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Apesar disso, nem os juristas dogmáticos, nem os jusfilóso- de diversa maneira segundo as características de cada formação
fos se encarregam dele. histórico-social e, obviamente, das condições concretas, sociais
Pelo contrário, o direito das sociedades contemporâneas é e pessoais, de cada indivíduo ou conjunto de indivíduos.
presumidamente conhecido por todos. São inescusáveis o erro
ou a ignorância. Os homens são livres e iguais ante a lei e, con- 2. O DESCONHECIMENTO COMO UM SUBPRODUTO DA
seqüentemente, estão igualmente capacitados para a celebração MARGlNALIDADE E DA ANOMIA
de qualquer ato jurídico.
Todos compreendemos, principalmente os juristas, que es- 2. I. A Marginalidade
tes pressupostos - essenciais vida do direito - não constituem
à
Disse Lester Thurow que a família média norte-americana "A longa queela secular ela Argentina parece haver-se
detido. ainda que a um enorme custo para milhões de po-
nunca poupou tão pouco como a partir de 1980; o investimento
bres e ela classe média. Porém, uma moeda muito sobreva-
industrial foi menor que o da década anterior, enquanto o cor-
lorizada. uma balança comercial que piora drasticamente e
respondente à infra-estrutura pública diminuiu à metade, sendo
sinais de pressões inflacionárias provocam dúvidas sobre os
a rubrica "educação" a mais afetada. avanços realizados ...
Paul Samuelson afirmou que a direita republicana tornou-se "Para os pobres da América Latiria. a elécada de 90
uma verdadeira ameaça para os direitos de um grande número é literalmente o tempo do cólera e também de tubercu-
de norte-americanos que não compartilham as convicções dos lose, malária e outras enfermidades infecciosas. Milhões
"fundamentalistas do mercado". de meninos vagam pelas ruas pedindo esmolas. Muitos
se voltam ao crime insignificante ou ao tráfico de drogas
Para Robert Reich, que atualmente integra o gabinete de Bill para sobreviver. Aqueles que são afortunados e podem
Clinton, a vantagem comparativa do Japão ou da Alemanha em terminar estudos secundários ou universitários logo se
relação aos Estados Unidos consiste no fato de aquelas nações defrontam com o fato de que não há empregos decentes
exercitarem a solidariedade interna; e acrescenta textualmente: disponíveis ... "
"Os Estados Unidos estão criando uma nação de terceiro mundo
E acrescenta o investigador citado:
dentro de suas próprias fronteiras (30.000.000 de pessoas) que
cresce a um ritmo mais vertiginoso do que a dívida nacional. Ao "Em muitos países da América Latina, a questão social
mesmo tempo, os poucos beneficiários do sistema precisam se alcançou dimensões críticas. A violência urbana e rural está
esconder dentro de comunidades 'cercadas' e a classe média se crescendo e, com freqüência, é brutalmente reprimida de
apequena ... Trata-se de duas economias só tangencialmente co- forma que determina mais violência.
nectadas - uma que reside nas torres das corpo rações e outra "A penetrante queda social reflete-se em práticas hor-
que habita as ruas. O desafio que nos aguarda - agrega - não é o ríveis como seqüestrar para pedir resgate e a venda ou
da competitividade, é o de manter uma sociedade coerente"!". assassinato de crianças. Estas sinistras realidades refle-
tem - e por sua vez alimentam - o alto grau de frustração
As crises que assolam a América Latina constituem um tes- e alienação mais penosamente evidente no Peru, mas
temunho por demais conhecido, nem por isso menos dramático. palpável em muitos países da América Latina. A emigra-
Descrevê-Ias seria seguramente super-redundante. Apesar disso, ção floresce, inclusive em países como o Brasil, onde não
parece útil transcrever as opiniões que expressa Abraham Lo- havia ocorrido antes; movimentos insurgentes e milena-
wenthal em ensaio publicado na influente revista especializada ristas estão ganhanelo força, bem como seitas religiosas
Foreing Affaírs'" sobre o subcontinente e sua comprometida es- evangélicas. Todas estas condições fazem a instabilidade
tabilidade político-econõmica e não o progresso firme e seguro."
Disse o Diretor do Centro para Estudos Internacionais da Diante dessas situações, instala-se hoje a pergunta acer-
Universidade da Califórnia do Sul: ca do papel e da "disponibilidade" do direito por parte dos
cidadãos. Para uma estratégia política e econômica que d ua-
"É difícil, se não impossível, que os governos (da Amé-
liza. que desintegra, que dissolve vínculos, que expulsa par
rica Latina) mantenham o apoio popular para reformas que
enriquecem uns poucos privilegiados sem brindar promes- fora do sistema centenas de milhões de almas, importa, ccr-
S(1S críveis ele prosperielaele... tarnente. privá-Ias de direito. Enquanto os cidadãos carecem
ele acocs concretas em defesa de sua condição de vida. ele
S('II t rnhnlho ou ele SlIFl saúde. tarnbéru o jurídico apnrcc ('
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sas práticas o germe de um direito emancipatório, gerador de 3. FUNÇÃO IDEOLÓGICA E EFEITO DE DESCONHECIMENTO
relações mais livres e igualitárias.
Nas sociedades industrializadas, a especificidade do direito
Ao cabo de alguns anos, parece imprescindível, apesar dis-
consiste em seu caráter geral, abstrato e formalizador. O direito
so, avaliar tais experiências de maneira mais prudente. Sem que
constitui os indivíduos em sujeitos jurídico-políticos, com o que
seja justo desconsiderá-Ias, é preciso estudá-Ias objetivamente,
traça o código de suas diferenciações. Ao propó-los livres e iguais,
distingui-Ias, descobrir a lógica interna que as anima. Em muitos
institui, a partir da lei, a diferença inscrita, apesar disso, em um
casos, segundo já se comprovou, estas formas alternativas são
portadoras de valores sociais consideravelmente mais regressi- marco de homogeneidade. Trata-se de indivíduos liberados dos
vínculos territoriais e pessoais das sociedades pré-capitalistas e
vos que os que informam os direitos estatais liberal-burgueses,
deste fim do milénio'". coesionados, agora, na lógica da produção que os separou dos
meios produtivos e os incluiu na unidade geral, abstrata e indívi-
Nem todo direito alternativo, por ser tal, parece nos dizer a dualizante do mercado. O direito transforma-se assim em um
experiência, é por si emancipatório. As teorias jurídicas alternati- conhecimento instituinte, em um saber social diferenciado, qu
vas antes mencionadas são ainda devedoras de uma investiga- se expressa como prática social âiscursive, destinada a legitimar
ção mais profunda (acerca desta problemática) e de uma concei- a distribuição do poder social. É detido, pela via da divisão do
tualização teórica mais rigorosa. trabalho em geral e da divisão do trabalho intelectual e do traba-
A pluralidade contraditória de normas pode ser identificada lho manual, por certo conjunto de indivíduos, digamos generica-
como uma fonte a mais do denominado "efeito de desconheci- mente, os juristas: funcionários, juizes. advogados, legisladores,
mento", enquanto os indivíduos ou não sabem a que pauta ade- etc. Eles se ocupam de pensar e pôr em ação as formas de ad-
quar sua conduta ou supõem que "seus" direitos prevalecem so- ministração institucionalizada, os procedimentos de controle e
bre o direito estatal ou terminam por desconhecer ambos. Por regulação das condutas, os modos de surgimento e gozo dos di-
último, a existência de distintos ordenamentos supõe, como di- reitos, e tornam-se, em conseqüência, depositários de uma for-
ria N. Luhmann, um aumento da complexidade do sistema, só ma de poder social especifica, que se assenta não só no conhe-
superável por via de novas distinções, cuja conseqüência não é cimento técnico que possuem, mas também no desconhecimen-
outra, como é óbvio, senão um novo aumento da complexidade, to correlativo do leigo. O poder assentado no conhecimento do
e assim sucessivamente, com o sempre latente perigo de uma modo de operar do direito se exerce, parcialmente, através do
entropia dissolvente. desconhecimento generalizado desses modos de operar. A pre-
servação desse poder está aparentada, sustentamos, com a re-
Contudo, a marginalidade e a anomia parecem elementos produção do efeito de desconhecimento.
"externos" à operação do subsistema jurídico. Para seguir usan-
do a terminologia sistêmíca. elementos do entorno. Daí que a opacidade do direito, ao menos nas formações his-
tórico-sociais contemporâneas. longe de ser um acidente ou um
Certas características "internas" também são produtoras de
acaso, um problema instrumental suscetível de se resolver me-
opacidade. As mesmas estão associadas com a peculiar articula-
diante oportunas reformas legislativas, perfila-se como uma deman-
ção do direito com o poder e com a ideologia, aspectos que a
da objetiva da estrutura do sistema, como um requisito de opaci-
Teoria Crítica relevou com especial atenção e aos quais vou-me
dade, que tende a escamotear - como a ideologia em geral -
referir ligeiramente na parte seguinte.
sentido das relações estruturais estabelecidas entre os sujeitos. com
a finalidade de reproduzir os mecanismos de dominação social.
(5) Ver: OLIVEIRA, Luciano (1992), Ilegalidade e direito nll (:mnllvlll 1101"'1 pma
vlt ar alguns equívocos, in: tsnstno Jurkitco - diagntlSlI(lI, /"'/'1/,,",111" " II/tll"I" Sw;tcntfl Foucault tr ••• 0 poder é lolerável só com
1:18,l\rn,~I"n, Orch-m dOI> I\clvoflfl(iO<; do IImq". di; IlHI,scnrnl" UI11í\parte importante ele si mesmo. Seu
140 CARLOS MARÍA CÁRCOVA DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA 141
na proporção direta com que logra esconder seus mecanismos ... O que tais paradigmas contribuíram para o conhecimento e
Para o poder, o segredo não pertence à ordem do abuso; é indis- a compreensão do fenõmeno da juridicidade esteve, pois, media-
pensável para seu funcionamento"!", do por tratos ideológicos que deslocaram seus sentidos ou que
os organizaram na lógica da reprodução da hegemonia social.
No mesmo sentido, diz Legendre que "o direito, enquanto
ocupado na manutenção da ordem, deve permanecer inacessí- Apesar disso - como recordava com acerto Poulantzas em
vel. O direito nunca mente, uma vez que ele existe, precisamen- um livro póstumo, cuja atualidade é injustamente esquecida =, a
te, com a finalidade de obscurecer a verdade social"!", lei não opera só como barreira de exclusão, mas também inscre-
ve e consagra em seu texto reais direitos, compromissos materi-
Esta intrincada afirmação de quem se descreve a si mes-
ais impostos pelas classes dominadas às dominantes'?'. É o que
mo como medievalista de profissão e psicanalista por afeição
temos chamado função paradoxal do direito que, a um tempo,
pode, contudo, ser aceita, se observarmos que a idéia de or-
reproduz as condições de existência de um sistema social e au-
dem foi habitualmente co-extensíva à de permanência, fixação
ou finitude. O conceito mesmo de sociedade - disse Laclau - xilia sua transformação progressiva.
não é senão uma intenção falida, por domesticar o infinito jogo Isso resulta de sua condição de discurso ideológico e de
de diferenças, a insalvàvel mutabilidade do social'", Por isso o discurso de poder. O direito se desenvolve como discurso ideo-
ideológico não deve ser pensado, à maneira do marxismo tra- lógico enquanto promete, com a finalidade de organizar o con-
dicional, como sistema de representações que constitui um ní- senso, o que não dá: igualdade, liberdade, proteção, garantias.
vel da totalidade social ou como falsa consciência, e sim, por Porém, como toda ideologia, quando desconhece, ao mesmo tem-
outro lado - segundo Laclau - como o conjunto de formas dis- po reconhece; quando descarta, alude. Assim, priva-nos da igual-
cursivas através das quais se desconhece, precisamente, a pro- dade, mas nos reconhece como iguais. Com isso habilita e legiti-
visoriedade radical do social e se pretende fixar seu sentido ma nossa reivindicação por igualdade, liberdade e proteção.
em um absoluto, qualquer que ele seja: "Deus" ou "classe soci-
Por sua vez, se o poder deixa de ser pensado, na tradição
al", "sujeito" ou "sistema".
que vai de Maquiavel a Parsons. como um instrumento ou como
O segredo a que alude Legendre pode, então, ser a específi- uma coisa que um sujeito ou um grupo possui e do que seu alter
cidade ideológica que consiste no intento de cristalizar o social carece e se reformula em termos de uma relação, o caráter para-
através do direito. Os grandes paradigmas jurídicos da moderni- doxal atribuído aqui ao direíto é mais claramente percebido.
dade (jusnaturalismo/positivismo) não só têm uma visão mate-
O poder, afirma Foucault, é uma situação estratégica. Onde
matizante como comum fundamento epistemológico (do mode-
há poder. há resistência, e esta não é exterior à relação de po-
lo hobbesiano da demonstratio ao da axiomàtica kelseniana), mas
der, mas interior a ela. Não há poder sem dorninador. tampouco
também coincidem na absolutização do jurídico, cuja natureza,
há poder sem dominado"?'. A única coisa que não pode fazer o
histórica e rnutável. escamoteiam, com fundamento em Deus, na
primeiro com o segundo é eliminá-lo. porque eliminaria assim
Natureza, ou na Razão no primeiro caso; ou com fundamento em
seu próprio poder, que se estriba, precisamente, em sua prepon-
uma hipótese gnoseológico-transcendental, uma norma de reco-
derância no interior da relação estabelecida. Uma relação, ade-
nhecimento, ou uma ficção, no outro.
mais, mutável e histórica. Esta circunstância explica que o poder
não se expressa em atos de pura negatividade. Por isso o direito
(6) FOUCAULT, Michel (1977), La historia de Ia sexualidad -Ia voluntad de saber, proíbe, mas permite; censura, obriga a falar; ordena, mas con-
México, Siglo XXI. t. 1
(7) LEGENDRE, Pierre (1976), Jouir du pouvoir, Paris.
(8) LACLAU, Ernesto (1993), Nuevas reflexiones sobre IR rcvnltu Mil ,/" 1I1/{'8/,., (O) VI'r: I'OUL/\NTZ/\S, Nil~os (1978), Estado, poder y socialismo, México, Siglo XXI.
rtempo, Buenos Alres. Nueva Visi6n. (10) l'OlJC/\lJL'I', Mlcht:l, 0'" clt.
143
I)1I1r.ITO, POLíTICA E MAGISTRATURA
142 CARLOS MARíA CARnlV~
tia que ela nos inspire, incontornável. ,I IBnore. Essa máxima expressa, também, a dependência-subor-
dinação com respeito aos fazedores, guardiães e aplicadores da
Para este autor, o poder é um fenõmeno relacional-reflexlvo \1'1 das massas populares cuja ignorância (o segredo) da lei, é um
e não casual-transitivo, como se sustentou tradicionalmente. unco dessa lei e da própria linguagem jurídica. A lei moderna é
O poder é um meio de comunicação social, quer dizer, lIllI 11111 'segredo de Estado', fundadora de um saber amparado pela
código de símbolos generalizados, pois torna possível e, ao mcs I••zào de Estado"(12).
mo tempo, disciplina, a transmissão do que, em sua obscura lei A própria lógica de organização do poder em nossas socieda-
minologia, Luhmann denomina "prestações seletivas" de um SlI
(Il:s parece explicar este paradoxo de imposição e desconhecimento
jeito a outro. Em termos mais claros, decisões de um sujeiLo (x),
01 que estão sujeitos os atores sociais, grupoS e indivíduos.
que escolhe uma das múltiplas alternativas que outro sujeito (y)
tem à sua disposição. Quando o sujeito (y) atua, não pode igno Há, na prática dos juristas, ainda que no plano inconsciente,
rar a decisão do sujeito (x). mas pode eleger outra opção. Aquela " produçãO de um efeito de desconhecimento que, se em seus
opera como pressuposto de sua eleição, mas sua própria cota (I!' ,,~pecLosmais complexos se expressa no monopólio do saber e na
poder consiste em ter a possibilidade de desviá-Ia. Isto faz a relu ddenção do segredo, em seus aspectos instrumentais, o faz atra-
ção de poder diferente da pura coerção, porque, nesta última, fl vi.s de uma linguagem crítica, de significação fechada e de um
vontade de (y) estaria sub-rogada pela de (x). Nas sociedades ( OI1Juntode rituais ininteligíveis para o leigo. Uma vez mais: o po-
modernas, a coerção direta é um fracasso, sustenta Luhrnann. til" nssentadc no conhecimento do modo de operar do direito s
Nenhum sistema pode estabilizar-se se a força não representa I xcrcc. em parte, através do desconhecimento generalizado dess
uma medida apenas marginal da relação de poder. 1110(10 de operar. A preservação desse poder requer a reproduçã
As teorias instrumentais e não relacionistas não podem ex cio r-feito de desconhecimento. Requer, enfim, opacidade.
plicar - segundo este autor - as formas consensuais de exercício
do poder. Poder-se-ia dizer: não podem explicar as formas "jur]
'•. O DESCONHECIMENTO MEDIADO PBLA COMPLBXIDADE
dificadas" de exercício do poder'!".
O papel da lei depende, pois, de uma relação de [orças clcn Nos primeiros parágraros deste trabalho aludia-se ao pro-
tro do conflito social. Não é unidimensional e, em troca. parado \1\1',"n ela complexidade nas sociedades do capiLalismo maduro.
xalmente, cumpre uma função formalizadora e reprodulora <1,1." (IlIlH' 01111'" fonte ela opacidade do dlrcito. O fenõmcno (~ t am
o
relações sociais estabelecidas, e, por ouLro lado, um papc: 11(1 111 li \ n!lSt'l vávcl nas nossas, ainda que não tcn harn nlc<\nç;ncl
remoção e transformação de tais relações. 1\11'11'11' 1'.~M\nl() de I11nlur!cltl(le, porque elas exibem UI11fln~(\llcln
(11) Ver: Luhmann. NIII\lns (ID91), 1'/,1('/11, lrae!. 11. O". c lt., p. I(),~. :,ll'I/r
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145
I)\I\~ITO, POLÍTICA E MAGISTRATUM
144 CARLOS MARiA CÁRCOVt\
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DIREITO, POLiTICA E MAGISTRATURA
154 CARLOS MARiA CÁRCOVA
as publicado por Iiorácio Verbitzky. l'nrUdo _ sua verdadeira função política. seu poder como
poclcr e como tribunal diminui. turva-se, enrccl<l-SCnas pun
nns que lhe são estranhas, desce aos <lntagonismos (1I1l'·,
5. A DIMENSÃO POLÍTICA DA FUNÇÃO JUDICIAL: 0[" dl!nl ro t', fora da esfera do poder, têm que prol <lHon!!.,\! :,11
OR. R. DWORKI/Y A C. SCNMITf Ic'\tos (lIsllnlos (leia."
\':111 rei nao é esta a questão que hnponn ,1<1\" uunll .••.II.
,1111 0, 111'11":111 (I '111').). I fi ( 11/1.' :lllf!/I'llliI. 11111'110'11\11 , .•" 1\I\I'IIdl\ Y
t' xlm 1111101 ouí r». que IrI/ n cllnu-usno p()IiII(,~1 cloIllllldlt k l.u h. I li,) 111111\1\1' e 1\~1I 'li
I!.tVt·lItltl 11111 (t'llo 111011 t'lIlt'llcllcltl 01 ••..•
t·1I 1I',;pl'lltl, 1\ 1'1111<.0111 11111\1 1011 111,.1 I' I"", /1'11'
156
CARLOS MARiA CÁRCOVA
DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA 157
E culmina com ênfase nosso autor:
uma permanente ampliação do conceito de cidadania. Resolveu
"". O tribunal é poder, tem poder, exerce poder, divide situações concretas, assentou critérios, influiu nos tribunais in-
poder, governa, co-governa. Isto não é uma absorção dos feriores, comprometeu a atuação de outros poderes - recorde-
outros poderes pelo Poder Judicial; não é isto um descarrila- mos o caso Sejean s/dívórcio vincular - e restaurou valorações
mento do Poder Judiciário nem uma quebra da tripartição
sociais. O conjunto de julgados que ilustravam as afirmações
dos poderes. É a substãncia essencial da função de adminis-
trar justiça ou, se se prefere, da justicialidade de todas as precedentes exaltavam a autonomia das opções éticas pessoais, o
questões nas quais a Constituição dá por habilitada a com- direito à privacidade, à liberdade de consciência, à independência
petência da Corte". na formulação dos planos pessoais de vida, protegendo, ao mes-
mo tempo, mediante a consagração da ordem e da moral pública,
Está claro, pois, que quando se reconhece a dimensão polí-
igual direito para o resto dos indivíduos. Assim, põde declarar a
tica da função judicial se faz menção a uma atividade que tem
inconstitucionalidade da norma do Código Civil que impedia um
como finalidade alcançar a realização da trama de principios,
segundo matrimônio válido (Sejean, ED 121-522); descriminalizar
valores, instituições e comportamento sociais que estão definin-
n posse de droga para uso prôprio (Bazterrica. ED 26/9/86); aco-
do e constituindo uma certa ordem. Questões que, em nosso caso,
lher a objeção de consciência para os deveres militares (Fortillo.
apontam para a liberdade, a igualdade - ao menos a que formal-
I~D 133-364); declarar a inconstitucionalidade de uma norma pe-
mente supõe o exercicio de uma cidadania universal =, a segu-
nal pela irrazoabilidade da sanção que continha (Causa 32.154 ED
rança ete. e, ao mesmo tempo, às instituições concebidas para
15/8/89); de outra que proibia os estrangeiros de exercerem a do-
garantir esse plexo, como a divisão de poderes, o devido proces- ccncía em estabelecimentos privados (Repeto, ED 25/4/89); pôde
so ete. Esta tarefa não pode confundir-se com as lealdades facci- lixar, por último, equilíbrios adequados em relação à liberdade de
osas. O que efetivamente oferece problemas, em contrapartida, cxpressáo e de imprensa, por uma parte, e os direitos de intimida-
é a necessidade de distinguir e precisar os limites que demar de pela outra (Ponzetti de Balbín, FALLOS 306: 1992) ete.
cam o ativismo político do Poder Judiciário e, fundamentalmen_
te, da Corte Suprema. Em todas estas decisões e muitas outras que se poderia men-
( lonar. aquela Corte operou, politicamente, na restauração de um
Em um trabalho que realizamos há alguns anos sobre o pa 11I1<lgináriodemocrático, inspirada, em grande medida, nas linhas
pet do direito na transição democrática(lS) sustentamos que este predominantes da atual jusfilosofia anglo-saxà na qual se desta-
se cumpria, basicamente, através de um processo de re-signlfl ( .1111autores como John Rawls, Ronald Dworkin ou Joseph Raz,
cação de práticas, normas e instituições, afastando a cultura eto ( OIllO expressões de um liberalismo com preocupações sociais.
autoritarismo e reconstruindo (ou construindo) um imagintlllo
lemocrático. Nessa tarefa cabia um papel primordial aos jur%(~~ /\ atual Corte também tem operado politicamente, mas o
r particularmente, aos que tivessem em suas mãos a cassaçnn, Ic 111feito ao amparo de uma concepção bem diferente - de uma
( (111e cpçào que não instrumentaliza os valores explícitos do sis-
Isto é, a interpretação em última instãncia, como é o CélSOcloI
Ic mn constltucíonal. mas que os posterga ou desnatura. inspira-
ric. em nosso sistema legal. Afirmávamos que o Alto Trlblllloll,
1101 ('111uma idéia de tradição autoritária e que tem-se denomina-
IcpoJs de 1983 e antes de sua ampliação, havia desenvolvido
1111 "d(Tlslol1lsmo". A questão tem sido bem estudada em alguns
unia importantíssima tarefa jurídico-polílica, estabelcccl1clo (I"
ílcl1 l1l II'nhrll!t()s ele:Jovens e lalentosos investigadores, nucteados em
I' n élSc élSsuminclo a lógica e a axiologia elos prlnc:lplon <lc~ 1111101 11111111(01<;',;\0
especializada que tem produzido importante J'('
1I10(n'lllcos, cio cstano ele dlrcüo, CIRS !ibcrclélclcs Incllvlclllflll. C"'I
III'Vol~oI(11100I111111l0 ela crülca jurídlca e que se clcnomlna No 1In,
II, /1,,/1/1"111, /\qllt'l,l leI(:ln (: ele Carl Schmllt , que fOI"I11lI!;1V:l
HloIll
(I',) 111/11., Alh 1.1 I., t, 1'\' ( A,« ov/\, ( dlln'j n (11)1) 1),111-11'( 1111y 11.III~h 11'1/1d'"I"
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158
CARLOS MARíA CARCOVII
f)me;ITo, POLíTICA E MAGISTRATURA 159
des censuras ao "estado liberal burguês de direito", pois este
consagrava uma teoria dissolvente como era a do liberalismo e, mais tarde, conselheiro de Estado na Prússia. Em sua Teoria da
demais, impedia.a...-ª-doÇão de decisões políticas. Para o autor ordem concreta, como recorda Abramovich, sustenta que a he-
de ieuriâéíã Constitu~, o dado essencial da criação jurídica Hemonia da norma não é absoluta, Ela importa se é benéfica para
esl:atal-eLím obrar volitivo-to qual denomina "decisão política". .t ordem, o que pode implicar ajustar-se a ela ou prescindir de
Sustenta: "... em toda decisão, inclusive nas de um Tribunal que. seu mandamento, Por isto, dirá Schmitt, todo homem encarrega-
em forma processual, realiza subsunções de tipo concreto existe (10da exposição, interpretação e aplicação do direito alemão deve
um elemento de pura decisão que não pode ser derivado do COIl vincular-se à Nação e ao Povo alemão em razão de igualdade de
leúdo da norma. Proponho para dito elemento a denomínaçn., r.iça: princípio da identidade da estirpe, A simples vontade do
de decisionismo". Tanto Courtis como Abramovich explicam •• período decísionista é, assim, substituída pela vontade do Führer.
aparição de argumentações de matriz decisionista, por certo tipo No segundo dos julgados mencionados, a Corte retoma so-
de "demandas pragmáticas" próprias das políticas de ajuste. "O bre a doutrina da validade das normas emanadas de governos
discurso decisionista - diz este último - circula furtivamente n dI: fato, revisando a orientação de sua composição anterior, que
nível do discurso jurídico prático emanado dos órgãos hablíh.i e .sIabelecia O critério de que aquelas eram ilegais em sua ori-
dos pela instituição social para produzi-Io e constantemenle SI Cll'm, apesar de que se lhes era reconhecida validade por recep-
combina com tramas discursivas de signo antagõnico no marr (I (,:10do novo ordenamento por motivo de segurança jurídica, mas
de uma apremiante acumulação de poder político", Como COITO .Iclxando a salvo o poder anulatório dos órgãos estatais compe-
boração de suas observações, o autor menciona o auge e a ))1 () lr-nl cs. quando caracterizada sua lesividade. Agora, resolve ou-
liferação dos decretos de necessidade e urgência e a flexibülz •• IIlIHar validade plena às normas de fato em paridade de condi-
ção dos mecanismos de controle do poder com o objetivo de ocs com as normas de jure e sustenta que a posição preceden-
uma maior eficácia de suas decisões. E acrescenta: "A somln., le' consütui uma teoria anárquica que deve ser vivamente recha-
do 'exitoso' qjuste econômico chileno desenvolvido sob U/11 Irql .utn. De acordo com Schmitt, a Corte assenta o critério de que o
me político autocrático, a deficiente acumulação de poder polll ." lI: existe politicamente é digno de existir juridicamente.
co para o ajuste em outros países da região, nos quais se 11111'11
Um parágrafo do voto majoritário no citado caso Peralta sin-
Iam os magros resultados à lentidão e obstrução dos órgãos p.lI
Ic-.:llm,de maneira transparente, a estratégia decisionista da Cor-
lamentares, e o recente autogolpe peruano que irradia sun Oll( Ifl
I C' em sua atual composição:
xpansiva por toda a América do Sul, constituem um arnbk-un
<ldequado para o aprofundamento do discurso decision/slil, ~III " .v , Que em tempos de graves transtornos econômico-
gem textos jurídicos assim inspirados; os fundamenlos (I" 11'/ell sociais, o maior perigo que surge sobre a segurança juridica
não é o comparativamente pequeno que deriva de uma tran-
emergência econômica; dos decretos de necessidade e lll!\I'11I I"
sltória postergação das mais estritas formas legais (SIC), mas
c: principalmente o voto da maioria da Corte Supremél !10 ( 01'11 I
o que sobreviria se fossem mantidas com absoluta rigidez,
l'cratta (JA, 1991-11, pág. 552) e Godoy (id. pág. 45/~)."
porquanto elas, que tem sido fecundas para épocas de nor-
No primeiro deles se desvaloriza a eficácia cios corpw. plr ItI matldade e sossego, costumam carecer de política eficient
P(~ss()élispara a tornada de decisões e se autortzn () "Iesldlllh 01 (rente à crise".
:lclolfHns quando "a realidade as reclama com Llrn('Il('1.1Iu, 11 11(1 ( IIIIVIII:!, talvez. recordar aqui que, ao longo deste século
vr-I". O .JlllHélcloexalta n persOI1<'llizélÇZlO
cio pock-r C~1l1 10111
',( 1111111 lil IlIe 110:"IIOSSOpais leve poucas épocas ele normalidade e sos
11.1110,Clrl Se 11111111 foi promolor ele .Jllsll(.:<lcio Tnn:lro Jkll 1I i • !lI' e Ijll!' IlOSSOSdesassossegos tem estado dlrctamcntc ill1<1
Ir 1II,lclll," <.'fllll .I luobscrvuncla <1m,regras cio jOHO.
II li, clll I !1I1'I,1', 'J.i I cllI.llclo {lld/o!, C "'1/1ft" 1/" 1/1/., I/lI,ctlc' ""1/"1/"1/0'1. /I l!l
di. ICIII' I' .' ( 0111'01111.1111.\0s() cklxoll clnro. <:111
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J( \ 1
160 CARLOS MARiA CÁRCOVA DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA
A ameaça do golpe de Estado foi substituída pela do golpe nação dos magistrados que, a despeito de suas caracteristicas
de mercado. Às vezes assestado - como o recordam os radicais formais, nem sempre conseguem superar as armadilhas do clicn-
na Argentina e, por certo, de maneira ainda mais dramática _
telismo político, o que naturalmente conspira contra a indepcn-
contra os setores pOpulares cruelmente afetados pelo processo dência necessária. É muito claro, por outra parte, que esta falta
hiperinflacionário incontrolável durante 1989.
de independência se faz mais notória e grave à medida que se
No interior de tão complexa problemática, resulta óbvio as- eleva na estrutura hierárquica do Poder Judiciário. No caso da 1\1'-
sinalar que os juízes viram-se envolvidos de diversas maneiras e gentina, a Corte Suprema, reorganizada pelo governo que se ins-
que não é possível atribuir-lhes comportamentos uniformes. A laia ao final de 1989 - mercê de um procedimento cuja legitimicla-
real independência do Judiciário não foi ainda alcançada, e é de é até agora discutida - desenvolveu uma doutrina legal de trans
generalizado o grau de conluio de suas cúpulas, não só com o parente cunho decisionista, através da qual e, com recurso à idéia
poder político, mas também com outros poderes fáticos. A visão de "emergência", resultam freqüentemente preteridos os princí-
que se tem dos juizes torna-se assim tão contraditória quanto pios e garantias fundamentais do Estado de Díreito'".
contraditório tem sido seu desempenho nestes anos. Na Argenli-
Em que pesem as circunstãncias apontadas e, dentre ou-
na, por exemplo, eles têm atuado tanto na investigação e conde-
tras razões, pela crise dos sistemas de representação política que
nação das gravíssimas responsabilidades implicadas nas viola-
reta em geral as democracias ocidentais, mas que adquire maior
ções de direitos humanos por parte do terrorismo de Estado, como
gravidade nas denominadas "novas democracias", os juízes apa-
na legitimação de leis que, posteriormente, limitaram a respon-
rccem instalados no imaginário da sociedade como última ratlo,
sabilidade de culpados ou concederam indulto. No Brasil, apre-
.orno garantias finais do funcionamento do sistema dernocrál l
senta enorme interesse a polêmica que divide ao meio a árc
o. Desacreditado o sistema político, que não parece funcíoruu
laboral, dividindo os magistrados entre aqueles que aceitam c
sem altas cotas de corrupção; cada vez mais aprofundada a ore
avalizam mudanças destinadas a introduzir critérios de desregu-
ha entre representantes e representados; cercada a governablll
lação e flexibilização na legislação do trabalho e aqueles que
clade pela lógica implacável do mercado e pela sobredeterrnina
resistem a estas mudanças Ou as condicionam à manutenção cIo
cao de poderes transestatais e transnacionais. depositou-se, pock:
caráter especificamente protetor da referida legislação(21.
se dizer, mais por razões sistêmicas que de outra índole, maior
Além das diferenças naturais que caracterizam cada indiví «xpcctatlva na performance do Poder Judiciário do que na cio!
duo, anteriores à função social que ele ocupa; além das diversas CHilros poderes do Estado. Quando faço alusão a razões sístõml
visões de mundo das quais cada um é portador, costumam atu.n C.lS, refiro-me às funções que a este poder são atribuídas, dentro
nas corporações consolidadas ideologias unificadoras, asscnt <I elc' um sistema democrático de natureza garantista. Como SII!
das em um conjunto de valores básicos compartilhados e ('/ll IC:llln f'errajoli: "a sujeição do juiz à lei já não é, como no velho
práticas institucionais inveteradas que definem e consliLuem 1111101 p.II.lcligma positivista. sujeição à letra da lei qualquer que r()S~.,('
certa subcultura de grupo. Porém, em uma região marcada pOI ',C'II sinnificéldo. mas sujeição à lei enquanto válida, quer dizc-r ,
longos anos de autoritarismo e conseqüente fragilidade inslillH]() c IH'I(~nle com a ConsLituição. No modelo garanLista a valklaclc '/,1
nal, a cultura das corporações judiciais, enquanLo tais, (' .Illldol 11010 (. 11111
clogma ligado à mera existência formal da lei. mas 1111101
precária, sobretudo se a compararmos com a de suas "OlllC)/Cl qll,llIelílc!(, contingente da mesma, ligada à coerência ele .s(~11 klq
gas européias ou norte-americanas. Sem dúvida, 1/111<1 <I<lS 1<111 111"1 "do (0/11 a consutuiçào. coerência mais ou menos cll...•( IIlíV1'1
sas decisivas deste fenómeno - ainda que não S(~jil é1 (111;( ;1 _ c~ ;"1 c' ,"I 'llIPII: rcrncf irla <'t valorlzaçào do juiz"!", esle 11<10 poelel:' (~Ol\
que se relacionél Com os mecanismos ill1p/C'l11elllnelw,pnlol 01clc"l/!l'
I )) V. 1 ("IIC OVA, ( .u lo-. nll i.c (I !>!l/l). 1.,\ (1II1wl1,Ylón pollllc .I dc' I" li 111<1"111I"tllc 1.1/
(:!) vc·,', cloc 11I1I"IIIC1.~ ArlA~lAIHA A·.·.oc /,,..010 N.H 1011011<I. n'!II"II,ld." 11,111111111 tu 111/d/tI ti 1I 1'0110 AI"IIII:. clc·/.
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CARLOS MARíA CÁI1Ç()V~ DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA
siderar a lei acrítica ou incondicional, e sim submetê-Ia à hicITII logismo traz o risco de um disparate decisionista. Quer dizer,
quia constitucional, garantindo assim os direitos fundamentnl lima hipertrofia de sua função que, ao privilegiar a razão de Esta-
nela consagrados. Ali radica substancialmente o fundamento eI.l lo (Carl Schmitt) sobre a hegemonia da norma, atente contra
legitimação da jurisdição. Uma legitimação que não é equipará valores democráticos, cuja consecução importou lutas seculares
vel àquela que provém da representação política, derivada cI.l c aos quais não estamos dispostos a renunciar: legalidade, ga-
vontade majoritária, mas que concerne à tutela da Intangíbüld., rantismo. princípio de reserva, tipicidade ete.
de dos direitos fundamentais consagrados. Precisamente porqiu O propósito deste trabalho é insistir, quiçá com uma abor-
s direitos fundamentais sobre os quais se assenta a democrnr 101 clagem nova, acerca do papel constitutivo da decisão judicial e,
substancial - diz nosso autor - estão garantidos a todos e a CHeio! no mesmo tempo, propor os limites do que Ost denominou, com
um, de maneira incondicionada, inclusive contra a maioria, ,-I
acerto. "hermenêutica controlada".
partir da função atribuída aos juizes, pois estes ostentam !-.I/d
própria legitimação democrática.
2. SOBRE A QUESTÃO DA COMPLEXIDADE
As expectativas, então, que esta especificidade Iunclon.rl
stimula aumentam a reivindicação por um maior grau de prold Já se assinalou, no início. que o tema em análise está sen-
gonismo dos juízes estimula-se o chamado "atívismo jurlscllc 10 elo reinterpretado na atualidade, também, pela questão da com-
nal". E não só como intérpretes finais da legitimidade dos illo plexidade. É oportuno, por isso, fazer uma breve referência a
ele poder - questão que em algumas legislações têm atrtbulrla esta categoria da teoria social, sem dúvida, altamente produtiva.
eliretamente ou que, em outras, compartilham com repreSCI1I.III' Como sabemos, é na obra de Luhmann que esta problerná-
tes de outros poderes - mas também nas questões mais varlrul.i Ilca adquire a mencionada dimensão de uma categoria teórica,
recentes, nas mais cruciais e definidoras: por exemplo, «1/01/1 crnbora sua concepção estivesse já insinuada em outros clássi-
CIo devem resolver se aconteceu ou não a morte clínica de 1111111 c.os da sociologia moderna como Dürl,heim, Weber ou Parsons,
pessoa; quando devem autorizar ou não uma troca de sexo; qu.m
clcntre outros'?'.
elo devem decidir sobre o caráter contaminante ou não de ddl'l
A hipótese a este respeito é que os grupos sociais modifl-
minada atividade produtiva; quando devem acolher ou nno .1
.arn sua estrutura organizacional durante o transcurso do tem-
razões de alguém que deixou de cumprir ordens por razoe .•.•c II
nsciência; quando devem habilitar um menor a escolher 1.11111
po. de acordo com uma lógica de diferenciação crescente. A evo-
lução social atravessou uma primeira etapa de diferenciação por
lia substituta, tudo isso, além de dirigir empresas em cllflc IlleI.l
segmentação, uma segunda mediante estratificação, chegando à
lcs, julgar em horas sobre a Iicitude de uma defesa, cllvou Iru
atual. de natureza funcional. No interior do sistema da socieda-
.nst igar o peculato, salvar um refém etc. Trata-se cio ,!lll' 1'1;111
ele, é possível distinguir um número cada vez maior de subsiste-
çols Ost chamou o modelo do Juiz l1ércules, mais que- 11111 llel
mas (econõmico, político, científico, jurídico ete.) que possuem
mcrn de lei, um verdadeiro engenheiro social?',
( ()clinos funcionais específicos e que tendem a uma especializa-
Estas circunstâncias recolocam velhas discussões clO1I11 11111 c,.;\O autônoma. Cada subsistema tem disposição de resolver (1
11;1.'1e pocrn em tensão valores contraditórios. Se é CI'I'lo Ipte Jfl cCll1lplexiclade ele seu entorno, estabelecendo novas disLinções.
II:Slllln lnsótlto sustentar velhas leses rcduclonlstns tlIIC' VLIIII 1111 No 1:111"1110, com isso, paga um custo alto, porque reproduz maior
)1'" 11111 nptlcaclor mecânico de normas. um ceHo ('\;I'C111.11111 11.1 cIlIl\pll~xlclmIC, agora no interior de si próprio. Um exemplo bill'
voulnrk- cio ICHlslnclor. MIO (~ menos certo qllt' S('II ()llIln.lIlC1 11,11'11 1.1111('bvk: desta idéia está sugerido por Luhrnann - aindn «\11'
ó
11,111\11/'1
(I',) UtiT, (I'''U) .. llIp/l"I. 11"'11
IIft"l Y IIt'IIIII"1l111"1
1I11Ic1I'/II"
d, 111"" 11/ 111)
11I1I~11\~lri.
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(1011
I). t h« 1/1//1'/1'/111,1110/1 O/SCH Id)'. N\'w YOII\.10111/1111/01
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DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA
170 CARLOS MARíA CÁRCOVA
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DIREITO. POLíTICA E MAGISTRATURA
172 CARl.OS MARiA CÁRCOVA
~
DIREITO, POLITICA
B MAGISTRATURA
Tradução de:
Rogério Viola Coelho
Marcelo Ludwig Dornelles Coelho