Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
2008/2009
Questões Abordadas:
Questão nº 1
Questão nº 10
Teresa Cabrita
1
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE)
1.Introdução
1
De ora em diante, todas as referências a normas sem menção expressa do respectivo
diploma, conduzem-nos exclusivamente ao Código de Insolvência e da Recuperação de
Empresas (CIRE).
2
Mas nem sempre tal situação se verifica. Em bom rigor, casos há que, o passivo será superior
ao activo e ainda assim, a pessoa colectiva não se encontra em situação de insolvência.
2
continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos (art. 20º). Assim,
poderemos ter por verificada uma situação de insolvência perante o mero
incumprimento de uma só obrigação, sem prejuízo da manutenção de um
cumprimento integral relativamente às restantes.
Por outro, o nº3 do art. 3º procede a uma “precisão” dos termos de verificação da
insolvência segundo este critério de manifesta superioridade do passivo relativamente
ao activo, exigindo uma “reavaliação” destes, a qual poderá determinar um
afastamento da qualificação da sociedade como insolvente, não obstante os
resultados decorrentes da aplicação das normas contabilísticas. Assim sendo:
a) Consideram-se no activo e no passivo os elementos identificáveis pelo seu justo
valor, mesmo que não constem do balanço;
b) Sendo o devedor titular de uma empresa, a valorização terá que atender à
perspectiva de continuidade ou liquidação desta;
c) Não se incluem no passivo as dívidas que apenas tenham que ser pagas à custa de
fundos distribuíveis ou do activo restante depois de satisfeitos ou acautelados os
direitos dos demais credores do devedor.
3
sendo que (nº3) se presume de forma inilidível o conhecimento da situação de
insolvência se decorridos 3 meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações
referidas na alínea g) do art. 20º, entre as quais constam, justamente, a obrigação de
pagamento das rendas de uma locação financeira.
2. O PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
3
Regime inserido no CIRE com uma forte influência do direito espanhol, o qual dispõe de um
regime homólogo consagrado na recentemente aprovada Ley Concursal de 9 Julho 2003.
4
A requerer por qualquer interessado nos 15 ou 45 dias posteriores à realização da Assembleia
de apreciação do relatório.
5
O incumprimento do dever de apresentação à insolvência determina a sujeição do devedor
que venha a ser declarado insolvente a uma pena de prisão de 1 ano ou a multa de 120 dias,
que pode ser agravada em 1/3 nos seus limites mínimo e máximo, se em consequência dos
factos resultarem frustrados créditos laborais.
6
de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de
actividade económica, empresa pública ou cooperativa .
7
Supra, p. 2.
4
despacho de aperfeiçoamento da petição inicial9 e, sendo deferido o pedido, será
declarada a insolvência do devedor (art. 28º), com publicidade e registo da sentença
declarativa da insolvência;
Uma vez declarada a insolvência (art. 36.º), o juiz, na sua sentença, nomeia o
administrador da insolvência, fixa um prazo de trinta dias para a reclamação de
créditos, adverte os credores para comunicarem ao administrador as garantias reais
de que beneficiem e fixa uma data (entre os 45 a 75 dias posteriores) para a
realização da reunião da assembleia de credores (onde o administrador apresentará
um relatório, no qual constem as causas da situação de insolvência e a conveniência
de se aprovar, ou não, um plano de insolvência. É ainda anexado, um inventário de
bens e direitos integrados na massa insolvente e uma lista provisória de credores.) 12
5
assembleia de credores (art. 72º ss), presidida pelo juiz e na qual participam todos os
credores da insolvência com créditos reconhecidos , para cujas deliberações não é
necessário quórum14, sendo as deliberações tomadas por maioria simples e conferindo
os créditos 1 voto por cada euro ou fracção; c) a comissão de credores (art. 66º),
órgão este meramente eventual, nomeado pelo juíz na declaração de insolvência ou
pela assembleia de credores, com funções de fiscalização da actividade do
administrador de insolvência, solicitação de informações, exame da contabilidade e
emissão de parecer sobre eventuais impugnações.
O CIRE traça, assim, uma clara distinção entre os vários créditos, nomeadamente no
que diz respeito aos créditos sobre a insolvência (ou créditos da insolvência) e
créditos da massa insolvente (ou créditos sobre a massa). Aqueles são todos os de
natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa
insolvente, enquanto estes, são os que correspondem às dívidas da massa e que
respeitam, em geral, obrigações contraídas já no decurso do processo de insolvência,
após a declaração desta (artigo 47.º, n.º 1 e 2).
O artigo 47.º menciona que, uma vez proferida a decisão declaratória de insolvência,
todos os credores do devedor passam a ser havidos como credores da insolvência,
classificando, de seguida, os vários tipos de crédito.
Segundo este preceito, os créditos podem ser:
restantes). Sobre este ponto v., Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência –
Uma Introdução, Almedina, Julho de 2004, pp. 65 e ss.
14
Salvo tratando-se de assembleia de credores convocada para aprovação do plano de
insolvência, caso em que será aplicável o regime disposto nos artigos 209º e ss, o qual exige
um quórum constitutivo de 1/3 dos créditos com direito de voto (afectados pelo PI) e uma
aprovação do plano de insolvência por uma maioria superior a 2/3 dos votos e superior a 1/2
dos votos de créditos não subordinados.
15
Cfr. artigo 46.º, n.º 1; artigo 51.º, n.º1 e artigo 172.º.
6
Créditos Garantidos – Os que beneficiem de garantias reais sobre bens da
massa insolvente (art.47.º, 4, a), como é o caso da hipoteca.16
Créditos Privilegiados – Os que beneficiem de privilégios gerais.
Créditos Subordinados – Os que só podem ser satisfeitos depois dos restantes
créditos da insolvência, incluindo os comuns [artigo 47.º, n.º 4, a), artigo 48.º e
artigo 49.º], - ou seja, o facto de o crédito ser meramente acessório de um
crédito principal – juros.
Créditos Comuns – Categoria residual, que abrange todos os créditos não
absorvidos por nenhuma das categorias anteriores - artigo 47.º, n.º 4, a).
Posto isto, surge-nos a questão de saber quem será pago em primeiro lugar no
processo de insolvência.17 Por ordem de prioridade, serão pagas – em primeiro lugar -
as dívidas da massa (artigo 172.º)18, em seguida, os credores garantidos (artigo 174.º),
os credores privilegiados (artigo 175.º), os credores comuns (artigo 176.º) e, por fim,
os credores subordinados (artigo 177.º).
A regra dita que os créditos serão graduados de acordo com a prioridade do registo e,
como é sabido, a hipoteca cede perante os privilégios especiais 20 e o direito de
retenção (artigos 686º, 754º, 755º e 756º Código Civil), o que perspectiva, sem grande
dificuldade, uma potencial desvantagem para o credor hipotecário.
Além do mais, o pagamento dos credores garantidos é efectuado com base no produto
da alienação dos bens objecto de garantia, abatidas as correspondentes despesas e,
ainda, 10% destinada à liquidação das dívidas da massa insolvente (artigos 174.º, n.º
1 e 172.º, n.º 2).
Caso o crédito garantido não seja integralmente satisfeito, ou mesmo tenha ficado
totalmente desprovido de pagamento por causa da prevalência de outras garantias, o
crédito não se extingue, pelo contrário, mantendo-se antes como comum (artigo 174º,
n.º 1).
Como última nota, referir que a hipoteca abrangerá os juros que constem do registo
relativos a não mais de 3 anos, sem prejuízo da constituição de registo de nova
hipoteca em relação aos juros em dívida, anteriores a 3 anos (artigos 693.º e 686.º
Código Civil).
16
Incluindo-se, também, nesta categoria, os privilégios especiais.
17
Cfr. novamente a redacção do artigo 46.º.
18
Entre outros exemplos, custas do processo, renumeração do administrador, dívidas
emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente.
19
Chegados aqui, é-nos proposto realizar uma análise comparativa entre uma operação de
Sale and Lease-back e um mútuo garantido pela hipoteca do imóvel (centro comercial), no
quadro da insolvência do devedor.
20
Em alguns casos, privilégios especiais dos trabalhadores.
7
4. O LEASE – BACK E A INSOLVÊNCIA21
Ora, tal como oportunamente referido no âmbito das aulas iniciais de EI, é frequente
aos contratos de locação financeira integrarem um conjunto de cláusulas, não
previstas como conteúdo necessário no diploma regulador desta matéria, mas
emergentes da regulação de interesses por parte dos contraentes no exercício da sua
autonomia privada. Assim, poderíamos ver incluída neste contrato, por exemplo, uma
cláusula penal que acautelasse a posição de B, SA perante um eventual
incumprimento da contraparte, estabelecendo que o seu crédito indemnizatório
corresponderia a uma determinada percentagem das rendas vincendas. Afastar-se-ia
assim o cálculo decorrente do valor do imóvel e das rendas vincendas, por ventura
com resultados mais vantajosos para B, SA. Por outro lado, seria benéfica a inclusão
21
Cfr. nota 1.
22
Neste ponto, recorde-se o exposto quanto à determinação de uma situação de insolvência,
nos termos dos artigos 3º e 21º do CIRE, supra p. 1 a 3.
8
neste contrato de uma cláusula de vencimento antecipado das rendas vincendas, a
accionar por B, SA em alternativa à resolução conferida pelo art. 17º. As vantagens da
sua previsão resultam do facto de B, SA, na qualidade de instituição de crédito, dispor
de uma parca utilidade em reaver o imóvel, adquirido exclusivamente no quadro de
uma operação de financiamento a A, SA, e ver assim limitados os custos que
incorreria na relocação do imóvel e, simultaneamente, reduzidos os riscos de difícil
absorção de imóveis pelo mercado.
Neste ponto, há que confrontar, tal como referido, dois regimes. O artigo 18º, al. b)do
DL 149/95, por um lado, estabelece que, para além do direito de resolução fundado
em incumprimento da contraparte, assiste ao locador financeiro, a título adicional, o
direito de resolver o contrato verificado “qualquer dos fundamentos de declaração de
falência do locatário”. Por outro lado, o CIRE prevê, no seu artigo 20º, que os ditos
“factos índice” da insolvência atribuem legitimidade processual activa a qualquer
credor para requer que seja declarada a insolvência do devedor. Vejamos então qual o
regime do CIRE para negócios jurídicos bilaterais que, à data da declaração de
insolvência, não se encontrem integralmente cumpridos por nenhum dos contraentes,
situação à qual os factos da hipótese parecem subsumíveis.
Como princípio geral, o CIRE determina, no seu artigo 102º, que, declarada a
insolvência, estes contratos ficam suspensos até que o administrador opte pelo seu
cumprimento ou pela recusa de cumprimento, em razão da avaliação da capacidade
da massa insolvente para o seu cumprimento. O AI é em princípio livre de escolher
qualquer das soluções que a lei põe ao seu dispor. Contudo, considera-se abusiva a
opção pela execução do contrato se o cumprimento das obrigações dele emergentes
por parte da massa insolvente for manifestamente improvável. (se o AI optar pelo
cumprimento nesta situação, a contraparte pode excepcionar a impossibilidade de
cumprimento, pela massa, das obrigações correspondentes23).
Sem prejuízo desta faculdade, B, SA poderá fixar um prazo para o exercício da opção
por parte do administrador de insolvência, o qual, contudo, só se poderá esgotar
decorridos 5 dias sobre a data da assembleia de apreciação do relatório, justamente
23
O AI exerce as suas funções sob fiscalização do juiz (art. 58º) e responde pelos danos
causados aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos
seus deveres, bem como pelos danos causados aos credores da massa se esta for insuficiente
para satisfazer integralmente os respectivos direitos (sendo que esta responsabilidade
prescreve no prazo de 2 anos) – art. 59º.
Funções (art.55º): vg, a) preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias
em $ existente na massa insolvente, designadamente das resultantes do produto da alienação,
que lhe incumbe prover, dos bens que a integram; b) prover à conservação e frutificação dos
direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa , evitando o agravamento da
sua situação económica.
9
para que se assegure a faculdade destes determinarem qual o meio mais idóneo à
satisfação dos seus créditos, seja pela liquidação integral do património e distribuição
do produto, seja pela forma determinada num plano de insolvência.
24
Note-se que, na lei norte-americana (Bankruptcy Code), quando o fim é recuperar a empresa,
a regra é justamente a de manutenção do devedor à frente da empresa ( debtor in possession)
e a excepção a nomeação de um AI (trustee) – “Chapter 11”, “Reorganization”.
25
O crédito de B, SA encontra-se registado, por força da obrigatoriedade de sujeição a registo
de qualquer contrato de locação financeira sobre bens imóveis, nos termos do artigo 3º, nº5 do
DL 149/95. Por acréscimo, nos termos do art. 37º do CIRE, se B, SA constar entre os 5 maiores
credores conhecidos será citado nos termos gerais do Código de Processo civil, ie, por carta
registada com aviso de recepção (art. 236ºssCPC); caso contrário será citado por edital afixado
na sede de A,SA, nos estabelecimentos da empresa, no tribunal competente ou por anúncio no
DR.
10
recusa de cumprimento (art. 102º). Cumpre, portanto, analisar os efeitos para B, SA
destas duas faculdades, alternativas e potestativas, conferidas ao AI.
Já quanto ao valor das rendas vencidas e não pagas, estas constituirão um crédito
comum sobre a insolvência, sujeito às disponibilidades da massa. Note-se, contudo,
que uma posição contrária é defendida por Pestana de Vasconcelos 27, o qual
considera que, quando estejamos perante um contrato de locação financeira “dirigido à
aquisição do bem” (ie, em que o exercício da opção de compra, do ponto de vista
económico, se afigure como certo, nomeadamente tratando-se de um full pay out
leasing ou sendo o valor venal substancialmente superior ao valor residual de
aquisição a final), estas dívidas deverão ser qualificadas como dívidas sobre a massa.
Nos termos do autor, se assim não fosse, mesmo que o AI optasse pelo cumprimento,
não seria possível a aquisição posterior do bem por parte do locatário, uma vez que
faz parte do facto aquisitivo do direito de compra o cumprimento integral das rendas.
Cumpre ressalvar que, após a declaração por parte do administrador de que pretende
optar pelo cumprimento, o Banco poderá sempre resolver o contrato caso as rendas
não sejam pagas com fundamento no incumprimento das obrigações, nos seus termos
gerais. Mais, será considerado abusivo, sempre que se verifique que não é possível o
cumprimento do contrato, e, ainda assim, o administrador opte pelo seu cumprimento.
Assim, B, SA reterá o valor das rendas pagas (conquanto nenhuma das partes terá
direito a reaver o que até então prestou, nos termos da alínea a) do nº3 do artigo 102º)
e ser-lhe-á restituído o imóvel locado (dada a ressalva do “direito à separação”), o qual
este poderá relocar por forma a obter o parcial reembolso do capital investido na
aquisição do bem no quadro do contrato de LF.
Terá, nos termos do nº 5 do artigo 104º, direito, como crédito sobre a insolência, à
diferença, se positiva, entre o valor das rendas previstas até ao final do contrato,
actualizadas a data da declaração de insolvência, e valor do imóvel à data da recusa.
Ora, em regra não adquirirá qualquer crédito decorrente deste preceito dado que,
nestes casos, o valor do bem à data da recusa de cumprimento será quase sempre
superior ao montante das rendas previstas até ao final do contrato..
26
Após verificação de que o mesmo não prejudicará os interesses do insolvente e que, a
manutenção do contrato, seja economicamente viável.
27
LUÍS MIGUEL D. P. PESTANA DE VASCONCELOS, A Cessão de Créditos em Garantia e a
Insolvência - Em Particular da posição do Cessionário na Insolvência do Cedente, Coimbra
Editora, Coimbra, 2007, p. 754 e ss.
11
Por acréscimo, o nº3 do artigo 102º prevê igualmente um direito de indemnização do
locador28, a ser contabilizado em função do valor das rendas previstas até ao final do
contrato e o valor do imóvel à data da recusa. Ora, à semelhança do direito supra
referido, este cômputo indemnizatório será em regra nulo. Atento o valor das rendas
retidas, somado ao valor do bem (cuja propriedade se mantém na esfera do locador
financeiro e o qual lhe é restituído), o locador encontrar-se-á, em regra, colocado
numa posição melhor do que aquela em que estaria caso o contrato fosse
integralmente cumprido. Comparadas as situações patrimoniais, pode resultar,
portanto, uma vantagem para o locador. Este efeito decorre do que Pestana
Vasconcelos qualifica como a “margem de segurança” do locador num contrato de
locação financeira, reforçada no âmbito de um “esquema” de sale and lease back pelo
facto de, ao adquirir o bem directamente ao locatário, e não a um terceiro fornecedor,
esta aquisição ser feita, em regra, por um preço inferior ao valor de mercado do bem.
Por acréscimo, embora se possam ponderar eventuais custos decorrentes da
relocação do bem e das dificuldades da sua absorção pelo mercado, cumpre notar que
nos encontramos perante um bem imóvel, menos sujeito a uma rápida desvalorização.
Como harmonizar, então, estas duas disposições que contêm soluções tão
antagónicas? Poderá o locador resolver o contrato já depois da declaração de
insolvência do locatário, ou, depois dessa data, apenas caberá ao administrador da
insolvência tomar a sua decisão (de acordo com o artigo 104º, n.º 3 e n.º 5 e o artigo
102.º, n.º 1)?
29
Prevê o regime jurídico da Locação Financeira.
30
Cfr. artigo 18.º, b).
31
Representação esquemática do que se acaba de dizer.
12
Acresce que se torna claro que a lei pretende evitar que essa faculdade de escolha
seja afastada do administrador da insolvência, como resulta do artigo 119.º,
impedindo-se a convenção das partes que exclua ou limite a aplicação dos preceitos
do capítulo relativo aos negócios em curso (n.º 1) 32, bem como fulminando com a
nulidade a cláusula que “atribua à situação de insolvência de uma das partes o valor
de uma condição resolutiva do negócio ou confira nesse caso à parte contrário um
direito de indemnização, de resolução ou de denúncia em termos diversos dos
previstos neste capítulo” (n.º 2).
Ora, seria contraditório com o fim visado pela lei vir permitir que esse resultado fosse
obtido por meio da resolução do contrato pelo locador financeiro, pois sairiam
frustradas quaisquer possibilidades de recuperação da empresa, o que não é,
evidentemente, o que aqui se pretende.
Não obstante do que ficou exposto, os interesses do locador merecem a devida tutela
por parte do ordenamento jurídico. Como vimos, a opção pelo cumprimento implica
que as rendas passem a ser dívidas da massa - artigo 51.º, alínea f) -, e se
administrador apesar de querer cumprir, o não fizer, o locador poderá então, ainda,
resolver o contrato – com fundamento no incumprimento geral das obrigações.
Se o administrador decidir pela recusa, o locador poderá reter as rendas já pagas e
terá direito à restituição do bem (que poderá sempre transaccionar).
A posição defendida por alguns autores, entre os quais Pestana Vasconcelos, garante
a conformidade formal na articulação dos dois regimes. Contudo, parece enfermar
uma contradição valorativa com o regime instituído pelo CIRE em 2004.
Segundo este autor, a solução passaria por se considerar que, até à data de
declaração de insolvência, o locador poderia resolver o contrato verificado qualquer
“facto-índice” da insolvência do locatário. Contudo, uma vez declarada a insolvência,
estaria condicionado á decisão do AI. Ora, se, por um lado, é garantida a integral
vigência do disposto na alínea b) do art. 18º do DL 149/95, por outro, esta
interpretação parece colidir directamente com as faculdades atribuídas aos credores
perante uma situação de insolvência, bem como com os efeitos desta no plano
substantivo.
32
Nos quais se incluem o lease-back.
33
Salvo em casos especiais em que o bem seja susceptível de desvalorização considerável
durante esse período.
13
Como o refere Catarina Serra34, o CIRE veio introduzir, em 2004, um conjunto de
estímulos à iniciativa processual dos credores, tais como: a) estes podem intervir logo
aquando dos primeiros incumprimentos (v.g., 6 meses de incumprimento de créditos
do contrato de locação financeira ou, mesmo perante o cumprimento pontual destas
obrigações, verificada uma superioridade manifesta do passivo face ao activo segundo
o último balanço ou um atraso superior a 9 meses na aprovação e depósito das
contas); b) com a declaração de insolvência extinguem-se os privilégios gerais e
especiais de créditos do Estado ou outras entidades públicas constituídos ou vencidos
há mais de 12 meses, incentivando-se ou premiando-se assim uma reacção
tempestiva por parte das entidades em causa; c) o credor requerente será ressarcido
das despesas inerentes à promoção do processo através da concessão de um
privilégio mobiliário geral (graduado em último lugar relativamente a ¼ do seu crédito).
Perante estes três elementos de ponderação, julgo verificada uma derrogação tácita
da alínea b) do artigo 18º referido, não sendo possível ao locador financeiro, perante
factos constitutivos da insolvência do locatário, resolver o contrato. Restar-lhe-á,
portanto, propor uma acção dirigida à declaração de insolvência deste, com as
consequências decorrentes da mesma, sem prejuízo de ser ressarcido das custas
inerentes à sua promoção caso reaja atempada e antecipadamente, relativamente aos
demais credores. Funda-se esta conclusão nos argumentos supra expostos e, de um
modo geral, na teologia sobre a qual se parece edificar o CIRE, de garantia de uma
reacção tempestiva a situações de insolvência, por forma a assegurar-se a existência
efectiva de uma opção quanto aos modelos de satisfação dos direitos dos credores: a
liquidação do património ou, em alternativa, a salvaguarda do funcionamento de
unidades produtivas economicamente viáveis compreendidas na massa insolvente.
34
CATARINA SERRA, cit., pp. 16 e ss.
14