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INSTITUTO MÉDIO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO NAMIBE

LITERATURA
PROFESSOR MIGUEL GULLANDER
FASCÍCULOS DE APOIO
2012

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LITERATURA

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(O Código de Hammurabi)

1 O QUE É A LITERATURA? BREVE RESUMO:

O que é a “Literatura”?
A palavra “Literatura” vem do Latim “littera”, que significa “letra”. “Literatura” significa, portanto,
“letra”.
As letras e a escrita foram inventadas cerca de 3500 anos antes de Cristo, ou seja, há cerca de 5500 anos,
relativamente a nós. Antes disso existia a tradição oral que é mais frágil, pois não tendo suporte escrito tem
tendência a perder-se com o tempo e a surgirem erros devido às falhas de memória.
Durante a maior parte da história os seres humanos foram caçadores-recolectores e nómadas. Mas com a
invenção da agricultura e a construção de vilas e cidades o ser humano começou a ter necessidade de aperfeiçoar
as suas regras sociais. Precisou de LEI e técnicas para dominar a natureza, plantar e construir. Por isso, com o
surgimento da cultura da terra, surgiu a Cultura da escrita, para haver uma transmissão fiel e uma fixação
duradoura das informações importantes (como as regras do cultivo agrícola e as leis das cidades) – e com esse
acumular de conhecimentos aparecem as primeiras Civilizações.
Com a escrita surge também o registo histórico, ou seja a História, pois antes ninguém escrevia os
acontecimentos. Era a pré-história.
Sem a escrita não existiriam as epopeias, a Bíblia, nem os clássicos da filosofia. Sem a escrita não teria
existido a biblioteca de Alexandria, nem conheceríamos as palavras de Gautama, que disse: “A ignorância é a
fonte de todo o sofrimento.” Sabemos tudo isto porque ficou escrito.
A importância da cultura que veio do passado é de tal modo incomensurável que Bernard de Chartres
dizia que “somos anões elevados sobre os ombros dos gigantes da Antiguidade.”
A escrita foi inventada em primeiro lugar na civilização da Suméria que fica no médio oriente (na zona do
actual Iraque). Inicialmente a escrita estava muito ligada à LEI (veja-se o código de Hammurabi da antiga
Babilónia) e serviu para organizar as primeiras civilizações. Sem a invenção da escrita não existiriam civilizações
e o nosso mundo ainda estaria no estado primitivo ou selvagem.
(Ver no início do fascículo a foto da pedra onde a Lei estava escrita. A palavra escrita dura mais do que a
palavra falada, e assim foi escrita na pedra para que todos soubessem que a Lei está acima do tempo de vida e dos
caprichos dos indivíduos. A primeira escrita chamava-se de “cuneiforme” porque era escrita utilizando umas
pequenas cunhas.)

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Passado algum tempo após a invenção da escrita começou-se também a utilizar a escrita para escrever de
uma forma especial, incluindo sentimentos e ideias pessoais. Isso é a Literatura. A Literatura é uma forma muito
especial de utilizar as letras. É uma maneira de utilizar as palavras com beleza e arte. Costuma-se chamar à
Literatura as “belas letras”, pois as letras e palavras são utilizadas com fins estéticos e filosóficos também.
Os dois textos centrais e fundadores da Cultura e Literatura ocidental são A Bíblia e o duplo épico grego
Íliada e Odisseia, de Homero.
Da Literatura vieram muitos escritores e escritoras famosas, que usaram um ou mais dos 4 grandes
géneros literários, ou seja, técnicas e formas diferentes de escrever:
1) a Epopeia (Íliada e Odisseia),
2) a Lírica (poesia),
3) a Narrativa (histórias em conto, novela ou romance), e
4) o Drama (teatro).
Em 1454 Gutemberg inventou a máquina impressora de livros o que permitiu que o livro se tornasse
acessível a toda a gente, aumentando extraordinariamente o poder de literacia dos povos.

(Biblia impressa de Gutemberg)

Actualmente o mais prestigiado prémio de Literatura é o Prémio Nobel, atribuído pela Academia Sueca.
Em língua portuguesa já houve um vencedor que foi José Saramago.

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2 A TRADIÇÃO ORAL.

Os provérbios são frases da sabedoria dos povos. A sua origem está perdida nos tempos e não têm
um autor definido.
A tradição oral era transmitida de geração em geração e a maior parte já se perdeu porque
ninguém a escreveu.
Compreende e interpreta os seguintes provérbios africanos. Escreve a mensagem implícita dos
mesmos na linha abaixo:

1 Sabes que tens um amigo quando com ele já comeste um quilo de sal.

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2 É numa bolsa de farrapos que se pode encontrar a jóia escondida.

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3 Quem diz a verdade é expulso de nove aldeias.

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4 As cinzas acertam de volta na cara daquele que as atira.

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5 O amanhã pertence aos que o preparam hoje.

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6 Podes ser mais alto que o teu pai, mas ainda assim não lhe és igual.

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7 É por causa do homem que o ferreiro faz as armas.

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8 Quem morde mais do que consegue engolir, acaba a asfixiar.

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9 Se não és parte da solução, és parte do problema.

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10 Quando os elefantes combatem, quem sofre é o capim.

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11 O que mais dói não são os gritos dos maus, mas o silêncio dos bons.

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12 Não chames o cão com um chicote na mão.

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13 Não é aquilo que te chamam, mas ao que tu respondes.

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14 Ver é diferente de ter ouvido.

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15 O idiota fala, o sábio ouve.

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16 Cegos que conduzem cegos, todos acabam no buraco.

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Outros provérbios:

17 Quem dá, tudo tem. Quem se apega, nada lhe resta. (Índia)

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18 Um idiota não vê a mesma árvore que um sábio.

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19 Um homem não encontra a sua sorte, a sorte é que encontra o seu homem. (Turquia)

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20 Segredo de dois, segredo de Deus, segredo de três, o diabo o fez. (Portugal)

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21 Atrás do isco vem o anzol. (Portugal)

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22 Cada um vê o argueiro no olho do vizinho e não a tranca no seu. (Bíblia)

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23 Quem nunca se aventurou, não perdeu nem ganhou. (Portugal)

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24 Vê quem pisas na subida, porque irás encontrá-los na descida. (Portugal)

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25 A duração de uma paixão é proporcional à resistência natural da mulher.

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Mais um teste de compreensão e interpretação de provérbios da TRADIÇÃO ORAL.

1 Quando não há inimigo no interior, os inimigos de fora não nos podem afectar.

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2 Quando conheces o seu amigo, sabes quem ele é.

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3 A quem a serpente mordeu, alarma-se com o lagarto.

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4 Antes de atirar, deve-se apontar.

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5 Nunca um cão chamou um homem para lhe bater.

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6 Sabedoria encerrada num coração é como luz fechada num jarro.

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7 Nunca desenvolvas apetite por árvores às quais não podes subir.

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8 Não navegues de acordo com a estrela de outrem.

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9 Confiar um segredo a quem não se deve é como carregar um saco de farinha com um furo.

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10 Se sobes uma árvore, deverás descer por essa mesma árvore.

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11 Se persegues duas lebres não apanhas nenhuma delas.

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12 Se a tua língua se torna em faca, então cortará os teus lábios.

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13 Se te recusas a ser endireitado quando estás verde, não serás endireitado quando já estiveres seco.

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14 Manda um miúdo onde ele quer ir e verás o seu melhor passo.

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15 O leão não olha para trás quando o pequeno cão ladra.

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Outros provérbios:

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16 Em terra de cegos quem tem olho é rei. (Índia)

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17 Em boca fechada não entra mosca. (Itália)

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18 Um pouco tarde, tarde demais. (Alemanha)

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19 Deus escreve direito por linhas tortas.

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20 Pela boca morre o peixe. (Portugal)

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21 Quem quer a rosa, aguente o espinho. (Portugal)

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22 Olho por olho e mundo ficará cego. (Índia)

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23 O que um homem diz quando bêbado pensou-o quando sóbrio. (Holanda)

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24 Quem não sabe sofrer, não sabe amar. (Portugal)

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25 Uma sociedade torna-se grandiosa quando os seus idosos plantam árvores sob cuja sombra eles sabem
nunca se poder vir a sentar. (Grécia)

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3 OS MAIS ANTIGOS ESCRITORES DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE: ENHEDUANA E
PTAHHOPTEP.

A obra “Instruções” de PTAHHOTEP (2414 – 2375 A.C.) é considerada a mais antiga obra literária da História.
Foi escrita no sentido de aconselhar os jovens do império egípcio. Nesta obra Ptahhotep escreve frases como as
seguintes:
 “Grande é a Lei” (Maat)." (p. 24)
 “Toda a conduta deve ser recta de modo que a possas medir com o fio de aprumo.” (p. 27)
 “A injustiça existe em quantidade, mas no final o mal nunca será bem sucedido.” (p.32)
 “A raça humana nunca alcança nada. É Deus que comanda aquilo que é realizado.” (p. 41)
 “Segue o teu coração toda a tua vida, mas não cometas excessos relativamente ao que já foi ordenado.”
(p. 66)
 “Se trabalhares arduamente e os teus campos de agricultura prosperarem, é porque Deus colocou
abundância nas tuas mãos.” (p. 74)
 “Não faças fofoca na tua vizinhança porque as pessoas respeitam o silêncio.” (p. 74)
 “Se aquele que escuta – escuta totalmente – então aquele que escuta torna-se aquele que compreende.” (p.
76)
 “Ouvir beneficia o ouvinte.” (p. 74)
 “Deus ama aqueles que ouvem.” (p. 76)
 “Como o ignorante não sabe ouvir, não alcança nada. Ele iguala o conhecimento com a ignorância, o
inútil com o perigoso. Ele faz tudo o que é detestável, por isso as pessoas zangam-se com ele todos os
dias”. (p. 77)
 “A palavra perfeita está escondida mais fundo que a mais preciosa das jóias. Pode ser encontrada com os
humildes trabalhadores junto da pedra de moer.” (p. 78)
 “Fala apenas quando tiveres algo para de valor para dizer.” (p. 79)
 “Quanto a ti, ensina o teu aluno nas palavras da tradição. Que ele possa actuar como modelo para os
filhos dos poderosos, e que estes possam encontrar no teu aluno a sabedoria e a justiça de todos os
corações que falem com ele.” (p. 85)
 “Uma mulher com um coração feliz traz o equilíbrio”. (p. 107)
 “Ama a tua esposa com paixão” (p. 107)
 “Para aqueles que estão sempre a desejar mulheres diferentes, nenhum dos seus planos vai ter sucesso.”
(p. 108)
 “Como é maravilhoso um filho que obedece a seu pai!” (p. 112)
 “Não critiques aqueles que não têm filhos e não te gabes de teres filhos tu próprio.” (p. 113)

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 “Que nunca o teu coração se torne vaidoso por causa daquilo que sabes. Recebe sempre conselhos tanto
dos ignorantes como dos sábios.” (p. 119)
 “Não coloques qualquer confiança no teu coração por causa das riquezas acumuladas, visto que tudo o
que tu tens é dádiva de Deus.” (p. 126)
 “Vive em paz com o que já possuis, e seja o que for que Deus decidir dar-te virá de seu próprio acordo.”
(p. 139)
 “Aquele que tem um coração grande recebeu uma dádiva de Deus. Mas aquele que obedece ao estômago
obedece ao inimigo.” (p. 140)
 “Aqueles a quem Deus guia nunca se perdem.” (p. 143)

EXERCÍCIO:

Qual foi a maior invenção da humanidade implícita no texto? De que modo, na sua opinião, essa invenção mudou
o curso de toda a História?

ENHEDUANA viveu entre 2285-2250 antes de Cristo. Enheduana foi uma princesa em Ur, antiga cidade da
Suméria, civilização a que se deve também o código de Amurabi. Enheduana é considerada a primeira autora de
toda a História a escrever na primeira pessoa e a mais antiga de toda a humanidade a deixar um registo escrito
expondo a consciência que tem dos seus próprios sentimentos íntimos. Da sua autoria é o seguinte poema:

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Eu sou Tua! E sempre serei Tua!
Possa o teu coração ser suave para comigo
Possa eu receber a Tua compreensão… compaixão…
Eu que já experimentei o Teu grande castigo…

Meu Deus, proclamo a Tua grandeza em todas as tuas terras e a Tua glória!
O Teu “caminho” e grandes obras sempre louvarei!

EXERCÍCIO: De que modo, na sua opinião, a escrita pode ser fundamental para a nossa vivência de sentimentos
profundos? De que modo a escrita contribui para a evolução da sua mente e espírito?

4 A LÍRICA:

Lê atentamente o seguinte soneto de Florbela Espanca, uma das primeiras mulheres a conquistar um lugar cimeiro
no mundo das letras, infelizmente tão vedado ao espírito feminino durante a maior parte da História.

Lágrimas Ocultas

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Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q’rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,


Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...


Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,


Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Obtido em "http://pt.wikisource.org/wiki/L%C3%A1grimas_Ocultas"

EXERCÍCIO:

1. Dos temas universais da literatura quais os principais temas presentes neste poema?
2. Na sua opinião porque chora a poetisa? Qual a causa das suas “lágrimas ocultas”? Argumente.
3. Existe algo na sua vida e no seu passado de que sinta saudade ou nostalgia? Elabore um pouco acerca dos
seus próprios sentimentos.

Leia atentamente o seguinte poema de Luís de Camões, datado do Século XVI.

Amor é fogo que arde sem se ver,


é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;


é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;


é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor

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nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
(Obtido em: "http://pt.wikisource.org/wiki/Amor_%C3%A9_fogo_que_arde_sem_se_ver")

EXERCÍCIO:
4. Dos temas universais que interessam e preocupam o espírito humano, qual é o tema neste poema presente?
5. Na tua opinião como é vívido este tema pelo poeta? Como é que ele vive este sentimento?
6. Sendo este tema universal ao coração humano, como é que tu mesmo o vives e o que pensas dele?

DA WEASEL (RAP, Ritmo e Poesia)

No princípio era o verbo

No princípio era o verbo — a palavra e depois a rima


que provocou reacções como se fosse um enzima
No princípio era a tesão, a fúria e a sofreguidão,
depois veio a calma, a procura do saber e a satisfação —
inspiração para uma vida melhor, um caminho melhor
um mundo melhor para uma pessoa melhor
Bem vindo ao manual de iniciação a Uma Vida Banal
ou o Diário de Bordo de uma nave especial
Puto Pac ‘tá confiante, entra de rompante
Virgul sempre constante — brilha como um diamante
Vai começar: Desaperta o cinto e acende um cigarro
Relaxa a tua mente como se fosse barro
Refrão:
Palavra de honra honrarei a Palavra todo o santo dia
No Princípio era a Verbo a palavra e depois
Anos em preparativos, tratamentos narrativos,
tantos curativos — dou graças a Deus por estarmos vivos
Em evolução permanente, seja ponto bem assente:
quando o meu coração sente a minha boca não mente
Escrevo desde o meu inicio, nasci com esse vício
não importa tempo e espaço o ambiente é propicio
Faço a apologia da lírica terapia
Palavra de Honra — honrarei a Palavra todo o santo dia
A minha semente eu formato em fita, plástico ou compacto,

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traço rota de colisão, vem aí mais um impacto
Vai começar : Desaperta o cinto e acende um cigarro
Relaxa a tua mente como se fosse barro
Refrão
Presunção e água benta cada um toma a que quiser
o Puto pode não saber tudo mas ao menos sabe aquilo que quer
Nada de muito especial, tão simples que devia ser banal
paz de espírito, algum dinheiro, elevação espiritual
O manual não tem soluções — apenas algumas sugestões,
Outras tantas questões, envoltas em várias canções
À procura do caminho certo, nunca estivemos tão perto
o primeiro acto está no final — o livro fica aberto
A lição foi bem estudada, a rota foi traçada
tripulação motivada — a Doninha ‘tá preparada
Vai começar : Desaperta o cinto acende um cigarro
Relaxa a tua mente como se fosse barro

A educação é liberdade
Tenta perceber a tua identidade
Procura no teu íntimo a verdade
Não és apenas mais uma pessoa
Que aparece neste mundo à toa
Tenta encontrar as tuas raízes
Senão pode ser que algum dia as pises
Só assim perceberás quem tu és
No sangue que te corre da cabeça aos pés
Talvez daí tires uma lição
Sobre o que se passa neste mundo cão
Muitas vezes é preciso saber ouvir
Ir em frente quando apetece desistir

É mais forte o homem que sabe criar um filho


Do que aquele que apenas prime um gatilho
É mais fácil matar que ler um livro, verdade?
Mas a bala é a prisão, educação é liberdade

Cada terra com seu uso


Cada roca com seu fuso
Nasci em Angola, tenho mãe cabo-verdiana
Sempre vivi em terra lusitana
3 culturas que não vou separar
Todas têm muito para me ensinar
Prefiro antes fazer uma fusão
Porque a força vem da união
Nunca segui o caminho da violência
Constitui um atentado à minha inteligência
Podes ser o gajo mais teso, mais duro
Mas não é assim que vais sair do escuro

É mais forte o homem que sabe criar um filho


Do que aquele que apenas prime um gatilho
É mais fácil matar que ler um livro, verdade?
Mas a bala é a prisão, educação é liberdade

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Tantos putos em idade de estudar
Passam o dia na rua a roubar
Essa situação não pode continuar
Todos temos um futuro a assegurar
Ou também queres como um burro trabalhar
E ser mais um para o patrão explorar
Escuta bem esta voz amiga
Pensa no sofrimento que nos liga
Não sejas mais um irmão que estagnou
E que para o outro lado se passou
Ficou pela delinquência
Olha em frente, tem prudência
Sabemos que este mundo não é perfeito
Mas unidos podemos dar um jeito

É mais forte o homem que sabe criar um filho


Do que aquele que apenas prime um gatilho
É mais fácil matar que ler um livro, verdade?
Mas a bala é a prisão, educação é liberdade

Écoute, écoute, je parle de l'education


Un problème qui fait parti de notre génération
Ouai, essai de comprendre ton identité
Cherche la vérité et t'auras la liberté
Tu ne vois pas ton avenir, clairement
Tu sais que tu vas souffrir et il aura du sang
Qui coule de tes veines, personne n'aura de la peine
Mais ils vont demander pardon
Et repondre à mes questions
Sur la nation sur la tension
Pour qu'ils apprennent la leçon
Raciale, sociale, politique, économique
Car vers moi ils s'adressent sans aucune politesse
Ça me stresse il va faloir que cela cesse
Car tu n'es pas ici pour le plaisir de quelqu'un
Je me sais pas si t'as saisi mais il faut trouver
Ton chemin,
Maintenant tout le monde ne pense qu'à l'árgent
Ils se tuent tout le temps
Ils oublient l'important
Que la vie a une fin
La fin c'est la mort
Utilise ton instint
Tu seras le plus fort

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5 A NARRATIVA

CONTO TRADICIONAL JAPONÊS

Perto de Tóquio vivia um grande samurai, já idoso, que se dedicava a ensinar o Zen aos jovens. Apesar da
sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.
Certa tarde, um guerreiro conhecido pela sua total falta de escrúpulos apareceu por ali. Queria derrotar o
samurai e aumentar sua fama. O velho aceitou o desafio e o jovem começou a insultá-lo. Chutou algumas pedras
na direcção do samurai, cuspiu no seu rosto, insultou-o, ofendeu os seus ancestrais.
Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo-
se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se. Desapontados, os alunos perguntaram ao mestre
como ele pudera suportar tanta indignidade.
“Se alguém chega até vocês com um presente, e vocês não o aceitam, a quem pertence o presente?”
“A quem tentou entregá-lo!” respondeu um dos discípulos.
“O mesmo vale para a inveja, a raiva e os insultos. Quando não são aceites, continuam a pertencer a quem
os carregava consigo. A tua paz interior depende exclusivamente de ti. As pessoas não te podem tirar a calma. Só
se tu permitires...”

CONTO TRADICIONAL INDIANO

Houve um homem que encontrou um ovo de águia e colocou-o no ninho duma galinha, lá no galinheiro. A
águia foi chocada juntamente com os pintainhos e cresceu vivendo como eles. Toda a sua vida a águia fez o que
os pintos e as galinhas faziam, estando completamente convencida de que era uma galinha. A águia arranhava a
terra à procura de minhocas e insectos. Cacarejava e dava gritos de galinha. Abanava as asas com toda força e, às
vezes, dava uns saltos e voava alguns metros.
Os anos passaram e a águia ficou velha. Um dia ela viu um magnífico pássaro, lá bem no alto, a voar no
céu sem nuvens. Este pássaro deslizava com graciosidade e poder entre as fortes correntes de ar e ventos, quase
sem bater as suas enormes asas douradas. Cá em baixo a velha águia olhava para o céu completamente fascinada e
maravilhada. Sentia também um enorme respeito. “O que é aquilo?”, perguntou ela. “Aquilo é uma águia, o rei de
todos os pássaros.”, respondeu uma galinha que estava ali ao lado. “As águias pertencem ao céu. Nós pertencemos
ao chão. Nós somos galinhas.”
E assim a águia viveu e morreu como uma galinha, pois isso era o que ela pensava e estava convencida
ser.”

CONTO TRADICIONAL EGIPCIO

Conta-se que no século passado, um turista ocidental foi à cidade do Cairo, no Egipto, com o objectivo de
visitar um famoso sábio. O turista ficou surpreso ao ver que o sábio morava num quartinho muito simples com
alguns livros. Exceptuando os tais livros e uma cama, tudo estava vazio.
“Onde estão os seus móveis? Onde estão as suas coisas?” perguntou o turista.
E o sábio, bem depressa, perguntou também:
“E onde estão as suas...?”
“As minhas?!” surpreendeu-se o turista. “Mas eu estou aqui só de passagem!!!!!”
“Eu também...” concluiu o sábio.
A vida é somente uma passagem...
No entanto, alguns vivem como se fossem ficar aqui eternamente, e esquecem-se de ser felizes.

FÁBULAS DE ESOPO, LA FONTAINE E FEDRO

As fábulas são pequenas histórias que transmitem uma lição ou mensagem moral, implícita no
comportamento dos animais que representam, no fundo, maneiras de ser dos humanos, como a
generosidade, o egoísmo, a vaidade, a amizade, a mentira, etc.
A fábula é uma das mais antigas formas de narrativa. Muitos escritores dedicaram-se às fábulas,
mas três ficaram mundialmente famosos: o grego Esopo (século VI a.C.), o latino Fedro (15 a.C. - 50 d.C.) e
o francês Jean de La Fontaine (1621 - 1695).

ESOPO:

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A raposa e as uvas
Uma raposa esfomeada passou por uma latada e viu uns cachos de uvas muito apetitosos.
“Estas uvas parecem muito suculentas” pensou ela. “Tenho que as comer!”
Tentou apanhá-las saltando o mais alto que pôde, mas em vão, porque as uvas estavam fora do seu
alcance. Então desistiu e afastou-se.
Fingindo-se desinteressada, exclamou:
“Pensei que estavam maduras, mas vejo agora que ainda estão muito verdes!”

Moral da história ou mensagem implícita:


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A raposa e o lenhador
Uma raposa, perseguida por caçadores, cruzou-se com um lenhador e pediu-lhe ajuda. O lenhador
aconselhou-a a entrar na sua cabana e a esconder-se num canto.
Pouco depois, apareceram os caçadores e perguntaram ao lenhador se tinha visto a Raposa. Este
respondeu-lhes que não mas, enquanto falava, apontou para a cabana. Os caçadores não compreenderam os seus
gestos e, como acreditaram nas suas palavras, foram-se embora.
Livre de perigo, a raposa saiu do esconderijo e preparou-se para seguir o seu caminho sem dizer nada.
“És uma ingrata. Salvei-te a vida e nem sequer me agradeces” censurou-a o lenhador.
Ouvindo isto, a Raposa respondeu-lhe:
“Ter-te-ia agradecido e muito, se tivesses actuado tão bem como falaste e se as tuas mãos não tivessem
atraiçoado as tuas palavras.”

Moral da história ou mensagem implícita:


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A raposa que perdeu a cauda


Uma Raposa foi apanhada numa armadilha. Conseguiu escapar, mas ficou sem a cauda porque a
armadilha a cortou.
Sentindo-se envergonhada e ridícula, pensou convencer as outras raposas a cortarem também as suas.
Reuniu um bom número de amigas e explicou-lhes que, sem cauda, não só ficariam muito mais bonitas,
mas também se livrariam de um peso inútil.
Ouvindo isto, uma das raposas interrompeu-a e perguntou-lhe:
“Se não tivesses perdido a tua cauda, também nos aconselharias a cortar as nossas?”

Moral da história ou mensagem implícita:


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O pastor e o lobo
Era uma vez um Pastorinho que costumava levar o seu rebanho para a orla da floresta. Como estava
sozinho durante todo o dia, aborrecia-se muito. Então pensou numa maneira de ter companhia e de se divertir um
pouco. Voltou-se na direcção da aldeia e gritou:
“Lobo! Lobo!”
Os camponeses correram em seu auxílio. Não gostaram da graça, mas alguns deles acabaram por ficar
junto do Pastor por algum tempo. O rapaz ficou tão contente que repetiu várias vezes a façanha.
Alguns dias depois, um Lobo saiu da floresta e atacou o rebanho. O rapaz pediu ajuda, gritando ainda
mais alto do que costumava fazer:
“Lobo! Lobo!”
Como os camponeses já tinham sido enganados várias vezes, pensaram que era mais uma brincadeira e
não o foram ajudar. O Lobo pôde encher a barriga à vontade porque ninguém o impediu.
Quando regressou à aldeia, o rapaz queixou-se amargamente, mas o homem mais velho e sábio da aldeia
respondeu-lhe:
“Na boca do mentiroso, o certo é duvidoso.”

Moral da história ou mensagem implícita:


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O urso e os dois viajantes

16
Certo dia, dois homens viajavam juntos quando um Urso se atravessou no seu caminho. Um deles subiu a
uma árvore e escondeu-se nos seus ramos. O outro, percebendo que ia ser atacado a qualquer momento, deitou-se
no chão.
Quando o Urso o começou a cheirar, o homem susteve a respiração fingindo-se morto. Ao fim de algum
tempo, o Urso foi-se embora.
Certificando-se que o Urso não voltava, o outro viajante desceu da árvore e, com ar brincalhão, perguntou
ao amigo:
“Afinal o que é que o Urso te segredou ao ouvido?”
“Deu-me este conselho: «Nunca viajes com um companheiro que te abandone perante o perigo» -
respondeu-lhe o amigo.”

Moral da história ou mensagem implícita:


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FEDRO

A rã e o boi
Estavam duas Rãs à beira de um charco quando a mais nova comentou:
“Comadre, hoje vi um monstro terrível: era maior do que uma montanha, tinha chifres e uma longa
cauda.”
“O que viste foi apenas o Boi do lavrador” esclareceu a Rã mais velha. “E, além disso, não é assim tão
grande... Eu posso ficar do tamanho dele. Ora observa.”
Dito isto, começou a inchar e a esticar-se muito, muito...
“O Boi era tão grande como eu?” perguntou ela quando já estava tão grande como um Burro.
“Oh, muito maior!” respondeu a jovem Rã.
Então a Rã mais velha respirou fundo e inchou, inchou... até que rebentou.

Moral da história ou mensagem implícita:


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O cão e o seu reflexo no rio


Era uma vez um cão que encontrou um osso. Abocanhou-o e correu para casa para o saborear com calma.
Pelo caminho, teve que passar por cima de uma tábua que unia as duas margens de um riacho.
Nisto, olhou para baixo e viu o seu reflexo na água. Pensando que era outro cão com um osso, resolveu
roubar-lho. Para o assustar, abriu a boca e arreganhou-lhe os dentes. Ao fazê-lo, o osso caiu na água e foi
arrastado pela corrente.

Moral da história ou mensagem implícita:


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JEAN DE LA FONTAINE

A cigarra e a formiga
Num dia soalheiro de Verão, a Cigarra cantava feliz. Enquanto isso, uma Formiga passou por perto. Vinha
afadigada, carregando penosamente um grão de milho que arrastava para o formigueiro.
“Por que não ficas aqui a conversar um pouco comigo, em vez de te afadigares tanto?” perguntou-lhe a
Cigarra.
“Preciso de arrecadar comida para o Inverno” respondeu-lhe a Formiga. “Aconselho-te a fazeres o
mesmo.”
“Por que me hei-de preocupar com o Inverno? Comida não nos falta…” respondeu a Cigarra, olhando em
redor.
A Formiga não respondeu, continuou o seu trabalho e foi-se embora.
Quando o Inverno chegou, a Cigarra não tinha nada para comer. No entanto, viu que as Formigas tinham
muita comida porque a tinham guardado no Verão. Distribuíam-na diariamente entre si e não tinham fome como
ela. A Cigarra compreendeu que tinha feito mal...
Foi assim que morreu à fome no frio.

Moral da história ou mensagem implícita:

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A Raposa e o Corvo
Um corvo que passeava pelo campo, apanhou um pedaço de queijo que estava no chão e fugiu, acabando
por pousar sobre uma árvore.
A raposa observando-o de longe sentiu uma enorme inveja e desejou de todo, comer-lhe o queijo. Assim
pós-se ao pé da árvore e disse: Por certo que és formoso, e gentil-homem, e poucos pássaros há que te ganhem. Tu
és bem-disposto e muito falante; se acertaras de saber cantar, nenhuma ave se comparará contigo.
O corvo soberbo de todos estes elogios, levanta o pescoço para cantar, porém abrindo a boca o queijo caiu-lhe. A
raposa apanhou e foi-se embora, ficando o corvo faminto e corrido da sua própria ignorância.

Moral da história ou mensagem implícita:


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A tartaruga e os pombos
Era uma vez uma Tartaruga que queria conhecer o mundo. Confiou este seu desejo a dois Patos que
viviam perto dela, numa lagoa.
Um belo dia, a lagoa secou e os Patos prepararam-se para partir. Antes, porém, foram despedir-se da sua
amiga e fizeram-lhe um convite:
“Se quiseres, podes vir conhecer o mundo connosco. Cada um de nós segura a ponta de um ramo e tu
agarras-te bem a ele com a boca. Assim, ficarás em segurança e poderás ver, lá do alto, cidades e reinos
maravilhosos.”
A Tartaruga nem pensou duas vezes: aceitou o convite e, nesse mesmo dia, partiram todos à aventura.
Sobrevoaram aldeias, cidades e reinos de encantar. Quando passavam por cima de um campo, os camponeses
admiraram-se com o que viram e gritaram:
“Vejam! Vejam! Uma Tartaruga a voar!”
“Como sou extraordinária!” gritou a Tartaruga cheia de orgulho.
Porém, assim abriu a boca, largou o ramo e estatelou-se no chão.

Moral da história ou mensagem implícita:


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O burro com pele de leão


Certo dia, um Burro encontrou uma pele de Leão que os caçadores tinham deixado a secar ao Sol.
“Vou cobrir-me com ela e assustar toda a gente” pensou ele.
Assim fez, e assustou todas as pessoas e todos os animais que encontrou. Muito orgulhoso do seu feito,
zurrou muito alto, cheio de alegria.
Foi o seu erro, porque nesse momento todos perceberam pela sua voz que ele, afinal, era apenas um
Burro.
O dono, que tinha apanhado um grande susto, resolveu castigá-lo e deu-lhe umas valentes pauladas.

Moral da história ou mensagem implícita:


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O leão e o rato
Certo dia, estava um Leão a dormir a sesta quando um ratinho começou a correr por cima dele. O Leão
acordou, pôs-lhe a pata em cima, abriu a bocarra e preparou-se para o engolir.
“Perdoa-me!” gritou o ratinho. “Perdoa-me desta vez e eu nunca o esquecerei. Quem sabe se um dia não
precisarás de mim?”
O Leão ficou tão divertido com esta ideia que levantou a pata e o deixou partir.
Dias depois o Leão caiu numa armadilha. Como os caçadores o queriam oferecer vivo ao Rei, amarraram-
no a uma árvore e partiram à procura de um meio para o transportarem.
Nisto, apareceu o ratinho. Vendo a triste situação em que o Leão se encontrava, roeu as cordas que o
prendiam.
E foi assim que um ratinho pequenino salvou o Rei dos Animais.

Moral da história ou mensagem implícita:


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O cão e o lobo
Certo dia, um Lobo só pele e osso encontrou um cão gordo, forte e com o pêlo muito lustroso. Via-se bem
que não passava fome. O Lobo, admirado, quis saber onde é que ele conseguia obter tanta comida.
“Se me seguires, ficarás tão forte como eu” respondeu o cão. “O homem dar-te-á restos saborosos.”
“Mas o que preciso de fazer em troca?” quis saber o Lobo.
“Muito pouco, na verdade” respondeu o Cão. “Uivar aos intrusos, agradar ao dono e adular os seus
amigos. Só por isto receberás carne e outras iguarias muito bem cozinhadas. De vez em quando, receberás
também festas no dorso.”
O Lobo ficou encantado com a ideia e meteram-se ambos ao caminho. A dada altura, o Lobo reparou que
o cão tinha o pescoço esfolado.
“O que tens no pescoço?” perguntou.
“Nada de grave. É da argola com que me prendem” explicou o Cão.
“Preso? Então não podes correr quando queres?” exclamou o Lobo. “Esse é um preço demasiado elevado:
não troco a minha liberdade por toda a comida do mundo.”
Dito isto, desatou a correr o mais depressa que pode para bem longe dali.

Moral da história ou mensagem implícita:


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˜™

OS TRÊS DESEJOS (Barbara Leonie Picard, tradução: Yvonne Birgitta Gullander)

O velho cesteiro da aldeia tinha dois aprendizes. Haviam estado com ele desde a infância, e como ambos
eram órfãos, viviam com a família do cesteiro. Eram dois jovens rectos, honestos e trabalhadores de nome
Gregory e John, e na altura do início da minha história, haviam acabado de fazer vinte anos. Gregory era
ambicioso e esperava um dia estabelecer-se na cidade como proprietário de uma grande oficina de cestos com um
mínimo de dez aprendizes. John que era de natureza humilde, declarava-se perfeitamente satisfeito em tornar-se
mestre cesteiro na aldeia.
Todas as semanas, no dia do mercado, Gregory ou John costumavam levar os cestos que haviam feito à
cidade mais próxima e aí vendê-los. Depois voltavam ao fim da tarde com uma bolsa cheia de moedas de prata e
cobre para o seu amo.
Um belo fim de tarde lá para os fins do verão, quando Gregory estava a caminho de casa vindo do
mercado, decidiu enveredar pelo caminho que atravessava a floresta em vez de seguir pela grande estrada.
Mesmo que não seja um atalho, pensou, a floresta está bonita nesta altura do ano e os pássaros cantam tão
alegremente no topo das árvores.
Quando já andara um bom bocado na floresta, ouviu de repente o som de alguém que se queixava e
avistou uma velhinha sentada sobre um grande cesto cheio de pinhas e cavacos de lenha, torcendo as mãos. Era
decerto a velhinha mais feia que jamais vira, e estava vestida de trapos sujos.
“O que se passa, cara mãezinha?” perguntou o jovem.
“Ai, ai, meu caro jovem, tenho que sair da floresta antes do por do sol, e já não tenho forças para carregar
com o meu cesto, pois estou tão cansada.”
“Isso tem bom remédio” riu-se Gregory. “Levante-se, que eu o levarei. Mas quando ia levantar o cesto,
descobriu que era tão pesado como se estivesse cheio de chumbo.”
“Valha-me Deus, cara mãezinha” exclamou ele. “É como se estivesse cheio de chumbo! Não percebo
como aguenta com ele um único passo.”
Com um esforço descomunal conseguiu pô-lo às costas, e avançou cambaleante sob o seu fardo enquanto
a velha seguia ao seu lado.
“Despacha-te, despacha-te, rapaz, pois tenho que estar fora da floresta antes do por do sol, e só falta meia
hora.”
“Não se preocupe, cara mãezinha, estaremos com certeza fora d floresta nessa altura.”
Mas ela instigava-o todo o tempo e parecia tão apavorada com a ideia de estar dentro da floresta ao
anoitecer, que Gregory se despachava o mais que podia com o seu pesado fardo. Mas para tornar a coisa ainda
pior, a velha volta e meia apanhava mais um cavaco de lenha ou mais uma pinha, deitando-os no cesto às costas
do Gregory, dizendo:
“Eis mais uma bela pinha, que poderá aquecer uma pobre velhinha” ou: “Também tenho que levar este
pauzinho, pois não vou poder juntar mais lenha antes do Inverno.”
E cada pinha e cada cavaco de lenha pareciam mais um quilo de chumbo para carregar.
“Dentro de momentos” pensou Gregory. “As minhas costas vão-se partir, mas não posso dizer a esta
pobre velhinha que pare de apanhar mais lenha. Seria muito pouco amável, pois a ela faz-lhe certamente falta. É
estranho é caber mais alguma coisa no cesto, pois ele estava cheio até cima quando o pus às costas.”
E assim continuaram a sua caminhada. Gregory avançava com o maior esforço de cesto às costas, e a
velhinha ao seu lado apanhava continuamente novos cavacos de lenha para ele carregar, instigando-o
constantemente a apressar o passo. Ele não quis parar para descansar pois sabia que a velhinha havia de ficar
desesperada se ele perdesse algum tempo, e quanto mais descia o sol no céu, mais impaciente esta ficava.
Censurava-lhe a lentidão e quase lhe gritava de impaciência.
“Seu grande idiota desajeitado! Não te podes despachar um pouco? Tens que ir com as pernas a arrastar?”
Gregory fez um esforço sobre-humano para não se zangar com ela e dizer-lhe para se calar ou então levar
ela própria o seu cesto.
Passada meia-hora, que mais parecia meio dia, chegaram finalmente à orla da floresta, precisamente
quando o sol se afundava atrás das colinas, e com um suspiro de alívio, Gregory poisou o cesto.
“Eu bem disse que havíamos de sair a tempo da floresta, cara mãezinha” disse ele e virou-se para ela com
um sorriso.
Mas a velhinha desaparecera e no seu lugar encontrava-se uma mulher alta e bonita, vestida com um
vestido luminoso e com uma coroa brilhante na cabeça. A mulher sorriu para Gregory.

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“Sou a Rainha da floresta” disse. “E por vezes apraz-me procurar uma pessoa amável e paciente, para que
lhe possa dar a recompensa que merece. Em compensação pela tua bondade para com uma velhinha quero dar-te
três desejos. Aplica-os bem.”
E antes que Gregory sequer tivesse tempo de lhe agradecer, havia desaparecido, e Gregory estava
sozinho.
Enquanto caminhava em direcção a casa no lusco-fusco do anoitecer, toda a aventura parecia um sonho ao
Gregory, mas ele decidiu que havia de tentar essa coisa dos desejos no dia seguinte, depois de ter reflectido sobre
o que ele desejava realmente para ser feliz toda a vida.
“Isto requer muita ponderação” disse de si para si. “Não posso enganar-me num único dos desejos.”
Não contou a ninguém em casa o que lhe sucedera essa tarde, mas os outros acharam que ele estava
invulgarmente calado e pensativo. Ao levantar na manhã seguinte, chegara à conclusão de que as três coisas que
mais desejava eram uma grande e bela casa para morar, uma esposa bonita e um baú de moedas que nunca ficasse
vazio.
Foi direitinho ter com o cesteiro e com a mulher deste e disse-lhes que ia para a cidade para procurar a
sua sorte e que provavelmente nunca voltaria à aldeia. O seu patrão não levantou objecções.
“Lamento ter que perder-te” disse ele apenas. “És um bom rapaz e muito habilidoso no teu ofício, mas tu
és jovem e tens que vencer na vida, e esta aldeia não é lugar para um jovem ambicioso. Tens a minha bênção.”
E quando Gregory se havia despedido do John e prometido encontrar-se com ele na escada da Câmara no
próximo dia de marcado para lhe contar como se desenvencilhara durante a semana, seguiu para a cidade.
A semana passou depressa, e quando era de novo dia de mercado, John foi até à cidade para vender os
seus cestos. De tarde, quando já vendera todos, foi a correr até à Câmara para encontrar-se com Gregory. Gregory
já o esperava nas escadas. John mal reconheceu o seu velho amigo, pois Gregory estava vestido com um fato de
veludo azul com botões de prata, belos sapatos de cabedal e um elegante chapéu de veludo decorado com uma
pena de avestruz presa com um alfinete de prata.
“Gregory, o que te aconteceu? Não me digas que já fizeste fortuna!”
Gregory riu-se, deliciado com a admiração de John, e respondeu:
“Vem comigo, que verás mais do que isto!”
Agarrou-lhe no braço e levou-o através da cidade. Pararam em frente de uma bela casa, rodeada de um
grande jardim.
“Esta é a minha casa” disse Gregory.
Entraram e uma jovem e bela mulher veio ao seu encontro, vestida com um vestido de seda
requintadamente bordado e com pérolas à volta do pescoço.
“Esta é a minha mulher Isabel” disse Gregory.
Isabel era tão amável quanto encantadora de aspecto, e depois de ter dado as boas vindas ao John confuso,
saiu para dizer aos criados que teriam um hóspede para o jantar.
Enquanto esperavam pelo jantar, Gregory contou ao John sobre o seu encontro com a Rainha da Floresta,
e como ele desejara uma bela e grande casa, uma esposa bonita e um baú de moedas que nunca ficaria vazio.
“E eis que tenho tudo” disse ele. “E sou o homem mais feliz do mundo.
Após o jantar, que lhe pareceu um verdadeiro banquete, John disse que tinha que regressar a casa, e
depois de se ter despedido de Isabel, lá se foi, acompanhado por Gregory, que lhe faria companhia até ao portão
da cidade. Enquanto andavam, Gregory disse:
“Meu caro John, tu e eu temos sido amigos há muitos anos, lembra-te que és sempre bem-vindo a minha
casa, e se alguma vez precisares de ajuda, sempre poderá contar com a minha ajuda.”
John agradeceu-lhe, e quando se separaram junto do portão da cidade, Gregory disse:
“Porque não vais pelo caminho que atravessa a floresta? Talvez também te encontres com a velhinha do
cesto de lenha. Lembra-te apenas que se tiveres os três desejos, tens que reflectir muito bem primeiro e aplicá-los
sabiamente como eu fiz.”
John seguir caminho, ainda atónito com tudo o que vira e muito satisfeito com a sorte do amigo. Quando
chegou ao lugar onde começava a floresta, pensou:
“Não perco nada em tentar, se bem que tenha muitas dúvidas que um rapaz simples como eu alguma vez
encontrasse uma fada. Gregory é tão sabido e dotado, que não admira que lhe aconteçam coisas dessas, mas a
mim é pouco provável.”
Quando já entrara um bom bocado para dentro da floresta, ouviu o som de uma criança a chorar, e
passado uns momentos, avistou uma menininha com um cesto vazio na mão. Chorava tanto que as lágrimas
escorriam.
“O que se passa, pequenina?” perguntou ele.
“Ai, senhor, minha mãe mandou-me para a floresta para apanhar amoras, e quando já tinha o cesto cheio,
sentei-me para descansar. Adormeci, e quando acordei, os pássaros haviam comido todas as amoras, e não consigo

21
apanhar mais, pois todos que restam estão muito alto ou então muito lá para dentro no meio dos espinhos. Se
voltar a casa com um cesto vazio, a minha mãe vai-se zangar.”
“Não precisas de voltar a casa com um cesto vazio. Vou encher-to de amoras” disse John. “Olha, como
vês, eu chego até às amoras mais altas, e eu posso enfiar as mãos entre os ramos espinhosos e alcançar as amoras
escondidas lá dentro. Mas tenho que trabalhar depressa, pois vai ficar tão escuro que não os consigo ver.”
E com essas palavras começou logo a apanhar amoras.
“Que sorte ter entrado na floresta à procura da fada” pensou ele. “Se não o tivesse feito, nunca teria
encontrado esta menininha, e a pobre criança talvez tivesse ficado na floresta toda a noite com medo da mãe.”
Mas mesmo que apanhasse amoras o mais depressa que conseguia, estendendo-se aos altos ramos acima
da cabeça e enfiando as mãos por entre os espinhos cruéis, o cesto parecia encher-se mais devagar do que
qualquer outro cesto. Para tornar a coisa pior, a menininha estava todo o tempo ao seu lado e tirava mãos-cheias
de amoras do cesto e comia-as com uma velocidade incrível, enquanto dizia entre cada mastigadela:
“Por favor, despacha-te, está a ficar escuro, e a mãe vai começar a perguntar-se aonde estou.”
John teria querido dizer-lhe que se calasse e principalmente que parasse de comer das amoras que ele a
tanto custo apanhara, mas pensou:
“Não vou dizer nada. a pobre criança deve estar completamente esfomeada, já passa muito da sua hora de
jantar. E continuou a apanhar amoras o mais depressa que podia.”
Finalmente tinha o cesto cheio, e estava muito cansado e totalmente coberto de arranhões. Agarrou na
menininha, pô-la ao ombro e com o cesto na outra mão seguiu através da floresta. Mas nesta altura, já estava tão
escuro, que dificilmente conseguia distinguir o caminho e enganava-se frequentemente, tendo que voltar um
bocado atrás. Achava que já andara há horas, quando finalmente chegaram à orla da floresta.
“Vamos sentar-nos aqui um bocado a descansar” disse John. “E depois tens que me contar onde moras,
para eu te levar a casa.”
A menininha desceu do seu ombro e ele poisou o cesto de amoras na erva, mas quando se voltou de novo
para a criança, ele já não lá estava. No seu lugar estava uma alta e bela mulher, cujo vestido brilhante reluzia no
lusco-fusco do anoitecer. Ela sorriu para John.
“Sou a Rainha da Floresta, disse, e por vezes apraz-me procurar uma pessoa amável e paciente, para que
lhe possa dar a recompensa que merece. Em compensação pela tua bondade para com uma menininha, quero dar-
te três desejos. Aplica-os bem.”
E antes que John sequer tivesse tempo de lhe agradecer, havia desaparecido, e John estava sozinho.
John caminhou lentamente em direcção a casa, mergulhado em profundos pensamentos sobre a sua boa
sorte.
“Terei que aplicar sabiamente os três desejos, tal como Gregory me aconselhou” pensou ele. “Embora não
me pareça que possa vir a ser feliz numa casa tão grande como a dele. Mas gostava muito de ter uma casinha de
campo em que viver. Acho que terá que ser esse um dos meus desejos. Uma casinha humilde não seria lugar para
uma mulher vestida de seda e pérolas como Isabel, mas uma simples rapariga do campo. Uma rapariga simples
que havia de poder gostar de um homem vulgar e simples como eu. Uma moça assim pode ser no mínimo tão
bonita como qualquer senhora da cidade. Acho que vou fazer como o Gregory e usar o meu segundo desejo para
pedir uma mulher que eu ache bonita. Um baú que nunca fica vazio é capaz de ser bom numa grande casa com
uma mulher distinta, sim. É com certeza necessário. Mas numa casinha no campo seria uma responsabilidade
demasiado grande. Não, acho que cem moedas de ouro seriam uma soma melhor. Seria mais do que suficiente
para a minha mulher e eu apetrecharmos a nossa casa. Sim, vou realmente desejar cem moedas de ouro.”
E deste modo, John decidira como aplicaria da forma mais sábia os seus desejos, e no dia seguinte
pensava da mesma forma. Esse mesmo fim de tarde, quando acabara o trabalho do dia, deu um passeio através da
aldeia em direcção aos campos, tal como ele e Gregory sempre haviam feito desde a infância.
Nos arredores da aldeia, passou por uma casinha de campo, onde uma velha viúva morava sozinha.
Estava sentada à porta, e ele cumprimentou-a com um “Boa tarde!” alegre e parou para lhe perguntar se queria
que ele fosse buscar-lhe um pouco de água ao poço. Ela estava tão corcovada de idade e doença, que devia ser um
grande esforço para ela carregar com um pesado balde pelo carreiro do jardim acima.
Depois de ter ido buscar a água, ficou um bocado a falar com ela.
“Tu és sempre tão bom e gentil para comigo” disse a velhinha. “É uma alegria muito grande para mim,
ver uma cara alegre e amável. Estou tão sozinha desde que o meu filho se casou e se foi embora para trabalhar na
cidade. Ele pediu-me para ir visitá-lo, mas eu estou demasiado velha e fraca para aguentar a viagem, e ele não tem
tempo de visitar-me por causa do seu trabalho. Agora também tive um netinho, e daria qualquer coisa para ver
esse anjinho.”
Uma grande lágrima caiu-lhe pela velha bochecha enrugada, ao pensar na sua solidão.
Depois de a deixar, John disse de si para si:

22
“Eu poderia tornar a pobre velhinha feliz com um dos meus desejos e mesmo assim ainda ficaria com
dois para mim. Eu cá me arranjarei sem casinha de campo.”
E parou no meio do caminho, fechou os olhos com força e disse em voz alta e firme:
“Desejo que a velha viúva fique curada e forte, para que possa visitar o seu filho.” Depois pensou:
“No regresso a casa, vou-lhe bater à porta para ver se o desejo se realizou.”
E com isto transpôs uma vedação de um pulo, entrando assim pelos campos dentro, e continuou a sua
caminhada a assobiar.
Passados momentos, avistou Anna, a filha mais nova do moleiro, que avançava lentamente em sua
direcção, coxeando e com um cesto de cogumelos na mão. Anna nascera coxa. Nunca pudera correr e brincar
como as outras crianças, e deste modo ela crescera completamente sozinha e sem amigos. John e Gregory eram os
únicos dos aldeões jovens, que sempre haviam sido amáveis com ela e nunca se haviam rido dela. Dizia-se dela na
aldeia, que nunca arranjaria marido e que havia de viver e morrer solteirona no moinho do seu pai.
“Boa noite, Anna. Tens uns belíssimos cogumelos no cesto. Não está uma noite magnífica?”
Mas Anna apenas o fitou com os seus grandes olhos escuros.
“Sim, John, está uma noite magnífica” disse ela com uma voz cansada e triste, passando por ele a coxear.
“Parece-me que ela nunca sorri” pensou John. E tenho a certeza de que nunca se ri. Deve ser horrível
estar sempre tão triste.”
E de repente lembrou-se dos três desejos.
“Posso dar um dos meus desejos a Anna, pensou, e ainda fico com um para mim. Bem pensadas as coisas,
para que é que eu preciso de uma mulher bonita?”
Voltou-se e viu a Anna a tentar transpor a sebe desajeitadamente com o seu pesado cesto. Fechou os olhos
e disse alto e firme – mas não tão alto que Anna o pudesse ouvir:
“Desejo que o pé da Anna fique curado e forte, para que ela deixe de ser coxa.”
Quando abriu os olhos de novo, Anna havia contudo já transposto a sebe e desaparecera pelo caminho do
outro lado dos arbustos.
“Não posso esquecer estar de atalaia amanhã para ver se vejo a Anna na aldeia” disse de si para si. “Quero
saber se o segundo desejo se realizou.”
E com isto seguiu cantando pelos campos.
Do outro lado do campo havia uma pequena moita, e quando John a alcançara, deu meia-volta para
regressar a casa. Começava a aproximar-se a hora de jantar. Nesse mesmo momento ouviu um queixume doloroso
vindo das brenhas, e ao procurar no meio destas, descobriu uma raposa que ficara com a pata presa numa
armadilha.
“Não se pode admitir uma coisa destas” disse John, ajoelhando-se para abrir a armadilha. Mas por muito
que tentasse, não a conseguia abrir, e todos os seus esforços apenas serviram para assustar ainda mais a raposa.
Esta debatia-se de tal maneira para se libertar, que John estava convencido de que a perna havia de acabar por ser
arrancada, se não deixasse a raposa.
“Mas não posso simplesmente ir-me embora e deixar o pobre animal aqui para morrer” pensou. “E
também não consigo abrir a armadilha, isso é mais que certo. O que hei-de fazer?”
Então lembrou-se do último desejo. Hesitou apenas um segundo e depois pensou:
“Agora que para todos os efeitos não terei nenhuma mulher bonita nem uma casinha em que ela possa
viver, para que é que eu quero com moedas de ouro?”
E fechou os olhos com força e disse em voz alta e firme:
“Desejo conseguir abrir esta armadilha para que possa libertar a raposa.”
Depois abriu os olhos e fez uma última tentativa, e a armadilha abriu-se com a maior facilidade.
John seguiu satisfeito a raposa com o olhar, quando esta fugiu a correr entre silvas, tão depressa quanto as
suas três pernas boas a podiam levar. Fechou a armadilha energicamente e procurou um buraco onde enterrá-la.
Descobriu um mesmo ao lado, meio oculto por folhas, e deitou a armadilha lá para dentro.
“Agora já não vais poder apanhar mais animais” disse.
Mas nesse mesmo momento, houve um tinido quando a armadilha de ferro bateu contra algum objecto de
metal que já estava no fundo do buraco. John puxou de novo a armadilha para fora, procurou com a mão a
abertura e retirou um pequeno cofre de metal. A tampa estava ferrugenta, e o cofre abriu-se sem qualquer
dificuldade. Lá dentro estava uma quantidade de moedas de ouro reluzentes, brilhando amavelmente. John não
acreditava no que via. Verteu as moedas sobre o musgo macio e sobre as folhas e contou-as, à medida que as
voltava a meter de novo no cofre. Eram exactamente cem.
“Pois é” disse John. “Presumo que serão para mim.”
Enfiou a armadilha bem lá para o fundo do buraco vazio e cobriu a abertura de folhas e galhos, e depois
seguiu caminho para casa e para o jantar que o esperava, com o cofre por baixo do braço.
Quando chegou à casinha da velha viúva, esta estava junto ao portão à sua espera.

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“Eu bem me parecia que tu havias de regressar por este caminho” disse. “Sei que vais ficar contente com
o que eu tenho para te contar. Quando me deixaste há um bocado, aconteceu-me uma coisa muito estranha. De
repente desapareceram todas as dores dos meus membros, e o meu corpo tornou-se direito e forte de novo, e agora
sinto-me no mínimo tão saudável e despachada como há vinte anos. Amanhã vou até à cidade para visitar o meu
filho.”
Depois de John ter prometido que viria visitá-la no dia depois da sua viagem à cidade para ouvir todas as
novidades, deu-lhe as boas noites e seguiu caminho.
Junto ao portão do cesteiro, estava Anna à sua espera.
“Oh John, disse, espero que não te importes de eu estar aqui à tua espera, mas tu sempre muito mais
amável para mim do que todos os outros, e eu não podia deixar de te contar da minha grande sorte. Esta tarde,
quando acabei de passar por ti, aconteceu algo de muito estranho. Quando estava a tentar transpor a sebe, o meu
pé e a minha perna ficaram completamente curados de repente. Primeiro não podia acreditar, mas quando descobri
que era verdade, fui a correr todo o caminho para casa com os cogumelos, sem parar uma única vez. Oh John,
estou tão feliz, agora que posso andar e correr e dançar como as outras raparigas.”
E John descobriu que a sua cara alegre e sorridente era muito bonita.
“Depois de amanhã vai haver baile ao pé da forja, quando Matthew, o filho do ferreiro se casa. Querer ir
até lá e dançar comigo?” perguntou John, e quando ela respondeu que sim, era como se todos os pássaros da
aldeia cantassem no coração de John.
Passados dois dias, John dirigiu-se à casinha da velha viúva após o trabalho, para saber como ela passara.
Encontrou-a com uma disposição de rosas, e quando ela havia contudo tudo sobre a sua visita à cidade, disse-lhe
que iria deixar a aldeia logo que pudesse, para mudar-se para a cidade, onde iria vier com o filho e com a nora.
“E John” disse ela. “Esta casinha é minha. Não quero que fique vazia sem ninguém que tome conta dela.
Só tenho um filho, e como sabes, ele tem que viver na cidade por causa do seu trabalho – pois quem compra
artigos de prata numa pequena aldeia? Por isso queria que aceitasses a casinha como uma oferta minha, uma
forma de uma velha agradecer a um jovem gentil e amável, que sempre foi bom para com ela. Talvez não precises
dela já, mas um belo dia terás uma mulher, e então dará muito jeito ter um lar para lhe oferecer.”
John mal tinha palavras para exprimir a sua gratidão, e achava que a sua boa sorte era quase incrível.
Mais tarde, essa mesma noite, dançava com Anna junto à forja, e todos o invejavam, pois Anna era leve
como uma pena na dança e quantas vezes mais bonita do que qualquer uma das outras raparigas da aldeia.
Quando já acabara o baile, e estavam a sós, John disse:
“Anna, eu não passo de um vulgar e simples cesteiro sem ambição e não tenho muito para te oferecer,
mas tenho uma casinha onde podíamos viver e cem moedas de ouro que podíamos empregar no nosso lar, e eu
gosto mais de ti do que de qualquer outra coisa no mundo. Queres ser a minha mulher?”
E quando Anna disse “sim” e lhe sorriu, era como se todos os pássaros do mundo cantassem no coração
de John.
“Sou realmente um homem de sorte” pensou. “Pois todos os meus desejos foram realizados sem sequer os
ter exprimido.”

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A SAGA DE SILVERVIT E LILLVACKER (Tradução: Yvonne Birgitta. Adaptação: M. Gullander)

1. Pelo mundo fora


Era uma vez uma rainha, que estava prisioneira e abandonada numa alta torre. O seu único consolo eram
dois filhos, que se chamavam Silvervit e Lillvacker. Eram gémeos e tão parecidos como duas gotas de água.
Apenas a mãe sabia distinguir os dois jovens. Os irmãos cresceram e ficaram grandes e fortes. Aprenderam a
lançar a lança, a lutar com espadas e a atirar com o arco e flecha. Aprenderam, também, a arte de saber fazer
silêncio, de saber esperar e de respeitar a lei da vida, que está presente em todas as coisas, até nas mais pequenas.
Tornaram-se hábeis em tudo aquilo que um jovem nobre deve saber, e a sua atitude era plena de honra. Mas
quando tinham feito quinze anos, começaram a ansiar por ir pelo mundo fora. Então foram ter com a mãe que se
encontrava no quarto mais interior da torre.
“Querida mãe” disseram eles. “Agora queremos sair por aí à procura da nossa sorte. Dá-nos a tua a
bênção!”
“Tenho, com certeza, muita pena de vos perder, disse a mãe. Mas vocês são livres como os pássaros e não
são obrigados a ficar aqui nesta torre. Deixem-me apenas ver o que vos posso dar de presente de despedida.”
Procurou nos seus armários e nos seus baús, e deu ao Silvervit uma lança, e ao Lillvacker um arco com
flechas. A cada um deu ainda um cão para os guardar. Os filhos agradeceram estes presentes tão bem-vindos e
prometeram que dentro em breve voltariam para a libertar. E dando-lhe um beijo de despedida disseram-lhe adeus.
Quando já tinham andado um bom bocado, chegaram ao bosque selvagem. Sentiram-se famintos, e largando os
cães começaram a caçar. Passado um bocado avistaram uma ursa.
“Atira tu, que eu lanço!” gritou Silvervit ao irmão.
Mas a ursa rogou e implorou pela sua vida.
“Não atirem! Não lancem!” bramiu ela. “Na caverna estão os meus pobres filhotes. Se perderem a mãe,
morrem à fome. Então prefiro dar-vos os maiores, para eu poder tratar dos mais pequenos.”
Os irmãos tiveram compaixão da ursa e prometeram deixá-la em paz. Ela correu logo pesadamente para a
caverna e trouxe os dois filhotes maiores.
“Agora sigam obedientemente os vossos bons donos, recomendou ela aos filhotes, e não se esqueçam de
que eles me pouparam a vida!”
Os gémeos seguiram caminho com os seus cães e ursos. O bosque era tão grande que não se lhe via fim,
quer a oeste, quer a leste. No dia seguinte, quando se sentiram com fome, largaram os seus cães e começaram a

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caçar. Passado um bocado, avistaram uma loba.
“Atira tu, que eu lanço!” gritou Silvervit ao irmão.
Mas a loba rogou e implorou pela sua vida.
“Não atirem! Não lancem!” uivou ela. “No covil estão os meus pobres filhotes. Se perderem a mãe,
morrem à fome. Então prefiro dar-vos os maiores, para eu poder tratar dos mais pequenos. Os irmãos tiveram
compaixão da loba e prometeram deixá-la em paz. Ela correu logo ligeira para o covil e trouxe os dois filhotes
maiores.”
“Agora sigam obedientemente os vossos bons donos, recomendou ela aos filhotes, e não se esqueçam de
que eles me pouparam a vida!”
Os gémeos seguiram caminho com os seus cães e ursos e lobos. Mas quando raiava a aurora da manhã
seguinte, ainda não tinham saído do bosque. Agora tinham muita fome e largando os cães começaram a caçar.
Passado um bocado avistaram uma raposa.
“Atira tu, que eu lanço!” gritou Silvervit ao irmão.
Mas a raposa rogou e implorou pela sua vida.
“Não atirem! Não lancem!” ululou ela. “Na toca estão os meus pobres filhotes. Se perderem a mãe,
morrem à fome. Então prefiro dar-vos os maiores, para eu poder tratar dos mais pequenos.”
Os irmãos tiveram compaixão da raposa e prometeram deixá-la em paz. Ela correu logo ligeira para a toca
e trouxe os dois filhotes maiores.
“Agora sigam obedientemente os vossos bons donos, recomendou ela aos filhotes, e não se esqueçam de
que eles me pouparam a vida!”
Os gémeos seguiram caminho com os seus cães e ursos e lobos e raposas, e os animais seguiam fielmente
os passos dos seus donos, obedecendo-lhes em tudo. Quando os irmãos tinham andado mais três dias, chegaram a
um ponto em que se cruzavam dois caminhos da floresta. Então pararam.
“É melhor despedirmo-nos aqui, disse Silvervit. Eu pressinto, que há-de demorar antes de nos vermos de
novo.”
“Foste sempre tu que decidiste pelos dois” respondeu Lillvacker. “Assim que agora também deixarei que
o faças. Mas como hei-de fazer para saber o que se passa contigo pelo mundo fora?”
“Não te preocupes com isso” disse Silvervit. “Vou espetar a minha faca nesta árvore. Quando quiseres
saber como estou, vem aqui e olha para a faca! Se estiver ferrugenta, então eu estou em grandes apuros. Mas se
estiver sangrenta, então eu já não estarei vivo. E então eu sei que tu vingarás a minha morte.”
Silvervit apertou a mão do seu irmão e desejou-lhe toda a sorte. Chamou os seus animais e seguiu para
leste na grande floresta. Lillvacker ficou sozinho ao pé da grande árvore.

2. As aventuras de Lillvacker
Quando não via mais Silvervit, Lillvacker seguiu para oeste com os seus animais. Em breve chegou a um
velho castelo em ruínas no meio da floresta. Mas não se viam sinais de pessoas, por muito que ele procurasse.
Lillvacker achou que aquilo tinha um aspecto assustador, por isso decidiu seguir caminho. Mas precisamente
nessa altura veio um temporal com vento e chuva, de modo que o jovem teve que procurar abrigo para si e para os

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seus animais. Aproximou-se do grande portão e bateu à porta. Mas ninguém respondia e ninguém abria. Então ele
bateu de novo com força e continuou assim por bastante tempo. Finalmente o portão abriu-se apenas uma frecha.
Estava aí uma velha bruxa, que era tão cruel e horrorosa que tanto os animais como o seu dono ficaram com os
pêlos e cabelos em pé.
“Quem és tu e porque fazes tanta algazarra?” perguntou a bruxa observando-o furiosamente com os seus
olhos avermelhados.
“Sou apenas um caminhante, que procura trabalho” disse Lillvacker. “Se não fosse este temporal, nunca
me teria atrevido a incomodar.”
“Ai sim, andas por aí à procura de trabalho?! Então podes ficar aqui comigo. Estou a precisar de um
criado digno de confiança. Se me servires bem e fielmente, dar-te-ei um rico ordenado. Mas se não deres conta do
serviço, a tua vida está em risco e far-te-ei sofrer horrores como nunca imaginaste.”
“Tanto posso trabalhar aqui como noutro sítio” respondeu Lillvacker. “E farei o meu melhor, nem mais
nem menos.”
Então a bruxa abriu o portão e deixou entrar Lillvacker e o cão e o urso e o lobo e a raposa. Deu-lhes de
comer e de beber e levou-os para um pequeno quarto, onde iriam dormir. Comeram e beberam e agradeceram-lhe
educadamente por todo o incómodo, mas nem Lillvacker nem os seus animais se sentiam bem ao pé dela. Na
manhã seguinte, quando já era de dia, a bruxa entrou no quarto.
“Antes de começares o tal serviço” disse ela. “Quero mostrar-te tudo o que há de extraordinário neste
castelo.”
Lillvacker seguia-a e os seus animais seguiram-no a ele. Viram muitas coisas estranhas e caras enquanto
seguiam de sala em sala e do pátio até à ponte levadiça. Finalmente chegaram a um prado, coberto de milhares de
patos, de modo que o chão reluzia branco, tão longe e distante quanto se podia ver.
“Como vamos poder avançar aqui?” perguntou Lillvacker.
“É só andar para a frente” respondeu a bruxa. “Estes patos pertencem ao castelo, e se por acaso pisares
nalguns, não faz diferença.”
E lá foi ela atravessando o prado, e não se importava de quantos pés de pato pisava. Mas Lillvacker tinha
pena das aves, e ele pisava tão ligeira e cuidadosamente que não tocou nem num único pato. E deu sinal aos seus
animais para que fizessem como ele. Por isso avançavam um pouco devagar, e a bruxa ia muito adiantada. Então o
rei dos patos aproximou-se bamboleando até Lillvacker.
“Muito obrigado, grasnou ele, por teres pensado em mim e nos meus! Se alguma vez estiveres em apuros,
lembra-te de mim. Então hei-de pagar-te o favor.”
O rei dos patos desapareceu rapidamente entre os seus súbditos sem que a bruxa tivesse dado por nada. A
bruxa continuava, Lillvacker ia atrás e os animais seguiam-no. Em breve tinham chegado a outro prado. Este
estava coberto de milhares de formigas, de tal modo que o próprio chão parecia vivo e a mexer-se.
“Como vamos poder avançar aqui?” perguntou Lillvacker.
“É só avançar” disse a bruxa. “Estas formigas pertencem ao castelo e se pisares e matares algumas
centenas, também não tem importância nenhuma.”
E lá foi ela atravessando o prado, e não se importava com a quantidade de formigas que pisava. Mas
Lillvacker tinha pena dos pobres bichos e pisou tão ligeira e cuidadosamente que não magoou nem uma única
formiga. E deu sinal aos seus animais para que fizessem como ele. Por essa razão avançavam devagar e a bruxa já
ia muito adiantada. Então aproximou-se de Lillvacker próprio rei das formigas.
“Muito obrigado” disse ele num sussurro. “Por teres tido tanto cuidado comigo e com aqueles que me
pertencem! Se alguma vez estiveres em apuros, lembra-te de mim. Então hei-de pagar-te o favor.”
O rei das formigas desapareceu rapidamente para o meio das formigas, sem que a bruxa tivesse percebido
que o seu novo criado tinha falado com alguém. A bruxa continuava, Lillvacker seguia-a e os seus animais
seguiam-no a ele. Passado um bocado, chegaram a um terceiro prado. Estava coberto de milhares de milhares de
abelhas, de modo que tanto o chão como o ar pareciam zumbir e fervilhar e voar.
“Como vamos poder avançar aqui?” perguntou Lillvacker.
“É só andar para a frente” disse a bruxa. “Estas abelhas pertencem ao castelo e se esborrachares alguns
milhares, não tem importância nenhuma.
E lá foi ela atravessando o prado, e não via onde punha os seus grandes pés, nem se importava com a
quantidade de abelhas que esborrachava. Mas Lillvacker tinha pena dos bichinhos sussurrantes e mexia-se tão
ligeira e cuidadosamente que não matou nem uma única abelha. E deu sinal aos seus animais para que fizessem
como ele. Por essa razão avançavam um pouco devagar e a bruxa já ia muito adiantada. Então aproximou-se a
rainha das abelhas a voar até Lillvacker.
“Muito obrigada” sussurrou ela. “Por me teres poupado a mim e aos meus súbditos! Se alguma vez
estiveres em apuros, lembra-te de mim. Então hei-de pagar-te o favor.”
E desapareceu para o meio do enxame de abelhas sem que a bruxa tivesse dado por ela. O dia já ia

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adiantado, e por isso a bruxa regressou para o castelo com Lillvacker e o seu séquito.
Na manhã seguinte, a bruxa veio ao quarto de Lillvacker e bateu pesadamente à porta.
“Já está na hora de começares o teu serviço” grasnou ela. “Vem aí a tua primeira prova, e agora e que
vamos ver para que é que serves.”
Observou o seu novo criado com olhares cortantes e esfregou as mãos.
“Pois, digo-te já” continuou ela. “Em tempos remotos havia aqui no castelo uma chave de ouro, que abria
o fecho do portão de leste. Há já duzentos anos que essa chave desapareceu e agora quero que tu ma procures.
Mas se não a encontrares antes do nascer do sol amanhã, a tua vida está em risco.”
Lillvacker andou pelo castelo todo o dia, procurando por toda a parte. Mas não encontrou chave de ouro
nenhuma, por muito que procurasse. E os seus animais também não o podiam ajudar, por muito que quisessem.
Quando chegou a noite e o sol desceu atrás dos topos das árvores, Lillvacker sentou-se numa pedra, muito aflito.
“A chave não está em terra, disso tenho a certeza” pensou ele. “E não posso procurá-la por baixo da água.
Mas talvez os patos me pudessem ajudar nisso.”
Mal acabou de pensar isto, apareceu-lhe o rei dos patos a frente e inclinou o pescoço.
“Porque estás tão aflito?” perguntou.
“Como poderia não estar?” respondeu Lillvacker. “A bruxa ordenou-me que procurasse uma chave de
ouro que havia neste castelo há duzentos anos. Procurei por toda a parte, e agora a minha vida está em risco se não
a encontrar antes do nascer do sol.”
“Não estejas triste, jovem” disse o rei dos patos. “Não me esqueci do que fizeste por mim e pelos meus.
Agora é a minha vez de te ajudar.”
Bamboleando foi até ao prado e ordenou a todos os seus patos que se levantassem. E lá foram em longa
fila até a um velho fosso, que estava escondido por trás do muro oriental do castelo. Todas as aves atiraram-se
logo a água, pondo-se de traseiras para o ar e com todas as suas forças escarafunchavam com o bico no lodo. Não
havia passado muito tempo quando o rei dos patos apareceu com algo a brilhar no bico. Era a chave de ouro.
“Muito agradecido” disse Lillvacker. “Agora recompensaste-me mais do que eu merecia.”
Acenou amavelmente com a cabeça ao rei e aos patos. Estes voltaram ao seu prado, e o jovem seguiu feliz
e satisfeito para o seu quarto onde se deitou a dormir no meio dos seus animais.
No dia seguinte, mal rompia a manhã, entrou a bruxa no quarto.
“Onde tens a chave de ouro?” gritou ela com toda a força.
“Calma! Não é preciso gritar. Isso é sinal de ignorância. As pessoas educadas falam em voz baixa, sabia?
Aqui a tem” respondeu Lillvacker estendendo-lhe a chave. “Estava no fundo do fosso.”
A bruxa ficou com a cara cinzenta.
“Não a encontraste sem ajuda, resmungou.”
Deu meia volta e atirou com a porta. Lillvacker percebeu que ela estava muito zangada. Nessa tarde a
bruxa voltou e acenou ao criado para que ele a seguisse. Atravessaram aposentos e salas e os animais de
Lillvacker seguiam-nos. Finalmente chegaram a uma grande sala. No chão estava um grande monte de trigo e
centeio.
“Tens aqui a tua segunda prova” guinchou a bruxa com voz de leitão. “Agora veremos se sabes fazer algo
mais além de encontrar chaves de ouro.”
Olhou fixamente o seu novo criado e esfregou o nariz.
“Tens que seleccionar estes cereais” ordenou a bruxa. “Deverás separar o trigo do centeio e o centeio do
trigo. E colocarás cada espécie no seu próprio monte. E terá que estar tudo pronto antes do nascer do sol amanhã
de manhã, senão a tua vida está em risco.”
Lillvacker pôs-se de joelhos e começou a apanhar os grãos tão depressa quanto conseguia. Mas por muito
hábil que fosse, não havia meio. Quando chegou a noite, só tinha conseguido reunir um pequeno monte de trigo e
outro de centeio. E os seus animais também não o podiam ajudar, por muito que quisessem. Quando o sol desceu
atrás dos topos das árvores, Lillvacker sentou-se num banco, muito aflito.
“Nem que esteja a catar toda a noite, não hei-de ter tempo” pensou ele. “Precisava de pelo menos mil
olhos e mil mãos para este trabalho. Ai, se ao menos as formigas me pudessem ajudar!”
Mal acabara de pensar isto, apareceu-lhe o rei das formigas à frente.
“Porque estás tão aflito?” perguntou ele.
“Como poderia não estar?” respondeu Lillvacker. “A bruxa ordenou-me que separasse todo este cereal, o
centeio dum lado, e o trigo doutro. Não tenho tempo, por muito depressa que faça, e agora a minha vida está em
risco, se não tiver acabado antes do nascer do sol.”
“Não estejas triste, jovem” disse o rei das formigas. “Não esqueci o que fizeste por mim e pelos meus.
Agora chegou a minha vez de te ajudar.”
Voltou até ao prado e ordenou a todas as formigas que se levantassem. Todo o formigueiro encaminhou-se
rapidamente até a sala e subiram logo ao monte de cereais. E assim começaram a levar o trigo para ali e o

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centeio para acolá. Não demoraram muito tempo antes de estar tudo pronto, e cada espécie estava
separada em dois montes limpos.
“Muito agradecido” disse Lillvacker. “Agora recompensaste-me mais do que eu merecia.”
Acenou amavelmente com a cabeça ao rei e às formigas. Estas voltaram ao seu prado, e o jovem seguiu
feliz e satisfeito para o seu quarto onde se deitou a dormir no meio dos seus animais.
Na manhã seguinte, ao raiar do dia, entrou a bruxa a passos largos.
“Onde tens o centeio? Onde tens o trigo?” gritou ela arrastando-o para a sala.
“Aqui está um, e aqui o outro” respondeu Lillvacker apontando. “Que gritaria! Calma! Não sabe que
gritar e gostar de barulho é sinal de pouca inteligência?”
A bruxa pôs-se de joelhos e começou a escarafunchar nos montes o mais que podia. Mas por muito que
procurasse, não encontrou centeio no monte de trigo nem trigo entre o centeio. Então a bruxa ficou com a cara
roxa.
“Não fizeste isto sem ajuda” chiou.
Deu meia-volta e bateu com a porta.
Lillvacker percebeu que ela estava mesmo furiosa. Mas da parte da tarde, a bruxa voltou. Acenou ao seu
criado, e atravessaram muitas salas e aposentos e os animais de Lillvacker seguiam-nos. Finalmente chegaram a
uma grande sala. No fundo da sala havia um banco estreito com uma alta estante em cima. No alto da estante
estavam sete belas estátuas femininas.
“Tens aqui a tua terceira prova, cacarejou a bruxa como uma galinha. “Agora veremos se sabes fazer mais
alguma coisa além de encontrar chaves de ouro e separar cereais.”
Fitou o criado e pôs as mãos nas ancas.
“Olha atentamente para estas imagens” disse ela. “Uma é uma princesa verdadeira. Era ela quem reinava
neste reino, antes de eu ter chegado e de a ter enfeitiçado a ela e a toda a sua corte. Se descobrires qual das sete é a
verdadeira princesa, ficarás mais poderoso do que eu. Mas se não ma souberes indicar antes do sol nascer amanhã
de manhã, então a tua vida está em risco.”

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Lillvacker começou a observar atentamente as belas imagens. As caras eram exactamente iguais, os
vestidos eram idênticos e tinham a mesma postura, e tão pouco via qualquer diferença nas coroas de ouro. Por
muito minuciosamente que as estudasse, não conseguia distinguir qual delas era a princesa. E os seus animais tão
pouco o podiam ajudar por muito que quisessem. Quando o sol desceu atrás dos topos das árvores, Lillvacker
sentou-se no banco estreito.
“Ai, se tivesse asas!” pensou ele. “Então havia de poder voar até lá cima e ver melhor. Só olhando nos
olhos de alguém é que se pode descobrir quem é verdadeiro, e quem é falso. Ah, se ao menos as abelhas me
pudessem ajudar!”
Mal tinha pensado isto, apareceu a rainha das abelhas rodopiando a volta da sua cabeça.
“Porque estás tão triste?” sussurrou ela.
“Como poderia não estar?” respondeu Lillvacker. “A bruxa ordenou-me que descobrisse qual das sete
imagens aí em cima é a princesa enfeitiçada. Mas nem que olhe para elas toda a noite, não lhes verei diferença
nenhuma. E agora trata-se da minha vida, se não a souber indicar antes do nascer do sol.
“Não estejas triste, jovem” disse a rainha das abelhas. “Não me esqueci do que fizeste por mim e pelos
meus. Chegou a minha vez de te ajudar.”
Voou até ao prado onde chamou todas as suas abelhas. E trouxe todo o enxame para a sala até às imagens.
E assim voaram à volta destas, observando-as de todos os lados. E não demoraram muito até que se reuniram
todas como uma grossa nuvem à volta da sétima. A rainha das abelhas desceu logo voando até Lillvacker.
“Agora já observámos todas meticulosamente” disse ela. “Todas são imagens de madeira pintada, menos
esta. É ela a princesa. Poderás reconhecê-la por um pequeno sinal na face direita e um brilho especial no olhar.”
“Muito agradecido” disse Lillvacker. “Agora recompensaste-me mais do que merecia.”
Acenou amavelmente com a cabeça à rainha e ao enxame de abelhas. Estas regressaram ao seu prado, e o
jovem sentou-se feliz e satisfeito no estreito banco e adormeceu entre os seus animais.
Na manhã seguinte, ao raiar do dia, a bruxa entrou com passos largos.
“Onde está a princesa?” gritou com a boca toda aberta.
“Outra vez essa berraria! Calma! Não sabe que o silêncio ajuda o cérebro a ficar mais desenvolvido? Quer
a princesa verdadeira? Está aí” respondeu Lillvacker e apontou para a certa. “Tem um pequeno sinal na face
direita e os seus olhos têm aquele brilho único que distingue o que é verdadeiro do que é falso. As outras não
passam de imagens de madeira pintada.
A bruxa ficou com a cara púrpura e deu um berro pavoroso. Então as seis falsas princesas levantaram voo
juntamente com a bruxa. Todo o teto do castelo ergueu-se quando a feiticeira e o seu séquito voaram para sul.
Nesse mesmo instante quebrou-se o feitiço. Pajens e damas de honor irromperam pela sala, o cozinheiro e as
criadas de cozinha faziam as suas lides de cozinha, e os cavaleiros e moços atravessavam o pátio do castelo a
galope. A verdadeira princesa saltou da estante, abraçou Lillvacker e agradeceu-lhe tê-la salvo. E imediatamente
entre eles aconteceu algo especial. Era como que se uma faísca tivesse sido ateada, transformando-se, de imediato,
naquilo que seria um grande fogo...
E assim fizeram-se os preparativos para um imponente casamento, que durou sete dias. Lillvacker
tornou-se rei do país e ele e a sua bela rainha ficaram a viver no castelo, tão felizes quão longo é o dia.

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3. As aventuras de Silvervit

Entretanto Silvervit atravessou muitos países e reinos e viu muitas coisas maravilhosas e extraordinárias.
Mas o sentimento de solidão nunca o abandonava. A lua vermelha de encontro ao céu nocturno lembrava-lhe a sua
própria alma atravessada pelas nuvens escuras da tristeza. Perguntava-se acerca donde estaria o seu gémeo, o seu
irmão de sangue. E perguntava-se, também, onde estaria e se alguma vez encontraria esse alguém que seria a sua
alma gémea. Entretanto caminhava por esse enorme mundo, com um coração solitário e sombrio como um lobo
das neves sem ser amado por ninguém.
Um dia chegou a uma grande cidade, onde as casas e as ruas estavam todas cobertas de negro luto. As
pessoas andavam em pezinhos de lã, caladas e desoladas, e Silvervit percebeu que aqui reinava só a infelicidade e
o desespero. Andou pelas ruas negras até que encontrou uma estalagem e pediu para falar com o estalajadeiro.
“O que aconteceu nesta cidade?” perguntou. “Porque andam todos de cabeça baixa e porque está tudo
coberto da cor de luto?”
“Deves vir de muito longe” respondeu o estalajadeiro. “Senão havias de saber o que se passa nesta nossa
infeliz cidade. Todos os anos sobe, vindo do fundo do mar, um monstruoso dragão até à praia, que está fora do
muro da cidade, e reclama uma das nossas filhas. Desta vez a sorte coube a própria filha do rei. O rei prometeu a
bela princesa e metade do reino àquele que vencer o dragão, mas ninguém se atreve a lutar contra o enorme
lagarto venenoso. Amanhã a princesa será sacrificada.”
Silvervit não disse nada, mas deitou-se para descansar e tentou dormir. Mas não conseguiu pregar olho,
pois pensava todo o tempo na pobre princesa. Pensava também nesse enorme monstro vindo dos abismos frios do
oceano — e, então, sentiu que era o seu destino fazer face a esse horror vindo do fundo do oceano. Sentiu que era
o seu destino combater também contra o seu próprio medo, porque corajoso não é aquele que não tem medo, mas
aquele faz o que deve, mesmo com medo.
Cedo de manhãzinha, antes de começar a aclarar no oriente, levantou-se e chamou os seus animais.
Atravessou o grande portão do muro da cidade e foi até à praia. Aí sentou-se e esperou. Fechou os olhos e
concentrou-se na sua respiração. Sentiu a sua mente a ficar mais pura. Sentiu o ar frio da manhã a entrar e a ficar
quente dentro do seu peito. O medo e ansiedade acalmaram. Do seu lado, com ar feroz, os seus animais
esperavam com ele. Passado um bocado, abriu-se o portão da cidade e aproximou-se uma carruagem dourada.
Aí dentro estava a princesa a chorar e um pajem dirigia os cavalos. Quando a carruagem chegou à praia, a
princesa saiu. Silvervit levantou-se e aproximou-se dela com os animais. Quando o pajem ouviu os passos e viu os
animais, pensou que era o dragão que já aí vinha. Fugiu logo a correr, dando às pernas o mais que podia. Quando
já não conseguia correr mais, trepou a uma árvore. E lá ficou a tremer tanto que até sacudia as folhas.
Silvervit inclinou-se educadamente perante a princesa.
“Porque estás tão triste, bela donzela?” perguntou.
“Não terei razão para chorar?” respondeu a princesa. “O meu pai prometeu dar-me a um dragão que
reclama uma menina desta cidade cada ano. Dentro de pouco o dragão estará aqui, por isso é melhor ires andando,
senão ele come-te também.”
“Era preciso que eu deixasse” disse Silvervit.

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Silvervit observou a donzela de modo profundo. Algo lhe disse que ele não estava ali por acaso. Olhando
fundo nos olhos dela Silvervit pensou, por momentos, ver os seus próprios olhos lá dentro reflectidos. Era como
se já a conhecesse, desde há muito tempo, desde sempre. Por momentos esqueceu-se de si mesmo, de quem era,
de onde estava — tudo o que ele via era esse azul luminoso por detrás das lágrimas dela.
“Se aceitares ser a minha noiva, teria muito gosto em arriscar a minha vida por ti. Porque não nos
sentamos aqui e falamos sobre o assunto, enquanto esperamos o dragão?”
Sentaram-se na praia e falaram durante muito tempo um com o outro. Silvervit sentia-se em paz ao pé
desta menina. Tudo lhe parecia suave e calmo. O tempo parecia não existir.
“O dragão deve ter adormecido” disse Silvervit finalmente, bocejando. “Começo a sentir-me cansado.
Andei ontem o dia todo sem parar, e esta noite não preguei olho. Talvez fosse bom descansar um pouco antes da
luta. Acorda-me quando chegar o dragão!”
Deitou a cabeça nos joelhos da princesa e adormeceu logo. A princesa passou-lhe a mão pelo cabelo com
muito cuidado e devagarinho e ficou muito quieta.
Passado um bocado, ela ouviu um zunido e um rugido vindos do mar. Então a menina tirou rapidamente
um anel dourado do dedo e atou-o nos compridos caracóis de Silvervit.
Nesse momento surgiu o dragão do fundo do mar. O seu corpo duro e gelado levantou-se lento e
ameaçador, e os seus olhos eram encarnados como fogo. A respiração era forte e grave como mil homens a gritar
de sofrimento.
Espuma e ondas turbilhonavam à volta do seu corpo que elevava como uma torre de aço, e quando
deparou com Silvervit ficou furioso. O seu corpo aumentou ainda mais e todo o chão tremeu como se fosse um
tremor de terra.
“Porque estás aí sentado com a minha princesa?” berrou com a sua voz de mil homens a chorar e, ao
mesmo tempo, esguichou veneno ácido da boca, nariz e olhos.
Onde o veneno caía ficava tudo imediatamente seco e queimado.
“É bem mais minha do que tua, respondeu Silvervit.
“Lá fanfarrão és tu, mas vais ficar mais mole do que cera quando te derreter os ossos com o meu veneno”
rugiu o dragão esguichando mais líquido ácido. “Mas antes que eu e tu comecemos a lutar, vamos deixar as
minhas feras e os teus cães lutar primeiro.”
“Pode ser” respondeu Silvervit calmamente.
Assobiou aos animais, e estes atiraram-se às feras do dragão que pareciam umas gigantescas osgas cegas,
com três bocas e milhares de dentes afiados. Gritos de dor, sangue e areia misturavam-se ali naquela praia diante
dos olhos de todos. A princesa chorava de angústia por ver como os animais de Silvervit estavam a sofrer.
Foi uma luta terrível e acabou com os corajosos animais de Silvervit, a custo, a matarem as feras raivosas
do dragão. Então, enquanto o dragão estava distraído a insultar os seus servidores, Silvervit, que estava atento,
puxou da espada e investiu contra o monstro.
A distracção do monstro foi a causa da sua destruição. A desatenção é uma das características dos
estúpidos. Mas, a atenção e calma de Silvervit foram as causas do seu sucesso.
Bastou um só movimento cheio de concentração e habilidade. Silvervit rodou a sua espada e desferiu uma
estocada no pescoço do monstro, de cima para baixo, com a lâmina da espada. Quando fez cair o golpe sobre a
cabeça do monstro, Silvervit deu um grito para que a respiração o ajudasse. Com o grito de Silvervit o monstro foi
tomado de surpresa olhando para Silvervit, de olhos muito abertos, mesmo antes de morrer decapitado.
Foi um golpe fortíssimo, de tal maneira que o corpo caiu para trás para dentro do mar, mas a cabeça
rebolou na areia aos pés da princesa, esguichando sangue venenoso para todos os lados. Era uma cabeça enorme e
horrível.
Silvervit inclinou-se, tirou os olhos do dragão com a faca, e meteu-os no seu saco.
Mas no instante seguinte desfaleceu e caiu ao chão como morto. Os venenos do dragão eram tão fortes
que o jovem perdera os sentidos ao respirar o sangue peçonhento do monstro.
Agora a princesa estava sentada com a cara toda branca e torcia as mãos em desespero. Os animais de
Silvervit levaram-no cautelosamente até uma fonte no fundo da floresta, perto da cidade. Lavaram as suas feridas
e aplicaram folhas curativas. E depois sentaram-se a guardá-lo enquanto esperavam que acordasse.
O pajem no alto da árvore observara, apavorado, todos estes acontecimentos. Mas quando o dragão fora
morto e Silvervit havia desaparecido, esse pobre cobarde espevitou de novo. Ficou logo animado e fresco. O facto
de ter sobrevivido fazia-o sentir-se um autêntico herói. Todo armado em bom, saltou da árvore, sacou da espada e
correu até à princesa, que estava sentada coberta de lágrimas.
“Ouve-me bem!” gritou ele. “Quando chegarmos a casa, terás que dizer ao teu pai que fui eu que te
salvei! Se não mo prometeres, mato-te já aqui.”
A princesa desolada com a morte de Silvervit tremia tanto que nem conseguia responder.
O pajem molhou a sua espada no sangue do dragão para que todos pensassem que ele estivera numa luta.

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Depois agarrou no braço da princesa e entrou com passo orgulhoso pelo portão da cidade encaminhando-se até ao
castelo real.
Aí houve grande alvoroço e confusão. O rei abraçou a filha e pediu ao seu salvador que se sentasse numa
cadeira dourada ao lado do trono e que contasse como libertara a princesa. O pajem não se fez rogado e contou
elaboradamente as suas façanhas. Mas que estivera refugiado no cimo de uma árvore a tremer de tal modo que
sacudia todas as folhas, isso esqueceu-se ele de contar.
O rei elogiou-o muito e ordenou que se preparasse a boda de casamento. Mas, a meio da festa aconteceu
algo de extraordinário. A porta abriu-se de repente e entrou um jovem com um saco ao ombro. Seguiam-no um
cão, um urso, um lobo e uma raposa. Quando a pálida princesa o viu, levantou-se abruptamente e ficou vermelha
como uma rosa.
“É este quem me salvou do dragão!” exclamou.
O rei e os convidados da boda não sabiam o que pensar. Teria a noiva enlouquecido?
Mas a princesa aproximou-se de Silvervit e mexeu nos seus caracóis. Desfez um nó e mostrou o seu anel
de ouro.
“Vejam, está aqui o meu anel” disse ela. “Atei-o nos seus caracóis quando o dragão se aproximava. É
prova da nossa ligação.”
“E se houver alguém que ouse duvidar” disse Silvervit. “Então eu tenho aqui outra prova.”
Abriu o seu saco e tirou de lá de dentro duas grandes esferas, que colocou em cima da mesa. Então todos
viram que eram os horríveis olhos do dragão. Estes fitavam tão furiosamente, que os convidados quase nem se
atreviam a olhar para lá.
“Mas onde está o outro noivo?” balbuciou o rei atónito, olhando à sua volta.
Todos os outros na sala também olhavam em redor, mas o lugar do noivo estava vazio.
Finalmente levantaram a toalha da mesa, e ei-lo sentado por baixo desta. Toda a mesa tremia.
“Levem os olhos do dragão!” gritou ele. “Ai, levem-nos daí !”
“Levem-me, mas é, daqui o fanfarrão!” ordenou o rei. “Não o havia de querer nem para guardador de
pulgas, e muito menos para genro! Silvervit que ocupe imediatamente o seu lugar, e prosseguiremos com as
bodas, já que agora temos finalmente o noivo certo.”
E o pajem foi imediatamente chutado para fora do castelo. Mas Silvervit teve a sua princesa e com ela,
metade do reino.

33
4. O encontro dos irmãos

Uma noite estavam Silvervit e a sua bela rainha sozinhos no quarto da torre. Então avistaram pela janela
uma estranha luz de fogo a Norte, como se toda a grande floresta estivesse em chamas. Silvervit quis
imediatamente sair para descobrir que singular fogo era esse. Mas a rainha agarrou-lhe o braço e abanou a cabeça.
“Não vás lá, meu marido” pediu ela. “Esse fogo tem ardido todas as noites desde que mataste o dragão. É
de certeza algum familiar do monstro que te quer atrair até lá para se vingar.”
Silvervit não disse nada, pois não queria preocupar a sua rainha. Mas essa noite não conseguiu dormir e
apenas pensava no extraordinário fogo, perguntando-se quem o teria aceso. Passado um bocado, levantou-se e
saiu em pezinhos de lã com os seus animais. Seguiu para Norte onde chamejava o fogo. Mas ao entrar na floresta,
ficou tudo repentinamente enevoado e escuro, de tal modo que mal via a mão à frente do seu próprio nariz...
Parou ao pé de um velho carvalho, juntou galhos e folhas secas e acendeu uma fogueira. Sentou-se depois
com os seus animais para se aquecer. Enquanto estava aí sentado à frente da fogueira, ouviu um som queixoso
saído do nevoeiro:
“Brrrr, que frio tenho!”
Era um som que ao mesmo tempo metia medo e fazia dó.
“O que será?” pensou Silvervit. “De onde virá essa lamuria?”
Mas por muito que olhasse em redor, não conseguia descobrir nada no denso nevoeiro. Todos os seus
animais estavam inquietos e rosnavam e bramiam e uivavam como se pressentissem algum perigo. Então ouviu-se
de novo a voz lamurienta:
“Brrrr, que frio tenho!”
Silvervit procurou bem à sua volta. Então descobriu uma velha enrugada que estava sentada toda
encolhida no velho carvalho. Tinha a cara roxa e tremia de frio. Silvervit teve pena da velha.
“Desça, cara mãezinha” disse amavelmente. “Poderá aquecer-se aqui a fogueira.”
“Não ouso por causa dos teus cães furiosos” respondeu a velha com cara de medo.
“São dóceis e obedientes como carneiros” disse Silvervit. “Hei-de ver que não vos toquem.”
“Não, jovem, estremeceu a velha, não me atrevo. Não ouves como rosnam e bramem e uivam? Não vês as
suas bocarras abertas? Mas se colocares estes pêlos nas suas costas, talvez consigas que te obedeçam.”
Silvervit estava arreliado com os seus animais que não ficavam quietos e sossegados. Não confiou no
instinto dos seus animais, por isso agarrou nos quatro pêlos e colocou um no cão, um no urso, um no lobo e um na
raposa. Calaram-se de imediato e não se mexeram mais.
Então a velha transformou-se numa enorme e pavorosa bruxa.
“Foste tu que mataste o meu irmão” berrou ela. “Agora vou vingar a sua morte!”
Silvervit chamou os seus animais como dantes, mas estes estavam deitados por terra como que
paralisados. Então percebeu que fora enganado.
A bruxa atirou-se da árvore abaixo e, sem piedade, matou-o com um violento feitiço. A bruxa lançou uma
palavra obscena e, então, jactos luz eléctrica negra dispararam dos olhos e das palmas das mãos da bruxa,
atravessando, rasgando, o corpo e o espírito de Silvervit.
Silvervit tombou frio, enquanto a alma se tentava escapar do seu corpo.
A bruxa a seguir escondeu o seu corpo entre os arbustos e desapareceu na floresta. Então a escuridão e o
nevoeiro dissiparam-se e tudo ficou como dantes.
Lillvacker pensara sempre no seu gémeo, e quase todos os dias fora até à grande árvore na encruzilhada.

34
Uma manhã, a faca estava ferrugenta e sangrenta. Então percebeu que Silvervit já não estava vivo, e
decidiu ir descobrir a causa da morte do irmão. Com o coração pesado, despediu-se da sua rainha, chamou os seus
animais e seguiu pelo mesmo caminho que Silvervit seguira.
Já na noite seguinte, quando o sol descera atrás da floresta, chegou à cidade onde viviam Silvervit e a sua
rainha. Quando entrou pelo portão da cidade, todos pensaram que era Silvervit que chegava da caçada. Os homens
inclinavam-se e a mulheres faziam cortesias, e todos o cumprimentavam alegremente. A própria rainha veio a
correr pelas escadas do castelo abaixo, abraçando-o e beijando-o. Lillvacker perguntou-se o que se passava e qual
seria o significado de tudo isto. Mas não disse nada nem quem era, pois não conhecia ninguém na cidade e
primeiro tinha que descobrir o que tinham feito ao seu irmão.
Ao fim da tarde, ele e a rainha ficaram a sós no quarto da torre. Então viram pela janela uma estranha luz
de fogo a Norte, como se toda a grande floresta estivesse em chamas. Lillvacker perguntou que fogo singular era
esse.
“Já te esqueceste do que te disse?” perguntou a rainha. “É esse o fogo que tem ardido todas as noites
desde que mataste o dragão. Deve ser algum familiar do monstro que te quer atrair até lá para vingar-se... Mas não
penses mais nisso, vai antes descansar! Deves estar cansado depois da tua longa caçada.”
Lillvacker fez como a rainha disse. Mas ao deitarem-se ele colocou uma espada entre si e ela. Esta não era
a sua esposa, e Lillvacker era um jovem com princípios e honra. Também queria honrar a mulher do seu irmão. A
espada entre os dois manteria o respeito e a dignidade nesta situação complicada.
Não conseguia dormir, pensava apenas no estranho fogo, perguntando-se o que teria acontecido ao irmão.
Passado um bocado, saiu em pezinhos de lã com os seus animais. Seguiu para Norte onde chamejava o fogo. Mas
ao entrar na floresta, cobriu-se tudo repentinamente de um nevoeiro e de uma escuridão tais que mal via a mão à
frente do seu próprio nariz. Parou junto do velho carvalho, juntando galhos e folhas secas e acendeu uma fogueira.
Sentou-se depois com os seus animais para se aquecer. Enquanto estava aí sentado à frente da fogueira, ouviu um
som queixoso saído do nevoeiro:
“Brrrr, que frio tenho!”
Era um som que ao mesmo tempo metia medo e fazia dó.
“O que será?” pensou Lillvacker. “De onde vira essa lamúria?”
Mas por muito que olhasse em redor, não conseguia descobrir nada no denso nevoeiro. Todos os seus
animais estavam inquietos e rosnavam e bramiam e uivavam como se pressentissem algum perigo. Então ouviu-se
de novo a voz lamurienta:
“Brrrr, que frio tenho!”
Lil1vacker procurou bem à sua volta. Então descobriu uma velha enrugada que estava sentada toda
encolhida no velho carvalho. Tinha a cara roxa e tremia de frio.
Mas Lillvacker ficou logo desconfiado.
“Desça, cara mãezinha, disse com ar doce e bondoso. Poderá aquecer-se aqui à fogueira.”

35
“Não ouso por causa dos teus cães furiosos” respondeu a velha e parecia ter tanto, tanto medo.
“São dóceis e obedientes como carneiros” disse Lillvacker. “Hei-de ver que não vos toquem.”
“Não jovem” estremeceu a velha, não me atrevo. “Não ouves como rosnam e bramem e uivam? Não vês
as suas bocarras abertas? Mas se colocares estes quatro pêlos nas suas costas, talvez consigas que te obedeçam.”
Lil1vacker percebeu logo que havia algo de esquisito com os pêlos. Par isso não os colocou nos seus
animais, mas deitou-os rapidamente na fogueira. Os pêlos faiscavam e crepitavam com uma luz verde.
“O que é isso, que deita tantas faíscas?” perguntou a velha.
“Não vês que são os galhos secos que deitei no fogo?” disse Lillvacker.
Então a velha transformou-se numa enorme e pavorosa bruxa. No fundo dos seus olhos ardia-lhe o ódio.
“O teu irmão matou o meu, e por isso teve que pagar com a vida” gritou ela. “Tu vieste para te vingares,
mas agora serás tu a perder a tua vida!”
E saltou da árvore abaixo.
Mas Lillvacker não se deixou assustar, e chamou os seus animais. Atiraram-se à bruxa, atacando-a de todos os
lados. Então ela teve medo e começou a pedir e a implorar.
“Meu caro jovem” rosnou e ganiu ela. “Dou-te uma grande indemnização pelo teu irmão, se me deixares
viver!”
“Uma indemnização?!” gritou Lillvacker, e estava tão zangado que encostou a flecha com a corda do arco
esticada contra a barriga da bruxa. “O que é que tu poderias ter de tão valioso que eu o aceitasse como
indemnização pela vida do meu irmão?”
“Podes contar que tenho, sim senhor” disse a bruxa ansiosamente. “Tenho aqui dois frascos que valem o
mesmo que doze irmãos. Num frasco tenho água-de-prender. Se deitares essa água numa pedra e alguém tocar na
pedra, ficará preso e não se conseguirá libertar. O outro frasco contém água-de-vida. Se deitares essa água num
morto que não tenha morrido há mais de sete dias, logo acordará para a vida. Em todo o mundo, não encontrarás
nada de tão valioso.”
“Passa para cá os frascos” ordenou Lillvacker, estendendo a mão. “E terás que libertar os animais do meu
irmão.”
A bruxa deu-lhe os frascos e foi até aos animais de Silvervit, que estavam deitados imóveis entre as
brenhas. Entretanto Lillvacker reparou que a bruxa estava a fazer uns gestos estranhos com os dedos e a murmurar
palavras duma língua brutal e proibida. Lillvacker viu que os olhos dela começavam também a flamejar um fogo
verde e teve a certeza que ela se preparava para fazer algo de cruel. Deitou, então, água-de-prender sobre uma
grande rocha ao lado do carvalho. Quando a bruxa se virou pronta para lançar um feitiço Lillvacker antecipou-se:
“Avancem, todos os nossos animais!” gritou ele.
Logo os cães e os ursos e os lobos e as raposas se atiraram todos ao mesmo tempo à bruxa. Ela deu um
grito estridente e com o susto deu dois passos para trás. Mas... aí tocou na rocha — e ficou presa! Então o
nevoeiro dispersou, e o sol levantou-se no oriente. E quando a bruxa viu o sol, explodiu.
Li1lvacker começou agora com a ajuda dos animais a procurar o seu irmão. Finalmente encontraram-no,
onde estava deitado entre os arbustos. Com a mão a tremer de nervosismo, Lillvacker salpicou água-de-vida sobre
o seu irmão gémeo. Silvervit levantou-se de um pulo, e os irmãos abraçaram-se prolongadamente. Foram, então,
juntos para a cidade e durante o caminho contavam as suas muitas aventuras. Lillvacker contou como encontrara a
faca ferrugenta e sangrenta e como fora à procura do irmão.

36
“Imagina” disse ele. “Como fiquei surpreendido ao entrar na tua cidade, e todos me cumprimentavam
como se eu fosse o senhor daquilo. E a tua bela rainha beijou-me como se eu fosse o seu querido marido.”
Silvervit empalideceu ao ouvir estas palavras, mas não disse nada. Uma nuvem negra de raiva e ciúme
atravessou o céu do seu espírito.
“Talvez a minha rainha goste mais de Lillvacker do que de mim” pensou amargamente. “Talvez ele até
tenha tentado tirar-ma.”
E quanto mais cismava, mais desolado ficava — mais envenenado e enojado se sentia por causa dos seus
próprios pensamentos de ciúme.
E foi então que, de repente, sacou da espada e enterrou-a profundamente no peito do irmão. Lillvacker
caiu por terra sem um único som, olhando o irmão com espanto e horror, enquanto a alma lhe fugia do corpo. E os
seus animais deitaram-se à sua volta, lambendo a sua ferida.
Silvervit atirou a espada ensanguentada para longe e seguiu sozinho para a cidade. Todos o
cumprimentavam amavelmente, mas ele não cumprimentava ninguém, sentindo o ódio a comer-lhe as entranhas.
No castelo também foi recebido com grande alegria por todos, mas a sua cara permaneceu triste e sombria.
Ao fim da tarde, Silvervit e a sua rainha ficaram a sós no quarto da torre.
“Meu querido marido” disse a rainha preocupada pois conhecia-o como ninguém neste mundo. “Porque
estás tão sombrio e de ânimo tão pesado?”
Mas Silvervit não respondeu e olhava fixamente à sua frente com o olhar severo.
“Estes últimos dias não te tenho reconhecido” continuou ela. “Mal tens olhado para mim, e não me tens
dirigido uma só palavra amável. E o que mais me tem confundido foi a espada que colocaste entre nós ontem à
noite. Se te fiz algum mal, diz-me o que foi.”
Então Silvervit sentiu uma vertigem como alguém que cai num abismo e percebeu que fora tudo um
enorme engano e injustiça. Lillvacker nunca tentara tirar-lhe a sua rainha. Lillvacker tinha mantido o máximo
respeito e dignidade no modo como conduzira o encontro com a mulher de Silvervit. E aí arrependeu-se
amargamente da sua cruel acção.
Precipitou-se do castelo, correu furiosamente através da cidade, saiu pelo portão, chegando ao lugar onde
deixara o irmão caído por terra. Desesperado atirou-se ao chão, inclinando-se sobre Lillvacker. Mas quando
colocou a mão sobre o seu peito, sentiu um objecto duro por baixo da camisola. Procurou por baixo desta e
encontrou os dois frascos de que Lillvacker lhe falara. Borrifou o irmão com a água-da-vida e Lillvacker
levantou-se de imediato, vivo e cheio de saúde. E desta vez, depois de Silvervit pedir sincero perdão, os dois
irmãos seguiram harmoniosa e alegremente até à cidade. Ao lá chegarem, todos começaram a perguntar e pensar
se estariam a ver em duplicado. E no castelo, apenas a rainha soube dizer quem era o verdadeiro senhor do
castelo, pois os gémeos continuavam iguais como duas gotas de água.
Silvervit mandou preparar uma imponente festa para o seu irmão, festa esta que durou três dias.
Depois seguiram ambos com grande e armado séquito, constituído pelos melhores cavaleiros, até à torre
onde a sua mãe estava prisioneira. Libertaram-na e levaram-na consigo, e ela ora vivia em casa de um, ora em
casa do outro. Todos estavam felizes. Os irmãos reinavam com justiça e brandura nos seus reinos, e se ainda não
morreram, vivem felizes até ao dia de hoje.
E esta foi a história do destino dos dois irmãos, Silvervit e Lillvacker. E tu?... Qual será a tua história,
qual será o teu destino?

37
˜™

EXERCÍCIO:

Conto ”Silvervit e Lillvacker”

Revisões de figuras de estilo

Animismo : Dar alma, dar vida a seres sem vida, seres inanimados
Personificação : Atribuir características tipicamente humanas a objectos ou animais
Metáfora : fazer comparação sem usar o “como”
Comparação : Acto ou efeito de confrontar
Hipérbole : Exagero de expressão

1) Explica, justificando os seguintes símbolos:


- A mãe na alta torre:
- Os dois gémeos:
- O bosque selvagem:
- Os três animais (ursa, loba, raposa):
Ursa:
Loba :
Raposa :
- A faca na árvore:
- A encruzilhada:
2) Descobre 3 figuras de estilo: 2 comparações e 1 personificação :

3) Como actuam os irmãos com os animais? Usa um adjectivo expressivo.

4) Explica a frase “Aprenderam … honra.”:

EXERCÍCIO:

1)
A minha alma é como um vagabundo:
A minha alma é um vagabundo:
Cada fruto desta árvore é uma gota de ouro:
O vento chorava e gemia:
O sol brilhava furiosamente:
Fiquei tão magoado que até me estalou o coração:
Levei um susto que fiquei com o cabelo em pé:

2) Descobre 3 figuras de estilo:


Comeram e beberam e agradeceram-lhe educadamente:
Tanto os animais como o seu dono ficaram com os cabelos em pé :
… olhares cortantes :

3) Descobre todos os momentos que demonstram a educação e a nobreza de Lillvacker

4) Existe algum momento em que o instinto dos animais esteja alerta? Qual?

5) “Uma mão lava a outra” e “o que vai de volta, vem de volta”. Relaciona estas frases com acontecimentos
presentes no segundo capítulo.

6) O que simboliza cada uma das três provas?

7) Explica: “Só olhando … falso.”


“Um brilho especial no olhar.”
“Imediatamente entre eles … fogo”

38
EXERCÍCIO:

1) Faz uma caracterização psicológica de Silvervit e aponta os elementos da linguagem poética que a confirmam.

2) Explica: “Pensava (…) si mesmo …”

3) O que simboliza o dragão?

4) Quais os truques ou segredos que Silvervit utilizou para vencer o medo e o monstro?

5) Explica: “Silvervit (…) lágrimas dela.”

6) O que simboliza o anel?

7) O que simboliza a fonte na floresta?

8) Descobre três adjectivos, três advérbios e uma ironia.


Adjectivos:
Advérbios:
Ironia:

EXEMPLOS DE COMENTÁRIOS LITERÁRIOS (autoria de alunos)

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“A palavra é como a pedra. Uma vez atirada já ninguém a apanha.” Provérbio russo.

A mensagem implícita deste provérbio russo aponta para o problema do valor da palavra e o perigo da sua
má utilização. E este problema não é exclusivo daqueles que se preocupam com a linguagem, a palavra. Na
verdade, todas as culturas, ao longo de toda a história, sempre demonstraram um cuidado muito particular
relativamente ao mau uso da palavra.
Eu acho que palavra tem o poder de nos apontar a verdade, mas também de mentir, de nos desviar da
realidade, e de nos magoar. Uma pequena palavra pode trazer muito sofrimento à nossa vida, como é o caso dos
insultos, boatos, “fofocas” e críticas. Palavras que, quando proferidas, já não são fáceis de apagar, e cujo eco pode
indelevelmente permanecer nos nossos ouvidos e corações. Tal como se diz que a maior mentira é aquela que
apenas se afasta ligeiramente da verdade, assim um insulto, uma palavra dura, é o quanto basta para destruir
vidas. Uma pessoa pode matar ao dizer “amo-te”, caso isso seja mentira e a outra pessoa acredite e crie naturais
expectativas. Mas a ignorância é isso mesmo: não antever as consequências das palavras. Uma palavra, uma vez
lançada, tem vida própria e não sabemos como vai ser interpretada ou sentida por outros.
Em certas culturas, como a da Polinésia, existem palavras que são “tabu”, ou seja, não devem ser
proferidas levianamente, pois “tabu” significa, literalmente, “sagrado”. Há coisas sagradas na nossa vida,
nomeadamente a Palavra e o uso que lhe damos. Uma vez saída da nossa boca ela voa e as suas consequências
devem ser acauteladas. Assim o diz o sábio ditado, também aqui em Angola utilizado: “a palavra é de prata, mas o
silêncio é de ouro.” Por vezes, quando não se tem a certeza de como irá “voar” a nossa palavra, o melhor é fazer
silêncio.

“Hoje feio e fétido


- cismava o charco –
amanhã serei nuvem.”
(Hermógenes)

Este poema tem implícita a mensagem de que devemos ter fé e confiança em nós mesmos e no nosso
futuro. Este poema chama-nos a atenção para o facto de que a transformação, a redenção e a mudança são a
natureza da nossa própria existência. Nada dura para sempre, e tudo se transforma, sublima, de acordo com a sua
própria natureza. Estamos todos a caminho de casa e de descobrir a nossa verdadeira identidade, ou verdadeira
natureza.
Portanto, eu acho que o que este poema nos quer mostrar é que todos nós teremos a oportunidade de nos
tornarmos melhores, de nos transcendermos, de irmos para lá do nosso egoísmo, da nossa pequenez e nos
tornarmos algo muito maior e lindo. Todos nós seremos sábios, todos nós seremos anjos – se assim o quisermos.
Pois é isso que está patente no poema, essa profunda fé e convicção de que qualquer um de nós, por mais
mesquinho e limitado que seja pode tornar-se puro e vasto como a nuvem.
O grande cientista Einstein costumava dizer que “no universo nada se perde, nem nada se ganha, tudo se
transforma” referindo-se às leis básicas da física. Ou seja, não há morte, nem fim, mas um processo de
crescimento, de evolução ética, cultural e espiritual. Sem nos transformarmos em “nuvem” continuaremos como
poças de lama suja, encerrados na nossa pequenez. Ser nuvem, ser algo celeste e imaculado é possível, mas é
preciso querê-lo com todo a alma, tal como o pequeno charco que tanto cismava acerca da sua condição, pois
queria ser mais. Muito mais.

“O melhor espelho é o olhar de um amigo.” Provérbio gaélico.

Este interessante provérbio utiliza a metáfora para nos transmitir a mensagem de que, muitas vezes, é nas
reacções daqueles que nos rodeiam, ou nos amam, que podemos descobrir quem somos. Aqui, portanto, é
utilizada uma metáfora em que o espelho simboliza o reflexo dos nossos actos e comportamentos.
O ser humano é um ser social, de relações, e eu acho que as relações com aqueles ao nosso redor são o
que constrói e define a nossa vida. Para muita gente, infelizmente, a vida pode ser definida como triste, pois
grande parte das pessoas vive vidas inteiras em conflito com aqueles que estão em seu redor. E o conflito e dor
são, na maioria dos casos, resultado da cegueira e falta de vontade de ver a verdade. Porque se observássemos
com atenção o olhar daqueles que estão em nosso redor, frequentemente haveríamos de captar a tristeza, a
reprovação e a dor no seu olhar. Nesse caso os olhos daqueles que nos rodeiam, e o modo como eles nos olham,
são um bom espelho e reflexo daquilo que nós somos e fazemos.
Por exemplo, todos nós já estivemos na situação de perguntar a outros: “porque me olhas desse modo?”
justamente porque no olhar da outra pessoa captamos algum indício de algo de que nós mesmos não nos demos

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conta. Ou então, acontecer o maravilhoso oposto, como quando num olhar cheio de ternura e afecto podemos
confirmar que estamos bem, actuamos bem e o mundo, reflectido nas pupilas dos outros, assim no-lo confirma.

“Se os teus projectos são para um ano, planta arroz. Se os teus projectos são para vinte anos, planta
árvores de fruto. Mas, se os teus projectos são para mais de mil anos, então, educa as pessoas.” Provérbio
chinês.

A mensagem que, claramente, nos é transmitida por este provérbio é uma mensagem acerca das nossas
prioridades na vida. E, neste caso, aquilo que nos é apontado como fundamental prioridade é a cultura, a educação
das pessoas.
Na minha opinião, para aqueles cujos objectivos de vida são modestos, pequenos mesmo, o provérbio
aconselha a que se plante arroz. Neste caso o arroz representará os objectivos mais simplistas e imediatos da vida.
Do mesmo modo as árvores de fruto representarão projectos de médio alcance, aqueles que a maioria das pessoas
prioriza na sua vida, tais como casa, carro, e outros bens mais difíceis de obter. No entanto, fica patente neste
provérbio que tanto o “arroz”, como as “árvores de fruto” representam prioridades e objectivos exclusivamente
materialistas, consequentemente, perecíveis e mortais. Em contrapartida a Educação representa um projecto que
vai para lá do material, é algo puro, pois leva à sabedoria e imortalidade.
Por exemplo, o prémio Nobel da paz, o tibetano Dalai-Lama, disse que transmitirmos o nosso
conhecimento é uma maneira de nos tornamos imortais e eternos. Isto é verdade, pois a transmissão e partilha do
saber, da cultura e da inteligência, são o mais alto objectivo e prioridade que alguém pode ter na vida. É a
possibilidade real de contribuir para o mundo dos nossos futuros netos – pois as nossas palavras, descobertas e
sabedorias farão parte integrante deles e desse mundo melhor, onde a nossa vida durará muito mais do que
algumas décadas, mas atingirá os tais mil anos que, no fundo, são uma metáfora acerca da imortalidade. A mais
ambiciosa de todas as prioridades.

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TRABALHO DE FINAL DE ANO. LEITURA OBRIGATÓRIA DE UMA OBRA E ELABORAÇÃO DE
UM COMENTÁRIO CRÍTICO INTERTEXTUAL (guia de orientações).

1. Escolha, de acordo com a sua sensibilidade, o excerto que considerou mais relevante na obra
literária.
2. Procure nos “fascículos” um excerto que contenha uma mesma mensagem implícita que o excerto
escolhido da obra literária.
3. Transcreva ambos os excertos no início do seu trabalho.
4. Elabore um comentário intertextual de 20 a 30 linhas baseando-se em ambos os excertos.
5. Faça apenas 3 parágrafos!
a) Faça um título para o trabalho.
b) Apresente um argumento criativo e relevante como base para o seu trabalho e que torne clara a
mensagem implícita presente em ambos os excertos e de que modo estes excertos se relacionam.
c) Demonstre de forma articulada a sua opinião acerca da obra e dos excertos.
d) Defenda e confirme o seu argumento recorrendo a uma exemplificação pertinente.
e) Faça uso dos apontamentos “Para a escrita de um comentário” e “Sistematização teórica por
tópicos”. Cumpra, também, os prazos.

Para a elaboração do comentário pede-se que o trabalho seja apresentado no tipo de letra “Times New
Roman”, tamanho 12, com os parágrafos 1,5. Ou seja, a estrutura e tipo de letra em que este mesmo guia de
orientações está a ser elaborado.
Poupe papel: faça o seu trabalho apenas em uma folha de papel A4. Coloque no cabeçalho o logótipo da
EFP seguido da Disciplina, Docente e nome do Autor do Comentário.
Apresente no fim do trabalho o número de palavras que utilizou no seu comentário. Na barra
“Ferramentas” poderá encontrar o comando que lhe permite obter esse número.

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