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Dados lnterl'lacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
SUMÁRIO
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ]·::jy_
Zaniboni, Silvio
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/\ pesquisa em Arte : um paralelo entre arte e ciência / Silvio
Zamboni. - 2. ed. - Campinas, SP : Autores Associados, 2001. - ;·f ~ .
(Coleção polêmicas do nosso tempo ; 59)
FU-00012995-3 . '
Bibliografia. '!'.~ "
ISBN 85-85701-64- 1
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CAPÍTULO • D O ·1 S
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l.PESQUISA E METODOLOGIA
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Poderá haver vários caminhos diferentes, mas existirá sempre ordem (de eventos, fatos, elementos, etC.) cuja 'secfuência
um mais adequado para ser trilhado. Essa adequação não diz res- vai num desenrolar simultâneo, gerativo e subseqüe'r'1~e, em
peito somente a uma escolha no seu sentido lógico mais apu- que a criatividade dita o rumo do desdobramenfo; pbis ela
rado, o adequado releva também o ponto de vista pessoal de é a mola fundamental. Não se tratam de elementos-simples
quem escolhe (o que é adequado para um indivíduo obrigatori- postos em ordem de forma mecânica e superficiil.l, ' ~)nen
amente pode não ser para outro), e o paradigma em que o in- te criadora é que se torna o principal instrumento déCplani-
divíduo está atuando, pois a escolha do caminho adequado está ficação dessa ordem. : e:"
intimamente ligada ao conjunto de regras e das teorias em que O método está sempre ligado a uma forma de Ôrdem,
se está atuando. O caminho da adequação em arte não é neces- implicando em organizar, traçar uma seqüência a ser seguida,
sariamente o mais curto e mais imediato para se atingir um ob- ordenar elementos para evitar erros, pois os erros só atravan-
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jetivo, porque o processo de trabalho, principalmente na pes- cam a busca de uma solução. O método é uma questão racio-
quisa artística, é permeado por inúmeros fatores não racionais nal, depende de escolha determinada e premeditada.
e não controlados pelo intelecto do ~rtista, e portanto pode ne- _ .l '
cessitar de caminhos menos diretos para que se dê a maturação 1.1. A Especulação (Desordem Experimental)
necessária das soluções objetivadas pelo artista.
O método na investigação científica e filosófica apareceu A especulação, o fazer para ver o que vai dar, o acaso,
quando o homem começou a se preocupar com o entendi- podem até se constituir num método de descoberta sem, no
mento e interpretação do mundo, e ganhou feições mais de- entanto, tornarem-se instrumentos de pesquisa de alguma
finidas com Descartes, conforme mericionado no capítulo eficácia.
referente à Arte e Ciência. A especulação, ou o método da desordem experimen-
Todo método está baseado de certa maneira num senti- tal, deve ser encarado de duas formas:
do de ordem, sendo essa o arranjo de algo dentro de algum a) como uma forma totalmente ineficiente para buscar as
parâmetro. A ordem, na sua forma mais simples, é expressa soluções de problemas formulados pela pesquisa;
basicamente através de seqüências de sucessões. Bohn e Peat b) como uma forma de se achar soluções sem existir o
( 1989) identificam vários tipos de ordens, mas o que mais in- problema e, nesse caso, sem problema, não haveria motivo
teressa para o desenvolvimento de trabalhos relativos à Arte e para pesquisa.
à Ciência é o que eles denominam de ordem generativa. Em suma, a especulação pode ser um método de des-
coberta e de se e nco ntrar so lu ções , mas não é um método
Essa ordem não diz respeito aos aspectos superficiais do
de pesquisa.
desenvolvimento e evolução numa seqüência de sucessões,
mas sim a uma ordem interna e mais profunda, a partir O indivíduo qu e fa z es peculação está consciente dava-
da qual emerge criativamente a forma manifesta das coi- cuidade de sua pro posta, está solto e descompromissado
sas (op. cit. p. 201 ). com qualque r situ ação que exija uma resposta, ele tenta sem
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! sabe r o qu e conse guirá, e ele mesmo não sabe firmemente
A ordem generativa, ou gerativa, está se mpre muito li - o que pretende conseguir.
1 gada aos processos de trabalho em que a cri atividade exe rce Por não considerar a especulação como método de
t papel importante, como é o caso das pesqui sas em arte e pesquisa, não quero dizer que ela não terr-ha validade no
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i em ciência. O próprio termo explicita o seu sentido, é uma processo global de produção artística. Muitos artistas, pos-
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METODOLOGIA DE PESQUISA EM ÁRTES VISUAIS 51
Os grandes problemas que devem ser resolvidos pela A escolha do problema, não raro, pod e tornar-se. um
pesquisa em ciência -e/ou tecnologia-, 2 são na grande mai- outro problema para o pesquisador. Apon tar o problema
oria, pertencentes ao senso comum. A cura da AIDS, do exige inclusive uma dose de criatividade, como o .en un cia
câncer e de um grande número de doenças, a maior pro- Moles ( 1981: p. 97): "a criatividade é a aptid ão de t. 11.11 ''º
dução de alimentos, o controle da poluição, são todos mesmo tempo o problema e a sua solução( ... )" ..
grandes problemas que qualquer cidadão apontaria facil- O que à primeira vista parece de extrema faci lid.id1 1 ,
mente como sendo problemas de possível resolução pela devido à quantidade incontável de problemas que cab e .~
ciência. Aliás, quase tudo que o homem necessita para a Ciência resolver, após análise mais aprofundada, vê-sç qu
sua manutenção material, a princípio, poderia ser resolvi- a questão é de difícil solução. Um dos grandes fatore s qu
do pela ciência/tecnologia. No entanto, é comum aos pes- pode assegurar o sucesso ou não de uma pesquisa est
quisadores encontrarem dificuldades para identificar um exatamente na escolha do problema a ser pesquisado e es -
problema a partir do qual possam formular seus projetos tudado . O que é importante? O que é relevado pela comu -
de pesquisa. Evidentemente eles jamais tentarão uma pes- nidade em que se atua? O que é viável de ser estudado
quisa que responda globalmente às grandes indagações dentro dessas regras? Enfim, são muitas as indagações que
destinadas à ciência. Para a escolha do problema, eles per- um pesquisador de ve fazer ao iniciar uma pesquisa nova .
ceberão também que e.stão sujeitos às regras de procedi- Se no caso da ciência é muito simples ao cidadão co-
mento adotadas por uma comunidade acadêmica que age mum identificar problemas a serem resolvidos, na arte a
segundo certos paradigmas, e portanto a sua atuação deve - questão assume um grau de complexidade e abstração
se dar também de acordo com esses paradigmas. A iden- muito maior. Os problemas em arte, normalmente , não
tificação do problema de uma pesquisa está também sujeita são do senso comum, suas soluções não preenchem ne-
aos valores contidos nos paradigmas adotados, e o pro- cessidades imediatas de ordem material.
blema deve ser buscado nesse universo, sem ferir nenhu- As grandes indagações que cabem à ciência resolver
ma norma. são pelo menos mais claras e reais, pertinentes a um ma-
terialismo palpável e sensível, como a fome, a dor, a mo-
radia, o transporte , etc. As questões artísticas não se apre -
2. Para os objetivos desta pesquisa, não impo rtam tanto as difere n- sentam de forma tão clara; além das funções da arte
ças entre ciência e tecnologia em uma discussão fil osófi ca de profundidade serem totalmente diversas e não terem aplicabilidade prá-
maior, mas sim as da forma com que elas se apresentam e são confundi- tica, o universo da arte exige para seu tratamento um grau
das na maioria das vezes, exatamente como cita John Ziman ( 1979: p. intuitivo maior e, por isso, é mais difícil formular concei-
39): "Para o público em geral, a Ciência e suas aplicações são praticamen-
te a mesma coisa, ao passo que os cientistas, propriamente, fazem ques-
tos, atender necessidades e resolver problemas através de
tão de estabelecer claramente a diferença entre o conhecimento puro, sem uma linguagem lógica.
finalidade prática, e o conhecimento tecnológico, aplicado às necessidades Dentro desse quadro, os problemas em arte são tam-
do homem. bém mais difíceis de ser formulados verbalmente, mas, no
A questão é que essa distinção é muito difícil de se fazer na prática . entanto, a pesquisa acaba por exig ir a identificação do pro-
( ... ) Houve um tempo em que a ciência era acadêmica e sem utilidade, e _blema.
que a tecnologia era uma arte prática; hoje, porém, elas se acham de tal Os problemas resol vidos pela pesquisa em arte, dife-
forma interligadas que não é de admirar que o povo, em geral, não con-
siga distinguir uma da outra".
rentemente dos resolvidos pela atividade da ciência, são de
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difícil identificação, dado que, muitas vezes, devem ser é mais organizada e possui normas já consagradas de êBn-
descobertas ou mesmo criados pelo artista pesquisador. duta em pesquisa, levando em conta o enquadramé ntdfda
Depois de resolvidos, a exemplo dos resultados da pesquisa em contexto mais amplo, da acumulação de 'co -
pesquisa científica, também são devolvidos à sociedade; nhecimento ante o paradigma adotado. '' .c:.·:;
mas não em forma de soluções verbalizadas ou em dados Em arte, deve-se considerar a não existência da dupli-
numéricos, mas sim contidos nas obras de arte. cação de pesquisas, e desde que a pesquisa assuma O:Ól-
ráter de obra de arte , torna-se impossível esta duplicaÇão.
2.1.2. O referencial teórico Isso faz com que não seja tão relevante a formalização,, es-
crita da definição do objeto da pesquisa. Normalmente,
A definição do objeto de uma pesquisa está intima- quando isso é feito, é mais por questão de imposição aca-
mente ligada a um quadro teórico. Todo artista ou cientista dêmica e/ou burocrática, do que por norma de trabalho,
ao trabalhar em um paradigma, seja ele qual for, procura necessária e consagrada pelos artistas pesquisadores.
criar e responder um problema criativamente elaborado
dentro de um referencial teórico. Mesmo porque o pro- 2 . 1.3. !'lipóteses ou expectativas
blema só existe dentro do quadro teórico em que se pro-
jeta a pesquisa, quer se tenha consciência deste fato ou Só é possível lançar hipóteses quando se tem em men-
não. Quando o artista trabalha em determinado paradigma, te o desejo de se trabalhar com algum método em que se
está sujeito a conjuntos de leis, normas ou teorias mais ou pressuponha a noção de ordem, seja ela qual for. O aca-
menos formalizadas, sendo que o grau de consciência so, o fazer para ver o que vai dar prescinde de hipóteses,
dessa teoria, ou conjunto de teorias em que se enquadra tanto em ciência quanto em arte.
seu trabalho, é fundamental para a pesquisa em artes. Somente à medida que o objeto da pesquisa é defini-
Um dos vários fatores que distinguem o artista pesqui- do e inserido num referencial teórico, é que se pode lan-
sador do artista intuitivo é exatamente a consciência dos çar hipóteses. Em ciência, o conceito de hipótese é ampla-
parâmetros teóricos em que está atuando. Toda e qualquer mente utilizado, e faz parte obrigatória de qualquer rotei-
atividade artística se realiza em um contexto teórico e his- ro de projeto . Em artes, existe também a hipótese na sua
tórico, no qual a definição do objeto e a identificação do essência, mas com algumas diferenciações; na realidade,
problema da pesquisa tem de ser inserido, e será tanto em artes existe mais uma expectativa de ocorrência do que
mais elaborada a pesquisa, quanto maior for o grau de hipótese como é e ntendida em sentido científico lato . En-
consciência deste fato pelo pesquisador. quanto a fun ção da hipótese em ciência (Cassirer, 1977:
Não se pretende dizer com isso que para o artista atu- p.230) é fornecer a conexão entre a teoria e a investiga-
ar como pesquisador, necessite antes de começar qualquer ção e se constituir como meio pelo qual a teoria intervém
trabalho, efetuar a formalização expressa de tudo que leu, na investigação, em arte, a hipótese não assume forma tão
estudou e pensou, porque o importante é a conscientização rigorosa, sendo mais um desejo e uma expectativa do que
do processo, mais do ql::le a sua form alização. poderá ocorrer em termos de resultado final.
Em ciência, é norma consensual a formalização ex - A hipótese, em qualquer pesquisa no campo artístico,
pressamente verbalizada das questões teóricas com rela- não tem o mesmo grau de vinculação à teoria que na pes-
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ção ao objeto de pesquisa, dado que a própria academia quisa científica, denotando a conscientização do pesquisa-
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METODOLOGIA DE PESQUISA EM ÁRTES VISUAI S
·. 54 A PESQUISA EM ARTE
criam-na, observam-na e a enquadram em modelos apro- ções. Na maioria das vezes, o processo· de trabalho é uma
xilnativos da realidade. É nesse sentido que se entende viva interpretação do5 dados observados, e o próprio :refe-
trabalhar a realidade de uma forma empobrecida. rencial teórico já fornece o método interpretativo aser.pos-
Somente o homem possui a capacidade de elaborar ima- to em prática. '·
gens de coisas ausentes, utilizando essas imagens nas mais O processo de trabalho em ciência é em si também um
variadas situações também imaginárias. Um objeto observa- método interpretativo. Lopes ( 1990), ao propor uma rpeto-
do pelo olho pode remeter a outras imagens formadas a par- dologia para pesquisas em Comunicação, chama essa fàse da
tir do olhar, o qual não é limitação da percepção do objeto pesquisa de interpretação, dizendo que:
em suas características físicas imediatas, o olhar é ir além, é
captar estruturas, é interpretar o que foi observado. e a segunda etapa da análise e com ela a pesquisa atinge a
condição própria de cientificidade. É a fase que envolve a
teorização dos dados empíricos dentro da perspectiva teó-
2.3. Processo de Trabalho rica adotada no início da pesquisa (op. cit: p. 13 1).
QuadrQ 2: Comparação das fases de Pesquisa em '.t são definitiva deverá ser tirada pelos interlocutores da obr'ade
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Ciência, Pesquisa em Artes e Arte Puramente Intuitiva ?,
arte, que interpretam e interagem com a obra.' ' · .-~;
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A interpretação dos resultados da pesquisa em arte 'não
,1· converge para a unívocidade, mas para a multivocidade, ,u[na
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Fases da Pesquisa Ciência Pesq. Em. A. A. Pur/lnt
vez que cada interlocutor deverá fazer a sua' interprêü'Ção
PROBLEMA definido definido - não def. pessoal e proceder uma leitura subjetiva para analisar o resul-
tado da pesquisa contido na própria obra de arte. Diferente-
REF. TEÓRICO existente existente rí clara/existente
mente da ciência, a arte tem um caráter pessoal de interpre-
H IPÓTESEs/ExP. existe existe não existe tação, garantido pela plurissignificação da linguagem artística.
As palavras de Bronoswski ( 1983, p: 25) ilustram bem
ÜBSERVAÇ~D existe existe existe
esse raciocínio:
PROC. DE TRAB. existe existe existe
Essa manipulação pessoal da linguagem, este dom de re-
RESULTADOS unívocos multinter-~retativos multinter-pretativos criarmos, dum modo diferente, as imagens que os outros
nos oferecem é o fundamento da arte. Quando lemos um .
INTERPRETAÇÃO impessoal pessoal pessoal
poema, vemos todos a.s mesmas palavras e, no entanto,
cada um de nós faz do poema algo diferente e pessoal.
ÓO A PESQUISA EM .Alm
CAPÍTULO • T R ÊS
bre um dado projeto ou trabalho artístico dever ser conside- ~< ~. --"r :
-; ,!
Definição do Objeto
• o problema
• referencial teórico
l.Os PARÂMETROS PARA A ANÁLISE
• hipóteses ,
Observação
Processo de Trabalho
Resultados e Interpretação
D epois de propor o modelo metodológico para a pes-
quisa em artes visuais, passo a avaliar a abrangência
e a pertinência da proposta. Para tanto parece opor-
tuno testar empiricamente a proposição teórica.
Este trabalho, como já foi exposto na introdução, tem ca-
ráter prático e visa a resolução de questões que rondam o dia
a dia principalmente das universidades e dos institutos financia-
dores do fazer artístico. O que pretendo é a proposição de uma
metodologia adequada à pesquisa em artes na atualidade, e por
isso penso que ela deva se aproximar daquela que os artistas
pesquisadores estão de alguma forma utilizando hoje, mesmo
que o façam com um grau de conscientização variável.
Para testar a pertinência e o grau de proximidade da pro-
posta ao que se fa z atualmente , recorri a trabalhos feitos por
artistas, confrontei-os com a proposta, e a partir daí colhi uma
resposta da adequação ou não do modelo metodológico pro-
posto. Como já afirmei em capítulos anteriores, uma pesqui-
sa em artes é perfeitamente possível de se r desenvolvida sem
que nada tenha sido expresso através de palavras, mas isso faz
com que seja praticamente impossível uma avaliação da mes-
ma enquanto pesquisa autêntica.
A única forma existente e que oferece precisão para uma
análise mais cuidadosa, para se atingir os objetivos que aqui ·