Sunteți pe pagina 1din 51

A Evolução da Bíblia: da boca de Deus

até as cabeceiras dos motéis.


Nota desta segunda edição, corrigida e ampliada.

O objetivo desta revisão foi o de deixar o texto mais completo. Corrigir erros. Deixar a
leitura mais fluída. O texto que você tem em mãos nasceu de um projeto desenvolvido
pela Morte Súbita Inc. em parceria com o Jesus Freak para se criar um texto que
desenvolvesse não apenas a história da Bíblia de sua origem aos dias de hoje, mas uma
pesquisa com bases em achados arqueológicos e estudos modernos sobre como ela se
desenvolveu através da história.

Para dar corpo a este texto resolvemos criar uma forma diferente de organizar os tópicos
a serem pesquisados e desenvolvidos. No ano de 2008 pegamos crianças de escolas
religiosas e deixamos que elas fizessem perguntas sobre a Bíblia, que pudessem matar a
curiosidade que tivessem sobre determinados assuntos. Então organizamos as perguntas
e fomos respondendo.

O texto acabou ficando longo e foi colocado no ar assim que as perguntas haviam sido
respondidas, mas algumas informações acabaram ficando de fora, então o organizador
deste texto resolveu acrescentar alguns dados. Além disso por ter sido originado de
perguntas feitas por pessoas diferentes, num processo aleatório o texto acabou ficando
meio “truncado” quando se passava de um tópico para o outro, surgiu então a ideia de
tentar, mudando a ordem de algumas perguntas e rearrumando a informação das
respostas, dar um pouco mais de ritmo para sua leitura.

Depois de algumas reuniões os membros do projeto acharam interessante também expor


a forma como o texto foi formado nem que fosse apenas como um adendo divertido,
mas com o tempo perceberam que as curiosidades das crianças eram interessantes pois
mostravam que muitas questões que pessoas podem ter já em idade adulta são as
mesmas que surgem em suas mentes quando ainda são crianças e seja por falta de
material de pesquisa, de liberdade em casa, na escola ou no templo/igreja que frequenta,
seja por pura preguiça de ir atrás de uma resposta permanecem por anos. É engraçado
notar como a “inocência” da infância vira a “ignorância” adulta. Assim as perguntas,
que no dia em que foram sendo feitas já eram respondidas, foram aqui reorganizadas e o
texto adaptado a elas de forma a não ficar repetitivo ou com assuntos parecendo apenas
soltos. Assim a entrevista original foi, com alguma liberdade, refeita aqui mas mantendo
o espírito das questões originais.

E por fim, o texto foi montado em blocos separados e reunidos alguns foram revisados,
outros não, então aproveitamos para revisar e corrigir vários dos erros que passaram
desapercebidos na primeira edição deste texto. Se você já o leu e desejar relê-lo
encontrará novas informações e um formato um pouco diferente das que já existiam. Se
está lendo a primeira vez então tem a sorte de já ter em mãos um texto melhorado e
mais amplo em suas respostas.
Introdução

Por séculos, a Bíblia tem sido, no ocidente, a autoridade máxima sobre diversos
assuntos. A Palavra Divina capturada em papel, a vontade de Deus nua e crua.
Argumente com algum religioso abrahâmico[1] que a Bíblia pode ter sido um bom livro,
mas que mexeram tanto nela que do original só resta o nome e você consegue presenciar
uma experiência em miniatura da formação de tornados bem na sua frente.

De fato, argumentar qualquer coisa sobre o que foi feito ou não com a Bíblia acaba se
tornando um exercício de especulação ou simplesmente do bom e velho cinismo. De um
lado uns a defendem com unhas e dentes, de outro atiram paus e pedras sem mirar nem
ver onde acertam. Para ambos os lados a conversa se torna um simples ato de gritar e se
fazer ouvir e ambos saem tão convencidos de suas certezas quanto quando começaram.

Então ao invés de assumir qualquer um dos lados - "sim, é possível uma entidade supra
humana inspirar outros de forma que registrem suas impressões em papel" ou "grande
parte do que existe na Bíblia não passava de folclore, poesia e leis de uma época, que
foram divinizadas como forma de se controlar um povo" - vamos simplesmente fazer
uma listagem de fatos sobre ela para nos entreter e nos ajudar a tirar nossas conclusões.

Antes de mais nada é importante deixar claro que a própria Bíblia, historicamente, teve
um propósito muito diferente do que tem hoje em dia. Quando foi criada, seu objetivo
era o de garantir que o povo fosse fiel a Deus e a si mesmo. Nos primórdios das
formações de nações ou sociedades era muito difícil que um mesmo povo tivesse um
mesmo consenso sobre um único assunto e a inexistência de “universidades” ou centros
de estudo oficiais sobre um determinado assunto acabava criando muito disse que disse
e visões pessoais sobre este assunto. E dai surge a vontade desse povo espalhado de ter
a certeza não apenas de estar adorando ou sendo gratos a Deus da maneira correta, mas
de também terem a mesma visão sobre Deus. Deus teria sido o responsável por tudo o
que existia? Havia algo antes de Deus? Deus era Pai, Mãe ou ambos ou nenhum? Se
aquele era o povo escolhido porque tanta perseguição e miséria? Deus era o responsável
pelas coisas boas e más? O que esperar d’Ele? Para responder a isso começaram a ser
reunidos pedaços de textos, tradições orais, histórias sobre o povo e então foram
organizados e colocados em pergaminhos e tábuas, não como forma de instituir uma
palavra de Deus, mas apenas como uma tentativa individual de estarem sendo fiéis à
própria crença. E assim ocorre o nascimento deste livro que até hoje tem grande
influência sobre o mundo, seja positivo ou negativo, não como uma rótulo mas como
uma preocupação de que essa fidelidade fosse transmitida a outros e a futuras gerações.
Apenas eras após seu surgimento o povo encontrou nela a expressão da vontade e a
presença real de uma Palavra Santa.

Não podemos negar a influência que esse poder descoberto com o tempo deu para
aqueles que foram proclamados ou se proclamaram a si mesmos os herdeiros do direito
de interpretar o seu conteúdo. Mas o objetivo deste texto não é apontar dedos ou
simplesmente mostrar como um registro de uma vontade se tornou uma ferramenta e
sim acompanhar o desenvolvimento do livro baseado em fatos concretos que temos à
disposição hoje em mãos.

Como este texto foi organizado? Foram reunidas 17 crianças com idades entre 8 e 14
anos, frequentadoras de colégios religiosos, católicos e protestantes, e a cada uma foi
dada a oportunidade de escrever em uma folha de papel 3 perguntas que teriam sobre a
Bíblia. Estas perguntas então foram organizadas de forma cronológica, algumas foram
mudadas levemente de forma a terem uma resposta mais ampla e outras ainda foram
fundidas pois eram perguntas semelhantes feitas apenas utilizando-se palavras
diferentes. O resultado desta entrevista é o texto que se segue.

1- O que é a Bíblia

Bíblia (do grego βίβλια, plural de βίβλιον, transl. bíblion, "rolo" ou "livro") é o texto
religioso central do judaísmo e do cristianismo.

2- A Bíblia sempre foi a Bíblia? Ela é o livro mais antigo do mundo?

Respondendo a primeira questão:

Na verdade não. No início era conhecida como Tanakh ou Tanach (em hebraico ‫)תנ״ך‬,
pelos Judeus. O seu conteúdo é equivalente ao do Antigo Testamento, mas seus textos
estão organizados de forma diferente e são apresentados em outra ordem.

O nome Tanakh é formado pelas sílabas iniciais dos três livros que a formam:

- A Torá (‫)תורה‬, também chamado ‫( חומש‬Chumash, isto é "Os cinco") refere-se aos cinco
livros conhecidos como Pentateuco, o mais importante dos livros do judaísmo.

- Neviim (‫" )נביאים‬Profetas"

- Kethuvim (‫" )כתובים‬os Escritos"

O Tanach é às vezes chamado de Mikrá (‫)מקרא‬

É importante ter em mente que a Bíblia como existe hoje é um livro cristão, ou seja,
surgiu como algo que evoluiu do judaísmo. O ponto mais importante disso é que para o
judaísmo os textos sagrados são aqueles que ficaram conhecidos para os não judeus
como o Antigo Testamento. O Novo Testamento é uma coleção de textos, ou livros,
exclusivamente cristãos, surgiram depois do advento do cristianismo. Muitos estudiosos
e religiosos hoje inclusive estão trocando os termos Antigo e Novo Testamento por
Primeiro e Segundo Testamento para não tornar irrelevante ou ultrapassado os textos
judaicos, que fazem parte da primeira parte da Bíblia. Com o tempo o cristianismo, na
sua vontade de se tornar uma religião independente do judaísmo, acabou atacando suas
raízes se tornando muitas vezes anti-semita e este é um sentimento que aos poucos
alguns cristãos vem tentando corrigir.

Quanto à segunda questão podemos dividí-la em duas para responder melhor:

2.1 A Bíblia é o livro mais antigo existente?

e
2.2 A Bíblia é o livro religioso mais antigo existente?

Em ambos os casos a resposta é não. O livro mais antigo que se tem notícias hoje é o I-
Ching. Apesar das várias lendas que circulam a respeito de sua criação em algum
momento da antiguidade os trigramas e hexagramas que formaram o seu conteúdo
foram compilados tábuas de bambu entre os anos 3000 e 2000 antes da era Cristã (a.C.
ou a.e.C.).

No caso de o livro religioso mais antigo ou mesmo o texto religioso mais antigo temos
que ter em mente que o Judaísmo, a religião que começou a compilar e escrever os
primeiros textos da Bíblia, não é a religião mais antiga, desde os primóridos da raça
humana as pessoas tinham religiões, as mais antigas sendo classificadas como
xamanismo, mas mesmo as mais modernas como o zoroastrismo ou o hinduísmo são
bem mais antigas e já tinham seus textos sagrados respectivos.

3- E a Tanakh sempre foi a Tanakh? Ela é a versão mais antiga da Bíblia?

O nome Tanakh, ou seja a divisão refletida pelo acrônimo Tanakh está registrada em
documentos do período do Segundo Templo (515 a.C. a 70 depois da era Cristã, ou
d.C.) e na literatura rabínica (A Mishná e a Tosefta - compiladas a partir de materiais
anteriores ao ano 200 d.C. - são as primeiras obras existentes da literatura rabínica, e a
literatura rabínica já era desenvolvida por rabinos, ou seja por líderes religiosos,
portanto o judaísmo já existia como religião estabelecida nesta época). Durante aquele
período, entretando, o acrônimo Tanakh não era usado, sendo que o termo apropriado
era Mikra ("Leitura"). Este termo continua sendo usado em nossos dias, junto com
Tanakh, em referência as escrituras hebraicas.

No hebraico moderno, o uso do termo Mikra dá um tom mais formal do que o termo
Tanakh.

De acordo com a tradição judaica, o Tanakh consiste de vinte e quatro livros. A Torah
possui cinco livros, o Nevi'im oito livros e o Ketuvim onze.

Então o registro mais antigo dos textos já organizados na forma que temos hoje no
Antigo Testamento data do século VI a.C.

4 - Mas espere ai. A Bíblia não vem desde a antiguidade? Mesmo não sendo o livro
mais antigo ela não tem milhares e milhares de anos de idade?

Então, ai as coisas começam a ficam interessantes. Quando falamos da Bíblia temos que
separar a tradição oral e o documento escrito. A tradição oral judaica é muito antiga,
mas no que diz respeito a material sólido existente, letras registradas no papel (ou
pergaminho ou papiro ou metal) o que temos é um pouco mais recente.

Para entender vamos recorrer à tradição que cerca a Bíblia. A primeira pessoa que
supostamente começou a colocar o texto no papel. De acordo com a própria Bíblia, foi
Moisés. Mas muita coisa que está escrita nela aconteceu muito antes de Moisés, e ai já
temos o primeiro impacto que a tradição oral tem no texto. Muita coisa lá foi passada de
pessoa para pessoa, algumas provavelmente já escritas e registradas, mas tudo foi
juntado e compilado depois de Moisés.
O primeiro registro bíblico da passagem de uma tradição oral para uma escrita, ou seja a
primeira vez que a própria Bíblia cita a escrita da tradição do povo, surge no livro do
Êxodo quando Deus diz para Moisés que se prepare para receber "as tábuas de pedra, a
lei e os mandamentos que escrevi para os ensinar" (Ex 24:12). Então antes da lei e dos
mandamentos de Deus não havia um livro religioso oficial dos Judeus. E mesmo assim
na Torá fica claro que não estão presentes todos os comandos e leis de Deus, ou seja
muito da tradiçào oral não foi registrada como um texto sagrado. Um exemplo claro é o
Shabat. Apesar de estar presente nos Dez Mandamento - tradição escrita - não existem
detalhes de como fazer isso. Deus fala a Moisés que guarde o Shabat: "Santificai o dia
de sábado, como ordenei a vossos pais” (Jeremias 17:22), mas não existe um relato
dessas ordenanças, pelos textos contidos na Bíblia não existem as instruções de como
guardar o sábado, mais para frente no texto existem amostras do que se podia fazer ou
não, mas quando o texto foi registrado apenas se guardou o “santificar o sábado”. Outro
exemplo está em Deuteronômio quando Deus diz para Moisés que "poderás degolar do
teu gado e do teu rebanho ... como te ordenei" (Deuteronomio 12:21) mas não existe um
registro escrito na própria Bíblia que explique de que maneira isto deveria ser feito.

Assim vamos que mesmo que tenha surgido um registro escrito das leis muita coisa
ficou de fora dele ainda, era uma tradição oral que foi mantida até muito depois.

E essa ausência de registros faz parte da cultura religiosa, como já afirmou o Rabino
Aryeh Kaplan, "Visto que a Torá Escrita mostra-se primariamente incompleta a menos
que complementada pela tradição oral...".

Assim vemos que mesmo com a escrita a tradição oral sempre foi muito forte, e
permanece assim até hoje.

5 - Mas não foi Moisés que escreveu a Torá? Essa parte não é tão antiga quanto
ele? Qual o texto mais antigo da Tanakh?

De acordo com os cálculos de Jerónimo de Stridon, Moisés teria vivido entre 1592 a.C.
e 1472 a.C., então se foi ele mesmo que escreveu a Torá ela teria que datar desta época.
Mas embora a tradição reze que o pentateuco, os cinco livros de Moisés (Gênesis,
Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) sejam os livros mais antigos, como
evidência, o pedaço de documento mais antigo encontrado até hoje datam de 100 a.C.

Em 1947 foram encontrados em uma caverna de Q'umran os textos bíblicos mais


antigos. O livro bíblico mais antigo que se tem notícias hoje de existir é o Livro de
Isaías, um rolo de pergaminho de 7 metros datado do ano 100 a.C.. O Livro de Isaías,
com mais de dois mil anos de idade, é uma prova única da autenticidade da tradição da
Sagrada Escritura, pois o seu texto concorda com a redação das Bíblias atuais.

Ou trocando a ordem, o Livro de Isaías que temos hoje nas Bíblias é o mesmo que
usavam em 100 a.C.

Antes desta descoberta os manuscritos mais antigos existentes datavam principalmente


do século III e IV.

Além deste, o documento mais antigo com um trecho apenas da Bíblia é uma passagem
de um dos livros de Samuel, escrito em torno de 225 a.C. então como evidência real o
trecho bíblico mais antigo nos chegou direto do século III a.C. e o livro bíblico mais
antigo do século I a.C.

Agora isso não significa que esses textos tenham surgido nessa época. As descobertas
de Q’umran mostram bem que um documento existente não prova que tenha sido o
primeiro, graças ao manuscritos encontrados vimos que documentos com mais de 700
anos de idade surgiram daqueles que eram os textos mais antigos. Pergaminhos podem
ser resistentes mas eles se perdem e assim evidências valiosas dos txtos se perdem com
eles. E isto pode ser um problema.

Já que os textos em parte se baseavam em uma tradição oral, como podemos ter certeza
de que o que foi registrado era ainda uma descrição fiel dos ocorridos, ou uma cópia
exata dos fatos?

Antes de mais nada vamos imaginar que os escritores originais acreditavam em Deus e
acreditavam que estavam registrando a Sua Vontade e a história de Seu povo. Imaginem
o zelo de uma pessoa que deseja registrar um texto que está chegando a ela diretamente
do criador. E mais, ela ainda tem o peso de ter que passar isso de forma que não existam
erros ou dúvidas para as gerações presentes e futuras. Voltando para a Torá esse zelo
aparece na passagem em que antes de morrer Moisés revisa a tradição passada por Deus
que não havia sido registrada para esclarecer qualquer ponto que pudesse dar margens à
dúvida ou interpretação: "Além do Jordão, na terra de Moab, começou Moisés a
explicar esta Lei” (Deuteronômio 1:5). Mas veja que não existem registros ainda destas
explicações, a preocupação não era registrar, mas passar adiante.

Ainda existe outro ponto interessante que é a resistência do próprio Deus de se registrar
tudo o que se passasse. Sem querer ser leviano, era algo como: Passei os registros que
impostavam ser registrados, agora obedeçam, não percam tempo escrevendo qualquer
coisa que Eu diga!

Em Eclesiastes 12:12 lemos: "Escuta ainda, filho meu: escrever livros é tarefa sem fim,
e muito estudo esgota a carne”. Ou em Oséias 8:12: "Se tivesse escrito a maioria de
minha Torá, [Israel] seria contado igual a estranhos", onde vemos a tradição como algo
que deveria permanecer dentre o povo e não ser acessível ou passada para estranhos.

Assim temos uma relutância entre começar um registro da Vontade Divina, gravando-a
para o futuro. Mas esse registro aconteceu, ao menos em parte. Para ver qual o impacto
disso na acuidade do registro vamos fazer um exercício: imagine que Deus passou uma
importante lei para o seu bisavô, que por sua vez a passou para seu pai, seu pai para
você e você decide registrá-la para que não se perca. Você tem como saber que está
registrando exatamente o que foi passado para seu antepassado não tão distante?

Claro que podemos afirmar que se algo é repetido diariamente ele permanece íntegro.
Mas temos casos quotidianos que mostram que não é bem assim que a coisa funciona.
Uma expressão muito conhecida hoje é "cor de burro quando foge", mas ela acaba
sendo aplicada em inúmeras situações que implicariam significados diversos. Estudando
a origem da frase vemos que ela não se referia a uma mudança na coloração do asinino
quando ele bate em retirada, e sim a um ditado que originalmente era: "corro de burro
quando foge". Um burro é um animal dócil, quando ele se irrita e sai correndo se torna
um animal perigoso, a expressão significaria algo como: "quando a situação fica preta
eu não perco tempo: dou no pé!".

Vemos ai um caso de tradição oral que perde o sentido com o tempo e o uso. Um
exemplo de outra tradição oral que não perde o sentido simplesmente mas muda de
sentido completamente quando registrada é a famosa: "Quem tem boca, vai a Roma". Se
consultarmos o Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios, de Jayme Rebelo
Hespanha (1936), a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (1948), o Grande
Dicionário da Língua Portuguesa de António de Morais Silva (1949 a 1959), o Livro
dos Provérbios Portugueses, da Editorial Presença (1999) e Dicionário de Provérbios,
Adágios, Ditados, Máximas, Aforismos e Frases Feitas, da Porto Editora (2000)
podemos atestar que este provérbio está registrado há muito tempo já, desde 1936 pelo
menos, e que ainda existem variantes dele: «Quem tem língua vai a Roma»; «Quem
língua tem a Roma vai e de Roma vem»; «Quem tem língua a Roma vai e vem».

Em cima disso existem estudos sobre o significado dele, como por exemplo:

" A frase «Quem tem boca vai a Roma» traduz a notoriedade da Cidade Eterna, mas
também a verdade de que quem sabe perguntar consegue chegar seja onde for (literal e
figuradamente), consegue obter os conhecimentos de que precisa para se orientar. As
palavras-chave aqui são três: boca, vai e Roma. A boca significa a capacidade de falar,
de perguntar, de comunicar; o verbo ir tem que ver com o percurso, a caminhada,
significando passar de um lugar a outro, deslocar-se, mas também evoluir, progredir;
Roma fora, aquando do Império Romano, a capital, a cidade mais importante do mundo
conhecido dos europeus, mas uma cidade que ficava longe, sob o ponto de vista dos
mais remotos territórios que constituíam o vasto império, e, por outro lado, esta é a
cidade cabeça da Igreja Católica, traduz a própria Igreja, o seu governo, o papado,
significando para os católicos o que de melhor existe e que se procura alcançar. Chegar
a Roma poderá ser difícil, mas quem tem a capacidade de falar ultrapassará os
obstáculos e alcançará o que pretende: conseguirá chegar longe, até conseguirá chegar a
Roma.

Roma entrou no adagiário por causa da sua importância, do seu valor, do seu mérito, e
não por aspectos negativos: «Roma locuta est» (= «Roma falou»: se Roma falou, o que
ela disse deve ser seguido pelos católicos); «Roma locuta, causa finita» (= «Roma falou,
a causa acabou»); «Roma e Pavia não se fizeram num dia»; «Em Roma, sê romano»;
«Todos os caminhos vão dar a Roma», «O que vai aqui não vai em Roma»."

Agora se passarmos algum tempo lendo livros protestantes encontramos uma versão
diferente deste adágio dizendo: Quem tem boca vaia (do verbo vaiar) Roma. Vamos nos
lembrar agora que os protestantes se tornaram protestantes por protestar contra a Santa
Sé Católica, personificada por Roma, como vimos no estudo acima. A origem do adágio
não tinha como objetivo mostrar que com vontade chegamos ou conseguimos o que
quisermos mas como crítica contra a corrupção do Clero.

Existe algum debate sobre qual o adágio original, mas isso serve apenas para mostrar
como a tradição oral pode sofrer mutações nos significados de seus ensinamentos e
como depois de registrados eles se tornam uma base que pode ser falha. Imagine que
existisse no Novo Testamento uma passagem dizendo como Jesus, durante a Santa Ceia
havia dito aos apóstolos que quem tem boca vai a Roma. E imagine que recentemente se
encontrasse um pergaminho datado do século I com a mesma passagem contendo a
variante "vaia Roma". Como poderíamos ter certeza do que o Messias disse naquela
noite?

Claro que nesses dois casos podemos dizer que são expressões populares que não
podem ser comparadas a um ensinamento religioso passado por Deus aos Homens, mas
podemos ver um outro caso onde algo semelhante ocorre.

Elvis Aaron Presley foi um homem admirado por muitos, em alguns casos essa
admiração beirava a histeria e a mania. Ele nasceu em 1935 e morreu em 1977, mas se
tornou febre só após os anos 1950 quando começa a sua carreira profissional.

O interessante de pensarmos em Elvis, é que este período em que virou uma febra cheio
de fãs é bem recente, dos anos 1950 para os dias de hoje não transcorreram nem 60 anos.
E em parte deste período ele esteve vivo ainda. No auge de sua carreira as pessoas
desejavam por cada detalhe sobre sua vida que pudessem por as mãos e assim a mídia
supria essas pessoas com tudo que pudesse imaginar, relatos de conhecidos e do próprio
Elvis, entrevistas registradas, filmes, etc... Uma das manias de Elvis que ficou registrada
era seu gosto por um sanduíche que ficou conhecido como Sanduíche de Elvis. É raro
encontrar um fã que não tenha ouvido falar dele e muitos já o experimentaram, mas ai
existe um problema interessante: não existe uma receita oficial aceita. As maiores
biografias do Rei registram essa iguaria, dando também a receita, mas as receitas são
diferentes.

O sanduíche era simples, Elvis morreu há pouco mais de 30 anos, três décadas, haviam
cozinheiros, amigos, familiares, mas parece que cada um se lembra do sanduíche de
maneira diferente. Alguns diziam que consistia de pão de forma, bananas fritas,
manteiga de amendoim e bacon. Outros que não havia bacon, existem aqueles que
dizem que havia sorvete, outros geléia.

Isto pode parecer uma comparação boba, mas não é. Se em três décadas uma simples
receita de sanduíche se perde, por ficar apenas no boca a boca, imagine textos passados
por Deus que ficaram no boca a boca por séculos antes de serem registrados?

Um último exemplo é talvez mais simples. Pare agora para cantar o hino nacional do
Brasil. Então escreva numa folha de papel. Depois pare 5 pessoas na rua, de forma
aleatória e peça para elas cantarem, anote a letra ou grave, e depois compare com a sua,
veja se o hino que é cantado em escolas, jogos de futebol e pronunciamentos da
república é passado oralmente da mesma forma por todas as pessoas.

Então embora a tradição oral seja tão antiga quanto um povo, essa tradição pode muitas
vezes mudar desde quando foi formulada e repassada a primeira vez até finalmente ser
registrada.

Portanto mesmo que Moisés tenha começado a registrar os textos da Bíblia não temos
como saber o quanto eles se aproximam da tradição original que os criou. Assim temos
que nos ater ainda aos textos mais antigos encontrados e compará-los com os textos que
temos hoje para se ter uma idéia de a quanto tempo um texto como o que temos hoje é
usado.
6 – Deixando a tradição oral de lado então, quando foi que os textos que compõe a
Tanakh foram escritos originalmente?

Como vimos, a Tanakh é composta por três divisões: Torá, Neviim e Kethuvim.

A tradição judaica mais antiga defende que a Torá existe desde antes da criação do
mundo e foi usada como um plano mestre do Criador para construir o mundo a
humanidade e principalmente o povo judeu. No entanto, a Torá como conhecemos teria
sido entregue por Deus a Moisés (que como vimos teria vivido entre 1592 a.C. e 1472
a.C.), quando o povo de Israel, após sair do cativeiro no Egito, peregrinou em direção à
terra de Canaã.

Então aqui, culturalmente, teríamos uma primeira data. Apesar do mundo - de acordo
com a Bíblia - ter sido criado milênios antes do cativeiro – precisamente 6000 antes de
Cristo, de acordo com a tradição da época – ela teria sida recebida pelos humanos
através de Moisés. Então – culturalmente – até o livro do Êxodo a Tanakh não circulava
por ai. Portanto a Bíblia mais antiga, ainda culturalmente falando, deveria datar do séc.
XVI a.C. A ênfase no culturalmente é: de acordo com o senso comum esta seria uma
data, apesar da falta de evidências físicas para provar ou desmentir essa data.

Então, existem os que defendem que , ainda que a essência da Torá tenha sido trazida
por Moisés, a compilação do texto final foi executada por outras pessoas, já que os
textos tratam de assuntos que incluem a morte do próprio Moisés, tornando difícil para
ele escrever sobre isso.

De acordo com Jan Astruc, pioneiro na sistematização do estudo do desenvolvimento da


Torá, a mesma é constituída por três fontes básicas, denominadas jeovista, eloísta e
código sacerdotal, e mais algumas outras fontes além destas três. Deixando claro que,
quando se fala destas fontes, ele não se refere a autores isolados mas sim a escolas
literárias.

Um estudo sobre a história do antigo povo de Israel mostra que, apesar de tudo, não
havia uma unidade de doutrina e desconhecia-se uma lei escrita até os dias de Josias
(16º rei de Judá, reinou durante o período de 640 a.C. a 609 a.C.). As fontes jeovista e
eloísta teriam sua forma plenamente desenvolvida no período dos reinos divididos entre
Judá e Israel (onde surgiria também a versão conhecida como Pentateuco Samaritano).
O livro de Deuteronômio só viria a surgir no reinado de Josias (621 a.C.). A Torá como
conhecemos viria a ser terminada nos tempos de Esdras, onde as diversas versões
seriam finalmente fundidas. Vemos então o início de práticas que eram desconhecidas
da maioria dos antigos israelitas, e que só seriam aceitas como mandamentos na época
do Segundo Templo (de 515 a.C. a 70 d.C.) como a Brit milá, Pessach e Sucót por
exemplo.

Então datar a Tanakh se torna complicado, pois apesar de ter condições de existir desde
o século XVI a.C. - a época de Moisés - culturalmente o povo Judeu só teria condições
de ter o livro nas mãos da forma que temos hoje depois do século VI a.C.

7 - E quando juntaram todos esses textos em um único volume?

Aproximadamente no século VI d.C. um grupo de escribas judeus recebeu a missão de


reunir os textos inspirados por Deus que eram utilizados pela comunidade hebraica em
um único escrito. Este grupo foi batizado de Escola de Massorá - o termo "massorá"
provém do hebraico "mesorah" (‫ מסורה‬ou ‫ )מסורת‬e indica "tradição".

Os "massoretas" escreveram a Bíblia de Massorá, examinando e comparando todos os


manuscritos bíblicos conhecidos à época. O resultado deste trabalho ficou conhecido
posteriormente como o "Texto Massorético".

Então na nossa linha do tempo a versão original do texto do Antigo Testamento da


Bíblia, a Tanakh, se conclui finalmente no século VI d.C. 2200 anos depois de Moisés,
aproximadamente.

8 - E então a Tanakh virou a Bíblia? O Antigo Testamento só ficou pronto depois


de Cristo, depois do Novo Testamento?

Não, nada disso. O Texto Massorético foi extremamente importante porque deu uma
unidade que não existia ainda nos textos judaicos. Apesar de ter sido escrito e
compilado apenas no século VI, haviam já outras versões do Antigo Testamento
circulando e muitas pessoas dão a elas mais importância do que a do Texto Massorético.

As outras versões existentes antes eram o Pentateuco Samaritano, que vimos lá atrás, e a
Septuaginta.

9 - Preciso perguntar?

Não, não precisa.

O Pentateuco samaritano ou Torá samaritana é o nome que se dá à Torá usada pelos


judeus samaritanos.

Os Samaritanos são um pequeno grupo étnico-religioso aparentado aos judeus que


habita nas cidades de Holon e Nablus situadas em Israel e na Cisjordânia
respectivamente. Designam-se a si próprios como Shamerim o que significa "os
observantes" (da Lei). Os samaritanos recusam o restante dos livros do Tanakh,
aceitando apenas sua Torá como livro inspirado.

O Pentateuco samaritano está escrito no alfabeto Samaritano, que é diferente do


hebraico e era a forma de escrita usada antes do cativeiro babilônico (cerca de 597-586
a.C). Além da linguagem diferente existem outras discrepâncias entre o Texto
Massorético e a Torá Samaritana. Um exemplo é que na versão Samaritanda dos 10
mandamentos Deus comanda o povo que construa o altar no Monte Gerizim.

Agora temos que ter em mente que o Pentateuco Samaritano ficou conhecido
mundialmente quando Pietro della Valle trouxe de Damasco em 1616 uma cópia do
texto.

Mesmo assim essa versão do Texto Samaritano não é absoluta. Em Q'umran foram
encontrados fragmentos de textos da Torá que combinam com o Texto Massorético e
são diferentes do texto samaritano, como por exemplo não trazer nenhuma referência ao
Monte Gerizim. Ou seja existem diferentes versões deste texto.
Já a Versão dos Setenta, ou Septuaginta Grega, é como ficou conhecida a tradução
grega do Antigo Testamento, elaborada entre os séculos IV e II a.C., feita em
Alexandria, no Egito. O seu nome surgiu da lenda que dizia que essa tradução foi o
resultado milagroso do trabalho de 70 (em alguns casos se citam 72) eruditos judeus que
pretende exprimir que não só o texto, mas também a tradução, havia sido inspirada por
Deus. De acordo com a dita lenda, cada sábio foi confinado a um aposento e não
poderia ter contato com nenhum dos outros, para que não influenciassem um na
tradução do outro, no final todas as traduções eram idênticas - vale notar que não existe
hoje registro ou evidências arqueológicas dessas 70 ou 72 traduções originais. A
Septuaginta Grega é a mais antiga versão do Antigo Testamento que conhecemos. A sua
grande importância provém também do fato de ter sido essa a versão da Bíblia utilizada
entre os cristãos desde que surgiram e a que é citada em grande parte do Novo
Testamento. Então é importante ter em mente que grande parte das menções que o Novo
Testamento faz do Antigo Testamento são tiradas não do texto original, mas da tradução
que fizeram do original para o grego.

Da Septuaginta Grega fazem parte, além da Bíblia Hebraica, a Tanakh, os Livros


Deuterocanônicos (aceitos como canônicos apenas pela Igreja Católica) e alguns
escritos apócrifos (não aceitos como inspirados por Deus por nenhuma das religiões
cristãs ocidentais).

10 - E finalmente temos a Bíblia...

Ainda não.

Preste atenção que até o momento todas essas versões que vimos do Texto da Lei, dos
livros dos Profetas e dos Escritos eram usadas por Judeus. Não haviam cristãos ainda no
mundo, mesmo o texto massorético do século VI d.C. ainda diz respeito aos judeus, foi
compilado por judeus para os judeus. E para entender o surgimento do que os cristãos
chamam de Bíblia temos que entender o que era o cristianismo, e não estamos falando
de Jesus.

Os Judeus sempre se dividiram em vários grupos e todos eles, em um determinado


momento, esperavam a vinda do Messias para unir o povo sob a Lei de Deus e trazer
consigo um período de paz. O advento do Cristianismo foi a divulgação que de esse
Messias teria finalmente chegado, na figura de Jesus, e então através de Cristo o povo
teria uma nova aliança com Deus.

Mas a importância histórica disso não foi a maneira como o povo enxergava Cristo - se
era ou não o messias judeu - e sim a mudança que ele trouxe para a fé judaica. Os
primeiros cristãos, ou seja, as primeiras pessoas que pregavam a filosofia de Cristo e
que a seguiam, eram todos judeus, a briga começou quando alguns deles começaram a
defender que, como a mensagem de Cristo era para todos, os gentios - não judeus -
poderiam compartilhar a mesma fé, deixando de lado alguns costumes judaicos, como
por exemplo a circuncisão. Veja que a circuncisão foi usada por Abrahão para mostrar
que estava a serviço de Deus, desde então todo Judeu deveria ser circuncidado; imagine
o que era então para muitos dos cristãos judeus, terem que aceitar que pessoas que não
faziam parte da crença judaica e que não obedeciam a certos costumes judeus fossem
aceitas em seu grupo, um grupo formado por judeus que seguiam o messias do judaismo.
Isso criou a necessidade de um material para divulgar a crença judaica - não havia novo
testamento ainda - para os novos convertidos, que não eram judeus, para eles se
familiarizarem com as leis e a vontade divina, com o seu Deus, etc. Apesar do Judaísmo
não ser a religião mais antiga, até hoje muitos afirmam que ela foi a religião monoteísta
mais antiga, então os novos convertidos ao judaísmo cristão tinham que conhecer essa
filosofia e essa religião antes de qualquer coisa já que Jesus não pregava uma nova
religião, Jesus pregava o judaísmo, com algumas mudanças.

Quando o cristianismo começou a se espalhar pelo Império Romano, ou seja, quando o


judaísmo começou a crescer e a divuldar a mensagem de que o Messias havia chegado e
trazido com ele novas Leis de Deus, surgiu um novo público para a fé, não apenas os
gentios que viviam na região do oriente médio, mas também os romanos, e assim
nasceu uma nova necessidade de se traduzir os escritos sagrados para os cristãos que
não liam nem grego nem hebraico.

Essa tradução surgiu no século I e foram realizadas por tradutores informais. Ficou
conhecida como a Vetus Latina. Podemos dizer que ela foi a primeira versão da Tanakh
para cristãos e mesmo assim não era carregada debaixo do braço para cima e para baixo;
era usada como forma de catequese, para se criar uma base comum para todos: "se
querem se beneficiar da salvação e das boas novas trazidas pelo Messias, estes textos
são o mínimo que vocês tem que conhecer!" foi nesta época que a Tanakh começou a
ser compartilhada com não judeus e deixou de ser um texto exclusivo da religião judaica.
Um ponto importante para se ter em mente aqui é grande parte dos novos convertidos
eram analfabetos, os textos eram lidos para eles, que absorviam a mensagem e tentavam
viver de acordo com ela, em encontros grupais a mensagem era repetida e dúvidas
tiradas. Ninguém levava para casa a cópia de um texto para ficar lendo.

11 - Então a primeira Bíblia Cristã surgiu no século I?

Não da forma como temos a Bíblia hoje. A Vetus Latina não era uma bíblia ainda.
Como dissemos ela foi feita por tradutores informais, isso significa que pedaços dos
textos antigos, tanto os judaicos quanto os gregos eram traduzidos de acordo com a
necessidade. Assim ela não era uma Bíblia Latina. Ela era mais uma gambiarra para
poder mostrar ao povo que não estava familiarizado com os textos Judeus a religião e
então ter um texto que eles pudessem compreender e usar como base quando se
convertessem. E mesmo assim suas primeiras versões não traziam os textos conhecidos
como o Novo Testamento. Eles só surgiram nos séculos seguintes. E ainda não era um
livro fechado, eram traduções avulsas de pedaços separados da Tanakh, muitas vezes
nem eram os livros inteiros, mas os fragmentos que pareciam ser importantes, que
foram sendo distribuídos e usados e só com o tempo foi crescendo e recebendo os livros
que temos hoje do Novo Testamento.

Os textos da Vetus Latina chegaram até nós através de vários códices.

Os códices (ou codex, da palavra em latim que significa "livro", "bloco de madeira")
eram os manuscritos gravados em madeira, em geral do período da era antiga tardia até
a Idade Média. Manuscritos do Novo Mundo foram escritos por volta do século XVI.

O códice é um avanço do rolo de pergaminho e gradativamente substituiu este último


como suporte da escrita. O códice, por sua vez, foi substituído pelo livro impresso.

Os códices mais conhecidos da Vetus Latina são:

Códice Bobienus (K) - séc. IV. É um manuscrito africano em Unçais. Contém


fragmentos dos Evangelhos de Marcos e Mateus;

Códice Vercellensis (a) - Séc. IV. Texto em Unçais. Contém todos os quatro
Evangelhos;

Códice Bezae (q) - Séc. V. É um manuscrito bilingüe, com o Grego no verso e o Latim
na frente. Contém os quatro Evangelhos, Atos e 3 João;

Códice Monacensis 13 (q) - Séc. VI-VII. Texto em Unçais. Contém os quatro


Evangelhos;

Palimpsest 53 (s) - Séc. VI. Conhecido também como Bobiensis ou Vindobonensis.


Texto em meio unçal. Contém fragmentos dos Atos e as 14 Cartas Católicas.

Os textos da Vetus Latina organizados como um único livro foram encontrados em


manuscritos tardios, datados do séc. XIII. Muitas das versões nem chegaram a
ser consideradas autorizadas como traduções bíblicas que poderiam ser usadas por toda
igreja – veja que nesta época já havia uma igreja cristã regulamentando que textos
podiam e não podiam ser usados. A estas traduções precedentes, muitos estudiosos
adicionam freqüentemente citações das passagens bíblicas que aparecem nos escritos
dos Pais da igreja Latina.

Mas para se ter uma idéia da bagunça que era, mesmo com a boa vontade dos primeiros
tradutores era inevitável que diferentes traduções acabassem ficando diferentes entre si.
Depois de comparar a leitura de Lucas 24,4-5 nos manuscritos da Vetus Latina, Bruce
Metzger contou "não menos que 27 variações!". Agora imaginem os pais da igreja com
esses textos uns diferentes dos outros pregando o cristianismo sem uma base ainda para
qual era a versão correta do texto.

Os livros bíblicos reunidos no conjunto de manuscritos disponíveis da Vetus Latina são:

VETUS TESTAMENTUM
Genesis
Exodus
Leviticus
Numeri
Deuteronomium
Josue
Judicum (Juízes)
Ruth
1-4 Regum (1 e 2 Reis (1 e 2 Samuel) e 3 e 4 Reis (1 e 2 Reis))
1-2 Paralipomenon (Paralipômenos ou Crônicas)
Esdras
Nehemias
3-4 Esdras
Tobit
Judith
Hester
Job
Psalmi (Salmos)
Proverbia
Ecclesiastes
Canticum Canticorum
Sapientia (Sabedoria de Salomão)
Sirach, Ecclesiasticus (Sabedoria de Sirac ou Eclesiástico).
Esaias (Isaías)
Jeremias (Lamentationes, Baruch)
Daniel
XII Prophetae (Doze Profetas)
I-II Macchabaeorum (1 e 2 Macabeus).

NOVUM TESTAMENTUM
Matthaeus
Marcus
Lucas
Johannes
Actus Apostolorum
Ad Romanos
Ad Corinthios I
Ad Corinthios II
Galatas
Ad Ephesios
Ad Philippenses
Colossenses
Ad Thessalonicenses
Timotheum
Ad Titum
Philemonem
Hebraeos
Epistulae Catholicae (1 e 2 Pedro; 1, 2 e 3 João; Tiago e Judas)
Apocalypsis Johannes

Mas esses livros foram surgindo com o tempo assim no século I a maioria destes textos
ainda não existia e eles ainda não estavam juntos em um único livros. Muitas
comunidades usavam apenas alguns deles. Se você pegar uma bíblia moderna vai ver
que alguns desses textos antigos nem constam mais hoje como livros canônicos.

12 - E a Bíblia que existe hoje veio da Vetus Latina?

Não.

Como vimos, o texto "definitivo" - entre aspas porque ainda não é aceito por todo como
unânime - do judaísmo, surgiu no século VI d.C., a versão destinada para cristãos ainda
levou mais algum tempo para surgir.
No século IV d.C. Dâmaso (hoje conhecido como São Dâmaso ou ainda como Papa
Dâmaso I) pediu que Jerônimo (conhecido como São Jerônimo, o padroeiro dos
bibliotecários e das secretárias), criasse uma versão autorizada da Bíblia na língua latina.
A idéia era parar com a enormidade de textos avulsos que surgiam, traduzidos por
pessoas diferentes conforme a necessidade individual e criassem um texto padrão, que
pudesse ser usado por todos, e assim eles saberiam que um cristão da África havia
recebido exatamente a mesma doutrina de um cristão da Espanha, por exemplo,
acabando assim com variações de um mesmo texto.

Jerônimo então reviu a Septuaginta grega e os textos da Vetus Latina e decidiu que a
melhor coisa a fazer era jogar tudo for a e começar a criar o texto oficial da Bíblia Cristã
a partir do zero. Este trabalho ele batiza de Vulgata. O nome vem da frase "versio
vulgata", isto é "versão dos vulgares", e foi escrito em um latim cotidiano, que era a
forma antiga de se dizer: "escrito em um latim atual e popular".

Até então a igreja[2] usava textos na língua grega, foi inclusive nesta língua que se
escreveu todo o Novo Testamento, incluindo a Carta aos Romanos, de Paulo, bem como
muitos escritos cristãos nos séculos seguintes.

A Vulgata foi produzida para ser mais exata e mais fácil de compreender do que suas
predecessoras. Foi a primeira, e por séculos a única, versão da Bíblia que possuiu os
textos do Velho Testamento traduzidos diretamente do hebraico e não da versão grega
(a Septuaginta). No Novo Testamento, Jerônimo selecionou e revisou textos. Ele
inicialmente não considerou canônicos os sete livros, chamados por católicos e
ortodoxos, de deuterocanônicos. Porém, trabalhos posteriores mostram sua mudança de
conceito, pelo menos a respeito dos livros de Judite, Sabedoria de Salomão e o
Eclesiástico (ou Sabedoria de Sirac), conforme atestamos em suas últimas cartas a
Rufino.

13 - Perai, Jerônimo não considerou como canônico alguns livros? Mas quem
decidia o que era canônico ou não? E o que é canônico?

Vamos começar de trás para frente.

Um cânone ou cânon normalmente se caracteriza como um conjunto de regras (ou,


frequentemente, como um conjunto de modelos) sobre um determinado assunto, em
geral ligado ao mundo das artes e da arquitetura. A canonização é a sistematização deste
conjunto de modelos. Cânone, em hebraico é qenéh e no grego kanóni, têm o
significado de "régua" ou "cana (de medir)", no sentido de um catálogo.

O Cânone Bíblico designa o inventário ou lista de escritos ou livros considerados pelas


religiões cristãs como tendo evidências de Inspiração Divina.

Quanto a quem decidia se um livro era canônico ou não é uma história interessante.
Vamos responder juntamente com as próximas questões.

14 - Bom, então com a criação da Vulgata nós temos uma Bíblia, ou ainda não?

Glória aos Céus! Agora sim.


A Vulgata se tornou a primeira versão fechada da Bíblia, com todos os textos que temos
hoje. Mesmo assim ela ainda passou por alguns ajustes que levaram mais alguns séculos.
Finalmente entre os anos de 1545 e 1563 a igreja católica realizou seu 19º concílio
ecumênico, também conhecido como o Concílio de Trento. Ele foi convocado pelo Papa
Paulo III para assegurar a unidade da fé (sagrada escritura histórica) e a disciplina
eclesiástica. O concílio tem este nome em referência à cidade de Trento, onde
transcorreu, e nele foi estabelecido um texto único para a Vulgata, a partir de vários
manuscritos existentes, e oficializado como a Bíblia oficial da Igreja. Esta Bíblia ficou
conhecida como Vulgata Clementina.

Após o Concílio Vaticano II, por determinação de Paulo VI, foi realizada uma revisão
da Vulgata, sobretudo para uso litúrgico. Esta revisão, terminada em 1975, e
promulgada pelo Papa João Paulo II em 25 de abril de 1979, é denominada Nova
Vulgata, estabelecendo esta como a nova Bíblia oficial da Igreja Católica.

15 - Mas a Bíblia só passou a existir desta forma no século XVI, ou no século XX?

Não extamente. Existem alguns fatos que devem ser levados em consideração quando
falamos de o texto final e definitivo da Bíblia. Existe um processo por trás que durou
séculos e que está em andamento até hoje.

Por exemplo, se levarmos em conta os textos sagrados em si, a Bíblia levou 1600 anos
para ser escrita. Já que teoricamente ela começou a ser registrada na época de Moisés
(cerca de 1500 a.C.) e terminou com o evangelho de João (cerca de 96 d.C.). Essa é a
datação cultural dos textos.

Mesmo assim na época do evangelho de João, no final do século I d.C., não havia
unidade nos textos. Para se ter idéia, os textos só passaram a ser conhecidos como
Bíblia com Jerônimo (cerca de 347d.C. - 419/420 d.C.), que chamou pela primeira vez
ao conjunto dos livros do Antigo Testamento e Novo Testamento de "Biblioteca
Divina". "Bíblia”, inclusive, é uma palavra que não aparece na Bíblia. Ela vem do termo
grego biblos, por causa da cidade fenícia de Biblos, um importante centro produtor de
rolos de papiro usados para fazer livros. Com o tempo, a palavra biblos passou a
significar “livro”. Biblia é a forma plural (“livros”).

Então a primeira Bíblia oficial foi organizada, compilada e preparada pela igreja
católica nos séculos IV e V d.C. como já vimos.

Mas antes de Jerônimo por a mão na massa tiveram que decidir quais dos textos
existentes fariam parte da Bíblia, afinal além dos textos que temos hoje haviam dezenas,
mesmo centenas de outros que circulavam na época.

E agora voltamos à pergunta 13: quem decidia que livros fariam parte da Bíblia?
Sempre houve uma preocupação muito grande de se ter as informações corretas sobre
Deus e sobre as maneiras corretas de seguir suas leis e mandamentos, de honrá-lo e
adorá-lo. Como dissemos lá na introdução, a Bíblia nasceu de uma necessidade dos
povos de se manterem fiéis à fé, não como livro de regras a ser instituído a todos os
povos. No início queriam apenas juntar os textos que julgavam pertinentes e sinceros
em relação à fé. Assim durante a história muitos estudiosos, religiosos se reuniram e
estudaram para analisar que textos eram de fato textos enviados por Deus ou eram
textos sérios e quais seriam invenções ou simplesmente opiniões de outros religiosos e
escritores.

Hoje muitas pessoas acreditam que o primeiro trabalho sério de se decidir quais seriam
os textos aceitos pelos cristãos e que fariam parte da Bíblia foi o Concilio de Nicéia,
realizado em 325 d.C., vinte e dois anos antes de Jerônimos começar seu trabalho.
Embora algumas obras afirmem que no Concílio de Nicéia discutiu-se quais evangelhos
fariam parte da Bíblia, quando pegamos os documentos que existem hoje sobre esta
reunião não há menção de que esse assunto estivesse em pauta, nem nas informações
dos historiadores do Concílio, nem nas Atas do Concílio que chegaram a nós em três
fragmentos: o Símbolo dos apóstolos, os cânones, e o decreto senoidal.

No ano de 150 d.C. Marcião, um cristão muito influente na época, propôs uma lista dos
livros que deveriam fazer parte do conjunto de livros religiosos do cristianismo. Nesta
lista ele considerou apenas o Evangelho de Lucas e as cartas paulinas como textos
inspirados. Essa lista ficou conhecida como o Cânone de Marcião.

No ano de 1740 foi publicado o Cânone Muratori - também conhecido por fragmento
muratoriano ou fragmento de Muratori - descoberto na Biblioteca Ambrosiana de Milão
por Ludovico Antonio Muratori (1672 – 1750). Apesar de ser consensual datar o
manuscrito como sendo do século VII, ele é cópia de um texto mais antigo, datado
como tendo sido escrito por volta do ano 170, já que nele existem menções ao Pastor de
Hermas e ao papado de Pio I, morto em 157.

Na lista figuram os nomes dos livros que o autor, desconhecido até os dias de hoje,
considerava admissíveis junto com alguns comentários. A lista está escrita em latim e
encontra-se incompleta, daí ser chamada de fragmento.

Os livros canônicos mencionados no Cânone Muratori são aproximadamente os


mesmos que se encontram hoje na Bíblia com algumas variações. O Cânone de Muraori
aceita quatro evangelhos, dos quais dois são o Evangelho de Lucas e o Evangelho de
João, não se conhecendo os outros dois, pois falta o princípio do manuscrito, onde
estariam os nomes dos dois primeiros. A lista segue com os Atos dos Apóstolos e com
13 epístolas de Paulo de Tarso (não menciona a Epístola aos Hebreus). O autor
considera falsificações as epístolas supostamente escritas por Paulo aos laodiceanos e a
escrita aos alexandrinos. Nele só se mencionam duas epístolas de João, sem as
descrever. Figura também no fragmento o Apocalipse de Pedro, ainda que com certas
reservas ("o qual alguns dos nossos não permitem que seja lido na Igreja").

O Livro da Sabedoria do Antigo Testamento também é citado como sendo canônico.

No Cânone de Muratori está escrito:

"...aos quais esteve presente e assim o fez. O terceiro livro do Evangelho é o de Lucas.
Este Lucas ‘médico que depois da ascensão de Cristo foi levado por Paulo em suas
viagens’ escreveu sob seu nome as coisas que ouviu, uma vez que não chegou a
conhecer o Senhor pessoalmente, e assim, a medida que tomava conhecimento,
começou sua narrativa a partir do nascimento de João. O quarto Evangelho é o de João,
um dos discípulos.
Questionado por seus condiscípulos e bispos, disse: ‘Andai comigo durante três dias a
partir de hoje e que cada um de nós conte aos demais aquilo que lhe for revelado’.
Naquela mesma noite foi revelado a André, um dos apóstolos, que, de conformidade
com todos, João escrevera em seu nome.

Assim, ainda que pareça que ensinem coisas distintas nestes distintos Evangelhos, a fé
dos fiéis não difere, já que o mesmo Espírito inspira para que todos se contentem sobre
o nascimento, paixão e ressurreição [de Cristo], assim como sua permanência com os
discípulos e sobre suas duas vindas ´ depreciada e humilde na primeira (que já ocorreu)
e gloriosa, com magnífico poder, na segunda (que ainda ocorrerá).

Portanto, o que há de estranho que João freqüentemente afirme cada coisa em suas
epístolas dizendo: ‘O que vimos com nossos olhos e ouvimos com nossos ouvidos e
nossas mãos tocaram, isto o escrevemos’? Com isso, professa ser testemunha, não
apenas do que viu e ouviu, mas também escritor de todas as maravilhas do Senhor.

Os Atos foram escritos em um só livro. Lucas narra ao bom Teófilo aquilo que se
sucedeu em sua presença, ainda que fale bem por alto da paixão de Pedro e da viagem
que Paulo realizou de Roma até a Espanha.

Quanto às epístolas de Paulo, por causa do lugar ou pela ocasião em que foram escritas
elas mesmas o dizem àqueles que querem entender: em primeiro lugar, a dos Coríntios,
proibindo a heresia do cisma; depois, a dos Gálatas, que trata da circuncisão; aos
Romanos escreveu mais extensamente, demonstrando que as Escrituras têm como
princípio o próprio Cristo.

Não precisamos discutir sobre cada uma delas, já que o mesmo bem - aventurado
apóstolo Paulo escreveu somente a sete igrejas, como fizera o seu predecessor João,
nesta ordem: a primeira, aos Coríntios; a segunda, aos Efésios; a terceira, aos
Filipenses; a quarta, aos Colossenses; a quinta, aos Gálatas; a sexta, aos
Tessalonicenses; e a sétima, aos Romanos.

E, ainda que escreva duas vezes aos Coríntios e aos Tessalonicenses, para sua correção,
reconhece - se que existe apenas uma Igreja difundida por toda a terra, pois da mesma
forma João, no Apocalipse, ainda que escreva a sete igrejas, está falando para todas.
Além disso, são tidas como sagradas uma [epístola] a Filemon, uma a Tito e duas a
Timóteo; ainda que sejam filhas de um afeto e amor pessoal, servem à honra da Igreja
Católica e à ordenação da disciplina eclesiástica. Correm também uma carta aos
Laodicenses e outra aos Alexandrinos, atribuídas [falsamente] a Paulo, mas que servem
para favorecer a heresia de Marcião, e muitos outros escritos que não podem ser
recebidos pela Igreja Católica porque não convém misturar o fel com o mel.

Entre os escritos católicos, se contam uma epístola de Judas e duas do referido João,
além da Sabedoria escrita por amigos de Salomão em honra do mesmo. Quanto aos
apocalipses, recebemos dois: o de João e o de Pedro; mas, quanto a este último, alguns
dos nossos não querem que seja lido na Igreja. Recentemente, em nossos dias, Hermas
escreveu em Roma 'O Pastor', sendo que o seu irmão, Pio, ocupa a cátedra de Bispo da
Igreja de Roma.

É, então, conveniente que seja lido, ainda que não publicamente ao povo da Igreja, nem
aos Profetas ´ cujo número já está completo , nem aos Apóstolos ´ por ter terminado o
seu tempo. De Arsênio, Valentino e Melcíades não recebemos absolutamente nada;
estes também escreveram um novo livro de Salmos para Marcião, juntamente com
Basíledes da Ásia..."

Então já na época haviam dúvidas a que textos eram de fato inspirados pelo Espírito de
Deus e quais eram criações - sinceras ou não - de homens.

E como faziam para decidir?

Até hoje existem pessoas que tem um certo recentimento desses primeiros cristãos, que
dizem que uma pessoa não teria como decidir que texto seria inspirado por Deus,
diretamente ou via Espirito Santo, ainda mais porque os textos já existiam e estavam
circulando, não haveria um modo seguro de se saber se o autor estava cumprindo a
Vontade Deus ou simplesmente escrevendo o que achava ser correto. E assim se cria
uma visão de que o caso foi resolvido através de puro dogmatismo e abuso de
autoridade.

Existem estudiosos que citam Irineu (205 d.C.) afirmando que:

“O evangelho é a coluna da igreja, a igreja está espalhada por todo o mundo, o mundo
tem quatro regiões, e convém, portanto, que haja também quatro Evangelhos… O
Evangelho é o sopro do vento divino da vida para os homens, e pois, como há quatro
ventos cardiais, daí a necessidade de quatro Evangelhos… O Verbo criador do Universo
reina e brilha sobre os querubins, os querubins têm quatro formas, e eis porque o Verbo
nos obsequiou com quatro Evangelhos.”

Ainda existem outras lendas e histórias de como se escolheram os textos como conta a
obra Libelus Synddicus, de um autor anônimo: “estando os bispos em oração, os
Evangelhos inspirados foram por si colocar-se em um altar…”

Outras lendas contam como todos os textos existentes foram colocados sobre um altar e
aqueles que não eram inspirados caíram ou como uma pomba atravessou o vitral da
igreja, durante o concilio de Nicéia e pousou no ombro de cada bispo e cochichou ao
seu ouvido quais eram os livros inspirados.

Bem, como vimos o Concilio de Nicéia tem uma fama enorme em relação à escolha de
que livros eram ou não inspirados, mas não existe um registro do evento que fale sobre
o assunto, e já haviam listas, como o cânone Muratori onde os livros já eram escolhidos.

Isso sem contar que muitas destas afirmações mostram um certo descontentamento com
a Instituição da Igreja Católica mas deixa de lado um pequeno detalhe: os livros
sagrados judaicos da Bíblia, o Antigo Testamento, também foram criados a partir de
livros aceitos e não aceitos, eles também foram peneirados. O mesmo trabalho de
catalogação de um cânone oficial foi realizado pelos judeus, então este processo de
identificar quais livros eram sagrados para fazer parte ou não da Bíblia não foi um
trabalho unicamente cristão.

Em relação à Bíblia sabemos hoje que o bispo de Alexandria Anastásio, no ano de 367,
propôs uma lista de livros inspirados. Essa lista foi posteriormente defendida no
Concilio de Hipona, em 398, e a lista de Anastásio acabou sendo aprovada pelos bispos.
Isso 50 anos depois de Jerônimo ter começado seu trabalho de criar a Vulgata.

E para se criar o concenso de que livros seriam aceitos foram criados uma série de
critérios que deveriam ser observados, não apenas em ralação a textos cristãos mas a
textos judaicos também. Nesta época a igreja já começava a se organizar e mesmo
havendo vários grupos que possuíam textos próprios a idéia era começar a criar um
corpo oficial de textos, literalmente um cânon. Assim os critérios adotados foram:

a) O livro deveria conferir identidade religiosa ao povo judeu e cristão.


b) O livro não poderia ser escrito em grego – isso em relação aos livros do Antigo
Testamento.
c) Ainda em relação ao Antigo Testamento, o livro deveria ter sido escrito durante a
época que vai de Moisés a Esdras.
d) Deveria ter sido catalogado na lista de Flávio Josefo, o historiador judeu.
e) O livro não deveria “manchar a mão”.

E finalmente dois critérios que refletiam muito bem o período histórico onde já haviam
sinais do surgimento da igreja:

f) O livro não poderia ter origem em grupos de oposição ao pensamento dominante.


g) Deveria ser usado por muitas comunidades. Quanto maior fosse a aceitação de um
livro, maior era a indicação que era um livro inspirado.

Se um texto passasse por esse crivo ele finalmente deveria ser reconhecido como

h) inspirado pelo Espírito Santo.

Assim para um texto passar pelo crivo religioso e ser aceito ele deveria primar pela
consciência de que o povo judeu era o povo eleito, mantendo vivo essa fé como símbolo
da indentidade nacional, também deveria professar a fé em Jesus crucificado, morto e
principalmente ressuscitado. Se o texto fazia parte do Antigo Testamento deveria ter
sido escrito originalmente em hebraico (com pequenas excessões onde o original se
apresentava em aramaico) e deveria ter sido compilado até o século V a.C. na época de
Esdras. Ele teria que ter estado presente nos escritos de Flávio Josefo e não poderia ter
origem em grupos considerados subversivos. Por exemplo no Antigo Testamento temos
o caso dos dois livros dos Macabeus, que era um dos grupos de judeus que lutava contra
o império romano e desejava reestabelecer o judaísmo, eles eram inimigos dos Fariseus,
que eram aqueles judeus que formavam o grupo religioso judaico que conduzia a
religião judaica e que foi responsável pela criação do cânone judaico de Jâmnia. Assim
os textos sobre os Macabeus não foram considerados inspirados pelos Judeus. Já no
Novo Testamento os textos de origens gnósticas, que iam contra os grupos cristãos que
estavam se tornando dominantes, foram descartados como fraudes. Deveria ser
considerado um Best-Seller da época e aprovado por aquelas que eram consideradas as
pessoas mais religiosas e ligadas a Deus.

Uma curiosidade sobre o critério e) é que nunca ficou muito claro o que os judeus
queriam dizer com “manchar as mãos”. Se acreditavam que um livro impuro fosse uma
aberração tão grande que mancharia aquele que o tocasse ou se havia o costume de
algumas pessoas alterarem textos antigos escrevendo passagens novas e a tinta fresca
seria a responsável pela mácula na mão daquele que o lesse.

Assim com o tempo os livros foram sendo aceitos e descartados da compilação final que
existe hoje.

Além disso a Bíblia sempre foi apresentada como um longo texto corrido, ela foi
dividida em capítulos apenas no século XIII d.C. (entre 1234 e 1242), pelo teólogo
Stephen Langhton, então Bispo de Canterbury, na Inglaterra, e professor da
Universidade de Paris, na França. Foi apenas nos séculos IX e X d.C. que estudiosos
Judeus dividiram o Antigo Testamento em versículos. O Novo Testamento recebeu a
divisão em versículos no ano de 1551, o responsável foi um impressor francês chamado
Robert d´Etiénne.

Até boa parte do século XVI, as Bíblias eram publicadas somente com os capítulos. Foi
assim, por exemplo, com a Bíblia que Lutero traduziu para o Alemão, por volta de 1530.
A primeira Bíblia a ser publicada incluindo integralmente a divisão de capítulos e
versículos foi a Bíblia de Genebra, lançada em 1560, na Suíça.

E mesmo assim nem todas as Bíblias traziam os mesmos textos.

16 - Como assim? Com todo esse trabalho de escolher textos que eram ou não
inspirados existiam Bíblias diferentes?

Sim.

Apesar da antiguidade dos livros bíblicos, os manuscritos mais antigos que possuímos
datam a maior parte dos séculos III e IV d.C.. Tais manuscritos são o resultado do
trabalho de copistas (escribas) que, durante séculos, foram fazendo cópias dos textos, de
modo a serem transmitidos às gerações seguintes. Por causa desse processo manual e
artesanal o texto bíblico, obviamente, está sujeito a erros e modificações, involuntários
ou voluntários, dos copistas. E isso acaba se traduzindo na coexistência, para um
mesmo trecho bíblico, de várias versões que, embora não afetem grandemente o
conteúdo, suscitam diversas leituras e interpretações dum mesmo texto.

Por causa disso criou-se o que ficou conhecido como Crítica Textual, que é o trabalho
desenvolvido por especialistas que se dedicam a comparar as diversas versões e a
selecioná-las. O resultado deste trabalho são os Textos-Padrão.

Ou seja, existe um esforço para se descobrir quais as formas originais dos textos que
temos hoje, e quais deles estariam mais próximos da forma como foram concebidos
originalmente.

A grande fonte hebraica para o Antigo Testamento é o Texto Massorético, que como já
vimos, foi fechada no século VI d.C.

Esses processos de cópia e produções de Bíblias combinados com as várias igrejas que
se formaram depois do surgimento do cristianismo serviram para que várias versões da
Bíblia sobrevivessem até os dias de hoje, cada uma com características próprias.

17 - Mas com o estabelecimento do cristianismo não houve um consenso sobre que


textos fariam parte da Bíblia e que versões de cada texto era aceita?

Infelizmente não.

E para isso vamos voltar ao conceito de Cânone Bíblico e um pouco antes para o
conceito de “cânone” judaico.

Segundo a literatura judaica Esdras, na qualidade de escriba e sacerdote, presidiu um


conselho formado por 120 membros chamado Grande Sinagoga, que teria selecionado e
preservado os rolos sagrados. Alguns acreditam que foi ai que o Cânone das Escrituras
do Antigo Testamento foi fixado (Esdras 7:10,14). Entretanto esta tese é desacreditada
pela crítica moderna. Os estudiosos concordam que foi essa mesma entidade que
reorganizou a vida religiosa nacional dos repatriados e, mais tarde, deu origem ao
Supremo Tribunal Judaico, denominado Sinédrio.

Curiosamente os Saduceus e os Samaritanos só aceitavam como canônicos os cinco


livros de Moisés. Por esta razão, os especialistas especulam que Esdras tenha reunido
apenas o Pentateuco, isto é, os cinco livros de Moisés.

O prólogo da versão grega do Eclesiástico, datado em 130 a.C. parece já confirmar a


suspeita dos estudiosos modernos. Com efeito nele lemos: "Pela Lei, pelos Profetas e
por outros escritores que os sucederam, recebemos inúmeros ensinamentos importantes
(...) Foi assim que após entregar-se particularmente ao estudo atento da Lei, dos
Profetas e dos outros Escritos, transmitidos por nossos antepassados [...]".

Nota-se que o cânon indicado neste escrito considera canônicos livros posteriores ao
tempo dos profetas.

O Cânone Hebraico de 39 livros, só foi realmente fixado no Concílio de Jâmnia - criado


para procurar um rumo para o judaísmo, após a destruição do Templo de Jerusalém, no
ano 70 d.C - em 90 d.C.. Mesmo assim estudiosos como Leonard Rost garantem que
tais decisões demoraram muito para serem aceitas e até hoje não tiveram aceitação em
algumas comunidades judaicas como é o caso dos judeus do Egito.

Neste concílio os participantes decidiram considerar como textos canônicos do


judaísmo apenas os que existiam em língua hebraica e que remontassem ao tempo do
profeta Esdras, rejeitando todos os outros livros e demais escritos, considerando-os
como apócrifos, ou seja, não tendo evidências de inspiração por Deus e fonte de fé.
Houve muitos debates acerca da aprovação de certos livros, como Ester e Cântico dos
Cânticos, conforme registro da Mishiná.

Apesar da crítica moderna afirmar que vários livros que constam no Cânon Hebraico
são posteriores ao tempo de Esdras (como é o caso do Livro de Daniel), os estudiosos
explicam que os Fariseus não dispunham do método científico que existe hoje para se
datar uma obra, ou mesmo para se atribuir a ela um autor. De qualquer forma, os
critérios por eles adotados excluíram os livros deuterocanônicos do Cânon Hebraico.

Para não confundir: o Concilio de Jâmnia (ano 90 d.C.) decidiu quais os livros que
fariam parte do cânon. Os Massoretas, século VI, decidiram qual a forma correta dos
textos que haviam sido selecionados.
Já do lado dos cristãos, temos que ter em mente que no início não havia uma igreja
organizada como hoje e desde o tempo de Jesus, entre seus discípulos, sempre existiram
controvérsias doutrinárias e disciplinares, como se vê em At 15, 1-5. Havia grupos em
Roma, no Oriente e norte da África que, sob influência helenística, zoroastrista e de
convicções pessoais, queriam adaptar a doutrina de Jesus às suas idéias. Tais foram os
grupos dissidentes ou heréticos fundados por Donato, a gnose de Marcião (o
"Primogênito de Satanás"), Montanus, Nestório, Paulo de Samósata e Valentinus entre
outros. Os escritos de Tertuliano contra os heréticos e o "Contra as heresias" de Ireneu
foram respostas às heresias. O Concílio de Nicéia foi convocado pelo imperador
Constantino devido a disputas em torno da natureza de Jesus "não criado,
consubstancial ao Pai". Na Santíssima Trindade, as três pessoas têm a mesma natureza,
ou seja, a divina.

Então apesar do Antigo Testamento já ter uma aceitação mais ou menos geral de que
textos eram inspirados e quais não eram, o Novo Testamento ainda não possuía unidade.
Mesmo com tentativas como a do Cânone Muratori, 170 d.C., o Novo Testamento ainda
era um Deus nos Acuda, já que as pessoas ainda não tinham nem muita certeza sobre o
que era o Cristianismo.

A partir de 325, algumas verdades do Cristianismo foram estabelecidas como dogma


através de cânones promulgados por vários concílios, como o de Nicéia.

Desde Jesus Cristo (Jo 17,21) passando por todos os apóstolos, especialmente Paulo,
existe um impulso para estabelecer unidade no cristianismo. A primeira forma de
demonstração desse impulso foi a manutenção da unidade em torno de Pedro. Se há um
só Deus, que se revelou em Jesus Cristo, que fundou Sua única Igreja (Mt 16,18) e se
Jesus Cristo mesmo diz que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida, não podem existir
outras verdades verdadeiras. Uma das linhas que foi condenada como heresia eram as
que divergiam da afirmação de que Cristo era totalmente divino e totalmente humano e
que as três pessoas da Trindade são iguais e eternas. Este dogma (Um só Deus em Três
Pessoas = Três pessoas e uma só natureza divina assim como existem bilhões de
pessoas e uma só natureza humana) só foi estabelecido depois que Ário, um celebrado
professor do cristianismo - e também mártir - o desafiou.

E assim, muitos textos que poderiam fazer parte da Bíblia foram banidos, por serem
considerados heréticos.

Assim não apenas os textos finais foram escolhidos, mas também a forma que o
cristianismo dominante teria também. Escolhendo-se textos que mostrassem certos
aspectos de jesus e descartassem outros.

E ai voltamos ao cíclo vicioso da falta de gráficas, porque uma vez definidos os textos
que fariam parte da Bíblia Cristã, eles estavam sujeitos à manipulação por parte dos
copistas (seja essa manipulação causada por erro sincero ou pela maldade no coração do
homem).

E como vimos, mesmo com a tentativa de Jerônimo de criar um texto único, muitos
textos e livros ainda não haviam sido aprovados mesmo cinco décadas depois que ele
começou o trabalho. Assim haviam algumas variantes dos mesmos textos.
Haviam também grupos que não estando ligados à igreja continuavam a usar textos
próprios ou versões próprias de textos existentes, assim quando era o momento de se
apontar que versão era a original não haviam uma base para se ter certeza.

18 - Então além do Antigos Testamento, e dos livros do Novo Testamento, haviam


outros livros e textos religiosos circulando por ai?

Sim, tecnicamente esses livros receberam dois nomes: Deuterocanônicos e Apócrifos.

O termo "deuterocanônico" é formado pela raiz grega deutero (segundo) e canônico


(que faz parte do Cânon, isto é do conjunto de livros considerados inspirados e
normativos por uma religião ou igreja). Assim, o termo é aplicado a livros e partes de
livros bíblicos que só num segundo tempo foram considerados como canônicos.

O adjetivo "deuterocanônico" é originalmente aplicado a estes textos pelos cristãos, que


depois de um tempo passaram a encará-los como inspirados e fazendo parte integrante
da Bíblia.

O fato de muitas pessoas, cristãs ou não, não os considerarem inspirados, eles ainda são
obras muito importantes tanto para a fé cristã quanto para historiadores. Hoje eles são
considerados patrimônios históricos da fé, pois refletem e fizeram parte das crenças
cristãs ao longo da história.

São deuterocanônicos os seguintes livros bíblicos:

- Tobias
- Judite
- I Macabeus e II Macabeus
- Sabedoria
- Eclesiástico (também chamado Sirácide ou Ben Sirá )
- Baruc

Fora os livros deuterocanônicos podemos também encontrar fragmentos


deuterocanônicas dentro de livros canônicos como:

- adições em Ester.
- adições em Daniel - especificamente os episódios da Casta Susana e de Bel e o dragão.

Estes livros eram já conhecidos pelos cristãos, que os citavam e utilizavam. Os


estudiosos encontraram citações destes livros nas obras de Ireneu, Justino, Agostinho,
Jerônimo, Basílio Magno, Ambrósio e muitos outros. E ainda haviam aqueles que
julgavam esses textos como sendo somente eclesiásticos, isto é, não eram canônicos
porém também não eram contrários à Fé. Foi o caso de Melitão, Rufino, Atanásio e
outros. Como podemos ver o assunto não era pacífico, e houve bastante discórdia sobre
o tema.

Jerônimo inicialmente negou a canonicidade dos deuterocanônicos. Porém, os


estudiosos encontraram uma mudança posterior de sua opinião em suas cartas escritas a
Rufino e a Paulino, Bispo de Nola.
Mas no fim das contas esta discórdia parece ter sido resolvida ou então não influenciou
o parecer comum da igreja antiga.

Nenhum Concílio da igreja primitiva recusou a canonicidade destes livros, muito pelo
contrário. Foram declarados canônicos nos Concílios regionais de Roma (382 d.C,
dando origem ao Cânon Damaseno), Hipona I (cânon 36, 393 d.C), Cartago III (cânon
47, 397 d.C), IV (cânon 24, 417 d.C), Trullo (cânon 2, 692).

Um documento conhecido como Decreto Gelasiano (496 d.C) também confirma a


canonicidade dos deuterocanônicos.

Mas isso não significa que todos os cristãos, fossem apenas seguidores da fé ou os
sacerdotes de comunidades, aceitassem isso. Com a formação de uma igreja se
destacando de outros grupos menores essa aceitação acontecia entre os cristãos católicos
apostólicos romanos.

A aceitação comum dos deuterocanônicos como livros sagrados fica ainda mais clara ao
encontrarmos os textos presentes nas primeiras versões Bíblicas, como a Vetus Latina e
a Vulgata. Na época, no Oriente, a Septuaginta foi adotada como a versão oficial do
Antigo Testamento.

Os livros deuterocanônicos foram escritos entre Malaquias e Mateus, ou seja, numa


época em que segundo o historiador judeu Flávio Josefo, cessara por completo a
revelação divina. Entretanto segundo os Evangelhos a revelação do Antigo Testamento
durou até João Batista (cf. Mt 11,12-13 e Lc 16,16). Essa já começava a se mostrar a
futura divisão que aconteceria entre o judaismo e o recém criado cristianismo.

Os textos deuterocanônicos chegaram até nós apenas em grego (alguns escritos


originalmente nessa língua, outros traduzidos duma versão hebraica, que se perdeu),
fazendo parte da Septuaginta. Tais textos não se encontram na Tanakh.

É importante dizer que também no Novo Testamento existem livros deuterocanônicos.


São eles:

- Tiago
- Hebreus
- Apocalipse
- 2 Pedro
- 2 e 3 João.

Assim como os livros deuterocanônicos do Antigo Testamento, estes também tiveram


sua canonicidade contestada por muitos séculos.

E mesmo depois deste tempo todo ainda não havia consenso. Martinho Lutero, o
reformista da Igreja Católica e pai do Protestantismo, chegou até mesmo não considerar
canônicos Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse, que na sua tradução da Bíblia para o
Alemão deixou-os num apêndice sem numeração de páginas. Depois os demais
reformadores decidiram que estes livros deveriam voltar à Bíblia, pela larga utilização
nas comunidades cristãs, mas não fizeram o mesmo com os deuterocanônicos do AT.
No início do séc. XV, um grupo dissidente da Igreja Copta (também chamados de
Monofisistas), conhecidos como Jacobitas questionaram muitos dos concensos cristãos
da época, inclusive o Cânon Alexandrino. Em 1441, O Concílio Ecumênico de Florença,
através da Bula Cantate Domino (4/2/1442) reafirma o caráter canônico do Cânon
Alexandrino.

Com a Reforma Protestante, Lutero volta a questionar o caráter canônico dos


Deuterocanônicos negando inclusive seu caráter eclesiástico, pois para ele estes livros
eram contrários à Fé. Em 1545, é convocado o Concílio de Trento, que novamente
afirma o caráter canônico do Cânon Alexandrino.

No início não houve consenso entre os Protestantes sobre o Cânon do Antigo


Testamento. O Rei Jaime I da Inglaterra, responsável pela famosa tradução KJV (King
James Version), defendia que os Deuterocanônicos deveriam continuar constando nas
Bíblias Protestantes. Praticamente na mesma época surgiu uma tradução conhecida
como Bíblia de Geneva ou Genebra, que caracterizava os Deuterocanônicos como
apócrifos.

Somente após a "Confissão de fé de Westminster" (séc. XVII), protestantes ingleses que


eram influenciados pelo calvinismo e puritanismo removeram das suas listas os livros
deuterocanônicos, passando a adotar como lista de composição do Antigo Testamento o
Cânon Hebraico conforme instituído no Concílio de Jâmnia. Princípios desta confissão
foram espalhando-se por várias denominações e seu conteúdo funcionou como resposta
ao concílio de Trento. Então novamente os textos do Antigo Testamento que não eram
aprovados pelos Judeus foram retirados da Sagrada Escritura.

Até hoje existem muitos cristãos protestantes que chamam os deuterocanônicos de


apócrifod, alegando que os textos trazem muitos erros, como por exemplo erros
geográficos, e por acreditar que muitos fatos narrados neles não se concretizaram, eles
chegam mesmo e remover os textos de suas Bíblias e dizem que não são textos
inspirados. Outro argumento apontado é de que foram escritos no período
intertestamentário (período de 400 anos compreendidos entre o novo e o velho
testamento), ou seja em um período que segundo os teólogos reformadores Deus não
teria levantado nenhum profeta. Este período também ficou conhecido como "silêncio
profético", e isso faz com que não reconheçam estes livros como fazendo parte da
palavra de Deus.

Então se formos tentar colocar ordem nesta bagunça:

Os deuterocanônicos já faziam parte da vida dos judeus através Septuaginta, dos judeus
cristãos através da Vetus Latina e da Vulgata. A primeira Bíblia impressa da história,
conhecida como a Bíblia de Gutenberg (1450-1455) também já continha os livros
deuterocanônicos do Antigo Testamento. Eles estavam presentes mesmo nas primeiras
versões protestantes como a KJV (King James Version).

Já os Apócrifos, do grego Apokruphoi, secreto, separado ou excluído, eram conhecidos


como Livros Pseudo-canônicos. O termo "apócrifo" foi cunhado por Jerônimo, no
quinto século, para designar basicamente antigos documentos judaicos escritos no
período entre o último livro das escrituras judaicas, Malaquias, e a vinda de Jesus Cristo.
São livros considerados não inspirados e portanto não entraram no Cânon.

No cristianismo ocidental atual existem vários livros considerados apócrifos; nos


sínodos realizados ao longo da história esses livros foram banidos do canon, outros
obtiveram uma reconsideração e retornaram à condição de Sagrados.

O número dos livros apócrifos é maior que o da Bíblia canônica. É possível contabilizar
113 deles, 52 em relação ao Antigo Testamento e 61 em relação ao Novo. A tradição
conservou outras listas dos livros apócrifos, nas quais constam um número maior ou
menor de livros. A seguir, alguns desses escritos segundo suas categorias.

Evangelhos:

- de Maria Madalena
- de Tomé
- Filipe
- Árabe da Infância de Jesus
- do Pseudo-Tomé
- de Tiago
- Morte e Assunção de Maria
- Judas Iscariotes

Atos:

- de Pedro
- Tecla e Paulo
- Dos doze apóstolos
- de Pilatos

Epístolas:

- de Pilatos a Herodes
- de Pilatos a Tibério
- dos apóstolos
- de Pedro a Filipe
- Paulo aos Laodicenses
- Terceira epístola aos Coríntios
- de Aristeu

Apocalipses:

- de Tiago
- de João
- de Estevão
- de Pedro
- de Elias
- de Esdras
- de Baruc
- de Sofonias
Testamentos:

- de Abraão
- de Isaac
- de Jacó
- dos 12 Patriarcas
- de Moisés
- de Salomão
- de Jó

Outros:

- A filha de Pedro
- Descida de Cristo aos Infernos
- Declaração de José de Arimatéia
- Vida de Adão e Eva
- Jubileus
- 1,2 e 3 Henoque
- Salmos de Salomão
- Oráculos Sibilinos

E isso para citar alguns. E todos esses textos de uma forma ou de outra passaram por
aquele crivo do qual falamos anteriormente sendo banidos para sempre ou então ficando
em cima do muro, aparecendo e sendo retirados e voltando a aparecer nas escrituras.

19 - Mas a Bíblia é uma zona!

Sim, mas só se você parar para pensar a respeito.

Vamos tentar criar aqui duas linhas do tempo, a primeira a cultural que representa como
a Bíblia teria sido desenvolvida de acordo com a história que ela mesma conta:

A Bíblia como a que você compra hoje em uma loja foi escrita por um período de
1500/1600 anos, por cerca de 40 pessoas diferentes com profissões, origens culturais e
classes sociais diferentes. Para quase todos os Judeus e Cristãos ela é a Palavra de Deus,
ou seja, muito mais do que simplesmente um livro.

Ela teria sido escrita da época de Moisés entre 1592 a.C. e 1472 a.C. aproximadamente,
até o último livro, o Apocalipse de São João, datado de cerca de 96 d.C., tendo passado
por um período sem registros inspirados por Deus, o "silêncio profético", que separou a
época do Antigo Testamento (Judeus) do Novo Testamento (Cristãos), esse período foi
de aproximadamente 400 anos.

Então lá pelo ano de 96 d.C. a Bíblia com textos de mais de 1600 anos de tradição
estaria, em tese, pronta para circular e ser reproduzida integralmente até os dias de hoje
para se chegar na sua mão.

Agora uma pausa para os cínicos de plantãos ou aqueles simplesmente confusos até
agora antes de nos aventurarmos a montar nossa segunda linha do tempo, a criada a
partir de registros e evidências históricas, arqueológicas e culturais. Nós estamos
passando por uma revisão ortográfica que está definindo a nova regra da escrita da
língua portuguesa. Um exemplo é a palavra Bem-Vindo sendo atualizada para Benvindo.

Se no ano de 2500 fossem realizar um estudo de capachos de portas para se publicar um


desses livros de mesa de centro que algumas pessoas gostam tanto, eles teriam várias
fotos de capachos dizendo SEJA BEM-VINDO anteriores a 2009 e várias fotos com
capachos dizendo SEJA BENVINDO posteriores a esta data. Mesmo hoje em dia com a
midia que temos e a pressão social de aceitar mudanças, podemos apostar que pelos
próximos anos ainda serão produzidos muitos capachos com os dizeres BEM-VINDO,
ou seja a forma que o texto foi escrito no capacho não é indicativo de que ele date de
antes de 2009 ou depois de 2009.

Vamos dizer que lá pelo ano de 2050 surjam os puristas que defendem que se as pessoas
cultas se reunem e decidem que BENVINDO é a melhor forma de se escrever algo
então é porque deve ser seguido, pode ser que surja uma lei do INMETRO que defina
que os capachos só poderão chegar no mercado caso tenham a grafia correta do termo.
Ai podemos chamar esta manifestação de o primeiro Concílio de BENVINDO.

Acontece que isso acaba influenciando os maiores centros comerciais, cidades afastadas
ou fabricantes de capacho que não ligam para a lei podem continuar com a sua grafia
errada e assim teríamos os primeiros hereges - sejam conscientes (eu não vou comprar
uma máquina nova que imprima a palavra nova), sejam os inocentes (mudou a palavra?
eu não sabia).

Agora temos que levar em conta também outro fator, os capachos que tinham a grafia
BENVINDO antes da mudança da norma ortográfica, ou seja, aqueles que já estavam
errados antes do errado virar certo.

Só ai já teríamos problemas, 400 anos depois, de datar um capacho, simplesmente pela


grafia de uma palavra, ele poderia ser anterior à data do Concílio de BENVINDO,
poderia ser posterior, poderia ser um erro mais antigo ou poderia ser um capacho com a
escrita antiga "gambiarrado" para apresentar a nova sem ter que mudar as máquinas,
com um M deformado e o espaço entre as palavras coberto por um desenhinho qualquer.

Como isso se aplica à Bíblia?

Só porque um texto foi tomado como correto no século VI d.C. não significa que ele já
não existisse 1600 anos antes, assim como um texto que começou a aparecer em
determinado século não existisse com uma circulação muito mais restrita antes. Da
mesma forma dois textos diferentes não querem dizer automaticamente manipulação
maldosa. O fato de não termos hoje em mãos um original não significa que ele nunca
tenha existido, e um texto que só se tornou oficial em um ano X não era sem valor antes.
Pense que a palavra e o conceito Bem-Vindo existiam antes da correção ortográfica e
provavelmente antes de inventarem a escrita e a registrarem pela primeira vez.

Vamos ver então como fica a história da Bíblia em termos de registros históricos:

640 a.C - Data em que se criou uma unidade doutrinária necessária para o
reconhecimento da lei escrita.
287 - 247 a.C. - Criação da Septuaginta

225 a.C. - Trecho bíblico mais antigo: passagem de um dos livros de Samuel.

100 a.C. - O texto mais antigo conhecido da Bíblia: Livro de Isaías

0-100 d.C. - Vetus Latina & suposta época da composição do Novo Testamento

90 d.C. - Concilio de Jâmnia decidiu quais os livros que fariam parte do cânon judaico
(Antigo Testamento)

125 d.C. - Texto mais antigo do Novo Testamento: fragmentos do evangelho de João,
incluindo a pergunta de Pilatos a Jesus: “Você é o rei dos judeus?”

325 d.C. - Canonização do Novo Testamento

404 d.C. - Jerônimo completa a Vulgata.

500-600 d.C. - Texto Massorético (Antigo Testamento)

500 d.C. - A Bíblia começa a ser traduzida para mais de 500 línguas diferentes.

600 d.C. - Cria-se a Lei que determina que a Bíblia apenas pode ser copiada e
distribuída em Latim.

995 d.C. - Surgem novas traduções anglo saxônicas da Bíblia do Novo Testamento.

1384 d.C. - Wycliffe se torna a primeira pessoa a se criar uma versão completa da Bíblia
em Inglês (era uma versão manuscrita).

1455 d.C. - Gutenberg cria a primeira Máquina de Impressão e a partir de então as


bíblias podem ser produzidas em massa. Até então todas as versões eram manuscritas.

1560 d.C. - Bíblia de Genebra

1611 d.C. - Surgimento da versão da Bíblia do Rei James.

1753 d.C. - Primeira publicação de uma Bíblia em Português.

1844 d.C. - Sociedade Bíblica Internacional traduz a Bíblia para os últimos idiomas
vivos que restavam.

1885 d.C. - Os livros considerados apócrifos são removidos das versões impressas das
Bíblias Protestantes.

1898 d.C. - Os Gideões Internacionais levam a Bíblia para as prisões, escolas e favelas,
hoje qualquer quarto de hotel ou motel americano possui uma versão desta Bíblia.

1993 d.C. - Biblegateway.com é o primeiro site a colocar a Bíblia na internet com


ferramenta de busca e diversas traduções sincronisadas.
20 - Mas existem muitas diferenças entre as Bíblias que circulam por ai hoje?

Novamente a resposta é positiva, e não apenas entre as Bíblias mas entre as Bíblias e os
textos originais.

Tenha em mente que este texto não tem como objetivo julgar se a Bíblia é um livro
sagrado ou uma arma de manipulação popular e sim estudar fatos que estejam
relacionados com ela.

Como já vimos, mesmo os textos em hebraico da Tanakh possuem algumas diferenças,


como no caso do pentateuco samaritano e outros que existiam. A que se devem estas
diferenças? Não há como dizer.

Um grande ressentimento moderno contra a Igreja Católica afirma que todos foram
causados como forma de garantir que a igreja tivesse poder e riquezas, e mesmo que
este seja o caso em alguns momentos, não existe como provar isso - não que houve ou
não manipulação, mas que ela foi realizada com este ou aquele objetivo específico.
Muitas pessoas dizem que a igreja adotou o celibato dos padres, por exemplo, como
forma de impedir que eles tivessem família e assim suas posses acumuladas em vida
retornassem à igreja. Mas será que isto é verdade? Se pensarmos que tanto o judaísmo
quanto o cristianismo sempre possuíram grupos ascetas, que renunciavam a existência
mundana em prol da vida espiritual, chegando a casos extremos como monges que se
flagelavam, castrações e outras, podemos ver que muitos dos primeiros cristãos eram
adeptos do celibato, assim como vários grupos dentro do judaísmo como os Essênios,
por exemplo, e que quando a igreja foi fundada e o cristianismo foi adotado como
religião oficial de Roma o celibato já era um costume que mesmo que não obrigatório,
era muito comum, não apenas para aqueles que pregavam o cristianismo mas também
para aqueles que o tinham como religião pessoal. Então mesmo que afirmemos que a
igreja tomou proveito disto não podemos afirmar com certeza que ela oficializou e
incentivou este hábito motivada simplesmente pela cobiça assim como não temos como
negar que este hábito também foi muito lucrativo para ela.

Assim, não vamos apontar dedos tentando imaginar que diferenças bíblicas foram
criadas por quem e por que motivos, mas vamos apontar algumas delas para mostrar que
mesmo que a Bíblia seja tomada como um livro absoluto, os textos impressos em suas
páginas não o são.

Vamos começar levantando algumas mudanças que já ocorreram nas origens de seus
textos.

Originalmente foram utilizados três idiomas diferentes na escrita dos diversos livros da
Bíblia: o hebraico, o grego e o aramaico. Em hebraico foi escrito todo o Antigo
Testamento, com excepção dos livros chamados deuterocanônicos e de alguns capítulos
do livro de Daniel, que foram redigidos em aramaico. Em grego, além dos já referidos
livros deuterocanônicos do Antigo Testamento, foram escritos praticamente todos os
livros do Novo Testamento. Segundo a tradição cristã, o Evangelho de Mateus teria sido
primeiramente escrito em hebraico, visto que a forma de escrever tinha como objetivo
alcançar os judeus.
O hebraico utilizado na Bíblia não é todo igual. Encontramos em alguns livros o
hebraico clássico (por ex. livros de Samuel e Reis), em outros um hebraico mais
rudimentar e em outros ainda, nomeadamente os últimos a serem escritos, um hebraico
elaborado, com termos novos e influência de outras línguas circunvizinhas. O grego do
Novo Testamento, apesar das diferenças de estilo entre os livros, corresponde ao
chamado grego koiné (isto é, o grego "comum" ou "vulgar", por oposição ao grego
clássico), o segundo idioma mais falado no Império Romano.

Precisamos então nos lembrar de que a Tanakh foi traduzida do hebraico (as diferentes
formas de hebraico que foram compiladas por séculos) para o grego na criação da
Septuaginta, termos primitivos, rebuscados, simples e de uso diário foram passados para
uma forma corrente de grego, um mesmo estilo de grego do princípio ao fim e então
essa versão assim como a hebraica foram traduzidas para o latim da Vetus Latina. Com
Jerônimo a Septuaginta é deixada de lado e ele pega todos os textos antigos - com suas
variantes linguísticas - e são novamentes traduzidos para um latim de um único estilo,
mas isso não fez com que as versões da Vetus Latina fossem recolhidas do mercado,
elas existiam de forma paralela e quando o cristianismo se espalha surgem novas
traduções para línguas locais, essas traduções não vinham de um único documento
oficial, mas dos textos que cada um tinha em mãos. Então enquanto uma versão
Romena pudesse vir do Latim de Jerônimo, uma versão alemã poderia vir do grego da
Septuaginta e um texto espanhol ter vindo de um dos muitos livros da Vetus.

Embora a mensagem geral destes textos fossem a mesma muitas coisas surgiam, eram
adaptadas ou simplesmente mudavam.

Vejam um exemplo: pegando-se o texto da Tanakh de Oséias que usamos na questão


quatro:

Oséias 8:12: "Se tivesse escrito a maioria de minha Torá, [Israel] seria contado igual a
estranhos"

Vamos comparar com uma tradução atual da versão Almeida da Bíblia Corrigida e
Revisada Fiel de 1994:

Oséias 8:12: "Escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como
coisa estranha"

Com a versão da Sociedade Bíblica Britânica:

Oséias 8:12: "Embora eu lhe escreva a minha lei em miríades de preceitos, estes são
tidos como coisa estranha"

Dentre as versões cristãs não existe muita diferença no significado, mas veja a diferença
entre a passagem judaica e a passagem cristã. Numa o recado é para o povo escolhido,
na outra o recado é para todos os não cristãos, independentes da origem do cristão em
questão. Não há porque segregar o conhecimento apenas aos judeus, mas ele deve ser
aberto aos que acreditam e aos que não acreditam.

Qual das duas versões você acha que deve ser mantida hoje? E quando for pensar nisso,
pense que esta é a Palavra de Deus, e por isso deveria ser passada adiante de forma mais
fiel o possível.

Outro caso que acontece não é apenas mudar o público alvo de determinada passagem,
mas de se criar novas figuras na história. Vamos prestar atenção em uma que talvez
tenha se tornado a mais célebre de todas: o diabo!

O Diabo se tornou, acidentalmente ou não, uma das figuras centrais da religião hoje em
dia, mas ele não esteve sempre presente na Bíblia.

Um dos nomes atribuídos ao diabo é Lúcifer, mas este nome não existe nos textos
originais. A primeira vez que este nome é citado é no livro de Isaías quando Deus
protege seu povo destruindo o orgulho de seu inimigo. Em Isaías 14:13 surge a frase:
"Como caíste do céu, ó Lúcifer, filho da alva!". No original a expressão utilizada não
era o nome Lúcifer e sim helel bem shahar, que significa aquele que brilha. Quando
traduziram esta passagem para o grego o termo foi traduzido por um que era conhecido
dos gregos: eosphorus; e então para o latim Lucifer. Agora Lucifer era a tradução literal
para "aquele que brilha" - lux, lucis = luz; ferre = carregar; Lucifer = o portador da luz.
Ao mesmo tempo este era o título dado ao planeta Vênus, a estrela da manhã, que
brilhava em pleno dia. Desta forma, apenas por causa de traduções o termo helel -
aquele que brilha - se torna eosphorus grego - o portador do archote - pois era o termo
mais próximo de aquele que brilha, e então para Lucifer em latim que era o termo mais
próximo nesta linguagem, só que lúcifer é o nome da estrela da manhã, Vênus, a estrela
da alvorada.

Entretanto o nome de "Estrela d'alva", ou Lúcifer, foi interpretado como sendo o nome
de Satanás antes de sua queda do Paraíso. Segundo esta interpretação Lúcifer e seus
anjos caíram por sua própria escolha, o motivo teria sido o orgulho, representado pela
tentativa de se equipararem a Deus. Desejavam colocar sua própria vontade no lugar da
vontade de Deus. E isto era considerado como a base do pecado em todos os níveis. Aos
poucos, estas idéias começaram a se transformar na base dos ensinamentos tradicionais
sobre o Diabo.

Mas se este trecho não fala do Diabo, fala do que? De acordo com os textos originais
podemos supor que trata-se de uma interpretação errônea do seguinte trecho de Isaías
que fala da "morte do rei da Babilônia" Nabucodonosor (Nebukadneççar em hebraico),
que recebeu a maldição suprema da privação da sepultura:

«Como caíste do céu,


ó estrela dálva, filho da aurora!
Como foste atirado à terra,
vencedor da nações!
E, no entanto, dizias no teu coração:
'Hei de subir até o céu,
acima das estrelas de Deus colocarei o meu trono,
estabelecer-me-ei na montanha da Assembléia,
nos confins do norte.
Subirei acima das nuvens, tornar-me-ei semelhante ao Altíssimo.'
E, contudo foste precipitado ao Xeol,
nas profundezas do abismo".
Os que te vêem fitam os olhos em ti,
e te observam com toda atenção, perguntando:
"Porventura é este o homem que fazia tremer a terra,
que abalava reinos?"»
(Isaías 14, 12-15)

Isaías compara a queda do rei Nabucodonosor à Lúcifer! A queda do rei seria


semelhante à queda da estrela da manhã - planeta Vênus no céu - ou seja, uma queda
muito rápida.

E assim o diabo ganha o nome de Estrela da Manhã e Lúcifer, o que é irônico se


pensarmos que este nome também é dado para Jesus no Apocalipse de São João 22:16: "
Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas a favor das igrejas. Eu sou a
raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã."

O mesmo podemos dizer sobre o nome Satã. Satã surge nos textos hebraicos originais
como um adjetivo e não como um nome. Satã significa Adversário, mas não
necessariamente o Adversário de Deus. Por exemplo a passagem 1Samuel 29:4, sobre o
que pedem os príncipes filisteus a Davi, surge em algumas versões da Bíblia como:
"Não se volte contra nós no combate", mas no texto hebraico original está "Não se torne
satã (inimigo) nosso no combate". Davi aplica o termo satã aos homens que se opõem à
vontade de Deus tentando o rei para que mate o benjaminita que o injuriou. Satã
significa a oposição humana a Deus.

Outro exemplo é o livro de Jó 1:6, que se refere a um dos filhos de Deus que se
apresenta diante do trono. O nome que lhe é dado é Satã. O nome comum representa o
cargo de acusar e também a adversidade, a inimizade, a oposição que é permitida ou
sancionada por Deus.

O próprio termo Diabo surge de uma tradução. O Livro da Sabedoria foi escrito em
grego e não temos como saber qual seria a palavra escolhida pelo autor se o tivesse
escrito em hebraico. O autor utiliza a palavra grega diábolos, termo usado na
Septuaginta como tradução da palavra hebraica Satã: "É por inveja do Diabo que a
morte entrou no mundo" (Sb 2,24).

Assim, no Antigo Testamento Satã não representa um ser que possamos considerar um
demônio no sentido cultural cristão de um ser sobre-humano e perverso. O nome Satã,
ou Satanás, no Antigo Testamento personifica a inimizade, dificuldade, contradição. A
palavra satã, na sua forma verbal, stn em hebraico, aparece seis vezes no Antigo
Testamento (Zc 3,1; Sl 38,21; Sl 71,13; Sl 109,4; Sl 120,29). Poderia ser traduzida por
"satanizar". A Septuaginta geralmente traduz o verbo stn por endiabállo, em grego;
caluniar nas línguas vernáculas (e o substantivo satã, a Septuaginta geralmente o traduz
por diábolos, que significa caluniador). A Bíblia de Jerusalém geralmente traduz por
acusar.

E por causa dessas traduções se cria uma figura Mitológica do demônio.

Hoje é praticamente impossível se separar o Maligno do cristianismo, os protestantes


são a prova viva disso. E agora essas traduções ajudam a incorporar novas culturas e
hoje não apenas demônios, mas também encostos atormentam aqueles que escolhem
trilhar o caminho apontado por Cristo.
Para não nos estendermos muito mais neste assunto vamos dar mais dois exemplos
rápidos de como uma tradução pode mudar um texto original, seja de maneira sutil e
inofensiva ou de uma forma mais agressiva.

Em Mateus 3:4 lemos que Jesus afirmou que: "E, outra vez vos digo que é mais fácil
passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus."

Apenas neste trecho encontramos dois problemas com tradutores do grego para outras
línguas.

Apesar de ser uma mensagem clara de que a humildade, e não a cobiça, é o caminho
que leva a Deus esta passagem ficou muito exagerada.

Por um lado temos a palavra camelo. Além do animal existia outro camelo que os
gregos conheciam, que era uma corda muito grossa utilizada por pescadores. Assim
poderíamos entender que é mais fácil se passar uma corda grossa por um buraco de
agulha do que um rico entrar nos céus. Apesar de ser uma idéia que de cara exclui
automaticamente os ricos, sejam quem forem ou seja lá qual foi o método de se
conseguir suas riquezas entrar no céu, fica uma metáfora menos exagerada. Agora
temos que ter em mente que muitos patriarcas tiveram muitos bens, assim como reis e
juízes, e eles com certeza devem ter entrado no céu, um exemplo é Abrahão. Mesmo das
pessoas que conviviam com Cristo haviam aquelas ricas, o próprio José de Arimatéia,
que cedeu a tumba onde Cristo ressuscitou, era rico; apenas se imaginarmos que mesmo
tendo vivido com Cristo, respeitado tanto o Homem quanto sua mensagem, ele tenha
sido deixado de fora do reino dos céus, temos que concluir que essa passagem é muito
extrema. Jesus estaria dizendo que a riqueza é um grande mal, não importa de onde ela
veio?

Podemos responder isso com o segundo problema de tradução, a palavra agulha. A


agulha além do utensilho de costura é o nome dado às pequenas portas das cidades
fortificadas para passagem dos animais das caravanas, utilizadas à noite depois que é
dado o toque de recolher. Eram também utilizadas nos tempos de guerra, através das
quais podia-se fazer o transporte de armas e comida. Essas agulhas são muito presentes
ainda hoje nas muralhas da cidade antiga de Jerusalém.

Camelos com carga eram proibidos de passar por essas portinholas para evitar o
comercio e o barulho durante o sono dos cidadãos. Além disso existe outro costume
interessante, pelas portas principais das cidades eram comum que se passassem em sua
maioria os mais bem quistos, ilustres e visitantes nobres. Pela agulha passavam os
trabalhadores, o proletariado e os mercadores. Era como o elevador social e o elevador
de serviço nos prédios hoje em dia. Além disso, mesmo durante o dia era realmente
difícil se passar um camelo por elas. Era necessário bater no camelo e fazê-lo abaixar e
na maioria dos casos, tirar a carga dele para passá-lo. Os camelos de grande porte,
raramente passavam. Mas mesmo assim alguns passavam.

Desta forma temos dois fatores culturais, a corda dos pescadores - camelo - e as
portinholas nos muros - agulhas - que deveriam ser levadas em conta no momento de se
traduzir um texto como este.
A idéia de um animal passando por um buraco de agulha nos mostra que Jesus disse que
ninguém rico entraria no reinos dos Céus. Isso poderia ser usado para mostrar que uma
pessoa que aceite Deus deve se livrar de seus bens materiais. Já uma tradução que
levasse em conta os costumes gregos e judaicos poderia levar em conta que a riqueza
não é o que impede alguém de entrar no reino dos céus, mas aquilo que foi o motivo da
riqueza - o trabalho ou a cobiça?

Por si só, a tradução deste trecho tem uma interpretação que muda de forma sutil um
conceito que pode, por um efeito de bola de neve mudar a mensagem original.

Outro caso interessante de tradução é a famosa passagem da crucificação em que Jesus


pergunta a Deus porque foi abandonado.

Em Mateus 27:45 e em Marcos 15:34 está registrado que depois de crucificado, Jesus,
quando se aproximava a nona hora bradou/exclamou em voz alta: "Meu Deus, meu
Deus, por que me abandonaste?"

Esta é uma exclamação curiosa que confunde várias pessoas. Como Jesus na cruz
poderia ter sido abandonado por Deus.

Algumas pessoas dizem que neste momento Cristo não estava perguntando a Deus
porque havia sido abandonado e sim estava recitando os salmos, já que o Salmo 22:1 -
Salmo de Davi para o músico-mor, sobre Aijelete Hashahar - se inicia com a frase:
"Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?"

Este é um caso interessante da Bíblia, já que o Novo Testamento foi escrito quase todo
em grego, mas contém palavras e frases que foram transliteradas do hebraico
diretamente para o grego. Então a palavra ‫יקתנב ש‬é transliterada para σαβαχθανι. Assim
em Mateus temos: "Eli! Eli! lamma sabachthani" e em Marcos: "Eloi! Eloi! lamma
sabachthani”. Em ambos os casos a palavra sabachthani tem o significado de
abandonastes.

Agora eis o caso que surge quando olhamos para algumas outras bíblias, como a versão
espanhola de Casiodoro de Reina, de 1569 impressa na América onde a palavra que
Jesus usa é sabachtani e não sabachthani. Antes de prosseguir vamos nos lembrar do
Texto Massorético e sua importância.

O alfabeto hebraico não possiu vogais. Por isso a letra Beth pode ter as cinco
pronúncias Ba, Be, Bi, Bo e Bu dependendo da palavra em que encontra. É como se em
português a palavra "Belo" fosse escrita Bl, apenas o B e o L. Se a pessoa está
escrevendo sobre uma pessoa e lemos que a achavam Bl podemos deduzir que ela era
considerada bela, mas e se pegamos apenas Bl e deixamos escrita no meio de uma folha
de papel? Está escrito ali Belo, Bela, Bala, Balé, Bolo, Bula, etc? Não temos como saber.
Por isso foram criados os sinais massoréricos, eram sinais utilizados pelos massoretas
para saber se a letra B tinha som de Ba ou de Be. Os sinais massoréticos são uma série
de pontos e traços que podem estar embaixo, no meio ou em cima de cada letra e o
objetivo era registrar uma palavra da forma que havia sido pronunciada. Só ai temos um
problema novamente, isso faz com que tradições antigas dependam da tradição oral.

Imagine agora a seguinte cena, um patriarca recebe de Deus a mensagem de que


devemos nos amar uns aos outros. Essa tradição vai sendo transmitida oralmente, até o
momento em que a colocam no papel, usando um alfabeto onde não existem diferenças
claras entre a pronúncia das palavras. Agora imagine que dois judeus, um que conhece a
tradição e outro que não conhece recebam a tarefa de pintar nos muros a mensagem de
Deus, e dão para cada um uma parte da cidade para que espalhem o recado.

Um deles pega seu balde e tinta e sai escrevendo nos muros: Deus mandou que nos
amássemos uns aos outros. O outro escreve nos muros: Deus mandou que nos
amassemos uns aos outros. Você percebe a diferença que as duas mensagens possuem?
De um lado da cidade as pessoas declarariam o amor, do outro sairiam se amassando.

E ai voltamos ao trecho da crucificação. Jesus dá o seu brado, estava cercado por Judeus,
eles levam o recado adiante e o transmitem. Apesar dos evangelhos terem sido escritos
originalmente em grego os termos eram judeus, tanto que as palavras de Cristo vem
escritas no original e então lhe oferecem a tradução. Acontece que os manuscritos
gregos trazem a transcrição: "Li’Li LMH ShBHhTh-NI", ou seja “sabachthani”, que
tem como tradução "glorificas", e não "abandonastes". E assim por um erro mínimo, a
compreensão da pronuncia de uma palavra ao invés do brado "Deus! Deus! O quanto
me glorificas!" temos "Deus! Deus! Por que me abandonastes?".

Pensando nos dois brados, qual parece o mais lógico por ter sido dado por Jesus, que
sabia que seria crucificado, que sabia que Judas o delataria, que pediu para Judas na
última ceia para ir fazer o que devia, que quando surgiram os soldados romanos
procurando por Cristo se adiantou a todos e disse "Sou eu!" mesmo antes de ter sido
apontado por Judas, que quando teve várias chances de evitar seu destino na frente de
cada juiz e governante romano que o interrogou permaneceu calado? Bem a realidade
nem sempre segue o que julgamos ser lógico, mas temos ai outro exemplo de como uma
simples tradução pode influenciar um texto que deveria ser um registro exato criando
sentidos tão diferentes para uma mesma passagem.

Assim cada nova versão que surgia e era usada como base para novas cópias, sejam
manuais ou impressas geravam bíblias com textos trazendo algumas diferenças, em uma
Jesus se lamenta em outra exalta Deus. E muitas dessas diferenças estão presentes até
hoje.

21 - Mas não existe hoje uma Bíblia que seja aceita como a mais fiel aos textos
originais, tipo uma Bíblia aceita por todos como a mais correta?

Não, a palavra de Deus recebeu várias versões durante a sua publicação e não apenas
isso, diferentes grupos cristãos tem diferentes Bíblias oficiais.

Para se ter uma idéia a igreja primitiva, formada pelos primeiros seguidores da
mensagem de Cristo começou a apresentar mudanças na crença original desde o século
V. Nos dias de hoje existem dezenas, se não centenas, de variações do cristianismo e
cada um com diferenças fundamentais entre si.

Vamos olhar uma breve linha do tempo da igreja para entender um pouco essas
variantes.

Com o Concílio de Efeso em 431 uma vertente se solidifica, os Noestorianos, que entre
outras coisas acreditavam que Cristo era formado por duas pessoas distintas, uma
humana e outra divina, dois entes completos e independentes. Essa doutrina surgiu na
Antióquia e influenciou a Síria, ela foi proposta pelo monge Nestório por causa das
disputas cristológicas que surgiram nos séculos III, IV e V. No Concílio de Éfeso criou-
se uma disputa centrada fundamentalmente em torno do título com o qual se devia
referir a Maria, se somente cristotokos (mãe de Cristo, a dizer, de Jesus humano e
mortal), como defendiam os nestorianos, ou de theotokos (mãe de Deus, ou seja,
também do Logos divino), como defendiam os partidários de Cirilo. Resolveu-se adotar
como verdade de fé a doutrina proposta por Cirilo, concedendo a Maria o título de Mãe
de Deus e os nestorianos foram considerados hereges.

Até hoje é possível encontrar nestorianos, que se propagaram pela Ásia Central,
chegando até a China e que durante algum tempo influenciaram os mongóis.
Atualmente subsistem as igrejas nestorianas (conhecidas, de uma forma geral, como
Igreja Assíria do Oriente) na Índia e no Iraque, Irã, China e nos Estados Unidos, além
de alguns outros lugares onde haja migrado comunidades cristãs dos países citados. A
Igreja Assíria do Oriente teve um papel fundamental na conservação de antigos textos
gregos que foram traduzidos para o siríaco (um ramo do arameu). Mais tarde foram
traduzidos para o árabe e no século XIII para o latim. Além da Igreja Assíria do Oriente,
existem atualmente várias denominações cristãs que são também fortemente
influenciadas pelo nestorianismo. Exemplos destas denominações, que foram fundadas
muito após a igreja Assíria, são os anabatistas, os cristadelfianos e os rosacrucianos.

Em 451 com o Concílio de Calcedônia surgiram as igrejas não-calcedonianas - também


conhecidas como antigas igrejas orientais. Elas surgiram por se recusarar a aceitar a
doutrina das "duas naturezas de Cristo" (ou união hipostática), decretada pelo Concílio
de Calcedônia e aceitada pelos católicos e ortodoxos. São acusadas de serem monofisita
apesar de se recusarem a aceitar esta classificação se descrevendo como miafisitas. Isto
porque as Igrejas não-calcedonianas também acham que o monofisismo é herético.

Para equilibrar as doutrinas antitéticas do monofisismo e da união hipostática (ambas


também não aceitas pelos ortodoxos orientais), estas Igrejas defendem que em Jesus há
a parte humana e a parte divina, mas que estas duas partes se unem para formar uma
única e unificada Natureza de Cristo. Eles acreditam que uma união completa e natural
das Naturezas Divina e Humana em uma só Natureza é autoevidente, de maneira a
alcançar a salvação divina da humanidade, em oposição à crença na união hipostática
(onde as Naturezas Humana e Divina não estão misturadas, porém também não estão
separadas) promovida pelas atuais Igrejas Católica e Ortodoxa, esta crença defendida
pelos não-calcedonianos chama-se miafisismo.

Atualmente, existem cerca de 79 milhões de ortodoxos não-calcedonianos que são


organizados em seis Igrejas nacionais autocéfalas e em várias Igrejas autônomas
associadas às Igrejas autocéfalas:

- Igreja Apostólica Armênia;


- Igreja Ortodoxa Síria;
- Igreja Ortodoxa Copta ou Alexandrina (egípcia ou etíope);
- Igreja Ortodoxa Etíope;
- Igreja Ortodoxa Indiana;
- Igreja Ortodoxa Eritréia
Apesar de serem autocéfalas, isto é, independentes umas das outras, estas Igrejas estão
ainda em comunhão total entre si, partilhando as mesmas crenças e doutrinas cristãs.

No século XI acontece aquilo que ficou conhecido como o Grande Cisma do Oriente,
que causou a separação entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Católica Ortodoxa.

As tensões entre as duas igrejas datam no mínimo da divisão do Império Romano em


oriental e ocidental e a transferência da capital da cidade de Roma para Constantinopla
no século IV.

Uma diferença crescente de pontos de vista entre as duas igrejas foi causada pela
ocupação do oeste pelos invasores bárbaros, enquanto o leste permaneceu herdeiro do
mundo clássico. Enquanto a cultura ocidental se foi paulatinamente transformada pela
influência de povos como os germanos, o Oriente permaneceu ligado à tradição da
cristandade helenística. Era a chamada Igreja de tradição e rito grego. Isto foi
exacerbado quando os papas passaram a apoiar o Sacro Império Romano no oeste, em
detrimento do Império Bizantino no leste, especialmente no tempo de Carlos Magno.
Havia também disputas doutrinárias e acordos sobre a natureza da autoridade papal.

A igreja de Constantinopla respeitou a posição de Roma como a capital original do


império, além disso existia a oposição do Ocidente em relação ao cesaropapismo
bizantino, isto é, a subordinação da igreja oriental a um chefe secular, como acontecia
na igreja de Bizâncio.

Uma ruptura grave ocorreu de 456 a 867, tocada pelo patriarca Fócio que sabia que
contribuía para aumentar o distanciamento entre gregos e latinos e usou a questão do
filioque - uma expressão latina que significa "e do Filho", que foi acrescentada pela
igreja Católica Romana ao credo para explicitar que o Espírito Santo procede do Pai e
do Filho enquanto a Igreja Ortodoxa entende que o Espírito Santo procedeu apenas do
Pai - como ponto de discórdia, condenando a sua inclusão no Credo da Cristandade
ocidental e lançou contra ela a acusação de heresia. Além disso ela desconsidera a
liderança papal.

Aqui vai uma lista das jurisdições que formam a igreja Ortodoxa:

- Patriarcado de Constantinopla
- Patriarcado de Alexandria
- Patriarcado de Antioquia
- Patriarcado de Jerusalém
- Patriarcado de Moscou
- Patriarcado da Geórgia
- Patriarcado da Sérvia
- Patriarcado da Roménia
- Patriarcado da Bulgária
- Igreja Ortodoxa de Chipre
- Igreja Ortodoxa Grega
- Igreja da Albânia
- Igreja da Sérvia
- Igreja Ortodoxa da Polónia
- Igreja das terras Checo-eslovacas
- Igreja Ortodoxa na América
- Igreja do Sinai
- Igreja da Finlândia
- Igreja da Ucrânia
- Igreja do Japão
- Igreja da China
- Igreja de Portugal

Já no século XVI acontece a Reforma Protestante, um movimento reformista cristão


iniciado no século XVI por Martinho Lutero, que, através da publicação de suas 95
teses, protestou contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica, propondo uma
reforma no catolicismo. Os princípios fundamentais da Reforma Protestante são
conhecidos como os Cinco Solas:

1 - Sola fide: conhecida como Doutrina da justificação pela Fé, que afirma que é
exclusivamente baseado na Graça de Deus, através somente da fé daquele que crê, por
causa da obra redentora do Senhor Jesus Cristo, que são perdoadas as transgressões da
Lei de Deus.

2 - Sola scriptura: significa "somente a escritura", é o principio no qual a Bíblia tem


primazia ante a Tradição legada pelo magistério quando os princípios doutrinários entre
estas e aquelas forem conflitantes. Na Reforma, não se rejeita a Tradição, ela continua a
ser usada como legitimadora para qualquer assunto omitido pela Bíblia.

3 - Solus Christus: a "salvação somente por Cristo". Os protestantes caracterizavam os


dogmas relativos ao Papa como representante de Cristo e chefe da Igreja sobre a terra, o
conceito de mérito por obras e a idéia católica de um tesouro vindouro por causa das
boas obras, como uma negação de que Cristo é o único mediador entre Deus e os
homens.

4 - Sola gratia: "Somente a Graça". A doutrina da salvação da Igreja Católica Romana


seria uma mistura de confiança na graça de Deus e confiança no mérito de suas próprias
obras, já a posição reformada é a de que a salvação é inteiramente condicionada a ação
da graça de Deus, ou seja, só a graça através da regeneração unicamente promovida pelo
Espírito Santo, em conjuto com a obra redentora de Jesus Cristo.

5 - Soli Deo gloria: "Glória somente a Deus", é o princípio segundo o qual toda a glória
é devida a Deus por si só, uma vez que salvação é efetuada exclusivamente através de
sua vontade e ação. Não só o dom da expiação de Jesus na cruz, mas também o dom da
fé, criada no coração do crente pelo Espírito Santo. Os reformadores acreditavam que os
seres humanos - mesmo santos canonizados pela Igreja Católica Romana, os papas, e as
autoridades eclesiástica - não eram dignos da glória que lhes foi atribuída.

Lutero foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus provocando uma
revolução religiosa, iniciada na Alemanha, e estendendo-se pela Suíça, França, Países
Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste europeu, principalmente
os Países Bálticos e a Hungria. A resposta da Igreja Católica Romana foi o movimento
conhecido como Contra-Reforma ou Reforma Católica, iniciada no Concílio de Trento.
O resultado da Reforma Protestante foi a divisão da chamada Igreja do Ocidente entre
os católicos romanos e os reformados ou protestantes, originando o Protestantismo.

Foi por causa da reforma que surgiram outros grupos como:

- Os Anabatistas
- Pentecostais
- Adventistas
- Batistas
- Calvinistas
- Presbiterianos
- Congregacionalistas
- Puritanos Separatistas
- Metodistas
- Luteranos
- Pietistas
- Anglicanos

E cada uma com uma visão próprio da Mensagem de Deus e a meneira de utilizá-la. Por
exemplo para os católicos a Bíblia é a fonte de fé, mas devia ser interpretada pelos
padres da Igreja, a tradição Católica também é uma fonte de fé, assim como o
Magistério da Igreja. Para os Calvinistas a Bíblia é a única fonte de fé e deve ser
examinada por qualquer um livremente. Já para os Anglicanos a Bíblia é a fonte
principal de fé mas deve ser interpretada pela Igreja (tradição) e então ela pode ser
examinada livremente.

Além desses grupos principais cristãos durante a história surgiram outros grupos
cristãos também:

Os Restauracionistas: que usam doutrinas surgidas após a Reforma Protestante cujas


bases derrogam as de todas as outras tradições cristãs, basicamente tendo como ponto
em comum apenas a crença em Jesus Cristo. A maioria deles não se considera
propriamente "protestante" ou "evangélico" por possuirem grandes divergências
teológicas. Nesta categoria estão enquadradas a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias, a Igreja Adventista do Sétimo Dia e as Testemunhas de Jeová, entre
outras denominações. Quanto às Testemunhas de Jeová, embora afirmem ser cristãs,
também não se consideram parte do protestantismo. As Testemunhas aceitam a Jesus
como criatura, de natureza divina, seu líder e resgatador, rejeitando, no entanto a crença
na Trindade e ensinando que Cristo é o filho do único Deus, Jeová, não crendo que
Jesus é Deus.

O Cristianismo esotérico: que é a parte mística do cristianismo, e compreende as escolas


cristãs de mistérios e sincretismo religioso. A este ramo pertence o Gnosticismo que é
uma crença com raízes anteriores ao próprio cristianismo e que tem características da
ciência egípcia e da filosofia grega. O Rosacrucianismo também se enquadra nessa
vertente sendo uma ciência oculta cristã que ressalta as boas ações por meio da
fraternidade.

O Espiritismo: que algumas vezes é contestado como sendo uma vertente do


cristianismo. Os espíritas não acreditam que uma pessoa ou ser, como Jesus Cristo,
pode redimir "os pecados" de uma outra, contudo para a maior parte dos adeptos do
espiritismo a obra de Allan Kardec constitui uma nova forma de cristianismo, ou então
um resgate do cristianismo primitivo, que não inclui os dogmas adicionados pela Igreja
Católica em seus diversos Concílios. Inclusive, um dos seus livros fundantes é
denominado de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Esse livro apresenta uma
reinterpretação de aspectos da filosofia e moral cristã, crendo em parte na Bíblia
Sagrada.

O Rastafarianismo: também conhecido como movimento rastafári ou Rastafar-I


(rastafarai) é um movimento religioso que surgiu na Jamaica entre a classe trabalhadora
e camponeses negros em meados dos anos 20, iniciado por uma interpretação da
profecia bíblica.

Como vimos cada um desses grupos, apesar de terem crenças cristãs em comum,
possuem muitas divergências em crenças fundamentais, como a natureza de Cristo, o
poder dado por Cristo a seus apóstolos, a fundação de uma igreja, etc... e isso acaba
afetando a maneira como interpretam a Bíblia, os livros da Bíblia que são aceitos como
realmente inspirados por Deus e a maneira como passam a Bíblia adiante.

E isso chega a afetar inclusive os textos de livros da Bíblia que são aceitos por todos.
Para se ter idéia, alguns grupos acreditam que a Bíblia deveria ser não apenas passada a
diante, mas ser atualizada com termos novos e atuais, um bom exemplo disso é a Bíblia
Viva, editada no Brasil pela Editora Mundo Cristão. Ela foi considerada uma das
traduções mais bem sucedidas do século XX pela revista Christianity Today. Kenneth N.
Taylor ao invés de traduzir palavra por palavra resolveu traduzir "conceito por conceito".
Para ele não fazia sentido um texto como: "A criança de peito brincará sobre a toca da
áspide e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco" e assim temos o trecho
nesta Bíblia hoje como: "Criancinhas brincarão perto de cobras e não serão picadas,
mesmo que enfiem a mão nas suas covas".

Assim, mesmo a Vulgata de Jerônimo, que já buscava unificar os textos sagrados, acaba
sendo traduzida e adaptada para termos correntes e locais, assim em 500 d.C. já haviam
mais de 500 traduções diferentes. E lembre-se ainda das versões da Vetus Latina e da
Septuaginta que surgiam e eram usadas.

Assim cada grupo novo que surgia não apenas encorajava mudanças nos textos aceitos -
os católicos tem em sua versão da Bíblia os Deuterocanônicos, os protestantes não, os
gnósticos usam os textos apócrifos, alguns grupos, mesmo Cristãos, rejeitam o Novo
Testamento, outros rejeitam o antigo Testamento já que Cristo veio trazer uma nova
aliança e a antiga não era mais necessária.

Para se ter uma idéia do quanto essas traduções afetaram a Bíblia, Thomas Linacre
depois de ler os evangelhos em grego e os comparar com a versão da Vulgata em 1490,
disse: “Ou isto (o texto grego original) não é o Evangelho... ou nós não somos cristãos”.
Mostrando a corrupção das traduções para o Latim. De novo, isso não se devia
exatamente a um plano da igreja de manipular a Bíblia, mas à maneira com que a Bíblia
atravessava as eras. Quando os antigos copistas reproduziam os livros, reescreveendo-os
integralmente à mão eles deixavam notas de rodapé sempre que percebiam que haviam
cometido algum erro, principalmente no caso de terem omitido uma palavra ou mesmo
uma linha do texto original. Quando escribas de um período posterior começavam a
copiar essas cópias muitas vezes deixavam essas notas de rodapé de lado, não corrigiam
o texto do livro (seria um pecado enorme um mero copista incluir em uma reprodução
algum texto que não estivesse no original) e também deixavam de lado as notas que
apontavam os erros que eram percebidos durante o processo de reprodução.

A primeira versão em inglês da Bíblia foi feita por John Wycliffe em 1380, ele era um
professor de Oxford, um estudioso e teólogo. Wycliffe era conhecido também por se
opor aos ensinamentos da igreja, os quais ele acreditava serem exatamente o oposto
daqueles pregados pela Bíblia. Com a ajuda de seus seguidores, chamados de Lollardes,
e de seu assitente Purvey, associados a inúmeros copistas ele conseguiu produzir dúzias
do manuscrito em inglês. Eles foram traduzidos direto das Vulgatas em latim, que eram
as únicas fontes da Bíblia disponíveis na época. O Papa ficou tão furioso com essa
ousadia que 44 anos após a morte de Wycliffe mandou desenterrar seus ossos, esmagá-
los, então moê-los para atirar o que restasse deles no rio.

Ainda no século XV surge uma versão Hussita da Bíblia e em 1478 uma versão em
catalã escrita com o dialeto de Valência. Todas elas versões proibidas pela igreja
católica.

Em 1496 John Colet decide traduzir partes do Novo Testamento do Grego para o inglês
para repassá-las a seus alunos e mais tarde para os freqüentadores da Catedral de São
Paulo em Londres. Nesta época as pessoas tinham tamanha ânsia em ouvir a Palavra do
Senhor em sua língua nativa – já que eram muito poucos os que entendiam Latim – que
em seis meses o público que entrava na Igreja para ouvir a missa ultrapassava as 20.000
pessoas e um número igual se acotovelava do lado de fora tentando entrar, comparando
com os dias de hoje apenas 200 pessoas costumam estar na igreja presente para o culto e
a grande maioria é composta por turistas.

Em 1516 a Froben Press publicou uma versão em grego do Novo Testamento editado
por Desiderius Erasmus, que reconstruiu o texto grego recombinando vários
manuscritos bizantinos com traduções do texto da Vulgata, do latim para o grego
novamente, quando os textos que tinha em mãos não estavam completos. Essa sua
versão da Bíblia possuiu 4 edições posteriores. A publicação de Erasmus foi a primeira
versão das escrituras que não derivava da Vulgata que surgia em mil anos e a primeira
tradução dos originais a ser impressa. Além disso o alerta dado por sua versão do Novo
Testamento era o de o quanto a Vulgata havia se afastado dos textos originais e daí a
importância de uma versão da Bíblia que fosse traduzida do hebraico original e do grego
original.

Em 1530 surge a primeira versão francesa, traduzida por Lefèvre d´Étaples e publicada
na Antuérpia. Em 1531 aparece a Bíblia Froschauer, conhecida também como a Bíblia
de Zurique, traduzida por Huldrych Zwingli, contendo mais de 200 ilustrações (as
traduções de porções de textos Bíblicos traduzidos para o alemão mais antigas
existentes hoje datam dos anos 311 a 380, e foram feitas direto do grego).

Com a reforma protestante começaram a surgir as principais diferenças de tradução e de


apresentação da Bíblia. Lutero e companhia já defendiam a livre consulta há pelo menos
60 anos. Mas vale uma ressalva aqui. Inicialmente a proposta não era que qualquer
pessoa pegasse o livro e fundasse sua própria igreja, mas sim tirar o poder da
interpretação como sendo uma exclusividade do sacerdócio católico e passá-la também
ao clero alemão. A idéia era que a Bíblia poderia ser compreendida por qualquer pessoa
com estudo e não apenas pelos membros do clero romano. Seis décadas foram mais do
que o suficiente para o primado de Pedro se organizar na chamada Contra Reforma.

O jogo de poder agora estava entre o Papa e as monarquias nacionais. Cada país possuía
seu próprio intelectual protestante que fazia a parte de autoridade erudita enquanto os
seus respectivos reis acumulavam o poder político. A sociedade passou por grandes
mudanças e o mesmo aconteceu com nosso livro sagrado. Em 1560 muitos destes
líderes protestantes estavam refugiados na Suíça se escondendo dos olhares severos dos
inquisidores. Juntos, criaram a primeira "Bíblia de Estudos" que serviria de modelo para
quase todas as bíblias impressas posteriormente.

Bíblia de Genebra foi a primeira edição onde a hoje consagrada divisão em versículos
foi usada. Foi um salto de gigante na evolução pedagógica da Bíblia pois permitiu uma
notação de referências precisas de onde encontrar esta ou aquela passagem. A partir dai
o sermão da montanha não estaria "em algum lugar do livro de Matheus" mas sim
precisamente em Mt 5:1 ~ 7:29. Além disso a Bíblia de Genebra trouxe outras
inovações importantes como suas incontáveis notas de rodapé contendo a visão
protestante dos textos antigos e a primeira lista de referências cruzadas de que se tem
notícia. Com estas ferramenta novas relações puderam ser feitas entre os vários livros já
pertencentes ao Canon, e isso fortaleceu o protestantismo como movimento social. O
resultado disso foram Bíblias onde a tradução fidedigna deu lugar a uma cristalização
do cristianismo dominante de hoje. Diversas palavras que sequer poderiam ter sido
usadas na época em que os livros foram escritos foram adicionadas ao livro sagrado:
homossexualismo, espiritismo e médiuns são alguns dos exemplos.

Este novo movimento de reformulações da Bíblia, não apenas traduzindo-as para as


línguas nativas dos diferentes países, mas também de buscar traduções mais coerentes e
fiéis aos textos originais deu origem a inúmeras novos livros. Uma versão polonesa
conhecida como Bíblia Brzeska é publicada em 1563.

Após a Bíblia de Genebra houve a necessidade de uma nova versão da Bíblia, que não
atacasse de maneira tão veemente a igreja enquanto instituição e assim publicaram a
Bíblia dos Bispos (Bishop's Bible), que apesar de ter tido alguma aceitação, nunca foi
páreo para a Bíblia de Geneva em termos de aceitação popular.

Em 1584 tanto o Novo quanto o Antigo Testamento foram traduzidos para o Esloveno
pelo teólogo protestante Jurij Dalmatin, tornando os Eslovenos a décima segunda nação
a ter uma Bíblia completa em sua própria língua.

Com essas versões em inglês da Bíblia, a própria Igreja Católica desistiu, em 1582, da
regra de só haverem Bíblias em latim e assim deram início à preparação de uma versão
oficial da Bíblia aprovada pela igreja católica em Inglês – a primeira tradução oficial
das Escrituras Sagradas, um projeto compatível com a criação da Vulgata por Jerônimo
mais de mil anos antes. Assim, tendo como base o texto corrupto em latim, eles criaram
a versão que ficou conhecida como O Novo Testamento de Rhemes. Seguido pela
Publicação do Antigo Testamento de Douay. A Bíblia resultante ficou conhecida como
a versão Doway/Rhemes.

Em 1589 o Dr. William Fulke, de Cambridge, publicou o livro conhecido como a


Refutação de Fulke, no qual colocava em colunas paralelas passagens da Bíblia dos
Bispos e da Versão Rhemes, para mostrar como a Bíblia Católica continha textos cujas
traduções estavam erradas, baseadas num latim que por si só já continha muitos erros.

Neste período morre a Rainha Elizabeth da Inglaterra e James I ocupa seu lugar no
trono. O clero protestante então declara ao rei o seu desejo de uma nova tradução da
Bíblia para substituir a Bíblia dos Bispos, impressa em 1568. Eles sabiam que a Bíblia
de Geneva havia consquistado o povo inglês, mas queriam uma versão da Bíblia que
fosse tão bem construida, com o mesmo cuidado e esmero, mas sem as notas de rodapé
controversas - como as que afirmavam que o papa era o anticristo e outras semelhantes -
ou seja, queriam uma bíblia para o povo com referências para as escrituras mas apenas
com significados de palavras e um guia de referências cruzadas, nada que atacasse a
igreja e seus membros.

Assim surge a Bíblia do Rei James, impressa pela primeira vez em 1611, que ficou
conhecida como "a tradução para acabar com todas as traduções". A Bíblia do Rei
James levou mais de duas décadas para se tornar mais popular do que a versão da Bíblia
de Genebra e isso se tornou algo que pode ser visto como uma das grandes ironias da
história, já que muitas igrejas protestantes de hoje fazem uso da Bíblia do Rei James
afirmando que ela é a única tradução dos textos sagrados para inglês considerada
legítima, mas ela nem é uma tradução protestante! Ela foi impressa para competir com a
Bíblia protestante, a Bíblia de Geneva, e foi encomendada e desenvolvida por
autoridades que não gostavam dos Protestantes, que os perseguiam e matavam-nos, a
Igreja Anglicana.

E a partir do século XVII os jesuítas se tornam responsáveis pela tradução da Palavra


em inúmeras línguas do Novo Mundo.

Agora voltando os olhos para nossa língua, os primeiros registros de trechos da Bíblia
para o portugês remontam ao final do século XIII, um trabalho creditado a Dom Dinis.
Mas o principal responsável pela tradução de toda a Bíblia para o português foi João
Ferreira de Almeida que iniciou o trabalho em 1644, quando contava com 16 anos, e
prosseguiu até sua morte, em 1691, tendo traduzido todo o Novo Testamento e grande
parte do Antigo Testamento, as partes que faltaram foram posteriormente traduzidas
pelo pastor presbiteriano Jacob Akker, tendo sido publicada pela primeira vez em 1753
depois de alguns tropeços. Já no ano 2000 a Sociedade Bíblica Internacional editou O
Livro, uma tradução dos dialetos europeus e foi concluída a Nova Versão Internacional.

Estes três trabalhos de tradução para o português ilustram bem como a revisão e
constante tradução, mesmo que de uma fonte original podem criar diferenças básicas
num texto, vejamos o exemplo do trecho João 3:16:

Tradução João Ferreira de Almeida


Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.

Tradução O Livro
Deus amou tanto o mundo que deu o seu único Filho para que todo aquele que nele crê
não se perca espiritualmente, mas tenha a vida eterna.
Tradução NVI
Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que
nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.

Vale notar que tanto a tradução d’O Livro e da NVI foram realizadas pela mesma
editora, a International Bible Society.

Outro exemplo é a versão da Bíblia das Testemunhas de Jeová, onde quase todas as
palavras que se referem a Deus como Senhor, Deus, Criador, Pai, etc, foram
substituídas pelo nome Jeová, foram mais de 7000 alterações no texto. A idéia é mostrar
que se existem 7000 menções ao nome Jeová este é realmente o nome de Deus. O
problema é que nos textos originais da Bíblia esse nome não aparece uma única vez, ele
seria uma adaptação da palavra JHVH que surge na Tanakh, essa mesma palavra que
quando provida de vogais também orgina outros nomes como Javé, Iavé, etc. Nem é
preciso dizer que essa mudança é considerada por muitos como uma mutilação da
Palavra de Deus, mas para os Testemunhas essa mudança é o texto correto e o aceito.

Assim podemos ver que de fato não existe uma versão aceita universal, uma tradução
"correta" ou um concenso geral. Em determinadas épocas surgiam aqueles que pegavam
para si o trabalho de traduzir, adaptar ou reorganizar os textos, e muitos desses trabalhos
eram clandestinos e depois aceitos pelo público geral, por esse motivo acabaram se
criando versões muito sólidas e muito difundidas, mas diferentes entre si.

22 - Mas então a Palavra de Deus é um samba do crioulo doido! Não é mais simples
voltarem aos textos mais antigos e originais e tentarem chegar a um concenso, para
que a Palavra seja universal e haja uma única Bíblia como os judeus e os cristãos
originais queriam?

Veja, ai esbarramos no problema da Fé e da Crença. É indiscutível que todas essas


pessoas citadas acima acreditavam e acreditam em Deus. Desde Judeus até Rastafaris,
passando por Mórmons, Espíritas e muitos outros. E por mais cínicos que tentemos ser
não podemos afirmar que todos os que se envolvem com a Bíblia apenas querem
enriquecer e controlar as massas. Mas a coisa complica quando uma crença específica
acha que a maneira dela é a única correta, a única verdade que leva a este Deus.

Hoje achamos que as inquisições caçavam bruxos e feiticeiras e que as guerras


religiosas buscavam os pagãos e pessoas que cuspiam na cruz. Mas isto não é verdade,
não completamente. Essa máquina de busca, apreensão e destruição era o resultado de
diferentes grupos cristãos brigando entre si. Se um grupo achava que Cristo era um
profeta, mas não era Deus encarnado, o pessoal que acreditava na história do Deus
encarnado se ofendia e ia tirar satisfações. Invariavelmente o grupo mais forte falava
mais alto e para se manter no caminho daquilo que julgavam ser a verdade estavam
dispostos a exterminar quem julgassem estar trazendo a discórdia e a mentira para o
próprio meio. Grupos Cristãos que tinham uma visão diferente do grupo principal e
eram mais fracos (tinham menor número de seguidores e menos recursos para atacar ou
se defender) eram chamados de hereges, recebiam a chance de abrir mão da própria
crença e adotar uma nova. A maioria nem sonhava com isso, já que o Cristianismo
ainda tem o diferencial de atrair pessoas com um gosto para se tornarem mártires,
acreditando que morrer pela própria fé apenas consolida esta fé como sendo a mais real
de todas. E assim grupos cristãos inteiros foram erradicados por outros grupos cristãos.
Este é mais ou menos o resumo da história para a formação do que na Idade Média se
tornou o Cristianismo aceito, ou heterogêneo e que depois com a reforma e as divisões
da igreja voltou a ser um cristianismo plural.

E até hoje existe uma rixa acirrada entre os grupos existentes. Protestantes chutam
santas católicas. Anglicanos criticam protestantes mas dizem que os católicos exageram
na sua vontade de dominar o mundo. Católicos dizem que todos tem boa vontade mas
estão errados. E no fundo o que parece é que se esquecem do Deus em que acreditam
para discutir quem tem o melhor carro e o mapa correto para chegar no Paraíso.

E isso cria um impasse. Um grupo já com tradição não vai ceder sua crença para aceitar
uma nova corrigida é o mesmo que assumir que por tanto tempo ele esteve meio que no
caminho errado. E um católico dificilmente aceitaria se colocar no mesmo nível de um
Testemunha de Jeová (seja lá qual for esse nível, se é que ele existe) e um protestante
diria que só aceitaria uma mesma crença se os católicos parassem com essa besteira de
Papa e de Santos e Nossa Senhora.

Assim dificilmente surgiria uma versão nova e original aceita por todos, ironicamente,
talvez, uma versão assim seria aceita mais por céticos, estudiosos e simpatizantes do
que pelos religiosos.

E isso porque não falamos de outro ponto interessante que dificulta a criação de uma
versão única do texto.

Quando falamos em Jesuítas desbravando o mundo e levando a palavra de Cristo,


muitos imaginam caravelas, índios e negros contrabandeados, fogueiras e colonizadores.
Mas a verdade é que o processo de cristianização está a pleno vapor hoje em dia e
parece que cada grupo cristão aceitou o desafio não apenas de levar a Palavra de Deus
para todos, mas de levar a sua própria versão da Palavra de Deus.

Vejamos três exemplo que fogem da imagem que temos dos principais grupos cristãos -
católicos e protestantes.

As Testemunhas de Jeová possuem adeptos em mais de 236 países e territórios


autônomos, com mais de sete milhões e trezentos mil participantes. Segundo o anuário
das Testemunhas de jeová de 2010 nos últimos dez anos mais de dois milhões e
setecentos mil pessoas foram batizadas nesta crença em particular, uma média de cinco
mil pessoas por dia. Além dessas pessoas, atire a primeira pedra aquele que nunca
acordou num domingo de manhã com uma dupla de terno tocando a campainha com
uma bíblia debaixo do braço, ou pelo menos que não conhece alguém que passou por
isso.

E todas essas pessoas, junto com os simpatizantes da crença - que em 2009 foram
contabilizados na casa dos dezoito milhões de pessoas - acabam aceitando a versão das
Testemunhas da Bíblia.

Além deles existe uma organização, formada em 1899, conhecida como Gideons
International (os Gideões Internacionais) que decidiram distribuir a Palavra para o
mundo todo, para que todos tivessem acesso, a ideia original foi a de traduzir a bíblia
para 80 línguas e atingir pelo menos 190 países, muitos deles já possuíam a bíblia em
sua língua nativa, mas mesmo assim se fizeram novas traduções para se distribuir.
Assim os Gideões começaram a distribuir bíblias de graça e com isso conseguiram, por
exemplo, que nos Estados Unidos cada quarto de hotel ou motel tivesse uma bíblia em
seu criado mudo - as pessoas que já assistiram Missão Impossível com Tom Cruise
devem se lembrar do momento em que ele precisa de uma bíblia e simplesmente abre
uma gaveta e lá está ela. Além disso eles tem o trabalho de distribuir suas versões da
Bíblia em hospitais, asilos, prisões, exército e em escolas – que ironicamente são
lugares onde as pessoas em sua maioria preferiam não estar.

Até o ano de 2007 mais de um bilhão e quintentos milhões de Biblías haviam sido
distribuídas por eles. Cada uma, a versão dos Gideões do texto sagrado, antigamente a
tradução da Bíblia do Rei James e hoje em dia a tradução da Nova Bíblia do Rei James.

Outro grupo são os Mórmons, também cohecidos como a Igreja de Jesus Cristo dos
Últimos Dias, que surgiram na década de 1830. Em 2007 a igreja registrou o número de
treze milhões e quinhentos mil de mebros ao redor do mundo, com mais de um milhão
aqui no Brasil. Os Mórmons além da Bíblia seguem o livro conhecido como "O Livro
de Mórmon, um outro testamento de Jesus Cristo", que segundo a igreja, é um volume
de escrituras sagradas com um propósito semelhante ao da Bíblia e da teologia e é
considerado por seus membros como a pedra fundamental de sua religião. É uma
história de comunicação de Deus com os antigos habitantes das Américas. A história
começa 600 anos a.C, quando Deus ordenou que um profeta chamado Leí deixasse
Jerusalém com sua família e rumassem todos para uma terra da Promessa: As Américas.
Depois de Leí, o Senhor chamou outros profetas, como Néfi, Mosias, Helamã, entre
outros. Mórmon foi um desses profetas.

A religião cresce e também há pregação, como os Testemunhas de Jeová.

Assim temos grupos espalhando milhões de versões da Palavra por ano, e isso cria um
quadro onde de um lado existem pessoas já familiarizadas com a Bíblia – ou ao menos a
versão aceita por sua crença – e de outro pessoas que não estão tão familiarizadas com a
bíblia. E a base que a grande maioria das pessoas que entram em contato com todos
esses evangelistas e catequisadores tem é de que:

1- Existe um Deus.

2- Essas pessoas estão distribuindo a Bíblia, que é a Palavra de Deus.

Dificilmente saberiam que aquela é uma das versões e que existem outras, muitas vezes
com textos muito diferentes e significados que chegam a ser opostos uns aos outros.

Desta forma não só é dificil a aceitação de uma Biblia única como a cada dia mais e
mais versões diferentes são divulgadas e com a sinceridade daquele que a distribui de
ser a única Palavra correta.

E ainda existe uma questão interessante aqui: e quem pode julgar que versão está correta
ou não? Da mesma forma que Deus e o Espírito Santo divulgaram a Palavra a primeira
vez, como julgar que diferentes versões não foram inspiradas pela mesma fonte? Deus
descansou no sétimo dia ou se aposentou da empresa que Ele criou e caiu fora dela? É
difícil afirmar, se é que não é impossível. Assim se acreditamos que a Bíblia é de fato a
Palavra, como podemos julgar qual delas é a correta ou mesmo se alguma delas pode ser
apontada como uma versão errada?

23 - E essa loucura não vai acabar?

Vejamos. Por um lado temos cada dia mais acesso a informações que deveriam servir
como base para corrigir erros históricos das coisas, a Bíblia seria uma delas. Com o
material que existe hoje, desde os famosos textos do Mar Morto a grupos de arqueologia
bíblica, deveriam haver meios de tornar a Bíblia em si mais factível, mais alinhada com
fatos que já foram comprovados. Mas de novo isso provavelmente interessaria apenas a
estudiosos e curiosos. Existem hoje cristãos que apresentam uma curiosidade digna da
afirmação de Cristo: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” Mesmo assim
são indivíduos e grupos pequenos, não tem o tamanho ou a influência necessária para se
cria ruma nova versão das Escrituras ou talvez nem tenham a vontade de mudar as
escrituras, apenas aprender os novos fatos.

Por outro lado cristãos e judeus tem um histórico de quando mais apanharem em nome
da própria crença parece que mais certeza eles tem de estarem no caminho certo, então
negar mesmo as evidências pode dar um ar de "não importam o que digam, minha
crença é tão correta que eu não abro mão dela nem para o que aparenta ser o bom senso".

Então não dá para dizer exatamente se essa zona vai continuar ou se a tendência é que
todas essas pessoas comecem a buscar não apenas um livro impresso, mas a verdade
comprovada por trás deste livro. Como dissemos no começo deste texto, originalmente
o objetivo da Bíblia era que as pessoas se mantivessem fieis a Deus e seus
Mandamentos e Leis, mas com o tempo a Bíblia se tornou um rótulo e hoje esse rótulo é
defendido com unhas e dentes.

Mas acreditamos ser possível supor algumas probabilidades sobre o que seria o futuro
da Bíblia.

Como vimos os grupos principais de Cristãos ainda esperam a segunda vinda de Cristo,
alguns grupos não tão famosos acreditam que ele já voltou e existem aqueles que não
acreditam que ele voltará. Assim, mesmo que existam por ai livros de novos profetas e
novas palavras da segunda vinda de Cristo, no mainstream os profetas estão quietos há
milênios e o Messias não retornou.

Umas das possibilidades é que surjam novos grupos cristãos e novas versões da Bíblia.
Existem sempre aqueles que buscam os textos o mais próximos do original o possível.
Bíblias multilingues com os originais em hebraico e grego são populares, o problema
óbvio disso é que dificilmente a grande parte dos religiosos tem acesso a essas línguas e
isso torna essas bíblias curiosidades. Existem versões ainda com quatro linguas e cinco
linguas. Hebraico, Grego, Latim (inglês) e português. Mas de novo a grande maioria
acaba contando apenas com a coluna em português (ou na sua língua natal) para ler o
texto, já que hebraico e grego não possuem nem mesmo as mesmas letras que o alfabeto
latino.

A tendência é que essas Bíblias acabem se aperfeiçoando trazendo pequenos glossários


para tirar a dúvida de termos ambiguos ou mesmo apontando a direção certa em termos
culturais e históricos de quando os textos foram escritos. Mas essas edições costumam
ser caras, não dá para apostar que se tornem populares comparadas as bíblias
distribuídas de graça.

Então a questão não se foca tanto na acuidade do texto em si, mas na popularidade
daqueles que divulgam tais textos e na acessibilidade que eles tem, quanto mais baratos
melhor, se estiverem disponíveis de graça, Amém. Existe a chance de surgirem grupos
cristãos que tentem se aproximar mais das formas primitivas e originais dos textos e
então trazê-los para o presente, mas eles só se tornariam maioria caso sua popularidade
fosse maior do que a dos cristãos "concorrentes". Então o futuro da Bíblia estaria ligado
de novo a mensageiros e não à Palavra em si.

A internet talvez ajude a popularizar para um grupo grande novas versões e uma outra
possibilidade é o surgimento de "meta" bíblias, ou seja, textos que sejam interpretados
por indivíduos não ligados à igreja e assim vários interessados podem julgar que textos
teriam mais coerência, mas de novo isso fugiria a uma unidade e acabaria estando preso
à erudição de cada pessoa que poderia julgar que mesmo que tal versão fosse de alguém
famoso ela tem passagens estranhas que são melhores ser deixadas de lado.

Talvez uma resposta que apontasse a uma direção certa seria a que o movimento Jesus
Freak prega em seu manifesto, uma forma de cristianismo não presa em palavras, mas
no exemplo deixado por Cristo, claro que isso não afetaria muito a Bíblia e suas
variantes, apenas a relação de cada um com o texto.

Manifesto Jesus Freak

1 - Nós propomos que, seguindo o exemplo de Jesus Cristo, não nos deixemos limitar
pela religião. Os primeiros inimigos de Cristo foram os altos sacerdotes do Templo. O
primeiro amigo de Cristo foi um louco que gritava no deserto.

2 - Nós propomos que as Escrituras são a mais alta autoridade cristã. Portanto devemos
nos esforçar para compreendê-las muito mais do que nos esforçamos para aceitar a
forma que nossos ancestrais a compreenderam. O mundo dos homens muda a cada
instante. O mundo de Deus permanece o mesmo para sempre.

3 - Nós propomos que cada cristão tenha o mesmo credo essencial de Paulo de Tarso,
Francisco de Assis, Martinho Lutero, William J. Seymour, Martin Luther King e ainda
assim sejam livres para expressar sua fé de sua própria maneira especial, assim como o
fez cada um destes cinco homens.

4 - Nós propomos que ninguém tem o direito de dizer quem que uma pessoa não será
salva em Cristo, uma vez que a hora cabe ao Pai e a salvação cabe ao Filho. Assim,
ainda que o próximo viva em escândalo você não deve se escandalizar.

5 - Nós propomos que os livros de orações sejam deixados de lado por um tempo.
Talvez seja difícil usufruir de nossa liberdade de expressão em um primeiro momento,
mas seremos recompensados com uma relação mais intima e próxima com Deus. Por
muito tempo temos usado de maneira pobre o nosso missal. É hora de orarmos mais e
irmos menos à missa.

6 - Nós propomos que devemos nos preservar um pouco dos hinários e livros de salmos.
Eles são lindíssimos, mas nossa mente precisa respirar e perceber que está vivendo em
uma época nova e radiante. Devemos compor novas músicas com novas letras, que
sejam atuais e de acordo com nossa época. Não existe nenhum problema em cantar as
glórias antigas, mas há uma infinidade de glórias novas aguardando e clamando para
serem cantadas.

7 - Nós propomos nos libertarmos da arquitetura do passado criando novos espaços para
nossos cultos. Derrubemos as igrejas e templos para não haver mais a separação entre
irmãs e irmãos, entre crentes e ateus, entre humanos e resto da criação. Chamemos de
volta a todo aquele que expulsamos de nossas igrejas: os infieis e os piores pecadores!
A Casa de Deus não é uma casa de desespero. Chamemos todos de volta, ainda que
continuem pecando para sempre.

8 - Nós propomos que descubramos como os avanços tecnológicos de nossa época


podem ser usados para a glória de Deus. “Frutificai e multiplicai-vos” nunca foi um
desejo ligado única e exclusivamente ao sexo. “Eis que saiu o semeador a semear”
nunca foi restrito as praças públicas. Deus nos presenteou com tecnologias que nossos
antepassados sequer sonharam poder existir. Está na hora de aceitarmos essa graça e
fazer bom uso dela. Vamos organizar oficinas e mostrar como a arte e a ciência podem
fazer parte de nossas festas e nossos exercicios de contemplação.

9 - Nós propomos o uso do intercâmbio cultural para enriquecer nossa literatura


litúrgica com materiais até então ignorados por nossos cultos tradicionais. Há uma
abundância de sabedoria e beleza nos textos considerados apócrifos pela igreja medieval,
nas escrituras sagradas de outras crenças e mesmo na poesia secular que podem e devem
ser usados em nossa liturgia para atingirmos um propósito estético superior ao atual.

10 - Nós propomos que em um mundo dominado pela mídia onde o uso da imagem
supera o do texto, os cristãos devam fazer uso das figuras mais fortes, corajosas e
chocantes possíveis. O cinema, a televisão e mesmo intervenções urbanas devem ser
usados. Não há lógica em mostrar o caminho, a verdade e a vida usando imagens piegas,
meia luz e baixa resolução.

Notas:

[1] Abrahâmico faz referência a crenças que se originaram da revelação divina de


Abrahão como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.
[2] Aqui Igreja tem a conotação de igreja primitiva, uma igreja não organizada, eram
grupos de pessoas que seguiam a mesma crença mas sem uma instituição formada ainda.

S-ar putea să vă placă și