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RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO

EM PSICOLOGIA NA PREVENÇÃO E
PROMOÇÃO DA SAÚDE

JAYDLANE LIMA DE OLIVEIRA DA SILVA

Maceió
2018
SILVA, Jaydlane Lima de o. Da

RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO


EM PSICOLOGIA NA PREVENÇÃO E
PROMOÇÃO DA SAÚDE

Relatório elaborado sob a orientação


da Profa. Doriana Setúbal
correspondente ao Estágio Curricular
Obrigatório em Psicologia na
prevenção e promoção da saude e
apresentado à mesma como requisito
para à obtenção de nota da AV2

Maceió
2018

2
RESUMO

O presente relatório trata da prática do estágio curricular em Psicologia na Prevenção e


Promoção da Saúde tomando-se por base a Abordagem Fenomenológico-Existencial e o
uso de recursos da Gestalt-terapia e da Ludoterapia Não-Diretiva. Relata a
caracterização e as vivências comuns ao grupo de estágio do qual fui integrante, além
das opiniões oriundas de vários momentos de troca e discussões a respeito das
experiências vividas − em consonância com os princípios teóricos que fundamentam o
trabalho. Contém ainda o registro dos aspectos mais singulares da minha vivência. Na
primeira parte do relatório, portanto, são encontradas informações gerais: (a)
caracterização do campo de estágio; (b) objetivos (geral e específicos); (c) justificativa;
(d) plano de estágio; (e) atividades desenvolvidas no estágio e, por fim, (f) um passeio
na orientação teórica que embasa o trabalho. Em seguida, são encontrados os relatos dos
atendimentos que realizei ao longo do estágio, além do estudo de um dos casos
atendidos. Ao final do relatório estão presentes algumas considerações a respeito da
experiência de estágio e as referências bibliográficas.

Palavras-chave: Estágio; Psicologia Clínica; Abordagem Fenomenológico-Existencial;


Agradecimentos

Ao meu grupo de companheiros de estágio − e eternos amigos − que


compartilharam comigo as alegrias e dificuldades do trabalho clínico e me
ajudaram na redação deste relatório: Ana Paula Araújo, Cibelle Bandeira,
Felipe Serquiz, Mariana Mendonça, Melina Séfora, Sheila Rêgo e Thiago
Félix. A todos vocês, minha eterna gratidão.
Sumário

Resumo......................................................................................................................... 03
1. Introdução................................................................................................................. 06
2. Caracterização do Campo de Estágio......................................................................08
3. Objetivos do Estágio em Psicologia Clínica........................................................... 10
3.1. Objetivo Geral................................................................................................10
3.2. Objetivos Específicos.....................................................................................10
4. Justificativa............................................................................................................. 11
5. Plano de Estágio...................................................................................................... 12
5.1. Identificação...................................................................................................12
5.2. Área(s) de Conhecimento Envolvida(s) no Estágio.......................................12
5.3. Atividades a Serem Desenvolvidas pelo Estagiário............................................13
5.3.1. Individual..................................................................................................13
5.3.2. Em Grupo..................................................................................................13
5.4. Programação...................................................................................................14
5.5. Modificações no Plano de Estágio................................................................. 14
6. Atividades Realizadas............................................................................................. 16
6.1. Atendimento de Triagem................................................................................16
6.2. Registro das Sessões...................................................................................... 18
6.3. Leitura de Textos............................................................................................19
6.4. Atendimento em Psicoterapia........................................................................ 19
6.4.1. Atendimento com Criança – Ludoterapia..................................................20
6.4.2. Atendimento com Adolescente..................................................................21
6.4.3. Atendimento com Adulto...........................................................................21
6.5. Supervisão do Estágio.................................................................................... 23
6.6. Produção de Um Livro com Depoimentos.....................................................25
7. Fundamentação Teórica...........................................................................................26
7.1. Fenomenologia...............................................................................................26
7.2. Existencialismo.............................................................................................. 32
7.3. Humanismo.................................................................................................... 34
7.4. Psicoterapia na Abordagem Fenomenológico-Existencial................................. 35
7.5. Gestalt-Terapia............................................................................................... 39
7.5.1. Psicologia da Gestalt..................................................................................40
7.5.2. A Gestalt-Terapia e suas Influências..........................................................49
7.6. Ludoterapia.....................................................................................................60
8. Relato dos Atendimentos e Casuística.................................................................... 66
9. Desenrolar das Atividades e Desafios Enfrentados.................................................82
10. Considerações........................................................................................................87
11. Considerações Finais.............................................................................................89
12. Sugestões...............................................................................................................92
13. Referências Bibliográficas....................................................................................93
1. INTRODUÇÃO

O quinto e último ano da graduação em Psicologia da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte (UFRN) é marcado pela realização do estágio curricular

obrigatório para a obtenção do grau de psicólogo. Nesse momento, os alunos se dividem

em subgrupos de supervisão de acordo com a definição da área e da abordagem teórica

do estágio. Atualmente a instituição oferece estágio nas seguintes áreas: Psicologia

Clínica, Psicologia Hospitalar, Psicologia Escolar, Psicologia Organizacional, Psicologia

Social e Psicologia Comunitária. Na área da Psicologia Clínica, dispõe de supervisores

que atuam embasados em quatro abordagens teóricas: Psicanálise, Fenomenológico-

existencial, Cognitivo-comportamental e Transpessoal.

Desse modo, passei a integrar um grupo de oito estagiários que escolheram atuar

na área da Psicologia Clínica, fundamentados na Abordagem Fenomenológico-

Existencial com ênfase na Gestal-terapia.

O presente relatório tem o objetivo de retratar a minha trajetória durante o estágio.

Relato a caracterização e as vivências comuns ao grupo de estágio, além das opiniões

oriundas de vários momentos de troca e discussões a respeito das experiências vividas.

E, individualmente, registro os aspectos mais singulares da minha vivência.

Na primeira parte do relatório, portanto, são encontradas informações gerais:

caracterização do campo de estágio; objetivos (geral e específicos); justificativa; plano

de estágio; atividades desenvolvidas no estágio e, por fim, um passeio na orientação

teórica que fundamenta o trabalho.

Em seguida, apresento os relatos dos atendimentos que realizei ao longo do

estágio, além do estudo de um dos casos atendidos.


Ao final do relatório estão presentes algumas considerações a respeito da

experiência de estágio e as referências bibliográficas.


2. CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO DE ESTÁGIO

O Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA) foi criado em 1965, dez anos antes da

implantação do curso de Psicologia da UFRN. No início esteve vinculado

administrativamente à Reitoria da Universidade, sendo posteriormente, transferido para

o Centro de Ciência Humanas, Letras e Artes (CCHLA), órgão que assumiu a

responsabilidade burocrática e administrativa do SEPA.

No início de suas atividades, o SEPA possuía o referencial clínico-psicométrico

como base predominante de seus atendimentos. Atualmente a instituição possui o

caráter de clínica-escola, atuando como campo de aulas práticas e estágios

supervisionados.

O SEPA possui como objetivos e diretrizes de trabalho:

 Prestar serviços psicológicos à comunidade, sob forma de atendimentos em

Psicologia Clínica e Psicopedagogia;

 Servir de estabelecimento para a prática de estágio supervisionado e/ou

atividades práticas para os alunos do curso de Psicologia da UFRN, e;

 Desenvolver atividades voltadas para a extensão universitária (cursos e

projetos).

No que se refere à estrutura administrativa, a instituição é composta por técnicos

(psicólogos e psicopedagogos), contando também com servidores na secretaria,

recepção e serviços gerais. Contém 02 salas de ludoterapia, 02 salas de psicopedagogia,

05 salas de atendimento individual para psicoterapias com adolescentes e/ou adultos, 02

salas de supervisão, 01 sala de reunião, 01 sala de dinâmica de grupo, 02 salas de

psicodiagnóstico, 02 salas de aula, 01 sala de triagem, 01 sala de estagiários, 01 sala de

técnicos, 01 almoxarifado, 01 sala de direção, 01 sala de secretaria, 01 sala de arquivo,


02 banheiros para funcionários, 01 copa, 02 banheiros para a clientela, 01 sala de

consultoria, 01 sala de espera e 01 sala de recepção.

Atualmente o Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA) oferece os serviços de

psicoterapia individual (para crianças, adolescentes e adultos), psicodiagnóstico,

psicopedagogia, triagem, consultoria organizacional, orientação profissional e

psicoterapia de grupo. Ressalto, contudo, que minha experiência de estágio abarcou

apenas as atividades de triagem e psicoterapia individual (nas três modalidades).


3. OBJETIVOS DO ESTÁGIO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

3.1. Objetivo Geral:

Propiciar a vivência da prática da Psicologia Clínica fundamentada pela

orientação teórica Fenomenológico-Existencial, fazendo uso de recursos da Gestalt-

terapia, de modo a aplicar e ampliar os conhecimentos adquiridos durante nossa

formação teórica.

Sua prática está direcionada ao atendimento psicológico no SEPA à população

que não dispõe de condições financeiras de investir em um tratamento psicológico

em clínicas particulares.

3.2. Objetivos Específicos:

 Possibilitar o exercício de uma escuta e intervenção clínicas a partir da

compreensão da relação entre terapeuta e cliente como um encontro existencial;

 Aprofundar a compreensão dos pressupostos teórico-filosóficos do Humanismo,

Existencialismo e Fenomenologia por meio da experiência clínica supervisionada;

 Aprofundar os conhecimentos teórico-práticos da Gestalt-terapia;

 Amparar as primeiras experiências profissionais por meio da supervisão que

facilite a compreensão dos fenômenos emergentes nessa experiência;

 Utilizar os momentos de supervisão em grupo para compartilhar experiências

individuais do estágio ajudando a compreendê-las.


4. JUSTIFICATIVA

A realização do estágio no último ano do curso de Psicologia (nono e décimo

períodos) justifica-se pelo atendimento às exigências curriculares da formação do

psicólogo. Dessa forma, faz-se necessária a experiência do estágio supervisionado como

condição para o reconhecimento do profissional psicólogo.

O estágio tem sua importância justificada também por se caracterizar como um

momento fundamental na interface da formação e da atuação profissional do psicólogo,

uma vez que oferece suporte a vivência e compreensão destas primeiras experiências

profissionais por meio das supervisões.

A escolha por esse estágio dentre as outras modalidades de estágio oferecidas se

deve ao grande interesse que a área clínica − e mais especificamente a Abordagem

Fenomenológico-Existencial − desperta em mim. Ao longo dos quatro anos de curso que

antecederam o estágio, pude conhecer um pouco cada uma das principais abordagens

psicológicas (Psicanálise, Cognitivo-Comportamental, Transpessoal e Fenomenológico-

Existencial) e perceber que me identificava, enquanto estudante de Psicologia e

enquanto pessoa, mais com esta última do que com as demais.


5. PLANO DE ESTÁGIO

O plano de estágio é um documento elaborado pelo aluno no início do ano que

tem como finalidade descrever, de maneira sucinta, como este pretende desenvolver seu

processo de estágio supervisionado. Constam nesse documento dados de identificação

do estagiário, as áreas de conhecimento que o aluno pretende ter contato, as atividades a

serem desenvolvidas (individual e em grupo), assim como um cronograma inicial que

organiza e orienta o desenvolvimento das atividades.

5.1 Identificação:

Nome: Alessandra de Andrade Sampaio

Disciplina: Estágio Supervisionado I e II; PSI 800 e PSI 801

Supervisora: Doriana Silva de Souza Feitosa Setúbal

Formação Profissional: Psicologia Clínica

Número de Créditos: 12

Período: Nono e Décimo

Local: SEPA (Serviço de Psicologia Aplicada)/UFRN

5.2 Área(s) de Conhecimento Envolvida(s) no Estágio:

 Psicologia Clínica;

 Abordagem Fenomenológico-Existencial;

 Gestal-terapia;

 Ludoterapia;

 Psicologia do Desenvolvimento;
 Psicopatologia;

 Teorias de Grupo;

 Ética Profissional;

 Psicossomática;

 Sexualidade;

 Drogadição.

5.3 Atividades a serem desenvolvidas pelo (a) Estagiário (a):


5.3.1 Individual:

 Realização de uma triagem por semana;

 Preenchimento de fichas com os principais dados clínicos da triagem;

 Realização de três atendimentos (criança, adolescente, adulto) semanais;

 Orientação aos pais e/ou responsáveis;

 Relato escrito das sessões.

5.3.2 Grupal:
 Leitura de textos de acordo com a demanda dos casos;

 Vivências em grupo;

 Reunião em grupo para avaliação e auto-avaliação;

 Supervisão para encaminhamento dos casos de triagem;

 Supervisão para acompanhamento dos casos em atendimento;

 Elaboração do relatório final de estágio;


5.4 Programação:

O estágio será realizado entre março e dezembro de 2006. Ao final desse

período, é esperado que cada estagiário tenha cumprido as 540 horas previstas na grade

curricular do curso. Semanalmente, o aluno disponibilizará 20 horas que serão

distribuídas entre supervisão (6h semanais), triagem e atendimentos individuais e/ou

grupais.

Cada estagiário ficará responsável de acompanhar, no mínimo, 3 clientes em

atendimento de psicoterapia individual e/ou ludoterapia. Existirá ainda a possibilidade

de realizar psicoterapia em grupo. As sessões ocorrerão de acordo com a

disponibilidade de horário dos clientes e dos estagiários, respeitando as peculiaridades

de cada caso.

5.5 Modificações no Plano de Estágio

O plano de estágio, como já citado, é elaborado no início do ano, ou seja, antes do

aluno iniciar de fato a prática. Dessa forma, está sujeito a alterações no transcorrer desse

período. Essas alterações dependem da disponibilidade do aluno para cumprir

exatamente o que propôs, assim como da configuração das demandas que a eles se

apresentam.

Diante disso, foi observado que na prática o número de clientes sugeridos no plano

de estágio funcionou como uma referência inicial, uma vez que esse número variou de

acordo com a disponibilidade e interesse de cada estagiário. Da mesma forma, a faixa

etária dos clientes (criança, adolescente e adulto) também sofreu alterações, onde alguns

estagiários atenderam somente crianças, por exemplo. A opção pelo atendimento

individual e/ou em grupo também ficou a critério de cada um.


A minha experiência de estágio contemplou atendimento individual nas três

modalidades (infantil, adolescente e adulto), no entanto não embarcou atendimento em

grupo.
6. ATIVIDADES REALIZADAS

6.1. Atendimento de Triagem

O serviço de triagem tem como objetivo promover a seleção da clientela e análise

da demanda apresentada por essa em conformidade com os serviços oferecidos e os

critérios da instituição1, por meio de uma escuta inicial.

A permanência do cliente no SEPA, após a triagem, dependerá de sua adequação

ao critério da renda mínima (1 a 5 salários mínimos), da disponibilidade de vagas, da

existência do atendimento indicado e das implicações clínicas do caso. O setor de

triagem é responsável pelo levantamento estatístico, bem como pelo controle de

fluxograma de atendimentos e encaminhamentos.

Os horários de triagem obedecem a uma escala da qual fazem parte os técnicos, os

estagiários e os estudantes do oitavo período. Os responsáveis pela triagem possuem

horários fixos semanais nos quais devem permanecer na instituição.

Durante a triagem, além da escuta da queixa, são coletados do cliente seus dados

de identificação, renda familiar e disponibilidade de tempo por meio do preenchimento

de uma ficha. Após isso, o psicólogo, mediante a abordagem utilizada, poderá esclarecer

a demanda do cliente e qual tipo de tratamento mais adequado, fazer a orientação

terapêutica e encaminhá-lo quando necessário.

No que diz respeito ao processo de triagem com criança, inicialmente é realizada

uma entrevista com os pais e/ou responsáveis com a finalidade de compreender o que

motivou a busca pelo serviço. Em seguida (outro dia), realiza-se a “hora do jogo” com a

criança onde ela pode se expressar mais genuinamente no brincar, uma vez que esse

1
Informações retiradas do Manual do Estagiário do SEPA.
momento acontece na sala de ludoterapia. Por fim, acontece um novo encontro com os

pais e/ou responsáveis, procedendo-se ao devido encaminhamento.

Quanto ao adolescente, de início a escuta é realizada preferencialmente com este, e

em seguida, com os pais e/ou responsáveis. A entrevista de devolução ocorre com ambas

as partes, em momentos diferentes e individualizados.

O atendimento de triagem descrito faz parte do Manual do Estagiário do SEPA,

portanto, refere-se a uma atividade padrão básica que os estagiários devem seguir com

vistas a cumprir os objetivos práticos da instituição. No entanto, o atendimento de

triagem pode ir além desses objetivos, de acordo com as especificidades de cada

abordagem.

Baseado na Abordagem Fenomenológico-Existencial, o trabalho de triagem

adotado pelo meu grupo de estágio partiu do pressuposto que o momento da triagem

deve ser marcado por uma escuta verdadeira, por um encontro existencial, para que o

outro que nos chega se sinta verdadeiramente ouvido e acolhido. Acreditamos que desse

encontro genuíno pode surgir uma nova forma de olhar, uma nova maneira de enxergar

as situações. Giovanetti (1989) reserva o termo encontro "para uma situação onde o

outro (aquele com o qual entro em relação) afeta, de alguma maneira, o curso de minha

existência, principalmente na dimensão em que ele (o outro) me faz crescer”. É desse

encontro, portanto, que estamos tratando.

Trata-se de um movimento inicial que funciona como uma “preparação” do

indivíduo para que o mesmo dê início a uma longa jornada (psicoterapia) que pode ou

não vir a se efetivar, dependendo − dentre outras coisas − da natureza desse encontro

primeiro. Daí a importância de que o terapeuta propicie um clima de muita

autenticidade, respeito e cuidado nesse instante.


Se recorrermos aos objetivos formais2 de uma triagem, veremos que as finalidades

desta entrevista podem ser alcançadas sem que se passe necessariamente por esse

encontro existencial. Mas se levarmos em conta que o movimento de “pedir ajuda” que

se dá por parte do cliente já se iniciou, e que nesse movimento cada passo tem seu valor,

não podemos desconsiderar o peso desse encontro e, portanto, a relevância de que haja

uma abertura − pelo menos por parte do psicólogo que está realizando a triagem − para

essa verdadeira escuta.

A triagem, portanto, deve − assim como todo encontro que se pretenda pessoal −

ser uma busca permanente de uma relação interpessoal que inclui a afirmação do outro

como pessoa, o reconhecimento que profissional e cliente são o mesmo tipo de ser. E

esse encontro, apesar de não se caracterizar como psicoterapia, é por si só terapêutico.

6.2. Registro das Sessões

O registro das sessões foi realizado por meio de relatos escritos fidedignos (o

máximo possível) aos encontros com os clientes, tentando reproduzir diálogos,

silêncios, impressões e sentimentos.

O relato preciso tinha objetivo de facilitar a compreensão do desenvolvimento da

sessão, observando aspectos que tendem a escapar do olhar primeiro do terapeuta.

Redigir as sessões permite lançar um novo olhar sobre o atendimento, o fenômeno do

ser do cliente e a relação dialética estabelecida.

Disponibilizar o relato à leitura da supervisora e dos demais estagiários, permite

que eles tenham uma compreensão mais fidedigna do que aconteceu na sessão

2
Retirados do Manual do Estagiário do SEPA e já citados mais acima.
(inclusive fatos que podem ter escapado ao olhar do terapeuta), reunindo condições de

realizar uma orientação adequada que viabilize o acompanhamento do caso.

6.3. Leitura de Textos

Inicialmente, foi oferecida uma bibliografia básica pela orientadora de estágio. Ao

longo do estágio, foram indicados textos específicos para as demandas de cada aluno

relacionadas às suas práticas.

6.4. Atendimento em Psicoterapia

O atendimento psicoterápico na abordagem da Gestalt-terapia está fundamentado

num único arcabouço teórico-prático; porém, como o próprio Perls assentiu, a Gestalt-

Terapia não tem pretensões de se firmar como uma teoria acabada com definições

inquestionáveis, podendo estar se adequando responsavelmente às aplicações diversas

quando se fizer necessário. É pensando nesses termos que se tornou extremamente

relevante, notificar as diferentes experiências de atendimento relacionadas,

principalmente, a diversidade de idade dos sujeitos que procuravam a instituição durante

o período de estágio.

Compreende-se assim que a contextualização do cliente no setting pode aferir

demandas específicas no manuseio da abordagem, imprimindo no processo terapêutico

necessidades especiais que devem ser contempladas minimamente pelo psicoterapeuta

em atuação para efetivar o processo de uma forma compatível com as possibilidades do

cliente.
6.4.1. Atendimento com Criança – Ludoterapia

O atendimento infantil caracteriza-se, geralmente, por uma iniciativa dos pais pela

procura do psicólogo ou pelo encaminhamento da escola ou instituição. Num primeiro

momento, é realizada uma entrevista inicial com os pais, a fim de ouvir a queixa que

eles trazem a respeito da criança.

Em seguida é realizada a entrevista de anamnese, uma forma de coletar dados

sobre o desenvolvimento da criança desde o período pré-natal, observando aspectos

como sociabilidade, ambiente familiar, escolaridade, história médica da criança,

sexualidade, entre outros. Esses dados possibilitarão ao psicoterapeuta compreender

melhor a criança e estabelecer relações com a queixa e o que é observado na criança

durante as sessões na sala de ludoterapia.

No primeiro encontro com a criança, pode ser realizada uma entrevista verbal, que

tem como finalidade estabelecer o rapport, ter um primeiro contato com a criança e

possibilitar a expressão de seus sentimentos verbalmente através de uma conversa sobre

alguns temas da sua vida.

Os próximos encontros com a criança vão acontecer na sala de ludoterapia, em

geral com sessões semanais de 50 minutos. Os encontros com os pais terão como

finalidade obter mais dados sobre a criança e dar uma orientação que lhes permita

entender o que se passa com seu filho e promover mudanças no ambiente familiar. Estes

encontros podem se dar uma vez por mês, variando de acordo com a necessidade do

terapeuta, dos pais ou da criança.


6.4.2. Atendimento com Adolescente

O atendimento com adolescentes pode demandar do psicoterapeuta maior atenção

às características psicológicas gerais dessa “fase”. É mais freqüente, por exemplo, uma

certa instabilidade nas questões que o trazem até a psicoterapia; sendo relativamente

comum: a inconstância do foco, do discurso e das atitudes perante o processo em

questão.

É devido a fatores como esses que é importante prolongar os contatos iniciais, de

forma a estabelecer na relação psicoterapeuta-cliente, além da confiança e abertura

necessária - rapport, um momento a mais para a satisfação da insegurança característica

dessa fase e dúvidas que estão implicadas notadamente nestes discursos. O adolescente

pode encontrar dificuldades para se fazer entender caso o psicoterapeuta não esteja

atento para seus padrões de comunicação. Sendo fundamental que o profissional esteja

minimamente integrado às conjecturas de sua linguagem (sejam elas, gírias, culturas

urbanas, músicas, estilos, etc.), entendendo-as em sua forma genuína de expressão. É

nesse sentido que muitas das vezes os adolescentes encontram as melhores

possibilidades para expressar seus sentimentos e se encontrar com o próprio processo.

6.4.3. Atendimento com Adulto

O atendimento com adultos pode ser destacado como um padrão já construído na

complexidade da teoria. Inicialmente, nos primeiros encontros, é importante que, na

relação, possam ser esclarecidas as demandas trazidas pelo cliente; clarificando a queixa

inicial, o contrato psicológico, aprofundando as nuances da relação e sanando as

dúvidas que acompanham o início do processo.


O contrato terapêutico (ou psicológico) verbal em que são acordados os horários

das sessões, as faltas, os honorários, o sigilo das informações e a responsabilização

conseqüente ao não seguimento do contrato norteiam o processo desde seu primeiro dia

e podem, assim, dar segurança ao cliente quanto às possibilidades ali implicadas, uma

vez que já são conhecidas.

Durante as sessões, a relação cliente-terapeuta está sempre em foco. É incentivada

a ênfase no aqui-agora da sessão – o que emerge no (do) contato como proeminência

subjetiva –, seus sentimentos, sua forma de atuação no mundo. Também é possível se

fazer experimentos ou propor tarefas-de-casa como forma de vivenciar mais diretamente

esses aspectos.

É dessa forma que se busca ampliar as percepções – alienadas ou não – dos

clientes sobre si mesmos ou sobre o mundo que está em relação com ele, frustrando-o

habilidosamente, trazendo-o para sua própria emoção, presentificando-se os

sentimentos, almejando sempre a sinceridade do contato.

Procura-se conhecer (e compreender) como o cliente atua no mundo com toda sua

potencialidade e susceptibilidade, ao invés de tentar compreender as origens de tais

atuações – porquê(s). Assim, abre-se uma nova perspectiva para a importância da

responsabilização do cliente sobre o processo, mas também indo além: seu próprio

presente, sua própria construção histórica.

A última etapa do processo psicoterapêutico consiste na alta do cliente. Esse

momento deve vislumbrar a queixa trazida com seus respectivos avanços na

conformação da mesma. Há uma reestruturação na sua forma de estar no mundo, seu

modo de vida e uma revisão de seus ideais, permitindo o cliente superar as suas

dificuldades, de forma que esteja apto a construir maneiras saudáveis de conviver e

expressar o seu ser.


6.5. Supervisão do Estágio

A supervisão desse estágio foi realizada em grupo e conduzida pela professora e

orientadora deste relatório. Seus objetivos consistiram em propiciar o espaço para: a) o

relato e discussão dos casos atendidos; b) a conseqüente reflexão grupal acerca dos

questionamentos e dificuldades encontrados no decorrer desses atendimentos; c) o

fornecimento do suporte teórico condizente com essas questões e com as intervenções a

serem realizadas em cada contexto; d) a reflexão acerca de nossa formação em

psicologia clínica.

Realizamos encontros de cerca de 4 horas de duração duas vezes por semana nas

salas de aula e de dinâmica de grupo do SEPA. Os encontros, em geral, não tinham

formato pré-estabelecido. Inicialmente, fizemos um levantamento das expectativas e dos

sentimentos de cada um no início do estágio, além de discutirmos informações técnicas

a respeito da psicologia clínica e do SEPA.

As primeiras orientações estiveram voltadas para os atendimentos de triagem. O

relato do atendimento era seguido da discussão da escuta clínica que o estagiário relator

e o restante do grupo realizaram do caso e do encaminhamento que poderia ou deveria

ser realizado. Dessa forma, buscamos e discutimos juntos informações sobre diversos

modelos e instituições de atuação da psicologia e de áreas relacionadas como

enfermarias de saúde mental, hospitais psiquiátricos, serviços de psicopedagogia,

centros de atenção a alcoólicos, clínicas privadas de psicologia, etc.

À medida que os atendimentos em psicoterapia foram sendo iniciados, as

discussões mudaram de direção, os questionamentos emergiam agora do contato mais

profundo com os clientes em psicoterapia. Eram solicitados o olhar do grupo sobre a

relação estabelecida entre cliente e terapeuta e a escuta da queixa e, posteriormente, da


demanda de cada cliente, assim como da expressão do ser de cada uma dessas pessoas

que procuraram atendimento psicológico. Constantemente estivemos sendo convidados

a apurar a escuta dos relatos e fornecer aos colegas feedbacks oriundos do que

escutamos e do que sentimos na intenção de ajudá-los na compreensão mais

aprofundada do caso.

Os questionamentos emergentes conduziam a supervisora a incitar discussões

teóricas. Dessa forma, diante de dúvida a respeito de um aspecto do atendimento, eram

introduzidos ou resgatados o aporte teórico condizente com a questão e recursos

técnicos que permitissem um maior contato com a situação conflitante e com as

possibilidades de resolução, tais como vivências, dinâmicas de grupo e demais

experimentos ancorados especialmente na teoria da Gestalt-terapia. Nesse sentido, a

condução de discussões constituiu, ao fim do percurso, um arcabouço teórico e técnico

abrangente e diversificado, uma vez que contemplou os principais temas do campo da

Psicologia Clínica, da Abordagem Fenomenológico-Existencial e da Gestalt-terapia,

que, não por acaso, partiram das questões que nos inquietaram enquanto estagiários. As

discussões foram acompanhadas de leituras igualmente direcionadas a necessidades

específicas de conhecimento ou reflexão.

Em determinados momentos, o foco da supervisão passava a ser a forma como um

de nós ou todos se sentiam diante de determinada situação do estágio. Nesse espaço

eram evidenciados, discutidos e amparados sentimentos de empolgação, medo, angústia,

raiva, etc. A preocupação com os conflitos que acompanham o desenvolvimento do ser

psicoterapeuta de cada estagiário foi confessada por nossa supervisora repetidas vezes

desde o início do estágio e a levou a se manter atenta aos momentos em que um de nós

demonstrava estar em conflito com algum aspecto de seu relato, o que possibilitou a
expressão e o trabalho com tais questões a partir de recursos didáticos e até

psicoterápicos.

Finalmente, é importante citar as atividades de auto-avaliação no exercício

profissional no SEPA, na formação, no contato com os clientes e na participação no

grupo de estagiários, fundamentais para a auto-percepção e a orientação de mudanças

no decorrer do percurso.

6.6. Produção de um livro com depoimentos

Em meio às discussões acerca do estágio e da riqueza de questões que emergiam

em sua realização – questões que parecem se repetir no exercício profissional –

compartilhamos (eu, meus colegas de estágio e nossa supervisora) a intenção de dividir

as reflexões e processos individuais que vivenciamos com outros alunos do curso de

psicologia, com profissionais da área e até com leigos que se aventurem a tentar

compreender a experiência de se formar psicoterapeuta.

Decidimos, então, escrever o depoimento de nossa experiência no estágio. Em

conjunto, identificamos os aspectos que se destacaram na vivência de cada estagiário

visando construir uma listagem de diversos temas e repetindo, em diferentes versões, a

questão central dessa formação: o modo de cada um se tornar psicoterapeuta. Os

capítulos do livro foram escritos individualmente e, em seguida, discutidos e revisados.

No momento, ainda se encontra em fase de elaboração. Temos o objetivo de publicá-lo

posteriormente e divulgar nosso trajeto de reflexões e (des)construções ao fim da

formação em psicólogos.
7. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

“Não há normas. Todos os homens


são exceções a uma regra que não
existe”.

Fernando Pessoa

Esse estágio foi embasado na Abordagem Fenomenológico-Existencial e, mais

especificamente na Gestalt-terapia. Meu embasamento teórico compreende, portanto,

(a) as idéias-base − visão de homem e de mundo, postura diante do fenômeno humano −

contidas nos fundamentos filosóficos da Fenomenologia, do Existencialismo, e do

Humanismo; (b) a teorização mais sistemática dessa idéias na prática clínica:

Psicoterapia na Abordagem Fenomenológico-Existencial; (c) os recursos teóricos e

técnicos utilizados mais especificamente: Gestalt-terapia; (d) noções específicas de

atendimento infantil: Ludoterapia.

7.1. Fenomenologia

A fenomenologia surge, como corrente filosófica, se opondo ao cientificismo e a

metafísica, perspectiva predominante no pensamento ocidental em meados do século

XIX. O discurso metafísico crê na unicidade da verdade e na busca de uma perspectiva

que seja absoluta, enquanto que a fenomenologia aponta para uma relatividade da

perspectiva do conhecer e da verdade, ou seja, nenhuma verdade, seja qual for a

perspectiva do saber que se adote, pode ser se não relativa (Critelli, 1996).

Segundo Critelli (1996), a forma de pensar o conhecimento e a verdade, instaurada

pela fenomenologia, se constitui como desalojadora, uma vez que nega qualquer
pretensa segurança, que não foge da angústia advinda da consciência da fluidez do

mundo. Contrariamente à metafísica, segundo a fenomenologia é exatamente através da

aceitação dessa fluidez que se instaura as possibilidades de conhecimento.

Para a fenomenologia, a questão do pensar não deve ignorar a fluidez e

mutabilidade inerente ao homem pela sua condição de existente. “Assim, a tarefa de se

pensar a possibilidade de uma metodologia fenomenológica de conhecimento é, em

última instância, uma reflexão sobre o modo humano de ser-no-mundo, inclusive tal

como desdobrado na tradição da civilização ocidental.” (Critelli, 1996, p.16). Desta

forma, a Fenomenologia se apresenta não só como corrente filosófica, mas também

como método.

A Fenomenologia tem seu início a partir das idéias de Franz Brentano (1838-

1917) representante da “Psicologia do Ato”, defendendo a proposta de um método

empírico nos estudos dos fenômenos psíquicos, porém não experimental, ou seja,

descritivo. Considerou que existem diferenças entre os eventos físicos e os fenômenos

psíquicos, afirmando que estes são dotados de intencionalidade e um modo de

percepção original, imediato. Defende o retorno às experiências vividas e sua descrição

autêntica, livre de todo pressuposto genético ou metafísico (Forghieri, 1993/2004).

Contudo, o principal representante da corrente fenomenológica é Edmund Husserl

(1859-1938), que a partir das obras de Brentano desenvolveu seu pensamento. Alguns

dos temas fundamentais da fenomenologia foram desenvolvidos por Husserl, tal como a

proposta do retorno às coisas mesmas. Husserl defende o retorno a um ponto de partida

que seja de fato o primeiro, no caso, as coisas mesmas que seriam o ponto de partida do

conhecimento. A coisa mesma nada mais é do que o fenômeno, a única coisa à qual

podemos ter acesso. Desta forma, ir às coisas mesmas significa “apreender o mundo tal

qual este se apresenta para nós enquanto fenômeno” (Holanda, 1998, p.37).
Husserl, dando continuidade à noção de intencionalidade de Brentano, reafirma

que a consciência é sempre intencional, uma vez que é sempre direcionada a um objeto,

e este é sempre objeto para uma consciência, ou seja, não se pode desvincular a

consciência do objeto e nem o objeto da consciência. A intencionalidade refere-se,

assim, à atribuição de sentidos, ou seja, o mundo só existe enquanto tal uma vez que nós

o significamos. Como diz Holanda (1998, p.39) “a consciência é consciência ativa; cabe

a ela dar sentindo às coisas, ou seja, é a consciência que atribui significados no mundo.

Perceba-se aqui que não estamos discutindo o caráter de existência das coisas (...), mas

tão somente o sentido que estas coisas assumem para o eu subjetivo pensante.”

Um outro pressuposto, de grande importância, que se encontra presente na

fenomenologia refere-se à Redução Fenomenológica, e baseia-se na idéia de que para

compreender o fenômeno como ele se mostra é necessário “colocar entre parênteses” os

valores e os juízos pessoais, aquilo que é particular do sujeito que percebe o fenômeno.

Desse modo, deve-se estar atento ao que é pessoal, privado, e assim “renunciar” a essas

idéias no instante em que se propõe a compreender o outro que se apresenta, a realidade

do fenômeno. De acordo com Holanda (1998),

a redução fenomenológica evidencia a colocação do ser-no-mundo, o


posicionamento do ser em situação, em função da qual este sujeito não é
puro sujeito, nem o mundo puro objeto. Ambos se correlacionam,
permanecendo um em função do outro. (...) é uma busca do significado,
uma procura pelo subjacente, em detrimento do simples aparente. (p.38)

Quando nos referimos à redução, tal qual proposta pela fenomenologia, não

estamos fazendo referência uma atitude de desconsideração da realidade, mas, pelo

contrário,a uma postura de ir além do aparente, ou seja, de adentrar a realidade para,

dessa forma, alcançar a natureza subjacente do fenômeno, intuir a essência do mesmo.


Outro nome expoente na fenomenologia foi Maurice Merleau-Ponty (1908-1961)

que percorreu o caminho trilhado por Husserl, revendo suas idéias e propondo uma re-

leitura dessas. Retoma o conceito de redução fenomenológica apresentado por Husserl

acrescentando, entretanto, a idéia de que a redução nunca será inteiramente alcançada

em virtude da impossibilidade de uma dissociação total entre homem e mundo.

Opunha-se aos dualismos e sua principal idéia é de que o conhecimento que temos

do mundo se dá a partir da própria experiência do sujeito. A consciência para Merleau-

Ponty é definida como percepção, “de modo que não há separação e oposição entre os

dados sensível e racional no ato de apreensão das coisas” (Moreira, 1997, p. 403). E é

através do corpo – conceito fundamental deste filósofo – que nos instalamos no mundo,

ganhando e doando significação. No entanto, a noção de corpo a qual Merleau-Ponty se

refere não é a idéia cartesiana de corpo, mas um corpo dotado de intenção em que

residem nossas ações originais (Moreira, 1997), ele o chama de corpo reflexivo e

observável.

Outro proeminente discípulo de Husserl e que contribuiu de forma decisiva para a

fenomenologia foi Martin Heidegger (1889-1976). Apesar de ter partido das idéias de

Husserl, Heidegger rompe com o pensamento do seu mestre passando a postular novos

princípios. A obra heideggeriana propõe uma retomada da questão do ser, buscando o

sentido da existência que havia se perdido na modernidade paltada pelo primado da

razão. Dessa forma “a fenomenologia produziu uma nova ontologia”. (Critelli, 1996, p.

8). Ainda nessa perspectiva, Feijoo (2002) afirma que Heidegger:

Assume uma ontologia que pretende explicitar o ser do ente, em seu


sentido mais originário do que propôs a metafísica e até mesmo a ciência.
A compreensão em Heidegger consiste na captação de uma interpretação
de mundo que cada um é. Implica remeter-se ao em si mesmo da coisa, da
pessoa ou de si mesmo. É um ato de captação de uma interpretação de
mundo ”. (p.138).
Heidegger denomina o homem pela expressão alemã Dasein, que significa “Ser-

aí”, expressão também traduzida como pre-sença; um ser que é lançado num mundo que

ele não escolheu, que já está dado e do qual ele nada sabe a respeito. O Dasein recebe

esta denominação justamente por existir um “aí”, um mundo historicamente construído

(Beaini, 1981, citado por Bruns e Trindade, 2001).

Deste modo, dadas as condições nas quais o homem depara-se com a vida, com o

existir −sem garantias nem segurança, levado a uma sensação de desamparo − o mundo

apresenta-se a nós como inóspito, e “ser-no-mundo como homens é habitar esta e nesta

inospitalidade” (Critelli, 1996, p.17). Essa é a facticidade particular de cada ser da qual

Heidegger fala.

Como também nos fala Critelli (1996), o mundo se mostra como uma rede de

significações que nos envolve e dá consistência ao nosso ser; no entanto, é uma rede

fluida que desaparece e faz falta tão logo se dilua o sentido que ser faz pára nós

−existência. Esse sentido que ser faz para nós se desfaz à medida que as nossas

representações não dão mais conta de expressar o ser das coisas, e estas passam a ser

simplesmente meras coisas, insignificantes. Desse modo, não só as coisas perdem o

sentido, mas também o existir. E, mais uma vez, estamos sós, soltos, postos diante do

nada, do desconhecido, sem podermos contar com algo ou alguém para nos envolver

como antes na rede, na “existência”. É através da evasão do sentido que ser faz para nós

que o mundo se manifesta em sua inospitalidade. Heidegger vai chamar de angústia a

vivência dessa inospitalidade do mundo, do nada que surge em lugar de um sentido que

ser fazia para nós, e da total liberdade em que somos lançados independentemente de

nossa vontade ou escolha.


Heidegger (1927/1989) fala também da condição ontológica do ser-aí, que é ser-

com : “A pre-sença é em si mesma, essencialmente, ser-com” (p.172, v.I). Mas isso não

se dá simplesmente pelo fato do homem viver em sociedade, mas devido à coexistência

faz parte de sua condição ontológica, originária. O ser-com é próprio da pre-sença

mesmo se o outro não é dado ou percebido. Mesmo o estar-só da pre-sença é também

ser-com no mundo (Heidegger,1927/1989).

O eu nunca poderá cuidar da vida de modo que esta se torne um acontecimento

exclusivamente seu, pois a vida do ser é um acontecimento que implica os outros. “Os

outros também acontecem junto e através do eu” (Critelli, 1996, p.65).

A perspectiva fenomenológica heideggeriana fala a respeito dos modos de existir

do homem, do modo como ele se relaciona com as coisas e entes, que são as formas

inautêntica ( imprópria ou impessoal) e autêntica ( própria ou pessoal).

Num modo de ser inautêntico, o homem encontra-se extremamente mergulhado

no mundo, preso às coisas e aos outros, não realiza plenamente suas possibilidades e não

permite uma reflexão acerca de si mesmo, de como vive, ou seja, ausenta-se da própria

existência e com isso passa a ver no mundo sua principal preocupação. Tal como é

colocado por Heidegger (1927/1990): “no momento em que a pre-sença se perde no

impessoal, já se decidiu sobre o poder-ser mais imediato e factual da pre- sença, ou seja,

sobre as tarefas, regras, parâmetros, a premência e a envergadura do ser- no-mundo da

ocupação e preocupação” (p. 53, v. II).

Assim, quando o homem se dá conta de sua impropriedade, ele passa a viver uma

angústia, que para Heidegger, representa o único estado de ânimo que leva o ser-aí a

uma compreensão de si-mesmo. E à medida que vai conquistando a autenticidade, vai

também voltando sua atenção para si, escolhe a si, não mais os outros, como

possibilidade de ser-no-mundo. Este é o ser-si-mesmo (Bruns e Trindade, 2001).


7.2. Existencialismo

Apesar de Fenomenologia e Existencialismo serem correntes filosóficas distintas,

dificilmente se fala deste sem associá-lo de imediato com o movimento

fenomenológico. Isto se deve em parte à influência de Husserl no pensamento de Sartre

e também em razão do método fenomenológico ter sido utilizado pelos existencialistas

em sua busca da compreensão do homem.

O Existencialismo difundiu-se como o pensamento mais radical a respeito do

homem na época contemporânea. Surgiu em meados do século XIX com o pensador

dinamarquês Kierkegaard e alcançou seu apogeu após a Segunda Grande Guerra, nos

anos cinqüenta e sessenta, com Jean-Paul Sartre.

Soren Kierkegaard (1813-1855) pode ser considerado o precursor do

existencialismo, uma vez que é a partir de sua doutrina que os filósofos existenciais

derivam seus conceitos. Propôs uma filosofia que privilegiasse a questão da existência,

opondo-se, dessa forma, ao sistema racionalista de Hegel e Descartes. Referindo-se ao

cogito e direcionando uma crítica ao pensamento cartesiano, afirma que seria mais

correto dizer “Sinto, portanto existo”.

Em sua filosofia a escolha possui um papel fundamental, pois é considerada como

núcleo da existência humana. Dessa forma, “Existir é escolher-se”. A existência exige e

impõe ao homem, a cada momento, uma série inesgotável de escolhas e, dessa forma,

oferece-lhe a oportunidade de se construir, de modalizar a cada instante a concretização

do seu ser. Tal condição não aparece como uma opção, e sim como uma propriedade

humana da qual não se pode fugir. Diante da impossibilidade de se esquivar, o homem é

colocado, independentemente de sua vontade, na posição de ter que tomar decisões


responsabilizando-se por suas escolhas. A consciência dessa obrigação de escolher, bem

como dos riscos dessa escolha, leva o homem ao desespero.

O filósofo existencialista que alcançou maior visibilidade e notoriedade foi Jean-

Paul Sartre (1905-1980). Estabeleceu a máxima − que mais tarde passou a caracterizar

as correntes existencialistas − de que “a existência precede a essência”. Penha (1982),

ao discorrer sobre as idéias de Sartre, afirma que

o homem primeiramente existe, descobre-se, surge no mundo; e que só


depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é
definível é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa
e tal como a si próprio se fizer. (p.62)

Tal princípio, segundo Sartre, não se aplica a todos os seres, mas somente ao

homem, uma vez que somente o ser humano possui liberdade para realizar sua essência,

ou seja, apenas ele é livre para construir a cada momento o seu vir a ser. A liberdade

sartreana não se apresenta ao homem como uma escolha, e sim como uma condição

existencial da qual ele não pode escapar ou abrir mão. Nesse sentido Critelli (1996)

afirma que a liberdade, ao mesmo tempo em que confere ao homem o poder de

modalizar a realização de seu ser, gera angústia à medida que nos coloca na posição de

grandes responsáveis pelos rumos da nossa existência.

A angústia da liberdade surge com essa consciência de que cada pessoa é

responsável por si mesma, pelos seus próprios atos, que não há como transferir para

ninguém a culpa pelos seus erros e enganos. Surge quando o indivíduo percebe que a

tentativa de depositar nos outros (seja este outro representado pelo Estado, opinião

pública, grupo social, etc) o encargo por suas próprias escolhas é um projeto fadado ao

fracasso. Agindo dessa forma o homem não estará fugindo da questão da escolha, pois
até mesmo não escolher já é uma escolha. Estará apenas transferindo seu poder de

decisão para outra pessoa, o que, todavia, não o desresponsabiliza. (Angerami, 2001).

7.3. Humanismo

O Humanismo surge na Europa já nos primórdios do século XIV como um

movimento cultural intimamente ligado à Renascença. Seu aparecimento está vinculado

a uma espécie de oposição ao primado do teocentrismo na Idade Média, ou seja, surge

como uma crítica à valorização do espiritual, do sobrenatural, que marcara toda

produção cultural e científica naquele período. O Humanismo, portanto, nasce com a

bandeira da revalorização do homem, da restituição do lugar do homem enquanto

senhor de si, do reencontro com as potencialidades humanas. Amatuzzi (2001) ressalta

que

de qualquer forma essa revalorização do homem, das coisas dos homem,


da história humana, daquilo que aqui efetivamente se faz, da atualidade do
humano, não se relaciona necessariamente com uma posição religiosa ou
anti-religiosa. O que polariza esse movimento é justamente uma volta à
atualidade do humano, e um acreditar que esse é o caminho. (p. 16)

Pode-se também falar do Humanismo de uma forma mais ampla, como colocado

por Erich Fromm, que resgata da tradição humanista uma atitude diante do humano,

mais do que postulados teóricos e conceitos. Há uma espécie de ética subjacente às

diversas teorias ditas humanistas, unindo esses sistemas conceituais e gerando uma

postura concreta em favor do homem.

A abordagem Fenomenológico-Existencial toma para si essa postura de encarar e

compreender o fenômeno “homem”. Sendo assim, a visão humanista encontra-se


implícita em todo o corpo dessa abordagem, como uma espécie de “pano de fundo”,

proporcionando à prática psicoterapêutica um sentido que prima pelo

resgate do humano, do positivo, da beleza, da força, da espontaneidade


perdida, da criatividade que geram infinitas possibilidades de caminhos
diferentes. Significa que, no caminho da reconstrução da identidade
perdida ou confusa, procuramos no ser humano o que ele tem de bom, de
positivo, de inteiro, de potencialmente transformador; aquilo que o cliente
sente ter de melhor a sua disposição. (Ribeiro, 1999, p.25)

Quando se diz que o Humanismo retoma uma preocupação com o humano, se está

afirmando que o interesse se volta para a compreensão de cada pessoa enquanto ser,

enquanto universo de sentidos próprios e únicos. Dessa forma, não se busca enquadrar o

homem dentro de uma teoria ou de um conjunto de idéias estabelecidas a priori, mas

sim garantir uma atitude de abertura para com o outro, para assim se aproximar do

mundo de significados de cada pessoa.

7.4. Psicoterapia na Abordagem Fenomenológico-Existencial

A abordagem Fenomenológico-Existencial aponta, como já foi dito, para uma

busca pelo resgate do que há de mais genuíno na existência humana, do que há de mais

essencial no ser dos homens. E essa essência diz respeito à forma de cada um ser-no-

mundo-, à sua singularidade, à liberdade que cada indivíduo tem de ser si próprio. Uma

psicologia que leva em consideração essa dimensão existencial se preocupa não em

interpretar ou explicar os fenômenos humanos, e sim em compreendê-los.

A importância de se privilegiar a perspectiva fenomenológica na prática

psicoterápica se dá uma vez que a atitude de parar e escutar o outro parece se

caracterizar, sobretudo, pela possibilidade de propiciar a emergência de encontros-


desencontros de sentidos. Ouvir é, portanto, se permitir entrar verdadeiramente no

universo de significados do outro para, dessa forma, auxiliá-lo na construção e/ou

reconstrução dos sentidos que realmente dizem respeito à sua existência. É um

mergulho no universo interior da pessoa que fala, sem a interferência de julgamentos e

valores, a partir do qual se abrem possibilidades dela mesma se ouvir. (Amatuzzi, 2001).

Partindo-se dessa perspectiva, o processo de psicoterapia se propõe a oferecer um

momento no qual o sujeito que sofre se sinta verdadeiramente ouvido na sua dor. Ouvir

nesse caso implica em ir além da queixa, além das palavras, apreender o não-dito.

Amatuzzi (2001) ilustra esse processo quando afirma que ouvir realmente é ir até alma

da pessoa que nos fala, ou até seu coração; é ouvir a pessoa e não somente as palavras.

Para que isso seja possível, o terapeuta precisa se abrir para a existência do outro

sem preconceitos e sem julgamentos. Precisa colocar em suspenso seu próprio centro de

referências para se aproximar verdadeiramente do mundo do outro, uma vez que seus

conhecimentos, suas teorias, suas opiniões e juízos próprios acabam por construir uma

barreira que o impede de entrar verdadeiramente em contato. Isso, entretanto, não

invalida ou coloca em desuso os conhecimentos teóricos e técnicos, nem a subjetividade

do terapeuta. Como afirma Sapienza (2004), “fenomenologia não é uma teoria. É um

modo de se aproximar de um fenômeno, que se caracteriza, principalmente, por deixar

que ele se mostre tal como se apresenta, o mais possível sem a interferência das teorias

existentes sobre ele” (p. 54).

A idéia é propiciar um momento de escuta sem a intervenção desses constructos o

que, todavia, não impede que eles sejam utilizados a posteriori, para a compreensão do

fenômeno em questão. Trata-se de uma fundamentação de natureza diferenciada, a qual

não coloca os conhecimentos do terapeuta e da Psicologia acima do que há de mais


importante, a existência do cliente tal qual ela se revela sobretudo para ele mesmo.

Dessa feita, trabalhar a partir desse referencial exige muita responsabilidade e cautela.

Nesse sentido Sapienza (2004) coloca que

se estivéssemos ancorados em uma teoria, talvez isso facilitasse nosso


trabalho. Como não estamos, somos solicitados a ter para cada um deles
um olhar especial, único, atento ao sentido daquela vida; mas esse olhar
será tão mais profundo e apropriado quanto mais tivermos nos aprofundado
na compreensão do que caracteriza a existência humana (p.53).

A psicoterapia, vista sob esta ótica, propicia um encontro no qual o ouvir é igual a

“entrar em contato”, é igual a um “caminhar junto”. E dessa caminhada pode surgir uma

nova forma de olhar, uma nova maneira de enxergar as situações. Daí a importância da

pessoa se sentir verdadeiramente ouvida e acolhida nesse encontro.

A relação psicoterapêutica na perspectiva fenomenológica parte da concepção de

que a partir de um diálogo autêntico, ou seja, de uma conversa marcada pela

reciprocidade e pela troca, na qual os participantes toquem e se deixem tocar pela fala

do outro, é possível ir ao encontro dos sentidos e conteúdos implícitos no discurso do

cliente. Trata-se de compreender a intenção significativa e a disposição afetiva que se

escondem por trás da fala, em outras palavras o não-dito, e isso só será possível se

houver um ambiente que possibilite que os sentidos se libertem, se mostrem, ou seja, se

houver uma relação de troca intersubjetiva (diálogo genuíno) que atinja os centros das

pessoas envolvidas e permita, portanto, que elas se deixem revelar (Amatuzzi, 1989).

A fala autêntica permite que o cliente expresse suas emoções, pense sobre si e,

dessa forma, elabore seus conteúdos internos, compreendendo como seu mundo está

organizado.
A relevância da psicoterapia remete em grande medida ao fato do cotidiano não

favorecer esse pensar sobre a existência. No seu dia-a-dia, em geral, as pessoas não têm

oportunidade de refletir sobre seus sentimentos, seus modos-de-ser, enfim, sobre si

mesmas. A vida, portanto, tende a seguir na impropriedade, como um barco a deriva, a

mercê dos acontecimentos e do mundo em volta.

Ao procurar uma ajuda psicoterapêutica, o indivíduo está na realidade abrindo um

espaço no seu cotidiano para cuidar do seu ser, está voltando seu olhar para dentro e

buscando um conhecimento que o auxilie no curso de sua existência. A psicoterapia

fenomenológica, pois, atua no sentido de revelar à pessoa a sua condição de responsável

direto por sua vida e seu destino, de personagem atuante e definidor da sua história, de

comandante do seu barco. Diante dessa oportunidade de falar, ser ouvido e se ouvir, a

pessoa pode elaborar melhor conflitos internos e, consequentemente, se abrir para uma

mudança profunda que aponte para uma abertura às possibilidades que dizem respeito à

sua existência, em última análise, para um crescimento.

A psicoterapia, logo, propõe ao cliente uma mudança de olhar, propõe uma postura

diante da vida na qual este se responsabilize pelas suas escolhas, auxiliando-o na

compreensão de que a mudança não passa necessariamente por uma transformação do

mundo, mas de si mesmo. Sapienza (2004) acrescenta ainda que a terapia representa

uma

chance de alguém perceber que não lhe compete mudar os outros; que
não compete aos outros tomar a iniciativa para resolver os problemas que
são dele, e que a obrigação de cuidar da sua vida é primeiramente dele; é
a chance de perceber que ele deve isso a si mesmo (p.24).

Todo esse processo, todavia, por implicar num movimento interno, prescindir de

um desprendimento interior e inaugurar novos modos-de-ser, não é simples ou fácil de


ser alcançado. Envolve uma série de riscos e nenhuma segurança de sucesso, o que para

muitas pessoas pode parecer assustador.

Ao se deparar com o inédito, com a surpresa ─ decorrente do processo de

mudança do cliente ─ o terapeuta também corre riscos, uma vez que está sendo afetado

por tudo que acontece na relação, e nada lhe oferece garantias acerca da natureza dessa

afetação, nem dos rumos que a psicoterapia pode seguir.

7.5. Gestalt-Terapia

Foi em meados dos anos 40 que a Gestalt começou a ser praticada efetivamente

como tal. Foi elaborada, sobretudo, a partir de um psicanalista judeu de origem alemã:

Frederick Salomon Perls (1893-1970). Ele, com a ajuda de alguns colaboradores como

Laura Perls e Paul Goodman, observando a insatisfatória fragmentação para a qual

transcorria o estudo da psicologia humana, começaram a elaborar uma síntese coerente

de várias correntes filosóficas, metodológicas e terapêuticas européias, americanas e

orientais com a intenção de abordar o ser humano de uma forma mais congruente com a

amplitude da sua existência (Ginger, 1995).

Segundo a mesma autora, a Gestalt pode estar mais bem situada na intersecção

entre a psicanálise, as terapias psicocorporais de inspiração reichiana, o psicodrama, as

abordagens fenomenológica e existencial, as filosofias orientais, entre outras. Assim, a

teoria desenvolve uma perspectiva diferente das até então conhecidas: apresenta uma

ótica unificadora do ser humano, ao mesmo tempo, integrando as dimensões sensoriais,

afetivas, intelectuais, sociais e espirituais.

Inicialmente, a Gestalt se difundiu rapidamente nos países europeus,

principalmente, nos países germânicos e anglo-saxões. Contudo, foi da experiência na


África do Sul que a teoria-prática desempenhada por Perls começou a se estruturar de

fato; o mesmo obtinha, naquele espaço, a oportunidade de desempenhar a clínica como

atividade diária, esculpindo suas idéias até estruturar o que haveria de se denominar

Gestalt-Terapia.

Muitos estudiosos ainda afirmam que a teoria foi oficialmente batizada nos

Estados Unidos (Nova York) por volta do ano de 1951. Nesse contexto, ganhava amplo

espaço nas divulgações especializadas, além de apoios e incentivos gerais às pesquisas

relacionadas ao tema. Por volta do ano de 1968, com o movimento da contracultura

avançando na Califórnia, evidenciando os valores humanistas e o potencial criativo do

ser humano, a Gestalt também ganha destaque como possibilidade efetiva de resgate do

ser humano.

Então, o que se entende pela palavra “Gestalt”? O substantivo alemão "Gestalt",

desde a época de Goethe, apresenta dois significados diferentes: (1) a forma; (2) uma

entidade concreta que possui entre seus vários atributos a forma. É o segundo

significado que os gestaltistas do grupo de Berlim utilizam, e, assim, por serem

considerados os pioneiros no estudo dessa problemática, assim permanece denominada

a abordagem. A tradução da palavra "Gestalt" não se acha nas outras línguas e a melhor

maneira encontrada pelos próprios gestaltistas ao escrever em idiomas diferentes é

simplesmente mantê-la. (Engelmann, 2002).

7.5.1 Psicologia da Gestalt

Os primeiros estudos da escola da Gestalt foram realizados na organização da

parte perceptiva consciente. Na Alemanha, inicialmente, os estudos sobre a percepção

avançaram de forma espantosa. Wertheimer (1880-1943), com as contribuições de


Koffka (1886-1941) e Köhler (1887-1967), observarm a apresentação do movimento fi –

quando o intervalo entre as apresentações de dois estímulos luminosos for curto, de 30

milissegundos, então os observadores vêem dois perceptos ao mesmo tempo

(simultaneidade). Entretanto, quando o intervalo entre as duas apresentações for ao

redor de 60 milissegundos, os observadores vêem um percepto movimentando-se da

primeira localização para a segunda (“movimento ótimo”).

O importante nesse movimento é que entre o primeiro estímulo, na primeira

localização, e o segundo estímulo, na segunda localização, há um tempo no qual não

existe qualquer estímulo. Mas, apesar disso, o sujeito ignora a correspondência entre a

estimulação física e o percepto, tornando muito interessante o fato de que indivíduos

são impotentes para distinguir se o fenômeno existente na apresentação é movimento

real ou aparente. Isso, por si só, representa um marco da teoria: a percepção como

elemento fundamental da relação homem-mundo.

Em 1914, Wertheimer achou que, diante dos principais fatores perceptivos

observados, havia uma lei que os subordinavam e que acabou por denominá-los de

pregnância. Tal termo pode ser entendido como uma organização psicológica, cujas

condições envolvidas na apresentação dos objetos, permitem que o aqui-agora tenha a

tendência de acontecer de uma forma específica. Abarca propriedades como

regularidade, simetria, simplicidade e outros. O fator de proximidade, o fator de

semelhança e o fator de fechamento são três dos fatores que Wertheimer cita.

Assim, os estudos sobre as percepções sensoriais permitiram o alargamento de

suas proposições para o universo da psicologia humana de forma geral. Aos poucos, os

freqüentes avanços nessa área aludiam para um novo caminho. Num artigo publicado na

Alemanha, Koffka alarga o que se pode entender por Gestalt. Pensa em Gestalten não

apenas como experiências, mas também como ações dos indivíduos: Cantar, escrever,
desenhar, andar são Gestalten tanto quanto a consciência de ouvir ou de olhar. “O ato

motor é um processo-de-todo organizado; os muitos movimentos individuais podem ser

compreendidos somente como partes do processo que os abraça (...)”. (Koffka,

1915/1938, citado por Engelmann, 2002.)

Assim ocorreu, por exemplo, com os experimentos de Köhler envolvendo

chimpanzés. Esses, pois, quando encontrados numa situação em que o alimento era

posto fora do seu alcance, procuravam por diversas soluções, até que repentinamente o

desfecho chegava; é o "Einsicht" ou em sua tradução inglesa insight – referido à

posteriori na teoria como introvisão. O critério de insight é o aparecimento de uma

solução completa com relação à estrutura do campo, como disse o próprio Köhler. O

chimpanzé, após o insight, realiza genuinamente o caminho que leva à solução do

problema, inclusive utilizando utensílios para a nova função ou até inventando-os.

A Psicologia da Gestalt – assim chamado os estudos sobre a percepção, a

aprendizagem e solução de problemas –, iniciada por Max Wertheimer, juntamente com

Wolfgang Kohler e Kurt Koffka, ainda apresentaram um desenvolvimento posterior

relacionado com Kurt Lewin e sua Teoria do Campo, e Kurt Goldstein com sua Teoria

Holística. Esses elementos perfizeram o quadro científico do qual Frederick Perls se

utilizou para estruturar o campo que viria a ser chamado de Gestalt-Terapia. Segundo

Ribeiro (1985):

Falar de percepção e, sobretudo, de aprendizagem e solução de problemas


é dar um passo na compreensão de qualquer forma de psicoterapia como
um processo que envolva ambas as situações. De Fato, Perls foi buscar na
Psicologia da Gestalt sua proposta de aprendizagem e solução de
problemas no que elas podem ajudar o cliente a aprender a solucionar seus
problemas em um nível amplo, como seja o existencial. (p. 66)
É nesse sentido que, neste momento, se buscará expor os princípios norteadores da

Psicologia da Gestalt. Pois, estes encontram íntima relação com a Gestalt-terapia; e,

embora seja reconhecido que, do ponto de vista da percepção (sensorial), quando estes

princípios registram uma realidade imediata, diretamente apresentada, e que, do ponto

de vista psicoterapêutico, como afirma Ribeiro (1985), imbuídos de maior

complexidade, os princípios registram apenas tendências ou atitudes

psicodinamicamente presentes, sem uma seqüência factual tipo causa-efeito, torna-se

extremamente relevante relacioná-los, já que ambas as perspectivas decorrem de uma

única vertente perceptiva do ser – a percepção e a forma como ela é interiorizada.

a) Parte-Todo

O próprio conceito da Gestalt pode introduzir uma idéia básica sobre a relação

parte-todo. Da mesma forma, fundam estruturas globais, cuja totalidade só pode ser

efetivamente apresentada quando também considerada a complexidade das relações

envolvidas entre as “partes”. Uma gestalt envolve, assim, um todo estruturado sob as

dinâmicas relações entre as partes que o integram. O princípio, portanto, de que o todo

é maior que a soma das partes garante ao todo uma característica essencial que falta às

partes isoladas.

A gestalt interessa-se em todos como fatos fenomenológicos que, apenas em sua

globalidade, podem ser compreendidos como fenômenos. Esse fundamento assume

lugar central na teoria da Gestal-terapia quando o cliente deve ser encarado como um

todo indivisível, composto por corpo e mente. Da mesma forma, os fatos que emergem

no setting terapêutico devem ser encarados como manifestações do fenômeno global de

uma terapia, embora se expressem, em geral, como partes – como a queixa inicial,
movimentos corporais, verbalizações etc. – que, contextualizadas na relação com outras

partes, permitem uma maior efetividade na compreensão do ser. Se referindo ao mesmo

aspecto, Ribeiro (1985) afirma que:

O todo, na realidade, perde muito de seu significado, da sua importância


intrínseca, no momento em que, para ser analisado, é dissecado em suas
partes. O todo é, na realidade, um fato fenomenológico global e é através
desta globalidade que os fenômenos podem ser compreendidos, criando ou
dando consciência de sua natureza intrínseca. (p. 70).

A experiência humana apresenta-se de forma estruturada, ainda que feita de partes.

E essa estrutura, sempre que acrescida de um novo elemento, torna-se uma nova

estrutura. A experiência só é percebida como completa quando a experimentamos como

um todo, mesmo que seja apenas um pequeno esboço da realidade. E, para se

compreender o todo, é importante que se conheça a relação entre suas partes, de forma

definida, para que o todo venha à luz.

Assim, pois, é essencial que o gestalt-terapeuta observe de que forma as relações

entre as partes que emergem no processo, podem adquirir, numa visão ampliada, um

sentido - todo. Para isso, o profissional deve trabalhar simultaneamente em duas

direções, na parte e no todo; à espera de que a relação revele a totalidade, onde o

discurso psicoterapêutico se completa e se plenifica.

b) Figura-fundo

A relação entre figura e fundo revela mais uma natureza da percepção humana. A

figura emerge como parte destacada de uma determinada configuração, enquanto que o

fundo encarna um outro contexto dessa mesma configuração, embora mais recuado e

amorfo. Ambos coexistem numa relação única, dinâmica e, portanto, passível de


alterações quando implicados numa determinada estrutura de percepção, possibilitando

assim que aspectos não focados inicialmente (o fundo) tornem-se figura.

O conceito tornou-se importante para se compreender as leis de organização da

percepção; a Gestalt-terapia se apropria da mesma forma pois, como afirma Ribeiro

(1985):

É interessante observar que a relação figura-fundo no cliente é extremamente


fluida, isto é, sua organização está em constante mudança, o que gera no
psicoterapeuta a necessidade de também ele estar em fluidez com o cliente.
Embora na linguagem do cliente surja um tema, uma figura, mais firme e
clara, esta figura adquire, a todo instante, matizes novos, na razão em que o
cliente, consciente ou inconscientemente, volta ao seu “fundo” e de lá trás
coisas diferentes (p. 75).

No processo psicoterapêutico, o terapeuta deve perceber o que aparece como

figura para o cliente (o que emerge, o que salta aos olhos) e o que é fundo (o que está

encoberto, o que não se vê de imediato) e trabalhar no sentido de conscientizar o cliente

do que ele pode estar evitando na tentativa de integração da sua personalidade total.

Assim, é imprescindível que exista um fluente movimento entre figura-fundo a fim

de permitir que o campo perceptivo da relação cliente-terapeuta esteja aberto às

diferentes possibilidades que constituem a configuração em contexto. A fixação numa

determinada forma de percepção compromete o funcionamento psíquico do indivíduo,

tornando-o rígido como numa forma neurótica de existência.

c) Aqui-Agora

Na psicologia da gestalt o conceito está intimamente relacionado à solução

isomórfica elaborada inicialmente por Köhler no capítulo sobre isomorfismo

psiconeural, onde ele acreditava que as Gestalten fenomenológicas da consciência


teriam a mesma forma ou seguiriam a mesma matemática topológica que as estruturas

físicas. Contudo, a discussão que se seguiu posteriormente se referiu muito mais a

seguinte questão: qual é o grau de influencia da experiência passada na vivência de uma

nova experiência presente?

Segundo Ribeiro (1985):

Em termos de psicologia da gestalt, estar no aqui-agora significa que este


aqui e agora contém e explica minha relação com a realidade como um todo,
ou seja, o que eu vejo, o que eu percebo agora pode ser explicado pelo agora,
sem necessidade de recorrer a experiências passadas de percepção (p.79).

Para a gestalt, o aqui-agora se constitui como o local-momento da experiência

humana. É nesse ínterim que a realidade está aberta à existência; e é somente nele que o

homem pode vivenciar a realidade e explicar a sua própria relação com a mesma.

Determina uma condição da sua própria natureza que, condicionada pelo presente,

sobrepõe tanto o passado como o futuro, e recaem senão como lembranças ou

perspectivas virtuais de um outro momento que também se manifesta ainda no presente.

Na Gestalt-terapia, o aqui-agora é o espaço-tempo necessário para se compreender

e experienciar a realidade. O trabalho psicoterápico deve focar o tempo-espaço presente,

pois, ao se comprometer com essa perspectiva, se está falando do princípio da

contemporaneidade, isto é, a experiência presente é explicável a partir de sua relação

com o campo fisiológico e cria uma situação a-histórica, em que o passado passa a ter

um valor relativo (Ribeiro, 1985).

Dessa forma, o cliente é levado a crer no potencial do aqui-agora e,

conseqüentemente, a experienciar o setting (a relação cliente-terapeuta) como uma

possibilidade oportuna de atuar diretamente na sua própria existência.


d) Teoria do Campo

O conceito de campo tem sido muito debatido entre as diversas áreas de

conhecimento. Ele contém as principais questões que envolvem as relações entre os

corpos do universo. O conceito tem ocupado um grande número de pesquisas que

envolvem a Física, e dela tem retirado pressupostos interessantes – não só em termos de

movimento dos corpos mas também nos aspectos relacionados a sua própria natureza.

No universo da gestalt, o campo envolve a relação entre as pessoas e seu meio

geográfico. Desta forma, podemos explicitar que o ambiente no qual está circunscrita a

pessoa se refere ao meio geográfico, o lugar onde a pessoa se localiza, a disposição da

atmosfera que o envolve; enquanto que a relação psicológica da pessoa com o lugar,

levando em consideração o conteúdo psíquico daí proveniente, se refere ao meio

comportamental.

Assim, cada pessoa distingue um meio comportamental específico; e a interação

de um meio comportamental com outros meios (geográficos e/ou comportamentais – de

outras pessoas) podem alterar aquele estado inicial através de tensões (forças). Ou seja,

há nessa situação um campo maior que também é constituído por outros. Segundo

Ribeiro (1985), assim ocorre na psicoterapia:

Podemos, portanto, dizer que em psicoterapia existem dois campos: o


cliente e o psicoterapeuta. Quando o cliente fala, o psicoterapeuta está
em íntima relação com ele, sobretudo se o tema não contém um campo
de força discriminado. Existe uma homogeneidade entre o ego do
psicoterapeuta e o de seu cliente. De repente, o cliente diz algo novo,
diferente, com uma força ou energia específica, alguma figura torna-se
distinta neste campo (fundo opaco), imediatamente tudo muda. O
psicoterapeuta, embora continuando ligado ao campo geográfico (o
cliente) de uma maneira confusa, distingue algo claro neste campo. Toda
a realidade do momento terapêutico passa a concentrar-se naquela zona
de tensão e força (o novo tema) (p. 90).
Perls leva à sua teoria o olhar da Teoria do Campo de Kurt Lewin (1890-1947),

segundo o qual o comportamento deve ser compreendido dentro do campo ou contexto

total que engloba as relações entre os sujeitos e com o ambiente que os cercam. Dessa

forma, numa relação terapêutica, o campo construído em função dos sentimentos

envolvidos e, de alguma forma, expressos no momento em que o comportamento

acontece, constitui a gestalt que dá sentido à psicoterapia, às intervenções do

psicoterapeuta, à expressão do cliente, assim como o sustentáculo da relação dinâmica

que se desenvolve entre ambos.

Além disso, a definição de espaço vital de Lewin como o conjunto de fatos

significativos que influenciam o comportamento da pessoa serve de subsídio a um dos

principais direcionamentos da psicoterapia: trabalhar a delimitação e integração do

espaço individual do cliente abrangendo o grau de realismo e equilíbrio necessários à

sua saúde psicológica.

e) Teoria Organísmica

Estruturada de acordo com os estudos de Goldstein (1878-1965), a teoria aborda

conceitos que vão além do que foi estudado pela Psicologia da Gestalt; transpõe os

estudos sobre os fenômenos restritos a tomada de consciência. Ela integra o ser humano

numa só perspectiva geral – unidade. Como dizia o próprio Golstein (1939, citado por

Ribeiro 1985): “O organismo é uma só unidade; o que ocorre em uma parte, afeta todo o

corpo”.

A teoria acredita que se pode apreender mais em um estudo compreensivo da

pessoa do que em uma investigação exclusiva de uma função psicológica isolada e

abstrata de muitos indivíduos.


Essas influências se correlacionam à busca de Perls por uma visão holística do

funcionamento humano. Essa teoria tenta reduzir a cisão corpo/mente, define o

indivíduo como um todo integrado, unificado e não dividido em sentimentos, emoções,

sensações, imagens, etc.

Goldstein ainda fornece subsídios para a compreensão da relação todo-partes. Ele

defende que o organismo é um sistema organizado com o todo diferenciado em partes e

que o que ocorre em uma parte afeta o todo. O homem, portanto, possui as

potencialidades que regulam seu próprio crescimento e recebe, de forma seletiva,

influências positivas e negativas do meio exterior; esse todo ainda é organizado por um

impulso dominante de auto-regulação pelo qual é permanentemente motivado.

7.5.2 A Gestalt-Terapia e suas Influências

Embora as bases da Gestalt-terapia sejam advindas da Psicologia da gestalt

(especialmente dos trabalhos de Wertheimer, Koffka, Kohler), da Teoria do Campo de

Kurt Lewin e da Teoria Organísmica de Kurt Goldstein; além da proeminente influência

do existencialismo, humanismo e fenomenologia, encontram reflexo relevante, na teoria

psicanalítica (Freud e Reich), Psicodrama (Moreno) e filosofia oriental.

De fato, os fundamentos teóricos e as influências utilizadas na elaboração da

Gestalt-terapia foram as mais variadas. Isso garantiu à teoria, características essenciais

como o dinamismo e criatividade. Perls não tinha pretensões de que a Gestalt-terapia se

firmasse como uma teoria acabada e, portanto, com definições inquestionáveis. É

seguindo essa atitude que, atualmente, os gestalt-terapeutas – chamados da “terceira

geração”, ainda estão implicados na construção da teoria; e, mesmo que embasados num

espaço comum, continuam diariamente formulando suas próprias formas de atuação.


Esse “espaço comum”, como já dito anteriormente, abarca inúmeras outras teorias

(pois assim é o processo – ad infinitum). A psicanálise influenciou sobremaneira as

idéias de Perls. Sua contraposição a teoria de Freud o remeteu a inúmeras outras

possibilidades. Afinal, ele fez seis anos de análise e de formação didática (de 1926 a

1932), além de vinte e três anos de prática como psicanalista. Assim, importante é

distinguir as críticas que Perls fez à Psicanálise daquilo que, de certo modo, possa haver

em comum entre essa teoria e a gestalt-terapia para, somente a partir daí, mobilizar uma

compreensão desse todo teórico.

A discussão pertinente está relacionada, principalmente, aos métodos

psicoterápicos; onde o foco da terapia é o material óbvio ao invés do recalcado; o

presente e o processo corporificados no “como” ao invés do passado e a causalidade

corporificada no “porquê”; a relação existencial entre cliente e terapeuta ao invés da

relação transferencial. Perls, assim, transpôs a teoria de Freud em busca de uma visão

holística do funcionamento do organismo; almejou a visão de um homem constituído

por vários instintos (ao invés de um só) e que, ao mesmo tempo, tem na expressão sua

tendência para se reequilibrar.

Nesse sentido, além do lado expresso do Eu, a Gestalt-terapia considera o seu lado

invisível – o Self. O Self sente e o Eu age, às vezes, ambos atuam em consonância,

outras vezes, à revelia. Eu e self relacionam-se como “figura e fundo”. Na Gestalt-

Terapia o Self não é apenas uma estrutura, é também um processo – a união dos

elementos que constituem a individualidade e a identidade da pessoa, um sistema da

personalidade, cuja função é colocar-se ora como figura e ora como fundo nas relações

com o mundo exterior.

A forma holística de Reich abordar o self torna a sua influência na Gestalt-terapia

mais nítida do que a da Psicanálise tradicional. Sobretudo, naquilo que podemos dizer
em relação ao corpo como expressão de uma realidade mais global, mais inteira; pois, o

corpo assume, nesse princípio, uma função preponderante, foco de todo o que pode

emergir da existência. Nas suas diversas manifestações é a expressão visível do interior

de cada um e, assim, através de sua observação, pode indicar possibilidades do processo

psicoterápico.

Enquanto Reich falava da couraça muscular como forma de resistência, Perls

afirmava que a resistência (ou evitação) é função do organismo como um todo,

instaurado em alguma parte do corpo que, de certa forma, tenha sido frustrado. A “dês-

frustração” do corpo e linguagem é o princípio da psicoterapia para que o

comportamento se torne saudável e, para isso, pode-se seguir o mesmo caminho que a

frustração usou para instalar-se – o sentimento.

Outro ponto comum entre os dois teóricos refere à utilização das técnicas. Reich

declarou enfaticamente que para cada paciente, em cada momento dado, existe apenas

uma técnica e que esta técnica tem que ser derivada das circunstâncias individuais de

cada um”. (Ribeiro, 1985). A Gestalt-terapia trabalha com o movimento de

experimentação; as técnicas são modalidades que, da mesma forma, possibilitam a

experiência e, para isso, devem estar contextualizadas com o momento específico do

processo em questão.

Não há dúvidas também, nas palavras de Ribeiro (1985),

que o sentido de abertura, de abandono e si próprio, de fuga no domínio do


pensamento, da fuga dos rituais, de volta ao corpo e às emoções, da não
espera programada, do deixar acontecer são influências nítidas do zen-
budismo e taoísmo que embora religiões, se comunicaram à Gestalt-terapia
como um modo de estar na realidade e de a ela agir (p. 124).

Isso demonstra a influência e a conexão entre as teorias aqui implicadas no modo

de fazer gestáltico. A filosofia oriental se agrega à concepção do todo humano almejado


e desenvolve na gestalt um sentido maior, não encontrado substancialmente nas teorias

ocidentais.

Assim, as intervenções terapêuticas dessa abordagem são direcionadas para o

movimento fluido – figura e fundo, onde a partir do qual se percebem as necessidades

emergentes do protagonista. O psicoterapeuta objetiva proporcionar ao cliente, meios de

se experienciar a Awareness – a tomada de consciência desse movimento: o

conscientizar-se de estar consciente. Isso só pode emergir através da experiência vivida,

aqui-agora. Suas intervenções visam oferecer oportunidade de ampliar a percepção do

cliente, de permitir o fluxo natural da vivência de sua consciência e, diante disso,

clarificar o seu potencial de auto-realização.

Os princípios da Gestalt-terapia desembocam na idéia de que o ser humano só

pode, de fato, ser compreendido por ele mesmo através de uma experiência direta do seu

ser no mundo, e, embora a pessoa possa, momentaneamente, ter perdido esta aptidão,

continua sendo a mais fiel intérprete de si mesma. A Gestalt-Terapia foi descrita por

Perls como uma terapia existencial que utiliza-se dos princípios existencialistas e

fenomenológicos. (Fadiman & Frager, 2001).

Existência, etimologicamente, vem de ex-sistere: começar a ser, vir de


alguma coisa e, neste sentido, o homem é o único ser que pode sair de si
para projetar a si mesmo, pode fazer um projeto de si próprio, ele próprio é
um projeto, realizando-se. (Ribeiro, 1985 p. 37).

O trabalho clínico da Gestalt-Terapia é voltado para uma ampliação da consciência

do indivíduo sobre seu próprio funcionamento. Atua na clarificação de como ele age ou

como se bloqueia em sua tentativa para alcançar seu próprio equilíbrio. Assim, o foco

do processo é deslocado das mãos do terapeuta (do pressuposto detentor do

"conhecimento") e vai para a relação, na qual, tanto o gestalt-terapeuta trabalha para


que o indivíduo perceba a responsabilidade sobre suas escolhas, como, através do inicial

apoio do terapeuta, o cliente alcance, dentro de seu próprio tempo e de suas

possibilidades, uma atitude mais autônoma e auto-sustentada. Dessa forma, a

psicoterapia deverá proporcionar, conseqüentemente, maior autoconsciência por parte

do indivíduo, e, assim, aumentar seu potencial de escolha e de efetivar sua natureza

auto-realizadora.

A terapia consiste, assim, em analisar a estrutura interna da experiência concreta,

qualquer que seja o grau de contato desta; não tanto o que está sendo experienciado,

relembrado, feito, dito etc., mas a maneira como o que está sendo relembrado é

relembrado, ou como o que é dito é dito, com que expressão facial, tom de voz, sintaxe,

postura, afeto, omissão, consideração ou falta de consideração para com a outra pessoa

etc. Trabalhando a unidade e a “desunidade” dessa estrutura da experiência aqui e

agora, é possível refazer as relações dinâmicas da figura e fundo até que o contato se

intensifique, a awareness se ilumine e o comportamento se energize (Perls, 1997).

Deve-se notar que awareness não é uma reflexão sobre o problema, mas é ela

própria uma integração criativa deste. Nessa perspectiva, ela deve mobilizar o

organismo para mudança, se apropriando das estruturas que até então indicavam seu

movimento e partindo para uma nova re-construção desse, angariando um novo sentido.

É sabido que a visualização dessa inovadora configuração pode gerar sentimentos de

medo, interrupção e ansiedade, incrustados no âmago dessa vivência e também

indicadores das atitudes de evitação no seio do processo psicoterapêutico.

Para a Gestalt-terapia, as emoções são unificações, ou tendências unificadoras, de

tensões demonstradas integralmente no corpo. Elas fornecem o conhecimento último

das necessidades do organismo, ou senão, sua indisposição as próprias necessidades.


Assim, segundo Perls (1997),

em psicoterapia procuramos a instigação de situações inacabadas na


situação atual, e, por meio da experimentação atual com novas atitudes e
novos materiais da experiência do dia-a-dia concreto visamos uma
integração melhor. O paciente não se lembra de si mesmo, simplesmente
reembaralhando as cartas, mas ‘acha e faz’ a si próprio (p. 48).

É importante, então, se deixar claro que a experiência neurótica é também auto-

reguladora. Tal mecanismo reflete uma proteção do organismo para lidar com uma

situação geradora de ansiedade. Assim, o contato neurótico caracteriza-se por um

excesso de deliberação, atenção e comportamento para determinada resposta; impedindo

um ato espontâneo onde o Self não pode passar de maneira flexível de uma situação a

outra, pois a energia está presa a uma tarefa (arcaicamente concebida) que não pode ser

completada.

Assim sendo, doença é a perda da totalidade organísmica implicada em uma

necessidade não satisfeita e que resulta na impossibilidade (ao menos, na percepção do

cliente) de resolver situações de conflito e de vivenciar as experiências de forma

consciente. Pode ser considerado uma negação, subtração de energia em um campo

total, em um sub-campo ou subsistema em particular, geralmente caracterizada pela

rigidez da percepção e do comportamento.

A Gestalt-Terapia, portanto, considera que todo organismo possui a capacidade de

restabelecer o equilíbrio consigo mesmo e com o seu meio, alcançando seu crescimento

psicológico. Considera também que o desequilibro (imaturidade ou neurose) implica em

uma percepção inapropriada do ritmo de contato, de fuga com o meio, ficando o

organismo, momentaneamente, incapacitado de regular seu próprio equilíbrio.


Um princípio básico da Gestalt é acentuar o que existe, em vez de meramente

tentar muda-lo. Nada pode mudar até que seja aceito primeiro; depois ele pode

manifestar-se e abrir-se para o movimento natural de transformação da vida.

Assim afirma Ribeiro (1985):

Não se trata, por exemplo, apenas de tirar o medo de alguém que é, de


natureza, medroso (...) A solução está em deixar a natureza fluir na ação e
não em interromper simplesmente algo que, de certo modo, é natural a
pessoa (p.127).

Assim sendo, os mecanismos de defesa são obstáculos ao crescimento psicológico,

construídos em função da história de vida e de como o sujeito se fez no contato ao longo

de sua vida. Perls identificou cinco tipos básicos de mecanismos de defesa: introjeção –

aceitação sem assimilação de opiniões arbitrárias dos outros, de padrões, atitudes,

modos de pensar e agir do meio; projeção – atribuição ao outro de impulsos próprios do

self, desejos, comportamentos e responsabilidade por fracassos; confluência –

experiência da falta de limites entre o indivíduo e o meio, havendo um estado de

equilíbrio que permite aceitar e assumir as características e condições alheias;

retroflexão – voltar-se de forma ríspida e destrutiva contra si mesmo, geralmente

motivado pelo desejo do indivíduo de ser como os outros são ou desejam que ele seja.

Na relação psicoterápica a disposição da relação Cliente-Terapeuta deve fomentar

um meio espontâneo que propicie a expressão para a interação mútua. É nessa

relação/contato entre ambos que o psicoterapeuta poderá apreender a forma de atuação

do cliente e, caso esse último ainda não se der por conta, disponibilizar a informação ao

mesmo (feedback), tornando-o awareness do próprio movimento de seu Self. Para isso,

a Gestalt-Terapia trabalha a partir do presente, do momento em que as dificuldades da

pessoa emergem na relação e, ampliando sua consciência, vai permitindo a


possibilidade de novos olhares, novas formas de ver a si próprio, hoje e ontem;

assumindo o ser humano que é, e responsabilizando-se pelas escolhas que estará

habilitado a fazer.

A concepção de saúde, nesse contexto, refere-se ao estabelecimento do contato

verdadeiro e transformador; onde a pessoa saudável tem maiores condições de usar sua

capacidade de resolver as gestalts emergentes. A evitação de uma gestalt é uma tentativa

de auto-regulação; há uma tensão e uma necessidade camuflada. Portanto, para a

Gestalt-terapia neurose é a dificuldade em estar aberto às possibilidades que podem

surgir e se torna perceptível quando o impasse diante das tomadas de decisões se instala

e as situações incômodas repetem-se como gestalts abertas.

Segundo Ginger (1995), o setting é uma oportunidade viável para a

experimentação dessas outras percepções até então desconhecidas que, juntamente com

uma atitude terapêutica consistindo especialmente em trabalhar nas fronteiras do Self,

no ‘território’ de cada um, com sua especificidade, com os limites temporais, com a

fluidez das relações (alternâncias de contatos e rompimentos), implica num clima de

confiança e de segurança suficiente, autorizando o cliente a se emancipar sem o temor

de se sentir constrangido”.

Muitas vezes, porém, o psicoterapeuta precisa se utilizar da frustração habilidosa

para destacar um foco do contato que tenha demonstrado uma necessidade demasiada de

“autoproteção” por parte do cliente que o bloqueia na resolução de suas gestalts. Essa

tentativa de explicitar ao cliente os aspectos neuróticos de evitação e conflitos não

percebidos, provavelmente, pode fazê-lo experienciar a awareness, partindo para um ir-

além transformador.

Assim, o enfoque do trabalho da Gestalt-Terapia, em suma, visa sempre o que

emerge do indivíduo de uma maneira global e, prioritariamente, no aqui-agora – o que


sente, o que experimenta, o que pensa, sua postura corporal, sua respiração etc. Viver o

presente é aprender a escutar a vida, é conscientizar-se de si mesmo, do mundo que o

cerca, de como se relaciona com ele. Considerando o indivíduo como um todo,

percebemos que, no que ele "é", se insere tudo o que ele foi; logo, não há necessidade de

sair do presente e partir para uma memória passada que distancia cliente e terapeuta do

foco das incertezas emocionais vivenciadas no "aqui-agora". A Gestalt-Terapia é uma

prática que requer disponibilidade do terapeuta para investir, para "ir junto", para expor-

se e envolver-se num processo "humano", e não em um processo "observador- objeto".

Cada gestalt-terapeuta desenvolve seu próprio estilo e instrumental de acordo com

as suas características genuinamente pessoais. Nesses termos, utiliza-os conforme a

possibilidade do momento e a disponibilidade do cliente no intuito de que a experiência

terapêutica seja uma descoberta de novas possibilidades e abertura de novas dimensões

de contato criativo.

Essa abordagem é muito conhecida pelo uso de experimentos no processo

terapêutico. Contudo, é extremamente importante ressaltar que o experimento é uma

tentativa de sair do “falar sobre” incipiente e propor o “agir com” criativo. O cliente

tem a possibilidade de se relacionar com a realidade exterior e expressar suas

necessidades no momento presente. No entanto, o experimento não deve se transformar

em um recurso para substituir ou empalidecer o envolvimento espontâneo entre

terapeuta e cliente. Todo experimento deve ocorrer mediante o momento existencial do

cliente e o campo formado na relação, fluindo de forma criativa e segura.

Várias intervenções podem ser compreendidas como experimentos gestálticos,

desde que atendam aos objetivos de experimento. Assim, na tentativa de conduzir o

cliente a vivenciar o presente, o terapeuta pode sugerir ao cliente o uso do pronome


pessoal Eu, ao invés de outros, como nós, a gente, você, etc. Dessa forma, a

responsabilidade que o cliente projeta em outras pessoas (pai, mãe, terapeuta, etc.) volta

para quem é de direito, ele mesmo.

Outras experiências freqüentemente citadas na literatura gestálticas, são:

 Tarefa de Casa – são sugestões do terapeuta para que o cliente faça

ou experimente algum comportamento fora do setting terapêutico,

objetivando, assim, a aquisição de novas sensações e, conseqüentemente,

nova tomada de consciência. A meta é facilitar o senso de prontidão do

próprio cliente.

 Viagem de Fantasia – Através da fantasia ele ultrapassa as pessoas, o

ambiente ou o evento imediato que de outra forma poderiam limitá-lo.

Existem quatro grandes propósitos ao se trabalhar a fantasia: contato com

um evento, sentimento ou característica pessoal resistente, contato com uma

pessoa indisponível ou com uma situação inacabada, exploração do

desconhecido e exploração de novos conceitos do indivíduo.

 Cadeira Vazia – É o experimento em que o cliente atua se referindo a

uma “cadeira vazia” representando alguma personalidade ou situação

inacabada que poderia ser ansiogênica para o cliente experiência-la no

cotidiano. A concretização de um episódio de ordem imaginária produz uma

realidade a ser trabalhada na relação terapêutica. A cadeira vazia possibilita a

vivência de situações de difícil enfrentamento.


 Trabalho com sonhos – Pode se constituir um experimento bastante

produtivo. Perls considerava que todo sonho traz uma mensagem existencial.

Na prática clínica, o cliente é convidado a narrar o sonho no presente e a

representar partes do sonho, de forma a entrar em contato com o sentido

particular que dá a determinado sonho e como esse é contextualizado em sua

subjetividade.

 Representação – É a dramatização de algum aspecto da vida do

cliente dentro da cena terapêutica. O evento desencadeador poderá ser

alguma coisa dita pelo cliente ou algum gesto seu. A representação pode

assumir diversas formas: representação de uma situação inacabada de um

passado distante, representação de uma característica e a representação de

uma polaridade.

 Comportamento dirigido – Objetiva dar à pessoa a oportunidade de

praticar comportamentos que ela pode estar evitando, mobilizar auto-apoio e

recuperar a sensação através de uma instrução ou orientação simples para

fazer alguma coisa que descobre ou revela comportamentos que poderiam

estar bloqueados em sua consciência. O cliente pode, através disso, descobrir

novas perspectivas para relacionar-se.

São muitas as “técnicas” sobre a Gestalt-terapia, não obstante, o contato continua

a ser seu princípio fundamental. É, pois, nesse momento que o sentido pode ser

transformado, reafirmado, evitado ou mesmo negado e, sobremaneira, constituir a

identidade de cada sujeito em determinado momento. O contato envolve o ir-além da


experiência percebida na medida em que se torna possível à interiorização

complexificada dessa realidade, agora, não apenas uma simples sensação do mundo

externo, mas encadeada na conformidade dos sentidos pessoais.

O processo psicoterapêutico fundamentado na Gestalt-Terapia, portanto, deve

facilitar um processo de diferenciação da realidade, com abertura total de horizontes, no

qual a pessoa pense diferente, deseje diferente, se sinta diferente e aprenda a correr

riscos, de tal modo que crie, em sua vida, formas de contato mais nutritivas e eficientes.

Nesse sentido, à medida que o ciclo do contato vai se estabelecendo, promove

mudanças e predispõe a pessoa para continuar na procura do contato total consigo

mesmo, no mundo.

7.6. Ludoterapia

“Terapia quer dizer esta


oportunidade de vir aqui brincar
com o que você quer e falar sobre o
que mais deseja. É o tempo em que
você pode ser da maneira que
quiser. É um período que você pode
usar do modo que mais lhe agrade.
Enfim, uma hora em que você
aprende a ser, de fato, você.”

Virginia M. Axline

Quando a criança é trazida até nós, psicólogos, ela está demonstrando, de alguma

forma, que não está conseguindo lidar com os seus próprios sentimentos e com o mundo

que a rodeia. A queixa dos pais ou da escola, geralmente diz respeito a um

comportamento apresentado pela criança que é visto como inadequado. A criança pode

estar agressiva, introspectiva, triste, insegura, apegada excessivamente à mãe, ter baixo
rendimento escolar, ou outras formas de expressar suas dificuldades. Estes

comportamentos, no entanto, representam uma tentativa de adaptação frente à realidade

do melhor modo que ela está conseguindo no momento. Apesar de ser uma tentativa

frustrada, já que a criança está desconectada de si, não está conseguindo ser-no-mundo

de uma forma autêntica, é digna de nota a investida da criança rumo ao crescimento

(Oaklander, 1980).

A ludoterapia se apóia nessa tendência da criança ao crescimento, ajudando-a a

descobrir formas mais saudáveis de existir. Ao longo dos atendimentos, a criança vai

adquirindo uma maior consciência de si, de seus sentimentos, e assim, ela vai se

sentindo mais segura para se expressar de forma autêntica dentro e fora da sala de ludo.

À medida que isso ocorre, muitas vezes os pais julgam que a criança está apresentando

uma piora, ao invés de melhorar. Na verdade, a criança agora passa a expressar mais

claramente o seu sofrimento, enquanto antes ela dava apenas sinais, por vezes

distorcidos, de que algo não ia bem. A criança, nesse momento, ainda está aprendendo a

se relacionar, por isso sua expressão se torna mais intensa, levando a esse julgamento

dos pais.

A orientação aos pais é uma parte fundamental no processo de ludoterapia no

sentido de desfazer esse julgamento, acompanhar a evolução da criança e discutir a

dinâmica familiar de modo a promover mudanças benéficas nesse ambiente. No

decorrer do processo ludoterápico, a criança vai adaptando suas expressões ao ambiente

social em que está inserida, criando novas formas de lidar com o mundo, dentro das

possibilidades e limitações inerentes à realidade e sem deixar de ser ela mesma.

O instrumento através do qual a criança compreende a si mesma e se torna segura

para expressar o que sente e pensa é o brincar. Como a criança passa por muitas

experiências que ainda é incapaz de expressar verbalmente (Oaklander, 1980), ela se


utiliza da brincadeira como sua forma de expressão, revelando seus sentimentos, ações e

comportamentos através do simbolismo elaborado no brincar. Assim, a atividade lúdica

é uma forma de “autoterapia” da criança, por meio da qual confusões, ansiedades e

conflitos são elaborados. A criança revive no brincar experiências que sofre na vida

real, podendo, a partir da expressão de suas angústias, aprender a lidar de uma maneira

construtiva com o ambiente. Através do brincar, a criança desenvolve suas

potencialidades, seja nos planos sensorial, motor, cognitivo, emocional, ou no processo

de ensino-aprendizagem. A criança desenvolve também suas habilidades sociais a partir

de situações nas quais planeja e experimenta novas formas de ser.

A Sala de ludoterapia é o ambiente onde a criança poderá desenvolver suas

potencialidades, portanto, ela deve estar estruturada de modo a favorecer a expressão da

criança. Deve ter um tamanho adequado (nem muito grande nem muito pequeno), com

isolamento acústico, sem objetos ou mobílias que possam vir a machucar a criança.

Também não deve haver nada que possa vir a restringir algum tipo de ação (exemplo:

tapetes), o chão e as paredes devem ser facilmente laváveis. É importante haver uma

caixa de areia, uma mesa de tamanho apropriado para crianças e que permita a

manipulação de massas de modelar e tintas, armários que possam deixar os brinquedos

expostos e acessíveis, além de quadro preso à parede com lápis adequado ou giz e,

sempre que possível, uma pia pequena que esteja na altura que a criança possa utilizar e

um espelho também nessas condições.

Vale salientar que a sala pode ser adaptada de acordo com a necessidade e

possibilidade de cada um, podendo até mesmo o terapeuta optar por levar os brinquedos

dentro de uma maleta, ou em outros casos como em postos de saúde, adequar a sala para

terapia tanto de crianças quanto de adultos.


É importante a utilização de brinquedos que possibilitem a livre expressão da

criança. O uso lúdico do brinquedo é complexo e parte da produção de sentido através

de uma cultura e ações preexistentes, não se limitando à retomada do que já existe, mas

sendo dotado de criatividade. Os brinquedos eletrônicos, apesar de estarem muito

presentes na vida das crianças atualmente, não permitem essa expressão livre e criativa,

não sendo utilizados na sala de ludoterapia devido ao seu caráter estereotipado. É

necessário que estejam presentes: material de motricidade (cubos, figuras geométricas, e

material de encaixe); material regressivo (água, barro, tinta, massa, argila e areia);

material agressivo (revólveres, espingardas, espada, arco e flecha, instrumentos

musicais); material de curiosidade intelectual (carros, navios, aviões, bichos de todas as

espécies, telefones, etc.); material afetivo (bonecos, fantoches, personagens da família,

casa, mobília); material construtivo (jogos de todo o tipo). A escolha do material feita

pela criança, assim como o conteúdo e estilo geral da brincadeira, a organização, a

evitação, as repetições, as preferências, devem ser observados, uma vez que a forma

como a criança brinca revela muito sobre o seu modo de ser na vida.

Sendo assim, o cenário físico adequado e a presença de brinquedos que propiciem

a expressão da criança são muito importantes no processo da ludoterapia. Entretanto,

apenas estes fatores não são suficientes para possibilitar à criança ser-no-mundo de uma

forma saudável e autêntica. É preciso que o terapeuta estabeleça com a criança um

relacionamento especial, diferente de todos os outros que a criança tem com as demais

pessoas em sua vida. Essa relação estará apoiada na crença do terapeuta na capacidade

que a criança tem de crescimento e auto-direcionamento.

Axline (1984), fala que o terapeuta deve estabelecer um relacionamento afetuoso

com a criança, aceitando-a como é, sem críticas ou elogios. Dessa forma, a criança se

sentirá encorajada a revelar os seus verdadeiros sentimentos e suas expressões serão


determinadas apenas por suas necessidades. Deve permitir que a criança use a hora da

terapia como quiser, de modo que ela se sinta livre. Isso torna a criança consciente de

sua responsabilidade para escolher, fazendo-a auto-suficiente, capaz de resolver seus

próprios problemas.

O terapeuta deve estar alerta para identificar os sentimentos que a criança está

expressando, e depois refleti-los para ela – por meio de uma linguagem acessível – de

forma que a mesma adquira conhecimento sobre seu comportamento. Deve evitar

interpretações, e quando o fizer, deve incluir em sua resposta o símbolo utilizado pela

criança. O terapeuta deve respeitar a capacidade da criança de solucionar seus próprios

problemas, dando-lhe oportunidade para isto. Ele acredita que a criança pode ajudar a si

mesma. Atribui a ela a responsabilidade de fazer escolhas e mudanças. Também entende

que, por ser um processo gradativo, a terapia não pode ser apressada. A criança

expressará seus sentimentos quando estiver pronta para isso. Cada criança tem um ritmo

próprio, que deverá ser respeitado.

A ludoterapia, portanto, deve proporcionar um ambiente de permissividade, de

respeito pelas escolhas da criança. Porém, a hora da terapia não deve estar tão

desvinculada do cotidiano a ponto de, o que nela ocorrer, não poder ser levado além da

sala de terapia. Por isso, o terapeuta deve estabelecer algumas limitações necessárias

para fundamentar a terapia no mundo da realidade e fazer a criança consciente de sua

responsabilidade no relacionamento. Além disso, os limites são estabelecidos também

para permitir que o terapeuta continue aceitando emocionalmente a criança (Dorfman,

1992). Estes limites devem ser restritos às coisas materiais, evitando que sejam

quebradas ou levadas pela criança; à sala, que não deve ser danificada; à agressão ao

terapeuta; à segurança da criança; e ao limite temporal. A despeito desses elementos, a

criança poderá expressar na sala todos os sentimentos e desejos proibidos na sociedade,


desde que recorra ao material simbólico que está disponível para ela com essa função

(Ginott, 1974). Desse modo, os limites ajudam a criança a obter a gratificação dos seus

impulsos através de novos caminhos, canais socialmente aceitáveis, ajustando-se ao

relacionamento humano de maneira saudável e realista.

Na abordagem fenomenológico-existencial, com foco na Gestalt-terapia, o

terapeuta deve possuir a habilidade de ser diretivo sem ser invasor, ser leve e delicado

sem ser excessivamente passivo e não-diretivo (Oaklander, 1980). O terapeuta deve

compreender as necessidades da criança e respeitar suas defesas, entrando em seu

mundo de maneira cuidadosa. Deve também ser flexível. Maichim (2004) coloca que

não há regras a serem cumpridas, mas sim caminhos possíveis. Não devemos nos

agarrar a uma atitude rígida ou teoria, mas seguir o caminho apontado pelo fenômeno

expresso durante a sessão terapêutica. O terapeuta é livre para colocar em segundo plano

questões que são utilizadas como regra, se sentir que o fenômeno aponta em sentido

contrário.

É através desse relacionamento único entre o terapeuta e a criança, estabelecido

através do brincar, que a criança poderá entrar em contato com seus sentimentos mais

profundos, empreendendo uma busca pela possibilidade de ser-no-mundo de uma forma

autêntica, apesar dos obstáculos que se colocam frente a isso. Dessa forma, ela poderá

transformar-se e transformar a realidade à sua volta.


8. RELATO DOS ATENDIMENTOS E CASUÍSTICA

– Natural é as pessoas
se encontrarem e se
perderem.
– Natural é encontrar. Natural é
perder.
– Linhas paralelas se encontram
no
infinito.
– O infinito não acaba. O infinito
é
nunca.
– Ou sempre.

Caio Fernando Abreu

Com o intuito de representar a minha experiência de estágio, trago a seguir um

breve resumo dos atendimentos que realizei durante esse período. Apresento também

um estudo de caso, ou seja, aprofundo-me na compreensão de um caso específico

escolhido.

Beatriz3, 39 anos

Acompanhada durante 5 sessões no período de março a maio de 2006.

Beatriz procurou o atendimento em psicoterapia do SEPA por iniciativa própria

queixando-se de ansiedade e de problemas no relacionamento com sua mãe de criação.

Criada pelos tios-avôs − sua mãe biológica faleceu quando tinha apenas três meses de

idade e seu pai constituiu outra família − relatou que seus problemas se intensificaram

com a morte do “pai” (tio-avô), há cinco anos, por quem tinha “um amor

incondicional” (sic). Afirmou ainda que quando está muito ansiosa só consegue se
3
Os nomes utilizados neste relatório são fictícios a fim de garantir o sigilo terapêutico.
acalmar comendo ou comprando. Devido a isso, referiu estar tendo problemas de saúde

e dificuldades financeiras.

Nas primeiras sessões, Beatriz se mostrou muito participativa e aberta para o

diálogo, o que sugere que o rapport foi bem estabelecido. Durante o acompanhamento,

vieram à tona questões de cunho mais existencial: alheamento de si mesma e

inautenticidade na forma de se relacionar com o mundo e com as pessoas.

Iniciou-se, portanto, uma escuta mais aprofundada de tais demandas que, no

entanto, foi interrompida na quinta sessão por desejo da própria cliente. Ela justificou tal

decisão alegando não estar preparada para “entrar em contato com determinadas

coisas” (sic).

Lúcia, 17 anos

Acompanhada durante 16 sessões no período de abril a agosto de 2006.

A mãe de Lúcia procurou o SEPA em busca de psicoterapia para sua filha após

uma solicitação do médico dermatologista responsável pelo tratamento de psoríase

desta. Relatou que a jovem passou a apresentar desânimo e apatia em virtude de seu

problema dermatológico, “recusando-se inclusive a sair de casa quando está com a pele

muito comprometida” (sic). A adolescente confirmou os dados fornecidos pela mãe e

trouxe ainda a queixa de estresse devido ao ano de vestibular.

A cliente se mostrou um pouco fechada no primeiro contato (triagem), afirmando

que não estava ali por vontade própria, mas sim para atender um pedido da mãe e para

“ficar boa da psoríase” (sic). Tal postura, entretanto, não perdurou e no segundo

encontro (primeira sessão) ela já estava bem mais à vontade e aberta. Credito tal

abertura ao bom rapport que se estabeleceu.


O trabalho terapêutico possibilitou a Lúcia refletir sobre seu modo-de-ser, o que

acabou por suscitar questões como baixa auto-estima e dificuldade de expressar

sentimentos e emoções (principalmente no que se refere a dinâmica familiar).

No decorrer do acompanhamento a cliente referiu uma gradativa mudança no

sentido de uma melhor aceitação da doença (psoríase). Ao final do processo, a

adolescente já conseguia se expressar melhor para a família e para o namorado. Contudo

ainda necessitava dar continuidade ao processo terapêutico. Porém, por razões

financeiras, ela decidiu encerrar a psicoterapia.

Carlos, 24 anos

Acompanhado durante 11 sessões no período de setembro a dezembro de 2006.

Procurou atendimento em psicoterapia motivado pelas constantes queixas da sua

família e da sua noiva, os quais lhe atribuíam comportamentos agressivos. Relatou que

passou a se sentir muito ansioso e triste alguns meses após a morte do seu pai, no

entanto, não reconheceu como genuínas as acusações de agressividade.

Num primeiro momento do processo com Carlos cheguei a me questionar a cerca

da qualidade da relação que estávamos começando a esboçar. Como ele pareceu estar

um pouco fechado e hesitante, deixando transparecer certa resistência e desconforto ao

ser questionado sobre seus sentimentos e emoções, eu me perguntei se não haveria algo

na relação que estivesse lhe bloqueando. Resolvi conversar com ele sobre isso,

conversa essa que nos levou a uma melhor compreensão dos seus modos-de-ser.

Concluímos juntos que o estava acontecendo na terapia era na realidade uma repetição

do que ocorria com ele nas suas relações cotidianas, ou seja, essa resistência era reflexo

da dificuldade própria do seu ser de pensar e refletir em termos de sentimentos, uma vez
que ele é uma pessoa muito racional. Compreender o que estava se passando foi

imprescindível tanto para o fortalecimento da nossa relação, como para a dinâmica do

caso.

O trabalho terapêutico com Carlos teve como objetivo melhorar sua adaptação e

aceitação em relação à perda do pai; ampliar o seu auto-conhecimento e seu contato com

os próprios sentimentos e emoções; além de trabalhar a ansiedade. Para tanto, foram

utilizados experimentos (viagens de fantasia; trabalho com sonhos), presentificação dos

seus sentimentos e centramento no aqui-agora.

Ao longo do acompanhamento, o cliente referiu e expressou uma melhor

elaboração do luto do pai, mas permaneceu com a queixa de ansiedade. Resolvi então

encaminha-lo para um psiquiatra para que iniciasse (em paralelo) um tratamento

medicamentoso.

O processo psicoterapêutico de Carlos − referente ao estágio curricular do SEPA −

foi interrompido após a 11ª sessão em virtude do término do curso, no entanto, eu dei

prosseguimento ao acompanhamento do paciente em outra instituição, uma vez que

ainda existia a necessidade e o desejo de dar continuidade à psicoterapia.

Lívia, 6 anos

Acompanhada durante 12 sessões no período de maio a agosto de 2006.

A mãe e a avó trouxeram a queixa de que a garota apresenta uma série de medos

(de ficar sozinha; de ir ao quarto da avó; de programas policiais; de escuro; de objetos

com movimentos bruscos; dentre outros) e que quando se encontra em uma dessas

situações fica muito nervosa, chorando e gritando exaustivamente.


Criada na casa dos avôs maternos, Lívia os chama de “pai” e “mãe” apesar da mãe

biológica, a quem trata pelo nome, também morar com eles. O pai biológico está preso

por tráfico de drogas e sempre foi afastado da filha. A avó relatou que sempre tem

atitudes muitos permissivas em relação à neta, deixando-a fazer tudo que quer e

creditando essa postura ao “grande amor que tenho por ela” (sic). Referiu ainda que

apresenta algumas fobias e que já chegou inclusive a iniciar tratamento psicoterápico e

psiquiátrico, mas que após alguns meses abandonou-os “por falta de tempo” (sic). A avó

afirmou também que acha a neta muito dependente dela e que por isso evita se ausentar

por muito tempo, mesmo que Lívia esteja na presença da mãe.

Já na primeira sessão Lívia se mostrou uma criança muito esperta e falante, além

de ter iniciativa e demonstrar criatividade nas brincadeiras. O rapport foi bem

estabelecido, o que ficou claro em muitas de suas falas (que ressaltavam a alegria que

sentia ao vir para terapia).

Durante o acompanhamento, nenhum sinal dos medos de Lívia foi observado. A

garota, no entanto, demonstrou bastante preocupação com a limpeza de alguns

brinquedos (principalmente os que estavam sujos de tinta), da pia (que também possui

marcas de tinta) e do quadro negro (que tem marcas de desenhos anteriores). Em quase

todas as sessões ela, em algum momento, tentava apagar as marcas contidas nesses

objetos, alegando não gostar de cores escuras.

No decorrer do processo, são feitas várias orientações à mãe e a avó. Contudo o

tratamento ludoterápico é abandonado no final de agosto de 2006, pois a avó alegou

falta de tempo.
Emanuel, 23 anos (Estudo de Caso)

Acompanhado durante 16 sessões no período de agosto a novembro de 2006.

O jovem procurou o SEPA por iniciativa própria queixando-se de depressão e de

dificuldades de relacionamento interpessoal. Emanuel é filho único, morou com os pais

até a adolescência no interior do Estado quando então se mudou para Natal com o

objetivo de se preparar para prestar vestibular. Atualmente, mora numa das residências

universitárias e está graduando-se em um curso da área de Exatas na Universidade

Federal do Rio Grande do Norte.

Inicialmente, o processo terapêutico objetivou proporcionar à Emanuel um espaço

aberto para que pudesse falar livremente dos seus sentimentos de rejeição, de solidão, de

tristeza. Como ele chegou à psicoterapia com uma necessidade muito grande de

“desabafar”, de falar e se sentir ouvido, minha atitude inicial foi a de proporcionar uma

escuta atenta e paciente, disponível, mas sem pressa.

Na primeira sessão, Emanuel discorreu longamente sobre as dificuldades que vem

apresentando no convívio social. Afirmou que não tem amigos, nem namorada e que por

isso se sente muito triste. Disse que não sabe como chegar até as pessoas para conversar,

que se considera desinteressante e sem papo, e que por esse motivo quando resolve sair

para uma festa sente necessidade de beber muito para criar coragem de se aproximar de

alguém. Relatou ainda que mesmo bebendo não tem sucesso na hora da conquista pois

“Nenhuma garota quer nada com um bêbado” (sic). Esse bloqueio social, segundo ele,

foi um dos motivos de sua depressão.

Contou ainda que tem muitos problemas na área sexual. Não se sente atraído

fisicamente por garotas da sua idade, e sim por meninas bem mais novas do que ele.
Enfatizou, contudo, que esse desejo por “menininhas de mais ou menos dez anos” (sic)

nunca passou para o plano da ação em virtude da consciência que tem que isso não está

correto. Prosseguiu dizendo que já tentou algumas vezes ter relações sexuais com

mulheres da sua faixa etária, mas que na maioria delas acabou não alcançando a ereção

por causa da falta de desejo.

Confesso que esse foi o momento deste processo terapêutico no qual a noção de

redução fenomenológica fez mais sentido para mim. Estava diante de uma pessoa que,

apesar de referir um modo-de-ser que vai diretamente de encontro com os meus valores

pessoais, não deixava de necessitar de cuidado e atenção. Percebi que só poderia ajudá-

lo realmente se conseguisse ultrapassar meus pré-conceitos e me focar na existência que

estava na minha frente, clamando por compreensão. Senti, então, que o importante de

agora em diante era buscar enxergar os significados e sentidos escondidos por trás

desses desejos e tentei seguir nessa direção.

Nessa sessão, Emanuel falou ininterruptamente os 50 minutos e em determinado

ponto da conversa passou a abordar assuntos bem delicados. Apesar, entretanto, do

conteúdo denso e pesado de suas falas iniciais, o que poderia sugerir confiança e

envolvimento por parte do cliente, a impressão que Emanuel me passou nessa conversa

foi a de certo distanciamento emocional, como se ele estivesse discorrendo sobre o

drama de outra pessoa, como se não fosse ele mesmo o protagonista daquela história

que estava sendo contada. Muitos fatos e sentimentos foram relatados, mas o jovem não

demonstrou estar entrando em contato com o que estava sendo dito. Suas falas eram

impessoais e distanciadas de si-mesmo.

Apesar dessa percepção, preferi não trazer essa questão diretamente à tona naquele

momento uma vez que estávamos apenas na primeira sessão. “Talvez − pensei − seja

necessário um pouco mais de tempo para que ele possa se abrir verdadeiramente para
sentir sua própria dor”. Não que eu acredite que para essas coisas haja tempo certo ou

instante adequado, mas creio profundamente na existência de um tempo do cliente, e

creio também que ninguém melhor do que ele mesmo para sinalizar a chegada desse

momento. Cabia a mim, portanto, estar atenta para esses sinais. Pensei que se tivesse

calma e paciência, chegaria a hora na qual eu poderia colocar essa questão para ele e ela

faria sentido.

Na segunda sessão Emanuel entrou um pouco na sua história familiar. Relatou

que sempre teve uma relação tumultuada com o pai, o qual, segundo ele, é muito

agressivo e repressor. Afirmou que nunca consegue agrada-lo, por mais que se esforce, e

que tudo que faz é motivo de críticas e gozações por parte do mesmo. Referiu ainda que

sua infância e sua adolescência foram muito difíceis devido às constantes violências

físicas e morais que sofria do pai e que, por isso, não pensa em voltar a morar com ele

apesar das dificuldades que vem enfrentando para permanecer residindo na capital

(dificuldades financeiras e referentes à problemas de relacionamentos com alguns outros

moradores da residência universitária na qual mora atualmente).

Estabeleceu, diversas vezes, uma relação direta entre seus problemas atuais e o

tratamento que recebia (e ainda recebe) do pai.

“Eu tenho certeza que sou do jeito que sou hoje por causa do meu pai. Foi
na minha infância que tudo começou... Ele não me deixava sair, brincar
como as outras crianças da minha idade porque dizia que eu incomodava.
Tudo que eu fazia era sempre errado e motivo de repreensões. Até hoje eu
sou, para ele, o filho bobão que não presta para nada e não faz nada
direito (...) Acho que de tanto ele falar eu acabei me transformando nisso
mesmo. Mas nada me tira da cabeça que a culpa é dele.”
Falou ainda que não gosta de pensar no futuro, que se sente desanimado e

pessimista em relação a vida, a qual, segundo suas palavras, não lhe reserva nada de

bom.

Na sessão seguinte, o jovem trouxe outro assunto muito delicado. Relatou com

detalhes um abuso sexual que sofreu quando tinha oito anos. Afirmou que foi levado de

moto junto com um colega (da mesma idade dele) por um homem de aproximadamente

40 anos conhecido do outro garoto. Os três seguiram para um sítio, aonde tudo

aconteceu. Emanuel contou que teve seus órgãos sexuais manipulados pelo homem e

que assistiu ele ser masturbado pelo outro garoto. Quando voltou para casa, muitas

horas depois (foi deixado a um quarteirão da sua residência) encontrou a polícia a sua

espera e teve que se submeter, ainda naquela noite, a um interrogatório e exame de

corpo de delito.

Prosseguiu dizendo que todos os seus conhecidos ficaram sabendo do acontecido e

que isso o faz sofrer até hoje. “Mesmo depois de tantos anos, eu não gosto de ir para a

cidade dos meus pais. Parece que todo mundo lá conhece meu ponto fraco. Eu olho

para as pessoas e parece que eles estão o tempo todo me acusando pelo que

aconteceu”. Referiu ainda que carrega um sentimento de culpa muito grande por não ter

dito não, por ter subido na moto mesmo sem querer. Volta a falar a cerca da mágoa que

carrega do pai também por essa história. “Ele olhou para mim como se eu tivesse

cometido um crime. E além do mais, não fez nada para que o homem fosse punido. Pelo

contrário, não queria remexer no assunto para que todos esquecessem logo”.

Ao contar esse episódio, Emanuel se emocionou bastante. Pela primeira vez desde

que começamos o processo, ele demonstrou congruência entre seu discurso e suas

emoções. E digo isso não apenas pelo fato dele ter chorado, mas pelo tom pessoal e
próximo que imprimiu à sua fala. Dessa sessão em diante, pude perceber tal

congruência na maior parte das nossas conversas.

Sai da sessão nesse dia muito tocada pela história de Emanuel. Até aquele

instante, só tinha ouvido queixas e reclamações, mas não tinha sentido a dor dele, não

tinha visto de fato sofrimento naquela existência que estava diante de mim. Após aquela

revelação, mudei minha forma de olhar para ele. É como se eu sentisse que ele tinha

realmente motivos para tantas queixas.

Ao dividir esse meu sentimento na supervisão, fui alertada para não deixar que

minha afetação me penalizasse perante o meu cliente. Se eu passasse e sentir pena dele,

eu acabaria colocando-o numa posição inferior, frágil, e com certeza não era esse tipo de

relação que iria ajudá-lo. Ele precisava de alguém que olhasse para ele e enxergasse um

ser humano capaz, rico em potencialidades e totalmente passível de alcançar uma

existência plena. Escutei atentamente todas as orientações da supervisora, mas

reconheço que o se seguiria era para mim uma incógnita. Não podia garantir nada, só a

experiência poderia me dizer como eu iria me sentir em relação a Emanuel de agora em

diante.

No encontro seguinte, ele passou a referir obstinadamente a idéia de que seus

colegas da residência, da universidade e do trabalho levavam o tempo a tentar humilhá-

lo:

“E – A maioria das pessoas com as quais eu sou obrigado a conviver são


pessoas orgulhosas, que só pensam em se auto-promover e menosprezar
os outros. O mal do mundo é esse tipo de gente que quer o todo tempo ser
melhor que os outros.
A – E como você se sente em relação a essas pessoas?
E – Eu me sinto muito mal quando estou ao lado de pessoas assim. É como
se eles me chamassem para briga... É assim que eu me sinto, desafiado.
A – E o que você costuma fazer quando é desafiado?
E – Nada, a não ser entrar em depressão. Quando eu sou desafiado eu me
sinto na mesma hora derrotado (...) Eles conseguem o que eles queriam. O
pior é isso.”

Para a minha surpresa, nessa sessão não olhei para Emanuel com pena ou

compaixão. Pelo contrário, enxerguei com mais clareza o movimento de

desresponsabilização que ele vinha esboçando ao longo da sua vida, sempre colocando

nas pessoas e nas situações vividas a culpa por tudo de negativo que lhe acontecia. Uma

tendência a se colocar na posição de vítima do mundo e do destino, de perseguido pelas

pessoas ao seu redor. “É claro que sua auto-estima, sua autopercepção − pensei − foram

fortemente marcadas por esse abuso e pela relação traumática que tem com o pai desde

a infância, mas isso não retira dele a responsabilidade do cuidado pelo seu ser, nem

muito menos engessa suas possibilidades existenciais”. Eu sabia disso, mas era

necessário que ele também percebesse, ou melhor, sentisse.

Meu intento então, nesse momento, foi o de trabalhar a idéia de que, apesar de

tudo de negativo e doloroso que já havia acontecido em sua vida, sua existência não

estava condenada ou determinada pelo seu passado. Emanuel precisava readquirir a

confiança em si mesmo e nas suas capacidades, reabrir-se para as possibilidades

existenciais que dizem respeito ao seu ser. Precisava olhar para si mesmo e enxergar

alguém capaz de redirecionar o próprio caminho por estradas diferentes daquelas que

vinham sendo trilhadas até então, enfim, retomar as rédeas da sua vida e sair do lugar de

incapaz no qual lhe colocaram e do qual ele não conseguiu sair desde então.

O mais importante agora era que ele percebesse que uma mudança nesse sentido

dependia única e exclusivamente dele mesmo, que continuar depositando nos outros

(seu pai; seus colegas de residência; seus familiares) a culpa e a responsabilidade pela

atrofia da sua existência não ia ajudar em nada, pelo contrário, só faria com que cada
vez mais ele interiorizasse e cristalizasse essa posição de inábil. O objetivo, portanto,

era proporcionar a Emanuel uma possibilidade de olhar para trás e retirar dali não

motivos e desculpas para se sentir pequeno, menos que os outros, e sim força de

superação, gana de revelar ao mundo as suas outras facetas − mais saudáveis e positivas

− até então encobertas pelas suas dores.

Minhas intervenções, portanto, passaram a se direcionar gradativamente para isso,

para que ele se abrisse ao máximo para chegar a essa percepção. Talvez em alguns

momentos eu tenha pecado pelo excesso. Confesso que não consegui deixar de criar

expectativas em relação à importância dessa tomada de consciência. A supervisão, no

entanto, foi essencial para me abrir o olhos. Compreendi que não se tratava de algo

simples, que se fosse fácil enxergar toda essa dinâmica, com certeza ele já o teria feito.

Nas sessões seguintes, Emanuel continuou falando bastante a cerca da sua

dificuldade de se relacionar com as pessoas. Relatou que sempre que tenta se aproximar

de alguma garota, para conquistá-la, ele se dá mal, pois não tem papo, não tem conversa.

Disse que já aconteceu muitas vezes de sair com alguma garota e ficar muito tempo

calado, “Elas me perguntam por que eu não falo nada, porque eu fico calado”. Isso

acontece também quando está com os colegas, “Todos ficam batendo papo e eu fico

mais calado”. Disse que “trava” nesses momentos e que acha que isso é culpa do pai,

pois quando era menor sempre que ele estava na frente dos outros e falava qualquer

coisa errada ou fora de hora o pai dele brigava muito. Até hoje não gosta nem de

namorar nem de conversar nada com ninguém na frente dos seus pais. Disse que caso

encontre algum colega na rua quando está na companhia dos seus pais, ele só diz um

“oi, bem sem graça”. Segundo ele, seu pai o repreende e critica por tudo.

Emanuel insistia na atitude de responsabilizar o pai por todos os seus defeitos e

por tudo de negativo que lhe acontecia, afastando-se da sua responsabilidade. Sua
reação era de uma total paralisação. Enquanto ele permanecesse nessa posição, seria

difícil que se engajasse, que se comprometesse de fato com a própria mudança. Era

necessário também que ele retirasse o foco dos sintomas, das dificuldades

comportamentais que vinha apresentando, e se voltasse mais para sua totalidade

existencial. A impressão que ele me passava durante nossas conversas é que sua vida

tinha se tornado um fardo pesado demais, que sua existência se resumia agora a um

amontoado de defeitos e limitações com os quais ele não sabia lidar.

Eu notava, durante as sessões, que ali, na relação terapêutica, Emanuel não

apresentava essas dificuldades das quais tanto se queixava. Pelo contrário, ele chegava e

conversava muito, sempre tinha muito a dizer, e hora nenhuma me passou a imagem de

alguém desinteressante, que não sabe conversar ou não tem papo. Coloquei essa minha

percepção para ele, que reconheceu que nas nossas conversas ele conseguia se “soltar”.

A partir de então, busquei sempre estabelecer comparações entre o que ele me

trazia e a nossa relação. Meu intuito era fazer com que ele se desse conta de que seu ser

não tem que se revelar obrigatoriamente de uma única forma − neurotizada − ou seja,

que sua existência não está doente por inteira e que dessa forma ainda é possível

resgatar todo o seu potencial escondido, encoberto pelos sintomas, e que encontrava na

terapia um terreno propício para se revelar. A idéia era fazer com ele compreendesse que

se isso era passível de acontecer na terapia, então poderia também ocorrer lá fora, nas

suas outras relações. Potencial para isso ele tinha.

Um pouco mais adiante no processo o cliente passou a referir gradativas mudanças

de comportamento e, principalmente, passou a demonstrar novas formas de

compreensão e entendimento das coisas, das pessoas e de si mesmo. Discorreu sobre

uma situação na qual conseguiu agir de uma forma diferente da habitual e demonstrou

muita satisfação com essa sua conquista.


“Na semana passada eu ia tendo novamente uma briga com um rapaz que
divide quarto comigo. Tudo aconteceu porque eu estava querendo dormir e
ele não queria apagar a luz. No começo fiquei bem chateado, mas logo em
seguida a raiva passou, pois consegui me dar conta que coisas como
aquela, que antes estavam sendo tão estressantes e me deixando tão
contrariado, talvez nem fossem tão graves assim. Pensei que talvez ele só
fizesse isso porque sabia que eu ia ficar chateado. Resolvi então não dar
bola, não me importar. Resolvi até aproveitar para fazer uma leitura que
estava pendente. Quando ele viu que eu não estava nem aí, em pouco
tempo resolveu ir dormir também. Acho que estou aprendendo a ter mais
jogo de cintura nas situações.”.

Nas sessões que se seguiram tentei trabalhar também a questão do sentido que ele

estava atribuindo a sua vida, dos caminhos que pretendia e que gostaria de trilhar.

Quando chegou à terapia, Emanuel estava tão desacreditado de si que evitava ao

máximo pensar no futuro. Dizia não acreditar que poderia sair da inércia na qual se

encontrava e que por isso entrava em depressão toda vez que resolvia pensar no porvir.

Apesar da sua fala, no entanto, eu sabia que em algum ponto do seu ser existia uma

faísca de esperança, de crédito pessoal. Se não, o que faria com que ele tivesse

procurado terapia, ou ainda, o que o motivaria a dar continuidade ao processo?

A esta altura, portanto, busquei incitar algumas reflexões a cerca desse assunto.

Ele já tinha dado passos significativos no seu processo terapêutico e alcançado

mudanças expressivas, mas, apesar disso, continuou resistindo fortemente a pensar no

amanhã.

“Não gosto de pensar no futuro. Sempre que faço isso crio expectativas, e
sempre que crio expectativas me dou mal. Prefiro seguir assim. Sem
pensar no futuro e sem criar expectativas. Acho que assim são maiores as
chances das coisas darem certo para mim.”
Apesar de toda essa resistência, todavia, o jovem passou a relatar alguns planos e

projetos a curto prazo. “Estou me esforçando ao máximo para terminar meu curso

ainda esse semestre. Dessa forma, vou ficar com o tempo mais livre para estudar para

concursos. Estou querendo fazer isso no próximo ano, estudar para concursos”. Eu

sabia que isso já era um movimento inicial, mas optei por não colocar, ainda, essa minha

percepção, pois tinha receio que isso freasse o processo. Achei que teríamos mais tempo

para trabalhar com calma essas e outras questões, mas o fato é que não tivemos, pois

Emanuel resolveu encerrar o atendimento. Ele ligou perguntando se poderia interromper

a terapia durante o mês de dezembro − para se dedicar integralmente ao estudo para as

últimas provas do semestre − e voltar após 30 dias. Eu expliquei que isso não seria

possível devido às normas do SEPA e que ele teria que decidir se daria prosseguimento

ou não. Ele agradeceu bastante, discorreu sobre a importância da terapia naquela fase

da sua vida, mas optou por dar por encerrado o acompanhamento.

Admito que sua escolha me pegou de surpresa. Num primeiro momento não

consegui entender o que o tinha levado a tomar essa decisão, afinal seu processo vinha

alcançando resultados positivos e ele parecia satisfeito com isso. Perguntei-me várias

vezes se havia feito alguma coisa de errado, ou se tinha deixado de fazer algo

importante. Após alguns dias de reflexão, entretanto, cheguei à conclusão que seria

impossível saber as reais motivações dele − se é que existiam motivos não-revelados − e

que talvez, por isso, o melhor mesmo fosse acreditar que eu o ajudei da melhor forma

que pude.

Se seus motivos foram outros além dos que me relatou no telefonema, eu nunca

saberei, mas de uma coisa eu tenho certeza: aquela pessoa que me ligou aquele dia não

era a mesma que tinha chegado alguns meses antes. Eu vi e presenciei nela um
crescimento considerável durante aquele período e disso eu não duvidava nem um

pouco.

É claro que haveria ainda muito a ser feito − o caminho até que alcançássemos a

meta terapêutica de centrá-lo na própria existência, fazendo com que deixasse de se

apoiar no meio, para buscar apoio em si mesmo, ainda seria longo − caso ele tivesse

optado por ficar, mas se essa foi sua escolha, deveria ser porque era o melhor para ele

naquele momento.

Retornei à Fenomenologia para tentar dar sentido a tudo que havia se passado e

me deparei com um grande ensinamento que me ajudou a elaborar a minha frustração:

“A vida do paciente diz respeito primeiramente a ele mesmo, e é ele quem primeiro

conhece seus limites, quem sabe se quer ou não fazer mudanças em sua vida, e no caso

de querer, saberá a hora de fazê-las.” (Sapienza, 2004).

Resolvi escolher esse atendimento para relatar, pois sem dúvida foi o que mais me

afetou durante o estágio. Foi uma das experiências profissionais mais enriquecedoras

que tive, seja pelas características do caso, seja pelo progresso alcançado, seja pelo

desfecho súbito e inesperado.

O caso de Emanuel me tocou em todo seu desenrolar exatamente porque foi

desafiante. Eu nunca tinha atendido nenhum cliente tão comprometido existencialmente

e que necessitasse tanto de ajuda. Sabia que não seria fácil, mas a força e o potencial

que eu via brotar naquele ser me enchia de certeza que estávamos indo pelo caminho

certo.

Agora, passada a frustração decorrente do abandono do processo pelo cliente,

percebo o quanto cresci com esse caso. Dou-me conta do quanto às angústias, as

preocupações e as frustrações me serviram de lição e me abriram os olhos para a dureza

− e porque não também para a beleza? − da realidade da profissão de psicoterapeuta.


9. DESENROLAR DAS ATIVIDADES E DESAFIOS ENFRENTADOS

Agora eu vou tratar de encontros e desencontros. De grandes encontros e

pequenos desencontros, para ser mais precisa. Posso explicar melhor. Os desencontros

principiaram-se logo nos instantes iniciais do meu estágio em Psicologia Clínica.

Lembro-me claramente da minha primeira cliente e dos seus muitos elogios às

maravilhas que uma terapia pode fazer por alguém. Elogios que duraram pouco... até o

instante em que algumas de suas fichas começaram a cair e que um vestígio de sombra

começou a despontar do seu horizonte interior . Antes de sair pela porta e não voltar

mais ela disse que não estava preparada para descobrir “determinadas coisas”. E eu

fiquei ali surpresa, me perguntando onde foi que eu errei...

Mas como a vida continua e o estágio também... logo em seguida minhas

expectativas estavam novamente a mil por hora afinal − enfim − eu teria a oportunidade

de atender uma criança! “Quando se trata delas − pensei eu na minha ingênua

ignorância − as coisas devem ser mais simples”. Não que eu imaginasse que fosse ser

fácil, não se trata disso, mas me sentia muito confortável com a idéia de que as crianças

são sempre mais espontâneas e autênticas que os adultos. Mal sabia eu que esse ponto

seria motivo de outras angústias mais à frente...

A primeira sessão na sala de Ludo ia transcorrendo bem até que a garotinha me

convidou para brincar com ela. “Você pode brincar também”, ela disse após pegar uma

boneca e estender a mãozinha me oferecendo outra. Um turbilhão de dúvidas começou a

povoar minha cabeça naquele momento: Será que eu posso brincar naturalmente com

ela, ou será que minha atuação livre vai interferir no processo e direcionar a

brincadeira? Lembro-me de umas leituras sobre atendimento infantil que alertavam o

terapeuta para que o mesmo não deixasse de oferecer à criança a possibilidade de ela
mesma conduzir o brincar. Mas qual era, na prática, o limite? Deveria eu esperar para

ver quais eram os caminhos que ela ia tomando? Mas isso não seria um brincar

genuinamente espontâneo da minha parte! Como eu poderia esperar espontaneidade

dela se eu mesma não oferecesse isso também? Saí da sala naquele dia com muitas

perguntas e nenhuma resposta...

O ano do estágio seguiu avançando a passos largos e, a despeito das minhas

previsões mais otimistas, as angústias não desapareceram, apenas foram cedendo espaço

a novas aflições. Outros clientes chegaram... e despertaram em mim mais dúvidas e

questionamentos. Afinal, o que fazer diante de um adolescente que logo no primeiro

instante me diz, sem a menor cerimônia, que não gosta muito de ir a psicólogos e que

está ali mais para atender a um desejo da mãe do que por vontade própria? Ou ainda,

como não me sentir insegura ante meu primeiro paciente com transtorno psiquiátrico?

Sentia-me cada vez mais sem rumo, sem respostas para tantas perguntas...

Isso tudo me fez pensar: “Que profissão estranha essa que eu escolhi!” Passei

quatro anos da minha vida estudando conceitos e conhecendo as mais diversas teorias

que se prestam a entender e explicar o comportamento humano... e agora, na reta final,

quando eu realmente me encontro frente à frente com pessoas, seres humanos em busca

de ajuda, agora que verdadeiramente preciso de uma base sólida na qual me apoiar,

percebo que nada disso me oferece garantias! Para quê me serviram, afinal, todas as

incontáveis horas de aula se elas não me prepararam para as reais situações com as

quais estou me deparando na prática? E todas as exaustivas leituras e discussões

teóricas? Aonde foi parar aquele conhecimento prontinho e arrumadinho que eu via

passear pelos corredores e pelas salas da universidade?

E foi então, a partir da soma de todos esses pequenos desencontros, que me

surgiu uma luz e as coisas começaram a mudar: Nada de bússolas! Nada de certo e
errado! Nada de caminhos delineados! Percebi, finalmente, que uma boa terapia não se

faz com conhecimentos prontos, com teorizações complexas, com técnicas precisas. A

partir da minha própria vivência pude me dar conta de que acompanhar alguém nesse

mergulho interior que é a psicoterapia se faz sendo humano, sendo afetuoso, sendo

ético. Sendo gente e estando presente dessa forma na relação. Aprendi (a duras penas!)

que os referencias teóricos são apenas isso... referências que não podem nos aprisionar,

nos limitar, nos fazer refém. Compreendi que, quando estou diante do meu cliente,

preciso ir além, ultrapassar os limites de tudo que já foi feito e dito sobre Psicologia,

para de fato poder ser útil uma vez que essa pessoa sempre vai trazer algo de

extremamente particular e único, algo que foge de qualquer conceitualização. E como eu

posso fazer isso? Acreditando na lógica das minhas decisões, na força da minha

intuição, na importância das minhas descobertas e, talvez, até na coerência das minhas

pequenas transgressões!

Apesar de toda essa consciência, entretanto, percebo que ainda hoje  ao final do

estágio curricular  tenho constantes recaídas de insegurança... e que volta e meia me

encontro angustiada e aflita com algum atendimento. Nesses instantes tento não me

esquecer de outra grande lição que essa experiência de estágio me proporcionou: se tudo

na minha atuação fosse calmo e tranqüilo, se todos os meus atendimentos ocorressem

exatamente da forma que desejo, não haveria conflitos, nem angústias... mas também

não haveria movimento, não haveria a graça de ter o que aprimorar, o que buscar... Eu

não teria sofrimento, mas também não teria o prazer de superá-los e o privilégio de

crescer com eles!

Nesse ponto queria abrir um parêntese. Falando assim fica parecendo que todos

esses ensinamentos partiram única e exclusivamente da minha experiência e das

reflexões que elas suscitaram em mim. Isso não é verdade. Muito do que eu aprendi
devo às inúmeras horas de supervisão em grupo nas quais dividimos  eu, meus colegas

de estágio e nossa supervisora  não apenas informações e conhecimentos, mas também

afeto, cuidado, solidariedade e compreensão. Afeto, pois além de colegas de profissão

nos tornamos também companheiros de jornada; Cuidado, pois além de buscarmos

oferecer uma escuta diferenciada para os nossos clientes, também buscamos ouvir de

coração aberto uns aos outros; Solidariedade, à medida que as dificuldades enfrentadas

por cada um de nós nunca foram encaradas pelo grupo como fraqueza, incompetência

ou limitação, e sim como oportunidades de aperfeiçoamento, como experiências

enriquecedoras e importantes para todos; e Compreensão, uma vez que as diferentes

posturas e pontos-de-vista não geraram problemas, e sim ricas trocas.

Hoje, olhando para trás, reconheço até mesmo o quanto me foram necessários e

imprescindíveis os anos de formação, os quais eu tanto questionei e critiquei (por

acreditar que eles não tinham me capacitado para enfrentar os obstáculos com os quais

eu estava me deparando na prática profissional). Como fui tola e injusta! É claro que eu

não deveria esperar da Psicologia  sendo ela uma ciência subjetiva, multidimensional,

abstrata, vivencial  a mesma segurança que oferecem outras ciências mais objetivas e

concretas! Mas isso não diminui a sua validade e importância! Agora acho, inclusive,

que é aí que está contida toda riqueza do nosso ofício: uma profissão que é fascinante

exatamente porque não de-limita, não oferece as respostas de bandeja, ao contrário, nos

instrumentaliza a buscá-las dentro de nós!

Se não posso, enquanto profissional, contar com manuais e receitas prontas,

posso sim contar com um conhecimento tácito, interiorizado, sutil... um conhecimento

que me foi passado  à medida que ia estudando cada teoria, cada conceito  como uma

espécie de mensagem implícita, silenciosa, não-dita mas extraída das entrelinhas... um

conhecimento que não era “figura” nas disciplinas e aulas, mas que mesmo assim
ultrapassou a barreira da percepção e chegou de alguma forma, e se instalou... e me fez

ter um olhar distinto sobre o mundo, uma escuta diferenciada das coisas... e fez de mim

uma psicóloga.

Agora, passadas todas essas experiências, todas essas emoções, sei que o que

está em jogo na minha formação (que não se restringe aos cinco anos de curso, e sim

abarca toda minha trajetória profissional passada, presente e futura) não é aprender a ser

terapeuta, e sim apreender o meu-ser-terapeuta. Isso é, antes de tudo, uma mudança de

perspectiva e de olhar. É, acima de tudo, um encontro comigo mesma.


10. CONSIDERAÇÕES

A elaboração do presente relatório − assim como a maior parte das atividades

desenvolvidas ao longo desse estágio − foi fruto de um trabalho em conjunto com os

demais estagiários que fizeram parte do meu grupo de estágio. Muitas das reflexões e

idéias contidas aqui surgiram e/ou se aperfeiçoaram em momentos de trocas de

experiências ou de discussões de textos durante as supervisões e reuniões do grupo.

Somente por questões burocráticas e formais me apresento como única autora do mesmo

relatório e escrevo na primeira pessoa, mas deixando claro, no entanto, que esses

escritos não foram uma produção apenas minha, mas também de mais sete colegas e da

nossa supervisora. Dessa forma, gostaria de registrar o mérito e importância dos

mesmos na confecção deste relatório, assim como minha eterna gratidão pela chance e

honra de poder representá-los. O texto que se segue foi escrito em homenagem a essas

pessoas tão especiais.

Não sei o porquê, mas tenho escutado aqui e ali que Humanismo saiu de
moda.
As pessoas não querem mais pensar sobre suas existências, sobres os
sentidos e significados da vida. Querem no máximo relatar seus sintomas,
receber em troca uma receita de remédio ou uma tarefa de casa e
voltarem satisfeitas para seus lares, com a consciência “tranqüila” e uma
pá de areia em cima das suas dores. Ah! Até a próxima recaída...
Os mais moderninhos se satisfazem esmurrando algumas almofadas e
dando uns socos na parede. Como se já não tivéssemos que travar uma
briga diária com nossos próprios fantasmas para sobreviver lúcidos nesse
mundo insano que nos rodeia...
Que história é essa que Humanismo saiu de moda?
Tá, tudo bem, eu concordo. Mas acho que o buraco é mais embaixo. A
crise é, sobretudo, de valores.
Penso que deve haver algo de errado numa época na qual falta tempo até
para se viver.
As pessoas não mais administram seus horários, e sim são administradas
por eles.
Vivem correndo de um lado para o outro, acumulando conhecimentos
sobre o mundo e informações sobre as coisas... Mas tornando-se cada vez
mais ignorantes de si mesmas.
Ninguém quer perder tempo olhando para dentro.
A preocupação agora é com o que fica de fora, à vista. Afinal, estamos na
era da imagem, da embalagem.
O que importa agora é ter, e não ser.
É aparentar, e não vivenciar.
É consumir, e não sentir.
Não! Para mim chega!
Assumo-me demodê. Insisto em remar contra a maré.
E sei que não estarei sozinha nesse barco.
Contarei com a companhia de oito almas cúmplices e parceiras.
Seremos, portanto, nove tripulantes de uma embarcação que segue rumo a
um sonho.
O sonho de fazer uma Psicologia comprometida não com as exigências do
mercado ou com as tendências da modernidade, mas sim com a sensatez,
com o cuidado, com o interesse manso e sincero pelo outro que nos chega.
Uma Psicologia que não contribua para o alheamento das pessoas, e sim
que caminhe na direção do resgate da singularidade. Que se abra para o
universo de significados existentes no íntimo de cada Ser e extraia dali sua
verdade.
Se o Humanismo saiu ou não de moda, para mim não mais importa...
O importante é saber que dentro desse grupo, dessa família, ele ainda
reina soberano e absoluto.

Alessandra Sampaio
11. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Liberdade é a possibilidade de
duvidar, de errar, de procurar e
experimentar, a possibilidade de
dizer não a qualquer autoridade.

Ignazio Silone

A vontade de atuar, de experimentar a prática foi uma motivação que me

acompanhou em grande parte da graduação e se intensificou à medida em que senti o

estágio se aproximar, alimentando as mais diversas expectativas. Viver essa experiência,

portanto, envolveu frustrar algumas fantasias, questionar-me, desconstruir algumas

certezas e, acima de tudo, surpreender-me.

Ao longo do estágio fui lançada num espaço de liberdade, onde fui incitada a atuar

de acordo com o meu modo de ser, sem indicação de caminhos seguros e moldes certos

ou errados de agir. Tive de voltar o olhar para o meu fazer e compreendê-lo no contexto

das teorias e das técnicas, questionando-me a respeito do que fazia sentido para mim em

minha prática. Isso, por si só, já constituiu uma tarefa angustiante e reveladora; uma

busca sem roteiros pré-estabelecidos pelo meu próprio e singular modo de ser terapeuta.

O estágio, no exercício dessa liberdade, se configurou a partir do meu movimento

como pessoa, como psicoterapeuta e como membro do grupo de estágio. Assumiu, aos

poucos, uma dinâmica própria: a minha. Ao me deparar com meus desejos, incertezas e

receios, fui me dando conta de mim mesma, aceitando e responsabilizando-me pelo meu

modo de agir. Por trás desse modo, descobri não só limites e dúvidas, mas também uma

imensa disposição para me deixar tocar frente à possibilidade de ouvir e ajudar. Muitas

vezes isso implicou o enfrentamento de defesas e a exposição de dificuldades, exigindo-

me uma postura contrária a usual evitação.


Essa descoberta foi uma confirmação da definição profissional que buscava desde

a primeira escolha pela psicologia. As teorias, os temas estudados, as reflexões críticas

puderam ser conectados com o fazer psicológico e, dessa forma, como embasamento e

pano de fundo, dar sentido à formação que concluí agora.

Posso dizer que um dos principais aprendizados dessa experiência foi entrar em

contato com as indefinições e as incertezas – com a liberdade – inerentes ao trabalho

com o ser subjetivo e, ao invés de tentar fechá-las – tarefa que não pode ser realizada,

sob pena de uma grande perda da riqueza do fenômeno – aceitá-las abertas como

parceiras de percurso. Desta forma, foi somente através dessa liberdade, dessa abertura

ao desconhecido e do encontro com o meu modo de ser terapeuta que consegui me

aproximar verdadeiramente do outro.

Destaco ainda que entrar em contato com a pessoa do cliente, poder acompanhar

seu crescimento, partilhar suas conquistas e alegrias, sentir-se feliz com o seu caminhar

e com cada passo à frente que ele ousa dar, isso tudo também fez parte do meu percurso,

pois aprendi a compartilhar, a estar junto não só nos momentos difíceis, mas também

nos bons. E compreendi que o cliente é ele mesmo sua principal força, que ele é o maior

responsável por sua existência, mas também que nós terapeutas fomos e somos

importantes no seu caminhar.

Esse estágio foi, antes de tudo, um encontro comigo mesmo, uma confirmação da

minha escolha profissional feita anos atrás. Uma caminhada que envolveu muita

emoção, descoberta, dor, alívio e acima de tudo, certeza de que quero seguir na

Psicologia Clínica.

Finalmente, reconheço a oportunidade ímpar do aprendizado em grupo. As

reuniões de supervisão, as discussões, as escutas compartilhadas, os momentos em


comum foram enriquecedores não somente pela trocas de conhecimentos, mas também

pela comunhão de experiências e afetos presentes nesse Encontro.


12. SUGESTÕES

Para melhorar a qualidade de atendimento oferecido pelo SEPA, elaborei, a partir

de meu contato com a instituição durante o meu ano de estágio, algumas sugestões.

Considero importante que seja feita para o estagiário iniciante uma apresentação

sobre o funcionamento da instituição (serviços oferecidos, estrutura física, normas, etc),

que poderia ser realizada em comum com todos os estagiários e supervisores no início

do ano.

Outra questão a ser considerada diz respeito à manutenção das salas de

atendimento no que se refere à limpeza e organização, materiais disponíveis (lenços,

relógios e brinquedos da sala de ludoterapia) e estrutura física (ar condicionado,

iluminação, etc). Da mesma forma, é necessário maior atenção com a sala dos

estagiários – conforto, sistema de informática (impressora e computador) e de

comunicação (ligações para telefone celular).

Com relação aos encaminhamentos, faz-se necessário que a instituição ofereça

uma lista organizada e atualizada dos profissionais – psicólogos e outros – que possuem

parceria com o SEPA.

Com vistas à necessidade de se trabalhar de forma interdisciplinar, seria

interessante que o SEPA possuísse em seu quadro de profissionais, técnicos e/ou

estagiários de outras áreas. No que tange a nossa experiência, ficou evidenciada a

importância de se trabalhar em conjunto, principalmente, com psiquiatras e assistentes

sociais.
13. REFERÊNCIAS

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