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EM PSICOLOGIA NA PREVENÇÃO E
PROMOÇÃO DA SAÚDE
Maceió
2018
SILVA, Jaydlane Lima de o. Da
Maceió
2018
2
RESUMO
Resumo......................................................................................................................... 03
1. Introdução................................................................................................................. 06
2. Caracterização do Campo de Estágio......................................................................08
3. Objetivos do Estágio em Psicologia Clínica........................................................... 10
3.1. Objetivo Geral................................................................................................10
3.2. Objetivos Específicos.....................................................................................10
4. Justificativa............................................................................................................. 11
5. Plano de Estágio...................................................................................................... 12
5.1. Identificação...................................................................................................12
5.2. Área(s) de Conhecimento Envolvida(s) no Estágio.......................................12
5.3. Atividades a Serem Desenvolvidas pelo Estagiário............................................13
5.3.1. Individual..................................................................................................13
5.3.2. Em Grupo..................................................................................................13
5.4. Programação...................................................................................................14
5.5. Modificações no Plano de Estágio................................................................. 14
6. Atividades Realizadas............................................................................................. 16
6.1. Atendimento de Triagem................................................................................16
6.2. Registro das Sessões...................................................................................... 18
6.3. Leitura de Textos............................................................................................19
6.4. Atendimento em Psicoterapia........................................................................ 19
6.4.1. Atendimento com Criança – Ludoterapia..................................................20
6.4.2. Atendimento com Adolescente..................................................................21
6.4.3. Atendimento com Adulto...........................................................................21
6.5. Supervisão do Estágio.................................................................................... 23
6.6. Produção de Um Livro com Depoimentos.....................................................25
7. Fundamentação Teórica...........................................................................................26
7.1. Fenomenologia...............................................................................................26
7.2. Existencialismo.............................................................................................. 32
7.3. Humanismo.................................................................................................... 34
7.4. Psicoterapia na Abordagem Fenomenológico-Existencial................................. 35
7.5. Gestalt-Terapia............................................................................................... 39
7.5.1. Psicologia da Gestalt..................................................................................40
7.5.2. A Gestalt-Terapia e suas Influências..........................................................49
7.6. Ludoterapia.....................................................................................................60
8. Relato dos Atendimentos e Casuística.................................................................... 66
9. Desenrolar das Atividades e Desafios Enfrentados.................................................82
10. Considerações........................................................................................................87
11. Considerações Finais.............................................................................................89
12. Sugestões...............................................................................................................92
13. Referências Bibliográficas....................................................................................93
1. INTRODUÇÃO
Desse modo, passei a integrar um grupo de oito estagiários que escolheram atuar
O Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA) foi criado em 1965, dez anos antes da
supervisionados.
projetos).
formação teórica.
em clínicas particulares.
uma vez que oferece suporte a vivência e compreensão destas primeiras experiências
antecederam o estágio, pude conhecer um pouco cada uma das principais abordagens
tem como finalidade descrever, de maneira sucinta, como este pretende desenvolver seu
5.1 Identificação:
Número de Créditos: 12
Psicologia Clínica;
Abordagem Fenomenológico-Existencial;
Gestal-terapia;
Ludoterapia;
Psicologia do Desenvolvimento;
Psicopatologia;
Teorias de Grupo;
Ética Profissional;
Psicossomática;
Sexualidade;
Drogadição.
5.3.2 Grupal:
Leitura de textos de acordo com a demanda dos casos;
Vivências em grupo;
período, é esperado que cada estagiário tenha cumprido as 540 horas previstas na grade
grupais.
de cada caso.
aluno iniciar de fato a prática. Dessa forma, está sujeito a alterações no transcorrer desse
exatamente o que propôs, assim como da configuração das demandas que a eles se
apresentam.
Diante disso, foi observado que na prática o número de clientes sugeridos no plano
de estágio funcionou como uma referência inicial, uma vez que esse número variou de
etária dos clientes (criança, adolescente e adulto) também sofreu alterações, onde alguns
grupo.
6. ATIVIDADES REALIZADAS
Durante a triagem, além da escuta da queixa, são coletados do cliente seus dados
de uma ficha. Após isso, o psicólogo, mediante a abordagem utilizada, poderá esclarecer
uma entrevista com os pais e/ou responsáveis com a finalidade de compreender o que
motivou a busca pelo serviço. Em seguida (outro dia), realiza-se a “hora do jogo” com a
criança onde ela pode se expressar mais genuinamente no brincar, uma vez que esse
1
Informações retiradas do Manual do Estagiário do SEPA.
momento acontece na sala de ludoterapia. Por fim, acontece um novo encontro com os
em seguida, com os pais e/ou responsáveis. A entrevista de devolução ocorre com ambas
portanto, refere-se a uma atividade padrão básica que os estagiários devem seguir com
abordagem.
adotado pelo meu grupo de estágio partiu do pressuposto que o momento da triagem
deve ser marcado por uma escuta verdadeira, por um encontro existencial, para que o
outro que nos chega se sinta verdadeiramente ouvido e acolhido. Acreditamos que desse
encontro genuíno pode surgir uma nova forma de olhar, uma nova maneira de enxergar
as situações. Giovanetti (1989) reserva o termo encontro "para uma situação onde o
outro (aquele com o qual entro em relação) afeta, de alguma maneira, o curso de minha
indivíduo para que o mesmo dê início a uma longa jornada (psicoterapia) que pode ou
não vir a se efetivar, dependendo − dentre outras coisas − da natureza desse encontro
desta entrevista podem ser alcançadas sem que se passe necessariamente por esse
encontro existencial. Mas se levarmos em conta que o movimento de “pedir ajuda” que
se dá por parte do cliente já se iniciou, e que nesse movimento cada passo tem seu valor,
não podemos desconsiderar o peso desse encontro e, portanto, a relevância de que haja
uma abertura − pelo menos por parte do psicólogo que está realizando a triagem − para
A triagem, portanto, deve − assim como todo encontro que se pretenda pessoal −
ser uma busca permanente de uma relação interpessoal que inclui a afirmação do outro
como pessoa, o reconhecimento que profissional e cliente são o mesmo tipo de ser. E
O registro das sessões foi realizado por meio de relatos escritos fidedignos (o
que eles tenham uma compreensão mais fidedigna do que aconteceu na sessão
2
Retirados do Manual do Estagiário do SEPA e já citados mais acima.
(inclusive fatos que podem ter escapado ao olhar do terapeuta), reunindo condições de
longo do estágio, foram indicados textos específicos para as demandas de cada aluno
num único arcabouço teórico-prático; porém, como o próprio Perls assentiu, a Gestalt-
Terapia não tem pretensões de se firmar como uma teoria acabada com definições
o período de estágio.
cliente.
6.4.1. Atendimento com Criança – Ludoterapia
O atendimento infantil caracteriza-se, geralmente, por uma iniciativa dos pais pela
momento, é realizada uma entrevista inicial com os pais, a fim de ouvir a queixa que
No primeiro encontro com a criança, pode ser realizada uma entrevista verbal, que
tem como finalidade estabelecer o rapport, ter um primeiro contato com a criança e
geral com sessões semanais de 50 minutos. Os encontros com os pais terão como
finalidade obter mais dados sobre a criança e dar uma orientação que lhes permita
entender o que se passa com seu filho e promover mudanças no ambiente familiar. Estes
encontros podem se dar uma vez por mês, variando de acordo com a necessidade do
às características psicológicas gerais dessa “fase”. É mais freqüente, por exemplo, uma
certa instabilidade nas questões que o trazem até a psicoterapia; sendo relativamente
questão.
dessa fase e dúvidas que estão implicadas notadamente nestes discursos. O adolescente
pode encontrar dificuldades para se fazer entender caso o psicoterapeuta não esteja
atento para seus padrões de comunicação. Sendo fundamental que o profissional esteja
relação, possam ser esclarecidas as demandas trazidas pelo cliente; clarificando a queixa
conseqüente ao não seguimento do contrato norteiam o processo desde seu primeiro dia
e podem, assim, dar segurança ao cliente quanto às possibilidades ali implicadas, uma
esses aspectos.
clientes sobre si mesmos ou sobre o mundo que está em relação com ele, frustrando-o
Procura-se conhecer (e compreender) como o cliente atua no mundo com toda sua
responsabilização do cliente sobre o processo, mas também indo além: seu próprio
modo de vida e uma revisão de seus ideais, permitindo o cliente superar as suas
relato e discussão dos casos atendidos; b) a conseqüente reflexão grupal acerca dos
psicologia clínica.
Realizamos encontros de cerca de 4 horas de duração duas vezes por semana nas
relato do atendimento era seguido da discussão da escuta clínica que o estagiário relator
ser realizado. Dessa forma, buscamos e discutimos juntos informações sobre diversos
a apurar a escuta dos relatos e fornecer aos colegas feedbacks oriundos do que
aprofundada do caso.
que, não por acaso, partiram das questões que nos inquietaram enquanto estagiários. As
psicoterapeuta de cada estagiário foi confessada por nossa supervisora repetidas vezes
desde o início do estágio e a levou a se manter atenta aos momentos em que um de nós
demonstrava estar em conflito com algum aspecto de seu relato, o que possibilitou a
expressão e o trabalho com tais questões a partir de recursos didáticos e até
psicoterápicos.
no decorrer do percurso.
psicologia, com profissionais da área e até com leigos que se aventurem a tentar
formação em psicólogos.
7. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Fernando Pessoa
7.1. Fenomenologia
que seja absoluta, enquanto que a fenomenologia aponta para uma relatividade da
perspectiva do saber que se adote, pode ser se não relativa (Critelli, 1996).
pela fenomenologia, se constitui como desalojadora, uma vez que nega qualquer
pretensa segurança, que não foge da angústia advinda da consciência da fluidez do
última instância, uma reflexão sobre o modo humano de ser-no-mundo, inclusive tal
como método.
A Fenomenologia tem seu início a partir das idéias de Franz Brentano (1838-
empírico nos estudos dos fenômenos psíquicos, porém não experimental, ou seja,
(1859-1938), que a partir das obras de Brentano desenvolveu seu pensamento. Alguns
dos temas fundamentais da fenomenologia foram desenvolvidos por Husserl, tal como a
que seja de fato o primeiro, no caso, as coisas mesmas que seriam o ponto de partida do
conhecimento. A coisa mesma nada mais é do que o fenômeno, a única coisa à qual
podemos ter acesso. Desta forma, ir às coisas mesmas significa “apreender o mundo tal
qual este se apresenta para nós enquanto fenômeno” (Holanda, 1998, p.37).
Husserl, dando continuidade à noção de intencionalidade de Brentano, reafirma
que a consciência é sempre intencional, uma vez que é sempre direcionada a um objeto,
e este é sempre objeto para uma consciência, ou seja, não se pode desvincular a
assim, à atribuição de sentidos, ou seja, o mundo só existe enquanto tal uma vez que nós
o significamos. Como diz Holanda (1998, p.39) “a consciência é consciência ativa; cabe
a ela dar sentindo às coisas, ou seja, é a consciência que atribui significados no mundo.
Perceba-se aqui que não estamos discutindo o caráter de existência das coisas (...), mas
tão somente o sentido que estas coisas assumem para o eu subjetivo pensante.”
valores e os juízos pessoais, aquilo que é particular do sujeito que percebe o fenômeno.
Desse modo, deve-se estar atento ao que é pessoal, privado, e assim “renunciar” a essas
Quando nos referimos à redução, tal qual proposta pela fenomenologia, não
que percorreu o caminho trilhado por Husserl, revendo suas idéias e propondo uma re-
Opunha-se aos dualismos e sua principal idéia é de que o conhecimento que temos
Ponty é definida como percepção, “de modo que não há separação e oposição entre os
dados sensível e racional no ato de apreensão das coisas” (Moreira, 1997, p. 403). E é
através do corpo – conceito fundamental deste filósofo – que nos instalamos no mundo,
refere não é a idéia cartesiana de corpo, mas um corpo dotado de intenção em que
residem nossas ações originais (Moreira, 1997), ele o chama de corpo reflexivo e
observável.
fenomenologia foi Martin Heidegger (1889-1976). Apesar de ter partido das idéias de
Husserl, Heidegger rompe com o pensamento do seu mestre passando a postular novos
razão. Dessa forma “a fenomenologia produziu uma nova ontologia”. (Critelli, 1996, p.
aí”, expressão também traduzida como pre-sença; um ser que é lançado num mundo que
ele não escolheu, que já está dado e do qual ele nada sabe a respeito. O Dasein recebe
Deste modo, dadas as condições nas quais o homem depara-se com a vida, com o
existir −sem garantias nem segurança, levado a uma sensação de desamparo − o mundo
apresenta-se a nós como inóspito, e “ser-no-mundo como homens é habitar esta e nesta
inospitalidade” (Critelli, 1996, p.17). Essa é a facticidade particular de cada ser da qual
Heidegger fala.
Como também nos fala Critelli (1996), o mundo se mostra como uma rede de
significações que nos envolve e dá consistência ao nosso ser; no entanto, é uma rede
fluida que desaparece e faz falta tão logo se dilua o sentido que ser faz pára nós
−existência. Esse sentido que ser faz para nós se desfaz à medida que as nossas
representações não dão mais conta de expressar o ser das coisas, e estas passam a ser
sentido, mas também o existir. E, mais uma vez, estamos sós, soltos, postos diante do
nada, do desconhecido, sem podermos contar com algo ou alguém para nos envolver
como antes na rede, na “existência”. É através da evasão do sentido que ser faz para nós
vivência dessa inospitalidade do mundo, do nada que surge em lugar de um sentido que
ser fazia para nós, e da total liberdade em que somos lançados independentemente de
com : “A pre-sença é em si mesma, essencialmente, ser-com” (p.172, v.I). Mas isso não
exclusivamente seu, pois a vida do ser é um acontecimento que implica os outros. “Os
do homem, do modo como ele se relaciona com as coisas e entes, que são as formas
no mundo, preso às coisas e aos outros, não realiza plenamente suas possibilidades e não
permite uma reflexão acerca de si mesmo, de como vive, ou seja, ausenta-se da própria
existência e com isso passa a ver no mundo sua principal preocupação. Tal como é
impessoal, já se decidiu sobre o poder-ser mais imediato e factual da pre- sença, ou seja,
Assim, quando o homem se dá conta de sua impropriedade, ele passa a viver uma
angústia, que para Heidegger, representa o único estado de ânimo que leva o ser-aí a
também voltando sua atenção para si, escolhe a si, não mais os outros, como
dinamarquês Kierkegaard e alcançou seu apogeu após a Segunda Grande Guerra, nos
existencialismo, uma vez que é a partir de sua doutrina que os filósofos existenciais
derivam seus conceitos. Propôs uma filosofia que privilegiasse a questão da existência,
cogito e direcionando uma crítica ao pensamento cartesiano, afirma que seria mais
impõe ao homem, a cada momento, uma série inesgotável de escolhas e, dessa forma,
do seu ser. Tal condição não aparece como uma opção, e sim como uma propriedade
Paul Sartre (1905-1980). Estabeleceu a máxima − que mais tarde passou a caracterizar
Tal princípio, segundo Sartre, não se aplica a todos os seres, mas somente ao
homem, uma vez que somente o ser humano possui liberdade para realizar sua essência,
ou seja, apenas ele é livre para construir a cada momento o seu vir a ser. A liberdade
sartreana não se apresenta ao homem como uma escolha, e sim como uma condição
existencial da qual ele não pode escapar ou abrir mão. Nesse sentido Critelli (1996)
modalizar a realização de seu ser, gera angústia à medida que nos coloca na posição de
responsável por si mesma, pelos seus próprios atos, que não há como transferir para
ninguém a culpa pelos seus erros e enganos. Surge quando o indivíduo percebe que a
tentativa de depositar nos outros (seja este outro representado pelo Estado, opinião
pública, grupo social, etc) o encargo por suas próprias escolhas é um projeto fadado ao
fracasso. Agindo dessa forma o homem não estará fugindo da questão da escolha, pois
até mesmo não escolher já é uma escolha. Estará apenas transferindo seu poder de
decisão para outra pessoa, o que, todavia, não o desresponsabiliza. (Angerami, 2001).
7.3. Humanismo
que
Pode-se também falar do Humanismo de uma forma mais ampla, como colocado
por Erich Fromm, que resgata da tradição humanista uma atitude diante do humano,
diversas teorias ditas humanistas, unindo esses sistemas conceituais e gerando uma
Quando se diz que o Humanismo retoma uma preocupação com o humano, se está
afirmando que o interesse se volta para a compreensão de cada pessoa enquanto ser,
enquanto universo de sentidos próprios e únicos. Dessa forma, não se busca enquadrar o
sim garantir uma atitude de abertura para com o outro, para assim se aproximar do
busca pelo resgate do que há de mais genuíno na existência humana, do que há de mais
essencial no ser dos homens. E essa essência diz respeito à forma de cada um ser-no-
mundo-, à sua singularidade, à liberdade que cada indivíduo tem de ser si próprio. Uma
valores, a partir do qual se abrem possibilidades dela mesma se ouvir. (Amatuzzi, 2001).
momento no qual o sujeito que sofre se sinta verdadeiramente ouvido na sua dor. Ouvir
nesse caso implica em ir além da queixa, além das palavras, apreender o não-dito.
Amatuzzi (2001) ilustra esse processo quando afirma que ouvir realmente é ir até alma
da pessoa que nos fala, ou até seu coração; é ouvir a pessoa e não somente as palavras.
Para que isso seja possível, o terapeuta precisa se abrir para a existência do outro
sem preconceitos e sem julgamentos. Precisa colocar em suspenso seu próprio centro de
referências para se aproximar verdadeiramente do mundo do outro, uma vez que seus
conhecimentos, suas teorias, suas opiniões e juízos próprios acabam por construir uma
que ele se mostre tal como se apresenta, o mais possível sem a interferência das teorias
que, todavia, não impede que eles sejam utilizados a posteriori, para a compreensão do
Dessa feita, trabalhar a partir desse referencial exige muita responsabilidade e cautela.
A psicoterapia, vista sob esta ótica, propicia um encontro no qual o ouvir é igual a
“entrar em contato”, é igual a um “caminhar junto”. E dessa caminhada pode surgir uma
nova forma de olhar, uma nova maneira de enxergar as situações. Daí a importância da
reciprocidade e pela troca, na qual os participantes toquem e se deixem tocar pela fala
escondem por trás da fala, em outras palavras o não-dito, e isso só será possível se
houver uma relação de troca intersubjetiva (diálogo genuíno) que atinja os centros das
pessoas envolvidas e permita, portanto, que elas se deixem revelar (Amatuzzi, 1989).
A fala autêntica permite que o cliente expresse suas emoções, pense sobre si e,
dessa forma, elabore seus conteúdos internos, compreendendo como seu mundo está
organizado.
A relevância da psicoterapia remete em grande medida ao fato do cotidiano não
favorecer esse pensar sobre a existência. No seu dia-a-dia, em geral, as pessoas não têm
espaço no seu cotidiano para cuidar do seu ser, está voltando seu olhar para dentro e
direto por sua vida e seu destino, de personagem atuante e definidor da sua história, de
comandante do seu barco. Diante dessa oportunidade de falar, ser ouvido e se ouvir, a
pessoa pode elaborar melhor conflitos internos e, consequentemente, se abrir para uma
mudança profunda que aponte para uma abertura às possibilidades que dizem respeito à
A psicoterapia, logo, propõe ao cliente uma mudança de olhar, propõe uma postura
mundo, mas de si mesmo. Sapienza (2004) acrescenta ainda que a terapia representa
uma
chance de alguém perceber que não lhe compete mudar os outros; que
não compete aos outros tomar a iniciativa para resolver os problemas que
são dele, e que a obrigação de cuidar da sua vida é primeiramente dele; é
a chance de perceber que ele deve isso a si mesmo (p.24).
Todo esse processo, todavia, por implicar num movimento interno, prescindir de
mudança do cliente ─ o terapeuta também corre riscos, uma vez que está sendo afetado
por tudo que acontece na relação, e nada lhe oferece garantias acerca da natureza dessa
7.5. Gestalt-Terapia
Foi em meados dos anos 40 que a Gestalt começou a ser praticada efetivamente
como tal. Foi elaborada, sobretudo, a partir de um psicanalista judeu de origem alemã:
Frederick Salomon Perls (1893-1970). Ele, com a ajuda de alguns colaboradores como
orientais com a intenção de abordar o ser humano de uma forma mais congruente com a
Segundo a mesma autora, a Gestalt pode estar mais bem situada na intersecção
teoria desenvolve uma perspectiva diferente das até então conhecidas: apresenta uma
atividade diária, esculpindo suas idéias até estruturar o que haveria de se denominar
Gestalt-Terapia.
Muitos estudiosos ainda afirmam que a teoria foi oficialmente batizada nos
Estados Unidos (Nova York) por volta do ano de 1951. Nesse contexto, ganhava amplo
ser humano, a Gestalt também ganha destaque como possibilidade efetiva de resgate do
ser humano.
desde a época de Goethe, apresenta dois significados diferentes: (1) a forma; (2) uma
entidade concreta que possui entre seus vários atributos a forma. É o segundo
a abordagem. A tradução da palavra "Gestalt" não se acha nas outras línguas e a melhor
existe qualquer estímulo. Mas, apesar disso, o sujeito ignora a correspondência entre a
real ou aparente. Isso, por si só, representa um marco da teoria: a percepção como
observados, havia uma lei que os subordinavam e que acabou por denominá-los de
pregnância. Tal termo pode ser entendido como uma organização psicológica, cujas
semelhança e o fator de fechamento são três dos fatores que Wertheimer cita.
suas proposições para o universo da psicologia humana de forma geral. Aos poucos, os
freqüentes avanços nessa área aludiam para um novo caminho. Num artigo publicado na
Alemanha, Koffka alarga o que se pode entender por Gestalt. Pensa em Gestalten não
apenas como experiências, mas também como ações dos indivíduos: Cantar, escrever,
desenhar, andar são Gestalten tanto quanto a consciência de ouvir ou de olhar. “O ato
chimpanzés. Esses, pois, quando encontrados numa situação em que o alimento era
posto fora do seu alcance, procuravam por diversas soluções, até que repentinamente o
solução completa com relação à estrutura do campo, como disse o próprio Köhler. O
relacionado com Kurt Lewin e sua Teoria do Campo, e Kurt Goldstein com sua Teoria
utilizou para estruturar o campo que viria a ser chamado de Gestalt-Terapia. Segundo
Ribeiro (1985):
embora seja reconhecido que, do ponto de vista da percepção (sensorial), quando estes
a) Parte-Todo
O próprio conceito da Gestalt pode introduzir uma idéia básica sobre a relação
parte-todo. Da mesma forma, fundam estruturas globais, cuja totalidade só pode ser
envolvidas entre as “partes”. Uma gestalt envolve, assim, um todo estruturado sob as
dinâmicas relações entre as partes que o integram. O princípio, portanto, de que o todo
é maior que a soma das partes garante ao todo uma característica essencial que falta às
partes isoladas.
lugar central na teoria da Gestal-terapia quando o cliente deve ser encarado como um
todo indivisível, composto por corpo e mente. Da mesma forma, os fatos que emergem
uma terapia, embora se expressem, em geral, como partes – como a queixa inicial,
movimentos corporais, verbalizações etc. – que, contextualizadas na relação com outras
E essa estrutura, sempre que acrescida de um novo elemento, torna-se uma nova
compreender o todo, é importante que se conheça a relação entre suas partes, de forma
entre as partes que emergem no processo, podem adquirir, numa visão ampliada, um
b) Figura-fundo
A relação entre figura e fundo revela mais uma natureza da percepção humana. A
figura emerge como parte destacada de uma determinada configuração, enquanto que o
fundo encarna um outro contexto dessa mesma configuração, embora mais recuado e
(1985):
figura para o cliente (o que emerge, o que salta aos olhos) e o que é fundo (o que está
do que ele pode estar evitando na tentativa de integração da sua personalidade total.
c) Aqui-Agora
humana. É nesse ínterim que a realidade está aberta à existência; e é somente nele que o
homem pode vivenciar a realidade e explicar a sua própria relação com a mesma.
Determina uma condição da sua própria natureza que, condicionada pelo presente,
com o campo fisiológico e cria uma situação a-histórica, em que o passado passa a ter
movimento dos corpos mas também nos aspectos relacionados a sua própria natureza.
geográfico. Desta forma, podemos explicitar que o ambiente no qual está circunscrita a
atmosfera que o envolve; enquanto que a relação psicológica da pessoa com o lugar,
comportamental.
outras pessoas) podem alterar aquele estado inicial através de tensões (forças). Ou seja,
há nessa situação um campo maior que também é constituído por outros. Segundo
total que engloba as relações entre os sujeitos e com o ambiente que os cercam. Dessa
e) Teoria Organísmica
conceitos que vão além do que foi estudado pela Psicologia da Gestalt; transpõe os
estudos sobre os fenômenos restritos a tomada de consciência. Ela integra o ser humano
numa só perspectiva geral – unidade. Como dizia o próprio Golstein (1939, citado por
Ribeiro 1985): “O organismo é uma só unidade; o que ocorre em uma parte, afeta todo o
corpo”.
que o que ocorre em uma parte afeta o todo. O homem, portanto, possui as
influências positivas e negativas do meio exterior; esse todo ainda é organizado por um
geração”, ainda estão implicados na construção da teoria; e, mesmo que embasados num
possibilidades. Afinal, ele fez seis anos de análise e de formação didática (de 1926 a
1932), além de vinte e três anos de prática como psicanalista. Assim, importante é
distinguir as críticas que Perls fez à Psicanálise daquilo que, de certo modo, possa haver
em comum entre essa teoria e a gestalt-terapia para, somente a partir daí, mobilizar uma
relação transferencial. Perls, assim, transpôs a teoria de Freud em busca de uma visão
por vários instintos (ao invés de um só) e que, ao mesmo tempo, tem na expressão sua
Nesse sentido, além do lado expresso do Eu, a Gestalt-terapia considera o seu lado
Terapia o Self não é apenas uma estrutura, é também um processo – a união dos
personalidade, cuja função é colocar-se ora como figura e ora como fundo nas relações
mais nítida do que a da Psicanálise tradicional. Sobretudo, naquilo que podemos dizer
em relação ao corpo como expressão de uma realidade mais global, mais inteira; pois, o
corpo assume, nesse princípio, uma função preponderante, foco de todo o que pode
psicoterápico.
instaurado em alguma parte do corpo que, de certa forma, tenha sido frustrado. A “dês-
comportamento se torne saudável e, para isso, pode-se seguir o mesmo caminho que a
Outro ponto comum entre os dois teóricos refere à utilização das técnicas. Reich
declarou enfaticamente que para cada paciente, em cada momento dado, existe apenas
uma técnica e que esta técnica tem que ser derivada das circunstâncias individuais de
processo em questão.
ocidentais.
pode, de fato, ser compreendido por ele mesmo através de uma experiência direta do seu
ser no mundo, e, embora a pessoa possa, momentaneamente, ter perdido esta aptidão,
continua sendo a mais fiel intérprete de si mesma. A Gestalt-Terapia foi descrita por
Perls como uma terapia existencial que utiliza-se dos princípios existencialistas e
do indivíduo sobre seu próprio funcionamento. Atua na clarificação de como ele age ou
como se bloqueia em sua tentativa para alcançar seu próprio equilíbrio. Assim, o foco
auto-realizadora.
qualquer que seja o grau de contato desta; não tanto o que está sendo experienciado,
relembrado, feito, dito etc., mas a maneira como o que está sendo relembrado é
relembrado, ou como o que é dito é dito, com que expressão facial, tom de voz, sintaxe,
postura, afeto, omissão, consideração ou falta de consideração para com a outra pessoa
agora, é possível refazer as relações dinâmicas da figura e fundo até que o contato se
Deve-se notar que awareness não é uma reflexão sobre o problema, mas é ela
própria uma integração criativa deste. Nessa perspectiva, ela deve mobilizar o
organismo para mudança, se apropriando das estruturas que até então indicavam seu
movimento e partindo para uma nova re-construção desse, angariando um novo sentido.
reguladora. Tal mecanismo reflete uma proteção do organismo para lidar com uma
um ato espontâneo onde o Self não pode passar de maneira flexível de uma situação a
outra, pois a energia está presa a uma tarefa (arcaicamente concebida) que não pode ser
completada.
restabelecer o equilíbrio consigo mesmo e com o seu meio, alcançando seu crescimento
tentar muda-lo. Nada pode mudar até que seja aceito primeiro; depois ele pode
de sua vida. Perls identificou cinco tipos básicos de mecanismos de defesa: introjeção –
motivado pelo desejo do indivíduo de ser como os outros são ou desejam que ele seja.
do cliente e, caso esse último ainda não se der por conta, disponibilizar a informação ao
mesmo (feedback), tornando-o awareness do próprio movimento de seu Self. Para isso,
habilitado a fazer.
verdadeiro e transformador; onde a pessoa saudável tem maiores condições de usar sua
surgir e se torna perceptível quando o impasse diante das tomadas de decisões se instala
experimentação dessas outras percepções até então desconhecidas que, juntamente com
no ‘território’ de cada um, com sua especificidade, com os limites temporais, com a
de se sentir constrangido”.
para destacar um foco do contato que tenha demonstrado uma necessidade demasiada de
“autoproteção” por parte do cliente que o bloqueia na resolução de suas gestalts. Essa
além transformador.
percebemos que, no que ele "é", se insere tudo o que ele foi; logo, não há necessidade de
sair do presente e partir para uma memória passada que distancia cliente e terapeuta do
prática que requer disponibilidade do terapeuta para investir, para "ir junto", para expor-
de contato criativo.
tentativa de sair do “falar sobre” incipiente e propor o “agir com” criativo. O cliente
responsabilidade que o cliente projeta em outras pessoas (pai, mãe, terapeuta, etc.) volta
próprio cliente.
produtivo. Perls considerava que todo sonho traz uma mensagem existencial.
subjetividade.
alguma coisa dita pelo cliente ou algum gesto seu. A representação pode
uma polaridade.
a ser seu princípio fundamental. É, pois, nesse momento que o sentido pode ser
complexificada dessa realidade, agora, não apenas uma simples sensação do mundo
qual a pessoa pense diferente, deseje diferente, se sinta diferente e aprenda a correr
riscos, de tal modo que crie, em sua vida, formas de contato mais nutritivas e eficientes.
mesmo, no mundo.
7.6. Ludoterapia
Virginia M. Axline
Quando a criança é trazida até nós, psicólogos, ela está demonstrando, de alguma
forma, que não está conseguindo lidar com os seus próprios sentimentos e com o mundo
comportamento apresentado pela criança que é visto como inadequado. A criança pode
estar agressiva, introspectiva, triste, insegura, apegada excessivamente à mãe, ter baixo
rendimento escolar, ou outras formas de expressar suas dificuldades. Estes
do melhor modo que ela está conseguindo no momento. Apesar de ser uma tentativa
frustrada, já que a criança está desconectada de si, não está conseguindo ser-no-mundo
(Oaklander, 1980).
descobrir formas mais saudáveis de existir. Ao longo dos atendimentos, a criança vai
adquirindo uma maior consciência de si, de seus sentimentos, e assim, ela vai se
sentindo mais segura para se expressar de forma autêntica dentro e fora da sala de ludo.
À medida que isso ocorre, muitas vezes os pais julgam que a criança está apresentando
uma piora, ao invés de melhorar. Na verdade, a criança agora passa a expressar mais
claramente o seu sofrimento, enquanto antes ela dava apenas sinais, por vezes
distorcidos, de que algo não ia bem. A criança, nesse momento, ainda está aprendendo a
se relacionar, por isso sua expressão se torna mais intensa, levando a esse julgamento
dos pais.
social em que está inserida, criando novas formas de lidar com o mundo, dentro das
para expressar o que sente e pensa é o brincar. Como a criança passa por muitas
conflitos são elaborados. A criança revive no brincar experiências que sofre na vida
real, podendo, a partir da expressão de suas angústias, aprender a lidar de uma maneira
criança. Deve ter um tamanho adequado (nem muito grande nem muito pequeno), com
isolamento acústico, sem objetos ou mobílias que possam vir a machucar a criança.
Também não deve haver nada que possa vir a restringir algum tipo de ação (exemplo:
tapetes), o chão e as paredes devem ser facilmente laváveis. É importante haver uma
caixa de areia, uma mesa de tamanho apropriado para crianças e que permita a
expostos e acessíveis, além de quadro preso à parede com lápis adequado ou giz e,
sempre que possível, uma pia pequena que esteja na altura que a criança possa utilizar e
Vale salientar que a sala pode ser adaptada de acordo com a necessidade e
possibilidade de cada um, podendo até mesmo o terapeuta optar por levar os brinquedos
dentro de uma maleta, ou em outros casos como em postos de saúde, adequar a sala para
de uma cultura e ações preexistentes, não se limitando à retomada do que já existe, mas
presentes na vida das crianças atualmente, não permitem essa expressão livre e criativa,
material de encaixe); material regressivo (água, barro, tinta, massa, argila e areia);
casa, mobília); material construtivo (jogos de todo o tipo). A escolha do material feita
evitação, as repetições, as preferências, devem ser observados, uma vez que a forma
como a criança brinca revela muito sobre o seu modo de ser na vida.
apenas estes fatores não são suficientes para possibilitar à criança ser-no-mundo de uma
relacionamento especial, diferente de todos os outros que a criança tem com as demais
pessoas em sua vida. Essa relação estará apoiada na crença do terapeuta na capacidade
com a criança, aceitando-a como é, sem críticas ou elogios. Dessa forma, a criança se
terapia como quiser, de modo que ela se sinta livre. Isso torna a criança consciente de
próprios problemas.
O terapeuta deve estar alerta para identificar os sentimentos que a criança está
expressando, e depois refleti-los para ela – por meio de uma linguagem acessível – de
forma que a mesma adquira conhecimento sobre seu comportamento. Deve evitar
interpretações, e quando o fizer, deve incluir em sua resposta o símbolo utilizado pela
problemas, dando-lhe oportunidade para isto. Ele acredita que a criança pode ajudar a si
que, por ser um processo gradativo, a terapia não pode ser apressada. A criança
expressará seus sentimentos quando estiver pronta para isso. Cada criança tem um ritmo
respeito pelas escolhas da criança. Porém, a hora da terapia não deve estar tão
desvinculada do cotidiano a ponto de, o que nela ocorrer, não poder ser levado além da
sala de terapia. Por isso, o terapeuta deve estabelecer algumas limitações necessárias
1992). Estes limites devem ser restritos às coisas materiais, evitando que sejam
quebradas ou levadas pela criança; à sala, que não deve ser danificada; à agressão ao
(Ginott, 1974). Desse modo, os limites ajudam a criança a obter a gratificação dos seus
terapeuta deve possuir a habilidade de ser diretivo sem ser invasor, ser leve e delicado
mundo de maneira cuidadosa. Deve também ser flexível. Maichim (2004) coloca que
não há regras a serem cumpridas, mas sim caminhos possíveis. Não devemos nos
agarrar a uma atitude rígida ou teoria, mas seguir o caminho apontado pelo fenômeno
expresso durante a sessão terapêutica. O terapeuta é livre para colocar em segundo plano
questões que são utilizadas como regra, se sentir que o fenômeno aponta em sentido
contrário.
através do brincar, que a criança poderá entrar em contato com seus sentimentos mais
autêntica, apesar dos obstáculos que se colocam frente a isso. Dessa forma, ela poderá
– Natural é as pessoas
se encontrarem e se
perderem.
– Natural é encontrar. Natural é
perder.
– Linhas paralelas se encontram
no
infinito.
– O infinito não acaba. O infinito
é
nunca.
– Ou sempre.
breve resumo dos atendimentos que realizei durante esse período. Apresento também
escolhido.
Beatriz3, 39 anos
Criada pelos tios-avôs − sua mãe biológica faleceu quando tinha apenas três meses de
idade e seu pai constituiu outra família − relatou que seus problemas se intensificaram
com a morte do “pai” (tio-avô), há cinco anos, por quem tinha “um amor
incondicional” (sic). Afirmou ainda que quando está muito ansiosa só consegue se
3
Os nomes utilizados neste relatório são fictícios a fim de garantir o sigilo terapêutico.
acalmar comendo ou comprando. Devido a isso, referiu estar tendo problemas de saúde
e dificuldades financeiras.
diálogo, o que sugere que o rapport foi bem estabelecido. Durante o acompanhamento,
entanto, foi interrompida na quinta sessão por desejo da própria cliente. Ela justificou tal
decisão alegando não estar preparada para “entrar em contato com determinadas
coisas” (sic).
Lúcia, 17 anos
A mãe de Lúcia procurou o SEPA em busca de psicoterapia para sua filha após
desta. Relatou que a jovem passou a apresentar desânimo e apatia em virtude de seu
problema dermatológico, “recusando-se inclusive a sair de casa quando está com a pele
que não estava ali por vontade própria, mas sim para atender um pedido da mãe e para
“ficar boa da psoríase” (sic). Tal postura, entretanto, não perdurou e no segundo
encontro (primeira sessão) ela já estava bem mais à vontade e aberta. Credito tal
Carlos, 24 anos
família e da sua noiva, os quais lhe atribuíam comportamentos agressivos. Relatou que
passou a se sentir muito ansioso e triste alguns meses após a morte do seu pai, no
da qualidade da relação que estávamos começando a esboçar. Como ele pareceu estar
ser questionado sobre seus sentimentos e emoções, eu me perguntei se não haveria algo
na relação que estivesse lhe bloqueando. Resolvi conversar com ele sobre isso,
conversa essa que nos levou a uma melhor compreensão dos seus modos-de-ser.
Concluímos juntos que o estava acontecendo na terapia era na realidade uma repetição
do que ocorria com ele nas suas relações cotidianas, ou seja, essa resistência era reflexo
da dificuldade própria do seu ser de pensar e refletir em termos de sentimentos, uma vez
que ele é uma pessoa muito racional. Compreender o que estava se passando foi
caso.
O trabalho terapêutico com Carlos teve como objetivo melhorar sua adaptação e
aceitação em relação à perda do pai; ampliar o seu auto-conhecimento e seu contato com
elaboração do luto do pai, mas permaneceu com a queixa de ansiedade. Resolvi então
medicamentoso.
foi interrompido após a 11ª sessão em virtude do término do curso, no entanto, eu dei
Lívia, 6 anos
A mãe e a avó trouxeram a queixa de que a garota apresenta uma série de medos
com movimentos bruscos; dentre outros) e que quando se encontra em uma dessas
biológica, a quem trata pelo nome, também morar com eles. O pai biológico está preso
por tráfico de drogas e sempre foi afastado da filha. A avó relatou que sempre tem
atitudes muitos permissivas em relação à neta, deixando-a fazer tudo que quer e
creditando essa postura ao “grande amor que tenho por ela” (sic). Referiu ainda que
psiquiátrico, mas que após alguns meses abandonou-os “por falta de tempo” (sic). A avó
afirmou também que acha a neta muito dependente dela e que por isso evita se ausentar
Já na primeira sessão Lívia se mostrou uma criança muito esperta e falante, além
estabelecido, o que ficou claro em muitas de suas falas (que ressaltavam a alegria que
brinquedos (principalmente os que estavam sujos de tinta), da pia (que também possui
marcas de tinta) e do quadro negro (que tem marcas de desenhos anteriores). Em quase
todas as sessões ela, em algum momento, tentava apagar as marcas contidas nesses
falta de tempo.
Emanuel, 23 anos (Estudo de Caso)
até a adolescência no interior do Estado quando então se mudou para Natal com o
objetivo de se preparar para prestar vestibular. Atualmente, mora numa das residências
aberto para que pudesse falar livremente dos seus sentimentos de rejeição, de solidão, de
tristeza. Como ele chegou à psicoterapia com uma necessidade muito grande de
“desabafar”, de falar e se sentir ouvido, minha atitude inicial foi a de proporcionar uma
apresentando no convívio social. Afirmou que não tem amigos, nem namorada e que por
isso se sente muito triste. Disse que não sabe como chegar até as pessoas para conversar,
que se considera desinteressante e sem papo, e que por esse motivo quando resolve sair
para uma festa sente necessidade de beber muito para criar coragem de se aproximar de
alguém. Relatou ainda que mesmo bebendo não tem sucesso na hora da conquista pois
“Nenhuma garota quer nada com um bêbado” (sic). Esse bloqueio social, segundo ele,
Contou ainda que tem muitos problemas na área sexual. Não se sente atraído
fisicamente por garotas da sua idade, e sim por meninas bem mais novas do que ele.
Enfatizou, contudo, que esse desejo por “menininhas de mais ou menos dez anos” (sic)
nunca passou para o plano da ação em virtude da consciência que tem que isso não está
correto. Prosseguiu dizendo que já tentou algumas vezes ter relações sexuais com
mulheres da sua faixa etária, mas que na maioria delas acabou não alcançando a ereção
Confesso que esse foi o momento deste processo terapêutico no qual a noção de
redução fenomenológica fez mais sentido para mim. Estava diante de uma pessoa que,
apesar de referir um modo-de-ser que vai diretamente de encontro com os meus valores
pessoais, não deixava de necessitar de cuidado e atenção. Percebi que só poderia ajudá-
estava na minha frente, clamando por compreensão. Senti, então, que o importante de
agora em diante era buscar enxergar os significados e sentidos escondidos por trás
conteúdo denso e pesado de suas falas iniciais, o que poderia sugerir confiança e
envolvimento por parte do cliente, a impressão que Emanuel me passou nessa conversa
drama de outra pessoa, como se não fosse ele mesmo o protagonista daquela história
que estava sendo contada. Muitos fatos e sentimentos foram relatados, mas o jovem não
demonstrou estar entrando em contato com o que estava sendo dito. Suas falas eram
Apesar dessa percepção, preferi não trazer essa questão diretamente à tona naquele
momento uma vez que estávamos apenas na primeira sessão. “Talvez − pensei − seja
necessário um pouco mais de tempo para que ele possa se abrir verdadeiramente para
sentir sua própria dor”. Não que eu acredite que para essas coisas haja tempo certo ou
creio também que ninguém melhor do que ele mesmo para sinalizar a chegada desse
momento. Cabia a mim, portanto, estar atenta para esses sinais. Pensei que se tivesse
calma e paciência, chegaria a hora na qual eu poderia colocar essa questão para ele e ela
faria sentido.
que sempre teve uma relação tumultuada com o pai, o qual, segundo ele, é muito
agressivo e repressor. Afirmou que nunca consegue agrada-lo, por mais que se esforce, e
que tudo que faz é motivo de críticas e gozações por parte do mesmo. Referiu ainda que
sua infância e sua adolescência foram muito difíceis devido às constantes violências
físicas e morais que sofria do pai e que, por isso, não pensa em voltar a morar com ele
apesar das dificuldades que vem enfrentando para permanecer residindo na capital
Estabeleceu, diversas vezes, uma relação direta entre seus problemas atuais e o
“Eu tenho certeza que sou do jeito que sou hoje por causa do meu pai. Foi
na minha infância que tudo começou... Ele não me deixava sair, brincar
como as outras crianças da minha idade porque dizia que eu incomodava.
Tudo que eu fazia era sempre errado e motivo de repreensões. Até hoje eu
sou, para ele, o filho bobão que não presta para nada e não faz nada
direito (...) Acho que de tanto ele falar eu acabei me transformando nisso
mesmo. Mas nada me tira da cabeça que a culpa é dele.”
Falou ainda que não gosta de pensar no futuro, que se sente desanimado e
pessimista em relação a vida, a qual, segundo suas palavras, não lhe reserva nada de
bom.
Na sessão seguinte, o jovem trouxe outro assunto muito delicado. Relatou com
detalhes um abuso sexual que sofreu quando tinha oito anos. Afirmou que foi levado de
moto junto com um colega (da mesma idade dele) por um homem de aproximadamente
40 anos conhecido do outro garoto. Os três seguiram para um sítio, aonde tudo
aconteceu. Emanuel contou que teve seus órgãos sexuais manipulados pelo homem e
que assistiu ele ser masturbado pelo outro garoto. Quando voltou para casa, muitas
horas depois (foi deixado a um quarteirão da sua residência) encontrou a polícia a sua
corpo de delito.
que isso o faz sofrer até hoje. “Mesmo depois de tantos anos, eu não gosto de ir para a
cidade dos meus pais. Parece que todo mundo lá conhece meu ponto fraco. Eu olho
para as pessoas e parece que eles estão o tempo todo me acusando pelo que
aconteceu”. Referiu ainda que carrega um sentimento de culpa muito grande por não ter
dito não, por ter subido na moto mesmo sem querer. Volta a falar a cerca da mágoa que
carrega do pai também por essa história. “Ele olhou para mim como se eu tivesse
cometido um crime. E além do mais, não fez nada para que o homem fosse punido. Pelo
contrário, não queria remexer no assunto para que todos esquecessem logo”.
Ao contar esse episódio, Emanuel se emocionou bastante. Pela primeira vez desde
que começamos o processo, ele demonstrou congruência entre seu discurso e suas
emoções. E digo isso não apenas pelo fato dele ter chorado, mas pelo tom pessoal e
próximo que imprimiu à sua fala. Dessa sessão em diante, pude perceber tal
Sai da sessão nesse dia muito tocada pela história de Emanuel. Até aquele
instante, só tinha ouvido queixas e reclamações, mas não tinha sentido a dor dele, não
tinha visto de fato sofrimento naquela existência que estava diante de mim. Após aquela
revelação, mudei minha forma de olhar para ele. É como se eu sentisse que ele tinha
Ao dividir esse meu sentimento na supervisão, fui alertada para não deixar que
minha afetação me penalizasse perante o meu cliente. Se eu passasse e sentir pena dele,
eu acabaria colocando-o numa posição inferior, frágil, e com certeza não era esse tipo de
relação que iria ajudá-lo. Ele precisava de alguém que olhasse para ele e enxergasse um
reconheço que o se seguiria era para mim uma incógnita. Não podia garantir nada, só a
diante.
lo:
Para a minha surpresa, nessa sessão não olhei para Emanuel com pena ou
desresponsabilização que ele vinha esboçando ao longo da sua vida, sempre colocando
nas pessoas e nas situações vividas a culpa por tudo de negativo que lhe acontecia. Uma
pessoas ao seu redor. “É claro que sua auto-estima, sua autopercepção − pensei − foram
fortemente marcadas por esse abuso e pela relação traumática que tem com o pai desde
a infância, mas isso não retira dele a responsabilidade do cuidado pelo seu ser, nem
muito menos engessa suas possibilidades existenciais”. Eu sabia disso, mas era
Meu intento então, nesse momento, foi o de trabalhar a idéia de que, apesar de
tudo de negativo e doloroso que já havia acontecido em sua vida, sua existência não
existenciais que dizem respeito ao seu ser. Precisava olhar para si mesmo e enxergar
alguém capaz de redirecionar o próprio caminho por estradas diferentes daquelas que
vinham sendo trilhadas até então, enfim, retomar as rédeas da sua vida e sair do lugar de
incapaz no qual lhe colocaram e do qual ele não conseguiu sair desde então.
O mais importante agora era que ele percebesse que uma mudança nesse sentido
dependia única e exclusivamente dele mesmo, que continuar depositando nos outros
(seu pai; seus colegas de residência; seus familiares) a culpa e a responsabilidade pela
atrofia da sua existência não ia ajudar em nada, pelo contrário, só faria com que cada
vez mais ele interiorizasse e cristalizasse essa posição de inábil. O objetivo, portanto,
era proporcionar a Emanuel uma possibilidade de olhar para trás e retirar dali não
motivos e desculpas para se sentir pequeno, menos que os outros, e sim força de
superação, gana de revelar ao mundo as suas outras facetas − mais saudáveis e positivas
para que ele se abrisse ao máximo para chegar a essa percepção. Talvez em alguns
momentos eu tenha pecado pelo excesso. Confesso que não consegui deixar de criar
entanto, foi essencial para me abrir o olhos. Compreendi que não se tratava de algo
simples, que se fosse fácil enxergar toda essa dinâmica, com certeza ele já o teria feito.
dificuldade de se relacionar com as pessoas. Relatou que sempre que tenta se aproximar
de alguma garota, para conquistá-la, ele se dá mal, pois não tem papo, não tem conversa.
Disse que já aconteceu muitas vezes de sair com alguma garota e ficar muito tempo
calado, “Elas me perguntam por que eu não falo nada, porque eu fico calado”. Isso
acontece também quando está com os colegas, “Todos ficam batendo papo e eu fico
mais calado”. Disse que “trava” nesses momentos e que acha que isso é culpa do pai,
pois quando era menor sempre que ele estava na frente dos outros e falava qualquer
coisa errada ou fora de hora o pai dele brigava muito. Até hoje não gosta nem de
namorar nem de conversar nada com ninguém na frente dos seus pais. Disse que caso
encontre algum colega na rua quando está na companhia dos seus pais, ele só diz um
“oi, bem sem graça”. Segundo ele, seu pai o repreende e critica por tudo.
por tudo de negativo que lhe acontecia, afastando-se da sua responsabilidade. Sua
reação era de uma total paralisação. Enquanto ele permanecesse nessa posição, seria
difícil que se engajasse, que se comprometesse de fato com a própria mudança. Era
necessário também que ele retirasse o foco dos sintomas, das dificuldades
existencial. A impressão que ele me passava durante nossas conversas é que sua vida
tinha se tornado um fardo pesado demais, que sua existência se resumia agora a um
apresentava essas dificuldades das quais tanto se queixava. Pelo contrário, ele chegava e
conversava muito, sempre tinha muito a dizer, e hora nenhuma me passou a imagem de
alguém desinteressante, que não sabe conversar ou não tem papo. Coloquei essa minha
percepção para ele, que reconheceu que nas nossas conversas ele conseguia se “soltar”.
trazia e a nossa relação. Meu intuito era fazer com que ele se desse conta de que seu ser
não tem que se revelar obrigatoriamente de uma única forma − neurotizada − ou seja,
que sua existência não está doente por inteira e que dessa forma ainda é possível
resgatar todo o seu potencial escondido, encoberto pelos sintomas, e que encontrava na
terapia um terreno propício para se revelar. A idéia era fazer com ele compreendesse que
se isso era passível de acontecer na terapia, então poderia também ocorrer lá fora, nas
uma situação na qual conseguiu agir de uma forma diferente da habitual e demonstrou
Nas sessões que se seguiram tentei trabalhar também a questão do sentido que ele
estava atribuindo a sua vida, dos caminhos que pretendia e que gostaria de trilhar.
máximo pensar no futuro. Dizia não acreditar que poderia sair da inércia na qual se
encontrava e que por isso entrava em depressão toda vez que resolvia pensar no porvir.
Apesar da sua fala, no entanto, eu sabia que em algum ponto do seu ser existia uma
faísca de esperança, de crédito pessoal. Se não, o que faria com que ele tivesse
A esta altura, portanto, busquei incitar algumas reflexões a cerca desse assunto.
amanhã.
“Não gosto de pensar no futuro. Sempre que faço isso crio expectativas, e
sempre que crio expectativas me dou mal. Prefiro seguir assim. Sem
pensar no futuro e sem criar expectativas. Acho que assim são maiores as
chances das coisas darem certo para mim.”
Apesar de toda essa resistência, todavia, o jovem passou a relatar alguns planos e
projetos a curto prazo. “Estou me esforçando ao máximo para terminar meu curso
ainda esse semestre. Dessa forma, vou ficar com o tempo mais livre para estudar para
concursos. Estou querendo fazer isso no próximo ano, estudar para concursos”. Eu
sabia que isso já era um movimento inicial, mas optei por não colocar, ainda, essa minha
percepção, pois tinha receio que isso freasse o processo. Achei que teríamos mais tempo
para trabalhar com calma essas e outras questões, mas o fato é que não tivemos, pois
últimas provas do semestre − e voltar após 30 dias. Eu expliquei que isso não seria
possível devido às normas do SEPA e que ele teria que decidir se daria prosseguimento
ou não. Ele agradeceu bastante, discorreu sobre a importância da terapia naquela fase
Admito que sua escolha me pegou de surpresa. Num primeiro momento não
consegui entender o que o tinha levado a tomar essa decisão, afinal seu processo vinha
alcançando resultados positivos e ele parecia satisfeito com isso. Perguntei-me várias
vezes se havia feito alguma coisa de errado, ou se tinha deixado de fazer algo
importante. Após alguns dias de reflexão, entretanto, cheguei à conclusão que seria
que talvez, por isso, o melhor mesmo fosse acreditar que eu o ajudei da melhor forma
que pude.
Se seus motivos foram outros além dos que me relatou no telefonema, eu nunca
saberei, mas de uma coisa eu tenho certeza: aquela pessoa que me ligou aquele dia não
era a mesma que tinha chegado alguns meses antes. Eu vi e presenciei nela um
crescimento considerável durante aquele período e disso eu não duvidava nem um
pouco.
É claro que haveria ainda muito a ser feito − o caminho até que alcançássemos a
apoiar no meio, para buscar apoio em si mesmo, ainda seria longo − caso ele tivesse
optado por ficar, mas se essa foi sua escolha, deveria ser porque era o melhor para ele
naquele momento.
Retornei à Fenomenologia para tentar dar sentido a tudo que havia se passado e
“A vida do paciente diz respeito primeiramente a ele mesmo, e é ele quem primeiro
conhece seus limites, quem sabe se quer ou não fazer mudanças em sua vida, e no caso
Resolvi escolher esse atendimento para relatar, pois sem dúvida foi o que mais me
afetou durante o estágio. Foi uma das experiências profissionais mais enriquecedoras
que tive, seja pelas características do caso, seja pelo progresso alcançado, seja pelo
e que necessitasse tanto de ajuda. Sabia que não seria fácil, mas a força e o potencial
que eu via brotar naquele ser me enchia de certeza que estávamos indo pelo caminho
certo.
percebo o quanto cresci com esse caso. Dou-me conta do quanto às angústias, as
pequenos desencontros, para ser mais precisa. Posso explicar melhor. Os desencontros
maravilhas que uma terapia pode fazer por alguém. Elogios que duraram pouco... até o
instante em que algumas de suas fichas começaram a cair e que um vestígio de sombra
começou a despontar do seu horizonte interior . Antes de sair pela porta e não voltar
mais ela disse que não estava preparada para descobrir “determinadas coisas”. E eu
expectativas estavam novamente a mil por hora afinal − enfim − eu teria a oportunidade
ignorância − as coisas devem ser mais simples”. Não que eu imaginasse que fosse ser
fácil, não se trata disso, mas me sentia muito confortável com a idéia de que as crianças
são sempre mais espontâneas e autênticas que os adultos. Mal sabia eu que esse ponto
convidou para brincar com ela. “Você pode brincar também”, ela disse após pegar uma
povoar minha cabeça naquele momento: Será que eu posso brincar naturalmente com
ela, ou será que minha atuação livre vai interferir no processo e direcionar a
terapeuta para que o mesmo não deixasse de oferecer à criança a possibilidade de ela
mesma conduzir o brincar. Mas qual era, na prática, o limite? Deveria eu esperar para
ver quais eram os caminhos que ela ia tomando? Mas isso não seria um brincar
dela se eu mesma não oferecesse isso também? Saí da sala naquele dia com muitas
previsões mais otimistas, as angústias não desapareceram, apenas foram cedendo espaço
instante me diz, sem a menor cerimônia, que não gosta muito de ir a psicólogos e que
está ali mais para atender a um desejo da mãe do que por vontade própria? Ou ainda,
como não me sentir insegura ante meu primeiro paciente com transtorno psiquiátrico?
Sentia-me cada vez mais sem rumo, sem respostas para tantas perguntas...
Isso tudo me fez pensar: “Que profissão estranha essa que eu escolhi!” Passei
quatro anos da minha vida estudando conceitos e conhecendo as mais diversas teorias
quando eu realmente me encontro frente à frente com pessoas, seres humanos em busca
de ajuda, agora que verdadeiramente preciso de uma base sólida na qual me apoiar,
percebo que nada disso me oferece garantias! Para quê me serviram, afinal, todas as
incontáveis horas de aula se elas não me prepararam para as reais situações com as
teóricas? Aonde foi parar aquele conhecimento prontinho e arrumadinho que eu via
surgiu uma luz e as coisas começaram a mudar: Nada de bússolas! Nada de certo e
errado! Nada de caminhos delineados! Percebi, finalmente, que uma boa terapia não se
faz com conhecimentos prontos, com teorizações complexas, com técnicas precisas. A
partir da minha própria vivência pude me dar conta de que acompanhar alguém nesse
mergulho interior que é a psicoterapia se faz sendo humano, sendo afetuoso, sendo
ético. Sendo gente e estando presente dessa forma na relação. Aprendi (a duras penas!)
que os referencias teóricos são apenas isso... referências que não podem nos aprisionar,
nos limitar, nos fazer refém. Compreendi que, quando estou diante do meu cliente,
preciso ir além, ultrapassar os limites de tudo que já foi feito e dito sobre Psicologia,
para de fato poder ser útil uma vez que essa pessoa sempre vai trazer algo de
posso fazer isso? Acreditando na lógica das minhas decisões, na força da minha
intuição, na importância das minhas descobertas e, talvez, até na coerência das minhas
pequenas transgressões!
Apesar de toda essa consciência, entretanto, percebo que ainda hoje ao final do
encontro angustiada e aflita com algum atendimento. Nesses instantes tento não me
esquecer de outra grande lição que essa experiência de estágio me proporcionou: se tudo
exatamente da forma que desejo, não haveria conflitos, nem angústias... mas também
não haveria movimento, não haveria a graça de ter o que aprimorar, o que buscar... Eu
não teria sofrimento, mas também não teria o prazer de superá-los e o privilégio de
Nesse ponto queria abrir um parêntese. Falando assim fica parecendo que todos
reflexões que elas suscitaram em mim. Isso não é verdade. Muito do que eu aprendi
devo às inúmeras horas de supervisão em grupo nas quais dividimos eu, meus colegas
oferecer uma escuta diferenciada para os nossos clientes, também buscamos ouvir de
coração aberto uns aos outros; Solidariedade, à medida que as dificuldades enfrentadas
por cada um de nós nunca foram encaradas pelo grupo como fraqueza, incompetência
Hoje, olhando para trás, reconheço até mesmo o quanto me foram necessários e
acreditar que eles não tinham me capacitado para enfrentar os obstáculos com os quais
eu estava me deparando na prática profissional). Como fui tola e injusta! É claro que eu
não deveria esperar da Psicologia sendo ela uma ciência subjetiva, multidimensional,
abstrata, vivencial a mesma segurança que oferecem outras ciências mais objetivas e
concretas! Mas isso não diminui a sua validade e importância! Agora acho, inclusive,
que é aí que está contida toda riqueza do nosso ofício: uma profissão que é fascinante
exatamente porque não de-limita, não oferece as respostas de bandeja, ao contrário, nos
que me foi passado à medida que ia estudando cada teoria, cada conceito como uma
conhecimento que não era “figura” nas disciplinas e aulas, mas que mesmo assim
ultrapassou a barreira da percepção e chegou de alguma forma, e se instalou... e me fez
ter um olhar distinto sobre o mundo, uma escuta diferenciada das coisas... e fez de mim
uma psicóloga.
Agora, passadas todas essas experiências, todas essas emoções, sei que o que
está em jogo na minha formação (que não se restringe aos cinco anos de curso, e sim
abarca toda minha trajetória profissional passada, presente e futura) não é aprender a ser
demais estagiários que fizeram parte do meu grupo de estágio. Muitas das reflexões e
Somente por questões burocráticas e formais me apresento como única autora do mesmo
relatório e escrevo na primeira pessoa, mas deixando claro, no entanto, que esses
escritos não foram uma produção apenas minha, mas também de mais sete colegas e da
mesmos na confecção deste relatório, assim como minha eterna gratidão pela chance e
honra de poder representá-los. O texto que se segue foi escrito em homenagem a essas
Não sei o porquê, mas tenho escutado aqui e ali que Humanismo saiu de
moda.
As pessoas não querem mais pensar sobre suas existências, sobres os
sentidos e significados da vida. Querem no máximo relatar seus sintomas,
receber em troca uma receita de remédio ou uma tarefa de casa e
voltarem satisfeitas para seus lares, com a consciência “tranqüila” e uma
pá de areia em cima das suas dores. Ah! Até a próxima recaída...
Os mais moderninhos se satisfazem esmurrando algumas almofadas e
dando uns socos na parede. Como se já não tivéssemos que travar uma
briga diária com nossos próprios fantasmas para sobreviver lúcidos nesse
mundo insano que nos rodeia...
Que história é essa que Humanismo saiu de moda?
Tá, tudo bem, eu concordo. Mas acho que o buraco é mais embaixo. A
crise é, sobretudo, de valores.
Penso que deve haver algo de errado numa época na qual falta tempo até
para se viver.
As pessoas não mais administram seus horários, e sim são administradas
por eles.
Vivem correndo de um lado para o outro, acumulando conhecimentos
sobre o mundo e informações sobre as coisas... Mas tornando-se cada vez
mais ignorantes de si mesmas.
Ninguém quer perder tempo olhando para dentro.
A preocupação agora é com o que fica de fora, à vista. Afinal, estamos na
era da imagem, da embalagem.
O que importa agora é ter, e não ser.
É aparentar, e não vivenciar.
É consumir, e não sentir.
Não! Para mim chega!
Assumo-me demodê. Insisto em remar contra a maré.
E sei que não estarei sozinha nesse barco.
Contarei com a companhia de oito almas cúmplices e parceiras.
Seremos, portanto, nove tripulantes de uma embarcação que segue rumo a
um sonho.
O sonho de fazer uma Psicologia comprometida não com as exigências do
mercado ou com as tendências da modernidade, mas sim com a sensatez,
com o cuidado, com o interesse manso e sincero pelo outro que nos chega.
Uma Psicologia que não contribua para o alheamento das pessoas, e sim
que caminhe na direção do resgate da singularidade. Que se abra para o
universo de significados existentes no íntimo de cada Ser e extraia dali sua
verdade.
Se o Humanismo saiu ou não de moda, para mim não mais importa...
O importante é saber que dentro desse grupo, dessa família, ele ainda
reina soberano e absoluto.
Alessandra Sampaio
11. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Liberdade é a possibilidade de
duvidar, de errar, de procurar e
experimentar, a possibilidade de
dizer não a qualquer autoridade.
Ignazio Silone
Ao longo do estágio fui lançada num espaço de liberdade, onde fui incitada a atuar
de acordo com o meu modo de ser, sem indicação de caminhos seguros e moldes certos
ou errados de agir. Tive de voltar o olhar para o meu fazer e compreendê-lo no contexto
das teorias e das técnicas, questionando-me a respeito do que fazia sentido para mim em
minha prática. Isso, por si só, já constituiu uma tarefa angustiante e reveladora; uma
busca sem roteiros pré-estabelecidos pelo meu próprio e singular modo de ser terapeuta.
como pessoa, como psicoterapeuta e como membro do grupo de estágio. Assumiu, aos
poucos, uma dinâmica própria: a minha. Ao me deparar com meus desejos, incertezas e
receios, fui me dando conta de mim mesma, aceitando e responsabilizando-me pelo meu
modo de agir. Por trás desse modo, descobri não só limites e dúvidas, mas também uma
imensa disposição para me deixar tocar frente à possibilidade de ouvir e ajudar. Muitas
puderam ser conectados com o fazer psicológico e, dessa forma, como embasamento e
Posso dizer que um dos principais aprendizados dessa experiência foi entrar em
com o ser subjetivo e, ao invés de tentar fechá-las – tarefa que não pode ser realizada,
sob pena de uma grande perda da riqueza do fenômeno – aceitá-las abertas como
parceiras de percurso. Desta forma, foi somente através dessa liberdade, dessa abertura
Destaco ainda que entrar em contato com a pessoa do cliente, poder acompanhar
seu crescimento, partilhar suas conquistas e alegrias, sentir-se feliz com o seu caminhar
e com cada passo à frente que ele ousa dar, isso tudo também fez parte do meu percurso,
pois aprendi a compartilhar, a estar junto não só nos momentos difíceis, mas também
nos bons. E compreendi que o cliente é ele mesmo sua principal força, que ele é o maior
responsável por sua existência, mas também que nós terapeutas fomos e somos
Esse estágio foi, antes de tudo, um encontro comigo mesmo, uma confirmação da
minha escolha profissional feita anos atrás. Uma caminhada que envolveu muita
emoção, descoberta, dor, alívio e acima de tudo, certeza de que quero seguir na
Psicologia Clínica.
de meu contato com a instituição durante o meu ano de estágio, algumas sugestões.
Considero importante que seja feita para o estagiário iniciante uma apresentação
que poderia ser realizada em comum com todos os estagiários e supervisores no início
do ano.
iluminação, etc). Da mesma forma, é necessário maior atenção com a sala dos
uma lista organizada e atualizada dos profissionais – psicólogos e outros – que possuem
sociais.
13. REFERÊNCIAS