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com/lacanempdf

PROGRESSOS EM PSICANÁLISE
BASTANTE LENTOS•

}ACQUES-ALAIN MILLER (PARIS)


ja111@lacanian.ne1

Será que situei o que pude lhes dizer no ano passado sob o título Vida de Lacan 1 ,
par.t este ano entretê-los com a ·obra' de Lacan? 'Vida e obra', o binário é conhecido.
Mas, para dizer a verdade, existe a 'obra' de Lacan? Se há uma palavra ausente em Lacan,
nunca pronunciada nem escrita para designar o produto de seu trabalho, é exatamente a
·obra'. Ele preferia apresentar o que transmitia ao público apenas como ·acepipes·.z, anun­
ciando indefinidamente o prato principal, destinados a abrir o apetite para o que viria
a seguir: ''A seguir, no próximo número!" Lacan só propôs menus sob a forma de um
folhetim - o de seu Seminário. Atualizemos. Observem, por exemplo, as séries da televi­
são americana, muito em moda nos dias de hoje, em que vemos, a cada ano, os mesmos
personagens parcirem para novas aventuras. O Seminário de lacan é cambém uma série.

1. ARQUITETÔNICA DO SEMINÁRIO

Se há uma obra de Lacan, é o Seminário que dá o seu eixo. O Seminário é, se ouso


dizer, a Grande Obra de Lacan. Um interminável work inprogress, cujo corpo é feito de
não menos que vime e cinco livros - foi assim que os chamei - que vão de Os escritos
técnicos de Freud àquele incitulado "O momenco de concluir".
Esse maciço de vinte e cinco livros tem suas extremidades desbordadas. Antes do
Seminário Os escritos técnicos de Freud, comamos dois Seminários, dados na intimidade
de sua casa: o primeiro sobre ''O homem dos ratos" e o segundo sobre "O homem
dos
1obos", dois casos de Freud. Depois de "O momento de concluir",
temos ainda três Semi­
nártos. Dois deles são dedicados à topologia dos nós. cujos títulos sào:
"A topologia e 0
tempo" e "Objeto e
representação". Destes, conforme atesta a estenografia, resta pouco,
emb ora eu tenha salvo
algumas de suas articulações. Depois há um terceiro, o último,

Üpçào Lacaniana
nº 64
9 lkzcmhro 2011
<lissolu�:ào da Escola �reudiana de P�ri� e de sua_ tentativa <..le criar
L"OntemPorjneo à . J :õ
. i cs desse seminario foí.im escritas de antcmao; elas su bsiste.rn
uma nova Esc:o1a. As ç
inr egral mente. . .
amplitude de �rmta anos: d� 1951 a 1980. Tr�nta anos q
Temos, por tanto, uma _ ut
lacaniana da ps1�a��hse, se " ªº fosse necessário acrescentar
formam, diríamos, a época ..
que o Semmano adqum s se uma forma acabada. Hoje,
os trint a anos necessários para
Digo "ou quase" porque falta puhlicá-lo.
chegamos lá! o total aí está, ou quase.
Evoquei 05 dois Seminários topológicos de Lacan:
"A topologia e o tempo" e �Ob.
n deles re�ta será p:blicad
jeto e representação . Posso dizer-lhes que� que � �� a�exo no
" dois Seminanos in iciais,
livro 25, intitulado "O momento de concluu . Com relaçao aos
dispomos apenas do segundo, dedicado ao "Homem dos lobos", e apenas sob a forma de
indicações, de notas de ouvintes que circularam entre os alunos de Lacan. Estabeleci seu
texto e conto publicá-lo com o Seminário último, o da dissolução da Escola Freudiana de
3
Paris, em um pequeno volume intitulado "Nos extremos do Seminárto" •
Para terminar de situar o ponto em que estamos na publicação do Seminário que
ainda resta sair, indico que reuni em um só volume os Seminários 21 e 22, "Les non-du­
pes errent" e uRSI", respectivamente, e, em outro volume os Seminários 24 e 25, "L'insu
que sait de l'une-bévue s'aile à mourre" e "O momento de concluir".
À pane o pequeno volume "Nos extremos do Seminário", re stam, portanto, oito
volumes a publicar. Tentarei convencer o editor a lançar dois por ano, já que suas in­
tenções são de publicar apenas um nesse mesmo período. Conto com que a vox popuJi
se manifeste com insistência suficiente para que ele queira de bom grado acelerar essa
produção e que, por fim, disponhamos da sequência dos Seminários que Jacques Lacan
deixou.
Lacan nunca disse: "minha obra". Tampouco dizia: "minha teoria". Ele dizia: "meu
ensino". Ele não se quis um autor. Não se pensou nem se identificou com a posição de
um autor, mas sim com a daquele que ensina4 • Como esta palavra ficou comprometida.
ele foi identicado à posição, digamos com uma palavra empregada por ele, de "ensina­
dor"'. Isto não significa apenas que sua Grande Obra é oral. O que distingue um autor
de um ensinador? Em primeiro lugar, um autor tem leitores, ao passo que
um ensinador
tem alunos. Além disso, o autor fala potencialmente para todos,
jã o ensinador fala para
alguns - o que evoca, claro, os bappyfew, de Shakespe
are a Stendhal.
E esses alguns que formaram o endereçamento
de Lacan - endereçamento cons­
tante, para além dos contratempos que renovar
am seus ouvintes - eram psicanali>u:<
Lacan se endereçou, escolheu limitar
seu endereçamento aos psicanalistas, precisamente
os analistas que vinham escutã-
lo, que se deslocavam para fazê-lo, que traziam seu cor­
po, tal como devemos levã-l
o a uma sessão de psicanãlise.
era vivo, a publicação cio Semin
ário demorou tanto - até
Se, quando Lacan ainda

10
minha chegada, diria eu -, não foi apenas devido à incapacidade dos outros de seus
alunos, em fazê-lo, nem somente devido às exigências de Lacan ou às suas re�icências.
Foi porque a própria matéria desse discurso endereçado a alguns repugnava, era de cena
forma antinômica a ser oferecida a qualquer um, nas livrarias. Lacan, definitivamente,
se a��modava muito bem com o fato de seus Seminários se acumularem num pequeno
armano, na rue de Ltlle, que, certo dia, ele abriu diante de mim. É verdade que ao mesmo
tempo ele era movido pelo anseio de que não se mantivessem assim, mas era preciso
haver a ocasião, que só chegou bem carde.
O Semtnário só se tornou uma obra, e Lacan um autor, pelo ofício, por intermédio
de um outro que tomou para si essa transformação e se fez seu agente. Esse efeito de
transformação foi passar do que era mais ou menos audível ao legível. É uma transfor­
mação que, se assim posso dizer, universaliza esse discurso.

A dialética cios escritos e cios Seminários

Por outro lado, Lacan foi autor. Há os Escritos' e, já há dez anos, há os Outros Es­
critos. Ele começou a escrever antes de ministrar seu Seminário. Mas, uma vez começado
o Seminário, seus escritos se tornaram depósitos, cristalizações, quedas, rebotalhos dele.
Seus escritos, são, disse Lacan, testemunhos dos momentos em que ele teria sentido,
especialmente no que concernia ao Semtnário, resistências a segui-lo.
De um modo geral, seus escritos foram também ocasiões que suscitaram nele o
movimento de concluir uma articulação por escrito, muito frequentemente impelido por
uma demanda. Os escritos de Lacan têm um endereçamento, um por um. Eles foram
endereçados àqueles que lhe pediam para escrever, tal como me ocorreu lhe pedir para
escrever um prefácio ao Seminário 11, ou Televisão, quando ele se mostrava incapaz de
improvisar diante de uma câmera. Enfim... Ele era perfeitamente capaz de improvisar
diante de uma câmera, mas quando se filma, retoma-se, há emendas. Entre as tomadas,
a reflexão de Lacan continuava avançando, o que fazia com que, quando se tinha de
fazer uma emenda, nunca o era uma. Ao cabo de um dia, nos dávamos conta de que seu
pensamento não se mantinha no lugar. Foi então necessário parar a produção. E eu disse
a ele: "o senhor vai precisar escrever tudo isso", e foi o que ele fez.
Sem dúvida, de um modo que ignoro, ou que me é menos familiar, seus escritos
foram todos redigidos sob demanda. Demanda para entregar um relatório para um con­
gresso, demanda de participar de uma enciclopédia, de um colóquio, de fazer um prefá­
cio, de ir ao rãdio ou à televisão, ou seja, ocasiões. O último texto dos Escritos, intitulado
"A ciência e a verdade", Lacan o escreveu porque lhe pedi um texto para uma publicação
da Escola Nonnal Superior, da qual eu era aluno na época; uma publicação que eu es-

Opção Lacaniana nº 64 n Dezembro 2011


coisa para o primeiro número.
_ pa ra escrever alguma
e, entao, Foi,
per.ava lançar. Pedi-lh
c1enc
d " encerra a compilação dos Escritos. D;=
xto,
que
t
d ,
esse
r a e
encão,
... iae a ve
- dos escritos de Lacan é - penso eu, sem exceção ..
"A '"õ'J
porque a redaçao
e

que são •ocasiões... . ,,


.. ncias ao passa que o prosse
ento de seu Semmari
. ,, .
guim
. . dece
o obe
marcad a por conu ng
e

. ncia. .,, día2mos,


-o- '.interna. É com relação a essa extraordmana contmu1dade dt
a uma exigê . nos que se deve situar os escnt os de Lacan-
. .
um 5emtnarto , prosseguido durante tnnta a . - . .
deles escan de um de eus m omentos, cristaliza uma art1culaçao, precisa O que
cada um �
antes fig urava com o aprox1 maçao.
Doravante' se lerã Lacan numa dºia1 e"tica entre seus
.
escritos e os Semtnan - .os, mes-
o deles: treze, se não me engano. Mas, o con-
mo que antes l'á houvesse um bom nu'mer
.
.
1unto completo - que aos meus oIhos Jã está realizado embora ainda não tenha chegado
a vocês - muda, a postenon,
. .
a nat u reza dos elementos. Esse efeito de a posteriori em
breve se produzira para todos.

Os escritos, ocasiões de fixar a doutrina

Longe de mim a ideia de desvalorizar o que Lacan produziu como escritos Nada
.
do que evoco aqui vai nessa direção. Sei bem que certo número de prosadores celebram
o Lacan do Seminário - esse Seminário que os fazia vibrar - e lamentam, em
contraparti­
da, a aspereza de seu estilo escrito, qualificando-o de ilegível, mal acabado,
forçado. Esse
não é de modo algum meu ponto de vista Lacan distingui
. u a função do escrito muito
antes de ela estar na ordem do dia do pensamento
da filosofia contemporânea. Ele deu o
em seu Seminário 9, sobre a identificação.
devido lugar à função da escrita, em especial
e nos t ermos mais precisos, evocando até
uma primazia da escrita.
É pelo escrito que Lacan fixa sua doutri
na, o uso próprio de seus termos. É ali que
ele separa, se assim posso dizer, o
em seu Seminário, o
joio do trigo, que ele seleciona,
que merece, a seu critério, ser
isolado, preservado. Em seu Semi
tentativas, avança em múltiplas nário, Lacan faz muitas
direções, aventura-se, por
cakulado - em alguns deva veze s - aind a que de modo
neios, estira algumas analo
cntos, em contrapanida gias até onde pode . Em seus es­
, ele faz a divisão entre
forma e o que pode, diga o que merece ser pres
mos, ficar em seu arm ervado sob ess a
Não me passa a menor ãrio.
ideia de desvalorizar
ma,.s pessoal foram seus escritos uma vez
que num plano
eles que me 1evaram
tome,. conhecim'. a Lacan. Sob a inju
nção de Louis Althusser.
ento no final de 196
foi preCISa
· mente assim.' 3 • dos artigos de Laca
que fui pego. n disp onív eis nas livrarias
.E

OPÇào la<aniana
n• 64
12
Dezembro :!011
O Seminário, lugar da invenção

Dito isso, a verdade é que os escritos de Lacan se erigem e se destacam contra


o fundo do Seminário que, para falar propriamente, é o lugar da invenção, o lugar de
um saber. Visto que os que eram próximos a Althusser enviaram seus arquivos a um
instituto-museu, temos hoje acesso a uma cana de Lacan endereçada a Althusser em 21
de novembro de 1963, momento em que, estando à procura de um abrigo, conversou
com esse professor da Escola Normal Superior a fim de obter uma sala onde pudesse mi·
nistrar seu Seminário: Os quatro conceüosfundamentais da pstcanálise. Aliás, foi ali que
ele ministrou seus quatro Seminários seguintes. Lacan escrevia a Althusser em novembro
de 1963 e ali falava de seu Semtndrio a partir do livro 1: os escritos técnicos de Freud,
primeiro Seminário público ministrado por ele em um anfiteatro de Sainte-Anne, época
em que tinha Jean Delay como seu protetor: "O Seminário no qual tentava traçar, por
dez anos, as vias de uma dialética cuja invenção foi para mim uma carefa maravilhosa".
Esse último adjetivo, "maravilhosa", nos dá uma pequena ideia do que era para
Lacan a alegria e até mesmo, digamos a palavra, o seu gozo, ao ministrar seus Seminá­
rios. Gozo do qual ele nos transmite alguma coisa, o suficiente para que os Seminários
que hoje, com mais de meio século, são publicados, ou ainda serão, não sejam recebidos
como o testemunho do que se pensava outrora, mas sim como o que se pensa hoje e
indicando as vias para o futuro. Posso me valer dessa expressão de Lacan para dar meu
testemunho, pelo menos uma vez, de que minha tarefa em relação ao Seminário de La­
can, também é para mim maravilhosa. Sentirei falta dela. Mais adiante direi precisamente
como vejo essa tarefa, como a vivo.
Ler o Seminário é assistir à invenção de um saber em estado nascente. Não se
pode dizer que isso transcorra como um diálogo, ainda que Lacan, aqui e ali, dê a pa­
lavra a alguns. É, todavia, uma invenção que supõe, já o disse, um endereçamento ao
Outro, um endereçamento aos psicanalistas, e isto sem que sua qualificação seja neces­
sariamente validada por Lacan. Ao contrário, este é um tema recorrente no Seminário
que se inventa: o questionamento da qualificação desse Outro, o questionamento da
qualificação dos psicanalistas. O mínimo que se pode dizer é que isso nào toma a forma
de um elogio! Há, porém, uma homenagem constante, pois esse discurso se faz para
os psicanalistas. Eu estava surpreso - especialmente no último Seminário ao qual me
dediquei, "A identificação", pois havia reservado o melhor para o final, tendo em vista as
dificuldades especiais que ele apresenta - fiquei impressionado com o número de vezes
que Lacan diz "para vocês ... "i " ... eis o que construí para vocês ..."; "isto é para voc'ês ... ";
"para vocês... e para vocês ...". Tive de retirar alguns do texto, pois eles l"Omeçar.am a
obstruir. Há, portanto, nesse sentido, uma homenagem constante. O próprio Seminário
é uma homenagem aos psicanalistas.

13 lkzc:mbro 1011
Opção Lacaniana n° 64
.. 0 trata mal os seu s ouvintes ps, 1··
orém . como Laca , . .
l int t.• . r dt:ss
no • . a homenage m, P
.. .
quc .-.nu. · a ' recor rem a ahbts e, em ve2 ,1.
, tre "'t
m<t . n1 l •·iltu rJ? Eles que. lxnn <.·e m as coisas essencia is qu
<.an ·N< s!
.. a lista Est: m de se ha ver, esque t
. ,1. coisa l'Olll a q ua 1 t '"
e . . ... . •
. . . . a ms1stencia e a e d
t ta o
pe•nsar a prop �
enta o . repet i-las,
ms1stt r. Lacan disse:
cis o,
n

É pre
lhes fora m d'tt aS . _ as testem unhas da invençao,
sao no sentido
. o, esses P'sicana listas . -
ensino. De rodo mod unh ar quan to à adeq uaçã o das prop os1çoes de La can
tes·tem
em que são eles que p . . ' sobre O que se passa nessa expe riên cia
na expene... nc1a ana lít'ic3
odem

sobre O de que se mna • . .


t ransf erênc ia, de u ma verdade mttma, inclusive
dos fatos de
e sobre O que ne1a se revela
de suas variações.
sobre O fundo dessa comunid ade de experiên cia,
Lacan mantém seu Seminário .
. ·eas, por mais esm o recidos que pareçam em seu
sobre o fu nd do que esses ps1can 1 is
° a
,. a experiência dos fenômenos analícicos. Que
discurso, tem em comum com o ensma do r·. .
. e. u ma coisa Que comem esses fenômenos pel o avesso
e 1es nada compree ndam disso ·
.
e sejam levados a impasses, pou co 1mporta I Mesmo assim eles estão em contato c om a
própria coisa.

Transcrição de longo curso

Qualifiquei meu trabalho de incermediário, no m omenco em que o c omeçava, di­


zendo que "estabelecia" um texto. Disse isso com certo hum or, uma vez que indicava,
ao mesmo tempo, que se tratava de estabelecer um texco cuj o original
não existia. Se
empreguei o termo "estabelecer", foi pelo fato de q ue é
o vo cãbul o utilizado quando se
trata de editar textos antigos, gregos ou latinos
. Diz-se então : "texto estabelecido por".
No momento em que comecei a me dedica
r à tarefa de "estabelecer" o Seminário, não
estava tão distante de mim a ép oca
em que praticava Tácito , e mesmo Aristóteles, na
edição Bel/es Leltres, em que se repetia
a expressão "texto estab elecid por", nos quais
as notas marcavam as diferentes o e
versões, conforme as cópias
Com relação ao Seminário, dos m anuscritos.
o original não existe, já
somente a estenografia de que não há manuscrito . Há
um discu rso oral. E se
apenas devido aos erro digo que o origina l não existe, não é
. s de e51 enogra fia, m as à própr
autenticam ente oral ' ou seja ' um d' ia natureza do que é um discu rso
15 curso que não
Como sabemos, Lac é a sim ples leitura de um texto escrito.
an improvisava seu .
livre curso à inven discu rso com base
çao
� do mom ento a em nota s escricas, mas dando
do que diferenc1· ' partir desses pr· 1 o t1s.
. A esten ogra fi a guarda o rastro
a profun da me
começa a d izer nte o c urso o ra I d ,.
algu ma cois. a ate. o 3 expressão de seu
curso escrito . Voce
melhor. Você p m om ent o em que
ode sem· terrom per e Ih e apa rece uma forma de dizê-lo
I mphc. dizer·· "vo u reto
a em enfatizar s
eu própno . mar" Mas essa é uma
erro . No m o m · forma pesada.
ento em que l he apa
rec e me lho r maneira
Opção lacania na
nº 64
14
de dizer, ou um ângulo preferível para apreender aquilo de que se trata, vcx.i: deriva (.- om
relação à intenção primeira para seguir o que logo depois apareceu. Na estenografia,
tem-se apenas uma frase, mas essa frase é interiormente rompida devido à divagação da
intenção. E se a reproduz tal como t!Stá, você tem uma algaravia sem nenhuma sequên­
cia, o que pôde passar entre os ouvintes devido à desatenção geral, aos gestos e mesmo
à entonação. Ocorre também que o discurso oral se precipite em uma conclusão que
traga o próprio orador: ele queima as etapas.

Traduzir a língua de Lacan

No que é meu trabalho, não se trata simplesmente de restituir o que Lacan disse.
Para isso, bastaria datilografar a estenografia, tarefa à qual muitas pessoas se dedicam
e que eu nunca as impedi de fazê-lo. Em meu trabalho, trata-se de reencontrar o que
Lacan quis dizer e não disse, ou disse de modo imperfeito, obscuro. Evidentemente, isto
é arriscado. É um exercício arriscado avaliar o que ele quis dizer e não disse porque
o significante resiste à intenção de dizer. Trata-se de reencontrar o que ele quis dizer
o mais próximo possível daquilo que ele disse, mas subtraindo-se da ditadura do que
ainda resta na estenografia.
Isto é especialmente válido quando se trata, como no Seminário "A identificação",
de múltiplas figuras topológicas as quais Lacan aprendia ao mesmo tempo em que as
ensinava ou, pelo menos, as desenhava. Uma parte do que dizia sobre isso, ele o fazia
enquanto desenhava. Aqui, se não tomamos como regra o que ele quis dizer, não com­
preendemos absolutamente nada. Trata-se, portanto, certamente da intenção, tal como
podemos reconstituí-la a partir do que Lacan disse. Em outras palavras, se tivesse de
qualificar a partir disso o que fiz. e talvez o que deveria ter feito mais, eu diria: trata-se
de " traduzir Lacan". É uma tradução.
Lacan se expressava em uma língua falada apenas por um, que ele se esforçava
para ensinar aos outros. Pois bem, trata-se, então, de compreender essa língua! Nestes
últimos anos me dei conta de que, na verdade, eu só a compreendi depois de tê-la tra­
duzido. Antes, ao percorrer inúmeras vezes seus Seminários, eu percebia, sem dúvida
- como dizê-lo? .. -, do que se tratava, o suficiente para deles extrair os teoremas que
poderiam me inspirar em meu Curso. Mas foi apenas depois de estabelecer e escrever o
texto no movimento de fazê-lo definitivamente que apareceram para mim os lineamen­
tos e a trama tão cerrada da invenção de Lacan.
Quando digo "traduzir", digo que se trata de fazer aparecer a arquitetura desse
ensino. I.acan diz ter se dedicado à invenção de uma dialética. Um filósofo. tal como eu
era outrora, teria falado da autodeterminação arquitetônica do Seminário, ou seja. dessa

Opção Lacaniana nº 64 15 Dezembro 201 1


sucessão de escolhas que determinam a unidade in1erna, orgânk'a e artkulada do
dis.
curso. Esta é a "arquitetônica" no sentido de Kant.

A topologia tórica do Semnuírlo

Jã que a arquitetônica não deixa de relacionar-se com a arquitetura, eu poderia


evocar a doutrina da arquitetura que Lacan propõe em seu Seminário: "A identificação�.
Trata-se, para ele, de extrair da arquitetura o volume, para aproximá-la da superfície cuja
mpologia foi feita por ele. "A arquitetura - diz ele - apresenta urna singular ambiguidade
no fato de que essa arte, que parece poder, por sua própria natureza, ligar-se aos sólidos
e aos volumes, a não sei qual completude, se revela sempre, de fato, submetida ao jogo
dos planos e das superfícies. Não deixa de ser interessante ver também o que dela está
ausente, a saber, todo tipo de coisas que o uso concreto da extensão nos oferece. Por
exemplo, os nós,,s. Vemos aparecer aqui, de modo abreviado, aquilo ao qual Lacan, em
seguida, devotará todo o seu interesse.
Ele diz também que antes de ser volume, a arquitetura mobilizou e ajeitou superfí­
cies em torno de um vazio. É assim que represento para mim a arquitetônica lacaniana:
organizar superfícies em tomo de um vazio. Eu poderia até dar como emblema do Semi­
nário - caminho da invenção de um saber - esse primeiro objeto topológico tratado por
Lacan: o (Oro. Esse objeto é melhor representado pela imagem de uma câmara de ar ou
um anel, isto é, um cilindro recurvado cujas pontas vêm se juntar. Foi o primeiro objeto
que Lacan pôs em cena em seu Seminário 9, do qual já encontramos, en passant, uma
alusão em seu escrito "Função e campo da fala e da linguagem...119• Hã, nesse texto, uma
alusão à forma do anel. Foi desse modo que Lacan introduziu a topologia em psicanálise.

Nessa figura, com muitas precauções, ele opõe duas dimensões ou duas formas de
existência do furo. O primeiro é o furo interno, jã presente no cilindro, em torno do qual
se enrola uma superfície que se encontra, assim, oca. O segundo furo, 0 fu ro central do
toro é aquele pelo qual ele se comunica com o espaço circundante. Hã O fu ro dentro do
cilindro e, depois, o segundo furo que perfura o toro verticalmente.

Opçio Lacaniana nº 64
16
Dezembro 201 1
Lacan desenvolve longamente a oposição desses dois furos e, logo em seguida,
propõe seu uso metafórico, ilustrando por seu intermédio a rela\'ào entre a demanda e
o desejo. Ele convida a traçar círculos em espiral em torno do '-"<>rpo cilíndrico do toro
e propõe metaforicamente que esses círculos em espiral, a girar em tomo da câmara de
ar, representam a repetição e a insistência da demanda: a demanda se reitera. Em tomo
do furo interno, temos essa primeira representação dos giros múltiplos da demanda que
acabam por se fechar ao término do circuito. Ele então ressalta que, pelo simples fato de
se terem fechado em torno do corpo cilíndrico, o furo central encontra-se invisivelmente
rodeado por eles. Esse furo central é identificado por ele, sempre metaforicamente, com
o objeto do desejo. Nenhum dos giros da demanda envelopa esse objeto, mas o corpo
completo dos giros da demanda acaba por desenhar o furo central.
Retornaremos a isso eventualmente ainda este ano. Evoco-o apenas para dizer
que me represento o Seminário de Lacan, hoje, pautado nesse modelo. Os Seminários
que prosseguem se enroscam como os giros da demanda, reiterando-se ano após ano,
cabe dizer, até o fim, enquanto ele teve voz. Ao mesmo tempo, eles formam o contorno
de um vazio central. É em direção a esse vazio que o Seminário progride. Esse vazio é,
de algum modo, a mola da reiteração, a mola desse work in progress. Talvez devamos
colocar um nome nesse vazio.

Uma argumentação retórica

Como procede Lacan em seu Seminário? Bastante diferente de seus escritos. A


meu ver, ele procede essencialmente por argumentações. Foi inclusive assim que ele me
captou. Algumas pessoas foram tragadas pelo Seminário de Lacan porque, para elas,
Lacan poetisa, profere, declama, e isso as põe Knock-oul. Constato que, para um grande
número, ele é uma espécie de profeta romântico. É verdade que há copias de Lacan nas
quais, em dado momento, sentimos tremolos e violinos que estremecem. Ele maneja
isso: "queres isto? então toma!", mas ele não é tolo. Uma vez produzido o efeito, ele se
detém de imediam e retoma em seu tom habitual. Essas copias têm, evidentemente, seu
lugar em uma argumentação.
o que é essa argumentação? Por um lado, é uma dedução. Não há dúvidas de
que, a esse respeito, Lacan é, senão um lógico, tem pelo menos lógica'". Ele procede de
acordo com O passo a passo da demonstração. Por exemplo, nos Seminários do primeiro
período, em especial cio Seminário, livro 3: as psicoses, ao Seminário 6: "O desejo e sua
interpretação", ele procede conforme uma dialética de inspiração hegeliana e faz de­
monstrações. Em seguida, o fará segundo outros modelos que não o hegeliano. É preciso
dizer que quando se trata parcicularmente da topologia, há passos da demon.'itr-J.çào que

17 Dezembro l01 I
Opçio lacaniana n" 64
é predso restituir. Lacan, nesse c.·aso, se precipita, tenta di1.er numa só fra se o q ue
�U..
um recorte cm muitas oper�-ões e, por não desdobrar esses tempos, não compree�.1
mos nada. A essa dificuldade, acrescente-se o fato de que - e Lacan tentou demonstrã,
k_
em seus últimos Seminários - há uma pertinência muito grande entre a topologia e f,
tempo, precisamente. Há coisas que devem ser feitas primeiro e outras que se deve fa
depois; isso muda conforme a ordem em que são feitas as operações. Digamos que llO<,
ztr

Seminários há, em primeiro lugar, a argumentação como dedução.


Mas no ensino de Lacan há também, penso já tê-lo dito neste curso, uma argumen.
tação de advogado. Ele advoga uma causa, a causa do que quer demonstrar e, ao fazê.lo.
traz argumentos de apoio. Não esqueçamos que uma das primeiras referências assi nalacias
por ele, particularmente em "Função e campo da fala e da linguagem ... ", foi o Traité de
/'argumentation 1 1 do Professor Perelman. Vejo nisso o indício de que não se deve entender
a argumentação de Lacan simplesmente como uma argumentação lógica, mas ta mbém
como uma argumentação de retoe. Ele fixa uma direção e acumula as provas em seu apoio,
tentando siderar as objeções. Isto faz com que, por vezes, em outros anos de seu Seminá­
rio e querendo demonstrar outra coisa, ele rapidamente empacote as provas que serviram
de apoio para propor outras em sentido contrário. Disso decorre o efeito de desorientação
em que nos encontramos, quando pensamos o discurso de Lacan como simultâneo.
Isto faz pensar na peça de Courteline, Un client sérieux 1 2, na qual Barbemolle,
advogado de Lagoupille, traz em sua defesa argumentos para isentar seu cliente. Mas
eis que em plena audiência, Barbemolle é repentinamente nomeado procurador e passa
imediatamente a desfazer todos os argumentos de sua defesa, a fim de pressionar o infe­
liz Lagoupille que, aliãs, reclama a devolução dos honorários pagos a seu advogado. Pois
bem, Com Lacan, acontece o mesmo! Vemos isso claramente em alguns momentos; para
validar uma orientação que ele toma como se tivessem as melhores razões do mundo,
em uma lição de seu Seminário, Lacan junta todas as lenhas para sua fogueira, a fim de
justificar essa orientação. Isso passa, então, por argumentos lógicos, passa também por
copias em vibrato que se inscrevem numa estratégia de retórico absolutamente precisa.

Um chamado a pôr ali algo de seu

Em outras palavras, minha tradução de Lacan se orienta antes de tudo na argu­


mentação. É a partir da ideia de que isso deve ser bem deduzido, de que ali deve haver
u �a argumentação impecável, que leio os detritos da estenografia e constato que a coisa
vai. A coisa vai porque, afinal, fiz o bastante para estar previamente convencido disso.
Reconstituo, assim, uma cadeia de deduções. Por vezes, hã um elo saltado e eu O restit uo
ao seu lugar.

Opção l.acaniana nº 64
li Dezembro 201 1
Faço isso agora mais do que antes. Por quê? Eu era mais tímido? Antes, eu deixava
mais para o leitor se virar com isso. E, eventualmente, em meu Curso, eu destrinchava.
Digamos que, hoje, destrincho bem mais o texto do que no passado. Comecei pela frase.
Lacan sempre confia o termo mais imponante da frase à última palavra, o que obriga a
fazer acrobacias prévias, o que preservei por longo tempo. Mas, a panir de certa data, ao
constatar as dificuldades que isso produzia para o leitor, decidi destorcer a frase. Hoje,
dei um passo a mais, a saber: tentei viabilizar, nesses oito Seminários vindouros, um
texto tão pouco equívoco quanto possível. Por exemplo, vê-se com mais clareza quais
são os antecedentes dos pronomes relativos. Fiz isso pensando que, se não o fizesse,
ninguém mais faria. Devo dizer que esse desembrenhar emerge como uma Atlântida en­
golfada. Há uma espécie de escavação, na qual se tem nas mãos alguma coisa poeirenta
que começamos a limpar com um pincelzinho para, então, ver aparecer os relevos. Isso
se produz para mim no trabalho que faço, que realizo com o júbilo de um arqueólogo
que vê chegarem à superfície inscrições escondidas.
Certamente é preciso pôr algo de si. Por mais destorcida, por mais completada que
seja a argumentação de Lacan, ela não impede que ali se ponha algo de seu. Evocarei
aqui um autor ao qual, creio eu, Lacan se referiu uma vez, mas não penso que haja um
rastro disso. Quando anunciava a criação de sua Escola, ele evocara - talvez porque eu
havia l he falado a respeito - o filósofo Fichte, aluno de Kant que, em sua segunda intro­
dução a Wissenschaftlebre, A doutrina da ciência'!!, escreveu, com relação à objeção que
lhe fizeram no sentido de não se compreender absolutamente nada do que ele enuncia­
va em seu curso de filosofia: "Dizem que se deve contar com a atividade autônoma do
outro e l he dar não tal pensamento determinado, mas apenas as indicações para que ele
mesmo o pense."
É isto que faz Lacan em seus escritos, mas cambém em seus Seminários: ele dá as
indicações para que se pense por si mesmo. Esta é uma ideia que ele próprio exprime
no final da "Abertura" dos Escrllos. Ele o faz à sua maneira, mas é a mesma ideia que a
de Fichte: "Queremos, com o percurso de que estes textos são os marcos e com o estilo
que seu endereçamento impõe, levar o leitor a uma consequência em que ele precise
colocar algo de si"14•

O que, no final, é o real?

Já que estou com um dos autores mais importantes do idealismo transcendental,


concluirei dando-lhes a orientação que reencontrei em Schelling, em um de seus peque­
nos tratados sobre a explicação do idealismo da Doutrina da ciência:

19 Dezembro lOl l
Opção Lacaniana nº 64
tem , por ocasião das pesquisas empíricas,
que só· um homem que ,.
·peven·amos pensar ·si mesm elas con
as.
. tentam pouco o espmto , sentido �·
cia O q ua nto . par · �
do com frequên . . ntes que ali se encontram remetem quase se
mas· mais interessa 11lf
•sarnente qu e os .proble . irt a
com que lenu.d.ao. e ince
rteza nelas se prognde sem ideias di....
princípios supenore5 e _ . a • a a lle-1�
r..t
A d as a discernir aparenc i e e1et
ren deu , por expenen
múlt iplas,
só um homem qu e 3P i�1-
humanos; só um tal homem, fati ado
dade , a fut1hdade e a real a
.. id de dos conhecimentos g Pct
que ele própn0 propôs 3
. si mesmo na ignorância daquilo de
inumera s P esquisa·s vãs
. qUt 1)
. só um cal homem despertará em si, com um completo inte�
esPfrit o do h mem é c a pa z,
.• . rdo daqui lo que ele demanda, a questao: o que, no fina
o

com uma clara consc1enc1a do sen t 1.


é real em nossas representações?"'s

Real, em alemão, das Real. "O que, no final, é real (Rea[) em nossas representa.
ções?" Essa questão, no fundo, é o que há de mais natural para um psicanalista. Não
em relação à re presentação, levada a seu ãpice pelo idealismo transcendental, mas na
dimensão das palavras, em tudo o que se carreia em uma análise: relatos, historietas.
deplorações, censuras, aproximações, votos, mentiras, meias verdades, arrependimen.
tos, suspiros, falas qu e, dizia Lacan, definitivamente valem bem pouco. Em tudo isso. o
que, no final, é o real? Digo que o que orienta a tarefa maravilhosa dessa invenção da
dialética da qual Lacan falou e que está depositada nos giros espiralados do Seminário
é a questão formulada por Schelling nos seguintes termos: o que é, no final, das Real?
A grande resposta do ensino de Lacan a essa pergunta é, em primeiro lugar: o
real é o simbólico. É o simbólico porque o que ele chamava de real, nessa época, estava
excluído da análise . O que ele isolava como sendo o real no tratamento analítico. no
sujeito, era o núcleo de simbólico, eventualmente encarnado pela.frase,
em sua oposição
ao que se tratava de atravessar como uma tela, a saber: o imaginári
o. Digamos, então.
que aquilo que se chamou de ensino de Lacan e que se
mantém essencialmente nos seis
primeiros Seminários, de Os escritos técnicos de Freud
a "O desejo e sua interpretação·.
é o simbólico tomado como real do imaginá
rio. O simbólico é o que hã de real no ima·
ginário.
Foi preciso a ruptura do sétimo Seminá
rio, A ética da psicanálise, para que o real
encontrasse suas cores
à distância do simbólico e
do imagin ário, os quais adquiriram
então O e statuto de
semblante. Esse real aparece então index
ado pela palavra alemã : da-'
Dlng. Foi O que fez com que me referis
se a Fichte e a Schelling entre Kant e Hegel. re
aparece indexado ª das O 'Ji
Ding, à Coisa, referência com a
Isso é O que este ano, no fio qual Lacan indicava a pu lsão
do Seminário de Laca n, será
Em Freud, para dizê-lo nossa questão.
rapidamente, o que finalm ente
Freud, no final dos é real, é a biolog ia. pa�
.
fina'is, 0 rea 1 é a b10log1a.
PDsso diz . ' Se eu quiser permanecer no curto-ci· rcui!O·
er que' para Laca n, no
fi nal dos finais o que é real é a topologia. A aber e
s ·
Opção lacaniana nº
64
20
que não é matéria nenhuma, que é apenas pura relação de espaço, ou ainda, um espaço
que, em relação aos outros, devemos marcar com uma negação. Um n�o16 indicando
não se tratar de nada sensível. Se, no Semtnário: "A identificação", Lacan utiliza ainda as
figuras topológicas como ilustrações ou como metáforas; e ele continuou, inclusive para
além de seu Seminário: "Momento de concluir", a acossar a topologia, foi por ter visto,
por ter situado o real em seu sem sentido.
Em tudo o que Lacan enuncia, as aspas são sempre constantes. Em seu Seminário,
ele nunca se expressa sem dizer: "se assim posso dizer", "por assim dizer", "o que cha­
mam de ... ". Ele pega tudo com pinças, isto quer dizer que os toma como significantes
com os quais tentamos, desajeitadamente, captar o que acontece com o real. Aliãs, por
essa razão sou obrigado, quando lhe dou uma forma legível, a retirar algumas dessas
expressões, caso contrário, não se poderia ler a frase. Conservando os "por assim dizer"
e os "o que chamam de ... ", dobraríamos o volume do Seminário. Deixo o suficiente para
apreendermos que a atmosfera de seu discurso, a própria essência de sua enunciação é
tomar as coisas, as palavras, entre aspas. São maneiras de falar. São maneiras de falar,
que também são modos de apagar aquilo de que se trata.
Essa "atitude proposicional" - posso dizê-lo assim, tal como dizia Bertrand Russell
- desde sempre foi a de Lacan. Ele dizia, inclusive, que, quando estudante, era aquele
que falava: "não é bem isso". Mas, por vezes, quando nos atemos a essa disciplina, é exa­
tamente isso. Em particular, quando encontramos a palavra justa. Com frequência, para
encontrar a palavra justa, é preciso deformá-la, é preciso que ela chegue a ultrapassar o
muro do significante e do significado. E não se ultrapassa o muro do significante e do
;significado sem deformá-lo um pouco e, por vezes, é exatamente isso. Quando digo que
; para Lacan - ele disse isso uma ou duas vezes - a topologia é o real, faço-o sem aspas,

r no sentido em que, para ele, era exatamente isso.

A topologia: um novo imaginário

Usei minhas mãos para fazer a mímica da relação entre os dois círculos, cuja
articulação é constituinte do objeto topológico cha mado toro, que foi o primeiro dessa
ordem a ser introduzido por La can na psicanálise.
inventado por
Direi que essa topologia é, de certa forma, um novo imaginário
Lacan , na medida em q ue ele a pescou na s matemáticas para nos levar a empregar
novas fonnas. 0 uso que faço da expressão "novo imaginário" se justifica pelo fato de
que La can, m e parece, foi levado a i sso por uma obra da qual um dos autores se cha ma
Dav id H ilbert - matemático bastante conhecido e muito importante do final do século
XI X, um oráculo d a s m a temática s - que, na oca sião, acrescentou um reputado Cohn,

Dezembro 2011
Opção Lacaniana nº 64 Z1
. er qu e me é d esconhecido. Essa obra
d,z
mod o de. ,.
que um Laca n pescou a banda de Maeb·
men��. 11 ar que
que identi fico on . fo1 1
o

meme e1 t·,·,w ..,,


10fn ati
ceu no vos rec u rsos aos psicana listas 'lls,
• qller
intitula La GéO a ele �orne sentãveis". O P"'"-•
'" Desta rorm ões ou novas relaçõ es "repre
-car ·-eno
o toro e o cross p de que a d .
miro,
nte ' novas pro senh ã-las, virtu . tanto m.,.

. . , fi
dizer, essenc1a Ime citou em de . . ,..
o

nários, se exer . ve pude ap ontar - ereto que ' ª o z neste curso


r.acan, em seus semi êm u 1 o. 1n clus1 das em nen h um
sou se u ·cas rep resenta escrito de
porque, m· sso• não uras topDlóg, · -
os essa� tes, mas que a h estao como um
- que não encontram figque elas esteja m ausen
nifica er diz
Laca n. O que não sig
que figu ra nos Outros escritos, in-
Lacan esc reveu sobre ª P .
suporte constante.
um "t" final, que
mo dificado pelo acréscimo de
to ologi a em um texto

titulado "O atu nft1 o"" • tít


ulo de Mo1 ic,re,
,,
º ' que situ ei semana passada , no círculo cilíndrico
"tomos do d ito
evoca precisamente os
do toro.
Posso dar meu testemunho -
ainda que haja entre vocês um bom número a sabei
testemunho que vocês po-
, Ihes contar boatos. Trata-se_ de. ,um
que me esforço para nao , .
evidentem ente considerar como sujeito a cauçao, Jª que sou a umca testemunha.
dem
uma demanda que lhe
Lacan, engajado na redação desse "aturdito", a fim de satisfazer a
fora feita para contribuir em uma compilação do serviço do hospital Sainte-Anne, onde
ele fazia sua apresentação de doentes, se viu frustrado uma vez terminada a redação
da primeira pãgina. Essa pãgina concernia ao "Que se diga fica esquecido atrãs do que
se diz no que se ouve" 19. Ele então me disse: "eu me pergunto por que continuar". Em
vez de deixar passar, tomei isso a sério e lhe respondi: "o senhor nunca escreveu nada
sobre a topologia que, no entanto, lhe é tão fundamental". E ele me respondeu: "Aí es�
uma ideia". Pois bem, até onde sei a respeito, vocês devem
a essa minha sugestão feita a
Lacan ° desenvolvimento referente à topolog
ia e que vocês encontram nesse escrito sem
nenhuma representação.
Da última vez eu os convidei
a cons,. d erar que quando
deados do círcu1o cdmd . . nco. que a espiral dos giros enca·
circunscreve O corpo
circulo central dessa figura . . do toro s e fecha, ela desenha 0
topo1og1c a' aquele que comunica,
onde o toro estã situado . que faz um com o espaço
. 0here
, ntemente de
uma bola CUJa .
vessar, mas que se pod
e pegar, segurar superfíci e não se p ode atrJ
Lacan o m . tro ' relançar, o toro possui um
du ziu, dele 1ogo se .
serviu furo centra l. Quando
demandª que se en para convt"dar a
roscam em torno nele repres entarmos os giros d,
para ass"•m desenh do corp o c1h . •ndri
. me ar o círculo qu . co e acabam por se encontrJí-
rica me designado e circu nscrev
com o e O furo central, s endo esse ro met fo-
indica r a relação o fu ro do obj fu a
do d"18CU rso eto do deseio . .U . .,.,J
ac <adave,; de Lacan - . tilizei essa representaçao ,...
até a mone CUJOS giros p
,abe,, 0 rea l - com relaç ross eguiram , ano ap ós a no, P',;11ik
ão ª seu ob
· 1" et àqui lo de qu el< J
º· e se tratava para

º""" U<anlan, "' 64


II. O DISCURSO DE LACAN E SEU OBJETO

A<:abo de pôr, no lugar da palavra "objeto", um "aquilo de que se tratava" para


Lacan. É que a palavra objeto, nessa circunstância, não convém de modo simples. É
que �abjeto" traz em si o prefixo "ob", que temos dificuldade, se assim posso dizer, de
engolir. Ob, em latim, significa, em primeiro lugar: "diante", "em face de". É isto que, em
nossa língua, indic-J. m vocábulos como: "obstáculo", "objeção", aquilo que nos jogam na
cara. ou o obstáculo no qual vocês tropeçam quando avançam. Mas significa também
a "oblação" que se oferece, debaixo do nariz do outro, com as melhores intenções do
mundo. Refiro-me aqui - evoquei isto no meu curso - ao que diz Freud sobre o presen­
te. Temos ainda a "obrigação", a "obscuridade", a "obscenidade". Essencialmente, no ob
latino o francês privilegiou o valor de: "em face", "de encontro a". Nós também o encon­
tramos sob as formas oc e os, como em "ocasião", ou simplesmente com o que assinala
sua presença em "omissão". Isto é o que torna difícil o uso, aqui, da palavra objeto. Com
efeito, não se trata de nada que esteja diante, Kem face de", tal como vocês estão aqui:
vocês estão diante de mim e eu de vocês.
Se usei a expressão "aquilo de que se trata", mais do que a palavra "objeto", é por­
que meu propósito visa alguma coisa da ordem da substância do discurso de Lacan, no
sentido do que há embaixo, sob as manifestações, sob o que delas percebemos, sob os
fenômenos. Lacan, porém, conservou a palavra "objeto" para falar do objeto a. Mas, pre­
cisamente, não se tratava do objeto no sentido daquilo que está "em face". Ele começou
assim, pois era o modo como se usava no discurso psicanalítico: entender o objeto como
aquilo que está em face. Se Lacan manteve o termo objeto para o objeto a, foi também
por ter explorado outro valor do ob latino, que significa: "por causa de".
Verifiquei em meu dicionário de latim, Gaffiot, que Cícero diz : ob e ab rem, "por
causa disso", ob e ab causa, "por essa razão". Foi assim que Lacan pôde situar seu objeto
a em seus esquemas, em particular naquele sobre o discurso do analista, aquém, atrás
do sujeito do desejo, e não em frente. Não como o objeto que nos põem sob o nariz para
nos atrair, mas como o objeto que, estando por trãs, causa nosso desejo.

Novamente, a questão do real

Não é por acaso que, no primeiro passo que podemos dar sobre o real, esbarramos
na noção de causa. Há, para dizê-lo como os filósofos. uma pertinência conceituai es·
sendal entre o real e a causa. Quando nos servimos da palavra "real", poderíamos fazer
disso o traço distintivo da adequação da palavra: o real é causa. Só é legítimo falar de
real sob a condição de que aquilo a que atribuímos a qualidade de ser real seja causa.

Opção Lacaniana nº 64 Z3 Dezembro 201 1


causa de cena número de efeitos. É por isso que nessa
� ' perspectiva , pude d"1zer
questao do real era, afinal, o que há de mais natural no mundo que 1
. . para um ps1·ca11a1,�
.
P�ena mesmo ter dito que a questão do real está posta ,
em toda ação que se diz 'eia.
peutlca, uma vez que se trata, para ela, de alcançar o real
como sendo o império, 0 rei no
a ordem da causa, uma vez que se tenta obter efeitos de transform
ação. É preciso �
intervir onde isso se desenrola, onde a coisa se decide.
Nesse sentido, a questão do real é algo que insta, especialmente
em todas as
terapias que procedem pela fala . Desde a invenção da psicanálise,
elas se multiplica.
ram . Que isto se dê de uma forma que podemos considerar degradada,
não está aqlli
em questão. A questão do real é instante para todas as papoterapias. Eis um modo
de
nomeã-las, uma forma que faz ressoar a expressão "tagarelice""'. Em que a tagarelice
pode alcançar o real? E o que é preciso ele seja para que uma papoterapia tenha efeitos?
Não sei se a esse respeito podemos ir mais longe do que o axioma clássico segun­
do o qual hã uma homogeneidade entre a causa e o efeito, que implica em que causa e
efeito sejam da mesma ordem. Se nos alinhamos a esse axioma - ao menos por hoje -.
se admitimos que o real deve ser da mesma ordem que aquilo que tem efeitos sobre ele,
então é preciso que, por algum viés, o real subsista pela fala.
I ntroduzi essa questão por meio de um curto-circuito, passando por Schelling, o
jovem Schelling, aquele que dizia que Hegel fez sua educação diante do público e que,
a cada ano, aproximadamente, mudava de doutrina. Schelling fez ressoar uma questão
quando ainda era propagandista de Fichte, ele mesmo propulsado, em sua Doutrina da
ciência, pela leitura da Critica da mzão prática, de Kant, que fora para ele o ponto de
basta para reordenar a dita Crítica. Trata-se de uma elevada e nobre questão, a saber: -o
que, no fim das contas, é real [das Real] em nossas representações?"
É, sem dúvida, a questão mais elevada que se pôde formular no âmbito do ide­
alismo transcendental. Posso me adiantar em dizer, simplesmente porque eu era, por
um lado, um antigo idealista apaixonado. Não no sentido clínico, mas no da história da
filosofia. H avia uma parte de mim, em minha juventude, que buscava, de fato, a verdade
entre Kant, Fichte, Schelling e Hegel.

O primado da representação

o que é o real? Essa questão se tornou instante na filosofia a partir de Descart"o


. . . o·go instanie n
a quem Lacan retornou a fim de extrair dele seu conceito de su1e1to. 1
- ·
sentido em que se trata de uma questão marcada pe1a urgenc1a e pe a
· 1· stênaa· A e· SS"
1 ms
respeito, quem teve a visão mais nítida, mais clara, melhor centrada foi o
• q
fa�":�� fc:1e-

gger, em um artigo de 1938, intitulado L 'époque des conceptions du monde'


J

JOII '
[)eZC'inr,,o
Opção Lacaniana n M
º
e enfatiza ler sido a partir de Descartes que, para falar com propriedade, o mundo se
wrnou uma imagem c:oncebida pelo sujeito.
Heidegger utiliza a palavra alemã, Bild, que significa uimagem", termo que empre­
gamos ao falar de imagem especular, de imagem originária: das Urbild. Segundo ele,
foi a partir de Descarres que tudo o que é, se situa pela e na representaç-lo. O discurso
filosófi<."O não implica, aqui, sequer a categoria do universal. Trata-se de reunir tudo o
que é, ou seja, tudo o que chamamos em termos técnicos de ente [étanl], com um I e
não um 8 final [é1angP1 , pois os patos somos nós! Trata-se de uma reunião na qual, a
partir de Descartes, tudo o que é - pelo menos para os filósofos, mas solidário de todo
um conjunto - se situa na e pela representação.
Para apreender a novidade disso, é preciso pensar que a ideia de se representar, do
mundo como representação do sujeito, estava inteiramente ausente da filosofia escolás­
tica e, digamos, da ideologia medieval, para a qual o mundo se sustentava na condição
de criado pelo Criador, com um grande C. Não era um mundo representado por e para
o sujeito, mas um mundo criado por e para a divindade, situando a causa suprema sob
o significante "Deus".
Evoco a Idade Média, para não falar dos gregos, para os quais tudo o que "é", era,
em primeiro lugar - pelo menos para Platão -, determinado a partir da essência e, sem
dúvida, mais a partir da descrição do que da causalidade. O que hã de causalidade em
Platão é, antes, da ordem de um modelo ótico, aliãs, indicado por ele. É sobretudo a
projeção de silhuetas na famosa caverna, em relação à qual, se quisermos utilizar aqui
o termo "real", o real é o Um, é a ideia do Bem: as aparências são as sombras trazidas.
Voltarei a isso depois de repensar a esse respeito.
Representação é um termo capital em Freud. Com efeito, ele fala de Vorstellung in­
consciente. Apesar do que Lacan se esforçou para demonstrar, temos dificuldade de apa­
gar o fato de que, em Freud, o inconsciente é tecido de representações inconscientes. A
representação emerge como tal quando o que Heidegger chama de mundo - que é uma
herança da fenomenologia de Husserl - se torna o que é convocado pelo cogito, ou seja,
quando o mundo é aquilo que deve entrar na cena do sujeito, o que deve apresentar-se
diante dele e ser avaliado por ele.
Nós quebramos o pau com os avaliadores, mas a culpa é de Descartes! foi com ele
que se começou a avaliar - avaliar o que é representado, segundo seu grau de realidade.
Para que o Cogito emirja, é necessário primeiro ter revogado, ou seja, postO em dúvida,
suspenso, rasurado, tudo o que é representação, isto é, reconhecer que, ali, não há nada
de real. Isso se efetua precisamente no que chamamos gentilmente de dúvida cartesiana,
como se fosse o caso de um obsessivozinho que, mesmo sabendo o que ali está, diz para
si mesmo: "talvez, quem sabe, mesmo assim...".
Pois bem, isso não tem estritamente nada a ver! Porque a dúvida de Descartes é

Opçio Lacaniana n° 64 25 Deziembro 2011


a instância que .
. . to que eme rge como únic.
1ei ex ""
um ter ror ex ercido pelo su es vazia da de real. Vivemos assi m até os t
o te rror. re p res e nta çã o di,,
resiste ;1 suspensa . - o de toda degger, se torna o centro de rei .
em , co mo . expressa Hei
se , •renc,
. h om centr o de refere
de hoJe. quand o O de e ssa noçã o de
ncia a"''"lll
Assi m ele est• en de
para o ente como tal · ' 1 mente ' O este nde rem os até a sociedade .
. ºduo dizendo que• eve ntua
.md1v1 te instantes as quesr
_ torna m nec.essar iamen
ntaçao que se . Oes.
É na época da represe de pe
ê s be
sadelo? E real ou irreal? Como_ voc s a Ili.
. _ a d e son ho '
será que tudo ISSO nao pass .
esia n o sobre a rep resentaçao , o u i
m nc1o
raçã o de terror cart
uma vez realizada essa ope mo, foi recu sado . A tal ponto que, no fundo
e, por isso mes
convertido em representação da garrafa é o cogito que não consegue
resíd uo. A borra
da garrafa, resta o cogito como
mão. Obtemos, então , uma certeza que não permite
mos eliminar com O que temos à
Esse porta nto, não é uma coisa repre sentável, tamp ouco pode.
ser representada. ,
certeza instan tânea , evanescente, para a qual se
cogito

mos garantir sua permanência . É uma


não podem os reconhecer, atribuir 3
formula uma questão : por quanto tempo? Assim,
esse cogito astuto a qualidad e de uma substânc ia, pois esta exige, entre seus atributos.
precisamente a permanênc ia sob suas manifesta ções. O cogito, foi o que Lacan tentou. a
fim de aproximá-lo do sujeito do inconsciente, que, tal como ele, não é substancial . Em
outras palavras, o cogito sozinho não garante podermos passar da ordem da representa·
çào para o real, ele não permite a transição da representação para o real .

DMna junção da representação com o real

Para realizarmos essa operação, é preciso distinguir, entre as representações do


. . u�a representação
suJetto, que seja especial, que teria a propriedade excepcional de
operar a Junção da representação com O real. Essa
foi a transição exposta por Descan<>
na •T1ercetr •
a mechtaçao
• _
" ' na qua1 e1e explica o estatuto singular da ideia de Deus. a saber.
essa i· c1eta
· tem necessaname . nte um correlato no real: ela nào p ode de modo algu m ser
um fantasiar. Em um contexto renov ... . r.i.
na esc."Olástica, algu ma coisa . da
ado p el3 e mergenc1a do cogito, Descartes rerupe
. . ficar, orde m das provas d . .
a ex1stênc1a de Deus. Diga . m os. i--
s1mph que ele toma a i. mp1ementar �,r,
o a�� m�nto de Santo Anselmo.
Uma vez que se partiu desse . . zado lll
mod o' reJelta-se tudo o que havia sido inuuh
começo para isolar O coai ,,
1

õ to. Respir. am os H .
um correlato real e, na ide' · de Deus, ela não pode deixar ,1( ,
. a a 1·de ia
ia de Deus esta. i. r �-
nador, uma vez que ele é p lícito que ele não pode querer se e
o que ha de m ais · real. Adem . . "'
m

enganador. Ponanto, susp ais, ser de h oa te é su penor J ·111,


# '

iram os e vem os
t-omeço retornar pelo tudO que se havia colocado em susp1:.•n.s.i_O...111
canal de u m Outr
da representação o que é situado ali c omo o passador <la OfV" .
para o real . N i: 111-'1�
ão se dirã que
e um Outro supos,to saher. E lt:.
' • •

Opçào lacaniana ri' 64


26 1
que Lsso. Ele é suposto dizer a verdade, uma vez que decide sobre a verdade. Nada lhe
é superior, nem mesmo a verdade. É ele quem diz o que é verdadeiro e o que é falso.
Portanto, ele é eminentemente o lugar da verdade no sentido em que ele a produz. É
o que chamamos de doutrina da criação das verdades eternas. Foi isso o que emergiu
com Descartes. Foi, a um só tempo, a conversão do mundo em representação e o grande
fechamento fazendo com que tudo entrasse em ordem pelo viés de uma reciclagem da
escolâstica, uma reciclagem da prova da existência de Deus.

Duas grandes vias na filosofia

Vou rápido, mas direi que os grandes cartesianos que, no entanto, divergiram de
Descartes em muitos pontos, seja Malebranche ou Spinoza, reconhecem no significante
"Deus" a função de passador da representação para o real: a representação procede de
Deus. Eles se distinguem de Descartes no sentido em que, d.e certo modo, sua enuncia­
ção se instala, de saída, no lugar do Outro. Assim, eles se privam do patético da expe­
riência cartesiana, patético ao qual ficamos sensíveis quando lemos as Meditações desse
sujeito sozinho, que tenta ali se achar, que caminha dificilmente vendo desmoronar
todas as suas crenças e hábitos, depois todas as suas certezas, o conjunto formado pelo
ente, para, por fim, emergir reduzido a um vértice, a partir do qual tudo se recompõe.
Os outros cartesianos, de saida, passam para o lugar do Outro e se dedicam ao que,
em Malebranche, se chama a visão em Deus e, em Spinoza, a equivalência entre Deus
e a natureza - Deus sive natura. Deus é a natureza, que estende esse lugar do Outro ao
conjunto dos entes.
Aproximamo-nos do ponto em que estamos <."Om Freud e com a psicanálise, a
partir do momento em que a conexão divina entre a ordem da representação e o real foi
rompida. Estou dando um curso de filosofia para psicanalistas, mas é preciso passar por
isso, pelo menos este ano. Sem me estender muito, diria que essa conexão se rompeu
a partir de Kant. De todo modo, foi com Kant que saímos da Idade Média. Será que de
fato saímos dela? Nada garantido. É com Kant que liquidamos o resíduo escolástico de
Descartes. Este foi o valor de manter o que fez gerações de filósofos e também de não
filósofos darem risa.das, a saber, o limite imposto por Kant ao falar de a coisa em si que.
justamente, não é para o sujeito, da coisa em si que, como tal, é incognoscível e, pre­
cisamente, da ordem daquilo que, do real, não passa para a representação. Foi a partir
desse momento que não mais pudemos nos servir do significante Deus para garantir a
conexão entre representação e real. Sobre isso, Kant mobilizou os recursos da lógica a
fim de mostrar que o raciocinio de Descartes sobre a ideia de Deus é um paralogismo.
Sigo adiante.

Opçi.o Lac:aruana n" 64


[kzembro 201 1
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fia, m"S é p
ara que nhauer ou de Nietzsche. Schopenhaue• U.nha· ..,.
a de He J e a de Schope ' do pensamento filosófico. D re . P<.
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grandes vias: ge a uma corren i i
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10 estar compIetª '."ente ausente das �
Hegel um ód bre Sch o p en ha uer por ele
"Pil,
so seu ponto de partida pela venente de li'!,[
algumas palavras m odo explícito, teve
, d
cias de 1.acan- que ão de dialética que Lacan assentou a """�"'-
Hegel e cont a noç -,, . "'"' �
e

Foi c'Olll Platao e o Ih a da pelo lado de Schopenhauer.


álise . V amos dar u ma
psican

: cisão
o real segundo Schopenhauer

comme volonié et comn,


Ele diz as coisas jã no título de seu grande livro: Le monde
n,présenlaJi<m". o primeiro livro dessa obra trata sobre o mundo como representação. e
segundo sobre o mundo como vontade . O que ele chama de vontade, para simplilic,r •
coisas , é u m dos nomes d o sujeito. Schopenhauer assume a cisão da represen tação. da
Oldem lógica trazida por ela para poder ser sustentada e, depois, do sujeito que é ""'
coisa. Em, Schopenhauer, o sujeito traz o nome de vontade, herança longínqua da Cri1io
da mzàoPrálica. Diria que o livro l de Schopenhauer é a Critica darazào pum, re,i.,bih
e seu livro ll é a Critica da razãoprática. Ele explica que são duas ordens distintas.
O livro l começa assim: "O mundo é minha representação" Esse mu ndo íoi o <I'
.
� com Descartes e que Heidegger, mais tarde, chamará de uma imagem conc,I>
. O fato de o mundo ser .
mm ha representação quer dizer o mundo de toda expene. . ,.,
po,,íve1 e una. giná . , �t
vel. Tudo que ex iste,
° . para o sujeito o universo int
ex tste . eiro
objeto em re1ação a ' -""'
um sujeito N0 fundo, nte '°". ,..
o ob de objer0 no · ele traduz de maneira extre mam
. exi«
e
sentido de· em fa q
Isoo frequememe · ce, diant e de, e o estende ao conju nto do
nte esca pa o· s
.. ' P t Schopen hauer é , antes, a simplicidade. t tão :,t·nf
ue

que caberia em
Ele , "'
dua'· t res folh .
adtnira• ve[ retóric as de pape1 , e el .
. o que tr . . e escreveu seiscentas pãga nas. n<'
a Slmphcida az indefinid ament
de de que fal . e provas em seu a poio, mas a a nnadu�
O l ivro li ea .
liervava COm0 ' monde com me VOlo
Le
ue K
•'' "
a VOn•·-.&t: 0 real incognOScív me,• é uma exaltação do sujeito. O q 111,JI 1
"- do suJell
em si, Schopenhauer chanta <1e v . . r r1
· . o que el da co·isa o
Rlcio da
COnt não é re ,,,,�
•ida q0e é e. mpIação, ao ffio presen tav . e), mas da
qual podem os n<>< a r� \.;JJ· ,
dO platõni ,
di ferente
da si mpl co, que se expressa esped a hnente ria ,.,,
es represe oP"
°""' L.-._.
--- .. 64
m açao.
- A vontade quer a vi · d • sch
·
illSlala como ca1egoria central do su;eilo o querer vi\.'er. E nessa es1eira que l'i�
se inscre'\-erá. graduando o querer ,i,-er. os inimigos do querer ,·i\'el' e celebrando. ao
contrário. a carreira dada ao destjo e ao querer vi\.'er.
Isso levou Schopenhauer a dar, nesse seu livro. um lugar especial ao que ele dia­
ma de ato da procriação. Não há muitos 6lósofus que tenham dado esse lugar ao ato da
procriação. Há Aristóteles. mas ele deu lugar a tudo. Em sua História dos animais há. é
claro. um lugar para a procriação. Mas. em Schopenhauer (: diferente. pois ele considera
o ato da procriação como uma encamação absolutamente distinta do querer ,i..-er. Ele
chega a evocar o gozo carnal. no qual a \-ontade de viver mostra que ultrapassa. a vida
do indivíduo. mostra que é transindi,idual. Os exegetas no<aram esse lugar que Schope­
nhauer da,.,. à relaçào entre os sexos em duas. tres páginas fulgurantes. ls.,;o os ie--ou a
pensar que Freud calvez ti\,:sse folheado le monde comme 110/onlé el comnw fY!/Jl'f!snlla­
lion. o que não me parec:e ser o caso.

De todo modo, Lacan foi em direção a Hegel e não em direção a Schopenhauer.


que constata a cisão entre o que é da oroem da representação e o que (: da ordem do
querer viver, entre o que é da oroem da representação e o que (: do real, sem represen­
tação - real que é o querer viver, pois essa vontade é para Schopenhauer o que Emma­
nuel Kanl designava como a coisa em si. Schopenhauer identifica essa coisa em si com o
querer \'iver. Assim. I.acan foi para o lado no qual havia uma equação entre o racional e
o real. Entendamo-nos bem sobre o que Hegel diz em seu Prefácio à Fenomenologia do
espírilo", a saber: "Tudo o que (: real (: racional e tudo o que (: racional é rear. Lacan não
insistiu sobre isso. ele, inclusive, recusou a segunda pane da frase, mas. dig2mos que foi
armado com "tudo o que (: real (: racional" que Lacan entrou na psicanálise. Entendamo­
-nos. então, sobre o que. aqui, (: o real.
Em seu prefácio à Fenomenoi<Jfpa do espírito, Hegel não emprega a pala,T.t -Rear
para referir-se ao real. Ele usa a pala,T.t Wirldicb, que designa o que é -efelim- ou
'"
"'"atual"'. A etimologia a liga a u,irlten. ou seia, ao que é ·ativo ou ·efer.iv<). EncontramQf.
também a palavra Wirllung que significa -efeito-. Portanto, o que Hegel designa é o real
como aquilo que 1em efeitos. o real como o que é causa.
Não se trala da coisa em si kanliana. Não podemos deduzir os fenômenos '-"Orno
efeitos da coisa em si, de Kant. pois. precisamente, há a constituif..'ào a priori das 1..":.Uego­
rias. Não se tem nenhuma ideia de como operaria a coisa em si. Aliás, fizerJm tro_.-.t l.."'um
o fato de a coisa em si, de Karu, ficar �mimindo"!'I. Ela é em si. não está ali para ninguém.
ela eslá o tempo todo por fora"'
em H ege1 é um real que tem efeitos e ao quaJ
Ao passo que o rea 1 de que se trata ' ta a ponta, rac·ional.
sso por mei d raz _ p orq ue ele é , de pon .
se tem ace . .
. repart1' r• como se fazia na Ant1g u1. d ac1t·
Se eu quisesse ainda 51mph·ficar, P odena
o a ao

. e ác
.
bto e D e m ócrito . Hegel que n. e Schopenhaut,
Hegel e Schopenhauer. assim com H
. . as coisa s nunca podem temu nar bem
0 r

que chora. Schopenhauer o pess1m1sta ' pa ra quem


. re I opera continuamente , com a ide ia
e Hegel, o otimista, para quem a raciona bdade do a
da razão - de tod o modo foi
de que ao fim e ao cab o, ao fina l de todas as. astúcia s
' . uma graode reconc11 1aça . - 0 no saber absoluto. Schopenhauer
apresent do qui -, h vena
. absoluto uma ova ! " Depois,
encenaria um tipo de Zazie repetindo sem cessar. "Saber
a a a

chega Nietzsche e retom a isso.


- .
Assim, desde entao, P ode·se dizer ha_ duas grandes famílias de espírito na filoso.
· · tas · Simph. fico
. . stas. e os pessim,s ' para de',xar-lhes uma lembrança da domina-
fia: os ot1m1
. exc1us. ,. a partir. de Lacan. Para ta nto, tento mflar um
çao ava de Hege1 sobre os espmtos,
pouco a figura de Schopenhauer que não ocupa o m esm . o lugar e a reforço com o su.
porte daquele que se apresentou como seu discípulo ' Nietzsche . De fato, dele procederá
toda a fieira anti·hegeliana do pensa mento que desembocou, na França , no séc uIo XX , a
saber: Georges Bataille, Maurice Blanchot, ou outros filósofos como Deleuze .

Premissas da "ontologia de Lacan"

Nesse real apreendido como Wirklicb, L aca n evidentemente viu o va lor


de fazer
uma distinção entre Real e Wirklicb que encontramos no texto de Freud.
Ele o valorizou.
Mas, é preciso perceber que a partir do m omento em que
apreendemos o real com
Wirklicb, determinam.os um a hiera rquia do que ;
existe naquilo que é. No fundo, ha ,
primeiro, um a ontologia inferior: as entidades aparen
tes, contingentes e transitórias, as
entidades pa rasitas que dependem de outras entid
a des, ou que são simple sment
veis, que podem ou não existir. De m odo geral, e possí·
eu diria: as entidades subdesenvolvidas
do ponto de vista da razão. Depois, há o que
é, em sentido forte, ou seja, o que abs rve
suas condições de existência , se apresent
a como necessário
, como o que desenvolveu
o

sua necessidade até um a form a superior


de ser. Não se pode dize
mente abençoava tudo o que era Wirk r que Hegel simples·
licb. Pelo contrário ,
que é: o que é apenas aparência, o ele fazia disti nções naquilo
que não desenvolveu a nece
e, depois, as form as plenas do ser ssidade de sua exis tência
que estão no ápice e sào,
que operou mediante as astúci digamos, como um Deus
as da razão, isto
substa ncial, no sentido de um é, um absoluto que é,
a reedição do
de algu m modo,
Deus de Spinoza.
�isse tudo isso para, ao contrário do
grosseira sobre o estrutu que se rebate de maneira apr
ralismo, enfatizar o que oxima tiva e
está em jogo no estr
uturalismo de La·
Opçio l.acaniana nº 64

Dezembro 201 1
can - que. bem entendido, se desprende de Rornan Jakobson e de Claude Lévi-Strauss
-, a saber: a questão do real.
O que Lacan enconcrou na estrutura foi uma resposta à questão do real, que lhe
pareceu operatória para a psicanálise, a fim de passar do palavrório para o real. Isso o
levou a formular que o que é real e o que é causa, no campo freudiano, é a estrutura da
linguagem. E digo a mim mesmo que, quando ainda muito jovem, ao escrever um artigo
intitulado •Action de la structure.i7, depois de fazer uma primeira leitura de Lacan, pelo
menos apreendi em que sentido, em Lacan, a estrutura é o real.

Uma hierarquia ontológica

Lidamos com o real, o simbólico e o imaginário como algo conhecido porque re­
citamos isso, se assim posso dizer, antes mesmo de nascermos. Lacan pescou esses três
termos em uma página de aaude Lévi-Strauss, em "L'efficacité symbolique" - que é uma
forma de dizer "Ação da estrutura" - e, sobre isso, ele fez uma conferência que precede
a cisão de 1953 e seu primeiro Seminário público. Vocês encontrarão essa conferência,
reeditada pelas edições Seuil, no opúsculo que intitulei Os Nomes-do-Pai, já que Lacan
disse, mais tarde, que o real, o simbólico e o imaginário eram, no fundo, Nomes-do-Pai.
Lidamos como se a tripanição real, simbólico e imaginário fosse algo adquirido -
por quem .... ?28 Ela é validada pelo uso que fazemos dela e pela clarificação trazida por
ela para os fenômenos com os quais nos confrontamos na experiência analítica. Na últi­
ma pane de seu ensino, Lacan se aplicou a colocar essa tripartição no mesmo plano com
aros de barbante. Todavia, no começo, não era nada assim: hã, primeiro, uma tripartição
e até mesmo uma hierarquia ontológica entre esses três termos.
Essa tripartição permite, primeiro, excluir o real, no sentido de real, no sentido,
aqui, do que é dado, do que é natural. Pode-se ver que ela exclui a um só tempo o que
haveria de substancial no corpo. Ela induz ao fato de que no campo freudiano só apa­
recem as voltas do dito, o resto não é levado em conta. Não diremos ao paciente: "você
me disse isso sobre seu pai; pois bem, vamos interrogar seu pai a fim de conhecer seu
ponto de vista! " É o que se faz muito naturalmente na terapia familiar, em que se trata
de estar de acordo com o que aconteceu, em que se trata de comunicar as coisas. É um
exercício de negociação, é uma terapia por negociação: as pessoas deal.
A exclusão do real é outra coisa. Ela quer dizer que, embora tudo isso seja muito
legitimo em uma terapia de família, não faz parte do campo freudiano: não pedimos ao
paciente para trazer sua mãe. Isso nos parece muito natural, mas significa que partimos
de um: "confiamos no que você diz, nas mentiras que você diz". Consideramos essas
mentiras como mai.'i preciosas do que todas as verificações que, eventualmente, os ana-

Opçào lat-aniana nº 64 31 Dezembro .!0 1 1


m os vizinhos •.
o lugar em que nasceram, iruerroga
lisallle5 íarem. Eles veri6cam sobre de concreto que é de
. A exclusão do real uaduz algo
c:m geral, is.«> não leva muito longe liza.-.
;uswnenre é necessário coru;eitua
tal modo evidente para OÓ5, que l oomo Wirttic
o
é um dos nomes do real. É rea
Quanto ao simbólico, digamos que
Tudo o que res1a como imagem de Lacan jumo à opi nião. 3(1uilo
cb, o real como causa.
ue mostm,,
a imagem de alguém q
com o qual ele deixou uma marca, foi precisameOle
há de mai s real na psicanálise t
c:m que o simbólico é real, em que o simbólico é o que
na constituição do sujeito.
de começar seu ensino pro.
QuanlO ao imaginário, do qual Lacan partiu antes
bólico e se dedica a mostrar que 0
priamente dito, ele o comenta c:m relação ao sim
é da ordem da
imaginário é um ser menor. Quer dizer, que o imaginário precisamente
representação, da ordem da Blld. Mesmo quando as imagens
parecem rainhas, parecem
. E, como dis­
governar, elas só têm poder sobre o sujeito a partir de seu lugar simbólico
todos 05
se no começo do curso, a operação de Lacan era, de fato, a de mostrar oomo
seu verdadeiro
termos do registro imaginário utilizados pelos analistas só encontravam
lugar quando retranscritos em termos simbólicos.

Um real estruturado

··
A escolha hegeliana de Lacan, a orientação hegeliana primeira de Lacan, penrutru-
er =;= -•"·- · ·- · ·
-llie inscrev a ,-...- no registro da oenaa, pots essa orientação o autorizava dizer
que real de que se trata na psicanálise é um real estruturado. Ele O diz sob a fonna de

seu mconsoente estruturado como uma linguagem". Isso foi repetido e repetido como
fórmula de levitaÇ30"', mas isto só tem senti·c1o lacamano .
sob a condição de se apreender
. .

=
que o 1nconsoerue é real.
.
Lacan guardou isto - o inconsciente é real - p ara st. Só abriu mão de le
., eO
em seu u, 1tuno . texto que J3 comentei 1ongarnenie em outro momento, a
saber: o "Prefácio
à edição q.,,_;--•�- do Semlnário , • , .
11 , o ultimo texto dos Outros escritos.
. . Ele o escreveu em
um parêntese ·· "( ··· ) do mconsciente (que só é o que se crê _ digo · . .
· o tnconsciente, sep..
o real - caso se acredite em mim)"'°.
A escolha hegeliana de l.acan é inteira
ntente coerente com seu
estruturalismo, ao
passo que os estruturalistas comuns
gelianos ; eram mais posítivjsia,· Claude
"."'
eram .
tto naturalmente antidialéticos e
anti-he-
·
Lévi-Strauss levou isso muito
........,
.--- ·
_ a natura1tZar longe. Ele esrava
a estrutura. Aliás
' por essa razão, nossos sonhadores neocientist2S
podem se juntar a ele .., __ ª IS50.
""·-- . ·
nal•• de Hcge� se traduz,
Mas é preaso ver que O "tudo o que é real é rad<>"
para Lacan
real". No fundo, este é O � "";;; � segundo a qual "há saber no
J>ORulado
' po!S de Galileu: a natureza é escrita em

Opçio l.ocaniana .. 64
32
signo:. matemáticos. Nesse sentido, o inconsciente para Lacan é uma estrutura. ou seja,
um ber no rea! . T�r �-se d� saber qual, mas, há saber no real. Desse modo, Lacan pôde

pensar que a psicanahse se Juntaria à ciência. Ele apelou para a topologia a fim de exibir
o real da �'ilrutura. Pesq�ei isto no Seminário "Os problemas cruciais para a psicanálise".
onde ele diz: •A topologia que construo para vocês é alguma coisa que deve ser entendi­
da, para falar com propriedade, como o real, ainda que seja o real do qual o impossível
é uma das dimensões, sua dimensão própria e essencial�·. Para Lacan, a topologia nào é
representação, uma vez que representa o que é, ou seja, fórmulas matemáticas, relações
matemáticas, um saber. Para ele, a topologia é a via que corresponde ao que é exigido
pela estrutura da linguagem.

o crescimento potencial do real

Apresentei a categoria do real como sendo natural no começo para o praticante


e, ao mesmo tempo, mostrei sua gênese mediante uma panorâmica de muitos séculos
de filosofia. No entanto, é preciso apreender que essa categoria do real, ao longo do
ensino de Lacan, não fez senão crescer em potência e chegou como uma surpresa para
seus alunos. Durante longo tempo, eles não se acostumaram com ela, já que tudo havia
começado com sua exclusão, além do fato de que, em francês, não se faz a diferença
entre real e Wirltlicb. Eles não compreenderam que a estrutura era, para Lacan, um dos
nomes do real.
"Função e campo da fala e da linguagem ... ", primeiro escrito de Lacan, que o
lança em seu ensino, celebra a potência da estrutura e essencialmente sua potência
combinatória. No fundo, essa é a versão lacaniana do racional hegeliano. Dessa potência
combinatória, Lacan faz a mola própria do inconsciente, ou seja, o supone da própria
causalidade de que se trata no inconsciente. Para ele, é essencial ligar estrutura e combi­
natória. E, quando apresenta as estruturas, não cessa de demonstrar suas combinações,
suas permutações. t o que ele faz quando lhes apresenta a privação, a frustração e a
castração, pondo-as em relação com as categorias do objeto, do agente e ela falta. Ele
compõe um quadro em que faz os tennos permutarem perfeitamente. Anos mais tarde,
sera nos quatro discursos, cada um deles composto de quatro elementos permutando
em quatro lugares. Para I.a.can. é essencial enfatizar o caráter combinatório da estrutura,
ou seja, suas potencialidades de deslocamento, pois é justamente o que faz junção entre
estrutura e dialética. Pode-se dizer que ele foi o único a fazer es.sa junção, ao passo que,
de modo geral, os estruturalistas foram antidialéticos.
Foi por issO também que, sendo estruturalista, Lacan pôde dizer que o inconscien­
te é história, urna vez que ele a vê como o desdobramento de uma combinatória. Do lado

De� 201 1
D
. a dialética , a história. o
estrutura,
a comb inato, ria . . .
a m só tempo , a . que, em seu o i mi smo pnme1ro, Lacan
. ból ,c " o, temos , . , ia, .
fixação e a inerc
t
"m
u

o, temos a termos simbóheos


das uma vez que os
.
lado do imaginári s •
ra m an eja
ena s sombras q . de Lac an, seu triu nfo.
e o
ve• como sendo ap �e iro en sino
ue
e nte do pn .
e, o traço mais evid . ele em seu u, 1t imo
tenham girado . Esse p atroz dist ribuído por
a co m si mtsm o s
seu otimismo que se cruz . , que tínhamos partido com as trombeta
o es
leta , J ª
ersão com p
ensm . o· Temos aqui uma inv
. . bre o ,· m aginário.
do triunfo do s1mbóhco. so . amo do lado do imaginário. O f!fJZO
não
. r, dma" que Lacan classificava o o-- , .
Para rerrruna
inár io con side rand o "O estadia do
o era u m efeito imag
entrava no real. Para ele, o goz
e

ha a forma . O f!fJZO era da


• partida, do corpo, e1e so, de:in
espelho , que foi seu ponto de seu escrito sobre Schreber e em seus
em do corp . Em
forma imaginária do corpo, da imag . .
o

nário e se supõe qu e e seia destinado a obedecer


esquemas, o gozo e, qualificado de imagi
e l

simbólico.
por completo ao próximo deslocamento do • . . .
essa de reabsorçao do imaginário
Podemos dizer que há, em primeiro lugar, uma prom da
verdade sobre o real - exp
proferida por Lacan. Há, primeiro, uma dominação da
hcarei

, na psicanálls , o verdadei ro é o rea l . Mas o drama


próxima vez -, ou melhor, a ideia de q ue e
e entre
do ensino de Lacan, e talvez o drama do praticante também, se deve ao desenganch
0 verdadeiro e o real, àquilo que se isola de Real e que escapa à potência do Wirlelicb.
Lacan qualificou o real como o que retorna ao mesmo lugar. Foi sua primeira definição
do real e, quando dizia isso, era em um sentido desqualificador. O real retoma ao mesmo
lugar tal como os astros. Ele é tão estúpido quanto eles. Nesse sentido, qua ndo Lacan quali·
ficava o real dessa maneira, ele o opunha à potência clialética . Na clialética, não se cessa de
mudar de lugar e de roupa, reviramos o paletó, o ser se converte em nào-ser etc. Ao passo
que o real é mais um: "o Sr. chamou?".. . O real é estúpido. Retorna ao mesmo lugar.
No fundo, há no ensino de Lacan a redescoberta de que o corpo tem u m estatuto que
não esgota o imaginário, não esgota a forma, não esgota a visão do corpo. E o lugar ond<
is.so se desenrola, onde está em jogo a questão de Schelling: "o que, afinal, é o real?", esse
lugar, na psicanálise, é a fantasia. É para esse ponto que converge a interrogação de La"'"·
Ele desemboca na ideia da travessia da fantasia para logo desmentir essa conclusão. Para ele­
o passe foi, de algum modo, o momento de concluir sobre o final
da análise. Assim COl11"
em seu Seminário ele continuou a falar, depois de ter anunciado
O "Momento de concluif·.
em sua elaboração também se viu coagido a ir além da fantasia
e de sua travessia, desen11:>0"
cando, desse modo, em uma clivagem entre a verdade
e o real, que, cabe dizer, era simct""
camente inversa ao triunfalismo e ao seu otimism
o do começo.
Eu dizia que temos Hegel que ri e Schopenhau
er que chora . Pois bem. no 5em;ndf1'
de Lacan temos o Lacan que ri e o La
can que chora. Ele sozinh o garant rod os O."' pc'r·
sonagens do reper e
tório.

Opçio laan iana n" 64


Ili. O REAL DA EXPERI:êNCIA ANALÍTICA

A experiência no lugar da cura

Houve um tempo em que Lacan falava do "tratamento" analítico. É que, na época,


ele precisava isentar a psicanálise, fazendo-a passar por uma terapêutica, ou seja, uma
ação tendo por objetivo uma cura. Vocês sabem que, para uso mais comum, ele o subs­
tituiu por outro termo, que já usara antes, a saber: "experiência analítica", experiência no
sentido em que em uma análise acontecem coisas, vive-se algo inteiramente singular. A
palavra .. experiênda" tem a vantagem de não especificar que dela resulta algo como uma
cura, o que é prudente e realista.
Conceituar a experiência analítica como "tratameruo", tal como fazemos e como
Lacan adotou durante um tempo, obriga a dela distinguir a psicanálise dita didática,
aquela cujo objetivo é a formação. Em outras palavras, até Lacan, a psicanãfü;e estava
desdobrada: havia a experiência como tratamento com a .finalidade de cura e havia, di­
gamos, a experiência como pedagogia, com a finalidade de formação.
A incidência do ensino de Lacan se marcou de forma mais evidente porque rea­
lizou a unificação desses dois aspectos, ou dessas duas venentes da prática. A palavra
..experiêncian exprime isto. Ela qualifica um processo único do qual se poderia dizer, ao
contrario, que é a um só tempo processo de cura e processo de formação. Só que esses
dois termos aparecem, tanto um como outro, completamente inadequados para designar
aquilo de que se trata. A maneira como Lacan implementou a psicanálise, o modo como
nos convidava a praticá-la, não se alinhava nem sob a rubrica da cura, nem da formação,
mesmo que as confundamos.
Tudo o que se pode dizer, tudo o que se pode conceder, é que há efeitos de cura,
efeitos terapêuticos que se desprendem do processo único da psicanálise. E há também
efeitos que podemos qualificar de didáticos, ou seja, efeitos de formação. Mas esses efei­
tos que podemos assinalar não se cristalizam nem na cura, nem na formação.
Em contrapartida, a prática da psicanálise comporta consequências que conver­
gem sobre a fantasia do sujeito que se analisa, sobre a fantasia do analisante. Lacan
concebia esses efeitos como não se cristalizando nem na cura nem na formação, mas
sim no que ele chamava de: passe. Ele assim designava a travessia de um impasse
constitutivo do sujeito, propriamente original, que se traduzia por um efeito maior.
Para qualificá-lo, retive uma palavra usada por Lacan uma vez em seus escritos, a sa­
ber: ..travessia", travessia da fantasia. Ele só avançou sobre isso depois de treze anos
de seu ensino público, em um escrito de circunstância intitulado "Proposição de 9 de
outubro de 1967 sobre o analista da Escola"�i. É neste ponto que culmina todo o seu

l�nbro ZO J l
Seminários: "A i.s.,
SI·rua entre seus
até essa data . �- ,- que se
......,,
""'� "'Ili;
esfo,ço de ensino 1· . "
" e·oaro psieana itiCO .
da íanrasia

(aldUia1
0 que Kl)llleCe com a
lmente o que, para o su�
. . eu diria que é essc,ncia
Em uma pnmeira aboldagem. . des.sa tela lhe permita o acesso ao 'ta'.
faz tela diante do real . Supõe-se que ª in:�_... ã estava cerceado, era ÍIICapoi
___._ qual o SUjettO, """ ent o•
ter um awnw com O real, do
apena s para o real, mas também para O ser do sujeilo. A OO!ll
Essa íantasia faz tela não . .
• ,.• é O que precipita um suJeilO para a amhse, 11111;
desse ser a pergunta: Quem sou eu. .
f"alo de estar diante de algo que opacdian
vez que ;,._0 dispõem dessa chave, ou pelo
o que em á1g_ebra rnamos ""'
seu ·eu sou", o que o levaria a sustentar-se como � �.
um "x". As.sim. a questão de que se trata é que o efeito maior da
incógnita, �
com propriedade, <
analítica não é nem o de cura, nem o de formação, mas, para falar
de revelação ontológica quanto ao sujeito.
A íantasia, porém, não é apenas tela do real. Ela também é, ao mesmo lelllpt
janela para o real. Temoo aqui um valor da fantasia que merece ser confrontado, entre,
tela e a janela. Cito Lacan em sua "Proposição de 9 de outubro ... •, variando um pouco ,
frase: "A íantasia é aquilo que ronstilu i pa ra cada u m sua janela para o real...""
Nes.,e sentido, a fantasia é uma função do real, uma função subjetivada, singub,
rizada, do real. Ela é o real para cada um, o que deixa no horizonte a possibilidade de
uma vez atravessada essa janela que singulariza, o sujeito ter acesso ao real para todos
a um campo comum do real que Lacan chegou a celebrar no começo de seu ensino. Eli
via, na experiência analítica, o caminho pelo qual o sujeito se despojaria de sua singu
laridade a fi m de ir ao eooontro de um "para todos" que, indiscutivelmente, tinha uro,
tonalidade hegeliana.

Os efeitos epistêm k:us do


pasae••• e seu além

Em 1967, Lacan não e


voca O horizonte do
posição do sujeito é assegurada . � todos", m as a firma apenas que •
por lllek> da fantasia , ou seja , por
vista singular sobre O meio de um ponto d<
real - e esta é janela
não dizer tra nscender. ª - que a amlise perm
ite ultrapassar. pa•
Essa lra"""5ia,
concebida por Lacan
ção feita por Lacan, a fi m de nà0
. • . está em Freud. Trata-se de uma eon«f
análise, impasse men S<lbrepupr O unpasse no qual Freud via desembocar 1od'
propria te sexual, taJUo
do lado do hom
em como do lado da mulh<'
obrigando à retomada indefinida da análise. Segundo Lacan, essa travessia tem efeitos de
saber. Além da cura e da formação, além da terapêutica e da didática, hã o epistêmico.
Para Lacan, há efeitos epistêmicos que são adquiridos no final da análise. É o que se
entende no que ele delineia sobre isso. Mas me contento em enfatizá-lo, o que ele não
fez, para não dar imediatamente a chave da coisa para os que fazem o passe. De todo
modo, como o passe mudou, posso agora ser mais explícito.
O primeiro efeito epistêmico é um efeito de inquietação devido precisamente ao
fato de a segurança do sujeito, propiciada pela fantasia que lhe fixa seu lugar em relação
ao real, fantasia que lhe diz o que o real significa para ele -, essa segurança, diz Lacan,
é emborcada. Ela escorre ao mesmo tempo em que é posta de pernas para o ar. É o
momento em que o sujeito pode, de fato, perceber que as categorias significativas que
organizaram seu mundo são tão somente de seu mundo próprio. É o que eventualmen­
te se confirma quando ele se lança no lugar de analista, ou seja: como analista, ele vê
cada um chegar com suas significações dominantes, que nada têm a ver com as de seu
vizinho. É a partir da posição de analista que nos perguntamos como é que um mundo
se sustenta para todos, uma vez que cada sujeito é correlativo de um mundo que se or­
ganiza de modo inteiramente disjunto do mundo de seu vizinho. Há o mundo do bom
samaritano, ou da boa samaritana, o mundo do patife. Já são dois. Há o mundo em que
se engana e aquele em que se faz o bem, além do mundo em que, a um só tempo, se faz
o bem e se engana. Hã uma relatividade que, quando percebida, é percebida ao modo
de: "essa é apenas minha maneira de compreender, é apenas minha maneira de perce­
ber as coisas". Essa relatividade se traduz, primeiro, por uma inquietação, um desarrimo
antes de se abrir, ocasionalmente, para uma expansão do ser.
Em segundo lugar, há um efeito de deflação do desejo, ou seja, para falar com pro­
priedade, o desejo não apreende ser algum. O ser que suscita o desejo só deve o seu bri­
lho, sua atração, à libido que nele invisto. Lacan expressa isso ao dizer que a apreensão
do desejo se revela como sendo apenas apreensão de um des-ser. O des-Ser é um não-ser
que acreditãvamos ser e que é destituído dessa qualidade, o que está assinalado pelo
prefixo des. Aqui, há uma ontologia do desejo. Enquanto o objeto do desejo é investido,
ele tem O valor de agalma. O desinvestimento libidinal faz dele um des-ser e não resta
senão uma essência evanescente, isto é, uma significação que se dissipa e que se revela
envelopando _ já posso introduzir este termo - o gozo. O que dava brilho ao desejo era
apenas o que envelopava meu gozo.
o terceiro efeito epistêmico, segundo Lacan, desata o laço com o analista como
rep resentante do sujeito suposto saber. Revela-se, assim, que esse saber suposto, no qual
eu me sustentava em minha busca de analisante, não passava de uma significação que
dependia de meu desejo. Com a deflação do desejo, com a virada de seu objeto c-m des­
-ser, meu laço com O sujeito suposto saber a um só tempo se distende e se rompe. Lac:an

Dc:Kmbru .ZOI I
. se torna um ser do saber. "'"
JO
o rfose.
. o se r do dese . .
pa A fantasia que ""<
ter mos de me ta m fantasia se dissi .
trJduz .lSto em con ver sao
- , na qua I a sa ber. O dese)O
. se su t n
s e i,
nis. so .a\go de u ma verdadeira . u ma vez que não havia .
po tava o dese10, e a nál ise quan do o d ese10 "vira·
sustentad.a e que
su a, fi naI d ... .
o fundo ' haver são de uma analise. E, assim
r

que o causa. .N to de conclu


em na- o �·aber o ou O m o men ento de conclui r·
para o sab e1_., · . Aqui • Lacan
situ depois do "Mom
ele c
.
o ntinuo0
a se expressar ta an os desde que et,
ário ren
como em seu Semin . ,. eia que rea 1 1· za mos há qua
tal co mo na ex
penen ver são do desejo em saber.
ele co nstat u, da con
para-a le' m
r algo a 1.em , um por essa metamorfose, foi o
o

i· nventou O passe, have ia que nao_ e, modifi cado


Esse para-além d qua l eu dir
, , , a sa ber O ser de gozo. O ser do desejo
ma
m o nome de "sintho . ,.
o

Lacan desta cou co l de reve lar, atravessar a cau53


que
d O saber A fantasia e su scetíve
se deixa conver ter em se · com saber. A questao que
O
o , porém ' per
manece rebeIde para
r

de desejo. O ser do goz e o sentid o . o que ele chamou de pass,


acan nos dei xou é a d a relação ent re o gozo ifícil ' se a ssim posso dizer, é
L em saber. O mais d
era a resolução
da conversão do desejo uma trave ss1· a .
se presta a
senu'do, que na- o
a relação entre o gozo e o

L
AS ANFIBOLOGIAS DO REA

O real e a verdade

retomã-lo agora. Para fi x�


No começo deste curso , evo quei o termo real. Acabo de
qu devemos inscrever um capítulo cu)D
as ideias, diria que sou obrigado a assinalar
a mesmi
e

efeito, o real nem sempre quer dizer


título seria "As anfibologias do real". Com
s ja em noss s , s ja n d Lacan. Aq i, há um equívoco que é preciso cingir.
coisa,
mo lugar.
u

mesmo que Lacan tenha repetido que o real é o que retorna sempre ao mes
e o u o e o e

pés l i geiros,
0
Essa fórmula, aliás, se mpre retornou ao mesmo lugar. Tal como Aquiles de
eirJ
real retorna sempre ao mesmo lugar. Em um Dicionário das ideias, concebidas à m an
de Flaubert, concernente ao discurso de Lacan, é assim que ele figuraria . Contudo , o real
nem sempre quer dizer a mesma co isa . Retornar sempre ao mesmo lugar sign ifica q
ue

o real nào é dialético e, nesse sentido , ele compo rta um elemento, um caráter reb idl e
Aliás, quando Lacan introduz a categoria do real, ele, de saída , faz dela u m elemen º
1
excluído: na análise, não há real.
Quando ele se esmera em dar algumas diretivas em relação à direção do t rata mell'
to, é preciso ver que ele as enuncia com certo cinismo. Quando fala do trata me nto e d)
direção que O analista poderia lhe imprimir, ele indica, primeiro e muito precisameoti·

Opç:lo Lacaniana nº 64
quol é o pnmeuo tempo dessa direção. Remeto mcês aos Escrilos. à pigim ',92, ·A dt­
� do mumeno ' ... J <olm9e. em primeiro lugar. em fuer rom que o 5Ujeilo aplique
a tqtl'2 analiic:a.._'"""'
Ele não diz muilo mais sobre isso. Mas. par., nós. esse é um rom-.e no ao anali­
same par., dizer as alisas sem censura. em t<ll2J liberdade. o analisanre de,,, dizer o que
lhe ,,.,., à abeça pois. par., biar rom propriewde, esse é o sentido do que Freud ctwna
de Einfa/J. is1o é. ·o que =-- É o que lhes ai. lhes passa pela c:m<Ç2- A nespeilo desse,
tempo inicial ucan diz ainda - e aqui eslá o que llllei de cinismo -. "Digamos apenas
que. ao tmJZHO à sua ,-.enlade. esse tempo consisle em fuer o padenlr esquecer que
se uaia apenas de pala\-ras..:.
•.\qUi es1á eswnpada uma impostura primeira da experiência analtica, trat2-se
Ião somertt de p,wl\Tas. não se uaia de real. Sequer se pede par., dizer a ,,enlade.
Seria complewnenle errôneo considerar que a regra analilica é, ·diga-me a w:rdade".
a ,-en:bde que seria. de aconlo com a definição cláS>ica. a adequação ffllre a coi.sa e o
pensamenro. Dizler a ,-.enlade é uma injunção jurídica, ·Juro dizer a ,ienlade. � a
\Oeldade. nada mais que a vcnlade". Aliás. �. por CfftO. de ía,i-Jo. Abstemo­
-nos por presen"2r. quanio à verdade. seu caráter de desconhecido. ainda por vir. A
injunção analíôca é. pelo conuário e para falar com propriedade. dizer qualquer coisa.
não o ,-eroadeiro. rampouco o real. Ou seja. dizer o que nos \"CIII à abeç.a. E. de saída.
quando ucan a,'311ÇOU sua tripaniçào, real. simbólico e im3ginário. ele fez do real o que
eslá mais ou menos excluído da experiência analítica .
•'lgor:I que jã se encontra publicada em um pequeno l.n-ro chamado Os ,iomes do
pai. uma conl\:rencia de Lacan darada de 8 de julho de 1953"'. ,-ocês podem se repanar
a ela. Nessa �- a petI1Unta de Lacan - par., logo recusá-la - é se. de fato. numa
análise. remos de haver-nos com uma relação do sujeilo com o real.

O signific:ante como causa e a repetição

Lacan se depara em seguida. em seu caminho. com o imaginário sohre o qual diz
ser analisi,'el. embora não se confunda com o analisi,"'1. Cenrra-se, então, na função
simbólica, naquilo que 1.évi-Strauss chamava de leis de esrrurura, que se impõem a
<lemenros aniculados. elemenlos emprestados de rodos os registros da realidade e do
imaginário. Lévi-Straus.<. em seu anigo ·A efi<."ácia simbólica", que. nessa época, in.spr.l\-a
Lacan, dizia que o inconsciente era sempre vazio. constiruído apenas das lei.• de esrruru­
ra às quais impunha a um marerial romposro de imagens, ·o vo..-ahulArio importa menos
do que a es1rutura"-". dizia ele.
Nesse sentido, enndo excluído o real o-orno realidade. é o simbólico que aparece


J)aS5o d,
efeitos. Este é u m
O que tem
al e z , o rea1 como , aq le que se ex""'-.
como w;rldicb. com<> re fica sicanálise
relagem da p
ue

sua pnmeif3 abo usa!idade


psíqu ica''" ,. de 1946 , ,-.
[.aOlll. em relação à . ·fof111U la.ÇôeS sobre a ca . .
.,._
to ,.....
a -""� ai O. Esse artlgO ÍOI escn
par exemplo, el1l seu � reia _'-"'n< aO DI
� UU" ima,rnári e para fazer da
uicOS S30 i maginá rio
qual 05 efdo6 ncln
que 1..ac2
,-,- .
n pudesS" dizer que
-unag<>" O obje{O propri<>
�-=,a·' ..
r
da .,....--o • -
da

r
de psíquica vem do
.; milado quil
isso.
à o q ue , na fí sic a de Ga li leu, é 0

PoderefflOS volta a n ificante �


ponto marenal ine(te. quando ele ;sola o sig
propnamente dito começa exege,.
o ensin<> de Lacan para o s j to . S a célebre
que há de sign ificação
causa. como (!ooúnando rodo O
u ei u

engendran,
perm ta çõe s signi ficantes que
para ilustrar as
de ·A carta roubada"" foi feita efeitos psíquicos. Cada persona
geq
u

lato de Edgar A. Poe - os


- ,:ai como escandidas no re ca nte se encontra em
localização em que o signifi
se roma diferente de acordo com a roubada . Tem os, aq ui , verdadein­
ificante da carta
dado momento, especialmente o sign mos então dizer
ia real do si mból ico. Pode
mente. o paradigma da Wirldicb/aeil, da eficác ordem s imbólica. o
ligado ao q e Lacan chama de
que, aqui. o real está essencialmente
u
o. Não se trata de símbob
subQanlivo •ordem" tem aqui o valor: o simbólico é orderiad
tes ligados por wm
disjuntos, não se trata de significantes avulsos, trata-se de significan
"A carta roubada", é uma lei de permutação . Podemos então dizer que o real
� ""."· em
iden11fica-se com a ordem, a tal ponto que se poderia falar de um •real-ordem'.
Para poder, em seguida, trazer outro sentido do real, basta agora eu me referir
ª �"'. � que serviu para alguns de introdução ao ensino de Lacan, a saber: 0 Se-
minárl0, lmo 11 : os qualro conceitos fundamenta15. da pstcanálise. . Com efeito, nesse
Seminário vocês encontruão exposto, demonstrado, um desenganche do real e do sim-
bólico. O reaI permanece o que rerorria sempre ao mesmo lugar, já que o pensamenltl
não o encontra . O real aparece=,a;"" . 1
� como o que é evitado ou, de modo maiS
preciso, como o que não se
· Trata-se da oposição feita por l.2C3ll
entre os dois termos aristotélicos• ª saber· ttquê e aue·
· omaton. O auJômaton é a rede doO
significantes , é nela que se encarna a ordem · .
sunbólica e onde vemos os s,gn . .
retomarem, insistirem' permutarem, serem
solidários' se ordenarem, serem calculá,,,;,.
ificanle'
.
AD passo que a liquê é perfurada não obedece
a uma lei. Esse encontro aconteee coa->
que por acaso. Nesse -como que ' .
.
ensmo de Lacan, ele ressaltará
temos o "real-trauma• ou
00: � já está o anúncio daquilo que' 00 deff2dei"'
o real é sem lei' . E aqu. ,
em relação ao real-orden'
a, o real como " inassimilá • ,
57 do Seminário, lmo . • sej ""l , adjetivo que figura na l'"b""- -•ainl
11.
Então, não devemos nos
<XJmeço de seu ensino, enganar sobre de que lado
· está a repetição. LogO r'
exa:lência Lacan a situou do lado
o
� rdem simbólica corno sendo, P"'
� situada �Mais taroe, por mais regu que ela possa ...,,_ --,;,i<
do lado do real-tra .---. a --
uma. A .
repetição freudiana é a repetiçãO 60
.,.... ...._ ,i' 64
40
,, 1
1
real-trauma como inassimilável. E, precisamente pelo fato de ser inassimilável, esse real
é a mola da repetição. Portanto, aqui, não iremos nos achar st! não distinguirmos essas
duas interpretações de Lacan a propósito da repetição. Primeiro, ele a interpretou como
manifestação da ordem simbólica, como autômaton. Depois, l."Omo repeciç-do do real­
-trauma. É uma repetição que vem furar, perturbar a tranquilidade e a homeostase da
ordem simbólica. Nesse sentido, a ordem simbólica trabalha para o princípio de prazer.
cuja finalidade é a felicidade, ou seja, o conforto, ao passo que a repetição é, pelo con­
trário, um fator de intranquilidade.

Barthes com Flaubert

A esse respeito, houve alguém que entendeu Lacan, alguém que, sem dúvida, en­
tendeu muito bem o Seminário 11 e o traduziu à sua maneira. Esse alguém foi Roland
Barthes que, em seu último livro, publicado quando ainda era vivo, e intitulado "A câma­
ra clara", escreveu sobre a fotografia. Poderíamos pensar que a fotografia é uma repre­
sentação bruta do real. Mas, em conformidade com a direção de Lacan, Roland Barthes
ali distingue duas dimensões que designa com nomes latinos: o studium e o punctum,
termos que respondem perfeitamente à clivagem entre homeostase e repetição, e tam­
bém entre autômaton e Uquê.
Segundo Barthes, em uma foto há, em primeiro lugar, o que ele chama de studium,
ou seja, o que interessa, o que é o objeto de um investimento geral, sem acuidade particu­
lar: el� interessa, informa, se sustenta. De algum modo, é o porte e a harmonia da imagem.
Depois, quando se trata de uma boa foto, quando é uma foto que nos retém, há o punc­
tum, alguma coisa que vem quebrar ou escandir o studium, perfurá-lo l."Omo uma flecha.
É um acaso que me atinge, que me toma, diz ele. Esse punctum é, de algum modo, um
detalhe que mobiliza especialmente e que faz mancha no studtum, ele desdobra a imagem.
Pois bem, a meu ver, trata-se de um texto que foi diretamente inspirado pelo Seminário 11,
de Lacan, com o estilo próprio, é claro, o gênio próprio de Roland Barthes.
Pensar nessa referência me levou também a outro artigo de Banhes que deixou
marca nos estudos literários: /'l;[fet de rée/40 • Posso lhes dar um dos exemplos que ele
toma de "Un coeur simple nt 1 , um dos Três contos de Flaubert: •um velho piano suportava ,
sob um barômetro, um amontoado piramidal de caixas e de papelão•. O que sào esses
detalhes? Barthes admite que isso a<."Ontece na casa da patroa da empregada doméstica,
Félicité, e que o velho piano pode assinalar seu status social. As caixas e o papelão in­
dicam que há certa desordem, que a casa é mal cuidada. Mas, e o barômetro? Ah!, isso
não se explica. o interesse de Roland Banhes se centra, sobretudo, no barômetro, ou
seja, em um deralhe que parece supérfluo, a mais. Este é, de algum modo, o punctum

Opção lacaniana n° 64 41 Dekt11bro lOl 1


ento que não ,.,
faz dele um. elem ,,.
te r k�
, � von tade: Ba rt hes cnç
• nao
ao, • se consegue da
. .-o · é pre ci sa ao q ua i , na des r
da dcsc. nça en to .
lato, um elem. e 1e, esca ndaloso, do po. nto
de vis ta da estrutu r.,
<.. estrut u ra do re
Pli pela cendo, Portan to diz . ' fi sub íd da
uma funç.io, pare ' uv. a, como uma notação mstg m. cante • tra a
·
um luxo da narr, os sua stg m ficaçao, esta pe,
Ele apa rece como e nao
. enc ontr arm
relato. Pelo fato d
estrutura semâ ntica do
ma nece enig máti ca.

Detalhes ou pedaços de real


enigmática, quanto à ação. É preciso distinguu
De certa forma, toda descrição é
essas duas dimensões do rel ato: a descriç ão e a ação. Podemos observ ar muitas escan.
sões históricas no uso da descrição, mas, no fundo, aqui, Barthes tenta situar, no infeliz
texto. Ele fala sobre esse
barômetro, um resíduo irredutível a toda análise funcional do
detalhe que chega como um a mais, que não é funcional, já que não vemos para que
serve. No entanto, ele ali está para representar o real como aquilo que resiste à estrutura.
como um puro "há". De tal forma que essa insignificância se encontra definitivamente
recuperada, uma vez que ali está para significar o real, ou seja, a fim de que se produza.
para o leitor, um efeito de real, além de mante r, de algum modo, o lugar de representante
do real.
Esse texto de Barthes marcou um momento nos estudos literários. Mais tarde, ele
.
�o �to�ado e complexificado por seus comentadores, mas, como
� texto' a meu ver. ele
m iscuuvelmente dá testemunho de uma msp1raçao . . - .
lacamana, mesmo que Barthes.
algum tempo dep01s, . ten h·a se proposto a mostrar que
Ele tentou demonstrá-)0 va 1endo-se de em um relato tudo significa,�.
uma novela curta, de Balzac, intitulada Sarrasine
0830), cuja referência pescou na revis . ta publ
pour l'analyse, como ele prop icada por mim naquela época, Les Cabie�
' r10. .
o assina la. Barthes exa mina . o
ª fi m de most rar que tudo ali . texto, frase por frase.
era func1onal · Todavia . , em
rea 1• e1e propõe esse rea l com seu escrito sobre o efeito de
o se apresentando por .
como res'�duo daquilo d me,o d o detalhe, fora da est rutu ra.
e que se pod
cham . ará de "Pedaço d e d ar co nta pela e
e real". Ê ev·'d
strutura, o que Lacan mais tatd<
à le, estrutural e nte que o "
. pedaço de rea I" esta-
no extremo opast<'
E o que acontece
polog1a . agora com a top
por certo não se ologia em sua
modo como a figu apresenta como " relação com o real? Afinal, a I<>"
ramos' sob 3 fi "ped aço de . .. . Ela
-u orm se apresenta, pelo menos d<'
veis a uma ál eb .,. a de COnstruç<)
ra. Ja lhes ass e5 complexas, defin
do Pri meiro g
de
inalei que Laca itivamente redu·
s.envol n se det
.: ncia, ele pr vim. ento de seu � to "O atu . eve ' em certo momento ao fjo:i 1
ins1-· �·A
0Sseg u1u ' fal
ando de topo · rd1to "' e que, em segu ida sob n1inb·'.
Jog'ª · Isto fi
OP(io l..acania gura na página 470 s Outflr
na n" 6'i do
escritos, na qual Lacan diz, depois de ter feito uma elaboração sobre a relação, e sem
m.ais se embaraçar com a tr.msiçào: "Vem agora um pouco de topologia". E, cm duas ou
três páginas surpreendentes, ele apresenca sucessivamente: o toro, a banda de Mõebius,
a garrafa de Klein, o cross-cap, o plano projetivo, ou seja, os quatro objetos essenciais
de sua topologia, que desfilam sem nenhuma imagem . Na página 472, Lacan indica que
esse desenvolvimento deve ser entendido como: "(. .. ) a referência - expressa, ou seja, já
articulada - de meu discurso no ponto em que me encontro.. ".
O termo "referência" é muito forte, significa aquilo de que se trata. Ele tem valor
de real e Lacan insiste em dizer que não o usou metaforicamente, embora tenha feito
sua imagem ao desenhar as figuras topológicas, o que o desvaloriza, apesar de ser uma
concessão feita a seus ouvintes. A concessão de uma imagética, diz ele, quando tudo
poderia ter sido apresentado como uma pura ãlgebra literal. Quanto a essa topologia,
diz ele, ela pare<..'e indicar ter ne<.-essidade de passar por uma revisão da estética de Kant.
Não é por acaso que o nome de Kant surge a esse respeito. De todo modo, a referência
de que se trata na topologia é relativa à estrutura, aqui definida por ele como sendo o
real que vem à luz na linguagem. Aqui nos damos conta de que aquilo que ele sempre
chamou de estrutura era o real como o que se manifesta na linguagem mediante certo
número de relações.
Não podemos desconhecer, aqui, as afinidades desde sempre reconhecidas pelo
pensamento entre a matemática e o real, ou seja, entre o que é da ordem matemática
e o que é da ordem do real. E Lacan se inscreve nessa via. O Lacan que, ainda muito
jovem, aos 13 anos de idade, se exercitava montando o quadro da ÉNca e das inferên­
cias dos teoremas de Spinoza, o qual por sua vez, se esforçava em proceder segundo a
ordem geométrica. Não devemos esquecer que, para o pensamento clássico, a referência
à geometria, ao raciocínio geométrico euclidiano, er.J. a via maior da razão. Ora, quando
Lacan se refere ao campo da linguagem, não devemos tratar como subsidiário o fato de
o entender à maneira grega, como logos.
Quando Lac-,n fala da linguagem em "Função e campo da fala e da linguagem",
para ele, a linguagem é também a razão, palavra que insiste no seio mesmo de sua
construção linguística, pois, quando escreve "A instância da letra no inconsc:iente", no
qual apresenta suas fórmulas da metáfora e da metonímia, ele acrescenta como suhtítulo:
"(. .. ) ou a razão desde Freud". Em outras palavras, o lacanismo é um racionalista. Evi­
dentemente, há realistas patenteados reunidos em associações de defesa da razão que,
há decênios, estão espalhados contra todos os irracionalistas em meio aos quais, é daro,
inscrevem Lacan, embora nunca o tenham lido. Nesse sentido, considerJ.m haver uma
onda mística da psicanálise c."Om a qual têm de lidar. Ora, se há uma linh.a que L.ican se­
guiu, do começo ao fim, foi justamente a de manter um esforço propriamente mdonalista
e referir-se l'Om muita assiduidade ao elemento matemático.

Opção UC3.niana nº 61 43 Dcn-mhru 101 1


qlle ,
esque ma dos espelhos,
a da ótiea no '
· sob a• form• escr ito ·eo me ntário sobre o rela!%
EncOO(l2lll06 essa geometn" o tem no """'·'
. . -0 voces . . E
eminá rio de -La can m --5..,.
da identi6caça · e .., •.;mo S
_, ......,, dar c onta • ao prun t• -
-,,-- , m as está referido fe , é m represe ntaçao geométrica de
de l)aniel tagache que, com e
ito
forma da topologia das su�
a
o
u

da. remos sua a,nsuuçà<> d grafo o encontr amos sob a


. •- Oep<>iS . , nós endo de outro modo, há, "11
relações algébrica
. co mo copo1ogta . dos n Diz ós.
-'-' � ensino a a finidade entre o "31
e. em seu º"" •-
. as e a afirmação de um ão filosófica.
""" "-
para as m atem a. t,c
Lacan. uma postu1�-o mais cláss i co na inspiraç
da ao que há de
e a matemática relao ona

Lacm a,m Kant


sobre um pon­
r traçar um paralelo, pelo menos
Direi agora que poderiamoS tenta no ensino de
de Kant, e aquilo q ue constatamos ser,
to, entre a Crilica da mzão pura,
a. O t mpo não m e permite desenvolver esse
lacan. u ma convergência sobre a fantasi
, ou nun ca. Vou m e contentar em
e

pomo. Eu o farei , talvez, no nosso próxi m o encontro


simples, o que é o bê-a-bá da do u trina ka ntiana.
indicar as coisas mais
ndamentais e
Essa doutrina separa e distingue, no conhecimento, du as fontes fu
e se
heterogêneas, a sensibilidade e o entendim ento . A sensibilidade é da ordem do qu
olxém, a partir do que kant chama de experiência, e que decorre, desde Aristóteles.
do sentir, da sensação suposta c o m o bruta. O entendimento é a fa cu ldade ou o poder

:=çao, �
dos �iros, mediante os quais podemos generalizar o qu e recebemos por m eio da
canal da intu ição . �nto, o qu e é intuitivo é sempre singular, Enquanto
� provem da ordem do conceito é, pelo contrário, g eral. Poderíamos aqu i , se vocês
qwsessem, evocar oposição do concreto ao abstrato .
ª
A fórmula kantiana supõe do co nh ec1. m ento supõe sempre cena conjunção da in·
tuição e do conceito. A .mcu,çã . o e• da ordem do
qu e receb emos do m undo, do exterior.
sendo , portanto da ordem d rec ept 1V1dade. . .
do suj eito. A ta�fa é
ª Já O conceito pertence à esp ontan eidade
• então, pensar com o o entend·• m ento
e a sensibilidade entram elTI
acordo e se conjugam .
lacan, que inclUsive evoca ISSO . de passage m , diz - é divertido -q
sensibilidade e entendi m ento p u e o acordo entre
assa, em Kant por
susc1.tou todas as COntrové um afunila mento12 . Este a fu ni lamento
rsias •magmav e,s
. , . .
dos c om entadores. Para que possam o s ter '
.
ide"13 de como isso funciona
. ' eu m e contentarei c om o . :
sua arquitecõnica, foi Decessá.rio a Kant seguinte e m sua construção, eJ1l
sões, foi preciso enc enc ontrar u m m ed·1 do
ontrar um ele m ento 3 r entre essas duas dimen·
de todo modo, decorresse també que.' por algum lado ,
pen encesse à in!lli�-:io <-
ma , para o qual i m do c onc e1to. Ele
nvema um Pod er Pró O enc Ontra no qu e chama d e esque-
prt" o da alm a, que
designa c o m o "esquemausn . )(I.·
Opçio W2niana. rr 64
44
do qual diz ser a arte mais misteriosa. Vou citá-lo, pois é bem engraçado: -esse esquema­
tismo é uma arte oculta nas profundezas da alma humana". Há onze páginas da Critica
da ,r,zão prática, que Heiddeger dizia serem o núcleo da obra. Com efeito. é sobre a
interpretação desse esquematismo, sobre a importância que lhe dão ou a negligência
que lhe devotam que se distinguem os comentadores.
Pois bem, talvez seja necessário retonar a essa função esquematizante na próxima
vez, até porque o que disse sobre ela é muito elementar. Ela é vinculada de maneira
muito tradicional à imaginação, a essa faculdade das imagens, a essefantasmaticum que,
desde Aristóteles, tem uma função intermediária entre o sentir e o pensar.
Esse esquematismo é empregado especialmente quando se trata de conceitos que
encontram sua intuição. Isso é exigido, em especial, nas matemáticas, nas quais alguma
coisa do conceito deve poder ser intuída. Evidentemente, na matemática, trata-se de
imagens de um tipo especial. As imagens do conceito devem comportar, em si mesmas,
algo da estrutura, ou seja, apresentar elas próprias a regra de suas variações, de sua
permutação.
É nesse ponto que culmina a dificuldade da Critica da mzào pura. Devo dizer que
eu realmente compreendi Kant ao ler Heidegger. Dizem que ele é confuso, mas, em seu
Kant et /e probleme de la metapbisique''. ele propiciou a leitura mais límpida da Critica
da ,r,zão pura. Heidegger explica que o próprio Kant recuou diante da dificuldade dessa
arte misteriosa. Na segunda edição de Cnltca da razão pura ele ta.mponou tudo isso,
ele atribuiu o esquematismo ao entendimento de maneira a encobrir o que ali havia de
agudo e de difícil nessa noção.
Na verdade, se eu quisesse trazer Kant até nós em curto-circuto, diria que o que
é essencialmente receptividade para o sujeito, e que constitui a dificuldade do termo, é
o gozo. Em Freud, como em Lacan, o gozo. o estilo de gozo de um sujeito, está sempre
ligado a um primeiro acontecimento de gozo, um a<.-ontecimento de valor traumático.
Esse sujeito, portanto, decorre essencialmente, em sua sensibilidade, do Outro, do que
lhe vem do Outro.

Retomo sobre a fantasia

A espontaneidade, para nós, nào é a do sujeito, mas a do jogo dos signifkantes. E


0 que faz a junção? o que, para nós, funciona como esquema, com um pé de �ad I � >?
� �
É precisamente a fantasia, tal <.-omo Lacan a esneve. $ O ª.' e que , em u escrita m1c1al,
� �
une dois elementos heterogêneos: um que resulta do significante. o su,e110 barrado. e o
_
outro que, em sua origem, provém de uma cs<.-rita imaginária à qual I.aran, 1..-m seguida.
dá O valor de real. De certa forma, é a fantasia que. no em•ino de Lacan, OCscmpenha

l)&.?.('llllm.1 .!tl l l
()peão I.acaniana n" 64
tão, vou retomar as coisas por outro lado, supondo que poderei passear por Freud e por
Lacan considerando que, sobre eles, vocês têm conhecimentos, pelo menos vislumbres
suficientes.
Para fechar a primeira parte deste ano, jã que só retomarei em três de março, vou
lhes informar sobre meus progressos na leitura de Lacan a respeito do que nos interessa
e�te ano - progresso de leitura bastante lento, vocês poderiam dizer, parafraseando um
título de Jean Paulhan.
Vejo agora que ler Lacan não é tudo. No fundo, o mais interessante é ler o que ele
não diz, o que ele não escreveu. Caso contrário, contentamo-nos em reconstituir - e isto
jã apresenta certa dificuldade. Vou utilizar agora uma palavra já utilizada na primeira vez
que os vi este ano: reconstituir a arquitetônica conceituai de um texto, de um escrito,
da lição de um Seminário. Isso, porém, não diz nada da razão, não diz nada do que o
escrito afasta ou atesta não perceber.
Heidegger diz alguma coisa parecida concernente à sua leitura de Kant. Não se
trata apenas de entrar na potência mecânica conceituai posta em marcha, por exemplo,
em Critica da razão pura. Trata-se de apreender onde incide a ênfase e, precisamente,
diria eu em termos lacanianos, o que esse pensamento se esmera em evitar.

Três tipos de leitura

Nesse sentido, a Critica da razão pura é um bom exemplo, já que Kant publi­
cou uma segunda edição sensivelmente modificada, a qual Heidegger se esforça para
demonstrar que constitui um recuo em re lação ao que estava no horizonte da primeira
edição. Então utiliza essa segunda edição para mostrar que ela fecha o que a primeira
abria. Das diferentes partes de Critica da razão pura, Heidegger privilegia aquela que se
chama ''A Estética transcendental". É a panir dela que ele examina os outros desenvol­
vimencos que Kanl dá às "Proposições analíticas e sintétk.-as" e à "Dialética transcenden­
tal". Outros comentadores de Kant, pelo contrário, leram a Critica da razão pura à luz
das "Proposições ana líticas" ou à luz de "A dialética'', Temos, assim, três tipos de leitura,
que, aliás, foram ordenadas em um livro que muito pratiquei em minha juventude, cujo
autor é um filósofo chamado VuilJemin que, por sua vez, havia escrito uma obra sobre
L'Hérllage kantlen e/ la révolutton coperntcienne-1 1 •
Lacan também, por vezes, lançou uma segunda edição de alguns de seus escritos,
cujas modificações são sempre significativas, mas também sempre ligeira.s, incidindo
sobre dois ou três parágrafos. O arrependimento não fazia seu gênero, não era seu forte.
l! mais na continuidade de sua reflexão que ele se corrige. Seu vocabu]ário, porém, não
muda, ou muda muito pouco. E como seu tom é sempre as.o;erlivo, podemos acreditar

Opçto Lacaniana nº 64 47 Dc1.e111bro ZOJ 1


ca, faz z igueq.
rda de, ele modifi
a ndo, na ve . l ndo o que eu
um de sen volv imento qu tr i n do e d1vu ga
do rso, recons
que ele está fa zen , pos neste Cu .
u

ns anos, ha tem . u e me é
dada , talvez , pela sausfaç;.,
gues. Passei algu . a de Lacan . A d1sta• nc1a q m
rqu •
iteto nic . Semin ários me faz perceber co
chamava de a ão do con1u nto d
os
nclm 'd Oª re daç mo dific uldades co nCej.
de haver quase co s tratava co
o que eu a nte
o re1evo no qua l min ha maneira de ler.
cla reza , creio eu , cert de o tra o rd e m . Const ato que
gora, decorrer me debr ucei por longo
tua is me pare<-em, a u mesmo
u

b re os . q a is e
canom • · cos de Laca n, so. ao que ago ra me oc upa
u
hoje, os escntos
·
r, no que conc erne
udou e, em pa rucu la
tempo, essa maneira m real.
saber: o estat uto do
a título da obra de Laca n, a

Função nodal da matriz da fantasia


c omo o
é pelo fato de Lacan a ter promovido
se falei da função noda l da fantasia,
imagin á io e o simból ico de manei ra a fazer dela a janela do su­
que enlaça, conjuga o
da qu al o mundo , a realidade, ganha
r

jeito sobre o real. Essa, dizia eu, é a matriz a partir


nodal, por visar o que Lacan
sentido e se ordena para o sujeito. Disse tratar-se de função
encontraremos es­
desenvolverá, tematizarã dessa maneira topológica. Em Lacan, nós a
crita correntemente, muito cedo, sob a forma do losango que, em seu uso, é uma pura
forma de relação entre dois termos, a e b.
Não foi ele quem inventou esse símbolo: em lógica formal e, mais precisamente em
lógica nodal, utiliza-se o losango para designar o possível, da mesma forma que se utiliza
o quadrado para significar o necessãrio. Com efeito, Lacan indica uma vez, rapidamente.
que esse símbolo lhe serve para representar todas as relações possíveis entre dois ter·
mos . E� outras palavras, é um símbolo polivalente, um símbolo que serve para tudo e
.
que md.1ca, por sua escrita, haver relação, proporção, 0 que não é dizer pouco. PenseJll
no eco de u ma proposição como esta . " nao � hã rel açao � sex ual ", indicando precisamente
que, nessa questào' não se . pode ut1hzar. .·
tal símbolo. Este é, pelo menos, o testemunbO
de que não o uu·t·tzamos em vão.
Lacan o utiliza eminentemente no q ue . �
co nceme à fantasia como mdex de u rna
relação entre dois termos que, para falar • •
com propn·ec1ªd e, nao sao elementos, mas or·
dens. Ele o utiliza para ind·icar uma
relaça� o e até mesmo uma .imbricação
.
do s1mb6 1ico e a ordem do imaginário. entre a ordeJll

SOi

48
Ordens, registros, d.izmensões

O próprio termo ordem mereceria ser comentado em seu uso lacaniano. Ele é
utilizado, sobretudo, para o que chamamos de registro simbólico, mas designa também
os dois outros registros: o do real e o do imaginário. São registros, mas de quê? Pois
bem, são registros do ser, registros ontológicos. Com o simbólico, o imaginário e o real,
temos a tripartição do que ele, mais tarde, chamará de dizmensões {dtlmenstons/, jogan­
do com a palavra e extraindo desta o dito [dil[ . São três diferentes maneiras de alojar
o dito. Obedecem a regras sensivelmente diferentes. A imagem, em particular, tem um
funcionamento totalmerue distinto daquele do significante que, por sua vez, é articulado
em cadeias ou como um sistema.
Lacan faz um amplo desenvolvimento do que acontece em cada uma dessas ordens
separadamente. Na ordem simbólica, ele enfatizou certo número de relações matemáti­
cas e de redes propriamente linguísticas. Em contrapartida, no imaginário ele enfatizou
- assim como o fez a literatura analítica - um reservatório de imagens prevalentes que
desempenham um papel para o sujeito, apesar da voz corrente segundo a qual algumas
dessas representações seriam inacessíveis à consciência.
Assim, o que especifica a fantasia é uma conexão, uma interpenetração especial do
simbólico e do imaginário. Basta nos referirmos à fantasia "Uma criança é espancada""�
para vermos ali encenadas, a um só tempo, uma representação imaginária e a presença
de uma frase articulada. A perspectiva cornada por Lacan nos mostra que ali se compõem
elementos decorrentes de ordens diferentes. Não me estenderei muito sobre isso porque,
a esse respeito, Lacan educou suficientemente nossa percepção. Pela insistência de seu
ensino, e o fez de modo a distinguirmos, de maneira quase espontânea, o que decorre
do imaginário e o que decorre do simbólico naquilo que um tratamento analítico pode
fazer surgir. É em relação a essa percepçào educada que, por essa conjugação e essa
interpenetração, a fantasia se distingue dessas duas dimensões. Também por isso, pode­
mos compreender porque há uma convergência especial da prática analítica na fantasia.
Há, de um lado, 0 que decorre do significante e, do outro, o que decorre do imaginário e
é na cena da fantasia, que encontramos reunida essas duas dizmensões, que, no entanto.
são distintas.
de duas ordens dife-
A fantasia se concretiza e se particulariza pela imbricação
a título do simbólico, e o
rentes, nas quais se situam respectivamente o sujeito barrado,
objeto a, a título do imaginário _ ($ O a). É a escrita da
fantasia que Lacan utilizará ao
todos os elementos
longo de todo O seu ensino, exceto no derradeiro, quando ele liquida
e todas as construções.

.. Ikzembro 201 1
taÇão imaginária
�--..1 , ulllll represen
� • de n.,uu, e
O Pba
construiu, a p,,
do, tal co mo Laca n o
. , . co, temos o suje ito ba rra
Do lado do s1mbóh onst rui u c omo um va z io, uma negação <!
. oc
Com efeito, e1e
� de negaçâo·
tir da noçao sentid o, votad o a identi fica r-,,
com o negaçao• do s·er e ' nesse
· ncia e
substâ até m esmo e, em seus parenteses, todas as &,
. , . temos o ob"1eto a que abra ng .
,
Do lado do imagmano, . sujei to a utulo do deseJo, baseado ,.·
cauvar 0 interesse do . . ,
mas imaginárias que podem de �eu � rc1s1 smo, ate tudo O qit-
lho, como a encarnação -
sua própria imagem no espe am-s e md1s tmta po� se e�te�derer.
as front eiras torn :
é imagem. Aqui, cabe dizer que çao. Ja aludi a ISSO. e
dãssica chamava de repre senta
tão longe quanto O que a filosofia
ão mais ampla , abrang e tudo o que é representação.
imaginãrio, em sua acepç
para esse lado. É um termo freudia�
Aliás, o Phantasienm, de Freud, tende mais
, tive uma pequena com-ers..
mais aristotélico do que lacaniano ou francês. Esta semana
passado, está retraru
com o tradutor de Freud, Jean-Pierre Lefebvre que, desde o ano
zindo a obra de Freud. Ele traduziu a Traumdeutung sob o título ·A interpretação do
sonhos•, mas posso dizer que o recomendei como tradutor, sabendo apenas que ek
traduzira magnificamente a Fenomenologia do espírito.
Ele me dizia que em breve seria lançado o .. Uma lembrança de infância , obra qu,.
M

será prefaciada por Clotilde Leguil, aqui presente. Ele acrescentou lambendo os beiço,
"Và� botar ª boca no trombone! ". O que em geral se traduz co:.no fantasia, ele o tr.r
�uZ1u �o _"represe�taçào imaginária", considerando que o que chamamos de fantaSL
e uma cnaçao da ps1canãlise na França, além do fato de que esse termo não dá coni.
do Pbantasteren em seu uso freudiano pO. 'i b em, para .
· L . mim, ele acertou na moSC'J e 1
totalmente coerente com o que eu penso a esse
. respeito ! Por ora é tudo o que po�
d"izer, mas nem por isso colocarão menos a boca . no trombone, talvez um pouco meIJl."t
na Escola da Causa Freudiana.
Ponanto, o imaginário tem a am ·
p 1 idào da represemaçào. Mas o formidável é qi,.
essa escrita da fa ntasia conr muou
sendo utilizada por Lacan e permanecerá empre ,·:1·1 �
da qua ndo ele considerar que . s
. a fa ntas1a conjuga O sim. .J.
f:ªrá girar seu símbolo a de uma bohco e o real, ou seja, qua ndo C"
# •

ordem para outra qua .


ordem do que e traumatic
o e que, mesmo se • n d o considerar que esse Ma d,
- e·
ndo inassimil ãvel , e1e permanece pi�""..011
# •

na fantasia. ......,

%Oa
SOR

OPÇào Lacaniana n"


64
A conjugação de um furo com um tampão

A fim de ordenar essa relação, temos a indicação de um algoritmo de que Lacan


se serviu, em particular em seu Seminário: a transfe,€ncia, a saber: a sobre (- cp). Esse
materna é o mais elementar, por permitir compreender a conjugação que eu evocava, isto
é, a conjugação de um furo com um tampão.

a
(- cp)

É também esse algoritmo que prevalece quando Lacan propõe o passe como fi nal
de análise, uma vez que ele vê duas versões nesse fi nal: o acesso à hiância do complexo
de castração, menos pbi, ou então o acesso ao objeto que a obtura, o objeto a, evocando
o estatuto que lhe fora dado por Freud, como objeto pré-genital. Vale dizer, se Lacan
escolheu referir-se ao pré-genital como a uma aproximação do que é o objeto a, foi
porque, na época, ele ainda não podia decidir se esse objeto a era imaginário ou real.
Por essa razão, ele sai pela tangente dizendo que seu objeto a decorre do que Freud nos
preparou sob a forma do objeto pré-genital". Precisamente neste ponto percebemos que
o estatuto do objeto a é completamente equívoco. Temos aqui um primeiro exemplo do
que eu evocava: uma leitura de Lacan que se ocupa do que ele não disse.

A permanência da palavra gozo.•.

No fundo, eu poderia dizer que, de modo geral, ocorre o mesmo quando se trata
de saber, quando se lê Lacan, se, para ele, em certo momento de seu ensino, o gozo
é imaginário ou real, uma vez que o gozo estará sempre ali. Considerando o ponto de
partida escolhido por Lacan, pode-se dizer que seu ensino - que lhe foi ofertado e ao
qual ele se prendeu - repousa em uma bipartição ou, mais exatamente, sobre a primazia
dada ao campo da linguagem e da fa la que, por seu dinamismo conceituai próprio, obri­
ga a uma partição entre o que está no campo da linguagem como simbólico, articulado,
causal, como Wirklicb, repelindo o resto para o ourro lado, ou seja, para o estatuto da
representação, em outras palavras, para o imaginário. Nào faltam, portanto, argumentos
para afirmar que o gozo tem um estatuto imaginário. Marca-se, aqui, precisamente, a
imagem do t."Orpo. o corpo suportado pela representação é uma fonte eminente, um
objeto de satisfa<.,'ào, de contemplação, um objc.::-to de extrema <."Omplacência no qual se
denota, em termos precisos, que ali está o gozo.
Isso é perfeitamente claro quando Lacan trata do nso Schreher, no qual o gow se

Opçào lacaniana n" M IX."ZC"1nhn1 .?0 1 1


e Sch reb
er, cercado de objetos su O ia
. ginã
.
no. A fe
minização d .
extrema Jºá anunciada na fania "
l' s
u n -0 ma is .
revela eomo fonte viv a
d a san·sfaça " SJa "'
a

. . ra ele . a bel o ser uma mu lher ...


fem 1n1nn......s , é pa omº sert .. . .
a

o pu ra : "C ntar a referen cia do goz o no i maginário


uma form a muit está para suste -�
ex lt ç do b elo ar' que ela é muito mais agradá�
A a a ão
· a de defender essa cau sa ' já ' ", li
fosse na-es sãr i , go falar do estatu to real do gazo
argu mentos
que trazem os p ara ' ""
stan
.
o
- D <
defender do que os . to no mal-estar e na inqmetaça o. e ,ato, ha, um esta

o de
real em que patinamos ' gozo que é estético e que pem.,,,
ltante. Um estatuto do ····�,
n

no . do go q u e é exal"
ima g nã de arte.
do o que é da ordem da o bra
ro

mobil izar, aqu i também, tu


i

,,, e as wriações ele seu estatuto

Então, considerando seu ponto de partida, o goro para Lacan primeiro se sitw
do lado imaginário . Só em um segundo movimento de seu ensino é que ele chega i
dist i ngu i r, sobre os rastros de Freu d, que o Warbeitskern, o núcleo de verd ade esr.
do lado do real . Freud fala, pa rticu larmente no texto que eu relia, "Construções e<
análise�•. a respeito do delírio, do Wahrbeltskern, do núcleo de verdade. Pois bem
poderíamos dizer que o núcleo de gozo, o Lustkern, é da ordem d o real. Criei a expre>
são alemã, Lutskern, mas t alvez ela esteja em algum texto de
Freu d Ir d o imaginál'K
ao real, com relação ao gozo, é uma longa trajetór
ia, não preestabelecida co mo em ucr
jogo de passa-passa .
Para Lacan, no começo, o a é imagin
ário. Em comp ensaç ão o que é designa&
como menos pbt 1· ª- é 0 resul
tado de u ma operação
dessa ordem. Nas im agens simbólica, já q ue a negação decon<
' a operaçao - dª negaçao não funciona Nesse
demos O imaginá no . como . sentido, apreeP'
um veu do que decorre
à prática analítica ter . d a ordem simbólica. Isso presei<''
#

como visad a a redu .


ção dO imag ma
Reduzir o imagináriº . t
· odo mu ndo se deu . no a fim de extrair a castra.,Mf1 ..-
. a um
tinh conta de que quand o funci 1
efeito des.se ge- nero o nav a , a an áJ. :,c
# •

se redu zir, . . Quando não funciona, · . · ··


nos inquietamos quando não vemos o imag1nal'J
muito bem desig . Essa redução do i ma
nado como 0 sch ginário é o que na língua ingle
de c:ena evidên · - rtnk ou seja, a sa �'
cia, que hã u ma quele que reduz P ercebeu-se, no '
Nessa problem re du çao
� na análise. . oi. ,
l rten ] . Esse nad ática, o fi nal da
a COOstitui o an ális se de senrola sobre as modalidades do "'J
enunc1a . rnos es.'i Wabrhett.:JIIGt:77l
e

a problemãtic ·•--, o núcle


ciliaçào eom a: assu nção o de v erdade. Não impacta L:on'
o nada· N0 da ,alr ta rec on hec1.
;eito triv ial '
a f-a1ta. Mesm
fundo da gar
raf: há se ' m ento do nada ou ft:'�'"
o qu ando La � assim p osso me expressa r de un.
can d1ra já
bem avança do e: ,

Opçio bcaniana ' em seu en si no. qu


#

nº <Yi
Wabrbeüskern é o: "não há relação sexual'; esta é também uma declinação do nada.
Pode-se colocar tudo isso em série.
Mas quando o esquema é diferente, quando o R de real vem se inscrever sobre
o que é simbólico, quando o objeto a toma o valor de real, então não é mais a mesma

--­
c..-oisa.

l R
s s

Versões do real

Imaginamos, no entanto, tratar-se da mesma <..'Oisa. Vemos claramente que Lacan


começa a falar muito mais de gozo. Nesse momento, toma-se como palavra de ordem
prática lacaniana da psicanálise um "é preciso ir contra o gozo". É preciso ir contra o
gozo, da mesma forma que se havia dito ser preciso reduzir o imaginário. Vemos então
analistas armados dos pés à cabeça para barrar o gow. Mas, de fato, trata-se de outra
coisa. Trata-se do real como resto ineliminável. É precisamente isso que não vamos nos
meter a "terapeutizar". "Terapeutizar", supõe-se que a respeito disso esteja terminado!

O resto ou o caroço

Só que esse real também se apresenta sob ângulos diferentes. Podemos, primei­
ro, nos aproximar dele a título de resto. Era o que fazia o próprio Freud e que Lacan
retomou. Não um resto fantasmático, mas um resto sintomático. É a famosa constatação
psicanalítica, a saber: mesmo depois de uma análise terminada com satisfação, hã restos
sintomáticos. Podemos, é claro, tratar isso como um defeito, como a marca de que nem
tudo é possível, de que não se pode exigir das pessoas o impossível. Mas é preciso ver
que esse real infringe o culto do nada.
O resto sintomático não se enquadra inteiramente no que Lacan evoca sobre o
dedo de São João a apontar para o horizonte desabitado do ser. Há São João apontando
esse horizonte e, durante esse tempo, o resto sintomático surge na sua frente, se assim
posso dizer. Talvez o horizonte do ser seja sempre desabitado. São João, porém, é hahita­
do, parasitado. Dizem-lhe: "olhe pra cima, olhe pra cima, não olhe pra baixo ! " Ele olha,
se coça, não vê nada, se coça mais uma vez. Banco o palhaço parn que vtx.-ês imaginem
a contradição que é perceptível na maneira como os analistas apreendem a expcriênc.-ia
analítica. Está aí O real como caroço do real, (..'OIDO pcdac.-o de real. É o ca�u porque

Opç;Jio Lacaniana n° 64 53 lkzembro lOI I


- e não há mais nada, mas O ca
. a Dizemos entao qu
ria frn devorad · na sua frente. Estamos , ªQlli
toda a maçã imag iná · 1
ee re a parece
me io bume ra ngue
,nrn está lã! É um c roço . . da vai'. o fu ndo é saudável, mesmo que
rea l". Aqui, · am
a
.
,.,,.amos,
dig - no regIStro " pedaço de carne, de pão ou de
peixe. Pedaços de
na sopa , pedaços de
haja nas bordas, nada ndo n fi m, há o caldo ...
de Queve do.,. Mas e
pão nadam no Buscón de Fran
cisco
·

O sinthoma

aquela que Lacan chama de sin­


Hã também uma segunda versão do real, a saber,
que o sinthom a é um sistema e
thoma. Trata-se, evidentemente, de outra coisa 1 uma vez
vai muito além do pedaço de real. o sinthoma é o real "e" sua repetição. Credita mos ao
real a repetição da qual ele é a mola . Desse modo, o próprio real aparece como princípio
e corno mola do simbólico. Lacan havia educado se u público na ideia de que o simlJó.
lico era a mola do imaginário, mas e is que descobrimos uma porta disfarçada pe la qual
se chega aos bastidores, onde se revela que a mola do simbólico é o real. Em suma, se
falamos tão bem, se pensamos tão bem, a ponto de escrever a Crítica da razão pum, é
por haver, por baixo, alguma coisa que trabalha, que gira: o sinthoma.
A última palavra de Lacan mud ou. Acreditou-se, em certo
momento, que a última
� � ra era: "não há relação sexual ". Ele formulou isso, certame nte, mas em seguida
l v

mclmou-se para: "há o sinthoma" · eorno · ·


é da ordem se virar com isso, se o que o sinthoma inspira
� a fala de Hegel diant
e da mont anha : "é isto!"
a montanha. E colocar ali uma palav . ? Uma fala imor tal . "É isto! Hí
ra Jª, e excessiv o. Eis o que
é precis o enquadrJr.

o que Freud descobre no final


da análise
Aqui, é necessã rio se
guir os últi mos text
cobre no final da anál os
ise O tem a é trata . . de Freud, pois tratam do que se de>
minávef'"'8 ' escri· to no . do m1cial mente em ..
. começo de 1937 e pu J\n álise terminável e inter·
igu almente aborda bl'1cado no mes• de Jun. ho do mesm
do em "Construç
e encontra mos ain ôes em anális . e, pub o ano: fo
..
da essa proble lica do em dezembro de
lembra Lacan , su m ática no derrad . 19.l
a pluma tomb eu o te xto• aq uele
texto c uja últ' m ou, intitu lado "A d' . sobre o qual, ""'
palavra foi IV o do eg o
escrita no co me no pr o cesso de defesa""·
Como �<>ce �
s sahem, na ço de �:38 .
vel"' Freucl . últi ma pa ne,
Indica com qu a oit ava ' de .
chocar�se' a al obstác ulo "�nal
� Lc;e terminá vel e inrerrni r1t
saber, a rec o térm·in o defi ·
ntne EtnsteU º usa da fem ini : n r vo de um
u ng. Iss lid ade das S I t a aná lise lhe patt"'
o d iz res. peit_ frd uben gegen sel
o a algo comu ne /]asslve oderJe•''
m ao
. h omem e
()pçlº Lacaniana à m ulher, mas se rnan ife:J··
rt> 64
de formas diferentes em cada um deles. Na mulher é o Penisneid, a nostalgia do pênis,
de ser provida do órgão genital masculino - e Deus sabe o quanto esse diagnóstico
foi criticado! No homem, é a rebelião - Das Streben - contra a passividade induzida
por outro homem. Freud diz que se deve chamar isso de uma recusa da feminilidade.
Quando Strãuben é um verbo, o utilizamos quando se trata de um ouriço a eriçar seus
espinhos. Foi bem escolhido. O sujeito se eriça quando suspeita de que outro homem o
quer feminizar. O fator comum aos dois sexos extraído por Freud é também das Streben
nacb Mdnnliscbkeit, o que se traduz como aspiração à virilidade. É uma aspiração, um
esforço: esforçamo-nos em direção à virilidade como valor. Trata-se - Freud diz que não
se chega a isso, que é muito difícil - de fazer de modo que o fato de seguir outro homem
não tenha a significação da castração, não tenha a Bedeutung da castração.
Vocês veem que Freud emprega assiduamente o termo Bedeutung a respeito do
falo e da castração. Foi, inclusive, o que Lacan o retomou em seu célebre artigo "A sig­
nificação do falo"�. Freud explica também que, quanto ao Penisneid, não se consegue
apagá-lo e que ele é fonte de depressão na mulher. Ela permanece habitada por uma
certeza interior de que, desse ponto de vista, o tratamento não servirá para nada. Resu­
mo aqui apressadamente considerações de Freud que deveriam ser retomadas palavra
por palavra.

Sobre a virilidade como fantasia... e a posição do psicanalista

A ideia de Lacan é que isso pode se resolver na cena da fantasia. Ele tem essa
ideia _ e é O chamamos de passe - de que aquilo de que se trata na oitava parte de
"Análise terminável e interminável" se desenvolve na cena da fantasia, que Freud não
esquece, e que é nesse lugar, se reconhecermos o caráter fantasmãtico desse debate, que
poderemos ultrapassar o problema. O que se desenvolve na cena da fantasia pode ser
ultrapassado. Por meio de que operação Lacan faz da fantasia o campo no qual se trata
de res olver esse obstáculo maior no término do tratamento psicanalítico? Parece-me que
pode mos simplesmente responder que ele faz valer que, o que Freud chama de aspir.:1-
ção à vi rilidade é de ordem fantasmátic a. Preciso perguntar a Jean-Pierre Lefebvre como
tra duzir O term� "aspiração" em Freud. Aspimçào faz um pouco o gênero Madame Bova­
,
ryi•. Espero ter tempo de voltar a esse ponto. A virilidade é, portan� por excelência �a
ordem da fantasia, 0 que significa que ela repousa sobre o preenchimento da castr.açao
funda mental de todo ser falante - marcada como (-q:,) - pelo pequeno a. Isto é o que
chamamos de virilidade.
r -q:,, teremos .. É
Para dizê-lo de modo ainda mais simples: se o a vier tampona
o do su-
bem isso 3 instituiçã o do sujeito. Freud cinge o caráter radical da instituiçã fálica

)À."Zf.'lllbn> .!0 1 1
Opç-lu l.al-anlana nº M
n ulo p elo qual a ahn....
. seja qual for o â g
u ma fan tasia que • --,"'111,
· va de •
·eito pela persp ecu . ca,
1 fah
uma fantasia
será sempre
asia
Vi rilida de - Fant

[ (-�) J

CI>

recusa da fem inilidade 00 k


quando Freud fala da
Aliãs, 0 que é surpreendente feminin e Einstellu ng - e si,,
ben gegen setne passive oder
mem e na mulher - Das Strãu enco ntram os onde isso estar.
ao lê�l o de pert o, não
duas teses, doi.o; elementos, é que trei .
reler isso, mas não o encon
situado no aparelho psíqui co. Precis o
idade: isso se situa na cena da fat
Para Lacan, em contrapartida, não há ambigu
É disso que se trata por trás d,
tasia e tem a ver com a elevação fantasmá tica do falo.
gêneros e o que, por essa ótica, os reconcilia com a falta, com a castração simbóJica. &
nha, nu
serão capazes de dizer o "é isto" ou o "é assim" de Hegel, não diante da monta
diante do furo: "isso sempre me faltará".
Hã, portanto, a ideia de que se pode destituir o suj eito de sua fantasia fálica e qu
é possível - para fazer ainda uma imagem si mples - é possível fazê-l o dizer sim à fell!
nilidade. Podemos fazê-lo renunciar · a essa recusa da fem inilidade que o afeta, que ., ª"·
todo ser falante e não apenas O hornem . Aliás, . aos olhos de Lacan, o m elhor exem�
d'ISSO e. O própno . .
psicanalista · Foi po r essa razao • que ele p o de dizer q u e a posiçao ....
lítica é a p='" . .
�.....,..ão 1emmma, ou que p elo m enos é análoga a ela. Isto signi fica que nao '
pode ser psicanal'ista estando instituído pe ª
I f;antasia fáhca . Lacan, p o r m eio de d1·ver.t·
. "' .
ângulos, retoma a afinidade espec .
ial entre a posição do analista e a p osição feminin>

Aspiração à feminilidade

Aí está algo que se v


erifica nos dias de h oj
no século XX I, a psic e . Quem p ode duvidar do faro de q
o

análise estará nas mão


Eles são como uma s das muIheres? Os homens que se goa,J<I'
'-·· estão espécie a ser Pro . . q"
e� em v·ias de de tegida na p SJcan álise ! Mas, de rest o. cabe dizer
.
r,se . HOJe, saparecer rapid . am . . �"'
quando Iemos em ente · Aliá 5 • lSSo nào acontece só na p.o;JL
que isso não é Freud algu ma COJ. - ·ze"'
tão aparente no m Sa c omo •aspiração
· à virilidade . d, i . ""
1

o vemo domi na u ndo circunda


.
me • e a aspira ã � . nte, e que o que parece ao contrJ.r10.
ç oà ieminil idade.

�,..,....... ... .. '-


nl
).' -
.
a oitava p a
rte de ·A nálise terminável e inr- -· ••,
mo tempo em que e" Nesse último capituJr
� .., ser lido ao mes •J
. . ça. o, sinto
nibi . m a e ansiedad .
. ,
c _
pítulo X de diz que ela se SÍI••
na-ver Trata-se do
""' • a · da neurose . Ele
u'lt·m "'
ele chama de ·causa
a

Freud tenta cingir o que w-,ederiJolu ngszwa Tl8, ou sej a, o autom atiStllo dt
opera O
no nível do isSO Içai , onde · a . Há uma ouera frase essen
cial de Freud nesse u� .,,
qu l pulsao. é cattv
repetição do 1 escreve com todas as letras no "Adend,.
frase que ee
a
um
a
.
que assinale• há um tem po,
. • real "", etwaS Reales. Alguma co;,.
é alguma coisa de
a

B", 3 saber: a exigência pulstona l


de real, diz Freud.

A reclamação incondicional da puJsão

a no '/Hebansprucb. Alt!­
Traduziram como "exigência pulsiona l" o termo freudi
pruncb é urna reivindicação, urna recl a m a ção, portanto, um enunciado . Pois bem, eit
seu grafo, I.acan fez do termo 11-tebansprucb a dema nda. Podemos dizer que, come
urna demanda, ele domesticou aquilo de que se trata na 7Hebansprucb. Quando Laca,:
diz que a demanda de amor é incondiciona l, va leria muito ma is ter aplicado o adjetilt
incondldonal à Triebansprucb. É uma reclamação incondiciona l . Claro que I.acan st
deu conta disso, pois quando Freud introduz essa a lguma coisa de real da exigência pul­
sional, ele diz que é o funda mento real da angústia. Era precisamente o que ele visa"
quando disse que a angústia não é sem objeto. Ela não é sem objeto porque tem com:
fundamento o que há de real na exigência pulsiona l. O mesmo ocorre quando Lacan du
que o objeto a foi aproximado como pré-genital, já que está também em Freud a propó­
sito das exigências pulsionais da sexualidade infantil.
úican levou muito longe a domestica ção da pulsão. Em seu grafo de dois patama·
res, cu,a arquitetura espero que vocês conheçam,
a pulsão estã no andar superior e 3
fala no andar inferior. Isso acontece entre fala
e pulsão . Os dois patamares funcionaa
SJmukaneamente e respondem ao mesmo
mode!o: são duas cadeias significantes. Laca<
diz =. com � as �
* � � �tgm�ca ntes constituinte
EIe fez essa construção para' reso s da cadeia superior
lve� a queslão da dupla inscriç
trata-se de uma construça- o que ão, na qual não entrarei.
supoe fazer da pulsão um tipo
de enunciado.

Pulsa«,
Fala

18
Mas fazer da pulsão certo tipo de enunciado não solucion
a a questão do etwas
Reales. Formulemos a seguinte pergunta: serã que a relação do sujeito com a pulsão se
desenvolve na cena da fantasia? Lacan tentou de tudo para que assim fosse. Para tanto,
ele uma vez utilizou a expressão fantasia fundamental. Há a fantasia 'ordinária', uma his­
torieta, um cenário com suporte simbólico e representações imaginárias. Mas, para além
da fantasia ordinãria, há a fantasia 'fundamental', em que se trata do real.
Podemos dizer que, em todo um aspecto, o ensino de Lacan é uma defesa contra
o real. Foi de modo coagido e forçado que ele foi obrigado a constatar, aos poucos, que
mdas as suas construções - toda essa arquitetura à maneira de Vauban construída por
ele, à qual ele alude - deveriam ceder diante de um real que ele tentou cingir fazendo
dele u ma demanda articulada no nível superior de seu grafo. Ali, vai-se do gozo à cas­
tração, os dois termos últimos, passando pela pulsão escrita a partir da demanda, 1 O D,
e o famoso significante de uma falta no Outro, S(A) .

Castração
Gozo

A BATALHA DE LACAN CONTRA lACAN

Quando isso fala na pulsão

Deus sabe que levei mu ito tempo para me dar conta de� construção e entendê­
-la. Mas devemos agora nos pergu ntar o que tudo isso quer dizer. O que Laca � q�er
demonstrar é que' na pulsão, isso fala. Ele quer demonstrã-lo por ser o modo maL"i . s1.m-
pies de conceber a função da fala como tendo u ma incidência sobre a pulsão. O su1eno,
. .
porém, é claro, não tem ne nhuma ideia de que, na pulsão, ele fala, mas
isso não nos m­
mais o s jeito fala na p lsão
camada. Dizemos a nós mesmos, como Lacan que "quanto u u

tanto mais ele está longe do falar . É formidá�I Não se vê nada, mas não se inquietem:
"
o sujeito estl ali, ele fala na pu L�ão.
1.acan evidencia o carãter de demanda da pu
lsão com um D maiúsculo. No entan-

Opção Ulcaniana n" 64 " Dezembro 201 1


l· ça é espancada" apar.,_
-uma cr an '"'<
. na qual a frase
sia, pulsão, fazer desaparec,,
sm na
o fa ta . a p are ce na
rre o m e ISS O O ão . .
10. na. o oco . o, 1.á qu ui , cabena dizer que se trai,
n

e nta
. ·iamente. É Preciso, ($ O D), e, aq
e

. p1,o da pulsão, • _
,m
o $ na fó rmula
can , no qu e concerne a pulsao, fala do
Te l1106 "' a s La .
o s ,-wito. tasia. o M b os d01s termos quei. ra�
na da fan I to - em ora
a).
do mesmo que do su·ei
u

. I.P
d e fading
ã trata da fanta sia, mas, em
evanesce• ncia . do su1.e1to l·eito qua ndo se
. sa. EI e fa la de Jading dO su
e n o

e ma coi vra fi
a dinª � par a o mesmo símbolo g
dizer a m pregar a pala
prefere não em . sabe r diss o a fim de compreendê-lo: i
se tratando da pu 1sa·o'
s

. rirn e1ro
can demonstra tudo. É preciso P • a ndo quer demon strar algum,
. do que voces e eu. Qu
e e. muito mais intehg. ente
que e11.a nte: "E u me empenho em dar se1a qual for ,
d1 ex licita me
coisa . ele consegue . Ele o Sse � . temp o suficiente . A lguem
., ,. qUe
s me de 1xarem fala r o
sentido a qualquer palavra, se voce . sa de sua maneira de fazer.
. , por certo revelou alguma co1 ,
nos diz algo as�1_m . fala na pulsão, as provas em 3pül(í.
Portanto, Iª que é preclSo demonstrar que isso
há tudo o que em F reu d d e monstra que a pulsão obedece a um,
não faltam . Primeiro, . ,. ,.
ordem gramatical, com reversões do sujeito a obje�o: l�o lª :sta present� tanto no caso
Schreber como em seu texto �os instintos e suas v1c1ss1tudes s:J. Em segmda, Lacan enfa.
tiza O caráter de corte apresentado pelas zonas erógenas. São zonas que têm bordas, qut
"são� bordas e, para Lacan, a borda é eminentemente uma função significante. Em seguida
e isto é formidável: a pulsão insiste, o que significa que é dotada
de memória, memória
obrigatoriamente feita de significantes. Lacan ava nça essa ideia em
seu Seminário, livro -
a ética da psicanálise. Guardei essa lembranç
a porque, ao redigi-lo, disse a mim mesroo
que ele levava a coisa meio longe. Com efei
to, chega mesmo a dizer
histór ica . Em nome da insistência da que a pulsão tem uma
� �
me o
pulsão, devido a uma fi xação precisamente
mvanavel, lacan chega a nos dizer
que se trata de memória e,
em busca de tudo que é po , portanto, de história. Ele 531
ss1ve1 enco trar para reco
essa causa. É e m esse mod . � nduzir a pulsão à fala. Ele defendê
. � tra o enunciativo que Lacan
Desde Ja, nquilizo todos os q apresenta a pu lsão
el

ue se assu sta .
pensamento de Lac . . , m com a ternvel ,,
an · Em Pnm e1ro lugar cabe ct · crítica que faço dei
mas critico um Lac ' tzer q ue sempre tive vontade criticá J .
an em nome de ·o
como ele progrid outro Lacan· Faç
o Lacan luta r cont
Assim , Laca n ap
e.
ra Lacan, mostfCl
ma que há ' no , resenta a pulsão segu ndo
nivel da fala, u u m moctelo
.
qual se situ m feehament enunciati vo . Da mesma for·
e O fam o da signifi
Talvez eu tenh 050 S(X), Deste, ern seg , caçao,
� é preciso
haver outro f1l'
a u 1· da, se fez
com efeito, o algo. a ver com ISs .
o po rque, d O santa dos
Sa ntos da psicanáJL{,t'
q ue s1gnifica e 1at
e o ,
enunciado, e
a· S(A:)? Ele é
a res' posta , ' uma construção pre tensiosa.
mult idão! Pe sabe r: nele ' ao ao que aco Ma.�
gam0-; o a .- � - há respon dente nte ce com a pulsão cofllC
no an1.1ário n uario, proc . O re o
, não Il
á nen hu m 1· ura mos Trt b e , �P ndente t um desconhecido d:i
ist ado no e .. nt nguém
número q. r
� �111ana u voc s ! O espondente não figUP
n• 64 e ê buscaram . Para zê lo
di - r!l
>
,ermos arqu i<etô�kos, digam os que S(i() responde a uma falta . .
no Outro, o que signifi ca
que mda pulsão e organizada em signifi cames, que seus objeto.
sao .
- está sobre uma correia sig nificante' e 1a • s são sigm'ficantes
. . A pul-
nao está fora da fala.

E no entanto....

Lacan só diz no final que a pulsão esta- ,ora


, da fa la, pois
_ a distância da pu lsão em
relação ao Outro e concentrada por ele no final de sua demonstração
. A pu lsão avança
pela c adeia significante e somente no final Lacan situa o problem
a: não há ma is signi­
ficante que responda e, portanto, não podemos da r conta da pu lsão
pelo significa nte.
Com efeito, como dar conta, no campo do Outro, de tudo que há de arbitrãrio
ou, mais
exata mente, de tudo que há de contingente e que não se
deduz? É por essa razão que,
jã nesse momento, Lacan formula que o Outro não existe. t no campo da pu lsão que 0
Outro não existe. Ali, o Outro da fala, o Outro da l inguagem, o Outro do saber, não está.
Hã, visivelmente, uma grande tensão entre o estatuto dessa resposta, S(A), e o estatuto
que é dado ã pulsão como cadeia de significantes.

Paradoxo do gozo na dialética psicanalitica

Isso não impede Lacan de dar o devido lugar ao gozo quando fala da pulsão. Em
seu grafo, ele escreve 'gozo' no começo do vetor superior. Como falar da pulsão sem dar
ao gozo seu lugar? Mas então, como fazer o gozo entrar nesse sistema? Pois bem, claro
que comentei isso, embora não o tivesse visto sob esse ângulo, a saber: aqui, Lacan junta
o gozo ao complexo de castração. Ele dá ao gozo seu lugar, e esta é a falta no Outro: não
hã o signi ficante do gozo que seria necessário. Ele trata esse gozo, e isto é fundamental,
a partir da interdição. Ele trata o gozo a partir de um não ao gozo, ou seja, a partir de
uma problemática essencialmente edipiana.
Vemos esse paradoxo com clareza ao ler a frase empregada por ele no comentário
sobre seu grafo, na página 836 dos Escrllos: "É isso que predestina o falo a dar corpo
ao gozo"54 . De todo modo, 0 gozo não esperou pelo falo para ter um corpo. O próprio
80Zo é impensável sem um corpo, um corpo que goza. Portanto, o falo dá corpo ao gozo
ao discurso
na dialética ana l ítica. Mas, nesse momento, trata-se de outra coisa, relativa
analítico. Com efeito, nesse momento, 0 que aparece da elaboração de Lacan não é o faco
ele o falo dar corpo ao gozo, mas O fato de ele lhe dar uma 'significação' muico precisa
a gozo, a saber: iva à interdição. É pelo fato
o uma significação de transgressão, correlat
de o gozo chegar aparelhado com um discurso de interdição - "cu não dews gozar de

Dezembro ZO 1 1
61
de teu órgão, etc: ,
, deves gozar
nao
r de tu a vizinha , tu de a t ribui r a essa signifi cação
1,
oza . .so, Lacan p o
na- o deves g . . á. oç,
tua mãe, cu o
.ssã . P or i:;
1 . , 1 ' e di zer que ao mult1ph c
a de tra nsgre símb o o v-
J :,
ele toma a f.onn . p ou co - o
a para rir u m
ainda que se1
ign ifica nte: (-1) .
:::;� a falta de s

ica
. da coisa analít
. • nc1a
Res1ste
· as o que ainda assim ,
. rentes modali dades do negat ivo M . v
. Lacan: veio
Temos , portanto, dife , . res1.st e. É assim que lem
a
, ria
. ,
e que a cois a ana ht1c
a histo
divertido ness . sua argumentação e constat o que hã
esforços prodigiosos dese nvolv1<los p or ele em
. coisa
· da psic
. , .se que resiste · E • com o sua abordagem é ex.
anah
assim mesmo, a própria há, justamente
em um passe de mág i ca - que
tremamente precisa, sentimos - como
alguma coisa ali.
para um gozo que debocht
É preciso evidentemente, que Lacan reserve um lugar
Q�anto ao gozo, a negação não tem nenhum efeit o ! Há um gozo que estt
da negação.
tal
fora da negação. É O que ele chama de falo simbóli co, significante do gozo e, co �o
impossível de negativar. Então, como tratar do impossível de negativar em um Ststelllí
inteiramente articulado em torno da negação?
Isto se vê em uma frase. Observem como Lacan passa de -c:p a fl>, na página 838 00
Escritos: YPor mais que seja suporte do (-1), ali, ele se transforma em <I>, o falo si m bólicr
impossível de negativizar��� . -cp, que é negativado, passa a <I>, impossível de negativiz.ar
Tentem representar isso para si! Eu tentei! Mas é exatamente nesse
m o do de frase que
todo o problema se concentra, o problema de parir um
imp ossível de negativar a parrn
do negativo. Tentamos a multiplicação, tentam
os tudo isso até O m o mento em que joga·
mos tudo fora. Com efeito, o que é o
ensin o de Laca n? o ensin o de
cipação. Foi preciso, primeiro, ter pass Lacan é uma ante­
ado pelo que reco mponho aqui,
poder colocar tud no cesto. Diga para em seg uiCU
� mos, pel o menos, que ele foi
A esse respeito l hes dou apena além disso .
5 0 seguinte exe m plo.
ram o que é a pu lsao - ao 1er o Seminário Vo cês sem dúvida aprende-
dos Quatro co nceitos
caná/tse. Pois bem ' co .
mparem os dois cap fundamentais da psi·
dois anos antes. Não se ítul os sobre a pulsao
recoohece mai. s com o que disse Lacar.
de modo profu ndamen nada ·i É c o m p1eta
te disfmto. Em Os mente di ferente, construi'de
Lacan toma a questão quatro conce1tosfun
- - do gozo co mo po nto de p3n·ct damenta'is da psicaná/isf.
pu1sao nao e- mais 1 a, nao- com o ponto de chega da A
um enu nciado, .
mais S(X,) etc , h'a mas um vet or
. a problemática que vem c o ntornar
mt . ·
erd1ção não produ de uma pulsã o o objeto a. Não h';1
z mais a fu nrã se m i nterdiçã o ,
"" o do gozo. uma pulsão na qual J
0 QUE TRABALHAVA LACAN

Quando o Outro é o corpo

No final do texto que evoquei em relação ao grafo, intitulado �subversão do sujeito


e dialética do desejo ...", Lacan claramente tropeça, considerando seu ponto de partida,
quanto ao término da anãlise. De fato, ele evita a questão. E diz efetivamente isto na pá­
gina 841 dos Escritos: "Não iremos aqui mais adianten<S6 . Não é assim que concluímos um
texto. Quando terminamos, não nos detemos e pronto. Mas se Lacan precisou dizê-Lo,
foi por haver justamente ali alguma coisa que o trabalhava, a saber, justamente, como ir
mais longe. Mas, ele não vai mais longe: ele faz clínica. Uma vez circunscrico o seu S (A),
ele estuda o gozo na sua relação com o Outro, no que concerne à neurose, à perversão
e à psicose. Ele faz clínica, uma clínica dominada pela relação do gozo com o Outro, ou,
mais precisamente, pela relação com o gozo do Outro. E eis que ele recomeça! Uma vez
que foi bem sucedido em tratar a questão do desejo a partir do desejo do Outro, ele se
põe a tratar do gozo a partir do gozo do Outro.
O que Lacan diz a esse respeito é algo evidentemente formidável, mas somente até
o dia em que dirá que não é bem assim que a coisa funciona, pois o Outro em questão
é o corpo. Ah, é?... No entanto, antes se tratava de fato do gozo do Outro e de inseri-lo
no jogu inho que Lacan conhecia bem e que já havia focalizado, inclusive com grande
su cesso, como
sempre. Com Lacan, a coisa sempre dá certo. Todavia, é justamente essa
aq
uestão , ou seja, é preciso apreender O ponto em que ele não estava c..-ontente. E temos
de acre ditar que ele não estava, a fim de continuar e mudar.
Tudo se transforma a partir do momento em que falamos do gozo do c..-orp<> e não
que quando vcx.'ês
de KOZ o do Outro, tal como falávamos do desejo do Outro. Isso leva a
le em o Sem
inário do sinthoma, no qual Lacan tenta esticar SL"U nó de todas as maneiras
l>Ossíveis - ele desdobra, desfaz seu trio, tortura O nó a ponto de tomá-lo irrt.'<..-onhedvel
-. "oCês constatam que se há algo de que não se deve lhe falar, uma coisa que ele não

IÀ'n'fflbIO Z01 1
63
o e vira no que dava. Entà,
ra de sair d iss
Lacan acaba
ou•
, ir. é o gozo do our ro. essa não é a questao.
uer ozn do Out
ro,
. boma• não há mais g nterd ição do gozo, posca em fu nçã,
qO sml
m. Lacan
evoca que a i
enesse c nt t q
_ o, r esponde ao desejo do Q uero . O ne urorr , . co é e
,
de '·astraça
ex o

.
o
. cad o
rela ção ao complexo . 1to
. para q ue m O Outro sena habr por u ma von
um su1
defi nido por e1e como . " vontade'", deve -se enrender: um "d eseio decidido
.
e

de castraçao.• Q ua ndo Laca n d,z


ad e de cast raçã o , e, porca nco, não seria ele q u e d
Outro é habitado por uma vont
. "N. ' " E e diz nã ao g o zo. Tudo o que Lacan dese m
�Goza! �. O Outro diz: ao goz . o 1
arttculado em torno de um -1
a l

nessa última parte sobre a qu al tanto tra ba lhei, escã


_
30 gozo . Dizemos sim à vontade de castra ção, ou seja, nos mum1ficamos, mirran
completamente diante dessa vontade de castração do O utro, ou nos suicidamos de,
tando-nos à famosa causa perdida. No fundo, o q u e Lacan sequer cogica n essa da�
que possamos dizer nào à aspiração à viri l idad e. Isto só lhe advirá com o passe
. Aq,
porém, ele ainda não tem ideia de que alguém possa dizer: "Não!
Essa vontade (
castração não me diz respeiton.

As astúcias da dialética
do gozo e do desejo

logo antes de I.acan


escrever: "Não irem os
trem,s,. uma frase mats . adia . nte , ha,
" , amd . a assim . , in ex·
na qual se 00nc entra
final da análise, uma o qu e el e P ode,
frase que se ªP naqu ele momento, dizer sobre
tung da castraçã res enta c om o um L
o: "A castração a q u estão sobre o
que possa ser si.gn1"lica que · q u e é a Bedet•·
alca n çad o !.. .]"". Li es é pr eciso que
.
muno, sa frase muitas o gozo seja recusado, par.
mas sõ agora veze s e também
a comJ>reendo
Esse gozo qu para ale m d a fiz ler e a comenlt'
e deve ser o qu e ela di z
Lacan foi bem rec usado par
#

sUCed.ido - a ser alcanç


na mesma d e era is
so qu e visav adO é O. q u e se
ialét·1ca qu e . a c om a p u chama a verdack
mas 'não• e, o c1eseJO. l sa- o - em fazer
depo·,s, em Com efe ito o gozo enrrt
t 0 que cha segu,"da, PO , te m os aq .
mamo, de de mos enu . u , ª essência
do 802o nc1 da dialética : dizt
. a fim de A.Ufbeb • ung! t ar u m ,su. n ,
achnir· ave( reencontra Preciso c de uma o rd e m sup eriO'
e -lo em se o m eÇar p
o r co ns e mu .,
astúc·ia da Permitido. De a1g gu ida, e
rn u m gr
. com
a interdiç:ll
raZào A um ' _m oe10, au .
s u p e rior,
COntrar a · astl.'.icia da é Preciso como purific t1 ad
r to m ar
�· exata lllesnia co·JSa , ma s a2ao c0nSt. ste e m ara .
mente
nde a re
co mo e int ercli P . 81, como dizia Hegel. J

• vertida da Le · º encontra x al tada e e m ou :� r r im
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Mas o que é essa ..escala da Lei do desejo"? E por que é preciso invertê-la?
Isso é
muito claro. Lacan ° explicou 3 partir de S. Pa u lo, e de sua Epístola aos romanos citada
da
ein A ética psicanálise. Com efeito, S. Pa u lo afirma que O pecado nasceu com a lei.
E 1.aca n, de sua pane, explica q ue o q ue faz o objeto ser desejável é precisamente su a
interdição pela lei. O "tu não farás isto": "t u não deitarás com t ua mãe" etc. são índices
do desejável. Desde então, a lei do desejo é a que cria o desejo pela interdição e pela
neg'Jçâo. É preciso, portanto, inverter essa escala para ter acesso ao que antes era proi­
bido . Se o gozo é recusado, é para que t u possas alcançá-lo, meu filho! Assim, o gozo é
integrado na dialética do desejo.
O desenganche em relação a essa dialética é perfeitamente perceptível em Os qua­
tro conceitos fundamentais da psicanálise, no qu al o objeto a não pa'iSa de u m su bstit u ­
to. Lacan chega a dizer que ele é apenas u m vazio e que qualq uer outro objeto pcxie vir
nesse lugar. O que conta é a satisfação que a pulsão obtém por sua trajetória, a qual não
depende do interdito. Na problemática precedente, o desejo é criado pelo interdito, ele
tem uma origem edipiana e o gozo depende disso por ter a ver com a transgressão do
interdito. Mas é precisamente para além dela que Lacan vai, em seguida, pensar o gozo.
Pen.sã-lo além da interdição, quer dizer, u m gozo positivado, o de um corpo que se goza.
Essa diferença é perce ptível. Ali, o gozo não está ligado a uma interdição, ele é um
acontecimento de corpo. O valor desse termo "acontecimento de corpo" é precisamente
o de se opor à interdição.

A ordem do traumatismo

O gozo não está articu lado à lei do desejo, ele é da ordem do traumatismo, do
choque, da contingência, do pu ro acaso. Isso se opõe, termo a termo, à lei do desejo. O
gozo não está aprisionado em uma dialética, mas é objeto de uma fixação.
� precisamente porque Lacan pode passar para além da problemãtica da interdi­
ção que lhe foi possível em segu ida extrair o gozo feminino como tal, ou seja, não mais
centrá-lo no Pentsnetd que é, por excelência, uma função negativa. O que Lacan enten­
de como esse gozo especial reservado à mulher, é precisament a pa � de .SC:W que

subsiste sem sofrer interdição, a parte que não é capturada pelo SJStema mterdiçao-recu­
l'Craçào, quer dizer, pela A,efbebung. Sabemo s aonde leva a Aujbebu ng concernente à
sexualidade femin ina. Isso consiste em dizer que, afinal, para uma mulher, uma cnança
� •ind melhor. Para ue o órgão que lhe falta. Uma
a ela u ma criança é ainda melhor do q
Vez introduzida ali a fanu1ia, a SOC1edade, a rehg1ào erc.
língua materna, tudo se segue: a
da A,efbebung, perder
1..., apaga o que da feminilidade resiste precisamente à lógica
Pl'illlei.ro para em seguida reencontrar.

65
OC'Zembm 20 1 1
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tiavta Tradução: vera Avellar

NotaS . . 2 de re...reiro de 2011. Tm


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i de 19, ��:;:._:.ken para La causef,eum.
. açio lacaniana, o ser e o Um, l çõ<S G eorg<s
ll. A oriefll Na1h ahe
Milief. J.-A. (2010-ZOl rJa<qUCS Pér aldi, edilado por
uu,scr'lo • eoui,decido po auwr-
"' n. 78. Não relido pelo . Vida de t.acan, inéd
ito.
(l009-2 010). A onemaçãO Iacaniana-
l Cf. Miller, J.-A.
1,o,s.,1 ....,,,,..
2 N.T. Em fnncês,
e:ctrimeS du Séminalre.
3 N :f. Em francês: AUX
4 NJ'. Em francês: enselgntmf-
5 N:T. Em rnncês, en,e;gneur. de Janeiro, J. Zahar E<l
. . J . (2003). ou,,o, escrllos. Rio
de Janeiro, J. Zahar Ed., Lacan,
6 Cf. Lacan, J. (1998). - Rio
7 N:T. Em fnncês, -·
io 9, ;nédilo, lição de 30 de maio de 1962.

9 Cf. Lacan, J. (1998(19531). '""'°


8 Lacan, J. 11961-6ll. A ldenlilicaçto. Seminár
e campo da fala e da linguagem em psicanAlise.
Op. cil.

10 NJ'. Em francês: stnon lop;ltn. du moins losique.


11 Cf. Perelman, e. 0958). T..., de I ars"""'11ation- La "°""""' rlliloriljue, com Lucte-Olbn:chl>-l'yteca. Paris, PUF
.

12 Cf. C.OUneline, G. (1967). Un dtenl sérleux. Paris : Le Livre de Poche.

�=
13 CJ. F'idue,J.G. (2000). Doctrine de la sclence. Paris: Livre de Poche, col Classiques de la philosophie.
H l>cm, J. (199811966!). "Abenu" desta «>lelhea". Op. cll., p.ll.
15 Cf. W.J. Scbdling, Premlffl krlll, tr. J.·F. Courtine, Paris PUF/Epiméthée, 1987. Os textos de Fichte aos quais Scbellilf-_
parece se reporw primeiro sào a Doctr&le de la sdmce 0794) e o Pnkis ,:k ce qui est prop,e à la Doclrine de la saenci

:.r�eq:;:
16
{O'. Fichle, J. G., Doctrine de la science, op. clt.).
� ':' = palavras pela homofonia entre um espaço (un espace) e um n espaço
u n .
17 Cl. Hilben. D., Cahn, S. 0952). Geomelryand tbe lmagtnatkm. American Mathemalical Sociely, A
MS Chelsea Publishn>I
18 Cl. Lacan,J. (200ll19721l. -o 01uN11to•. Op. cll., p.4'18 e sq. N:r. Em francês,
1 éloutdh".
19 1d, lbld., p.448.
20 N.T. i!.m fnncés, respectivamente: parfotbéra
p;es e parione.
21 Cl. Heúlegae,, M. 0938) ,i. époque de, r-· ....... ......,.IODS du Monde-. ln Cbemlns qul ne mênenl
a,l Tcl, p. 99 & sq. nulle pari. Paris: GallímaiJ
22 N.T. éla,w signilica lagoa,cha
roo.
23 Cl. Scbopenhaue,, A. 0966). ú monde
comme volo.,. el COlftme �
M a. Kcge\, G:W.P. 0991). Pbmom,J - Paris: PUF.
de I
� N.T., Em fnn,io, &ire Dodd ..,.,.. Esprl� Ir. De ] .-P. Lclebvre. Paris , Aubier.
26 N:r.: cm fnnci!s: dans
l acaller.
e
r d. �lilkr, J.-A. (2

''"'
2). • Act ion de la strucl ure •. n bu
.,,.•
U dé 1 da ,,s la Vie. Pa ;
ris Gallim rd
ª •
le Pl'Wllenl"l.lr, p.57&
a
ruco <las pa)a\'f'.tS acquls (adquirido) e à
;!8 t,,í.: jogO iwmo(ô qui !por <J U m?J. sq.
c
.formu le lévlratoire.
1J � T.: em francês:
refácio à ediçdo inglesa do Semin
,ci i.al'lln, J. (2003119721). P ário 11". Op.cit., p.5
67.
-6SJ. Problemas cruciais para a psicundltse. Seminário
}1 wcan, j . U964 12, inédito.
3.? lJ.Clld, J. (2003119671). Proposição de 9 de oulubro sobre o psjcanali.sla da Escola.
Op.cil.
.259,
JJ !dem, ibldem- P
3'i '.li.T. Em francês: le déslrpasse au savotr.
� t.acan. J.(19981l958D. A direção do tratamento e os princípios de seu poder. op.cil.,
p.S9l.
). ·o SimbóJico, o Imaginário e o Real". ln Nomes-do-Pai.
36 uan, J. (2005 Rio de Janeiro: jorge Zahar Ed.
1 Lévi-Sttauss. C. 0958). L efficacilé symbolique. ln Antbropologie SlruClurale.
3 Paris: Plon, p.lZS.
,s Cf. Lacan,J. 09981 19661). Formulações sobre a causalidade psíquica. Op.cit.
lfi Cf. Poe. E.-A. (2004). •la leure volée•. ln Histoires exlraorr/inaires. Paris; Gallimard, col. folio classique, p. 92-IIS.
"° Cf. Barthes, R. 0968). ,L'effet de récl,. Communlcatlons, 01), retomado em Oeu11res Compleles. tomo Ili, p. 15.32.
�l Cf. Flaubert, G. 0999). "Um coeur simplc�. ln 1>vJs conles. P..aris: Le Livre de Pochc, p.47-89.
42 N.T.: Em francês: goulol d'élran&lemenl.
O Heideggct. M. 0953). Kant el le probleme de la mêlapbisique. Paris: Galimard. cal. • Tel •.
·H a. Vuillernin, J. 0954). L bérl"'8e kantien et la révolulion copernlclenne, Ficble, Cohen, Heidesger. Paris: PUF.
45 a. Freud, S., 0973). Un enfant est battu. Contribution à la connaissance de l:a gcni:!se des p:rversions se-xuelles, em
.m•rose, psycbose e, perverslon, Paris., PUF, p. 219 & sq. (N.T. Freud, S. 0987119191) ·uma criança. é espancada". F.dfção
Slandard Brasileira das obras complelas, vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, p.225-253.)
.\6 Cf. Freud, S., • Cons/ructlons da11s lana(yse ,, Résullats, idées,probli!mes, 1. 11, Paris, PUF, 1985, p. 269& sq. (N.T. Freud. S.
(1987(19371> -COnstruções em análise�. Ediçào Standard Brasileira da5 obras completas, \'OI. XXIII. Rio de Janeiro: Imago.
p.289·304.l
47 a. Quevedo, F. (2007). El Buscón, La vie de 1:.4.venturier Don Pablo de Ségovie. Paris: Sill:age.
� a. Freud, S., L analyse avec fin et lánalyse sans fin ,, Résultats, ldies, pro!1li:n111s. t. 11. op.cit.• P. 231 & sq. (N.T. f
S. {1987(1937)) 'Análise terminável e intenninável. Edição Standard /Jrtls1le1ra das obrw comp/elaJ. vol. XXIII. Ri�
Janeiro: Imago, p.239-288.)

49 a. freoo, s., Le clivage du moi dans !e processus de défense ·, Résul�a'!-


Freud, S. 0987119381) "A divisào do ego no processo de deíesa.. Ediçao Slan
idéest::':'f/!, :t;,� ;!;:!
m.sr 1
(�J:
XXII!. Rio de Janeiro: Imago, p.309--312.)
50 Cf. 1.acan, J. (199
811958)). A significação do falo, op.cil.
51 cr. Fl:auben,
G. (2001). Madame Bouary. Paris: Gallimard, Fo]io classique.
ibições. sin1om3s e :m­
reud S 098711925D In
n �· 0993). Jnblbllion, symptôme el angolsse, Paris, PU F, p.97. �NJ· ;. :O ·l mago. p.95-204).
e nei ·
Edição Slandard Brasileira das obras completas, vol. XX. Rio p. 11 & sq.
53 F ud, ª .· col folio/Essai.s. l968.
� ic S., Pulsões et destins des pulsions. em Mélapsycboro&fe _ Pari��
, :�=l/e;� das obm.t comp/elas, vo\. XIV.
T. Fre ud, vicisSiludes". Edlfao Sta
� S. 098711915)) "Os instinl� e suas
dt Janeiro: Imago)
>I l . . . nie freudiano·. ap. cit.. p. 836.
acan, J. 0998(1960)) de.seio no inconsae
Subversão do sujeito e dialética do
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, p.838.
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