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Editorial
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Teorias da Comunicação:
Muitas ou Poucas?

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Coleção AZUL de Comunicação e Cultura

Direção
Osvando J. de Morais
Luiz C. Martino Luiz C. Martino (oRa.)
1
Plínio Martins Robert T. Craig
Charles R. Berger
Conselho Editorial
Ana Sílvia Lopes Daví Médola (UNESP)
Antonio Hohlfeldt (PUCRS)
Afonso de Albuquerque (UFF)
Ciro Marcondes Filho (USP)
• Clóvis de Barros Filho (ESPM/USP)
Giovandro Ferreira (UFBA)
Jeronimo C. S. Braga (PUCRS)
'
José Marques de Melo (UMESP)
Luiz C. Martino (UNB)
Teorias da Comunicação:
Olgária Matos (UNISO)
Osvando J. de Morais (UNISO)
Muitas ou Poucas?
Paulo B. C. Schettino (UNISO)
Plínio Martins (USP)
Rosana Lima (USP)
Sandra Reimão (UMESP)


••
Ateliê f..dilorlal '
Sumário

Apresentação - Osvando J. de Morais . . . . . . . . . . . 11

Urna Questão Prévia: Existem Teorias da


Comunicação? - Luiz C. Martino . .............. 13
Referências Bibliográficas ..................... 41


Por que Existcrn tão poucas Teorias da
Co1nunicação? - Charles R. Berger ............. 43
Porque isto aconteceu ......................... 49
Heranças históricas . ........................ 49
A obsessão metodológica ..................... 55
' Aversão a arriscar-se . ....................... 61
Auto-inclusão ............................. 64
Possíveis paliativos ...... : =. .................... 66

' .

'•'i
Experiências em formação de pós-graduação ...... 67
Alterando valores .......................... 69
Grandes questões ....................... · · · 72
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 Apresentação
Agradecimentos ............................. 77
Referências Bibliográficas ..................... 77

Por que Existem tantas Teorias


da Comunicação? - Robert T. Craig . ............ 81
Definição de teoria e outras curiosidades ........... 83
Gêneros misturados .......................... 86
Teoria e prática ..... . ........................ 90
O futuro da teoria da comunicação ............... 95
zul, a coleção de Comunicação que ora apresenta-
Referências Bibliográficas ..................... 97
A 1nos, pretende abrir espaço para pesquisadores da
~rca discutirem, hoje, as questões centrais da Comunica-
Muitas & Poucas: A Dupla Personalidade das
ç110. Inclui , cn1 seus propósitos, propiciar interlocuções
Teorias da Comunicação - Luiz C. Martino ....... 99
N11h11· 11s f11111111s institucionais de reprodução e circula-
Por que existem tão poucas teorias da çomunicação? . . 1O1
,no d11-. p11ílic11s 1·01111111i<:11c.:ionais e cu lturais, com suas
O estado do campo .......... .. ............ 102
1·~1u·clliru l11cl1•1,, rn11tid11s nas investigações realizadas,
O déficit teórico . .......................... 105
pl'l.'Sl'l'v1111do 1111.·s u pluralidade.
Por que existem tantas teorias da comunicação ..... 111
l~spcran1os que os debates aqui acolhidos possam
O que é teoria? ........................... 113
ajudar a elucidar alguns pontos sobre as "verdades" que
Muitas ou poucas? .......................... 126
cnvolve1n dogmatismos limitadores, autoritarismos teó-
Cone! usão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
ricos e fenômenos comunicacionais em todas as suas
Referências Bibliográficas .................. . . 137 , . ,
d i1nensões discursivas. E ;Sob este prisma que, atraves

10 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER 11


da presente obra, iniciamos um conjunto de temas e
questões para os estudantes, pesquisadores e estudiosos
do assunto, que usarão esta coleção como tribuna para a Uma Questão Prévia:
manifestação de suas idéias. Existem Teorias da Comunicação?'
Apresentar os estágios atuais das Teorias da Comu-
nicação, outro escopo da coleção, faz parte de uma ne- L. C. Martino

cessidade constante de repensar as realidades sociais que


interagem com os fenômenos e objetos da Comunica-
ção. Comumente apontados pela comunidade científica,
os conflitos epistemológicos são desafios permanentes a

demandar uma reformulação capaz de repensar e atuali-
zar os fundamentos do saber comunicacional no âmbito •
de suas Teorias. No creo en las brujas, pero que las ay, las ay
De outra parte, estudar Comunicação requer capaci- DITADO POPULAR

dade de perceber as relações existentes entre as diversas


séries culturais que per1neiam a Sociedade e as disci- <.: rcdita,nos na existência de teorias da comunica-
plinas acadêmicas que as têm como objeto de análise.
Na conjunção de saberes históricos, antropológicos e
A c,·110, 11111s de onde vcn1 esta crença? Ela tem por
h11 N1' 1111111 s1i1h· dl' ronvic,·õcs enraizadas em diversos
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sociológicos, a presente coleção pretende, então, contn- pl11111111 d11 11·111id11dr l' que dão prova de um grande po-
buir para a compreensão dos sentidos e implicações das d1·r dl' n·s1stl'1tl·i11. ( '011solidada há pelo menos quatro
constantes metamorfoses dos objetos comunicacionais,
incluindo manifestações culturais como textos que cons-
1. Versão co,.rigicla e ligeiramente modificada do trabalho apresentado no
troem realidades, visíveis ou invisíveis, e transformam a
VII Encontro dos Núcleos de Pesquisa em Comunicação - NP Teorias da
própria noção de cultura. Comunicação. INTERCOM - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisci-
plinares da Comunicação - XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Co-
municação - Santos - 29 de agosto a 2 de setembro de 2007. Com apoio da
'.
Osvando J. de Morais FINATEC. ,

12 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER 13


décadas, esta crença não se abala nem mesmo diante do que parece. Um estudioso dos anos 40 certamente se
de embaraços epistemológicos realmente desafiadores, sentiria mais à vontade para falar de pesquisas em cornu-
como definir em que consiste uma teoria da comunica- nicação, ao invés de teorias, ao passo que dos anos 20
ção: Afinal, o que exatamente faz com que uma teoria para trás, muito se estranharia o emprego de quaisquer
seja identificada como tal? E, mais que isto, em que con- destas expressões2• Então por que, ou melhor, como,
dições uma teoria pode ser considerada própria ao saber passamos a nos sentir familiarizados com a idéia de teo-
comunicacional? rias da comunicação?
Perguntas como estas são difíceis de serem respon- O estabelecimento de cursos universitários, a pro-
didas e podem representar verdadeiros obstáculos a toda liferação de instituições, a formação de sindicatos pro-
e qualquer tentativa de se falar de teorias em nosso do- fissionais e associações científicas, o aparecimento de
mínio de estudo. Contudo, por mais que sejam efêmeras revistas especializadas, a constituição de uma produção
as evidências ou por mais duras que sejam as objeções, intelectual dedica à matéria... certamente ajudaram a
temos certeza de que podemos falar em teorias da co- criar e povoar um determinado nicho do conhecimento
municação. Pouco importa os argumentos contrários, até humano, nos acostumando com esta idéia. Ressaltemos,
porque não hesitamos em lançar mão de exemplos para o aparecimento dos cursos de pós-graduação (no Brasil
.
ilustrar o que temos em mente. Temos confiança que, somente na década de 70), como os vetores de maior
dessa forma, conseguimos contornar o problema.
Por conseguinte, as dificuldades epistemológicas
que envolvem a definição de teoria ou do conceito de J V1·111 ,e, por exemplo, o caso dos célebres 12 volumes resu ltantes dos estu-
do, tlll'nmcndados pela Fundação Payne, publicados c,n 1933, pioneiros no
comunicação - e mesmo a impossibilidade avançada por estudo dos efeitos de meios. Realizadas por psicólogos, sociólogos e peda-
gogos, estas pesquisas convergem para um objeto empírico. os processos
muitos de nossos teóricos de constituir uma disciplina
co,nunicacionais, particularmente os de mediação tecnológica desencadea-
- não chegam a perturbar nossa crença. As teorias da co- dos pelo rádio, meio que despontava na época. Nessa medida elas até podem
ser consideradas "pesquisas em comunicação", mas no tocante ao aparato
municação existem a despeito de todo e qualquer obstá-
teórico mobilizado, não há dúvidas de que as teorias aí empregadas guar-
culo colocado à sua definição. Cremos em sua existência dam sua referência de origem, ou seja, são teorias tomadas de empréstimo
das disciplinas citadas e não teorias da comunicação. Daí a facil idade de se
e isto parece nos bastar. aceitar conjugar o termo comunicação em relação às pesquisas, mas não e1n
Mas nem sempre foi assim, tal crença é mais recente relação às teorias. ·

14 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. C RA IG, CIIARLES K. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 15
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peso neste processo, já que neles aparece não somente do e freqüentemente têm sido apontadas co1no clássicas
uma demanda, mas uma prática sistemática de produção em nossa área de conhecimento. Tais teorias, no entan-
,
de teorias. E particularmente nestes cursos - e não nos to, curiosamente nunca reivindicaram para si o título de
de graduação, excessivamente voltados para as habili- teorias da comunicação3 • Ao contrário, cada uma delas
tações profissionais em detrimento do elemento teórico permanece ligada a seu campo disciplinar de orige1n .
- que a teoria virá para o primeiro plano e assumjrá, Somos nós, do campo d~ comunicação, que as enxerga-
mais do qualquer outra instância do plano institucional, mos como teorias da comunicação (a teoria Hipodérmi-
um papel central. ca nem sequer chegou a ser formulada e proposta como
Contudo a própria possibilidade de podermos citar uma teoria: é uma análise retrospectiva e atribuída a um
alguns exemplos só se tomou viável graças à literatura tipo de abordagem classificada como não-científica, cf
que se formou em torno da matéria. Quero dizer que são Mauro Wolf, Los Efectos Sociales de Los Media. Paidós.
os livros de teorias da comunicação que dão acesso a Barcelona, 1994, pp. 33-42). Outro aspecto irnportante
esse domínio de conhecimento, ou seja, é através deles a ser destacado é que só muito lentamente começaram
que nos tornamos capazes de evocar um certo número a ser comparadas e confrontadas umas com as outras.
de elementos com os quais podemos ilustrar a existência Isto ocorre a partir da década de 40, se intensificando
das teorias da comunicação. na década seguinte, para finalmente, na década de 60, se
Isto poderia parecer um tanto óbvio, mas não é. Tais estruturar e se consolidar como um setor de produção e
. . ,
livros não estavam disponíveis antes do final da década publicação. E a partir daí que as teorias começam a ser
de 60. Antes desse período dificilmente podíamos falar agrupadas e tratadas como um campo de estudo.
em teorias da comunicação, não porque não houvesse
produção, ao contrário. Algumas das mais reconheci-
3. Não seria de se estranhar que as informações sobre as escolas de Frankfurt
das teorias de nossa área, como a Teoria Hipodérmica, e de Chicago, por exe1nplo, devam ser buscadas ern e nciclopédias e dicio-
o Esquema de Lasswell, o modelo dos Dois Estágios da nários de filosofia ou de sociologia? Ou ainda, que as melhores fontes de
inforrnação sobre essas escolas se encontram em livros de outros domínios
Comunicação, a Teoria Crítica (Escola de Frankfurt), a de conhecin1ento? Não há nada de mais que elas sejam apresentadas em tra-
dições diferentes daquela da comunicação? Enfim, não significa nada o fato
Escola de Chicago - que sem dúvida constituem elabo-
delas serem amplamente reconheçidas - e que se reconheçam a si mesmas
rações importantes - são anteriores ao período assinala- - como escolas de outras áreas?: '

16 LU IZ C. MARTINO, ROBERT T. CRA IG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 17
Em outros termos, é a sistematização das teorias - e terdisciplina (Bougnoux, 1995), transdiciplina (Martín
não simplesmente sua produção - que dá visibilidade e Serrano et ai., 1982), a comunicação ''tem um carnpo e
forma a idéia de teorias da comunicação. Aquelas teo- não um objeto" (Valbuena de la Fuente, 1994, pp. 1 e ss. ),
rias que prontamente nos vêm ao espírito, aquelas que ou mesmo afirmar que o problema epistemológico já te-
podemos citar com mais facilidade, foram adquiridas ria sido superado (Rodrigo Alsina, 1989). A posição 1nais
através dessa literatura. Não somente porque é através freqüente, entretanto, é a de simplesmente ignorá-lo.
desses livros que entramos e1n contato com elas, mas Em relação aos conteúdos dessas obras - que podem
porque é a partir desse tipo de obra que se dá - malgrado variar bastante, indo da simples coletânea de artigos até
toda a fragilidade do processo - o reconhecimento de levantamentos de teorias, recrutadas nas mais diversas
algumas teorias como teorias da comunicação. Esta foi, disciplinas - um de seus traços mais curiosos é o de não
em última instância, a contribuição dessa nova literatu- discutirem o problema da autonomia da comunicação
ra e1nergente, responsável não pela produção de teorias, como área de conhecimento. Dessa forma, ao p,roporem
mas por sua sistematização e reconhecimento como "teo- sem muita reflexão crítica alguns conjuntos de teorias,
rias da comunicação"4 • Nossa crença se encontra total- elas introduzem a idéia de teorias da comunicação e,
mente associada a esta literatura. sub-repticiamente, acabam nos induzindo a crer em sua
Mas no que consiste exatamente esta literatura? Não existência, mesmo se isto, não raramente, se encontra
obstante a variedade, é possível distinguir alguns tra- em franca contradição com as idéias expressas no conteú-
ços importantes. Uma característica comum aos livros do desses livros.
de teorias da comunicação é colocárem o problema da Por exemplo, Miguel de Moragas recusa enfatica-
constituição da área de conhecimento em bases pouco mente a idéia da Comunicação como uma disciplina
razoáveis: disciplina-encruzilhada (Schramm, 1963), in- autônoma, ainda que algumas de suas principais obras
- como Teorias de la Comunicación: investigaciones
4. Daí a distinção que te1nos introduzido entre teóricos (produtores de teorias) sobre medias en América y Europa 5 - muito contribuí-
e "teorografos", neologismo empregado para designar autores/obras que
não são produtores de teorias, mas que apresentan1, organizan1, sistemati- '
ram para o estabelecimento da crença na existência de
zam as teorias de um domínio de estudo. São normalmente representados
pelos manuais, introduções, estado-da-arte, discussões sobre o campo, so- •
bre a área. 5. Gustavo Gili, Barcelona, 1981. ; '

18 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 19
''
"teorias da co,nunicação". A negação expressa no plano • nenhuma teoria é comum a todas as obras.
do conteúdo não impede a implementação da idéia con- • Quase 2/3 das teorias apresentadas não têm correspon-
trária: se existem livros de teorias da comunicação é por- dência entre os pares (aparecem apenas em 1 obra).
que deve existir alguma área de saber correlata, sugere a Ou seja, são teorias apontadas como pertencentes ao
lógica banal, malgrado tudo o que se diga em contrário. campo da comunicação e que não encontram corres-
Então, se estes livros introduziram um corpus de pondência em nenhuma outra obra, não sendo confir-
teorias e nos ajudaram a nos familiarizar com a idéia madas como teorias da área.
da existência de teorias da comunicação, tal processo se • Se os dados recolhidos pudessem ser tomados como
deu de forma caótica, reforçado pela crença em uma área votos em uma eleição, a maioria das obras analisadas
interdisciplinar, de modo que a literatura específica apre- teria elegido entre 2,7% a 14% do universo teórico le-
senta um espectro de teorias dificilmente conciliáveis. vantado, segundo a variação mais ou menos rigorosa
Ela está longe de poder apontar um núcleo de teorias que dos padrões de análise. De qualquer modo, um número
caracterize o saber comunicacional. de teorias bastante reduzido em relação em relação ao
total.
Para que o leitor tenha uma idéia da dimensão do • Em geral, não é apresentada nenhuma definição de
problema, apresentaremos rapidamente alguns dos "teoria".
resultados parciais de uma pesquisa que estamos de- • Há pouco cuidado ou ausência de definição do conceito
senvolvendo sobre o estado-dá-arte das teorias da comu- de "comunicação".
nicação. Nela se faz um levantaménto, comparando-se • Nenhum livro analisado apresentou sequer um critério
os conteúdos dos livros de teorias da co1nunicação6. explícito para justificar a seleção das teorias apresen-
Constatou-se que as obras analisadas apresentam tadas (o que demonstra de forma inequívoca a pouca
conjuntos de teorias muito díspares: exigência em matéria de critérios de pertinência das
teorias em relação à área da comunicação).
6. Foram comparadas nove obras de teorias da comunicação, retiradas dos cur-
rículos de cursos de comunicação em língua espanhola. A íntegra dos resul- Em última instância, o que estes dados nos mostram
tados foi apresentada cm Martino (2006), a ser publicado pela Univcrsidad
de Málaga. é que não temos uma idéi_a muito precisa do que é teoria

20 LUIZ C. MARTtNO, ROBERT T. CRA IG, CHARLES R. BERGER


TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 21
da comunicação. Mesmo o expediente de propor uma a solução deva ser buscada na fonna de uma improvável
lista, citando algumas delas, como falávamos no início "teoria geral", conciliadora - verdadeiro lugar gcon1é-
deste artigo, não chega realmente a ser válido, pois, trico ou centro gravitacional desse emaranhado lcórico.
como vemos, cada especialista na matéria aponta con- Tudo se passa como se a chave do proble1na da funda-
juntos de teorias 1nuito diferenciados e pode nos levar a mentação de uma área de conhecimento fosse qualquer
resultados tão díspares e conflituosos quanto as tentati- tipo de consenso, ou, na falta dele, a simples afirmação
vas de definição formal. de sua indefinição.
O que deveríamos entender, então, pela expressão Ora, o apelo ao consenso, ao "razoável", deveria
teorias da comunicação? estar atento às condições que equacionam o problema
Primeiramente, devemos notar que tal questão é co- - em nosso caso, a origem e a natureza do que hoje se
locada sem ter passado pela análise da constituição do apresenta corno teoria da comunicação: como chegamos
saber comunicacional, única maneira viável de equacio- às teorias que são reconhecidas como teorias da comu-
nar o problema. Em geral, esta pergunta é tratada tendo- nicação e o que realmente podemos chamar teorias da
se como quadro de referência a impossibilidade de se comunicação? Estas questões necessariamente deveriam
decifrar um extraordinário quebra-cabeças, formado pe- preceder toda tentativa de arranjo consensual ou abran-
las obras dos teorografos7 : ou as teorias da co1nunicação gente. Sem um exame dos elementos em jogo qualquer
são abundantes e extremamente variadas, pois abrangem formulação de síntese corre o risco de simplesmente re-
a produção de diversas disciplinas, ou são impossíveis de petir, ou mesmo agravar, os verdadeiros problemas.
serem determinadas, haja vista a complexidade dos fato- Entender o que é teoria da comunicação é um proble-
res envolvidos. Tal impasse é um dos principais reflexos ma que não pode prescindir de uma visão crítica daquilo
dessa literatura sobre teorias da comunicação, que num que é reconhecido como teoria da comunicação. A falta
sentido totalmente invertido da problemática, supõe que de rigor em matéria de pertinência à área fez com que a
reflexão epistemológica considerasse um universo extre-

mamente amplo de processos e teorias. Ela também está
7. "Ceticismo e Intel igi bilidade do Saber Comunicacional", in Galáxia, n. 5,
na base da distorção de muitas das concepções sobre a
Revi sta do Programa de Estudos ern Comunicação e Scrniótica da PUC de •
•'
São Paulo, de abril de 2003, pp. 53-67. formação histórica do campo de estudo (Martino, 2004).

22 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIC, CIIARLES R. BERCER TEORIAS DA COMUN ICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 23
lnfelizmente, boa parte do raro trabalho epistemoló- livros de teorias da comunicação, que, muitas vezes, rea-
gico de nossa área adota um ponto de vista pouco crítico. gem a esta dispersão na base de uma negociação, com
Partindo do paradigma do quebra-cabeça, tais trabalhos concessões e tentativas de sínteses. Mas no afã de uma
acabam optando pela impossibilidade do estabelecimen- visão abrangente, misturam planos de análises muito
to de uma disciplina (ou saber autônomo), deixando as distintos.
portas abertas para uma vaga e inconsistente concep- A preocupação de escapar desse tipo de inconve-
ção interdisciplinar, que acima de tudo tem funcionado niente levou muitos pesquisadores a procurarem outras
como uma justificativa para a dispersão e os equívocos alternativas que não aquela do aprofundamento teórico,
de um conjunto teórico indefinível. de modo a evitar os problemas relativos à discussão epis-
Em segundo lugar, é notório que a determinação temológica, seja porque, o problema teórico lhes parece
das teorias da comunicação permanece um empreen- um fator menor; seja porque uma formulação teórico-
dimento marcado por fatores que não se restringem ao epistemológica lhes parece totalmente improvável ou de
plano do conhecimento, sofrendo variações de acordo uma complexidade não passível de tratamento.
com o universo lingüístico, as diferenças regionais, as Por exemplo, aqueles que, recentemente, têm recor-
formações institucionais, as peculiaridades históricas, rido à sociologia da ciência vêem aí uma oportunidade
as injunções políticas ... No entanto, a dispersão não é para reduzir o problema da teoria da comunicação uni-
infinita, pois a produção teqrica acaba se consolidando camente a seu aspecto extra-conhecimento. Optando por
em certos territórios, mais exatamente,

em sub-áreas uma abordagem propriamente sociológica. deslocam a
da comunicação, em parte demarcadas pelas ativida- questão do conhecimento pela do poder e não vêem nada
des profissionais Uornalismo, publicidade... ), em parte mais que a luta fratricida pela conquista do reconheci-
demarcadas pela interface com outras disciplinas (lin- mento, do status e do poder. Na verdade, esta tem sido
güística, sociologia, psicologia, ciências políticas ... ) ou uma das maneiras mais fáceis para dar continuidade à
por grandes temas de interesse social (saúde, organi- confusão e consolidar o estado de fato atual, de baixo in-
zações ... ), como também por elementos propriamente vestimento epistemológico. A sociologia da ciência não
teóricos, como a escala do fenômeno (massa, grupo, pode e não deve substituir a dimensão epistemológica,
individual. .. ). Todos estes fatores estão refletidos nos não é essa a contribuição qúe pode dar a nosso problema.

24 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHAR LES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 25
Ela não deve ser usada como um recurso para se tentar Na verdade, o estado-da-arte do saber con1unicacio-
contornar as questões epistemológicas. nal, na forma que hoje se apresenta, c.:0111 a vasta dis-
A diversidade de enfoques e planos de análise pode persão de teorias e os inúmeros planos de análise que
perfeitamente ser explicada dentro do âmbito epistemo- o caracteriza, é apenas uma outra face de nosso pro-
lógico. E algumas respostas já foram expostas nas linhas blema, pois a crença na existência de teorias da con1u-
acima, nos resultados da pesquisa citada, que mostra a nicação vai de par com a naturalização do objeto de
falta de rigor com que são formadas nossas idéias a res- estudo. Assim como aceitamos de modo pouco refletido
peito das teorias da comunicação. Neste sentido, antes a primeira, também projetamos no mundo uma série de
de reduzir a questão do conhecimento à do poder; e de fenômenos muito diferentes, os quais reunimos sob uma
outra parte, antes de nos jogarmos no encalço de arrisca- etiqueta bastante frouxa como a da comunicação (Mar-
das rupturas e promessas dificilmente sustentáveis; antes tino, 2001).
de aderirmos a uma improvável e complicada explica- Colamos nestes fenômenos um rótulo, mas não nos
ção interdisciplinar, gue supõe uma "crise da ciência" colocamos a pergunta sobre sua significação, o que real-
e que toma para si a titânica tarefa de reconstruir o co- mente está sendo designado. Achamos até natural que
nhecimento, não seria o caso de, mais modestamente, coisas totalmente diferentes possam receber o mesmo
rever de maneira crítica as bases nas quais o problema nome, e não faltam aqueles que celebram este estado
da fundamentação do saber comunicacional tem sido confuso como "a riqueza" de nosso domínio de estudo.
colocado? A recusa do desenvolvimento da epistemolo- Sem querer me alongar muito, podemos dizer que há
gia da comunicação somente pode redundar na falta de alguns preceitos básicos e bastante fecundos, emprega-
fundamentação da área de conhecimento. E é justamente dos na epistemologia das ciências humanas, que podem
essa fundamentação que uma sociologia da ciência ja- lançar luz sobre este problema. Primeiro, em relação
mais poderá nos dar. Negligenciar a questão epistemo- ao fenômeno, é preciso ter em conta que não se trata
lógica, ou pior, procurar substituí-la por outro tipo de de um objeto empírico, mas construído através de uma
abordagem, só pode nos levar a manutenção do estado elaboração teórica. Isto significa dizer que tal objeto so-
confuso, onde não pode aparecer o significado de teorias mente pode aparecer a partir do arcabouço teórico ou da

da comunicação. tradição de pensamento de uma disciplina. O fenômeno

26 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 27
comunicacional que nos interessa não é, portanto, todo alheia a toda preocupação epistemológica, nossa cren-
e qualquer ato relacional, mas aquele que se encontra ça na existência de teorias da comunicação se apresenta
referido a uma certa disciplina. totalmente desconectada da idéia de fundamentação de
Em segundo lugar, uma teoria somente pode ser con- uma área de conhecimento.
siderada teoria da comunicação se respeitar o preceito da Ora, não é nenhuma coincidência que nossos livros
centralidade do fenômeno comunicacional. Isto signifi- de teorias também tenham dado pouca atenção aos pro-
ca dizer que a realidade humana deve ser explicada (en- blemas epistemológicos. A ausência de discussão dos
tendida, descrita) tomando-se a comunicação como fator critérios de seleção das teorias selecionadas nestes li-
privilegiado. Assim, se o economista explica através da vros, como apontado acima, traduz perfeitamente a ne-
centralidade dos fenômenos econômicos (mercado); se gligência com o problema da pertinência dessas teorias
o sociólogo o faz através dos fenômenos sociais (evo- em relação à área de conhecimento.
lução, estrutura, organização social) ... o comunicólogo Por outro lado, o problema é mais complicado, por-
deve explicar a realidade humana a partir dos fenôme- que isso não impediu, como seria de se esperar, o desen-
nos comunicacionais. Tenhamos em conta que se trata volvimento das teorias da comunicação. Não obstante
da hipótese fundamental, uma tomada de posição que a disparidade de seus conteúdos e a debilidade episte-
caracteriza a disciplina enquanto tal, já que é sob esta mológica com a qual foram gerados - em particular, a
perspectiva que serão lidos e interpretados os fenômenos incipiente definição do conceito de comunicação e a au-
humanos. Daí seu nome comunicacional, pois toma a co- sência de critérios de pertinência em relação à área-, os

municação não necessariamente como causa, mas como livros de teoria construíram a idéia de que devemos en-
fator central para a compreensão desses fenômenos. É tender seus elementos constituintes como fazendo parte
este engajamento - hipotético, perspectivado - que ca- de um domínio de estudos. Por mais confuso que seja o
racteriza uma teoria como pertinente a uma disciplina. corpus de teorias aí proposto, foram tais livros que aju-
Notemos que, tanto o fenômeno, quanto a própria daram, ainda que de modo paradoxal, a construir a idéia
teoria (e particularmente sua pertinência enquanto teoria de uma área de conhecimento e a inculcar em nós a idéia
da comunicação) somente podem receber o devido trata- de teorias da comunicação.
mento se referidos a uma área de conhecimento, porém, Digo paradoxal porqúe nunca se preocuparam em

28 LUIZ C. MA RT INO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER T EORIAS DA COMUN ICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 29
' .
fazer a distinção - entretanto, essencial - entre teorias q11t·ta , elas começam a ser trabalhadas na forma de um
sobre comunicação e teorias da comunicação, ou seja, conjunto. Mas o passo fundamental ainda estava por ser
teorias que se ocupam de fenômenos comunicacionais no dado, pois tal convergência interdisciplinar não pode ab-
sentido amplo e teorias propriamente comunicacionais, solutamente se equivaler a uma disciplina (e nisto reside
que se caracterizam por um certo tipo de aproximação a razão dos céticos). Um apanhado de teorias oriundas
ou de recorte da realidade. As primeiras, é fácil consta- de diferentes domínios de saber não pode significar a
tar, são provenientes das mais diferentes disciplinas (so- rnesma coisa que uma disciplina específica, justamente
ciologia, psicologia, ciências políticas ... ), enquanto que porque não pode atingir o estado onde o todo passa a
a segunda expressão designa as teorias que constituem funcionar como um sistema, e não como uma simples
,
uma disciplina, um saber autônomo. somatória de dados isolados. E somente aí neste último,
Detenhamo-nos sobre este ponto, pois aí reside uma onde aparecem as relações de contradição e complemen-
ambigüidade que pode ajudar a entender a contradição tação, de modo que as teorias passam a ser regularmen-
entre nossa crença nas teorias da comunicação e sua rup- te reunidas, confrontadas e harmonizadas. Desenha-se,
tura com o problema epistemológico. As fontes primá- dessa forma, um quadro que funciona como um guia
rias dos anos 40 (e mesmo das duas décadas seguintes), para novas investigações e que deve ser rigorosamente
como Lazarsfeld ou Horkheimer, independentemente do preenchido com o conhecimento gerado pelos resulta-
valor que atribuamos a seus trabalhos, não fazem refe- dos das pesquisas e pelas confrontações entre elas, bem
rência à comunicação córrió uma área específica de co- como pelas lacunas que, de outra forma, não seriam
nhecimento. Isso dificultava sua iêlentificação como tal. identificadas. Urna disciplina pressupõe a ação dos co-
O que havia eram pesquisas sobre processos comunica- nhecimentos uns sobre os outros, de rr1odo que os avan-
cionais, provenientes de diversas disciplinas (sociologia, ços ou a introdução de uma nova teoria altera as demais
psicologia e ciências políticas, particularmente), cuja e gera novas condições de pesquisa.
convergência fazia aparecer a vaga noção de um campo O importante é que duas idéias diferentes começa-
de estudos. ram a conviver, representadas aqui, respectivamente pe-
No entanto, no momento em que essas pesquisas los textos de Robert Craig e C. Berger: a idéia de um
passam a ser reunidas e agrupadas sob uma mesma eti- simples campo de conver~ência teórica (interdisciplinar)

30 LU IZ C. MART INO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 3l
e a de uma disciplina, no sentido preciso do termo, ou vcl, cuja produção está a seu encargo e que assume aí um
seja, uma área de produção de conhecimento original e lugar central em toda sua dinâmica e estruturação.
pertinente. Portanto, duas idéias a respeito das teorias Teoria e questões intelectuais estão, portanto, longe
da comunicação se formaram, e começam a coexistir, de serem a mesma coisa, elas têm por referência proble-
sobrepondo-se uma à outra, sem que se tenha estado matizações de ordens diferentes. Questões intelectuais
atendo a sua distinção, não obstante as diferenças que são aquelas são colocadas à coletividade, dentro de uma
as separam. esfera pública - ou melhor, se dão através ou como atua-
Por outro lado, não nos damos conta, hoje em dia, dos lidade mediática, conforme preferimos dizer -, pois en-
importantes deslocamentos que vão da discussão sobre volvem setores muito diversos da sociedade e implicam
a Imprensa no início do século XIX ao estudo dos meios necessariamente o uso de meios de comunicação. Elas
de comunicação em meados do século XX. Projetamos não constituem obra de especialistas que se servem de
para o passado coisas que somente hoje nos parecem ób- conhecimentos específicos, de tipo científico. Seu objeti-
vias, ou que nem mesmo estavam Já, naquele momento. vo não é a produção de conhecimento, mas sim a atuação
Saímos do discurso sobre a Imprensa para entrar na teo- prática para problemas urgentes e legítimos, colocados
ria sobre os meios, ou seja, saímos de um debate pú- à sociedade como um todo e que, por sua própria na-
blico envolvendo intelectuais e discussões políticas para tureza, não podem ser resolvidos estritamente nos mol-
entrarmos no espaço propriamente acadêmico, no qual des de uma discussão teórica, reservada a uma área de
se coloca a questão de geração çle conhecimento. O que conhecimento. Questões recorrentes como a do aborto
está em questão não é a oposição entre uma esfera mais ou da eutanásia, por exemplo, não podem ser resolvi-
política e outra menos política, mas sim termos em con- das mobilizando apenas saberes médicos ou jurídicos.
ta o valor completamente diferente que o termo teoria Elas invocam um plano muito mais complexo, que vai
assume em cada uma dessas esferas. Se para a primeira além da teoria e escapam ao tratamento científico, pois
ela aparece de forma esporádica, como um recurso ao exigem decisões imediatas, cuja execução passa, entre
qual ocasionalmente lança-se mão co,no instrumento na outras coisas, pela compreensão do que é a vida e como
batalha das causas políticas; para a esfera científica, em a sociedade entende o direito do indivíduo dispor de seu
'
contrapartida, a teoria é um fator constante e incontorná- próprio corpo. As questões ·que designamos aqui como

32 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARI..ES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 33
intelectuais não são nem mais, nem menos importantes vt·I aos problemas postos a uma epistemologia da Co-
que as questões teóricas, elas simplesmente têm outro 111un icação), projetando indiscriminadamente esta noção
escopo, respondem a outras necessidades e conseqüente- 111uito recente, de teorias da comunicação, em qualquer
mente recebe1n uma forma de tratamento que não coin- discurso sobre os fenômenos comunicativos. O que
cide com a da teoria científica. equivaleria a acreditar que nosso objeto - e portanto nos-
Pois bem, no momento em que a discussão da Im- sa disciplina - remontaria, ao instante mesmo no qual o
prensa se transforma e1n investigação em comunicação, homem se dá conta de que fala ou que pode estabelecer
quando o foco não é mais as providências a serem to- contato com seus semelhantes.
madas em relação à emergência de um quarto poder, Tal miopia histórica está ligada ao fato de acreditar-
quando a forma de discussão não é mais a do debate mos que sempre comunicamos, que o homem é intrinse-
ideológico, mas a da investigação de tipo científico, camente um ser comunicacional. Não que esta seja uma
somente então a noção de teoria ganha a acepção que visão equivocada, longe disso, mas certamente não pode
naturalmente encontramos no ambiente acadêmico, bem dar conta das modalidades e das muitas variações que
,
como o lugar central que a caracteriza. E dessa ,naneira esta faculdade fundamental se manifesta.
que faz sentido e se torna pertinente falar em teoria da A área de conhecimento que tem sido chamada de
comunicação. E não podemos perder de vista que isto Comunicação, Comunicação Social, Ciência da Comu-
é muito recente, tendo a década de quarenta como uma nicação, Ciência da Informação e da Comunicação, Pu-
primeira referência (per1ódo de convergência teórica de blicística, Ciência da Imprensa, Media Studies ... entre
várias disciplinas sobre os fenômenos comunicacionais) outros termos, representa apenas uma das possibilidades
e, corno marco seguro, o final dos anos sessenta, quando de abordagem dos fenômenos comunicacionais e tem se
aparecem os livros de teorias da comunicação8• caracterizado por uma tradição de pensamento em torno
Eis aí uma série de importantes deslocamentos que da atividade dos meios tecnológicos de comunicação e da
passaria desapercebido ao olhar leigo (ou menos sensí- análise da cultura de massa. Ela não responde, portanto,
• à totalidade do conhecimento em torno dos fenômenos
comunicacionais. Na realidade, estes são investigados
8. O primeiro deles, de nosso conhecimento, éo de Mclvin DeFleur(l 966), pelo
menos no sentido de ter mna divulgação que permite tal reconhecimento. por uma série de disciplina~ L. como a Lingüística, a Psi-

34 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRA IC, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 35
' , .
cologia, a Sociologia, a Semiótica, a Pragmática, a Retó- 11ar a possibilidade de que diversas disciplinas possam se
rica, a Literatura e Artes, a Filosofia - que evidentemente inleressar, problematizar e tratar (cada uma a seu ,nodo)
não poderiam deixar de se interessar por um processo os processos comunicacionais. Isto não somente é um
tão essencial ao ser humano. No entanto, a confusão en- fato, mas encontra sua justificativa na essência mes,na
tre este processo funda1nental e as particularidades do da divisão disciplinar da ciência, como pensamento não-
fenômeno comunicacional stricto sensu, marcado por dogmático e perspectivado da realidade 9• O verdadeiro
características históricas bem precisas (mercantilização problema que se coloca é a da crença sobre a existência
da informação, intervenção da técnica, transformação da de um corpus teórico de um saber propriamente comuni-
cultura e a comunicação como elemento central da orga- cacional. O que está em jogo é a autonomia dessa área de
nização social da sociedade complexa) tem sido um dos estudos questionada em sua capacidade de gerar conhe-
equívocos mais constantes que tem impedido o avanço cimentos. Leia-se conhecimentos próprios, produzidos a
de uma discussão epistemológica do objeto e do próprio partir de teorias da comunicação.
,
campo comunicacional. E colocada dessa forma que podemos apreciar toda a
ambigüidade que comporta esta crença. Aderimos pron-
Em outras palavras, o que estou tentando dizer é que tamente à idéia da existência de teorias da comunicação,
as teorias não são independentes de uma área de conhe- ao mesmo tempo em que estamos muito pouco inclina-
cimento, ou seja, elas se constituem enquanto tal na me- dos a defender a idéia de uma "disciplina ou ciência da
. .. ,
<lida mesmo em que a área se forma. E fácil perceber que comunicação". Grande parte dos estudiosos da área es-

não tem muito sentido falarmos de teoria sociológica taria pouco confortável, e até mesmo pouco preparada,
sem a sociologia, ou de teoria psicanalítica sem psicaná- para enfrentar o problema da científicidade ou da auto-
lise, mas não vemos contradição alguma quando falamos nomia do saber comunicacional.
de teorias da comunicação sem referência a uma disci-
plina. Precisamos estar atentos e não confundir "teoria
sobre comunicação" com "teoria da comunicação". 9. Nenhuma disciplina é "dona" de um quinhão da realidade, em ciências hu-
Discutir a crença em teorias da comunicação não manas todas se voltam para a realidade humana como um todo; cada uma
delas, elege un1 diferente elemento co.mo central, o que permite diferentes
deve ser encarado corno o problema ocioso de questio- apreciações dos fenômenos humanoi '

36 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CIIARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MU ITAS OU POUCAS? 37
.' .
' -
Estas assimetrias são os índices mais evidentes da rneira, estando naturalizada, determina a segunda - , que
ambigüidade que cerca nossa questão sobre a existên- tem sido um dos maiores empecilhos para o desenvol-
cia de teorias da comunicação. A produção de livros de vimento da especificidade de um saber comunicacional
teorias sobre comunicação, que se inicia nos anos 60, autônomo.
gerou em nós a certeza de que existem teorias da co- Dessa forma, nosso problema se desdobra em uma
municação, sem que fosse dada a devida atenção aos segunda ambigüidade, pois a crença na existência de
importantes deslocamentos de sentido e às nuances de "teorias da comunicação" se constitui como obstáculo
significado representadas pelas duas expressões. São epistemológico ao desenvolvimento da disciplina: ao
duas concepções bastante diferentes da natureza do sa- mesmo tempo que introduz a idéia de teorias da comu-
ber comunicacional. Isto nos permite, então, entender a nicação, ela naturaliza o objeto destas, o que de certa
resistência às dificuldades epistemológicas, já que, para forma as inviabiliza.
a primeira perspectiva, não está colocado o problema de Isso significa dizer que a crença em questão de-
um saber autônomo, razão pela qual têm pouco efeito as sempenha um duplo papel, pois concomitante ao fato
argumentações baseadas na contradição entre a existên- de cumprir uma função institucional importante (preen-
cia de teorias e a debilidade ou mesmo impossibilidade chendo os espaços de atividade acadêmica - cursos, con-
de uma disciplina correspondente. A afirmação "existem gressos, revistas ...- com conteúdos reconhecidos como
as teorias, mas não existe a disciplina" - que resume o uma produção da área), ela também nos afasta, devido a
estado-da-arte nesta matéria - deixaria de ser um con- sua naturalização, da possibilidade de problematizar, re-
tra-senso, se não falássemos de disciplina, como, no fletir e, portanto, investir no trabalho de fundamentação
entanto, sugere a partícula da, empregada na expressão da área de conhecimento enquanto tal. Daí a situação ex-
teorias da comunicação. tremamente sui generis da Comunicação como um cam-
po bem desenvolvido no plano institucional (instituições
Ao contrário do que se pensa, é a esta convivência de ensino, habilitações profissionais, periódicos espe-
ambígua e irrefletida entre duas idéias completamente cializados, associações científicas), sem nada dever às
diferentes sobre nossa área de conhecimento - e não disciplinas mais desenvolvidas, salvo uma única coisa:
uma intrínseca "debilidade episte,nológica", pois a pri- . •'
as teorias. Situação descohcertante já que normalmente

38 LU IZ C. MA RTI NO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERG ER


TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 39
.. ' , .
' •
uma disciplina primeiro se constitui enquanto conhe- Para além do valor das respostas individuais, cuja
cimento, libera seu objeto, mostra a pertinência de seu apreciação última cabe somente ao leitor, é a possibilida-
estudo teórico, constitui um corpus de conhecimentos, de mesma de tratar este assunto, de trazer tal discussão,
enfim, lança suas bases teórico-epistemológicas, para que se torna o objetivo primeiro de nossas preocupações.
somente depois conhecer um desenvolvimento institu- Destaquemos também a rara possibilidade, disponibili-
cional. Em suma, a fundamentação teórica é o lastro que zada ao público brasileiro, de poder acompanhar algu-
permite o desenvolvimento ins titucional. mas das questões chaves dos debates que estão sendo
A Comunicação, em todo caso, na contramão do bom travados pelos colegas de outros paises, representados
senso, abriu seu caminho no mundo do conhecimento aqui por dois renomados autores estadunidenses.
com um notável déficit teórico, ou segundo outros, com
uma exuberante abundância de teorias, não passível de
REFERtNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sistematização, o que representa apenas outra maneira
de introduzir o contra-senso. BouGNOux, Daniel (1995). La communication contre l'information.
Exposta a estas contradições a crença deixa de ser Paris, Hachette.
DEFLEUR, Melvin Lawrence. (c. 1966). Theories of Mass Com,nunica-
óbvia, natural, porto seguro do iinpensável, para sim- tion. New York, D. McKay.
plesmente se apresentar como impensada. Primeiro pas- MARTINO, Luiz C. (2001 ). "De Qual Comunicação Estamos Falando?",
in HüHLFELDT, A.; MARTINO, L. C.; FRANÇA,Vera V. Teorias da Co-
so para sua superação, pois, mais do que crença, teoria
• municação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis. Vozes.
requer fundamentação. _ _. (2003). "Ceticismo e Inteligibilidade do Saber Comunicacio-
nal". Galáxia, (5): 53-67, abril. (Revista do Programa de Estudos
em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católi-
*** ca de São Paulo; ISSN 1519-31 IX).
_ _ . (2004) "História e Identidade: apontamentos epistemológicos
,
E neste contexto que o presente livro pretende ser sobre a fundação e fundamentação do campo comunicacional",
in E-COMPÓS (Revista da Associação Nacional dos Cursos de
uma contribuição para se avançar na discussão destes Pós-Graduação em Comunicação), n. 1, dez. Disponível em:
problemas, não com respostas definitivas, mas ao menos www.cornpos.org.br.
_ _ . (2006a). "Quais São as T~orias da Comunicação?: O Universo
com elementos importantes para fazer com o problema
de Língua Espanhola". ln: INTERCOM [Sociedade Brasileira de
apareça e seja reconhecido como tal. Estudos Interdisciplinares da Comunicação]. IV Congreso Ibero-

40 LUIZ C. MARTINO, ROllERTT. CRAIG, CHARLES R. BERGER ' ' .


TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OUPOUCAS? 41
'
a,nericano de Investigadores de la Comunicación. Málaga, Es-
pai'ía, Facultad de Ciencias de la Comunicación de la Universidad
de Málaga, 24 a 26 de abril (em vias de publicação).
MARTIN SERRANO, Manuel; P1f:íuEL RAIGADA, José Luís; SANZ, Jesús Por que Existem tão poucas
Gracias & ARIAS FERNANDES, Maria Antonia. (1982). Teoría de
la Comunicación: I. Epistemología y Análisis de la Referencia. Teorias da Comunicação? 1
2.• ed. rev. arnpl. Madrid, A. Corazón. (Cuademos de la Comuni-
cación, 8; Facultad de C. C. de la Información de la Universidad •
Charles R. Berger
Complutense de Madrid).
MoRAGAS, Miguel de (1981). Teorías de la Comunicación: /nvestiga-
ciones sobre Medios en América y Europa. Barcelona, Gustavo
Gili.
RooRrGo ALs1NA, Miguel. (1989). Los Modelos de la Comunicación.
Madrid, Tecnos.

o longo das últimas duas décadas, com regularida-


A de flutuante, um número considerável de pesqui-
sadores em comunicação focalizaram sua atenção sobre
temas metateóricos relevantes para o estudo da comuni-
. -. cação humana. Em uma das primeiras ondas dessa cor-

rente, Cushman (1971) e outros (ver Benson & Pearce,
1977) provocaram intensas trocas entre os defensores de
leis gerais, sistemas e abordagens dirigidas para o estu-
do da comunicação humana. Mais recentemente, e em

• 1. Tradução de "Chautauqua: Why Are There So Few Com.munication Theo-


ries?: Communicalion Theories and Other Curios", Communication Mono-
graphs, 58: 1O1-1 13, March 1991, por Luiz C. Martino e David Page Haxton
Jr. Revisão de Cristina Marques.;Reproduzido com a permissão do autor, a
quem agradecemos a gentileza.

42 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER 43


• •

r
uma escala maior, foram feitos esforços para negociar mum que unifique as pesquisas conduzidas nestes con-
um paradigma, ou um conjunto de paradigmas para o textos de comunicação incontestavelmente singulares.
estudo dos processos da comunicação humana (Dervin, Observou-se que o processo de organização do campo
Grossberg, O'Keefe e Wartella, 1989a, 1989b). da comunicação pelos próprios contextos atua contra o
Um fator comurn que motiva estes esforços para desenvolvimento de teorias gerais da comunicação hu-
tornar possível a definição do campo é a preocupação, mana (Berger & Chaffee, 1987). A mensagem implícita
compartilhada por muitos, acerca do estado de desen- do contexto, enquanto um princípio de organização, é
volvimento das teorias comunicacionais. Dois desses que os fenômenos de comunicação que ocorrem em cada
esforços, particularmente, emergem na presente discus- contexto são tão singulares que são necessárias teorias
são. Primeiro, o tradicional alto nível de fragmentação de contexto específico para explicá-los. Esta premissa
manifestada pelo campo parece aumentar à medida que não-testada não é tão plausível quanto parece. Na práti-
ele se expande. Embora a especialização seja uma con- ca, quando alguém examina criticamente os relatórios de
seqüência inevitável do crescimento do campo, o fato de pesquisa de programas convencionais de algumas dessas
não haver um critério de avaliação teórico ou paradigma sub-áreas contextualmente definidas, não pode deixar
teórico particular, em torno dos quais os pesquisadores de se surpreender e de perguntar porque a pesquisa não
em comunicação possam organizar seus esforços, cons- poderia ter sido apresentada num programa de uma ou-
titui, no mínimo, uma fopte de consenso. Muitas disci- tra sub-área. Por exemplo, muitos, ou talvez a maioria,
plinas possuem tais paradigmas. ou critérios de avaliação dos relatórios de pesquisa, apresentados sob a rubrica de
das teorias, mesmo se estas disciplinas apresentam altos comunicação em saúde poderiam ser acomodados nos
níveis de especialização, e mesmo se estes paradigmas e domínios de comunicação pessoal ou de massa. E há nu-

teorias possam ser objeto de disputa. merosos exemplos das possíveis ocasiões de integração
No caso da comunicação, não somente há relati- da pesquisa feita nestes dois últimos domínios (Berger
vamente pouco comércio entre as várias sub-áreas do & Chafafee, 1988; Reardon & Rogers, 1988; Wiemann,
campo (a saber, interpessoal, de massa, organizacio- Hawk.ins, & Paingree, 1988).
nal, política, saúde, instrução e assim por diante), como Um segundo esforço de definição do campo, que fre-

tambérn aparentemente não existe um corpo teórico co- qüentemente tem ecoado· em muitas partes, diz respeito

44 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 45

' .
ao fato de não só inexiste um núcleo teórico específico quisadores em comunicação em avançar idéias e teorias
para o campo da comunicação, como também há pou- que possam ser levadas a sério pelos colegas nas disci -
ca evidência de atividade teórica dos pesquisadores em plinas afins. Tais desenvolvimentos não apenas garan1cn1
comunicação no interior de qualquer destes contextos o suporte crucial dos colegas de outras disciplinas, o que
particulares que definem o campo (Berger & Chaffee, é vital para o contínuo prosseguimento do ca1npo, n1as
1987; Craig, 1988; Hart, 1986). Estudos bibliométricos também têm efeitos favoráveis
, sobre os níveis de auto-
de citações de jornais têm revelado um extenso proces- estima dos habitantes de nosso campo, que às vezes ten-
so de balcanização no interior do campo, especialmente dem a ser injustificavelmente baixos.
entre aqueles treinados nas tradições de jornalismo e de Antes de considerar as possíveis explicações para a
linguagem [speech]. Mais importante ainda é que estes relativa carência de teorias desenvolvidas por pesquisa-
estudos têm produzido evidências incontestáveis de que dores no campo, deve-se notar que há alguns exemplos
o campo da comunicação sofreu e continua sofrendo de de esforços de desenvolvimento teóricos relativamente
um déficit no comércio intelectual com as disciplinas as- singulares realizados por pessoas formadas como pes-
sociadas; o campo importa muito mais que exporta (Ree- quisadores em comunicação. Por exemplo, a teoria da
ves & Borgman, 1983; Rice, Borgman, & Reeves, 1988; construção da ação [action assembly theory] (Gree-
So, 1988). Minha intenção não é usar o restante desde ne, 1984), o constructivismo (Applegate, 1990), a ad-
artigo desvalorizando e documentando a relativa falta de ministração coordenada de sentido (Pearce & Cronen,
desenvolvimento de teoria· original no campo da comu- 1980), a teoria do despertar da discrepância (Cappella
nicação; em vez disso, tentarei fómecer uma explicação, & Greene, 1982), a teoria da comunicação interpessoal
ainda que parcial, para este bem documentado estado de e intergrupos (Gudykunst, 1988), a teoria da violação de
coisas. Sob a premissa de que é mais fácil resolver os expectativas não-verbais (Burgoon, 1978), a teoria da
problemas quando suas causas são conhecidas, espero acomodação da fala (Gile, Mulac, Bradac, & Johnson,
que, por si mesma, esta explicação teórica colocará em 1987) provocaram variados níveis de impacto sobre o
marcha o processo que irá, pelo menos parcialmente, campo. Infelizmente, poucas destas teorias exerceram
melhorar a situação. Acredito que o bem-estar e o futuro influência para além das fronteiras do campo. Entretan-
crescimento do campo dependem da habilidade dos pes- to, apesar desta carência de .atéance transdisciplinar estes

46 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T . CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 47

' .
e outros esforços representam um importante primeiro rias da comunicação originais. No espaço que aqui me
passo para preencher a lacuna teórico vigente. resta, identificarei algumas das razões para esta carência
Tampouco é minha intenção, aqui, argumentar que o de teoria no campo e alguns passos que podem ser dados
desenvolvimento da teoria deva constituir uma subespe- para melhorar esta situação.
cialidade do campo da comunicação (corno pareceriam
sugerir os primeiros tempos de abordagens metateóricas), PORQUE !STO ACONTECEU
nem argumentar que um grupo da elite de acadêmicos
da comunicação deva ser encarregada de gerar teorias Heranças Históricas
da comunicação. Ao contrário, a situação ideal deve ser
aquela onde o desenvolvimento da teoria seja feito como Não há aqui espaço suficiente para uma completa
parte integral da formação de todo pesquisador em co- descrição do desenvolvimento da pesquisa em comuni-
municação, de modo que os papéis de teórico e de pes- cação, entendida como um empreendimento em ciên-
quisador possam ser desempenhados simultaneamente cia social; não obstante, Delia ( 1987) forneceu o mais
por um mesmo indivíduo. Além disso, não estou afir- abrangente e perspicaz relato desse desenvolvimento
mando que quanto mais teoria melhor, como demonstra até a presente data. Um importante aspecto desse rela-
o fato de que, às vésperas do fim de sua pesquisa sobre to histórico é o fato que as origens das atuais pesquisas
mudança de atitude e.de .persuasão, Ostrom ( 1968) con- em comunicação podem ser traçadas pelas influências
tava com cerca de 34 diferentes teorias de mudança de procedentes de diversas disciplinas. Delia, por exem-
atitude. Embora muitas delas dificilmente fossem teorias plo, apontou o significativo papel desempenhado pela
da persuasão completamente desenvolvidas, este alto ní- Escola Sociológica de Chicago no desenvolvimento das
vel de atividade conceituai falhou em assegurar a vitali- pesquisas dos efeitos em comunicação de massa e as
dade da execução da pesquisa de atitude de mudança, e posteriores influências da psicologia social para o desen-
em alguns casos, é possível que tenha contribuído para volvimento do campo. Estas raízes extracampo também
sua extinção. Não obstante, neste estágio do desenvolvi- foram discutidas por Schramm (1963, p. 2) quando ele
mento do campo da comunicação, dificilmente corremos designou os psicólogos C~l Hovland e Kurt Lewin, o
••
o risco de sermos soterrados por urna avalanche de teo- cientista político Haroid' Lasswell e o sociólogo Paul

48 LU IZ C . MARTI NO, ROBERT T. CRAIG, C HARLES R. BERGER TEO RIAS DA COMU NICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 49
' .
Lazarsfeld como os "pais fundadores" da pesquisa em relativamente paroquial oferecida pelas tradicionais dis-
comunicação. Reforçando a visão de que a comunicação ciplinas em ciências sociais. Além disso, havia un1a es-
é "u1na encruzilhada acadêmica por onde muitos pas- tranha crença de que a comunicação é tão vital e cen tral
sam, mas onde poucos permanecem (Schramm 1963, p. para a maioria dos processos sociais que, ao longo do
2), est,í o fato que nenhum dos 11 colaboradores para o tempo, ela bem poderia se tomar um tipo de supra-dis-
volu1ne editado por Schramm, intitulado A Ciência da ciplina que integraria outras ciências sociais. Schran1111
Comunicação Humana eram pessoas formadas como ( 1963) nos deu uma vaga idéia dessa perspectiva quando
pesquisador em comunicação; e sim cientistas políti- escreveu
cos, psicólogos e sociólogos. Ao longo dos últimos 30
a comunicação é um - talvez o - processo social fundamental.
anos, a apropriação da pesquisa em comunicação pelos
Sem comunicação as sociedades e grupos humanos não existi-
departamentos de jornalismo e de linguagem [speech]
riam. Dificilmente alguém poderia projetar uma pesquisa ou fazer
tem consideravelmente aumentado o número de resi- . teoria em qualquer campo do comportamento humano sem fazer
dentes permanentes na encruzilhada figurativa de que alguma suposição sobre a comunicação humana (p. I ).
fala Schramm, entretanto estas raízes extracampo ainda
exercem considerável influência sobre os atuais pesqui- A realidade que se abria desde a divulgação desta
sadores em comunicação. Quais são estas influências perspectiva não atendem completamente estas expecta-
residuais? tivas arrebatadas. Também continua sendo verdade que,
Primeiro, no tempo que o volume de Schramm foi em sua formação de pós-graduação, os estudantes de co-

publicado, a mistura de disciplinas que pareciam ter al- municação humana ainda devem caminhar em todas as
guma relevância para o estudo da comunicação fez com direções, através de várias disciplinas, na busca de insi-
que os estudantes de pós-graduação formados no campo ghts sobre os processos de comunicação. O que as duras
da comunicação fossem fortemente encorajados a dar penas foi negligenciado desde os primeiros tempos é o
prosseguimento a trabalho "relevantes" em áreas afins. reconhecimento da necessidade de uma síntese destas
Durante os anos 60, estas oportunidades para perambu- ' investidas interdisciplinares no campo das teorias da
lações interdisciplinares serviram como uma alternativa comunicação. Igualmente ruim é a persistente tendência
atraente, quando comparadas à gama de possibilidades dos pesquisadores em comum.cação de solucionar esta

50 LUIZ C . MARTINO, ROBERT T. CRA IG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 51
, .
perambulação interdisciplinar se estabelecendo em uma saúde, na instrução e nas organizações. NaturahTiente, se
área afim, como a antropologia, a ciência política, a psi- alguém vê a execução da pesquisa em comunicação me-
cologia ou a sociologia. Uma vez que assumem tal com- ramente como uma aplicação das teorias desenvolvidas
promisso, os pesquisadores em comunicação tomam-se em outras disciplinas aos "problemas da comunicação",
meros testadores de hipóteses para os teóricos de áreas então não há necessidade dos pesquisadores em comuni-
afins. Alé1T1 do mais, estas fixações levam simultanea- cação desenvolverem suas próprias teorias de comunica-
mente a uma irrealista veneração das "grandes mentes ção. Em geral, pesquisadores em ciência aplicada estão
teóricas" de outras disciplinas, como também a um in- interessados em descobrir soluções para problemas prá-
justificado ceticismo sobre as capacidades próprias e as ticos. Embora não haja uma razão fundamental para a
dos colegas do campo. Isto não quer dizer que os cientis- bifurcação entre pesquisas teóricas e aplicadas, é verda-
tas em comunicação devam ignorar os desenvolvimentos de que alguns pesquisadores desta última abstêm-se de
teóricos relevantes das disciplinas afins, entretanto, uma qualquer referência à teoria (pelo menos, a uma teoria
coisa é integrar tais desenvolvimentos ao seu próprio formal), e alguns pesquisadores teoricamente orientados
trabalho teórico; e outra coisa é simplesmente testar as condenam a pesquisa aplicada como sendo "ateórica".
deduções de teorias desenvolvidas por investigadores Deixando de lado tais conflitos improdutivos, ao definir
que trabalham em outras áreas. Infelizmente, esta última a pesquisa em comunicação exclusivamente como uma
linha de ação é seguida po.r. um considerável número de ciência social aplicada, deixa-se o campo de estudo, a si
pesquisadores em comunicação. mesmo, desligados do desenvolvimento teórico.

Uma segunda conseqüência dessa herança inter- Finalmente, a apropriação da pesquisa em comuni-
disciplinar foi o desenvolvimento, por alguns, da idéia cação pelos departamentos de jornalismo e de linguagem
de que a pesquisa em comunicação é uma ciência so- [speech] ao longo dos últimos trinta anos (Delia, 1987)
cial aplicada. Certamente, desde os primeiros tempos, pode explicar parcialmente a atual carência de crescimen-
uma grande quantidade da pesquisa em comunicação de to teórico no campo. Uma das poderosas tradições tanto
massa tem tido esta característica; como também há uma da linguagem [speech] quanto do jornalismo tem sido
considerável quantidade de pesquisas relacionadas à in- o ensino de diversas habilidades práticas aos estudantes
teração face-a-face em contextos comunicacionais na de graduação. No campo ·d á ' linguagem esta missão re-

52 LU IZ C. MARTINO, ROBERT T. CRA LG, CHARLES R. BERGER


TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 53

' .
centemente te1n se expandido ao ensino dessas mesmas contexto da comunidade acadêmica. No entanto, tais con-
habilidades aos empregados das organizações formais. tribuições não deveriam ser tão valorizadas quanto as con-
A herança deixada pela ênfase nas habilidades práticas e tribuições originais para a teoria e a pesquisa. Sintetizar o
sua continuação, estrutura o papel das expectativas dos trabalho de outros na forma de manuais, especialmente na
colegas de fora do campo, de tal modo que estes colegas forma assumida por um grande número de manuais intro-
tendem a ver os membros dos departamentos de comuni- dutórios no domínio da linguagem [speech], simplesmen-
cação essencialmente como fornecedores de habilidades te não é uma tarefa tão exigente quanto aquela de gerar
comunicacionais, ao invés de pesquisadores. Os pesqui- e verificar teorias originais. Contudo, alguns acadêmicos
sadores em comunicação que procuram redefinir o papel do campo definiram grande parte de suas carreiras pela
das expectativas de seus colegas também podem, incons- produção de tais textos introdutórios, e assim agindo, têm

cientemente, ser capturados pelas expectativas de seus sido significativamente recompensados.
colegas e estudantes, continuando a prover-lhes apenas Estas observações não têm a intenção de diminuir
habilidades práticas, ou podem torná-los incapazes de a importância dos textos introdutórios; a intenção, en-
reunir a energia requerida para alterar tais expectativas. tretanto, é indicar que tais contribuições necessitam ser
Não se pode esperar que pessoas tão envolvidas nestas avaliadas segundo um sistema de valor apropriado, um
crises de identidade acadêmica (e há mais gente do que sistema que coloque a geração de novas idéias acima da
se poderia supor) possam ser consideradas teóricos ou reciclagem das antigas. Além disso, é duvidoso que o
pesquisadores produtivos. · · campo da comunicação tenha ganhado ou ganhará o res-
Enquanto muitos tentam, de forma ativa, alterares- peito das áreas afins graças à produção de uma literatura
tas definições de papeis, outros, talvez sem perceberem, de textos introdutórios, não importando o quanto estes
as reforçam. Penso aqui naqueles que definem o desem- textos possam ser bem escritos.
penho acadêmico essencialmente em termos de produ-
ção de textos introdutórios, que auxiliam no ensino de A Obsessão Metodológica
tais habilidades práticas. Não há nada de intrinsecamen-
te errado com a produção de tais textos, desde que sejam Mesmo um rápido olhar sobre as atuais pesquisas

de qualidade respeitável e que sejam reconhecidos no em comunicação sugere que i>s pesquisadores em comu-

54 LUIZ C. MARTINO, ROllERT T. CRA IG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 55

r •
com cursos de metodologia, não deixando espaço para preocupam com isso a usar sua competência 1neto-
outros cursos que são úteis para apreender princípios de dológica para pesquisar qualquer problema, contanto
,
construção de teorias. E justo dizer que na maior parte que a pesquisa seja financiada. Tanto as pesquisas en-
dos programas de pós-graduação, o número de cursos comendadas, como uma considerável quantidade da
explicitamente dedicados à construção de teoria é supe- pesquisa executada sob a égide dos auspícios de vá-
rado por aqueles dedicados a aprender as várias técnicas rias agências, estão dirigidas para a resolução de pro-

de coleta e análise de dados. Em muitos casos, talvez blemas aplicados relativamente limitados, muitos dos
nem haja um curso especializado no ensino de técnicas quais têm pouca relevância teórica. Na grande maioria
de produção de teorias. Tal desequilíbrio produz pesqui- dos casos, no interior do campo da comunicação, a te-
sadores 1netodologicamente sofisticados, mas que não oria não é diretamente testada pelas pesquisas finan-
reconheceriam uma teoria mesmo se eles tropeçassem ciadas.. De fato, poucos, ou mesmo nenhum programa
em uma. Esta falta de familiaridade até mesmo com de desenvolvimento de teoria arrolados neste artigo foi
conceitos básicos associados à noção de teoria leva al- gerado no interior do contexto da pesquisa financiada
guns pesquisadores a classificar erroneamente qualquer externamente. Embora o financiamento possa fornecer
hipótese ou idéia como "teoria". Tais casos demonstram um ambiente para testar e desenvolver teorias, a menta-
claramente que alguns pesquisadores simplesmente ja- lidade de "arma de aluguel metodológica" certamente
mais apreenderam o que é uma teoria, e muito menos em constitui um obstáculo a sua realização.
. -.
como construir uma.

A obsessão metodológica também se manifesta nas
No tocante à formação dos estudantes de pós-gradua- discussões a respeito dos méritos relativos das aborda-
ção, a obsessão nos métodos não apenas tende a deslo- gens quantitativas e qualitativas para o estudo da comu-
car a importância do trabalho de elaboração de teoria, nicação. No nosso modo de ver, tais debates são mal
ela também cria uma mentalidade do tipo "tendo um dirigidos e servem apenas para obscurecer a questão,
método, nós trabalhamos"2, que impele aqueles que se bem mais importante, do valor científico dos dados em-
píricos (de qualquer tipo) obtidos na ausência de teoria.
2. Paráfrase da expressão "have a gun, will travei!" (tendo arma, nós 1rabalha- Como sugere Popper (1974):.
1nos), empregada pelos cawbois de Hollywood (N. dos T.). ••
>

58 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRA IG, CHAR LES R. BERGER TEORI AS DA COMUN ICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 59

' .
nicação, como um todo, utilizam com competência as Essa preocupação quase obsessiva com a metodo-
últimas técnicas de coleta e análise de informações. De logia, em alguns setores do campo, talvez possa ser ex-
fato, e1n certos aspectos aqueles que estudam a inte- plicada, em parte, recorrendo-se às tendências históricas
ração social no campo da comunicação se encontram já discutidas. Dado que as raízes teóricas do campo se
muito à frente de seus colegas que pensam de forma se- encontram em diversas disciplinas afins, tudo que é ne-
melhante em psicologia social, onde, paradoxalmente, cessário para tornar-se urp. pesquisador em comunicação
o próprio comportamento de interação social raramente bem formado é familiarizar-se com o respectivo corpo de
é o objeto de estudo. Realmente, ao longo dos últimos teorias das disciplinas afins e aprender a bem empregar
trinta anos, os pesquisadores em comunicação forma- as técnicas de metodologia. Já que ninguém pode arcar
dos nas maiores instituições de pesquisa têm geralmen- com a responsabilidade de desenvolver sua própria teo-
te recebido excelente treinamento nos instrumentos de ria, sempre é possível fazer uma pesquisa de idéias dan-
• • A • • •

pesquisa em c1enc1as soc1a1s. Ao longo deste mesmo do uma olhada nas teorias das disciplinas afins; então,
período, o campo foi visitado por uma série de técnicas tudo o que se deve fazer é tomar-se um bom especialista
estatísticas e não-estatísticas. Na época em que foram em metodologia, o que conseqüentemente gera a obses-
introduzidas, tais técnicas foram saudadas como pana- são por métodos. Em essência, este modelo de formação
céias para a realização de novos insights nos processos acadêmica tende então a produzir verificadores de hipó-
de comunicação. Embora a etnometodologia, a análise tese que ignoram o fato de que há mais coisas para fazer
. ..
fatorial, a análise seqüencial retardada, o logaritmo li- uma boa pesquisa que simplesmente testar as hipóteses

near de análise, a meta-análise, o escalonamento mul- de outros, mesmo quando estas hipóteses são testadas
tidimensional, a modelagem estrutural de equações com grande aparato metodológico. A geração de novas
[structural equation modeling - SEM] e outros carros teorias e novas idéias é uma atividade que é pelo menos,
alegóricos no desfile das técnicas tenham provocado ou senão mais importante, que tornar-se bem treinado no
brados de adulação entre seus admiradores, estas téc- uso das diversas técnicas de coleta e análise de dados.
nicas não produzem necessariamente insights sobre a Outra conseqüência negativa decorrente da obsessão
comunicação, ficando aquém dos níveis hiperbólicos metodológica é a possibilid~de de, em suas experiências
manifestados por seus defensores. em pós-graduação, alg~ni ' estudantes são inundados

56 LU IZ C. MARTINO, ROBERT T. CRA IG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUN ICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 57
• •

' .
com cursos de 1netodologia, não deixando espaço para preocupam com isso a usar sua competência meto-
outros cursos que são úteis para apreender princípios de dológica para pesquisar qualquer problema, contanto
,
construção de teorias. E justo dizer que na maior parte que a pesquisa seja financiada. Tanto as pesquisas en-
dos programas de pós-graduação, o número de cursos comendadas, como uma considerável quantidade da
explicitamente dedicados à construção de teoria é supe- pesquisa executada sob a égide dos auspícios de vá-
rado por aqueles dedicados a aprender as várias técnicas rias agências, estão dirigidas para a resolução de pro-
de coleta e análise de dados. Em muitos casos, talvez blemas aplicados relativamente limitados, muitos dos
nem haja um curso especializado no ensino de técnicas quais têm pouca relevância teórica. Na grande maioria
de produção de teorias. Tal desequilíbrio produz pesqui- dos casos, no interior do campo da comunicação, a te-
sadores metodologicamente sofisticados, mas que não oria não é diretamente testada pelas pesquisas finan-
reconheceriam uma teoria mesmo se eles tropeçassem ciadas. De fato, poucos, ou mesmo nenhum programa
em uma. Esta falta de familiaridade até mesmo com de desenvolvimento de teoria arrolados neste artigo foi
conceitos básicos associados à noção de teoria leva al- gerado no interior do contexto da pesquisa financiada
guns pesquisadores a classificar erroneamente qualquer externamente. Embora o financiamento possa fornecer
hipótese ou idéia como "teoria". Tais casos demonstram um ambiente para testar e desenvolver teorias, a menta-
claramente que alguns pesquisadores simplesmente ja- lidade de "arma de aluguel metodológica" certamente
mais apreenderam o que é uma teoria, e muito menos em constitui um obstáculo a sua realização .

como construir uma. A obsessão metodológica também se manifesta nas
No tocante à formação dos estudantes de pós-gradua- discussões a respeito dos méritos relativos das aborda-
ção, a obsessão nos métodos não apenas tende a deslo- gens quantitativas e qualitativas para o estudo da comu-
car a importância do trabalho de elaboração de teoria, nicação. No nosso modo de ver, tais debates são mal
ela também cria uma mentalidade do tipo "tendo um dirigidos e servem apenas para obscurecer a questão,
método, nós trabalhamos"2 , que impele aqueles que se bem mais importante, do valor científico dos dados em-
píricos (de qualquer tipo) obtidos na ausência de teoria.
2. Paráfrase da expressão "have a gun, will travei!" (tendo arma, nós trabalha- Como sugere Popper (1974):
mos), empregada pelos cawbois de Hollywood (N. dos T.).

58 LUIZ C . MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER • • TEORIAS DA COMUNICAÇÃO : MUITAS OU POUCAS? 59
'
De modo mais específico, não há nenhum procedimento que (as quais contribuem para um corpo de conhecimento)
comece pela observação ou pela experimentação. No desenvol- que pela habilidade de seus membros em empregar téc-
vimento da ciência, estas apenas desempenham o papel de argu-
nicas de coleta e análise de dados que estão na moda.
mentos críticos. E desempenham esta função ao lado de outros
De toda maneira, os modos de coleta e análise de dados
argumentos não observáveis. Trata-se de um papel importante,
mas o significado dos experimentos e das observações dependem empregados pelos pesquisadores em comunicação são
inteiramente [da possibilidade) de elas poderem ou não ser utili- utilizados por pesquisadores em diversas disciplinas. As
zadas para criticar teorias (pp. 151-152). '
únicas contribuições de nosso campo para o universo do
discurso, do qual todos fazemos parte, deve ser teorias,
Até que chegue o dia em que os pesquisadores em idéia e novos insights sobre o funcionamento dos siste-
comunicação deixem de lado seus compromissos meto- mas de comunicação humana.
dológicos e passem a se preocupar com as idéias teóri-
cas importantes - ao invés de dar prosseguimento a suas Aversão a Arriscar-se
minúcias metodológicas -, nós continuaremos a ver a
proliferação da pesquisa metodologicamente requintada Construir e divulgar teoria são empreendimentos de
que se ocupa de idéias triviais. Para deixar claro, quando alto risco. Quando alguém propõe uma teoria, outros po-
digo "idéias teóricas importantes" não estou me referin- dem testar suas implicações; claro, se estas estão de fato
,
do aos debates meta-teóricos
. ~. discutidos anteriormente' sujeitas a testes. E inevitável que pelo menos partes, ou
mas, sim, às teorias que têm sybstância, que são pro- mesmo a totalidade do sistema teórico, se mostre im-
postas por seus criadores para explicar os fenômenos de plausível. Existe a possibilidade que a teoria venha a ser
comunicação. arruinada pela apresentação de evidências, particular-
A discussão precedente não pretende diminuir a im- mente no domínio público de jornais e livros, o que pode
portância do rigor metodológico; contudo, quando tal representar uma ameaça para o ego daquele que produz
rigor substitui insights teóricos (como é freqüente acon- a teoria. Em contraste, o trabalho de verificar as teorias
tecer), devemos nos esforçar para alterar este desequi- dos outros, além de poder contar com o auxílio das últi-
líbrio. Em última análise, o valor do campo de estudo mas técnicas, também é uma atividade bem menos amea-
é determinado mais pelo poder de persuasão das idéias çadora para o ego de um· at:adêmico. Se o resultado dos

60 LU IZ C. MARTINO, ROBERT T. CRA IC, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUN ICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 61

'
testes tornar as hipóteses teóricas mais plausíveis, os ve- favorável que desfavorável, e tal ato deve ser um indica-
,
rificadores de teoria, podem, de algum modo, ganhar os dor do progresso da ciência.
créditos pelo desenvolvimento de teorias. Por outro lado, A lição a ser apreendida aqui é, a princípio, simples,
se os resultados dos testes tornar a hipótese teórica me- 1nas difícil de se praticar. Ao propor uma teoria, deve-
nos plausível, não é o verificador de teorias que está "er- mos ter em conta que pelo menos algumas de suas par-
rado", mas sim o criador da teoria. Ademais, no caso de tes provavelmente estão erradas e que estes erros serão
evidência negativa, o verificador de teorias pode receber revelados por outros no domín~o público de periódicos
os cumprimentos dos colegas por ter abalado a teoria. e livros. E não é tão ruim que isso ocorra, pois, de fato,
Então, de maneira geral, para uma carreira de pesquisa- isso pode ter um resultado positivo. Em suma, deve-se
dor, há menos risco em verificar as teorias dos outros do aguardar e estar pronto para os enganos quando se avan-
que criar, difundir e testar sua própria teoria. ça uma teoria. Na prática, evidentemente, é difícil con-
Embora a análise que acabamos de apresentar tenha, tinuar a adotar esta postura como modelo quando sua
apesar de tudo, algum grau de plausibilidade, os teóricos própria teoria é atacada, especialmente se tais ataques
também têm ego. Isto é importante para compreender são feitos com um tom particularmente desagradável.
que, mesmo quando as teorias apresentadas são parcial- Contudo, se podemos assumir a posição de que as teo-
mente implausíveis, elas continuam a exercer influência rias - incluindo a própria - são artifícios heurísticos cuja
na área de investigação. Einstein uma vez observou: falibilidade é bastante provável, uma boa parte do medo
"Não há destino mais apropriado para uma [... ] teoria de se "arriscar" pode ser removida do processo de desen-
que o de dever apontar o caminho pru-a uma outra teo- volvimento teórico.
ria mais abrangente, na qual ela exista como um caso Um outro fator relacionado com à aversão ao risco,
limite". particularmente importante no caso da comunicação, é
,
E muito raro que haja teorias inteiramente implau- o de seu tamanho em relação ao de outros campos afins.
síveis; desse modo, elas exercem um impacto sobre a Comparativamente, o número de pessoas que se identi-
investigação, mesmo que partes dela estejam incorretas. ficam como pesquisadores em comunicação é muito pe-

Entretanto, no processo de produção da ciência, o ato de queno. Em alguns casos, o campo pode ser equiparado
subsumir uma teoria em uma outra tem um efeito mais a uma pequena cidade do interipr onde, bem ou mal, a
••
• >

62 LU IZ C. M/\RTI NO, RO BERT T. CRAIO, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA CO MUNI CAÇÃO: MUITAS OU POUCAS ? 63
maioria das pessoas se conhece. O fato que uma carreira exemplo, que pessoas que buscam atingir os diplomas
Pº! 2\er feita ou arruinada pelos colegas do campo, é 1nais elevados da área, por algumas razões desconhe-
capaz de desencorajar os pesquisadores a correrem os cidas, tenham medo de correr riscos e por conseguinte
riscos envolvidos na construção de suas próprias teo- não estejam motivadas a desenvolverem teorias. Tendo
rias. Os pesquisadores podem ser reticentes em relação em vista as observações anteriores - a respeito da frag-
ao risco de cometerem erros; especialmente quando seu mentação do campo e sua herança de habilidades prá-
vizinho de porta pode ser a pessoa que detecta falhas teó- ticas -, um conjunto de fatores de auto-inclusão ainda
ricas e difunde esta informação para toda a vizinhança. mais plausível se apresenta. A atividade de produção
A possibilidade de se ver a si próprio no centro de boatos de teorias provavelmente não é muito atraente para os
ou de vir a ser condenado ao ostracismo pelos colegas estudantes de pós-graduação, que vêem sua formação
de departamento pode desencorajar os pesquisadores em principalmente como uma colcha de retalho, seja para
comunicação a avançar novas idéias teóricas. Sob tais se aventurarem no ensino de habilidades de comunica-
condições, é perfeitamente compreensível a razão dos ção, seja para se engajarem em atividades de consulto-
pesquisadores de optarem pela via mais conservadora, ria organizacional ou ainda para se tornar pesquisadores
preferindo testar a teoria de outros. de mercado. Tais pessoas podem estar extremamente
interessadas em conhecer as teorias existentes, afim de
Auto-inclusão . -. atingir os objetivos que têm em mente; entretanto, sua
• orientação certamente não é uma orientação que valoriza
A aversão ao risco é responsável pela relativa falta de o desenvolvimento teórico.
desenvolvimento teórico na pesquisa em comunicação e A fragmentação do campo, sua herança de habilida-
demanda uma explicação mais ampla deste fenômeno. des práticas, a propensão de alguns para defini-lo apenas
A saber, as pessoas que vêm a si mesmas como fazendo como uma atividade aplicada e a existência daqueles que
parte de um programa de pós-graduação em comuni- vêem a formação dos estudantes de pós-graduação como
cação são geralmente aquelas que, por uma variedade um campo de treinamento para pesquisadores, tudo isso
de razões, não estão motivadas a desenvolver teorias da indica um arranjo extenso, e talvez desconcertante, de

comunicação. Dada a discussão anterior, é possível, por alternativas profissionais; ae maneira tal que, em um

64 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 65

' •
programa de pós-graduação típico, a maioria dos estu- rável influência em sua formulação atual, as forças his-
dantes pode se ver como bem adaptada, mesmo quan- tóricas que desencorajam a produção de teorias não são
do a especialidade do programa não está exatamente necessariamente imutáveis. Claro que sempre é possível
de acordo com o que eles gostariam de fazer. Todavia rescrever a história de maneira a explicar ou "resolver"
muitas faculdades de comunicação apresentam projetos os problemas atuais; entretanto, ao invés de me enga-
vagos, comparáveis às manchas sem significado do tes- jar nesta atividade (provavelmente de interesse pessoal),
te de Rorshach; sua indefinição acerca dos objetivos da deixo esta missão para os historiadores interessados.
formação em seus programas de pós-graduação, induz Por isso usarei o restante do espaço que me é reservado
uma considerável confusão sobre a missão central destes para fazer algumas considerações sobre os passos que
programas. Como conseqüência, é muito provável que devem ser dados para mudar o indesejável estado atual
possamos encontrar na mesma sala de aula estudantes das coisas.
que estão seriamente interessados em tornarem-se pes-
quisadores e produtores de teorias sentados ao lado da- Experiências em Formação de Pós-Graduação
queles que simplesmente querem adquirir habilidades
práticas, técnicas e pompas do prestígio acadêmico na Um lugar óbvio para começar a melhorar o problema
forma de diplomas que os tornarão habilitados para se acima esboçado é fazer do desenvolvimento de teorias
tornarem trabalhadores práticos bem-sucedidos em co- uma parte integral da experiência da pós-graduação. Não
municação. Compreende~se que, em tais circunstâncias, é necessário que os estudantes tenham tido um grande
a possibilidade de desenvolver uma inclinação para criar treinamento em métodos de pesquisa para que eles te-
teorias pode estar seriamente comprometida. nham um desempenho de nível elevado no domínio de
produção de teorias. Na verdade, as experiências com
POSSÍVEIS p ALIATIVOS construção de teoria, em termos ideais, devem ocorrer
antes que os estudantes adquiram instrumentos de pes-
Embora seja um axioma o fato de que o passado •
quisa específicos. Além disso, a construção de teoria não
não possa ser alterado e apesar de as raízes históricas do deve ser simplesmente uma parte do curso que focaliza
campo da comunicação ainda exercerem uma conside- uma diversidade de teorias concritas relevantes para a

66 LUIZ C . MARTINO, RO BE RT T. C RAIG, CHARLES R. BERGE R


TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 67

'
investigação em comunicação; ao invés disso, o curso tais experiências pedagógicas servem para lidar com o
deve estar inteiramente voltado para a explicação dos problema do medo de correr risco. Além disso, a ex-
conceitos chaves envolvidos com a noção de teoria e periência com o desenvolvimento de teorias, adquirida
com abordagens alternativas para a explicação da ação antes do aluno ser exposto a métodos de pesquisa, ajuda
comunicativa. Os estudantes devem ser chamados a ex- a assegurar que os estudantes coloquem os métodos em
plicar os constructos teóricos e a começarem a construir seu respectivo lugar, reduzindo então a probabilidade
teorias que expliquem os fenômenos de comunicação de dos estudantes desenvolverem vários casos de obsessão
seu interesse. Na minha experiência, os estudantes em metodológica.
geral, de início, resolutamente se empenham na explica-
ção de constructos e na geração da teoria, muitas vezes Alterando Valores
porque eles não sabem o que é que eles querem explicar;
entretanto, no final de várias semanas, a maioria deles Há trinta anos atrás bastava aos pesquisadores em

têm urna boa id~ia do que é uma teoria e corno se pode comunicação demonstrar que eles poderiam usar as téc-
construir uma. Além disso, os estudantes adquirem um nicas de análise e coleta de dados das áreas afins tão bem
conjunto de critérios para avaliá-las. (ou melhor) quanto aqueles cujo domínio intelectual se
O desenvolvimento de teorias é urna atividade cria- encontra nessas áreas. Embora ainda seja necessário
tiva, e é difícil, senão impossível,
. .. .
'
ensinar criatividade. que os pesquisadores em comunicação demonstrem sua
Não obstante, mesmo que os cursos de construção de competência no emprego de instrumentos de investiga-

teorias não aumentem o nível de criatividade dos estu- ção, a aposta para participar do jogo agora é mais alta.
dantes, eles servem tanto para torná-los consumidores Cada vez mais é necessário fazer contribuições substan-
mais críticos das teorias de outros, corno capazes de ciais para a teoria da comunicação, indo além daquelas
apreciar a complexidade dos processos de desenvolvi- realizadas por pesquisadores de outras disciplinas. Já
mento de uma teoria. Visto que estas experiências elimi- que o sistema de recompensas reflete tanto os sistemas
nam uma considerável parte do mistério do processo de • de valores implícitos, como também promove o desen-
geração de teorias, os estudantes ficam menos receosos volvimento de um sistema de valores, é chegada a hora
em se engajarem nesta atividade; conseqüentemente, de os diversos sistemas de reco~pensas refletirem esta

68 LUIZ C. MART!NO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER


TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 69
mudança. Há um certo número de sistemas de reconhe- palhadas nas diversas áreas não relacionadas. Tais pro-
cimentos aqui implicados. gramas de pesquisa também devem ser avaliados como
Primeiro: os critérios usados para julgar o valor superiores à mediatização acadêmica sensacionalista,
dos artigos submetidos aos periódicos para uma possí- isto é, às pesquisa motivadas pelas últimas manchetes de
vel publicação não devem incluir apenas considerações jornal (Hart, 1986). Este tipo de mediatização pode dar
metodológicas, como normalmente se faz, os critérios muita visibilidade a seus praticantes, através de apari-

também deveriam considerar o grau com que os artigos ções em talk shows e outros palcos mediáticos; entretan-
fazem avançar as teorias da comunicação. Enquanto al- to a matrícula na Escola de Ciências Sociais das grandes
,
guns periódicos do campo utilizam explicitamente a fun- figuras mediáticas (como Jô Soares, Roberto D' Avila,
damentação teórica como um critério para publicação, Hebe Camargo... *) não atesta a importância teórica da
alguns artigos publicados nestes periódicos não refletem investigação de ninguém. Não basta aos pesquisadores
um grau muito elevado de sofisticação teórica, o que em comunicação demonstrar que eles são capazes de
sugere que o critério da fundamentação teórica precisa usar certos instrumentos metodológicos, mesmo se for
ser mais enfatizado no processo de seleção dos artigos. para estudar questões sociais atuais muito em evidência.
Além disso, a criação do Journal of Communication É a capacidade para sustentar pesquisas programáticas,
Theory fornece um meio de expressão para os artigos conduzidas teoricamente, que produz insights significan-
orientados teoricamente, o que não elimina a necessi- tes sobre os fenômenos da comunicação a longo prazo.
dade dos artigos de ciriêntação empírica submetidos a São habilidades como estas que devem receber o maior
outros periódicos terem uma sólida base teórica. Segun- reconhecimento. Um terceiro sistema de reconhecimen-
do: os sistemas de reconhecimento e de sustentação no to que pode necessitar de revisão é aquele usado pelas
mundo acadêmico não devem ser focalizados unicamen- associações nacionais para reconhecer as contribuições
te sobre a quantidade de pesquisa produzida e em sua acadêmicas de seus membros. Novamente, as contri-
sofisticação metodológica, mas, também, na qualidade buições oriundas de quadros teóricos bem articulados
do pensamento teórico subjacente à pesquisa. Em tese,
programas de pesquisa bem fundamentados devem ser
* No original: "Phil Danabue/Geraldo Rivcra/Oprah Winfrey", grandes no-
avaliados como superiores às pesquisas não-teóricas, es- mes do Talk Show estadunidense (N, aos T.).
'

70 LU IZ C. MART INO, ROBE RT T. C RAI G, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 71
devem ser avaliadas como superiores, tanto em relação Dado o tamanho reduzido, assim como o nível geral
aos manuais contendo sínteses dos trabalhos de outros de fragmentação do campo da comunicação, não é de se
autores, como em relação a trabalhos e pesquisas volta- surpreender que muitas pesquisas relatadas em nossos
dos para os tópicos em evidência, os quais carecem de periódicos não estejam orientadas para responder um
integridade conceituai. pequeno conjunto de questões centrais. Naturalmente, a
maioria de nós não tentaria realizar um objetivo poten-
,
Grandes Questões cialmente tão dramático quanto a busca de uma cura para
a comunicação; embora alguns de meus colegas de fora
O exame cuidadoso dos relatórios de pesquisa de ou- do campo bem que gostariam que nós tivéssemos este
tros domínios de investigação sugere que, em muitos ca- desejo, especialmente em relação à comunicação que
sos, os esforços dos pesquisadores estão organizados ao tem lugar durante os encontros universitários. Contudo,
redor de um conjunto de questões centrais relativamente é difícil encontrar mais de dois pesquisadores de diferen-
pequeno. Por exemplo, a busca de tratamento para várias tes universidades trabalhando sobre a mesma questão.
doenças freqüentemente motivou pesquisas fundamen- Alguns grupos de pesquisadores podem estar trabalhan-
tais em ciências biológicas. Produzir uma explicação ra- do no mesmo domínio geral, estudando, por exemplo, as
zoavelmente plausível e completa do funcionamento do relações entre a comunicação e os processos cognitivos,
sistema imunológico pode rev.elar ser altamente instru- ou examinando o desenvolvimento de afinidades; porém
mental na descoberta de formas mais efetivas para tratar no interior desta área, definida assim de forma tão ampla,
e prevenir doenças como o câncer óu a Aids. Diferentes há muito pouca chance de que haja intersecção entre as
quadros de pesquisadores, baseados em diversos centros questões específicas que estão sendo investigadas. Como
de pesquisa, trabalham para uma melhor compreensão conseqüência, e são raras as exceções, há relativamente
do sistema imunológico humano. Embora suas aborda- poucos diálogos teóricos em nossos periódicos. De fato,
gens teóricas e seus métodos possam ser diferentes, seus críticas e discordâncias acerca da metodologia ocasio-
programas de pesquisa geralmente estão orientados para • nalmente aparecem em nossos periódicos, contudo, falta
responder a uma mesma questão. O mesmo fenômeno interação acadêmica e debate em tomo das questões teó-

também pode ser observado em ciências sociais. ricas. Uma vez mais este búráco negro em nosso dis-

72 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 73

' .
curso acadêmico é, em parte, o resultado da carência de derável progresso tinha sido feito pelos pesquisadores
problemas de pesquisa para interagir. em comunicação em um bom número de frentes. Ele
,
E difícil decidir qual a melhor maneira para produ- citava que durante período deu-se mais legitimidade às
zir um pequeno conjunto de questões que possa orien- abordagens relativas ao estudo da comunicação e que
tar os esforços de pesquisa. As conferências envolvendo houve um aumento da sofisticação tanto da teoria e
pesquisadores que trabalham no interior de domínios de da pesquisa, quanto dos indicadores empíricos do pro-
interesse específicos podem produzir alguns progressos gresso. No mesmo colóquio, Phillips (1981) ofereceu
nesta direção. Certamente uma tal tarefa não pode ser uma avaliação consideravelmente mais pessimista do
levada a cabo apenas com um grande esforço individual, estado da pesquisa em comunicação. Ele argumentou
dada a atual fragmentação do campo. É claro que isso que o termo "ciência" era usado de maneira não-críti-
requer uma massa de pesquisadores trabalhando em ca por aqueles que fazem a pesquisa em comunicação
um determinado campo, antes que estas questões cen- para descrever suas realizações. Observou que fazer
.
trais possam emergir. Se assim for, então tais esforços ciência implica muita incerteza e que há pouca evi-
de organização, em qualquer nível que seja, podem ser dência dessa atitude de incerteza, o que se manifesta
relativamente infrutíferos, até que o tamanho do cam- na carência de publicação de correções e retrações nos
po alcance esta massa crítica. Para isso, não obstante, estudos dos pesquisadores em comunicação. Ele tam-
é necessário desenvolver um conjunto relativamente pe- bém reprovou os pesquisadores em comunicação por
. ' ,. .
queno de questões centrais com as quais se possa guiar assumirem tacitamente que "uma metodologia apro-
• •
a investigação, só então o discurso no nível teórico será priada é a fonte da verdade, sem relação com o objeto
facilitado. de estudo" (p. 362).
Onde estamos uma década depois? Certamente as
CONCLUSÃO raízes históricas que dão origem ao campo da comunica-
ção continuam a exercer influência nas formas anterior-
Uma qécada atrás, em sua avaliação periódica do ' mente descritas, e alguns dos problemas observados por
estado da pesquisa em comunicação, Miller (1981) Phillips ( 1981) parecem ser uma decorrência desta he-
observou que, deste o início dos anos 60, um consi- rança. Levará muitas décadas e uin esforço considerável

74 L UIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 75

r
para que os pesquisadores em comunicação possam al- AGRADECIMENTOS
terar estas forças, no sentido de encorajar o desenvolvi-
mento de teorias da comunicação. Tais esforços podem Gostaria de expressar minha gratidão a Patrick di
encontrar resistência daqueles que definem os objetivos Battista, a Susan Herbst e a Mike Roloff por seus co-
do campo como estando essencialmente envolvidos com mentários perspicazes sobre uma primeira versão desse
a oferta de habilidades práticas em comunicação ou da- artigo. As opiniões aqui expressadas, entretanto, são as
1
queles que definem o campo apenas como um empreen- minhas.
dimento aplicado. Entretanto, mesmo na ausência de
resistências ativas, levará muitas gerações para termos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
pesquisadores livres da aversão a arriscar-se - pesquisa-

dores socializados na cultura da construção de teorias, BERGER, C. R. & CALABRESE, R. J. (1975). "Some Explorations in lni-
tial Interaction and beyond: Toward a Developmental Theory of
que coloca a metodologia em sua perspectiva apropriada
Interpersonal Communication". Human Research, l: 99-112.
- e que, de modo significativo, possam negar o impacto BERGER, C. R. & CHAFFEE, S. H. (1987). "The Study of Communica-
dessas primeiras influências. Mais provavelmente tais tion as a Science". ln: BERGER, C. R. & CHAFFEE, S. H. (eds.).
Handbook of Communication Science. Newbury Park, CA, Sage,
mudanças serão mais evolucionárias que revolucioná- pp. 15-19.
rias, como supõe a avaliação de Miller (1981). Aqueles _ _. ( 1988). "On Bridging the Communication Gap". Human Com-
1nunication Research, 15: 311-318.
que acompanham com atençã~
. . ,. .
e ansiosamente esperam
'
BuRGOON, J. K. (1978). "A Communication Model of Personal Space
que uma figura como a de Einstein entre em cena, com Violations: Explication and Initial Test". Human Cornmunication

uma Teoria Geral da Comunicação Humana na mão, Research, 4: 129-142.
CAPPELLA, J. N. & ÜREENE, J. O. (1982). "A Discrepancy-arousal Ex-
muito provavelmente ficarão desapontados. Por isto a planation of Mutual Influence in Expressive Behavior for Adult
responsabilidade é daqueles, entre nós, que estão aqui aod lnfant- Adult Interaction". Communication Monographs, 49:
89-114.
agora para enfrentar os desafios colocados pelas impor-
Crwo, R. T. (1988). "The Handbook of Communication Science: A
tantes questões sobre a comunicação humana, produzin- Review". Quarterly Journal of Speech, 74: 487-497.
do teorias que tentam respondê-las e encorajando seus · CuSHAMAN, D. P. ( 1977). "The Rules Perspective as a Theoretical Ba-
sis for the Study of Human Communication". Communication
estudantes a fazer o mesmo.
Quarterly, 25: 30-45. .
DEL1A, J. G. ( 1987). "Communicatibn Research: A History". Hand-

76 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 77
, .
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'

78 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 79
Por que Existem tantas Teorias da
Comunicação?*

Robert T. Craig '


1

s atuais tendências em teoria da comunicação su-


A gerem um paradoxo. Mesmo que o campo tenha
crescido e amadurecido, e que nos últimos anos os pes-
quisadores em comunicação tenham contribuído mais e
. . .,. . melhor para uma teoria original, mesmo assim tem no-
• tavelmente aumentado a confusão, a incerteza, a dissen-
são implícita e, num menor grau, a controvérsia explícita
sobre as funções, formas e focos apropriados à teoria da
comunicação. Sim, o campo continua em "fermentação"

• * Tradução de " Why Are There So Many commun ication Theories?", in Jo11r-
11al of Co,11111unica1ion, sumrner 1993, vol. 43, o. 3. pp. 26-33. Por Luiz C.
Martino/David Page Huxton Jr. Revisão de Cristina Marques. Reproduzido
••
com a permissão do autor, a quem ágradecemos a genti leza.

81
, .
, .
(Ferment in the Fie/d, 1983) e mais do que nunca re- DEANIÇÃO DE T EORIA E OUTRAS CURIOSIDADES

clama ser repensado (Dervin, Grossberg, O'Keefe, &


Wartella, 1989). O que a te9ria da comunicação deveria Já nos anos 70, os pesquisadores em comunica-
parecer; para que ela serviria; quais as fronteiras e as ção estavam inteiramente seguros de que eles sabia1n o
divisões internas do campo; como a pesquisa em comu- que era a teoria, embora tivessem que admitir que eles
nicação deveria ser conduzida e como tais pesquisas se mesmos já não produziam muito disso. O oti1nismo
relacionam de forma apropriada com o desenvolvimento prevaleceu. Os filósofos da ciência e sociólogos que se
da teoria - tudo isso deve ser visto como questões em especializaram na "construção de teoria" tinham indica-
aberto no presente. do o caminho para uma ciência social da comunicação
Desde modo, mesmo que façamos mais teoria, nós e nós apenas tínhamos que seguir sua orientação. A teo-

nos tornamos (coletiva, se não individualmente) menos ria, sabíamos, compreende um corpo de generalizações
seguros do que precisamente estamos fazendo ou devería- científicas descrevendo relações funcionais associadas a ,
.
mos estar fazendo. Não tenho a intenção de propor isto varáveis inferidas ou determinadas empiricamente. Os
como uma correlação científica de "leis gerais". Produ- objetivos da teoria científica eram a explicação, a predi-

zir mais teoria não foi a principal causa de nosso pre- ção e o controle de fenômenos. Seguindo Merton (1957),
sente estado de desorientação, nem tampouco de nossas sabíamos que o que necessitávamos eram "teorias de
incertezas acerca da natureza e propósito da teoria para meio alcance" - teorias que proporcionariam hipóteses
.. . ~

produzir mais trabalhos teóricos. Prosseguindo com a rigorosamente testáveis acerca de uma classe delimitada

metáfora na linguagem da análise quantitativa, creio que de fenômenos. Tais teorias (a teoria da dissonância cog-
a correlação é largamente espúria. Tanto o aumento de nitiva, de Festinger [1957), foi um exemplo altamente
produção teórica, assim como o aumento de nossa con- influente) foram consideradas superiores às "grandes
fusão acerca da teoria, é melhor explicado pela influên- teorias" especulativas, como a teoria social de Parsons,
cia de um terceira variável: uma transformação geral das como também em relação às generalizações empíricas
ciências humanas, que está transformando a comunica- isoladas acerca, por exemplo, dos efeitos da atração pelo
ção e muitas outras disciplinas. medo na mudança de atitude.
Tínhamos apreendido com P@pper (1959) que a

82 LUIZ C . MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGE R TEORIAS DA COM UNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 83
.' .
condição sine qua non da teoria científica era afalsica-
originais no campo e até cita Craig (1988) para susten-
bilidade, e que as grandes teorias especulativas intrinse-
tar a visão que a ciência da comunicação não produziu
camente careciam desta qualidade essencial.
nenhuma grande teoria. Isto permanece verdadeiro, em-
De outra parte, generalizações empíricas isoladas ou
bora, como ambos salientaram, o campo gerou alguns
"conjuntos de leis" carecem de vantagens heurísticas e
esforços notáveis nesta direção nos últimos anos. O pre-
organizacionais das teorias de meio alcance conceitual-
sente ensaio, entretanto, faz um apanhado mais amplo
mente bem integradas. Seguindo (independente de sua
do campo, olhando para muito além das fronteiras da
inconsistência) a história e a filosofia da ciência pós-po-
ciência da comunicação, tal como se vê, por exemplo, no
sitivista de Khun (1962), finalmente sabíamos que, en-
• Handbook of Communication Science (Berger & Cha-
quanto procurávamos um paradigma, nossa ciência da
ffee, 1987; cf Craig, 1988).
comunicação estava num estado "pré-paradigmático".
Berger (1991) claramente pressupõe que nós sabe-
Desde modo, nos anos 70, nós achávamos que sabía-
' mos o que a teoria é: "alguns pesquisadores", escreve
mos o que era teoria. De fato, se nós acreditarmos em
ele, "simplesmente nunca aprenderam o que é uma teo-
publicações tais como o Handbook of Communication
ria" (p. 106); mas, num bom seminário de pós-gradua-
Science (Berger & Chaffee, 1987) e nos atuais livros di-
ção em construção de teoria, "ao final de várias semanas,
dáticos de teoria da comunicação, os quais em grande
muitos estudantes têm uma boa idéia do que é teoria (p.
parte continuam a definir a·teória nos termos tradicionais
109). De acordo com esta ótica, sabemos o que as teo-
discutidos nos parágrafos precedentes, nós ainda acha-
rias são, mas até o momento não temos criado o bastante
mos que sabemos o que a teoria é.
delas. Não há dúvida de que são necessárias mais dessas
Aqueles que continuam a entender a teoria apenas
teorias, e a análise que Berger faz de nossas deficiên-
sob a ótica da teoria científica tradicionalmente aceita
cias do campo realmente aponta sérios problemas. Mas,
devem achar despropositadas minha asserção de que as
numa perspectiva ampla, se torna patente que os estu-
teorias da comunicação estão atualmente florescendo
' diosos da comunicação já estão realizando trabalhos que
como nunca. Berger (1991), por exemplo, escreve em
eles consideram como teóricos, mas que não poderiam
resposta a questão "Por que existem tão poucas teorias da
ser qualificados como tais, çle :acordo com a visão de
comunicação?" se queixa da relativa carência de teorias '
teoria tradicionalmente aceita, que Berger tomava como

84 LUIZ C. MA RTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER


T EORIAS DA COMUNICAÇÃO: M UITAS OU POUCAS? 85
' .
dada. Conseqüentemente, apenas se estivermos dispos- Como ele salientou, a antes clara fronteira entre as ciên-
tos a admitir que não mais sabemos o que é teoria, é cias sociais e as humanidades tinha se tornado nebulosa
que seremos capazes de ver que a teoria da comunicação (daí a utilidade de um termo como "ciências humanas",
agora está florescendo. o qual inclui ambas). Os acadêmicos de muitas disci-
As definições convencionais de teoria estão atrasa- plinas "ficaram livres para formular seus trabalhos nos
das em relação à prática: elas não refletem mais a atual termos de suas necessidades, ao invés de idéias formadas
gama dos trabalhos teóricos no campo. Este é o nosso sobre o que eles estão obrigados ou não a fazer (Geertz,
presente estado de confusão. Carecemos até mesmo de 1980, p. 167).
um vocabulário coerente, com o qual possamos discutir a Em certo sentido, as humanidades recentemente têm

grande variedade de idéias que atualmente anunciam a si se tornado mais científicas. Não estou me referindo ao
próprias como teoria da comunicação. Diferentes linhas uso de computadores e estatísticas para documentação,
de trabalhos teóricos tiram suas premissas de compreen- análises
, textuais e semelhantes; embora tais desenvol-
sões fundamentalmente diferentes da teoria. A própria vimentos tecnológicos certamente tenham ocorrido e
noção de teoria é radicalmente contestada. Porque, en- talvez não sejam destituídos de importância. O que que-
tão, existem neste momento muitas teorias da comu- ro enfatizar é que as humanidades têm se tornado mais
nicação? Este desenvolvimento é melhor entendido no teóricas. Se no passado achávamos que as humanidades
contexto das tendências que. transformaram
..
não apenas estavam relacionadas com a compreensão e apreciação
nossa disciplina, mas as ciências humanas em geral. de atos ou artefatos historicamente singulares, enquanto

a filosofia e as ciências se encarregavam de questões de
GÊNEROS MISTURADOS natureza geral ou teórica, isto definitivamente não é mais
o caso. Nas humanidades, a teoria interdisciplinar agora
A transformação essencial das ciências humanas compreende a filosofia, a teoria social, a retórica e os es-
que melhor explica a recente proliferação das teorias da tudos culturais como também a teoria da crítica artística
comunicação, assim como nossa atual confusão sobre •
num discurso comum, ainda que heterogêneo. Por in-
teoria, foi bem designada por Geertz em seu famoso en- termédio desse discurso interdisci,Plinar, linhas do pós-
saio "Gêneros Misturados" ["Blurred Genres"] (1980). . '
modernismo, da desconstrução,' da teoria da resposta do

86 l,UIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHA RJ.,ES R. BERGER


TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 87
,
leitor, do historicismo, do feminismo, do marxismo, da pode ser, portanto, amplamente irrelevante para as novas
psicanálise, e assim por diante, emergem, recombinam e formas de teoria. Porém, a despeito do quanto gostemos
se propagam através de disciplinas e continentes. ou não dessa situação, procurar ignorá-la ou negá-la ape-
Entretanto, talvez seja um pouco equivocado dizer nas serve para piorar nosso presente estado de confusão
que as humanidades, tornando-se mais teóricas, torna- acerca da teoria.
ram-se mais científicas, visto que há pouca semelhança Enquanto as humanidades se t9tnaram mais científi-
entre as novas escolas de teoria interdisciplinar e as tra- cas, no sentido especial do termo, conforme aqui expos-
dicionais formas de teoria nas ciências empíricas. Em to, os elementos humanísticos no interior das ciências
vez disso, elas colocaram um sério desafio às noções da sociais, influenciados pelas mesmas tendências interna-

teoria científica. Elas nos sensibilizaram para as incon- cionais de interdisciplinaridade, têm se desenvolvido no-
tornáveis dimensões literárias e retóricas de toda lingua- vamente. Deve-se enfatizar que as abordagens mais duras
gem e todo discurso, incluindo todo discurso acadêmico, das ciências sociais e do comportamento continuam a se
em especial as próprias teorias científicas. Cada vez desenvolver. Sua vitalidade aparentemente não tem di-
mais, nas ciências humanas, as escolas de teoria são con- minuído, mas seria despropositado negar que sua domi-
sideradas em si mesmas como gêneros literários. No que nância relativa em alguns desses campos declinou, e que
Simons (1990) chamou de "a virada retórica", a teoria é outros estilos de ciência social ganharam reconhecimen-
concebida como um discurso .prático, historicamente si- to e adeptos. O pós-modernismo, o feminismo e outros
tuado, não de todo diferente daqueles disGursos das artes desses movimentos interdisciplinares têm infectado as
e da vida pública que antes eram domínio das humani- ciências sociais tanto quanto as humanidades. Além dis-
dades. Para aqueles que consideram que a teoria é um so, a prática da maior parte da teoria social especulativa
empreendimento essencialmente retórico-literário, are- - inspirada por eminentes figuras exemplares tais como
lação da teoria com critérios epistemológicos, tais como Habermas, Foucault, Giddens e outros - tem reconquis-
a falsificabilidade ou a explicação científica, tomou-se tado um lugar proeminente, que aparentemente tinha
extremamente problemática. A teoria-como-discurso não sido destronado pela voga das teorias de meio-alcance
tem relação clara com a teoria-como-conhecimento. O na segunda metade do século. A maior atenção dada à
vocabulário tradicional da construção de teoria científica dimensão histórica dos processos sóciais; o aumento de

88 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRA IG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNI CAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 89
' .
interesse no discurso analítico textual e em metodolo- ria social tradicionalmente tem sido formulados como
gias etnográficas; o aumento do uso e o reconhecimento explicação, predição e controle, mas a lógica da expli-
do valor dos métodos qualitativos mais gerais - todas cação que estrutura esta santa trindade epistemológica
estas tendências, em toda parte, se encontram muito tem se tornado extremamente problemática na medida
mais em evidência nas ciências sociais. Cada uma des- em que a atenção tem se voltado para o possível papel
sas tendências, juntamente com a emergência da teoria constitutivo da teoria na vida social. Nesta perspectiva a
interdisciplinar nas ciências humanas, contribui para teoria influencia como as pessoas pensam e falam sobre
tornar indistintas as fronteiras entre as ciências huma- suas próprias atividades na sociedade, e, baseados nela,
nas e coloca em questão o vocabulário metateórico da dão forma a suas atividades e às estruturas sociais emer-

teoria da explicação científica, de acordo com o qual as gentes aí produzidas e reproduzidas. Porém, de acordo
ciências sociais apenas podem avançar tornando-se mais com a lógica da explicação científica, uma teoria que
duras, mais quantitativas, mais parecidas com a física e age, ·ativamente na configuração do próprio fenômeno,
• A • •
...
as c1enc1as naturais. e supostamente o explica, é essencialmente não-testável
e, por conseqüência, é irreparavelmente não-científica.
TEORIA E PRÁTICA Qualquer observação que pode ser apresentada para tes-
tar predições derivadas deste tipo de teoria está irrepara-
Desse modo, como sustenta . . Geertz
. (1988), tornou- velmente contaminada, e a lógica da explicação cai num
se nebulosa a fronteira entre as ciências sociais e as hu- círculo vicioso.

manidades. Mas a transformação das ciências humanas Diante de tal situação os cientistas sociais podem
implicou mais que uma simples emergência da teoria nas adotar uma ou outra de duas estratégias básicas. Na
humanidades, acompanhada do ressurgimento de abor- primeira, eles poderiam isolar, tanto quanto possível,
dagens mais "softers" nas ciências sociais. A indefinição a sociedade de qualquer influência das teorias sociais
das fronteiras entre teoria e prática - um desenvolvi- científicas com a intenção de preservar a lógica da expli-
mento que levanta questões básicas sobre os objetivos e cação. Mas a futilidade (ao menos nas sociedades libe-
propósitos da teoria - também têm sido importante para rais relativamente abertas), assim como o absurdo ético
esta transformação. Nas ciências, os objetivos da teo- de tal posição é óbvio. A segunda abordagem seria abra-

90 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER


TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 91
' .
'
çar o potencial constitutivo da teoria e assumir a devida teoria, isso permanece altamente controverso. Muitos
responsabilidade por suas conseqüências. Entretanto, que se auto-identificam como teóricos da comunicação
entre essas duas alternativas está o fato de a explicação, permanecem fortemente comprometidos com o ideal de
a predição e o controle tomarem-se insuficientes como uma ciência social empírica epistemologicamente fun-
objetivos da teoria social científica. Dado sua função dada. Além disso, mesmo entre aqueles que estão com-
constitutiva, em vez de meramente explicativa, a teoria prometidos com o cultivo de ufna estreita relação entre
deve agora abordar outras questões e buscar outros ob- teoria e prática - precisamente, com o quanto nossas
jetivos no sentido de se justificar como uma atividade. preocupações morais ou políticas serão relevantes - , a
Como Hesse (1980) salientou, as generalizações cien- teoria é objeto de um grande número de interpretações
tíficas do social, na medida em que são empiricamente diferentes: outro índice de nossa presente confusão so-

indecidíveis, estão de acordo com a lógica da explicação bre a teoria.
científica, que asseguradamente - e de maneira incontor- , No espírito do dito atribuído a Lewin, que "não há
nável - são julgadas por outros valores, sejam estéticos, nada mais prático que uma boa teoria" (citado em Thayer,
morais ou políticos. 1982, p. 21 ), alguns defendem com vigor a aplicação dos
Novamente constatamos que as teorias devem ser métodos científicos das ciências sociais para orientar
vistas - por aqueles que aceitam seus papeis potencial- problemas socialmente significantes, mesmo enquanto
mente constitutivos - como sendo outra coisa ou algu- continuam a aderir à ótica da teoria científica geralmente
ma coisa a mais que apenas co~·hecimento. A teoria não aceita. A ação social a serviço de fins morais e políticos,

se tomou o coroamento das realizações de uma ciência de acordo com esta visão, deve ser preparada por um
social objetiva, mas, ao invés disso, um componente in- exame epistemológico e pelo conhecimento científico.
tegral de uma prática social engajada. Não apenas crité- A explicação, predição e controle permanecem os prin-
rios epistêmicos, mas critérios práticos, de modo geral, cipais objetivos da ciência enquanto tal, mas a ciência
também entram no discurso da teoria. pode ser usada (sem comprometer seus princípios éticos
• e metodológicos) para avançar na direção de objetivos
Se valores outros que não os epistêmicos (e, de modo morais e políticos. Em contraste, seriam moralmente
.
suplementar, estéticos), serviriam como critérios para a irresponsáveis para defender as áções sociais baseadas

92 l.U IZ C. MARTINO, ROBERT T . CRA IG, CHARLES R. BERGER TEOR IAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 93
' ' .
em crenças falsas ou não testadas sobre as conseqüên- rando o estado da teoria em seu conjunto, não poden1os
cias daquelas ações e crenças contaminadas por dogmas concluir que a teoria e a práxis social tenham atuahnente
ideológicos ou pensamentos interessados (isto é, teorias sido fundidas em um sentido definitivo qualquer, mas
baseadas mais nas predileções morais ou políticas que sim que as fronteiras entre elas, como as fronteiras entre
na pesquisa científica). as ciências sociais e as humanidades tornaram-se obs-
As ciências sociais tradicionais podem adquirir, curas, indistintas. Este obscurecimento das fronteiras
então, uma moral racional. Este argumento - não sem abriu nosso próprio campo para um grande número de
mérito, especialmente acerca das implicações morais do novas variedades h.J.ôridas de trabalho teórico, todas se
método científico - falha em fazer uma avaliação com- autodenominando teoria da comunicação, e todas crian-
pleta do papel potencialmente constitutivo da teoria na do uma relativa abundância de teoria da comunicação
sociedade, como acima discutido. Minha própria visão hoje em dia - e isto igualmente com uma provocadora
é que nós nos estabelecemos amplamente à parte dos desordem.
, •
tradicionais modelos da teoria científica, mesmo con-
cedendo um lugar importante aos métodos de pesquisa Ü FUTURO DA TEORIA DA COMUNICAÇÃO
empíricos. Uma teoria da comunicação "prática" seria
essencialmente normativa e continuaríamos a conduzir Dado nosso presente momento, no qual as fronteiras
estudos empíricos e outros tipos de estudos para inves- da teoria e da comunicação parecem estar em movimen-
tigar as assunções e conseqüênéias da teoria prática to, será que não nos é oferecida uma oportunidade para
(Craig, 1988). · reconfigurar o futuro do campo, assim como romper ve-
Ambas as visões, aqui apenas esboçadas, derivam lhas barreiras e abrir novas possibilidades para a pesqui-
amplamente de uma única escola de filosofia: o prag- sa em comunicação?
matismo americano. De modo algum se trata da única Talvez os caminhos possam ser encontrados através
perspectiva atual sobre como fundir teoria e prática. Teó- de vários modelos de teoria da comunicação, aparente-
ricos críticos, feministas, teóricos da construção social e mente incompatíveis ou não relacionados com a forma

da pós-modernidade apresentam uma desconcertante va- da teoria da comunicação agora existente. Eles podem
riedade de abordagens dessa questão. Por isso, conside- conduzir a um diálogo mais prod1J.tivo entre elas. Talvez
'

94 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 95

,
um esquema atualizado dos paradigmas para pesquisa REFER~NClAS BIBLlOGRÁFICAS
em comunicação reduzirá nossa confusão e romperá
nossa consciência das alternativas. Talvez a ciência da BERGER, C. R. (1991). "Cominunication Theories and Other Curios".
Communication Monographs, 58: 1O1- 113.
comunicação possa ser compreendida como uma "disci- _ _ . (1992). "Curiouser and Curiouser Curios". Co,nrnunication
plina prática" integrada, na qual as pesquisas empíricas, Monographs, 59: 101-107.
críticas e interpretativas, assim como o trabalho aplicado BERGER, C. R. & CHAFFEE, S. H. (eds.). (1987). Handbook of Commu-
nication Science. Newbury Park, CA, •Sage.
e a reflexão filosófica têm profundamente associado as CRAIG, R. T. (1988). "Toe Handbook of 'Communication Science: A
funções essenciais com o realizar (Craig, 1989). Review". Quarterly Journal of Speech, 74: 487-497.
_ _ . (1989). "Comunication as a Practical Discipline". ln: DERVIN,
Por mais que a disciplina seja compreendida de for- B.; CROSSBERG, L.; O'KEEFE, B. J. & WARTELLA, E. (eds.). Re-
ma ampla, por mais confusos que possamos coletivamen- thinking Communication vol. /: Paradignz /ssues. Newbury Park,
CA, Sage, pp. 97-122.
te estar acerca da teoria, cada um de nós que trabalha na
DERVTN, B.; CRosssERG, L.; O'KEEFE, B. J. & WARTELLA, E. (eds.). ( 1989).
teoria da comunicação deve fazer isso de uma maneira Rethinking Communication. Newbury Park, CA, Sage. 2 vol.
específica, mesmo que restrita, de acordo com alguma "Fetment in the Field" [Special issue] (1983). Journal of Communi-
cation, 33 (3): l-368.
noção de teoria relativamente definitiva (cf Berger,
FESTINGER, L. A. (1957). A Theory of Congnitive Dissonance. New
1992). Apesar disto, também devemos esperar que nosso York, Row Peterson.
trabalho possa significar um aumento dos problemas da GEERTZ, C. (1980). "Blurred Genres". The Arnerican Scholar, 49: 165-
179.
disciplina. As questões básicas sobre teoria e pesquisa HESSE, M. (1980). Revolutions and Reconstructions in the Philosophy
agora estão abertas e incertas. Toda contribuição para of Science. Bloomington, Indiana University Press.
KHUN, T. S. (1962). The Structure of Scienti.fic Revolutions. Chicago,
a teoria da comunicação, incluindo a rrossa, exemplifi-
University of Chicago Press.
ca uma abordagem destas questões - e as inclinações e MERTON, R. K. ( 1957). Social Theory and Social Structure. New York,
limitações de cada abordagem. O diálogo na disciplina Glencoe.
POPPER, K. R. (1959). The Logic of Scientific Inquiry. London, Hu-
avançará na mesma proporção em que refletirmos sobre tchinson.
os vários modos da teoria e suas inclinações e limitações PuRCELL, W. M. (1992). "Are There So Few Communications Theo-
ries?" Communications Monographs, 59: 94-97.
características. Situado no interior de um tal diálogo, o
REDDING, W. C. ( 1992). "Response to Professor Berger's Essay: Its
trabalho em nosso campo não pode falhar em engajar Meaning for Organizational Communication". Cornmunication
soluções amplas por toda parte nas ciências humanas. Monographs, 59: 87-93. ,
'

96 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 97
• •
S1MONS, H. W. (ed.). (1990). The Rhetorical Turn: lnvention and Per-
suasionin the Conduct of lnquiry. Chicago, University of Chica-
go Press.
SKJNNER, Q. (ed.). (1985). The Return of Grand Theory in the Human Muitas & Poucas: A Dupla Personalidade
Sciences. London, Cambridge University Press.
T1-1AYER, L. ( 1982). "What Would a Theory of Communication Be
das Teorias da Comunicação 1
for?" Journal ofApplied Communication Research, 10: 21-28.
L. C. Martino
,'

início da década de 90 assistiu a um interessante

º debate sobre as teorias da comunicação. Charles


Berger e seu colega Robert Craig, ambos professores e
pesquisadores estadunidenses, renovaram essa problemá-
tica, já bastante conhecida da área, ao darem uma forma
curiosa à discussão. O debate foi introduzido pelo artigo

do primeiro, "Por que Existem 1ão Poucas Teorias da Co-
municação?", que suscitou uma série de reações, de onde
uma das mais incisivas foi a de Craig, em seu artigo "Por
que Existem Tantas Teorias da Comunicação". A incom-


1. Versão corrigida e ligeiramente modificada do trabalho apresentado no
XXVU TNTERCOM - Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação,
realizado na PUC, Porto Alegre 30 de agostp a 3 de setembro de 2004.

98 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER 99


, .
patibilidade dos títulos traduz claramente as divergências
Nossa intenção aqui é justamente reto1nar este deba-
e,n relação ao modo de compreender o problema da pro-
te, apresentar e discutir suas principais idéias e cotejá-las
dução teórica da área de comunicação. Afinal, existiriam
com algumas outras que viemos trabalhando há alguns
poucas ou muitas teorias da comunicação?
anos, no sentido de esclarecer os problemas que dão ori-
Evidentemente, uma questão como esta ultrapassa gem a estas concepções antagônicas sobre o estado do
o quadro de uma simples troca de opiniões, ainda que corpo teórico da comunicação.
seja entre duas autoridades da área, pois o que menos
importa é chegarmos a qualquer resposta imediata que
nos leve a aderir a uma dessas posições. Nosso objetivo POR QUE EXISTEM TÃO POUCAS TEORIAS DA COMUNICAÇÃO?

aqui não é indicar quem estaria com a razão, mas saber


como devemos entender esta dissensão. É fácil perceber Vejamos primeiramente o trabalho de Berger. Seu
que, por detrás desta desavença, temos problemas mais artigo está estruturado a partir de três passos fundamen-
profundos sobre o que devemos entender por "campo tais. Temos, primeiramente, um rápido levantamento do
comunicacional". As diferenças de abordagem e de foco estado do campo comunicacional, de onde se destacam
que separam estes dois autores encerram, a meu ver, um duas características bastante relevantes: o alto nível de
grande potencial e são bastante propícias à análise de fragmentação do campo e a falta de produção teórica
algumas inquietações sobre o estado do campo. própria. Num segundo momento, dado a evidência desta
De fato, trata-se de um.problema já bastante conhe- situação - também constatada por muitos pesquisado-
cido, no entanto, vejo em sua formulação singela - pou- res -, Berger não perde tempo em tentar comprovar seu
cas ou muitas? -, uma entrada interessante na dimensão diagnóstico e indaga-se a respeito das razões que nos
epistemológica, por exigir uma resposta igualmente di- levaram a isso: como chegamos a este estado de frag-
reta a respeito do corpo teórico. E isso talvez possa ser mentação?; quais são as razões de nosso déficit teórico?
uma maneira de suscitar o interesse de largas parcelas de Por fim, no terceiro ponto ele examina algumas soluções
nossos estudantes e pesquisadores, pouco afetados por para estes problemas.
este tipo de problema, sensibilizando-os para as graves Nas linhas abaixo, nós procuramos apresentar e en-
questões que cercam o corpo teórico de nossa área. cadear logicamente suas observações.

100 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERG ER


TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MU ITAS OU POUCAS? 10 1

r •
O Estado do Campo de não podermos mais manter o contato entre suas partes
ou ter uma compreensão de seu todo.
a) O elevado nível de fragmentação do campo
Fazendo uma síntese dos trabalhos epistemológicos b) Pouca relação entre as subáreas do campo
dos anos 70 e 80, o autor identifica um conjunto de fato- Esse processo de fragmentação resulta no "pouco
res comuns que servem de base para a reflexão a respeito comércio entre as várias subáreas do campo" (p. 101).
da definição do campo. Entre elas, a constatação pratica- Com efeito, a desmesura do campo parece sugerir que
mente incontornável sobre a fragmentação do campo. Te- as subáreas sejam na verdade campos independentes,
mos aí um ponto de partida quase que obrigatório quando com pouca troca e colaboração entre elas. A falta de um
se trata de apontar o atual estado do campo de estudos da conjunto de problemas comuns, que desempenhem um
comunicação. Berger não constitui exceção, mas marca papel estruturante e, de outro lado, a inexistência de uma
sua diferença em relação a outros autores ao se alinhar síntese dos conhecimentos do campo são argumento~
com um pequeno número de pesquisadores que tentam poderosos, que parecem corroborar esta interpretação.
chamar a atenção para as conseqüências desta fragmen-
tação (por exemplo, Escarpit, 1991; Martino, 2001 ). De c) O significado da fragmentação
forma abreviada, podemos dizer que a fragmentação não Entretanto, se a distância e a indiferença mútua en-
é apenas um estado, mas um processo. Ou seja, o campo tre as subáreas parece ser um caminho até aqui natural
não seria apenas fragmentado;ele continua a se fragmen- no desenvolvimento do campo, é preciso ter bem claro
tar, produzindo novas temáticas e novas subáreas que que isto não significa necessariamente que elas sejam ou
vêm se juntar as já existentes. Por isso a fragmentação venham a se tornar domínios autônomos. Não estamos
é vista como um processo que engendra cada vez mais diante de um processo onde as subáreas estariam dando
fragmentação, aumentado constantemente a extensão do origem a novos campos de pesquisa. O problema não é
campo e nos levando a níveis maiores de complexidade, tanto de independência, mas simplesmente de confusão.
o que evidentemente agrava o problema de sua definição. •

O campo não seria apenas "rico e diverso", como querem Na prática, quando alguém examina criticamente os relatórios
alguns, mas ele será cada vez mais diversificado, a ponto de pesquisa de programas convencio11ais
, de algumas dessas subá-

102 LUIZ C. MARTINO, ROB ERT T. CRA IG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUN ICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 103
reas contextual mente definidas não pode deixar de se surpreender o campo [da comunicação] importa muito mais que ex-
e de perguntar porque a pesquisa não poderia ter sido apresen- porta" (p. 102). O que o leva a associar o problema da
tada nutn progrania de uma outra subárea. Por exemplo, muitos
fragmentação do campo, ou da falta de um núcleo teó-
ou talvez a maioria dos relatórios de pesquisa, apresentados sob a
rubrica de comunicação em saúde poderiam ser acomodados nos
rico específico, com a evidência de uma baixa atividade
domínios de comunicação pessoal ou de massa (Berger, 1991, pp. teórica dos pesquisadores em comunicação.
101 -102; grifo meu). •

O resultado de toda essa análise, que parte da cons-


A indefinição das subáreas é um reflexo das próprias tatação da fragmentação do campo para chegar na au-
pesquisas e deixa exposta toda a dificuldade que elas têm sência de uma atividade teórica (ou de um corpo teórico
para delimitar e precisar seus objetos de investigação. próprio) é preparar o problema sobre o qual Berger real-

Berger vai direto ao ponto ao afirmar que "não existe mente irá se debruçar ao longo de seu artigo. Ele preten-
um corpo teórico comum, que unifique as pesquisas de fornecer uma explicação (ainda que parcial) para a
conduzidas nestes contextos incontestavelmente únicos falta de teorias da comunicação e discutir algumas solu-
de comunicação" (p. 1O1). Desse modo, as subáreas não ções no sentido de superar o atual estado do campo.
cumprem sua função de circunscrever domínios mais
restritos e enfrentam os mesmos problemas colocados O déficit teórico
para a totalidade da área. ,. . ..
Berger trabalha quatro planos de explicação para a

d) Baixa atividade teórica ausência de uma atividade teórica própria: a) razões his-
Finalmente, "o fato de não haver um critério de ava- tóricas; b) a obsessão metodológica; c) aversão ao risco
liação teórico ou paradigma teórico particular, entorno de errar; d) a formação acadêmica (self selection). Veja-
do qual os pesquisadores em comunicação possam orga- mos alguns pontos de suas análises.
nizar seus esforços", não somente se reflete na desarticu-
lação das subáreas do campo, mas também expressa um Desde sua origem a comunicação foi identificada
importante déficit teórico. O autor chama atenção para como um campo interdisciplinar. Esta visão foi reforça-

"o comércio intelectual com as disciplinas associadas: da e praticamente se institui11 com o célebre trabalho de

104 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG , CHARLES R. BERGER TEOR!AS DA COMUN ICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 105

, .
Schra1nm (1963), no qual Lazarsfeld, Hovland, Lewin e que os esquemas teóricos são tomados emprestados de
Lasswell são apontados como os quatro pais fundadores outros saberes. Além do mais, não podemos levar mui-
do campo. Berger destaca o fato de eles serem pesqui- to longe esta visão que separa saberes teóricos e sabe-
sadores de outras áreas (sociologia, psicologia e ciência res práticos, Berger oportunamente lembra que não há
política), o que muito contribuiu para que os estudantes oposição entre ciência aplicada e fundamental. Teoria e
em comunicação fossem encorajados a seguir uma des- aplicabilidade não são dimensões que se excluem mu-
sas vertentes teóricas. Dito de outro modo, a formação tuamente e seria um equívoco acreditar que pesquisas
dos pesquisadores em comunicação estava totalmente aplicadas possam prescindir de uma dimensão teórica.
impregnada da idéia de que buscar uma teoria da comu- Este ponto está fortemente associado a outro fator
nicação corresponderia a aprofundar-se no domínio de que contribui para o déficit teórico, tratado sob a rubrica
outras ciências. O que, de fato, equivale a dizer que não "obsessão metodológica".
temos teorias próprias.
,
Estas raízes extracampo ainda se fazem presentes; Dado que as raízes teóricas do campo se encontram em di-
versas disciplinas afins, tudo que é necessário para tomar-se um
elas deixaram marcas profundas e continuam estruturan-
pesquisador em comunicação bem formado é familiarizar-se com
do o campo. Antes de tudo por que incutiu a idéia de que
o respectivo corpo de teorias das disciplinas afins e aprender a
a comunicação é uma ciência social aplicada. bem empregar as técnicas de metodologia (p. 105).

Naturalmente, se alguém vê a-execução da pesquisa em co-


Vemos que Berger se serve do mesmo raciocínio
municação meramente como uma aplicação, das teorias desenvol-
vidas em outras disciplinas para os "problemas da comunicação",
empregado em relação ao problema da comunicação
então não há necessidade dos pesquisadores em comunicação de- corno uma ciência aplicada. O que parece indicar que a
senvolverem suas próprias teorias de comunicação (p. 104). obsessão metodológica é apenas uma outra entrada, mas
não realmente um outro problema. De todo modo, seja
A percepção do saber comunicacional como uma pelo viés da metodologia, seja pelo viés da aplicação da
ciência aplicada leva necessariamente a um baixo desen- • teoria, a questão gira em torno da idéia que a área tem de
volvimento teórico, não somente porque a ênfase recai si mesma. Se ela se vê apenas como um campo, então é
sobre os problemas de ordem prática, mas também por- natural que considere a si mesma como uma ciência apli-

106 LUIZ C. MART INO, ROBE RT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER


T EORIAS DA COMU NICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS ? 107
' .
,
cada e que volte sua atenção para problemas práticos. conhecer as teorias existentes, a fim de atingir os objetivos que
De onde a preocupação metodológica e a idéia de que têm em mente; entretanto, sua orientação certamente não é un1a
orientação que valoriza o desenvolvimento teórico (p. 108).
os pesquisadores em comunicação sejam apenas meros
"testadores de hipótese" de outras áreas. Se não nos ocu-
pamos da produção de um saber particular à comunica- Berger também destaca a formação acadêmica como
ção, se estamos convencidos de que somos apenas um um dos motivos de nossa deficiência teórica. Ele não pou-
, .
campo (em oposição a uma disciplina), então é natural pa cr1t1cas ao comparar o vago projeto de muitas faculda-
que passemos a aplicar teorias de outras áreas ou nos des de comunicação com as manchas sem significado do
contentemos em desenvolver métodos para testá-las. famoso teste de Rorshach, ou seja, em nossa área cada
um vê o que quer, basta projetar suas expectativas que

Outro aspecto histórico importante destacado por elas se acomodam perfeitamente à realidade de nossos
Berger é que a apropriação da pesquisa em comunica- cursos, pois a indefinição destes permite que cada um
ção pelos departamentos de jornalismo e de letras pode os veja segundo os próprios interesses. Daí o fato de que
explicar parcialmente a carência de crescimento teórico. "a maioria dos estudantes podem se ver como estando
Estas disciplinas acadêmicas estão fortemente ancoradas bem adaptados em um programa de pós-graduação típi-
numa tradição de ensino voltada para a aquisição de ha- co, 1nesmo quando a especialidade deste não está exata-
bilidades práticas. Os estudantes de graduação formados mente de acordo com o que eles gostariam de fazer" (p.
. . ".
nestas tradições orientam suas perspectivas de modo que 109). Nossos alunos parecem ter certeza de estarem no

a produção de teoria não é uma dime~são relevante em lugar certo, ainda que tendam a serem cépticos quanto
sua formação ou em suas práticas profissionais. à utilidade dos ensinamentos ministrados. Vemos que a
condição em que se encontra nossa formação acadêmica
A atividade de produção de teorias provavelmente não é faz com que ela complete injunções de mercado e de
muito atraente para os estudantes de pós-graduação, que vêem inserção social dos alunos, instaurando uma circularida-
sua formação principalmente como uma via para se aventurar no de acadêmica que se auto-alimenta de mal-entendidos e

ensino de habilidades de comunicação, se engajando em ativida-
cujo produto é a manutenção de um estado de fato onde
des de consultoria organizacional e tomando-se pesquisadores de
mercado. Tais pessoas podem estar extremamente interessadas em
o desenvolvimento teórico per~e. $eu sentido.

108 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUN ICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 109
' .
,
Ainda no campo acadêmico, Berger destaca que o tos de ensino, passando pelo sistema de reconhecimento
sistema de reconhecimento, através do qual formamos (formação das autoridades da área), interagem de modo
nossas autoridades da área, também contribui para nos a se reforçarem mutuamente. Eles acabam formando um
afastarmos das questões teóricas. Primeiramente pelo sistema com os outros aspectos analisados (fragmenta-
que nosso autor designa como a "aversão ao risco de er- ção do campo, heranças históricas, raízes extra-campo,
rar", ou o medo de expor suas próprias idéias. Afinal, a comunicação como ciência aplicada... ), imprimindo
produzir teoria implica necessariamente em submeter-se uma direção ao processo de formação que pouco valori-
às críticas dos colegas, o que nem sempre é feito com za o desenvolvimento teórico.
isenção, separando o lado pessoal do profissional. Logo,
é muito mais fácil e seguro desenvolver uma carreira PoR QUE EXISTEM TANTAS TEORIAS DA COMUNICAÇÃO
• acadêmica apenas testando ou comentando as teorias
dos outros. Um segundo aspecto importante é que em Mais do que discussões pontuais, são diferenças de
.
nossa área o desempenho acadêmico é essencialmente pontos de vista que promovem a incompatibilidade de
avaliado em termos de produção de textos introdutórios diagnósticos de nossos dois autores. Enquanto Berger
voltados ao ensino de habilidades práticas. toma como pressuposto a distinção entre o que é uma
produção do campo e o que é importado de outras áreas
Tendo em conta as observações acima, podemos in- do conhecimento (embora não aponte em que ela se fun-
ferir que a própria visão que temo·s· da produção teórica, damenta), Craig procura justamente problematizar esta
ou seja, a idéia mesma que temos da teo'ria, parece con- distinção, o que o leva a extrapolar os limites de nossa
taminada, ou simplesmente está de acordo com a idéia área e admitir um âmbito muito maior de produção teóri-
que temos do campo como atividade aplicada. A teoria ca. Ele parte do princípio de que somente poderemos en-
seria um simples auxiliar no desenvolvimento de habili- , . . -
tender o problema da produção teonca em comun1caçao
dades práticas, consideradas o elemento central de toda a levando-se em conta o movimento global das ciências
produção da área. Também devemos destacar que o con- humanas e das humanidades.
junto destes aspectos internos à formação acadêmica, Comparado com o anterior, seu artigo é muito menor
que vão desde as expectativas dos alunos até os proje- e mais conciso. Não se trata de umá análise completa do

110 LUIZ C. MARTJNO, ROBERT T. CRAIO, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 111
' .
campo, mas de um problema central, articulado em duas Tanto o aumento de produção teórica, assi1n como o aurnento
etapas. Na verdade, ele introduz duas problemáticas im- de nossa confusão acerca da teoria, são 1nelhor explicados pela
portantes, que não estavam diretamente contempladas na influência de um terceira variável: uma transfonnação geral das

análise de Berger e que podem ser expressas por duas ciências humanas, a qual está transformando a comunicação junto
com muitas outras disciplinas (p. 26).
perguntas:
- O que é teoria?
- Como devemos nos situar em relação à interdisci- Este movimento de transformação é o que os teóri-
plinaridade? cos europeus e nós mesmos temos designado como inter-
disciplinaridade. Para Craig, ele é a verdadeira "causa"
Tomando como base a história das últimas décadas, para o atual estado do campo. O crescimento do campo e

Craig introduz a tese de que, desde os anos 70, estaría- a produção teórica apenas refletem um movimento mais
mos perdendo a certeza do que é uma teoria. Atualmente, geral que atinge as ciências do homem. Contudo, é pre-
segundo ele, estaríamos vivendo um processo no qual "a ciso ver mais de perto as razões que levam Craig a este
própria noção de teoria é radicalmente contestada" (p. 28). diagnóstico do campo.
Daí sua contraposição ao artigo de Berger. Primeiramen-
te, em relação ao corpus teórico da comunicação, muito O que é teoria?
maior que aquele indicado por seu colega; depois em re-
lação à natureza mesmo do ptoóléma, que não seria tanto As evidências que levam Craig a falar em uma con-
a produção de teorias (produzir mais teorias), mas sim o testação da teoria, de u1na ampliação exagerada até a
próprio significado de teoria. A impossibilidade de preci- perda do sentido desse termo, são apresentadas em duas
sar este termo proporcionaria as condições para que uma frentes diferentes. Elas são extraídas de observações re-
série de outras produções, até então paralelas ao campo lativas à relação teoria/prática e de razões internas à evo-
comunicaciona1, fossem aí incluídas e classificadas como lução do próprio campo científico.
produções teóricas. Estaríamos passando, então, por um • No tocante ao primeiro ponto, o autor afirma que
incontornável crescimento do campo, concomitante à in- "as definições convencionais de teoria estão atrasadas
definição ou ao alargamento dos horizontes teóricos. em relação à prática: elas não :refletem mais a atual

112 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRA IG, CHA RLES R. BERGER


TEOR IAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 113
' .
gama dos trabalhos teóricos no campo" (p. 28). Ao con- porque ainda devemos chamar estas práticas de "teoria"?
,
trário das aparências, não se trata da fastidiosa repetição E o autor mesmo quem afirma que não podemos compa-
de uma fórmula muito conhecida, que opõe o mundo rar as teorias tradicionais com esta nova produção, vis-
acadêmico ao dos profissionais da comunicação. Bem to que "há pouca semelhança entre as novas escolas de
entendido, a prática aqui significa a prática dos teóricos, teoria interdisciplinar e as tradicionais formas de teoria
ou seja daqueles que produzem as teorias. O problema nas ciências empíricas" (p. 29). Depois, parece-me alta-
em jogo não é a relação com o campo profissional, mas mente incoerente traçarmos a história da falência de uma
uma defasagem entre nossas idéias sobre a teoria e a noção para imediatamente a empregarmos na descrição
maneira efetiva com que os teóricos de nosso campo de nosso proble111a ou de um novo estado que, supos-
trabalham. Por conseguinte, a noção de teoria retida e tamente, rompe com o anterior. Em suma, há algo de
trabalhada por Craig não é fruto de uma discussão teóri- embaraçoso em tudo isso: Craig afirma que não sabemos
ca, mas derivada da observação da prática dos pesquisa- mais o que é teoria, mas o problema aparece formulado
dores do campo. Sua argumentação se apoia no fato de a partir de práticas "teóricas"; não podemos mais distin-
que "os estudiosos da comunicação já estão realizando guir as fronteiras entre os saberes, mas temos certeza de
trabalhos que eles consideram como teóricos, mas que que ainda se tratam de "teorias da comunicação".
não poderiam ser qualificados como tais, de acordo com Se a teoria ficou para trás, como sugere o autor, se
a visão tradicionalmente ac~ita de teoria, que Berger to- toda a certeza que tínhamos sobre esta noção acabou se
.. . mostrando tão inconsistente como alegado, então tam-
mava como dada (p. 26).
Entretanto, logo de partida, · uma primeira indaga- bém deveríamos estar prontos a descartá-la. Aliás, até
ção se impõe: como podemos deixar de saber o que é mesmo seu problema não teria mais sentido: se real-
teoria, sem igualmente deixarmos de saber quem são os mente não há mais teoria, qual o sentido de se perguntar
teóricos? Soa um pouco estranho acreditar que podemos "por que existem tantas teorias da comunicação?". Eis
deixar de saber o que é teoria, mas continuar sabendo aí qual deveria ser a primeira vítima da falência dessa
quem são os teóricos. Por outro lado, se estamos mes- noção. Admitir a incerteza sobre a noção teoria deveria
mo passando por uma "transformação geral das ciências nos levar a admitir que o problema de Craig não passa
humanas", o que nos deixaria sem saber o que é teoria, de um falso problema. Afii,ál qual importância de falar

114 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO : MUITAS OU POUCAS? 115

' .
sobre a quantidade de algo que ninguém sabe o que é? por um certo conceito de teoria, mas que não podemos
Ou tecer considerações sobre um campo de estudos que chegar a um consenso mínimo a seu respeito. Ora, esta
julgamos impossível determinar? afirmação introduz uma curiosa distinção, pois sugere
Por outro lado, afirmar que "não sabemos mais o que é somente quando se afastam de suas práticas de
que é uma teoria", pode ter mais de uma significação. pesquisa que os teóricos deixam de saber o que é teoria.
O sentido literal, como acabamos de ver, impede qual- A prática aparece como um reduto livre da dúvida e, ao
quer afirmação sobre a teoria, seja sobre sua quantidade, que tudo indica, mais à vontatle se encontraria a teoria
seja sobre a possibilidade de se reconhecer os teóricos. se não fosse "teorizada". Mais uma vez o problema de
Dessa forma, dizer que não sabemos o que é teoria sig- Craig está em risco, pois se a teoria funciona em termos
nifica que não podemos dizer mais nada a seu respeito. individuais, isto é, se a teoria continua funcionando para
• De outra parte, esta afirmação pode ter apenas um va- resolver problemas de pesquisa, qual o problema então?
lor retórico ou heurístico, no bom sentido de nos levar O que mais deveríamos esperar dela e por que teria dei-
a definir melhor o que é uma teoria. O autor, entretanto, xado de existir ou de fazer sentido?
não deixa muito claro qual desses sentidos ele retém. Em Seguindo sua linha de raciocínio deveríamos então
suas linhas gerais, não hesitamos em dizer que o traba- afirmar que, embora haja certas condições limitadoras,
lho de Craig toma esta última orientação, mas a ausência nós sabemos o que é teoria. Estas condições dizem res-
de apontamentos positivos, seu empenho em argumentar peito à generalização, ao confronto das várias práticas
contra o que ele chama de noçã'o "clássica" de teoria, e entre elas, mas não se inscrevem nas diferenças entre as
as conclusões que daí tira, acabam gerando certa con- práticas de pesquisa isoladas, quer dizer, na especifici-
fusão, pois parece que quer mesmo nos fazer crer que dade de cada objeto e problemas tratados. Logo, se nos
realmente "não sabemos mais o que é uma teoria". atermos à prática de pesquisa, a questão levantada por
, ,
E verdade que o autor tem o cuidado de dizer que o Craig desaparece. E preciso ter-se em conta que seu pro-
saber individual está preservado, que cada pesquisador blema só é pertinente e relevante se colocado como uma
ou teórico terp uma idéia do que seja teoria e que a perda questão epistemológica geral e não no plano da prática
de sentido se dá apenas no plano coletivo. O que equiva- (quer dizer, no plano estritamente teórico, onde a teoria
le a dizer que cada comunicólogo continua a se orientar se refere à solução de um problema de pesquisa). Com

116 LU IZ C. MARTINO, ROB ERT T. CRAI G, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COM UN ICAÇÃO : MUITAS OU POUCAS? 117
, .
efeito, a identificação com a prática não permite nenhum sariamente crítico e não poderia admitir como "teoria"
tipo de crítica geral da produção teórica, o problema tudo o que se diz e pensa ser "teoria". A reflexão episte-
só aparece se transposto para o plano metateórico, ou mológica não pode partir de "fatos"; ao contrário, co1no
epistemológico, onde são discutidas e confrontadas as toda forma de conhecimento baseado na racionalidade,
diferentes noções de teorias. Em outras palavras, o que o ela não apenas convive com a diversidade, mas requer a
autor chama de "prática" é simplesmente o plano de pro- pluralidade e o confronto de teses. O que inviabiliza seu
dução teórica (solução de problema), o qual ele mesmo argumento central de que as diferentes práticas teóricas
reconhece que continua funcionando; o que supostamen- nos deixariam sem saber o que é teoria. A diversidade
te estaria suspensa ou paralisada é nossa compreensão nunca foi um empecilho para a ciência, seja a diversida-
mais abstrata, quer dizer, é a discussão epistemológica de dos fenômenos, seja a diversidade de compreensões,
• sobre a noção de teoria de modo geral. Do contrário, sem explicações ou de teorias. Não é válido pretender tirar
fazer esta distinção entre estes dois planos, Craig teria daí um argumento contra a ciência ou apresentar isso
que admitir que o trabalho científico tem autonomia su- como a evidência de um pretenso "novo estado", de uma
ficiente para continuar funcionando sem necessidade de "nova fase" do conhecimento científico. Toda tentativa
teoria. Questão que, por razões óbvias, não tomaremos de refutar o trabalho científico ou epistemológico com
em consideração2 . base na diversidade de posições ou de entendimentos,
Por conseguinte, o problema çolocado por Craig é toda reivindicação de uma pretensa "falta de consenso",
muito menos teórico que epistemológico, mas o autor acaba sendo perfeitamente inócua, pois trabalha com
parece não dar atenção a isto. Primeiro, porque acha que uma imagem muito equivocada da ciência.
pode introduzir uma noção de teoria formulada como um Para além de todos estes paradoxos, ao reduzir a teo-
problema de sociologia da ciência; depois, porque não ria à prática dos teóricos, Craig introduz um terceiro sen-
parece reconhecer que o plano epistemológico é neces- tido da afirmação de que "não sabemos mais o que é uma
teoria". Na realidade, o que nosso autor encontra nao e
- ,

. exatamente um novo tipo de teoria, mas simplesmente o


2. Cf. A. F. Chalmers, "A Dependência que a Observação Te1n da Teoria",
capítulo 3 de O que é a Ciência Afinal?, São Pau lo, Brasi liense, 1993,
enfoque característico da sociologia, que reduz a produ-
pp. 46-63. ção de conhecimento às prática$ sociais (teoria = prática

118 LU IZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUN ICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? l 19
' .
dos teóricos; teóricos== instituição social. ..). Mas, dessa como aquilo que os agentes sociais fazem ou pensam
forma, o problema não é mais o conhecimento e portanto acerca disso. Para além das dificuldades e controvérsias
não estamos 1nais no plano epistemológico. intelectuais intrínsecas a estes elementos, seu objeto per-
A questão fundamental para a sociologia da ciência n1anece sempre inalterado e claro, pois são as práticas
é como os agentes sociais se articulam em torno de um soc1a1s.
certo ponto, que pode ser a arte, a religião, a ciência ou Tal simplificação exerce um grande fascínio em nos-
qualquer coisa, até mes1no a produção teórica. Veja-se sa área, que, sem tradição epistemológica e pouco pro-
bem, a teoria não é tomada em sua particularidade, mas pensa à reflexão, freqüentemente acaba não percebendo
reduzida a sua função social, como elemento aglutinador, a diferença entre sociologia da ciência (ou do conheci-
elo social. O sociólogo se interessa pelas relações sociais mento) e epistemologia.

assim estruturadas, pouco lhe importa o que é feio ou Tal simplificação exerce um grande fascínio em nos-
bonito, se deus existe ou não, se a teoria é verdadeira sa área, que, sem tradição epistemológica e pouco pro-
ou escandalosamente absurda. Para ele é completamente pensa à reflexão, freqüentemente acaba não percebendo
indiferente se "2 + 2 == 4" ou se "2 + 2 = 5". Seu obje- a diferença entre sociologia da ciência (ou do conheci-
tivo é como as comunidades (de artistas, de religiosos, mento) e epistemologia. Ao contrário do que acreditam
de cientistas, etc.) irão se organizar em grupos, gerando alguns teóricos da comunicação, é preciso refutar uma
hierarquias, distinções e status sociais que diferenciam pseudo-oposição entre elas, já que são pontos de vista
seus membros; como se dá ·o êonflito de interesses entre legítimos e irredutíveis entre si. A sociologia da ciên-
os grupos e a formação de hegemonía, etc. A investiga- cia não pode ser vista como uma solução mágica, capaz
ção sociológica não entra no mérito do elemento anali- de fazer desaparecer os problemas de fundamentação
sado, ela o toma apenas como fator de mediação social, da área. Não é desse modo que ela pode nos ajudar, ela
elo entre os 1nembros de uma comunidade. Razão pela nos é mais útil na medida em que converge ou aponta o
qual o interesse do sociólogo se volta para as práticas problema epistemológico. Por exemplo, um estudo em
sociais, o que lhes permite identificar esses elementos • sociologia da ciência aplicado à nossa área poderia nos
à ação ou à representação dos agentes. Deste modo, o fornecer uma explicação para um problema apenas le-
sociólogo define termos complicados (belo, deus, teoria) vantado por Craig: por que trabalhos de outras áreas es-

120 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, C HARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 12 1


tariam se auto-designando ou se auto-incluindo na área da interdisciplinaridade nos mostraria, então, que não é
de comunicação? Ora, o problema não precisa ter origem uma revolução teórica que está em jogo, 1nas que se trata
apenas no plano teórico, como quer o autor; uma inves- de uma estratégia de legitimação dos agentes do campo
tigação sociológica poderia descobrir que grande parte comunicacional para justificarem suas práticas.
do movimento que aproxima as humanidades do campo Portanto, não são apenas razões teóricas; a busca da
científico pode ser explicada por razões de ordem social. inserção social ou do reconhecimento social também po-
Pressões internas, tais como um excesso de pessoal ou dem explicar, e talvez exp,l iquem melhor, a confusão de
uma dificuldade política, podem fazer com que agentes nossa área com outras áreas de conhecimento. Por outro
de um certo campo busquem seu espaço institucional em lado, isto tudo aponta um problema epistemológico, quer
outros campos onde a disputa seja menos intensa. Sabe- dizer, esta migração de agentes de um domínio para outro
mos que muitos dos pesquisadores que atuam na área de se dá justamente onde há menos consistência epistemoló-
comunicação têm formação em outras áreas do conhe- gica. Emais fácil ser aceito em um campo pouco definido,
cimento (o que em si mesmo não constitui nenhum pro- com pouca fundamentação. Se pesquisadores de outras
blema), mas poucos têm a preocupação de se adaptar à áreas pode1n reivindicar sua auto-inclusão no domínio da
nova disciplina. Não é raro encontrá-los trabalhando do comunicação, é porque este domfnio mesmo permanece
mesmo modo que fariam em suas áreas de origem e por pouco definido, pouco trabalhado em suas bases epistemo-
isso temem, equivocadamente,. que o desenvolvimento lógicas. Aqui estamos novamente frente ao problema das
de uma base epistemológica; ·ou uma melhor definição manchas de Rorshach e cada um pode ver o que quer.
da área de comunicação, possa questionar seu trabalho. Outro ponto importante para o qual a explicação
Dessa forma, oriundos de outros ca1npos - ou de uma sociológica pode trazer alguma luz, diz respeito a uma
formação em comunicação que nunca se preocupou em opção que invariavelmente tem-se tomados frente ao de-
determinar a especificidade da área de estudo-, os agen- senvolvi1nento da epistemologia de nossa área. Sempre
tes do campo comunicacional recorrem à interdiscipli- me intrigou a atitude de nossos teóricos que, na busca de
naridade como uma forma de legitimar o que fazem, ao soluções mágicas para a fundament~ção da comunica-
invés de se colocarem a questão do que seria pertinente ção enquanto disciplina, preferem optar por desconstruir
ao saber comunicacional. Uma abordagem pragmática a ciência e reinventar o con'hecimento, ao invés de ten-

122 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRA IG, CHARLES R. BERGER


TEORIAS DA COMUNI CAÇÃO: M UITAS OU POUCAS? 123
' .
, .
tar seguir o caminho já trilhado por outras disciplinas. Por fim, é curioso que ao analisar ciência e movi-
Parece-lhes mais fácil fabricar um novo estatuto para mento interdisciplinar Craig proponha uma definição
o conhecimento, proclamar a natureza sui generis do pragmática apenas da primeira. Mas por que ele não
saber comunicacional, alardear uma estrondosa e mal se serve deste mesmo tipo de definição para abordar o
argumentada revolução do saber, que observar a histó- movimento interdisciplinar? Parece haver uma certa
ria e o trabalho de fundamentação de disciplinas afins. inversão no modo que as coisas· são apresentadas, já
Tenho certeza que, para seu espanto, descobririam que que nos propõe discutir teoricamente um movimento
os problemas que enfrentam não são tão particulares de viés anti-teórico e pretende analisar e questionar
como acreditam e que poderiam tirar bom proveito dos a ciência atual como se fosse apenas uma prática
ensinamentos de suas congêneres se não isolassem a co- social.

municação, insistindo nesta atitude de tomá-la como um Seja como for, ao identificar a teoria com a produção
saber excepcional. Como se pode inferir, a opção pelo dos, teóricos, quer dizer, ao dar uma definição pragmática
caminho mais difícil e pouco sustentável deixa claro que e empiricista à teoria, Craig simplesmente toma uma via
não são razões de ordem epistemológica que se encon- epistemológica muito limitada (ver MARTINO, 2001 b),
tram em jogo - mesmo sendo o problema eminentemen- ou simplesmente sai do registro da epistemologia para
te desta ordem -, o que toma bastante útil as explicações se situar no domínio da sociologia das ciências (como,
advindas da sociologia das ciências. aliás, se tornou uma confusão bastante freqüente). Seja
. '.. . .. '

Desse modo, pesquisa sociológica e reflexão epis- como for, não podemos continuar acreditando que pode-

temológica se alinham e se complementam, pois o mo- mos resolver os problemas de fundamentação de nossa
vimento detectado pelo sociólogo corresponde a uma área - um problema eminentemente epistemológico-, a
lacuna epistemológica. Não é o caso aqui de nos alon- partir de formulações da sociologia da ciência; ou que
garmos nesta linha de reflexão, mas é preciso veemente- podemos abordar os principais problemas da área de co-
mente refutar uma pseudo-oposição entre sociologia das municação arrumando formas de evitar a questão central
ciências e epistemologia, ainda mais quando se pretende de sua definição.
tirar daí um argumento para a "morte da teoria" ou a
falência do pensamento científico.

124 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS'/ 125
' ' .
MurTAS ou POUCAS? dos no texto de Berger, já que um campo é exatamente
isso, uma forma frouxa de saberes que se relacionam em
Não obstante todas as diferenças aqui levantadas, es- torno de questões vagas ou objetos empiricamente de-
tes dois autores não são tão contraditórios quanto pare- finidos. Por outro lado, se é o caso de falarmos de uma
cem. Eles repousam sobre um ponto em comum, já que disciplina, temos que admitir que tudo ou quase tudo
ambos aceitam o estado de fragmentação do campo, sem está por ser feito. Porque ao contrário da noção de cam-
se aprofundarem nesta última noção, que é mais engano- po, uma disciplina exige um grau de integração, de siste-
sa do que normahnente se supõe (Martino, 2004). matização e de rigor entre os conhecimentos aí gerados.
Talvez a principal crítica que possa ser feita aqui a Eles possuem um centro de gravidade que a noção de
• estes dois artigos diz respeito a uma das crenças mais campo desconhece. Os problemas giram em torno de um
arraigadas em nossa área: o mito da fragmentação do núcleo, expressado pela idéia de um objeto de estudo
campo. Ora, se parássemos um pouco para analisar esta (Martino, 2003b; 2001a).
noção, seria fácil entender que a fragmentação ou a di- Se falarmos em campo, necessariamente teremos
versidade é uma faculdade lhe é inerente. Todo campo é um enorme conjunto de teorias, não articuladas entre si,
necessariamente diversificado. O texto de Berger é uma relativas aos vários saberes que aí se encontram. Mas se
ilustração perfeita do que regularmente acontece com as falarmos de disciplina, evidentemente teremos que ser
.
análises sobre o saber comunicaci,onal: o campo é pro- mais rigorosos, pois, antes de tudo, teremos que estar
blematizado como uma disciplina, fazemos uma leitura em condições de reconhecer uma teoria da comunica-
de seu estado e fazemos disso um problema. Pensamos ção: o que faz com que uma teoria seja uma teoria da
como se ele tivesse que ser uma disciplina e, no entanto, comunicação? Não basta apontar esta ou aquela co1no
nunca levamos realmente a sério a idéia da comunicação exemplo, mas, sim, poder avançar um critério que nos
como uma disciplina. permita dizer porque consideramos esta e não aquela
,
E chegada a hora de entendermos que, se falamos em teoria como uma teoria da área. Claro que não se pode
campo, não temos nada que possamos fazer para superar esperar que haja um consenso em matérias como esta,
os problemas de fragmentação, falta de diálogo teórico, não se trata de buscar algo perfeita1nente exato, mas de
déficit teórico e tantos outros problemas bem levanta- propor critérios que, uma vez explicitados, nos permi-

l26 LUI Z C. M ARTI NO, ROBERT T. CRA IG, CHARLES R. BERGER T EORIA~ QA COM UN ICAÇÃO: MUITAS OU POUCA S? l27
'

'
tam o debate, o exercício da crítica e o trabalho coletivo Parece-me que Craig aceita muito prontamente a
da inteligência (traços característicos do pensamen- existência de um movimento interdisciplinar, sem um
,
to científico). E assim que podemos aperfeiçoar nossa exame crítico do que isto realmente significa. Apesar
compreensão da especificidade de nosso domínio de de por vezes se referir a ele como "a teoria interdis-
conhecimento. ciplinar", tudo que tem a avançar é um conteúdo ne-
gativo a respeito dessa suposta. classe de "teoria". A

De outro lado, Craig tem razão ao colocar o proble- interdisciplinaridade não constitui novos parâmetros de
ma de forma mais geral, situando-o no movimento das análise, ou qualquer outra coisa que nos oriente na for-
ciências humanas. Estaríamos equivocados ao pensar mulação de problemas ou na explicação de fenômenos.
que apenas o domínio da comunicação tem problemas A única coisa que propõe é uma crítica, de validade
• com sua fragmentação interna. Entretanto, se o proble- muito duvidosa, cujo objeto é a falênc ia daquilo que
ma ultrapassa nosso domínio de conhecimento, as solu- nosso autor chama de "teoria clássica" ou da ciência
'
ções também não podem ser buscadas de forma isolada. como um todo. Mas, mesmo se isto fosse verdade, o
Nesta perspectiva, ser.ia interessante recorrer aos ensi- que isso nos ajudaria em nossas pesquisas ou em nos-
namentos de outras disciplinas, ver co1no elas tem lida- sa prática pedagógica? Penso que dentre as muitas e
,
do co1n o proble1na. E estranho que seu artigo passe em graves conseqüências, estaríamos involuntariamente
branco sobre este ponto, o qual nos leyaria diretamente a incentivando os alunos a desclassificarem o conheci-
.
uma reflexão sobre a epistemologia ·das ciências huma- mento científico; a ignorar a tradição de pensamento
nas. Isto nos levaria a refletir melhor sobre quais as ra- que eles deveriam ajudar a construir; e a buscar por
zões que levam a comunicação a ser muito mais sensível si mesmos suas próprias respostas, sem contudo terem
ao problema trazido pelo n1ovimento interdisciplinar. condições para isso.
,
E verdade que boa parte delas se encontram no artigo Seja como for, sua argumentação repousa sobre uma
de Berger, mas em nossa opinião seria preciso insistir e base pouco aceitável. Se a impossibilidade de definição
aprofundar a relação entre a debilidade teórica e a inde- da noção de teoria é realmente um obstáculo para o pen-
finição da comunicação como domínio de estudo. samento científico, por que seria diferente no caso do
pensamento interdisciplinar, para ó qual também temos

128 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BBRGER TEOR IAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 129
' .
inúmeras definições? 3. Depois, se admitíssemos suas Na verdade a argumentação de Craig é rigorosa-
observações sobre o desaparecimento da teoria, elas de- mente trivial. Todos que procuram afirmar a interdisci-
veriam ser válidas não somente para nós, mas também plinaridade seguem os mes1nos passos expostos em seu
para o conjunto da ciência. Notemos que seus exemplos artigo. Em suas linhas gerais te1nos: 1) Uma descrição
são retirados de autores que trabalham a epistemologia sumária (e invariavelmente mal argumentada) de um
da física, tal como K. Popper ou T. Kuhn, mas curiosa- processo de crise do conhecimento - morte da teoria,
mente, as conclusões de Craig não dizem respeito a este fim da epistemologia, ou falência do pensamento cien-
domínio de conhecimento, tampouco temos indicações
tífico. 2) A emergência de um novo estatuto do saber,
de que a física esteja passando por uma revolução in- agora sem fronteiras, sem as amarras da disciplinarida-
terdisciplinar. Também parece não haver nenhuma outra
• de. Mas se 1 é extremamente duvidoso, a passagem para
opção entre um critério de científicidade demasiado rígi-
2 nunca é explicada, tampouco temos qualquer análise
do, como a falsificabilidade popperiana e a ausência de séria sobre as conseqüências dessa suposta implosão
critério apregoado pelo movimento interdisciplinar (ele do conhecimento. Na falta de uma argumentação con-
parece desconhecer as críticas ao princípio de fals ificabi- sistente, os adeptos da interdisciplinaridade pretendem
lidade e contribuições como a de Lakatos, por exemplo).
fazer com que aceitemos que a falência da ciência leve
Sem dúvida, há muito exagero na forma que o problema necessariamente ao nascimento de um novo estado de
é apresentado. Mais uma ve.~•. ó afã de justificar a produ- saber, o pensamento interdisciplinar. Mas o melhor que
ção ou a natureza interdisciplinar dy nossa área nos leva
têm a oferecer é o modelo da "gangorra histórica", onde
a tratar o problema da fundamentação do conhecimento
a decadência de um leva a ascensão de outro. Tudo se
de forma excessivamente simplista, que o leva à refuta- passa como se o conhecimento científico estivesse impe-
ção total da racionalidade ou da ciência.
dindo a visão de uma verdade dissimulada por detrás dos
conceitos, paradigmas, modelos, teorias e todo o instru-
3. Para uma visão da diversidade das abordagens interdisciplinar, ver L. Apos- mental científico - basta eliminá-lo para que a verdade
'
tei e/ ai., interdisciplinariedad y Ciencias Hu,nanas, Paris, Tccnos/Unesco,
apareça. A interdisciplinaridade - e bem entendido, a
1983. E1n relação às suas dificuldades, ver Jayme Pavian i, "Disci plinarida-
de e Jmerdisciplinaridade", in Carlos Pimenta (coord.) Interdisciplinarida- interdisciplinaridade que fo_i elevada a uma condição de
de, H11111anismo, Universidade, Porto, Campo das Letras, 2004.
novo paradigma epistemológico - não tem conteúdo po-

130 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER


r 'l'ECJRIAS DA COMUN ICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 131
,
sitivo: ela é apenas u1na "pseudo-crítica" ao pensamento Mudar nossa atitude pedagógica em relação à teoria,
científico, 1nais exatamente, uma reação contra o cepti- incentivando nossos alunos a começarem a produzir teo-
cismo em relação a possibilidade de fundamentação do rias, não pode resolver nossos problemas de definição
,
saber comunicacional (Martino, 2003). da área. E evidente que falta dar a eles uma informação
capital: o que é uma teoria da comunicação, quer dizer,
Berger, por sua vez, entende que as raízes históricas o que faz com uma teoria sej~ teoria da comunicação.
constituem um dos principais pontos de explicação para Afinal, sem este critério, que garantia temos de que não
atual estado de fragmentação de nosso campo. E ele não estamos apenas aplicando ou desenvolvendo teorias de
,
deixa de ter certa razão nisso. E impossível não perceber outras áreas, repetindo assim os enganos bem apontados
a grande dependência da comunicação em relação aos pelo autor? Sem uma reflexão epistemológica consisten-
métodos, paradigmas e teorias de outras áreas de conhe- te nossos pesquisadores certamente continuarão sendo
cimento, mas seria preciso se perguntar porque estas pri- "meros testadores de hipóteses dos outros".
meiras influências ainda persiste1n. Não basta levantar as Também é preciso considerar que ao incentivarmos
diversas razões que nos levam a afastar-nos da produção nossos alunos a produzirem teoria, ainda que haja algo
de teorias, é preciso apontar o que é uma teoria da comu- de atraente e de louvável nesta idéia, em que medida não
nicação e isto requer uma definição de nosso saber, um estaríamos simplesmente delegando a eles nossas fun-
amadurecimento do que nos constitui,como saber autôno- ções? Não estaríamos nos livrando de nossa responsabi-
. -.
mo. Não se pode ficar esperando que uma disciplina nasça lidade de mestres? Enfim, não estaríamos supondo que

de outras; ela deve se impor em relação a elas. Isto signi- os alunos têm mais condições ou que eles simplesmente
fica que, como qualquer outra, a comunicação deve saber devem trazer respostas a proble,nas que pesquisadores
afastar-se destas influências e procurar o que lhe é mais experimentados e teóricos avançados ainda não conse-
próprio, aquilo que pode caracterizar sua produção, seja guiram solucionar? Decididamente, a atitude pedagógi-
pelo seu objeto de estudo, pelo tipo de explicação ou pela ca do "aprender fazendo" não é adaptada à situação em
singularidade da perspectiva ou abordagem de uma classe questão. Chega mesmo a ser simplista a idéia de que se
de fenômenos, enfim, por um investimento epistemológi- faltam teorias, então devemos fazê- las. E veja-se bem,

co, que nossa área sistematicamente se recusa a fazer. não é o caso de se propor uma pedagogia mais correta.

132 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRA IG, CHARLES R, BERGER


TEORIAS DA COM UNICAÇÃO: M UITAS OU POUCAS? J33
' .
Os problemas epistemológicos pedem soluções episte- produto está em falta, vamos aumentar sua produção.
mológicas, eles deve1n ser tratados como tais. Daremos Para isso, ele propõe um verdadeiro "choque heterodo-
um passo importante ao reconhecermos isso. Até porque xo", medidas diversas, entre as quais: adaptar os currí-
teremos claro a inversão da argumentação de Berger: ne- culos de nossos cursos de pós-graduação; estimular os
nhuma atitude pedagógica, nenhuma estratégia de ensino alunos a produzir teorias; mudar valores em relação ao
pode funcionar, se não dermos a ela a direção na qual ela reconhecimento dos pares, a fim de valorizar a produ-
deve se desenvolver. Sem os instrumentos corretos, sem ção de teorias; articular a produção teórica a partir de
uma noção exata do que deve ser feito, a produção de questões centrais, uma espécie de núcleo duro, que daria
teorias é praticamente uma loteria. Temos que ter claro o forma ao campo.
real papel da epistemologia, pois é este tipo de reflexão Entretanto, ainda que fundamentalinente corretos,
que nos traz as linhas mestres da ação, e não o contrário. todos estes pontos depende1n de um outro:
Os ajustes dos procedimentos pedagógicos (currículos, -Como nossos alunos podem produzir teorias da co-
programas de disciplinas, etc.), a formação acadêmica, municação se não deixamos claro, nem para nós mesmos,
as expectativas dos alunos, o sistema de promoções e o que faz de uma teoria uma teoria da comunicação?
de reconhecimento; e, de outro lado, as ricas observa- - Como poderemos mudar os valores de nossa área,
ções da sociologia do conhecimento ou da sociologia em relação à produção teórica, se nem mesmo temos
das ciências, podem apenas nos ajudar, mas não podem certeza se produzimos teorias da comunicação ou se não
. . . ~

substituir ou resolver os problemas de nosso domínio de estamos convencidos de sua real utilidade?

conhecimento. - Enfim, não se pode esperar que a seleção de um
grupo de questões centrais venha de alguma votação em
torno de uma lista. Trata-se de produzir uma reflexão so-
CONCLUSÃO
bre o que é verdadeiramente central, buscar a especifici-
Se há poucas teorias da comunicação, o que deve- dade de nosso saber, indo portanto na direção oposta a
mos fazer; segundo Berger, é produzir mais. A simpli- • do movimento interdisciplinar.
cidade desta solução parece induzida pela metáfora de Toda a problemática teórica levantada neste debate
produção econômica empregada em sua retórica: se o fica sem sentido se não somos capazes de avançar os cri-

134 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER TEORIAS DA COMUNICAÇÃO: MUITAS OU POUCAS? 135
'
térios que nos permitem reconhecer o que é uma teoria incompatibilidade da coexistência destes tipos de teoria,
da comunicação ou um ponto de vista comunicacional, ou melhor, que haja mesmo um outro tipo de teoria.
quer dizer, um tipo de explicação que tome os fenômenos Ora, o reconhecimento da interdisciplinaridade como
co,nunicacionais como principal fator de entendimento paradigma epistemológico é justamente o problema e
e explicação dos fenômenos sociais (e não o contrário, não um fato colocado para nossa área, como Craig pre-
como normalmente vemos, os processos comunicacio- tende que aceitemos. Em sua essência, este movimento
nais sendo explicados por razões sociológicas, históri- se coloca como "anti-epistemológico", no duplo sentido
cas, psicológicas, políticas, etc.). em que pretende ser uma superação da ciência e que se
instaura como um obstáculo na busca da especificidade
De outra parte, Craig adequadamente retorque que do saber comunicacional.

já há muita coisa sendo produzida como teoria da comu- Enfim, o problema das teorias da comunicação não
nicação. No entanto, dá uma interpretação pouco crítica pode. ser tratado passando-se ao largo da questão fun-
desta produção. É curioso que da confusão de fronteiras damental da definição do saber comunicacional. Não
ele retenha e discuta apenas a "morte da teoria". Por- basta discutirmos o que é teoria ou incentivarmos sua
que não sabemos mais o que é teoria, então os campos produção, é necessário sabermos o que é comunicação,
da ciência e das humanidades se misturam e se tornam o que faz dela uma teoria da comunicação. Entre muitas
indistintos. Vimos acima que esta refutação da teoria é ou poucas, seria preciso antes se perguntar quais e por
inconsistente e não sustentável. Ciaig apenas quer ser que: Quais são as teorias da comunicação?; e por que as
"realista", dizendo que, "gostemos ou não": devemos re- consideramos como tais?
conhecer a produção interdisciplinar como um passo ne-
cessário para enfrentar o problema do corpus teórico de
REFERÊNCIAS BTBLTOGRÁFICAS
nossa área. Só que, ao reconhecer a interdisciplinarida-
de, ao admitir dois tipos de teoria, o problema desapare-
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138 LUIZ C. MARTINO, ROBERT T. CRAIG, CHARLES R. BERGER


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11tulo Teorias da Comunicação:


Muitas ou Poucas?
Autores Lu iz C. Martino,
Robert T. Craig e
Charles R. Berger
Orga11ização Luiz C. Marti no
Produçiio Editorial Aline Sato
' .. Revisão Cristina Marques
Editoração Elerrô11ica Amanda E. de Almeida
• Capa Tomás Manins
Formato 13 x 20 cm
Tipologia Times
Papel Cartão Supremo 250 g/m2 (capa)
Pólen Soft 80 g/m 2 (miolo)
N1í111ero de Páginas 138
Impressão e Acabame11to Prol Ed itora Gráfica

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