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Humanismo
ABRAHÃO, Roberto Mattos. “Humanismo”. In: ABRAHÃO, Roberto Mattos. Interesses difusos e coletivos.
Palhoça: UnisulVirtual, 2014.
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Capítulo 1
Seção 1
Considerações iniciais
Inicialmente, cabe assinalar que o Humanismo tem-se justificado, em diferentes
momentos, enquanto bandeira de luta e de reação em defesa da humanidade,
como foi o caso, na Renascença, contra a ameaça do fanatismo religioso; e, no
Iluminismo, contra o nacionalismo extremo e contra a escravização do homem
pela máquina e pelos interesses econômicos.
Hoje, quem sabe, pelo desejo de ver as pessoas em melhor condição e em paz
— gozando de bem-estar social e individual, com boa qualidade de vida, tendo
atendidas as suas complexidades existenciais, com os seus direitos íntimos
respeitados e, além disso, prestados —, o Humanismo representa mais que um
ato filosófico de união dos homens como irmãos.
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Interesses Difusos e Coletivos
O Direito, por sua vez, como ciência humana e social, é farto de pré-compreensões
do ser humano. Os argumentos da história da filosofia, acompanhados
paralelamente dos debates sobre o Humanismo, auxiliam-no a compreender o
homem e atribuir-lhe sentido.
Definir o que são direitos humanos não é tarefa das mais fáceis. Para alguns
juristas, os direitos humanos equivalem a direitos naturais, ou seja, aqueles que
são inerentes ao ser humano. Outros preferem tratar os direitos humanos como
sinônimo de direitos fundamentais, isto é, um conjunto normativo que resguarda
os direitos dos cidadãos.
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Capítulo 1
Seção 2
O Humanismo jurídico
Período capital da história do Direito, que, infelizmente, ainda não foi devidamente
estudado, é o Humanismo jurídico. Ele representa uma importante ruptura entre
o Direito romano e o Direito moderno, motivada principalmente pela eclosão das
filosofias helênicas na Europa.
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Interesses Difusos e Coletivos
No auge das universidades medievais, Aristóteles foi «o Filósofo»: seus livros foram
comentados por vários dos maiores filósofos de então, especialmente por Tomás
de Aquino; sua visão de mundo, que levava a uma revalorização da experiência
sensível, com uma consequente postura aberta perante as realidades temporais,
revolucionou todo o pensamento medieval nos séculos XII e XIII. Também Platão foi
sempre tido em alta conta no mundo medieval, sendo uma das principais bases da
filosofia de Santo Agostinho, o maior vulto da Patrística Ocidental.
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Capítulo 1
Como, por ilustração, em uma célebre passagem, onde afirmou que “a justiça
é a mais esplêndida das virtudes”, e que “seu fundamento é a boa-fé, ou seja,
a sinceridade nas palavras e a fidelidade nas convenções”. Falando sobre a
promessa, ele sustenta que, mesmo sob a pressão de circunstâncias, quem fez
uma promessa ao inimigo deve manter a sua palavra. Além disso, “a palavra
empenhada deve sempre refletir o que se pensa, e não o que se diz”. Ao escrever
sobre o valor da palavra dada, Cícero está tratando de um assunto principalmente
moral, que interessa ao Direito de forma apenas oblíqua. Entretanto, devido à
confusão entre Direito e Moral, alguns juristas começam a construir uma teoria
dos contratos baseada em postulados morais, e não na justiça em sentido estrito.
Quando o afã de sistematização e racionalização se alastrar pela Europa e se
buscarem ideias mestras a partir das quais fosse possível extrair a maior parte dos
princípios jurídicos, será proposta a ideia estoica do valor da palavra dada como
fundamento de todo o Direito dos contratos.
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Interesses Difusos e Coletivos
Afinal, a prática de milhares de anos era por demasiado forte para ser destruída em
favor de postulados semelhantes àqueles que alimentavam a jurisprudência elegante.
Na Itália, por exemplo, permaneceu a utilização do método, de continuidade com
o direito medieval. Também a Alemanha, apesar da docência de vários dos juristas
cultos em suas terras, não foi de imediato tomada pela nova escola.
Se, em todas as profissões, deve haver traço humano, em algumas profissões o traço
humano deve ser a estrela-guia. Coloco a magistratura, ao lado da medicina, como
tarefas nas quais o Humanismo é condição sine qua non do exercício profissional.
Seção 3
Dos direitos humanos
O constitucionalismo moderno tem, na promulgação de um texto escrito
contendo uma declaração dos direitos humanos e de cidadania, um dos seus
momentos centrais de desenvolvimento e de conquista, que consagra as vitórias
do cidadão sobre o poder.
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Capítulo 1
Bastante diverso é o Bill inglês, uma vez que nele não são reconhecidos os
direitos do homem, e sim os direitos tradicionais e consuetudinários do cidadão
inglês, fundados na Common Law.
Um problema deriva da natureza destes direitos: os que defendem que tais direitos
são naturais, no que respeita ao homem enquanto homem, defendem também que
o Estado possa e deva reconhecê-los, admitindo, assim, um limite preexistente
à sua soberania. Para os que não seguem o jusnaturalismo, trata-se de direitos
subjetivos concedidos pelo Estado ao indivíduo, com base na autônoma soberania
do Estado, que, desta forma, não se autolimita. Uma via intermediária foi seguida
por aqueles que aceitam o contratualismo, os quais fundam estes direitos sobre
o contrato, expresso pela Constituição, entre as diversas forças políticas e
sociais. Variam as teorias, mas varia também a eficácia da defesa destes direitos,
que atinge seu ponto máximo nos fundamentos jusnaturalísticos, por torná-los
indisponíveis. A atual Constituição da República Federal alemã, por exemplo,
prevê a impossibilidade de revisão constitucional para os direitos do cidadão,
revolucionando assim toda a tradição juspublicista alemã, fundada sobre a
teoria da autolimitação do Estado.
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Interesses Difusos e Coletivos
O individualismo, por sua vez, foi superado pelo reconhecimento dos direitos dos
grupos sociais: particularmente significativo quando se trata de minorias (étnicas,
linguísticas e religiosas), de marginalizados (doentes, encarcerados, velhos e
mulheres) etc. Tudo isto são consequências lógicas do princípio de igualdade,
que foi o motor das transformações nos conteúdos da Declaração, abrindo
sempre novas dimensões aos direitos humanos e confirmando por isso a validade
e atualidade do texto setecentista.
Tal atualidade se comprova pelo fato de que, hoje, luta-se, em todo o mundo, de
uma forma diversa, pelos direitos civis, pelos direitos políticos e pelos direitos
sociais: fatualmente, eles podem não coexistir, mas, em vias de princípio, são
três espécies de direitos que, para serem verdadeiramente garantidos, devem
existir solidários. Luta-se, ainda, por estes direitos, porque, após as grandes
transformações sociais, não se chegou a uma situação garantida definitivamente,
como sonhou o otimismo iluminista.
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Capítulo 1
As ameaças podem vir do Estado, como no passado, mas podem vir também da
sociedade de massa, com seus conformismos, ou da sociedade industrial, com
sua desumanização. Tudo isso é significativo na medida em que a tendência do
século atual e do século passado parecia dominada pela luta em prol dos direitos
sociais, e, agora, assiste-se a uma inversão de tendências e se retoma a batalha
pelos direitos civis.
Seção 4
As gerações dos direitos humanos
Um ponto importante a ser abordado refere-se à análise evolutiva dos direitos
humanos no âmbito social, descrevendo sua construção histórica ao longo do
processo civilizatório. Esta seção pretende iniciar tal análise com foco nas lutas e
reclamações que ensejaram a enunciação teórica desses direitos e sua posterior
inserção em documentos internacionais e nos diversos ordenamentos jurídicos,
para, ao final, tecer considerações sobre o atual estágio de seu desenvolvimento
teórico e sobre a sua proteção no plano concreto.
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Capítulo 1
Para os fins deste estudo em nosso curso, adota-se a expressão “direitos humanos”
na designação da categoria de prerrogativas essenciais da pessoa em sentido
amplo, ainda que não positivadas em algum ordenamento jurídico, haja vista tratar-
se da denominação mais difundida no cenário internacional, constituindo, inclusive,
a opção da Organização das Nações Unidas — ONU na Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948.
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Capítulo 1
Tanto que, inicialmente, a Constituição Americana não previa uma lista de direitos
civis, a qual só foi inserida através de emendas, por pressão de alguns dos treze
estados independentes, ex-colônias da Inglaterra, para aderirem ao pacto que
daria origem ao Estado Federal.
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Capítulo 1
Pelo exposto, pode-se afirmar que a atuação prestacionista do Estado é uma marca
característica desta geração de direitos, no sentido de que a intervenção estatal
é imprescindível para implementação real das prerrogativas referentes à saúde,
educação, lazer e trabalho no seio da sociedade.
Cabe ressalvar, porém, que os direitos sociais não são apenas de cunho positivo,
porquanto abarcam também as chamadas liberdades sociais, consistentes na
livre sindicalização, no exercício da greve legítima, na concessão de férias anuais,
no repouso semanal remunerado, na limitação da jornada de trabalho, entre
outros. Destaca-se, ainda, que os direitos de segunda geração são de cunhagem
predominantemente individual e subjetiva, ainda que grupos coletivos possam
exercê-los e tenham surgido de demandas sociais, porque, via de regra,
“têm por titulares indivíduos singularizados”. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009,
p. 156).
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Capítulo 1
Logo, nessa quadra da história, mesmo que ainda não plenamente concretizados
os direitos das gerações anteriores, o caminhar do processo civilizatório fez
com que o homem se deparasse com uma vasta gama de novas situações
nas quais a sua personalidade era atingida, ensejando a enunciação de novos
direitos, que serão objeto de estudo. E, gradativamente, tais prerrogativas
jurídicas estão incorporando-se aos diversos ordenamentos jurídicos, no plano
infraconstitucional ou mesmo nas leis fundamentais, à medida que ocorre a
maturação quanto aos seus respectivos contornos.
Não é demais lembrar que alguns novos direitos sejam apenas os antigos
adaptados às novas exigências do momento. Notadamente, verifica-se que
alguns dos clássicos direitos fundamentais da primeira geração (assim como
alguns da segunda) estão, na verdade, sendo revitalizados e, até mesmo,
ganhando importância e atualidade, de modo especial em face das novas formas
de agressão. Porém, sua conformação mais moderna permite enquadrá-los nesta
nova fase de reconhecimento e promoção dos direitos do homem.
Seção 5
Presente e futuro dos direitos humanos
Além das três gerações de direitos anteriormente mencionadas, há doutrinadores
que sugerem uma ruptura na construção dos direitos de terceira geração,
propondo que alguns dos novos direitos sejam classificados em uma nova quarta
ou, até, em uma quinta geração.
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Capítulo 1
Para alguns juristas, a segunda das tarefas antes indicadas (assegurar eficácia
social aos direitos já proclamados) sobreleva a primeira (identificação e
delimitação de novos direitos), sob o argumento de que a dificuldade atual
não reside em “saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza
e seu fundamento, […], mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los,
para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente
violados.” (BOBBIO, 1992, p. 11). Sem prejuízo da importância de tal
posicionamento, considerando as reiteradas violações das prerrogativas humanas
ainda verificadas no âmbito social, não se pode olvidar que a concretização de
novas esferas de proteção, imprescindíveis no atual estágio de desenvolvimento
tecnológico e cultural, perpassa necessariamente pelo reconhecimento e
fundamentação de novas conformações dos direitos humanos.
Seção 6
Conclusões
Do conteúdo exposto, pode-se concluir que a abordagem teórica do conceito
e da fundamentação dos direitos fundamentais perpassa pela análise das
chamadas gerações de direitos humanos, que destacam a progressiva
acumulação histórica de conquistas jurídicas no processo civilizatório.
Quanto aos direitos de primeira geração, estes foram inspirados pelo ideal
burguês de liberdade, que compõe o lema da Revolução Francesa. Tal assertiva
pode ser sustentada historicamente, uma vez que os franceses emergentes da
revolução estavam amplamente empenhados no desenvolvimento de um regime
novo, no qual o sujeito estaria o mais livre possível das amarras impostas pelo
absolutismo monárquico.
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De todo modo, pelo exposto, pode-se aferir as duas características básicas desta
geração de direitos:
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