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Pesquisas e escritas
ISBN. 978-85-7993-603-6
Pesquisas e escritas contemporâneas:
dialogando com a pluralidade de vozes
1
2
Cláudia Fuchs
Ivan Luís Schwengber
Jenerton Arlan Schütz
Leandro Mayer
(Organizadores)
3
Copyright © dos autores
ISBN 978-85-7993-603-6
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SUMÁRIO
Prefácio 11
Jenerton Arlan Schütz
SEÇÃO 1
5
Gestão na Universidade: uma Questão também Ambiental 117
Celeste Dias Amorim
Milton Ferreira de Silva Júnior
Luiz Artur dos Santos Cestari
6
Interação social e a relação de ensino aprendizagem na 265
educação infantil
Angélica Dalla Rizzarda
SEÇÃO 2
7
A prática da libertação no Oeste catarinense: educação, 343
formação religiosa e movimentos socais
Ivan Luís Schwengber
Leonel Piovezana
8
SEÇÃO 3
9
10
Prefácio
11
possam na leitura, percorrer caminhos que ajudem a produzir
novas formas de pensar e ser.
Por fim, faço votos de que a força do pensamento não nos
abandone, que sejamos capazes de nos manter firmes, de
lembrarmos que estamos vivos, principalmente, nestes tempos de
ignorância militante, de hábeis polegares e escassa memória. É isso
que eu chamo de resistência.
Boa leitura!
12
Seção 1 - A Educação e suas múltiplas vozes
13
14
Por que Joãozinho não sabe ler?:
reflexões sobre o ensaio
‚A crise na educação‛ de Hannah Arendt
Cláudia Fuchs1
Jenerton Arlan Schütz2
Introdução
15
Os pressupostos do mundo moderno têm seus efeitos também
na pedagogia e nas práticas educacionais, de modo que a crise mais
ampla ganha uma expressão peculiar nesse âmbito. Eis, portanto,
mais que a enigmática questão de saber por que Joãozinho não
sabe ler. As questões norteadoras, porém, não se referem apenas
aos pais ou educadores, mas são, principalmente, preocupações de
todos os seres humanos, devido ao lugar que a educação ocupa no
mundo, pois é a partir da educação que cada comunidade insere os
novos em seus valores, costumes e tradições. Todo momento de
crise é um desafio para se buscar novas orientações, pois
‚perdemos as respostas em que nos apoi{vamos de ordin{rio sem
querer perceber que originariamente elas constituíam respostas a
questões‛ (ARENDT, 2013, p. 223).
Por este fato, uma crise nos traz a obrigação de voltar às
questões mesmas e exige de nós respostas novas ou velhas, mas de
qualquer modo julgamentos diretos. Não obstante, uma crise só se
torna desastrosa quando buscamos responder a ela com juízos pré-
formados, isto é, com preconceitos. Uma atitude dessas não apenas
aguça a crise como nos coíbe da experiência da realidade e da
oportunidade por ela proporcionada à reflexão. (ARENDT, 2013).
É neste movimento reflexivo, proporcionado por Hannah
Arendt em seu ensaio que buscamos compreender a crise na
educação, esta, escancarada no fato de Joãozinho não saber ler.
Entretanto, quem é Joãozinho? O que ele não sabe ler? Quem está a
ensiná-lo? Poderíamos ser reducionistas e nos omitir do cerne da
questão e responder que a culpa de Joãozinho não saber ler é
unicamente dele. Do mesmo modo, não objetivamos encontrar e
nomear culpados, o que, por sinal, seria fugir de uma reflexão mais
aprofundada do ensaio de Hannah Arendt, todavia, objetivamos
pensar as raízes do porquê Joãozinho não saber ler. Parte-se, num
primeiro momento da investigação das raízes da crise na educação,
para, num segundo momento, ter luzes a fim de entender a
enigmática questão: Por que Joãozinho não sabe ler?
16
A crise na educação: notas sobre o ensaio de Hannah Arendt
17
modernidade, o ideal rousseauniano, que assumiu a noção de que
as crianças devem ser a esperança para realizar os ideais políticos
de uma sociedade, tornando a educação um instrumento da
política, ‚*...+ e a própria atividade política foi concebida como uma
forma de educação‛ (ARENDT, 2013, p. 225). Não obstante, este o
papel desempenhado pela educação em todas as utopias políticas,
a partir dos tempos antigos, mostra o quanto se torna adequado
iniciar um novo mundo com aqueles que são por nascimento e por
natureza neói, os novos.
Essa noção, referindo-se à política, é concebida como um
grande equívoco, pois, ao invés de se juntar aos seus iguais
(adultos), assumindo o esforço de persuasão e podendo resultar no
fracasso, há uma intervenção vertical, baseada na absoluta
superioridade do adulto, e a tentativa de produzir o novo como se
este já existisse (ARENDT, 2013). Por esse motivo, acreditava-se de
que se deve partir dos novos se se quisesse produzir novas
condições mundanas, o que permaneceu sendo o principal
monopólio dos movimentos revolucionários de feitio tirânico que,
ao assumirem o poder, subtraem as crianças a seus pais4 e
simplesmente as doutrinam.
Este é o ponto crucial das reflexões de Arendt, uma vez que as
passagens anteriores levam a autora a considerar que ‚a educação
não pode desempenhar papel nenhuma na política, pois na política
lidamos com aqueles que j{ estão educação‛ (ARENDT, 2013, p.
225), a passagem é paradigmática para se compreender a distinção
entre educação e política5 elaborada pela autora. Estas
considerações, sob as influências kantianas, tomam o adulto como
esses }mbitos ‚jamais foram totalmente indiferentes entre si; que a extensão maior
ou menor das liberdades exercidas na esfera dos assuntos mais específicos da
educação sempre dependeu da boa vontade e do consentimento do corpo
político‛. (GARCIA; FENSTERSEIFER, 2011, p. 20-21).
18
aquele que já está educado e, como não podemos educar adultos,
ou, uma vez que quem tem essa pretensão quer privá-los de agirem
‚livremente‛ no espaço de iguais, no espaço de discussão em que
os humanos se reúnem para lidar com assuntos de interesse
comum. (GARCIA; FENSTERSEIFER, 2011).
O fato de Arendt propor a separação entre os dois âmbitos,
evidentemente, justifica-se para evitar que as crianças se envolvam
com/em questões que ainda não lhes dizem respeito, além de
querer evitar também qualquer possibilidade de doutrinação e
eliminação da possibilidade de pensar e, logicamente, no futuro, de
agir. Desse modo, se do ponto de vista do adulto (já educado), a
educação antecede necessariamente sua participação política, do
ponto de vista da educação, a política também passa a anteceder a
educação de forma necessária. Logo, é preciso cuidar para não
fazer da escola o palco político para a resolução dos problemas que
nós adultos não fomos capazes de resolver. Sendo ainda, uma
forma de lhes negar o futuro papel no corpo político, pois, querer
preparar uma geração – alunos –, para um amanhã utópico, é
recusar a própria possibilidade de inovação que está contida em
cada aluno, em cada geração.
Pois, ‚*...+ do ponto de vista dos mais novos, o que quer que o
mundo adulto possa propor de novo é necessariamente mais velho
do que eles mesmos‛ (ARENDT, 2013, p. 226), é pertencente |
própria condição humana o fato de que cada geração se transforma
em um mundo antigo, de tal modo que instrumentalizar uma nova
geração para um mundo novo só pode significar o desejo de
arrancar das mãos dos recém-chegados a possibilidade face ao
novo (ARENDT, 2013). Por esse modo, o mundo no qual as novas
gerações são introduzidas, é um mundo velho, isto é, um mundo
preexistente, povoado por outros seres humanos, construído pelos
vivos e pelas gerações anteriores, e só é novo para os que acabaram
de adentrar nele. (FENSTERSEIFER, 2005, p. 157).
19
Com respeito à própria educação, a ilusão emergente pelo
pathos do novo6, produziu consequências sérias, possibilitou, antes
de mais nada, àquele complexo de modernas teorias educacionais
que consistem na impressionante miscelânea de bom senso e
absurdo levar a cabo, sob a divisa da educação progressista, uma
radical revolução em todo o sistema educacional. Derrubou, ‚como
de um dia para o outro, todas as tradições e metodologias
estabelecidas de ensino e de aprendizagem‛ (ARENDT, 2013, p.
226), grosso modo, ‚o fato importante é que, por causa de
determinadas teorias, boas ou más, todas as regras de juízo
humano moral foram postas de parte‛. (ARENDT, 2013, p. 227).
De acordo com a análise da autora, a crise na realidade
educacional americana, com caráter progressista, se assenta em três
pilares: o primeiro se refere à relação entre os adultos e as crianças;
o segundo tem a ver com o ensino; e o terceiro foi defendido
durante séculos e encontrou expressão conceitual sistemática no
Pragmatismo. Segue a reflexão particular de cada um dos três
pressupostos básicos de forma mais aprofundada.
O primeiro, conforme Arendt (2013, p. 229-230), ‚*...+ é o de que
existe um mundo da criança e uma sociedade formada entre
crianças, autônomos e que se deve, na medida do possível permitir
que elas governem‛. Pressupõe-se que exista um mundo da
criança, que configura a instauração de uma barreira entre os
adultos e as crianças, em que ambos os grupos se autorrecrutam. O
grupo dos adultos, porém, já possui normas, valores, costumes e
outros princípios grupais; do outro lado, o grupo das crianças está
inaugurando o seu próprio grupo. O que acontece é que, os
adultos, por vezes, se relacionam com o indivíduo-criança como se
fossem um grupo concorrente e distinto do seu.
6 Pathos do novo é um conceito utilizado por Arendt para denominar o afã das
sociedades modernas pelo novo e o consequente rechaço ao que é velho
(tradicional). Nessa direção, o novo e sua novidade são revestidos de positividade
e entendidos como avanço, enquanto os saberes da tradição são considerados
como ultrapassados e sem utilidade.
20
É da essência desse primeiro pressuposto básico levar em conta
somente o grupo, e não a criança individual, o que faz com que a
autora considere que: ‚*...+ a autoridade de um grupo *neste caso, o
grupo das crianças], é sempre consideravelmente mais forte e
tir}nica do que a mais severa autoridade de um indivíduo isolado‛.
(ARENDT, 2013, p. 230). A grosso modo, é uma covardia outorgar
às crianças responsabilidades das quais elas ainda não possuem
condições de assumir problemas gerados pelos adultos e, por isso,
são de competência dos adultos. Não obstante, as crianças são
entregues à tirania de seu próprio grupo, com uma realidade cada
vez mais fechada, pois não enfrentam mais a autoridade dos
adultos, mas sim, a autoridade do próprio grupo que as cerca e
obriga por todos os lados. Para Arendt (2013), a reação das crianças
a essa pressão tende a ser o conformismo ou a delinquência, ou
ainda, ambos. Ademais, Arendt (2013, p. 230) afirma que: ‚*...+ ao
emancipar-se da autoridade dos adultos, a criança não foi
libertada, e sim sujeita a uma autoridade muito mais terrível e
verdadeiramente tirânica, que é a tirania da maioria‛.
Nessa direção, como consequência, pode-se perceber o
comportamento de muitos jovens na recusa de manter com as
gerações passadas um vínculo de conservação de tradições e
valores comuns, principalmente, o respeito à autoridade7,
compreendida aqui como uma referência dos valores éticos e
morais presentes em uma sociedade. O problema crucial é que
quando a sociabilidade primária (família) não pode mais cumprir
essa primeira fase da construção de si, intersubjetiva, fica cada vez
mais difícil que a segunda (escola) a faça, implicando em uma
sobrecarga para a qual ela não tem todas as competências
21
requeridas (daí boa parte da crise da educação escolar) (BRAYNER,
2008). Arendt (2013, p. 245-246) já alertava, em 1950, para o impasse
na educação, e o fato de, por sua natureza, ‚não poder *...+ abrir
mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, [...] a
caminhar num mundo que não é estruturado nem pela autoridade
nem tampouco mantido coeso pela tradição‛.
O segundo pressuposto que veio à tona com a crise tem a ver
com o ensino. A Pedagogia Moderna tem dado ao professor o
car{ter de ‚ensinar qualquer coisa‛ (ARENDT, 2013, p. 231). Sob a
influência da Psicologia e, principalmente, dos princípios do
Pragmatismo, a ‚Pedagogia transformou-se em uma ciência do
ensino em geral a ponto de se emancipar inteiramente da matéria
efetiva a ser ensinada‛. (ARENDT, 2013, p. 231). Assim, o professor
ignora o valor da especialização, de dominar alguma área
específica, e se mostra extremamente superficial.
Acontece, ainda, que o conhecimento do professor está
equiparado ao do educando, assim, o aluno tem falta de um
suporte para desenvolver as suas habilidades e aptidões. O
resultado não poderia ser outro – os alunos são abandonados a
seus próprios recursos e o professor perde a sua fonte legítima de
autoridade, que é justamente o conhecimento e a capacidade de
transmiti-lo, ‚*...+ como a pessoa que, seja dada a isso a forma que
se queira, sabe mais e pode fazer mais que nós mesmos, não é mais
eficaz‛. (ARENDT, 2013, p. 231). Tudo isso está naturalmente
ligado a um pressuposto básico acerca da aprendizagem e da
formação.
O terceiro pressuposto foi defendido pelo mundo moderno
durante séculos e encontrou a sua expressão conceitual sistemática
no Pragmatismo. Esse pressuposto significa que o indivíduo só
pode conhecer e compreender aquilo que é feito por ele próprio.
Para Arendt (2013), a sua aplicação à educação consiste em
substituir, na medida do possível, o aprendizado pelo fazer.
O motivo por que não foi atribuída nenhuma importância ao
domínio que tenha o professor de sua matéria foi o desejo de levá-
lo ao exercício contínuo da atividade de aprendizagem, de tal
22
modo que ele não transmitisse, como se dizia, ‘conhecimento
petrificado’, mas, ao invés disso, demonstrasse constantemente
como o saber é produzido (ARENDT, 2013, p. 232).
Percebe-se que a teoria casa muito bem com ‚o professor que
ensina qualquer coisa‛, pois esse pressuposto não obriga o
professor de possuir conhecimentos teóricos sólidos. Nesse
momento, a habilidade ultrapassa o conhecimento, a brincadeira
em sala de aula substitui um trabalho rigoroso e, para Arendt
(2013, p. 233), ‚aquilo que, por excelência, deveria preparar a
criança para o mundo dos adultos, o hábito gradualmente
adquirido de trabalhar e de não brincar8, é extinto em favor da
autonomia do mundo da inf}ncia‛.
A criança é excluída do mundo dos adultos e é mantida no seu
próprio mundo, na medida em que este pode ser chamado de
mundo. Para Arendt (2013), essa retenção da criança é artificial,
pois extingue o seu relacionamento com os adultos, e consiste,
entre outras coisas, do ensino e da aprendizagem, e porque oculta
ao mesmo tempo o fato de a criança ser um ser humano em
desenvolvimento, e a infância ser uma etapa temporária, isto é,
uma preparação para a condição adulta. A questão de que a criança
não pode ser responsabilizada pelas transformações ocorridas na
realidade do mundo e, também, a necessidade constante de um
processo de amadurecimento, parece confuso, mas no momento em
que o adulto, responsável pelo mundo, isto é, um único mundo9 de
crianças e adultos, assumir a sua responsabilidade de andar lado a
lado e, se necessário, à frente da criança, apresentando o mundo e
se responsabilizando por ele, a criança, no seu tempo de
desenvolvimento, é instigada a partir do exemplo dos mais velhos
a se tornar um adulto responsável pelo mundo.
respeito à infância.
23
Abandonar as crianças no seu ‚mundo‛ ou então infantiliz{-las
são equívocos, pois os adultos devem se responsabilizar por elas e,
no futuro, serão as crianças de hoje que ficarão na posição frontal
ao mundo. Ademais, o exemplo é o recurso que se tem hoje para
manter a responsabilidade e o cuidado pelo mundo.
Dessa forma, deve-se assumir a responsabilidade pelo mundo
de modo a motivar os mais novos a assumi-la posteriormente
também. As gerações mais novas não estão tão distantes, por mais
que se possa imaginar, muitas vezes elas compartilham o mesmo
mundo dos adultos. A autoridade presente na educação ajuda a
reforçar isso, pois está fundamentada em assumir compromissos
que possam garantir o conhecimento. Sabe-se que a criança tem o
seu tempo para se submeter à educação, mas no momento em que
for adulta pode, inclusive, superar o seu professor. Do mesmo
modo, o professor passa a transmitir com todo o seu vigor o
conhecimento aos alunos, mas sabe, também, que um dia este será
ultrapassado pelos seus alunos, quando eles já não serão mais os
seus alunos e sim os seus colegas.
O duplo aspecto da realidade da criança é que ela é um ser
novo e está em formação. Desse modo, a educação deve se voltar
para o cuidado com a própria vida da criança e com o cuidado do
mundo ao qual ela chegou, ou seja, a criança nasce para a vida e
nasce no mundo. O para a vida refere-se ao processo de formação, ela
é um vir a ser, ela não nasce humana, mas para se tornar humana.
O nascer no mundo é o lugar pré-existente, onde nada é de sua
autoria, onde ela só irá assumir a responsabilidade na medida em
que assumir este viver no mundo. Os pais e os educadores já
passaram por este processo – ou pelo menos deveriam ter passado
–, e são responsáveis pela continuidade do mundo e, de certo
modo, estão constantemente fazendo do mundo a sua casa.
24
Notas sobre o Joãozinho que não sabe ler: afinal, quem é o
Joãozinho?
25
que acontecer, ao passo que de nós, humanos, o que parece mais
prudente dizer é que nascemos para a humanidade.
26
[...] o educador está aqui em relação ao jovem como representante de
um mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade, embora não o
tenha feito e ainda que secreta ou abertamente possa querer que ele
fosse diferente do que é. Essa responsabilidade não é imposta
arbitrariamente aos educadores; ela está implícita no fato de que os
jovens são introduzidos por adultos em um mundo em contínua
mudança. Qualquer pessoa que se recuse a assumir a
responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças, e é
preciso proibi-la de tomar parte em sua educação.
27
Portanto, se essa responsabilidade repugna, é melhor dedicar-
se a outra coisa e não atrapalhar. Ser responsável pelo mundo não é
aprova-lo como ele é e porque só a partir do que é pode ser
emendado. Para que haja futuro, deve-se aceitar a tarefa de
reconhecer o passado como próprio e oferecê-lo aos que estão
vindo (SAVATER, 2012). Repugnar causa antipatia e aversão
contra o qual se age ou se reage, em síntese, instaura-se um mal-
estar que não é aceito e que é repelido, esta repugnância revela que
a autoridade (responsabilidade) dos adultos para com o mundo e
as crianças est{ sendo recusada pelos mesmos, e dizem: ‚crianças,
o mundo é assim, não tem o que se possa fazer‛.
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escolas contemporâneas: gera conflitos, principalmente, na relação
professor-aluno. Ousa-se a desafiar o professor e até a ridicularizá-
lo, mas o mesmo não acontece em relação ao grupo de pares. Em
relação a isso, Arendt (2013, p. 230) constata que ‚*...+ a autoridade
de um grupo, mesmo que este seja um grupo de crianças, é sempre
consideravelmente mais forte e tirânica do que a mais severa
autoridade de um indivíduo isolado‛. Eis o motivo de
constantemente ouvirmos perguntas do tipo: ‚não sei mais o que
fazer com tal turma‛, ‚aqueles alunos não querem nada‛, claro,
nada os toca, nada os atravessa, nada os interessa, vivem num
mundo à parte, um mundo só deles. Recordamos, entretanto, de
situações extremas em que os pais são solicitados para irem à
escola e, frequentemente se ouve deles (pais): ‚eu não sei mais o
que fazer com fulano, ele é assim em casa também‛. Estes poucos
acontecimentos supracitados nos revelam um cotidiano em que a
recusa do mundo e das crianças é gigantesco e toma concretude. O
resultado é banir as crianças do mundo dos adultos e, estas, por
sua vez, se organizam em grupos ‚tir}nicos‛ que determinam as
ações, pensamentos, regras, vestimentas, comidas, afrontações,
agressões, como se estivessem em outro mundo, como se
existissem dois mundos – um dos adultos e outro das crianças.
Não obstante, neste contexto residem as raízes da apatia e
violências das crianças, jovens, alunos. Encontrando-se banidas do
mundo dos adultos, acabam decidindo por conta própria, reagindo
apaticamente ou de forma agressiva, agredindo seus pares, os
professores, o patrimônio (público e privado), mantendo sob sua
tutela o grupo, pois individualmente sentem-se incapazes de
reagir. Esse é um dos problemas enfrentados por Joãozinho.
É importante observar que, na análise de Arendt (2013), a
rebeldia das crianças é propiciada pelos próprios adultos que
abdicam de sua responsabilidade e autoridade frente aos mais
novos. Essa análise é compartilhada também por Savater (2012),
onde afirma que não são as crianças que se rebelam contra a
autoridade educacional, mas são os adultos que induzem as
crianças a se rebelarem, precedendo-as nessa rebelião que os
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desvencilha da tarefa de lhes oferecer o apoio sólido, cordial mas
firme, paciente e complexo, que ajudará as crianças a crescer
adequadamente no sentido da liberdade adulta.
Ademais, no segundo pressuposto apresentado por Arendt
(2013), que diz respeito ao ensino e, mais especificamente, a quem
ensina. Adentramos, nessa perspectiva, num caminho das
especificidades do ensino, bem como da formação dos responsáveis
por este processo. Essa totalidade de um ensino geral, segundo a
autora, lança luzes sobre o todo, sem, no entanto, aprofundá-lo, a
ponto de emancipar-se da matéria a ser ensinada.
Em nossa compreensão, há nesse pressuposto dois pontos
fundamentais: i) refere-se à função do ensino; ii) diz respeito aos
educadores. Em relação ao primeiro ponto, invoca-se o âmago da
educação, na perspectiva de expor a centralidade desta, ou seja,
para quê ensinamos? Por quê? E, qual a finalidade/função da
escola? Surgem vários debates, defesas, acusações e embates,
muitas são as experiências ditas novas ou inovadores vivenciadas
em nome de um ensino com compromisso social, de alunos como
sujeitos que constroem a própria história e o próprio conhecimento,
com conteúdos que possuem significados etc. São amostras de
realidades que estão à procura de compreensões do que acontece
no interior das escolas, daquilo que se manifesta nas ações
pedagógicas, em busca de um sentido para as atividades
educacionais.
30
público da sociedade. Esta ponte demonstra, como espaço
importante da educação, as dificuldades e consequências da crise,
constroem-se, todavia, diferentes pontes, diferentes formatos,
algumas com bases sólidas outras não, alguma abandonadas,
outras, ainda, nem se constituíram pontes, ou por projetarem-se de
forma ‚abstrata e genéricas‛, ou por uma forma pessoal e
individualizada.
Por isso, a educação precisa tentar cunhar uma orientação
social precisa, preparando os mais novos para a vida em sociedade,
de acordo com o que lhe parece mais conveniente para a sua
conservação e não a sua destruição, ou seja, para a sua
continuidade e durabilidade. Que tentativas cunhadoras
estaríamos realizando? Cunhar é imprimir uma marca, um selo,
um caráter. Profundo e carregado de esperança, mas também de
inquietações. Marcas estas que perduram. Ao selar, reconhecemos
autoria, responsabilidade, autoridade sobre e perante. As escolas,
ao assumir encargos sociais, ao generalizar seu fazer pedagógico,
ao analisar e discutir projetos em busca de alguma direção, não
estamos, nestes casos, imprimindo um selo com o slogan: ‚é de
todos não é de ninguém?‛. L{ vem Joãozinho expor um selo. Estes
elementos constituem também o segundo ponto: os educadores.
Tal afirmação nos demonstra uma das mais duras faces da crise
na educação, da realidade enfrentada, onde encontramos
professores tipo ‚clínico geral‛, que detêm um pouco de
conhecimento sobre cada parte do ‚corpo‛. Sob o pretexto de uma
aula democrática, participativa, onde os alunos decidem o que
querem aprender/estudar/trabalhar, cometem-se equívocos como
se a relação professor-aluno dependesse da decisão sobre o
31
conteúdo da aula. Sem dúvida uma postura delicada e que
praticamente iguala os passos na caminhada do conhecimento.
O terceiro pressuposto arendtiano decorre de uma concepção
teórico sobre o processo de aprendizagem e que, segundo Arendt,
o mundo moderno defendeu durante século, tomando expressão
através do Pragmatismo, onde, o importante é fazer em detrimento
do saber. Nesse contexto, as atividades educacionais restringem-se
ao desenvolvimento das aulas de modo que os alunos aprendam
através das atividades como se produz o conhecimento. Transmitir
passa a ser um verbo banido dos planejamentos. Podemos
inclusive reiterar que a palavra transmissão se tornou maldita e
condenada no âmbito da educação escolar. Para muitos, a escola
não serve para transmitir, mas sim para facilitar a aprendizagem
dos alunos.
32
gradualmente adquirido de trabalhar e de não brincar10, é extinto
em favor da autonomia do mundo da inf}ncia‛.
Ademais, os três pressupostos apresentados pela autora
demonstram o quanto são atuais e percebidos nas relações
pedagógicas em nosso cotidiano. Por isso, ‚*...+ a atual crise, [...]
resulta do reconhecimento do caráter destrutivo desses
pressupostos básicos e de uma desesperada tentativa de reformar
todo o sistema educacional, ou seja, de transformá-lo inteiramente‛
(ARENDT, 2013, p. 233). Todavia, tantas tentativas de experiências
novas sendo gestadas no interior das escolas, buscando soluções e
saídas para os problemas, as consequências da crise, suja
constituição é global, perpassa níveis de ensino e instituições
públicas e privadas.
E, é por isso que em muitos dos casos, Joãozinho ‚ainda‛ não
sabe ler!
Considerações finais
33
formativa de indivíduos capazes de participarem, futuramente, em
comunidades e que se ocupem mais do desvalidamento dos seres
humanos do que de formas que o mascaram.
Nesse contexto, é preciso afirmar pedagogicamente aos que
chegam (os novos), que esperamos tudo deles, mas que não
podemos ficar esperando por eles. Que lhes transmitimos o que
acreditamos ser o melhor daquilo que fomos e escolhemos ser, mas
que sabemos que lhes será insuficiente, como também foi
insuficiente para nós. Que transformem tudo, começando por si
mesmos, mas que sejam capazes de manter a consciência do que é e
como é o que vão transformar.
Afinal, por que Joãozinho não sabe ler? Realizadas as análises
de Arendt e, também as nossas, para além desta enigmática
questão, torna-se, no entanto, possível entendê-la. Não elevando-a
à categoria de enigma a ser decifrado, como sendo algo obscuro,
um mistério com infindáveis incógnitas. É passível de compreensão
por ser Joãozinho do nosso cotidiano e, ao pensar a questão dele,
ao falarmos dele, falamos também das escolas, dos professores, do
mundo, dos muitos Joãozinhos e também das Mariazinhas, enfim,
falamos da humanidade.
Com isso, findamos com a afirmação de Arendt (2013, 247),
onde, considera-se que a ‚*...+ educação é o ponto em que
decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a
responsabilidade por ele [...] e [...] onde decidimos se amamos as
nossas crianças, o bastante para não expulsá-las de nosso mundo
*...+‛. Ademais, consideramos que muitas vezes, h{ experiências e
momentos significativos que surgem, de modo inesperado, em
alguma escola, em alguma sala de aula - algumas luzes, como diz
Arendt. Assim, quem pensa a educação e nela, todos os Joãozinhos,
tem de tomar cuidado para não apagar essas luzes, pois elas nos
lembram a tarefa da educação: cuidar de um mundo que não
dispensa as pessoas.
Fica aqui o registro para que as preocupações assumidas neste
estudo, e as inquietações e a ânsia por novos horizontes
34
provocativos, possam levar a outros caminhos, novas pesquisas,
novos problemas e possibilidades.
Referências
35
36
O princípio da autonomia
no ensino/aprendizagem de filosofia
Bruna Thomé1
Introdução
37
sujeitos e de como o ensino de filosofia pode contribuir para a
efetivação das posturas autônomas. Contudo não há a pretensão de
apresentar soluções para o ensino de filosofia, mas sim refletir
sobre como estes conceitos impactam sobre o ensino de filosofia em
nosso país. Fazendo também com que estes conceitos nos ajudem a
compreender o papel da filosofia no ensino médio, já que a muito
se entende que ela seria responsável por contribuir de forma
substancial na formação dos educandos.
Para tal, buscou-se de início o conceito de autonomia, expresso
no texto Resposta a Pergunta: O que é Esclarecimento? de
Immanuel Kant publicado em 1783 na revista Berlinische
Monatsschrift. E também no texto Autonomia e educação em
Immanuel Kant e Paulo Freire de Vicente Zatti, que nos ajuda a
compreender os ideais expostos por Kant neste texto.
No segundo capítulo, será tratado o conceito de disciplina e
como ele é fundamental para o desenvolvimento da autonomia do
sujeito. Para tal utilizar-se-á a obra Sobre a Pedagogia, que é
composta de textos reunidos de Immanuel Kant e que foram
publicados somente após sua morte.
E, para finalizar, iremos analisar o texto Lógica, em que Kant
defende a ideia de ensinar a filosofar, como um processo e não
como algo acabado e pronto, onde o sujeito iria apenas absorver
conhecimento e não propriamente produzir algo a partir de seu
entendimento. Assim pretende-se, neste capítulo, discutir acerca
das possibilidades de desenvolvimento da autonomia através do
ensino de filosofia, e de como posturas autônomas são capazes de
auxiliar no desenvolvimento de sujeitos integrais, trazendo assim,
para estes sujeitos envolvidos, relações positivas.
38
Esclarecimento é à saída do homem de sua menoridade, da qual ele
próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de
seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. Sapere aude!
Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema
do esclarecimento. (KANT, 2012, p. 63).
39
sobre seu entendimento, não permitindo a ele refletir sobre sua
condição, levando o ao sujeitamento de sua subjetividade,
criatividade e autonomia. ‚A liberdade de fazer uso público da
razão é necessária para que possa haver autonomia de pensamento
(pensar por conta própria), autonomia da ação e também
autonomia da palavra‛. (ZATTI, 2007, p. 19).
Sendo assim podemos determinar que para Kant a autonomia,
designa a independência da vontade em relação a todo objeto de
desejo (liberdade negativa) e sua capacidade de determinar-se em
conformidade com sua própria lei, que é a da razão (liberdade
positiva). (ZATTI, 2007).
A partir desde conceito surge à seguinte pergunta: quais
seriam os motivos que levam ao homem a permanecer
heterônomo, ou seja, sujeito as deliberações de outrem e não as
próprias determinadas pelo seu entendimento? Segundo Kant
seriam dois os fatores que levam o homem a permanecerem
menores, eles são a ‚preguiça e a covardia, pois elas são as causas
pelas quais uma grande quantidade de homens continua em estado
de menoridade durante toda sua vida‛. (KANT, 2012). Esta
preguiça e esta covardia podem também ser entendidas como as
causas para a falta de esclarecimento ou uso da razão por parte
destes homens, que não desejam sair de seu estado de menoridade,
ficando assim a mercê dos comandos dos seus tutores.
Portanto o autor considera que para ‚A imensa maioria da
humanidade [...] a passagem à maioridade é difícil, e além do mais
perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu
cargo a supervisão dela‛. (KANT,2012, p.64). Ou seja, é mais
cômodo e menos perigoso que pensem por mim, pois assim não
preciso aborrecer-me com questão complexas, ou até mesmo
simples, mas que de alguma forma aborrecem ao homem. ‚É
difícil, portanto, para um homem em particular se desvencilhar da
menoridade, que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou
mesmo a criar amor por ela‛. (KANT, 2012, p. 64). Preceitos e
fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, são seus
grilhões de uma perpétua menoridade, pois com eles os homens
40
levam suas vidas, sem necessidade de utilizar-se de seu
entendimento, e assim compreendem que ela é mais leve e fácil.
Homens de todas as classes sociais e de diferentes níveis de
ensino sentem-se mais felizes por serem comandados por outrem,
por não fazerem uso de seu próprio entendimento já que o mesmo
para eles é entediante. Isso também poderia ser compreendido
como uma nova razão, em relação àquelas arroladas por Kant, para
que os homens permaneçam em seu estado de menoridade em
nossa sociedade atual.
Cabe aqui observarmos que, apesar de Kant tratar apenas da
preguiça e da covardia, hoje outro termo poderia ser anexado a
estes, pois há uma grande possibilidade de os homens manter-se na
menoridade em função do tédio que os rodeia. Pensar por mim
mesmo não faz nada além de me causar tédio. Para que ele não
ocorra, é necessário que eu seja pró-ativo, esteja ao tempo todo
buscando algo, e essa busca demandaria um esforço do qual nem
todos estariam sujeitos a se submeterem para assim fazerem uso
público de seu entendimento.
Sendo assim Kant lança a seguinte questão ‚Que, porém, um
público esclareça a si mesmo é perfeitamente possível‛ (KANT,
2012, p.64). Mas como? Dando-lhe primeiramente liberdade para o
desenvolvimento de suas capacidades racionais, incentivando sua
criatividade, e depois ampliando sua visão de mundo, quebrando
seus preconceitos, seus medos. Aquele que irá propor-se a tal tarefa
poderá ser facilmente confundido com um tutor, ou seja, aqueles
que comandam seu gado para que este não ande fora do cercado,
mas na verdade estes seriam os sábios que, observando que seu
público necessita de orientação e exemplo para que possam
facilmente andar com as próprias pernas sem medo das ameaças
que possam os cercar.
41
lema para alcançar a independência moral e intelectual, e a educação
deve ajudar a promovê-lo. (RAMOS, 2007, p.201).
Para melhor compreender esses passos que são dados por Kant
para que o homem chegue à maioridade, é necessário compreender
que somente a liberdade não é suficiente para que ele desenvolva
sua autonomia, mas a educação que este indivíduo irá receber, essa
talvez poderá fazer com que ele, além de obter a liberdade
necessária, obtenha também conhecimentos e uma visão de mundo
mais ampla capaz de o libertar das amarras dos preconceitos e dos
medos, os quais por muito tempo o prenderam a uma condição de
menoridade.
Quando é dado a alguém algo no qual ele não sabe lidar, é
necessário que o mesmo aprenda. Com relação à liberdade, o
homem necessita apreender a lidar com ela, pois não é porque a
tenho que posso fazer o que melhor me convém sem pensar sobre
as consequências de minhas ações sobre os outros. Nesse sentido,
acredito que somente a educação poderá fazer com que homem
compreenda quais são os limites para a sua ação.
Sempre haverá, de facto, alguns que pensam por si, mesmo entre os
tutores estabelecidos da grande massa que, após terem arrojado de si
o jugo da menoridade, espalharão à sua volta o espírito de uma
estimativa racional do próprio valor e da vocação de cada homem
para pensar por si mesmo. Importante aqui é que o público, antes por
eles sujeito a este jugo, os obriga doravante a permanecer sob ele
quando por alguns dos seus tutores, pessoalmente incapazes de
qualquer ilustração, é a isso incitado. (KANT, 2012, p. 65).
42
permanecerá na condição de menoridade. Kant deixa claro que o
uso público da razão ocorre em decorrência da liberdade galgada
pelos indivíduos, e quando isso ocorre ele já não estaria mais na
condição de menoridade. Ao que parece, para alcançarmos a
autonomia necessária para sermos sujeitos integrais, além da
liberdade que nos é inerente, necessitamos também de instrução,
que provem da formação acadêmica e também de educação.
Seguindo a isso, Kant levanta a seguinte questão: ‚vivemos
agora em uma época esclarecida?‛ (KANT, 2012, p. 67) Ele mesmo
responde que não, mas afirma que vivemos em uma época de
esclarecimento. Segundo ele, falta muito para que os homens, nas
condições da época, sejam capazes de fazer uso de seu próprio
entendimento sem serem dirigidos por outrem. Contudo, podemos
perceber que ainda falta, nas condições atuais, muito para que
homem faça uso de seu esclarecimento. Por mais tempo que tenha
decorrido das afirmações de Kant, ainda podemos perceber em
nossa sociedade a condição de menoridade entre as pessoas. É mais
cômodo aceitar a opinião equivocada de outrem do que raciocinar
por si mesmo.
Sendo assim, podemos trazê-lo para a nossa realidade, pois o
que temos são claros indícios de que agora foi aberto o campo no
qual podemos lançar-nos livremente a trabalhar para tornar
progressivamente menores os obstáculos ao esclarecimento. De
fato, estes obstáculos são muito menores hoje. Contudo, com o
advento da tecnologia, os homens estão cada vez mais sendo
comandados por ela, não mais por seus senhores, é a internet, a
rede globalizada de informação que os guia, que os conduz pelo
mundo da informação e do entretenimento, onde o homem passa
boa parte do seu tempo conectado. Mas ela também pode ser
entendida como um meio pelo qual o homem expressa sua
liberdade, e aprimora o seu conhecimento, porém isso só é possível
se o homem compreender quais são os limites para o seu uso; não
devendo ser, portanto, desmedido.
Os limites que aqui são pensados referem-se ao próprio
entendimento que o homem deve ter acerca o uso das tecnologias,
43
da internet, pois ela deve ser usada para ampliar meu
conhecimento, e expressar minha liberdade e não somente como
um entretenimento ou para a superação do meu tedio.
Para tanto também é necessário levarmos em conta o que traz o
autor sobre os limites da liberdade, pois ‚Um grau maior de
liberdade civil parece vantajoso para a liberdade de espírito do
povo e, no entanto, estabelece para ela limites intransponíveis; um
grau menor daquela dá a esse espaço o ensejo de expandir-se tanto
quanto possa‛ (KANT, 2012, p.71). Percebem-se aí os limites
necessários para o exercício da liberdade, pois, quando não o há, os
homens serão capazes das mais nefastas crueldades consigo
mesmos e com seus semelhantes. E quando ela torna-se servidão as
consequências são as mesmas.
44
liberdade de pensar, pois nós pensamos em conjunto com as outras
pessoas na medida em que nos comunicamos. Portanto, a supressão
da liberdade de comunicar também é supressão da liberdade de
pensar. Isso também pode acontecer quando alguém não tem acesso à
educação formal e de qualidade. Não ter acesso à escola,
normalmente faz com que o sujeito seja impossibilitado de
manifestar-se ou não sinta necessidade de fazê-lo. Isso suprime a
autonomia de pensamento e a autonomia da palavra. Aqui se percebe
a importância de condições que possibilitem a concretização da
autonomia, dentre elas, a educação de qualidade. (ZATTI, 2007, p.36-
37).
45
Também utilizaremos o texto da professora Barbara Freitag, A
Filosofia Iluminista e a Pedagogia da Qualidade, e o texto do professor
Rodrigo Gelamo, Reflexões Kantianas sobre a função social do ensino de
filosofia.
A ideia que perpassa toda a obra escrita por Kant é a de uma
educação pelo exercício racional que conduz à autonomia. Tendo
em vista que ‚O homem não pode tornar-se verdadeiro homem
senão pela educação‛ (KANT, 1999, p. 15). Esta afirmação nos
revela que a educação tem o papel crucial na formação dos
homens.
É pelo fato dos seres humanos nascerem um nada, por não terem
instintos que lhes determinem, que precisam ser formados pela
educação, precisam de sua própria razão para se tornarem homens.
Nesse sentido, o objetivo principal da educação será educar para a
autonomia, para que se possa fazer o uso livre da própria razão. Se
objetivarmos uma educação para a autonomia, temos que entendê-la
como formação, como processo percorrido, realizado pelo próprio
homem. (ZATTI, 2007, p.17).
46
Segundo Kant (1999, p.12), ‚o homem tem necessidade de sua
própria razão[...] e necessita formar para si mesmo o projeto de sua
conduta‛. E para tal, desde a terna inf}ncia necessita de cuidados,
disciplina e instrução para que assim seu projeto de conduta seja
construído. Para tanto, Kant divide o processo de formação,
educação em quatro estágios, o primeiro sendo o cuidado, o
segundo a disciplina e o terceiro a instrução e o quarto a
moralização.
O cuidado refere-se ao processo pelo qual o homem passa em
seus primeiros instantes de vida, já que diferentes dos animais, que
no máximo precisam ser alimentados, aquecidos, guiados e
protegidos de algum modo, o homem requer mais dedicação
(KANT, 1999, p. 11). O homem é a criatura que necessita de mais
cuidados em seu nascimento e desenvolvimento. Segundo Kant
(1999, p. 11), ‚por cuidados entende-se as precauções que os pais
tomam para impedir que as crianças façam uso nocivo de suas
forças‛.
O segundo passo desse processo consiste na disciplina que,
segundo Kant, ‚é o que impede o homem de desviar-se do seu
destino‛. Ela deve, por exemplo, conte-lo de modo que não se lance
ao perigo como um animal feroz. ‚A disciplina, contudo, é
negativa, porque é o tratamento através do qual se tira do homem a
sua selvageria; a instrução, pelo contrário, é a parte positiva da
educação‛. (KANT, 1999, p.12-13).
Sendo assim, Kant propõe que a educação deve disciplinar
para impedir que a selvageria, a animalidade, prejudique o caráter
humano. Se nada se opõe na infância e na juventude, o indivíduo
conservará uma selvageria a vida toda. Por isso a educação,
segundo Zatti,
47
Para melhor compreendermos as ideias de Kant, recorremos a
Zatti (2007, p.32-33). Segundo ele, a ‚disciplina, que é negativa,
coage os impulsos animais para que o homem se guie pela razão e
assim, possa ser autônomo‛. Zatti compreende que, para Kant, ‚a
disciplina é extremamente necessária para que a vontade não seja
corrompida pelas inclinações sensíveis. No entanto, a disciplina
não pode tratar as crianças como escravos, elas precisam sentir sua
liberdade, mas de modo que não ofendam os demais‛. Em outras
palavras, educação para a autonomia em Kant não se funda na
disciplina, embora ela seja necess{ria para ‚domar as paixões‛ e
‚abrir espaço para a razão‛. (ZATTI, 2007, p. 32-33).
Portanto nos parece em um primeiro instante que a disciplina
proposta por Kant e o que conclui Zatti acerca dela, seria uma
submissão às leis, que aprisionariam e condicionariam o homem.
Contudo, segundo Rodrigo Gelamo,
a educação é uma arte, cuja prática necessita ser aperfeiçoada por várias
gerações. Cada geração, de posse dos conhecimentos das gerações
anteriores, está sempre melhor aparelhada para exercer uma educação
48
que desenvolva todas as disposições naturais na justa proporção e de
conformidade com a finalidade daquelas, e assim, guie toda a
humanidade a sue destino. Sendo assim Kant afirma que a educação é o
maior e o mais árduo problema que pode ser proposto aos homens.
49
possam aceitar e que possam transformar-se em fins para cada um
dos outros atores‛.
Segundo Zatti (2007, p.34) ‚Kant resgata o verdadeiro sentido de
educação intelectual. Ela deve ser antes de tudo um exercício da
inteligência. A educação deve ter uma finalidade interna, e o exercício
de uma faculdade contribui para o aperfeiçoamento das demais‛. ‚O
entendimento é conhecimento do geral. O juízo é a aplicação do geral
ao particular. A razão é a faculdade de distinguir a ligação entre o
geral e o particular‛ (KANT, 1999, p. 67).
Contudo, de acordo com Zatti (2007, p. 34), ‚a educação
consiste em exercer uma espécie de imposição de limites sobre o
estado da natureza, a fim de que a liberdade possa se expandir
abrindo espaço para a cultura‛.
Portanto, sem a educação, o homem seria mais um animal,
somente ela seria capaz de transformar essa animalidade em
humanidade e, assim, possibilitar ao homem fazer uso de seu
próprio entendimento e liberdade. A disciplina proposta por Kant
seria a parte negativa da educação, pois somente ela não tornaria o
homem um sujeito autônomo. Contudo, sem ela ele permaneceria
em seu estado de animalidade. Mas, seguindo a disciplina, o autor
nos propõe a ideia de instrução, e esta seria a parte positiva da
educação; pois, segundo a ideia de instrução, o homem passaria a
ser capaz de fazer uso de seu próprio entendimento. E a instrução
está estreitamente ligada à ideia de educação proposta por ele.
Seguindo-se a isso, o que iremos tratar no próximo capítulo é
uma tentativa de aproximação entre os conceitos apresentados
anteriormente. Trataremos da ideia de a filosofia ser parte
contribuinte para a formação de sujeitos capazes de fazer uso
público do próprio entendimento, e também da tese kantiana que
assume a disciplina como obrigatória para a formação, enquanto a
filosofia estaria presente no processo de instrução, que para Kant é
a parte positiva da educação. Para tal, inicialmente iremos trazer o
conceito de filosofia apresentado por Kant na obra Lógica, e em
sequência iremos discutir como esse conceito, pode fazer com que
50
o homem torne-se um sujeito autônomo, apto ao exercício pleno da
sua razão.
51
também apresentada por ele no texto de Adriano Perin e Joel T.
Klein no qual os autores buscaram fragmentos de outros escritos de
Kant em que o autor apresenta uma definição acerca do conceito de
filosofia. Por exemplo,
52
Compreende aqui a necessidade de a filosofia ser utilizada como
meio para se alcançar um fim, ou seja, que através de seus estudos
o homem conseguiria fazer uso de sua razão, de seu entendimento,
e finalmente poderia contemplar a sua liberdade, algo que lhe é
natural, mas por força de seus tutores és-lhe tirada para que estes
não andem fora dos caminhos que lhes são determinados. Portanto,
segundo Gelamo, a máxima do ensino de filosofia é ensinar a
pensar, melhor dizendo, ensinar a cultivar o espírito, cultivar o
pensamento e a capacidade reflexiva do sujeito. (GELAMO, [200-?],
p. 2).
Seguindo a isso, podemos compreender que, para Kant, o
ensino de filosofia visa a formação do sujeito no uso de sua razão
para que este se torne um aufklërer e, consequentemente, possa
usar a razão com liberdade e autonomia. Nas palavras de Kant
(1999, p.15), ‚O homem não pode tornar-se um verdadeiro homem
senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz.‛ Por isso
a importância de se pensar a educação no processo formativo do
homem, apesar do pressuposto kantiano de que o homem já nasce
predisposto ao pensamento. Sem a educação, o homem teria de
trilhar todo o caminho rumo à humanização sozinho. Fato este
muito complexo, uma vez que a humanidade já adquiriu valores e
bens culturais durante sua história, cuja apropriação por si só, seria
algo, senão impossível, ao menos improvável.
Para tanto, podemos relacionar as afirmações anteriores com a
possibilidade de a filosofia contribuir para que o homem saia de
seu estado de menoridade para o exercício pleno de sua
maioridade e também de seu entendimento. Contudo em nossa
sociedade hoje a filosofia é vista com certo desdém, pois ela ‘a
filosofia’ apresenta-se cada vez mais em nossa sociedade
mecanicista, imediata, eficiente e de resultados rápidos, preparada
para o trabalho, como algo que não possui um saber útil, para
muitos é perda de tempo. Entretanto, se ela for vista como um
pensamento rigoroso, e que a cada momento se recomeça como
crítica social e radical do existente, uma afirmação da humanidade
dos homens, que tem seu fim em si mesma, como livre criação do
53
espírito, máxima afirmação de liberdade, então ela cumpre seu
papel no sentido de colaborar para que o homem exerça sua
liberdade e saia de sua condição de menoridade.
Sendo assim, as conclusões a que podemos chegar é que, para o
homem atingir seu estado de maioridade, ele não poderá fazê-lo
sem passar pelo processo formativo que é dado pela educação, e
consequentemente esta não se efetivará se o ensino de filosofia não
fizer parte deste processo formativo. Pois somente assim é que de
fato poderemos alcançar o Esclarecimento proposto por Kant, ou
seja, o ideal iluminista desenvolvido por ele. E, nesse processo
formativo, não se pode deixar de lado a disciplina, que, por mais
que ela seja a parte negativa da educação, sem ela não seria
possível atingirmos esse ideal, pois o homem estaria ainda preso
em sua animalidade, que segundo Kant, só é transformada através
da disciplina que é imposta aos homens desde cedo, pois, se não o
fizermos, ela permanecerá para toda vida do homem.
Hoje no Brasil o ensino de filosofia ainda passa por inúmeras
dificuldades, mas se cada professor de algum modo exaltar aos
seus alunos a busca pela maioridade, ou seja, pelo uso livre de seu
entendimento, dentro de poucos anos teremos uma massa crítica e
reflexiva, capaz de algum modo de transformar a realidade na qual
está inserida. E fazendo com que cada um que faça parte dessa
realidade também busque por esse ideal. Daí sim poderá afirmar
que estamos em uma época esclarecida.
Considerações finais
54
médio, é de a filosofia estar caminhando, juntamente com outras
disciplinas, a atender a demanda do Estado na formação técnica e
profissional dos jovens para que estes estejam prontos para o
mercado de trabalho, e não como visam os documentos de
orientação, que este jovem esteja apto ao final do ensino médio, ao
exercício pleno da cidadania.
Portanto, cada vez mais deve-se buscar esses ideais que foram
constituídos por Kant, pois o esclarecimento, que é a palavra
utilizada por Kant para descrever a ideia de liberdade, é o homem
capaz de sair de seu estado de menoridade autoimposta, fazendo
com que tenha liberdade de tomar suas próprias decisões acerca de
sua vida, sem que haja a direção de outrem. Sem esclarecimento, o
homem está preso a qualquer tipo de imposição feita por aqueles
que detêm algum tipo de força sobre ele; sujeito a qualquer tipo de
imposição sobre seu entendimento, não permitindo a ele refletir
sobre sua condição.
Com isto, conclui-se este trabalho afirmando que, sendo a
filosofia obrigatória no ensino médio, ela deve ser trabalhada de
modo que possa ser valorizada pela sociedade e comunidade
escolar. Porém, como se sabe que a filosofia tem seu papel de
formar no aluno o senso crítico, é a partir deste conteúdo próprio
da filosofia que o professor deve instigar no aluno a vontade de
pensar por si mesmo, ou seja, de fazer uso público de seu
entendimento, tornando ele um sujeito autônomo e livre capaz de
viver plenamente em sociedade.
Referências
55
GALLO, S; KOHAN, W.O. Filosofia no Ensino Médio. Petrópolis:
Vozes, 2000.
GELAMO, R, P. Reflexões Kantianas sobre a função social do
ensino de filosofia. FAPESP, 2007.
KANT, I. Lógica. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992.
_____. Resposta à pergunta: Que é Esclarecimento? In._____.
Textos seletos. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
_____. Sobre a Pedagogia. 2. ed. Piracicaba: Editora Unicamp, 1999.
RAMOS, C, A. Aprender a filosofar ou aprender a filosofia: Kant
ou Hegel?Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(2): 197-217, 2007.
PERIN, A. KLEIN, J,T. O conceito de filosofia em Kant. Analytica,
Rio de Janeiro, vol 13 nº 1, 2009, p. 165-196.
ZATTI, V. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo
Freire. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
56
Sensibilidade e formação moral: Kant e a reflexão
acerca da formação integral na natureza humana
Introdução
3 Grifos acrescentados.
58
sensibilidade, nesse caso, a escolha ou decisão, ou seja, o motivo da
ação,será por respeito, reconhecimento e adoção da lei prática.
O que queremos evidenciar é que em Kant a vontade humana é
inerente a uma faculdade/capacidade de oferecer-se leis, ou seja,
agir segundo a representação de regras ou leis, por (Willkür) ou
independentemente (Wille) da coerção da sensibilidade. Nesse
sentido, o ser racional humano pode ser determinado/movido em
suas ações por sua sensibilidade e agir segundo algumas normas,
mas também por sua razão e agir segundo/por princípios.
Se há essa dupla possibilidade, isto é, a vontade humana pode
ser movida tanto pela sensibilidade como pela racionalidade, se a
vontade pode seguir as prescrições de uma lei prática ou se render
aos impulsos sensíveis e, se, segundo a concepção kantiana de
moralidade, o verdadeiro valor da ação (o valor moral), somente é
possível, na ação precisamente por dever – reconhecimento, respeito
e adoção da lei ou princípio prático – onde é então, tendo em mente
o valor moral da ação humana, o lugar da sensibilidade, o lugar da
constituição/porção sensível da natureza humana?
Ora, se, de acordo com Kant, somente na ação precisamente
pelas prescrições de uma lei prática é que o ser humano realiza
exatamente o que deve ser feito do ponto de vista da moralidade e
a sua ação pode apresentar o seu genuíno valor, o valor moral, o
que vamos abordar é justamente a porção sensível do ser humano,
para compreendermos o seu lugar, e se ela auxilia, ou não, o pleno
desenvolvimento da natureza humana em termos da moralidade,
ou seja, na vida do ser humano enquanto um agente moral, que age
segundo valores e princípios.
59
vamos considerar os seguintes elementos: a inclinação, a afecção e
a paixão.
Em Kant (2006), o apetite sensível habitual, ou seja, o desejo
sensível que serve de regra ou hábito ao sujeito, chama-se
inclinação. Por apetite entende-se a autodeterminação de um sujeito
mediante a representação de algo futuro enquanto um efeito seu,
considerando que diz respeito a uma determinação segundo
representação, trata-se de a uma ação futura, que se espera algo
enquanto efeito, por vontade, voluntária.
Na Fundamentação da metafísica dos costumes Kant apresenta
uma definição de inclinação a qual é completada, posteriormente,
pela Antropologia de um ponto de vista pragmático. Na Fundamentação:
‚Chama-se inclinação a dependência em que a faculdade de desejar
está em face das sensações‛ (KANT, 1980, p. 124)4. Desse modo,
podemos dizer que o apetite sensível habitual ou a faculdade de
desejar face às sensações, mediante a representação de algo futuro
enquanto o efeito de uma ação segundo ou por vontade, é uma
inclinação. O que queremos precisamente ressaltar é: a faculdade de
desejar que, quando dependente de alguma ou qualquer sensação,
temos o que podemos chamar de inclinação.
Na Antropologia Kant (2006, p.149) completa dizendo que uma
determinada inclinação que a razão do indivíduo dificilmente pode
dominar, ou não pode dominar de modo algum, é Paixão. Em
contrapartida, a inclinação sustentada por algum sentimento, por
exemplo – de prazer ou desprazer, satisfação ou dor, agradável ou
desagradável, alegria ou tristeza, amor, ira – no estado presente e
que não permite a reflexão racional aflorar no indivíduo, se se deve
entregar ou resistir ao sentimento, é Afecção.
Veja, justamente pela ausência da reflexão, a afecção, o estar
afetado, o afeto, de acordo com o filósofo, é apressada, é breve,
representa uma comoção passageira, um apetite sensível, isto é, o
que se quer ou pode querer face às sensações, sustentado por um
sentimento presente/atual, o qual pode passar rapidamente de um
4 Grifos acrescentados.
60
grau para outro. Tal brevidade torna o ponderar ou a reflexão cada
vez mais improvável inconsiderada, o que pode fazer com que o
ser humano perca facilmente a sua capacidade de ajuizamento em
suas ações. Por outro lado, a paixão, a inclinação denominada
paixão, do mesmo modo como a afecção, também se apresenta
enquanto um apetite sensível – o que se quer ou pode querer face
às sensações – porém, por não haver a presença do sentimento ou
não ser sustentada por um sentimento apenas presente/atual, não é
apressada ou breve, sendo possível, no caso da paixão, a reflexão, o
indivíduo é capaz de refletir/ponderar para alcançar o seu fim
ambicionado. O que sustenta a paixão é o próprio objeto/fim que se
quer e, por mais violenta que possa ser a paixão, ainda assim há o
espaço para a reflexão/ponderação.
Nas palavras de Kant:
O que a afecção da ira não faz a toda velocidade, ela não faz de modo
algum, e facilmente esquece. A paixão do ódio, porém, não te pressa
em se enraizar profundamente para pensar em seu inimigo (KANT,
2006, p. 150).
61
Mediante dois exemplos oferecidos por Kant em sua
Antropologia podemos compreender com mais precisão o que
constitui um estado de afecção e a sua grande carência, isto é, a
ausência ou impossibilidade de reflexão.
62
Já a inclinação denominada de paixão, para o caso das paixões
humanas, o filósofo aponta que nesse estado o sujeito também não
é capaz de abarcar a totalidade, porém, no caso da paixão, a
totalidade não considerada no momento de uma possível
deliberação, decisão ou escolha da ação, é o todo de suas
inclinações. Lembrando que uma inclinação em Kant significa um
querer sensível que serve de regra/hábito ao sujeito, ou seja, o que
o indivíduo quer ou deseja face às sensações.
Nas palavras do filósofo: ‚A inclinação pela qual a razão é
impedida de comparar essa inclinação com a soma de todas as
inclinações em vista de uma certa escolha, é a paixão (passio animi)‛
(KANT, 2009, p. 163).
Tanto a afecção quanto a paixão, entendidas enquanto estados da
alma pertencentes à faculdade de desejar face às sensações, são
sempre unas, ou seja, o indivíduo nesses estados apenas é capaz de
levar em consideração a condição presente/atual, não é capaz de
enxergar o todo. Para o caso das afecções a totalidade não passível de
ser abarcada, o que se dá pela impossibilidade da reflexão, é a dos
sentimentos – prazer, alegria, dor, agradável, desagradável, vergonha
– há somente o momento e o sentimento atual/presente; para o caso
das paixões a totalidade não contemplada é o conjunto das
inclinações. Quando a paixão é a determinante da ação a totalidade
daquilo que eu quero ou desejo não pode ser considerado.
No primeiro caso, a afecção, há a presença de um único
sentimento na base da inclinação (do querer sensível), o qual pode
mover o indivíduo em sua conduta, escolhas, decisões e ações ou
reações; no segundo caso, a paixão, há apenas uma inclinação, ou
seja, a presença marcante de um único e exclusivo objeto do querer,
do desejo sensível, o qual também pode mover o ser humano em
sua conduta, escolhas, decisões e ações até que ele atinja
(lembrando que isso pode também não ocorrer) o seu fim sensível
ambicionado.
Levando em consideração que no estado de paixão ainda assim
a reflexão é possível ‚*...+ a paixão *...+ não tem pressa e reflete para
alcançar seu fim, por mais violenta que possa ser‛ (KANT, 2009, p.
63
150), por não se apresentar enquanto comoções passageiras e
turbulentas, pode se deixar unir à mais tranquila reflexão ou
razão5, fixando raízes profundas e concentrando toda a força de
conduta, de escolha, de ação do indivíduo em um único fim sensível
querido, conforme explica Kant: ‚*...+ se a afecção é uma embriaguez,
a paixão é uma doença que tem aversão a todo e qualquer
medicamento‛ (KANT, 2009, p. 163).
Nesse sentido, ao apontar que a conduta, a escolha, a decisão e
a própria ação do indivíduo é movida/determinada por um único
fim sensível desejado no estado de paixão, o qual pode agregar-se
com a mais tranquila reflexão/razão, temos a força de uma paixão,
ou seja, o próprio fim sensível querido, o objeto que se quer atingir,
uma finalidade específica.
Desse modo, observamos que, de acordo com o filósofo (2006,
p.164), a paixão sempre pressupõe uma máxima da ação. No estado
apaixonado, mediante a possibilidade de junção/união do desejo
sensível com a razão, ainda que se trate de uma razão prática
empírica, a paixão sempre implica uma máxima de ação.
Dito de outro modo, o estado de paixão pressupõe uma
máxima da ação e essa máxima determina o agir segundo um fim,
algo que é ambicionado, desejado, querido, o qual é prescrito
(posto ou dado) pela inclinação – a faculdade de desejar sensível –
assim, a paixão sempre pressupõe uma máxima da ação ligada a
um fim sensível querido.
Para Kant, do ponto de vista da moralidade (se há a
preocupação moral), podemos citar ao menos três problemas ao
ter/querer um objeto, um fim sensível querido, movendo ou
determinando as decisões e ações dos seres humanos, ou seja, a
escolha e a ação determinadas em função do objeto sensível
desejado.
primeiro: nada obriga o sujeito a agir desse ou daquele modo. Ou
seja, nada exige do sujeito querer sempre fazer o que deve ser feito
5‚*...+ a paixão, ainda que violenta, pode coexistir com a razão, pois é deliberativa
a fim de atingir a sua finalidade‛ (BORGES, 2004, p. 34).
64
do ponto de vista da moralidade. Por inclinação, ora pode fazer, ora
não, e, se faz por inclinação (enquanto condição de determinação), o
faz quando tiver a inclinação e não o faz quando (ou se) não tiver;
segundo: se o objeto não existir, se a ação não chegar ao seu objeto,
a ação não terá valor algum;
terceiro: se uma ação é boa por "inclinar-se" para tais e tais fins
sensíveis, há então o problema do valor relativo e limitado da ação.
Afinal, o valor de qualquer objeto sensível, mesmo de um desejado,
é sempre relativo, e não absoluto6.
65
no que diz respeito à esfera prático-sensível, em particular, para o
caso da paixão, da ação e do valor moral da ação.
Um segundo ponto que devemos esclarecer é que na esfera
prático-sensível7, a razão (o motivo ou o porquê da ação) não deve
satisfazer uma única inclinação, isto é, a ação não deve ser
realizada segundo um princípio que leva em consideração somente
uma única inclinação colocando todas as demais de lado, mas
antes, deve observar se aquela inclinação pode coexistir com a
soma de todas as inclinações. O outro problema do estado
apaixonado, além e em decorrência de poder se deixar guiar pelo
objeto enquanto condição, é justamente não abarcar a totalidade.
Pode haver a paixão, um fim posto pela inclinação, porém não
enquanto razão de determinação ao ponto de, por exemplo, ignorar
o todo – a totalidade das inclinações.
Tomemos o exemplo oferecido por Kant:
66
índole ainda que se dirija àquilo que pertence (segundo a matéria) à
virtude, tão logo quando envolve a paixão pode ser (segundo a forma)
moralmente reprovável.
Considerando a preocupação moral e a posição de Kant, Paton
(1971, pp. 136-7) observa que o que devemos, então, é perguntar se
poderíamos agir não meramente por uma inclinação sob uma regra
a qual nos propomos mediante o objeto sensível querido, mas antes
por inclinação ou paixão e ao mesmo tempo sob um princípio
válido do ponto de vista formal, um princípio necessário e objetivo.
O que significa dizer agir sob um princípio que possui validade
(alcance) independentemente desse ou daquele querer sensível –
mesmo que haja o querer.
Há, para o caso dos desejos sensíveis, uma espécie de
hierarquia, a qual pode controlar as ações humanas, fazendo o ser
humano agir sob sua guia, porém, não se esquecendo que tais
desejos sensíveis são, geralmente, fundados por uma ‚obrigação‛
condicionada, para termos um fundamento incondicionado,
necessário e universal de nossas ações, o princípio moral que Kant
buscou – também chamada por Beck (1984, p. 82) de máxima
suprema – não pode ser governado em virtude da matéria, objeto
sensível querido, embora não haja qualquer problema em sua
existência, ou seja, em tê-lo e querer tal objeto. Eis a diferença entre
agir com paixão e agir por paixão. Um dos problemas apontado pelo
filósofo em agir precisamente por paixão é, fazer de uma parte dos
seus fins o todo – o único motivo e condição de suas ações, o que
implica, ademais, no valor condicionado, não absoluto e relativo,
da ação.
Isso quer dizer que a máxima da ação do indivíduo que age
com paixão, a máxima da ação resultante de querer um fim posto
pela inclinação, pode converter-se em uma máxima moral? Vale
lembrar nesse momento que, segundo Kant, o princípio prático
objetivo nos coloca a questão de saber se o princípio prático
subjetivo do querer pode valer ao mesmo tempo enquanto
princípio prático objetivo do querer.
67
Por fim, vale ressaltar que na obra Antropologia de um posto de
vista pragmático Kant faz um amplo alerta para o fato da fragilidade
da inclinação, seja ela uma afecção ou uma paixão, o que vale
igualmente para outras emoções, sensações e sentimentos, isto é, a
fragilidade de agir por inclinar-se a tal ou tal coisa.
Nos casos específicos das afecções e das paixões:
i) no estado de afecção o indivíduo não é capaz de reflexão, o
motivo de sua ação será sempre um único e exclusivo sentimento
(ação por afecção), e
ii) no estado de paixão, embora haja a possibilidade de
reflexão, a razão do indivíduo dificilmente pode dominar tal
estado, o querer tal e tal coisa, o objeto sensível do desejo, é
intenso, violento, marcante e acaba por mover (ação por paixão) a
vontade do indivíduo. Algumas passagens da Antropologia ilustram
essa posição:
68
o, pois mesmo que a paixão possa se referir às atitudes
deliberativas, possa coexistir com a razão prática, pode, também,
exigir, por exemplo, a mais ardilosa dissimulação, caso isso seja
necessário ou possa contribuir para obter o determinado objeto
sensível do desejo – o seu querer sensível.
Kant aponta que um indivíduo quando age por uma afecção e
a sua ação é distinta da ação com valor moral, distinto daquilo que
o dever prático ordenaria, pode ser caracterizada apenas enquanto
uma fraqueza da vontade8, enquanto que a ação por paixão quando
é distinta da ordem da razão prática, por pressupor uma máxima
da ação, pode ser mais prejudicial do ponto de vista moral, afinal a
máxima da paixão pode não poder ou querer coexistir com a
máxima moral. O objeto de uma paixão quando contrário à lei, é,
segundo Kant, malévola e resulta em vício.
Quando houver a incompatibilidade do objeto do desejo com a
máxima formal, o sujeito, por querer apaixonadamente o objeto,
pode recusar querer a máxima moral, negar ou não seguir o seu
dever prático, resultando em uma ação viciosa. Os vícios são, para
o filósofo, o grande desafio moral, ou seja, o desafio que o ser
humano, se há a preocupação moral, deve combater, daí decorre a
força moral entendida enquanto fortaleza – fortitudo moralis9.
Segundo Kant (2004), toda a força moral (virtude) se reconhece
pelos obstáculos que é capaz de superar, para o caso da virtude, o
grande obstáculo a ser superado são as inclinações da natureza
humana – a sua faculdade de desejar face às sensações, que pode,
em muitas situações, apresentar-se em conflito ou mesmo opondo-
se àquilo que o dever prático ordena fazer.
Nesse sentido, podemos dizer as consequências morais
negativas das afecções são menores do que a persistência das
máximas de uma paixão.
Quando há a compatibilidade entre a ação por afecção e a
prescrição do dever moral, trata-se de um acaso, visto que no
8 Isso tendo em vista que a afecção é caracterizada por Kant enquanto comoções
passageiras.
9 Cf. KANT, 2004, p. 41.
69
estado de afecção a reflexão e deliberação não são possíveis e,
segundo Kant, não é seguro deixar ao acaso o valor moral das
ações humanas – de longe o mais alto e sem qualquer comparação
(KANT, 1980, p. 113).
Para o caso da ação por paixão, a coexistência entre razão
prática e a paixão é possível, no estado de paixão a reflexão e
deliberação são possíveis, mas, conforme exposto, pode ser algo
difícil, o que se dá exatamente pela força do objeto sensível do
desejo indissociável do estado de paixão.
No que diz respeito à coexistência entre o estado de paixão e a
razão prática, vislumbramos duas alternativas: a) a máxima da
paixão incompatível com a máxima moral e, nesse sentido, a paixão
pode resultar em vício; b) a máxima resultante de uma paixão
compatível com a ordem da máxima moral e, nesse sentido, referir-
se a uma ação virtuosa.
Porém, mesmo quando houver a compatibilidade ou a
coexistência entre a razão prática e a paixão, a razão da ação, se há
a preocupação moral, será sempre o dever moral – o respeito, o
reconhecimento e a adoção do princípio prático objetivo –
independentemente de qualquer subjetividade e móbeis:
sentimentos, interesses, impulsos, inclinações, paixões, emoções,
afecções, mesmo que haja.
Borges (2004, p. 02), aponta que a obra moral de Kant apresenta
várias referências acerca da dificuldade de determinarmos o valor
moral das ações, visto que não é possível o acesso aos motivos e aos
móbeis alheios, a mera observação da ação não nos garante acesso à
moralidade destas. Por exemplo: ‚*...+ o merceeiro pode não
aumentar seu preço por dever ou por interesse egoísta *...+‛. Como
ter acesso aos seus motivos e móbeis?
Pensamos que, embora não verificáveis externamente e mesmo
tendo a clareza das dificuldades de acesso ou avaliação dos
motivos e móbeis da ação, a ação com valor moral pode ser
presente, eficaz e efetiva na vida humana mediante a
formação/desenvolvimento moral, formação e desenvolvimento do
70
caráter via educação, vale dizer, a educação conforme concebida
pelo filósofo.
71
a formação moral, enquanto é fundada sobre princípios que o
homem deve reconhecer‛ (KANT, 1999, p. 35-36).
Há, na concepção de educação kantiana, um trio de estágios –
habilidades, prudência e moralidade – necessários para o pleno
desenvolvimento humano, o que o filósofo entende por
Humanidade. Para a plena formação do ser humano ou o
desenvolvimento de sua Humanidade, é pressuposto o
desenvolvimento da razão; a razão, segundo Kant, é a faculdade
dos princípios – princípios do conhecimento e princípios
práticos/morais.
Do ponto de vista dos princípios morais, embora Kant não
negue ou exija a recusa e a exclusão de toda afecção, paixão ou
inclinações em geral, não é seguro tê-las enquanto base da conduta
moral, enquanto a condição de determinação, o motivo ou o
porquê da ação; as escolhas (vontade/ação) humanas podem ser
afetadas (pode haver), mas não determinadas por uma inclinação –
seja ela caracterizada enquanto uma afecção (sentimento) ou paixão
(interesse direto em um objeto).
É válido apontar que, no que diz respeito às inclinações e a
razão prática, Kant aponta que estamos diante de duas espécies de
bem – o bem físico (sensível) e o bem moral (moral ou intelectual),
os quais não devem ser confundidos. A primeira espécie de bem, o
bem físico, é o bem-estar, o da segunda espécie, o bem moral, é a
virtude; tendo em vista o valor da ação, alerta Kant, a inclinação
(sentimento, desejo, impulso [...]) para o primeiro deve ser limitada
pela lei do segundo. Enxergamos esse limite enquanto o respeito,
reconhecimento e adoção do princípio prático objetivo, possíveis,
também, por meio do desenvolvimento ou formação moral do
educando. Segundo Kant, esse desenvolvimento é possível
mediante a educação, não enquanto o único caminho, mas, como
um deles. Um dos caminhos para o ensino e o cultivo da
moralidade, centra-se, embora não exclusivamente, na educação.
Ainda sobre o bem físico e o bem moral tomemos um exemplo:
a sociabilidade (Umgänglichkeit), segundo Kant, é uma virtude, no
entanto, a inclinação ao relacionamento frequentemente se
72
converte em paixão. Nas palavras do filósofo: ‚*...+ se a fruição das
relações sociais se torna presunçosa pela obstinação, essa falsa
sociabilidade cessa de ser virtude e é bem-estar que prejudica a
humanidade‛ (KANT, 2006, p. 174).
Veja, Kant não nega o bem físico (o bem-estar), ao contrário:
73
O jogo [...] é em geral a coisa que mais importa, como meio de
aquisição em que afecções são intensamente agitadas, em que se
estabelece uma certa convenção de interesses pessoais para se
saquearem uns aos outros com a maior cortesia, e, enquanto dura o
jogo, um completo egoísmo é erigido em princípio que ninguém
renega (KANT, 2006. p. 175)12.
Considerações finais
12 Grifos acrescentados.
74
Assim, pensamos ser correta a afirmação de que o valor das
ações humanas pressupõe a educação, uma vez que ‚por natureza
o ser humano não é um ser moral em absoluto‛ (KANT, 1999, p.
95). Movido, também, por suas inclinações, em muitas situações, o
ser humano por si só pode não apresentar a capacidade imediata
de efetivar a moralidade, de fazer o que se deve ser feito do ponto
de vista da moralidade. Para o que Kant denomina, por vezes, de o
processo de desenvolvimento de sua Humanidade, mister se faz o
auxílio do outro. O outro, segundo o filósofo, podemos encontrá-lo
com a (e na) Educação.
Referências
75
76
O conhecimento poderoso e a influência dos poderosos
na conformação do conhecimento e currículo escolar
Janete Palú1
Vanessa Daiane Rauber2
Oto João Petry3
Palavras iniciais
77
propor reflexões sobre o papel dos agentes hegemônicos globais na
constituição do conhecimento e conformação do currículo das
escolas públicas.
Ressaltamos que é fundamental analisar a importância do
conhecimento e o lugar que ele ocupa na escola - especialmente na
escola pública - buscando perceber como os poderosos,
representados pelo capital, pelas leis do mercado, pelos grandes
conglomerados econômicos e agências multilaterais, que
defendem seus interesses, influenciam e determinam a constituição
das políticas educacionais e, por conseguinte, a conformação dos
conhecimentos e currículos escolares.
Diante dessa situação, questionamos: Qual a função social da
escola? Como são formuladas as políticas públicas educacionais?
Que políticas constituem e mantêm a escola como ela é? Quem
influencia e determina a constituição do conhecimento e o currículo
escolar no tempo presente? Essas questões nos fazem refletir sobre
o contexto educacional atual, a fim de compreendê-lo em sua
historicidade, buscando em estudos acadêmicos e na literatura que
aborda a temática, possíveis respostas para nossas inquietudes
enquanto pesquisadores e educadores.
78
A origem das escolas para as massas está ligada à expansão da
sociedade capitalista, pois o objetivo da educação escolar nos
últimos 150 anos serviu ‚*...+ ao propósito de não só fornecer os
conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em
expansão do sistema do capital, mas também gerar e transmitir um
quadro de valores que legitima os interesses dominantes‛.
(MÉSZÁROS, 2008, p. 35). O autor não defendia esse modelo
educacional, visto que a escola, sobretudo a escola pública, não
pode ser um instrumento de legitimação do poder de uns poucos
sobre a grande maioria da população. É preciso resgatar seu valor
como espaço importante, com centralidade no conhecimento e não
na formação de mão de obra barata para o mercado de trabalho. A
escola é um dos espaços onde se pode promover reflexões que
permitam identificar tais propósitos que, para muitos, não são
perceptíveis, inclusive para aqueles que estão inseridos em seu
contexto.
A escola, no tempo presente, deve se constituir em um
significativo instrumento de transformação e mudança. Ela tem
uma função emancipadora e transformadora. Deve se caracterizar
pelo empoderamento do educando, para que ele possa se
instrumentalizar e ter acesso a esse grande legado da humanidade.
Afinal, como afirma Veiga-Neto (2012, p. 275), ‚*...+ é pela educação
que incluiremos no mundo aqueles que estão chegando depois de
nós‛. Por esse motivo, não podemos aceitar a ‚*...+ crescente
redução da escola a um lugar de apenas socialização *...+‛, pois essa
visão contribui ‚*...+ para aprofundar a dist}ncia entre processos de
escolarização das elites e das classes populares‛. (ibid., p. 279).
Sobre a importância das escolas como espaço de emancipação,
Young (2007, p. 1288) afirma que ‚*...+ sem elas, cada geração teria
que começar do zero ou, como as sociedades que existiram antes
das escolas, permanecer praticamente inalterada durante séculos‛.
O autor destaca que ‚*...+ para crianças de lares desfavorecidos, a
participação ativa na escola pode ser a única oportunidade de
adquirirem conhecimento poderoso e serem capazes de caminhar,
ao menos intelectualmente, para além de suas circunstâncias locais
79
e particulares‛ (ibid., p. 1297). Ou seja, a escola pública tem um
papel fundamental na formação dos sujeitos sociais e históricos,
pois é por meio da educação que milhares de crianças,
adolescentes, jovens e adultos têm acesso ao conhecimento que
possibilita a transformação de suas vidas e da sociedade. Ela deve
preocupar-se, antes demais nada, em capacitar as pessoas a
adquirir o conhecimento poderoso, destacado por Young (2007),
que as conduza para além da experiência pessoal; conhecimento
esse que tais sujeitos não poderiam acessar se não existisse a escola
ou a universidade embasada em valores emancipatórios que
contrapõem os interesses do capital e do mercado.
O conhecimento não pode ser secundarizado na escola pública;
ele deve ser o centro do processo educativo. Isso porque, é nesse
espaço que as crianças podem ter acesso ao ‚*...+ conhecimento
poderoso, que não é disponível em casa. O conhecimento poderoso
nas sociedades modernas, no sentido em que usei o termo, é, cada
vez mais, o conhecimento especializado‛, como mostra Young
(ibid., p. 1294-1295). Dessa forma ‚O currículo tem que levar em
consideração o conhecimento local e cotidiano que os alunos
trazem para a escola, mas esse conhecimento nunca poderá ser
uma base para o currículo‛. (ibid., p. 1299).
Em relação à escola e sua importância no contexto atual, para
Dussel, ela é ‚*...+ o lugar capaz de receber os indivíduos das
diferentes camadas sociais, que pode protegê-los e oferecer-lhes
possibilidades de futuro‛. A autora adverte ainda que ‚*...+ a escola
de nosso tempo não pode renunciar ao ato de ensinar, de ampliar
os conhecimentos dos sujeitos escolares e de prepará-los para a
tarefa de renovar o mundo‛ (DUSSEL, 2003, apud SILVA;
PEREIRA, 2014, p. 891).
Percebe-se assim que a educação tem uma relevância ainda
maior no tempo presente - tempo de embates e disputas. Os
educadores não podem estar presos a seus próprios obstáculos
epistemológicos. Para Marques (1992, p. 548), ‚*...+ o problema
crucial é o do princípio organizador do conhecimento, e o que é
vital hoje não é apenas aprender, não é apenas reaprender, mas sim
80
reorganizar o nosso sistema mental para reaprender a aprender‛.
Veiga-Neto (2012) corrobora com esse pensamento ao afirmar que,
81
A influência dos poderosos e as implicações no campo
educacional
5Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm>.
Acesso em 01 jul. 2018.
6Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm>. Acesso
em 01 jul. 2018.
82
mercado e do capital. Dessa forma, a globalização pode ser
apresentada com a seguinte configuração, de acordo com Santos:
O currículo tem significados que vão muito além aqueles aos quais as
teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço,
7 Essas disputas foram evidenciadas pelo escritor Miguel Gonzáles Arroyo em seu
livro ‚Currículo, território em disputa‛.
83
território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória,
viagem, percurso. O currículo é nossa autobiografia, nossa vida,
curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é
texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade.
(SILVA, 2005, p. 150).
84
o currículo foi organizado conforme o contexto econômico para
atender aos interesses hegemônicos das elites.
Historicamente, a conformação do currículo nas escolas
públicas brasileiras, esteve relacionada a questões sociais,
econômicas e culturais. Afinal, ‚O currículo não é um elemento
transcendente atemporal – ele tem uma história, vinculada a
formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da
educação‛. (MOREIRA; TADEU, 2011, p. 14). Considerando essa
afirmativa, ao olhar o currículo desenvolvido nas escolas públicas,
nos últimos anos, deve-se considerar as influências neoliberais que
adentram profundamente a educação.
A introdução do modelo neoliberal na organização da
educação brasileira interfere diretamente na formação de
programas e políticas educacionais. De acordo com Hypólito (2010,
p. 1338), ‚as políticas que têm definido o desenho curricular para a
educação brasileira vêm sendo delineadas e implementadas desde
o final dos anos de 1980, marcadamente como políticas educativas
de car{ter neoliberal *...+‛. Esses princípios esboçam o
desenvolvimento de currículos escolares, conformados pelas
concepções mercadológicas, tendo em vista o desenvolvimento
individual dos sujeitos.
O campo educacional, nos últimos anos, vem sendo
modificado e adequado aos interesses neoliberais, que consideram
a escola, sobretudo pública, um dos meios para inserção de suas
práticas econômicas. Com esse objetivo, organismos internacionais,
modificam os sistemas educacionais, e o modo de gerir e conduzir
os rumos da educação pública. Um dos elementos configurados
por esses organismos é o currículo escolar, que passou a ser
organizado para atender às expectativas do mercado econômico,
conduzindo os alunos ao mercado de trabalho e ao consumo.
Atualmente, no currículo escolar estão presentes princípios
neoliberais, que partem de um processo de globalização
desencadeada pelo capitalismo e avançam pelo campo educacional.
H{ uma centralidade em modificar o currículo, pois ‚na construção
espacial do sistema escolar, o currículo é o núcleo o espaço central
85
mais estruturante da função da escola‛ (ARROYO, 2013, p.13). A
partir das reestruturações curriculares, para atender seus objetivos,
os princípios neoliberais interferem diretamente no
desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
Os sentidos atribuídos ao desenvolvimento de políticas
curriculares, nessa perspectiva, concentram-se em buscar nas
capacidades individuais dos alunos e das instituições escolares o
alicerce para propagação dos seus objetivos econômicos e sociais.
Os interesses desse movimento neoliberal convergem, de acordo
com Silva (2016, p. 679), em uma formação humana baseada na
‚obtenção de resultados r{pidos e flexíveis, assim como a busca
por talentos que se reinventam a todo o momento‛.
Baseados pelos princípios neoliberais, os agentes hegemônicos
globais atuam na educação, por meio de programas, avaliações,
materiais, formação de professores, entre outros, organizando e
modificando as políticas educacionais, inclusive as curriculares. De
acordo com Cury (2017), organismos multilaterais como OCDE8,
Banco Mundial e UNESCO9 estabelecem diretrizes para a
educação, consideradas parâmetros referenciais para obtenção da
qualidade do conhecimento escolar, de habilidades e competências.
O discurso neoliberal difundido por esses organismos vem ao
encontro de um Estado fraco, da educação pública em crise, de um
discurso desestruturante sobre as administrações públicas,
colocando como solução as iniciativas e propostas dos setores
econômicos privados. Nessa lógica, o discurso neoliberal busca
expandir-se por meio da proposta de que ‚aquilo que é privado é
necessariamente bom, e aquilo que é público e necessariamente
ruim‛ (APPLE, 2004, p. 46).
Entre as inúmeras influências desses organismos no
desenvolvimento da educação nas escolas públicas, destacam-se as
suas articulações para conformação do currículo escolar em três
dimensões: a internacionalização das políticas educacionais; as
86
avaliações em larga escala e a privatização da educação pública. Essas são
algumas manifestações que se apresentam na educação pública
brasileira, conformando as escolas para atenderem aos princípios
de uma globalização neoliberal.
A internacionalização de modelos educativos é uma prática
difundida pelos agentes hegemônicos globais. Essas organizações
espalham seus princípios por meio de práticas dominantes,
excluindo as diferenças e a educação voltada para formação
integral dos sujeitos. De acordo com Libâneo:
87
competir por postos de trabalho no atual mercado capitalista
(SANTOMÉ, 2013, p. 73).
88
setor privado e relacionam, com os números obtidos nas
avaliações, os repasses de recursos financeiros (LIBÂNEO, 2017).
Para alcançar seus propósitos, as políticas internacionais
direcionam a organização dos conhecimentos escolares, por meio
de um modelo único, que busca a eficiência e eficácia. Para Arroyo
(2013, p. 13), o currículo é um dos elementos avaliados com grande
ênfase e, nesse sentido, ‚caminhamos para a configuração de um
currículo não só nacional, mas internacional, único, avaliado em
par}metro único‛. As políticas curriculares, influenciadas pelos
agentes dominantes globais, traduzem a qualidade educacional por
números e índices que quantificam o desempenho educacional.
No Brasil, essas práticas avaliativas de consolidam desde a
Educação Básica até o Ensino Superior. De acordo com Thiesen
(2014), a partir de 1990, vários instrumentos avaliativos passaram a
fazer parte das agendas educacionais brasileiras. Segundo o autor,
‚todos esses instrumentos são pautados pela lógica da aferição
estandardizada de resultados objetivos com recortes classificatórios
pela mensuração de desempenho individual‛ (p.198). A partir das
avaliações aplicadas nas escolas públicas brasileiras, o currículo
passou a ser reestruturado para atender a números e índices que,
nesse caso, traduzem de maneira nacional e internacional a
qualidade da educação brasileira.
Paralelo aos modelos de políticas internacionais e às avaliações
em larga escala, destaca-se a presença do setor privado na
educação. A privatização da educação pública é uma das
conquistas neoliberais para implantar nas escolas suas práticas
econômicas. O setor privado se faz presente nela em diferentes
âmbitos, inclusive no curricular.
O currículo escolar é conformado pelo setor privado, como
afirma Adrião:
89
que ensinar, do como ensinar e do quando ensinar, além dos
processos de verificação da aprendizagem, ou seja da definição dos
desenhos curriculares (ADRIÃO, 2018, p. 20).
90
[...] propõe uma flexibilização curricular, alterando a atual
organização dos currículos, [...] criando itinerários formativos
vinculados às áreas do conhecimento e incentivando a ampliação da
carga horária. (SILVA, 2017, p.712).
Considerações finais
91
principal função social da escola que é o acesso ao conhecimento
historicamente acumulado, ao conhecimento poderoso capaz de
modificar as pessoas e a sociedade.
Enquanto profissionais e estudantes da educação pública não
devemos reproduzir os discursos hegemônicos que estão sendo
direcionados ao cenário educacional, que têm o objetivo de
desmontar a instituição escolar pública. Afinal, de acordo com
Arroyo (2013), esse campo é um território em disputa, uma disputa
que evidencia a importância do conhecimento, da escola pública
como local de emancipação; o que não vem ao encontro do
interesse dos poderosos. O autor sublinha que, ‚O fato da escola,
sobretudo pública, de seus profissionais serem tão criticados é sinal
de que incomodam, estão vivos‛ (ibid. p. 12). Diante das
adversidades dos tempos atuais, é nossa tarefa manter a escola
pública viva, para que continue disseminando o conhecimento
poderoso e não somente o conhecimento que os poderosos desejam
que as populações menos favorecidas tenham acesso. Isso tudo nos
mostra que ‚*...+ o território da escola ainda é importante para a
sociedade e, sobretudo, para as crianças, os adolescentes, os jovens
e adultos populares e para seus professores (as) ‛ (ibid., p. 12).
Referências
92
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93
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94
Projeto Político Pedagógico:
desafios teóricos e práticos
Introdução
95
‚pr{tica‛ para este, um olhar de educador que busca apontar
algumas dificuldades de colegas educadores em compreender o
que é o projeto, qual sua importância, como constituí-lo e como
colocá-lo em prática.
Para tanto, dividiremos este trabalho em três partes: na
primeira parte, resgataremos a conceituação de projeto e por que
ele se define como político e pedagógico na escola, assim, como são
as implicâncias desta definição para a comunidade escolar. Em
segundo momento, buscaremos refletir sobre alguns problemas
que costumeiramente rondam a constituição dos projetos nas
escolas, em alguns casos, dificultando a transformação das
mesmas. E para finalizar, em um terceiro momento, buscaremos
demonstrar alguns desafios para colocar o projeto em prática,
almejando visualizar alguns aspectos que precisam de atenção
especial.
Considerando este caminho, a intenção é demonstrar que a
constituição do Projeto Político Pedagógico nunca é simples.
Também, que o mesmo pode tornar-se um grande aliado quando
suas bases estão bem esclarecidas e quando os educadores também
estão esclarecidos quanto a sua missão e engajamento neste projeto,
mas, por outro lado, pode tornar-se uma dificuldade para toda a
comunidade escolar quando esses contextos forem ignorados.
Os desafios da compreensão
96
Uma primeira questão esclarecedora disso é o fato de que
muitos indivíduos não são conscientes sequer de seu projeto de
vida. Não é regra, e mesmo que fosse teria sua exceção, mas
quando os indivíduos não conseguem compreender a importância
de planejar sua vida, sua caminhada, suas relações financeiras e
sociais, ou ainda, quando não compreendem a importância que sua
vida e suas potencialidades têm e em que podem contribuir
socialmente, ou como suas lacunas podem ser prejudiciais à
sociedade, dificilmente poderão compreender porque devem
planejar o andamento escolar, dado que o planejamento da escola
envolve todos estes segmentos, além de outros que são próprios da
escola.
Uma segunda questão liga-se então a esta primeira, pois, para
lembrar, a palavra projeto (do latim ‚projectum‛) significa um
‚lançar-se‛. Mas, somente o ‚lançar-se‛ tem significado limitado.
Como menciona Sartre (2005), um ‚caminho traçado‛ (de onde,
para onde) é a necessidade da existência. A condição existencial é o
‚fazer-se‛, visto que nada ‚é‛ enquanto não ‚fizer‛ algo de si. Um
indivíduo, por exemplo, não é apenas o que quer ser, mas o projeto
que está vivendo5; por isso, a existência é um ‚projetar-se‛, um
impulsionar-se para o futuro, para um objetivo a alcançar.
Assim, chega-se a conclusão que: primeiro é preciso estar claro
sobre quanto um projeto faz-se necessário para qualquer
encaminhamento e; segundo, para que o mesmo tenha êxito, é
preciso que esteja claro o objetivo que se precisa - ou deseja -
alcançar.
Desta forma, pode-se compreender quanto um projeto é
importante para a escola6 e, como também é importante ter um
objetivo claro, sobre o qual seja possível traçar um caminho entre a
escola que se ‚tem‛ e a escola que se ‚quer‛, delineando para onde
a mesma deve ir e que papel vai cumprir. Até porque, o projeto de
uma escola se constitui como um projeto de ‚vidas‛, visto que
5 Um projeto envolve não somente o indivíduo mas também o contexto que o cerca.
6 O projeto de uma escola é o projeto de ‚vida‛ desta.
97
como instituição de ensino, sustenta e organiza vários projetos que
se desenvolvem ao mesmo tempo na comunidade escolar:
educandos, pais, educadores, funcionários e gestores, cada um traz
em si anseios e projetos implícitos ou explícitos, os quais precisam -
na medida do possível - ser equilibrados com o projeto da
sociedade.
Por isso, o projeto de uma escola não pode ser somente
‚projeto‛, este Projeto, precisa ser Político e Pedagógico: político7
para organizar a escola em prol do bem comum, e pedagógico8
para organizar o processo de ensino e aprendizagem do ser
humano enquanto educando que se constituirá na concretização do
bem comum. Logo, o que ser{ este ‚bem comum‛, determinar{ o
objetivo da escola e seu processo de ensino-aprendizagem.
Então, o primeiro desafio da escola é possibilitar à comunidade
escolar a compreensão do que significa um projeto, sua
importância, para que esta se torne cúmplice do mesmo e contribua
ao saber onde se ‚quer chegar‛ com ele. Disso percebe-se a
necessidade de um primeiro equilíbrio entre a teoria e a prática,
onde a prática somente consegue desenvolver-se sob a base de uma
teoria consistente. Uma teoria esclarecedora, avivadora.
O projeto da escola não pode parecer ser somente um
documento que ‚se tem que fazer‛, mas sim, precisa ser
compreendido como o documento que conduz o andamento da
escola e por este motivo sua construção deve ocorrer de maneira
democrática, através do diálogo e da busca por aproximações entre
os diferentes desejos da sociedade. Contudo, é mister entender que
este processo traz em voga outro desafio: a compreensão da
constituição democrática do projeto.
98
O desafio da constituição do projeto
99
a) A participação ativa
100
os mesmos não se sentem pertencidos ao processo, e não tomam
sua parte de forma ativa, corre-se o risco de comprometer todo o
andamento do projeto: o projeto torna-se um ‚peso morto‛ para o
educador e o educador torna-se um ‚peso morto‛ para a escola.
O Projeto Político Pedagógico é um projeto da sociedade que
temos e que queremos; sociedade onde nós e nossos descendentes
vivemos e viveremos. Por isso, é um projeto de cada um, que sendo
sujeito de sua própria história educativa é sujeito do mundo11
juntamente com os demais. A constituição do projeto da escola
precisa ser então um diálogo vivo, moldado sobre participações
ativas e de qualidade. É um desafio da prática, da busca pela
presença qualitativa, sem a qual nenhuma teoria - por mais
primorosa que seja – pode ser efetivada.
Por isso, buscar a participação ativa na constituição do projeto
é um desafio primordial a todas as escolas. Caso contrário, a escola
e educador terão um novo problema, o qual será exposto no
próximo item.
b) A tomada de decisão
101
desenvolvendo-se em tempos diferentes, seguem parâmetros
diferentes e, consequentemente, podem tomar caminhos e obter
resultados diferentes.
Da mesma maneira, quando os pais e a comunidade em geral
não participam do projeto, ou não o compreendem, não conseguem
visualizar de que maneira podem colaborar para o andamento do
mesmo, o que pode relacionar-se diretamente com sua contribuição
na formação dos educandos ou na omissão da mesma. Para os
educandos é semelhante: quando estes não sabem visualizar sobre
que projeto está ancorado sua formação, raramente compreenderão
seus aspectos e como esta poderá lhes formar.
Desta forma, a escola fica fragmentada e polarizada, perdendo
a tão almejada identidade que deveria ser construída durante a
constituição do projeto. Fica à mercê de questionamentos de todas
as partes12.
Em verdade, quando na escola cada parte da comunidade
escolar ‚puxar‛ para um lado, ela padecer{ e sua queda ser{
iminente. A queda da escola não significa sua morte, mas sim, sua
‚prisão‛ em um processo circular de resolver disparidades e
problemas corriqueiros que deveriam ser resolvidos pela
concretização do Projeto. É um empecilho para atingir os objetivos
desejados, até porque, possivelmente estes próprios objetivos não
estão claros ou contam com um mínimo consenso.
Com isso, ajudar a comunidade escolar - principalmente aos
educadores - a refletir e rever as decisões e ações pedagógicas
desenvolvidas ao longo do planejamento estabelecido, colocando-
as em consonância com o projeto, é outro desafio constante às
escolas.
A escola deve estar atenta para que todos os envolvidos
estejam constantemente conscientes do que é e o projeto da escola e
102
seu objetivo e, de como podem participar e contribuir a partir do
coletivamente construído. Quando cada parte está ciente de seu
papel e há a preocupação da qualificação de cada uma destas
partes, torna-se possível o andamento qualitativo do mesmo em
consonância com o agir pedagógico de toda comunidade escolar -
em especial, dos demais educadores - o que lhe ajudará a alcançar
os objetivos educacionais da escola. Caso contrário, não só o
processo se perde, como também, seu aperfeiçoamento – como
podemos ver a seguir – fica prejudicado ou impossibilitado.
c) A construção de conceitos
103
subjetivamente conforme as condições culturais de cada indivíduo,
o que interfere na definição dos conceitos que serão trabalhados no
momento de um objetivo comum.
Diante de tal constatação, na constituição democrática do
Projeto Político Pedagógico é imprescindível que os conceitos
sejam estudados, discutidos, confrontados e esclarecidos entre seus
atores. Sem o esclarecimento dos conceitos fica muito difícil traçar
democraticamente um objetivo para escola, bem como, fica difícil
saber o que é ‚fazer melhor‛ pela escola e pelos educandos, ou seja,
a tomada de decisão fica prejudicada14.
Ainda pior: em uma constituição democrática de projeto
sempre é imaginável sua avaliação e devido aperfeiçoamento, até
porque, os conceitos são constituídos e reconstituídos no decorrer
da história da comunidade, a partir de suas vivências e
necessidades. No entanto, quando não há ao menos uma
compreensão inicial sobre os mesmos, bem como, quando não há
ações coerentes com o que se espera a partir deles, também o
aperfeiçoamento dos conceitos - e, consequentemente do próprio
projeto - fica prejudicado.
Assim, é possível perceber que a construção de conceitos é para
a escola um desafio de junção entre teoria e prática, que se dá
desde o processo de participação ativa e retorna para o processo de
reconstrução e aperfeiçoamento do projeto.
Também, a partir dos três desafios colocados acima, que a
constituição do Projeto Político Pedagógico exige um grande
esforço para tornar-se efetivamente democrático. A busca pela
construção democrática exige a capacidade de fomentar a
participação ativa, a paciência e a persistência em contribuir para
esclarecer, construir e reconstruir conceitos e posicioná-los na
tomada de decisão da comunidade escolar, acreditando piamente,
que a comunidade esclarecida - nos e pelos conceitos, pela teoria e
pela prática - possa contribuir de forma mais assídua no
104
aperfeiçoamento no projeto, qualificando-o pela qualificação de sua
participação e ação pedagógica – o que incide também para
desafios sobre a prática na escola.
a) O currículo
105
tempo, objetivando atingir determinado grau de formação. Neste
contexto, ‚o currículo est{ centralmente envolvido naquilo que
somos, naquilo que nos tornamos, naquilo que nos tornaremos. O
currículo produz, o currículo nos produz‛ (SILVA, 1999, p. 27)
durante este percurso.
Se o currículo ‚produz‛ - não somente o educando como
também o educador - é importante refletir sobre a seguinte
questão: quem define o quê e como a escola deve ensinar? Ou seja,
quem define ou deveria definir o currículo?
Pois bem, da mesma maneira que a constituição de um projeto
democrático deve ser elaborado pelos pressupostos da democracia,
com ênfase na qualidade da participação, também o Currículo deve
ser constituído a partir desses parâmetros.
Assim sendo, o currículo não pode ser um simples programa
de ‚ensino‛, nem mesmo uma simples ‚grade curricular‛
engessada, vindo de ambiente externo (através do simples ‚copiar‛
ou adaptar de um modelo). Também não pode ser uma simples
‚lista dos conteúdos‛ para preencher ‚relatório‛ a ser apresentado
à comunidade escolar.
Por expressar diretamente os anseios do Projeto, sua
construção deve ser coerente com aquilo que a sociedade almeja, e
para isso servem como base os PCN’s. Mas, ao mesmo tempo, cada
escola e cada educador deve tomar parte de seu processo,
buscando acrescentar-lhe sua identidade e a identidade da
comunidade escolar, e a isso fica em destaque a Parte Diversificada
do currículo.
Da mesma forma, este currículo não pode estar embasado na
divisão das ações dos educadores. Logo, um currículo em
constituição deve superar parâmetros que apresentem-se
excludentes, fragmentados, utilitaristas - com disciplinas isoladas,
sem articulação ou objetivos definidos - e constituir-se sob
propostas metodológicas que primem pela promoção do diálogo,
106
da cooperação, da interpretação cultural, enfim, da
interdisciplinaridade, almejando constituir uma formação integral,
sem deixar de olhar na amplitude social, mas também sem deixar
de oportunizar a cada educador se expressar e se realizar em sua
prática pedagógica.
Dessa maneira, o currículo, pensado e orientado pelos
princípios e valores educativos, deve ser planejado num processo
democrático com o grupo escolar, definindo as concepções
norteadoras das disciplinas: especificando conceitos e concepções
que serão referência para as ações educativas. Em suma, Santiago
(2001, p.64) esclarece que o plano curricular é:
b) O planejamento
107
exige em seu processo a clareza do que se quer fazer e por quê. As
concepções inerentes ao documento necessitam revelar-se e fazer-
se presentes na ação pedagógica, o que, por sua vez, exige a
elaboração de um bom planejamento.
Porque planejar mesmo com a construção do Projeto da escola
e do currículo? A palavra latina planus (achatado) possibilita pensar
na ideia de tornar algo ‚plano‛ e, quando se est{ em um ambiente
geograficamente plano é possível ver a uma distância maior. O que
não seria diferente em relação ao ‚plano‛ das pr{ticas pedagógicas.
O ato de planejar possibilita um olhar antecipado aos
problemas que a prática do projeto pode trazer ao educador.
Certamente não o impedirá de se equivocar, mas, pode diminuir os
equívocos ou, impedir que alguns equívocos se repitam. Também o
ato de planejar possibilita maior unidade entre o trabalho dos
docentes, permitindo-os dialogar sobre suas práticas e ampliando o
espaço interdisciplinar. Do mesmo modo seria possível afirmar que
o planejamento da prática educativa permite melhor articulação
entre Projeto da escola e o trabalho cotidiano do educador, além de
proporcionar maior tempo de preparação e diminuir a
improvisação.
Dado sua importância, é possível afirmar que seria um tanto
contraditório, a qualquer educador que busque a excelência em sua
prática pedagógica, não construir um planejamento. Mas o que
seria importante para a construção deste projeto? Para Benincá
(1994, p.18-19), alguns elementos são fundamentais para
compreender e considerar:
a) Os indivíduos que compõem o processo escolar sejam
compreendidos e assumidos a partir do seu contexto sócio-
histórico e de suas práticas sociais;
b) As relações entre os indivíduos se construam no confronto
dialógico, ou seja, entre sujeito-sujeito; c) O processo escolar
seja coordenado por uma proposta construída
participativamente; d) O poder seja operado pelos sujeitos, a
partir dos princípios e objetivos acordados entre si na proposta,
sempre considerando os limites de suas possibilidades e
108
condições; e) Em toda ação pedagógica, o sujeito da ação, seja
simultaneamente, agente e paciente da própria ação; f) A
prática pedagógica dos sujeitos do processo seja fonte
permanente de reflexão e teorização e, ao mesmo tempo, seja
compreendida à luz da teoria social do materialismo histórico;
g) Os diversos sujeitos que interagem no processo escolar
constituam o sujeito-pedagógico da escola.
Diante do exposto é importante perceber que planejar não é
somente olhar para frente, mas sim, um constante ver e rever o
projeto. Poderíamos definir isso em ao menos nove pontos, os
quais não cabem aqui descrevê-los, mas, ao menos citá-los: Projeto
e currículo da escola; descrição dos educandos e sua realidade
psicossocial; metodologias de trabalho; cronograma; local de
desenvolvimento do planejamento; materiais e recursos a utilizar;
avaliação do processo e as particularidades do próprio educador
com suas experiências; com tempo e; material adequado a este.
É claro que este processo desafia o educador a um
autoconhecimento prévio, segundo o qual, o mesmo tenha definido
as tendências pedagógicas que segue e quais se encaixam melhor
no planejamento, no projeto da escola e da turma a qual será
desenvolvido o planejamento; da mesma forma suas concepções
pedagógicas, os métodos mais apropriados a seu modo de agir e a
sua didática. O que não significa que este planejamento deva
limitar-se as ações preliminares do planejamento, mas sim, que
possibilite ao educador perceber quais são suas potencialidades e
lacunas, permitindo-o tornar-se um educador melhor a cada dia a
partir de uma relação de práxis contínua.
Desse modo, vivenciar o planejamento através da concepção
do Projeto, significa assumir uma proposta com princípios e
valores pertencentes à dinâmica curricular, conteúdos de ensino,
metodologias e práticas que possibilitem à aprendizagem a
vivência da vida cotidiana, para o qual o conhecimento deve
retornar, mediado pelas experiências sociais.
109
c) A avaliação
110
Ora, em uma sociedade capitalista desigual, pensar em uma
avaliação padrão é alimentar a desigualdade.
A segunda preocupação é sobre a tentação de utilizar a
avaliação como forma de dominação na relação ‚professor-aluno‛.
Ou seja, o educador, utiliza a avaliação como uma maneira de
‚autoritarismo‛, que, normalmente, decorre do processo de ensino-
aprendizagem, transformando-se em um processo de
‚arquivamento de saberes‛ sem uma preocupação em
compreendê-lo. A crise de autoridade que se instala, tanto na
escola como também na sociedade16, em muitos casos, leva o
professor a ‚apelar‛ para a avaliação como um instrumento de
controle e autoritarismo, o que descarta todo e qualquer projeto
bem elaborado.
Dessa forma, almejar um Projeto Pedagógico apoiado em
princípios e valores, não quantitativos, mas sim qualitativos, que
constituam um indivíduo integralmente formado e crítico, passa,
determinantemente, por um olhar diferenciado sobre a avaliação.
Essa deve ser um processo de prognóstico e diagnóstico, que
ajude o educando e o educador a se aperfeiçoar. Com isso, a
avaliação não pode ser nem testagem, nem medida, nem mesmo
rotulação. Como diria o grande poeta Mário Quintana: "O que mata
um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar
de quem por ele passa indiferente".
Que avaliação se precisa então? No mínimo, que seja ‚capaz de
acompanhar o processo de construção do conhecimento do
educando, para ajudá-lo a superar obst{culos‛ (VASCONCELOS,
1998), sendo um instrumento auxiliar da aprendizagem e não um
simples instrumento de aprovação ou reprovação, que seja um
processo de percepção das necessidades, visando uma intervenção
na aprendizagem para aproximar os educandos dos objetivos
propostos. Deve ser integrada, holística e contínua.
De acordo com Méndez:
111
Necessitamos avaliar porque queremos conhecer quem ensina e
quem aprende, porque necessitamos melhorar a partir do
conhecimento proporcionado pela educação, porque é parte da
aprendizagem e ela mesma é a aprendizagem e, portanto, quem
aprende necessita reforçar sua aprendizagem com a tomada de
consciência sobre seu próprio progresso. E a avaliação desempenha
esse papel na sua função formativa. Não se constrói conhecimento
sem avaliá-lo. (2013, p. 300-301)
d) A formação continuada
112
prática, cada docente contribui para a legitimidade do projeto
político-pedagógico tornando a ação pedagógica uma vivência de
discussão na escola. É, portanto, na práxis que a atitude de pensar
sobre o agir valida as próprias concepções do Projeto Político
Pedagógico.
No olhar de Benincá, a observação sobre a prática é
‚intencionada, ou seja, seleciona tema e objeto para observar, os
dados observados são registrados, ordenados, relacionados,
sistematizados e interpretados‛ (1998, p.133). Logo, por meio da
observação o docente abandona a posição de observado, como no
caso de pesquisas acadêmicas e, passa a ser o próprio pesquisador
de sua prática pedagógica.
Considerando esse elemento, entendemos que a formação
continuada dos profissionais da educação é caracterizada como um
processo de investigação-ação do projeto político-pedagógico, pois
necessita levar em consideração o contexto histórico-cultural da
escola, as inquietações e manifestações do grupo, o debate sobre as
experiências pedagógicas e a constante reflexão, análise e crítica
dos próprios envolvidos na construção e existência do projeto.
Nesse sentido, Santiago salienta a importância dos
profissionais da educação e seus desafios constantes como agentes
históricos e de responsabilidade social dentro da escola:
113
e individualmente. Também é importante que toda comunidade
escolar seja envolvida em contínuos processos de formação, para
que contribua na atualização dos conceitos e no aperfeiçoamento
contínuo do projeto.
Considerações finais
114
somente um aparato teórico pode dar experiência para os desafios
cotidianos das escolas.
Por isso, parece que o desafio está em fortalecer nas escolas um
processo democrático, onde toda comunidade escolar,
coletivamente, alimente-se de boas teorias para constituir na
prática os ideais necessários para a transformação. Às
universidades, cabe o desafio de equilibrar uma formação teórica e
prática, formando educadores capazes de tornarem-se, nas escolas,
pilares para esta constituição democrática do projeto.
Referências
115
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Pelotas: Educat, 2001
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1999.
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do processo de avaliação escolar. 9ªed. São Paulo: Libertad, 1998.
VEIGA, I.P.A. Projeto Político-Pedagógico: novas trilhas para a
escola. In. _____. FONSECA, M. (Coord.). As dimensões do projeto
político-pedagógico: novos desafios para a escola. 3. ed. Campinas:
Papirus, 2004.
116
Gestão na Universidade:
uma Questão também Ambiental
117
Esse movimento, nesse caso, traz ao ser humano um
questionamento sobre como ele é influenciado pelo modo de vida
moderno, ou seja, ele passa de uma contestação ecológica da
década de 1960, que deu visibilidade às questões ecológicas, para o
afloramento das questões socioambientais na atualidade, que passa
cultivação de valores, ou seja, ‚trata-se de um pensamento social
que implica a construção de sentidos coletivos e de identidades
compartilhadas no âmbito de uma complexidade marcada pela
redefinição de sentidos e valores‛ (BARROS, 2013, p. 63).
Essas questões tornam-se, também, espaços discursivos nas
universidades; o movimento ambientalista, em um resgate
histórico, adentra a universidade americana a partir da década de
1970. E, na década de 1980, é que esse discurso começa a permear
as universidades da Europa, do Canadá e da América Latina. No
Brasil, esse discurso começa muito timidamente em 1986, 1987 e
1988 por meio da realização dos ‚Semin{rios Nacional sobre
Universidade e Meio Ambiente‛, que ocorreram respectivamente,
nas cidades de Brasília, Belém e Cuiabá, no intuito de trazer uma
reflexão aos pesquisadores brasileiros sobre a temática emergente,
que é a questão ambiental.
A partir da década de 1990, algumas universidades brasileiras4,
fomentando a prática discursiva voltada à questão ambiental
118
(Quadro 1), numa ação de manutenção do campus universitário
vivo e integrando instituição/sociedade, instituem um programa de
gestão ou gerenciamento de resíduos sólidos ou um Sistema de
Gestão Ambiental, em que a instituição não só apresenta um
discurso, mas também, uma prática, pois as Instituições de Ensino
Superior (IES’) geram impactos ambientais e devem combatê-los.
Gerais (IF – Sudoeste MG), Campus Barbacena, Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Francisco Beltrão,
Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal Rural do Semi Árido (UFRRSA),
Campus Mossoró/RN (PEREIRA, 2012).
119
Parceria com outras Universidades para desenvolver a questão ambiental
Plano de Gestão de Resíduos Sólidos – 3Rs
Política de Gerenciamento de resíduos
Políticas de Gestão Ambiental
Preparação de um Plano de Gestão de Resíduos Sólidos após a aprovação da
PNRS
Programa de Gerenciamento de Resíduos Químicos
Programas de conscientização ambiental voltado à população
Programas de conscientização ambiental voltado aos alunos
Programas de seleção do lixo
Projeto Resíduos
Racionalização do uso de combustíveis
Recicla UNEB
Recicla UESB
Sistema de Gerenciamento de RS
Sistema de Gestão Ambiental
Soluções baseadas no padrão ISO 14001
Treinamento e sensibilização da equipe de funcionários
Uso de combustíveis alternativos
Utilização de indicadores ambientais
Utilização de material reciclado (papel)
Fonte: Engelman, Guisso e Fracasso (2009) e Pereira (2012)
120
Figura 1 - Fluxos de um campus universitário
121
Art. 8o São instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos,
entre outros:
I - os planos de resíduos sólidos;
II - os inventários e o sistema declaratório anual de resíduos sólidos;
III - a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras
ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;
IV - o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de
outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis; [...]
VI - a cooperação técnica e financeira entre os setores público e
privado para o desenvolvimento de pesquisas de novos produtos,
métodos, processos e tecnologias de gestão, reciclagem, reutilização,
tratamento de resíduos e disposição final ambientalmente adequada
de rejeitos;
VII - a pesquisa científica e tecnológica;
VIII - a educação ambiental. (BRASIL, 2010, s.p., grifo nosso).
122
tempo muito grande até que ela seja operacionalizada (mais de
uma década). Em 2015, as Diretrizes Nacionais para os Cursos de
Licenciatura apresentam a questão ambiental como um dos pontos
a serem observados na reestruturação ou elaboração dos cursos de
licenciatura.
Desse modo, sendo a orientação e organização social um dos
objetivos da universidade, poderá utilizar-se do discurso da
racionalidade ambiental para auxiliar nessa tarefa, pois, de acordo
com Leff:
5 Campo entendido a partir de Bourdieu (1997, p. 57) como ‚um espaço social
estruturado, um campo de forças – há dominantes e dominados, há relações
constantes, permanentes, de desigualdade, que se exercem no interior desse
espaço – que é também um campo de lutas para transformar ou conservar esse
campo de forças. Cada um, no interior desse universo, empenha em sua
concorrência com os outros a força (relativa) que detém e que define sua posição
no campo e, em consequência, suas estratégias‛.
123
compõem a sua realidade, que compõem a trama da sua teia social. A
palavra ambiental tempera essa relação inserindo a percepção sobre a
natureza e a forma como os seres humanos integram entre si e com
ela, isto é, como se conectam com tudo que diz respeito a sua relação
com o habitat com o planeta, com a vida (TANAJURA, 2015, p. 68).
A ambientalização universitária
124
e na Argentina‛, realizada a partir de dezembro de 1995; em 2004,
todos os artigos foram compilados em um livro intitulado “A
ambientalização dos conflitos sociais: participação e controle
público da poluição industrial‛ (LEITE LOPES et al., 2004).
Segundo Leite Lopes et al. (2004, p. 17) e Leite Lopes (2006, p.
34), ‚o termo ‘ambientalização’ é um neologismo semelhante a
alguns outros usados nas ciências sociais para designar novos
fenômenos ou novas percepções de fenômenos vistos da
perspectiva de um processo‛. O autor aponta ainda que o sufixo
(ização) comum aos neologismos, tais como industrialização,
proletarização, desindustrialização, subproletarização, curialização,
esportivização, entre outros, indica ‚um processo histórico de
construção de novos fenômenos, associado a um processo de
interiorização pelas pessoas e pelos grupos sociais‛. Nesse caso, a
ambientalização ocorre pela interiorização dos diferentes aspectos
da questão pública em relação ao meio ambiente, o que leva ao
refinamento e progressão do termo, pautado nas mudanças dos
costumes que, por algumas razões, evoluíram. No caso da questão
ambiental, uma dessas evoluções acontece por meio da
institucionalização do tema, que traz uma demanda social a ser
cumprida pelos sujeitos e instituições.
Para Carvalho e Borges (2010, p. 52), a ambientalização é
125
Leite Lopes (2006) aponta que ‚o processo histórico de
ambientalização‛ provoca transformações no Estado e na vida
cotidiana (comportamento) das pessoas. O autor lembra que o
avanço da tem{tica ambiental também pode decorrer ‚conflitos,
contradições, limitações internas, assim como por reações,
recuperações e restaurações [...] relacionadas à construção de uma
nova questão social, uma nova questão pública‛ (LEITE LOPES,
2006, p. 32).
O autor aponta o ambientalismo como um meio que poderá
levar a transformações; para tanto, ele indica cinco fatores que
influenciam nessa transformação, são eles: o crescimento da
importância da esfera institucional do meio ambiente entre os anos
1970 e o final do século XX; os conflitos sociais ao nível local e seus
efeitos na interiorização de novas práticas; a Educação Ambiental
como novo código de conduta individual e coletiva; a questão da
participação; e a questão ambiental como nova fonte de
legitimidade e de argumentação nos conflitos (LEITE LOPES, 2006,
p. 36).
No fator da EA como novo código de conduta individual e
coletiva, Leite Lopes (2006, p. 45, grifo nosso) indica que ‚a
ambientalização como processo de interiorização de
comportamentos e práticas se dá através da promoção da
‘Educação Ambiental’‛. Para ele, a EA fornece códigos de
comportamentos adequados a serem empregados no dia a dia,
como também fornece outras ‚informações sobre o mundo natural,
as cadeias ecológicas, e sobre as ameaças à natureza, à paisagem, à
saúde humana e à qualidade de vida urbana, há uma ênfase numa
normatização de condutas na vida cotidiana‛.
Acselrad 2010, p. 103) aponta que a ambientalização em ‚sua
pertinência teórica ganha, porém, força particular na possibilidade
de caracterizar processos de ambientalização específicos a
determinados lugares, contextos e momentos históricos‛.
Nas universidades, a existência de ‚feudos do conhecimento‛,
que apresentam ainda uma visão positivista do mundo, estabelece
umazona de conflito, como também elas apresentam ‚uma visão
126
fragmentada e dispersa nos mais diferentes componentes
curriculares – sem que haja comunicação entre eles‛
(BUONAVOGLIA, 2015, p. 2).
127
O discurso da Educação Ambiental
128
Câmara Técnica de Educação Ambiental do Conselho Nacional de
Meio Ambiente (CONAMA); execução de cursos de Capacitação
em Educação Ambiental para os técnicos das SEDUC’s e DEMEC’s
nos Estados, em convênio com a Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o MEC, com a
finalidade de orientar a implantação dos Parâmetros Curriculares.
Também nesse ano foi criada a Comissão Interministerial de
Educação Ambiental no Ministério de Meio Ambiente (MMA). Em
1997, o MMA cria a Comissão de Educação Ambiental. Ocorrem
nesse ano cursos de EA organizados pela Coordenação de
Educação Ambiental (COEA) do MEC, para as escolas Técnicas e
Segunda etapa de capacitação das SEDUC’s e DEMEC’s do
convênio UNESCO/MEC. Nesse ano, o MEC promove em Brasília a
primeira teleconferência nacional de EA. Em 1999, o Gabinete do
Ministro de MMA cria a Diretoria de Educação Ambiental; a
COEA/MEC passa a formar parte da Secretária de Ensino
Fundamental; e é aprovada a Lei 9.795, de 27 de abril de 1999, que
institui a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e
estabelece no Art. 2º e na Seção II a sua obrigatoriedade em todos
os níveis do ensino formal.
129
III - educação especial;
IV - educação profissional;
V - educação de jovens e adultos.
Art. 10 - A educação ambiental será desenvolvida como uma
prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os
níveis e modalidades do ensino formal.
§ 1o - A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina
específica no currículo de ensino.
§ 2o - Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao
aspecto metodológico da educação ambiental, quando se fizer
necessário, é facultada a criação de disciplina específica.
§ 3o - Nos cursos de formação e especialização técnico-profissional,
em todos os níveis, deve ser incorporado conteúdo que trate da ética
ambiental das atividades profissionais a serem desenvolvidas.
Art. 11 - A dimensão ambiental deve constar dos currículos de
formação de professores, em todos os níveis e em todas as
disciplinas.
Parágrafo único. Os professores em atividade devem receber
formação complementar em suas áreas de atuação, com o propósito
de atender adequadamente ao cumprimento dos princípios e
objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental.
Art. 12 - A autorização e supervisão do funcionamento de instituições
de ensino e de seus cursos, nas redes pública e privada, observarão o
cumprimento do disposto nos artigos 10 e 11 desta Lei (BRASIL, 1999,
s.p., grifo nosso).
130
de 2012 do CNE, que Estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Ambiental, em cujo texto reconhece a
obrigatoriedade da EA.
131
Art. 7º Em conformidade com a Lei nº 9.795, de 1999, reafirma-se que
a Educação Ambiental é componente integrante, essencial e
permanente da Educação Nacional, devendo estar presente, de
forma articulada, nos níveis e modalidades da Educação Básica e da
Educação Superior, para isso devendo as instituições de ensino
promovê-la integradamente nos seus projetos institucionais e
pedagógicos.
Art. 8º A Educação Ambiental, respeitando a autonomia da dinâmica
escolar e acadêmica, deve ser desenvolvida como uma prática
educativa integrada e interdisciplinar, contínua e permanente em
todas as fases, etapas, níveis e modalidades, não devendo, como
regra, ser implantada como disciplina ou componente curricular
específico.
Parágrafo único. Nos cursos, programas e projetos de graduação,
pós-graduação e de extensão, e nas áreas e atividades voltadas para o
aspecto metodológico da Educação Ambiental, é facultada a criação de
componente curricular específico.
Art. 9º Nos cursos de formação inicial e de especialização técnica e
profissional, em todos os níveis e modalidades, deve ser incorporado
conteúdo que trate da ética socioambiental das atividades profissionais.
Art. 10. As instituições de Educação Superior devem promover sua
gestão e suas ações de ensino, pesquisa e extensão orientadas pelos
princípios e objetivos da Educação Ambiental.
Art. 11. A dimensão socioambiental deve constar dos currículos de
formação inicial e continuada dos profissionais da educação,
considerando a consciência e o respeito à diversidade multiétnica e
multicultural do País.
Parágrafo único. Os professores em atividade devem receber
formação complementar em suas áreas de atuação, com o propósito
de atender de forma pertinente ao cumprimento dos princípios e
objetivos da Educação Ambiental (BRASIL, 2012b, s.p., grifo nosso).
132
Brasil a adquirir peculiaridades, o que faz com que o país seja ‚um
destacado protagonista no cen{rio internacional‛. Em uma
retrospectiva, o autor lembra que, inicialmente, a EA insere-se por
meio de vínculos com ‚conservação dos bens naturais, com forte
sentido comportamentalista e tecnicista, e voltada para o ensino da
ecologia‛ (LOUREIRO, 2008, p. 4), mas, a partir da década de 1980,
ocorre uma aproximação com pedagogias críticas, e a questão
ambiental passa a ser vista ‚como resultado de processos
historicamente situados em formações sociais configuradas‛, em
que ‚não é possível pensar a construção da sustentabilidade sem a
mais radical e profunda mudança do padrão societário e
civilizatório vigente‛ (LOUREIRO, 2008, p. 5); nesse contexto, a EA
torna-se uma ferramenta indispensável na promoção de tais
mudanças, que se inicia por um processo individual6 para o
coletivo, fazendo refletir no sujeito a sua ação histórica, ou seja,
permitindo ao sujeito a sua visualização e/ou, como diz Foucault
(2008, 2009), a sua posição no discurso como ‚sujeito do
enunciado‛, um ‚sujeito enunciante‛, que faz diferenciar sua(s)
experiência(s) no mundo social ou, como propõe Latour (2012), em
suas associações.
6 Segundo Foucault (2009), para cuidar do outro, você precisa primeiro cuidar de
si. Ainda nesse sentido, ele diz que O cuidado de si ocorre em um jogo de trocas
em que o outro tem um papel fundamental, pois o ‚cuidado de si‛ reside em uma
prática social.
133
‘mundo da educação’ que precisam ser discutidos para que as
atividades tenham consequências (sic) concretas de transformação
(política de educação, estrutura curricular, gestão escolar, formação
docente etc.)‛ (LOUREIRO, 2008, p. 5, grifo nosso); HOJE, essas
questões ainda precisam ser discutidas; apesar da
institucionalização por leis, decretos e resoluções, concretamente,
pouco foi feito ou pouco se caminhou no sentido da implantação
da EA no ensino superior.
Essa visão de mundo exige posicionamentos distintos, o que
inclui ‚assumir determinada opção teórica e metodológica‛, assim
ele propõe quatros eixos condutores para a concepção da EA, os
quais são apresentados no quadro 2.
134
Quadro 2 - Eixos de concepção da Educação Ambiental
Visão conservadora ou
Eixos Visão emancipatória1
comportamentalista2
Convicção de que houve um
Certeza de que somos seres afastamento de nossa espécie de
naturais e de que nos relações adequadas, idealmente
Quanto à
realizamos e redefinimos concebidas como inerentes aos
condição de
culturalmente o modo de sistemas ditos naturais, sendo
ser natureza
existir na natureza pela necessário o retorno a essa
própria dinâmica societária condição natural pela cópia das
relações ecológicas
Entendimento de que somos Sujeito definido numa
constituídos por mediações individualidade abstrata, numa
Quanto à
múltiplas – sujeito social racionalidade livre de
condição
cuja liberdade e condicionantes sociais, cuja
existencial
individualidade definem-se capacidade de mudança centra-se
na existência coletiva na dimensão ‚interior‛
Educação como práxis e Educação como processo
processo dialógico, crítico, instrumental, comportamentalista,
Quanto ao problematizador e de adequação dos sujeitos a uma
entendimento transformador das natureza vista como harmônica e
que é educar condições objetivas e como processo facilitador da
subjetivas que formam a inserção funcional destes na
realidade sociedade
Busca por mudança cultural e
Busca por transformação
individual como suficiente para
social, o que engloba
gerar desdobramentos sobre a
Quanto à indivíduos, grupos e classes
sociedade e como forma de
finalidade do sociais, culturas e estruturas,
aprimorar as relações sociais, tendo
processo como base para a construção
como parâmetro as relações vistas
educativo democr{tica de ‚sociedades
como naturais, adotando
ambiental sustent{veis‛ e novos
geralmente uma abordagem
modos de se viver na
funcionalista de sociedade e
natureza
organicista de ser humano
1Tal como comentado em obra anterior (Loureiro, 2004), entendo por sinônimo de
135
2 Aqui se inserem basicamente a alfabetização ecológica e as perspectivas mais
tecnocráticas e comportamentalistas da Educação.(sic)
Fonte: Loureiro (2008, p. 6)
136
essa sociedade se produz‛ (HABERMAS, 1992, p. 169). Tem-se,
então, a reciprocidade de interação do indivíduo com a sociedade,
o que aponta para a autorreflexão da espécie humana, promovendo
a emancipação, em que o individual é inseparável do social,
atingindo uma racionalidade contextualizada historicamente de
forma a mudar sua visão de mundo (HABERMAS, 1992).
Na visão de mundo de objetos, e não de sujeitos é constituído
por uma sociedade unidimensional, em que as ‚falsas
necessidades‛ de consumo levam o sujeito a se ‚encontrar nas
coisas‛ e a aceitar a ‚lei das coisas‛ (MARCUSE, 1973). Então, o
sujeito acha que tem liberdade de escolha, mas o mercado torna a
liberdade um instrumento de dominação suave e confortável,
promovendo uma tendência à padronização do pensamento e do
comportamento. Portanto, ‚as ideias, as aspirações e os objetivos
que, por seu conteúdo, transcendem o universo estabelecido da
palavra e da ação são repelidos ou reduzidos a termos desse
universo. São redefinidos pela racionalidade do sistema dado e de
sua extensão quantitativa‛ (MARCUSE, 1973, p. 32).
O projeto de padronização do pensamento e do
comportamento pode levar à dominação, um exemplo disso é
apontado por Oliveira (2003) quando ele traz a industrialização
como projeto de dominação na divisão social, ao mesmo tempo em
que mostra as hierarquias que são nominadas a partir desse
processo e se universalizam como desigualdades, como os países
não industrializados, que são taxados como subdesenvolvidos, e os
países industrializados, que são classificados como desenvolvidos.
Isso nos faz pensar sob que erija ocorre o modelo de
desenvolvimento econômico.
É pertinente considerar, também, que a relação do ser humano
com a sociedade estabelece-o como produto da sociedade, assim
como ele é produtor de sua manutenção. Dessa forma, de geração
para geração, vão se reconstituindo e mantendo esse modelo de
existência da sociedade e fomentando o modelo de
desenvolvimento estabelecido.
Então, nesse modelo de desenvolvimento econômico, o ser
137
humano passa a dar ênfase ao mundo das coisas, ao invés de ao
mundo da vida, pois estabelece uma relação entre o indivíduo e a
sociedade a partir de um sistema social que o torna um produto da
sociedade e o transforma em um ser unidimensional, o que nos
leva a pensar, também, a unidimensionalidade no campo do
conhecimento.
Dessa forma, um conceito, por exemplo, de desenvolvimento
construído em um determinado contexto histórico pode não dar
conta de uma realidade e ser contestado. Lembrando que a
realidade não é estanque e está sempre em movimento, em ritmo e
velocidade, maiores a cada dia, modificando a percepção de tempo
e espaço. A história de cada sociedade está entrelaçada e exige do
sujeito uma autodeterminação da sua condição de indivíduo social
uno para plural.
Isso nos leva a refletir sobre o momento histórico em que
estamos vivendo, que clama por substituir o estilo de vida que leva
ao individualismo por novas relações do ser humano entre si e do
ser com a sociedade, e vice-versa. Refletir sobre o modelo de
desenvolvimento que temos? O que queremos? E o que
precisamos?
O paradigma moderno que estabeleceu a racionalidade
instrumental apresenta-nos um modelo unidimensional. No
entanto, mais que modelos alternativos, precisamos de
possibilidades, pois um modelo parece-nos como espelho, como
reprodução, o que pode se tornar novamente unidimensional e,
consequentemente, a razão instrumental. O contrário disto é o que
propõe a racionalidade ambiental (LEFF, 2001), um projeto em que
o ser humano seja visto como pessoa, como um sujeito consciente
da sua subjetividade e/ou produtores de suas subjetivações, que
não seguem modelos, mas estabelecem em suas práticas cotidianas
possibilidades de transcendência.
O discurso promovido pela racionalidade ambiental
proporciona à sociedade refletir sobre o impacto gerado pela
racionalidade instrumental, levando o sujeito à busca nesse
momento essencial, o sentido à sua existência na vida quotidiana. É
138
nesse momento que o mercado sente que precisa manter o domínio
e começa a apropriar-se do discurso ambientalista, ‚mascarando’ a
sua verdadeira intenção.
Este texto traz assim a necessidade de refletir a questão
ambiental dentro dos ambientes universitários e a urgência de se
pensar, integrar e vivenciar na Gestão da Universidade, para tanta
as IES’ devem institucionalizarem um programa socioambiental
que integrem ensino, pesquisa, extensão e a administração
universitária.
Referências
139
sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente.
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142
Educação escolar e violência
Introdução
<<http://www.brasil.gov.br>>.
143
com problemas na arena familiar, de pais com problemas, cujos
reflexos se projetam para a ambiência escolar.
Bem diz o velho ditado: ‚qual pais tal filhos‛. Ou seja, os filhos
traduzem na escola, na sociedade e em toda vida tudo o que
receberam na sua formação de base, cujos reflexos são conhecidos
como modelagem. Cabe à escola preencher essas lacunas, embora
fica entendido que a educação vem do seio familiar e à escola cabe
primeiramente o papel de ensinar.
Desse modo este artigo busca compreender e assimilar o papel
da educação na construção de uma sociedade justa e menos
violenta visando compreender as causas dessa violência na medida
em que podem ser compreendidas visto tratar-se de um assunto
extremamente delicado e complexo. Contudo, presente em todas as
esferas da sociedade moderna em que vivemos.
A educação, nesse sentido, é a base para se constituir uma nova
faceta de comportamentos, atitudes e hábitos para anistiar o
problema e projetar soluções para conseguir atingir um nível
melhor de qualidade de vida para as gerações vindouras, com
melhores perspectivas de viver em harmonia numa sociedade em
constantes conflitos e desarranjos, tanto nos níveis da juventude,
como em afazeres operacionais, seja em nível tático ou de
comando.
144
figura poderosa daquele que está de posse do conhecimento, com
os educandos despojados de qualquer base moral e ética,
resultantes da carência de valores e ideais normativos de seus
responsáveis, ou pelo menos deveriam ser responsáveis perante a
lei. Nesse contexto que se evidencia o esgarçamento entre a escola e
a sociedade, pois o que se pretende com o processo de ensino e
aprendizagem nem sempre é aquilo que é valorizado na sociedade.
Nesse sentido, permite-se a abertura para novos tipos de
relações, de modo que a violência está se refletindo cada vez mais
no meio social e na educação não seria diferente. Isto coloca em tela
de juízo um problema que deveria ser pensado não só dentro dos
meios acadêmicos ou no mundo da educação, mas ter seu respaldo
na sociedade, não deixando de lado o cerne da concepção dos
educandos que é o próprio núcleo familiar.
Atualmente, é cada vez mais evidente que os núcleos
familiares não são homogêneos, de modo que cada aluno ou
educando tem sua própria base cultural. A consciência da
existência da diversidade cultural poderia ser compreendida como
um canal de comunicação, ou o ‚fio condutor‛ como diria
Immanuel Kant, para a compreensão da necessidade de pensar
novas organizações e dinâmicas que atendam essas questões. Do
ponto de vista do educando, esse tipo de ação pode ser o ponto
diferencial no momento de compreender seus valores, seus
conteúdos escolares dentro de sua própria condição de vida.
Especialmente, mas não exclusivamente, a disciplina de
filosofia e sociologia poderiam ser vistas pelos educadores como
disciplinas em constante modificação. Nesse sentido, para além da
base comum de conhecimentos, sofrer adaptações e atualizações
com intuito de suprir os espaços ocasionados na dualidade
educando e educador. Desse modo, o educador deve ter uma
percepção preparada para acompanhar e atingir seus jovens
educandos com aulas que motivem na busca do sentido de sua
formação, mesmo que através de análise crítica da representação de
seu cotidiano desenvolvendo sempre ações sociais, políticas e
intelectuais que tenham significado no meio social.
145
Todo ser humano ao atingir certo o grau de conhecimento
sente-se inclinado às práticas educativas. Segundo Jaeger, ela é o
princípio por meio da qual a humanidade pode transmitir suas
peculiaridades físicas e espirituais (JAEGER, 1995, p.3). Neste
intuito, o autor pretende que a família fosse à base de tudo, pois,
quando o núcleo familiar está falho por algum motivo, os mais
afetados são os jovens e crianças, pois participam de todo o
desgaste dos responsáveis e ainda da situação traumatizante
vivenciada dia-a-dia. De certa forma, é dessa maneira que se
reproduz a linguagem da violência contra os valores morais e
éticos, que inevitavelmente servirão de balizas condicionantes para
o comportamento social. Pois a experiência vivida pelas crianças ou
jovens, ou seja, tudo o que eles ouvem, vive e presencia, traduz-se
em infraestrutura do comportamento e exteriorizado na escola.
Assim sendo, o aluno reproduz na escola a formação e educação de
base que recebeu de seus responsáveis.
Assim, tudo que a criança aprende e vivencia em casa fica
registrado em sua mente em forma de Registros Mentais – RM. ‚Os
Registros Mentais – RMs são gravações retidas em nossa mente e
nela introduzidos pelos órgãos de sentido, captados no meio em
que vivemos. Esses registros mentais podem ser bons ou maus,
positivos ou negativos, dando força ao que é chamado de Processo
Mental Inconsciente e que se traduzem em palavras, atos e fatos
através da retroalimentação e acabando por se manifestar na
pr{tica no futuro‛ (SCHÜTZ, p.35-37).
Esta não é uma questão inédita, e já foi brilhantemente
abordada por intelectuais como, por exemplo, as interessantes
expressões de Pappus que dizia: ‚acreditar que as coisas sempre
acontecem por acaso é uma verdadeira preguiça intelectual e
covardia cientifica‛ (PAPPUS, ); ou de Leonardo Boff; ‚toda criança
ao nascer é como um lençol branco, as marcas são adquiridas
durante seu desenvolvimento‛ (BOFF, ).
Segundo Aquino o trabalho de educar, primeiro é
responsabilidade do núcleo familiar e de toda a sociedade. À escola
cabe a tarefa de transmitir o conhecimento, mas ela deve ter visão
146
do todo. A aprendizagem só faz sentido se ligada ao processo da
vida do educando, de modo que este é assimilado conforme é a
sintonia do professor e aluno, ou seja, conforme o vínculo ou
aceitação.
Segundo Piaget (1994, p.23), ‚as crianças aprendem a respeitar
as regras que são transmitidas pela maioria dos adultos, isso
significa que a elas já chegam elaboradas, porém não na medida de
suas necessidades e interesses, mas de uma única vez através da
sucessão ininterruptas das gerações adultas anteriores‛. Percebe-se
claramente que Piaget destaca que a moralidade não é um valor
intrínseco ao ser humano que nasce com ele mesmo. Primeiro a
criança é influenciada pelos seus pais aonde é submetida a
inúmeras regras, limites e disciplinas, depois vem à escola onde é
um ambiente de socialização. Esta é a importância de se ter bem
claro sua parcela de contribuição na formação moral de seus
alunos. É esta a função do professor, Ele deve incentivar a não
violência, a não criminalidade, fazendo com que as crianças
aprendam respeitar ter limite. E consequentemente formarem
cidadãos de respeito e seus núcleos familiares equilibrados unidos
e felizes.
Este raciocínio revela por um lado os objetivos e os desafios em
se adaptar a educação escolar no século XXI e por outro lado oferta
uma proposta educacional que possa amenizar a própria violência
na sociedade.
Somente assim será possível identificar a diferença, onde todos
poderiam ter uma convivência mais justa, fraterna, humana e
igualitária, condizente com a condição da dignidade da pessoa
humana, pois é nesse ambiente que a Educação se faz e se
completa.
Segundo Aristóteles, existem três ideias absolutamente
essencial para o desenvolvimento de uma boa educação: A
primeira é a natureza do Educando, que por razão biológica irá
condicionar em muitos aspectos do comportamento do aluno. A
segunda ideia está relacionada à formação de bons hábitos. No
desenvolvimento da personalidade, o hábito não se desenvolve
147
como um passe de mágica é formado gradativamente como no dito
popular que ‚{gua mole em pedra dura tanto bate até que fura‛,
muitas vezes estimulada pela repetição. A terceira se refere que o
processo educacional sempre deve estar voltado para o
desenvolvimento da inteligência e da razão.
Para Rousseau, o homem é naturalmente bom, mas foi
corrompido pela sociedade. O educando precisa se construir como
cidadão, dentro das novas perspectivas que a globalização nos
permite. Num processo interdisciplinar, somos chamados a
construir e reconstruir a prática de novas experiências, mais
humanas e solidárias através da realidade local.
Para Paulo Freire, a formação ética acontece na educação, mais
precisamente na sala de aula, quando a sociedade, as escolas com
professores e alunos lutam por uma educação transformadora,
dialógica e conscientizadora. Na perspectiva de Freire, alunos
professores são engajados numa dimensão crítica e criativa no
processo da construção do conhecimento, onde todos ensinam e
todos aprendem num processo criador e recriador de suas próprias
experiências existenciais de origens culturais (FREIRE, 2002).
Um dos maiores desafios da educação deste século é o diálogo,
ensinar os alunos ter um pensamento crítico reflexivo, pois
desenvolve a capacidade de argumentação e de aprendizagem e
como consequência amenizando a violência. O mundo somente vai
mudar se nossos pensamentos mudarem. Em outras palavras, o
diálogo é uma relação horizontal. Segundo Freire nutre-se de amor,
humildade, esperança, fé e confiança. O diálogo, portanto, é uma
exigência existencial, que possibilita a comunicação dialógica,
ensinar e apreender são possíveis quando ‚o pensamento crítico do
educador se entrega | curiosidade do educando‛. (...) Mas, para
isso o diálogo não pode converter-se num bate papo desobrigado
que marche ao gosto do acaso entre professores e educando
(FREIRE, 2002, p.118).
O maior legado que um professor pode dar ao aluno é a
capacidade de pensar de forma independente e com
responsabilidade. Não apenas fazer de conta, mas ter a capacidade
148
de analisar dados, fatos e situações; saber dissociar o certo do
errado, saber receber criticamente os meios de comunicação, de
perceber as manipulações destes meios e ter distanciamento crítico.
A violência escolar sempre foi um problema, a qual é
exteriorizada pelos próprios alunos e pode se manifestar com mais
frequência em locais de baixa renda através de suas atitudes de
conduta, atitudes que refletem o dia a dia do educando dentro e
fora da escola.
A UNESCO, através de relatórios de Jacques Delors,
apresentou as competências que a educação precisa desenvolver: a)
Aprender a ser: ajuda o jovem desenvolver autoestima,
autoconfiança, auto determinação e a sua própria identidade; b)
Aprender a conviver: ajuda a desenvolver as relações interpessoais
comunitárias, relações de cidadania, de solidariedade, trabalhar em
grupo, enfim reconhecer o outro de forma comunicativa; c)
Aprender a fazer: possibilitar o educando a adquirir habilidades
básicas, para entrar no mercado de trabalho; d) Apreender a
apreender: que ele aprenda buscar o conhecimento; e) Apreender a
conhecer: acessar tudo que é informações de todas as formas
possíveis, ser um caçador de conhecimentos.
A educação neste século tem que ser revista e realizada numa
parceria eficaz entre escola, família, sociedade, Estado. Vale
lembrar a frase de educação atribuída | Confúcio, que diz: ‛Tu me
dizes, eu esqueço; tu me ensinas; eu lembro; tu me envolves, e eu
aprendo‛. Percebe-se, portanto, que a educação não se constitui em
mero estabelecimento de informações, mas sim de se trabalhar as
potencialidades interiores do ser, a fim de que se desenvolvam e
sejam reconhecidas.
‚As necessidades de auto realização são uma procura de
contínuo auto-desenvolvimento e de realização progressiva. Na
busca de auto realização o homem alcança as estrelas, aspira ser
mais criativo, tanto em sua vida profissional, como em sua vida
pessoal‛. (SCHÜTZ, p.85) O comportamento do ser humano tem
seus altos e baixos, mas dizer que o ser humano é violento por
149
natureza, isto mostra a fraqueza de nossos pensamentos, uma
verdadeira preguiça intelectual e covardia científica.
No entanto, um pensamento contrário provavelmente encontra
na educação uma ótima ferramenta para controle de suas emoções.
Todas as pessoas podem ser agressivas, mas não violentas,
enquanto a agressão é essencial no ser humano para sua
sobrevivência, a violência é sempre destrutiva. A educação faz
parte desse processo de dominação da violência natural, instintiva.
Segunda a opinião de Jaeger:
150
Conclusão
Referências
151
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154
Como se formam os professores nos dias atuais: um recoste
de história real refletida em teorias educacionais
Introdução
155
faz. É importante acrescentar aqui que, ao utilizar o termo
‚melhor‛ estou me referindo ao sentindo de mais eficiente.
Por haver necessidade de ser reflexivo a cerca de si próprio e
de seu caminho percorrido enquanto ser humano, nesse
manuscrito enfatizei os autores que tratam a cerca de formação
docente em paralelo às teorias da educação, devido ao fato de que,
eu me graduei, especializei, e hoje atuo e estudo na área docente.
Fazer uma autorreflexão do caminho percorrido durante o
processo de formação, significa tentar entender a si próprio. Isso se
dá ao fato de que o homem de hoje é o resultado do homem do
passado. Dessa forma, a partir do momento em que entendemos
nossa própria formação podemos entender porque agimos de
determinada maneira. O filósofo Sócrates em um de seus
ensinamentos nos fala que "uma vida que não é examinada não
vale a pena ser vivida‛. Pois a an{lise de se próprio torna possível |
melhoria do homem, uma vez que a sua função é a melhoramento
constante da espécie, da sociedade.
Que há necessidade da pessoa se encontrar em meios a tantas
teorias existentes, ou seja, se entender a partir de teóricos, é fato.
Dessa forma, o presente trabalho surgiu a partir das discursões de
leituras acerca do assunto, feitas na disciplina Teorias da Educação
no Mestrado Acadêmico em Educação ofertado pela Universidade
Federal do Tocantins – UFT. Propõe-se nesse, um estudo reflexivo a
cerca das leituras feitas e discutidas em sala de aula em paralelo a
explanação da minha formação e práticas docente.
Dessa forma, tem-se como objetivo geral fazer uma
autorreflexão do caminho percorrido na minha formação docente,
bem como em quais teorias se baseiam minha formação, assim
como também minhas próprias práticas docentes. No que se refere
aos objetivos específicos destacam-se: fazer uma análise da minha
própria formação; relacionar cada etapa em qual ou quais teorias se
baseia; fazer uma análise das minhas atuais práticas docente
levando em consideração a minha formação em consonância com
as teorias nas quais se encaixam.
156
Freire (2003), afirma que: ‚O que difere o homem e o animal é a
pr{tica de pensar, de refletir...‛. Dessa forma, ao lançarmos nos
estudos de Freire, veremos que a escrita do presente trabalho faz-se
necessária, uma vez que cria a possibilidade de uma análise crítica
de si próprio, o que permite a visão da necessidade de melhorias,
dando continuidade a evolução do homem.
Fundamentação
157
Como se evidenciou acima, atualmente as escolas constitui-se
de um constante processo de vigilância. Em que não é mais preciso
obrigar o indivíduo a exercer suas obrigações, mas sim, mostrar
que ele é detento nesse processo, pois ele é vigiado constantemente
e punido se tiver fora dos padrões estabelecidos pelo sistema
escolar, e caso não realize suas atividades são reprimidos pela sua
falta de responsabilidade com seus os afazeres escolares, dessa
forma ocorre um ‚adestramento‛ em que aos poucos o aluno se
torna detento desse processo que o aprisiona não somente na
escola, mas até a sua vida adulta em que por já estar acostumado
ser governado por outros ele continua permitindo se perpetuar
nesse processo também no mercado de trabalho.
A ideia de educação baseada no tripé ‚a religião, a tradição e a
autoridade‛ em teoria foi corrompendo-se ao poucos até que
chegamos a ter a escola contemporânea dos dias atuais. Isso nos
trouxe diversas modificações de como a sociedade ver a escola e
como a própria escola se vê. Apesar dessas novas maneiras nas
quais seriam as ideais a ser praticada, existem ainda tanto por parte
de escola quanto da sociedade, situações em que a põe a educação
baseada na religião, autoridade e tradição.
Em todos os movimentos civilizatórios e de humanização do
homem, no geral, a educação possui o objetivo de melhorar o
gênero humano, levando a um processo de melhoria constante da
espécie. Com isso, a educação não objetiva manter a espécie
humana da forma que está, mas sim, busca a sua constante
melhoria de forma em que o homem de hoje sempre será o
rascunho do ser humano do amanhã (COÊLHO, 2012).
A educação segundo o filósofo Platão possui não uma
definição, mas sim finalidade que é ‚... favorecer o triunfo do
pensamento racional sobre as paixões, sobre o corpo‛. Tardif (2013)
argumenta que sua origem foi junto ao nascimento da
humanidade. Com isso nos permite concluir que em todo lugar
onde houver a existência do homem haverá educação, uma vez que
os dois andam em paralelo desde o princípio.
158
Corroborando com o pensamento de Platão, Fernandes (2010)
ao tentar definir educação, argumenta que essa não possui uma
definição exata e que a pergunta ‚o que é educação?‛ não possui
uma definição concreta, única e inquestionável. Apesar de não
poder responder ao questionamento a cerca da definição da
educação, o autor discorre em seu texto algumas explicações nas
quais não define educação, mas sim o seu papel. Sendo esse tornar
o homem livre, mostra-lo a luz.
Ainda complementando a tese defendida pelos autores Platão e
Fernandes, o teórico Coelho (2012) afirma que ‚nem toda educação
se faz por meio e no meio da aprendizagem...‛. Contudo, com base
no pensamento dos três autores, podemos concluir que não há
necessidade de escola para que haja educação, mas que essa
depende somente da existência do homem.
A finalidade da educação é o que mantém sua existência. O
que deve ser considerado mais importante no processo de
educação do homem ‚não é a escolarização, a formação do erudito,
do homem de negócios ou do funcionário do Estado, nem a
instrumentalização de crianças, jovens e adultos, e sua inserção no
mercado de trabalho, o desenvolvimento cientifico tecnológico, o
sucesso dos educandos e o aumento da produção‛. Ao contr{rio, é
principalmente a dimensão política do homem e da sociedade, a
boa vivência de ‚... todos os homens, grupos, povos e instituições,
enfim, a realização de sua dimensão humana...‛ (COELHO. 2012).
Complementando o pensamento de Coelho, o educador Freire
argumenta que é necessário que o papel da escola seja muito bem
definido, de maneira que essa venha a cumprir a sua função
enquanto protagonista da evolução da educação e
consequentemente da humanidade. A respeito da função da escola,
Freire (2003) afirma que:
159
diante dos problemas de contexto. À intimidade com eles. (FREIRE,
2003, p. 85).
160
Não basta ter bons professores para que uma sociedade venha
a ser melhorada através da educação. Para existir o processo de
educação de uma sociedade é necessário o empenho de toda a sua
composição. Complementando a fala dita no trecho imediatamente
anterior, Tardif (2013) nos afirma que ‚Aprender, não é somente
assimilar conhecimentos novos, é também reavaliar os antigos e
principalmente mudar a si mesmo‛. Dessa forma, nos permite a
conclusão que, para a existência de uma boa educação não basta
que se tenha bons professores, mas também que se tenha bons
alunos. Pois apenas com a reflexão e alteração de comportamentos
através de assimilação de novos conhecimentos que é possível que
seja validado o trabalho docente.
Um pouco de história
161
O curso no qual ingressei é composto em sua grande maioria
por docentes que trabalham com o princípio da tradição e
autoridade, o que resulta muitas vezes em grandiosas percas para o
alunado. São docentes que acreditam que podem tudo e que o
aluno não sabe de praticamente nada, não levando em
consideração na maioria das vezes os conhecimentos prévios do
aluno ou até mesmo suas atuais condições de sobrevivência para se
manter em uma universidade.
Devido ao fato de trabalhar e por diversas vezes por uma
questão de sobrevivência não poder realizar algumas atividades
propostas por docentes, somente no início do ano de 2016 consegui
obter o título de graduado em Licenciatura em Computação. Um
ano depois da data prevista da conclusão do curso em período
normal. Ainda na mesma época empreguei-me no cargo de docente
de educação básica em uma escola de tempo integral situada na
mesma cidade na qual me graduei. Nessa passei a lecionar as
disciplinas de Educação para o Trânsito e Informática Básica em
turmas de primeiro ao quinto ano do ensino fundamental I.
O fato ter que ensinar a disciplina Educação Para o Trânsito foi
um marco que significou segurar a vaga de serviço ou cede-la a
outra pessoa, tendo em vista que caso eu me recusasse a essa
situação, no momento não serviria à escola. Apesar de não me
sentir confortável, optei por trabalhar.
Fernandes (2010) nos afirma que ‚ensinar só pode quem sabe
aprender e quem sabe também deixar o outro aprender, por isso é
que ensinar é mais difícil do que aprender. Ensinar pressupõe
maestria do aprender e do deixar aprender‛ (FERNANDES, 2010).
Dessa forma, podemos entender que eu só poderia ser professor
naquele momento caso eu soubesse aprender. Pois, para que
tivesse sucesso na docência de tal disciplina, primeiramente houve
a necessidade de aprender o conteúdo a ser ensinado, uma vez que
eu não possuía conhecimentos específicos da área a ser trabalhada
enquanto docente.
Além disso, o fragmento citado acima nos explica que ninguém
sabe de tudo, que todos sabem alguma coisa e que o professor além
162
de ensinar deve deixar o aluno aprender, esse também aprende
consigo mesmo e também com o aluno, uma vez que ninguém seja
tão desprovido de conhecimento que não seja capaz de ensinar
algo ao outro.
Dessa forma, me pus a aprender para que pudesse vir a
ensinar. O problema é que não houve um tempo prévio para isso,
pois já estava em sala de aula. Em resumo, aprendia pela manhã
para ensinar à tarde. O que me permitiu e de certa forma obrigou a
aprimorar as técnicas de aprendizado. Colocar em prática o que
Fernandes (2010) chama de maestria do saber aprender.
Apesar de ter acabado de sair de uma universidade com o
diploma de graduado em Licenciatura em Computação em mãos,
não só as aulas de Educação Para o Trânsito seria obstáculos a ser
superados com relação ao meu próprio aprendizado, mas sim, que
eu teria que aprender bastante de computação básica. Naquele
momento vi que continuaria a aprender, ou seja, que o
aprendizado iniciado na universidade se daria continuidade no ato
de ensinar. Fernandes (2010) nos afirma que é visto que o homem
não aprende somente quando lhes é ensinado, mas também
quando lhe é posto em situação de ensinar. Contudo, ‚o homem
aprende porque lhe foi dado o ofício de ensinar‛.
Vale destacar aqui que embora ocorra em escolas brasileiras, as
políticas públicas de educação no Brasil fala que o docente só pode
trabalhar em sua área de formação, no entanto, isso não acontece
por diversos motivos, nos quais por não ser objetivo desse texto,
não iremos nos aprofundar.
163
Na vida pra ter sucesso é necessário buscar a liberdade que se
traduz em conhecimento. Portanto, podemos considerar que, o
sucesso alcançado da vida é dado pela busca da liberdade. Foi
exatamente isso que me motivou a buscar sempre mais, a não me
conformar com o que tenho. Não por ingratidão, mas por gostar de
sempre buscar o melhor, a maestria. Sabia eu que naquele
momento me apropriava de grande quantidade de conhecimento e
que estava adquirindo mais a cada dia, no entanto, não estava
satisfeito com a minha atual posição, na sociedade bem como
dentro do sistema educacional. Queria crescer, ser alguém que
ocupa posto mais elevado entre os intelectuais, um local em que,
no meu ponto de vista, melhor se consegue contribuir para a
melhoria da sociedade na qual faço parte.
Com o propósito de continuar fazendo valer o meu objetivo de
sempre buscar melhorias, ainda no ano de 2016 me ingressei em
uma Especialização Latu sensu em Docência de Ensino Superior
ofertada pela faculdade Suldamérica em parceria com a AEDUC.
Concluí com êxito o curso, que mais tarde veio a permitir que eu
pudesse me ingressar de docente na educação superior, assunto
que será tratado mais detalhado em linhas posteriores a essas.
Não estando satisfeito, mas agradecido em possuir o título de
Especialista comecei a pensar na possibilidade de uma nova
graduação ou um Mestrado Stricto Sensu. Agradecido por já ter
conseguido trilhar parte de um caminho espinhoso e que poucos
conseguem, não satisfeito porque sempre ver a necessidade de
crescer, me tornando assim, a cada dia um rascunho de minha
própria pessoa do dia seguinte.
Com o pensamento de sempre buscar o crescimento, concorri a
uma vaga de aluno especial no Mestrado Acadêmico em Educação
ofertado pela Universidade Federal do Tocantins – UFT onde fui
selecionado por um docente do programa, o que me deu a
oportunidade de cursar uma das disciplinas. Nos semestres
seguintes me pus a disposição dos docentes novamente e sendo
selecionado, permaneço até o presente momento na condição de
aluno especial.
164
‚Quem d{, também recebe, dando, e quem recebe, também
doa, recebendo. Por isso, quem ensina aprende , ensinando, e quem
aprende ensina, aprendendo‛... ‚ensinar pressupõe a maestria do
aprender e do deixar aprender...‛ Fernandes (2010). Nessa
perspectiva e com o objetivo de sempre aprender mais e ensinar
melhor, comecei a pensar em além de fazer mestrado, ingressar-me
em outro posto de trabalho. Pois, devido pertencer ao quadro de
docentes contratados da prefeitura, meu contrato teria que ser
renovado a cada ano, dependendo assim dos interesses de políticos
corruptos que na maioria das vezes cobram em troca o apoio
partidário para que realize a renovação do contrato. Além disso,
devido ao fato de ser apenas contrato temporário, não me permitia
uma elevação de cargo ou função dentro da instituição.
Na busca de um local em que permitisse melhores condições
de trabalho e do meu crescimento intelectual, no inicio do ano de
2017 ingressei-me na Rede Estadual de Educação, onde passei a
ministrar aulas de Matemática, Química e Física em turmas de 6º
sexto a 9º nono ano do Ensino Fundamental II em uma escola
situada em um setor pertencente à cidade de Porto Nacional - TO.
Embora no novo cargo de docente no qual vir assumir, passei a
não ministrar nenhuma aula de computação, naquele local eu vi como
uma forma de melhor conseguir crescimento. Tendo em vista as
melhores condições de trabalho, o público de alunado, bem como
também os colegas de serviço. Pois o novo posto de trabalho possui
uma boa referência perante a sociedade, enquanto o primeiro se trata
de uma escola de periferia. Porém ainda havia um problema a ser
resolvido, a continuidade do trabalho por contrato temporário junto
ao poder público, o que acaba inviabilizando algumas probabilidades.
Na rede estadual de educação na qual inserir-me na condição
de docente, fui oportunizado a poder ver de um ângulo diferente
do que eu conhecia com relação ao sistema educacional estadual.
Situei-me dentro de um sistema em que, segundo Guimarães (2012)
Estado e Ministério, aqui representado pela Secretaria de Educação
e Cultura – SEDUC, ‚em nome da qualidade da educação‛ opera
sua gestão de olho nos números e percentuais de acesso à rede
165
escolar, bem como permanência e evasão, não se preocupando
muitas vezes com o real aprendizado do aluno.
Observando de perto as regras, normas e políticas públicas, nas
quais regem as escolas estaduais no Tocantins consegui perceber
uma distorção do sentido da escola, e consequentemente de
educação. Pois são priorizados os números, como por exemplo,
índice de aprovação, de matrículas de evasão, etc.
Não só nas escolas da Rede Estadual de Ensino como também
nas municipais, as políticas públicas internas são voltadas para
ensinar o aluno para o presente, e não para o futuro. A respeito
disso, Kant nos fala que:
166
Tardif (2013) em uma de suas escritas argumenta que ‚... o
sábio não é apenas diferente do ignorante; ele é superior. Em
outros termos, o conhecimento tem – de saída, diríamos hoje – uma
dimensão ética‛. Portanto é possível chegar à conclusão que quem
tem uma formação melhor é superior aos que possui menor
formação. Ou seja, estudar é o caminho para ser superior.
Conclusão
167
É de suma importância ter professores na educação básica que
não mentalizem apenas ensinar conteúdos didáticos, mas que
assuma o compromisso de preparar cidadãos críticos reflexivos,
pois apenas formando pessoas crítica-reflexivas sobre suas atitudes
é possível tornar uma sociedade melhor.
Por ter me tornado um cidadão professor na universidade é
nela que pretendo ficar permanentemente enquanto docente. Não
somente por acreditar que esse seja o melhor local de trabalho que
um docente possa vir a atuar, mas por crer que somente dessa
forma é favorável a multiplicação da formação de professores que
realmente assume o papel de educador.
Em tempos atuais, a educação não pode ser baseada somente na fé,
poder e autoridade; uma vez que esse modelo de ensino não permite
que tornarmos pessoas melhores, pois na educação tradicional é
repetido o que foi feito no passado sem que seja analisado previamente
as consequências que cada atitude pode causar.
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169
170
‚Sigo a minha caminhada fazendo o melhor que posso,
mas não fico | procura da turma pronta‛:
o sentido pessoal de uma professora
sobre a indisciplina na aula de inglês
Introdução
171
desmotivação e falta de interesse dos alunos, descrença sobre a
aprendizagem na escola regular e até mesmo casos de conflitos nas
interações entre alunos e professores.
Do ensino fundamental ao médio, a maior parte das turmas é
composta por adolescentes. Por ser essa uma fase específica do
desenvolvimento humano, muitas de suas características se
evidenciam na maneira como os alunos interpretam e constroem
sentido das experiências desse período, especialmente as da escola,
uma vez que é um contexto onde passam grande parte do tempo.
Enquanto o adolescente se descobre, nem sempre ele ou ela se
expressa em sala de aula da forma como os professores esperam ou
desejam, especialmente porque estes últimos percebem todo o
potencial de seus alunos nesta fase da vida. Em meio a esses
desafios, podemos considerar ser importante conhecer formas de
lidar com as turmas de adolescentes a partir do que os professores
que possuem experiências com esses alunos fazem em seu
cotidiano.
Mesmo sendo uma questão latente e contemporânea, nota-se,
de acordo com Basso (2008), a falta de preparo dos professores para
lidar com as características específicas de cada idade e seus
desafios para o ensino-aprendizagem de inglês. Isso se reforça
ainda nos cursos de formação, como no caso da licenciatura em
Letras, pela falta de espaço em sua grade para disciplinas e cursos
tão específicos como ensino para crianças ou adolescentes.
Enquanto tais tipos de mudanças não se concretizam, podemos nos
voltar para a sala de aula, considerando quais alternativas são
encontradas por diferentes professores para um problema similar.
Assim, o propósito deste capítulo é analisar, na perspectiva
docente, a construção de sentido sobre ensinar inglês para
adolescentes. Os significados que emergem para descrever o
sentido de tal experiência foram resgatados em uma narrativa de
uma professora para quem a indisciplina escolar permeia seus
relatos como grande desafio.
Para delinear essa narrativa, organizamos este artigo em seis
sessões. Após este preâmbulo, discutiremos os conceitos de sentido
172
e significado na teoria histórico-cultural e como ela fornece o
subsídio teórico para nosso estudo em Linguística Aplicada (LA).
Em seguida, apresentaremos um panorama do estudo, um perfil da
participante e os procedimentos de estudo da narrativa. As duas
seções posteriores constituem a análise: primeiro reconstituímos os
relatos para então discutirmos o sentido de sua experiência. Por
fim, proporemos algumas implicações desse estudo para
professores com desafios similares em outros contextos de ensino.
173
constituem o sentido. Os significados, por sua vez, são dotados de
estabilidade, pois representam as convenções sociais da experiência
humana. Dessa forma, no entendimento de Vygotsky, o sentido da
palavra emerge do contexto e se modifica, enquanto o significado
se mantém mais estável.
A noção de sentido foi posteriormente retomada por Leontiev
(1978, 1981,2004). Partindo do pressuposto da atividade como
ponto central do desenvolvimento, considerou-a tendo em vista ‚a
interação real que existe entre o sujeito real e o mundo que o cerca‛
(LEONTIEV, 2004, p.103). Para a teoria da atividade, assim como
para Vygotsky (1934/2012), o sentido pode ser expresso pelas
significações. Dito de outra forma, Leontiev (2004) afirma que a
significação se cristaliza na palavra, que por sua vez revela os
traços do conhecimento historicamente produzido em sociedade.
Assim, na construção de sentido, as significações revelam o
conteúdo de uma consciência social que passa a fazer parte de uma
consciência individual, do sujeito que faz parte da vida social com
suas práticas culturais específicas.
Outra questão a salientar é que nessa relação, Leontiev (1981)
utiliza o termo sentido pessoal. Na teoria da atividade, para
compreender o sentido é necessário atentar para a relação entre o
motivo e o objeto da atividade. Portanto, o sentido pessoal se
estabelece entre o que move a ação do sujeito (motivo) e para qual
necessidade ele se orienta (objeto). É por isso que o sentido tem um
valor importante na ação do sujeito, uma vez que, segundo
Leontiev (2004), a atividade é uma relação criada na vida.
Ainda na relação sentido/significado, Vygotsky (1934/2012,
p.259) faz uma breve ilustração. O significado dicionarizado de
uma palavra é ‚não mais do que uma pedra no edifício que é o
sentido‛. Isso significa que no amplo espectro do sentido, o
significado encontra sua potencialidade ao ser materializado na
fala (em palavras, conceitos). Considerando o escopo deste
trabalho, tomaremos como exemplo o conceito de indisciplina para
pensar sobre sentido/significado. Diferentes autores concebem a
indisciplina escolar como distintas manifestações comportamentais
174
com diferentes intensidades que descumprem regras estabelecidas
ou destoam os objetivos centrados no processo de ensino-
aprendizagem. Esse é um de seus significados convencionados
entre pesquisadores e professores (FERNANDES, 2014; LEWIS,
2001). O sentido que as pessoas constroem sobre indisciplina, no
entanto, leva em conta a maneira que alunos e professores
interagem em sala de aula, bem como interpretam as experiências
nesse contexto. Pesquisas em LA dos últimos anos com foco na
indisciplina na aula de inglês, por exemplo, têm tratado desse
fenômeno a partir da perspectiva do aluno e do professor em temas
voltados para a pesquisa de crenças (ZOLNIER, 2007) além da
aprendizagem de inglês em diferentes contextos (FERNANDES,
2014; SANTOS, 2007) e idades (BARCELOS; LIMA, FERREIRA,
2014; BASSO, 2008; LIMA, 2017b).
Para um professor que se orienta pelo seu papel pedagógico de
propiciar o desenvolvimento dos alunos (em uma nova língua), a
indisciplina adquire um sentido específico em sua profissão, como
um empecilho ao seu trabalho e como desafio que pode ocorrer por
diferentes razões. Para um aluno adolescente, o desinteresse pela
aprendizagem escolar2 e o desejo de poder conversar livremente
com seus colegas durante a aula pode ter um sentido diferente de
seu professor, ou como sugerem Barcelos, Lima e Ferreira (2014),
de que nem sempre o aluno se reconhece como parte do problema
ou que determinadas atitudes são de fato indisciplinadas no ponto
de vista deles.
O ponto central, no entanto, é que ao considerarmos a
construção de sentido, temos que buscar a compreensão das forças
que movem o agir e as necessidades do sujeito da atividade. Em
condições desejáveis para o desenvolvimento dos alunos na
aprendizagem escolar, quando estimulados e engajados nas
práticas escolares, empecilhos como a indisciplina provavelmente
175
não fariam parte dessa relação. Dessa forma, em situações em que
são evidenciadas questões disciplinares, cabe compreender como
os sujeitos constroem sentido dessas relações em sala de aula.
Tendo isso em vista, buscaremos tecer tais relações a partir do
sentido construído por uma professora e suas experiências com
uma turma indisciplinada.
176
Uma vez que seu texto estava finalizado, várias leituras foram
realizadas para demarcar os eventos narrados, bem como as
descrições pontuais feitas para caracterizar sua turma de
adolescentes. Ao fim, elaboramos uma cronologia a partir do
primeiro contato, os desafios constatados e que foram retomados
no ano seguinte, até chegarmos em suas considerações sobre seu
papel como professora que lidou com os desafios encontrados ao
longo desses anos.
Excerto 1
Os alunos falavam muito alto, conversavam todo o tempo, gritavam,
jogavam baralho durante as minhas aulas, respondiam muito mal quando
eram chamados atenção... Para eles, andar pela sala, trocar de lugar,
responder mal a professora, maltratar os colegas, falar palavrões e gargalhar
era muito normal. Não parecia uma turma de estudantes. Parecia mais um
encontro de colegas pra farrear!
177
desafio, uma vez que a descrição do grupo enfatizava
principalmente as falhas dos alunos.
Excerto 2
Eles não têm noção da necessidade de estudar, não valorizam os estudos.
Parece que eles querem aprender, eles querem estudar, mas eles não têm uma
orientação voltada para o sucesso, porque para você obter sucesso você
precisa ter um comportamento adequado. E eu não tenho o tempo bastante
para convencê-los dessa necessidade. Porque eu precisava conhecê-los mais,
para alcançá-los mesmo. E eu pensava que se eu conseguisse fazer com que
eles se comportassem como estudantes, já estaria contribuindo e muito.
Excerto 3
Não contente com o desempenho em 2010, escolhi-os como alunos em 2011,
uma vez que, sendo a mais antiga na escola, posso, se quiser, escolher as
minhas turmas. E assim, em fevereiro de 2011, lá estava eu novamente,
trabalhando com eles. Apesar de levados, eles são muito carinhosos e
engraçados. Então, isto também fez com que eu os quisesse novamente. É
muito agradável estar ao lado de pessoas carinhosas e engraçadas. E eu
178
detectei na turma, os alunos líderes. Então, a minha estratégia foi elevar os
líderes e trazer para o “positivismo”4 aqueles que eram negativos. Aqueles
menos influentes na turma, eu comecei a evidenciar suas habilidades,
valorizando-os também.
179
seu objetivo de ensinar inglês. Outros sinais de mudança foram
aparecendo, conforme ela relata no próximo excerto.
Excerto 4
[PLI compara as ações dos alunos quando começou a trabalhar com eles com
o momento atual, no nono ano]
Os meninos brigavam um com o outro, com xingamentos e até agressões
físicas. Agora, já não tenho lá, problemas de indisciplina, nem o “terror”
como antes. Eles são capazes de permanecer sentados, falam mais baixo e não
respondem mal. Podem até responder, mas com respeito. Não usam mais
palavrões, nem agressão física.
Excerto 5
[PLI descreve como os alunos agiam na aula de inglês]
Alguns fazem com má vontade, fazem de qualquer maneira. Mas, há aqueles
que capricham, que me pedem ajuda, que dão mesmo o melhor. Nas
avaliações, percebo que alguns estudam mesmo para fazê-las bem. Como
valorizo o interesse e a vontade de aprender dos meus alunos, posso afirmar
que a maioria tem interesse. Houve um crescimento muito grande em relação
ao comportamento enquanto estudantes.
180
de consciência de que a indisciplina limita as condições de
aprendizagem pode ser esse caminho. Ao não perder de vista seu
objetivo principal de ensinar inglês, ela percebeu que aos poucos
grande parte da turma passou a se esforçar mais, o que
possivelmente a estimulava cada vez mais. O sentido inicial
conturbado passou por novas experiências da relação entre os
alunos com PLI naquela atividade educacional, e o que antes era
descrito como um cenário caótico de contradições agora significava
potencial em andamento. Considerando a questão do potencial, ela
abordou ainda a possibilidade de aprender inglês em seu contexto
de trabalho.
Excerto 6
É possível iniciar os meninos no estudo da Língua Inglesa e incentivá-los a
buscar mais. Acho que o tempo que passo com eles é pouco para incentivá-los
mais. A respeito da bagunça, é característica deles, eles não bagunçam
somente na aula de inglês, eles fazem bagunça inclusive na de matemática e
na de português (que inclusive sou eu a professora de português deles). Essa
característica é falta de orientação para um comportamento mais atencioso
nas aulas, um comportamento mais adequado. O ponto positivo de tudo isso
[da bagunça] é o fato de eu me preocupar em preparar aulas mais chamativas
ou melhores para a turma. Isto é o que venho fazendo ultimamente, tentando
sempre mostrar a eles a importância de aprender Inglês e dando a eles
alternativas para buscar a aprendizagem do idioma.
181
entanto, não se esgotaram no trecho anterior, pois ela considera
ainda seu papel como professora de inglês de uma escola pública.
Excerto 7
Vejo sim, possibilidade de meus meninos da sala 09 aprenderem Inglês, mas
estão aprendendo menos do que precisam e podem, não porque são limitados,
mas porque têm uma professora que trabalha com muitas turmas, não
podendo assim, atender as necessidades para uma aprendizagem maior.
Também o tempo é inferior às suas necessidades. Gostaria de ressaltar que
faço o que posso. Não cruzo os braços.
Excerto 8
É preciso conversar com eles, estar mais perto, não como amigo, porque o
adolescente precisa muito é de firmeza, coerência, respeito e amor. Como hoje
em dia, os pais saem pra trabalhar e trabalham muito, às vezes, o adolescente
não têm muito convívio com eles. Aí, se somos coerentes com as ordens que
damos, se somos misericordiosos com eles, mas exigindo responsabilidade por
parte deles, alcançamos a confiança dos meninos. E aí, o trabalho fica menos
difícil. A gente precisa saber aceitar as limitações deles, porque nós também
temos limitações, e muitas...
182
testam os professores diariamente quando desrespeitam sua
autoridade em sala de aula ou desconsideram os objetivos
estabelecidos para aprendizagem naquela disciplina. A coerência
foi outra estratégia necessária não apenas pelas regras introduzidas
por PLI de não tolerar indisciplina, mas por serem respeitadas e
reforçadas, mostrando limites ao adolescente. Isto foi evidenciado
anteriormente em seu relato acerca da repreensão aliada às
tentativas de fazer com que eles realizassem o que era proposto. E
por fim, a autocrítica consistiu no reconhecimento de que não
caberia naquele contexto responsabilizar a indisciplina do aluno
como única responsável pelos problemas existentes. Seu relato faz
ainda uma ressalva conclusiva sobre a situação de trabalho e o que
busca fazer em sua prática pedagógica.
Excerto 9
Então, o aluno adolescente não é o ideal, mas o professor, o sistema
educacional, o material didático também estão longe do ideal. E é isto, sigo a
minha caminhada fazendo o melhor que posso, mas não fico à procura da
turma pronta. É muito bom saber que a melhoria que alcançamos até aqui,
tem um pouquinho do meu esforço.
Apesar dos problemas evidentes, PLI sentiu que fez sua parte
enquanto as condições não mudaram. A satisfação entre todos os
problemas foi perceber sinais de melhoria de alunos que chegaram
desinteressados, mas que aos poucos começaram a participar mais,
tentando aproveitar o que ela se propôs a ensinar. A narrativa
apresentou vários desafios que facilmente poderiam ter resultado
em um conflito entre a professora e seus alunos adolescentes,
contribuindo para os significados comuns na sociedade que
representam essa faixa etária como grande desafio para os
professores. Todavia, ela mostrou também que as ações da
professora, ao serem impulsionadas por forças que reafirmavam
seu papel profissional, resultaram em possibilidades concretas de
ensinar inglês. Ainda que essas condições, segundo ela, não
representaram a totalidade do potencial que ela anseia na
profissão, sente que de alguma forma está fazendo a diferença.
183
Considerações sobre o sentido na narrativa de PLI
184
aula. Com o objetivo de contornar a situação para então buscar
formas de envolvê-los com suas propostas da aula de inglês, a
professora agiu de diferentes formas, sobretudo baseada em
tentativas de repreensão e valorização. Se de um lado houve
enfrentamento direto ao tentar mostrar que aquele comportamento
era incompatível com a atividade (ensino de línguas), do outro
houve o interesse em compreender o impacto da indisciplina a
partir dos alunos que incentivavam a turma, para que estes
pudessem participar das aulas e aos poucos mudarem o
comportamento indesejado do grupo.
Os relatos de PLI ressaltam o papel das forças internas que
movem o agir pedagógico. Não apenas do ponto de vista
individual (a professora desejando cumprir seu papel profissional),
mas do social (a contribuição para a vida em sociedade ao formar
alunos que adquirem determinados conhecimentos e os utilizam
para diferentes necessidades). Esta relação dinâmica do social que
transforma a vida individual (a consciência, as capacidades
mentais) representam o eixo central da teoria histórico-cultural.
Conforme sugerido por Leontiev (2004), o entendimento do sentido
se dá a partir não apenas da compreensão individual do sujeito,
mas da relação entre o aquilo que o faz agir (o motivo) e para
aquilo que ele age (o objeto de sua atividade). Dito de outra forma,
para compreendermos o sentido pessoal de uma professora sobre
ensinar inglês para adolescentes buscamos compreender a relação
entre o que a faz agir (o querer propiciar mais conhecimento para
seus alunos) e para que direção ela age (para conseguir ensinar essa
língua).
Entre os esforços para ensinar inglês e o real ensino que ela
conseguia propor naquelas condições, encontramos o sentido da
professora. Ensinar adolescentes foi, inicialmente, complexo pela
contradição de ter alunos com potencial e que ao mesmo tempo
eram desinteressados ou indisciplinados. O sentido foi se
modificando conforme ela agia de diferentes formas para torná-los
mais participativos, algo que ela explica como a necessidade de
mostrar direção para o aluno que nem sempre percebe nessa idade
185
a importância do que a escola oferece para sua formação. Este é
inclusive um ponto central dessa questão. O sentido se
transformou na dinâmica entre um começo tumultuoso e tentativas
posteriores de intervir de forma a suprir as necessidades (sociais)
que organizam a atividade. Apesar do senso de auto-crítica para
reconhecer que a situação atual de ensino (condições físicas, carga
horária de trabalho) não são as melhores, acredita ter
desempenhado seu papel sem se deixar derrotar pelos percalços
encontrados.
Comentários finais
186
o papel da formação de motivos, a força interna da atividade de
alunos e professores. Os resultados poderiam ter sido diferentes se
PLI tivesse se sentido intimidada pelo comportamento deles ou
tivesse ignorado o problema e conduzido suas aulas normalmente.
Estudos futuros podem considerar o sentido de professores em
início de carreira lidando com o mesmo problema. Sabemos que,
apesar de recorrer a significados estáveis do que é indisciplina
(comportamento indesejável que atrapalha a aula), o sentido
estabelecido na atividade de professores em diferentes contextos é
complexo e dinâmico, e ele deve ser explorado por mais pesquisas
em formação de professores mostrando o conhecimento produzido
por pelos sujeitos que vivenciam concretamente esses desafios.
Referências
187
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188
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em Linguística Aplicada)-Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2007.
189
/////////
190
/////
A inserção do jovem no mercado de trabalho diante das
novas modalidades de Ensino Médio: uma intervenção com
os alunos do 3º ano do Ensino Médio da Escola de Educação
Básica Cristo Rei de São João do Oeste/SC
Daiane Formagini1
Edenilza Gobbo2
Introdução
191
plena. Neste sentido, a intenção do novo formato do ensino médio
é em dispor de novos recursos de formação, ampliando as
oportunidades e conhecimentos dos jovens no Brasil.
Entretanto, desde a ampliação da duração do ensino
fundamental de oito para nove anos, com a Lei nº 11.274 de 2006,
os alunos que tiverem 100% (cem por cento) de aprovação na vida
escolar, concluem o ensino médio com 18 (dezoito) anos de idade.
Nesta idade muitos já buscam pela inserção no mercado de
trabalho, ou então, já estão inseridos em atividades laborativas,
inclusive na condição de jovem aprendiz (política pública de
inserção dos adolescentes e jovens no mercado de trabalho).
Todavia, com a integralização do ensino médio, os jovens não
mais poderão conciliar a vida escolar com a profissional. Isto já
vem sendo sentido pelas escolas da rede estadual de Santa
Catarina, que oferecem na sua matriz curricular o ensino médio
inovador (modalidade em que os alunos frequentam a escola por
no mínimo sete períodos da semana, sendo cinco períodos no
regular e no mínimo dois períodos de contraturno).
O fato de estar mais tempo na escola, tem feito com que muitos
jovens ao completar dezoito anos de idade, quando não é mais
obrigatório estar na escola, evadam desta sem ao menos concluir o
ensino médio, em busca do tão sonhado ingresso no mercado
profissional, seja pela busca da autonomia econômica ou para
contribuir com a renda da família, uma vez que a identidade do
trabalho é um fruto histórico no extremo oeste de Santa Catarina.
Diante disso, vive-se um momento histórico em que a
frequência escolar e a inserção no mercado de trabalho andam por
caminhos distintos. Estão em choque dois direitos fundamentais: o
acesso a uma educação de qualidade e a busca por um trabalho que
possa garantir a dignidade. A consequência disso é a evasão escolar
de parte dos jovens com formação incompleta, afim de ingressar no
mercado de trabalho, pois não conseguem conciliar o tempo
presente na escola com a vida profissional.
Desta maneira, o presente estudo busca levantar quais seriam
os meios para garantir o acesso e a permanência dos jovens na
192
escola e a inserção no mercado de trabalho simultaneamente, sem
infringir estas duas garantias fundamentais, por fim foi ouvido o
público alvo, os jovens, para entender quais são as reais pretensões
destes.
Educação e trabalho
193
educação é essencial para a formação de bons profissionais,
capazes de repensar a sociedade em que se vive.
Devido a ampliação do tempo de escola, os jovens estão
concluindo o ensino médio, em média com 18 anos de idade. Com
esta idade os mesmos já poderiam ter ingressado no mercado de
trabalho, porém o fato de estar na escola pelo período semi-integral
ou integral, os impossibilita de ingressar no mercado de trabalho
antes de concluírem o ensino médio.
A impossibilidade de conciliar escola e trabalho, de regra, tem
feito com que alguns jovens optem pelo trabalho e acabem por
evadir da escola, antes de concluir o ensino médio. Diante tais
constatações, o presente trabalho busca entender como seria
possível conciliar o tempo escolar e a inserção ao mercado de
trabalho, a fim de diminuir a evasão escolar devido a busca
profissional, pois o fato de não concluir o ensino médio, poderá
acarretar prejuízos profissionais futuros.
194
Educação - LDB, que apresenta de maneira detalhada os direitos,
os princípios e organiza os aspectos gerais da educação brasileira.
A legislação prima pelo acesso e permanência das crianças e
adolescentes em uma escola pública e de qualidade, priorizando a
formação cidadã e integral, assegurando a educação como um dos
direitos fundamentais.
Conforme Flavia Martins da Silva (2006), os direitos
fundamentais são entendidos como garantias plenas, de acesso a
todos os seres humanos, que buscam concretizar a proteção
integral. O Estado deve buscar os meios necessários para dispor a
todo seu povo estas garantias fundamentais, uma vez que, estes
direitos se adaptam ao momento histórico em que a sociedade está
vivendo.
A educação está elencada entre os direitos fundamentais no
Brasil, deste modo, cabe ao Estado brasileiro, mais do que ofertar
educação, priorizar por meios para que ocorra acesso e
permanência a uma educação de qualidade. Priorizando o
desenvolvimento físico, moral e intelectual do ser humano, para
uma formação integral e o pleno exercício da cidadania, pensando
a educação como um mecanismo de transformação social.
Para evitar a evasão escolar, deve-se priorizar a qualidade na
educação. Conforme dispõe Amin (2014, p. 99), para que a
permanência na escola seja atingida deve-se ter bons profissionais,
boa estrutura física, bons matérias didáticos, alimentação de
qualidade e o incentivo da família sobre a importância da educação
para uma vida digna e de qualidade. Dessa forma, despertar-se-á
nas crianças, adolescentes e jovens a importância da educação para
encarar os desafios pessoais e profissionais pelos quais irão se
defrontar.
Apenas em 2009, com a Emenda Constitucional nº 59, é que o
ensino médio passou a estar contemplado como educação básica
obrigatória no Brasil, portanto é uma política pública recente.
Devido a isso, o Brasil tem hoje uma geração de jovens mais
escolarizada que os seus pais, mas que nem sempre veem sentido
195
em estar na escola ou em vincular uma maior formação escolar com
mais possibilidades no mundo profissional.
Tornar o ensino médio atraente para os jovens, fazer com que
eles tenham na escola um alicerce para uma boa formação cidadã e
profissional ainda é uma necessidade, neste sentido se faz
necessário repensar a educação, para que esta atinja aos anseios da
juventude. Nora Krawczyk (2009), destaca que diante das novas
relações de trabalho do mundo contemporâneo, o conhecimento é o
capital mais importante do trabalhador, neste sentido, ganha força
a ideia de que o ensino médio completo facilita a inserção do jovem
no mercado de trabalho.
Ainda em 2009, por meio da Portaria 971 o Governo Federal
criou o Programa Ensino Médio Inovador, com a intenção de
apoiar e fortalecer o desenvolvimento de propostas curriculares
inovadoras em escolas de ensino regular. Com está nova
modalidade buscou-se tornar o ensino médio mais acessível a
todos e criar uma escola que tenha sentido, contribuindo
diretamente na formação dos jovens, seja para o mercado de
trabalho ou para a continuidade de formação.
Em Santa Catarina, desde 2010, a Secretaria de Estado da
Educação implantou o Programa Ensino Médio Inovador
(ProEMI), em que o principal objetivo é dar oportunidades aos
adolescentes e jovens na ampliação do tempo escolar, garantindo a
formação integral com a inserção de atividades que tornem o
currículo mais integrado e dinâmico, priorizando currículos
organizados a partir de um planejamento interdisciplinar,
construído coletivamente.
O ensino médio inovador já é comum nas escolas de Santa
Catarina, onde por meio de projetos, se busca dar novas
oportunidades aos educandos, com um maior tempo de presença
na escola (sete a oito turnos semanais de aula), priorizando pela
formação integral dos jovens.
Pensando em como melhorar a formação dos jovens, dando um
maior suporte educacional é que se repensou a matriz curricular do
ensino médio, sendo que em 16 de fevereiro de 2017, passou a
196
vigorar no Brasil a Lei nº 13.415, que fez uma série de alterações na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, instituindo
a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino
Médio em Tempo Integral, que prevê um aumento da carga horária
frequentada junto a escola, para 1400 (mil e quatrocentas) horas
ano, em um prazo de no máximo 5 (cinco) anos, a partir de 02 de
março de 2017.
Portanto, independente da modalidade de ensino médio em
que os jovens estejam inseridos, o objetivo comum é que todos
tenham acesso a uma formação básica e de qualidade, que possa
contribuir com a formação intelectual e profissional dos mesmos.
197
Estar inserido no mercado de trabalho, faz com que o ser
humano se sinta ativo e atuante na sociedade. Neste sentido, ser
jovem, é ainda mais significativo, pois é nesta idade que escolhas
são feitas, estas decisões feitas na juventude, darão rumo ao
amanhã. Neste sentido, Souza (2003)5, diz que ‚o período
denominado juventude constitui um processo de transição em que
os indivíduos passam de uma dependência completa na infância a
uma plena autonomia que caracteriza a vida adulta‛, a busca pela
autonomia está diretamente vinculada ao trabalho.
Ser jovem não é garantia de ser inserido no mercado de
trabalho, pois a concorrência é cada vez maior e nem todos vão
atingir de imediato o que almejaram quanto a realização
profissional. A juventude vem se reinventado ao longo dos tempos,
com novas expectativas e necessidades, e neste contexto a escola e
o trabalho se fazem presentes, onde um dos principais objetivos
pela busca do conhecimento está na necessidade de inserção no
mercado de trabalho, pois é por meio do trabalho que o ser
humano se sente pleno e realizado.
A formação frágil dos jovens se faz sentida na atualidade,
quando estes chegam no mercado de trabalho com baixa
escolaridade, ou até mesmo com uma formação deficitária, o que
limita as possibilidades. Neste sentido, dispõem Almeida e
Guimarães6, que ‚a situação dos jovens no país é agravada pela
baixa escolaridade média e pela precária qualidade da educação,
deficiências que se tornam mais sérias em face das exigências do
paradigma produtivo pós-fordista‛.
Almeida e Guimarães complementam que outra característica
brasileira é a baixa idade com que os jovens buscam ingressar no
mercado de trabalho, normalmente frutos da evasão escolar,
impulsionados pela necessidade e busca de independência
financeira momentânea, sem se preocupar com o futuro a médio e
198
longo prazo. O trabalho é estruturante para os jovens, em muitos
casos, o acesso ao trabalho vai delinear uma nova rota, novas
possibilidades para mudar a realidade que muitos estão inseridos,
auxiliando na construção da cidadania.
É certo que o trabalho é indispensável ao desenvolvimento do
ser humano e da sociedade, neste sentido afirmam Masson e Rigoni
(2017) que é por meio do trabalho que se almeja a independência
econômica, chegando deste modo ao bem-estar social e psicológico
do ser humano. Pois é através do trabalho que o homem se realiza,
construindo o seu existir de modo digno e pleno.
O direito ao trabalho é uma garantia do ser humano, porém, é
tarefa dos poderes públicos a efetividade desse direito. Pensando
em assegurar a inserção dos jovens no mercado de trabalho é que
foi promulgado o Decreto nº 5.598/2005, que regulamenta a
contratação de aprendizes, buscando inserir no mercado de
trabalho, os adolescentes e jovens, na faixa etária de 14 (catorze) a
24 (vinte e quatro) anos de idade, na condição de jovem aprendiz.
Deste modo, tem-se a legislação a favor da formação e inserção
dos jovens no mercado de trabalho, para que estes tenham mais
possibilidades de profissionalização, para que assim consigam
garantir os seus direitos, aumentando a possibilidade de escolhas e
a busca pela realização pessoal e profissional.
199
desenvolver o ser humano, devem criar novas possibilidades para
o país, pois como j{ dizia Nelson Mandela, ‚a educação é a arma
mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo‛.
O que tem se percebido é um tanto frustrante, pois diante do
ensino médio inovador que é semi-integral, ou o novo ensino
médio que é na modalidade integral, alguns jovens tem evadido da
escola antes de concluir o ensino médio. Com a maior carga horária
de horas-aulas, os jovens não conseguem conciliar escola e
trabalho, e muitos sem pensar no amanhã, optam pelo mercado de
trabalho.
Concluir o ensino médio é essencial, é formação básica. Agir
pelo momento, abandonando a escola, possivelmente trará
repercussões negativas na vida profissional dos jovens de hoje e
adultos do amanhã.
Pensando em entender as escolhas dos jovens e as angústias
que os cercam na busca pela formação e na inserção ao mercado de
trabalho, foi realizada uma pesquisa de campo, junto aos alunos do
3º ano do ensino médio inovador da Escola de Educação Básica
Cristo Rei, de São João do Oeste/SC.
200
prévia com a equipe diretiva, foi informado que o ensino médio
adotado pela escola é o inovador, no caso em específico todos os
alunos do ensino médio frequentam a escola por sete períodos,
sendo 5 manhãs e 2 tardes, seguindo a ementa disponibilizada pela
Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina.
Foi informado pela direção da escola que atualmente 49 alunos
frequentam o ensino médio inovador do educandário, sendo que
destes 16 se encontram no 3º ano, prestes a concluírem o ensino
médio. Outro fato que merece destaque é que no início do ano
letivo a turma possuía 17 alunos, mas que um dos estudantes ao
completar 18 anos de idade evadiu da escola para poder ingressar
no mercado de trabalho.
Após estas informações iniciais ocorreu o momento de
interagir com os alunos do 3º ano do ensino médio, que atualmente
são 16 jovens. Em um primeiro momento foi apresentado aos
educandos a proposta do trabalho e realizado uma conversa sobre
possibilidades entre educação e trabalho. A seguir foi entregue a
cada estudante um questionário composto por 20 perguntas, que
tinham por objetivo conhecer a turma, bem como suas pretensões e
o entendimento destes sobre a escola e a busca pelo primeiro
emprego, voluntariamente os educandos responderam às
perguntas segundo o entendimento que possuem sobre o assunto.
Como já narrado anteriormente os 16 alunos do 3º ano do
ensino médio da escola pesquisada frequentam a modalidade
inovador, onde os educandos estão no educandário por sete
períodos. Destes, 12 são do sexo feminino e 4 masculinos, sendo
que atualmente 9 dos entrevistados possuem 17 anos de idade e 7
tem 18 anos de idade.
Ao serem questionados com que idade projetam concluir o
ensino médio, 5 estudantes acreditam que com 17 anos e já 11
esperam concluir com 18 anos de idade, o que dá um percentual de
68,75% de concluintes com 18 anos já completos. O que confirma as
informações já narradas anteriormente, que a maioria dos
estudantes está concluindo o ensino médio com 18 anos já
completos.
201
Mesmo considerando que dos 16 estudantes, apenas 1
respondeu já ter tido reprovação durante a vida escolar, se os
jovens tiverem 100% de êxito durante o seu período de escola, estes
na sua grande maioria concluirão a educação básica já com 18 anos
de idade.
31,25%
68,75%
17 Anos 18 Anos
Fonte: os autores
202
pesquisa. Diante tal constatação, cabe repensar e indagar se é isso
que realmente os jovens esperam em relação a educação?
Tanto que, ao serem indagados se acreditavam que a
modalidade de ensino médio que estão frequentando está
agregando mais conhecimento do que se frequentassem o ensino
médio convencional, 9 alunos acreditam que sim e 7 acreditam que
não.
O fator que aparece como sendo um dos motivos do
descontentamento da educação semi-integral é o pouco tempo
disponível para o ingresso no mercado de trabalho durante o
ensino médio, uma vez que 100% dos participantes afirmaram que
gostariam de ter tempo para o trabalho atualmente. Por outro lado
apenas 12,50% dos estudantes afirmaram ter disponibilidade de
tempo para conciliar escola e trabalho hoje em dia.
12,50%
87,50%
Sim Não
Fonte: os autores
203
abandonar a escola, devido a intenção de se inserir no mercado de
trabalho.
50% 50%
Fonte: os autores
204
Pretensão após concluir o ensino médio
12,50%
87,50%
Fonte: os autores
Considerações finais
205
possível destacar que a maioria dos estudantes estão concluindo o
ensino médio com 18 anos de idade. Idade esta, em que a maioria
gostaria de estar inserido no mercado de trabalho, mas devido ao
tempo de frequência na escola isso não vem sendo possível.
É claro que tal desejo está arraigado a questões culturais.
Porém é preciso considerar que estes fatores podem levar gerações
para modificar-se. Desse modo, é preciso repensar o ensino médio,
tornando este período da vida escolar mais atrativo para os
educandos, onde os estudantes possam perceber que estar na
escola vai efetivamente lhes possibilitar uma boa formação, para
que quando ingressarem no mercado de trabalho se sintam seguros
e preparados é um dos grandes desafios da educação brasileira.
A grande maioria dos estudantes sabe a importância de
frequentar uma escola de qualidade para terem sucesso em sua
vida profissional, entretanto os jovens questionam a qualidade e
formação que estão recebendo. Pois não estão entendendo que as
modalidades de ensino médio atuais possam efetivamente suprir a
formação esperada.
Após tal análise, entende-se que é preciso repensar esta
importante fase da vida escolar, onde encontrar meios de conciliar
o tempo entre escola e mercado de trabalho, para a grande maioria
seria o ideal. Neste sentido, acredita-se ser possível criar parcerias
entre entes públicos e privados, para dar a possibilidade de
frequência escolar associado a inserção no mercado de trabalho na
condição de jovem aprendiz. Para isso, dever-se-ia repensar a
matriz curricular, para atender a formação solicitada pelo
programa jovem aprendiz. Assim, a escola poderia dar a formação
e as empresas oferecer o tão sonhado primeiro emprego.
206
Referências
207
208
Visão empreendedora através de projeto de vida:
estágio das profissões, um novo caminho
para integrar escola e sociedade
Introdução
209
No mundo de hoje, com mudanças tão velozes, as novas
gerações exigem novos modelos de educação. Neste novo cenário,
o educador deve possuir características de liderança com destaque
ao líder coach. O líder coach estimula o aluno a desenvolver suas
próprias competências, postulado do CHA – Conhecimentos,
Habilidades e Atitudes.
Seguindo os pressupostos da liderança coaching, Di Stéfano,
afirma que a relação entre o líder coach e o liderado é uma relação
210
psicológicas superiores, estas, não sendo biologicamente
determinadas e sim, resultado de um processo histórico social. É
um eterno ensinar e aprender.
O maior legado que um professor pode dar ao aluno é a
capacidade de pensar de forma independente e com
responsabilidade. Não apenas fazer de conta, mas ter a capacidade
de analisar dados, fatos e situações; saber dissociar o certo do
errado. Ele deve saber aonde quer chegar, e a escola cumpre o
papel de agente social para a mediação.
Sendo assim, o processo educativo no ambiente escolar,
fundamenta-se nas atividades de aprendizagem, ou
simplificadamente, nos projetos, partindo de temas geradores,
onde o professor propõe os objetivos – finalidade, os meios –
metodologia e, principalmente, estimula a motivação. E ainda, que
seja de interesse do aluno e que faça parte do contexto dele direta
ou indiretamente. Por isso, o professor deve partir de uma
problematização material ou conceitual, das necessidades do
cotidiano do aluno para que tenha êxito.
Além disso, a motivação e a necessidade, finalidade e a
mediação podem se estabelecer em qualquer meio, ainda mais ao
se considerar todo desenvolvimento. Para os alunos o projeto foi
ousado e inovador, por terem a oportunidade de se apropriarem de
novos conhecimentos alinhados à era da informação e do
conhecimento, configurando tal prática como uma experiência que
certamente vai agregar valor na vida profissional futura.
Dessa forma, além da importância pedagógica do projeto da
convivência, o estágio, cujas bases teóricas estão acima
abreviadamente apresentadas, possibilitou o ser e conviver,
agregando assim outros valores.
Chegamos assim à função social da escola que deve ser o
cultivo da tradição, o que significa trabalhar o legado existente,
sendo o conhecimento científico e outros fatores culturais o cerne
da questão. Desta forma se permite preservar o que foi constituído
historicamente e agregar valor com novas ideias e novas formas de
aprendizagens, a fim de inseri-los na vida prática. Sendo assim o
211
projeto se preocupou em não dar receita pronta, mas fazer o aluno
tomar iniciativa e ser proativo.
Sendo assim, o projeto considerou o que a UNESCO, através
dos relatórios de Jacques Delors, afirma ser as competências que a
educação precisa desenvolver: Aprender a ser: ajuda o jovem
desenvolver autoestima, autoconfiança, autodeterminação e a sua
própria identidade. Aprender a conviver: ajuda a desenvolver as
relações interpessoais comunitárias, relações de cidadania, de
solidariedade, trabalhar em grupo, enfim reconhecer o outro de
forma comunicativa. Aprender a fazer: possibilitar o educando a
adquirir habilidades básicas, tomar iniciativa, para entrar no
mercado de trabalho. Apreender a apreender: que ele aprenda
buscar o conhecimento. Apreender a conhecer: acessar tudo
que é informações de todas as formas possíveis, ser um caçador de
conhecimentos.
212
Outrossim, o trabalho teve ainda como meta, aprimorar e
desenvolver a personalidade, inteligências múltiplas e o controle
emocional como um fator chave de sucesso! Sem isso o
conhecimento é apenas técnico, sem as devidas habilidades
essenciais que formam o verdadeiro líder. Assim é possível aliar a
teoria com a prática.
Para atingir seu papel, a escola deve ter por objetivos num
trabalho voltado às escolhas profissionais, incentivar os alunos à
pro atividade e é nas ciências humanas que podemos dar condições
para que os estudantes desenvolvam competências, habilidades
técnicas e comportamentais complementares à formação plena em
sintonia com as exigências do novo profissional do século XXI.
Com essa nova postura os estudantes se habilitam a analisar,
compreender e posicionar-se diante da realidade política,
econômica, social, cultural e religiosa em que estão inseridos bem
como vislumbrar e compreender o mundo na atualidade, seus
reflexos nas vivências e práticas de aprendizagem. Importante
ainda, somar as contribuições da disciplina de sociologia, seus
conceitos, suas correntes e análises sociológicas, focá-lo no
empreendedorismo e inovação e assim prepará-lo para o ensino
superior e para a vida.
Assim, dentro das Ciências Humanas, na disciplina de
Sociologia, os conteúdos trabalhados com o projeto, além dos
conteúdos obrigatórios da Base nacional comum, embasaram os
estudantes para os desafios do projeto: a começar pelo conceito do
trabalho como fator histórico, em seguida desenvolvemos assuntos
como Comunicação e Linguagem corporal; Polidez e Etiqueta;
Criatividade; Chave para a Organização do projeto de Vida;
Conceitos de Competências, básicas, essenciais e individuais;
Roteiro para escolha da Universidade. Seguindo pela disciplina foi
trabalhado o assunto Estresse, o ‚branco na hora da prova‛; Ética
conceito (Kant e Rousseau) Ética Profissional e Ética Empresarial.
Além das questões relacionadas à atualidade como O Mundo
Contemporâneo; Inteligência emocional e inteligências múltiplas
de Gardner; como elaborar um currículo; Programa ORDEM 5S
213
(Edgar Schütz). Ainda, exercitar o Mindfulness ou atenção plena,
com técnicas de relaxamento, e auto hipnose, que na realidade
significam a mesma coisa, só com nomenclaturas diferentes.
A interdisciplinaridade é um aspecto que possibilita e
fundamenta um trabalho mais atual e que precisa ser desenvolvido
na escola do século XXI, sobre ela Ariana Cosme defende a ideia de
que.
214
ou vivência, com dia e horário, isso gerou um cronograma que
ficou anexado na sala dos professores, e no mural da sala de aula
para que os educadores e os próprios alunos tivessem ciências dos
dias que fariam um trabalho extraescolar. Uma vez escolhidos os
locais de estágio, os alunos tiveram de apresentar alguns
documentos na escola como uma Carta de Apresentação, Termo de
Responsabilidade dos pais, Termo de Compromisso dos
Profissionais, Ficha de Avaliação da Convivência ou Estágios, tudo
para que o tempo destinado à prática estivesse bem organizado e
criasse neles o senso de compromisso e responsabilidade.
Para a prática de empreendedorismo, também os alunos
tiveram o Estágio de observação na profissão pretendida, uma
Pesquisa bibliográfica e virtual prévia para conhecer a profissão,
participaram de Seminários e Palestras com profissionais das
diversas áreas, como contribuição das demais disciplinas, os
professores da escola convidaram jovens universitários, ex- alunos
da escola, para uma conversa e socializar suas experiências com a
realidade fora de casa, em instituições federais e estaduais de
ensino.
215
nossa orientação, valendo-me de uma vasta experiência em
organização de eventos pela REDE Consultoria e Treinamento em
Recursos Humanos de Florianópolis- SC, na qual atuei por mais de
uma década. Os alunos organizaram uma agenda convidando
mais vinte (20) profissionais de diferentes áreas, e diferentes
regiões, para que cada um falasse a respeito de sua profissão. Foi o
momento em que os alunos se sentiram mais próximos dos
profissionais e os afazeres do dia a dia de cada um.
216
semanas para acertarem e combinarem a data com o profissional de
seu interesse. Surpreendentemente, todos se conseguiram a
organização para seu estágio, a primeira vivência das profissões,
que aconteceu entre dias seis a dez (06 a 10) de junho. Na
retaguarda, a escola, direção e professores colaboraram para que
este momento se tornasse realidade.
217
municípios, além de Iporã do Oeste, como São Miguel do Oeste,
Mondaí, Itapiranga, enfim, onde conseguiram o profissional
desejado. Ao final os alunos entregaram o projeto e o relatório das
experiências vividas.
Avaliação
218
Vista dessa forma se faz necessário um trabalho diferenciado
com a avaliação, no qual os alunos possam ser protagonistas. Sobre
isso HOFFMANN, 2007 pondera que é nas Ciências Humanas a
maior chance dos alunos protagonizarem seus conhecimentos, pois
219
Quanto a assiduidade perante a carga horária estabelecida:
81% ótimo, 17% bom, 1% regular, 1% não opinou.
O aluno é organizado: 71% ótimo, 28% bom 1% não opinou.
Desempenho geral: 64% ótimo, 36% bom.
Coerência com a vestimenta: 74% ótimo, 26% bom.
Responsabilidade e comprometimento com a prática: 69%
ótimo, 28% bom, 3% não opinou.
Pontualidade: 71% ótimo, 10% bom, 16% não opinaram.
220
Análise dos resultados
221
estudantes podem vivenciar as práticas dos profissionais e sentir os
prós e contra da função que futuramente pretendem seguir e tirar
as conclusões se é realmente isso que eles querem para o futuro.
Parabéns aos Organizadores do Projeto".
Também, Dr. Douglas O. Franzen achou muito interessante:
"Abre portas para a vida profissional. E é importante para
colaborar na decisão da profissão". A Odontóloga Drª. Carine Kist
achou muito bom o projeto, "pois cada aluno poderá ter mais
conhecimento sobre o que quer quanto a profissão. Ótima
iniciativa. Parabéns". Para Odontólogo, Dr. Michel Lauschner,
"Bom aprendizado e clareza para escolha profissional". O Médico
Dr Rodrigo Werlang, achou "muito importante para a escolha
profissional".
Para a Pedagoga Neusa Hahn Beilke, "contribuir com o projeto
é sem dúvida uma satisfação pessoal, pois falar da profissão de ser
professora pedagoga é falar de uma escolha apaixonada, que traz
consigo muitos desafios e muitas gratificações. Participar da
construção do conhecimento e do caráter do ser humano é tarefa
que requer muito amor, dedicação e sabedoria. Contribuir com
estes jovens, muitos deles inclusive já foi meus alunos um dia, é
uma honra".
A advogada, Dr. Elaine Julliane Chielle, diz que espera
continuidade no projeto visto a clareza e conhecimento que se
alcança para o estudante. A Arquiteta do Escritório de
Arquitetura e Urbanismo, Cristine Ferro, afirma que considera de
grande valor o contato com a profissão para ampliar o
conhecimento e ter contato com a prática.
Na segunda etapa alguns alunos continuaram com o mesmo
profissional, e outros optaram para conhecer outras áreas com
outros profissionais. Foi o caso de uma das alunas da turma 33,
Sarah, segundo a qual "Com este projeto descobri aquilo que eu
não queria ser e buscar um novo caminho." Sem perder o foco, os
elogios continuaram nos depoimentos, vejamos mais alguns:
Para a Drª Elaine Julliane Chielle, "O Projeto de grande valia
para a decisão dos estudantes saber sobre a profissão que desejam
222
assumir". Para o Médico Dr Julio Lasta," o projeto é excelente
muito esclarecedor e interessante para o aluno". Dr. Leonir
Adriano Staudt, afirma que "se constitui numa ótima iniciativa
para preparar futuros profissionais". O médico Veterinário
Fernando de Souza Ramos, diz que "o projeto é muito importante,
pelo fato de que promove o conhecimento da rotina do profissional
e desafios na carreira escolhida". Segundo a professora mestranda
em Letras, Simone Spiess Bernardi "projetos como este qualificam o
trabalho da escola, pois aproximam os alunos e o próprio
educandário da sociedade, da qual todos fazem parte.
Segundo o relato dos alunos do terceiro ano do Ensino Médio
inovador da Escola de Educação Básica Pe. Vendelino Seidel
tratou-se de uma experiência exitosa, nas palavras dos próprios:
‚Gostaríamos de parabenizar o trabalho desenvolvido pela
professora orientadora Deoneci Schutz, atuante na disciplina de
sociologia, e todos os professores pela grande oportunidade.
Acreditamos que o estágio fornecido para nós alunos foi de grande
valia, uma vez que proporcionou aos estudantes uma chance para
conhecer de perto a profissão, seus pontos positivos e também as
dificuldades enfrentadas na {rea de escolha‛.
O estágio foi uma oportunidade uma vez que no diálogo entre
o aluno e o profissional, para que desta forma possam ter uma
visão mais precisa da atuação deste, pois é importante ver na
prática o funcionamento da profissão e conversar com profissional
que atua na área, para sanar as dúvidas e realizar esclarecimentos
quanto estas, seja referente à graduação, as dificuldades
enfrentadas durante a formação profissional e pessoal, quanto às
experiências cotidianas ao desempenhar tais funções, dentre
outras."
Os profissionais elogiaram a iniciativa da coordenadora
Deoneci e pela oportunidade disponibilizada, uma vez que, muitas
vezes, alunos saem do Ensino Médio e vão à faculdade cursar uma
graduação com uma ideia equivocada do curso, o que desencadeia
a desistência de vários estudantes no decorrer deste, ou ainda, a
formação de profissionais que não se sentirão plenos ao
223
desempenhar sua função. Desse modo, a proposta do projeto foi
vista como uma boa iniciativa, principalmente por conseguir aliar a
prática e o dia a dia da profissão com as dúvidas que os jovens têm
a respeito do caminho que pretendem seguir. Portanto, como
mencionado por um provérbio Africano, ‚O conhecimento é como
um jardim: se não for cultivado, não pode ser colhido‛.
Um depoimento muito emocionante foi da educanda Gabriela,
da turma 33, segundo a qual "Deste modo, o estágio atendeu todas
as minhas expectativas, pois foi de extrema importância para
minha decisão e conhecimento da futura rotina de trabalho. Assim
gostaria muito de agradecer e parabenizar a professora Deoneci
pela iniciativa e a preocupação, pois ela nos apoiou e instigou à
pesquisa mais sobre as profissões e mercado de trabalho. Também
por ela ter me ensinado a ser muito grata com os profissionais que
me acolheram, assim fazendo que o projeto pudesse se tornar
realidade. Contanto que no dia 09/09 dia do Medico Veterinário,
pude parabenizar os veterinários que me acolheram, assim
reconhecendo o esforço e a profissão dos mesmos". Gabriela
Arnhold Jantsch.
Para finalizar, a turma 32 considera ser importante estender o
projeto, segundo ela "Este projeto é muito importante para a
escolha do nosso futuro, e deve se estender para outras escolas,
parabéns pelo incentivo".
Conclusão
224
principal os vetores de sucesso: eu vou, eu posso, eu quero e eu
consigo.
Igualmente, os profissionais envolvidos e que colaboram para
que os alunos pudessem realizar seus estágios e com quem tivemos
a oportunidade de falar, aplaudiram a iniciativa afirmando que
estamos no caminho certo de mostrar aos futuros empreendedores
os desafios que devem enfrentar na prática para desempenhar a
profissão escolhida.
Consideramos como sucesso alcançado, o fazer acontecer, o de
sair do entorno escolar e da sala de aula e proporcionar ao
estudante este tipo de experiência, o de um trabalho coletivo
família escola e comunidade e que certamente ficará marcado para
toda a vida.
Referências
225
SCHÜTZ, E. Automotivação: o caminho do sucesso. Porto Alegre:
Angel Gráfica Editora, 1998.
_____. Motivação para Qualidade: pensamento positivo e
automotivação. Florianópolis: Editora Insular, 2000.
_____. Reengenharia Mental. Florianópolis: Editora Insular, 1998.
Estudantes realizam estágio das profissões, Jornal Expressão,
Itapiranga, p. 27.30 out. 2014.
SILVARES, E.F.M. Estudo de psicologia clinica comportamental
infantil. Vol.II. Papirus, 2004.
VASQUEZ, S.A. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.
226
Uso das tecnologias nas práticas pedagógicas
com alunos da EJA nas aulas de ciências naturais
Dircelei Arenhardt1
Introdução
227
Adultos-EJA, da Escola Itapiranga de Santa Catarina, e através
dessa experiência, analisar e ressignificar esta prática a partir dos
saberes e teóricos do campo da Educação na Cultura Digital.
Este processo é bem apresentado por Paulo Freire (1998),
quando diz:
228
Borges e Moraes (1998) nos mostram isso ao descreverem:
229
Os recursos de tecnologia de informação e comunicação são
hoje, parte do dia-a-dia de grande parte dos alunos. Ainda que se
manifeste a ideia de que os acessos aos recursos informacionais, em
especial a internet, não são democráticos e acessíveis a todos em
igualdade, não se pode desconsiderar que o uso das TDIC possui
uma gama de oportunidades, que trabalhadas com critério, podem
favorecer o processo de ensino-aprendizagem.
Pensando nesse contexto que analisarei minha experiência
docente desenvolvida no segundo semestre de 2014, com alunos do
ensino fundamental da EJA, onde foi desenvolvido um trabalho de
pesquisa que se utiliza das TDIC.
Sobre as possibilidades de inovações pedagógicas, contamos
com a utilização de diferentes recursos, como: computadores,
câmeras digitais, celulares, vídeo games, internet, projetores, entre
outros, denominadas Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação (TDIC) (LINSINGEN, 2010).
Repensando as aulas de Ciências Naturais, e fazendo uma
retrospectiva de como foi meu tempo de escola, onde a educação
nesta época era bastante rígida, o que remetia a punições severas
para aqueles com comportamento fora do padrão, não tínhamos
oportunidade de falar em aulas interativas, atrativas, nem ao
menos práticas dinâmicas. Se observarmos no decorrer do período
histórico, o aprendizado, podemos perceber uma grande diferença.
Sendo assim, necessitamos de novas metodologias capazes de
promover o ensino da disciplina de Ciências e Biologia, de uma
forma mais eficiente e prazerosa.
Sou adepta de que seja necessário repensar as aulas de
Ciências, assim como as de Biologia: O que é ensinar Ciências e
Biologia na atualidade? Como ensinar Ciências e Biologia de uma
forma mais atrativa, e acima de tudo, prazerosa? Para que isso seja
possível é necessário primeiro definir responsabilidades do
professor, rever o trabalho conjunto entre professor e aluno e
ressaltar o uso das Ciências Biológicas e do avanço da tecnologia.
O trabalho docente é uma atividade que envolve planejamento,
convicções e opções sobre o futuro do homem e da sociedade. Esse
230
trabalho sempre acontece com objetivos bem traçados, possíveis de
realizar e de avaliar. O ato de planejar é o momento em que o
professor deve selecionar os conteúdos, procedimentais e
atitudinais, a serem incorporados aos conteúdos conceituais, para
garantir assim uma formação integral do sujeito, de maneira que
ele possa atuar na sociedade como um cidadão competente,
aprendendo de uma forma prazerosa.
Para se desenvolver um bom planejamento, e
consequentemente uma aula dinâmica, prazerosa e interativa,
também seja preciso observar e entender o currículo como uma
forma de política cultural, que demanda alcançar as categorias
sociais, culturais, políticas e econômicas. Pois as dificuldades de
ensino/aprendizagem muitas vezes são oriundas da
desestruturação familiar que as crianças vivem, do baixo poder
aquisitivo das famílias e isso reflete na sala de aula. Pois o sistema
capitalista favorece uma minoria, e exclui uma grande parte das
escolas e da sociedade, como podemos observar nas colocações de
Michael Apple (2002, p. 45):
231
Em Ciências e Biologia, assim como nas outras disciplinas, faz-
se necessário a presença de estratégias que integrem várias
habilidades, como observar, descrever, classificar, comunicar,
refletir, relatar, estabelecer conexões. Ajudar o educando a
desenvolver essas capacidades por meio da organização das tarefas
de aprendizagem é tarefa do mediador, sendo também uma
verdadeira construção de conhecimento. Assim, o professor e o
estudante aliam-se no processo de forma prazerosa.
O professor é o grande acompanhante em todo processo de
ensino aprendizagem, pois a ele compete problematizar os
assuntos a ser estudado, auxiliar nas reflexões, interpretar o
material didático, orientar como devem ser feitas as observações. E
por que não utilizarmos dos recursos que estão disponíveis como
as TDIC, para realizarmos práticas pedagógicas mais
diversificadas, e que atraia mais a atenção do aluno, já que são
recursos que os alunos na sua grande maioria já utilizam no seu dia
a dia? Para realizar essas atividades também já estão disponíveis
softwares, entre os que podemos citar estão o portal do professor,
onde disponibiliza uma gama de oportunidades e programas a
serem utilizados.
O professor está sendo desafiado em suas aulas, por estar
rodeados com inúmeras tecnologias que fazem parte também da
rotina dos alunos. Nesse contexto é preciso que a escola e os
professores assumam uma postura aberta e interrogativa para com
o estudante, uma vez que, com o auxílio dessas tecnologias, seja
possível oferecer aulas mais dinâmicas onde ambos se sintam
desafiados à aprendizagem.
A tecnologia por si só não muda o processo de ensino e
aprendizagem, mas seu processo de integração pode propiciar uma
busca reflexiva e sugerir mudanças e novas estratégias para a
educação. Sobre esse ponto de vista, Porto (2006, p. 43) compartilha
que: ‚as tecnologias permitem novas formas de pensar, de agir e de
comunicar-se de maneira habitual e corriqueira‛.
Alba (2006) corrobora, ao afirmar que as tecnologias da
informação e comunicação indicaram grandes e positivas
232
mudanças nas formas de se comunicar, relacionar e viver em
sociedade:
233
Acerca desta perspectiva, Silva (2001) nos lembra quando
afirma que:
As TDIC fazem parte do nosso dia-a-dia e este fato por si só, gera
a necessidade dos profissionais, da área educacional ou não,
adquirirem novas habilidades e competências para utilizá-las
adequadamente. Utilizar as TDIC adequadamente significa criar
mecanismos para se apropriar delas e integrá-las aos objetivos de seu
trabalho.
Até que ponto alunos e professores podem viver a exclusão
tecnológica? Nas palavras de Castell (2004):
234
construção e a utilização de um equipamento em um
determinado tipo de atividade.‛(p.24)
Sobre o avanço tecnológico e sua importância dentro do
contexto educacional podemos concordar com o que cita Takahashi
(2000 apud PRETTO; PINTO, 2006,) que afirma:
Desenvolvimento
235
pedagógicas é a utilização de diferentes recursos, como
computadores, câmeras digitais, celulares, internet, projetores,
entre outros, denominadas Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação.
Nesse sentido, as Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação (TDIC) podem promover uma melhor qualidade do
ensino, auxiliando a superar as formas tradicionais de
ensino/aprendizagem que se baseiam em transmissão de
conhecimentos e buscando um aprendizado ativo, com crescimento
e avanços nesse processo.
236
A presença de tecnologias mais simples, como os livros impressos, ou
de outras mais avançadas, como os computadores em rede,
produzindo novas realidades, exige o estabelecimento de novas
conexões que as situem diante dos complexos problemas enfrentados
pela educação, sob o risco de que os investimentos não se traduzam
em alterações significativas das questões estruturais da educação (p.
81).
237
Nossos alunos estão inseridos nessa nova mudança
significativa que vem acentuando-se nos últimos anos que é a
necessidade de comunicar-nos através de outras linguagens para
além dos sons, mas ainda com imagens e textos, integrando
mensagens e tecnologias multimídia. Sendo assim, torna-se
urgentemente problematizar essas mudanças e acolher de forma
planejada e organizada essas mudanças. Não proibir o uso das
tecnologias, mas acolhe-las e o que irá aproximar e atrair o aluno
ainda mais à sala de aula, principalmente em se falando alunos
jovens.
Dessa forma, as TDIC podem aparecer como recurso
importante nas ações pedagógicas do professor. Este terá um papel
de problematizar a fim de criar situações que despertem nos alunos
o senso crítico sobre as informações ali recebidas. Nesse processo,
deve-se aprender por meio delas, com elas e em interação com os
diversos contextos, que extrapolam virtualmente o ambiente
tradicional de ensino.
Neste sentido, a família, a escola e a sociedade como um todo,
sentem os reflexos dessas mudanças. As gerações mais novas que
frequentam a CEJA de Itapiranga chegam à escola tendo acesso as
mais variadas e inúmeras fontes de informação, diferente das
gerações anteriores, que ainda percebem e veem a figura do
professor, como sendo o principal detentor do conhecimento.
No desenrolar dos processos de ensino e de aprendizagem
urge respeitar a subjetividade de cada aluno, especialmente no que
se refere a sua percepção, suas experiências anteriores na
elaboração de novos conhecimentos, pois o ambiente deve ser
permeado de boas relações, num espaço onde todos têm voz e vez.
Nossa postura diante dos alunos, embora deva ser de humildade,
compreensão, acolhida de suas experiências (consideradas como
conhecimentos prévios) principalmente os alunos do CEJA, é
auxilia-lo no processo de relacionar essa experiência com a teoria
trabalhada em sala de aulas.
Acredito na ideia de que quando o conteúdo escolar se
aproximar da vida prática, é uma das formas que o professor tem
238
para auxiliar o aluno a tornar mais complexo seu conhecimento
sobre determinado tema. Todo questionamento, mesmo que pareça
sem sentido aparente, merece uma atenção especial. Não se deve
dar uma resposta pronta, mas, sim, deve-se ajudar o aluno a
encontrar sua própria resposta. As disciplinas de Ciências e
Biologia são dotadas de conteúdos que envolvem fenômenos da
natureza, bem como atividades que nos cercam no dia a dia.
Sabemos que a partir do momento que o estudante começa a se
questionar: ‚Por que isto é assim?‛, ‚Como funciona este ou aquele
objeto?‛, ‚E se fosse assim, como funcionaria?‛, ‚De que é
constituído?‛, ‚Ser{ que isso é prejudicial ao meio ambiente e a
saúde?‛, E assim por diante, passa imediatamente a formular suas
hipóteses para explicar essas situações. O questionamento é,
portanto, um fio condutor das aulas de Ciências e Biologia, isso
leva o aluno a empenhar-se na procura de soluções para as
perguntas formuladas, e dessa forma ele constrói e reconstrói
verdades e conhecimentos já estabelecidos. Desse modo, o aluno,
com a mediação do professor, e com o auxílio das tecnologias,
amplia seus conceitos ou elimina as formulações equivocadas.
Para o aluno, o questionamento é uma via de aproximação
inicial aos conhecimentos a serem construídos nas aulas de
Ciências Naturais ou em qualquer outra disciplina. A pesquisa, que
sempre inicia com uma pergunta, lança-se para observação, para
experimentação, para seleção de material de consulta, para
integração das diferentes áreas de conhecimento conforme o objeto
e os objetivos a serem alcançados.
Em Ciências Naturais, nas disciplinas de Ciências e Biologia,
faz-se necessário a presença de estratégias que integrem várias
habilidades aos alunos, como observar, descrever, classificar,
comunicar, refletir, relatar, estabelecer conexões. Ajudar o
educando a desenvolver essas capacidades por meio da
organização das tarefas de aprendizagem é tarefa do mediador.
Assim, o professor e o estudante aliam-se no processo de
aprendizagem, pois muitas vezes os conteúdos são extensos e
complexos, onde há a necessidade expressiva da memorização de
239
conceitos e nomes. Desta forma, é importante que os professores
procurem alternativas que tornem as aulas mais instigantes e
interessantes, o que pode auxiliar para que a aula se torne uma
matéria menos maçante e monótona, o que resulta numa motivação
dos alunos.
Pensando dessa forma que desenvolvi uma atividade com a
turma do Ensino Fundamental do CEJA. A mesma foi
desenvolvida na disciplina de CCTT- Ciências Cultura e Tecnologia
e Trabalho. A atividade se desenvolveu no segundo semestre de
2014. Os alunos foram desafiados a realizar uma busca de
informação com auxílio das TDIC. A proposta que naquela ocasião
foi realizada, baseia-se nos seguintes princípios de Plano de Aula:
A proposta era fazer pesquisa bibliográfica, textos on line, em
livros, revistas, sobre a atividade de Bovinocultura Leiteira desde a
década de 60 até os dias atuais. Como a atividade de Bovinocultura
leiteira está presente na maioria das propriedades de nossa região,
e assim é uma das fontes de renda, foi pensado nesse tema.
Levantar questões como estrutura física dos ambientes utilizados
para a atividade, gestões genéticas, rações, plantel, equipamentos
para realização das atividades.
O objetivo geral é que o aluno perceba a importância e a
relação entre o trabalho, meio ambiente, tecnologias, auxiliam no
aprendizado e na construção da identidade. Os objetivos
específicos baseavam-se em: Utilização das tecnologias no
desenvolvimento da produção do leite; Utilização das tecnologias
em sala de aula; O trabalho em harmonia com o meio ambiente;
desenvolver o protagonismo.
As atividades foram desenvolvidas, aliadas a utilização de
recursos didáticos-pedagógicos como: textos atuais, multimídia,
pesquisa na internet, apresentação da pesquisa através do power
point, visita a uma propriedade para avaliar e observar a realidade
com a pesquisa realizada.
Lembro-me quando propus a atividade aos alunos da EJA. No
início não aceitaram muito bem a ideia, pois estavam no primeiro
ano de retorno as aulas, no qual alguns ficaram até 12 anos sem
240
estudar, o que os deixou um pouco aflitos. A maioria também não
fazia uso das tecnologias em casa, portanto não tinha familiaridade
com os mesmos, mas no decorrer da pesquisa, acabaram se
envolvendo e desenvolveram um ótimo trabalho. Confesso que tive
receio também, afinal a turma não havia aceitado muito bem,
devido as questões aqui citadas, como pouco conhecimento das
tecnologias, e não haviam realizado nenhum trabalho nesse
sentido.
Muitas vezes eles têm medo e receio do novo, afinal já tiveram
experiências árduas, por isso em um primeiro momento, eles
apresentam resistência, até mesmo, por não saber utilizar as TDIC,
no sentido para busca e aprofundamento de assuntos relacionados
ao cotidiano, bem como utilizar outras ferramentas disponíveis aos
mesmos, (editor de texto, power point, câmera digital, celular para
filmagem, sites confiáveis).
Resultados
241
Essa atividade foi escolhida porque contemplou vários
aspectos das práticas pedagógicas com a utilização de diversas
ferramentas tecnológicas, bem como pode-se observar, um bom
entrosamento e envolvimento por parte dos discentes. Além de
trazer resultados positivos. No decorrer do trabalho realizado não
foram exigidos dos alunos que observassem questões de
bibliografia, o qual foi repassado em outro momento.
Na atividade feita utilizaram inúmeras TDIC: computador,
máquina digital, sala de informática e data show. Na sala de
informática utilizaram os computadores num primeiro momento
para realizar a busca de informações on line sobre atividade de
bovinocultura leiteira, desde a década de 60 até os dias atuais. A
pesquisa consistia em observar e analisar a estrutura física,
implementos agrícolas, alimentação (ração e pastagem), genética,
entre outras. Após obterem a busca de informações, realizaram
uma apresentação no power point e apresentaram aos demais
colegas, como haviam sido divididos em grupos, cada grupo ficou
responsável por realizar uma parte da busca de informações, e
posterior apresentação em sala de aula, com o auxílio da data show
e computador. A câmera digital foi utilizada para tirar fotos e
gravar vídeos com os proprietários.
Na visita, foram tiradas fotos e produzidos vídeos com os
proprietários onde compartilharam sua experiência. Os alunos,
após a visita, fizeram um relato sobre o que mais chamou sua
atenção, em relação ao conteúdo pesquisado e a prática vivenciada.
Utilizei nomes fictícios.
“Foi uma visita com muitas agregações para o nosso conhecimento, podendo
assim enriquecer o nosso conhecimento a cada dia mais” Joao
“Pode ser observado que cada vez mais existe evolução de modernidades nas
propriedades do nosso querido interior, sempre sendo feito melhorias e
evoluindo e crescendo com as tecnologias que veio para ajudar nosso
agricultor, suinocultor etc” José
“Hoje existem maquinas que facilitam os trabalhos até mesmo dentro das
grandes firmas e bacias leiteiras...” Maria
242
“Tivemos a oportunidade de ver perto o processo que não foi muito diferente
da nossa pesquisa” Dirce
“Foi uma oportunidade muito valiosa, nos proporcionou observar a
realidade” Lurdes.
Conclusão
243
tecnologias em sala de aula, afinal, as mesmas possibilitam que os
alunos interagem de uma maneira mais dinâmica e participativa.
Observar que em um simples trabalho é possível o
envolvimento de várias TDIC: Sala de informática equipada com
computadores e internet, data show, câmera digital, o que torna a
aula mais prazerosa e consegue envolver bem o discente.
Ao analisar bibliografias e a prática, foi possível observar e
perceber que os alunos têm mais facilidades em aprender com o
uso das tecnologias, onde conseguem esclarecer dúvidas do dia a
dia, de uma forma mais dinâmica e descontraída, interagindo e
relacionando teoria e a prática.
Trabalhar teoria e prática, com visita in loco, os alunos são
capazes de entender e aprender de forma mais criativa e prazerosa.
Referências
244
BELLONI, M. L., GOMES, N.G. Infância, mídias e aprendizagem:
autodidaxia e colaboração. Educ. Soc., Campinas, vol. 29, n. 104 -
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SILVA, M.L. A urgência do tempo: novas tecnologias e educação
Contemporânea. Novas Tecnologias: educação e sociedade na era
da informática. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
245
246
Teoria crítica e tecnologia educacional
Celoy Mascarello1
Introdução
comunicação de dados.
247
E evidente que conceitos como ensino, aprendizagem, didática,
pedagogia similares necessitam de uma ampla ressignificação, assim
como o conceito de currículo, programas etc. Em tempo algum,
educadores e educandos dispuseram de artefatos tão poderosos de
abrangência tão ampla e útil para construir sua própria educação,
independente de um lugar privilegiado, a tradicional escola. Com
isto, a dinâmica da episteme do processo de educar(se adquire
movimento, uma outra dinâmica, muito mais ligada a processos auto-
organizacionais, muito mas ligada a processos complexos em que se
configure como dinâmica inicial onde se desencadeiam dinâmicas
construtivas/descontrutivas..
248
próprio homem. Esse conhecimento levaria a construção de um
bem estar e de uma felicidade uma vez que seria conhecida as leis
que regem o comportamento da natureza, do homem dos
fenômenos naturais em geral.
De acordo com Pucci (1994) o inicio do século XX demonstrou
que o raciocínio iluminista apresentava problemas, as duas guerras
mundiais evidenciaram que o modo como o homem faz a ciência e
o conhecimento também é influenciado por outros fatores que os
iluministas não levaram em conta. No contexto das guerras
mundiais a ciência foi usada entre outros, para fazer bomba
atômica, aviões bombardeios, armas de destruição em massa, ou
seja, o conhecimento não levou o homem a felicidade e ao
progresso.
Nesse contexto em 1925, surgiu a escola de Frankfurt na
Alemanhã, seus principais pensadores foram Theodor w. Adorno,
Max Horkheimer, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, entre outros.
Para esses pensadores a razão iluminista aqui descrita em linhas
muitos sucintas é instrumental, pois não proporcionou naquele
contexto uma reflexão objetiva sobre os fins e finalidades do
conhecimento. Aquela razão acabou por ser usada como
instrumento de dominação. A ciência foi feita com propósitos e nos
exemplos das guerras mundiais, um dos propósitos foi a
aniquilação de povos.
A Ciência, portanto, instrumental, vai ser um instrumento de
dominação ideológica, científica e também política. É o
conhecimento sendo usado para valorização de algo que está fora
do humano, algo que está nas grandes decisões políticas de grupos
e classes sociais de poder e também de instituições econômicas
muito fortes.
Segundo a escola de Frankfurt essa é a razão instrumental,
esse tipo de conhecimento contribui para reforçar relações de
poder. A Proposta da escola de Frankfurt é a construção de uma
teoria critica que rompesse e superasse os limites dessa razão
instrumental, revelando as relações de poder que são construídas
com o próprio saber, com a própria ciência e conhecimento. A
249
razão critica, portanto construiria uma reflexão sobre os meios e as
finalidades do conhecimento. Através da Dialética do
Conhecimento, os filósofos da escola de Frankfurt procuraram
desenvolver um raciocínio no qual a ciência e a vida concreta dos
seres humanos são pensados num movimento contraditório do
real, revelando o lado obscuro que ciência instrumental acobertou.
(NOBRE, 2004; PUCCI,1994).
250
discussões cotidianas. A esperança positivista de redenção da
humanidade na esteira da revolução tecnológica está seriamente
avariada neste conturbado inicio início do século XXI. A previsão
de uma era de bem estar, riqueza, entendimento, realizações e
comunhão materializou-se grande parte em sofrimento, dúvida,
angústia, incerteza, desilusão, irracionalidade e barbárie.
Sobre a revolução tecnológica a
251
É fato que hoje as tecnologias se desenvolvem e se tornam
obsoletas em curto espaço de tempo. As pessoas se veem perdidas
em meio a tanta informação, ciência e técnica. Existe uma corrida
sem precedentes para alcançar e conseguir tais inventos, para
entendê-los, possuí-los e dominá-los, mas tal apreensão torna-se
impossível, pois toda a hora surgem novidades num ritmo
alucinante.
Através de uma rápida análise contextual, percebe-se um
tempo marcado por profundas contradições, pois paralelo ao
grande avanço científico e tecnológico, visualiza-se o aumento do
número de desempregados, a miséria, o individualismo e o
consumismo. Paralelo ao avanço da medicina, existe a
desvalorização da vida, o aumento da violência, a falta de valores.
Juntamente com a alta tecnologia da comunicação nos configura-se
a solidão, o medo, a depressão e a dificuldade das pessoas
aproximarem-se.
Tais situações, por certo, reforçam a opinião de Mészáros
(2002) de que a tecnologia não é neutra.
252
Pode-se aprender muito sobre o atual entrelaçamento, entre
progresso e regressão, com o conceito das possibilidades técnicas. Os
procedimentos mecânicos de reprodução desenvolveram-se
independentemente do que deve ser reproduzido e adquiriram
autonomia. Eles passam por progressistas e o que não faz parte deles
passa por reacionário e provinciano. Essa crença é fomentada de uma
maneira tanto mais radical quanto mais as super aparelhagens, a
partir do momento em que ficam minimamente inutilizadas,
ameaçam transformar-se em maus investimentos. (...) O fervor
fascinado com que se consomem os processos mais recentes não
conduz apenas a uma indiferença ao que é fornecido, mas favorece
todo um refugo estacionário e uma idiotice calculada. (ADORNO,
2000, p. 103).
253
Não é necessário muito esforço para o reconhecimento de que
as tecnologias, para além de uma imagem idílica, encobrem um
poder que determina a vida humana. De acordo com Grinspun
(2001) a educação faz parte desse contexto social e sua participação
na sociedade é de grande importância, não somente pela formação
dos indivíduos atuantes nesta sociedade, mas, sobretudo, pela
habilidade de criação que ao homem está destinado no seu próprio
processo de desenvolvimento, para que ele seja capaz de criar,
usufruir e refletir sobre as tecnologias.
254
Sobre a necessidade de um espaço educacional renovado,
Berticelli (2006, p.15) destaca:
255
críticas, que possam analisar e não aceitar tudo que lhes é oferecido.
256
Uma teoria do tipo acima enunciado impõe-se a tarefa de superar
tanto o poder ilusório (que caracteriza as teorias não-críticas) como a
impotência (decorrente das teorias critico-reprodutivistas), colocando
nas mãos os educadores uma arma de luta capaz de permitir-lhes o
exercício de um poder real, ainda que limitado (2001,p.31).
[...] para que serve, então, uma educação tecnológica? Arrisco uma
resposta: para formar um indivíduo, na sua qualidade de pessoa humana,
mais crítico e consciente para fazer a história do seu tempo com
257
possibilidade de construir novas tecnologias, fazer uso da crítica e da
reflexão sobre a sua utilização de forma mais precisa e humana, e ter as
condições de, convivendo com o outro participando da sociedade em que
vive, transformar essa sociedade em termos mais justos e humanos. Há
momentos de conhecimento da tecnologia, de sua relação com a ciência,
da compreensão do binômio tecnologia e progresso e suas repercussões
nas relações sociais. (GRINSPUN,2001, 29).
258
O modo como o individuo se insere e intervém na sociedade
revela a a sua consciência crítica. Manifestando-se sobre o tema, o
educador Paulo Freire (1980, p.16) afirma:
259
Sendo assim, aderir à formação dos alunos por meio das TDIC,
sem a necessária crítica, é, no mínimo, preocupante, tornando-se
necessária a problematização das contradições presentes na
formação pela educação sob o amparo da técnica, uma vez que:
260
Considerando a inteligência coletiva, há que se refletir sobre a
cultura digital, ou seja sobre o conjunto de práticas, crenças e
atitudes que são desenvolvidas utilizando os recursos digitais. A
cultura digital altera as possibilidades de produção de novas
relações com o saber. Sobre essa mudança, Lévy afirma que:
261
Considerações Finais
262
os valores e representações que dão sentido ao seu modo de ser e
de viver diante dos aparatos digitais, correm o risco de perderem a
consciência de si mesmos e do sentido do seu ser na sociedade.
Só através de uma abordagem que é ao mesmo tempo crítica e
empiricamente orientada é possível entender o mundo na luz de
suas potencialidades.
Referências
263
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Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
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corporações: relações e complementaridade. In._____. (org.).
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2006, p. 19-36.
264
Interação social e a relação de ensino aprendizagem
na educação infantil
Introdução
265
si e com o ambiente em que estão inseridos, através da exploração
do mesmo.
Este artigo pretende discutir e trazer reflexões sobre a relação
de ensino aprendizagem e interação social na educação infantil.
Deste modo se faz necessário compreender o olhar do educador
voltado para o planejamento pedagógico dentro da educação
infantil, e qual é o papel do educador no processo de interação
dentro do ambiente escolar.
266
predominante da brincadeira como atividade restrita à assimilação
de códigos e papéis sociais e culturais, cuja função principal seria
facilitar o processo de socialização da criança e a sua integração à
sociedade.
Os sinais, objetos e espaços durante o brincar, valem e
significam outra coisa do que se aparenta ser, a brincadeira
favorece a autoestima da criança, brincar contribui assim para a
interiorização de determinado modelo de pessoa adulta. Para
brincar é preciso deixar que as crianças tenham um pouco de
independência para escolher seus parceiros e os papeis que vão
desempenhar durante a brincadeira. Cabe ao professor organizá-
los para que brinquem de forma organizada e produtiva.
As brincadeiras têm um papel muito importante, pois, através
delas, a crianças aprendem ludicamente em uma relação com as
demais crianças, em um exercício de socialização e divisão, que
levará para toda a vida. O brincar proporciona nas crianças
algumas necessidades básicas, que podem ser a de: escolher seus
parceiros, de criar fantasias, experimentar novas sensações perante
uma determinada brincadeira, conhecer e valorizar a si mesmo e as
suas próprias forças.
267
Entende-se que a dinâmica que envolve o meio educacional é
de ações planejadas, pensadas, e compartilhadas. O papel do
educador é de proporcionar espaços de troca de conhecimento,
debate, construção e reconstrução de ideias. De acordo com Baso
(1998, p. 46), o educador caracteriza-se por ser um mediador entre
o aluno e sua formação e as esferas de vida social. O olhar do
educador para Educação Infantil deve ser acolhedor, humanizado,
pois o educar, cuidar e brincar são elementos indissociáveis. E o
planejamento pedagógico deve compreender toda esta dinâmica.
268
individualidade‛ (BRASIL, 1998, p. 31). Partindo desta
conceituação, é importante que o educador torne possíveis
momentos em que crianças de diferentes faixas etárias possam se
sociabilizar. São nestes momentos que a interação de linguagem, de
diferentes saberes torna possível à evolução do aprendizado.
O papel do educador então é mediar à construção dos saberes,
permitindo momentos de troca de conhecimentos, promovendo o
respeito, laços afetivos, constituindo características que compõem
sua identidade.
Outro aspecto a ser analisado é o espaço em que a criança tem
acesso dentro do ambiente escolar. O espaço bem organizado e
direcionado é um fator facilitador das interações, propiciando o
estímulo para a conexão das ações. A criança precisa ter espaço
para deslocar-se, podendo de forma livre movimentar-se entre os
espaços internos e externos das salas de aula, do pátio e nas
dependências da escola.
Deste modo a criança pode explorar, brincar, interagir com os
diferentes ambientes e relacionando-se com pessoas de diferentes
idades, classes sociais, culturas, condições específicas como
crianças com necessidades especiais, enfim, possibilitando a criança
a construir e reconstruir saberes, exercer sua autonomia, relações
com o próximo, estimulando-as a convivência global.
Nessa perspectiva, conforme o Referencial Curricular Nacional
para Educação Infantil (BRASIL, Vol. 2. 1998, p. 31):
269
através das interações sociais. Conflitos, diálogos, sentimentos,
ideias, soluções, debates, são elementos indispensáveis na trajetória
do processo da aprendizagem.
Portanto se aprende através do convívio social. A escola é um
espaço que deve assegurar a criança todo este desenvolvimento
através dos diferentes espaços de interação. Por isso, permitir essa
interação desde o nascimento é indispensável. As construções da
identidade e da autonomia da criança dependem diretamente da
interação que a mesma estabelece com o ambiente em que se
encontra.
270
Essa interação está presente também na relação entre alunos,
quando estes estabelecem um diálogo, contam alguma novidade,
ao se expressarem nas brincadeiras, e na fala egocêntrica que faz
parte do desenvolvimento da criança.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(1998, p. 31) sinaliza que ‚a interação social em situações diversas é
uma das estratégias mais importantes do professor para a
promoção de aprendizagens pela criança‛. Desta maneira, os
Indicadores da Qualidade na Educação Infantil apontam que:
271
intelectual e autônomo, proporcionando a troca de saberes, de
aprendizagens e o enriquecimento dos laços afetivos.
Para Vigotsky (1998, p. 108) ‚o aprendizado é mais do que a
aquisição de capacidade para pensar; é a aquisição de muitas
capacidades especializadas para pensar sobre v{rias coisas‛.
Portanto, essa troca de afeto, linguagem, expressões, ou seja,
promovendo e resultando no ensino-aprendizagem trata-se de um
processo fundamental, objetivando a proposta pedagógica.
A criança interage com o meio desde o momento de seu
nascimento. A relação que o bebê estabelece com o ambiente e com
os indivíduos é uma gama de possibilidades interativas, então é a
partir deste momento que o universo de significado é ampliado.
Desta forma, aprimorar esta relação de interação que a criança
deve ter desde seu nascimento, é importante para o processo de
ensino-aprendizagem, contribuindo constantemente no
desenvolvimento cognitivo, motor, afetivo. É de grande relevância
que o ambiente escolar da educação infantil proporcione trocas
constates entre os sujeitos da mesma faixa etária bem como a
interação entre diferentes faixas etárias, cabendo ao educador
mediar à relação do educando com o conhecimento, provocando
avanços significativos na aprendizagem.
De acordo com Kishimoto (2002) o jogo é considerado uma
atividade lúdica que tem valor educacional, a utilização do mesmo
no ambiente escolar traz muitas vantagens para o processo de
ensino aprendizagem, o jogo é um impulso natural da criança
funcionando, como um grande motivador, é através do jogo obtém
prazer e realiza um esforço espontâneo e voluntário para atingir o
objetivo, o jogo mobiliza esquemas mentais, e estimula o
pensamento, a ordenação de tempo e espaço, integra várias
dimensões da personalidade, afetiva, social, motora e cognitiva
A educação infantil era vista como um lugar improvisado, do
qual frequentavam crianças de baixa renda, surgindo este para
atender as necessidades da mulher operária, sendo considerado um
local de ‚depósito de crianças‛. Pensava-se que as crianças eram
272
uma tábula rasa2, ou então, julgadas como adultos em miniaturas;
no sentido de que, não havia nada a oferecer as crianças que
pudesse ser considerável para o seu desenvolvimento e sua
aprendizagem.
A concepção e entendimento de infância que se tem hoje é de
uma criança que constrói o seu próprio processo de aprendizagem,
sendo um sujeito participativo e compreendido dentro das suas
etapas desenvolvimento.
Nesta perspectiva a interação social, os laços afetivos e os
diferentes significados que a criança constrói dentro do ambiente
escolar são significativos e determinantes para a construção do seu
aprendizado. O papel do educador é compor esta construção de
identidade, proporcionando um ambiente interativo e como troca
de conhecimentos.
É a partir das interações que a criança constrói o conhecimento
e toma consciência do seu ‚eu‛, como um ser independente dos
demais, socializando-se, interagindo e relacionando-se com o
próximo. ‚A criança é um ser social e, assim necessita da presença
de outros seres humanos para efetivar suas possibilidades como
pessoa‛. (ARRIBAS, 2004, p. 48).
Devem-se educador os professores durante sua graduação a
levar para dentro da sala de aula o lúdico, o que se faz de
diferencial nas aulas e trás a curiosidade do aluno para a prática. O
professor bem preparado, forma alunos preparados para o início
da trajetória no ensino fundamental e nos demais níveis da
educação.
É exatamente nesta direção que a colaboração de uma
perspectiva sociocultural construtivista é bastante oportuna. Por
um lado, abre perspectivas concretas para o desenvolvimento de
novas práticas culturais que sublinham o papel fundamental das
interações e relações sociais no contexto do desenvolvimento e da
educação.
2 Expressão usada por John Locke que significa folha de papel em branco.
273
Por outro, a perspectiva salienta a importância do sujeito ativo,
intencional e consciente na promoção de objetivos educacionais
específicos, dentre eles os sociais, apontando para o valor de
metodologias micro genéticas que auxiliam o educador a
identificar e analisar aspectos centrais da estrutura e da dinâmica
interacional no contexto cultural das atividades pedagógicas.
Considerações finais
274
As crianças da atualidade necessitam de uma ampla
atualização em relação às brincadeiras, as quais com a atualidade
tecnologia vêm sido esquecida e substituída pelos meios
tecnológicos. Criança deve brincar e ser estimulada em sua
infância. Além da interação, a brincadeira, o brinquedo e o jogo
proporcionam mecanismo para desenvolver a memória, a
linguagem, a atenção, a percepção, a criatividade e habilidade para
melhor desenvolver a aprendizagem.
Nessa perspectiva, as brincadeiras, os brinquedos e os jogos
vêm contribuir significamente para o importante desenvolvimento
das estruturas psicológicas e cognitivas da criança.
Observamos não somente na educação infantil, mas em outras
etapas da vida do ser humano que o lúdico faz parte e ajuda
constantemente na fixação e absorção do conteúdo por parte dos
alunos, visto que o conhecimento é construído pelas relações
interpessoais e trocas recíprocas que se estabelecem durante toda a
formação integral da criança.
Portanto, a introdução de jogos e atividades lúdicas no
cotidiano escolar é muito importante, devido a influência que os
mesmos exercem frente aos alunos, pois quando eles estão
envolvidos emocionalmente na ação, torna-se mais fácil e dinâmico
o processo de ensino-aprendizagem. A criança aprende brincando,
interagindo e se desenvolvendo em meio a outras crianças.
Deste modo, podemos nós professores perceber dificuldades e
devaneios no aprendizado da criança e intervir na forma mais
segura e necessária. E para concluir, o aluno não é tão somente o
sujeito da aprendizagem, mas, aquele que aprende junto ao outro o
que o seu grupo social produz, tal como: valores, linguagem e o
próprio conhecimento.
Referências
275
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organização escolar. Porto Alegre, 2004.
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276
Ludicidade por meio da literatura infantil e da música:
um projeto de extensão voltado
para formação de professores
Considerações Iniciais
(SETREM). silvianmello@gmail.com
277
Dessa forma, vê-se em ambos os temas, tanto a Música como a
Literatura, elementos que contribuem para construção do gosto
pela leitura e recursos que despertam a imaginação e a
criatividade. Britto (2003) traz que isso são formas lúdicas que
conquistam a atenção e o gosto por aprender e a partir dessa
metodologia pode-se trabalhar temas variados para desenvolver a
parte afetiva, cognitiva, social e motora.
Estes, também são uma forma de expressão, pois através disto
as crianças se comunicam, demonstrando sentimentos, emoções e
atitudes que devem ser observadas e trabalhadas. Portanto, a
ludicidade, envolvendo tanto a Literatura Infantil quanto a Música,
são fatores determinantes da personalidade e identidade do sujeito
e que devem fazer parte do cotidiano e práticas educativas, assim
como nos fala Abramovich (2006).
Frente aos muitos desafios que se encontram na escola, aqui
especialmente se pensando na Educação Infantil e Séries Iniciais do
Ensino Fundamental, por ser a área de formação que o Curso
Normal abrange, é preciso pensar nas diferentes estratégias
pedagógicas e metodologias para auxiliar e facilitar o processo de
ensino e aprendizagem.
Diante disso, pensou-se no tema da ludicidade percebendo a
importância de ser trabalhado com os alunos do Ensino Médio-
Modalidade Normal, que atuarão na área da educação e precisam
ser frequentemente motivados a serem professores criativos,
inovadores que buscam estratégias de ensino que constroem o
gosto em aprender nos seus alunos e que irão contribuir no
desenvolvimento dos mesmos.
Ainda, os acadêmicos que realizaram a oficina, estão
produzindo e disseminando os conhecimentos aprendidos na
faculdade, ou seja, está-se compartilhando e articulando
conhecimentos científicos com a comunidade, buscando
transformar a realidade daquele local, de forma a conscientizar e
fazer com que os alunos busquem em sua atuação profissional uma
educação de qualidade.
278
Metodologia
279
contaram uma história onde os participantes envolveram-se
dramatizando com movimentos, demonstrando assim, uma
maneira possível de realizar esta prática.
A próxima atividade esteve relacionada à ritmo, o qual foi
conceitualizado. Logo, a atividade envolveu trabalho em equipe,
coordenação, atenção e concentração, utilizando copos de plástico
para fazer o som e pequenas cantigas.
No momento seguinte, em duplas foi feito um círculo externo
e outro interno que através da rotatividade entre os colegas
cantaram e realizaram os gestos com as duplas da música palmas,
coxa e bumbum. Para dar continuidade, formaram-se duplas onde
um observava e outro se movia de acordo com o som- como se
fosse um boneco movido. A cada tipo de ruído, o participante
reagia de acordo com sons que foram colocados, entre eles
estridentes, relaxantes calmos, engraçados, aflitos<(chuva,
suspense, trovões<).
Em seguida, dividiu-se os estudantes em 5 grupos e cada um
pode escolher um dos livros de Literatura Infantil que foram
disponibilizados. Cada grupo teve aproximadamente 20 (vinte)
minutos para se organizar e conversar, preparando uma contação
de história a partir do livro escolhido. Puderam dispersar-se pelos
diferentes ambientes da escola e ocupá-los também no momento da
socialização, como o pátio externo, auditório, pátio com
brinquedos, embaixo de uma árvore.
Para este exercício grupal foi preciso criatividade, expressão e
autoconhecimento de forma a refletir se cativaram a atenção do
grande grupo. Também ressaltou-se algumas técnicas e maneiras
de contar histórias, como a importância de entrar no personagem,
alterando sua voz e demonstrando os sentimentos que surgem
durante a história como o suspense, surpresa, cansaço, alegria e
fazer os movimentos que a história traz em cada situação.
Após, os acadêmicos mediadores da oficina, realizaram a
contação da história ‚Medo‛, para a qual os participantes
vendaram seus olhos e passaram por alguns obstáculos, como um
280
caminho que estimulou o tato dos pés e diferentes sensações,
trazendo um pouquinho do sentimento abordado pela história.
No momento final, para uma despedida bem animada e lúdica,
como a proposta desta oficina, todos foram convidados a cantar e
dançar a música ‚Tchuê, tchuê!‛. Ainda, havia a proposta de
realizar a corrente do positivo, onde cada participante falaria uma
palavra que descreve a experiência da oficina pedagógica, porém
não foi realizado devido a falta de tempo.
Resultados e Discussão
281
b) Aprofundamento- Momento central da oficina. É ali onde se
aprofunda as questões sobre o tema, propõe-se reflexões.
c) Compromisso- Momento final, onde depois de dialogar e
pensar sobre o tema, apresenta-se sugestões de compromissos,
atitudes e ações a serem desenvolvidas, o que cada um
compromete-se a fazer no dia a dia frente ao que aprendeu. Espera-
se que a experiência de participar de oficinas pedagógicas possa
auxiliar cada participante a repensar sua prática, além de
interagirem, refletirem, assumindo os compromissos, em vista de
favorecer ‚*...+ uma pr{tica educativa dialógica, participativa e
democrática. (PIMENTA, 2013, p. 172).
Ludicidade
282
curso também precisa apresentar a influência da ludicidade para o
desenvolvimento dos educandos, para que estes futuros
profissionais tenham a ludicidade presentes em suas práticas, o
que procurou-se oportunizar no momento da oficina.
Hoje não se tem mais alunos passivos e sim ativos que
participam e se envolvem nas atividades e a ludicidade pode
auxiliar, facilitar e fortalecer essas características que são
importantíssimas para o desenvolvimento de um sujeito crítico. É
através do brincar que a criança cria, recria, representa, reflete e
constrói. Por isso vê-se como essencial no processo pedagógico.
283
conhecimento e não impor ela, para isso se faz necessário inovação
e motivação do profissional para o progresso do seu aluno.
284
Atenção especial deveria ser dispensada ao ensino de música no nível
da educação básica, principalmente na educação infantil e no ensino
fundamental, pois é nessa etapa que o indivíduo estabelece e pode ser
assegurada sua relação com o conhecimento, operando-o no nível
cognitivo, de sensibilidade e de formação da personalidade.
(LOUREIRO,2003, p.141)
285
por exemplo geografia, história, sociologia e até mesmo filosofia e
política, pois uma história pode muito bem retratar um contexto
histórico, ou uma paisagem ou relevo de uma determinada região,
ao mesmo tempo que trata de questões morais e éticas que
permeiam nossa sociedade, uma bom exemplo de uma história que
trata disso tudo é a história infantil De carta e carta de Ana Maria
Machado.
Mas contar uma história, não é simplesmente ler uma história,
Fanny Abramovich nos traz muito bem acentuado esta arte que é
contar histórias:
Para contar uma história - seja qual for - é bom saber como se faz.
Afinal, nela se descobrem palavras novas, se entra em contato com a
música e com a sonoridade das frases, dos nomes< Se capta um
ritmo, a cadência do conto, fluindo como uma canção< Ou se brinca
com a melodia dos versos, com o acerto das rimas, com o jogo das
palavras< Contar histórias é uma arte< é tão linda!!! É ela que
equilibra o que é ouvido com o que é sentido, e por isso não é nem
remotamente declamação ou teatro< Ela é o uso simples e
harmônico da voz. (2006, p. 18).
286
específicas para cada uma destes dilemas que cada pessoa enfrenta
em sua infância.
Portanto, a ludicidade está interligada com a música e com a
literatura infantil uma vez que, através delas envolve-se jogos e
brincadeiras, enriquecendo as práticas do cotidiano escolar. Diante
das colocações acima, foram atingidos os objetivos desta oficina
pedagógica, pois os participantes demonstraram pela sua
participação nas atividades propostas e nos constantes diálogos e
reflexões exercidos, que compreenderam os conceitos abordados
procurando relacioná-los com os exemplos de ações que podem vir
a ser realizadas, e principalmente sua interligação com o cotidiano
e contexto escolar.
Como resultados positivos, pode-se destacar que o desafio da
contação de histórias em grupos foi realizado com grande êxito. Os
grupos conseguiram organizar-se no pouco tempo que tinha,
buscaram materiais extras, preparam o ambiente e dedicaram-se
para uma bela socialização. Ao final da apresentação de todas as
histórias, dialogou-se destacando os aspectos positivos e os
aspectos a ser melhorados, bem como dicas de contação de
histórias e o cuidado na escolha dos próprios livros de literatura
infantil.
Ao final da oficina, não conseguiu-se realizar a corrente do
positivo como momento de compromisso, devido ao tempo.
Todavia, quem sentiu-se encorajado expôs em poucas palavras o
que levava deste encontro. A partir da Oficina realizada, interagiu-
se com um grupo de futuros professores, que responderam muito
bem a proposta de fazer diferente, buscando sempre o melhor para
os seus alunos, e buscando se qualificar mais através do
desenvolvimento do projeto.
Assim, os participantes terão um diferencial, o de usar a
criatividade, a ludicidade como motivação e contribuição para a
aprendizagem de seus alunos, conhecendo algumas ideias
referente a Música e Literatura Infantil que se fazem essenciais em
sua área de atuação.
287
Dessa forma, se percebe a importância da extensão para tornar
o conhecimento acessível e contribuir para determinado grupo
social, tendo-o como elemento construtivo do processo
educacional, cumprindo com a seguinte função: ‚Combinar o
máximo da qualidade acadêmica com o máximo de compromisso
social.‛ (NETO apud BUARQUE, 2002, p.38).
Considerações Finais
Referências
288
ABRAMOVICH, F. Literatura Infantil: Gostosuras e bobices. São
Paulo. SP. Editora Scipione, 2006.
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1975.
NETO, H.A.S. Política de Extensão. Universidade Metodista de
Piracicaba. 3º Edição. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2002.
289
290
Formação continuada em questão:
o que dizem os professores de educação infantil
em um município do interior baiano?
Palavras iniciais
291
oficinas, palestras, grupos de estudo, dentre outros, com o intuito
de refletir, de compreender e de considerar uma excelente atuação
nas práticas escolares, tornam-se também cada vez mais críticos,
reflexivos e motivados. Autores como Imbernón (2010), Gatti (2008)
e Candau (1997) ressaltam que a formação deve ser encarada como
um processo permanente, integrado no dia a dia dos professores e
da escola e não como uma função que intervém à margem dos
projetos educacionais.
Para entender o contexto da formação docente específica,
precisamos compreender as nuances que envolvem a conjuntura
desse profissional no que se refere à atuação, à formação acadêmica
(graduação) e à prática pedagógica; em seguida, averiguar essa
formação no contexto da atuação.
Nesse sentido, nesta pesquisa, direcionamos o olhar para a
Formação Continuada de Professores da EI, partindo da seguinte
questão: Quais os discursos de professores atuantes na EI sobre as
implicações da formação continuada nas suas práticas docentes? A
partir dessa questão inicial, buscamos apreender o discurso dos
professores em relação ao referido problema, tendo como objetivo
geral: analisar discursos de professores atuantes na EI sobre as
implicações da formação continuada nas suas práticas docentes; e
como objetivos específicos: analisar as concepções de formação
continuada de docentes da EI; investigar se houve modificações na
prática pedagógica de professores da EI como resultado da
formação continuada.
A motivação para a realização da presente pesquisa nasce
primeiramente da minha trajetória profissional, por meio da qual
me inseri no campo da EI e da formação de professores. Iniciei a
minha carreira docente, lecionando na EI e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental; com o passar do tempo, passei a atuar no
Normal Médio, bem como na formação de professores em exercício
e, atualmente, leciono no Ensino Superior, no curso de Licenciatura
em Pedagogia do campus XVII da Universidade do Estado da Bahia
(Uneb). Optamos pelo diálogo com professores de EI por conta da
nossa atuação nesse campo.
292
Este texto apresenta um recorte da pesquisa que realizamos
durante o período do Mestrado em Ensino, na qual buscamos
aprofundar questões teóricas e práticas acerca da formação
continuada no contexto do município de Bom Jesus da Lapa. Nesta
pesquisa, realizamos entrevistas semiestruturadas com seis
professoras dos Centros Municipais de Educação Infantil no
referido município, nas quais dialogamos com as docentes acerca
da temática em questão.
O recorte aqui apresentado trata das análises a partir dos
discursos das professoras entrevistadas a respeito da temática em
questão. Esse texto é subdividido em dois eixos de análise: a
concepção de formação continuada e os impactos da formação na
prática das docentes. Todas essas análises foram realizadas à luz de
postulados de Michel Foucault eleitos para esta pesquisa e de
autores da Formação Continuada, como Imbernón (2010), Nóvoa
(1995), Gatti (2008), Prada (1997) e Candau (1997).
293
denotam processos meramente técnicos, numa concepção que o
autor denomina de mecanicista. Na fala da professora A, notamos
um distanciamento dessa concepção ao abordar aspectos de uma
formação reflexiva:
294
O poder estatal, ao se utilizar do seu governamento, ao longo
dos avanços legais inerentes à educação, especificamente no que
tange à formação dos professores, gerou avanços que
possibilitaram o crescimento profissional de muitos professores e
garantiu o direito a uma formação mais adequada; nesse sentido,
ficou clara a relação entre o poder e os efeitos de saber gerados por
essas leis.
Outro elemento que aparece nas falas das docentes diz respeito
à Formação continuada enquanto espaço para discussão e reflexão
sobre as práticas cotidianas dos professores em exercício do
magistério na EI, como vemos na fala das professoras A e C,
transcritas abaixo:
295
[...] uma coisa sempre estudando [...] aperfeiçoando [...] e que o
professor não pode parar, ele tem sempre que estar aperfeiçoando
(PROFESSORA F).
2Entendida pelo autor na perspectiva Freireana, onde essa concepção é tida como
aquela que enxerga o professor como detentor do conhecimento e os alunos como
meros depositários dos saberes acadêmicos, num processo acrítico de ensino pela
mera transmissão dos conhecimentos (FREIRE, 2016).
296
dessas atividades formativas, as quais se distinguem entre diversas
ações posteriores à formação inicial. As professoras B e D
mencionaram a realização de curso de pós-graduação Lato Sensu
em psicopedagogia e a professora C mencionou a realização de
cursos online acerca da EI e sobre inclusão. Todas as professoras
entrevistadas mencionaram ter participado de formação
continuada por meio de ações esporádicas do Poder Público
Municipal, por exemplo, as jornadas pedagógicas que acontecem
anualmente. Nesse sentido, quaisquer atividades formativas
realizadas após a formação inicial caracterizam formação
continuada. Tal visão corrobora o que fora definido por
Nascimento (2008), segundo a qual a formação continuada abrange
qualquer atividade formativa realizada pelo professor que está no
exercício do magistério.
O roteiro de entrevista contava com uma questão sobre a
política de formação continuada no município. Nessa questão,
objetivamos saber se a formação continuada é uma política do
município ou são ações pontuais. A professora C, afirmou que a
formação continuada é uma política pública do município.
Entretanto, ao analisarmos os complementos das respostas obtidas
para essa questão, percebemos que vigora entre elas a visão de que
é uma política pública simplesmente por ser realizada sob a
organização da prefeitura municipal, no entanto essas acontecem
de forma esporádica, como ações isoladas ao longo do ano, como
percebemos na fala abaixo:
297
como ações de atualização, que, como vimos nas falas de Prada
(1997), são alvo de críticas.
Nas falas das professoras D e F, fica explícito que é realizado
apenas um curso curto, percebemos que a relação entre a editora e
a prefeitura se dá pelo uso dos livros didáticos comercializados por
esta empresa, que ministra os cursos no intuito de divulgar os seus
produtos. Ao arguirmos sobre a realização destes cursos de
formação, afirmaram as docentes:
298
função de um jornalista de informar, atualizar. Nesse sentido, os
cursos realizados demonstram-se insuficientes em relação à prática
das professoras no município em questão; carecem, pois, de uma
formação que se prolongue no cotidiano das docentes e que
promova reflexões e autoavaliação constante das professoras sobre
as suas práticas.
Algo que é consenso entre as docentes é que a formação
continuada nesse município acontece por meio de um curso
realizado pela editora moderna em parceria com a Secretaria
Municipal de Educação; tal curso, conforme a concepção que
defendemos neste trabalho, não se constitui como formação
continuada, visto que é apenas uma ação pontual, esporádica, que
carece de ser ampliada.
Tais discursos revelam uma lacuna a ser superada no referido
município. Percebemos com a fala das docentes que não há uma
política de formação continuada em Bom Jesus da Lapa, desse
modo, há uma irregularidade em relação às exigências legais. Ao
refletir sobre a formação de professores, Mühl (2017), ancorando-se
no pensamento de Benincá, destaca que são observados três
enfoques na formação dos professores: ‚o processo informal e
espontâneo, o processo formal e institucionalizado e a formação
como pr{xis‛ (MÜHL, 2017, p. 119). Para o autor, as duas primeiras
formas de conceber a formação, que são as mais notadas
atualmente, apresentam diversos limites, a primeira por se basear
no senso comum e na ideia de que o professor aprende
simplesmente na prática (o que caracteriza uma visão ingênua) e a
segunda, tem seus limites pois ancora-se numa visão externa e trata
a formação como mera atualização e aquisição de informações.
Nesse sentido, o autor destaca a necessidade de refletir
criticamente o senso comum pedagógico a fim de transformá-lo em
uma ‚pr{xis emancipadora‛. Longe de uma visão ingênua de que
só a prática, por si só, é formadora e/ou de que formação é
sinônimo de aquisição de conhecimentos novos, faz-se necessário,
antes de mais nada, um tratamento crítico de ambas as visões para
transformar, unir prática e teoria, na construção de uma práxis
299
pedagógica. (MÜHL, 2017, p. 120). No contexto dessas discussões,
ao analisarmos os discursos das docentes, percebemos que o curso
que é tratado como formação continuada no município em questão,
se encontra marcado pela ideia de que a formação é um espaço de
atualização, como um ‚processo formal e institucionalizado‛,
entretanto, percebemos, como assinala Mühl (2017), a necessidade
dos professores em unir teoria e prática no cotidiano das salas de
aula de EI.
300
Analisando essas falas e as comparando com as concepções de
formação continuada que apresentamos nesta pesquisa,
percebemos que as contribuições dos cursos oferecidos pela editora
não são suficientes, nem contribuem significativamente para a
prática das professoras em Bom Jesus da Lapa, visto que esses
cursos não equivalem à realidade dessas docentes, de modo que as
próprias professoras, particularmente, precisam adaptá-los, como
afirmou a professora D.
A formação, para ser de qualidade, precisa partir do cotidiano
dos professores em questão, partir da sua realidade e extrapolar
para realidades teóricas, epistemológicas, legais e/ou para os
exemplos oriundos de outras realidades. Nesse sentido, para a
professora A:
301
os seus discursos, distanciando-se da crítica ao Poder Público
estabelecido.
A professora F, em sua fala, revela um dado preocupante:
Como por enquanto foram essas jornadas, elas são mais para uma
socialização dos professores, porque as coisas que eles falam a gente
já faz [...] não deixa de acrescentar um pouco [...] sempre bom, mas
não é exatamente o que a gente precisa, coisas da realidade da nossa
sala de aula. Também tem uns módulos trazidos por professores,
indicados pela editora, para orientação do módulo, depois eles
prometem voltar [...] mas não voltam e os técnicos da Secretaria
Municipal de Educação vêm complementar o trabalho da editora
(PROFESSORA F).
302
Portanto, segundo o autor, a formação continuada só faz sentido,
só cumpre bem a sua função, quando parte das realidades dos
docentes em questão, e não simplesmente garanta a apropriação de
conceitos acadêmicos.
Nesse sentido, sobre a relação entre os cursos de formação
continuada oferecidos e os problemas vivenciados nas instituições
do município, as professoras afirmaram não haver relação. Para
algumas delas, as formações relacionam os conteúdos, porém
aspectos do cotidiano das escolas não são considerados, como
vemos nas falas das professoras A e F:
303
ela acontece permanente, causa muito efeito positivo, mas essas que
acontecem esporadicamente não acrescentam muito (PROFESSORA
F).
304
uma editora que comumente vem ao município para realizar
atualizações sobre os materiais didáticos produzidos pela mesma.
Alguns aspectos mencionados pelas docentes merecem
destaque. Um deles é a concepção de formação, distante da
realidade das docentes, a qual é alvo de críticas, conforme disse
Imbernón (2010, p. 9):
305
cursos são como atualizações de uma empresa que, como afirmou a
professora, ‚vem para alinhar‛. Tal concepção remete |s ideias que
Prada (1997) discutiu em seu trabalho, da formação como uma
reciclagem ou como adaptação a metodologias e práticas que nem
sempre correspondem às realidades do local em questão.
Recordamos a necessidade, como afirma Mühl (2017), de
fugirmos de dois discursos muito corriqueiros no contexto da
formação de professores: o primeiro de que a prática é por si só
formadora e o segundo de que basta a teoria para formar o
professor. Ambas são limitadas. A prática sem crítica, sem reflexão,
sem teoria é mutilada e a teoria sem prática é insuficiente,
inexpressiva. Ambas precisam uma da outra, se retroalimentam.
Desse modo, é preciso unir teoria e prática nos espaços formativos
em busca de uma práxis que emancipe tanto aos professores
quanto aos alunos.
A respeito de características consideradas importantes para a
formação continuada, as docentes afirmaram:
306
pesquisa. Sobre tais aspectos, destacamos a seguir três elementos
que poderiam vir a contribuir com a formação continuada de
professores em Bom Jesus da Lapa, caso fossem observados nos
cursos realizados no município.
Primeiro: A formação como processo reflexivo a partir da
prática do professor (NÓVOA, 1995; GARCIA, 1999). A esse
respeito, podemos fazer uma relação das falas das professoras a
partir do campo teórico destacado em questão. Conforme esses
autores, deve a formação levar em conta que o cotidiano das salas
de aula é desafiador para os docentes e que, a cada dia, surgem
novas demandas, as quais carecem de novos conhecimentos, por
isso refletir sobre a prática favorece uma aprendizagem baseada na
própria experiência do professor e é importante para a construção
de um saber da experiência, como apontou Tardif (2007).
Segundo: A formação deve acontecer de forma permanente
(IMBERNÓN, 2010, GARCIA, 1999; GATTI, 2008). Esta é uma outra
ideia que carece de ser urgentemente levada em conta nesse
município, visto que as professoras e a literatura apontam para o
fato de que formações esporádicas não contribuem com a
profissionalização dos docentes. Nesse sentido, retomamos as
metas 15 e 16 do atual PNE, as quais visam à formação em nível de
Pós-Graduação para 50% dos professores da educação básica e a
ampliação de cursos para os professores no exercício do magistério.
Terceiro: A formação deve partir efetivamente da realidade dos
docentes em questão (CANDAU, 1997; NÓVOA, 1995). Outro
ponto que merece destaque é o fato de que a formação do professor
não pode se dar isolada do contexto sócio-histórico-político no qual
esse se encontra. As atividades formativas devem, antes de mais
nada, partir das realidades locais, das necessidades de cada
professor, das peculiaridades de cada espaço de atuação.
307
Considerações finais
308
educação. Faz-se necessário que a Secretaria Municipal de
Educação, consciente das prerrogativas legais e dos movimentos
teóricos atuais acerca da formação docente, promova momentos
formativos ao longo de todo o ano para os professores; tais
momentos não precisam ser necessariamente fora da instituição
onde o docente leciona, mas devem tomar a escola como lugar de
referência e partir sempre das realidades locais para possibilitar aos
professores momentos de reflexão sobre as suas práticas em sala de
aula.
Faz-se necessária uma maior atenção do poder público no
favorecimento de ações formativas e uma participação efetiva dos
professores e professoras na busca pela garantia do direito à
formação, que é uma exigência da LDBEN. Nesse sentido, ações
pontuais, como o fortalecimento das Atividades Complementares
(AC’s), a promoção de atividades semanais de formação nas
próprias instituições e/ou de momentos de socialização, reflexão
entre professores, são possibilidades de promoção de melhorias na
prática docente. Para tanto, faz-se necessária a ruptura com uma
concepção tecnicista, mecânica de formação, pensada como
atualização, reciclagem.
A partir da análise dos discursos implementada nesta pesquisa,
fica o desafio de transformar em práticas as disposições legais e as
discussões teóricas, no intuito de inserir as crianças no contexto de
um ensino de qualidade, para que a partir da materialização desses
discursos, haja um impacto real na formação dos docentes, nas
ações pedagógicas, nas instituições.
Referências
309
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20112014/2014/Lei/L13005.htm>.
Acesso em: 10 mar. 2017.
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TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 8. ed.
Petrópolis: Vozes, 2007.
310
Por uma ecologia do homem:
educação, ética complexa e a harmonização das relações
no ecossistema das humanidades
A ecologia do homem
311
Tomando como base esse universo conceitual, apresento, na
tessitura destas reflexões, a metáfora da Ecologia do Homem, à
qual compreendo como o estudo, a análise da forma como os
homens interagem, entre si, no ambiente, não sob o ponto de vista
biológico, mas no âmbito social. Nesse contexto, compreendo que
as humanidades, em suas diversas manifestações, convivem
constantemente, trocam energia nesse ecossistema chamado
sociedade e carecem de reflexão constante, sobretudo quando
percebemos o avanço da barbárie, da desarmonia, do desequilíbrio
ecossistêmico.
Um outro conceito importante em Ecologia e que extraí para
esta reflexão é o de diversidade. A diversidade biológica é uma
ideia fulcral nos estudos ecológicos. H{ quem diga que ‚a
diversidade enfeita o mundo‛, quem assim falou o fez sabiamente.
No campo das Ciências Naturais, chamamos de diversidade
biológica - Biodiversidade, ao conjunto heterogêneo de seres vivos
que compõem a fauna e a flora dos diversos ecossistemas existentes
no planeta; é o grau de variação, de diferenciação dos organismos
vivos. Partindo desse conceito, chamo metaforicamente, de
diversidade do ecossistema das humanidades aos multiformes
conjuntos de seres humanos que habitam todos os cantos da terra.
Somos muitos, crescemos e nos multiplicamos, colonizamos o
mundo (muitas vezes de forma irresponsável) e não podemos nos
esquecer que somos diversos. Diversidade que se encontra
impressa desde o nosso código genético e se manifesta nas nossas
características morfológicas, nos nossos comportamentos, nas
nossas formas de pensar, de agir, enfim, de ser. Evoluímos na/da
diversidade. Chegamos onde chegamos enquanto espécie devido a
ela, portanto, de modo algum podemos negá-la. Ser diverso é inato
ao ser humano.
O pensamento Moderno, baseando-se na dicotomia radical
entre natureza e cultura, promoveu na ciência e, consequentemente
na educação e na cultura, a amplificação de uma série de
rachaduras, de divisões. Esse discurso impregnou todos os
ambientes, muito embora, como afirmara o filósofo Bruno Latour,
312
essa dicotomia era muito mais retórica do que prática. Para o
filósofo, na prática, os conceitos da modernidade eram pouco
praticados, visto que os próprios modernos criaram muitos
‚híbridos‛, elementos que pertenciam tanto ao domínio da
natureza quanto ao da cultura. Outro atenuante desse conceito da
modernidade, diz respeito à própria impregnação da ciência pela
humanidade do cientista, fato que os defensores dos ideais da
modernidade insistem em negar. Vimos nas últimas décadas a
diluição de muitos aspectos desse paradigma, um exemplo claro é
utilizado pelo filósofo: basta olhar um jornal. Ali se encontra, numa
mesma coluna, uma infinidade de informações sobre os mais
variados temas, de política, a pesquisas científicas, religião, esporte,
culinária, fofoca, dentre outros tantos elementos (LATOUR, 2016).
Diante dessas controvérsias, o homem pós-moderno atravessa
uma grave crise de identidade e valores. Herança da modernidade,
essa crise encontra sua raiz no fato de que, nos tempos modernos,
tornou-se convenção e paradigma científico a mutilação do homem
e essa dissecação exacerbada, rendeu-lhe uma grave perda no
sentido de humanidade. De certo modo, ao proceder desta maneira
septada, a Ciência Moderna roubou do homem o sopro da vida, o
elemento anímico que o tornava humano de fato. Os efeitos
catastróficos dessa desumanização invadiram uma grande parcela
das instituições e dos espaços onde as pessoas convivem.
Vivemos marcados pela insegurança, pelo medo, pela
violência, pelo desrespeito, pela violação de direitos fundamentais.
Para além das patologias sociais a que somos constantemente
submetidos, vivemos numa corrida maluca que nos coloca como se
estivéssemos sob constante ameaça, sob ataques recorrentes, como
afirmara o filósofo Byung-Shul Han (2015), recorrendo à ideia de
animal laborans de Hannah Arendt, o qual ocupa-se de várias coisas
ao mesmo tempo, contudo, não pode ocupar-se de si mesmo para
não ‚ser devorado‛, para não perder espaço.
Diante dessa herança, tem o homem pós-moderno o grande
desafio de avançar enquanto ser; de romper com paradigmas
sectários, mutiladores, promotores de divisões; de reatar o cordão
313
umbilical que ligava o homem à sua fonte materna de vida, de
humanidade.
Nesse contexto, nos cabe pensar também o papel da ciência e
da educação, as quais são grandes pilares de construção da nossa
sociedade. É hora de ligar os pontos, de praticar a Complexidade3
da ciência, da educação, do ser. O homem, enquanto um ser
Complexo, é também um ser ecológico. Ser humano exige
relacionar-se com outros seres humanos e também não-humanos.
No sentido de compor aquilo que aqui denominei de Ecologia
das Humanidades¸ uma urgente tarefa dos profissionais engajados
na educação e na ciência é de romper com o abismo entre aquilo
que o físico e romancista Charles Percy Snow denominou de Duas
Culturas; religar, portanto, cultura científica e cultura humanística.
Estabelecer diálogos para que os sujeitos diversos compreendam
que todas as ciências são ao mesmo tempo naturais e humanas,
visto que, são conduzidas por homens que, por sua vez, carregam
as marcas da natureza e da sociedade, da biologia e da cultura
(SNOW, 2015).
Vivemos marcados pela desumanização desses campos. Se
quisermos ver um exemplo disso, basta olhar os artigos científicos,
dissertações e teses; mesmo os mais recentes, muitos ainda insistem
em impessoalizar a escrita, em despir-se de sujeito, embora
saibamos que o sujeito está a todo o tempo imbricado nesse
processo. Citamos pessoas em nossos escritos, sem sequer enxerga-
las como pessoas, nos esquecemos que a pesquisa é um encontro de
gente, ficamos apenas no nível do ‚Silva (2010)‛, ‚Ferreira (2009)‛,
etc. Nas referências bibliográficas, abreviamos os nomes, só o
último sobrenome aparece. Onde estão as identidades desses
sujeitos? Quem são eles? O que fazem da vida? Não importa, não
nos interessa. Nessa teia de impessoalidade, não estabelecemos
relações, nos esquecemos do que somos. Antes de quaisquer
314
títulos, somos gente. É preciso, como diria Morin, Ciurana e Motta
(2003), enxertar a ciência com humanidade, reintroduzir o sujeito
que pensa àquilo que é pensado, romper com essa lógica de
separação entre sujeito e objeto, relacionarmo-nos com nossos
pares, mesmo sem nunca os ter visto, mas, reconhecendo suas
trajetórias, suas histórias, suas pessoalidades. A ciência, por
conseguinte, a educação, não são inumanas, tampouco sobre-
humanas, é urgente humanizar esses espaços.
A ânsia por humanização me consome! Trago como marca de
vida a utopia de que os homens um dia venham a ser realmente
humanos. Tenho dedicado os meus estudos recentes, inclusive a
minha pesquisa de mestrado, a essas questões, de modo particular,
nos contextos de ensino. Como diria Edgar Morin, caminhamos
construindo uma itinerância rumo ao desenvolvimento da
hominização, contudo, muitos passos ainda nos separam desse
cenário. Temos o grande desafio de formar pessoas e não
meramente mercadorias para alimentar os postos laborais.
Em minha pesquisa de mestrado, parti da história extraída de
um conto de ficção científica4, no qual um ente não humano, um
robô, dedica a sua vida a tornar-se um homem para chamar a
atenção dos educadores ao fato de que estamos seguindo um
caminho inverso. No texto dissertativo, escrevi Um Testamento de
Andrew Martin, dialogando com professores sobre reflexões e
estratégias que devemos realizar no intuito de promover
humanização. Esse testamento traz um diálogo possível de ser feito
com quaisquer pessoas, em quaisquer espaços, visto que,
precisamos dedicar-nos à nobre tarefa de sermos humanos e
humanizadores dos ambientes onde convivemos.
Nesse contexto, precisa a educação, no âmbito social, revestir-
se de valores humanísticos para promover um diálogo que
extrapole os muros das escolas e atinja outros espaços, outros
indivíduos, outras instituições. A ‚Educação para a era planet{ria‛
(MORIN, CIURANA e MOTTA, 2003), requer de nós o
315
estabelecimento de diálogos, a construção de pontes, a união em
torno de um projeto humanizado de vida em sociedade, formando
pessoas para viver e colaborar nesse sistema.
316
não graças a um mistério da iniquidade5 que assola os homens, mas
devido aos valores unitários formantes da psique das pessoas nos
primeiros anos de vida; ao contato com um único sistema de
crenças e verdades; ao contato excessivo com o igual, que conduz à
rejeição ao distinto.
Tudo isso, na perspectiva do filósofo Han (2015) gera uma
grande violência, a violência da positividade, que ocorre quando nós
negamos o diverso, não sabemos conviver com o distinto, que se
torna negativo, objeto de repulsa. Essa violência é mais perigosa do
que qualquer outra, visto que é silenciosa. ‚Desenvolve-se
precisamente numa sociedade permissiva e pacificada [...] Habita o
espaço livre de negatividade do igual, onde não se dá nenhuma
polarização entre inimigo e amigo, interior e exterior ou entre o
próprio e o estranho‛ (HAN, 2015, p. 19). Essa sociedade livre da
negatividade do igual é aquela na qual se aprende a conviver apenas
com o aquilo com que se tem comunhão. Nela, a apresentação do
diverso é um risco. Aprende-se a conviver bem entre iguais, mas
não se aprende a conviver com diferentes. Isso implica no risco de
um colapso social, daí a afirmativa do filósofo de que ‚a
positivação do mundo faz surgir novas formas de violência‛ (p.
19), tem sido muito comuns manifestações como racismo,
homofobia, transfobia, xenofobia, sexismo, misoginia, dentre
outras tantas formas de violência.
Diante disso, se as famílias, enquanto entidade formadoras, se
constituírem em espaços de negação do diverso, onde se aprende a
conviver somente com o igual, temos então um risco grande
instalado, que pode afetar a todo o Ecossistema das Humanidades
de forma negativa. Nesse contexto, é comum ouvirmos relatos de
conflitos entre determinadas famílias e as escolas, que são
instituições onde, de um jeito ou outro, a diversidade de apresenta
de maneira multiforme.
5Na crença cristã, diz respeito ao mal que habita ao mundo, uma força oculta que
seduz e corrompe aos homens, impelindo-os a realizar as mais ímpias ações,
mesmo que estes já tenham sido redimidos por Deus.
317
Ao discutir tais questões, não tenho o objetivo de destruir as
distintas subjetividades, regimes de credos, crenças, dogmas e
doutrinas seguidas pelas famílias, pelo contrário, que cada um
edifique os seus costumes com base nos preceitos que acredita,
quero, entretanto, incentivar nesses espaços a prática do diálogo
entre partes diversas e do aprendizado do respeito ao diferente,
visto que, embora muitos elementos nos distingam, somos todos
um só e o mesmo gênero humano.
Abrir as portas dos lares ao diálogo respeitoso, mesmo em
situações de discordância, significa abrir as portas da sociedade
para importantes transformações no caminho da humanização. É
tarefa também das famílias, ensinarem às crianças e jovens a
importância do respeito para o bem estar social.
318
manter o status hegemônico. Tudo isso, seria então o fim do
mundo? O apocalipse que se aproxima? Ou na verdade o princípio
de uma grande metamorfose?
Nesse livro, para além da apresentação do crítico cenário que
nos cerca, o autor traz uma mensagem de esperança. Primeiro
porque não há metamorfose sem dor. É preciso adentrar o casulo,
sofrer com os processos biológicos inerentes à metamorfose para
transformar-se em borboleta. Nesse sentido, o mundo só pode ser
salvo por uma alternativa que agregue simultaneamente
conservação e transformação; transformação que começa em cada
ser humano. O caos é certo, mas a esperança no resultado dessa
metamorfose precisa prevalecer (MORIN, 2011a).
É nesse cenário caótico, que desponta uma das mais nobres
tarefas da educação em nossos tempos: a de contribuir com a
humanização do mundo. Nesse contexto, a educação desponta
como a arte ensinar os homens a serem humanos e não meramente
de ensinar os conceitos e os tratados científicos – os conceitos não
devem ser rejeitados, mas também não devem ser superestimados.
É necessário educar para o respeito ao outro na sua
singularidade e na sua diversidade, bem como para o
(re)conhecimento da diversidade que é característica inata,
inclusive genética, do ser humano, e para a garantia do direito
fundamental à liberdade.
Nesse cenário de caos, do qual as escolas não estão isentas,
percebemos muitas incongruências no processo, as quais
embargam o desenvolvimento da humanização. Muitas vezes,
percebemos os espaços escolares marcados por disputas violentas.
Nos nossos dias, percebemos, por exemplo, o acirramento de
dissensões motivadas por questões ideológicas, político-
partidárias, dentre outras. Assistimos atônitos a muitos conflitos
entre pessoas do nosso convívio. Nesse sentido, penso haver uma
impossibilidade de convivência entre as retas práticas escolares e a
doutrinação, motivada por quaisquer vieses. Escolas não são
espaços de doutrinação, mas de liberdade. Às igrejas as doutrinas,
às escolas os saberes com toda a sua diversificação!
319
Nesse sentido, um ponto a ser destacado sobre o papel da
escola diante desse cenário diz respeito a pensar a educação
enquanto espaço de transfiguração, de formação de consciência
sócio-histórica-política; as escolas enquanto espaços de formação
de pensamento crítico, de politização do pensamento, de ampliação
dos sentidos, de amplificação da consciência, da humanidade, tudo
isso, com respeito a todos em suas singularidades.
Obviamente, a construção desse cenário de transfiguração,
pressupõe uma base ética, um princípio de desenvolvimento
pautado em valores humanísticos. Pensando nisso, vale uma
menção a um grande filósofo do século XVIII, cujo pensamento não
foi bem aceito entre os seus contemporâneos e se demonstrava
demasiadamente díspar dos dogmas da comunidade na qual o
mesmo ora estava inserido. Falo do filósofo Benedictus de Spinoza,
cujas ideias causaram estranhamento na comunidade judaica da
qual o mesmo fazia parte e lhe renderam a excomunhão.
Spinoza, defende na Ética, que os homens são perfeitos na sua
natureza, porém, por não conhecerem bem a perfeição que lhes é
própria, incorrem no erro, diante disso, a empreitada do ser
humano durante a vida é justamente a de transcender de um
patamar primário do conhecimento (denominado de conhecimento
da imaginação ou da opinião pelo filósofo) para um patamar ideal,
adequado. Para Spinoza, existem três gêneros do conhecimento, o
primeiro – da imaginação – é constante causa de erros, o segundo –
o conhecimento da razão e o terceiro, o gênero ideal, denominado
de conhecimento ou ciência intuitiva. Este patamar é ideal, pois
nele, o indivíduo tem um conhecimento claro e distinto das coisas,
das suas causas e efeitos, consegue distinguir claramente o que lhe
afeta e regular os sentimentos, direcionando-os, pela razão, para a
perfeição, por ele denominada de Beatitude da mente (SPINOZA,
2016).
Nessa perspectiva, o indivíduo ético é aquele que consegue,
regular retamente os seus afetos, usufruindo das potências da sua
mente, sem negar aquilo que o afeta, porém, direcionando-os para
o que é correto e justo. Em outras palavras, é aquele que aprendeu
320
a utilizar bem do que lhe afeta e é capaz de afetar positivamente
aos que o cercam (SPINOZA, 2016).
Tomo esse princípio ético de Spinoza como um princípio
civilizatório, visto que, como disse anteriormente ao explicar a
metáfora adotada neste texto, somos ecológicos, nos relacionamos,
tanto dentro quanto fora das nossas comunidades. O ato de
relacionar-se socialmente gera uma constante rede de afetações.
Afetamos uns aos outros, somos mutuamente afetados e, em meio
a essa rede de relações, afetamos a todo o ecossistema que nos
envolve. Nesse sentido, o reto uso dos afetos por meio da razão é
necessário. Tal fato serve também para pensarmos que tais valores
são indissociáveis, estão imbricados no complexo da psique
humana. Precisam ser tratados com a devida responsabilidade.
Outro filósofo que nos apresenta pressupostos éticos para uma
civilização humanizada é Edgar Morin. Em O método 6: ética, o
autor nos convida a pensar a ética humana de duas maneiras,
primeiro, uma auto-ética, que representa um princípio de
individualização, o qual permite ao sujeito a autoanálise, o
autoconhecimento, a autocrítica, que permite ao sujeito reconhecer-
se a si mesmo, às suas singularidades, às suas qualidades e
defeitos, que implica no desafio do pensar-se bem. Essa auto-ética,
contudo, deve desencadear no sujeito uma ética para o outro, para
a convivência, a cordialidade, o respeito, a solidariedade, a
empatia, a liberdade, a tolerância, a amizade, o amor, dentre outros
valores. Todos esses princípios, desembocam então numa ética do
gênero humano, a antropo-ética que, ao reconhecer e assumir a
condição humana, deve conduzir os sujeitos a importantes
reformas, transformações, eu diria, transfigurações. Transfigurar o
mundo, a humanidade, as relações humanas em todas as esferas.
Transfigurar o pensamento, o conhecimento, a ciência, a educação.
Transfigurar a vida, metamorfosear o mundo fazendo com que
surja um ecossistema equilibrado e harmônico, nesse sentido,
transpor os abismos com esperança de um futuro melhor, de um
mundo transfigurado (MORIN, 2011b).
321
Transfigurar é necessário, para que possamos trazer para o
cotidiano de cada sujeito alguns princípios do desenvolvimento da
humanização, os quais julgo como inalienáveis. Nas palavras de
Morin, Ciurana e Motta (2003, p. 105):
322
educação, que bebe na fonte da ciência, absorveu por séculos esse
líquido envenenado por mutilações constantes. A modernidade
continua a deixar suas marcas no tempo, mesmo em nossos dias
‚pós-modernos‛. Seguimos o itiner{rio de uma ciência separada
em áreas cada vez mais distantes, nas quais há pouco ou nenhum
diálogo. Enquanto pesquisadores, nos formamos na arte de
produzir um volume cada vez maior de informações e, enquanto
educadores, como diria Leopoldo de Meis (2002), nos
especializamos em sintetizar esse tsunami de informações para
torna-las apreensíveis aos alunos. Em meio à avalanche da
produção na qual surfamos, nos esquecemos da essência das
coisas, da nossa própria essência. Educação e Ciência tornam-se
assim, palcos de constantes contradições.
O volume anual de produções científicas nas diversas áreas do
conhecimento é assombroso. Assusta qualquer um que se depare
com os livros, artigos, ensaios, etc. A saúde desses profissionais
caminha na contramão desse processo, produzimos ao passo que
nos matamos (MEIS, 2002).
Em Narrativas de uma Ciência da Inteireza, Maria da Conceição
de Almeida (2012a), nos recorda os problemas da clássica ruptura
entre a cultura científica e a cultura humanística. Aprovamos os
estatutos de um verdadeiro culto a uma ciência neutra e objetiva,
onde o sujeito e o objeto estão definitivamente separados. A ciência
rompe com quaisquer princípios holísticos, divorcia-se das
subjetividades e se casa com a manipulação fria de objetos. Todos
esses discursos, na verdade, são mitos alimentados pela própria
comunidade científica e pelos educadores ao longo de muitos
séculos. O racionalismo científico é mitológico por um motivo
simples: a ciência é uma construção humana e as subjetividades
imprimem as suas marcas em quaisquer atividades humanas.
Todo cientista é um observador que se inquieta a partir de suas
experiências de vida, de suas subjetividades, de sua cultura e
história, dos saberes construídos ao longo de sua vida. As
subjetividades do cientista são condicionantes da atividade
cientifica. Como afirma a autora, nada sabemos senão pela nossa
323
própria experiência; a própria leitura dos fenômenos tem em si as
marcas das subjetividades do sujeito cognoscente. Nesse sentido, as
atividades científicas agregam em suas histórias, as paixões, as iras,
as revoltas, as alegrias, as conquistas, enfim, os diversos
sentimentos que marcaram o pesquisador durante o ato de
pesquisar (ALMEIDA, 2012a).
Somos razão e demência, já anunciara Edgar Morin. Somos um
misto de sensível e inteligível, de sabedoria e loucura, de
conhecimento e instinto. As paixões nos movem em quaisquer
atividades que realizamos. Navegamos no mundo sobre o barco da
nossa razão acossado pelos ventos das nossas paixões. Nesse
sentido, uma ciência pensada para uma educação condizente com
os princípios anunciados nestas reflexões, precisa religar a cultura
científica e a humanística, promovendo certo sincretismo entre
ambas. É preciso produzirmos, mas não para cumprir meros
preceitos acadêmicos, ou para ‚engordar o lattes‛, mas essa
produção precisa ser movida pelo desejo constante de, marcados
por encontros, transmitir uma mensagem ao mundo. Pesquisar é
isso, educar também.
Portanto, opondo-nos ao cientificismo, é preciso abrir mão dos
princípios da racionalidade técnica imperantes nas nossas
atividades científicas e educacionais, e promovermos uma Ciência
e Ensino (Com)paixão, que se voltem para os valores éticos de
produção de uma sociedade civilizada, humanizada. Precisamos de
uma ética da beleza e da leveza em oposição à rigidez e ao
cientificismo que separa, que pouco dialoga, que promove
rachaduras.
O mundo, transformado em palco de grandes barbáries precisa
voltar-se para o desenvolvimento pautado num princípio ético de
humanização, o qual passa por atitudes simples como a boa
convivência; os ciclos de amizade; a cordialidade; cortesia; hábitos
como saudar as pessoas com ‚bom dia‛, ‚boa tarde‛, ‚boa noite‛; o
apoio aos que sofrem, empatia. Tudo isso são decisões pessoais e
cotidianas. Ao optar pela rejeição às perversidades e às barbáries,
fazemos a nossa parte na composição desse complexo de relações
324
que é a sociedade; a escola pode e deve fazer a sua parte na
disseminação dessa cultura (MORIN, 2011b).
Ao falar da Ética Complexa como princípio de vida, Maria da
Conceição de Almeida faz uso da metáfora do abraço, utilizada por
Edgar Morin. Nessa metáfora estão contidos muitos elementos,
desde o singular (de quem abraça ou é abraçado) ao plural (aqueles
que estão entrecruzados dentro dos braços um do outro); o abraço -
tanto a ideia, como a ação - é utilizado como metáfora pela autora
para falar da Ética Complexa, enquanto estética de vida. Ora,
Almeida (2012b) afirma que a ética clássica, marcada pela
moralidade, como um parâmetro de conduta, repleta de valores
homogêneos e universais do comportamento humano, não dá
conta de um pensamento que busca integrar noções antagônicas,
bem como experimentar a polifonia das formas de ser humano que
existem e podem vir a existir. Nossa ecologia é polifônica, somos
uma multiplicidade de humanidades e a Ética Complexa visa
comportar todas estas expressões, correspondendo desse modo ao
paradigma da sociedade pós-moderna. Ora, numa sociedade que
pouco aprendeu a lidar com o múltiplo, uma ética polifônica,
tratada metaforicamente pela dinâmica do abraço, carece de ser
multiplicada, de ser praticada, não como dogma, mas, como diria
Conceição Almeida, como estética de vida. Nesse contexto, o
abraço desponta como ‚*...+ a expressão corporal do acolhimento, o
ato de envolver, a forma que permite conter, cingir e abranger,
então uma ética da complexidade se expressa por uma estética da
vida marcada pela plasticidade dos corpos e da alma‛ (ALMEIDA,
2012b, p. 237).
Dentro dessa estética de vida, cabem muitos outros elementos,
um deles me foi despertado pelo filósofo Byung-Chul Han, ao
abordar a ideia de Vida contemplativa. É urgente rompermos com o
paradigma do animal laborans, já mencionado neste texto, para
tanto, as pessoas precisam de tempo para si, tempo de qualidade,
para meditação, introspecção, para exercícios de
autoconhecimento, de autorreflexão. É necessário transformar a
preocupação em sobreviver em preocupação com o Bem Viver. A
325
qualidade de vida é um aspecto essencial e para isso, precisamos
do saudável hábito de dialogar conosco mesmos, do sono profundo
para o repouso do corpo e do tédio profundo para o repouso da
alma, do pensar. O homem hodierno é pobre de equilíbrio, para
alcança-lo, carece de reflexão, de contemplação (HAN, 2015).
326
aguçamento dos sentidos ao assistir um filme; tudo isso deve fazer
parte do cotidiano das pessoas e permear também as práticas
escolares. A nossa ecologia abrange muitos elementos, não somos
uma população unitária, tampouco uma comunidade
hermeticamente fechada, blindada e impenetrável, ao contrário,
somos um misto de cores, sons, sabores, jeitos, formas... A arte é
crucial no Pensamento Complexo, ela é indispensável, nos
possibilita vias de acesso às tão esperadas religações que
necessitamos em nossos tempos. É preciso, portanto, que tenhamos
a delicadeza de nos atentar mais a esses elementos.
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver
amor, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine.
327
Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os
mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de
transportar montanhas, se não tiver amor, não sou nada. Ainda que
distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que
entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de
nada valeria! (I Coríntios, 13, 1-3)
Referências
328
Seção 2 - A História e seus múltiplos olhares
329
330
Quem precisa da história?
A pertinência dos estudos históricos
e de sua difusão no Brasil atual
331
[...]só é "verdadeiro" o que pode ser formulado em linguagem
humana, verificável por uma experiência criticada e controlável.
"Verdade" refere-se ao conhecimento humano possível e controlável,
lógico, racional, coerente, comunicável. A noção de "verdade" refere-
se a um conhecimento humano, seguro e "dizível". A razão deve
estabelecer seus limites para conhecer e, enquanto pura razão,
renunciar ao inefável saber absoluto".
332
tanto pode estar ligada a ausência de informação, manipulação ou
engano proposital (BRITO E PINHEIRO, 2015 p.5).
O que não exclui nossa responsabilidade de autoavaliação
como historiadores cujo tarefa abrange a pesquisa, produção e
propagação ou compartilhamento do conhecimento histórico. Uma
vez que muitas pessoas diariamente tomam contato com
(des)informações, o que faz com que não procurem pelas mesmas
nas produções historiográficas? E nesse caso, também questionar: -
Em que momento (não no sentido temporal, mas no sentido causal)
nos apartamos da sociedade em geral com quem deveríamos
interagir e contribuir para, segundo Marc Bloch (2001, p.45), ‚*...+
desabrochar o homo sapiens‛, ou seja, possibilitar o ‚encontro‛
entre o homem e o saber em nossa área de atuação?
Tal é o problema que conduziu à produção deste artigo, cuja
proposta é analisar a situação acima relatada a partir do meio
acadêmico, sem descurar da imprescindível autocrítica ao modo
como é produzido e difundido o conhecimento histórico, com
vistas à compreensão de como chegou-se ao cenário atual.
333
De forma surpreendentemente atual, Bloch (2001, p.101)
aborda o mesmo tema, asseverando:
334
inevitável fazer comparações entre o passado e o presente [...]. Não
podemos deixar de aprender com isso, pois é o que a experiência
significa.
335
Obviamente, também não se está a afirmar que as cooperações
à produção e difusão de conteúdo histórico por parte de não-
historiadores devam ser necessariamente desprezadas. Ao
contrário, a colaboração mútua para a resolução de problemas
complexos pela via da interdisciplinaridade, é sempre bem vinda.
A contribuição dos pesquisadores de diferentes áreas pode agregar
muito, desde que pautada em critérios que lhe confiram
credibilidade.
O que sucede em anos recentes é o crescimento de vozes que,
sem o poder outorgado pelo estudo e pelo conhecimento, alheia
aos critérios de verdade anteriormente mencionados, externam em
diferentes mídias suas revisões pouco confiáveis de fatos e
processos, que carecem de análises mais acuradas quanto à sua
receptividade. Porém, mesmo sem nos fixarmos especificamente
neste aspecto, mas considerando brevemente a questão, há que se
deduzir que, uma vez que os revisionismos supracitados
encontram acolhida em um número expressivo de pessoas que os
reverberam, entende-se que devem fazer sentido para
determinados grupos ou setores da população e possivelmente
coadunam com ideias e posicionamentos dos indivíduos,
aproximados por valores, identidades e discursos compartilhados.
Diante disso, para Souza (2008,p.184), é oportuno ‚penetrar nas
formas de comportamentos humanos, nos quais a vontade é ativa,
para averiguar por que os seres humanos, que são o objeto dos
nossos estudos, resolveram agir como tal‛. Tarefa
reconhecidamente mais difícil, tanto quanto mais no presente
estejam os comportamentos que observe. Essa a grande dificuldade
dos estudos do tempo atual, o não-distanciamento. Não os
impedem de ocorrer, por certo, mas requerem cuidados
redobrados dos pesquisadores.
De outra parte, mais do que olhar criticamente para o outro, é
pertinente fazer a autocrítica da produção e disseminação do
conhecimento a partir do meio acadêmico, perguntando a nós
mesmos: - Que ‚ruídos‛ inibem ou impedem nossa comunicação
direta com a população em geral? De que forma a ‚história dos
336
historiadores‛ pode (re)assumir seu papel, dado que em outros
momentos já teve maior relevância (como no séculos XIX e XX)?
Que transformações ou correções de rumos são desejáveis e
necessárias? Indubitavelmente não dispomos de respostas prontas
para serem aplicadas, tal e qual uma receita de bolo. No entanto,
apresentamos na sequência as ponderações de alguns estudiosos
que refletiram sobre essas questões, apresentando nossas alocuções
alinhadas com seus apontamentos.
Ruídos na comunicação
337
De acordo com Giovani Levi (2014, p.8)
338
conquistado, após se desvincular do papel de legitimadora do
poder e dos poderosos, ao qual os historiadores foram chamados
(por séculos!!) a desempenhar. Que não se deixe calar ou inibir,
mesmo em períodos difíceis à prática historiográfica. Segundo
aquele autor, que em nome desta mesma responsabilidade, não se
perca de vista a importância de evidenciar o que chama de
‚história de todos os lados‛ (2018, p.8). Ou seja, que não se relegue
novamente ao esquecimento ou ao ostracismo determinadas
pessoas, grupos e fatos. Trata-se, sobremaneira, de não abrir mão
em prover recursos para a formação do pensamento histórico,
oferecendo à sociedade o contato com múltiplas concepções e
abordagens.
No que tange à criatividade no fazer historiográfico, é
necessário assinalar que todo esforço criativo, em nome de sua
originalidade, não pode estar submetido a pressões; eis aí uma
dificuldade em tempos de prazos exíguos e exigências de
produção. Barros, no entanto, não adentra tal discussão e sugere o
emprego da criatividade por parte do historiador sob a forma de
agregação da arte à escrita, de modo a tornar as narrativas mais
fluidas e agradáveis, em um cuidadoso processo de artesanato que
aproxime a obra e o leitor (BARROS, 2018 p.10).
Aborda-se, neste ponto, o velho dilema quanto a quem ‚fala‛ o
historiador, ou seja, a que público. A si mesmo? Aos demais
pesquisadores de sua área de estudos e conhecimento? Levando-se
em conta a função social da história, no sentido de auxiliar para
que a sociedade melhor se compreenda e ao mundo em que
vivemos, bem como que as experiências passadas possam oferecer
aprendizado, então a escrita do historiador, que é a sua ‚fala‛,
precisa se fazer compreensível, adequada ao leitor (sem prescindir
das informações fundamentais), de tal forma que este não se
desmotive de conhecê-la. E é neste sentido que José D’Assunção
Barros (2018, p.11) entende que ainda temos muito a melhorar,
porque nossas narrativas não somente carecem de variações de
estilo, como devem romper as amarras da linearidade. Em suas
palavras,
339
[...]é possível dizer que a escrita dos historiadores tem apresentado
soluções relativamente modestas para o tratamento do tempo
narrativo: de modo geral, tem-se um tempo tratado linear e
progressivamente, com um encaminhamento facilmente previsível e
incapaz de surpreender o leitor.
340
Considerações finais
341
Referências
342
A prática da libertação no Oeste catarinense:
educação, formação religiosa e movimentos socais
Introdução
343
meio de cartazes, representações estéticas ou palavras de ordem‛
(SCHERER-WARREN, 2014, p. 420). A heterogeneidade e a
fragilidade política geraram manifestações, dentre elas a mais
contraditória que contra o direito de manifestar. Grupos foram
para as ruas, caracterizando-se como apolíticos ou neutros
supostamente, numa cruzada contra a corrupção política, acabaram
rechaçando os valores democráticos e os direitos humanos
fundamentais.
Nossa análise desse cenário parte de um pressuposto de que
toda a educação libertadora no aspecto coletivo deve levar ao
processo de democratização da sociedade: ‚A democracia que,
antes de ser forma política, é forma de vida, se caracteriza,
sobretudo por forte dose de transitividade de consciência no
comportamento do homem‛ (FREIRE, 1967, p. 81). A democracia
enquanto regime político, sustenta-se na participação do povo,
enquanto sujeitos conscientes e integrados e transformadores de
sua realidade. Para Freire no livro: Educação como Prática de
Liberdade (1967) a educação dialógica é práxis privilegiada para a
libertação.
Na região do extremo Oeste catarinense, que circunscreve a
diocese de Chapecó, no último quarto do centenário passado,
houve o surgimento de um grande número de lideranças ligadas
aos movimentos sociais, que lutaram por justiça. Um território,
marcado por uma história de opressão desde a Guerra do
Contestado (1912-1916) e dos processos fundiários provocados
pelas colonizadoras a mando dos coronéis, que disputavam o
direito no e do território caboclos, indígena e de pequenos
proprietários rurais. Para (AURAS, 1997), a partir de 1968, teve no
bispado de Dom José Gomes a consolidação de princípios
libertadores que contribuíram decisivamente para a formação de
lideranças, que a princípio eram religiosas, mas que participam
ativamente da sociedade, resultando em processos decisivos na
caracterização regional, político, econômico, ambiental e social.
Cabe observar que recorte espacial ‚na Diocese de Chapeco‛ e
recorte temporal ‚a partir do bispado de Dom José Gomes‛ é uma
344
opção metodológica para situar o objeto de pesquisa. A opção
ideológica pela ‚educação popular e católica‛, não reduz |
circunscrição de uma educação confessional e nem tem com único
protagonista um sujeito histórico, a pessoa de Dom José Gomes,
mas uma história e uma sociedade feita pelo povo. Assim, tanto o
movimento popular deve resultar numa formação de uma
sociedade democrática, com participação popular, independente
do credo religioso, e portanto, como intercultural; como por outro
lado a centralidade da figura histórica de Dom José Gomes, que co-
protagonizou, sabendo compreender a história e modo de ser do
povo da região, capturando e impulsionando este processo de
educação popular.
O horizonte histórico e epistemológico, mas não determinista, é
que este movimento está inserido dentro dos movimentos
emancipatórios que ocorreram na América Latina, como a Filosofia
da Libertação, Teologia da Libertação e Pedagogia da Libertação.
Para nosso estudo faremos uma opção discursiva e epistémica de
investigar a partir de Paulo Freire.
As estas opções metodológicas cabem uma observação
pertinente a fim de evitar uma redução: a opção metodológica pela
Educação Libertadora, é partir do pressuposto de que a educação
libertadora é conscientizadora e defensora de uma sociedade
democrática, e quando estes dois princípios não são garantidos, ela
se torna transformadora da realidade, e em casos de opressão, ela
se torna uma forma de resistência. Esta observação é decisiva para
não incorrermos num reducionismo ideológico e metodológico,
que impede de compreender a inediticidade do presente recorte de
investigação.
A formação libertadora foi uma condição de educação popular
que contribuiu decisivamente transformação da comunidade em
questão. Problematizamos o movimento formativo desse povo no
contexto regional a partir de suas conquistas. Com embasamentos
na pedagogia da libertação de Paulo Freire (ano), retratada nas
345
práticas do Círculo de Cultura3, que de certa retratam a prática
educativa, uma revolução copernicana na pedagogia nas palavras
de Dussel: ‚Se trata de una revolución copernicana pedagógica que
esta lejos de haber sido comprendida‛ (DUSSEL, 1998, p. 431). Uma
revolução pedagógica que permite libertar os oprimidos, em suma
o povo excluído, que Dom José Gomes se referia.
O projeto de libertação
346
sociedade em processo de abertura, de democratização onde o
povo ainda é massificado, não participa de forma consciente de seu
mundo. (SCHWENGBER, 2018, p.43).
A educação emancipadora pretende revitalizar a humanização,
que, de alguma forma, encontra-se comprometida na história em
que o ser humano participa, uma transformação para o ser mais
(FREIRE, 2016a). Tal educação como projeto de libertação é uma
emancipação do sujeito através da educação e na integração e
participação do mundo em que está inserido. (FREIRE, 1967). A
desumanização é produzida intencionalmente pelos seres
humanos. A educação tem a função de autolibertação, de ajudar o
estudante a ajudar-se: O respeito à autonomia e à dignidade de
cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou
não conceder uns aos outros‛. (FREIRE, 2002, p. 66).
O projeto libertador, dos quais a pedagogia é uma extensão
insere-se no contexto da América Latina, acreditam no
conhecimento enquanto uma conscientização: ‚Freire, Fiori e
Dussel descobrem que o conhecimento é possível e que ele é um
dos elementos mediadores do processo de transformação social
[....] o simples conhecimento não basta para a mudança social.‛
(DAMKE, 1995, p. 69). Ao tratar da democratização fundamental
(FREIRE, 1967) da sociedade como um conjunto de lutas, em todos
os níveis, chamadas na época de Reformas de Base: Freire insere
seu projeto de alfabetização e conscientização neste contexto: ‚A
sua grande contribuição, porém, não está só na crítica ao sistema
educacional, mas também a formulação pedagógica para ajudar a
sociedade a tornar-se democr{tica‛ (DAMKE, 1995, p. 28). A
educação, ao tratar de consciência e superação do analfabetismo,
está contribuindo para a democratização da sociedade brasileira.
Na educação com a cultura, o conceito antropológico de
cultura (FREIRE, 1967), seja ela oficial na representação do Estado,
seja na disputa por espaços sociais, é política e, portanto,
ideologicamente, não é neutra. A escola, as formações possuem um
projeto pedagógico também é político, firmando o compromisso da
escola com a sociedade, com a democracia, com qualidade de
347
conhecimentos que permitam a participação dos alunos na
sociedade. O projeto de libertação está para Freire alicerçado ao
conceito antropológico de cultura, o homem um ser inacabado é
capaz de tomar consciência e se libertar.
A condição formativa é a conscientização crítica diretamente
arrimada com a racionalidade: ‚A consciência crítica é o nível mais
elevado. Nele os fatos são aprendidos e explicados por suas
relações causais, pelas determinações e pelos condicionamentos. A
unidade constante entre reflexão e ação é própria deste est{gio‛.
(DAMKE, 1995, p. 56). A necessidade de se comprometer com a
libertação enquanto projeto social faz com que se aproxime da
dialética, da práxis que se compromete com a transformação social.
Uma libertação histórica e social. ‚Entra, aí, a teoria do
conhecimento como condição necessária, embora não suficiente,
para compreender e para tentar mudar intencionalmente a
realidade‛. (DAMKE, 1995, p. 70). O comprometimento de uma
educação com a transformação social supera a noção de
conhecimento escolar isolado e fragmentado. Uma educação
comprometida com a libertação, que não se esgota no
conhecimento enquanto pura teoria, mas no caráter operativo, de
práxis integrada e liberadora.
Uma educação enquanto instrumento de libertação, não
enquanto instrumentos de interesse de outros, mas um
instrumento que o próprio estudante tem para se auto libertar.
Estas práticas emancipadoras ocorrem no reconhecimento dos
sujeitos envolvidos, do diálogo entre educadores e educando, em
uma sociedade esta é uma condição fundamental para uma
pedagogia humanizadora. (GOELZER, OLIVEIRA e SANTOS,
2015, p. 54). A experiência formativa libertadora de Paulo Freire
são os Círculos de Cultura, que tem no diálogo com o povo
oprimido seu instrumento de libertação. (SCHWENGBER, 2018).
Os ‚Círculos de Cultura‛ que foi desenvolvido por Paulo
Freire em experiências educativas, especialmente a de Angicos:
‚Quem, de qualquer ponto do país ou do exterior, chegasse a Natal
em 1963, certamente seria contaminado pelo clima de participação
348
e entusiasmo que domina o estado, e contagiava o Nordeste e
outras unidades do Brasil‛ (FERNANDES e TERRA, 1994, p.16).
Esta experiência foram sintetizadso por Paulo Freire no seu livro
Educação como Prática da Liberdade 1967). A experiência de Angícos,
depois foi reduzido did{ticamente ao chamado ‚método Paulo
Freire‛, que o proprio Freire em uma entrevista nega ter sido autor
de um método, mas de um espistemologia (PELANDRÉ, 2002).
Para nosto objetivo proposto parar a educação popular religiosa
desenvolvida na igreja, basta a noçao de formação enquanto
conscientização e participação (que está no base de uma sociedade
democrática).
349
A educação emancipadora envolvia algumas técnicas de
conscientização e participação. As técnicas de formação para
emancipação tinham no diálogo – escuta e fala – sobre problemas
cotidianos da comunidade/círculos sua forma de engajar nos
problemas para além de si mesmo.A formação do e com o povo
ocorre por diferentes momentos, formação oferecida na Diocese
(exemplo Cursos Bíblicos, coordenadores da catequese, juventude)
como as desenvolvidas nas comunidades através das pastorais e
grupos de reflexões. O modelo era muito similar aos do Círculo de
Cultura desenvolvidos por Freire. Na Educação como Prática de
Liberdade (1967), em seu Anexo, Freire desenvolve uma metodologia
de conscientização através da noção de Cultura Popular: em uma
nota de rodapé afirma o que vai se tornar emblemático na Pedagogia
do Oprimido (1969): “Ninguém ignora tudo. Ninguém tudo sabe”
(FREIRE, 1967, p.104). Esta inversão radical, que permite
compreender que existe cultura nos excluído e oprimidos. Uma
educação que se pretende libertadora precisa partir da
conscientização com o mundo e com a cultura dos oprimidos, dar
voz ao oprimido, um aprener a dizer a sua palavras.
A formação ocorria em três frentes, a formação pastoral,
grupos de reflexão e teologia para leigos (UCZAI, BRUGNERA e
MARCON, 2002). O diálogo entre e com o povo simples liberta, é o
processo de integração que eram formados nas comunidades, que
se utilizavam de material produzido pela diocese: ‚Os encontros
eram realizados pelos próprios leigos, incentivando o
protagonismo dos leigos para que fossem sujeitos do processo
formativo. A discussão em cada encontro era orientada pelos
subsídios que a Diocese produzia‛ (BRESOLIN, 2017, p. 42).
Partindo das angústias e dos problemas de cada grupo para
desenvolver a conscientização e a participação. A pesquisa
qualitativa (BAUER e GASKELL, 2002, p.65), com perguntas
semiestruturadas com pessoas que tinham participaram da
formação e exerceram algum tipo de liderança formativa.
Quanto à formação pastoral, a catequese ocupava lugar central.
A pastoral centrada na catequese, foi um processo essencialmente
350
formativo pedagógico, pois assume o compromisso as crianças e
jovens, mais propensos as mudanças da sociedade. ‚A formação
catequética tinha uma nova concepção didática, centrada em
pequenos grupos, acompanhando as etapas da vida das crianças e
dos adolescentes: pré-eucaristia, eucaristia e perseverança‛
(UCZAI, BRUGNERA e MARCON, 2002, p. 142). Que depois
resutam em Grupos de ovens e outros movimento da sociedade
religioas e civil. A diocese se unifica numa diâmicas de formação
dos Coordenadores de Catequese constiuidos por leigos. Toda
formação, partia dos anseios do próprio povo, a partir da
organização de pequenos grupos que problematizavam sua
realidade. Deste processo formativo resulta uma formação mais
participativa e especialmente a inclusão das mulheres. A forma de
organização das atividades ‚sempre que era possível a gente
sentava em círculo’ relata Regina Schwengber, coordenadora
paroquial da catequese, ao falar a semiótica de organização, muito
semelhante à situação 10 do Círculo de Cultura retratado por Paulo
Freire (FREIRE, 1967, p. 143), que servia como orientação para o
diálogo.
Os grupos de reflexões, constituíam as Comunidades Eclesiais
de Base (CEBs) tinham na base problematizar o meio em que vive,
com situações concretas da vida e ações para solucionar, as sempre
com a participação de todos.
351
Tudo começou com a pastoral da juventude, grupos de jovens a nível
de comunidade, região, paróquia, microrregião de paróquias e
diocese Sempre participando de linha de frente dos grupos de
formação, ou seja, participava da organização. O que me influenciou
e sempre me motivava era o padre Belmiro Rauber e depois fui
entrando em outros movimentos sociais, como atingidos por
barragens e movimento sindical. Sempre tinha encontros para
Formação de lideranças a nível município, paróquia, região e diocese.
(ENTREVISTA KAPPES, 2018).
352
Quanto ao apoio ao agricultores, destaca-se que o sindicalismo
foi pautado nos gurpos de formação, principalente questionando a
função do sindicato, o que de certa forma provocou uma a
renovação das lideranças sindicais em meaos dos anos oitenta. O
que causou a Diocese, e principalmente a Dom José Gomes alguns
embaraços, sendo que num entrevista foi enf{tico ‚A Igreja não
precisa da bênção dos líderes sindicais para orientar os cristãos
quanto assuntos como terra, sindicalismo, coperativismo,
participação política‛ (citado por FIORENTIN e ORO, 2002, p.194)
Neste período da Diocese de Chapecó, se envolve com a
questão da Terra através do CPT (Comissão Pastoral da Terra),
mantendo relações com o MST (Movimento dos Sem Terra). A
primeira foi a fazenda ocupada pelo movimento foi a Burro Branco
em Campo Êre em junho de 1980, em que o apoio da Diocese foi
decisivo para o não despejo4. Esta autonomia do povo em seu
movimento, foi enfatizada quando após 1985 duas mil e quinhentas
pessoas forma envolvidas e o governo do estado ofereceu um avião
para negociar com o Bispo e este afirmo que ‚O MST tem sua
coordenação. Portanto, é com eles que vocês devem negociar o
conflito‛. (FIORENTIN e ORO, 2002. P.213).
O relato de uma ligação telefônica feita por Dom José Gomes
em 25 de maios de 1985, após a ocupação em Abelardo Luz
demostram seus princípios libertadores, pois apesar de considerar
apressada a ocupação, declara apoio a luta pelos direitos:
353
Nas pesquisas e estudos que realizamos com as lideranças
emergiram do processo formativo, enquadram-se em formações
que passavam pela compreensão dos problemas fundamentais do
seu tempo: ‚De uma educação que levasse o homem a uma nova
postura diante dos problemas de seu tempo e de seu espaço‛
(FREIRE, 1967, p.96). Esta postura diante de situações opressoras,
leveram a diocese e Dom José Gomes, a e extender o diálogo e a
consicentização com grupos não ligados diretamente a religião,
mas às relações políticas de setores excluídos da sociedade, que se
tranformaram nos movimentos socias.
Na relação com o Estado de Direito, a justiça aos que não tem o
estatuto de cidadão plenamente garantidos, aos excluídos, a forma
de inclusão, de justiça social requer romper a barreira da exclusão,
e para isto precisa ampliar o conceito de cidadania e de justiça aos
que antes eram negados. A libertação para quem é oprimido e
excluído necessita romper com a situação estabelecida.
A conscientização, passa pela formação individual de cada
sujeito, que adquire o conhecimento como uma ferramenta de
emancipação e integridade frente aos problemas cotidianos de sua
existência. A participação democrática no meio, do e com o povo,
produzindo cultura a partir de sua realidade, tornando uma práxis
de transformação da realidade em que está inserido. A libertação é
essencialmente a libertação coletiva, se for individual é uma forma
de opressão.
A formação religiosa, se não for hermeticamente fechada em
princípios fundamentalistas, promovem a emancipação e
humanização na sociedade laica. A igreja que participa de seu
povo, de processo de emancipação, que seja, em pequenos grupos
de pastoral, promove os valores cristãos.
Todos ressaltam a importância e se vêm sujeitos históricos,
graças aos processos de formação. Muitas conquistas foram feitas,
ressaltando o papel das mulheres na Instituição Igreja, vanguardas
dos movimentos feministas, na educação, na saúde com as
medicinas alternativas e processo inclusivos no sentido amplo. A
354
indagação do texto é se dentro de uma sociedade em que a
comunidade, a igreja e os movimentos sociais perderam seus
valores, em que a falta de tempo, o excesso de opinião, o trabalho e
as redes sociais ressaltam o individualismo e capitalismo, é se a
formação religiosa ainda tem poder de libertação? Esta dúvida não
somente incorre na formação religiosa, ela se estende a formação
formal, em que as humanidades estão sofrendo perdendo espaço, e
vertiginosamente estamos tratando da formação como preparação
para o mercado de trabalho.
A história recente do país tem mostrado que os valores da
sociedade democrática, dos direitos humanos, que pareciam ter
sido aceitos no Ethos brasileiro, tem e estão em risco, estão
cambaleando frente a movimentos fundamentalista, nos diversos,
incluindo igreja, escolas, direitos de gênero, de inclusão...
Considerações finais
355
que o povo se inseriu nos problemas em que estavam imersos, no
processo freiriano da tomada de consciência à conscientização ou
consciência crítica. Este é o pressuposto básico da libertação, o
sujeito querer se libertar de sua situação. Uma consciência que
nunca é individual, mas sempre é um processo coletivo e em
movimento. Uma consciência que precisa constantemente se inserir
em novos problemas sociais e históricos, mas sempre numa
dialética coletiva.
A segunda momento, que não ocorre descolado do primeiro, é
a ação que envolve esta consciência crítica, uma consciência que se
materializa através da práxis. Uma ação coletiva e transformadora
da realidade. Quando se trata de se inserir numa realidade, esta
inserção ela se da através da participação democrática, porém
quando estes direitos são negados, quando as pessoas são
excluídas ou oprimidas, esta participação é sempre reativa, sempre
transformadora da realidade. Esta transformação é uma dialética,
que muitas vezes pode resultar num conflito, numa opção radical
como afirmava Freire.
Concluímos neste pequeno ensaio os valores humanos não
estão dados, precisam constantemente serem exercitados e
oxigenados pelos diversos setores da sociedade, sempre aberto a
renovação e a atenção aos anseios do povo. Ouvir, lutar com o
povo permite promover uma sociedade mais justa, ouvir quem está
do lado de fora, o outro, o oprimido, este talvez seja o maior legado
da obra de Paulo Freire e de Dom José Gomes.
Referências
356
BRESOLIN, K. A. A experiencia de uma igreja compremetida com
os pobres: a influencia da teologia da libertaçao na diocese de
Chapecó. Chapecó: [s.n.], 2017. Trabalho de Conclusão de Curso de
Licenciatura em Ciências Sociais na Universidade Federa da
Fronteira Sul.
CAPUCHINHOS, F. M. Grupos Cristão de Base nova Opção da
Igreja. 4. ed. Vacaria: [s.n.], 1981.
DAMKE, I. R. O processo de conhecimento na Pedagogia da
Libertação: ideias de Freire, Fiori e Dussel. Petropólis: Vozes, 1995.
DUSSEL, E. Ética de la Libertación: En la edad de la Globalización
e de la Exclusión. Madrid: Simancas Ediciones S.A, 1998.
FERNANDES, C.; TERRA, A. 40 Horas de Esperança: O método
Paulo Freire: política e pedagogia nas experiências de Angigos. São
Paulo: Ática S.A, 1994.
FREIRE, P. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1967.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 22. ed. São Paulo: Paz e
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_____. Pedagogia do Oprimido. 62. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2016.
GOELZER, J.; OLIVEIRA, L. R. D.; SANTOS, C. D. S. D. Sobre
escutar crianças, adolescentes, jovens e adultos na escola: desafios e
possibilidades para auto (trans) formaçao de professores. In:
HENZ, C. I.; JOZE, T. M. D. S. D. A. DIALOGUS círculos
dialógicos, humanização e auto (trasformação) formação de
professores. São Leopoldo: Oikos, 2015. p. 51-61.
PELANDRÉ, N. L. Ensinar e aprender com Paulo Freire: 40 horas
40 anos depois. Florianópolis: UFSC, 2002.
SABRAE/SC. Santa Catarina em Números: Microrregião Oeste.
Sabrae/Sc. Florianópolis. 2013.
SCHERER-WARREN, I. Manifestações de rua no Brasil 2013:
encontros e desencontros na Politica. Caderno CRH, Salvador, p.
417-429, Maio/Agosto 2014.
SCHWENGBER, I. L. Ecopedagogia como Educação Ambiental
como Prática da Liberdade. Chapeco: [s.n.], 2018. Dissertação
357
(Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em
Educaçao, Universidade Comunitária da Região de Chapeco, 2018.
UCZAI, P.; BRUGNERA, N.; MARCON, T. Dom José, A educação
formal e a formação das Lideranças. In: UCZAI, P. Dom José
Gomes: mestre e aprendiz do povo. Chapecó: Argos, 2002. p. 125-
167.
358
Impasses na colonização de Porto Novo/SC:
intrigas, rivalidades e processos judiciais
Introdução
359
o que acabou influenciando na diminuição dos lotes
comercializados.
360
ondulado e tem exuberante vegetação6‛ (RAMBO, 2011, p. 260).
*...+ chegamos em Porto Novo apenas no s{bado. Não havia nem casa,
361
nem cabana e nem barraca, mas um bonito pomar de laranjeiras. Nele
acampamos, mais de trinta pessoas, e ascendemos v{rios fogos. Perto
da noite, começamos a armar entre duas {rvores o altar para a missa
da manhã seguinte. Como pano de fundo estendemos entre as
{rvores uma capa limpa e nela fixamos um crucifixo. Armamos a
mesa com varas e folhas e a ornamentamos com flores e palmas do
mato. Fixamos as velas em duas estacas fincadas no chão. Depois de
cuidar das coisas de Deus, cuidamos de nós. Tínhamos o suficiente
para comer e cada qual armou a sua cama onde e como mais lhe
agradou. Dormimos bem. O misterioso rumor do grande rio
misturou-se com os nossos sonhos. Pelas 8 horas começamos a Santa
Missa. Os homens rodearam o altar numa atitude solene e piedosa.
Naquela magnífica catedral de Deus, imploraram a bênção do alto
sobre a nova colônia. Alguns comungaram durante a missa.
Cantaram em comum, rezaram em comum e em comum ouviram a
minha pregação. Até o prato dos óbolos *coleta+ circulou para assim
demonstrar a participação no verdadeiro sacrifício. Fora combinado
que aquela Santa Missa seria para os fundadores da colônia presentes
e o que sobrasse destinar-se-ia para missa pelo bom êxito e o
progresso do empreendimento. E o saldo foi consider{vel. E assim
aconteceu a primeira missa na nova colônia e ao mesmo tempo a data
da sua fundação. De comum acordo escolhemos São Pedro Canísio
como patrono. Est{vamos em 11 de abril de 1926, primeiro domingo
depois da p{scoa (LASSBERG, 2002, p. 124-125).
362
Caí, Soledade, Taquari, Taquara e Venâncio Aires. A revista Sankt
Paulusblatt, n. 6, de 1926, registrou os nomes, os locais de origem e
os municípios de procedência desses compradores. Vejamos:
363
Peter Veit Bom Princípio Montenegro
Georg Fischer Xingu Palmeira
Anton Johann Xingu Palmeira
Galdin Renner Neu Württemberg Palmeira
Johann Schäfer Neu Württemberg Palmeira
Johann Vogt Água Azul Palmeira
Nikolaus Dresch Colônia Weidlich Passo Fundo
Emil Gehlen Cochinho Passo Fundo
Josef Hammes Colônia Selbach Passo Fundo
Peter Hilgert Colônia Selbach Passo Fundo
Franz Junges Colônia Selbach Passo Fundo
Manoel Klauck Colônia Selbach Passo Fundo
Nikolau Löff Cochinho Passo Fundo
Ferdinand Gerisa Passo Fundo
Edmund Schädler Não-Me-Toque Passo Fundo
Berthold Bergütz Cochinho Passo Fundo
Leopoldo Wolfart Colônia Selbach Passo Fundo
August Wüst Não-Me-Toque Passo Fundo
Peter Agner Campinas Santo Ângelo
Karl Angst Boa Vista Santo Ângelo
Heinrich Fritsch Buricá Santo Ângelo
Heinrich Hammes Boa Vista Santo Ângelo
Karl Kliemann Boa Vista Santo Ângelo
Albin Löblein Passo da Pedra Santo Ângelo
Jakob Sausen Boa Vista Santo Ângelo
Jacob Becker Rolante Santo Antônio da Patrulha
Mathias Deufest Santa Cruz Santa Cruz
Robert Eich Santa Cruz Santa Cruz
Peter Finkler Santa Cruz Santa Cruz
Jakob Franz Sinimbu Santa Cruz
Josef Hackenhar Serro Alegre Santa Cruz
Edmundo Kunzler Santa Cruz Santa Cruz
Karl Ludwig Chaves Santa Cruz
Erich Ludwig Chaves Santa Cruz
Fridolin Ohland Santa Cruz Santa Cruz
Serafin Rech Trombudo Santa Cruz
Franz Braun Dois Irmãos São Leopoldo
Ludwig Koch Novo Hamburgo São Leopoldo
Wilhelm Koch Novo Hamburgo São Leopoldo
Johann Finger Serro Azul São Luiz
Josef Franzen Serro Azul São Luiz
364
Karl Gemwey Serro Azul São Luiz
Anton Kieling Serro Azul São Luiz
Friedrich Knapp Serro Azul São Luiz
Nikolaus Knob Serro Azul São Luiz
Josef Tem Caten Serro Azul São Luiz
Peter Temoller Serro Azul São Luiz
Jakob Theobald Serro Azul São Luiz
Theodor Anschau Nova Petrópolis São Sebastião do Caí
Peter Heck Feliz São Sebastião do Caí
Ferdinand Petry Nova Petrópolis São Sebastião do Caí
Peter Phillipsens Nova Petrópolis São Sebastião do Caí
Albin Ruschel Nova Petrópolis São Sebastião do Caí
Alfred Stahl Nova Petrópolis São Sebastião do Caí
Edwin Stahl Nova Petrópolis São Sebastião do Caí
Franz Stahl Nova Petrópolis São Sebastião do Caí
Wilhelm Hochscheid Sobradinho Soledade
Arnhold Konzen Sobradinho Soledade
Aldred Caye Bom Retiro Taquari
Wunibald Scheeren Bom Retiro Taquari
Josef Schöler Quilombo Taquara
Otto Schöler Quilombo Taquara
Wilibald Schöler Quilombo Taquara
Arthur Ansen Brasil Venâncio Aires
Leopold Hackenhar Santa Emília Venâncio Aires
Nikolaus Hackenhar Grão Pará Venâncio Aires
Wilhelm Hackenhar Santa Emília Venâncio Aires
Josef Hackenhar I Santa Emília Venâncio Aires
Josef Hackenhar II Travessa Venâncio Aires
Willibald Hickmann Santa Emília Venâncio Aires
Herrmann Kiest Linha Serra Venâncio Aires
Josef Reis Santa Emília Venâncio Aires
Emil Royer Mariante Venâncio Aires
Jakob Schwendler Harmonia da Costa Venâncio Aires
Josef Schwendler Harmonia da Costa Venâncio Aires
Anton Seidel Brasil Venâncio Aires
Robert Seidel Isabela Venâncio Aires
Christian Stülp Grão Pará Venâncio Aires
Fonte: SANKT PAULUSBLATT, n. 6, 1926. Memorial Jesuíta da Unisinos.
365
alemã. Entretanto, os sobrenomes indicam possíveis compradores
de origem holandesa, austríaca, polonesa, teuto-russa, luso-
brasileira e francesa, o que fragiliza o argumento da
homogeneidade étnica alemã utilizado pela historiografia
dominante. Ademais, a tabela revela que os primeiros compradores
de terras eram originários de colônias particulares, que
caracterizavam-se pela miscigenação étnica e religiosa nos
assentamentos existentes no estado Rio-grandense.
A maioria dos compradores são origin{rios das ‚velhas‛ e
‚novas‛ colônias existentes no Rio Grande do Sul que j{ não
ofereciam mais terras suficientes para os filhos também
estabelecerem-se naquele local. Porém, da lista acima, verifica-se
que 41 são de colônias particulares novas, situadas na região do
Planalto do estado do Rio Grande do Sul. Além disso, ao que tudo
indica, há um significativo número de compradores com
sobrenomes holandeses – Caten e Hackenhar – originários de um
pequeno grupo que se estabeleceu em Santa Cruz, no local
emancipado de Venâncio Aires.
Por oportuno, é corriqueiro na tabela acima encontrarmos
ainda sobrenomes iguais que são oriundos do mesmo local,
podendo-se cogitar a existência de irmãos e irmãs que migraram
juntos para Porto Novo, a fim de iniciarem uma nova vida no
estado Catarinense.
Os primeiros meses representaram os mais complicados da
colonização. Os Jesuítas, convictos de que estavam no caminho
certo, não cessavam de comprar lotes da empresa Chapecó-Pepery
Ltda. Ao final de todas as compras de terras da empresa Chapecó-
Pepery Ltda., chegou-se ao total de 583.975.705,40 metros
quadrados de área (o equivalente a 58.397 hectares), que foram
divididos em aproximadamente 2.340 lotes de terra.
Conforme é possível verificarmos, as compras de lotes pela
Sociedade União Popular aconteceram de forma gradativa.
Contudo, nem sempre condiziam com os recursos financeiros
disponíveis no caixa da associação. Assim, precisamos registrar a
participação fundamental da Central das Caixas Rurais, que
366
financiou o empreendimento, vez que uma Caixa Rural sozinha
não conseguiria juntar os recursos suficientes para as aquisições de
tantos lotes, e disponibilizou linhas de financiamento especiais
para a aquisição de terras em Porto Novo.
O mapa elaborado pela Volksverein, datado de 31 de março de
1929, apresenta a demarcação inicial dos lotes coloniais,
abrangendo a sede e as Linhas Santa Tereza, Laranjeira e Baú:
367
Figura 1 - Mapa do centro de Porto Novo em 1929
369
que durante o século XIX haviam migrado ao Rio Grande do Sul‛
(WERLE, 2001, p. 136).
O relato de Maria Rohde (2012) evidencia outra questão, ainda
mais peculiar, acerca da suposta homogeneidade e colonização
fechada que instalou-se em Porto Novo, defendida por parcela da
historiografia, tanto municipalista quanto acadêmica. Nesse ponto,
a autora é categórica ao relatar a chegada de várias famílias teuto-
romenas da Bessarábia1, em 1930, que em nada confundem-se com
alemães natos.
A Tabela 1 traz os nomes dos primeiros compradores de terras
de Porto Novo, apontando a existência de indivíduos oriundos de
locais onde havia predominantemente outras etnias e confissões
religiosas, além de sobrenomes que, possivelmente, não possuem
vinculação com a origem alemã. Logo, será que Porto Novo
realmente pode ser caracterizada como sendo uma colonização
fechada e homogênea? Será que somente alemães católicos
residiam naquela colônia? Os dados que revelamos fazem pairar
dúvidas em um contexto formado, até então, por certezas. Em
verdade, eles supõem uma colonização privada, direcionada aos
alemães católicos, mas que não impedia a aquisição de lotes por
compradores que não fossem da etnia e da religião desejada. A
sustentabilidade financeira do empreendimento, nesse caso,
também era considerada.
1 Sobre essas famílias originárias da Bessarábia, sabe-se que elas foram atraídas,
em 1928, para laborarem nas plantações de café no estado de São Paulo. Contudo,
não se habituaram ao local, tampouco ao clima e ao trabalho, e migraram para o
Sul do Brasil, sendo convencidas, por meio dos religiosos da Companhia de Jesus,
a instalarem-se na colônia Porto Novo. Por oportuno, não localizamos
documentos sobre essas famílias junto ao arquivo da Volksverein, no Memorial
Jesuíta da Unisinos.
370
Impasses da colonização: intrigas, rivalidades e processos
judiciais
371
afastar alguém por lisonjas de Porto Novo e conquista-la para outra
colônia (Pe. Rick. In: RABUSKE; RAMBO, 2004, p. 177).
372
Sagrada Família abandonaram Porto Novo em virtude desse fato,
deixando a colônia a cargo exclusivo dos Jesuítas, vez que até então
essas duas ordens religiosas atuavam naquela colônia.
Posteriormente, houve ainda um processo judicial envolvendo
esse caso do lote n.º 29, aforado por Albano Volkmer contra
Hermann Rüdiger, uma vez que este acusava Volkmer
publicamente, com edição de um panfleto inclusive, de
irregularidades cometidas na direção da Sociedade União Popular,
como o recebimento de propina pela compra e venda de terras e
pelo envolvimento no caso do lote n.º 29. Ao final do processo,
Hermann Rüdger sofreu condenação e Volkmer viu sua honra
limpa e julgou-se recompensado.3
O que mais chama atenção no fato acima é o registro de que
um protestante adquiriu oito lotes de terras na colônia Porto Novo.
Assim, voltamos a indagar: será que o argumento da
homogeneidade étnica e religiosa era mera propaganda para atrair
os compradores? Será que realmente Porto Novo foi um
empreendimento exclusivamente para alemães católicos? Será que
o capital e sua disponibilidade encontrava-se acima da questão
étnica e religiosa, não sendo este um caso isolado? Conforme
narrado, Arthur Tannhauser estava procurando um meio para
investir seus recursos financeiros e somente adquiriu os oito lotes
por sugestão de Albano Volkmer. Ademais, a Sociedade União
Popular necessitava comercializar os lotes disponíveis já que as
condições financeiras da colonizadora não se apresentavam de
forma favorável. Em verdade, precisava-se de recursos financeiros
nos caixas da Volksverein e, diante disso, não se mostrava viável os
3 O contexto e os fatos envolvendo o caso do lote n.º 29, bem como o processo
judicial, encontram-se descritos na obra de Maria Zilles Magno Nunes: ‚O começo
de Porto Novo: uma colônia para teuto católicos no processo de expansão colonial
no sul brasileiro (1912 – 1933)‛. Em conversa com a autora, descobriu-se que o
processo judicial transformou-se em um livro, onde Albano Volkmer buscou
honrar sua imagem publicamente. Contudo, somente houve a tiragem de três
exemplares do livro, em virtude dos custos, sendo que estes não foram
encontrados para análise.
373
dirigentes afastarem compradores de terras, mesmo aqueles que
objetivavam somente a especulação, como Arthur Tannhauser.
Nesse aspecto, a historiografia dominante narra que em Porto
Novo não era permitida a especulação financeira, onde os lotes
deveriam ser adquiridos e, no prazo máximo de dois anos, deveria
acontecer a ocupação do lote pelo comprador. Ora, aquele que
compra oito lotes de terras será que não adquire-os para aguardar a
valorização imobiliária e, posteriormente, revendê-los? Além disso,
uma volutuosa aquisição de oito lotes favorece de sobremaneira a
situação financeira de qualquer colonizadora e ainda auxilia a
compor os dados de lotes vendidos no período.
Sem titubear, esses fatos trouxeram crise ao empreendimento
da Sociedade União Popular e, em consequência, a diminuição das
vendas dos lotes. Assim, nesse período alterou-se a imagem da
associação e da própria colônia, onde estas passaram para um
cunho mais comercial, apresentando estratégias de mercado e
competitividade frente às outras colonizações.
Nesse cenário, a Volksverein, vendo-se em uma situação onde as
vendas sofreram queda em virtude dos fatores acima, abriu um
espaço de terras até então esquecido em Porto Novo, localizado em
área menos povoada e com menos infraestrutura, onde alguns
caboclos instalaram-se quando foram expulsos do centro da
colônia, denominada de Linha Glória, inaugurando nesse local
novas possibilidades para aquisição de lotes rurais. Desta forma,
quem comprasse lotes nessa nova área – Linha Glória e terras
adjacentes - não estava vinculado ao prazo de dois anos para
assentamento. Além disso, os preços desses lotes eram menores em
relação ao restante da colônia.
Conclusão
374
inicialmente do estado do Rio Grande do Sul. Suas terras eram
descritas como promissoras, férteis e de excelente qualidade para o
desenvolvimento da agricultura, sendo elas apresentadas como
alternativa para um futuro melhor frente ao esgotamento de lotes
do estado vizinho.
Porto Novo, descrita muitas vezes pela historiografia como
uma colonização homogênea e fechada para alemães católicos,
revelou-se, neste estudo, como sendo um local em que viviam
colonos de outras etnias e, inclusive, religiões. Assim, em que pese
o discurso ser no sentido da homogeneidade étnica e religiosa, o
fator financeiro da colonizadora prevalecia e o requisito de ser
alemão católico, dito como essencial, era deixado de lado em
muitos momentos.
Até o início da década de 1930, como apurado no estudo, a
maioria dos moradores estabelecidos em Porto Novo eram
originários do Rio Grande do Sul, sendo responsáveis pelas
aquisições de grandes levas de lotes.
Contudo, repita-se, nem só de progresso viveu Porto Novo.
Nesse sentido, revelamos que a existência de intrigas, rivalidades,
processos judiciais, contrapropaganda das outras colonizadoras,
concorrência entre Porto Novo e Sede Capela para se estabelecer a
sede do distrito e, ainda, diante da formação de outra colônia para
teuto-católicos em São Carlos/SC, que absorveu parte dos pretensos
adquirentes de terras, trouxeram a crise ao empreendimento da
Volksverein e, em consequência, a diminuição de vendas dos lotes
coloniais a partir de 1931.
Desta forma, diante de tais impasses, os administradores da
colônia viram-se compelidos a realizarem novas estratégias para
ocupação dos lotes, como a demarcação de novos espaços, a fim de
receber imigrantes originários diretamente do continente Europeu,
a oferta de benefícios aos compradores, como auxílios com as
viagens, a formulação de propagandas mais agressivas e
chamativas e, por fim, a locação de lotes a fim de promoverem a
ocupação daqueles disponíveis.
375
Referências
376
LIVROS DIÁRIOS nº 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11 e 12, da Sociedade
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católicos na década de 1920. In: FRANZEN, D.O. ; MAYER,
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de 1926. Disponíveis no Memorial Jesuíta da Unisinos, São
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Florianópolis: Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-
graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, 2001.
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Catarina. Curitiba: CRV, 2011.
378
A valorização rápida das terras da Companhia Territorial
Sul Brasil é uma coisa certa e garantida
Introdução
379
A terra transformada em mercadoria
380
ou seja, proporcionar a ‚ocupação definitiva da região‛,
construindo estradas para o transporte e o deslocamento dos
pequenos agricultores. Com essas medidas, o governo almejava o
desenvolvimento e a organização da região ao restante do Estado.
Em conformidade com Radin,
O fato de o Estado confiar às companhias colonizadoras a
direção desse processo e se omitir ou ser conivente com seus
procedimentos demonstra que atendia a uma complexa teia de
interesses particulares traçada no período. Nesta teia, o Estado
também buscou se eximir de diversas responsabilidades
relacionadas à infraestrutura das áreas coloniais. Para a construção
de estradas, negociou a tarefa com as companhias colonizadoras,
que também iniciaram o oferecimento escolar e foram
paulatinamente repassando-o às comunidades e à igreja, as quais
difundiram diversas outras atividades pedagógicas e assistenciais
(2009, p. 24).
Esse controle ocorreu com a Companhia Territorial Sul Brasil,
respaldada e negligenciada pelo poder público, mostrando que a
colonização significava todo o processo de efetivação das
companhias colonizadoras na divisão e comercialização dos lotes
de terra. Essa divisão foi facilitada para a venda desses lotes, pois
havia a necessidade devido as características físicas da região. A
partir do processo migratório, ocorreu a reconstrução do espaço.
Carbonari (2009), considera que as regiões não se explicam por
tipologias, mas sim, por processos que se criam historicamente e
que se vinculam à expansão do processo capitalista que ordena os
espaços.
Os ‚espaços considerados vazios‛ pelo Estado e pelas
companhias colonizadoras foram viabilizados. Para tanto, a
pequena propriedade familiar apareceu como uma alternativa
significativa para esse processo de colonização, no qual, Radin,
analisa que ‚estrategicamente, o governo brasileiro estimulou a
colonização com a finalidade de ocupar esses espaços vazios [...]
pela pequena propriedade de agricultura familiar, que se constituiu
na principal alternativa *...+‛ (2009, p. 25).
381
A terra passou a ter um valor de renda em capital e a
propriedade privada percorreu por constantes recriações, surgindo
várias formas de mudança de renda da terra, tendo, com isso, uma
correlação de forças e de produção de relações sociais. As terras
próximas aos núcleos coloniais propiciavam preços mais altos em
relação a outras áreas. A comercialização, com o apoio do Estado,
utilizando-se dos pequenos agricultores, tornou-se um grande
negócio para os empresários e para os grandes proprietários. As
colonizadoras definiram a prática da comercialização das terras e,
conforme ocorria a procura, os preços aumentavam.
Nessa perspectiva, a terra passa a ser dividida em lotes e
registrada pelos órgãos públicos, dando-lhes a existência legal. A
partir disso, a escritura pública legitima, atesta o seu
pertencimento. Em contrapartida, a terra não é mais considerada
pelo termo de posse, causando a intrusão do que já estava
estabelecido antes do processo ‚colonizatório‛. Radin (2009),
sublinha que o governo catarinense teria regularizado os trabalhos
de medição e a situação das terras devolutas ocupadas por
intrusos, tornando assim possível atrair ao Estado a corrente
migratória e promover a fixação do colono ao solo.
A estrutura agrária do Brasil tinha por influência o latifúndio,
mas na área da região Oeste catarinense prevaleceu o minifúndio.
Essa proposta em dividir em pequenos lotes facilitava a
comercialização com valores mais acessíveis. Também havia uma
variação nos valores quando os lotes de terras estavam próximos a
ferrovias e estradas, a núcleos já estabelecidos. Os lotes mais
distantes ou de difícil acesso e dependendo do relevo sofriam uma
variação no preço.
A colonização no Brasil meridional não deveria se concentrar
em áreas favoráveis ao desenvolvimento do latifúndio. Para tanto,
a colonização passou a ser planejada pelos governos, seja centrais
ou estaduais (HEINSFELD, 2014). Dessa forma, a colonização não
ocorreu de forma espontânea, mas sim, com pequenos
proprietários, surgindo a formação de núcleos coloniais pioneiros,
as chamadas colônias velhas. A gradativa expansão demográfica
382
proporcionada por imigrantes à procura de terras novas, para a
formação de novos núcleos, originou as chamadas colônias novas.
Nesse contexto, Vicenzi considera que,
383
manter suas relações socioculturais, o pequeno agricultor poderia
conviver com integrantes do mesmo credo ou etnia. Tais recursos
poderiam atrair com mais facilidade o pequeno agricultor.
Acredita-se que os migrantes optaram por essa região, pois
tinham como propósito a manutenção dos padrões
socioeconômicos e culturais existentes no Rio Grande do Sul. O
colono buscava avaliar as condições da região Oeste catarinense, de
posse dessas informações, poderia construir uma comunidade de
acordo com sua cultura. As informações oportunizavam uma
avaliação e uma escolha sobre o Oeste catarinense. Nodari
esclarece como era esse processo: ‚*...+ através de agentes das
companhias colonizadoras, de cartas de familiares e de amigos que
já haviam migrado, notícias e propagandas publicadas em jornais e
anúncios de rádios, livros, manuais, panfletos, almanaques e
pregações de padres e pastores *...+‛ (2002, p. 35).
384
como Volksblatt e a Paulusblatt, para realizar a propaganda de suas
terras (WERLANG, 2002).
As formas de propaganda utilizadas para cativar o colonizador
eram as mais variadas. Em conformidade com Nodari (2002, p. 36),
‚*...+ os anúncios e as reportagens dos jornais, os almanaques
anuais, os cartazes que eram fixados em pontos estratégicos,
panfletos, livros e, principalmente, os agentes contratados pelas
companhias‛.
Mas por que vender terras em pequenos lotes? As
colonizadoras justificavam esse método, pois a difusão da pequena
propriedade facilitaria na cobrança de impostos e dificultaria o
avanço do latifúndio na região. A esse respeito encontrou-se a
seguinte colocação de Radin, ‚*...+, a preocupação dos empres{rios
se relacionava menos à questão política do modelo agrário
adequado para a região e mais à possibilidade de criar condições
que facilitassem a comercialização lotes‛ (2009, p. 168). Em geral, as
companhias colonizadoras não possuíam um entendimento de
política agrária, mas tinham o propósito de comercializá-la.
O colonizador Sul Brasil que em sua maioria pertencia a
empresários rio-grandenses, tornou-se uma das principais
empresas responsáveis pelo povoamento sistemático da região
Oeste catarinense.
Protagonizaram uma migração dirigida a grupos que se
adequassem aos padrões estabelecidos pelo governo e pela
companhia colonizadora, isto é, a povoação e a colonização
deveriam ocorrer de forma pacífica, organizada, metódica. Mas que
grupos seriam considerados ideais para preencher os requisitos
propostos? Principalmente os pequenos agricultores de
ascendência ítalo-brasileira, teuto-brasileira e teuto-russa
estabelecidos no Rio Grande do Sul, Paraná e outras regiões de
Santa Catarina, os quais já estavam inseridos num modelo a ser
empregado na região, as pequenas e médias propriedades
agrícolas. Dessa forma, esses grupos criaram a expectativa de
recriar as práticas socioculturais desenvolvidas nas regiões de que
eram oriundos.
385
A Companhia Territorial Sul Brasil utilizou várias técnicas para
persuadir o pequeno agricultor, entre as quais, induzir um
determinado membro da família já que este poderia influenciar os
demais integrantes. Para tanto, as famílias numerosas tornaram-se
um fator de disputa entre as colonizadoras. A presença dos amigos
e os vizinhos poderia exercer certa influência no processo
migratório.
A perspectiva de adquirir grandes pedaços de terras e de um
futuro promissor foi uma das políticas utilizadas pela companhia, o
que mexeu com o imaginário do pequeno agricultor. Enfatizavam
também que os colonizadores poderiam obter ganho rápido,
disposição de preços acessíveis e conseguir os títulos de
propriedade, além da facilidade de adaptação ao ambiente natural
(RADIN, 2009). A partir do momento em que a terra se tornou
mercadoria, atribuiu-se o valor de troca. Assim, passou a ser uma
fonte de renda. A colonização adquiriu aspecto de comercialização
de vasta área de terra, mas com valor de mercado, explorando os
recursos naturais da região Oeste catarinense.
O Estado não se preocupou mais com a organização de núcleos
coloniais como estratégia nacional, mas sim, adquiriu caráter de
valorização da terra por meio de sua comercialização. Para o
pequeno agricultor, o Oeste catarinense surgiu como um novo
espaço para a formação de uma classe de pequenos produtores
agrícolas e comerciantes ascendentes, em sua maioria teutos e
ítalos. Nesse sentido, percebe-se que os diferentes grupos possuíam
realidades opostas ao modelo de sociedade e colonização adotados
na região. Conforme referência de Radin,
386
direcionaram muitos dos atos cotidianos de cada um dos grupos
(2009, p. 21).
387
oferecer a terra, além de ter credibilidade *...+‛ (NODARI, 2002, p.
37). Sob perspectiva semelhante, Renk (2006) considera que, para
ser agente propagandista era essencial ser conhecedor de terras, ter
sido ou ser pequeno agricultor e, ainda, dispor de um ambiente
favorável de amizades ou de conhecidos a quem poderia oferecer a
terra.
Porém era essencial ao propagandista ser confiável, assim,
poderia recrutar os interessados em adquirir lotes de terras. Diante
das ofertas, os agentes propagandistas estavam em condição de
representantes da Companhia Territorial Sul Brasil para oferecer as
terras aos compradores. As antigas colônias formavam um grande
cenário para a divulgação, e posteriormente, a comercialização.
Geralmente, os agentes propagandistas estavam entre os primeiros
migrantes ou lideranças das comunidades nas antigas colônias. Os
pequenos agricultores eram conduzidos até as áreas oferecidas
para reconhecer e efetuar a aquisição do lote.
Os agentes propagandistas eram responsáveis por apresentar
os lotes pelo mapa ou levar os pequenos agricultores para fazerem
o reconhecimento dos lotes a serem adquiridos. Assim, poderiam
ficar no acampamento montado pela companhia até improvisar o
seu nas terras adquiridas.
Uma prática comum dos propagandistas era passar de casa em
casa e convencer o pequeno agricultor rio-grandense, que no Oeste
catarinense existiam terras baratas e de boa qualidade, onde
poderiam produzir milho, mandioca, feijão e batata. Outro artifício
utilizado era a propagação da existência de animais, como o tigre,
aguçando o imaginário dos caçadores. Quando a colonização
estava em franco desenvolvimento, muitos agentes traziam os
pequenos agricultores com o objetivo de conhecerem as terras da
região.
Outro aspecto da colonizadora era a criação de uma
infraestrutura para cativar os compradores, como a doação de uma
área de terra para a Igreja, escola, serrarias e ainda colaborar na sua
construção. Utilizavam os mapas como meio de divulgação e
venda, entre os quais a existência de quedas de água para
388
instalação de serrarias e moinhos, além do clima mais saudável do
estado. Os propagandistas levavam um mapa das terras a serem
comercializadas com os lotes demarcados e numerados. Um
expressivo número de pequenos agricultores nem ao menos
conhecia a região ou os lotes que iriam comprar, a sua
espacialidade como morros, rios, fauna e flora. Schuh, considera
que,
389
melhores condições, para realizar um novo começo. Nesse âmbito,
as famílias teriam dificuldade em se manter no Rio Grande do Sul e
havia a necessidade de procurar novos lotes de terras para os filhos
recém-casados para que pudessem manter a atividade agrícola,
mas agora em terras catarinenses.
390
ocupados por teuto-russos evangélicos, originando o município de
Riqueza. Os teuto-russos ocuparam uma área reservada para os
teuto-brasileiros católicos (WERLANG, 2002). A ilustração 1
demonstra que a companhia direcionava os pequenos agricultores
que viessem a adquirir um lote de terra de acordo com sua
etnicidade ou seu credo religioso.
Fonte: Jornal Staffetta Riograndense, Caxias do Sul, 1929 -11- 06, p.04. Disponível em:
http://liquid.camaracaxias.rs.gov.br/LiquidWeb/App/View.aspx?c=71780&p=3&Miniatura=false
&Texto=false. Acesso em: nov. 2016.
391
dos pequenos agricultores desejados por esta companhia. A
ilustração 2 destaca que a companhia ressaltava sua colônia
católica, não permitindo a presença de protestante, o que
demonstra a sua preferência pelo credo religioso dos pequenos
agricultores que viessem a adquirir um lote de terras em sua área
de atuação. Também é possível inferir que a colonizadora Chapecó
Pepery Ltda destacava algumas vantagens de aquisição de um lote
de suas terras. Todas as colônias podiam ser cruzadas de carro por
estradas já existentes, seja qual for o pequeno agricultor que tivesse
interesse em comprar lote(s) além de ter três meses de moradia
grátis até ter construir a sua própria casa.
As terras em geral eram planas e férteis com água
abundante, possuindo um clima temperado. Essas terras tinham o
conhecido ‚mato branco‛, rico em madeira, sendo uma {rea
propícia para produzir alfafa e cana-de-açúcar.
Fonte: Jornal Staffetta Riograndense, Caxias do Sul, 1929 -11- 06, p.04. Disponível em:
http://liquid.camaracaxias.rs.gov.br/LiquidWeb/App/View.aspx?c=71780&p=3&Miniatura=false
&Texto=false. Acesso em: nov. 2016.
392
Nesse processo de colonização havia a preocupação em
propiciar o atendimento religioso e educacional pela implantação
de escolas e igrejas. Werlang (2006) enfatiza a necessidade de uma
organização comunitária assentando pequenos agricultores teuto-
brasileiros católicos, teuto-brasileiros evangélicos e ítalo-brasileiros
católicos em lugares diferentes, a fim de evitar conflitos, facilitar a
prática da sua religiosidade e o exercício da educação.
As colonizadoras sabiam que a religiosidade dos pequenos
agricultores era grande, portanto, havia a necessidade de
possibilitar o atendimento religioso para atrair novas famílias.
Tendo em vista essa especificidade, a formação de núcleos
coloniais era fundamental para o progresso da colonização. O
sucesso do progresso desses núcleos, em conformidade com
Werlang (2002, p. 43-46), estava atrelado | ‚existência de estradas,
comércio e o atendimento religioso e educacional atrairia novos
pequenos agricultores que já não vinham deslumbrados por belas
propagandas, mas a partir das informações de parentes e
conhecidos instalados na região‛.
A sistematização dos núcleos populacionais, aliada à
concretização das estradas, do comércio e da assistência religiosa e
educacional, foi vital para o ‚progresso da colonização‛ nas terras
da companhia. Não só as propagandas contribuíram para esse fato,
mas também as informações fornecidas pelos parentes e
conhecidos estabelecidos na região Oeste catarinense.
Essa companhia planejou a maior parte dos núcleos urbanos
que estavam em terras de seu domínio, uma vez que havia o
compromisso com o governo do estado em demarcar os núcleos a
uma distância máxima de trinta a quarenta quilômetros um do
outro. Dessa forma, reservou terrenos para as praças, hotel, escola,
igreja e cemitério. As cidades planejadas desde o início da
colonização com os locais previamente definidos para a estrutura
básica foram Palmitos, São Carlos, Maravilha, Saudades, Cunha
Porá (WERLANG, 2006).
Essa prática facilitava a colonizadora instalar o colono em
diferentes áreas quando vendia as terras, tendo como fator de
393
destino para este ou aquele local a origem étnica e religiosa.
Acreditava-se, dessa maneira evitar conflitos na competência de
organizar as comunidades e implantar as escolas e igrejas. Prática
essa que permaneceu até 1945, quando o ensino público foi
implantado, fazendo com que os diferentes grupos mantivessem
sua língua e seus costumes (WERLANG, 2006).
Com a colonização e fixação de famílias de pequenos
agricultores na região Oeste catarinense, era de se esperar que,
mais cedo ou mais tarde, algo precisaria ser feito para promover a
educação dos filhos dos pequenos agricultores.
Nesse contexto, visando criar um atrativo para valorizar as
terras, a Companhia Territorial Sul Brasil providenciou a vinda de
uma escola para Maravilha. Era importante que o recém-formado
povoado tivesse uma escola, pois, sem dúvida, isso era interessante
para os pequenos agricultores que desejavam instruir seus filhos.
Portanto, colonização, religião e educação caminhavam de
mãos dadas. Esta combinação era muito utilizada pela companhia
para convencer os pequenos agricultores, bastava oferecer-lhes a
possibilidade da prática religiosa e, principalmente, a educação
para seus filhos. Nesse sentido, Werlang, traduz perfeitamente essa
situação:
394
alfabetização dos filhos dos camponeses sempre foi preocupação
presente nas famílias, e consequentemente, a busca pela facilidade
de acesso à escola e do professor que iria ministrar as aulas.
Considerações finais
395
Destarte, evidencia-se a necessidade de estudos dos processos
migratórios e das atuações das companhias colonizadoras na região
Oeste Catarinense, visando compreender a construção e a
significação dentro da sua especificidade.
Referências
396
WERLANG, A.A. A colonização do oeste catarinense. Chapecó:
Argos, 2002.
_____.Disputas e ocupação do espaço catarinense: a atuação da
Companhia Territorial Sul Brasil. Chapecó: Argos, 2006.
ZARTH, P.A. Do arcaico ao moderno. O Rio Grande do Sul agrário
do século XIX. Ijuí: Unijuí, 2002.
397
398
O sentimento imigrante
e a grande guerra
Considerações iniciais
399
territoriais, por bens de consumo, por recursos naturais, e
consequentemente por poder, fatores associados com as unificações
de partes da Europa, como é o caso da Alemanha, que como
consequência cresceu de forma significativa, na economia,
tecnologia e como resultado na indústria, representando perigo
para a Inglaterra, que era tida como detentora da indústria, com
destaque na indústria naval.
Além destas questões, podemos somar o desejo de revanche da
França que havia perdido as regiões da Alsácia e Lorena (ricas em
recursos naturais, como carvão mineral) para a Alemanha, durante
o processo de unificação, além da questão dos Bálcãs que
envolviam disputas principalmente entre os Impérios Austro-
Húngaro e Russo pelo controle dos países na região. Portanto,
alianças em prol dos interesses europeus já haviam sido criadas
antes do conflito mundial, sendo apenas intensificadas durante o
processo da guerra, formando dois blocos, cujas principais nações
foram divididas entre Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e Áustria-
Hungria), e a Tríplice Entente (Grã-Bretanha, França e Rússia),
além dos países aliados que foram incorporados aos blocos
conforme o conflito tornava-se mundial, pois ‚o conjunto desses
fatores explica o surgimento de uma nova expansão colonial que
determinou uma partilha do mundo e consequente rivalidade
econômica e política dos principais países industrializados‛
(WERNET, 1991, p. 12). Em 1915, a Itália mudou de bloco, em troca
de promessas inglesas de receber colônias alemãs na África, e
territórios ao norte da Itália sob o domínio austríaco.
À vista dos interesses econômicos, políticos, territoriais entre
outros, associados ao assassinato do arquiduque Francisco
400
Fernando e de sua esposa, eclodiram como resultado na Primeira
Guerra Mundial. Lembrando que a Europa recentemente havia
passado por intensos conflitos regionais, em prol de domínios
territoriais e unificações, como a alemã e a italiana. Dessa forma,
pretendemos demonstrar como a questão das unificações na
Europa representam além da economia, o sentimento de
pertencimento, que acompanhou as jovens gerações de filhos de
europeus e descendentes para o além-mar, em nosso estudo,
trataremos em específico a questão da Itália, já que diferente da
Alemanha não prosperou conforme o esperado após a unificação,
levando muitas famílias a emigrarem com destino a América
Latina, e em específico da região italiana do Vêneto para o estado
brasileiro do Rio Grande do Sul, com ênfase durante o período de
1876-1901, que é considerado mais significativo em números de
imigrantes instalados na região.
Logo, percebe-se que de 1876 até 1914, ano que eclodiu o
grande conflito, havia se passado apenas 38 anos do início da saída,
em grande escala, de italianos da península. Ou seja, com uma
emigração tão recente e com sentimentos mal resolvidos, de
suposto pertencimento e/ou até mesmo como uma oportunidade
de crescimento social, levou um determinado número de jovens
filhos de italianos com moradia na América Latina a alcançar o
desejo de retorno a ‚p{tria mãe‛, participando como voluntários na
guerra. Além disso, é importante salientar que ‚a Alemanha e a
Itália em função da unificação política entraram por último na
corrida colonialista‛ (WERNET, 1991, p. 12). Dessa forma,
acreditamos que as unificações na Europa, além de alterarem o
mapa, também fizeram surgir diversos movimentos, de migrações
internas, além-mar, e até mesmo reconstruções de nacionalismos e
identidades culturais.
401
submissão da Espanha, entre 1559-1713, mas devido a Guerra da
Sucessão Espanhola, a Áustria passa a dominar parte do território
italiano. Ou seja, além das invasões espanholas e austríacas, e em
consequência das Guerras Napoleônicas, o norte e o centro da Itália
foram invadidos. Neste cenário é pertinente salientar que diversas
famílias de burgueses enriqueceram e/ou ampliaram
significativamente capital em função do comércio marítimo,
portanto, o território italiano era bombardeado tanto por invasões
estrangeiras, devido à proximidade fronteiriça e consequentemente
interesses em ampliação territorial de nações vizinhas, quanto pela
rivalidade entre as famílias de importantes comerciantes, que
disputavam espaço e capital, fazendo com que a Itália fosse
caracterizada por Estados rivais, já que estes grupos familiares
tornaram-se os principais ‚senhores de terras‛, e
consequentemente da economia.
Ainda, com o passar dos séculos e com a evolução da
tecnologia marítima, além da Itália, outras partes da Europa
passaram a aventurar-se em alto mar, mas focando em cruzar o
Atlântico, e assim competir economicamente com a Itália. Dessa
forma, a península inicia um processo de pauperização em relação
a população campesina, e consequentemente a proximidade
fronteiriça com outras nações permitiu diversas invasões e
domínios territoriais, especialmente na região do Vêneto. À vista
disso, suas repúblicas perderem a autonomia política, já que as
regiões italianas passaram a ser disputadas com maior intensidade,
‚na verdade, a península se tornou um território colonial das
potências Imperiais do continente‛ (CARNIERI, 2013 p. 26).
Referente a definição de fronteira, Lia Osório Machado, afirma que
‚a fronteira est{ orientada ‚para fora‛ (forças centrífugas),
enquanto os limites estão orientados ‚para dentro‛ (forças
centrípetas). A fronteira é considerada uma fonte de perigo ou
ameaça porque pode desenvolver interesses distintos aos do
governo central‛ (MACHADO, 1998). Assim, o contexto político
que definia a Europa anterior a Primeira Guerra Mundial já era de
disputas.
402
A posição de negação e resistência da população em aceitar a
dominação estrangeira, levou a ênfase e criação de um sentimento
nacionalista, fato que não ocorreu de imediato, até mesmo em
função do sentimento de pertencimento regional, mas para tanto,
iniciou-se um processo de ressurgimento das veias históricas,
trazidos a luz pela burguesia intelectual italiana do século XIX,
para assim, fomentar o discurso de nação, neste sentido dá-se
origem ao Risorgimento.
O movimento conhecido como Risorgimento, tinha como
objetivo unificar a Itália em prol da expulsão de um inimigo
comum, o Império Austríaco, para isso contou com o apoio da
França que havia perdido o domínio do território vêneto para a
Áustria, mas sob o comado da dinastia de Savoia4 que temia o
fortalecimento dos pensamentos republicanos e democráticos na
Itália. Assim, em 1866, a Itália recupera a região do Vêneto, e passa
a investir com grande ênfase no ideal do nacionalismo, ‚esse
processo de construção imagética dos pais da pátria, a qual ficará
marcada indelevelmente, terá forma e conteúdo voltado para a
educação popular – escola e exército-, fazendo parte de uma
multiplicidade de esforços para a formação patriótica e dinástica
dos jovens italianos‛ (BENEDUZI, 2011 p. 55).
A grande problemática em torno do sentimento nacionalista é
que a maioria dos contandini5, acostumados a inúmeras invasões
estrangeiras, empobrecidos e com costumes mesclados e próprios
4 Casa di Savoia, é uma das mais antigas famílias nobres europeias, presentes
desde o século X no território do Reino da Borgonha, onde depois fundou um
Ducado no século XV, e foram os responsáveis pela unificação italiana em 1870,
através da liderança e apoio político ao rei Vittorio Emanuelle II.
5 Poderia ser usado o termo camponês, o qual seria uma tradução possível ao
termo citado, porém decidiu-se manter o referido termo por pensar-se que o
mesmo empregava uma situação específica do camponês italiano de fins do século
XIX. Este trabalhador do campo que dividia a situação de pequeno proprietário e
trabalhador das grandes propriedades dos Signori (grande proprietário rural). Esta
explicação foi retirada da obra de Luís Fernando Beneduzi (2005) intitulada
‚Nostalgia, alegoria e restus: processos de desconstrução na elaboração identit{ria
vêneta no Rio Grande do Sul‛.
403
do Vêneto, viam com olhos desconfiados a imagem que estava
sendo criada em torno do rei Vittorio Emanuelle II6, chamado pelos
apoiadores da unificação italiana de ‚pai da p{tria‛.
Sabe-se que o Vêneto foi anexado oficialmente ao Reino da
Itália, em 1866, mas que este local engloba muitas particularidades
se comparada com as demais regiões da Itália recém unificada, pois
a República de Veneza, entre os séculos XV e XVI estendeu seus
limites por toda a região vêneta (Bérgamo, Bréscia e Mântua, na
Lombardia, e Udine, no Friuli). Em função da conquista de Veneza
pelas tropas de Napoleão em 1797, as dominações no território
dividiram-se entre franceses e austríacos, até a vitória final de
Vittorio Emanuelle II, proveniente da Casa de Savoia, que
instaurou a monarquia em toda península unificada. Então, com a
invasão da França a cidade de Veneza em 1797 partiu o território
do norte da Península Itálica com a Áustria até o ano de 1815,
quando o Império Habsburgo domina o Vêneto. Dessa forma de
1796 até 1865, foram mais de sessenta anos de contato com os
austríacos, de matriz germânica, portanto a mescla de costumes,
mesmo sendo com o ‚inimigo‛, era inevit{vel.
Após a anexação do Vêneto ao Reino (1866), Roma foi tomada
pelo rei (1870), assim a unificação da península fundou-se em um
único Estado7. Neste sentido é importante frisarmos que o então
Papa Pio IX, declarou-se prisioneiro voluntário do Estado italiano,
não aceitando as negociações com o rei, ou seja, a tomada de Roma
foi conflituosa e polêmica, pois ‚o Papa (...), consciente de sua
influência sobre os católicos italianos e desejando conservar o
poder da igreja (...) proibiu os católicos italianos de votarem nas
eleições do novo reino‛ (CARNIERI, 2013, p. 29). Essa situação
conflituosa é chamada de Questão Romana, sendo que os empasses
entre o governo italiano e a Igreja Católica que iniciaram
404
oficialmente em 1861, encerraram somente no ano de 1929, através
do Tratado de Latrão8, durante o governo de Benito Mussolini9.
Portanto, a unificação italiana se tornava inviável perante a
resistência do Papa que contou com o apoio militar francês, ou seja,
a França jogava duplamente nesta situação, conforme os interesses
políticos, pois apoiou ‚os Savoia‛ na expulsão dos austríacos do
território Vêneto, já que haviam perdido espaço, mas em
contrapartida, pela pressão dos católicos franceses, passam a apoiar
o Papa Pio IX na defesa de Roma. Desse modo, a anexação de
Roma com o Reino da Itália ocorre somente em 1870, em função da
retirada das tropas francesas em solo italiano, neste período ocorria
a unificação alemã, assim os povos germânicos liderados pelo
Reino da Prússia declaravam guerra à França.
405
Figura 1- Reino da Itália antes e pós unificação
A construção do nacionalismo
406
Giuseppe Manzini (1805-1872); Camilo Benso (o conde de Cavour,
1810-1861) e Giuseppe Garibaldi (1807-1882), este último de suma
importância para o processo de construção de uma identidade
italiana e nacionalista, pois provinha das camadas mais baixas da
sociedade, fator que despertava a identificação e confiança de
grande leva dos cidadãos venezianos.
Assim, deu-se início a lenta construção do nacionalismo e
consequentemente de uma identidade italiana. Para Gellner (1983,
p. 169), ‚o nacionalismo não é o despertar das nações |
autoconsciência; ele inventa nações onde elas não existem‛.
Portanto, as lideranças italianas passaram a trabalhar na construção
de laços de identidade com as populações regionais, já que para os
contadini a identificação era com a região, com seu paese10 e não com
a nação. Neste sentido Bourdieu defende que;
407
XIX, através do nacionalismo cívico ou ético, relacionados com a
globalização.
Também Guibernau (1997), acredita que o nacionalismo é ‚um
sentimento relacionado a uma pátria, uma língua, ideais, valores e
tradições comuns, e também com a identificação de um grupo de
símbolos (uma bandeira, uma determinada canção, peça de música
ou projeto) que o definam como ‚diferente‛ dos outros‛
(GUIBERNAU, 1997, p. 52). Enquanto que para Smith (1997), nas
sociedades não ocidentais de formação das nações, o elemento
nacionalista assume maior import}ncia, ‚essa import}ncia, e daí o
papel da ‚invenção‛ e da ‚construção‛ na formação da identidade
nacional, varia consideravelmente, dependendo em grande parte
da configuração étnica local preexistente‛ (SMITH, 1997, p. 127).
De qualquer forma, e independente da opinião sobre o conceito
nacionalista, todos os estudiosos concordam com o significado
político em torno do tema - nação. Partindo deste princípio, de que
existe uma relação tênue entre o nacionalismo e o regionalismo,
Beneduzi (2011), defende que, ‚quando se est{ falando sobre a
ideia de nação, não se quer dizer que na Itália havia de fato uma
coesão, uma comunidade nacional ligada por profundos vínculos
de italianidade‛ (BENEDUZI, 2011, p. 53).
Portanto, a política, ou a maneira de fazer política, era
responsável pelas novas resoluções e formas de sentir-se um
italiano, conforme as palavras de Massimo d`Azeglio, ‚os italianos
são feitos‛. Assim, acreditamos que o método do discurso, foi
fundamental para fomentar o sentimento nacionalista, afinal a luta
pela unificação era além de costumes e sentimentos de pertença,
era por esperança de melhoria de vida, e até mesmo de
sobrevivência.
Entre os ideais do movimento em prol da unificação, estavam a
conquista da liberdade política na Itália, impulsionada pela
burguesia que aspirava limitar os poderes da monarquia
absolutista, - enquanto a população camponesa empobrecia- além
dos democratas, como era o caso de Garibaldi que pretendia um
maior envolvimento da população em questões políticas, somado
408
ao desejo de liberdade das forças estrangeiras, principalmente em
torno das regiões italianas fronteiriças, que fomentaram invasões
estrangeiras distintas, como exemplo, a invasão austríaca no norte,
e espanhola na parte sul da Itália.
Após todo contexto em prol dos movimentos do risorgimento e
da unificação italiana, que envolveu diversos setores: político,
administrativo, cultural, intelectual e civil, o quadro a partir de
1870 estava formado. Todas as mesclas culturais e fronteiriças,
assimiladas pelas invasões estrangeiras foram trabalhadas no
decorrer dos anos para serem no mínimo amenizadas, mas para a
população vêneta, o que mais atormentava não eram os múltiplos e
mistos hábitos, mas sim, o rumo político e consequentemente
econômico que a Itália iria tomar.
Mesmo após a unificação, não houve melhoria significativa da
economia. Ao invés dos impostos abusivos pagos aos ‚inimigos‛, a
partir de então, seriam pagos a monarquia e aos senhores feudais,
ou seja, os contandini da grande Itália continuavam a mercê da
política, do feudalismo11 e da crise econômica. Somente mudaram
os impositores, as obrigações de pagamentos, o alto valor das
terras, a fraca dieta alimentar, prosseguiam. Em vista disso, e de
uma série de outros fatores associados, os italianos, iniciam sua
própria revolução – abandonar o seu paese, em busca de melhorias
condições de vida, que não foram conquistadas nem mesmo após a
unificação, dando início a grande emigração para o Brasil, em
específico para o Rio Grande do Sul.
409
Brasil, onde era prometido principalmente terra para os imigrantes
instalados no estado sulista. Porém, os imigrantes que chegaram ao
Brasil após 1854, em nosso estudo a maioria vênetos, tiveram que
pagar pelas terras adquiridas, ainda que, no ano de 1867 tivesse
sido criado um novo regulamento que estimulava a emigração
mediante algumas vantagens, entre elas o pagamento da terra que
poderia ser feita em até dez anos, a gratuidade da viagem do Rio
de Janeiro até o lote colonial, além de auxílio para os recém-
chegados e assistência médica e religiosa por doze anos. Em função
do grande número de imigrantes que direcionava-se para a região
Sul, o acordo foi suspenso e manteve-se apenas o crédito para
aquisição de terras, e 15 dias de trabalho para a abertura de
estradas.
Portanto, os interesses relativos à emigração para o Brasil
possuíam características distintas. Em São Paulo, a chegada de
imigrantes italianos representava a substituição gradual da mão de
obra escrava nas lavouras de café. Já no Rio Grande do Sul, o
processo foi colonizatório, ou seja, com o objetivo de formar, em
pequenos lotes, colônias agrícolas essenciais para a produção de
gêneros alimentícios, além da defesa da fronteira, e do
‚branqueamento‛ da população.
Á vista disso, fica evidente que o chamamento da propaganda
imigracionista para o Brasil, era pensado com interesses
específicos. Logo, os imigrantes com melhores condições
financeiras foram encaminhados para o sul do país, portanto,
apesar de pobres, os imigrantes provindos da República de Veneza
ainda possuíam melhores condições de vida do que o restante que
se instalou nos cafezais do estado paulista.
O maior desejo dos emigrados era: ser dono da sua terra. Vale
salientar outros fatores que norteavam a vida dos venezianos, entre
eles: a religião e o desejo de sua prática livre, de uma identidade
cultural, um sentir-se pertencer, e o acúmulo de capital. Ambições
comuns para a maioria dos povos, mas praticamente impossíveis
de serem realizadas na Itália da época, pois, uma parcela
significativa dos imigrantes era pobre.
410
Esses imigrantes viram na Mérica a oportunidade não somente
de melhorar de vida, mas também de reconstruir o cotidiano
deixado para trás. Assim, após instalarem-se no Rio Grande do Sul,
mesclaram seus costumes e idiomas das diferentes regiões da Itália,
principalmente do Vêneto, com outras culturas. Ou seja, mesmo
partindo de uma Itália unificada, todo o processo de nacionalismo,
regionalismo e sentimento de pertença, ocorria de forma lenta,
portanto, defendemos que ainda no período de 1860 até 1900,
período de maior emigração para o Brasil, os imigrantes não se
sentiam ligados a Itália, mas sim a sua província. Este fator,
associado a oportunidade de uma nova vida ítala no RS, fomentou
a mescla de novos costumes, dando origem ao que é conhecido
atualmente como uma cultura do talian12.
É interessante que mesmo atingindo estabilidade econômica no
Brasil, os descendentes das famílias italianas, evidenciam ‚o amor
pela It{lia‛, destacando nas festas de família, as cores de sua
bandeira na decoração, e as cantigas e costumes italianos, como o
vinho, em uma mescla com o tradicionalismo rio-grandense, como
o churrasco e o local das confraternizações, por exemplo, os
CTGs13. Isto é apenas uma amostra dessa miscelânea de adaptações
de que os imigrantes e seus descendentes fazem uso. Há
geralmente nestes encontros familiares, a bandeira da Itália em
evidência, mas deixando de lado simbologias específicas da região
do Vêneto, ou das suas províncias, locais de partida dos patriarcas
das grandes famílias. Para o historiador italiano Giovanni Levi.
411
loucuras. Se aceitarmos as diferenças vamos fazer a pergunta: Porque
alguém faz referência à identidade? Um motivo é para discriminar o
outro. Outra pergunta: porque fazer parte de uma identidade? Ela
serve para nos diferenciar dos outros, dizendo que somos diferentes
(LEVI, 2015, p. 254).
412
de revolução, já que a unificação não trouxe melhorias
significativas para o povo, e esclarecendo que a maioria dos
italianos no exterior não aderiu a guerra, sendo a Itália considerada
como a p{tria ‚matrigna‛, ou seja, a madrasta que negligenciou os
filhos em dificuldade, que agora, tão distantes, nem mesmo
consideraram a possibilidade de retornar para defender o reino do
qual se sentiam vítimas sacrificadas‛ (RUGGIERO, 2016, p. 302).
Fica evidente que o sentimento nacionalista dos jovens
descendentes de italianos foi impulsionado por outros fatores.
413
conhecer a pátria de origem, associado a propaganda das mídias, e
até mesmo vendo a emigração de retorno como uma nova
oportunidade de melhoria sócio econômica, levou um número
significativo de jovens a aderirem a guerra.
Antônio de Ruggiero, relata a trajetória de Olyntho Sanmartin,
filho de italianos, que participou como voluntário de guerra, aos 18
anos de idade, partindo da cidade de Santa Maria da Boca do
Monte, com destino a Itália. Sanmartin escreveu um livro
autobiográfico contando sobre o desejo de conhecer a Europa, e a
inveja que viria a causar em seus amigos conterrâneos que
preferiram ficar no Brasil a participar da guerra. Como o país
aderiu a guerra somente em 23 de junho de 1915, o rapaz
acreditava que seria um conflito de curta duração, e que em
seguida a sua chegada na Europa o conflito terminaria. Encantado,
‚lembrava a ótima hospitalidade recebida em Porto Alegre, |s
custas do governo italiano, em um bom hotel com apetitosos
manjares, frutas, cigarros, bebidas‛ (SANMARTIN, 1997 apud
RUGGIERO, 2016, p. 303), mas esta suposta ‚alegria‛ durou
somente até o início da viagem, onde a bordo do transatlântico
‚Cavour‛, procedente de Buenos Aires, o jovem e outros milhares
de reservistas italianos em péssimas condições de viagem
percebem o descaso por parte do Estado italiano.
414
nem conhecer o camarada, teve que quitar a dívida (...). Esforçou-se
em reivindicar as suas razões, articulando com dificuldade um
discurso em italiano, a sua segunda língua, aprendida em casa e
provavelmente ainda viciada pela influência do dialeto Vêneto, mas
não encontrou a compreensão dos concidadãos que ele defenderia no
conflito (RUGGIERO, 2016, p. 305).
415
Acredita-se que a questão do voluntariado para guerra
também foi influenciada pelos jornais e revistas de caráter
patriótico, que buscavam enaltecer a pátria de origem. Portanto,
apesar do baixo número de jovens – se comparado com os registros
de italianos morando fora do país- terem respondido a convocação,
ainda é significativa a participação de milhares na Primeira Guerra
Mundial. Portanto, fica evidente que a origem da Itália conhecida
pelos descendentes, mesmo recém unificada, é da Itália ainda se
adaptando a uma nação, dessa forma, os costumes, crenças e
hábitos encontrados pelos soldados que aderiram a guerra eram
apenas resquícios daquilo que conheciam como a pátria dos pais,
‚ligados como eram aos regionalismos e localismos da recém
unificada pátria de origem, amadureceram no exterior uma
paradoxal nostalgia pelo ‚amor | p{tria‛ (FRANZINA, 2004, p.
242).
Em função de problemas de saúde, Olyntho Sanmartin é
liberado da guerra antes do final, mesmo assim, não permanece na
Itália, retorna ao Brasil, que descreve como sendo este o seu país.
Logo, a emigração de retorno a pátria de origem também torna-se
frustrada, pois o imaginário que se constrói é da Itália descrita
pelos antepassados, em que muito pouco, ou nada, se assemelha a
Itália consolidada na pós unificação. Assim, vive-se uma dualidade
e/imigratória, de fazer parte de uma país ainda vivo no imagético
das famílias, onde sentem-se pertencentes, e em contrapartida a
frustração vivenciada por aqueles que voltaram a Europa, mas não
se adaptando, retornam para o Brasil.
416
_ Anglo-germânica: motivada pelo desenvolvimento
econômico da Alemanha, devido a agressiva política externa
liderada por Otto Von Bismarck, chanceler do Império de 1871 a
1890, responsável por compor uma série de alianças diplomáticas,
voltadas principalmente para o Leste europeu, colocando a
Alemanha no centro das relações europeias. Além disso, o
Imperador Guilherme II criou a maior frota naval de guerra do
continente, com o objetivo de uma futura disputa com a Inglaterra,
além de apoiar o Império Austro-Húngaro em função do interesse
sobre os Bálcãs.
_ Franco-alemã: onde aconteciam conflitos em função da
Alemanha querer isolar a França, e conquistar a Alsácia e Lorena -
ricas em recursos naturais - durante o processo de unificação do
país, e ainda;
- Pangermanismo: união dos povos germânicos na Europa
central;
-Pan-eslavismo: a Rússia entrava em ‚defesa‛ dos povos
eslavos, e do revanchismo, a França tinha como principal objetivo
reaver a região da Alsácia e Lorena (WERNET, 1991).
Além desses fatores que impulsionaram a guerra, podemos
somar - a crise dos Bálcãs em 1808, onde a Áustria anexou a região
da Bósnia-Herzegovina, afetando os interesses da Sérvia e da
Rússia, desencadeando o movimento nacionalista sérvio, que
lutava pela independência da Sérvia, tendo como destaque o grupo
conhecido como Mão Negra, cujo integrante foi responsável pela
morte do herdeiro ao Império Austro-Húngaro. Portanto, com as
alianças formadas, dava-se início ao conflito com a pretensão que
fosse de curta duração, mas o que ocorreu foi o contrário, passando
por etapas como:
- Guerra dos movimentos: 1914-1915, com destaque a
Alemanha que invade a Bélgica para penetrar em solo francês;
-Guerra das trincheiras: 1915-1917, onde a Itália troca de lado,
fazendo parte da Entente;
417
-Entrada dos Estados Unidos da América: em 1917,
‚justificada‛ pelos altos investimentos realizados com a Inglaterra
e a França.
Dois principais acontecimentos foram decisivos para o término
da guerra. A entrada dos EUA ao lado da Entente, em abril de
1917, e a retirada da Rússia, em dezembro de 1917, devido a
revolução em curso no país que derrubou o czar Nicolau II. Desta
forma, os bolcheviques passaram a liderar a Rússia que
enfraquecida não retorna a guerra, assinando o Tratado de Brest-
Litovski.
Assim, com os Estados Unidos ao lado da Entente, e com a
chegada de mais de um milhão de soldados, além da ajuda
complementar de países da América Latina, levados a guerra em
função da pressão americana, fez com que os aliados da Alemanha
fossem derrotados. Wojciech Skrzatek, destaca:
418
Polônia. As minas de carvão da região do Sarre seriam cedidas à
França que poderia explorá-las durante quinze anos; a Prússia
oriental seria separada do resto da Alemanha pelo ‚corredor
polonês‛, que daria acesso ao mar B{ltico (para os poloneses) via
Dantzig que seria transformada em numa cidade livre sob o controle
da Liga das Nações14; a Alemanha perderia todas as suas colônias na
África, Ásia e Oceania. As cláusulas militares eram as seguintes: o
exército alemão seria reduzido a um contingente máximo de cem mil
homens- seria um exército profissional; a Alemanha não poderia
possuir armamento estratégico como forças aéreas, canhões pesados e
submarinos. A frota alemã deveria ser entregue aos aliados. A
margem esquerda do rio Reno seria desmilitarizada (WERNET, 1991,
p. 56).
14Em 1919 por iniciativa dos países vencedores da Primeira Guerra, foi criada a
Liga das Nações, que tratava-se de uma organização internacional, cujo papel
principal seria o de assegurar a paz, mas conforme ocorrido no cenário do pós
Primeira Guerra Mundial, a sociedade das nações foi falha.
419
Figura 2: Europa após 1918
Fonte: LEONE, Alba Rosa. Orientarsi nella storia. Milão: RCS Libri e Grandi Opere, 1995.
Considerações finais
420
consequência, milhares de imigrantes italianos partem da pátria
com destino ao Brasil, em específico da região do Vêneto para o Rio
Grande do Sul. Neste sentido, é importante frisarmos que a
emigração alemã para o estado mais meridional do país ocorreu em
massa, mas em períodos distintos da italiana. Os emigrantes
alemães, em número mais significativo, partiram para a América
Latina, e outras partes do globo em um período anterior a
unificação alemã, e também, de forma tardia, após a Primeira
Guerra Mundial, por medo de um novo conflito futuro, já que o
sentimento de revanche sempre foi forte naquele país.
Ainda, buscamos explanar sobre a questão de sentimentos de
pertencimento e nacionalismo, cujos conflitos regionais e/ou
mundiais podem despertar nos imigrantes, pois, uma leva
significativa de descendentes de italianos partiram do Brasil com
destino a guerra, tendo como motivações desde o espírito
aventureiro, a curiosidade em conhecer a pátria de origem dos
pais, e até mesmo, como uma oportunidade de melhoria e
crescimento sócio econômico. Em contrapartida ao sentimento de
pertencimento dos imigrantes italianos, foi a recepção na Itália,
onde encontraram além do cenário da guerra, a hostilidade e
pesado treinamento militar, portanto, percorrendo o caminho de
retorno ao Brasil. Assim, percebemos que os conflitos mundiais
também podem ser vistos como uma oportunidade de emigração
de retorno permanente, fato que para a maior parte dos descentes
de italianos não ocorreu, já que o imagético criado pelos filhos
destes italianos nascidos no Rio Grande do Sul, em nada se
assemelhava com o cenário encontrado.
Além disso, tratamos brevemente sobre as etapas da guerra, de
movimento e de trincheira, e as causas que fomentaram o grande
conflito. Portanto, a Alemanha tendo perdido o apoio da Itália, e
com seus aliados derrotados, principalmente com a entrada dos
EUA na guerra, ainda buscou lutar sozinha, mas devido à pressão
dos líderes junto ao governo alemão assinou o Tratado conhecido
como Versalhes, que impôs duras penas tanto no âmbito militar,
quanto territorial, com perda de cerca de 12% de território e 12% da
421
população, e consequentemente no que diz respeito a economia, a
política, e enfim, atingindo todos os setores da sociedade.
Por conseguinte, a Primeira Guerra Mundial, no plano
internacional, determinou o fim da hegemonia europeia, dando
espaço para os Estados Unidos, que conseguiu lucrar com o
conflito. Quanto a Alemanha, mesmo sendo obrigada a assumir
integralmente a culpa e arcar com os prejuízos em torno de 33
bilhões de dólares, motivada pelo desejo de revanche, e
consequentemente, este sentimento aflorou na Europa,
oportunizando ideologias totalitárias – como por exemplo, o
nazismo alemão e o fascismo italiano- eclodindo no mundo o
horror da Segunda Guerra Mundial.
Referências
422
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Janeiro: DP &A, 2011.
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et al (Orgs.). Micro-história, trajetórias e imigração. São Leopoldo:
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Sanmartin. História Unisinos, 2016, v. 20, n. 3.
SKRZATEK, W. De Marne 1914 a Marne 1918: as grandes batalhas
da Primeira Guerra Mundial. História: Debates e Tendências – v.
14, n. 2, jul./dez. 2014, p. 280-291.
SMITH, A. D. A Identidade Nacional. Lisboa, Gradiva, 1997
423
424
A liga brasileira dos aliados e
a primeira guerra mundial
Pâmela Pongan1
Introdução
425
Para tal, utilizou-se da análise de fonte e materiais publicados na
imprensa fluminense do período.
Os artigos e as propagandas são de páginas dos jornais de
grande circulação à época. Na imprensa fluminense, ocorriam
assíduos debates, divergentes opiniões, seja em relação às ações da
referida entidade, bem como por discordâncias em relação aos
favoritismos evidentes nas análises da guerra feitas por seus
publicistas. Nesses escritos, tornava-se nítida a não existência de
uma homogeneidade, seja por parte dos leitores, ou por
colaboradores do período acerca do conflito europeu. Existindo
uma gama rica e variada de assuntos referentes aos reflexos da
Primeira Guerra Mundial no Brasil, o presente artigo pretende
contribuir na percepção de tais reflexos.
426
política do país, simultaneamente ao exercício do papel de
criadores e mediadores culturais.
Nos debates intelectuais, ficava nítido o caráter extremista do
combate, abordando conceitos como barbárie, civilização e
nacionalidade, chegando a surgir comentários de que o conflito
representava o fim da civilização moderna. Ao longo de toda a
guerra, países acusavam seus oponentes de barbárie, buscando
denegrir a imagem do inimigo e ganhar a opinião pública,
justificando suas ações como tentativas de finalizar o conflito.
Cotidianamente, esses intelectuais expunham suas opiniões e
conclusões na imprensa através da publicação de livros, ou mesmo
através de conversas nas confeitarias. A noção de modernidade
compreendida por esses ‚intérpretes‛ baseava-se nas noções de
progresso, civilização e nacionalidade. O desencadear da Primeira
Guerra Mundial na Europa disponibilizou novos elementos para o
pensamento da construção da nacionalidade e da modernização
brasileira. Por meio da reflexão sobre o confronto europeu,
percebeu-se a eclosão de diferentes projetos de Brasil, constatados
nos embates intelectuais da imprensa fluminense.
Um exemplo é o Império Alemão, que foi diversas vezes
apresentado como uma nação de bárbaros, que visavam propagar a
irracionalidade e a escravidão pelo mundo; sendo assim, lutar
contra eles significava defender a humanidade e seu progresso. No
Jornal do Commércio, um artigo original do periódico inglês The
Spectator, deixa claro essa visão, afirmando que a destruição do
Reich é uma ação para alcançar a paz:
427
Os intelectuais do Brasil logo assumiram as discussões diante
do conflito na Europa, abordando todos os seus aspectos, mas
pendendo para o lado que traria vantagens ao país em relação às
potências mundiais. As opiniões diferiam entre os que defendiam a
união aos aliados, conhecidos como aliadófilos; outros visavam um
alinhamento com os alemães, chamados de germanófilos; e havia
ainda os que apoiavam a neutralidade.
Apesar das divergências no pensamento, os três grupos tinham
consciência que, independente do posicionamento do Brasil em
relação ao conflito, o país estava em um momento delicado e
decisivo de sua política internacional, mesclando interesses
mundiais com necessidades nacionais, assim como o
direcionamento escolhido seria crucial para seu papel no cenário
político internacional no pós-guerra.
O pensamento baseava-se em torno do posicionamento
brasileiro diante do conflito, e, por meio das conclusões
encontradas, expunha-se a cadeia reflexiva sobre o futuro nacional.
As discussões marcavam as páginas de periódicos cariocas, como o
Jornal do Brasil e o Jornal do Commércio, onde eram publicadas
colunas a respeito do conflito todos os dias, além de cartas
endereçadas aos jornais publicadas na íntegra. Assim, os
defensores da neutralidade viam ficar cada vez mais frágil essa
posição, diante das pressões internas e externas. Entretanto,
permaneciam combatendo os argumentos que defendiam a entrada
do país na guerra, sob acusações de falta de patriotismo, alegando
que somente a neutralidade era capaz de manter os interesses
brasileiros.
No Jornal do Commércio e no Jornal do Brasil, as notícias sobre
a guerra eram apresentadas de maneiras divergentes. A publicação
e as notícias sobre a guerra em ambos eram diárias. O Jornal do
Commércio expunha na primeira página as notícias referentes ao
conflito, na seção ‚Telegramas – A Guerra‛. Existia uma boa
quantia de notas curtas sobre as batalhas, algumas invasões, o
falecimento de comandantes, declarações de governos entre outros;
as declarações de opiniões, geralmente, faziam parte das seções
428
‚Gazetilha‛ e ‚Publicações a pedidos‛, respectivamente, na
segunda e últimas páginas, antecedendo as propagandas.
No Jornal do Brasil, por sua vez, as notícias sobre o confronto
eram expostas na segunda ou terceira página; declarações de
opiniões, em geral, eram expostas na seção ‚Notici{rios‛ ou mesmo
soltas em um emaranhado entre o meio e o final do número. Em
sua maioria, eram cartas e artigos endereçados às redações desses
jornais, anônimos, ou assinados, comentando a guerra, em alguns
momentos com o tom de indignação, e em outros com tom de
perplexidade, entretanto nunca deixavam de mencionar o Brasil, e
a perspectiva brasileira, na busca de extrair lições para o futuro
político, econômico e cultural da nação.
O grupo dos germanófilos alegava que, ao lado dos alemães, o
Brasil alcançaria o progresso técnico, pois para eles a Alemanha era
exemplo de renovação. Os aliadófilos, em contrapartida,
afirmavam que o país deveria entrar na guerra ao lado da Tríplice
Entente. Este grupo reunia jornalistas, políticos e escritores, em sua
maioria cariocas, admiradores da cultura francesa e a favor do
rompimento total do Brasil com a Alemanha.
429
Dentre algumas personalidades que o compunham estavam
Ruy Barbosa, Paulo Barreto, Graça Aranha e Olavo Bilac, que ‚*...+
segundo suas opiniões, representariam o verdadeiro ideal de
liberdade e democracia para o mundo, defendendo-o contra a
barb{rie germ}nica.‛ (PIRES, 2011, p.03). A partir deste princípio, a
Inglaterra e a França estavam lutando não por interesses
particulares, mas pela sobrevivência da humanidade civilizada e
latina. Assim, o pensamento brasileiro entrava em concordância
com o pensamento aliadófilo europeu, que defendia o
aniquilamento do Império Alemão, pois viam neste uma ameaça à
civilização e | liberdade. ‚Assim, o Brasil, enquanto pertencente |
cultura latina, deveria demonstrar apoio para com seus pares.‛
(PIRES, 2011, p.04)
Existia uma maior quantia de notícias referentes às ações da
Tríplice Entente, o que pode ser consequência de um contato maior
agências de notícias provenientes destes países, como por exemplo
a Agência Havas, com sede em Paris. Mesmo assim, ambos os
jornais se usavam de um tom da neutralidade em suas notícias,
respeitando, inicialmente a posição oficial do governo brasileiro. O
Ferro, fogo e ideias deveria ser espaço para a manifestação das
opiniões, porém era outro. Sua primeira página era deixada, e a
segunda e terceira era onde publicava-se sem nenhum destaque,
juntamente a outras temáticas, como casos políticos nacionais
resenhas de livros, ações tomadas pelo Congresso, dentre outras.
Desta forma, cada navio brasileiro atacado por submarinos
alemães era visto por estes intelectuais como uma ação que exigia
retaliações à altura por parte do governo brasileiro, cobrando isso
através de colunas publicadas em diversos jornais cariocas, e tendo
neste posicionamento uma forma de o Brasil mostrar solidez e não
se acovardar diante dos inimigos. Para eles, outra covardia era a
neutralidade. Se manter neutro era se omitir da responsabilidade
de proteger a liberdade do mundo, em prol de propósitos
econômicos. Alguns intelectuais chegavam a afirmar que a
neutralidade era sinônimo de consentir com interesses alemães,
430
conforme afirma Reis Carvalho, após um navio brasileiro ser
interceptado por submarinos alemães.
Que é que nos retém em dar todo o nosso auxílio positivo aos
aliados? Os interesses!... Então, por consideração a alguns traficantes
boches das nossas grandes cidades e por consideração às colônias
alemãs esparsas em nosso território, mentiríamos o nosso passado,
renegaríamos o nosso ideal, repudiaríamos os nossos deveres para
com essa nobre civilização que nos foi dada no sangue dos nossos
antepassados europeus? (ARANHA, 1916, p.07)
431
Em relação aos germanófilos, os aliadófilos contestavam
duramente, defendendo que estes eram minoria na população
brasileira, atraídos, de maneira geral, pelo progresso econômico e a
cultura alemã. Diante dos germanófilos, F. Mendes de Almeida
Júnior fez a seguinte declaração:
432
Este grupo foi formado com o objetivo central de promover os
aliados diante a população brasileira, conquistando a simpatia do
público diante da causa. Seu termo de adesão, publicado no Jornal
do Commércio, afirmava: ‚Por estarmos convencidos na guerra
atual a verdade, a justiça e a razão que, aliadas, combatem o
militarismo e o imperialismo alemães, declaramos aderir à
fundação de uma liga, com o fim de prestar assistência moral e
beneficência a essas nações. ‛ (VERÍSSIMO, 1915, p.02). J{ Graça
Aranha declarou ser o objetivo do grupo: ‚organizar as simpatias
brasileiras em prol da França‛ (ARANHA, 1915, p.2). Além de
visar alertar aos brasileiros sobre a ‚*...+ ameaça do chamado perigo
alemão, definido como a ambição do Kaiser de apossar-se de uma
parcela do território brasileiro, através das colônias alemãs
localizadas no sul do país‛ (PIRES, 2011, p.07).
Qualquer cidadão podia se integrar na Liga; bastava residir no
Brasil e declarar por escrito sua adesão a mesma. Também eram
aceitos estrangeiros, desde que nascidos em países neutros e
declarassem simpatia aos Aliados. A atuação da Liga Brasileira
influenciou o surgimento de outros grupos semelhantes em outros
Estados brasileiros, como a Liga Paranaense pelos Aliados, no
Paraná, e a Liga Pró-Aliados, no Espírito Santo.
433
Rio de Janeiro o artista plástico holandês Luis Raemackers,
conforme divulgado no Jornal do Commércio:
434
da cultura em uma palavra – da civilização francesa na formação da
nossa mentalidade e da nossa alma nacional. [...] Enquanto a França
domina o coração e a inteligência dos homens e dos povos, os
cientistas alemães se esforçam vãmente em conquistar a hegemonia
germânica no globo: mas como os processos prussianos são os da má
fé e o da violência, o da força [...] A Alemanha não pode ser amada na
terra. (MACHADO, 1916, p.04)
435
do Comitê Franco-Brasileiro, em 1916. Além disso, todas as ações e
manifestações organizadas pela Liga Brasileira eram noticiadas em
periódicos internacionais, como o artigo de Louis Guillaine,
especialista francês em América Latina, que escreveu sobre o caso
de navios alemães estarem ancorados em portos brasileiros, este
noticiado no Jornal Havas, e no Brasil, no Jornal do Commércio:
Pareceria aos demais estranho que o Brasil, por causa dessa concessão
justamente qualificada de humilhante e injuriosa pela Liga dos
Aliados do Rio de Janeiro, renuncia-se ao soberano direito e ao
exercício das suas próprias leis, por diferenciar para com um país que
não se preocupou de lhe resguardar as legítimas suscetibilidades, os
interesses da sua vida econômica. (Jornal do Commércio, 1916, p.01)
Diz o Sr. Aulard que foram os bem sucedidos esforços da Liga pelos
Aliados que criaram o estado de espírito de que se gerou aquela
manifestação. Cita os membros diretores da Liga, prestando
homenagem à sua atividade fecunda e à sua inteligência, e descreve a
maneira como a Liga ampliou o movimento da simpatia que já
naturalmente existia pela França. (1916, p.01)
436
brasileira a importância dos aliados na luta pela liberdade e justiça
diante da ameaça alemã.
O Jornal do Commércio publicou uma carta de Artur Peel,
embaixador inglês no Brasil, solicitando da Liga 500 exemplares da
conferência L’[merique en face de la conflagration européene, de
Sá Vianna, que iriam ser utilizadas como propaganda. A
correspondência afirmava: ‚O Ministro das Relações Exteriores da
Grã-Bretanha considera que a tese que desenvolveste dá apoio
moral de um grande valor à causa da justiça e, por esse motivo, S.
Ex. deseja fazer onde ela ainda não est{ conhecida (...)‛ (Jornal do
Commércio, 1916, p.06).
A Liga atendeu rapidamente o pedido, reimprimindo os
exemplares e distribuindo em revistas e jornais, nacionais e
internacionais, de forma gratuita. ‚Esta não seria a última
publicação com intenção propagandística promovida pela Liga
Brasileira. Em junho de 1917, chegava ao Brasil o livro Le plan
pangermaniste démasqué: Le redoutable piège berlinois de la
partie nulle, escrito pelo jornalista francês André Chéradame.‛
(PIRES, 2011, p.11).
André Chéradame, em seu livro, buscou ‚documentar a
opinião pública aliada e neutra acerca do plano berlinez de
dominação mundial‛ (CHÉRADAME, 1917, p.LXIV). Seu objetivo
central era a criação da Confederação Germânica da Europa
Central, formada pelos países do Leste Europeu e a Áustria-
Hungria, além da Rússia e as colônias africanas. Segundo o autor, a
Alemanha teria como alvo de cobiça o Brasil, já que a maior parte
dos alemães que residiam na América do Sul estavam localizados
da região sul brasileira. Este plano pangermanista tem sua primeira
versão datada de 1895, modificada em 1911.
437
da lei de Delbrück, uma considerável parte deles, ficaram sendo ou
tornaram-se de novo dedicadíssimos súditos de Guilherme II.
(CHÉRADAME, 1917, p.294)
438
sobre a ameaça alemã para todos. A união da Liga e de Chéradame
para emitir esse alerta diante do pangermanismo e do perigo
alemão ocasionou movimentação dos adeptos da política de
reaproximação entre Brasil e Portugal.
439
países latinos, que, apesar de ter uma excelente produção
comercial, intelectual e militar, é bruta e dificilmente destrutível.
440
Através desses textos, é possível identificar três
posicionamentos em relação à Guerra: um que apoiava a Alemanha
e seus aliados; outro que defendia a Tríplice Entente; ou mesmo o
que mantinha a neutralidade em sintonia com a posição oficial.
Vale observar que, que em nenhum desses posicionamentos, era
defendida a entrada efetiva do Brasil na guerra, na contribuição de
armas e homens. Tais manifestações se davam em torno da
aprovação dos motivos e ações de um ou outro lado, a qual desses
o Brasil tinha o dever de delegar o seu apoio moral.
Assim, fica nítida a ativa e extensa rede de letrados que unidos
em Brasil e Portugal, diante da ideia de um perigo alemão
existente, durante a Primeira Guerra Mundial, além do medo da
concretização do plano pangermanista, apresentado por
Chéradame, tornaram-se argumentos de defesa da Liga Brasileira
dos Aliados diante do seu ideal de nacionalidade brasileira,
tornando-a uma nação civilizada e moderna. A união entre o
movimento defensor de uma comunidade luso-brasileira e a
Revista Atlântida reuniu forças que pretendiam lançar seus países
como potências mundiais, buscando na ascendência latina e no
combate ao pangermanismo uma chance de integrar esse grupo
restrito. Entretanto, a questão estava centrada na construção da
nacionalidade dos dois países, que sonhavam em reconquistar o
prestígio perdido no passado de glórias, além de buscarem provar
para o mundo seu valor e importância, apresentando sua linhagem
e grandeza.
Considerações Finais
441
campanha em prol dos Aliados no Brasil. Entretanto, pode-se notar
que a mesma acabou por extrapolar seu ideal inicial que era o de
prestar a assistência moral e beneficência a essas nações.
No Brasil, no período da Primeira Guerra, evidencia-se o
posicionamento dos atores político-culturais que buscaram utilizar-
se do conflito como pano de fundo para realização de diagnósticos
do país, tentando influir no direcionamento das atitudes
apresentadas pelo governo e conformar uma ‚opinião pública‛. A
Liga Brasileira pelos Aliados, utilizada no debate sobre a guerra,
expressa o desejo pelo progresso, pela conquista de uma nação
moderna, e, acima de tudo, pelo reconhecimento de tal condição
por parte da comunidade internacional. A associação auxiliou a
exposição de opiniões em relação a diversos temas onerosos à
intelectualidade brasileira do Século XX. Em suas páginas, os
boletins, as conferências e artigos fluminenses, que eram
publicados periodicamente estampavam uma preocupação com a
formação de uma cultura nacional, uma nacionalidade brasileira.
Consolidou-se uma cultura pátria relacionada de forma direta à
Europa greco-latina, esta como herança da colonização portuguesa.
O que se torna evidente não só através da afirmação do
alinhamento natural do governo federal aos Aliados, mas também
pelo repúdio ao imigrante alemão, esse retratado como sujeito
estranho e desagregador dentre a nação.
A confirmação feita pela Liga Brasileira pelos Aliados
evidencia-se na conduta do Segundo Reich no conflito mundial. A
associação vai muito além das preocupações com a nacionalidade
mostrando- se como lugar de ação política. Diversos de seus
membros eram indivíduos que possuíam cargos dentro dos
poderes do Estado, se mostrando assim ativos no cenário político
na década de 1910. A relação com a política era algo comum entre a
intelectualidade brasileira do período, a qual se mostrava ávida em
fazer parte da edificação da República à pouco fundada. A liga, na
tentativa de influenciar as tomadas de decisões e ações do governo
perante a Guerra, buscou arrecadar destaque dentre os quadros do
poder, e, dessa maneira, não só na significância para os seus
442
integrantes, mas também a participação nos projetos em prol da
nação brasileira.
Partindo dessas percepções, o impacto da Guerra apresenta
novos nuances, que vão além da influência sobre a economia
brasileira e o preço do café. Esse conflito acaba por auxiliar na
compreensão do pensamento dos intelectuais brasileiros, da busca
na construção da nação e do sentimento nacionalista nas primeiras
décadas do século XX; baseando-se em uma reflexão acerca da
Guerra e suas consequências, os membros da Liga pelos Aliados
pensavam sobre o futuro almejado para o Brasil, futuro este que
dependia da construção de uma nacionalidade brasileira.
Referências
443
PIRES, L. C. A Liga Brasileira pelos Aliados e o Brasil na Primeira
Guerra Mundial. IN: Anais do XXVI Simpósio Nacional de
História – ANPUH: São Paulo, julho 2011.
444
Memória e movimentos sociais:
a greve dos professores de Manaus em 19831
Introdução
1 Este texto faz parte da pesquisa para construção da Dissertação de Mestrado pelo
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas
denominada ‚Da Lousa | Luta: Organização, Mobilização e luta dos professores
amazonenses na década de 1980‛.
2 Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da
445
(BATALHA, 2002). Procura-se ainda afastar-se do modelo de
história do trabalho ligado aos estudos paulistas e cariocas, e que
acabaram ao longo do tempo, representando a generalização do
que seriam pesquisas sobre o Brasil, embora que estas fossem
regionais. Para Silvia Petersen
4 Cf. SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiências e lutas
dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-1980. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988.
5 GOHN, Maria da Glória. História dos Movimentos Sociais: a construção da
cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 1995; CARVALHO, José Murilo de.
Cidadania no Brasil: o longo caminho. 15ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2012.
446
condições de salários e de trabalho, o que resultou em organização
das diversas categorias que buscaram a resolução dos problemas
vividos por estes. Para Charles Tilly:
6 Sobre a crise instaurada no governo de João Goular, Cf. CODATO, Adriano Nervo. O
Golpe de 1964 e o regime de 1968: aspectos conjunturais e variáveis históricas. História:
Questões e Debates, Curitiba, nº 40, p. 11-36.
7 Sobre a Crise instaurada no Governo de João Goulart, Cf. SILVA, Francisco Carlos
447
Ditadura Civil Militar para denominar no governo dos militares
entre os anos de 1964 a 1985, período onde ocorreu a participação
de parte da sociedade civil na consolidação do governo ditatorial.8
Neste contexto,
448
período da ditadura9, deram lugar a novas siglas partidárias. A
ARENA, transformou-se no Partido Democrático Social (PDS) e o
MDB no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e o
Partido Popular (Partido Popular), este segundo fruto de uma ala
moderada, mas que se fundiu novamente com o PMDB, tempos
depois. Com o retorno dos exilados após a lei de anistia, a cisão dos
trabalhistas do PTB, ocorreu a criação do Partido Democrático
Trabalhista (PDT) sob liderança de Leonel Brizola, que retornara do
exílio. Em 1980, surge o Partido dos Trabalhadores (PT), que tinha
em seu corpo, centenas de militantes oriundos da Igreja Católica,
sindicalistas e metalúrgicos paulistas. (CARVALHO, p. 175-176).
No fim da década de 1970, com as greves dos metalúrgicos do
ABC Paulista, ocorre uma efervescência dos movimentos sociais e
um reforço às ações de luta em prol dos interesses dos
trabalhadores. Assim, neste ‚aquecimento‛ das mobilizações, o
movimento dos trabalhadores acabou interferindo em novas
relações políticas, pois, dentro desses acordos, essa massa não
estava inserida, o que levou a um reforço nas ações de labutadores
de diversas categorias.10 Assim, o que se viu, foram categorias
buscando o alcance dos seus direitos, onde os metalúrgicos
paulistas foram uma das categorias importantes nesse processo de
enfrentamento político. Para Santana, nesse contexto
9 Até o fim do bipartidarismo em 1979, existiam dois partidos que deveriam em tese
ter papel de posição e oposição. A ARENA – Aliança Renovadora Nacional, fundada
em 1966, fazia o papel de ‚situação‛ em apoio ao governo vigente. O MDB –
Movimento Democrático Brasileiro tinha uma postura oposicionista, contudo de
forma controlada pelo governo militar.
10 Os novos partidos surgidos com a abertura política se articulavam com o poder que
449
1979 e 1980, às quais, em volume ainda maior que na anterior, se
incorporam outras categorias (bancários, petroleiros, professores etc.)
em todo o país, em uma verdadeira ascensão da classe trabalhadora
no Brasil no período. (FERREIRA; DELGADO, 2007, p. 289).
11No caso de interesse a este trabalho, datas e personagens, estarão tendo um suporte
da imprensa manauara à memória dos entrevistados.
12 Cf. PORTELLI, Alessandro. A filosofia e os fatos: Narração, interpretação e
significado nas memórias e nas fontes orais. Tempo, vol. 1, nº 2, dezembro de 1996, p.
59-72.
450
com intenso registros escritos, porém mais uma vez salientamos
que tais fontes precisam ser apoiadas nos diferentes tipos suporte
teóricos e metodológicos. Para Alessandro Portelli
451
sendo aluno, dedicando-se a partir daí às disciplinas de História e
Geografia. Estava certo da docência pois “tinha que arrumar um
emprego que me oferecesse condições de sobrevivência quase imediata”13,
lembrou o professor em sua entrevista. Concluído o Curso de
Magistério no Instituto de Educação no Amazonas (IEA), foi cursar
Filosofia na Universidade do Amazonas (UA) na década de 1960,
em virtude de não haver o curso de História na capital
amazonense. Neste interim, já era professor da rede estadual de
Educação. O então professor de História, foi Diretor do Colégio
Estadual do Amazonas em 1971 (BATISTA, 2018, p. 261). Após a
conclusão da graduação em Filosofia, é convidado para lecionar no
curso de História que estava sendo criado na UA no início da
década de 1980, contudo, não se afastou da docência na educação
básica, estreitando ainda mais, laço com o movimento dos
professores deste segmento. A década de 1980, torna-se para o
educador, um período que urgia a necessidade de fortificar o
movimento dos professores, a partir dos exemplos do ABC
Paulista, o que descambou na organização dos movimentos
docentes em Manaus, ou como ele expressa, no ‚fortalecimento‛ da
luta dos professores manauaras.
452
própria ditadura e preparamos e quando foi no início da tarde, no
final da tarde eu disse para o pessoal que eu não podia ficar, eu tinha
um problema de saúde também muito sério e eu tava com uma dor
de cabeça violenta e eu tive que ir embora, eu disse olha eu não vou
poder aguentar e ficar pra noite, e foi nessa noite que a polícia entrou
na PUC, não deixou pedra sobre pedra, prendeu todo mundo que
estava lá, professores e alunos e deixaram essas pessoas no relento até
o dia seguinte para levar pra cadeia. Quer dizer, foi uma coisa
terrível, daí eu passei a me dedicar diuturnamente a romper com essa
[inaudível] em defesa da democracia né? E lutar contra essa situação.
Foi quando eu fiquei lá e quando em setenta e nove eu já estava em
Manaus, [...] eu conversando com vários outros professores e ex-
alunos da própria universidade e eu tinha uma grande influência
também no Estado, começamos um trabalho de organização dos
professores. Ai é que nasce realmente a criação da APP, a criação não,
o fortalecimento da APPM, APPM né? APPM, então era Associação
Profissional dos Professores de Manaus, então aí já é uma história
que dá, é uma história que traz as questões que envolve de uma tal
maneira o deslanchar desse processo da APPAM depois [inaudível]
SINTEAM e que vai culminar com esse trabalho chamado ‚Batalha
do Igarapé‛, então, mas começa ai nesse processo.14
14Ibid., p. 3-4.
15 Mesmo a fundação do PT no Estado tenha sido iniciada com os professores
manauaras, o partido também se envolveu na organização de trabalhadores de
outras categorias que foram sendo agregados aos movimentos sociais que se
reanimavam a época. Para conhecimento de outras categorias que se mobilizaram
453
docente como impulso na organização do professorado por melhores
condições de vida e trabalho. Para ele:
454
segundo grau17 onde lecionou a disciplina de História nas unidades
públicas de ensino da capital amazonense. Hoje é professor
aposentado das Secretarias de Educação do Estado do Amazonas e
do Município de Manaus. Atualmente continua envolvido nos
movimentos sociais do Amazonas, atuando como membro do
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e assessorando o Sindicato
dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos no Amazonas. Para
ele, o movimento docente manauara foi um dos pioneiros no
aquecimento dos movimentos sociais no Amazonas, pois
455
onde tinha células se apresentando pra luta política a gente tava junto
nessas reuniões, fazendo reuniões todo tempo e levando professores
e de outras categorias pra fazer esse processo da luta política,
organizando como nós poderíamos fazer essa luta, passamos um
tempão sem nada, a experiência tava dando certo no ABC Paulista, a
gente tava pegando todas as informações do que tava acontecendo, a
pauta de reinvindicações nacional, de como tava sendo conduzido, e
a gente não poderia ficar de fora desse processo. Então Aloyzio
conduziu muito bem dois mandatos que ele fez, conduziu muito essa
luta política aqui (...) na luta política no Estado do Amazonas. Ele foi
bem por que ele sempre tinha abertura. Por que ele fez o processo
aberto? Por que ele trabalhava em cima de princípios. E qual era o
princípio? O princípio da autonomia. A gente muito esse princípio da
autonomia, que bem podia ser em relação ao Estado, ao governo ou
ao próprio partido, entendeu? Princípio da democracia, que é aberto
pra todos, que independe, aqui não depende do partido político A, B
ou C, todos aqui são associados, e pode até ter partido político,
alguém ser de partido político, mas aqui não, aqui são os sindicalistas
exercendo uma tarefa, era essa a estratégia nossa... isso que ele
colocava também. Ele é apartidário, mas não significa que ele não seja
político, todo movimento é político. (...) E o Aloyzio sempre foi muito
aberto, por que pra princípio foi aprovado em plenária num
congresso nosso esse princípio básico pra gente fazer a luta política,
então ele sempre respeitou as opiniões. A divergia ela faz parte do
processo burocrático e a gente queria entender melhor como a
categoria estava vendo todo esse nascer, renascer da luta sindical no
Estado do Amazonas. Ele conduziu muito bem isso aqui.20
20 Ibid., p. 3.
456
A minha trajetória como professor no ensino médio e sobretudo no
ensino superior foi um pouco com essa preocupação, quer dizer uma
postura mais pragmática, trabalhar o ensino pra uma realidade
concreta, pra resolver problemas concretos seja como professor de
Moral e Cívica ou OSPB (Organização Social e Política do Brasil) 21
quando inicie minha carreira na década da Ditadura Militar e depois
como professor de História na própria UFAM (Universidade Federal
do Amazonas). Então eu tenho já quarenta e dois anos de experiência
no magistério. Fui professor no ensino fundamental, ensino médio e
Ensino superior e também professor de Curso de Pós-Graduação. 22
457
nos mais importantes como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e
conseguiu maioria na Câmara dos Deputados” (SILVA, 2007, p. 177).
Neste contexto das eleições diretas para os estados, chega ao poder
Gilberto Mestrinho pelo Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB) numa disputa com Josué Filho do Partido
Democrático Social (PDS) em 1982.
Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo, começou na política
amazonense, ainda na década de 1950 como prefeito de Manaus, na
época indicado por Plínio Coelho. Ainda nesta década, em 1959,
inicia seu mandato como Governador do Estado do Amazonas,
onde rompe com Coelho, numa disputa pelo domínio político do
Estado. Em 1962, reata politicamente com Plinio Coelho auxiliado
por João Goulart, onde em outubro do mesmo ano, elegeu-se
Deputado Federal pelo território de Roraima, contudo, em Abril de
1964, teve seus direitos cassados pelo AI-1 que expurgou diversos
políticos do cenário político brasileiro. Com o processo de abertura
política, retornou ao governo do Amazonas com as eleições diretas
para governadores no ano de 1983.
Aloysio Nogueira teve uma relação de enfrentamento com
Gilberto Mestrinho, por conta do movimento dos professores. Ele
relata parte da trajetória de Mestrinho, assim
458
estava num festival folclórico de Manaus ali na praça General Osório,
onde é o Colégio Militar tem uma praça ali... Ele tava discursando
quando disseram pra ele que ele ia ser cassado ali, e de fato foi né? ele
foi cassado (...)24.
(...) e daí vem esse grande movimento MDB né? movimento MDB, e é
nesse processo é que surge por exemplo o PT rompendo com isso.
Com esse tipo de política né? mais uma série de partidos, sobretudo
PCB e o PCdoB eles fecham com a figura de Gilberto, (...). Muito bem,
o Gilberto assume num combate, num combate à ditadura pra
assumir o governo como sendo um governo democrático, perfeito?
Essa é a grande palavra (...) Muito bem, em oitenta e dois Gilberto sai
candidato, o PT sai com candidato também, o PT não tem, sai sozinho
praticamente, mas as outras forças todas foram para o guarda-chuva
do PMDB era um grande partido, era guarda-chuva esse é que é a
verdade, o PT não! Qual é essa diferença? Essa diferença vai influir
no movimento, por que nós, por exemplo APPAM, ele teve um
enfrentamento muito firme contra o ultimo governo da ditadura, era
o professor da universidade José Lindoso, nessa época fazendo
parênteses a negociação que nós tivemos com o governo Lindoso, (...)
e eu fui o dirigente que sentou a mesa de cara com ele, daí é que o
pessoal observa e diz é a nossa liderança, tá vendo? (...) Então, (...) o
459
Gilberto estava por fora com o apoio desses partidos políticos e nós já
dizíamos na época, nós vamos ter problemas, por que a maneira
como o Gilberto governa, ele vai repetir o que fazia antes, não deu
outra.25
Era mal visto. Só de você ver. Você pune o professor, ele não se via
assim eleito pelos professores, mas eleito pelo povo do Amazonas,
primeiro por que ele chamava de grupelho nós ali que estávamos a
frente da luta, então ele era muito mal visto pela categoria dos
professores. Esse é um aspecto interessante de ser visto. Depois, pelo
fato desta repressão ter acontecido ele ficou pior ainda. 26
25 MEDEIROS, Gerson., p. 8
26 MEDEIROS, Gerson., p. 9.
27 Regime de Trabalho, onde o servidor adentra ao serviço público através de
460
momento, mas que foi de suma importância no processo de luta
dos docentes. Sobre esse fato Gerson explica
Memórias da Greve
461
estado, a contratação de professores temporários em ano eleitoral,
quando havia concursados aguardando a chamada para nomeação
e o não pagamento do 13º salário, a mobilização de 1983 trouxe
outra característica diferente de movimentos anteriores: a
participação do interior do Estado destacando-se os municípios de
Itacoatiara e Fonte Boa. (DIEDERICHS, 1997, p. 92)
As tentativas de negociação eram infrutíferas, e a postura de
Mestrinho com os docentes, se mostravam complicadas para o
êxito das demandas docentes. Gerson Medeiros expõe essa situação
30 30 MEDEIROS, Gerson.,p. 5.
462
dirigindo a entidade a época porque o dirigente [inaudível] setenta e
nove oitenta, depois passaram pra outro, quem estava dirigindo essa
entidade, ele até morreu o dirigente, o Barbosa, Barbosa, mas o
Barbosa não tinha, é isso que eu te digo não tinha a oratória e não
tinha a capacidade de agregar o... ele foi praticamente atropelado
rapaz, sem querer: ‚pode ser, não você vai e faz a proposta‛. Então eu
é que falava, eu que dirigia, enfim retomei todo aquilo que eu fazia
antes desse movimento, então tanto é que surgiu a greve de fome,
sabe essa igreja aqui da praça quatorze ali na Duque de Caxias, na
Visconde de Porto Alegre? como é o nome? São José Operário, rapaz,
eu nunca tinha visto aquilo rapaz, o Ricardo Bessa foi um dos que
entrou em greve né de fome, o Barbosa o também, o presidente
entrou em greve de fome, como é que, desistir da presidência, como é
que pode, ele foi, que dizer ele foi, daí deixou o flanco aberto né, mas
daí tinha um grupo que o apoiava, e nós seguramos a barra, rapaz foi
uma parada (...)31.
463
A memória também é constituída por três elementos:
acontecimentos, personagens e lugares. Os acontecimentos estão
ligados a pessoas que viveram um fato pessoalmente ou por tabela.
Acontecimento por tabela, diz respeito a importância que um fato
tem no imaginário da pessoa dando a incerteza da participação ou
não deste. O segundo elemento da memória são os personagens,
que na mesma perspectiva dos acontecimentos, pode estar presente
na memória por tabela. Por fim, os lugares, outra parte da
memória, constitui-se de uma lembrança pessoal, mas ‚pode
também não ter apoio cronológico‛ (POLACK, 1991, p. 2-3).
Esse apoio cronológico, ou as datas, dentro da memória é
descrito por Polack
464
tirado, ou seja, ele fez pior que a Ditadura. Quando nós tentamos o
diálogo pra tentar levar nossa pauta de reinvindicação, ele disse que
não ia atender e não quis atender e nós dissemos que nós iríamos
invadir o Pal{cio, aí ele respondeu: ‚Se invadir o Pal{cio, eu vou
meter a peia nos professores‛.34
465
rapaz uma assembleia monstruosa rapaz eu não estava dirigindo a
entidade a época porque o dirigente (inaudível) setenta e nove
oitenta, depois passaram pra outro, quem estava dirigindo essa
entidade, ele até morreu o dirigente, o Barbosa[...]. Então eu é que
falava, eu que dirigia, enfim retomei todo aquilo que eu fazia antes
desse movimento, então tanto é que surgiu a greve de fome, sabe essa
igreja aqui da praça quatorze ali na Duque de Caxias, na Visconde de
Porto Alegre? [...] São José Operário, rapaz, eu nunca tinha visto
aquilo rapaz, o Ricardo Bessa foi um dos que entrou em greve né de
fome, o Barbosa o também, o presidente entrou em greve de fome,
como é que, desistir da presidência, como é que pode, ele foi, que
dizer ele foi, daí deixou o flanco aberto né, mas daí tinha um grupo
que o apoiava, e nós seguramos a barra, rapaz foi uma parada, foi lá
veio cá e nada do governo atender né, com, negociar pelo menos,
fazer pelo menos uma negociação, nada, foi quando nós nos
mobilizamos pra fazer uma caminhada do colégio estatual ao palácio
rio negro que era ali na sete de setembro e que nós fossemos pedir
uma negociação. A primeira que nós marcamos, nós tivemos que
desmarcar por que foi a morte do Tancredo Neves, a segundo foi
quando se efetivou né, tava até com chuva, um pouco e chuva e tal. 36
Conclusão
466
das categorias amazonenses é perceptível ao ponto que delas
ocorreu um impulso aos outros trabalhadores que buscaram por
direito. A memória, um instrumento frágil por corroer-se com o
passar do tempo, traz aos entrevistados uma oportunidade de
rememorar um acontecimento marcante aos professores daquele
período. A radicalização do movimento – A Greve de Fome – é tão
importante na memória que se confunde com outro ato distante
quase dois anos – A caminhada de abril de 1985 onde se confrontou
professores e policiais – e que dado momento confunde-se no valor
de ações do movimento docente. Assim, continuamos na análise de
movimento tão importante, assim como o período, da trajetória dos
movimentos sociais na transição da Ditadura Civil Militar para a
Democracia.
Referências
467
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UFSC, 2012.p. 167.
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THOMSON, A. Recompondo a memória: questões sobre a relação
Entre História Oral e as Memórias. Rev. Projeto História Nº15, 1997. p.
51-84.
468
Processo crime como fonte de pesquisa
Leandro Mayer1
Marclei Ines Gossler2
Notas introdutórias
469
descoberta de documentos novos e até então inacessíveis
possibilita novas leituras, oferecendo ao historiador, uma seara
única. É fato também que a documentação criminal é o espaço onde
se dá voz aos anônimos, cujas vozes para Rosemberg (2009) se
cruzam, esbarram e se complementam.
470
Em 27 de março foi ouvido o depoimento de Francisco Dutra
Junior, Serventuário da Justiça, que disse conhecer o acusado.
Confirmou os fatos contidos no relatório e afirmou que presenciou
o sermão do padre realizado no púlpito da igreja católica em
28/01/1944, tendo este criticado ‚a conduta do presidente Roosevelt
com relação ao Brasil, afirmando estar este empenhado na
desagregação moral da família brasileira‛ (P. C. 5.126, 1944, p. 8).
Teria mencionado também que aqueles que ‚andavam fazendo
discursos em festas cívicas não passavam de maus brasileiros e
verdadeiros traidores da p{tria‛, fato que a testemuha atribui aos
indivíduos que participaram da inauguração do templo Batista e
fizeram uso da palavra. Finaliza que o sermão do padre foi
‚violento‛, fugindo de sua finalidade de car{ter religioso.
No mesmo dia, o médico Antônio Dib Mussi também foi
inquerido. Disse conhecer o padre acusado, porém, não sabe
definir o ponto de vista deste diante do panorama internacional,
contudo, diante do sermão que assistiu em 28 de janeiro daquele
ano, o religioso foi infeliz nas colocações, ao afirmar que ‚a religião
batista era desagregadora da unidade religiosa brasileira e,
consequentemente, as pessoas que esposavam a mesma e que
ainda ao mesmo tempo faziam discursos em solenidades cívicas
não passavam de maus brasileiros e mesmo traidores da p{tria‛ (P.
C. 5.126, 1944, p. 9). O padre ainda teria mencionado que não havia
necessidade de pastores americanos virem ao Brasil no intuito de
pregar religião, visto que nos próprios Estados Unidos existia
grande número de pessoas sem religião, colocando assim, em
dúvida as reais intenções da vinda de pregadores ao Brasil.
Em 28 de março foi ouvido Antônio da Silva Cascaes Junior,
funcionário público municipal. Também confirmando conhecer o
padre, mas sem precisar as tendências politicas do referido, se disse
surpreendido com o sermão realizado pelo sacerdote,
considerando que ‚pela linguagem violenta fugia por completo de
sua finalidade religiosa descambando para crítica das relações
entre brasileiros e americanos‛. O padre teria dito que os pastores
protestantes não vinham com uma finalidade religiosa
471
propriamente dita, pois se assim fosse, não deixariam um ‚grande
número de crianças sem assistência religiosa para vir ao Brasil, país
estranho, pregar religião‛. Fez menção também ao presidente
Roosevelt, mencionando que o mesmo teria afirmado ser
necess{rio combeter a religião católica, portanto, ‚deveria a família
brasileira precaver-se contra a infiltração de outras religiões que
nada mais visavam senão o desagregamento da família brasileira‛
(P. C. 5.126, 1944, p. 10).
Na mesma data também foi ouvido Manoel Bertoncini, coletor
federal. Afirmando que participou do sermão do padre, considerou
que ‚o referido pregador fez referencias violentas contra a religião
batista descambando para crítica das relações mantidas entre
brasileiros e americanos‛. O padre teria acusado os mission{rios
americanos que quando ‚vinham para o Brasil traziam além da
religião outros objetivos suspeitos bem como ainda dissiminavam a
discórdia no seio da família brasileira‛. Quanto aos frequentadores
da igreja batista, taxou-os de traidores da pátria, dizendo-se
admirado destes frequentarem uma igreja cujos ‚ministros eram
suspeitos‛, criticando que ‚mais tarde ditos frequentadores
vinham fazer discursos nas solenidades cívicas‛ (P. C. 5.126, 1944,
p. 11).
Por fim, também na data de 28 de março é ouvido o acusado,
padre Paulo Hobold. Em suas declarações falou que era natural
daquele município3 e que atualmente exerce o cargo de coadjutor
da paróquia. Denominou-se brasileiro, assim como seus pais e
avós, porém, mencionou que seus bisavós eram de nacionalidade
alemã. Interrogado sobre as denúncias que recaíam sobre ele,
confirmou que realmente realizou sermão na data mencionada no
inquérito, e de ter ‚taxado de maus brasileiros e traidores da p{tria
aqueles que frequentam seitas religiosas protestantes‛, justificando
que com a fala visou atingir pessoas da cidade que frequentavam
as solenidades religiosas da aludida igreja batista. Sobre as críticas
sobre os pastores, argumentou que o templo religioso batista foi
3 Orleans/SC.
472
inaugurado em parceria com ministros da mesma religião ‚vindos
de fora‛, o que considerou um erro, pois em seu entender, estes
pregadores ‚não tinham em mira somente a religião e sim outras
finalidades ocultas‛, questionando a vinda destes ministros norte
americanos ao Brasil quando existem ‚milhões de pessoas e
inúmeras aldeias sem assitência religiosa nos Estados Unidos, era,
pois, de admirar que os referidos ministros não se preocupassem
com a sua p{tria e viessem para o Brasil fazer pregações religiosas‛
(P. C. 5.126, 1944, p. 12).
No entender do denunciado padre Paulo Hobold, esta maneira
de agir destes ministros americanos dava ‚margem a suspeitas,
querendo mesmo crer que a finalidade da vinda deles à nossa
pátria visa, além da religião, outros objetivos, servindo aquela
apenas para mascarar as suas verdadeiras finalidades‛. Dadas as
circunstâncias, confirmou que criticou as pessoas que
frequentavam as seitas religiosas protestantes e ainda iam ‚|s
solenidades cívicas fazer discursos patrióticos, pregando a união e
patriotismo aos brasileiros quando, na realidade, praticamente lhes
faltava autoridade para isso‛ (P. C. 5.126, 1944, p. 12). Para o padre,
os frequentadores estavam traindo a união religiosa e moral da
pátria, bem como, auxiliando os ministros em seus planos ocultos.
Declarou ainda que mais de uma vez ‚incentivou seus fiéis a
combaterem as seitas protestantes que se propagam não só nesta
localidade como também, num modo geral, no resto do Brasil, a
fim de evitar o desagregamento moral e religioso da família
brasileira‛. Contudo, negou que tivesse criticado a união amistosa
existente entre brasileiros e americanos e que em várias
solenidades cívicas pregou o patriotismo, ‚incentivando brasileiros
a lutarem pela defesa da pátria contra os ideais totalitários ou outro
que porventura venha ameaçá-la em sua soberania‛ (P. C. 5.126,
1944, p. 12).
Em 4 de abril, Lourenço Alves de Deus, Delegado Regional de
Polícia de Tubarão, em seu relatório concluiu que as denuncias
contra o padre Paulo Hobold eram verídicas e se confirmaram ao
longo do inquérito, sendo através de depoiumentos das pessoas
473
inqueridas quanto pelas próprias declarações do acusado. Destacou
que o padre em seu sermão
474
Dado o retorno dos autos à Delegacia Regional em Tubarão,
foram intimados para prestar esclarecimentos o prefeito e o juiz de
direito da comarca. Nas declarações do prefeito de Orleans José
Antunes Matos, disse que foi convidado para assistir à inauguração
do templo religioso batista em 26 de janeiro na qualidade de
autoridade m{xima do município, que conhece h{ ‚quarenta e três
anos igrejas batistas neste município e pode, portanto, afirmar que
as mesmas sempre acataram as ordens das autoridades com o
máximo respeito sem nunca procurar perturbar a ordem pública ou
espalhar discórdias no seio da família brasileira‛. Sobre pregadores
religiosos norte americanos falou que de tempos em tempos, há
alguns anos, fazem ‚pregações nesta zona, sem nunca haverem
provocado distúrbios de qualquer natureza ou, mesmo
manifestado intenções ocultas, capazes de ameaçar a segurança
nacional‛. O depoente se disse admirado pelas declarações do
padre, considerando que seu ataque aos que compareceram à
inauguração caluniou a imagem destes como ‚traidores da p{tria e
desagregadores da família brasileira‛ (P. C. 5.126, 1944, p. 15).
O prefeito advertiu sobre a gravidade das afirmações
proferidas pelo sacerdote, considerando que a maioria da
população católica da zona é de ‚nível intelectual bastante
inferior‛, sendo a sua maioria composta por colonos. Nesse
sentido, enaltece que ‚obedecer cegamente a orientação dos padres
católicos, fácil seria a incitação dos fiéis católicos contra adeptos da
religião batista‛, embora reconhece que não houve nenhuma
manifestação exteriorizada partida dos fiéis católicos, no entanto,
finaliza que ‚é bem possível que ficasse plantada no seio das almas
simples e rudes germens de prevenção psicológicas contra os
batistas‛ (P. C. 5.126, 1944, p. 15).
O juiz de direito da comarca de Orleans em seu depoimento,
afirmou que foi convidado e participou da inauguração do tempo
batista na condição de juiz de direito da comarca, tendo em toda
solenidade ‚reinado a mais perfeita harmonia, não se notando
entre os adeptos da aludida religião, qualquer manifestação de
475
car{ter político‛, afirmando que entre os oradores que discursaram,
estes ‚não só fizeram pregações religiosas, como teceram hinos de
louvores | nossa p{tria‛. Sobre as críticas proferidas dois dias após
pelo padre Paulo Hobold em seu sermão, taxando os brasileiros
que compareceram | inauguração de ‚maus brasileiros e traidores
da p{tria‛, o juiz entende que tais afirmações ofendem ‚não só a
dignidade de brasileiro, como a dignidade funcional‛. Menciona
que a população é em quase sua totalidade católica, ‚tendo nos
padres católicos seus guias não só espirituais, como orientadores
da vida privada, sendo portanto, consequentemente fácil a estes,
em torcendo a verdade dos fatos, implantar a dissidia e a revolta
no seio da população, e o ódio desta contra os americanos‛ (P. C.
5.126, 1944, p. 17). Finaliza afirmando que após o ‚violento e
injurioso sermão‛ do padre, a população católica se conteve, não se
rebelando contra os adeptos da religião batista, por serem ordeiros
e repeitadores da ordem.
Os autos do inquérito novamente retornam à Delegacia de
Ordem Política e Social de Florianópolis em 9 de junho de 1944. A
pedido do Delegado Adjunto da DOPS, ainda foi intimado para
depor o promotor público que na época dos fatos atuava em
Orleans. Seu depoimento ocorreu em 26 de junho, mencionando
que soube que o padre Paulo Hobold teria proferido ataques às
autoridades participantes da inauguração do templo da igreja
batista, ‚taxando-as de quintas-colunas e criticando a união
brasileira norte-americana‛. Declarou que durante a inauguração
não foram ‚feitas referências a quaisque espécies |s autoridades do
país ou a qualquer outra religião‛ (P. C. 5.126, 1944, p. 18).
As folhas 17 e 18 do Processo-Crime contém informações sobre
a vida pregressa do indiciado e o Boletim Individual de registro
junto à Delegacia de Polícia do Distrito de Orleans. Conforme
consta, as infrações cometidas pelo padre Paulo Hobold estão
previstos nos artigos 27 e 28 do Decreto-Lei 4.766.
O relatório conclusivo do inquérito é assinado pelo Delegado
Adjunto da DOPS Arnaldo Martins Xavier e data de 27 de junho de
1944. Nele consta que ficou provado que o padre Paulo Hobold da
476
igreja católica de Orleans, em sermão pregado em púlpito, criticou
as religiões protestantes de preferência ‚batista‛, tecendo críticas
também sobre as relações internacionais do Brasil com os Estado
Unidos, ‚dizendo que a conduta do presidente Roosevelt, com
relação ao Brasil era de ‘desagregação moral da família brasileira’ e
que os ‘indivíduos’ que ‘andavam fazendo discursos em festas
cívicas, não passavam de maus brasileiros e traidores da p{tria’‛
(P. C. 5.126, 1944, p. 22). O relatório afirma também que
477
se originou da inauguração de um templo religioso, cuja solenidade
nela compareceram o Prefeito, o Promotor e o Juiz local. O indiciado
numa explosão de intolerância religiosa atacou aquelas autoridades e
os adeptos da religião adversa, atribuindo aos Norte-Americanos o
uso de uma falsa religião, classificando-os de espiões no Brasil.
Trata-se de mero incidente local. É o resultado de incompatibilidades
pessoais, sob a feição de contendas religiosas e políticas e que não vão
além do município de Tubarão.
Não há, assim, delito a punir. Opino pelo arquivamento do presente
inquérito (P. C. 5.126, 1944, p. 24).
Referências
Fonte primária
PROCESSO CRIME - Processo Crime nº 5.126 contra Padre Paulo
Hobold, instaurado em 1944. Acusação: Crime contra a segurança
nacional. Disponível no Arquivo Nacional (fichário TSN – Tribunal
de Segurança Nacional).
478
História oral: resgate da receita culin{ria ‚dampfnudel‛, com
sabor de infância
Franciele Thomé1
Carlete Maria Thomé2
Introdução
479
[...] em história oral de vida, na medida do possível, deve-se trabalhar
com o que se convencionou chamar de ‚entrevistas livres‛; em
história oral temática, o que deve presidir são os questionários [ou
seja, os roteiros de entrevista], que precisam estabelecer critérios de
abordagem de temas. As perguntas e as respostas, pois, são partes do
andamento investigativo proposto (MEIHY e HOLANDA, 2010, p.
35)
480
muitos, possibilitando a evidência de fatos coletivos. (THOMPSON,
1992 p.17)
481
Identidade e memória
482
processos globalizados e sendo influenciada pelas diversas
culturas, ela
483
sempre alcanç{vel, um conjunto de estratégias, um „estar aqui‟ que
vale menos pelo que é do que pelo que fazemos dele (CANDAU,
2011, p. 9).
Porém, Santos (2004, p.59) aborda que a memória não dever ser
vista apenas como uma ação de voltar a uma lembrança do
passado. ‚Ela deve ser entendida como um processo din}mico da
própria rememorização, o que estará ligado à questão de
identidade‛.
Somente buscamos por lembranças quando somos estimulados
a lembrar de algo, por questionamentos ou quando visualizamos
algum caso que já fez parte de nossa vida algum dia. Pollak (1989,
p. 9) afirma que a memória é uma ‚operação coletiva dos
acontecimentos e das interpretações do passado que se quer
salvaguardar‛. Est{ ‚é um fenômeno sempre atual, um elo vivo no
eterno presente [...] Porque é afetiva e mágica, a memória não se
acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças
vagas, telescópicas, cenas, censura ou projeções‛ (NORA, 1993, p.
9). Na história oral, esses momentos de memória poderão vir à
tona, mais detalhados ou não. Isso tudo depende das condições do
sujeito quanto a sua capacidade.
A identidade decorre a questão da construção das noções de
diferença e de semelhanças. Nesse aspecto, é importante a
compreensão do ‚eu‛ e a percepção do ‚outro‛, do estranho, que
se apresenta como alguém diferente. Para existir a compreensão do
‚outro‛, os estudos devem permitir a identificação das diferenças
no próprio grupo de convívio. Ter atitudes de preconceito e
descriminação é tratar diferente o nosso semelhante, por não ser o
que somos, como destaca Tomaz Tadeu da Silva,
484
são vistas como mutuamente determinadas. Numa visão mais
radical, entretanto, seria possível dizer que, contrariamente à
primeira perspectiva, é a diferença que vem em primeiro lugar.
(SILVA, 2008, p.75-76).
485
A memória, como propriedade de conservar certas informações,
remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas,
graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações
passadas, ou que ele representa como passadas. (GOFF, 1990, p. 423).
Se a memória coletiva tira sua força e sua duração por ter como base
um conjunto de pessoas, são os indivíduos que se lembram, enquanto
integrantes do grupo. Desta massa de lembranças comuns, umas
apoiadas nas outras, não são as mesmas que aparecerão com maior
intensidade a cada um deles. De bom grado, diríamos que cada
memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva,
que esse ponto de vista muda segundo as relações que mantenho com
outros ambientes (HALBWACHS, 2006, p.69).
486
histórico, mas sim um processo direcionado a atuar no presente e
orientar os caminhos do futuro.
Michael Pollak traz presente às ideias do sociólogo Maurice
Halbwachs, a fim de demonstrar que a memória não é somente um
fenômeno individual, mas também coletivo, para Pollak (1992):
487
Quando todos se reuniam, brincávamos de roda, esconde-esconde,
sapata...‛. Por serem em muitos na família, todos trabalhavam na
propriedade, cada um tinha seus afazeres: ‚Levar os bois na roça,
tirar leite, limpar a casa, fazer pão, pegar lenha e graveto para fazer
fogo‛ e para ela o mais bonito era ‚fazer a comida com as panelas
grandes e cheias, nunca passamos fome‛.
Ela também frisou que para casar, precisava saber trabalhar. A
família era muito religiosa.
Maria Amélia gostava muito de ir a bailes e reuniões dançantes
no centro comunitários aos domingos de tarde. Em um desses
domingos, ela conta que conheceu Johannes, que a tirou para
dançar.
Ela se casou muito jovem, com 16 anos de idade, em 1949.
Johannes à levou para Linha Laranjeira, longe de sua família, onde
os familiares vivos residem até hoje. Em Linha Laranjeira iniciaram
uma nova família, tiveram 14 filhos, uma falecida, e enfrentaram
diversas dificuldades.
Para entender a sua cultura também tivemos que recorrer a
dados históricos. Família Söhn vieram em 1930 para Porto do Rio
Grande/RS. Em seguida, se deslocaram de carroça para Porto Feliz
- hoje Mondaí, dois dias depois vieram para Porto Novo - hoje
Itapiranga, através de balsas improvisadas pelo Rio Uruguai, numa
distância de 60 km, porque Itapiranga era uma colônia de católicos,
já que Porto Feliz era habitada por evangélicos. Johannes, seu
marido, sempre conta que também ficaram dois dias hospedados
no Volksverein – Sociedade União Popular (associação dos alemães
católicos do Rio Grande do Sul, fundada pelo Pe. Teodor Amstad,
em 1912), na qual tiveram que, de forma urgente, escolher uma
colônia e ir produzir. Escolheram um lote em Linha Laranjeira no
meio do mato (com o dinheiro das economias), cerca de 5 km da
cidade. Não haviam estradas, somente piques feitos de enxada.
Mais tarde, Volksverein mandou uma patrola para auxiliar na
abertura de estradas, pois tudo era mata nativa. Porto Novo
pertencia a Chapecó, ‚foi comprada em etapas, a partir de 28 de
janeiro de 1926, pelas Sparkassen do Estado do Rio Grande do Sul
488
para o Volksverein, para que esta entidade iniciasse a formação de
uma colônia a ser ocupada exclusivamente por alemães - natos ou
descendentes - de religião Católica Apostólica Romana‛.
(JUNGBLUT, 2000, p. 73). Conforme Mayer (2017), o projeto Porto
Novo se formou nos alicerces germânicos e católicos,
489
trabalho que possam satisfazer as suas necessidades básicas –
alimentação, saúde, educação, cultura etc.‛ (CHUEIRI; CÂMERA,
2010, p. 159). Portanto, segundo as autoras, razões políticas,
relaciona-se | ‚impossibilidade do exercício de seus direitos, ou
melhor, é quando a liberdade, a igualdade – e seus
desdobramentos – ficam impedidas de ser exercitadas‛. (CHUEIRI;
CÂMERA, 2010, p. 159). Sendo assim, a emigração é ao mesmo
tempo uma forma de abandono, existe um distanciamento da terra
natal, e uma dificuldade em se instalar numa outra nação (falta de
documentos, dificuldade com a língua, entre outros). Nesse
sentido, independentemente do que motiva a migração, para
Chueiri e Câmera (2010), sempre há fatores graves o suficiente para
tornar o deslocamento a melhor opção, ou ao menos a única
possível. O processo de acolhimento e de pertencimento a uma
nova cultura, uma nova nação, em virtude do deslocamento, faz
com que o imigrante se sente um estranho, afastado de sua casa, ao
invés de proximidade, como podemos observar a seguir,
Chamamos de centro a casa ou o lar, os quais, por sua vez, nos dão
uma sensação de proximidade, de pertencimento e de acolhimento.
Assim, algo é tão mais distante quanto mais afastado de casa está (no
sentido de se ter um mundo). Pode haver um ou vários centros, isto é,
temos uma casa, uma cultura, uma identidade que pode ser étnica,
nacional ou religiosa. Da mesma forma que pode haver uma ou mais
periferias, na medida em que há culturas outras, outras identidades e
há lugares onde não nos sentimos em casa, onde somos, assim,
estrangeiros, estranhos. (CHUEIRI; CÂMERA, 2010, p. 170).
490
cultivavam. Um dos pratos que a Mariana mais fazia era o
‚Dampfnudeln‛ e foi esse entre muitos pratos que ela ensinou |
Maria Amélia a preparar.
Maria Amélia relata que adorava preparar esse prato, pois
todos gostavam de apreciá-lo. Hoje ela está com 85 anos de idade e
bastante debilitada de saúde, e por este motivo ela não consegue
mais prepará-lo. Porém, seus filhos e netos continuam a prepará-lo,
tentando encontrar o segredo que deixava o prato mais especial!
Receita: ‚Dampfudel”
Massa:
2kg de farinha de trigo
1 colher de sal
2 colheres de fermento de pão
2 colheres de banha
Água morna.
491
desenvolver a metodologia de ensino de História Oral através de
práticas de memória e identidade cultural por meio do resgate de
receitas culinárias e tradições familiares. Tendo como objetivos
específicos:
492
Conclusão
Referências
493
HALBWACHS, M. A memória coletiva. Tradução Beatriz Sidou.
São Paulo: Centauro, 2006.
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THOMPSON, P. A voz do Passado. São Paulo, Paz e Terra, 1992.
494
Zacarias de Góes e Vasconcelos: o personagem
do Brasil imperial numa perspectiva biográfica1
Palavras introdutórias
jaqueline.schmitt@hotmail.com
495
política de tal personagem no contexto político imperial, enfoco a
questão da biografia como instrumento de estudo da História.
496
Taunay relatou na sua obra Reminiscências, em seção
denominada Zacarias de Góes e Vasconcelos, a figura notável que
constituía o referido estadista. ‚Alto, magro, anguloso, rosto
comprido, olhar duro, tez biliosa, boca sardônica, nariz afilado,
queixo pontudo, testa larga, tinha o seu quê de Guizot nos modos
secos, altaneiros, autorit{rios *...+‛ (TAUNAY, 1923, p. 23). A
reconhecida erudição do político permitia-lhe falar de qualquer
matéria, estudar e esmiuçar com dedicada atenção todos os
assuntos trazidos no parlamento, direcionado seu discurso aos fins
desejados com segurança e convicção.
Passando por diversos cargos na vida pública, de conservador
à liberal, chefe dos progressistas, presidente do conselho de
ministros até 1868, senador pela Bahia, Taunay observou que
Zacarias de Góes, teria se tornado um oposicionista feroz. Não
havia temor e dizia ‚*...+ {speras verdades, nuas e cruas a
advers{rios e correligion{rios. ‛ (TAUNAY, 1923, p. 24).
‚A base do sistema representativo é e deve ser a desconfiança‛.
Segundo Taunay, esse aforismo era base da filosofia seguida por
Zacarias. Censurava a todos e raros lhe faziam frente às críticas.
Nos mais difíceis anos da guerra contra o Paraguai, a Câmara dos
deputados lhe concedia todo o apoio, sem restrições. Pelos receios
que criava nos colegas, era um dos mais respeitados e influentes
entre os liberais. (TAUNAY, 1923, p.24).
No Senado, os debates mais fortes não eram comuns. Taunay
ressaltou a sutileza que predominava naquele parlamento. ‚Se
havia semideuses em política, eram os senadores do tempo da
monarquia‛. O imperador costumava dizer que as posições mais
invejáveis no Brasil era a de senador e professor do Colégio Pedro
II. Cotegipe recordava um dizer de Montezuma, quando os ânimos
pareciam se exaltar: ‚Nada de brigas. Lembremos que temos de
viver juntos até ao último dia de vida‛. Outro dizer comum era:
‚Senhores, só h{ um poder que me curve | sua vontade, é a morte‛
(TAUNAY, 1923, p. 25). Tais frases ressaltavam o caráter vitalício
da câmara alta, dentro do sistema de monarquia representativa que
predominava no Brasil.
497
Entretanto, Zacarias de Góes era um caso à parte. O senador
não colocava limites em matéria de realizar aos colegas as mais
duras críticas. Era capaz de interromper seu discurso em
momentos de auge devido à conversa dos colegas. As brigas com
Rio Branco e principalmente, com Cotegipe, eram constantes.
Quando este era ministro da Marinha no gabinete 16 de julho, de
Itaboraí, Zacarias chegou a mencionar sua rotina particular para
questionar sobre os motivos dos atrasos nos despachos de
expedientes de sua pasta. Dizia Zacarias que o ministro acordava
tarde, lá pelas 10 horas, até ajeitar-se levava uma hora e almoçava
às 11 horas, chegava ao Senado às 12 horas, quando ali ficava ou ia
à Câmara, até as 16 horas, em casa recebia muitas pessoas, jantava
às 19 horas e meia, ia ao teatro às 22 horas, retornava às 23 horas e
recolhia-se à meia noite ou mais. Cotegipe deu sua resposta à
Zacarias, quando disse que o senador acordava às 6 horas, tomava
banho frio, bebia café com leite com torradas e estudava até às 9
horas. Após almoçar, vestia-se com demora, devido ao tempo para
escolher as sobrecasacas e ver qual ficava melhor. Até às 16 horas
ficava no Senado criticando a todos. Jantava às 17 horas, saía para a
Misericórdia às 18 horas e meia, às 20 horas reunia-se com as irmãs
de caridade até as 21 horas e meia. Às 22 horas deitava para
dormir, o que Cotegipe chamou de o sono dos beatos, feliz pelo
cumprimento de suas obrigações. Após o discurso, Zacarias teria
ido falar com Cotegipe e pedir que para as notas taquigráficas
retirassem a parte sobre as irmãs de caridade. (TAUNAY, 1923, p.
26-29).
No debate sobre a Lei do Ventre Livre, Zacarias se destacou
dos outros membros liberais, como Nabuco, Souza Franco, Saraiva,
pois criticou de forma ferrenha a proposta do governo e se aliou
aos conservadores como Itaboraí, Muritiba, Jaguary e São
Lourenço. Defensor da monarquia, na visão de Zacarias, tal regime
de governo permaneceria por muito tempo no Brasil, pois o povo
era capaz de nela vislumbrar a garantia de seus direitos e
liberdade. (TAUNAY, 1923, p. 29- 32).
498
Um Estadista do Império, de Joaquim Nabuco, é obra crucial
sobre a política naquela época. O autor, através de um vasto acervo
deixado por seu pai, conta a história de José Thomaz Nabuco de
Araújo entrecortada pelos dilemas políticos do império. Joaquim
Nabuco destacou o caráter de Zacarias de Góes como o mais
implacável censor que a tribuna parlamentar já havia conhecido.
Comparou a existência de Zacarias com a existência de um
religioso, a quem não cabia amizades e relacionamentos pessoais,
que pudessem impedir de alguma maneira o cumprimento do
dever. Para Nabuco, não havia em Zacarias nem afeição e nem
fraqueza, nem vícios e sentimentalismo. Seu modo de tratar
mantinha os políticos à distância. Um dos poucos que ele tratou
com igualdade e admiração foi Paraná, que, no entanto, possuía
uma personalidade diferente daquele de Zacarias, pois era aberto,
apaixonado e dedicado nas suas amizades. De forma metafórica,
Nabuco ressaltou que Paraná era força de atração, Zacarias de
repulsão, porém havia em ambos a força de domínio (NABUCO,
1897, p. 116-117).
Joaquim Nabuco ressaltou, entretanto, que a principal
característica de um estadista, Zacarias não possuía. Quando votou
contra a lei de 28 de setembro apresentada pelo governo
conservador, mesmo sendo um projeto original do partido liberal,
demonstrou não ter uma visão dos interesses do país e ser somente
partidário, o que na visão daquele político e escritor do período, o
diferenciava da personalidade política de Paraná.
499
Antônio Pereira Batista, no livro Figuras do Império e outros
ensaios, ressaltou o perfil singular de Zacarias. Impecavelmente
vestido, rígido e intransigente. Os seus contemporâneos diziam
que não contente com sua semelhança física a Guizot, imitava-o na
moral. Vivia para o seu partido político, o qual Nabuco acusou ser
sua religião. Era um homem de hábitos regulares. Sabia-se que
havia terminada a sessão no Senado pela sua chegada na rua do
Ouvidor. Quando chegava ao seu escritório, trocava a sobrecasaca
por brim (BAPTISTA, 1931, p. 23).
O livro de Túlio Vargas sobre o político do império Zacarias de
Góes e Vasconcelos, denominado O Conselheiro Zacarias (1815-
1877), foi construído a partir dos autores conhecidos e já citados,
além de discursos e documentação inédita, como um diário obtido
com os descendestes do estadista. Uma homenagem ao centenário
da morte, a biografia foi publicada em 1977 e constitui uma
construção heroica acerca do personagem. Zacarias teve papel
significativo para o estado do Paraná, foi nomeado presidente da
província na ocasião de sua criação, responsável pela organização
política, econômica e administrativa. Documentos sobre esse
período são abordados com enfoque no trabalho de Vargas, como a
recepção de Zacarias no Paraná para o início de seu governo.
Os adjetivos atribuídos ao conselheiro Zacarias são positivos,
exemplificados já no seu prólogo escrito por Edilberto Trevisan, da
Academia Paranaense de Letras, no qual atribuiu a intenção do
livro em ‚conseguir captar a rica existência de nosso Presidente‛,
considerado ‚um guerreiro da tribuna parlamentar de seu tempo‛,
cuja presidência da província do Paraná teria sido um governo
‚equilibrado e escrupuloso‛, um político que se admite
controverso, porém ‚de imbatível honestidade‛. Na introdução,
Vargas aponta que os seus contempor}neos não lhe perdoavam ‚a
ortodoxia ultramontana, nem a independência dos arrebatamentos
políticos‛, por isso expunham uma imagem distorcida do político.
Com visível admiração, enfoca o caráter corajoso e rebelde de
Zacarias, ao mesmo tempo que ressalta sua figura: ‚culto e
talentoso, álgido e amorável, sensível e desassombrado, fecundou a
500
coerência do comportamento na busca incessante do seu modelo
ideológico‛ (VARGAS, 2007, p. 11).
A biografia tem início com o nascimento de Zacarias de Góes e
Vasconcelos, em Valença, na Bahia, em 5 de novembro de 1815, e
fim com sua morte, em 29 de dezembro de 1877. O território de
Valença fazia parte da Capitania de Ilhéus e dependia da Vila de
Nossa Senhora do Rosário de Cairu. O autor ressalta o contexto
predominante no início do XIX, quando o Brasil foi elevado à
categoria de Reino, bem como as rebeliões emancipacionistas e
todo um ar revolucionário que teria inspirado aquela figura
política (VARGAS, 2007, p. 16-17).
Zacarias foi batizado na Igreja Nossa Senhora do Amparo e teria
sua personalidade marcada por forte devoção religiosa. O autor
utiliza o termo ‚predestinada criança‛, para mencionar a ocasião em
que ele recebe os óleos batismais das mãos do Frei José das Dores, um
carmelita descalço. O termo utilizado pelo autor, caracteriza algo
comum nas histórias de vida, quando se indica a existência de um
‚projeto original‛, a partir do qual os acontecimentos se
desencadeariam de forma cronológica. Em outro ponto do texto, Túlio
Vargas ressalta que Zacarias possuía convicções doutrin{rias ‚desde
sua juventude‛, princípios que o mantinham distante das tentações do
poder (VARGAS 2007, p. 115).
Tais elementos no texto biográfico podem ser compreendidos
quando analisamos um personagem complexo como Zacarias de
Góes, que perpassou diversos cargos, espaços sociais e políticos ao
longo do Segundo Reinado. Assim, os relatos que buscam seguir
uma linha coerente de acontecimentos diante de um personagem
multifacetado, podem acabar por constituir o que Bourdieu
chamou de ilusão biográfica
Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é,
como o relato coerente de uma sequência de acontecimentos com
significado e direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão
retórica, uma representação comum da existência que toda uma
tradição literária não deixou e não deixa de reforçar (BOUDIEU, 2006,
p. 185).
501
Os pais de Zacarias, Antônio Bernardo e Maria Benedita de
Assunção Menezes e Vasconcelos, casaram-se em 15 de setembro
de 1799. Sua família construiu um sobrado em Valença, na praça
Principezinho, atual praça Zacarias, local onde Zacarias nasceu
(VARGAS, 2007, p. 18). O pai de Zacarias, Antônio Bernardo,
desfrutava de boa reputação e estima por ser moderado com a
família, filhos, escravos e amigos. Quando da independência do
Brasil, em 1822 fez parte da luta contra as forças de Lisboa na
capital da Bahia. Preocupava-se com a educação dos filhos. ‚Todos
viviam absorvidos pelos livros. O pai dava o exemplo‛ (VARGAS,
2007, p. 19). Quando faleceu em 1825 devido a um aneurisma no
peito, deixou o sobrado, dinheiro e vinte escravos. O primogênito
João Antônio, então com 22 anos, assumiu o comando da família,
possuía boa posição devido à sua eleição como vereador em
Valença um ano antes. João Antônio concluiu seus estudos para a
Academia de Coimbra e encaminhou seus irmãos Zacarias e
Manuel nos estudos de latim. Os estudos de João Antônio em
Coimbra duraram dois anos. O irmão de Zacarias acabou
envolvidos nas lutas políticas entre facções miguelistas e d. Maria
II e teve que regressar para o Brasil, acompanhado de Francisco
Gonçalves Martins, que viria a ser o visconde de São Lourenço. O
visconde de São Lourenço exerceria influência sobre a vida de
ambos os irmãos. João Antônio e Gonçalves Martins concluíram
seu curso em Olinda, sendo que ao segundo coube o cargo de
secretário da escola. Após, Gonçalves Martins se elegeria deputado
geral. Zacarias era dedicado aos estudos: ‚*...+atravessava as
madrugadas debruçado sobre os compêndios, tal a sua sofreguidão
de aprender‛. Latim, grego e retórica eram estudos que
habilitavam a conseguir cargos nobres. Se impôs disciplina
rigorosa, meditação e estudo. ‚Era-lhe habitual resistir longas
horas com os pés dentro d’{gua fria para ludibriar o sono.
Trouxera do berço o poder da perseverança e a intuição da
supremacia. Nada o detinha‛ (VARGAS, 2007, p. 20).
502
A academia de Olinda, em Pernambuco, foi o destino
acadêmico de Zacarias de Góes, assim como de outros políticos que
alcançaram postos significativos em seu tempo. Os mais altos
cargos políticos no Brasil daquele período, eram ocupados por
personalidades letradas, que faziam parte de uma pequena minoria
privilegiada que possuía acesso ao ensino superior e ao mundo das
letras. O personagem em questão compunha o que José Murilo de
Carvalho chamou de ‚uma ilha de letrados, num mar de
analfabetos‛. A formação de Zacarias, com cunho jurídico, assim
como a de seus contemporâneos, fossem eles formados em
Coimbra ou nas faculdades de Direito de São Paulo ou de Olinda,
possuía uma essência em comum, nos conhecimentos,
pensamentos e habilidades. Assim a elite imperial obteve nos
cursos superiores um ponto de unificação ideológica
(CARVALHO, 2013, P. 65). Além de cursar Direito em Olinda e
doutorar-se, seria aprovado em concurso para lente da instituição,
posição que chegou a assumir e desempenhar.
Zacarias viajou de Valença até Salvador, onde desembarcou dia
9 de janeiro de 1833. De lá seguiu num paquete de linha para
Olinda, ocasião em que conheceu outro jovem que seguia o mesmo
destino, era João Maurício Wanderley, futuro barão de Cotegipe,
com quem Zacarias viria a ter embates e conviveria na mais alta
política do país. Olinda era uma cidade pequena, silenciosa,
envolta em vivências acadêmicas. O rio Beberi e sua quietude, a
paisagem, o convento dos Beneditinos que abrigava a Academia,
‚*...+ mais silêncio e retiro que em Olinda, só nos túmulos‛,
segundo Zacarias. O barão de Penedo lembraria da velha Olinda,
com poucos habitantes e isolada. Era semelhante à antiga Coimbra,
de onde alunos vinham concluir seus bacharelados. O curso era
sério e exigido, entre os professores havia nomes notáveis.
(VARGAS, 2007, p.21-23). Zacarias formou-se em 6 de outubro de
1837 juntamente com 54 colegas, sendo 16 baianos. Ao sair da
escola de Olinda, possuía renome, amizades como a de Gonçalves
Martins, que era secretário da escola e acabou por tornar-se
admirador e incentivador de Zacarias, levando-o para o partido
503
conservador. Gonçalves Martins viria a se tornar deputado geral,
Ministro do Império, presidente da Bahia duas vezes. Receberia o
título de barão de São Lourenço (VARGAS, 2007, p. 24-25).
Túlio Vargas reforça a visão da Bahia como um ‚celeiro de
talentos‛, inspirado na citação de Joaquim Nabuco: ‚Os estadistas
baianos possuíam um grau superior a todos os outros a adaptação
pronta, a flexibilidade impessoal, que constitui o temperamento
político‛ (NABUCO, 1897, p. 3).
Na trajetória política de Zacarias, foi nomeado presidente da
província do Piauí e após, Sergipe. No Piauí realizou obras públicas,
pontes, iluminação, criação de hospitais, organizou burocracia
administrativa, fez reformas educacionais e criou o Liceu, bem como
investimentos em estradas. Ao final de seu governo, havia 18 escolas
públicas para homens com ensino primário, com 598 alunos, e 3 para
mulheres com 59 (VARGAS, 2007, p. 35-36). Em Sergipe o sucesso
obtido no Piauí não se repetiu, embora o quadro de rivalidades
políticas se equiparasse. Numa de suas primeiras medidas, elevou
Laranjeiras à categoria de cidade e autorizou a compra de um relógio
público com peças de bronze da Igreja do senhor do Bonfim para
colocar na igreja de São Cristóvão. Tal fato gerou críticas e polêmicas.
O relógio comprado foi desmontado e suas peças enterradas em
vários pontos da cidade. Tal episódio marcou um início de
humilhação para Zacarias, que teve sua autoridade ferida e ordenou a
busca dos objetos do relógio nas casas, templos e cemitérios
(VARGAS, 2007, p. 37). Foi Zacarias quem propôs a mudança da
Academia de Olinda para Recife, considerava fundamental a
ampliação da educação superior e que as faculdades evoluíssem para
as Universidades. Gonçalves Martins, que havia sido bem-sucedido
para combater os praieiros em Pernambuco, bem como em sua
administração na Bahia, utilizou do prestígio e indicou seu protegido
Zacarias para o Ministério da Marinha (VARGAS, 2007, p. 46-48).
Em 6 de setembro de 1853, Honório Hermeto Carneiro Leão,
visconde de Paraná, assumiu a presidência do Conselho. A missão
era pacificar as correntes partidárias saquaremas e luzias. A
formação do ministério era conservadora e liberal, sob o parâmetro
504
de moderação conservador. Para presidir a recém-criada província
do Paraná, foi designado Zacarias de Góes, nomeado em 17 de
setembro de 1853. Entretanto, não iria desacompanhado. Casou-se
com Carolina, nascida em Paris, mas registrada na legação do
Brasil. Era filha de Domingos de Mattos Vieira e Joana Carolina
Leite de Castro Vieira. Com 14 anos incompletos, estudava no
colégio Sion, em Paris, antes de se casar. De acordo com Túlio
Vargas, fazia parte da tradição oral que ela havia sido prometida a
Zacarias ao nascer. O casamento foi realizado em 8 de outubro de
1853. Após passar a lua de mel em Paris, o casal seguiu ao Paraná.
O Jornal do Comércio em 23 de novembro, publicava relato sobre a
recepção de Zacarias em Paranaguá, local que chegou em 6 de
dezembro, recebido com festa e pompa, cumprimentado pelas
autoridades da cidade, com diversas solenidades. No dia seguinte,
houve ‚Te Deum‛ na igreja matriz, | noite representou-se Othelo.
No dia seguinte foi oferecido um baile. (VARGAS, 2007, p. 54-60).
Um dos pontos altos da carreira de Zacarias de Góes, foi sua
transição do partido conservador ao liberal. A publicação do
opúsculo Da natureza e limites do poder moderador, no ano de 1860 é
considerada um marco dessa inversão política. A obra, reeditada
em 1862, é considerada uma versão liberal da teoria e prática do
poder moderador: ‚*...] entendido como referência para o estudo
do poder Moderador e para a compreensão da estrutura e
funcionamento do Estado imperial, como se fosse a síntese dos
princípios elaborados pelos liberais ao longo de todo o período
mon{rquico‛ (OLIVEIRA, 2002, p. 15).
Cecília Helena de Salles Oliveira destacou: ‚Na década de 1860,
verificou-se intensa discussão a respeito do poder Moderador, e seu
significado foi abordado tanto no plano da teoria jurídica quanto no
da pr{tica de governar‛ (OLIVEIRA, 2002, p. 27). Desde a outorga da
constituição em 1824 o poder Moderador já sofria críticas. Frei Caneca
recusou-se a jurar a Constituição, acusando o poder Moderador de ser
‚chave mestra da opressão da nação brasileira‛. A divisão dos
poderes se dava da seguinte maneira:
505
O poder Legislativo era composto por suas Câmaras, sendo a dos
deputados de caráter eletivo e temporário e o Senado de caráter
eletivo e vitalício. O poder Executivo, chefiado pelo imperador, era
exercido pelos ministros. O poder Judiciário era formado pelos juízes
de Direito vitalícios e pelos jurados. Finalmente, o poder Moderador
foi definido como ‚chave de toda a organização política‛ e era
‚delegado privativamente ao imperador, como chefe supremo da
nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele
sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos
demais poderes políticos‛ (OLIVEIRA, 2002, p. 27).
506
político do período da 1860, mas também traziam consigo uma
pauta já conhecida.
Em 1860 se elegeu uma minoria liberal, principalmente nos
centros urbanos. Na ocasião, os conservadores Zacarias e Nabuco
realizaram uma articulação para aproximar conservadores
moderados dos liberais, numa tentativa de isolar os conservadores
‚emperrados‛, que giravam em torno do eixo saquarema
fluminense. A articulação conseguiu derrubar o gabinete de Caxias
em 1862. Foram seis gabinetes liberais ou progressistas que se
sucederam até 1866, ocasião em que Zacarias (à frente do Partido
Progressista) se articulou e reassumiu o controle do Conselho de
Ministros, onde permaneceu até 1868 e a intervenção do
imperador. ‚A queda de Zacarias, tramada em parte pelos
conservadores, a partir da pressão que Caxias exercia sobre o
gabinete como comandante das tropas no Paraguai, assinalou a
volta dos conservadores ao poder‛ (SALLES, 2009, p. 59).
Para a queda do gabinete Zacarias em 1868, duas justificativas
foram indicadas: a conflitante situação criada com a indicação feita
pelo ministério liberal de Caxias para o comando das tropas no
Paraguai e o inconveniente gerado com a indicação feita pelo
imperador de Salles Torres Homem para o cargo de senador pelo
Rio Grande do Norte. Os biógrafos de Zacarias apontam como
característica central para o fim do último gabinete progressista, as
atribuições do poder moderador, o que gerou uma contenda entre
o imperador e o presidente do Conselho de Ministros. Após a
demissão de Zacarias, os conservadores voltaram ao poder, com
Itaboraí nomeado Presidente do Conselho. ‚Mas as repercussões
do episódio foram muito mais graves, motivando a organização
não só de um novo partido liberal como das agremiações
republicanas‛ (OLIVEIRA, 2002, p. 13). Após tal episódio, Zacarias
se notabilizou por fazer oposição aos ministérios conservadores a
partir do Senado.
Para Túlio Vargas, na já mencionada biografia, a queda do
gabinete após a indicação de Salles Torres Homem para presidir a
província do RN, a qual o gabinete se opôs por não considerar
507
acertada, pode ser entendida como um incidente provocado pelo
imperador para causar a demissão. ‚Este daria a sua despedida o
tom dram{tico de uma censura | Coroa‛. O autor citou uma nota
escrita pelo imperador à margem de um livro de Joaquim Nabuco,
na qual ficou posto que o pretexto foi construído. Na anotação feita
pelo imperador, ele menciona não ter cedido a respeito da escolha
do Senador devido ao seu desejo, de terminar com honra e proveito
às relações externas, a guerra contra o Paraguai. D. Pedro estaria
certo de não conseguir prolongar a conciliação entre Caxias e
Zacarias e necessitava harmonizar os fatos militares e políticos.
Sendo assim, a escolha senatorial teria sido um incidente
arquitetado para trazer os conservadores novamente ao poder. ‚O
ministério liberal não podia continuar com a permanência de
Caxias à testa do Exército‛ (VARGAS, 2007, p. 110-101).
Zacarias contribuía com crônicas na Revista Popular, do Rio de
Janeiro. Não poupava críticas ao imperador. No Manifesto do
Centro Liberal foi publicado em 31 de março de 1869 no Jornal do
Comércio, Zacarias estava entre os nomes, além de Teófilo Ottoni,
Nabuco de Araújo, Francisco Otaviano, Furtado e Souza Franco. ‚O
manifesto foi eloquente resposta ao gravíssimo erro cometido pelo
Imperador ao destituir o Gabinete liberal de Zacarias, e adotava
teses eminentemente políticas, entre as quais a responsabilidade
dos Ministros pelos atos do Poder Moderado‛. (VARGAS, 2007, p.
113). Os radicais não escondiam simpatias pelos republicanos e se
uniram no Clube da Reforma. Após o Manifesto Liberal, veio o
Manifesto Republicano, publicano no jornal A República, em 1870.
A Coroa tentava minimizar o sentido antimonarquista.
Zacarias recebeu convite de São Vicente, em 12 de outubro de 1870,
para compor o Conselho de Estado. A recusa causaria uma onda de
críticas a Zacarias, que o acusavam de desmerecer a Coroa. Em
1871, se discutia a Lei do Ventre Livre no parlamento. Zacarias
analisou que a visão de Paranhos mostrava somente um lado da
questão, não satisfazendo aos desejos do país e nem dos
escravizados. Colocou-se contra a lei. José de Alencar também se
posicionou contrário, ao que apelidou de lei sinistra, pois colocava
508
em questão uma contradição: pais escravos e crianças libertas
(VARGAS, 2007, p. 114-118).
No Senado, apenas Zacarias e mais três pessoas votaram contra
a Lei do Ventre Livre. Na Câmara dos deputados foram 65 votos
que garantiram a aprovação, contra 35. Em seu discurso, Zacarias
ressaltava o caráter liberal da emancipação dos escravos.
Considerava necessários ajustar tal lei a fim de propor uma solução
abrangente e definitiva. O governo queria atender aos interesses da
emancipação, sem prejuízos à agricultura, principal atividade
econômica. Para Zacarias, a escravidão não havia nascido da lei e
sim da ignorância e preconceito dos homens. O papel do legislador
não era criar, mas reconhecer os fatos existentes. Para o senador,
não só a força criou a escravidão, mas a má interpretação dos textos
bíblicos. Ressaltava o progresso da ciência e a unidade da espécie
humana, para o estadista, as leis não haviam criado o estado servil,
mas haviam tolerado e garantido (VARGAS, 2007, p.118-123)
Zacarias era apegado à sua terra natal, pelo menos uma vez
por ano visitava Valença. Sua visão espiritual, seu apego à fé, está
relacionado com sua infância, à luz do catecismo. Com tanto apreço
à religião, não foi surpresa quando saiu em defesa do bispo de
Olinda, D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira, na questão religiosa,
quanto este estava com problemas com o Supremo Tribunal de
Justiça, acusado de violar as leis civis e desrespeitar a Coroa. Tal
fato aumentaria a crise da monarquia (VARGAS, 2007, p. 127).
Apesar do réu ser condenado, o perfil de Zacarias ganhou destaque
com a ocasião.
Túlio Vargas ressaltou com relação a Zacarias: ‚Poucos se
atreviam a revidar-lhe o dado arremessado‛. O próprio visconde
de São Lourenço, seu mentor, sem mencionar o nome de Zacarias,
disse que criara uma águia, em alusão à sua independência.
‚Inadmitia vassalagem, a humilhante dependência que escraviza o
homem. Esse impulso de autodeterminação foi sempre um traço
marcante do caráter de Zacarias, sem deixar vestígios de
ingratidão, porque todos lhe reconheciam um inato sentido de
liderança‛ (VARGAS, 2007, p. 133).
509
Alguns pensamentos suscitados
510
interpretar a complexidade política da história do Brasil no período
imperial, especialmente na conturbada década de 1860.
Referências
511
512
Seção 3 - Vozes e olhares interdisciplinares
513
514
A educação patrimonial como possibilidade
de sensibilizar nos sujeitos o ato pela preservação
do patrimônio arquitetônico
Introdução
515
propiciam o acesso aos bens materiais, que representam o passado,
a tradição e a história de cada sujeito. Souza (2008) observa que os
lugares onde a memória se cristaliza e se refugia está ligada a este
momento particular da nossa história. A história é a reconstrução
sempre problemática e incompleta do que não existe mais, tendo
em vista que os locais de memória são os meios de transmitir para
as gerações aquilo que já não existe.
Diante disso, Callai (2005) destaca que a cultura de cada povo e
de cada sociedade apresenta suas marcas e tem ligações com a
possibilidade de os sujeitos possuírem uma identidade, no sentido
de pertencimento ao lugar. A autora salienta que reconhecer sua
identidade e seu pertencimento é fundamental para qualquer um
se entender como sujeito e, que pode ter, em suas mãos, a definição
dos caminhos da sua vida, percebendo os limites que lhe são postos
pelo mundo e as possibilidades de produzir as condições para sua
vida.
Assim, a arquitetura patrimonial assume um papel que acaba
por contribuir na formação da identidade de um local, na formação
de grupos, de categorias sociais e no resgate da memória,
desencadeando assim uma ligação entre o sujeito e as suas raízes.
Tomaz (2010) analisa que o cuidado ao preservar o patrimônio
arquitetônico de uma cidade reflete na preservação da memória
local, valorizando, assim, o contexto social de qualquer ambiente
que possua significado para os sujeitos, pois não é possível
preservar a memória de um povo sem, ao mesmo tempo, preservar
os espaços por ele utilizados e as manifestações cotidianas de seu
viver.
O patrimônio diz respeito às maneiras do ser humano existir,
pensar e se expressar, bem como nas manifestações simbólicas dos
seus saberes, em práticas artísticas e dentro de um sistema de
valores e tradição. Burda e Monastirsky (2011) lembram que o
patrimônio arquitetônico de uma cidade deve, sobretudo, servir
para a educação e o reconhecimento do cidadão local, para depois
transformar-se num atrativo que, em constante análise, pode
516
apresentar-se interessante para aquele que busca conhecer a cultura
do outro.
A arquitetura patrimonial pertence à comunidade que a
produziu e que a compõe e, na qual, a consciência voltada para
preservar, sem dúvida, contribui para que os que estão por vir
possam usufruir dessa herança, de modo a garantir que, por meio
dos testemunhos do passado, aqueles possam compreender o
processo de desenvolvimento da identidade desse espaço. Nessa
perspectiva, Rocha (2012) complementa que a preservação torna-se
fundamental, no que diz respeito ao desenvolvimento cultural de
um povo, uma vez que reflete em sua formação sociocultural.
Seguindo essa linha de pensamento, Callai (2005) sinaliza que,
partindo do fato de que a gente lê o mundo ainda muito antes de
ler a palavra, a principal questão é exercitar a prática de fazer a
leitura do mundo, tendo em vista que a leitura do mundo é
fundamental para que todos nós, que vivemos em sociedade,
possamos exercitar nossa cidadania.
Desse modo, para a elaboração do presente artigo4 foram
realizados levantamentos bibliográficos desenvolvidos com base
em material já elaborado, constituído de artigos, periódicos,
monografias, dissertações, teses e livros, o que tornou possível
avaliar o conhecimento adquirido e trazer comprovantes científicos
para destacar os conceitos, discussões e conclusões consideradas
importantes. A partir dos dados obtidos, realizou-se a análise e
interpretação das informações, mesclando-as de maneira a
conseguir uma maior compreensão sobre o tema abordado. Assim,
o presente ensaio5 intenta refletir sobre a educação patrimonial
como possibilidade de construir nos sujeitos o sentimento de
517
preservação da arquitetura, vista como patrimônio, e o (re)
conhecimento da cidade com vistas à promoção e à vivência da
cidadania, reforçando a identidade e o pertencimento com o local.
Desenvolvimento
518
social, possibilitado pelo olhar crítico e holístico sobre o processo
histórico desta comunidade (CÉSAR; DHEIN; UEZ, 2011, p. 468).
519
morfológica e cultural. Rousseau (1973) reforça a ideia de que a
educação não deve se limitar somente ao ambiente da escola, a
programas rígidos ou ainda a determinadas instituições oficiais,
deve ser vista como uma ação global do crescimento e do
desenvolvimento do sujeito em todas as suas necessidades. No
Brasil, foi a partir do Semin{rio ‚O Uso Educacional de Museus e
Monumentos‛ realizado em julho de 1983, por iniciativa do Museu
Imperial, em Petrópolis /RJ, que a perspectiva da educação
patrimonial foi, de fato, reconhecida.
Cerqueira (2005) observa que a educação valoriza, cada vez
mais, seu papel como formadora da cidadania, pois a escola não
somente transmite conhecimentos, os quais futuramente serão a
base da formação profissional, mas sobretudo forma cidadãos.
Nesse sentido, Santos (2007) complementa que despertar os sujeitos
para a utilização do patrimônio arquitetônico local como ponto de
partida no processo ensino-aprendizagem implica no
fortalecimento da identidade cultural. O autor destaca ainda que o
uso da metodologia da educação patrimonial pode possibilitar à
comunidade que descubra e perceba os valores e as
particularidades de sua identidade cultural. Assim, para Oliveira e
Callai (2017):
520
processo de ensino e aprendizagem dos sujeitos, possibilitando por
meio de um trabalho coletivo, o reconhecimento das manifestações
culturais do entorno e valorizando seu próprio patrimônio. Neste
sentido, Casco (2006) aponta que organizar projetos educativos
voltados para disseminar valores culturais, como forma de resgatar
e preservar, recria e transmite esse patrimônio às gerações futuras,
sobretudo, um projeto de formação de cidadãos livres, autônomos
e sabedores de seus direitos e deveres.
Provocar situações de aprendizado, pela educação patrimonial,
consiste em atuar sobre o processo cultural, seus produtos e
manifestações, despertando nos sujeitos o interesse em resolver
questões significativas para a vida pessoal e coletiva. Horta,
Grunberg e Monteiro (1999) observam que a educação patrimonial
pode ser compreendida como um processo permanente e
sistemático de trabalho educacional, centrado no patrimônio
cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento
individual e coletivo. Neste caminho, o contato direto com as
evidências e manifestações materiais da cultura proporcionam um
trabalho que levam os sujeitos a um processo ativo de apropriação
e valorização de sua herança cultural.
A educação patrimonial, segundo Teixeira (2008), viabiliza a
formação de indivíduos capazes de conhecer a sua própria história
cultural, pois ao trabalhar questões referentes ao patrimônio, são
observados e estabelecidos fortes subsídios para a construção do
conhecimento, da valorização e da preservação desses bens (sejam
eles materiais, imateriais, naturais ou construídos). Dessa forma, a
educação patrimonial tem uma função estruturante na formação do
cidadão, que segundo Rangel (2002) é:
521
Os processos educativos primam pela construção coletiva do
conhecimento e diálogo constante entre o sujeito e sua
comunidade, tendo em vista que a educação patrimonial é uma
forma de conscientizar os sujeitos da importância de preservar seus
bens, que são os registros dos acontecimentos da história de um
lugar, de uma sociedade e que muitas vezes se perdem por falta de
incentivo ou pela perda da identidade da comunidade que sofre as
mudanças e interferências do mundo globalizado. Dropa e Oliveira
(2015) observam ainda que a cidade deve ser vista como uma
expressão da cultura do povo, onde no espaço urbano as marcas da
história ficam muito claras, no traçado de suas ruas, na projeção de
suas praças, na arquitetura de seus edifícios, no conjunto de seus
quarteirões.
A educação patrimonial é um processo permanente e
sistemático de trabalho educacional tendo o patrimônio
arquitetônico, como fonte elementar de conhecimento e
desenvolvimento individual e coletivo. Oriá (2001) destaca que tal
proposta interdisciplinar de ensino deve estar voltada para as
questões inerentes ao patrimônio compreendendo desde a
inclusão, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, de
temáticas ou de conteúdos programáticos que versem sobre o
conhecimento e a conservação do patrimônio até a realização de
cursos de aperfeiçoamento e extensão para os educadores em geral,
de forma a habilitá-los a despertar, nos sujeitos e sociedade, o senso
de preservação da memória urbana e o interesse sobre o tema.
A sensibilização da sociedade pela educação patrimonial torna-
se fundamental para reconhecer e preservar a cultura e o espaço
urbano. Como conceitua Grunberg (2007), educação patrimonial é
o processo permanente e sistemático de trabalho educativo, que
tem como ponto de partida e centro o patrimônio cultural com
todas as suas manifestações. Assim como o conceito de patrimônio
foi se moldando com o tempo, o de educação patrimonial precisa
ser desmistificado, isto é, ter seu papel reconhecido, uma vez que
se apresenta como elemento chave no trabalho com a cidadania e
na formação de sujeitos ativos e conscientes, em que a reflexão
522
acerca de aspectos relativos ao saber fazer das diversas culturas,
bem como sobre os demais elementos materiais que compõem
nosso cotidiano, leva, consequentemente, a um trabalho de
conscientização do espaço urbano ao qual se pertence (CASTRO et
al., 2010).
Nesse sentido, Grunberg (2007) faz referência e menciona a
importância da motivação dos sujeitos na participação de
propostas de educação patrimonial. Ainda nessa perspectiva,
Assunção (2003, p.55) entende que ‚o patrimônio constitui uma
herança histórica, deixada pelas gerações anteriores, que cabe a
todos preservar para que seja transmitida |s gerações vindouras‛.
A autora (2003) acredita ser possível estabelecer uma relação de
aproximação do indivíduo com o patrimônio por meio da educação
patrimonial, a qual contribui para a formação de um cidadão
consciente dos seus direitos e deveres, que compreenderá a
importância da preservação dos bens culturais para a preservação
da memória e da identidade de um povo ou nação e da
necessidade da ação de proteger e escolher seus bens patrimoniais.
Oliveira e Callai (2017) observam que o patrimônio arquitetônico:
523
trajetória seguida por outros que, a seu modo e em outros tempos,
se debruçaram sobre a importante tarefa de encontrar ferramentas
para valorizar e preservar a memória. É fundamental para a
construção coletiva de uma nova percepção das ações educativas
nesse campo. A cidade como uma forma de texto nos remete a
diferentes leituras e interpretações do espaço, este, carregado de
diversos significados. A opção da preservação, pela educação
patrimonial, está diretamente ligada à valorização da identidade
individual e coletiva das cidades.
Conclusão
524
passado das cidades, tendo em vista que nele habita possibilidades
que contribuem para a formação da memória, identidade e
pertencimento, como também para a formação da sociedade e das
categorias sociais desencadeando uma forte ligação entre o sujeito e
suas raízes. Preservar o patrimônio arquitetônico implica na
melhoria da qualidade de vida da comunidade e na garantia do
exercício da memória e identidade local.
A ligação de educação e preservação do patrimônio é
fundamental para a formação do indivíduo, pois o processo
educacional centrado na arquitetura mostra-se como um
instrumento de gestão e alfabetização cultural capacitando os
sujeitos para a leitura e compreensão do universo sociocultural em
que estão inseridos. Logo, este processo destaca-se como uma
possibilidade de construção da identidade, participação,
democracia e cidadania, ao mesmo tempo em que se valoriza a
arquitetura patrimonial local, introduzindo a construção de um
conhecimento conjunto, apropriado e elaborado coletivamente. O
patrimônio pertence à comunidade que o produziu. Então, pensar
na salvaguarda dos bens arquitetônicos é uma questão de
consciência histórica e de cidadania. Se os sujeitos souberem
reconhecer, valorizar e preservar tais evidências alocados no
espaço urbano terão dado um gigantesco passo para garantir o
bem-estar social e a emancipação cultural das futuras gerações.
Diante disso, percebe-se a educação patrimonial como uma
forma de interpretação das marcas do passado deixadas no
patrimônio de cada sociedade no decorrer do tempo e considera-se
que a destruição dessas marcas, equivale a silenciar informações.
Isto é, significa apagar períodos do cotidiano da trajetória histórica
e privar as gerações presentes e futuras do seu direito aos seus bens
culturais. Desse modo, é necessário repensar as práticas atuais e
incorporar de maneira mais efetiva a educação patrimonial como
um mecanismo importante para a análise e questionamentos mais
profícuos sobre a questão de valores éticos, estéticos e
socioambientais da sociedade, uma vez que o conceito de
patrimônio vai sendo paulatinamente desvinculado da noção
525
tradicional em consagrar bens que acentuam apenas a presença do
Estado. Hoje o termo ampliou-se e falar em patrimônio é falar de
valores.
Referências
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528
O único bem patrimonial tombado de Ijuí/RS
prédio do extinto Tiro de Guerra nº 337
Considerações Iniciais
529
antepassados. Nesse sentido, Mota, Cavalcante e Feitosa (2015)
afirmam que entender a memória, como um meio ou veículo de
recordação, faz com que essas recordações existam não apenas
como lembranças de um vivido longínquo, mas que nos forneçam
entendimentos e interpretações do que existe hoje, como resultado
da evolução do que havia no passado. Assim, as edificações
patrimoniais fornecem o entendimento de como começou uma
cidade, para onde a malha urbana se expandiu e como se deu a
evolução de determinado centro urbano. Sem preservação, muitos
elementos importantes da memória urbana se perdem em meio aos
destroços das demolições.
Nesse sentido, a preservação da memória coletiva é de suma
importância para as mais variadas áreas, cada uma com sua
peculiaridade, mas todas com o compromisso social e, por isso, se
dá a importância da conscientização do motivo pelo qual se deve
preservar. Sá (2015) ressalta que o patrimônio cultural edificado
normalmente é preservado por ser um elemento histórico, uma
obra-prima, mas independentemente a identidade existe e a
questão mais importante é a percepção. Pela falta de uma educação
do olhar, a identidade acaba sendo apenas subliminar e não
consciente. Desse modo, é preciso, exercitar o olhar, aprender a
associar, a relacionar e a comparar a arquitetura e sua ambiência.
O presente ensaio teórico4 trata-se de uma pesquisa descritiva
através de um levantamento bibliográfico e documental, os quais
buscaram elencar pontos com a finalidade de gerar reflexões acerca
da temática da preservação e salvaguarda do patrimônio histórico
e cultural com o intuito de aprofundar o entendimento a respeito
do tema abordado. Assim, este texto5 intenta refletir sobre a
530
preservação do patrimônio e como este contribui na formação da
identidade e da memória da cidade. Para isso, traz observações
pertinentes sobre a temática do tombamento apresentando o único
prédio tombado de Ijuí / RS - o Extinto Tiro de Guerra nº 337 -
situado na área urbana central da cidade, buscando compreender
sua importância (estética, histórica e/ou cultural) e como estes bens
edificados se relacionam dentro do espaço urbano.
Desenvolvimento
531
b) compreender a importância da arquitetura dentro do contexto
histórico e social;
c) valorizar o trabalho arquitetônico, identificando-o com ideais,
valores e necessidades sociais.
d) identificar as principais características de estilos arquitetônicos e
sua época;
e) compreender a interação homem/meio ambiente e o reflexo no
equilíbrio ecológico;
f) identificar tipos de habitação, localização, materiais de construção,
levando em consideração as necessidades de abrigo e proteção;
g) conhecer as características de sua comunidade, estabelecendo
comparações com as de outras comunidades e em especial com as de
Brasília (COSTA, 2002, p. 147-148).
532
na medida em que elegem determinados monumentos, passaram a
atribuir a eles um valor como patrimônio.
Para tanto, a relevância da preservação desses bens torna-se
fundamentais, pois documentam e transmitem às gerações por vir,
as referências de um tempo e de um espaço singular, que jamais
serão revividos, apenas revisitados (quando lhes atribuímos
determinados valores). Nesse contexto, Magalhães (2006) e
Machado (2010) complementam que a cultura e a memória são os
principais fatores de coesão entre a identidade e o patrimônio,
tendo em vista que a cultura é um patrimônio coletivo produzido
pelo conjunto da sociedade.
Entende-se por patrimônio arquitetônico (histórico e/ou
cultural) qualquer edificação que caracterize parte da história de
um local, cidade ou município. Desse modo, é necessário aprender
a desenvolver um olhar crítico quanto às edificações, pois muitas
vezes só percebe-se o patrimônio pela sua exuberância
arquitetônica, deixando passar despercebidas muitas outras
edificações, por possuírem uma arquitetura mais simplificada.
Nesse viés, Rocha (2012) observa que o patrimônio não se limita
apenas no sentido de herança, mas refere-se também aos bens
produzidos pelos nossos antepassados, que resultam em memória
histórica e cultural. Quando uma edificação é caracterizada como
um patrimônio e é tombada, ela tem maior importância por se
tornar oficialmente parte da história de um lugar.
Em uma retomada histórica, é possível perceber que o
patrimônio histórico e cultural no Brasil não contava com proteção
alguma até que foi criada a Constituição Federal de 1934, a qual
encarregava apenas o estado de salvaguardo do patrimônio.
Posteriormente, no ano de 1937, foi elaborado o Decreto nº 25 que
estabelecia normas sobre a preservação e cuidados com o
patrimônio. Primeiramente tal decreto atuou somente no âmbito
federal, mas depois de um tempo passou a ser empregado nos
estados e municípios. O referido Decreto define o patrimônio como
o conjunto dos bens cuja conservação seja de interesse público, que
533
por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, por
seu excepcional, possuem grande valor bibliográfico ou artístico.
No Brasil podem ser tombados bens públicos e privados não
importando a quem pertençam, porém não é possível utilizar o
tombamento como instrumento de preservação de bens que
tenham apenas interesse individual. Ele deve apresentar interesse
coletivo. Alguns exemplos de bens que podem ser tombados são:
fotografias, livros, acervos, mobiliários, utensílios, obras de arte,
edifícios, ruas, praças, bairros, cidades, regiões, florestas, cascatas,
entre outros bens móveis ou imóveis, bens corpóreos (existência
física, não somente jurídica), que façam parte da história e da
cultura de um conjunto de pessoas. O Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul – IPHAE
observa que todo o patrimônio público ou particular, móvel ou
imóvel, cultural ou ambiental, que tiver importância para a
sociedade poderá e deve ser inscrito nos Livros Tombos e, com
isso, ser formalmente tombado, isto é, tornar-se oficialmente
reconhecido, a fim de ser protegido e preservado.
O tombo pode ser efetuado em edificações que contenham a
história dos nossos antepassados. Assim, depois que um bem é
tombado, ele deve continuar sendo preservado com as
características que possuía originalmente na data da sua inscrição
no livro do tombo. O ato de tombar uma edificação não cria
qualquer impedimento para a venda, aluguel ou herança de um
bem, porém, a intervenção nesses locais é restritiva, como por
exemplo, se for vendido o proprietário deve mantê-lo conservado
sem alterar as fachadas e sua estrutura. Portanto, não se alteram
também as características fundamentais da propriedade privada,
especialmente a compra, a venda e a hereditariedade que são as
questões fundamentais desta. O tombamento pode então ser
considerado uma ferramenta de reconhecimento e proteção dos
bens materiais construídos, que apresenta diretrizes que defendem
a salvaguarda destes bens que possuem significado para a
sociedade. O tombamento é o instrumento mais eficaz, tornando
possível a intervenção do poder público na esfera privada no
534
intuito de proteger determinado patrimônio, seja ele histórico,
cultural, ambiental, entre outros.
535
Figura 1 - Tiro de Guerra 337 em meados da década de 1970
536
Diante disso, é possível inferir que as edificações mais antigas
atraem olhares que instigam a imaginação e, ao mesmo tempo,
olhares que apreciam a salvaguarda e manutenção deste
patrimônio e não é diferente com a edificação 337. Dessa forma,
Schirru (2017) complementa que o patrimônio cultural de uma
cidade faz reluzir as vivências de um povo, contribuindo para a
preservação de uma sociedade. E ainda, Segundo Lucchese (2004,
p. 36):
537
foi alterada. Figueira (2007) cogita que uma possibilidade para a
conscientização da importância da conservação do Patrimônio
imóvel nas cidades seria por meio da educação patrimonial, que
tem a possibilidade de desenvolver um trabalho de sensibilização
e, consequentemente, conscientizar a população em relação à
preservação do patrimônio natural e cultural, permitindo assim a
manutenção da identidade cultural de uma sociedade. Desta
forma, a própria identidade social e a memória coletiva passariam
a ser valorizadas, preservadas e difundidas, quando compreendido
o seu valor, ao mesmo tempo em que se deve promover junto à
sociedade o sentimento de pertença na cooperação para a
preservação de marcos e monumentos históricos, memoriais e
edificações antigas das cidades.
Conclusão
538
cultural do município de Ijuí, que foi regulamentada pelo Decreto
nº 1056 de 1985 e revogada pela Lei nº 5630 de 2016, que institui o
Plano Diretor Participativo do Município de Ijuí. No entanto, o
Plano Diretor, apenas no artigo 23, faz menção ao patrimônio
histórico, cultural e paisagístico, em que as intenções são valorizar
e incentivar o uso, conservação e restauração. Diante disso,
percebe-se que Ijuí / RS possui mínimos instrumentos que
colaboram com a preservação de prédios com valor arquitetônico,
histórico e cultural na cidade.
Pelo fato de Ijuí não possuir uma efetiva legislação que preze
pela preservação, propicia a extinção da arquitetura de épocas
passadas, além da história da formação do espaço urbano,
deixando em dúvida, por vezes, de onde, para onde e como se
iniciou o desenvolvimento de determinado espaço da cidade. É
imenso o valor da importância do tombamento, pois uma
edificação com muitos anos de idade revela seu valor nos
diferentes traços de sua fachada, que não são encontrados iguais ou
semelhantes com facilidade nas ruas da cidade. O tombamento tem
como principal função proteger e resguardar o patrimônio
instigando o resgate da história e da cultura, tanto para as gerações
atuais, como para as gerações futuras.
A possibilidade de tombamento não congela os bens materiais
para a sua utilização, pelo contrário, eles devem ser usados e
aproveitados, devendo inclusive ter função social, isto é, serem
ocupados para atividades diversas, a fim de manterem-se como
elementos dinâmicos, a exemplo, do Prédio do Extinto Tiro de
Guerra nº337, que atualmente abriga a Secretaria de Ação Social de
Ijuí. O uso constante e a manutenção adequada do bem tombado
evita o acúmulo de problemas de conservação e consequências
mais graves, como a deterioração gradativa e a necessidade de
realizar intervenções maiores. A preservação arquitetônica é
essencial para que a identidade de uma edificação, considerada
patrimônio, não se perca, tendo em vista que a arquitetura é
testemunho vivo de épocas passadas e, desse modo, a história
539
contada por meio das construções e o que elas representaram deve
ser igualmente preservada e relatada.
Referências
540
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541
542
Metodologia de gestão Lean
e sua relação com a qualidade em saúde
Introdução
543
Atualmente, a qualidade em saúde é um termo bastante
pesquisado, polêmico e que pode ser entendido sob diversos
enfoques. Na área da saúde, a definição de qualidade torna- se
mais ou menos ampla dependendo do quão ampla é a definição de
saúde e da responsabilidade da equipe clínica no seu atendimento.
Significa que os envolvidos nos atos de saúde estão constantemente
preocupados quanto às propriedades, benefícios e malefícios dos
serviços prestados e desenvolvem atividades de aferição e
aperfeiçoamento, para uma maior satisfação dos que necessitam
desses serviços. Sendo assim, gestão da qualidade é a adoção de
programas desenvolvidos internamente ou segundo padrões
externos, capazes de comprovar um padrão de excelência
assistencial, a partir da melhoria contínua da estrutura, dos
processos e resultados (CARVALHO, et al. 2004).
Garantir a qualidade é, basicamente, um esforço para achar e
superar problemas com qualidade. Ou seja, é modificar o
desempenho e o comportamento dos profissionais, das instituições
e dos sistemas em direção a práticas mais apropriadas e aceitáveis
em termos de resultados e custos para a saúde (CALDANA, et al.
2013).
Nos serviços de saúde, a qualidade deve ser enfatizada,
principalmente porque o cuidado prestado ao usuário é consumido
durante a sua produção, tornando-o diferente da produção de
bens, em que é possível separar o produto com defeito sem maiores
consequências. Ocorre igualmente no trabalho de enfermagem,
como nos demais serviços de saúde, à medida que os bens são
produzidos são consumidos no ato da produção, não podendo ser
estocados e comercializados posteriormente (WEIRICH et al. 2009).
Apesar da complexidade do processo de trabalho em saúde,
espera-se que o enfermeiro, utilizando o conhecimento científico do
cuidado e ferramentas adequadas, seja capaz de desempenhar um
papel de gestor dos serviços de saúde, dentro de uma perspectiva
participativa, onde o objetivo é alcançado pelo esforço coletivo e
não pela união de esforços individuais.
544
Segundo Hausmann e Puduzzi (2009), as atividades gerenciais
realizadas pelos enfermeiros buscam assegurar a qualidade da
assistência de enfermagem e o bom funcionamento da instituição.
Portanto, cabe a esse profissional a busca por estratégias que
agreguem valor ao seu processo de trabalho gerencial com a
finalidade de alcançar o melhor resultado assistencial possível.
A melhoria do processo de cuidado oferecido nos ambientes de
assistência à saúde acontece desde os primórdios do atendimento
médico-hospitalar com o intuito de aprimorar a efetividade das
ações e oferecer um amparo de qualidade aos usuários desses
serviços. O pensamento Lean é um modelo de gestão que tem
despontado como um referencial para o alcance dessa qualidade
assistencial aliado a melhoria contínua dos processos
(MAGALHAES et al. 2016).
O pensamento Lean consiste em uma abordagem sistemática
que permite a identificação e eliminação do desperdício nos
processos produtivos, tendo como foco principal agregar qualidade
e entregar ao cliente somente o que ele considera como valor. Em
outras palavras, Lean é a maximização do valor para o cliente por
meio de um processo eficiente e sem desperdícios. Na saúde, isso
significa fornecer serviços que respeitem e atendam às preferências
e necessidades dos pacientes (MAGALHAES et al. 2016).
Nos últimos meses tem-se observado a difusão do termo Lean
nos veículos de comunicação relacionados à área da saúde.
Motivadas por este fato, este trabalho tem como objetivo refletir
sobre conhecimento científico do pensamento Lean na área da
saúde, destacando suas características e contribuições para a
qualidade do cuidado em saúde e enfermagem. A metodologia
aplicada foi revisão narrativa, que possibilita conhecer as diferentes
contribuições científicas disponíveis sobre determinado tema
(MARCONI & LAKATOS, 2007). A revisão bibliográfica foi
realizada no período de julho de 2018, sendo realizada busca de
trabalhos científicos na BIREME (Biblioteca Regional de Medicina)
e Scielo (Scientific Electronic Library Online) e Google Scholar e
545
selecionados os trabalhos científicos considerados relevantes para a
construção deste artigo.
546
al. (1996), valor é definido como todas as características do produto
desejadas pelo usuário, e o desperdício é, resumindo, tudo aquilo
que não apresenta valor para o cliente.
Para Graban (2013), a eliminação do desperdício pode ser uma
das formas de aumentar a qualidade dos serviços de saúde. Para o
autor, os oito tipos de desperdícios consistem em: falhas (tempo
gasto fazendo alguma atividade incorretamente); superprodução
(fazer mais que o demandado pelo cliente ou produzir antes da
demanda surgir); espera (espera pelo próximo evento ou pela
próxima atividade de trabalho); excesso de processamento (fazer
trabalho que não é valorizado pelo cliente ou causado por
definições de qualidade que não se alinham com as necessidades
do paciente); potencial humano (desperdício e perda derivados de
funcionários que não se sentem engajados, que não se sentem
ouvidos ou que não percebem apoio as suas carreiras); transporte
(movimento desnecess{rio de ‚produto‛); movimento (movimento
desnecessário dos funcionários no hospital) e estoque: custo do
estoque excessivo representado em custos financeiros, custos de
armazenagem e transporte.
A metodologia de produção Lean reúne as atividades de toda a
organização desde a gestão de topo, passando pelos operários, até
aos fornecedores, combinando vantagens das produções artesanais
e em massa, ou seja, a capacidade de reduzir custos unitários e
aumentar significativamente a qualidade (RIBEIRO, 2013).
A produção enxuta é uma prática para melhorar a produção
por meio de ciclos de planejamentos, com habilidade dos gerentes
para criar um ambiente propício para o sucesso da implementação.
De modo bem simples, a produção enxuta é uma forma de se
produzir mais com cada vez menos (menos esforço humano,
menos equipamento, menos tempo e menos espaço) e, ao mesmo
tempo, oferecendo aos clientes cada vez mais aquilo que eles
desejam (PESTANA, 2013).
A abordagem enxuta está baseada em uma série de princípios
que norteiam as operações de uma organização na busca de maior
qualidade, aliada à maior eficiência, o que tem trazido excelentes
547
resultados em termos de excelência operacional e lucratividade nos
diversos setores em que tem sido aplicada, inclusive na área da
saúde, em que recebe a classificação de Lean Helthcare.
548
desejam condições dignas e éticas de trabalho, como dos governos
responsáveis pelo financiamento do sistema de saúde.
Para alcançar excelentes resultados de melhorias é necessário
inovação nos processos de trabalho, na busca de melhores
resultados e redução de custos. A prática enxuta disseminada pela
metodologia Lean é hoje um diferencial nas empresas, atuando com
o mínimo de desperdícios, otimizando tempo e espaço, com
flexibilidade e criando uma cultura organizacional de melhoria
contínua (MOREIRA, 2012). Segundo Souza (2008), diversos
autores têm atribuído sucessos ao Lean Healthcare, pelo fato de
gerar resultados de melhorias expressivos e principalmente
sustentáveis.
Há especialistas que consideram que o uso do Lean será crucial
para lidar com os atuais desafios da saúde (LAPÃO, 2016). O Lean
já apresentou resultados positivos relacionados com o desempenho
de alguns sistemas de saúde. Esses passam pela diminuição do
tempo total que os pacientes gastam nos cuidados, no aumento do
número de pacientes que podem ser atendidos, na redução do
tempo de espera, no aumento da satisfação do paciente assim como
dos funcionários, na redução de horas extras, na diminuição dos
custos com estoques e principalmente na redução do tempo de
distância das movimentações para o paciente e para os
funcionários. Estes refletem na redução do número de erros e
incidentes, pois é desenvolvida uma assistência mais ágil e hábil,
utilizando os mesmos funcionários, mas sendo possível em um
ambiente de trabalho estável, com procedimentos claros e
padronizados, de maneira a criar as bases para a melhoria
constante e onde o entusiasmo e valorização dos funcionários seja
visível (POKSINSKA, 2010).
Na literatura também encontramos algumas publicações e
trabalhos científicos que relatam os benefícios na aplicação na
metodologia Lean para aumento da qualidade do processo em
cuidado.
Pestana et al. (2013) apresenta um modelo teórico de
organização do cuidado ao paciente em morte encefálica e o
549
processo de doação de órgãos balizado pelas principais ideias do
pensamento Lean, desvelando possibilidades de melhoria desse
processo. Essa melhoria advém de um planejamento e organização
do cuidado através da manutenção preventiva dos equipamentos;
um o sistema de informação será efetivo e atualização profissional.
Da mesma forma, Araújo et al. (2016) descreve aplicação das
ferramentas do Lean em um hospital público localizado na cidade
de Petrolina-PE, através de em diversos setores. Através da
aplicação de metodologias com 5S, Gerenciamento Visual e Kaizen
foi identificar desperdícios e mitigá-los, a fim de inserir novos
conceitos visando à prática da melhoria contínua no ambiente
hospitalar, aumentando a eficiência dos serviços na instituição.
A melhoria contínua da qualidade assistencial requer
avaliações sistemáticas dos cuidados prestados aos usuários dos
serviços de saúde, visando à identificação dos fatores que
interferem no processo de trabalho da enfermagem. Percebe-se os
reflexo da aplicação da metodologia Lean na qualidade dos serviços
oferecidos. Porém convém destacar que para que se alcance
qualquer resultado em programas de qualidade aplicados à saúde,
é primordial uma eficiência da gestão hospitalar, sendo
imprescindível também, para o bom funcionamento de um
hospital, pois ela é responsável por relacionar a estrutura existente
e os processos dos serviços oferecidos rotineiramente em um
hospital, tendo como foco a primazia do atendimento ao paciente
(LONGARAY, 2015).
Considerações finais
550
serviços, implantando e implementando ações para qualidade e
segurança do paciente nas instituições de saúde, uma vez que se
destaca neste exercício, pois tem a capacidade de interagir
interdisciplinarmente e diretamente com o paciente, compreender
seus desafios e assim planejar a assistência que será oferecida.
Neste sentido a metodologia Lean pode auxiliar o enfermeiro gestor
e sua equipe a promover uma assistência em saúde de qualidade,
usando o que tem disponível e sem demandar grandes recursos.
Assim na era digital onde o acesso a informação é instantâneo,
os pacientes exigem dos serviços e profissionais de saúde um
atendimento cada vez melhor, com mais qualidade e
resolubilidade, e para acompanhar essa evolução é necessário
maior investimento no treinamento, capacitação em serviço,
olhando sempre para suas operações de forma que seus processos
gerem valor para o paciente, atendendo suas expectativas, de seus
familiares, governo e sociedade.
Ainda se observa a necessidade de quantificar os efeitos do
Lean, a dimensão e grau da sua aplicação, nos serviços de saúde
com investigações científicas, já que os dados analisados se tratam
de implementações exitosas em determinados serviços, através de
práticas e registros. Com o intuito de recolher e analisar os dados
concretos de medida dos vários indicadores, aferir até que ponto
estão de acordo com a filosofia Lean e de que modo podem ser
melhorados, seguindo os princípios da mesma.
Referências
551
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553
Pesquisas e escritas Cláudia Fuchs
contemporâneas: Ivan Luís Schwengber
Leandro Mayer
dialogando com a Jenerton Arlan Schütz
pluralidade de vozes (Organizadores)
Pesquisas e escritas
ISBN. 978-85-7993-603-6