social residente nas cidades europeias (burgos), cuja importância
econômica permitiu que reclamassem direitos perante os respectivos
governantes. A burguesia objetivava assegurar sua posição através da imposição
de limites aos poderes estatais, utilizando sua crescente pujança econômica na
consecução de tal desiderato. Por isto, foi a luta da burguesia, por sua liberdade
política, um dos incentivos principais a favor da luta pelos direitos do homem.

Nesse capítulo da história, pensadores iluministas discorreram acerca do núcleo


central dos direitos da primeira geração, cujos valores básicos eram a vida, a
propriedade e, principalmente, a liberdade. Seguindo esta linha de raciocínio, é na
ideia de fundação do Estado mediante prévia celebração do contrato social que
reside a base teórica do resguardo de direitos elementares.

Segundo a teoria do pacto societário, os integrantes da sociedade conferem


parte de sua liberdade para formação da soberania estatal, porém, em troca,
merecem que lhes sejam assegurados determinados direitos subjetivos. Nesta
linha de pensamento, pode-se dizer que os direitos do homem “assumem
posição de definitivo realce na sociedade quando se inverte a tradicional relação
entre Estado e indivíduo” e se reconhece que o indivíduo tem, primeiro, direitos,
e, depois, deveres perante o Estado, e, também, que “os direitos que o Estado
tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objetivo de melhor cuidar das
necessidades dos cidadãos.” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 309).

Para os fins deste estudo em nosso curso, adota-se a expressão “direitos humanos”
na designação da categoria de prerrogativas essenciais da pessoa em sentido
amplo, ainda que não positivadas em algum ordenamento jurídico, haja vista tratar-
se da denominação mais difundida no cenário internacional, constituindo, inclusive,
a opção da Organização das Nações Unidas — ONU na Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948.

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Interesses Difusos e Coletivos

Por outro lado, reserva-se a designação “direitos fundamentais” para exprimir


aquelas prerrogativas que foram reconhecidas politicamente e incorporadas
à ordem jurídica de determinado Estado, entendendo que se faz menção à
legislação brasileira, na falta de indicação de outro país.

Cabe ainda indicar, para balizar as leituras subsequentes, que se prefere


adotar a expressão “gerações de direitos humanos”, ao invés de “dimensões”,
porquanto melhor reflete o caráter acumulativo de reconhecimento e de
proteção destas faculdades da personalidade ao longo dos tempos, conforme a
proposta inauguralmente enunciada por Karel Vasak. Isto não significa, todavia,
a superação de uma fase geracional pela outra, mas, sim, a sua acumulação
gradativa, como progresso de lutas históricas pelo seu reconhecimento e eficácia.
Salientamos que essas gerações são apresentadas em número de três ou cinco,
conforme será apresentado no curso.

Fixadas tais premissas, inaugura-se o estudo da construção dos direitos


humanos, através de lutas e de reclamações históricas que ensejaram a sua
enunciação teórica e posterior inserção em documentos internacionais e nos
diversos ordenamentos jurídicos.

4.1 Primeira geração de direitos humanos


A primeira geração dos direitos humanos consolidou-se na fase de resistência
aos poderes dos monarcas absolutistas, em decorrência da luta da burguesia
pelas prerrogativas básicas da vida, da liberdade e da propriedade.

Aliás, a reivindicação social é a pedra de toque do reconhecimento dos direitos


humanos, pois estes “emergem gradualmente das lutas que o homem trava por
sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas
lutas produzem”. (BOBBIO, 1992, p. 32).

O marco histórico documental destas faculdades civis é a Declaração dos


Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional Francesa
em 26 de agosto de 1789. Seu processo de formação foi influenciado pelos ideais
da Revolução Francesa, expressos pela tríade liberdade, igualdade e fraternidade.
O documento, logicamente, também contemplou o direito de propriedade,
qualificado de sagrado pelos franceses.

Muito embora esta carta de direitos tenha sido cronologicamente antecedida


pela Constituição dos Estados Unidos da América, de 17 de setembro de 1787,
verifica-se que foram os ideais revolucionários nela expressos que inspiraram os
norte-americanos.

21
Capítulo 1

Tanto que, inicialmente, a Constituição Americana não previa uma lista de direitos
civis, a qual só foi inserida através de emendas, por pressão de alguns dos treze
estados independentes, ex-colônias da Inglaterra, para aderirem ao pacto que
daria origem ao Estado Federal.

A relevância da Declaração Francesa deve-se, ainda, ao fato de ela ter um caráter


mais abrangente do que as demais cartas de direitos que a antecederam, pois
não se dirigia a uma camada social específica ou privilegiada, mas sim a todo o
gênero humano. Por isto, a universalidade é a característica que a faz ascender
ao patamar de marco inicial para a evolução dos direitos fundamentais, como
baluarte da primeira geração dos direitos do homem. Sem embargo, é a partir
deste diploma jurídico que os direitos humanos passam a ter a conotação que
hodiernamente lhes é atribuída pelos juristas.

Como já se disse, a Declaração Francesa foi aprovada no cenário histórico


em que a classe burguesa adquiria importância política, em razão de sua
ascensão econômica, de modo que os detentores do poder estatal se viram
na contingência de outorgar-lhe cada vez mais direitos, assegurando-lhe
prerrogativas. Esta primeira geração de direitos corresponde às liberdades
elementares do homem perante o Estado, expressando contenções à atuação
dos governos, de modo a viabilizar que a sociedade civil prossiga com seus
desideratos, desde que respeitadas as iguais faculdades dos demais.

Diante desse quadro histórico, conclui-se que os direitos de primeira geração


possuem como característica principal o objetivo de assegurar a defesa da pessoa
em face do arbítrio dos governantes, conformando uma esfera de liberdade do
particular contra as ingerências estatais, mormente na preservação de sua vida,
de sua livre deambulação, da viabilidade do amplo exercício profissional e da
possibilidade de constituir patrimônio, sem que este seja confiscado pela exigência
de tributos excessivos. Daí também se extrai outra peculiaridade desta modalidade
de direitos, consistente na sua natureza preponderantemente individual e subjetiva

Cabe ressaltar que os direitos em foco podem ser considerados elementares na


conformação das prerrogativas humanas, porquanto consubstanciam a superfície
básica da esfera jurídica do indivíduo, sem a qual resta deveras prejudicada
a aderência de quaisquer outras faculdades que lhe possam ser outorgadas.
Notadamente, apresenta-se de difícil compreensão a concessão de prerrogativas
mais sofisticadas à pessoa para quem não foi ainda assegurada a titularidade das
faculdades de preservação da vida, da liberdade e da propriedade.

22
Interesses Difusos e Coletivos

4.2 Segunda geração de direitos humanos


A segunda geração dos direitos humanos também emergiu das lutas sociais em
prol de maior resguardo das condições indispensáveis ao desenvolvimento pleno
da humanidade, mas seus protagonistas foram as classes trabalhadoras do início
da fase industrial do capitalismo, que buscavam melhores condições laborais e
também prestações estatais nas áreas de educação, saúde e moradia.

Enquanto os direitos humanos de primeira geração estão ligados à burguesia e


à Revolução Francesa, os de segunda geração se relacionam com as classes
trabalhadoras e com a Revolução Industrial. Seguindo a linha histórica em
desenvolvimento, verifica-se que o comércio, força matriz da fase mercantilista
do capitalismo, marcada pelas grandes navegações, foi gradativamente cedendo
espaço à indústria como atividade preponderante no cenário econômico. À
medida que os burgueses aplicavam os lucros obtidos com o comércio no
setor produtivo, principalmente na Inglaterra, as indústrias prosperavam e se
proliferavam. Consequentemente, a industrialização acarretou o aparecimento
de uma nova classe social nas cidades europeias, que migrava do campo para
trabalhar nas fábricas recentemente abertas: a chamada categoria operária.

As pessoas integrantes da classe trabalhadora da indústria, embora tivessem


formalmente asseguradas as liberdades básicas referentes à primeira geração
de direitos humanos, tinham sua força laborativa amplamente explorada pelos
detentores do capital, pois careciam de proteção jurídica adequada em face das
imposições quanto à remuneração e à jornada de trabalho ditadas livremente
pelos seus empregadores. Além disso, sua qualidade de vida nas cidades era
muito precária, mormente quanto ao saneamento básico de suas residências, ao
acesso à educação e ao atendimento médico e hospitalar.

Nesse cenário histórico, os trabalhadores urbanos organizaram movimentos


esparsos para afirmação de suas prerrogativas sociais, as quais reputavam
inerentes à sua condição de componentes ativos e producentes. Marcada por
teorias que pregavam a planificação do controle de produção, entre as quais
se destacam as formulações de Karl Marx e de Friederich Engels, a classe
laborativa propugnava melhores ambientes de trabalho, redistribuição de rendas
e o fornecimento de serviços públicos de saúde e de educação, bem como
reivindicava a interferência estatal no âmbito social, para privilegiar a igualdade
de direitos em detrimento da liberdade econômica.

Por isso, não é errada a afirmação de que, enquanto os direitos de primeira


geração estavam ligados ao ideal francês de liberdade perante o Estado
absenteísta, os direitos de segunda geração, por sua vez, exprimem o
símbolo da igualdade de um governo intervencionista.

23
Capítulo 1

Notadamente, as pressões decorrentes da industrialização em marcha, o impacto


do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da
sociedade geraram novas reivindicações, impondo ao Estado um papel ativo na
realização da justiça social.

Pelo exposto, pode-se afirmar que a atuação prestacionista do Estado é uma marca
característica desta geração de direitos, no sentido de que a intervenção estatal
é imprescindível para implementação real das prerrogativas referentes à saúde,
educação, lazer e trabalho no seio da sociedade.

Cabe ressalvar, porém, que os direitos sociais não são apenas de cunho positivo,
porquanto abarcam também as chamadas liberdades sociais, consistentes na
livre sindicalização, no exercício da greve legítima, na concessão de férias anuais,
no repouso semanal remunerado, na limitação da jornada de trabalho, entre
outros. Destaca-se, ainda, que os direitos de segunda geração são de cunhagem
predominantemente individual e subjetiva, ainda que grupos coletivos possam
exercê-los e tenham surgido de demandas sociais, porque, via de regra,
“têm por titulares indivíduos singularizados”. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009,
p. 156).

Entre as principais manifestações dos direitos fundamentais de segunda geração,


pode-se citar a encíclica papal Rerum Novarum, de 1891, a Constituição
Mexicana, de 1917, a Constituição Alemã, de 1919 e a Declaração dos Direitos
do Povo Trabalhador e Explorado, de 1918. Ademais, após a Segunda Guerra
Mundial, verificou-se a ampla incorporação dos direitos sociais nos diversos
ordenamentos jurídicos.

Todavia, apesar de constarem formalmente das Constituições promulgadas


após a Grande Guerra, os direitos fundamentais de segunda geração ainda
não se realizam plena e concretamente no aspecto social, principalmente
pela insuficiência de recursos para que o Estado lhes confira eficácia, o que
inicialmente os relegou à esfera meramente programática. Isto porque, sabe-se,
o tremendo problema que assola hoje os países em desenvolvimento é o de se
encontrarem em condições econômicas que, apesar dos programas ideais, não
permitem desenvolver a proteção da maioria dos direitos sociais.

24
Interesses Difusos e Coletivos

4.3 Terceira geração de direitos humanos


A terceira geração dos direitos humanos, a de maior relevância para o nosso
curso, ao contrário das duas antecedentes, não apresenta uma clara identificação
de seus agentes operadores, exatamente porque emergiu de reivindicações
espraiadas na sociedade massificada, visando à preservação de interesses
coletivos ou difusos. Tais interesses estiveram relacionados com:

•• a proteção do meio ambiente;


•• a preservação do patrimônio histórico e cultural;
•• a promoção da qualidade de vida nos ambientes urbano e rural;
•• a harmonia nas relações de consumo;
•• a tutela sobre a comunicação social (mídia);
•• a bioética;
•• a participação na condução das finalidades políticas estatais
(ampliação dos direitos políticos);
•• a autodeterminação dos povos;
•• o conflito entre o amplo acesso à informação; e
•• a preservação da privacidade, dentre outras situações que
demandam especial proteção à personalidade.
Seguindo a trilha histórica, esta geração de direitos tornou-se identificável no
seio social, principalmente a partir da década de 60, quando as alterações nas
conformações políticas, os desequilíbrios ecológicos e, com maior destaque, os
progressos tecnológicos da atualidade apontaram novas situações conflituosas,
em que a esfera jurídica das coletividades (por vezes indefinidas e abstratas)
apresentava-se desprotegida. O fortalecimento das grandes corporações, que
ultrapassaram as fronteiras nacionais, a dinamização dos meios de transporte
intercontinentais, a expansão dos mercados e os recentes avanços nas
tecnologias de comunicação, capazes de interligar pessoas dispersas pelo globo,
dentre outros fatores, acarretaram o advento de novos conflitos sociais.

Exemplificativamente, o uso inadequado dos recursos naturais por indústrias


compromete o meio ambiente para todos, indiscriminadamente, com reflexos em
direitos inerentes a uma determinada comunidade, ou quiçá, à integralidade do
gênero humano. Ou, ainda, a disseminação inescrupulosa de fatos inverídicos
pelos órgãos de reprodução de notícias, com a abrangência multimídia dos atuais
recursos digitais, acaba gerando transtornos de difícil superação para a quase
integralidade da população de determinado país. Ambos os exemplos revelam
fatos que se proliferam na sociedade massificada e, assim, ensejam reclamações
coletivas ou mesmo difusas, no sentido de preservar a integridade de aspectos
inerentes à condição humana.

25
Capítulo 1

Logo, nessa quadra da história, mesmo que ainda não plenamente concretizados
os direitos das gerações anteriores, o caminhar do processo civilizatório fez
com que o homem se deparasse com uma vasta gama de novas situações
nas quais a sua personalidade era atingida, ensejando a enunciação de novos
direitos, que serão objeto de estudo. E, gradativamente, tais prerrogativas
jurídicas estão incorporando-se aos diversos ordenamentos jurídicos, no plano
infraconstitucional ou mesmo nas leis fundamentais, à medida que ocorre a
maturação quanto aos seus respectivos contornos.

Não é demais lembrar que alguns novos direitos sejam apenas os antigos
adaptados às novas exigências do momento. Notadamente, verifica-se que
alguns dos clássicos direitos fundamentais da primeira geração (assim como
alguns da segunda) estão, na verdade, sendo revitalizados e, até mesmo,
ganhando importância e atualidade, de modo especial em face das novas formas
de agressão. Porém, sua conformação mais moderna permite enquadrá-los nesta
nova fase de reconhecimento e promoção dos direitos do homem.

Feitas essas considerações históricas, já é possível apresentar as principais notas


distintivas desta categoria de direitos, iniciando pela sua titularidade coletiva ou
mesmo indeterminável. Com efeito, há dificuldade de atribuí-los singularmente a
pessoas individualizadas.

A mais significativa manifestação documental dessa universalidade galgada


pelos direitos fundamentais, principalmente a partir de sua terceira geração,
é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela
Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas — ONU, realizada
em Paris, em 1948, a qual recomendamos como leitura complementar.

Tal diploma internacional alça os umbrais de «subjetivar de forma concreta e


positiva os direitos da tríplice geração na titularidade de um indivíduo», que, antes
de pertencer a um determinado país, é pela sua condição de pessoa um ente
qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade.

Seção 5
Presente e futuro dos direitos humanos
Além das três gerações de direitos anteriormente mencionadas, há doutrinadores
que sugerem uma ruptura na construção dos direitos de terceira geração,
propondo que alguns dos novos direitos sejam classificados em uma nova quarta
ou, até, em uma quinta geração.

26
Interesses Difusos e Coletivos

Segundo os defensores desta cisão, os direitos de quarta geração estariam


relacionados com as faculdades mais amplas da democracia, do acesso
à informação e do pluralismo, correspondentes à “derradeira fase de
institucionalização do Estado social”. (BONAVIDES, 2003, p. 524). Os direitos
da quinta geração, por sua vez, estariam relacionados com a promoção da
paz mundial como prerrogativa da humanidade, consoante já reconhecido na
Declaração das Nações Unidas sobre a preparação das sociedades para viver em
paz, inserida na Resolução 33/73, de 15 de dezembro de 1978.

Todavia, tal divisão classificatória entre os novos direitos, teoricamente, não se


justifica no plano histórico. As reivindicações da atual conjuntura política e social
enquadram-se perfeitamente no rol integrante da terceira geração, porquanto
as raízes dos novos direitos repousam todas sobre a mesma convergência de
causas determinantes. Tampouco a natureza do bem jurídico (democracia, acesso
à informação ou paz mundial) enseja a mencionada nova quebra geracional,
porque a razão fundamental da classificação em exame é o desenvolvimento
social histórico, não só as peculiaridades das prerrogativas inseridas em cada
contexto. Ademais, muitas das faculdades jurídicas elencadas nesta suposta
nova etapa de direitos humanos não passa, “por ora, de justa e saudável
esperança com relação a um futuro melhor para a humanidade, revelando,
de tal sorte, sua dimensão (ainda) eminentemente profética, embora não
necessariamente utópica”. (SARLET, 2008, p. 59).

Sem embargo, somente uma efetiva ruptura na ordem de reclamações sociais


é que ensejaria a abertura de uma nova página no desenvolvimento geracional
dos direitos do homem, a qual ainda não é passível de verificação concreta, ao
menos por ora. Desde a década de 60, data aproximada da inauguração histórica
da já referida terceira geração, não se apresentou ainda uma modificação na
formação teórica ou na consolidação prática dos novos direitos que justificassem
a inauguração do capítulo seguinte no progresso histórico dos direitos humanos.

Por isso, o exercício teórico da atualidade sobre os novos direitos, pautado


nas reivindicações deste momento do processo civilizatório, ainda encontra
pertinência na terceira geração dos direitos do homem. E, assim, mormente por
estar calcado no reconhecimento das novas facetas da personalidade carentes
de proteção em face dos progressos tecnológicos e das novas conformações
políticas e econômicas (marca da terceira geração). Logo, embora não se possa
afirmar que a terceira é a última geração dos direitos humanos, as discussões
que ultrapassam a análise do contexto histórico são meramente hipotéticas (ainda
que possuam caráter científico) e, desta forma, não autorizam o reconhecimento
de uma geração posterior.

27
Capítulo 1

Nesse prisma de análise, na hodierna fase histórica da evolução dos direitos do


homem, importa verificar quais as modernas reivindicações sociais, como base
para o reconhecimento e formulação dos novos direitos (ou nova conformação
de direitos clássicos, como já mencionado). E, concomitantemente, cabe analisar
os meios mais adequados para imprimir efetiva concretude aos direitos já
reconhecidos e, em grande parte, já incorporados em tratados internacionais ou
mesmo positivados nos ordenamentos jurídicos particulares.

Para alguns juristas, a segunda das tarefas antes indicadas (assegurar eficácia
social aos direitos já proclamados) sobreleva a primeira (identificação e
delimitação de novos direitos), sob o argumento de que a dificuldade atual
não reside em “saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza
e seu fundamento, […], mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los,
para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente
violados.” (BOBBIO, 1992, p. 11). Sem prejuízo da importância de tal
posicionamento, considerando as reiteradas violações das prerrogativas humanas
ainda verificadas no âmbito social, não se pode olvidar que a concretização de
novas esferas de proteção, imprescindíveis no atual estágio de desenvolvimento
tecnológico e cultural, perpassa necessariamente pelo reconhecimento e
fundamentação de novas conformações dos direitos humanos.

Seção 6
Conclusões
Do conteúdo exposto, pode-se concluir que a abordagem teórica do conceito
e da fundamentação dos direitos fundamentais perpassa pela análise das
chamadas gerações de direitos humanos, que destacam a progressiva
acumulação histórica de conquistas jurídicas no processo civilizatório.

Quanto aos direitos de primeira geração, estes foram inspirados pelo ideal
burguês de liberdade, que compõe o lema da Revolução Francesa. Tal assertiva
pode ser sustentada historicamente, uma vez que os franceses emergentes da
revolução estavam amplamente empenhados no desenvolvimento de um regime
novo, no qual o sujeito estaria o mais livre possível das amarras impostas pelo
absolutismo monárquico.

28
Interesses Difusos e Coletivos

Daí podem ser aferidas as duas principais características dos direitos


fundamentais de primeira geração:

a. são direitos subjetivos individuais, pertencentes a cada pessoa,


como ente civil e político, independentemente de seu meio social; e
b. são direitos de defesa, pois implicam respeito a uma esfera de
liberdade do indivíduo perante o Estado.
Se os direitos fundamentais de primeira geração estão ligados à classe burguesa
e à Revolução Francesa, os de segunda geração se relacionam com as classes
trabalhadoras e com a Revolução Industrial, apresentando afinidade com o
preceito valorativo de igualdade. Assim, se os primeiros pressupõem uma
não ingerência do Estado na esfera privada, os segundos, em contraposição,
necessitam da imposição estatal para serem concretizados. Exatamente por
este motivo, os direitos fundamentais de segunda geração, mesmo constando
formalmente das Constituições promulgadas após as grandes guerras, não se
realizam plena e concretamente, dada a insuficiência de recursos para que o
Estado lhes confira eficácia.

De todo modo, pelo exposto, pode-se aferir as duas características básicas desta
geração de direitos:

a. são direitos de cunho social, pois a sua efetivação ocorre somente


mediante a atuação do Estado, que deve interferir para balizar a
igualdade dos cidadãos em sociedade; e
b. são geralmente relegados à esfera programática (dirigismo
constitucional), pois são escassos os recursos para sua efetivação.

Os direitos de terceira geração, apesar de sua difícil implementação no plano


concreto, assim como os de segunda geração, superam os anteriores quanto
à sua universalidade, pois se expressam não apenas como direitos do homem
perante o Estado, mas como prerrogativas das coletividades, ou direitos
difusos, inclusive no sentido de garantirem uma existência condigna para as
populações futuras. A terceira geração dos direitos humanos representa a atual
convergência de esforços na formulação de novos direitos, em decorrência dos
progressos tecnológicos e recentes conjunturas políticas e sociais, visando a
preservação dos interesses coletivos ou difusos relacionados com a proteção do
meio ambiente, a preservação do patrimônio histórico e cultural, a promoção da
qualidade de vida nos ambientes urbano e rural, a tutela sobre a comunicação
social, a bioética, a participação na condução das finalidades políticas estatais,
a autodeterminação dos povos, e, ainda, o conflito entre o amplo acesso
à informação e a preservação da privacidade, dentre outras situações que
demandam especial proteção à personalidade.

29
Capítulo 1

Apesar da proposta de alguns doutrinadores sobre o reconhecimento da quarta


ou até da quinta geração dos direitos do homem, tal sugestão não se justifica,
porque somente uma efetiva ruptura na ordem de reclamações sociais ensejaria
a abertura de uma nova página no desenvolvimento geracional dos direitos do
homem, a qual ainda não é passível de verificação concreta, ao menos por ora.
Com efeito, desde a década de 60, data aproximada da inauguração histórica
da já referida terceira geração, não se apresentou ainda uma modificação na
formação teórica ou consolidação prática dos novos direitos que justificasse a
inauguração do capítulo seguinte no progresso histórico dos direitos humanos.

Nessa quadra da história, o desafio não reside em profetizar futuras


eventuais classes de direitos, mas sim em verificar quais as modernas
reivindicações sociais, como base para o reconhecimento e formulação dos
novos direitos. E, concomitantemente, em analisar os meios mais adequados
para imprimir efetiva concretude aos direitos já reconhecidos e, em grande
parte, já incorporados em tratados internacionais ou mesmo positivados nos
ordenamentos jurídicos particulares.

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