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MUNDO
Por BBC
26/11/2018 09h15 · Atualizado há uma hora
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26/11/2018 A misteriosa organização que matava japoneses no Brasil após a Segunda Guerra | Mundo | G1
Notícias falsas, as chamadas fake news, estão em evidência nos últimos tempos,
mas não são uma invenção moderna. Em 1946 elas já existiam – e já faziam vítimas
no Brasil.
foram feridos.
Aiko Higuchi, de 98 anos, é lha do primeiro imigrante morto pelo grupo Shindo Reimei — Foto: BBC
O pai de Aiko Higuchi foi um deles. Hoje, aos 98 anos, Aiko conversou com a BBC
News Brasil sobre a morte de seu pai, o sofrimento da família e como, só 62 anos
depois, ela nalmente cou em paz em relação ao seu passado.
A vida na guerra
Em agosto de 1942, o Brasil entrou na Segunda Guerra ao lados dos Aliados – EUA,
Reino Unido, França, União Soviética e China, entre outros – declarando guerra aos
países do eixo: Alemanha, Itália e Japão.
Imigrantes desses países eram vistos com descon ança. Foi uma época difícil para
os 160 mil imigrantes japoneses – a maioria dos quais trabalhava na roça.
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"Papai deixou o lho mais velho no Japão porque achava que ia car 5, 6, 7 anos no
Brasil e depois voltaria. A propaganda no Japão era a de que, no Brasil, você ganhava
dinheiro fácil."
Aiko estudou em escola só para imigrantes em Bastos, no interior de SP — Foto: Arquivo pessoal
"Não vinham cartas (do Japão), né? Não pode ouvir rádio. Jornal japonês era
proibido. A gente cava no escuro, não sabia nada do que estava acontecendo",
conta Aiko no sobradinho onde mora hoje no bairro de Santana, em São Paulo.
Imigrantes não podiam dirigir e não podiam viajar. Escolas foram fechadas e
empresas japoneses tiveram o capital con scado.
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Ikuta Mizobe era gerente de uma cooperativa de agricultores e foi morto por falar a verdade — Foto: Arquivo pessoal
Sua organização teve um papel central nos eventos trágicos dentro da comunidade
após 15 de agosto de 1945, quando o emperador Hiroito anunciou a rendição do
Japão.
A Segunda Guerra havia acabado, e o Japão perdido. Mas o Shindo Reimei começou
a espalhar rumores na comunidade japonesa de que isso era uma grande mentira,
inventada pelos Aliados para minar o ânimo dos japoneses.
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"Eles eram, como diz? Fanáticos, né? Maioria eram pessoas com pouca educação em
cidades com muitos japoneses: Bastos, Pompeia, Tupã."
"Aí que Shindo Reimei começou a fazer isso: falava que quem
falasse que o Japão perdeu a guerra não era japonês. Era
traidor."
"Papai tinha que falar com os cooperados, ele era gerente de cooperativa. Tem que
falar a verdade, né?", relembra Aiko.
"As pessoas vinham perguntar sobre a guerra, e ele falava o que sabia: que o Japão
tenha perdido."
"Meu pai recebeu carta com duas palavras: pessoa e coração, cortado com uma
faca. Minha mãe queimou a carta. Desde aquele dia eu não consegui mais dormir,
toda noite ia pra cama pensando", diz ela.
Em 1946, Aiko estava casada, vivendo na cidade de Pompeia, com o marido e seu
lho recém-nascido, Katsuo Higuchi.
Em 7 de março, uma caminhonete chegou a sua casa com uma mensagem. "Meu
sogro escreveu bilhete falando que papai tinha machucado pé e mandaram me
buscar."
"Mas quando eu cheguei na casa da minha mãe, o caixão estava em cima da mesa",
diz dona Aiko, com a voz embargada.
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Sangue e lágrimas
"Na noite anterior meu pai tinha saído para dar uma olhada nas orquídeas e fechar
o portão, que meu irmão mais novo sempre deixava aberto", conta Aiko.
"Então ele foi ao banheiro, atrás da casa. Dois homens estavam escondidos. Quando
ele tava fechando a porta, eles atiraram. Minha mãe ouviu os tiros e saiu, e viu dois
homens fugindo no cavalo."
"Mamãe falou depois: nunca imaginou que tinha tanto sangue no corpo", diz Aiko,
misturando japonês e português. "Ela limpou meio balde de sangue."
"Meu pai nunca fez nada de mal para ninguém, porque Deus não ajuda? Mas a
gente sofreu por causa disso, viu?"
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Membros do Shindo Reimei espalhavam que o Japão não havia perdido a guerra — Foto: BBC
Os dois homens que mataram o pai de Aiko também foram presos e condenados.
Ligação
Em 1957, Aiko mudou pra São Paulo, onde vive até hoje.
"Minha mãe guardou muita mágoa no coração a vida inteira, nunca falou muito
sobre isso", conta Katsuo Higuchi, de 72 anos, lho mais velho de Aiko e o único que
chegou a ser carregado pelo avô antes de seu assassinato.
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A paz só veio em 2008, quando, aos 88 anos, ela recebeu um telefonema de uma
mulher que queria conversar sobre o assassinato de seu pai.
"Era lha do criminoso, que chamava Yamamamoto. Ela queria encontrar. Quando
ela veio, num domingo, disse que o irmão dela não quis vir porque cou com medo,
achava que eu ia matar ele", conta Aiko, rindo. "Eu não tinha coragem de matar
galinha! Jamais faria isso."
"Ela veio pedir desculpas, pelo que o pai dela tinha feito. Eu disse para ela: você tem
não culpa. Eu não tenho raiva de você. Mas tenho muita raiva do seu pai."
O reencontro foi bom para as duas mulheres. Depois de 62 anos, Aiko nalmente
conseguiu falar abertamente sobre o que aconteceu e car em paz com o seu
passado.
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