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Resumo: Este artigo busca investigar em que medida o Vaporwave, movimento estético bastante recente
e cuja expressão se dá na interseção entre a música, o vídeo e a imagem estática a partir de material
digital disponível na internet, retoma expedientes técnicos, discursivos e expressivos do Dadaísmo,
movimento das vanguardas artísticas modernas do início do século passado, formado principalmente na
Europa por um grupo de escritores, poetas e artistas plásticos. Mais especificamente o objetivo deste texto
é tentar identificar de que forma o tipo de apropriação efetuado no Vaporwave se assemelha às estratégias
de criação utilizadas pelos dadaístas. Para tanto, propomos um paralelo entre a história do Dadaísmo a
partir de suas tecnologias e o característico hibridismo de mídias do Vaporwave para classificá-lo como
Dadaísmo digital, possibilitando uma abertura para novas tecnologias. O que evidenciamos nas
investigações aqui propostas é que tanto o Dadaísmo quanto o Vaporwave apresentam possíveis
mudanças sobre os enunciados e as formações históricas.
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Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 10º Encontro
Nacional de História da Mídia, 2015.
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Doutorando em Comunicação e Informação (PPGCOM-UFRGS), mestre em Educação (PPGEDU-
UFRGS), integra atualmente o Grupo de Pesquisa Semiótica e Culturas da Comunicação (GPESC). E-
mail: jamermello@gmail.com.
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Graduando em Comunicação Social - Jornalismo pela FABICO-UFRGS, integra atualmente o Grupo de
Pesquisa Semiótica e Culturas da Comunicação (GPESC). E-mail: marioarruds@gmail.com.
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Arte tecnológica é um termo utilizado por Lúcia Santaella (2003) para referir-se à arte que se “dá
quando o artista produz sua obra através da mediação de dispositivos maquínicos, dispositivos estes que
materializam um conhecimento científico, isto é, que já têm uma certa inteligência corporificada neles
mesmos” (p. 153).
cultura da internet e seus desdobramentos já se mostram presentes em produtos da
cultura pop de massas.
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RGB é a abreviatura do sistema de cores digitais formado por vermelho (Red), verde (Green) e azul
(Blue).
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O que lhe rendeu ser chamado de movimento anarquista ou marxista.
O que se originou dessa efervescência dada pelo hábito de considerar qualquer
tipo de arquivo passível de acesso através da pesquisa em sites de busca foi uma
construção desenfreada de produtos estéticos. A colagem, a edição, a mistura de mídias
e o upload aberto de todas essas criações constituiu o que se popularizou globalmente
como Vaporwave, atingindo culturas diversas, agindo de forma globalizante pela
expansão de uma plástica por diversos países, mas também se regionalizando em
produtos estéticos de mesma ordem que carregam exclusivamente conteúdo de um país
ou região, como o que ocorre na página do Facebook Brasilwave7. Nesse exemplo, os
criadores mesclam funk carioca e referências próximas à estética Vaporwave e seus
derivados.
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https://www.facebook.com/wavebrazil.
fazem todas essas funções ao mesmo tempo). Contudo, é possível perceber que os
arquivos não são vistos no ciberespaço a partir de sua função sensorial, mas todos
parecem estar em uso a partir de sua potência de representação. Isso decorre do objetivo
da criação da comunicação mediada por computadores que a internet conseguiu dar
conta: tornar possível a compactação de qualquer tipo de mensagem com o intuito de
facilitar a transferência desses arquivos, de forma global. Numa relação teórica, é
possível considerar o Vaporwave como a linha que liga os pontos de um rizoma,
segundo a filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari, já que cada elemento do
ciberespaço
Entretanto, apesar dessa ligação direta que a internet faz entre diferentes mídias
como se fossem da mesma ordem, o “nosso agir tem referência exclusiva ao que afeta
os sentidos” (PEIRCE, 2007, p. 59), o que causa um embaralhamento da interpretação
dos produtos do Vaporwave que são editados como se fossem todos pertencentes à
mesma mídia. Ao fruidor, resta uma espécie de confusão no tratamento a ser dado a
esses hibridismos. Como receber uma música com velocidade alterada – que pode
remeter diretamente à câmera lenta do cinema – ou uma colagem de imagem estática
com vídeo ou mesmo a música com camadas mixadas como se fossem layers8 de uma
edição fotográfica? No caso da música não são os sons produzidos por instrumentos
musicais que se repetem no Vaporwave, mas todo um conjunto de melodias. Isto
acontece como se trechos de sons fossem recortados aleatoriamente e colados uns sobre
os outros, sem respeitar tom e tempo musicais, mas imersos em uma lógica de colagem
caótica e desordenada, lembrando estratégias próprias das vanguardas da arte moderna,
mais especificamente o Dadaísmo e suas colagens textuais e visuais.
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Layer refere-se à camada. Em softwares de edição de imagem é possível editar partes da imagem final
de forma separada através de sua organização por camadas.
utilizam. No Dadaísmo se observa a utilização de tiras de jornal, recortes de revistas,
fotografias, partes de obras visuais, entre outros materiais que tornam possível um
processo que culmina numa aproximação tão forte entre arte e cultura de massas que
seus limites deixam de ser claramente discerníveis.
Francis Picabia, pintor e poeta francês, propôs uma arte amorfa por acreditar que
ela não representava nada por ser, antes de tudo, um gesto. Desta forma, atacava as
concepções estéticas tradicionais e também dissolvia qualquer identidade cristalizada
em suas obras. Entre 1938 e 1945, Picabia produziu telas inspiradas em revistas
populares que, segundo Fabris, colocaram em xeque um dos pressupostos fundamentais
da vanguarda, a originalidade. Suas obras produziam, portanto, uma discussão sobre o
ato criador, afastando-o das esferas da subjetividade e da inspiração “para converter-se
num gesto de escolha e de deslocamento, que ressignifica imagens banais com uma
carga adicional de banalidade” (FABRIS, 2011, p. 218).
Nesse ponto, parece haver o indício de que a produção que estamos descrevendo
se dá a partir de uma motivação individual, mas, pelo contrário, a produção de obras
Vaporwave deve ser considerada como coletiva. Reciclando, colando, tomando
elementos disponíveis na rede mundial de computadores, o artista conduz uma união
que já está dada virtualmente, criando um produto a partir da própria natureza do
programa digital da internet. Os arquivos “brutos” disponíveis são todos de uploads de
diferentes indivíduos por diversas causas e intensões, podendo ser institucionais ou
pessoais. Assim, além de servir de matéria-prima, são também mensagens, informações
pessoais, coletivas e tecnológicas, contando na sua formação com inúmeros envolvidos,
desde a produção do equipamento que gerou o arquivo até o indivíduo que o produziu.
O que procuramos enfatizar aqui é que em todo e qualquer processo de produção existe
a característica coletiva ao se utilizar de métodos tecnológicos, entretanto no caso aqui
analisado isso é ainda mais enfático pela matéria-prima não ter uma base orgânica ou
material, mas ser fruto da imaginação e da produção tecnológica de outras pessoas.
Referências
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