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net/publication/301700595
A mente externa
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1 author:
Marcelo G Land
Federal University of Rio de Janeiro
55 PUBLICATIONS 293 CITATIONS
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All content following this page was uploaded by Marcelo G Land on 29 April 2016.
A MENTE
EXTERNA
A ética naturalista de Daniel Dennett
Garamond
Copyright © 2001, Marcelo Land
Direitos cedidos para esta edição à
Editora Garamond Ltda.
Caixa Postal: 16.230 Cep: 22.222-970
Rio de Janeiro – Brasil
Telefax: (21) 2224-9088
E-mail: garamond@garamond.com.br
Revisão
Argemiro Figueiredo
Patrícia Santos Ferreira
Editoração Eletrônica
Luiz Oliveira
Capa
Projeto: Quadratim
Realização: Estúdio Garamond
sobre desenhos de Newton Montenegro de Lima
L253m
Land, Marcelo.
A mente externa, a ética naturalista de Daniel Dennett
/ Marcelo Land. – Rio de Janeiro: Garamond, 2001.
296p.; 14x21cm.
ISBN 85-86435-65-1
CDD-170
Introdução ................................................................................... 7
Capítulo 1: Frentes de combate à intrinsecalidade ................. 37
1.1. Primeira frente: o problema da atribuição
de crenças: o realismo de Fodor e a estratégia
intencional dennettiana. ....................................................... 45
1.2. Segunda frente: como abordar
fenômenos mentais: Nagel x Dennett? ................................ 64
Como é ser um morcego para Thomas Nagel .................... 64
A heterofenomenologia de Dennett ..................................... 71
1.3. Terceira frente: podem máquinas
vir a ser conscientes? .......................................................... 75
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Parte I
Antes de iniciar a exposição dos aspectos da obra de Dennett,
que ocupará o restante do livro, tentaremos situar qual é o contex-
to que justifica uma tal abordagem. No primeiro capítulo do livro
A filosofia e o espelho da natureza, Richard Rorty diz que o pro-
blema mente-corpo reúne três tipos diferentes de problemas ou
jogos de linguagem, que, “surgindo em diferentes pontos da his-
tória do pensamento, se entrelaçaram para produzir um emaranha-
do de problemas inter-relacionados.”11 Estes problemas são:
1- O problema da razão: “o de saber como entender a preten-
são grega de que a diferença crucial entre os homens e as bestas
é que nós podemos conhecer”12 . Ele refere-se à capacidade que
os homens têm de conhecer algo além dos singulares e particula-
res, mas sobretudo universais, conceitos numéricos, essências e
o eterno.
2- O problema da pessoalidade: “o de saber o que é o homem
mais do que a carne”. 13 Preocupa-se com a capacidade do ho-
mem agir livremente, fazer parte de grupos sociais, e de se distin-
guir dos outros objetos do mundo. Segundo Rorty, ele teria origem
na ânsia pré-filosófica da imortalidade e na afirmação kantiana e
romântica da dignidade humana.
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Parte II
Em primeiro lugar, apresentaremos algumas das características
do que é chamado naturalismo pragmático, algumas das quais
Dennett certamente compartilha. Em Philosophical Essays in
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Capítulo 1
Frentes de combates à
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(explain away). Ou seja, elas são propriedades que nós sabemos que as
coisas têm independente de nosso conhecimento de como descrevê-
las na linguagem .39 Rorty adverte que esta é uma definição um tanto
incomum, porque é epistemológica, isto é, define propriedade intrín-
seca em relação a nossa capacidade de conhecer e formular conceitos
através da linguagem. Normalmente, esperar-se-ia uma definição
metafísica, que tentasse falar diretamente dos objetos possuidores da
propriedade, tal como definir propriedade intrínseca como “proprie-
dade, cuja presença é necessária para que o objeto seja o que o
objeto é”. Porém, apesar de ser uma definição não “usual”, ela pode
ser discutida por holistas. Neste sentido, pode ser parafraseada a fim
de que lhe seja dado um sentido que o holista se sinta provocado a
discutir, e um sentido essencialista, que ele abandonaria de início.
Vejamos os dois sentidos:
1. O sentido essencialista seria parafraseado como “proprieda-
de necessária para a auto-identidade do objeto, uma auto-identi-
dade que ele possui independente de qualquer descrição particular
feita por nós”. Esta paráfrase apreende o sentido de intrínseco
que os filósofos não-holistas essencialistas pretendem alcançar ao
apelar para a definição epistemológica grifada. O holista daria como
resposta que a capacidade de identificar o que é idêntico a si mes-
mo, ou seja, discriminar a propriedade intrínseca de outras pro-
priedades relacionais é dependente de descrições, ou seja, “identi-
dade é sempre identidade sob descrição”.40
2. O sentido que os holistas poderiam aceitar discutir seria “pro-
priedade, cuja presença é necessária para a aplicação de uma certa
definição do objeto”. O problema é que os filósofos não holistas
essencialistas achariam que a definição não capta a relevância da
palavra “intrínseco”. O holista replicaria que o único sentido de
intrínseco válido é o definido acima em termos epistemológicos,
ou seja, “o que pressupõe a idéia não holista de uma apreensão
consciente (awareness) não-lingüística”.41
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da-chuva”, “que vai levar uma aspirina”, “que vai usar galocha”,
“que não vai sair de casa” etc.
Portanto, nos diz Lyons, “o cérebro deve ter uma linguagem
do pensamento na qual os conteúdos proposicionais de crenças,
desejos, temores e outras atitudes proposicionais são primeiro re-
presentados, e, então, operacionalizados ou processados de manei-
ras diversas, que irão formar atitudes proposicionais diferentes”.57
Esta espécie de cálculo realizado sobre as representações dos con-
teúdos proposicionais possibilita que um mesmo conteúdo possa
resultar em atitudes proposicionais diferentes, tais como utilizar o
conteúdo “que chova” para produzir “João acredita que chova”,
“Mário teme que chova”, “o sertanejo espera que chova”. E, “por-
que a computação só pode ser realizada após as informações ou os
conteúdos serem codificados em formas computáveis, não pode
haver computação sem representação”. 58 Este sistema represen-
tacional é a linguagem do pensamento compreendida como lingua-
gem do cérebro, ou seja, estados neurológicos que representam e
têm conteúdo.
Neste sentido, segundo Lyons, Fodor não está de acordo com
Chomsky, já que, para este autor, a linguagem do pensamento
não é diferente da linguagem natural, cuja aprendizagem é possi-
bilitada pela gramática universal. É esta gramática que nos capa-
cita a aprender linguagens naturais, e não uma linguagem para
representar conceitos, ou conteúdos de atitudes proposicionais.
Fodor acredita, por outro lado, que exista uma linguagem do
pensamento cerebral, através de cujos termos nos é permitido
pensar e, ocasionalmente, expor publicamente através de pala-
vras e ações os resultados dos processos computacionais sobre
esta linguagem. Assim, ao contrário de Chomsky, ele acredita
em uma linguagem ou um sistema representacional real inato,
que é a base para a nossa capacidade universal de exercer nos-
sas funções cognitivas.
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Capítulo 2
O Compatibilismo e o
agente moral
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uma razão explique uma ação é necessário que ela seja a razão por
que o agente realizou esta determinada ação. Um homem pode ter
diversas razões para dar fim a vida de sua tia solteirona, rica, mori-
bunda e com uma doença terminal: está querendo receber logo sua
herança, está querendo se livrar dos encargos de tempo da doença
da tia, está cheio de piedade pelas dores horrendas que sua tia sente
e acredita que a eutanásia é moralmente correta. Todas estas razões
racionalizam a ação de matar a tia, mas apenas uma é a razão por
que o sobrinho matou a tia. Davidson afirma que, além de ser uma
boa razão, para explicar uma determinada ação, ela tem que ser
eficaz em produzir esta ação. Aqui um determinado tipo de causali-
dade está envolvido: a causalidade racional. Os desejos e crenças
contidos na descrição da razão eficaz são as condições causais da
ação.
Porém, Davidson afirma que mesmo isto é insuficiente, ou
seja, meramente determinar de forma objetiva a razão primária
eficaz não é suficiente para explicar completamente uma ação.
Tomemos o exemplo do autor:
Suponha que, ao contrário da lenda, Édipo, por alguma razão
edipiana obscura, estava correndo ao longo da estrada com a
intenção de matar seu pai, e, encontrando um homem velho e
mau-humorado bloqueando seu caminho, matou-o para que pu-
desse (assim ele pensava) prosseguir em sua tarefa fundamen-
tal. Então, não somente Édipo realmente quis matar seu pai, e
efetivamente o matou, como o seu desejo causou sua ação de
matar o pai. Agora, não podemos dizer que, ao matar o homem
velho, ele intencionalmente matou seu pai, nem que sua razão
em matar o homem velho era matar seu pai.124
Davidson pergunta-se, então, se além de oferecermos causas
necessárias para uma ação, também podemos oferecer causas que
sejam suficientes. Ele responde negativamente. Este fracasso deve
ser atribuído ao fato de que para que desejos e crenças expliquem
uma ação da maneira correta, eles devem ser a causa da ação da
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sos atos, portanto, tudo o que fizermos será de nossa inteira res-
ponsabilidade. Uma das interpretações do que Dennett está propon-
do é algo do tipo: não somos nada disso o que pensávamos, mas,
para a segurança de nossa sociedade, nos trataremos como se o
fôssemos. Será que criaturas, mesmo que não completamente raci-
onais e causadoras de seus atos, aceitariam este adendo contratual
pelo bem-estar de todos, sem que se fizesse uma indagação mais
profunda sobre o conceito do que é ser justo? Para nós, neste con-
texto só haverá justiça se um novo contrato social estiver sendo
pressuposto, e se se puder compreender quais são as suas conse-
qüências.
Nas últimas considerações de Elbow Room, encontramos o
que poderíamos chamar de um esboço de um novo contrato social,
que poderia agradar muitos dos naturalistas pragmáticos. Vejamos
esta passagem:
O que nós queremos quando queremos vontade livre é o poder
de decidir nosso curso de ação e de decidi-lo sabiamente, à luz
de nossas expectativas e desejos. Nós queremos estar no con-
trole de nós mesmos, e não sob o controle dos outros. Nós
queremos ser agentes, capazes de iniciar e assumir a responsa-
bilidade por projetos e feitos. Tudo isto é nosso, eu tenho ten-
tado mostrar, como um produto natural de nosso patrimônio
biológico, aumentado e estendido por nossa iniciação na socie-
dade.205
Nesta passagem, podemos compreender o tipo de contrato que
está sendo proposto. Com a descrição naturalista do indivíduo,
conservamos boa parte das intuições básicas, que se pretendia
fortalecer com a utilização do mito da vontade livre. Muda-se a
nossa auto-descrição, mas preserva-se nossos direitos e deveres
democráticos. As bases do contrato social, no entanto, passam a
precisar de um aval cientificista, porque depende-se da ciência
para se formular os traços de nossa nova auto-imagem. Apesar de
tudo, mesmo com a proposta formulada nestes termos, o autor
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Capítulo 3
Naturalismo e reducionismo
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Tipos de mentes
Em Kinds of minds, Dennett define os animais como
“informívoros”. Eles possuiriam uma fome epistêmica, que se-
ria o resultado da combinação e da organização sui generis das
fomes epistêmicas de milhões de micro-agentes, organizados
em milhares de subsistemas. Cada um destes agentes minúscu-
los poderia ser concebido como um sistema intencional míni-
mo, cujo projeto de vida seria responder a uma pergunta: “a
minha mensagem está chegando AGORA?”207 e desencadean-
do uma ação apropriada caso a resposta fosse “sim”. Sem esta
fome epistêmica não haveria percepção. Com esta visão, ele
está criticando a idéia tradicional de que a percepção é resulta-
do de um “Dado” e do que é feito pela mente com ele. O
“Dado” seria mais corretamente descrito como um “algo apro-
priado”, porém não por um Mestre-apropriador, localizado em
um quartel general interno no cérebro do animal, mas a tarefa
seria distribuída por todos os milhares de apropriadores indivi-
duais, que são os micro-agentes descritos. Os apropriadores
não são somente os transdutores periféricos, mas também os
circuitos internos alimentados por eles, que são células e grupos
de células conectados em rede através do cérebro. Estes circui-
tos são alimentados por impulsos neuronais. O problema é ima-
ginar como todos estes micro-agentes organizados em sistemas
cada vez maiores são capazes de sustentar tipos cada vez mais
sofisticados de intencionalidade.
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Ambiente
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O processo se deu em milhares de ciclos e vários e interessantes
designs deste tipo de criaturas foram gerados, correspondendo a
plantas e animais.
Dentre elas, surgiram algumas que demonstraram certo grau de
plasticidade fenotípica, isto é, o seu design não estava completamen-
te desenvolvido ao nascimento. Elas possuíam elementos em seu
design que podiam ser ajustados por eventos ocorridos durante a
testagem de campo. Algumas delas não eram significativamente me-
lhores que outras criaturas darwinianas, que apresentavam design
mais fixos, porque não tinham formas de favorecer quais das op-
ções de comportamento iriam ser tentadas no ambiente. Contudo,
dentre elas, muitas eram dotadas da possibilidade de ter um com-
portamento bem-sucedido reforçado. Assim, estes organismos ge-
ravam, diante do ambiente, uma variedade de ações, que eram tes-
tadas uma a uma, até que fosse achada uma que funcionasse. O
critério de bom funcionamento era a captura de um sinal positivo ou
negativo advindo do ambiente, que ajustava a possibilidade da ação
ser reproduzida em outra ocasião. Somente aquelas criaturas dota-
das de maneira inata de reforçadores apropriados tinham vantagem.
Dennett propõe chamar este subconjunto de criaturas
darwinianas de criaturas skinnerianas, porque foi Skinner que
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ria: uma palavra torna-se familiar, sem ser entendida. Estes nódu-
los são comparados por Dennett a marcos de familiaridade, que
podem se tornar uma entidade independente dentro de um siste-
ma, isto é, cria-se uma etiqueta bem delimitada que pode ser ma-
nipulada pelos recursos do cérebro. As palavras se tornam as pro-
motoras das associações “procurar-por” (sought-for) – que de-
vem ser compreendidas como circuitos cerebrais, responsáveis
pela procura e reconhecimento de marcos e marcas de checagem
–, que já estavam previamente presentes no sistema de represen-
tação do cérebro. Na verdade, para funcionarem como marcas de
checagem sofisticadas e eficientes, as palavras precisam ser dis-
tintas do resto dos estímulos do mundo. Com isto, o autor preten-
de explicar a aparente necessidade, e a comprovação prática, da
arbitrariedade das linguagens, apesar da estrutura gramatical se-
melhante.
Antes de prosseguirmos, lembremos novamente a ambição do
projeto dennettiano. Ele está tentando explicar como uma mente,
que ele descreveu até agora a partir de mecanismos
associacionistas-conecionistas e de atividades rudimentares de re-
presentação, pôde desenvolver a habilidade de utilizar marcas so-
noras articuladas em uma atividade representativa explícita. Além
disso, quer descrever de forma naturalista a habilidade inata dos
seres humanos para falarem, isto é, ele está dando uma versão
naturalista do mecanismo de aquisição da linguagem (LAD), pos-
tulado por Chomsky, embora este último autor sempre tenha con-
siderado impossível fazê-lo. Tudo isto, procurando manter a idéia
de uma crescente e contínua evolução de processos cognitivos,
compartilhados por outras formas de vida não-humanas, presen-
tes na natureza.
Com o tempo, o hábito do autocomentário semicompreendido
pôde dar origem à prática deliberada de etiquetar com palavras,
utilizando somente as associações internas do sistema, abando-
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Design e Algoritmo
O conceito de design é definido no livro por oposição a outros
bastante mais conhecidos na tradição filosófica ocidental, tais como:
o nada, o caos, a ordem e Deus. Trivialmente, o nada pode ser
conceituado como ausência de matéria e movimento. O caos seria
a presença de matéria sem ordenação. A ordem seria “meramente
regularidade, mero padrão”239 na matéria. O design seria próximo
ao conceito de telos de Aristóteles, ou seja, “uma exploração da
ordem para um propósito definido”.240 Dada esta definição de design,
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Isto quer dizer que nós de fato somos fruto da evolução, mas
não havia nenhuma necessidade de termos sido produzidos. Para
o autor, somos filhos das mesmas contingências que a bactéria, o
macaco, o tubarão, a tartaruga, a barata, o computador, as músi-
cas de Bach e os neonazistas. Durante todo o livro Dennett vai
acrescentando novos conceitos ao esquema, que são básicos para
se entender o vocabulário que ele emprega em relação a estes tópi-
cos.
Ele diz que um dos princípios básicos da evolução por seleção
natural é o da acumulação do design. Ele é derivado do fato de
que, quando vemos um design, imediatamente consideramos a
tremenda quantidade de trabalho necessário para produzi-lo. Ele
deve ter sido fruto de pesquisa e desenvolvimento (R-and-D245) e
ter custado tempo e energia. Assim, o trabalho da evolução seria
poupado se alguns de seus designs pudessem ser acumulados.
Este trabalho poderia, portanto, ser distribuído ao longo do tem-
po. Logicamente, nem todos os descendentes de um mesmo ramo
de designs precisariam ser acumulados. O que o princípio de acu-
mulação do design diz é que
(...) desde que cada coisa nova projetada, que aparece, tem de ter
um grande investimento de planejamento em algum ponto de sua
etiologia, a hipótese mais econômica é sempre a de que o design
é amplamente copiado dos designs mais precoces, os quais fo-
ram copiados de designs mais precoces ainda, e assim por dian-
te, de maneira que a inovação real da pesquisa e do desenvolvi-
mento (R-and-D) é minimizada.246
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A MENTE EXTERNA
Cultura e pessoa
Veremos nesta seção que Dennett tem a pretensão de construir
uma base conceitual que lhe permita mostrar que a construção da
cultura também segue os mesmos princípios do processo de evo-
lução por seleção natural, conforme a conceituação acima, ou seja,
“a cultura teria uma origem darwiniana”.247 Para que o desenvolvi-
mento da cultura possa ser descrito desta forma, a teoria de Dennett
precisa explicar três aspectos implícitos na teoria de Darwin, a sa-
ber: (1) variação, (2) replicação, (3) capacidade de adaptação dife-
rencial. Descreveremos alguns dos aspectos desta teoria. Deve-se
atentar, contudo, que a descrição sobre o surgimento da cultura e
sobre o conceito de pessoa já é um passo preliminar da sua teorização.
A posição tomada destoa de vários teóricos importantes no campo
da biologia e é oposta, por exemplo, à concepção de Stevens J.
Gould, para quem a cultura teria um desenvolvimento regulado por
outros tipos de leis.
Quando nós, seres humanos, exaltamos as nossas diferenças
em relação às demais espécies, estamos absolutamente certos. A
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através de uma leitura adequada dos textos dos últimos dois mil
anos. Para ler estes textos, Nietzsche precisava de uma teoria so-
bre esta segunda fase. Os protocidadãos viviam em algum tipo de
sociedade, onde, contudo, a vida era arriscada e brutal. As pessoas
tinham o conceito de bom e mau, mas não de bem e mal ou de
errado e certo. A partir desta postulação, Nietzsche tentaria re-
construir a origem histórica destes memes básicos do vocabulário
moral.
O meme para o bem e mal moral não foi só uma permutação
menor dos predecessores amorais – os memes trocaram efetiva-
mente de lugar. O que havia sido bom (no antigo estilo) se tornou
mal (no novo estilo), e o que havia sido mau (no antigo estilo) se
tornou bem (no novo estilo). Esta transvalorização dos valores foi
a chave do nascimento da ética moderna e estava em contradição
com as idéias inglesas de que o bem se identificava com o útil. A
tese central do autor na visão dennettiana é: os aristocratas, que
antigamente exerciam a regra de dominar os fracos, foram esperta-
mente enganados pelos padres, adotando o valor inverso. Esta in-
versão foi a vitória da revolta escrava na moralidade, que resultou
na utilização da crueldade dos fortes contra eles mesmos, a ponto
de serem manipulados a se subjugarem e a se civilizarem.
Para Dennett, as histórias de Nietzsche são terríveis, uma mis-
tura de brilhantismo e loucura, sublime e ignóbil. A maior contri-
buição de Nietzsche para a sociobiologia seria a sua leal aplicação
de uma das intuições fundamentais de Darwin no reino da evolu-
ção cultural. Esta intuição é freqüentemente desprezada pelos
darwinistas sociais e pelos sociobiologistas modernos. O erro des-
tes últimos é freqüentemente chamado de falácia genética, ou seja:
inferir função corrente ou significado de palavras a partir de fun-
ções e significados ancestrais. Nietzsche descobriu, através da idéia
de transvalorização, que a causa da origem de uma coisa e sua even-
tual utilidade, seu atual emprego e lugar em um sistema proposto,
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mos para dizer que X é bom são critérios que elegemos, pelo
menos no caso em que há um comprometimento legítimo com os
valores.
MacIntyre procura mostrar que o conceito de eleição no
prescritivismo de Hare é mais claro e menos questionável do que
o de atitudes e sentimentos no emotivismo, pois, ao contrário do
que acontece com este movimento, não estão excluídos os racio-
cínios da ética.
Hare foi certamente o pioneiro da investigação lógica dos im-
perativos. Ele mostrou que, no discurso imperativo, se pode infe-
rir conclusões de premissas sem violar as regras usuais de impli-
cação. “Por que” e “portanto” têm o mesmo significado que em
outras formas de raciocínios dedutivos. Uma das conclusões tira-
das disto por Hare é que nenhuma conclusão valorativa pode ser
deduzida de premissas que não incluam premissas morais. Isto é
uma forma de redescrever a tese de que nenhum “deve ser” pode
ser inferido meramente do “ser”. A partir da leitura de The language
of moral, MacIntyre afirma que o modelo de raciocínio moral é a
passagem de uma premissa moral maior e uma premissa menor
fática a uma conclusão moral. A premissa moral maior pode evi-
dentemente ser a conclusão de um outro silogismo, porém há um
ponto na cadeia em que os raciocínios devem terminar em um
princípio que não se pode justificar em raciocínios e que se deve
aderir por eleição. A afirmação da validade deste princípio só po-
deria ser refutada por outra afirmação contrária e não por raciocí-
nio. Neste último aspecto, a doutrina de Hare assemelha-se à dos
emotivistas.
Contudo, Hare, em Freedom and reason, procurou mostrar que
esta última conseqüência não estava implicada em suas idéias. Ele
afirmou a possibilidade de universalizar juízos morais, e defendeu
esta universalização como uma arma argumentativa contra os que
propõem princípios éticos inaceitáveis. Embora MacIntyre consi-
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minada figura não aceitassem de bom grado aquilo que lhes parece-
ria uma acusação injusta. Vejamos a classificação:
1- Os partidários do “gancho do céu” (skyhook): neste pa-
drão encontram-se classificados Chomsky e Gould. Estes partidá-
rios reconhecem a complexidade da cultura e a especificidade da
reação ética, conforme proposta em nossos tempos. Porém, se-
gundo a acusação de Dennett, procuram explicar estes fenômenos
através da utilização de categorias misteriosas e obscuras. Geral-
mente utilizam argumentos que procuram mostrar que, por princí-
pio, não é possível encontrar explicações naturalistas para elas.
Enfatizam freqüentemente, na defesa de sua posição metodológica,
as tentativas do início do século XX de provar as impossibilidades
do conhecer humano: o teorema de Gödel e a crítica da falácia
naturalista iniciada por Moore. Eles, em geral, não acreditam no
sucesso dos projetos de inteligência artificial.
2- Os reducionistas vorazes (greedy): neste padrão encontram-
se classificados Spencer, um dos primeiros e mais célebres
darwinistas; Skinner, o pai do behaviorismo moderno; e E. O.
Wilson, professor de Harvard, entomologista mundialmente co-
nhecido, que em 1975 cunhou o termo sociobiologia. Para Dennett,
estes reducionistas simplificam demais o problema que estão tra-
tando e, com isto, acabam produzindo respostas distorcidas. Sua
interpretação do fenômeno da cultura e da resposta ética conduz,
muitas vezes, à eliminação de várias categorias fundamentais da
nossa auto-imagem. Apesar de Dennett os acusar somente de
simplismo, e de voracidade motivada pela vontade de enquadrar a
complexidade dos eventos em sistemas conceituais insuficientes,
achamos que devemos explicar sua postura como sendo fruto da
adoção de premissas eliminativistas de base. No caso de Spencer,
poderíamos tentar abrandar a acusação porque, como quisemos
sugerir com o recurso à história da ética de MacIntyre, o terreno
da ética moderna estava sendo formado na ocasião em que escre-
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MARCELO LAND
veu seus trabalhos mais significativos. Não havia uma visão unitá-
ria e mais ou menos consensual do método a ser utilizado para se
abordar as questões éticas. No caso de Skinner e Wilson, pode-se
explicar o resultado de seu trabalho como uma não-aceitação das
premissas que sustentam a visão de ética e de cultura que foram
forjadas ao longo de diversos debates neste século. A ciência é,
muitas vezes, utilizada para autorizar a crítica apressada a estas
premissas e apoiar uma descrição reducionista ampla, que muitas
vezes se torna uma justificativa para o eliminativismo. Achamos
que a crítica de Dennett a estas figuras não é adequada. Ele de-
monstra complacência demasiada com este padrão, em parte por-
que ambos compartilham a crença na ciência como método de
investigação privilegiado. Contudo, Dennett parece perder a visão
histórica neste momento, ao não reconhecer que o apelo à ciência
na sua tradição, o naturalismo pragmático de Dewey, é completa-
mente diferente do que o da maioria dos reducionistas vorazes.
3- Os bons reducionistas circunspectos: neste padrão estão
Dennett, Hofstadter, Dawkins. Os seus membros aceitam uma
determinada visão consensual de cultura e reação ética. Acredi-
tam que podem fornecer descrições naturalistas para explicar o
surgimento e funcionamento destes fenômenos. Na descrição aci-
ma, apresentamos as bases da tentativa naturalista dennettiana.
Como vimos, Dennett prefere definir a construção da cultura e o
advento da moralidade utilizando um conjunto de conceitos natu-
ralistas-darwinistas que ele denomina “guindastes” ao invés de
“gancho do céu”, numa clara provocação contra seus opositores
mais eminentes, como Gould e Chomsky. Tal provocação gerou
uma discussão mundial acalorada, que pode ser resgatada ainda
de vários locais no cyberspace da Internet. De certo, no afã de
defender uma posição, que achamos justificada, Dennett cometeu
vários exageros, em parte em decorrência da maneira esquemática
e simplificada e, muita vezes, precipitada, com que classificou os
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moralidade, queremos mostrar que Dennett age mais uma vez como
um compatibilista que quer conservar as conquistas de nossa so-
ciedade no terreno da ética, ao mesmo tempo em que defende a
abordagem naturalista darwinista aos fenômenos culturais e mo-
rais humanos. O resultado desta abordagem é certamente
questionável, mas, pelo que parece, Dennett tem boas razões para
apostar nela.
Na definição de Dennett, o naturalismo consistiria na proposta
de encontrar aspectos fundamentais, baseados em considerações
sobre a natureza humana, a fim de possibilitar uma vida boa para
o homem. Ele afirma que não se pode refutar esta proposta so-
mente pelo fato óbvio que não se pode derivar proposições éticas
de proposições factuais. Este tipo de argumento não poria em
cheque o naturalismo com objetivo teórico.
Uma distinção clássica da filosofia é a das condições necessá-
rias e das condições suficientes para se fazer as coisas. Uma atitu-
de compreensível é negar que os conjuntos dos fatos acerca da
natureza do mundo são suficientes para fundar uma conclusão
ética. Outra é negar que qualquer destes conjuntos possam ser
necessários. De acordo com a doutrina padrão, nós nunca encon-
traremos qualquer conjunto de fatos com o qual qualquer conclu-
são ética possa ser conclusivamente provada.
Dennett acredita que se pode responder a estas afirmações re-
tóricas com outras perguntas retóricas: se não se pode derivar o
“deve” do “é”, do que o “deve” pode, afinal, ser derivado? Seria a
ética um campo de inquérito completamente autônomo? Surgiriam
nossas intuições morais de algum inexplicável módulo ético implan-
tado em nosso cérebro?
Para a pergunta “do que se pode derivar o ‘deve’?”, Dennett
afirma que a mais atrativa resposta é: a ética deve ser, de algum
modo, baseada em uma apreciação da natureza humana – no sen-
tido do que o ser humano é ou deveria ser, em o que o ser huma-
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infosfera. Ele admite, porém, que por respeito aos designs e memes
criados por esta árvore, poderíamos ainda querer conservar al-
guns aspectos deste apego religioso. Contudo, ele sugere, em
muitas passagens, que o melhor lugar para a religião seria o zooló-
gico cultural.
Inicialmente, é difícil perceber como Dennett fugiu da tentação
positivista de propor os esquemas conceituais dos darwinianos
modernos como campo meta-ético capaz de fundamentar de forma
maciça as intuições morais do ocidente. A pista fundamental para
perceber seu intuito é a diferenciação entre um projeto especulativo
e um projeto normativo. O primeiro pretende propor uma recons-
trução do que houve na história evolutiva humana que possa expli-
car e justificar o significado das intuições e ações morais – um
projeto de um reducionista voraz. O segundo não é uma reconstru-
ção, é um instrumento para tornar claras as intuições morais, mos-
trando como as coisas deveriam ser para serem corretas. A glorifi-
cação da Árvore da vida e a louvação à biodiversidade não são a
conseqüência lógica das descobertas das ciências biológicas e
evolucionárias; são, principalmente, um convite a aceitar uma nova
imagem moral. Neste sentido, este trabalho de Dennett se aproxima
da tarefa do filósofo moral proposta por Rorty no seu artigo direitos
do homem racionalidade e sentimentalidade: ele deve ser um
sintetizador das intuições morais da sua sociedade, um escritor de
resumos destas intuições.
Na verdade, Dennett torna evidente que obras filosóficas com
conteúdos científicos podem também funcionar como roman-
ces edificantes. Ao descrever a construção e aplicação dos con-
ceitos darwinianos, ele demonstra como a vida pode ser o senti-
do dela mesma, falando-nos de seus aspectos heróicos e nos
seduzindo a nos identificarmos com o conceito pluralista de
biodiversidade. Atendendo ao apelo deste conceito, poderíamos
querer conservar vivas em museus as lembranças de memes tão
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Conclusão
Nesta conclusão, iremos retomar algumas das nossas propostas
inicias. Devemos verificar se a descrição naturalista da pessoa se-
gundo a visão de Daniel Dennett contribuiu de fato, e de que manei-
ra, para abalar o prestígio da metáfora da oposição natureza x cultu-
ra. Para empreendermos esta verificação, necessitamos definir o
que se deve entender por “abalar o prestígio de alguma coisa”, ou
seja, quais são as premissas subjacentes a este tipo de afirmação.
Ela deve ser situada no contexto da idéia de conversação da hu-
manidade, utilizada por Richard Rorty. Segundo esta idéia, o nosso
conceito de conhecimento deveria mudar o foco “da relação entre
seres humanos e objetos de seu inquérito para a relação entre pa-
drões alternativos de justificação, e daí para as efetivas alterações
nesses padrões que formam a história intelectual”.273 Assim sendo,
abalar o prestígio de uma metáfora significa, em primeiro lugar,
reconhecer que o que chamamos de metáfora é um padrão novo de
justificação, que foi proposto a uma comunidade e que, no caso em
discussão, se tornou literal desde o século XVIII. Em segundo lu-
gar, devemos reconhecer que, para abalar o prestígio de um padrão
de justificação, necessitamos propor um outro padrão alternativo à
comunidade, para que seja obtido um convencimento generalizado.
Porém, a expressão “obter um convencimento generalizado” tam-
bém precisa ser definida. Por ela, entendemos que alguém tenta
lançar mão dos recursos disponíveis necessários para que o padrão
de justificação que ele defende venha a se tornar literal, ou seja, as
pessoas adquirem familiaridade com ele e passam a utilizá-lo.
Em um sentido, quando alguém pretende que haja uma aquisição
de familiaridade como um padrão de justificação, pode-se notar que
ela espera que haja uma maior pluralidade de idéias a serem discuti-
das. Este tipo de participante da conversação gostaria de ver a dis-
cussão sobre determinados temas aumentar e que um maior núme-
ro de pessoas se tornasse autoconsciente do espírito que norteia
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Notas
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31 Ibidem.
32 Idem, p.193.
33 Idem, p.185.
34 Ibidem.
35 Idem, p. 186.
36 Ibidem.
37 Ibidem.
38 Ibidem.
39 Idem, p.187.
40 Ibidem.
41 Idem, p 188.
42 Ibidem.
43 Ibidem.
44 Rorty critica Dennett mais adiante no artigo por não ter percebido
que a definição de objeto intencional é a própria definição de
objeto. As críticas de Rorty a Dennett não serão abordadas neste
livro.
45 Ibidem.
46 Ibidem.
47 Idem, p.189.
48 Ibidem.
49 Ibidem.
50 Ibidem.
51 Ibidem.
52 DENNETT, Daniel. The intentional stance. Cambridge MIT press:
1987, p.14.
53 Idem, p.15
54 LYONS, William. Approaches to intentionality. Oxford: Oxford
University Press, 1995, p.41.
55 Em seu artigo “Solipsismo metodológico considerado como uma es-
tratégia de pesquisa em psicologia cognitiva”, Fodor define que
“processos computacionais são tanto simbólicos quanto formais.
Eles são simbólicos porque são definidos a partir de representa-
ções, e são formais porque se aplicam a representações, em virtude
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menta uma teoria da justiça universal e regula boa parte das propos-
tas de projetos normativos e contratos sociais. Como, contudo, ser-
ve para a argumentação de Dennett, preferimos reproduzi-lo sem
maiores comentários no corpo principal do texto. Para sermos justos
com Dennett, poderíamos dizer que sua crítica se dirige contra uma
tentativa de aplicá-lo como o fundamento de uma teoria prática da
decisão moral.
266 Idem, p.502.
267 Idem, p.504
268 Idem, p.507.
269 Ibidem.
270 Idem, p.509.
271 Idem, p.510.
272 Idem, p.511.
273 RORTY, Richard. A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa: Publi-
cações Dom Quixote, 1988, 310 p., p.300.
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Referências Bibliográficas
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A MENTE EXTERNA
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Este livro foi composto em Times New Roman,
corpo 10,5/14 e impresso sobre papel off-set 75 grs/m2 na
cidade de Petrópolis, em novembro de 2001, pela
Gráfica Serrana para a editora Garamond.