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GUARULHOS
2016
OLÍVIA YUMI IWASAKI DA SILVA
GUARULHOS
2016
Silva, Olívia Yumi Iwasaki da.
Aprovação: ____/____/________
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer aos meus pais, Emidia e Ronaldo, e ao meu avô,
Kiyotaka, que sempre estiveram ao meu lado e me apoiaram em todas as minhas escolhas.
À Mariana, Patrícia e Eduardo, cuja amizade começou há uma década e desde então tem se
fortalecido cada vez mais. Muito obrigada por estarem sempre ao meu lado, amo vocês!
Ao Fernando, por todo o carinho e companheirismo desses últimos dois anos e sete meses.
Agradeço pelas broncas, palavras de incentivo e principalmente pela paciência que teve comigo
nesses últimos meses.
Aos amigos que tive a oportunidade de cultivar durante os últimos 5 anos e meio e que
partilharam comigo das dores e delícias de se estudar numa universidade pública.
À Michele Dias (todos os dias), co-orientadora desse trabalho (rs) e amiga maravilhosa que
fez muita falta nesse último semestre. Muito obrigada pelas risadas fazendo os milhares de
trabalhos de patrimônio, pelos puxões de orelha quando eu estava errada, pelas conversas sobre
Mallu e GC e principalmente pelos abraços (e ofertas de chá) sempre que eu estava tristinha.
À Juliana Carvalho, amiga GPS mais tranquilona de todas. Obrigada pelas conversas,
conselhos e rolês dentro e fora da faculdade, tenho muito carinho por você.
À Bruna, amiga (não mais) chorona, que sempre me apoiou nas dificuldades que tive na
universidade, muito obrigada pelo companheirismo, palavras de apoio (principalmente durante
minhas crises nas apresentações de seminários) e pelas caronas nesse último semestre, que
foram de grande ajuda!
Por fim, agradeço ao meu orientador, Odair, pelas aulas nas disciplinas de Cultura Material
e Museus e História e Patrimônio Imaterial, que despertaram o meu interesse para a área de
patrimônio e me instigaram a estudar sobre os processos elaborados pela municipalidade. Muito
obrigada pelas conversas, prontidão nas correções dos capítulos e por ter tolerado minha falta
de atenção com prazos e datas de entrega.
RESUMO
Nas últimas três décadas no país percebe-se um avanço nos processos de patrimonialização
dos bens de natureza imaterial. Atualmente, são 27 bens registrados pelo Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e três no município de São Paulo, registrados entre os
anos de 2012 e 2014. Os bens reconhecidos pelo município constituirão a temática central desta
pesquisa. Assim, este projeto pretende analisar os processos de reconhecimento do patrimônio
imaterial na cidade efetuados pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), que são: a Casa
Godinho, Samba Paulistano e o Conjunto de Teatros, com o intuito de compreender qual é a
noção de patrimônio imaterial utilizada para embasar as políticas de registro efetuadas pela
municipalidade.
In the last three decades, we’ve realized there’s been an advance in the research of intangible
heritage assets. Nowadays, there are 27 assets registered by the national heritage Institution,
IPHAN, and three in the city of São Paulo, registered between 2012 and 2014. The assets
recognized by the city’s heritage council will be the central theme of this research. Therefor,
this work intends to analise the legal processes of intangible heritage done by the city’s heritage
council (CONPRESP), that are: Casa Godinho, Samba Paulistano and Conjunto de Teatros, in
order to understand what’s taken into account to proceed with the registry of the intangible
assets.
Keywords: Intangible heritage recognition. Cultural Policy. São Paulo(City). Conpresp. Casa
Godinho. Samba Paulistano. Conjunto de Teatros.
SUMÁRIO
Introdução 7
1. Patrimônio Cultural: apontamentos 9
1.1 O patrimônio de pedra e cal e a emergência da preservação dos bens de caráter
imaterial 9
1.2 A preservação do patrimônio cultural brasileiro 11
1.3 Políticas referentes ao Patrimônio Imaterial no Brasil 13
1.4 A proteção do patrimônio na cidade de São Paulo 16
2. O patrimônio imaterial chega à São Paulo: o registro da Casa Godinho e do Samba
Paulistano 21
2.1 Processo nº 2012-0.342.668-9 – Registro da Casa Godinho 22
2.2 O processo n. 2013 – 0.265.805-7 – Declaração do Samba Paulistano 32
3. O processo de patrimonialização das 22 Companhias de Teatro 49
3.1 O processo nº 2014-0.206.225-3: Registro do Conjunto de Teatros 49
Considerações finais
Referências 77
Apêndice A 80
7
Introdução
É crescente o número de estudos das mais diversas áreas dedicadas ao campo do patrimônio
cultural. Os debates, que até pelo menos a metade do século XX abordavam majoritariamente
o patrimônio de “pedra e cal”, hoje abordam as mais variadas expressões do patrimônio cultural.
Embora a preservação do patrimônio imaterial no Brasil conste em forma de lei desde 1988,
através dos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, só foram criadas políticas específicas
para este campo mais de uma década depois, no ano de 2000, denominadas como Inventário e
Registro, instrumentos legais que instituíram o compromisso do Estado em inventariar,
documentar, produzir conhecimento e apoiar a dinâmica de práticas socioculturais
(CAVALCANTI, 2008, p.18).
A partir dessa inquietação com relação aos registros efetuados pela esfera municipal,
procuramos analisar e discutir, com base nas três autuações efetuadas pelo CONPRESP, qual a
noção de patrimônio imaterial utilizada para embasar o registro desses bens como patrimônios
8
da cidade de São Paulo, com o intuito de compreender quais foram as razões para esse
reconhecimento.
A pesquisa está dividida em três capítulos, onde inicialmente, faremos um panorama geral
sobre a discussão do patrimônio imaterial, desde o surgimento das discussões sobre o tema após
a II Guerra Mundial no âmbito da UNESCO, às políticas culturais elaboradas no solo brasileiro
por Mário de Andrade durante formulação do Sphan em 1937 e as leis criadas para efetivar a
preservação dos bens de natureza imaterial após a Constituição Federal de 1988. Abordaremos
também os históricos dos órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio da cidade de São
Paulo, o CONPRESP e o DPH, e sobre a lei nº 14.406, de 21 de maio de 2007, que instituiu o
Programa Permanente de Proteção e Conservação do Patrimônio Imaterial do Município de São
Paulo.
Por fim, apresentaremos nossas considerações finais sobre os dados obtidos através da
pesquisa.
9
Nos dias atuais, a noção de patrimônio surge com bastante frequência tanto em trabalhos
acadêmicos quanto na mídia, devido em parte a recente preocupação com os vestígios do
passado frente às rápidas transformações do mundo contemporâneo (ZANIRATO, 2011,
p.190). Muito embora hoje essa palavra nos pareça autoexplicativa, em sua origem esteve
atrelada às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade pretensamente
estável, enraizada no espaço e no tempo (CHOAY, 2006, p. 11). Hoje, seu sentido foi
requalificado, podendo vislumbrar tanto uma noção enraizada no econômico, ligados a bens e
propriedades, quanto aos diversos tipos de patrimônios culturais da sociedade (histórico,
arqueológico, artístico, arquitetônico, natural, imaterial, genético, etc).
Os países cuja noção de patrimônio não era sustentada pela lógica ocidental (de matriz
francesa), reivindicaram, após a aprovação da Convenção do Patrimônio Mundial, Cultural e
Natural da UNESCO1 em 1972 (que considerou como patrimônio cultural apenas as obras
arquitetônicas, esculturas e pinturas), a realização de estudos para proposição em nível
internacional, de um instrumento de proteção às manifestações populares de valor cultural
(SANT’ANNA, 2009, p. 53). Por meio da criação e atuação na área cultural da UNESCO,
passou a se perceber que todos os países possuem pauta cultural, revertendo o quadro da
expressão de cultura da matriz europeia. A cultura também se tornou um meio de promover a
paz, onde a tradição popular e o folclore eram vistos como fator de compreensão e incentivo à
apreciação das diferenças entre povos (CAVALCANTI, 2001, p.3).
Desde o seu surgimento, a UNESCO tem mostrado crescente preocupação com relação à
preservação do patrimônio cultural imaterial, que pode ser aludida através das iniciativas
1
A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), é um importante braço
da ONU e foi criada em 16 de novembro de 1946, após a II Guerra Mundial, com o objetivo de construir uma rede
de conexões entre as nações para contribuir para a paz e segurança no mundo mediante os pilares da educação,
ciência, cultura e comunicações. Esta notabiliza-se pela defesa da riqueza humana resultante da diversidade
cultural, e é um importante agente para compreender a importância do Patrimônio Imaterial nos dias atuais.
(CAVALCANTI, 2008, p.13)
11
realizadas ao longo dos anos, tais como a Recomendação Sobre a Salvaguarda da Cultura
Tradicional e Popular (1989), instituição do Programa de Proclamação das Obras-primas do
Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade (1997), Declaração Universal Sobre a Diversidade
Cultural (2001), Declaração de Istambul (2002) e a Convenção para a Salvaguarda do
Patrimônio Imaterial (2003), esta última de grande relevância, visto que procurou definir os
conceitos do campo do patrimônio imaterial e definiu os métodos para sua salvaguarda.
O artigo 2º da Convenção de 2003 definiu o conceito de patrimônio cultural imaterial para a
UNESCO, como:
Práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os
instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as
comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte
integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se
transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história,
gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para
promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana (UNESCO, 2003).
Deste modo, podemos compreender que a noção de patrimônio cultural, desde o século XVIII até
o final do século XX, passou por diversas transformações e ampliou drasticamente o espectro do que
deve ser preservado, e hoje tem por base um discurso de âmbito mundial a ser seguido pelos países
membros das Nações Unidas.
Esta noção de autenticidade e pureza da cultura popular trouxe diversos problemas para o
campo do patrimônio imaterial, visto que as manifestações possuem caráter dinâmico e sofrem
ressignificações e mudanças pontuais em cada período sendo, portanto, impossível que a
manifestação não adquira com o tempo um caráter moderno.
I - as formas de expressão;
O decreto acima citado, datado de 04 de agosto de 2000, é o principal marco legal da atuação
relativa ao patrimônio cultural imaterial no Brasil, e através dele foi instituído o compromisso
do Estado em inventariar, documentar, produzir conhecimento e apoiar a dinâmica dessas
práticas socioculturais (CAVALCANTI, 2008, p.18). O Registro como instrumento legal,
2
O PNPI foi criado pelo Decreto 3551-2000, e estrutura-se como um programa de fomento, buscando parcerias
com órgãos governamentais, universidades, ONGs, instituições privadas e agências de financiamento, com vistas
a captação de recursos e à implementação de políticas de salvaguarda. (CAVALCANTI, 2008, p. 23)
14
Além dessa definição, a norma institui a criação de livros onde as expressões serão inscritas,
tendo a possibilidade de alarga-los em outros temas posteriormente caso haja necessidade. Os
livros criados até o momento são:
II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que
marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e
de outras práticas da vida social;
No decreto também foi regulamentada a prática do órgão federal para o patrimônio imaterial,
indicando os procedimentos para inventário e registro das manifestações, ordenando um
método a ser seguido para a abertura dos processos, quem deve se responsabilizar pela instrução
deles e qual parte do órgão participará das deliberações que decidirão se o bem será ou não
registrado:
§ 3. A instrução dos processos poderá ser feita por outros órgãos do Ministério
da Cultura, pelas unidades do IPHAN ou por entidade, pública ou privada, que detenha
conhecimentos específicos sobre a matéria, nos termos do regulamento a ser expedido
pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
Também é estabelecida a noção de revalidação da chancela do registro, onde a cada dez anos
os bens são reavaliados no sentido de compreender as alterações ocorridas em sua dinâmica em
sentido amplo (localidade, sujeitos produtores, relações e sentidos para a comunidade, etc.).
Caso a expressão não exista mais, retira-se a chancela, ficando apenas o registro do que foi
anteriormente.
A cidade de São Paulo foi pioneira na área cultural, quando em 1935, foi criado por meio do
ato 861 o Departamento Municipal de Cultura, cuja intenção era a de:
Este órgão, cujo anteprojeto é de autoria de Mário de Andrade juntamente com Paulo Duarte,
Sérgio Milliet e Rubens Borba de Moraes, pretendia ser também para a preservação do
patrimônio cultural, então chamado artístico e cultural, já com a instituição do tombamento
como “ferramenta” privilegiada (FERREIRA, 2015, p.31). Este departamento pode ser
considerado precursor do que se tornou em 1975 a Secretaria Municipal de Cultura (SMC),
onde nasceu, no mesmo ano, o Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), criado pela lei
8.204/1975 com o intuito de auxiliar a SMC na preservação do patrimônio histórico municipal,
sendo responsável por inventariar e proteger os bens culturais paulistanos.
Atualmente, o DPH tem por atribuições apoiar as ações do CONPRESP por meio da
realização de inventários e instituição dos processos de tombamento e registro, atuando como
3
A classificação Z8-200 foi transformada em Zona Especial de Preservação Cultural, ou seja, ainda existem hoje,
mas são conhecidas como ZEPECs, conforme a a lei 13.885, de 25 de agosto de 2004, que complementou o Plano
Diretor Estratégico, instituído pela lei 13.430, de 13 de setembro 2002. Os imóveis anteriormente classificados
como Z8-200 foram automaticamente incluídos na ZEPEC, assim como todos os imóveis e áreas preservados pelos
órgãos municipal, estadual e federal de patrimônio atuantes no município. (FERREIRA, 2016, p. 37)
17
Essa mudança ocorrida logo após a criação do órgão alterou significativamente a questão
da representatividade no Conselho Deliberativo, que passou a configurar-se como um conselho
onde predomina a voz do executivo e não há espaço para a voz das instituições ligadas ao campo
do patrimônio. Dos nove representantes no Conselho Consultivo, as instituições diretamente
ligadas ao campo do patrimônio são três: o diretor (a) do CONPRESP, um representante do
18
Segundo o pesquisador David Ventura (2005, p.5), através dessa mudança na estrutura do
Conselho,
As atribuições do Conselho, alteradas pela última vez no ano de 2007 através da lei nº
14.516, de 11 de outubro de 2007) determinam que o órgão:
Nota-se que no plano normativo não há distinção entre bens materiais e imateriais, posto na
lei apenas os bens móveis e imóveis passíveis de tombamento. Entretanto, embora ainda não
haja essa distinção até os dias atuais, foi sancionada em 21 de maio de 2007, a lei 14.406 que
criou o Programa Permanente de Proteção e Conservação do Patrimônio Imaterial do Município
de São Paulo, instituindo o processo de registro na cidade e delimitando conceitos e normas
com relação ao patrimônio imaterial. A norma compreende que:
I - as formas de expressão;
Assim como na lei federal, para a inscrição das manifestações declaradas como patrimônio
imaterial da cidade, foram criados os seguintes livros de registro:
II - Livro de Registro das Celebrações, no qual serão inscritos rituais e festas que
marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, o entretenimento e outras
práticas da vida social da cidade;
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, no qual serão inscritas manifestações
literárias, musicais, artísticas, cênicas e lúdicas;
Art. 4º Aos registros efetivados pela Administração Municipal será concedido o Título
de Bem do Patrimônio de Natureza Imaterial da Cidade de São Paulo.
São regulamentadas as partes que podem solicitar pelo processo de registro, sendo:
Onde,
continuidade histórica do bem imaterial e sua relevância para a memória, identidade e formação
da cultura da cidade.
Embora essa lei tenha sido sancionada em 2007, até fins de 2014 ainda não havia sido
regulamentada. Portanto, os parâmetros utilizados nos Registros de bens culturais imateriais
efetuados pelo CONPRESP até o momento, são os do CONDEPHAAT e IPHAN. O livro de
registros do Patrimônio Cultural Imaterial da cidade foi inaugurado em 20 de dezembro de
2012, quando foi deliberado o registro da Mercearia Godinho, inscrito no livro de registro de
Sítios e Espaços, seguido pelo registro do samba paulistano em outubro de 2013, no livro de
formas de expressão, e das atividades exercidas por conjunto de teatros, em outubro de 2014,
em mesmo livro.
Esses três processos serão os objetos do presente estudo, que procurará, a luz da discussão
realizada neste capítulo, referente ao tema do patrimônio cultural imaterial e sobre os órgãos de
patrimônio federal e da cidade de São Paulo, explicitar as questões com que nos deparamos no
decorrer da análise dos processos, buscando compreender as motivações para o registro dessas
manifestações∕ expressões culturais.
21
Este capítulo tem por objetivo discutir o reconhecimento da Casa Godinho como “sitio ou
lugar de cultura imaterial para a cidade de São Paulo”, registrado no ano de 2012, e também a
“declaração do Samba Paulistano como patrimônio cultural imaterial”, registrado em 2013 pelo
CONPRESP. A análise seguirá a ordem contida nos processos, destacando as partes que nos
auxiliem a explicitar as questões e problemas encontrados durante a leitura dos autos.
A Casa Godinho, fundada em 1888 pelo imigrante português José Maria Godinho e depois
transferida para a rua Líbero Badaró, 340, onde está até os dias de hoje, é uma antiga mercearia
que desde a sua fundação comercializa os mesmos produtos, que vão desde vinhos, whiskys e
cachaças ao famoso bacalhau norueguês, Gadus Morhua (produto mais vendido do
estabelecimento), e mantém o mesmo atendimento direto e pessoal, comum nas mercearias
antigas e visualmente mantém os aspectos originais desde sua abertura.
O processo possui ao todo 53 páginas, divididos entre ofícios e memorandos internos, estudo
histórico, pareceres, folha de votação e publicação no Diário Oficial, e teve duração total de 4
meses a contar da abertura do processo, em 24 de setembro de 2012, a publicação no Diário
Oficial do Município ocorrida em 24∕01∕2013.
O Samba Paulistano por sua vez, tem sua origem atrelada à cidade de Pirapora do Bom Jesus,
onde ocorria o samba de bumbo durante os encontros de negros trabalhadores das zonas
produtoras de café, no final do século XIX. Inicialmente essa manifestação ocorria juntamente
às festividades religiosas, porém devido ao seu caráter “profano”, foi transferida para o período
carnavalesco a partir do início do século XX. O samba de bumbo, no início do século XX
começa a vir para a cidade de São Paulo, que estava à época se industrializando, e com isso
surgiram os primeiros cordões paulistanos, nos bairros com maior concentração de negros e
pobres.
Devido à forte influência do samba carioca nas rádios, o samba paulista, antes influenciado
pelos ritmos rurais, passou a sofrer alterações em sua estrutura interna, instrumentos e ritmos
musicais. Com o reconhecimento do carnaval pela municipalidade, os desfiles passaram por
uma “profissionalização” e “padronização” ao longo dos anos e essa expressão antes com fins
de comemoração e diversão, passou a objetivar acima de tudo o sucesso na avenida.
O processo possui ao todo 145 folhas, e sua duração foi de aproximadamente 4 meses a
contar da data do memorando de abertura, em 18∕06∕2013, à publicação no Diário Oficial da
Cidade, 23∕10∕2013. A estrutura dessa autuação é semelhante à da Casa Godinho e possui as
22
mesmas partes constitutivas, como ofícios e memorandos internos, estudo do bem em questão,
pareceres, folha de votação e publicação no DOC. O único acréscimo é o plano de pesquisa no
início do processo, elaborado pelos funcionários do CONPRESP e DPH.
2.1 Processo nº 2012-0.342.668-9 – registro da Casa Godinho como Sítio ou Lugar com
significado imaterial para a cidade de São Paulo
Abertura do Processo
O processo de elevação da Casa Godinho como “sitio ou lugar de cultura imaterial para a
cidade de São Paulo” foi solicitado pela socióloga Fátima Antunes Ferreira, funcionária da
Divisão de Preservação do DPH. A autuação foi aberta em 24 de setembro de 2012, em carta
do presidente do CONPRESP, José Eduardo Assis Lefèvre, ao diretor do DPH, Walter Pires,
solicitando que se fizesse um estudo com a finalidade de embasar o registro da Casa Godinho
como local de valor cultural para a cidade:
Pelo presente venho solicitar a realização de estudos para embasar o registro da
conhecida Casa Godinho estabelecida no Edifício Sampaio Moreira desde a sua
inauguração, mas existente, segundo consta, há mais de um século, como sítio ou lugar
com significado cultural imaterial para a Cidade de São Paulo (CONPRESP∕DPH,
2012. p.2, grifo nosso).
O presidente do CONPRESP considerou importante o registro da Casa Godinho como local
de cultura imaterial, pois esta possui valor cultural e histórico, e representa “um dos únicos
exemplares remanescentes de um típico estabelecimento de comércio de secos e molhados
implantados por membros da colônia lusitana na cidade” (Ibidem, p.2). Além desses motivos,
é mencionado também que o objeto em questão se encontra entre dois outros processos de
patrimonialização do próprio CONPRESP, pois localiza-se no térreo do edifício Sampaio
Moreira, tombado em 1992, e suas instalações (prateleiras, balcões e ornamentos) estavam em
processo de tombamento desde 2009.
Segundo Silvestrin (2014, p. 23), a patrimonialização é uma seleção, onde dentre uma vasta
gama de bens culturais semelhantes existem alguns cujos valores são distintos dos demais e por
essa razão são escolhidos e posteriormente protegidos. Através do memorando de abertura, não
é possível aferir sobre a realização de um inventário e estudos preliminares para saber quais os
valores que distinguem a Casa Godinho de outros estabelecimentos “centenários” ainda
existentes na cidade de São Paulo, como a Padaria Santa Tereza (1872), o Restaurante Carlino
(1881) e a loja de ferragens Casa da Bóia (1898) que também foram criados no final do século
XIX e ainda estão em atividade. As motivações do pedido de registro do presidente do
23
CONPRESP, relacionadas ao valor histórico e cultural da mercearia, não eliminam esses outros
estabelecimentos mencionados acima, visto que também são antigos e procuram em seus
espaços valorizar esse aspecto (a Casa da Bóia por exemplo, possui um museu em seu interior
e sua fachada foi tombada pelo CONPRESP em 1992).
Como abordado no primeiro capítulo, o conceito de “continuidade histórica” é uma das
chaves que definem o patrimônio cultural de natureza imaterial, devido a se tratarem de
processos de transmissão de conhecimentos, técnicas, sentidos, memórias e valores associados
ao bem cultural, dos mais velhos para os mais novos (SILVESTRIN, 2014). Entretanto, a
valorização do caráter “histórico” tão somente não torna o local um bem imaterial por si só,
sendo necessária a presença de outros aspectos como os fatores de coletividade - onde é
pressuposto que haja uma base social que reconheça o bem como parte de sua identidade,
história e memória; e da necessidade de possuir um caráter dinâmico e processual, que seja
incorporada ao campo tradicional do patrimônio a dimensão do presente, das práticas culturais
vivas, do cotidiano e da sincronia,
Há (...) a necessidade de ser uma referência cultural, que sejam dados sentidos e
valores distintos para o bem, e que sejam, por essa maneira, constituidores de marcos
identitários e memória para determinado grupo social. (Ibidem, p.13)
Outra consideração diz respeito ao local se encontrar entre dois tombamentos efetuados pelo
próprio CONPRESP, que protegem tanto a parte interna quanto externa do edifício, incluindo
as prateleiras, balcões e ornamentos da Mercearia Godinho. Esse fato faz com que toda reforma
ou modificação da estrutura interna tenha que ser aprovada previamente pelo órgão,
dificultando assim possíveis mudanças de atividade no andar térreo do edifício, ocupado pela
Casa Godinho. De acordo com Márcia Sant’Anna em seu parecer sobre a pertinência do registro
da Feira de Caruaru (2006, p. 17), não há impeditivos para que se tombe e registre um mesmo
local “sempre que valores específicos [forem] atribuídos aos seus aspectos físicos ou quando
esse suporte edificado ou territorial é essencial para a continuidades dos usos e práticas que
abrigam”.
Entretanto, não é objetivo desse trabalho indagar sobre o valor histórico da ambiência, ou
referente aos tombamentos já realizados no edifício, mas sim questionar sobre o que se pretende
registrar no local. Utilizando-se das argumentações anteriormente citadas para a instauração do
processo, referente ao valor histórico e cultural do local para a cidade - que não vão além dos
aspectos históricos e físicos; e não explicitando o principal, que são as práticas sociais que
ocorrem no local e que possibilitam que o espaço seja reconhecido como patrimônio imaterial,
nos gerou questionamentos quanto a pertinência do processo.
Estudo sobre o bem
24
O histórico e estudo sobre o bem ocupa a maior parte do processo (17 folhas), e foi elaborado
entre os meses de outubro e novembro de 2012. Suas partes constitutivas são: um estudo sobre
a Casa Godinho e o comércio na região central de São Paulo, a ambiência dos armazéns na
passagem do século XIX ao XX e a relação da mercaria na memória afetiva dos paulistanos;
levantamento sobre o perfil dos clientes e opiniões sobre a mercearia, e para finalizar, um
registro fotográfico do local.
A primeira parte, referente ao estudo sobre a Casa Godinho no contexto da cidade no final
do século XIX e durante o XX, procura retratar o meio em que surgiu a Casa Godinho, no antigo
largo da Sé no denominado triângulo histórico – região entre as igrejas de São Francisco, São
Bento e do Carmo. Esta região, que anteriormente abrigava moradia e comercio em um mesmo
espaço, a partir da metade do século XIX passa a se firmar como centro comercial passando a
abrigar lojas especializadas em diversos produtos, transformando-se em “local de consumo,
comércio e negócios das elites” (CONPRESP∕DPH, 2012, p. 3), conforme o texto, esse processo
ocorreu devido ao aumento populacional que a cidade sofreu devido à imigração e a criação do
bonde movido à tração animal. Essas lojas pertenciam majoritariamente à imigrantes de
diversas nacionalidades divididos por ramos de atuação, sendo os portugueses donos de
empórios de secos e molhados e também atuantes na fabricação de pães.
Foi durante esse período que o português José Maria Godinho inaugurou o empório de secos
e molhados finos com o nome de Casa Godinho, no ano de 1888. O negócio provavelmente
obteve sucesso, e em 1924 uma filial foi aberta na região do Anhangabaú, na Rua Libero Badaró
no andar térreo do edifício Sampaio Moreira, existente até os dias atuais (não se sabe quando
fechou a filial do largo da Sé, mas sabe-se que ela existiu até 1929).
A partir da metade do século XX, ocorrem dois movimentos que impactaram a rotina desses
empórios localizados no centro da cidade: a mudança de costume da população, que passou a
fazer suas compras em supermercados; e o início da degradação do centro da cidade, motivada
principalmente pela saída de empresas e bancos para a região da Av. Paulista, que mais tarde
se firmará como o novo “centro” financeiro da capital. Com o advento dos supermercados, os
empórios de secos e molhados foram procurando alternativas para sobreviver através de
modernização das lojas, modificando o sistema de autoatendimento e etc.
A Casa Godinho foi a única que continuou funcionando basicamente da mesma maneira,
com o mesmo sistema de antigamente, comercializando os mesmos produtos e preservando
parte da mobília antiga – ornamentos e balcões de madeira originais (houveram algumas
modernizações visando a qualidade no atendimento). Sendo assim, a Casa Godinho é
considerada o mais antigo empório de secos e molhados.
25
Este, segundo o dono atual da mercearia Miguel Romano, é o diferencial da loja, pois “a
forma como [as pessoas] são atendidas também compõe a atmosfera do século XIX”
(CONPRESP∕DPH, 2012, p. 12). Essa atmosfera de “retorno ao passado” já fez com que a loja
se transformasse durante alguns dias em sets de filmagem. O levantamento feito pela socióloga
sobre citações em textos e crônicas referentes a Casa Godinho, procuram mostrar que a
mercearia fez e faz parte da memória afetiva de parte dos paulistanos, como o relato do
historiador Boris Fausto traz, referente à memória que tem sobre o empório na época da II
Guerra Mundial.
(...) Por exemplo, no dia em que os alemães entraram em Paris, meu pai chegou da
cidade, de cara fechada, fumando mais do que nunca. Não trazia nas mãos o pacote
bem-feito da Casa Godinho, contendo os pepinos em salmoura e os arenques que tanto
apreciava (Ibidem, p.13)
É mencionado nesta parte também sobre o aumento da conscientização da necessidade da
preservação dos bens materiais e imateriais da sociedade, e que estes muitas vezes tornam-se
atrativos ao turismo das regiões. Como exemplo, citam a Confeitaria Colombo no Rio de
Janeiro, que abriu em 1894, fechou as portas por um tempo na década de 1990, porém foi
reaberta e através da valorização dos aspectos “históricos” e dos produtos próprios, se reergueu
e é um dos pontos mais visitados por turistas no Rio de janeiro.
Registro Fotográfico
26
A terceira parte consta de 17 fotografias referentes a Rua Líbero Badaró, onde o comércio
se encontra; a fachada do edifício Sampaio Moreira; entrada da mercearia e imagens do interior
da loja (piso, vitral, balcão de madeira, quadros contendo notícias da mídia sobre a casa
Godinho, balcão de vidro e vitrine de doces). Não foram colocadas fotos antigas da Casa
Godinho (apenas uma foto do edifício Sampaio Moreira em 1925), apenas fotografias de outras
mercearias existentes na cidade no início do século XX e cópias de propagandas anunciadas em
jornais nas décadas de 1910 - 1930.
O histórico elaborado pela socióloga Fatima Antunes, procura situar o leitor no contexto da
cidade de São Paulo do final do século XIX e XX, destacando as transformações ocorridas na
região central da cidade e interligando essas à trajetória da Casa Godinho. Através do texto,
compreende-se que as motivações para o registro se deram também pela memória que o lugar
estabelece com relação à identidade paulista, remontando a época de uma São Paulo que vivia
a riqueza do café, onde o centro da cidade era o principal palco de lazer e compras da população,
e também o local onde ocorriam as grandes mudanças urbanas.
Durante a leitura é ressaltado que o grande diferencial da Casa Godinho frente à outras
mercearias “históricas” da cidade como o Empório Chiappetta e Empório Santa Luzia, criados
no início do século XX como armazéns da vizinhança, é que a Mercearia em análise não se
modernizou, enquanto as duas outras modificaram seus sistemas de atendimento e instalações.
É bastante frisado que a mercearia “sobreviveu” mantendo o mesmo sistema do início de suas
atividades (com mudanças pontuais como a inclusão de leitor de código de barras e estufas para
os doces e salgados), comercializando os mesmos produtos e preservando suas mobílias antigas.
Esse pressuposto tão ressaltado referente a “autenticidade” do local geradora do sentimento
de “retorno ao passado” aos clientes, por mais que tenha sido a grande motivação para o registro
ora em análise, não deveria ser a principal questão sobre o objeto, pois, como abordado no
primeiro capítulo e durante as considerações sobre o pedido de abertura, as manifestações
culturais de caráter imaterial são dinâmicas e sofrem ressignificações e mudanças pontuais em
cada período.
Silvestrin (2014, p. 12) expõe que:
Os bens culturais de natureza imaterial não devem ser tratados sob a égide da
“originalidade” naquilo que se refere a manutenção, cristalizada, de características
que ele possuía quando do seu surgimento (...) sendo que o mais importante é a
continuidade no tempo e a capacidade de se manter como referência cultural para as
comunidades, apesar das transformações que podem sofrer em função das mudanças
nos contextos socioculturais e econômicos nos quais se encontram inseridos.
Portanto, os instrumentos de inventário e registro não tem por objetivo congelar o local como
era desde 1924, mas sim dar o suporte necessário para evitar que o local e suas relações internas
27
desapareçam, sendo mais importante do que zelar pela “originalidade” do bem, manter a sua
continuidade como referência para a população que frequenta o espaço e o entorno. Dessa
forma, desde que exista um grupo de pessoas que considere o local como referência espacial
em suas vidas, não importa se o empório tornou-se um mercado e mudou o seu sistema de
atendimento, a relação com o local seria afetiva da mesma maneira.
Outra questão diz respeito a segunda parte do estudo, referente a amostra de conveniência
elaborada pela funcionária do DPH, que objetivou traçar um perfil dos clientes da Casa
Godinho. Essa amostra foi realizada durante 5 dias úteis e participaram 387 pessoas no total,
através de questionários com perguntas fixas, referentes à frequência, como conheceram o local
e o que os motivou a frequentar o lugar. Esse questionário possibilitou a compreensão de que
grande parte dos clientes são “fiéis” a casa, frequentando há mais de um ano e fazendo compras
ao menos uma vez por mês, a maioria conheceu o local através de amigos e familiares ou
passando em frente e as motivações principais são devido à qualidade dos produtos e o
atendimento cordial.
Embora esses questionários tenham possibilitado a extração de informações importantes
para a composição do processo, como a frequência alta de grande parte dos entrevistados, que
demonstra que o local é referência para essa parte da população, e pelas motivações serem
referentes a qualidade dos produtos e o bom atendimento, o fato de esta ser a única pesquisa
sobre o local e por se tratar de uma amostragem muito pequena, que representa apenas 2,95%
do total de vendas do mês de novembro (CONPRESP∕DPH, 2012, p.19), é um estudo
insuficiente para ser utilizado como legitimador do registro do local.
Primeiro parecer
A autora do estudo sobre o espaço, socióloga Fátima Antunes, através dos dados obtidos
com a pesquisa termina o estudo fornecendo seu parecer, que é favorável ao registro da Casa
Godinho. Suas argumentações vão de encontro aos valores expostos pelo presidente do
CONPRESP no início do processo, onde compreende que o local deve se tornar patrimônio
imaterial da cidade devido ao seu valor histórico e cultural, citando a “trajetória vinculada ao
período de consolidação do centro da cidade, no final do século XIX, como centro comercial”
(Ibidem, p. 39); a sua associação ao primeiro arranha céu da cidade – Edifício Sampaio Moreira;
por se tratar de um local que é “referência para a memória de São Paulo e notável referência
espacial no centro da cidade” (Ibidem, p. 40) e por ter seu interior bem preservado, assim como
o serviço que continua sendo através de um sistema pessoal de atendimento ao cliente,
semelhante ao modelo utilizado durante o início do século XX.
28
específicas que são o grande objetivo da proteção e devem ser detalhadas no estudo, já que é
isso que se pretende também documentar e salvaguardar e não necessariamente o espaço em si.
O fato de não ter sido realizado um estudo abrangente sobre as relações que ocorrem no
espaço, deixaram o processo pobre no quesito do que se pretendia registrar como bem de
natureza imaterial, e essa falta é ressaltada pela pesquisadora ao fim de seu parecer, quando cita
que é necessário um estudo mais aprofundado sobre as práticas sociais presentes para que o
registro seja viabilizado.
Segundo Parecer
O estudo e parecer da Socióloga foi encaminhado pela diretora da Divisão de Preservação
do DPH, Letícia Bandeira de Mello, e pelo diretor do DPH, Walter Pires, com parecer também
favorável ao encaminhamento do registro no “Livro de registros de Sítios e Espaços”, Mello
em sua argumentação alega que:
O tombamento das prateleiras, balcões e ornamentos dos forros, tombados pela
resolução 02/CONPRESP/2009, não consolida o valor cultural que é expresso pelo
mais antigo empório de secos e molhados da cidade, que resistiu a mudança dos
hábitos, as crises econômicas e ao processo de degradação do centro, comercializando
os mesmos produtos desde a inauguração (CONPRESP∕DPH, 2012, p.41, grifo da
autora).
O parecer da diretora de preservação do DPH, vai de encontro ao parecer anterior, onde
considera que a mercearia consiste em um tipo de estabelecimento profundamente ligado à
história de São Paulo. Cabe dizer que o termo “valor cultural”, é utilizado nesse processo de
maneira bastante genérica, e explicita, ao nosso entender, que se refira tão somente ao valor
histórico e memorial do lugar, se afastando de um processo de registro de patrimônio imaterial,
que leva em conta
(...) os usos, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – juntos com os
instrumentos, objetos, artefatos, e espaços culturais que lhes são inerentes -, que as
comunidades, os grupos e em alguns casos os indivíduos reconheçam como parte de
seu patrimônio cultural. (...) (UNESCO, 2003)
Se assemelhando mais a um processo de tombamento, onde é levado em conta a arquitetura
e o valor histórico do edifício, suas estruturas internas originais, o valor histórico e memorial
da ambiência, etc.
Walter Pires, diretor do DPH, endossou o parecer da Divisão de Preservação sem maiores
comentários e o encaminhou para aprovação do Conselho do CONPRESP, no dia 11 de
dezembro do mesmo ano.
Votação
30
4
O conselho é composto por: José Eduardo de Assis Lefèvre (titular), Marcos Cartum (suplente) da Secretaria
Municipal de Cultura; Walter Pires do Departamento do Patrimônio Histórico; Adilson Amadeu (titular), Alfredo
Alves Cavalcante (suplente) da Câmara Municipal de São Paulo; Cláudio Salvador Lembo (titular), Carlos
Eduardo Garcez Marins (suplente) da Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos; Luiz Ricardo Pereira Leite
(titular), Alfonso Orlandi Neto (suplente) da Secretaria Municipal de Habitação; Marcelo Manhães de Almeida
(titular), Augusto Machado Cortez (suplente) da Ordem dos Advogados do Brasil; Miguel Luiz Bucalem (titular),
Luiz Laurent Bloch (suplente) da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano; Nádia Somekh (titular), José
Geraldo Simões Junior (suplente) do Instituto dos Arquitetos do Brasil. (colocar só quem votou)
31
Com relação ao presente processo, pouco se leu referente a preservação do lugar, referido
apenas na folha de votação, cuja proposta final foi a de se realizar pesquisas por mais lugares
paulistanos “com valores imateriais” com o intuito de protegê-los, mas nada que se refira a
maneiras de evitar que a Casa Godinho e seu atendimento desapareçam, por exemplo. Isso nos
transmite a ideia de que a chancela de patrimônio imaterial, para o CONPRESP, se assemelha
mais a uma espécie de selo (certificação) de patrimônio paulista do que de registro propriamente
dito.
ou de bumbo, que objetivava a diversão da população à margem da sociedade; aos dias atuais,
em forma dos desfiles profissionais das escolas de samba, que possuem um caráter comercial
maior que o lúdico, e apresentam uma estrutura bastante diversa do carnaval paulista da metade
do século XX.
O primeiro tópico fala das origens do samba paulista, o rural ou de bumbo, surgido em fins
do século XIX em cidades do interior de São Paulo, onde:
Grupos de negros batuqueiros se reuniam para tocar e dançar, sobretudo nas festas
após as colheitas. Foi a partir das trocas promovidas nesses encontros que o interior
paulista passou a ser classificado como o “núcleo inicial das antigas apresentações do
samba dos negros (CONPRESP∕DPH, 2013, p.8).
O marco inicial do Samba Paulistano se dá em fins do século XIX na cidade de Pirapora do
Bom Jesus na região metropolitana de São Paulo, ponto de encontro dos negros de diversas
regiões do estado trabalhadores nas lavouras de café, onde aconteciam as comemorações
religiosas e festas onde se tocava e dançava ao som do samba. A festa de Pirapora era referência
obrigatória nas atividades dos grupos de sambistas paulistas e o samba tocado e dançado nas
festas havia se tornado sinônimo do samba que se tocava e dançava em São Paulo, o samba do
bumbo, em que prevalecia este instrumento de percussão (Ibidem, p.10).
É relatado que Mário de Andrade foi à Pirapora na década de 1930 para participar nas festas
religiosas, e, embora a prática do samba já estivesse em declínio devido à repressão, descreveu
minuciosamente a manifestação:
O grupo formado de indivíduos de ambos os sexos, tem seus instrumentos.
Instrumentos sistematicamente de percussão, em que o bumbo domina visivelmente.
[...] todos se aglomeram em torno deste. [...] a coletividade que decide o texto-melodia
com que vai sambar [...] O solista canta, canta no geral bastante incerto, improvisando.
O seu canto, na infinita maioria das vezes é uma quadra ou um dístico. O coro
responde. [...] E assim aos poucos, desta dialogação, vai se fixando um texto-melodia
qualquer. [...] Quando percebe que a coisa pegou e o grupo, memorizando com
facilidade o que lhe propôs o solista, responde unânime e com entusiasmo, dá uma
batida forte e entra no ritmo em que estão cantando [...] os outros instrumentos
começam tocando também, e a dança principia [sic] (Ibidem, p. 10).
Afirmou também que o que diferencia o samba paulista é a coreografia, pois é dançada em
conjunto. Os instrumentos principais notados pelo autor eram o bumbo e a caixa, acompanhados
por chocalhos, pandeiros, reco-recos, adufes e tamborins, cuja utilização não era obrigatória
(Ibidem, p. 11).
O samba de Pirapora foi perdendo seu espaço com os anos, porém, continuou sendo de
grande importância nas rodas de samba na cidade de São Paulo, pois entre os grupos que se
reuniam em Pirapora surgiram líderes regionais que formaram os cordões paulistanos tempo
depois.
O segundo tópico: “Do samba rural ao samba urbano: os cordões carnavalescos”, inicia
falando da cidade de São Paulo já na década de 1920, que crescia rapidamente devido à
35
industrialização e onde pontos de samba rural emergiram nas localidades em que a população
negra e pobre vivia, como nas regiões da Barra Funda, Liberdade, Glicério, Bela Vista, Campos
Elísios, Vila Esperança, Cambuci e Vila Matilde.
Nesses bairros [...] surgiram os primeiros cordões carnavalescos, fundados por
pessoas que frequentavam as festas de Pirapora. Seus integrantes eram moradores
locais e suas apresentações ocorriam no próprio bairro (Ibidem, p. 14).
Os cordões paulistanos remetiam à dança surgida entre os séculos XVIII e XIX, denominado
dança dos “caiapós”, onde os negros procuravam retratar a violência sofrida pelos indígenas.
Essa dança era apresentada antes das procissões religiosas, porém em meados do século XIX
foi proibida em âmbito religioso, passando a ser realizada no período carnavalesco.
A dança Caiapó logo desapareceu da cidade de São Paulo, e em meados de 1910 já não
haviam focos dessa manifestação devido à resistência de parte da sociedade carnavalesca
branca, que menosprezava o caráter rustico e valorizavam os costumes festivos europeus
(Ibidem, p. 14). No lugar surgiram os blocos dos “esfarrapados”, pessoas que vestiam roupas
velhas e saiam de casa em casa festejando o carnaval, alguns grupos tornaram-se famosos, e
transformaram-se em cordões, junto com os negros instrumentistas que faziam serenatas
(Ibidem, p.15).
O primeiro cordão da cidade foi o Grupo Carnavalesco da Barra Funda, surgido em 1914
que teve como inspiração o ritmo musical tocado em Pirapora e também do Samba do Rio de
Janeiro, onde os cordões existiam desde 1901. Os primeiros festejos de carnaval realizados
pelos negros na cidade ocorreram nos bairros onde a população negra e pobre vivia, nos bairros
mais afastados como Barra Funda, Bexiga e Baixada do Glicério, entre 1910 e 1920.
Passaram a surgir diversos cordões pela cidade, como o cordão Campos Elíseos e o cordão
Geraldino (1910, Barra Funda), Cordão Vai-Vai (1930, Bexiga) e Cordão Baianas Paulistas
(Glicério), alguns tornaram-se escolas de samba posteriormente.
Os cordões seguiam no ritmo de “marcha sambada”, contando com a participação de
pequenos grupos que tocavam as melodias dos desfiles e sambas chorinhos durante as paradas
dos blocos, contando com muitos instrumentos de sopro. Um conjunto musical acompanhava o
desfile e a bateria apenas marcava ritmo:
Os instrumentos mais importantes eram “violões, cavaquinhos, flautins, clarinete,
saxofone, além de pandeiros e chocalhos que não acompanhavam a bateria. Em razão
dos conflitos físicos entre grupos rivais, a organização dos cordões obedecia a uma
lógica defensiva: havia o grupo de balizas – homens que faziam malabarismos com
bastões, cujo propósito era a defesa do estandarte, símbolo do bairro ao qual a escola
pertencia- e de batedores, que desfilavam portando lanças enfeitadas de acordo com
as cores do cordão (CONPRESP∕DPH, 2013, p.19).
Os desfiles eram realizados no domingo e na terça feira de carnaval, partindo do bairro de
origem. O percurso começava com apresentações as autoridades públicas e entidades que
36
haviam contribuído para a festa, e rumavam para locais onde já ocorriam festividades
carnavalescas, como a avenida paulista. A praça da sé tornou-se a importante referência do
samba urbano da cidade, já que ocorriam rodas de samba que reuniam sambistas de diversas
regiões da cidade.
Na década de 30, auge da criação dos cordões carnavalescos, o samba carioca passou a se
impor ao samba paulista. Após a revolução de 30, com Getúlio Vargas no poder, decretou que
somente as rádios do Rio de Janeiro poderiam ser transmitidas nacionalmente, contribuindo
para uma “Homogeneização do Samba”. Nessa década também, a organização dos cordões
mudou; houve alteração na estrutura dos desfiles e na participação do público feminino, que
pôde participar mais, alguns elementos foram removidos e outros acrescentados, como as
posições de porta-estandarte e mestre de cerimônia, passistas e pastoras e a bateria, que passou
a ter mais destaque nas agremiações. Os imigrantes que viviam nas mesmas regiões que a
população negra também influenciaram a transição do samba rural para o urbano, como a adição
dos instrumentos de corda ao ritmo.
Até então, pela festividade ser considerada “coisa de negros”, a participação dos brancos
restringia-se a área financeira e a assistir as festividades. Isso mudou no final de 1930, quando
houve um abrandamento da repressão policial e social sofrida pelos sambistas, e a elite da
cidade passou a aceitar melhor as manifestações, contribuindo para a expansão do evento. A
cidade nessa década passou também a investir mais nas áreas recreativas e o carnaval passou a
obter cada vez mais destaque, haviam concursos organizados por jornais e emissoras de rádio
realizados no Vale do Anhangabaú e Avenida São João.
Em meados de 1940, com a industrialização e crescimento populacional, a cidade se
expandiu para áreas pouco ocupadas, novos loteamentos atraíram a população pobre devido ao
baixo preço, contribuindo também para que fossem criados vários redutos de samba no norte
da cidade (Casa Verde, Limão, Vila Maria) e leste (Tatuapé, Vila Matilde). Na década posterior,
iniciaram-se os concursos carnavalescos no Parque do Ibirapuera, organizados pela prefeitura
e TV Record, marcando a institucionalização das disputas entre os cordões, a partir da
promoção dos concursos oferecendo prêmios em dinheiro e padronizando os desfiles, dando
início ao samba na esfera do interesse comercial (CONPRESP∕DPH, 2013, p.26).
O terceiro tópico, “Oficialização dos desfiles e transformação dos cordões carnavalescos em
escolas de samba”, principia com a administração pública deixando de apoiar as manifestações,
levando às agremiações a busca pelo apoio privado, nas entidades comerciais dos bairros
próximos e a posterior separação dos desfiles de cada grupo, que passou a desfilar em vários
pontos da cidade, como forma de agradecimento aos colaboradores ou intuito de adquirir
37
objetivo inicial fosse representar a todos os grupos, o que se notou foi uma liga representando
apenas os interesses das maiores escolas, iniciando um processo de trabalho no sentido de
incrementar os desfiles e potencializar os negócios a eles relacionados (Ibidem, p. 33).
Em 1990, o carnaval paulistano foi regulamentado pela lei n. 10.831, que responsabilizava
a prefeitura pela organização dos desfiles e transformava o carnaval em evento oficial da cidade.
Em 1999, a TV globo inicia a transmissão ao vivo do carnaval paulista, o que modifica
fortemente a organização e apresentação das agremiações, como com a questão do tempo, que
modificou até a batida dos sambas-enredo, que passaram a ser cada vez mais rápidas, para não
ultrapassar o tempo limite do desfile. Os instrumentos pesados como o bumbo passaram a ser
substituídos pelos leves, como o pandeiro, modificando fortemente o samba antes conhecido
no território.
As escolas com maior capital, passaram a alugar barracões próximos ao sambódromo para
facilitar na logística dos componentes dos desfiles, por vezes afastando os membros das
comunidades na confecção das alegorias, e as escolas menores que não possuem tanto capital
constroem as alegorias em galpões nos próprios bairros de origem, emprestados ou cedidos pela
prefeitura. Os ensaios ocorrem nas quadras das escolas de samba, nas escolas maiores; e em
locais cedidos por componentes dos grupos, nos casos das escolas menores. Nem todas as
escolas desfilam no sambódromo, apenas as escolas do Grupo Especial, Grupo de Acesso,
Grupo I e Grupo Especial de Blocos, as escolas menores pertencentes a outros grupos desfilam
em locais distintos da cidade, dependendo da região de origem.
manifestação nos desfiles das escolas de samba e pensando também nas raízes do ritmo, no
samba de bumbo de Pirapora. Cabe mencionar que, para além de pensar a entrevista apenas
como um agregador de conhecimentos e memórias para o estudo, houve por parte dos
pesquisadores o objetivo de se auferir o que de fato existe relacionado ao samba paulistano nos
dias atuais, e o que o músico considera passível de patrimonialização.
O que se fez muito presente durante a entrevista foi a crítica constante do sambista à
negligência dos governos passados ante a “cultura paulista” (em especial ao samba paulistano),
que segundo Barro, se perde frente a cada vez mais presente influência do modelo carioca. É
bastante evidente durante toda a sua fala, que o sambista desconsidera o registro do samba que
se vê nas últimas décadas na cidade de São Paulo, por não remeter em nada ao que era
anteriormente – instrumentos pesados, sistema dos cordões, desfiles pela cidade, fantasias feitas
pelos foliões e espontaneidade -, e remeter mais ao samba carioca – feito de maneira
profissional, com regras bem estabelecidas e com sambas-enredo comerciais.
Sobre o processo de registro, a socióloga pergunta a Barro sobre o que mereceria uma maior
atenção dos órgãos de patrimônio em meio ao que hoje existe em São Paulo em termos de
samba. O sambista responde que:
[...] O tombamento é uma coisa muito séria, que a gente não pode tombar uma coisa
que não existe mais ou uma coisa que chegou agora. [...] O que resta um pouquinho
ainda, ainda tem cinza, ainda tá com um pouquinho de fogo ainda, é o samba de
Pirapora, é o samba lenço de Mauá [...] (CONPRESP∕DPH, 2013, p. 96).
Embora não veja as escolas de samba dos dias atuais como referência aos cordões
paulistanos, há uma relação entre Barro e a diretoria da Vai-Vai, escola em que auxiliou na
criação de alguns sambas enredo. Apesar disso, ele define essas escolas paulistas como produtos
comerciais, enxergando as referências culturais da estrutura do samba de bumbo e dos cordões
do início do século XX, em outras ramificações do estilo musical:
[As diretorias das escolas de samba] me respeita (sic) muito e tem que respeitar!
Porque nós demos esse patrimônio pra eles... Então... Toda escola... Trabalha muito
bem pra desenvolver [as apresentações], mas é puro comércio! [...] Ano passado, a
Rosas de Ouro vendeu pro Justus da televisão [o samba enredo], [...] Dois mil e doze
o Lula pagou cinco mil pro Gaviões [da Fiel] sair com o enredo... Agora Ronaldo vai
pagar não sei quantos mil pra sair com o enredo... Como é que você vai tombar uma
coisa dessas, que você não sabe nem pra onde vai a contabilidade? É comércio! [...]
Tombar um samba de São Paulo que não existe não é tombar. [...] Cê tombar o samba
de Pirapora ou o samba de bumbo em São Paulo é fundamental. O samba lenço é
fundamental. Se não, ele vai morrer! Tem que incentivar o samba lenço, que é o único
estado que tem o samba lenço no Brasil... É a única identidade paulista [...]. (Ibidem,
p. 59, grifo nosso)
Barro critica também o registro feito pelo IPHAN no ano de 2007, que decidiu pela
preservação das matrizes do samba do Rio de Janeiro, e registrou o samba-enredo:
[...] No Rio, o que fizeram... Não sei se foi o governo federal estadual lá ou a
prefeitura que cometeu... esse erro... Simplesmente vai tombar o samba de enredo.
40
Isso é um suicídio. Cê [sic] não pode tombar uma coisa que... que é um produto
comercial [...]
Você não pode tombar o samba enredo no Rio, porque [...] quem ganhou em 2008,
por exemplo o samba-enredo no Rio foi o Tuchinha, que era chefe do tráfico. [...]
Então quem coordena a contabilidade numa escola de samba? [...] (CONPRESP∕DPH,
2013, p.55, 58).
Durante diversas partes da entrevista, Barro sugere que os pesquisadores do DPH conversem
com outros sambistas e pesquisadores, pois acredita que as diferentes vivências e informações
referentes ao tema na cidade possibilitariam que se preservasse memórias e trabalhos de
sambistas antigos ainda vivos, e que se escreva uma história mais completa e sem equívocos,
como o ocorrido com o registro do samba-enredo no Rio.
Através dessa entrevista é possível notar que para o sambista, os conhecimentos, técnicas e
valores advindos do samba rural e dos cordões não estão presentes na estrutura das escolas de
samba, que hoje, possuem todo o sistema de apresentações baseado na cultura carioca, além de
citar que as manifestações que tem relação com esse passado, são as manifestações populares
espalhadas pelo Estado de São Paulo.
Por meio da leitura do relatório (estudo sobre o bem e entrevista), foi possível perceber que
a manifestação passou por grandes alterações que modificaram inteiramente sua estrutura, tanto
no que tange aos instrumentos utilizados, que passaram de bumbos, caixas e metais à
predominância de instrumentos leves como pandeiros e reco recos; a mudança de ritmo, que
ficou cada vez mais acelerado devido ao curto tempo de apresentação no sambódromo; a forma
de apresentação, que deixou de ter um caráter espontâneo, onde as temáticas eram decididas
pela comunidade e passaram a ser sambas enredo decididos pela diretoria da escola de acordo
com demandas específicas; a participação nas alas das escolas, que passou a ser
majoritariamente composta de pessoas alheias à comunidade próxima a escola e principalmente
a mudança nos objetivos, que antes tinha um caráter majoritariamente lúdico, e hoje tem por
intuito o título da competição.
A perda da essência do samba paulistano pode ser ratificada a partir da entrevista com o
Sambista Osvaldo Barro, que menciona não enxergar ligações entre o samba representado pelos
desfiles de carnaval no sambódromo, com as manifestações de fins do XIX e primeira metade
do século XX, como o samba de bumbo e os cordões carnavalescos. A manifestação que o
sambista considera que tenha raízes no que existiu em Pirapora e que é passível de registro, são
os sambas que ocorrem na região metropolitana de São Paulo, como samba lenço, que existe
em Mauá e o samba de Pirapora.
Sobre a indicação do que deve ser patrimonializado, Sant’Anna (2014, p.43) diz:
[Anteriormente] apenas especialistas e técnicos eram considerados aptos para
identificar e selecionar o que deveria ser declarado patrimônio, com pouco ou nenhum
41
Primeiro Parecer
O primeiro parecer do processo parte da socióloga responsável pelo plano de pesquisa,
Fátima Antunes, que, em memorando de 26 de agosto de 2013, endereçado à sua chefe, utiliza-
se do estudo sobre o Samba Paulistano redigido por Daniele dos Santos sob sua orientação e a
entrevista realizada com Osvaldo Barro para avaliar a pertinência ou não da aplicação do
instrumento jurídico do registro ao samba paulistano (Ibidem, p.104).
Após resumir a trajetória do samba paulistano desde suas primeiras manifestações em
Pirapora do Bom Jesus (samba rural) até a adoção do modelo carioca das “escolas de samba”,
cita os esforços de muitos grupos em movimentos de valorização de bens culturais dedicados a
divulgação e preservação do samba paulista (que não apenas sobre as escolas de samba, mas
também samba lenço, samba da vela, jongo, etc.), com grande acervo de registros sonoros e
audiovisuais de distintas comunidades da cidade, assim como a própria Secretaria Municipal
de Cultura e Prefeitura de São Paulo, que procurou difundir a história através de documentários,
livros e apoio à essas manifestações culturais.
Cita que devido à grande quantidade de fontes e bibliografia, traçar um panorama desse
samba é demasiado complexo, e há dificuldade em se afirmar qual matriz musical ou forma de
organização social em torno do samba seria passível de registro como bem cultural imaterial
paulistano. Conclui afirmando que
Contudo, com base nas informações que reunimos até o momento e nas ideias
sistematizadas no estudo em anexo, fica-nos a certeza de que não caberia atribuir o
título de patrimônio cultural imaterial paulistano ao samba que se cultiva hoje na
cidade. A influência do samba do Rio de Janeiro, tanto na organização dos grupos, na
composição musical e no uso de instrumentos, passando pela padronização excessiva
dos desfiles carnavalescos em atenção a critérios midiáticos e mercadológicos,
rompeu com a originalidade e espontaneidade das manifestações que havia até então.
(Ibidem, p. 107, grifo nosso)
Referente à essa alteração, a autora se utiliza de parte da entrevista com o sambista Geraldo
Filme ao Museu da Imagem e do Som em 1981, onde ele afirma que “os cordões carnavalescos
eram manifestação de origem negra e tipicamente paulistanas”, e por essa razão o samba de São
42
Paulo não tem semelhanças com o samba do Rio de Janeiro, afirmando que o paulistano vem
dos batuques e festas rurais dos escravos (Ibidem, p. 107).
Dando continuidade à argumentação, a autora menciona a oficialização do carnaval
paulistano em 1967, com a finalidade de promover o turismo, assim como a diluição dos traços
característicos do samba paulistano, onde predominavam os instrumentos pesados como bumbo
e a caixa, substituídos com o tempo por pandeiros e cuícas, já usados pelos cariocas.
Afirma que em visita à sede da Vai-Vai, notaram que a escola possui importante atuação
social com a comunidade do entorno de suas sedes, onde ministram atividades como “aulas de
dança para crianças, sessões de atividades físicas para idosos, cursos de idiomas, alfabetização
de adultos, entre outros” (Ibidem, p.108). Seus associados compõem alas específicas (baianas,
crianças, e da “comunidade) e ocupam o espaço de mestre sala e porta bandeira e velha guarda;
os trajes são elaborados e costurados em ateliês de costuram espalhados pela cidade. Devido a
maneira em que os desfiles são organizados, a autora finaliza afirmando que “se tornaram um
evento altamente profissionalizado, dos quais a participação daqueles integrantes que fazem o
dia-a-dia da escola é restrita” (Ibidem, 109).
Em referência à entrevista dada por Osvaldinho da Cuíca, cita que este acredita que os
objetos de registro possíveis referentes ao samba paulistano, estão hoje nas cidades de Pirapora
do Bom Jesus e Mauá, e que houveram alterações no samba realizado na cidade de Pirapora,
mas que a mudança não foi tão radical como a ocorrida com os cordões paulistanos e se mantém
ainda hoje como uma prática cultural viva, elemento de identificação da comunidade local
(CONPRESP∕DPH, p. 109). Faz referências também à crítica elaborada ao registro do samba
enredo no Rio de Janeiro e conclui essa argumentação afirmando que
[A fala do sambista] se fundamenta nas disposições previstas pelo instrumento do
registro de bens imateriais, [onde] um bem passível de registro é um processo cultural
dinâmico, fator da identidade da comunidade que o detém. O ideal é que a própria
comunidade indique o que deve ser objeto de registro. (Ibidem, p.110)
Embora até então as suas considerações pareçam negativar o registro da manifestação, a
autora cita um trecho do texto de Maria Cecília Londres da Fonseca referente a dinâmica dos
bens culturais:
[...] Os bens culturais de natureza imaterial se caracterizam como processos,
constantemente atualizados e recriados e não como produtos que cabe guardar,
proteger, conservar e, quando for o caso restaurar. Por esse motivo, um dos critérios
para a patrimonialização dos bens culturais de natureza imaterial é a comprovação da
continuidade histórica desses processos, sua reiteração ao longo do tempo, e seu
reconhecimento como referência identitária de uma coletividade. Por outro lado, a
ideia de continuidade não se confunde com a de imutabilidade, ou mesmo
autenticidade, pois já se sabe atualmente que uma das condições para que uma
manifestação cultural sobreviva é a sua capacidade de adaptação às transformações
no contexto onde ocorre. Ou seja, nesse caso é evidente que a mudança pode significar
a possibilidade de permanência. Por esse motivo, consideramos questionável o uso
43
para essa questão aparece através da realização de inventários sobre o bem, o que inclui a
opinião dos indivíduos relacionados ao bem cultural que se deseja registrar.
Se a própria pesquisadora afirma que são múltiplas as matrizes musicais e formas de
organização social em torno do samba, aferindo assim que o formato de samba realizado nas
escolas de samba não é o único e que existem outras expressões espalhadas por São Paulo,
ratificadas pelo sambista através da menção às rodas de samba da cidade, porque essas
expressões não entraram no estudo? Através das partes constituintes desse processo até o
primeiro parecer, permanece a dúvida se houveram pesquisas preliminares no intuito de
verificar se, dentre todas as expressões do samba hoje presentes na cidade de São Paulo, a maior
referência cultural para o grupo é o samba evidenciado pelas escolas de samba.
Apesar de seu parecer dar argumentos positivos e negativos, não fica claro a opinião da
autora, finalizando suas considerações sugerindo apenas que, entre as ações de inventário e
registro, o poder público municipal realize um extenso dossiê nos moldes propostos pelo
IPHAN para divulgação social.
A folha seguinte do processo trata de memorando da chefia da Divisão Técnica de
Levantamento e Pesquisa, arquiteta Dalva Thomaz, à Diretoria da Preservação, arquiteto Marco
Winther, datado de 28 de agosto de 2013, em que ela descreve o conjunto de documentos
enviados a ele, contendo plano de pesquisa sobre o samba na cidade e parecer da socióloga
Fatima Antunes para leitura:
Entre os documentos que estamos encaminhando há um texto construído a partir de
uma visão histórica da presença do samba na cidade de São Paulo. Mapas
complementam visualmente os lugares do samba na cidade. E uma entrevista inédita
com o percussionista Osvaldo da Cuíca nos leva a compreender um pouco mais do
assunto a partir do interior da produção do samba na cidade (CONPRESP∕DPH, 2013,
p.113).
Em 09 de setembro de 2013 é enviado um memorando à Presidente do CONPRESP Nádia
Somekh pelo procurador jurídico Fábio Dutra Peres contendo minuta preliminar de registro do
samba paulistano como patrimônio imaterial da cidade para preenchimento posterior por
servidos com conhecimentos na área.
Nota-se que entre a publicação do parecer e o envio da minuta para efetivar o registro, não
houve conversa “oficial” através de memorando entre os funcionários do DPH, a diretoria e a
presidente do CONPRESP, que visasse complementar o processo ou delimitar melhor o objeto
de registro. O estudo elaborado juntamente da entrevista com Osvaldo Barro, por mais que
tenham sido ricas em conteúdo e bastante elucidativas; Possuem diversas opiniões contrárias
ao registro e não deveriam servir de base para esse processo, pois faltam argumentos que deem
respaldo à patrimonialização. Ademais, a falta de entrevistas com outros sambistas, e,
45
principalmente de sambistas que atuem no interior das escolas de samba, deixaram o processo
frágil, pois, se o objetivo era culminar ao registro do samba realizado no sambódromo, é
questionável o fato de não haver nenhum respaldo desses indivíduos na presente autuação.
Segundo Parecer
Em 17 de setembro de 2013, por meio de ofício à diretora do CONPRESP, o Secretário
Municipal de Cultura João Luiz Silva Ferreira, fornece seu parecer favorável quanto à questão
do registro da expressão em análise. Inicia seu texto “ratifica[ndo] a relevância histórica e
cultural do samba para o povo brasileiro, e em especial, ao povo paulista” (CONPRESP∕DPH,
2013, p. 116), e recapitula o histórico dessa manifestação desde o início com o Samba de
Pirapora, à época posterior a 1950, quando:
A padronização e profissionalização dos Blocos Carnavalescos, Agremiações e
Escolas de Samba [...] [fez] com que o samba paulistano, em sua notável simbiose
com esses Blocos Carnavalescos, Agremiações e Escolas de Samba, se adapte,
distanciando-se de suas características originais de expressão e hoje tem caráter
expressivo na cultura paulista. [...] (Ibidem, p. 117).
Seguindo então com suas considerações finais, de que:
De fato, é de certa premência o registro do Samba Paulistano como bem imaterial, de
modo a garantir a preservação de sua essência, de suas formas de expressão, de suas
peculiaridades, seus criadores e formas de criação e de seus instrumentos (Ibidem, p.
117).
As considerações elaboradas pelo Secretário da Cultura tratam da manifestação das escolas
de samba como oriundo do samba de bumbo de Pirapora, e desconsideram à grande influência
carioca em suas observações, assim como a mudança total do ritmo e festa durante os anos na
cidade. Sua opinião também diverge às considerações elaboradas pela socióloga do DPH
durante o primeiro parecer, no tocante à diferença na compreensão do que significa o ato do
registro de um bem.
A socióloga compreendeu que devido ao caráter dinâmico e processual inerente a esses bens
por se tratarem de práticas culturais vivas, não há como trata-los partindo de termos como
originalidade e autenticidade. Ao passo que o secretário, mesmo afirmando que o samba sofreu
adaptações, enxerga no instrumento do registro uma forma de preservar a sua essência e formas
de expressão, dando a ideia de que preservar um bem imaterial significaria também restaurá-lo,
para garantir a preservação de sua “originalidade”. Isso provavelmente é fruto da noção já
calcada no CONPRESP referente ao patrimônio “de pedra e cal” estabelecido há muito mais
tempo no país e no CONPRESP, onde o tombamento implicaria na busca pela originalidade e
integridade do bem.
O processo foi enviado em 30 de setembro às conselheiras representantes da SEL (Secretaria
Municipal de Licenciamento), Rosana Cristina Gomes e Maria Lúcia Tanabe por ordem da
46
5
De acordo com o regimento interno do CONPRESP:
Art. 15 - Os processos submetidos à análise e deliberação do Plenário serão remetidos ao Presidente, que autorizará
sua distribuição entre os seus membros, obedecendo a ordem alfabética dos seus prenomes, de forma a garantir a
isenção e equanimidade.
(http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/343ad_Regimento_Interno_CONPRESP.pdf)
47
entrevista, onde o sambista discordou do que se pretendia registrar, e que não foi levada em
conta ao final do processo, além do parecer inconclusivo da pesquisadora do DPH e um parecer
formal do Secretário de Cultura, que embora positivo para o registro, não abrangeu as
discussões referentes à temática patrimonial, criaram questões que se observadas em conjunto
impossibilitariam a aprovação sem uma reavaliação do relatório.
Haveria então a necessidade de uma reelaboração do histórico, objetivando um estudo mais
abrangente, e a realização de outras entrevistas com o intuito de delimitar e fundamentar o
registro do objeto de estudo e, caso o objeto fosse efetivamente o samba das escolas paulistanas,
que se incluíssem entrevistas com os detentores dessa manifestação, no intuito de aferir qual
parte deve ser salvaguardada e a melhor maneira de se realizar essa proteção.
Considerações finais
Os dois processos, embora realizados com a diferença de um ano aproximadamente e
inscritos em Livros distintos, possuem diversas semelhanças que vão além do rito processual
semelhante e mesmos pesquisadores envolvidos. Ambos foram realizados em um curto período
de tempo (concluídos em aproximadamente 4 meses) e em suas partes constitutivas existem
incoerências tanto com relação ao objeto que se pretendeu registrar, quanto na elaboração e
execução do processo em sua totalidade.
Os problemas podem ser notados principalmente com relação à necessidade de maiores
estudos para se efetivar a patrimonialização, como sugerido pela socióloga em seu parecer
referente ao primeiro processo, e nas inconsistências com relação ao objeto e as opiniões do
entrevistado e parecer da socióloga, na segunda autuação. O pouco tempo de pesquisa sobre o
bem deixou muitos questionamentos em aberto que poderiam ter sido esclarecidos caso
tivessem um prazo maior, através de uma reelaboração do relatório sobre os bens em questão,
onde seus objetos poderiam ser melhor abordados e mais bem delimitados. Entretanto, esses
problemas foram desconsiderados e os bens foram colocados ao final para votação do conselho
deliberativo do CONPRESP, sendo aprovados como patrimônios imateriais da cidade de São
Paulo por unanimidade.
Os problemas quanto à indefinição do que foi patrimonializado, e o por que dessa valoração,
deixaram os processos frágeis e impossibilitaram as definições dos métodos que visariam sua
proteção e preservação, que são o objetivo principal do uso desses instrumentos de inventário
e registro, sendo utilizadas então sentenças imprecisas quanto à salvaguarda dos bens, e não
sugestões efetivas para o apoio e fomento dessas expressões.
49
Este capítulo irá abordar a solicitação de registro sobre 22 sedes de companhias de teatro
como espaços dotados de significado cultural imaterial para a cidade de São Paulo.
Procuraremos explicitar as questões e problemas contidos no decorrer desse processo, buscando
compreender as possíveis motivações para a abertura e posterior registro dessa manifestação
por parte do CONPRESP.
Em linhas gerais, essa solicitação segue o mesmo rito dos outros processos analisados
anteriormente, a saber: memorando de abertura; estudos sobre as sedes, companhias de teatro
donas dos espaços e histórico sobre os teatros independentes na cidade de São Paulo; pareceres
da antropóloga Fátima Antunes do DPH e do relator Alfredo Manevy, conselheiro da SMC e,
por fim, a folha de votação, seguida de cópia da publicação no Diário Oficial do Município e
ofícios aos órgãos públicos interessados e aos teatros independentes contemplados.
Esse processo é o mais controverso dentre os estudados, que devido às inúmeras falhas no
planejamento e nas partes que o constituem, geraram questionamentos sobre a coerência e a
possibilidade efetiva de registro, recebendo por fim parecer negativo da socióloga do DPH
responsável pela pesquisa e sendo o primeiro a não obter unanimidade na aprovação dos
conselheiros representantes durante reunião de votação no CONPRESP.
6
As companhias são: Teatro Coletivo CIT ECUM; Teatro Heleny Guariba; SATYROS II; Galpão do Folias;
Núcleo Bartolomeu; Instituto Brincante; Espaço Os Fofos Encenam; Teatro Oficina; Casa Laboratório as Artes
para o Teatro (Caca Carvalho); Sede Luz do Faroeste; Casa Livre (Cia Livre) e Casarão da Escola Paulista de
Restauro/Antigo Redimunho de Teatro;
50
7
Somaram-se aos 12 teatros já definidos e citados anteriormente, a Casa Balagan, Cia. Da Revista, Café Concerto
Uranus, Club Noir, Teatro da Vertigem, Espaço Maquinaria, Teatro do Ator, Teatro do Incêndio, Cia. Do Feijão
e Teatro Commune. A razão dessa adição aparece ao final do processo, durante parecer de Fátima Antunes, onde
menciona que os grupos solicitram a inclusão de outros dez espaços.
8
Essa informação foi obtida durante leitura da ata da votação sobre o registro dessas companhias, localizada na
folha 351 do processo.
51
9
Conpresp registra 22 teatros independentes como patrimônio imaterial da cidade. A notícia pode ser lida no site
da prefeitura: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/ noticias/?p=16276.
52
Por competência, compreendemos que diz respeito à compreensão das discussões referentes
ao patrimônio cultural imaterial, e não apenas aos conhecimentos práticos dos detentores ou
comunidade próxima a manifestação em estudo. A esses últimos cabe a possibilidade de
solicitar a abertura do processo, acompanhar e fornecer auxílio aos pesquisadores e a redigir a
declaração de interesse de registro, porém, a atividade de inventariar deve ser objeto de
pesquisadores da área.
Com relação ao âmbito municipal, não fica claro como ocorreu a seleção das 12 companhias
iniciais, a partir de qual estudo e se as pesquisas partiram do CONPRESP∕DPH, deixando
dúvidas sobre a real expressividade desses espaços selecionados como portadores de referência
de identidade e∕ou memória dos grupos teatrais da cidade de São Paulo.
Fichas Técnicas
Companhia de Teatro Balagan
Fundada no ano de 1999 e estabelecida desde 2006 na sede atual no bairro da Barra Funda,
É o único espaço cultural independente da região e em sua trajetória de 15 anos, a Cia.
realizou vários espetáculos e conquistou diversos prêmios. [...] De acordo com os
responsáveis, a manutenção das atividades e espaço são feitas com os recursos da Lei
Municipal de Fomento ao Teatro, editais ou recursos dos próprios integrantes
(CONPRESP/DPH, 2014, p. 09).
Constam informações sobre o imóvel, que é particular e passou por diversas intervenções
para a realização das atividades do grupo,
O imóvel [...] já passou por diversas reformas, como colocação de piso de madeira na
sala de ensaio, revisão elétrica, instalação de estrutura elétrica para iluminação teatral,
53
Companhia da Revista
Criada em 1997 e estabelecida desde 2014 no bairro dos Campos Elíseos,
[Trata-se de um] coletivo teatral com a proposta de pesquisar o Teatro de Revista,
gênero que se popularizou no Brasil no final do século XIX, caracterizado por abordar
assuntos cotidianos de maneira crítica e descontraída, utilizando componentes
musicais como elemento narrativo (Ibidem, 2014, p.21).
Recebeu diversos prêmios, como o FEMSA de teatro, da Associação Paulista dos Críticos
de Arte (APCA) e da Cooperativa Paulista de Teatro. Os gastos da companhia são custeados
através de caixa do próprio grupo e por doações de instituições como o Museu da Imagem e do
Som (MIS). Atualmente são patrocinados por uma empresa privada.
A sede inicial do grupo localizava-se na Praça Roosevelt onde permaneceu até março de
2014, após esse mês mudaram-se para o Campos Elíseos onde antes funcionava uma Funilaria.
“Essa mudança de sede exigiu reformas diversas, tais como levantamento de paredes, consertos
elétricos e construção de novos banheiros” (Ibidem, p. 21).
Companhia Livre
Fundado em 1999, o grupo promove oficinas de formação de profissionais e atividades de
estudo e pesquisa abertas à comunidade local, além de ceder seu espaço para outros grupos que
não possuem imóvel próprio. Possui sede principal desde 2006, localizada no bairro da Barra
Funda, denominada Casa Livre que,
Passou por diversas reformas: a garagem foi transformada em um galpão e espaço
cultural, com capacidade para até 90 lugares; houve adaptação dos banheiros para
54
Núcleo do 184
Coletivo teatral responsável pelo Teatro Studio Heleny Guariba desde 1997, localizado na
Praça Roosevelt, Consolação. O grupo realiza um trabalho de pesquisa e preservação da
memória, seguindo a linguagem do antigo Teatro de Arena de São Paulo (Ibidem, p. 89). O
espaço costuma ser cedido para companhias que não possuem sede própria e também para
diferentes projetos sociais, como o Movimento por Moradia.
Fundado em 2003, o grupo utilizou nos anos de 2004 a 2009 o Casarão ocupado pela Escola
Paulista de Restauro, na Bela Vista, tombado pelo CONPRESP em 2002. Desde 2010, o grupo
realiza suas atividades em um imóvel localizado na região do Anhangabaú. “Trata-se de um
salão comercial situado no térreo de um edifício tombado pela resolução nº 37 do CONPRESP
do ano 1992” (Ibidem, p.106).
O grupo conquistou prêmios da APCA e prêmio QUEM Acontece, da editora Globo.
Oficina
“O movimento A Oficina surgiu em 1958 por iniciativa de estudantes da Faculdade de
Direito do Largo São Francisco” (Ibidem, p.126). Em 1961, reuniram recursos suficientes e
estabeleceram sua sede no bairro da Bela Vista onde estão até os dias atuais.
O prédio é tombado desde 1983 pelo CONDEPHAAT, e vinculado desde 1985 à Secretaria
de Cultura do Estado de São Paulo, porém continua sendo gerido pela equipe do Teatro Oficina.
O edifício foi tombado também pelo CONPRESP em 1991 através da resolução n. 05 de 1991
e pelo IPHAN em 2011. Os projetos artísticos são patrocinados pela Petrobrás.
Instituto Brincante
Teatro escola fundado em 1992, cuja sede localiza-se desde o início na Rua Purpurina, Vila
Madalena. No ano de 2001, o Brincante tornou-se Instituto e em 2004, tornou-se Ponto de
Cultura do Ministério da Cultura.
“Oferece cursos regulares a alunos particulares e atividades gratuitas voltadas ao público em
geral. A excelência de suas atividades foi reconhecida por meio de editais públicos e do
patrocínio de empresas” (Ibidem, p.153). No período em que se realizavam as fichas técnicas,
o grupo estava sofrendo ações de despejo de sua sede, o que motivou diversas ações online por
parte do público.
estavam suspensas desde então. Conquistaram prêmios Shell e Prêmio Aplauso Brasil no ano
de 2013.
Teatro do Ator
Localizado na Praça Roosevelt e inaugurado em 1999 sob o nome Cine-Teatro de Arte Bijou,
devido ao antigo cinema (Cine Bijou) que funcionou de 1962 a 1996. Após o fechamento do
cinema, um grupo de antigos frequentadores arrendou o imóvel e inaugurou o Cine-Teatro
Bijou, que posteriormente passou a se denominar Teatro do Ator.
Atualmente a casa exibe grandes peças, contando com mais de 300 mil espectadores desde
sua abertura. Suas acomodações são utilizadas para outras atividades de formação artística de
alunos da Recriarte Escola de Arte e Comunicação, fundadora do Espaço.
Teatro da Vertigem
Fundado em 1991 com o objetivo de realizar pesquisas baseadas na aplicação da
mecânica clássica aos movimentos do ator [...] O grupo possui como característica a
criação de obras a partir de depoimentos pessoais de seus integrantes, com o objetivo
de construir uma arte teatral de forma coletiva e democrática entre os agentes
(CONPRESP/DPH, 2014, p. 219).
Atualmente realizam seus espetáculos em espaços não convencionais, de maneira a ocupar
o território público. Sendo assim, não possuem mais sede física fixa para apresentações, apenas
uma sede administrativa na Rua Treze de Maio.
Cia. Os Satyros
Fundada em 1989, possui sedes em Portugal e Curitiba. A filial em São Paulo foi inaugurada
no ano de 2000, localizada na Praça Roosevelt. Os Satyros realizam maratona cultural em
homenagem ao grupo desde 2002, em forma de festa que tornou-se bastante frequentada desde
a primeira edição. “No ano de 2009, foi reconhecida como evento oficial do calendário cultural
do Estado de São Paulo, por meio de projeto de lei do deputado Carlos Giannazi” (Ibidem, p.
266).
No espaço onde o grupo realiza seus espetáculos, também são oferecidas oficinas
dirigidas a jovens com ou sem experiência teatral prévia, edições de resgate histórico
do teatro, memória videográfica de atores, experimentações em cinema e vídeo,
produção de eventos e celebrações artísticas democráticas e gratuitas, como a
maratona Satyrianas (Ibidem, p. 266).
Pessoal do Faroeste
Grupo teatral fundado em 1998. Desde 2012, a companhia ocupa a sede Luz do Faroeste, no
bairro de Santa Ifigênia,
Neste local, o grupo organiza oficias de formação de artistas e público, rodas de
samba, debates, palestras e residências culturais, muitas vezes por meio de parcerias
com outros coletivos teatrais. [...] Atuam em pesquisas sobre a cidade de São Paulo,
principalmente a região central, onde juntamente com entidades ligadas aos direitos
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Companhia do Feijão
Surgiu em 1998 na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo,
Realiza[m] pesquisa de linguagens cênicas baseadas no trabalho do ator-narrador. Em
suas obras, o grupo trata de aspectos da realidade cultural e socioeconômica do Brasil,
fazendo uso de cantigas, danças e teatro popular (Ibidem, p. 290).
Ganhadores dos prêmios Shell e da APCA por suas peças, a companhia abriu sua sede
própria ao público em 2006, que possui capacidade para abrigar 90 espectadores. Parte das
despesas de manutenção do teatro são custeadas pelo Programa Municipal de Fomento ao
Teatro para a Cidade de São Paulo e por prêmios recebidos.
Teatro de Narradores
Coletivo criado no final da década de 1990, começaram a consolidar sua jornada de
profissionalização, a partir do caminho da investigação poética (Ibidem, p.301). A sede do
teatro localiza-se na rua Treze de Maio, bairro da Bela Vista e é denominada Espaço
Maquinaria. A manutenção do local provém da renda gerada com a venda de ingressos e por
meio de apoio como o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo.
Outra questão ligada as fichas se deve ao que se objetivava registrar até o momento, que
eram os espaços ocupados pelas 22 companhias teatrais. Por ser este o objeto selecionado para
estudo sobre viabilidade de registro, as fichas deveriam remeter aos valores construídos no
vínculo espacial e funcional do local. Entretanto, não são encontradas as mesmas informações
sobre os espaços em todas as fichas, e o que se percebe é uma descrição superficial referente às
instalações, como capacidade de público, reforma de banheiros, acessibilidade e segurança.
Ademais, essa questão conta com outro problema, o de que dois dos 22 grupos não possuíam
sedes próprias à época do processo e uma estava sofrendo ação de despejo. Referente aos
primeiros, os endereços e fotos aéreas retiradas da plataforma Google Maps, pertenciam a casas
já não mais ocupadas por eles10.
Uma dessas companhias sem sede era o próprio CIT-Ecum, mencionado pela presidente do
CONPRESP durante a votação final sobre o registro como sendo o “pivô” para o início da
discussão sobre a patrimonialização desses espaços. Como já referido, o CIT-Ecum solicitou a
abertura do processo de tombamento de seu imóvel antes da abertura desse processo de registro
na tentativa de evitar a perda de sua sede, o que levou a pesquisas por parte do Departamento
de Fomento ao Teatro, onde se constatou que diversos outros teatros estavam passando pela
mesma situação.
10
O CIT-Ecum, havia perdido recentemente sua sede devido à especulação imobiliária; o Teatro da Vertigem
realizava suas peças no espaço público, não possuindo então sede própria para apresentações, contando apenas
com uma sede administrativa e o Instituto Brincante estava sofrendo uma ação de despejo devido à venda do
espaço para uma incorporadora de imóveis.
60
levantamento preliminar foram obtidos pelas próprias companhias em estudo e também através
de documentos reproduzidos do acervo do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a
cidade de São Paulo.
As informações acima elucidam a disparidade nos dados contidos em cada ficha técnica,
obtidas através das próprias companhias de teatro e documentos do programa municipal. Não
se sabe ao certo como o DPH trabalhou para e após a obtenção das informações, se foram
solicitadas informações específicas ou mesmo se chegaram a visitar os espaços em análise.
Essas especulações podem ser corroboradas através do curto período para a elaboração desse
estudo sobre as sedes e companhias, realizado em menos de um mês e abrangendo uma
quantidade significativa de espaços.
As dúvidas quanto a forma de obtenção dos dados e a falta de reflexão sobre os espaços em
análise, nos indicam que não houve uma orientação quanto as informações a serem enviadas
sobre as companhias, e nem a elaboração de questionário, nos moldes utilizados pelo IPHAN e
CONDEPHAAT, a ser respondido pelos pesquisadores referente ao bem/manifestação, como
se pode ver através da falta de informações importantes nas fichas técnicas. Os funcionários das
companhias, embora sejam parte importante na constituição do processo, não possuem os
conhecimentos necessários para realizar um estudo satisfatório, deixando-o sem as informações
necessárias para legitimar o registro, visto que durante leitura não se notam argumentos que
atestem a importância dos locais como estruturantes de relações socioculturais em seu espaço.
A autora mostra também um desconforto quanto ao que se pretende ser objeto de registro
até então, afirmando que a leitura do levantamento preliminar a fez perceber que mais
interessante que o registro das sedes era abordar as próprias companhias teatrais:
[...] mais do que estudar um conjunto de teatros ou de espaços físicos destinados a
apresentações teatrais, deveríamos abordar os grupos ou companhias teatrais aos quais
os espaços estão vinculados, uma vez que esses espaços, em sua maioria, foram
adaptados para dar suporte às atividades dos grupos e só existem em função deles
(CONPRESP/DPH, 2014, p. 322).
Antes de fornecer seu parecer, Antunes redige um histórico sobre os teatros independentes
em São Paulo, dividido em três partes, que abordam desde o conceito do termo, à expansão e
particularidades desses ambientes e grupos na cidade com o passar dos anos.
artística (Ibidem, p. 322). Os primeiros grupos foram caracterizados por não utilizar os grandes
teatros, e sim espaços não formais adaptados por eles para a peça, como galpões e casas comuns.
Esses grupos inspiraram-se no Teatro de Arena, ativo entre os anos de 1953 e 1972, e do
Teatro Oficina que existe desde 1958, e surgiram entre as décadas de 1960 e 70, dividindo-se
em duas tendências,
Uma delas com um perfil militante e optando pelo trabalho coletivo como forma de
mobilização popular. [...] A segunda tendência reunia grupos envolvidos com a
investigação de linguagem e preocupados em atuar nas bordas do mercado, mantendo
velada ou aberta a crítica aos padrões do teatrão instituído (referência ao circuito
comercial) [...] A primeira tendência realizou encontros que resultaram no 1.
Seminário de Teatro Popular, em 1974, e no 1. Encontro de Grupos de Teatro
Independente em São Paulo, em 1978. A Pauta de discussões incluía a organização,
infraestrutura, as formas de manutenção da atividade, as opções estéticas e artísticas,
os métodos de trabalho e a formação dos atores (Ibidem, p. 323).
As duas tendências possuíam em seu cerne a criação coletiva enquanto método artístico e
não haviam funções definidas a cada integrante, sendo que todos realizavam múltiplas funções
dentro do teatro. Em 1979, esses grupos deram origem a Cooperativa Paulista de Teatro, cuja
proposta era reunir artistas comprometidos com a produção coletiva. Entretanto, a Cooperativa
só teve maior força após 1990.
O termo teatro de grupo também passou a ser utilizado para referir-se a esses teatros
independentes, marcando posicionamento contrário ao teatro empresarial, onde os atores e
outros integrantes são profissionais empregados. No teatro de grupo, os atores são os donos do
empreendimento e decidem sobre infraestrutura e rumos artísticos. Esse termo só foi
formalizado em 1991, no Primeiro Encontro Brasileiro de Teatro de Grupo, com a participação
de 15 grupos, incluindo um de São Paulo denominado “Parlapatões, Patifes e Paspalhões”. Esse
encontro deu origem ao Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo, que realizou diversos
encontros com espetáculos abertos ao público. A forma de Teatro de Grupo vem crescendo
mundialmente, em São Paulo houve um maior crescimento em fins dos anos 1990 e início dos
anos 2000.
A Cooperativa Paulista de Teatro organiza anualmente desde 2006 a Mostra Latino
Americana de Teatro de Grupo, realizada no Centro Cultural São Paulo, que busca oferecer ao
público demonstração da produção cultural contemporânea, troca de experiências entre os
participantes.
ápice em 1990, após grande período de desenvolvimento no século XX (em 1950, havia forte
cena cultural, com bares, teatros, restaurantes, cinemas, escolas e bibliotecas). Com a influência
do novo polo econômico da cidade (Avenida Paulista) o centro foi perdendo suas funções,
enfrentando um período de degradação a partir de fins dos anos 60. Foram criadas associações
de diversos setores da sociedade, na tentativa de reverter esse processo, assim como algumas
ações da prefeitura, que juntamente da Associação Viva o Centro, criou o Programa de
Requalificação Urbana e Funcional do Centro de São Paulo (ProCentro), voltado à promoção
do desenvolvimento social e econômico da região central, com apoio do Banco Interamericano
de desenvolvimento (CONPRESP/DPH, 2014, p. 325).
Essas ações estão retomando a agitação cultural desde a última década, sobretudo no centro,
e foram criados diversos estímulos pelo poder público e privado, visando o auxílio a esses
grupos de teatro, como:
Lei Municipal de Incentivo, também chamada Lei Mendonça (Lei n. 10.923, de
30.12.1990), a Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida por Lei Rouanet (Lei
n.8.313, de 23. 12.1991), o Programa da de Ação Cultural do Estado de São Paulo –
PROAC-ICMS (Lei n. 12.268, de 20.02.2006) e os chamados editais de cultura
promovidos por órgãos governamentais, empresas e instituições sociais (Ibidem, p.
325).
A principal ação da municipalidade, considerada o divisor de águas em termos de políticas
públicas para o setor foi a promulgação da Lei Municipal de Fomento ao Teatro (Lei n. 13.279,
de 08∕01∕2002), que instituiu o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São
Paulo.
Esse programa tornou-se referência para os movimentos artísticos, gestores culturais
e agentes políticos em todo o país. Seu objetivo é apoiar a manutenção e criação de
projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção teatral visando o
desenvolvimento do teatro e o melhor acesso da população ao mesmo, por intermédio
de grupos profissionais de teatro, financiados diretamente pelo programa (Ibidem, p.
326).
Os gastos para manterem uma sede é bastante alto e exigem um trabalho de produção e
gestão que vai além do que os integrantes possuem nos grupos de teatro. Alguns espaços estão
ameaçados devido ao aumento de alugueis, ou demolição de imóveis para a construção de
grandes empreendimentos imobiliários – principalmente no centro da cidade, onde essa
revitalização dos últimos anos estimulou as construtoras a investirem em bairros centrais como
Bela vista, Barra Funda e Consolação.
O crescimento no número dos grupos, levou a criação de rede paralela as grandes salas de
espetáculo:
O Movimento dos Teatros Independentes de São Paulo (MOTIN), criado em 2013
com a finalidade de discutir a atividade cultural pública dos teatros independentes e
sua identidade frente à população, estima que São Paulo disponha de 150 a 160
espaços destinados às atividades desses grupos teatrais, com capacidade de público
variando entre 20 e 400 lugares (Ibidem, p.326).
63
Para garantir a sobrevivência dos espaços geridos por esses grupos, as companhias vêm
recorrendo ao poder municipal da cidade:
Vários grupos vem recorrendo à Câmara Municipal de São Paulo, ao Ministério da
Cultura e à Secretaria Municipal de Cultura desde o início de 2014. Dessa busca por
soluções para suas dificuldades, resultou a autuação do processo n. 2014-0.206.225-
3, ora em análise (Ibidem, p. 327, grifo nosso).
11
Art. 15 - Os processos submetidos à análise e deliberação do Plenário serão remetidos ao Presidente, que
autorizará sua distribuição entre os seus membros, obedecendo a ordem alfabética dos seus prenomes, de forma a
garantir a isenção e equanimidade. (http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/343ad_Regimento_Interno
_CONPRESP.pdf)
68
Folha de Votação
Apesar da necessidade de maiores estudos sobre o objeto citado por Fátima Antunes durante
seu parecer, a folha que segue se trata da 596ª Reunião Ordinária, ocorrida em 30 de setembro
de 2014, onde foi votado sobre o Registro do Conjunto de Teatros com Significado Cultural
Imaterial para a cidade, onde os relatores, como já mencionado, eram os conselheiros Alfredo
Manevy e Marco Antonio Cilento Winther 12. A Decisão final do conselho foi favorável ao
registro, contando com sete votos a favor e duas abstenções, dos conselheiros Eduardo
Mikalauskas e Marcelo Rossi de Camargo Lima (Representante da Secretaria Municipal de
Negócios Jurídicos e Representante do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do
Estado de São Paulo, respectivamente). Não houveram observações posteriores.
Na ata da sessão, a presidente do CONPRESP inicia a votação citando as origens desse
processo, iniciado após o pedido de tombamento do imóvel ocupado pelo CIT-Ecum, que os
fez compreender que o processo de fechamento desses espaços culturais não eram casos
isolados. É mencionado que a importância da representação cultural destes espaços para a
cidade, foi percebida através de pesquisa do DPH, e por isso foi proposto o registro das
atividades desses 22 grupos. Cita que o plano diretor da cidade possui novas formas de
preservação que não apenas o tombamento de imóveis de valor histórico, mas na proteção das
práticas culturais de importância referencial para a cidade (CONPRESP/DPH, 2014, p. 351).
Após leitura do parecer de Alfredo Manevy, o conselheiro José Geraldo Simões Júnior do IAB
reforçou que a proposta de registro era a mais adequada para a preservação e reconhecimento
desses espaços.
Dessa maneira, as folhas posteriores à ata tratam da publicação da Resolução nº
23/CONPRESP∕2014, que deliberou o Registro das atividades exercidas pelos 22 grupos
teatrais como Patrimônio Imaterial da Cidade de São Paulo no diário oficial e o envio de ofícios
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Estavam presentes os seguintes conselheiros: Nadia Somekh – Representante do Departamento do Patrimônio
Histórico – Presidente; Adilson Amadeu – Representante da Câmara Municipal de São Paulo; José Geraldo Simões
Júnior – Representante do Instituto dos Arquitetos do Brasil; Marco Antonio Cilento Winther – Representante
suplente da Secretaria Municipal de Cultura; Eduardo Mikalauskas – Representante da Secretaria Municipal de
Negócios Jurídicos; Marcelo Manhães de Almeida – Representante suplente da Ordem dos Advogados do Brasil;
Rosane Cristina Gomes - Representante da Secretaria de Licenciamento; Marcelo Rossi de Camargo Lima –
Representante do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo e Edson Capitânio –
Representante suplente da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano
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companhias, visto que também apresenta uma série de inconsistências (inclusive de cunho
conceitual), que o direcionariam para o seu indeferimento.
Essa diferenciação entre os instrumentos de tombamento e registro, nos fazem supor que
falta ao órgão de patrimônio da municipalidade essa percepção de equidade entre os
instrumentos, além da necessidade de um maior conhecimento sobre as discussões referentes a
patrimonialização de bens culturais de caráter imaterial, para evitar que o registro seja utilizado
de maneira errônea e como uma espécie de “plano B” para quando não existam outras formas
de proteção.
Esse uso equivocado do instrumento do registro ante a impossibilidade de tombamento,
pode ser explicado em partes devido à consolidação plena e intensa utilização do instrumento
jurídico do tombamento no âmbito municipal pelo CONPRESP, que não é possível comparar
com a consolidação das políticas de patrimônio imaterial na cidade, que são muito recentes, não
possuem lei própria regulamentada e ainda foram pouco utilizadas.
Entretanto, há de se alertar para o risco de se utilizar o instrumento dessa maneira, que pode
se transformar com o tempo em recurso “coringa” a ser utilizado pelas secretarias quando há a
necessidade de preservar patrimônios ameaçados, e relegar a um segundo plano a instauração
de processos que visem atender as eventuais manifestações que necessitem de fato desse
instrumento para a preservação de suas expressões.
Essa questão também pode ser explicada através da composição do conselho deliberativo do
CONPRESP, composta de conselheiros representantes do executivo e de representantes de
institutos relacionados à engenharia e arquitetura, e que não necessariamente estão a par do que
se trata o registro de uma manifestação cultural, mas que precisam, todavia, encontrar soluções
para resolver os problemas postos na agenda da SMC, optando assim pelo registro da presente
atividade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da leitura e análise das autuações percebemos que, embora se tratem de bens
distintos entre si (um comércio do início do século XX, uma manifestação musical centenária
e 22 grupos teatrais formados em sua maioria nos últimos 20 anos), seus processos de
patrimonialização possuem problemas semelhantes em suas partes constitutivas, que afetaram
a qualidade do processo e geraram incertezas quanto à pertinência do registro dessas expressões.
Com relação à Casa Godinho, foram levantadas diversas questões desde o início do processo,
como a falta de pesquisas preliminares para delimitar os valores específicos presentes na
ambiência e que os diferenciariam dos outros estabelecimentos centenários da cidade; e o
problema na reiteração dos mesmos valores referentes à história e “autenticidade” do local, que
vão em direção contrária à compreensão dos bens de caráter imaterial. O uso do instrumento do
registro nesse processo foi justificado pela menção ao atendimento “direto e pessoal” realizado
no balcão, típico de mercearias antigas e através da comercialização dos mesmos produtos
desde a abertura da mercearia. No entanto, esses “saberes” foram pouco abordados durante o
estudo sobre o bem.
Apesar do parecer positivo da socióloga Fatima Antunes, foi sugerido que se realizasse um
estudo mais aprofundado sobre as práticas sociais presentes para que o registro fosse
viabilizado, o que, entretanto, não ocorreu, seguindo dias depois para votação e tornando-se o
primeiro bem imaterial da cidade.
Referente ao Samba Paulistano, a maior questão é a indefinição do que foi patrimonializado
sob esse nome. De acordo com o relatório presente na autuação, a compreensão de samba
realizado na cidade nos dias atuais para o órgão é a apresentada pelas escolas que desfilam no
sambódromo durante o Carnaval, entretanto, nesse mesmo processo são vistos diversos
argumentos contrários ao registro dessa manifestação, tanto pelo sambista entrevistado quanto
pela socióloga responsável pelo estudo, que alegam não existir semelhanças entre o samba
antigo (samba de bumbo) e o de hoje (escolas de samba), que são inspiradas no modelo do
carnaval carioca. Apesar dessa discordância no bem a ser patrimonializado e do parecer
inconclusivo da socióloga, o processo seguiu para votação, sendo aprovado logo em seguida.
Sobre a autuação dos 22 Conjuntos de Teatros, a mais controversa dos três, as motivações
para a abertura do processo surgiram da falta de instrumentos efetivos que viabilizassem a
proteção desses espaços. Essa demanda elaborada sem a realização de um levantamento
preliminar, fez com que o processo já se iniciasse bem delimitado, com a pesquisa focada nas
sedes dos teatros. Diante da ausência de motivações e da urgência em se patrimonializar os
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lugares, foi realizada uma pesquisa imprecisa com relação a discussão sobre os valores
simbólicos que constituíam os espaços em análise em referências, focando maxis nas próprias
companhias teatrais. O processo apresenta ao final parecer negativo da socióloga responsável
pelo estudo sobre o bem, onde foi citada a necessidade de um estudo mais ampliado, além da
mudança de foco na pesquisa, que passou das sedes para as companhias teatrais.
Apesar dos inúmeros problemas vistos no processo, da necessidade de maiores estudos, da
impossibilidade de se registrar o que se pretendia até então e a mudança de foco na pesquisa
ocorrida após o primeiro parecer, o processo seguiu para votação sendo aprovado logo em
seguida.
As autuações são questionáveis, portanto, desde a abertura dos processos, pois existem
incertezas com relação aos bens que pretenderam registrar. Não se sabe a partir de quais
parâmetros esses bens foram escolhidos (com exceção do último processo), e se ocorreu a partir
de levantamentos preliminares elaborados pela municipalidade ou por demandas internas (e se
for a segunda opção, por qual razão). A falta de uma investigação inicial seguida de análise
pouco aprofundada com relação aos bens selecionados, fez com que os estudos fossem
realizados de maneira imprecisa e deixando de abranger a parte mais importante, que são os
sentidos referenciais entre o objeto de pesquisa e a comunidade envolvida, de modo que se torna
difícil a compreensão das motivações para suas caracterizações como bens culturais imateriais.
Essa questão afeta ainda a proteção futura desses bens, principal objetivo do registro, que visa
a identificação dos bens culturais a partir da produção de inventários que subsidiem a
implantação de políticas de salvaguarda futuramente.
É perceptível também a falta de consenso entre os principais envolvidos na realização dos
processos, através de pareceres completamente díspares (com relação a aprofundamento no
tema) e sem relações entre si, que apesar de recomendarem maiores estudos antes que o
processo vá para votação, não são levados em conta e logo em seguida são postos em votação
e aprovados.
Essa questão pode ser respondida à luz dos indivíduos que configuram nas instâncias
deliberativas do órgão e as motivações para a abertura das autuações, que acreditamos não
serem fruto de pesquisas, mas sim partindo de demandas externas. A socióloga, que apesar de
participar na realização dos estudos e possuir maior conhecimento na área, não possui voz
quanto a deliberação do processo, ao passo que a Diretora do CONPRESP, não acata as
sugestões vindas do DPH, sempre colocando os processos em votação, mesmo esses
apresentando problemas referentes ao que se pretendia patrimonializar.
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As questões apresentadas no processo não são levadas em conta, pois o conselho consultivo
é composto majoritariamente por pessoas do executivo, que não tem suas ações pautadas pela
legislação direcionada a esse campo, seguidas por representantes de duas instâncias
relacionadas ao patrimônio edificado (IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) e CREA
(Conselho Regional e Engenharia e Arquitetura), além do diretor (a) do CONPRESP. Podemos
presumir, portanto, que por não haver uma representatividade relativa ao campo do patrimônio
imaterial, as questões abordadas no processo se fizeram menos significativas que a necessidade
de aprova-los.
Essa pesquisa objetivou compreender qual o sentido de patrimônio imaterial expresso pelo
CONPRESP a partir dos processos relativos aos bens já registrados. Diante de tudo o que foi
abordado, é possível concluir que a percepção desse instrumento para o órgão é confusa. A
maneira em que os processos são abertos e conduzidos, além da falta de menções a ações que
visem a proteção dos bens, nos fazem compreender que o registro para o órgão exerce mais um
papel de titulação ao lugar ou manifestação, do que de medidas que visem apoiar e fortalecer a
existência de bens culturais de natureza imaterial, como indica a definição da UNESCO.
O caso da patrimonialização das Companhias de Teatro, mais especificamente, auxilia a
corroborar a teoria de que a instancia deliberativa do órgão não compreende ao certo o que é
patrimônio imaterial, visto que o processo foi aberto objetivando a proteção física dos espaços
para evitar que estes fossem incorporados e transformados em empreendimentos imobiliários,
indo contra o objetivo e finalidade do instrumento de registro, que não atribui ao poder público
a finalidade de fiscalizar ou zelar pela sua integridade física e, portanto, não teria como
inviabilizar a mudança de atividade do local.
Não foi objetivo desse trabalho determinar a importância ou não dos bens patrimonializados
pela municipalidade, mas se fez necessário atentar para o modo em que as pesquisas foram
conduzidas e aprovadas, que evidenciam os problemas internos do CONPRESP e DPH, com
relação à suas instâncias de pesquisa e a deliberativa. Ademais, salientamos o risco que essa
patrimonialização realizada sem levantamentos preliminares e por demandas externas podem
causar futuramente, banalizando o instrumento e o transformando em um mecanismo “à
disposição” das outras instâncias, relevando o estudo de bens que porventura possam necessitar
dessa proteção.
Cabe mencionar por fim, que esse trabalho pretendeu ser uma contribuição para a incipiente
discussão sobre os órgãos de patrimônio da cidade de São Paulo, e teve por intenção iniciar a
discussão sobre as políticas de registro realizadas pelo CONPRESP∕DPH. Por se tratar de um
tema bastante amplo e atual, a discussão relativa a municipalidade deve ser aprofundada em
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uma pesquisa de maior fôlego futuramente, onde sejam utilizados outras fontes para além dos
processos administrativos, como entrevistas com os funcionários do DPH, e a utilização de
inventários realizados pelo IPHAN que se assemelhem aos casos abordados no trabalho, como
por exemplo a Casa Godinho e o Box 32, restaurante famoso em Blumenau, SC que teve o seu
registro negado pelo órgão federal.
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REFERÊNCIAS
Fontes Utilizadas
Bibliografia
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São Paulo: poder, hegemonia e conflito no tombamento do Vale do Anhangabaú (1990 – 2000).
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Legislação
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São Paulo. Lei nº 10.236 de 16 de dezembro de 1986. Dispõe sobre a criação de um Conselho
Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo.
São Paulo. Lei nº14.516, de 11 de outubro de 2007. Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº
10.032, de 27 de dezembro de 1985, alterada pela Lei nº 10.236, de 16 de dezembro de 1986, e dá
outras providências.
Jornais
APÊNDICE A
Art. 3º - O Conselho compõe-se dos seguintes membros, Art. 3º - O Conselho compõe-se dos seguintes membros,
indicados pelos órgãos e adiante discriminados e nomeados pelo Prefeito:
nomeados pelo Secretário Municipal de Cultura:
IV - Um representante por bancada na Câmara de São Paulo. IV - Um representante da Secretaria dos Negócios Jurídicos;
g) Instituto de Engenharia;