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Neste artigo, apresentaremos uma possível leitura do conto “dizem que os cães

vêem coisas” de Moreira Campos. Na primeira parte, constituída de três pontos, analisaremos
a contextura do conto, observando principalmente em como sua prosa transfigura-se num
instante visual. Em seguida, nos quatro pontos restantes, apontaremos como a organização do
texto é regida por uma dialética humana: a vida e a morte.

1- Dupla narração

“Dizem que os cães vêem coisas”, conto de Moreira Campos, escrito em 1986, é
breve e impactante, além de ter por característica duas posições tomadas na narração: a quase
objetividade extrema e o seu relato impressionista. De um lado temos a descrição de tudo por
uma visão cinematográfica, uma sucessão de imagens, quadros ou flashes, como se não
lêssemos, mas estivéssemos assistindo a um filme que se passa diante de nós, que começa
com a chegada Dela, sofrendo diversas mudanças de foco, e termina com os impactos da
morte de Netinho. Diante disso, na narrativa, prevalece a economia na enunciação, utilizando
construções nominais, “Mulheres seminuas, as nádegas reluzentes de sol e gotas d’água”
(CAMPOS, 2002, p.131), pois sua narração transfigura-se num instante visual, além disso,
não conhecemos o tempo em que ocorre a narrativa, nem possuímos muitas informações
sobre os personagens, apenas características físicas, nenhuma referência ao psicológico (salvo
o final) ou informações anteriores da vida destes personagens, como o nome (salvo Lenita e
Netinho). Sabemos apenas o que a câmera nos mostra.
Não sabemos o tempo da narrativa, mas sabemos com exatidão o espaço: o “vasto
terreno murado da mansão ensombrada pelas árvores” com uma “grande piscina” (CAMPOS,
2002, p.131). Praticamente, a narrativa se compõe pela sucessão da descrição do cenário sobre
diversos focos, com aproximações e afastamentos. O enredo perde destaque em favor dessa
descrição, feita de tal forma que os personagens e os seus diálogos atuam como cenário. Os
personagens não possuem grandes atos, a câmera os captura apenas por alguns instantes, além
de terem poucos diálogos, que ,quando aparecem, são curtíssimos, “bruto!” (CAMPOS, 2002,
p.131), ou repetem os enunciados, ou apenas partes destes, “a segunda” (CAMPOS, 2002,
p.132), a fim de que prevaleça a composição de uma cena cotidiana, por meio da descrição de
todo o conjunto, personagens e ambientes, em vez do foco em um ou outra ação ou
personagem.
Por outro lado há uma contação. Em “dizem que os cães vêem coisas”, apesar de
prevalecer a descrição cinematográfica, em que todos os elementos parecem se mostrar por si,
sem a intervenção de alguém os relatando a outro, existe um narrador que transmite suas
impressões a um receptor, porém em menor evidência. A presença de trechos em parêntesis,
adendos, que o narrador inclui comentários, explicações ou informações novas, “o garçom (ou
maître, porque era solene) curvou-se ao seu ouvido” (CAMPOS, 2002, p.132), por exemplo,
denuncia isso, assim como em “e vejam que as crianças são indóceis” (CAMPOS, 2002,
p.131), vocês (ouvintes, leitores, por que não expectadores?) vejam isso. Também notamos
esse outro lado claramente no final do conto, pois a narração ultrapassa a percepção da
câmera, descrevendo o psicológico de Lenita: “ficou para sempre com a sensação do corpo
inerte e mole entre os braços” (CAMPOS, 2002, p.134). Além disso, percebemos o tom de
relato, possuindo até uma reflexão, ”um pressentimento apenas?” (CAMPOS, 2002, p.134),
sobre um fato passado em um tempo já distante, ao contrário da narração que vinha sendo
utilizada até então, que descrevia os acontecimentos e ambientes à medida que o narrador os
percebe, os capta, pois há uma mudança do tempo verbal, “chegara” e “sentara” (CAMPOS,
2002, p.134).

2- A moldura

Um ponto a ser destacado nessa dupla narração é o uso de palavras e construções


como “Floco de névoa pronto a esvoaçar” (CAMPOS, 2002, p.131), em que, tecnicamente,
uma câmera não captaria estes tipos de elementos, apesar de podermos pensar na reprodução
em um cinema 5d ou 6d, logo, será proveitoso adicionar outra forma de análise: uma moldura.
Vendo dessa maneira, permanece a linguagem que se transfigura em visual, porém cercada
por algo: as impressões do narrador à mostra do receptor. O segundo parágrafo, formado por
duas palavras apenas, “um presságio” (CAMPOS, 2002, p.131), compõe-se, basicamente, por
essa técnica. A descrição, aparentemente, mostra-se como uma descrição tal qual se apresenta:
uma fotografia da realidade do conto. Entretanto, notamos a presença das impressões do
narrador a cercando. Moreira Campos emoldura sua prosa sutilmente.

3- Os (des)focos

A Morte, Ela, atua como fio condutor dessa narrativa. Em “dizem que os cães
vêem coisas”, a narração inicia-se por sua chegada, se desenvolve por sua presença e termina
com uma reflexão sobre esta. Um ciclo. Contudo, apesar de ser o motor da narrativa, Ela não
está no centro do foco narrativo, uma vez que, nesse conto, toda a cena o é. Ambientes,
personagens e diálogos atuam por meio dessa forma de construção. O todo prevalece sobre o
particular. Desta maneira, temos apenas instantes focais com aproximação ou afastamentos.
Esse recurso torna mais semelhante a prosa de Moreira Campos do cinema, o narrador atua
como o cineasta.
Apesar dos elementos parecerem mostrarem-se por si, existe alguém controlando
o que deve ser focado, o que deve e está sendo mostrado aos outros, em determinado instante.
Podemos perceber isso claramente, vejamos o parágrafo inicial:

Ela chegou diáfana, transparente, no vestido branco que lhe descia até os pés
calçados pelas ricas sandálias de pluma. Sentou-se à beira da grande piscina,
cruzando as pernas longas. Chegou antiquíssima, atual e eterna, com a sua cara de
máscara. Moldada em gesso? Apenas uma presença, porque pousou como uma
sombra. Apenas uma presença, porque pousou como uma sombra. Mas por um
fragmento de tempo, um quase nada, reinou entre todos um silêncio largo, que se
estendeu pelo vasto terreno murado da mansão ensombrada pelas árvores, dominou
a enorme piscina e emudeceu as próprias crianças pajeadas pelas babás de aventais
bordados, e vejam que as crianças são indóceis. (CAMPOS, 2002, p.131)

Aqui, constatamos o início do filme, a câmera se aproxima tanto dessa personagem que
captura até os detalhes da sandália dessa personagem, porém, logo após essa descrição temos
uma súbita mudança de foco, passamos a acompanhar o ambiente por meio de uma visão
panorâmica. Esse recurso de (des)focos permanece durante todo o conto.
Seguindo, temos outra mudança de foco, a câmera panorâmica cessa e somos
levados a observar um homem comum que pula na piscina para, logo em seguida, Ela voltar
para o instante focal, sua última aparição no conto, pois imediatamente sai do foco para
sermos levados a diversas cenas desse aniversário: homens e mulheres flertando, garçons que
circulavam, rodas de conversas, a dona da mansão tocando violão.

4- Dialética humana: vida e morte

Até aqui, vimos que “Dizem que os cães vêem coisas”, é comandado por um
cineasta, que configura o que deve ser mostrado, utilizando suas impressões como uma
moldura que cerca a obra. Sua forma casa perfeitamente com o desenrolar da história e a
presença Dela. Na prosa do escritor, reparamos a presença de uma organização baseada na
dialética humana: a vida e a morte. Diante disso, estabelece boa parte de sua obra1, inclusive
nesse conto.
Há apenas uma certeza humana: a morte. Moreira Campos tem uma plena visão
do homem, sabe dessa condição, do nosso paradoxo: “consciência de sua própria e esplêndida
originalidade por sobressair a natureza com imponente majestade e, apesar disso, de que um
dia estará sob poucos palmos de terra a fim de, cega e estupidamente, apodrecer e desaparecer
para sempre” (BECKER, 1976, p. 45). Diante disso, o escritor vê a morte de uma maneira
diferente. Freud relata que: “traímos um esforço para reduzir a morte de uma necessidade para
um fato fortuito” (1976, p.328). Nesse conto, há uma inversão: a necessidade tem ênfase.
Aqui, principalmente, notamos isso. Estamos diante de uma festa de aniversário
(uma comemoração por mais um ano de vida ou a proximidade de uma morte natural?), em
que os personagens vivem normalmente: crianças brincam, adultos flertam e velhos
conversam. Entretanto, temos a presença de alguém inesperado: Ela. A Morte, retratada de
forma fantástica, aparece sentando-se na beira da piscina, justamente o local do afogamento e
falecimento de Netinho, como uma força maior que subjuga o homem, nada a impede e
“apenas parecia consultar no pulso um relógio invisível, para marcar o tempo” (CAMPOS,
2002, p.131). A necessidade da morte monstra- se como o principal, o acidente resulta apenas
em um modo que isso aconteceu. A morte, para Campos, consiste em uma certeza
“antiquíssima, atual e eterna” (CAMPOS, 2002, p.131), que mesmo que não a percebamos,
Ela está lá, como uma presença, uma sombra, que pode dar suas caras até mesmo numa
situação cotidiana e alegre.

5- Consciência x Inconsciência

Sobre a percepção da morte, vale constatar como ela se estrutura, pois participa
como elemento organizador da dialética da vida e da morte. Esse ser com característica
humanas e não humanas, é descrito como “trespassável e transparente” (CAMPOS, 2002,
p.131), além disso, apenas o narrador a percebe, uma vez que “ninguém lhe ouviu os passos”
(CAMPOS, 2002, p.131), já os outros personagens continuam realizando suas ações
normalmente.

1
Tomando apenas o livro Dizem que os cães vêem coisas, dos vinte e oito contos presentes, apenas quatro (“A
Carta”; “Banho de Bica”; “O Cachorro”; Os Desgostos de Dona Bianca) não fazem referência à morte, concreta
ou simbólica, de pessoas, animais ou presente no ambiente, acontecendo na narrativa ou ficando implícito que
ocorrerá, como doenças degenerativas incuráveis.
Esse princípio mantém-se até Lenita notar a falta do filho. A partir desse ponto, os
convidados e empregados tomam consciência da Morte: “olhos espantados e repentino
silêncio talvez maior que qualquer outro. Refeições suspensas, uma senhora mantinha no ar o
garfo cheio” (CAMPOS, 2002, p.133). Recorrendo a Freud: “no inconsciente cada um de nós
está convencido de sua própria imortalidade” (1976, p. 327). Dessa maneira, os personagens,
por meio da morte de Netinho, reconhecem a condição humana, apesar de efetuarem um
esforço para voltar ao antigo torpor, a distração, pois a verdade , que a nossa morte e a dos
outros é inevitável, mostra-se muito dura. O terror da morte. Zilboorg (1950) citado por
Becker (1976, p. 35) resume:

Se este medo estivesse constantemente consciente, seríamos incapazes de agira


normalmente. Ele tem de ser adequadamente recalcado para permitir-nos viver com
um pouco de conforto. Sabemos muito bem que recalcar significa mais do que pôr
de lado e esquecer o que se pôs de lado e o lugar onde o pusemos. Significa
igualmente fazer um esforço psicológico constante para manter os olhos vendados e
nunca relaxar nossa vigilância (Zilboorg, 1946, p. 467)

Assim, logo após encontrarem o corpo de Netinho, o médico que tentou reanima-
lo “levantou-se sem palavras e sem olhar para ninguém” (CAMPOS, 2002, p.133) e uma
amiga de Lenita “limpava-lhe com os dedos a sobra de farofa que se grudara ao seu rosto”
(CAMPOS, 2002, p.133). Eles “vendaram-se”, já Lenita, “ficou para sempre com a sensação
do corpo inerte e mole entre os braços. Uma marca, presença que procurava desfazer com as
mãos. Cabelos louros e gotejantes. Às vezes, ela despertava na noite: - Acorde acorde!”
(CAMPOS, 2002, p.134). Desse modo, ela alcançou plena consciência e não consegue voltar
ao estado anterior, não consegue apagar a presença da morte, portanto, sofre com danos
psicológicos, como ter pesadelos noturnos.

6- Repensando o narrador e a narração

O princípio da consciência x inconsciência não se dá apenas nos personagens, o


narrador também entra nesse processo. Notamos isso no fim do conto, já descrito, sobre o tom
de relato, uma confissão que parece dizer: “Um pressentimento apenas?” (CAMPOS, 2002,
p.134) Não, eu a conheço, eu a vi, ela está sempre entre nós, antiquíssima atual e eterna.
Visto que o narrador estrutura o modo como devemos conhecer os fatos, é a partir de suas
percepções, ora por meio da câmera ora por meio de suas impressões, que somos levados ao
desenrolar dos acontecimentos, toda a narração pode ser repensada, desde os (des)focos,
começando por Ela, assim como a emoldurarão, além da descrição dos personagens.
A narrativa inicia-se com o pronome “ela”, sobre isso Cavalcante e Dos Santos
(2012) apontam: “A expectativa do leitor é que o ‘ela’, como todo anafórico, retome um
elemento presente no cotexto (não importa se antes, ou depois). Mas, no texto, o pronome
inicial termina por não se ligar a expressão referencial nenhuma no contexto” (2012, p. 669).
Diante disso, só percebemos que se trata da Morte pela caracterização seguinte, por meio das
características não humanas, mesmo sem ela ser chamada dessa maneira, uma vez que o
narrador nunca se refere a outro termo que não seja “ela”, como se remetesse a algo que, no
fundo, todos soubéssemos. Ele a percebe sentando-se na grande piscina, justamente o local da
morte de Netinho, “cruzando as pernas longas” (CAMPOS, 2002, p.131).
Vendo por essa forma, reparemos no uso dos adjetivos para dar uma grande
imensidão aos espaços, assim como as pernas Dela. No conto, temos uma mansão, um vasto
terreno, e, principalmente, adjetivos para caracterizar a piscina, grande, enorme, e uma
locução adjetiva, “quase olímpica” (CAMPOS, 2002, p.133). Da mesma maneira, também
constatamos certa frequência da palavra “sombra”, todo o ambiente parece coberto por ela.
Essa técnica quebra a descrição cinematográfica, não são mais capturados “do jeito que são”,
as molduras entram nos quadros, começam a participar não como o que os cerca, mas sendo
mais um elemento da composição da própria obra. Este recurso torna os personagens, o
narrador e os receptores pequenos diante do ambiente, quase como uma “formiga frente a um
gigante”, passando a ideia de forças maiores sobre nós, que estão sempre a espreita, como
uma sombra, casando perfeitamente com o desenrolar da história e a presença Dela.
Quanto ao foco, este funciona como o nosso subconsciente. Sempre tentamos
negar a morte, nos distrairmos da nossa condição, pois saber plenamente do nosso paradoxo
pode acarretar diversos problemas psicológicos, que encontra-se como tema central de vários
trabalhos da psicologia moderna, a exemplo o de Becker (1976). O narrador, preso nesse
movimento de consciência x inconsciência, por meio dos outros conhece a sua condição, mas
não é capaz de permanecer constantemente com esse funcionamento mental, como vimos com
Zilboorg, por isso, ele faz um esforço para manter os olhos vendados. Isso resulta,
precisamente, no mecanismo que estrutura esse conto, por meio do (des)focos Dela para
outros seres e cenas. Ora sua percepção atinge o ápice, como fez com a figura fantástica,
descrevendo até os sapatos, ora vira a lente em outra direção. Podemos perceber que sua
visão de mundo foi alterada, ele procura se desvencilhar da morte, se vendar e permanecer
vigilante, mas fica sempre fazendo comparações de + ou - morte, conscientemente ou não.
Notamos isso pela descrição, curta e seca, do corpo de Netinho: “um corpo inerte, flácido, de
apenas quatro anos e de cabelos louros e gotejantes” (CAMPOS, 2002, p.133). Não cabem
comparações ou apaziguadores, apenas a verdade crua, “do jeito que ela mostra-se”,
semelhante à realidade humana.
Essa comparação não se faz apenas nesses focos, mas também na descrição dos
personagens, pois estes são retratados pela lente do narrador, assim, temos passagens como:
“o homem gordo, de ventre imenso” (CAMPOS, 2002, p.131), lembramos que os adjetivos de
imensidão remetem a morte ou ao ambiente, ambos remetendo às forças superiores que o
homem, logo, o narrador parece, (in)conscientemente, afirmar uma proximidade da morte
com esse personagem, talvez por um doença na barriga, ou saúde precária, como obesidade
mórbida. O narrador também faz questão de lembrar sempre da jovialidade dos personagens,
assim não só as mulheres são descritas com um belo corpo e pouca roupa, “uns óculos escuros
sofisticados no sutiã mínimo”, como os homens, “o médico novo, de calção” (CAMPOS,
2002, p.133), em dissonância com as senhoras “grisalhas e indesunadáveis” (CAMPOS, 2002,
p.133), nos mostrando que o homem não é imortal, mas sim finito, o próprio passar do tempo
remete à morte.

7- (e dizem que os cães vêem coisas)

Por fim, restam algumas considerações sobre alguns personagens: Lenita, Netinho
e os animais. Os dois primeiros são uma exceção no conto, pois os outros não possuem
nomes, aparecem apenas com a descrição por meio da percepção da câmera, assim atingem o
caráter de universais, podem ser qualquer pessoa, já que não há referencia ao tempo e agem
de maneira como comumente fazemos: vivem à sua maneira sem pensar na morte.
Comecemos por Netinho, já que todas as atenções convergem para o garoto. Ela
veio por sua causa, sua mãe não consegue voltar à normalidade devido a sua morte e o
narrador descreve os fatos como uma confissão: eu pressenti, eu a vi, mas nada pude fazer.
Este tom de afeto do narrador, apesar de um pouco mascarado, torna-se perceptível
simplesmente pela atenção dada a Netinho. Seu nome está no diminutivo, ou seja, possui um
maior grau afetividade, assim, o texto ganha duas novas expressões.
A primeira ocorre pela via psicanalítica e cultural, com isso, recorrendo a Freud:
“a consideração pelos mortos, que afinal de contas, não mais necessitam dela, é mais
importante para nós do que a verdade, e certamente, para a maioria de nós, do que a
consideração pelos vivos”. (1976, p. 328). Apesar de particularizado, Netinho ainda
corresponde a um personagem universal, refletido por esse comportamento diante da morte de
alguém querido. A segunda ocorre pelo conhecimento biográfico do autor. Apesar do
biografismo, agora, ter pouco prestígios nas análises literárias, pode ser proveitoso saber que
Moreira Campos perdeu um neto por afogamento numa piscina. Portanto, o conto ganha uma
nova dimensão expressiva, podemos entender a posição confessional do narrador, além sua
preferência pela temática da morte e sua emoldurarão nos seus contos.
Quanto a Lenita, esta se assemelha a Netinho, também está individualizada, mas
tem caráter universal, pois sempre nos abalamos com a morte de alguém próximo,
principalmente alguém que amamos, assim, mesmo que descreva seu nome e os impactos no
seu psicológico após o falecimento do filho, não quebra o efeito geral, nem desfigura sua
narração, com isso não perde nada em expressão ou estética, ao contrário, ganha, inclusive ao
pensar no caráter biográfico: um pai que observou os impactos da Morte em sua filha.
Já os animais, principalmente os cães, merecem um destaque especial, pois suas
atitudes perante a morte dão nome ao livro e ao conto. Os cães, além do narrador, e de nós
mesmo, são os únicos que “percebem” a situação. Eles demonstraram um comportamento
estranho, latiam e se angustiavam, assim, “foi preciso que o tratador viesse acalmá-los,
embora eles rodassem sobre si mesmos e rosnassem” (CAMPOS, 2002, p.133). Os cães veem
coisas? O narrador adota duas posturas, uma com parêntesis, um adendo, “pode ser que sim” e
outra no final, sem parêntesis, ambas com “dizem”, na terceira pessoa do plural, usado para
indeterminar o sujeito, alguém disse. Na segunda, o narrador parece acreditar nisso, faz parte
de sua moldura que adentra a narração, não é apenas um comentário seu. Podemos pensar em
duas respostas, a primeira: até mesmo os cães entrariam no jogo da inconsciência x
consciência, são capturados pela câmera como capazes de observar Ela. Essa leitura pode ser
possível por meio do folclore, uma vez que Moreira Campos veio do interior do Ceará, muito
ligado a cultura popular, o misticismo e a literatura de cordel, porém uma análise mais
complexa dessa leitura ficará para um próximo trabalho que foque nesse aspecto bastante
ignorado na prosa desse escritor.
Já a outra, decorre dos conhecimentos de Deleuze e Guattari (1995). Becker
(1976, p.46) analisa que: “os animais não sabem que a morte está ocorrendo e continuam a
pastar placidamente enquanto outros caem a seu lado. O conhecimento da morte é reflexivo e
conceitual, e os animais são poupados disso”. Então, por que eles percebem a morte neste
conto? Recorrendo aos estudos daqueles autores, alguns aspectos do devir animal podem
fazer-se úteis para responder essa pergunta e completar essa análise. Para Deleuze e Guattari,
devir caracteriza-se como um desejo de tornar-se outro, porém sem nunca chegar a isso; um
movimento de velocidade e repouso, sem um ponto final, apenas com um ponto de partida,
com multiplicidades e criações e destruições de zonas fronteiriças, que produz apenas os
próprios blocos de devires, no qual o “devir-animal do homem é real, sem que seja real o
animal que ele se torna” (1995, p.17). Para resumir, utilizando as palavras dos próprios
autores: “devir é um verbo tendo toda sua consistência; ele não se reduz, ele não nos conduz a
‘parecer’, nem ‘equivaler’, nem a ‘produzir’” (1995, p.19).
Diante disso, eles organizam uma hierarquia dos devires, dentre eles está o devir
animal que, por sua vez, é divido em três categorias. Sobre a primeira, ressaltam:

Os animais individuados, familiares familiais, sentimentais, os animais edipianos, de


historinha, "meu" gato, "meu" cachorro; estes nos convidam a regredir, arrastam-nos
para uma contemplação narcísica, e a psicanálise só compreende esses animais para
melhor descobrir, por trás deles, a imagem de um papai, de uma mamãe, de um
irmãozinho... (DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix, 1995, p.21)

Deslocando essa classificação do contexto dos devires para trazer a nossa análise podemos
continuar com a “função” desses tipos de animais: uma imagem narcísica. No conto, podemos
perceber isso claramente com a presença do gato que “lutava com um pedaço de osso”, ou
seja, comia as sobras do almoço. Os convidados da festa estão comendo, assim como o gato.
Ele atua como imagem narcísica dessas pessoas, as inconscientes da morte, que apenas vivem
sem preocupações, já os cães são o oposto. Estes funcionam como imagem narcísica do
narrador, este vê a morte, torna-se consciente da situação humana, da finitudes dos outros e da
sua, portanto, os cães veem coisas: a morte.
Moreira Campos utiliza todos os elementos para atingir o grau máximo de junção
entre forma e conteúdo, tudo está presente com uma finalidade e pode ser percebido com uma
leitura atenta. Contudo, outra vez podemos recorrer à biografia do autor nessa análise para
ganhar na expressão. Em sua primeira versão, em 1987, o conto dava título ao livro, porém
não estava na mesma ordem, não era o último como na edição que estamos usando, 2002, que
segue a mesma ordem da segunda, que surge em 1993. Neste ano, ele organiza a segunda
edição, acrescentando um conto inédito, “A gota delirante”, além outros já publicados, e faz
modificações nas histórias e ordenação (CAMPOS, 2002, p.9). O autor ressalta nas primeiras
páginas que esse livro seria seu legado para a literatura (CAMPOS, 2002, p. 9), e deixa
“dizem que os cães vêem coisas” no fim, encerrando a obra. Podemos analisar como um
meio do autor participar do próprio conto como um personagem: o narrador. Em 1994, o
escritor morre e, pensando no que foi dito acima e em sua biografia, Campos estava mais
consciente de sua situação, a morte se aproximava, além de repensar o falecimento de seu
neto, assim, transfigura a sua realidade e mentalidade para um conto em que ele mesmo atua
como observador que vê Ela, deixando como seu legado a habilidade de fantasiar, a sua
própria vida e seu raciocínio.

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