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DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA


130 CARLOS MARÍA CÁRCOVA

Organiza também e dá sentido a aspectos relativos à consti-


Assim, viajar em um ônibus ou em um trem, diariamente, tuição biológica do grupo. Define a estrutura familiar, fixa o esta-
para cumprir rotinas laborais ou estudantis ou de qualquer outro tuto legal da prole. permite certos tipos de uniões e proíbe ou-
tipo não é percebido como a reiterada celebração de um contra- tras. Esta multiplicidade de funções que atravessam a vida social
to de transporte. Ou, em todo caso, não resultam imediatamente e penetram os menores resquícios da vida individual não é co-
claros os efeitos jurídicos supostos na celebração desse contra- nhecida pelos sujeitos assim determinados. ou em seu caso não
to (responsabilidades do transportador etc.).
são compreendidas.
Comprar cigarros ou jornais; presentear alguém com algum Tal efeito de desconhecimento varia por certo de país para
objeto, prestar um exame, abastecer o tanque do automóvel. país e de indivíduo para indivíduo. segundo o grau de desenvol-
comer um sanduíche em um bar, dar voltas em uma carrossel.
vimento social, cultural, político ou económico dos primeiros e o
atropelar uma pessoa, mandar costurar um traje. não pagar o
lugar que os segundos ocupam na estrutura social. Entretanto,
serviço de luz elétrica, chegar tarde a uma audiência, não pres-
além destas fundamentais determinações. dito efeito de desco-
tar auxílio a uma pessoa em grave risco etc.. são todas ações ou
omissões deonticamente determinadas. Apesar disso, tal circuns- nhecimento subsiste.
tãncia não é assumida pelos sujeitos que as realizam. Grandes contigentes sociais padecem uma situação de pos-
lergação. de pobreza ou de atraso que produz marginalidade e
Os exemplos podem tornar-se cada vez mais complexos e
anornia. Isso implica. entre outras coisas, que a mensagem da
cruciais. Geralmente, os cônjuges adquirem pleno sentido dos
ordem jurídica estatal não chega - materialmente - à periferia da
alcances do matrimônio que celebraram, quando uma crise os
estrutura social. Pensemos neste tipo de fenômeno como uma
põe frente à possibilidade da separação legal ou do divórcio.
das fontes do "desconhecimento".
Esses exemplos podem referir-se a condutas menos domés-
No outro extremo da realidade, essa fonte do desconheci-
ticas como o exercicio do sufrágio, as formas da participação
mento resultaria da complexidade dos processos simbólicos que
cidadã, o controle dos atos de governo, o direito de peticionar.
atuam nas sociedades altamente desenvolvidas e conseqüente-
as garantias constitucionais. Outra vez registraremos uma bre-
mente com um também alto nível de integração. Com efeito. a
cha profunda entre a organização e o funcionamento das formas
interação dos.homens é ali. cada dia. mais sofisticada. Remete a
institucionais e a efetiva compreensão que os indivíduos pos-
mecanismos de comunicação simbólica e a processos de alto
suem dessa organização e de tal funcionamento que em tão gran-
grau de abstração, assentados em práticas materiais especial-
de medida os influencia e determina.
mente tecnificadas. Boa parte dessas práticas é executada col i-
Existe, pois, uma opacidade do jurídico. O direito, que atua dianamente, porque os homens estão mecanicamente treinados
omo uma lógica da vida social, como um livreto, como uma para isso. Mas assim como muitas vezes eles ignoram o conteú
partitura, paradoxalmente, não é conhecido ou não é compreen- do e a modalidade dos fenômenos científicos e tecnolôgicos que
dido pelos atores em cena. Eles cumprem certos rituais, imitam são o sustento dos instrumentos que manipulam, muitas vezes
nlHumas condutas, reproduzem certos gestos, com escassa ou ignoram ou não percebem as razões que outorgam sentido a cs
nula percepção de seus significados e alcances.
sas práticas na estrutura social.
s homens são apreendidos pelo direito ainda antes de nas- eis aqui colocado. sumária e esquemaLicamenle. um prohlc
(C'r (' por Inlerméclio do direito suas vontades adquirem ullra- 11m <TLlciéll.tanto de um ponto de vista prático quanto cio p0l110 clc·
.u lvkt.ulc. procluztndo conseqüências ainda depois de sua rnor- vlsl.1 I('órlcn, sC.ln a pnrt lr c\ns qlleslóCs vh1<III,HI<lS.llI 11111(1(111.1
\I" () cllirllo OIHf1ni:w, sistcrnauza e outorga sentido a certas 1('1.1- IIl1'lllo l'lllpilic n cI.1 kn.lllclac\I'. ~wl.1 1111011110 .I0S (ilkil(l,'4 cll' II'qlllllll
ÇIW" ('1111<' os IIOIlWIlS: rclncocs de procluçao, <1(' slIl)orcllllol<.,olO. IImh', Illq\t .1 IIIIt' I 11.1I' 11'1\1· x, \11 1 h'1I111\1 " q\Il'.1 o\(I)IIIj1.IIIII.lI11
Ik' .qlllljllLIl'1l1 cio" !lI' 11•.••
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Apesar disso, nem os juristas dogmáticos, nem os jusfilóso- de diversa maneira segundo as características de cada formação
fos se encarregam dele. histórico-social e, obviamente, das condições concretas, sociais
Pelo contrário, o direito das sociedades contemporâneas é e pessoais, de cada indivíduo ou conjunto de indivíduos.
presumidamente conhecido por todos. São inescusáveis o erro
ou a ignorância. Os homens são livres e iguais ante a lei e, con- 2. O DESCONHECIMENTO COMO UM SUBPRODUTO DA
seqüentemente, estão igualmente capacitados para a celebração MARGlNALIDADE E DA ANOMIA
de qualquer ato jurídico.
Todos compreendemos, principalmente os juristas, que es- 2. I. A Marginalidade
tes pressupostos - essenciais vida do direito - não constituem
à

senão um conjunto de ficções. Tal como assinalamos em parágrafos anteriores, a margina-


lidade e a anomia são causas imediatas e quase óbvias do efeito
Que razão demanda a utilização dessas e outras ficções em de desconhecimento que temos caracterizado.
relação ao funcionamento da ordem jurídica?
Enormes contingentes de indivíduos, para vergonha das so-
Que obstáculos epistemológicos impedem que tais fenõme- ciedades que integram, vivem atualmente em condições suburna-
nos sejam tematizados na teoria jurídica? nas. Esta situação, que, na década passada, oferecia um panora-
!TIaalarmante, agravou-se ainda mais como resultado deletério da
Que circunstâncias permitem que os homens possam atuar
chamada globalização capitalista em escala mundial, com sua se-
em seus papéis sociais, sem perceber acabadamente o sentido
qüela de aplicação uniforme de políticas de ajuste, inspiradas em
dos mesmos?
concepções neoconservadoras. Seus resultados são evidentes,
Estas e muitas outras perguntas similares cabe formularmos
Nos Estados Unidos, o desenho econômico imposto por Re-
em atenção ao tema que nos ocupa. Nos parágrafos seguintes,
agan a partir de 1980 comprometeu ostensivamente a suprema-
tentaremos a análise de certos "lugares", a partir dos quais se
cia internacional desse país, em função das grandes deteriora-
poderiam formular algumas respostas. Eles não são necessaria- ções que causou ao sistema produtivo a chamada "revolução
mente consistentes, o que significa que a aceitação de uma ordem conservadora". A dívida pública alcançou a cifra de US$ 4 tri-
determinada de explicações poderia, eventualmente, excluir ou- lhóes. o que equivale a 80% do produto interno bruto. O déficit
tras. Contudo, parece necessário correr esse risco, antes de incor- do orçamento' federal chega a 1 bilhão de dólares por dia, isto é,
rer em novos reducionismos. Trata-se, claro está, de "lugares pro- 350 bilhões de dólares ao ano. Os avais e garantias do governo,
blemâticos". Mas, como dizia o recentemente desaparecido K. outorgados por diversos empreendimentos federais, chegam a
Fopper. o conhecimento não começa com percepções, observa- pouco menos de 6 trilhões de dólares e parte considerável desse
ções ou confirmações, mas com anomalias e com problemas. valor deverá ser gasta pelo orçamento político, devido às falên-
O problema, vamos formulá-to agora em forma elementar e cias (quebras) empresariais.
detalhada, consiste em que os homens, sujeitos de direito, súdi- O índice de pobreza abarca 14% da população. Paradoxal
Ias que devem adequar suas condutas à lei, desconhecem a lei e mente, o crescimento da pobreza se produziu no auge do esplcn
mio a compreendem. Isto é, desconhecem o estatuto jurídico dos dor das "reaganornics". quando a economia mostrava crescímc I I
.u os que realizam ou não percebem com exatidão ou não assu- tos consideráveis e provocava a admiração de muitos economls
IlH'll1 os deilos Berados por tais atos ou têm visão confusa (' tas do ocidente, Esse êxito fugaz acentuou a regressividade na elll
/('./>]l<'iloele uns ou eleoutros. São formas dist inl <1S dcst c Icnómc- Iribuição de renda, com uma queda do salário de 9% durante os
110qlll' vinh.unox (1IfIIll<1l1c1o "1l;l(H'OI1l]ln'c'll:-'ilo" do cllrclto (' lill(' porlodos f{eRgtln-Bush,as passo que cresciam exponencíalrncntv
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<1cflclência industrial.
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DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA 135

Disse Lester Thurow que a família média norte-americana "A longa queela secular ela Argentina parece haver-se
detido. ainda que a um enorme custo para milhões de po-
nunca poupou tão pouco como a partir de 1980; o investimento
bres e ela classe média. Porém, uma moeda muito sobreva-
industrial foi menor que o da década anterior, enquanto o cor-
lorizada. uma balança comercial que piora drasticamente e
respondente à infra-estrutura pública diminuiu à metade, sendo
sinais de pressões inflacionárias provocam dúvidas sobre os
a rubrica "educação" a mais afetada. avanços realizados ...
Paul Samuelson afirmou que a direita republicana tornou-se "Para os pobres da América Latiria. a elécada de 90
uma verdadeira ameaça para os direitos de um grande número é literalmente o tempo do cólera e também de tubercu-
de norte-americanos que não compartilham as convicções dos lose, malária e outras enfermidades infecciosas. Milhões
"fundamentalistas do mercado". de meninos vagam pelas ruas pedindo esmolas. Muitos
se voltam ao crime insignificante ou ao tráfico de drogas
Para Robert Reich, que atualmente integra o gabinete de Bill para sobreviver. Aqueles que são afortunados e podem
Clinton, a vantagem comparativa do Japão ou da Alemanha em terminar estudos secundários ou universitários logo se
relação aos Estados Unidos consiste no fato de aquelas nações defrontam com o fato de que não há empregos decentes
exercitarem a solidariedade interna; e acrescenta textualmente: disponíveis ... "
"Os Estados Unidos estão criando uma nação de terceiro mundo
E acrescenta o investigador citado:
dentro de suas próprias fronteiras (30.000.000 de pessoas) que
cresce a um ritmo mais vertiginoso do que a dívida nacional. Ao "Em muitos países da América Latina, a questão social
mesmo tempo, os poucos beneficiários do sistema precisam se alcançou dimensões críticas. A violência urbana e rural está
esconder dentro de comunidades 'cercadas' e a classe média se crescendo e, com freqüência, é brutalmente reprimida de
apequena ... Trata-se de duas economias só tangencialmente co- forma que determina mais violência.
nectadas - uma que reside nas torres das corpo rações e outra "A penetrante queda social reflete-se em práticas hor-
que habita as ruas. O desafio que nos aguarda - agrega - não é o ríveis como seqüestrar para pedir resgate e a venda ou
da competitividade, é o de manter uma sociedade coerente"!". assassinato de crianças. Estas sinistras realidades refle-
tem - e por sua vez alimentam - o alto grau de frustração
As crises que assolam a América Latina constituem um tes- e alienação mais penosamente evidente no Peru, mas
temunho por demais conhecido, nem por isso menos dramático. palpável em muitos países da América Latina. A emigra-
Descrevê-Ias seria seguramente super-redundante. Apesar disso, ção floresce, inclusive em países como o Brasil, onde não
parece útil transcrever as opiniões que expressa Abraham Lo- havia ocorrido antes; movimentos insurgentes e milena-
wenthal em ensaio publicado na influente revista especializada ristas estão ganhanelo força, bem como seitas religiosas
Foreing Affaírs'" sobre o subcontinente e sua comprometida es- evangélicas. Todas estas condições fazem a instabilidade
tabilidade político-econõmica e não o progresso firme e seguro."

Disse o Diretor do Centro para Estudos Internacionais da Diante dessas situações, instala-se hoje a pergunta acer-
Universidade da Califórnia do Sul: ca do papel e da "disponibilidade" do direito por parte dos
cidadãos. Para uma estratégia política e econômica que d ua-
"É difícil, se não impossível, que os governos (da Amé-
liza. que desintegra, que dissolve vínculos, que expulsa par
rica Latina) mantenham o apoio popular para reformas que
enriquecem uns poucos privilegiados sem brindar promes- fora do sistema centenas de milhões de almas, importa, ccr-
S(1S críveis ele prosperielaele... tarnente. privá-Ias de direito. Enquanto os cidadãos carecem
ele acocs concretas em defesa de sua condição de vida. ele
S('II t rnhnlho ou ele SlIFl saúde. tarnbéru o jurídico apnrcc ('
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CARLQS MARiA CÁRCOVA


DIREITO, POLiTICA E MAGISTRATURA 1.3
• t'\ anomia: ordenamentos no conflito e crise do monismo
fenõmeno denominado "plurallsrno jurídico" tem manifestações
Por outra parte, a opacidade do jurídico se alimenta tarn- diversas. Por uma parte, a implicada na sobrevivência de regi-
/)(~11lde variadas formas de anomia. Como é sabido, os sociólo- mes legais ancestrais ou tradicionais, que não só mantêm uma
~!OS descrevem dois tipos de situações anômicas: as que resul- eficácia relativa, em paralelo com o direito estatal, mas que em
1,1/11 da inexistência de normas, por um lado, e as que são conse- determinados grupos e em certas regiões possuem uma força
q(iência, por outro, da existência de normas ou ordenamentos vinculante ainda superior, que comporta a ab-rogação desse di-
( 011/raditórios. A esta última situação logo aludiremos. reito estatal. Isto tem sido particularmente estudado no caso
do direito andino e com referência a comunidades indígenas,
Até há poucos anos, este problema era escassamente visuali-
nas quais subsistem instituições como o "homicídio ritual" ou o
,1(10 Como conseqüência do predomínio acrÍtico no campo do
"casamento à prova" e tantas outras. A relevância fática deste
direito, de teorias que sustentavam um monismo normativista,
fenõmeno obrigou a reformas legislativas que implicam seu re-
.sCHundoo qual o direito estatal de natureza heterônoma era o
únlco direito existente. conhecimento por parte do direito estatal. É o caso do Código
Penal peruano que previu causas de exclusão de culpa para
Outras correntes, como a do "pluralismo jurídico" _ que tem situações deste tipo ou do artigo 21 do Código Civil mexicano,
suas origens nas investigações sociológicas de E. Ehrlich, no prin- que exime dos efeitos da lei pessoas "culturalmente incapacita-
c (pio do século, e de outros estudiosos - desenvolvem_se atual- das" para compreendê-Ia. Tais critérios constituem, na prática,
mente com renovadas problemáticas na América Latina e parti- um reconhecimento do erro de direito (errar juris noceti, isto é,
( lllélrmente no Brasil. A corrente da denominada hermenêutica um cancelamento do efeito geral do princípio de ignorantia Ie-
nllcrnativa(J) ou do movimento do "direito alternativo" e as "teo- gis neminem excusat.
IlnH críticas do direito" terminaram por demolir essa visão reduti-
Um segundo tipo de pluralismo é o que se articula com a
vista. esclerosada e ideológica do direito (o já velho Direito for- lógica universalizante da Iex mercatoria. Consiste na emergên-
111;11 se desmancha no arl! - diz Eros Grau)('!).
cia de regras que regulam o comportamento das corporações
Elas também conseguiram pôr em crise, ao mesmo tempo, internacionais em seus conflitos de competência comercial ou
vlsúes tradicionais acerca das concepções teóricas, da natureza territorial. mediante as quais se obtêm uma solução mais rápi-
c Ins prálicas Profissionais, dos modos de Produção do conheci- da, segura e previsível em relação a que poderia prover o pro-
111('1110 (práticas pedagógicas) e dos usos estratégicos da legali- cedimento ordinário, complexo e lento, da jurisdição estatal.
c/deI<'. COnseguiram construir uma nova agenda para a problemá- Como é conhecido, isto ocorre não só no plano internacional,
IIc.l elo direito que lhe restitui, antes de tudo, seu caráter de enla- mas também no local e envolve muitas empresas não transna-
( c' pnréldigmático da socialidade, isto é, que o assume no seu cionalizadas. Certamente o fenõmeno não é novo, mas parece
c <lr(l/cr histórico e em Sua incontornável articulação Com a ideo- haver adquirido ênfase atualmente em consonãncia com a cul-
l0!llil c Com o poder. tura neoconservadora (pragmatismojnão-solidariedade, indivi-
dualismo), cujo ideal pan-privatistico não se detém sequer di-
Nesta nova agenda, adquire relevância o tema do "efeito de ante da própria atividade de julgar. Trata-se, agora, também de
c/c .•.•( Ol1lJccimenLo", da incerteza e da anomia que gera a coexis-
privatizar a jurisdição.
'.'1)('1" ele distintos ordenamentosjurídicos regulativos da condu-
101 c/c' 11mmcsmo grupo social em um determinado território. Este Por último, cabe mencionar um pluralismo de novo tipo,
representado pela emergência, no seio de comunidades campo-
(.'1 v," 1.11/11>(';/1
I'HESS13URGER, Migue/, Conceitos c evolução do direito alternativo, nesas ou de grupos sociais marginais, de uma legalidade alterna-
I li' /lI,hl/( d~.lo c/o InstlLuLo dos Advogados do Brasil, Rio de Janeiro, jun,-/993, t iva de características autogestionárias. Esta realidade foi parti-
(.~)VII: (lHl\l!, ero,~(/987). Rcvlstn (Ia ASSOCiação dos Advogf/(/os ctc Silo Prll/lo. '1Ilnrmcntc estudada no Brasil e - cabe assinalá-Io - recebida
(011111111ilo 01I111
ISl110pclol> setores progrcsslslas. que viram ncs-
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sas práticas o germe de um direito emancipatório, gerador de 3. FUNÇÃO IDEOLÓGICA E EFEITO DE DESCONHECIMENTO
relações mais livres e igualitárias.
Nas sociedades industrializadas, a especificidade do direito
Ao cabo de alguns anos, parece imprescindível, apesar dis-
consiste em seu caráter geral, abstrato e formalizador. O direito
so, avaliar tais experiências de maneira mais prudente. Sem que
constitui os indivíduos em sujeitos jurídico-políticos, com o que
seja justo desconsiderá-Ias, é preciso estudá-Ias objetivamente,
traça o código de suas diferenciações. Ao propó-los livres e iguais,
distingui-Ias, descobrir a lógica interna que as anima. Em muitos
institui, a partir da lei, a diferença inscrita, apesar disso, em um
casos, segundo já se comprovou, estas formas alternativas são
portadoras de valores sociais consideravelmente mais regressi- marco de homogeneidade. Trata-se de indivíduos liberados dos
vínculos territoriais e pessoais das sociedades pré-capitalistas e
vos que os que informam os direitos estatais liberal-burgueses,
deste fim do milénio'". coesionados, agora, na lógica da produção que os separou dos
meios produtivos e os incluiu na unidade geral, abstrata e indívi-
Nem todo direito alternativo, por ser tal, parece nos dizer a dualizante do mercado. O direito transforma-se assim em um
experiência, é por si emancipatório. As teorias jurídicas alternati- conhecimento instituinte, em um saber social diferenciado, qu
vas antes mencionadas são ainda devedoras de uma investiga- se expressa como prática social âiscursive, destinada a legitimar
ção mais profunda (acerca desta problemática) e de uma concei- a distribuição do poder social. É detido, pela via da divisão do
tualização teórica mais rigorosa. trabalho em geral e da divisão do trabalho intelectual e do traba-
A pluralidade contraditória de normas pode ser identificada lho manual, por certo conjunto de indivíduos, digamos generica-
como uma fonte a mais do denominado "efeito de desconheci- mente, os juristas: funcionários, juizes. advogados, legisladores,
mento", enquanto os indivíduos ou não sabem a que pauta ade- etc. Eles se ocupam de pensar e pôr em ação as formas de ad-
quar sua conduta ou supõem que "seus" direitos prevalecem so- ministração institucionalizada, os procedimentos de controle e
bre o direito estatal ou terminam por desconhecer ambos. Por regulação das condutas, os modos de surgimento e gozo dos di-
último, a existência de distintos ordenamentos supõe, como di- reitos, e tornam-se, em conseqüência, depositários de uma for-
ria N. Luhmann, um aumento da complexidade do sistema, só ma de poder social especifica, que se assenta não só no conhe-
superável por via de novas distinções, cuja conseqüência não é cimento técnico que possuem, mas também no desconhecimen-
outra, como é óbvio, senão um novo aumento da complexidade, to correlativo do leigo. O poder assentado no conhecimento do
e assim sucessivamente, com o sempre latente perigo de uma modo de operar do direito se exerce, parcialmente, através do
entropia dissolvente. desconhecimento generalizado desses modos de operar. A pre-
servação desse poder está aparentada, sustentamos, com a re-
Contudo, a marginalidade e a anomia parecem elementos produção do efeito de desconhecimento.
"externos" à operação do subsistema jurídico. Para seguir usan-
do a terminologia sistêmíca. elementos do entorno. Daí que a opacidade do direito, ao menos nas formações his-
tórico-sociais contemporâneas. longe de ser um acidente ou um
Certas características "internas" também são produtoras de
acaso, um problema instrumental suscetível de se resolver me-
opacidade. As mesmas estão associadas com a peculiar articula-
diante oportunas reformas legislativas, perfila-se como uma deman-
ção do direito com o poder e com a ideologia, aspectos que a
da objetiva da estrutura do sistema, como um requisito de opaci-
Teoria Crítica relevou com especial atenção e aos quais vou-me
dade, que tende a escamotear - como a ideologia em geral -
referir ligeiramente na parte seguinte.
sentido das relações estruturais estabelecidas entre os sujeitos. com
a finalidade de reproduzir os mecanismos de dominação social.
(5) Ver: OLIVEIRA, Luciano (1992), Ilegalidade e direito nll (:mnllvlll 1101"'1 pma
vlt ar alguns equívocos, in: tsnstno Jurkitco - diagntlSlI(lI, /"'/'1/,,",111" " II/tll"I" Sw;tcntfl Foucault tr ••• 0 poder é lolerável só com
1:18,l\rn,~I"n, Orch-m dOI> I\clvoflfl(iO<; do IImq". di; IlHI,scnrnl" UI11í\parte importante ele si mesmo. Seu
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na proporção direta com que logra esconder seus mecanismos ... O que tais paradigmas contribuíram para o conhecimento e
Para o poder, o segredo não pertence à ordem do abuso; é indis- a compreensão do fenõmeno da juridicidade esteve, pois, media-
pensável para seu funcionamento"!", do por tratos ideológicos que deslocaram seus sentidos ou que
os organizaram na lógica da reprodução da hegemonia social.
No mesmo sentido, diz Legendre que "o direito, enquanto
ocupado na manutenção da ordem, deve permanecer inacessí- Apesar disso - como recordava com acerto Poulantzas em
vel. O direito nunca mente, uma vez que ele existe, precisamen- um livro póstumo, cuja atualidade é injustamente esquecida =, a
te, com a finalidade de obscurecer a verdade social"!", lei não opera só como barreira de exclusão, mas também inscre-
ve e consagra em seu texto reais direitos, compromissos materi-
Esta intrincada afirmação de quem se descreve a si mes-
ais impostos pelas classes dominadas às dominantes'?'. É o que
mo como medievalista de profissão e psicanalista por afeição
temos chamado função paradoxal do direito que, a um tempo,
pode, contudo, ser aceita, se observarmos que a idéia de or-
reproduz as condições de existência de um sistema social e au-
dem foi habitualmente co-extensíva à de permanência, fixação
ou finitude. O conceito mesmo de sociedade - disse Laclau - xilia sua transformação progressiva.
não é senão uma intenção falida, por domesticar o infinito jogo Isso resulta de sua condição de discurso ideológico e de
de diferenças, a insalvàvel mutabilidade do social'", Por isso o discurso de poder. O direito se desenvolve como discurso ideo-
ideológico não deve ser pensado, à maneira do marxismo tra- lógico enquanto promete, com a finalidade de organizar o con-
dicional, como sistema de representações que constitui um ní- senso, o que não dá: igualdade, liberdade, proteção, garantias.
vel da totalidade social ou como falsa consciência, e sim, por Porém, como toda ideologia, quando desconhece, ao mesmo tem-
outro lado - segundo Laclau - como o conjunto de formas dis- po reconhece; quando descarta, alude. Assim, priva-nos da igual-
cursivas através das quais se desconhece, precisamente, a pro- dade, mas nos reconhece como iguais. Com isso habilita e legiti-
visoriedade radical do social e se pretende fixar seu sentido ma nossa reivindicação por igualdade, liberdade e proteção.
em um absoluto, qualquer que ele seja: "Deus" ou "classe soci-
Por sua vez, se o poder deixa de ser pensado, na tradição
al", "sujeito" ou "sistema".
que vai de Maquiavel a Parsons. como um instrumento ou como
O segredo a que alude Legendre pode, então, ser a específi- uma coisa que um sujeito ou um grupo possui e do que seu alter
cidade ideológica que consiste no intento de cristalizar o social carece e se reformula em termos de uma relação, o caráter para-
através do direito. Os grandes paradigmas jurídicos da moderni- doxal atribuído aqui ao direíto é mais claramente percebido.
dade (jusnaturalismo/positivismo) não só têm uma visão mate-
O poder, afirma Foucault, é uma situação estratégica. Onde
matizante como comum fundamento epistemológico (do mode-
há poder. há resistência, e esta não é exterior à relação de po-
lo hobbesiano da demonstratio ao da axiomàtica kelseniana), mas
der, mas interior a ela. Não há poder sem dorninador. tampouco
também coincidem na absolutização do jurídico, cuja natureza,
há poder sem dominado"?'. A única coisa que não pode fazer o
histórica e rnutável. escamoteiam, com fundamento em Deus, na
primeiro com o segundo é eliminá-lo. porque eliminaria assim
Natureza, ou na Razão no primeiro caso; ou com fundamento em
seu próprio poder, que se estriba, precisamente, em sua prepon-
uma hipótese gnoseológico-transcendental, uma norma de reco-
derância no interior da relação estabelecida. Uma relação, ade-
nhecimento, ou uma ficção, no outro.
mais, mutável e histórica. Esta circunstância explica que o poder
não se expressa em atos de pura negatividade. Por isso o direito
(6) FOUCAULT, Michel (1977), La historia de Ia sexualidad -Ia voluntad de saber, proíbe, mas permite; censura, obriga a falar; ordena, mas con-
México, Siglo XXI. t. 1
(7) LEGENDRE, Pierre (1976), Jouir du pouvoir, Paris.
(8) LACLAU, Ernesto (1993), Nuevas reflexiones sobre IR rcvnltu Mil ,/" 1I1/{'8/,., (O) VI'r: I'OUL/\NTZ/\S, Nil~os (1978), Estado, poder y socialismo, México, Siglo XXI.
rtempo, Buenos Alres. Nueva Visi6n. (10) l'OlJC/\lJL'I', Mlcht:l, 0'" clt.
143
I)1I1r.ITO, POLíTICA E MAGISTRATURA
142 CARLOS MARíA CARnlV~

Nesta situação estratégica, o poder reserva o saber para um


vence; impõe, mas persuade. O direito como discurso de poder M [unção social diferenciada, a dos técnicos, a dos juristas. Os ho-
desenvolve então com o sentido que os membros da relação mcns de leis conhecem o direito, sancionam-no e aplicam-no,
indivíduos, grupos ou classes - conseguem impor-lhe no desenvol ;' este um conheoimento monopolizado. Disse poulantzas: "A ig-
vimento de suas próprias e contraditórias estratégias históricas. norãncia da lei não desculpa seu não cumprimento é a máxima
Curiosamente, uma percepção isomórfica do poder pode SI'I IlIndamental de um sistema jurídico moderno ... Esse conheci-
encontrada em um autor - não seria arriscado situá-lo nas anil IIlento que se requer de todo cidadão sequer é objeto de uma
podas do "arqueólogo do saber" - Nicklas Luhmann, cuja encn disciplina particular na escola, como se, ao mesmo tempo qu
me produção intelectual resulta hoje, qualquer que seja a sírnp.i 'li: lhe exige conhecer a lei, se fizesse todo o necessário para que

tia que ela nos inspire, incontornável. ,I IBnore. Essa máxima expressa, também, a dependência-subor-
dinação com respeito aos fazedores, guardiães e aplicadores da
Para este autor, o poder é um fenõmeno relacional-reflexlvo \1'1 das massas populares cuja ignorância (o segredo) da lei, é um
e não casual-transitivo, como se sustentou tradicionalmente. unco dessa lei e da própria linguagem jurídica. A lei moderna é
O poder é um meio de comunicação social, quer dizer, lIllI 11111 'segredo de Estado', fundadora de um saber amparado pela
código de símbolos generalizados, pois torna possível e, ao mcs I••zào de Estado"(12).
mo tempo, disciplina, a transmissão do que, em sua obscura lei A própria lógica de organização do poder em nossas socieda-
minologia, Luhmann denomina "prestações seletivas" de um SlI
(Il:s parece explicar este paradoxo de imposição e desconhecimento
jeito a outro. Em termos mais claros, decisões de um sujeiLo (x),
01 que estão sujeitos os atores sociais, grupoS e indivíduos.
que escolhe uma das múltiplas alternativas que outro sujeito (y)
tem à sua disposição. Quando o sujeito (y) atua, não pode igno Há, na prática dos juristas, ainda que no plano inconsciente,
rar a decisão do sujeito (x). mas pode eleger outra opção. Aquela " produçãO de um efeito de desconhecimento que, se em seus
opera como pressuposto de sua eleição, mas sua própria cota (I!' ,,~pecLosmais complexos se expressa no monopólio do saber e na
poder consiste em ter a possibilidade de desviá-Ia. Isto faz a relu ddenção do segredo, em seus aspectos instrumentais, o faz atra-
ção de poder diferente da pura coerção, porque, nesta última, fl vi.s de uma linguagem crítica, de significação fechada e de um
vontade de (y) estaria sub-rogada pela de (x). Nas sociedades ( OI1Juntode rituais ininteligíveis para o leigo. Uma vez mais: o po-
modernas, a coerção direta é um fracasso, sustenta Luhrnann. til" nssentadc no conhecimento do modo de operar do direito s
Nenhum sistema pode estabilizar-se se a força não representa I xcrcc. em parte, através do desconhecimento generalizado dess

uma medida apenas marginal da relação de poder. 1110(10 de operar. A preservação desse poder requer a reproduçã

As teorias instrumentais e não relacionistas não podem ex cio r-feito de desconhecimento. Requer, enfim, opacidade.
plicar - segundo este autor - as formas consensuais de exercício
do poder. Poder-se-ia dizer: não podem explicar as formas "jur]
'•. O DESCONHECIMENTO MEDIADO PBLA COMPLBXIDADE
dificadas" de exercício do poder'!".
O papel da lei depende, pois, de uma relação de [orças clcn Nos primeiros parágraros deste trabalho aludia-se ao pro-
tro do conflito social. Não é unidimensional e, em troca. parado \1\1',"n ela complexidade nas sociedades do capiLalismo maduro.
xalmente, cumpre uma função formalizadora e reprodulora <1,1." (IlIlH' 01111'" fonte ela opacidade do dlrcito. O fenõmcno (~ t am
o
relações sociais estabelecidas, e, por ouLro lado, um papc: 11(1 111 li \ n!lSt'l vávcl nas nossas, ainda que não tcn harn nlc<\nç;ncl
remoção e transformação de tais relações. 1\11'11'11' 1'.~M\nl() de I11nlur!cltl(le, porque elas exibem UI11fln~(\llcln

(11) Ver: Luhmann. NIII\lns (ID91), 1'/,1('/11, lrae!. 11. O". c lt., p. I(),~. :,ll'I/r
1.111111;'1111
'""8 Ml('llIh·~. 1111;,,,,"1;'11111,'; ".1,,, 11//1" tvcnin ,1/;'//;'/11/, M;"xl< 11,1\11.111/11Idlll1ll.1l/ll1l1 (I ~l 1'(" II Arll/I\", n., IIfI· r /I
v;'I~ldll;IIIH'11lI1I11I'11( ,111.1(I 'l7.'): 1,1111/,1/',11 /;;II.'i/l( III/;'!!I/; /I. 111I""(I~ 1\1r,·~. 'i11I
145
I)\I\~ITO, POLÍTICA E MAGISTRATUM
144 CARLOS MARiA CÁRCOVt\

Ileias agentes ao registrarem a complexidade do meio. Isto Ihes


de singular, na qual convivem tradicionalismo e pós-modernidad«, permite perceber que não podem captá-Ia objetivamente, sem ln-
miséria e consumismo; relações produtivas pré-capitalistas e de ( íulr a distorção que sua própria presença cognitiva produz. Gera-
ica
senvolvimentos econômico-tecnológicos de ponta; analfabetismo :, assim, o que Zolo chamou complexidade epistemológ e para
e sofisticação intelectual, em uma caleidoscópica mistura que s( ,I qual propõs uma "epistemolog ia reflexiva".
constitui em dado peculiar de nossa própria complexidade.
Na relação com os sistemas sociais, N. Luhmann sustentou
Este conceito foi particularmente estudado no campo da c:I ,I Idéia de que os grupOS sociais tendem, com o transcorrer d
bernética. da inteligência artificial e da teoria dos sistemas CIl1 \1~mpO,a modificar sua estrutura organizacional. de acordo com
geral, e aplicado aos sistemas sociais por autores com preocupa lima lógica de crescente diferenciação. A evolução social havia
ções muito diversas'!". nem sempre com o mesmo sentido, nCIl1 p~Issado por uma etapa primeiro segmentária, logo estratificacio-
maior precisão. De qualquer forma, é possível afirmar sem maio )1<11 e mais tarde funcionaL A esta corresponde a emergência d
res ambigüidades que os fenômenos de aceleração hístórlcn. ',lIl)sistemas funcionais de cada sistema sociaL
associados aos descobrimentos científicos e tecnológicos da
Os subsistemas (econômiCO, político, científico etc.) desen-
últimas décadas, ampliaram, de modo excepcional, o universo
volvem um grau de especificidade maior do que continha o sistc-
de opções possíveis no campo da interação humana. Como n:
111.\ cio qual se diferenciaram, criando, por sua vez, seus próprios
corda R. Aron. para chegar a Roma, desde Paris, Napoleão CI11
pregou praticamente o mesmo tempo que havia empregado C{' I ocligos funcionais.
sar. e um membro da burguesia francesa da época de Luís XIV Na análise de Luhmann, o mundo oferece ao observador
desfrutava dos mesmos recursos que um romano da classe alia. \11\1<1 quantidade praticamente ilimitada de possibilidades de cx-
Depois, as diferenças se fizeram, subitamente, enormes"?'. pt'rlência e de açãO, à qual corresponde, em troca, uma capad
d,ld(~ muito reduzida de perceber, elaborar informação e atuM.
Todavia, como disse D. Zolo. quanto mais amplo é o númc
A "complexidade" consistirá então - para este autor - no exCCS-
ro das possíveis opções e mais elevado o das variáveis que (I
jll ctas possibilidades do mundo. Em tal sentido, a complexl(\tI
agentes devem levar em conta em suas intenções de resolver
t\l' Implica necessidade de seleção. Através da seleção se <11
problemas de conhecimento, adaptação e organização, mais com
plexa se torna sua situação em seu meio'!". Por sua vez, o mclo (;III~í\ a estabilidade do sistema. Os sistemas reduzem a com
ambiente aumenta em complexidade, quanto mais interdcpcn pl,-,xl<l<ldc'dOambiente, selecionando as opções necessárias pnnl
t IIS üns. mas, ao fazê-Io, transformam a complexidade cxu:
dentes tornam-se suas variáveis. Isto demanda, então, mais intor
11.1 t')11complexidade interna(I?). O ciclo assim descrito é um <\t.
mação para dispor do meio ambiente e controlá-Ia. A este csquv
I \1111 vlrí uoso no sentido de um aumento permanenLe da COlll
ma de complexidade crescente somam-se outros dois elemento
auxiliares para o mesmo fim: por uma parte, a denominada 111.0.;1.1 \lIll\lclnclc cios sislemas. do nível clt·
bilidade ou turbulência do meio ambiente, que introduz no campo () mllor que mencionamos resiste em descer m sua HI'
da ciência as questões da imprevisisibilidade, o caos, a cal{lsllll/' til. I ,ll1slrnç,é'lOde suas formulações. Apesar disso, o (\(~senv()1
etc.(16)e, por outra, o estado de circularidade cognitiva alcanç.uto I 111'I,vlc>loHlc 5uBcre, como exemplo, ainda que nã
V.I, ,I plc'lprl<l evolllÇ-ROdo direito ocidental.
(13) ZOLO, Danilo (1994), Democracia y complejidad. Vil cnioquc reI/1I8!iI. 1111"11.I
Aires, Nueva Visión. Pode-se consultar a bibliografia na página 231 ('~(~!l1I11I11
(14) ARON, R. (1962), Dlx-huit: Ieçons sur Ia societé tndustrti-tu-, 1',1111" (\,111111111111 \11) \',1111 11111" 1111111
lillll.ll.~ ,1I\1plol. UlIlHlIlI.Ir: I.lJlIMI\NN. Nlt 1\1.1'1(I'm:'). .,'U0 1/1/11
em ZOLO, Danilo, op. cit. p,34, 1,11 "li ,1/,../1/1 1\10 d •• ,1.1111,110,1\1I11Inll'( ,\ '1"',111(10 Unlvl~l·j\l:II·lo. V"I 1.11111)/'111 '1I. ,

(15) ZOLO, Danilo, op, clt.. p, 17 111'1I 11,1""" 11>111111" I I, 1'.110\ 11111.1,IIIII,~,·"I.\~.,o <11<1;1111
,I lI. '111.1'\ l<Ii 1.1", VII' 1\11

(I Cl) VI'r, entre outras, rlH I1()ÇrH~S (1<: "orclcin ntr,1V('~ elo 1111<10", ,i<' 11. 1\11,," IllI!I.' I. 111\11\11\ I 1I ~,' I\I{rlOI li. ~I (111 11).
'
"ti, ,,-""" Y 1,'/11/11 ,I<' 'I/~/c""CI~ _\.11111,11\"1\1

(rls!,,1 1'1/;/ ""111"") ()1I,·~tlllllll"·, (1I~'jIJl"tlv"'j d.· 1111"1'1111°11111"(I" 11//1'1".,11,111/11)


I 111" 1IIIIvl:,·"I.III'1
V"I 1/1111111'1111\"11111" 1111''',111111,'1
146 CARLOS MARiA CÁRDOVA

Com efeito, os romanos abarcavam juridicamente o conjun-


to das relações sociais da época, através da distinção entre o jus
quiritario (direito da cidade) e o jus gentium (direito das gentes/ A Dimensão Política da FUnção Judicial
estrangeiros); ao processo histórico de diferenciação funcional,
foi correspondendo também um processo de diferenciação e pro-
gressiva autonomização do direito: o direito civil, do qual se des- "Segundo a teoria da Corte Suprema (que é a arte d
prendem o direito comercial e progressivamente o laboral. d conservar-se Corte Suprema) ... a Corte deve reconhecer tod
navegação, aeronáutico ete. Cada campo de especialização per- governo que é obedecido peto exército, pela polícia e pelo
mite abarcar novas relações e, com isso, selecionar opções sistema burocrático."
reduzir a complexidade do ambiente, a custa de aumentar sua Todo y nada
Macedonio Fernándcz
própria complexidade, ao aumentar sua informação interna, gP-
rar standards interpretativos ad hoc. ete.
"Ninguém nunca viu um Estado. Nem a olho nu nem em
Pense-se nos desafios que à estrutura atual dos sistemas d um microscópio, nem em foto, nem de um avião. Não é um
decisão jurídica colocam as inovações científicas e tecnológicas, coisa, como um território ou uma porçãO do oceano. É uma
com a aparição de questões como os delitos ambíentaís. os ilícl certa relação entre os homens pela qual o direito de mandar
tos informáticos, a regulação da telernátíca. a robótica. a fecun- independente da pessoa do que manda. Uma coletividade s
rege por um Estado quando o vínculo de submissão de h
dação in vitro, a biotecnolologia em geral etc.
mern a homem é substituído por uma subordinação de princí-
Este percurso fugaz e necessariamente superficial pela teo- pio. Esta despersonalização da obediência cria a instituiçêO,
ria dos sistemas autopoiéticos, parece-me, ilustra também sobre com seu duplo imperativo de legitimidade (o chefe é mais
a outra fonte de opacidade estrutural do jurídico a que havíamos que um soldado com sorte) e continuidade (os chefes pas-
aludido, resultante da complexidade da interação humana nas sam, a autoridade fica). A violência pode dar à luz um poder
de fato, mas não pode nem suscitar nem perpetuar por si só o
sociedades do fim do milênio.
consentimento. Este último supõe uma 'dominação simbóli-
Restaria, ainda, por analisar, em um registro similar, o lema ca' (Weber), mediante a qual os submetidos incorporam os
da auto-referencialidade ou reflexidade cognitiva dos sistemas, princípios de sua própria sujeição. Esta adesão faz com que fi
autoridade seja 'natural', o que, em reciprocidade, faz 'obrign·
particularmente interessante no campo do direito, como coloca
tória' a adesão- Embora a instituição estatal acompanhe rcla-
ram já, ademais das sistêmicas, as teorias críticas e a herrnencu-
çôes de força materiais, o mais das vezes de interesse cconó
ticajurídica. O conhecimento do direito é constitutivo do direiLo mico. funciona em si mesma como um fenômeno de crença."
e, em conseqüência, os juristas são como os marines - poder-se
EI Estado SecluctO!
ia dizer, parafraseando Otto Neurath(18)- que, não podendo rc Régis DcIJm
gressar ao porto por causa da tormenta, devem reparar a nave
que ameaça desintegrar-se, apoiando-se na mesma nave.
A metáfora introduz o dado da reflexividade e, ao Iazclo. r. AS NOVAS DEMOCRACIAS E A CRISE DE LEGALIDADE
interpela o reducionismo teórico das correntes neoposil ivlstas l:
Instala. como assinala D. Zolo. o tema da "cornplcxldaclc <:plsll" teoria polílicn vem-,se oClqmllc!n
Ik,sdc h{, alguns ano..•, ias" (I), termo COIl1 que: SI' li!
mológlca" do nosso tempo.
11;1'1
dl'lllllll\tHHln,s "novélS dcrn
l~.slnqucstào. porem, ra parte ele outra hlslórlu.
(I) V"I ,10-1111" '111110'1, (hllll"lIlIl1 0'\)011111'1, 1'lIlIlpII" 'lI 111111110-1 I\dolllll'II'-WIII·,III.

'\1.111 W,II'- ~.n\lIl"I"! w.lIllIlI, 11.111'\'" 11 W,IIIIII.


(I ti) 11111111 oI'JlII 01 11I'·1l~.'" d,- I>III!lllI/lIlo, 111'. (1/., p, '
14
DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA
148 CARLOS MARíA CÁRCOVA

Outras distinções do mesmo tipo poderiam ainda ser tenta-


referência ao aparecimento de formas institucionais que apre- das, mas todas elas destacam o traço que estas notas pretendem
sentam alguns traços definidores das democracias institucionali- enfatizar: as novas democracias ostentam um grave déficit d
zadas do Ocidente - que a partir da obra de Robert Dhal'ê' costu- legalidade. Porque quando, em um sistema democrático, um
mam ser mencionadas como "poliarquias" -, mas que carecem poder do Estado se arroga faculdades ou competências que a
de outros ou ostentam peculiaridades radicais. lei não lhe atribui, conspira contra um pilar básico do sistema
As referências empíricas dessas reflexões teóricas são os que é o da divisão de poderes e, ao mesmo tempo, põe em
processos de transição abertos na América Latina após o fracas- crise a própria noção de soberania popular a pretexto de aten-
so dos regimes militares de natureza burocrático-autoritária, por der à lógica da "razão do estado" que, como assinalou Bob-
uma parte, e os processos de transição inaugurados no leste eu- bio, seguindo Espinoza, é, precisamente, a antítese do estado
ropeu após a queda do muro de Berlim e a subseqüente "irnplo- racional'". E quando as decisões são processadas e "sancio-
são" do estado soviético, por outra. nadas" em ãmbitos que não são os que prevê a ordem jurídi-
a, aquela soberania popular resulta expropriada e, em con-
Essas reflexões não alcançaram um grau de sistematicida-
'eqüência, aquela ordem subvertida.
de suficiente, mas a progressiva abstração de características qu
E a circunstância apontada não é um problema menor por-
resultam comuns aos processos estudados começa a dar lugar
formulação de certas tipologias. Assim, costumam-se distinguir [ue. como afirma O'DonneW61,o sistema legal é uma dimensão
as novas democracias por seu caráter "delegativo". isto é, uma 'onstitutiva do Estado e da ordem que este estabelece e garanl
~mum certo território, Esta ordem não é igualitária e tende a repro-
concepção e prática do exercício do Poder Executivo segundo tl
qual, por meio do sufrágio universal, delega-se a seu favor a prcr luzir relações de poder assimétricas, veladas pela promessa d
IOualdade ante a lei. Contudo, como argumenta o autor citado, ti
rogativa de fazer quanto lhe pareça adequado para o país, sem
<:xiSlência da ordem é fundamental em relação à previsibilidad
estar sujeito, efetivamente, às regras de controle horizontal fOI
social generalizada e à igualdade política dos cidadãos. Ainda qu
mal mente estabelecidas. Tais regras atribuem a órgãos razoavel
uno se estenda a relações econômico-sociais ou culturais, é funda-
mente autônomos o controle de validade e legitimidade dos atos
11It~nLalpara o exercicio dos direitos políticos que a democraci
desse Poder?'.
l cssupóe e para a efetividade das garantias individuais associa-
1I
Também se caracterizam as novas democracias como "Ho d,\!'> à tradição liberal. A noção de cidadania democrática tem-se
vernadas", diferentemente das poliarquias, que seriam dernocrn ollllpliado nas democracias institucionalizadas e não se esgola em
cias "governantes"(4l. Nestas últimas, as decisões políticas Iuncln '1IIi1 dimensão exclusivamente política. A possibilidade de obter
mentais são processadas nos ãmbitos previstos institucionalmcu- uma solução jurisdicional para seu conflito de interesses ou para
te, de maneira especial pelo Parlamento, expressão plural e am \'11 reconhecimento interpessoaL grupal ou familiar, baseado na
pliada da representação da vontade popular, isto é, da soborn lI-I, lnstltul o sujeiLo como sujeito de cidadania,
nia. Nas primeiras (governadas), ao contrário, ditas dccísocs Solo A!'> novas democracias, entre outras caracterísLicas, mosí rarn
malerialmente predispostas em outros âmbitos, nos quaís r('~I<lI'
1111\ n:rlo desapego pela pura aplicação das regras do jogo soclnl
"poder real" dos grupos hegemônicos, que podem ser os <(lI
11\\'1111' cOlllparlllhadas e formalmenle eslabelecidas. Porém, umu
porativos. confessionais, "mass-mediátícos" etc. 111\,111<1[\<1<: peln metade supõe uma democraci<l pela mel,HI<: I~.

(:L) VI:r: l'olynt'('lly, pnrttclpmion Finei oppositlon, rícw ""VI:I1, Ynll' IJlllvl'I"lly 1'10 I"" v, 1111I1I11110, Nnl'lwIIO (I!)fl!'!), E.'IllIcl/o.'l c/c 11181ml.t de 1.1 1110.'101111: dI' /1011111
(.1) VI',.: ()'()ONNI~L, 01l1l11:r1110 (I DO I), Dcntoc Itldi! (/1'It'!llIlIviI'r', S,)OI'oIII10, < , 111,'1'
, 11101111'"I ~l,\(IIId. 11"'1.lk.
Novo~ I'~IIItlOS. (11) V, I /\. ,".\ 1"'II~ ••llltI\I.I.\ !II'IIIIII 10111,,11lóu Y 0111\111111'\
1'\111111'111.,,,(11111'1'1110110
(Il) V"I: WI:I'I'Oln, I'I,II\( I~I n (I 0!l7), QII"I r/I'11I1H 1011 I",' !i.lo I ',11ti 11, < tlIIII',"IIII,\ 1111110,,,,"nll,I/"OIlIlIIl/IIl(IIII';),'Io 1/j(), 1'. 111t\,
d.I·' I ,~IIII~.
, I~()

CARLQS MARiA CIiRCOVII


DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA 151
('/lI cOnseqüência,
r é válido perguntarmo-nos que quantidade d('
Il1d/fe ença é necessária para metamorfosear a natureza dern
'J'{ttlca de uma certa ordem. uns deles foram nominados como de necessidade ou urgencia,
mas modificavam ou derrogavam leis e dispunham sobre matéria
reservada ao Congresso, razão pela qual foram também remetidos
2. UM PAís À MARGEM DA LEI para sua ratificação por esse órgáo'".
Quando o papel da legalidade se desvaloriza no ámbíto ins-
Nosso país, sem dúvida, mostra um déficit de legalidade alar
litucional, ocorre o mesmo no ãmbito das relações interpesso-
mante, que atravessa toda sua história, mas que se percebe de-
is. Os compromissos não são assumidos, as convenções não
forma mais insidiosa no marco da restauração democrática(7).
são cumpridas e uma sensação geral de desproteção e de impu-
Trata-se de uma música cujos primeiros acordes começam a es-
nidade percorre, com efeitos naturalmente deletérios, os ínterstí-
utar-se durante a Administração radical (estado de sítio, trata- ios da vida social.
mento da dívida externa sem intervenção parlamentar, criaçã
ele moeda por decreto, discutível constitucionalidade das leis d Por certo a Argentina não é uma exceção, Basta dar uma
Ponto Final e Obediência Devida) para adquirir dimensões sinfô- lhada em redor para observar que padecemos de problemas d
nicas durante o atual governo do Presidente Menem. Exemplifi_ natureza estrutural que são comuns a outros países do subcontl-
ar aqui se tornou muito menos simples, porque a transgressão nente que compartilham nossa azarada construção democráti-
legal tornou-se, atualmente, sinônimo de eficácia administrativa. , José Eduardo Faria, um prestigioso sociólogo do direito bra-
Mas algumas questões de enorme gravidade institucional têm, sileiro, descreve assim a situação de seu país:
necessariamente, que ser invocadas, como, por exemplo, o in- "As conseqüências concretas da crise de hegemonia, d
dulto frente a crimes de lesa-humanidade e em relação a pesso- legitimidade e de matriz organizacional do Estado, em termos
as com processos pendentes; a remoção e a designação de pro. de multiplicação de conflitos e de novas formas de atuaç
urador-geral sem aprovação do Senado; a recomposiÇão ea h política obrigaram ao Estado brasileiro a promover constantes
Ios organismos de controle, Como a Fiscalização Nacional de ajustes no que se refere à organização sócio-econômica e po-
Investigações Administrativas, a Sindicatura de Empresas Púbjj- rítlco-administratlva do país, sem, enquanto isto. conseguir
superar as próprias contradições em que tal organização se
s. o Tribunal de Contas da Nação ete. Um só dado concreto, de
assenta. Nesse processo de ajuste, a brecha cada vez mais
natureza puramente quantitativa, ilustra completamente a situa- profunda entre o sistema jurídico e os interesses em confht
ção aqui descrita. É o que se refere aos denominados decretos d de uma sociedade em transformação, potenciada pelas tradl-
"Ilecessidade e urgência", os quais, como é sabido, constituem fi cionais dificuldades do Poder Judiciário para adaptar-se a n
médios extraordinários para situações extraordinárias, nas qUélJS vos tempos, conduziu a uma progressiva desconfiança tanto
o Poeler Executivo assume competências do Legislativo. De 185 na objetividade das leis, como critério de justiça, quanto em
ruó 1983 os governos constitucionais editaram 20 no total; dllréH1- sua efetividade como instrumento de regulamentação e dirc
1<: o governo do Presidente A/fonsín, foram editados 10; durante o ção da vida sócio-econômica. Deriva daí uma certa banallzn
çào da ilegalidade e da impunidade que passou a caracterizar
dllml períOdo de gestão do Presidente Menem foram impostos /l1<1/.s
'imagem' do Brasil contemporâneo. A imagem de que 01
uc 300 deste tipo de decretos (ver: Página 12, 16/6/94, p. 6). 1\1
ódigos haviam se transformado em simples ficção e ck: 'lUt'
sua violação sistemática se havia convertido em regra Hl~I.11.
(l) 1;/11ilflClslo do ano passado ocorreu ° inesperaclo, sentlclo e Pl'<:l1lfllllr<J Clt",OIPiI expressando as falências das instituições juridlco-jucllclnls, 101
H't llIlt~lIl() dt· Céll'I().~ S. Nino, um dos mais /)l'ilh:1nles C:SP(:clllli.~ln~ cll' 1'''O~Ol/d
nadas anacrônicas por não haver sabido renovar-se'?".
,111I1<l1(,J t· l'ollfic:1 rI" IIl'ncnfinél. SL/:1 0/)1';'\ PÓS/IIIlI,I, Un pn!« ;/1111111,1/('11 (lI' I" I,'~
(1l1lt 101.) 1~lIlt't t:. I [Jfl2). (()1I81111111I111('~III(/o I:X.llt.~lIv(), 11()lIt'.~lo \: I 011Ipl 0111'" 111"
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1/"'.111 ''''II,I~,JO 1/ 1\'(.lId( 1('''~;IViI (Ot!IO cl,' "1t!o/)'/('IV.)1I1 liI !1<'1I1'IIIII,.I<IIIII,' 1111111111 (li) I I', doido" I))OVI'1Il (h~ uma Inv('~lInnç:'\o el(' J)dla "em:l,) I(ulllo t' M"I<'o <\cl)/·III.
111I/ell<I•••. "01 IlIh, t OIlVt'IH 10Ildl.~. I ('c IIlt II~. (tltH C'/llloI/'/" 011,/", (,. lO) 111,111.1
"01 1111101<./0
V"I'hll/l\y e-m II,I(·I~I'I.I (,())II:. I'IIII/('liI. I O!l,~.", I nrl,
1110/
('I) 1./1/11 ,I. 1 fIc' 1'/111/,<'111111. n, ( 10(/1). 0,11111111:,,10 t' tl ti, "/I'lIvolvllIl'" II tl '/(lI 111I', <11111
1111'I' /11 IIIIdlll'. tunnonn», (I/,,·IIII.~ ~ClI/01'" "I"III/~/I. '\.\/1/',(11111. lr], "\1\11I ',III1C1
153
DIREITO. POL.íTICA E MAGISTRATURA
152 r.n,,,,, M.RíA CÁRCOVA
--------------------~-~ ... ~,~~~-,~'''~~
uma democracia aprofundada, de uma democracia radicalizada,
3. CAUSAS ESTRUTURAIS E RESPONSABILIDADES SUBJETIVAS no sentido que a teoria politica atribui a essa expressão(12),
Ao nivel do Estado há uma responsabilidade conspícua no
Tal como se destaca no parágrafo transcrito, a banaliza- poder Executivo que, como já foi demonstrado, privilegia a poli-
ção da juridicidade tem causas que são estruturais. As novas üca do atalho institucional; isto também existe no nível de um
democracias tiveram de enfrentar um acumulo de problemas, poder Legislativo carente de iniciativa e disposto a acompanhar
Em nosso país, a extorsão, em forma de ameaça Institucío- a "razão de Estado" a qualquer preço, como provou, entre ou-
nal, de uma corporaçào militar disposta a enterrar, junto com tros. o episódio do "diputrujo"(lj), com cuja presença se aprovou
seus fracassos políticos e militares. suas gravíssimas respon- lei de ampliação da Corte Suprema. Mas é ainda maior a repro-
sabilidades com relação ao terrorismo de Estado; a multipli- vação que, em relação à crise de legalidade que nos aflige, con-
cação de legítimas demandas sociais de natureza econômico- cerne ao poder Judiciário e, em especiaL à cabeça desse poder,
social que não pode atender com eqüidade e, o que é ainda Corte Suprema de Justiça. Porque é o poder Judiciário, preci-
pior, cujas causas exacerbou; a sobredeterminação econornl- samente, que tem a atribuição, em um regime republicano e de-
a que a crise do capitalismo desorqanizado"?' impõe aos pa- mocrático, de controlar a legitimidade dos atos do poder admi-
íses periféricos etc. Todas essas questões, e muitas outras, nistrador e a constitucionalidade dos atos do Legislativo, Esse
impuseram limites à atuação do Estado que, sem dúvida, são ontrol , de fato. fica em mãos da Corte, uma vez que ela consti-
de natureza sistêmica e não podem ser enfrentadas. nem muito e
tui a última instãncia de conhecimento e decisão, quando não a
menos resolvidas, com estratégias puramente voluntaristas. única, nos casos em que estão em jogo atribuições e competên-
Tal convicção não afasta, entretanto, a responsabilidade qu .las dos outros poderes, tanto como nos casos em que o que
abe atribuir a certos agentes paradigmáticos no fenõmen está em jogo é o regime fundamental de garantias e direitos con-
ele uma legalidade desvalorizada. Porque se trata de proces-
sagrados na parte dogmática da Constituição Nacional.
sos dinâmicos, mutáveis. no interior dos quais as diferenças
ele grau assumem dimensões não só quantitativas como tarn-
bem qualitativas, como resulta ilustrado na referência feita 4. O PAPEL DA JUSTIÇA: A CORTE SUPREMA
antes a respeito dos decretos de necessidade e urgência.
Ao nível da sociedade civil, cabe assinalar como fund Um conjunto de circunstãncias desditosas que começaram
mental a responsabilidade dos partidos políticos. Dos gover- por uma ampliaçâo sem consulta - justamente suspeita de ilegí-
nistas, por sua inocultável vocação hegemonista, em cujos lima em seu trãmite mesmo, como já se recordou - sem outro
altares sacrificou-se tantas vezes a legalidade. Da oposição, ol)jetivo que não o de assegurar ao Executivo uma maioria dedi-
por sua incapacidade para evitar tais transgressões das quals. ( acla. conduziram o mais Alto Tribunal da República a um nível
por outra parte, em mais de uma oportunidade, se fez cúrnpll- dl~ c1csprestígio, provavelmente inaudito em toda a sua história.
ce(III, Dos partidos menores que, ao menos até há pouco tem- 1\ maioria dos novos juizes designados exibiu sem rubor suanalLO-
po, lêm subordinado aos apetites pessoais de seus dirigentes 1111dependência do poder de Estado que estavam consLitucio -
" possibilidade de oferecer efetiva densidade ao projeto (1(' Ilwl1l(~ chamados a controlar, a fim de garantir o funcionamento

(I 'J,l VI'I: 1,I',IOIrr. (Inllc!t' (1990), r.a invcIlCi611 clC/1l0CrfltlUl; !luI'no!> 1\\1 1"1,
(I O) OI"I'I~. Ctaus (1989). Cnpltnlismo ocsorqnntzeâo, São Faulo. f51'<l~1I1<~IlI-H', 111
nll' V;I V\ollú" \. I,I\('l,I\U, 1~l'Iwsl() (1993), /fefJC'1ll01lIil y ('811'111('11 .'im/"I/ ••,I",
(I I) o "'1111110 exemplo constlrut o mecanismo dc voto acordado par,\ .\., 111,,11"11"'1
IlIdl'lPOlllvl'lH cio "pnc.otc" (Ia Ikrorl11n consutuctonai. que. na 01'11111'\0<10'11111\1,.,(1\1'
~1."ldd. 'il!\!ll XXI.
(I '1 fl/1'1I1111/ "'lulv.I\I' li "1.11"0 <!I'p"(,IIIO" 1'1" .lhlll;'\O.1 1111'('pl"ó<lIo 1"1 ,\11' 111""
11,,1.\110'1I 11I1.~11I1I(IOI1.tIlHln'l (Van()s'll, 111c1mt. Campos, I'rlns) Illlpl\(" UIl1" 11""'11111'"
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155
DIREITO, POLiTICA E MAGISTRATURA
154 CARLOS MARiA CÁRCOVA

é a função própria de um poder de Estado. isto é, uma funçau


mesmo da República. O caso, sem dúvida paradigmático, é o do política por antonomásia. Uma função que tem a seu cargo - como
recentemente designado ministro da Justiça, Dr. Rodolfo Barra, a executiva e a legislativa - a realização dos principios funda-
homem de talento multifuncional, que passou da ôubsecretarla mentais sobre os quais se assenta a organização do sistema re-
de Obras Públicas ao vice-ministério do Interior; dai à Corte, para publicano e democrático adotado pela Constituição Nacional. A
produzir o discurso doutrinário mais elaborado, tendente a legiti- ircunstãncia de que esta seja uma tarefa especializada. estiliza-
mar as políticas privatizadoras e o desmantelarnento do Estado da, baseada em um complexo conjunto de conhecimentos e de
a qualquer preço e de qualquer maneira, ainda quando afetavam procedimentos que são parte de uma longa tradição cultural. não
direitos adquiridos ou passavam por cima dos procedimentos lhe retira esse caráter. Um paradigma jurídico já definitivamente
instituídos. Desse lugar, disciplinada renúncia pelo meio, ao cen- ~m crise, de orientação formalista e instrumental. tem contribuí-
tro da operação política governista no seio da Convenção Constl- do para mostrar apenas as dimensões "tecnológicas" do direito e
tuinte e, agora, à titularidade da carteira mencionada, como pú- para escamotear. correlativamente. essas outras nas quais esse
blico reconhecimento pelos importantes serviços prestados. Ou- discurso social se realiza em sua função de legitimação e organi-
tros casos se assemelham ao do Dr. Barra, como o do Dr. Cavagna zação do poder. vale dizer. em sua função política. Esta questão,
Martínez ou o do Dr. Boggiano, atingido ainda pelo escãndalo de que deu lugar. nos anos 70, ao aparecimento das denominadas
supressão de uma sentença por encargo do ministro da Economia "correntes críticas" na teoria jurídica. põde discutir-se, então, de
que, como se recordará, teve-o como protagonista. Não menos forma um tanto bizarra, mas é hoje um lugar comum. Veja-se a
patético é o papel do juiz Belluscio, antigo integrante do Tribunal opinião de um liberal católico como Germán Bidart Campos(I~):
aliado com a minoria, sobre o qual pesam múltiplas censuras, boa
" ...Toda função de administrar justiça é política, es-
parte delas provadas e com importãncia suficiente para haver im-
sencialmente política, porque é função do poder estatal.
posto um afastamento ético ou haver justificado o juizo político.
que é poder político. Não se deve temer a afirmaçãO que
Como já é largamente sabido, governo e oposição negociaram esse resgata a politicidade essencial da função judicial (conf-
procedimento no caso em questão e, correlativamente. no de uma Sag , Nestor P. politicidad Y apoliticidad de Ia decisi6n
magistrada federal, amiga do Governo e encarregada de alguns dos ues
judicial. L.L. 25/9/81) ... A referência tende à política parli-
casos mais explosivos de corrupção oficial. dária? Aqui sim devemos também apurar-nos a responder
enfaticamente que não: a imparcialidade do poder Judiciá-
Os historiadores recordarão no futuro, seguramente, até qu
rio não é compatível com a política partidária ... Não cab
ponto a Corte comprometeu seu prestígio não apenas em assun-
dúvida, pois a Corte Suprema é, a um só tempo, tribunal e
tos nos quais estava em jogo alguma questão estratégica da polí- poder, em todos os sentidos que se possa atribuir ao vocá-
tica governamental, mas também naqueles em que mediavam bulo e à realidade do poder qualificado como político. POS
interesses menores de amigos ou cortesãos, como foi o rumoro- tularmos a 'apoliticidade' da Corte como apartidarismo ou
so caso de uma demanda trabalhista contra o Restaurante llipo- despolitização partidária nada tem a ver com a outra aílr
potamus. e de tantos outros, referidos em profusão de detalhes mação. Ou talvez tenha, precisamente se a Corte se 1'01111-
no Capo VI de rtacer Ia corte, o livro de investigações jornallstl- Z~ no sentido partidário - toma partida por uma polílicn cI(·

as publicado por Iiorácio Verbitzky. l'nrUdo _ sua verdadeira função política. seu poder como
poclcr e como tribunal diminui. turva-se, enrccl<l-SCnas pun
nns que lhe são estranhas, desce aos <lntagonismos (1I1l'·,
5. A DIMENSÃO POLÍTICA DA FUNÇÃO JUDICIAL: 0[" dl!nl ro t', fora da esfera do poder, têm que prol <lHon!!.,\! :,11
OR. R. DWORKI/Y A C. SCNMITf Ic'\tos (lIsllnlos (leia."

\':111 rei nao é esta a questão que hnponn ,1<1\" uunll .••.II.
,1111 0, 111'11":111 (I '111').). I fi ( 11/1.' :lllf!/I'llliI. 11111'110'11\11 , .•" 1\I\I'IIdl\ Y
t' xlm 1111101 ouí r». que IrI/ n cllnu-usno p()IiII(,~1 cloIllllldlt k l.u h. I li,) 111111\1\1' e 1\~1I 'li
I!.tVt·lItltl 11111 (t'llo 111011 t'lIlt'llcllcltl 01 ••..•
t·1I 1I',;pl'lltl, 1\ 1'1111<.0111 11111\1 1011 111,.1 I' I"", /1'11'
156
CARLOS MARiA CÁRCOVA
DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA 157
E culmina com ênfase nosso autor:
uma permanente ampliação do conceito de cidadania. Resolveu
"". O tribunal é poder, tem poder, exerce poder, divide situações concretas, assentou critérios, influiu nos tribunais in-
poder, governa, co-governa. Isto não é uma absorção dos feriores, comprometeu a atuação de outros poderes - recorde-
outros poderes pelo Poder Judicial; não é isto um descarrila- mos o caso Sejean s/dívórcio vincular - e restaurou valorações
mento do Poder Judiciário nem uma quebra da tripartição
sociais. O conjunto de julgados que ilustravam as afirmações
dos poderes. É a substãncia essencial da função de adminis-
trar justiça ou, se se prefere, da justicialidade de todas as precedentes exaltavam a autonomia das opções éticas pessoais, o
questões nas quais a Constituição dá por habilitada a com- direito à privacidade, à liberdade de consciência, à independência
petência da Corte". na formulação dos planos pessoais de vida, protegendo, ao mes-
mo tempo, mediante a consagração da ordem e da moral pública,
Está claro, pois, que quando se reconhece a dimensão polí-
igual direito para o resto dos indivíduos. Assim, põde declarar a
tica da função judicial se faz menção a uma atividade que tem
inconstitucionalidade da norma do Código Civil que impedia um
como finalidade alcançar a realização da trama de principios,
segundo matrimônio válido (Sejean, ED 121-522); descriminalizar
valores, instituições e comportamento sociais que estão definin-
n posse de droga para uso prôprio (Bazterrica. ED 26/9/86); aco-
do e constituindo uma certa ordem. Questões que, em nosso caso,
lher a objeção de consciência para os deveres militares (Fortillo.
apontam para a liberdade, a igualdade - ao menos a que formal-
I~D 133-364); declarar a inconstitucionalidade de uma norma pe-
mente supõe o exercicio de uma cidadania universal =, a segu-
nal pela irrazoabilidade da sanção que continha (Causa 32.154 ED
rança ete. e, ao mesmo tempo, às instituições concebidas para
15/8/89); de outra que proibia os estrangeiros de exercerem a do-
garantir esse plexo, como a divisão de poderes, o devido proces- ccncía em estabelecimentos privados (Repeto, ED 25/4/89); pôde
so ete. Esta tarefa não pode confundir-se com as lealdades facci- lixar, por último, equilíbrios adequados em relação à liberdade de
osas. O que efetivamente oferece problemas, em contrapartida, cxpressáo e de imprensa, por uma parte, e os direitos de intimida-
é a necessidade de distinguir e precisar os limites que demar de pela outra (Ponzetti de Balbín, FALLOS 306: 1992) ete.
cam o ativismo político do Poder Judiciário e, fundamentalmen_
te, da Corte Suprema. Em todas estas decisões e muitas outras que se poderia men-
( lonar. aquela Corte operou, politicamente, na restauração de um
Em um trabalho que realizamos há alguns anos sobre o pa 11I1<lgináriodemocrático, inspirada, em grande medida, nas linhas
pet do direito na transição democrática(lS) sustentamos que este predominantes da atual jusfilosofia anglo-saxà na qual se desta-
se cumpria, basicamente, através de um processo de re-signlfl ( .1111autores como John Rawls, Ronald Dworkin ou Joseph Raz,
cação de práticas, normas e instituições, afastando a cultura eto ( OIllO expressões de um liberalismo com preocupações sociais.
autoritarismo e reconstruindo (ou construindo) um imagintlllo
lemocrático. Nessa tarefa cabia um papel primordial aos jur%(~~ /\ atual Corte também tem operado politicamente, mas o
r particularmente, aos que tivessem em suas mãos a cassaçnn, Ic 111feito ao amparo de uma concepção bem diferente - de uma
( (111e cpçào que não instrumentaliza os valores explícitos do sis-
Isto é, a interpretação em última instãncia, como é o CélSOcloI
Ic mn constltucíonal. mas que os posterga ou desnatura. inspira-
ric. em nosso sistema legal. Afirmávamos que o Alto Trlblllloll,
1101 ('111uma idéia de tradição autoritária e que tem-se denomina-
IcpoJs de 1983 e antes de sua ampliação, havia desenvolvido
1111 "d(Tlslol1lsmo". A questão tem sido bem estudada em alguns
unia importantíssima tarefa jurídico-polílica, estabelcccl1clo (I"
ílcl1 l1l II'nhrll!t()s ele:Jovens e lalentosos investigadores, nucteados em
I' n élSc élSsuminclo a lógica e a axiologia elos prlnc:lplon <lc~ 1111101 11111111(01<;',;\0
especializada que tem produzido importante J'('
1I10(n'lllcos, cio cstano ele dlrcüo, CIRS !ibcrclélclcs Incllvlclllflll. C"'I
III'Vol~oI(11100I111111l0 ela crülca jurídlca e que se clcnomlna No 1In,
II, /1,,/1/1"111, /\qllt'l,l leI(:ln (: ele Carl Schmllt , que fOI"I11lI!;1V:l
HloIll
(I',) 111/11., Alh 1.1 I., t, 1'\' ( A,« ov/\, ( dlln'j n (11)1) 1),111-11'( 1111y 11.III~h 11'1/1d'"I"
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158
CARLOS MARíA CARCOVII
f)me;ITo, POLíTICA E MAGISTRATURA 159
des censuras ao "estado liberal burguês de direito", pois este
consagrava uma teoria dissolvente como era a do liberalismo e, mais tarde, conselheiro de Estado na Prússia. Em sua Teoria da
demais, impedia.a...-ª-doÇão de decisões políticas. Para o autor ordem concreta, como recorda Abramovich, sustenta que a he-
de ieuriâéíã Constitu~, o dado essencial da criação jurídica Hemonia da norma não é absoluta, Ela importa se é benéfica para
esl:atal-eLím obrar volitivo-to qual denomina "decisão política". .t ordem, o que pode implicar ajustar-se a ela ou prescindir de
Sustenta: "... em toda decisão, inclusive nas de um Tribunal que. seu mandamento, Por isto, dirá Schmitt, todo homem encarrega-
em forma processual, realiza subsunções de tipo concreto existe (10da exposição, interpretação e aplicação do direito alemão deve
um elemento de pura decisão que não pode ser derivado do COIl vincular-se à Nação e ao Povo alemão em razão de igualdade de
leúdo da norma. Proponho para dito elemento a denomínaçn., r.iça: princípio da identidade da estirpe, A simples vontade do
de decisionismo". Tanto Courtis como Abramovich explicam •• período decísionista é, assim, substituída pela vontade do Führer.
aparição de argumentações de matriz decisionista, por certo tipo No segundo dos julgados mencionados, a Corte retoma so-
de "demandas pragmáticas" próprias das políticas de ajuste. "O bre a doutrina da validade das normas emanadas de governos
discurso decisionista - diz este último - circula furtivamente n dI: fato, revisando a orientação de sua composição anterior, que
nível do discurso jurídico prático emanado dos órgãos hablíh.i e .sIabelecia O critério de que aquelas eram ilegais em sua ori-
dos pela instituição social para produzi-Io e constantemenle SI Cll'm, apesar de que se lhes era reconhecida validade por recep-
combina com tramas discursivas de signo antagõnico no marr (I (,:10do novo ordenamento por motivo de segurança jurídica, mas
de uma apremiante acumulação de poder político", Como COITO .Iclxando a salvo o poder anulatório dos órgãos estatais compe-
boração de suas observações, o autor menciona o auge e a ))1 () lr-nl cs. quando caracterizada sua lesividade. Agora, resolve ou-
liferação dos decretos de necessidade e urgência e a flexibülz •• IIlIHar validade plena às normas de fato em paridade de condi-
ção dos mecanismos de controle do poder com o objetivo de ocs com as normas de jure e sustenta que a posição preceden-
uma maior eficácia de suas decisões. E acrescenta: "A somln., le' consütui uma teoria anárquica que deve ser vivamente recha-
do 'exitoso' qjuste econômico chileno desenvolvido sob U/11 Irql .utn. De acordo com Schmitt, a Corte assenta o critério de que o
me político autocrático, a deficiente acumulação de poder polll ." lI: existe politicamente é digno de existir juridicamente.
co para o ajuste em outros países da região, nos quais se 11111'11
Um parágrafo do voto majoritário no citado caso Peralta sin-
Iam os magros resultados à lentidão e obstrução dos órgãos p.lI
Ic-.:llm,de maneira transparente, a estratégia decisionista da Cor-
lamentares, e o recente autogolpe peruano que irradia sun Oll( Ifl
I C' em sua atual composição:
xpansiva por toda a América do Sul, constituem um arnbk-un
<ldequado para o aprofundamento do discurso decision/slil, ~III " .v , Que em tempos de graves transtornos econômico-

gem textos jurídicos assim inspirados; os fundamenlos (I" 11'/ell sociais, o maior perigo que surge sobre a segurança juridica
não é o comparativamente pequeno que deriva de uma tran-
emergência econômica; dos decretos de necessidade e lll!\I'11I I"
sltória postergação das mais estritas formas legais (SIC), mas
c: principalmente o voto da maioria da Corte Supremél !10 ( 01'11 I
o que sobreviria se fossem mantidas com absoluta rigidez,
l'cratta (JA, 1991-11, pág. 552) e Godoy (id. pág. 45/~)."
porquanto elas, que tem sido fecundas para épocas de nor-
No primeiro deles se desvaloriza a eficácia cios corpw. plr ItI matldade e sossego, costumam carecer de política eficient
P(~ss()élispara a tornada de decisões e se autortzn () "Iesldlllh 01 (rente à crise".
:lclolfHns quando "a realidade as reclama com Llrn('Il('1.1Iu, 11 11(1 ( IIIIVIII:!, talvez. recordar aqui que, ao longo deste século
vr-I". O .JlllHélcloexalta n persOI1<'llizélÇZlO
cio pock-r C~1l1 10111
',( 1111111 lil IlIe 110:"IIOSSOpais leve poucas épocas ele normalidade e sos
11.1110,Clrl Se 11111111 foi promolor ele .Jllsll(.:<lcio Tnn:lro Jkll 1I i • !lI' e Ijll!' IlOSSOSdesassossegos tem estado dlrctamcntc ill1<1
Ir 1II,lclll," <.'fllll .I luobscrvuncla <1m,regras cio jOHO.
II li, clll I !1I1'I,1', 'J.i I cllI.llclo {lld/o!, C "'1/1ft" 1/" 1/1/., I/lI,ctlc' ""1/"1/"1/0'1. /I l!l
di. ICIII' I' .' ( 0111'01111.1111.\0s() cklxoll clnro. <:111
1l1Ii11l:rosO:'
.I111U.\do.'.,
1111
v'JIII./l1c-de' (O!.\lltll.\1 .ulv.uuruí« cum O pn~I"I() poli!!! o dll
J( \ 1
160 CARLOS MARiA CÁRCOVA DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA

tão de cidadania. É uma questão que reclama a partíclpaçao. :\


Executivo, como também produziu um retrocesso autoritário no
ámbito das liberdades individuais, direitos das minorias e garanti- deliberação e a decisão, democraticamente processada. de lu
dos. Diz-se sempre que o Poder Judiciário é o menos democràtl
as processuais, o que não é senão uma conseqüência direta dos
co de todos os poderes do estado. O texto implícito agrcgnvn'
padrões ideológicos dominantes que informam suas decisões.
" ... e não pode ser de outra maneira". O texto implícito mentiu.
A mera circunstãncia de que a eleição dos juizes pelo Scnn<to
6. CONCLUSÕES requeira uma maioria qualificada - tal como hoje se discute 11.\
Convenção Constituinte - implica uma garantia de maior plurn
Feitas as distinções precedentes, pode-se voltar à questão lisrno e de menor clientelismo. Um Conselho da MagistratunI
acerca da politicidade do jurídico. É esta Corte mais política que sério, concursos abertos e públicos. a periodicidade da runçao
a anterior? Não. É política, basicamente, em um sentido distinto. e muitas outras questões, suscetíveis de serem implemenLaclnH,
Por um lado, porque perdeu uma certa independência que a an- permitiriam democratizar a função jurisdicional e, com isto. 111('
terior, em geral, defendeu. Por outro, porque sua estratégia polí- rarquizá-la e prestigiá-la; aproximá-Ia do cidadão e submetê-Ia "
tica não é realizadora dos valores fundantes da ordem comparti- seu controle. Disto depende. em boa medida, o futuro da demo
lhada, qualquer que seja a opinião que esta ordem nos mereça. cracia que estam os construindo.
Sua estratégia consiste, sob o pretexto de atender os criticas re-
querimentos da emergência, em excepcionar tais valores. Com
essa atitude se reforça a situação que ao início deste texto exibi-
mos como limitante fundamental do projeto democrático em
nosso país, isto é, a de uma legalidade desvalorizada, um desa-
pego pelas regras, uma banalização do jurídico, um "pais à mar-
gem da lei".
Frente a essa crucialidade não podemos propor receitas.
Podemos imaginar alternativas. Elas se vinculam com o apro-
fundamento, com a radicalização da democracia, de forma tal
que ela não fique confinada ao simples ato de votar. Trata-se,
como sustenta Boaventura de Souza Santos'!" de redefinir e
ampliar o campo do político e da participação popular. Trata-se
- como sugere - de levar democracia ao espaço da produção,
ao espaço doméstico e ao espaço mundial, onde predominam
relações despóticas. Mas trata-se também de ampliar os limites
da cidadania. Já vimos como muitas práticas sociais se despoli-
tizaram ficticiamente. Politizar a juridicidade implica, entre ou-
tras coisas, observar quem seja chamado a exercer a magistra-
tura, como sejam escolhidos os magistrados, de que maneira
possam ser, eventualmente, removidos de seus cargos, que an-
tecedentes morais e técnicos devam exibir. Tudo isto é uma ques-

(17) SANTOS, ISo<lvt:nl um ele Souzn (19911,), SLII)jl:ilvlcldcl. UII t101t1.111101Y"llloIlIllp"


( lóu, 111: /"1 Olm 1)(0/1"( 110. Ilol\(>I(I. 11. I~.
Os Juizee na Encruzilhada: entre o Decisionismo
e a tiermenêutice Controlada

n ••• Neste campo fragmentado do poder, ocupa espaço


relevante a magistratura, que intervém em setores cada vez
mais amplos e importantes da vida coletiva: meio ambiente.
conflitos trabalhistas, impostos, atuação da Administração
Pública. Em muitos casos, o controle judicial é apenas um
substituto da carência de controle administrativo; em outros.
acaba parecendo uma alternativa desta. Os magistrados re
presentam uma forma de poder difuso no território não con-
trolável institucionalmente pelo Executivo. Como outros
poderes emergentes, o Judiciário está escassamente concll-
cionado pelos fatores políticos provenientes da guerra Iria:
como nenhum outro, coloca os jovens em posições-chave,
representando, portanto, um veiculo formidável de mobill
dade para as gerações posteriores a 1968.
"Desde alguns anos, o Poder Judiciário ocupa o prl
meiro plano da atualidade audiovisual. arrebatando o vede
tismo dos outros dois poderes constitucionais: o Legislativo
e o Executivo. Em vários países da Europa ocidental, pari i
cularmente na Itália, mas também na Espanha. na Franç<'1('
na Bélgica, sucedem-se escãndalos políticos e financeiros .
. nos quais estão comprometidos políticos e homens de 11('
gócios. O Poder Judiciário, tradicionalmente considerado uma
espécie de terceiro poder, submetido à tutela condesccn
dente dos outros dois, sai da sombra, quebra as defesas <1('
imunidade dos mandatários públicos e as defesas econórnl
cas dos homens de dinheiro. Magistrados e cavalheiros el(
indústria unem-se para o melhor e para o pior por pac:lw.
ambíguos e fluidos. O temor que inspiram esses maqist r.i
dos, que geralmente agem em silêncio, as ondas de choqui
causadas pelas acusações em cadeia, os envolvimcnlos cll'
ministros e as suspeitas lançadas sobre a classe polit h ".
desorientam a opinião pública, favorecendo os <ielll.lf1oqO·,
e os semeadores da discórdia na ordem moral c clln.unlz.u:
10 os extremismos.
"Prcocup.t . súhlt.; .isccnsao clOSjllí/(:S; sllspdl,,·~.v '1111
quclr.uu Vitlq:\l',.,C~, (PW 1(')11101111 IIIl1 c1c",('jo nl'lltlll<lo elc· II
DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA
164 CARLOS MARíA CARCOVA

elas intrigantes que podem concernir tanto à própria Forma-Esla-


vanche social, conquistando, de passagem, algumas miga-
do como à própria convivência pacifica ou, do mesmo modo,
lhas de glória na midia: começa-se a temer as conseqüên-
cias de um excesso de justiça. Um velho espectro volta a
provocar uma regeneração do tecido político e um tipo novo d
assustar a nossas democracias perplexas: o espectro do go- revolução social".'!'
verno dos juizes. É preciso, portanto, descobrir a trama de O autor está pensando, fundamentalmente, na epopéia d
algum putsch judicial."
juizes e promotores, enfrentando, na Itália, a corrupção do siste-
La Justicia ante el fenómeno de Ia corrupción ma de partidos (articulada naturalmente com a corrupção envol-
Clemente Auger vendo empresários) depois de ter desempenhado um papel es-
Um lugar paradigmático de cruzamento das distintas con- tratégico na derrota da guerrilha e haver convulsionado a pode-
cepções acerca do direito e suas funções é o que se refere ao rosa estrutura delinqüencial da máfia. Ele evoca também as in-
papel de juízes_e, co-extensivamente, ao da interpretação. Neste vestigações realizadas pelos juizes e promotores franceses e es-
espaço conceitual confrontam-se de maneira bizarra jusnatura- panhóis, os quais, em mais de uma oportunidade, puseram os
listas e positivistas. realistas e egológicos, críticos e decisionis- respectivos governos à beira de colapsos políticos.
tas e tantas outras espécies e subespécies doutrinais. Ali jogam No caso da América Latina, assinala, a conexão entre magis-
boa parte de suas melhores argumentações. Ali adquirem subs- tratura e administração é mais problemática, mas não menos es-
tância as questões da legitimidade e a justificação do sistema e treita e ativa. Efetivamente, com a recondução democrática do con-
sua consistência, da linguagem e sua inteligibilidade, do conhe- tinente, valorizou-se o papel de uma justiça independente e se pô
cimento e sua especificidade, dos atos e suas conseqüências, do em suas mãos a palavra final acerca da legitimidade das estraté-
poder e sua reprodução e transformação. gias mediante as quais os governos que protagonizaram os com-
Apesar disto, na atualidade, as discussões clássicas apare- plexos processos de transição democrática resolveram saldar suas
cem re-significadas em funçâo de dois fenômenos de índole di- contas com o passado e construir uma nova institucionalidade.
versa, embora com freqüência entrelaçados. Por uma parte, o da Este processo, entretanto, não se cumpriu sem graves pertur-
crescente demanda do sistema político, quanto a um maior pro- bações. As democracias recuperadas estiveram submetidas a se-
tagonismo judicial e, pela outra, um notório aumento da comple- veras sobredeterminações que, se nas primeiras épocas adquiri-
xidade social e, conseqüentemente, da extensâo e variedade dos ram a forma de ameaça sediciosa, proveniente de corporações
problemas que são submetidos à decisão dos juízes. militares desprestigiadas embora com poderes fáticos preservados,
com o correr do tempo adquiriram, em troca, a forma da extorsão
econômica. Extorsão não só proveniente de um sistema de dornl-
1. SOBRE O PROTAGONISMO JUDICIÁRIO
nação mundial que se tornou por sua vez uni popular e global, mas
também de grupos econômicos internos, associados àquele e bc
Roberto Begalli estudou em detalhe a primeira destas ques-
neficiários do desmantelamento do Estado a qualquer preço, irn-
tões, destacando sua peculiar incidência tanto no campo do di-
posto por tal sistema, em nome da eficiência econômica, r8Z<\O
reito anglo-saxáo como no do continental europeu, sublinhando
última, exclusiva e excludente, em cujos altares sacrificam-se \10,1('
as formas peculiares que o mesmo adquire na Europa mediterrâ-
as novas vitimas expiatórias, os novos párias: desempreaados, "pu
nea e na América Latina. "Assim se pode verificar - sustenta -
que nunca jamais como na atualidade se encurtaram tanto as sentados, jovens, servidores públicos, docenLes ctc.
distâncias entre o direito e as esferas políticas e econômicas da
sociedade, sendo osjuízes e promotores os atores principais desL (1) 111;IH1ALLI,H()I)(~rl() y ~lsI('nH\ !lOlltl(o,
(I !lf)'I). l>rOlt1n()nl~ll1o.lLl(IIC;nl 1:11) No /111\
/l"I"( 1111,11,1 n, 11111'110'1 AI,,"j,dll .. VI'I' 1,1111\)('111: . (I no ,). 1'10101\\0111-.11111
novo drama social a que assistem os cidadães como cspcctado-
111<11' 1111y' Idllllll d,' 111'1 1""( '''.,1/11 ,/I(I'( '''//lI'''' 111 /l"/lHH nl! /01,1\ 11), I"l.ultl<l. kl.
n:s lnqulctos. Deste modo, abriu-se U1l1 I)(~ri()d() (Ie' ('ollseqi'I('11
166
CARLQS MARiA CÁRCOVA I)'RF'T() Founcx E MAGISTRATURA

A ameaça do golpe de Estado foi substituída pela do golpe nação dos magistrados que, a despeito de suas caracteristicas
de mercado. Às vezes assestado - como o recordam os radicais formais, nem sempre conseguem superar as armadilhas do clicn-
na Argentina e, por certo, de maneira ainda mais dramática _
telismo político, o que naturalmente conspira contra a indepcn-
contra os setores pOpulares cruelmente afetados pelo processo dência necessária. É muito claro, por outra parte, que esta falta
hiperinflacionário incontrolável durante 1989.
de independência se faz mais notória e grave à medida que se
No interior de tão complexa problemática, resulta óbvio as- eleva na estrutura hierárquica do Poder Judiciário. No caso da 1\1'-
sinalar que os juízes viram-se envolvidos de diversas maneiras e gentina, a Corte Suprema, reorganizada pelo governo que se ins-
que não é possível atribuir-lhes comportamentos uniformes. A laia ao final de 1989 - mercê de um procedimento cuja legitimicla-
real independência do Judiciário não foi ainda alcançada, e é de é até agora discutida - desenvolveu uma doutrina legal de trans
generalizado o grau de conluio de suas cúpulas, não só com o parente cunho decisionista, através da qual e, com recurso à idéia
poder político, mas também com outros poderes fáticos. A visão de "emergência", resultam freqüentemente preteridos os princí-
que se tem dos juizes torna-se assim tão contraditória quanto pios e garantias fundamentais do Estado de Díreito'".
contraditório tem sido seu desempenho nestes anos. Na Argenli-
Em que pesem as circunstãncias apontadas e, dentre ou-
na, por exemplo, eles têm atuado tanto na investigação e conde-
tras razões, pela crise dos sistemas de representação política que
nação das gravíssimas responsabilidades implicadas nas viola-
reta em geral as democracias ocidentais, mas que adquire maior
ções de direitos humanos por parte do terrorismo de Estado, como
gravidade nas denominadas "novas democracias", os juízes apa-
na legitimação de leis que, posteriormente, limitaram a respon-
rccem instalados no imaginário da sociedade como última ratlo,
sabilidade de culpados ou concederam indulto. No Brasil, apre-
.orno garantias finais do funcionamento do sistema dernocrál l
senta enorme interesse a polêmica que divide ao meio a árc
o. Desacreditado o sistema político, que não parece funcíoruu
laboral, dividindo os magistrados entre aqueles que aceitam c
sem altas cotas de corrupção; cada vez mais aprofundada a ore
avalizam mudanças destinadas a introduzir critérios de desregu-
ha entre representantes e representados; cercada a governablll
lação e flexibilização na legislação do trabalho e aqueles que
clade pela lógica implacável do mercado e pela sobredeterrnina
resistem a estas mudanças Ou as condicionam à manutenção cIo
cao de poderes transestatais e transnacionais. depositou-se, pock:
caráter especificamente protetor da referida legislação(21.
se dizer, mais por razões sistêmicas que de outra índole, maior
Além das diferenças naturais que caracterizam cada indiví «xpcctatlva na performance do Poder Judiciário do que na cio!
duo, anteriores à função social que ele ocupa; além das diversas CHilros poderes do Estado. Quando faço alusão a razões sístõml
visões de mundo das quais cada um é portador, costumam atu.n C.lS, refiro-me às funções que a este poder são atribuídas, dentro
nas corporações consolidadas ideologias unificadoras, asscnt <I elc' um sistema democrático de natureza garantista. Como SII!
das em um conjunto de valores básicos compartilhados e ('/ll IC:llln f'errajoli: "a sujeição do juiz à lei já não é, como no velho
práticas institucionais inveteradas que definem e consliLuem 1111101 p.II.lcligma positivista. sujeição à letra da lei qualquer que r()S~.,('
certa subcultura de grupo. Porém, em uma região marcada pOI ',C'II sinnificéldo. mas sujeição à lei enquanto válida, quer dizc-r ,
longos anos de autoritarismo e conseqüente fragilidade inslillH]() c IH'I(~nle com a ConsLituição. No modelo garanLista a valklaclc '/,1
nal, a cultura das corporações judiciais, enquanLo tais, (' .Illldol 11010 (. 11111
clogma ligado à mera existência formal da lei. mas 1111101
precária, sobretudo se a compararmos com a de suas "OlllC)/Cl qll,llIelílc!(, contingente da mesma, ligada à coerência ele .s(~11 klq
gas européias ou norte-americanas. Sem dúvida, 1/111<1 <I<lS 1<111 111"1 "do (0/11 a consutuiçào. coerência mais ou menos cll...•( IIlíV1'1
sas decisivas deste fenómeno - ainda que não S(~jil é1 (111;( ;1 _ c~ ;"1 c' ,"I 'llIPII: rcrncf irla <'t valorlzaçào do juiz"!", esle 11<10 poelel:' (~Ol\
que se relacionél Com os mecanismos ill1p/C'l11elllnelw,pnlol 01clc"l/!l'
I )) V. 1 ("IIC OVA, ( .u lo-. nll i.c (I !>!l/l). 1.,\ (1II1wl1,Ylón pollllc .I dc' I" li 111<1"111I"tllc 1.1/
(:!) vc·,', cloc 11I1I"IIIC1.~ ArlA~lAIHA A·.·.oc /,,..010 N.H 1011011<I. n'!II"II,ld." 11,111111111 tu 111/d/tI ti 1I 1'0110 AI"IIII:. clc·/.
li'" (111';1',11) 111'"11110 d,· 11,'1,'111 <111I ',I/;\. 111011111""'. I 'I I I) IIhA,1< li I. 1.111111(I '1'1/1). I I oI,',,·c ho (1111111 ,11'11""1,1 cI, q"I.llIli,,~ I" 111',1111,1
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168 169
CARLOS MARíA CÁI1Ç()V~ DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA

siderar a lei acrítica ou incondicional, e sim submetê-Ia à hicITII logismo traz o risco de um disparate decisionista. Quer dizer,
quia constitucional, garantindo assim os direitos fundamentnl lima hipertrofia de sua função que, ao privilegiar a razão de Esta-
nela consagrados. Ali radica substancialmente o fundamento eI.l lo (Carl Schmitt) sobre a hegemonia da norma, atente contra
legitimação da jurisdição. Uma legitimação que não é equipará valores democráticos, cuja consecução importou lutas seculares
vel àquela que provém da representação política, derivada cI.l c aos quais não estamos dispostos a renunciar: legalidade, ga-
vontade majoritária, mas que concerne à tutela da Intangíbüld., rantismo. princípio de reserva, tipicidade ete.
de dos direitos fundamentais consagrados. Precisamente porqiu O propósito deste trabalho é insistir, quiçá com uma abor-
s direitos fundamentais sobre os quais se assenta a democrnr 101 clagem nova, acerca do papel constitutivo da decisão judicial e,
substancial - diz nosso autor - estão garantidos a todos e a CHeio! no mesmo tempo, propor os limites do que Ost denominou, com
um, de maneira incondicionada, inclusive contra a maioria, ,-I
acerto. "hermenêutica controlada".
partir da função atribuída aos juizes, pois estes ostentam !-.I/d
própria legitimação democrática.
2. SOBRE A QUESTÃO DA COMPLEXIDADE
As expectativas, então, que esta especificidade Iunclon.rl
stimula aumentam a reivindicação por um maior grau de prold Já se assinalou, no início. que o tema em análise está sen-
gonismo dos juízes estimula-se o chamado "atívismo jurlscllc 10 elo reinterpretado na atualidade, também, pela questão da com-
nal". E não só como intérpretes finais da legitimidade dos illo plexidade. É oportuno, por isso, fazer uma breve referência a
ele poder - questão que em algumas legislações têm atrtbulrla esta categoria da teoria social, sem dúvida, altamente produtiva.
eliretamente ou que, em outras, compartilham com repreSCI1I.III' Como sabemos, é na obra de Luhmann que esta problerná-
tes de outros poderes - mas também nas questões mais varlrul.i Ilca adquire a mencionada dimensão de uma categoria teórica,
recentes, nas mais cruciais e definidoras: por exemplo, «1/01/1 crnbora sua concepção estivesse já insinuada em outros clássi-
CIo devem resolver se aconteceu ou não a morte clínica de 1111111 c.os da sociologia moderna como Dürl,heim, Weber ou Parsons,
pessoa; quando devem autorizar ou não uma troca de sexo; qu.m
clcntre outros'?'.
elo devem decidir sobre o caráter contaminante ou não de ddl'l
A hipótese a este respeito é que os grupos sociais modifl-
minada atividade produtiva; quando devem acolher ou nno .1
.arn sua estrutura organizacional durante o transcurso do tem-
razões de alguém que deixou de cumprir ordens por razoe .•.•c II
nsciência; quando devem habilitar um menor a escolher 1.11111
po. de acordo com uma lógica de diferenciação crescente. A evo-
lução social atravessou uma primeira etapa de diferenciação por
lia substituta, tudo isso, além de dirigir empresas em cllflc IlleI.l
segmentação, uma segunda mediante estratificação, chegando à
lcs, julgar em horas sobre a Iicitude de uma defesa, cllvou Iru
atual. de natureza funcional. No interior do sistema da socieda-
.nst igar o peculato, salvar um refém etc. Trata-se cio ,!lll' 1'1;111
ele, é possível distinguir um número cada vez maior de subsiste-
çols Ost chamou o modelo do Juiz l1ércules, mais que- 11111 llel
mas (econõmico, político, científico, jurídico ete.) que possuem
mcrn de lei, um verdadeiro engenheiro social?',
( ()clinos funcionais específicos e que tendem a uma especializa-
Estas circunstâncias recolocam velhas discussões clO1I11 11111 c,.;\O autônoma. Cada subsistema tem disposição de resolver (1
11;1.'1e pocrn em tensão valores contraditórios. Se é CI'I'lo Ipte Jfl cCll1lplexiclade ele seu entorno, estabelecendo novas disLinções.
II:Slllln lnsótlto sustentar velhas leses rcduclonlstns tlIIC' VLIIII 1111 No 1:111"1110, com isso, paga um custo alto, porque reproduz maior
)1'" 11111 nptlcaclor mecânico de normas. um ceHo ('\;I'C111.11111 11.1 cIlIl\pll~xlclmIC, agora no interior de si próprio. Um exemplo bill'
voulnrk- cio ICHlslnclor. MIO (~ menos certo qllt' S('II ()llIln.lIlC1 11,11'11 1.1111('bvk: desta idéia está sugerido por Luhrnann - aindn «\11'
ó

11,111\11/'1
(I',) UtiT, (I'''U) .. llIp/l"I. 11"'11
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I hllv'I·,lly 1'1'.
171
DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA
170 CARLOS MARíA CÁRCOVA

"...As campanhas políticas, por exemplo, estão condi-


não desenvolvido, segundo sua proverbial renúncia a descer do cionadas, na atualidade, pelos requerimentos do meio tel
nível de alta abstração de suas formulações - em sua Rechtssozio- visivo. mas este está subordinado à legislação que governa
10gPI. Trata-se da própria evolução do direito ocidental. Com efei-
o uso dos meios, e ambos agentes, os políticos e as campa-
nhas de televisão, têm que se submeter às exigências do
to, os romanos abarcavam o conjunto das relações sociais desde
mercado publicitário. Este processo, por sua vez, está condi-
o ponto de vista jurídico, mediante a distinção entre ojus quiritario cionado não só pela legislaçãoeconômicageral, mas também
e ojus gentium. Ao processo histórico de diferenciação funcional. pela competição cada vez mais feroz entre a televisão e as
correspondeu um processo de diferenciação e progressiva autono- formas mais tradicionais da publicidade. rterbert Simon e Ray-
mizaçáo do direito: do civil do qual se desprende o mercantil e mond Boudon demonstraram como, nos campos da econo-
logo o da navegação, o laboral. o registra!, o autoral ete. Cada cam- mia, dos estudos empresariais e da sociologia, um aumento
po de especialização permite abarcar novas relações e com ele nos fenômenos deJnterdependênciase vê acompanhado por
selecionar opções. Na medida em que mais problemas podem ser uma crescentedificuldade de previsão e intervenção social"?".
substanciados, estes campos (do subsistema jurídico) aumentam
sua informação interna, geram novos standards interpretativos ete. 3. COM.PLEXIDADE EPISTEM.OLÓGICA
Em suma, aumentam sua complexidade.
Por último, uma das condições mais importantes do lema
Este fenómeno é notório no direito atual. no qual se multi-
da complexidade e de maior relevância para a teoria jurídica di-
plicam a enorme velocidade ao tempo que se especificam e es-
. respeito ao que Zolo chamou estado de circularidade cognitiva,
pecializam novos espaços de saber, como o são, por exemplo,
alcançado pelos agentes (ou sistemas) que se tornaram conscien-
os regimes jurídicos concernentes às comunicações via satélite,
o documento eletrônico. os bancos de dados, a fecundação in tcs da complexidade ao seu redor e do dado que sua própria
vitro, os consumidores, a preservação do meio ambiente, a coo- presença cognitiva produz. Estes não podem neutralizar as dis-
peração regional ete. torções que gera sua atividade cognoscente no meio ambienl
que, através dela, tentam "apreender". Expressa o autor:
'A este nível de complexidade, somam-se outros que com
"... os agentes podem levar em conta criticamente, re
ele se entrelaçam. Por uma parte, os demais subsistemas, qu f1exivamente,a situação de circularidade em que se encon-
são meio ambiente para o sistema considerado (em nosso caso, tram, mas não podem se desprender de sua própria pcrs
o jurídico), também aumentam sua própria complexidade, com pectiva histórica e social ou libertarem-se dos desvios cI<I
o que cresce a interdependência recíproca, ao íncrementarern comunidade científica, cultura ou civilização a que pcrtcn
se, como diria Luhrnann. as possibilidades do mundo. Por outra. cem e que influem em sua percepção de si mesmos.
a especialização de cada subsistema provoca um efeilo de varia "Não podem conhecer-se objetivamente, mas tampou-
ção e descontinuidade semântica das linguagens, das técnicas (' co podem, sequer, conhecer objetivamente seu meio (\111
dos universos simbólicos que manipula. Isto implica que as varlú biente, dado que eles próprios o alteram ao projetar n('!l'
veis de comportamento social aumentam em sua correlação, ,S('II suas próprias inclinações quando interagem com ctc. 1;\
do por sua vez - como observou Danilo Zolo - mais difícil COIII zcndo-o objeto de sua cognição,,(lOI.
preendê-Ias e predizê-las'",
Esln qucslào não é nova no debate teórico dos jurlsl as. Ik
O autor citado propõe um exemplo interessante para <11('llCll'l III! li rI 11111é' confrontaç80 epislemológica que ainda divide {1~\\I,I:-'
S problemas derivados da interdependência funcional. /\ssil1fll.\ ('It': IIIIH ,I.'. r orrc-nlcs posilivisléls/anaiílicas, que inl10rmn éI jlnlilH'1l

(7) (I (1I1~). "d/ll/llllC(O, 1!lI, Hlo ti" ,I.HH'lIo, 'I "IlIIH) 1\loI~II"'ICl. (0)11\ \11. 11'/0
(11) znfn. Ilollllln (I qq/l). J)('/I" Ir loIr 1".1 r UIII/'/"J/r/drf 1111"III"'/II.'I"."/~I.I 1111,'11" (111) 101 11, I'
1\11," NII"VoI VI',illIl.
1(,
DIREITO. POLíTICA E MAGISTRATURA
172 CARl.OS MARiA CÁRCOVA

quais se desenha o debate atual acerca da função jurisdicional c


cia de qualquer outro modelo que não seja o de tipo explicatívo, seu papel na governabilidade das democracias pós-industriais,
quer dizer, nomológico-dedutivo, causalista, fiscalista. monista etc ..
e as correntes hermenêuticas e críticas que postulam. em troca. a
pertinência de um modelo compreensivo, que tenha em conta O 4. M.oDELOS PARA PENSAR
conteúdo intencional dos atos, os aspectos teleológicos, a nature-
za comunicativa de interação social etc. Para estas últimas, o co- Neste debate, é possível participar, moderando os "exces-
nhecimento do direito resulta constitutivo do direito. O discurs sos" dos modelos tradicionais ou propondo novas estratégi
acerca do direito reconduz e transforma o direito. O conhecimenlo explicativas. De uma parte. os excessos do formalismo. que pro-
do direito tem sempre algo de conformação do direito"!', põe. por exemplo. a soberania racional da norma. baseada em
sua validade procedimentaL sem se deter nas questões prévias
A juricidade deve ser entendida - sustenta Garcia Amado'!"
de legitimidade e nas ulteriores. de efetividade. De outra parte.
- como um produto social que constitui-se no seio da comunica-
os excessos do realismo. que privilegia o fato. o caso particular.
ção lingüística. Por isso. tudo o que se diz ê constitutivo do direi- indução casual e a eficácia com simétrico esquecimento da
to e. conseqüentemente, quem controla o que se pode dizer so-
legitimidade e arriscada dissolução do normativo. que perde as-
bre o direito. onde e sob que condições está controlando o úni-
irn relevância e se subordina a uma multiplicidade dispersa d
co ser possível do direito. quer dizer. o ser social.
manifestações de vontade.
A questão mencionada põe em cena um aspecto que as teo- Quem pretender uma formulação mais prudente, sugere OSI.
rias críticas sublinharam com especial ênfase. Trata-se da cris
seguirá o caminho que percorre o Hércules de Dworkin. este juiz
da distinção entre ser e dever ser que fica dissolvida na medida
racional que leva "a sério" os direitos fundamentais. que domina
em que a metalinguagem (da teoria) se integra e, em seu desen-
o "império do direito". que se dedica em cada ocasião. parlicII-
volvimento. transforma a linguagem objeto (das normas).
lilrmente nos "casos difíceis". a encontrar a "resposta correta"
Existe. nesta idéia, uma conexão evidente com a teoria sistc- que é mister aplicar(14). Contudo. disse o jurista belga. dessa ma
míca, que alude a ela. como recursividade e auto-referencialidadc nctra. não haverá abandonado os modelos tradicionais. pois se
do direito. Com efeito. para Luhrnrnan. a regulamentação da con- Iralará sempre de reconstruir uma unidade ideal do direito. I~I('
duta transmite-se. garantindo expectativas de comportamento atra
propõe. em troca. outra estratégia:
vés da aplicação das normas do sistema feitas por juizes ao decidir
"Não é tempo de pensar a complexidade do direito a pmlll
disputas. por particulares ao contratar. por legisladores ao saneio
ucta mesma e não como emenda e complicação dos modclOl
nar leis etc. Aplicar o direito supõe compreender suas regras. ()
',ll11ples? Não é tempo de pensar o direito como circulação inct::-;
que. por sua vez. supõe a necessidade de imaginar sua aplicação e
:-"lI1lc de sentido. mais que como discurso de verdade? Ni10 (.
as conseqüências da mesma, tendo em vista o sistema como UI11
\l'lllpO de chamar a atenção para pluralidade e diversidade doI'>
todo. Eis aqui a circularidade auto-referencial. que mostra o direilo
.uorcs que jogam sobre a cena jurídica e contribuem. cada um ,I
em sua reprodução recursivo-reflexiva teutopoíesisy'»,
,'.IHI maneira. para 'aplicar o Direito'? É na teoria de um dlrl'IICl
Complexidade. então. do mundo e complexidade cpistcmo 111\'11111'10 em que haveria de se fixar; mulliplicidade que nno I'>lq
lógica. Eis aqui os marcos, os horizontes de sentido sobre ().' "lIle 01. "pesar disso. anomia e anarquia. 11averia que CIH~H"1"
IIIW~II':1I(01110(\ ordem jurídica se nutre da desorelem pcrl!h I( _I.
(I I) Ver: KAUFFMAN. Arthur (1985). Teoria de Ia justlcia: un cnsayo. /11: 1\1Io//"~ c/,, I III 11\( Illslvt' Il1lcrl1<1.e reproduZ.. por sua vez. ri <Ies()ICI(~I1I.unvv
/a Cátedra Francisco Suerez, Granada. n. 25
11.1qlll' P('IlS<l1'"I1Hl nlllOl1ol11ln que Iossc. no meSIll() IC'III\lCl,I11
(12) Ver: GARCIA AMADO, Juan Antónlo (1992). Sobre tos rnoclns clt· c OIIllC 1'1 ,'I
dcrccho.rn. DOXfI, Atlcantc, n. I I,
(13) <HH:J\I(I\. Wlllys S. (I Df) I). O clll'dlo (01110',1:,1"11101 oIlllopolfollt o. 111 11,'\1"/iI 11,'1) II~n II _1I1~
'll~ PIl.t /I • I' 1110" 't,,!\.
/lCI/-./I1'1Io1 ri,' /"/111.'10/10/, ".ln 1'011110.
li. IIU.
174 CARLOS MARiA CÁRCOVA DlRúro, PoLiTICA E MAGISTRATURA

Basicamente, distinguimos três níveis na estrutura cio dls'


teronomia. Haveria que acrescentar, ainda, o entrelaçamento
urso jurídico. O primeiro constituído pelas normas, o segundo
incessante da força e da justiça. Em uma palavra, há que centrai
pelas interpretações técnicas acerca das normas, quer dizer. (\,'i
se na teoria do Direito como circulação de sentido. Um sentido
que realizavam os "operadores do direito", paradigmatiCament\:
sobre o qual ninguém, nem o juiz, nem o legislador, tenham privl
os juizes, mas também os advogados, os doutrinadores e ouLro:-.
légio ... A circulação do sentido jurídico opera no espaço público ('
de menor incidência, como os jurados, procuradores, prálicol'l
ninguém poderia, sem violência ou ilusão, pretender monopolizá
te. Por último, o dos súditos, no qual se condensam com matoi
10. rtá direito antes dos juristas e o haverá ainda depois deles".
eficácia os elementos imaginários, os jogos ficcionais e os \111·
O programa proposto é ambicioso e provocativo. e Ost come tos operativos do direito.
ça adesenvolvê-lo a partir da metáfora de ríermes, deus da cornu Estes níveis podem ser diferenciados apenas para fins de análl
nicação e da circulação, deus da intermediação, personagem mo se; não são lugares nem momentos definidos, são instãncias de pro
desto no ofício de representante e porta-voz, que é esquecido - di rtuçào de sentidos que se interceptam e reconstituem, condensal1-
Ost - em benefício da continuidade do jogo. É precisamente esta do-os circunstancialmente em uma decisão judicial, em uma lei san-
idéia de jogo que estrutura o desenvolvimento de seu pensamento ionada, em um contrato ou em qualquer outro produto jurídico,
no texto mencionado, que contém uma problemática muito rica para se transformar imediatamente em nova fonte de sentido.
que demandará, seguramente, futuras explicitações.
, Quando os juizes. por exemplo, devem lidar com os standards
normativos que com freqüência adoecem de anemia semãntica (t11l1-
5. O DIREITO COMO DISCURSO Iher honesta, bom pai de família, devidos cuidadOS etc.) incorpo-
ram sentido a estas expressões, sentidos que, naLuralmente, sao
Interessa-nos aqui destacar e apresentar de forma surná mutáveis e históricos e, por se-lo. dotam as leis de relativa estabill
ria critérios coincidentes com os pontos de vista analisados. dade. A complicada operação que então executam tem dimensôes
que a Teoria Crítica de Buenos Aires havia colocado já há mui cognitivas e volitivas, mas têm sempre dimensões sociais. Dcsía
tos anos'!". forma, os alcances interpretativos que operacionalizem levarão em
('onla oulras decisões, opiniões doutrinárias, ditos e anrma<.:<)(~:-.
Frente aos tradicionais reducionismos da teoriajurídica (nor
elas partes e seus advogados. Estarão, porém, ausentes suas lcll u
mativismojfacticismo) sustentamos a tese de que o direito deve
rns filosóficas ou psicanalíticas, as opiniões simplificadas que cl1
ria ser entendido como discurso, com o significado que os Iin
cuíam nos meios de comunicação, a discussão com seu cónjllH\'
güistas atribuem a esta expressão, isto é, como processo social
ou com seus filhos sobre o tema, o critério de seus amigos ínt I
de criação de sentido - como uma prática social discursiva que (' 1110S? Pensamos que não. Toda interpretação é social; as non11(1S ('
mais do que palavras, que é, também, comportamentos, símbo .IS regras. enquanto produto lingüístico, adquirem senLielo 11<10 SI')
los. conhecimentos; que é, ao mesmo tempo, o que a lei manda, pl:\o que nomeiam, mas também pelo uso social que delas se \rll.,
os juízes interpretam, os advogados argumentam, os Iiliganle.s Como suslenlava o Willgenslein de InvesLigações filosóficas, ,I 1111
declaram, os teóricos produzem, os legisladores sancionam 011 q\lflHe111(~ urna conslrução social e movemo-nos no interim d('l.I
os doutrinários criticam e sobretudo o que, ao nível dos súdlros, 101110no il1terior de uma consLrução social. Por isso mio I1flIlI1HII.I
opera como sistema de representações. <I( 11:'1pliv.lc1as. Os sentidos circulam, constiLuinclo uma vC\slnII'de
dI slqlllll( ,H"úes, que já 1150 Lêm um centro único de proclllt.)(),
(15) Ver: RUIZ, Alicia E. C. (1991), Aspectos ideológicos dei discursojurull: () , 1\1,1',"pw;I<."IJ('s"mnis ou menos estrt\lé~\ic<lSpor SU;l 11111111'111 1.\,
I
ENTELMAN, Ricardo (1991), Discurso normativo y organizaci6n dei po(\t'" .rn fII. I
1111 c\lcl.l(",l.I, .s('1l1111
el11termos
'\' circlIlls1nn< ia!s (' IllIclI ;\I11111.IV 'I:l,
teriales para una teoría crítica dei derecho, Buenos Aircs, Abt:!p(lo 1'1'1101. 1\",111'
os trabalhos foram apresentados C0l110invcstiqaçào c ProflO.,I~ilo ""'1"'( Ilv""" .1 IJIII.l «(llll ('1)(",\11
do dlll'\tll q\ll' o I1losll.l (01\\11\lI.II\c.l ',(li 1;\1
i c, o prlmciro 110CONYCeT (1005), e () sCf\lII1(lo IlO ('ollfll(",'HI d,' 111"••,,11.1
hllllll 1'
ilht'III',lv.l, 1.11I ()11II)..,(' 11\:,11111<111
,I( 1111.1,
\)(,111111 "\II!\c·1I II\I'IIIUI
('a. 1(';1I1/,lClo("li Cór(\of1,I, VaCjIl('rj"., (I 'lll!i).
DIREITO, POLíTICA E MAGISTRATURA
176 CARLOS MARíA CÁRCOVA

partir de uma perspectiva ética ou política do que a partir de um


certos problemas tradicionais e, ao mesmo tempo, dar conta de
perspectiva "especificamente jurídica". Com efeito, o problem
alguns outros que aparecem como típicas demandas de realida-
coloca-se quando - como no caso da Argentina - um governo com
de, das quais alguns prestigiados juristas tratam hoje, como pró-
legitimidade democrática de origem, embora não de procedimen-
prias da pós-rnodernidade. Ocupo-me aqui de um direito mais
to, manipula a cúpula do Poder Judiciário. Essa instãncia superior
flexível (Andre Jean Arnaud). mais reflexivo (Gunther Teubner),
tem a atribuição da revisão final de constitucionalidade e, em nom
mais poroso e plural (Boaventura de Souza Santos). Penso em
da denominada "emergência económica". não vacila em violentar
um direito que permite resgatar a norrnatividade. sem hipertrofiar
alguns principios fundamentais como o de "coisa julgada", de di-
seu papel. Penso na auto produção operacional do direito, sem
reitos adquiridos ou de propriedade, com prolixo fundamento de-
reduzi-lo a meras predições dos juízes. Penso em um direito que
cisionista: "é válido suspender certas garantias quando disto
incorpore as dimensões da social idade e, com isso, as questões
depende a subsistência em geral do sistema que as institui".
da ideologia e do poder, tanto como as da legitimação substancial,
sem abandonar a especificidade teórica que lhe é própria. Claro que o alto tribunal não se deu o trabalho nem de defi-
nir a emergência, nem de estabelecer a seu respeito limites tem-
porais de nenhum tipo, razão pela qual a doutrina se assenta
6. UMA HERMENÊUTICA CONTROLADA se reproduz sem outra conseqüência aparente que um certo cli-
ma de ilegitimidade e protestos circunstanciais dos prejudicados,
Uma visão crítica e discursiva acerca do direito implica con- . sobre os quais pesa, por outra parte, a brutal disciplina social
ceber o papel dos juízes - voltando a eles mais uma vez - como que levou, há seis anos atrás, à hiperinflação e que leva hoje
um papel criativo, interveniente. teleológico; como um papel que uma taxa de desemprego que, nas estatísticas oficiais, não total-
deve atender tanto ao conjunto de valores contidos nas normas mente verdadeiras, situa-se na ordem de 15%.
e, fundamentalmente, às garantias básicas consagradas em cada
. Estamos aqui. frente a interpretações judiciais produzidas n
ordenamento, quanto aos efeitos sociais de sua aplicação. É claro
mais alto nível da hierarquia, que põem em crise principios funda-
que em sua tarefa hermenêutica deverão conjugar-se e articular-s
mentais. Tais decisões têm vigência e, poder-se-ia afirmar, contam
elementos muito variados. É claro que hoje, mais que ontem, de-
também com um indireto apoio dos cidadãos, que ratificaram nas
veriam preparar seus ouvidos para os rudes lamentos dos deserda-
urnas a gestão política do governo. Têm, ademais, validade? Se,
dos, dos vitimados pelo modelo hegemónico do neoconservado-
como quer Ferrajoli, a validade deve ser entendida em termos subs-
risrno, imposto, agora, como disciplinamento urbi et orbi. É elar
tanciais como adequação das normas, gerais ou individuais, aos
que se não padece de surdez deverá prestar atenção não somenl
direilos fundamentais consagrados no texto constitucional, n<1On
à produção do direito, mas também à produção da justiça.
teriam porque sua separação não só é notória, é francamente cxl-
Apesar disto, sua possibilidade hermenêutica está limitada, biela. Não se trata, por outro lado, de uma separação conjuntura!
Só pode exercê-Ia para tornar realizativas, eficazes, as promessas ou excepcional. A exceção é usada em termos retóricos. conforme
consagradas como direitos fundamentais por cada ordenarncnto. se viu. Traía-se de uma separação que resulla imprescinclivel p,lIf1
Esta-idéia. frente ao processo que marcou a evolução das correu il11plel11enlaruma política destinada a liquidar quanta conqulsln
tes alternativistas na Itália - evolução que vai da jurispruclcnct.i soclnl foi incorporada ao ordenamento jurídico a parur elo PÓSH"('I
emancipatória à defesa do garantismo igualitarista (Fcrrajoll. SeI1\' Irl, 1;\1como ocorreu com as leis chamadas de "soliclmlecl;t<h' plt·
se, Accallatis e outros) (16) - tem mais simples Iundamcnt.içno " visio!1;II", ele "el1lpreBo", de consolidação da divlda púhllc ,11'1<',
Ik.H(\(~ 1111);\ IH~lspecliva étlca. 11<10 scrln cllfkilmosll';1I (11\1.111
(I (1) 1';lIn 11111;)<1n{III.~(· porrncnorlzacta (I(~sl(: pro('(~~~(), VI' I: (,O~'II\, 1'1,'1111(I qqO) d(' 111111.'111,
•• (I't(~ rllll(l:1 n vlok-utnr tiS WlInllllns nltlclld;ttl; !\I"uh
111 dlll'lll.lllva IWII,ld" "1\ 'H'I'lo: 1II.1IlIlII";I()'; 111I1dl( ()~ d,' 10'1,1110" ~"kll"l I" '1"11 11111,'
pl'I,.pl·( Ilv.1 pll:-lltlvOl (11;tOpo.slllvIHI;t) (Irlo 1>('1 jltltl,•..•
Ivrl 1111
1,·,/ tI<- ,,, ( oI'I"t/nl no/,u t-« /I "'/III/t'/', <11.11\,111", 11..'0
178 CARLOS MARiA CÁRDOVA

pugnar a separação denunciada. Os principios constitucionais


que consagram "positivamente" garantias negativas (que concer-
nem à liberdade) e positivas (que concernem à igualdade) sã
construções históricas, incorporadas ao estado de direito e ao
funcionamento de uma sociedade democrática. Nos sistemas
constitucionais rígidos, são relativamente indisponíveis, porque
nenhuma decisão, por majoritária que seja, pode ab-rogá-tos.
salvo se utilizar os procedimentos previstos para a reforma cons-
titucional. Sua preterição ou suspensão sine die. não importa d
que órgão provenha, carece de legitimidade ou validação subs-
tancial. Ao contrário, o que está em jogo não é só o sistema d
garantias, mas também o sistema democrático e a forma históri-
ca que ele assumiu no final deste século. Não se trata de pensar
os direitos fundamentais como valores trans-históricos. írnutá-
veis ou de qualquer forma petrificados. Trata-se, isto sim, de peno
sá-los como aquisições humanas incorporadas de forma írnanentc
ao pacto de socialidade que o modelo democrático e a forma his
tórica do Estado de Direito envolvem. Pór em crise sua híerarqula
normativa significa o mesmo que pôr em crise aquele pacto.
Eis aqui a questão dilemática para os juízes: razões operacio
nais e opiniões doutrinárias põem a seu cargo tarefas muito CO/ll
plexas e uma cota ampla de capacidade criadora, de interpreta
çáo constitutiva. Ela deve se materializar, procurando fazer di
cazes. Lornar operatívas. as promessas substanciais da ordc 11 1
democrática. Promessas que, ao mesmo tempo, constituem o
controle e o limite de seu desenvolvimento hermenêutico.
Aqueles que assim o entendam e o pratiquem não alcança
rão talvez as dimensões olímpicas às quais os jusfilósofos dI'
hoje aludem com insistência. Porém, sem dúvida, deverão, IH~:
tas épocas, ter a coragem e o talento dos salmões, que são ,,<11>"
zes de nadar contra a corrente.
Buenos Aíres. junho/ I nn.
128 CARLOS MARÍA CÁRDOVA

2) CAVAROZZI, Marcelo (1985), Los derechos humanos en Ia de-


mocracia, CEAL.
3) CARRION, Roque W., Reconocimiento jurídico y fundamenta-
ción filosófica de Ias Derechos Humanos en América Latina, A Opacidade do Direito
Anales de Ia Cátedra Francisco Suarez, n. 26/27,1986/7.
4) CONADEP (1984), Nunca más, EUDEMA.
"...Como no provérbio acerca do mal de muitos. o único
5) FLISFISH, Angel (1986), Derechos humanos, política y poder, consolo é que o mundo perdeu o juízo desde que terminou a
in: La ética de Ia democracia, CLACSO. Guerra Fria. Em lugar de realízarem-se os melhores sonhos de
liberdade, igualdade e fraternidade, sucedem-se os pesade-
6) JELIN, Elizabeth (1986), Otros silencias, otras voces: eI tiem- los: nada encaixa, ninguém é o que aparenta e a angústia seca
po de Ia democratización en Ia Argentina, in: Los movimien- a garganta. Nos Estados Unidos, o democrata Bill Clinton está
tos sociales en crisis. CLACSO (co-edición). em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais com o programa
de seus adversários, os republicanos. Na Europa ocidental. a
7) LECHNER,Norbert (1986), Los derechos humanos como cate-
social-democracia, assim como os conservadores, carece de
qorie política, in: La ética de Ia democracia, CLACSO.
respostas eficazes para quase vinte milhões de desemprega-
8) LEFORT, Claude (1990), La invención democrática, Buenos dos e na Europa oriental os comunistas. que perderam o po-
Aires, Nueva Visión. der, estão voltando, pelas urnas. aos governos. com mensa-
gens semelhantes às de Felipe González. É um mundo difícil.
9) NINO, Carlos, Constructivismo epistemoIógico: entre RawIs y duro. cruel, que pode deprimir muitos; se bem pensado. tudo
tiebermes. in: Doxa. n. 5. indica que esta é uma época de transição, que nada está dito
de uma vez e para sempre. Nestas condições, quando há tan-
10) ROUQUIÉ. Alain (1981), Poder militar y sociedad política en
to para fazer em favor da própria vida e da dos demais, a
Ia Argentina, Buenos Aíres. EMECE.
resignação ou o ceticismo são sensações inúteis. Até a raiva é
11) RUIZ, Alicia E. C. (1986), fI uso alternativo dei derecho y Ias mais excitante. porca miséria!! ..."
derechos humanos, in: La ética de Ia democracia, CLACSO. Página 12. Buenos Aires, 1O-fev.-96.
12) SORIANO, Osvaldo (1990), Sobre Ia Revotucion de Mayo, in: José Maria Pasquini Durán
pág. 30, n. 1.

13) VÁZQUES CARRIOZA,Alfredo (1989), La filosofía de Ias ciere-


hos humanos y Ia reaIidad de América Latina, Universidad I. O PAR COMPREBNSÃO/NÃO-COMPREBNSÃO.
Nacional de Colombia. A OP ACIDADB DO DIRBITO

Na produção de sua vida social, os homens realizam cotidia-


namente uma enorme quantidade de atos com sentido e efeitos
jurídicos, boa parte dos quais - sem dúvida a maioria deles -
não é percebida como tal. Isto é, tais atos não são "compreendi-
íos" em seus alcances e significações legais.
S;'\O .uos através dos quais modificam-se os patrimônios,
.111.'1.1111".' n'lnçó<:s lruulll.ut-s.adqulrcm-sc ou perdem-se direi-
111'\ 111.111'11,11.'. (111 111I.l1.·rI,d'., I 111111.11'111 1·1I: obr1nnço(','i ('Ie. Trnl asc-,
I~I"'0"111111111",111'11(1, 1.111111 dI' .Illll", 11111111 di' ClIIII.· •••·HH::-..
CARLOS MARÍA CÁRCOVA
Professor Titular de Filosofia de Direito da Faculdade
de f'ilosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires.
Professor Titular de Teoria Geral do Direito da Faculdade
de Direito da Universidade de Buenos Aires. Pesquisador
do Instituto Internacional de Sociologia Jurídica
de Oflati Advogado.

~
DIREITO, POLITICA
B MAGISTRATURA

Tradução de:
Rogério Viola Coelho
Marcelo Ludwig Dornelles Coelho

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