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A ARTE

DO POETA
Livros publicados
de MURILLO ARAUJO

EM VERSOS:

A Galera
Carrilhões
Árias de Muito Longe
A Cidade de Ouro
A Iluminação da Vida
As Sete Cores do Céu
A Estrela Azul
A Escadaria Acesa
O Palhacinho Quebrado
A Luz Perdida
O Candelabro Eterno
Poemas Completos (em três volumes)
Ronda de Natal
Meus Poemas Diletos (Antologia)

EM PROSA:

Inspetor Geral (tradução)


Aconteceu em Nossa Terra (pequenos casos de grandes homens)
Ontem ao Luar (vida romântica de Catulo)
A Arte do Poeta
Quadrantes do Modernismo Brasileiro
Histórias do Brasil Menino
MURILLO ARAUJO

A ARTE
DO POETA
4• EDIÇÃO

LIVRARIA SÃO JOSÉ


RUA SÃO JOSÉ, 70
RIO DE JANEIRO

I9 7 3
íNDICE

PRóLOGO 9
I. POESIA COMO CONCEITO 11
2. POESIA COMO FORMA 13
3. OS TR!S ESTADOS DO POETA 14
4. FORMAÇÃO DO VERSO 16
Número e harmonia 16
Sons fortes e fracos 18
Unidade 19
5. ELEMENTOS DO RITMO 20
Tempos e sua divisão 20
Versos elementares e versos compostos 21
Valor da pausa e do meio-tempo 23
6. PRINCIPAIS VERSOS COMPOSTOS 26
7. TERMINAÇÃO DOS VERSOS 37
Agudos, graves, esdrúxulos "

Brancos, rimados, toantcs 38


8. CONSIDERAÇõES SOBRE RIMA 41
9. DISPOSIÇÃO DAS RIMAS 43
10. G!NEROS POÉTICOS 49
li. G!NEROS CLÁSSICOS 51
12. A CESURA 58
13. POEMA POLIMÉTRICO 61
14. VERSO LIVRE MODERNO 64
15. ELEMENTOS DA EPRESSÃO POÉTICA 67
Som das palavras 67
A ordem das palavras 71
A inflexão das palavras em grupo 72
16. O IDIOMA DO RITMO 73
17 O ANDAMENTO POÉTICO 76
18. CONCEITO DA NOVA POESIA 78
19. DESVIRTUAÇõES DO MODERNISMO 83
20. TEORIA DA IMAGEM 87
2 1. o TIMBRE VERBAL 96
O instrumento poético 96
Correlações das vogais 97
Aplicação 102
22. A LIBERDADE E O POEMA 104
23. O REAL E O POÉTICO 108
PRóLOGO

NECESSIDADE DA POESIA

Quem poderia dizer sinceramente que os dias


de h oje ostentam um clima de céu azul para a
poesia, O público se afasta pouco a p o uco de
poemas e poetas.
E os poetas só não deixam a arte q uando é
tão v iva sua vocação que morreriam sem ela .
A crise tem três origens: nasce da vida, do
público e do artista.
A vida - se tornou brutal, o d iosa, mesqui­
nha, dominada pelo automatismo das máq uinas.
pela sede do ganh o e dos prazeres, estéril e pro­
saica como uma novela de cordel.
O público - é a massa dos contemporâneos_.
massa de calculistas gananciosos, massa de um
tempo de ambição e de ódios em que os fortes
se atiram em hordas sobre os fracos, homens sobre
h omens e nações sobre nações.
O artista - é alguém esquecido de sua alta
missão,· alguém q ue transige com o vulgo,· que
fala mal o i d ioma d e sua arte e troca a técn ica

9
perfeita, que permite exprimir integralmente a
alma, por um balbucio improvisado e ineficaz;
alguém que perdeu a força e o arrojo nos cantos
para tornar-se frouxo e céptico e cínico a tal ponto
que sua Musa o abandonou.
Eis por que enlanguece a Poesia - essa Poesia
que é não só a alma essencial de toda a arte como
o próprio espírito da Vida.
Sem ela, sem sua luz de sentimento e criação,
não passaríamos de uns macacos barbarescos.
E é maior seu destino nos momentos como
estes, conturbados e trágicos. Porque sua voz é o
clarim do heroísmo, a sanfonina da pureza alegre,
o harmônio do sonho alto que nos eleva para o
eterno e para Deus. Ela não aconselharia jamais a
trapaça, a falsidade, a exploração, a usura, os pre­
conceitos raciais, a tirania, a tortura, o imperia­
lismo ou a guerra . . Seu verbo exaltou sempre o
que há de puro e iluminado no mundo - a in­
fância, o amor, o sacrifício, a coragem, a união,
a paz, o bem.
A terra atormentada precisa de poesia. Temos
o dever de não deixar morrer essa força de reden­
ção. Não corn criptogramas sonâmbulos, mais es­
téreis do que os solilóquios simbolistas. Não com
pilheriazinhas secas, 1·imadas ou não, mas sutis e
intelectuais tanto quanto canalhas . Mas com a
palavra que nasce do coração fraterno e ressoa ca­
lorosa de humanidade e de compreensão pela vida,
sua beleza e sua angústia.

10
I.

POESIA COMO CON CEITO

A missão divina de toda a arte é "recréer la


vie d'apr�s une autre volonté" Essa ;r isão nova e
harmoniosa das coisas, que nasce do entusiasmo
ou da dor, é a Poesia. Ela apresenta os seres mais
humildes, os aspetos triviais ou até miseráveis da
existência, com auréola desconhecida, numa re­
denção transfigurada.
Qualquer fato apresentado sem sentimento,
em suas meras circunstâncias reais, numa exatidão
fria, nunca seria um tema de novela ou de poema,
mas uma simples noção científica. Para a sensação
poética não basta a observação; é preciso o dom
divinatório que nos dê a impressão de que a cousa
observada acaba de ser descoberta. Uma forte emo­
ção que ponha em j ogo as forças da alma pode ge­
rar esse condão do lirismo.
A criança sente muitas vezes tão pura alegria.
Deslumbra-se a cada passo com o mundo. E ou o
descobre ou o recompõe com o prdígio de um en­
tusiasmo virgem. Toma um pobre caquinho de

11
vidro colorido e vê nele um tesouro das índias.
Sua emotividade puríssima facilmente se alvoroça.
Pois bem. " Quem não for como esses pequeninos
não entrará no Reino dos Céus" da poesia.
A criança, todavia , se tem o conceito poético
genuíno, não possui elementos para a sua expres­
são integral. Sua alma balbucia mas não fala ainda
o idioma das artes. É bem difícil para ela esse idio­
ma que murmura em música.

12
2.

POESIA COMO FORMA

É melódica a linguagem poética, porque toda


emoção tende a criar ritmos. Assim é, e assim foi
desde a infância do mundo. Quando o homem não
falava ainda, nem pintava, já as emoções que o
empolgassem - o amor, a ira, a guerra ou a morte
- transmudavam-se em ritmos; e o primitivo dan­
çava.
Entretanto quem fala definindo apenas, agar­
rado apenas à verdade das causas, sem o abalo da
comoção criadora, jamais terá no estil o a cadên­
cia, a bela ordem, que é o espírito da vida .
N unca um ritmo brotou do aranzel de um notá­
rio ou da caixa de um contabilista de banco .
Mas mesmo na prosa de um Carlyle ou de um
Alencar há tempestades de harmonia.
É justa a definição de Paul Valéry :
" Idéia Poética é aquela que posta em prosa
exige ainda o verso"

13
3.

OS TRtS ESTAD OS D O POEMA

Observam-se no fenômeno poético três opera­


ções diferentes : o Estado de Graça, o Milagre, a
Realização.
O primeiro é o enlevo, o fervor que prepara
a ação prática -contemplação.
O segundo - a emoção propulsora que move
os elementos do mundo e que os transmuda -
imagznação.
A terceira - a linguagem harmoniosa que fixa
e transmite às outras almas o momento poético­
expressão.
Esses três estados se sucedem sem esforço, com
a lógica da vida. De um conceito germinai, de um
pensamento de origem, vai brotando folha a folha,
como um organismo vegetal, o poema; porém
cresce com ritmo cujo tema inicial é a primeira
idéia, é a semente.
É uma criação com todas as tendências natu­
rais. Nunca houve uma palmeira em que brotasse,
entre as palmas, um ramo anormal de figueira ou

14
de murta. Essa concordância de elementos não
significará monotonia. "A variedade na unidade"
é a norma de todas as cousas que vivem. E é a do
poema também.
Por essa formação instintiva, a atividade do
poeta tem de ser espontânea. Ou é fácil ou é im­
possível. Sem a legítima emoção não se alcança a
perfeita expressão. Quem estiver em estado de
Graça, e só esse, fará o miagre; e o perpetuará na
forma absoluta.
Como a arte, entretanto, é linguagem, o do­
mínio do idioma artístico, dos recursos que lhe
são próprios , deve ser completo e integral como o
de qualquer outro idioma.
Devemos compor como falamos, sem esforço,
dormindo até. E, para isso, é necessário que o ar­
tista possua perfeitamente uma técn·ica, que lhe
permita exteriorizar plenamente o que imagina.
É necessário que conheça tudo que seja a teo­
ria de sua arte.

15
4.

FO RMAÇÃO D O VERSO

NúMERO E HARMONIA

Toda beleza, nascendo da ordem e sendo su­


jeita a um ritmo, se marca pela quantidade de
tempos desse ritmo. Há um número em toda har­
monia.
O verso é uma sucessão ordenada de sons
verbais.
O número desses sons determina o movimen­
to do ritmo.
Chamaremos som o conj unto de fonemas
emitidos ao mesmo tempo. Julgamos útil a adoçã o
da designação som para substituir a denominação
imprópria de sílaba adotada nos compêndios de
metrificação, a qual poderia causar confusões.
A contagem dos elementos sonoros do verso
não coincide com a das sílabas feita gramatical­
mente. Enquanto estas se processam de palavra em
palavra, separadamente, no verso os fonemas se
contraem em elisões, com a abstração das palavras

16
em que se encontrem formando sons) desde que se
p ronunciem simultaneamente:
Assim enquanto o gramático marca oito síla­
bas na expressão
Na Jve J os Jci Jlan Jte J aJlém
1 2 3 4 5 6 7 8

o poeta contará apenas seis sons:


Na Jve os Jci J lan J te a j lém
....... '--"

1 2 3 4 5 6

Os elementos do verso se formam mediante o

seguinte princípio:
A s vogais próximas fundem-se num som quan­
do emitidas ao mesmo tempo ou ainda quase ao
mesmo tempo:
An Jsie Jda Jde
1 2 3
Na expressão oJde_jJâmJbi(ca fazem elisão o
e e o i; mas o ã pronuncia-se destacadamente, per­
tencendo a outro som .
Também há fusões no meio das palavras:
In Jquie Jtu J de
...__,

Podem fundir-se no mesmo som três ou mai<J


vogais, desde que enunciadas em tempo muito
próximo :

17
"Se a segunda casasse eu mesmo iriJa à iJgreja"
"Jesus expiJra o huJmilde e grande obreiro"
"EsJta é aJ ditosa pátria minha amada"
A fusão pode ser feita com a omissão de uma
das vogais na pronúncia, exemplo moJte inJgênuo
(motigenu) ou com a pronúncia de todos:
BeJbo àJ Vida!
,____.

Quando a segunda ou a terceira vogal é for­


temente acentuada não se dará absorção, uma vez
que não se formará ditongo:
Só J eu

SONS FORTES E FRACOS

Adotada a noção de que os versos se formam


de sons, poderão esses ser divididos em fortes e
fracos.
Os primeiros recaem na sílaba tônica; corres­
pondem aproximadamente à denominação de lon­
gos dada aos pés dos versos gregos e latinos.
Os segundos, átonos ou fracamente acentua­
dos, correspondem às velhas sílabas breves.
Na formação dos versos contam-se os sons até
o último som forte. Consideram-se sons fracos
finais com um prolongamento da vibração do som
forte que os precedeu .
18
UNIDADE

É falsa a noção de que os versos são elementos


inteiramente independentes, uns dos outros, na su­
cessão do poema. A composição, poética ou musi·
ICal, deve ter uma unidade. O mesmo elemento
formador de ritmo há de atuar nos versos de uma
como nos compassos da outra. O ritmo poderá,
entretanto, ser mudado se as necessidades da ex­
pressão o exigirem.

19
5.

ELEMENTOS DO RITMO

TEMPOS E SUA DIVISÃO

Como as células de um ser vivo se ordenam,


como as folhas se agrupam formando um ramo
- ass1m os sons formam tempos e esses tempos
formam versos, que deverão depois formar o
poema.
Chamaremos tempo a um conjunto de sons.
Dividiremos os tempos em atenuados ou mar­
cados, conforme entrem na sua composição, em
dada ordem, os sons fortes e fracos.
Usando dos sinais dos antigos para as sílabas
longas e breves em relação, respectivamente, aos
sons fortes e fracos, teremos as seguintes varieda­
des de tempos:

Atenuados { - nome, lindo


_.._,.. _..._,

- - lágrima, trêmula
- .._., .,_.. - .._., .._.,

20
Marcados { :: _
amor, voraz
.__,..- .._,-

infeliz, ascensão

VERSOS ELEMENTARES E
VERSOS COMPOSTOS

Os tempos , agrupados harmoniosamente, cons­


tituem os versos ; esses são, pois, formados de sons
dispostos em tempos . E poderão ser divididos em
elementos e compostos .
Os primeiros são gerados por um único tem­
po, com 1, 2 ou 3 sons.
Com dois sons e tempo marcado:
"so j nhar,
1 2
so j frer,
1 2
pas j sar,
1 2
mor j rer"
1 2
Com um som e tem,po atenuado:
"Ave
1
Sempre -
1

21
grave,
I
forte­
I
ave
I
sempre,
I
suave
I
Morte ! "
I

Com três sons :


"Do j lo j rida
I 2 3
e ! fa l tai
I 2 3
su j ce l ssão
I 2 3
ré j ge a j vida :
-
I 2 3
ce j les Itial
I 2 3
a as j cen j são .
I 2 3
in j fer j nal
I 2 3
22
a / des / cida"
l 2 3

Como esses versos se sucedem acima forman­


do estrofes, também poderiam agrupar-se forman­
do dois únicos versos, que chamaremos por 1sso,
versos compostos:
"Do / lo / ri / da e / fa [ tal / su / ce / ssão / re / ge a / vida
-
l 2 3 4 5 6 7 8 9 lO 11 12
Ce / les / tial- / a as / cen / são, / in / fer / nal / - a / des / cida"
l 2 3 4 5 6 7 8 9 lO 11 1 2

Os versos elementares, assim dispostos, com­


puseram dois alexandrinos ou versos de 12 sons.
Os versos que contêm mais de um tempo são, pois,
versos compostos.

VALOR DA PAUSA E D O MEIO-TEMPO

Como na música, nada impediria que um


desses sons elementares do ritmo fosse substituído
por uma pausa, desd e que natural e determinada
pela expressão. Uma reticência, uma pequena du­
ração de silêncio deveria ser contada no ritmo.
E tal coisa sucede às vezes, quando, depois de ver­
sos mais ou menos longos seguem-se de súbito
versos pequenos sem que o ouvido estranhe : a
pausa preenche o compasso .

23
Não têm sido, porém, contadas até hoje as
pausas nos metros clássicos que serão estudados
adiante.
Os versos de um único som contêm quase
sempre, implicitamente, uma pausa anterior. Ei-la
representada pelo sinal de reticência ( . ) neste
.

exemplo:
"Que fazer para ser como os felizes?
(. - Ama!"

A contagem dos sons nem sempre pode ser


feita rigorosamente.
Em com!pa!ssa!da!mente os sons destacam-se
martelados, em exatidão. Mas a expressão
Cascatear do luar

poderia ser dividida:


cas! caltear Ido ! luar
- -

ou
cas!ca!te!ar Ido llular
No primeiro caso teríamos um verso cheio.
No segundo teríamos um verso frouxo pela
presença de dois hiatos: teiar e luiar.
Tendo-se em mente a analogia existente entr(3
o processo musical e o poético é aconselhável, sem­
pre que houver um hiato num verso, contrabalan-
24
çá-lo com um som bem cheio, ou vice-versa. Ê o
que fazem os bons poetas guiados pelo ouvido e o
instinto:
" Oh / por / que / vos / não ou/vi / quan / do a / in / da e]
ra crian / ça?"

Nesse verso de Alphonsus de Guimaraens, o


som pletórico, o som não ou é compensa do pelo
hiato: a/in/da. -

25
6.

PRINCIPAIS VERSOS COMPOSTOS

Eis suas estruturas:

VERSOS DE QUATRO (4) SONS

Compõem-se:
De dois versos de dois sons em tempo mar·
cada:

E quan l do a aurora
2 2
aflo l ra mansa,
vão lo l go embora,
vão lo I go em dança,
na som Ibra mansa.
Ou, em tempo atenuado) de um verso de um
som eum de três:
Lu l a de cêra,
1 3
pá I lida morta.
26
Ambas as formas desse metro poderão mistu­
rar-se na mesma estrofe, o que, longe de prejudi­
car o ritmo, lhe dará graça e variedade:

Não anjdam fadas


2 2
descabeladas
pejlas estradas
l 3
cor jde luar?

VERSOS DE CINCO (5) SONS OU REDONDILHA MENOR

Compõem-se:
De um verso de dois e outro de três sons:

As onjdas noturnas
2 3
ao ven Ito do norte
babujjam nas furnas
uivanjdo de morte

Sonha o venjto brando,


3 2
sonha desjfolhando
teu cabejlo louro,
crisântemo de ouro.
27
De um verso de um som seguido de dois
versos de dois sons:
DorJme um peJquenino.
1 2 2
leJves já Jvêm vindo,
com Jseu linJdo andar,
linJdas faJdas no ar.
ToJdas rinJdo, rindo,
queJrem-no aJcordar

VERSOS DE SEIS (6) SONS

Formam-se:
a) de três versos de dois sons:
Sei que JperiJgo é o meu,
2 2 2
ComiJgo há a dor Jque eu urdo,
Meu iJnimiJgo surdo
Fui eu, lsou eu, Jsou eu, Jpois eu.
b) de dois versos de três sons, de andamento
mais rápido:
Porque estruJgem dobrados
3 3
Com clarins Je tambores?
Porque paJssam soldados
e nas arJmas têm flores?!
28
VERSOS DE SETE (7) SONS OU REDONDILHA MAIOR

Compõem-se:
De um verso de três sons e dois versos de dois
sons, em ordem que pode variar na estrofe:
Can J ta o ria J cho dormindo,
canta o ma J to, can J ta o mar.
3 2 2
E os as I tros com o can J to lindo
2 3 2
chega J ram pa l ra dançar.
2 2 3

De um verso de um som, seguido de dois de


três sons ou de três de dois sons:
ó I coração I passarinho -
1 3 3
Can l ta, can J ta, co J ração!
1 2 2

VERSOS DE OITO (8) SONS

Formam-se:
De dois versos de quatro sons, com uma tô­
nica obrigatória no quarto:
E indagarei: J minha alegria
4 4
para onde foi J na noite fria?
que sege de as J tros a levou?
29
Pois só verei, Jna sala acesa,
a Morte, a úlJtima princesa,
que inda bailanJdo me esperou!

Não é usado, mas poderia ser composto, um


verso de oito sons, com dois versos de três sons e
um de dois sons:
Meu amor JdormiJa inocente;
3 2 3
mas te viu; Je ao sol Jda alegria
despertou JcantanJdo contente,
vendo, à luz Jdo céu, Jque era dia o o o

VERSOS DE NOV E (9) SONS

Existem:
a) de tempo marcado e rápido, formados de
três versos de três sons:
Ao compaJsso dos paJssos que damos
3 3 3
desbravan Jdo este virJgem torrão,
tombarão Jfrutos de ouJro dos ramos
e tesouJros do pó Jsurgirãoo

Castilho afirma que os versos dessa formação


ficam belíssimos; e que "qualquer outra compo­
sição deturparia a medida" Entretanto muito mais
o

harmonioso é o que veremos a seguir o

30
h) de tempo atenuado} mais lento} resolven­
do-se em dois versos de quatro sons, o primeiro
dos quais com a terminação grave que não se elide
com o primeiro som do segundo:
"Pobres de poj bres jsão pobrezinhos.
4 4
almas sem lajres javes sem ninhos.
4 4

Pode o primeiro verso de quatro sons ter


também a terminação proparoxítona, e nesse caso
deverá o segundo começar em vogal que absorva
o último som daquele primeiro verso:
''Vaga, notâmj bujla a jparição"

VERSOS DE DEZ (10) SONS OU VERSOS HERóiCOS


PORTUGUESES

Formam-se:
a) de um de seis e um de quatro sons que
se resolvem:
1) em três de dois + dois de dois sons:
jA flôr jda paz jcomo ujjma estrêjla rara.
2 2 2 2 2
2) em dois de três + dois de dois sons:
. como a lâmjpada de oujjro da jlegenda!
3 3 2 2
31
3) em um de um som + um de três + três
de dois:
Somjbra, e na somjbra eu penjjso em desjcalabros ...
I 3 2 2 2

b) de um de quatro sons + um de quatro,


+ um de dois:
Como as folhajfgens da esperanfça amparam!
4 4 2

VERSOS DE ONZE (11) SONS

Há duas espécies dessa medida em nossa


língua:
a) os de tempo marcado) com um verso de
dois sons seguido de três, de três sons.
"A fronfte nas nujvens, os pé [sobre o mar"
2 3 3 3

b) Os de tempo atenuado) formados de dois


versos de cinco sons, o primeiro com terminação
grave sem elisão com o segundo; ou de terminação
esdrúxula se houver essa elisão:
No jardim de confjchas I do almirante Taylor
cuja areia claffra I recordava o mar
voaram os dias, que ejjram I como borboletas,
como jóias têffnues I na alegria do ar.
32
VERSOS DE DOZE (12) SONS OU ALEXANDRINOS

Consideraremos três espécies desse metro, que


chamaremos: alexandrinos clássicos> familiares c
espanh óis :
O alexandrino clássico é formado de dois ver­
sos de seis sons, dispostos de maneira que o seu
conjunto conte doze sons. Para tal é necessário que
a terminação do primeiro verso de seis sons seja
aguda; ou que, sendo grave, faça elisão com o pri­
meiro som do segundo verso que o compõe.
A esta peculiaridade do sexto som, que deverá
por isso ser fortemente acentuado chamamos he­
mistiquio. Denominação também dada a cada uma
das métodos do alexandrino clássico. Exemplo de
alexandrinos clássicos:
Doze brados. A dor li desceu do cé à terra
6 6

desceu do céu ao mar li na noite constelada .


6 6
O céu reza; o mar sollnha e !pelos ventos erra . .
.

O alexandrino que chamaremos familiar é


um verso de doze sons composto de três de quatro
sons, sem a obrigatoriedade do hemistíquio no
sexto som:

33
"Intensamenllte, imensamenllte, eternamente"
4 4 4

Grandes poetas têm empregado esse alexan­


drino tricesurado, acrescentando, às duas cesuras
do precedente, outra no sexto som. Eles o mistu­
ram aos alexandrinos clássicos, emprestando assim
maior vareidade e colorido ao ritmo, embora lhe
acrescentem o hemistíquio no sexto som:

"Verá passar, !verá llsorrir, !verá brilhar"


4 4 4

Muito harmonioso é o alexandrino que apre­


senta na formação quatro versos de três sons, como
este de Hermes Fntes:
"Esperanlça, esperanllça, esperanlça, esperança!"
3 3 3 3

O alexandrino espanh o l é a justaposição pura


e simples de dois versos de seis sons, sem o hemis­
tíquio, de sorte que o conjunto poderá dar a soma
de treze ou mesmo quatorze sons:
"?Quién volara a la tie[rra [donde un principe existe ...
6 6

La princesa está pa[Iida [a princesa está triste"


6 6

34
VERSOS DE TREZE (13) SONS

Os versos de treze sons não têm sido usados .


Quando aparecem, são apenas alexandrinos espa·
nhóis, como este de Castro Alves:
"Eu, pálido poe l ta, !seguia, triste e grave.
6 6

Encontram-se, entretanto, alguns em compo­


sições livres, como estes de Magalhães de Azeredo,
formados de um verso de cinco sons, grave, mais
um de sete, sem hemistíquio:
"Rouxinol que can I tas I escondido e o frágil ninho
5 7
tens no cavo tron l co Ide um carvalho centenário"
5 7

VERSOS DE QUATORZE (14) SONS

Têm sido usados com formações diversas, por


exemplo um verso de oito sons seguido de um de
seis:
Para que o leque do Brasil não se fechasse mais.

Empreguei certa vez, necessitando de um rit­


mo pomposo, longo e solene, versos de quatorze
35
sons, compostos de dois versos de seis sons, o pri­
meiro dos quais esdrúxulo e sem elisão no sexto
som:
Lua elevada e lím[pida [trêmula e taciturna,
Que arminhos teus leví[ssimos [hoje me afagarão?

36
7.

TERMINAÇõES DOS VERSOS

Quanto à terminação, os versos, considerados


isoladamente, podem ser:
agudos,
graves
esdrúxulos.

Tomam uma das denominações acima confor­


me a tônica da última palavra. Ei-los exemplifica­
dos numa estrofe de Gonçalves Dias:
"Um raio
fulgura
no espaço
5 - de luz,
e trêmulo
e puro
se aviva,
se esquiva,
10 - rutila,
seduz"

37
Aí o sexto verso é esdrúxulo; 5 .0 e o décimo
primeiro são agudos; e os demais são graves.
Os versos agudos prestam-se mais para a ter­
minação das cadências; e não é muito recomendá­
vel que precedam aos graves em extrofes termina­
das com esses. Quanto aos esdrúxulos, a sua vibra­
ção prolongada cabe admiravelmente na expres­
são de sentimentos de êxtase, majestosos, solenes:
"Sumiu-se o sol esplêndido
nas vagas rumorosas.
Em trevas o crepúsculo
foi desfolhando as rosas .

Quanto à terminação ainda, mas considera­


dos agora em conjunto, os versos podem ser:
brancos,
rimados,
toantes

BRANC0s são aqueles cujos vocábulos finais


não são obrigados a apresentar entre si nenhuma
analogia:
"Eras na vida a pomba predileta
que sobre um mar de angústias conduzias
o ramo da esperança; eras a estrela
que entre as névoas do inverno cintilava
apontando o caminho ao pegureiro.

38
Esses versos, empregados outrora frequente­
mente em longas composições, sujeitas à mesma
medida, tornavam-se enfadonhos pela monotonia,
quando não fossem manejados com estro excep­
cional.
São precisos vocábulos de força e sonoridade
invulgares para que supram, nessas longas cadên­
sias, a ausência das rimas. Raramente essa mestria
é obtida, como ocorre em alguns poemas de Fa­
gundes Varela, um mestre no gênero:
"Por toda parte onde arrastei meu manto
deixei um sulco fundo de agonias.

RIMADOS são os versos cujas terminações soam


identicamente, pelo menos a partir da última vogal
acentuada. As terminações em tal caso chamam-se
rimas. E, se há também coincidência nas consoan­
tes que as precedem, chamam-se rimas ricas.
Candejlabro e descajlabro são rimas ricas.

A seguinte estrofe oferece, com o primeiro e


o terceiro versos, exemplo de rimas esdrúxulas e,
com o segundo e o quarto, exemplo de rimas
graves:
Quero a linha feliz da tua carne elástica
para compor, com meu deslumbramento
o mundo, o espírito. essa massa plástica
amalgamada em sonho e sofrimento.

39
A citação que se segue apresenta um exemplo
de rima aguda :
"E vendo o rosto sem par
que fazer, amor? amar"
-

Convém notarmos que apenas a identidade do


som é requerida para a rima; e não a da grafia.
Assim texto e cesto, crasso e laço são boas rimas;
enquanto colhêr e mulher, céu e teu são péssimas.
ToANTES são os versos cujas terminações pos­
suem, de idêntico, apenas a última vogal tônica.
São muito usados esses versos no idioma es­
panhol.
O poema de Alberto de Oliveira "O Vento
da Estiva" é composto em quadras com toantes no
segundo e quarto versos:
"Sobre a manhã torna o vento
em mais desatada fúria;
corno enraivado rnolosso
rosna, exaspera-se e uzva.

Abro a janela, olho o tempo;


inda estava fora a lua,
sem montanha onde esconder-se
que a Estiva é toda planura.

40
8.

CONSIDERAÇõES SOBRE A RIMA


"

Elemento indispensável nas composições par­


nasianas, a rima tem perdido muito de seu antigo
prestígio com o advento das modernas correntes
poéticas. Grandes artistas de hoje a proscrevem in­
teiramente de suas obras. Há nisso evidente exa­
gêro. Outros a empregam parcamente.
Entretanto é ela um elemento de primeiro
ordem na orquestração do verso. É tão da índole
poética que já a encontramos, há milhares de anos,
em velhos salmos hebraicos . Pode pois e deve ser
empregada, hoje, como foi ontem, embora com
mais liberdade pelos autores modernos.
O que é preciso é renovar-se o conceito da
boa rima. Esse conceito era antigamente baseado
na dificuldade : quanto mais difícil de obter-se
tanto melhor a rima.
O conceito de hoje deveria ser o da musicali­
dade : quanto mais sonora, natural e expressiva,
tanto melhor a rima.

41
A poesia simbolista empregou com admirável
efeito as rimas em ão, que faziam horror aos ve­
lhos parnasianos pela sua facilidade. E quantas
vezes essa rima desprezada não se impõe, necessa­
riamente, como recurso imitativo ou sonoro, som
de bordão na sinfonia verbal!
Abandne-se o velho conceito da boa rima,
comum nos tratados de métrica, que tomam gran­
demente em consideração a categoria gramatical
das palavras rimadas ou sua frequência na língua!
Para a estética dos nossos dias, ótimas serão as ri­
mas que apresentem estas três características:
invulgaridade
naturalidade
sonoridade (•)

(!) Aos principiantes pode ser útil um dicionário de rimas. Para


isso convirá, porém, que não seja ele empregado no momento da
expressão poética, porque então o esforço de procurar a rima per­
turbará a emoção criadora emprestando frieza à composição. Ao
mesmo tempo a leitura de numerosos vocábulos de sentido diferente
desviará o sentido puro do poema. A rima não deve puxar idéias,
ao contrário do que pensava B.ilac. O artista escreverá espontanea­
mente o que sente, e em falta de uma rima deixará em branco a
palavra. Terminado esse primeiro escorço, o principiante poderá
então ajustar a rima adequada com o concurso do rimário. Acon­
selhamos para isso o Dicionário de Rimas de Almerindo Martins
de Castro.

42
9.

DISPOSIÇÃO DAS RIMAS

O fenômeno estético é um só; apenas os seus


meios de expressão é que variam nas diversas ar­
tes. Assim como nos compassos musicais existe um
leit-motif, frase melódica que volta várias vezes no
decorrer de uma peça, a poesia possui o estribilho
ou refrão, versos ou estrofes que se repetem inter­
correntemente, a intervalos regulares ou não, atra­
vés do poma.
E, assim como numa frisa decorativa o tema
reponta periodicamente segundo certas leis, tam­
bém os versos e as rimas obedecem a análogos pro­
cessos de composição. E, como nas frisas, as rimas
se repetem sucessivamente, alternadamente ou de
modo variável, formando as diversas estrofes da
métrica tradicional:
Dísticos ou faehas, quando se seguem du�s
a duas:
"Espaçoso é o salão; jarras a cada canto;
admira-se o lavor do teto do pau santo"!

43
Tercetos :

"A isto esta cidade nos conv ida,


entrai: por mais que a noite em vós se n ote)
tereis um astro à frente na saída.

Da cidade moderna é luz o m o te


que na porta da entrada arte e flameja;
Entrai a escola é catedral, igreja;

Hostia, a ciência, o meste, o sacerdo te"

Quadras :

"Dizem qu ehá gozos no correr da vida.


só eu não sei em que o prazer consiste!
- No amor, na glória, na mundana lida
foram-se as flores - a minh'alma é tristen

A quadra simples, em redondilha mazor, ao


gosto popular, chama-se trova :

Quando ris, um passarinho


sai cantando de teu riso,
para mostrar-me o camniho
que conduz ao paraíso.

Pode-se rimar ainda, nas quadras, o primeiro


com o último verso e o segundo com o terceiro.

44
Quinti lhas:

"Passaram sobre o meu peito


quatro rodas de mafim.
Não vi o filho do rei
tão bonito tão perfeito
que não era para mim"

Outras disposições de nmas nas quintilhas:

a c
b d
a ou c
a d
b c

Sextilhas:

Eis as disposições de nmas usadas com fre­


quência:

"Minha noiva derradeira)


és bela e triste ao luar!
eu fui a garça altaneira
cruzando as tardes vermelhas.
Dos arcos das sobrancelhas
por que frechaste um olhar?"

Outras disposições há, muito usuais, nas sex­


tilhas:

45
a d g
a e h
b d g
c e g
c d g
b e h

Estrofes de sete versos :

Apresentam-se geralmente com estas disposi­


ções de rimas:

b
b
c
d
d
d
c

Oitavas :

Dois aspetos existem, mais freqüentes, de oi­


tavas em nossa língua:

A oitava clássica :

"Cessem do sábio Grego e do Troiano


as navegações grandes, que fizeram;

46
cale-se de Alexandre e de Trajano
a fama das vitórias que tiveram;
que eu canto o peito ilustre Lusitano
a quem Netuno e Marte obedeceram:
cesse tudo o que a Musa antigua canta;
que outro valor mais alto se alevanta."

A oitava romântica:

"Naqueles tempos ditosos


ia colher as pitangas,
trepava a tirar as mangas,
brincava à beira do mar;
rezava às Ave-Marias,
achava o céu sempre lindo,
adormecia sorrindo
e despertava a cantar! "

ou ainda:

"Era hoje ao meio dia.


Nem uma brisa macia
pela savana bravia
arrufava os ervaçais .
Um sol de fogo abrasava;
tudo a sombra procurava,
só a cigarra cantava
no tronco dos coqueirais."

47
Estrofes de nove versos:

Podem-se dispor assim


a
a
h
c
c
h
d
d
h

Décimas:

Poderão ser arranjadas de vários modos como


por exemplo:
a
a
h
c
c
h
h
h
d
d
d
h
48
1 0.

GÊNEROS POÉTICOS

Como todas as artes pode a poesia apresentar­


se em sua pureza essencial ou como arte aplicada.
Podem ser incluídas nesta segunda espécie a poe­
sia humorística) a sátira de análise fria e sem emo­
ção, o tatro em verso e o velho poema didático .
A poesia pura assume duas modalidades prin­
Cipais:
O gênero épico e o gênero lírico .
O gênero épico) pouco usado hoje, foi inicial­
mente uma criação do povo, constituída pela epo­
péia) a narrativa exaltada de um acontecimento
heróico, de episódios da vida de um grande ho­
mem ou de uma nação. Os Lusíadas de Luís de
Camões ,oferecem o melhor exemplo da grande
epopéia no idioma que falamos.
O gênero lírico é a poesia de sentimento, va­
sada diretamente do coração, emanada das dores,
dos arroubos, das ternuras, dos êxtases humanos.

49
Assim, se na poesia ep1ca domina o caráter
objetivo, a lírica é marcada pelo caráter subje­
tivo.
A primeira se debruça sobre o mundo e os
outros homens, para narrar um passado heróico;
a segunda volve os olhos para o mundo interior
do próprio poeta e procura expressar suas mágoas
íntimas e seus sonhos.
O gênero lírico, como o denota o próprio no­
me, é o das formas de poesia cantáveis. E nele estão
compreendidos os cânticos) que podem ser: emoti­
vos (canções); heróicos (hinos) ou místicos (salmos).
Incluem-se ainda no seu âmbito: a ode) o ma­
drigalJ a elegia) e nêniaJ o epicédioJ o epitáfio) o
idílioJ o rondá) o vilanceteJ a balada) o epitalâmioJ
o canto natalício) o trioléJ o soneto) o acrósticoJ a
glosa) e a xácara.
Essas formas poéticas estão hoje quase que in­
teiramente abandonadas, exceção feita do soneto,
que continua a ter grandes e numerosos cultores.

50
11.

G:f:.NEROS CLÁSSICOS

Das composições líricas que vêm de ser enu­


meradas, além das três espécies de cânticos, não
estão sujeitas a formas determinadas as seguintes:
Ode: Poema celebrando ardentemente o he­
roísmo, a fé, a vida ou o amor .
Madrigal : composição breve e galante, con­
tendo louvor delicado e fino às graças femininas ou
velada confissão sentimental.
Elegia : poema de contemplação e tristeza me­
ditativa.
Nênia e Epicé dio : cantos de luto, celebrando
a memória e as virtudes dos mortos.
Epitáfio : pequena poesia de saudade para ins­
crição nas campas.
Epitalâmio : cântico nupcial augurando ale­
grias aos noivos.
Canto natalício : versos de louvor, exaltando
o aniversário ou um nascimento.

51
Dentre as composições mencionadas estão, po­
rém, sujeitas a certas regras, pelo menos na arte
clássica ,estas outras:
Rondó : Não tem propriamnete na poética
do Brasil e Portugal uma forma rigorosamente
fixa; mas é obrigado à repetição de certos versos
de tempos a tempos:
"Sôbre as ondas oscila o batel docemente .
Sopra o vento a gemer ... Treme enfunada a vela...
Na água clara do mar passam tremulamente
Áureos traços de luz, brilhando esparsos nela.

Lá desponta o luar Tu, palpitante e bela


Canta! Chegate a mim, dá-me essa boca ardente!
Sobre as ondas oscila o batel docemente .
Sopra o vento a gemer... Treme enfunada a vela...

Vagas azuis parai! Curvo céu transparente.


Nuvens de prata, ouvi!. .. ouça do espaço a estrela,
ouça de baixo o oceano, ouça o luar albente!
Ela canta . e, embalado ao som do canto dela,
sobre as ondas oscila o batel docemente"

A cadência e as repetições próprias do gêne­


ro traduziram aqui o rumor insistente das ondas.
Vilancete: é pequeno poema em desenvolvi­
mento de um terceto inicial, segundo a disposição
clássica. Eis as rimas, tomadas para modelo de um
vilancete tradicional:

52
e1 adas etra
e1 ei to 1nco
adas ei to InCO
adas etra
adas etra
ei e1
ei ei

Balada. Na forma pura originária apresenta,


em suas quatro estrofes, as seguintes disposições
de rimas:
elo elo elo elo
oz oz oz 1
elo elo elo elo
os oz oz
elo elo elo
1 1 1
elo elo elo
1 1 1

Modernamente chama-se balada a qualquer


composição com versos repetidos quase sempre no
fim das estrofes.
Trio lés : são composições em cujas endeixas
repetem-se os versos com intervalos fixos:
"Fazem hoje vinte anos
que deixei a minha terra.
Fazem hoje vinte anos
que deixei o Maranhão.

53
Os destinos inumanos
desde então me fazem guerra.
os destinos inumanos
me maltratam desde então.
Fazem hoje vinte anos
que deixei o Maranhão . "
O poeta, Artur Azevedo, evitou na estrofe
acima a elisão, que seria de regra, do e mudo e
do a seguinte na expressão vinte anos) obrigando­
nos à pronúncia vintí anos) que, além de mais na­
tural e brasileira, se alonga expressivamente, com
o próprio sentimento da duração do tempo.
Soneto : é um pequeno poema de quatro es­
trofes: duas quadras e dois tercetos. Presta-se per­
feitamente para as breves impressões, os conceitos
sintéticos, os pequenos quadros, correspondendo
em nossa lírica à tanka dos poetas orientais.
Eis algumas disposições de rimas usadas nos
sonetos:
Ia Ia edos ISCOS
ava ava ISCOS edos
ava ava eos lSCOS
Ia Ia

Ou então:
inha inha ando orta
entes entes ala ala
inha inha ando orta
entes entes

54
Ou ainda:
ala ega oso ei to

ega ala oso e i to


ala ega i ta i ta
ega ala

Podem os tercetos apresentar outras dispo­


sições:
antos antos
ero ono
ero ono

Concorre para acentuar a unidade do poema


a inclusão, nos tercetos, de uma ou mais rimas dos
quartetos; ou a repetição de um dos versos desses
últimos:
A hora de ouro do ocaso, morta e branda,
aveluiou-se em branca muselina.
Que mau presságio pelos ares anda
nos lacrimosos flocos da neblina?!
Um rancho de aves para o mar debanda.
Uma estrela -tão alta! - se ilumina.
E há um presepe de neve na colina,
à orla dos arvoredos, veneranda!

As árvores, em) ronda funerária,


se alongam, mudas, numa luz mortuária.
Mas a estrela tão alta se ilumina!

55
É a minha· estrela? Ah! morra solitária,
se é luminosa, vespertina e vária
como o meu sonho e a minha vaga sina!

Acróstico : Esse gênero deve ser proscrito da


poesia atual, pelo que encerra de artificioso e fal­
so, com prejuízo da emoção e da virtuosidade poé­
ticas. Consta de uma ou mais estrofes, compostas
de tal modo que as iniciais dos primeiros versos
formam um nome determinado. Ora é claro que
os poemaa não devem, jamais, surgir assim, como
num problema charadístico; mas brotados da alma
em função de um sentimento estético.

Glosa : Cabe o reparo, que acaba de ser feito,


também a esse gênero de pequenos poemas, mui­
to usado no século XVIII, e que consistia em com­
por a peça lírica sujeito à obrigatoriedade de en­
cerrar as estrofes com os versos de um mote> for­
necido por outra pessoa. O vilancete, o rondó e a
balada repetem também; mas repetem versos do
próprio poeta, nascidos de sua emoção. A glosa é
um exercício fútil de verbalismo; e dificilmente
resultará em verdadeira poesia.

Xácara : é uma criação do povo. Um longo


poema narrativo, com a presença insistente de
'Uma certa rima no final de todas as estrofes e a re-

56
petição as vezes de um ou mais versos. O gênero
é ingênuo e agradável, desde que o poeta consiga
evitar, por uma grande plasticidade de inflexões,
a monotonia, que é o seu maior perigo. Ao velho
rimanceJ de origem moçárabe, não falta gracioso
pinturesco e um evocativo eco de vozes antigas .

57
12.

A CESURA

Consideramos que os versos são formados de


sons, fortes ou fracos, os quais se agrupam em
tempos marcado s ou atenuados. Os sons fortes se
acusam pelas sílabas tônicas. Há entretanto em
cada verso, um som mais que todos forte, que
parece dominante, e onde se demora um pouco na
prosódia, como numa pequena estação de repouso.
Nesse ponto está situada a chamada cesura. Versos
há com mais de uma dessas dominantes.
Indicamos a seguir a incidência da cesura nos
diferentes metros:

De quatro sons:
"O ven l to brando
passou 1 brincando"

De cinco sons :
"Nos ma l res de prata
despon I ta o 1uar"

58
De seis sons:
"Rompe o sol [na colina
alegran[do a campina''
Redondilha maior:
Una[mos as mãos [em ronda
cantan[do à luz [do luar.

De o ito sons:
"Meu Deus, meu Deus! [Como é que pode
Caber tanto ó[dio em tanto amor?!

De nove sons:
"Esta noi[te era a lu[a já morta.
Anhangá [me veda[va sonhar."

De dez sons:
"Repousa lá no céu [eternamente
e viva eu cá na ter[ra sempre triste."

Ou ainda:
"Para servir-[te braço às ar[mas feito,
para cantar-[te mente às mu[sas dada"

De onze sons:
"Estorcem-se os leJques dos gran[des palmares
volteiam, rebraJmam, doudeJjam no chão"
59
Ou
A canção e o bei[jo como irmãos florindo
na luxúria bran[ca das estrelas mortas . . .

De doze sons:
"E a lágrima celesJte, ingênua e luminosa
Olhou, sorriu, tremeu Je quedou silenciosa"

Ou ainda:
"Vamos marchar, [vamos lutar, [vamos viver
À luz do amor, [à luz do amor, [à luz do amor!"

A cesura é a chave do ritmo; e o som em que


recai deve ser destacado fortemente. Conviria,
quando não isolado pela pontuação, como no caso
do primeiro verso acima, que não se deixassem
acentuados os sons que precedem ou seguem ime­
diatamente essa cesura.
Assim o verso:
Pôs-se a despedaçar[ flores corn raiva

não é perfeito, porque o son [flô[, acentuado, en­


fraquece a cesura no som [çar[.

60
1 3.

rOEMA POLIMÉTRICO

Há vários séculos, os ritmos clássicos têm sido


misturados numa mesma composição. Muitas ve­
lhas odes e a maioria das fábulas de La Fontaine
apresentam essa disposição. Esse poema polimé­
trico foi usado pelo mestre francês para maior na­
turalidade, maior simplicidade nos diálogos. Os
simbolistas deram ao verso polimétrico uma gran­
de plasticidade. Vários tratadistas dessa escola poé­
tica tentaram até sistemtizar sua técnica. Alguns
aconselham, por exemplo, que se evite o emprego
próximo de versos de números pares com os de
números ímpares de sons. Não é tão simples o se­
gredo do ritmo. Convém levarmos em conta as
pausas subentendidas no meio dos versos. Qual­
quer que seja o número de sons de cada verso
composto, o que dá unidade ao poema polimétrico
é a medida dos ritmos elementares que entram na
formação de seus versos. Assim, um verso par de
seis sons, formado de dois de três sons) combina
perfeitamente com qualquer de número ímpar.

61
Mário Pederneiras usou o verso polimétrico
em busca de maior naturalidade, apenas, como o
fizera La Fontaine.
Facilita ainda excelentemente todos os efeitos
musicais. Para esse fim, é claro, desde que aplica­
do com os recursos de uma técnica exata.
Com as vozes nasais conseguem-se ressonân-
cias de cordas :
São vãos soluços lúgubres no esconso
do Outro Mundo?
São de-profund is fúnebres que plangem?
(Oh o responso
em tom fundo .
e os defuntos
que rangem,
num longo violoncelo, os ossos desconjuntas ! )

Com a s líquidas se obtêm modulações har­


pejados :
Teus grandes olhos e as estrelas tremerão .
Virás sonhando . E que unicorde e claro
[coro
as arpas de ouro,
as harpas de ouro tangerão !

As vozes martelantes se prestam para o rumor


da bateria :
N egro-
negro chora e negro samba
na macumba do quilombo,

62
com o malafo da moamba,
dando bumba no ribombo
do urucungo e do ganzá!

N egro -
ca no congo, cai no congo
dos mirongas ao muganga,
todo o bando nesse jongo .
roda, negro roda a tanga,
chora banzo no gongá.

Diante da riqueza dos versos polimétricos, os


gêneros fixos têm apenas a cadência elementar
das po lkas.

63
1 4.

VERSO LIVRE MODERN O

Os ritmos livres como o da prosa, nascidos


espontaneamente da idéia a expressar-se, consti­
tuem a mais elevada forma de arte poética e a
mais difícil de realizar-se desde que não deixem
de ser música. Um poema livre, mas realmente
belo em sua larga orquestração, está, para qual­
quer das formas clássicas, como uma imponente
sinfonia está para um minuete ou uma valsa.
Longe de ser nova, essa maneira poética é, ao
contrário, a mais antiga que se conhece. Ela apon­
ta nos versículos da Bíblia, há numerosos séculos.
O verso livre bem compreendido e realizado
é aquele em que melhor se sente pulsar o coração
do artista ; mas essa linguagem plástica e harmo­
niosa nada tem de comum com os aglomerados de
palavras e períodos, mais desordenados do que a
prosa ruim, e sem nenhuma correspondência com
as emoções que tentam exteriorizar. O poema li­
vre perfeito brota facilmente, cristalino , mas sin-

64
fônico, da pena dos poetas verdadeiros, que co­
nhecem de instinto os valores de sua arte ; que
lançam mão deles sem esforço; que os aj usta plas­
ticamente ao corpo de suas idéias. Um poeta gi­
gantesco, Whitman, nos dá a medida da beleza
dessa arte.
Eis um fragmento de um desses cantos ma··
gistrais, "A Locomotiva", numa tradução apro­
ximada :

Oh Beleza feroz!
Roda através de um canto, ao pleno ardor da tua música selvagem!
Com teu claro fanal que treme pela sombra;
Com a gargalhada de teus silvos loucos, que retumbam nos vales e

[despertam heróicos como trompas de guerra.

O teu grilo estridente tem resposta somente das colinas c rocas.


Tu o arrojas, além do infinito dos campos, sobre os longes dos lago� ...
até os céus desenfreados, jubilosos de luz! I

Há latente no verso livre perfeito um elemen­


to formador análogo ao compasso das composições
musiCais.
A " Marcha Triunfal" de Ruben Dario, por
exemplo, peça épica, de larga orquestração, tem a
cadência perfeita de um dobrado marcial, desde o
belo início até o final poderoso:

Saludan con voces de bronce Ias trompas de guerra que trocan Ia


[marcha triunfal.

65
Aqui está para exemplo um fragmento com
a sua indicação musical :

lle CGir C t t t ç.lr gl_( tM


La es - pa - da Ge a: - r.uf! .,. cia :'i
con - vo rc - fle - Jo tal

Etttí f P si C
v1e - ne o - ro-'y
EU I r f !=! �
hie - rro el cor - te - jo de los pa-la- dl- nes

A meu pedido, o dis tinto Maestro Martinez


Grau marcou para o mesmo trecho, declamado
com outras inflexões, os compassos de 6/8 ou de
2/4 com o emprego de quiálteras. Há em toda a
arte um número.

66
15.

ELEMENTOS DA EXPRESSÃO P OÉTICA

Utilizando o instrumento de sua arte deve o


poeta ter em vista três recursos principais de
execução:

o som das palavras;


a ordem das palavras)·
a inflexão das palavras agrupadas em períodos.

SOM DAS PALAVRAS

A sonoridade dos vocábulos pode ser consi­


derada de per si ou pelo efeito em conjunto.
Isoladamente, é, o termo, mais ou menos so­
noro; alguns até haverá de prosódia rebarbativa
ou áspera.
Como a pincelada na tela ou a percussão ins­
trumental na música, não deve, entretanto, ser j ul­
gada boa ou má a palavra senão pelos seus efeitos
na harmonia geral. Mesmo se áspera ou dura, pode

67
ser necessária, e até insubstituível, para a expres­
são de sentimentos brutais.
Observemos como a dureza dos tt finais se
aj usta bem à expressão das costas selvagens, no pe­
ríodo de Herculano :

"A soledade dessas praias e ribas frago­


sas do oceano é absoluta e tétrica"

Qualquer dos vícios de linguagem pode ser


usado como recurso expressivo. A própria caco­
fonia pode produzir um som de ambientação ou
assumir mesmo uma intenção irônica, na sátira.
É inteiramente falsa a condenação, feita pelas
artinhas poéticas, dos versos hom ófonos, isto é,
dos versos com uma vogal insistente. Tornar obri­
gatória a po lifonia das vogais é tão absurdo como
o seria tornar obrigatória a policromia na pintura
ou o emprego de todas as notas em cada frase da
melodia .
As idéias monótonas pedem versos ho mófonos;
e eles serão melhores do que os outros para tradu­
zir impressões do gênero desta que nos fala de uma
gota dágua contínua :

fina ferindo, fria, a fria cantaria.

As consoantes também podem, se insistentes,


traduzir efeitos necessários, como nos célebres ver­
sos de Cruz e Souza :

68
"Vozes veladas, veludosas vozes,
volúpias dos violões, vozes veladas
vagam nos velhos vórtices velozes
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas .

A essa repetição da consoante inicial dá-se o


nome de aliteração. E ao efeito de imitar verbal­
mente o som das cousas, como nessa estrofe foi
feito com o rumor dos ventos, dá-se a denomina­
ção de on omatopéia .
Vários poetas tentaram fixar a correspondên­
cia instrumental das vogais e consoantes. Um sim­
bolistas francês , René Ghill tentou mesmo fundar
uma escola - o instrumentismo, baseada nessa
correspondência, que Rimbaud, já notara no fa­
moso soneto definindo a cor das vogais. A dificul­
dade está em que nem todos sentem de modo
idêntico esses valores sonoros.
Algumas impressões, todavia, podem ser con­
sideradas de ordem geral, dado o número de au­
tores em que se manifesta sua presença.
Assim, a vogal a sugere emoções de amplitu­
de, iluminação, alegria : mar, alvorada.
O é e o ô (fechados) convêm aos sentimentos
recolhidos ou íntimos : ermo, doce, segredo.
O i, vogal incisiva , de som cortante, denota
idéias de agudeza, e retalhamneto: frio, ventania,
arrepzo.
O ó (aberto) , som gritante, sugere um triun­
fo : glória, vitória, apoteose.

69
A letra u� surda e fechada, é melancólica : se­
pulcro.
Quanto às consoantes :
As dentais, marteladas prestam-se a idéias in­
cisivas : bater, bradar, desbragadamente ;
As labiais, letras macias, prestam-se às expres­
sões de ternura : mãe, meigo, amor, bem;
As líquidas sugerem idéias de enovelamento :
charola, enrolar.

Caberiam ainda, a respeito do valor da acen­


tuação das palavras, as observações anteriores so­
bre os finais agudos, graves ou esdrúxulos .
De passagem incluo aqui uma advertência :
nas composições destinadas à música é indispensá­
vel que a tônica das palavras coincida com os acen­
tos da melodia, a fim de que não haja desnatura­
ções, tão frequentes no gênero, que se encontram
até na própria letra do H ino N acionai . Aí,
realmente, a música nos leva a pronunciar mal
vários proparoxítonos :
"Ouviram do Ipiranga as margens p 1 a/ . . cz"d as
I "

"E o sol da liberdade em raios fúl . . gi dós"

Ainda neste capítulo do som das palavras se


inclui o emprego das rimas adequadas às idéias
do poema.
Tônicas e rimas são elementos de destaque
para certas palavras e devem recair de preferên­
cia sobre as que encerram idéias principais.

70
Não é, pois, muito aconselhável o emprego
do chamado "enjambement", efeito que, absorven­
do a rima, faz com que o repouso desta venha a
recair em palavra no meio do verso seguinte. Esse
recurso é útil apenas no verso dramático onde im­
prime mais naturalidade às réplicas.

A ORDEM DAS PALAVRAS

Sob esse título compreendemos os efeitos de


expressão resultantes do ritmo próprio. Com sua
cadência, r.á pida ou demorada, curta e martelante
ou alongada, deve nascer instintivamente, nos bons
poetas ,em função da idéia emocional que lhe deu
origem.
Ainda nestas considerações se inclui a cons­
trução dos períodos e a disposição das palavras nos
versos.
A ordem direta deve ser sempre a preferida.
Expressões como "da pátria os filhos" ou outras
em ordem inversa produzem sempre uma sensação
de dificuldade que prejudica o efeito estético.
Finalmente as repetições de palavras ou de
frases iniciais, os refrões, as anáforas são recursos
expressivos que se prendem à ordem das palavras.
O arranjo e a seqüência dos próprios vocábu­
los nas frases podem produzir expressões sugesti­
vas. Assim a idéia de ondulação, de vaivém, está
traduzida neste exemplo pela aproximação de pa-

71
lavras como aloendro e o leandro cujos sons pare­
cem inversos :

Verdes ondulações de flores e de palmas


nos aloendros e nos oleandros .

A IN FLEXÃO DAS PALAVRAS EM GRUPO

Essa é a modulação determinada pela emoção


e obtida com os recursos da pontuação , das nota­
ções léxicas : vírgulas, interrogações e reticências.

72
16.
O ID IOMA DO RITMO

O ritmo é um instintivo recurso de expressão.


Nós o encontramos freqüentemente no primi­
tivo ou na criança seguindo a cada frase os movi­
mentos da alma.
Ouça alguém uma criatura simples que narra
uma cena e verá que o andamento de sua fala
acompanha as circunstâncias da narartiva.
- "Tudo estava calmo . Nem vi-
valma . Um silêncio de morte .
dirá o narrador calmamente, retardada­
mente, para exprimir o repousado da
hora. Mas logo em seguida apressará seu
discurso e num tumulto agitado é que
dirá a frase seguinte : "De repente sai
de uma casa um homem correndo, com
seis soldados loucos atrás dele .

Com o mesmo instintivo impulso o ritmo


acompanha o frasear dos bons poetas , num para­
lelismo constante .

73
Examine-se um bom poema :

" Eu te bendigo, oh mar das ondas quérulas,


que choras pérolas.

Eu te bendigo, oh mar de sedas e de plumas


que ris espumas !

Eu te bendigo, oh mar saudade, mas tristeza,


Mar - Prometeu da natureza .

Sentimos bem nessas vozes a perfeita cadência


do mar.
Na primeira estrofe, uma primeira onda vem
de leve e brinca modulando um sch erzo; na segun­
da nova onda, mais forte se avoluma e estoura ; e
na terceira a vaga maior se espraia e alaga a costa
de espumas.
Um outro exemplo:
" Mestre !
Tu que exaltaste a vertigem da vida
nas forças tumultuárias do progresso
morres sentindo-as sob as rodas de um expresso
5 - com seus cavalos de vapor a toda a brida,
na horrenda procissão dos vagões de transporte,
na indiferente e célere corrida
ao ruidoso rumor de seus carros de morte . "

No segundo, terceiro e quarto versos senti­


mos o trem que entra em movimento e ganha, a

74
pouco e pouco, força; no quinto e sexto segue em
andamento normal; no sétimo apressa ainda a mar­
cha e apita com a rima final aguda : corrida; e se
esvai enfim num rumor marcado, com o troc-troc
dos truques : "ao ruidoso rumor de seus carros
de morte."
O ritmo sincopado traduz com justeza o es-
trépito de uma dança ainda bárbara :
As pretas rodando os tundás se arredondam
em cateretês .
Os pretos -
são doidos Sacis Pererês.

Os sentimentos íntimos, ao contrário, pedem


ritmos que se dissolvem imprecisos:
Meu destino, Infinito, originou-se em tuas mãos
como a alga arremessada nos abismos.

O ritmo é, assim, um poderoso idioma como


é a chave essencial de toda a beleza.
Exalta-nos o belo porque contém o ritmo,
que é o princípio da vida e todo o ser normal
exalta-se com a vida
.

75
1 7.

ANDAMENTO POÉTICO

Como na música, a maior ou menor velocida�


de do ritmo constitui no poema um elemento de
harmonia e sugestão. Se a maior parte dos metros
empregados decorre num andante moderado, al­
guns há que perecem tender para a aceleração,
num presto :
" Oh guerreiros da taba sagrada !
oh guerreiros da tribu tupi"

Outros são saltitantes como um sch erzo :


O vento leve
passa a brincar.
Flores de neve
parecem voar.
Que anjo vem breve
jogar de leve
flores de neve,
de neve,
no ar? !

76
Não faltam ainda os que se seguem em tempo
de marcha :
Monsieur Duclerc avançando à frente, d e ares chibantes,
já move, airoso, o bastão bonito de marechal.
Gorjeios. Flores.
Nos céus o arco-íris
brilha triunfal.

E há também ritmos de abandono, que se


arrastam desamparados e lentos :
Como bói a esta alma pela luz levada
nas marés da lua
que perdida corta!

De bubuia voga pelos astros, nua,


como um trapo branco de naufrágio - morta!

77
18.

CON CEITO DA N OVA POESIA

Um pouco de reflexão nos leva a crer que o


simbolismo foi o mais fecundo dos movimentos
estéticos.
Primeiro - porque inovou profunda e radi­
calmente.
Segundo - porque trazia em gérmen todas as
tendências que viriam depois.
Inovou na forma e inovou no fundo. Rom­
peu com os mais antigos preconceitos e abalou
as vigas mestras mais intocáveis de todas as artes.
Com ele vieram a j ustaposição de tons na pin­
tura, o livre-ritmo nas medidas poéticas, as disso­
nâncias na música, a incompletação na escultura.
Qualquer tendência novíssima tem naquela
escola morta um precursor muito ilustre. Ve­
rhaeren e Whitman antecederam Marinetti como
Francis ]ames brincou ingenuamente muito antes
dos dadaístas.
O próprio suprarrealismo tem em Lautréa­
mont e até em Rimbaud antecessores gloriosos.

78
Hoje como ontem a arte busca a impressão
sugestiva e não a estrita verdade ; e hoj e como
ontem a plástica não repete a natureza servilmen­
te, mas a estiliza.
Há, porém um elemento de distinção entre o
simbolismo e as tendências mais novas - um ele­
mento de extensão - é a síntese. As expressões
novas são muito mais sumárias - no poema ou
na música como na estatuária ou arquitetura.
Para a compreensão do modernismo artístico,
deveremos notar antes de tudo que o realismo nas
artes não passou de uma palavra. Em todos os
tempos, e mais e mais sempre, o artista é um cria­
dor de realidades novas, ainda quando pareçam
nascidas das realidades do mundo.
Foi assim ontem e é hoj e. Quem dirá que
não é uma estilização, e bem audaz , o desenho
antropomórfico de uma urna selvagem? E porque
os leões dos relevos assírios têm as jubas em cara­
coizinhos frisados como as barbas dos ferozes guer­
reiros do tempo? N inguém há de crer que eles,
como os leões da moda) freqüentassem os salões
dos cabeleireiros. Deu-lhes tal aspeto a visão pes­
soal de um artista.
Ora os poetas também estilizam ou deformam
a natureza com o seu poder de expressão. Visio­
nam as causas do mundo e dão-lhes outro sentido,
um sentido mais vivo e um interesse maior, atra­
vês de vivas imagens . E não só os de hoje; os de
ontem como os de todos os tempos.

79
Não é grandioso comparar, por exemplo, a
formosura que passa a um desfile marcial com os
pavilhões ao vento?
Ora essa forte imagem não é doidice de ne­
nhum futurista .
É apenas do grande Rei Salomão ; e está no
" Cântico dos Cânticos : " Teu corpo tem a impo­
nência de um exército com bandeiras"
Imagens de mil anos como essa, mas moder­
nas pela síntese e a audácia, se encontram nos au­
tores de todas as épocas . Citadas por Mário de
Andrade em pessoa e referidas por Manuel Ban­
deira, eis aqui duas de dois grandes clássicos :

De Shakespeare:
"O vento senta no ombro de tuas velas"

E de Homero :
" Muge a terra ao tropel dos corcéis e dos
homens "

O próprio Ronsard, tão sóbrio, transfigurava


as coisas como os outros: " Olha a primavera nas­
cendo dos raios de seus olhos ! "
E escreve assim outro ilustre velh o :
"Sou feito de sombra e mármore.
Como os negros pés das árvores
eu me aprofundo na noite.

80
Sou a escadaria Trevas ;
e em minhas espiras fúnebres
há os vagos olhos da sombra."

N enhum suprarrealista é o autor desses ver­


sos. Eles são simplesmente de vovô Victor Hugo . . .
E o seu neto d a América, o seu neto Castro
Alves , não atirava também o laço das imagens,
longe, colhendo os mundos? E com que força !
"A terra, na vaga de azul do infinito,
cobria a cabeça com as penas da noite ! "

E se querem exemplos mais atrevidos ainda,


aqui está um de um poeta filósofo que nunca foi
modernista, um de Augusto dos Anjos :
"A morte é esse danado número um .

Imagem novíssima, admirável, exata. Porque


a morte é a unidade inexorável que todo o ser tem
de conter.
Serão mais audaciosas as imagens modernas?
Muitas delas, e grandes, são até mais simples. As
de Garcia Lorca :
"A guarda civil se afasta
sob um túnel de silêncio"

A deste português novo:


"Eu caibo em minha tristeza
como num caixão fechado"

81
Ou esta do famoso Fernando Pessoa :
"O cais é uma saudade de pedra"

De Raul Bopp :
" Música com gosto de lua
e do corpo da filha da Rainha Luzia .

O que dá força e vida a imagens de épocas tão


diferentes é a sua essência lírica : elas têm poesia.
Que há de mais em que o poeta deforme as
suas sensações?
Perdurarão seus versos se tiverem o fundo de
humanidade que dá vida à criação do homem : se
brotarem com o calor de sua alma e a umidade
da sua ternura.

82
1 9.

DESVIRTUAÇõES D O MODERNISMO

As novas escolas acentuaram inegavelmente,


nas artes, justas e fecundas tendências :

a liberdade de criação e de forma;


a síntese de expressão;
o dinamismo;
a surpresa estética;
o apelo ao subconsciente ;
o conceito da poesia pura;
a abolição da retórica.

Essas reivindicações, porém, não alcançam


êxito quando se apresentam desvirtuadas pelo
abuso. E cada uma dá lugar a um conceito exage­
rado ou falso.
Assim, a li berdade construtiva degenera às
vezes em desordem destrutiva, com a abolição com­
pleta do ritmo , quando o ritmo - libérrimo que
sej a - é elemento essencial de toda a beleza.

83
A síntese d e expressão, tomada, não no verda­
deiro sentido de condensação de idéias, mas no
falso sentido de pequena extensão, determina a
moda dos poemas microscópicos ou das tankas
orientais . que podem nada ter de sintéticos ;
porque três linhas contendo a idéia de três pala­
vras são mais prolixas do que trinta linhas conten­
do a matéria de trinta páginas.
O d inamismo, a exaltação do movimento e o
conseguinte entusiasmo pelas máquinas, acordes
com os velozes tempos atuais, chega em alguns
casos a um automatismo frio, vazio de subjetivi­
dade, sem emoção e sem alma. A máquina sobre­
põe-se ao homem; o criador subordina-se à cousa
criada.
A surpresa est é t ica, recurso admirável e eter­
no em todo engenho artístico, e tão freqüente no
velho Rabelais como no novo Alfred Jarry, perde,
todavia, o efeito quando resulta do absurdo arti­
ficioso e procurado. É o que sucede às imagens da­
quele modernista que julgava tanto melhor uma
comparação, quanto mais distantes de sentido fos­
sem seus termos, de sorte qu� quem comparasse
uma estrela a uma flor de ouro teria feito uma
imagem mil vezes pior do que quem a comparasse
a um pepino . . .
O apelo ao su bconsciente é o recurso à fonte
mesma da poesia, é a extração no âmago da mina.
Quem negará o valor do subconsciente nos gran­
des artistas de todos os tempos? Num São João

84
Evangelista, num Novalis, num Gerard Nerval ou
num Poe? Mas o exagero do processo resulta em
mudar o estado poético em mero estado de so­
nambulism ou alucinação. Abolir completamente
a intervenção da consciência na criação artística
seria proceder como um arquiteto paisagista que
formasse j ardins deixando crescer, ao Deus dará,
num terreno, as plantas que ali espontaneamente
nascessem .
O conceito da p oesia pura, levado ao extremo,
resultaria em poesia absolutamente sem forma;
e sem forma só poderá haver o incriado, pois a vida
se afirma em uma forma qualquer, tanto melhor
quanto mais viva. Toda a expressão que decorre
necessariamente da idéia a exprimir-se é boa e a
idéia harmoniosa suscita a forma harmoniosa. E
como admitir-se que antes da poesia pura só se
houvesse criado poesia impura?
Finalmente a a bo lição da retórica é por vezes
tomada como a abolição da técnica. Já houve quem
defendesse o absurdo de que, quanto mais primi­
tivo e ignorante o criador tanto mais espontânea e
legítima a sua obra ! Como se toda a arte não fosse
uma linguagem, ou como se quem menos conhe­
cesse uma língua fosse quem melhor a falasse ! Ao
contrário, o artista, moderno ou antigo, deve estar
tão seguro de seus meios de expressão, que eles se
tornem um prolongamento de seus nervos e não
traiam na criação o esforço que era tão visível na
velha retórica. Quem nunca tocou violino poderá

85
ser mais espontâneo arranhando as cordas do que
Paganini foi ou é M isha Elman? Não se confundi­
rá, é certo, uma técnica com uma forma precon­
ceitual ou acadêmica. O artista precisa ter um ins­
trumento e dominá-lo, ainda que tenha ele mesmo
inventado esse instrumento; e será até melhor que
o invente . se tiver gênio para tanto.
Depois de todos esses reparos, ressalvemos,
contudo, que houve e há um modernismo legítimo
- que usa da liberdade para achar uma nova har­
monia; da síntese para intensificar a emoção ; do
movimento para pintar os dias de nosso tempo
agitado; da surpresa estética para a criação com­
pleta e nova; do subconsciente para a descoberta
de deslumbramentos virgens; e cuja poesia pura,
assuma, pela técnica segura, a expressão simples e
nova de um mundo recém-surgido das águas.

86
20.

TEORIA DA IMAGEM

"No princípio era o verbo" - disse o apóstolo­


poeta . E assim o mundo nasceu do verbo , brotou
do Espírito criador. A terra e os mares, o éter e
os astros, o homem e os seres são simples fragmen­
tos da imagética de Deus.
E a Vida? Que chamamos Vida?
- Uma série de imagens, uma sucessão de
sombras na consciência.
Por isso é que a Arte, que exalta e embeleza
os fenômenos da vida, serve-se a todo instante da
imagem, que tem o dom de animar a verdade .
O fato que, secamente expresso, não comove
nem impressiona, é morto. Mas a arte pode ressus­
sitá-lo tranfigurado.
Um exemplo? ! - A pobreza de uma frase di­
dática - uma banal expressão geográfica como -

a Inglaterra está situada junto ao Canal da Mancha


- toma um interesse vivo e novo com uma simples
imagem de poeta :
a Inglaterra é um navio, que Deus na Mancha ancorou ! "

87
A metáfora de Castro Alves é legítima tanto
quanto engenhosa. Traça a situação física da Bri­
tânia isolada nos mares ; e mais ainda; resume a
vocação de seu povo, o seu destino no mar . " Um
navio, que Deus na Mancha ancorou . " - uma
prancha de marujos, nascidos para as ondas por
uma fatalidade divina.
Castro Alves, como pintor, estiliza a Inglater­
ra em linhas breves, expressivas e harmoniosas.

A BOA IMAGEM É QUASE SEMPRE SIMPLES

A complicação, o pernosticismo - são como


o empastamento de tons numa decoração : prej u­
dicam o conjunto.
Querendo ouvir canções lentas, de nostalgia
e doçura - o grande poeta lembrou-se apenas de
pedi-las -
"tristes, bem tristes, como à noite o mar .

A analogia simplicíssima bastou para uma su­


gestão sem limites de desolação e de música.

A BOA IMAGEM É INCISIVA E SINTÉTICA

É que sendo um elemento de ornato, ela é


ainda um meio explicativo. E a explicação não
poderia ser mais confusa do que o fato que ela
esc1 arece. Os preciosismos à Saint-Paul-Roinard,

88
que comparava o galo a "um pequeno campaná�
rio vermelho bimbalhando pela aurora" são afinal
de um mau gosto irritante. A imagem moderna
tira da síntese seu vivo dinamismo. São desse gê­
nero as dos verdadeiros poetas novos :
" Manhãzinha .
Os leiteiros dão de mamar aos portões .

A BOA IMAGEM EMBELEZA O OBJETO


QU E EVOCA

É mais harmoniosa sempre que a causa que


vem exprimir.
Por isso compreende-se o poeta que transmu­
da o cheiro acre da maresia em "aroma de flores
maceradas" : ninguém póde admirar todavia aque­
le outro que, diante do mesmo fato, nos fala do
"mau hálito do mar .
E certas aproximações, caras aos decadistas de
outrora, como "poentes de gangrena" ou ocasos
de morféia" - passaram já de moda felizmente,
sem deixar saudades.

A BOA IMAGEM
TEM O MOVIMENTO DA VIDA

Vitaliza o próprio ser inanimado. É assim


que, pintando uma pobre pedra bruta , Hermes
Fontes a arroja no caos primitivo :

89
" Corpo que se encontrou abandonado de alma,
corpo que se não pôde à ação do ar decompor ­
uma pedra é uma vaga imóvel; é uma calma
recordação do mar de que foi leito e estrada,
e uma vaga do mar dos tempos retardada,
que por aí ficou, sem sentidos . parada,
adormecida por um íntimo torpor .

A B OA IMAGEM, COMO O BOM TRAÇO,


D EVE SER LANÇADA FIRME,
SEM TITUBEIOS

Tem um partido tomado, como as linhas de


uma composição decorativa. A hesitação faz com
que ela erre o alvo. É o que sucede com as ana­
logias de um poeta ao " Quarto Crescente" :
"Lua - saudade em forma d'astro,
"
iluminado bogari .

Fica-se a pensar se a lua é saudade ou é boga­


ri . E tem-se mesmo a impressão de que deveria
ser uma flor maior . . .

A BOA IMAGEM
SE AMBIENTA COM O ASSUNTO

Quem compara o céu com uma sala de festas


não pode, simultaneamente, comparar a lua com
uma frigideira nova. Junqueiro porém, compara

90
a estrela dalva a uma espora . E não é plebéia
a imagem ,porque, seguindo em cavalgata nas nu­
vens, era natural que o ginete tomasse,
"como roseta d'oiro, a estrela da manhã .

A BOA IMAGEM É UN IVERSAL


EM SUA FORÇA

Quanto maior o número de características da


cousa expressa abranja, tanto maior o seu poder.
Se Alencar, mostrando a coma de Iracema, em vez
de usar a graúna e a palmeira, tivesse achado uma
asa longa de pássaro escuro que desse, a um tempo,
a cor e o basto dos cabelos - teria feito ainda uma
melhor imagem.
Quando o poeta nos pinta a paixão e a vida
no dístico célebre :
"um amor que domina uma existência inteira
como a lua domina os vagalhões do mar .

resumiu na figura toda a aspiração amarga e an­


siada da vida e toda a pureza inatingível do amor.

A imagem, como toda a estilização, afirma um


temperamento, mostra a individualidade. Se o
Amor para esse amargo, estranho e vigoroso Au-

91
gusto dos Anjos é ' ' como a cana azeda, e a toda a
boca que o não prova engana" , para um sensual,
como Bilac, é
o momento de grandeza
que é de inconsciência e de êxtase bemdito:
os dois corpos são toda a natureza,
as duas almas são todo o infinito .

Para uma personalidade orgulhosa e avassa­


ladora -
"Todo o amor não é ma1s do que um eu que
[transborda. "

Para outra, d e puro enlevo místico, será


"Reticências no céu . parênteses na terra"

A imagem varia até com o estado d'alma do


mesmo poeta. E a Via Láctea ora lhe parecerá
"uma camândula de jóias" ora "um jorro de lá­
grimas ardentes"
• • •

Em seus processos a imagem se amolda ainda


às escolas e varia com as idades. Paralelamente à
evolução humana, sua expressão é cada vez mais
rápida. Parabólica a princípio, ela se arrastava, di­
luindo-se numa lenta narrativa. Depois passou a
rodar as suas analogias com o peso de lentos com­
parativos. Assim era ela nos tempos do Patriarca:

92
- "Qual a palmeira que domina ufana
os altos topos da floresta espessa
tal bem presto há de ser no Mundo Novo
o Brasil bem fadado . "

Na era romântica ia a passo de mazurka, sal-


titando de como em com o :
"Minha alma é "como" o deserto
por onde o romeiro incerto
procura uma sombra em vão;
é "como" a ilha maldita,
que sobre as vagas palpita
queimada por um vulcão .

O processo simbolista , ainda lento, emprega a


imagem comparativa, porém mais solta, com a su­
gestão vaga e agradável, a graça heráldica da escola.
Que encantador raiar de plenilúnio este de
Alphonsus :
"Como uma rosa dentro de um ninho
a lua nasce num céu de outono .

De outras vezes a imagem surge dinâmica,


feita símbolo ,sem termos de comparação:
" E atirei a seus pés para que ela os pisasse
meus andrajos de pobre e meus mantos de rei. "

Finalmente, o processo modernista aglomera


ou j ustapõe idéias em movimento abrangendo uma
imagem várias sensações simultâneas :

93
O sol - clown estridente -
atiru aos milhões pedacinhos de espelho
no capote do mar .

A imagem moderna mais do que qualquer


outra é surpresa e pinturesco. Seu ineditismo não
deve porém sacrificar-lhe a graça.
A que fica reduzida a pobre lua nesta compa-
ração comercial?:
"A I ua cheia, Iuminosa e exul,
alegra todo o céu como a etiq ueta
alegra a tampa de um estojo azul . . . "

Menos originais, mas também muito menos


prosaicas, são de certo estas sugestões de luar:
"Toda de branco a lua, ancila triste, passa
pelo mosteiro celestial, celestialmente."

• • •

Nem sempre o acúmulo de metáforas envilece


um poema. Muitos dos mais célebres de Castro Al­
ves são simples camândulas sucessivas de imagens :
"São duas flores unidas.

V nidas bem como as penas


das duas asas pequenas
de um passarinho do céu;

94
unidas bem como os prantos
que em parelhas descem tantos
das profundezas do olhar . . .
como o suspiro e o desgosto
como as covinhas do rosto
como as estrelas do mar . . .
"

O poeta sabe criar antes de tudo através de


imagens. E é justo o conceito de Mauclair:
"Quanto mais imagens inventa um poeta mais alto
[é ele em sua glória. "

Assim tem acontecido com todos os grandes


líricos do mundo .
E até com o mais alto, com o Poeta dos Poe­
tas - que é Deus.

95
21 .

O TIMBRE VERBAL

O INSTRUMENTO POÉTICO

"Não é com idéias que se fazem versos"


afirmou certa vez Mallarmé - "é com palavras."
Manuel Bandeira, que muitas vezes tem repe­
tido essa tirada, não se enganou, porém, sobre seu
correto conceito. E tanto assim que comenta :
Não é que o sentido das palavras não impor­
te. Importa; mas não independentemente da sono­
ridade, como pensava Gide."
A verdade é que os meios de expressão por tal
modo se integram na natureza do artista que o
poeta sente em palavras como o pintor pensa em
cores e o escultor - em formas ; e assim também
sonha o músico através dos acordes.
É essa instintividade de exprimir-se que torna
possível a legítima realização artística.
Para o êxito total é preciso que o criador se
manifeste sem esforços no idioma estético, como o
homem comum quando usa o idioma comum .

96
Só cnhece uma língua quem, falando alto no
sono, a manej a com facilidade e justeza. Assim, o
artista deve dominar sua língua harmoniosa a
ponto de falá-la facilmente . sonhando.
Essa expressão automática, espontânea, que
é dócil como um reflexo dos nervos - só a conse­
gue quem tem a perfeita posse da técnica.

CORRELAÇõES DAS VOGAIS

Ora, sendo a palavra o instrumento do poe­


ma, não é demais, para a criação da harmonia , que
pesquisemos o timbre musical dos vocábulos.
Esse timbre vibrado pelos sons das vogais ;
às consoantes cabe apenas a modulação das vozes
livres.
Com intuição e dedução não é impossível
acharmos correspondências cromáticas e mus1ca1s
para as vozes livres da linguagem.
É o que vou tentar, a seguir.
Não poderai tomar como norma inicial - e
tantos o têm feito ! - o afamado soneto das vogais
de Rimbaud.
Nesse poema, como tantas outras vezes, o ga­
roto de gênio quis simplesmente brincar .
"A noir, e blanc, i rouge, u vert, o bleu .

Ora, por que e como o a poderia ser negro?


O negro não é côr. O negro é apenas a ausência da

97
luz, a supressão de toda cor. Preto, pois, só o si­
lêncio.
E por que o e seria branco? Não há cor bran­
ca. O branco é a fusão de todos os tons ; N ewton
o provou perfeitamente com o famosíssimo disco.
As cores que o menino poeta empresta a i e
ao o vieram ao acaso também e sem a menor som­
bra de lógica .
O i vermelho? O o azul?
E onde fica o amarelo, que é um dos tons fun­
damentais?
- " O u francês é o amarelo" - afirmou René
Ghil, no seu outrora discutidíssimo e hoj e esque­
cidíssimo "Traité du Verbe"
E, com essa afirmação, anulou afinal a única
cor em que Rimbaud acertara : o u francês
que parece mesmo ser verde.
Não se pode negar que o fenômeno estético
é um e único e análogos entre si são os meios de
expressão nas várias artes.
E, raciocinando, observo que, como há três
cores primárias (amarelo, azul e vermelho) de cuja
fusão, duas a duas, nascem o verde, o laranja e o
violeta - há também três vogais fundamentais.
Os filólogos ensinam que são elas : o a, o
z e o u.

A vogal e nasce da união do a com o i . E isso


é visível em francês, onde o som e se exprime com

98
a mais i : mais) mauvais. E é patente ainda no
inglês : m ai d . E se observa até mesmo entre nós,
onde os rústicos dizem reiva em vez de raiva .
A vogal o) por sua vez, provém de a mais u .
E assim é escrita em francês - sauf) mauve - e em
ingles- daugh ter. E entre os nossos simples tam­
bém, que mudam saudade em sodade .
Acrescento, por minha conta, que o u e o i se
fundem no som do u francês, que as gramáticas
chamam som intermédio. É o mesmo som do ü
alemão e do y que os lusos acharam em certos ter­
mos de nossos índios e grafaram à moda grega para
distingui-lo do i comum.
Comparando agora os tons puros - azul> ver­
melh o e amarelo - com as vogais básicas - a> i e u>
não posso deixar de reconhecer que a cor azul, a
mais doce, a mais grave das três , deve corresponder
à vogal mais fechada e mais suave - o u. O u é,
pois, azul.
A mais forte das cores, a mais rica de sol - o
amarelo - terá como correlata a mais viva e estri­
dente das vozes - o i) vogal gritante que está até
no termo grito.
E o i> assim, é amarelo .
Para a cor para vermelho resta então o som
básico do a. O a por isso é vermeho.
E as demais vogais, formadas das vogais bási­
cas, correspondrão às cores nascidas dos respectivos

99
tons fundamentais. Assim, o e) o u francês e o o
serão, correspondentemente, o laranja) o verde e o
vio leta (roxo.

Cores e Vogais básicas e compostas

Entretanto, são sete verdadeiramente as cores


como se mostram no espectro solar. E, às já estuda­
das, devo acrescentar o ani l.
Existirá uma voz livre que lhe seja análoga?
Pens o que sim. Será a vogal situada entre o o
e o u . Ela existe e nasce da fusão das duas : é o ô)
que se grafa também o u . Assim é que a forma ver-

1 00
bal p oude se escreve atualmente pôde, conservan­
do, sem a menor alteração, a antiga pronúncia. As
palavras findando em ô rimam exatamente com as
terminadas em ou. Temos pois uma outra vogal
derivada - ô - (entre o e u) - correlata à cor de­
rivada anil, situada entre o violeta e o azul.
Nem se diga, como obj eção, que o ê (fechado)
é também vogal nova, em relação ao e (aberto) . É
que esse ê não resulta de nenhuma fusão; e nem os
sons eu ou ei se confundem com ele. Seu timbre
acusa apenas uma variação de instrumento : é
(aberto) é metálico , como ê (fechado ) é som em
madeira e como as vozes nasais são vibradas em
fagote ou violino.
Conhecidas agora as correspondentes cromá­
ticas - vermelho, laranja, amarelo, verde, azul,
anil e violeta - para as vozes a, e, i, u francês, u,
ô e ó - será possível deduzirem-se as correlações
musicais, uma vez que há também sete notas .
A mais grave dessas - o dó - será por analo­
gia a cor mais séria - o viole ta. As notas mais vivas
- o sol e o si - serão correlatas dos tons ricos - o
amarelo e o vermelh o .
E, preenchidas as demais tonalidades do nosso
quadro com as notas restantes, na ordem da es­
cala - concluo que, para a, e, i, u francês, u, ô e ó,
cabem em correspondência respectivamente as no­
tas s i, la, sol, fa, mi, re, dó.
Quanto aos ditongos - são acordes ; e os hiatos
serão quiálteras .

1 01
APLICAÇÃO

Evidentemente, traçando esse esquema de ana­


logias visuais, musicais e lingüísticas, não tenho
a intenção de, com os coloridos das vogais, oferecer
ao poeta uma paleta com que esboce, em vezes li­
vres, as paisagens de seu mundo estranho . . . nem
lhe dar uma pauta para compor melodias em
vogais .
Lembremo-nos sempre de que a arte compõe
com o instinto. E, ao escritor verdadeiro, acudirá
espontaneamente o tom próprio para cada emoção.
O estudo dos timbres verbais servirá, no má­
ximo, para um ajustamento a posteriori. E ainda
assim muito relativamente.
Muitas objeções levantaria a aplicação literal
do método.
Nem todas seriam justas talvez.
Quando inúmeros autores viram no u uma
letra triste que aponta sempre nas palavras lúgu­
bres - houve quem objetasse que luz e lua tam­
bém se escrevem com u. Mas a luz que nasce da
noi te e a lua doce e quieta podem bem ter a voz
que em nosso quadro é azul . . .
A verdade é que não se podem aplicar estri ta­
mente_ as correlações que estudamos por dois mo­
tivos principais : primeiro, por que as palavras não
são, em geral, feitas com uma só vogal e a cor do
termo resulta das várias vozes que o formam; e se­
gundo, porque os vocábulos não nasceram das co-

1 02
CORRELAÇõES CROMÁTICAS E SONORAS
DAS VOGAIS
res das coisas, mas do som delas; porque a lingua.
gem foi a princípio imitativa.
O esquema das correlações das vogais servirá
simplesmente para que, num verso ou numa es·
tância, a predominância de uma ou algumas delas
acentuem o sentimento triste ou alegre do poeta.
Há cor também no reino misterioso da idéia.

103
22.

A LIBERDADE E O POEMA

Já em tempos que vão longe chamou Shope­


nhauer à arte - "a região da liberdade."
Mas, tomado no mais amplo sentido, o con­
ceito se aplicaria apenas à fase criacional da ima­
ginação.
A liberdade de expressão não pode ser total
- é condicionada a razões de harmonia; porque a
harmonia se mostra em tudo que vive ou há de
viver.
"Não quero mais saber do lirismo que não
seja libertação" -exclamou o poeta querido num
poema famoso.
E esse grito seduz pela beleza.
Mas essa libertação é ilusória.
A liberdade do artista ao exprimir-se é a que
tem um jogador de bilhar: pode tomar as posições
mais diversas, curvar-se sobre a mesa, levantar a
perna ao alto, passar o taco por detrás da espinha . . .

contanto que carambole afinal! E sem isso perde­


ria a partida.

104
O artista tem a opção nos elementos que em-
prega . contanto que saiba criar a harmonia.
Essa é a lei das coisas que vivem e das que não
querem morrer. Só dentro da ordem há a existên­
cia - só o que se organiza é que existe.
A Libertação que o poeta quer no lirismo
não seria certamente maior do que a usada por
Heitor Villa-Lobos em sua música genial.
Pois bem. Foi justamente esse grande jongleur
de sons, esse rei dos rebeldes, quem afirmou certa
vez com energia convicta: "Para mim arte é dis­
-

ciplina de idéias> disciplina .ie formas> disciplina


dos sentidos."
De resto o autor de "Libertação" sabe muito
bem da verdade.
É a razão por que escreveu, ele próprio, de­
sencantado: "O modernismo teve isto de catastró­
fico: trazendo para nossa língua o verso-livre, deu
a todo o mundo a ilusão de que uma série de li­
nhas desiguais é um poema .
E é ele, e com a maior razão, quem repete a
palavra de Castro Alves: "o ritmo é o talismã da
verdadeira poesia." E é ele ainda quem recorda o
conceito ilustre de Quental: "O ritmo é necessá­
rio mesmo no delírio."
Corra um músico as mãos pelo teclado, impro­
visando, e buscará instintivamente o modo menor,
se estiver triste, e o compasso lento para a sua tris­
teza.

105
Não nasceria nunca a sinfonia, porém, aos
pulos de um gato num piano aberto. Nem nasceu
obra-prima quando André Salmon fez um quadro
moderno, com um pincel molhado de tinta e atado
à cauda de um burro que espantava as moscas .
Nem um poema nasceria de certo com a receita
dadaísta de Tzara, tirando-se ao acaso, e reunindo­
as, palavras cortadas de um jornal e postas na copa
de um chapéu.
Seria isso rematada sandice se não fosse uma
pilhéria artística.
A beleza não é arbitrária e a arte nunca foi
loteria.
O ritmo livre resultará, como vimos, da har­
monização dos versos simples que vão constituir
seus metros complementares.
Não é preciso para compô-lo recorrer ao pro­
cesso que Oswaldino Marques foi buscar em dois
ensaístas americanos - o da persistência de dadas
consoantes nos períodos. Não concordo nesse pon­
to com o genial dramaturgo de "Ciméria . "
As consoantes são elementos secundários na
sinfonia verbal. São no máximo a bateria da or­
questra que acentua o fraseado melódico. Servem
apenas para as aliterações ou outros pequenos re­
cursos expressivos . Mas fazer delas a trama do
ritmo é recair no velho instrumentismo do sim­
bolista René Ghill, abandonado por falta de êxito.
O que marca o ritmo é a sucessão dos tempos,
sejam quais forem os sons que os compõem.

106
Com ela surgirá a variedade na unidade que
é o sistema essencial da beleza.
É assim que a natureza cria suas grandes má­
gicas.
A diversidade dos triângulos é infinita. Assu­
mem os mais diferentes aspetos simétricos ou assi­
métricos, equiláteros ou escalenos; mas em qual­
quer deles a soma dos ângulos internos é igual à
soma de dois ângulos retos!
Maravilhoso exemplo da liberdade dentro da
ordem .
Em vão quer o homem de hoje, além de de­
sumanizar-se, desnaturar-se até - fugindo das leis
que formaram o Código de Deus.
Cedo se arrependerá de seu erro.
A arte não nasce do acaso.
Nada nasce do acaso.
E o mundo tem razões lógicas na Suprema
Consciência que o rege .
A vida é música.

107
23.

O REAL E O POÉTICO

Onde mora a Poesia? E como é o seu sem­


blante?
Bem difícil será ver de perto seu vulto, que
é o vulto de um espírito.
Mas, se não sabemos precisar bem onde está,
podemos mais facilmente dizer onde não está.
Já afirmei no início destas breves reflexões
que ela foge da exatidão vazia e fria. A aridez de­
serta da verdade científica não é clima próprio
para aquela frágil menina.
Oiçamos, para prova, um meticuloso cosmó­
grafo, descrevendo, num idioma glacial como a
própria terra do polo, o esplendor de uma aurora
boreal.
Diria assim:

O termômetro baixou a 50, 60 e 70 graus cen­


tígrados abaixo de zero.
E desde então foram notados, cerca de 2 ho­
ms e 35 minutos pré-dilúculo, eletrizações helio-

108
cntódicas) que oscilavam entre os raios inferiores
e médios do espectro.
Os objetos circunjacentes assumiram virides­
cência amarelada.
E as radiações moviam-se com uma aceleração
J}n78 por segundo.
Bem pouco oiro poético extrairíamos nós de
ganga tão pedregosa.
No entanto, um pobre esquimó, um filho da
raça mais inculta do mundo, e de uma raça tão
infensa à emoção que julga inconveniência um
simples adeus do marido à mulher em público,
um ingênuo esquimó nos pinta o mesmo fato lu­
minoso em tons muito mais ricos.
Eis sua palavra autêntica, transcrita do livro
"Comock, o Esquimó", pelo explorador do ártico
Robert Flaherty:

"E vieram os dias muito frios.


As noites desses dias eram a noites das Gran­
des Luzes.
E essas Grandes Luzes eram como o vermelho
da carne pálida e como o pelo de inverno do urso
e como a alga do mar.
Algumas vezes as Grandes Luzes eram tão vi­
vas que a lua ficava verde como o gelo claro)· e
toda a terra ficava verde como o gelo claro; e toda
a brancura do mar ficava verde como o gelo claro.
E essas luzes moviam-se lentamente como on­
das l gas no mar; ou então giravam ou saltavam)
on
porque nunca estavam paradas.

109
Minha mulher dizia que aquelas Grandes Lu­
zes eram sem dúvida espíritos de crianças não nas­
cidas� brincando no céu."

Por essas frases singelas bem se vê que a Poe­


sia, como o Espírito de Deus, pode baixar a

qualquer dos seres humanos.


E baixa, ainda mais, para o milagre de trans­
figurar em beleza as cousás mais humildes do
mundo.
Sim. Tudo o que existe pode vir a ser tema
poético- desde que, pelas forças do sentimento e
a imaginação, alcance a outra vida -o real trans­
cendente que é da essência da arte. Sem essa ilumi­
nação não há poesia. Por isso há apenas um falso
convencionalismo em expressões como realismo
artístico ou verismo artístico.
Reafirmo, convicto, que nunca a realidade
estrita pode constituir arte.
Não pode ser arte o plágio de Deus, sem ne­
nhum elemento criacional da mente humana.
Desse modo não procede muito esta recente
audácia de Manuel Bandeira, num dos últimos
poemas:

"Vou lançar a teoria do poeta sórdido.


Poeta sórdido: aquele cuja poesia tem a mar­
ca suja da vida.
Vai um sujeito.
Sai um sujeito de casa com a roupa de brim
branco muito bem engomada� e na primeira es-

110
quina passa um caminho salpica-lhe a calça de uma
nódoa de lama.
É a vida.
O poema tem de ser como a nódoa no brim:
Fazer o transeunte satisfeito dar o desespero."

Não é bem assim. A função da poesia é lavar


na fonte Castália as manchas mais ominosas do
mundo.
E quando um poeta se debruça sobre uma
poça de lama é para ver nela, refletido, o céu.
A poesia não ama, igualmente, a sujeição pela
utilidade forçada. Como o menino do Passeio Pú­
blico ela "é útil brincando".
Sem dúvida pode ser, e é quase sempre, uti­
líssima; mas sem saber verdadeiramente que é útil.
Um poema pode resultar num belo argumen-
to social ou político. desde que não tenha cal-
culado isso o poeta que o compôs.
Se o grão de tigo soubesse que brota para o
destino de ser moído e ser pão, talvez não flores­
cesse, tão alegre e tão sadio, pelo campos.
E assim o interesse, como a exatidão, não tem
os ares puros do país da Poesia.
E onde está, pois, esse país?
Podemos dizer apenas que é um país triste
ou alegre ,porém nunca impassível;

que é mais distante do que próximo;


mais do mistério que da certeza;

111
mais do dinâmico que do ·estático;
mais do ignoto que do comum;
mais do profundo silêncio que do vazio rumor;
mais do passado que do presente;
mais da morte talvez que da vida.

Quando vemos, tendo os olhos úmidos, que


uma névoa luminosa muda o aspecto do mundo,
que as formas fogem, irreais, que o silêncio é so­
noro, que o mar rola ondas de astros e que, em
caminhos que sobem, passam anjos sorrindo
reconhecemos logo o bom Reino do Poema, que faz
fronteiras com a Vida.

112
Reviu a meu pedido� e com prazer� o texto
para esta edição� sem nada acrescentar ou modifi­
car� a não ser uma ou outra melhor apresentação
formal� o Prof. Jesus Belo Galvão.
Rio de Janeiro� 18 j9 j72.
CARLOS RIBEIRO

113
COMPOSTO E IMPRESSO

NAS OFICINAS DA

GRAFICA OLíMPICA EDITORA LTDA.


RUA DA REGENERAÇÃO, 475 BONSUCESSO

RIO DE JANEIRO GB BRASIL

EM JANEIRO DE 1973

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