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DE LÍNGUA DE SINAIS
Ângela Russo
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Resumo: Este trabalho analisa discursivamente os efeitos de sentidos produzidos acerca da comemoração do
dia 26 de julho – “suposto” Dia dos Intérpretes em uma comunidade de Intérpretes de Língua de Sinais -ILS,
participantes de uma lista virtual de discussão, tendo como referencial teórico os estudos de Análise do
Discurso na linha de Michel Pêcheux, pretendendo identificar as formações discursivas que constituem o
discurso dos ILS e refletir sobre o percurso da constituição da memória discursiva desta categoria.
Palavras-chave: discurso; memória; formação discursiva; interpretação.
th
Abstract: This paper aims at analysing effects of meaning produced discursively about the July 26
Commemoration in Brazil- the “so-called” Interpreters' Day in a community of Sign Language Interpreter –
SLI, who participate in an Internet chat group. Theoretically based on French Discourse Analysis studies
(Michel Pêcheux), we intend to identify which discursive formations constitute the SLI discourse in order to
reflect upon the backgrounds that lie behind the discursive memory of this category.
Keywords: discourse; memory; discursive formation; effect meaning.
Logo após a mensagem transcrita como formulação discursiva (3), veio outra, comunicando
e esclarecendo para todos da lista o porquê daquele dia ser o Dia do Intérprete:
(4) Eis uma nova discussão... Eis uma nova briga!!! Hehehe... “A” e todos da lista, muito boa
noite! Esta data tem um porquê sim, gostaria de explicar: há 10 anos, em 26/07/96, lá em “C” (na
época um grande número de intérpretes de vários Estados do Brasil estavam fazendo Oficina com o
Intérprete e pastor “MAA”) aconteceu uma festa totalmente idealizada pelos surdos daquela
cidade, liderados pela surda “RS”. Neste mesmo dia, então... uma surpresa fora preparada para
nós, momentos de muita emoção e alegria para os que tiveram a oportunidade de lá estar... desde
então, timidamente, este dia vem sendo divulgado, hoje tal data completa 10 anos... nossa
história!!! Discordo da sua proposta de mudança da data, apesar de entender que cada um de nós
vem uma bagagem de histórias no seu trajeto de vida, enquanto intérprete. Esta data já está bem
divulgada e conhecida hj em dia, mas o problema é que muitos não conhecem a história desta data,
mas ela tem sua história sim!!! Tenho até fotos deste dia... sugiro que conversem com as surdas
“RS” ou mesmo a “KS”, a idéia veio da parte deles, dos próprios surdos, no intuito de preparar
um surpresa, uma homenagem a todos aqueles que dedicam vidas à tal Comunidade. Aliás,... qual
intérprete aqui, sendo intérprete pra valer mesmo que não dedica, praticamente, sua vida pelos
surdos??? Quando digo isso: tempo, estudos, pesquisas... etc etc etc... Já existe uma data, já existe
uma história... e, pelo visto, já existe uma nova "briga" por aqui, pra variar, né? 26/07 - Dia do
Intérprete de Libras (ou de LSB – Língua de Sinais Brasileira - pra quem já estiver me xingando...
hehehe... brincadeirinha, em homenagem aos que gostam de pôr fogo aqui!!!) - PARABÉNS PARA
TODOS MEUS COLEGAS DESTE BRASILLL...
Outras mensagens surgiram durante a discussão, porém acredito que estas são suficientes
para o objetivo deste estudo: refletir acerca da relação entre os conceitos de formação discursiva e
memória, na perspectiva da Análise do Discurso – AD.
Cabe situar, primeiramente, as condições de produção do discurso. Os profissionais ILS
constituem uma categoria que está em processo de organização em todo o país, tendo em vista as
conquistas de novas legislações referentes aos direitos à acessibilidade universal dos surdos, ao
direito de comunicação desta comunidade em sua língua nativa – a Língua Brasileira de Sinais -
Libras. A luta dos ILS vem acompanhando estas conquistas da comunidade surda brasileira,
caracterizada como grupos muito diversos em todo o território nacional. Portanto também há
grandes diferenças quanto à formação e organização dos profissionais ILS que atuam nas diferentes
regiões, já que cada uma delas tem sua história, seu caminho trilhado, seu tempo. Atualmente já se
tem presente um grande movimento no país de fundação de associações em vários estados. Essas
associações significam um novo lugar de luta, de organização, implicando a configuração da
memória da categoria profissional. É a partir deste cenário que inicio minhas reflexões.
Penso que uma primeira tentativa de aprofundamento da perspectiva teórico-analítica
enfocada neste estudo, levando em conta as formulações anteriormente apresentadas, é trazer à
reflexão o conceito de Formação Discursiva (FD). Cito inicialmente a definição de Foucault
(2002:43) . Para o autor, sempre
(...) que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão e no
caso em que os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma
regularidade (uma ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações), diremos, por convenção,
que se trata de uma formação discursiva.
foi feita uma homenagem a todos aqueles que dedicam vidas a tal Comunidade. Aliás... qual
intérprete aqui, sendo intérprete pra valer mesmo que não dedica, praticamente, sua vida pelos
surdos???
A condição de produção do seu discurso merece ser explicitada. Ele se refere a uma oficina
promovida por uma ordem religiosa naquele dia há 10 anos atrás, ou seja, podemos identificar um
efeito ideológico, de caráter paternalista, assistencial, caritativo que constitui essa fala. O
enunciado: dedicam vidas e dedica sua vida pelo surdos representa marcas lingüísticas de
concordância com essa FD. Pensando sobre a leitura de Pêcheux em sua primeira época (1969),
podemos dizer que o enunciado do sujeito da formulação discursiva 4 é atravessado pela ideologia
presente no discurso religioso e pelo inconsciente, onde o seu dizer não se origina dele mesmo,
mas sim de outras vozes discursivas; estas se manifestam no intradiscurso, no fio de discurso, um
simulacro material do interdiscurso (Ferreira, 2001:19).
Considerações Finais
Os resultados obtidos neste breve estudo apontam ao conceito de memória discursiva,
destacando-se suas características de dinamicidade e heterogeneidade. Conforme a teorização
assinalada, indicam o modo como os acontecimentos diversos são passíveis de ganhar registro na
memória discursiva.
A organização da categoria profissional dos Intérpretes de Libras – e sua formação
discursiva - está vinculada a acontecimentos diversos que congregaram os participantes,
representando filiação a uma memória discursiva caracterizada pela mobilidade de sua constituição,
que é heterogênea. A análise apontou à disputa pelo registro de um acontecimento fundador da
classe na memória profissional, numa disputa entre grupos diversos dessa categoria.
Acredito que a reflexão feita, a partir do corpus apresentado, fazendo uma ponte com alguns
conceitos da AD foi muito significativa, pois proporcionou um entendimento maior acerca da
relação entre o uso da língua, historicizado pelos sujeitos, e os sentidos produzidos por este uso.
O fato do grupo de ILS no Brasil estar em processo de regulamentação enquanto
categoria profissional, organizando-se em associações diversas, bem como a busca por uma
formação de qualidade, gera muita discussão em torno desta pauta. Como observamos, os discursos
produzem diferentes sentidos no grupo – e não deveria de ser o contrário. Entretanto é necessário
que tenhamos, e aqui me incluo por fazer parte do grupo de ILS do Brasil, uma coerência mínima
entre nós, para que possamos conquistar o espaço e o reconhecimento profissional adequado as
nossas demandas.
É assim que, através de algumas formações discursivas destacadas neste artigo, bem
como os efeitos de sentido interpretados nesta análise, conseguimos observar o caráter não linear,
diversificado e regionalizado da constituição da memória discursiva dos ILS do Brasil, havendo um
jogo de poder e forças, ainda que inconsciente, marcado por filiações diversas.
Certamente que este ensaio de análise é o primeiro passo, contudo de uma
significância ímpar, na construção do meu caminho enquanto pesquisadora e analista do discurso,
sujeito a críticas e a posicionamentos diversos.
Referências Bibliográficas