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ESTÁCIO COIMBRA

Ascensão e queda de Estácio Coimbra:


O general estava míope.
Não sabia que era a revolução
Copyright © Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco
www.alepe.pe.gov.br

Diretor Geral
Luiz Carlos Mattos

Diretor de Comunicação Social


José Tomaz Filho

Coordenação do Projeto Perfil Parlamentar Século XX


Angela Nascimento

Comissão Especial
Antonio Corrêa (Consultor)
Carlos Bezerra Cavalcanti
Manuel Correia de Andrade
Marc Jay Hoffnagel
Marcus Accioly
Mário Márcio de Almeida Santos

Divisão de Arquivo e de Preservação do Patrimônio Histórico do Legislativo


Cynthia Maria Freitas Barreto

Pesquisadora
Sônia Carvalho

Revisão
Thema Comunicação

Capa
Manuel Pontual de Arruda Falcão
Rafael de Paula Rodrigues

Foto da Capa
Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano

Projeto Gráfico e Impressão


CEPE – Companhia Editora de Pernambuco
PERFIL PARLAMENTAR
SÉCULO XX

ESTÁCIO COIMBRA
Ascensão e queda de Estácio Coimbra:
O general estava míope.
Não sabia que era a revolução

Texto: Ronildo Maia Leite

Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco


Recife, 2001
MESA DIRETORA Eudo Magalhães
Fernando Lupa
Garibaldi Gurgel
Romário Dias Geraldo Barbosa
Presidente Geraldo Coelho
Geraldo Melo
Afonso Ferraz Gilberto Marques Paulo
1º Vice-Presidente Gilvan Costa
André Campos Guilherme Uchôa
2º Vice Presidente Helio Urquisa
Henrique Queiroz
João Negromonte
Israel Guerra
1° Secretário
João Braga
Antonio Mariano
João de Deus
2º Secretário
João Negromonte
Manoel Ferreira
Jorge Gomes
3° Secretário
José Augusto Farias
Jorge Gomes
José Marcos
4º Secretário
José Queiroz
Lula Cabral
14ª LEGISLATURA 1999-2002
Malba Lucena

Afonso Ferraz Manoel Ferreira


André Campos Marcantônio Dourado
Antônio de Pádua Nelson Pereira
Antônio Mariano Orisvaldo Inácio
Antônio Moraes Paulo Rubem
Augustinho Rufino Pedro Eurico
Augusto César Ranilson Ramos
Augusto Coutinho Roberto Liberato
Beto Gadelha Romário Dias
Bruno Araújo Sebastião Rufino
Bruno Rodrigues Sérgio Leite
Carlos Lapa Sérgio Pinho Alves
Diniz Cavalcanti Teresa Duere
Elias Lira Ulisses Tenório
SUMÁRIO

Perfil Parlamentar Século XX ....................................................................................... 6


Prefácio: Jornalismo e História. Uma quase apresentação ................................... 8
Em verdade, em verdade, eu vos digo .................................................................. 9
É de raiva esse voto. É de raiva a cidade ............................................................. 11
Todo mundo sabia da Revolução. Menos os jornais do Recife ........................... 15
Até a cachorrinha da praia sabia da Revolução ................................................... 19
As chamas dos incêndios lambiam os céus de João Pessoa ................................ 23
O general estava míope. Não sabia que era a Revolução .................................... 27
No Recife, o carro da Revolução pegou empurrado ............................................ 30
As balas futucavam os ouvidos da cidade, de ponta a ponta ............................... 33
Dois golpes de bisturi na garganta. Bem fundo. Na carótida, para matar ............ 36
O Recife sepulta os seus mortos ........................................................................... 40
A fuga, na visão de Gilberto Freyre e Costa Porto .............................................. 44
Um quase menino e um quase rapaz. O homem forte de Estácio Coimbra ......... 46
Um homem marcado pelo destino. Guerra até o dia de sua morte ...................... 48
Cronologia dos fatos ............................................................................................ 50
Bibliografia e fontes ............................................................................................ 64
Dados biográficos do autor .................................................................................. 65
Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX

A edição Perfil Parlamentar Século XX, pela Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, com
apoio dos Diários Associados, é significativa, sobretudo, porque representa o destaque de nomes, da obra e da vida
daqueles que, por sua atuação política nesta Casa e fora dela, se sobressaíram no Estado e no País.
A Assembléia Legislativa mostra às novas gerações, com esta publicação, a ação parlamentar de alguns de
seus mais ilustres deputados ao longo de seus 166 anos.
A seleção dos parlamentares representativos do século XX foi realizada pela Academia Pernambucana de
Letras, que indicou o acadêmico Mário Márcio de Almeida Santos, o Conselho Estadual de Cultura, representado
pelo conselheiro Marcus Accioly, a Fundação Joaquim Nabuco, que indicou o professor Manuel Correia de
Andrade, a Universidade Federal de Pernambuco, representada pelo professor Marc Jay Hoffnagel, e o Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, que se fez presente pelo pesquisador Carlos Bezerra
Cavalcanti. Este grupo de notáveis constituiu a Comissão Especial, a qual teve a consultoria do ex-deputado e
presidente em exercício da Academia Pernambucana de Letras, Antônio Corrêa de Oliveira.
As reuniões que antecederam a divulgação do resultado final definiram os critérios para a seleção: que o
parlamentar já tivesse falecido; atuação na Assembléia Legislativa; atuação política e profissional.
Os nomes escolhidos foram Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães, Antônio Andrade Lima Filho,
Antônio Souto Filho, Carlos de Lima Cavalcanti, Davi Capistrano da Costa, Estácio de Albuquerque Coimbra,
Francisco Augusto Pereira da Costa, Francisco Julião Arruda de Paula, Gilberto Osório de Oliveira Andrade, João
Cleofas de Oliveira, Joaquim de Arruda Falcão, José Antônio Barreto Guimarães, José Francisco de Melo
Cavalcanti, Mário Carneiro do Rego Melo, Nilo Pereira, Nilo de Souza Coelho, Orlando da Cunha Parahym,
Oswaldo da Costa Cavalcanti Lima Filho, Paulo de Figueiredo Cavalcanti, Paulo Pessoa Guerra, Ruy de Ayres
Bello, Walfredo Paulino de Siqueira.
O Parlamento é o espaço democrático onde os cidadãos são representados pelos deputados. Esta
publicação é uma homenagem àqueles que tornaram ainda mais importante o Poder Legislativo.
Serão publicados três mil exemplares de cada um dos 22 volumes, os quais serão distribuídos,
majoritariamente, nas escolas e bibliotecas. A redação destes Perfis está a cargo de jornalistas profissionais, aos
quais esta Casa não impôs restrições, confiando-lhes o livre exercício dos seus estilos e características pessoais.
Esta coleção interessa a estudantes, a políticos, a pesquisadores e à sociedade de um modo geral, pois nela
estão contidas novas informações sobre a História de Pernambuco e do Brasil.
A iniciativa da atual Mesa Diretora da Casa de Joaquim Nabuco concretiza a determinação de que vamos
deixar uma Assembléia Legislativa que seja motivo de orgulho para a sociedade que nela se vê representada.

Deputado Romário Dias,


Presidente da Assembléia Legislativa
do Estado de Pernambuco

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 6


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

“O movimento do Recife foi o único genuinamente popular de todos


os que haviam se travado naquele dia de revolta. No Rio Grande do
Sul, em Minas, na Paraíba eram o governo e uma tropa que agiam
embora secundados por elementos civis. Em Pernambuco, fora
apenas o povo, quase que por si só, com três ou quatro oficiais
destemidos, que souberam tirar partido da descoordenação e da
inércia do adversário: o capitão Muniz de Farias, o capitão Costa
Neto, os sargentos Heli e Elpídio. Custara a luta 38 mortos. Nos
hospitais recolhiam-se perto de 120 feridos.”

Barbosa Lima Sobrinho

A Verdade sobre a Revolução de Outubro


– Gráfica-Editora Unitas Ltda. 1933.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 7


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

PREFÁCIO
JORNALISMO E HISTÓRIA.
UMA QUASE APRESENTAÇÃO
Não gosto de falar em primeiro. Isso é muito subjetivo. Direi, apenas, que Ronildo Maia Leite é um dos
maiores cronistas deste País. Um faiscador de metáforas. Escreve, simultaneamente, com um bisturi e um pincel de
seda. Corta, aguça palavras, põe curare na ponta delas e lança, com uma dureza quase canibalesca.
Mas, de repente, pinta, se faz miniaturista japonês, dá à frase névoas de sonho, translucidez de cristal e
envolve tudo em banho dourado de lirismo, um poeta que se desvela descuidado, como se tivesse medo do sumo da
beleza que guarda no peito magro...
Com este primeiro livro de uma série sobre as eleições no Recife, dá um mergulho no tempo, retorna à sua
juventude e tenta elaborar um ensaio da História, a mais perigosa e desafiante das Histórias, porque contemporânea.
Meio século ainda não é medida justa para a evocação desapaixonada do passado. Ainda há testemunhas vivas.
Participantes com traumas que não morreram. As óticas, às vezes, continuam a se avermelhar em ódio,
não soou decerto a hora serena de Tácito, sine ira et studio. Ronildo nos leva para o tumulto dos anos 30, 40 e 60.
Um tempo expressamente escuro, tarjado, entretanto, de luminosidades faiscantes.
Os jovens do mundo inteiro se batiam em terra, no mar e no ar, contra o horror nazi-fascista, a demência
do racismo, o Estado enlouquecido na aberração do poder totalitário. No Brasil, agonizava matando, a ditadura
medíocre do Estado Novo... Como conciliar os moços sepultados em Pistoia e estudantes fuzilados na praça
pública?
Ronildo traz o seu depoimento sobre a tormenta que nos castigou. Não é um scholar promovendo
pesquisa fundamente estruturada; é um jornalista perenizando sua memória antiga, escrevendo tangido pelas
circunstâncias, a compulsão trágica da informação. Faz História e Jornalismo, mistura as perspectivas, amarra-as
num estilo vivo, cortante, com juízos e interpretações, dá-nos um quadro impressionista, suando sangue e lágrima,
coragem, mesquinharia e grandeza, heróis desconhecidos e patifes glorificados.
Ronildo tem algumas coisas daqueles profetas bíblicos que arrostavam reis e potentados em seus palácios
fulgurantes e zurziam-lhes a arrogância, as prevaricações, os dolos com a bravura de um espancador de hienas, um
intrépido esmagador de lacraias, impotentes diante de sua frase sibilante e solar, como se brandisse nas mãos um
pedaço de estrela ou lhes cuspisse na cara pérolas envenenadas.
Adivinha-se logo o que, realmente, fataliza o cronista. É o Recife que exalta com a violência de um Otelo
tropical. Veio de Garanhuns, a cidade serrana está inteira no seu coração, com seus frios, ventos do Magano, rosas tão
vermelhas; mas, sabe que pecou, chafurdou-se em paixão obsessiva pelo Recife. Os rios, um dia, de prata, entraram-se
pelas veias numa transfusão primitiva. É meio selvagem amando a cidade em permanente crise erótica, azuis marítimos,
verdes de morro, os meninos abandonados, a dama esquiva, o fogo na política, a dor das injustiças, os sonhos do Encoberto
que atravessaram o oceano na diáspora do velho pai, ó mar quanto do teu sal é lágrima portuguesa...
Há muito depoimento sobre os tormentosos dias de quarenta. Inúmeros participantes se sentiram na
obrigação de deixar roteiros e respostas para o futuro. O livro de Ronildo se junta a eles. Podemos polemizar
algumas de suas teses. Discordar. Concordar. Assombrar-nos com revelações inesperadas. Só será impossível
permanecer indiferente. Porque o livro se gera em nossas dores, bebe desta cidade do Recife, marca de fogo em
nossa alma, ferro de boi inapagável, amor e doideira, cidade de se querer até a morte, gloriosa ou prostituída, âncora
de sonhos, grito do povo, que Deus a abençoe na sua caminhada e paixão.
O livro de Ronildo Maia Leite é feito com lavas desse continente ígneo, onde, dizem, os rios se juntam
para formar o Atlântico.
Vai aí o seu primeiro volume, tratando do começo das apurações eleitorais em Pernambuco. Relato profundo e
amargo, contando as histórias de 1930, entre os quais sofreu a sua família de Garanhuns – seu avô, o capitão Thomaz Maia,
era da parte dos chamados Carcomidos e terminou aqui na Casa de Detenção.
Este primeiro volume se baseia basicamente em cima de depoimentos importantes como Gilberto Freyre e
Costa Porto, sem falar em Hélio Silva.
Potiguar Matos∗


Potiguar Matos escreveu esta apresentação antes de morrer, no Recife, em fevereiro de 1996.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 8


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

EM VERDADE, EM VERDADE, EU VOS DIGO

Eis aí o primeiro volume de A Cidade Invicta – O general estava míope. Nem viu que era a revolução. A
queda de Estácio e o fim dos Carcomidos – história recifense contada por um jornalista. Na verdade, mais estórias
do que História no que elas tenham de narrativa puxando prum não-sei-quê de ficção. Ou reinvenção, essa coisa de
cronista.
O jornal é o cumprimento diário de uma cidade às suas pessoas. Por isso, é o primeiro a chegar às ruas,
marcar encontro nas calçadas. No caso do assinante, ele é chegado a intimidades: logo cedo, está dentro de casa pra
segurar um papo. Por isso, jornal e pessoas são exigentes demais. E muito íntimos. Inteiram-se entre si,
completam-se uns nos outros. Irmanam-se, acasalam-se, emparelham-se. Amancebam-se quase.
O repórter foi ao Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco – TRE, recolheu uma pilha de mapas a partir das
eleições de 1933. Jogou os números na coleção de velhos jornais, leu algumas dezenas de livros. No que juntou, misturou,
costurou e engatou os tais números com o dia-a-dia do povo, constatou que a história dos homens é feita de ingresias,
embirrâncias e encrencas.
Constatação, apenas. O trabalho está longe, muito longe, de análises e interpretações. Ou de ciências.
Estaria, a do repórter, na sabedoria das ruas, onde caminham verdade e mentira – a notícia transeunte. A notícia é o
princípio de tudo. Desde o jornalismo à publicidade, ao conto, à poesia, ao cartaz e ao piche e grafite nas paredes.
Desde até um olhar. Inda que a notícia de amor, desprezo ou raiva venha no entre aspas das pestanas pra tornar-se
clara, necessariamente clara, no parágrafo seguinte, as sobrancelhas.
Seria, o nosso rosto, uma primeira página no que ele tenha de manchete nos lábios. Ou de fotos nas rugas,
de chamadas nos lábios e exclamações na venta. Seria também o outdoor da alma a propagar sentimentos. Daí o
dizer-se está na cara ou ser isso e aquilo a cara da gente.
Seriam os Evangelhos uma grande reportagem. E os apóstolos os primeiros repórteres de Jesus. Aliás, eu
prefiro chamá-los de repóstulos – tantos furos de amor eles deram na contra-informação da ambição e do ódio.
Este primeiro volume passa, necessariamente, por 1930, quando morreu a 1ª República, e a queda de
Estácio Coimbra. O segundo vai do golpe branco do golpe, elegendo, por via indireta, Getúlio Vargas presidente da
República e os governadores a ele assemelhados. Passa, depois, por 1964, com a queda de João Goulart e Miguel
Arraes, com a implantação da ditadura que durou mais de 20 anos.
Velhas histórias de cabarés e de urnas, de homens absolutamente bons e intrinsecamente canalhas. De glórias e
tédios. De honras e safadezas também. De infernos, céus e purgatórios. Do mal-assombrado das cadeias. De Satanás
atiçando fogo nas câmaras de tortura, na assadura infernal dos torturados. De homens bons e maus. Afinal, somos todos
assim – o resultado de grandes e mesquinhas ambições.
Questionou-se o repórter e cobriu-se de dúvidas o cronista quanto à validade de emprestar forma de livro a
alguns trabalhos publicados na imprensa de Pernambuco. A dúvida: o que haveria de escritor no jornalista, sendo o
cronista um homem de prendas literárias por assim dizer meramente domésticas? Escravo é ele, sobretudo o
repórter, do forno, fogão, sala e postigo. Da varrição e arrumação geral da casa para receber a visita da verdade e da
mentira, uma e outra carentes de atenção e bom trato. A questão: à ansiedade do repórter deveria bastar o dia-a-dia
a matar-lhe a fome e a sede de informação?
Filho de português, misturado com índia fulniô e negra do Castainho, desconfiado sou desde nascença.
Sentei praça em jornal por desconfiar de uma dura verdade, faz tempo anunciada por Walter Lipmann: notícia e
verdade não são a mesma coisa. Recentemente, H. Eugene Goodwin me assuntou ao ouvido:

“O jornalista pode ajudar a verdade, mas raramente é capaz de juntar fatos suficientes, em determinada hora,
para produzir a verdade sobre determinado assunto.”

Disso tenho cá alguns exemplos: estava a publicar os tais trabalhos quando o carteiro bateu à minha porta.
Algumas cartas. Retificações, acrescentações, assombrações, exclamações, reticências. Sobretudo acréscimos,
acrescentos.
De novo, as lições de Lipmann e Goodwin – seria o jornal a pressa do bom senso? Tenho que sim, que
não. Algumas dessas cartas me tocaram particularmente: as de Antônio Pádua Kehrle, José de Moura Filho, Odon
Porto e José Maria Freire de Menezes. As duas últimas falam sobre a bisturizada que matou João Dantas e Augusto
Caldas, no instante em que o povo queria invadir a Casa de Detenção do Recife para vingar o assassinato de João
Pessoa. Razões óbvias, os jornais da época não registraram a versão segundo a qual os dois presos teriam sido
degolados por Luiz de Gois, um médico e agitador social, à época respeitado e temido. Versões outras existem, da
família de Dantas, segundo as quais os mortos foram pisoteados e mortos por detentos.
Descendente dos Kehrle, judeus-alemães escapados da Alemanha de Hitler, Pádua fala da jovem Emma,
sua tia-avó, morta por um tiro doido nas ruas do Recife em outubro de 30 e que os jornais registraram sem nome,
tratando-a como simples empregada doméstica. Na verdade, a garota residia com a família do jornalista Carlos Lira

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 9


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Filho. Aprendia Português e ensinava Alemão ao diretor do Diario de Pernambuco. Moura fala de atrevido
recifense – Enéas Jorge de Andrade – que, juntamente com David Capistrano, foi brigar na Espanha contra Franco,
de onde escapou para morrer matando nazista nos céus de Moscou.
Pela minha cabeça passava o que de mais trivial pode existir numa pauta de reportagem: atas, relatórios e
mapas do TRE deveriam amortalhar pedaços de alma, sugeriam um ossuário de números.
Inda que públicos, sempre desconfiei terem os arquivos um sei-que-lá de bem arrumadas sepulturas
caiadas, onde o cheiro de naftalina encaderna prateleiras e as teias de aranha sugerem provetas barbas brancas na
História.
Com o apoio de Alex Gomes, outro repórter, constatei que tais números, tais mapas, tais notícias não
caíram nas redações por descuido. Foram gerados com o defeito de fabricação, comum a todo jornal.
Difícil é o retrato verdadeiro de uma sociedade carente de reformas e crente numa legião de homens que
levantavam bandeiras, organizavam partidos e defendiam ideologias. A verdade histórica nunca se esgota como
uma fonte. Por isso, a busca de outras fontes, outras mais, a inesgotáveis outras fontes. Que se doem, se magoam
entre si e se ferem como se ferem e se doem as ondas do mar contra os rochedos, outra fonte também. Cá pra nós,
Jornalismo é isso, crônica é isso – certezas interiores e desconfianças lúcidas.
Essa minha verdade mereceria o formato de livro, camaradas?
Foi quando surgiu a corajosa proposta da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, por
intermédio de seu presidente, deputado Romário Dias, com o lúcido e ostensivo apoio de seu diretor de
Comunicação Social, o jornalista José Tomaz Filho.
É o que se verá neste primeiro volume.

Jaboatão dos Guararapes,


Flor do Manacá,
Agosto/2001

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 10


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

É DE RAIVA ESSE VOTO.


É DE RAIVA A CIDADE.

Podes crer, camarada. O Recife acordou com o trovão do século pra nunca mais dormir. Falar nem precisa
nos anos onze, doze, catorze, dezessete, dezoito. Tampouco no tremor de terra do passar de um século para o outro.
Em 19 e quê, aqui estourou uma greve tão grande que até o vento parou. Um ao outro, deram-se os braços
d’água os rios Capibaribe e Beberibe. Emparedaram-se depois nos arrecifes pra se atracar com a garganta do mar, lá
por trás do Campo das Princesas, onde a Primeira República, tão nova ainda, já estrebuchava, tadinha.
Rugiam as ondas do mar de encontro às pedras. A voz do povo açoitava o lombo das praças com o chicote
da língua. Em todas as ruas e becos e vielas ouvia-se um esquisito barulho. Era o braço dos ventos açoitando a mão
das ondas no aplauso geral aos paredistas.
O comércio fechou, não teve banco. O bonde era movido a burro de canga, até o burro aderiu. Faltou pão
nas padarias e água nas torneiras. Varredor de rua sentou-se nas carroças. Faltou luz nos postes e nas casas.
Acamaradaram-se patrões aos empregados.
Locaute, nocaute, blecaute. A cidade gritou no ouvido das esquinas, berrou alto nas praças, pois telefone e
jornal estiveram calados. Esse clima gerou 21, que gerou 22, que gerou 25, que gerou 28. Que terminou gerando
1930, quando o trovão se fez relâmpago para acender o céu de 31, 32, 35. E terminou gerando 1937, dia 8 de
novembro, quando Estácio Coimbra morreu às vésperas do Estado Novo.
Aí, o tempo se fechou com a morrinha, apagou-se em 37, reacendeu com o relâmpago de 45. Pra de novo
desfalecer em 47, pegar fogo em 50, amunhecar em 54, reluzir em 60. Pra se cobrir do mais preto dos breus em 64.
Que gerou 65, que gerou 68, que gerou 72, 74, 78. Que terminou gerando esse tempo todo de agonia: 82, 85, 86, 90,
92, 94, 98...
Pra dar no quê, santo Deus, na virada do século e do milênio? No que deu já se viu, tá se vendo, vai se ver. Muito,
muito, muitão ainda há de se ver, camaradas.
O clarão dos relâmpagos primeiro incendeia as praças. No caso do Recife, alumiou logo três: primeiro, a
de Cinco Pontas, onde Frei Caneca morreu todo pinicado de balas. Depois, a da República, onde inda hoje está um
palácio que se chama das Princesas. Em seguida, a da Independência.
Nessa, morre gente desde que os arrecifes germinaram a cidade numa cama de espumas, durante o coito
do mar com os rios, camboas e mangues e canais.
Valeu a lição das trovoadas?
Valeu.
Levando porradas, terminou aprendendo a votar o recifense. Ele se esbagaça nas ruas, feito na Revolução
de 30, no golpe militar de 64 ou na queda da outra ditadura, a de Vargas. Mas, na hora de votar, a sua alma é
deslumbrante e bela. É cáustica. Incomoda. É caldo de cultura para analista político. Sopa no mel pra cientista
social.
Fisiológico?
No voto majoritário, jamais.
De cabresto?
Aqui, ó...
Ideológico?
Nem tanto ao mar.
Oposicionista?
Arre égua.
Esse voto já arrancou de Agamenon Magalhães esta frase amarga: Fiz tudo pelo Recife e agora ele me
abandona: é minha cidade cruel!
A intenção desta quase reportagem é romancear o voto maldito do Recife no começo do novo milênio.
Valem a minha fé nas palavras da Bíblia e a minha inabalável crença na força demolidora também das desgraças –
elas chegam para modificar. Não há luta sem mortos, conquistas sem guerra. Minha Bíblia contra meu Marx: a
felicidade é a curtição dos infernos, onde os pobres de espírito não têm vez, pois o seu lugar é o reino dos céus.
Antes, gostaria de segurar um dedo de prosa sobres dois homens que marcaram definitivamente a nossa
história política, evidentemente em dois instantes de profundas modificações – primeiro Estácio Coimbra, depois
Agamenon Magalhães. Os fatos ocorreram está completando mais de 70 anos. Os mortos comandam os vivos, não
me lembro quem disse essa beleza de lorota, camaradas.
Quem foi Estácio está dito nos capítulos seguintes. Quanto a Agamenon... Afinal, ele também vinha dos
tempos dos Carcomidos.
China Gordo – assim era chamado Agamenon Magalhães por causa de seus olhos miúdos, repuxados pros
cantos feito azeitonas do mato. Por trás dos óculos armação de tartaruga, aquele não-sei-quê de oriental num olhar
de sertanejo cismado. O apelido quem botou foi o poeta Manuel Bandeira no exato momento em que o Estado

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Novo despencou. Balordo, China Gordo, disse o poeta – segundo Andrade Lima Filho pra vingar Gilberto Freyre,
Ulysses Pernambucano, Aníbal Fernandes, Joaquim Cardozo e Samuel Campelo, as grandes vítimas da escuridão
de 1937.
O China Gordo nutria um amor da moléstia pelo povo. Dos postigos do Palácio das Princesas, costumava
medir a cidade pelo olho de vidro da janela. Nas ruas, a doidice de um povo acostumado às arruaças. Atrás dele, o
caminho fluvial do Capibaribe, por onde Estácio Coimbra e Gilberto Freyre escapuliram quando rebentou o golpe
popular de 1930.
Na frente, o verdume da praça, dita da República mas que era do Estado Novo, onde o pá-pá-pá das balas
espantava até as estátuas, rasgando a carne dos pés de pau e melando de pólvora a face das papoulas. Foi um dia de
horror aquele 4 de outubro.
Malandro sertanejo, Agamenon chegou ao Recife pra conhecer o mar e conquistar o povo. O que fez de
casa popular, o que de briga sustentou contra os tubarões e donos de usina foi de arrepiar os cabelos da venta.
À noite, o interventor juntava os seguranças, atravessava a Ponte Buarque de Macedo e ia pra zona, lá
dentro do Recife, onde funcionava a Folha da Manhã. Articulista e dono do jornal, do parapeito das janelas espiava
as raparigas garanhando marinheiros. O povo zanzando pra lá e pra cá, pois à época mulher de vida fácil facilitava
apenas pra soldado americano aportado no cais da resistência antifascista, o do porto do Recife.
Na esquina do jornal, Rua Vigário Tenório, tinha um boteco, onde Mário Melo tomava cafezinho, Luís
Beltrão beliscava charque assada lavando as bochechas com cerveja. E onde os linotipistas se embriagavam de
madrugada, falando mal do patrão. Nilo Pereira era o chefe de redação. Freqüentava a zona por imperioso dever de
ofício. Saía do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda, o DEIP – que censurava até bilhete de rifa – pra
ir à Folha escrever editoriais esculhambando os comunistas.
Ia direto. Nada de paradinhas. De soslaio, olhava a Rua da Moeda, onde vivia a mais grossa putaria.
Católico e mariano praticante, beijava o escapulário antes de sair do DEIP. Fazia o pelo-sinal na testa, nos lábios,
no coração quando passava pela Rua da Guia, onde ainda hoje exala um morno fedor de mijo, inhaca de cachaça e
perfume francês dos cabarés.
Adentrava o mestre, na zona, com a devida bênção da Madre de Deus, cuja catedral dava muito bem pra
ser vista da janela. Perdido, esse vasto mundo, resmungava o acólito jornalista vendo a alcoviteira calçada da igreja
servindo de trotuar e pro xumbrego de guarda-noturno.
Agamenon também governava a partir da Folha da Manhã. Aliás, intervinha. A famosa frase – Recife,
cidade cruel – resultou de uma dessas intervenções na redação, ao lado de Nilo, Beltrão, Mário Melo e Reinaldo
Câmara.
Expulso do poder em 1945, quis voltar por meio do voto popular. Voltou, mas sofreu. Naquela noite, a PRA-8
vomitava números inacreditáveis, que ele, homem sério, não podia escamotear da primeira página. Lamentou-se que
nem bode embarcado num artigo bem curto, mas deu os resultados.
3 de outubro de 1950, eleições para governador:

• João Cleofas, um usineiro, 44.190 votos


• Agamenon Magalhães, amigo do povo, 41.099.

No frigir dos ovos, China Gordo venceu. Com o massacre das urnas do Sertão e do Agreste. A seu favor, é claro.
O recifense pode até ter se arrependido, mas ele não voltou às Princesas com os votos da cidade cruel.
E arrependeu-se mesmo.
No dia em que Agamenon morreu tinha tanta gente na praça, já agora da República, que esborrava pelas
pontes, espremia-se na beirada dos rios, ficava morcegando o enterro trepada nas árvores. Passava das cinco. O
último sol da tarde projetava o rosto de Agamenon nas águas do Capibaribe, acompanhando a procissão do senhor
morto.
Em matéria de eleição, não foi apenas o China Gordo a viver experiência tão amarga. O mesmo povo que,
cinco anos antes, fora às ruas lutar contra a ditadura Vargas, naquele mesmo 3 de outubro de 1950 deixou nas urnas
resultados igualmente surpreendentes.
Para presidente da República:

• Getúlio Vargas (PTB) 57.451


• Eduardo Gomes (UDN) – 25.474
• Cristiano Machado (PSD) – 3.645
• João Mangabeira (PSB) – 153

A campanha do Ele Voltará quase dobrou os votos do ex-ditador em relação aos outros candidatos.
Desde o primeiro voto, o Recife parece caminhar num caminho único. É de protesto a alma recifense. Ela
não gosta de governo. E, por ser governo, numa dessas Miguel Arraes quase se lasca.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 12


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Foi na segunda eleição de Pelópidas Silveira à Prefeitura do Recife. Arraes o fez seu sucessor, mas o vice
foi Augusto Lucena, um cara do outro lado, que terminou abocanhando a Prefeitura tutelado pelas baionetas de 64 e
resmungado pela egrégia Câmara dos Vereadores – que, sem qualquer coincidência, funcionava na Rua da Guia pra
depois esconder-se com vergonha debaixo dos pé de pau do Parque 13 de Maio.
É de raiva o voto recifense. É de raiva a cidade.
O seu entretenimento mais importante, o frevo, nasceu da sua raiva pelo colonizador português. É sabido:
o passo é dança da briga, é ducha de anseios, marcapasso de antigas lutas libertárias. Vem do tempo em que se
matava português com rabos-de-arraia. Com as pernas, com os braços, com a cabeça – armas fatais da capoeira, que
é invenção recifense, jamais dos baianos como andaram espalhando. É do tempo em que se espetava a barriga de
galego com a haste central do guarda-chuva, que nada tem a ver com o equilíbrio dos passistas, mas com o ódio
mortal ao colonizador.
Na dança do frevo, até o estandarte vira arma de luta. Para enganar a polícia, os capoeiras camuflavam os passos,
inventando a nova coreografia à frente das bandas militares. Por isso, o frevo é uma música cívica. Metálica nos pistons, na
gargalhada geral dos clarinetes e no gemido soturno dos trombones e bombardinos. E a dança é uma dança dramática. Um
guerrear quase.
O dobradiça, o saca-rolha, o parafuso, o de bandinhas, são, todos eles, passos de arenga, para arrebentar.
Em todos eles, o passista se curva, se abaixa, rodopia num pé. Adianta uma das pernas, joga o ombro pra frente, à
esquerda, à direita. Põe-se de cócoras, levanta os braços, estica o busto, encolhe o bucho. Dá grandes saltos mortais,
vitais.
O recifense quer mesmo é brigar. Esse amor ao se armar vem dos tempos do Império. Da grande
revolução de 1817. De outra, chamada Praieira, Nunes Machado crivado de balas. De quantas, quantas mais, cada
uma mais braba do que a outra. Quando não briga porque não pode – e dificilmente pode – com as armas em punho,
briga com as urnas. Governo não vence aqui.
Exceções?
Algumas, honrosas até.
Comunista teria sido, algum tempo, o voto recifense? Logo após a Revolução de 30, tenho que sim, que
não ou talvez. Não se afobem comigo, mas olhem lá, camaradas: 34 anos depois, a munganga deu pra trás.
Assim: em 1934, Cristiano Cordeiro bateu 17 candidatos integralistas de uma vez. Assim também foi em
45, com Yedo Fiúza. O Rato Fiúza, como era conhecido o candidato do PCB, venceu as eleições presidenciais para
o marechal Eurico Dutra e o brigadeiro Eduardo Gomes. Prestes e Alcedo Coutinho desbancaram Etelvino Lins,
Novais Filho, padre Felix Barreto e Júlio Bello. Em janeiro de 47, Pernambuco ganhou uma terceira cadeira no
Senado. Alcedo Coutinho obteve duas vezes a votação atribuída ao padre Arruda Câmara e a Apolônio Sales.
A surpresa maior estava reservada para os resultados das eleições para governador: Pelópidas Silveira
pegou PSD e UDN pelos cabelos e deu um laço. Venceu folgado para Barbosa Lima Sobrinho e Neto Campelo.
Essa tendência à esquerda passaria a ser realmente um comportamento. Quando Agamenon Magalhães
morreu, em 1952, Etelvino Lins quis ocupar o Palácio das Princesas. E ocupou. Escancarou a boca diante das urnas:
– Não se ganha eleição no Recife sem o apoio das esquerdas.
Osório Borba, um jornalista, teve a candidatura lançada um mês antes do pleito. O Recife despejou nas
urnas mais de 70% dos votos de protesto. Em 55, Juscelino bateu em Juarez Távora, candidato da UDN. As
diversas alianças que se formaram contra Pelópidas Silveira enfrentaram resultados ainda mais adversos.
O Recife acabara de reconquistar a autonomia política. Pelópidas obteve o dobro da votação de três
candidatos juntos: Paulo Germano Magalhães, Alcides Teixeira e Antônio Pereira. Em 1958, a vitória das
Oposições Unidas de Pernambuco, com Cid Sampaio na cabeça e Pelópidas na vice, foi mais contundente ainda.
Quase cem mil votos de dianteira.
A euforia das urnas contagiou a Cidade. Ano seguinte, 59, Miguel Arraes venceu Antônio Pereira e Ernani
Seve, numa eleição em que o número de votos brancos e nulos não chegou a 10%.
Às vezes, o recifense se arreta. O mesmo voto dado a Arraes contra ele se virou, aparentemente a favor de
Cid, quando Jânio Quadros derrotou o marechal Henrique Lott, o candidato das esquerdas.
Arretado, depois o recifense perdoa. Ano seguinte, na briga para fazer de Arraes governador, na eleição
mais dramática desde o início do século, o Recife deu ao candidato da oposição mais de 65% dos votos úteis. Em
1963, Pelópidas novamente se elege prefeito derrotando Lael Sampaio num pleito em que a vontade de votar deixou
nas urnas apenas 5% de votos nulos e em branco. No plebiscito de 1963, quando o povo foi chamado a se
manifestar sobre o Parlamentarismo, imposto pelas armas na renúncia de Jânio, mais de 90% dos eleitores exigiram
a devolução do Presidencialismo com Goulart.
Mastigado, o voto recifense é que nem pedrinha na sopa que o dente mastiga, dói, faz barulho. Repetindo,
até cansar:
Fisiológico?
Uma catita.
De cabresto?

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Aqui, ó...
Ideológico?
Nem tanto ao mar.
Oposicionista?
Nem sim, nem talvez, deix’isso pra lá. Na verdade, é de raiva esse voto, é de raiva a cidade. Vejam só:
No curtíssimo espaço de tempo em que esteve na legalidade – 27 de outubro de 1945 a 7 de maio de 1947,
pouco mais de ano e meio – o PCB elegeu três deputados à Assembléia Nacional Constituinte, fez uma bancada de
nove deputados estaduais, também constituintes, além de eleger 12 dos 25 vereadores, a metade da Câmara
Municipal do Recife. Luís Carlos Prestes disputou uma cadeira da Câmara Federal também por Pernambuco. E
venceu. Ficou um pouco abaixo de Gregório Bezerra, o mais votado da Cidade.
Dezessete anos depois, em 26 de março de 1964, a cidade dá um rabo-de-arraia dos seiscentos. Uma
semana antes do golpe – e o golpe foi dado para evitar a comunização do Brasil – 65% dos recifenses eram
contrários à legalização do Partido Comunista do Brasil, camaradas.
De lá para cá, a pisada tem sido a mesma. Inclusive nos instantes da mais cruel repressão. Implantada a ditadura,
o industrial José Ermírio de Morais pretendeu a reeleição, sendo derrotado por um candidato de aliança ultraconservadora.
Candidato do Instituto Brasileiro de Ação Democrátia – IBAD, Wilson de Queiroz Campos, ganhou a cadeira, mas, a
Cidade entronchou-lhe a cara.
Mais recentemente: em 78, Jarbas Vasconcelos teve quase três vezes a votação atribuída à dobradinha
Nilo Coelho-Cid Sampaio para o Senado. Resultado que se repetiu em 82, quando Roberto Magalhães perdeu no
Recife para Marcos Freire com mais da metade dos votos apurados. Oitenta e seis foi o que foi. Oitenta e oito deu
no que deu. Em 89, a cidade se arreta de novo, dessa vez com o Governo Federal. Em 90, novamente se vinga do
Governo Estadual. Impondo o nome de um neto, Arraes amargou a maior derrota política de todos os tempos.
Jarbas Vasconcelos saibrou três de uma vez: um socialista, um comunista, um petista.
Nesse particular, o recifense tem lá suas mungangas de amor: em 70 anos, elegeu apenas oito prefeitos.
Privilégio de amor: Pelópidas Silveira e Jarbas Vasconcelos duas vezes cada um. Também os seus muxoxos de
raiva e protesto: nas eleições municipais de 3 de outubro de 1996, Miguel Arraes amargaria novamente uma
contundente derrota nas urnas. Fez jogo de cintura e engasgou a voz para impor um nome de algibeira. Cozinhou
em forno brando aliança com o Partido dos Trabalhadores (PT) para atirar à fogueira o nome do ex-comunista
Roberto Freire. Os petistas insistiram com o nome de João Paulo, os tucanos do presidente Fernando Henrique
Cardoso lançaram o engenheiro João Braga e a chamada extrema-direita chegou de Pedro Correia. É, esse Pedro,
filho de Fábio Correia, titular da Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS, responsável pela chacina de 3 de
Março na Pracinha. Chegou em nome de Paulo Maluf, prefeito de São Paulo.
Nesse dia, a cidade vomitou gargalhadas de voto contra o arrumadinho do Palácio das Princesas, elegendo
Roberto Magalhães – o chamado guru da direita pernambucana – com mais de 300 mil votos. Três vezes mais do
que o candidato do PSDB, trezentos e tantos mil à frente do PT. Roberto Freire não foi além dos 4%.
Ainda não foi essa a última saideira da Cidade, camaradas.
É o que vou contar.

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TODO MUNDO SABIA DA REVOLUÇÃO.


MENOS OS JORNAIS DO RECIFE

Segundo Hélio Silva, a história do Brasil pode-se escrever com poucas palavras: 1500 – o descobrimento
do Brasil; 1808 – a chegada de D. João VI; 1822 – a Independência; 1888 – a Abolição da Escravatura; 1889 – a
Proclamação da República e 1930 – A Revolução de Outubro.
No Recife, a Primeira República morreu de susto, doença e bala, completara sequer 41 anos. Em 1917,
tinha somente 28 quando um movimento sindical, inda que tímido, quase arrebenta os dentes da polícia. Em 19 e
quê, houve aquela greve da morrinha, que a história registra como a maior de todos os tempos. Em 22, aos 33 anos
de idade, aplaudiu nas ruas os heróis da Coluna Prestes. Ia inteirar 29 quando, em 1918, uma gripe da peste matou
às centenas, atirando na escarradeira os molambos de gente.
Da gangrena essa gripe, chamada Espanhola por causa das emboanças de Franco, na Espanha, é claro.
Mais de 600 mortos no Recife, cerca de 400 no Interior. A cidade esvaziou as veias das ruas. Poucos bondes
circulando, teatros e cinemas fechados, nas igrejas o povo entoava ladainhas, desaconselhada a permanência em
locais públicos. A cidade parecia habitada por fantasmas naquele 23 de outubro. Na verdade, a influenza foi trazida
ao Recife pelos passageiros do Corcovado. O barco embarcara de Dacar pro Recife. Hospedados no Pedro II, a
peste se espalhou com a bexiga lixa. Oitenta a cem enterros diários, tantos que as casas funerárias não tinham mais
caixões. Final do mês, ganhou o Interior com a moléstia dos cachorros doidos. O diretor de Higiene era Abelardo
Baltar, também ele caiu. Aí nomearam Otávio de Freitas, que atacou a gripe. E venceu.
Violentos os outubros recifenses. Aquele, o de 1930, nem se fala. A cidade inteira aboticou os olhos e
acendeu o tição das ruas para receber a revolução que mataria de vez a República Velha. A resposta também é de
Hélio Silva:

“O craque de Nova Iorque e a repercussão em nosso mercado de café, teriam derrubado a República
Velha, à semelhança do que fez a Abolição da Escravatura solapando o Segundo Reinado. Para esses,
o general café comandou a batalha (...) A campanha sucessória em si não tem grandeza. Os
argumentos se inutilizam na insinceridade dos seus postulantes. Júlio Prestes era um candidato oficial
como outros tantos. Antônio Carlos, Getúlio Vargas, e João Pessoa são os competidores.(...) A
fraude, a ata falsa, o bico de pena seriam substituídos pelo abuso do poder econômico. Os currais de
eleitores mudaram de nome.”
Assim se resume a história que está em tantos livros e o repórter completou nos jornais:
Eleito governador, pela segunda vez, a 26 de dezembro de 1926, faltavam apenas três meses para Estácio
Coimbra terminar o mandato num clima de relativa calma. Começos dos anos 30, ainda se punha altaneiro no
Palácio das Princesas vestindo a capa daquilo a que o jornalista e historiador José da Costa Porto chamava de

“O chefe supremo do Estado, instaurando o estacismo, a dominar, opulento e sólido, sobre os


escombros do rosismo, do dantismo, do borbismo em frangalhos.”

A propósito, seria bom lembrar: 1930 começou com o pernambucano João Alberto, vindo do Rio de
Janeiro depois de experiências fracassadas. Aqui chegou com o nome trocado. Usava o nome de Nelson de Castro,
carteira de identidade trabalhada por ele próprio. A polícia de Eurico de Souza Leão sabia de tudo. Cristiano
Cordeiro foi a seu cuidado, conversou com Carlos de Lima Cavalcanti, que o abrigou na sua Usina Pedrosa.
Perseguido, teve que escapar de Estácio Coimbra. Foram a cavalo. Por terra, seguiam-no Carlos de Lima
Cavalcanti, cujo Ford se atolou e teve que ser puxado por uma junta de bois. Chegou a São Paulo, onde se instalara
a sede do movimento de outubro.
Era março de 1930. A campanha sucessória já estava nas ruas – Júlio Prestes/Vital Soares de um lado e o
gaúcho Getúlio Vargas com o paraibano João Pessoa. 23 de janeiro, uma caravana partiu para o Norte, onde no
Teatro de Santa Isabel, haveria um grande comício. Muitos jornalistas do Sul do País, ao lado das lideranças
revolucionárias. Antes de partir, Getúlio chama João Alberto da Fontoura pedindo-lhe que não falasse em
revolução, para não afugentar os eleitores. Empolgados com a recepção, João Alberto grita a todo pulmão:

“Ou nos abrem as urnas para votarmos livremente, sem coação, sem suborno e proscrevem a ata
falsa, ou então, brasileiros, de armas na mão para o advento da democracia e dos direitos do povo.”

Seguiram-se outros oradores, inclusive o presidente da Paraíba, todos falando em nome do golpe popular
prestes a eclodir, não fossem respeitados os direitos dos eleitores. Disse João Pessoa:

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“Não, meus concidadãos, revolucionários não somos nós. Revolucionários são os que esvaziam
criminosamente os arcos do Tesouro, os que diminuem a Nação no conceito dos outros, os que
colocam a República fora da Constituição e das leis...”

Como na época de Manuel Borba, o homem que distribua panfletos, “quem tiver o que perder e quiser
viver em paz, vote no governo.” A imprensa de janeiro divulga manifesto em que “representantes de todas as
correntes políticas congraçadas em torno do governo do Estado”, apresentava a chapa oficial, entre eles, alguns
nomes depois comprometidos com o getulismo, entre eles Agamenon Magalhães. Governava, no dizer de Costa
Porto, como um homem de
“exponencial: larga vivência das realidades, invejável situação financeira, usineiro equilibrado e
capaz, fino homem da sociedade, viajado, esclarecido, conservador, o aplomb dos estadistas
europeus, um aristocrata do melhor metal.”

É dele, ainda, o seguinte depoimento em seu livro Os Tempos de Estácio Coimbra:

“Ostentando chefia única e monolítica, o estacismo parecia firme de pedra e cal, quando, na sucessão
indicou e elegeu, mero passeio eleitoral, José Maria Belo, enquanto o chefe do grupo, recusando a
vice-presidência da República pela Aliança Liberal, na chapa de Getúlio Vargas, permaneceu fiel ao
Catete, apoiando a candidatura Julio Prestes-Vital Soares.”

Esse porte de realização e altivez foi ressaltado pelo educador e membro da Academia Pernambucana de
Letras Ruy de Ayres Bello. Proximidades de outubro de 30, a imprensa oposicionista de Pernambuco não media
palavras para comprometer a figura do governador. Estácio apanhara o trem em Barreiros, voltando de seus finais
de semana no Engenho Morin. Na Estação Central, os amigos e correligionários para recebê-lo. Havia um grupo de
populares,

“uma quase turbamulta em atitude agressiva e hostil que, tudo fazia crer, iria tumultuar em desacato
ao governador que, dentro de minutos, iria passar por ali. Desembarca Estácio e, depois de
cumprimentar os amigos, percebendo a situação, não se deixou trair pelo mais insignificante gesto ou
semblante de receio ou perplexidade, e levantando o chapéu um pouco acima da cabeça e esboçando
um sorriso quase amistoso, se dirigiu para a saída, enquanto os populares, maquinalmente, abriam
alas à sua passagem, não ficando um só de cabeça aberta” – é o que Ruy de Ayres Bello no seu
depoimento à Fundação Joaquim Nabuco nas homenagens ao cem anos de nascimento de Estácio.

Altivez e cordialidade nem sempre assim. É de Rui de Ayres Bello, parente muito próximo de Estácio
Coimbra, essa narração:

“Era dia de eleição. Para votar em São José da Coroa Grande, parte do Engenho Queimadas uma
cavalgada política, à frente Ayres Bello, acompanhada de Manuel e Arthur Bello, seus primos, e um
numeroso grupo de eleitores. Ao se aproximarem do povoado, porém, depararam-se com o caminho
interceptado por uma força policial, sob o comando de um sargento, que advertiu de que a passagem
por ali estava proibida por ordem superior. Inconformados, os do bando disseram que não poderiam
se submeter àquela violência e iriam passar de qualquer maneira. Cada vez mais exaltado, advertiu
que tinha ordem de fazer fogo contra todo aquele que tentasse desobedecer às determinações da
autoridade. E, incontinenti, deu voz de preparar e apontar aos seus soldados. Não se amedrontando,
porém, com a ameaça picaram os cavaleiros os seus cavalos e atravessaram em disparada o caminho,
quase atropelando e envolvendo numa densa nuvem de pó os soldados, enquanto o sargento, numa
crise de fúria e revolta, pela dignidade ofendida, atirando ao chão a carabina, desabafava aos brados:
– Eu disse ao dr. Estácio que essa história de fazer diligência sem bala não dava certo.
Chegados a São José da Coroa Grande, a eleição já estava terminada e não passava das 9
horas da manhã – ata lavrada. Ayres Bello pegou a urna e, com todo o vigor, de seus 20 e poucos
anos, atirou-a ao chão. O vento do Nordeste espalhava por toda a parte os votos que, não obstante,
não deixaram de ser apurados, não importa como.”

Época de agitação sobretudo estudantil, quando os acadêmicos, imitando os colegas de Coimbra, usavam
cartolas. Gente de cartola, ou de bacorinhas na cabeça, primeiro apanha da polícia pra depois explicar de que lado
estava. Como ocorreu naquele novembro de 1927, quando foi iniciada a reforma educacional do Estado, sem
dúvida uma das maiores do Brasil. Para realizá-la, Estácio trouxe o educador Antônio Carneiro Leão, que, por sua

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vez, foi buscar em São Paulo o professor José Ribeiro Escobar. Escobar era da Escola Normal de São Paulo e a ele
foi entregue o cargo de técnico em Educação, com um vasto salário.
Deram-se as primeiras encrencas, inclusive por meio do clero, todo-poderoso senhor de lutas inclusive
políticas. Seguiam-se as reuniões na Igreja da Boa Vista. O monsenhor Ambrósio Leite e os cônegos Xavier
Pedosa, Jerônimo de Assumpção, o padre Francisco Sales e o jesuíta Manuel Negreiros. Com o apoio do Dom
Miguel de Lima Valverde, o bispo do Recife.
Muita confusão, graves incidentes. As famílias saíam às ruas, em sinal de protesto. Onde já se viu uma
reforma de ensino, cujo programa incluía a filosofia dos sapos e das minhocas, fecundação de ratas, além de aulas
práticas para as mocinhas, de 17 a 20 anos, na Fazenda Modelo, em Tejipió? Houve pau, muito pau. É de Costa
Porto o depoimento:

“Estácio de certa modo estimularia esta onda, levando para a Chefatura de Polícia o Dr. Eurico de
Souza Leão, um dos pivôs da crise. De aristocracia do açúcar, fino homem de sociedade, de rara
bravura pessoal e cívica, de lealdade extrema dos amigos e “gentleman” no trato, fidalgo, nobre, bem
posto, elegante de maneira. Castigou em plena rua o jornalista Fernando de Lima Cavalcanti para
castigar os insultos dos jornais do grupo. E como se achasse pouco, trouxe do Rio, fazendo figura
central da Polícia, o inspetor Ramos de Freitas, cujas truculências se tornariam proverbiais – o
Beiçola, dos dichotes do vulgo a espalhar terror, provocando reação da comunidade.”

Fidalgo no trato, nem assim tão nobre teria sido Carlos de Lima Cavalcanti. Deputado em 1922-25,
reconduzido no pleito de janeiro de 1925, sob o comando de Manuel Borba, disputou um mandato federal em 1927.
Derrotado nas aspirações políticas, deslocou a sua atuação para o jornalismo.
Começos dos anos 30, vai ao Rio de Janeiro para, uma vez mais, tentar vender os diários da Manhã e da
Tarde a Assis Chateaubriand. A resposta foi publicada em o O Jornal, em artigo assinado pelo seu diretor máximo
e intitulado de O mais covarde dos mendazes. E que diz o seguinte:

“Veio ao meu escritório o meu amigo sr. Solano da Cunha. O sr. Lima Cavalcanti queria ser recebido
de novo por mim, para vender-me os seus jornais. Relutei muito em deixá-lo volver mais uma vez a
O Jornal. Disse mesmo ao sr. Francisco Solano que era um constrangimento para mim o tratar com
semelhante homem. Afinal, para não parecer um mal-educado e porque se tratava de um pedido de
um amigo a quem muito prezo, deixei o sr. Lima Cavalcanti voltasse ao meu gabinete. Queria
vender-me a pulso os seus diários. Insultou Minas e o Rio Grande do Sul e se confessou decidido a
deixar o Brasil para gozar na Europa. Evitei aceitar-lhe qualquer proposta nova, que ele me fazia, as
mais sedutoras. E nunca mais o vi.”

Em março de 1927, houve uma dessas passeatas. Ramos de Freitas chegou, acabou todo mundo na
carreira com os cartazes rasgados.
Não era pra menos. No seu diário íntimo – Editora José Olympio 1975 e intitulado Tempo Morto e
Outros Tempos, um diário de adolescente e primeira mocidade, escrito desde os 15 aos 30 anos – Gilberto Freyre
confessa que chegou a trair o próprio pai. Seria, como ele próprio se designa, um filho ingrato, mau filho ou um
mau caráter? O que seja, ele arengou com Estácio. Teve vontade de entregar o cargo. Assessor especial e amigo
mais do que próximo, um quase filho, relembra que desistiu em face da fragilidade do governador. Mas, o
impressionava sobretudo o pai ter aceito o convite para assumir um cargo que ele próprio recusara. O magistério
não é a sua vocação, assim mesmo se o fosse teria sido como experiência:

“O que esperava aconteceu. Crise, já há meses, entre meu Pai, diretor do Ensino Normal – cargo em
que tem feito umas boas coisas – e os Escobar. Eu previa. E não era possível ao Governador de
repente dispensar os paulistas para prestigiar o agora hostil aos executores da reforma de ensino,
diretor do Ensino Normal. Parecia, da parte do Governador, o reconhecimento de quanta mentira e até
calúnia se tem publicado e dito contra os colaboradores de Carneiro Leão. Meu Pai teve a leviandade
de concordar que gente simpática a ele, esta é a verdade, saísse às ruas, em manifestação pública,
contra execução da Reforma. Contra a Reforma, segundo os objetivos dos manifestantes; contra a
Reforma, aos olhos do grande público. Portanto, contra o próprio Governador Estácio Coimbra, que
enfrenta, neste momento, toda a imensa impopularidade que se levanta menos contra ele que contra
Washington Luiz. Sobretudo contra o candidato – péssimo candidato, aliás, pela maneira arbitrária
por que foi escolhido – Júlio Prestes. Compreende-se, assim, que tenha dispensado o meu Pai da
direção do Ensino Normal. Eu previa. Chegamos a ficar brigados, meu Pai e eu, desde o dia que
aceitou a direção do Ensino Normal. Agora, é dispensado do cargo e da missão. Isto numa nota
oficial um tanto grosseira com ele. Pensei em renunciar às funções – inclassificáveis! – que venho

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desempenhando junto a Estácio. Mas considerei o fato de que ele, meu amigo, está num terrível fim
de governo: fraco, impopular, por causa de sua solidariedade ao Presidente Washington Luiz – que
homem desastrado, esse! – e, ao mesmo tempo, desprestigiado pelo mesmo Washington, que não
perdoa a Estácio sua amizade com Arnolfo de Azevedo, Álvaro de Carvalho e outros políticos
paulistas por ele, Washington, hostilizados, embora homens do seu partido.
Resolvi não renunciar. Uma decisão difícil. Dificílima. Mas está tomada. Agora, é esperar pelos
ataques ao “filho ingrato”, ao “mau filho”, ao “mau caráter.”

Época dos grandes usineiros, todos eles da fidalguia dos engenhos, desde José Bezerra, do engenho
Serra, a Manoel Borba e Carlos de Lima Cavalcanti – “bacharel de temperamento extrovertido, irrequieto, de rara
combatividade, liberal à antiga, arrebatado e impulsivo” (Costa Porto) – que, junto com os irmãos Fernando e Caio
fundariam os jornais Diário da Manhã e Diário da Tarde, em 1927.
Era uma verdade, porém, politicamente, a administração estadual caminhava em paz. Tinha sido dele, de
Estácio Coimbra, a criação do Museu do Estado de Pernambuco, foi dele a criação da primeira cadeira de
Sociologia aplicada, foi ele quem trouxe ao Recife o famoso urbanista Alfredo Agache que localizou o local para a
construção do Grande Hotel. Dele ainda a construção dos playgrounds no Recife, sem dúvida os primeiros do
Brasil.
Foi dele também, de Estácio Coimbra, o convite a Einstein. Aqui o especialista tratou da melhoria na
produção e melhoria da industrialização da cana-de-açúcar, com a ampliação dos subprodutos, inclusive o papel. E
dele, também, de Estácio Coimbra, o convite a Nicolau Atamatof, o que fixou um tipo de zebu adaptado à sub-
região do Agreste. Finalmente, foi dele o convite para que o fisiologista Costa Lima, do Instituto dos Manguinhos, e
o agrônomo Francisco de Quesques comandassem a reabilitação dos cafezais, já que a lavoura da cana-de-açúcar
começava a declinar. Na área da cultura, a mesma coisa. Foi ele, Estácio Coimbra, quem iniciou a publicação dos
inéditos do historiador Pereira da Costa.
No miúdo da política, as coisas caminhavam ao contrário.
Não se pode falar de Estácio de Albuquerque Coimbra sem passar necessariamente pelo outubro mais
negro de toda a sua história, o dia 4 de Outubro de 1930, quando os rebeldes tomaram o Palácio das Princesas
entregando o governo a Carlos de Lima Cavalcanti.
Todo mundo sabia da revolução, menos os jornais do Recife.
A história seria assim:

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ATÉ A CACHORRINHA DA PRAIA SABIA DA REVOLUÇÃO

Na quarta-feira, dia 1º de outubro de 1930, o Jornal do Recife ainda circula com uma enorme tarja no
meio da primeira página. Entre as duas vinhetas negras, salta, como um cadáver insepulto, o nome de João Pessoa.
O governador da Paraíba e candidato derrotado à Vice-Presidência da República na chapa de Getúlio Vargas fora
assassinado, em julho, dentro da Confeitaria Glória, Rua Nova, no coração da Cidade.
Aquela tarde de julho permanecia como um mormaço na mente dos recifenses dois meses depois. Os
jornais oposicionistas denunciavam em manchete de oito colunas, na primeira página: “A Câmara não quer
processar o assassino de João Pessoa, João Suassuna”. Ex-governador da Paraíba, era chefe de largo prestígio no
Sertão, Suassuna era deputado federal, contra João Pessoa, e da bancada dos deputados de Princesa, a terra de José
Pereira da Costa, o famoso jagunço nordestino, no dizer dos historiadores.
O assassino de fato fora outro João, o Dantas. Na verdade, Suassuna era o amigo pessoal de Estácio
Coimbra, governador de Pernambuco, por muitos acusado de estimular e armar o braço assassino dos desafetos do
governador paraibano.
No dia de sua morte, a missão de João Pessoa no Recife não tinha qualquer caráter político.
Provavelmente, ele viera encontrar-se com uma cantora com quem mantinha um romance secreto. Ele morreu com
as jóias que, minutos antes, comprara na Joalharia Krauze. Ou, como diziam alguns historiadores, buscar armas
para a revolução, chegadas do Rio de Janeiro.
A sua popularidade cresceu no Recife e na Paraíba a partir do instante em que abriu corajosa luta contra o
Governo de Washington Luiz. Queria, o Catete, que a Câmara negasse diploma a vários deputados legitimamente
eleitos. Depois, exigira de João Pessoa manifestação pública de apoio ao Governo central. A resposta histórica foi
categórica e curta: Nego.
É de Costa Porto este depoimento:

“De família tradicionalmente política, sem treino nem tarimba, não apenas apolítico, mas, no fundo o
antipolítico. Formava juízo sombrio: tudo está a exigir “vassourada em regra”, para purificar a vida política,
rebaixada por figuras sem expressão e aproveitadores gulosos, tão arrojados das suas metas saneadoras, que
diria mais tarde Adolfo Kondler, ouvindo-lhe os planos, se tornara de apreensões, pensando intimamente:
procurasse realizados findaria deposto ou morto. Ao assumir o governo, devendo a todo mundo,
funcionalismo em atraso, nenhuma possibilidade de atacar serviços públicos por falta de recursos, menos
culpa dos antecessores do que do vício dos tempos, da mentalidade dominante, o dirigente do Estado.”

No dia da missa de 7º dia, no Recife, realizada na Matriz da Boa Vista, um comício sacode a opinião pública,
com as palavras de João Barreto de Menezes, filho de Tobias Barreto. Nas imediações, contingentes da Polícia Militar e da
cavalaria. Nova pancadaria e o cochicho de sempre – a revolução vem aí. Foi nesse dia em que foi preso o jornaleiro
Ulisses José dos Santos, recambiado para Fernando de Noronha e recebido com festas, quando voltou, apesar de Costa
Porto o tratar como um homem “criado pelas idéias da revolução”, como se verá adiante, mas na verdade “um traste, herói
de pechisbeque, criação artificial das explorações políticas.”
As casas se cobriram de crepe e o povo chorava nas ruas quando o corpo de João Pessoa chegou à capital
paraibana. No Recife, a imprensa oposicionista exigia o julgamento de João Dantas, preso na Casa de Detenção.
Três meses depois, a ira popular contra aquele assassinato parecia mais um tição no estopim, acendendo a revolta.
A ponto de o redator das Notas Avulsas do Jornal do Commercio, Rio Grande do Sul, estranhar naquele primeiro de
outubro:

“A cada passo é comum ouvir-se a frase clássica: só a revolução! Revolução para restaurar o prestígio
de um grupo político que, ainda em 1922, afundava o país na bancarrota, desmoralizando as forças
armadas, exercendo de fato a ditadura? Revolução para entregar o país a uma meia dúzia de tenentes
inquietos?”

A palavra de ordem para derrubar Estácio Coimbra estava em toda parte – nas casas legislativas, nos
bares, nas ruas. “Até a cachorrinha da praia sabia da revolução. Apareceu com um lenço vermelho no pescoço” –
disse Luís Aranha, irmão de Osvaldo Aranha. Mas, além da estranheza do colunista do Jornal do Commercio, os
sete diários recifenses não faziam qualquer registro da conspiração.
Atreviam-se o Diário da Manhã e o Diário da Tarde, dos irmãos Caio e Carlos de Lima Cavalcanti, num
rodapé de oito colunas, na primeira página: Faltam só 18 dias...
Para a Revolução?

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 19


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Todo mundo sabia, o golpe popular fora adiado quatro vezes, desde 24 de junho, dois dias antes da morte
de João Pessoa, passando por 26 de agosto, cinco dias após um manifesto de mulheres pedindo a mudança do nome
da capital paraibana para João Pessoa, e 15 de setembro marcando a data fatal, 3 de outubro.
Dirigido por Gilberto Freyre e José Maria Bello, A Província – o jornal chegou para modificar os
costumes da terra, moderno e de feições atraentes, inda que do Governo – publicava um folhetim de amor sem
limites, na segunda página, ao lado de Vida Política, assinada por Anibal Fernandes, Bartolomeu Anacleto e
Maviael Prado. Trata-se de uma coluna do PRP, partido do governo, denunciando uma possível chantagem do
Diário da Manhã e do Diário da Tarde para extorquir dinheiro da Pernambuco Tramways. Na terceira página,
Josué de Castro escreve sobre a elite brasileira, reclamando que precisa-se de gente séria no Brasil. A coluna Nos
Outros Jornais desencava desaforos contra os Lima Cavalcanti, chamando-os de limas-podres. Um comerciante, José
Alves Santiago, se suicida na Rua Voluntários da Pátria. Reza-se missa de sétimo dia pela morte do deputado João Elísio
de Castro Fonseca. No Politeama, está passando o filme Alta Traição, de Ernest Lubitshche; no Ideal, Culpa Alheia e,
no Glória, Estrela Ditosa, com Janete Lamour e Charles Farrell. Está firme o mercado de café e permanece frouxo
o do açúcar. A imprensa discute o problema do álcool-motor como sucedâneo da gasolina.
O Jornal do Commercio – que, como A Província e o Jornal Pequeno, circularia pela última vez no dia
4, quando rebentou a revolução – reclama contra o estado em que se encontra o Humaytá, o mais novo submarino
da esquadra, que tem os canhões e as metralhadoras com defeitos e as minas, quando lançadas, vão ao fundo.
Alastra-se o fascismo na Europa. Na bacia do Pina, aquatizou o hidroavião Jangadeiro, trazendo malas
postais e dois passageiros, de Natal e Cabedelo. “O povo saiu frio do teatro”, diz o colunista W, ao comentar a
última exibição da Sociedade de Concertos Populares, apesar do esforço na execução de Beethoven, Carlos Gomes
e Schumann.
No concurso para escolha do melhor jogador de futebol do Nordeste, Alonso Rodrigues, do Sport, está
disparado na apuração: tem 24.134 votos contra 17.190 dados a Júlio Fernandes, do Santa Cruz; 7.049 a Antônio
Valença, também do Sport, e apenas 1.031 a Diógenes Prado, o popular goleiro do Santa Cruz. A temperatura no
Recife é de 28º máxima e 16,4º mínima. O Jornal do Commercio desmente a existência de um complô para matar o
presidente Washington Luís.
No seu diário íntimo, Gilberto Freyre se entretém, informando como foi a chegada do Zepellin ao Recife,
primeiro ponto da América do Sul visitado pelo avião gigante. Jovem, e chamado por Estácio Coimbra de
“comunista enrustido” e “meu sociólogo particular”, Freyre foi indicado para receber os tripulantes. De repente,
aparece um guarda-costas arrogante, perguntando de quem se tratava. Seu chefe respondeu “É o secretário do
governador.” Aí o rapaz se tornou de agradáveis tais que foi levá-lo comandante até o palanque oficial.

“Luzes oficiais davam brilho metálico aos penachos dos coqueiros que pareciam marcialmente acolher os ilustres
alemães. Dr. disse ao vê-lo: “Como é lindo o Brasil!”

Ou, ainda, de suas saudades pela morte do tio, “um triste fim de vida”, de seu tio e padrinho Tomás de
Carvalho. Deixou-se dominar pela cocaína, embora casado “com uma linda mulher, tia Arminda, a quem, rico,
cobria de jóias, mas acabou pobre de todo”, deixando de lado a sua tia, que, “quando ia à Rua Nova, parecia mais a
esposa de um marajá da Índia, carregada de esmeraldas e de rubis.”
Também as conversas mantidas com Estácio Coimbra para salvar a pele do jornalista Aníbal Fernandes.
Seu colega de A Província trabalhara ao lado de Sérgio Loreto, tinha lá os seus desdéns com o pessoal de Palácio.
Entre os principais, estava Humberto Coimbra, irmão de Estácio, que “gostaria de ver todo mundo em Palácio,
menos Aníbal Fernandes”.
Agoniado com a revolta de Princesa – dia 9, o jornal do coronel José Pereira publicara o Decreto Nº 1
proclamando a independência da República de Princesa – o Recife não sabia sequer da existência de Preguinho,
autor de três dos cinco gols brasileiros na Copa de 1930, no Uruguai. Aprendeu a jogar futebol com bola-de-meia
em São Luiz do Maranhão. Passou à história como a Maravilha Negra. Dois anos depois, morreria de tuberculose
num hospital de Minas Gerais.
Dois dias antes da morte de João Pessoa – o crime foi a 16, uma segunda-feira, e o jogo Argentina e
Uruguai, um sábado, a 14 de julho – os jornais da Cidade dedicaram linhas minguadas ao primeiro campeonato
mundial. O Diário da Manhã, dos Lima Cavalcanti, registrava discretamente a presença de Juarez Távora no
Recife.
Logo pela manhã, 9 horas, João Pessoa se receitou com o médico Simões Barbosa. Tinindo de saúde,
foram sozinhos, ele e o chofer, ao hospital onde agonizava Cunha Melo, juiz seccional da Paraíba. Meio-dia,
almoçou no Restaurante Leite, duas da tarde esteve nos diários da Manhã e da Tarde. Longo papo com os Lima
Cavalcanti. Às quatro, e caminhando devagarinho como se estivesse a passeio, saiu com Caio – Imperador, Praça
da Independência, Nova, Ponte da Boa Vista, Imperatriz. Pouco tempo depois, sentou na Confeitaria Glória prum
chá com torradas.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 20


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

E ali:: “Eu sou João Dantas!” João Pessoa não o conhecia, ou o conhecia mal, muito mal. De repente, o
pipoco. João Dantas faz trincheira no corpo de Agamenon Magalhães e atira. Agonizante, João Pessoa não pôde
assistir ao corpo-a-corpo com o tenente Queiroz com o assassino. Recebeu um tiro no peito, à queima-roupa, cruzou
os braços sem dizer uma palavra. Foi derreando, deixou cair o corpo no chão, ainda foi alvejado com um segundo
tiro, que lhe atravessou os pulsos. Quando chegou à farmácia vizinha já estava morto.
– Assassinos! Assassinos! Viva João Pessoa!, gritava a multidão lá fora.
No seu livro A História da Revolução na Paraíba – publicado em 1930, em São Paulo, Companhia
Editora Nacional – Eduardo Vidal conta com detalhes o dia da tragédia. Diz que, naquela tarde, estava em Palácio
do Governo da Paraíba quando, de repente, o governador em exercício, Álvaro de Carvalho, grita trêmulo e de voz
ofegante lê um telegrama.
– Não é possível!
É dele a seguinte narração:

“Já na rua a agitação toma cores pavorosas, indescritíveis. O povo grita na rua viva João Pessoa,
mataram João Pessoa.
Os nossos presos acabaram de arrombar a cadeia e estão na rua. São 200 homens ferozes. Luto
fisicamente. Não podendo dar jeito ao que o povo já havia feito na cidade alta, deixo patrulhas contendo a
multidão, enquanto desço pelo Varadouro para acudir as casas visadas por uma população em movimentos
alucinantes. Ouvem-se explosões abaladoras. É dinamite. Tiroteio generalizados.
– Viva João Pessoa! Viva João Pessoa!
Entro no quartel da Força Pública e com dificuldades apronto um novo contingente que
faço sair sob a direção do próprio comandante. Os soldados choram o chefe que morreu em plena lua-
de-mel com a glória. Nesse momento, me chamam em Palácio. Que há? Não estão vendo é muito
fogo. E o eco resplandece:
– Mataram João Pessoa!
Dolorosa situação. Grandioso espetáculo. Único. Chega a notícia de que os presos se
acham reunidos na Praça Pedro Américo. Vão ganhar os quatro cantos da cidade, formando em
pelotões”.

O Governo Federal mandara bloquear os telégrafos para que a notícia da morte não chegasse ao Rio
Grande do Sul, onde se preparava, já, a revolução. Explosão de espanto com a confirmação. Disse Oswaldo Aranha:
– Mais hoje, mais amanhã será vingada a morte de João Pessoa.
Quando chegou a vez de Adelmar Vital, ele gritou:
– Estamos diante de um crime característicamente armado sob a responsabilidade do poder central. Já
que outros não podem manter a ordem republicana, frente aos desmandos do Catete, a nós, os rio-grandenses, cabe
fazê-lo.
Lá fora, começava outra guerra. O avanço do nazismo. A partir de julho, os jornais de Pernambuco
começaram a estampar anúncios da Anglo-Mexican Petroleum Company vendendo o óleo lubrificante Swastica e a
gasolina Energina, ambos com a Suástica, a logomarca de Hitler. Semanário científico, literário e comercial, A Voz
do Recife publica anúncio de quase meia página, onde se misturam as propriedades miraculosas de um biotônico
com as palavras de ordem do fascismo. A mensagem comercial é ilustrada com uma grande foto de Mussolini no
gesto clássico, mão direita espalmada e braço rígido esticado pra frente. O apelo de venda era uma paráfrase a um
berro do Duce: “Si avanço, sigam-me; si recuo, matem-me, si tombo, vinguem-me; si o sangue tornou-se impuro,
Galenogal.”
Vésperas da grande final entre argentinos e uruguaios, o Diario de Pernambuco publica uma foto de
quase meia página, anunciando que Rodolfo Valentin estava de volta com Sangue e Areia, no Cinema do Parque.
Sangue de mesmo estava na primeira página: dois quarteirões mais adiante do jornal da Pracinha,
Confeitaria Glória, Rua Nova, João Pessoa fora assassinado por João Dantas, homem da parte de Zé Pereira e dos
Suassuna, noutra guerra, a de Princesa.

É quente, entretanto, a temperatura na Paraíba. Registram os jornais de lá:

– Foi dinamitada a casa do sr. Carlos Taveira, administrador dos Correios.


– O sr. Ataliba de Castro, inspetor da Alfândega, foi linchado pelo povo.
– Foram presos os indivíduos Esmerindo Martins e Manoel Seraphin conduzindo bombas dinamite
para arrasar a residência do dr. José Spínola.
– Em Guarabira, quiseram linchar o dr. Durval Tinoco, chefe do Distrito Telegráfico.
– O sr. Café Filho ataca em linguagem desabrida o sr. Murilo Lemos, funcionário de categoria do
Estado. Os agitadores comunistas – diz o editorialista – proliferam na Paraíba. Sintomas do

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 21


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

carbúnculo moscovita, entre eles o simpatizante Café Filho e Fiuza Lima, que já foi processado pelo
exercício ilegal da medicina.

Está no Diario de Pernambuco: nos corredores do Senado, comenta-se a ociosidade dos senadores. A
dívida externa do Brasil é de apenas 468$000. Somos o sexto maior devedor entre os países ibero-americanos. O
primeiro é a Argentina com 1.890$000. A Prefeitura do Recife anuncia que mantém em dois mil réis o quilo da
carne verde. No porto, estão atracados seis cargueiros, entre eles o Severn, da Real Mala, pra carregar café,
mamona, couros secos e unhas de boi. O Centro dos Fornecedores de Cana convoca reunião de emergência para
estudar as medidas necessárias ao amparo da produção, em face da situação cada vez mais precária do mercado.
Encontrado em Gaibu o corpo do malogrado estudante de medicina Benjamim da Silva Rego. No
Gazômetro, o corpo do popular João Gordinho, crivado de facas por Saturnino Júlio da Silva, soldado da força
pública destacado na Estação Central.
A bordo do transatlântico Ipanema, desembarca no Recife o general Joseph Sprin, chefe da missão
militar francesa no Brasil. Os meios estudantis estão alegres com o retorno à Faculdade de Direito de Eutíquio
Ozório de Albuquerque, gazeador inveterado, que quando aparece na escola, vem às pressas, de auto. Elegante e
sempre jovial como deve ser todo capitalista moço. O Moderno está exibindo Diz isso cantando, de Al Johnson. O
Dr. Luís Correia acaba de ser eleito o primeiro diretor do Fórum do Recife. O jornal dos Lima Cavalcanti denuncia
em manchete A Covardia dos Déspotas.
Assim:

“Estudantes que fostes espancados em plena rua e presos nesta cidade pela polícia estacista; presos
que fostes seviciados no quartel de Pontezinha e nos campos da Imbiribeira; jornalistas que fostes
intimados a não noticiar as selvagerias ordenadas pelo Inspetor da Rua da Aurora; Dr. Arsênio
Tavares, honra e glória da cirurgia brasileira, que fostes preso, incomunicável, por ódio da gente
governista; Ulisses José dos Santos, que fostes preso, torturado e deportado para Fernando de
Noronha; vítimas da prepotência oficial em Barreiros, em todo o Pernambuco, lede e meditai sobre
esta expressão máxima do cinismo da situação dominante, estampada, há poucos dias no Pega-
Moscas (referia-se à A Província): o governo Estácio Coimbra encerra o seu período governamental
sem nunca ter exercido contra quem quer que seja a menor coação.”

O anúncio do filme Diga isso cantando é colocado dentro da notícia sobre a prisão de jornalistas cariocas
e ao lado da defesa contra as acusações do jornal estacista sobre tentativa de chantagem contra a Pernambuco
Tramways. O Jornal Pequeno publica editorial elogiando os comerciantes do Recife, que já preparam todos os
documentos para dar direito a férias a seus empregados, de acordo com os modelos aprovados pelo Conselho
Nacional do Trabalho.
E, depois, denuncia a debandada de sertanejos em busca do litoral, em face da falta de chuvas. Demos-
lhes trabalho e não esmolas, é o título de outro editorial. No centro da primeira página, uma grande foto de Osvaldo
Aranha, com o título e legenda: Rio Grande do Sul não fará revolução – porque fez essa declaração, ele começa a
ser apedrejado.
Em rodapé assinado por Assis Chateaubriand, o Diário da Manhã diz que a Paraíba está de pé, quer paz
– mas não a paz de pântano que a pusilanimidade de alguns poucos lhe tenta oferecer, como ultraje pelos mortos
que tombaram pela sua liberdade. Chateaubriand adverte a Álvaro de Carvalho, que sucedeu a João Pessoa: Trate
de reconciliar-se com o povo, caso deseje sobreviver.
Álvaro de Carvalho substituíra a João Pessoa, mas, na realidade, não sabia de nada. Em seu livro Nas
Vésperas da Revolução, 1932, Gráfica da Revista dos Tribunais, São Paulo, chega a confessar que no dia do
assassinato do presidente não teve como se comunicar com o Recife. À época, as comunicações eram feitas pelo
telégrafo. E o telégrafo estava em poder dos revoltosos, entre eles, José Américo de Almeida. Era certo, havia
códigos secretos de comunicação, em poder de funcionário de confiança. Nem ele pode lhe dar informações do que
ocorrera na Rua Nova.
Faltam 18 (dezoito), 18 dias... – anuncia roda-pé de primeira página.
Para a Revolução?
Essa rebentaria na madrugada do dia 4, com o assalto aos quartéis e tomada geral do Recife.

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

AS CHAMAS DOS INCÊNDIOS


LAMBIAM OS CÉUS DE JOÃO PESSOA

Naqueles primeiros dias de outubro, também a quase totalidade dos jornais sulistas mostravam-se alheios
– ou fingiam ignorar o que ocorria dentro e fora dos quartéis, nas rodas palacianas, nos clubes literários, na
intimidade dos lares, nas escolas, nas conversas dos cafés e das esquinas, nos meios esportivos, nas pontas-de-rua,
nos bondes, em toda a parte. A revolução já fazia parte do cotidiano.
Era um assunto banal?
Como os jornais do Recife, a primeira página de O Globo – jornal carioca que fizera campanha de
Getúlio Vargas e João Pessoa, estava engajado na campanha aliancista e se dera ao luxo de publicar, como elogio, o
balancete da Coluna Prestes – não trata nem de Prestes, nem de Vargas, nem de Juarez. Muito menos da ação
ostensiva dos irmãos Caio e Carlos de Lima Cavalcanti em Pernambuco e da presença de Juracy Magalhães e
Agildo Barata no Nordeste. Aquartelados na Paraíba, eles conspiravam ao lado de José Américo de Almeida.
Conspirando não. Aquilo já não era mais um trabalhado subterrâneo. O que faziam, todos eles, era a montagem
final do palco da revolução no Nordeste que estouraria menos de 72 horas depois.
Era, a Revolução, um assunto banal?
Alguns tímidos registros da movimentação conspiratória, geralmente para desmenti-la. Quando nada para
levantar dúvidas: O que está havendo na Paraíba?, perguntava, aparentando indiferença, A Província, procurando
se compensar no conceito popular com uma cavilosa notícia editorialesca, segundo a qual “o peixe está se tornando
objeto de luxo na mesa dos pobres apesar da abundância em nossas marés.”
O que estava havendo na Paraíba? A resposta é de Costa Porto:

“Os acontecimentos de 1930, tornando José Pereira nome de repercussão internacional, devem ser
contribuído muito para que, ainda hoje, se forme do “caudilho” de Princesa uma imagem deformada – um
“sargentão e casca grossa”, Pancho y Villa achamboado e bronco, afeito à violência, ao terror e aos
acontecimentos, buscando a força no cangaço, no trabuco, no rifle papo-amarelo o estreito maior, de seu
mandonismo um arbitrário”. Homem bom, fez até o quarto ano de Direito, interrompendo para substituir o
pai na chefia do município. Uma vez, chegaram a lhe propor tirar o nome de Deus da Constituição, foi o que
respondeu a alguém que modificava o estatuto legal. Essa não: ele era amigo de Epitácio, porém Deus era
maior...”

Como sempre, o resultado do pleito mereceu críticas de ambos os lados – corrupção, bico-de-pena,
votação terminada antes do horário oficial. Barbosa Lima Sobrinho trabalhava no Jornal do Brasil. Em 1933,
publica o livro A Verdade sobre a Revolução de 30, onde afirma:

“Os resultados, porém, não corresponderam às esperanças aliancistas. Minas Gerais, que criara, no
começo da campanha, o espantalho dos oitocentos mil redondos e a fórmula de que Minas elege e o
Rio Grande empossa apareceu a 1º de março muito abaixo dos cálculos, ou das promessas dos seus
próceres. Basta dizer que o Rio Grande do Sul deu ao sr. Getúlio Vargas votação superior à de
Minas; a Paraíba ficou mais ou menos nos resultados previstos. Na Capital da República, venceu o sr.
Júlio Prestes por uma pequena diferença de votos, no pleito menos vicioso e mais livre entre todos os
que se realizavam naquela hora, Somando todos os votos, o sr. Getúlio Vargas ficava com 737 mil
sufrágios.
O sr. Júlio Prestes conseguiu em São Paulo o maior contingente de votos obtidos no Estado
– 332 mil sufrágios. Em Minas, alcançara 50 mil votos; na Paraíba, uma terça parte do eleitorado. Os
Estados do Norte, da Bahia ao Amazonas, proporcionaram-lhe contingentes ponderáveis e algumas
vezes imprevistos, como o Ceará. É verdade que o Rio Grande do Sul obtivera apenas 982 votos
contra 298 mil dados ao sr. Getúlio Vargas. Ainda assim, segundo dados oficiais, o sr. Prestes
chegava a mais de 1.100 mil votos, com uma diferença, para o seu competdor, de mais de 430 mil
votos. Vitória nítida, conseqüente e insofismável.”

Perto das eleições, João Pessoa decide visitar sua terra natal. E escolheu a casa de José Pereira para
hospedar-se. Chegou à cidade sertaneja em 18 de fevereiro. Ruas engalanadas de flores e bandeiras vermelhas, o
símbolo da Aliança Liberal. Festas nas ruas, bailes, banquetes e discursos. Segundo Hélio Silva, o regresso estava
marcado para o dia 22. João Pessoa queria comemorar, em família, as bodas de prata do seu casamento.

“Aparentemente, eram dois correligionários que se abraçavam. É que, naquele amplexo, dois
adversários se mediam...”

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 23


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Depois, houve troca de telegramas desaforados, entre os dois, por causa da aprovação das chapas.
Era certo, Zé Pereira era um matuto letrado. Depois que rompeu, chamou a sua equipe jurídica. A 9 de
junho de 1930, sete dias antes do assassinato de João Pessoa, José Pereira da Costa manda publicar em O Jornal de
Princesa o decreto nº 1, proclamando a independência provisória de Princesa e, a 26, o senador José Gaudêncio faz
violentas críticas, tratando do bombardeio do município paraibano. Por conta disso, passou um telegrama do
Governo Federal propondo formar uma coluna que invadiria a capital paraibana. Wenceslau não concordou. Se
depusessem o governador mandaria o Exército repor no seu lugar.
A briga ainda não estava comprada. Zé Pereira ainda não decidira apoiar a chapa do Catete. Quando
pipocou foi pra valer, o chamado caudilho do Sertão paraibano, passou a apoiar a chapa Júlio Preste/Vital Soares,
com o apoio ostensivo de Washington Luiz e Estácio Coimbra, negando armas federais e permitindo que o
contrabando se realizasse através de Pernambuco. Também por causa das pressões do Estado com a cobrança, para
ele exageradas, dos impostos, inclusive interestadual.

-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-

O tema central da primeira página de O Globo era a presença no Rio de um cantor russo Boris Chapialin,
a maior voz da cena lírica mundial, por coincidência ou não o mesmo artista que se exibia num teatro de Petrogrado
(depois Leningrado) no dia em que rebentou a revolução socialista de 1917.
Era, a Revolução, um assunto banal?
A Província, jornal do governador Estácio Coimbra dirigido por Gilberto Freyre e José Maria Bello,
insistia nos seus ataques pessoais aos Lima Cavalcanti, chamando-os de jornalistas da lama-podre. Informam que,
tempinho atrás, Carlos de Lima Cavalcanti procurou Assis Chataubrind. E denunciando que, tempos atrás, os dois
líderes revolucionários esconderam Juarez Távora em sua usina logo após fuga espetacular da Fortaleza de Santa
Cruz, atravessando o São Francisco e pegando um navio em Sergipe com o nome de Olavo.
Aparentando certa independência, o Jornal do Recife abre generoso espaço para discutir o paradeiro do
popular Ulisses José dos Santos, seqüestrado e colocado dentro de um cargueiro e misteriosamente desaparecido no
percurso Recife-Fernando de Noronha. Na quarta página, e em espaço nobre, informa que o congresso nacional vai
legislar sobre recompensas a quem achar objetos perdidos e os restituir aos seus donos. O projeto de lei, do
deputado Grancho Cardoso, mandava pagar aos achadores cinco por cento do valor desde que o montante não
passasse de 100 mil réis. Acima dessa importância, a recompensa deveria ser de dois por cento. A seção Perdidos e
Achados do Diario de Pernambuco informava os achados do dia: uma bolsa com dinheiro, encontrada num bonde
de Casa Amarela; um par de óculos, uma bolsa de senhora contendo níqueis, e um sapatinho encontrado na festa da
Penha pela sra. Leopoldina de Carvalho.
A guerrilha urbana estava prestes a rebentar no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais. A campanha de Princesa
movimentava tropas pelo Nordeste inteiro, visando o cerco e posterior intervenção federal na Paraíba castigada pela seca,
assaltada pelo cangaceirismo e enfurecida com o assassinato de João Pessoa.
A Usina Pedrosa ficava relativamente próxima ao Recife e era considerada o ninho central da
conspiração. Foi nela que se abrigaram, dois anos antes, o tenente João Alberto, sua esposa Cândida e seu filho
Cláudio. Depois, burlando a vigilância do truculento Eurico de Souza Leão, os tenentes Juarez Távora, Delso
Fonseca e Costa Leite.
Naquela quinta, dia 2 de outubro, antevéspera do choque, o Diario de Pernambuco procurava se
acomodar com o novo presidente, noticiando que era provável a participação de um ou dois pernambucanos no
Ministério de Júlio Prestes. A Revolução, que já estava praticamente nas ruas, não o preocupava. Preocupava-o, ao
contrário, a situação internacional: Prepara-se a Europa para uma nova Guerra?, indagava um de seus principais
títulos, enquanto o correspondente estrangeiro, F.H. Simonds, dizia que alguns sociólogos marcavam 1935 como
uma nova data transcendental. Hitler começava a crescer em meio às dificuldades européias.
As dificuldades nacionais mereceram destaque menor. Anuncia a descoberta de um novo sucedâneo da
gasolina, extraído da mandioca. E denuncia timidamente, transcrevendo artigos de jornais cariocas e paulistas, os
obstáculos fiscais criados para o melhor desenvolvimento do álcool-motor. As alternativas energéticas brasileiras,
entretanto, mereceram naquele dia 2 melhor tratamento do Jornal do Commercio, também governista. Em oito
colunas, informa que um industrial paranaense descobriu um novo sucedâneo da gasolina, fabricado com a
mandioca e o babaçu, cujas primeiras experiências deram bons resultados.

-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-

– Sabe quem está no Recife? O chefão! – disse naquela noite Caio de Lima Cavalcanti a José Américo de
Almeida, secretário da Segurança da Paraíba. De esconderijo em esconderijo, Juarez chega a João Pessoa e vai
morar com Juracy Magalhães. Primeiro, ele se esconde na casa dos irmãos Veloso Borges; depois em Santa Rita, na

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 24


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Fábrica Tiriri. Metidos num porão, Juarez e Juracy, mais Agildo Barata, Paulo Cordeiro e Bizarria Mamede traçam
os planos finais do assalto ao 22º BC. O levante no Nordeste deveria começar ali. Difícil estava sendo quebrar a
resistência do governador João Pessoa, ganhar o seu apoio para a tomada do poder pela força. Ele preferia soluções
legais, constitucionais:
– Prefiro mil vezes Júlio Prestes a uma revolução, disse ao grupo revolucionário, na Praia de Tambaú,
quase quebrando o ânimo de Batista Luzardo, o chefe da conspiração no Rio Grande do Sul.
Mas, José Américo insistia, insistia. Um dia, ouviu surpreso João Pessoa perguntar:
– Já tem data marcada?
– Marcada não, respondeu José Américo. Mas revolução só se faz com dinheiro. A Paraíba tem que dar a
sua parte.
– Então, querem o nosso dinheiro. Desconhecem a nossa situação?
– Bem entendido. É para a Paraíba defender-se, para a compra de armas destinadas às suas forças.
Depois daquele diálogo, José Américo começou a arranjar o dinheiro necessário. Um dinheiro perdido,
pois nunca chegou o material esperado, que teria sido jogado no mar pelo vapor que o transportava, confessaria
anos mais tarde no livro O Ano do Nego.
O Jornal do Commercio parecia não saber de nada. Na segunda página, em oito colunas, publica o 119º
capítulo do folhetim Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas.
Os dois mosqueteiros pernambucanos, Caio e Carlos de Lima Cavalcanti, precisavam de dinheiro para
animar a sua campanha contra o governador Estácio Coimbra. E também para denunciar que o governador de
Pernambuco vinha prestando auxílio a José Pereira, o Zé Carnaval – assim chamado porque as eleições de março
caíram em plena semana de Carnaval.
O prestígio de João Pessoa era grande também no Recife, onde cursou a Faculdade de Direito. Na
Paraíba, o povo o adorava. Quando assumiu o Governo, encontrou apenas 432 contos em cofre e o Estado devia
mais de cem mil contos de réis. O funcionalismo estava sem receber os salários há mais de seis meses e os
fornecedores reclamavam dívidas superiores a 80 contos. As obras públicas estavam paralisadas. No Sertão seco, os
cangaceiros mandavam. Nos primeiros oito dias, reiniciou o pagamento do funcionalismo, saldou boa parte da
dívida, os depósitos bancários elevavam-se a quinhentos contos. Por isso, uma onda imensa o recebeu nas ruas. À
noite, o Teatro de Santa Isabel foi sacudido com seu discurso arrebatador. Depois do espetáculo, prisões. Eurico de
Souza Leão não suportava os aliancistas. Na volta a João Pessoa, uma virada de automóvel mata João da Mata,
orador eloqüente. Era a primeira baixa no comando revolucionário no Nordeste.
“Uma força da polícia entrou ontem em Princesa, onde foi assassinado um fazendeiro. Há ameaças de outros
crimes praticados pela soldadesca alucinada”, registra, no dia 2, o Jornal do Commercio, evidentemente informando sobre
o trabalho de José Américo para debelar o foco rebelde de José Pereira. Duzentos provisórios ocupavam a cidade. O jornal
dava essa informação lacônicamente. Abria espaços para outras histórias. Uma delas, em três colunas de alto a baixo,
contava as proezas internacionais para a travessia do Atlântico: dos 75 vôos que tentaram a perigosa travessia, apenas 35
chegaram. Mas, não deixava de reconhecer, outras travessias estavam sendo igualmente difíceis:

“No Rio Grande do Sul, cogita-se de uma ação revolucionária, na fronteira com Santa Catarina, e
seria de acordo com a ala esquerda da política riograndense.”

Faltam 17 dias, faltam 17 dias – insistiam os rodapés dos diários da Manhã e da Tarde. Também nas
fronteiras municipais da Paraíba, as travessias estavam cada vez mais difíceis. Esse registro no dia 2: Novos e
graves acontecimentos em Princesa.
A manchete daquele dia informava que fora descoberto um complô revolucionário no Rio Grande do Sul
e que o general Gil de Almeida pediu demissão do comando da região militar, que tem sede em Porto Alegre. A
titulagem preocupante era logo em seguida amenizada num rodapé, também de oito colunas, anunciando a visita a
São Paulo das concorrentes estrangeiras ao título de Miss Universo. O concurso fora realizado dia 7 do mês
passado. O vespertino dava a informação, portanto, com quase um mês de atraso.
De outras notícias amenas e cômicas viveu o Jornal Pequeno do dia 2 de outubro. Uma coluna sem
assinatura falava de um poeta e uma comédia. A pequena matéria dava conta que, no dia anterior, a Rua Imperial
parou com a notícia da morte do poeta em baixo das rodas de um bonde. Muita gente olhando o cadáver que,
estranhamente, levantou-se, limpando-se todo e com um pequeno arranhão. Enfim, explicou que tentou suicídio
porque desafiou um inimigo para uma briga e este não aceitou. Mas o motorneiro do bonde que ia para Tejipió ao
sentir que o poeta queria acabar com a vida, parou o bonde no momento exato.
O nome do poeta não é citado na matéria.
Estava voltando da França o comendador Júlio von Sohsten. Os consulados no Recife hastearam
bandeira para comemorar os 83 anos do marechal Hindenburg, presidente da Alemanha. E um precioso aviso à
população: o navio Corcovado acaba de trazer para a cidade 75 gatunos libertos pela Justiça por meio de habeas
corpus. O navio estava chegando do presídio de Fernando de Noronha.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 25


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Uma coluna de cima a baixo dava os nomes da sociedade pernambucana que compareceu à missa de
sétimo dia pela morte de Dona Maria Carlota Pereira Ramos, esposa do comendador Pereira Ramos. Na mesma
segunda página, um anúncio grande da Aguardente Monjopina, a rainha das aguardentes. A terceira página, a
coluna Vida Feminina, sem assinatura, ensinava a mulher elegante a vestir bem: meia de seda, crepe e cinto estreito.
A coluna de futebol não falava de futebol (era uma quinta-feira), mas de uma grande competição náutica. Duas
vítimas no pronto-socorro agredidas a cacete.
A memória de João Pessoa estava forte na manchete do Diário da Tarde: Mineiros e gaúchos, que
fizestes vós de João Pessoa?, para reclamar que assim não é possível... Titulagem forte, ilustrada com fotografias de
Osvaldo Aranha, Getúlio Vargas, Flores da Cunha e João Neves da Fontoura.
Naquela tarde de julho, antes de embarcar para o Recife, João Pessoa fora advertido que a cidade lhe era
hostil. Estácio Coimbra vinha afrontosamente armando os seus desafetos, o bando de José Pereira. Ele insistiu,
informando que precisava acompanhar o desembarque de armas no porto.
Segundo José Américo, àquela altura, o líder paraibano mostrava-se alquebrado, suas têmporas
branqueavam, cansado com os problemas de Princesa e do Sertão, com os cangaceiros e gente de José Pereira atiçados
pelo Governo Federal, com a ajuda do governo de Pernambuco. As finanças do Estado estavam combalidas.
José Américo vinha do alto Sertão, onde tentava reprimir os revoltosos. Estava em Campina Grande quando
João Pessoa foi fuzilado dentro da Confeitaria Glória, no Recife. Escreveria depois:

“A população enchia a praça clamando vingança. Um grupo armado se dirige a mim. Ordeno que
parem, agarrando os mosquetões. Tinham aberto as portas da cadeia e armado os presos para a
vindita. Da Rua do Baralho, enterrada no mangue, avistava-se o clarão, com reflexos no céu. A
cidade estava em chamas. Era a fogueira que levaria 70 dias a crepitar, até a vitória da revolução.”

Quase 200 presos tinham sido postos na rua. Hélio Silva conta que as chamas dos incêndios em João
Pessoa lambiam os céus e que o governo central mandara bloquear os telégrafos a fim de evitar que o fato chegasse
ao Rio Grande do Sul, onde estava reunida a frente de preparo da revolução, ao lado de Osvaldo Aranha.
Organizaram-se destacamentos com tropas do 19º e 21º BC de Salvador e Recife, e um pequeno grupo
do 28º BC, de Sergipe, para marchar sobre Princesa, nas fronteiras de Pernambuco com a Paraíba. Dois pequenos
navios foram mandados para o porto fluvial de João Pessoa. Setenta dias depois, como foi visto, a memória de João
Pessoa não poderia ter sido esquecida.
Naquele 2 de outubro, A Província incitava a bancada de Pernambuco na Câmara Federal a votar pela
concessão da licença para processar o deputado João Suassuna, que, depois ficaria provado, não se envolvera
diretamente no crime. Foi também assassinado no Rio. Os dois jornais dos Lima Cavalcanti insistiam nos seus
rodapés: Faltam só 17 dias...
Na verdade, faltavam apenas algumas horas.
No Grande Hotel, Porto Alegre, Osvaldo Aranha reúne os companheiros para fixar a hora exata do
levante: 6 horas da tarde, na mesma hora em que o general Gil de Almeida deveria estar no oculista. O dia e a hora
foram escolhidos porque, a 3 de outubro, a companhia comandada pelo tenente Juracy Magalhães estava de serviço
no quartel de João Pessoa.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 26


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

O GENERAL ESTAVA MÍOPE.


NÃO SABIA QUE ERA A REVOLUÇÃO

Nos últimos dias de setembro, quando a conspiração conquistara as ruas e discutia-se, já, os locais das
barricadas, a imprensa oposicionista estava sob vigorosa censura, com a revolução entalada na garganta. Rouca, mas
vibrante, era pois a voz de um jovem frágil que varava as esquinas do Recife, apregoando as manchetes do Diário da
Manhã e do Diário da Tarde.
De repente, essa voz se cala. Beleguins invadem a casa do rapaz, seqüestrando-o. Conduzido aos buques
da chefatura de polícia, ele é torturado. Em seguida, empurrado nos porões de um cargueiro. E some.
Somente os tiras de Ramos de Freitas sabiam do paradeiro de Ulisses José dos Santos. O gazeteiro
tornara-se perigoso demais. Além de apregoar as manchetes subversivas dos jornais dos Lima Cavalcanti, ele
articulava os trabalhadores da orla marítima com os operários da Tramways e os gráficos, na campanha para
derrubar a carcomida República. Esses jornais – dizia A Província – falam rangendo os dentes de raiva.
A insistência, também do Jornal do Recife, faz com que vazem algumas informações sobre o paradeiro
de Ulisses: a polícia o teria afastado dos demais presos de Fernando de Noronha. Desnorteando os repórteres,
informam que Ulisses já estaria de volta ao Recife. Na verdade, o levaram para a Ilha do Meio, batida furiosamente
pelo mar e habitada apenas por aves marinhas, onde deveria ficar dez dias sem receber qualquer alimentação.

“O Dr. Lito de Azevedo deve, pelo menos, ter coração. Não cessa nem cessará o clamor público
enquanto o bravo pernambucano não for restituído à liberdade” – esbravejava o Diário da Manhã.

Quatro dias depois, já vitoriosa a Revolução, o jornalista Carlos de Lima Cavalcanti, já feito interventor
do Estado, cobra informações diretamente ao diretor do presídio. O homem, Pereira Filho, informa que realmente
Ulisses José dos Santos está preso na ilha, mas com o nome trocado. Responsabilizado pela integridade física do
gazeteiro, Pereira Filho o coloca em apartamento especial, enquanto aguarda navio que o traga de volta ao Recife.
Gritam as oito colunas do jornal: “Gazeteiro levanta cem presos na Ilha do Inferno!”
Fernando de Noronha sabia das coisas do continente pelas batidas fortes do mar contra o Morro do
Francês e Pico do Espinhaço. Naquela madrugada, a ressaca mordia com os dentes de espuma o Morro dos Bois. As
ondas multiplicavam-se umas dentro das outras, batendo de encontro às formas animais dos rochedos para se
entrincheirarem nas praias do Leão e do Cachorro. O barulho que acordou o carcereiro não era, entretanto, da batida
do mar açoitando as gaivotas do Atol das Rocas. Era um motim de presos.
Estimulados com as ordens do novo governador para que fossem respeitados os direitos carcerários, na
pessoa do gazeteiro Ulisses José dos Santos, cem detentos sacudiram a ilha com a mesma fúria do mar. Armados
com foices e facões pontiagudos, exigiram a deposição do diretor do presídio. As armas tinham sido construídas
com toros de ferro roubado e escondidos entre percevejos dos colchões. Apavorado, Pereira Filho comunica o
levante ao governador Carlos de Lima Cavalcanti. Tem dois homens de confiança entre os amotinados.
Quando Pereira, já agora preso e sob custódia, apanhou o navio que o traria ao Recife, o médico Almeida
Souto e o escriturário José Gonçalves Ramos de Andrade estavam na praia feito interventores. Era de manhãzinha e
os revolucionários tinham reposto a ordem sem qualquer repressão.
Instala-se a esperança na ilha maldita.
O número de A Província que circulou no dia 4 de outubro fora evidentemente feito na véspera, horas
antes do assalto aos quartéis de Porto Alegre pelas tropas revolucionárias. Por isso, insistia nos ataques pessoais aos
irmãos Lima Cavalcanti, desconhecendo que a revolução rebentara às cinco e quinze da tarde da quinta-feira 3.
E chamam, os mártires, ao Sr. Smith “de judeu por estar judiando com aqueles inocentinhos cujo crime único
era quererem muito honestamente uma libritas da Tramways em troca de certas atitudes... independentes” – insistiam nos
sueltos para se alienarem nas manchetes: Gabinete do Ministério da Guerra desmente a notícia de um suposto incidente
entre Getúlio Vargas e o general Gil de Almeida. O texto do telegrama informa que as relações entre o comandante da 3ª
Região Militar e o governador do Rio Grande do Sul continuam cordiais.
Segundo Hélio Silva, era primavera no Sul, mas Porto Alegre amanheceu enevoada por leve garoa
naquela manhã do dia 3. A cidade apresentava-se normal. Foi por isso que o general Gil de Almeida, comandante
da região, resolveu consultar o oculista, no Hospital Militar. Seus olhos estavam doentes, ressentindo-se do
excessivo trabalho naqueles dias de vigília a que o obrigavam a situação inquietante. Ainda na véspera, noticiava-se
estremecimento com o Governo do Estado e que ele deveria deixar o comando.
Quando o general abriu os olhos, já era tarde. Às duas horas da tarde, foi dado feriado escolar. Às três, o
edifício dos Correios e Telégrafos era ocupado por estranhos personagens que levavam armas escondidas em baixo
dos pulôveres. Hélio Silva conta que um detalhe escapou à vigilância da 3ª Região: as comunicações telefônicas,
freqüentes demais logo depois do almoço de Osvaldo Aranha com o comando revolucionário no Hotel Glória,
diálogo suspeito, aquele das mulheres gaúchas:

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

“Olha o doente piorou muito, seu estado é grave, exigindo por isso imediata operação. A intervenção
cirúrgica vai ser praticada logo mais tarde...”

Logo mais, no final da tarde, Osvaldo Aranha lança o manifesto revolucionário. O comandante da região já
enxergava melhor, lembra Hélio Silva. Às quatro e meia, estoura uma greve no porto. O comandante Gil procura contato
telefônico com Getúlio. As ligações estão cortadas. Às cinco, um oficial da polícia, acompanhado de guardas-civis e
paisanos, acaba de invadir a casa do chefe do Estado Maior, à cata do coronel Firmino Freire.
O comércio já estava com as portas fechadas quando irrompe a fuzilaria e o assalto ao QG. A revolução
rebentara desenfreadamente. Era cinco e meia da tarde quando se ouve a primeira descarga de metralhadora. Cinco minutos
antes, um pelotão comandado pessoalmente por Osvaldo Aranha, Flores da Cunha e o capitão Barcelos avançou sobre o
QG, visando aprisionar o general Gil em seus próprios aposentos.
Faxineiro do dia, o soldado Vicente tomba fuzilado quando ia correndo com a vassoura na mão. Era a
primeira baixa. Logo em seguida, morre o major Otávio Cardoso, diretor do CPOR na porta do elevador. Em menos
de vinte minutos, rendera-se o quartel. Os homens que estavam nas valetas das ruas correm para outro ponto da
cidade. A poucos metros, ficava o Arsenal de Guerra. O assalto também durou pouco. Não houve a menor
resistência em quase todo o Estado. O próprio general Gil de Almeida confessaria mais tarde:

“Foram empregados mais de 300 homens no ataque ao Quartel General e tê-lo-iam incendiado se a
resistência se prolongasse por mais tempo. Os revolucionários invadiram a minha casa. No pátio
interno, recolhiam os cadáveres, para o necrotério. Os chefes revolucionários declararam que queriam
falar comigo. Disse que me consideraria preso se me trouxessem uma declaração firmada pelo
próprio punho do presidente Getúlio.”

Chegou a declaração de Getúlio e a resistência gaúcha rendeu-se. Osvaldo Aranha tomou o QG do


Exército, enquanto João Alberto dominava o Morro do Menino Deus. Dia 5, todo o Estado estava em favor dos
revoltosos. Depois, a revolução avançou pelos pampas, subiu para Santa Catarina, transpôs o Paraná. Chegou por
último a São Paulo. Acabou sorrindo em Itararé.
O sistema de segurança dos governadores nordestinos não foi capaz de interceptar essa mensagem de
Juarez Távora a Osvaldo Aranha. Nem o rádio-escuta de A Província, para quem, naquele 3 de outubro, o assunto
mais importante no Rio de Janeiro conflagrado ainda era o álcool-motor.
Preocupava-se, o jornal de Estácio Coimbra, com as nossas laranjas, que estavam sendo exportadas e
levando doenças tropicais à Inglaterra:

“A constatação do Dr. Altino Sodré, inspetor do Departamento de Agricultura, é que a doença


provém da embalagem e não dos pomares.”

Anibal Fernandes escreveu a sua última Crônica Internacional falando de outra crise política, a da
Argentina. A Casa Rosada acabava de ser assaltada por outros revoltosos. Em Buenos Aires, estava preso o capitão
Luís Carlos Prestes, ao lado de outro subversivo, Roberto Inojosa.
A censura telefônica e telegráfica foi rigorosa no início das confabulações, quando Prestes, fugindo da
Bolívia, se homiziou na Argentina para depois ingressar no Partido Comunista Brasileiro.

“Naquela época – informa Hélio Silva – Prestes mantinha boas relações com os irmãos Cavalcanti.
Em suas viagens a Buenos Aires, Carlos e Caio foram portadores, mais de uma vez, de
correspondência do Cavaleiro da Esperança, inclusive cartas de sua mãe, D. Leocadia Prestes. Para
burlar a vigilância, inventaram um sistema aproveitando certa peculiaridade pernambucana:
protegiam a correspondência com papel impermeável e escondiam as cartas no meio da massa
enquanto enchiam as latas de goiabada.”

Diferentemente dos jornais situacionistas, o Jornal do Recife, de Luís Pereira de Oliveira Faria, indagava
em manchete na primeira página: O que está havendo em João Pessoa?, estranhando que na capital paraibana
haviam chegado vários soldados feridos em conseqüência de conflitos ali verificados. Procuramos verificar o que de
verdadeiro existia e nada conseguimos de positivo. Apenas que se encontram no Hospital Militar o tenente Canela e mais
dois sargentos, todos vindos da Paraíba – justificava-se o repórter.
O Diario de Pernambuco discutia inelegibilidade dos governadores e do presidente da República, e
timidamente dizia que a polícia carioca mandara arrancar cartazes subversivos pregados à porta do jornal A
Esquerda e discutia, com feroz tenacidade, a indiferença do oficialismo, que não quis compreender ainda aquilo

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 28


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

que é vital para a economia do país que é a generalização do emprego do combustível a base de álcool com força
motriz.
No seu último dia de circulação, o Jornal do Commercio não faz qualquer registro dos acontecimentos.
Rasga oito colunas na primeira página para anunciar uma reunião dos chefes das delegações à conferência imperial,
ora reunida em Londres, quando foi apresentado um projeto que cria o Tribunal Imperial para julgamento de
quaisquer questões que venham a surgir entre unidades da Confederação Britânica.
Disse isso para, 24 horas depois, ser tragado pelo fogaréu da revolução.
O Diário da Manhã avançava na sua contagem regressiva. O rodapé dizia que faltavam apenas 15 dias,
mas faltavam quinze horas. Essa consciência da proximidade encorajava os redatores nas respostas aos ataques à A
Província sobre a chantagem com a direção da Tramways:

“Já lançamos daqui o nosso repto, que continua sem resposta clara, insofismável e positiva: os
diretores da Pernambuco Tramways passarão com os últimos canalhas se não vierem de público
declarar, com a responsabilidade de seu nome, quando e como recebemos propinas da empresa para
patrocinar os seus negócios.”

A Revolução já havia sido iniciada na Paraíba e, aqui no Recife, eram dados os primeiros passos. Disse o
Jornal do Recife, naquele sábado, dia 4:

“À uma hora da manhã de hoje tivemos notícia de que sérias anormalidades estavam ocorrendo na
cidade, imediatamente, procuramos saber pelo telefone o que havia de anormal. Não ligava o telefone
para os pontos suspeitos de qualquer movimento: quartéis militares e postos policiais. Em atividade a
nossa reportagem nada pôde obter, conseguindo com dificuldade notícias vagas de que nos quartéis
do 21º BC e do Derby eram calma a situação. Adiantavam que as pontes estavam tomadas por forças
armadas e que, na Ponte da Capunga, vários automóveis foram corrigidos e um deles alvejado. O
povo no bacurau ficou assombrado sem querer transportar. A guarda civil foi toda recolhida, não se
vendo um só policial nas ruas. Os bondes deixaram logo de circular. Não conseguimos ter notícias
exatas dos acontecimentos. As que vão aí foram colhidas de um ou outro transeunte que podia. É
possível que hoje se esclareça. Às três horas da manhã, quando escrevemos essas linhas a cidade se
apresentava calma”.

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

NO RECIFE, O CARRO DA
REVOLUÇÃO PEGOU EMPURRADO

Estava mal informado o redator de plantão do Jornal do Recife, naquela madrugada de 3 para 4 de
outubro. A Cidade parecia calma apenas na aparência de suas ruas ainda desertas. Ou pelas informações que
colhera, na Rua do Imperador somente, dos boêmios a regressar dos alegres cabarés do bairro portuário do Recife.
Fora dormir, o repórter, sem saber que, ali mesmo, a pouco mais de duzentos metros, o governador
Estácio Coimbra agonizava providências, durante um jantar carregado de apreensões. Desde cedo, chegavam
informações do Catete de que a revolução estalara no Rio Grande do Sul. Embora difíceis, as comunicações com a
Paraíba permitiam a exata dimensão do golpe. José Américo de Almeida já assumira o Governo do Estado, mas, era
de se acreditar, as tropas federais aquarteladas nas principais cidades terminariam por sufocar tudo.
O repórter notara sequer – como, de resto todos os jornais do Recife, a maioria situados na Rua do Imperador –
que, às oito horas da manhã, um colega jornalista, vizinho seu do Diário da Manhã, transportava armamentos em
quantidade do próprio jornal para as malocas da Rua Formosa (hoje Conde da Boa Vista), residência de Carlos de Lima
Cavalcanti. Quando o jornal rodou, o sol já despontava na boca da barra, projetando as sombras do enorme baobá da
Praça da República sobre o Campo das Princesas – as mesmas que, mais tarde, sol a pino, iriam entrincheirar os
revoltosos no avanço sobre o Palácio.
Para os homens da situação, tudo aquilo parecia incrível. Cinco anos depois, 1935, o jornalista Aníbal
Fernandes ainda contestava o poder de fogo dos revoltosos. No seu livro Pernambuco no tempo do Vice Rei, ele
faz a seguinte narração:

“A Revolução em Pernambuco estalou na noite do dia 3 de outubro por iniciativa de um Tiro de Guerra, que a
Região Militar afirmava desmuniciado e venceu por obra do acaso. Digam o que disserem desse general, vencedor
de mil batalhas: ele figura na história com extraordinário relevo. (...) Foi o caso de Pernambuco...”

Aníbal era redator principal de A Província e auxiliar imediato de Estácio Coimbra. No jornal governista,
além da crônica internacional, assinava o informe oficial do PRP. Mas não foi o jornalista quem, às quatro da tarde,
assistiu o governador receber informações de que as tropas do major Pessoa não conseguiram deter os revoltosos
paraibanos, além de Goiânia. O próprio oficial saíra ferido com um estilhaço da granada que matou o corneteiro do
pelotão. Ele teria aconselhado resistência quando Estácio, quase desesperado, teria respondido ao pedido de
socorro: Nada tenho a fazer, a situação agrava-se!, foi esse o seu depoimento a Murilo Bezerra Tavares,
funcionário da Prefeitura do Recife e publicado no Diário da Manhã do dia 10.
Agildo Barata, Juracy Magalhães e Paulo Cordeiro já caminhavam além de Paulista. Três automóveis e
vinte caminhões carregavam oitenta revolucionários armados até os dentes. Armas suficientes para o efetivo de 300
homens, entre elas vinte armas automáticas e seis metralhadoras.

“E era tão grande a nossa popularidade que meu esforço era no sentido de não atender aos pedidos de
incorporação do que atendê-los”, seria essa a confissão de Agildo Barata no seu livro de memórias
Vida De Um Revolucionário.

Apesar disso – e do que já estava ocorrendo no Recife – eles resistem. E insistem em que o golpe será
esmagado com a ajuda dos 1.500 homens prometidos por Washington Luiz. Às cinco e meia da tarde, o pânico
começa a se estabelecer em Palácio. Segundo Murilo Bezerra Tavares, Júlio Belo retirou-se com sua família que
chorava copiosamente, fazendo descer uma mala com grande quantidade de livros.

“Mesmo assim, Estácio não perdeu o eterno dandismo e ensopava o lenço em essência fina, vestindo-
se como para uma festa. Barbeou-se, tomou massagem, colocou pó de arroz nas faces e frisou o
bigode”, é o que informa o Diário da Manhã do dia 10.

Sentaram-se à mesa do jantar, entre outros, Gilberto Freyre, Lito de Azevedo Filho, Ramos de Freitas,
Ivan Guimarães, Domingos Sévulo, Leão Diniz, Sebastião Lins, Gouveia de Barros, Júlio de Melo Filho, Aníbal
Fernandes e Lucena Maranhão.
Os tiros de carabina já cruzavam os jardins do Palácio, vindos dos lados de Santo Amaro e dos casarões
da Rua da Aurora. O estalido das balas contra as vidraças abrem os braços das janelas, como varandas escuras sobre
o Capibaribe.
Luís do Nascimento foi o revisor do Diário da Manhã que advertiu a Caio de Lima Cavalcanti da
antecipação nos fusos da revolução na Paraíba. Era preciso, portanto, uma reação mais rápida, também no Recife.
Nos últimos dias de setembro, o outro Lima Cavalcanti, Rui, viera da Usina Água Branca para o nascimento de seu

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

primeiro filho, Arthur. Na casa de Carlos, esquina da Conde da Boa Vista com a Osvaldo Cruz, defronte da
residência do deputado Bartolomeu Anacleto, os três deveriam se encontrar, mais o português Emídio Pereira, alto
funcionário da Pernambuco Tramways. Ainda: Benevuto Teles, chefe da gravura, e o alemão Carlos Kess, chefe
das oficinas e impressor do jornal. Esse grupo deveria se reunir ao dr. Manoel Caetano, antigo juiz federal, o
próprio Juarez Távora e Afonso de Albuquerque Lima. Missão: destruir as instalações da companhia telefônica.
Já passava da meia-noite e era perigoso o caminho a seguir, pois as ruas já estavam tomadas de soldados
embalados: Paissandu, Avenida Manoel Borba, Rua da Soledade, beco da Fratelli Vita, Avenida João de Barros. O Ford 29
do arquiteto Heitor Maia Filho engasga, para somente pegar empurrado. Finalmente, a porta da telefônica. Duas
telefonistas no plantão.
– Abram! Sou o Pereira, alto funcionário da Pernambuco Tramways!
Caio de Lima Cavalcanti tinha certa intimidade com o ambiente. Semanas antes, a pretexto de fazer uma
reportagem, percorrera todas as instalações. As duas telefonistas estão deitadas no chão, para escapulir da fuzilaria
que vinha do Largo do Hospital, quando o grupo corta com machadinhas os grossos tubos de chumbo, os
condutores das linhas múltiplas.

“Saímos para a casa de Edgar Teixeira Leite, que havia se comprometido a guardar o grupo, caso a
revolução não vingasse. Uma rajada de metralhadora fez com que pulássemos o muro da casa do Dr.
Bráulio Gonçalves, pessoa ligada ao governo. Vimos passar um grupo de rapazes do Tiro de Guerra,
destroçado depois do ataque ao 21º BC. Seguimos para a casa de Edgar Teixeira Leite, fugindo pelos
fundos que dava para o Largo do Hospício. Juarez já tinha ido para a Paraíba. Ficamos escondidos na
garagem durante umas três ou quatro horas. Depois, aconselhados a permanecer até a chegada dos
reforços da Paraíba, continuamos das cinco horas da manhã do dia 4 até a manhã do dia 5, é o que depois
informaria Caio de Lima Cavalcanti.”

O plano de levante do Recife obedecia a quatro objetivos: o capitão reformado da Polícia Militar, Muniz
de Farias, ajudado por dois ou três cabos e sargentos da Polícia Militar, tentaria levantar as tropas da Brigada
Militar no Derby; o tenente Sebastião Mendes de Holanda ficaria encarregado de assaltar o 21º BC, no Largo do
Hospício; o grupo de Caio de Lima Cavalcanti destruiria a telefônica, enquanto atiradores do Tiro de Guerra 333 se
postariam no Largo do Hospício, aguardando os resultados da ação do tenente Holanda. O resto era esperar a ajuda
dos revolucionários da Paraíba.
Até aquele instante, apenas o grupo de Lima Cavalcanti obtivera êxito. O tenente Holanda e o sargento
Kleber ficaram prisioneiros no Hospício. Outros escapuliam pelos fundos do Tiro de Guerra. A ordem era, então,
sair tiroteando pelas ruas, contra os jornais governistas, contra o Palácio do Governo, contra a residência dos
perrepistas. Criar o pânico.
Estácio Coimbra estava ilhado no Campo das Princesas. O comandante da Força Pública, coronel
Wolmer da Silveira, não cumprira de imediato as suas ordens para que sitiasse o refúgio dos amotinados. Pedira
prudência, o governador, pois nas imediações ficavam os colégios Nóbrega e das Irmãs Dorotéias. As
comunicações com a força policial estavam cortadas e o entendimento do governador com o comandante Wolmer
tinha que ser feito com problemas, por intermédio de emissários da Estrada dos Remédios.
O jantar terminara melancolicamente, mas Estácio Coimbra ainda relutava em procurar abrigo mais
seguro. No bairro do Recife, poderia ocupar dependências das Docas ou da Capitania dos Portos.
Foi um oficial da polícia pernambucana, refor-mado por motivos políticos, o capitão Muniz de Farias, à
frente um grupo de 17 homens, que teve a idéia louca de atacar o Quartel da Soledade, onde era guardada toda a
munição do Exército. O Governo descuidara desse detalhe. Quando o comandante Wolmer decidiu retomar, já era
tarde. Ao chegar à Soledade, é obrigado a fugir, deixando o capitão Diniz, oficial músico, como refém.

Aníbal Fernandes escreveria depois:

“Se até o meio-dia, cumprindo ordens reiteiradamente ouvidas do Governador, houvesse investido contra à
Soledade, a desordem teria sido facilmente repelida. Desde o início do movimento, o coronel Wolmer era
por uma ação humana, que poupasse vidas e evitasse o derramamento de sangue. No curso da manhã e
durante todo dia, operários da Tramways, vendedores ambulantes, e quantos homens válidos foram
encontrados nas imediações da zona em armas aderiram voluntária ou compulsoriamente. Postaram-se nos
altos do Edifício Fratelli Vita e do Colégio Nóbrega armas automáticas com farta munição. Isolado na
residência oficial, só defendida pela guarda da polícia do ser-viço habitual e amigos, o Governador, desde o
começo do movimento, não cessou de adotar as medidas e providências ao seu al-cance. Pediu para o Rio os
auxílios neces-sários, que se impunham, determinou o regresso ao Recife dos destacamentos policiais dos
municípios à margem das linhas férreas e concertou com as autoridades federais a defesa dos bairros de

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Santo Antônio e Recife, separados da Boa Vista, onde se localizara o levante, nas pontes da Boa Vista,
Santa Isabel e Saneamento.”
Quando o dia clareou, Estácio Coimbra já organizara a fuga. A queda da Soledade armara o braço de
mais de 500 civis, a maioria operários e estudantes.

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AS BALAS FUTUCAVAM OS OUVIDOS


DA CIDADE, DE PONTA A PONTA

Enquanto Estácio Coimbra, sem confiar muito no poder de fogo dos revoltosos, ainda resistia em
Palácio, o inspetor de polícia Ramos de Freitas realizava batidas nas repúblicas de estudantes, nos hotéis e pensões,
nos bares, nos bairros operários, rondava as redações dos jornais oposicionistas. Um policial fora destacado para
acompanhar toda a movimentação junto aos diários dos irmãos Lima Cavalcanti, que já haviam encerrado
expediente e procuravam entreter os leitores, nas suas manchetes, denunciando as manobras do governo para
prorrogar o contrato de concessão da Pernambuco Tramways and Power.
Passavam uns poucos minutos da meia-noite quando o redator de plantão do Jornal da Tarde manda o
repórter Pedro Lopes Júnior apurar o que estava ocorrendo na Praça Adolfo Cirne onde ficava o quartel do 21º BC.
Pedro somente voltaria na segunda-feira, com a revolução vitoriosa.
No Restaurante Nabuco, ele se encontra com Luís do Rego Lima, do Jornal do Commercio. Em frente à
central de polícia, Rua da Aurora, foram abordados por policiais fardados e a paisana. Depois, conduzidos à
presença do delegado Luís Cabral de Melo, do 1º Distrito. Às duas horas da madrugada, Ramos de Freitas chega
esfuziante. A batida fora proveitosa: algemados, trazia presos o jornalista Jarbas Peixoto, do Diário da Manhã, e os
estudantes Francisco Veras, Reinaldo Pereira Silva e Gumercindo Cabral de Vasconcelos. Logo em seguida, outros
policiais trazem Milton Benjamim, Luís Cisneiros Boudoux, Dirceu Bacelar e Silva e Oscar de Andrade Camelo.
Acusado de comunista pelo comerciante Benjamim Stiman, também acabara de ser preso no 2º Distrito, Elias
Greiber. O Hotel Veneza, Rua da Aurora, fora invadido. Presos Fausto Moreira (dono do hotel) e os estudantes José
Xisto Gomes, Esmeraldo Homem de Siqueira, Horácio Gomes de Melo e Clodoaldo Trigueiro, além dos hóspedes
Boroneu Guerra, Luís Figueiredo, Enock Garcia, Antônio Capiba, Tito Sodré, Agripino Silva, Odilon Ferreira e
José Barros. Todos foram conduzidos à Casa de Detenção. Desconhecido o paradeiro do caricaturista Rubens Diniz.

“Eu ia ser fuzilado”, diria depois o repórter Pedro Lopes Júnior, em matéria publicada no Jornal do
Recife. “Eu considerava a revolução fracassada. Vi sargentos do Exército e da polícia passarem
presos e sabia que não lograra êxito o ataque ao 21º BC.”

De fato, Muniz de Farias fora rechaçado pelas tropas legalistas à porta do 21º BC, escapando com alguns
rapazes do Tiro de Guerra 333 pela Rua do Príncipe. Juarez tinha ido à Paraíba, buscar reforços. Desesperavam-se
os revoltosos.
Mais à frente, estava o Quartel da Soledade o principal depósito de armas da região militar, guardado
apenas por 30 homens, já catequizados pela propaganda aliancista. Se fosse conseguida a entrada no quartel, a
vitória estaria assegurada.
Deu-se o ataque novamente. Dessa vez, mais fácil. De repente, toda a munição estava no poder do
capitão Muniz de Farias. Armas em quantidade suficiente para armar o punho de cinco mil homens. A partir de
então, da Soledade a revolução ganhou as ruas como as ondas ganham as praias no furor das grandes ressacas.
O professor Lauro de Góis fardara-se de coronel e com um grupo de 15 rapazes, seus alunos, avança
pelas ruas, desordenadamente, atirando feito um louco contra a residência dos perrepistas. A saída de Juarez deixa
os jovens revolucionários praticamente sem comando. Segundo Agildo Barata, organizam-se vários grupos
armados, atirando cada um ao sabor da inspiração de seus improvisados comandantes, atirando à esmo, em todas as
direções.
Apesar de tudo, prossegue o jantar no Palácio com Estácio Coimbra e auxiliares. Um oficial de gabinete
levanta-se para atender o telefone. O recado é transmitido discretamente ao governador: os tenentes de Juarez acabavam de
tomar Olinda, sem qualquer resistência.
Fechava-se o cerco.
Estácio Coimbra acabava de tomar o cafezinho quando chega um oficial do Exército para informar que
providenciara o fechamento da ponte Santa Isabel, para evitar o avanço dos revoltosos. O Teatro de Santa Isabel e a
Secretaria da Agricultura serviriam de abrigo quando as circunstâncias o impusessem. Em último caso, restaria a
fuga para o bairro do Recife, onde todo mundo deveria se homiziar na Escola de Aprendizes de Marinheiros, nas
Docas ou na Capitania dos Portos.
Arquitetava-se a fuga.
Em mangas de camisa e ofegante com a carabina a tiracolo, logo em seguida, chega o tenente-coronel
João Alberto de Souza. Vinha dizer que não podia mais resistir na ponte. Era flagrantemente desigual o confronto.
Um emissário de Estácio Coimbra vai ao porto e volta desolado: soldados do 21º BC embarcavam para o Norte – os
mesmos soldados que haviam se comprometido a defender a Ponte Santa Isabel. A guarda do Palácio respondia
timidamente à fuzilaria.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 33


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Desguarnecida a ponte, o Palácio seria fatalmente assaltado. Os revoltosos poderiam avançar facilmente
dentro de poucos minutos. A fuga se tornaria quase impossível: como segurar a ponte, guarnecer as Docas, se
àquela altura a guarda do Palácio era tão frágil?
É de Aníbal Fernandes este depoimento:

“O dilema de todos se apresentava premente e inevitável: a permanência nas Docas, para a captura e
humilhação, senão o massacre, ou a retirada para o sul do Estado, onde o município de Barreiros,
sobre o litoral atlântico, esperava o governador congregar forças e aguardar os auxílios prometidos do
governo do Rio de Janeiro. Decidiu-se o governador embarcar com todos os amigos no rebocador de
alto mar e assim deixou o Recife quase à meia-noite do dia 4 de outubro. Às cinco horas da manhã,
por falta de carvão, era-se obrigado a parar no porto de Tamandaré, onde o patronato agrícola João
Coimbra forneceu a lenha necessária para ser atingido o ancoradouro de Gravatá, às 10 horas,
descendo ali o governador e seus amigos.”
As balas de rifles, fuzil e metralhadora varam a cidade, de ponta a ponta. Caiu outro poste de luz na
Praça 15. As paredes do Café Continental, do Restaurante Regina e da Biblioteca Pública, na Rua do Imperador,
estão bordadas. Palácio do Governo, Teatro de Santa Isabel, Secretaria da Fazenda e o Fórum são prédios em
agonia. Os rebocos escorrem feito sangue pelo calçamento. Assim falaram jornais e escritores sobre o que se passou
nas ruas:

– Em frente ao Fórum, totalmente danificado, papéis de toda a ordem, inclusive cheques com o nome
do Sr. Sérgio Loreto para a sua anunciada eleição em substituição do Sr. Correia de Brito, para
senador, andavam espalhados por toda a parte do solo. (Jornal do Recife)
– O cinema do Arruda, de propriedade dos Srs. Lundgren, foi incendiado. Isso também ocorreu com a
Loja Paulista. (Diário da Tarde)
– O Sr. Pedro Allain Teixeira, na Casa Amarela, apreendeu muitos móveis retirados pelo povo de
algumas casas particulares e os depositou no posto policial daquele distrito para a devida entrega.
(Jornal do Recife)
– Um busto de Estácio Coimbra, que ninguém sabe de onde foi trazido, ficou exposto, na Praça do
Diario, onde a multidão cometeu horrores. (Jornal do Recife)
– Os rebeldes ocuparam os edifícios mais altos. Nas ruas, foram montadas barricadas de areia e
pedra. Os hospitais enchem-se de feridos. (Diario de Pernambuco)
– As casas de José e João Pessoa de Queiroz foram saqueadas e incendiadas, como a de Antônio
Pessoa, Ramos de Freitas e sua sogra, Gouveia de Barros, Renato de Medeiros, Antônio Gonçalves
Ferreira e Alfredo Freire. (Diario de Pernambuco)
– Às 11 horas, o coronel Wolmer de Siqueira hasteou bandeira branca. A banda de música do Quartel
do Derby irrompeu o Hino Nacional e, depois, Vassourinhas. (Diario de Pernambuco)
– Os bombeiros entrincheirados nas Ruas da Glória, Velha e da Matriz recuaram para o pavilhão
sanitário, ao pé da ponte da Boa Vista. Os rapazes atiram bravamente. Durante todas as horas de
combate, os heróis são atendidos pelas famílias residentes nas imediações, que lhe oferecem lanches,
bebidas, roupas e tudo era dado com alegria. (Diário da Tarde)
– A casa da genitora de José Maria Belo foi invadida e tudo depredado. A casa de Nobre de Lacerda
igualmente. Pela cidade e pelos arrabaldes, a ordem era queimar e destruir tudo quanto pertencesse
aos políticos da situação. (Diario de Pernambuco)
– Os rapazes combatiam nas trincheiras, onde se viam humildes vendedores de frutas, verduras,
vendedores de miúdo, auxiliares do comércio, acadêmicos e comerciantes. (Diário da Manhã)
– Na Pensão Alemã, situada na Rua da Glória, foi improvisado um posto médico. Proprietário,
hóspedes e vizinhos socorriam os feridos. Um rapaz que não conseguimos identificar o nome,
recebeu descarga de metralhadora sobre o peito e também estraçalhou o braço. (Diário da Manhã)
– A casa de Bartolomeu Anacleto foi invadida e tudo depredado. A casa do administrador do
Mercado da Municipalidade reduzida a cinzas. A casa de Demócrito de Souza igualmente. A minha
foi invadida e rebentado tudo que foi possível roubar e não incendiada porque era preciso poupar a do
vizinho. (Aníbal Fernandes)
– Às 20 horas, no Largo do Hospício o cônego Jerônimo de Assumpção benzeu uma grande bandeira
vermelha. Estendida a bandeira no chão, o povo se ajoelhou ao redor e rezou. (Diário da Tarde)
– O povo aumentava de entusiasmo. E seguiram-se os assaltos à Chefatura de Polícia e de todas as
delegacias de todos os distritos. (Diario de Pernambuco)
– Arrebatadas e incendiadas as oficinas e redações do Jornal do Commercio, A Província, e Jornal
Pequeno. (Aníbal Fernandes)

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 34


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

– Entre oito e nove horas, vimos um grupo de alguns populares com aspecto de estivadores, armados
de carabina. Informaram que a revolução estava vencendo e que o 21º BC abandonara o Quartel da
Rua do Hospício. Saímos. No caminho, encontramos Amaro Pontual Ferreira e numeroso grupo que
acabara de ser libertado da Chefatura de Polícia. No 21º BC, nos armamos e armamos o povo com
fuzis do Exército. (Caio de Lima Cavalcanti)
– Às 11 horas, chega a notícia de que Estácio Coimbra abandonara o Palácio. Circula, então, o
primeiro boletim revolucionário, composto e impresso nas oficinas da Fratelli Vita. Circula em todas
as trincheiras e nas ruas do Recife. (Hélio Silva)
– Começava a raiar a madrugada do dia 5. Os primeiros bondes começavam a trafegar apinhado de
trabalhadores. Muniz de Farias fazia os bondes pararem e intimava os passageiros a descer.
Convidava-os a participar da revolução. Aos que acreditavam, ele entregava um fuzil e uma
cartucheira com alguns pentes de bala. Entre eles, improvisavam-se comandantes. Ocuparam todas as
pontes. (Agildo Barata)
– A proporção que a Cidade despertava, homens de todas as categorias sociais procuravam o Quartel da
Soledade, pedindo armas para defender a República verdadeira, livrando–a dos tiranos e dos algozes. A
distribuição de armas e munições era a granel. O entusiasmo indiscritível. (Jornal do Recife)
– Quando chegamos à Avenida Norte, o povo nos alimentava, dando café e pão. Juracy já estava em
Olinda. Ainda havia resistência nas casas dos Pessoa de Queiroz. (Caio de Lima Cavalcanti)
– O último reduto a cair foi a Casa de Detenção. Um dos presidiários era Antônio Silvino, que se
ofereceu para ajudar a revolução, Juarez negou. (Agildo Barata)
– Às 17:30 horas, Juracy entra pela cidade já em poder dos revoltos. Dirige-se ao Palácio do
Governo. O oficial que comandava a guarda apresenta-se e Juarez manda lacrar as portas,
encarregando-se da custódia. A posse de Carlos de Lima Cavalcanti foi às 21 horas, na praça de
guerra mesmo, no Quartel do 21º BC. Cerimônia à luz de vela. (Hélio Silva)
– Às nove horas do dia 6, o povo aclama Carlos de Lima Cavalcanti no Palácio das Princesas. O
governo revolucionário continuou funcionando no 21º BC, Juarez fez seu QG em um prédio da Rua
Princesa Isabel, residência de Humberto de Moura Ferreira. Entregou o poder militar ao capitão
Muniz de Farias e o civil a Carlos de Lima Cavalcanti. (Hélio Silva)

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

DOIS GOLPES DE BISTURI NA GARGANTA.


BEM FUNDO. NA CARÓTIDA, PARA MATAR

A cela destinada aos dois presos, na verdade uma das enfermarias do presídio, era modestamente
mobiliada: além de um lavatório de ferro fundido, cadeiras e camas, duas mesinhas. Uma, a do centro, servia para
refeições. Num prato, ainda por lavar, restos de biscoitos, pão e geleia. Na outra, medicamentos: três caixas de
injeções e um vidro de Neurofosfato Skay, objetos de uso pessoal, romances de Machado de Assis e Monteiro
Lobato e um volume do Dicionário Enciclopédico Ilustrado. A página 408 estava marcada com uma tira de papel.
O destaque era para a estampa de uma forca e para o texto sobre instrumentos de suplícios. João Dantas e seu
cunhado Augusto Caldas Moreira debatiam-se diante de única e terrível decisão: estrangulamento ou suicídio?
Lá fora, o povão rugia. Com os dentes trincados, com as próprias mãos queria justiçar a tragédia da
Confeitaria Glória, Rua Nova, coração do Recife.
Numa outra cela, a de número 9, raio sul, grande e suja, cinco tamboretes de madeira, nove rapazes
lutavam contra os percevejos. Eram seis horas da manhã e acabavam de tomar o desjejum: um pão de 200 réis e
uma porção de café servido em canecas de ágata. Eles foram presos na madrugada da sexta para o sábado, antes de
ser disparado o primeiro tiro. No fichário, sem nomes, um simples registro: guardados. No jargão policial, queria
dizer: prisão sem vestígios. Se o preso morrer, o laudo deve informar: suicídio. No caso de qualquer juiz pedir
informações, a polícia abre os livros e exibe o nada consta.
Um desses rapazes se chamava Pedro Lopes Júnior, repórter do Jornal da Tarde, um dos homens
marcados para morrer se a revolução não vingasse. Um outro era um preso comum, que deveria ser libertado
naquele dia, depois de nove anos de cadeia.
Lá fora, o fogo aumentava. As metralhadoras estalavam balas nas paredes do presídio. De repente,
calavam-se no avanço e recuo dos revoltosos para derrubar a última resistência legalista.
Dia 5 de outubro. Ninguém pode dormir. Os percevejos beliscam o corpo dos detentos. A incerteza cruel
matava o sono. Pedro Lopes comeu feijão ao meio-dia. Pediu copo com água, recebeu uma lata. Gosto azinhavrado,
de banha ou manteiga, coisa assim. Em liberdade, depois escreveria:

“Às oito horas e uns poucos minutos ouvimos uns disparos. Eram distantes, mas foram se
concentrando como se estivessem envolvendo a Detenção. E se prolongaram com intermitência. Às
13 horas e dez minutos, veio um outro guarda trazer-nos o jantar. Um feijão desgraçado com charque
e alguns pedaços de galinha. Ficamos admirados – galinha?! Nada de talheres, colheres e pratos
fundos. A mim não me tocou nenhuma e servi-me com os dedos. Às 17 horas, novamente café com
pão. Com o guarda, veio um sentenciado que se queixou amargamente: “Eu hoje ia ser solto pois
intero nove anos de prisão. Mas não posso, pois estamos encurralados. Para se comprar
mantimentos só com o carro da ambulância.
O guarda me disse que o administrador, major Cavalcanti, tencionava mandar travesseiros, porém
isso ficou só na vontade. Eu amanheci com uma dor de cabeça danada. O feijão me fez um mal
horrível. Às 8 horas, de novo café com pão. Pedi um cafiaspirina e da enfermaria me mandaram um
cachete. Reclamei um copo, pois era difícil estarmos a beber água de torneira. Foi quando me deram
uma lata.”

Na enfermaria 1, transformada em cela, João Dantas e Augusto Caldas Moreira debatem-se em delírio.
Dantas senta-se à mesinha e escreve um bilhete desesperado:

“A Casa de Detenção está sendo tomada pela madrugada. A nossa situação, como é de avaliar, é a
pior possível. Continuamos na mesma sala, mas fomos ameaçados de ser sangrados na praça pública
da Paraíba ou aqui. Somos presos sem culpa formada, à disposição do governo, seja ele qual for.
Procure com urgência o chefe da junta governativa, dr. Caio de Lima Cavalcanti, por intermédio do
irmão Rui. Eu nada pediria, pois sou muito cioso do meu brio. Mas estou só e aí sinto ver o meu
cunhado nessa situação e, por isso, alvitro uma medida que talvez não ocorra ao seu espírito. Diga aos
que me são caros, que estão todos ligados à minha lembrança, nesta hora aguda em que estamos
vivendo. Ainda uma vez muito grato. PS: – Vê por intermédio do pessoal do Rio se evita a minha
morte.”

Àquela altura, os rebeldes já haviam cortado água e luz do presídio. E deram o ultimato: rendição dentro
de duas horas; caso contrário, todos seriam metralhados.
Segundo Hélio Silva, diante do presídio, formara-se uma grande multidão. Em delírio, as pessoas gritam,
exigem o linchamento dos assassinos de João Pessoa. O guarda Francisco Cavalcanti Padilha acompanha os

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

visitantes, principalmente militares, até a enfermaria onde eles se encontravam João Dantas e seu cunhado. Hélio
Silva escreveu: Dantas mantinha-se sereno respondendo por vezes: Paciência. Caldas estava visivelmente abatido.
A fuzilaria incessante fez com que o diretor do Presídio trancasse todas as celas. Temia-se reação dos
presidiários, em apoio aos revolucionários. Entre eles, o cangaceiro Antônio Silvino. Somente uma enfermaria ficou
aberta.
Uma cilada?
Dantas pede para falar com o diretor. Pretendia que lhes facilitassem a fuga, pelos fundos. Lá fora, os
insultos aumentavam. E o fogo das metralhadoras também. Alguns presos acenavam panos vermelhos, a cor dos
revolucionários. A revolução estava prestes a derrubar o último reduto de resistência, mas o governador Estácio
Coimbra ainda tentava reorganizar o sistema estadual, já homiziado em Barreiros.
Sob o comando do professor Joaquim Pimenta, a censura se apoderara de todas as fontes de comunicação
do Estado. Telegramas de Estácio Coimbra são interceptados. Um deles, dirigido a Francisco Guimarães, Paris,
informava que “o governo federal estava tomando providências eficazes, estou acautelado”. Outro, dirigido ao
governador de Alagoas, Álvaro Paes, pedia reforço de 200 homens. Não dá, infelizmente – foi a resposta. O auxílio
de dois mil contos pedidos a Washington Luís também não chegava. Ao contrário, chegava uma resposta até certo
ponto ridícula: Inconveniente pedir importância tão diminuta. Aguarde para depois. Forças legais ainda em
posições expressivas. Aqui calma completa. Que há em Pernambuco?
O Governo central anuncia a decretação do Estado de Sítio, com feriado nacional até o dia 21. A maioria
dos prefeitos do Interior do Estado desertavam. É do repórter Pedro Lopes Júnior esse depoimento:

“Começou a escurecer. Veio a luz. Acendeu um pouco, com os fios apenas vermelhos, desaparecendo
definitivamente. Na rua, o tiroteio incessante. A metralhadora cantava perto. Pelas grades se coava a
luz pálida da lua. Às 20 horas mais ou menos, ouvimos gritos entusiasmados que não podíamos
perceber. Parecia que davam vivas à Paraíba. Meia hora depois cessaram. Ficamos em dolorosa
expectativa. Vitória? Os tiros cessaram de parte a parte. Silêncio e penumbra. Às 22 horas, novos
disparos, respondidos na Detenção. Resolvemos dormir. Dormir propriamente não. Deitamo-nos nas
tarimbas e ficamos silenciosos esperando a decisão da sorte.”

É de Hélio Silva essa informação:

“A situação se agravava a cada instante. Já agora também senhoras entravam no prédio, para verem
os dois implicados na morte de João Pessoa e os insultarem. Foram fechadas todas as portas que
davam acesso a enfermaria e aquela que comunicava o gabinete cirúrgico com a sala onde estavam
Dantas e Caldas, agora reforçada com um cadeado e corrente. Mais tarde o enfermeiro Prado
procurou o diretor trazendo novo recado de Dantas. Mandou dizer que iria vê-lo depois. Voltou
Prado, entregando um anel de engenheiro, um relógio com corrente, uma aliança, uma medalha com a
efígie de uma santa e trancelim de ouro. O Dr. Caldas pedia para fazer entrega dessas jóias à sua
esposa.”

Ao linchamento ou à força, João Dantas e Augusto Moreira Caldas preferiram o suicídio. Augusto vestiu
uma calça de linho branco, uma camisa de Stras, meias e sapatos marrons. O debrum do paletó guardava um
afiado bisturi. O engenheiro Augusto Caldas deita-se e pede ao cunhado que vibre o rasgo mortal. O golpe foi na
carótida, bem no fundo, o mesmo local onde João Dantas, logo em seguida, aplica o corte fatal. Antes, os dois
rabiscaram rápidos bilhetes de despedidas:

“Mato-me de consciência serena e ânimo forte porque estou entregue a bandidos e o meu brio não
suporta humilhações – (a) João Dantas. Casa de Detenção. 6.10.1930.”

“Morro porque estando inocente no crime de que me acusam não posso aceitar julgamento de
fanáticos e salteadores. 6.10.1930. (a) Augusto Caldas.”

É do Diário da Manhã do dia 7 esta notícia:

“Era três e meia da tarde. Quando o guarda Francisco Padilha abriu a porta da enfermaria o corpo de
Augusto estava estendido na cama em decúbito dorsal. A cabeça estava apoiada no travesseiro
voltada para o lado direito ocupado por João Dantas. O corpo de João Dantas estava em posição
horizontal. O suicida nos estertores da morte possivelmente tentou algum movimento no leito onde se
deitara para morrer. Expirando porém a cabeça pendeu para o lado contrário de seu companheiro,
fazendo apoio no assoalho. O restante do corpo, do ventre para baixo, ocupava a cama. Os médicos

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

legistas Lalor Mota e José Gonçalves procederam ao levantamento dos corpos depois de serem
batidas duas chapas pelo Sr. Luiz Piereck.”

É do repórter Pedro Lopes Júnior esta narrativa:

“Lá fora, continuavam os disparos, sustados a muito custo por ansiosos gritos de não atirem!,
proferidos de dentro da Casa de Detenção. Um oficial mantinha entendimentos com o major
Cavalcanti, administrador do presídio, para que se entregasse. Ouvimos dizer próximo à nossa porta:
Nós fuzilamos estes presos e dizemos depois que eles se suicidaram! Às três horas, bateram à nossa
porta e uma voz disse entusiasmada: Alvíçaras pessoal! Vocês ganharam! Dentro do presídio
rebentou um movimento ensurdecedor. Os sentenciados gritavam, entusiasmados dando vivas à
Revolução. Finalmente, às seis horas da manhã, depois de 52 horas de incomunicabilidade, fomos
pelas forças revolucionárias retribuídos à liberdade. Só depois é que fomos informados de que caso as
forças do governo triunfassem, seríamos fuzilados.”

Estácio Coimbra resistia em Barreiros.


No mesmo local, um rodapé de oito colunas – onde, três dias antes, se costumavam ler faltam apenas 15
dias – o Diário da Manhã já estava publicando:

“Povo Pernambucano! Zelai pela Revolução!, auxiliando os seus chefes para o restabelecimento da
ordem e dos serviços públicos!”

A resposta às mortes foi publicada no Diario de Pernambuco, 8 de outubro de 1931, com um artigo do
dr. Moreira Caldas, intitulada de A Verdade dos Fatos:

“Somente os apaixonados, os que pretendem defender os autores e cúmplices da tragédia covarde da Detenção, é
que asseveram o suicídio do dr. João Duarte Câmara e o homicídio praticado contra o nosso saudoso Augusto.
Sem que traduza com a afirmativa que faz, um gesto de servilismo, bajulação ou
complacência à família Caldas declara terem sido alheios ao fato, que culminou com o assassinato,
bárbaro ambos, o dr. Carlos de Lima e o major Juarez Távora.
É um gesto de altivez, é um ato de justiça.
Por ora, não é tempo de ser a verdade restabelecida. Ela virá triunfante, no futuro, dizer a
verdade dos fatos que se consumaram.
Apenas, como adiantamento, pergunta, onde os objetos, dinheiro, medalhas, botões, fivela,
tudo de ouro, que estavam com Augusto? Para que a incineração dos lençóis, fronhas e travesseiros
de suas camas. Não teria sido para ocultar vestígios de luta com João Dantas? Para quem as iguarias
cuja importância de 48$000 a família pagou e que foi dito ter sido por eles consumida nos dias
agitadíssimo da revolução? É crível?
Onde pairam os criminosos Otacílio e Isaias que estavam na Detenção e que lá não mais se encontram.
São estes e outros dados que completarão, amanhã, a verdade desta covarde tragédia.”

Hélio Silva informa que:

“Contrariando a versão oficial, Moreira Caldas afirma que Dantas foi trucidado, espancado a cacête
até morrer e sangrado. Dantas teria lutado, defendendo-se com uma bacia. Caldas nâo resistiu ao
espetáculo da luta feroz entre o cunhado e os assaltantes. Foi, igualmente, sangrado.
As fotografias são estudadas, em ampliações. Dantas teria sido colocado na cama,
conforme a foto que aparece em decúbito. Mudaram a posição, para que não se visse as esquimoses
na cabeça e da face, voltada para baixo e de encontro ao solo.
A ausência de uma perícia cientificamente orientada não permite a utilização desses
elementos como prova definitiva. Outros exames, como os grafológicos, são recusados pelos parentes
dos mortos. É certo que os paraibanos foram ao Recife dispostos a vingar a morte de João Pessoa.
Queriam trazer Dantas para ser julgado na Paraíba. Teriam antecipado a vingança? Dantas sabia que
só não fariam se não pudessem. Isso explica os bilhetes. Por isso mesmo, houve quem se jactasse de
um ato de crueldade, que é posto em dúvida. O criminoso não aparece. Mas, pode aparecer, sabendo
que os Dantas também se reservariam o mesmo direito vingativo?”

Foram ouvidas 76 testemunhas, dois exames de sanidade mental em João Dantas, vistoria no salão da
Confeitaria Glória, desenhos e fotografias do prédio e do salão, 29 dias de trabalho.

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

O Diario de Pernambuco do dia 10 de novembro de 1930 publica os resultados das perícias realizadas
pelo desembargador João Paes. Diz, entre outras coisas, o seguinte:

“O ferimento que o dr. João Pessoa sofreu na região glútea e que talvez tivesse produzido a sua morte
imediata, foi o ´nó górdio´ do inquérito e assim conclui: `Esse tiro, assim traiçoeiramente deflagrado,
partiu, segundo testemunhas dos autos, do revólver empunhado no momento da tragédia pelo
engenheiro Augusto Caldas Moreira, que com ele foi visto a pequena distância da vítima, e mais para
um lado da porta por onde eles entraram. E a comparação disto está em que o presidente recebeu três
tiros, sendo disparados pelo indiciado João Dantas que errou na primeira pontaria a detonação, cujo
projétil atingiu o friso do espelho da confeitaria, isso devido aos esforços das pessoas que tentaram
subjugar à ação do denunciado Antônio Pontes de Oliveira, que o abateu com um disparo na cabeça.”

No seu depoimento publicado pelo Diario de Pernambuco, o engenheiro Joaquim Moreira Caldas
informa que a primeira pessoa a entrar no presídio foi Juarez Távora:

“No Interior, a primeira pergunta foi: ´Onde está João Dantas?’ Em sua companhia estava o sargento
Queiroga, tipo de compleição franzina, de baixa estatura, rosto adelgaçado. Foi o mesmo que, antes de a
penitenciária se render, naquele presídio penetrara para parlamentar com as forças fiéis ao governo. Subindo
até a terceira enfermaria para ver João Dantas e outros `autênticos´: Tero Campos e Ascendino Queiroga.
Ao descerem, no salão do presídio, ouviu-se como uma condenação a um ato de que se reprova, a um gesto
de alguém premeditara pratica: ´Bandidos, covardes, querem se matar. Como se João Dantas lhe tivessem
comunicado a decisão.”

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 39


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

O RECIFE SEPULTA OS SEUS MORTOS

Renato de Medeiros continua atrás das grades, na cadeia de Olinda, submetido ao escárnio popular. Em
exposição – disse o título de primeira página do Jornal do Recife. Exposto a chaceta pública, como um verdadeiro
Cristo, e a quem até no rosto cuspiram – acrescentou, cinco anos depois, o jornalista Aníbal Fernandes, principal
redator de A Província, órgão oficial incendiado na avalancha vingadora.
Inspetor de Polícia Marítima, Renato fora preso em Campo Grande, no domingo mesmo, pelo sargento
Aristóteles, do 21º Batalhão de Caçadores. Sua casa foi totalmente destruída, incendiada, saqueada. A ira popular
contra os elementos despojados do poder – que João Barreto de Menezes justificava como sendo ardores do
movimento e o novo governo de embriaguez do triunfo – somava-se à sede de vingança da nova polícia.
Presos no Rio, quando regressavam da Europa, Eurico de Souza Leão e Ramos de Freitas são
recambiados para o Recife e trancafiados na Casa de Detenção. É do jornalista Aníbal Fernandes a denúncia:

“Uma noite, receando que o Sr. João Pessoa de Queiroz estivesse refugiado em casa do Sr. João
Pessoa de Melo, concunhado do Sr. Fernando Pessoa de Melo, o governo ordenou que a polícia
realizasse uma das mais escandalosas devassas familiares que aqui se procederam. Cerca-se a
residência da viúva Pinto Alves, D. Ceci Alencar Pinto Alves, filha de José de Alencar, revistam-se
as dependências da casa, despertam-se com grande pânico as pessoas já agasalhadas e vareja-se tudo
impiedosamente.”

O ajuste de contas atinge os Lundgren, que são chamados a pagar 17 anos de impostos vencidos.
Paulista, onde está localizada a fábrica, é anexada a Olinda. Derruba-se a lei que isentava de impostos, durante 20
anos, as casas construídas para os operários. No haras Mamanguape, famoso nacionalmente, aparecem mortos
vários animais de raça.
Ressuscita-se velho processo policial visando apurar crimes no Interior, envolvendo os irmãos Brito, da
fábrica Peixe, em Pesqueira. Além de Aníbal Fernandes, foram presos os jornalistas Souza Barros, de A Noite, e
Morais de Oliveira, correspondente de O Jornal, do Rio. A quase totalidade dos mortos da revolução não tinha
identidade.
Segundo Barbosa Lima Sobrinho, o movimento do Recife foi o único genuinamente popular de todos
que se haviam travado naquele dia de revolta:

“O movimento do Recife foi o único genuinamente popular de todos os que se haviam travado
naquele dia de revolta. No Rio Grande do Sul, em Minas, na Paraíba era o governo e a tropa que
agiam, embora secundados por elementos civis. Em Pernambuco, fora apenas o povo, quase que por
si só, com três ou quatro oficiais destemidos, que souberam tirar partido da descoordenação e da
inércia do adversário: o capitão Muniz Farias, o capitão Costa Neto, os sargentos Heli e Elpídio. A
luta deixou 38 mortos. Nos hospitais, recolhiam-se perto de 120 feridos.”

Entre os 38 mortos, apenas três mereceram destaque dos jornais recifenses do dia 7: Jenner de Souza,
filho do Dr. Mário de Souza; Amaro Bezerra de Albuquerque, filho do Dr. Manoel Caetano, e uma jovem alemã.
Para escapar do nazismo, Emma Gengenbach Kehrle, 19 anos, chegara ao Recife em 1929. Sua família veio juntar-
se ao padre José Kehrle, então vigário de Vila Bela. Quando seus pais foram morar no Sertão pernambucano,
Emma ficou na casa de Carlos Lira Filho, onde aprendia Português e ensinava Alemão aos familiares do diretor do
Diario de Pernambuco.
Os demais eram dez soldados, um marinheiro, homens do povo e operários, entre eles, um estivador, um
alfaiate, um ferreiro, um comerciário, um maquinista e um condutor de bondes. Às dez horas da manhã da segunda-
feira, dia 7, o capelão do Hospital Centenário chega ao necrotério de Santo Amaro para a recomendação dos corpos.
É feita a chamada nominal, pela equipe de médicos legistas e coveiros, num trabalho que vai desde as 10 horas da
manhã até cinco da tarde. Alguns deles, entretanto, foram sepultados sem nome. Na ficha do necrotério, apenas
indicações simplificantes:
Esquife nº 3: um negro de 25 anos presumíveis, cabelos encaracolados, camisa com riscos desbotados,
colarinho duplo duro, com botão dourado, camisa com botão de pressão. Ferimento de fogo no pescoço. Outro, o de
esquife nº 7, é identificado por faltar um dente na frente e ter outro caído. O de nº 13 é uma preta, 20 anos, cabelos
carapinhos, vestido desbotado, brinco pérola róseo. O 26º vestia uma calça de casemira de riscas, colete e sapatos
tênis velhos e rotos. O 30º uma camisa de algodãozinho branco e calças de riscas pretas. E o 33º tem os dentes
muito careados e pequenos bigodes.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 40


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Oitenta por cento dos mortos eram gente do povo: uma mulher de 18 anos; um rapaz de 19: um garoto
preto de 14, vestindo calça desbotada; um homem pardo, de 40 anos vestindo pijama; um outro com uma fita
amarela no braço esquerdo e botinas marrons. A inumação foi feita em um sítio próximo, entre velhos eucaliptos.
Na Casa de Saúde do Dr. Roesler, na Assistência Pública, no Hospital de Sangue e no Hospital Militar
124 feridos. Entre eles, um outro filho do Dr. Mário de Souza, Hélio Campo de Souza, atirador do Tiro de Guerra
333, os gazeteiros José Pedro Cavalcanti e Antônio Possidonte Braz Olívio de Araújo. Registra no dia 7 o Jornal do
Recife:

“Não se descreve a indignação do povo. O que este fez ontem pela manhã é impossível descrever.
Todos os lampiões das ruas de Horta, Lomas Valentinas, Viração, Pátio de São Pedro, etc. ficaram
danificados. As casas de políticos que foram atacadas e totalmente danificadas não tinham qualquer
pessoa no seu interior. Estavam abandonadas e, por isso, não houve desastre pessoal.”
Os quatro jornais que continuaram circulando estampavam notas de primeiras páginas justificando o
motivo por que não circularam na segunda-feira: os postes de luz foram todos danificados, na Rua do Imperador, e
as comunicações telefônicas permaneceram interrompidas durante todo o domingo e a segunda-feira. Empossado,
Carlos de Lima Cavalcanti procura reorganizar a cidade. No dia 7, a edição vespertina do Jornal do Recife informa:

“Ontem faltaram pão, gelo. Não houve carne no mercado, onde há dois dias o administrador não
aparece e muito menos seu ajudante.”

E acrescentava em longa nota de primeira página:

“As casas de estivas, molhados, cafés, hotéis, farmácias e outros estabelecimentos abriram suas
portas hoje funcionando normalmente, com regularidade. A polícia oferece garantias para que o
Cinema Moderno possa realizar as suas projeções. Na Rua Larga do Rosário, a Loja Paulista abriu
suas portas, guarnecidas pela polícia e Exército, e distribuiu milhares de lenços vermelhos com o
povo. A Pernambuco Tramways está reconstruindo as suas redes aéreas e telefônicas, para dar luz,
transporte e comunicação à cidade. Em alguns pontos, desde ontem há luz. Hoje à tarde, teremos
comunicações telefônicas em alguns aparelhos. Amanhã, talvez trafeguem alguns bondes.”

Uma nota do novo chefe de Polícia proíbe a venda de bebidas alcoólicas a soldados e civis militarizados.
No dia 8, ainda havia manifestações de rua, com passeatas, que paravam diante dos jornais, em frente ao Palácio do
Governo, onde Carlos de Lima Cavalcanti e o professor Joaquim Pimenta faziam discurso de apelo à calma:

“A hora é de frente unida para a obra de recuperação. De recuperação e não de vingança, assim diz o
governo provisório – recomenda o Diario de Pernambuco, acrescentando que “será reprimido
severamente qualquer atentado às pessoas ou propriedades dos adversários vencidos.”

Era preciso reorganizar a vida administrativa do Estado. Carlos de Lima Cavalcanti nomeia o professor Lauro
Borba prefeito do Recife e este a Clovis de Castro e Lula Cardoso Ayres secretários de Governo e de Obras Públicas. E
constitui o secretariado: Artur Marinho, Justiça; Edgar Teixeira Leite, Fazenda; Adolfo Ciriaco, Polícia; Antonio Muniz
Freyre, Força Pública; Antonio de Góis, Gabinete; Antônio Gonçalves Lima, Saúde; Luís de Barros Freire, Escola Normal;
Newton da Silva Maia, Ginásio Pernambucano; Amaro Pontual, Polícia Marítima; Joaquim Pimenta, Censura. O
telegrafista Antônio Emiliano de Almeida Braga assume os correios e telégrafos até a normalização da ordem. O capitão
dos Portos é um civil, Manoel Fernandes da Silva Mata.
A palavra de ordem passa a ser calma. No dia 8, todos os jornais da cidade publicam extensa nota do
coronel Mendes de Holanda:

“Já não é hora de discursos, promessas e interesses e sim de ação. Ao mando do general Juarez Távora nada
devemos temer. E mais do que nunca, ao lado dele cooperamos unidos e esperançosos. Faz-se mister, no
entanto, que compreendamos o esforço medonho de Carlos de Lima Cavalcanti para que lhe auxiliemos a
ele, ao Dr. Adolfo Ciriaco, chefe de Segurança Pública, ao audacioso, bravo, destemido e valente coronel
Muniz de Farias, comandante da Força Pública, por ele heroicamente conquistada.”

Outras notas oficiais convocavam os soldados da força pública a se apresentarem, entregando as armas,
sob pena de serem considerados desertores, a magistratura e agentes auxiliares de Justiça, além dos agentes fiscais e
coletores da Secretaria da Fazenda, devem voltar ao trabalho. Pedia-se também ao povo que devolva as armas
recebidas durante a revolução.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 41


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Aos poucos, o Estado vai se reorganizando, mas resta a expectativa de Barreiros. Fustigar Estácio
Coimbra e seus auxiliares. A fuga do Poltrão foi o título do Jornal do Recife, no dia 6, repetido na edição vespertina
do dia 7. Uma charge do Diário da Manhã mostra Estácio Coimbra de bengala e maleta na mão, em traje de
passeio. Com a legenda: Batendo a linda plumagem... Outra matéria informa que ele fugira levando todo o dinheiro
do Estado.
O Jornal do Recife ridiculariza o governador deposto:

“Fugiu acompanhado de vários indivíduos, inclusive Ramos de Freitas, Lito de Azevedo e Elpídio Branco,
o célebre poltrão Estácio Coimbra, que há quatro anos desmoralizava nosso querido Pernambuco. A malta
embarcou no rebocador Estácio Coimbra, ignorando-se o seu paradeiro. Consta que eles foram para
Barreiros onde estão cercados de capangas. Em 1911, às vésperas do 18 de outubro, o governador Estácio
Coimbra abandonou o Palácio e fugiu por detrás do edifício seguindo para suas propriedades em Barreiros,
numa barcaça. Dali, o ex-chefe de Estado seguiu para o Rio de Janeiro, tendo ido tomar o vapor em Maceió.
A debandada foi geral. Quando se teve ciência de que o Palácio estava abandonado; que seu chefe de polícia
Elpídio de Figueiredo, já falecido desaparecera também em conjunto com o prefeito Arquimedes de
Oliveira e outros políticos em evidência. Foi um caso... Em 1930 ou seja, dezenove anos depois, o mesmo
Estácio Coimbra abandona o governo do Estado e foge no rebocador que tem o seu nome...”

A titulagem de primeira página de todos os jornais recifenses é forte, agressiva, encorajadora, todas elas
informando o avanço galopante das tropas revolucionárias Nordeste afora. Carrega-se nas informações sobre o
movimento no Nordeste, quase esquecendo que pelo resto do País, ainda há resistência.
Houve passeata de estudantes e operários quando o Jornal do Recife estampou a notícia da prisão de
Juvenal Lamartine, governador do Rio Grande do Norte abrindo caminho para a conquista do Ceará, Piauí, do
Maranhão. Questão de horas. De Garanhuns, sai a Coluna Louca, comandada por Mário Lira, para assaltar Maceió.
Houve o assalto. O Recife soube. Fez outra passeata.
Houve outra passeata, agora para comemorar a notícia de que, em Belém do Pará, levantara-se o 26º
Batalhão de Caçadores. Outra mais quando estourou a notícia da prisão, em Piancó, do cangaceiro José Pereira. O
tenente Juracy Magalhães está furando estradas para chegar a Aracaju e Salvador. Juarez Távora solta volantes
revolucionários por onde passam os batalhões.
Outras passeatas. Mais passeatas. Passeatas toda vez que o placar afixado na porta dos jornais davam
conta da fuga de prefeitos do Interior, da adesão de outros. Passeatas de instante a instante. De tão instante a
instante, a Cidade é uma passeata só. Canta-se e dança-se Vassourinhas. Dança-se até dobrado. Faz-se o passo até
com marchas marciais.
No dia 9, o Jornal do Recife diz que todas as funções atinentes ao Governo Federal nos Estados do Norte
do País estão sendo exercidas pelo dr. José Américo de Almeida, que também acumula o cargo de presidente da
Paraíba. De todos os Estados, menos Pernambuco. Juarez Távora já empossara Carlos de Lima Cavalcanti no
Campo das Princesas.
Em Barreiros, entretanto, Estácio Coimbra ainda pensa em resistir. Saíra do Campo das Princesas depois
de alguma reação. A propósito, escreveria depois Gilberto Freyre:

“O Palácio do Governo, onde permaneceram desde as primeiras violências nas ruas do Recife, o
governador e vários de seus auxiliares, tinha uma defesa constituída de um grupo de bravos que
respondiam aos tiros vindos das ruas da Aurora e Santo Amaro, da própria Ponte Santa Isabel a peito
descoberto, (...) na resistência, em carros blindados que se revelaram como que feitos de pedaços de
lata de goiabada e num dos quais quase segui, menos para cumprir um dever que por espírito de
aventura louca. Dou testemunho: vi essa bravura vivamente vista (...) vi o que é ter coragem de
enfrentar a morte como um toureiro espanhol ao touro numa arena de Madri sorrindo e até bailando.
Lembro-me sobretudo do então Tenente Manoel Neto: não creio que um homem possa ser mais bravo
do que foi.”

Gilberto Freyre estava em Palácio na madrugada louca:

“Jantamos, no primeiro dia do movimento de outubro de 30, no Palácio do Governo, como nos dias
normais. Os mesmos bifes e os mesmos vinhos. O Estácio de sempre. Mas, na verdade sob balas. Balas que
vinham ao terraço com uma fúria que só fizera aumentar com o anoitecer. Vi, então, em torno de Estácio,
afogando-se em poltronas, deitando-se em sofás, em estado não de covardia mas de histeria, homens dentre
os mais distintos auxiliares do governo. Alguns chorando: chorando alto. Chorando como se voltassem a ser
meninos e quisessem ser protegidos por suas mães. Uns mais religiosos chamavam pelo amparo de Nossa
Senhora: a suprema Mãe.”

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

A fuga se deu pela ponte Buarque de Macedo. Depois de ter ordenado que 300 homens armados e
enviados às Docas, chefiados pelo famigerado capanga Sabino, fossem colocados desde a Praça da República até o
Cais do Porto, foi o que disse o Jornal do Recife.

“O Governador de Pernambuco tanto não ia abandonar o Governo, que saiu apenas com uma pasta,
com sabonete, toalha de rosto, escova de dentes. Nada mais. Tratava-se de passar uma noite fora do
Palácio para facilitar uma operação militar”, contestaria depois Gilberto Freyre.

Tinham transportado para o bairro do Recife duas malas contendo livros, papéis e documentos da Central
de Polícia, que o famigerado Freitas tivera o cuidado de roubar logo cedo daquela repartição, disse Murilo Bezerra
Tavares no Jornal do Recife.
Em Barreiros, Estácio Coimbra procura reorganizar o governo, na esperança de que o auxílio federal
estaria chegando, pelo Rio Grande do Sul. Contava ainda com a ajuda de vários amigos rurais. As armas
disponíveis eram poucas. O reforço não chegou. Não houve a guerrilha rural. Houve, sim, a continuação da fuga até
Maceió e, daí para Salvador em pânico.
O Recife ardia em fúria e delírio. A denúncia é de Gilberto Freyre:

“Dezessete residências saqueadas a caminhão e incendiadas por pequenos grupos, vindos da Paraíba que
procuravam passar por povo indignado. Estácio Coimbra procurado para ser castrado e, em seguida
fuzilado. O maior ódio era contra ele. Soubemos, Aníbal Fernandes e eu, que entre as casas incendiadas e
saqueadas estava a dele e a dos meus pais, na Madalena. Aníbal chorou.”

De Salvador, semanas depois seguiram para Lisboa. Quando Gilberto Freyre deixou o exílio para ir
pronunciar conferências e dirigir cursos na Universidade de Stanford, EUA, Estácio Coimbra chorou pela segunda
vez:

“A primeira foi em nosso quarto de água-furtada quando lhe chegou às mãos a carta de um ingrato do
Brasil. Foi à noite. Ele estava de camisolão de dormir (...). Alto, os bigodes ainda frisados, o porte
sempre altivo – ao chegar ao meio da leitura da carta, chorou desesperadamente. Chorou e, como
todas as noites, rezou de joelhos. Era de fato à carta de um ingrato.”
“Consolidada a vitória, a revolução começa a ganhar uma ideologia no Recife: o Governo mandará
passar pelas armas todos aqueles que, estrangeiros ou não, propalar boatos relativamente a assuntos
comunistas, tentando enxovalhar os nobres princípios da revolução” – diz uma nota do coronel
Mendes de Holanda.

Em Fernando de Noronha, é encontrado o gazeteiro Ulisses José dos Santos, preso incomunicável, com o
nome trocado. Foram buscar em Barreiros o rebocador Estácio Coimbra. Washington Luís é deposto no Rio. A
junta militar entrega a Presidência da República a Getúlio Vargas.
Estamos a 3 de novembro de 1930. No Rio, continua fazendo sucesso a temporada do cantor soviético
Bóris Chapialin, a maior voz da cena lírica mundial. “Em Hamburgo – diz o Diario de Pernambuco – continua
arrancando aplausos a cantora brasileira Julieta Teles de Menezes”. No Recife, já agora sem a proteção da polícia e
do Exército, o Cinema Moderno volta a exibir Digo isso cantando.
Os Estados Unidos sabem que Gilberto Freyre está em Lisboa com Estácio Coimbra. Convida-o para
pronunciar conferências e dirigir cursos em Universidades:

“Segui num vapor italiano de luxo, passagem paga pela Universidade de Stanford. Estácio Coimbra
foi levar-me a bordo. Deu-me um finíssimo relógio de prata. Abraçou-me demoradamente. Chorou.”

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

A FUGA, NA VISÃO DE GILBERTO


FREYRE E COSTA PORTO

No livro Estácio Coimbra, de Gilberto Freyre e outros, publicado em 1972 – só que esses outros eram
outros imortais, hoje mortos, como Nilo Pereira, Waldemar Valente, Ruy de Ayres Bello, Renato Carneiro Campos
e Antiógenes Chaves, sem falar no ex-governador Eraldo Gueiros e no deputado Geraldo Guedes – no livro o
Mestre de Apipucos faz algumas considerações. Diz, por exemplo, que, além da morte de João Pessoa, ocorreram
episódios capazes de quebrar a força de resistência de Estácio Coimbra.
Um deles teria sido o assassinato, ainda em pijama de dormir, do general Lavanère Wanderley,
representante do Ministério da Guerra na Paraíba, e de seu ajudante de ordens, o tenente Sílvio Moreira, este último
filho do comandante da Polícia Militar de Pernambuco, um coronel do Exército e gaúcho. Daí a queda do Quartel
do Derby. Tomado também o depósito de munições da Soledade.

São de Gilberto Freyre as seguintes colocações:

“...Foi justamente ao anoitecer que ocorreu episódio que me sinto no dever de recordar, pois explica
porque Estácio Coimbra deixou o Palácio do Governo indo para o edifício das Docas, no Bairro do
Recife. E não fugindo fantasiado de mulher, como diria o mito, tentando ridicularizá-lo. Deixou o
Palácio a pedido do então Comandante das Forças do Exército em Pernambuco. Estive presente ao
encontro desse ilustre comandante militar com o governador de Pernambuco. Vi e ouvi:
Governador e tropas revolucionárias da Paraíba marcham sobre o Recife. Decidimos que a defesa mais
efetiva deverá ser feita aqui em Palácio. Peço a V. Excia. Que desocupe por esta noite, quando
poderemos vencer, daqui, o ataque revolucionário.”
Fomos sempre embaixo de balas, já havia mortos de lado a lado. Morreu-se em
Pernambuco mais do que o registrado pelas crônicas. Alguns dos triunfadores preferem ridicularizar a
resistência, que foi entretanto brava. O governador de Pernambuco, tanto não ia abandonar o
Governo, que saiu apenas com uma pasta na mão, com sabonete, toalha de rosto, escova de dentes.
Nada mais Tratava-se de passar uma noite fora de Palácio, para facilitar uma operação militar.
Sucedeu, porém, que ao estarmos já há algum tempo, no edifício das Docas, um tenente do
Exército por nome João Gilberto para informar que a tropa federal estava embarcando. Em Palácio só
havia o resto de bravos de sua própria guarda. Evidentemente, houvera uma mudança de orientação
militar de origem federal. Suponho que, a essa altura, o Exército já decidira atuar, o mais possível,
luta fratricida no país e preparava a intervenção, nos embates já em sangrentos começos, de uma
Junta que dominasse militarmente a situação. Considerava-se, talvez, a vitória que só seria contida
em Pernambuco com muito mais derramamento de sangue do que o já verificado; ou o previsto: esse
derramamento de sangue deveria ser evitado. E é possível que pelo seu amigo Estácio Coimbra já
zelasse, mas que discretamente, para não ofendê-lo, o general Tasso Fragoso. Pura conjectura: a
Estácio repugnava resguardo dessa espécie. Como lhe repugnava deixar o Palácio sem tentar o
máximo pela legalidade que encarnava já com sacrifício e risco.
Estácio continuava calmo. Pálido, silencioso, quase um fidalgo espanhol de uma tela de El
Greco. Porém calmo. Afetuoso com Aníbal Fernandes. Não me dispensou nenhum carinho especial:
disse-me apenas que me preparasse para seguir no primeiro vapor que deixasse Salvador para a
Europa: contava com a minha presença no momento mais trágico de sua vida. Alguns amigos baianos
nos emprestaram agasalhos contra o frio que encontraríamos na Europa. E emprestaram a Estácio
dinheiro para as passagens e para as primeiras despesas. Começava para nós o exílio.”
No Rio de Janeiro, Washington Luiz não acreditava no que estava presenciando. Para ele, tudo parecia uma
assombração. Um emissário de Vargas esteve com ele, dias antes do golpe, para tratar de assuntos administrativos. Nem
desconfiava: essa pessoa de confiança era apenas o coronel Pedro Aurélio de Gois Monteiro, que vinha trabalhando a
conspiração. Lembrava-se, inclusive, do apoio dado a Estácio Coimbra nas eleições de 1922, no Acordo de Deão, assim
chamado porque celebrou-se à frente do monsenhor José Pereira Alves, deão do cabido metropolitano e figura exponencial
do clero recifense. Ele não era ainda presidente da República e Estácio Coimbra ocupava o Ministério da Agricultura.
Caso, talvez único na história política brasileira, conseguiu-se fazer com que um governador eleito
tomasse posse e, logo em seguida, renunciasse ao cargo com a indicação de um nome de consenso. Foi o caso de
José Fernandes.
Tropas nas ruas, em cima das seções no dia das eleições. Quinze horas tudo acabado. Resultados:

José Henrique 2.669


Lima de Castro 1.722

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 44


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Ficou resolvido assim: reúne-se o Congresso, apura as eleições, reconhece o candidato eleito e o
presidente o proclama. Este renunciara oficialmente levará ao cargo e será reeleito um novo candidato de
conciliação – no caso o juiz federal do Recife Sérgio Loreto.
Outra tragédia, a morte de João Pessoa. Invasão aos escritórios de João Dantas, roubando tudo, inclusive
cartas de amor a Anaíde Beiriz. João Pessoa teve conhecimento e ficou indignado. Veio morar em Olinda, na casa
de um cunhado.
No dia do assassinato de João Pessoa, 26 de julho, ele esgotara todas as chances de uma candidatura
conciliatória. Com exceção da Paraíba, todos os Estados concordaram com o nome de Júlio Prestes, “sem
desmerecer ou negar os méritos do dr. Getúlio Vargas”.
Fracassara, inclusive, aquilo a que Gilberto Freyre chamaria depois “impossibilidade de uma conciliação
nacional, por culpa, é claro, do próprio Estácio:

“Um emissário dos dois grandes líderes da oposição, Getúlio Vargas e Antônio Carlos, esteve secretamente
no Recife a fim de que Estácio Coimbra concordasse em que os dois, Getúlio e Antônio Carlos, com o apoio
das forças políticas decisivas dentre os oposicionistas ao Presidente Washington Luiz apresentassem o seu
nome à Presidência. O emissário foi Felipe Oliveira, então jovem industrial e já poeta ilustre (...) Ninguém
soube da sua presença em Pernambuco, a não ser dois ou três íntimos de Estácio. Nem de sua missão. Nem
de quanto se extremou nas artes de sereia para conseguir que Estácio concordasse em simplesmente aceitar
a sua candidatura, desde que apresentada por forças consideráveis da oposição, honraria que vinha
mantendo de todo leal ao Presidente Washington Luiz. Estácio Coimbra recusou. O episódio ficou de lado,
na sombra. Ignorado e desconhecido.”
Recordava principalmente do assassinato, no Palácio Tiradentes, de um dos seus melhores amigos, o
deputado pernambucano Souza Filho, um dos líderes de Estácio na Assembléia Legislativa. Como era costume na
época, Souza Filho costumava carregar um revólver na cintura. E, como encosto, um punhal afiado na cava do
colete. Naquele dia, entrou armado apenas com um punhal. Briga antiga com o baiano Simões Filho, troca de
desaforos. Ia entrando Luiz, filho do deputado baiano, que deu uma bengalada pelas costas, com tanta força que o
cabo quebrou-se. Hélio Silva conta que

“agora é contra o moço que o nordestino ergue a lâmina do punhal para o ajuste mortífero. Luiz
recua, ganhando espaço, enquanto tasca o revólver. Mas seus pés tropeçam em qualquerb coisa e cai,
escapando-se a arma. Mesmo caído, estende a mão para recuperar a arma. Alguém pisa-lhe a mão já à
pequena distância de Souza Filho de faca em punho. Os espectadores assistem ao velho (Simões
Filho) sacar o revólver e alvejar o deputado pernambucano. O pino do gatilho bateu espoleta, que não
detona. No silêncio impressionante, ouve-se o ruído do tambor de Simões Filho que procura outra
bala. Atira a segunda vez, atingindo Souza Filho que procura refúgio entre as bancadas. O tronco
largo esgueirou-se o busto enquanto a parte superior quedava-se exposta, volumosa.”

-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-

No Recife, um busto de Estácio Coimbra foi amarrado a um poste ao lado do Diario de Pernambuco. Daí
a fuga apressada, comentada assim por Gilberto Freyre:

“Vapor Belle Isle, diretamente para a África. Ao Senegal. Fiquei conhecendo o Senegal, que foi aí
que mais se definiu em mim o desejo de escrever o livro Casa Grande & Senzala.

Alugamos uma quase água-furtada, lado da sombra, numa rua obscura. Mas, uma vez ou outra
comparecíamos os dois, muito escovados, a jantares em casas dentre as quais a do então ministro Sylvio Belfort
Ramos, onde jantamos certa vez com o marquês de Belas...”

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 45


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

UM QUASE MENINO E UM QUASE RAPAZ.


O HOMEM FORTE DE ESTÁCIO COIMBRA

Aos 15, um quase menino; aos 18, um quase rapaz. Homem feito, e quase completo, aos 30 anos de
idade já era assessor especialíssimo de Estácio Coimbra, dirigindo, ele próprio, as reuniões populares que realizava
para atender aos famintos e necessitados – “as já famosas, litúrgicas, religiosas audiências públicas”. Essa a certeza
que nos dá após a releitura do livro de memória de Gilberto Freyre. Feito já, e pronto e acabado quase, como
sociólogo – “o meu socialista preferido que está me botando a perder”, como diria o governador – antes mesmo de
assumir a cadeira de Sociologia por ele criada em Pernambuco, a primeira do Brasil.
O trabalho foi retirado do baú por um outro quase parente, ou quase filho, o escritor Renato Carneiro
Campos. Reescrito aqui, acolá, para tirar dele o nome completo de certas pessoas, certos amigos, e inimigos
também. Ou para caprichar um pouco no estilo maduro e acabados 73 anos quando o livro foi publicado.
Curiosos os caminhos instintivamente seguidos, parece até na inspiração daquilo que se tornaria o trabalho
principal – Casa Grande & Senzala. Aos 15, lia no original Sexology, do médico e professor William H. Walling, de leitura
para adolescentes, em que aprendeu que
“venho me controlando quanto à masturbação, cujo abuso pode prejudicar principalmente o caráter
em formação de um homem. Quem tem coragem se domina. Walling diz que após os quatorze anos é
que o perigo se apresenta maior e que conhece casos de adolescentes que tem perecido de
masturbação. Não estou entre os casos, citados pelo famoso cientista, de que a masturbação
descontrolada causa perda de memória, indolência, declínio de inteligência...”

Ou lendo Nietzsche, J.S. Mill e Augusto Comte. E traduzindo Latim para os amigos e mesmo um pouco
de Grego, “componho em Grego”. Ainda mais, as confissões sexuais de sua idade, como aquela em que afirma ter
pulado o muro,

“cauteloso como um gato, fui ao quarto de A., que vem me tentando com os seus encantos. Muito
cuidado contra os riscos de emprenhar o diabo da mulatinha, que me tratou como se eu fosse um bebé
e ela uma mestra empenhada em me ensinar tudo em uma lição só.”

Aos 16, iniciado nas zonas de meretrício, como aquele da “república” de Santo Amaro, onde moravam
companheiros da Faculdade de Direito. Na frente da casa, uma dessas pensões de mulher da vida fácil. Ela chegou à
janela e perguntou: “Dr. D. está aí?...” Respondeu que não. Ela, então, levantou o vestido e lhe mostrou tudo, “seu
sexo todo coberto de cabelos pretíssimos. E ainda gritou: “Viu?!” E caiu na gargalhada.
Aos 17, terminando o curso secundário, já tinha lido de um tudo – Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo
Agostinho, Tomás de Aquino, Spinosa, Descartes, Hume, Hobbes, Hegel, Comte, Schopenhauer, Nietzsche, James,
Borges, Marx. Final dos 17, ingressando no cristianismo protestante, fazendo discursos sobre Cristo do Evangelho e o
Evangelho de Cristo.
Aos 18, quando os protestantes Joyces que perderam o pai com um bicho-de-pé – porque, ao contrário
dos brancos brasileiros “quando se instala no dedo, coça, é extraído a alfinete quente, põe cal na parede da
feridinha, a coceira deixa até uma saudade.”
Ele disse isso a bordo do Curvello, quando viajava para os Estados Unidos. Estava deixando o protestantismo,
horrorizado com o que assistiu numa igreja de Kentucky – gritos, desmaios, uma exibição tremenda de histeria religiosa.
Em Waco aprendendo os equivalentes em português dos nossos bairros: filho da puta quer dizer son of a bitch e o de
covarde yellow. Má impressão da Universidade de Baylor – “terrivelmente provinciana”.
Aos 20 anos, contatos com o mestre Amstrong, com Harry Monro, fim do curso em Waco, seguindo para
a Universidade de Columbia, onde fará o curso de mestrado e doutorado.
Vão por aí os caminhos daquele que sonhava um dia ocupar a cadeira de Estácio Coimbra. É dele um
testemunho que assisti numa de suas conferências no Joaquim Nabuco: gostaria de ser governador de Pernambuco.
Não foi. E foi muito bom.
A sua trajetória por quase toda a Europa, e na fuga com Estácio Coimbra no Senegal, mostraram-lhe o
rumo certo. Foi lá, no começo das suas aventuras do exílio, onde descobriu os caminhos das senzalas.
Saudosas senzalas, aliás. De morenas, além de umas poucas louras, é claro, ele aprendeu o bê-a-bá do
que elas têm de mais atraentes de corpo e fala, e gestos nem que seja de humor. Tirante a belíssima Helen, que
conheceu em Nova Iorque, em 1921 – “segurei-lhe a boca como se fosse um supersexo” – e outras que tais, as suas
fantasias do que seja o sexo. Como aquela, também de Nova Iorque em 1922, quando estava uma das muitas
favelas iluminadas a luz de vela de Greenwich Vilagge quando sentiu, na mesa vizinha, um forte cheiro de mulher
mal-lavada. “Ou nada lavada – o cheiro cru”. A sua companheira da Universidade da Columbia informou que o

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 46


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

cheiro era proposital – tratava-se de uma lésbica, alta, loura e atraente e o odor era para atrair mocinhas
inexperientes.
Na volta ao Brasil, em 1923, vai além das verdades históricas:

“A história do Brasil é uma dessas histórias tão cheias de padres, de frades, de filhos de padre, de
netos de padre, que às vezes parece história eclesiástica disfarçada em história civil, militar, literária.”

Constatação que o levaria, cinco anos depois – 27 anos mais velho e sendo já um quase “dono” de
Estácio Coimbra – a visitar um terreiro de xangô, levado pela “Minha Fé, meu guia a Minha Fé”. E onde tem
renovadas a sua paixão pelas mulatas. “Uma delas se encarregou de mim, bonita mulatinha, muito dengosa. Terna.
E eu só um faminto de ternura.”
Dois anos depois, perto já da Revolução, de novo num terreiro de xangô, o do Pai Adão, incluído pela
sua mãe entre os melhores amigos do Recife – entre eles Estácio Coimbra, Pedro Paranhos, Julio Bello, Luiz Cedro,
Manoel Caetano, Ulisses Pernambucano e o Arcebispo Dom Miguel de Lima Valverde – “contador de anedotas, um
fenômeno!”

“Eu não daria por coisa alguma na vida a tarefa de secretariar o nosso Governador nos dias de
audiência pública e anotar os casos: casos de miséria, casos de perseguição de pobres por poderosos,
casos de descendentes por arrivistas ou novos-ricos. Casos de simples degradação por inércia, por
jogo, por amor. Estou já com um monte de notas do maior interesse sociológico. Sociológico e
psicológico. Material para dar forma a um livro a esses retalhos de vida ainda quentes, que tenho
oportunidade de colher de náufragos sociais que expõe ao Governador quase como se enfrentassem a
um padre velho. Entrando em detalhes íntimos. Revelando intimidades profundas.”

É quando entra o ano da agonia, 1930. Primeiro rompimento com o pai pela aceitação da Escola Normal do
Estado. Depois, a vinda ao Recife daquele emissário secretíssimo, quando levantaram a sua candidatura à Presidência da
República. Vai aos detalhes:

“O encontro foi no Engenho Morin. Absolutamente confidencial. Secreto. Estácio recusou. Vamos
assim para uma situação de quase guerra civil. Pernambuco deixa de ter pela primeira vez, a
Presidência da Repúbica, que tanto lhe cabe.”

Ele estava lendo Rilke naquela madrugada quando chegou a notícia da morte de João Pessoa:

“Tudo conseqüência da política cretina que está sendo seguida pelo Presidente da República com relação à
Paraíba. O que acontece contra as advertências, quer de E.C. quer do excelente, como chefe militar, general
Lavanère Wanderley. Como se pode ser tão mau político como está sendo Washington Luiz. Excede, pelos
seus atos e por suas atitudes, tudo o que se poderia esperar de uma falta de inteligência e de tato. De
inteligência e também de atenção aos amigos cujas vidas ele, no Rio de Janeiro, cercado de embaixadas,
expõe a perigos.”

Recife, Maceió, Salvador. Era uma véspera de Natal:

“Me ocorreram palavras sentimentalonas: ‘Minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá./ As aves
que aqui gorjeiam/não gorjeiam com lá.’
Nem as aves gorjeiam como lá. Nem as pessoas falam. Nem as flores cantam. Nem as estrelas
brilham. Se é assim neste quase brasileiro Portugal, muito mais no Brasil são outras terras que um
exilado brasileiro se encontre, não por uns dias apenas, mas durante meses, tendo talvez de voltar a
ela. À espera de cartas que custam a chegar. Com o tempo morrendo dentro de mim e me morrendo
no tempo. Sem outro sentido de vida senão este: o de viver morrendo de desencanto.”

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

UM HOMEM MARCADO PELO DESTINO.


GUERRA ATÉ NO DIA DE SUA MORTE

“Senhor de engenho, chapéu do Chile e todo de branco, espora de prata, a cavalo, saindo da casa-
grande do Engenho Morin para visitar compadres, ver canaviais, colher os próprios frutos por ele
plantados no seu pomar. Montava à cavalo. Foi destro na boléia. Não fumava nem bebia. Ele e o
conselheiro Rosa e Silva. Ambos elegantes. Ambos apreciadores de mulheres. Ambos homens do
mundo. Como os Albuquerque, os Bello e os Coimbra. Vi-o na Europa atrair atenções nas ruas à
entrada das lojas, em lugares públicos, como se fosse europeus, e não apenas brasileiros, sentisse
nele, como haviam sentido em Nabuco, a expressão estética, plástica, física de de um homem
superior.”
Gilberto Freyre

“Assumindo o Governo do Estado Estácio, tudo deixava a crer, iria iniciar vida nova na paisagem
política pernambucana. Como o antecessor, chegava à plenitude do poder local, sem ódios, sem lutas,
também a modos de ‘pacificador’ e harmonizador de contrários. Embora combativo, divisor de águas
e sinal de contradições, o calejamento das batalhas e, afinal, o êxito que lhe havia aquela de estadista
realizado, figurando, então, como um dos maiores nomes na política nacional, e, positivamente, o
político de maior expressão no Norte.”
José da Costa Porto

Do Campo das Princesas para o exílio. Na volta, a queda fatal.


O mesmo homem, o de 1930, encabeçando outro golpe. No dia em que Estácio Coimbra morreu, 9 de
novembro de 1937, Getúlio Vargas tinha em mãos outra arma fatal: a decretação do Estado Novo a 10 de
novembro, numa ditadura que começaria para durar oito anos seguidos.
Há uma inequívoca tendência nos Governos de Pernambuco: ninguém chega lá duas, ou mais vezes, sem
o constrangimento das oposições sistemáticas. Foi assim com Estácio, foi assim com Miguel Arraes de Alencar –
final do século passado, governador três vezes, a última delas uma história ainda a ser contada.
São estes, segundo o educador e membro da Academia Pernambucana de Letras, Ruy de Ayres Bello, os dados
biográficos de Estácio de Albuquerque Coimbra.
Até o início do século passado, Rio Formoso não representava no mapa do Brasil apenas um ponto
assinalado pelos gloriosos feitos na guerra contra os holandeses, e de outras guerras, mas era ainda uma florescente
localidade pernambucana, integrada no que se tem chamado civilização da cana- do- açúcar.
Nessa localidade, exercia o ofício de tabelião de notas, aí pelos idos do século retrasado, o tabelião José
Almeida Coimbra, filho do reinol Henrique de Almeida Coimbra. O filho primogênito, chamado José Coimbra,
dedicado ao cartório. Levado por certas injunções, tentaria o bacharel a agricultura e a política, como senhor de
engenho e deputado estadual na sua província natal e em Alagoas. Mas isso foram incidentes. Na idade provecta,
chegou a exercer a alta função de procurador geral do Estado.
Não seria, assim, da linhagem paterna que adviriam a Estácio de Albuquerque Coimbra, filho
primogênito do bacharel João Coimbra os traços mais característico da sua índole, traduzidos na dupla vocação de
agricultor e político.
O bacharel João Coimbra casara-se na família dos Albuquerque Bello, do engenho Tentugal, em
Barreiros, estes homens da lavoura e da política.
• Na agricultura, Estácio Coimbra se iniciou no Engenho Morin, que pertencia à família de sua
mulher.
• Depois de longos anos de porfiada labuta na agricultura, veio Estácio Coimbra tornar-se proprietário
de um dos ricos centros de agricultura de Pernambuco, a Usina Central de Barreiros.
• Outra é a razão de ser Albuquerque em vez de Bello usado por Estácio em seu nome. Nome de sua
esposa Francisca em vez de Bello Coimbra – Fernanda de Albuquerque Coimbra.
• Formado em Direito em 1892, vai advogar em Barreiros, onde funda uma seção do Partido
Republicano Federal, reduto das forças políticas que apoiavam o governo Barbosa Lima. Com essa
atitude, situava-se em contradição a quase toda a família, os Albuquerque Bello, de Tenugal, sempre
militavam nas hostes de oposicionistas. Como membro proeminente do Partido Autonomista. De José
Mariano, o bacharel Ayres de Albuquerque Bello, que havia sido deputado à Assembléia Constituinte
do Estado, em 1891. E em seguida participante da Câmara Federal, dissolvida por Deodoro da
Fonsêca, era o líder mais influente das forças oposicionistas em Barreiros. Colocavam-se, assim, em
posições antagônicas o sobrinho e o tio – Estácio Coimbra e Albuquerque Bello.

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

• Com a implantação da chamada oligarquia rosista, caracterizada pela liderança e, mais do que isso,
pelo domínio político do conselheiro Rosa e Silva por mais de 15 anos, firma-se o prestígio de
Estácio Coimbra. Em 1900, é eleito à Câmara Federal e, em sucessivas reeleições, ali se mantém
exercendo altas funções parlamentares.
• Em 19ll, na disputa pelo Governo do Estado, Rosa e Silva disputou a reeleição com o general
Dantas Barreto. Com a renúncia do governador Herculano Bandeira, e dando-se por impedido o seu
substituto, o presidente da Câmara assume o Governo do Estado. Instaura-se, então, em Pernambuco,
uma luta das mais renhidas. Das mais vastas e impetuosas campanhas políticas de toda a nossa
história.
• Com a ascensão de Sérgio Loreto, foi escolhido para o Ministério da Agricultura, no Governo de
Epitácio Pessoa e atingindo a Vice-Presidência da República no Governo Bernardes.
• Em 1926, é eleito governador de Pernambuco, sucedendo a Sérgio Loreto.
• A renúncia se deu a 6 de outubro de 1930. A cerimônia de posse de Carlos de Lima Cavalcanti não
teve lugar no Palácio do Governo. Foi realizada no Quartel do 21º BC, uma praça de guerra como
convinha ao chefe da revolução. Eram 21 horas. O tiroteio havia danificado as instalações elétricas,
cortando os fios e derrubando os postes. Cerimônia à luz de velas.

Hélio Silva fala em boatos, muitos boatos como este:

“Estácio Coimbra estava a caminho de Portugal. Júlio Prestes, eleito e reconhecido como presidente
da República, regressa de uma triunfal viagem à Europa e Estados Unidos. No gabinete de trabalho
de sua residência via-se uma bela moldura de prata emoldurando o retrato do presidente dos Estados
Unidos, Hebert Charles Hoover, como dedicatória ao colega brasileiro.”

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

CRONOLOGIA DOS FATOS

Washington Luís renunciou em 24 de outubro de 1930. A partir de então, segue cronologia, conforme
Hélio Silva:

Janeiro, 6 – Assinada a exoneração de Vicente Rao, designação de Agamenon Magalhães para substituí-lo.

Abril, 27 – a Assembléia Legislativa de Pernambuco vai nomear um Tribunal de Justiça Especial para julgar
o governador Lima Cavalcanti, em face das denúncias de Pio Guerra, de envolvimento na chamada Intentona
Comunista de 1935.

Maio, 7 – O deputado Souza Leão apresenta ao Ministério da Justiça, denúncias contra o governador Lima
Cavalcanti, acusando-o de co-participação no levante de novembro de 35.

Maio, 8 – Carta de Lima Cavalcanti a um grupo de deputados pernambucanos, justificando os motivos do


seu rompimento com Agamenon Magalhães.

Maio, 9 – Telegrama de Lima Cavalcanti a Getúlio Vargas, atribuindo a sua denúncia ao Tribunal de
Segurança Nacional como manobras de Agamenon Magalhães. Telegramas de Lima Cavalcanti a Getúlio Vargas
comunicando estar recebendo manifestação popular, apesar dos ataques de Arruda Falcão.

Junho, 7 – José Carlos Macedo Soares é o substituto de Agamenon no Ministério da Justiça. Liberdade a
308 presos políticos.

Junho, 8 – Telegrama de Juarez Távora a Juracy Magalhães dizendo estar neutro em relação à sucessão
presidencial. Soltos mais 100 presos políticos.

Agosto, 10 – Lima Cavalcanti absolvido.

Agosto, 22 – Plínio Salgado manda os integralistas pernambucanos suspender o uso da Camisa Verde e o
distintivo da ABI até segunda ordem.

Setembro, 11 – Solto no Recife Alcedo Coutinho.

Outubro, 30 – Fechadas pela Polícia as casas espíritas e terreiros de umbanda.

Novembro, 3 – Telegrama do Coronel Amaro Vilanova ao ministro da Guerra dizendo que Lima Cavalcanti
estaria disposto a renunciar em troca de uma embaixada na Europa. Carta do comandante da Região: “Autorizado
amigo governador, merecedor de toda a minha confiança, pergunta se o governo federal dispõe de uma embaixada
para onde o governador estaria disposto seguir já renunciando.”

Novembro, 4 – Censura à imprensa e estações de rádio. Demissão de Macedo Soares. Carlos Lacerda chega,
preso, na Bahia.

Novembro, 8 – Morre no Recife o ex-governador Estácio Coimbra.

Novembro, 9 – Carlos de Lima Cavalcanti deixa o Governo de Pernambuco. Extinta a Justiça Eleitoral.
Com a decretação do Estado Novo, ganhará a Embaixada brasileira na Europa.

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Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Estácio Coimbra, com o vice-presidente da República, recebendo o presidente do Chile.

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Estácio Coimbra no Engenho Morin.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 51


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

O povo às portas da Casa de Detenção.

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

O povo adere à Revolução...

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

... a luta está nas ruas.

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Foto tirada por Luis Pierret e juntas oficialmente aos autos do inquérito policial. O corpo de João Dantas,
ensangüentado, está praticamente visto sobre a cama da enfermaria da Casa de Detenção.

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Legenda extraída da Revista do Arquivo Público do Estado: "Foto encontrada, anos depois da tragédia, entre os
documentos deixados por Luis Pierret num cofre de seu atelier, em invólucro lacrado. Trata-se sem dúvida, da
primeira foto quando do levantamento dos corpos dos 'suicidas', e não incluída no inquérito policial. Observe-se
uma ferida contusa na cabeça de João Dantas, que visto com o rosto respingado de sangue. O paletó sobre a cadeira
não aparece como na fotografia oficial. No confronto das duas fotografias, está evidente a rearrumação do corpo de
João Dantas, como está evidente que João Dantas foi ferido na cabeça antes de morrer".

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ESTÁCIO COIMBRA 53


Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Marcas de balas na Assembléia Legislativa.

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

O povo na posse de Carlos de Lima Cavalcanti.

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Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Poste baleado na Praça da República.

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Marcas de bala no Teatro Santa Isabel.

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Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Prédio não identificado.

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Casarão da Rua Formosa, hoje Av. Conde Boa Vista.

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Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Estácio Coimbra, com sua esposa, dona Joana de Castello Branco Coimbra, e os filhos Jaime, João e Nair.

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Casa-grande do Engenho Morin.

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Primeiro à esquerda, Gilberto Freyre e um grupo de amigos.

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Gilberto Freyre logo depois de volta da Europa em 1923. Tinha 22 anos de idade.

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Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Ficha de Estácio Coimbra no DOPS.

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Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Movimentos de soldados no centro da Cidade.

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Flagrante dos combates no Recife, no cais José Mariano. 5 de outubro de 1930.

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Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Expectativa no Porto.

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

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Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Getúlio Vargas e João Pessoa pouco antes da Revolução.

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Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Estácio Coimbra e Rosa e Silva Júnior.

Caricatura de Estácio Coimbra no Diário Manhã.

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano

Uma das vítimas do conflito.

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

BIBLIOGRAFIA E FONTES

BARATA, Agildo. Vida de um Revolucionário. Editora Alva Ômega, 1979.

BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República. Editora Alfa Ômega, 1978. Volumes 1, 2, 3 e 4.

BELOCH, Israel; ABREU, Alzira Alves de. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro 1930-1983. Fundação
Getúlio Vargas – CPDOC, Forense-Universitária, 1985, Volumes 1, 2, 3 e 4.

BOBIO N.; MATEUCCI, H.; PASQUINI, G. Dicionário de Política. Universidade de Brasília, 1983.

FERNANDES, Aníbal. Pernambuco no tempo do “Vice-Rei...”. Schmidt Editor, 1935.

FREYRE, Gilberto e outros. Estácio Coimbra. Recife, Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1972.

______________________. Tempo Morto e Outros Tempos. Trechos de um diário de adolescência e primeira


mocidade, 1915-1930. Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1975.

PORTO, José da Costa. Os tempos de Estácio Coimbra. Recife, Editora Universitária, 1977.

CORDEIRO, Cristiano. A Crise Mundial do Socialismo, Recife, 1934.

____________________ Memória e História, São Paulom Livraria Editora Ciências Humanas, 1982.

GODWIN, H. Eugene. Procura-se: Ética no Jornalismo, Editora Nórdica, 1993.

HILTON, Stanley E. Suástica Sobre o Brasil, Civilização Brasileira, 1977.

LIMA FILHO, Andrade. China Gordo, Recife, Editora Universitária de Pernambuco, 1976.

REIS, Palhares Moreira. Tendência Política da Cidade Cruel, Cadernos do Instituto de Ciências Políticas e Sociais,
Recife, Imprensa Universitária, Recife, 1965.

SILVA, Hélio. 1930 – A Revolução Traída, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2ª Edição.1972.

______________1937 – Todos os Golpes se Parecem. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973

OUTRAS FONTES

Anais da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco e da Câmara Municipal do Recife, 1933.

Anais e mapas eleitorais do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, 1933.

Coleções de jornais recifenses, consultados no Arquivo Público de Pernambuco, período 1911/1930: A Província,
Diário da Manhã, Diário da Tarde, Diario de Pernambuco, Jornal da Tarde, Jornal do Commercio, Jornal
Pequeno.

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Ascensão e queda de Estácio Coimbra – Ronildo Maia Leite

DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR

Ronildo Maia Leite estreou no jornalismo aos 13 de anos de idade, em Garanhuns, sua cidade natal, no
extinto Garanhuns Jornal. Em 1951, ingressou no Jornal Pequeno, do Recife, de onde saiu, em 1955, para o Diario
de Pernambuco. Formado pela primeira turma de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco, foi laureado
da Cadeira de Técnica de Jornal, recebendo o prêmio instituído pelo Moinho Recife. Em 1963, foi secretário de
Redação da Última Hora, Edição Nordeste, cuja circulação foi interrompida pelo movimento militar de 1964. Foi
preso no instante em que preparava, ao lado de Múcio Borges da Fonseca e Eurico Andrade, uma edição extra sobre
a resistência dos governadores nordestinos.
Durante três anos, foi redator da Abaeté Propaganda, impedido que esteve de exercer a profissão e por
recusar se transferir para a Imprensa do Sul do País. Foi copydesk e, depois, editor de Esportes do Diário da Noite.
Entre 1967 e 1970, ocupou a Secretaria de Redação do vespertino da empresa Jornal do Commercio, conquistando
dois dos três prêmios nacionais de melhor manchete, conferidos pela Northon Publicidade, com os títulos de
primeira página: Um branco fuzilou a paz (assassinato de Martin Luther King) e Praga vermelha: é o sangue dos
jovens (invasão da Tchecoslováquia pelas tropas russas). Em 1971, foi repórter da sucursal Recife da revista Veja e
colaborador de IstoÉ. Chefiou a Redação Norte-Nordeste de O Globo, por 19 anos, e escreveu, por dois anos, a
Crônica da Cidade, para a TV Globo Nordeste.
Ganhou quatro Prêmios Esso: com a as reportagens A Cidade Invicta (a eperiência democrática do Recife
em 1945) e Exu – 200 anos de guerra (a luta entre as famílias Alencar e Sampaio, de Exu), ambas publicadas pelo
Diario de Pernambuco; 10 anos da Anistia e Pernambuco no centro do golpe, cadernos especiais produzidos pela
equipe do Jornal do Commercio; além de uma Menção Honrosa, do mesmo prêmio, com o texto Baleia dando sopa
na costa, japonês fisga, publicado na Revista do Nordeste.
Foi, durante 15 anos, titular da coluna Bom-dia, Recife, no Jornal do Commercio. Atualmente, assina a
mesma coluna no Diario de Pernambuco. É Cidadão do Recife por decisão unânime da Câmara Municipal.
Tem vários livros publicados, entre eles, Recife Cruel, ó... (1982); O Destino das Ruas (1985); História de
um Jornal que Morreu ou Ascensão e Queda de Miguel Arraes (1987); A Cidade Invicta (1987); Abelardo de
Todas as Horas (1988); Luzes da Cidade (organizador, 1990); A Guerrilheira Perfumada (1990); O Céu Existe
entre Sete Colinas. Garanhuns é de lá (1994); Se alguém perguntar por mim...diz que fui por aí (1995); A
Geografia da Luz, história do Rio São Francisco (1996); Exu, 200 anos de guerra. História das brigas entre as
famílias Alencar e Sampaio (1998); Três histórias de uma praça e uma notícia de guerra (1999); Ás de todos os
naipes (1999).

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