Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
1Marcel GAUCHET. El desencantamiento del mundo mundo – una historia política de la religion.
Tradução de Esteban Molina. Madrid: Trotta, 2005.
1
1. Visão geral do livro “O desencantamento do mundo”
Marcel Gauchet é o que podemos chamar um “pensador holístico”, isto porque sua
meditação, embora centrada sobre a política, não se restringe à especificidade de um
campo de conhecimento. Tal característica, que muitas vezes pode ser considerada
negativa, pois indicaria superficialidade de conhecimento, não se aplica a Gauchet. Aqui
falaremos especificamente de seu livro O Desencantamento do mundo. Nesta obra
encontramos várias camadas de texto, que vão do conhecimento histórico e social,
passando pela psicologia até a proposição de uma filosofia da história, uma filosofia da
religião e uma filosofia política. Esse último traço é mais marcante do citado livro de
Gauchet. Tanto que nos subtítulo da obra que ora estudamos encontramos a seguinte
epígrafe demarcatória “Uma história política da religião”. E é ao aspecto de filósofo
político do pensamento de nosso autor que nos centraremos.
Podemos dizer que o que interessa, de forma relevante, ao filósofo político Marcel
Gauchet é a reconstrução histórica das instituições democráticas, mormente “o homem
democrático”, e apreender suas principais características, que para o autor são anteriores ao
surgimento do estado moderno. Então, para compreender esta história e necessário
compreender o que está antes do estado moderno. O que explica o subtítulo da obra do
pensador francês. Para Gauchet, é necessário entender o movimento de “saída da religião”
que se operou (e opera?) nas sociedades em uma época da humanidade, para compreender
o que hoje denominamos estado moderno. É necessário entender a função da religião na
sociedade e seu papel unificador. A religião é para Gauchet uma forma de “ser-com-o-
outro”, de ser em sociedade, e que pode ser substituída por outras formas. Todavia a
religião possui, para nosso autor, a condição de necessária à existência humana, enquanto
tal, mas é uma constante em todas as sociedades.
2
(monoteístas). Para nosso autor, é preciso ver que na realidade as religiões mais perto da
originalidade são aquelas denominadas primitivas, pois nelas encontramos um alto grau de
heteronomia. Já nas religiões de cunho monoteísta esse grau é bem inferior. Nas religiões
primitivas não há a ruptura entre o divino e o humano que se dá nos monoteísmos.
Principalmente no cristianismo. Se antes as relações se davam através de mediações
externas, no cristianismo esta mediação entre o homem e o sagrado passa a ser e cunho
interno. A encarnação de Deus na pessoa do Cristo trás a subjetivação do ato religioso.
Com essa interiorização, surge uma nova religião que é apenas auxiliar na busca do homem
pelo contato com o divino. Torna-se possível então a escolha por fazer parte dessa
comunidade ou se colocar de fora dela, é possível mesmo escolher não acreditar no
sagrado. Passamos então do mundo da heteronomia para o da autonomia. Nesse ovo
mundo as regras da vida social não são mais ditadas pelo que é externo, mas pela própria
consciência. Temos então no cristianismo a “a religião da saída da religião.” O que,
conforme Céline Couchouron-Gurung, “não significa saída da crença religiosa, mas, a
saída de um mundo onde a religião é que estrutura a forma política das sociedades e define
a economia da relação social.”2
2. A teoria proposta
Diz Gauchet que seu livro trás uma proposta. Mas que esta proposta não esgota, nem tem a
pretensão de a “história política da religião.” Seu projeto é, ao contrário, lançar as bases
para a construção deste edifício. Limitando-se a definir seus limites e perspectivas, este
projeto está escrito em função de uma dupla tese, a saber: primeiro que por detrás das
igrejas que perduram e da fé que subsiste, “a trajetória viva do religioso em nosso mundo
está acaba.” Em segundo lugar que “a originalidade radical do Ocidente moderno consiste
inteiramente na incorporação, no coração do vínculo e da atividade dos homens, do
elemento sagrado os modelou sempre desde fora.”3 É a própria inversão da lógica
organizadora da religião primitiva que permite ao homem a saída da religião. Afirma ainda
o autor francês que “a compreensão da religião, desde suas origens e em suas principais
mutações, não pode ser separada dos esforços para compreender a imensa transformação
2Cf. Céline COUCHOURON-GURUNG. Un monde desénchanté? Achives de sciences sociales des religions.
In, <http://assr.revues.org/document3947.html>, consultado em: 10/03/2008.
3GAUCHET. El desencantamiento del mundo, p.9.
3
da qual somos produtos e que se realizou graças ao desencantamento do mundo.”4
Expressão já encontrada no vocabulário weberiano que configura o conceito da seguinte
forma: “eliminação da magia como técnica de salvação.”5 E o que pretende Gauchet ao
retomar este termo é ampliá-lo. Para ele o termo ganhará o sentido de esgotamento do
invisível. O desencantamento do mundo é uma verdadeira revolução que inverte o
posicionamento cosmológico entre o céu e a terra. Apesar da sobrevivência dos deuses na
cidade moderna, e daqueles que neles crêem, seu poder já não existe mais. Diz Gauchet
que o que sumiu nas engrenagens do tempo e das civilizações não foram os deuses, mas a
função “cujas necessidades definiram desde o princípio o conteúdo das religiões,
determinaram suas formas e proporcionaram suas evoluções.”6 As religiões que
conhecemos hoje já não são as mesmas de da origem. Sobrevivem graças a seu
enraizamento cultural, às possíveis respostas que oferece, ainda que subjetivamente, a
questões existenciais, como a da morte, por exemplo. Até como elemento de legitimação
social, mas não mais sobrevivem pela função que possuíam em suas origens. Engana-se
aquele que pensa que estas são as funções primordiais da religião, afirma nosso autor.
Assim podemos ver em suas próprias palavras:
Sugere ainda nosso autor que aquele que pretenda estudar a religião deve se desprender
4
tanto da adesão ocasionada pela fé como daquela causada pelo ateísmo. Colocando-se
assim fora do objeto estudado e apontando para um mais além da era religiosa, nosso autor
se coloca fora da tradição de estudos fenomenológicos da religião. Mas também pretende
desprender-se do que chama de “ingenuidade obtusa da tradição laica.”8
5
que acreditar evadir-se dessa por magia de um termo novo11, que em nada acrescentaria ao
estudo dessas sociedades. Gauchet acredita que é necessário
Então a partir desse ponto de vista, afirma o autor, a aparição do Estado pode ser vista
como o maior acontecimento da humanidade. Não podemos esquecer que a visão de
Gauchet não se encaixa entre aquelas que acreditam em uma evolução paulatina entre as
duas esferas, estado e religião. Nem daquelas que vêem no surgimento do Estado uma nova
forma de organização, que venha abolir o que era antes mais natural e justo. Para ele o
surgimento da organização estatal corresponde
Por volta de 5000 anos tem o Estado14, tal como o conhecemos, e antes o que havia?
Aquela manifestação que denominamos de religiosas. O que havia antes de destes 5000
anos era a religião, em seu estado mais puro sem a concorrência do Estado. Logo, afirma
Gauchet, a visão de que as religiões primitivas eram precárias, em visões mais
complacentes embrionárias, é um pontos de vista errôneo.
6
E, um pouco mais à frente encontramos a seguinte afirmação de Gauchet:
Para Gauchet, se quisermos chegar ao mais básico da matriz que subjaze à eleição
religiosa, apenas de forma indicativa (pois não é possível chegar a esta de forma efetiva),
deveríamos buscar-la em um equívoco constitutivo da experiência do tempo,
Assim parece ter ocorrido uma encolha da espécie humana entre esta duas opções, afirma
nosso autor. Ora se escolheu pela opção da anterioridade do mundo, ou seja, já chegamos
7
ao mundo com as coisas prontas e decididas; ora entendeu-se que o ser humano é ser
jogado no mundo, para o qual não há nada de anterior e que por isso é um ser de ação, e
criação. Gauchet caracteriza o que entende por eleição religiosa, não como algo dado ao
acaso. Pela simples escolha a partir de um vazio existencial. Assim define Gauchet o que
entede por eleição:
Do mecanismo descrito, sugere o autor que, nasce a idéia de inscrição do ser humano no
universo natural. Uma forma de agrupamento que cria um vínculo político e social “e até
uma economia do pensamento”. Isto se dá a partir do momento em que se acredita que as
coisas são o que são, e que são boas como são, porque assim as herdamos de nossos
antepassados desde o imemorial do tempo, cabendo aos vivos a mera recondução, piedosa,
desta tradição. Todavia, corre paralela a esta organização social a “duração concreta da
vida”, que força a mobilidade do sistema estabelecido.
Temos com esta afirmação de nosso autor um indicativo forte de seu pensamento.
Encontramos aqui o enunciado de uma ontologia, a indicação de “onde” Gauchet pensa
8
encontrar o fundamento da identidade pessoal do ser humano, ao mesmo tempo em que se
pode encontrar a identidade social. Ambas estariam, para esse autor, entrelaçadas. Logo,
estamos, por essa teoria, ligados inseparável e originalmente ao todo que nos cerca e do
qual fazemos parte. Isto seria o que nos permite vermos o ponto de vista do outro; o que
faz com que tenhamos capacidade de irmos contra nós mesmo fazendo com que criemos
leis. Que outorguemos poderes a determinados membros da comunidade etc. Mas este seria
um primeiro nível das relações humanas. Mas não é este o nível que justifica a existência
do livro ora estudado, nem seu objetivo. Tanto um como outro se justificam em um
segundo nível,
el de la ralación de los hombres con lo que les permite de este modo existir, en
el que esas dimensiones fundadoras y las combinaciones que autorizan devienen
la materia de una opición global que ordena uma u otra de las grandes formas
sociales que nos presenta la história. Tal es la convicción que justifica en última
instancia el método y el objeto de este libro. El método, en el sentido de que
legitima una busqueda específica, tras la infinita variedad y profusa movilidad
de las sociedades y de las culturas, de los esquemas organizadores
fundamentales que an definido, uno tras otro, las bases y las orientaciones del
estabelecimento humano. El objeto, porque las religiões constituyen el lugar de
paso obligado de uma investigación de este orden.21
Seria então a religião chave para o entendimento do humano? No entender de Gauche, sim.
Só através do entendimento dessas conseguiríamos entender a disposição das sociedades
pelo tempo, e só entendendo as religiões enxergaríamos a lógica “das diferentes figuras
que revestiram as relações coletivas com as articulações que fazem com que haja algo de
coletivo.”22 Desta forma pretende o autor recompor o sistema de crenças que antecedem o
surgimento do Estado. Um sistema que, como foi assinalado, a alteridade é a forma
dominante. Nele imperam a despossessão e a imutabilidade. O presente é uma herança dos
antepassados e deve ser conservado tal como era no início dos tempos. O que existe não
pertence, pois, aqueles que, ritualisticamente, repetem as atitudes recebidas. Aqui se trata
de estudar a forma mais radical da presença do religioso,
9
23
y un presente-copia.
Referências Bibliográficas
Carlos Alberto STEIL. Para ler Gauchet. In, Religião e sociedade. 16/3: 1994.
Darli ALVES de SOUZA. O desencantamento do mundo. Ultimo andar. São Paulo, (15),
153-162, dez. de 2006. in,
<http://www.pucsp.br/ultimoandar/download/UA_15_resenha_desencantamentomundo.pdf
, consu em 11/03/08.>
10