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Índice
1 A improbabilidade de comunicar 2
1.1 Superar a improbabilidade da comunicação . . . . . . . . . . 2
1.2 A linguagem e os Sistemas Psíquicos . . . . . . . . . . . . . . 5
1.3 O Papel da indeterminação e da recusa na Teoria dos Sistemas
e da Comunicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2 Bibliografia 25
section
A improbabilidade da comunicação assume uma importância basilar na teoria
da comunicação que Niklas Luhmann erigiu. O autor considera a comuni-
cação como uma operação improvável de se concretizar mas necessariamente
superável para poder chegar a realizar-se. Na teoria da comunicação do au-
tor, a comunicação é domínio e exclusivo dos sistemas sociais, ao invés de ser
dos sistemas psíquicos. Esta é uma das temáticas sobre a qual este trabalho
se debruça, nomeadamente nos meios de comunicação, responsáveis por essa
concretização: a linguagem, os meios de difusão, e em especial nos meios de
comunicação simbolicamente generalizados.
Este trabalho, incidindo no papel da indeterminação e da complexidade na
comunicação, também analisa esses conceitos como variáveis independentes,
causadores da improbabilidade, e sobre os quais os sistemas sociais emergem.
No entanto, consideramos que a indeterminação e complexidade assumem um
papel paradoxal. Se é sobre eles que os sistemas sociais se definem, reduzindo-
os à comunicação, estes sistemas também produzem complexidade e indeter-
minação que a comunicação acaba sempre por provocar. Especula-se assim,
sobre a circularidade e aparente infinitude da comunicação.
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1 A improbabilidade de comunicar
Se a comunicação é o dispositivo fundamental da dinâmica evolutiva dos sis-
temas sociais, o conceito da improbabilidade da comunicação de Niklas Luh-
mann, juntamente com o de complexidade, subjazem à teoria dos sistemas
sociais do autor. Apesar da improbabilidade, a comunicação afirma-se como
uma condição ultrapassada pelos sistemas sociais, que Luhmann elege como
os únicos que são capazes verdadeiramente de o fazer. Poder-se-ia dizer que
toda a sua obra é erigida sobre esta temática, com um enfoque metodológico
e conceptual nos sistemas sociais face a todos os outros, inclusive os sistemas
psíquicos, que, segundo o autor, representam o indivíduo. Luhmann na sua
obra, tentou desmontar a superação dos sistemas sociais face à complexidade
e à improbabilidade, e resolver a relação entre esses sistemas e os sistemas
psíquicos.
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reduzir.
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construindo o social, tal como são válidas as diferentes observações que se po-
dem obter do tempo e espaço. De resto, Luhmann recusou uma determinada
percepção local que imperava na sociologia e propôs uma unidade complexa,
uma “sociologia da sociologia” (Luhmann, 1998: 8), para poder ultrapassar a
barreira da observação local dos sistemas sociais.
Luhmann considera que ”a comunicação é a criação de uma realidade
emergente, nomeadamente da sociedade, que por seu lado, assenta na repro-
dução contínua da comunicação pela comunicação” (Luhmann, 2006: 71), mas
para o autor, a “ (. . . ) emergência não é simplesmente acumulação de com-
plexidade, mas irrupção e novo começo da construção de complexidade (. . . )”
(Luhmann, 1998: 46).
Podemos interpretar que a realidade emergente de que Luhmann fala, cor-
responde ao real como está ilustrado na figura 2 e é produzido pela comuni-
cação de uma forma contínua e circular. Isto significa que o real, neste ex-
ercício de abstracção, é qualquer objecto de estudo psíquico ou social que os
respectivos sistemas possam considerar, ou seja “tudo o que diga respeito ao
viver e ao agir” (Luhmann, 1991: 112). Como comenta Pissara Esteves na
apresentação de “A improbabilidade da comunicação” de Niklas Luhmann: “
No fechamento do processo de comunicação reencontramo-nos, assim, com
a complexidade do mundo (. . . ) Não se trata, portanto, verdadeiramente de
um fechamento, mas tão-somente de um ciclo de auto-referêncialidade que
se completa, para, em movimento contínuo, novo ciclo se iniciar” (Luhmann,
2006: 35-6). Se tomarmos como válidos aqueles pressupostos podemos então
delinear o nosso construto e começar a explicar aquilo que designamos pelo
ciclo da comunicação (cf. figura 1).
Luhmann sublinha a existência de uma relação de estreita dependência en-
tre informação e comunicação. A “ (...) distinção entre comunicação e infor-
mação é elemento constituinte da unidade de comunicação” (Luhmann, 1991:
164). Isto é, a comunicação consiste no resultado de uma operação da difer-
ença e ela própria é uma diferença que produz formas; sistemas sociais criados
e emergidos de um ambiente isomorfo – demasiado complexo para os sistemas
psíquicos lhe reconhecerem ou darem uma forma. O autor é bem explícito
nesta relação directa e circular entre a informação e comunicação: “ (. . . ) a
própria comunicação transforma-se em informação do processo de atribuição,
com base na informação que fornece.” (Luhmann, 1991: 164). Sem esquecer
que “a diferença entre comunicação e informação, (. . . ) só pode converter-se
numa prática regular e com resultados previsíveis com a ajuda da linguagem.”
(Luhmann, 2006: 146), informar não significa comunicar. Quando se trata de
informação falamos essencialmente na “selecção da reunião de informação”
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tificado que transforma o real em informação. Esta, por sua vez, quando é
percebida e aceite, com a publicação de uma dissertação ou artigo científico,
faz emergir uma nova realidade, um outro real. De forma equivalente pode-
mos dizer que a politica, a religião, as relações intimas, ou a arte, desde que
comunicadas e aceites, são criação de uma realidade emergente, de um outro
real. Podemos concluir que o real tem como que uma imensa quantidade de
informação a ser “libertada”, uma enorme complexidade a ser reduzida. Por
sua vez, a informação enquanto real libertado vai possibilitando, num ciclo
contínuo, a concretização dessa redução numa nova comunicação, na com-
preensão e aceitação dessa complexidade, numa nova realidade. Depois novo
ciclo da comunicação se inicia.
A reunião de informação implica dois tipos de meios de comunicação: a
linguagem, sobejamente tratado por Chomsky e os meios de difusão. Ora, estes
meios não garantem a comunicação, como de resto todos eles, e muito menos
garantem a sua aceitação.11 Para tal terá que se contar com os meios de comu-
nicação simbolicamente generalizados. Eles são em si mesmos meios de con-
tingência favoráveis à sua aceitação. Fazem aceitar por exemplo o “poder” face
à dificuldade de aceitar a violência física ou fazem aceitar o “amor” baseado na
paixão perante o carácter antropológico, primário, das relações íntimas e sexu-
alidade. Como já se viu, os meios de comunicação simbolicamente generaliza-
dos são os que melhor garantem a produção de real. No entanto, não sendo in-
dispensáveis à comunicação, o que é que aqueles meios de comunicação acres-
centam aos outros meios, nesse processo de criação, ou seja à comunicação?
A comunicação entendida mas não aceite, é invisível no social, e por isso é
indeterminada, “escura” aos outros e é composta por acontecimentos e acções
indeterminados, que criam também, desde logo, um real indeterminado. Por
outro lado, a comunicação aceite é “clara”, gera mudança de comportamentos
e portanto cria um real visível e determinado, apesar de mais tarde também
ele acabar por se transformar em indeterminação (cf. figura 2). Seguindo essa
linha de raciocínio, os meios de comunicação simbolicamente generalizados
conseguem instantaneamente e mais provavelmente de que os outros meios
produzir uma comunicação aceite; criar, determinar, realidades visíveis, ape-
sar destas também acabarem por se transformar num real indeterminado (cf.
figura 2).
Esta sucessão de estádios de determinação/indeterminação constitui o mo-
tor de toda a teoria dos sistemas, e é, de igual forma, sustento de toda a teoria
de comunicação. Segundo esta perspectiva, é a indeterminação e complexi-
11
Lembramos que na perspectiva luhmaniana a comunicação pressupõe 3 selecções. A 4.ł
selecção consiste na sua aceitação (Luhmann, 1998:144-8)
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são entre o sim e o não ultrapassa aquilo que o “amor” enquanto meio de
comunicação simbolicamente generalizado é capaz de codificar.
Cremos que essa antecipação, esse momento, é precisamente o aceitar
mas só e enquanto predicado indispensável à acção. Entendemos assim que
a aceitação como uma pré-disposição, uma antecipação para o concordar ou o
discordar. Ou seja, é um momento gerador, porque condiciona objectivamente
comportamentos e condutas, para além da concordância e recusa. Por isso,
mesmo enquanto premissa de comportamentos, deverá ser considerada social-
mente relevante e não enquanto ruído como Luhmann o considera. Aquilo que
Luhmann considerou como sinal de risco da autopoiesis do sistema psíquico,
ou seja emergência das emoções provenientes das percepções dos indivíduos,
e por isso provenientes do seu ambiente (ruído), pode ser também geradora de
comunicação desde que o outro a entenda e a aceite. Se assim for, o indivíduo
apesar de continuar a necessitar dos sistemas sociais para se fazer entender,
torna-se parte activa do processo comunicativo. Porque afinal o sistema social
não “percebe” propriamente as emoções. Precisa dos sistemas psíquicos para
isso.
Temos assim que a codificação mesmo que encarando a aceitação como
uma premissa, não escapa à sucessão de estádios de determinação/indetermi-
nação. Vejamos o exemplo da verdade ou da não-verdade no sistema da ciên-
cia. Essa codificação vai-se traduzindo em elementos indeterminados – que
surgem principalmente após a dúvida e recusa – para serem depois distingui-
dos e seleccionados em informação através de novas investigações científicas,
para depois, por exemplo, através da publicação de um artigo cientifico, ser
comunicada isto é, entendida e aceite (determinada) numa nova verdade ou
não-verdade. O mesmo acontece com o lícito ou o ilícito no subsistema ju-
rídico. Veja-se a influência dos advogados nas sentenças e recursos nos pro-
cessos cíveis e criminais. Quantas vezes os códigos dos meios de comuni-
cação simbolicamente generalizados geram dúvidas, sujeitas a confirmação e
se transformam em valores distintos14 (0 ou 1). E é também por essa constân-
cia da indeterminação e complexidade que a comunicação, apesar de tudo, é
improvável.
Os meios de comunicação simbolicamente generalizados, como especial-
mente aptos para fazer aceitar a comunicação, criam condições para gerar in-
formação, num processo de interdependência, circular, patente para o Luh-
mann quando refere que o “âmbito da comunicação surge especificado através
14
Observe-se que estes processos identificados são válidos para todos os meios de comu-
nicação simbolicamente generalizados: o poder, o dinheiro, a moral, a verdade e o “amor”
(Luhmann, 2006: 47)
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mais eficazes para a fazer aceitar, acaba por reforçar a tese de Luhmann, ou
seja é na indeterminação e improbabilidade, detonadas pela recusa, onde os
meios simbólicos são mais pertinentes e eficazes. A aceitação – que nós de-
rivámos noutro momento do acto comunicativo, na concordância – surge como
a outra possibilidade de enlace, apesar de menos produtiva. Os meios de co-
municação simbolicamente generalizados são precisamente o tipo de meio de
comunicação mais capaz para combater a improbabilidade de fazer aceitar a
comunicação, originária da indeterminação que a recusa gera. São eles que
melhor transformam a indeterminação em determinação e por isso fazem cul-
minar mais eficazmente a transformação da improbabilidade em probabilidade.
Mas há diferença entre os conceitos de determinação e probabilidade ou entre
a indeterminação ou improbabilidade. Os primeiros (determinação e indeter-
minação) referem-se à possibilidade de calcular e os segundos (probabilidade
e improbabilidade) ao número de ocorrências. É muito possível a ocorrência
de um acontecimento num domínio indeterminado. Como refere Luhmann,
“podemos discordar ou dizer algo inesperado sem se tornar inteligível. Pode-
mos comunicar mensagens novas, surpreendentes e perturbadoras e, mesmo
assim, ser compreendido” (Luhmann, 2006: 114). Por outro lado, também
é possível a manifestação da improbabilidade num domínio determinado. O
conhecimento não implica ocorrência. Estes conceitos assumem naturezas dis-
tintas: enquanto que a “improbabilidade” assume uma natureza dependente,
a “indeterminação” uma natureza independente. Falta, para perceber melhor
a relação entre eles, introduzir um outro conceito: o da complexidade, me-
dida pelo número de relações entre elementos. A improbabilidade aparece-nos
como um produto resultante de uma operação de multiplicação entre a inde-
terminação e a complexidade16 . Como o número de elementos nas sociedades
modernas (acontecimentos, acções, etc.), é imenso numa determinada unidade
de tempo, só um pequeno número acaba por ser conhecido porque a quanti-
dade de relações efectuadas entre eles é também reduzida. Como resultado
temos a improbabilidade; a improbabilidade de comunicar.
Se todos os elementos fossem percebidos pelos sistemas sociais; se fossem
todos determinados, as relações possíveis entre eles, acabariam também por ser
todas conhecidas; se o domínio de elementos fosse determinado, chegava-se a
um limite temporal ainda que longínquo, em que os sistemas sociais acabariam
por estabelecer todas as relações possíveis17 , e com isso acabariam por trans-
formar a comunicação numa operação provável, comum, e dispensar definiti-
16
(in) determinação x complexidade = (im) probabilidade
17
Luhmann também aborda o factor tempo na relação entre os sistemas complexos e se-
lecção. Ele observa que se o tempo fosse ilimitado, não condicionaria a selecção nos sistemas
complexos e poderiam harmonizar-se como um todo (Luhmann, 1998:63).
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Por outro lado, ao ser ela própria também um dos mecanismos da comunicação
– apesar de não ser, de acordo com Luhmann, o principal nas sociedades mod-
ernas e mais complexas – opera comunicação nos sistemas sociais. No entanto,
e “em compensação há que pagar o preço de uma nova diferença”. Esta difer-
ença distingue a “ (. . . ) realidade real e outra fictícia (apesar de haver um só
mundo) (. . . )”, e ajusta-se porque “podemos estar sempre em acordo ou em de-
sacordo com o que foi dito” (Luhmann, 2006:146). Na nossa interpretação, a
linguagem é suficiente para traduzir o real (realidade real) ou a indeterminação
que dela provém, em informação e que associamos ao que Luhmann se referiu
como realidade fictícia produzida pelos sistemas psíquicos, consumando as-
sim a 1.ł e 2.ł selecção do processo comunicativo. No entanto, neste estádio
do ciclo comunicativo ainda não estamos a tratar propriamente de comuni-
cação. Para isso, nas sociedades modernas e de acordo com Luhmann, são
necessários sistemas sociais que têm a função exclusiva de fazer entender essa
informação (a 3.ł selecção do processo de comunicação). Utilizam os mecan-
ismos dos meios de comunicação, especialmente os meios de comunicação
simbolicamente generalizados, como os mais aptos para consumar a comuni-
cação. Depois de consumada, necessita produzir condutas distintas, geradoras
da emergência dos sistemas sociais e de evolução social. E é nesta fase que
esses meios de comunicação adquirem a sua principal função: a aceitação que
segundo Luhmann constitui a quarta selecção de que é composta a comuni-
cação. Este estádio fecha o ciclo da comunicação e corresponde à criação do
real que associamos à realidade real referido pelo autor (cf. fig.1).
2 Bibliografia
Alvey, J, et all, (1995) Formas de comunicação, Lisboa: Teorema
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