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CDD 23 -- 344.046
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Mapa dos principais AHEs do Rio Uruguai e seus afluentes no Estado de
Santa Catarina. ......................................................................................................... 70
Figura 2 – Principais empreendimentos hidrelétricos na bacia do Rio Uruguai......... 71
Figura 3 – Edificações da UHE Barra Grande........................................................... 89
Figura 4 – Descrição das edificações da UHE Barra Grande .................................. 90
Figura 5 – Municípios atingidos pelo reservatório da UHE Barra Grande. ................ 91
Figura 6 – Florestas de araucárias existentes na área de influência direta do
reservatório da UHE Barra Grande. .......................................................................... 97
ix
LISTA DE TABELAS
LISTA DE GRÁFICOS
ha - Hectare
km – Quilometro
LI – Licença de Instalação
LO – Licença de Operação
LP – Licença Prévia
m – Metro
MW – Megawatt
TWh – Terawatt-hora
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ................................................................................ viii
LISTA DE TABELAS .................................................................................. ix
LISTA DE GRÁFICOS ............................................................................... x
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .................................................... xi
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................... 15
2. A ESTRATÉGIA DA HARMONIA COERCITIVA E A TEORIA DOS
CAMPOS DE PIERRE BOURDIEU ......................................................... 24
2.1. A solução alternativa dos conflitos de interesses: a estratégia da
harmonia coercitiva .................................................................................. 24
1. INTRODUÇÃO
Por sua vez, o Brasil produz energia elétrica de variadas fontes, destacando-se
as formas hidráulicas e térmicas. As usinas hidrelétricas, que aproveitam a força das
correntezas dos rios, são alternativas que garantem uma alta capacidade de geração
a um custo financeiro baixo, atrelado à um suposto menor impacto ambiental imediato
que as alternativas que utilizam combustíveis fósseis ou produzidos pelo homem.
A escolha desta obra não é aleatória. Além do caráter regional, eis que se
encontra em distância próxima e na bacia do rio que banha a cidade de Chapecó, esta
obra possui uma peculiaridade no que tange ao seu processo de licenciamento
ambiental: a legitimação de um processo de harmonia coercitiva entre as partes
conflitantes, onde as estratégias utilizadas pelos empreendedores acabam por
conquistar seus interesses em detrimento dos direitos ambientais que são sonegados.
17
Ainda, faz-se o importante destaque dos conceitos que dão suporte à teoria dos
campos de Bourdieu, elucidando-se o conceito de habitus e os conceitos de poder e
violência simbólica.
Em relação aos principais autores que deram suporte à esta pesquisa, além
dos já citados acima, destacam-se as obras relativas ao cenário dos conflitos
existentes no case ambiental nacional, em especial àquelas que se dedicam ao setor
20
energético brasileiro, bem como as obras que apontam os danos de diversas ordens,
ocasionados pelos empreendimentos hidrelétricos erguidos em nosso país.
Para tanto, busca-se subsídio nas obras de Benincá (2011), Bermann (1991,
2007), Dal Magro, Renk, Franco (2015), Do Valle (2005), Hofmann (2015), Prochnow
(2005), Reis (1998, 2007) Renk, Winckler (2015), Rocha (2012, 2015), Rothman
(2008), Tessler (2005), entre outras.
Neste sentido, é importante destacar que o conflito presente neste cenário não
é, per si, algo taxativamente negativo, pois faz parte de um elemento inerente à
existência da própria sociedade. Alcântara Júnior (2005), ao estudar Simmel, aponta
que o citado autor “[...] parte da premissa de que o conflito se reproduz junto às ações
interativas e relacionais sociais, ou seja, em todas aquelas produzidas no interior da
sociedade”.
1Ademais, Simmel (2011) escreve que as tensões conflitivas são elementares para a existência da
sociedade, eis que “[...] como o universo precisa de ‘amor e ódio’, isto é, de forças atrativas e repulsivas,
a fim de dispor de qualquer forma, do mesmo modo, a sociedade, também, para atingir uma forma
determinada, precisa de alguma razão quantitativa de harmonia e desarmonia, de associação e de
concorrência, de tendências favoráveis e desfavoráveis”.
26
Preconiza o autor que nas sociedades ocidentais, com forte influência do Direito
Alemão, o caráter legítimo que advém do princípio da legalidade “[...] implica a fé numa
legalidade destituída das certezas coletivas da religião e da metafísica e apoiada, de
certa forma, na ‘racionalidade do direito’ [...]”. Todavia, afirma Habermas que tal
situação não se configura na realidade, pois o “[...] poder exercido nas formas do
direito positivo deve a sua legitimidade a um conteúdo moral implícito nas qualidades
formais do direito”.
Uma forma que o Direito tem dado ênfase e tomou corpo nas últimas décadas
se dá por uma via alternativa àquela imposta pela lei (procedimento judicial
contencioso). Martín (2011, p. 317) escreve que as técnicas alternativas de resolução
de conflitos, originadas no Direito Anglo-Saxão estadunidense, buscam mecanismos
para resolver disputas de forma tangencial aos tribunais, mediante meios não judiciais.
Estas técnicas, pondera a autora, foram estendendo-se de forma gradual em todo o
Planeta, atuando desde a mediação de causas civis à proteção do meio ambiente.
A mesma autora alerta (2011, p. 324) que estes métodos também possuem
suas críticas, como
É neste cenário crítico que Nader (1994) vem explicitar a teoria da harmonia
coercitiva, através da conclusão de seus estudos sobre o funcionamento das técnicas
de pacificação em três ambientes distintos: em primeiro lugar, nas situações de
controle cultural ou da pacificação no primeiro contato entre colonizadores e
colonizados; em segundo lugar, durante o período de criação e utilização da ADR2
como parte de uma política de pacificação em resposta aos movimentos da década
3Ou seja, afoga-se toda a discussão sobre o conflito alvo da mediação, acelerando o processo de
esquecimento da situação conflituosa.
30
Na situação atual das diferentes sociedades, é um tanto difícil não precisar que
as relações sociais estão permeadas por um dinamismo nunca antes alcançado. Isso
se deve, primariamente, aos efeitos da globalização iniciada no século XX que, além
de reinventar os cenários econômicos, proporcionou a aproximação dos indivíduos,
bem como a compressão dos espaços e dos tempos sociais.
É presente na maioria dos sistemas de análise das relações sociais (o que inclui
o estudo do Direito como um de seus elementos), principalmente no que tange as
formas de reprodução das sociedades, o uso de disposições antagônicas,
contraditórias.
Segundo os citados autores, Bourdieu busca em sua teoria, por considerar que
as duas abordagens acima citadas são insuficientes, uma síntese entre ambas,
elaborando ao final a teoria da prática ou da ação social, que se aprofunda na relação
entre o agente e a sociedade, mais precisamente entre as estruturas sociais – de
ordem objetiva – e as disposições individuais, eminentemente subjetivas. Esta síntese
se expressa em Bourdieu pelo diálogo travado entre a interiorização da exterioridade
– a influência das estruturas externas sobre a subjetividade individual – e a
exteriorização da interioridade, ou seja, a contribuição dos elementos interiores dos
indivíduos para reforçar e manter as estruturas sociais em sua devida situação.
Uma destas instituições é o próprio Direito que, segundo Sckell (2016, p. 1), é
visto por Bourdieu “[...] acima de tudo como um instrumento de reprodução social que
não teria muito a contribuir para a emancipação social [...]”, onde o próprio elenca que
os seus operadores – os juristas – tratam-se de verdadeiros guardiões da hipocrisia
coletiva.
Neste sentido, Bourdieu (2003, p. 119-126) elenca que que a teoria dos campos
se constrói a partir de generalizações, eis que ao empreender o estudo de um campo
específico descobrem-se novas características específicas que podem ser entendidas
como fundamentais para a análise e reconhecimento da estrutura e da
operacionalidade de outros campos. Destaca o autor que inexiste um campo
fundamental, como é a esfera econômica para Weber: é na existência das situações
igualmente encontradas em certos campos – como o da política e o da religião – que
se vislumbra um projeto de uma teoria geral dos campos.
Assim, o campo pode ser definido, de forma geral, como um espaço estruturado
de posições dos agentes, onde estes, separados entre dominantes e dominados,
confrontam-se pela obtenção e manutenção de determinados postos. É um espaço
hierarquizado, onde os agentes disputam esta relação de dominação, conforme o
histórico dos embates anteriores, com quotas diferenciadas de capital, bem como de
posições sociais (BOURDIEU, 1989, p. 64-73).
Inserindo a teoria dos campos para o cenário em que esta pesquisa atua, é de
direta percepção que os agentes dominantes se transmutam na figura do Estado – em
nível de Governo Federal – e dos grandes grupos de capitais aplicados à construção
civil e ao mercado de geração e comercialização de energia, dispondo estes de
grandes quantidades de capitais e ocupando posições sociais privilegiadas.
4 Cita-se, por exemplo, o impacto ocasionado nas estruturas sociais e econômicas dos municípios
atingidos, que nem sempre são positivas.
34
Já em relação aos interesses dos agentes postos nos jogos existentes num
determinado campo, o mesmo autor elucida que Bourdieu os denomina de capital,
alertando que este capital vai além do sentido de bens econômicos, abarcando
também um conjunto de bens culturais, sociais, simbólicos, entre outros.
neófitos disputam, dentro das regras estabelecidas pelo nomos e pela doxa, a posição
onde se encontram os agentes dominantes.
O autor aponta que estes indivíduos aderem aos grandes projetos e fazem
deles os seus projetos durante o período de vida economicamente ativo. São
trabalhadores especializados, vinculados permanentemente ao circuito migratório das
obras. Muitos desses nasceram e foram criados nos acampamentos dos
empreendimentos, de modo a considera-los como elementos constitutivos de sua
identidade.
Pode-se dizer ainda que estes bichos fazem parte do topo da pirâmide e há
clivagem étnica em relação à base, composta de trabalhadores de menor qualificação
técnica. Afirma o autor que, em relação a estes últimos trabalhadores, gozam de maior
liberdade e sofrem menor vigilância e cerceamento.
que são comumente encontrados em todos os campos e desta forma servem como
alicerce para identificar das características gerais dos campos:
A teoria dos campos possibilita a análise das mais variadas formações sociais,
pois é plenamente possível substituir o conceito de sociedade com a aplicação do que
preconizou Bourdieu.
Segundo Sckell (2016, p. 162) à época dos estudos sobre o campo jurídico, o
sociólogo percebeu que este era ignorado pelos estudiosos formalistas e
instrumentalistas. Desta forma, ele desenvolveu uma análise reflexiva e crítica do
direito, permitindo analisar o seu efeito na sociedade, sem que este sujeitasse a sua
teoria da prática social.
Apenas aquele que tem uma certa competência – neste caso, uma
competência jurídica – e interesse pelo jogo pode participar: temos de
acreditar no jogo e também aceitar que ele realmente merece ser
jogado, o que constitui a ilusão. Bourdieu encontra nesse aspecto o
paradoxo da força do direito e remonta à teoria da magia de Marcel
Mauss: a magia só funciona em um campo, em um espaço de crença,
em que os agentes são socializados de forma a acreditar que vale a
pena jogar o jogo.
5 Tal situação pode ser interpretada como uma afronta ao princípio da separação dos poderes
constitucionalmente constituídos, eis que o Judiciário interfere diretamente nas competências privativas
(atividades-fim) do executivo e do legislativo. Todavia, a atual constituição do Brasil prevê, em seu art.
2º, a independência harmônica entre os três poderes, o que se traduz na prerrogativa dos poderes
possuírem mecanismos de controle entre eles, realçando a eficácia do princípio de checks and
balances (freios e contrapesos).
40
O primeiro fator ocorre através das relações de força específicas que compõem
a sua estrutura e orientam as lutas de concorrência e os conflitos de competência6. Já
o segundo fator advém da lógica interna emanada das obras jurídicas – a codificação
– eis que estas delimitam os ambientes de possibilidades e de soluções jurídicas7.
6 Sckell (2016, p. 162) escreve que ocorrem dois tipos de relações de força entre os juristas: “[...] no
campo jurídico, praticantes e teóricos se encontram em uma relação de concorrência e, ao mesmo
tempo, de complementaridade. Essas relações de força estão intimamente ligadas àquelas entre os
profissionais do direito e os leigos. As complementaridades entre os juristas são mais fortes que suas
diferenças, e assim eles se diferenciam dos leigos. Ao mesmo tempo, certo grupo de juristas se
identifica com determinado grupo social; tendo em conta os interesses desse grupo social, o grupo de
juristas que com ele se identifica procura mudar o direito”.
7 Sckell (2016, p. 162) aduz que “O segundo fator do campo jurídico analisado por Bourdieu é a lógica
interna do trabalho jurídico: o direito é codificado. Essa codificação gerará os efeitos de racionalização,
universalização e normalização. Isso leva Bourdieu a comparar o jurista a um profeta (referência a
Weber), a um poeta e a um artista (referência a Kantorowicz)”.
41
8 O autor (2011, p. 31) elenca que “Para Weber, o sentido em que se desenvolvem as qualidades
formais do Direito está condicionado diretamente pelas relações internas ao Direito, ou seja, a
particularidade do círculo de pessoas que por profissão estão em condições de influenciar a maneira
de dizer o Direito, ao lado da influência indireta que tem sua origem nas condições econômicas e
sociais, ou seja, nas relações externas”.
42
Fernandes (2006, p. 77) escreve que o campo político se define “[...] em relação
aos acontecimentos que ocorrem no interior do mundo dos profissionais chamados
políticos”. Como nos demais campos, os meios de acesso à participação política estão
44
9 O autor assevera que a conversão obriga o agente, de forma tácita, a eximir-se de certos atos
incompatíveis com sua dignidade, sob pena de escândalo.
45
10Segundo o autor (1980, p. 2), “O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que
estão ligadas à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizados de
convivência ou reconhecimento; ou, em outras palavras, a pertença a um grupo, a partir de um conjunto
de agentes que não são apenas dotados com propriedades comuns [...]”.
11Higgins (2005, p. 33) escreve que o capital social sob o enfoque de Coleman “[...] consiste em todos
aqueles elementos de uma estrutura social que cumprem a função de servir como recursos para que
os atores individuais atinjam suas metas e satisfaçam seus interesses”.
46
peso que o agente tem dentro de seu partido, determinam de forma primária qual é
montante que cada agente recebe.
Assim, assevera Fernandes (2006, p. 70) que ocorre no campo político uma
ruptura entre os profissionais e os profanos, incidindo assim no campo uma divisão
entre os dominantes e os opositores no interior do campo, o que acarreta no
desenrolar do jogo pela luta do monopólio do Estado12.
12 “As lutas políticas são lutas entre responsáveis políticos, mas nessas lutas os adversários, que
competem pelo monopólio da manipulação legítima dos bens políticos, têm um objeto comum em
disputa, o poder sobre o Estado (que em certa medida põe fim à luta política, visto que as verdades de
Estado são verdades transpolíticas, pelo menos oficialmente). As lutas pelo monopólio do princípio
legítimo de visão e de divisão do mundo social opõem pessoas dotadas de poderes desiguais”
(BOURDIEU, 2011, p. 203).
47
O autor (2005, p. 17), tomando por base de seus estudos o mercado das casas
próprias em seu país, elenca que o campo econômico é um produto derivado de uma
construção social dupla, encartado nos pressupostos da oferta e da demanda.
O cálculo dos lucros individuais dos agentes é, para Bourdieu (2005, p. 22-23),
o que distingue o campo econômico dos outros campos, eis que as condutas e as
13 O autor alerta que a esfera das trocas de mercado é um conceito em evolução progressiva, que
ultrapassou o antigo modelo das trocas domésticas (orientadas pelas obrigações sociais e/ou
familiares) e atualmente se firma no seu nomos específico, de que negócios são negócios, o que por si
consagrada ao conceito do cálculo dos lucros individuais (interesse econômico) a visão dominante do
campo econômico (BOURDIEU, 2005, p. 19).
48
14 O autor define sumariamente os seguintes capitas específicos dos agentes inseridos no campo
econômico: “O capital financeiro é o domínio direto ou indireto (por intermédio do acesso aos bancos)
de recursos financeiros que são a condição principal (com o tempo) da acumulação e da conservação
de todas as outras espécies de capital. O capital tecnológico é o portifólio de recursos científicos
(potencial de pesquisa) ou técnicos diferenciais (procedimentos, atitudes, rotinas e competências
únicas e coerentes, capazes de diminuir a despesa em mão-de-obra ou em capital, ou de aumentar o
rendimento) susceptíveis de serem implementados na concepção e na fabricação dos produtos. O
49
mercado através das normas jurídicas, ou seja, onde, de qual forma (e para quem) os
benefícios estatais à construção e habitação são aplicados.
15Sem contar na participação do próprio ente estatal na formação do capital (financeiro) nestes
empreendimentos, através dos projetos de PPP (Participação Público-Privada) e das Sociedades de
Propósito Específico (SPEs).
16 Para Raud (2007, p. 212) “[...] o mercado de Bourdieu consiste num jogo temporariamente
estabilizado, cujas regras são provisoriamente respeitadas. Nesse quadro, a dominação de uma
empresa reside em essência na sua capacidade de impor às outras sua própria definição do jogo”.
51
Todavia, alerta Raud (2007, p. 213) que Bourdieu aponta que o campo
econômico também é dinâmico, apesar de sua insistência quanto à estática do
fenômeno da reprodução neste campo.
Neste sentido, o senso comum leva a pensar que a relação entre o agente e a
sociedade/estrutura se baseia em critérios dualistas ou antagonistas, como regra
versus obediência, por exemplo.
Ademais, a autora cita que Bourdieu está consoante com Weber no que tange
a rejeição do legalismo como explicação da prática social. Todavia, o primeiro se
distancia do segundo no que concerne a influência dos interesses particulares no
legalismo, apontando o Francês que os agentes somente obedecem ao ordenamento
quando o interesse em o obedecer é maior que o interesse em desobedecê-lo.
17 Segundo Setton (2002) “[...] Bourdieu retoma o conceito de habitus segundo uma ótica original. Ou
seja, aproveitando-se das reflexões de Panofsky sobre a relação de afinidade entre a arte gótica e o
pensamento escolástico, Bourdieu propõe um problema sociológico. Não basta postular a
comparabilidade das diferentes esferas do social. É necessário definir as condições, os princípios que
tornam essa comparação possível [...] Segundo Bourdieu, Panofsky não se limitou a observar a
correspondência entre imagem e idéias de um período, mas afirmou que tal semelhança derivaria, teria
seu princípio, em uma educação (socialização) sistemática apropriada de maneira inconsciente e
difusa. Segundo as palavras do autor, as semelhanças têm seu princípio na instituição escolar,
investida da função de transmitir conscientemente e em certa medida inconscientemete ou, de modo
mais preciso, de produzir indivíduos dotados do sistema de esquemas inconscientes (ou
profundamente internalizados), o qual constitui sua cultura, ou melhor, seu habitus [...]”.
54
As estratégias das ações dos agentes não se produzem por uma determinação
mecânica, todavia possuem uma forma de ajuste objetivamente condicionado às
diversas situações sociais:
classificação e organização da sua ação, o que cria neste uma formatação mental
para internalizar a ordem social ao qual está submetido18.
18 Neste sentido escreve Thiry-Cherques (2006) que “O habitus constitui a nossa maneira de perceber,
julgar e valorizar o mundo e conforma a nossa forma de agir, corporal e materialmente. É composto:
pelo ethos, os valores em estado prático, não-consciente, que regem a moral cotidiana (diferente da
ética, a forma teórica, argumentada, explicitada e codificada da moral, o ethos é um conjunto
sistemático de disposições morais, de princípios práticos); pelo héxis, os princípios interiorizados pelo
corpo: posturas, expressões corporais, uma aptidão corporal que não é dada pela natureza, mas
adquirida [...]; e pelo eidos, um modo de pensar específico, apreensão intelectual da realidade [...], que
é princípio de uma construção da realidade fundada em uma crença pré-reflexiva no valor indiscutível
nos instrumentos de construção e nos objetos construídos [...]”.
56
Tal conceito serve como um mediador para o agente inserido num determinado
campo, sendo que as diretrizes são determinadas em função da relação entre os dois
conceitos através da socialização e da individualização, onde o primeiro prende-se ao
fato de que as ações e juízos do agente são oriundos da coerção imposta pela
sociedade, sendo partilhadas por todos aqueles inseridos nas mesmas condições; já
a individuação remete a ideia da singularidade da trajetória de cada agente no mundo
e que influencia na singularidade da interiorização dos esquemas impostos pelo
campo.
Este poder se denomina como simbólico advém do fato que seu exercício – e
consequentemente sua recepção – se dá de uma forma imperceptível, onde os
agentes não têm consciência da influência deste poder sobre seus atos.
Bourdieu (1989, p. 11-12) elucida que os agentes das mais variadas posições
sociais estão envolvidos em uma disputa propriamente simbólica, com o intuito de
escrever as definições da sociedade baseados nos interesses próprios e
19 Bourdieu (2014, p. 225-226) aduz que as relações de força onde se utiliza o poder simbólico são
oriundas de relações de comunicação, onde é perceptível que o dominado conhece e reconhece os
atos de dominação contra eles praticados, ou seja, este executa as ordens oriundas do dominante
conhecendo e reconhecendo esta situação.
58
20 Para Sckell (2016, p. 164) “A violência simbólica consiste em obter ‘reconhecimento pelo
desconhecimento’: proposições e normas, dependentes da posição e dos interesses de quem as
formula no campo jurídico, aparecem como se fossem justificadas por uma autoridade transcendente.
A universalização ou a desistorização tem um efeito de legitimação [...]”.
59
O cenário toma corpo, de fato, a partir do período do Estado Novo, onde o país
implementou sua primeira política energética, impulsionada pelo início da
industrialização nacional, onde “A política de industrialização e nacionalismo de
Vargas atingiu em cheio o setor da energia, [...] pois o processo de industrialização
brasileiro tinha na disponibilidade de energia um dos obstáculos a serem superados
[...]” (MORAIS, 2013, p. 61-62).
Após o ano de 1964 eclode a fase onde o Estado, administrado pelos militares,
interveio de forma direta e ativa sobre o setor energético, sendo que neste período
21 Benincá (2011, p. 29-31) enumera em quatro as fases vivenciadas pelo setor: “Em linhas gerais, a
história do setor energético brasileiro pode ser dividida em quatro períodos: (I) da Proclamação da
República (1889) à Revolução de 1930 - quando a economia brasileira se caracterizava pela produção
primário-exportadora e a energia estava baseada em fontes vegetais; (II) de 1930 a 1945 - quando o
país deu seus primeiros passos rumo à estruturação de uma política energética, o que ocorreu em
função do início do processo de industrialização [...] (III) de 1945 ao final ela década de 1980 - fase
marcada pela intervenção direta do Estado sobre o setor energético. [...] A quarta (IV) fase inicia-se na
década de 1990 e se prolonga até nossos dias, quando se consubstancia o Plano Nacional de Energia
Elétrica baseado na implantação de grandes hidrelétricas e se aprofunda o modelo neoliberal associado
ao processo de privatização do setor elétrico”.
61
foram criadas uma série de companhias estatais, como a CHESF, CEEE, CEMIG,
Furnas, ELETROBRÁS, ELETROSUL, entre outras. Cumpre destacar que nesta
época ocorreu o famoso período do milagre econômico que, aliado às crises do
petróleo da década de 1970, geraram alta demanda por energia, estimulando o
governo a concretizar a maior quantidade possível de projetos energéticos (MORAIS,
2013, p. 62-63).
22 Conforme escreve Locatelli (2014, p. 104) “No PAC I, entre 2007 e 2010, dos R$ 503,9 bilhões de
investimentos em infraestrutura previstos, R$ 65,9 bilhões seriam alocados em geração (13,1%) e R$
12,5 bilhões em transmissão (2,5%) de energia elétrica. Ou seja, a área de energia elétrica é a terceira
mais importante dos planos de investimento do governo federal, atrás apenas das áreas de petróleo
(35% do montante previsto) e habitação (21%)”.
23 Exclui-se dos dados apresentados os valores relativos à autoprodução de energia elétrica.
63
Ocorre que estes dados, como descrito acima, não levam em consideração a
parcela de energia consumida que é gerada pelos sistemas autoprodutivos, onde o
próprio relatório elenca que
24O setor residencial responde pelas frações de 28,74% em 2015, 29,07% em 2019 e 28,49% em 2024.
Já o setor comercial as frações de consumo são de 19,59% em 2015, 20,31% em 2019 e 21,35% em
2024.
64
Tabela 2 – Relação de empreendimentos geradores de energia elétrica por tipo de fonte geradora.
Desta forma, resta assente a preferência pelas hidrelétricas no Brasil. Tal fato
na política brasileira, em relação ao setor energético, ganhou ênfase com o regime
26 As usinas hidrelétricas aproveitam a força gerada da diferença de altitude entre dois pontos de um
rio e são alternativas que garantem uma alta capacidade de geração a um custo financeiro baixo, bem
como com um suposto menor impacto ambiental imediato que as alternativas que utilizam combustíveis
fósseis ou produzidos pelo homem. As obras de uma usina hidrelétrica incluem o desvio do curso do
rio e a formação do reservatório. A água do rio movimenta as turbinas que estão ligadas a geradores,
possibilitando a conversão da energia mecânica em elétrica.
27UHE - Usina Hidrelétrica de Energia – é toda usina hidrelétrica cuja capacidade instalada seja
superior a 30 MW e que possua reservatório maior que 3 km²
28 PCH - Pequena Central Hidrelétrica - é toda usina hidrelétrica de pequeno porte cuja capacidade
instalada seja compreendida na faixa de 1 MW até 30 MW e cuja área do reservatório não seja maior
que 3 km².
29 CGH - Central Geradora Hidrelétrica - unidade geradora de energia com potencial hidráulico igual ou
inferior a 1 MW, normalmente construída com barramento para a finalidade de desvio (sem a formação
de reservatório) em rio com acidente natural que impede a subida de peixes.
66
30 O relatório elenca (BRASIL, 2015, p. V) que a projeção até o ano de 2024 da matriz energética
brasileira desencadeia “[...] um processo de diversificação da matriz de energia elétrica, que embora
ainda predominantemente baseada em energia hidráulica, apresenta um crescimento expressivo de
outras fontes renováveis”.
31 O estudo aborda, neste quesito, as usinas termelétricas à biomassa, PCHs, eólicas e solares.
68
Assim, não é assustador o fato que a política energética brasileira mude sua
atenção para os países vizinhos, eis que estes – conforme asseverado acima – pouco
exploram seus potenciais hidrelétricos, tornando-os atrativos locais de investimentos
para o mercado hídrico.
32O que se refere como estágio avançado de exploração do potencial de geração de energia elétrica
pela fonte hidráulica pode ser aplicado às regiões Sul e Sudeste, eis que as demais regiões do Brasil
ainda possuem grandes potenciais ainda não explorados. Tal situação se evidencia quando, ao analisar
as futuras UHEs previstas no PDE 2024 (BRASIL, 2015, p. 85), a ordem de 26.345 MW provirão de
usinas instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste do Brasil, ou seja, 92,93% dos 28.349
MW previstos como acréscimo na capacidade de geração por UHEs.
33 Sem contar os demais entraves que o mercado hídrico elenca, como o próprio processo de
licenciamento ambiental, o que é analisado a seguir.
34 A Bacia do Prata cobre área de aproximadamente de 3.100.000 km² e se assenta nos territórios do
Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia e Brasil, sendo formada por três principais rios: Paraná, Paraguai
e Uruguai. O estuário formado na junção dos rios Paraná e Uruguai (entre Argentina e Uruguai) possui
256 km de extensão, sendo o maior estuário do planeta. Disponível em:
http://riosvivos.org.br/agua/bacia-do-rio-da-prata/. Acesso em: 17 fev. 2016.
69
área, 46.000km² são no Estado de Santa Catarina e 130.000 km² no Estado do rio
Grande do Sul35.
Figura 1 – Mapa dos principais AHEs do Rio Uruguai e seus afluentes no Estado de Santa Catarina.
Até o ano de 2006, segundo Paim e Ortiz (2006), foram catalogados locais de
aproveitamento hidrelétrico para a instalação de trinta36 UHEs em toda a bacia do Rio
Uruguai. A figura a seguir ilustra a situação atual dos principais empreendimentos já
36Segundo o citado guia, estes são os AHEs inventariados (independentemente de sua fase de
construção): Barra do Pessegueiro, São Roque, Garibaldi, Campos Novos, Passo da Cadeia, Pai
Querê, Barra Grande, Machadinho, Itá, Monjolinho, Passo Fundo, Aparecida, Abelardo da Luz, São
Domingos, Quebra-Queixo, Gabiroba, Bom Jesus, Xanxerê, Voltão Novo, Foz do Chapecozinho, Nova
Erechim, Foz do Chapecó, Itapiranga, Roncador, Complexo Hidrelétrico Garabi (Garabi, São Javier e
Santa Rosa), Passo São João, São José, São Pedro/Monte Caseiros, Salto Grande e Fray Bentos.
71
Nas margens dos rios normalmente há povoamento humano, eis que oferecem
uma forma de subsistência há muito aproveitada pelos habitantes deste mundo.
Ademais, o caráter de sustentabilidade destes empreendimentos há muito tempo já
fora desmascarado por um incontável número de estudos das mais diversas áreas
das ciências, onde já se levantou uma gama de problemas ambientais gerados por
usinas hidrelétricas.
38 Em suma, a citada lei tornou crime, na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, invadir e retirar frutos das
florestas comunais que à época eram de propriedade da coroa e da nobreza britânica.
73
Neste sentido, escreve Zhouri (2008, p. 98) que as políticas públicas atuais,
firmadas nos ideais neoliberais de desenvolvimento, alteraram o arranjo do cenário
entre meio ambiente e desenvolvimento, onde o primeiro é fortemente apresentado à
sociedade como uma barreira ao segundo. Isto se dá, principalmente, pela “[...]
incongruência entre os avanços no que concerne aos arranjos institucionais, normas
e leis do país em torno da questão ambiental e do atraso relativo à esfera das suas
implementações”. Há, segundo a autora, um descompasso das políticas econômicas
atuais, que estão fortemente baseadas na crença do desenvolvimento como real fator
de crescimento econômico39.
39
A autora assevera também (2008, p. 98) que “Além das peculiaridades do contexto nacional, contudo,
faz-se necessário compreender essa dinâmica conflituosa do ponto de vista da inserção do país na
economia mundial e nos ideais de governança global em vigor”.
76
e a Rivers and People, bem como a criação da World Commission on Dams no final
da década de 1990.
43Conforme determina o Art. 2º (incisos VI, VII e XI) da citada Resolução, as linhas de transmissão de
energia elétrica com diferença de potencial elétrico (DDP) superiores à 230kV, as barragens para fins
hidrelétricos com aproveitamento superior a 10MW e as usinas de geração de eletricidade (de qualquer
fonte) com capacidade também superior a 10MW necessitam elaborar e apresentar à autoridade
ambiental competente os respectivos EIA e RIMA.
44 Art. 4º da Res. 006/1987 CONAMA: “Na hipótese dos empreendimentos de aproveitamento
hidroelétrico, respeitadas as peculiaridades de cada caso, a Licença Prévia (LP) deverá ser requerida
no início do estudo de viabilidade da Usina; a Licença de Instalação (LI) deverá ser obtida antes da
realização da Licitação para construção do empreendimento e a Licença de Operação (LO) deverá ser
obtida antes do fechamento da barragem”.
83
46Os estudos sobre os impactos de ordem socioambiental por construção de hidrelétricas são vastos
na literatura nacional, destacando as obras de Bermann (1991, 2007); Reis (1998, 2007); Rothman
(2008); Dal Magro, Renk, Franco (2015), entre outros.
86
48Segundo Reportagem de periódico de circulação local Correio dos Lagos, do Município de Anita
Garibaldi, “Os engenheiros Peter Eric Volf e Rogério Pizeta são os mais novos Diretores da BAESA.
Eles assumiram as novas funções no dia 9 de maio, em substituição a Carlos Alberto Bezerra de
Miranda e Juliano Natal, ambos protagonistas de um belo trabalho à frente da empresa, a quem a
BAESA agradece imensamente pela dedicação e competência. Com experiência de vários anos em
empresas do setor elétrico, Eric e Pizeta assumem os cargos com a intenção de fortalecer a atuação
da BAESA na região de abrangência da Usina Hidrelétrica Barra Grande e consolidar o bom trabalho
realizado. Formado em Engenharia Mecânica pela UNESP (Universidade do Estado de São Paulo),
com MBA em Gestão de Processos e Comércio Exterior, Peter Eric Volf vai ocupar o cargo de Diretor
Superintendente da BAESA e da Enercan. Já Rogério Pizeta, Gerente de Engenharia e Projetos da
Alcoa Alumínio S/A, acionista majoritária da BAESA, passa a acumular o cargo de Diretor da BAESA”.
Disponível em: http://www.adjorisc. com.br/jornais/correiodoslagos/on-line/variedades/baesa-tem-
novos-diretores-1.1900694. Acesso em: 02 nov. 2016.
49Segundo ELETROBRAS (2010) “A usina hidrelétrica com reservatório de acumulação, também
conhecida como usina com reservatório ou de regularização, dispõe de reservatório com grande
capacidade de armazenar água, fazendo isso nos períodos úmidos, chuvosos, para poder utilizar a
água acumulada nos períodos secos. Dependendo da quantidade de água que o reservatório acumule,
as suas reservas podem ser utilizadas durante meses ou anos, o que é conhecido como capacidade
de regularização mensal, anual ou plurianual”.
89
possuindo potência máxima instalada de 708 MW, extraída de três turbinas e unidades
geradoras.
O mapa abaixo indica quais Municípios, dos dois Estados citados, foram
atingidos em seus territórios pelo reservatório do empreendimento analisado:
Contudo, tais fases possuem diversas etapas internas, onde o responsável por
cumpri-las deve apresentar uma série de documentos e exigências requisitadas pelo
órgão ambiental, com o intuito de satisfazer todas as determinações legais para cada
etapa do processo de licenciamento ambiental do empreendimento.
92
Ainda, a autora (2005, p. 09) elenca que estudos realizados pelo MMA em 2002
e 2003 detectaram “ [...] considerável avanço nos processos de recuperação natural,
com expansão das capoeiras que tipificam estágios iniciais e médios de regeneração,
especialmente nas áreas montanhosas do Estado”. Tais estudos revelaram também
que áreas relevantes (superiores a 2.000 ha) para a conservação do ecossistema
citado foram identificadas no noroeste de Santa Catarina (nas áreas dos municípios
de Abelardo Luz, Ponte Serrada e Água Doce), bem como em áreas do vale do rio
Pelotas, local da instalação da UHE Barra Grande53.
52A lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006, “Dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação
nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências”. Necessitando de regulação específica, fora
editado e publicado o Decreto nº 6.660, de 21 de novembro de 2008, que “Regulamenta dispositivos
da Lei no 11.428, de 22 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação
nativa do Bioma Mata Atlântica”, ou seja, o arcabouço legal para a proteção do bioma da Mata Atlântica
somente restou completo vinte anos após a promulgação da atual Constituição brasileira.
53 Ainda, a autora revela que “Em 2001, uma pesquisa realizada pelo Centro de Ciências Agrárias da
Universidade Federal de Santa Catarina, ao comparar populações de Araucaria angustifolia do vale do
rio Pelotas com as de outros três remanescentes do Estado, encontrou aí o maior índice de
97
Desta forma, o relatório elucida que “A maior parte da área a ser encoberta é
constituída de pequenas culturas, capoeiras marginais baixas e campos com
arvoredos esparsos [...]”, incluindo a existência de araucárias nestas áreas,
concluindo o estudo que “A formação dominante na área a ser inundada pelo
empreendimento é a de capoeirões que representam níveis iniciais e, ocasionalmente,
intermediários de regeneração da Floresta de Araucária [...]” (ENGEVIX, 1998, p. 22).
resta plausível que informações contidas no RIMA dão conta de uma área inundada
com significância ambiental diminuta no que tange à cobertura vegetal diretamente
afetada, eis que era composta, em sua maioria, por áreas de florestas em estágio
inicial de recuperação, bem como a ação humana era altamente presente na área
citada, isto pela elevada ocorrência de pastagens e áreas de agricultura54.
Desta forma, não restou outra alternativa aos movimentos de defesa do meio
ambiente – tendo em vista o cenário acima apresentado e a situação que se
54Conforme consta no RIMA (ENGEVIX, 1998, p. 21), a assertiva dos profissionais responsáveis pelo
estudo, baseada nas imagens aéreas e de satélites, mostra que “[...] a primeira imagem que temos é
a de um mosaico, ou uma grande tapeçaria. De fato, a organização atual da vegetação com domínio
de pastagens limpas e variações de matas que chegam até florestas marginais relativamente bem
conservadas leva a este padrão”.
55Conforme escrevem os peticionantes, “Esse desmatamento é necessário para evitar a eutrofização
do reservatório, já que a matéria orgânica – madeira, folhas, raízes – inundada começa logo a se
decompor, pois morre pela falta de oxigênio, e isso causa sérios problemas para a qualidade da água”.
99
Para tanto, a análise se debruça sobre o capítulo de livro escrito por Do Valle
(2005), que é um relato e uma crítica pessoal dos acontecimentos e aspectos
ocorridos no preâmbulo e no decurso da Ação Civil Pública n. 2004.72.00.013781-9,
impetrada por duas ONGs com o afã de impedir a derrubada da floresta de araucárias
negligenciada pelo EIA-RIMA que estudou todo o entorno da área de implantação da
UHE Barra Grande.
Com o cenário ora apresentado no item anterior, elucida Do Valle (2005, p. 15)
que a sua primeira função foi pesquisar o comportamento dos dois principais agentes
responsáveis pelo processo de licenciamento ambiental e da defesa destes interesses
– IBAMA e o MPF, sendo que o primeiro se encontrava em situação delicada, pois era
alvo constante de ataques pelos diversos agentes interessados no processo de
101
56É necessário destacar que a comunicação (através das mídias) também é um agente promotor desta
associação, conforme observa Do Valle (2005, p. 15) no caso ora estudado.
57À título de ilustração, Hofmann (2015) escreve que o Banco Mundial, em estudo datado de 2008,
enumera dezesseis gargalos nos processos de licenciamento ambiental, onde a grande maioria se
coaduna com as reclamações expostas por outros agentes interessados.
102
[....] inusitada: havia uma obra instalada com base numa fraude, num
processo juridicamente nulo, que ameaçava destruir um ecossistema
de importância incontestável, cuja história era de conhecimento
público, mas os órgãos competentes (Ministério do Meio Ambiente,
Ministério das Minas e Energia, IBAMA e Ministério Público Federal)
ao invés de atacá-lo, estavam prestes a chancelá-lo (DO VALLE,
2005, p. 16).
Até então, fica evidente a atuação dos agentes dominantes (IBAMA e MPF
como agentes estatais e a BAESA, ora empreendedora) onde cada um deles atua
com os melhores capitais disponíveis de seus campos específicos, ou seja, o IBAMA
e o MPF através das suas capacidades específicas do campo jurídico e a BAESA
através de todos os capitais disponíveis, principalmente daqueles que possui nos
campos econômico e político.
Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí (APREMAVI), Núcleo Amigos da Terra Brasil
(NAT), Ambiental Acqua Bios e a Coalisão Internacional da Vida Silvestre
(IWC/Brasil). Já no Banco dos réus encontram-se o IBAMA, a BAESA e a União
Federal.
Quando do ingresso desta ação, Do Valle (2005, p. 16) expressa que não
vislumbrava qualquer possibilidade de não obter a tutela pretendida – a paralização
da construção da UHE Barra Grande e a manutenção da floresta de araucárias – pois
a ilegalidade evidenciada no EIA-RIMA era incontroversa para os olhos do Judiciário,
pois não se tratava de “[...] complexas questões de direito ambiental ou imbricadas
teses de biologia da conservação [...] mas sim conceitos muito simples de direito
administrativo e normas muitos claras de direito ambiental”.
Todavia, o autor relata uma certa angústia da atuação que o Poder Judiciário
poderia desempenhar no caso estudado, isto em virtude da existência do fantasma
que paira sobre os fundamentos judiciais decisivos em casos correlatos.
Este fantasma que assombra o Direito como um todo recebe o nome de teoria
do fato consumado. É comumente utilizado para justificar a impossibilidade de
retroceder uma situação já existente (a construção de um empreendimento, quase
finalizado, de vultoso consumo de recursos financeiros e naturais) em face de outra
situação que supostamente pode ser compensada (uma floresta pode ser cultivada
em outro local, afinal). Neste sentido, o autor aponta que
Ordenamento Jurídico seja válido para aquele caso (DO VALLE, 2005,
p. 16).
As situações jurídicas onde incide esta teoria decorrem do lapso moroso entre
a possível efetivação de uma medida protetiva e a ocorrência do dano. Em se tratando
dos processos de construção de hidrelétricas, a teoria do fato consumado é
largamente utilizada pelos empreendedores e pelas autoridades públicas como
argumento validador das atividades ilegais ocorridas antes, durante ou depois do
processo construtivo. Assim, o transgressor da norma pratica o ato que lhe
interessava e, quando submetido ao julgamento desta infração, a lide é extinta por
perda do objeto ou objeto prejudicado.
Assim, esta aponta que a famigerada teoria é “[...] fruto direto da incapacidade
do Judiciário de entregar em tempo útil e hábil uma solução”, onde a sua utilização
como um fundamento de decisão é um comodismo para o Juiz, eis que o exime do
dever de efetivamente decidir a lide. Ainda, a autora frisa que esta teoria opera em
consonância com a inexorabilidade do fator tempo
O fato consumado, nestes casos, acaba por se tornar forma quase jurídica de
transgredir o ordenamento jurídico, calçados no argumento fatalista para justificar uma
exceção à aplicação da lei, acabando por tornar legítimo o descumprimento da lei e a
usurpação de direitos.
No caso estudado, o fator tempo foi basilar para fundamentar o fato consumado
em face da ilegalidade evidenciada. Do Valle (2005, p. 17) escreve que, entre o
decurso da interposição da ACP e a primeira decisão judicial, ocorreu a oposição de
um Termo de Compromisso (outra denominação para o TAC), assinado entre o
empreendedor (BAESA) e a União, representado pelos Ministérios do Meio Ambiente
(MMA) e de Minas e Energia (MME), bem como pela Advocacia Geral da União (AGU),
IBAMA e o MPF.
60Caput do Art. 225 da CF/1988: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
106
Neste sentido, o autor aponta que a AGU interpôs uma série de recursos em
face da decisão acima citada, visando a retomada da supressão da vegetação e a
liberação da Licença de Operação, estabelecendo um caos no processo judicial.
O que relata Do Valle (2005, p. 19) acerca dos fatos ocorridos na audiência de
conciliação proporciona mais uma visão da atuação dos agentes, inseridos em seus
campos, para harmonizar coercitivamente o conflito. Segundo o autor, confrontaram-
se diretamente no ato “[...] representantes do alto escalão dos órgãos públicos
envolvidos, representantes da direção da BAESA e os diretores da RMA e FEEC,
todos com seus respectivos advogados [...]”, onde os interesses dos agentes
dominantes era cristalino – chancelar de forma definitiva as propostas compensadoras
contidas no Termo de Compromisso citado – argumentando estes em “[...] uníssono
de que o Termo de Compromisso resolvia tudo, de forma que não haveria mais
109
problemas [...]”. Ainda, o autor relata uma surpreendente justificativa emanada pelos
representantes do MPF, elencando estes que
[...] a culpa de tudo era da sociedade civil organizada, que não teria
aparecido no ‘momento oportuno’ para denunciar os graves erros que
ninguém negava. Segundo esse raciocínio, culpados não são as
empresas que elaboraram um EIA/Rima fraudulento, que iniciaram um
empreendimento sem averiguar o que havia na região que iriam
destruir, mas sim as ONGs que levaram ao Judiciário o caso.
Ao final, o autor escreve que a audiência restou inexitosa – eis que ambas
partes não cederam em suas propostas – e os efeitos suspensivos foram revogados,
retomando o processo de supressão da vegetação e de finalização do
empreendimento.
A usina, por sua vez, teve sua operação iniciada na data de 01 de novembro
de 2005, quando fora alimentada com as águas do Rio Pelotas a primeira unidade
geradora, em sequência as outras duas unidades foram postas à geração em
01/02/2006 e 01/05/2006, respectivamente61. Quanto ao imbróglio judicial analisado,
somente em fevereiro de 2007 a Justiça Federal retoma o andamento da lide e profere
a primeira decisão (Anexo 4).
Foi realizada entrevista com o Sr. Roni Gragoso [...] tendo este
relatado que: o tamanho da terra que recebeu está sendo suficiente
para o cultivo de subsistência e que teve uma boa safra no último ano;
o título de propriedade deve ser fornecido em trinta dias; as condições
gerais das famílias reassentadas melhorou e, com a implantação dos
equipamentos sociais, a vida vai ficar ainda melhor. Questionado
acerca das dificuldades enfrentadas pelas famílias ou deficiências do
local relatou que apenas tomou conhecimento que um morador
reclamou da demarcação do seu imóvel.
Todavia, a inspeção fluvial revela ao juiz que o empreendedor não logra êxito
nas medidas de compensação ambiental do entorno do reservatório, justificando este
que o atual ambiente da APP não é propício para sua recomposição, elencando
motivos de ordem ambiental e social, tendo em vista que a ocupação do entorno pela
atividade pecuária prejudica os trabalhos de replantio das araucárias. Assim, o
magistrado alerta que “[...] é fundamental que seja efetivada uma revisão completa na
Ao final, o documento aponta que fora apresentado aos interessados, por meio
de audiência conciliatória64, os relatórios de prestação de contas das medidas
implementadas pela BAESA e IBAMA constantes no Termo de Compromisso, abrindo
vistas às partes para impugnarem os fatos ali narrados.
64Consta na Sentença (Anexo 6) que a conciliação restou parcialmente exitosa, onde fora determinada
à BAESA oito compromissos, sendo a sua maioria a reafirmação dos compromissos já assumidos no
passado, seja pelas condicionantes da LO 447/2005 (Anexo 3) e do Termo de Compromisso (Anexo
2).
113
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
6. REFERÊNCIAS
ARAÚJO F.M.de B.; ALVES, E.M.; CRUZ, M.P. Algumas Reflexões em Torno dos
Conceitos de Campo e de Habitus na obra de Pierre Bourdieu. Revista Perspectivas
da Ciência e Tecnologia, Rio de Janeiro, v.1, n.1, jan/jun 2009.
BENINCÁ, D. Energia & Cidadania: a luta dos atingidos por barragens. São Paulo:
Cortez, 2011. 310p.
BOBBIO, N. Dicionário de política. v. 1. Coord. trad. João Ferreira; rev. geral João
Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. Brasília: Editora UNB, 1998.
BONAVIDES, P. Ciência Política. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000.
PAIM, E. S.; ORTIZ, L. S. Hidrelétricas na bacia do rio Uruguai: guia para ONGs e
movimentos sociais Porto Alegre: Núcleo Amigos da Terra/Brasil, 2006.
PROCHNOW, M. Barra Grande - A hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul:
APREMAVI, 2005. 108 p.
RAUD, C. Bourdieu e a nova sociologia econômica. Tempo Social, São Paulo v.19
n.2, p. 203-232, novembro 2007.
SANTOS, B.S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 13. ed.
São Paulo: Cortez, 2010. 348 p.
ANEXOS
Anexo 1
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128
129
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Anexo 2
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Anexo 3
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Anexo 4
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Anexo 5
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Anexo 6
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