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dossiê

Clusters:
onde os empreendedores se encontram e inovam
O empreendedor de alto impacto Tony Hsieh é conhe- Do próprio bolso colocou US$ 50 milhões, para ser
cido: ele tornou-se o CEO do bem-sucedido e-commerce capital semente, e conseguiu mais US$ 300 milhões
de calçados Zappos.com um ano depois de sua fundação com outros investidores para a infraestrutura de apoio,
e lhe imprimiu seu diferencial inovador. O negócio foi incluindo serviços de educação e saúde. E quer fazer
adquirido pela Amazon em 2009 por US$ 928 milhões, tudo acontecer em cinco anos, contados a partir do
mas Hsieh continua a comandá-lo, gerando receita anual anúncio, no final de 2011.
superior a US$ 2 bilhões. Hoje, uma pessoa física como Hsieh, uma empresa,
O que nem todos sabem, no entanto, é o que Hsieh um governo podem criar um cluster de inovação. Mui-
vem fazendo em Las Vegas, célebre cluster de hotéis e tos, especialmente governos, tentam fazê-lo. Todos são
cassinos situado no deserto de Nevada, costa oeste dos movidos pela mesma ambição de estimular negócios de
EUA. Ele resolveu transformar uma área abandonada da crescimento rápido e geradores de bons empregos.
cidade em um cluster de 100 a 200 startups inovadoras Porém fatores de sucesso e receitas variam de um lugar
de empreendedores apaixonados e felizes, o Downtown para outro, enquanto os desafios se multiplicam. É o que
Project, caracterizado pelo espírito de coworking. este Dossiê tem para contar.

32 A febre mundial 38 Qual é o mapa 44 o Recife Antigo e os


nik neves

dos clusters de inovação da mina brasileiro? empreendedores do mangue


edição 104 | 31
dossiê

A febre mundial
dos clusters
de inovação
Cada vez mais governos querem ter empreendimentos de alto impacto, por serem
os geradores dos melhores empregos, e escolhem um de dois caminhos:
o cluster local, ao modo do Vale do Silício, ou a estratégia nacional, como Israel.
Esta reportagem reúne as boas práticas internacionais

A reportagem é de Sílvio Anaz,


colaborador de HSM Management, com contribuição
de Lizandra Magon de Almeida.

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N
Nos anos 1970, o Vale do Silício,
região que abrange San Francis-
co e cidades ao sul, na costa oes-
te dos Estados Unidos, e a Route
128, estrada próxima a Boston,
na costa leste, eram vistos como
clusters de inovação em pé de
igualdade. Ambos mostravam
tição e cooperação, como pre-
gou o especialista em estratégia
Michael Porter ao ressaltar ao
mundo a importância dos clus-
ters para a competitividade?
Essa é a “pergunta de 100 bi-
lhões de dólares” –já que esse é
o lucro registrado em 2013 pe-
clusters, como é o caso das tec-
nologias que envolvem água,
com dois clusters em Ohio –
Cincinatti e Cleveland– e um
na Pensilvânia –Pittsburgh.
Em outros países, os esforços
são igualmente respeitáveis.
Na Rússia, foi fundado em
invejável capacidade de inovar las principais empresas do Vale 2010 o cluster Skolkovo, no en-
em tecnologia eletrônica. do Silício, como as 150 do índi- torno de Moscou, com investi-
Na década seguinte, seus des- ce de ações SV 150. O mundo mentos em uma universidade,
tinos foram opostos. Enquanto inteiro está tentando replicar o projetada pelo Massachusetts
o Vale do Silício deu à luz uma fenômeno neste século 21, por Institute of Technology (MIT),
nova geração de empresas de estar provado que startups ino- uma fundação e um parque
semicondutores e computação, vadoras crescem rápido e ge- tecnológico; na França, o clus-
como a Sun Microsystems, e ram bons empregos. E a febre ter Paris-Saclay começou a ser
companhias como a Intel e a não tem previsão de baixar. erguido em 2013 com a fusão
Hewlett-Packard vivenciaram Só o governo dos Estados de seis escolas de engenharia.
dinâmico crescimento, a região Unidos tem investido em mais Em Singapura, a Biopolis
da Route 128 sofreu um declí- de 40 clusters regionais no país, converteu-se de 2003 para cá
nio que se mostrou irreversível. em setores como energia, agri- em um dos mais importantes
Por que um ecossistema de cultura e tecnologias avançadas clusters de biotecnologia do
empresas decolou e o outro não, de defesa. Um único desafio de mundo, com cerca de 5 mil
Nik Neves

se nos dois casos havia compe- inovação chega a ganhar vários cientistas ali.

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Vista do Vale
do Silício

Voltando à pergunta de 100 bilhões de dólares, a


diferença entre o Vale do Silício e a Route 128 foi a
rede, segundo um estudo de AnnaLee Saxenian. A
pesquisadora da University of California em Berke-
ley explica que, enquanto a Route 128 tinha uma
estrutura industrial baseada em empresas indepen-
dentes, o Vale do Silício criou um sistema verdadei-
ramente em rede, do tipo que promove aprendizado
coletivo e parcerias flexíveis entre as companhias.
Conforme Saxenian, também encorajaram o
empreendedorismo a densa rede social da região
–muitos empreendedores eram alunos de Stan-
ford e ainda próximos da universidade– e o mer-
cado de trabalho aberto, aspectos não encontra-
Cluster MaRS, em dos na Grande Boston. Ela explica que é nesse ce-
Toronto, Canadá nário que as fronteiras organizacionais se tornam
porosas –dentro das empresas, entre empresas e
entre estas e instituições como universidades e ins-
titutos de pesquisa–, e essa porosidade é crucial.
No entanto, o segundo cluster mais bem-sucedi-
do do mundo, Israel, iniciado em 1993, tem uma
história bem diferente da do Vale. Se, na Califór-
nia, a iniciativa partiu de empreendedores ligados
à universidade e foi acontecendo de maneira es-
pontânea, em Israel, o governo planejou e orques-
trou um programa estratégico de longo prazo para
transformar o país na “nação startup” que é hoje,
com o impressionante índice de um empreendi-
mento iniciante para cada 1,6 mil habitantes.
Então, as perguntas recomeçam: quão funda-
mental é um cluster para uma região inovar? Ele
pode estabelecer-se com crescimento natural, e
Vista geral de Tel Aviv, centro até caótico, ou deve seguir um plano? O papel dos
do Silicon Wadi, em Israel governos é como o do governo russo, que investiu
o equivalente a US$ 2,5 bilhões em Skolkovo?
E, ainda, a inspiração principal deve ser o Vale
do Silício, Israel ou nenhum deles? Há cases ex-
tremamente interessantes na Itália, por exemplo.
shutterstock / Divulgação Mars / Istockphoto

E quais os desafios para o Brasil [cujos clusters são


detalhados nas reportagens das páginas 38 e 44]?
Por fim, desenvolver (e integrar) um cluster con-
tinua a ser obrigatório para inovar, mesmo na era
digital, marcada por relacionamentos virtuais?

cluster é fundamental
Membro do conselho de inovação do presiden-
te norte-americano, Barack Obama, Curtis Carl-

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“A startup precisa
son é definitivo quanto à necessidade do cluster
para inovar em escala. “Não existe outra opção.
É preciso que os empreendedores e inovadores
trabalhem juntos em um mesmo lugar”, disse o
CEO do SRI International, um dos mais impor-
tantes centros de inovação do mundo.
dos cuidados
Falando com exclusividade a HSM Manage-
ment em sua passagem recente pelo Brasil, ele
acrescentou que a quantidade de líderes –de go-
de um bebê” Curtis Carlson, SRI International
verno e comunitários– que estão planejando um
sistema de inovação é “inacreditável”. “Hoje, toda
cidade dos Estados Unidos tem um plano para au- to, focado nas áreas de saúde, da da mesma forma que uma
mentar a capacidade de inovar.” energia e educação. “O MaRS empresa adulta”, diz Carlson.
Vale observar que Carlson prefere utilizar a ex- foi constituído como uma or- Para o economista Scott
pressão “sistema de inovação” a “cluster” e que ganização sem fins lucrativos e Wallsten, do Technology Policy
reconhece o planejamento, validando tanto o mo- elaborou um plano há mais de Institute, especializado em ino-
delo californiano como o de Israel. dez anos, que está sendo consis- vação, os governos usam duas
tentemente implementado, sem estratégias principais para esti-
espontâneo ou planejado descontinuidade”, conta ele. mular o empreendedorismo:
Sobre o planejamento, as opiniões se dividem
no mundo inteiro, e a academia brasileira não papel do governo • Criação de fundos públi-
é exceção. Renato Garcia, professor do Institu- O planejador não precisa cos de venture capital, por
to de Economia da Universidade Estadual de ser o governo; pode ser um meio do subsídio direto pa-
Campinas (Unicamp), acredita que clusters co- centro de inovação, uma uni- ra startups.
mo o Vale do Silício continuam a ser uma das versidade, um investidor, uma • Construção de parques tec-
estratégias mais eficientes para impulsionar o entidade de empreendedores nológicos para atrair em-
empreendedorismo e a inovação em setores de etc. Mas o papel do governo presas de alta tecnologia.
alto impacto. é financiar? Na França, por
Garcia, que se situa ele mesmo dentro de um exemplo, o governo tem finan- Curtis Carlson, CEO do SRI, um dos
cluster inovador, em Campinas (SP), oferece uma ciado os empreendedores ban- maiores laboratórios de inovação do
explicação: “A proximidade geográfica entre as cando até 70% de seu último mundo, sediado no Vale do Silício
empresas e entre estas e institutos de pesquisa e salário durante dois anos.
universidades estimula a colaboração, por meio Para Carlson, não é papel do
das interações frequentes e dos contatos pessoais, governo emprestar dinheiro, e
o que facilita o aprendizado”. sim criar o sistema de inovação,
Já Carlos Arruda, especialista em estratégia e providenciando a reunião dos
inovação e coordenador, no Brasil, do Global elementos básicos [veja quadro na
Competitiveness Report, ligado ao Fórum Eco- próxima página].
nômico Mundial, e dos estudos World Compe- E também cabe ao gover-
titiveness Yearbook, do IMD, crê que isso não no educar as pessoas desde
basta; é necessária uma estratégia nacional, de crianças –sem educação, elas
longo prazo, e de implementação sustentável. não participarão desse siste-
“A formação de redes pressupõe a construção ma–, investir em pesquisa nas
de uma agenda de futuro”, justifica. universidades e tratar melhor
Arruda apresenta como argumento pró-estraté- as empresas nascentes. “Uma
divulgação

gia o cluster canadense MaRS Discovery District, startup exige os cuidados de


localizado em um quarteirão do centro de Toron- um bebê; não pode ser trata-

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Wallsten analisou ambas as políticas em várias cursar programas voltados para


regiões dos Estados Unidos ao longo dos anos 1980 o empreendedorismo–, à massa
e 1990 e concluiu que nenhuma dessas estratégias crítica de investidores, à grande
teve significativo sucesso no estímulo ao desenvolvi- quantidade de aceleradoras e à
mento tecnológico regional. intensa programação de eventos
Um estudo do Banco Mundial recomenda uma sobre o tema.
parceria entre governo e setor privado em prol da Israel, do tamanho de Sergi-
inovação. Segundo ele, o governo deve remover pe, tem startups em todo o país,
barreiras de entrada e saída das empresas em um mas a maior concentração fica
cluster, criar instituições de pesquisa e desenvolvi- no chamado Silicon Wadi (wadi
mento que abasteçam as necessidades coletivas das é vale, em árabe, e silicon, silício,
empresas do cluster e fornecer, sim, capital, além em inglês), faixa de terra entre
de mão de obra altamente especializada. Tel Aviv e Haifa, à margem do
Ao setor privado, o estudo atribui funções como mar Mediterrâneo.
identificar novos produtos e segmentos do merca- Dan Senor e Saul Singer, au-
do, desenvolver estratégias que ampliem o alcance tores do livro Startup Nation, têm
do negócio e melhorar as tecnologias e a gestão pa- mais uma explicação. Segundo
ra alcançar maior produtividade. eles, o papel das forças armadas
no estímulo ao desenvolvimento
israel, o mais replicado de soluções inovadoras e na for-
Ben Lang é um jovem empreendedor israelen- mação de uma mentalidade de
se. Nem completou 20 anos e já fundou três em- empreendedorismo e liderança
No alto, Pedro Melzer, diretor do e-Bricks
presas; ele encarna o espírito startup. De onde nos jovens israelenses é imenso. Early Stage, fundo de venture capital
brasileiro com foco em empresas de
vem seu impulso para empreender? Ele o atribui Após o serviço militar obriga- tecnologia nascentes; ao lado, Renato
à proximidade com a universidade –onde pode tório –três anos para homens e Garcia, professor da Unicamp

Os 6 elementos esses elementos são chave; carlson diz que só


12 clusters são sistemas de inovação nos EUA

Para Curtis Carlson, CEO do SRI maior que seja o mercado doméstico, e fundos VC muitas vezes engessa a gestão
International, os cinco elementos básicos pensar em inovação para o mundo.” das empresas. “Essas instituições exigem
de qualquer sistema de inovação Falando como investidor, Pedro participar do comitê de investimento,
são: talento empreendedor, pesquisa, Melzer concorda que o hábito de lançar mas não têm condição técnica para isso,
universidade, incubadora/aceleradora produtos globais é chave, e falta ao Brasil. pois os modelos de negócio não óbvios,
e venture capital. E a eles se soma um “Há dois lados nisso: o produto global inovadores, exigem preparo específico.”
sexto elemento, que é a visão global. dá uma dimensão maior de mercado O especialista em estratégia e
Na análise de Carlson, o Brasil está para a empresa e esse produto terá de inovação Carlos Arruda chama a
carente de dois desses recursos: o concorrer mundialmente também, com atenção ainda para a fragilidade do
venture capital e a visão global. “Dá produtos de outras empresas, o que o elemento “universidade”, apontando a
tempo de o Brasil virar esse jogo levará a ser melhor.” falta de incentivo para que esta inove.
empreendedor, mas, de um lado, o No que se refere a VC, Melzer “Se um professor desenvolve uma
governo brasileiro deveria incentivar entende que a participação do governo, pesquisa que gera uma licença, ele
o venture capital em vez de investir seja por meio do Banco Nacional de ganha 20% de direitos autorais no Brasil,
ele mesmo e, de outro, as empresas Desenvolvimento Econômico e Social enquanto em Israel a participação é de
precisam deixar de focar só o Brasil, por (BNDES) ou da agência Finep, em 50% e em Oxford pode chegar a 100%.”

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em Boulder tão sempre dentro de casa. Me-
lhor seria, por exemplo, que as
O investidor Brad Feld empresas de biotecnologia es-
criou em Boulder, Colorado, panholas buscassem inspiração
a tese de que há quatro em suas antecessoras que já ob-
elementos-chave para
tiveram bons resultados”.
comunidades de startups de
impacto: empreendedores
como líderes, visão de longo o brasil e o digital
prazo, inclusão de pessoas O ecossistema de inovação do
dois para mulheres–, eles retornam à vida civil com diversas e eventos Brasil é imaturo principalmente
experiência na solução de problemas e capacidade de engajamento na relação empreendedor-inves-
de decisão obtidas nos campos de batalha. tidor, como avalia Pedro Melzer,
Olhando de longe, o brasileiro Daniel Cunha, biotecnologia), Irlanda e Dubai, sócio do fundo VC e-Bricks Early
sócio do fundo de venture capital (VC) Initial entre outros que tentam replicá- Stage: “Nos Estados Unidos, os
Capital, que investe no Brasil e em Israel, lem- -lo. O programa Startup Chile, empreendedores já sabem esco-
bra que o tamanho pequeno obrigou o Silicon que desde 2010 oferece capital lher seu investidor; aqui o proces-
Wadi a ter visão global e diz que o empreende- para inovadores estrangeiros, so começa distorcido, com um
dor do país consegue, como o da Califórnia, não segue o modelo israelense de es- empreendedor despreparado e
se preocupar em gerar receita rápido e ter como tratégia de maneira ousada. um investidor não profissional”.
Bruna Mishihata / Ligia GBrosch

foco fazer um produto sensacional. “Seu ecos- O professor da Wharton Alguns especulam que o Bra-
sistema tem liquidez suficiente para apoiar essa School Stephen Sammut, tam- sil amadurecerá em uma nova
estratégia e os respectivos riscos.” bém sócio de um fundo de VC, onda de clusters, os virtuais,
Ainda que tenha particularidades culturais e po- discorda de qualquer tentativa que trocarão a proximidade
líticas, o modelo israelense está servindo de parâ- de emular Israel ou o Vale. Ele geográfica pela internet. Ou-
metro para Espanha (e seus empreendedores de diz: “Os melhores modelos es- tros duvidam disso.

Cambridge
Consultants, A universidade
na Inglaterra,
empresa que Nos anos 1960, a Cambridge movimentando as principais empresas
planejou o
maior cluster University, na Inglaterra, fundou a empresa do cluster. A universidade também atua
europeu Cambridge Consultants para “colocar os por meio da Cambridge Enterprise, que
cérebros da universidade à disposição presta consultoria aos empreendedores,
da indústria”; em 1970, estabeleceu- além de licenciar e patentear suas
se o Cambridge Science Park e, hoje, invenções e descobertas.
Cambridge é o maior cluster de inovação A Cambridge University é um dos seis
da Europa. elementos-chave do cluster típico, segundo
Há 1,5 mil empresas sediadas no Curtis Carlson, e, qualquer que seja o
cluster, empregando 54 mil pessoas modelo, ele sempre tem universidade, seja
e com receita anual de € 12 bilhões, em Pequim (China), em Bangalore (Índia),
mas a Cambridge University continua em Adelaide (Austrália) ou em Nova York
fundamental: é o maior provedor de (EUA). Esta, por exemplo, tem quatro:
tecnologia, fonte de conhecimentos e Columbia, Princeton,Yale e Cornell.Trata-
qualificadora de mão de obra da região, se de um ponto onde um cluster pode
com seus professores, ex-alunos e ideias facilmente tropeçar.

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A reportagem é de
Sandra Regina da Silva,
colaboradora de HSM Management.

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Qual é o mapa
da mina brasileiro?
Das cerca de 90 iniciativas existentes, em torno de 12 são realmente dedicadas
à inovação. Mas o ecossistema dos clusters do País cresce, diversifica a atuação
em relação a TI e aprende a lidar com as próprias características

98% de

o
inovação
O Brasil tem muitos problemas para resol- Segundo pesquisa realizada
ver, logo o Brasil é um mercado comprador em 2011, a inovação está
para clusters de inovação. presente na esmagadora
Essa é uma lógica tão irrefutável quanto maioria das empresas que
“penso, logo existo”, uma vez que, onde há têm sido incubadas
um problema para resolver, há uma opor-
tunidade para empreender e inovar. nanciadoras de pesquisa e ino-
A pergunta é: em que medida a oferta vação do Brasil.
está à altura da demanda? No entanto, só uma dúzia
A oferta não para de crescer e hoje já há de clusters brasileiros justifica
cerca de 90 iniciativas de clusters no Brasil, esse nome. “Entre nossos ‘par-
conforme a Associação Nacional de Enti- ques tecnológicos’, como os
dades Promotoras de Empreendimentos chamamos, poucos são clus-
Inovadores, a Anprotec, um número signi- ters; a maioria é ocupada por
ficativo, se todos inovarem de fato. empresas que usam tecnologia
“Em um cluster, as empresas juntam-se avançada, mas não inovam”,
para enfrentar e resolver problemas, por explica Rezende.
meio de pesquisa e desenvolvimento e de E quanto aos clusters verda-
inovação”, confirma Sérgio Rezende, um deiros? São competitivos em
dos maiores especialistas no assunto, ex- inovação? Em uma análise cri-
-ministro da Ciência, Tecnologia e Inova- teriosa, veem-se neles motivos
ção (2005-2010), que também comandou tanto de otimismo como de pes-
nik neves

a agência Finep, uma das principais fi- simismo em relação a isso.

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Start-up Brasil,
estratégia à la Israel?
Mercado saúda iniciativa, mas tem
sugestões a fazer

Nosso ecossistema de inovação deu um salto


nos últimos dez anos, em recursos e capacidades,
graças principalmente à Lei de Informática de
2004, e também à Lei de Inovação, de 2005.
A previsão é de que o empreendedorismo
inovador será estimulado pelo programa Start-
Up Brasil, lançado em 2012. Pode-se dizer, então,
que o Brasil formula uma estratégia nacional?
Vejamos o Start-Up Brasil, que se baseia em
três pilares: capital (R$ 40 milhões previstos,
até R$ 200 mil por startup –contanto que
uma das 12 aceleradoras selecionadas também
tória dos clusters de inovação es-
invista), conhecimento (reserva vagas para
tá apenas começando no Brasil,
startups estrangeiras e intermedeia a relação
quando em muitos países é an-
Oswaldo Fernandes e Rosana Jamal, do com aceleradoras) e foco (software), além de
tiga. Pesquisadores, só os temos
cluster de Campinas; ele lidera a aceleradora ter princípios como descentralização regional e
Baita e ela preside o Unicamp Ventures de 1970 para cá, e foram eles,
criação de empregos.
professores de universidades fe-
Os resultados da primeira fase do Start-
O otimismo se relaciona, derais, que deram início a mui-
Up Brasil são bons, segundo Virgílio Almeida,
por exemplo, com a atuação tos clusters. O primeiro fundo
secretário de política de informática: das 150
de incubadoras e aceleradoras. de venture capital (VC), crucial,
startups previstas, 100 já estão desenvolvendo
Um es­tu­do de 2011 com 384 surgiu em 1999. Uma empresa
projetos –são de 15 estados do Brasil e de 10
dessas entidades conta que 2,5 só pode receber dinheiro públi-
países estrangeiros. Além disso, 73% das startups
mil empreendimentos de base co desde 2005, quando foi regu-
já tinham produtos funcionais em abril (ante 41%
tecnológica incubados geram lamentada a Lei da Inovação.
no início da aceleração) e 53% estão faturando.
faturamento anual estimado Entre os aspectos negativos, o
“Elas geraram empregos, porque as equipes
em R$ 4,1 bilhões e 29,2 mil primeiro é a pouca sinergia en-
cresceram 33%, e a inovação está ocorrendo,
empregos do tipo que paga tre os clusters brasileiros, como
porque vieram nove prêmios de inovação.”
mais e exige maior qualifica- há em tantos lugares no mundo.
Empreendedores e investidores viram
ção profissional. Também se lamenta que, na
na iniciativa competência e energia raras,
Melhor ainda, a inovação está maioria dos casos, sejam enti-
aplaudindo a definição de metas e a liberdade
presente em 98% das empresas dades públicas a organizar um
de escolher a aceleradora. Preocupou-os a
incubadas e só 28% se limitam cluster. A iniciativa privada ain-
incerteza sobre a continuidade, fundamental a
ao mercado regional; 55% têm da tem atuação discreta –fazem
uma estratégia desse tipo, mas o segundo edital
alcance nacional, e 15%, foco falta, por exemplo, grandes em-
acaba de ser anunciado, para 100 empresas, e
mundial, segundo o estudo, que presas que liderem a formação
expandido (agora inclui hardware, por exemplo).
foi realizado pela Anprotec e pe- de clusters, chamando mais em-
O Brasil tem estratégias nacionais de inovação,
lo Ministério da Ciência, Tecno- presas para inovar.
mas, para alguns, precisaria ter uma estratégia
logia e Inovação (MCTI). Outro problema está na baixa
maior que envolvesse a educação –universidades
Divulgação

Outra razão de otimismo, interação das empresas vista em


de­viam ensinar a empreender e inovar mais.
conforme Rezende, é que a his- muitos clusters; não há rede.

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CONCENTRAÇÃO NO SUL E SUDESTE sas (70, ex-startups locais) no ma de incubadoras e acelerado-
Entre os clusters inovadores do Brasil desta- ParqTec Alfa, com 13 prédios. ras, que apoiam startups com
cam-se os do Centro-Sul do País. Os de São Jo- José Eduardo Fiates, que foi capital e conhecimento. Uma
sé dos Campos e São Carlos, em São Paulo, e o superintendente da Fundação das mais novas é a aceleradora
de Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais, são Certi por nove anos, conta que Baita, que já está entre as 12 cer-
extremamente dinâmicos, por exemplo, mas o fa- o Celta continua incubando em- tificadas do programa Start-Up
moso cluster da Ilha do Fundão, no Rio de Janei- presas –40, atualmente– e que Brasil; foi constituída formal-
ro, não entra na lista, por ter mais fabricantes do estas têm exemplos inspiradores mente este ano dentro do cam-
que inovadores. para seguir, como a Softplan, de pus da Unicamp. “A localização
Uma exceção à regra, no Nordeste, é o cluster sistemas integrados de gestão, é chave, porque nenhuma acele-
de Campina Grande, na Paraíba, que remonta que em 2013 faturou em torno radora faz o ecossistema prospe-
à década de 1970. “Empresas de base tecnoló- de R$ 200 milhões e agora ocu- rar se não houver interação en-
gica foram sendo criadas por professores da fa- pa dois prédios do ParqTec Alfa. tre todos os atores”, diz seu sócio
culdade de engenharia da Universidade Federal Oswaldo Fernandes.
da Paraíba, por conta das inovações que tinham Ecossistema empreen- Entre os elos menos óbvios
feito, e houve o impulso de um diretor progres- dedor de Cam­pinas (SP). está o Unicamp Ventures, re-
sista, Linaldo Cavalcante”, relata Rezende, em O cluster ligado às universidades de de 255 empresas criadas
uma história que lembra a de outro dos clusters Unicamp e PUC, que remonta por ex-alunos dentro da Uni-
mais fortes do País, o do Recife, escolhido como a 1991, é conhecido. Há o pó- camp, donas de um faturamen-
estudo de caso deste Dossiê. lo de alta tecnologia da Ciatec, to anual superior a R$ 1 bilhão
Um terceiro cluster promissor do Nordeste é o parque científico da Unicamp, e empregadoras de mais de 10
o Parque Tecnológico da Bahia, em Salvador, im- mais de 220 empresas com 10 mil pessoas. “Essas empresas se
plantado em 2012 pelo governo estadual, que ain- mil colaboradores. A agência uniram há oito anos, com apoio
da não tem densidade de cluster, mas vem evoluin- Inova, criada pela Unicamp em da Agência Inova, para retri-
do, perto de centros de pesquisa e universidades. 2003, já é líder de patentes entre buir a ajuda que tiveram, im-
Os segmentos preferidos dos clusters brasileiros as universidades brasileiras. Mas pulsionando o ecossistema local
são tecnologia da informação e da comunicação, poucos conhecem os elos meno- para criar e fomentar mais em-
energia e tecnologia limpa, economia criativa e res do ecossistema, que formam presas”, explica Rosana Jamal,
ciências da vida. A seguir, HSM Management o círculo virtuoso de inovação. presidente do Unicamp Ventu-
mapeia os diferenciais de quatro, mais privados: Por exemplo, o ecossistema res e também sócia da Baita.
campineiro conta com uma ga- Por sua vez, o Unicamp Ven-
Certi, Florianópolis (SC). O desenvolvi- tures tem subprodutos, que são
mento de empresas inovadoras na capital cata- Gustavo Caetano, fundador e CEO outros elos do ecossistema. Um
da Samba Tech e porta-voz informal
rinense foi iniciado em 1984, com a criação da do cluster San Pedro Valley é o Inova Ventures Participa-
Fundação Certi pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Até hoje, esse é um dos
casos mais admirados no Brasil e, se começou
com o empurrão do poder público, ganhou rela-
tiva independência.
A fundação teve origem na prática de pesquisa
e desenvolvimento da UFSC, em atividades de
seu laboratório do Departamento de Engenha-
ria Mecânica, e, em dois anos, montou a incuba-
dora Celta, que formou mais de cem empresas,
muitas de hardware. O cluster se concentrou por
quase dez anos em um prédio alugado perto da
universidade, até que estruturou suas 75 empre-

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ções, criado há três anos, que reúne 48 empreen- vapucrs, que inclui a Agência San Pedro Valley, Be-
dedores que se tornam investidores das startups de Gestão e Empreendimentos lo Horizonte (MG). Três
–já são quatro as empresas beneficiadas por isso. e seu respectivo Programa de anos atrás, um cluster surgiu
Ou como o Conselho de Startups, que oferece Aceleração de Empreendimen- espontaneamente em BH, no
mentoria a 22 empresas locais. Ou ainda como o tos, que, de acordo com Prik- bairro de São Pedro. Suas raí-
Desafio Unicamp, programa que apresenta pa- ladnicki, identifica empresas zes remontam a 2005, quando
tentes a estudantes para que explorem as possi- com potencial de acesso a ven- o Google comprou a Akwan,
bilidades de negócio. ture capital e busca alavancar startup fundada por professo-
A Liga Empreendedora, criada pelos estudantes, o negócio, com consultoria (de res da Universidade Federal
é mais um ator não óbvio do cluster. Ela veio esti- mercado e de gestão), entre ou- de Minas Gerais para desen-
mular o empreendedorismo entre os alunos de gra- tros serviços de apoio. volver sistemas de busca, e a
duação, que, assim, saem da universidade prontos O Tecnopuc mantém acor- transformou em seu centro
para tomar a iniciativa –muitos dos formados, em do com a prefeitura para pro- de inovação na América La-
vez de procurar emprego, montam empresa. jetos específicos e atua em si- tina. Várias startups inovado-
O cluster de Campinas tem até elos externos e nergia com os outros três par- ras foram atraídas por isso, até
complementares, como a Associação Campinas ques da Grande Porto Alegre. ultrapassando as fronteiras do
Startup (ACS), com 30 a 40 startups que partici-
pam das atividades de coworking.

Tecnopuc, Porto Alegre (RS). Universi- Um cluster virtual, feminino


dade privada, a Pontifícia Universidade Católi- a rME conta com 13 mil empreendedoras ativas
ca do Rio Grande do Sul (PUC-RS) inaugurou
Para Gustavo Caetano, o empreendedor da Samba Tech e
o Tecnopuc em 2003 como um “habitat de ino-
do San Pedro Valley que também preside a Associação Brasileira
vação, onde tudo acontece”. “Em volta do par-
de Startups, a internet está liberando as empresas de estarem no
que temos todo um ecossistema para fomento
mesmo lugar para interagir e inovar, o que pode fazer com que
do empreendedorismo inovador”, diz Rafael
o cluster geográfico deixe, com o tempo, de ser um requisito de
Prikladnicki, diretor do parque. Ao todo, são
competitividade. Será? Vale a pena acompanhar a experiência de
cerca de 120 empresas e a incubadora sozinha
um cluster virtual brasileiro, que é a Rede Mulher Empreendedora
abriga hoje 26.
(RME), que reúne 116 mil membros, se consideradas todas as
O Tecnopuc e a incubadora também fazem
seguidoras de Facebook, e 13 mil como um grupo fechado e ativo,
parte de um ecossistema, a rede de inovação Ino-
que frequenta encontros presenciais regulares.
Sérgio Rezende, professor titular da Universidade Federal “Nossos objetivos são muito parecidos com os de um
de Pernambuco e um dos mais atuantes ministros da cluster físico tradicional”, confirma Ana Lúcia Fontes, fundadora
Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil recente (2005-2010)
da RME, ex-executiva e empreendedora. Mulheres com alto
potencial empreendedor integram a rede, porque costumam
ter experiência corporativa e mostram-se motivadas a ter uma
atividade profissional que as realize e proporcione flexibilidade
de tempo. A RME facilita as conexões entre elas –que, em regra,
fazem menos networking do que os homens– e lhes oferece
conhecimento empreendedor e serviços de apoio.
Esse conhecimento ultrapassa os elementos-chave da cartilha
empreendedora. “Por exemplo, um erro a corrigir é muitas
não estudarem o mercado, preferindo empreender em sua zona
Divulgação; Rô Reitz

de conforto, focando beleza, vestuário ou a área de atuação


anterior,”, explica Fontes. Outro desafio é que elas querem gerar
impacto social no negócio, o que requer know-how à parte.

42 | edição 105
s
bairro, e os empreendedores
Os elementos e a reputação resolveram organizar-se infor-
malmente, como explica um
a virada passa pelo capital e pelo risco de seus idealizadores, o em-
preendedor Gustavo Caetano.
Entre os seis elementos-chave de um Fundador e CEO da ino-
sistema de inovação [veja quadro na página 36], vadora Samba Tech, que tra-
empreendedores e investidores reconhecem balha com soluções de vídeo
nossa vulnerabilidade em três: venture capital online corporativas há sete José Eduardo Fiates, diretor
do Sapiens Parque, novo
(VC), visão global e universidade. Mas, para virar anos e expandiu-se na Amé- cluster de Florianópolis
o jogo, acham que o VC é o primeiro ponto rica Latina há dois, Caetano
a atacar, e é preciso reduzir sua percepção de conta que o que eles criaram Parque, em implantação, que
risco, que o faz instável e focado no curto prazo. foi uma “cultura de ajuda mú- é o segundo de Florianópolis,
A reputação de não inovar do Brasil contribui tua”. “Vimos que era melhor patrocinado pelo governo es-
para essa percepção e tem origem na principal nos unirmos, para promover tadual, mas gerido pela Fun-
métrica internacional da inovação: a patente. Em a região e atrair investidores dação Certi. Ele vem se orga-
2012, o Brasil tinha 41.453 patentes válidas, ante e talentos para trabalhar nas nizando como “um cluster de
2,2 milhões dos Estados Unidos, e, segundo a startups, do que tentar fazer clusters”; ergueu 30 prédios e
Organização Mundial de Propriedade Intelectual, isso individualmente”, diz ele. atrai inovadores oferecendo
registrou 365 patentes internacionalmente, Deu certo, e tão rapidamente condições de competitivida-
enquanto os EUA encaminharam 121.026. que, no ano passado, a revista de como incubadora, acelera-
No Brasil, patente não serve de indicador, The Economist publicou uma ma- dora, laboratório de pesquisa
porque a maior parte de nossa inovação é de téria sobre a efervescência local e desenvolvimento por áreas
software, tratado pela lei como direito autoral e o governo mineiro criou o pro- etc. A visão é de longo prazo.
não patenteável e fácil de emular sem plagiar, o grama de aceleração Startups “Em 2020, queremos ter ge-
que desencoraja o esforço do registro, como and Entrepreneurship Ecosys- rado 30 mil postos de traba-
explica o advogado Luís Felipe Luz. Mesmo tem Development (Seed). lho”, diz José Eduardo Fiates.
quando a patente faz sentido, muitos não a O Seed beneficia 40 star- A segunda boa notícia é
perseguem, ou por não poderem esperar tups por ano, com capital que, por faltar capital de ris-
para lançar o produto e faturar –a concessão semente entre R$ 68 mil e co, há mais espaço para que
demora (até 14 anos)–, ou pelo receio de R$ 80 mil e seis meses de ca- as empresas estabelecidas se
abrir informações. Falta educar o mercado nas pacitação e apoio. tornem parceiras de inovação
métricas de inovação usadas aqui, como taxa de Hoje, o San Pedro Valley tem das startups do Brasil; o Sa-
crescimento de venda de produtos inovadores, cerca de 150 startups, de acordo piens Parque, por exemplo, já
números de P&D e expansão internacional. com Caetano, de setores como atraiu a Petrobras.
A percepção de risco é acentuada pelo educação, saúde, TI/telecom A esperança também é de
fato de o Brasil responsabilizar legalmente o (principalmente com foco em que parques não muito inova-
investidor por dívidas trabalhistas, tributárias e mobile) e mídia/entretenimen- dores hoje, como o da Ilha do
consumeristas de uma empresa, o que ameaça to. E os empreendedores estran- Fundão, no Rio de Janeiro, re-
até seu patrimônio pessoal. Isso desequilibra, de geiros, atraídos propositalmente posicionem-se; no caso do Rio,
saída, a relação risco-recompensa na decisão pelo Seed, estão chegando. o pré-sal pode ser o indutor.
de investir no Brasil e, ao mínimo recuo da Por fim, o fato de que vários
recompensa potencial, o investidor se vai. Em futurO clusters estão se preocupando
2013, os fundos VC somaram US$ 2,3 bilhões Há duas boas notícias. A com a formação em empreen-
aqui, quase um quarto do valor de 2011. Menor primeira é que clusters es- dedorismo e gestão, como o de
o VC, menor o grau de inovação de ruptura, tão em expansão no Brasil. São Carlos, dá alento aos oti-
mais produtos B2B e menor a visibilidade. Exemplo disso é o Sapiens mistas da inovação.

edição 105 | 43
dossiê

Cada vez mais governos querem ter empreendimentos de alto impacto, por serem
os geradores dos melhores empregos, e escolhem um de dois caminhos:
o cluster local, ao modo do Vale do Silício, ou a estratégia nacional, como Israel.
Esta reportagem reúne as boas práticas internacionais

A reportagem é de
Adriana Salles Gomes,
editora-chefe de HSM Management, que
visitou Recife a convite do C.E.S.A.R.

44 | edição 105
O Recife Antigo e
os empreendedores
do mangue
Um dos clusters mais inovadores, dinâmicos e independentes do País fica,
surpreendentemente, fora do eixo Rio-São Paulo; o destaque é atribuído
a sua cultura e a um conjunto de princípios revelados nesta reportagem

o O monitor de irrigação no la-


boratório do centro de inovação
C.E.S.A.R é pouco sexy; não é
fácil imaginar que ele possa pro-
vocar uma ruptura tal no agro-
negócio brasileiro a ponto de
aumentar em até quatro vezes
a produtividade das plantações.
irrigação, para que um agrônomo possa con-
feri-los a cada mês.
O monitor do C.E.S.A.R, lançado no fi-
nal de 2013, vem substituir o pivozeiro e
aumentar tanto a confiabilidade das infor-
mações como a frequência com que estas
são entregues ao agrônomo, com grande
benefício potencial ao cultivo. Pode não ser
Monitor do
C.E.S.A.R
é inovação
que resolve
ineficiência
do agronegócio
em seu sistema
de irrigação

Os sistemas de irrigação das uma inovação que cause tanto burburinho


fazendas são caros: só uma des- quanto um tablet da Apple, mas resolve,
sas estruturas exibidas na foto à para determinado segmento de empresas,
direita, chamada de pivô, custa uma séria ineficiência –e ainda supera o
R$ 500 mil, e são necessárias custo Brasil ao usar bateria para evitar as
várias delas por plantação. Ain- falhas de fornecimento de energia elétrica.
da há o investimento em açude, Essa inovação, comercializada como um
casa de bomba, transmissão serviço mensal, à moda de uma TV por assi-
eletrônica etc. natura, constitui a síntese perfeita do espírito
Para serem funcionais, esses inovador que predomina no cluster da ilha
sistemas precisam de “pivozei- do Recife Antigo: voltada a empresas, para
divulgação:Victor nogales

ros”, rapazes que percorrem a resolver ineficiências.


plantação uma vez por dia, de
moto, e vão anotando dados re- cultura do mangue
gistrados sobre nível de chuva e
Nik Neves

O Recife Antigo é formado pelo C.E.S.A.R


condição do solo para regular a e pelo parque tecnológico Porto Digital, mas,

edição 105 | 45
dossiê

antes de tudo, é feito de hackers, como se costu-


ma brincar localmente. Dos seis elementos desse medo de gócio apenas. Vários deles
atuam em mais de um ne-
cluster [veja quadro na página 36], C.E.S.A.R e Porto
Digital materializam quatro: instituto de pesqui-
virar suco gócio ao mesmo tempo ou
pulam de uma organização
sa, incubadoras/aceleradoras, empreendedores e O empreendedor que começa para outra, como aconteceu
visão global. E outros diferenciais são estabeleci- a ter um pouco de sucesso com Guilherme Cavalcanti,
dos por eles: e para de correr riscos (e de que atuou na Silicon Reef, no
estudar) para inovar e crescer C.E.S.A.R, na Pitang, na Joy
• Uma cultura única. Influenciada pelo é rejeitado na ilha como um Street e no fundo de venture
indivíduo que “vira suco”
movimento “Mangue Beat” [veja quadro na pá- capital Fundotec II, e agora
gina 49], a cultura do cluster do Recife mostra preside a Agência Recife para
ser tão forte quanto a do Vale do Silício, o que coisa”, como explica Eduardo Inovação e Estratégia.
aproxima os dois modelos. Peixoto, executivo-chefe de ne- • “Mais e melhores no-
Até as diferenças culturais contêm semelhan- gócios do C.E.S.A.R. tas fiscais”. A preocupação
ças: enquanto o cluster de San Francisco foi ini- • A rede está viva. Uma com o registro de patentes já
ciativa de alunos da universidade (Stanford), o pesquisa do Porto Digital mos- foi abandonada por muitos,
do Recife partiu de professores (Universidade tra que dois terços das compa- trocada pela métrica do di-
Federal de Pernambuco); se o vale é marcado nhias locais têm parceria com nheiro novo.
por construções contemporâneas, a ilha pre- uma “vizinha”. Exemplo dis-
serva prédios antigos; se o vale dá destaque ao so é o sistema Anjo da Rua, A seguir, HSM Manage-
“empreendedor-usuário”, que cria o que gos- que identifica eventos de risco ment apresenta os principais
taria de consumir, a ilha potencializa o “em- nos ambientes urbanos e dá o atores do cluster.
preendedor-cidadão”, que quer ver seu país alarme quando detecta som de
funcionar melhor. tiros ou acidentes de carros. O C.E.S.A.R
• Estudo antes de qualquer coisa. Os ne- Ele foi desenvolvido pela Sert- Se as fachadas antigas dos três
gócios no Recife Antigo sempre começam com tel com base na expertise da prédios desse instituto de inova-
estudos –do usuário, do mercado, da tecnologia. D’Accord, ambas embarcadas ção na ilha fossem congeladas
“Faz-se um paper antes de se propor qualquer no Porto Digital. em uma foto, o leitor diria que

divulgação
• Os empreendedores ali impera a calmaria, mas nada
Abaixo, Sérgio Cavalcante, superintendente do C.E.S.A.R; não se apegam a um ne- poderia ser menos verdade.
ao lado, ambiente de trabalho de um dos prédios do centro
de inovação, que tem um “dragão” na entrada –se o visitante
se aproxima, ele, graças à tecnologia, ruge e solta fumaça

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Os colaboradores desse cen- em 2013 (em um faturamento
tro tocam em paralelo 64 pro- de R$ 70 milhões)–, só não o
jetos por ano, com 19 geren- distribui; é tudo reinvestido.
tes, e tendo de adaptar seus Boa parte dos empreendedo-
processos constantemente aos res do Porto Digital surgiu des-
clientes. Tudo isso em ape- ses reinvestimentos, inclusive,
nas uma das três divisões do por meio da incubadora do
C.E.S.A.R, a de engenharia. C.E.S.A.R.
As outras duas, de empreen- Sob um conselho consul-
dedorismo e educação, são tivo (que inclui representantes
igualmente movimentadas. de clientes), a instituição se
Sérgio Cavalcante, supe- organiza em dez áreas, além
rintendente do C.E.S.A.R, das divisões em outros estados.
coordena os 800 colaborado- Há as de apoio, como capital
res com a filosofia de gestão humano e comunicação insti-
caórdica, criada pelo CEO tucional, e as que geram inova-
da Visa International, Dee ção, como as três a seguir.
Hock. Ele confere autonomia
a todos, mas desde que sigam C.E.S.A.R Engenharia. O

“O C.E.S.A.R é uma as regras. Horários não são


sagrados e há muita diversão.
Para h.d.mabuse, que chefia
foco dessa área é em P&D e
serviços de consultoria para
outras organizações, sendo

escola, nossa a área de design da instituição,


o fato de o C.E.S.A.R não ter
procurada por estas ou procu-
rando-as com propostas.

equipe aprende”
acionistas contribui bastante pa- Recentemente, desenvolveu
ra a alegria responsável. “Todos a primeira inovação para si
se sentem donos.” mesma, o monitor de irriga-
h.d.mabuse, consultor de design do C.E.S.A.R Organização privada sem ção, em busca de aumentar o
fins lucrativos, o C.E.S.A.R lucro e poder, em médio pra-
tem lucro –foi de R$ 4 milhões zo, financiar inovações mais
ambiciosas.
Para não pôr em risco o foco
em inovação, o C.E.S.A.R se-
parou a Pitang, sua fábrica de
software, do restante. “Era ten-
tador ficar ganhando dinheiro
com a fábrica e deixar de arris-
car e inovar, mas não é o que
queremos”, explica Cavalcante.
O que empurra a inovação
é a área de novos negócios,
bem ativa, a cargo de Eduar-
do Peixoto, com profissionais
em perfil T (generalistas e es-
pecialistas) e a proposta de
também dar consultoria de ne-
gócios. O núcleo de design de

edição 105 | 47
dossiê

cartão C.E.S.A.R Empreendedo-


rismo. No histórico de incu-

de visita bação desse instituto há muitas


empresas bem-sucedidas, mas
Para Américo Amorim, da até a área de empreendedoris-
D’Accord, o cluster funciona mo está sendo transformada.
como se fosse seu cartão de Se seu ambiente Garage inves-
visita, para que as pessoas tia em cerca de três empresas
tenham noção de sua por vez, R$ 200 mil em cada
competência técnica uma, agora apostará em mui-
tas mais, destinando-lhes valor
A revolução que inovações menor individualmente.
do C.E.S.A.R provocam em “A ideia é que, assim, os pe-
empresas de menor porte, co- quenos sucessos viabilizem os
mo a fabricante de no-breaks pequenos fracassos, necessários
NHS Nilko, então, é enorme: ao aprendizado”, explica o ge-
ela, que oferece 64 tipos de rente de empreendedorismo
gabinete customizados, conse- Eiran Simis.
Eiran Simis, gerente de empreendedorismo do
C.E.S.A.R e empreendedor –ele criou uma espécie guiu reduzir o tempo de mon- O C.E.S.A.R montou, se-
de Airbnb para eventos corporativos, o EventPlatz tagem de cada um de dois dias gundo Simis, uma “incuba-
para 15 minutos. celeradora”, incubadora de
h.d.mabuse é igualmente importante, empode- Também há muitos projetos startups que as acelera, com o
rado especialmente de 2004 para cá, depois que secretos no C.E.S.A.R, instala- capital também de parceiros.
executou um complexo projeto de acessibilidade dos em salas de acesso contro- O plano é investir em 30 a 40
de documentos (14 mil) para o Banco Central lado cujas paredes de vidro são empresas por ano, começando
de forma criativa e inclusiva –com uma equipe forradas por papel –especula- com um ciclo de quatro meses
com cinco estagiários da comunidade do Pilar, -se até sobre clientes do Vale e dando R$ 40 mil para cada
uma favela local. Hoje trabalham na instituição do Silício. uma. O investimento pode con-
54 designers de diversas formações. tinuar por anos.
Mas o C.E.S.A.R, como outros institutos de C.E.S.A.R Educação. Em- “O processo é de menos con-
inovação, ainda conta principalmente com pro- presas como Samsung e HP já versa e mais ação, sem isolar o
jetos incentivados pela Lei de Informática, res- compram cursos customizados empreendedor do problema”,
ponsáveis por 70% de seu faturamento total. “Até do C.E.S.A.R, pessoas físicas distingue-o Simis.
há projetos privados, como um da TV conectada já fazem seu programa de resi- As etapas são as seguintes:
para a Rede Globo, mas poucos”, explica Karla dência em software. Mas a ins- sempre com orientação de
Godoy, executiva responsável pelo departamento tituição prepara voos maiores. mentores, os empreendedores
administrativo-financeiro. Não à toa, gastou R$ 3 mi- chegam com a ideia, criam
Muitas empresas brasileiras já se beneficiaram lhões em fevereiro último na um modelo de negócio pa-
da criatividade do C.E.S.A.R. O tablet inserido aquisição de um enorme edi- ra ela, vão entender com os
em refrigeradores Brastemp para controlar o que fício que abrigará sua área de clientes potenciais como po-
há para comer saiu daqui; o medidor inteligente educação e elevará o investi- dem resolver o problema de-
do smart grid das empresas da Associação Brasi- mento total a R$ 9 milhões, les, fazem um protótipo com
leira da Indústria Eletroeletrônica, que mudará o somado o custo da reforma. uma visão da solução, geram
setor de energia elétrica, está sendo desenvolvido Ali deve criar mais cursos de um produto minimamente
aqui; o replanejamento do grupo Sonae Sierra extensão e especialização, além viável (MVP, em inglês) e vol-
divulgação

Brasil para um cenário de varejo bem diferente de uma faculdade voltada para tam aos clientes para testá-lo,
em dez anos é feito com consultoria daqui. empreendedorismo e inovação. em preço e em usabilidade.

48 | edição 105
Caranguejos inovadores
O movimento “mangue beat”, nos anos 1990, serviu de catalisador
de uma cultura que busca ser tão única quanto a do Vale do Silício

A origem do cluster do Recife Antigo costuma Com a adesão de vários professores, o centro de
ser associada à capacidade de mobilizar pessoas de inovação C.E.S.A.R nasceu em 1996, como parte do
Silvio Meira, professor e pesquisador de engenharia departamento de informática, e o parque tecnológico
de software da Universidade Federal de Pernambuco, Porto Digital foi criado em 2000. Com seu surgimento,
que fundou o C.E.S.A.R e o Porto Digital. Ele, que ambos revitalizaram a então decadente ilha do Recife
é colunista de HSM Management, teria feito a Antigo, com a reforma de seus edifícios antigos. O
jornada do herói, inspirado por ter nascido a 120 C.E.S.A.R repatriou, inclusive, um dos protagonistas do
quilômetros de onde seria criado o pioneiro cluster Mangue Beat, herr doktor (h.d.) mabuse, que tinha se
de Campina Grande (PB); por formar-se no Instituto refugiado em São Paulo depois da morte do amigo Chico
Tecnológico da Aeronáutica (ITA), no cluster de São Science em um trágico acidente de carro. E ele se tornou
José dos Campos (SP); por conhecer a experiência o chefe de design da instituição.
inglesa na área ao estudar lá; pelo fato de a Procenge, “Sem o Mangue Beat, tudo isso não existiria”, diz
empresa de informática, existir no Recife desde 1984. Meira, que se tornou também empreendedor, investidor
Meira enxerga a raiz do cluster em um movimento e porta-voz da rede. O movimento proporcionou ao
coletivo: o “Mangue Beat”, liderado pelos músicos Chico cluster do Recife, além da fagulha inicial, sua cultura, tão
Science e Fred Zero nos anos 1990. Com a imagem da forte quanto a cultura do Vale do Silício californiano.
antena parabólica enfiada na lama, o movimento buscava, Traços como rebeldia, irreverência e cosmopolitismo,
cultural e metaforicamente, reenergizar e fertilizar o próprios dos empreendedores locais, podem ser vistos,
mangue, revertendo “a depressão crônica que paralisava por exemplo, em mabuse, que se autobatizou como o
os cidadãos”, como sugeria seu manifesto. personagem de um filme policial de 1922 dirigido por
“De repente, surgiu uma cena musical com mais Fritz Lang. A responsável pelo RH do C.E.S.A.R está tão
de cem bandas, vieram programas de rádio, desfiles aculturada que já desconfia dos candidatos “certinhos”.
de moda, videoclipes, filmes, tudo virando a cultura A pintura na entrada de um dos prédios do centro, de
pernambucana de cabeça para baixo”, relembra Meira. um dragão que solta fumaça e ruge para o visitante com
E, em 1994, quando os professores da Universidade ajuda da tecnologia, e um varal de ideias penduradas são
Federal de Pernambuco debatiam como romper o alguns sinais exteriores da energia do cluster, que pode
isolamento da academia, veio o álbum Da Lama ao Caos, ser vista em seus caranguejos todos os dias –exceto,
de Chico Science & Nação Zumbi, que levou milhares talvez, no Carnaval.
de jovens a aprender maracatu e tambor, misturando-os
com guitarras pesadas e som psicodélico.
Foi a fagulha de que Meira precisava. Em 1995, ele
tomava posse como professor titular trocando a
tradicional música de câmara da cerimônia por Da
Lama ao Caos. “A universidade ficou horrorizada, mas
a mensagem era simples: se a meninada estava fazendo
aquela revolução na música, com tremendo impacto no
pensamento e na atitude coletivos, por que a academia
não podia fazer algo similar em relação a educação e
tecnologia?” Era preciso aumentar o parque industrial
local, devia-se conter a evasão de cérebros.

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dossiê

desde 1999 e com big data e


analytics desde 2004. Um dos
maiores êxitos de sua Neuro-
tech, empresa de algoritmos
para tomada de decisões nos
negócios, é uma solução para
detecção de fraudes e ris-
cos nos sistemas de crédito,
com o uso de redes neurais
À esquerda, Eduardo Peixoto, executivo-chefe de –ele começou com um projeto
negócios do C.E.S.A.R, repatriado da Suíça; acima,
Fábio Silva, presidente do conselho e cofundador para a Telefônica (atual Vivo)
do C.E.S.A.R, responsável por sua estratégia
e hoje muitas das grandes em-
presas financeiras e de varejo
O porto digital Tempest Security Intelli- são suas clientes.
O parque tecnológico do Recife Antigo tem gence. É uma das mais famo- “Um avanço foi mudarmos
230 empresas embarcadas com 7 mil colabo- sas empresas locais, de “hackers nosso modelo de negócio, tro-
radores e faturamento de R$ 1 bilhão por ano, éticos”, que são referência em cando a venda de software e
atuando sobretudo em tecnologia da informa- segurança da informação e es- de licença por um sistema de
ção e economia criativa. Delas, 25% já têm tão se consolidando em defesa receita recorrente, baseada em
atuação internacional. cibernética. Abriram recente- participação no lucro adicional
Com os governos estadual e municipal parti- mente filial no Reino Unido, gerado pela fraude evitada.”
cipando de sua governança, tem dois objetivos: para atender dois clientes mui- Agora, a Neurotech, que foi
aumentar a competitividade das empresas e atrair to importantes, BBC e grupo adquirida pelo fundo de priva-
novos negócios inovadores. Para o segundo caso, The Economist, e têm em sua te equity da TMG Capital em
o Porto possui incubadora e aceleradora próprias. carteira de clientes Serasa Ex- 2013, move-se em direção a ou-
Em prol da competitividade, uma série de me- perian, Itaú Unibanco, Brades- tros setores –como o agronegó-
didas vem sendo tomada. “Temos preocupação co e Embraer, entre outros. cio– e outros países. “Estamos
em ter os certificados de qualidade, como a nor- Segundo o cofundador Evan- negociando com a indústria
ma CMMI, que é a ISO do software, e também dro Hora, o maior desafio é de suco de uva do Vale do São
um programa vigoroso de formação de capital gente. “Hackers requerem um Francisco e fechamos negócio
humano, com cursos de tecnologia, gestão de talento que nenhuma escola de- com a autoridade portuária que
projetos e inglês, conforme o gap detectado em senvolve, daí investirmos muito monitora o tráfego de navios no
nossas pesquisas”, conta Guilherme Calheiros, em formação interna.” Canadá”, diz Adeodato.
diretor de inovação e competitividade do parque.
A melhoria da mão de obra é comprovada pelo Neurotech. Paulo Adeoda- Joy Street. Criadora de uma
aumento de pessoal das grandes empresas instala- to trabalha com data mining plataforma de games educati-
das no Porto: na Ogilvy, de publicidade, o quadro
pessoal subiu de 30 para 150 pessoas; na Accentu-
re, de consultoria, passou de 80 a 600.
Nesse ritmo, é possível que o cenário traçado
pelo Porto, para 2022, se concretize mesmo, com
“Os investidores
20 mil pessoas trabalhando no local. Se a ocupa-
ção dos imóveis é métrica de empreendedorismo, do Vale do Silício
conhecem Recife”
vale saber que o Porto já está avançando para o
quadrilátero de Santo Amaro, fora da ilha.
divulgação

Algumas empresas do Porto ajudam a entendê-


-lo melhor: André Ferraz, Ubee

50 | edição 105
vos [veja quadro na página 54] e os estados do Rio de Janei-
Investidor com foco dirigida por Fred Vasconcellos,
considera seu maior desafio
ro e do Acre; entrou na arena
das ONGs, quando, em 2013,
nos empreendedores a forma de vender inovação lançou a Plinx com os institu-
Ikewai cultiva pessoas, não negócios
a governos, que ainda não sa- tos Natura e Ayrton Senna e a
bem comprá-la; governos são Fundação Telefônica; e agora
“Nosso maior concorrente por talentos seu principal cliente, no mundo planeja abordar escolas priva-
empreendedores e inovadores é o emprego inteiro. A empresa ficou anima- das e governos estrangeiros,
público.” Essa declaração, do investidor Teco da com os resultados de sua 1ª com EUA e Chile na mira.
Sodré, já dá uma dimensão do desafio de Olimpíada de Jogos Digitais e
investir em startups no Brasil. Mas seu segundo Educação (OJE), em 2010 –a Serttel. Nascida em 1988,
comentário assusta mais: “Os investidores percepção dos professores em oferece soluções para mobili-
estão exaurindo nossa pequena capacidade relação à evolução e ao enga- dade, segurança e comodidade
empreendedora ao utilizar os mesmos métodos jamento dos alunos foi muito em ambientes urbanos e vem
dos EUA, em que eles abraçam três projetos a positiva. E está ampliando seu crescendo tanto que já virou
cada cem apresentados; os outros 97 encruam”. mercado. Conquistou novos um grupo de três empresas. É
Percebendo isso, Sodré e seus sócios clientes governamentais, com famosa no Brasil por seu servi-
fundaram, em 2012, uma firma de investimento ço de bike sharing, e seus mais
diferenciada. Ela olha para o empreendedor, de 2 mil colaboradores estão
e não para o negócio, e se posiciona como
designer de negócios. Seu princípio é selecionar
crescer espalhados por várias capitais.
A internacionalização já
empreendedores e convertê-los em líderes em
100% começou; a Serttel acaba de
até dez anos, “tempo em que talvez fracassem
umas cinco vezes”, como ele diz.
Esse relacionamento investidor-empreendedor
ao ano abrir a primeira unidade fora
do Brasil, em Buenos Aires.
Produz aplicativos diversos,
O ritmo de crescimento
começa com um programa de residência de das startups do Porto Digital para emitir tíquetes de zona
três meses, em que o empreendedor explora é vertiginoso; crescem 50% azul, pagar pedágios eletrô-
os negócios atuais da Ikewai e escolhe fazer uma a 100% em um ano, como nicos e estacionamentos de
imersão remunerada em um deles, podendo tem sido o caso da D’Accord shopping, faz controle de se-
tornar-se sócio; seguem-se três anos de em anos recentes máforos e, neste ano, lançará
experiência em operação e muito estudo.
“Assim, as pessoas mudam seu padrão
mental e podem desenhar modelos de negócio
inovadores. O empreendedor brasileiro tem
uma boa ideia, mas espera gerar receita de
modo óbvio e pouco viável”, explica Sodré.
Quando parte para um novo negócio, o
empreendedor o inicia usando a rede Ikewai:
atua em escritório emprestado, com CNPJ
de parceiro, e só se lança depois de ter
compromissos comerciais fechados. O processo
constrói a fundamental visão de longo prazo e
testa a alma empreendedora. “Muitos desistem
só de ter de ficar seis meses trabalhando Vista aérea da ilha do Recife
em outra cidade.” Uma curiosidade é que Antigo, cujo cluster abriga o
centro de inovação C.E.S.A.R
empreendedores de 30 a 40 anos lidam melhor e o parque tecnológico
com isso que os jovens. Porto Digital

edição 105 | 51
dossiê

divulgação Serttel/Bobby Fabisak-JC Imagem.


Da esquerda para a direita, os sócios da Neurotech, Paulo Adeodato, Germano Vasconcelos, Domingos
Monteiro, Rodrigo Cunha e Adrian Arnaud; Evandro Hora, da Tempest; Ângelo Leite, da Serttel; chip da
Silicon Reef; sistema de ensino digital de música da D’Accord

o compartilhamento de carros, inicialmente em As portas internacionais já A ambição de expansão é


Pernambuco. se abriram para a SR quando naturalmente mundial. Seu
venceu uma competição de P&D, que ainda constitui
Silicon Reef. Com experiência em projetos inovação patrocinada pela Intel 70% da atividade da empre-
de circuitos integrados digitais para empresas, em 2009 e chamou a atenção sa, vem contando com apoio
está partindo para a estratégia de chips pró- do fundo de VC norte-ameri- de dinheiro público, por meio
prios: seu chip EH01 será lançado em 2014, cano Draper Fisher Jurvetson. do fundo Criatec (do Ban-
para otimizar a colheita e o condicionamento “Eles nos classificaram como co Nacional de Desenvolvi-
de energia solar. Sua aposta no mercado de empresa com alto potencial de mento Econômico e Social –
energy harvesting é alta; este deve movimentar investimento”, conta seu sócio e BNDES), da agência Finep e
US$ 4,4 bilhões anuais no mundo já em 2019. fundador Tiago Lins. do CNPq, entre outros.

Lagos azuis nos oceanos vermelhos


o objetivo é Inovar solucionando ineficiências da cadeia produtiva
Por que inovações como o Google não nascem no Brasil? Um produto parecido foi incubado no C.E.S.A.R: o
buscador (chamava-se Radix). A principal explicação é que produtos de ruptura precisam de muito capital investidor
enquanto se educa o mercado para consumi-los e não há tanto capital disponível no Brasil, razão pela qual todos
os clusters de inovação do País têm uma maioria de empreendedores atuando no segmento B2B.
“Em vez de investir em oceanos azuis, concorrendo em níveis de atenção com empreendedores que têm mais
capital, miramos lagos azuis dentro dos oceanos corporativos vermelhos”, explica o investidor Teco Sodré, da Ikewai.
O tamanho da economia brasileira –entre oitava e nona do mundo– garante que a inovação para reverter ineficiências
das empresas seja um grande lago azul.
O desafio é o de abordar essas empresas, pouco acostumadas a lidar com startups ou com um centro de inovação como
o C.E.S.A.R, e conseguir vender a ideia de uma inovação mais avançada. Eduardo Peixoto, do C.E.S.A.R, lamenta que as
inovações de horizonte 1 ainda sejam a maioria da demanda. As inovações são classificadas pelos horizontes 1, 2
e 3: (1) a inovação é incremental, baseada em tecnologia madura e em um mercado já conhecido; (2) o grau de inovação
é moderado, com uso de tecnologia existente e dirigida a um mercado real, mas ambos não necessariamente
dominados pela empresa; (3) a inovação é radical, baseada em tecnologia emergente usada de modo experimental
divulgação

e/ou em mercado não existente. “Queríamos nosso portfólio de 30%, 30% e 40%, respectivamente, mas é preciso mudar
a mentalidade; a nova versão da Lei de Informática pode mudá-la, se passar a avaliar o impacto gerado pelo uso do incentivo.”

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SODET.biz. Tendo o design thinking como di- diz Américo Amorim, diretor-
ferencial, desenha e executa estratégias digitais de -executivo da D’Accord. DESIGN MANDA
dois a cinco anos para as empresas se relaciona-
rem com seus consumidores e clientes, que po- Ubee. Primeira rede de publi- Um hospital encomendou ao
dem se concretizar na forma de novos produtos cidade mobile baseada em tec- C.E.S.A.R o desenvolvimento de
digitais, canais de relacionamento com o consu- nologias de localização indoor um novo aparelho de radiologia
midor ou mesmo novos negócios. do mundo, teve sua tecnologia portátil e a área de design,
Ela atende segmentos de varejo, beleza e bem- apontada pela Microsoft como como de costume, deu início ao
-estar, financeiro, indústria automobilística e a quarta mais precisa do pla- processo, voltado para o usuário,
educação, mas planeja estender sua atuação na- neta: com um erro na faixa em quatro fases: (1) pesquisa no
cional por meio da conquista de contas diferen- de 2 metros, ela permite saber local de uso –em profundidade
tes. A internacionalização será o passo seguinte, exatamente o ambiente onde o e contextual, com observação;
seja por meio de projetos pioneiros para grandes usuário está e ainda consegue (2) ideação, com brainstorming
multinacionais já clientes da empresa, seja com identificar andares em prédios, e o chamado “placestorming”
parceiros estratégicos de mercado. “Temos de ir diferentemente do GPS. (troca de ideias no local de uso);
ao mundo antes de o mundo vir a nós”, diz Bru- A Ubee, fundada em 2013, (3) protótipo em papel com
no Encarnação, um de seus fundadores. surgiu de um projeto de fa- teste, cujo objetivo é errar o mais
culdade de André Ferraz e já rápido possível; e (4) protótipo
D’Accord. Uma das raras empresas da ilha que conta com 15 colaboradores. digital testado pelos usuários, que
atuam tanto B2B como B2C, tem produtos volta- “Nossa solução foi ao merca- são observados por horas.
dos para a educação que relacionam música e TI, do há apenas dois meses e já Na pesquisa, os designers
como o material didático digital Turma do Som registra mais de 1 bilhão de descobriram que, no aparelho
(livro, animações e jogos), usado por mais de 5 mil impressões de anúncios por existente, a automação era
alunos de diversos estados brasileiros, e a plata- mês; continuaremos focados ineficaz, pelo fato de o painel
forma Livro Educacional Digital (LED), adotada no mercado brasileiro por en- ser complexo demais para os
pelas três maiores editoras do País para produzir quanto”, diz Ferraz. técnicos (20 opções de uso).
e distribuir livros digitais interativos entre compu- O C.E.S.A.R desenvolveu uma
tadores e tablets de alunos e professores. Universidade máquina com dois botões: um
“Aprendemos que a empresa que quer ino- e capital de subir e descer, outro de
var no Brasil tem dois grandes desafios: montar Quanto aos outros dois ele- definir tempo de exposição/
uma ótima equipe de P&D e se estruturar em mentos do sexteto fundamen- intensidade da radiação. E, com
marketing e vendas. Nós conseguimos o pri- tal a um cluster bem-sucedido, os dados, propôs e emplacou
meiro e investimos para melhorar o segundo”, a universidade foi e é bastante um segundo projeto.

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dossiê

Teco Sodré, sócio


da Ikewai, um
investidor que
se define como
O curioso caso da Joy Street
designer de a indústria de games, b2c por natureza,
empresas vira b2b e ataca “custo Brasil” ESCALÁVEL

O Brasil perdeu a guerra da educação na


sala de aula. Essa foi a premissa da qual os
fundadores da Joy Street partiram em 2009
e, com pensamento orientado pelo design,
venderam ao governo de Pernambuco, em
2010, uma plataforma de games de rede social: a
1ª Olimpíada de Jogos Digitais e Educação (OJE).
O projeto envolveu 60 mil alunos do ensino
médio das escolas estaduais durante o ano
presente na ilha: professores da Universidade escolar inteiro e durou três anos. Nessa “gincana
Federal de Pernambuco (UFPE) continuam a de internet”, era preciso desvendar enigmas,
ser membros-chave do C.E.S.A.R e muitos dos como o do instrumento de uma famosa banda
empreendedores vistos no Porto Digital saem local que desapareceu. “Para resolvê-lo, os
de seu centro de informática. No quesito “capi- estudantes competiam interpretando texto,
tal de risco”, o cenário está longe do ideal, mas pesquisando, usando matemática”, explica
tem melhorado: se já há cerca de 20 investido- Guilherme Cavalcanti, que atuou na Joy Street
res atuantes, ante três há dois anos–, depende- entre 2009 e 2013 e agora enfrenta outro
-se bastante do governo ainda: o maior desta- desafio, como é praxe no Recife. E criou-se um
que é o fundo Criatec, ligado ao BNDES, e a sistema que habilitava o “professor autor” a criar
agência Finep, por exemplo, faria muita falta. aulas gamificadas (e receber bônus).
A boa notícia é que um investidor diferente O desafio foi imenso para a equipe da Joy
como a Ikewai, que se define como business Street, com 25 pessoas entre pedagogos,
designer [veja quadro na página 51], encontrou designers e engenheiros; tiveram de superar
espaço. Ela tem oito empresas em seu portfólio, obstáculos como falhas de energia elétrica e
que, juntas, faturam R$ 50 milhões ao ano, con- de internet, computadores desatualizados. Mas
forme o sócio Teco Sodré, e a ambiciosa meta de, o aprendizado também foi grande, como o de
até 2030, ter 20 empresas, faturando R$ 50 mi- detectar as dificuldades de cada turma e adaptar
lhões cada uma. Em sua agenda estão os setores o jogo para lidar com elas.
de lixo urbano, infraestrutura em geral e educa-
ção, como revela Sodré, que chega a atuar como “Não temos nenhuma indústria realmente inova-
CEO de algumas empresas quando necessário. dora e nossas empresas inovadoras são poucas”, no
diagnóstico de Silva. O plano do C.E.S.A.R é gerar
FUTURO mais “sexy” inovações em maior quantidade e diversidade para
O futuro do cluster do Recife, como em outros influir em uma estratégia nacional. Isso significa, por
Entende-se,
clusters, ainda está ligado ao governo –seja pelo no cluster
exemplo, que abraçará a inovação “sexy”, montando
capital que financia P&D, seja pela Lei de Infor- do Recife uma área para desenvolver tecnologias novas –“hoje
mática, cuja renovação ainda é crucial para as Antigo, que, trabalhamos com tecnologias que apareceram faz 25
empresas investirem em inovação. Mas no plane- assim como o anos”, diz Silva–, e trará estrangeiros para seus cur-
empreendedor
jamento dos próximos 25 anos que o C.E.S.A.R tem projeto, sos promovendo a troca de conhecimentos.
vem fazendo, liderado por Fábio Silva, seu dire- o investidor Tal futuro parece começar a acontecer, pois o
tor-presidente, a linha mestra é contribuir para tem agenda C.E.S.A.R acaba de abrir uma unidade em Manaus
mudar esse quadro. (AM) –é a biologia que está na mira?

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Próximo passo: Para empreender


ou fazer parcerias, procure um cluster que reúna
as melhores competências para seu negócio (do
sistema educacional que forma bons profissionais
até concorrentes, investidores e políticas
públicas). Para investir, busque um com massa
crítica de empreendedores que podem ser
líderes em três a cinco anos.

Mergulhe no tema:

LIVROS PAPERS ACADÊMICOS VÍDEOS MÍDIa especializada

• Denis Donaire, João • Ann Markusen. Sticky Places • Spatial Pattern Analysis: • Global innovation heat
Paulo Lara de Siqueira, in Slippery Space: a Typology of Mapping Trends and Clusters. map. The Guardian.
João Maurício Gama Industrial Districts. http://migre.me/jSkk0 http://migre.me/jSlwD
Boaventura, Renato http://migre.me/jSjlO Como mapear Potencial de
Telles e Sergio Baptista Entenda os principais tendências e clusters. inovação dos clusters
Zaccarelli. Clusters e desenhos de clusters, do tipo conforme as patentes:
Redes de Negócios. marshalliano, estrela, satélites • Logistics Clusters. os lagos silenciosos,
Ed. Atlas, 2008. http://migre.me/jSkql as fontes quentes, os
e os conduzidos pelo Estado. Como funcionam
O livro apresenta oceanos dinâmicos e os
os principais conceitos os clusters ligados ao reservatórios que secam.
relacionados com os • Geraldo Luciano Toledo transporte de materiais.
e Cláudia Szafir-Goldstein.
clusters. Nos dez Vantagens Competitivas em • World innovation
capítulos são abordadas Clusters Industriais. clusters. MIT Technology
noções de governança Review.
http://migre.me/jSjom
e auto-organização, http://migre.me/jSlBv
por exemplo. O artigo discute as vantagens
CENÁRIOS E Uma análise de vários
dos clusters industriais, clusters globais e um
mostrando a importância da POWERPOINT
• Michael E. Porter. A interessante infográfico.
Vantagem Competitiva das cooperação entre as empresas.
Nações. Ed. Campus, 1989. • See the Future.
• The Chilean experiment.
Porter é o maior http://migre.me/jSlKJ
• Paulo de Souza Nunes Business Insider.
especialista mundial em Filho. Vantagem Competitiva: PwC sugere as cidades http://migre.me/jSlFy
vantagem competitiva. Precedentes Teóricos da Análise que terão os maiores Um mergulho na
Neste livro, mostra como do Diamante Nacional de Porter. clusters mundiais em 2040. aventura chilena de replicar
fazer toda a economia http://migre.me/jSkdl o Vale do Silício.
de um país se tornar • Experiências Internacionais
Conheça mais sobre o de Clusters de Parques
competitiva, com conselhos sistema em forma de diamante
para o governo e para a Tecnológicos.
proposto por Porter –e http://migre.me/jSlOK
iniciativa privada.
o papel dos clusters. Confira highlights de
quatro especialistas do
evento da Agência Inova.

Todos os links citados foram acessados em 16 de junho de 2014.


nik neves;the noun project

+ referências do assunto no BRASIL: idiomas:


Carlos Tarrasón, sócio José Dornelas, professor- Valter Pieracciani,
e diretor da empresa -visitante da Columbia consultor em inovação Inglês
Cluster Consulting University, em Nova York Português
Agência Inova/Unicamp

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