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23/11/2018 "Duas coisas salvariam o Brasil: interpretação de texto e consciência de classe"

"Duas coisas salvariam o Brasil:


interpretação de texto e consciência de
classe"
por Jessé Souza [*]
entrevistado por Juliana Sayuri

A frase é de um
meme das
eleições, mas
funciona para
resumir o
pensamento do
sociólogo Jessé
Souza, professor
titular da
Universidade
Federal do ABC,
em seu novo
livro, A classe
média no espelho
(Estação Brasil,
2018), que chega
às livrarias na
próxima semana.

Na obra, Souza
analisa os
movimentos da
classe média
brasileira nos
últimos anos –
especialmente aquela que, segundo sua expressão, se
mostrou "dócil e manipulável" ao ir às ruas contra a
corrupção política e, mais tarde, engrossou as fileiras de
apoio a Jair Bolsonaro. "Um tiro no pé", descreve.
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Para o sociólogo, faltou à classe média entender as causas


reais da crise econômica. Por não compreender a lógica do
capitalismo financeiro e erroneamente se imaginar como
parte integrante da elite, a classe média abriu mão do pacto
democrático para abraçar a ideia de que a corrupção do
estado é a fonte de todos os males no Brasil – e não o
assalto "legalizado" promovido por bancos e grandes
corporações. "O vínculo orgânico entre empobrecimento e
corrupção política é uma mentira. É óbvio que a corrupção
política é recriminável, mas não foi ela que deixou a
população mais pobre. Esta é a grande questão que ficou
fora do quadro. E era o que importava nas eleições", afirma.

Ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada,


o Ipea, entre 2015 e 2016, e autor de títulos como A ralé
brasileira (2009), A tolice da inteligência brasileira (2015), A
radiografia do golpe (2016) e A elite do atraso (2017), Souza
vem criticando duramente a imprensa e os intelectuais
alinhados à elite econômica que, a seu ver, "imbecilizaram" a
sociedade. Nesta entrevista ao Intercept , o autor martela:
"O país inteiro foi feito de imbecil. Não há melhor palavra".

Você inicia A Classe média no espelho com uma


parábola sobre verdade e mentira. Em tempos de
discussões sobre pós-verdade, fake news e agora
"disputa de narrativas", qual foi o peso da confusão
entre verdade e mentira na ascensão de Bolsonaro?

A elite econômica expropria a maior parte da população em


seu benefício, e isso só acontece a partir de uma mentira
socialmente aceita, isto é, uma visão distorcida sobre o
funcionamento da sociedade. É como dizer: o mundo é
assim, ponto. A mentira legitima os interesses da opressão
econômica e da dominação moral. E uma das mentiras é
"querer é poder": se você fracassa, a culpa é só sua – e não
de um sistema injusto e explorador. Se você não
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compreende as causas de sua miséria econômica no


capitalismo, você está condenado a atribuir seu fracasso
pessoal a você mesmo ou, como foi feito, a políticos
corruptos. Assim, uma dominação econômica de uma classe
só se sustenta ao longo do tempo se é moralizada.

Obviamente, a única forma de combater a mentira social é


com a prática da verdade, a arma dos frágeis. É disso que
trata a parábola, e que vale para o atual contexto: as
pessoas são historicamente acostumadas a ouvir a mentira,
pois a verdade muitas vezes pode ser bastante incômoda.

Apesar de esforços (de parte da imprensa, intelectuais e


movimentos sociais) para esclarecer fatos nas eleições,
como a ideia de que o presidente eleito é anti-sistema e
anti-corrupção acabou vingando?

Desde que o Brasil é Brasil, e principalmente a partir de


2013 de modo mais insidioso e perverso, a elite econômica
conseguiu consolidar, junto a seus intelectuais e sua
imprensa, a ideia de que o empobrecimento da população
teria sido causado apenas pela corrupção política, o que é
uma mentira.

'A esquerda foi singularmente incapaz e burra nessas


eleições'.

A imprensa e a Lava Jato criminalizaram a Petrobras,


deixando-a pronta para vendê-la a preço de banana. O
estado deixou de ganhar royalties, o pessoal perdeu
emprego. A Lava Jato prendeu meia dúzia e deixou invisível
o saque real trilionário de uma elite proprietária e uma alta
classe média, que inclusive empobrece a massa da classe
média. O foco na corrupção política invisibilizou a
continuidade dos juros extorsivos embutidos nos preços, da
estarrecedora exploração do rentismo e da corrupção
legalizada dos donos do mercado. A boca de fumo da
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corrupção está no Banco Central, que assalta


legalizadamente a população. Mas as classes exploradas
economicamente acreditaram na balela: ficamos mais
pobres por conta do roubo de políticos. É óbvio que a
corrupção política é recriminável, mas não foi ela que deixou
a população mais pobre. Esta é a grande questão que ficou
fora do quadro. E era o que importava nas eleições.

A esquerda foi singularmente incapaz e burra nessas


eleições. Tanto Haddad quanto Ciro Gomes elogiaram a
Lava Jato, o bode expiatório da corrupção política. Na minha
visão, o país inteiro foi feito de imbecil, não há melhor
palavra. Poderia dizer "falsa consciência" e agir contra os
próprios interesses, mas, na linguagem do senso comum,
isso é simplesmente ser "imbecil". Dentro da própria
esquerda, ninguém problematizou o rentismo, ninguém
questionou: nós todos pagamos juros que vão para o bolso
de quem? Esse assalto econômico não é visto como
corrupção, como o engano de meia dúzia sobre 200 milhões
de brasileiros. O principal dispositivo do poder é se tornar
invisível. E o poder econômico é ainda mais invisível.

Qual é a sua definição de classe média?

Classe social não é definida pela renda. Renda é um


resultado, considerando a vida adulta. Mas é preciso pensar
que diabo acontece na infância e na adolescência de
alguém, que faz com que um ganhe mil vezes mais do que o
outro? Esta é a questão, que implica a reprodução de
privilégios, positivos e negativos. O privilégio da elite
econômica é econômico, a propriedade.

O privilégio da classe média, que corresponde a 20% da


população brasileira, é principalmente o acesso a capital
cultural, isto é, conhecimento, cursos de línguas,
universidades etc. Isso explica, por exemplo, a raiva de parte
da classe média ao ver pobre entrando na universidade, que
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era seu "bunker" que garantiria salários melhores, mas


também reconhecimento e prestígio.

Você diferencia "alta" (equivalente aos segmentos


superiores da classe A) e "massa" da classe média (as
chamadas classes A e B). Seguindo esse paralelo, onde
estaria a dita classe C?

[A classe C] foi uma bobagem da propaganda do PT. No


Brasil, temos quatro grandes classes: uma ínfima elite
econômica proprietária, uma classe média de 20%, uma
classe trabalhadora majoritariamente precária e uma classe
marginalizada que está fora do mercado competitivo. O PT
ajudou os marginalizados subirem à classe dos
trabalhadores, o que é histórico e extremamente importante.
Por miopia política, isso foi interpretado por marketing
malfeito como "chegar à classe média", o que também é
uma mentira. E é preciso saber a verdade: seria preciso
montar um projeto político de longo prazo e dizer "um dia"
vamos chegar a uma sociedade de classe média real. Dizer
que renda média é classe média é uma idiotice. Renda
média de um país pobre equivale à renda da classe
trabalhadora, que é precária.

Se há uma vocação vira-lata da alta classe média, "que


considera melhor tudo o que vem de fora", segundo sua
expressão no livro, os alertas de diversos veículos da
imprensa internacional, como The Economist, The New
York Times e Le Monde, não deveriam ter pesado nas
eleições?

Classe não é definida por critérios econômicos. As pessoas


procuram se distinguir umas das outras – e se sentir
melhores do que as outras. A classe média é moderna,
nasce com o capitalismo e começa a ficar realmente
importante com o capitalismo industrial. E se cria uma alta
classe média, que representa interesses da elite: o CEO de
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um banco, por exemplo, não é um banqueiro. O primeiro é


alta classe média, o segundo é elite.

Mas o CEO tem a ilusão de se considerar parte da elite e,


portanto, defende interesses de seus patrões. E assim molda
uma distinção diante das outras classes, a partir do alto
consumo de bens importados, por exemplo. Ele quer se
sentir um pouco europeu, um pouco americano, dentro de
seu próprio país. Só que a alta classe média é muito
conservadora e faz qualquer negócio para manter seus
privilégios. Ela não tem sensibilidade em relação ao restante
da sociedade, portando-se como uma elite estranha ao
próprio país.

'O que antes era ódio ao escravo, agora é ódio ao pobre.


E parte da classe média tem muito medo de descer à
condição de pobre.'

Há ainda divisões dentro da alta classe média: uma fração


da indústria mais "democrática", digamos, que depende e se
importa com um mercado interno pujante; e uma fração
predominante do agronegócio e mercado financeiro, voltada
para o mercado externo, que fica rica independentemente se
o país vai bem ou vai mal. Temos, afinal, uma elite de
herança escravocrata que pensa a curto prazo: quero o meu
agora, não me importa projeto de futuro. Isso amesquinha o
país como um todo.

Se antes o escravo era submetido a trabalho desqualificado,


agora a maior parte da população brasileira faz trabalho
semi-qualificado ou desqualificado. E é excluída das
benesses do mundo moderno. O que antes era ódio ao
escravo, agora é ódio ao pobre. E parte da classe média tem
muito medo de descer à condição de pobre. Afinal, classe
não é só um cálculo econômico, mas um cálculo moral de
distinção social.

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No livro, você projetou que muitos se voltariam "ao voto


de protesto desesperado e irracional" de apoio a
Bolsonaro. Passadas as eleições, pensa a vitória como
"voto de protesto"? Ou de uma busca genuína por
mudança?

O que está acontecendo hoje faz parte de um processo de


luta de classes. Um processo que se estende desde 1930. O
que foi que a elite fez? A elite montou, a partir da imprensa e
das universidades, o domínio simbólico, moldando a visão
de mundo da classe média. Agora, para a alta classe média,
esse discurso é racional e pautado pelo interesse
econômico: estou ganhando mais. Mas, para a massa da
classe média, é irracional: para pensar que está ganhando
algo, uma recompensa moral, a massa da classe média
protestou e se portou como "ah, sou moralmente superior do
que as classes populares, estou escandalizada porque me
incomoda e combato a corrupção política". Foi explorada.

Mas a ideia de que o empobrecimento ou o risco de


empobrecimento estaria ligado organicamente à
corrupção…

Corrupção política. Desculpe interromper, mas veja que, sem


querer, você equalizou corrupção e corrupção política.

Sim, corrupção política. Você diria que a construção


desse discurso escapou ao controle de quem o
construiu – parte da imprensa, como indica no livro? Se
a população brasileira fosse tão "manipulável" por uma
imprensa a favor de interesses da elite econômica, como
compreender críticas tresloucadas que atribuem à Folha
de S.Paulo a alcunha Foice, de referência comunista, e o
bordão "o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo"
capturado por militantes de direita a partir de 2013?

Quando se começa uma coisa, só se sabe como ela


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começa, mas não sabe como termina. Nossa imprensa é


venal, desde o início comprada pelo mercado. Nunca
tivemos uma rede pública [de comunicação] como existe na
Europa – e às vezes alguns até confundem TV pública com
TV estatal. Nunca tivemos uma imprensa confrontando o
poder de forma plural.

A imprensa atacou o governo, pois a presidenta, um pouco


estabanadamente, atacou o juro, o lucro dessa elite, a partir
de 2012. Isso foi usado contra o governo eleito e que era
tudo menos corrupto – a presidenta não roubou um lápis que
seja. Mas o ataque midiático se voltou a todos os consensos
morais de uma democracia. Não é a letra legal de uma
Constituição que dá sangue à democracia, mas os
consensos morais: não se pode expurgar a presunção de
inocência, banalizar vazamentos ilegais, banalizar
desrespeito de direitos fundamentais. Isso é a base de uma
democracia.

'A imprensa toda foi muito burra. Ela pisoteou a


democracia, e agora vai ter uma vida muito difícil.'

A imprensa ajudou a fazer terra arrasada disso e, depois,


veio a eleição de Bolsonaro como uma espécie de vingança
das classes médias e parte das classes populares contra
esse estado retratado como corrupto. Se você ataca a
democracia como um todo, obviamente você ataca a
liberdade de expressão. Tecnicamente, a imprensa toda foi
muito burra. Entenda-se: burrice é pensar a curto prazo, seja
para o bem seja para o mal; inteligência é pensar a longo
prazo, seja para o bem seja para o mal. Ela pisoteou a
democracia, e agora vai ter uma vida muito difícil. Parte da
imprensa e setores da alta classe média deram um tiro no
pé. Se isso terminará num banho de sangue, numa
tribalização da sociedade ou numa tomada de consciência,
ninguém sabe dizer. Mas que será problemático, será.

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Nos últimos tempos, o caráter fascista ou não das ideias


representadas por Bolsonaro foi muito discutido. Você
teme que a expressão "fascismo" se desgaste tal qual
"populismo", que a palavra se torne um coringa para
desqualificar adversários?

Não. O principal mecanismo do fascismo é a


desumanização, o não reconhecimento do outro. Na minha
opinião, obviamente há elementos fascistas nas ideias do
presidente eleito: apologia da tortura, assassinato de
adversário político etc. Historicamente foi assim que o
fascismo se expandiu no entre-guerras: pega a raiva e o
ressentimento da classe média e do povo e joga num bode
expiatório socialmente aceitável. Logo, estamos num
contexto de neofascismo, junto a uma dominação do
capitalismo financeiro: na economia, invisibiliza, deixa
opacos elementos econômicos; na política, provoca
desmobilização popular.

Nos Estados Unidos de Donald Trump e no Brasil de


Bolsonaro, o capitalismo financeiro quebra e destrói relações
sociais e vida associativa, provocando desorientação e
isolamento do indivíduo. E, novamente, é dito a ele que o
fracasso é culpa dele – e não de um sistema injusto. É uma
estrutura fascista, sim, de novo tipo. Que está se
internacionalizando e que vive do mesmo tipo de desrespeito
e desumanização que fazia o fascismo anterior. Que quer
dizer que o outro, por pensar diferente, merece morrer. E a
classe média, que sempre odiou o pobre, agora está se
sentindo mais à vontade para expressar, explicitar esse ódio.
No fim, o ódio é exatamente o que o fascismo produz.

Você usou muito a palavra "golpe" para tratar do


impeachment de Dilma Rousseff. Pensa que a palavra foi
desgastada?

Não. Foi um golpe de novo tipo, articulado por uma situação


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econômica. O dado econômico é incrível, porque é sempre o


mais invisível. A causa de tudo foi a tentativa de se apropriar
do orçamento público e do mercado interno via juros. Foi um
golpe parlamentar, mas qual é a independência que esse
parlamento tem? Um parlamento de baixíssimo nível, eleito
com dinheiro de bancos e grandes corporações. No ano
anterior [ao impeachment], a presidenta tinha feito um
enorme esforço para diminuir os juros e usado os bancos
públicos para isso. De uma hora para outra, empresas
deixaram de investir, e a imprensa inteira passou a atacá-la.

Mas, veja, a elite se apropria do que é público mediante


parcerias público-privadas – um exemplo, como as estradas.
Entretanto, foi ensinada a imbecilidade de que o Brasil é
corrupto por causa da herança de Portugal, uma mentira
legitimada com prestígio científico nas universidades. Um
povo ladrão por conta da herança portuguesa e, agora,
ladrão dentro do estado. Sendo que o estado é a esfera que
se pode contrapor a um mercado desregulado.

Dias antes do segundo turno, universidades se tornaram


alvo de diversas ações de fiscalização – e faixas contra
o fascismo foram censuradas. Dias depois do segundo
turno, investidas do Escola Sem Partido avançaram com
a convocatória de denúncias contra docentes
"doutrinadores". Ainda há pensamento crítico e
resistência nesses espaços?

Como você mantém uma população inteira precarizada?


Você pega a escola, um elemento de classificação e acesso
a conhecimento que está relegado à classe média. O
privilégio positivo específico da classe média é este:
estímulo para estudo, domínio de línguas, capacidade de
concentração. Você chega aos cinco anos na escola
particular como um vencedor, pois é aparelhado psicológica
e moralmente: espera bons salários e prestígio. O pobre já é
tratado como um perdedor, num abandono secular e
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cumulativo. Depois, você vê a classe média culpando a


classe pobre, dizendo que ela é preguiçosa e indolente – e
que o mérito do seu sucesso é só seu. Assim, a sociedade
brasileira sacramentou dois caminhos: um, da felicidade;
outro, do fracasso.

'Nenhum povo pode ser senhor do seu próprio destino


sem conhecimento. E conhecimento deve ser
compreensível.'

Agora, quais são os dois pilares do desenvolvimento de um


país? Indústria e educação. Só que a educação está toda
montada dentro de um contexto elitista. É Paulo Freire,
pensamento crítico e educação libertadora para a classe
média; e trevas para a classe trabalhadora. É loucura dizer
que essa estrutura de educação classista é de esquerda. E
apenas tende a transformar e sacralizar esse caminho
perverso que monta a opressão de classes entre nós: duas
educações, duas classes, dois tipos de indivíduo.

Você declarou, certa vez, que o "que provoca efetiva dor


de cotovelo nos meus detratores é o fato de ter
conseguido, com muito esforço, expor questões
complexas de modo simples e compreensível para a
maioria das pessoas". No seu novo livro, a atenção à
acessibilidade da linguagem também está presente. Para
quem você escreve?

Não quero falar para seis pessoas. Nisso está embutida uma
crítica ao próprio saber acadêmico. Passei minha vida
juntando capital acadêmico, acumulando trabalho. Penso
que estou usando um capital acadêmico de vanguarda com
uma linguagem acessível. Nenhum povo pode ser senhor do
seu próprio destino sem conhecimento. E conhecimento
deve ser compreensível.

Tenho tentado fazer um esforço enorme de dizer coisas


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complexas que, com boa vontade e interesse, qualquer


pessoa possa compreender. Não é por falta de
conhecimento prévio e formação acadêmica que a pessoa
não vai entender o livro. É por falta de coragem. A gente não
nasce sabendo, é preciso aprender: aprender é um ato de
coragem. A ciência pode ser libertadora; o conhecimento,
empoderador. Imagina se o povo brasileiro compreende que
está sendo enganado?

No campo da linguagem, destacaram-se autores de


direita como Olavo de Carvalho, tido inclusive como
intelectual vencedor dessa eleição. Como ele conseguiu
arregimentar tantos adeptos?

A sociedade brasileira está em uma esquina em que uma


série de aprendizados são necessários. Algumas pessoas
estão começando a compreender o tamanho da fera que
está a um metro de nós. Algumas pessoas que estavam
muito acomodadas no seu mundinho. E, agora, ou a gente
reformula esse comportamento, ou nós todos, como país,
vamos perder. Esta questão está muito presente agora.
Principalmente entre a esquerda colonizada por uma
linguagem que só beneficiou a direita.

Você chegou a ser chamado de 'Olavo de Carvalho da


esquerda'. O que pensa da comparação?

A Elite do atraso teve muita repercussão, muito além do que


eu imaginava. Retornos de pessoas simples, o público que
eu gostaria de atingir, me comoveram muito. A escola de
samba Paraíso do Tuituti usou elementos; o presidente Lula
leu o livro na prisão. Efetivamente, penso que pude fazer,
pela primeira vez, uma interpretação crítica da sociedade
brasileira de fio a pavio. Sei que é ambicioso dizer isso, e
fico à disposição para quem queira contrapor meus
argumentos. [ O que propus no livro ] compromete toda uma
tradição de pensamento, de direita e de esquerda. O núcleo
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dessa tradição, esse liberalismo chique, aceita a ideia de


corrupção política. O que fiz foi articular uma visão crítica,
com encadeamento explícito dessas ideias. O novo livro A
classe média no espelho é uma continuidade. Trago uma
visão mais sofisticada e crítica do que a tradição intelectual
brasileira. Estudei todas as classes anos a fio, dediquei uma
vida inteira a isso. Logo, interpreto esse tipo de interpelação
como inveja.

Por fim, professor, o livro propõe posicionar a classe


média brasileira diante do espelho e revelar suas
concepções do mundo. Enquanto integrante da classe
média, como você afirma no livro, como você se vê
diante do espelho?

No fundo, minha atividade é intelectual. E o intelectual, para


criticar e inclusive para se autocriticar, precisa conhecer. Eu
também tinha esse academicismo antes. Achava que meu
público se limitava a uma dezena de pessoas que poderia
compreender o que eu estava dizendo, como se "só eu e
mais alguns aqui eleitos entendemos como o mundo
funciona". É isso, afinal, que as classes procuram: se
distinguir uns dos outros. Isso move o ser humano tanto
quanto dinheiro.

Embora eu tenha vindo de estratos mais baixos da classe


média, como professor universitário pertenço à massa da
classe média. E me questionei: numa sociedade perversa
como a nossa, que peso a massa da classe média tem sobre
a pobreza dos pobres?

Foi uma epifania quando compreendi que alguns, pensando


que estavam à esquerda, estavam montando de uma forma
ideológica o poder de meia dúzia de proprietários. Você cria
uma distância em relação a você mesmo, uma
autocompreensão. A partir da crítica da minha própria
posição e dos pressupostos que ela envolve legitimando
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uma lógica, tentei a começar uma autocrítica e uma crítica


da própria sociedade que tinha me marcado essa visão de
mundo.

19/Novembro/2018

O original encontra-se em
theintercept.com/2018/11/18/jesse-souza-entrevista/

Esta entrevista encontra-se em https://resistir.info/ .


22/Nov/18

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