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Temas Multidisiciplinares de Neuropsicologia e Aprendizagem

Book · November 2011

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2 authors:

Luiza Elena Leite Ribeiro do Valle Fernando Capovilla


Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo University of São Paulo
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Temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem
Temas multidisciplinares
de neuropsicologia
e aprendizagem
Copyright © Editora Novo Conceito, 2011
Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou
por qualquer meio, seja este eletrônico, mecânico de fotocópia, sem permissão por escrito da
Editora.

2ª edição

1ª Impressão - 2011

Produção Editorial
Equipe Novo Conceito

Preparação de texto: Carla Montagner


Revisão técnica: Alexandre L. Ribeiro do Valle
Revisão de texto: Denise Cristina Morgado
Diagramação: Printmark Marketing Editorial
Capa: Mello & Mayer

Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Temas multidisciplinares de neuropsicologia & aprendizagem / Luiza Elena Leite Ribeiro doValle.
-- 2. ed. -- Ribeirão Preto, SP :
Novo Conceito Editora, 2011.

Vários autores.
ISBN 978-85-63219-51-0

1. Aprendizagem 2. Neuropsicologia I. Valle,


Luiza Elena Leite Ribeiro do.

11-05926 CDD-612.801

Índice para catálogo sistemático:


1. Neuropsicologia 612.801

Rua Dr. Hugo Fortes, 1885 – Parque Industrial Lagoinha


14095-260 – Ribeirão Preto – SP
www.editoranovoconceito.com.br
Sumário

Sobre os autores
15

Introdução Luiza Elena L. Ribeiro do Valle,


35 Fernando César Capovilla

1. Compreendendo o fracasso
Fernando César Capovilla,
escolar no Brasil na década
Luiza Elena L. Ribeiro do Valle,
1995-2004
Alessandra G. S. Capovilla
39

2. Crianças que não aprendem,


escolas que não ensinam:
mais ciência, consciência, Samuel Pfromm Netto
cooperação efetiva – agora
85

3. Uma abordagem biológica do


desenvolvimento do cérebro, da
Isabel Ribeiro do Valle Teixeira
inteligência e da aprendizagem
97

4. Infans – Unidade de
Cláudia Mascarenhas Fernandes,
Atendimento ao Bebê
Ethel Aronis, Íris Franco,
Lou Muniz Atem
107
5. Causas genéticas
de más-formações corticais Claudia Eunice Neves de Oliveira
115

6. Bases neuropsicológicas da
aprendizagem Rosana Siqueira Dias
125

7. Atuação fonoaudiológica no
Cristina Ide Fujinaga,
bebê prematuro
Carmen Gracinda Silva Scochi
135

8. Aprendizagem
e desenvolvimento
Rita Thompson
neuropsicomotor
151

9. Desenvolvimento neuronal
e comportamento lúdico na
Elsa L. G. Antunha
primeira infância
161

10. Brinquedo e aprendizagem


na escola Edda Bomtempo
169

11. Aprendizagem
e desenvolvimento
neuropsicológico via jogos Vera Barros de Oliveira
de regras
175

12. Processamento cerebral na


resolução de quebra-cabeças Elsa Lima Gonçalves Antunha,
informatizados Vera Barros de Oliveira
181
Luiza Elena L. Ribeiro do Valle,
13. Sono e aprendizagem Eduardo L. Ribeiro do Valle,
187 Sueli Rossini,
Rubens Reimão

14. O insucesso do aprendizado


Abram Topczewski
197

15. Inclusão social


Alexandre L. Ribeiro do Valle
203

16. Brinquedos adaptados para


crianças com necessidades Aidyl Pérez-Ramos,
especiais Cecília Pera
209

17. A brincadeira simbólica na


reabilitação psicomotora da Vera Barros de Oliveira,
criança hemiparética Alan Demanboro
221

18. Leitura em surdos do Fernando César Capovilla,


ensino fundamental ao médio: Alessandra G. Seabra,
processamento logográfico, Keila Viggiano,
perilexical e lexical Márcia Bidá,
229 Aline Mauricio

19. Letramento e surdez:


questões em aberto Zilda Maria Gesueli
237

20. Necessidades emocionais


na surdez segundo avaliação de
Luiza Elena L. Ribeiro do Valle
autoconceito
249

21. Projeto mais: prevenção e


inclusão social na aprendizagem Luiza Elena L. Ribeiro do Valle
263
22. Percepção e autismo
Francisco B. Assumpção Jr.
273
23. Narrativas sobre a formação
de vínculo com autistas Maria Helena Cirne de Toledo
287
24. Teste de Competência de
Leitura Silenciosa de Palavras
Fernando César Capovilla,
(TCLP) para avaliação coletiva
Luciana F. Marcílio,
em sala de aula e de crianças
Alessandra G. Seabra
com paralisia cerebral
297
25. Prova de Consciência
Fonológica por Escolha de
Figuras (PCFF) para avaliação Fernando César Capovilla,
coletiva em sala de aula e de Alessandra G. Seabra
crianças com paralisia cerebral
323
26. Comunicação alternativa:
Maria de Jesus Gonçalves
uma interface com o mundo
347
27. Exclusão digital – O grande
desafio dos professores da
Valéria Santos Paduan Silva
atualidade
357
28. A psicologia da educação
especial: lidando com as
Lília Maíse de Jorge,
necessidades especiais do
Elvira Aparecida Simões de Araujo
binômio escola-aprendiz
365
29. Integração sensorial –
princípios básicos Priscila Zerloti
373
30. Desenvolvimento da memória
autobiográfica na infância: um
possível entrelaçamento entre Célia Regina de Souza Cauduro
neurociência e psicanálise
389
31. A linguagem e suas
diferentes formas de
Evaldo J. B. Rodrigues
manifestação x leitura escrita
397
32. Avaliação neuropsicológica
das disfunções executivas Catia Araujo
407
33. Avaliação neuropsicológica
no Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade (TDAH): Angela Alfano
aspectos práticos
415
34. Avaliação de linguagem no
transtorno de Déficit de Atenção
Guiomar Albuquerque
e Hiperatividade
421
35. Intervenção nos transtornos
de aprendizagem Simone Aparecida Capellini
433
36. A dislexia e algumas Raquel Caruso Whitaker,
estratégias de intervenção Silvia Amaral de Mello Pinto
441
37. Dislexia: intervenção
psicopedagógica com o PEI -
Programa de Enriquecimento Júlia Eugênia Gonçalves
Instrumental de Reuven Feuerstein
451
38. Transtorno da leitura (dislexia)
e transtorno do Déficit de
Guiomar Albuquerque
Atenção e Hiperatividade (TDAH)
465

39. Funções executivas e


resolução de problemas
Leila Vasconcelos
aritméticos
475

40. Cooperar para incluir –


os jogos cooperativos como
Giovanna Tereza Abreu de Oliveira
uma prática inclusiva
487

41. CEMADA
Marcio Ribeiro do Valle
497

42. Alta capacidade, dotação


e talento Zenita C. Guenther
501

43. Hidroterapia e integração


sensorial Leonardo Cervera
523

44. Biodanza®: uma pedagogia


Maria Angelina Pereira,
de vida
Maria Luiza Appy
529

Claudionor Alves de Assis, Giovana


45. A equoterapia e sua Granchelli, Jussara Sommerhalder,
interdisciplinaridade – Marcos Duran,
o terapêutico além Mônica Losso,
do movimento Nádia G. Passini,
537 Sabrina P. Morelli,
Tânia Marcon
46. Acupuntura, cinco elementos
e cinco emoções Jorge G. Splettstoser
549
47. Desenvolvimento de
Interfaces Pessoa-Computador
(IPC) e suas contribuições para a Elizeu Coutinho de Macedo
reabilitação
559
48. Fatores de risco
e de proteção: discutindo o
Carolina de Aragão Escher Marques
desenvolvimento infantil
572
49. Dificuldade
de aprendizagem e família:
Elizabeth Polity
construindo novas narrativas
579
50. “Estou com vergonha de
mim”: a reflexividade auxiliando
o trabalho disciplinar na sala de Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla
aula
589
51. Propostas político-pedagógicas
de organização do processo
Maria José Viana Marinho de Mattos
escolar: algumas tendências
597
52. Avaliação da aprendizagem:
uma relação ética Vasco P. Moretto
609
53. Problemas de aprendizagem:
diagnóstico e suas
Shirlei Lizak Zolfan
consequências sociais
619
54. Dando voz às crianças:
privilegiando a dimensão afetiva
Paula Saretta
na educação infantil
627
55. Neuropsicologia e
biociências: aprendendo
ecologia humana com um
novo olhar – sobre si mesmo João Beauclair
e os outros – com base na
autopoiese
635
56. Inclusão educacional
e telemática: a formação Aidyl Pérez-Ramos,
do educador Lucila Pesce
649
57. Neurofisiologia clínica
nas demências Mário Silva Jorge
659
58. Plasticidade do Sistema
Luciana A. de Paula Vasconcelos,
Nervoso Central
Regiane Luz Carvalho
667
59. Memória
Roberto Godoy
679
60. Reabilitação da memória
Jacqueline Abrisqueta-Gomeze
689
61. Atualização terapêutica em
Eduardo L. Ribeiro do Valle,
neuropatias periféricas
Margareth Reiko Kai
703
62. Variações da depressão:
aspectos psiquiátricos e Yuristella Yano,
psicológicos Teng Chei Tung
715
Luiza Elena L. Ribeiro do Valle,
63. Ansiedade, estresse, distúrbios
Eduardo L. Ribeiro do Valle,
do sono e saúde no trabalho
Sigmar Malvezzi,
731
Rubens Reimão
64. Um paralelo entre ansiedade
e insônia – Epidemiologia, Marcio L. S. Bezerra,
diagnóstico e tratamento C. Guilherme S. F. Teles da Silva
741
65. Neurofisiologia básica do
Marcio L. S. Bezerra,
sono e polissonografia
Eduardo L. Ribeiro do Valle
757
66. Mecanismos fisiológicos da
audição em níveis ocupacionais Kátia Miriam de Melo Silveira
771
67. Avaliação e diagnóstico
dos distúrbios do
Karla M. Ibraim da Freiria Elias
processamento auditivo
781
68. Avaliação neuropsicológica
da atenção Catia Araujo
789
69. Avaliação do paciente
com demência Paulo Roberto de Brito-Marques
795
70. Doença de Alzheimer:
sua história natural Paulo Roberto de Brito-Marques
809
71. Avaliação Neuropsicológica
para o diagnóstico diferencial
entre Demência de Alzheimer e Myriam J. J. S. Lima
Demência Vascular
821
72. Fonoaudiologia e reabilitação
neuropsicológica Alexa L. Sennyey
835
73. Reabilitação das afasias
Elizabeth Gonçalves Ribeiro
841
74. Aplicação do método
isostretching em disfunções da
Thatia Regina Bonfim
coluna vertebral
847
75. RPG:
Reeducação Postural Global Adriana A. Guaraná Martins Silveira
857
76. Abordagens sobre cirurgia
de epilepsia José Augusto Nasser
867
77. Aspectos gerais e atuais do
EEG nas síndromes epilépticas Délrio Façanha da Silva
877
78. Dança sênior – um
instrumento alternativo para tratar
Katia Pedreira Dias
corpo e mente
901
79. Qualidade de vida no
envelhecimento Marcelo L. Ribeiro do Valle
909
Sobre os autores

Abram Topczewski

Neuropediatra do Hospital I. Albert Einstein. Mestre em Neurologias pela


FMUSP. Doutor em Neurociências pela FCM-Unicamp. Diretor da Clínica de
Enurese no Hospital Albert Einstein. Vice-presidente da ABDA (Associação
Brasileira de Dislexia). Consultor de Neurologia Infantil da AACD, Hospital
Darcy Vargas e Hospital do M’boi Mirim.

Adriana A. Guaraná Martins Silveira

Fisioterapeuta, coordenadora da equipe de RPG da Clínica Ortocity. Pós-


-graduada em Fisiologia e Biomecânica da Atividade Motora pela USP.

Aidyl Pérez-Ramos

Psicóloga e pedagoga, doutora em psicologia clínica. Professora titular do


Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia
(USP). Titular da Cadeira n° 30 da Academia Paulista de Psicologia e “Active
Member” da New York Academy of Sciences.

15
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Alan Demanboro

Fisioterapeuta, mestre em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista


de São Paulo.

Alexa L. Sennyey

Fonoaudióloga, mestra pela University of Illinois. Centro de Reabilitação


Cognitiva, SP. Centro de Diagnóstico Neuropsicológico. Coordenadora de
cursos e congressos na UNIFMU. Autora e coordenadora de livros.

Alexandre L. Ribeiro do Valle

Sócio-diretor da VML Advogados (SP). Bacharel em Direito pela Universi-


dade Santa Úrsula (RJ), especialista em Direito Societário pelo IBMEC D LLM
em fusões e aquisições pela Universidade da Califórnia. Atuou como assistente
jurídico da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, como consultor
de diversas empresas nacionais e internacionais no desenvolvimento de seus
negócios no Brasil.

Alessandra G. Seabra

Doutora em Psicologia pela USP e professora do programa de pós-graduação


em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Aline Mauricio

Doutora em Psicologia pela USP e professora do Departamento de


Educação da UniSantanna.

Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla

Psicóloga (PUC-Campinas). Mestra em Educação e doutora em Educação

16
sobre os autores

(Unicamp). Livre docente em Psicologia Educacional (Unicamp). Pesquisadora


pelo CNPq. Estágio pós-doutoral (Universidade de Aveiro/Portugal). Professor-
-adjunto (MS 5) da Unicamp. Membro do Editorial da Revista Práxis Educativa
(PR), da Revista Ciências Humanas (Unitau), Educação (Unicamp) e Poiésis
Pedagógica, (U. Federal de Goiás - Catalão).

Angela Alfano

Mestra e doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Professora do Curso de Extensão em Neuropsicologia (UFRJ).

C. Guilherme Suárez F. Teles da Silva

Médico, UNESA. Especialista em sono, Instituto do Sono da Estácio de Sá.

Carmen Gracinda Silva Scochi

Enfermeira. Docente do curso de Enfermagem. Escola de Enfermagem de


Ribeirão Preto — USP.

Carolina de Aragão Escher Marques

Psicóloga e mestra em Psicologia Escolar. PUC-Campinas.

Catia Araujo

Psicóloga. Mestra e Doutora em Neurociências (UFRJ). Professora do Curso


de Extensão em Neuropiscologia (UFRJ).

17
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Cecília Pera

Psicóloga e pedagoga, especialista em Deficiência Visual. Professora da


Rede Estadual de Ensino atuando no processo de inclusão de alunos com
necessidades especiais.

Célia Regina de Souza Cauduro

Mestra e Doutora em Psicologia pela PUC-Campinas; Ex-coordenadora


da Faculdade de Psicologia Unifenas; Professora e Coordenadora do Curso de
Psicologia São José do Rio Pardo (UNIP) .

Claudia Eunice Neves de Oliveira

Mestra em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbi-


teriana Mackenzie, São Paulo. Extensão Universitária em Genética da
Deficiência Mental. Fisioterapeuta do Zentrum für Integrative Förderung &
Fortbildung (Ziff) na cidade de Essen, Alemanha. Especialista no Método de
Reabilitação Infantil Neuroevolutivo Bobath pela European Bobath Tutors
Association (EBTA).

Cláudia Mascarenhas Fernandes

Psicanalista, membro correspondente do Espaço do Moebius (Ba) e do


Fórum de Psicanálise. Mestra em Filosofia da Psicanálise UNICAMP; especia-
lização em Psicopatologia do bebê pela Université de Paris Nord France. Possui
textos publicados sobre a clínica com o bebê e suas vicissitudes.

Claudionor Alves de Assis

Coinstrutor de equitação em equoterapia, Poços de Caldas (MG).

18
sobre os autores

Cristina Ide Fujinaga

Fonoaudióloga. Mestra e doutoranda em Saúde Pública. Escola de Enfer-


magem de Ribeirão Preto — USP.

Délrio Façanha da Silva

Neurologia (Unifesp). Doutorado (Unifesp). Pós-doutorado (Hôpital Necker,


Paris, França). Professor orientador do Curso de pós-graduação em Neurologia
da Unifesp. Chefe do setor de EEG da Neurologia da Unifesp. Chefe do Serviço
de EEG do HSPE. Chefe do setor de Vídeo EEG da Beneficência Portuguesa
(Equipe CITE). Médico do SESMET da Unifesp.

Edda Bomtempo

Professora livre-docente do Instituto de Psicologia da Universidade de


São Paulo, professora do curso de pós-graduação em Psicologia Escolar e
do Desenvolvimento Humano, pesquisadora na área de jogos, brinquedos e
brincadeiras e autora de vários livros e artigos sobre o brincar.

Eduardo L. Ribeiro do Valle

Médico pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Especialização em Neurologia


pelo Hospital Beneficência Portuguesa (SP). Neurofisiologia e Eletroneuromio-
grafia pelo Hospital do Serviço Público Estadual de São Paulo. Membro do
Grupo de Pesquisas Avançadas em Medicina do Sono, HCFM-USP.

Elizabeth Gonçalves Ribeiro

Fonoaudióloga clínica especializada em linguagem e motricidade oral.


Docente das universidades Veiga de Almeida (UVA) e Estácio de Sá (Unesa),
especialista em linguagem e motricidade oral pelo Conselho Federal de
Fonoaudiologia e mestranda em Fonoaudiologia pela UVA.

19
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Elizabeth Polity

Psicopedagoga, terapeuta de família, mestra em Educação, doutora em


Psicologia, ex-diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia, diretora
da Associação Paulista de Terapia Familiar, diretora do Colégio Winnicott,
autora dos livros.

Elizeu Coutinho de Macedo

Doutor em Psicologia Experimental IP/USP. Pesquisador Produtividade


CNPq. Coordenador do Núcleo de Neurociências do Comportamento e do
Programa de pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universi-
dade Presbiteriana Mackenzie.

Elsa Lima Gonçalves Antunha

Professora titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo,


membro titular da Academia Paulista de Psicologia, membro titular da IARLD
(International Academy for Research in Learning Disabilities).

Elvira Aparecida Simões de Araujo

Psicóloga escolar. Mestra em Psicologia Escolar (USP). Doutora em


Educação, Unicamp. Docente no Departamento de Psicologia da Universi-
dade de Taubaté. Coordenadora do Curso de pós-graduação em Atendimento
Psicopedagógico na Universidade de Taubaté.

Ethel Aronis

Fonoaudióloga. Mestra em Distúrbios da Comunicação pela Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo. Professora na Universidade Camilo
Castelo Branco, São Paulo e fonoaudióloga do Comitê Técnico da Abrinq.

20
sobre os autores

Evaldo J. B. Rodrigues

Médico com especialização em foniatria. Diretor do Instituto de Foniatria


e Fonoaudiologia de Campinas.

Fernando César Capovilla

Psicólogo. Mestre em Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento


(UnB). PhD em Psicologia Experimental (Temple University). Livre-docente
em Neuropsicologia (USP). Professor Associado do Instituto de Psicologia da
USP. Pesquisador 1 do CNPq. Coordenador de alfabetização e inclusão no
Observatório da Educação (Capesp-Inep).

Francisco B. Assumpção Jr.

Psiquiatra, professor livre-docente pela Faculdade de Medicina da USP,


professor associado do Instituto de Psicologia da USP, membro da Academia
Paulista de Psicologia, autor e editor de livros e artigos em Psiquiatria.

Giovana Granchelli

Terapeuta ocupacional formada pela PUC-Campinas, com formação em


Equoterapia, curso de integração sensorial e aprofundamento em distúrbios
neurológicos da infância. Terapeuta ocupacional do Núcleo Vida em Movimento.

Giovanna Tereza Abreu de Oliveira

Psicóloga com especialização em Psicopedagogia. Mestra em Educação e


autora de temas na área de jogos cooperativos.

Guiomar Albuquerque

Fonoaudióloga. Mestra e doutora em Linguística pela UFRJ. Pesquisadora


do Grupo de Estudos de Déficit de Atenção-GEDA-IPUB/UFRJ.

21
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Isabel Ribeiro do Valle Teixeira

Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo, Ribeirão


Preto. Mestra e Doutora em Ciências (USP). Coordenadora do curso de Ciências
Biológicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas
Gerais, Campus Muzambinho.

Íris Franco

Psicóloga, Universidade Paulista, Unip. Ex-coordenadora do Grupo de


Pesquisa do Infans — Unidade de Atendimento ao Bebê.

Jacqueline Abrisqueta-Gomez

Psicóloga, doutora em Ciências (Unifesp). Pesquisadora em Psicobiologia


(Unifesp), na área de Neuropsicologia, Memória e Reabilitação. Fundadora e
ex-coordenadora do Serviço de Reabilitação ao Idoso (Sari) da Afip-Unifesp.
Professora de pós-graduação em Neuropsicologia (Unifesp-USP-Fumec-CPHD)
e autora de artigos. Fundadora e diretora do Check-up do Cérebro.

João Beauclair

Psicopedagogo (Ucam/RJ). Mestre em Educação, especialista em Estudos


Avançados e Pedagogia. Doutorando em Intervenção Psicosocioeducativa pela
Universidade de Vigo. Professor da Pós-graduação do projeto A vez do mestre,
(Ucam). Autor de artigos sobre educação, meio ambiente, ecologia humana e
coleção de livros da Editora WAK (RJ).

Jorge G. Splettstoser

Médico homeopata, acupunturista pela Sociedade Brasileira de Acupuntura


.

22
sobre os autores

José Augusto Nasser

Doutor em Medicina pela Escola Paulista de Medicina — EPM-Unifesp.


Mestre em Neurocirurgia pela Escola Paulista de Medicina — EPM-Unifesp.
Especialista em Neurocirurgia pela Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. Fellow
of Columbia University. Professor de Neurocirurgia da Universidade Estácio de Sá.

Júlia Eugênia Gonçalves

Doutora em Filosofia e Ciências da Educação pela Universidade de Leon,


Espanha; mestra em Educação pela UFF/RJ; psicopedagoga clínica por EPSIBA,
Argentina; conselheira da ABPp – Associação Brasileira de Psicopedagogia de
São Paulo; presidente da Fundação Aprender para Educação, Cultura, Ciência
e Tecnologia, Varginha, MG.

Jussara Sommerhalder

Fisioterapeuta formada pela Unaerp, especialista em Neurologia pela


Unaerp. Fisioterapeuta do Núcleo Educacional e Terapêutico Vida em Movi-
mento e da APAE Campinas.

Karla M. Ibraim da Freiria Elias

Especialista em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade


Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, Unifesp-EPM. Mestra em
Neurociências pela Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de
Campinas, FCM-Unicamp.

Kátia Miriam de Melo Silveira

Fonoaudióloga, Especialista em audição. Professora na Universidade


de Alfenas.

23
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Katia Pedreira Dias

Especialista em Geriatria e Gerontologia pela SBGG e pela Universidade


Federal Fluminense (RJ). Mestra em Pedagogia do Movimento Humano. Profes-
sora da UFF e do curso de especialização lato sensu em Geriatria e Gerontologia
da Universidade Estácio de Sá (RJ) e de Extensão de Geriatria e Gerontologia
da UFF-RJ. Coordenadora dos Projetos de Educação Física Gerontológica,
UFF-RJ. Dirigente de Dança Senior (Ainds).

Keila Viggiano

Psicóloga, mestranda em Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia


da USP.

Leila Vasconcelos

Mestra e doutora em Psicologia Cognitiva pela UFPE.  Professora e Coor-


denadora do curso de especialização em Neuropsicologia, UFPE.

Leonardo Cervera

Fisioterapeuta, Unicid. Especializado no Método TheraSuit, pela


Therasuit LLC, Michigan, USA. Hidroterapeuta com experiência em Centros
de Terapia Aquática. Atua na Clínica de Reabilitação Morumbi, São Paulo.

Lília Maíse de Jorge

Psicóloga Clínica, mestra em Psicologia Escolar – PUC-Campinas, Docente


no Departamento de Psicologia do Centro Universitário de Itajubá. Coordena-
dora do Curso de pós-graduação em Atendimento Clínico Psicopedagógico na
Universidade de Taubaté.

24
sobre os autores

Lou Muniz Atem

Psicóloga e psicanalista.  Mestra em Psicologia Clínica pela Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo. Membro do Laboratório de Psicopatologia
Fundamental da PUC de São Paulo.

Luciana Auxiliadora de Paula Vasconcelos

Fisioterapeuta, mestra em Fisiologia, UFSCar. Doutora em Psicologia, NEC/


USP. Pós-doutora em Fisioterapia, Unicamp. Docente no Curso de Fisioterapia
da PUC-Minas, PC.

Lucila Pesce

Pedagoga, Especialista em Telemática, Faculdade de Educação, PUC/SP.

Luiza Elena L. Ribeiro do Valle

Psicóloga, com especialização em Psicologia Clínica e Psicopedagogia.


Mestra em Psicologia Escolar e Educacional (PUC-Campinas). Doutora em
Psicologia Social e do Trabalho (USP). Autora e organizadora de livros.

Marcelo L. Ribeiro do Valle

Médico cardiologista, Unifesp. Especialização em exames cardiológicos.


Médico do Trabalho, Universidade S. Camilo. Vice-presidente da Associação
Médica de Poços de Caldas.

Marcia Bidá

Psicóloga, mestra em Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia


da USP.

25
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Marcio L. S. Bezerra

Médico neurologista. Mestre e doutor em Neurologia pela Universidade


Federal Fluminense. Coordenador técnico do Instituto do Sono da Universidade
Estácio de Sá.

Marcio Ribeiro do Valle

Pediatra pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduado em Neuro-


logia Infantil pela PUC/RJ. Especialização em Eletroencefalograma e Mapeamento
Cerebral (Unifesp E H. Servidores do Estado de São Paulo). Ex-secretário de Saúde
em dois governos e criador do Cemada em Poços de Caldas, Minas Gerais.

Marcos Henrique Coelho Duran

Médico neurologista infantil. Mestre em Neurologia. Professor do curso


de Fonoaudiologia da Unimep e do curso de Medicina da PUC/Campinas.
Membro do Comitê de ética em pesquisa da Unimep. Membro do Conselho
técnico-científico da Associação Nacional de Equoterapia. Médico da equipe
de equoterapia do núcleo Educacional e Terapêutico Vida em Movimento.

Margareth Reiko Kai

Neurologista. Doutora em Neurologia/Neurofisiologia, Faculdade de Medi-


cina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Chefe da Seção de Neurofisiologia
Clínica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Organizadora
do Simpósio Nacional de Eletroneuromiografia, São Paulo.

Maria Angelina Pereira

®
Assistente social, consultora empresarial e educacional. Didata em Biodanza
®
e coordenadora da Escola Paulista de Biodanza . Membro do Conselho Científico
da International Biocentric Foundation.

26
sobre os autores

Maria de Jesus Gonçalves

Doutora em Psicologia pela USP e Professora do Departamento de Fonoau-


diologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Maria Helena Cirne de Toledo

Doutora em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica de Campinas —


PUC-Campinas; coordenadora da Psicologia nas Faculdades Associadas de
Ensino de São João da Boa Vista — FAE.

Maria José Cicero Oger Affonso

Mestra em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana


Mackenzie.

Maria José Viana Marinho de Mattos

Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp na área de


Políticas, Administração e Sistemas Educacionais. Pró-reitora adjunta da PUC
Minas em Contagem. Publicações na área de gestão e políticas educacionais.
Membro do Conselho Editorial da Revista Política e Gestão da Educação FCL/
Unesp/Araraquara. Avaliadora Institucional Inep/MEC.

Maria Luiza Appy

®
Diretora da Escola Paulista de Biodanza e tradutora de C. G. Jung. Membro
do Conselho Científico da International Biocentric Foundation.

Mário Silva Jorge

Médico Neurologista e Assistente do serviço de Neurologia e EEG, HSPE,


IAMSPE, SP.

27
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Marcos Duran

Neuropediatra.

Mônica Losso

Fonoaudióloga formada pela PUC de Campinas. Com formação em


Equoterapia e Psicomotricidade. Fonoaudióloga do Núcleo Educacional e
Terapêutico Vida em Movimento, sócia-fundadora da Cooperativa de Trabalho
de Fonoaudiologia de Campinas e região Pró-fala. Docente da pós-graduação
de Psicopedagogia Lato Sensu da Metrocamp.

Myriam J. J. S. Lima

Assistente social, psicóloga. Especialista em Gerontologia pela SBGG;


especialista em envelhecimento e saúde do idoso, ENSP; professora do curso
de Extensão e Especialização em Gerontologia e Geriatria Interdisciplinar, UFF.

Nádia G. Passini

Psicóloga do Núcleo Educacional e Terapêutico Vida em Movimento, com


formação em Equoterapia (ANDE).

Paula Saretta

Psicóloga. Mestra em Psicologia Escolar, PUC-Campinas.

Paulo Roberto de Brito-Marques

Professor de Neurologia da Universidade de Pernambuco (UPE).


Coordenador do Núcleo de Neurologia do Comportamento da UPE.
Pesquisador em Neuropsicologia e Doenças Demenciais da Universidade
Federal de Pernambuco.

28
sobre os autores

Priscila Zerloti

Formada em Fisioterapia, pela Universidade de São Paulo, São Paulo. Espe-


cialização em aspectos neurológicos e ortopédicos e Conceito Neuroevolutivo
(Bobath). Atua na Clínica de Reabilitação Morumbi, São Paulo.

Raquel Caruso Whitaker

Fonoaudióloga, psicopedagoga e psicomotricista. Coordenadora do CAD —


Centro de Aprendizagem e Desenvolvimento Silvia Amaral de Mello Pinto
Pedagoga. Psicopedagoga e diretora administrativa da ABPp.

Regiane Luz Carvalho

Fisioterapeuta pela PUC-Minas, Campus Poços de Caldas. Mestra e


Doutora em Fisiologia, Unicamp.

Rita Thompson

Psicomotricista, psicopedagoga, mestra em Educação; Docente da


Graduação e Pós-Graduação do IBMR; Unesa, Fafic, UFMU, pós-graduação
em Saúde Mental e Neuropsicologia da Santa Casa, (RJ). Supervisora de
Atendimento a Crianças com TDAH e TID da Santa Casa de Misericórdia,
(RJ). Sócia titular da SBP e membro da Abenepi.

Roberto Godoy

Neurologista. Doutorado em Neurologia pela Universidade de São Paulo.


Responsável pelo Serviço de Neurologia do Hospital de Beneficência Portu-
guesa, São Paulo. Professor do Centro Universitário Nove de Julho, Uninove.

29
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Rosana Siqueira Dias

Fonoaudióloga, especialista em Linguagem, mestra em Distúrbios da


Comunicação Humana (Unifesp), docente da Faculdade de Fonoaudiologia e
Psicologia da Unifenas, Minas Gerais.

Rubens Reimão

Líder do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do Hospital


das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), médico neurologista,
professor livre-docente de Neurologia da FMUSP.

Sabrina P. Morelli

Fisioterapeuta especialista em reabilitação em Neurologia infantil pela


Unicamp, com formação em Equoterapia (ANDE).

Samuel Pfromm Netto

Psicólogo e pedagogo, professor e pesquisador aposentado da Universidade


Federal de São Paulo, nos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia
(IPUSP). Cofundador e membro titular da Academia Paulista de Psicologia.
Membro da American Society for the Study of Education. Presidente do PNA 
Pfromm Netto & Associados, São Paulo.

Shirlei Lizak Zolfan

Mestra em Educação, Psicopedagoga, Psicóloga, Universidade Paulistana.

Sigmar Malvezzi

Psicólogo e Mestre em Psicologia pela Pontífica Universidade Católica de


São Paulo. Doutor em Department of Behaviour in Organizations — University
of Lancaster e livre docência na Universidade de São Paulo. Professor do

30
sobre os autores

Instituto de Psicologia da Universidade de Sâo Paulo e professor visitante


da Universidade Icesi de Cali, da Universidad de Belgrano e da Universidad
Tecnologica Nacional.

Simone Aparecida Capellini

Doutora e pós-doutora em Ciências Médicas, Faculdade de Ciências


Médicas, Universidade Estadual de Campinas — FCM/Unicamp. Docente do
Departamento de Fonoaudiologia e Programa de pós-graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – Ffc/
Unesp, Marília, São Paulo.

Sueli Rossini

Psicóloga. Mestra e doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psico-


logia da USP. Pesquisadora do Grupo de Pesquisas Avançadas em Medicina
do Sono do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo. Docente do Curso de Especialização em Psicoterapia Breve
Operacionalizada (Unip). Supervisiona equipes interdisciplinares de saúde
mental e grupos de psicólogos.

Tânia Marcon

Pedagoga formada pela Unasp. Especialista em Psicopedagogia pela Unasp,


com formação em Equoterapia e no porgrama de Educação na pré-escola Piaget
(Proetre) pela Unicamp. Pedagoga do Núcleo Educacional e Terapêutica vida
em Movimento.

Teng Chei Tung

Médico pela USP e Doutor em Psiquiatria pela USP. Médico supervisor do


Hospital das Clínicas da Faculdade de USP. Experiência na área de Medicina,

31
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

com ênfase em Psiquiatria, atuando principalmente nos seguintes temas:


depressão, transtorno bipolar, interconsultas e emergências psiquiátricas.

Thatia Regina Bonfim

Fisioterapeuta pela Universidade Estadual de Londrina, com Aprimora-


mento em Fisioterapia em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP). Mestra e doutora em
Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho. Professora adjunta III da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais — Campus Poços de Caldas.

Valéria Santos Paduan Silva

Pós-graduação em Informática Educativa da FAE de Santa Rita do Sapucaí e


da Univas, de Pouso Alegre. Coordenadora e professora do Magistério Superior.

Vasco P. Moretto

Mestre em Didática das Ciências pela Universidade Laval, Québec, Canadá;


licenciado em Física pela Universidade de Brasília; especialista em Avaliação Insti-
tucional pela Universidade Católica de Brasília; diretor pedagógico da Associação
de Ensino Unificado do Distrito Federal — AEUDF; autor de Construtivismo, a
produção do conhecimento em aula e Prova, um momento privilegiado de estudo,
não um acerto de contas, ambos da Editora DP&A, Rio de Janeiro.

Vera Barros de Oliveira

Psicóloga, doutora e livre-docente em psicologia pela USP. Professora titular


de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Umesp; Membro da Academia
Paulista de Psicologia; membro do Board da International Toy Libraries
Association. Diretora-consultora da ABBri. Autora de vários livros na área da
Aprendizagem e da Saúde.

32
sobre os autores

Yuristella Yano

Doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP. Psicóloga


clínica, Clínica de Ansiedade e Depressão. Professora da Unip e Fapa.

Zenita C. Guenthen

Psicóloga da Educação pela Universidade da Flórida. Fundadora do


Centro para o Desenvolvimento do Potencial e Talento Cedet em Lavras,
MG, criadora e coordenadora do Curso de Especialização à Distância em
Educação Especial para bem-dotados e talentosos, Faepe — Fundação de
Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão.

Zilda Maria Gesueli

Mestra em Linguística e doutora em Educação pela Universidade Estadual


de Campinas. Docente e pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em
Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel Porto” — Cepre/FCM/Unicamp.

33
Introdução

É devido ao funcionamento coordenado de recursos cognitivos e às


múltiplas conexões que o cérebro tece através de uma rede complexa de
neurônios que as pessoas podem conhecer o mundo e atuar nele. Inúmeros
vínculos ocorrem entre a cognição, a afetividade, a sensibilidade e a motricidade.
A Neuropsicologia estuda esse funcionamento e os distúrbios decorrentes de
lesões no cérebro, que é o órgão do pensamento e a sede da consciência. As
pesquisas em Neuropsicologia buscam novas formas de avaliar, de reabilitar e de
desenvolver estratégias, técnicas ou recursos que permitam melhorar a qualidade
de vida das pessoas. Como qualquer mudança, envolve um aprendizado, e não
apenas os clínicos e pesquisadores ligados à saúde, mas também educadores
participam desses estudos citados.
Cada vez que acontece um esforço significativo de pessoas comprometidas
com o desenvolvimento humano saudável, uma esperança se reacende. Quando
muitas pessoas que encaram com seriedade as questões batidas em suas especia-
lidades se unem, as expectativas são largamente superadas em seus resultados.
É o que acontece neste livro!
O terceiro livro Temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem
trata de assuntos indispensáveis envolvendo da infância e a adolescência até
a idade adulta e o idoso. O livro começa com estudos que tratam do início
da escolaridade infantil e apontam soluções necessárias para mudar a triste

35
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

realidade da educação brasileira e suas consequências, enquanto no capítulo é


reclamada a urgência de mudanças conclamando um movimento de tolerância
zero para uma situação real e tocante. Este que é um dos problemas mais trágicos
do Brasil, as condições de ensino que colocam o país entre os piores do mundo!
São textos que solicitam uma ação, uma proposta nesta reunião de estudos: não
mais uma constatação passiva, mas um desejo de intervir que mobiliza aqueles
que estão conscientes do lamentável desfecho que os dados de pesquisa apontam
para o futuro de nossas crianças. Assim, este livro torna-se um mensageiro de
esperanças e um manifesto assinado por estudiosos, interessados e atuantes que
procuram por autoridades que se sensibilizem com a frieza dos dados científicos,
que foi encaminhado e recebeu respostas — mas queremos mais!
Para todos os que buscam estar preparados para as exigências de uma
sociedade global, cada vez mais carente de cursos afinados com o que há
de mais atual, os textos se iniciam trazendo temas de desenvolvimento e
aprendizagem. Os primeiros capítulos trazem uma abordagem biológica da
aprendizagem e da importância de uma rede de atenção aos primeiros anos
de vida. Os fatores neurológicos são tratados no estudo de causas genéticas
de más-formações corticais e no desenvolvimento neuromotor e no compor-
tamento lúdico na primeira infância. A atenção à infância é destacada, então,
com os brinquedos, as brincadeiras e jogos, os quebra-cabeças informatizados,
revelando como se processa a aprendizagem e como esses recursos atuam no
desenvolvimento da criança.
Os textos seguintes reúnem especialistas em diversas áreas de atendimento
de crianças com necessidades especiais na escola, como hemiparesias, surdez,
autismo, deficiência visual. Destaca-se a importância da sociabilidade e da
formação de vínculos, especialmente no autismo. São oferecidos dados relevantes
para questões difíceis e cruciais sobre a aquisição e o processamento de leitura
em surdos, bem como sobre promover sua efetiva inclusão social por meio da
escolarização implementada na sua língua materna de sinais (Libras) como
metalinguagem para a aquisição do português.
Em seu próximo passo, o livro aborda questões de avaliação neuropsico-
lógica e intervenção na aprendizagem. Estudos da linguagem e suas diferentes
formas de manifestação, funções executivas e resoluções de problemas de
aritmética, avaliações das alterações na leitura e escrita e intervenção nos

36
introdução

transtornos de aprendizagem. O déficit de atenção, a dislexia e outros


transtornos frequentes, que merecem análise cuidadosa são acompanhados
por estratégias úteis de intervenção.
Fechando a parte que trata da infância e adolescência, diversas alternativas
de intervenção são apontadas, como valorização da cooperação, equoterapia e
®
sua interdisciplinaridade, a beleza da Biodanza , da hidroterapia, acupuntura,
recursos de ergonomia cognitiva e tecnologia, sem esquecer de valorizar talentos!
Os aspectos sociofamiliares e políticos na aprendizagem precisam ocupar
um espaço nos planejamentos e perspectivas. Nos capítulos seguintes, aborda-se
a necessidade de se construírem novas narrativas na família para lidar com os
problemas de aprendizagem; cabe, ainda, um novo olhar sobre si mesmo e os
outros; reflexão sobre a indisciplina na escola e análise de propostas político-
-pedagógicas de organização do processo escolar. A formação do educador toma
lugar nas discussões com o uso da telemática.
A segunda parte do livro volta-se para os adultos e idosos. Começa com
apresentações de neurofisiologia e plasticidade cerebral. Outros trabalhos se
dedicam a questões importantes como: a reabilitação da memória; a avaliação
de transtornos de atenção; o efeito dos transtornos de ansiedade sobre insonia;
a depressão e a síndrome do pânico. Os mecanismos fisiológicos da audição em
níveis ocupacionais e o envelhecimento são assuntos que podem fazer diferença
no dia a dia das pessoas. Os textos sobre a abordagem cirúrgica à epilepsia e traba-
lhos elucidando diagnóstico diferencial da epilepsia também trazem algumas
novas síndromes epilépticas. Esta visão compreensiva sobre a Neuropsicologia
inclui, ainda, temas como: a avaliação de pacientes com mal de Alzheimer ou
com demência; a reabilitação neuropsicológica nas afasias; o uso da informática
na reabilitação; a intervenção de RPG nas disfunções de coluna; e a qualidade
de vida durante o envelhecimento.
Como se vê, os temas tão variados abordados neste livro compreensivo são
de grande interesse, tanto aos especialistas quanto aos leigos, dado o seu potencial
significativo para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Nossos sinceros
agradecimentos aos autores dos capítulos que, com sua expertise nas mais variadas
especialidades, contribuíram para a produção deste livro tão multifacetado,
desafiador e abrangente. Quando estudiosos, pesquisadores, educadores e
clínicos se articulam de modo idealista para compartilhar seu conhecimento

37
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

para o maior bem comum, produz-se uma experiência transformadora da pessoa


como ser humano e profissional, tornando-a mais recepiva, sensível, madura,
compreensiva, humana e profunda. Queremos agradecer aos colegas por nos
proporcionarem essa experiência, e convidar os jovens leitores a desfrutar dessa
mesma experiência por meio da leitura desta obra.
Abraços,

Luiza Elena Ribeiro do Valle e Fernando César Capovilla

38
1
Compreendendo o fracasso
escolar no Brasil na década
1995-2004:
PCNs na contramão da história, 89% a 96%
de fracasso do ensino fundamental, segundo Saeb,
e recorde mundial de incompetência de leitura,
segundo OCDE

Fernando César Capovilla,


Luiza Elena L. Ribeiro do Valle,
Alessandra G. S. Capovilla

No último quarto de século, temos assistido ao agravamento de um


fracasso escolar endêmico no Brasil. A cada ano, mais de um quarto de todas
as crianças que ingressam na 1a série do ensino fundamental fracassa e não
chega à 2a série. Segundo o Censo educacional 2001—2002, só em 2001, dos 5,98
milhões de crianças matriculadas na 1a série, 26,2% não conseguiram aprender
e fracassaram antes de chegar à 2a série, ou seja, só em 2001, a alfabetização
brasileira arruinou 1,57 milhão de crianças já em seu primeiro ano de ingresso
na escola. Nesse mesmo ano, na 5a série, a porcentagem de fracasso foi de 27,4%,

39
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

e de 33,6% na 1a série do ensino médio (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais, 2002a).
Desse enorme contingente de crianças com fracasso escolar, apenas
uma minúscula fração consegue ser encaminhada às clínicas e obter algum
atendimento. A queixa que motiva o encaminhamento é sempre a mesma:
problemas de aprendizagem, baixa atenção e autoestima e consequentes
distúrbios de comportamento, com retraimento ou agressividade. Mesmo
proporcionalmente minúscula, essa fração ainda é suficientemente grande para
abarrotar os serviços de atendimento psicológico e psicopedagógico na faixa
etária de 7 a 10 anos, marcando incômoda presença na quase totalidade das
queixas que motivam o encaminhamento. Já se perguntou que terrível fator
epidemiológico poderia subjazer a tamanho contingente de crianças fracassadas
e frustradas. Dados internacionais apontam para uma porcentagem de dislexia
do desenvolvimento relativamente estável de 2% a 4% da população (A. Capovilla
& F. Capovilla, 2004c; Piérart, 1997; Smythe, Everatt, & Salter, 2003). No Brasil,
porém, esse contingente pareceria ser muito maior, já que dos 35,3 milhões de
crianças matriculadas no ensino fundamental, 20,9% fracassam, ou seja, 7,4
milhões deixam de concluir o ensino fundamental, sendo que 3,9 milhões são
reprovadas por se mostrarem absolutamente incapazes de atingir os mínimos
critérios de desempenho elementar estabelecidos pelo próprio Ministério da
Educação em avaliações como as do Saeb (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais, 1998, 1999, 2001b, 2002b). Obviamente, contudo, o
retumbante e ubíquo fracasso escolar não pode ser atribuído a problemas de
aprendizagem inerentes às crianças. Em verdade, o monstruoso contingente
de crianças más leitoras brasileiras não é constituído de disléxicas propriamente
ditas. Seu padrão de fracasso na aquisição da leitura que parece, à primeira vista,
semelhante ao da dislexia (isto é, dislexicoide), tem, de fato, etiologia diversa.
Certamente, algo está seriamente errado no sistema de ensino, mais do que no
substrato neuroanatomofisiológico dessas crianças.
De fato, quando procedemos ao cuidadoso exame com baterias de
instrumentos para diagnóstico diferencial de dislexia do desenvolvimento (p.
ex., A. Capovilla & Capovilla, 1998, 2001, 2002a, 2002b, 2002d, 2003, 2004b; A.
Capovilla, F. Capovilla, & Macedo, 1998; A. Capovilla, F. Capovilla, & Soares,
2004; Capovilla, Miyamoto, & F. Capovilla, 2003a, 2003b; A. Capovilla, Smythe, F.

40
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

Capovilla, & Everatt, 2001; A. Capovilla, Suiter, & F. Capovilla, 2002; F. Capovilla,
2002a, 2002b; F. Capovilla & A. Capovilla, 2001, 2002, 2003, 2004; F. Capovilla
& Viggiano, 2004), fica claro que o padrão de fracasso dessas crianças é mais
típico dos analfabetos funcionais do que dos disléxicos. Seus níveis de habilidades
pré-requisito, como discriminação fonológica, memória de trabalho fonológica,
velocidade de processamento fonológico, processamento auditivo central, e assim
por diante, podem ser considerados aceitáveis. Contudo, o mesmo não ocorre
com sua consciência fonológica, especialmente no nível fonêmico, que se limita
a níveis sofríveis. A primeira característica que distingue a maior parte das
crianças que fracassam em aprender a ler é a baixa habilidade metafonológica,
também chamada de consciência fonêmica. Trata-se da consciência de que a fala
pode ser concebida como um fluxo no tempo de um certo número limitado de
fonemas que se combinam e recombinam em diferentes ordens conforme regras
convencionais compondo diferentes palavras faladas, e que esses fonemas podem
ser convertidos em seus grafemas correspondentes num mapeamento de ordem
conforme a sequência tempo-espaço (da esquerda para a direita na linha, e de cima
para baixo entre linhas), e com lacunas para separar as palavras. Tal consciência
pode ser facilmente avaliada medindo os níveis de um conjunto de habilidades
metafonológicas, como as de manipular fonemas (isto é, adição, subtração ou
substituição de fonemas no início, meio ou fim de palavras produzindo novas
palavras ou pseudopalavras, como do som b por m transformando cabelo em
camelo) e transpor fonemas (isto é, inverter sua ordem produzindo novas palavras
ou pseudopalavras, como de íris para siri), e fazer trocadilhos (isto é, inverter a
ordem de fonemas iniciais, mediais ou finais entre palavras, como de bomar tanho
para tomar banho). Já se demonstrou sobejamente que os níveis dessas habilidades
metafonológicas predizem com bastante precisão os níveis de leitura em voz
alta escrita sob ditado e compreensão de textos (A. Capovilla & F. Capovilla,
2003, 2004b; F. Capovilla & A. Capovilla, 1996, 1999; National Institute of Child
Health and Human Development, National Reading Panel, 2000; Observatoire
National de la Lecture, et Centre National de Documentation Pédagogique, 1998;
UK Department of Education and Employment, Standards and Effectiveness
Unit, 2000).
Pelo fato de terem sido privadas de instruções metafonológicas e fônicas
explícitas e sistemáticas, essas crianças não têm suficientes consciência fonêmica e

41
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

conhecimento das relações grafema-fonema para mapear a fala por meio da escrita
e para recuperar a fala interna (pensamento em palavras) com base nessa escrita.
Permanecem, portanto, funcionalmente analfabetas em plenas 3a, 4a, 5a, 6a, 7a e 8a
séries do ensino fundamental, não apenas de escolas públicas como também de
muitas privadas. O fracasso de leitura e escrita dessas coortes (ou legiões anuais)
de crianças não se deve a variáveis de natureza hereditária e constitucional com
substrato anatômico e funcional identificável como na dislexia do desenvolvimento
(A. Capovilla & F. Capovilla, 2004c) ou nos distúrbios de processamento auditivo
central (F. Capovilla, 2002b) e do sistema vestibular (A. Capovilla, Miyamoto, & F.
Capovilla, 2003a), mas, sim, a falhas extremamente grosseiras no modo como os
princípios mais elementares que regem o ensino da alfabetização deveriam ter sido
implementados. Pesquisa científica recente descobriu que essas falhas consistem na
privação de instruções fônicas (isto é, relações grafema-fonema) e metafonológicas
(isto é, exercícios de consciência fonológica) explícitas e sistemáticas, e no errôneo
incentivo a uma abordagem ideovisual à aprendizagem de leitura e escrita com
textos complexos administrados desde o início sem qualquer preparo prévio
para tanto (A. Capovilla & F. Capovilla, 2002d). O achado mais contundente
dessa pesquisa é que o padrão de fracasso observado nessas crianças decorre da
abordagem ideovisual global prescrita pelos errôneos PCNs em alfabetização
sancionados pelo MEC (Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Fundamental, 1997), tanto que quanto mais os alfabetizadores tentarem seguir os
PCNs em alfabetização, tanto pior será a competência de leitura e a compreensão
de textos dos seus alunos ao final do ano escolar. Esses achados explicam por
que os parâmetros de alfabetização adotados pelos países bem-sucedidos são tão
diametralmente opostos aos PCNs brasileiros, como documentado fartamente
(A. Capovilla & F. Capovilla, 2004b; Cardoso-Martins, Capovilla, Gombert,
Oliveira, Morais, Adams, & Beard, 2003; National Institute of Child Health and
Human Development, National Reading Panel, 2000; Observatoire National de la
Lecture, et Centre National de Documentation Pédagogique, 1998; UK Department
of Education and Employment, Standards and Effectiveness Unit, 2000).
Desde a entronização do construtivismo no MEC e o sancionamento dos
famigerados PCNs em alfabetização e de cursos de treinamento e reciclagem de
professores neles baseados, como o Profae, a qualidade do ensino básico no Brasil
vem declinando de modo marcante, como pode ser constatado pelos dados

42
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

oficiais do próprio governo. De fato, desde a instituição do Sistema de Avaliação


do Ensino Básico (Saeb) em 1995, temos observado fracasso crescentemente
alarmante nas avaliações bianuais de 1995, 1997, 1999 e 2001 (Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais, 1998, 1999, 2001b, 2002b). Segundo
autoridades do Saeb-Inep-MEC, a elevada incidência de reprovação e evasão
decorre da dificuldade em aprender sob os atuais procedimentos de ensino.
Tais procedimentos, sancionados pelo próprio MEC, encontram-se explicitados
nos PCNs em alfabetização (Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Fundamental, 1997). Tendo esquecido como ensinar a ler e escrever, as escolas
acumularam um contingente crescente de crianças incompetentes e incapazes
de aprender conteúdo escolar pela leitura. Pelo fato de não serem ensinadas
corretamente, essas crianças não aprendem. E porque não aprendem, quando
avaliadas, invariavelmente fracassam. A consequência reflete-se em índices
alarmantes de reprovação e evasão escolar. No ensino fundamental brasileiro, a
população de escolares que vem fracassando regularmente e se acumula, como
num gargalo, atrasada (isto é, com disparidade entre a idade e a série escolar)
constitui um assombroso contingente de cerca de 8 milhões e 300 mil crianças
e jovens. Para se ter uma ideia do tamanho dessa cifra, segundo o IBGE, a
população na faixa etária do ensino fundamental (isto é, de 7 a 14 anos) é de 27
milhões. Contudo, segundo o MEC, a população escolar matriculada no ensino
fundamental é de cerca de 35 milhões e 300 mil alunos. Isso significa que, no
ensino fundamental, há cerca de 8 milhões e 300 mil alunos atrasados (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2001a, 2002a). Esse atraso,
segundo Marcelino Pinto, ex-diretor do Inep, é consequência da incompetência
da escola em fornecer ensino de qualidade, apesar de um investimento de 5,2%
do PIB em educação (Diário de São Paulo, caderno A3, 12 março de 2003).
Se a escola ensina bem, as crianças aprendem e, quando avaliadas, são
aprovadas, isto é, passam. Contudo, se a escola não ensina, a menos que os pais
ou alguém mais ensine, as crianças não aprendem e, quando avaliadas, são
reprovadas, isto é, retidas. Antes da crescente hegemonia construtivista dos
últimos vinte e cinco anos, as escolas empregavam cartilhas que implementavam
o método alfabético-silábico, o bisavô do método fônico, e tinham resultados
superiores. Não fosse assim, os dados de desempenho do próprio governo não
mostrariam declínio sistemático ininterrupto nesses tempos construtivistas.

43
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

O simples fato de que o desempenho tem declinado sistematicamente ao longo


dos anos prova que ele era mais elevado no passado do que no presente. Antes
da febre construtivista, os índices de reprovação refletiam os elevados critérios
de avaliação adotados por professores e autoridades de ensino. No ensino
público tradicional do passado, a criança que não sabia era retida e só tinha dois
caminhos: ou aprendia ou passava para a rede de ensino particular, pago. Essas
escolas, por sua vez, com receio de perder a clientela, não podiam se dar ao luxo
de adotar critérios tão rigorosos... Assim, enquanto sob o ensino tradicional a
reprovação refletia um desempenho aquém dos elevados critérios de rendimento
escolar, sob o ensino construtivista ela passou a refletir um desempenho que
sequer chega aos pés do mínimo do mínimo estabelecido pelo próprio governo
em avaliações como as do Saeb. Afinal, se as escolas fossem aplicar os critérios
de desempenho do Saeb, elas deveriam reprovar 76% da 4a série, 60% da 8a série,
e 75% dos da 3a série do ensino fundamental (Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais, 2002b). O contrassenso é que, segundo o Censo
educacional 2001-2002 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais,
2002a), a porcentagem de fracasso escolar (isto é, reprovação mais evasão) dessas
séries é de apenas 14,7% na 4a série (enquanto o próprio Saeb descobriu que,
de todos os estudantes de 4a série, a porcentagem dos que têm desempenho
absolutamente inaceitável é nada menos que 76%!); 14,4% na 8a série (enquanto
o próprio Saeb descobriu que, de todos os estudantes de 8a série, a porcentagem
dos que têm desempenho absolutamente inaceitável é de nada menos que 60%!);
e 15,1% na 3a série do ensino médio (enquanto o próprio Saeb descobriu que,
de todos os estudantes de 3a série do ensino médio, a porcentagem dos que têm
desempenho absolutamente inaceitável é nada menos que 75%!).
Essa indisfarçavelmente monstruosa disparidade é prova cabal do
rebaixamento dos critérios de avaliação nesses tempos construtivistas, em
que as escolas, incapazes de ensinar devidamente, passam a aprovar tudo, de
qualquer jeito atabalhoado e desesperado, sem qualquer mínimo apoio na
realidade, e sem qualquer compreensão das terríveis consequências futuras de
seus atos. Evidências da vexatória falta de critérios de aprovação nesses tempos
construtivistas aparecem em todas as avaliações, com ou sem Saeb. Por exemplo,
segundo o Censo educacional 2001-2002 (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais, 2002a) em 2001, na 1a série, a porcentagem de reprovação

44
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

foi de apenas 15%. Contudo nessa mesma 1a série, segundo pesquisa com 13 mil
crianças de 47 municípios brasileiros realizada pela Fundação Carlos Chagas
(publicada na Revista Época na matéria intitulada Fábrica de analfabetos, em 30
de junho de 2003), 54% das crianças não reconhecem as sílabas e 42% reconhecem
algumas palavras mas trocam ou omitem letras, sendo que 96% das crianças
da escola pública saem da 1a série sem saber ler, ou seja, nos tempos do método
alfabético silábico das cartilhas, aprovação escolar significava que a criança
havia aprendido, que sabia, e que era capaz. Nos atuais tempos construtivistas,
aprovação escolar não significa rigorosamente nada, segundo quaisquer critérios,
inclusive, especialmente, os oficiais do próprio governo federal como o Saeb do
Inep—MEC e de entidades internacionais como a Unesco.
Recordando: Como nos últimos 25 anos as escolas se esqueceram
cada vez mais de como é que se alfabetiza, o conhecimento foi regredindo de
maneira vertiginosa, com as crianças do ensino público passando a aprender
e a saber cada vez menos. De modo cruel, para essas crianças que constituem
os 91% da população escolar do ensino fundamental mais submetidos aos
PCNs, esse processo perverso acaba restringindo sua perspectiva futura ao
subemprego, desemprego, miséria ou marginalidade. Desorientadas pelos PCNs
construtivistas, as escolas passaram a produzir em série um enorme e crescente
contingente de legiões inteiras de crianças incapazes de ler e aprender pela leitura.
Em consequência, as avaliações — que no mundo civilizado são empregadas para
avaliar, reorientar e calibrar o ensino — acabaram se transformando, no Brasil,
em gargalos estreitos, verdadeiras barreiras intransponíveis para essa massa
crescente de analfabetos funcionais, incapazes de aprender qualquer conteúdo
escolar por meio da leitura. Nos tempos construtivistas, mesmo se tornando
cada vez mais liberais, permissivas, frouxas e pouco significativas, as avaliações
passaram a ser vistas como vilãs, simplesmente porque, independentemente
de quão liberais, permissivas, frouxas e pouco significativas que estivessem se
tornando, ainda assim provavam que, sob o construtivismo em alfabetização,
um contingente cada vez maior de crianças sabia cada vez menos. O ódio
dos construtivistas pelas avaliações se explica porque elas, não importa quão
frágeis, reduzidas e deformadas, insistem em revelar que o construtivismo, em
alfabetização, simplesmente não funciona. Como a corda sempre arrebenta do
lado mais fraco, os construtivistas, depois de terem deformado as avaliações

45
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

ao seu bel-prazer, acabaram consumando seu ódio simplesmente matando


as avaliações e varrendo-as para debaixo do tapete, sob a cortina de fumaça
do palavreado vazio e melífluo, tão bem acusado por autores sagazes como
Pfromm Netto (2004). Nos últimos vinte e cinco anos, a alfabetização brasileira
se viu impedida pelo patrulhamento construtivista de arejar sua mente e de
refrescar seus pulmões com ares teóricos e modelos frescos, e forçada a tentar
respirar na abafada e estreita redoma construtivista com seu ar viciado por
autores mortos ou senis. Não surpreendentemente, sob esse sufoco crônico, a
alfabetização brasileira acabou desenvolvendo um quadro grave de enfisema
pulmonar, e de sofrida e generalizada debilidade. Passo a passo, ao longo dos
anos sob o domínio construtivista, com sua incompetência em ensinar a ler
e escrever, as escolas acabaram acumulando um contingente de 8 milhões de
300 mil crianças fora de série, mais velhas que a idade de suas séries escolares,
constituindo o assim chamado problema de fluxo que sufoca e asfixia o sistema
escolar público como um todo.
Como filtros para testar e assegurar uma competência que deveria crescer
ao longo das séries, as avaliações acabaram se transformando em gargalos
estreitos a barrar grosseira incompetência. Contudo, quando mais de um quarto
das crianças passou a ser barrada por sua indisfarçável e grosseira incompetência,
constituiu-se um impasse. Para sair do impasse e tentar restabelecer o fluxo,
só haveria duas saídas, uma pela porta da frente e outra pela porta dos fundos:
1) na saída pela porta da frente, a escola passa a ensinar bem de modo que a
criança aprenda e, quando avaliada, seja aprovada; 2) na saída pela porta dos
fundos, a escola reduz progressivamente os critérios de avaliação (a ponto de
acabar considerando qualquer desempenho como aceitável), reduz a frequência
dessas avaliações (adotando os assim chamados “ciclos”), podendo chegar, até
mesmo, a suprimir por completo qualquer avaliação (a aprovação automática,
eufemisticamente batizada de “progressão continuada”). Enquanto a saída
honrosa pela porta da frente é a única natural e lógica, no MEC construtivista,
até o presente, ela ainda foi adotada. Isso porque sua adoção demandaria
coragem, pulso administrativo e esforço concentrado para descobrir soluções
baseadas em pesquisa científica a respeito da eficácia de diferentes métodos
de ensino sobre a aprendizagem escolar, e para implementar essas soluções.
Como a adoção dessa estratégia seria inadmissivelmente ameaçadora para

46
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

o establishment construtivista em alfabetização, o Brasil vem se espremendo


vergonhosamente, tentando escapar pela porta dos fundos. Contudo, essa
manobra desonrosa de varrer a sujeira do fracasso para debaixo do tapete e
tentar fugir da crise pela porta dos fundos tem custado caro ao país, causando
vergonha nacional e internacional.
De fato, na esfera nacional, desde a instituição das avaliações bianuais
pelo Saeb do Inep, temos assistido ao assombroso despencar das competências
das crianças no Saeb de 1995 a 1997 e de 1999 a 2001 (Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais, 1998, 1999, 2001b, 2002b). Do mesmo modo,
em publicações paralelas do mesmo instituto, os dados se mostraram igualmente
alarmantes (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2001a,
2002a). Ao mesmo tempo, na imprensa nesse período temos assistimos ao
pipocar de manifestações veementes e cada vez mais frequentes em todo o país
de um fenômeno até então inaudito e surpreendente: pais e mães, desesperados
diante da patentemente e indisfarçável incompetência de seus filhos, implorando
às escolas que os reprovem na esperança de que possam finalmente vir a
aprender alguma coisa. A tentativa do MEC de sair pelos fundos — reduzindo
a qualidade das avaliações ao rebaixar os critérios de aprovação; reduzindo a
frequência das avaliações ao avaliar só a cada dois ou três anos (os “ciclos”), e,
mesmo, desistindo por completo de sequer tentar avaliar ao suspender qualquer
avaliação (a aprovação automática ou “progressão continuada”) de modo a
aprovar de qualquer jeito independentemente de qualquer competência – acabou
produzindo um desastroso tiro pela culatra, e resultando, também, em vergonha
internacional. De fato, o escandaloso declínio das competências atestado pelos
dados domésticos do Saeb de 1995 a 2001 se tornou ainda mais constrangedor
quando foi confirmado pelas avaliações internacionais. Em 2001, sob a batuta
do establishment construtivista em alfabetização, o país chegou ao fundo do
poço: na avaliação internacional de competência de leitura, o Pisa, promovida
pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD,
2001), dentre 36 países avaliados, o Brasil ficou em 36a posição, ou seja, em
último lugar do mundo.
A perspectiva histórica lança luz sobre o fenômeno e permite vislumbrar
a saída para o fosso em que o Brasil se meteu nos últimos tempos. Mostra que o
Brasil não se meteu nesse fosso sozinho, mas que permanece nele simplesmente

47
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

porque ainda ignora, de modo obtuso, como outros países fizeram para sair
dele, e recuperar a competência de sua população escolar. As linhas mestras
dessa perspectiva são resumidas nos parágrafos a seguir.
A história recente da educação internacional mostra que, em meados da
década de 1990, a Inglaterra, a França e os Estados Unidos se viram submersos
sob uma onda de fracasso muito semelhante à que vem afogando o ensino
básico no Brasil desde a ascensão construtivista. Naqueles tempos, há cerca
de um quarto de século, inspirados em falsas crenças baseadas em estudos
hoje totalmente desacreditados (como os de Goodman, 1967; e Smith, 1971,
1973; ver crítica em Cardoso-Martins, Capovilla et al., 2003), os quatro países
embarcaram na aventureira moda daqueles tempos inconsequentes que era
abolir o ensino de leitura pelo método alfabético-silábico (o avô do método
fônico), colocando, no lugar, o método global ou ideovisual, na ausência de
qualquer pesquisa metodológica que justificasse tal medida. Deixaram o ensino
explícito, sistemático e progressivo das relações grafema-fonema das sílabas às
palavras, frases e textos, e começaram a introduzir textos complexos desde o
início, acreditando que a criança se alfabetizaria por si mesma desse modo.
Quinze anos depois da infeliz aventura, em meados da década de 1990, os
indicadores de competência haviam declinado e os quatro países amargavam um
acúmulo histórico de estagnação na mediocridade. Contudo, enquanto o Brasil
continuou afundando até os presentes meados da década de 2000, Inglaterra,
França e Estados Unidos conseguiram emergir da onda de fracasso e ascender
à tona. O determinante fundamental da diferença de destinos entre os dois
grupos de países, isto é, entre o destino de recuperação e sucesso dos Estados
Unidos, França e Inglaterra e o de agravamento da crise de fracasso do Brasil,
foi o modo como suas autoridades governamentais e educacionais reagiram
em meados da década de 1990 diante da constatação da crise de fracasso e
mediocridade em que estavam metidos, ou seja, foi a porta (a da frente ou a
dos fundos) que escolheram para tentar sair do prédio em chamas. O Brasil
escolheu a porta dos fundos e, trancado no quintal, permaneceu, de modo
insensível, teimoso e inconsequente, insistindo no mesmo método que vinha
produzindo o incêndio, ou seja, a séria crise de fracasso que ameaça asfixiar e
consumir o sistema como um todo. Já os Estados Unidos, a França e a Inglaterra
optaram pela porta da frente: empreenderam pesquisas para descobrir as razões

48
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

da estagnação e do fracasso, e tomaram a decisão corajosa de reorientar seus


métodos de alfabetização, adotando aquele que as pesquisas revelaram como
indubitavelmente superior: o método fônico. Isso transparece em todos os
documentos oficiais de seus governos sobre alfabetização de crianças, conforme
documentado e explicado alhures (Cardoso-Martins, Capovilla et al., 2003).
Vejamos, brevemente, como isso se deu, país a país.
Em meados da década de 1990, alarmado com a evidência de crescente
incompetência de sua população escolar que vinha sendo exposta a uma
abordagem de alfabetização baseada no método global ideovisual (também
chamado de Whole Language nos países anglofônicos), o Congresso dos Estados
Unidos convocou uma Comissão de Especialistas em Leitura para compor o
National Reading Panel, com o objetivo de examinar toda a bibliografia científica
publicada sobre métodos de alfabetização, de modo a descobrir as causas do
fracasso de leitura da população escolar americana, e a solução para reverter
esse fracasso (National Institute of Child Health and Human Development,
National Reading Panel, 2000). Essa Comissão de Especialistas em Leitura
decidiu empreender a revisão de toda a bibliografia científica publicada desde
1920 sobre métodos de alfabetização, comparando, dentre outras coisas, a eficácia
relativa dos métodos global e fônico. Para tanto, a comissão fez uso da técnica
estatística de metanálise (Glass, McGaw, & Smith, 1981). Trata-se de uma técnica
sofisticada em que cada estudo é analisado em termos do grau de força do efeito,
da significância dos resultados, do tamanho da amostra, e assim por diante.
A metanálise permitiu examinar precisamente os resultados de uma gigantesca
massa de estudos científicos publicados sobre alfabetização. Foi só graças à
metanálise que o imenso escopo do universo de 115 mil estudos científicos pode
ser avaliado de maneira conclusiva. Ao final desse profundo estudo, a Comissão
de Especialistas em Leitura publicou, sob os auspícios do National Institute of
Child Health and Human Development, o relatório oficial intitulado Report of the
National Reading Panel: Teaching children to read, que estabeleceu com clareza e
precisão a ampla superioridade do método fônico de alfabetização para produzir
leitura e escrita competentes. Publicado pelo Instituto Nacional de Saúde da
Criança e Desenvolvimento Humano, esse Relatório sobre a Alfabetização de
Crianças (National Institute of Child Health and Human Development, National
Reading Panel, 2000) reorientou a alfabetização norte-americana de acordo com

49
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

os princípios da abordagem fônica com base na evidência científica acumulada ao


longo de quase oito décadas de pesquisa. Ele pode ser consultado nos seguintes
endereços http://www.nichd.nih.gov/publications/nrppunskey.cfm, http:// www.
nationalreading_panel.org/documents/pr_finalreport.htm, e http://www.nichd.
nih.gov/new/ releases/nrp.htm. Além desse relatório, recomendamos, também,
a leitura de artigos como o de Lehr (1994) intitulado A comparative analysis
examining the efficacy of whole-language reading instruction and skills-based
reading instruction, disponível na Internet no endereço http://www.snowhite.
gac.peachnet.edu/gather/ref_materials/ed.spapers/fall_quarter_1994/reading_
instr_methodol.text; o de Lehman (1997) intitulado The reading wars, disponível
no endereço http://www.theatlantic.com/issues/97nov/read.htm, e o de Hintz
(1997) intitulado Whole language versus Phonics (isto é, método global versus
método fônico), disponível na Internet no endereço http://family.go.com/features/
family_1997_05/iowa/iowa57whole/iowa57_whole.html, e, em especial, o livro
clássico de Snow, Burns, e Griffin (1998) intitulado Preventing reading difficulties
in young children. Um sumário objetivo dos principais pontos dos documentos
norte-americanos pode ser obtido em português alhures (A. Capovilla &
F. Capovilla, 2004b; F. Capovilla, 1993; Cardoso-Martins, Capovilla et al., 2003).
Nessa mesma época, em meados da década de 1990, o governo britânico
mostrou-se alarmado com o desempenho medíocre da população escolar
britânica sob método global ideovisual empregado até então, que prescrevia a
introdução de textos complexos desde o início, sem que houvesse um período
preparatório de instruções fônicas e metafonológicas. De fato, o governo
descobriu que, expostos a essa abordagem tão similar à dos atuais PCNs
brasileiros, 45% dos alunos de 4a série apresentavam desempenho de leitura
abaixo dos padrões mínimos estabelecidos pelo próprio governo britânico
(Brooks, Pugh, & Schagen, 1996). Em resposta a isso, o legislativo britânico
determinou a composição de uma Força-Tarefa em Alfabetização para examinar
a evidência científica na área em busca de soluções. Após cuidadosos estudos,
essa Força-Tarefa em Alfabetização publicou, por meio da Unidade de Padrões
e Eficácia do Departamento de Educação e Emprego do Reino Unido, uma série
de relatórios, dentre os quais destacamos o relatório final de 1997 intitulado The
Literacy Task Force final report (UK Department of Education and Employment,
Standards and Effectiveness Unit, 1997). Os frutos dessa coragem e empenho

50
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

foram colhidos poucos anos depois, com a plena recuperação do ensino (Twist,
Sainsbury, Woodthorpe & Whetton, 2003). Assim, notamos no Reino Unido
um processo muito semelhante ao verificado nos Estados Unidos, com a classe
política dando voz ao clamor da comunidade por mudanças no modo como a
alfabetização vinha sendo conduzida pelo establishment pedagógico. Para uma
visão ampla e precisa dos novos procedimentos adotados, recomendamos os
relatórios intitulados The National Literacy Strategy: Framework for teaching
(UK Department of Education and Employment, Standards and Effectiveness
Unit, 1998a) e The National Literacy Strategy: Literacy training pack (UK
Department of Education and Employment, Standards and Effectiveness Unit,
1998b). Outro fruto importante dessa revisão foi o relatório intitulado Literacy
(UK Department of Education and Employment, Standards and Effectiveness
Unit, 2000), que confirma claramente a importância do método fônico,
pode ser consultado no endereço http://www.standards.dfee.gov.uk/literacy/
publications/?pub_id=135&top_id=337. Além desses, recomendamos, também,
os relatórios intitulados The National Literacy Strategy: Progression in Phonics
(UK Department of Education and Employment, Standards and Effectiveness
Unit, 1999) e Excellence and enjoyment: A strategy for primary schools (UK
Department of Education and Employment, Standards and Effectiveness Unit,
2003). Finalmente, destacamos os artigos de revisão britânicos publicados pelo
UK Department of Education and Employment que reiteram os benefícios de
instruções metafonológicas e fônicas, como os de Beard (2000) intitulado The
National Literacy Strategy: Review of research and other related evidence, o do
UK Department of Education and Employment, Standards and Effectiveness
Unit (2003) intitulado The National Literacy Strategy: Literacy training pack, o de
Beard (2003) intitulado The National Literacy Strategy in England, além dos
de Riley (2001) e de Stuart (2003). Um sumário objetivo dos principais pontos
dos documentos britânicos pode ser obtido em português alhures (A. Capovilla
& F. Capovilla, 2004b; Cardoso-Martins, Capovilla et al., 2003).
Ainda nessa mesma época, em meados da década de 1990, a crescente
insatisfação pública com a embaraçosa estagnação dos estudantes franceses sob o
método ideovisual levou o Observatoire National de la Lecture, o Centre National
de Documentation Pédagogique e o Ministère de la Jeneusse, de l’Education
Nationale et de la Recherche (i.e., Observatório Nacional da Leitura da França,

51
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

o Centro Nacional de Documentação Pedagógica da França e o Ministério


da Juventude, da Educação Nacional e da Pesquisa da França) a examinar a
evidência científica sobre alfabetização em busca de soluções para o fracasso
da população escolar francesa. O relatório resultante (Observatoire National
de la Lecture, et Centre National de Documentation Pédagogique, 1998),
intitulado Apprendre à lire (i.e., Aprender a ler) pode ser consultado nos seguintes
endereços http://www.inrp.fr/onl/ressources/publi/apprendre_tot.htm ou http://
www.inrp. fr/onl/ressources/publi/regard_tot.htm. Elaborado conjuntamente
pelo Observatório Nacional de Leitura da França e pelo Centro Nacional de
Documentação Pedagógica da França, esse relatório francês é bastante profundo
e atualizado do ponto de vista teórico-conceptual. Do mesmo modo que o norte-
-americano e o inglês, também demonstra com clareza a ampla superioridade
do método fônico. Além desse relatório, recomendamos, também, outros
documentos oficiais do Ministério da Educação francês como, por exemplo,
o Les nouveaux programes de l’école (Ministère de la Jeneusse, de l’Education
Nationale et de la Recherche, Direction de l’Enseignement Scolaire, 2002), o
Lire au CP: repérer les dificultés pour mieux agir (Ministère de la Jeneusse, de
l’Education Nationale et de la Recherche, Direction de l’Enseignement Scolaire,
2003b) e o Choisir un manual de lecture au CP (Ministère de la Jeneusse, de
l’Education Nationale et de la Recherche, Direction de l’Enseignement Scolaire,
2003a). Um sumário objetivo dos principais pontos dos documentos franceses
pode ser obtido em português alhures (A. Capovilla & F. Capovilla, 2004b;
F. Capovilla, 2003; Cardoso-Martins, Capovilla et al., 2003).
Conforme ressaltado, assim como nos Estados Unidos, na Inglaterra
e na França de meados da década de 1990, no Brasil de hoje, a sociedade
civil vem sendo tomada de generalizado alarme com os assustadores níveis
de incompetência a que a criança brasileira foi levada pela irresponsável
manutenção das falsas crenças construtivistas sobre alfabetização na última
década. Até meados da década de 1990 aqueles três países adotavam diretrizes
pedagógicas de alfabetização notavelmente similares às que o Brasil até hoje
ainda adota (isto é, método global ou ideovisual, tal como exaustivamente
explicado em A. Capovilla & F. Capovilla, 2004b), mas foram capazes de reagir
com hombridade à evidência científica incontestável de que a incompetência
crescente de suas populações escolares se devia a essas deletérias diretrizes,

52
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

e as mudaram radicalmente, ao incorporar instruções metafonológicas e


instruções fônicas sistemáticas e explícitas (isto é, método fônico) em cerca de
1997. A prova do acerto dessa mudança e da adoção oficial do método fônico
é que, desde que o fizeram, esses países vêm colecionando sucessos a cada
avaliação, com o crescimento sistemático da competência de leitura e escrita
de sua população escolar. Lastimavelmente, contudo, enquanto a revolução
de competência ocorria nesses países, ao longo de toda essa década de 1995 a
2004, de modo absurdamente míope, o MEC continuou enxergando apenas
a porta dos fundos, na contramão da História, ignorando toda a evidência
científica e histórica acerca da importância de instruções metafonológicas e
fônicas, e postergando indefinidamente a revisão dos PCNs construtivistas
em alfabetização, os quais continuaram insistindo obtusamente nas mesmas
velhas fórmulas construtivistas do método global ideovisual que os países
desenvolvidos aqui descritos abandonaram por completo como perniciosas
para a aprendizagem escolar.
Nessa década perdida de 1995 a 2004 em que o MEC deixou de refletir
sobre seus descaminhos e mudar como os ministérios da educação do mundo
civilizado, os resultados concretos da manutenção dos incorretos, anacrônicos
e contraproducentes PCNs construtivistas em alfabetização vêm sendo um
alarmante, sistemático e crescente fracasso, com declínio de todos os indicadores
de desempenho da população escolar, tal como documentado pelo Sistema de
Avaliação do Ensino Básico (Saeb) do Inep-MEC, em suas edições de 1995, 1997,
1999 e 2001 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 1995,
1998, 1999, 2001b, 2002b) e por outras publicações como Geografia da educação
brasileira e Censo educacional 2001—2002 (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais, 2001a, 2002a, respectivamente).
O crescente domínio construtivista nas faculdades de educação brasileiras
desde os anos de 1980 finalmente chegou à hegemonia em meados da década
de 1990, resultando na unanimidade construtivista sobre alfabetização,
aquela mesma de que nos alertava Nelson Rodrigues. Em consequência dessa
unanimidade, temos hoje um sistema que produz alfabetizadores praticamente
tão ineficientes e ruins na saída (quando da obtenção do diploma) quanto eram na
entrada (quando do ingresso, após o vestibular). Com efeito, conforme descrito,
pesquisas oficiais revelam que os alunos de alfabetizadores com diploma de

53
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

nível superior em Pedagogia têm desempenho apenas e tão somente 10% menos
sofrível do que o dos alunos de alfabetizadores com apenas diploma de nível
médio. E esse desempenho, conforme dados do próprio Saeb-Inep-MEC (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 1998, 1999, 2001b, 2002b),
tem declinado cada vez mais, para muito abaixo dos padrões minimamente
admissíveis, para desespero dos pais dos alunos e de toda a sociedade civil
que terá de arcar com as consequências desse malogro retumbante. Tal
como documentado por pesquisa nacional compreensiva (Cardoso-Martins,
Capovilla et al., 2003), mais de uma década de hegemonia construtivista na área
de alfabetização conseguiu finalmente instaurar o mais absurdo desencontro
entre as Secretarias de Educação, bem como entre os alfabetizadores, quanto
ao que venha a ser alfabetizar, quanto aos critérios para considerar alguém
alfabetizado, e quanto às noções mais básicas e elementares sobre alfabetização.
Por essa razão e por tantas outras é que se suspeita, inclusive, que esse alarmante
declínio na competência de leitura de 1995 a 2001, tal como documentado a
cada avaliação bianual do Saeb desde 1995 (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais, 1998, 1999, 2001b, 2002b), também possa refletir em
certo grau as aposentadorias de professores que aprenderam a alfabetizar antes
que o construtivismo se tornasse tão hegemônico nas faculdades de educação
e, feito cego a conduzir os cegos, provocasse tamanho rombo na formação
pedagógica dos alfabetizadores brasileiros.
Se em 2001 o Brasil conseguiu bater o recorde mundial de incompetência
de leitura, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (A. Capovilla & F. Capovilla, 2004b; Organization for Economic
Cooperation and Development, 2001; Suwwan, 2001) e se alfabetizadores
formados pelas Faculdades de Educação brasileiras conseguem um desempenho
apenas 10% menos pífio do que o dos alunos de alfabetizadores sem diploma
de Faculdades de Educação, não há dúvidas de que as Faculdades de Educação
definitivamente não estão formando alfabetizadores competentes como,
aliás, declaram explicitamente as próprias Secretarias de Educação brasileiras
(Cardoso-Martins, Capovilla et al., 2003). Apesar da extrema gravidade dessa
contundente prova de incompetência das Faculdades de Educação em formar
alfabetizadores minimamente competentes — fato notório que ganhou espaço na
consciência nacional e vem se refletindo em toda a mídia — o mais surpreendente

54
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

de tudo é que esse escândalo espantou e consternou a todos, exceto justamente


os próprios pedagogos construtivistas da área de alfabetização, que têm
permanecido insensivelmente oblívios enquanto arruinam a alfabetização
brasileira, para o desespero dos pais dos alunos em todo o país, que cada vez
mais chegam ao cúmulo de implorar às escolas para que passem a reprovar
seus filhos.
Afinal, se tivessem qualquer sensibilidade ao sofrimento humano
e à independência intelectual, os encarregados da formação superior de
alfabetizadores deveriam ser os primeiros a refletir sobre os problemas dessa
formação que se mostra tão ineficaz. E se soubessem ler inglês ou francês, eles
deveriam ser os primeiros a buscar informações na experiência internacional
sobre fracasso escolar e políticas de alfabetização, de modo a poder empreender
uma revisão de seus métodos e posições. Se procurassem se informar sobre a
pesquisa científica e a experiência internacional, encontrariam a origem da
incompetência em alfabetizar e descobririam como corrigir esse problema. Isso
lhes permitiria fazer um trabalho mais competente pelo bem dos 8,3 milhões
de crianças que anualmente fracassam sob sua responsabilidade no ensino
fundamental brasileiro. Se tivessem sensibilidade humana, teriam compaixão
pelos 8,3 milhões de crianças que não conseguem aprender em suas mãos,
que ficam para trás no ensino fundamental e que, por isso, quase certamente
terão uma vida menos feliz, limitada ao subemprego, desemprego, miséria
ou marginalidade. Ao mesmo tempo se tivessem inteligência e honestidade
intelectual suficientes, eles deveriam admitir que a incompetência dos alunos
brasileiros, patenteada nos fracassos no Saeb do Inep-MEC (Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais, 1998, 1999, 2001b, 2002b) e no Pisa da
Unesco-OCDE (Organization for Economic Cooperation and Development,
2001; Unesco-Orealc, 2000), é fortíssimo indício de que a abordagem
construtivista à alfabetização que a produziu simplesmente não funciona, uma
vez que os estudantes de países que insistem nessa abordagem como o Brasil, a
Argentina e o México estão entre os mais incompetentes do mundo; enquanto
vão muito bem os países que usam a abordagem fônica, como Cuba, Finlândia,
Canadá, Austrália, Irlanda, Inglaterra, França, Estados Unidos, dentre tantos
outros (Organization for Economic Cooperation and Development, 2001;
Unesco-Orealc, 2000).

55
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Contudo, ao longo dos anos de (de)formação pedagógica, a doutrinação


construtivista estéril e maciça sobre alfabetização acaba embotando a consciência
para os fatos e a sensibilidade para o sofrimento humano, de modo que a
maioria dos egressos desses cursos sai sem saber coisa alguma que funcione
sobre alfabetização, sem saber que não sabe e, o que é pior, quase que absolutamente
inepta para vir a descobrir; sendo que o tamanho dessa ignorância e inépcia
em alfabetização costuma ser diretamente proporcional à fixação atávica na
concepção construtivista de alfabetização. Como se fora vítima de lavagem
cerebral, a maior parte das legiões desses pobres professores alfabetizadores
mostra-se perdida, insensível ao drama humano resultante do fracasso em
aprender a ler e escrever, e intelectualmente inepta para entender a evidência
científica e a experiência fatual de que esse fracasso pode ser resolvido no
Brasil, a exemplo do que ocorreu em tantos países. Como erva daninha tão
ubíqua quanto deletéria, a concepção construtivista em alfabetização, que tenta
se fundamentar em Ferreiro e Teberosky (1986) que, por sua vez, tentam se
fundamentar em autores como Goodman (1967) e Smith (1971, 1973), está
apodrecida desde a raiz. De fato, os estudos em que esses autores tentaram basear
suas concepções sobre alfabetização vêm se mostrando irreplicáveis, sendo
hoje amplamente desacreditados pela comunidade científica internacional, tal
como documentado alhures (Adams, 1990; Cardoso-Martins & Batista, 2003;
Cardoso-Martins, Capovilla et al., 2003; Perfetti, 1995; Tunmer & Cole, 1985;
Vellutino, 1991).
O caso da Inglaterra ilustra o enorme poder de políticas públicas
bem fundamentadas para promover melhorias no sistema educacional,
independentemente de outros fatores como a condição socioeconômica. Como
dissemos, na Inglaterra de 1996, cerca de 45% dos alunos de 4a série (isto é,
com 9 anos de idade, já que nesse país a 1a série começa aos 5 anos de idade)
encontravam-se abaixo dos níveis mínimos esperados de desempenho de
leitura e abaixo das expectativas baseadas nas médias internacionais (Brooks,
Pugh, & Schagen, 1996). Contudo, a partir de 1997, graças à National Literacy
Strategy, começaram a ocorrer notáveis mudanças nas práticas de ensino, com
a inclusão de instruções metafonológicas e fônicas explícitas, o estímulo a
práticas orientadas de leitura e de leitura em voz alta, e o uso racional do tempo
de estudo em sala de aula. Poucos anos depois, o índice de alunos abaixo do

56
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

esperado caiu de 45% para apenas 20% e, em 2001, a Inglaterra passou a ocupar
o terceiro lugar no ranking internacional de desempenho de leitura de alunos
de 4a série, comparativamente ao desempenho de alunos de 45 países (Twist,
Sainsbury, Woodthorpe, & Whetton, 2003). Esse caso mostra que a estratégia do
establishment construtivista de atribuir o fracasso da alfabetização brasileira a
fatores sociais para além dos muros da escola não passa de desculpa esfarrapada
para manter o status quo e a confusão pedagógica por ele instaurada dentro dos
muros da escola.
Desde meados da década de 1990, enquanto os dirigentes da educação
da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos vêm capitaneando a nau fônica
rumo à alfabetização competente, com extraordinário e crescente sucesso, o
establishment construtivista em alfabetização no MEC vem lançando todos os
anos o mesmo velho modelo de embarcação construtivista, aquele de casco
furado, e colecionando naufrágio após naufrágio, com 1,6 milhão de vítimas
por ano, só na 1a série de alfabetização. Ainda assim, infelizmente, apesar de
todos os fiascos, não passa pela mente desse establishment questionar suas
falsas crenças e mexer em seu modelo de alfabetização, de modo que, a cada
ano letivo que o MEC faz zarpar o mesmo velho de modelo de alfabetização
construtivista, embarcando nele quase 6 milhões de criancinhas de 7 anos,
o naufrágio do fim de ano supera em muito o do Titanic na magnitude do
horror e da destruição. Afinal, nenhum Titanic conseguiria afogar e levar para
o fundo cerca de 1,6 milhão de criancinhas de 7 anos, como fez a alfabetização
construtivista só na leva de 2001, segundo o Censo educacional 2001-2002
(Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2002a). Aos poucos,
contudo, cresce a percepção de que o construtivismo na alfabetização não vai
a lugar algum, e que o construtivismo na alfabetização sequer flutua. Os 7,4
milhões de crianças que todos os anos abandonam os estudos, soçobrando ao
longo da viagem na embarcação construtivista, sem jamais chegar ao porto
seguro da graduação do ensino fundamental, são prova contundente de que
a embarcação construtivista de alfabetização não leva as crianças a lugar
nenhum, com exceção do fundo.
Além da contagem do número de vítimas que desaparecem no fundo do
esquecimento, para além dos muros da escola, a cada dois anos, nas avaliações
bianuais do Saeb, é também medido o tamanho do estrago causado naquelas

57
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

crianças que, de algum modo, ainda sobreviveram fisicamente ao naufrágio e


que podem ser encontradas perambulando nos corredores. Nessas crianças, a
cada dois anos o Saeb avalia o quanto elas conseguem ler e entender da leitura.
Assim pode-se descobrir o quanto restou daquilo que deveria existir nessas
crianças, do mínimo do mínimo admissível que deveria estar lá. Os resultados
dessas avaliações bianuais do Saeb-Inep-MEC mostram que, na externamente
pomposa frota de alfabetização construtivista, as crianças que sobrevivem
ao naufrágio do fracasso (isto é, à assombrosa onda de reprovação e evasão)
e permanecem do lado de dentro das escolas se tornam, devido à privação de
ensino competente, cada vez mais intelectualmente raquíticas. Esse raquitismo
intelectual é fruto da carência crônica de aprendizagem por meio da leitura,
posto que o sistema construtivista de alfabetização sonega à criança os recursos
e métodos de que ela, especialmente a de baixo nível socioeconômico (cf.
demonstrado por A. Capovilla & F. Capovilla, 2000, 2003, 2004b, 2004c),
necessita para aprender a ler, cruelmente abandonando-a à própria sorte para
aprender por si mesma como decodificar e extrair significado do texto.
Provas desse raquitismo intelectual progressivo abundam e podem ser
encontradas nos dados oficiais de pesquisa nacional e internacional pelas mais
reputadas agências de pesquisa. Por exemplo, conforme documentado pelas
avaliações do Saeb-Inep-MEC sobre competência de leitura de estudantes de
4a e 8a séries do ensino fundamental e de 3a série do ensino médio, desde que
as avaliações bianuais começaram em 1995, a competência de leitura, que já
estava muito próxima ou mais frequentemente abaixo do mínimo admitido,
vem caindo sistematicamente de 1995 a 1997, de 1997 a 1999, e de 1999 a 2001,
estando completamente abaixo de qualquer padrão admissível. Os recursos
materiais e humanos despendidos nessas avaliações foram gigantescos: Em
1995 foram avaliadas 2.839 escolas e 90.499 alunos, em 1997 foram avaliados
1.933 escolas e 167.196 alunos; em 1999 foram avaliados 6.890 escolas e 279.764
alunos, e em 2001 foram avaliados 6.935 escolas e 287.719 alunos. Apesar de o
MEC ter investido nessas avaliações assombrosas cifras de recursos públicos
advindos dos impostos que todos pagamos, até o presente, devido ao lobby
construtivista, ele jamais chegou a levar suficientemente a sério os resultados
dessas avaliações. Isso porque, diferentemente dos países que também estavam
em crise mas que conseguiram sair dela, sob a influência construtivista, o MEC

58
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

tem se limitado a testemunhar a população escolar afundando na incompetência


sem jamais mexer no modelo teórico conceptual e metodológico responsável por
esse afundamento na incompetência: os PCNs construtivistas em alfabetização.
Assim, de 1995 a 1997 a 1999 a 2001, o MEC contentou-se em testemunhar um
desempenho que já era sofrível caindo para abaixo do nível do desesperador. No
Relatório Saeb 2001 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais,
2002b) sobre o desempenho em Língua Portuguesa da 4a série do Ensino
Fundamental (p. 46), o nível mínimo aceitável encontra-se fixado na faixa de
200 a 250 pontos. Contudo, os dados revelaram que 76% de todos os alunos de 4a
série pontuam abaixo desse mínimo aceitável, sendo que 96% dos alunos da
4a série pontuam igual ou abaixo do nível mínimo admissível, ou seja, segundo o
Saeb, só 4% dos alunos de 4a série têm desempenho aceitável (isto é, acima de 250
pontos). Em 1995 os dados não eram tão horríveis, e só chegaram a esse ponto
porque o MEC não tomou suficientemente a sério os resultados das avaliações
que ele mesmo encomendou a ponto de questionar seus métodos de ensino e
de mudá-los como fizeram os demais países.
O afundamento na crise tem sido a consequência inevitável dessa
inépcia e inoperância imposta pelo referido lobby. E o processo continua:
As competências das crianças não são apenas escandalosamente baixas, como,
também, estão se rebaixando cada vez mais. De fato, comparando os resultados
das avaliações bianuais, vemos uma queda significativa do desempenho de
1995 a 2001, e a manutenção de uma clara tendência de queda. Por exemplo,
o desempenho dos alunos brasileiros de 4a série, que jamais deveria ter sido
inferior à faixa mínima admissível de 200 a 250 pontos, foi de 186 pontos
em 1997, e caiu ainda mais para 179 pontos em 1999, e caiu mais ainda para
cerca de 162 em 2001. (Diz-se “cerca de” pois o relatório apresentou apenas um
gráfico, e não o número preciso.) Em outras palavras, a competência de leitura
do aluno brasileiro que já era inadmissivelmente ruim (isto é, abaixo do nível
mínimo admissível fixado pelo próprio governo) conseguiu se tornar ainda pior
e, de novo, pior ainda, ultrapassando o nível do exorbitantemente péssimo em
2001. Não surpreendentemente, como dissemos, nesse mesmo ano de 2001, a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Organization
for Economic Cooperation and Development, 2001), com base na avaliação
do desempenho de jovens de estudantes de 36 países, classificou o Brasil como

59
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

o recordista mundial de incompetência de leitura, seguido de outro país que


submete sua população escolar ao construtivismo na alfabetização: o México.
A mesma tristeza se repete na 8a série: Nesse mesmo Relatório Saeb
2001 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2002b) sobre o
desempenho em Língua Portuguesa da 8a série Ensino Fundamental (p. 81),
o nível mínimo aceitável encontra-se fixado pelo próprio governo na faixa de
250 a 300 pontos. Contudo, os dados do próprio governo revelaram que 60%
de todos os alunos de 8a série pontuam abaixo desse mínimo aceitável, sendo
que 89% dos alunos da 8a série pontuam igual ou abaixo do nível mínimo, ou
seja, segundo o Saeb, só 11% dos alunos de 8a série têm desempenho aceitável
(isto é, acima do patamar mínimo de 300 pontos). Além disso, comparando os
resultados das avaliações bianuais, vemos, de novo, uma queda significativa do
desempenho de 1995 a 2001, e a manutenção de uma clara tendência de queda.
Por exemplo, o desempenho, que jamais deveria ser inferior à faixa mínima
admissível de 250 a 300 pontos, estava no limite inferior da faixa mínima (isto
é, 259 pontos) em 1997, mas despencou para 232 pontos em 1999, e despencou
ainda mais para cerca de 225 pontos em 2001.
A mesma história de fracasso se repete também na 3a série do ensino médio:
Nesse mesmo Relatório Saeb 2001 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais, 2002b) sobre o desempenho em Língua Portuguesa da 3a série
Ensino Médio (p. 99), o nível mínimo aceitável encontra-se fixado pelo governo na
faixa de 300 a 350 pontos. Contudo, os dados do próprio governo revelaram que
75% de todos os alunos de 3a série do ensino médio pontuam abaixo desse mínimo
aceitável, sendo que 95% dos alunos da 3a série do ensino médio pontuam igual
ou abaixo do nível mínimo, ou seja, segundo o Saeb, só 5% dos alunos da 3a série
do ensino médio têm desempenho aceitável (isto é, acima do piso mínimo de 350
pontos). Além disso, comparando os resultados das avaliações bianuais, vemos,
de novo, uma queda significativa do desempenho de 1995 a 2001, e a manutenção
de uma clara tendência de queda. Por exemplo, o desempenho, que jamais deveria
ser inferior à faixa mínima admissível de 300 a 350 pontos, foi de inadmissíveis
283 pontos em 1997, despencou ainda mais para 266 pontos em 1999, e caiu ainda
mais um pouco para cerca de 262 pontos em 2001.
Explicando melhor, nos três níveis avaliados pelo Saeb (4a e 8a séries do
ensino fundamental e 3a série do ensino médio), o nível de leitura que já era

60
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

inadmissivelmente ruim em 1995 conseguiu se tornar bastante pior em 1999,


até ultrapassar a barreira do incrivelmente péssimo em 2001. Não surpreende
que, em 2001, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(Organization for Economic Cooperation and Development, 2001) tenha
classificado o estudante brasileiro como recordista mundial de incompetência
de leitura, estando em 36o lugar dentre os 36 avaliados, e exibindo, em média, o
nível 1 (isto é, o pior, o mais baixo), demonstrando total incapacidade de extrair
qualquer significado dos textos. A suprema ironia da absoluta incapacidade
do aluno brasileiro de extrair qualquer significado dos textos é que os PCNs
brasileiros elegem precisamente o texto como unidade básica de aprendizagem
de leitura e escrita. Enquanto os parâmetros curriculares de alfabetização dos
países desenvolvidos elegem as relações grafema-fonema como unidade básica
de aprendizagem de leitura e escrita e produzem competência de leitura, além de
compreensão e produção competentes de textos; os PCNs construtivistas
brasileiros (Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental,
1997), na contramão da história e à revelia da evidência científica de mais
de 80 anos de pesquisa, elegem o texto como unidade básica de aprendizagem de
leitura e escrita e assim produzem, de modo preciso e previsível, desastrosa
incompetência de leitura, e de compreensão e produção de textos.
Agora, finda essa série contínua e alarmante de dramáticos declínios,
a incompetência de leitura no Brasil chegou a um ponto tal que ameaça
o próprio futuro da nação. O método global ou ideovisual patrocinado
pelos PCNs construtivistas já custou demasiadamente caro à população
escolar dos países que o adotaram, conforme extensamente documentado
pelos nossos colegas representantes dos Estados Unidos, França e Inglaterra
(Cardoso-Martins, Capovilla et al., 2003) e o mesmo tem ocorrido numa escala
ainda maior no Brasil, simplesmente porque esse método, defendido em todas as
recomendações práticas dos PCNs brasileiros em alfabetização (Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 1997), faz uma discriminação
socioeconômica perversa, prejudicando sempre com maior virulência a criança
de nível socioeconômico mais baixo, conforme documentado cientificamente
(p. ex, A. Capovilla & F. Capovilla, 2000, 2003, 2004b; F. Capovilla & A.
Capovilla, 1999, 2003). E essa é, como se sabe, precisamente, a maioria da
população da escola pública brasileira, a qual congrega nada menos que 91%

61
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

da população escolar do ensino fundamental, de acordo com dados do IBGE e


do Saeb (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2001a, 2002a).
As evidências da péssima qualidade da alfabetização brasileira
abundam por toda parte. Mas mais importante que mostrar o tamanho do
rombo e da incompetência do aluno brasileiro é estabelecer comparações
capazes de elucidar a origem dessa incompetência. Isso pode ser obtido
estabelecendo comparações intragrupo e entre grupos, considerando, como
fator de agrupamento, a competência, ou seja, o que é que os competentes
têm em comum uns com os outros? O que é que os incompetentes têm em
comum uns com os outros? O que é que constitui a diferença crucial entre
competentes e incompetentes? Em que fator crucial eles diferem entre si?
Tomemos, por exemplo, de um lado o Brasil e a Argentina, dois países que
insistem de modo teimoso e improdutivo em tentar fazer alfabetização nos
moldes caducamente construtivistas; e, de outro lado, Cuba, cuja alfabetização
é feita nos moldes fônicos, precisamente como a da Inglaterra, da França e
dos Estados Unidos, dentre tantos outros da lista de sucesso da OCDE e da
Unesco. O que descobriríamos? Os dados da Unesco-Orealc (2000) são claros:
os alunos do Brasil e da Argentina (ambos submetidos ao método ideovisual
de alfabetização pelas equipes construtivistas de seus respectivos Ministérios
da Educação) encontram-se 1 desvio padrão abaixo dos alunos de Cuba, os
quais são alfabetizados pelo método fônico, segundo as diretrizes oficiais
do Ministério de Educação de Cuba, ou seja, 86% dos alunos cubanos são
superiores em competência de leitura aos alunos argentino e brasileiro. Assim,
no Brasil, na Argentina e no México os pedagogos em alfabetização seguem os
ditames construtivistas de Ferreiro e Teberosky (1986) baseados em pesquisa
arcaica e desacreditada (Goodman, 1967, Smith, 1971, 1973), e sua população
escolar é quem arca com o prejuízo, como se esses países pudessem se dar ao
luxo de continuar deseducando ad aeternum sua população escolar. Enquanto
isso, Cuba, que sabe que não pode se dar ao luxo de falhar com suas crianças,
adota instruções fônicas e metafonológicas pela mesma razão da França,
Estados Unidos e Inglaterra: pura e simplesmente porque funcionam. Em vez
de continuarem seguindo e macaqueando pedagogos de países classificados
pela OCDE e Unesco como perdedores (como o México cegamente seguidor
de Ferreiro e a Argentina de Teberosky), os pedagogos brasileiros teriam muito

62
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

mais a aprender procurando saber o que fazem seus colegas de Cuba, França,
Inglaterra e Estados Unidos.
É preciso ressaltar quão interessante é o fato de que países com ideologias
tão discrepantes como Cuba, de um lado, e Estados Unidos, Inglaterra e França,
de outro lado, possam compartilhar a mesma abordagem à alfabetização: a
abordagem fônica. A explicação é simples: o método fônico funciona, e os países
que zelam pelo futuro de seus jovens e de sua pátria dão o melhor para cultivar a
competência de seus jovens e, assim, não hesitam em empregar as abordagens, os
métodos, os procedimentos e os recursos que funcionam. Enquanto isso, Brasil
(37a posição do mundo dentre 41 países), Argentina (35a posição do mundo) e
México (34a posição do mundo) continuam insistindo em seguir Emília Ferreiro
e o método global ideovisual, na mais perigosa contramão da história.
As consequências dessa opção irresponsável e cega pela contramão do
mundo desenvolvido são públicas e vexatórias. Os dados da OCDE publicados
em 2001 (Organization for Economic Cooperation and Development, 2001)
sobre a avaliação Pisa de competência de leitura de estudantes de 36 países
revelaram as consequências do modelo pedagógico incorreto sobre alfabe-
tização que o MEC insiste em seguir. Participaram desse estudo cerca de 5
mil brasileiros, com 15 anos de idade, estudantes da 7a ou 8a série do ensino
fundamental público e privado. Esse estudo revelou que 56% dos brasileiros
apresentam competência de leitura inferior ou igual ao nível 1, ou seja, o mais
baixo da escala. Portanto, depois de despenderem sete a oito anos na escola,
os alunos brasileiros conseguem chegar ao final do ensino fundamental sem
que tenham a mais pálida compreensão de leitura dos textos que tentam ler.
Os dados desse estudo deixam claro que os altíssimos índices de fracasso
escolar (isto é, evasão e reprovação escolar) que desperdiçam as vidas de 41%
dos alunos (isto é, 2 milhões e 378 mil alunos) do ensino fundamental e de
60% dos alunos (isto é, 3 milhões e 480 mil alunos) do ensino básico resultam
da incompetência dos alunos, mais precisamente do fracasso da escola em
alfabetizá-los adequadamente, tal como documentada pelos dados do Saeb-
-Inep-Mec (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 1998, 1999,
2001a, 2001b, 2002a, 2002b) e da Unesco-OCDE-Orealc (Organization for
Economic Cooperation and Development, 2001; Unesco-Orealc, 2000), e não
de um eventual rigor excessivo dos professores. Os dados deixam claro que os

63
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

critérios que os professores brasileiros vêm usando para avaliar seus alunos são
extremamente baixos, e que se eles fossem usar critérios semelhantes aos critérios
internacionais adotados pela OCDE no Pisa, teriam que reprovar 60%-80%
dos alunos (Organization for Economic Cooperation and Development, 2001).
O baixo desempenho do Brasil e de um grupo de países no Pisa obrigou a
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) a
reformular a nova edição da prova, incluindo questões mais fáceis em 2009.
Ainda assim, o Brasil ficou em 53º lugar em leitura, 55º em matemática e 53º em
Cultura Científica, entre 65 países que participaram. De acordo com a edição de
Panorâmica da Educação 2010: Indicadores da OCDE, esta avaliação “possibilita
aos países verem-se a si mesmos à luz do desempenho de outros países. Fornece
a comparabilidade e atualização de um conjunto diverso de indicadores e
representa o consenso do pensamento profissional sobre a forma de medir o
estado atual do ensino a nível internacional” (OECD, 2010). O Brasil conseguiu
algum progresso, mas permanece na situação de um dos piores países do mundo
e o OECD (2010) adverte sobre perda de vantagem global na educação: “Numa
época de competição global intensa, eles precisarão trabalhar duro para manter
a base de conhecimentos e habilidades que permanece crescendo com demandas
em transformação”.
Conforme mencionado, o problema se arrasta, já que em 2003, em asso-
ciação da Unesco, quando a OCDE acrescentou mais cinco países à lista dos 36
previamente avaliados, o Brasil decepcionou. Segundo essa pesquisa internacional
sobre competência de leitura (Unesco-OCDE, 2003) (objeto da Coluna Educação
da Folha OnLine em 01/07/03), dos 41 países pesquisados, sendo 14 deles em
desenvolvimento, o Brasil ficou na 40a posição (isto é, em penúltimo lugar, só à
frente do Peru) em desempenho escolar em matemática e ciências, e na 37a posição
em competência de leitura (isto é, só à frente da Macedônia, Indonésia, Albânia e
Peru). De acordo com essa pesquisa, 56% dos alunos brasileiros de 15 anos estão
abaixo, no nível 1 de alfabetização (o mais elementar), com séria dificuldade em
extrair o significado de textos para escolarizar-se. Os dados de desempenho dos
41 países podem ser encontrados nos seguintes endereços: em http://www1.folha.
uol.com.br/folha/educacao/ ult305u13178.shtml e em http://www1.folha.uol.com.
br/folha/educacao/20030701-avaliacao_internacional.shtml. É preciso ressaltar
quão dignas de nota são as posições dos três países comprometidos com uma

64
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

alfabetização notoriamente construtivista. Nessa avaliação da Unesco-OCDE


(2003), dentre os 41 países avaliados, sendo 14 em desenvolvimento, além de o
Brasil ter ficado na 37o posição do mundo, a Argentina ficou na 35a posição, e o
México, na 34a posição. Como deve ficar claro, os ministérios de educação que
impõem ao seu professorado os caducos, infundados e desacreditados ditames de
Ferreiro e Teberosky (1986) acabam condenando seus jovens ao futuro sombrio
do analfabeto, perpetuando a ignorância e os baixos índices de desenvolvimento
humano de sua população, e aferrando indefinidamente seus países aos grilhões
pesados do subdesenvolvimento. De fato, nas casas mexicana e argentina de
Ferreiro e Teberosky a educação vai muito mal; temeridade que só confirma o
velho ditado de que, em casa de ferreiro, o espeto é de pau. Outra consequência
dessa insistência terceiromundista no atraso pré-científico pôde ser lida em
todos os jornais brasileiros: o declínio sistemático do PIB brasileiro que, em
abril de 2004, despencou mais uma vez. Sob o domínio do construtivismo em
educação, o PIB brasileiro despencou da 8a para a 15a posição, juntamente com
os níveis de competência de leitura da população escolar. Para que o Índice de
Desenvolvimento Humano do Brasil ascenda da casa da 70a posição não basta
apenas investir mais em educação: é preciso investir melhor, em métodos e
materiais comprovadamente eficazes. E para alfabetização no Brasil, só há um
método e um material com eficácia cientificamente comprovada: o Método fônico
(A. Capovilla & F. Capovilla, 2004b).
Os dados do fracasso e de sua origem falam por si mesmos. Fora dos
círculos das precárias e fechadas mentes de “autoridades” construtivistas que,
parvamente subservientes a Ferreiro e Teberosky, elaboraram os PCNs em
alfabetização, muitas autoridades governamentais, bem como importantes
dirigentes do terceiro setor começam a reconhecer que o problema está na
ineficácia do ensino nas escolas e na ineficácia dos métodos usados para
alfabetizar. Por exemplo, referindo-se aos dados publicados em Geografia da
educação brasileira (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais,
2001a, disponível na Internet no endereço http://www.inep.gov.br), o
ex-Presidente do Inep, Otaviano Helene, atribuiu o fracasso escolar das crianças
à má formação que os professores vêm recebendo. De fato, como explicado,
dados oficiais revelam que alfabetizadores com diploma de pedagogia obtidos
nesses tempos de regime exclusivamente construtivista são apenas 10% menos

65
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

catastróficos que aqueles com diploma de nível médio apenas. Pelo mero efeito
de escolarização, seria esperada uma eficácia muito maior. As consequências de
ter cegos conduzindo cegos são claramente tristes: segundo o Geografia da
educação brasileira, dos 5,8 milhões de alunos que ingressam a cada ano
na 1a série do ensino fundamental no Brasil, só 59% terminam a 8a série do
ensino fundamental e, mesmo assim, demoram 10,2 anos para tanto. Logo,
41% dos alunos do ensino fundamental fracassam antes de conseguir concluir
a 8a série, ou seja, a cada ano, a educação brasileira baseada na alfabetização
construtivista tem desperdiçado o futuro de 2 milhões 378 mil alunos do ensino
fundamental, que não tendo aprendido a ler e escrever, conseguem aprender,
fracassam e abandonam os estudos no meio do caminho. Ainda segundo a
mesma publicação, só 40% terminam a 3a série do ensino médio, mesmo assim,
demorando 13,9 anos para tanto. Logo, 60% fracassam antes de terminar 3a série
do ensino médio, ou seja, a cada ano, a educação brasileira desperdiça o futuro
de 3 milhões 480 mil alunos do ensino básico, que não conseguem aprender,
fracassam e abandonam os estudos no meio do caminho, e vão engrossar as
filas de desempregados, as estatísticas de marginalidade e criminalidade, e
abarrotar as dependências da Fundação Casa e dos presídios de todo o país.
Para Otaviano Helene, esses dados são alarmantes e evidenciam o atraso escolar
brasileiro que decorre da má qualidade do ensino que é consequência, dentre
outras coisas, de professores mal preparados. Segundo ele, educação brasileira
está muito abaixo da de outros países, inclusive da América do Sul, para não falar
da América Latina. Quanto a esta última, ele tem razão, pois, conforme dados da
Unesco-OCDE (Organization for Economic Cooperation and Development,
2001; Unesco-Orealc, 2000), 86% dos estudantes cubanos, que aprendem a ler
pelo método fônico, têm desempenho de leitura superior ao dos estudantes
brasileiro e argentino que se debatem em vão tentando aprender a ler por conta
própria sob o construtivismo.
Embora os dados numéricos variem entre as publicações, eles são
unânimes em retratar uma situação insustentável. Por exemplo, segundo o Censo
educacional 2001-2002 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais,
2002a), no ensino fundamental, dos 35,3 milhões de estudantes matriculados,
20,9% (ou seja, 7,4 milhões) fracassam antes de graduar-se, seja por reprovação
(3,9 milhões) ou por evasão. A maior incidência de fracasso é verificada na 1a e na

66
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

5a série. Na 1a série, pela incapacidade da escola de alfabetizar apropriadamente;


na 5a, pelo efeito cumulativo da incompetência de leitura associado à transição.
Na 1a série do ensino fundamental, dos 6 milhões de matriculados, 26,2% (isto
é, 1,6 milhão) fracassam, seja por reprovação (902 mil) ou evasão. Na 5a série do
ensino fundamental, dos 4,8 milhões de matriculados, 27,4% (isto é, 1,3 milhão)
fracassam, seja por reprovação (574 mil) ou evasão. No ensino médio, dos 8,4
milhões de matriculados, 26,2% (isto é, 2,2 milhões) fracassam, por reprovação
(649 mil) ou evasão. O fracasso é maior na 1a série do ensino médio, sendo
que dos 3,4 milhões de matriculados, 33,6% (isto é, 1,2 milhão) fracassam, por
reprovação (352 mil) ou evasão. Outra pesquisa de 2003 pela Fundação Carlos
Chagas com 13 mil crianças de 47 municípios brasileiros (objeto da matéria
intitulada Fábrica de Analfabetos publicada na Revista Época, 30/06/03, p. 103)
revelou que 96% das crianças da escola pública saem da 1a série sem saber ler e
escrever; 54% não reconhecem as sílabas; e 42% reconhecem algumas palavras,
mas trocam ou omitem letras. Segundo a ex-secretária do ensino fundamental,
Maria Feres, o MEC só constata problemas de alfabetização na 4a série, ou seja,
três anos (e muitos estragos) depois, com a aplicação do Saeb, sendo que o último
Saeb (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2002b) revelou
que 59% dos alunos da 4a série são incapazes de escrever um simples bilhete.
Segundo Lúcia Fávero, do Instituto Ayrton Senna, o problema está na falta de
qualidade das escolas, sendo que enquanto não houver professores capacitados
e métodos que funcionem, o atraso nas avaliações produzido pelo sistema de
ciclos tenderá a acumular os problemas.
O fracasso escolar, decorrente da evasão e da repetência, que acumulou
um contingente de 8,3 milhões de alunos atrasados no ensino fundamental, só
pode ser resolvido por meio da revogação ou reformulação profunda dos PCNs
em alfabetização (Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental,
1997), de modo a permitir que os professores usem métodos de ensino eficazes.
Enquanto os PCNs continuarem desorientando a alfabetização, as escolas,
desorientadas, continuarão a produzir alunos incompetentes, e o fracasso
continuará a se evidenciar a cada avaliação. Para evitar continuar a constatar
o fracasso nas avaliações, o Ministério da Educação só tem duas estratégias
alternativas: 1) a estratégia de pessoas conscientes, inteligentes e corajosas, que
consiste em fazer um levantamento sobre a evidência científica publicada e sobre

67
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

as práticas internacionais em alfabetização para descobrir como passar a ensinar


com eficiência, mesmo que isto implique em mudar os PCNs em alfabetização;
2) a de personagens de gibi como burros e avestruzes, que consiste em aferrar-se
teimosamente ao hábito de enterrar a cabeça no mesmo velho buraco escuro do
construtivismo em alfabetização e, então, para não ter de constatar o fracasso
a cada avaliação, simplesmente suprimir as avaliações.
O afrouxamento sistemático dos critérios de aprovação nas provas, a
adoção do sistema de ciclos e a aprovação automática (eufemisticamente batizada
de “progressão continuada”) são estratégias que pertencem ao segundo grupo, o
preferido por dez entre dez avestruzes e burros das revistas em quadrinhos.
A propósito, os custos e benefícios de programas para regularizar o fluxo escolar
no ensino fundamental foram objeto de um artigo recente de Oliveira (2002b).
As conclusões de todos os estudos do campo são que alfabetizar bem e no tempo
certo é o melhor remédio para o fracasso escolar, muito melhor, mais eficaz,
mais simples e mais barato do que qualquer programa tardio de remediação
ou de aceleração, que só são necessários porque as crianças não recebem um
ensino eficaz no tempo certo (Borstrom & Elbro, 1997). A incompetência se faz
notar apesar de todos os artifícios de mascaramento de que se pode lançar mão,
como o rebaixamento dos critérios de aprovação nas avaliações, o aumento do
espaçamento entre as avaliações e até mesmo a supressão pura e simples das
avaliações. Todas essas medidas têm pernas curtas. Todas levam ao tropeço.
Educar bem, no tempo certo e no ensino regular na própria sala de aula, é muito
mais simples e mais eficaz. Está mais do que na hora de admitir isso.
Para além da mera problematização é preciso apontar a solução
com base na experiência internacional e nas pesquisas científica nacional e
internacional sobre alfabetização. Os PCNs brasileiros em alfabetização
(Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 1997) fazem
um arremedo de ideias que a experiência internacional e a pesquisa científica
nacional e internacional sobre alfabetização refutaram como sendo não apenas
cientificamente falsas como, também, cruelmente perniciosas à aprendizagem
de leitura e escrita. Décadas de estudos científicos da bibliografia internacional
publicada (p. ex., National Institute of Child Health and Human Development,
National Reading Panel, 2000), ao lado de uma década de rigorosos estudos
brasileiros (p. ex., A. Capovilla & F. Capovilla, 2003, 2004b; F. Capovilla,

68
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

2001, 2002, 2003; F. Capovilla & A. Capovilla, 1997, 2001, 2002, 2003, 2004;
F. Capovilla, A. Capovilla, & Macedo, 2001a, 2001b; F. Capovilla, Macedo,
& A. Capovilla, 2002a, 2002b; F. Capovilla, Macedo, Duduchi, A. Capovilla,
& Gonçalves, 1998; F. Capovilla & Viggiano, 2004) demonstram os efeitos
perniciosos dos PCNs em alfabetização, e constituem fortes razões para
afirmar que esses PCNs em alfabetização são um dos principais fatores que têm
condenado a criança brasileira ao fracasso e envergonhado nossa nação perante
as outras. Dentre tantos achados significativos, os estudos de A. Capovilla e F.
Capovilla (2002d, 2004b) revelam que a competência de leitura e a compreensão
de textos dos escolares de 1a série ao final do ano são inversamente proporcionais
ao grau de fidelidade das professoras às diretrizes expressas nos PCNs em
alfabetização e diretamente proporcionais ao seu grau de infidelidade a esses
mesmos PCNs em alfabetização. A competência de leitura e a compreensão
de textos mostram-se inversamente proporcionais ao grau de fidelidade das
professoras às diretrizes expressas nos PCNs em alfabetização já que os PCNs
insistem em introduzir desde o início textos “autênticos”, em enfocar o significado
na ausência de qualquer instrução fônica e metafonológica preparatória, e
em ignorar qualquer ensino das relações entre grafemas e fonemas, exceto
incidentalmente em meio ao texto e à busca do significado. A competência
de leitura e a compreensão de textos se mostram diretamente proporcionais
ao grau de infidelidade dessas professoras aos PCNs em alfabetização à
medida que elas oferecem instruções fônicas e metafonológicas preparatórias
e provêm ensino sistemático e explícito de decodificação grafofonêmica e de
codificação fonografêmica. Dadas as demonstrações científicas de que os PCNs
em alfabetização desorientam os professores e prejudicam a aprendizagem
de leitura e escrita dos alfabetizandos, pode-se afirmar que os PCNs em
alfabetização têm sido um desserviço à educação brasileira, contribuindo para
condenar as crianças ao fracasso escolar, e para sufocar o fluxo de estudantes
que não têm competência suficiente para serem aprovados. Os PCNs produzem
incompetência, fracasso, reprovação e evasão, e resultam no estrangulamento do
fluxo escolar. Na ausência da revogação desses PCNs, os governos não têm tido
alternativa senão a de lançar mão de expedientes heterodoxos de maquilagem.
Em vez de providenciar as mudanças necessárias para que as professoras
passem a ensinar de modo competente de modo a produzir aprendizagem
competente, consequente sucesso nas avaliações e recuperação do fluxo escolar,

69
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

o establishment construtivista orienta as professoras a rebaixar os critérios de


desempenho que elas requerem para poder aprovar os alunos, reduzir a
frequência de avaliações para a metade da metade por meio do sistema de
ciclos, ou, ainda pior, simplesmente aprová-los automaticamente, manobra
eufemisticamente batizada de “progressão continuada”.
A evidência do sucesso do método fônico no Brasil indica que, promovendo
uma revisão profunda dos PCNs brasileiros em alfabetização, na mesma linha
dos Estados Unidos, França e Inglaterra, o Brasil poderá dar a volta por cima
e reverter a onda do fracasso, exatamente como fizeram aqueles países. Que o
mundo todo mudou é fato. Afinal, como escreveu Fullan (2000), “Estamos em
plena era de grandes reformas na Educação, baseadas no conhecimento científico
profundo dos processos envolvidos na Alfabetização revelados pela Psicologia
Cognitiva da Leitura e da Escrita”. A questão fundamental agora é quando o
Brasil irá finalmente deixar o imobilismo catatônico em que esteve mergulhado
durante o obscuro quarto de século da era construtivista, e mudar também.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep), órgão do Ministério da Educação reconhece que 47,5% dos estudantes do
1º ano ainda estão acima da idade prevista. A defasagem idade-série é resultado
da repetência e da evasão. Ela prejudica nossos alunos e o diretor de Concepções
e Orientações Curriculares para a Educação Básica do MEC, Carlos Artexes,
afirma que “temos mais de 3 milhões de jovens de 15 a 17 anos ainda no ensino
fundamental” (Coluna Educação do Jornal O Globo em 18/5/2009), e aponta
que o Brasil tem uma dívida social histórica.
Este capítulo traz uma lição dura e uma forte esperança, ambas radicadas
em fatos históricos e evidência científica. A lição dura baseada na experiência
internacional e na evidência científica é que a competência de leitura do aluno
brasileiro vai de muito mal a pior ainda, sendo que a orientação pedagógica
nacional quanto à alfabetização entronizada nos PCNs sobre alfabetização está
terrivelmente equivocada e é grandemente responsável pelo fracasso escolar do
estudante brasileiro. Isso pode ser constatado facilmente comparando-se os
PCNs brasileiros sobre Alfabetização (Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Fundamental, 1997) com as diretrizes oficiais, equivalentes aos PCNs,
dos governos dos países desenvolvidos, como Dinamarca, Finlândia, Suécia,
Noruega, Austrália, Inglaterra, França, Bélgica, Canadá, Estados Unidos, Cuba

70
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

e assim por diante. Enquanto os PCNs brasileiros em alfabetização continuam


advogando uma alfabetização hipotética, pretensamente natural, incidental
e espontaneísta, a ser feita nos moldes do método global, todos esses países
rejeitam esse método adotado no Brasil e advogam a alfabetização fônica,
sistemática e explícita.
A descoberta da disparidade entre os PCNs de alfabetização brasileiros
e os da França, Inglaterra e Estados Unidos é tão mais auspiciosa quando se
descobre que, enquanto esses países pensavam como o Brasil ainda pensa (isto é,
enquanto suas diretrizes curriculares mantinham o mesmo método ideovidual
que os PCNs de alfabetização brasileiros ainda mantêm), sua educação ia de mal
a pior; e que a educação desses países só se mostrou capaz de dar a volta por cima
quando eles, por meio de uma profunda revisão científica, descobriram que suas
diretrizes curriculares estavam profundamente erradas e reuniram coragem
suficiente para mudar. Esta mensagem de esperança, baseada na lição fatual
derivada da revisão científica e da evidência histórica da mudança educacional
desses países, é o cerne deste capítulo. Para encerrar, um resumo desse percurso:
1) Inglaterra, França e Estados Unidos, apesar da pujança cultural e
econômica, também costumavam ser vítimas, até meados da década de 1990,
do mesmo desconcertante fenômeno de declínio sistemático de competência de
seus alunos quando seu establishment educacional costumava pensar de modo
muito parecido com o modo como o establishment educacional brasileiro ainda
pensa, tal como refletido nos PCNs sobre alfabetização;
2) Contudo, inconformados com o fracasso de suas crianças, em meados
da década de 1990, esses países, por meio de seu legislativo, constituíram
Comissões de Especialistas em Alfabetização para revisar a literatura científica
em busca de evidências científicas que lhes permitissem descobrir o que funciona em
alfabetização e corrigir com determinação os equívocos pedagógicos de seu
establishment educacional, de modo a reverter, com eficácia e determinação,
a dramática tendência de fracasso de sua população escolar. Após revisão de
mais de uma centena de milhar de estudos científicos publicados sobre métodos
de alfabetização desde a década de 1920, as comissões descobriram que o
método global (ideovisual) empregado até então por seus respectivos países
era completamente ineficaz e contraproducente, apesar de esse método ter sido
dogmaticamente tomado como verdadeiro e amplamente disseminado pelo

71
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

establishment educacional de cada um desses países em toda a década anterior


até meados dos anos de 1990, quando o fracasso generalizado da população
escolar de cada um deles passou a se tornar insuportável para suas respectivas
opiniões públicas;
3) Os órgãos equivalentes aos Ministérios da Educação desses países
implementaram as recomendações das respectivas Comissões de Especialistas
(as quais foram notavelmente coincidentes nos três países) em meados da
década de 1990. São reveladoras as palavras de Jacques Lang em 2002 (cf.
Cardoso-Martins, Capovilla et al., 2003), Ministro da Educação da França,
no prefácio da publicação oficial do Ministério da Educação intitulada Les
nouveaux programes de l’école (Os novos programas do ensino): “Anos de
experiência demonstraram o que é que não funciona em matéria de pedagogia.
Sabemos, por exemplo, que o famoso método global no ensino da leitura teve
consequências catastróficas. (...) Os novos programas de ensino da França
aboliram definitivamente o seu uso.” Do mesmo modo, na Inglaterra, em
publicações oficiais do Ministério da Educação como a de 1999 intitulada
National Literacy Strategy: Progression in Phonics (Estratégia Nacional de
Leitura: Progressão no Método Fônico) encontramos a firme adesão ao método
fônico, oficialmente encampada pelo Ministro da Educação, David Blunkett,
que prometeu renunciar, caso as metas de desempenho não fossem atingidas.
De fato, em meados da década de 1990, na Inglaterra, sob o método global
ou ideovisual, 45% da população escolar de 4a série estava abaixo dos padrões
mínimos aceitáveis, o que demandava medidas corajosas;
4) Desde que os órgãos equivalentes aos Ministérios da Educação desses
países implementaram o método fônico, em cada um desses três países, a curva
declinante passou a ser substituída por uma curva fortemente ascendente, com
evidente progresso da competência de leitura e escrita de sua população escolar.
Por exemplo, a Inglaterra, até meados da década de 1990 tentava alfabetizar
usando o método global ou ideovidual. Consequentemente, nesses anos, a
porcentagem da sua população escolar que se encontrava abaixo dos padrões
mínimos aceitáveis era de 45% (Brooks, Pugh & Schagen, 1996). Contudo, poucos
anos após incorporar as instruções fônicas e metafonológicas por recomendação
explícita da Unidade de Padrões e Eficácia do Departamento de Educação
britânico, feita no documento intitulado Estratégia de Alfabetização Nacional,

72
compreendendo o fracasso escolar no brasil na década 1995-2004

essa porcentagem caiu de 45% para apenas 20%, sendo que, já quatro anos depois
da mudança, os estudantes ingleses de dez anos de idade conseguiram galgar a
terceira posição do mundo em competência de leitura (Twist et al., 2003). Esse
caso da Inglaterra é ilustrativo do imenso poder de documentos oficiais como
o Estratégia de Alfabetização Nacional dos britânicos (assim como o Aprender
a ler para os franceses, e o Ensinando crianças a ler para os norte-americanos)
em produzir resultados concretos para a alfabetização da população escolar no
ensino fundamental. Os PCNs brasileiros em alfabetização são mais um desses
documentos oficialmente sancionados pelo governo e de grande eficácia em
moldar o desempenho da população escolar. A única diferença é que, já que
os PCNs brasileiros em alfabetização advogam o oposto daqueles documentos
europeus e norte-americanos, o grau de sua elevada eficácia tem sido medido,
paradoxalmente, pelo grau de estagnação e de incompetência de leitura gerados
na população escolar brasileira.
Os casos da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos ilustram bem o
quanto podem ganhar os países quando suas respectivas cabeças (o governo)
pensam e percebem a importância de fazer as mudanças necessárias, e o quanto
eles perdem quando suas cabeças ficam estagnadas em velhas fórmulas que o
mundo todo abandonou como prejudiciais e perniciosas. Por um lado, enquanto
o Ministério da Educação continuar a curvar-se ao lobby do establishment
construtivista e cedendo à fácil tentação, tão falsamente sofisticada e tão em
voga, de atribuir o fracasso da educação brasileira a problemas relacionados
à macroeconomia, sociologia e cultura, será incapaz de resolver a crise. Por
outro lado, se abrir-se ao mundo civilizado e fizer revisão crítica de suas
crenças pedagógicas terceiromundistas, poderá enxergar a mesma solução
que já se mostrou tão bem-sucedida nos países civilizados: que usando
métodos comprovadamente eficazes pode tornar competente sua população
escolar, mudando o destino dos 8,3 milhões de crianças que a cada ano vêm
fracassando no ensino fundamental brasileiro, assegurando-lhe um futuro mais
digno e feliz. Em suma, a boa nova deste capítulo é que, com base na experiência
internacional e na evidência científica, a educação brasileira pode dar a volta
por cima sem ter de esperar décadas até a melhoria de fatores macroeconômicos
e/ou socioculturais. Com a adoção de PCNs em alfabetização sintonizados
com as práticas internacionais e os achados científicos, pode-se constituir

73
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

uma Estratégia Nacional de Alfabetização, que poderá colocar o Brasil, em


um período de oito a dez anos, entre os dez primeiros países do mundo
em competência de leitura. O desafio está lançado. Desafios iguais foram
colocados pelos governos da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos, e
contribuíram imensamente para que esses países conseguissem reverter a
onda de fracasso e dar um futuro mais digno, radicado na competência, para
suas crianças. No Brasil, a sorte está lançada. Aceitar ou não o desafio é uma
questão fundamental que cada um de nós tem de responder. Essa é nossa única
chance de dar a volta por cima, e faremos isso mais cedo ou mais tarde. Já
perdemos uma década, com resultados trágicos para o futuro de nossa nação
a curto ou médio prazo. Agora, urge decidir com firmeza, caráter, coragem e
hombridade. Ou investimos já em uma escola de qualidade, ou nos veremos
forçados a continuar tendo de investir cada vez mais em presídios, casas de
custódia, armamentos, segurança, carros blindados e cercas eletrificadas para
tentar nos proteger da fúria daqueles a quem negamos um dos direitos mais
fundamentais e inalienáveis da pessoa humana: o direito à educação. Possa
Deus nos abençoar nessa decisão.

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84
2
Crianças que não aprendem,
escolas que não ensinam:
mais ciência, consciência,
cooperação efetiva – agora
Samuel Pfromm Netto

Quero conclamá-los para uma ingente, laboriosa e difícil cruzada, em favor


das nossas crianças. Uma cruzada que tenha por lema a tolerância zero em
relação às precariedades, às omissões, aos desmandos, às mazelas, à indiferença,
ao descaso que pesam sobre o ensino dessas crianças e à sua formação, no mais
amplo sentido da palavra formação. Está na hora de darmos um basta a este
quadro sombrio, de dimensões nacionais, que as prejudica tanto e que mais e
mais põe em risco o nosso futuro como povo e como nação. Temos um Estatuto
da Criança e do Adolescente (Cury et al., 1992) de que nos jactamos, que, no
entanto, corre o risco de ser classificado como obra de ficção ou poesia, pois o dia
a dia da vida real o desmente a todo instante, com seus meninos e meninas de
rua, com as crianças drogadas, viciadas, prostituídas, abandonadas, agressoras e
agredidas. A irresponsabilidade materna e paterna campeia à solta por aí, como
se os deveres dos pais se limitassem à geração biológica dos filhos — quando o

85
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

aborto não intervém para matá-los durante a vida intrauterina. Não é possível
que continuemos surdos, mudos, indiferentes perante problemas tão sérios, tão
graves, como esses que infelicitam filhos e pais no Brasil de hoje.
Não há dúvida de que a educação formal nas escolas cresceu bastante.
Mas essa expansão do ensino, no que respeita a indicadores como número de
matrículas ou de escolas em funcionamento, jamais deveria significar rebaixa-
mento de padrões, deterioração desse ensino e negligência em relação aos que
experimentam dificuldades de aprendizagem, sofrem limitações especiais ou
compõem a imensa legião de “crianças de risco”. A verdade simples e pura é que
há mais e mais escolas, mais e mais crianças em escolas, e os alunos, de modo
geral, aprendem menos e menos. Excetuemos os afortunados que se encontram
nas nossas ilhas de excelência — e estas existem, tanto no ensino privado como
no público — e pensemos na grande maioria de crianças que não dispõe de boas
escolas, bom ensino e bons professores, nem de profissionais e serviços que as
ajudem a superar suas limitações. Concentremo-nos na debacle de larguíssimas
proporções que escancaradamente vem sendo evidenciada por pesquisas sérias,
como as que compararam o desempenho dos nossos estudantes com os de
outros países; concentremo-nos nos que não aprendem e deixam suas escolas
sem saber ler, escrever ou contar; detenhamo-nos em melancólicas histórias
de malogros — malogro na escola, malogro no desenvolvimento vocacional-
-profissional, malogro na vida.
Atentemos para essa categoria de criançada que teimosamente fazemos
de conta que não existe — as crianças excepcionais — com os superdotados num
extremo e no outro os retardados mentais; ou os milhares e milhares de alunos
com dificuldades de aprendizagem; com problemas de atenção, impulsividade
de comportamento e hiperatividade — os DDAH —; os estudantes com sintomas de
transtornos emocionais e comportamentais, os que padecem de problemas
de saúde (uso de drogas, aids, epilepsia, paralisia cerebral etc.); as crianças com
problemas de visão, audição e comunicação oral; as crianças com múltiplas
incapacidades. São, primeiro, crianças, como lembram Sternberg e Williams
(2002), que “apresentam características não usuais, que criam necessidades
especiais quanto à sua identificação, ensino ou avaliação. Em outras palavras,
crianças excepcionais (inclusive as superdotadas) são aquelas que, por razões
educacionais, e às vezes por razões legais, precisam ser identificadas e educadas

86
crianças que não aprendem , escolas que não ensinam

como tais. Se não receberem ensino apropriado, correm o risco de fracasso no


domínio das habilidades de que necessitam para seu êxito, não só na escola,
na vida em geral. Compõem o grupo de crianças de risco”. E de uma vez por
todas precisamos insistir no termo “excepcionais” em relação a elas, incluindo
sob esta designação os casos de problemas emocionais e físicos e formas especiais
de dificuldades de aprendizagem. É óbvio, como assinalam os autores citados,
que, em que pese essa classificação, na prática é fundamental reconhecer que
acima de tudo são seres humanos. Devem ser descritas como pessoas e tratadas
como pessoas, e não como portadoras de um rótulo. Sternberg e Williams (op.
cit.) acentuam que elas precisam de tipos especiais de intervenções dentro e fora
das salas de aula que as ajudem a realizar seus potenciais. E poderão necessitar
de tipos especiais de avaliação, como nos casos das que têm limitações visuais,
auditivas ou de comunicação, que lhes permitam mostrar o que aprenderam.
Embora possa parecer um truísmo o que acaba de ser dito, o que não se pode
mais tolerar é que essas crianças sejam ignoradas ou que sejam simplesmente
empurradas para dentro de uma sala de aula que já é precária para alunos
comuns e confiadas a professores despreparados — despreparados até mesmo
para ensinar a seus alunos comuns.1 E, no entanto, os que a legislação classifica
como “portadores de deficiência” compõem um segmento de muitos milhões da
nossa população. De acordo o Censo de 2000, correspondem a 24,5 milhões
de brasileiros, que equivalem a 14,5% da população total do país, distribuídos
em deficiência visual (48,1%), motora (22,9%), auditiva (16,7%), mental (8,3%) e
física (4,1%), incluindo-se nestes percentuais tanto os menores como os adultos.
Concepções ineptas, demagógicas e simplistas têm proliferado entre nós,
em relação à excepcionalidade e às dificuldades de aprendizagem. Até mesmo
organismos governamentais semeiam confusão e adotam medidas paliativas e
desastradas, sem qualquer apoio científico sério, a esse respeito. Um exemplo
flagrante da confusão que grassa entre nós é o da inclusão. Ao contrário de países
como a França, o Canadá ou os Estados Unidos, que contam com legislação sábia
a este respeito, estamos às voltas, no Brasil, com um cipoal de superficialidade,

1 Cfr. a este respeito D. P. Hallahan e J. M. Kauffman, Exceptional learners: introduction to


special education, Boston, Allyn & Bacon, 1995; W. Heward, Exceptional children, Upper
Saddle River, Merrill, 1996; e Pennington, Diagnóstico dos distúrbios de aprendizagem,
São Paulo, Pioneira, 1997.

87
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

incongruências e pura e simples ignorância neste domínio. Os Estados Unidos


lideram indiscutivelmente a legislação a este respeito, com a Lei 94-142 (AHCA,
1975), a Lei 99-457 (1986, que estendeu os direitos garantidos pela AHCA aos
pré-escolares) e a Lei 101-476 (IDEA, 1990). Essas leis a propósito da educação
especial garantiram às crianças com incapacidades (“disabilities”) e seus pais
um conjunto de direitos que não existia antes. O que há de fundamental nessa
legislação norte-americana é a exigência de que todos os Estados são obrigados
a oferecer “uma educação pública gratuita e obrigatória para qualquer criança
entre três e vinte e um anos de idade”, independentemente de sua condição de
incapacitado e da maior ou menor seriedade dessa incapacitação. Além disso,
referem-se a dois pontos fundamentais, o da “inclusão menos restritiva possível”
e o dos “programas individualizados de ensino”. O primeiro tem a ver com dois
métodos básicos: o mainstreaming e a inclusão plena. O primeiro coloca os
estudantes excepcionais em classes regulares tão logo estes possam satisfazer
fundamentalmente as mesmas exigências feitas aos alunos comuns.
Casos mais graves de incapacidades participam do mainstream em tempo
parcial e nas outras horas frequentam classes especiais que lhes proporcionam
atendimento impossível de ser feito em classes comuns. No que respeita à
inclusão plena, as opiniões estão divididas entre os que a aprovam e aqueles que
se opõem, notadamente em relação aos casos mais graves. Uma saída que muitas
escolas adotam neste sentido é a da contratação de professores adicionais para o
atendimento adequado destes casos e a adoção de procedimentos especiais na sala
de aula em relação a esses alunos. De qualquer maneira, a legislação estaduni-
dense sobre educação especial requer que cada aluno com necessidades especiais
conte necessariamente com um programa de educação individualizada,
que defina quais são os objetivos visados para cada aluno em particular e como
esses objetivos são alcançados — programa que deve ser revisto ano após ano.
Tudo indica que no Brasil estamos, infelizmente, muito longe de contar
com um atendimento que pelo menos se aproxime, em qualidade e quantidade,
do que se faz nos Estados Unidos e em outros países. A verdade amarga é que
dificilmente se pode esperar uma otimização desse atendimento em classes
comuns superlotadas, confiadas a professores despreparados que “fazem o que
podem”, à míngua de recursos, de orientação, de tudo. Como foi acentuado
antes, até mesmo o ensino comum para crianças comuns deixa muitíssimo a

88
crianças que não aprendem , escolas que não ensinam

desejar, na maioria dessas escolas. Seria ingênuo demais supor que, em meio a
essa melancólica realidade, as crianças que não aprendem, as que têm limitações
físicas, as que estão às voltas com problemas emocionais e comportamentais,
as superdotadas, os retardados mentais etc. poderão ser beneficiados por bom
ensino, adequado às suas peculiaridades, sob a orientação de professores bem
preparados e competentes.
Em conferência recente, referimo-nos ao colapso do ensino público
fundamental no Brasil. No que se refere à educação antes dos sete anos, que
cabe aos municípios e à iniciativa particular, segundo o IBGE (2003), faltam
cerca de 14,6 milhões de vagas no país. Apenas dois em cada dez professores
de educação infantil contam com formação de nível superior. No ensino funda-
mental de oito anos, que teoricamente vai dos sete aos 14 anos de idade, ocorre
uma discrepância curiosa: embora a população nessa faixa de idade seja de 27
milhões, o total de alunos matriculados é de pouco mais de 35 milhões, pois
neste último total estão incluídos cerca de 8 milhões que não tiveram acesso ao
ensino fundamental na idade apropriada. Além disso, nosso ensino fundamental
inclui um enorme contingente de alunos “atrasados”, isto é, adolescentes com
15, 16 ou mais anos de idade. Ademais, essas estatísticas nada dizem em relação
à qualidade do ensino proporcionado ao seu alunado. Numerosas evidências,
contudo, apontam para um expressivo contingente de diplomados que mal
sabem (ou simplesmente não sabem) rudimentos de leitura, escrita, matemática
e conhecimentos gerais.
Numerosos fatores têm sido apontados como responsáveis pelo desca-
labro que se constata no ensino fundamental: baixos salários dos professores,
despreparo de grande parcela destes, ausência de materiais de ensino, má
qualidade de livros didáticos e assim por diante. Pouca ou nenhuma atenção
tem sido dada, no entanto, a um equívoco pedagógico e psicológico ao mesmo
tempo que viceja no Brasil desde os anos de 1970. Desde então, o pluralismo
metodológico, a flexibilidade de ação docente, o embasamento da prática
educativa nas contribuições das pesquisas empíricas, psicológicas e pedagó-
gicas, acerca do ensino-aprendizagem, a autonomia docente, a diversidade dos
recursos postos a serviço do trabalho do professor, a liberdade deste em escolher
materiais, procedimentos e fundamentação séria para o seu trabalho junto aos
alunos, passaram a ser abertamente hostilizados entre nós, senão suprimidos.

89
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Em seu lugar, alardeando, primeiro, uma fundamentação piagetiana e depois


em Vigotski — ambos nascidos no século 19(!), mais precisamente em 1896,
com o acréscimo das tintas da “antididática” de Freire, alguns iluminados
impuseram a ferro e fogo um ideário e uma “linha dura” metodológica nas
nossas escolas, ideário que se apoia maciçamente em teorização, pouco ou nada
atento a tudo quanto tem sido pesquisado cientificamente, empiricamente, no
mundo inteiro nos últimos cinquenta anos. Temos reiteradamente afirmado que
apenas duas ou três árvores, por mais frondosas e belas que sejam, não são uma
floresta. E o estado atual dos conhecimentos, hauridos não em certos gurus que
pontificam por aí, mas em investigações empíricas que se realizam no mundo
inteiro, revelam uma psicologia da criança e uma psicologia da aprendizagem
multifacetadas, riquíssimas, fecundas, que os nossos professores e futuros
professores desconhecem por inteiro.
Não se trata, é bom acentuar, de negar o mérito e a respeitabilidade
deste ou daquele nome ilustre da psicologia ou da pedagogia do passado.
O que não se pode admitir é que em pleno século XXI continuemos agrilhoados
a este ou àquele pensador, a este ou àquele guru, frente à incrível proliferação
de pesquisas e contribuições de múltipla natureza que as últimas décadas e os
anos mais recentes testemunharam. No que se refere à pedagogia, basta correr
os olhos pelos periódicos mais respeitáveis de pesquisa educacional de fato e
pelas grandes obras internacionais de referência editadas desde os anos 1990,
como a Encyclopedia of educational research em quatro volumes, a International
encyclopedia of education em 12 volumes, o Handbook of research on teaching,
o International handbook of teachers and teaching e assemelhados. Quanto à
psicologia da criança, qualquer leitor que se debruçar sobre os periódicos,
tratados e livros gerais neste domínio ver-se-á diante de um incrível rendilhado
de contribuições de primeira importância, grande parte das quais nada devem
aos teorizadores do passado. O mesmo pode ser dito em relação à psicologia da
criança, como se constata em obras densas e fundamentais como as de Mussen
(1976-79 e 1983), em vários volumes, ou no Handbook of child psychology (1998),
igualmente em vários volumes, de Damon e outros. Da mesma forma, as
pesquisas sobre aprendizagem experimentaram uma mudança de rumos, uma
expansão e um refinamento verdadeiramente extraordinários nos últimos
trinta anos (p. ex., W. S. Terry, Learning and memory, Boston, Allyn & Bacon,

90
crianças que não aprendem , escolas que não ensinam

2003; OCDE, Compreendendo o cérebro: rumo a uma nova ciência do aprendizado,


2003). Frente a essa magnífica multiplicação de contribuições inovadoras, é de se
lamentar que o nosso professorado, via “Parâmetros Curriculares Nacionais” do
MEC e em programas de capacitação como o PEC-UNESP (2001), só tenha acesso
a uma literatura dominantemente teórica, com viés ostensivo, desatualizada e em
tom aliciador. Diga-se de passagem que nem os Parâmetros, nem o PEC parecem
ter sido objeto de avaliações, análises e questionamentos independentes, não
sectários, à luz do que hoje em dia se pesquisa e se pratica nos principais centros
de investigação científica e de ensino existentes no exterior.
No que respeita à pesquisa científica, aliás, lamente-se aqui o estado
de coisas que predomina no país. A despeito de termos mais de um terço da
população composta de menores de 17 anos de idade, é ainda inexpressiva a
quantidade de literatura científica confiável, séria, de que dispomos sobre a
criança e o adolescente brasileiros. Referimo-nos, é claro, à literatura científica do
tipo hard, segundo os melhores padrões internacionais, e não a pseudopesquisas
propostas para “reflexão” e doutrinação político-ideológica apresentada como
“pesquisa”, sob as roupagens de artigos de revistas e livros supostamente cientí-
ficos e até de teses e dissertações acadêmicas. O que se constata frequentemente
em publicações desse tipo é o pasmoso desconhecimento da literatura periódica
de caráter verdadeiramente científico produzida no exterior, desconhecimento
de contribuições essenciais em forma de livros e desconhecimento de metodo-
logia da pesquisa científica. Há, pois, muito que fazer para superar esse estado de
penúria que caracteriza grande parte do que vem sendo produzido nas nossas
universidades, a respeito da infância e da adolescência. Não se trata apenas de
investir mais, mas de formar autênticos pesquisadores, bem formados e bem
informados sobre procedimentos de investigação, linhas principais de pesquisa
na atualidade e resultados das investigações mais recentes aqui e no exterior,
que em sua maior parte nada têm a ver com os “autores defuntos” a que se refere
Moura Castro.
Devemos a Claudio de Moura Castro uma contribuição que, sob o título
“As três leis do Império Tupiniquim” (Veja, 22/10/2003), esclarece porque o
nosso ensino público fundamental está na UTI. As três leis são estas: “(1) Todo
fenômeno mundial tem aqui uma explicação tupiniquim diferente. (2) Como
a solução tupiniquim é sempre melhor, não carece ver o que se faz no resto do

91
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

mundo. (3) Em caso de dúvidas, consulte-se um autor defunto, jamais o mundo


real, pois isso é um perigo para as teorias.”
Em alfabetização, prossegue Castro, nossos professores não têm
sequer acesso a livros e artigos que explicam como funcionam metodologias
comprovadamente eficazes em outros países. Em vez disso, consultamos autores
defuntos. Em matéria de formação profissional, ao invés de nos valermos do que
se faz em países mais bem-sucedidos no assunto, consultamos Gramsci, sem
saber que “muito do que ele propôs ou já está nos sistemas conhecidos ou não
deu certo”. Temos ojeriza aos cursos técnicos ou de tecnólogos. Em matéria de
aprovação nas escolas, diz Castro que lá fora “nem há repetência em massa, nem
os alunos ficam sem aprender. Por que será?” No que respeita à capacidade de ler
dos egressos nas nossas escolas, “nem os filhos das nossas elites entendem o que
leem”. Aliás, os livros são execrados nas nossas escolas, principalmente o livro-
-texto sabiamente dosado, passo a passo, que orienta o professor para ministrar
as suas aulas: “o professor tem que criar seu próprio material”. Na formação
dos professores, ao invés de ensiná-los a dar aulas, “gasta-se o tempo repetindo
as teorias de autores defuntos”. Quanto à alfabetização de adultos, padecemos
de amnésia coletiva e tratamos de repetir os mesmos erros do passado. Por
fim, opondo-se à xenofobia que prospera entre nós, Castro lembra-nos que
“inovamos e a educação avança quando experimentamos e adaptamos o
que melhor funcionou em outras paragens”.
Com as honrosas exceções de sempre, faltam aos nossos professores
do ensino público fundamental quer um domínio abrangente e profundo de
conteúdos que precisam necessariamente ser ensinados e aprendidos, quer um
preparo não tendencioso, não sectário em relação a um arsenal de habilidades
de ensino, de recursos para controle de classe, planejamento e avaliação realistas, de
técnicas eficazes de lidar com problemas pessoais e interpessoais, de orientação e
correção das tarefas dos alunos e assim por diante. Ao invés disso, despeja-se sobre
o professorado um amontoado de instruções pedantes, são repetidas “ad nauseam”
as afirmações de teóricos da educação que nunca fizeram pesquisa empírica nem
trabalharam com crianças ou adolescentes em salas de aula reais. Em agosto de
2002, uma revista destinada ao professorado publicou extensa matéria sobre “a
vanguarda da educação” no Brasil, na atualidade: surpreendentemente, estes gurus
de hoje em dia são filósofos, sociólogos, historiadores da arte, experts em relações

92
crianças que não aprendem , escolas que não ensinam

públicas e eruditos universitários que fazem belos discursos, repetem truísmos


e pouco ou nada dizem sobre as escolas reais e os professores e alunos reais que
compõem o nosso sistema educacional (Marangon e Lima, 2002).
A expansão quantitativa do ensino fundamental no país é um fato
inconteste. Mas não foi acompanhada de uma significativa melhoria qualitativa,
em resposta tanto às necessidades de cada estudante, como aos imperativos de
um preparo incomparavelmente maior e melhor do que no passado, para a socie-
dade brasileira como um todo. Um entusiasmo descomedido com indicadores
quantitativos que exaltam os milhares ou milhões de estudantes de agora perde
de vista nossas necessidades lancinantes de preparar as crianças e os jovens para
um mundo muito mais complexo, para empregos muito mais exigentes, para o
efetivo domínio de conhecimentos e habilidades em larga escala que estes novos
tempos estão a exigir. Não mais se trata apenas de saber ler de modo medíocre:
é necessário ler muito mais, com plena compreensão do que se lê, rapidamente
e de modo a assimilar de fato o que é lido. Não se trata mais de dominar a
“matemática das ruas”, as continhas da vida diária: exige-se conhecimento e uso
adequado de conceitos, algoritmos e heurísticas, equipamentos e procedimentos
que vão muitíssimo além do “duas vezes três são seis”. Uma sólida base aprendida
no âmbito da ciência e da tecnologia é hoje tão vital quanto um rico fundo de
cultura geral, um desenvolvimento artístico, cívico, físico e moral inteligentes
e sadios, uma competência nas habilidades de saber ouvir, falar e escrever e
um não mais acabar de itens críticos para viver e conviver no mundo de hoje,
resolver problemas, discriminar o que há de falacioso ou postiço em mensagens
que nos atingem, tomar decisões, participar de modo civilizado em discussões,
contribuir positivamente para o bem-estar geral. Tudo indica que podemos
e devemos por nossos empenhos nessas direções. Tudo indica que é possível
semear as boas sementes da dignidade e do respeito à vida, das ações constru-
tivas, da não violência, do amor incondicional ao próximo. Não é, contudo,
com mau ensino, professores despreparados e pedantismos pseudopedagógicos,
oficiais ou não, que atingiremos esses objetivos, tendo em vista não os happy
few, mas todos os brasileiros.
Enquanto vicejam entre nós o palavreado melífluo, a burocracia
confortável dos gabinetes, o alheamento e a insensibilidade frente ao oceano
de problemas que as escolas enfrentam no seu dia a dia, há professores Pangloss

93
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

da educação, lembrando o célebre personagem de Voltaire, que acham que “vai


tudo bem no melhor dos mundos”. Os Pangloss que fecham os olhos para a
dura e crua realidade de certas escolas nas quais os alunos não mais respeitam
os professores e os baderneiros fazem o que bem entendem; nas quais as drogas
podem ser compradas, vendidas e usadas por menores; a violência campeia,
a ponto de diretores, funcionários e alunos serem acuados por estudantes
agressivos e marginais, dentro e fora da escola; crianças pagam “pedágio” a
marmanjos que controlam a sua entrada e saída; os desregramentos, os abusos,
os palavrões, a sordidez compõem um caldo de cultura de uma espécie de
escola paralela do opróbrio e da desfaçatez; escolas nas quais pouco importa
se o aluno aprende ou não aprende, pois não há mais os controles dos boletins,
das notas, das provas e outros recursos que normalmente faziam parte da
avaliação de cada aluno; frente a tristes realidades como essas, não há como
fugir à conclusão de que é preciso despertar os nossos governantes, as nossas
autoridades de ensino dessa complacência, dessa letargia, dessa indiferença em
relação à crise que grassa no país em matéria de educação das crianças. De todas
as crianças — crianças comuns e excepcionais, crianças com e sem problemas
de aprendizagem, crianças de famílias bem constituídas e meninos de rua, pré-
-escolares e crianças mais crescidas, crianças de todos os níveis socioeconômicos.
Referindo-se aos Estados Unidos, Martin Gross publicou em 1999 um
livro que teve intensa repercussão naquele país, The conspiracy of ignorance — The
failure of American public schools. Grande parte do que Gross afirma é também
verdadeiro para as nossas escolas. Aqui também parece haver, e agravada, uma
“conspiração da ignorância”. Vivemos nestes começos do novo século
uma crise educacional extremamente preocupante no Brasil, que não se resolve
com discurseira oca, paliativos e medidas tímidas e de curto fôlego.
Vão mal a formação, a seleção e a reciclagem dos nossos professores.
São deploráveis as suas condições de trabalho e remuneração. Seu domínio dos
grandes campos do conhecimento — conhecimento que se expande cada vez
mais rapidamente e que demanda atualização contínua — deixa muitíssimo
a desejar, entre outras razões porque, ganhando salários ínfimos, não sobra
dinheiro para comprar livros, revistas e jornais, nem sobra tempo para quem se
vê obrigado a trabalhar em duas, três ou mais escolas diariamente para ganhar
o que mal dá para cobrir as despesas essenciais da família. O embasamento

94
crianças que não aprendem , escolas que não ensinam

das práticas docentes em pedagogia alicerçada em investigações empíricas,


objetivas, e em psicologia corrente com o atual “estado da arte” é substituído
por teorizações e elucubrações de gabinete e proselitismo político-ideológico
disfarçado ou escancarado. Faltam psicólogos escolares — e estes, quando
existem, o mais das vezes são despreparados, pretensiosos e avessos à ação
efetiva para ajudar a criança a superar ou minorar seus problemas; refugiam-se
na arte de não fazer nada ou na de privilegiar futuros programas preventivos
mal concebidos e mal conduzidos, enquanto as crianças reais com problemas
reais são mandadas às favas. Faltam igualmente profissionais bem qualificados
no âmbito médico, no da assistência social, no das artes, lazer e recreação, em
nutrição, em fonoaudiologia, em odontologia — que possibilitem o atendimento
adequado não desta ou daquela criança, nesta ou naquela escola ou pré-escola,
mas o de todas as crianças em todas as escolas.
Está na hora de juntar nossas forças e nossos esforços de pais, sacer-
dotes, educadores, psicólogos, médicos, fonoaudiólogos, assistentes sociais,
nutricionistas e outros profissionais, para pôr fim às intrujices pseudopedagó-
gicas, aos simulacros, às desídias, às procrastinações, à lassidão na formação e
na escolarização das crianças, especialmente no que respeita ao ensino público.
Está na hora de despertar o país para o drama da criança que tem dificuldade
para aprender e requer cuidados específicos — e competentes. Está na hora
de investir generosamente em bom ensino, bons professores, boa pesquisa
científica de natureza empírica em relação à infância e adolescência brasileiras.
Está na hora de agir de fato, na linha que mencionamos inicialmente, da tole-
rância zero em relação a tudo quanto possa afetar adversamente a educação
das nossas crianças.

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96
3
Uma abordagem biológica do
desenvolvimento
do cérebro, da inteligência
e da aprendizagem
Isabel Ribeiro do Valle Teixeira

Introdução

Se perguntássemos para as pessoas sobre qual seria a maior diferença


entre os homens e os outros animais, provavelmente, a maioria citaria alguma
atividade relacionada ao cérebro (somos sensíveis, mais inteligentes, aprendemos
rapidamente, comunicamos de várias maneiras, sonhamos, amamos...). Desde
modo, compreender o funcionamento do cérebro humano e do restante do nosso
sistema nervoso e compará-lo com o dos outros organismos seria, em grande
parte, desvendar os motivos do sucesso biológico do Homo sapiens, que hoje
ocupa e modifica toda a superfície terrestre e, ao mesmo tempo, ajudaria a nos
conhecer melhor.

97
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A evolução do cérebro

O nosso sistema nervoso é uma rede complexa que permite comunicar-


-nos com o nosso ambiente. Esta rede inclui de componentes sensoriais (por
exemplo, detectores de variações ambientais), componentes motores, tais como
os geradores de movimentos, da contração dos músculos cardíaco e liso e de
secreções glandulares e componentes interativos, que recebem, armazenam
e processam as informações sensoriais e, em seguida, orquestram respostas
motoras apropriadas (Costanzo, 1999). Todas as atividades de um animal
dependem de um fluxo constante de informação das células sensoriais até as
efetoras (Hoar, 1978). Em seres humanos, as conexões intermediárias entre
um impulso recebido e uma resposta são grandes, são inúmeras, variáveis e
flexíveis, refletindo a complexidade da estrutura de nosso sistema nervoso.
Porém, as primeiras formas de sistema nervoso que surgiram na Terra, e
que atualmente encontramos em muitos invertebrados, não tinham quase que
nenhuma organização e concentração (Dethier e Stellar, 1988).
Possivelmente, a evolução do sistema nervoso iniciou-se quando os
organismos passaram a apresentar várias células, havendo a necessidade de
um sistema organizador para que o conjunto destas funcionasse como um
indivíduo único (Dethier e Stellar, 1970). Para isso, os organismos desenvolveram
diferentes tipos de células, responsáveis por diferentes funções, que se distri-
buíam em regiões específicas do organismo, dando origem aos tecidos. O tecido
responsável pela integração de todas estas células num organismo é chamado
de tecido nervoso e é composto por células com características especiais de
transmissão de impulso (responsáveis pela percepção dos estímulos ambientais,
condução, análise e resposta), chamadas neurônios. O neurônio é resultado de
um processo evolutivo envolvendo três linhas de especialização em uma mesma
célula: uma região receptora ou de entrada; uma fibra condutora, ou região
transmissora da membrana celular e uma região de relacionada com a liberação
de uma secreção específica, ou substância neurotransmissora (Hoar, 1978). A
possibilidade de um neurônio se comunicar com outro através de diferentes
substâncias químicas (sinapse química) permitiu uma maior variação dos tipos
de impulsos transmitidos (Junqueira e Carneiro, 1999). Sinapses elétricas, nas
quais os neurônios têm contato físico com outro neurônio e o impulso é passado
diretamente, não permitem esta variação.

98
uma abordagem biológica do desenvolvimento do cérebro, da inteligência e da aprendizagem

Os primeiros sistemas nervosos que surgiram durante a evolução animal


encontravam-se distribuídos por todo corpo do animal (veja o sistema nervoso
das Hidras — Barnes, 1996), sem nenhum tipo de concentração. Posteriormente,
as células nervosas formaram pequenos grupos pelo corpo, localizados em regiões
estratégicas, o que permitiu que a recepção ao estímulo, sua interpretação e
respostas fossem mais bem elaboradas e mais eficientes (Hoar, 1978). O grande
marco da evolução do sistema nervoso foi a cefalização, ou seja, o desenvolvi-
mento de um agrupamento de neurônios na região da cabeça (o encéfalo) que era
responsável pela coordenação de todas as ações do corpo do animal (Sabbatini,
2002). O avanço da cefalização se deu com a aquisição de um plano corporal
bilateral, com o corpo com uma região anterior e outra posterior bem definida,
assumindo a extremidade anterior (a primeira parte do corpo a ter contato com
novos ambientes) cada vez mais o controle de outros centros nervosos do corpo
(Dethier e Stellar, 1988). A tendência do desenvolvimento de uma massa nervosa
dominadora está relacionada com o aparecimento de comportamentos cada vez
mais complexos e a crescente gama de órgãos sensoriais especializados (Hoar, 1978)
Nos vertebrados, encontramos uma nova organização do sistema nervoso,
pois esse é constituído apenas de um cordão nervoso dorsal (a medula – que
tem função de integração de respostas dos movimentos reflexos e de condução
de impulsos nervosos para o encéfalo) que termina em uma grande massa
ganglionar, o encéfalo (Dethier e Stellar, 1988). Como consequência, houve
um afastamento entre o tubo digestivo e o encéfalo (Rose, 1984). O encéfalo
sofreu uma mudança na sua configuração, apresentando um alto desenvol-
vimento dos hemisférios cerebrais e do córtex que se situa sobre eles. Entre
os vertebrados, o peso do encéfalo varia de algumas gramas em peixes até
1.400 g no homem e ainda mais em animais maiores como baleia e elefantes
(Dethier e Stellar, 1988).
As principais diferenciações evolutivas do encéfalo foram ocasionadas
pelo aparecimento de receptores especiais, cujas fibras terminam em diferentes
partes do encéfalo primitivo (Dethier e Stellar, 1988). Isto proporcionou que
diferentes regiões do cérebro fossem responsáveis por diferentes funções. As
regiões específicas para cada função se mostram mais desenvolvidas de acordo
com a exigência do modo de vida do organismo. Por exemplo, à medida que os
receptores para postura e equilíbrio tornaram-se mais importantes, uma área

99
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

importante do encéfalo posterior ampliou-se, transformando-se em cerebelo.


Animais que voam possuem o cerebelo relativamente mais desenvolvido que
os que rastejam. Já animais predadores possuem as áreas de associação visuais
e olfativas mais desenvolvidas (Romero, 1999).
O córtex cerebral apareceu, a princípio, como uma região mediadora das
funções olfativas e visuais (Dethier e Stellar, 1988). O córtex é um manto cinzento
situado na margem externa do cérebro, formado por corpos celulares de neurônios.
As regiões mais primitivas do córtex têm, em grande parte, função olfativa e visceral,
as regiões mais derivadas, chamadas de neocórtex, que surgiram nos répteis como
uma área receptora de fibras sensoriais, estão relacionadas com análises mais
sofisticadas do ambiente (Cândido, 2001). O desenvolvimento do neocórtex é tão
intenso nos mamíferos superiores que ele dobra sobre si mesmo, desenvolvendo
fissuras ou sulcos, e as expansões ou giros que caracterizam o cérebro convoluto.
Essa região passa, com o tempo, a desenvolver, cada vez mais, a função de associação
e integração de todos os estímulos recebidos. No homem, o aumento do cérebro
associativo alcança o seu ápice e encontram-se poucas regiões do neocórtex que
são dedicadas às funções motoras ou sensoriais (Dethier e Stellar, 1988).
É interessante lembrar que juntamente com o desenvolvimento do encé-
falo foi desenvolvido um sistema de inibição para que as atividades reflexas,
comandadas pelas regiões mais inferiores do cérebro, fossem inibidas. O desen-
volvimento do neocórtex não é, porém, a última etapa da evolução do cérebro.
A última etapa foi a frontalização do neocórtex, que no macaco mais primitivo
corresponde a 8% do cérebro e no homem 29% (cerca de um terço do tamanho
total do cérebro) (Sabbatini, 2002). O homem de Neanderthal supostamente
demonstrava menor lobo frontal comparado a um humano moderno atual
do mesmo tamanho (Holloway 1985; Hayden 1993; Stringer e Gamble 1993;
Mithen 1996; Noble e Davidson 1996).

Desenvolvimento do cérebro no homem

O cérebro humano é constituído por 100 bilhões de neurônios associados a


um número dez vezes maior de células gliais. Cada neurônio pode desenvolver por
volta de 100.000 dendritos (ramificações), os quais permitem de 1 a 10.000 conexões
sinápticas, o que possibilita um número teórico de 40 quatrilhões de padrões de

100
uma abordagem biológica do desenvolvimento do cérebro, da inteligência e da aprendizagem

conexões diferentes. Além disso, nas sinapses existem por volta de neurotransmis-
sores 53 diferentes, que podem diferenciar um estímulo de outro (Ratey, 2001). A
própria complexidade de nosso cérebro já basta para compreendermos o porquê
é tão difícil prever o comportamento humano depois de algum estímulo.
Muitos fatores relacionados com a nossa história evolutiva e de nossos
ancestrais contribuíram para que nosso cérebro chegasse a este nível de
complexidade. É necessário, porém, muito cuidado ao se falar na evolução
do cérebro, pois corremos o risco de associar os desafios comportamentais
pelos quais passamos (usar a linguagem, aprender a manipular competidores
sociais etc.) à evolução do cérebro de 400 g do Australopithecus ao cérebro de
nossos ancestrais. Possivelmente, ao contrário da função ditando a evolução
da estrutura, foi uma estrutura adicional que permitiu o desenvolvimento
das diversas funções no cérebro humano (Finlay et al. 2001). A evolução do
cérebro humano é, provavelmente, resultado de uma “evolução em mosaico”
(Mosaic Evolution), caracterizada por hipertrofias diferenciais de subsistemas
físicos essenciais para a humanidade (Hayden, 1993; Stringer e Gamble 1993;
Mithen 1996; Noble e Davidson 1996). Deste modo, a evolução do cérebro
humano é resultado de uma seleção natural a favor de que diferentes seções do
cérebro preexistentes expandissem e se especializassem de uma protuberância
menos complexa situada na extremidade de um tubo neural dos vertebrados
primitivos. Nos símios e nos primeiros humanos, a percepção de cores e de
forma era necessária, mesmo na ausência de movimentos, o que impulsionou o
desenvolvimento do córtex para desvendar esses complexos problemas visuais
(Ratey, 2001). O interessante, em humanos, é o próprio desenvolvimento do
cérebro do nascimento até a idade adulta. A grande diferença de um cérebro de
um recém-nascido (400 g) para um adulto (1.300 g) é que um imenso número
de interconexões se desenvolve ao longo da vida, à medida que o encéfalo é
estimulado e resultam numa rede complexa (Cardoso, 2000).

Definição de inteligência e aprendizagem e comparações com


os outros animais

Podemos dizer que há dois tipos fundamentais de comportamento.


Um inato e estereotipado, executado de uma forma essencialmente igual em

101
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

todos os membros de uma mesma espécie, que é produzido como resultado


de um estado fisiológico interno (necessidade alimentícia, maturidade sexual,
atividade rítmica dos centros nervosos) em resposta a situações liberadoras
do meio externo (presença de alimento, do parceiro sexual etc.) (Hoar, 1978).
A evolução do sistema nervoso permitiu que os animais adquirissem versa-
tilidade e grande capacidade de se ajustar a diferentes problemas da vida,
podendo apresentar um leque comportamental bem maior que o permitido
por comportamentos fixos e estereotipados. Este tipo comportamento flexível,
que permite uma melhor adaptação às diferentes situações da vida, é conside-
rado nato e entre eles podemos citar a aprendizagem. Num comportamento
flexível, as interações entre a entrada e a saída de um impulso nervoso são
modificadas regularmente mediante cada nova experiência, num processo
dinâmico, permitindo assim a aprendizagem (Hoar, 1978). A aprendizagem
leva a mudanças morfológicas no cérebro, desta forma, quanto maior a capa-
cidade do cérebro em desenvolver essas mudanças, maior será a capacidade
de aprendizagem do organismo. Esta flexibilidade de alteração cerebral a
cada nova informação processada é chamada plasticidade cerebral (Ratey,
2001). Draganski et al. (2004) observaram que as pessoas demonstraram
mudanças estruturais nas áreas cerebrais associadas ao armazenamento e
estímulos visuais complexos, contradizendo o tradicional ponto de vista de
que a plasticidade cortical está mais associada a mudanças funcionais, não
anatômicas, difíceis de serem visualizadas.
Muitos dos comportamentos tidos como fixos podem ser à base de
comportamentos mais complexos. Ades (Zorzetto, 2003) comprovou por
meio de experimentos que aranhas são capazes de aprender e aperfeiçoar seus
instintos básicos, como os ligados à caça e à construção de teias (atividades tidas
como inatas e inalteráveis).
Quando se estuda inteligência e aprendizagem, geralmente utilizamos como
indicador o comportamento. A definição mais usual de inteligência (do latim:
intus, dentro, leggere, ler) em biologia é a capacidade de resolução de problemas,
sejam estes os mais variáveis possíveis, tal como a maneira mais rápida, segura
e eficiente de obter o melhor alimento, de acasalamento com o melhor parceiro
sexual, melhor abrigo, melhor forma de enganar o predador, a melhor forma de
comunicação quando se vive socialmente etc. (Krebs e Davies, 1996).

102
uma abordagem biológica do desenvolvimento do cérebro, da inteligência e da aprendizagem

No homem, reconhecemos uma capacidade de resolução de problemas mais


complexos, tais como os abstratos, habilidade de desenvolver conceitos, de reunir
experiências anteriores e analisá-las de maneira independente. Este processo
muitas vezes é chamado de raciocínio. Porém, atualmente se têm resultados
de comportamentos de animais que demonstram ser resultados de algum tipo de
raciocínio. Os macacos, por exemplo, conseguem diferenciar em diferentes
sequências de letras repetidas, as letras DDEEDDEE como a que corresponde ao
compartimento de alimento. Apesar de este exemplo estar associado a processos
simbólicos, eles ainda estão relacionados à resposta a estímulos fisiológicos, no
caso, o alimento. No ser humano e nos primatas superiores, o grande desen-
volvimento do raciocínio, da capacidade abstrata e de processos simbólicos
permitiu a estes organismos desenvolver um comportamento muitas vezes
independente de estímulos sensoriais, instintos ou hábitos, o que possibilita
realizar adaptações ao ambiente, avaliando-o com raciocínio, uso de símbolo
e linguagem (Dethier e Stellar, 1988).
A memória é a força centrípeta que congrega a aprendizagem (Ratey, 2001).
A região do nosso cérebro responsável pela memória é o hipocampo. O armaze-
namento de informações está muito associado a alterações químicas nesta região.
Príons normais (proteínas capazes de mudar a conformação de outras proteínas)
associados à laminina (proteínas associadas à união de células), por exemplo,
parecem ter um papel importante na formação da memória (Greco, 2003).
A definição de aprendizagem em biologia é a mudança de comportamento
devido a uma experiência anterior (seja esta positiva ou negativa). Portanto,
somente há aprendizagem se houver mudança de comportamento. Assim como
inteligência, observa-se também comportamento de aprendizagem na maioria
dos filos de animais. A capacidade de aprender talvez seja uma característica
própria do sistema nervoso, que por meio da experiência permite adaptação aos
desafios ambientais (Zorzetto, 2003). Piaget emprega o termo adaptação bioló-
gica para a formação do pensamento humano. A formação do conhecimento é
precedida pela relação (adaptação) entre o pensamento e o meio (Montangero
e Maurice-Naville, 1988).
Animais de vida curta apresentam a maior parte do comportamento
determinada geneticamente (estereotipados), enquanto que animais de vida
longa mudam o seu comportamento depois de passar por determinados

103
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

tipos de experiências (Pianka, 1990). Este fato possivelmente está relacionado a


adaptações a diferentes modos de vida. Possivelmente, um animal de vida curta
não teria tempo de desenvolver aprendizagem, já que é um processo relativa-
mente longo para o seu período de vida. Um animal de vida longa enfrentará,
relativamente, mais mudanças ambientais com as quais seria difícil lidar com
comportamentos apenas estereotipados e instintivos. Desta forma, a aprendi-
zagem passa a ser uma das características mais notáveis do comportamento dos
organismos vivos, permitindo que este ser adquira novas adaptações em relação
ao seu meio. Compartilhamos com os animais diferentes tipos de aprendizagens,
dos mais simples como a impressão, em que o recém-nascido segue a primeira
imagem ou som (comum em aves) e habituação (em que exposições repetidas
a um mesmo estímulo neutro, diminui a sua resposta natural, até que essa
desaparece) à solução de problemas e raciocínios. Nesses últimos aspectos, as
diferenças entre os animais são muito grandes (Dethier e Stellar, 1988).
É importante ressaltar que a complexidade da aprendizagem evoluiu
simultaneamente com o desenvolvimento de áreas cerebrais relacionadas
com a cognição e a associação (ou seja, inteligência) que, por sua vez, ocorreu
simultaneamente com a evolução da linguagem (Sabbatini, 2002).
Um grande número de fatores contribuiu para que a evolução do cérebro
no homem entre eles: 1) a possibilidade de um grande aumento do tamanho
do cérebro (em relação ao tamanho do corpo) e do desenvolvimento de sua
alta complexidade; 2) do aparecimento de fatores que inibissem as atividades
inatas, em razão de outras mais elaboradas (Sabbatini, 2000; Cândido, 2001);
3) a capacidade de viver em grupos; 4) cordas vocais que permitiram melhor
articulação de sons; 5) desenvolvimento de áreas cerebrais responsáveis por
funções descritivas e argumentativas da linguagem, e 6) o fato de o sentido do
“eu” ocupar a posição central no que se refere à consciência do comportamento
e planejamento (Cândido, 2001).

Conclusões finais

A complexidade atingida pelo nosso sistema nervoso reflete nossa capaci-


dade de resolução de problemas, que resultou na maioria das nossas invenções

104
uma abordagem biológica do desenvolvimento do cérebro, da inteligência e da aprendizagem

e nossa capacidade de aprender e de questionar nosso ambiente, e possibilitou a


aquisição de todo conhecimento já adquirido pelo homem. Porém, muitos dos
nossos comportamentos ainda não podemos entender ou justificar. Talvez, a
maior contribuição do entendimento da evolução do cérebro, comparando-a
com o de outros animais, nos ajude a nos conhecer melhor.

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106
4
Infans – Unidade de
Atendimento ao Bebê1
A formação de uma rede de atenção aos primeiros
anos de vida

Cláudia Mascarenhas Fernandes,


Ethel Aronis,
Íris Franco,
Lou Muniz Atem

Toda organização comporta uma missão prioritária e, para nós do Infans,


a missão é proporcionar atendimento transdisciplinar às gestantes, bebês e
cuidadores e capacitar profissionais para que a rede de atenção aos primeiros
anos de vida se multiplique. Nosso trabalho não visa, portanto, privilegiar
determinado sintoma ou patologia específico, mas acolher e tratar as demandas
e sofrimentos que giram em torno desse início da vida do bebê humano.
Interessados em uma atenção diferenciada à criança e a famílias que passam
por dificuldades psicossociais, montamos, em 1997, um projeto de estudos sobre

1 O Infans tem sede em São Paulo, capital, à rua Artur de Azevedo, 46, Pinheiros. Site
www.Infans.org, e-mail: Infans@ig.com.br, tel.: (11) 3082. 1921.

107
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

o bebê e seus cuidadores, abarcando as circunstâncias que envolvem a família,


a gestação e o nascimento de uma criança.
Em 1999 iniciamos uma pesquisa-ação relacionada a casais que recebiam
prognósticos difíceis para seus filhos (relacionados a malformações fetais ou
patologias orgânicas maternas) ainda em período gestacional.
O resultado da extrema necessidade de apoio, acolhimento e atendimento
aos pais em situações de sofrimento e o ideal de criar um espaço diferenciado
para trabalhar com esses bebês e suas famílias, gerou a fundação do Infans —
Unidade de Atendimento ao Bebê. A isso se juntou o ideal de propiciar uma
igualdade de condições no início da vida, bem como a possibilidade de um
trabalho de prevenção precoce em saúde mental.
O Infans é uma instituição que se organizou em forma de ONG, tendo
sido essa a forma encontrada para podermos trabalhar com a premissa de que
a falta inicial de recursos financeiros não seja um impedimento ao tratamento
do paciente ou de sua família. A falta de condições financeiras passa a ser, assim,
o início, e não o fim do tratamento.
A equipe do Infans é formada por psicanalistas, psicólogos, fonoaudiólogos,
psiquiatras e profissionais engajados no trabalho com a pequena infância, os quais
carregam a tarefa de implantar um atendimento transdisciplinar de uma mesma
direção de tratamento, tendo como fundamento teórico nuclear a premissa de que
o sujeito se constitui do outro, ou seja; o bebê não existe sem o outro.
Desse modo, definimos a psicopatologia do bebê como uma patologia do
laço do bebê com o outro/outro, sendo essa definição o que irá embasar todo
atendimento feito no Infans, tendo por objetivo a construção de uma rede de
atendimentos que se interligam e integram de forma transdisciplinar. Assim,
todas as disciplinas que trabalharem no Infans partirão desse mesmo ponto
de vista. Através dessa rede, acompanhamos uma livre demanda de pedidos de
atendimentos, que podem surgir das mais variadas formas: por telefone, através
de uma pesquisa, pelo contato de algum profissional, através de observações
em outras instituições, e outros. Vejamos mais detalhadamente como o Infans
recebe seus pacientes e encaminha seus atendimentos.

108
infans – unidade de atendimento ao bebê

Chegada do paciente

Quando o paciente busca a instituição, temos uma lista de profissionais


disponíveis por ordem alfabética e o encaminhamento é realizado de acordo com
esta lista. Se o paciente já procura especificamente por alguém, então essa pessoa se
encarregará do atendimento. Dessa forma, não realizamos triagem, pois pensamos
poder, assim, preservar a transferência que já se estabelece em cada entrevista inicial,
bem como as decisões de cada terapeuta no encaminhamento de cada caso.
Do mesmo modo, também optamos por não ter uma fila de espera de
pacientes. No atendimento à gestante, ao bebê e seus cuidadores, acreditamos
que a espera numa situação de risco bio-psicossocial seja iatrogênica, pois,
sendo o bebê um ser em constituição, a espera por atendimento poderia levar a
uma parada nessa constituição, aumentando ainda mais as consequências de
dificuldades que porventura estejam em fase inicial.
Os encaminhamentos de pacientes também podem ser feitos pelos pesqui-
sadores dos projetos de pesquisa em andamento e também através das parcerias
que o Infans estabelece com outras instituições.
Além disso, os atendimentos podem ser realizados fora da sede do Infans,
numa instituição parceira ou em alguma outra, que venha a nos solicitar. Nestes
casos, é feito um contato específico com cada instituição, atendendo à demanda
particular que cada instituição venha a fazer.
Algumas modalidades de atendimento no Infans foram criadas visando
a essas demandas institucionais e vêm se mostrando fundamentais para a
eficácia dos atendimentos realizados. São elas:

Atendimento ambulatorial

Destinado a gestantes, bebês de 0 a 3 anos e seus cuidadores, esses atendi-


mentos psicoterápicos são financiados por doações de pessoas físicas, empresas e
outras instituições. A indicação para o atendimento pode ser feita por parceiros
do Infans, tais como creches, abrigos e outras instituições, por profissionais
envolvidos nos cuidados com a pequena infância, e pela população em geral
(pessoa física), que tenha conhecimento do ambulatório do Infans.

109
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Para que os encaminhamentos sejam feitos, damos alguns indicadores que


qualquer pessoa, leiga ou não, pode se usar para saber da necessidade de um
atendimento para o bebê e sua família. Dentre esses indicadores, temos:
▶▶ Bebês que apresentam: doenças recorrentes, não brincar, dificuldades
com a alimentação, dificuldades para dormir, não fixar o olhar no
cuidador, agitação constante, atraso no desenvolvimento e outros.
▶▶ Pais que apresentam: dificuldades em reconhecer o que seu filho está
pedindo, negligência nos cuidados básicos com o bebê, depressão pós-
-parto, não conseguir cuidar sozinha de seu bebê e outras situações de
dificuldade e sofrimento.

Atendimento domiciliar

Nos casos em que os cuidadores, por algum motivo, estejam impos-


sibilitados de comparecer à instituição, um profissional do Infans realiza o
atendimento na residência do paciente, até que ele possa vir ao atendimento.

Acompanhamento terapêutico

Destinado a cuidadores (pais) portadores de doenças psíquicas graves (tais


como as psicoses). Aqui, o trabalho também pode se dar fora da instituição,
consistindo em estar junto aos pais ou cuidadores nas decisões, dúvidas, funções
e sustentação de lugares psíquicos que eles devem exercer junto ao bebê para que
ele venha a se constituir enquanto sujeito. Especificamente nas psicoses, vemos
uma dificuldade na sustentação das funções materna e paterna, situação em que
o acompanhamento terapêutico é, então, de extrema valia.

Parcerias com instituições das áreas de saúde e educação

Acompanhamento e intervenções dentro de instituições, tais como creches


e hospitais, com o objetivo de favorecer o funcionamento de tais instituições

110
infans – unidade de atendimento ao bebê

no que diz respeito aos serviços por elas prestados. Por exemplo: observações
em creche para auxiliar na capacitação dos educadores infantis e no desen-
volvimento da criança; acompanhamento e intervenções no processo de
amamentação em U.T.I. neonatal e na implementação no Programa de Atenção
Humanizada Método Canguru.

Formação de profissionais

São organizadas jornadas anuais de trabalho, mesas redondas, palestras e


cursos sobre o tema da psicopatologia do Bebê, nas quais comparecem profis-
sionais de diversas áreas.
No formato de curso de capacitação, realizamos também projetos de
formação para educadores de creches infantis e capacitação para fonoaudiólogos
que desejem atuar no âmbito hospitalar.
Realizamos semanalmente uma reunião clínica para acompanhamento dos
casos atendidos no Infans e mensalmente uma discussão clínica aberta para
profissionais interessados no atendimento à pequena infância.

Site do Infans: www.infans.org

Um espaço na Internet para responder dúvidas e preocupações dos cuida-


dores em relação aos seus bebês, publicação de textos sobre o tema e divulgação
de eventos nessa área.
No âmbito das questões éticas, aquelas que dirigem o trabalho diário
junto ao bebê e seus cuidadores, temos como fundamento principal, como
já foi apontado, a premissa de que o sujeito se constitui do outro, o que traz
consequências para a forma com que realizamos nossa clínica. Pensamos que,
no trabalho com o bebê, é necessário pensar sempre numa polifatorialidade,
ou seja: há sempre mais de um fator envolvido para que aquela problemática
tenha surgido, e não é raro que seja necessária também a inclusão de mais de
um profissional em determinados casos.

111
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Também partimos do pressuposto inicial (e ético) de que uma demanda


por atendimento não se constitui no mesmo momento em que é feito o
pedido por atendimento, ou seja; é preciso realizar uma distinção entre pedido
e demanda, para que uma demanda e uma abertura para o atendimento possam
se constituir aos poucos e paulatinamente durante o trabalho. Isso é particular-
mente importante no trabalho com o bebê, pois este se diferencia do trabalho
com o adulto e a criança, já que o adulto pode demandar em nome próprio, e a
criança, apesar de atrelada à fala do adulto, já possui questões e sofrimentos que
lhe são próprios. Quanto ao bebê, só pode ser falado partindo da fala de seus
cuidadores e seus sofrimentos, são expressos diretamente no corpo de modo a
necessitarem de uma leitura externa que os traduza e decifre. Assim, no trabalho
com o bebê, a demanda não vem do próprio bebê, mas de seus cuidadores, e
ela não se assemelha ao pedido ou queixa que estes fizeram. Exemplificando, o
trabalho de constituição de demanda exige que os cuidadores possam partir de
um pedido de atendimento, por exemplo, porque o bebê não dorme à noite, a uma
demanda de que eles pudessem ter mais tempo para si próprios e para suas vidas.
Assim, de forma bem resumida nossos objetivos são: a) fornecer serviços
que visam ao acompanhamento, tratamento e prevenção da saúde da mulher,
dos pais e seus bebês, b) fazer parte de uma rede de atenção a pais e bebês, a
qual inclui profissionais de diversas áreas (psicanálise, psicologia, medicina,
fonoaudiologia, fisioterapia, educação, direito e outras) podendo melhorar
qualitativamente os atendimentos à população, c) divulgar a importância da
prevenção e da atenção precoce a pais e bebês, o que traz consequências benéficas
para o desenvolvimento futuro da criança. Desse trabalho realizado pelo Infans,
finalizado depois de dez anos, duas instituições foram criadas: o INSTITUTO
VIVA INFÂNCIA, em Salvador, e o ENTRELAÇOS, em São Paulo.

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113
5
Causas genéticas
de más-formações corticais
Claudia Eunice Neves de Oliveira

Introdução

O desenvolvimento pré-natal do sistema nervoso (SN) é o resultado de


uma sequência de processos, tais como indução, proliferação neuronal e glial,
diferenciação, migração e organização. Estes processos ocorrem em diversos
momentos e, na sua grande maioria, de maneira simultânea. Distúrbios nesses
processos de formação do SN alteram a citoarquitetura, laminação e fisiologia
neuronal normais, particularmente, do córtex cerebral gerando, assim, as
malformações corticais (MCs), as quais podem ter repercussões drásticas sobre
o desenvolvimento da criança.
O córtex cerebral é a fascinante estrutura que armazena em si inúmeras
funções, ditas superiores. Dentre estas funções, temos a cognição, a linguagem
articulada, memória, percepção sensorial, intenção e planejamento dos
movimentos voluntários, pensamentos etc. Quando da presença de MCs
estas funções podem ser desestabilizadas.
Até o início da década de 1990, estas MCs eram atribuídas, em sua grande
maioria, a insultos ambientais sobre a parte central do SN. Todavia, com o

115
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

avanço na caracterização dos quadros clínicos destas anormalidades, bem como


com os avanços nos métodos de diagnóstico por imagem da citogenética e da
biologia molecular, este quadro começou a sofrer modificação e, gradativamente,
descortina-se, cada vez mais, a ação de eventos genéticos.
Deste modo, temos por objetivo apresentar as referidas malformações
coticais as quais apresentam uma etiologia genética.
Para facilitar a compreensão das etapas que envolvem o desenvolimento do
córtex cerebral, a tabela 1 classifica, de modo simplificado, estas etapas, os picos
de ocorrência, os principiais eventos morfológicos envolvidos, as malformações
corticais primárias associadas, bem como os genes envolvidos.

Anormalidades da proliferação e diferenciação neuronal e glial

O processo de proliferação e diferenciação neuronal e glial é caracterizado por


multiplicação celular nas zonas ventricular e subventricular e pela diferenciação
dos neuroblastos e glioblastos. Interferências nestes processos podem acarretar
malformações corticais caracterizadas por um aumento ou diminuição de células
no córtex definitivo (Palmini, 1996; Kuzniecky e Dobyns, 2001). Isto pode gerar
formas graves de MCs localizadas, incluindo a displasia cortical focal tipo Taylor
(TTFCD — Taylor-type focal cortical dysplasia) e a hemimegalencefalia (HMG).
Esses defeitos são caracterizados por uma arquitetura cortical anormal, excesso
de neurônios piramidais com tendências anormais e, sobretudo, com elementos
celulares aberrantes na forma de neurônios dismórficos e células em balão
(Palmini, 2000).
Até o presente momento, não foram encontrados dados que sustentem uma
etiologia genética para estas malformações.

Anormalidades da migração neuroblástica

A migração neuronal é o processo que envolve a mudança posicional do


neurônio. Configura o deslocamento do corpo de uma célula nervosa do local

116
causas genéticas de más - formações corticais

de sua última divisão mitótica, ou seja, da zona proliferativa, até o seu destino
final no córtex cerebral. É um processo complexo e altamente especializado
do desenvolvimento cerebral. Esta etapa pode durar, para cada célula, de um a
três dias nos estágios iniciais da neurogênese, até mais que duas semanas nos
estágios finais do desenvolvimento cortical (Rakic, 1978).
A longa duração do processo migratório e sua alta complexidade levam
a uma maior vulnerabilidade a possíveis lesões, gerando, frequentemente,
persistência de neurônios em posição heterotópica, seja em nódulos, bandas
ou como lâminas espessas de células subcorticais.
Nessas anormalidades, enquadram-se as lissencefalias, heterotopias nodu-
lares subcortical (SNH — subcortical nodular heterotopia) e periventricular
(PNH — periventricular nodular heterotopia), a heterotopia em banda difusa
subcortical (SBH — subcortical band heterotopia) e a paquigiria difusa. Essas
entidades não possuem neurônios dismórficos ou células em balão, mas têm
neurônios imaturos localizados em posições heterotópicas interferindo, destarte,
com a formação giral (Palmini, 2000).
Dentre as MCs incluídas nesta classe, somente as lissencefalias, a SBH e a
PNH apresentam uma etiologia genética conhecida.
Na lissencefalia clássica, caracterizada pela ausência das circunvoluções
cerebrais, fornecendo ao córtex cerebral um aspecto liso (Dobyns e Truwit,
1995), o gene LIS-1, localizado em 17p13.3 é identificado como responsável por
esta malformação (Reiner et al., 1993). Este gene codifica a proteína LIS-1 ou
PAFAH1B1, uma subunidade do fator de ativação plaquetário cerebral acetil-
-hidrolase (Hattoti et al., 1994).
Os fatores de ativação plaquetário foram identificados, primeiro, por parti-
cipar da resposta inflamatória. Hoje se sabe que eles são, também, sintetizados
e liberados no cérebro, interagindo com receptores específicos nos neurônios e
nas células gliais, o que estimula o influxo de cálcio (Walsh, 1995). Uma vez que
o PAFAH1B1 controla o nível do fator de ativação plaquetário ao degradá-lo, o
gene LIS-1, consequentemente, regula esta sinalização intracelular.
Como sabemos, o cálcio tem importantíssimo papel na migração celular,
sendo necessária uma concentração ótima de cálcio intracelular, pois seu
aumento, ou diminuição, altera a mobilidade celular, interferindo no processo
migratório e, posteriormente, no crescimento axonal (Kater et al., 1988).

117
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A proteína LIS-1 tem sido encontrada durante o desenvolvimento do


cérebro humano nas células de Cajal-Retzius, as quais se encontram na zona
marginal durante o período pré-natal e no neuroepitélio ventricular (Clark et al.,
1997). Deste modo, confirmando seu importante papel no processo migracional.
A heterotopia em banda subcortical é caracterizada por bandas
de substância cinzenta dispostas simetricamente por toda ou quase toda a
circunferência cerebral, estando separada do córtex por uma delgada camada
de substância branca, conferindo ao cérebro uma aparência de duplo córtex
(Flores-Dinorin, 1999; Kuznieck e Dobyns, 2001).
Verificou-se a participação do gene XLIS como fator causal, tanto para
a HBS, quanto para a lissencefalia ligada ao X. O gene XLIS codifica a
proteína doublecortin (Sousey-Alaoui et al., 1998), a qual, por sua vez, liga-se
aos microtúbulos, estabilizando-os (Horesh et al., 1999).
Os microtúbulos estão presentes no citoesqueleto dos neurônios. Sabe-se,
claramente, que os microtúbulos medeiam os movimentos de organelas de uma
região da célula para a outra e servem para ancorar constituintes da membrana,
por exemplo, receptores, em localizações apropriadas sobre a superfície da célula.
Também são essenciais para o desenvolvimento da morfologia neuronal.
O papel dos microtúbulos durante a migração neuronal inclui a ação
sinergista das proteínas contráteis ligadas à actina (Horesh et al., 1999). Esta
é necessária para a mobilidade de qualquer tipo celular (Kater et al., 1988).
Deste modo, mutações no gene doublecortin (Gleeson et al., 1998) interferem
negativamente na migração neuronal.
Já na heterotopia nodular periventricular, a qual se caracteriza
por núcleos de células gliais e ou neuronais localizadas profundamente na
substância branca delineando os ventrículos laterais como massas nodulares
imediatamente abaixo do epêndima (Falconer et al., 1990; Barkovich e Kjos,
1992), o gene envolvido está localizado no cromossomo Xq28 (Dobyns et al.,
1996) e é denominado filamin-1 (FLN-1 ou FLNA). Este gene codifica uma
fosfoproteína transdutora de sinal ligada à actina, ou seja, o FLN-1 promove
a ligação direta entre os receptores de membrana e a actina do citoesqueleto,
formando e quebrando os contatos de adesão, os quais são críticos para a
migração neuronal (Fox et al., 1998).

118
causas genéticas de más - formações corticais

Os filamentos de actina presentes no interior do cone de crescimento


promovem os movimentos constantes dos filopódios, para que eles possam aderir
às moléculas da matriz extracelular ou às moléculas da superfície da membrana,
permitindo, assim, uma migração correta (Browder et al., 1991). Desta forma,
mutações do FLN-1 podem alterar o padrão normal da migração celular.

Anormalidades da organização cortical

Após a migração dos neurônios imaturos ao seu destino final, esses


tendem a se aderir aos seus similares morfológicos e funcionais. Esta
organização é uma das etapas para a formação de partes funcionais do SN.
Pouco se sabe sobre o fascinante fenômeno de como as células definem sua
união. Há hipóteses de que sinais são enviados para orientar os neurônios e,
de algum modo, os aspectos direcionais e temporais determinam o seu fim.
Outra hipótese é a agregação seletiva, explicada pelas afinidades químicas
entre as células mediadoras, ou talvez, por moléculas de adesão.
Nesta fase de organização cortical, os neurônios projetam seus ramos
axonais, formam sinapses (sinaptogênese), aproximadamente 50% dos
neurônios gerados sofrem o processo de morte neuronal programada, além,
é claro, do dinâmico processo de mielinização. Todos estes eventos têm por
finalidade formar a rede neural superior (Oliveira, 2002).
Interferências no processo de organização cortical levam a polimicrogirias
(PMG – polymicrogyria), esquizencefalia (SCH – schizencephaly) e desorgani-
zações intracorticais laminares (ILD – intracortical laminar disorganization)
(Palmini, 2000).
Nesta classe, até o presente instante, somente a esquizencefalia apresenta
um componente genético para explicar a presença desta malformação. A SCH
é considerada a forma mais grave das MCs e ocorre devido à falha de desenvol-
vimento do manto cortical nas regiões onde se formam e invaginam as fissuras
cerebrais primárias. Há a formação de fendas hemisféricas, geralmente, bilaterias e
simétricas. Os lábios da invaginação podem se encontrar fechados, caracterizando
a SCH tipo I (Dubey et al., 2001) ou amplamente separados, caracterizando a
SCH tipo II (Kuzniecky e Jackson, 1997).

119
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

O gene EMX2, mapeado em 10q26, é o responsável pela SCH. Este gene


é um homeobox com três éxons e funciona como um fator de transcrição. Este
gene foi pesquisado, primeiro, na drosófila e sabe-se hoje que ele está relacionado
ao desenvolvimento cefálico, controlando a morfogênese e diferenciação celular
(Noonan et. al., 2001).

Considerações finais

Possivelmente, outras importantíssimas funções possam ser atribuídas


aos genes e aos produtos dos genes mencionados, bem como o descortinar de
outros eventos moleculares relacionados a estas malformações. Também, não
nos causará surpresa a constatação de que outros genes, ainda não identificados,
possam, concomitantemente, tomar parte da fisiopatologia destas doenças.
Hoje, já existe um aumento na proporção dos casos com etiologia genética
identificados, graças aos avanços das técnicas diagnósticas, principalmente, da
genética molecular, o que permite, atualmente, a identificação de mutações e
ou deleções submicroscópicas. Estes avanços têm permitido um conhecimento
mais aprofundado do desenvolvimento do córtex cerebral, revelando, cada vez, mais
a complexidade dos passos fundamentais na citogênese neural.

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122
Tabela 1 – Principais processos do desenvolvimento do córtex cerebral, suas respectivas
malformações de acordo com o pico de ocorrência e os genes identificados

Processos do Pico de Malformações primárias do córtex


desenvolvimento ocorrência Principais eventos morfológicos cerebral e genes identificados
cortical (semanas)

Tubo neural.
Indução dorsal 3ª – 4ª Fechamento do neuroporo anterior (24d) e
Indução ventral 5ª – 6ª posterior (29d).
Formação das vesículas encefálicas.
Proliferação e Proliferação celular nas zonas ventricular e
Displasia Cortical Focal tipo Taylor.
diferenciação 8ª – 16ª subventricular.
Hemimegalencefalia.

123
neuronal e glial Diferenciação dos neuroblastos e glioblastos.
Lissencefalia - LIS1 (17p13.3); XLIS
(Xq22.3-q23).
Heterotopia em banda subcortical - XLIS
(Xq22.3-q23).
Migração 8ª – 20ª Migração neuronal radial e tangencial
Heterotopia nodular subcortical.
Heterotopia nodular periventricular – Gene
causas genéticas de más - formações corticais

filamin-1 (Xq28).
Paquigiria difusa.
Projeção axonal.
Polimicrogiria.
20ª – pós- Sinaptogênese.
Organização Esquizencefalia - EMX2 (10q26).
-natal Morte celular programada.
Desorganização Intracortical Laminar.
Mielinização.
6
Bases neuropsicológicas
da aprendizagem

Rosana Siqueira Dias

Introdução

É sabido que a aprendizagem se refere à capacidade e à possibilidade que


o indivíduo tem de selecionar e perceber informações, conhecer, experenciar,
compreender, interpretar, associar, armazenar e utilizar essas informações
oriundas do meio. Estas capacidades proporcionam a associação e integração
dessas informações aos conhecimentos que o indivíduo possui, garantindo
relacionamentos efetivos, e melhor qualidade de vida no meio em que vive.
O indivíduo é autor do seu conhecimento quando vivencia experiências
com intencionalidade, necessidade, motivação, funcionalidade e afeto, mediado
por um sistema linguístico composto por símbolos gestuais, orais e gráficos
para modificar seu conhecimento e, consequentemente, produzir uma resposta
diferenciada e mais aprimorada ao meio.

125
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Esse interjogo entre as habilidades que o indivíduo possui e as novas


potencialidades e conhecimentos que está adquirindo baseiam-se nas funções
neuropsicológicos de atenção, percepção e memória que sustentam a aprendi-
zagem, entre outros fatores.
O ato de aprender se diferencia com o transcorrer da idade em: comple-
xidade, qualidade, grau de abstração e individualidade, conforme referiu
Ciasca (2000).

As bases neuropsicológicas segundo Luria

Em 1984, Luria referiu em sua obra os processos mentais de atenção,


percepção e memória relacionando-os ao processo de aprendizagem e à
compreensão das suas dificuldades no contexto educacional. Tais processos
mentais são tidos como as bases neuropsicológicas da aprendizagem, pois
permitem a realização de funções como: seleção de elementos para atividade
mental, manutenção do organismo sob estado de alerta e vigilância, distinção de
aspectos essenciais de objetos, comparação de objetos, formulação e comparação
de hipóteses e a fixação de informação, considerando a quantidade e a duração
de seu armazenamento.
Ressaltou, ainda, que estes processos mentais envolvem o funcionamento
coordenado, em série e em paralelo, de diversas zonas cerebrais, tendo como
aspecto mediador a linguagem. A aprendizagem é considerada uma função
neural complexa, pois envolve o funcionamento de diversos processos
mentais que correspondem à ativação e inibição de diversas áreas cerebrais
concomitantemente.
Luria (1984) também mencionou que a atenção, um processo mental básico,
é responsável pela escolha dos elementos essenciais para a atividade mental e
mantém uma severa vigilância sobre o curso organizado desta atividade. Possui
um grau de direção e seletividade. Entre muitos estímulos, o homem só responde
àqueles poucos que são fortes ou que parecem importantes, particularmente, e
correspondem aos seus interesses, intenções ou tarefas imediatas para atingir
um objetivo necessário.

126
bases neuropsicológicas da aprendizagem

Desde os primeiros meses do desenvolvimento humano observam-se as


características da atenção mais elementar, involuntária, do tipo da atração
pelos estímulos mais poderosos ou biologicamente mais significativos com
movimentos como o despertar, a volta dos olhos e depois da cabeça em direção
a um estímulo com mudanças respiratórias, cardiovasculares e eletrofisiológicas
do sistema nervoso central.
A formação da atenção voluntária tem uma história longa e dramática:
a criança só adquire uma atenção eficiente e estável, socialmente organizada,
pouco antes de começar a frequentar a escola.
Por volta de 1,6 a 2,4 anos, uma instrução falada ainda não prepondera
sobre a atenção involuntária. Aspectos distrativos suprimem com facilidade a
forma superior e social de atenção que apenas começou a se desenvolver.
Por volta de 4,6 a 5 anos, a capacidade de obedecer a uma instrução falada
se torna suficientemente forte para evocar uma conexão dominante, de modo
a permitir que a criança possa facilmente eliminar a influência de fatores
irrelevantes, distrativos, embora possam continuar a aparecer, ainda, por um
tempo considerável, sinais de instabilidade de formas superiores de atenção
evocadas por uma instrução falada.
Por fim, dos 12 aos 15 anos aparecem formas estáveis e precisas da atenção
voluntária.
Torna-se claro, então, que a atenção se torna mais efetiva quando o ato que
a exige vier acompanhado de fala.
Luria mencionou alguns indicadores fisiológicos que garantem a esta-
bilidade da atenção, pois todo fenômeno de alerta é acompanhado por um
grupo de sintomas que indica um aumento geral no nível de prontidão ou
tono do organismo, como as alterações no batimento cardíaco, na respiração,
constrição de vasos sanguíneos periféricos, o aparecimento de numerosos
pontos corticais sincronicamente funcionais e mudanças no potencial do
eletroencefalograma.
O mecanismo do tronco cerebral superior e da formação reticular ativa-
dora ascendente é responsável pela condição mais elementar de atenção, ou
seja, o estado generalizado de vigília. No córtex límbico e na região frontal se
processam formas mais complexas de atenção, seja voluntária ou involuntária,

127
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

pois exige a possibilidade de reconhecimento seletivo de determinado estímulo


e a inibição de respostas a estímulos irrelevantes para determinada situação.
Os lobos frontais desempenham um papel importante no aumento do
nível de vigilância de um indivíduo quando ele estiver realizando uma tarefa.
Sendo assim, os lobos frontais participam decisivamente nas formas superiores
de atenção.
Luria (1984) referiu-se a outra base neuropsicológica da aprendizagem, a
percepção, definindo-a como um processo mental complexo e ativo que envolve
a procura das informações correspondentes, a distinção dos aspectos essenciais
de um objeto, a comparação desses aspectos uns aos outros, a formulação de
hipóteses apropriadas e a comparação desses com os dados originais.
As informações percebidas são analisadas no sistema nervoso central e
compõem um grande número de componentes ou pistas que são codificadas ou
sintetizadas. Essas pistas são inseridas nos sistemas neurais correspondentes com
o auxílio de códigos, como os linguísticos, conferindo um caráter categórico.
Daí, ocorre um processo de comparação do efeito com a hipótese original.
O autor citou que há diferenças na percepção de objetos familiares, um
processo perceptivo contraído, e de objetos novos, um processo completo.
O mesmo modelo pode ser utilizado para objetos simples e complexos.
A organização cerebral da percepção sugere a participação coordenada das
zonas cerebrais primárias e secundárias visual, temporal, parietal e frontal, cada
uma desempenhando o seu papel particular durante o processo perceptivo.
Uma lesão ou disfunção em qualquer uma das zonas ocasionará um distúrbio
no complexo sistema perceptivo.
Quanto mais complexo o objeto percebido, e quanto menos familiar, mais
detalhada será a atividade perceptiva. Tanto a direção quanto o caráter destas buscas
perceptivas variam com a natureza da tarefa perceptiva, como os movimentos
oculares registrados durante o exame de um objeto complexo. É este caráter ativo
do processo que é dependente do papel dos lobos frontais na percepção.
A atividade perceptiva não se limita aos processos de percepção visual, mas
inclui necessariamente a formação ativa de imagens visuais correspondentes a
um único significado verbal. A linguagem também desempenha papel funda-
mental no processo da percepção humana.

128
bases neuropsicológicas da aprendizagem

Por fim, Luria (1984) complementou com a complexa função neuropsicoló-


gica da memória que consiste em uma série de estágios sucessivos que diferem
em sua estrutura psicológica, no “volume” de traços passíveis de fixação e na
duração de seu armazenamento, e que se estendem por um certo período.
A memorização inicia-se com a estampagem de pistas sensoriais, como os
sons da fala. Há o processo de “codificação de traços”, os estímulos percebidos
são convertidos em imagens visuais, pressupondo a seleção de uma imagem
apropriada entre muitas possíveis e a inclusão da imagem visual em um sistema
de categorias.
A recordação, ou seja, o processo de evocar e utilizar as informações arma-
zenadas, constitui o elo principal na transição da memória de “curta duração”
ou “trabalho” para a de “longa duração”. O processo de recordação é complexo
e ativo. Para tanto, o indivíduo seleciona os sinais importantes e inibe os não
importantes, dependendo do objetivo da tarefa, dos componentes sensoriais ou
lógicos do material estampado e os encaixa em sistemas neurais apropriados.
A recordação aumenta o volume de material passível de ser recordado,
aumenta o tempo durante o qual ele pode ser retido e, algumas vezes, abole a
ação inibidora de agentes irrelevantes e interferentes. Quando esse processo é
dirigido e seletivo, requer um tono cortical ótimo ou um estado de vigilância total.
O esquecimento é um regulador de ações irrelevantes e interferentes,
inibindo a lembrança normal de traços previamente estampados. Ocorre em
decorrência da reprodução aumentada de traços, erro na recordação antes do
decorrido tempo apropriado, a influência forte de qualquer atividade irrelevante
que ocorra entre o momento da estampagem e o da recordação.
O esquecimento também pode ocorrer quando determinadas informações
não são úteis ao indivíduo, ou seja, quando o mesmo deixa de evocar ou utilizar
tais informações armazenadas anteriormente. Nesse momento, o sistema
nervoso central se encarrega de descartar tais traços irrelevantes.
A recordação ativa requer que o indivíduo tenha uma intenção estável e
integridade das zonas corticais dos analisadores correspondentes, que deverão
dividir as informações que chegam em pistas elementares, modalmente espe-
cíficas (visuais, auditivas, ou táteis), selecionar as pistas relevantes e, por fim,
reuni-las sem empecilhos em estruturas integrais e dinâmicas.

129
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Além disso, exige a integridade de zonas corticais secundárias e terciárias


mais elevadas, num trabalho sucessivo e simultâneo com o auxílio da linguagem
para organização das informações em imagem.
Para a recordação voluntária há condições básicas como a preservação de
uma tarefa mnêmica, ou seja, presença de motivos para recordar e a preservação
de um sistema de procura ativa de métodos que ajudem na realização da tarefa
e na comparação dos resultados com a intenção original.
As regiões cerebrais que estão envolvidas no funcionamento da memória
são o lobo frontal, a formação reticular, o sistema límbico, o lobo parietal e o lobo
temporal. Entretanto, a organização cerebral das formas complexas da atividade
mnêmica ainda continua sendo muito explorada pela ciência neuropsicológica.
No homem, este processo altamente organizado de recordação se baseia
em um sistema completo funcionando em concerto no córtex e em estruturas
subjacentes, e cada um desses sistemas dá a sua contribuição específica para a
organização dos processos mnêmicos.
Estudos revelam que zonas profundas do cérebro, limítrofes com a formação
reticular da porção superior do tronco cerebral e que incluem as estruturas
límbicas, estão envolvidas diretamente não apenas com a manutenção do tono
cortical ótimo, mas com a criação das condições necessárias à retenção dos
traços da experiência direta.

Pesquisas recentes sobre a aprendizagem e suas funções

Papalia e Olds (2000) referiram que a aprendizagem aborda o processamento


de informações e analisa os processos mentais subjacentes ao comportamento
inteligente, como a percepção, atenção, memória e resolução de problemas.
Esta abordagem estuda como os indivíduos adquirem, transformam e usam
as informações sensoriais por meio da manipulação de símbolos ou imagens
mentais. Os indivíduos são agentes ativos que pensam sobre o mundo.
Para Lent (2001), prestar atenção é focalizar a consciência, concentrando
os processos mentais em uma única tarefa principal e colocando as demais em
segundo plano, sensibilizando seletivamente um conjunto de regiões cerebrais

130
bases neuropsicológicas da aprendizagem

que executam a tarefa principal, inibindo as demais. Contém dois aspectos


principais: a criação de um estado de alerta e a focalização desse estado sobre
certos processos mentais e neurobiológicos.
O autor relatou que a atenção é um mecanismo seletivo destinado a separar
os estímulos relevantes dos irrelevantes, criando melhores condições para
perceber os relevantes.
Uma das formas de se medir a atenção seria verificar o tempo de reação
(tempo decorrido entre o aparecimento do estímulo e a resposta motora do
indivíduo), denominado método de cronometria mental. Ressaltou, ainda, outras
formas de avaliar a atenção como o EEG (eletroencefalograma), o PET (tomografia
por emissão de pósitrons) e a RMF (ressonância magnética funcional).
Lent (2001) referiu tipos de atenção voluntária, como a explícita quando
o foco de atenção coincide com a fixação visual e tende a ser automática e a
implícita quando o olhar está fixo num lugar e pode-se movimentar o foco
atencional para regiões vizinhas do campo visual.
O autor complementou que a percepção humana é a capacidade de associar
as informações sensoriais à memória e à cognição, de modo a formar conceitos
sobre o mundo e sobre nós mesmos e orientar o comportamento humano.
A percepção é dependente de outros processos mentais, é diferente dos
sentidos. Um dos aspectos que diferencia a percepção das sensações é a cons-
tância perceptual, pois permite o reconhecimento do objeto mesmo que ele seja
percebido de formas diferentes: posições, partes, entre outros.
Para Lent, a percepção envolve a participação coordenada entre sistemas
sensoriais que são responsáveis pela fase analítica de cada atributo ou caracterís-
tica das informações e sistemas corticais que são responsáveis pela fase sintética
das características das informações, buscando um significado contextual.
A literatura refere o uso de mais tempo para perceber um objeto quando
se tem de analisar mais de um atributo do objeto, pelo fato de se fazer uso de
mais canais perceptuais diferentes simultaneamente.
Lent (2001) considerou a aprendizagem como o processo de aquisição das
novas informações que serão retidas na memória, tornando o indivíduo capaz
de orientar o comportamento e o pensamento. Sendo assim, memória seria a
capacidade que têm os homens e os animais de armazenar de forma seletiva as

131
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

informações que possam ser recuperadas e utilizadas posteriormente, consciente


e inconscientemente.
A memória pode ser vista como o conjunto de processos neurobiológicos
e neuropsicológicos que permitem a aprendizagem. Todos os indivíduos são
capazes de aprender, o que significa que todos têm algum tipo de memória.
A memória pode ser classificada quanto à sua natureza e quanto ao tempo
de retenção. Essa classificação é importante, pois verificou-se que os tipos de
memória são operados por mecanismos e regiões cerebrais distintas.
Quanto ao tempo de retenção ou duração de armazenamento das
informações, a memória é classificada em ultrarrápida quando dura frações
de segundos a alguns segundos referindo-se a uma memória sensorial; curta
duração ou memória de trabalho quando dura minutos ou horas e garante o
sentido de continuidade do presente, e memória de longa duração quando dura
horas, dias ou anos e garante o registro do passado autobiográfico e dos conhe-
cimentos do indivíduo, ou seja, o estabelecimento de engramas duradouros.
Quanto à natureza, a memória pode ser classificada em três grandes grupos:
a explícita ou declarativa quando as informações armazenadas podem ser
descritas por meio de palavras; a implícita ou não declarativa quando não pode
ser descrita por meio de palavras, e a operacional quando permite o raciocínio
e o planejamento do comportamento.
A memória explícita é subdividida em episódica quando refere-se ao
armazenamento de fatos sequenciados com uma referência temporal e semântica
quando envolve conceitos atemporais para fatos culturais.
A implícita é subdividida em memória de representação perceptual quando
representa imagens de um evento preliminar à compreensão do que ele significa;
memória de procedimentos quando armazena hábitos, habilidades e regras
em geral; memória associativa quando associa dois ou mais estímulos a uma
resposta representando um comportamento condicionado, e memória não
associativa quando se refere à atenuação ou habituação do indivíduo por meio
da repetição de um mesmo estímulo.
A memória operacional é útil para o raciocínio imediato e a resolução de
problemas, ou para a elaboração de comportamentos, podendo ser esquecidos
logo a seguir.

132
bases neuropsicológicas da aprendizagem

Esse repertório de capacidades mnemônicas começa com a aquisição de


informações, isto é, com a entrada dos dados selecionados para o sistema
de armazenamento da memória, garantindo a aprendizagem.

Considerações finais

O conhecimento das bases neuropsicológicas do processo de aprendizagem


torna-se importante para entendermos como o indivíduo modifica seu compor-
tamento ao longo do desenvolvimento normal, compreendermos as dificuldades
inerentes a esse processo, decorrente da influência direta de fatores internos e
externos ao organismo, e delinearmos processos diagnósticos, terapêuticos
e educacionais mais apropriados.
Pesquisas recentes demonstram que os processos envolvidos na apren-
dizagem não são regidos apenas pelo organismo, mas também pelo contexto
em que o indivíduo está inserido. Diante disso, o aprendiz deve desenvolver
a capacidade de se adaptar a novos contextos, relacionamentos e situações
realizando o interjogo com as informações retidas e experiências vividas.
Enfim, a ciência vem aprofundando os estudos com relação à aprendi-
zagem, pois se constatou que esta, não sendo uma função neural simples,
envolve aspectos socioeconômico e culturais, comportamentais, emocionais,
linguísticos, intelectuais e educacionais para sua efetividade. Os profissionais
que atuam ou se interessam em atuar nesse âmbito devem ter consciência dessa
complexidade e compreender a interdisciplinaridade que isso implica.
Antunes (2002) ressaltou que tal preocupação interdisciplinar decorre da
busca de ações para garantir a qualidade de vida, como também para compre-
ender e encontrar soluções para as dificuldades que os indivíduos apresentam
durante o processo de aprendizagem, aproveitando suas potencialidades.
Equipamentos e exames avançados de tomografia cerebral, instrumentos de
ponta sobre ressonâncias magnéticas, microcirurgias cerebrais projetam imagens
sobre como a mente aprende.
Desse modo, torna-se evidente que os saberes não se acumulam, não
constituem um estoque que se agrega à mente, mas, sim, há a transformação

133
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

das relações estabelecidas e da coordenação entre os esquemas neurais de


conhecimento que o indivíduo possui, em novos vínculos, sinapses e relações
a cada nova aprendizagem conquistada.
A rapidez da evolução científica torna obsoletas descobertas recém-feitas,
mas isso não parece ser relevante, afinal, os profissionais devem descobrir seus
caminhos ao longo do próprio caminhar. Isso impulsiona o homem a buscar
novas descobertas constantemente.

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134
7
Atuação fonoaudiológica
no bebê prematuro
Cristina Ide Fujinaga,
Carmen Gracinda Silva Scochi

Um dos marcos na atenção ao recém-nascido foi a implantação das


modernas UTINs, equipadas com tecnologia de ponta que reduz a morbi-
mortalidade perinatal e neonatal, especialmente entre os prematuros extremos
e de muito baixo peso ao nascer.
A tecnologia de cuidado operante presente nesses locais altamente
especializados contribuiu para o aparecimento de iatrogenias no processo de
crescimento e desenvolvimento dessas crianças, não refletindo, necessariamente,
na melhoria da morbi-mortalidade pós-natal e na qualidade de vida. Estudos
de acompanhamento, a longo prazo, apontaram, nessas crianças, o aumento de
sequelas incapacitantes, de doenças crônicas e neurológicas, dificuldades de
aprendizado e distúrbios cognitivos, de linguagem, visão, audição e comporta-
mentais decorrentes de relações desarmoniosas entre mãe-filho-família, dentre
outros (Scochi, 2000).
O risco de morte dessas crianças é tão grande quanto maior for seu grau
de imaturidade ou sua deficiência ponderal ao nascer. Essas crianças terão de

135
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

se adaptar à vida extrauterina, apesar das dificuldades de manutenção de suas


funções vitais e, consequentemente, necessitarão de inúmeras intervenções
terapêuticas, elevando o risco de complicações imediatas ou tardias.
Desse modo, os cuidados especiais dispensados a elas, após a alta hospi-
talar, vão além das necessidades e rotinas de seguimento de um bebê a termo
e saudável. O risco a que elas estão expostas, para apresentarem padrão de
crescimento anormal, está relacionado a doenças pulmonares crônicas, defici-
ências motoras, visuais, auditivas, da linguagem, aprendizado e socioemocionais,
dentre outras, o que expressa a necessidade de um seguimento sistematizado e a
longo prazo. A alta hospitalar, então, não é sinônimo de resolução dos problemas
dessas crianças, que devem receber acompanhamento interdisciplinar contínuo,
para detecção de problemas e intervenções precoces (Scochi, 2000).
Com relação aos recursos humanos envolvidos na assistência neonatal de
maior complexidade, encontramos pediatras especialistas e com pós-gradu-
ação em Neonatologia, geneticistas, cirurgiões pediátricos, neurologistas,
ortopedistas, oftalmologistas, enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas,
psicólogos e assistentes sociais, dentre outros, que promovem não só com o
tratamento curativo, mas também preventivo, face à possibilidade de surgirem
problemas no desenvolvimento global, motor e sensorial da criança nascida
pré-termo.

Bases teóricas para a atuação fonoaudiológica na assistência


à alimentação do prematuro

O fonoaudiólogo pode intervir com vistas a estimular a alimentação oral e


a estabelecer métodos de avaliação clínica do padrão de sucção, além de orientar
gestantes e pais e promover modificações no ambiente da unidade neonatal,
como a diminuição de ruídos e luminosidade (Hernandez, 1996). Dentre
algumas tecnologias utilizadas para favorecer a transição da alimentação gástrica
para a via oral, destaca-se a estimulação sensório-motora-oral feita através de
estímulos tátil, auditivo e da sucção não nutritiva. A literatura aponta como
benefícios dessa estimulação: maior ganho de peso, transição mais rápida da
alimentação gástrica para via oral, controle dos estados de consciência (estado

136
atuação fonoaudiológica no bebê prematuro

alerta), aceleração da maturação do reflexo de sucção, aumento do trânsito


gastrointestinal, alta hospitalar precoce e, consequentemente, diminuição do
custo da internação (Field et al., 1982; Bernbaum et al., 1983; Case-Smith, 1988;
Sehgal et al., 1990; Berezin et al., 1993; McCain, 1992; McCain, 1995; Gaebler
e Hanzlik, 1996; Pickler et al., 1996; Simão et al., 2001).
A avaliação da prontidão do prematuro em iniciar sua alimentação por
via oral não deve considerar a sucção como função isolada, mas, sim, como
parte de um complexo desenvolvimento. Glass e Wolf (1994) acreditam que,
para compreender a assistência à alimentação de bebês que necessitam de
cuidados intensivos, como o prematuro, é preciso estar atento não apenas à
avaliação do controle motor-oral e de respostas sensoriais, mas também a uma
observação multissensorial, para se obter uma perspectiva global da assistência à
alimentação desses bebês. A avaliação a que os autores se referem inclui: estado
e comportamento, respostas táteis, controle motor, função motora-oral, controle
fisiológico e coordenação da sucção-deglutição-respiração.
Lemons e Lemons (1996) apontam que, para verificar a eficiência da alimen-
tação do bebê, não basta se ater apenas à sua integralidade crânio-facial, mas, sim,
à habilidade de contração da musculatura, à capacidade em manter-se no estado
alerta e em postura de flexão global. A organização neurocomportamental é
essencial na transição da alimentação gástrica para via oral e o emprego de
técnicas pré-alimentares levam à melhoria na performance do bebê, tais como:
modulação do estado comportamental, posicionamento correto e estimulação
motora-oral.
Devemos considerar na avaliação, as particularidades anatomo-fisiológicas
do prematuro, as quais diferem do bebê a termo. Segundo Xavier (1998), os
prematuros são bebês em extensão, com pouca estabilidade e coordenação
global, reflexos motores-orais incompletos, vedamento labial inadequado,
pouca estabilidade das bochechas devido à falta de coxins de gordura (sucking
pads) nessa região, estabilidade insuficiente da mandíbula (abertura ampla),
resultando em maior cansaço e perda na eficiência da sucção. Além de serem
neurologicamente desorganizados, o ambiente da unidade de terapia intensiva
colabora para a desorganização desses bebês.

137
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Com relação à idade corrigida1, idade pós-natal e peso, existe uma grande
variação individual que interfere na habilidade de a criança prematura se alimentar
por via oral. Geralmente, os pesquisadores relatam que 32 semanas de gestação é o
período mais curto para que um bebê desenvolva a habilidade de sugar e deglutir, a
qual é precedida pela habilidade de engasgar que, reflexivamente, evita a aspiração.
Para O’Rahilly e Müller (1987), na 16a semana, a língua começa a se
movimentar e aparece o reflexo da deglutição. Na 20a semana surge o reflexo
de sucção e na 32a semana, aproximadamente, ocorrerá a coordenação entre o
reflexo de sucção e de deglutição.
Vários autores descrevem o mecanismo de sucção, destacando-se dois tipos:
a sucção nutritiva, utilizada pelo neonato para ingerir alimento através de via
oral, constituída de um padrão de sucção mais lento e com curtos períodos de
pausa; a sucção não nutritiva, quando não há ingestão de nutrientes, apresentada
pelo neonato a partir da 18a semana de gestação (Harris, 1986; Glass e Wolf,
1994; Lemons e Lemons, 1996).
As pesquisas sobre sucção não nutritiva apontam duas áreas de estudo: a
primeira refere-se à relação entre sucção não nutritiva e estado comportamental
e a outra ao efeito da integralidade do sistema nervoso central (Medoff-Cooper
e Ray, 1995).
Hafström e Kjellmer (2000) relatam que a sucção é uma das primeiras
atividades de coordenação muscular do corpo humano e que a ontogênese da
sucção não nutritiva é primariamente dependente da maturidade sendo pouco
afetada pela idade pós-natal ou experiência de alimentação. Com aumento
da maturidade, a frequência dos grupos de sucção (burst) aumenta e os inter-
valos de pausa diminuem (Hack et al., 1985; Hafström e Kjellmer, 2000). Se a
sucção não nutritiva não for estimulada com uso de chupeta ou sucção digital,
esta desaparecerá por volta dos 4 ou 5 meses de idade (Hafström e Kjellmer,
2000). Estes últimos autores, estudando o padrão de sucção não nutritiva em
recém-nascidos pré-termo, constataram que ocorre uma mudança gradual no
padrão da sucção não nutritiva, indicando como fator mais significativo a idade
gestacional corrigida, seguida do gênero, estado de atividade e peso.

1 Idade corrigida: é a idade gestacional somada à idade pós-natal menos o referencial de


40 semanas (Penalva, 1996).

138
atuação fonoaudiológica no bebê prematuro

Para Siddell e Froman (1994), os critérios para iniciar a transição da ali-


mentação gástrica para via oral, geralmente, são o peso e a idade gestacional,
recomendando maior atenção ao estado comportamental. No entanto, Xavier
(1995) considera que o peso e a idade gestacional não devem ser priorizados e
vistos isoladamente, pois devem ser levados em conta o estado clínico do bebê, sua
condição respiratória e o balanço calórico, além do seu estado comportamental.
Arvedson e Brodsky (1993) relatam que a maioria das escalas de avaliação
da alimentação em bebês prematuros está baseada na observação descritiva,
apontando como referência para essa observação a Neonatal Oral-Motor
Assessment Scale (NOMAS), originalmente desenvolvida por Braum & Palmer
e revisada por Case-Smith (1988).
O objetivo do NOMAS é identificar e qualificar o padrão motor-oral dos
neonatos e os desvios desse padrão, uma vez que esta escala traz informações
semiquantitativas, das respostas esperadas e das não esperadas da movimen-
tação da língua e mandíbula, durante a sucção não nutritiva e nutritiva. Essa
escala possui 42 itens e é dividida em quatro categorias com escores que
variam de 0 a 3, sendo a sucção não nutritiva avaliada durante 2 minutos e a
nutritiva em 5 minutos.
Hack et al. (1982), Case-Smith et al. (1989), Glass e Wolf (1994), Lemons
e Lemons (1996) e Lau e Kusnierczyk (2001) apontam a observação clínica da
sucção não nutritiva como meio de indicar o início da sucção nutritiva, devendo
esta observação ser realizada com dedo enluvado, pois através da chupeta não
ficariam claros parâmetros, como força ou movimentação da sucção. Além da
observação da sucção não nutritiva é necessário avaliarmos os pré-requisitos
para o início da alimentação via oral, quais sejam: atingir e manter o estado
alerta e posição de flexão do bebê (Lemons e Lemons, 1996).
Case-Smith et al. (1989) compararam a avaliação da sucção nutritiva e não
nutritiva em dois grupos de bebês, tendo um grupo apresentado alimentação
eficiente e outro não eficiente. Na avaliação da sucção não nutriva, constataram
diferença estatisticamente significativa no grupo de alimentação eficiente quanto
à presença de canolamento e movimento anteroposterior da língua, excursão
rítmica da mandíbula e padrão de duas sucções por segundo. Para estes autores,
a estabilidade respiratória é crucial para o sucesso da alimentação.

139
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Encontramos na literatura nacional alguns protocolos de avaliação da


sucção do bebê prematuro (Xavier, 1995; Bernardis e Marchi, 1998; Quintella
et al., 1999; Hernandez, 2001), no entanto percebemos que estes apresentam
a avaliação da sucção nutritiva, ou seja, avaliação da sucção no momento de
transição da alimentação gástrica para via oral, com exceção dos protocolos
de Quintella et al. (1999) e Hernandez (2001), que iniciam a avaliação com a
sucção não nutritiva. Fujinaga (2002) sugere que esta avaliação seja baseada
tanto no comportamento do bebê durante a sucção não nutritiva como em
outros aspectos globais do prematuro, que interferem no seu desempenho geral.
Apresentamos então o protocolo de avaliação e seu respectivo guia instru-
cional, o qual foi desenvolvido por Fujinaga (2002), validado em sua aparência
e conteúdo.

Conclusões finais

A atuação fonoaudiológica com bebês prematuros deve estar voltada


para uma assistência humanizada, e que esteja integrada à família e à equipe
multiprofissional. Tanto os pais quanto a equipe de saúde devem ser orientados
quanto aspectos da alimentação oral do bebê, destacando suas potencialidades
e importância do vínculo e do aleitamento materno. O fonoaudiólogo deve
colaborar ainda na organização da postura e do estado comportamental do bebê,
além de intervir no ambiente hospitalar, com a finalidade de torná-lo menos
estressante possível (diminuindo os níveis de ruído, por exemplo).
Sugerimos que a estimulação da sucção não nutritiva seja realizada com
dedo mínimo enluvado, no momento da alimentação gástrica pela sonda,
levando em conta a estabilidade clínica do bebê. Sempre que possível, o bebê
deve ser colocado diretamente o seio da mãe, já que esta aproximação favorece
o aprendizado do prematuro para o aleitamento e o vínculo materno.
Esperamos ter contribuído para a atuação fonoaudiológica e para um
trabalho multiprofissional integrado, e que esta ação conjunta possa favorecer
e prevenir possíveis alterações no neurodesenvolvimento de bebês prematuros.

140
atuação fonoaudiológica no bebê prematuro

Instrumento de avaliação
da prontidão do prematuro
para início da alimentação oral

Identificação:
Nome: __________________________________ Nº Pront: ____
Data: __/__/__ Horário: _____
Idade pós-natal: ________ Idade corrigida: ________ Peso: _______
Alimentação: ( ) S.N.G.( ) S.O.G. Vol: ________ Ganho ponderal diário: _____

Idade corrigida* (2) maior ou igual a 34 semanas


(1) entre 32 a 34 semanas
(0) menor ou igual a 32 semanas

* Idade corrigida: é a idade gestacional somada à idade pós-natal menos o referencial de


40 semanas.

Estado de Organização Comportamental


Estado de consciência (2) alerta (1) sono leve (0) sono profundo
Postura global (2) flexão (1) semiflexão (0) extensão
Tônus global (2) normotonia (0) hipertonia (0) hipotonia

Postura Oral
Postura de lábios (2) vedados (1) entreabertos (0) abertos
Postura de língua (2) plana (0) elevada (0) retraída (0) protruída

Reflexos Orais
Reflexo de procura (2) forte (1) fraco (0) ausente
Reflexo de sucção (2) forte (1) fraco (0) ausente
Reflexo de mordida (2) presente (1) presente exacerbado (0) ausente
Reflexo de vômito (2) presente (1) presente anteriorizado (0) ausente

141
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Sucção Não Nutritiva**


Movimentação da língua (2) adequada (1) alterada (0) ausente
Canolamento de língua (2) presente (0) ausente
Movimentação de mandíbula (2) adequada (1) alterada (0) ausente
Força de sucção (2) forte (1) fraca (0) ausente
Sucções por pausa (s/p) (2) 5a8s/p (1) > 8/p (0)< 5s/p
Manutenção do ritmo s/p (2) rítmico (1) arrítmico (0) ausente
Manutenção do estado alerta (2) sim (1) parcial (0) não
Sinais de estresse (2) ausência (1) até 3 (0) mais de 3
Variação de tônus ( ) ausente ( ) presente
Variação de postura ( ) ausente ( ) presente
Variação de coloração da pele ( ) ausente ( ) presente
Batimento de asa nasal ( ) ausente ( ) presente
Tiragem ( ) ausente ( ) presente
Apneia ( ) ausente ( ) presente
Acúmulo de saliva ( ) ausente ( ) presente
Tremores de língua ou mandíbula ( ) ausente ( ) presente
Soluço ( ) ausente ( ) presente
Choro ( ) ausente ( ) presente
** A duração do teste deverá ser de 2 minutos.
Escore: ____­­­­­

142
crianças que não aprendem , escolas que não ensinam

Guia Instrucional
Instrumento de avaliação da prontidão do prematuro
para início da alimentação oral

Idade corrigida*
☐☐ Menor ou igual a 32 semanas.**
☐☐ Entre 32 a 34 semanas.**
☐☐ Maior que 34 semanas.**
* Idade corrigida: é a idade gestacional somada à idade pós-natal menos o referencial de 40 semanas.
** Parâmetros definidos tendo por base os autores Meier et al. (1987) e Lemons & Lemons (1996).

Estado de organização comportamental


Estado de consciência
☐☐ Alerta: olhos abertos e brilhantes, responde à estimulação, com alguma atividade
espontânea.
☐☐ Sono leve: olhos abrem e fecham, olhar confuso e sem brilho, demora a
responder à estimulação, com atividade espontânea variada.
☐☐ Sono profundo: olhos fechados, não responde à estimulação; a atividade motora
é nula.

Postura global
☐☐ Flexão: flexão de membros superiores e inferiores e posição do pescoço em
linha mediana em relação ao tronco.
☐☐ Semiflexão: flexão de membros inferiores e posição do pescoço em linha
mediana em relação ao tronco.
☐☐ Extensão: extensão de membros superiores, inferiores e do pescoço em relação
ao tronco.

Tônus global
☐☐ Normotonia: leve resistência à movimentação passiva de flexão e extensão,
sendo ligeiramente maior nesta última.
☐☐ Hipertonia: resistência aumentada à movimentação passiva de flexão e extensão.
☐☐ Hipotonia: resistência diminuída à movimentação passiva de flexão e extensão.

143
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

POSTURA ORAL
Postura de lábios
☐☐ Vedados: lábio superior e inferior justapostos.
☐☐ Entreabertos: lábio superior e inferior parcialmente separados.
☐☐ Abertos: lábio inferior e superior totalmente separados.

Postura de língua
☐☐ Plana: língua plana, posicionada dentro da cavidade oral, com ponta arredondada.
☐☐ Elevada: ponta da língua em posição elevada, pressionando o palato.
☐☐ Retraída: língua em posição de retração na cavidade oral.
☐☐ Protruída: língua em posição de protrusão na cavidade oral, estando sobreposta
aos lábios.

REFLEXOS ORAIS
Reflexo de procura
☐☐ Forte: mediante o estímulo dos quatro pontos cardeais na região perioral,
procura imediatamente a região estimulada, direcionando a cabeça ao estímulo
e abrindo a boca.
☐☐ Fraco: mediante o estímulo dos quatro pontos cardeais na região perioral
procura lentamente a região estimulada, direcionando ou não a cabeça ao
estímulo e/ou com abertura parcial da boca.
☐☐ Ausente: ausência da resposta.

Reflexo de sucção
☐☐ Forte: suga prontamente a própria mão ou o dedo enluvado do avaliador.
☐☐ Fraco: leva um tempo para iniciar a sucção da própria mão ou o dedo do
avaliador.
☐☐ Ausente: ausência da resposta.

Reflexo de mordida
☐☐ Presente: responde ao estímulo do dedo do examinador no rolete gengival da
cavidade oral, com trancamento da mandíbula, seguido de relaxamento.
☐☐ Presente exacerbado: responde ao estímulo do dedo do examinador no rolete
gengival da cavidade oral, mantendo o trancamento de mandíbula.
☐☐ Ausente: ausência de respostas.

144
crianças que não aprendem , escolas que não ensinam

Reflexo de vômito
☐☐ Presente: responde com náuseas e/ou vômito ao estímulo da introdução do
dedo do avaliador ao atingir a região medioposterior da língua.
☐☐ Presente anteriorizado: responde com náuseas ou vômito ao estímulo da
introdução do dedo do avaliador já ao atingir a região anterior da língua.
☐☐ Ausente: ausência de resposta.

SUCÇÃO NÃO NUTRITIVA


Movimentação da língua
☐☐ Adequada: movimento anteroposterior e coordenado da língua diante do
estímulo intraoral.
☐☐ Alterada: movimento ou posteroanterior e incoordenado diante do estímulo
intraoral.
☐☐ Ausente: ausência de movimentação.

Canolamento da língua
☐☐ Presente: elevação das bordas laterais e presença de sulco na região central da
língua.
☐☐ Ausente: ausência de resposta.

Movimentação de mandíbula
☐ ☐ Adequada: reduzida excursão da mandíbula, com movimentação rítmica
e suave.
☐☐ Alterada: ampla excursão da mandíbula e/ou com movimentação arrítmica e/ou
trancamento da mesma.
☐☐ Ausente: ausência de movimentação.
☐☐ Força de sucção
☐☐ Forte: forte compressão contra o palato e pressão negativa intraoral encontrando
resistência à retirada do dedo do avaliador da cavidade oral.
☐☐ Fraca: fraca compressão contra o palato e pressão negativa intraoral encon-
trando pouca ou nenhuma resistência à retirada do dedo do avaliador da
cavidade oral.
☐☐ Ausente: ausência de resposta.

145
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Sucções por pausa***


☐☐ De 5 a 8 sucções por pausa respiratória.
☐☐ Acima de 8 sucções por pausa respiratória.
☐☐ Menos de 5 sucções por pausa respiratória.
*** Para classificar este parâmetro, deve-se utilizar a média obtida em três grupos de sucção/pausa.

Manutenção do ritmo de sucção por pausa****


☐☐ Rítmico: mantém o número de sucções por pausa prevista em um mesmo
intervalo (menor que 5, entre 5 a 8 ou maior que 8 sucções por pausa).
☐☐ Arrítmico: altera o número de sucções por pausa entre os intervalos (menor que
5, entre 5 a 8 ou maior que 8 sucções por pausa).
☐☐ Ausente: ausência de sucção.
**** Para classificar este parâmetro, deve-se utilizar o número de sucções/pausa obtido em três
grupos de sucção/pausa e verificar se ocorreu variação deste número entre os intervalos previstos.

Manutenção do estado alerta


☐☐ Sim: mantém-se alerta o tempo todo do teste da sucção não nutritiva.
☐☐ Parcial: mantém-se alerta apenas no início ou no fim do teste da sucção não nutritiva.
☐☐ Não: não se mantém alerta durante o teste da sucção não nutritiva.

Sinais de estresse
☐☐ Ausente: ausência de sinais de estresse.
☐☐ Até 3 sinais de estresse.
☐☐ Mais de 3 sinais de estresse.
Os sinais de estresse a serem observados durante a avaliação são:
☐☐ Variação de tônus
☐☐ Variação de postura
☐☐ Variação da coloração da pele
☐☐ Batimento de asa nasal
☐☐ Tiragem
☐☐ Apneia
☐☐ Acúmulo de saliva
☐☐ Tremores de língua e ou mandíbula
☐☐ Soluço
☐☐ Choro

146
crianças que não aprendem , escolas que não ensinam

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149
8
Aprendizagem e
desenvolvimento
neuropsicomotor
Rita Thompson

O estudo do desenvolvimento humano deve ser analisado da perspectiva


da totalidade da espécie humana. Deve reconhecer que existe interação
entre a composição biológica do indivíduo e suas próprias circunstâncias
ambientais peculiares. O desenvolvimento é um processo contínuo que
se inicia na concepção e cessa com a morte e inclui todos os aspectos do
comportamento humano.
Desenvolvimento, em seu sentido mais amplo, refere-se a alterações no nível
de funcionamento de um indivíduo ao longo do tempo. É necessário ajustar,
compensar ou mudar, a fim de obter ou manter certa habilidade. Os elementos
entrelaçados da maturação e da experiência desempenham papel-chave no
processo do desenvolvimento. Maturação refere-se a alterações qualitativas que
capacitam o indivíduo a progredir para níveis mais altos de funcionamento,
enquanto experiência refere-se a fatores do ambiente que podem alterar o
aparecimento de várias características desenvolvimentistas no decorrer do
processo de aprendizado.

151
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Entendemos por aprendizagem a capacidade do indivíduo de modificar seu


próprio comportamento através da exercitação de suas experiências. Quanto
mais intensas forem as vivências, e maior for a afetividade nessas relações,
maiores serão as adaptações e as aquisições deste indivíduo. A aprendizagem
visa à utilização de todos os recursos do indivíduo, quer sejam interiores (here-
ditariedade) ou exteriores (meio), no sentido de uma otimização funcional de
modo a garantir uma adaptação psicossocial no maior número de circunstâncias
possíveis, onde entram em conta uma multiplicidade de fatores: neurobiológicos,
socioculturais e psicoemocionais, dialeticamente inter-relacionados.
Ao se focalizar a aprendizagem do ponto de vista da psicomotricidade, torna-se
conveniente ressaltar como aspectos mais relevantes a relação do sujeito com a
experiência, por um lado, as sucessivas aproximações e ajustes de comportamento, e,
por outro, as consecutivas representações mentais dos comportamentos produzidos,
que resultarão em conceitos automatizados. É a aprendizagem que torna possível a
socialização do homem, possibilitando o ajustamento do indivíduo às exigências
complexas de ambientes específicos. Somente saber sobre “algo” não capacita a
pessoa a realizar esse “algo” de maneira adequada. Saber sobre algo significa o
indivíduo colocar-se a si mesmo e ao objeto em um sistema de relações, partindo
de uma ação executada sobre ele. A grande capacidade de aprender faz com que
o comportamento do ser humano seja extremamente variado. Do ponto de vista
neurológico, nenhuma ação se repete exatamente como as anteriores, significando
dizer que o ser humano é um eterno aprendiz. Aprendizagem e vivência não podem
se dissociar. A construção do conhecimento não é algo adquirido de fora para
dentro. Depende das ações sensório-motoras que, coordenadas, ativam, organizam
e estruturam o sistema nervoso do organismo humano (Thompson, 2000).
O processo maturacional tem leis e princípios universais, os quais lhe
imprimem certas características peculiares. As experiências motoras da criança
são decisivas na elaboração progressiva das estruturas que darão origem às
formas superiores de raciocínio. Em conformidade com essa evolução, vai do
simples até o complexo, do que é reflexo para o voluntário e pode ser dividido
em sistemas de estimulação, integração e resposta.
A função do sistema de estimulação é coletar por meio dos órgãos sensoriais
as informações e transmiti-las para o sistema de integração. A função do sistema
de integração relaciona-se com a identificação, integração e armazenamento

152
aprendizagem e desenvolvimento neuropsicomotor

das informações e está relacionada com as percepções. A função do sistema


de resposta é externalizar o ato motor que resulta: a) de processos cognitivos
que ocorrem em centros cerebrais superiores (envolve a relação funcional
entre a mente e o corpo); b) da atividade reflexa em centros cerebrais inferiores
(formas de movimento que não exigem elemento de percepção), ou c) de reações
automáticas no sistema nervoso central (movimentos aprendidos). Quando
o sistema nervoso apresenta qualquer alteração, por menor que seja, esta é
interpretada num transtorno maturativo. Os sinais externos que indicam o
estado funcional e neurológico da criança permitem-nos identificar possíveis
estados de imaturidade ou de atraso no seu desenvolvimento. Nessa perspectiva,
fica clara a importância do desenvolvimento de certas competências, de certas
habilidades cruciais na prevenção das dificuldades de aprendizagem.
Para se comunicar com o mundo, para aprender e integrar a realidade do
mundo que o envolve, o ser humano dispõe de uma estrutura de informação e
uma de comunicação, ambas ligadas à vivência. Enquanto se conhece pela ação,
é capaz de estabelecer uma distinção entre ele e o outro, os objetos e o mundo
social. A experiência de si é uma experiência corporal, já que o corpo, graças às
funções tônica e de motilidade, é o seu primeiro meio de comunicação. O que no
início era unicamente uma ação motriz se interioriza, transforma-se em pensa-
mento e produz uma clara distinção entre o significado e o significante. Dentro
dessa visão, a motricidade não é um fenômeno secundário para o processo da
cognição, mas, sim, uma ferramenta fundamental para sua expressão, pois os
movimentos irão se transformar em comportamentos que serão enraizados no
cérebro e nos sistemas sensorial e motor. Concomitantemente, à medida que,
durante seu crescimento, o sistema nervoso se modifica, modificam-se também
as formas de comportamento, aumentando o número de circuitos neuronais.
Compreende-se, desta forma, que as condições provocadas pelo movimento,
operam uma modificação no indivíduo, encaminhando-o para uma forma
criadora de relações, libertando-o dos dados imediatos de sua experiência
individual e constituindo o entendimento com o outro, caracterizando assim,
uma experiência particular e uma significação social.
O pensamento para o movimento inclui a coordenação de dois sentidos
corporais: cinestesia e propriocepção. Esses dois sistemas dos sentidos são
interdependentes. A cinestesia resulta em percepção dos movimentos evidentes.

153
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A propriocepção é a percepção interior, não só da situação do corpo no presente,


mas também no passado e num possível futuro. Envolve a percepção das várias
partes do corpo em relação com qualquer atividade progressiva (Le Boulch, 1986).
Forgus (1981) enfatiza a necessidade de relacionar a percepção com o
problema geral do desenvolvimento cognitivo se nos propusermos a compre-
ender a natureza da recepção, da aquisição, da assimilação e utilização do
conhecimento. O processo fisiológico é o mesmo para todos os indivíduos,
o estímulo também pode ser o mesmo, porém a resposta é sempre diferente
para cada um, pois este caminho de ida e volta, da recepção do estímulo até
a execução da resposta, será necessariamente marcado, em maior ou menor
intensidade, pela história de vida desse indivíduo.
As habilidades motoras básicas se aperfeiçoam na medida em que a discri-
minação cinestésica fornece conceitos mais precisos sobre o corpo. Harrow
(1983), baseando-se na sequência do desenvolvimento, coloca que o domínio
motor ocorre através dos movimentos reflexos, que são os movimentos invo-
luntários; habilidades básicas, que são movimentos voluntários e que vão servir
de base para a aquisição de tarefas complexas futuras; habilidades específicas,
que são movimentos mais complexos e com objetivos específicos. Juntamente
com a edificação da postura, as noções espaciais contribuem para a autonomia
da coordenação dos movimentos em seu deslocamento no ambiente, através
das noções de direcionalidade e relações espaciais entre o corpo e o ambiente.
Vejamos, então, quais os conceitos psicomotores envolvidos no processo
do desenvolvimento humano:

Tônus

A atividade tônica e sua regulação constituem um dos aspectos primor-


diais da psicomotricidade. O tônus muscular pode ser definido como um
influxo nervoso, involuntário, que promove um estado de tensão perma-
nente, mas variável, nos diferentes grupos musculares do corpo. Requer uma
flutuação oscilante entre os estados de repouso e os estados de atividade.
Sua modulação também está relacionada aos estados afetivos e emocionais,
inconscientes ou inconscientes.

154
aprendizagem e desenvolvimento neuropsicomotor

O primeiro centro anatomofisiológico que regula o tônus se encontra


ao nível medular, onde se realiza o reflexo miotático. Este reflexo necessita
de certas informações das células sensitivas que se encontram no interior do
músculo; estas são as fibras proprioceptivas provenientes dos fusos musculares.
A excitação dessas células é transmitida à medula, que por sua vez retransmite
ao músculo em circuito de retorno, por meio dos nervos motores, as excitações
causadas pelo aumento do tônus.
A presença do tônus muscular permite o desenrolar de toda a atividade
corporal, possibilitando ao indivíduo o desenvolvimento do equilíbrio, da
capacidade de manter-se imóvel, da manutenção de uma boa postura, a fim de
lograr atitudes corretas.
A atenção seletiva, a vigilância perante as situações, o controle da atividade,
o tônus cortical são aspectos perceptíveis da atividade tônica.

Equilíbrio

O equilíbrio constitui um delicado e complexo sistema alimentado por


dados cerebelares, visuais, labirínticos e proprioceptivos integrados no tronco
cerebral e cerebelo. Se estes aspectos interagem adequadamente, o corpo é capaz
de organizar e reorganizar constantemente o equilíbrio.

Esquema corporal ou somatognosia

Segundo Fonseca (1983), o cérebro mentalizado diz respeito ao corpo em


termos de estrutura e aos seus estados de funcionamento, a representação da sua
anatomia e da sua fisiologia, traduzindo a fenomenologia da aprendizagem e da
adaptabilidade da espécie e do indivíduo. A somatognosia representa o mapa
dinâmico de todo o organismo, cuja representação se espalha por várias áreas do
cérebro, sequencial e simultaneamente coordenadas por padrões neuronais. Tais
representações estão conectadas com o lóbulo parietal, localização preferencial
do mapa funcional do corpo, de onde emerge o seu substrato cortical principal.
A abordagem dos componentes neurofuncionais da somatognosia envolve

155
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

uma hierarquia de componentes organizados, primeiro no nível subcortical e,


posteriormente, no nível cortical.

Nível subcortical

Tronco cerebral: envolve especificamente a substância reticulada e o


cerebelo, de onde decorrem as funções de alerta, de vigilância e de atenção,
para além da integração intersensorial e regulação tônica postural e cortical.
Hipotálamo: está implicado em quase todos os aspectos do comporta-
mento, nomeadamente a alimentação, a sexualidade, o sono, a regulação da
temperatura, o comportamento emocional, a função endócrina e o movimento.
Sistema límbico: constitui a sede dos comportamentos emocionais na sua
dialética dicotômica de prazer/desprazer; defesa/ataque; compaixão/agressivi-
dade; amor/ódio; facilitação/inibição.

Nível cortical

Córtex insular: fornece à somatognosia a dimensão seriada e temporal da


sua totalidade, proporcionando-lhe a possibilidade de a decompor nas suas
partes articuladas.
Córtex somatossensorial parietal: onde se operam os sistemas neurofun-
cionais extrínsecos e intrínsecos da imagem do corpo.

Imagem corporal

A representação que a criança tem de seu próprio corpo é um elemento


indispensável para a formação da sua personalidade. De acordo com Schilder
(1981), a consciência do corpo se desenvolve pela evolução psicoafetiva: ao
conceito neurológico do esquema corporal se superpõe o conceito da imagem
do corpo. A autoimagem é construída ao longo do desenvolvimento humano.

156
aprendizagem e desenvolvimento neuropsicomotor

É mutante e subjetiva, dependendo dos afetos e trocas ocorridas durante a vida


do indivíduo. Envolve mudanças quantitativas e qualitativas.

Dominância lateral

É o elemento de relação e orientação do corpo com o mundo exterior.


A identificação da predominância seletiva de um dos lados do corpo reflete a
qualidade da integração sensorial, daí sua importância na organização funcional
da psicomotricidade e na atividade mental superior.
A lateralização é governada por fatores genéticos, embora o treino e os
fatores de pressão social possam influenciar no seu desenvolvimento.
Os dois hemisférios contribuem igualmente durante o decorrer da ontogê-
nese, mas, progressivamente, com a idade e com a acumulação da experiência,
vão assumindo especializações diferentes: um se torna responsável pelos
conteúdos não simbólicos e o outro pelos conteúdos simbólicos.
A integração bilateral do corpo depende da integração vestibular e
proprioceptiva inerente à experiência tônica e postural. Quando a atividade
proprioceptiva aumenta de um lado do corpo, as reações vestibulares também
aumentam desse mesmo lado. Com base neste processo de organização, a
integração bilateral do corpo vai se promovendo em níveis corticais cada vez
mais diferenciados, produzindo funções cada vez mais especializadas como a
somatognosia e a estruturação espaço-temporal.

Orientação espacial

Para uma boa orientação espacial ocorrer é necessária uma adequada


informação sobre o corpo em termos simbólicos e não meramente em termos
somatossensoriais. A criança, para poder aprender, precisa de uma noção do
corpo interiormente conscientizada dos dois lados do seu corpo e das suas
diferenças e posições relativas. Este conhecimento é vital para a organização
perceptiva e para as aprendizagens simbólicas mais complexas, na medida em

157
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

que é por meio do espaço e das relações espaciais que observamos as relações
entre as coisas e objetos no nosso envolvimento.

Orientação temporal

A orientação temporal é a capacidade de o indivíduo situar-se em relação


aos diferentes acontecimentos, estabelecendo um sistema de relações. Através da
orientação temporal, o indivíduo tem consciência de sua ação, de seu passado,
de seu presente e da previsão de seu futuro. Essa estrutura de organização é
determinante para todos os processos de aprendizagem. A dimensão temporal
é tão importante como a dimensão espacial, onde podemos localizar séries
de acontecimentos que representam todas as relações com o envolvimento.
Rechamar dados e utilizá-los corretamente é uma condição básica ao proces-
samento, armazenamento e utilização da informação.

Praxias

O movimento voluntário é definido em relação a sua finalidade e objetivo.


Os movimentos intencionais são sistemas de movimentos coordenados em
função de um resultado. Trata-se de sistemas de movimentos adquiridos, resul-
tantes das coordenações reflexas elevadas a um nível superior de integração. A
praxia antecede a função simbólica e traduz a noção de inteligência.
Todas as praxias exigem uma complexa integração proprioceptiva. Essa
atividade confere ao movimento voluntário as características de plasticidade
e melodia cinética cuja organização é fruto do sincronismo funcional de três
subsistemas fundamentais:
▶▶ Somatograma => conhecimento integrado do corpo.
▶▶ Engramas => registro, integração cognitiva e emocional das experiên-
cias anteriores.
▶▶ Apticoprama => integração dos estímulos externos que abrangem a
função gnósica.

158
aprendizagem e desenvolvimento neuropsicomotor

A aprendizagem é a resultante dialética da experiência motora integrada


e interiorizada. É com a experiência motora que a criança irá construir formas
de pensamento baseadas na incorporação dos dados sensoriais (tato, sentido
cinestésico, visão, audição etc.).
O desenvolvimento global da criança, portanto, depende do comporta-
mento perceptivo-motor, que, por sua vez, exige o controle motor, a percepção
figura-fundo, a noção de corpo, a noção de espaço, a noção de tempo etc.
A criança descobre o mundo fazendo experiências e, quando não encontra
resposta para um fenômeno, inventa. Aprender, portanto, passa a ser visto como
um processo resultante da atuação da criança, enquanto um ser pensante e ativo,
sobre os objetos do mundo físico.
O movimento da criança melhora, através do pensamento enriquecido
pela representação interna da habilidade melhor desenvolvida e executada, pois
inteligência-pensamento-ação constituem um círculo fechado. Sendo assim, o
desenvolvimento do conhecimento diz respeito não somente ao desenvolvi-
mento do corpo, mas também do sistema nervoso e das funções mentais.

Referências bibliográficas

Fonseca, V. Psicomotricidade. São Paulo: Martins Fontes, 1983.


Forgus, R. Percepção: o processo básico do desenvolvimento cognitivo. 2. ed.. São
Paulo: E.P.U., 1981.
Harrow, A. Taxionomia do domínio psicomotor. 2. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1988.
Le Boulch, J. O desenvolvimento psicomotor: do nascimento aos 6 anos. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1986.
Schilder, P. A imagem do corpo: as energias construtivas da psiquê. São Paulo:
Martins Fontes, 1981.
Thompson, R. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem: In Psicomotricidade:
da Educação infantil à gerontologia. São Paulo: Lovise, 2000.

159
9
Desenvolvimento neuronal
e comportamento lúdico na
primeira infância
Elsa L. G. Antunha

Todo nosso comportamento, das mais simples às mais complexas


funções, depende do sistema nervoso e a palavra sistema é fundamental para
a compreensão dos mecanismos pelos quais sensação, percepção, memória,
movimento e ação, linguagem, pensamento, emoção resultam da fina, adequada
e harmônica integração de toda a rede neuronal.
Diferentes componentes do sistema nervoso periférico e central mantêm-se
em uma relação de dependência recíproca, tendo o neurônio como unidade
sinalizadora que cumpre funções de transmissão e processamento de sinais
através de dois de seus prolongamentos: os dendritos, verdadeiras antenas para
os sinais provenientes de outros neurônios, e o axônio, um prolongamento longo
que transporta a mensagem contida no seu interior: o neurotransmissor, para
locais inclusive de grande distância do corpo.
Grandes agrupamentos neuronais formam conjuntos que possuem iden-
tidade funcional e que se localizam em regiões distintas, restritas e específicas do

161
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

cérebro, os lobos: occipital (visão), temporal (audição), parietal (sensibilidade do


corpo) e frontal (motricidade, modulação e planificação da atividade).
Esta supersimplificação das funções corticais deve ser acrescida da compre-
ensão da enorme complexidade das conexões sinápticas que se estabelecem de
forma intra-hemisférica, inter-hemisférica (através do corpo caloso), além das
conexões córtico-subcorticais, de onde resultam coordenações de múltiplas
ordens entre os analisadores da informação. Estas podem ser do tipo: viso-
-espacial, audiomotor, audiovisual e outras acrescidas das influências de setores
mais básicos do sistema nervoso: tronco cerebral, áreas límbicas (tálamo, hipo-
tálamo, amígdala) que conferem às funções mentais os aspectos mnemônicos
e emocionais, além de outros.
A fim de que cada neurônio, em particular, se comunique com outro, existe
uma estrutura denominada sinapse ou ponto de junção entre dois neurônios
através do qual a informação é transmitida de um ao outro, podendo esta
informação ser também inibida. A resolução quanto à excitação ou inibição
da mensagem representa um instigante aspecto do verdadeiro papel processador da
atividade neuronal.
Este apanhado que, pela sua simplificação, é extremamente distante
da realidade, só pode começar a ser compreendido em toda a dimensão do
sistema nervoso quando se constata a existência de 100 milhões de neurônios,
cada um deles podendo receber até 10.000 sinapses, o que eleva esta cifra a
potências inimagináveis.
No fundo, esta foi a forma pela qual através da evolução milenar “o cérebro
produziu a mente”, a forma pela qual foi possível aos seres vivos incorporar,
introjetar e compreender a realidade, o mundo externo. Nada mais, nada menos
que a fórmula da sobrevivência.
Considerado “o mais complexo organismo conhecido no universo”, o
cérebro humano tem de ser encarado sob vários prismas e só a superposição
exaustiva destas várias leituras conseguirá fazer com que se tenha uma ideia
aproximada de sua estrutura e funcionamento.
Encarando-o como um “computador” (com as ressalvas pela comparação,
uma vez que ele tem poder de autorregulação e de resolução), sua função é a
de codificar, decodificar, transcodificar, integrar e transmitir informações,

162
desenvolvimento neuronal e comportamento lúdico na primeira infância

realizando o papel de estabelecimento de contato não só com o ambiente


externo, como também com o seu próprio ambiente interno, o corpo.
Cada informação, para dar entrada no sistema nervoso, é fracionada em
todos os seus componentes e subcomponentes, então, não é de estranhar que
a cada um destes componentes deva corresponder uma unidade receptora. Do
mosaico de informações individualmente recebidas, resta ao cérebro unificá-las,
dar-lhes sentido, realizando, enfim, “o mistério da mente e da consciência”,
parafraseando Penfield e Damásio.
Feitas estas considerações iniciais que reputo de grande importância para
a análise do comportamento lúdico, interessa-nos agora considerar aspectos do
sistema nervoso humano encarando o desenvolvimento filogenético e ontoge-
nético. Estas expressões, que se referem respectivamente à evolução da espécie
e à evolução do ser, encerram considerações que cobrem os desdobramentos do
sistema nervoso de toda a esfera zoológica e que vai das primeiras bactérias às
medusas e peixes, passando por anfíbios e répteis gigantes até se expandir pelos
mamíferos, primatas, homens de Neanderthal e o homem de hoje.
Em seu livro Da Filogênese à Ontogênese da Motricidade, Vitor da Fonseca
analisa a evolução do desenvolvimento humano, marcando suas etapas e
características fundamentais:
1. A neuromotricidade (protomotricidade) marcada pela hipotonia axial,
hipertonia das extremidades e reptação ventral, característica da escala reptiliana.
A este plano sucede-se, na filogênese, o mamífero, que corresponde na
escala humana ao desenvolvimento de uma criança de 10 meses no estágio de
desenvolvimento humano denominado:
2. Tônico-motricidade (paleomotricidade) marcado pela quadrupedia,
simetria funcional e bimanualidade.
3. A terceira fase, filogeneticamente primata, corresponde à criança de
12-24 meses que se caracteriza pela sensório-motricidade (arquimotricidade)
com controle postural, segurança gravitacional, lateralização funcional e
independência do polegar.
4. Filogeneticamente, segue-se o aparecimento do homem, representado,
na ontogênese, pela criança de 6 anos cujo estágio de desenvolvimento é deno-
minado perceptivo-motricidade, em que há o desenvolvimento da locomoção,

163
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

dextralidade, assimetria funcional, especialização hemisférica (linguagem e uso


de instrumentos) e somatognosia. Este estágio do desenvolvimento humano
que culmina na adolescência pela:
5. Psicomotricidade (neomotricidade) aperfeiçoa-se na ontogênese, exibindo
o desenvolvimento práxico, a melodia cinética, a planificação motora e a matu-
ridade sociomotora.
Como já salientei, esta é uma das muitas leituras que pode sofrer o sistema
nervoso e, em função desta análise, pode-se derivar o estudo da organização
anatomofuncional do cérebro humano e trazer novas luzes ao estudo da função
do brinquedo, do lúdico, na criança.
Como num museu, o cérebro humano contém de forma abreviada, recons-
truída e recombinada todas estas etapas, a saber:
1. O cérebro “reptiliano”, no conceito de Mac Lean o mais antigo, cujas
estruturas respondem pelos comportamentos evolutivamente mais básicos
ligados à regulação das funções biológicas vitais, além das funções do sono,
vigilância, atenção e alerta, e envolvido também nas respostas reflexas. Suas
localizações neuroanatômicas compreendem a parte mais alta do tronco
encefálico (substância reticular, mesencéfalo) e gânglios da base.
2. Como herança dos mamíferos inferiores e com maior desenvolvimento
do tubo neural, apresenta-se o prosencéfalo, uma vesícula do cérebro anterior no
embrião e que se desenvolve em telencéfalo e diencéfalo. Designado cérebro pale-
omamífero, compreende a sensibilidade protopática, capaz apenas de grosseira
discriminação sensorial, mas dela dependente para a evolução a níveis cada vez
mais diferenciados, como calor, frio, dor e limiares mais baixos de sensibilidade.
Este segundo cérebro representa o sistema límbico cujo papel é prepon-
derante no comportamento emocional, regulando os impulsos relacionados
com os comportamentos de sobrevivência e reprodução, devendo-se assinalar
que este sistema, paleomamífero, filogeneticamente organiza-se no surgimento
da forma de gestação intrauterina em contraposição à postura de ovos fora do
corpo materno. Daí os importantes aspectos relacionados ao comportamento,
nas fêmeas, de maternalização e de apego, por parte da prole. Estes se dão em
virtude do fato de que, na escala mamífera, o filhote ao nascer tem ainda um
longo período de desenvolvimento até atingir a fase adulta e a independência,

164
desenvolvimento neuronal e comportamento lúdico na primeira infância

dado contrário à evolução na escala reptiliana, em que o filhote logo ao nascer


apresenta-se maduro.
Cérebro reptiliano e límbico formam, então, uma unidade solidária,
apresentando já um certo grau de plasticidade do comportamento, no sentido
de aprendizado e soluções de problemas com base na experiência imediata. Mas
estes cérebros ainda não têm a capacidade de verbalizar suas ações e sentimentos.
A necessidade, nesta fase, da presença da mãe, que atenderá às exigências
da prole antes e além do nascimento, acentua os aspectos de fome, sede, frio,
desconforto, amparo, todos eles associados ao apego. Estas circunstâncias
determinam na mãe, bem como na prole, representações psíquicas ligadas a
sentimentos de satisfação ou frustração, prazer ou dor.
Destas emoções básicas, modular-se-ão, progressivamente, sentimentos
tais como tristeza, raiva, ansiedade, paz, euforia, êxtase, hostilidade.
A conexão destes estados psíquicos concomitantes a respostas musculares e
endócrinas é demonstrada por manifestações de tensão muscular, suor, aumento
da frequência respiratória, taquicardia, secura na boca, palidez, enrubescimento.
Estruturas subcorticais: mesencéfalo, hipotálamo e amígdala estão muito
ativos nestas situações, veiculando, através das suas conexões sinápticas, neuro-
transmissores tendentes a restaurar ou a desregular o equilíbrio homeostático.
3. Finalmente, desenvolve-se o córtex cerebral com todas as suas espe-
cializações. Mais precisamente referimo-nos ao neocórtex, ou córtex novo,
sendo este de desenvolvimento mais recente na escala filo e ontogenética. Às
estruturas olfatórias e límbicas já formadas nas fases anteriores sobrepõem-se
estas novas, envolvendo-as através do chamado manto cortical e atingindo tal
desenvolvimento que exigiu, durante a filogênese, que seu grande volume se
adaptasse ao espaço bem menor da cavidade do crânio, havendo, para isto, a
formação de circunvoluções e giros.
Por sua vez, no processo de desenvolvimento humano, a construção do
conhecimento vai sendo acompanhada por alterações nas formas de conexões
neuronais. Para a formação das partes funcionais do sistema nervoso, os neurônios
em sua citoarquitetura começam a se especializar relativamente aos transmissores
sinápticos a fim de que se estabeleça cada vez mais um maior número de conexões,
o que se dá através do gigantesco crescimento de axônios e dendritos.

165
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A plasticidade sináptica e os mecanismos celulares de atividade dependente


em função do aprendizado são pontos fundamentais para se considerar as várias
e complexas manifestações do comportamento humano que se relacionam com
evolução tecnológica, linguagem, raciocínio, metáfora, operações lógicas, planifi-
cações levando em conta passado longínquo e futuro distante, abstração, consciência.
A fim de conectar as considerações acima sobre o desenvolvimento neuronal
com a natureza e finalidade do comportamento lúdico na primeira infância, cabe
uma ingênua pergunta: “Os filhotes de répteis, isto é, jacarezinhos brincam?” Ao
que tudo indica, a resposta é “não”. Mas relativamente aos gatinhos, cachorrinhos
e macaquinhos não há dúvida quanto à resposta positiva.
Ao comprar um filhotinho de cão é muito comum ouvirmos o conselho:
“Brinque diariamente pelo menos uma hora por dia com ele. Ele tem necessi-
dade disso e ficará mais feliz, mais sadio e mais ajustado”. À clássica afirmação
dualística da psicanálise de crianças: Só comer não basta, só amar não basta,
podemos acrescentar: é preciso brincar também.
Na construção do ser humano, o brincar representa um papel primordial
em suas diversas modalidades e manifestações universais. Desde o berço, em
contato com a mãe e, posteriormente, com colegas, o brincar torna-se impera-
tivo. A mesma força que impele a comer e a amar, leva a criança a criar situações
lúdicas, sendo de tal magnitude o campo do brinquedo e dos “jogos sazonais”
que é impossível fazer um elenco de todos eles, com suas variações nas diversas
culturas. Mas o que chama a atenção é a repetição, a coincidência que se nota
quanto aos brinquedos que são oferecidos à criança, independente da situação
econômica, ou do ambiente em que ela se insere.
Outro aspecto a ser analisado é que o caráter folclórico dos jogos sazonais,
aqueles que ocorrem condicionados às condições climáticas, atmosféricas,
aproxima-os do universo dos contos de fada. Ambos obedecem às vicissitudes
do universal e do folclórico, no sentido da não identificação autoral. Sob formas
multivariadas, surgem da manifestação popular e através desta se mantêm
coesamente organizados.
Transferindo-se estas observações ao campo dos jogos infantis, torna-se
mais fácil perceber a importância atribuída a eles no aprimoramento das funções
neuropsicomotoras de base das crianças. Associado a isso também se destaca o

166
desenvolvimento neuronal e comportamento lúdico na primeira infância

fato de que através desses jogos as crianças estabelecem um meio de entrar em


contato, de conhecer e atuar sobre a natureza, conhecendo sua estrutura e sua
dinâmica. Os jogos são, assim, a porta informal de entrada, como que o rito
de iniciação para a vida, inclusive para o social uma vez que essas brincadeiras
raramente são executadas a sós.
Embora tomando nomes e formas diferentes de região para região, os contos
de fada, do mesmo modo que os jogos, veiculam valores: éticos, afetivos, intelectuais,
estéticos, motores, psicomotores, mas o que mais chama a atenção em ambos é
que eles agem sobre o desenvolvimento e a personalidade de forma global.
Em qualquer lugar do mundo se encontrará crianças jogando modalidades
de bolinha de gude ou empinando papagaios e em todos os lares se encontrará
mães contando histórias de fadas a seus filhos.
Esta herança moral e psicomotora, afetiva e conativa sempre representou,
para as antigas famílias, mesmo que iletradas e em épocas pré-freudianas, o
que a psicanálise representa hoje: a elaboração dos conflitos humanos, através
da repetição compulsiva de contos como Chapeuzinho Vermelho e Joãozinho
e Maria, nos quais toda a simbologia da mente humana está presente. Nesse
caso o “psicanalista” ou o “terapeuta” é a mãe, que exerce este papel de forma
totalmente inconsciente.
Que dizer dos jogos? Eles, da mesma forma, dirigem-se a outra vertente da
personalidade humana: a motora, através de brinquedos como o pular corda,
correr pelo quarteirão, puxar bichinhos ou latinhas atados a um cordão.
O aspecto psicomotor se desenvolve, à medida que a criança cresce através
de jogos como Três Marias, com pedrinhas, bolinha de gude, amarelinha, pipas,
bilboquê, ioiô.
De forma muito equilibrada e paulatinamente, as funções mentais supe-
riores são aperfeiçoadas: cálculos, intuições espaciais, somestesia, barognosia,
equilíbrio dinâmico e estático, motricidade fina e praxias de toda ordem.
Quando a criança tem a felicidade de viver no campo ela pode escalar
árvores, à moda dos símios, explorando a preensão, ou pode nadar, relembrando
os peixes. Tendões, músculos e articulações, habilidade, precisão na apreciação
do espaço, da visão, como no jogo de bola atirada à parede no brinquedo de
Ordem... seu lugar... sem rir... sem parar... um pé... o outro...

167
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Durante os primeiros anos escolares, no jardim e na pré-escola, os jogos


ajudam na integração sensório-motora, afetiva e intelectual, integrando todos os
setores da personalidade através de sinapses bem fortalecidas e aliando harmo-
nicamente os lobos occipitais, temporais, frontais, parietais e estabelecendo
ainda conexões com setores subcorticais.
À medida que estas conexões se estabelecem e se fortalecem, de forma
ampla, a criança terá, futuramente, mais oportunidade de transferi-las para os
planos mais complexos da atividade acadêmica, da vida de relação e do contato
consigo mesma.

Referências bibliográficas

Antunha, E. L. G. “Jogos Sazonais — coadjuvantes do amadurecimento das


funções cerebrais”. in Oliveira, Vera Barros. O brincar e a criança do
nascimento aos seis anos. Rio de Janeiro: Editora Vozes, p. 33-56, 2000.
Castro Caldas, A. A herança de Franz Joseph Gall — o cérebro ao serviço do
comportamento humano. Lisboa: McGraw Hill, 2000.
Damásio, A. R. O erro de Descartes. (tradução portuguesa). Lisboa: Publicações
Europa, 1994.
Lent, Robert. Cem bilhões de neurônios — conceitos fundamentais de
neurociência. São Paulo: Atheneu — Faperj, 2001.

168
10
Brinquedo e aprendizagem
na escola
Edda Bomtempo

Brincar é algo que se destaca no comportamento diário das crianças como


essencial para o seu desenvolvimento e aprendizagem. Dessa forma, se quisermos
conhecer bem as crianças, devemos conhecer seus brinquedos e brincadeiras.
A brincadeira é uma atividade social e cultural e pressupõe um aprendizado.
Supõe também uma comunicação específica, uma metacomunicação, isto é, ela
só é possível quando os envolvidos forem capazes de trocar sinais vinculados a
uma mensagem. O brincar não só está presente no desenvolvimento da criança
como na vida do adulto, com diferentes funções e características, como também
pertence à sociedade, à história da civilização humana. Ele não só reflete aspectos
da cultura de um povo como também é encontrado na cultura, “como um
elemento dado existente antes da própria cultura, acompanhando-a e marcando-
-a desde as mais distantes origens até a fase de civilização em que agora nos
encontramos” (Huizinga, 1971).
Dentro de uma mesma cultura, crianças brincam com temas comuns:
educação, relações familiares e vários papéis que representem as pessoas que
integram essa cultura. Os temas, em geral, representam o ambiente das crianças

169
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

e aparecem no contexto da vida diária. No entanto, a impregnação cultural


derivada da manipulação de brinquedos não é um condicionamento, uma
apropriação passiva de conteúdos, mas muito mais um processo dinâmico
de inserção cultural, no qual a criança apropria-se ativamente de conteúdos
preexistentes, transformando-os e até mesmo negando-os, pois elas costumam
reagir de forma diferente ao mesmo brinquedo de acordo com a idade, gênero,
nível de desenvolvimento, tempo e exposição ao brinquedo como também à
própria complexidade do material. De acordo com o seu desenvolvimento e
grau de predisposição à fantasia, ela perceberá maneiras diferentes de lidar com
determinado objeto.
Assim, ao mesmo tempo que os brinquedos apresentam um conteúdo e
transmitem uma mensagem, essa mensagem pode ser modificada e percebida
de forma diferente pelas crianças, de acordo com o seu universo de valores, os
costumes e as situações que permeiam o seu cotidiano. O brinquedo aparece,
portanto, como um pedaço de cultura colocado ao alcance da criança e é seu
parceiro na brincadeira, sendo também portador de novos valores através da
penetração no mundo social.
Para o professor é importante que ele saiba que manipulando objetos e a si
mesmas, as crianças estão se preparando para futuras aprendizagens. Por exemplo,
para a criança bem pequena o morder, apertar, sentir são coisas importantes
durante o primeiro ano de vida. Nessa fase o bebê está aprendendo conceitos
fundamentais e desenvolvendo atividades que o levarão a interagir melhor com
o mundo exterior. O brinquedo deve ser um estímulo a todas essas descobertas.
Brinquedos de borracha macia, brinquedos com som, módulos coloridos
e brilhantes influem no processo de desenvolvimento da discriminação visual e
auditiva, no desenvolvimento do tato e na exploração que é básica para futuras
aprendizagens, a saber:
a) Bonecas — A boneca é um brinquedo que sempre fascina toda menina
pela identificação com ela mesma e com os outros (irmãos, mães, amigas etc.).
Pesquisas mostram que as de material macio são as preferidas, porque lembram
a pele e pela ideia de aconchego. Assim, quanto mais artesanal, melhor.
b) Blocos para construção e encaixe — Enquanto brincam com blocos, as
crianças estão treinando seriação, ganhando conhecimento na dinâmica das

170
brinquedo e aprendizagem na escola

proporções e aprendendo relações físicas de causa e efeito. As propriedades das


relações de tamanho e espaço são reforçadas enquanto elas enfiam cilindros uns
nos outros, empilham blocos graduados em torres e pirâmides.
c) Quebra-cabeças — são um dos estímulos ao raciocínio para crianças,
adolescentes e até para adultos, pois mantêm a atenção a médio e longo prazo
e favorecem a sociabilidade e a cooperação quando montados em grupos. Os
quebra-cabeças apresentam dificuldades crescentes de acordo com o número de
peças, figuras e variações nas cores da figura-fundo. De acordo com o seu nível
de desenvolvimento, a criança poderá brincar com um tipo de quebra-cabeça.
d) Os jogos com regras como: damas, ludo, trilha, gamão (jogos de tabuleiro)
e os jogos de estratégia são fascinantes para crianças mais velhas (8 ou 9 anos).
A razão é bem simples: apresentam desafios, estimulam a competição, ensinam
a respeitar os limites do adversário, além de preparar a criança para enfrentar
desafios reais que terá pela frente.
Os jogos com regras são, portanto, uma forma de aprender e reaprender.
Numa próxima partida a criança poderá aproveitar da experiência anterior.
Para dominar o adversário, terá que exercitar a memória e a atenção, obser-
vando o parceiro e poderá se colocar no lugar do outro. Além da competição,
a cooperação também é estimulada quando os jogos são em duplas ou times.
Finalmente, o mundo é um palco. Assim, as dramatizações, a brincadeira
de faz de conta ou jogo imaginativo são também fatores de importantes apren-
dizagens. Nesse tipo de brincadeira ela progride da necessidade de experimentar
alguma coisa para a habilidade de pensar sobre ela, dando novos significados
e funções a objetos como quando uma vassoura se transforma em cavalo ou
caixas, vidros, copos de iogurte, panelas se transformam em várias outras coisas
que o seu mundo lhe permite. Ela, também, passa a representar vários papéis
como: pais, professores, artistas de rádio e Tv, médicos etc. A mudança no
conteúdo da brincadeira da criança está intimamente relacionada à mudança
em suas atividades rotineiras.
Quanto à introdução do brincar no currículo e, principalmente, no
currículo da pré-escola, tudo indica que os professores ainda têm dificuldade
para justificar a inserção das atividades lúdicas no ensino. Essa inclusão sofre
uma série de restrições, não apenas no Brasil, mas também em outros países do

171
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

mundo, tanto por parte dos pais que esperam mais aprendizagem acadêmica
como até mesmo por parte de alguns educadores, que se sentem forçados a
repensar o papel que o brincar deveria ter na sala de aula diante das pressões
para fortalecer o currículo acadêmico (Henninger, 1991).
Por sua vez, os professores não receberam uma formação que os capacite
a entender o tipo de aprendizagem que provém do uso bem empregado das
brincadeiras e das oportunidades para brincar. Introduzir a brincadeira no
ensino requer profunda compreensão e sensibilidade para entender o padrão
único de habilidades e interesses de uma criança em um dado momento. Requer,
também, profundo conhecimento de materiais lúdicos para saber lidar com
eles e adaptar-se ao ritmo de cada criança. A intervenção do professor não
deve tolher a imaginação criativa da criança, mas orientá-la, deixando que a
brincadeira espontânea surja na situação de aprendizagem, pois é através dela
que a criança se prepara para a vida em seus próprios termos.
A proposta de um novo jogo a ser jogado na escola deve começar pela
observação e compreensão de quem está mais bem habilitado para o jogo — a
criança (Marcelino, 1990). É ela que vai mostrar o caminho a seguir através
de seus brinquedos e brincadeiras. É importante que nós, educadores, mergu-
lhemos no universo tão rico da criança para melhor compreendê-la, chegando
mais perto de suas necessidades.
Os programas educacionais raramente preparam os professores para
usar estratégias que promovam o brincar. Saracho (1991) aponta dois tipos de
intervenção no brincar das crianças: participativo e dirigido.
Participativo: quando a intervenção do professor visa à aprendizagem
incidental durante o jogo: as crianças encontram um problema e o professor
ajuda-as na solução.
Dirigido: o professor aproveita o jogo para a aprendizagem do conteúdo do
currículo. Em geral, o estilo dirigido costuma levar as atividades para situações não
lúdicas, desvalorizando o brincar e impedindo o desenvolvimento da criatividade.
Muitas pesquisas sugerem que o professor que percebe quando deve
participar encoraja mais a criatividade da criança. A reflexão sobre a natureza
e limites de sua intervenção evitará que ele se torne organizador, sem abdicar
de seu papel de animador.

172
brinquedo e aprendizagem na escola

Respeitando-se o jogo, a brincadeira, o educador poderá desenvolver novas


habilidades no repertório de seus alunos.
Convencidos de que o brincar facilita a aprendizagem, é preciso que o
professor goste de brincar. Professores que saibam brincar são indispensáveis
para o êxito deste empreendimento. Há necessidade de uma mudança na atitude
do professor frente à situação de ensino-aprendizagem. Muito importante é a
articulação entre os conteúdos teóricos e sua aplicação prática. Vários pesquisa-
dores têm demonstrado em suas produções que o despreparo desses profissionais
envolve uma prática pedagógica ineficiente.
Podemos então afirmar com Leif e Brunelle (1976) que nada será feito em
favor do brincar se os professores não se interessarem por ele. A observação das
crianças no decorrer dos seus brinquedos e jogos é um dos melhores meios de
conhecê-las. Ainda, à competência profissional é preciso acrescentar o entu-
siasmo, a criatividade e a aptidão para as relações humanas complementadas
pela formação continuada. Para traduzir a pesquisa em prática é preciso definir
os objetivos do brincar, os processos de desenvolvimento e/ou aprendizagem
que se desejam influenciar, o que exige constante observação dos resultados
educativos da brincadeira. Devemos estar cientes de que, brincando, a criança
está aprendendo sobre o mundo, porém os professores necessitam observar as
crianças que brincam para perceber o tipo de estratégias que poderiam facilitar
a aprendizagem.
O brincar se apresenta para elas como um direito tão importante quanto
a saúde e a educação, pois é através de seus brinquedos e brincadeiras que elas
têm oportunidade de desenvolver um canal de comunicação, uma abertura de
diálogo com o mundo dos adultos, com o qual a criança restabelece seu controle
interior, sua autoestima, desenvolvendo relações de confiança consigo mesma
e com os outros.

Referências bibliográficas

Bomtempo, E. A Brincadeira de Faz-de-Conta: Lugar do Simbolismo, da


Representação, do Imaginário. In Kishimoto, T. M. (Org.) Jogo, brinquedo,
brincadeira e a educação. São Paulo: Editora Cortez, 1996.

173
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Bomtempo, E. Brincando se aprende: uma trajetória de produção científica.


Tese (Livre-Docência), IP-USP, São Paulo, 1997.
Bomtempo, E. Brincar, fantasiar, criar e aprender. In Oliveira, V. B. (Org.) O
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4. ed, 2002.
Brougère, G. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez Editora, 1995.
Henninger, M. L. Play Revisited: a Critical Element of Lindergarten Curriculum.
Early Child Development and Care, vol. 70, 1991, p. 63-71.
Huizinga, J. Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura. São Paulo:
Brasiliense, 1971.
Leif, J. e Brunelle, L. O Jogo pelo jogo. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

174
11
Aprendizagem e
desenvolvimento
neuropsicológico via
jogos de regras
Vera Barros de Oliveira

Este artigo analisa o pressuposto de que os jogos de regras podem ser vistos
como estratégias privilegiadas para a dinamização do processamento mental
e, consequentemente, para a aprendizagem.
Considera que, por serem jogos, incluem-se na categoria das atividades
lúdicas, nas quais, numa abordagem piagetiana (Oliveira, 1998), predomina o
prazer sobre o desprazer ou mal-estar, o relaxamento sobre a tensão, a espon-
taneidade sobre o comportamento coagido ou direcionado de fora para dentro.
Por sua vez, por envolverem regras, supõem o conhecimento destas, de forma
clara, objetiva e precisa, sabendo os participantes o que pode e o que não pode
ser feito durante o desenvolvimento do jogo.
Conjugando essas duas colocações, levanta-se a hipótese de que sua riqueza
talvez esteja justamente nesta complexa combinação entre ordem e ruído,
liberdade de ação com aceitação e cumprimento de regras, já que esses jogos

175
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

oferecem um leque imenso de possibilidades ao jogador, o qual vai poder optar


pelo caminho a seguir, ao mesmo tempo que deixam implícito que as regras
devem ser necessariamente respeitadas.
Lidar com esse contraponto composto de “sins” e de “nãos” vem a ser um
grande desafio para o cérebro, que busca incessantemente se auto-organizar
frente ao meio, mantendo sua identidade, condição de sua sobrevivência, ao
mesmo tempo que interage da forma mais adaptada possível, respeitando
os limites.
O modelo teórico de auto-organização, segundo a Teoria dos Sistemas
Dinâmicos, TSD, ou Teoria do Caos, como também é chamada (Oliveira e
Fischer, 2000; Piqueira & Cândido, 2000), supõe justamente esses dois vetores
básicos, como estruturantes de uma adaptação do sistema ao meio, ou seja, a
historicidade do sujeito, que seleciona o que quer, com base em seus registros de
memória, e a abertura ao meio, que lhe possibilita trocar alimento, experiências,
ideias, ou o que quer que seja, desde que respeite as exigências do meio.
A ideia de autorregulação biocibernética piagetiana enfatizava já essa
capacidade das estruturas mentais de conciliar a conservação da vida com a
flexibilidade para enfrentar transformações (Oliveira, 1998).
Essa autorregulação extremamente ágil e versátil pode ser observada e
incentivada nos jogos de regras, em suas mais diversas mosalidades. Eles podem
ser individuais ou grupais, independem também do tema ou contexto onde são
desenvolvidos. Podem estar mais voltados para atividades físicas, com ou sem
a presença de objetos, para atividades representativas, envolvendo atividades
plásticas, cênicas, mímicas, de forma isolada ou conjugada, ou ainda a jogos
que incluem a linguagem verbal, falada ou escrita, ou a numérica, em diversos
níveis de complexidade e nas suas mais variadas combinações.
Os jogos de regras, de uma maneira geral, contêm regras lógico-matemáticas,
mais ou menos explicitas, assim como regras socioculturais e morais. Assim, por
exemplo, um jogo com bola supõe o conhecimento e a utilização adequada da
organização lógica espacial, temporal etc., assim como o respeito ao combinado
no grupo contextualizado naquele momento. Quando jogamos em grupo,
precisamos justamente usar nossa criatividade na elaboração de estratégias que
nos aproximem da solução do problema, sem desrespeitar o outro.

176
aprendizagem e desenvolvimento neuropsicológico via jogos de regras

Jogar supõe, portanto, a atenção, em várias combinações de suas moda-


lidades, dependendo da situação. Supõe sempre um estado de alerta,
de ativação (alertness ou arousal), incluindo seu aspecto tônico, fisiológico, de
fundo, responsável pelo estado de vigilância do sujeito, e a ativação fásica, que
reage a alterações do meio, sendo que esses dois aspectos são dinâmica e conti-
nuamente complementares. Além disso, o jogar demanda uma manutenção da
atenção num espaço de tempo, ou seja, a concentração no desenrolar do jogo,
a chamada Sustentação. O jogo de regras cria também uma situação extrema-
mente favorável à capacidade de alternar o foco da atenção de um objeto, pessoa
ou situação, para outro (Alternância), mantendo ou não uma regularidade
sequencial. Finalmente, talvez o mais rico dos esquemas associados à atenção
vem a ser o de selecionar o foco da atenção, mantendo os demais estímulos
como pano de fundo para a figura priorizada (Seletividade). Fazer esta seleção
implica desconsiderar, ignorar intencionalmente em determinado momento
uma série imensa de distratores internos, que tentam vir à tona através da
memória, e de distratores externos que incluem todas as alterações sonoras,
visuais etc. do meio externo (Mattos, 2000).
Os jogos, por propiciarem grande motivação e envolvimento, possivelmente
criem condições favoráveis a todos os aspectos da atenção mencionados, o que
precisaria ser devidamente pesquisado.
Esta atenção que focaliza, que se mantém, alterna e seleciona, vai possibilitar
e facilitar a representação mental do vivido através de imagens, que vão se
registrando em cadeias reticulares neuronais, sempre associadas ao já registrado.
Desta forma, toda a situação lúdica, concreta, vivenciada, vai também se inter-
nalizando por via imagética. Não são apenas os conteúdos que são assimilados,
mas também as formas operacionais, as estratégias, as regras, as opções e seus
resultados, assim como todo o contexto afetivo-emocional ali experimentado
(Damasio, 2000).
Constrói-se a situação lúdica dessa forma, com um núcleo imantador
no presente, no contexto atual, focalizada no jogo que se desenvolve aqui e
agora, uma rede mental que se articula com o passado (feedback) e que passa a
incorporar continuamente novas aprendizagens, advindas das jogadas feitas e
observadas nos demais, que podem vir a ser utilizadas no futuro (feedforward)
(Oliveira, 1998).

177
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

O jogo possibilita desta forma a representação virtual do que ainda não


está acontecendo, mas que pode vir a ocorrer. Damasceno (2002), referindo-se
a Ingvar (1985), usa a curiosa expressão “memória do futuro”, para caracterizar
planos de ação futura, que contêm programas que são neural e temporalmente
arquivados, que podem ser evocados em situações similares, ou seja, uma vez que
o cérebro identifica um procedimento como positivo ele tende a recuperá-lo e
reutilizá-lo frente a uma situação análoga. Daí a hipótese de que o jogo de regras
possa favorecer não apenas o aprender a jogar aquele jogo, mas, muito mais do
que isso, ao desenvolver a atenção, ir selecionado estratégias inteligentes bem-
-sucedidas, aprendendo a valorizá-las para bem registrá-las, para que, sabendo
classificar e seriar outras situações, consiga descobrir possíveis analogias entre
elas e, finalmente, abstrair o processo que deu certo, generalizando-a à situação
específica enfocada.
Nossa memória, como bem descrevem Schwartz e Reisberg (1991), não é
um simples receptáculo passivo de informações que são guardadas automati-
camente, mas um processo pessoal e ativo, vinculado diretamente com a ação
contextualizada e inserida em nossa história de vida, conjugando cognição e
emoção. Vem a ser um processo em contínua reformulação, sendo que, quando
nos lembramos de algo no presente, fazemos sempre uma releitura do que foi
arquivado no passado e ressignificamos essa lembrança. Essas observações
atestam o caráter ativo e integrador dos processos cognitivos, que se constroem
sempre de e em prol da construção da identidade da pessoa, em seu processo
de interação adaptada ao meio.
A capacidade de aprender da experiência, como sintetiza Gell-Mann (1996),
é um produto da evolução biológica, desenvolvendo-se nos sistemas adaptativos
complexos, como é o caso do cérebro humano. A entrada e reutilização do
fluxo de informação são fundamentais para esses sistemas. O jogo de regras,
motivando o jogador a solucionar problemas, desperta sua atenção, agiliza
a revisão de informações arquivadas pela memória. Conjuga-as de modo
extremamente dinâmico aos dados do contexto atual e utiliza-se da capacidade
heurística do cérebro para criar. Analisa as possibilidades a serem desenvolvidas
nesse ato criativo, para descartar as pouco prováveis de êxito e selecionar as
que lhe parecem melhores. Imagina-as previamente em ação virtual, através
de simulações mentais e, finalmente, verifica-as na prática.

178
aprendizagem e desenvolvimento neuropsicológico via jogos de regras

O que estamos aqui descrevendo vem a ser um processo inteligente de


busca e desenvolvimento de um projeto, o mesmo empregado pelo pesquisador,
que aprende a se utilizar de forma inteligente da capacidade de seu cérebro
de descobrir e criar relações, de simular, de hipotetizar, deduzir, desenvolver
um plano de execução baseado em suas hipóteses, observar e considerar os
resultados (Oliveira, 2003).
O jogar, por sua dinâmica inerente, exige do jogador flexibilidade mental.
Tratando-se de um jogo com mais de uma pessoa, essa dinâmica torna-se
naturalmente mais complexa, fazendo com que cada um pense não só no que
vai fazer, mas nas possíveis estratégias que os parceiros possam vir a criar. Esse
deslocamento do próprio pensar para o dos demais, produz uma descentrali-
zação, possibilitando novas perspectivas, quebrando possíveis automatismos,
formas rígidas, autocentradas e estereotipadas de agir.
Enriquece-se, assim, a complexidade da rede de conexões da ação e, conse-
quentemente, da rede neuronal. Quanto mais amplas estas redes se formam e
se conjugam, mais articulações elas serão capazes de criar, tornando-se mais
flexíveis, ágeis e articuladas, ou seja, quanto mais o jogador descobre e inventa
novas jogadas, mais elaborado e criativo ele se torna como pessoa.
Neste percurso, o constructo mental do jogo, com sua diagramação espacial
e suas regras bem definidas, mantém-se relativamente estável internamente. Essa
regularidade inerente à situação, uma vez bem compreendida e internalizada,
vai funcionar como um pano de fundo que, longe de inibir a ação, vai propiciar
novas e possíveis investigações (Simon, 2000). Combina-se desta forma a regula-
ridade com a transformação, as regras e padrões que devem ser observados com
a inovação através de estratégias originais, que criam novos e mais articulados
padrões de ação que não violam essas regras, mas, ao contrário, as afirmam.
Finalizando esta breve análise de alguns dos procedimentos mentais
envolvidos de forma integrada e plástica no ato de jogar com a utilização
de regras, considera-se que as considerações feitas, com base nos teóricos
citados, trazem indicadores sobre a validade do jogo de regras como estratégia
altamente favorável à dinamização do processamento mental e, consequen-
temente, à aprendizagem, contribuindo para o aprender a pensar, sugerindo
pesquisas comprobatórias.

179
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Referências bibliográficas

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Macedo ; M. J. Gonçalves; F. C. Capovilla & A. L. Sennyey (Orgs.)
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Piqueira, J. R. C. Cândido, C. L. Sistemas complexos e Auto-organização. In
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Schwartz, B. & Reisberg, D. Learning and Memory. New York: USA: W. W.
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Simon, H. Problem Solvers. In B. Levy & E. S. Schreiber Secrets of the Mind.
CD-Rom Montparnasse Multimedia, Ubi Soft Hypermind, 2000.

180
12
Processamento cerebral na
resolução de quebra-cabeças
informatizados
Elsa Lima. Gonçalves Antunha,
Vera Barros de Oliveira

A análise neuropsicológica de qualquer tarefa presta-se a três finalidades:


teórica, diagnóstica e terapêutica.
Do ponto de vista teórico, ao observar como a criança executa uma tarefa,
o examinador pode levantar e testar hipóteses relativas aos constructos mentais
pelos quais os diversos autores tentam explicar a neuroatividade subjacente aos
atos executados. Procurar entender o que ocorre no cérebro, no exato momento
em que a criança trabalha, ajuda a ampliar os conhecimentos sobre a natureza
dos processos mentais, possibilitando ao observador diagnosticar de forma
mais segura como o cérebro dessa criança, em particular, está processando as
informações. Isto o leva à terceira finalidade da análise neuropsicológica que é a
opção terapêutica mais adequada a cada caso. Nesta formulação tripartida, em
que teoria-diagnóstico-terapia fundem-se em sistêmica reciprocidade, cada etapa
passa a influir sobre a subsequente aumentando a eficácia de cada uma delas,
realizando assim o diagnóstico-ação. Como exemplo disto discutiremos a análise

181
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

neuropsicológica da tarefa de resolução de quebra-cabeças do computador. A


fim de que esta tarefa não se reduza a uma simples atividade de passatempo, mas
subordine-se a critérios científicos, o examinador deve ter uma noção básica
sobre o sistema nervoso em geral e o cérebro em particular a fim de extrair
daí quais processamentos são requeridos para a solução de um quebra-cabeça,
levando-se em conta que cada modalidade deste exigirá o concurso de novas
áreas funcionais, bem como novos arranjos neuronais (Antunha, 2000).
O uso de quebra-cabeças é muito antigo na humanidade e representa um
fator de grande atração, talvez porque corresponda à essencial condição do cérebro
humano de organizar o caos, criar gestalten, colocar ordem na natureza, unir
partes separadas (bem e mal?), enfrentar desafios, tolerar frustações, superar-se
racionalmente atendendo ao “impulso epistemofílico”, leitmotif desta atividade.
Parece não ser por acaso que o termo “quebra-cabeça” traz embutida uma
alusão metafórica a que é a cabeça, o cérebro, que deve ser “quebrado”, desmon-
tado, para se chegar à resolução. Diferenças entre quebra-cabeças tradicionais, da
época pré-computador, e os informatizados não são, em essência, muito grandes.
Obviamente a tecnologia da informática “glamuriza” as velhas fórmulas,
permitindo introduzir sonoridade, velocidade, circunstâncias temporoespa-
ciais relevantes, condicionando um espantoso diálogo entre os dois cérebros:
o humano, visceral e a máquina, estabelecendo-se entre ambos uma estreita
reciprocidade que a indústria da informática soube muito bem explorar criando
verdadeiras obras-primas, destinadas a seduzir adultos e crianças, apelando
limbicamente aos centros de prazer e às áreas de recompensa do cérebro.
Como tarefa complexa, a resolução de quebra-cabeças representa o trabalho
de alta integração das funções nervosas superiores o que é demonstrado inclusive
na sua utilização em provas de avaliação do quociente intelectual como vemos nos
“cubos de Kohs”, “cubo de Link” e em todas as versões das escalas Terman-Wechsler.
No entanto, não é apenas a atividade nervosa superior, isto é, as funções corticais e
sobretudo neocorticais que são solicitadas. Participa também a subcorticalidade,
sobretudo a formação reticular, do tronco cerebral, bem como o sistema límbico.
A fim de que a criança consiga resolver um quebra-cabeça é preciso que
a formação reticular, que representa estruturas que mantém regular o tono
cortical, ativando-o e modulando-o, esteja íntegro.

182
processamento cerebral na resolução de quebra - cabeças informatizados

Isto determina um nível ótimo de atenção e vigília, condição fundamental


para que o estado de alerta, a ausência de distração ou sono, concorra para a melhor
execução da tarefa. Ainda no nível subcortical, o sistema límbico, local onde as
emoções são processadas, tem uma participação ativa, uma vez que, durante à
execução a criança apresenta reações de raiva, medo, tristeza, ansiedade, angústia,
o que permite ao terapeuta identificar situações e, aproveitando-se delas, fazer com
que a criança desenvolva relações emocionais mais satisfatórias com o insucesso,
encarando-o não como erro, mas como experiência.
Tronco cerebral, bem como todos os componentes do “cérebro reptiliano”,
sistema límbico e córtex, de forma sincrônica e coordenada e de processamentos
paralelos em cada um destes níveis, integram as informações de sistemas recep-
tores e efetores, em um continuum harmônico, às custas da formação de vastas
redes neuronais e suas transmissões sinápticas.
Nos planos cortical e neocortical são solicitados preferentemente o sistema
visuo-lobo-occipital situado no cérebro posterior mantendo-se ativas as áreas
primárias, secundárias e terciárias, uma vez que destas dependerá a percepção
e a identificação dos estímulos apresentados visualmente na tela. Intensas
trocas sinápticas também simultaneamente ocorrem entre os neurônios da
região somestésica onde são mapeados os movimentos da mão, sendo que,
através de conexões ao nível do lobo parietal, e, no caso de jogos sonoros, com a
participação do lobo temporal (responsável pela audição), se estabelece a melodia
cinética que garante a execução tranquila em condições gnósico-práxicas satis-
fatórias, a fim de que a criança possa usufruir do prazer advindo dos conteúdos
conceituais e afetivos do jogo. A proximidade do sistema límbico com o lobo
temporal facilita o desencadeamento de reações emocionais, sobretudo as rela-
cionadas às memórias hipocampais, além dos componentes linguísticos verbais
e não verbais atinentes à área de Wenicke, da compreensão da fala humana e
do desenvolvimento da linguagem interna (Luria, 1979).
Por se tratar de atividade de alta e contínua exigência de planificação, pois
qualquer erro de estratégia pode levar à interrupção ou abolição do programa,
os lobos frontais, especialmente a área pré-frontal, mantêm-se altamente ativos
em sua função de criar programas e controlar a sua execução (Kandel; Schwartz
e Jessel, 2000). Uma última palavra sobre a formação de automatismo. Uma vez
obtida a “melodia cinética”, os jogos devem ser substituídos apresentando novos

183
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

desafios relacionados à situação que envolvam inversão dos dados, relações de


simetria, situações reflexa, transposições auto-baixo, rotações direita-esquerda,
desdobramentos fazendo com que o cérebro desenvolva a maleabilidade e a
flexibilidade mental, livrando-se de ações esteriotipadas que levam à estagnação
e impedem o diálogo entre as funções dos hemisférios direito e esquerdo através
da transmissão de informação via comissura do corpo caloso.
Importantes questões ligadas à especialização hemisférica, à dissociação de
movimento e à sincronicidade podem ser pesquisadas no sentido de estabelecer
o grau de amadurecimento funcional do cérebro.
Como tarefa complexa, a resolução de quebra-cabeças representa o trabalho
de alta integração das funções nervosas superiores o que é demonstrado inclusive
na sua utilização em provas de avaliação do quociente intelectual como vemos nos
“cubos de Kohs”, “cubo de Link” e em todas as versões das escalas Terman-Wechsler.
No entanto, não é apenas a atividade nervosa superior, isto é, as funções corticais e
sobretudo neocorticais que são solicitadas. Participa também a subcorticalidade,
sobretudo a formação reticular, do tronco cerebral bem como o sistema límbico.
A fim de que a criança consiga resolver um quebra-cabeça é preciso que
a formação reticular, que representa estruturas que mantém regular o tono
cortical, ativando-o e modulando-o, esteja íntegro.
Segundo Simon (2000), um estudioso dos processos mentais envolvidos na
solução de problemas, quando estamos frente a uma questão a ser resolvida, antes de
mais nada, construímos para nós mesmos uma representação mental espacial desse
desafio, constructo este que visa nos fornecer uma primeira ideia geral do problema,
assim como, de possíveis trajetórias, meios de refletir sobre ele e de resolvê-lo. Com
esta construção mental, libertamo-nos da dependência de percebê-lo o tempo
todo através de nossos sentidos, podendo visualizá-lo mentalmente, pensar em
estratégias enfocando partes do trajeto, sem perder a noção do todo que queremos
atingir, já que este está representado internamente. A cada passo, buscamos nos
situar espacialmente, identificando de onde partimos e para onde queremos ir, ou
seja, nosso próximo passo. Nesse percurso, nos questionamos sobre o que podemos
fazer para chegar lá, selecionando a que nos parece ser a melhor opção, entre as
diversas possibilidades vislumbradas. Dessa forma, elegemos uma estratégia de
ação que nos fará atingir o objetivo proposto. Na maioria das vezes, temos de cursar
caminhos alternativos, retirar obstáculos do caminho, atingir o objetivo por partes.

184
processamento cerebral na resolução de quebra - cabeças informatizados

Todos esses passos intermediários parecem mais simples se tivermos bem claro para
nós, internamente, o fim que almejamos. Nessa trajetória, de utilização de meios
significativos para atingir um fim, vamos desenvolvendo uma metodologia de ação,
que se baseia na análise crítica do que vamos fazendo, identificando procedimentos
mais eficazes para abstrai-los e generalizá-los a situações similares.
Quanto mais experts ficamos na resolução de determinado tipo de problema,
mais seletivos nos tornamos. Para ficarmos tal, temos que, em primeiro lugar, segundo
o autor, ter bastante conhecimento do assunto, adquirido justamente em situações
prévias análogas. Esse conhecimento procedural, ou seja, o desenvolvimento de
um know-how eficiente, diz respeito a formas de agir mais lógicas e significativas,
selecionadas pela experiência crítica do vivido e pensado. Isso supõe a busca da
ação não aleatória, por ensaio e erro, mas, ao contrário, o desenvolvimento de um
procedimento intencional e seletivo, que reflete sobre as estratégias mal-sucedidas,
sobre os erros cometidos, procurando entender o que foi que não funcionou bem.
Nesse sentido, na resolução de um problema, é fundamental não perder de
vista o fim principal que se está buscando, para se conciliar as etapas entre si,
de forma sequencial. Desta forma, durante todo o percurso, combinar o passo
que se está dando no momento, com o objetivo maior do problema, buscando
fazer com que cada estratégia utilizada diminua a distância do fim desejado, o
que Simon denomina “análise dos significados x fins” (means-ends analysis). Daí
a importância do constructo interno inicial, deixando bem claro a finalidade a
ser alcançada, constructo este extremamente plástico, que vai desenvolvendo
seus mapas e redes de ação, conforme as experiências registradas pelo cérebro.
Anderson (2000) ressalta justamente a importância dessa atenção seletiva
em um comportamento complexo, que busca resolver um problema. Nessa
caminhada, é importante que o cérebro identifique não apenas os diferentes
passos que está dando, mas também as unidades de conhecimento que estão por
trás destes passos. Isto supõe identificar e selecionar as informações relevantes do
meio e de nossa experiência anterior (conhecimento declarativo) sobre o assunto.
Com base nesses dois tipos de informação (externa e interna) vamos procurar
resolver o problema, articulando-os sempre a nosso conhecimento procedural,
que diz respeito justamente à forma de proceder, às regras, à melhor maneira
de agir neste caso específico. O sistema vai analisar as informações relativas ao
assunto e decidir o que fazer. Essas decisões vão ser melhoradas ao longo da

185
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

resolução do problema, sendo que, essas novas informações adquiridas, vão


passar a fazer parte da memória, a qual é continuamente reconstruída pela ação.
Em nossa experiência com crianças frente à resolução de quebra-cabeças no
computador, temos observado, justamente, que a criança adquire, com a prática,
uma forma de pensar mais operatória, isto é, ela busca cada vez mais visualizar de
forma antecipada o problema como um todo, generalizando informações prévias,
para os novos desafios. Além disso, temos observado que o critério de seleção dos
encaixes entre as peças, evolui no sentido de uma abstração, indo da figura para a
cor, e da cor para as linhas geométricas, indicando uma formalização crescente.
Observamos também uma maior familiaridade em rotacionar as peças e em lidar
com quebra-cabeças de peças em movimento, o que exige maior flexibilidade e
agilidade mental. A imensa variedade de jogos de computador propicia a constante
inovação do desafio, evitando a formação de automatismos.
Por tratar-se de experiência muito recente na espécie humana, muito ainda
se há de esperar até que a avaliação dos eventuais benefícios ou malefícios do
uso do computador por crianças possa ser feito. Todos os estímulos naturais
ou virtuais produzem efeitos a curto, médio ou longo prazo sobre a dinâmica
cerebral, sobretudo em crianças em desenvolvimento, nas quais os processos
superiores do córtex nunca permanecem constantes ou estáticos lembrando que
sua atividade consciente, por demais complexa, expande-se, altamente, através
dos meios externos colocados à sua disposição.

Referências bibliográficas

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CD-Rom Montparnasse Multimedia, Ubi Soft Hypermind, 2000.
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Simon, H. Problem Solvers. In B. Levy & E. S. Schreiber Secrets of the Mind.
CD-Rom Montparnasse Multimedia, Ubi Soft Hypermind, 2000.

186
13
Sono e aprendizagem
Luiza Elena L. Ribeiro do Valle,
Eduardo L. Ribeiro do Valle,
Sueli Rossini,
Rubens Reimão

O sono é um processo dinâmico de resposta à ativação de determinados


circuitos neuronais. O homem sempre se interessou pelo o processo de dormir,
algo bastante misterioso no passado, envolvido por explicações filosóficas na
tentativa de abordar seus fundamentos. Conforme os estudos avançaram, foi
descoberto que o sono é um processo essencial à vida diária, ou seja, é um
processo que liga a todo funcionamento biológico, portanto, seus cuidados se
ligam à saúde. A prática da Medicina do Sono no Brasil, enquanto especialidade,
teve início em 1977, pelo neurologista Rubens Reimão, no Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com o apoio e incentivo de
Antonio Branco Lefèvre. Pioneiro na área, o pesquisador lidera, até os dias
de hoje, estudos e atendimentos voltados exclusivamente à Medicina do Sono.
Somente a partir de 2003 é que a Medicina do Sono tornou-se uma subespe-
cialidade médica com programa e treinamento efetivo no Brasil. A especialidade
do sono tem como objetivo diagnosticar, tratar e prevenir desordens do sono e do
ritmo circadiano e envolve especialistas de diversas áreas de estudo, uma vez que

187
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

os distúrbios do sono afetam todas as áreas do funcionamento e comportamento


humano. Nesse ponto, inclusive, o sono deixa de ser uma preocupação apenas
de profissionais que se dedicam à saúde, mas envolvem também aqueles que
atuam na área de educação porque sono e aprendizagem estão interligados
enquanto processos neurológicos.
A plasticidade neural é a capacidade, que se observa no Sistema Nervoso, de
processar adaptações perante novas situações. A aprendizagem representa uma
forma de plasticidade neural, uma vez que ocorre da consolidação da memória,
tendo o sono importância fundamental nesse processo (Valle, L. E.; Valle, M.
e Valle, E., 2008).
É essencial compreender o fenômeno do sono em seus diversos aspectos,
buscar soluções para seus distúrbios, para alcançar um rendimento satisfatório
na aprendizagem, porque o dormir bem representa mais do que passar uma
noite agradável: o sono é um mecanismo reparador, que equilibra nosso
funcionamento físico e mental. O indivíduo portador de distúrbios do sono,
frequentemente, não avalia as verdadeiras consequências desse comprometi-
mento e se surpreende com sintomas observáveis, tal como apneia relacionada
ao sono (parada respiratória), alteração cardiovascular, falta de controle sobre
o ritmo sono-vigília e consequentes perigos de acidentes ou prejuízos pela
falta de concentração. Na aprendizagem o bom sono é indispensável, já que
esse processo interfere na memória, na atenção, nos registros sensoriais,
no raciocínio, na disposição de humor, enfim, nos aspectos cognitivos que
relacionam uma pessoa ao seu ambiente e que determinam a qualidade de sua
aprendizagem, desempenho e saúde.
O processo do sono é regido pelo relógio biológico, moldado geneticamente,
que se ajusta num ciclo de 24 horas. Ele se regula em conformidade com fatores
externos, como ruídos, luzes, odores, hábitos locais, entre outros. Embora o
tempo médio de horas de sono seja de oito horas, esse tempo difere de pessoa
para pessoa, conforme a idade ou características próprias. De qualquer forma,
passamos cerca de um terço de nossa vida dormindo! Não se pode desconsiderar
esse fato, nem deixar de salientar que não é um tempo perdido, ao contrário,
trata-se de um tempo indispensável para se obter um bom rendimento nas
tarefas diárias que temos a aprender, como alunos ou não, portanto, devemos
dedicar muita atenção ao sono.

188
sono e aprendizagem

O objetivo deste artigo é comentar sobre a classificação dos distúrbios


estudados na Neuropsicologia do Sono, refletindo sobre a importância desses
transtornos na aprendizagem, tendo em vista que constatamos em pesquisas
realizadas sobre o sono de crianças, que os familiares sabem muito pouco
sobre o tema, assim como educadores, que necessitam da orientação de
profissionais de saúde para levar ao grupo de alunos os cuidados desejáveis
com o sono.
Em pesquisa realizada com alunos da faixa de 6 a 9 anos, descobrimos
dados preocupantes em relação às crianças. Aplicamos o QRL (Questionário de
Sono Reimão-Lefreve), numa amostra de 258 escolares, em cinco escolas de ensino
fundamental na cidade de Poços de Caldas, em Minas Gerais. O questionário foi
respondido pelos pais e surgiram muitas queixas relacionadas ao sono dos filhos.
Nas questões que se referem a distúrbios do sono, propriamente, encontrou-se
um número significativo de indicadores como: se mexer na cama (53%), falar
quando está dormindo (39,9%), ranger os dentes (36,4%), sentar-se ou andar
dormindo (22%), ter sonhos ruins e medo (47,6) ou roncar (24,8%). Cerca de
metade dos avaliados acordava durante a noite alguma vez (48,4%) e alguns ainda
apresentavam enurese noturna (6,5%). Muitos dos analisados não acordavam
espontaneamente (57,3%) e os pais afirmaram que, se os filhos não tivessem que
levantar para ir à escola, eles dormiriam até mais tarde todos os dias (37,9%), mas,
em geral, os responsáveis não consideraram que a sonolência atrapalhe os filhos
em suas atividades. Entre os resultados, no entanto, verificou-se que apenas 5%
dos pais percebiam a influência do sono na aprendizagem e chegaram a buscar
alguma informação ou solução.
Em relação aos educadores, foi tomada uma amostra de 52 educadores
brasileiros, num curso on-line sobre Dificuldades de Aprendizagem (Congresso
Neuro-Rio, 2010). Após receberem informações sobre sono, através de textos
científicos, slides e vídeos, realizou-se uma investigação para saber se as condi-
ções de sono de seus alunos eram avaliadas por esses profissionais atuantes, que
realizavam um curso de aperfeiçoamento. Verificou-se que 76% dos sujeitos
descobriram sobre a importância do sono durante o curso; 18% percebiam por
experiência essa importância (sofriam com sintomas de distúrbios do sono) e
reforçaram o entendimento sobre o assunto. Apenas 6% indicaram alguma
tentativa anterior ao curso para interferir no sono dos alunos com relação à

189
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

higiene do sono, nem sempre com sucesso, por não saber bem como lidar com
o problema. Com esse trabalho pudemos concluir que os professores não estão
preparados para prevenir e encaminhar problemas do sono. Conhecer sobre
os distúrbios do sono e sobre a importância dos cuidados com o sono poderá
permitir que investiguem possíveis problemas, encaminhando para avaliação
especializada, quando indicado. A falta de conhecimento contribui para que
os distúrbios do sono não sejam observados, diagnosticados e tratados, apesar
dos avanços científicos. São as pesquisas científicas e sua divulgação que podem
proporcionar conhecimentos para possibilitar tratamentos eficazes e qualidade
de vida. Os conhecimentos sobre o sono devem sensibilizar os profissionais de
saúde, para que atuem na orientação de pais e professores e possam ficar mais
atentos sobre o sono.
O sono não é um estado homogêneo: são dois estados distintos de sono.
Ocorrem movimentos rápidos dos olhos (Rapid Eye Movement — REM) durante
uma parte do sono sendo este chamado de sono REM. Ele ocupa apenas 20% do
tempo total de sono (TTS) de um adulto e o restante é chamado de sono NREM
(Não REM). Então, “o sono é uma condição especial ativa, gerado por regiões
específicas do cérebro, de ocorrências cíclicas, alternando-se entre atividade
menor (sono Não REM) e maior (sono REM), objetivando a manutenção da
vida” (Vilas Boas e Valladares, 2007). O sono é iniciado pelo estado NREM e os
estados NREM e REM se alternam. O estagiamento do sono é realizado pelo
registro de três tipos de variáveis fisiológicas: pelas atividades cerebrais através
do eletroencefalograma (EEG), pelo movimento ocular no eletroculograma
(EOG) e pela atividade muscular no eletromiograma (EMG). São essas variáveis
que possibilitam estagiar o sono REM e NREM. O sono NREM é composto
por quatro etapas, em grau crescente de profundidade, alguns especialistas
consideram a etapa zero ou estágio de vigília.
No primeiro estágio ocorre a transição entre o estado de vigília e o início
do sono. Começam a predominar as ondas teta, em lugar das ondas alfa e o
tônus muscular decresce, assim como o ritmo respiratório. Corresponde de
2% a 5% do TTS.
No segundo estágio há uma redução no grau de atividade dos neurônios
corticais e verifica-se a presença de ondas em forma de fuso (complexos K) e
menos 20% das ondas delta. Há também diminuição da temperatura do corpo,

190
sono e aprendizagem

dos ritmos cardíaco e respiratório e um relaxamento muscular progressivo.


Corresponde a 45% a 55% do TTS.
O terceiro estágio caracteriza-se por ondas delta, que se apresentam entre
20% e 50%. O tônus cai progressivamente e os movimentos oculares são raros.
Corresponde de 3 a 8% do TTS.
No quarto estágio, as ondas delta estão 50% presentes. Há um pico de
liberação de GH (hormônio do crescimento) e leptina e o cortisol começa a
ser liberado. Corresponde de 10 a 15% da noite.
O sono REM, que é o sono dessincronizado (padrão rápido e de baixa
voltagem das ondas cerebrais) tem um padrão eletroencefalográfico seme-
lhante ao de vigília, em repouso e de olhos fechados, ritmo alfa, predominante,
intercalado por ondas tetas. Há uma atonia muscular. Ocorre emissão de
sons e movimentos oculares rápidos, a respiração e o ritmo do coração se
tornam irregulares.
As fases do sono podem ser avaliadas através do exame de polissonografia
e, juntamente com estudos clínicos, poderão fornecer dados sobre possíveis
distúrbios do sono, que recebem uma classificação internacional.

Classificação Internacional do Sono (Valle, E., Rossini e


Reimão, 2008)

Os distúrbios do Sono são divididos em oito grupos:

I - Insônia

Dificuldade repetida em iniciar, manter, consolidar o sono. Em crianças:


resistência em ir para a cama e inabilidade para dormir sozinha. Deve estar asso-
ciado com pelo menos um dos sintomas: fadiga, déficit de atenção ou memória,
disfunção social, irritabilidade, sonolência diurna desmotivação, preocupação
sobre o sono, erros cometidos no trabalho ou dirigindo. O distúrbio do sono não
é mais bem explicado por qualquer outra desordem do sono, doenças médicas
ou neurológicas e uso de medicações ou substâncias.

191
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Vários tipos de insônia podem ser observados:


1 - Insônia transitória (insônia de ajuste, insônia aguda); 2 - Insônia
psicofisiológica; 3 - Insônia paradoxal; 4 - Insônia idiopática; 5 - Insônia por
desordem mental; 6 - Higiene do sono inadequada; 7 - Insônia comporta-
mental da adolescência; 8 - Insônia por uso de medicamentos ou substâncias;
9 - Insônia por condições médicas específicas; 10 -Insônias inespecíficas — não
originária de substâncias ou condições fisiológicas conhecidas; 11 - Insônia
inespecífica (orgânica).

II - Desordens respiratórias relacionadas ao sono

Este grupo compreende as desordens respiratórias durante o sono.


Adultos e crianças são divididos separadamente por métodos diagnósticos
e tratamentos diferentes, mas as características que apresentam envolvem:
sonolência diurna excessiva e despertares e microdespertares frequentes ou
queixa de insônia.
Síndromes de apneia do sono central: 1 - Apneia do sono central primária,
2 - Apneia do sono central por padrão respiratório de Cheyne-Stokes, 3 - Apneia
do sono central por respiração periódica de altitudes elevadas, 4 - Apneia do
sono central por condições médicas que não sejam Cheyne-Stokes, 5 - Apneia do sono
central por uso de medicamentos ou substâncias, 6 - Apneia do sono central da
infância; Síndromes de apneia obstrutiva do Sono: 7 - Apneia Obstrutiva do Sono
do adulto, 8 - Apneia Obstrutiva do Sono da criança; Síndromes Hipoxêmicas/
Hipoventilação relacionada ao sono, 9 - Hipoventilação alveolar não obstrutiva
relacionado ao sono, Idiopática; 10 - Síndrome de hipoventilação alveolar central
congênita, Hipoxêmia/hipoventilação relacionada ao sono por condições médicas,
11 - Hipoventilação relacionada ao sono/Hipoxêmia por patologia vascular ou
parenquimatosa pulmonar, 12 - Hipoventilação relacionada ao sono/Hipoxêmia
por obstrução de vias aéreas inferiores, 13 - Hipoventilação relacionada ao
sono/Hipoxêmia por doenças torácias ou neuromusculares, Outras desordens
respiratórias relacionadas ao sono, 14 - Apneia do sono ou desordem respiratória
do sono, inespecífica.

192
sono e aprendizagem

III - Hipersonias

A relevância do estado de alerta para o bem-estar e desempenho adequado


no trabalho e na vida social é observada neste grupo de sintomas que apresenta
a queixa primária de sonolência excessiva diurna, sem nenhum distúrbio do
sono noturno ou alteração do ritmo circadiano. Outros distúrbios do sono
podem estar presentes, mas as hipersonias compreendem:
1 - Narcolepsia com cataplexia, 2 - Narcolepsia sem cataplexia, 3 - Narco-
lepsia por condições médicas, 4 - Narcolepsia inespecífica, 5 - Hipersonia
recorrente, 6 - Síndrome de Kleine-Levin, 7 - Hipersonia relaciona à mens-
truação, 8 - Hipersonia idiopática com longo período de sono, 9 - Hipersonia
idiopática sem longo período de sono, 10 - Síndrome do sono insuficiente
induzido por comportamento, 11 - Hipersonia por condições médicas, 12 - Hiper-
sonia por uso de medicamentos ou substâncias, 13 - Hipersonia não ocasionada
por uso de substâncias ou patologias conhecidas, 14 - Hipersonia fisiológica,
inespecífica, orgânica.

IV - Desordens do ritmo circadiano

São alterações persistentes ou recorrentes do ritmo circadiano e de falta de


sincronismo ente o ritmo circadiano endógeno e fatores exógenos que afetem o
início do sono ou a duração do sono. A alteração relacionada ao ritmo circadiano
leva à insônia, sonolência excessiva diurna ou ambos.
O distúrbio do sono é associado a déficit social, ocupacional ou outras áreas.
1 - Desordens do ritmo circadiano, tipo atraso de fase do sono, 2 -
Desordens do ritmo circadiano, tipo avanço de fase do sono, 3 - Desordens
do ritmo circadiano, tipo sono-acordar irregular, 4 - Desordens do ritmo
circadiano, tipo free-running, 5 - Desordens do ritmo circadiano, tipo
jet-lag, 6 - Desordens do ritmo circadiano, tipo shift work, 7 - Desordens
do ritmo circadiano, por condições médicas, 8 - Outras desordens do
ritmo circadiano, 9 - Outras desordens do ritmo circadiano por uso de
medicamentos ou substâncias.

193
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

V - Parassônias

São os eventos motores ou comportamentais complexos durante o sono.


Dividem-se em:
Distúrbios do Despertar
1 - Despertar confusional; 2 - Sonambulismo; 3 - Terror noturno.
Parassonias associadas ao sono REM
4 - Distúrbio Comportamental do sono REM (RBD), 5 - Paralisia isolada
do sono recorrente, 6 - Pesadelos.
Outras parassonias:
7 - Desordens dissociativas relacionadas ao sono, 8 - Enurese noturna,
9 - Catathrenia (Groaning sleep related), 10 - Exploding Head Syndrome, 11 -
Alucinações relacionadas ao sono, 12 - Transtornos alimentares relacionados
ao sono, 13 - Parassonias inespecíficas, 14 - Parassonias induzidas por drogas
ou substâncias, 15 - Parassonias induzidas por condições médicas.

VI - Desordens de movimento relacionado ao sono

Compreende a presença de movimentos simples e estereotipados durante


o sono.
1 - Síndrome das Pernas Inquietas, 2 - Movimentos Periódicos de membros
MPLM, 3 - Cãibras relacionadas ao sono, 4 - Bruxismo relacionado ao sono,
5 - Desordens de movimentos rítmicos relacionados ao sono, 6 - Desordens de
movimento relacionado ao sono inespecíficas, 7 - Desordens de movimento
relacionado ao sono por uso de medicamentos ou substâncias, 8 - Desordens
de movimento relacionado ao sono por condições médicas específicas.

VII - Sintomas isolados, variações aparentemente normais e


questões não resolvidas

1 - Dormidor longo, 2 - Dormidor curto, 3 - Roncador, 4 - Sonilóquios,


5 - Mioclônias hipnágogicas, 6 - Mioclonias do início do sono da infância,

194
sono e aprendizagem

7 - Tremor do pé hipnagógico e ativação muscular da perna alternante durante


o sono, 8 - Mioclonia proprioespinhal do início do sono, 9 - Mioclonia fragmen-
tada excessiva.

VIII - Outras desordens do sono

1 - Outras desordens do sono fisiológicas (orgânicas), 2 - Outras desordens


do sono não ocasionadas por substâncias ou fisiologias conhecidas, 3 - Desor-
dens do sono ambiental.

O sono é o momento em que o organismo se direciona para recuperar e


restaurar os processos bioquímicos e fisiológicos utilizados durante o período
de vigília. Quando os mecanismos do sono não são suficientes para cumprir a
sua função restauradora, as consequências para os indivíduos são inevitáveis,
com reflexos nos âmbitos familiar, social, fisiológico e emocional, acarretando
prejuízos nas atividades que envolvem o aprendizado formal e informal. É fato
consumado que o sono consolida o aprendizado, fazendo muito mais do que
isso, promovendo saúde e a adaptação ao ambiente, com melhor aprendizado.
Aprender é reter as informações na memória. Aprender é incorporar os
novos conhecimentos em nossas estruturas, é desenvolvimento. A aprendizagem
não se limita à aquisição de conteúdos, mas envolve uma forma de vida, ou seja,
todo um arsenal socioemocional, inseparável da aventura experimentada por
cada um em seu percurso neste mundo. É preciso que se investigue continu-
amente a importância do sono no aprendizado e na vida para que o cuidado
com essa condição de equilíbrio e saúde prevaleça e possa representar melhor
qualidade de vida.

Referências bibliográficas

American Academy of Sleep medicine. Restless Legs Syndrome. International


Classification of Sleep Disorders. Diagnostic and Coding Manual, 2 ed.
Westchester, IL: American Academy of Sleep Medicine: 178-181. 2005.

195
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Valle, E. L. R., Rossini, S. e Reimão, R. Atualização da classificação internacional


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Neurologia, Rio de Janeiro. 2010.

196
14
O insucesso do aprendizado
Abram Topczewski

A aprendizagem é um processo que se inicia no período neonatal e que vai


se aprimorando com o passar do tempo, talvez até o fim da vida. Esse trajeto,
que é o aprender, está relacionado a um tripé, composto por estimulação, atenção
e memória.
A eficiente estimulação é influenciada por fatores relacionados ao indivíduo,
ou seja, os internos e por fatores externos.
No tocante aos fatores internos devemos considerar:
▶▶ A normalidade do cérebro para poder receber e processar as informações;
▶▶ a integridade das vias que levam as informações ao cérebro: óptica,
auditiva, tátil cinestésica, olfativa, gustativa.

Os fatores externos dependem de:


▶▶ Motivação ambiental (familiar, social, escolar);
▶▶ oportunidade;
▶▶ afetividade;
▶▶ estado emocional.

197
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A atenção é a uma habilidade cerebral de recepção e percepção dos estí-


mulos que possibilita a realização de uma tarefa. É essencial para o processo de
aprendizado. Pode ser seletiva e sustentada, o que vai determinar:
▶▶ No que se deve focar;
▶▶ quando focar;
▶▶ quanto tempo se focar;
▶▶ qual a profundidade do foco;
▶▶ quando bloquear os fatores irrelevantes para focar.

A memória é a capacidade do cérebro de receber informações e armazená-


-las. Essas informações são gravadas e podem ser resgatas para se repetir uma
tarefa ou para se criar outra. Pode ser de três modos:
▶▶ Memória operacional;
▶▶ memória de curto prazo;
▶▶ memória de longo prazo.

A memória operacional ou de trabalho é a que permite ao indivíduo receber


uma informação e imediatamente avaliar se é nova ou não e se será ou não
armazenada. Esse tipo de memória tem curta duração, indo de segundos a 2-3
minutos e não forma arquivo. O processo atencional exerce grande influência
nesse tipo de memória.
A memória de curto prazo tem uma duração estimada em torno de seis
horas e a sua consolidação ou o arquivamento depende da análise prévia da
memória de trabalho. Isso acontece quando se estuda uma matéria o suficiente
para se sair bem na prova, mas no dia seguinte não mais se recorda.
A memória de longo prazo é uma continuação da memória de curto prazo, mas
que vai ficar arquivada por um longo tempo. São os aprendizados remotos, são as
recordações de vivências passadas que podem ser resgatadas a qualquer momento.
A integridade desse sistema (estimulação, atenção, memorização) compõe
a “mola mestra” para o bom desempenho do aprendizado escolar e o progresso
intelectual. Por sua vez, várias são as condições clínico-neurológicas que podem
interferir negativamente no sucesso do aprendizado. As crianças que apresentam
dificuldades visuais muitas vezes na têm ideia do problema ou não sabem dar esse

198
o insucesso do aprendizado

tipo de informação. Portanto, uma avaliação preventiva é pertinente quando as


crianças iniciam o processo de alfabetização. Quando a audição está parcialmente
comprometida, o aprendizado fica bastante prejudicado. Há crianças que aparentam
boa audição, mas apresentam o processamento auditivo alterado e por isso podem
evidenciar dificuldades para o desenvolvimento da escrita e leitura. Ao escutarem
os sons dos fonemas não entendem corretamente e, ao escrever, o fazem errado.
A paralisia cerebral nas suas várias formas é uma das causas do insucesso
para o aprendizado escolar. O comprometimento das funções motoras e da
postura interfere no desenvolvimento da escrita. Além disso, muitos pacientes
podem apresentar, também, alterações intelectuais, alterações visuais, auditivas,
da fala e do comportamento; esses fatores concorrem para que o desempenho
escolar fique a desejar.
A epilepsia é um quadro clínico que pode interferir na função intelectual e
na cognição. As alterações dependem de vários fatores como a idade de início,
o tipo de crise, a frequência e o tempo de duração da crise. A epilepsia e as
dificuldades para o aprendizado escolar, em muitos casos, caminham associadas.
A epilepsia do tipo ausência é muitas vezes confundida com dispersão
e desatenção, porque são episódios fugazes de curta duração. Essas crises de
ausência podem se manifestar várias vezes ao dia. Esses “desligamentos”, quando
na escola, atrapalham o bom aprendizado, pois o aluno perde a sequência do
que está sendo ensinado.
Outra condição que deve ser considerada está relacionada ao uso de medi-
camentos para o controle das crises convulsivas. Certos medicamentos podem
causar desconfortos como sonolência, alteração da memorização, redução da
capacidade para manter bom nível de atenção e concentração; consequente-
mente, o aproveitamento escolar fica aquém do potencial do aluno.
A deficiência mental, nos seus mais diversos graus, é uma causa importante
de limitação para o aprendizado. Os fatores determinantes podem ser originados de
três formas:
▶▶ Genética (o indivíduo já nasce com essas características);
▶▶ degenerativa (relacionadas a doenças de caráter progressivo);
▶▶ lesionais (que se manifestam após doenças infecciosas, inflamatórias do
sistema nervoso central ou consequentes a traumatismo cranioencefálico).

199
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Outras habilidades são necessárias para um bom aprendizado escolar e podemos


citar a coordenação visuo-motora, a visuo-espacial, a coordenação motora e a praxia.
As eventuais falhas nessas habilidades terão repercussões bastante evidentes para a
correta execução das tarefas e para a adequada utilização dos espaços.
O DDAH ou TDAH (Déficit de Atenção e Hiperatividade) é um quadro
clínico prevalente, responsável pelo insucesso do aprendizado escolar. Devemos,
inicialmente, ressaltar que o déficit de atenção não se manifesta obrigatoria-
mente associado à hiperatividade e que nem todo hiperativo apresenta déficit
de atenção. Como o indivíduo portador de DDA apresenta dificuldade de
memorização de curto prazo o aprendizado fica prejudicado, pois em pouco
tempo esquece o conteúdo, “dá o branco”.
Em certos casos de alunos hiperativos nota-se existir dificuldade para se
focar em determinadas tarefas e isso atrapalha o processo de aprendizado.
Como outra causa determinante do insucesso para o aprendizado escolar
há que se referir à dislexia.
Dislexia é a dificuldade específica para o aprendizado da leitura e escrita
num indivíduo com as seguintes características:
▶▶ Nível intelectual normal;
▶▶ sem déficit sensorial;
▶▶ recursos escolares adequados;
▶▶ vive num meio estimulador;
▶▶ bom nível sociocultural;
▶▶ emocionalmente estável.

Pode-se considerar a dislexia de três tipos:


▶▶ Primária (geneticamente determinada);
▶▶ secundária (consequente a uma lesão em indivíduos anteriormente
normais);
▶▶ de percurso ou transitória (considerada como uma fase normal da
criança que está iniciando o processo de alfabetização).

A dislexia primária é um quadro clínico estabelecido, mas que pode variar


quanto ao grau de comprometimento. A dislexia pode ser minorada com o

200
o insucesso do aprendizado

passar do tempo, porém depende de orientação precoce e especializada. Sabe-se


que há uma ligeira predominância no gênero masculino, é mais frequente em
gêmeos univitelinos que nos fraternos e a incidência é maior nas crianças cujos
pais são, também, disléxicos.
Estudos necroscópicos realizados com pacientes portadores de dislexia
revelaram a existência de alterações anatômicas nas regiões do córtex cerebral
e do cerebelo.
Estudos realizados com exames por imagem revelaram alterações bastante
interessantes nos pacientes disléxicos. No SPECT foram encontradas nas
áreas temporais redução do fluxo sanguíneo sugerindo haver uma alteração
circulatório-metabólica.
A ressonância nuclear magnética funcional mostrou que as áreas acionadas
à leitura são diferentes a se considerar o indivíduo disléxico ou não.
Essas vertentes citadas reforçam a hipótese de ser a dislexia primária, chamada
por outros autores de dislexia do desenvolvimento, um quadro orgânico funcional.
As dificuldades para o aprendizado são notadas, inicialmente, na escola.
Portanto, os professores, que são os profissionais que mais tempo convivem com a
criança, devem ser capacitados para perceber se o aluno está apresentado alguma
limitação no aprendizado. Uma vez isto posto, os coordenadores deverão ficar
alertados para que os pais sejam comunicados do fato. Após o aluno deverá ser
encaminhado para uma avaliação especializada com psicopedagogo, fonoaudiólogo,
psicólogo, neuropediatra, psiquiatra infantil. Uma vez estabelecido o diagnóstico,
o tratamento, também, poderá ser direcionado e efetivado com fonoaudiólogo,
psicopedagogo, psicólogo, médico, além da participação ativa da escola e dos pais.
A participação da escola, no caso, é fundamental, pois a inclusão do aluno é
de importância crucial. Consideramos como inclusão o amparo e atenção diferen-
ciada que o aluno deve receber por conta de suas dificuldades, e não simplesmente
a inclusão no espaço físico da sala de aulas. Infelizmente são poucas as escolas que
estão preparadas para atender os alunos em suas necessidades especiais.
Os alunos que necessitam assistência diferenciada sofrem muito física e
emocionalmente com a exclusão do grupo e com o bullying, fato este cada vez
mais evidente. Sabe-se que muitas escolas não se atentam paraa esses fatos,
considerando ser fantasias do aluno ou dos pais. Cabe aos professores e aos

201
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

coordenadores orientar os alunos no sentido de aceitar e ajudar os colegas com


dificuldades e não hostilizá-los.
Em muitas ocasiões o tratamento farmacológico se faz necessário, pois
poderá ser uma causa das dificuldades para o aprendizado ou poderá estar
associada ao próprio déficit. Há vezes em que é pertinente o tratamento do déficit
de atenção, da hiperatividade, da impulsividade, da ansiedade, da depressão,
da agressividade, TOC, tiques, enurese, encoprese, migrânea e o consumo de
substâncias ilícitas.
Os pais devem ter, também, uma participação ativa no processo de ajuda ao
filho com dificuldades para o aprendizado. Há pais que negligenciam a questão,
outros delegam a terceiros a responsabilidade do ensino e outros que não aceitam
que o filho tenha alguma limitação. Nesses casos a orientação psicológica para
a família será de fundamental importância.
Esse tratamento multifacetado é direcionado para a melhoria da qualidade
de vida da criança e dos circunstantes.
Crianças adaptadas à sociedade serão adultos felizes e produtivos!

Referências bibliográficas

Isquierdo, I. Memória. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.


Rotta, N. T., Ohlweiler,L., & Riesgo, R. S. Transtornos da aprendizagem.
Porto Alegre: Artmed, 2006.
Sennyey, A. L., Capovilla, F. C. & Montiel J. M. Transtornos da aprendizagem
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Tridas, E. Q. From ABC to ADHD. Baltimore: The International Dyslexia
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Topczewski, A. Dislexia, como lidar? São Paulo: All Print Editora, 2010.
Topczewski, A. Hiperatividade, como lidar? 5. ed. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2008.
Topczewski, A. Desabilidades do aprendizado, como lidar? 3. ed. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2004.
202
15
Inclusão social
Alexandre L. Ribeiro do Valle

Falar de inclusão social de deficientes físicos é acima de tudo falar de luta,


sofrimento e conquista. Os deficientes físicos que em Atenas e Esparta eram
alvo de extermínio, hoje têm seu espaço, pequeno ainda, mas fruto de lutas que
merecem ser ressaltadas.
A proteção garantida ao deficiente físico na Constituição Federal e em
outras normas legais federais, estaduais e municipais não são frutos de uma
bondade legislativa, ou de uma simples constatação de que o deficiente necessita,
em certa medida, de amparo jurídico para o exercício da sua cidadania. Tais
normas resultam de um processo histórico onde os deficientes deixam de ser
vistos como seres imperfeitos que devem ser excluídos, para garantir seu espaço
como cidadãos perfeitamente capazes no ordenamento jurídico.
Na Idade Média, os reflexos jurídicos da exclusão social estendiam-se inclu-
sive no âmbito patrimonial, já que o excluído era privado de suas propriedades
e tido como morto. Naquela época, excluíam-se os deficientes como forma de
“purificar o espaço urbano”.
Mais recentemente, com as guerras que assolaram o século 20, o deficiente
físico deixou de ser alvo de exclusão para passar a condição de incapaz, ou seja,

203
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

alvo de caridade, já que grande parte dos deficientes físicos adquiria a deficiência,
geralmente em formas de mutilações, por atos de suposto heroísmo.
Atualmente, segundo censo divulgado em 2002, existem no Brasil 24,5
milhões de portadores de algum tipo de deficiência, de acordo com a Classifi-
cação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde — CIF.
Para estes quase 25 milhões de cidadãos, o que se busca não é mais uma
mera proteção, e sim a igualdade. Igualdade esta que é não é fruto natural da
concepção humana, mas, sim, da organização social. O homem não nasce igual
a outro, mas é preciso que a sociedade lhe dê ferramentas para igualá-lo aos seus
semelhantes. Neste sentido a igualdade deve ser buscada através de tratamento
desigual. Nos dizeres de Ruy Barbosa: “A regra da igualdade consiste senão
em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”.
O princípio da igualdade que se consagrou com a Declaração de Indepen-
dência dos Estados Unidos da América e, posteriormente, com a Revolução
Francesa visa, em um primeiro momento, reconhecer a existência de direitos
inatos inerentes a todo ser humano e, em um momento seguinte, impossibilitar
desequilíbrios fortuitos ou injustificados.
Mas é preciso compreender que a igualdade não é natural do ser humano
ela resulta da organização social. Para o Jurista Pontes de Miranda “os homens
são desiguais, sendo obrigação do Estado Democrático e liberal diminuir
esta desigualdade”.
Joseph Barthémlemy afirmava que “o sentimento mais poderoso nas demo-
cracias é a igualdade. Passa a frente de todos os outros. É mais fácil privar um
povo de liberdade que de sua igualdade. Há consolo em ser escravo, quando todos
o são. Há resignação mesmo à miséria, uma vez que todo mundo nela esteja”.
Celso Antônio Bandeira de Mello ensina ainda que “A lei não deve ser fonte de
privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que neces-
sita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico
absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais
em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes”.
Assim, em um primeiro momento, deve-se acabar com a negação das
diferenças. É preciso que as diferenças sejam sim apontadas para que possamos
através delas conquistar a igualdade.

204
inclusão social

Ao analisar as legislações que visam proteger os deficientes físicos e


consequentemente a inclusão social, através da igualdade de condições
e oportunidades, duas conclusões são tomadas de imediato: elas são recentes
e escassas. O direito pátrio sequer traz uma definição conceitual padrão de
deficiência física, utilizando em determinados casos, como na lei 8.21/91,
termos pejorativos e preconceituosos como “inválidos”. De toda sorte, o Decreto
3.298/99 — Estatuto das Pessoas com Deficiência define deficiência como “toda
perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou
anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do
padrão considerado normal para o ser humano”.
Atualmente, o reflexo da preocupação social como a inclusão do deficiente
físico se faz presente em várias legislações modernas e em diplomas interna-
cionais, pois constata-se, até do ponto de vista econômico, como já o fazia
Aristóteles, que é mais fácil ensinar um deficiente a desempenhar uma tarefa
útil e produtiva para a sociedade, do que meramente sustentá-lo como incapaz.
Neste sentido, diversas normas legais procuram não só estimular a inte-
gração do deficiente prevendo mecanismos de preparação para o convívio social
e para o desenvolvimento e exercício de sua cidadania, mas também impondo a
própria sociedade a aceitação destas diferenças, através de normas impositivas
de não discriminação.
Como normas programáticas, podemos citar a aprovação em 1975 da
“Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficientes” pela Organi-
zação das Nações Unidas, visando “promover padrões mais altos de vida, pleno
emprego e condições de desenvolvimento e progresso econômico e social”.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto diversos
mecanismos de proteção ao deficiente físico, tais como:

Artigo 7, XXXI, que proíbe discriminações salariais e/ou admissionais de


trabalhador, em virtude de deficiência física;
Artigo 37, VII, que garante aos deficientes físicos, reserva de vagas em cargos
e empregos públicos.
Artigo 203, IV, que assegura a assistência social, incluindo a habilitação
e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência física e sua
integração social.

205
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Artigo 203, V, que garante, ao deficiente físico que não tenha condições de
prover sua manutenção, o recebimento de um salário mínimo.
Artigo 227, § 1º, II, que determina a criação de programas de atendimento
especializado, facilitando o acesso aos bens e serviços coletivos, através
da eliminação de preconceitos e barreiras arquitetônicas.

Em 24 de outubro de 1989, foi sancionada a lei 7.853, posteriormente


regulamentada pelo Decreto 3.298/99, dispondo sobre a integração social da
pessoa portadora de deficiência física e instituindo a tutela jurisdicional dos
interesses coletivos ou difusos destas pessoas, através da atuação do Ministério
Público. Esta lei define ainda como crime a negação de emprego ou trabalho
a deficiente físico, por motivos derivados de sua deficiência, prevendo pena de
reclusão de um a quatro anos.
No âmbito da Seguridade Social a lei 8.213/91 introduziu a chamada reserva
de mercado, que obriga empresas a reservar em seu quadro de funcionários
certo número de vagas para deficientes físicos ou beneficiários reabilitados.
Neste sentido, empresas que contam com mais de 100 empregados devem
preencher obrigatoriamente pelo menos 2% dos cargos com pessoas portadoras
de deficiência física. Se a empresa tiver mais de 200 empregados, o percentual
sobe para 3%. Se o quadro de funcionários for superior a 500 e inferior a 1000, o
percentual de deficientes físicos deve ser de 4% e, a partir de 1000 funcionários,
o percentual passa a ser de 5%.
Embora prevendo esta reserva de mercado, a lei não criou uma estabili-
dade de emprego ao funcionário deficiente, visto que o mesmo pode vir a ser
demitido como outro funcionário qualquer, devendo, porém, ser observado,
que a demissão do funcionário deficiente deve ser suprida com a contratação
de outra pessoa portadora de deficiência, em igual condição. Portanto, não se
trata de um direito subjetivo ao emprego, já que na conquista de sua vaga, o
deficiente concorrerá, em igualdade de condições, com outra pessoa portadora
de deficiência.
Mais recentemente foi publicada a lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade redu-

206
inclusão social

zida, visando à supressão de obstáculos e barreiras nas vias e espaços públicos,


nos mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos
sistemas e meios de comunicação.
Também nos âmbitos penais e fiscais existem normas que visam acabar
com a discriminação, tipificando condutas lesivas aos deficientes físicos e
promovendo benefícios fiscais, como isenções de determinados impostos.
Ocorre que ainda com a legislação vigente ainda hoje se observa o precon-
ceito em muitos casos disfarçados, que impedem o acesso do deficiente a funções
para as quais sua deficiência em nada prejudicaria o seu desempenho. Neste
sentido, é comum ainda hoje, depararmos com anúncios de emprego onde
se exija a “boa aparência”. Não menos comuns são os exercícios simulados de
incêndio na entrevista, assim como outras formas veladas de preconceito e igno-
rância, ainda muito difundidas por ausência de fiscalização do poder público e
da própria sociedade, que muitas vezes aceita silente o descumprimento destes
direitos pelo próprio poder público que por insuficiência de recursos ou má
vontade política não observa as próprias normas.
Neste sentido, citamos como exemplo as barreiras arquitetônicas, que, por
determinação constitucional e por dispositivo expresso da lei 10.098, devem ser
abolidas para facilitar o acesso aos portadores de deficiência aos logradouros
públicos e de acesso comum. O direito de locomoção é um direito fundamental
do cidadão, mas mesmo assim, encontramos calçadas e mesmo prédios públicos
onde o deficiente não tem a menor condição de chegar sozinho. Dependerá da
boa vontade de algum parente ou funcionário público para exercer o seu direito.
As normas públicas não devem ser paternalistas ou caridosas, tratando o
deficiente como um incapaz, mas devem ser justas a ponto de igualar as opor-
tunidades e permitir ao deficiente concorrer em igualdade de condições com
qualquer outra pessoa. Reservar vagas em universidades em concursos é uma
medida paliativa, mas que também não deve ser alvo de políticas públicas de
longo prazo, sob pena de se transformar a deficiência em vantagem, fazendo-os
mais favorecidos que os demais cidadãos e invertendo a necessidade de proteção.
Certo é que avanços houve, mas a inclusão social não deve ser vista como
concessão de um estado benevolente, mas, sim, como uma conquista histórica
que não pode ser usurpada por negligência estatal e nem esquecida, pois, se,

207
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

por um lado, muito já foi conquistado, por outro, ainda há muito há percorrer
para o alcance da igualdade social.

Referências bibliográficas

Alves, Cristina. O Globo on-line, Economia, 29/6/2000.


Vilas-Bôas, Renata Malta. Ações afirmativas e o princípio da igualdade. Rio de
Janeiro: Editora América Jurídica, 1. ed.
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Brasília: Editora Lumen Juris, 1999.
Montoro, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 24. ed., 1996.
Oliveira, Juarez de. Organização de textos, legislação. São Paulo: Editora Saraiva,
51. ed., 2000.

208
16
Brinquedos adaptados
para crianças com
necessidades especiais
Um convite à reflexão e à pesquisa

Aidyl Pérez-Ramos,
Cecília Pera

Introdução

A adaptação de brinquedos e brincadeiras para crianças com deficiência


constitui uma necessidade peremptória que, além do seu valor intrínseco, se
apoia nos conhecimentos atuais da Psicologia e da Educação. Considera-se que
o processo de adaptação desses estímulos lúdicos e seu emprego às diferenças
individuais, incluindo as mais acentuadas, poderá promover o desenvolvimento
adequado das crianças com necessidades especiais, possibilitando-lhe, ademais,
um convívio saudável com seus pares, inclusive com os isentos de tais distúrbios,
como também com seus próprios familiares e outras pessoas de seu ambiente.
Uma iniciativa desta natureza, que se apresenta como simples, traz em seu
bojo uma série de implicações para a própria criança e a necessária fundamentação

209
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

com os avanços científicos nos campos do saber já referidos. Contudo, não se


dispõe de referências bibliográficas alusivas. É comum encontrar trabalhos
sobre brinquedos com certas adaptações para crianças com deficiência, mas sem
as necessárias referências científicas que justifiquem essas mudanças. Nessas
condições, observa-se grande precariedade de contribuições sobre brinquedos,
ainda que insuficientemente adaptados, para crianças menores de três anos
com esses transtornos.
Citam-se como progressos do conhecimento que apoiam esta iniciativa
a ênfase que atualmente é dada à Psicologia do Brinquedo e à utilização de
brinquedotecas; as conquistas logradas no desenvolvimento dos bebês, e de seus
transtornos evolutivos, especialmente os de natureza neurológica. No campo
da Educação, mencionam-se trabalhos sobre a ergonomia no contexto escolar,
e mais notadamente, referentes ao campo de Educação Especial em especial
sobre o Paradigma da Inclusão, traduzido por movimentos em diversos países,
inclusive no Brasil. Nesse contexto é importante mencionar as contribuições
sobre a Educação Física Adaptada como exemplo de ações semelhantes ao que
se pretende nesta exposição.
O presente trabalho se centraliza apenas naqueles progressos mais emergentes
e de atualidade, com uma visão sumária deles, como são o Paradigma da Inclusão
Socioeducacional e a compreensão atual do desenvolvimento de crianças em seus
dois primeiros anos de vida e suas relações com as atividades lúdicas.
Tendo em mente tais considerações, são indicados exemplos de brinquedos
passíveis de adaptação, distribuídos em função das sucessivas etapas da primeira
infância (atribuída aos dois primeiros anos de vida). Utiliza-se também um outro
critério de importância para classificar os brinquedos como os locais de permanência
da criança na sua rotina diária. Dessa base classificatória aplicáveis às crianças
normais, são expostos critérios gerais de adaptação destes estímulos lúdicos para
as que são afetadas de deficiências visuais, auditivas, motoras e/ou intelectuais.

Paradigma da inclusão socioeducacional

Constitui o mesmo a etapa mais atualizada do movimento de incorporação


dos educandos com necessidades educacionais especiais no ambiente comum,

210
brinquedos adaptados para crianças com necessidades especiais

inclusive no das escolas regulares de ensino. Destacam-se nesse processo as


chamadas Teoria de Normalização, a Mainstreaming e o Método SIVUS.
A primeira abordagem se caracteriza por instituições de “portas abertas”, dando
oportunidades aos recluídos nas mesmas, doentes mentais e/ou pessoas com
deficiência, de conviver em um mundo “aberto”, centralizado, segundo esse
enfoque, na “vida normal” (Pérez-Ramos, 1997).
Em um campo mais limitado, porém de forma mais incisiva, sistematizada
e centralizada no sistema de ensino regular, se apresenta o movimento do
mainstreaming (corrente principal). O seu sentido é análogo a um grande rio
(representado pelo ensino regular) que, em seu fluxo, incorpora todo tipo de
pessoa, com maior ou menor capacidade ou habilidade para aprender.
O educando com deficiência, como qualquer outro, participará também desse
fluxo (Mantoan, 1998). Dois processos se configuram com a finalidade de
alcançar essa incorporação. Ao mesmo tempo que se provém mudança nessa
“corrente principal”, para facilitar o ingresso de âmbito integrador a qualquer
tipo de aluno, também se antecipa a preparação daqueles especiais, isto é, o
integrante, para incorporar-se nesse processo. Por um lado, a implementação de
currículos escolares, apropriados e recursos didáticos ou lúdicos diversificados;
professores preparados e ambiente físico e humano com acessibilidades e sem
barreiras, constituem as estratégias básicas para a adequação do integrador. Por
outro, requer a preparação do integrante para incorporar-se nesse ambiente.
O Método SIVUS (siglas de palavras suecas, que significam “indivíduo social
desenvolvido da cooperação mútua”), destina-se, particularmente, ao desenvolvi-
mento de padrões de convivência dos educandos especiais com as pessoas comuns,
e vice-versa, através de estratégias graduais de inter-relação: física, identificada
pela presença daquelas nos espaços de uso geral; funcional, a interação de ambos
e social, a participação mútua e integrativa, baseada em interesses comuns.
Todos esses pressupostos e movimentos sociais vão se aperfeiçoando de
forma a garantir sustentabilidade, operacionalidade e real incorporação entre o:
integrante e integrador, configurando assim o Paradigma da Inclusão Socioedu-
cacional. Caracteriza-se pelo princípio de “educar para a diversidade”, percebido
como fator de enriquecimento de todos no processo educativo: alunos com
menores e maiores diferenças individuais, gestores, coordenadores, professores,
pais e outros mais que fazem parte do contexto educacional (Xavier, 2002).

211
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Este movimento vem se estendendo em nosso meio, em termos de legislação


apropriada e de sua divulgação, aprimoramento do conhecimento sobre o tema e
desenvolvimento de novas propostas pedagógicas. Como passo essencial, trata-se
da aplicação da Resolução CNE/CEB, nº 2, de 11/9/2001(2002), e do Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil (2001), nas quais são apresentadas
estratégias e orientações para educação de crianças pequenas com necessidades
educacionais especiais, junto a um ambiente comum, como creches e pré-escolas.
Desses documentos, amparados pelas considerações anteriormente apresen-
tadas, decorrem as necessárias mudanças de posturas dos docentes, alunos, pais
e outros mais que compõem o elenco das pessoas que fazem parte do contexto
escolar. Mudanças no ambiente físico tornam-se, também, essenciais como
são as implantações das condições de acessibilidade e eliminação de barreiras
arquitetônicas e atitudinais, ao lado, naturalmente, da flexibilização, indivi-
dualização e diversificação curriculares, inclusive dos recursos pedagógicos e
lúdicos. Serviços de apoio pedagógico especializado, em salas de recursos, para
os quais se preconizam materiais pedagógicos e brinquedos adaptados, são
também recomendados. A utilização de tais recursos depende, naturalmente, das
atitudes das pessoas frente à criança com deficiência, evitando pietismo, rejeição,
protecionismo, entre outros comportamentos preconceituosos, desenvolvendo,
por outro lado, convivência saudável e de compreensão.
Feitas essas considerações gerais, o presente trabalho prossegue na atenção
específica da criança na sua primeira infância, centralizando-se nos estudos
mais recentes efetuados por Pérez-Ramos e Pera sobre brinquedos e brincadeiras
para este período de vida (Pérez-Ramos e Pera, 2002).

Desenvolvimento psicológico da criança na primeira infância

Neste contexto são apreciados os comportamentos receptivos aos estímulos


lúdicos em uma linha evolutiva, desde o primeiro mês de vida até aos dois anos de
idade. Ao nascer, o bebê vem dotado de condições que lhe permite ir gradualmente
dominando os seus movimentos, reagindo seletivamente aos estímulos,
expressando-se emocionalmente e comunicando-se com os demais. Seus órgãos
dos sentidos encontram-se em funcionamento; assim, fixa, por instantes, o rosto

212
brinquedos adaptados para crianças com necessidades especiais

de quem lhe cuida, tenta virar a cabeça quando lhe falam perto do seu ouvido,
como também reage, gesticulando, a odores e a toques sensíveis. Tem-se, sempre, a
considerar que as reações favoráveis aos estímulos, inclusive lúdicos, se apresentam
quando o bebê, nesses primeiros meses de vida, está desperto, com os olhos abertos
e atento, momento que é denominado “estado de alerta”.
Com algum controle do corpo, em especial da cabeça, o bebê vai ganhando
mais experiência com os órgãos do sentido e movimentação, o que é estimulado
por móbiles coloridos e sonoros, como também chocalhos atrativos. Assim, com
o seu crescimento e estímulos ambientais e brincadeiras, o bebê vai evoluindo
rapidamente. Por volta de três a quatro meses, “descobre” suas mãos e seus pés;
são eles, agora, os seus “brinquedos”; move-os, leva-os à boca e os solta, várias
vezes, também já ri, sorri e solta gargalhadas, especialmente, em resposta às
brincadeiras que lhe são dirigidas.
São estes os progressos mais comuns nos primeiros quatro meses de vida
para prosseguir com as aquisições próprias do quatro a oito meses. Ao mesmo
tempo que vai diferenciando e controlando os movimentos do seu tronco, braços
e pernas, poderá entreter-se com um brinquedo, por exemplo um chocalho
maleável e sonoro, apertando-o, sacudindo-o, levando-o à boca. Com essas
manipulações, descobrirá que o brinquedo que tem nas mãos poderá emitir
sons ao apertá-lo, o que estimulará a repetir várias vezes o movimento inicial,
para certificar-se da relação entre o ato de apertar e a emissão do som.
Nesses meses, também se apresentam importantes avanços na linguagem:
intensa vocalização, balbucio e seu significado, através de brincadeiras que o
bebê realiza consigo mesmo e das que os outros lhe proporcionam. Mais tarde,
é capaz de brincar de “esconde-esconde” (esconder e aparecer o rosto do adulto)
e encontrar um brinquedinho escondido na sua presença e ainda, atirá-lo de
diferentes maneiras.
No período seguinte, isto é, de oito a doze meses, progressos de importância
facilitarão ao bebê explorar mais o ambiente e entender algo mais sobre os
brinquedos, pessoas e também sobre o que passa ao seu redor. Além disso
adquirirá mais recursos para participar das brincadeiras e se comunicar com
os demais. Ele passa, gradualmente, da posição de engatinhar para a de ficar de
pé e a tentativas de caminhar sozinho. Seus braços e mãos encontram-se mais
firmes e com maior agilidade para explorar brinquedos como os de encaixe

213
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

simples, livrinhos de páginas grossas e alguns cubos de tamanhos variados.


Assim, vai percebendo suas qualidades e gradualmente vai fazendo diferenciação
entre eles. Sua capacidade de fixação passa a ser algo precisa, sendo capaz de
encontrar um brinquedinho em um lugar que havia deixado pouco tempo atrás.
Segue progredindo na compreensão e expressão verbais e buscando a aprovação
dos seus familiares, manifestando-lhes carinho, abraçando-os ou “jogando-lhes
beijos”, inventando brincadeiras ou respondendo alegremente a elas.
Na etapa posterior, isto é, no período de um ano e um ano e meio, a criança
passa a mobilizar-se de forma bem mais independente, e adquire maior precisão
nos movimentos manuais: manipula brinquedos nos seus detalhes, como
enroscar e desenroscar peças, empilhá-las, encaixá-las e procurando diferenciá-
-las por seu uso. Compreenderá que realizando determinadas experiências com
diferentes brinquedos, pode conduzir a efeitos diferentes; ao colocá-los na água,
alguns flutuam e outros não; outros ainda, como carrinhos, rolam, e assim por
diante. Mas não se detém nesses progressos, descobre que poderá puxar um
carrinho por um barbante, utilizando, assim dos meios intermediários nas suas
atividades lúdicas. Tentará também procurar um brinquedinho que acaba de
sair do seu campo visual. Vai progredindo na comunicação verbal, fazendo-se
entender por “palavras-chave”, as quais com uma só designação quer dizer várias
coisas, e compreende e atende algumas ordens, entre outros ganhos. Com essas
habilidades terá facilidade de contatos, inclusive com seus pares, interessando-se
por estar junto a eles, mesmo que não compartilhe de suas atividades. Inicia-se
no “jogo paralelo”, isto é, onde cada qual atua por seu lado.
A etapa seguinte, a de um ano e meio a dois, se caracteriza, principalmente,
por ganhos na linguagem; nas habilidades cognitivas (situações-problemas,
tempo, espaço e de causa-efeito), como também no maior controle motor, tanto
fino como grosso. A criança evolui rapidamente no aumento de “palavras-
-chave”, frases telegráficas e no uso de onomatopeias. Esta última aquisição
é expressada pela imitação dos sons que animais e objetos tipicamente
produzem. Mais tarde os utilizará para denominá-los quando aparecem na
TV, nos livrinhos infantis e nos brinquedos. Assim, com alguma experiência
em representação, se inicia nos jogos “faz de conta”, dramatizando algumas
atividades que os pais desempenham. Posteriormente passará a antecipar
mentalmente o que deve realizar para alcançar um propósito determinado,

214
brinquedos adaptados para crianças com necessidades especiais

selecionando os meios de que dispõe para esse fim. Assim, quando percebe
que não pode alcançar, por si mesmo, um brinquedo colocado na parte alta
de um móvel, procura uma cadeira e subindo nela, obtém o que deseja. Segue
visualmente o percurso que faz um brinquedo que atira, e indo procurá-lo,
pode utilizar um caminho, inclusive, mais curto, mostrando possuir noção
de espaço, e perceber o tempo que transcorre ao seguir o percurso de um
brinquedo que rola. As noções de causa-efeito são agora mais intensas e
diversificadas, como o puxar o carrinho para que role, tocar o tamborzinho
para seguir o seu ritmo etc. Tendo maior desenvoltura na motricidade,
interessa-se por andar de tricículo, mesmo que não pedale ainda; com três
dedos juntos pode rasgar papel, encaixar, unir peças e rabiscar. Percebe-se,
portanto, que nesta fase são agregados muitos elementos novos que facilitam
a criança utilizar os brinquedos de diversos modos, procurando tirar deles o
maior proveito possível em variadas atividades.
Pode-se afirmar que os brinquedos e as brincadeiras, quando apropriados,
constituem elementos fortemente estimuladores para o desenvolvimento
infantil, particularmente nos dois primeiros anos da criança. As conquistas
que ocorrem durante o processo evolutivo em apreciação são resultantes não
somente do seu crescimento, mas especialmente dos estímulos lúdicos criados
por ela própria e proporcionados pelas pessoas do seu ambiente. Por sua vez
as ajudam a entendê-la melhor, a identificar-se com ela e perceberem no seu
comportamento momentos de oportuna atuação.

Brinquedos para crianças nos seus primeiros dois anos de vida

Nesta unidade são indicados determinados brinquedos para a primeira


infância, distribuídos em função das fases evolutivas desse período etário e os
locais em que a criança permanece na sua rotina diária para possível classificação.
Vários critérios são utilizados na seleção desses estímulos lúdicos, de forma a
ajustá-los ao processo evolutivo desta fase de vida, à motivação e facilidade para
o seu uso e à possibilidade de adaptação às crianças com deficiências.
Tais sugestões são baseadas nas considerações anteriormente apresentadas
no presente trabalho, e principalmente nos estudos e experiências das autoras em

215
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Educação Inclusiva, Estimulação Precoce, na direção de creches e nas clínicas


de avaliação — intervenção psicoeducacionais em crianças pequenas. Critérios
para a seleção dos brinquedos em referência apresentam-se preliminarmente:
▶▶ Concordância com as características gerais do processo evolutivo na
primeira infância.
▶▶ Condições físicas e de funcionamento que evitem perigo no seu uso.
▶▶ Facilidade de manejo pela própria criança.
▶▶ Aparência e funções atrativas.
▶▶ Possibilidade de adaptação às diferentes situações na rotina da criança.
▶▶ Variedade de um mesmo tipo de material ou inclusão de características
que facilitem a adaptação às diferenças individuais, inclusive as mais
acentuadas.
A seguir são apresentados os brinquedos selecionados em função das
fases compreendidas na primeira infância, tendo como referência trabalhos
semelhantes das autoras, publicado no Kit para crianças nos seus primeiros dois
anos de vida (Pérez-Ramos e Pera, 2002).

QUADRO Nº 1: Brinquedos distribuídos por fases evolutivas na


primeira infância

Constituem os mesmos 10 tipos de brinquedos selecionados dos 27 estu-


dados, os quais devem ser utilizados no momento de prontidão da criança,
chamado nos primeiros meses de “estado de alerta”, e também em função dos
locais de maior permanência da mesma na sua rotina do dia a dia. A seguir
apresenta-se a relação desses locais distribuídos pelas fases evolutivas já indi-
cadas, servindo a esta como referencial para o uso dos brinquedos citados no
quadro anterior.

QUADRO Nº 2 – Locais de permanência da criança em função


de suas fases evolutivas

Uma vez selecionados os brinquedos e sugerido o seu uso em função das


fases de vida e dos locais de permanência, é importante considerar que eles

216
brinquedos adaptados para crianças com necessidades especiais

devem variar em complexidade e em ajustamento para sua adaptação ao processo


evolutivo da criança e os lugares indicados. Fora essas variações são citados os
critérios de adaptabilidade para criança com deficiência na primeira infância.

QUADRO Nº 3 – Critérios para adaptação dos brinquedos em


função dos tipos de deficiência, na primeira infância

Os critérios gerais selecionados para adaptação dos brinquedos foram


baseados nas possíveis fragilidades que cada deficiência pode apresentar, sendo
assim enfatizam-se a simplicidade para o deficiente mental; sonoridade, texturas
e aromas para deficientes visuais; formas e cores para o deficiente auditivo; e
maleabilidade e ergonomia para os deficientes físicos.

Considerações finais

Espera-se que o presente trabalho traga uma nova mensagem para uma vida
saudável à criança com deficiência, desde os seus primeiros anos de existência,
com a utilização de estímulos lúdicos que lhe sejam apropriados. O uso dos
brinquedos adaptados, especialmente na primeira infância, requer a adoção de
total consideração pela criança, independente da deficiência e de sua intensidade
que ela possa sofrer, possibilitando-lhe ademais, desde cedo, convivência comum
com as pessoas isentas de tais distúrbios, sejam elas adultos ou crianças. Além
disso, o assunto que nos ocupa constitui um campo atrativo para a realização
de pesquisas, ainda pouco trilhado e de significativa importância. O trabalho
indica um caminho a percorrer, tanto na fundamentação teórica como nos
procedimentos de análise para adaptação dos brinquedos, ainda pouco conhe-
cidos devido à sua criação em tenra idade da criança.

Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério de Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial


na Educação Básica. Resolução CNE/CBE, nº 2 de 11/9/01. Diário Oficial

217
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

da União, no 177, Seção E, 14/9/91, pp. 30 – 40, 2001. Brasil: Imprensa


Oficial
BRASIL. Ministério de Educação S. E. E. Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil. Estratégias e orientações para a educação de crianças
com necessidades especiais. Brasília: MEC, 2002.
Mantoan, M. T. E. Educação escolar e deficientes mentais. Problemas para a
pesquisa e desenvolvimento. Cad. CEDES, 19 (46), 1998.
Pérez-Ramos, A. M. Q. e Pera, C. Brinquedos e brincadeiras para o bebê. Kit para
os dois primeiros anos de vida. 2. ed. São Paulo: Vetor Editora Psicope-
dagógica, 2002.
Pérez-Ramos, A. M. Q Temas de normalização. Integração, 7(19), 17-19, 1997.

QUADRO No 1: Brinquedos distribuídos por fases evolutivas na


primeira infância

Fases evolutivas
Brinquedos 0-4 4-8 8-12 12-18 18-24
Chocalhos • • •
Móbiles • •
Capas de mamadeira • •
Pulseirinhas e tornozeleiras • • •
Boias para banheira •
Tapetes • •
Fantoches •
Família de bonecos •
Bolas • •
Capas de lápis • • •

218
brinquedos adaptados para crianças com necessidades especiais

QUADRO No 2 – Locais de permanência da criança em função


de suas fases evolutivas

Fases evolutivas em meses


Tipos de locais 0–4 4–8 8 – 12 1;0 – 1;6 1;6 – 2;0
Colo • • •
Berço • • •
Bebê conforto • • •
Carrinho de bebê ou cesta • • •
Banheira
Trocador de roupa
Solo •
Cercado •
Cadeirão •
Área Aberta • • •

219
QUADRO No 3 – Critérios para adaptação dos brinquedos em função dos tipos de deficiência, na
primeira infância

BRINQUEDOS DM DV DA DF
Sonoros e diferentes Maleáveis leves e
Chocalhos Poucos detalhes Coloridos e variados
formas coloridos
Diversos sons, aromas e Brilhantes, várias cores Maleáveis, com apoio
Móbiles Contornos simples
texturas e formas para puxar
Coloridas e com Diferentes texturas e Coloridas e materiais Coloridas e alças de
Capas de mamadeira
texturas relevos variados apoio para as mãos
Pulseirinhas e Cores variadas, sonoras Sonoras e diferentes Cores variadas e Sonoras, largas e bem
Tornozeleiras e largas texturas largas firmes

220
Contornos simples e Tridimensionais e Contornos variados e Tamanhos grandes e
Boias para banheira
coloridas sonoras coloridas suporte para manuseio
Figuras simples e Puxadores com objetos Materiais do cotidiano Figuras tridimensionais,
Tapete
destacáveis familiares coloridos e destacáveis maleáveis e coloridas
Formas bem definidas, Grandes, com várias
Fantochesm Figuras familiares Cores contrastantes
com particularidades cores
Membros bem Membros diferenciados
Família de bonecos Roupas coloridas Grandes e maleáveis
diferenciados por texturas
Grossas e diferentes Grossas, com texturas Grossa, pesadas com
Capas de lápis Coloridas e brilhantes
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

tamanhos variadas sulcos


Texturas próprias e Com sulcos ou pinos e
Bolas Tamanhos variados Texturas e sonoras
coloridas coloridas
DM – Deficiente Mental, DV – Deficiente Visual, DA – Deficiente Auditivo, DF – Deficiente Físico
17
A brincadeira simbólica na
reabilitação psicomotora da
criança hemiparética
Vera Barros de Oliveira,
Alan Demanboro

Já na década de 1990, modelos enfatizavam a necessidade de se ensinar


habilidades, inserindo-as em dois ou mais domínios; assim, por exemplo, ao
ensinar habilidades motoras, trabalhá-las em conjunto (‘clusters’) com habilidades
sociais ou de comunicação (Guess e Saylor, 1993). Essa forma de fazer reabilitação
motora vem a ser uma implicação prática da Teoria do Caos, ou Teoria dos
Sistemas Dinâmicos, que vê o organismo como um sistema aberto, empenhado
continuamente em se auto-organizar frente ao meio, de forma integrada.
Esta visão desloca diametralmente o enfoque da ação do terapeuta para
a do paciente, tornando a terapia menos diretiva (de fora para dentro) e mais
espontânea e criativa por parte do sujeito (de dentro para fora), como o prefixo
“auto” explicita.
A visão do cérebro, com sua contínua integração e plasticidade, salientada
por Damásio (2000, 1994), mostra a íntima relação entre a consciência corporal

221
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

e a ampliada, simbólica. Nessa abordagem, o corpo é visto como núcleo vivo e


estruturante do “eu”, sendo que a representação mental corporal é, por sua vez,
continuamente reorganizada pelo que pensamos e sentimos. Daí a importância
de se associar estratégias simbólicas a seus elementos cognitivos e afetivo-
-emocionais na reabilitação de funções motoras (Oliveira, 2000).
A capacidade de agir “como se”, de simular uma situação frente a um
objeto, uma das mais nobres e complexas funções cerebrais, permite ao orga-
nismo perceber o meio de forma ativa, original e interativa, o que contribui
para sua auto-organização, inclusive motora (Buscema, 1998). A autopoiese,
defendida por Maturana (1995) expressa essa necessidade biológica de cria-
tividade própria, a qual encontra uma situação privilegiada na brincadeira
simbólica (Oliveira, 1998).
A inserção de atividades lúdicas em reabilitação neuropsicomotora, presente
nesta pesquisa, fundamentou-se, portanto, nesta visão sistêmica, histórica e
plástica do cérebro, na qual as atividades motoras não podem ser entendidas
e reorganizadas de forma isolada, mas sim, associadas aos processos mentais
como um todo.
O brincar, ao caracterizar-se pelo predomínio da espontaneidade sobre a
coerção, do prazer sobre o sofrimento, da interação social sobre o isolamento,
vem a ser uma situação privilegiada para o desbloqueio de tensões emocionais
e/ou físicas (Oliveira, 2000).
Com base nestas considerações, esta pesquisa foi construída por meio da
hipótese de que o desempenho em tarefas motoras manuais de crianças porta-
doras de encefalopatia crônica não evolutiva da infância, do tipo hemiparesia
espástica leve ou moderada, melhoraria em termos de qualidade e quantidade
de movimentos, com a associação de intervenções lúdicas a tratamento conven-
cional fisioterapêutico.

Objetivo geral

Identificar possíveis alterações na função motora manual de crianças com


hemiparesia espástica leve ou moderada em relação a habilidades de preensão,

222
a brincadeira simbólica na reabilitação psicomotora da criança hemiparética

em função da inserção de estratégias lúdicas em fisioterapia tradicional, com


utilização do método de facilitação neuromuscular proprioceptiva.

Método

Seu método foi o quase experimental de delineamento de séries de tempo


(Reichardt e Rallis, 1994).
O estudo contou com uma amostra por conveniência, de três participantes
do sexo feminino, de três e quatro anos de idade, portadores de encefalopatia
crônica não evolutiva da infância do tipo hemiparesia espástica de predomínio
braquial, selecionados com base no protocolo de avaliação cinesiológica-
-funcional para neuropediatria.
Quanto aos instrumentos e técnicas, foram utilizados para a fase de seleção
e (re)avaliação dos sujeitos: a Avaliação Cinesiológica-funcional para neuro-
pediatria — ACFn (O’Sullivan, 1993; Umphred, 1994); as Provas de Função
Muscular — PFM — para mensuração de força muscular dos grupos motores
de punho e dedos (Kendall et al. 1995); a Escala de Execução de Tarefas de
Preensão — EETP — instrumento para avaliação e reavaliação periódicas das
habilidades de preensão dos participantes, desenvolvida para esta pesquisa,
com base nos sete tipos de preensão (Lehmkhull e Smith, 1989), que pontua a
eficiência da criança em realizar estes padrões de preensão numa escala de
0 a 3 pontos eficiência, sendo que a pontuação máxima na escala original é de
24 pontos, que representa o índice de eficiência esperado da criança normal ou
do membro não parético da criança hemiplégica.
Para a intervenção foram utilizados: o Método de Facilitação Neuromus-
cular Proprioceptiva (Knott e Voss, 1990), tradicional da fisioterapia e estratégias
lúdicas desenvolvidas especificamente para este estudo.
O procedimento utilizado distinguiu três avaliações e duas fases de
intervenção:
▶▶ Avaliação inicial das participantes por meio da EETP e das PFM, em
março de 2003. Na tentativa de aplicação dos testes verificou-se a não
colaboração da participante V, que foi avaliada apenas qualitativamente.

223
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

▶▶ Primeira intervenção.
▶▶ Reavaliação das participantes S. e G. por meio da EETP, em maio-junho
de 2003.
▶▶ Segunda intervenção.
▶▶ Avaliação final das participantes S. e G. por meio da EETP e das PFM,
em julho de 2003.

No primeiro período de intervenção, de dez semanas, os participantes


foram submetidos a vinte sessões de 40 minutos de duração, divididas em duas
partes de 20 minutos. Nos primeiros 20 minutos, foram tratados pelo método
tradicional de FNP e, nos 20 restantes, convidados a participar de Brincadeira
Simbólica (faz de conta), criada com o objetivo de estimular sua função motora
manual. Em linhas gerais, estas estratégias lúdico-simbólicas de facilitação da
função motora seguir os seguintes princípios:
▶▶ Proposição de uma brincadeira simbólica, com uso de estratégias
imagéticas evocadas e/ou imaginadas.
▶▶ Direcionamento do brincar pelo terapeuta-pesquisador por meio do
uso sistemático de imitação e contraimitação e estímulos verbais, com
o intuito de fazer com que a criança usasse e aprimorasse seu membro
superior parético em ações de preensão, preservando as características
de espontaneidade, não esforço e prazer presentes na atividade lúdica,
salvaguardando a primazia da ação do sujeito.

Resultados

O gráfico a seguir mostra a evolução do desempenho das participantes


S. e G. na Escala de Execução de Tarefas de Preensão no período da pesquisa.
Os números 13 e 15 no gráfico representam, respectivamente, a pontu-
ação de S. e G. na avaliação inicial em março de 2003. O gráfico mostra
o aumento da pontuação das participantes nas reavaliações nos meses de
maio e junho de 2003 até a avaliação final, na qual S. obteve 19 pontos e G.,
18 pontos.

224
a brincadeira simbólica na reabilitação psicomotora da criança hemiparética

. . . . .

Quanto à força muscular de preensão, as provas de função muscular


aplicadas a S. e G. no início e no fim da pesquisa, mostraram que não houve
melhora neste período.
Em análise qualitativa realizada nos dados registrados nos protocolos de
observação lúdica, constatou-se que a participante V, que não foi testada como
as outras, por ter se recusado a se submeter à avaliação por meio de testes, obteve
melhor adequação do tônus do membro superior parético com relaxamento
do padrão flexor patológico (extensão de cotovelo, punho e dedos em posição
neutra) durante a fase de brincadeira e aumento do interesse no uso do membro
superior parético como coadjuvante, observado por um esboço de esforço
voluntário de extensão dos dedos e abdução do polegar em algumas situações
de brincar.
A participante S, além da melhora da eficiência dos seus padrões de
preensão, conforme demonstrado no gráfico, ainda obteve melhora da coor-
denação do membro superior parético com redução de sua dismetria inicial.
No começo da pesquisa, a paciente era incapaz de acertar um alvo fixo com seu
membro superior parético antes de duas ou três correções. Ao final, em situações
lúdicas, normalmente acertava o alvo na primeira tentativa.
A participante G. alcançou um pico de 19 pontos de desempenho no mês
de junho de 2003, o qual teve uma pequena queda para 18 pontos em julho de
2003. Pela análise do desempenho em cada padrão de preensão observou-se
que essa queda se deu nas capacidades de preensão de ponta e lateral, os dois

225
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

tipos mais finos de preensão relacionados com atividades como pegar o lápis
para escrever e segurar objetos finos como um cartão telefônico.
Foi observado nas brincadeiras simbólicas que todos os participantes
apresentaram aumento da atividade motora espontânea (movimentos amplos
dos braços, pulo e corrida), maior concentração, evidenciada por uma redução
da atividade motora geral e maior precisão focal visuo-manual sobre os objetos,
o que sugere que este tipo de atividade esteja mais indicado no treino de
padrões motores finos. Foi constatado também aumento de envolvimento, o
que favoreceu a adequação do tônus postural, a coordenação e intencionalidade
dos movimentos gestuais observadas nesta pesquisa, o que comprova estudos
anteriores, durante a brincadeira simbólica há uma reorganização do campo
perceptivo e motor que se adapta à situação objetiva real, visando dar-lhe um
significado simbólico, como quando a criança segura e movimenta um bloco
de madeira “como se” ele fosse um carrinho.

Discussão

Estudos como este comportam dificuldades inerentes ao lidar com a criança


em desenvolvimento, principalmente na faixa etária enfocada, dificultando o
perfeito controle das variáveis. Dentre algumas dificuldades encontradas pode-se
citar a recusa da participante V. em colaborar nos testes, o grande número de
faltas das participantes e variações de humor e disposição (falta de motivação
em algumas sessões, excesso de atividade em outras etc.).
Além destas variáveis, por um lado, o pequeno número de partici-
pantes impede que se generalizem os dados obtidos; mas, por outro lado, os
resultados dessa pesquisa fornecem indicadores positivos para incentivar
estudos posteriores.

Conclusões finais

Para a amostra pesquisada, concluiu-se que a associação de estratégias


lúdicas ao tratamento convencional em fisioterapia levou a uma melhora do

226
a brincadeira simbólica na reabilitação psicomotora da criança hemiparética

desempenho motor em tarefas de preensão. Observou-se também adequação


do tônus durante atividades lúdicas e maior interesse das crianças em participar
da terapia, facilitando o processo de recuperação e fortalecendo o vínculo tera-
peuta/paciente. Em suma, os resultados obtidos mostram que a colaboração e o
desempenho motor, especificamente em movimentos de preensão, foram mais
positivos em situações lúdicas do que frente aos exercícios tradicionais com o
uso de FNP.
Portanto, foi observada maior colaboração e melhor desempenho motor,
especificamente em movimentos de preensão, em situações lúdicas do que frente
aos exercícios tradicionais com o uso de FNP, o que comprova a hipótese que
gerou esta pesquisa, e atingindo seu objetivo.
Sugere-se a realização de novas pesquisas, com grupos estatisticamente
relevantes, para confirmar a eficácia do uso da brincadeira simbólica em
reabilitação psicomotora.

Referências bibliográficas

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227
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

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Oliveira, V. B. (Org.) O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Petrópolis,
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In F. C. Capovilla, M. J. Gonçalves, & E. C. Macedo (Orgs.), Tecnologia
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O´Sullivan, S.B. & Schmitz, T. J. Fisioterapia: Avaliação e tratamento. 2. ed. São
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Reichard, C .S. & Rallis, S. F. The qualitative-quantitative debate: New
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Thelen, E. Motor development: A new synthesis. Annual progress in child
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Umphred, D. A. Fisioterapia neurológica. 2. ed. São Paulo: Manole, 1994.

228
18
Leitura em surdos do ensino
fundamental ao médio:
processamento logográfico,
perilexical e lexical
Fernando Capovilla,
Alessandra G. Seabra,
Keila Viggiano,
Márcia Bidá,
Aline Mauricio

A educação de surdos só pode ser feita apropriadamente com recursos de


ensino (Capovilla e Raphael, 2001a, 2001b) e de avaliação (Capovilla e Viggiano,
2004) apropriados. O Teste de Competência de Leitura de Palavras (TCLP:
Capovilla e Capovilla, 2003) é parte de bateria de onze testes de desenvolvimento
da linguagem de sinais e de competência de leitura e escrita, desenvolvida
especialmente para a população escolar surda brasileira, e já validada e
normatizada com amostra de 1.158 escolares surdos da 1a série do ensino
fundamental até a 1a série do ensino médio. Esses onze estudos individuais
abrangeram as seguintes áreas: 1) Vocabulário receptivo visual de sinais da Libras,
por meio da versão original do Teste de Vocabulário Receptivo Visual de Sinais

229
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

da Libras (TVRSL1.1) aplicada coletivamente em sala de aula com sinalização


ao vivo em duas sessões de 60 minutos cada uma; 2) Competência de leitura
silenciosa de palavras isoladas em Português, por meio da versão original do Teste
de Competência de Leitura de Palavras (TCLP1.1) aplicada coletivamente em
sala de aula em uma sessão única de 60 minutos; 3) Competência de leitura de
sentenças em Português, por meio da versão original do Teste de Competência de
Leitura de Sentenças (TCLS1.1) aplicada coletivamente em sala de aula em uma
sessão única de 75 minutos; 4) Competência de escrita de palavras em Português
para nomear figuras conhecidas, por meio das duas versões originais do Teste de
Nomeação de Figuras por Escrita (TNF–Escrita) aplicadas coletivamente em sala
de aula, cada qual em uma sessão única de 60 minutos; 5) Competência de escrita
de palavras em Português para nomear sinais da Libras, por meio das duas versões
originais do Teste de Nomeação de Sinais por Escrita (TNS–Escrita) aplicadas
coletivamente em sala de aula com sinalização ao vivo, cada qual em uma sessão
única de 60 minutos; 6) Habilidade de escolher palavras escritas para nomear
figuras conhecidas, por meio das duas versões originais do Teste de Nomeação de
Figuras por Escolha de palavras escritas (TNF–Escolha) aplicadas coletivamente
em sala de aula, cada qual em uma sessão única de 30 minutos; 7) Habilidade
de escolher palavras escritas para nomear sinais da Libras, por meio das duas
versões originais do Teste de Nomeação de Sinais por Escolha de palavras escritas
(TNS–Escolha) aplicadas coletivamente em sala e aula com sinalização ao vivo,
cada qual em uma sessão única de 30 minutos. A validação e a normatização
dos onze estudos foram feitos com amostra de 1.158 surdos, dos quais, 862
tinham perda auditiva profunda (dos quais 401 congênita e 167 adquirida); 192,
perda severa (dos quais 107 congênita e 29 adquirida); 70, perda moderada (dos
quais 40 congênita e 13 adquirida); e 4, perda leve (todas congênita). Nos 1.158
surdos, a incidência de perda auditiva congênita era 2,7 vezes maior que a de
perda adquirida. Quanto ao modo de comunicação preferido (isto é, oralização,
gesticulação e sinalização), foi constatado um uso crescente da sinalização e usos
decrescentes da oralização e da gesticulação à medida que o surdo passava da
família para a escola e, desta, para a comunidade.
Um estudo recém-publicado (Capovilla e colaboradores, 2004) disponibiliza
integralmente a versão original (TCLP1.1) e a versão reordenada (TCLP1.2),
bem como tabelas de dados normativos da versão original o TCLP1.1, e dados

230
leitura em surdos do ensino fundamental ao médio

de validade por comparação com todos os demais dez testes de desenvolvimento


da linguagem. O TCLP avalia o desenvolvimento da competência de leitura de
itens escritos individuais e analisa processos ideovisuais, lexicais e perilexicais de
reconhecimento e decodificação, típicos dos estágios de leitura logográfico, alfabé-
tico e ortográfico. Contém sete subtestes, cada qual com 10 itens distribuídos em
posições aleatorizadas. Cada item é composto de uma figura e um elemento escrito.
A tarefa consiste em circundar os itens corretos e cruzar com X os incorretos.
Há dois subtestes com itens corretos a serem aceitos:
1) Palavras corretas regulares (CR) (p. ex., FADA sob a figura de uma fada) e
2) Palavras corretas irregulares (CI) (p. ex., TÁXI sob a figura de um táxi).
Há cinco subtestes compostos de itens incorretos a serem rejeitados:
3) Palavras semanticamente incorretas, que diferem das figuras às quais
estão associadas, ou seja, vizinhas semânticas (VS) (p. ex., palavra GATO sob
a figura de cão);
4) Pseudopalavras estranhas (PE) (p. ex., MELOCE sob figura de palhaço);
5) Pseudopalavras homófonas (PH) (p. ex., JÊNIU sob a figura de gênio);
6) Pseudopalavras pseudo-homófonas com trocas fonológicas, ou seja, vizinhas
fonológicas (VF) (p. ex., MÁCHICO sob a figura de mágico); e
7) Pseudopalavras pseudo-homógrafas com trocas visuais, ou seja, vizinhas
visuais (VV) (p. ex., TEIEUISÃO sob a figura de televisão).
Acertos consistem em circundar itens corretos e em cruzar os incorretos;
os erros, em deixar de circundar itens corretos ou de cruzar itens incorretos.
A distribuição de erros entre os subtestes revela o estágio de desenvolvimento
de aquisição de leitura (isto é, logográfico, alfabético ou ortográfico) e as
respectivas estratégias de leitura empregadas pelo leitor (isto é, logográfica,
perilexical ou lexical).
No presente estudo, a versão original TCLP1.1 foi aplicada a 805 crianças,
jovens e adultos surdos, de seis a 45 anos de idade, estudantes da 1a série do
ensino fundamental até a 1a série do ensino médio, provenientes de seis escolas,
sendo quatro escolas municipais de educação especial (isto é, EMEE) de São
Paulo (isto é, Anne Sullivan, Helen Keller, Madre Lucie Bray, e Professora
Neusa Bassetto) e duas filantrópicas do interior do estado de São Paulo (isto é,

231
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Escola Especial para Crianças Surdas da Fundação Rotarianos, e Associação


Terapêutica de Estimulação Auditiva e Linguagem).
Dos 805 surdos avaliados no TCLP1.1, 700 estudavam em escolas espe-
ciais para surdos, 80 em classes regulares de escolas regulares, e 25 em classes
especiais. Esses últimos 105 não recebiam ensino em Libras, mas apenas em
Português, e seu contato com a Libras restringia-se ao convívio com membros
da comunidade surda em clubes e associações. Dos 805 surdos, 779 tinham
série escolar definida. Dos 26 restantes, 25 pertenciam a classes especiais com
programas e regimes diferentes, e um tinha problema de registro. A escolaridade
média desses 779 escolares era da 4a. série do ensino fundamental. Dos 805,
774 tinham idade declarada nos prontuários, que variava de seis a 45 anos, com
média de 14,2 anos (isto é, 14 anos e 2 meses). O número de escolares surdos
e a idade média por série eram de 98 surdos com 9,4 na 1a série, 109 com 10 a
5m na 2a, 128 com 12,10 na 3a, 133 com 14,4 na 4a, 83 com 15,7 na 5a, 83 com
15,7 na 6a, 83 com 18,1 na 7a, quarenta com 19,4 na 8a, e 7 com 17,8 na 1a série
do ensino médio. A vasta maioria dos 805 escolares era de sinalizadores com
surdez profunda pré-lingual e perilingual. Nos seus prontuários, constava o tipo
de perda auditiva de 553 deles, dos quais 422 tinham perda congênita (4 com
perda leve; 31, moderada; 83, severa; 304, profunda); e 131, perda adquirida (10
com perda moderada; 21, severa; 100, profunda). Segundo os registros dos 805
surdos, 407 usavam aparelho auditivo e 81 não. Dos 4 com perda leve, 2 usavam
aparelho auditivo e 2 não. Dos 55 com moderada, 33 usavam aparelho e 7 não.
Dos 133 com severa, 79 usavam aparelho e 11 não. Dos 562 com profunda, 290
usavam aparelho e 70 não. Quanto ao modo de comunicação preferido pelos
805 surdos, também foi constatado um uso crescente da sinalização e usos
decrescentes da oralização e da gesticulação com a passagem do surdo da família
para a escola e, desta, para a comunidade. Nessa passagem, a preponderância
da sinalização aumentou de 61,08% para 68,00% para 71,43%, ao passo que a
da oralização declinou de 30,05% para 27,50% para 26,42%, e a da gesticulação
declinou de 8,87% para 4,50% para 2,14%.
A Anova dos dados dos 805 escolares surdos no TCLP1.1 revelou um
aumento sistemático na competência de leitura da 1a. série do ensino funda-
mental até a 1a. do ensino médio (isto é, de 36,2 pontos a 40,9 a 45,8 a 49,9 a
53,9 a 54,3 a 56,2 a 59,5 e a 61,4 pontos). A pontuação cresceu sem alcançar

232
leitura em surdos do ensino fundamental ao médio

o teto de 70 pontos, o que sugere que o teste pode ser aplicado para além da
1a série do ensino médio, até provavelmente a conclusão do ensino superior.
Tais dados permitiram normatizar o TCLP1.1 por série escolar e validá-lo por
comparação com os resultados nos outros dez testes, também normatizados
para a mesma população. Além disso, o estudo ofereceu a versão TCLP1.2, em
que os 70 itens encontram-se reordenados por grau de dificuldade crescente.
Ofereceu, também, o modelo teórico de F. Capovilla sobre o processamento
de leitura em surdos que discute, dos achados presentes e da bibliografia, as
relações entre competências de leitura, escrita e sinalização.
Em termos de validade por critério de correlação com outros testes, os
resultados revelaram que a competência de leitura de palavras no TCLP1.1
esteve mais correlacionada com a competência de leitura de sentenças e com a
habilidade de nomear figuras (quer por escolha, quer por escrita), do que com
a habilidade de nomear sinais (quer por escolha, quer por escrita), e com esta
do que com o vocabulário receptivo de sinais, ou seja, a competência de leitura
de itens isolados (isto é, palavras e pseudopalavras) esteve mais correlacionada
com as competências de leitura e de escrita de nomes de figuras do que com as
de nomes de sinais, e com estas do que com a compreensão de sinais da Libras.
O estudo também identificou diferenças entre leitores surdos e ouvintes
quanto ao padrão de acerto nos subtestes, revelando peculiaridades do
processamento ideovisual, perilexical e semântico dos estudantes surdos.
Analisando a distribuição de acertos nos subtestes por 628 surdos de 1a a 8a
série e comparando-a à distribuição de acertos de mil leitores ouvintes de 1a a
3a série, foi encontrado que o padrão de escores dos surdos (isto é, [VS = 8,4] >
[PE = 8,0] > [PH = 7,4] > [VF = 6,5] > [VV = 6,0]) difere de modo marcante do
padrão dos ouvintes (isto é, [PE = 9,2] > [VS = 8,8] > [VV = 7,9] > [VF = 6,9] >
[PH = 5,9]). As discrepâncias entre os padrões são reveladoras:
1) Leitores ouvintes detectaram corretamente VV mais que PH e VF (isto
é, deixando-se enganar mais pela semelhança fonológica), já leitores surdos
detectaram corretamente mais PH e VF que VV (isto é, deixando-se enganar
mais pela semelhança visual);
2) Leitores ouvintes detectaram corretamente mais VF que PH (isto é,
deixando-se enganar mais pela homofonia que pela semi-homofonia), já leitores
surdos detectaram corretamente mais PH que VF;

233
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

3) Leitores ouvintes detectaram corretamente mais PE do que VS (isto


é, deixando-se enganar mais por palavras ortográfica e fonologicamente
familiares ainda que semanticamente inadequadas às figuras do que por
pseudopalavras ortográfica e fonologicamente estranhas), já leitores surdos
detectaram corretamente mais VS que PE (isto é, privilegiando o processamento
semântico-ortográfico do que o ortográfico-fonológico, com melhor detecção
de inadequação semântica de palavras conhecidas do que de pseudopalavras,
uma vez que, do ponto de vista deles, essas pseudopalavras poderiam ser
simplesmente palavras que eles desconhecem).
Foi descoberto ainda que, embora em termos absolutos a ordem de
pontuação dos leitores surdos tenha sido VS > PE > PH > VF > VV, quando
sua pontuação em cada subteste é comparada à dos ouvintes, a ordem de
pontuação dos leitores surdos foi a seguinte: Superioridade em PH (em que
pontuaram pouco mais que os ouvintes de 3a série) do que em VF e VS (em
que pontuaram como os ouvintes entre a 1a e a 2a séries), e nestas do que em
VV e PE (em que pontuaram como os ouvintes de 1a. série).
Analisando as correlações entre os subtestes no TCLP1.1, foi descoberto
que os surdos empregaram dois processos funcionalmente independentes: Um
para aceitar palavras corretas (sendo que, quanto melhor a aceitação de CR, tanto
melhor a aceitação de CI), e outro para rejeitar, tanto pseudopalavras (sendo que,
quanto melhor a rejeição de um tipo de pseudopalavras como VF, tanto melhor
a rejeição dos outros tipos de pseudopalavras como PH, PE e VV, e vice-versa),
quanto palavras semanticamente incorretas (sendo que, quanto melhor a rejeição
de VS, tanto melhor a rejeição dos quatro tipos de pseudopalavra VF, PH, PE e VV).
Usando o TCLP, análises subsequentes de estudantes com diferentes
graus de perda auditiva (isto é, profunda, severa, moderada, leve) ocorrida em
diferentes pontos da aquisição da linguagem (isto é, perda congênita, perilingual,
pós-lingual) e com diferentes oportunidades de desenvolver habilidades de
sinalização, leitura labial e oralização permitirão avaliar precisamente o efeito
dessas variáveis na determinação da estratégia de leitura, apontando, assim,
quais podem ser os procedimentos de alfabetização mais adequados a crianças
com características particulares.
Este estudo permitiu acompanhar o desenvolvimento da competência de
leitura de itens isolados por escolares surdos do início do ensino fundamental

234
leitura em surdos do ensino fundamental ao médio

até o ensino médio, em termos de estratégias logográfica, perilexical e lexical;


processamento ideovisual e digital; e estágios logográfico, alfabético e ortográ-
fico. Isto possibilitará propiciar as condições mais eficazes ao desenvolvimento
da alfabetização e da escolarização competentes. Em conjunto com os outros dez
testes da bateria, o TCLP1.1 constitui um instrumento de inestimável valor para
a educação brasileira, permitindo ultrapassar o estágio primário de discussão
de ideologias e abordagens de ensino, em que se anatematiza e proscreve um ou
outro método, rumo a uma abordagem matricial, em que se busca prescrever os
procedimentos mais adequados para educandos com diferentes características
individuais. Com isto inaugura-se um novo tempo de pesquisa científica e
respeito às características individuais do educando surdo brasileiro.

Referências bibliográficas

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logográfico, perilexical, lexical, quirêmico, ortográfico, semântico e sintático.
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de leitura silenciosa de palavras em surdos do ensino fundamental ao
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235
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

original do Teste de Competência de Leitura de Palavras (TCLP1.1).


In F. C. Capovilla & W. D. Raphael (Eds.), Enciclopédia da Língua de
Sinais Brasileira: O mundo do surdo em Libras, Vol. 1: Sinais da Libras e o
universo da Educação; e Como avaliar o desenvolvimento da competência
de leitura de palavras (processos de reconhecimento e decodificação) em
escolares surdos do ensino fundamental ao médio. São Paulo, SP: Edusp,
Vitae, Feneis, CNPq, Fapesp, 2004.

236
19
Letramento e surdez:
questões em aberto
Zilda Maria Gesueli

Introdução

O processo de aquisição e desenvolvimento de linguagem escrita do aluno


surdo tem sido perpassado por diferentes olhares decorrentes das consideráveis
mudanças no que diz respeito à concepção de surdez. Essa multiplicidade de
olhares afetou o trabalho educacional oferecido aos surdos em fase de letramento1.
Pelo fato de não ouvir, o surdo apoia-se indiretamente na relação oral/
escrita tornando possível considerar o aspecto visual da escrita como um fator
facilitador do processo de aquisição do português. O caminho percorrido pelo
surdo não está centrado na relação da escrita com a oralidade, daí a necessidade

1
Optamos por utilizar o termo letramento, que vai muito além da alfabetização, pois
este se dá pelas possibilidades de aprendizagem que realizamos através das diversas
formas de leitura, e não pela mera decodificação letra/som. Segundo Kress, o processo
de significação, característico do letramento, depende dos signos e valores disponíveis
para o sujeito, ou ainda, o sujeito utiliza o que estiver à mão, “transforma-o e por sua vez é
transformado no processo” (Kress, 1997, apud Souza, 2001. p. 178).

237
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

de nos afastarmos da concepção grafocêntrica da escrita considerando-a como


um conjunto de práticas discursivas (Souza, 2001). Em outras palavras, a escrita
passa de uma concepção de código ou meio homogêneo de representar uma
suposta oralidade para ser vista como compondo “várias práticas e eventos
culturais discursivos” (Souza, 2001).
O conceito de práticas discursivas foi apresentado por Maingueneau (1989)
para se “referir à reversibilidade essencial entre as duas faces, social e textual, do
discurso”. Dessa forma concebemos práticas discursivas como práticas sociais
significativas que o sujeito exerce através da linguagem. Assim, a escrita deve
ser tomada como atividade relevante para o sujeito, inserida em suas práticas
sociais. O sentido da escrita, portanto, está no fato de se ter consciência sobre o
porquê e para quê se escreve, assim nossa concepção de escrita está vinculada
ao trabalho envolvido nas ações que se fazem com e sobre a linguagem: o sujeito
diz algo para alguém por meio de certas estratégias do dizer (Geraldi, 1993).
Em se tratando da criança surda a interação com a escrita será fundamen-
tada no uso da língua de sinais — língua essencialmente visual — cabendo ao
professor incentivar o contato com materiais escritos para que ela venha a sentir
necessidade do ler e escrever.

Surdez e letramento

A surdez concebida como experiência visual (Skliar, 1999), questiona as


ideias pré-concebidas sobre o padrão de normalidade. Experiência visual que
se traduz como todos os tipos de significações, representações e ou produções,
seja no campo intelectual, linguístico, ético, estético, artístico, cognitivo,
cultural etc.
Partindo de uma concepção de surdez que se pauta na diferença e acredita
na língua de sinais como primeira língua a ser adquirida pelo sujeito surdo,
enfatizamos o papel do professor surdo na sala de aula como interlocutor
privilegiado do próprio surdo.
Propiciando contexto linguístico para o uso da língua de sinais nosso
objetivo estará centrado em observar a produção textual de alunos surdos, filhos

238
letramento e surdez : questões em aberto

de pais ouvintes, na faixa etária de 6-12 anos de idade levando em consideração


o aspecto visual da escrita e o papel da imagem nesse processo. Para tanto,
estaremos utilizando o software HagáQuê (histórias em quadrinhos eletrônicas)
desenvolvido no Instituto de Computação da Unicamp2, o qual oferece um
contexto oportuno para a escrita do português porque utiliza, além do texto,
recursos visuais, considerados de grande importância tratando-se de crianças
que fazem uma leitura de mundo pelo visual.
Concebendo a escrita como um processo enunciativo-discursivo (Coudry e
Morato, 1990) que se faz pela leitura de mundo e da palavra concomitantemente,
consideramos que a criança surda significa o mundo através da língua de sinais o
que se torna fundamental para o processo de construção da escrita do português.
Com base nessas considerações podemos derivar a ideia de que é preciso
que a criança faça uso da língua, ou seja, que assuma o papel de interlocutor,
para que possa exercer também o papel de autor-leitor. Mas, no caso do aluno
surdo que utiliza sinais, emerge um entrelaçamento de capacidades linguísticas
que envolvem dois sistemas (da língua de sinais e da língua do grupo majoritário
ouvinte), em um processo complexo que vem sendo estudado (Gesueli, 1988;
Góes, 1996; Souza, 1997), mas que ainda demanda muitas análises. Dessa forma,
a aquisição do português escrito pelo aluno surdo se constitui em uma tarefa
complexa, pois além do trabalho que envolve o ensino da escrita estamos diante
do ensino de uma segunda língua (Gesueli, 1998)3.
Dada a problemática do ensino de leitura e escrita para alunos surdos e a
motivação destes para o uso do computador como ferramenta facilitadora nesse
processo (Gesueli; Freire; Silva, 2002) seria por demais promissor a utilização
de software nas práticas discursivas dos alunos.

2
O software HagáQuê foi desenvolvido no Instituto de Computação da Unicamp sendo
tema da Dissertação de Mestrado de Eduardo Tanaka sob a orientação da Profa. Dra.
Heloísa Vieira Rocha e pode ser obtido no endereço: http:/pan.nied.unicamp.br/~hagaque/
3
Atualmente já encontramos estudos da escrita da língua de sinais (Quadros, 1997;
Capovilla e Raphael, 2001) mas que não invalidam o ensino do português. Estas pesquisas
estão sendo desenvolvidas também por pesquisadores surdos que visam introduzir no
ensino para surdos a escrita da língua de sinais (Campos, 2002a e 2002b; Quadros, 2000;
Stumpf e Quadros, 2000). Estas iniciativas são extremamente válidas, pois na área da
surdez muito ainda deve ser feito na busca de um caminho mais promissor no ensino
para surdos.

239
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

O software HagáQuê oferece os recursos necessários para a construção


de um texto na suas diferentes possibilidades, incluindo o aspecto visual e
propicia a utilização do gênero discursivo (Bakhtin, 1952-53/1997) história
em quadrinhos através do computador, ferramenta de grande interesse dos
alunos em sala de aula. A interação professor-aluno mediada pelo computador,
mais especificamente, pelo software em questão, tem facilitado o processo de
letramento desses alunos, propiciando o imbricamento entre surdez, uso
de tecnologia e gênero discursivo em sala de aula.
A utilização do gênero história em quadrinhos nos leva a considerar a
importância do papel da imagem na produção textual, afastando-nos de uma
concepção de escrita centrada na abordagem grafocêntrica e de uma concepção
de texto como produção estática e palpável, pautado na oralidade. Assim, leva-
remos em conta a consciência da visualidade, entendendo a produção textual
como resultado de relações sociais.
Ao considerarmos a surdez como experiência visual estamos nos pautando
nas possíveis diferenças culturais que consequentemente se refletem no processo
de letramento desses sujeitos enfatizando que uma abordagem centrada na
oralidade é deficitária e limitante, ou seja, é incapaz de perceber a complexidade
de práticas culturais e discursivas dessa comunidade.

O contexto e a produção em sala de aula

Este trabalho é parte de um projeto4 que vem sendo desenvolvido com


alunos surdos inseridos no ensino fundamental da rede regular atendidos no
Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel de Oliveira
da Silva Porto” — CEPRE/FCM/Unicamp. Sendo a língua de sinais considerada
como a língua natural do surdo o ensino do português na modalidade oral e
escrita será baseado no ensino de segunda língua. Assim, o CEPRE propõe a
realização de uma abordagem educacional bilíngue.

4
O projeto de pesquisa intitulado “As Relações entre a Língua de Sinais e a Escrita do
Português na elaboração de HQs Eletrônicas” de no 0988/02, desenvolvido pela autora foi
aprovado pelo Comitê de Ética e contou com financiamento do Fundo de Apoio e Pesquisa –
FAEP da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.

240
letramento e surdez : questões em aberto

Os dados apresentados referem-se a quatro sujeitos cuja produção nos


pareceu relevante ao objetivo traçado. Estaremos utilizando a primeira letra
do nome de cada sujeito para que não haja identificação dos mesmos. Algumas
produções foram realizadas em dupla e outras individualmente.
Todos os alunos são filhos de pais ouvintes e pertencem à classe popular,
apresentam surdez neurossensorial profunda bilateral, frequentam o ensino
regular e possuem entre 6 e 16 anos de idade. A maioria faz uso preferencial
da língua de sinais sendo que o sujeito B. caracteriza-se como bilíngue, pois
faz uso dessa em contato com a comunidade surda e da oralidade na interação
com ouvintes.

Vejamos alguns exemplos do que foi produzido pelos alunos em sala de


aula com o uso do software HagáQuê. No primeiro exemplo observamos as
marcas da língua de sinais na escrita do português e especialmente o papel
da imagem como representando todo um enunciado. Encontramos a seguir
uma sequência de figuras que poderia representar todo o enunciado sem na
verdade parecer necessário o texto escrito. A criança E. faz a escolha do balão
e pede ajuda à investigadora para a escrita do português que reproduz o sinal
feito pela criança do enunciado “seguir em frente” (Figura 19.1 – produção
do aluno E.).

Figura 19.1 – produção de E.

241
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Outro aspecto relevante na referida produção está no uso da onomatopeia


inserida em um balão como se referindo à “fala” do carro “fom-fom”. Sendo a
onomatopeia arbitrária em relação ao som da buzina de um carro que pode ser
ouvida de diferentes formas e com diferentes representações possíveis na escrita
(arbitrária também do ponto de vista gráfico) poderíamos ainda nos perguntar
sobre como uma criança surda, privada da audição, faria uso desse recurso.
Podemos considerar que o uso de tal recurso possa ser decorrente do processo
de letramento que a criança, possivelmente, vem construindo.

Uso da imagem como texto-recurso do software

Podemos considerar este exemplo como preliminar no trabalho de utili-


zação do software HagáQuê. A criança surda em questão, inserida em uma
classe especial da rede regular de ensino, terá ainda um longo caminho a ser
percorrido no processo de aquisição da escrita do português.
Nosso propósito é tornar prazeroso este processo que tem sido marcado
pelo fracasso escolar causando ao surdo uma certa aversão pela escrita do
português, levando-o ao abandono de todas as possibilidades de produção
textual. Sabemos que muito terá que ser feito para que esta situação seja
modificada, pois parece ainda pouco provável que a escola possa levar em
conta realmente a diversidade, ou seja, a especificidade do surdo no que se
refere ao ensino do português e ao processo de avaliação desse aluno inserido
na rede regular de ensino.
No exemplo da Figura 19.2 apresenta a produção escrita de B., com 12
anos de idade, a qual nos aponta para as possíveis relações entre a escrita do
português e a língua de sinais. Tentando garantir o processo de significação o
aluno acaba utilizando diferentes recursos que se fazem presente na escrita. O
uso das palavras “homem policial” mostra a presença da língua de sinais na
escrita, dado que o sinal para policial é composto por homem e polícia. Dessa
forma a criança utiliza “sua oralidade” (língua de sinais) na representação escrita
o que tem sido demonstrado em diversas pesquisas sobre o tema (Silva, 1998,
Gesueli, 2003)

242
letramento e surdez : questões em aberto

 
Figura 19.2 – Produção de B.

A “oralidade” (Libras) do surdo na escrita do Português

A Figura 19.3 mostra a produção conjunta de G. e R., que “negociaram” os


personagens e o cenário, embora a produção escrita tenha ficado por conta de R.
Possivelmente, isto se deve ao fato de R. ter maior desenvoltura na produção escrita
do português e G. apresentar certa resistência, apesar de frequentar a 6a série do
ensino regular. Dado que R toma a iniciativa para a produção textual G limita-se
a corrigir pequenos erros de ortografia de R. assim como também erros de forma-
tação do espaço e letra no decorrer da produção. O texto apresenta uma sequência
de frases que se interligam mostrando coesão e coerência. Não encontramos erros
de ortografia e não aparece o discurso indireto. R. utiliza pontuação relatando os
fatos de forma legível para o leitor. Podemos observar a influência da estrutura da
língua de sinais como: “Lucas resposta”, pois não se tem um sinal que diferencie a
palavra resposta e responder. A diferenciação acontece pelo contexto5.
O texto produzido pelas alunas nos remete à escrita de um estrangeiro,
ou seja, esta produção demonstra um escrevente (Corrêa, 1997) não nativo na

5
Algo similar parece acontecer com o uso da conhecida linguagem “internautês” pois o
aluno usa “vc” para referir-se a “você’. Essa linguagem constitui-se, além de abreviaturas,
por símbolos denominados emoticons (McCleary, 1996) que nada mais são do que
recursos visuais que acompanham a escrita e que expressam os sentimentos daquele
que escreve: raiva, alegria, dúvida, sendo comumente utilizados em contextos de
interação mediada por computador.

243
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

língua em questão, o que reforça a ideia de aquisição da escrita do português


como segunda língua.
Assim, encontraremos na produção escrita da Figura 19.3 pouco uso de
preposição (Lucas pegou um flor dar a menina) e algumas inadequações na
flexão verbal (Luciana vi um gatinho), o que se caracteriza como decorrente do
uso da língua de sinais a qual possui uma estrutura gramatical toda centrada no
espaço (flexão verbal e preposições configuram-se pela localização no espaço).

Figura 19.3 – elaboração conjunta das alunas G e R

O surdo como estrangeiro - a escrita do português como


segunda língua

O uso do software parece oferecer a possibilidade de os alunos surdos


construírem um texto na modalidade escrita do português utilizando-se do
recurso visual de forma muito prazerosa e sem a dificuldade que um texto na
forma convencional impõe aos alunos dessa faixa etária.

244
letramento e surdez : questões em aberto

No contato com alunos pré-escolares surdos temos observado com


frequência o uso do desenho na produção do texto escrito objetivando repre-
sentar palavras e diferentes enunciados, o que também podemos observar em
crianças ouvintes (Luria, 1988). Vale ressaltar que o uso do desenho na escrita
da criança ouvinte parece constituir-se como um momento específico do
processo que tende a ser substituído pela escrita convencional. A questão que
venho me colocando seria a possibilidade de a imagem fazer parte da produção
textual de alunos surdos, dada a experiência visual a que estão imbricados.
Sob a óptica da diversidade poderíamos considerar que os textos dos surdos
estivessem permanentemente constituídos de imagens? Seria possível considerar
a produção escrita dos surdos como um texto multimodal6, atravessado por
códigos múltiplos de significação?

Considerações finais

Não há como nos esquivarmos de uma reflexão mais aprofundada de


aspectos socioculturais do indivíduo surdo e da função da escrita como decor-
rente de práticas discursivas. Daí a relevância de se conceber o letramento na
surdez como um processo multimodal caracterizado pelo uso de mais de um
código semiótico (Souza, 2001).
Dessa forma, propomos um repensar sobre as concepções tradicionais
do ensino do português escrito para surdos, enfatizando a importância do
aspecto visual da leitura-escrita e da imagem como um fator constitutivo desse
processo. A inserção do computador através da utilização do software HagáQuê
nas práticas discursivas desses alunos tem se mostrado um caminho possível e
prazeroso de acesso à escrita do português.
Em geral, os professores ainda buscam de forma incessante a apropriação
da escrita por parte do aluno surdo de forma equivocada, acreditando que o uso
de alguns poucos sinais propiciará o processo. A língua de sinais não é mero
instrumento, mero código de tradução e de suporte técnico a serviço do professor

6
Veja Souza (2001) sobre o significado dos desenhos na prática escrita multimodal da
comunidade indígena Kaxinawá.

245
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

(Souza e Cardoso, 2001), mas constitui-se como traço identitário. Os sujeitos se


constituem na/pela língua, “o que significa dizer que os mecanismos de produção
de sentidos são, ao mesmo tempo, mecanismos de produção dos sujeitos, ou que
as identidades se constroem na língua e através dela” (Souza e Cardoso, op. cit.).
Parafraseando Corrêa (2001), concluímos que há necessidade de os profis-
sionais que lidam com a produção escrita na escola abandonarem o ideal de
pureza que atribuem à escrita como código, pois a heterogeneidade não está
simplesmente na escrita, ela se faz na escrita. Enfatizando ainda, a necessidade
de os profissionais conceberem a escrita como um modo de enunciação marcado
pela diversidade linguístico-histórica dos escreventes.

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letramento e surdez : questões em aberto

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

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248
20
Necessidades emocionais
na surdez segundo avaliação
de autoconceito
Luiza Elena L. Ribeiro do Valle

A deficiência auditiva refere-se à diminuição ou incapacidade da percepção


ou condução do som. Conforme a intensidade da perda auditiva, outras alterações
podem ocorrer pela falta dessas informações sensoriais, podendo comprometer o
desenvolvimento cognitivo e a sociabilidade. Os deficientes auditivos fazem parte
na escola, em geral, quando se trata de queixas de comportamento, uma vez que não
participam das atividades de classe, que acontece numa linguagem que desconhecem,
são, frequentemente, desinteressados e indisciplinados. Como ficam as necessidades
emocionais desses indivíduos? Como se percebem em relação ao meio em que
vivem? Partindo dessas questões, buscou-se a versão dos surdos relativa ao conceito
de si mesmo, de seus sentimentos com relação ao mundo que o cerca, visando auxiliar
na compreensão das suas atitudes e na indicação de como auxiliá-los.

Visão histórica

Até o fim do século 19, a língua de sinais foi utilizada em todo o mundo.
A partir dessa época, a perspectiva de ensinar o mudo a falar, estimulada pelas

249
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

tecnologias em desenvolvimento, levou os educadores a rejeitarem a língua de


sinais, considerando que tal aquisição dificultaria o aprendizado oral.
No Brasil, em 1855, chegou um surdo francês, Hernest Huet, trazido por
D. Pedro II para iniciar um trabalho com duas crianças surdas. Em 1857, foi
fundado o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).
Em 1911, seguindo a tendência mundial, o Oralismo puro foi estabelecido
em todas as disciplinas. Em 1957, a língua de sinais foi oficialmente proibida
dentro da sala de aula.
O Oralismo trata a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada
através de estimulação auditiva em direção à normalidade (não surdez). Sustenta
que a língua oral é a única forma desejável de comunicação do surdo, rejeitando
a gesticulação ou a língua de sinais.
As ideias do Oralismo (uma filosofia educacional para surdos) foram
preponderantes até a década de 1960. Mas, apesar dos esforços gerais, a
língua oral, até o momento presente, não pôde ser adquirida pela criança
surda de forma espontânea, ou seja, através de diálogos. A criança precisa ser
submetida a intensos tratamentos fonoaudiológicos que, apesar de essencial
para sua convivência com a comunidade ouvinte, não supera a necessidade
da aquisição natural de uma língua no desenvolvimento infantil. As crianças
surdas, geralmente, não têm acesso à educação especializada, sendo comum
que frequentem escolas regulares sem adquirir nem a modalidade oral, nem a
escrita da língua portuguesa.
No fim da década de 1970, foi introduzida no Brasil a Comunicação Total.
Essa filosofia preocupou-se com a aprendizagem da língua oral, mas acreditando
que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não deveriam ser deixados de
lado, defendendo a utilização de “espaços visuais” facilitadores da comunicação.
A Comunicação Total denomina esta forma de comunicação Bimo-
dalismo e considera que, enquanto o Oralismo iguala o surdo ao padrão
do ouvinte, o Bilinguismo leva a família ouvinte ao padrão do surdo. A
Comunicação Total privilegia a comunicação e a interação e valoriza a
família da criança surda, acreditando que lhe cabe o papel de compartilhar
seus valores e significados. No Brasil, além da LIBRAS, a Comunicação Total
utiliza a datilogia (alfabeto manual – representação das letras), o cued speech

250
necessidades emocionais na surdez segundo avaliação de autoconceito

(sinais manuais que representam os sons da língua portuguesa), o português


sinalizado (língua artificial com o léxico e sinais inventados para estruturas
gramaticais) e o pidgin (simplificação de gramática de duas línguas em contato:
português e língua de sinais).
A partir da década de 1980, começou a surgir uma nova visão em relação
ao surdo e à língua de sinais, com uma tendência a valorizar esta língua e
cultura, sem misturá-la com a língua oral, onde o Bilinguismo se apresenta
como base de ensino e aprendizagem. Pesquisas que seguiram o padrão
internacional de abreviação das línguas de sinais, mas desenvolvidas nas
comunidades brasileiras, criaram uma base para a utilização das LIBRAS, a
língua brasileira de sinais.
Os surdos formam uma comunidade com cultura e língua própria.
A linguagem é formada pela língua e pela fala. A língua é o sistema de regras
abstratas composto por elementos significativos inter-relacionados. A fala é o
aspecto individual da linguagem. São as características pessoais que os falantes
empregam à linguagem. É através da linguagem que se constitui o pensamento
do indivíduo. Assim, a presença da linguagem é permanente, mesmo quando
o sujeito não está se comunicando com outras pessoas. A comunicação está
intrinsecamente ligada a necessidades que acompanham o desenvolvimento
humano, envolvendo as questões de aprendizagem.

Desenvolvimento da criança na linha sociointeracionista

A Psicologia Sociointeracionista ou Sócio-histórica centraliza suas questões


na linguagem: entende a linguagem como o meio de comunicação mais comum,
presente na cultura e nas relações entre as pessoas e com seu mundo, mas,
principalmente, como construtora do pensamento, um fator essencial para o
desenvolvimento infantil.
O aprendizado e o desenvolvimento são interdependentes entre si. O
desenvolvimento é visto como um processo de maturação sujeito às leis naturais
com utilização de oportunidades. O aprendizado geralmente precede o desen-
volvimento, estimulando-o. Existe uma interação entre a composição biológica
do indivíduo e suas circunstâncias ambientais peculiares. O desenvolvimento

251
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

é um processo contínuo que depende da maturação do sistema nervoso e da


aprendizagem. A aprendizagem é um processo externo que interfere no
desenvolvimento. “O aprendizado é a aquisição de muitas capacidades espe-
cializadas para pensar sobre várias coisas” (Vygotsky, 1989).
O desenvolvimento da criança passa por duas etapas: primeiro em nível
interpsíquico, para depois ser internalizado e vivido intrapsiquicamente. A
Psicologia sociointeracionistta mostra que o estudo da criança surda deve
englobar, além da própria criança surda, seus interlocutores e a cultura da qual
faz parte.
A aprendizagem cria uma zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que
é a diferença entre o nível de desenvolvimento real (funções mentais que se
estabeleceram, ou seja, que ela aprendeu e é capaz de fazer sozinha) e o nível de
desenvolvimento potencial (soluções de problemas dos quais ela pode ser capaz
com a orientação de adultos ou colaboração de companheiros mais capazes).
O aprendizado e desenvolvimento estão interrelacionados desde os primeiros
anos. O aprendizado impulsiona o desenvolvimento, por meio das relações com
o ambiente a que a criança está exposta.
A Psicologia sociointeracionista é representada por autores russos com
Vygotsky e seus discípulos: Luria, Leontiev, Yudovich e Bakhtin. Vygotsky e os
seus seguidores (1926 e 1936) elaboram essa visão com base em estudos sobre a
relação entre o pensamento e a linguagem, em suas origens, significado e sentido
das palavras, aquisição da linguagem, formação de conceitos, relação entre
desenvolvimento e aprendizagem, o processo das brincadeiras nas crianças,
desenvolvimento de crianças deficientes, inclusive surdos, sempre considerando
a influência da situação sociocultural sobre o indivíduo.
O indivíduo é formado com base no contexto social (ideologias) no qual está
inserido. Bakhtin partiu da razão dialógica, procurando a relação entre o psiquismo,
que é individual, e a ideologia que é social, concluindo que são inseparáveis.
O indivíduo se constitui de suas relações sociais, utilizando a linguagem, os
signos. O indivíduo utiliza os signos para se comunicar (diálogo) e para pensar
(diálogo interno). Por sua vez, os indivíduos em conjunto modificam o meio
social do qual participam. Sem o meio social não há consciência individual e
sem os indivíduos não há sociedade. A ideologia (valores sociais) e o psiquismo

252
necessidades emocionais na surdez segundo avaliação de autoconceito

(características singulares do indivíduo) são inseparáveis e os signos agem como


mediadores dessa relação, já que não é a realidade material que é internalizada
pelo homem mas suas simbolizações, o material semiótico. Com isso, pode-se
entender que a língua auditiva-oral não é o único meio de utilização de signos.
Diversos outros estímulos podem servir com igual eficácia como meio de
utilização de signos.
A linguagem possui, além da função comunicativa, a função de construir
o pensamento. O processo pelo qual a criança adquire a linguagem, segundo
Vygotsky, segue o sentido do exterior para o interior, do meio social para o
indivíduo. Esta visão é compartilhada por Bakhtin, que afirma ser a linguagem,
os signos, os mediadores entre a consciência e a ideologia. O meio social é, então,
o foco de análise nos casos de atraso de linguagem em crianças. Os problemas
comunicativos e cognitivos da criança surda, nessa visão, não têm origem na
criança, e sim no meio social em que ela está inserida que, frequentemente,
não é adequado às condições dessa criança, de forma que ela possa aprender
espontaneamente, formar conceitos.
A formação de conceitos é resultado de uma atividade complexa, em que
todas as funções intelectuais básicas tomam parte. Um conceito só aparece
quando os traços abstraídos são sintetizados novamente e a síntese abstrata daí
resultante torna-se o principal instrumento do pensamento (Goldfeld, 2001).
O estudo da formação dos conceitos da criança em cada faixa etária mostra que
o grau de generalidade é a variável psicológica básica segundo a qual os conceitos
podem ser ordenados. Por exemplo, a criança pode achar que rosa e flor estão
na mesma classificação sem perceber a hierarquia entre os dois conceitos. Essa
percepção de relações verticais é difícil para analfabetos e para pessoas presas
ao raciocínio concreto e vivencial, como acontece com os surdos. O surdo que
não adquire uma língua não consegue perceber as relações e o contexto mais
amplo das atividades porque não tem seu pensamento orientado pela linguagem,
ocasionando atrasos cognitivos e sendo tratado como incapaz.
Considerando que a língua oral possa ser obtida tardiamente e que os
recursos visuais não são suficientes para a construção cognitiva da criança em
comparação com o grupo de sua faixa etária, a não utilização de uma linguagem
própria, bem estruturada para permitir os desenvolvimento das funções mentais
superiores, resultará num período de atraso na linguagem.

253
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A comunicação dos pais com a criança surda é essencial por serem os prin-
cipais interlocutores da criança. Há necessidade de eliminar os danos cognitivos
ou emocionais decorrentes de um atraso na linguagem. Os demais profissionais
devem perceber a importância da comunicação para as relações sociais e a língua
de sinais pode facilitar os diálogos entre os surdos e facilitar a aprendizagem,
permitindo o desenvolvimento cognitivo que irá interferir favoravelmente em
outras aquisições, como uma segunda língua. A aquisição espontânea da Libras
numa idade semelhante à que as crianças ouvintes adquirem a língua oral evita o
atraso de linguagem e suas consequências, em nível de percepção, generalização,
formação de conceitos, atenção, memória, na evolução das brincadeiras e na
educação escolar, principalmente se a escola utilizar a língua de sinais como
principal instrumento linguístico no ensino dessas crianças, para que possam
entender a língua de seu país e posteriormente se comunicar pela aprendizagem
da leitura e escrita.
A escrita é uma função linguística distinta, que difere da fala oral, tanto na
estrutura como no funcionamento e exige um alto nível de abstração. Enquanto
a fala interior é condensada e abreviada, a escrita é mais completa do que a fala
oral. É da participação na compreensão e expressão pessoal que se consolida
a possibilidade de perceber a si mesmo na comunidade, estabelecendo o auto-
conceito, que se busca analisar nesse trabalho com alunos surdos.
O objetivo geral desta pesquisa foi contribuir para a integração do defi-
ciente auditivo na sociedade, compreendendo suas necessidades especiais na
aprendizagem e no relacionamento interpessoal. O estudo foi realizado para
compreender aspectos socioemocionais da experiência do portador de defici-
ência auditiva tomou lugar em Poços de Caldas, sul de Minas Gerais, numa
escola de atendimento para surdos.
A Escola de Surdos “Dr. Tarso de Coimbra” — ESTARC foi fundada em
5 de setembro de 1959, por um grupo de senhoras da sociedade de Poços de
Caldas. A escola tem uma diretoria com o objetivo de promover eventos em
seu benefício e resolver assuntos ligados ao seu estatuto e passou a ser mantida
pela Prefeitura Municipal em 6 de outubro de 1987. Em 1992, a presidência da
escola passou a ser da coordenadora do Bem-Estar Social.
A escola funciona em três turnos. Os alunos dos cursos diurnos frequentam
o ensino regular.

254
necessidades emocionais na surdez segundo avaliação de autoconceito

O trabalho da ESTARC é distribuído em:


1 - Estimulação precoce
A partir dos dois anos, para desenvolver atividades próprias dessa idade
(encaixe, cores etc.), a percepção visual para a leitura orofacial e, na medida do
possível, chamar a atenção para a linguagem de sinais.
2 - Apoio ao ensino regular
Os alunos do pré-escolar até a 8ª série frequentam o ensino regular e a
aprendizagem desses conteúdos é reforçada individualmente, através da
linguagem de sinais e material concreto.
A escola ganhou um prédio novo (desde 2002), doado pela ALCOA, e os
pais das crianças exigiram uma mudança na direção da escola. A avaliação
audiométrica não é realizada nas ESTARC porque não estão equipados para esse
atendimento especial aos alunos. Na região não existem outras escolas para
surdos, exceto em Pouso Alegre. As crianças com tal deficiência são atendidas
na APAE de sua cidade, em geral.
O instrumento utilizado na avaliação foi a Escala de Avaliação de Auto-
conceito (ERA).

Pesquisa sobre o autoconceito

O autoconceito é um conjunto de conceitos, de representações de si mesmo,


envolvendo diversos aspectos: corporal, psíquico e social ou moral. As funções
deste conjunto de representações, que constituem o autoconceito, são as mesmas
de outros esquemas cognitivos: são funções de recepção, processamento e utili-
zação do fluxo de informações; neste caso, da informação ao próprio sujeito a
respeito de si mesmo (Gobitta, 2000).
O instrumento de medida do autoconceito utilizado nesta pesquisa foi
desenvolvido por Corona (1977) e publicado pelo CEPA. A Escala Reduzida de
Autoconceito (ERA) compõe-se de 30 itens com igual número de afirmações
positivas e negativas, em relação à percepção que o indivíduo tem de si mesmo.
O aluno deveria pontuar de 1 a 5 suas respostas de acordo com a intensidade de
sentimentos. O maior escore possível seria de 150, o que evidenciaria um nível

255
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

máximo de desestruturação do autoconceito, em termos de super valoração


(30 X 5) e o menor escore possível seria 30 (30 X 1), valor mínimo que revelaria
um autoconceito desestruturado em termos de infravaloração. Os resultados
médios indicariam o autoconceito bem estruturado (escore entre 121,58 e 134)
e mal estruturado (entre 121,58 e 109,16). Duração da prova: 60 minutos.
O teste foi aplicado em grupo, com auxílio de duas professoras desse grupo,
além da coordenadora da ESTARC e da fonoaudióloga, como tradutoras.
O grupo cooperou com muito interesse e atenção individual. Os sujeitos foram
12 alunos com idades entre 12 e 32 anos (seis do sexo feminino e seis do sexo
masculino; dez dos estudantes, matriculados em escola regular).

Descrição dos sujeitos

Na escola Dr. Tarso de Coimbra funcionam 6 turmas, com as seguintes


professoras:

Fora do ensino
Professora Alunos Ensino regular
regular
Cláudia 6 5
Taíse 8 6 2 APAE
Regina 6 5 1 não estuda
Maria José 9 9
Marli 10 6 4 não estudam
Elisete 8 1 7 não estudam
Tabela 1

Sujeitos do Sexo Feminino


Nome ACS CPP GLB JAR SAS SFC
Idade 19 16 29 18 16 12
Série 8ª F 6ª F - 3º M 6ª 6ª
Sujeitos do Sexo Masculino
Nome ALL DBC LR GSV LFR RSS
Idade 32 15 18 16 20 16
Série - 3ª F 8ª F 6º F 5ª F 5ª F
Tabela 2

256
necessidades emocionais na surdez segundo avaliação de autoconceito

Resultados

Dez alunos apresentaram autoconceito desvalorizado e dois alcançaram a


classificação de autoconceito mal estruturado.

Nome Resultado Classificação


ACS 90 Desvalorizado
CPP 79 Desvalorizado
GLB 110 Mal Educado
JAR 79 Desvalorizado
SAS 88 Desvalorizado
SFC 90 Desvalorizado
ALL 115 Mal Educado
DBC 108 Desvalorizado
LR 85 Desvalorizado
GSV 82 Desvalorizado
LFR 102 Desvalorizado
RSS 72 Desvalorizado

Discussão dos resultados

Buscando uma compreensão mais ampla dos resultados, subdividimos as


questões em categorias, conforme o assunto envolvido, num total de cinco temas,
cada um com um máximo de 30 pontos para o sexo masculino e feminino,
separadamente, que são apresentados a seguir com o resumo dos resultados:
Nas questões voltadas para a autoimagem social, percebe-se que todos se
veem como sociáveis, sendo as moças mais compreensivas e mais confiantes
nos amigos. Os sujeitos do sexo masculino mostram-se mais interessados nos
acontecimentos sociais (fofocas). Pessoas de ambos os sexos têm problemas com
autocontrole e rancor, este último mais acentuado nos sujeitos do sexo feminino.

257
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Pontuação Pontuação
Aspecto social
masculina feminina
confiança de amigos 10 21
autocontrole 9 10
rancor 13 6
sociabilidade 26 23
fofoca 20 10
compreensão 10 19
Tabela 3 – Aspecto social

No aspecto físico os sujeitos mostram aceitar sua aparência física, assim como
dedicar cuidados a esse aspecto, embora, de modo geral, tivessem alguma crítica com
relação a alguma parte do corpo: alguns rapazes gostariam de ser mais musculosos
ou mais altos, algumas moças prefeririam ter mais busto ou formas mais bem
delineadas. Ainda assim, atingem o máximo da pontuação algumas vezes.

Aspecto físico Masc. Fem.


atraente 27 30
aparência boa 30 30
aceitação do corpo 14 6
elegância 26 21
cuidados pessoais 22 30
Tabela 4 – Aparência física

Nas questões que se voltam para o caráter, os resultados demonstram pouca


confiança dos sujeitos em si, uma vez que as piores pontuações foram para
impulsividade (masculina) e instabilidade (masculina e feminina). Apesar de se
considerarem honestos, reconhecem que nem sempre procedem bem e não são
muito responsáveis. De forma geral, o sexo feminino se mostra mais crítico que
o masculino, alcançando resultados mais baixos, só superando o sexo masculino
na capacidade de reconhecer erros e maior controle de impulsos.

258
necessidades emocionais na surdez segundo avaliação de autoconceito

Caráter M. F.
pessoa má 28 21
honestidade 28 27
moral 24 19
mal procedimento 18 14
impulsividade 6 18
reconhecer erros 22 27
amizade 30 28
responsabilidade 16 14
valor pessoal 21 10
autoaceitação 20 14
autodesprezo 21 16
falta de jeito 17 18
sol. de probl. 14 16
neg. de probl. 14 7
meios ilícitos 18 9
instabilidade 10 8
Tabela 5 – Características pessoais

Finalmente, nas questões que abordam a família, apesar do afeto, demons-


tram dificuldades no relacionamento (11 pontos para sujeitos masculinos e
22 pontos para femininos), ainda mais acentuadamente nos sujeitos do sexo
masculino, em que nas atitudes com a família só alcançaram seis pontos (moças
17 pontos).

Conclusões finais

Todos os sujeitos assinaram seus testes e apresentam um grau de


estudo correspondente, pelo menos à 3a série, mas nenhum deles domina a
linguagem oral ou escrita, embora estudem em escolas regulares, mas nelas
não se usa a língua de sinais ou alguma forma de comunicação acessível aos
surdos. Os resultados indicadores de autoconceitos desvalorizados refletem
as dificuldades de comunicação já apontadas em estudos que analisaram a
comunicação de surdos e de ouvintes, e mostraram que os surdos recebem uma

259
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

amostra linguística incompleta e inconsistente que não permite a compreensão


da linguagem alfabética por si só (Capovilla, 2002). Além disso, se a criança
surda não for exposta à língua de sinais desde os seus primeiros anos de vida
poderá sofrer várias consequências em relação ao desenvolvimento cognitivo,
principalmente no que se refere a controle de impulsos, planejamento do
pensamento, socialização (Brito, 1993).
De acordo com a avaliação realizada em Poços de Caldas, a criança
surda tende a ser impulsiva, a apresentar comportamentos que oscilam entre
desinteresse e irritação e as dificuldades sociais são intensificadas pela falta
de oportunidade específica para participar ativamente dos contatos. Num
mundo feito para ouvintes, por mais que os surdos se esforcem é muito difícil
conseguirem satisfazer suas necessidades sociais, uma vez que não encontram,
nem mesmo na escola, estratégias eficazes que compensem a falta dos sons e
das influências diretas que proporcionam.
A linguagem está relacionada com o desenvolvimento simbólico e com a
interiorização de conceitos e informações, através de representações mentais
que permitem um maior controle de nossa conduta. Esse aspecto aponta a
importância da aprendizagem da língua de sinais por parte da criança com
perda auditiva, já que, além de ser a língua de comunicação natural da pessoa
surda, pode permitir que ela se desenvolva bem, desde cedo, quando a linguagem
oral não é possível, e ainda que nunca seja.
Em Poços de Caldas, a família com crianças surdas, dividida entre as neces-
sidades do filho e as expectativas sociais de oralidade, confunde-se em seu papel
tão essencial e mostra-se inconsistente em suas atitudes, em geral, oscilando
entre fixar limites ou se render aos desejos de imperiosos que se acentuam
pela dificuldade na argumentação. Apesar disso, nas questões voltadas para
a aparência física, onde os pais transmitem sua própria percepção, percebe-se
uma aceitação afetiva expressa.
Além das dificuldades na comunicação oral, a descontinuidade entre
a língua de sinais e a escrita alfabética também precisa ser considerada: o
idioma próprio dos surdos pode ser seu destaque como uma cultura autônoma
(Capovilla, 2002), mas não é usado como ferramenta para o desenvolvimento
linguístico e cognitivo da criança surda em Poços de Caldas, de forma que a
possibilidade de um bilinguismo pleno e eficaz, que supõe a escrita visual direta

260
necessidades emocionais na surdez segundo avaliação de autoconceito

do sinal como ponte entre sinal e escrita alfabética, está longe de acontecer na
região. Apesar disso, há tendência a um aumento no uso dos sinais pela ESTARC
e pelas famílias, que já se pôde verificar após mudanças na direção da ESTARC,
animando as expectativas de satisfação e eficiência no desempenho dos surdos,
em função da constatação de trabalhos que apontam a importância da Libras
na realização das necessidades dos surdos (Capovilla, 2003).
As necessidades emocionais dos surdos, verificadas no teste, esbarram
na carência de contatos efetivos e de mais trabalhos que possam popularizar
a comunicação dos surdos, de forma a levar a sociedade ouvinte a abrir-lhes
espaço para sua linguagem natural, com igualdade de condições para uma
expressão espontânea e para o desenvolvimento de seu potencial.

Referências bibliográficas

Capovilla, F. Educação de surdos em São Paulo do ensino fundamental ao médio:


características das escolas e das 1158 alunos de 6 a 45 aos de idade. evolução
das abordagens. In L. E. L. Ribeiro do Valle, Temas Multidisciplinares de
Neuropsicologia e Aprendizagem. Scortecci: São Paulo, 2003.
Capovilla, F. Desafios do bilinguismo na educação do surdo: descontinuidade
entre a língua de sinais e a escrita alfabética e estratégias para resolvê-
-la. In: F. Capovilla, Neuropsicologia e Aprendizagem, uma abordagem
multidisciplinar. Scortecci: São Paulo, 2002.
Capovilla, F. Educação da criança surda: evolução das abordagens. In
F. Capovilla, Neuropsicologia e Aprendizagem, uma abordagem
multidisciplinar. Scortecci: São Paulo, 2002.
Capovilla, F. Triagem audiológica: efeitos da perda auditiva. In: F. Capovilla,
Neuropsicologia e Aprendizagem, uma abordagem multidisciplinar.
Scortecci: São Paulo, 2002.
Corona, L. C. Manual de Psicologia aplicada. Escala reduzida do autoconceito
- ERA. CEPA: Rio de Janeiro, 1977.
Gobitta, M. Estudo Inicial do Inventário de Autoestima. Dissertação de Mestrado.
PUC-Campinas, 2000.

261
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Goldfeld, M. A criança surda: linguagem e cognição, numa perspectiva


sociointeracionista. São Paulo: Plexus Editora, 2001.
Ribeiro do Valle, A Inclusão social. In L. E. L. Ribeiro do Valle, Temas
Multidisciplinares de Neuropsicologia e Aprendizagem. Scortecci: São
Paulo, 2003.
Vygotsky, L. S. A formação social da mente. O desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. Martins Fontes: São Paulo, 1998.

262
21
Projeto mais:
prevenção e inclusão social
na aprendizagem
Luiza Elena L. Ribeiro do Valle

Todos precisamos lidar com limites e fortalecer competências a cada


momento, desde o início da vida, colecionando respostas e trocando
experiências. Com os cegos não é diferente! Podemos entender a necessidade
social de cooperação de todos.
Algumas vivências nos fazem sentir uma incapacidade em relação aos outros,
que assusta ou por vezes revolta, ou surpreende. Na Dinamarca, quando desem-
barquei no aeroporto após uma conexão rápida de voo, descobri o sentimento de
desvantagem, por exemplo. O tempo economizado por mim não foi suficiente para
a transferência das malas do avião e, subitamente, em terras estranhas, enquanto
todos tinham consigo sua bagagem completa, eu precisava de ajuda naquilo que
fazia falta apenas para mim. Eu não tinha competência para resolver sozinha,
mesmo falando uma língua compreendida no local. Sentindo-me, então, deficiente
(sem minhas roupas escolhidas para uma viagem de 15 dias) e incapaz (não tinha
autonomia para solucionar o problema), precisei buscar ajuda. Surpreenden-
temente, descobri que não estava sozinha! O atendimento recebido nesse país

263
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

me mostrou que responder a uma solicitação é função de cada um! Ninguém


termina o seu atendimento enquanto você não o considera terminado... Precisei
deixar o balcão de atendimento para buscar os papéis de registro das malas com
meu marido e encontrei uma grande fila, ao voltar... É que todos me esperavam!
A atendente só começaria a responder ao próximo cliente depois de resolver
meu problema... Causei uma fila na Dinamarca! Em compensação, logo depois,
sendo turista, fui advertida pelo taxista a não sair pelo lado direito do carro, que
parecia tranquilo, sem ninguém no caminho: era direito dos ciclistas trafegarem
sem sustos. Seguindo viagem, descobri que, na Suécia, o semáforo emitia um
discreto sinal sonoro também, mesmo sem que houvesse um único cego à vista.
É um lugar onde se pode andar de olhos fechados. Em outros lugares, no entanto,
mesmo quando existe uma faixa na calçada demarcando uma faixa para cegos,
ela é utilizada sem restrições por todas as pessoas, que não sabem que aquela
faixa, parte diferente da calçada, marcada por um relevo, é uma referência para
os cegos, não um aparato decorativo. É a educação, através de campanhas, que
pode mostrar para todos como cada um pode fazer sua parte pelo bem de todos.
É a educação que determina a qualidade de vida de todos, mais do que qualquer
outro recurso que surge da prioridade pelo respeito ao outro, cegos, ou não.
A deficiência visual é um conceito que abrange um grupo muito diversifi-
cado e heterogêneo de pessoas. É definida educacionalmente pelo MEC/SEESP
(2005) como a perda total ou parcial, congênita ou adquirida, da visão, conforme
a acuidade visual. São dois grupos: os cegos — aqueles que possuem perda total
ou um mínimo de visão, que os levam a necessitar do sistema Braille para a
leitura e escrita e os que possuem baixa visão — aqueles com comprometimento
do funcionamento visual. Pessoas com capacidade limitada para perceber
visualmente o mundo ao seu redor, mas com acuidade visual que lhes permite
ler textos impressos aumentados ou com o uso de recursos ópticos especiais. DE
qualquer forma, a identificação de pessoa com deficiência visual se faz quando
essa condição ocorre em ambos os olhos e é medida após correção máxima.
Conforme afirma Amiralian (2010), embora sejam classificadas em dois
grandes grupos, as diferentes combinações entre o nível de acuidade visual
apresentado pelo indivíduo e a época em que ele passou a apresentar o problema
visual levam a subgrupos que devem ser considerados na indicação do tipo
específico de atendimento e de estratégia educacional a ser adotada.

264
projeto mais : prevenção e inclusão social na aprendizagem

Nesses dois grupos, cegueira congênita ou adquirida e baixa visão congê-


nita ou adquirida, a perda ou limitação da visão pode ocorrer em diferentes
momentos da vida, o que também leva a diferenças no atendimento especiali-
zado. Outros recursos precisam ser desenvolvidos para superar a deficiência da
criança que nasce cega, pois sua adaptação dependerá da audição e do tato para
adquirir conhecimentos e formar imagens mentais, enquanto que a criança que
perde a visão posteriormente poderá reter imagens visuais e relacioná-las com
imagens auditivas e/ou táteis.
É importante ressaltar que 70% a 80% das pessoas com deficiência visual
possuem baixa visão, com grau de variância leve, moderada ou severa, segundo
estimativa proposta pela Organização Mundial da Saúde. O aumento gradativo
dessa população leva à constatação da importância de estudos para melhor
compreensão das necessidades educacionais e de aprendizagem desse grupo. Na
definição de Gasparetto (2001), a pessoa com baixa visão é “aquela que possui um
comprometimento do seu funcionamento visual, mesmo após tratamento clínico
e/ou correção óptica, (...) e que usa ou é potencialmente capaz de utilizar a visão
para planejar e/ou executar uma tarefa”. A baixa visão é, assim, uma dificuldade
visual, que causa incapacidade funcional e diminuição do desempenho visual,
mas possibilita ao indivíduo o uso de seu resíduo vital para a realização de várias
tarefas e deve receber condições de realização.
Todas as pessoas possuem uma criatividade potencial e, quando há a
adaptação de uma mãe suficientemente boa, o bebê cria o mundo, conclui que
aquilo que ele encontra (o mamilo, o leite...), é o resultado de seu gesto produzido
pela necessidade nas palavras de Winnicott (1979). É um momento em que o
bebê vive a ilusão da onipotência possibilitada pela mãe que oferece no momento
certo e da maneira correta aquilo que o bebê necessita. No processo de desenvol-
vimento ocorre posteriormente a dependência relativa, que se caracteriza pela
gradual desadaptação da mãe suficientemente boa que dá origem à atividade
mental do bebê, capacidade desenvolvida para compensar as deficiências de
adaptação ambiental. Assim, a tendência para aprender é parte inata do bebê e
se desenvolve da ilusão da onipotência. Com o desenvolvimento surgem outras
formas de relacionamento com o ambiente externo, fenômenos favorecedores
da aprendizagem; os fenômenos transicionais, o espaço potencial e a capacidade
de perceber o mundo compartilhado.

265
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Aprender é fazer transformações mentais da elaboração imaginativa de


experiências significativas e estabelecer relações com o já conhecido da mani-
festação de seu gesto espontâneo. A qualidade do processo que se estabelece
entre o bebê e sua mãe é essencial para o desenvolvimento das relações entre
o pensar, conhecer, aprender e ser criativo. A pessoa só se sente autora de suas
produções quando elas se originam de seu potencial criativo.
Para as crianças cegas e com baixa visão, a ausência ou limitação da visão
as leva a desenvolver funções somáticas peculiares que conduzem a uma
forma específica de relação com o mundo. As relações das crianças cegas com
pessoas, objetos e coisas ocorrerão por meio de um peculiar aparato sensorial,
que lhe trará vivências e experiências pessoais que a conduzirão por caminhos
de interação desconhecidos e muitas vezes desconsiderados pela maioria das
pessoas, conforme Amiralian (2010).
A necessidade de desenvolver estudos e recursos que atendam a essa
população se mostra clara. No Brasil temos 8.604 pessoas cegas matriculadas
em escolas e 56.822 com baixa visão, que dependem de recursos especiais de
aprendizagem e participação social, segundo o INEP (Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2008). Na pré-escola, o
número de matriculados é de 840 cegos e 2.893 alunos com baixa visão, no
ensino fundamental o total de alunos matriculados chega a 5.002 cegos e 40.686
alunos com baixa visão nas turmas iniciais. Entretanto, no ensino médio, estão
matriculados 697 cegos e 4.059 alunos com baixa visão, demonstrando uma
visível quebra no acompanhamento educacional que recebem.

Educação especial Cegueira Baixa visão

A – Creches CRECEG CREBV


311 753
B – Pré-escola PRECEG PREBV
840 2.893
C – Ens. fundamental EFCEG EFBV
5.002 40.686
D – Ensino médio EMSurdos EMDA
697 4.059
Gráfico 21.1 – Alunos com problemas visuais matriculados: A – Creches
B – Pré-escola C – Ensino fundamental D – Ensino médio

266
projeto mais : prevenção e inclusão social na aprendizagem

Na comparação entre a quantidade de alunos com comprometimentos


visuais matriculados na Educação especial no ensino fundamental, observamos
a falta de continuidade nos estudos desses alunos no ensino médio e a neces-
sidade de oferecer recursos para que essa realidade se modifique para aqueles
que necessitam de um atendimento diferenciado.

Comparação de Matrículas em Educação


Especial - comprometimentos visuais

1 - E. Fund.
45.688
(91%)

2- E. Medio
4.756 (9%)

Figura 21.1

Surge uma dúvida na consciência daqueles que se importam com a educação


de todos. Qual será o destino das crianças com comprometimento visual que não
chegaram ao ensino médio? Há uma expectativa de que esses grupos possam
exercer sua cidadania, ocupar cargos previstos legalmente aos portadores
de deficiência, mas cumpre que recebam a preparação mínima, que a abertura de
vagas privilegia, mas não acompanha no fornecimento de recursos que integrem
o aluno na sociedade através da escola. Analisar a aprendizagem e criar novas
ferramentas para prevenção de dificuldades e inclusão social na aprendizagem
torna-se importante para alcançar melhores resultados na educação.
O crescimento ocorre por meio de experiências e, na criança com deficiência
visual, as vivências são mais limitadas, o que pode resultar em lentidão e em
alterações no seu processo de desenvolvimento em diversas áreas, conforme
comprovam diversos estudos. Em estudo na Santa Casa de São Paulo (Centro
Eva Lindstedt), Lopes avaliou a postura de crianças entre 5 e 11 anos com deficiência

267
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

visual, com base na hipótese de que tem o desenvolvimento postural está


intimamente relacionado com a visão. Foram verificados comprometimentos
nas posturas de cabeça e de coluna vértebra, que sugerem que a baixa visão tem
forte influência na postura de crianças, sofrendo consequências da maneira
como fazem uso de seu resíduo visual.
É recomendável que os cuidados sejam preventivos, antecipando os
problemas que podem ser evitados, que se iniciam desde cedo na interação
da criança com o meio. Marchiore, Pinto e Motta (2009) estudaram cuidados
necessários à prevenção de comprometimentos que envolvem a relação do
indivíduo com o ambiente que a cerca devido à visão sub normal e fizeram um
estudo com a construção dois brinquedos específicos para crianças na faixa de
2 a 4 anos, concluindo na importância de adaptar os brinquedos a suas neces-
sidades e ao seu nível de desempenho. Uma criança acometida com deficiência
visual poderá não captar os estímulos do meio ao seu redor ou não saber como
reagir a eles, ficando privada de algumas oportunidades de desenvolvimento.
Essa é a razão pela qual ela poderá precisar de ajuda até mesmo para brincar.
Pensando em superar as dificuldades da criança com visão subnormal
o Instituto de Cegos da Bahia, instituição filantrópica, propõe a estimulação
musical, com coral, aulas de teclado, violão, técnica vocal, bateria e percussão.
Com o objetivo geral de formar e alfabetizar musicalmente alunos deficientes
visuais, através da musicografia Braille, formam-se pequenos conjuntos para
futuramente atuarem no mercado de trabalho, mas interferindo ainda no
desenvolvimento de atitudes, habilidades e capacidades que permitem incluir
o deficiente visual através da música na sociedade.
Todas essas experiências junto ao portador de deficiência visual nos
mostram o quanto é essencial desenvolver um trabalho pedagógico junto a
esta criança que demanda várias habilidades em função de sua limitação visual,
para que ela possa utilizar seu potencial de aprendizagem. A integração entre
os estímulos sensório-motores nas experiências infantis permite reconhecer
conceitos necessários nas práticas da vida diária e escolar. Conceitos e habi-
lidades trabalhadas de orientação espacial e temporal, reconhecimento tátil,
olfativo, auditivo e gustativo, de esquema e consciência corporal, estímulos à
linguagem associados à coordenação motora global e fina, contato com outras
crianças e situações diversas trazem respostas positivas.

268
projeto mais : prevenção e inclusão social na aprendizagem

Com esses objetivos o Projeto MAIS (Modo de Aprendizagem que Integra


Sistemas) procurou desenvolver uma cartilha para crianças cegas que permitisse
a vivência das mesmas atividades realizadas pela criança em classe comum de
alfabetização para prevenir a exclusão na ação escolar, tão importante nessa
fase de desenvolvimento. A cartilha foi traduzida para o Braille pelo serviço
eficiente do Instituto para cegos Dorina Nowill e procurou reunir os importantes
aspectos do processo do aprendizado: cognitivo, emocional, psicomotor e social.
A aprendizagem da leitura e escrita e da matemática é um momento marcante
na formação do sujeito em nossa sociedade, quando o conhecimento sobre si
mesmo e sobre o seu ambiente estará se formando. Nesse processo, a música, os
brinquedos, a brincadeira, as histórias e todas as relações em que a criança possa
interagir irão contribuir para seu desenvolvimento e adaptação, prevenindo
dificuldades futuras.
As crianças com necessidades especiais também precisam estar motivadas
pelo prazer de aprender. Integrar não significa agrupar pessoas eliminando as
desigualdades, ao contrário, é importante respeitar as diferenças e a prevenção
ocorre quando analisamos as falhas e procuramos suprimi-las. Nesse projeto,
as crianças descobrem que existem diversas linguagens e que todas as pessoas
podem contribuir para enriquecer nosso mundo, assim como todos podem
apoiar e precisar de apoio.
A informatização também é um aspecto a salientar no projeto, que traz
as aventuras de um indiozinho que tem a idade semelhante à das crianças em
fase de alfabetização e as leva a conhecer um pouco da história de nosso país e
do mundo que nos cerca. Conforme a criança aprende a utilizar o teclado do
computador ao aprender as letras, ela se fortalece para participar de um mundo
que não poderá conviver sem esses recursos.
Em trabalho da Associação do Deficiente Visual de Ribeirão Preto (2009) os
desafios da informatização foram vencidos pela cooperação dos jovens videntes,
que construíram um banco de dados compatível com programas de leitura em
voz alta, tornando-o acessível ao deficiente visual com muito sucesso. Em nossa
proposta torna-se dispensável o uso do computador, mas de um brinquedo
ou papel que se assemelhe a um teclado para que as crianças descubram a
magia da computação e se interessem em, futuramente, utilizar esse recurso. É

269
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

preciso que o portador de deficiência visual severa possa usufruir de todos os


avanços tecnológicos que nos oferece à sociedade globalizada, nos elevadores,
restaurantes, nas apresentações culturais, enfim, na vida!
Sempre são necessários e bem-vindos os recursos que trazem aos cegos
novas oportunidades! Das mais simples, às mais sofisticadas... O conhecimento
sobre como lidar com o cego pode começar por cuidados simples, que devem
ser ensinados desde a escola:

Como conduzir um cego1

Quando conduzir uma pessoa cega não a empurre para a frente. Convém perguntar
ao cego se quer ser ajudado e como.

▶▶ A maioria prefere agarrar o braço do guia, na zona do cotovelo. Nesse caso


dê o seu braço dobrado (o direito) e coloque-se à frente da pessoa cega.
▶▶ Ao chegar junto a degraus, faça uma pausa e informe o cego se irão subir ou
descer; nunca se deve dizer quantos degraus vai subir ou descer porque
um erro de cálculo pode originar acidentes graves.
▶▶ Tenha muito cuidado para não se enganar quando ensina o caminho a
um cego, de modo a evitar acidentes e até graves percalços. Deve utilizar
as seguintes noções espaciais: esquerda e direita, em frente, para trás,
meia volta e um quarto de volta. Os termos “aqui” ou “ali” nada dizem a
uma pessoa cega.
▶▶ Quando vir um cego parado junto à borda de um passeio pergunte:
“precisa de ajuda?” Se o ajudar a atravessar a rua, tente seguir a direito
para não o desorientar. Não se deve gritar de longe para um cego com a
intenção de o alertar para qualquer obstáculo. Tal hipótese só é admis-
sível caso o obstáculo não seja detectável com a bengala.
Enfim, lembre-se de que o cego é um cidadão comum, com muito a contribuir
numa sociedade que lhe dê espaço para conviver e mostrar suas capacidades.

1 Associação de Assistência ao Deficiente Visual – Escola Hellen Keller, Poços de Caldas,


Minas Gerais.

270
projeto mais : prevenção e inclusão social na aprendizagem

Referências bibliográficas

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na atualidade: neuropsicologia e desenvolvimento na inclusão. Valle, Luiza
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Malloy-Diniz, Leandro Fernandes. Ribeirão Preto, Editora Novo
Conceito, SP, 2010.
Chagas, R. G. L.; Sampaio, M. I.; Chagas, F. G. L.; Ferraresi, L. Inclusão do aluno
deficiente visual no processo de adequação e informatização da biblioteca de
uma escola pública. Apresentação oral. Congresso de Deficiência Visual,
USP, SP. 2007.
Cucchi, K. D. Oficina de música do instituto de cegos da Bahia. Apresentação
Oral. Congresso de Deficiência Visual, USP, SP. 2007.
Lopes, D. S. R. Análise da postura de crianças com baixa visão entre 5-11 anos.
Apresentação oral. Congresso de Deficiência Visual, USP, SP. 2007.
Marchiore, L. M.; Pinto, J. H.; Motta, M. P. da. A importância do brinquedo
adaptado num caso de visão subnormal: uma intervenção da terapia
ocupacional. Apresentação oral. Congresso de Deficiência Visual, USP,
SP. 2007.
MEC. Ministério de Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira. Escolas E Matrículas Da Educação Especial
Em “Escolas Exclusivas” E “Classes Comuns. Censo 2008.
Valle, L. E.; L. Ribeiro do; Ribeiro do Valle, A. L. Educação Especial e Inclusão
Social. In: Aprendizagem na atualidade: Neuropsicologia e desenvolvimento
na inclusão. Valle, Luiza Elena L. Ribeiro do; Assumpção Jr., Francisco;
Wajnsztejn, Rubens; Malloy-Diniz, Leandro Fernandes. Ribeirão Preto,
Editora Novo Conceito, SP, 2010.
Valle, L. E. L. R. Mais alfabetização: o prazer de aprender. Rio de Janeiro, WAK
Editora, 2005.
Valle, L. E. L. R. Mais atividades. Rio de Janeiro, WAK Editora, 2005.
Valle, L. E. L. R. Mais alfabetização: o prazer de aprender. DVD. Rio de Janeiro:
WAK Editora, 2005.

271
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Valle, L. E. L. R. Mais atividades. São Paulo: Dorina Nowill, 2007.


Winnicott, D. W. A criança e o seu mundo. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1979.

272
22
Percepção e autismo
Francisco B. Assumpção Jr.

Conforme se considera hoje, o autismo é uma síndrome comportamental


com etiologias múltiplas e evolução de um distúrbio do desenvolvimento
(Gillberg, 1990), caracterizada por déficit na interação social e no relacionamento
com os outros, associado a alterações de linguagem e comportamento, sendo sua
diferenciação dos quadros de retardo mental difícil, realizada principalmente
através da presença de comprometimento qualitativo no desenvolvimento das
interações sociais e habilidades comunicacionais, características essas não tão
importantes quando nos referimos ao retardo mental (APA, 1995). Surge antes
dos 3 anos de idade, com prevalência estimada de 4 a 5/10.000 e predominando
em sexo masculino (3 a 4 para 1), sendo relacionado a fatores pré-, peri- e pós-
-natais. Dessa maneira, diferentes quadros genéticos e neurológicos são descritos
como a ele relacionados, conforme diversos trabalhos descrevem (Gillberg, 1990;
Coleman, 1976; Finegan e Quarrington, 1979, Rutter, 1981), sendo as alterações
cromossômicas descritas em altas percentagens por Steffemberg (Steffemberg,
1991), embora todas de natureza inespecífica e variada (Kuczynski, 1996).
Atualmente considera-se que indivíduos que se encontram dentro do
espectro autístico apresentam comprometimento na capacidade de metarre-
presentação e, assim, a ausência desta característica cognitiva específica dificulta

273
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

a compreensão dos próprios estados mentais, bem como o dos outros (Povinelli
e Preuss, 1995), uma vez que seria ela que permitiria as interações sociais que
envolvem o atribuir estados mentais, como crenças e desejos, a outras pessoas
(Baltaxe, 1976). Entretanto, ele pode ser pensado também enquanto uma forma
diferente na percepção dos inputs sensoriais que lhe chegam, sejam eles das mais
diferentes categorias e que, processados de maneira própria, proporcionariam a
construção diferente de seu mundo e de seu relacionar-se com os outros.
Dessa maneira, a percepção seria integrada de maneira não usual, o que
justificaria alguns dos sintomas clinicamente observados.
Tradicionalmente podemos distinguir diferentes sistemas sensoriais como
visão, audição, olfato, gustação, tato e sistema vestibular. Entretanto, podemos
tentar incluir ainda a percepção de espaço (dependente de aspectos visuais) e a
de tempo (dependente de aspectos visuais e auditivos).
Como seria extremamente complexo delinear todas essas questões,
tentaremos abordar alguns desses aspectos, em função do trabalho de nosso
grupo, trabalho esse que vem sendo desenvolvido já há alguns anos e que aqui
tentaremos encadear de maneira que duas categorias avaliadas possam ser
encadeadas em uma terceira mais complexa envolvendo as duas anteriores.
Assim, um dos mais discutidos e estudados aspectos no autismo é a
percepção da expressão facial, uma vez que ela é um meio comunicacional
importante, que permite a percepção de informações vitais que caracterizam
esses estados e atributos mentais (Davies et al., 1994). Sua identificação é realizada,
não somente enquanto identificação classificatória e generalizada, mas como
uma identificação particularizada e, assim, a identificação de objetos genéricos é
mais simples que a de indivíduos específicos, ou seja, a habilidade de classificar
é mais simples que a de identificar (Ullman, 1997), sendo a primeira condição
básica para o estabelecimento da segunda. Entretanto, mesmo considerando-se
a presença da primeira, não necessariamente observamos a segunda, o que nos
permite compreender parcialmente, algumas das dificuldades observadas em
indivíduos autistas. Algumas pessoas que se enquadram nesse espectro são
descritas como apresentando prosopagnosia, que pode ser referida como uma
dificuldade no reconhecimento facial (Bogdashina, 2003; Pietz et al., 2003),
sugerindo-se mesmo que seja um sintoma capital nos quadros autísticos, com
alguns autores (Keenan, 1973) referindo que a presença de prosopagnosia em

274
percepção e autismo

pacientes portadores de Síndrome de Asperger é semelhante àquela apresentada


por indivíduos com comprometimento hemisférico direito.
Considerando então que muitas crianças autistas conseguem perceber
algumas categorias específicas de reconhecimento facial, embora não consigam
identificar adequadamente os estados mentais mais sutis. Podemos dizer então
que pessoas autistas possuem menor capacidade de discriminar uma imagem
facial que lhe seja apresentada, independentemente de sua expressão afetiva, do
que pessoas sem patologia psiquiátrica, sendo essa dificuldade não decorrente
do comprometimento da inteligência geral. Isso porque o reconhecimento das
categorias que constituem a expressão facial nos levaria a crer que a criança autista,
embora reconheça os elementos que compõe uma expressão facial, não apresenta
condições de percebê-los corretamente, pelas variações que as posições no espaço
e as variações de luminosidade provocam na percepção, dificultando, assim, ao
juntar os elementos constitutivos, um significado específico a face observada. Se
isso pode ser observado, mais facilmente o é ainda a questão já estudada por nós,
onde observamos a dificuldade dessa população em perceber os diferentes estados
emocionais apresentados através da expressão facial, dificultando sobremaneira
o relacionamento interpessoal (Baron-Cohen, 1991).
Isso porque o autista não é capaz de se colocar sempre do ponto de vista
daquele que escuta e assim mostra falta de empatia ou de habilidade para
apreender o estado mental daquele, não conseguindo estabelecer um discurso
comunicativo. Nos estudos de Baltaxe (1976) e no de Keenan e Klein (Keenan
e Klein, 1975), verifica-se que crianças autistas apresentam falhas frequentes na
troca de papéis entre o que escuta e o que fala, alterando-se assim princípios
sociais da conversação, da educação e da cortesia. Com a consequente aparência
de rudeza decorrente da não compreensão das regras sociais que governam uma
conversação aceitável.
Entretanto, é importante se notar que o comportamento pragmático não
se restringe só à linguagem verbal, estando o uso de gestos com finalidade
comunicativa, também comprometido nessas crianças (Bartak et al., 1975;
Curcio, 1978; Ohta, 1987), da mesma forma que a compreensão e produção de
expressões faciais comunicativas.
A literatura sobre a linguagem de crianças normais mostra uma compe-
tência pragmática precoce, uma vez que, ao redor de dois anos de idade, elas

275
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

já podem adaptar a mensagem àquilo que a pessoa que escuta sabe ou não, e
responder adequadamente às reações ou respostas daquele que ouve (Furrow,
1984; Mueller et al., 1977). Para isso, a compreensão de algumas expressões
faciais básicas faz-se necessário.
Crianças com atraso de linguagem (Room e Bliss, 1981) e com Síndrome
de Down (Coggins et al., 1983) mostram atividade de linguagem com fina-
lidade comunicativa, bem como adolescentes portadores de retardo mental
(Bedrosian, 1978; Longhurst, 1974; Price-Williams e Sabsay, 1979). Nas
crianças e adolescentes portadores de autismo, essa finalidade comunicativa
parece encontrar-se prejudicada em todos os seus níveis, independentemente
do retardo mental associado. Esse déficit na compreensão e na decodificação
das manifestações emocionais do outro pode contribuir para o entendi-
mento da dificuldade empática descrita usualmente nos portadores de
autismo (Attwood, 1998). Entretanto, é importante percebemos que, além
das dificuldades no reconhecimento facial, alterações em outros aspectos
não verbais também estão presentes e, embora não possam ser considerados
como característicos do quadro, uma vez que podem ocorrer em algumas
outras variedades de retardo mental, podem ser vistas como a base do processo
comunicativo e relacional falho (Trevarthen et al., 1997).
Uma teoria cognitiva de compreensão do autismo supõe que a capacidade
para metarrepresentações esteja comprometida nesta síndrome. Dessa maneira, a
habilidade para mentalizar ou utilizar metarrepresentações (teoria da mente) não
se manifesta desde o nascimento nem se adquire através da aprendizagem, mas se
desenvolve de acordo com o crescimento da criança. Tal fato reforça nossas ideias,
fazendo-nos supor que a capacidade de decodificar as expressões faciais dependa
de aspectos específicos de seu desenvolvimento, e não de seu desenvolvimento
cognitivo global. Vários estudos reforçam essa nossa ideia (Peteers, 1977), referindo
que essa população não possui habilidade inata para o reconhecimento facial
observada em crianças normais ou mesmo que sejam capazes de reproduzi-las,
mesmo através do aprendizado, com uma dificuldade maior, principalmente na
observação dos olhos. Dois outros estudos (31), que avaliam emoções através da
expressão facial, encontraram comprometimento em amostra de pacientes autistas,
no reconhecimento da expressão facial através de fotografias, embora esse déficit
não fosse independente do comprometimento linguístico.

276
percepção e autismo

A teoria da mente caracterizaria, assim, um aspecto particular da inteli-


gência, que permitiria a compreensão dos próprios estados mentais, bem como o
dos outros, podendo ser o resultado de mudanças evolutivas em nível de córtex
pré-frontal (Povinelli e Preuss, 1995) ou temporal (32).
Outra categoria de interesse em nossa exposição e passível de ser estudada
é a percepção olfativa.
Essa função, embora de extrema importância em muitas espécies animais, é
pouco valorizada e estudada na espécie humana em função das funções visuais
e auditivas serem mais importantes em nossa estrutura de vida. Entretanto, o
homem é capaz de distinguir diferentes odores mesmo sendo pequena essa sua
capacidade quando comparada a outras espécies animais. Mesmo assim, ela tem
funções importantes que entram em jogo na percepção de algumas situações
de risco ou com atratores em situações de corte e seleção de parceiros durante
os jogos eróticos.
O sentido do olfato depende do epitélio olfativo, que contém receptores
neurais, células olfativas especializadas, que projetam cílios olfativos respon-
sáveis pela detecção de diferentes odores, embora os mecanismos de ativação
desses cílios olfativos sejam pouco conhecidos.
A adaptação olfativa, proveniente do próprio sistema nervoso central, é
grande, sendo o cheiro percebido em um primeiro momento e após, não mais
sendo sentido (33). Assim, a qualidade e a intensidade da percepção do cheiro
dependem do estado anatômico do epitélio nasal bem como do sistema nervoso
central e periférico (34). Os odores são memorizados com o próprio processo de
aprendizado, sendo fatores importantes na seleção alimentar e em processos e
experiências emocionais (35;36). Assim, podemos dizer que existe um aprendi-
zado de odores, relacionado diretamente às experiências individuais podendo
eles, inclusive, alterar estados afetivos, sendo relacionados com comportamento
social e sexual. Existem, assim, dados importantes dos quais podemos dizer
que as memórias evocadas através de odores são distintas de outras evocações
devido a sua potência emocional (35).
A identificação dos odores declina com a idade, não sendo a habilidade na
sua diferenciação diretamente ligada à intensidade deles (37).

277
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Ao avaliarmos a percepção olfativa estamos verificando a identifi-


cação de odores, sua discriminação e a memorização dos mesmos após um
aprendizado.
Assim, a acuidade olfativa varia de pessoa para pessoa, e é afetada por
diferentes patologias, relacionadas a diferentes áreas do sistema nervoso central
(p. ex., anosmia enquanto alterações em nervo olfativo, alucinações olfativas
ocorrendo em quadros epilépticos — 36).
Considerando-se que muitas doenças psiquiátricas apresentam
disfunções cognitivas passíveis de alterar a estocagem e a interpretação dos
estímulos, alguns trabalhos foram estruturados visando verificar alterações
na função olfativa. Assim, testes de olfato foram realizados em portadores de
síndrome de Down visando não só ao reconhecimento mas também à avaliação
de uma memória olfativa de curto prazo (38), observando-se alterações nessa
percepção. Da mesma forma, pacientes com esquizofrenia mostraram queda
no reconhecimento olfativo quando comparados a grupo controle, mesmo
levando-se em consideração a disfunção cognitiva, bem como as dificuldades
de atenção envolvidas (39).
Quando observamos em indivíduos normais, a percepção olfativa parece
aumentar significativamente no que se refere à identificação e à memorização
dos estímulos olfativos.
O aprendizado parece desempenhar um papel importante uma vez que
indivíduos submetidos a um mesmo estímulo olfativo prévio mostram melhor
reconhecimento posterior do mesmo.
Podemos dizer então que a olfação é de extrema importância na identifi-
cação de situações diversas (como situações poluentes ou de perigo). Entretanto,
poucos são os estudos que se dispõem a estudá-la, principalmente naquilo que
vai apresentar uma interface com as questões psiquiátricas decorrentes de
aprendizado e de significação dos estímulos.
Entretanto, da mesma forma que estímulos visuais ou auditivos, sua
memorização parece depender também da familiaridade do contato com o
estímulo e do aprendizado (40).
Podemos dizer assim que, a exemplo de Larsson (41), embora nem todos
os dados por nós obtidos reforcem suas afirmações, que:

278
percepção e autismo

▶▶ A memória relativa a odores decresce com a idade, da mesma maneira


que a observada para outros inputs sensoriais;
▶▶ a memória para odores comuns não é resistente ao esquecimento
(conforme pudemos verificar com os resultados obtidos 25 dias após a
primeira aplicação);
▶▶ o conhecimento semântico específico, decorrente do nível de familia-
ridade, está diretamente relacionado ao reconhecimento dos odores
(conforme observamos entre a primeira aplicação e a última);
▶▶ quando a nomeação dos odores é controlada, as diferenças no seu
reconhecimento desaparece entre as diferentes faixas etárias (conforme
pudemos observar em nosso estudo.

Ao observarmos populações autísticas notamos maiores dificuldades tanto


no reconhecimento como na própria memorização e associação ao estímulo
linguístico, social e situacional correspondente. Tal fato poderia justificar não
somente o reconhecimento olfativo descrito por diferentes autores como a
dificuldade de aprendizado deles em função do déficit comunicacional que
essa população apresenta, bem como em sua associação de intenções e situações
específicas, não explícitas de maneira clara.
Finalmente, numa tentativa primária de integrar essas questões, podemos
pensar outra questão interessante referente à percepção de si mesmo e do outro,
decorrentes dos aspectos derivados da consciência de eu e de outro.
Dentro desse aspecto podemos pensar a questão da sexualidade, que
corresponde a uma conduta complexa que envolve praticamente toda a vida
psíquica do indivíduo, de seus aspectos afetivos a seus aspectos cognitivos,
passando pela interpretação dos aspectos senso-perceptivos nela envolvidos.
Dessa maneira, constitui-se em um ponto frágil, diante do qual quaisquer
alterações produzem condutas diversas das habituais, caracterizando um ser-
-no-mundo específico. Isso porque as bases cognitivas alteradas produzem a
incorporação dos estímulos ambientais de maneira não usual, caracterizando
um estilo próprio de funcionamento, que caracteriza o próprio ser-no-mundo
em questão (42), diferenciando-o de modo intenso da vida animal, uma vez
que implica toda uma vida interior que o leva, em sua consciência, a colocar
toda a questão do ser.

279
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Como diz Jaspers (43), comunicação é amor, não indiferente à qualidade


do objeto, lúcido, questionador e provocante na exigência e na compreensão da
outra existência. No ato amoroso, abole-se o sujeito, e ambos revelam-se sem
reservas, deixando-se questionar. Abolem-se os valores objetivos externos na
conquista de si mesmo, doando-se ambos na busca contínua do estar junto.
Dessa maneira, a análise dos estímulos nela envolvidos, visuais, auditivos, tácteis
e olfativos, realiza-se mais em função de significados, no mais das vezes ocultos e
perceptíveis empaticamente, do que de maneira clara, objetiva e concreta.
Assim, na questão da sexualidade encontramos três processos afetivos
envolvidos (44). Um primeiro sistema correspondendo às alterações corporais
que envolvem a homeostase e a adaptação do organismo às mudanças externas
ou internas visando um estado de equilíbrio; um segundo sistema envolve
respostas que se processam através de mecanismos sensoriais correspondendo
a trocas químicas (algumas vezes perceptíveis olfativamente de maneira
consciente ou inconsciente), expressões faciais (que devem ser decodificadas
simbolicamente), movimentos corporais, posturas, gestos, vocalizações e
comportamentos que podem ser vistos, cheirados, tocados e ouvidos, aspecto
este que, para a nossa questão, se reveste de características importantes, uma
vez que em primatas o contato ocular é um comportamento mútuo de extrema
importância na questão das condutas de seleção de parceiro, sendo desenvol-
vidos mecanismos para determinar, do olhar do outro, se ele nos olha ou não, e
essa informação, associada às provenientes da observação das expressões faciais
e do comportamento global, é transmitida da região visual do córtex cerebral
até o hipotálamo, onde geram-se condutas sexuais (45). Os estímulos olfativos,
embora com menos importância nas culturas humanas, desempenham também
um papel nos relacionamentos de tipo erótico, ainda que não possamos afirmar
a percepção de ferormônios por nossa espécie. Finalmente, um terceiro sistema
envolve diretamente a questão do relacionamento entre a emoção e a cognição,
com a presença de estados subjetivos e esquemas motivacionais, identificados e
analisados muitas vezes, de estímulos provenientes dos dois sistemas anteriores.
Assim, a conduta sexual, usualmente vista como simples, mostra-se extre-
mamente complexa, envolvendo questões cognitivas nos aspectos perceptivos
e sensoriais, nos esquemas de representação (linguagem corporal, facial e
outros sistemas de sinais) e nos processos simbólicos capazes de estabelecer

280
percepção e autismo

representações mentais com significados específicos e pessoais passíveis de


serem compartilhados.
A limitação intelectual isolada não permite estabelecer uma avaliação
real dos fatos cotidianos, levando à construção de projetos não adequados
à realidade e às contingências do ambiente. Assim, a expressão sexual é
comprometida em função das dificuldades na competição envolvida para a
seleção de parceiros, nas dificuldades adaptativas a um objetivo específico; na
pouca eficácia das estratégias que determinam o sucesso em curto período,
tornando-o factível, independentemente dos modelos de aprendizado formal;
nas dificuldades em adaptar as estratégias em um contexto social, e no
controle constante das forças afetivas, para que condutas inadequadas não
sejam tomadas. Assim, esse déficit, de caráter cognitivo global, faz com que
a expressão da conduta sexual seja prejudicada.
Em relação ao autismo, a teoria cognitiva proposta por Baron-Cohen (46) e
Frith (47) tem como ponto central a impossibilidade de essa pessoa compreender
estados mentais de outros (metarrepresentações), sugerindo que apresente uma
alteração nessa capacidade, o que ocasionaria o comprometimento dos padrões
de representação social e, consequentemente, a alteração dos padrões simbólicos,
pragmáticos e dos jogos sociais.
A regulação da atividade cognitiva seria então alterada, o que contribuiria
para a heterogeneidade do desenvolvimento cognitivo e social, notadamente nos
aspectos relativos ao sensório-motor, sendo afetadas a atenção e a compreensão
linguística, o que dificultaria a instalação de relações afetivas diferenciadas,
alterando-se a expressão emocional da atividade simbólica e inibindo-se a
diversificação e a estruturação dos esquemas de ação das representações (48).
Baron-Cohen (49) refere, ao falar de sexualidade e autismo, que a intimidade
é intrinsecamente ligada a uma habilidade de poder perceber aquilo que o outro
pensa. Assim, uma união é dirigida diretamente àquilo que o outro pensa e
sente, muito mais do que somente de um intercurso sexual. É o compartilhar
segredos, desejos, medos e sentimentos que ocorrem quando se conhece real-
mente os pensamentos de outras pessoas e que pensamos quando nos dirigimos
a alguém, visando uma maior intimidade pessoal e percebemos, ou procuramos
perceber, suas pressuposições, intenções e outros estados mentais, difíceis de
serem percebidos pela pessoa autista. Parte-se daquilo que costumamos chamar

281
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

de subjetividade, daquilo que podemos chamar de “linguagem do olhar”, e que


para as pessoas autistas se reveste de um aspecto misterioso.
Pensar sexualidade enquanto comportamento amplo, envolvendo diferentes
aspectos da vida do indivíduo, torna-se difícil, pois o “fazer amor”, se tomado
em sentido literal, é incompreensível, da mesma forma que as transformações
corporais que trazem à tona o que sucederá a seguir ou o quando essas trans-
formações cessarão (Peteers, 1977).
Ocorrem também problemas com a questão da reciprocidade, que corres-
ponde a um nível de sociabilização bastante elevado e que demanda a percepção
e a compreensão das intenções, das emoções e das ideias do outro. Esses padrões
podem ser pensados no indivíduo autista de modo diferente da pessoa deficiente
mental, uma vez que não dependem somente da alteração cognitiva em sentido
amplo, ficando a conduta alterada em função do comprometimento intelectual
global e da dificuldade em perceber o outro enquanto pessoa capaz de pensar,
estabelecendo, assim, os estados mentais característicos. O funcionamento
cognitivo, entretanto, é um parâmetro importante no funcionamento dessa
população, funcionando como preditor de sua evolução, embora os interesses
sexuais não variem em função do grupo social a que pertence a pessoa, ao
gênero ou a habilidade cognitiva.
Algumas pessoas autistas permanecem num estágio de desenvolvimento
sensório motor, da mesma maneira que alguns deficientes mentais muito
comprometidos sob o ponto de vista intelectual, DMs profundos (50). Em
consequência permanecem sem demonstrar qualquer interesse do ponto de
vista sexual, uma vez que seu impulso é pouco desenvolvido (51). Comporta-
mentos ritualizados e autoestimulatórios que aumentam quando o indivíduo
se encontra ansioso são encontrados, assim como a proximidade física
inadequada, ocasionando desconforto ao ambiente (Trevarthen et al., 1997)
de maneira bastante semelhante às encontradas no deficiente mental mais
comprometido. Assim, aqui, parece-nos que o comprometimento intelectual
global parece jogar um papel muito mais importante do que o processamento
de estímulos sensoriais específicos.
Ainda nessas pessoas, Jordan (51) refere que um grupo mostra interesse
sexual, embora não consiga demonstrar claramente suas necessidades, necessita
de alguém que lhe ensine a expressá-las, com respeito às regras da privacidade

282
percepção e autismo

e da sociabilidade, inclusive ensinando-o a esperar quando as condições são


menos favoráveis socialmente. Dessa forma, podem advir comportamentos
repetitivos e inadequados, que proporcionam descontração na falta de outras
possibilidades, porém sem a percepção das convenções nele envolvidos uma
vez que não percebem normas sociais, por isso não apresentam sentimentos
complexos de vergonha ou culpa, desenvolvidos na criança normal entre o
segundo e o terceiro ano de vida, mas uma lacuna nos autistas (Peteers, 1977).
Assim, enquanto no deficiente mental encontramos dificuldades em
buscar estratégias eficazes para a expressão da conduta e a presença de condutas
sexuais mais primitivas e menos desenvolvidas, nesses autistas observamos
a não percepção das regras sociais aprendidas informalmente, bem como a
não percepção do estado mental que tais condutas desencadeiam no outro, de
maneira que o próprio aprendizado das condutas consideradas socialmente
corretas é mais difícil e mais dependente de aspectos demonstrativos e concretos.
Nessa população autista, com comprometimento cognitivo leve, podemos
encontrar interesses quanto à vida sexual propriamente dita embora esses,
muitas vezes, sejam somente a expressão de um desejo de tentar mostrar-se
comportamentalmente semelhante aos outros (51), na forma de um comporta-
mento-eco (Peteers, 1977). Isso porque o desenvolvimento de relacionamentos
de tipo afetivo pode nunca ocorrer, mesmo que lhe ensinemos, e ele aprenda,
as regras de convívio social. Embora possam ser percebidas as diferenças entre
seu corpo e o de um de sexo oposto, a compreensão das condutas que tais
diferenças demandam pode não ser percebida e, em consequência, condutas
inadequadas surgirem.
A adolescência constitui-se no período no qual o indivíduo adquire a
capacidade de valer-se das operações formais que lhe permitirão trabalhar com
hipóteses fundamentadas sobre outras hipóteses, de maneira que se abram
diante de si infinitas possibilidades com as consequentes responsabilidades
decorrentes de suas decisões. Daí constrói-se um mundo próprio, enquanto
contexto existencial, diante do qual o adolescente se posiciona. Paralelamente,
passa a dar significados ao que lhe rodeia, desvelando cada um dos entes e,
finalmente, após a compreensão de si e do que lhe rodeia, constrói seu próprio
ser-no-mundo, escolhendo e estabelecendo um projeto existencial, dentro de
suas reais possibilidades, que dará sentido a toda a sua vida futura.

283
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Dentro desse contexto, predominantemente abstrato, é que se estabelece a


sexualidade adulta, na qual o parceiro deixa de ser escolhido somente em função
das características físicas que exibe, ou mesmo de características meramente
formais, passando cada vez mais a ser determinado por ideias, pensamentos,
sentimentos e atos que são compartilhados, avaliados de maneira extremamente
abstrata e sofisticada.
O adolescente autista, mesmo sem nenhum comprometimento intelectual
global, passível de existir em uma pequena porcentagem dos casos, peca exata-
mente por essa dificuldade em função de suas limitações em perceber e significar
os pensamentos e condutas do parceiro. Assim, não “percebe” o outro enquanto
ser pensante, de maneira a compreender-lhe intenções, afetos, necessidades e,
em consequência, de estabelecer um relacionamento compartilhado, base dos
relacionamentos sexuais estáveis e maduros.
O indivíduo deficiente mental apresenta suas dificuldades basicamente
em função de expectativas e projetos existenciais comprometidos pelo déficit
cognitivo global, que o impede de raciocinar com as mesmas características do
adulto normal.
Outros aspectos que nosso grupo tem tentado trabalhar referem-se à
percepção dolorosa e aos aspectos temporais, todos mostrando diferenças
significativas em relação à população sem quadros autísticos, porém ainda nos
encontramos em fase de estudo para posterior divulgação dos dados obtidos.
Entretanto, acredito que a questão de um input sensorial analisado de
maneira deficitária possa ser considerada como de fundamental importância
na constituição de um indivíduo enquanto ser-no-mundo, de forma que este se
constitua de maneira característica como o são os quadros autísticos.

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286
23
Narrativas sobre a formação
de vínculo com autistas
Maria Helena Cirne de Toledo

Introdução

Desde muito antes de poder me pensar como profissional, talvez até mesmo
como indivíduo, a questão da pessoa com necessidades especiais ocupava um
lugar privilegiado em minhas “preocupações”. Ainda criança, era levada a
pensar porque estes indivíduos tinham todos algo em comum e que, em minha
fantasia infantil, traduzia-se por um “estar-amarrotado-por-dentro”, como se
a “personalidade” do indivíduo fosse também deficiente.
Durante anos esta era a fantasia que me ocorria nas poucas vezes em que
me deparei com pessoas com necessidades especiais. Junto com isto, surgia
um sentimento de onipotência, a fantasia de que seria possível “desamarrotar”
estas pessoas, permitir que florescessem enquanto individualidades e que a
“deficiência” se descolasse do psiquismo, restringindo-se ao físico ou ao intelecto
ou ainda aos aspectos sensoriais.
Durante os anos de graduação e o período em que trabalhei com Psicologia
Organizacional, esta temática se esvaeceu. No entanto, há cerca de 15 anos voltei

287
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

minha atenção para a área clínica, o que me levou a buscar formação específica
na área da psicanálise, período em que a questão da deficiência retornou com
muita força, voltando minha atenção para a questão das crianças autistas
portadoras de psicoses infanto-juvenis.
Este fato determinou minha ida até o CIAD/PUC-Campinas que é um
centro de extensão da Universidade e que tem como missão a facilitação da
inclusão social de pessoas com necessidades especiais. Este trabalho foi desen-
volvido no CIAD, ao longo dos anos de 1999 e 2002.
A escolha do tema autismo provoca em mim empolgação mediada pela
afetividade, não existindo medo nem afastamento. Ao contrário, mobiliza
dentro de mim um sentimento de onipotência, que faz com que acredite que
posso ajudar esses indivíduos no seu desenvolvimento pessoal, facilitando o
surgimento do vínculo afetivo. A enorme dificuldade de contato social dos
autistas põe em relevo o desenvolvimento do vínculo, quando este se estabelece,
possibilitando o estudo de sua natureza. A formação do vínculo preconizado
por Pichon-Rivière (2000) ocorre em níveis não verbais, o que determinou a
escolha do instrumento de parte de minha pesquisa, qual seja a filmagem em
vídeo, utilizado como tentativa de superar minha dificuldade de traduzir
em palavras o processo de instauração do vínculo. A realização do vídeo seria
a substituição das palavras por imagens, num processo também não verbal.

O CIAD

Cheguei ao CIAD via avaliações, nas entrevistas de triagem e nas super-


visões que realizo ao final de cada período de atividade. Construí meu saber
artesanalmente, através de ensaio e erro, portanto meu trabalho foi sendo
modelado ao longo do tempo. O CIAD desenvolve projetos que têm como
foco o estabelecimento de relações sociais cotidianas, através do esporte, dança,
música, lazer, cultura, recreação e artes. Projetos que são elaborados por docentes
e profissionais da PUC-Campinas e desenvolvidos por estagiários, alunos dos
diversos cursos de graduação da Universidade.
Os estagiários têm em comum a tarefa de possibilitar às pessoas com necessi-
dades especiais condições para o estabelecimento das relações sociais cotidianas,

288
narrativas sobre a formação de vínculo com autistas

as quais facilitam a inclusão social, tornando esses indivíduos menos isolados,


minimizando sua ansiedade e permitindo que ampliem seu repertório social.
Para isso, é imprescindível que o estagiário se perceba e perceba a pessoa
com necessidades especiais como um indivíduo inteiro, completo, com o qual
é possível se comunicar através de qualquer alternativa que a criatividade e a
disponibilidade interna para o encontro com o outro apontar (Toledo, 1998).
Este conceito passou a definir a essência do trabalho que desenvolvo no CIAD.
O homem é determinado e produzido no social ao mesmo tempo que é
protagonista da rede vincular que estabelece ao longo de sua vida (Toledo, 1998).
As atividades e projetos do CIAD têm, sobretudo, o objetivo de possibilitar aos
seus integrantes o desenvolvimento de uma rede vincular que se estenda além
dos “muros” do CIAD e que possa ser mantida ao longo de suas vidas.

A psicanálise e o autismo

Kanner foi o primeiro autor a diagnosticar o autismo e a considerar a


existência de um componente constitucional, de uma inaptidão inata para
estabelecer relações com as pessoas e reagir às situações de vida diária. Como
Kanner (1990), Klein (1965) acreditava num componente constitucional que
inibia o desenvolvimento infantil e que se combinava com defesas muito
rígidas do ego, provocando o quadro autista. Hobson (1995) da mesma forma
que Kanner acreditava que os autistas sofriam de uma inabilidade inata de se
relacionarem emocionalmente com as pessoas.
Posteriormente, o autismo foi considerado como consequência de uma
regressão ou fixação numa fase inicial do desenvolvimento normal da criança.
Mahler (1982) e Tustin (1975, 1984, 1989) desenvolveram suas ideias sobre o
autismo de uma teoria evolutiva, uma vez que tinham uma concepção do autismo
como uma fase precoce do desenvolvimento normal da criança. No final da vida,
Tustin (1991, 1994) reviu esta concepção, passando a compreender o autismo
como um sistema protetor ou “concha” autística, contra a angústia da criança de
se ver separada do corpo da mãe. O autismo seria, então, uma reação traumática
à experiência de separação materna, que envolvia o predomínio das sensações
desorganizadas e levava ao colapso depressivo. Meltzer (1984), Amy (2001) e Tustin

289
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

(1991, 1994) tiveram uma compreensão do autismo como uma defesa contra a
fragmentação ou o desmoronamento, fosse pela impossibilidade de lidar com a
separação, fosse como impossibilidade de diferenciar estímulos vindos de dentro
ou de fora do corpo, fosse pela fantasia de que a união levava ao aniquilamento.
Outros autores (Levin, 2001; Jerusalinsky, 1993; Kupfer, 2000a) conceberam
o autismo como sendo uma falha da função materna, na qual a mãe ficava
impossibilitada de investir libidinalmente no bebê, cujo corpo apenas podia
sair de sua condição de organismo biológico, se houvesse quem o pilotasse em
relação ao mundo humano e dirigisse seus atos além dos reflexos, dando-lhes
sentido, ou seja, à mãe cabia, no desempenho da função materna, desenhar
com o olhar o mapa libidinal do corpo do filho. Lasnik-Penot (1997) também
enfatizava a função materna, cuja capacidade de “ilusão antecipatória” possi-
bilitava a constituição do sujeito.
Pessoalmente, penso como Levin (2001), Jerusalinsky, (1993) e Kupfer,
(2000a, b) que o autismo é consequência de uma possível falha na capacidade
materna de investir libidinalmente no bebê, de desenhar com o olhar o mapa
libidinal do corpo do filho. Falha que pode ser provocada pela impossibilidade
de reconhecer o bebê “diferente” como filho, como herdeiro de seu narcisismo
primário (Freud, 1974). Acredito ser muito difícil para a mãe investir libidinal-
mente num bebê que ela reconhece como “diferente”, que a todo momento suscita
nela culpa e ressentimento. Talvez isto leve a mãe a colocar este bebê num lugar
de exclusão (Jerusalinsky, 1993; Levin, 2001), lugar em que, inapelavelmente, o
grupo social também o irá colocar, provocando vergonha na família da criança
autista e a perda do status social (Telford e Sawrey, 1988). Todo este quadro
possivelmente impeça que a mãe possa antecipar um significado tanto nos sons
quanto nos comportamentos emitidos pelo bebê (Laznik-Penot, 1997) ou que
possa antecipar uma existência subjetiva em seu filho (Kupfer, 2000a). Ao longo
do tempo em que tenho trabalhado no CIAD tenho visto sistematicamente os
autistas apresentarem um déficit em seu esquema corporal, o que acredito seja
consequência da ausência do investimento libidinal materno no corpo do autista,
corpo que permanece precariamente como um organismo biológico, para o qual
mesmo a dor física pode ser desconhecida. Por sua vez, quando a mãe sofre uma
depressão ou outra perturbação, fica impossibilitada de investir libidinalmente no
corpo do filho. O que possivelmente dê origem ao “corpo mudo”, denominação
que encontrei para tentar explicar a falta aparente de significados nos gestos

290
narrativas sobre a formação de vínculo com autistas

e sons emitidos pelos autistas e na expressão corporal, fazendo com que sua
comunicação, sobretudo a não verbal, se encontre profundamente comprometida.
Além disso, tal como Amy (2001), acredito que seja de suma importância que
nós profissionais possamos acolher os pais de autistas, dando a eles um “modelo
a ser seguido”. Ainda como Amy, acredito que os irmãos eventualmente possam
suportar melhor o inconsciente atormentado da criança autista mesmo que em
algumas ocasiões se vejam incomodados pela vergonha provocada pelas atitudes
e comportamentos daquela. Eventualmente o fato de não terem expectativas a
respeito do irmão e poderem mais facilmente impor um significado aos sons e
gestos emitidos pelo autista permita uma maior compreensão. Funcionamento
similar ao dos estagiários do CIAD, que não têm expectativas do trabalho com
os autistas nem teorias a serem seguidas, o que lhes permite usar apenas de suas
características pessoais, de sua qualidade de “macio” e de usarem livremente a
própria criatividade. Parece-me, aliás, que foi da mesma forma que me aproximei
dos autistas, sem teorias que me aprisionassem nem caminhos preestabelecidos
para serem seguidos. O que ainda me surpreende e faz com que seguidamente
rejeite o título de especialista e me veja antes como alguém que se descobre diante
de uma porta inesperadamente aberta, aí onde antes não havia sequer uma fresta.
Se o autismo é uma patologia da relação, e se instala precocemente, então o
trabalho com os autistas deve privilegiar o resgate da relação primitiva mãe-bebê
e os estagiários devem ter disponibilidade interna para com essas crianças, uma
atitude de “maternalização” (Sayers, 1992) que leve o estagiário a se identificar
com o autista, parceiro de sua dupla.
Minha intuição, baseada na prática, me permite identificar que estagiários
possuem a característica pessoal que denominei “macio” (entendendo-se aqui
macio como algo que não risca o objeto, que apara arestas, que absorve parcial
ou totalmente o impacto) e convidá-los a desenvolver o trabalho com os autistas
e a fazer às vezes da “mãe de veludo”, parodiando a pesquisa de Harlow e Suomi
(citado por Mussen e outros, 1997).
O conhecimento da natureza do vínculo e, sobretudo seu desenvolvimento
enquanto relação privilegiada é o objetivo último deste trabalho. O estudo
de uma possível sistematização da formação do vínculo entre estagiários do
CIAD/PUC-Campinas e uma garota autista colocou-se, portanto, como o tema
principal do trabalho.

291
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Método

Várias ideias se passaram na minha cabeça antes que pudesse chegar a ponto
de apresentar um estudo de caso de uma menina autista, caso que me pareceu
emblemático do autismo. Pensei inicialmente em realizar um vídeo que regis-
trasse cenas nas quais pudesse identificar movimentos na direção da formação
de vínculos, vídeo que seria realizado durante as atividades das quais a menina
autista participava, mas também do grupo de autistas vinculados ao CIAD com os
quais a menina trabalhava. Vídeo que deveria utilizar a linguagem cinematográfica
para tratar da questão do autismo. O primeiro empecilho sério para a realização da
pesquisa neste formato foi o fato de que não domino a linguagem cinematográfica,
ainda que me pareça que penso melhor sob a forma de quadros, cenas. O vídeo
também me pareceu um recurso extremamente interessante, já que estava me
propondo a falar da formação de vínculos, o que me parece, pode ser percebido
através da comunicação não verbal, o que vale dizer através de imagens.
Assim, optei por analisar uma sequência de cenas do vídeo para ilustrar o
trabalho que desenvolvo no CIAD e exemplificar claramente minhas ideias sobre
o estabelecimento do vínculo. Por sua vez, ao mesmo tempo, tive acesso ao relato
escrito feito pela mãe da menina, sob meu pedido, bem como pude orientar esta mãe
ao longo dos quatro anos em que sua filha frequentou o CIAD, pude entrevistar o
psiquiatra que atendeu a menina durante uma década e realizar supervisões cons-
tantes com os estagiários que trabalhavam com a menina autista. Os participantes
deste estudo de caso foram uma menina autista de cerca de 11 anos, os estagiários
do CIAD que trabalharam com ela no decorrer de 2000 e eu como supervisora.

Considerações finais

O caso que apresento neste trabalho pareceu-me emblemático do autismo,


uma vez que a menina sujeito deste estudo começou a apresentar anormalidades
qualitativas bastante significativas, nas suas interações sociais, a partir dos dois
anos de idade, o que persistiu até o início dos trabalhos no CIAD, quando
contava com nove anos. Permanecia fisicamente isolada em casa, por conta
de sua dificuldade em se relacionar com a família e com as pessoas de modo

292
narrativas sobre a formação de vínculo com autistas

geral, uma vez que respondia às tentativas de aproximação física dos outros com
comportamentos agressivos ou autolesivos. Além disso, em torno dos dois anos,
a menina deixou de ter uma comunicação verbal e não verbal com o ambiente.
Quanto a seus interesses, elegia um único brinquedo como o preferido por
longos períodos, ficando muitas vezes diante da televisão fitando a tela “com
chuvisco”, sem qualquer imagem ou som compreensível ou ainda rasgando
revistas e enrolando os pedaços de papel entre os dedos.
Do ponto de vista psicanalítico, possivelmente a menina tenha vivenciado
o afastamento de sua mãe durante o período em que ficou internada no hospital
em torno dos dois anos de idade como um trauma, cuja consequência teria sido
a regressão a organizações mentais muito primitivas, com defesas muito carac-
terísticas, as quais alguns autores chamam de “autismo secundário” (Amy, 2001).
A mãe da menina, por sua vez, viveu longos períodos de depressão, nos quais,
reconhece, ficou impedida de se envolver emocionalmente com a filha (Tustin,
1991, 1994; Meltzer, 1984). A par deste fato, a mãe descrevia a filha como um bebê
que dormia muito, a quem era preciso acordar para mamar, um bebê diferente.
O que possivelmente tenha contribuído para que a relação mãe-bebê se tenha
alterado, provocando o que chamaria de curto-circuito na relação, provocando
uma falha na capacidade materna de investir libidinalmente no bebê (Levin, 2001;
Jerusalinsky, 1993; Kupfer, 2000). Ao longo do tempo tenho buscado respaldar
o trabalho que desenvolvo no CIAD em diferentes autores. No entanto, a teoria
dá conta de uma vertente da questão parecendo no tanto descrever uma cena
inanimada. Minha visão sobre o autismo é a de que ocorre um curto-circuito
na relação mãe-bebê, o qual produziria um corpo mudo. Para que o corpo fale, é
preciso despertar uma centelha através do vínculo pessoa-pessoa. O que me levou a
utilizar a teoria do vínculo como um critério operacional, que funciona como um
instrumento de trabalho importantíssimo, que me permite abordar o indivíduo
autista de maneira dinâmica e compreendê-lo. A partir do momento em que
estabelece um vínculo de eleição com os estagiários do CIAD, o autista permite
o acesso à sua mente, fornecendo uma alavanca “terapêutica” insubstituível, que
possibilita o surgimento de um processo de comunicação e de aprendizagem.
O vínculo no CIAD começa por aspectos sensoriais (cheirar, tocar) e posterior-
mente se torna prazeroso e não ameaçador, uma vez que os autistas não têm de
desenvolver atividades preestabelecidas, o que poderia ser vivenciado como algo

293
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

intrusivo. São oferecidos diversos estímulos, como materiais esportivos, gráficos,


jogos que servem como pretexto para que o vínculo se desenvolva.
Minha experiência ao longo de mais de uma década, trabalhando com crianças
e adolescentes com transtornos invasivos do desenvolvimento, mostra uma consis-
tência importante, que me autoriza a enfatizar a necessidade de se ter um “ambiente
terapêutico”, constituído de pessoas com disponibilidade para a verdade do contato,
que querem aprender, acreditam que podem ensinar e, acima de tudo, acreditam
que os autistas podem aprender e ensinar. No entanto, boa parte dos estagiários não
apresenta condições de aceitar a “reciclagem” de dejeto para transformá-lo em chama
(Lasnik-Penot, 1997). Ao longo de meu trabalho, tive evidências suficientes de que
crianças, adolescentes e jovens rapidamente entram na rotina da instituição que
lhes oferece um ambiente terapêutico. O CIAD oferece um espaço que possibilita
o desenvolvimento social do indivíduo e tem efeitos terapêuticos, partindo-se do
pressuposto de que a socialização é fundamental para a vida do indivíduo, inde-
pendentemente de sua patologia. Não se pode esquecer que a menina autista citada
anteriormente, durante cerca de sete anos, passou por instituições, educadores e
profissionais de diferentes áreas, permanecendo num estado praticamente inalterado,
segundo o relato materno e do psiquiatra que a acompanhou por dez anos. No
entanto, durante os quatro anos em que a menina frequentou o CIAD, apresentou
importantes mudanças nas funções básicas de alimentação, atenção, memória, sono
e excreção, comendo alimentos sólidos, escolhendo o que desejava comer e fixando
a atenção em diversos estímulos do meio ambiente. Suas relações interpessoais aos
poucos se tornaram qualitativamente diferentes e passou a aceitar o toque com
naturalidade. A função excretora se regularizou e a menina autista pode apresentar
um início de recuperação e desenvolvimento da fala, passando de um estágio de
completo mutismo, para o estágio de autorreferência. Além disso, a menina passou a
ficar acordada à noite esperando a mãe voltar da faculdade, demonstrando que tinha
estabelecido uma noção temporal e que, mais ainda, havia desenvolvido a capacidade
de suportar frustrações, embora ainda não pudesse suportar os longos períodos de
férias do CIAD. Todas estas mudanças provocaram alterações significativas na vida
da família, permitindo sua reorganização. Esta rápida entrada na rotina de vida
diária, via CIAD, possivelmente explica as frases que ouço constantemente de pais,
familiares e mesmo de professores das instituições de reabilitação que frequentam
os projetos e programas do CIAD, de que o que acontece no Centro é: “uma benção”,
“um milagre”, ou ainda ”porque em casa/na escola ele(a) não faz isto?”.

294
narrativas sobre a formação de vínculo com autistas

São poucos os estagiários que se dispõem a trabalhar com os autistas, mas


fazem isto espontaneamente, mesmo quando nunca tenham tido qualquer contato
anterior com estes indivíduos. Estes estagiários apresentam, de modo geral, um
maior grau de permissividade corporal, deixando-se serem tocados, olhados,
manuseados eu diria pelos autistas. São indivíduos com um mundo interno capaz
de conter tudo isto, capazes de estabelecerem vinculações afetivas ainda mesmo
quando o retorno é quase imperceptível. A importância destas características
pessoais, principalmente daqueles que trabalham com a questão do autismo, é
fundamental, o que possibilita, através de sua disponibilidade interna, mobilizar
a atenção suspensa do autista, trazendo-o para a relação interpessoal. Acredito
que a vinculação seja o processo inverso do desmantelamento do self descrito por
Meltzer (1984) e o que dá significado ao desenvolvimento do autista. Espero, através
da teorização sobre o que encontro no meu trabalho, oferecer uma alternativa às
famílias, instituições e escolas para cuidarem e trabalharem com o autista.

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296
24
Teste de Competência
de Leitura Silenciosa
de Palavras (TCLP) para
avaliação coletiva em sala
de aula e de crianças com
paralisia cerebral
Fernando César Capovilla,
Luciana F. Marcílio,
Alessandra G. Seabra

O Teste de Competência de Leitura Silenciosa de Palavras (TCLP: A.


Capovilla e F. Capovilla, 2003a; F. Capovilla e A. Capovilla, 2001a, 2001b;
F. Capovilla, A. Capovilla, Macedo e Duduchi, 2000) avalia o estágio de
desenvolvimento da leitura ao longo das etapas logográfica, alfabética e
ortográfica. É composto de oito itens de treino e setenta de teste reunidos
num caderno de aplicação. Cada item é formado de uma figura e uma
palavra ou pseudopalavra associada à figura. A tarefa é circundar os itens
corretos dos pontos de vista ortográfico e semântico, e riscar os incorretas

297
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

em termos ortográficos (isto é, pseudopalavras) ou semânticos (isto é, palavra


associada a uma figura incompatível com ela). O TCLP é, ao mesmo tempo,
um instrumento psicométrico e neuropsicológico cognitivo para avaliar a
competência de leitura silenciosa (em termos de decodificação grafêmica,
reconhecimento visual da forma ortográfica, e acesso semântico) de itens
escritos isolados, e um coadjuvante para o diagnóstico diferencial de distúrbios
de aquisição de leitura. Como teste psicométrico, é acompanhado de tabelas
de normatização que permitem avaliar o grau de desvio entre o padrão
de leitura de um examinando surdo e o padrão de leitura normal de seu
grupo de referência surdo de acordo com o nível de escolaridade. Como
teste neuropsicológico, permite interpretar os dados do padrão de leitura
específico apresentado por uma criança no que concerne ao modelo do
desenvolvimento de leitura e escrita, e inferir o estágio de desenvolvimento
(isto é, logográfico, alfabético, ortográfico) em que essa criança se encontra,
bem como as estratégias de leitura (isto é, ideovisual ou logográfica,
perilexical ou fonológica, lexical) que prevalecem em seu desempenho.
Fornece uma visão integrada e aprofundada do grau de desenvolvimento
e preservação dos diferentes mecanismos, rotas e estratégias envolvidos na
leitura competente, de modo a lançar luz sobre a natureza da dificuldade
específica do examinando. Para tanto, compara o desempenho sob diferentes
tipos de itens psicolinguísticos, como palavras e pseudopalavras, e em
diferentes associações de figuras. O processamento cognitivo desse material
psicolinguístico requer diferentes competências, como a estratégia ideovisual
ou logográfica, a estratégia fonológica ou perilexical (F. Capovilla, A. Capovilla
e Macedo, 2001; F. Capovilla, Macedo, Duduchi e Sória, 1999) e a estratégia
lexical (A. Capovilla, F. Capovilla e Macedo, 1998; F. Capovilla, Macedo e
Charin, 2001), as quais se desenvolvem nas etapas logográfica, alfabética e
ortográfica, respectivamente (A. Capovilla e F. Capovilla, 2003a, 2003b).
Comparando o desempenho sob diferentes tipos de itens psicolinguísticos,
o teste identifica o estágio de desenvolvimento de leitura do examinando
e o seu grau de proficiência em cada um dos três tipos de processamento:
O ideovisual ou logográfico, o perilexical ou fonológico por decodificação
grafoquirêmica, e o lexical ou por reconhecimento visual direto assistido
por decodificação grafoquirêmica eventual. Assim, o teste implementa com
o leitor surdo essencialmente o mesmo modelo teórico de processamento

298
teste de competência de leitura silenciosa de palavras ( tclp )

cognitivo implementado com o leitor ouvinte, sendo que a única diferença


diz respeito ao processamento perilexical, pois enquanto no leitor ouvinte o
processamento perilexical se dá pela decodificação grafofonêmica, no leitor
surdo esse processamento se dá pela decodificação grafoquirêmica.
O Teste de Competência de Leitura de Palavras (TCLP) é constituído de
oito itens de treino e setenta itens de teste, cada qual com um par composto de
uma figura e um elemento escrito, que é ou uma palavra ou uma pseudopalavra.
Pseudopalavras são sequências de caracteres que compõem um todo pronunciável
mas carente de significado. Os elementos escritos são apresentados em letras
maiúsculas para permitir manipular o efeito da similaridade visual. A tarefa
do examinando é circundar os itens corretos e cruzar (isto é, assinalar com um
“X”) os itens incorretos, ou seja, aqueles em que há disparidade semântica entre
a figura e o elemento escrito, ou em que há disparidade ortográfica no elemento
escrito, ou ambas as disparidades. Solicitando ao examinando que circule os itens
corretos, o examinador pode assegurar-se de que o examinando teve oportunidade
de processar todos os itens, sem saltar qualquer um deles. Há sete tipos de item
(isto é, sete tipos de pares compostos de uma figura e um elemento escrito), todos
distribuídos aleatoriamente ao longo do teste, sendo que há dez itens de teste para
cada tipo de par. São eles:

▶▶ Tipo 1 (CR: Corretas Regulares): Palavras ortograficamente corretas,


semanticamente corretas e grafofonemicamente regulares, a serem
aceitas. Itens: Palavra escrita fada sob a figura de fada; batata sob figura
de batata, tomada sob figura de tomada, buzina sob figura de buzina,
mapa sob figura de mapa, maiô sob figura de maiô, pijama sob figura
de pijama, boné sob figura de boné, menina sob figura de menina e pipa
sob figura de pipa;
▶▶ Tipo 2 (CI: Corretas Irregulares): Palavras ortograficamente corretas,
semanticamente corretas e grafofonemicamente irregulares, a serem
aceitas. Itens: Palavra escrita bruxa sob figura de bruxa, táxi sob figura
de táxi, xadrez sob figura de xadrez, calças sob figura de calças, agasalho
sob figura de agasalho, tesoura sob figura de tesoura, pincel sob figura
de pincel, exército sob figura de exército, princesa sob figura de princesa
e exercício sob figura de exercício;

299
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

▶▶ Tipo 3 (VS: Vizinhas Semânticas): Palavras ortograficamente corretas


mas semanticamente incorretas, a serem rejeitadas. Itens: Palavra escrita
cachorro sob figura de camundongo, trem sob figura de ônibus, terra
sob figura de árvore, sofá sob figura de cama, cobra sob figura de peixe,
rádio sob figura de telefone, avião sob figura de águia, maçã sob figura de
morango, chinelo sob figura de sapato e sorvete sob figura de bombom;
▶▶ Tipo 4 (VV: Vizinhas Visuais): Pseudopalavras ortograficamente incor-
retas, com trocas visuais, a serem rejeitadas. Itens: Pseudopalavra escrita
caebça sob figura de cabeça, gaio sob figura de gato, fêra sob a figura de
pêra, crianqas sob figura de crianças, teieuisão sob figura de televisão,
cainelo sob figura de chinelo, jacapé sob figura de jacaré, paroue sob figura
de parque, esterla sob figura de estrela e cadepmo sob figura de caderno;
▶▶ Tipo 5 (VF: Vizinhas Fonológicas): Pseudopalavras ortograficamente
incorretas, com trocas fonológicas, a serem rejeitadas. Itens: Pseudo-
palavra escrita hapelha sob figura de abelha, faca sob figura de vaca,
cancuru sob figura de um canguru, máchico sob figura de mágico, venti-
lator sob figura de um ventilador, apatar sob figura de apagar, pipota
sob figura de pipoca, relóchio sob figura de relógio, ofelha sob figura de
ovelha e poneca sob figura de boneca;
▶▶ Tipo 6 (PH: Pseudopalavras Homófonas): Pseudopalavras ortografi-
camente incorretas, embora homófonas a palavras semanticamente
corretas, a serem rejeitadas. Itens: Pseudopalavra escrita páçaru sob
figura de pássaro, cinau sob figura de sinal, jêlu sob figura de gelo,
aumossu sob figura de almoço, ospitau sob figura de hospital, xapel sob
figura de chapéu, mininu sob figura de menino, tácsi sob figura de táxi,
ómi sob figura de homem e bóquisse sob figura de uma luta de boxe;
▶▶ Tipo 7 (PE: Pseudopalavras Estranhas): Pseudopalavras ortografica-
mente incorretas e estranhas, tanto fonologicamente quanto visualmente,
a serem rejeitadas. Itens: Pseudopalavra escrita xunvaco sob figura de
sanfona, aspelo sob figura de coelho, mitu sob figura de óculos, rassuno
sob figura de uma mão, dilha sob figura de pião, meloce sob figura de
palhaço, fotis sob figura de meia, jamelo sob figura de tigre, socati sob
figura de urso e catudo sob figura de tênis.

300
teste de competência de leitura silenciosa de palavras ( tclp )

Há também oito itens de treino para ilustrar os sete tipos de item. São eles:
1) Palavra UVA sob figura de uva. Trata-se de exemplo de treino envolvendo
item do Tipo 1 (CR: Correta Regular), ou seja, palavra ortograficamente
correta, semanticamente correta e grafofonemicamente regular, a ser aceita;
2 e 3) Palavras CASA sob figura de casa, e CHAVE sob a figura de chave.
Trata-se de dois exemplos de treino envolvendo itens do Tipo 2 (CI: Corretas
Irregulares), ou seja, palavras ortograficamente corretas, semanticamente
corretas e grafofonemicamente irregulares, a serem aceitas; 4) Palavra
LARANJA sob figura de banana. Trata-se de exemplo de treino envolvendo
item do Tipo 3 (VS: Vizinha Semântica), ou seja, palavra ortograficamente
correta mas semanticamente incorreta, a ser rejeitada; 5) Pseudopalavra
CADEIPA sob figura de cadeira. Trata-se de exemplo de treino envolvendo
item do Tipo 4 (VV: Vizinha Visual), ou seja, pseudopalavra ortograficamente
incorreta, com trocas visuais, a ser rejeitada; 6) Pseudopalavra JUVEIRO sob
figura de chuveiro. Trata-se de um exemplo de treino envolvendo item do
Tipo 5 (VF: Vizinha Fonológica), ou seja, pseudopalavra ortograficamente
incorreta, com trocas fonológicas, a ser rejeitada; 7) Pseudopalavra JÊNIU
sob figura de gênio. Trata-se de um exemplo de treino envolvendo item do
Tipo 6 (PH: Pseudopalavra Homófona), ou seja, pseudopalavra ortografi-
camente incorreta, embora homófona a palavra semanticamente correta,
a ser rejeitada; 8) Pseudopalavra PAZIDO sob figura de xarope. Trata-se
de um exemplo de treino envolvendo item do Tipo 7 (PE: Pseudopalavra
Estranha), ou seja, pseudopalavra ortograficamente incorreta e estranha,
tanto fonologicamente quanto visualmente, a ser rejeitada.
A Figura 24.1 ilustra sete pares compostos de figura e item escrito, que
exemplificam cada um dos sete tipos de pares que compõem a versão original do
Teste de Competência de Leitura de Palavras (TCLP1.1). Conforme ilustrado pela
figura, no teste há dois tipos de pares corretos a serem aceitos, como a palavra
grafofonemicamente regular FADA e a grafofonemicamente irregular TÁXI.
Há também cinco tipos de pares incorretos a serem rejeitados, como a palavra
rádio que, sob a figura de um telefone, é semanticamente incorreta; e as quatro
pseudopalavras: A homófona jêniu, a pseudo-homófona com troca fonológica
máchico, a pseudo-homógrafa com troca visual teieuisão, e a pseudopalavra
estranha meloce que permite controlar o efeito da atenção à tarefa.

301
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Figura 24.1. Exemplos de cada um dos sete tipos de pares de figura e


escrita do TCLP: Duas palavras corretas, uma regular (1-CR: fada) e uma
irregular (2-CI: táxi), uma palavra com incorreção semântica (3-VS: rádio sob
figura de telefone), uma pseudopalavra com troca visual (4-VV: teieuisão) e
uma com troca fonológica (5-VF: máchico), uma pseudopalavra homófona
(6-PH: jêniu) e uma pseudopalavra estranha (7-PE: meloce).

Os pares compostos de palavras ortograficamente corretas e semanti-


camente corretas, quer grafofonemicamente regulares (isto é, Tipo 1) quer
grafofonemicamente irregulares (isto é, Tipo 2), devem ser aceitos (isto é,
circulados com o lápis). Por sua vez, os pares compostos de palavras com
incorreção semântica (isto é, Tipo 3) ou de pseudopalavras (isto é, Tipos
4, 5, 6 e 7) devem ser rejeitados (isto é, cruzados com um “X”). Os acertos
consistem em aceitar (isto é, assinalar com um círculo) os pares de Tipo 1 e
2, e em rejeitar (isto é, assinalar com um “X”) os pares de Tipo 3, 4, 5, 6 e 7.
Reciprocamente, os erros consistem em rejeitar ou deixar de aceitar os pares
corretos de Tipo 1 e 2, ou em aceitar ou deixar de rejeitar os pares incorretos
de Tipo 3, 4, 5, 6 e 7. O padrão de distribuição dos tipos de erros é capaz de
revelar a natureza específica do processamento cognitivo do examinando,
além de indicar as estratégias de leitura que ele consegue usar e aquelas com

302
teste de competência de leitura silenciosa de palavras ( tclp )

que tem dificuldade. Assim, esse padrão tem elevado valor informativo para
caracterizar a natureza particular da dificuldade de leitura de determinado
examinando. Contudo, essa caracterização de diferentes tipos de dificuldade
requer que o padrão de erros exibido pela criança se configure de modo
confiável e estatisticamente significativo.
Como descrito por A. Capovilla e F. Capovilla (2003a) e F. Capovilla e
A. Capovilla (2001b), o insucesso na aceitação de palavras corretas grafofo-
nemicamente irregulares (isto é, Tipo 2-CI) pode indicar dificuldade com o
processamento lexical (ou falta dele). Do mesmo modo, o insucesso na rejeição
de pseudopalavras homófonas (isto é, Tipo 6–PH) pode indicar a mesma
dificuldade com o processamento lexical (ou falta dele) num nível ainda mais
acentuado, com uma leitura mais limitada à decodificação fonológica. Quando
um examinando ouvinte já tem pelo menos 9 anos de idade e já foi bastante
exposto a textos, se ele deixar de rejeitar pseudopalavras homófonas, isso indica
que ele está lendo pela rota fonológica, isto é, por decodificação grafofonêmica
estrita, sem fazer recurso à rota lexical. Se ele fizesse recurso ao léxico ortográfico
e encontrasse nesse léxico as palavras ortográfica e semanticamente adequadas
às figuras (p. ex., pássaro, sinal, gelo, almoço, hospital, CHAPÉU, MENINO,
táxi, homem, boxe), ele seria capaz de identificar as malformações ortográficas
das pseudopalavras homófonas e não teria dificuldade em rejeitar essas pseu-
dopalavras. A falha em rejeitá-las sugere falta de representação apropriada no
léxico ortográfico, quer por exposição insuficiente à leitura, quer por dificuldade
de leitura. Um pouco mais sério é o insucesso na rejeição de pseudopalavras
com trocas fonológicas (isto é, Tipo 5-VF), que poderia indicar a mesma falta de
recurso ao léxico, mas com o agravante de dificuldades adicionais no próprio
processamento fonológico. Já o insucesso na rejeição de palavras semantica-
mente incorretas (isto é, Tipo 3-VS) poderia indicar falta de acesso ao léxico
semântico. Ainda mais sério, o insucesso na rejeição de pseudopalavras com
trocas visuais (isto é, Tipo 4-VV) poderia indicar dificuldade com o processa-
mento fonológico e recurso à estratégia de leitura logográfica. Finalmente, o
insucesso na rejeição de pseudopalavras estranhas (isto é, Tipo 7-PE) poderia
indicar sérios problemas de leitura, com ausência de processamento lexical,
fonológico e, mesmo, logográfico. Alternativamente, essa falha em rejeitar
pseudopalavras estranhas também poderia sugerir problemas com a atenção

303
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

concentrada. Devido às relações intrínsecas ao Teste de Competência de Leitura


de Palavras, ou seja, entre os sete tipos de pares compostos de figura e escrita,
o TCLP permite uma checagem interna das conclusões e uma considerável
validação cruzada das evidências fornecidas em cada tipo de par ou subteste.
A validade do TCLP em mapear o processamento cognitivo de leitura
(A. Capovilla e F. Capovilla, 2003a; F. Capovilla e A. Capovilla, 2001a, 2004; F.
Capovilla, A. Capovilla, Macedo e Duduchi, 2000; F. Capovilla, Macedo,
A. Capovilla e Charin, 1998) já vinha sendo estabelecida em uma série de
estudos recentemente publicados:
1) Um primeiro exemplo de validação é o estudo de F. Capovilla e A.
Capovilla (2002), que demonstrou que crianças que pontuam na faixa igual ou
inferior a – 1 DP (isto é, desvio-padrão) em relação à média no TCLP apresentam
maior dificuldade em discriminar fonemas, menor velocidade de processamento
fonológico e menor capacidade de memória de trabalho fonológica, sendo que
a dificuldade de percepção da fala tende a aumentar em proporção direta da
velocidade com que a fala é apresentada (sobrecarregando, assim, a velocidade
de discriminação fonêmica) ou da lentidão com que ela é apresentada (sobre-
carregando, assim, a memória de trabalho fonológica);
2) Um segundo exemplo de validação é encontrado no estudo de A.
Capovilla, Miyamoto e F. Capovilla (2002) que demonstrou que crianças com
nistagmo pós-rotatório significativamente rebaixado ou significativamente
exacerbado, tal como avaliado pelo Teste de Nistagmo Pós-Rotatório do Sensory
Integration and Praxis Test (Ayres, 1998), tendem a apresentar competência de
leitura significativamente rebaixada, tal como medida pelo TCLP. Tal achado
corrobora a bibliografia que atribui uma parte substancial dos distúrbios de
aprendizagem a problemas de integração sensório-motora (Ayres, 1974, 1995).
Por exemplo, Ayres (1978) relatou a presença de rebaixamento do nistagmo pós-
-rotatório em 50% das crianças com dificuldade de aprendizagem e a presença de
exacerbação desse mesmo nistagmo pós-rotatório em outros 13% dos casos. Só
em 37% dos casos de distúrbios de aprendizagem é que o nistagmo pós-rotatório
se encontrava dentro dos limites da normalidade. Do mesmo modo, em sua
revisão bibliográfica, Ottenbacher (1980) identificou uma clara relação entre
a disfunção do sistema vestibular e os problemas de aprendizagem escolar,
mostrando que as crianças com distúrbio de processamento vestibular, com

304
teste de competência de leitura silenciosa de palavras ( tclp )

exacerbação do nistagmo pós-rotatório, apresentam significativamente mais


distúrbios de linguagem, além de escores significativamente rebaixados em
testes de integração visomotora e de fluência de leitura (A. Capovilla, Miyamoto
e F. Capovilla, 2003a, 2003b);
3) Um terceiro exemplo de validação é encontrado no estudo de A. Capovilla,
Suiter, e F. Capovilla (2002), que demonstrou que crianças que pontuam na faixa
igual ou inferior a – 1 DP (isto é, desvio-padrão) em relação à média no TCLP apre-
sentam desempenho significativamente rebaixado em uma série de testes como:
3.1.) O teste brasileiro normatizado e validado intitulado Prova de Consciência
Fonológica por Escolha de Figuras (PCFF: A. Capovilla e F. Capovilla, no prelo,
baseada na Prova de Consciência Fonológica por Produção Oral PCFO de A.
Capovilla e F. Capovilla, 1997, 1998a, 1998b, 2003b, e A. Capovilla, F. Capovilla e
Silveira, 1998), tanto no escore total quanto em cada um de seus nove subtestes; 3.2.)
A versão brasileira normatizada e validada do Teste de Vocabulário por Imagens
Peabody (TVIP: F. Capovilla e A. Capovilla, 1997; F. Capovilla, L. Nunes, Nogueira
et al., 1997, F. Capovilla, L. Nunes, D. Nunes et al., 1997; PPVT–B: L. Dunn, D.
Dunn, F. Capovilla e A. Capovilla, 2004a, 2004b); e 3.3.) A versão brasileira do
International Dyslexia Test (IDT–B: A. Capovilla e F. Capovilla, 2002a, 2002e; A.
Capovilla, Smythe, F. Capovilla e Everatt, 2001), nos subtestes de Ditado, Memória
Fonológica e Desenho de Memória;
4) Um quarto exemplo de validação é encontrado no estudo de A. Capovilla,
Machalous e F. Capovilla (2002a, 2003b, 2003c), que demonstrou que o TCLP
é sensível à escolaridade e capaz de discriminar entre séries sucessivas da 1a à
3a série e que, nessa mesma faixa de escolaridade, o desempenho em Teste de
Competência de Leitura Silenciosa de Palavras está correlacionado de maneira
positiva e significativa com o desempenho no Teste de Vocabulário por Figuras
USP (TVFusp: F. Capovilla e A. Capovilla, no prelo; F. Capovilla, Viggiano, A.
Capovilla, Mauricio e Vilalba, 2002);
5) Um quinto exemplo de validação é encontrado no estudo de A.
Capovilla, Machalous e F. Capovilla (2002b, 2003a), que traduzindo para o
alemão o Teste de Competência de Leitura Silenciosa de Palavras (TCLP-A)
e comparando os desempenhos de crianças brasileiras e alemãs nos vários
subtestes, demonstrou a existência de dupla dissociação entre os escores de
reconhecimento visual direto e de decodificação grafofonêmica do TCLP,

305
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

que foram uma clara função do grau de transparência da ortografia (isto é,


alemão mais transparente e português menos transparente), isto é, do grau de
regularidade grafofonêmica entre as duas ortografias (isto é, alta no alemão
e média no português). Tal achado é de grande importância para validar o
Teste de Competência de Leitura Silenciosa de Palavras em sua versão original
em português, bem como em sua versão traduzida para o alemão. É também
de grande importância para validar todo o modelo teórico em que o teste
se fundamenta (A. Capovilla e F. Capovilla, 2003a, 2003b; F. Capovilla e A.
Capovilla, 1999, 2001a, 2001b, 2004). Além disso, o achado é também de
grande importância para a Psicologia Cognitiva da Leitura, pois corrobora a
hipótese de que a maior transparência do alemão incentiva a leitura pela rota
fonológica, resultando em maior precisão na rejeição de pseudopalavras com
trocas visuais (4-VV) mas em menor precisão na rejeição de pseudopalavras
homófonas (6-PH), e que a relativamente menor transparência do português
incentiva a leitura pela rota lexical, resultando em maior precisão na aceitação
de palavras corretas irregulares (2-CI) mas em menor precisão na rejeição de
pseudopalavras com trocas visuais (4-VV);
6) Um sexto exemplo de validação é encontrado no estudo longitudinal de
A. Capovilla, Gütschow e F. Capovilla (2002a) sobre a fidedignidade do Teste
de Competência de Leitura Silenciosa de Palavras (TCLP), que demonstrou
que os escores que as crianças obtêm durante a pré-escola predizem de modo
confiável seus escores um ano depois, quando elas já cursam a 1a série, o que
sugere que os resultados do teste são estáveis e confiáveis;
7) Um sétimo exemplo de validação é encontrado no estudo de A. Capovilla,
Gütschow e F. Capovilla (2002b) que demonstrou que a competência de leitura
na 1a série, tal como avaliada pelo TCLP, pode ser predita com precisão com
base nos escores das habilidades de aritmética, memória fonológica, consci-
ência fonêmica e vocabulário (A. Capovilla e F. Capovilla, 2002b, 2002c), além
de sequenciamento apresentadas na pré-escola. De modo geral, esse estudo
demonstrou que o desempenho em leitura e escrita correlaciona-se de forma
positiva e significativa com as habilidades de processamento fonológico, mas não
com as habilidades de processamento visual e motor, como a cópia de figuras
e a qualidade da escrita, corroborando, assim, o modelo do déficit fonológico
para a explicação dos distúrbios de leitura e escrita (Grégoire e Piérart, 1997);

306
teste de competência de leitura silenciosa de palavras ( tclp )

8) Um oitavo exemplo de validação do uso do TCLP é encontrado nos


estudos de A. Capovilla e F. Capovilla (2002d) e de A. Capovilla e F. Capo-
villa (2003a). Os dois estudos usaram o Teste de Competência de Leitura
Silenciosa de Palavras para avaliar a competência de leitura, em termos de
reconhecimento e decodificação de palavras isoladas, juntamente com o Teste
de Compreensão de Leitura de Sentenças (TCLS: F. Capovilla, Macedo, A.
Capovilla e Charin, 1998; F. Capovilla, Macedo e Charin, 2001; F. Capovilla,
Viggiano, A. Capovilla, Raphael, Bidá, Neves e Mauricio, 2004) para avaliar a
compreensão de texto. Este último teste avalia o processamento semântico no
nível da sentença e requer, portanto, habilidades sintáticas consideráveis para
o processamento da estrutura superficial de sentenças convolutas e a extração
bem-sucedida de seu significado. Os dois estudos avaliaram, ao final do ano
letivo, a competência de leitura, em termos de reconhecimento e decodificação
de palavras isoladas e a compreensão de leitura de texto. Enquanto o primeiro
estudo avaliou a competência de leitura de palavras e de textos por parte
de 166 estudantes de 1a série de duas escolas de ensino fundamental, sendo
três classes de cada escola; o segundo estudo avaliou as mesmas funções
em 345 alfabetizandos provenientes de catorze classes de 1a série de escolas
municipais de ensino fundamental do interior do estado de São Paulo. O
objetivo dos dois estudos foi o de comparar a eficácia relativa dos métodos
fônico e global no ensino de leitura e escrita pelas professoras em sala de
aula. Para tanto, os estudos compararam as habilidades de reconhecimento e
decodificação de palavras isoladas e de compreensão de texto como função do
método de ensino (isto é, fônico versus global ou ideovisual) adotado por suas
professoras. De modo a caracterizar os métodos de ensino empregados
pelas professoras, ao mesmo tempo que as crianças respondiam aos dois testes,
as professoras responderam a um questionário com perguntas sobre, dentre
outras coisas, a porcentagem de tempo dedicado ao ensino de leitura com
base em fonemas e a porcentagem de tempo dedicado ao ensino de leitura
com base em textos. Os escores das crianças nos dois testes foram analisados
como função da porcentagem de tempo dedicado pelas suas professoras para
o ensino de leitura a partir de fonemas ou de textos. Os resultados dos estudos
mostraram que, na faixa total de 0% a 30% de tempo que foi indicada pelas
professoras, quanto maior a porcentagem de tempo dedicado pela professora
ao ensino baseado em fonemas, tanto maiores os escores nos dois testes de

307
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

competência de leitura e de compreensão de texto (isto é, TCLP e TCLS);


e que, reciprocamente, na faixa total de 0% a 40% de tempo indicada pelas
professoras, quanto maior a porcentagem de tempo dedicado pelas profes-
soras ao ensino baseado em textos, tanto menores os escores nos dois testes
de competência de leitura e de compreensão de texto. Em suma, analisando
a competência de leitura de palavras e de textos por parte das crianças ao fim
do ano letivo de alfabetização como função do tipo de atividade em que as
professoras decidiram investir seu tempo durante o ano letivo, os estudos
demonstraram que o desenvolvimento das crianças ao final do ano letivo é
diretamente proporcional ao tempo dedicado à aprendizagem baseada em
fonemas, e inversamente proporcional ao tempo dedicado à aprendizagem
baseada em textos, ou seja, considerando a distribuição de tempo dedicada
ao ensino de leitura no início do ano letivo de alfabetização, quanto maior o
tempo dedicado ao ensino por fonemas e quanto menor o tempo dedicado
ao ensino por textos, tanto maiores os escores nos testes de competência de
leitura de palavras (TCLP) e de compreensão de leitura de sentenças (TCLS)
ao final do ano letivo.
9) Um nono e último exemplo de validação e normatização é encontrado
no estudo com 805 estudantes surdos de 1a série do ensino fundamental à 1a
série do ensino médio (F. Capovilla, Viggiano, A. Capovilla, Raphael, Mauricio
e Bidá, 2004). Analisando a distribuição de acertos nos subtestes por 628 surdos
de 1a a 8a série e comparando-a à distribuição de acertos de mil leitores ouvintes
de 1a a 3a série, foi encontrado que o padrão de escores dos surdos (isto é, [VS =
8,4] > [PE = 8,0] > [PH = 7,4] > [VF = 6,5] > [VV = 6,0]) difere de modo marcante
do padrão dos ouvintes (isto é, [PE = 9,2] > [VS = 8,8] > [VV = 7,9] > [VF = 6,9]
> [PH = 5,9]). As discrepâncias entre os padrões são reveladoras: (1) Leitores
ouvintes detectaram corretamente VV mais que PH e VF (isto é, deixando-
-se enganar mais pela semelhança fonológica), já leitores surdos detectaram
corretamente mais PH e VF que VV (isto é, deixando-se enganar mais pela
semelhança visual); (2) Leitores ouvintes detectaram corretamente mais VF que
PH (isto é, deixando-se enganar mais pela homofonia que pela semi-homo-
fonia), já leitores surdos detectaram corretamente mais PH que VF; (3) Leitores
ouvintes detectaram corretamente mais PE do que VS (isto é, deixando-se
enganar mais por palavras ortográfica e fonologicamente familiares ainda que

308
teste de competência de leitura silenciosa de palavras ( tclp )

semanticamente inadequadas às figuras do que por pseudopalavras ortográfica


e fonologicamente estranhas), já leitores surdos detectaram corretamente mais
VS que PE (isto é, privilegiando o processamento semântico-ortográfico do
que o ortográfico-fonológico, com melhor detecção de inadequação semântica
de palavras conhecidas do que de pseudopalavras, uma vez que, do ponto de
vista deles, essas pseudopalavras poderiam ser simplesmente palavras que
eles desconhecem). Foi descoberto ainda que, embora em termos absolutos a
ordem de pontuação dos leitores surdos tenha sido VS > PE > PH > VF > VV;
quando sua pontuação em cada subteste é comparada à dos ouvintes, a ordem
de pontuação dos leitores surdos foi a seguinte: Superioridade em PH (em que
pontuaram pouco mais que os ouvintes de 3a série) do que em VF e VS (em que
pontuaram como os ouvintes entre a 1a e a 2a séries), e nestas do que em VV e PE
(em que pontuaram como os ouvintes de 1a. série). Analisando as correlações
entre os subtestes no TCLP1.1, foi descoberto que os surdos empregaram duas
habilidades funcionalmente independentes: Uma para aceitar palavras corretas
(sendo que, quanto melhor a aceitação de CR, tanto melhor a aceitação de CI),
e outra para rejeitar, tanto pseudopalavras (sendo que, quanto melhor a rejeição
de um tipo de pseudopalavras como VF, tanto melhor a rejeição dos outros
tipos de pseudopalavras como PH, PE e VV e vice-versa), quanto palavras
semanticamente incorretas (sendo que, quanto melhor a rejeição de VS, tanto
melhor a rejeição dos quatro tipos de pseudopalavra VF, PH, PE e VV).
O presente estudo objetivou fazer uma sondagem inicial do crescimento do
desempenho no TCLP como função da série escolar, tanto para o escore geral
quanto para cada um de seus subtestes.

Método

Participantes

Participaram 116 escolares sem distúrbios do desenvolvimento, matricu-


lados de 1a a 3a série do ensino fundamental de uma Escola da Rede Pública
de Ensino do Município de São Paulo. As salas foram selecionadas segundo
a indicação da professora de sala e da direção da escola. A Tabela 1 resume a

309
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

distribuição das crianças por nível escolar, sexo e fornece a média de idade das
crianças em cada série escolar.

Tabela 1. Distribuição de frequência das crianças por nível escolar, sexo e


idade média (em anos e meses) por nível escolar.
Meninos Meninas Total Idade média
a
1 série 13 16 29 7 a 1m
2a série 19 23 42 8 a 1m
3a série 21 24 45 9 a 3m
Total 53 63 116

Instrumento

O TCLP, com seus setenta itens, foi aplicado coletivamente em sala de aula
em uma única sessão para cada turma.

Resultados

A Tabela 2 resume a frequência de erros no TCLP e em cada subteste em


que houve efeito significativo da série escolar.

Tabela 2. Frequência de erros no TCLP e em cada um dos subtestes em


que houve efeito significativo de série escolar. Média (M) e erro-padrão (EP).
1a série 2a série 3a série
Subteste TCLP M EP M EP M EP
Frequência total de erros no TCLP 10,90 0,92 8,43 0,77 5,20 0,74
Palavras corretas regulares 0,72 0,14 0,50 0,11 0,20 0,11
Palavras corretas irregulares 1,45 0,23 1,19 0,19 0,53 0,18
Pseudopalavras com trocas fonológicas 3,00 0,40 1,95 0,33 1,18 0,32
Pseudopalavras homófonas 4,31 0,44 3,36 0,36 1,60 0,35

A Figura 24.1 representa o efeito da série escolar sobre a frequência de erros


no TCLP. Conforme a figura, a frequência de erros de leitura diminuiu com a
série escolar. Anova da pontuação de competência de leitura como função da

310
teste de competência de leitura silenciosa de palavras ( tclp )

série escolar revelou efeito significativo, F (2, 113) = 12,16, p < 0,000. Análises
de comparação de pares de Bonferroni revelaram que a frequência de erros na
3ª série (5,20) foi significativamente menor que na 1a (10,90) e 2a séries (8,43).

Figura 24.1. Efeito da série escolar sobre a frequência de erros


de leitura no TCLP.

A Figura 24.2 (à esquerda) representa o efeito da série escolar sobre a frequência


de erros no subteste de Palavras Corretas Regulares do TCLP. Conforme a figura,
a frequência de erros de leitura silenciosa de Palavras Corretas Regulares foi
uma função decrescente da série escolar. Anova de frequência de erros de leitura
silenciosa de corretas regulares como função da série escolar revelou efeito signifi-
cativo, F (2, 113) = 4,83, p = 0,010. Análises de comparação de pares de Bonferroni
revelaram que a frequência de erros na 3ª série (0,20) foi significativamente menor
que na 1a série (0,72). A Figura 24.2 (à direita) representa o efeito da série escolar
sobre a frequência de erros no subteste de Palavras Corretas Irregulares do TCLP.
Conforme a figura, a frequência de erros de leitura silenciosa de palavras corretas
irregulares foi uma função decrescente da série escolar. Anova de frequência de
erros de leitura silenciosa de corretas irregulares como função da série escolar
revelou efeito significativo, F (2, 113) = 5,81, p = 0,004. Análises de comparação
de pares de Bonferroni revelaram que a frequência de erros na 3a série (0,53) foi
significativamente menor que na 1a série (1,45) e na 2a série (1,19).

311
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Figura 24.2. Efeito da série escolar sobre a frequência de erros de leitura


em subtestes do TCLP. Frequência de erro de rejeição indevida de palavras
corretas regulares (à esquerda) e de rejeição indevida de palavras corretas
irregulares (à direita).

A Figura 24.3 (à esquerda) representa o efeito da série escolar sobre a


frequência de erros no subteste de Pseudopalavras com Trocas Fonológicas do
TCLP. Conforme a figura, a frequência de erros de leitura silenciosa de Pseudo-
palavras com Trocas Fonológicas foi uma função decrescente da série escolar.
A nova de frequência de erros de leitura silenciosa de Pseudopalavras com
Trocas Fonológicas como função da série escolar revelou efeito significativo,
F (2, 113) = 6,42, p = 0,002. Análises de comparação de pares de Bonferroni
revelaram que a frequência de erros na 3a série (1,18) foi significativamente
menor que na 1a série (3,00). A Figura 24.3 (à direita) representa o efeito
da série escolar sobre a frequência de erros no subteste de Pseudopalavras
Homófonas do TCLP. Conforme a figura, a frequência de erros de leitura
silenciosa de Pseudopalavras Homófonas foi uma função decrescente da série
escolar. Anova de frequência de erros de leitura silenciosa de Pseudopalavras
Homófonas como função da série escolar revelou efeito significativo, F (2, 113)
= 12,77, p < 0,000. Análises de comparação de pares de Bonferroni revelaram
que a frequência de erros na 3a série (1,60) foi significativamente menor que
na 1a série (4,31) e na 2a série (3,36).

312
teste de competência de leitura silenciosa de palavras ( tclp )

Figura 24.3. Efeito da série escolar sobre a frequência de erros de


leitura em subtestes do TCLP. Frequência de erro de aceitação indevida de
pseudopalavras com trocas fonológicas (à esquerda) e de aceitação indevida
de pseudopalavras homófonas (à direita).

Segundo as Anovas, não houve efeito significativo de série sobre a frequ-


ência de erros nos seguintes subtestes: palavras heterossêmicas: (M geral = 0,08);
pseudopalavras com trocas visuais (M geral = 1,00), e pseudopalavras estranhas
(M geral= 0,07).

Considerações finais

Os dados se coadunaram às expectativas.


Comparando as escalas das ordenadas dos dois gráficos da Figura 2 (à
esquerda e à direita) fica claro que a presença de irregularidades grafofonêmicas
dificulta o processamento de leitura leitura (isto é, a aceitação de palavras corretas).
Isso é revelado pela maior frequência de erros na aceitação de palavras irregulares
do que na de palavras regulares. Comparando o aspecto das curvas, fica também
aparente que a grande melhora no processamento de palavras corretas irregulares
se dá da 2a para a 3a série, exatamente quando se consolida a rota lexical, com
a penetração no estágio ortográfico. Por sua vez, diferentemente do ganho
mais abrupto da 2a para a 3a série no processamento de palavras irregulares, a

313
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

melhora no processamento de palavras corretas regulares parece ter sido mais


contínua e monotônica, o que sugere que os processos contínuos de automatismo
e fluência crescentes da rota fonológica são suficientes para dar conta dessas
palavras regulares, sem qualquer descontinuidade. A continuidade de ganho da
1a para a 2a para a 3a série presente na leitura de palavras grafofonemicamente
regulares sugere a progressiva eficácia do processamento original fonológico, de
decodificação grafofonêmica que cede lugar ao lexical à medida que vai se auto-
matizando. Reciprocamente, a descontinuidade (no caso, maior ganho da 2a para
a 3a série) presente na leitura de palavras irregulares sugere que o processamento
original de decodificação não é suficiente, sendo necessário o envolvimento de
um processo ulterior de reconhecimento visual direto de formas não muito
precisamente decodificáveis. Como a leitura adequada de palavras irregulares só
pode se dar pelo processo de reconhecimento visual direto (já que a decodificação
grafofonêmica estrita levaria a formas fonológicas estranhas e irreconhecíveis
como echército e táchi), e como esse processo lexical (isto é, de reconhecimento
visual direto da forma ortográfica familiar) só pode operar eficientemente quando
as palavras a serem reconhecidas têm forma ortográfica familiar, ele deve esperar
até que essas formas adquiram familiaridade suficiente, o que só se dá depois que
a decodificação grafofonêmica se tornou suficientemente automática e fluente
para liberar recursos centrais de atenção e memória e engajar o léxico semântico,
ou seja, depois que ocorreu domínio da fase ortográfica.
Comparando as escalas das ordenadas dos dois gráficos da Figura 24.3 (à
esquerda e à direita), fica claro que é mais fácil identificar trocas fonológicas
(como representado na figura esquerda) do que reconhecer malformações
ortográficas (como representado na figura direita) em palavras que soam como
as palavras reais e adequadas às figuras a elas associadas. Isso porque o domínio
do segundo estágio (isto é, o alfabético, com o desenvolvimento pleno da rota
fonológica e sua habilidade de decodificação grafofonêmica fluente e precisa) já
basta para poder identificar eficientemente as trocas fonológicas, ao passo que
só o domínio do terceiro estágio (isto é, o ortográfico, com o desenvolvimento
pleno da rota lexical) é que permite identificar malformações ortográficas (isto
é, reconhecer que, ainda que sejam homófonas e condizentes com as figuras às
quais se encontram associadas, pseudopalavras não pertencem ao léxico, ou
seja, reconhecer que “não é assim que se escreve” uma certa palavra).

314
teste de competência de leitura silenciosa de palavras ( tclp )

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322
25
Prova de Consciência
Fonológica por Escolha
de Figuras (PCFF) para
avaliação coletiva em sala
de aula e de crianças com
paralisia cerebral
Fernando César Capovilla,
Luciana F. Marcílio,
Alessandra G. Seabra

Uma das mais importantes características que distingue a maior parte das
crianças que fracassam em aprender a ler é a baixa habilidade metafonêmica,
também chamada de consciência fonêmica. Trata-se da consciência de que
a fala pode ser concebida como um fluxo no tempo de um certo número
limitado de fonemas que se combinam e recombinam em diferentes ordens
conforme regras convencionais compondo diferentes palavras faladas, e que
esses fonemas podem ser convertidos em seus grafemas correspondentes num
mapeamento de ordem conforme a sequência tempo-espaço (da esquerda
para a direita na linha, e de cima para baixo entre linhas), e com lacunas para

323
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

separar as palavras. Tal consciência pode ser facilmente avaliada medindo os


níveis de um conjunto de habilidades metafonológicas, como as de manipular
fonemas (isto é, adição, subtração ou substituição de fonemas no início, meio
ou fim de palavras produzindo novas palavras ou pseudopalavras, como do
som b por m transformando cabelo em camelo) e transpor fonemas (isto é,
inverter sua ordem produzindo novas palavras ou pseudopalavras, como de
íris para siri), e fazer trocadilhos (isto é, inverter a ordem de fonemas iniciais,
mediais ou finais entre palavras, como de bomar tanho para tomar banho). Já
se demonstrou fartamente que os níveis dessas habilidades metafonêmicas
predizem com bastante precisão os níveis de leitura em voz alta, escrita sob
ditado, e compreensão de textos (A. Capovilla & F. Capovilla, 1997, 1998a,
1998b, 2002a, 2002d, 2003, , 2004; F. Capovilla, 2004; F. Capovilla e A.
Capovilla, 1996, 2001a, 2001b, 2002a, Cardoso-Martins, F. Capovilla, Gombert,
Oliveira, Morais, Adams e Beard, 2003; National Institute of Child Health and
Human Development, National Reading Panel, 2000; Observatoire National
de la Lecture, et Centre National de Documentation Pédagogique, 1998; UK
Government’s Department for Education and Employment, Standards and
Effectiveness Unit, 2000). Além disso, já se demonstrou, também, que as
relações entre a consciência fonológica e a alfabetização são de causalidade
recíproca, e não de mera correlação. De fato, os significativos benefícios de
instruções metafonológicas (isto é, exercícios para desenvolver consciência
fonológica) e fônicas (isto é, ensino explícito e sistemático das relações entre
grafemas e fonemas) para a prevenção e o tratamento de problemas de leitura
e escrita foram cientificamente documentados em uma série de trabalhos
(A. Capovilla e F. Capovilla, 1997, 1999, 2000, 2002b, 2002c, 2003, 2004; F.
Capovilla e A. Capovilla, 1999, 2003, 2004).
A Prova de Consciência Fonológica por escolha de Figuras (PCFF: A.
Capovilla e F. Capovilla, no prelo a) avalia a habilidade da criança de manipular
os sons da fala. Ela contém nove subtestes, cada qual composto por dois itens
de treino e cinco itens de teste. Portanto, o escore máximo é de 45 acertos,
com cinco acertos por subteste. Em cada item há cinco desenhos, dentre os
quais a criança deve escolher o que melhor corresponde à palavra pronun-
ciada pelo avaliador. Os nove subtestes são: 1) Rima: tendo ouvido um nome
pronunciado pelo examinador, a criança deve escolher, dentre cinco figuras,

324
prova de consciência fonológica por escolha de figuras ( pcff )

aquela cujo nome falado termina com os mesmos sons daquele nome falado;
2) Aliteração: tendo ouvido um nome pronunciado pelo examinador, a criança
deve escolher, dentre cinco figuras, aquela cujo nome falado começa com os
mesmos sons daquele nome falado; 3) Adição Silábica: tendo ouvido o avaliador
pronunciar uma palavra e uma sílaba adicional, a criança deve escolher, dentre
cinco figuras, aquela cujo nome falado corresponde à adição da sílaba àquela
palavra falada (p. ex., pato + sa no começo = sapato); 4) Adição Fonêmica: tendo
ouvido o avaliador pronunciar uma palavra e um fonema adicional, a criança
deve escolher, dentre cinco figuras, aquela cujo nome falado corresponde à
adição do fonema ao nome falado pelo avaliador (p. ex., ala + /s/ no começo =
sala); 5) Subtração Silábica: tendo ouvido o avaliador pronunciar uma palavra
e uma sílaba, a criança deve escolher, dentre cinco figuras, aquela cujo nome
falado corresponde à palavra falada pelo avaliador menos aquela sílaba (p.
ex., macaco - ma = caco); 6) Subtração Fonêmica: tendo ouvido o avaliador
pronunciar uma palavra e um fonema, a criança deve escolher, dentre cinco
figuras, aquela cujo nome falado corresponde à palavra falada pelo avaliador
menos aquele fonema (p. ex., boca – /b/ = oca); 7) Transposição Silábica: tendo
ouvido o avaliador pronunciar uma palavra, a criança deve inverter a ordem
das sílabas que compõem essa palavra e escolher, dentre cinco figuras, aquela
cujo nome falado corresponde ao resultado dessa inversão de sílabas (p. ex.,
lobo / bolo); 8) Transposição Fonêmica: tendo ouvido o avaliador pronunciar
uma palavra, a criança deve inverter a ordem dos fonemas que compõem essa
palavra e escolher, dentre cinco figuras, aquela cujo nome falado corresponde
ao resultado dessa inversão de fonemas (p. ex., íris / siri); 9) Trocadilho: tendo
ouvido o avaliador pronunciar duas palavras, a criança deve inverter a ordem
dos fonemas iniciais dessas duas palavras e escolher, dentre cinco figuras, aquela
cujo nome falado corresponde ao resultado dessa inversão de fonemas (p. ex.,
cular porda/pular corda).
A PCFO se baseia na Prova de Consciência Fonológica por Produção
Oral (PCFO: A. Capovilla e F. Capovilla, 1998a, 1998b, 2003), um teste
comprovadamente robusto e sensível, normatizado e amplamente vali-
dado em uma série de estudos que mostram sua elevada correlação com
habilidades centrais como leitura em voz alta, leitura silenciosa, memória
de trabalho fonológica, discriminação fonêmica, vocabulário receptivo

325
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

auditivo, dentre outras (A. Capovilla e F. Capovilla, 1997, 2000, 2002b, 2002c,
2003, 2004; F. Capovilla e A. Capovilla, 1996, 1999, 2001a, 2004; F. Capovilla,
Nunes, Nogueira et al., 1997). Em relação à PCFO, a PCFF apresenta duas
importantes vantagens, como as de permitir avaliar a consciência fonológica
em situação coletiva, bem como avaliar a consciência fonológica em pessoas com
severos distúrbios de articulação da fala, como no caso da paralisia cerebral,
sendo, assim, ideal para avaliar os ganhos de programas de alfabetização fônica
de paralisados cerebrais (F. Capovilla, Tomazette e A. Capovilla, no prelo).
Embora recentemente desenvolvida, a PCFF já foi empregada em três estudos
preliminares de validação, os quais documentaram boa fidedignidade no teste-
-reteste e boa correlação positiva com a PCFO (A. Capovilla, Gütschow e F.
Capovilla, 2003b), boa correlação com a competência de leitura silenciosa e
boa capacidade de distinguir entre bons e maus leitores (A. Capovilla, Suiter
e F. Capovilla, 2003), boa correlação com a competência de leitura silenciosa
e a escrita sob ditado (A. Capovilla, Gütschow e F. Capovilla, 2003a), e com
consciência sintática (A. Capovilla, F. Capovilla e Soares, no prelo). Segue uma
breve descrição desses estudos.
O estudo intitulado Diferenças em processamento cognitivo entre crianças
com e sem dificuldades de leitura (A. Capovilla, Suiter e F. Capovilla, 2003)
analisou processos cognitivos envolvidos na aquisição da linguagem escrita
e identificou algumas das habilidades cognitivas mais frequentemente
prejudicadas nas dificuldades de leitura e escrita. Participaram 90 crianças
de pré-escola e 1a série da rede pública e particular, avaliadas em leitura,
escrita, consciência fonológica, memória fonológica, vocabulário, aritmética,
processamento visual (cópia e desenho de memória) e sequenciamento. Em cada
teste, foram comparados os desempenhos de bons e de maus leitores (definidos
como tendo desempenhos em leitura acima e abaixo de um desvio-padrão em
relação à média de sua classe, respectivamente), usando série escolar e percentil
no Raven como covariantes. Resultados revelaram que os bons leitores obtêm
pontuações significativamente superiores às dos maus leitores em tarefas de
escrita, consciência fonológica, vocabulário, memória fonológica de curto prazo
e memória visual com desenho de memória. Tais resultados são compatíveis
com estudos (p. ex., Grégoire e Piérart, 1997) que demonstram a existência de

326
prova de consciência fonológica por escolha de figuras ( pcff )

forte relação causal entre processamento fonológico e linguagem escrita, além


de uma relação também significativa entre processamento sequencial, aritmética
e linguagem escrita e, finalmente, uma relação mais fraca e meramente corre-
lacional entre processamento visual e linguagem escrita.
O estudo intitulado Instrumentos de avaliação de habilidades cognitivas
relacionadas à aquisição de leitura e escrita: análise de validade e fidedignidade (A.
Capovilla, Gütschow e F. Capovilla, 2003b) analisou a validade e a fidedignidade
de diversos instrumentos de avaliação de leitura, escrita e outras habilidades
cognitivas. Foram avaliadas as habilidades de leitura, escrita, memória fono-
lógica, vocabulário, consciência fonológica, sequenciamento, memória visual,
cópia de formas geométricas e qualidade da escrita em 54 crianças de escolas
públicas e particular. Foram administradas duas aplicações de cada instrumento,
com intervalo de dez meses entre elas. Os resultados revelaram que todos os
instrumentos se mostraram válidos e fidedignos. Válidos porque os testes de
comparação entre pares, subsequentes a Anovas, revelaram que os testes são
capazes de discriminar entre séries sucessivas. Fidedignos porque produziram
correlação alta e significativa entre as duas aplicações (isto é, fidedignidade
teste-reteste). Foi observado um efeito significativo da série escolar sobre escores
de escrita, leitura, consciência fonológica, vocabulário, aritmética, memória
fonológica e qualidade da escrita. Comparando os desempenhos entre séries
sucessivas por meio de testes de comparação de pares subsequentes a Anovas,
foi observado que os instrumentos são discriminam o desempenho de crianças
de séries escolares consecutivas. Assim, esse estudo sugere que os instrumentos
são válidos e fidedignos.
O estudo intitulado Características cognitivas que predizem dificuldades
de alfabetização (A. Capovilla, Gütschow e F. Capovilla, 2003a) avaliou as
habilidades de memória fonológica, vocabulário, consciência fonológica,
sequenciamento, memória visual, cópia de formas geométricas e qualidade
da escrita por parte de 54 crianças de pré-escola e 1a série oriundas de escolas
públicas e particulares com o objetivo de identificar quais habilidades cognitivas
são capazes de servir como boas preditoras do desempenho ulterior de leitura
e escrita. Foram avaliadas as habilidades de memória fonológica, vocabulário,
consciência fonológica, sequenciamento, memória visual, cópia de formas

327
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

geométricas e qualidade da escrita. Dez meses depois foram avaliadas a leitura e


a escrita e empreendidas análises de regressão para verificar quais habilidades na
pré-escola e no início da alfabetização melhor predizem desempenhos ulteriores
em leitura e escrita. Memória fonológica, vocabulário, consciência fonológica
(especialmente fonêmica) e sequenciamento mostraram-se boas preditoras de
leitura e escrita. Assim, leitura e escrita se mostraram correlacionadas de modo
positivo e significativo com habilidades de processamento fonológico, mas
não de processamento visual e motor (cópia de figuras e qualidade da escrita).
A única exceção foi correlação entre memória visual e escrita. Os resultados
corroboram a hipótese do déficit fonológico, segundo a qual problemas de
leitura e escrita são devidos principalmente a distúrbios fonológicos, e não
visuais ou motores. O estudo forneceu validação preliminar de instrumentos
recém-desenvolvidos e diretrizes para intervenção preventiva e remediativa.
Identificando habilidades capazes de predizer leitura e escrita, torna-se possível
detectar crianças de risco por meio da avaliação dessas habilidades, de modo a
prevenir e remediar distúrbios da linguagem escrita.
O estudo intitulado Consciência sintática no ensino fundamental: correla-
ções com consciência fonológica, vocabulário, leitura e escrita (A. Capovilla, F.
Capovilla e Soares, no prelo) avaliou 204 crianças de 1a a 4a séries do ensino
fundamental e descobriu correlações positivas significativas entre a consciência
sintática, consciência fonológica, vocabulário receptivo auditivo, leitura e escrita
sob ditado, fornecendo corroboração ulterior à hipótese do deficit fonológico.
O presente estudo objetivou fazer uma sondagem inicial do crescimento do
desempenho no PCFF como função da série escolar, tanto para o escore geral
quanto para cada um de seus subtestes.

Método

Participantes

Participaram 116 escolares sem distúrbios do desenvolvimento, matricu-


lados de 1a a 3a série do ensino fundamental de uma escola da rede pública de

328
prova de consciência fonológica por escolha de figuras ( pcff )

ensino do município de São Paulo. As salas foram selecionadas pela indicação


da professora de sala e da direção da escola. A Tabela 1 resume a distribuição
das crianças por nível escolar, sexo e fornece a média de idade das crianças em
cada série escolar.
Tabela 1. Distribuição de frequência das crianças por nível escolar, sexo e
idade média (em anos e meses) por nível escolar.
Meninos Meninas Total Idade média
1a série 13 16 29 7,1
2a série 19 23 42 8,1
3a série 21 24 45 9,3
Total 53 63 116

Instrumento

Foi empregada a PCFF com seus nove subtestes, que se encontram descritos
e ilustrados a seguir.

Prova de Consciência Fonológica por escolha de Figuras (PCFF)


Rima: A criança deve julgar, dentre cinco itens, qual termina com o
mesmo som que a palavra falada pelo examinador. Instruções: Vejam essas
linhas. Há cinco desenhos em cada linha. Na primeira linha temos: castor,
funil, bola, bode e remédio [O examinador aponta os desenhos conforme fala
seus nomes correspondentes]. Vou dizer uma palavra, e vocês devem escolher
o desenho que termina com o mesmo som dessa palavra. Por exemplo, olhem
os desenhos dessa primeira linha. Qual dos cinco desenhos termina como a
palavra “cola”? Isso é o desenho de bola. Agora resolvam os seguintes itens.
Itens de teste: 1) palavra falada: sereia; figuras: ave, baleia, bicicleta, aranha,
avião; 2) palavra falada: pão; figuras: chuveiro, apito, trator, mão, mel; 3)
palavra falada: foto; figuras: moto, onça, lata, bico, maçã; 4) palavra falada:
feia; figuras: dado, porta, teia, prédio, colher; 5) palavra falada: moço; figuras:
bebê, melancia, tênis, poço, bolsa. A Figura 25,1 exemplifica a aparência dos
itens, no caso, o item 2.

329
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Aliteração: A criança deve julgar, dentre cinco itens, quais são os dois
que começam com o mesmo som. Instruções: Vejam essas linhas. Há cinco
desenhos em cada linha. Na primeira temos: morcego, cabeça, vestido, peteca
e menino. [O examinador aponta os desenhos conforme fala seus nomes
correspondentes]. Eu vou dizer uma palavra, e vocês devem escolher qual
desenho começa com o mesmo som que essa palavra. Por exemplo, olhem
os desenhos dessa primeira linha. Qual desenho começa igual a palavra
“cachorro”? Itens de teste: 1) palavra falada: sala; figuras: pipa, luva, pincel, sapo,
panda; 2) bolo: boné, sorvete, pavão, joelho, leão; 3) galho: pizza, bala, vaso,
lápis, gato; 4) folha: porco, meia, lixo, fogo, pudim; 5) pera: garfo, pena, leite,
anel, selo. A Figura 25.2 exemplifica a aparência dos itens, no caso, o item 1.

Adição Silábica: O examinador pergunta como fica uma palavra adicio-


nando uma sílaba, e a criança deve escolher o desenho correspondente à resposta
correta. Instruções: Agora eu vou dizer algumas palavras, e depois nós vamos
colocar mais uma parte nessa palavra, e vamos criar novas palavras. Vejam essas
linhas. Há cinco desenhos em cada linha. Na primeira temos: menina, canguru,
rádio, torta e comeu [O examinador aponta os desenhos conforme fala seus
nomes correspondentes]. Eu vou dizer uma palavra e nós vamos colocar mais
um pedaço nessa palavra, e vai dar um desses desenhos. Por exemplo, a palavra
“meu”. Como fica a palavra “meu” se eu colocar o pedacinho “co” na frente?
Fica “comeu”. Então qual desenho nós vamos marcar? O último, o desenho do

330
prova de consciência fonológica por escolha de figuras ( pcff )

“comeu”. Itens de teste: 1) fala: caco + ma no começo; figuras: macaco, presente,


coruja, mala, chave; 2) fala: ladeira + ge no começo; figuras: elefante, batedeira,
geladeira, papagaio, gênio; 3) fala: chá + péu no final; figuras: panela, abajur,
chinelo, chapéu, pera; 4) fala: maca + rrão no final; figuras: macarrão, balão,
abelha, pipoca, camelo; 5) fala: boca + né no meio; figuras: coelho, caneta, boneca,
bruxa, mágico. A Figura 25.3 exemplifica a aparência dos itens, no caso, o item 3.

Subtração Silábica: O examinador pergunta como fica uma palavra


retirando uma sílaba, e a criança deve escolher o desenho correspondente
à resposta correta. Instruções: Agora vamos fazer um jogo quase igual, mas
nós vamos ver como fica uma palavra tirando um pedaço. Vou dizer algumas
palavras, e depois nós vamos tirar uma parte dessa palavra, e vamos criar
novas palavras.
Vejam essas linhas. Há cinco desenhos em cada linha. Na primeira
temos: colar, tubarão, cavalo, telefone e bandeira [O examinador aponta os
desenhos conforme fala seus nomes correspondentes]. Vou dizer uma palavra
e nós vamos tirar um pedaço dessa palavra, e vai dar um desses desenhos.
Por exemplo, a palavra “decolar”. Como fica a palavra “decolar” se eu tirar
o pedacinho “de”? Prestem atenção: “decolar” sem o “de”. Fica “colar”. Então
qual desenho nós vamos marcar? O primeiro, o desenho do “colar”. Então,
desses cinco desenhos, o que fica igual a “decolar” retirando o “de” é o “colar”.
Então vamos fazer um X no “colar”. Itens de teste: 1) fala: brincadeira – brin no
começo; figuras: escorpião, bota, brinco, urso, cadeira; 2) fala: escola – es no
começo; figuras: caderno, cola, ladrão, caminhão, espada; 3) fala: pedra – dra
no fim; figuras: jacaré, polvo, pé, bailarina, pedreiro; 4) fala: nota – tá no fim;
figuras: máscara, carro, chorar, cabide, nó; 5) fazenda – zen no meio; figuras:
fada, amendoim, zebra, ferro, cogumelo. A Figura 25.4 exemplifica a aparência
dos itens, no caso, o item 1.

331
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Adição Fonêmica: O examinador pergunta como fica uma palavra


adicionando um fonema, e a criança deve escolher o desenho correspondente
à resposta correta. Instruções: Agora vou dizer algumas palavras, e depois nós
vamos colocar mais uma parte nessa palavra, e vamos criar novas palavras. Mas
agora nós vamos colocar uma parte pequena, apenas um som. Vamos olhar
esta primeira linha. Nós temos cinco desenhos em cada linha. Nós temos: céu,
vassoura, côco, vela e bermuda. [O examinador aponta os desenhos conforme
fala seus nomes correspondentes]. Eu vou dizer uma palavra e nós vamos colocar
mais um pedaço nessa palavra, e vai dar um desses desenhos. Por exemplo, a
palavra “ela”. Como fica a palavra “ela” se eu colocar o pedacinho /v/ na frente?
Fica “vela”. Itens de teste: 1) fala: oca + /f/ no começo; figuras: flor, agulha, foca,
caveira, macaco; 2) fala: oi + /b/ no começo; figuras: injeção, nozes, banana, anjo,
boi; 3) fala: sai + /a/ no meio; figuras: algemas, saia, galinha, violão, cenoura; 4)
fala: mês + /a/ no fim; figuras: fantasma, mesa, castelo, estrela, morango;
5) fala: bo_a + /c/ no meio; figuras: abridor, bombeiro, camiseta, banheira, boca.
A Figura 25.5 exemplifica a aparência dos itens, no caso, o item 5.

Subtração Fonêmica: O examinador pergunta como fica uma palavra retirando


um fonema, e a criança deve escolher o desenho correspondente à resposta correta.
Instruções: Agora vamos fazer um jogo quase igual, mas nós vamos ver como fica
uma palavra tirando um pedaço. Também vai ser um pedacinho pequeno, apenas
um som. Eu vou dizer algumas palavras, e depois nós vamos tirar uma parte nessa
palavra, e vamos criar novas palavras. Vejam essas linhas. Há cinco desenhos em
cada linha. Na primeira temos: xícara, pão, unha, nariz e beringela. [O examinador
aponta os desenhos conforme fala seus nomes correspondentes]. Eu vou dizer uma
palavra e nós vamos tirar um pedaço dessa palavra, e vai dar um desses desenhos.

332
prova de consciência fonológica por escolha de figuras ( pcff )

Por exemplo, a palavra “punha”. Como fica a palavra “punha” se eu tirar o pedacinho
/p/, que é o som do começo? Prestem atenção: “punha” sem o /p/. Fica “unha”. Então
qual desenho nós vamos marcar? O terceiro, o desenho da “unha”. Então, desses
cinco desenhos, o que fica igual a “punha” retirando o /p/ é a “unha”. Então vamos
fazer um X na unha. Itens de teste: 1) fala: milha - /m/ no começo; figuras: alho, ilha,
tapete, âncora, mamão; 2) fala: casa - /c/ no começo; figuras: asa, ventilador, cachorro,
trem, cabelo; 3) fala: gatas - /s/ no final; figuras: batata, gatas, escada, abacaxi, gata;
4) fala: casal - /l/ no final; figuras: cobra, sola, carta, casa, palhaço; 5) fala: pasto - /s/
mo meio; figuras: pato, dominó, pirulito, balanço, peixe. A Figura 25.6 exemplifica
a aparência dos itens, no caso, o item 4.

Transposição Silábica: A criança deve inverter as sílabas de uma palavra,


escolhendo o desenho correspondente. Instruções: Vou dizer uma palavra, e
depois nós vamos falar essa palavra de trás para frente, criando novas palavras.
Mas agora vamos inverter cada som da palavra. É mais difícil, precisamos prestar
mais atenção. Assim, eu vou dizer uma palavra, e depois nós falaremos essa
palavra de trás para frente, e criando novas palavras. Vejam essas linhas. Há
cinco desenhos em cada linha. Na primeira temos: coração, nado, golfinho,
filtro, navio. [O examinador aponta os desenhos conforme fala seus nomes
correspondentes]. Vou dizer uma palavra e nós vamos repetir essa palavra, mas
de trás para frente. Por exemplo, a palavra “dona”. Como fica a palavra “dona” se
eu falar de trás para frente? Prestem atenção: “dona” tem duas partes: “do - na”.
Eu vou falar começando pela última parte, pelo “na”. Então vai ficar “na - do”,
“nado”. Então qual desenho nós vamos marcar? O desenho do “nado”. Assim,
desses cinco desenhos, o que fica igual a “dona” de trás para frente é “nado”.
Então vamos fazer um X no nado. Itens de teste: 1) fala: faço; figuras: roda, flecha,
chupeta, calça, sofá; 2) fala: tapa; figuras: bola, pente, foguete, pata, tatu; 3) fala:
lobo; figuras: bolo, limão, borboleta, mão, janela; 4) fala: cabo; figuras: óculos,
boca, robô, caju, bolacha; 5) fala: cava; figuras: faca, nuvem, relógio, vaca, caracol.
A Figura 25.7 exemplifica a aparência dos itens, no caso, o item 3.

333
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Transposição Fonêmica: A criança deve inverter os fonemas de uma palavra,


escolhendo o desenho correspondente. Instruções: Vejam essas linhas. Há cinco
desenhos em cada linha. Na primeira temos: olá, orelha, olho, freira e sol. [O exami-
nador aponta os desenhos conforme fala seus nomes correspondentes]. Vou dizer
uma palavra e nós vamos repetir essa palavra, mas de trás para frente, invertendo
cada som. Por exemplo, a palavra “alô”. “alô” tem 3 sons: “a - l - o”. Eu vou começar a
falar do último som. “a - l - o”. Vou começar do “o”. Vai ficar: “o - l - a”. Vai dar “olá”.
Então qual desenho nós vamos marcar? O desenho do “olá”. Assim, desses cinco
desenhos, o que fica igual a “alô” de trás para frente é “olá”. Então vamos fazer um
X no “olá”. Itens de teste: 1) fala: alas; figuras: aquário, batom, sala, sino, lanterna; 2)
fala: olé; figuras: baú, elo, ovo, livro, luz; 3) fala: aias; figuras: pia, sapato, cruz, saia,
pá; 4) fala: ova; figuras: avião, chá, vela, gravata, avó; 5) fala: ocas; figuras: saco, rosa,
uva, sinal, botão. A Figura 25.8 exemplifica a aparência dos itens, no caso, o item 4.

Trocadilhos: O examinador diz duas palavras com os fonemas iniciais trocados.


A criança deve inverter os fonemas, corrigindo as palavras, e então escolher o desenho
correspondente. Instruções: Vou dizer duas palavras, mas eu vou dizer de uma forma
engraçada. Eu vou falar as palavras de um jeito errado. Vou trocar os sons do começo
dessas palavras. Vou colocar o som de uma palavra na outra palavra. Então vai ficar
errado. Vocês têm de adivinhar o que eu estou dizendo. Vejam essas linhas. Há cinco
desenhos em cada linha, cada desenho representa uma frase com duas palavras.
Na primeira temos: colar papel, subir na parede, ave, pescar peixe, e pular corda.
[O examinador aponta os desenhos conforme fala a frase correspondente]. Eu vou
dizer: “cular porda”. Estou falando um desses desenhos, mas em código secreto.
Estou trocando os sons do começo. Prestem atenção: “cular porda”. Vocês acham que

334
prova de consciência fonológica por escolha de figuras ( pcff )

“cular porda” é “colar papel” trocando os sons? Não. “cular porda” é “subir na parede”
trocando os sons? Não. “cular porda” é “ave” trocando os sons? Não. “cular porda” é
“pescar peixe” trocando os sons? Não. “cular porda” é “pular corda” trocando os sons?
Sim! Prestem atenção nos sons: “cular porda” e “pular corda”. São parecidos, não? Eu
troquei os sons do começo. “cular” e “pular”; e “porda” e “corda”. Entenderam? Então
“cular porda” é “pular corda”. Então vamos fazer um X no “pular corda”. Itens de teste:
1) fala: botar tanho; figuras: sentir vento, atrapalhar a menina, frutas, tomar banho,
boneca; 2) fala: cazer fonta; figuras: tirar foto, casa, fazer conta, atravessar ponte, fonte;
3) fala: vomar tacina; figuras: tomar vacina, piscina, votar, tartaruga, beber água; 4)
fala: paca vintada; figuras: vinte, jogar vôlei, vaca pintada, fazer pão, capivara; 5) fala:
fogar jutebol; figuras: afogar, jogar futebol, jogar golfe, lutar judô, fogão. A Figura 25.9
exemplifica a aparência dos itens, no caso, o item inicial de treino.

Além da Prova de Consciência Fonológica por Escolha de Figuras (PCFF)


foram também empregados os seguintes instrumentos:
1) Teste de Compreensão de Leitura de Sentenças (TCLS: F. Capovilla,
Viggiano, A. Capovilla, Raphael, Bidá, Neves e Mauricio, 2004) para o diagnós-
tico diferencial de distúrbio de aquisição de leitura. É composto de seis itens de
treino e de 40 itens de teste arranjados em ordem de dificuldade. Em cada item,
a criança deve escolher e marcar com um X, dentre cinco figuras alternativas,
aquela que corresponde à sentença lida.
2) Prova de Escrita sob Ditado de itens isolados (PESD: A. Capovilla e F.
Capovilla, 2003). É composta da lista de 72 itens psicolinguísticos de Pinheiro
(1994) e de critérios de correção estabelecidos, validados e normatizados por
A. Capovilla e F. Capovilla (1998a). Dos 72 itens, 24 eram regulares, 24 regra,
24 irregulares, 24 palavras de alta frequência, 24 de baixa frequência e 24 pseu-
dopalavras. Destas, 36 eram bissílabos e 36 eram trissílabos. Foi feita análise
quantitativa de erros, ou seja, a frequência de erros total e por tipo de item, ou
seja, lexicalidade (isto é, palavra ou pseudopalavra), regularidade grafofonêmica

335
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

(isto é, regular, regrado por posição ou irregular), frequência (isto é, alta ou


baixa) e extensão (isto é, duas ou três sílabas). Nas pseudopalavras, diferentes
escritas foram consideradas como corretas desde que a pronúncia resultante
estivesse de acordo com a forma fonológica ditada pelo aplicador (p. ex., para
/ezal/ foram consideradas corretas as formas ezal, esal, ezau e esau).
3) Teste de Competência de Leitura Silenciosa de Palavras (TCLP: F. Capovilla,
Viggiano, A. Capovilla, Raphael, Mauricio e Bidá, 2004) para avaliar o estágio de
desenvolvimento da leitura. Trata-se de instrumento psicométrico porque permite
avaliar o grau de desvio de cada criança em relação ao seu grupo de referência
(em termos de idade e escolaridade) e neuropsicológico cognitivo porque permite
interpretar os dados da criança em termos de modelo de desenvolvimento da leitura
e da escrita e verificar a fase de desenvolvimento da leitura e as estratégias de leitura
que prevalecem em seu desempenho. Consiste em oito itens de treino e 70 de teste,
cada qual com um par composto de uma figura e de um item escrito. A criança deve
marcar um X nos pares figura-escrita incorretos. Há sete tipos de pares distribuídos
aleatoriamente ao longo do teste em palavras corretas regulares (p. ex., figura: fada;
escrita: fada) palavras corretas irregulares (p. ex., xadrez; xadrez), palavras com
incorreção semântica (p. ex., ônibus; trem), pseudopalavras com trocas visuais (p. ex.,
cabeça; caebça), pseudopalavras com trocas fonológicas (p. ex., canguru; cancuru),
pseudopalavras homófonas (p. ex., boxe; bóquisse) e pseudopalavras estranhas (p.
ex., xarope; pazido), com dez itens de teste para cada tipo de par.
4) Teste de Vocabulário por Figuras USP (Tvfusp: F. Capovilla e A. Capovilla,
no prelo b). Trata-se de teste de múltipla escolha baseado no Teste de Vocabulário
por Imagens Peabody: Adaptação Brasileira (L. Dunn, D. Dunn, F. Capovilla e A.
Capovilla, 2004a, 2004b) que avalia o grau de desenvolvimento do vocabulário
receptivo auditivo. Seus resultados podem ser interpretados como indicativos do
rendimento e aptidão escolástica. Consiste em cinco itens de treino e 139 de teste,
cada qual com quatro alternativas compostas por uma figura. A criança deve
marcar um X na figura que representa a palavra dita em voz alta pelo examinador.
5) Teste de Compreensão Auditiva de Sentenças (TCAS: F. Capovilla e A.
Capovilla, no prelo). Consiste em seis itens de treino e 40 itens de teste arranjados

336
prova de consciência fonológica por escolha de figuras ( pcff )

em ordem crescente de dificuldade. A cada item, a criança deve escutar a sentença


dita em voz alta pelo examinador, escolher e marcar com um X, dentre cinco
figuras alternativas, aquela que melhor corresponde à sentença ouvida.

Procedimento

Uma amostra de 210 alunos recebeu a Carta de Informação e o Termo de Consen-


timento. Os professores ficaram encarregados de receber as autorizações já preenchidas.
Das 210 cartas entregues, 116 retornaram. Foram determinados junto à direção da
escola e aos professores os horários de aplicação dos testes. Os 116 escolares foram
submetidos à Prova de Consciência Fonológica por Escolha de Figuras, bem como
a outros cinco testes, na seguinte ordem: TCLS, PESD, TCLP, Tvfusp, PCFF, TCAS.

Efeito da série escolar sobre escore geral na PCFF

A Figura 25.10 representa o efeito da série escolar sobre a pontuação na PCFF.


Conforme a figura, a pontuação na PCFF também foi função crescente direta da
série escolar. Anova da pontuação no PCFF como função da série escolar revelou
efeito significativo, F (2, 113) = 8,96, p < 0,000. Análises de comparação de pares
pelo teste conservador de Bonferroni revelaram que a pontuação na 3a série (39,38)
foi significativamente maior do que na 1a série (32,21).

Figura 25.10. Efeito da série escolar sobre a pontuação na PCFF.

337
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Efeito da série escolar sobre escores nos subtestes da PCFF

A Figura 25.11 representa o efeito da série escolar sobre a pontuação em


dois subtestes da PCFF: Subtração Silábica (à esquerda) e Adição Fonêmica
(à direita). Conforme a figura à esquerda, a pontuação de Subtração Silábica
aumentou com a série escolar. Anova revelou efeito significativo, F (2, 113) =
5,85, p = 0,004. Análises de comparação de pares de Bonferroni revelaram que
a pontuação na 3a série (3,91) foi significativamente maior do que na 1a série
(2,76). Conforme a figura à direita, a pontuação de Adição Fonêmica também
aumentou com a série escolar. Anova da revelou efeito significativo, F (2, 113)
= 8,50, p < 0,000. Análises de comparação de pares de Bonferroni revelaram
que a pontuação na 1a série (3,76) foi significativamente menor que na 2a (4,69)
e 3a séries (4,67).

Figura 25.11. Efeito da série escolar sobre a pontuação nos subtestes da Prova
de Consciência Fonológica por Escolha de Figuras (PCFF): Subtração Silábica
(à esquerda) e Adição Fonêmica (à direita).

A Figura 25.12 representa o efeito da série escolar sobre a pontuação


em dois outros subtestes da PCFF: Subtração Fonêmica (à esquerda) e
Transposição Silábica (à direita). Conforme a figura à esquerda, a pontuação
de Subtração Fonêmica aumentou com a série escolar. Anova revelou efeito
significativo, F (2, 113) = 7,18, p = 0,001. Análises de comparação de pares de

338
prova de consciência fonológica por escolha de figuras ( pcff )

Bonferroni revelaram que a pontuação na 1a série (3,21) foi significativamente


menor que na 2 a (3,98) e 3a séries (4,29). Conforme a figura à direita, a
pontuação de Transposição Silábica também aumentou com a série escolar.
F (2, 113) = 3,98, p = 0,021. Análises de comparação de pares de Bonferroni
revelaram que a pontuação na 3a série (4,40) foi significativamente maior
que na 1a série (3,59).

Figura 25.12. Efeito da série escolar sobre a pontuação nos subtestes da


PCFF: Subtração Fonêmica (à esquerda) e Transposição Silábica (à direita).

A Figura 25.13 representa o efeito da série escolar sobre a pontuação em


ainda outros dois subtestes da PCFF: Transposição Fonêmica (à esquerda) e
Trocadilho (à direita). Conforme a figura à esquerda, a pontuação de Trans-
posição Fonêmica aumentou com a série escolar. F (2, 113) = 6,21, p = 0,003.
Análises de comparação de pares de Bonferroni revelaram que a pontuação
na 3a série (4,24) foi significativamente maior que na 1a série (3,28). Conforme
a figura à direita, a pontuação de Trocadilho também aumentou com a série
escolar. Anova revelou efeito significativo, F (2, 113) = 5,03, p = 0,008. Análises
de comparação de pares de Bonferroni revelaram que a pontuação na 3ª série
(4,27) foi significativamente maior que na 1a série (3,45).

339
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Figura 25.13. Efeito da série escolar sobre a pontuação nos subtestes da PCFF:
Transposição Fonêmica (à esquerda) e Trocadilho (à direita).

Foram, também, observadas correlações positivas significativas entre


os escores gerais de todos os testes, sendo que quanto maior a pontuação
em consciência fonológica (PCFF), maior a pontuação em competência de
leitura (TCLP), a compreensão auditiva de sentenças (TCAS), a compreensão
de leitura de sentenças (TCLS), o vocabulário receptivo auditivo (Tvfusp), e
a escrita sob ditado (PESD).

Discussão

O advento da PCFF permite avaliar a consciência fonológica de escolares


na situação coletiva de sala de aula, bem como avaliar escolares com para-
lisia cerebral. Nesse estudo exploratório, as evidências preliminares acerca
da validade da primeira versão da PCFF são encorajadoras, e motivam sua
normatização, que já está em curso. O estudo mais amplo, com uma amostra de
4.000 estudantes, permitirá aperfeiçoar a prova, com a eliminação dos itens e dos
subtestes menos discriminativos. Neste estudo exploratório com uma amostra
preliminar foi observado que dos nove subtestes que compõem a PCFF, seis deles

340
prova de consciência fonológica por escolha de figuras ( pcff )

se mostraram discriminativos da série escolar. Foram eles Subtração Silábica e


Fonêmica, Adição Fonêmica, Transposição Silábica e Fonêmica e Trocadilho.
Os três subtestes que não se mostraram sensíveis à série escolar foram rima,
aliteração e adição silábica. Esses três testes produziram efeito de teto, o que
sugere sua maior adequação para crianças menores na educação infantil. Tais
dados da PCFF corroboram os achados da PCFO quanto à maior adequação
das tarefas de rima, aliteração e adição silábica para crianças menores no ensino
infantil, e a de tarefas mais fonêmicas para escolares do ensino fundamental
(A. Capovilla e F. Capovilla, 1997, 1998a, 1998b; A. Capovilla, F. Capovilla e
Silveira, 1998). Isso sugere a adequação da estratégia de eliminar essas tarefas na
avaliação de alunos do ensino fundamental e de limitar seu emprego à avaliação
de crianças na educação infantil. Com essa indicação, a extensão do teste será
reduzida em um terço (isto é, apenas 60 itens em vez de 90), permitindo reduzir
substancialmente o tempo da avaliação e aumentar ainda mais a sensibilidade,
validade, fidedignidade e eficiência da PCFF.

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346
26
Comunicação alternativa:
uma interface com o mundo
Maria de Jesus Gonçalves

O meu olhar é nítido como um girassol.


Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo....
Alberto Caeiro

Poesia. Uma das formas pelas quais o ser humano pode expressar o que vê,
o que sente, o que pensa. Ler poesia, escrever poesia, é possível pelo domínio
que o ser humano tem da linguagem. Esses versos de Alberto Caeiro, um dos

347
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

heterônimos de Fernando Pessoa, revelam de forma ímpar, por meio da palavra,


como o autor faz a interface entre seu universo com o mundo. O seu olhar, a
forma como olha, o modo como anda, aquilo que vê, aquilo que nunca viu, o
que sente e como sente. É com suas palavras que o poeta nos toca, por meio
delas conecta o leitor ao seu universo.
É nessa perspectiva que se deve considerar a Comunicação Alternativa,
como uma da interface do seu usuário com o mundo. Considerando-se que se
trata de pessoas que não falam, a compreensão dos processos subjacentes e à
forma de processamento deste tipo de informação e a sua aquisição, têm sido
objeto de muita discussão (Hjelmquist, 1997; Grove, Clibbens, Barnett e Loncke,
1997; Loncke, Vander Beken e Lloyd, 1997).
Falar da importância da comunicação na vida humana parece desneces-
sário. É difícil imaginar como seria viver sem poder falar. A comunicação por
meio da fala ocorre de forma natural, d o seu desenvolvimento na infância até
o uso pleno na idade adulta. Por isso, raramente se pensa na sua complexidade
ou nas consequências da sua perda, seja ela total ou parcial, temporária ou
definitiva, embora seu risco exista. Há muitas situações em que pode ocorrer a
ausência da fala, por razões diversas. Nessas situações, a opção pela utilização
da Comunicação Alternativa e Suplementar é essencial.
A Comunicação Alternativa e Suplementar (CAS) é definida como uma área
de atuação clínica que objetiva compensar (temporária ou permanentemente)
dificuldades de indivíduos com desordens severas de expressão (isto é, prejuízos
severos de fala, linguagem e escrita). (ASHA, 1989). Assim, um sistema de Comu-
nicação Alternativa deve consistir em um grupo integrado de componentes,
incluindo símbolos, estratégias e técnicas usadas pelos usuários para realizar
sua comunicação. Seu objetivo primordial é a facilitação da participação desses
usuários em vários contextos comunicativos, permitindo a sua inserção social.
O campo da Comunicação Alternativa e Suplementar é ainda muito recente.
Entretanto, apesar de sua curta história, apenas algumas décadas, muito tem
sido feito em termos de avanços no desenvolvimento de conhecimento teórico
subjacente aos aspectos relacionados à Comunicação Alternativa e Suplementar
e seus usuários, bem como no desenvolvimento de tecnologias que viabilizem
o seu uso.

348
comunicação alternativa : uma interface com o mundo

A área da comunicação alternativa e/ou suplementar começou a desen-


volver-se no fim dos anos 1950 e início dos anos 1960 (Zangari, Lloyd, & Vicker,
1994), justamente para atender pacientes que, apesar de expostos a tratamento
tradicional de reabilitação de fala, não desenvolviam habilidades de comuni-
cação oral. Por isso, os primeiros trabalhos nessa área foram desenvolvidos por
terapeutas que ao trabalhar com esses pacientes buscavam encontrar formas
mais eficientes de atuação.
Vários fatores históricos e demográficos mundiais facilitaram o desenvol-
vimento da área nos anos 1950. Um deles é aumento da expectativa de vida
que, por sua vez, aumentou a população com risco de adquirir problemas como
resultado de lesões neurológicas, traumatismos e acidentes vasculares cerebrais.
Além disso, como consequência da Segunda Guerra Mundial, muitas pessoas
sofreram lesões, criando uma demanda de pacientes em que necessitavam
de assistência neuropsicológica, especialmente para o exercício de funções de
comunicação. Nos anos 1960, por sua vez, houve muitas mudanças sociais e
políticas que permitiram avanços tecnológicos, além de mudanças na política
educacional, e de um forte aumento de atividade na área de direitos civis e,
portanto, também em relação aos direitos dos deficientes.
Isso deu suporte ao surgimento da Comunicação Alternativa e Suplementar
com a identidade de uma disciplina acadêmica, clínica, e educacional. Embora
a área de CAS seja relativamente recente para grande parte dos profissionais
brasileiros, nos Estados Unidos, Canadá e Europa, muitos e grandes avanços
têm ocorrido no desenvolvimento de conhecimento teórico e tecnológico.
O conhecimento teórico refere-se aos princípios teóricos da neuropsicolin-
guística cognitiva num enfoque de processamento de informação, que norteiam
o emprego de Comunicação Alternativa e Suplementar para os mais variados
quadros clínicos como os de afasias, paralisias cerebrais, surdez, retardo mental
etc. (Capovilla, 1997, Silverman, 1990; Poizner, Klima, & Bellugi, 1987; Kraat,
1990). O conhecimento tecnológico refere-se aos novos recursos de hardware e
software desenvolvidos para implementar técnicas de Comunicação Alternativa
e Suplementar com o conhecimento dos princípios neuropsicológicos.
Sem dúvida, entre os vários fatores diretos ou indiretos que contribuíram
para o crescimento da área de comunicação alternativa está o desenvolvimento
tecnológico. Desde o surgimento do primeiro computador, que estava longe

349
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

de ser portátil e de ter fácil acesso, até os dias de hoje muito pouco tempo se
passou. Apesar disso, é difícil encontrar paralelo para a alta velocidade de
desenvolvimento desta área. Os computadores, hoje, não só estão espalhados
pelo mundo como a qualquer instante e em qualquer lugar permitem o contato
com o mundo. A informática tem determinado mudanças profundas nas rela-
ções humanas especialmente nas relações de trabalho e na sua organização.
Com alta portabilidade e muito mais fáceis de operar que os seus ancestrais,
os computadores também passaram a integrar o dia a dia.
A tecnologia tem mostrado sua importância para a sociedade atual, não
só como meio de facilitar e aumentar produção e na melhoria da qualidade
de vida, mas também para a comunicação, eliminando distâncias e barreiras.
Quando se trata da Comunicação Alternativa e Suplementar e seus usuários,
a tecnologia assume um papel ainda mais fundamental, pois a necessidade de
adaptações para esta população torna-se, muitas vezes, vital, constituindo-se na
única forma de relacionamento com o ambiente; pode fazer a diferença entre a
comunicação e a não comunicação.
Como aponta Ratcliff (1994), é cada vez maior o número e a variedade de
pacientes indicados para intervenção via Comunicação Alternativa e Suple-
mentar. Além disso, os avanços tecnológicos possibilitam a esses usuários um
número cada vez maior de opções por sistemas de comunicação. Considerando
a diversidade de aspectos envolvidos em cada usuário e a variedade de sistemas
disponíveis, para que se possa fazer uma indicação precisa que otimize o uso
funcional dos sistemas de Comunicação Alternativa e Suplementar, é importante
que se busque o melhor sistema e as adaptações necessárias para cada usuário
em um dado momento. Os sistemas de comunicação podem ser de baixa ou
de alta tecnologia, dependendo do tipo de equipamento e estrutura utilizada,
podem variar quanto à extensão e complexidade, isto é, quanto ao número e
tipo de símbolos que os compõem, quanto à forma como esses símbolos são
organizados e quanto à forma como são selecionados para a composição de
mensagens.
Conforme já se referiu, a Comunicação Alternativa e Suplementar surgiu da
necessidade de encontrar formas de comunicação possíveis para pessoas que não
conseguiam fazê-lo por meio da fala. Historicamente,, a área de Comunicação
Alternativa e Suplementar em diversos países surge no trabalho com pessoas com

350
comunicação alternativa : uma interface com o mundo

paralisia cerebral, pois devido às suas dificuldades motoras e de fala, eles podem
tirar proveito de soluções tecnológicas, tanto para fins de locomoção quanto
de controle de ambiente e comunicação. Entretanto, com desenvolvimento da
área, o uso de sistemas de Comunicação Alternativa e Suplementar estendeu-se
a pessoas com outros quadros clínicos em que alterações de comunicação estão
presentes, tais como: afasia, disartria, autismo, deficiência mental, esclerose
lateral amiotrófica entre outros.
A Comunicação Alternativa, para constituir-se como uma possibilidade
de interface de seu usuário com o mundo, necessita de recursos tecnológicos
que permitam a interface mente humana-máquina; que habilidades estão sendo
exigidas do usuário em termos sensoriais, cognitivos e motores para que eles
usem os sistemas de comunicação alternativa da forma mais proveitosa possível.
Um dos componentes mais estudados é a técnica de acesso ao sistema.
As duas técnicas mais usadas são a seleção direta por toque sobre a tela e a
seleção por varredura. Na direta o usuário indica diretamente os elementos da
mensagem. Ela é natural, fácil de compreender, fornece feedback direto, requer
participação ativa do usuário no processo de seleção, é o meio mais eficiente
e rápido de ter acesso aos elementos da mensagem (Beukelman, Yorkston e
Dowden, 1985; Harris e Vanderheiden, 1980; McDonald, 1980; Vanderheiden,
1976, 1988; Vanderheiden e Lloyd, 1986).
A técnica de varredura é eficiente porque requer controle motor mínimo,
porém parece requerer mais tempo e esforço mental do que a seleção direta. Além
disso, a velocidade de acesso é diminuída (Harris, 1982; Harris e Vanderheiden,
1976, 1980; Vanderheiden, 1988). Clínicos e pesquisadores concordam que a
técnica de varredura é uma tarefa complexa que envolve uma variedade de
componentes, incluindo habilidades motoras, de percepção visual, cognitivas
e lingüísticas (Blackstone, 1982a; Light, 1989). Entretanto, a natureza das
diferenças específicas entre as duas técnicas permanece especulativa (Cook,
Coleman, Preszler e Dahlquist, 1983; Gunderson, 1985; Mathy-Laikko e Yoder,
1986; Shane, Lipschultz e Shane, 1982).
Vários estudos abordam a questão do grau de dificuldade das diferentes
formas de seleção. Comparando crianças de pré-escola, 2a e 7a séries, Villarruel
(1986) encontrou que as crianças de grau superior levaram menos tempo e foram
mais precisas na construção de mensagens com o ditado, apontando os itens

351
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

em um tabuleiro de comunicação de 75 itens. Além disso, as crianças das séries


mais adiantadas acharam a tarefa mais fácil do que as mais novas.
Harris e Vanderheiden (1980) e Wilber (1980) abordam indiretamente a
questão de mudanças na performance associadas à idade quando discutiram o
processamento e a demanda de resposta requerida por modos de comunicação
não verbal. Wilber (1980) demonstrou que a discriminação visual e as memórias
de curto e longo prazo são importantes para a criança operar um sistema CAS.
Harris e Vanderheiden (1980) também demonstraram a importância
da percepção visual e das habilidades de compreensão auditiva. Kreifeldt,
Goodenough-Trepagnier e Rosen (1984) verificaram que, entre as habilidades
cognitivas e linguísticas que os clínicos consideram necessárias para a operação
de diferentes ajudas de comunicação, encontram-se a memória geral, o reco-
nhecimento de escrita, a compreensão de leitura e o QI. Entretanto, Blackstone
(1989a) argumenta que a idade em que as crianças aprendem tarefas de varredura
não está bem documentada.
A varredura requer que o usuário mantenha na memória de trabalho o
input auditivo e o output previsto por longos períodos. Como a demanda sobre
a memória de trabalho é mais elevada, é necessário que professores, clínicos e
interlocutores dos usuários de sistemas de varredura procurem reduzir o grau
de complexidade das tarefas sempre que a varredura for requerida (Beuckelman
e Mirenda, 1992).
Além da comunicação com auxílio de varredura ser mais lenta, ela envolve
uma espera passiva por parte do usuário, sendo que boa parte da atividade do
usuário consiste em esperar por uma sucessão de alvos até que aquele desejado
seja alcançado (Harris, 1982). O emprego de varredura pode levar o usuário a
ficar cansado ou entediado, resultando numa flutuação e eventual redução da
atenção para a tarefa. Considerações clínicas relativas a este aspecto de espera
passiva devem incluir decisões a respeito do layout do sistema. Eliminar fatores
de distração do ambiente durante tarefas de varredura também pode melhorar
a concentração na tarefa.
Como ressaltado, a varredura linha por coluna é cognitivamente mais
complexa do que seleção direta (Harris, 1982; Harris e Vanderheiden, 1980;
Vanderheiden, 1976). Na técnica de varredura linha por coluna há uma ligação

352
comunicação alternativa : uma interface com o mundo

menos direta e menos intuitiva do usuário com o output. O usuário não produz
diretamente a escolha do item, mas “constrói” uma escolha, em dois momentos
de seleção, à medida que o sistema de varredura possibilita essa seleção. Embora
a espera passiva seja consideravelmente maior nos sistemas de varredura serial do
que naqueles com varredura linha por coluna, nestes a complexidade cognitiva
envolvida é maior que naqueles.
Um outro ponto importante são as habilidades de percepção visual
envolvidas em qualquer discussão de sistemas de comunicação representados
visualmente. Especula-se sobre o fato de que as duas técnicas de acesso podem
demandar diferentes tipos e/ou graus de habilidades específicas de percepção
visual. Piche e Reichle (1991) afirmam que varredura linha por coluna requer
a habilidade de alternar o olhar entre dois alvos que estão suficientemente
separados para não estarem no mesmo campo visual. Além disso, requer que o
usuário varra um alvo em movimento tanto no plano vertical quanto horizontal.
Estudos realizados por Gonçalves (1999) também encontraram forte
evidência de que certas adaptações para acionamento de sistemas de Comuni-
cação Alternativa e o recurso de varredura são decisivos para garantir e melhoria
da comunicação de seus usuários.
Mesmo com toda a discussão a respeito das vantagens e desvantagens do
uso de varredura e das suas diferentes formas, ela continua sendo o recurso
que garante autonomia e independência de comunicação a grande parte dos
usuários de Comunicação Alternativa.
É importante lembrar que, dada a riqueza de recursos disponíveis para o
aperfeiçoamento dos serviços de atendimento que hoje estão disponíveis para
pacientes que apresentam perda ou atraso no desenvolvimento da linguagem
em suas formas falada, escrita, e sinalizada, é fundamental que os profissionais
se preocupem com a qualidade de sua formação e atuação clínica e que se
mantenham atualizados com respeito a esses recursos e à literatura acerca de
seu emprego. Tem sido enfatizada a necessidade de formação especial e multi-
disciplinar para quem pretende trabalhar na área. Somente desta forma se pode
contribuir para que a Comunicação Alternativa e Suplementar se configure
como uma interface do seu usuário com o mundo.

353
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Como dizem os versos de Caeiro É preciso sentir-se nascido a cada momento,


para a eterna novidade do Mundo...

Referências bibliográficas

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de pesquisa e aplicação. Ciência Cognitiva: Teoria, Pesquisa e Aplicação,
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356
27
Exclusão digital – O grande
desafio dos professores da
atualidade
Valéria Santos Paduan Silva

Introdução

Exclusão digital e a construção do conhecimento na era da


informação

Estamos em plena “era da informação”, o mundo vem sofrendo várias trans-


formações e a todo o momento somos bombardeados por informações que nos
chegam de toda parte de forma tão rápida e inesperada, da mesma forma que se tornam
obsoletas. Mediante estas circunstancias, é necessário, então, parar e analisar a
posição do ser humano, a forma como ele está lidando com essa avalanche de
informações e, principalmente, como os alunos e educadores estão se apropriando
destas informações/tecnológicas no processo ensino-aprendizagem.

357
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Para alguns autores, como Bernardo Toro e Fhilippe Perrenoud, a habilidade


mais importante na determinação do padrão de vida de uma pessoa já se tornou
a capacidade de aprender novas habilidades, de assimilar novos conceitos, de
avaliar novas situações e de lidar com o inesperado. Sendo assim, a habilidade
competitiva deste século já é considerada a habilidade de aprender a aprender,
possibilitando às pessoas tornarem-se agentes de sua própria aprendizagem.
De acordo com essas abordagens, podemos perceber, de forma clara, que
o computador pode ser um grande aliado da educação no que se refere à cons-
trução do conhecimento e a socialização das informações. No entanto, apesar
de serem reconhecidas as contribuições que estas tecnologias podem oferecer
no processo de ensino-aprendizagem, o que podemos constatar é que boa parte
da população brasileira ainda não tem acesso a estas tecnologias e o que é pior,
no momento em que o país ainda luta para acabar com o analfabetismo, um
novo tipo de analfabeto vem surgindo e de forma cada vez mais expressiva que
é o “analfabeto digital”.
Segundo o Mapa da Exclusão Digital no País, realizado pela Fundação
Getúlio Vargas e publicado no jornal Folha de S. Paulo, em maio de 2003,
apenas uma pequena parcela da população brasileira está tendo acesso às
novas tecnologias e somente 13% dos municípios têm acesso a internet. Estes
dados indicam porque a Educação a Distância e a internet, que vinham sendo
apontados como uma possível solução para favorecer a democratização do
acesso às informações e à educação, ainda não apresentaram os resultados
esperados. Para João Vianney, especialista em Educação a Distância, “as
novas tecnologias e o E-Learning vem sendo usado no Brasil por empresas e
pela mesma elite que já tinha acesso à universidade”. Mediante este cenário,
devemos então nos perguntar:
Qual é o papel que as “novas tecnologias” deverão desempenhar no contexto
educacional?
Para respondermos a esse questionamento é preciso refletir sobre as
mudanças que vem ocorrendo na sociedade contemporânea, é preciso ter
em mente que é um equívoco pensar que deve haver uma descontinuidade
entre o tradicional e o moderno. Adotar uma nova tecnologia, não significa
necessariamente romper com o passado. O certo é que já não podemos mais
pensar na educação sem pensar nos meios de comunicação e informação.

358
exclusão digital – o grande desafio dos professores da atualidade

Cabe à escola neste momento de mudanças prestar a sua grande


contribuição na redução do índice de analfabetos digitais no país através da
alfabetização tecnológica de seus professores e alunos.
Para Pretto, neste contexto, “a escola pode – e deve – ter outra função, um
outro papel. Não se trata de garantir, apenas, a universalização do seu acesso. É
básico que ela assuma a função de universalizar o conhecimento e a informação”.

Repensando o uso do computador nas escolas para integrar


as novas propostas pedagógicas

O computador é responsável pela mais rápida e importante mudança


de comportamento da humanidade e a consolidação da “era da informação”.
O microcomputador invadiu todos os setores da vida humana, não sendo
concebido, hoje em dia, um só ramo de atividade onde a informática não
esteja inserida direta ou indiretamente. O mundo todo está interligado, numa
busca constante pela informação e desenvolvimento. O uso do computador nas
escolas vem de encontro com essas mudanças e antes de pensarmos em como
o computador deve ser utilizado na educação, devemos lembrar que a forma de
ensinar, aprender também vem sofrendo modificações. Hoje em dia é impossível
imaginar as escolas sem a presença destas tecnologias.
No entanto, é importante lembrar que se hoje temos educandos com carac-
terísticas próprias de uma era tecnologicamente desenvolvida, mentalmente
hiperestimulados, temos também grande número de crianças emocionalmente
imaturas e com dificuldades motoras que necessitam suprir as defasagens para
um completo desenvolvimento do ser como todo.
Mediante estas colocações devemos questionar:
▶▶ Como educar para uma sociedade em transformação?
▶▶ Como educar para a era da informação?

Segundo Moran (1999), “... educar dentro de uma sociedade que muda,
é ajudar desenvolver vários níveis de competência: competência do conheci-
mento, competência no desenvolvimento social, competência na comunicação”.
Partindo destas premissas é fundamental que o professor ao selecionar as

359
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

atividades e softwares a serem utilizados no laboratório de informática, tenha


sempre em mente a meta do construcionismo, que é ensinar de forma a produzir
a maior aprendizagem com o mínimo de ensino.
“O construcionismo é gerado sobre a suposição de que os alunos farão
melhor descobrindo por si mesmos o conhecimento específico de que precisam
(...) e o tipo de conhecimento que eles mais precisam é o que lhes ajudará a obter
mais conhecimento” (Papert, 1994).
Pesquisas realizadas pela Universidade North Texas comprovam que alunos
que trabalham em ambientes virtuais e utilizam softwares educacionais adquirem
maior interesse pelas atividades escolares. Através do software o aluno “sai” de um
conteúdo rígido, tendo oportunidade de explorar novas informações. Um ensino
voltado para experiências emocionais agradáveis tem mais probabilidade de sucesso.
Para que um software possa realmente favorecer a construção do conhe-
cimento é fundamental que ele esteja coerente com a proposta pedagógica da
instituição e uma dúvida que ainda persiste para os educadores, é a de como
escolher um bom software.
Segundo Alves, “o software retrata uma concepção psicopedagógica, um
quadro teórico referencial. Em vários softwares educativos do mercado, a peda-
gogia predominante é a transmissão de um conhecimento pronto, a repetição e
a memorização, levando ao reforço de uma pedagogia alicerçada no empirismo”.
Neste contexto, devemos lembrar que os softwares aplicativos da Microsoft,
como o Word, Excel, Powerpoint (ou similares), podem ser uma solução para as
instituições que não possuem recursos para investir na aquisição de softwares
educativos. Os softwares aplicativos quando utilizados com propriedade ajudam
a desenvolver habilidades e dão ao aluno oportunidade de adquirir novos
conhecimentos, facilitando a construção do conhecimento.
Dentro da concepção construtivista, tanto as atividades selecionadas
pelos professores para serem realizadas no laboratório de informática como
os softwares educacionais devem proporcionar ao aprendiz investigar, levantar
hipóteses e testá-las. Sendo assim, as atividades propostas e os softwares educa-
tivos selecionados pelos professores devem:
▶▶ Estimular a criatividade;
▶▶ auxiliar no processo de desenvolvimento do raciocínio e estruturação
do pensamento;

360
exclusão digital – o grande desafio dos professores da atualidade

▶▶ oferecer condições para o aluno participar de forma ativa do processo


criativo;
▶▶ tornar o aprendizado mais real, através da prática;
▶▶ desenvolver no aluno o interesse pela busca de novos conhecimentos.

Desta forma um dos principais objetivos do uso do computador nas escolas


deve ser: fazer com que o aluno se integre no mundo informatizado, aprendendo
a se relacionar com a máquina desenvolvendo assim seus conhecimentos e sua
criatividade. Não basta o aluno saber manusear um computador, ele precisa
ser incentivado a usar um equipamento para desenvolver o seu potencial e seu
conteúdo intelectual.
Para Almeida, “O computador como nova estratégia pode transpor o
limite entre o conhecimento teórico e a aplicação prática e ainda auxiliar na
transferência de conhecimentos e habilidades a novas situações”. No entanto, o
uso destas tecnologias exige uma revisão didático-pedagógica do processo de
educação escolar. O computador não é solução para os problemas pedagógicos,
nem tão pouco pode ser responsabilizado pelo sucesso ou fracasso dos projetos
desenvolvidos pelas escolas que o adotam.
A escola precisa estar preparada para a formação de um novo ser humano.
Esse novo ser humano precisa, portanto, estar capacitado para estabelecer uma
fundamental relação entre o homem e a máquina.

Formando professores para integrar esta nova realidade

“O extraordinário avanço dos meios de comunicação e a popularização dos


saberes, associado ao que hoje se sabe sobre como a mente humana, aprende,
reclama por um novo professor que oriente seus alunos sobre: como colher infor-
mações; de que forma organizá-las mentalmente; como definir sua hierarquia;
de que maneira transformá-las em conhecimento; ampliando dessa maneira,
suas inteligências” (Antunes, 2000).
Acreditamos que o uso de tecnologias de comunicação na formação
de educadores não deve ser visto isoladamente, mas como parte de uma
situação educacional mais ampla. A tecnologia é uma ferramenta, não um
fim em si mesma.

361
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A integração das novas tecnologias de comunicação ao processo educativo


implica, portanto, o entendimento de que Educação não é apenas um problema
de instrução. Os modernos produtos tecnológicos não devem ser vistos como
máquinas de ensinar para as quais se devem desenvolver bons softwares, mas
como ferramentas que, se bem utilizada pelos alunos, pode ser um poderoso
instrumento para a construção do conhecimento pessoal.
Segundo Moran, “é importante lembrar que as tecnologias não salvam um
mau projeto pedagógico, não salva um mau professor. Mudam não o professor,
mas algumas tarefas que ele desempenhava até agora. O professor passa a ser
menos um informador e mais um coordenador, um diretor de orquestra”.
Hoje, “os professores aprendem ao mesmo tempo que os seus alunos,
atualizando continuamente tanto seus saberes disciplinares, quantos suas
competências pedagógicas” (Lévy, 1997).
Para Kenskki, “o professor que deseja melhorar suas competências
profissionais e metodologias de ensino, além da própria reflexão e atualização
sobre o conteúdo da matéria ensinada, precisa estar em estado permanente
de aprendizagem”.
Dentro dessa perspectiva, a tecnologia de comunicação é apenas um aspecto
do contexto social no qual a Educação ocorre. Assim, o que é necessário no
momento, não é uma tecnologia mais sofisticada, mas professores se apropriando
dela, de forma a contribuir para a redução do índice de analfabetos digitais no país.
O potencial das tecnologias e o quanto elas podem auxiliar no processo
ensino-aprendizagem depende do professor, de como ele as utilizará, de sua
flexibilidade interpretativa, de sua experiência. “Elas podem ser bem utilizadas,
e o potencial será fenomenal. Podem ser mal utilizadas, e o resultado será
medíocre” (Nunes, 1998).

Considerações finais

Para concluir, é importante lembrar que a presença do computador em projetos


educacionais só tem sentido se todo o processo de ensino-aprendizagem passar por
modificações. Fica claro que, no que diz respeito à construção do conhecimento, a

362
exclusão digital – o grande desafio dos professores da atualidade

metodologia pedagógica deve sofrer mudanças para que haja o resultado esperado.
Colocar o computador para continuar a mesma prática de sala de aula convencional,
de nada adianta para afastar do aluno o desinteresse pelas aulas.
Hoje a tecnologia proporciona entretenimento e enquanto brinca com o
computador, o aluno tem a possibilidade de ingressar no mundo da fantasia,
num processo de simulação, assimilando inconscientemente conceitos e ultra-
passando dificuldades na aprendizagem.
Como nos lembra José Manuel Moran, “Nossa mente é a melhor tecnologia,
infinitamente superior à complexidade do melhor computador, porque pensa,
relaciona, sente, intui e pode surpreender”.
Partindo desta premissa, criatividade, entusiasmo e mente aberta são habili-
dades imprescindíveis na formação presente e futura de educadores inovadores,
criativos, flexíveis para o uso de novas tecnologias de educação e comunicação.

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

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364
28
A psicologia da educação
especial: lidando com as
necessidades especiais do
binômio escola-aprendiz
Lília Maíse de Jorge,
Elvira Aparecida Simões de Araujo

Ao longo dos últimos anos, a Educação Especial no Brasil vem


sofrendo transformações significativas influenciada pelo Movimento Social
Inclusivo, que impera na América do Norte e em vários países europeus
desde a década de 1980. Este movimento tem duas referências significativas,
norteadoras das suas diretrizes educacionais, a primeira no texto aprovado
na Conferência Mundial de Educação para Todos no ano de 1990, que
explicita o compromisso de garantir o atendimento às necessidades básicas
de aprendizagem para todas as crianças, jovens e adultos, e a segunda na
Declaração de Salamanca, de 1994, que propõe linhas de ação especificas
para a Educação Especial.
Em nosso país, a Educação Especial tem na nova LDB (Lei no 9.394/96),
um conjunto de propostas para articulação de recursos com vistas à inclusão

365
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

de alunos, com necessidades educacionais diferenciadas, na rede regular de


ensino (Carvalho, 1998).
Determinações quanto ao espaço educacional mais adequado para o ensino
especial e revisões dos conceitos de doença/deficiência contidas na história
recente que culminou na formulação atual da Educação Especial (Marques et
al., 2003) têm mobilizado profissionais da área da saúde, da área da educação e
da área social a refletirem sobre sua prática dentro desse processo sociopolítico
e educacional emergente. Médicos, assistentes sociais, jornalistas, psicólogos têm
participado de forma ativa, junto aos profissionais da Educação, na tentativa de
garantir a inclusão escolar no sistema regular de ensino brasileiro.
A psicologia vem se manifestando efetivamente na direção da inclusão
social mediante ações antimanicomiais e projetos sociais. Não poderia deixar,
portanto, de manifestar sua inconformidade com a segregação de crianças e
jovens portadores de deficiência (quer seja sensorial, física ou mental) mantidas
em salas ou escolas especiais, muitas delas sem um diagnóstico clínico, tanto
médico quanto psicológico, adequado.
A ação do psicólogo no recorte do processo inclusivo no contexto educa-
cional, denominado inclusão escolar, emerge das necessidades educacionais
especiais, tanto em âmbito clínico, quanto educacional e social, dos portadores
de deficiência, e das necessidades não menos especiais dos educadores, que
devem oferecer, sob o paradigma da inclusão, um ensino com qualidade a alunos
agrupados pelo princípio da diversidade nas experiências educacionais.
De acordo com Saint-Laurent (1997), as bases teóricas do modelo inclusivo
estão sedimentadas nas teorias socioconstrutivistas que pressupõem a necessi-
dade de se instituir interações sociais entre os indivíduos para que desenvolvam
funções sociais junto à comunidade. A autora discute ainda diferentes formas de
estabelecer estas interações sociais, permitindo o desenvolvimento de trabalho
em zona de desenvolvimento proximal, até atingir gradativamente autonomia
sobre o aprendizado do aluno. Propõe formas de atuação como o ensino
interativo, tutoria e aprendizagem cooperativa, juntamente com intervenções
mediacionais, conhecidas no processo de inclusão como “suporte”.
Compreendida dessa forma, a inclusão escolar passa a ser um elemento
fundamental ao desenvolvimento infantil, tanto para as crianças com necessidades

366
a psicologia da educação especial

educacionais especiais, quanto para os demais alunos, pois se considera que a


troca de experiências conduz à construção de novos conhecimentos e novas
estratégias para resolução de problemas.
Aceitar esses pressupostos implica, no entanto, mudança de paradigma, não
apenas de um grupo, ou de uma comunidade, mas de todo o sistema educacional
de um país, que desemboca, com todos os seus princípios, na sala de aula, nas
práticas educativas e na relação professor-aluno.
As crenças que constroem as relações de inclusão ou de exclusão têm
fundamento no que Sassaki (1999) descreve e diferencia como “modelo médico”
e “modelo social” da deficiência. O modelo médico responsabiliza o deficiente
pelos seus não saberes, descrevendo-o ou caracterizando-o segundo suas
incompetências e defasagens. Adeptos deste pensamento tendem a considerar
possível a inserção escolar de indivíduos portadores de deficiência, com base
no princípio da normalização, ou seja, o aluno (e/ou sua família) se organiza
para a adaptação num sistema educacional imutável.
Por sua vez, o modelo social atribui à sociedade a responsabilidade sobre
o papel que a deficiência vem assumindo no contexto social, e pode portanto,
ser alterado conforme o sujeito seja chamado a assumir seu papel de cidadão,
desfrutando dos direitos e ciente de seus deveres perante o grupo do qual
participa enquanto membro. Na educação inclusiva, a escola se prepara
para receber o aluno especial, modificando sua estrutura física, seu projeto
pedagógico, e sobretudo suas crenças a respeito de processo educativo e
desenvolvimento infantil.
Com base na crença de que a aprendizagem pode ser enriquecida se o
contexto escolar valorizar a diversidade nas relações entre os pares, um grupo
de psicólogas reuniu-se para promover, junto a escolas públicas e particulares,
a inclusão escolar de crianças portadoras de necessidades especiais, na cidade
de Taubaté e região do Vale do Paraíba.
O grupo contou com duas supervisoras: uma psicóloga clínica e uma
psicóloga escolar, além de três profissionais recém-formadas na área.
O trabalho teve início da demanda clínica, ou seja, de crianças portadoras de
necessidades especiais que frequentavam o consultório particular de uma das
supervisoras. As reuniões de discussão das ações a serem implementadas em

367
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

cada caso ocorreram semanalmente e contaram com o estudo minucioso das


questões consideradas, até então, impeditivas da permanência dessas crianças
em ambiente regular de ensino.
Crianças com Transtorno Autista de Alto Funcionamento, síndrome de
Asperger, lesões ou malformações cerebrais, dislexia, entre outras, vêm sendo
inseridas em escolas regulares mediante ações desse grupo que visam tanto a
atenção às necessidades educacionais desses alunos, bem como às necessidades
de informação, formação, instrumentalização e reflexão sobre a prática educativa
dos educadores envolvidos nesse processo.
Apoiadas na descrição de Saint-Laurent (1997) acerca de formas de inte-
ração social, o grupo vem propondo um trabalho inovador no que diz respeito
à atuação psicológica, ou seja, a tutoria, para a otimização da aprendizagem de
crianças com dificuldades em incorporar regras sociais em ambiente educa-
cional. O acompanhamento da criança dentro do espaço educacional, feito por
um profissional psicólogo, permitiu o acesso a uma série de detalhes ocorridos
na relação professor(es)-aluno e aluno-colegas que facilitaram a organização
de estratégias, oportunamente sugeridas, para que cada parte comprometida
pudesse repensar e refazer suas ações.
Todas as parcerias entre o grupo de profissionais e as escolas tiveram
como ponto de partida um esclarecimento técnico a respeito de inclusão
escolar, quer seja no formato de palestra, quer seja em reunião com todos os
educadores da instituição.
Uma ação mais específica ocorreu em uma das escolas, na qual foi neces-
sário agendar uma palestra para pais dos colegas da criança incluída, a fim de
esclarecer-lhes tanto acerca do processo de inclusão instituído, quanto sobre
especificidades do quadro clínico da criança.
O grupo de psicólogas compreende a inclusão como um processo a ser
construído gradativamente, mediante ações ousadas e respaldadas por um olhar
técnico responsável, instrumentalizado legalmente e disposto a considerar os
limites e as possibilidades de ambas as partes — escola e aluno — na incorpo-
ração desse novo modelo de relação social.
Os maiores impeditivos detectados nas experiências podem ser descritos
com base em três grupos de personagens envolvidos: escola, pais e crianças.

368
a psicologia da educação especial

No que diz respeito à escola, constatou-se: desinformação sobre os aspectos


implícitos num processo de inclusão, assim como a falta de uma leitura minuciosa
sobre as leis e documentos de decisão sobre a prática educacional; aspectos
burocráticos são considerados mais como obstáculos do que possibilidades
de proteção e advocacia em favor o aluno; dificuldade de operacionalização
das questões sobre avaliação escolar, despreparo instrumental e psicológico
dos professores para assumirem a educabilidade de crianças com necessidades
especiais; tarefa educativa vista como independente de uma tarefa social; preocu-
pação com o status da instituição escolar perante outras instituições, em caso
do aluno ser transferido, traduzindo com isso o desconhecimento acerca de
terminalidade específica.
Observou-se assim que, apesar do termo inclusão já estar amplamente
divulgado no meio educacional, persiste a falta de conhecimento das instituições
escolares acerca do conceito exato que esse novo paradigma carrega consigo.
A tendência mais presente é a compreensão da inserção de uma criança com
necessidades educacionais especiais pautada no modelo clínico da deficiência,
é notória em praticamente todas as escolas, ou seja, ainda vigora a ideia de que
o aluno é quem deve ser tratado e reabilitado para que a escola o aceite sem
precisar modificar-se.
Também foi constatada a desinformação dos pais das crianças com necessi-
dades especiais, manifestada na preocupação de proteção dos filhos, preferindo
inicialmente mantê-los em espaços clínicos ou escolares especializados. Com
isso evitariam o constrangimento perante a exposição de seus filhos em um
contexto escolar comum. Um outro fator detectado nas experiências vivenciadas
pelo grupo se refere ao fato de que, uma vez a criança incluída, alguns pais
abandonam a busca ou manutenção de outros suportes.
Um olhar mais clínico sobre as dificuldades percebidas nas crianças para a
efetivação do processo inclusivo apontou o distúrbio de comportamento como
sendo o obstáculo mais severo na promoção da interação dessa criança com
seus pares. Crianças provenientes de classes especiais ou de associações que
cuidam de deficiências específicas, quando incluídas com idade mais avançada,
apresentaram prejuízo na performance lúdica e nas habilidades sociais.
Do ponto de vista cognitivo, observaram-se alterações no processamento
das informações e no autogerenciamento da aprendizagem (metacognição).

369
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Essa diferença específica no processamento da informação, que muitas crianças


portadoras de deficiência apresentam como defasagem na recepção e na
expressão do conhecimento, tem efeito direto nas dificuldades do professor
nas tarefas de ensinar (se a recepção for falha, como fazer?) e de avaliar (se a
expressão for imprecisa, como proceder?).
Todas essas informações têm trazido ao grupo muitas reflexões. Todas as
psicólogas envolvidas no processo têm repensado e reconstruído seus conceitos
de inclusão ao longo dessas experiências, sabendo que a postura inclusiva se
consolida na intersubjetividade, ou seja, na experiência vivida.
A parceria entre a psicologia escolar, analisando questões de educabilidade,
focando a relação professor-aluno, e a psicologia clínica, analisando os processos
cognitivos e afetivo-emocionais da criança, parecem minimizar os dilemas que
se interpõem numa ação inclusiva, quando as partes envolvidas no processo
sentem-se fragilizadas na dura conquista do direito de mudar, de construir um
novo modelo de interação social.
O efeito destas ações sobre a resposta das crianças portadoras de neces-
sidades especiais na escola é alentador. A possibilidade concreta de ver seus
esforços escolares na direção do sucesso, revertendo a rota habitual de fracasso
mobiliza o interesse e a atividade destas crianças.
Os outros alunos, ao interagirem com um colega de classe “diferente”,
reconhecem suas próprias diferenças e aprendem a convivência na diversidade,
oferecendo uma importante lição aos educadores e pais, que mais rigidamente
estão centrados em regras arcaicas e preconceitos.
Os pais e professores, além da observação da experiência de interação
entre o conjunto dos alunos, podem verificar concretamente a eficiência de
seus filhos e/ou alunos portadores de necessidades especiais, assim que lhes é
dado a concreta possibilidade de sucesso. Este fato gera, ainda que aos poucos,
um efeito “contagioso” na família e na escola.
As psicólogas envolvidas são cotidianamente provocadas na busca de
soluções dos problemas que não estão descritos nos manuais de psicologia,
mas que se impõem na tarefa diária e na reconstrução da própria profissão,
articulada com uma prática comprometida com os direitos das pessoas com
necessidades especiais.

370
a psicologia da educação especial

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WVA, 1999.

371
29
Integração sensorial –
princípios básicos
Priscila Zerloti

Quando ouve-se mencionar o termo integração sensorial, se este já


não é conhecido tecnicamente, ainda soa familiar. Todas as informações que
recebemos do meio chegam através dos sistemas sensoriais que normalmente
são caracterizados pelos cinco sentidos: paladar, olfato, visão, audição e tato.
De fato, eles nos fornecem referências como interagir a algumas demandas
do meio mas não completam nosso repertório de canais sensoriais. Menos
conhecidos (ou menos mencionados), mas de igual importância, também
há sistemas ou sentidos internos que fornecem informações a respeito da
posição de diferentes partes do corpo e como elas se movem no espaço
(propriocepção) bem como ter a habilidade de se manter e mover contra a
gravidade (vestibular).
Para cada pessoa, uma enxurrada de sensações e exigências chega a
todo instante e o sistema nervoso central tem uma grande função de receber,
filtrar, organizar, integrar e transformá-las em um comportamento funcional
ou resposta adaptativa. O resultado deste trabalho é chamado de integração
sensorial. Esse processo faz parte do desenvolvimento neuroevolutivo e permite

373
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

que cada indivíduo mova-se eficientemente, aprenda novas habilidades e


mantenha seu estado de alerta e atenção de acordo com as demandas do meio.
O termo integração sensorial também é utilizado para denominar a forma
de tratamento para pessoas que apresentam desordens decorrentes de falhas de
integração sensorial. Ambas as referências são resultantes do trabalho desenvol-
vido por Anna Jean Ayres iniciado na década de 1960. Com formação em TO e
psicologia (educação), através de pesquisas, desenvolveu a teoria de Integração
Sensorial que objetiva compreender e tratar pessoas que apresentem déficits
de aprendizagem decorrentes de alterações no processamento de integração
sensorial. Conduziu então vários estudos analíticos com crianças com dificul-
dades de aprendizado e identificou disfunções nos sistemas tátil, vestibular,
proprioceptivo e visual; essas disfunções interferiam no desenvolvimento
do planejamento motor, comportamento, bem-estar emocional e cognição
(Blanche, 1995).

O desenvolvimento da integração sensorial, registro sensorial,


atenção e alerta

A integração sensorial é um processo que tem início na vida intrauterina,


posteriormente, em interação com o meio segue o curso do desenvolvimento
através de respostas adaptativas. A princípio, essas respostas são mais motoras
servindo como base para o aprendizado de habilidades mentais e sociais. Com
o passar do tempo, as respostas adaptativas podem ser motoras, mentais ou
sociais e estão relacionadas a um objetivo, ou desafio (Ayres, 1983). Os sete
primeiros anos de vida formam o período básico para o desenvolvimento de
atividades que requerem integração dos vários sistemas sensoriais. “A maior
parte da atividade nos primeiros sete anos de vida é a parte de um processo: o
processo de organizar as sensações no sistema nervoso” (A. J. Ayres).

FASE I – Até 2 anos

▶▶ Autorregulação de alerta e atenção


▶▶ Estágio sensório motor de aprendizagem

374
integração sensorial – princípios básicos

▶▶ Aprende através de estímulos sensoriais


▶▶ Adapta comportamento reflexo à ação com objetivo
▶▶ Brincar exploratório

FASE II – Pré-escolar

▶▶ Integração dos dois lados do corpo


▶▶ Cruzamento da linha média
▶▶ Desenvolvimento das reações de equilíbrio
▶▶ Desenvolvimento do esquema corporal
▶▶ Desenvolvimento do planejamento motor grosso
▶▶ Imitação no brincar

FASE III – Jardim (5 a 7 anos)

▶▶ Melhoria na habilidade de discriminação sensorial


▶▶ Melhoria na habilidade de planejamento motor fino
▶▶ Estabelecimento de dominância (lateralização)
▶▶ Brincar social

FASE IV – Escolar (7 anos ou +)

▶▶ Desenvolvimento do raciocínio abstrato


▶▶ Aprendizagem acadêmica
▶▶ Uso mais sofisticado de ferramentas
▶▶ Jogos com regras e competições
▶▶ A competência em habilidades mais complexas depende das fases anteriores

Principais sistemas sensoriais envolvidos neste processo de maturação e


suas funções:

Sistema somatossensorial
É formado pela propriocepção (sensação de posição e movimento via recep-
tores dos músculos, tendões e articulações) e exterocepção (sensações captadas
na superfície do corpo como visão, audição, tato-pressão, dor e temperatura).

375
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Propriocepção: percepção das sensações das articulações e do corpo,


ou dos segmentos do corpo no espaço. Inclui tanto a sensação de direção e
velocidade do movimento, quanto a determinação do esforço necessário para
pegar e levantar objetos. É a função das terminações aferentes dos músculos e
tendões que sentem com quanta força os músculos estão tracionando e a rapidez
com que o músculo está sendo estirado. Esta informação é usada para regular a
atividade motora em andamento e guiar a execução de tarefas motoras futuras
(modelos neuronais — memória motora — esquema corporal). A sua via central
é a mesma do tato discriminativo mas a propriocepção refere-se à sensação de
movimento ou posição geradas pelo movimento do próprio indivíduo, diferente
das sensações táteis que são geradas pela mudança de posição de estímulos
externos aplicados sobre a pele.
O tato é considerado maior sistema do corpo e desempenha importante
papel na organização neurológica e no comportamento humano, tanto físico
como mental. É subdividido em dois tipos que funcionam em equilíbrio:
1) Protopático: é o de proteção, alerta sobre perigo em potencial, recebe infor-
mações sobre dor, temperatura e sensações táteis difusas, tem grande influência
no tônus emocional; e 2) Epicrítico: é responsável pelo tato discriminativo,
detecta e localiza estímulos que movem sobre a pele, tato pressão, vibração,
mudanças no comprimento e tensão dos músculos/propriocepção – contribui
com informação que facilita a percepção espacial do corpo. Aspectos temporais e
espaciais do estímulo. Está envolvido no processamento sensorial que contribui
para o planejamento motor e as praxias. Por exemplo: iniciação de exploração,
sequências de comportamento motor, antecipação de resultados e análise dos
resultados dos movimentos. Uso de instrumentos e interações adaptativas com
o ambiente.

Sistema vestibular
As sensações vestibulares auxiliam na manutenção do tônus muscular,
do equilíbrio, da coordenação entre os dois lados do corpo, da postura e da
manutenção da posição da cabeça contra gravidade. O sistema vestibular pode
ser imaginado como a fundação para a orientação do corpo em relação ao
meio ambiente. Magalhães (2002) descreve como sendo as principais funções
deste sistema:

376
integração sensorial – princípios básicos

▶▶ Permitir a consciência e a apreciação da posição da cabeça no espaço,


guiando o inter-relacionamento com o mundo externo;
▶▶ manter o equilíbrio que é resultante da interação entre os sistemas visual,
tátil, proprioceptivo e vestibular;
▶▶ direcionar o olhar através de movimentos compensatórios dos olhos em
resposta à movimentação da cabeça; preserva um plano constante de
visão através do controle da posição dos olhos;
▶▶ manter a postura por meio da interação entre os mecanismos vestibu-
lares e os tratos eferentes para facilitação do tônus extensor;
▶▶ contribuir para base neurológica do desenvolvimento da movimen-
tação, orientação e controle da extremidade superior;
▶▶ ser base neurológica para o controle de alerta, atenção e regulação
emocional através de conexões com a formação reticular e o sistema
límbico;
▶▶ ser base hipotética do desenvolvimento da coordenação motora bilateral
e de funções relacionadas ao planejamento motor ou praxia;
▶▶ juntamente com os receptores articulares e musculares, fornecer
indícios para os mecanismos de feedforward (resposta de antecipação
frente a uma experiência já vivenciada) do controle motor.

Os estímulos vestibulares têm, de forma geral, a característica de facilitar


mensagens motoras e, como consequência, interferir no tônus muscular.
O sistema vestibular responde à aceleração e desaceleração do movimento. Se
a aceleração é constante, o sistema entra em estado basal, ou seja, movimentos
rítmicos geralmente acalmam e movimentos bruscos sem constância de ritmo
e direção tendem a aumentar o estado de alerta.
Atividades que englobam estímulos vestibulares, bem como proprioceptivos
e táteis interferem no estado de alerta e atenção. A interação da criança com o
meio ambiente depende da manutenção apropriada dos níveis destes estados,
ou seja, quando há modulação e registro adequados das informações sensoriais
que chegam, aumenta a capacidade para desviar a atenção de estímulos rele-
vantes, registrar a nova informação sensorial e responder de forma adaptativa à
situação. Os estímulos sensoriais e sua integração também são fundamentais no
desenvolvimento do planejamento motor, habilidade que está bastante evidente

377
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

na fase pré-escolar. Nesta idade, as atividades de interesse envolvem construções,


manipulação de materiais e objetos tanto de uso diário como de propriedades e
funções a serem conhecidas e que requerem não apenas atenção e alerta, como
também planejamento motor e integração bilateral (Case-Smith, 1999).
Fisher (1991) refere que sequências de ações planejadas envolvem a
formulação de um objetivo e planejamento de uma ação antes da iniciação do
movimento, sem hesitar, parar ou corrigir a ação planejada. Sequências de ações
planejadas contam com o mecanismo de feedforward (antecipação); a habilidade
de planejar e produzir sequências de ações antecipatórias está associada ao
processamento vestibular e proprioceptivo e, subsequentemente, à práxis,
especialmente quando padrões bilaterais de movimentos estão envolvidos.
Alguns exemplos de atividades que dependem dessas habilidades são: correr,
pular, pegar uma bola jogada em uma trajetória imprevista. O movimento está
sempre presente tanto na criança como no objeto envolvido.

Sinais de disfunções de integração sensorial e implicações práticas

O problema primário de desordem de integração sensorial é descrito


pelos autores que desenvolvem trabalhos científicos nesta área, como déficits
comportamentais e de aprendizado decorrentes de uma falha no processa-
mento das informações sensoriais. Isto significa que a informação sensorial
do ambiente e do corpo da criança é processada de forma ineficiente e
desorganizada resultando respostas motoras, comportamentais e cognitivas
mal adaptadas (Ayres, 1972; Fisher, 1999). A disfunção sensório integrativa
afeta a atenção, o comportamento, o aprendizado, o desenvolvimento da fala,
o movimento e a coordenação.
Na prática profissional, as queixas principais trazidas por familiares e
cuidadores geralmente estão relacionadas a situações comuns da vida diária:
“meu filho não sabe brincar”, “quebra tudo o que pega e se esbarra em tudo que
esta em volta”, “não consegue jogar bola com os amigos”, “ela é muito desatenta”.
O distúrbio de IS pode ocorrer de uma forma isolada e primária ou como parte
de um conjunto de dificuldades. Alguns estudos detectam alterações no proces-
samento vestibular, proprioceptivo e outras vias sensoriais presentes em uma
variedade de diagnósticos, incluindo a síndrome de Down, autismo, distúrbios

378
integração sensorial – princípios básicos

visuais, paralisia cerebral, síndrome de Rett, X frágil e outras desordens do


desenvolvimento (Blanche, 1995; Case-Smith, 1999).
Crianças com disfunções sensório-integrativas são descritas como muito
ou pouco reagentes à informação sensorial. Essas disfunções são classificadas
como desordens de modulação ou discriminação sensorial.

Disfunção de modulação sensorial

Modulação é a habilidade do sistema nervoso central de regular e monitorar


as informações sensoriais quanto a sua intensidade, frequência, duração, comple-
xidade e novidade. Na modulação sensorial, os processos neurofisiológicos
envolvidos são a habituação e a sensibilização que ocorrem de acordo com o
limiar neurofisiológico de cada indivíduo, ou seja, a quantidade de estímulos
necessários para o SNC reagir (Oliveira, 2003). Distúrbios de modulação podem
ser observados como uma hiper-reação caracterizada por defensibilidade senso-
rial ou hiporreação (registro sensorial pobre). No primeiro grupo, um estímulo
qualquer pode “soterrar” a criança a qual reage defensivamente, geralmente com
comportamentos emocionais negativos. São conhecidos como:
Hipersensibilidade ao toque ou defensibilidade tátil: o sistema protetor (proto-
pático) interpreta informações comuns como ameaçadoras. A criança apresenta
respostas emocionais excessivas ou aversivas (p. ex., agressão) quando é tocada
de forma inesperada ou ao contato tátil leve. Vivem, assim, em estado de alerta.
Este comportamento interfere na capacidade de manter o foco de atenção em algo
irrelevante, pois gastam muito tempo prestando atenção em tudo que pode significar
perigo. Elas podem reagir correndo/evitando, ou brigando com os outros. Crianças
com reação de fuga tipicamente demonstram várias formas de comportamento tanto
verbal quanto não verbal de “evitar”. Elas evitam situações de grupo, ficam agitadas
quando alguém se aproxima. Estes comportamentos costumam interferir em situa-
ções sociais, no desempenho escolar: podem ser inquietas, mudando constantemente
de posições, frequentemente pedindo para ir ao banheiro ou beber água. Crianças
que reagem com medo ao toque podem parecer tímidas e relutantes a interagir
com outras pessoas. Em alguns casos, essa reação de medo pode afetar o vínculo
inicial com a família e cuidadores. Falta de vínculo pode influenciar bem cedo no
desenvolvimento social e cognitivo bem como futuramente no desenvolvimento da

379
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

linguagem necessária para interação e comunicação. Crianças com defensibilidade


tátil podem referir que sentem muito ou sentem pouco. Algumas apresentam pouca
tolerância para dor, outras para temperaturas.
Hipersensibilidade ao movimento — Insegurança gravitacional: está associada
à hiperresposta das sensações vestibulares. A criança demonstra medo exagerado
em relação ao movimento. Observam-se reações de estresse e ansiedade frente
a mudanças de posição da cabeça ou deslocamento do centro de gravidade do
corpo; geralmente demonstram muita insegurança, buscando sempre a figura
de um adulto ou companhia protetora; recusam-se participar de atividades
motoras grossas restringindo o acesso a parques; movimentam-se de vagar e com
cuidado; o simples fato de mudar a superfície do chão gera uma grande ameaça;
procuram estar sempre com os pés no chão, evitam escadas e elevadores. Além
da insegurança gravitacional, também pode haver a intolerância ao movimento
caracterizada por reações mais fisiológicas (mediadas pelo sistema nervoso
autônomo) do que apenas um medo exagerado, tais como náusea, vômito,
palidez, tremor e transpiração perante estímulos rotatórios ou vestibular linear.
Defensibilidade de outros sistemas: a) olfativo: reações a cheiros com respostas
emocionais excessivas. A criança pode ser atraída ou repelida por pessoas com
base no cheiro; rejeita determinados alimentos, cheira objetos antes de manusear.
Geralmente ocorre em conjunto com alterações gustativas. b) auditivo: observam-
-se algumas reações como tampar os ouvidos frente a barulhos inesperados,
distração com sons ambientais ou não pertinentes dificultando a manutenção
do foco de atenção, grita ou fala em voz alta, faz sons repetitivos e barulhos.

A modulação sensorial está dentro de um contínuo. Enquanto a insegurança


gravitacional e a defensibilidade tátil estão em um extremo, no outro extremo está
o registro sensorial pobre ou hiporreação (figura). Há nestes casos o registro de
informações sensoriais mas a resposta do SNC é sutil. Em alguns casos, a criança
parece procurar intensamente pelo estímulo. É chamado de hiporreação porque
a resposta neurológica do processamento sensorial é bem abaixo da resposta
motora observada. no dia a dia, estas crianças podem demonstrar agitação e
buscam constantemente por atividades vibrantes. Por exemplo, crianças que
apresentam hiporresposta ao input proprioceptivo, ou seja, não conseguem regis-
trar com clareza as posições do seu corpo no espaço sem que haja uma intensa

380
integração sensorial – princípios básicos

carga de informação proprioceptiva, geralmente procuram por atividades que


ofereçam resistência muscular, compressão ou tração articular andam pulando
ou trotando ao invés de caminhar; esbarram-se/trombam em objetos e pessoas,
pegam e colocam objetos com força, usam de excessiva força no uso de lápis etc.
Geralmente o comportamento dessas crianças com hiporesponsividade sensorial
pode ser destrutivo, complicando suas relações sociais.
Dormência sensorial Defensividade sensorial
Hiporreação/resposta Hiperreação-resposta
Crianças com distúrbios de modulação sensorial podem apresentar flutua-
ções no comportamento de hiporreativas para hiper em períodos diferentes do
dia, de um dia para o outro, dependendo também dos estímulos ambientais. A
avaliação e tratamento devem considerar essa variante.

Disfunção de discriminação sensorial

A capacidade de discriminar toques, movimentos, força ou posições do corpo


no espaço é importante no desenvolvimento do planejamento motor o que fornece
bases para as praxias. Disfunções de discriminação sensorial são caracterizadas
pela incapacidade do sistema nervoso central em interpretar corretamente as
características temporais e espaciais dos estímulos sensoriais. São sintomas
persistentes, que não flutuam, ao contrário dos problemas de modulação. Causam
grandes transtornos na execução de atividades diárias e escolares.
O diagnóstico de dispraxia é comum nesta área. Dispraxia é o termo
genérico que se refere ao transtorno do planejamento motor em crianças em
desenvolvimento. Abrange não só um transtorno da coordenação ou execução
motora, como também dificuldades em conceituar ou formular um plano de
ação. A dispraxia geralmente está relacionada à pobre discriminação sensorial
e pode ocorrer simultaneamente com problemas de modulação sensorial. Na
área de transtornos específicos de IS são descritos dois tipos de dispraxia: 1) Déficit
de Integração Bilateral e Sequenciamento (IBS): base vestibular — sinais mais
leves; e 2) Somatodispraxia (SD): base tátil e vestibular — sinais mais severos/
ideação (Magalhães, 2002).
Os tipos de comportamentos observados na disfunção de discriminação
sensorial estão relacionados no quadro a seguir.

381
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Disfunções de
Comportamento – pode ter dificuldades
discriminação
para
sensorial
Diferenciar objetos pelo tato ou completar AVDs sem
pistas visuais (p. ex., fechos, colher à boca, perceber se
Discriminação do a roupa está torcida, achar a chave na bolsa ou moedas
estímulo tátil no bolso.
Identificar, sem olhar, a parte do corpo que foi tocada.
Manipular pequenos objetos sem o uso da visão.
Discriminação de Diferenciar cheiros sem o uso da visão.
estímulos gustativos e
olfativos Alertar-se com certos cheiros (p. ex., fumaça, gás).
Diferenciar e lembrar palavras e sons similares.
Seguir um ou dois comandos, apesar de ser capaz de
cumprir cada um.
Saber localizar a fonte sonora (virar na direção dela).
Discriminação de
estímulo auditivo Saber a distância e localização do som (p. ex., confuso
com o eco em corredores ou com a direção que o carro
está se aproximando).
Focar ou reconhecer um som no ambiente na presença
de barulho de fundo.
Perceber forma, espaço e a relação entre os objetos.
Reconhecer, parear e categorizar cores, textura, forma
e tamanho.
Olhar imagens sequenciais e mudar o foco de visão
rapidamente.
Discriminação de
Guiar visualmente a movimentação fina e grossa (p. ex.,
estímulo visual
colorir dentro da linha, chutar uma bola).
Reconhecer símbolos e gestos.
Perceber profundidade, distância, localização dos
limites e espaço entre os objetos.
Diferenciar figura do fundo.

382
integração sensorial – princípios básicos

Manter equilíbrio, especialmente quando em movimento.


Conhecer a posição do corpo no espaço e sua relação
com o ambiente.
Manter a postura ereta quando sentado ou em pé, por
um período.
Discriminação de Determinar a posição em que o corpo está quando usa
estímulo brinquedos de parques, ou quando estão caindo (p. ex.,
Vestibular-proprioceptivo perceber se a cabeça está para o lado, para cima ou
para baixo).
Determinar se o movimento é do corpo ou dos objetos
e pessoas no ambiente.
Calcular a força correta para usar com pessoas e objetos
(p. ex., na escrita, nos abraços).
Fonte: Hanft, Miller, Lane, 2000.

Princípios de tratamento

Fornecer a oportunidade para obtenção de informação sensorial mais rica,


dentro de um contexto de atividades significativas, promove-se o planejamento
e organização de respostas adaptativas, que vão melhorar a habilidade do SNC
de processar e integrar informação sensorial e, através desse processo, aumentar
a aprendizagem conceitual e motora (Magalhães, 2003).
O estabelecimento de uma proposta e o início de um programa de trata-
mento de integração sensorial acontece a partir do processo de avaliação, no qual
o terapeuta especializado dispõe de instrumentos padronizados e observações
clínicas. O planejamento do tratamento deve ser feito com a família e a criança —
se já tiver compreensão suficiente para estabelecer algumas metas para si mesma.
Tais metas devem ser claras em relação ao que se espera alcançar. Magalhães
(2003) ressalta outros pontos importantes para este início:
As metas devem ter objetivos funcionais para de fato avaliar se o programa está
tendo efeito desejado. Por exemplo, não objetivar normalizar nistagmo pós-rotatório
ou melhorar o padrão em extensão na postura de prono, mas, sim, pontuar se a
criança será capaz de participar de um jogo de bola com os colegas, ou se será capaz
de comer alimentos com uma variedade de texturas sem sentir desconforto.

383
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

É importante levar em consideração a quem o problema incomoda quando


se decide o que se incluir no plano de tratamento.
Todo o tratamento de IS incluirá atividades vestibulares/proprioceptivas;
essas influenciarão o desenvolvimento de uma forma geral. São principalmente
importantes para o desenvolvimento de esquema corporal, que é fundamental
para o desenvolvimento de todas as outras áreas, principalmente a práxis que
é o produto final da IS.
Embora não haja regras, quando existem problemas de modulação, eles
devem ser prioridades na intervenção.
Além da decisão de por onde começar o tratamento, o processo interventivo
de integração sensorial abrange (Fisher, 1991):
▶▶ Estabelecer a relação terapeuta-paciente;
▶▶ ambiente seguro;
▶▶ uso terapêutico da voz, reforço e instruções;
▶▶ desafio na medida certa;
▶▶ liberdade x estrutura;
▶▶ motivação interna;
▶▶ compreensão da disfunção sensorial;
▶▶ tornar o dia a dia mais fácil – dietas sensoriais.

Como exemplificação, segue tabela com tipologias mais comuns de


distúrbios de integração sensorial e algumas sugestões de atividades e condutas
seguindo a linha de tratamento de IS.

Distúrbios Exemplos interventivos


A estimulação é mais bem aceita quando é auto-
administrada.
Pressão firme e profunda é mais recomendada e
tolerada.
Defensibilidade tátil
A estimulação é mais bem aceita quando aplicada na
direção do crescimento dos pelos.
Algumas partes do corpo podem ser mais sensíveis:
cuidado com o rosto, cabeça (couro cabeludo), pés.

384
integração sensorial – princípios básicos

Usar atividades que dão oportunidade para o


estímulo vestibular linear controlado e informação
proprioceptiva.
A participação ativa na atividade é importante para
o desenvolvimento do esquema corporal; atividades
Insegurança gravitacional resistidas aumentam a possibilidade de absorção de
propriocepção .
Utilizar equipamentos (balanços) que fiquem
próximos do chão para que a criança apoie os pés
quando desejar e consiga dosar a quantidade de
movimento.
O tratamento é o mesmo da insegurança gravita-
cional; geralmente os movimentos lineares são menos
aversivos do que os angulares. O principal objetivo é
Intolerância ao movimento
fazer com que a criança seja capaz de tolerar atividades
comuns da vida diária (andar de carro, brincar no
parque) sem desconforto.
Devido à flutuação do registro sensorial, é importante
avaliar continuamente a criança até encontrar padrões
sensoriais que ajudará a compreender seu problema e
planejar o tratamento.
Cuidados com a segurança: há busca de alta dose de
Registro sensorial pobre
estímulos, muitas vezes colocando a criança em risco.
Uso de atividades com resistência, rica em informa-
ções táteis sem necessariamente o toque do terapeuta
(p. ex., atravessar túnel de lycra, rolar dentro do barril,
vibração, colete com peso etc.).
Controle postural: atividades com prono-extensão;
estabilidade postural (cocontração, ênfase em padrões
Disfunções de discrimi- simétricos, bilaterais); transferência de peso, flexão
nação sensorial lateral e rotações); reações de equilíbrio e endireita-
Vestibular-proprioceptiva mento; controle óculo-motor.
Dispraxias Planejamento motor: desenvolver ideação, coorde-
nação bilateral e sequenciamento, cruzamento de
linha média, sequências de ações projetadas.

385
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Considerações finais

A integração sensorial é um processo natural que permeia o desenvol-


vimento humano e é a grande responsável pela construção de habilidades
adaptativas, base para qualquer aprendizado. Terapeutas podem obter benefícios
com o entendimento de como o processo de integração sensorial acontece,
bem como as formas de disfunções do processamento sensorial interferem na
vida diária das pessoas (a criança, sua família). A teoria da integração sensorial
nos auxilia a organizar dados sobre os efeitos decorrentes de distúrbios de
integração sensorial e sugerem caminhos para minimizar os problemas em
evidência. Assim como as queixas trazidas pela família e pela criança pertencem
a um âmbito prático, o tratamento também segue esse viés: estabelecer metas
funcionais; desenvolver um trabalho em conjunto com a família, nos ambientes
de vida diária (casa e escola); elicitar a participação ativa da criança auxiliando-a
apropriar-se da sua grande fonte de prazer e aprendizagem: o brincar.

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387
30
Desenvolvimento da memória
autobiográfica na infância:
um possível entrelaçamento
entre neurociência e
psicanálise
Integrar mente e cérebro, estabelecendo
correlações entre a psicanálise e a Neurociência,
exige muito mais do que apresentar relações
funcionais entre cérebro e comportamento humano.

Célia Regina de Souza Cauduro

Nossa hipótese é a de que esse estudo possa trazer contribuições para a


compreensão do desenvolvimento humano, apoiado no conceito de homem,
exposto pelo psicanalista Donald W. Winnicott: o homem total, que desde o
início da vida se organiza como uma existência psicossomática (Winnicott,
1988a), em um percurso que interliga o meio socioeconômico, o corpo e a mente.
Segundo Winnicott (1988a), essa inter-relação se torna possível somente na
experiência com o outro, o cuidador, na satisfação ou frustração das necessidades
do bebê, inseridos em uma perspectiva temporal e espacial. Essas experiências

389
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

somáticas, no acontecer do processo evolutivo, fundamentam a representação


dinâmica que o sujeito tem de si. “A natureza humana não é uma questão de
corpo e mente — e sim uma questão de psique e soma inter-relacionados, que
em seu ponto culminante apresenta um ornamento: a mente” (Winnicott, 1990).
É um pressuposto que não se insere em uma visão dualista do ser humano,
em que a mente e o corpo, embora relacionados, são considerados entidades
separadas. A posição de Winnicott sobre o desenvolvimento humano não
sustenta a redução da complexidade do biológico à ordem do psíquico, nem a
complexidade do psíquico ao biológico. Nesta perspectiva, o estudo da memória
e registros psíquicos tem como objetivo contribuir para a construção de um
conhecimento integrado da totalidade do desenvolvimento humano. Essa
totalidade implica, não somente, uma simples aproximação interdisciplinar, mas
supõe o risco de um envolvimento maior, de um mergulho nas duas disciplinas
(Soussumi, 2006).
A aproximação da psicanálise à neurociência nos conduz por um caminho
que transita por linguagens muito diferentes. A psicanálise se expressa por meio
de uma comunicação metafórica e simbólica, e a neurociência torna possível
a observação direta do seu fenômeno, por intermédio da descrição do fato
observado. Consequentemente, essas duas áreas do conhecimento emergem
de circunstâncias e observações de diferentes aspectos da realidade humana,
divergindo quanto ao conceito de ciência, e em relação aos seus métodos de
investigação. Tais aspectos fundamentam o debate sobre a incompatibilidade dos
pressupostos epistemológicos (Faveret, 2006; Winogrand, 2004; Wino-
grand, 2006), o que nos impede de se ter uma visão integrada do ser humano,
contraposta ao paradigma da fragmentação. Esse desafio epistemológico exige
uma elaboração “transdisciplinar”, ao tentar romper a barreira imposta pelo
nível nominativo dos conceitos, para encontrar os pontos de aproximação que
ampliam a compreensão do objeto que está sendo investigado. O caminho para
o progresso científico exige que utilizemos os nossos pré-conceitos teóricos para
nos aventurarmos a conhecer áreas novas, e não nos fecharmos em verdades
adquiridas, como se fossem absolutas e eternas (Cauduro, 2002). Essa busca
conduz à reflexão sobre a necessidade de não apenas, se flexibilizar as fronteiras
que separam a neurociência da psicanálise, aproximando-as, mas também
atentar para os espaços que são ocupados por diferentes departamentos, que

390
desenvolvimento da memória autobiográfica na infância

dentro da universidade (que somente no nome encerra o conceito de totalidade),


permanecem isolados, contribuindo para compartimentar o saber acadêmico,
o que empobrece a formação dos diversos profissionais (Cauduro, 2002). Não
há dúvida de que o desenvolvimento individual de cada disciplina é importante
e necessário; porém, apoiados em “verdades teóricas”, permanecemos isolados.

A função da memória

Memória pode ser definida como “a capacidade de alterar o comportamento


em função de experiências anteriores” (Xavier, 1993).
A memória é muito mais que um registro de uma experiência pessoal, ela
permite o processo de socialização do ser humano e, dessa forma, constitui-
-se numa poderosa força para o progresso social. Dentro da escala evolutiva,
somente os humanos têm a habilidade de comunicar o que aprendem aos outros
humanos, criando culturas que podem ser transmitidas de geração para geração.

”A interação do ser humano com o mundo existe em função da capacidade


do cérebro de criar circuitos que vão adequá-lo a responder as solicitações das
situações que o cercam. O cérebro vai se tornando um órgão mais complexo
graças à capacidade dos neurônios se comunicarem entre si, de estabelecerem
redes, de criarem circuitos que vão responder às milhões de funções necessárias
ao ser humano para sobreviver” (Costa e Silva, 2001).

Assim, o que determina a mudança cultural e o progresso social, durante


esses milhares de anos, é a capacidade intrínseca do cérebro humano para
capturar o que é aprendido e, através da fala e da escrita, ensinar aos outros
humanos (Squire e Kandel, 2000).
Nós somos quem somos porque podemos reconhecer e pensar sobre muito
do que integra nosso mundo externo e interno. Todos nossos pensamentos,
palavras e ações, enfim tudo que estrutura o sentido que temos de nossa iden-
tidade, e o significado dos vínculos que nos ligam às outras pessoas, devemos às

391
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

experiências vividas, que estão codificadas em nossa memória, que é a habilidade


que o nosso cérebro tem para recordar e armazenar nossas experiências. Assim,
“Memória é o elo que liga nossa vida mental, é a estrutura que sustenta nossa
história pessoal, o que torna possível nosso desenvolvimento” (Squire e Kandel,
2000). A memória é responsável pela nossa vida psíquica, no sentido de que
podemos identificar os processos mentais, conscientes ou inconscientes porque
temos memória, que se constitui no elo que estrutura o psiquismo humano.
Falar em psiquismo humano é considerar todos os registros psíquicos, tanto
os que promovem o desenvolvimento pessoal como os que obstaculizam esse
desenvolvimento, e ambos resultam das experiências que estão codificadas na
memória. Esses registros emocionais são formados pelas vivências precoces,
nos períodos iniciais do desenvolvimento do ser humano, que se traduzem
em padrões de interação com o mundo, modulando as relações de objeto que
iremos estabelecer durante a vida.

Memória autobiográfica

Memória autobiográfica é de fundamental significado para o self, para as


emoções, e para a experiência da pessoa, isto é, para a experiência humana ao longo
do tempo numa determinada cultura (Christopher e Pleydell-Pearce, 2000). É uma
forma complexa de memória com bases neurais próprias e diferentes de outros
tipos de memória. Os estudos com neuroimagem têm identificado um padrão de
ativação frontotemporal consistente na atividade de evocação do passado pessoal.
Este padrão atribui à memória autobiográfica qualidades de processamento com
configuração subjetiva dimensionada para aspectos emocionais específicos. O lobo
frontal é uma estrutura importante nos processos relacionados a autoidentidade,
consciência e autorregulação da emoção (Frank e Landeira-Fernandez, 2006).
A evocação da informação autobiográfica é um processamento significativo
para a noção de autoidentidade. Lembramos os detalhes da nossa história
pessoal com todo o seu colorido emocional associado a imagens com simbologia
própria. Esse sistema permite também a permanência e continuidade do eu
através do tempo e, principalmente, a adaptação da pessoa ao seu meio interior
e exterior (Frank e Landeira-Fernandez, 2006).

392
desenvolvimento da memória autobiográfica na infância

Segundo Gathercolle (1998), a memória autobiográfica se caracteriza pela


lembrança de acontecimentos que integram a experiência pessoal do indivíduo
e que, portanto, é permeada pela interpretação que esse indivíduo elabora da
situação vivida.
Haberlandt (1999) refere que a memória autobiográfica inclui o contexto
da informação, os componentes do conceito, detalhes perceptuais e sensoriais.

Diálogo entre a neurociência e Winnicott

“As memórias são construídas a partir de inúmeras impressões senso-


riais, associadas à atividade de amamentação” (Winnicott, 1988b).
Segundo a teoria do amadurecimento humano do psicanalista
inglês Donald W. Winnicott (1896-1971), essas repetidas experiências
é que possibilitam a construção de memórias, que, por sua vez, vão
estruturar um sentimento de continuidade à existência do bebê,
gerando confiança. Esse sentimento de confiança construído por
sucessivas apresentações do mesmo evento faz com que o bebê cons-
trua um espaço — o espaço da ilusão —, e a crença que esse objeto
do desejo (seio), ou também essa experiência de satisfação, possa ser
encontrada no momento que assim o desejar, ajudando-o a tolerar a
ausência. Tudo isso se torna possível pela sensibilidade da mãe, que
adaptada ao bebê, satisfaz suas necessidades, no momento em que elas
emergem. Essa situação em interação com o desejo do bebê cria uma
ilusão, onde a onipotência existe como um fato, fazendo que o bebê
acredite que é possível controlar o ambiente, onde esses objetos ou
situações de satisfação possam aparecer ou desaparecer de acordo com
sua vontade. Assim, nesse período do desenvolvimento emocional, na
primeira infância, estrutura-se a concepção de uma realidade externa,
enquanto um lugar onde os objetos estão presentes, se sua necessidade
determinar. Esta complexidade humana é construída com o acúmulo
de memórias formadas de inúmeras impressões sensoriais (Winnicott,
1983). Portanto, a integração entre o psique-soma considerada a base da
constituição do ser para Winnicott (1988a), processa-se de um conjunto

393
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

de memórias, que ao integrar a dimensão de passado, presente e futuro


efetiva à tendência natural de busca do sentimento de continuidade
da existência, representando o início da vida psíquica. O ego corporal,
considerado como representante dos registros psíquicos, confirma
que nada daquilo que faz parte da experiência do indivíduo se perde.
Progressivamente, o psique-soma vai-se desenvolvendo de estádios
mais primitivos (Winnicott, 1983, 1988a).

A compreensão de Winnicott (1983, 1988a, b, c) sobre a função da memória na


constituição do ser é coerente com a afirmação de Rovee-Collier & Gerhardstein
(1997), na perspectiva da neurociência: “As experiências precoces são progressiva-
mente acumuladas produzindo um organismo crescentemente mais complexo”.
Tanto na teoria psicanalítica de Donald W. Winnicott 1983, 1988a, b, c) quanto
nos trabalhos da neurociência do desenvolvimento, aqui referidos, a memória
é apresentada como mediadora da complexidade que constitui o ser humano.
Esses encontros repetidos com o objeto, inseridos numa comunicação pré-verbal,
e o bebê com seu repertório sensório-perceptual para expressar sua necessidade,
possibilitam a formação de registros psíquicos e de memórias que vão constituir
o pilar de sustentação do desenvolvimento emocional. Winnicott (1988c) ao
dar ênfase à figura da mãe sensível, que possibilita a repetição das experiências
sensoriais, instrumentando o bebê para que esse possa ir construindo memórias,
ou registros psíquicos, (o que vai ser dito também pela neurociência), concorda
com Bauer (1999). Segundo essa autora, a recuperação de memórias de um passado
distante depende também do desenvolvimento das áreas corticais de associação, o
que ocorre mais lentamente na vida do ser humano. Portanto, o estabelecimento
e a sustentação das memórias de longo prazo, entre as quais as memórias auto-
biográficas, requerem o funcionamento do hipocampo, bem como das conexões
aferentes e eferentes entre ele e áreas corticais. Desta forma, a formação da memória
autobiográfica está relacionada às condições de maturação neurológica.
O acontecer humano se dá pela capacidade de ter experiências intersubje-
tivas que está relacionada à capacidade de ter memórias, tanto para Winnicott
como para a Neurociência. O que vai dar o sentido de continuidade existencial
é o conjunto de memórias ou registros psíquicos acumulados. Cada experiência
abarca a memória de outras.

394
desenvolvimento da memória autobiográfica na infância

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

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396
31
A linguagem e suas
diferentes formas de
manifestação x leitura escrita
Evaldo J. B. Rodrigues

Linguagem

A linguagem é o nome que se dá a qualquer meio sistemático de comunicar


ideias ou sentimentos através de signos. Signo é tudo aquilo que representa alguma
coisa e, portanto, está sempre na dependência de quem o interprete. Essa correlação,
em que se alternam o que é representado e o que se interpreta, ocorre o tempo todo
com nós mesmos e rege todas as nossas relações. É a nossa “conversa interior”. É a
que sempre “nos diz” alguma coisa desde que acordamos. O que vamos vestir, o que
é urgente, o que é importante, o momento oportuno de uma providência, os meios
e a estratégia que serão utilizados para alcançar determinado objetivo. Encontra-se
entremeada aos devaneios e associações de ideias desencadeados quando se avista
uma pessoa, ou se ouve uma música, um ruído, uma notícia ou pelo próprio
curso dessa conversa interior, que às vezes assume contornos paranoicos. Mesmo
quando dormimos estamos nos dizendo alguma coisa por meio dos sonhos.
Como nessa circunstância não existe tempo de atenção, só possível no estado de

397
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

vigília, sofremos porque não podemos comandar nossa atividade motora, nem
nossa vontade. Não raro acordamos assustados e a nossa conversa interior
termina sinistra, sob a aflição causada pelas imagens desordenadas que afloram
à consciência. Desse modo, o tempo todo estamos a serviço desse jogo funcional
simbólico chamado linguagem. É o que rege e define toda e qualquer atividade
e/ou interação que todos têm de acordo com a necessidade, a oportunidade, o
interesse e o juízo de valor (expectativa, crença, prazer, ambição) que cada um
consegue definir a cada momento, com a qualidade que depende da eficiência da
sua linguagem interior. E sempre impregnada pela emoção e pelos sentimentos
que emergem com a intensidade e o viés que dependem do que, e como, para si
mesmo, cada um contou do mundo, no decorrer do tempo.

Formas de manifestação da linguagem

1- Fala, escrita, alfabeto de sinais, método Braille, código Morse

São conhecidas como formas de comunicação digitais, porque exteriori-


zadas por meio de códigos previamente estabelecidos e do conhecimento das
partes que interagem. Diferentes da comunicação analógica, por meio da qual
a linguagem que se manifesta depende do contexto para ser interpretada, como
as que se seguem:

2- Paralinguística

É a manifestação da linguagem que ocorre através da emissão de sons e


ruídos, como um grito, um muxoxo, um raspar de garganta etc. muitas vezes
com um peso de significado maior do que a fala expressaria. O mesmo acontece
com a entonação da voz, que deixa transparecer empatia, expressa raiva, dengo,
arrogância, serenidade, timidez, cinismo, enfado, pieguice, submissão, antipatia.

3- Fisiognomônica

Emerge de aspectos físicos: forte, fraco, franzino, gordo, barba por fazer,
calvo, alto etc. Levam a nossa conversa interior — baseada no juízo de valor

398
a linguagem e suas diferentes formas de manifestação x leitura escrita

de cada um – a inúmeras maneiras de moldar os sentimentos que irão reger a


interação. E, por consequência, a atitude e o comportamento.

4- Cinésica

É a interpretação sugerida pela gesticulação e pela postura corporal.


A maneira e o modo como se senta e a gesticulação deixam transparecer traços
da educação e da personalidade, entre outros.

5- Mímica

A expressão facial e o olhar, com frequência, traem o que a pessoa está


procurando comunicar pela fala, tal é a intensidade e a força expressivas que
têm. Muito representativo também é o potencial de expressão através dos gestos.

6- Artefactual

Extremamente marcante é a comunicação que advém da vestimenta. Mostra


nuances de personalidade, educação, comportamento e, mesmo, da profissão.

7- Olfática

O cheiro das pessoas, de suas roupas, do ambiente em que vivem, em que


trabalham, em que se divertem, é tão expressivo de significado quanto o da
vestimenta.

8- Háptica

É o que se interpreta através do paladar, do tato e da sensibilidade somesté-


sica. Um simples aperto de mão e a pressão que se segura alguém pelo braço têm
informações suficientes para que a conversa interior defina o tipo de tratamento
a ser dispensado. Também representativos são as emoções e os sentimentos que
se insinuam por meio do sabor das coisas.

399
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

9- Proxêmica

A intenção de se ficar próximo de uma pessoa, ou de um grupo, que


comanda um evento ou atividade, comunica apreço, prestígio, da mesma
maneira que a disposição de ficar afastado significa o contrário.

10- Cronêmica

O atraso no cumprimento de horário para uma entrevista além do tempo


tolerado é sinal de desapreço e de falta de consideração. Igualmente significativo
é o chegar muito antes do horário combinado.
Assim, independente da vontade, estamos sempre comunicando alguma
coisa, isto é, estamos o tempo todo sendo interpretados. Por nós mesmos e pelo
mundo, uma vez que sempre estamos sendo mediados pelo outro, porque nos
manifestamos e nos expomos das mais variadas formas.

Leitura e escrita

A leitura e a escrita são manifestações da linguagem que dependem de um


código previamente definido e do conhecimento de quem participa da interação
(são portanto digitais). A leitura é a passagem das letras (grafemas) para sons, e a
escrita é a passagem de sons para letras. A sua aquisição ocorre em duas etapas.
Na primeira, descobre-se que cada som corresponde a uma letra, e vice-versa. Na
segunda, essa transposição é feita automaticamente, ou seja, sem necessidade de
monitoramento consciente. Essas aquisições dependem de muitos pré-requisitos
anatômicos e funcionais, inclusive do funcionamento de estruturas do sistema
nervoso central encarregadas do trabalho de mixagem (eficiente em torno dos
6 anos), no caso, de sons para letras, e vice-versa. Sons e letras são detectados e
processados através de sistemas sensoriais diferentes (auditivo X visual). É por
essa razão que, ao conhecer a trajetória do desenvolvimento de cada componente
do processo, seja possível detectar eventuais falhas de um deles e corrigi-las
antes que se dê a alfabetização.

400
a linguagem e suas diferentes formas de manifestação x leitura escrita

Pré-requisitos para o desenvolvimento da linguagem

Diferente das outras espécies animais, a humana é dotada de equipamento


neurológico que permite o desenvolvimento da noção de tempo. Isso só é
possível porque a definição do espaço, imprescindível para atividades vitais
de todas as espécies animais, acontece de maneira abstrata para o homem.
Enquanto para todos os animais a definição dos limites do espaço — do seu
território – é feita através da urina ou da dispersão de excrementos, fundamental
para toda atividade biológica, inclusive de reprodução, o espaço que norteia
toda a atividade humana, e que permite a aquisição da noção de tempo, é o que
foi incorporado do mundo exterior e, portanto, é abstrato. É o espaço interno,
desenvolvido e organizado num processo contínuo, no qual ocorre o arranjo
dos eventos que cronologicamente se sucedem. É essa relação abstrata espaço/
tempo, que permite a formação de conceitos que não têm representação física
concreta (ontem, depois de amanhã, em janeiro, daqui a dez anos, espera a sua
vez, noção de quantidade etc.) e cuja manifestação está necessariamente atrelada
a tempos verbais.

1- Definição do espaço interno

A definição e a estruturação desse espaço interno, palco de toda atividade


abstrata, só é possível através dos movimentos com que se explora o espaço
externo do nascimento. Inicialmente atabalhoados, os movimentos sem muita
direção, com força e medida de distância mal definidas, vão ficando cada vez mais
calibrados, mais ordenados, ajustando-se à relação espaço exterior/movimento/
tempo. Através dessa interação começa a ser definido esse espaço interno virtual
para onde é alocado tudo que se enxerga, se escuta, se apalpa, se cheira, se sente
o gosto e a propriocepção informa. Esse processo conta com a participação de
várias estruturas, localizadas em diferentes áreas do cérebro, com atribuições
também diferentes, que funcionalmente se agrupam, se organizam e se entre-
laçam de inúmeras maneiras, para que seja definido o significado (conceito) de
cada estímulo que chega. A repetição de estímulos externos, no contexto da
movimentação corporal, permite a estruturação cada vez mais refinada desse
espaço interno virtual, associada à violenta expansão de novos conceitos, que vão

401
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

sendo “vestidos” pelas palavras e que se traduzem no aumento do vocabulário.


Isso leva à condição cada vez mais apurada, limitada pelo potencial da criança,
de exercitar o juízo de valor, que se manifesta na definição (escolha) das pessoas,
objetos, animais e do que “julga importante”, que permeia toda interação, ao lado
da programação motora cada vez mais refinada e precisa. Quanto melhores as
condições de motricidade e do ambiente, que permitam a atividade física da
criança, para que através do movimento enquadre o espaço que a cerca, melhor
o resultado do desenvolvimento dessas habilidades. Sem o contínuo e necessário
enquadramento do espaço externo (gasta energia) calibrado pela definição espa-
cial abstrata, nosso “território de referência”, fica muito difícil, senão impossível,
a realização eficiente de qualquer atividade. Normalmente se sente desconforto
quando se perde, ou se tem que reorganizar, essa referência. Por exemplo: quando
se confunde o local onde o carro está estacionado; quando somos obrigados a
assistir televisão numa poltrona diferente da nossa. Com o decorrer dos anos
vai se perdendo a condição de realizar essa operação com eficiência e a energia
que tem que ser alocada para essa atividade é roubada daquela que deveria ficar
disponível para a interação com o ambiente, com desconforto e prejuízo do
desempenho (daí porque o idoso resiste em de sair de casa).

2- Fala

Simultâneo a todo esse processo atrelado à definição do espaço interno,


ocorre a maturação das estruturas (auditivas, do sistema digestório e respira-
tório) que permitem a articulação dos sons da fala, veículo fundamental para
exteriorização da linguagem. E, num complicadíssimo jogo funcional, ocorre
a fixação no sistema nervoso central dos padrões de movimentos articulatórios
necessários para a produção automática de cada som (engramação acústica-
-articulatória), que obedece a uma sequência fisiológica de aparecimento.

3- Atenção arbitrária

O surgimento da fala desempenha papel importante no desenvolvimento


da atenção arbitrária, apanágio da nossa espécie. É assim chamada porque inde-
pende do apelo fisiológico e da intensidade do estímulo externo, uma vez que

402
a linguagem e suas diferentes formas de manifestação x leitura escrita

está a serviço do interesse, da necessidade, do juízo de valor e da oportunidade,


de cada momento. Resulta do comando que é dado pelo adulto significativo,
através de ordens repetidas várias vezes, quase sempre contrariando o interesse
(atenção) da criança, voltado para estímulos mais intensos e atraentes. Com o
tempo, esse arbitramento da atenção vai sendo incorporado pela criança e passa
a desempenhar papel importante na definição de juízo de valor, que norteia a
escolha e a preferência pelos objetos, pelas pessoas, e, mais tarde, na definição
daquilo que se faz necessário e adequado, para cada faixa etária.

4- Organização do espaço interno e capacidade de abstração

A qualidade da exteriorização da linguagem, em todas as suas manifes-


tações, só atinge excelência depois que o espaço interno em expansão passa
por importantes mudanças na organização que rege o seu funcionamento,
determinadas pelo potencial da criança. No nascimento e primeiros meses
de vida, as informações que chegam do ambiente são muito pobres como
consequência da imaturidade das estruturas a serviço dos cinco sentidos e da
propriocepção. A criança pequena não faz distinção entre o espaço ocupado por
seu corpo e aquele que lhe é externo, pois, para ela, tudo está ligado nela. Essa
maneira de ser caracteriza uma vivência topológica (geometria que estuda os
conjuntos) do mundo, ou seja, a criança não consegue relacionar dois ou mais
objetos entre si excluindo-se da relação (do conjunto). Com o aprimoramento
da capacidade sensório-perceptiva e da melhor definição do espaço interno, o
“mapa cognitivo” deixa de apresentar as características topológicas (de conjunto)
e passa a ser programado de acordo com o espaço tridimensional e finito, onde
ocorrem os movimentos — parâmetros da geometria euclidiana (P. Bearzoti,
comunicação pessoal, 18 de setembro, 2003). É a partir desse momento, de iden-
tificação e definições mais precisas de tudo que a cerca, e da melhor capacidade
de estabelecer relações espaço/temporais (euclidianas), que fica possível o grande
avanço no refinamento da capacidade de abstração. Isso dá condição para a
criança adquirir e trabalhar com desenvoltura os conceitos e os vocábulos que
expressam a noção de tempo, noção de quantidade, noção de perigo (causa/efeito).
Define as regras de um jogo, estabelece estratégias mais elaboradas para atingir
seus objetivos, que se tornam cada vez mais complexos e com mais qualidade.

403
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Aquisição da leitura e da escrita

Adquiridas as habilidades que permitem a estruturação e consolidação da


linguagem, é possível passar para a próxima etapa, que consiste na aquisição
e automatização da leitura e da escrita, que exigem sofisticado refinamento da
capacidade de abstração. A leitura só é possível quando há a possibilidade de que
cada letra seja identificada e relacionada com o som correspondente, na mesma
sequência em que se apresentam. A escrita implica a identificação auditiva
de cada som na sequência em que aparecem em cada vocábulo, na definição
visual da letra correspondente, e na programação motora dos movimentos a
serem realizados pela mão, para representá-los na mesma sequência. Depois
de dominada essa etapa, é possível a sua automatização, em que a transposição
sons/letras, e vice-versa, ocorrem sem necessidade de monitoramento consciente.
Só a partir desse momento é viável o aprendizado das regras sintáticas que
regem a escrita e o domínio das suas nuances (s/ss/ç; ch/x; m/n, pontuação etc.).
Após algum tempo de consolidação desse processo, isto é, tempo usado para
que a criança “brinque” com a leitura e a escrita para perceber o seu aspecto
pragmático, adquira alguma desenvoltura na sua utilização, pegue gosto pelo
prazer em dominá-las, é que a leitura e a escrita são utilizadas para trabalhar
com conteúdos programáticos.

Sinais clínicos de falhas nos pré-requisitos para aquisição da


linguagem (e da leitura e escrita)

A falta de referencial do espaço, que depende da estruturação do espaço


interno — muitas vezes comprometido em decorrência de hipotonia e/ou
frouxidão de ligamentos que prejudica a exploração do ambiente através dos
movimentos — leva a criança a apresentar várias manifestações desse desajuste.
A irrequietude é uma das mais frequentes. Não se aquieta, é mexelona. Como
há falha na modulação da força e da direção dos movimentos, derruba, esbarra
nas coisas, a corrida é desengonçada, com quedas frequentes. O traçado gráfico
é calcado e desorganizado. Não é raro o relato de enurese noturna. Às vezes há
escape de fezes, num contexto de prisão de ventre. A falta de sintonia fina na

404
a linguagem e suas diferentes formas de manifestação x leitura escrita

“organização” do espaço interno (abstração refinada) — porque continua no


topológico — compromete a definição da noção de perigo, a organização dos
relatos, das suas atividades, e a qualidade do juízo de valor, o que é utilizado
como critério para definir a criança como imatura. A desatenção e o desliga-
mento são frequentes. Os sinais acima descritos, isolados ou associados, que
se manifestam precocemente, estão vinculados às estruturas que garantem a
comunicação em todas as suas formas. Entretanto, para que se possa suspeitar
da existência de um distúrbio é fundamental que o padrão de comunicação e/ou
da maneira de interagir da criança em questão estejam defasados das demais,
quando se considera a idade, o nível sociocultural e o grau de experiência e de
oportunidades. Detalhe importante: não basta providenciar tratamento para
cada um desses sinais, assim como, não basta prescrever antitérmico para quem
tem febre sem combater a sua causa, ou seja, é inútil tratar a boca da criança,
porque fala errado, gagueja ou suas histórias são mal contadas; insistir que a
criança transcreva ditado e cópia, porque troca letras; fazer jogo de “prêmio
e castigo”, porque lê mal. Essas tentativas sem sucesso levam a criança a uma
peregrinação a consultórios de vários especialistas. Em que pese a resposta
correta e honesta que possam dar, ela fica restrita aos limites de cada especiali-
dade, sem que a família (e a própria criança) sinta o conforto de uma situação
equacionada. Não raro, a evolução não satisfatória torna os quadros clínicos
de distúrbios da comunicação (em particular de leitura e escrita) cada vez mais
complicados e passam a ser atribuídos a “bloqueio emocional”. O desalento,
o cansaço e o descrédito nas intervenções com esse viés geralmente levam os
pais, apesar da boa intenção, a partirem para a chantagem emocional com a
criança, ao lado de pressões descabidas, que tendem a levá-la à alienação e ao
desajustamento. O ideal é que os distúrbios da comunicação sejam enfocados
dentro do âmbito da medicina foniátrica, que avalia, acompanha e muitas
vezes interfere, no desenvolvimento da comunicação em todas as suas formas e
etapas, assim como na dinâmica que envolve esses quadros clínicos. Essa é a sua
área específica de atuação que contribui para a resolução mais eficiente desses
distúrbios, porque facilita o resultado do trabalho de profissionais de outras
áreas com frequência envolvidos nesse processo: fonoaudiólogos, pedagogos,
fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais.

405
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Referências bibliográficas

Gesell, A., Amatruda,Y.C. Diagnostico del Desarrollo Normal y Anormal del


Ninõ. 2. ed. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1962.
Perdicaris, A. A. M. Comunicação Médica e Competência Interativa: Uma visão
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Spitz, R. A. O Primeiro Ano de Vida. 1. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1965.
Spitz, R. A. O Não e o Sim – a gênese da comunicação. 2. ed. São Paulo, SP:
Martins Fontes, 1984.

406
32
Avaliação neuropsicológica
das disfunções executivas
Catia Araujo

Os lobos frontais desempenham as funções mais avançadas e complexas


de todo o cérebro, as assim chamadas funções executivas. A importância das
funções executivas pode ser mais bem apreciada por meio da análise de sua
desintegração em seguida a uma lesão cerebral. Um paciente com lobos frontais
lesionados retém, ao menos num certo grau, a capacidade de exercitar a maioria
das habilidades cognitivas em separado. As habilidades básicas, tais como ler,
escrever, computações simples, expressão verbal e movimentos, permanecem
em grande parte inalteradas. Enganosamente, o paciente vai se sair bem em testes
psicológicos mensurando essas funções em separado. Entretanto, qualquer
atividade sintética requerendo a coordenação de muitas habilidades cognitivas
num processo coerente dirigido a uma meta se tornará gravemente prejudicada
(Goldberg , 2002).
Os lobos frontais estão vinculados à intencionalidade, propósito e tomada
de decisões complexas. Eles alcançam desenvolvimento significativo apenas em
humanos; pode-se dizer que eles nos tornam humanos. Toda a evolução humana
foi denominada “a era dos lobos frontais”. Os lobos frontais são para o cérebro o

407
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

que o maestro é para a orquestra, o general para um exército, o diretor-executivo


de uma corporação. Eles coordenam e orientam outras estruturas neurais em
ação combinada.
Mas mesmo uma revisão superficial da neuroanatomia do lobo frontal
sugere sua imensa complexidade. Isto, por sua vez, sugere uma diversidade
funcional de cada parte distinta. E, de fato, lesões em diferentes partes dos
lobos frontais produzem síndromes clinicamente um tanto diferentes. As mais
comuns entre elas são as síndromes dorsolateral e a orbitofrontal.
Na antiga literatura neurológica, a síndrome dorsolateral era conhecida
como “pseudodepressão”. O nome alude à semelhança de alguns pacientes de
lobo frontal com pacientes deprimidos. Em ambas as condições, extrema inércia
e incapacidade de iniciar comportamento estão presentes, às vezes em alto grau.
Um paciente com grave síndrome dorsolateral frontal pode ficar passivamente
na cama, sem comer, beber ou atender a qualquer outra necessidade. Ele não
conseguirá responder prontamente a qualquer tentativa de envolvê-lo em alguma
atividade. Mas um paciente deprimido tem uma postura triste e um penetrante
senso de miséria, mas um paciente dorsolateral frontal tem um afeto raso e
um senso de indiferença. Ele não é triste nem feliz; num certo sentido, ele não
tem estado de espírito. A indiferença é às vezes tão extrema que ela reduz sua
resposta à dor (Goldberg, 2002).
A síndrome orbitofrontal é, de muitas maneiras, o oposto da síndrome dorso-
lateral. Os pacientes ficam emocionalmente desinibidos. Seu afeto é raramente
neutro, oscilando constantemente entre euforia e raiva, com controle de impulso
indo do fraco ao não existente. Sua capacidade de inibir o anseio de gratificação
instantânea é gravemente danificada. Eles fazem o que sentem que gostam de
fazer quando gostam de fazer, sem nenhuma preocupação com tabus sociais ou
proibições legais. Eles não têm previsão das consequências de suas ações.
Um paciente afligido com a síndrome orbitofrontal (devido à lesão na
cabeça, moléstia cerebrovascular ou demência) pode se envolver em pequenos
furtos em lojas, comportamento sexualmente agressivo, direção imprudente
ou outras ações geralmente consideradas antissociais.
A neuropsicologia contemporânea e os métodos diagnósticos por imagem
salientam a gravidade da disfunção do lobo frontal na esquizofrenia. De todos

408
avaliação neuropsicológica das disfunções executivas

os testes neuropsicológicos, o desempenho esquizofrênico é particularmente


prejudicado no Wisconsin Card Sorting Test (WCST). À medida que os
pacientes com lesão no lobo frontal acham o WCST particularmente irritante,
isto é tomado como evidência de disfunção do lobo frontal na esquizofrenia.
Evidência ainda mais direta de disfunção do lobo frontal na esquizofrenia
foi fornecida pelos métodos diagnósticos por imagem funcional. Em pessoas
saudáveis, os lobos frontais são geralmente mais psicologicamente ativos do que
o resto do córtex. Já em certos distúrbios (como a esquizofrenia) a atividade do
lobo frontal deteriora em relação a outras partes do córtex.
Outros transtornos psiquiátricos relacionados à disfunção no lobo frontal
são alguns tipos de transtorno do humor, o transtorno obsessivo-compulsivo e o
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade/Impulsividade (TDAH). Este
último assunto tem sua avaliação específica tratada em outros capítulos deste livro.
Mas, afinal, o que são funções executivas? As funções executivas consistem
no conjunto das capacidades que possibilitam o desempenho de ações volun-
tárias dirigidas a metas. Elas dependem da integridade de uma ampla gama de
processos cognitivos, emocionais, motivacionais e volitivos diversos, que estão
diretamente associados aos lobos frontais. Elas podem ser conceituadas como
tendo quatro componentes: (1) volição, (2) planejamento; (3) ação propositiva;
(4) desempenho efetivo, cada um dos quais sendo composto por outros subpro-
cessos. Cada um deles envolve comportamentos relacionados a ações. Todos são
necessários para uma conduta adulta apropriada, responsável e efetiva. Além do
mais, é raro encontrar um paciente com autocontrole comprometido que tenha
déficits em apenas um desses aspectos. Ao contrário, um comprometimento
executivo envolve um conjunto de deficiências das quais uma ou duas são
proeminentes (Saboya et al.).
A volição é definida como a capacidade para gerar comportamentos
intencionais e requer, além da capacidade de formular metas ou formar uma
intenção, duas precondições principais: 1) motivação, incluindo a iniciativa para
a atividade e 2) autoconsciência. Esta última é um processo de múltiplas facetas,
compreendendo uma apreciação integrada do próprio status físico e psicológico
e de sua relação com o ambiente externo imediato. Envolve também a apreciação
de si próprio como alguém distinto dentro de um mundo habitado por outros
indivíduos distintos, e como parte interativa de uma rede de relações sociais.

409
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

O planejamento requer capacidade conceitual e de abstração; pensamento


antecipatório; tomada de decisão; autoconsciência e motivação; capacidade de
organizar passos em sequência, gerar alternativas, ponderar e fazer escolhas,
sustentar a atenção. Capacidade para formar uma intenção realística, controle de
impulsos e memória intacta são também requisitos para um planejamento eficaz.
A ação propositiva define-se como a tradução de uma intenção ou plano em
atividade útil e produtiva. Demanda capacidade de iniciar, manter, alterar
e interromper sequências de comportamentos complexos de maneira integrada e
ordenada, além de flexibilidade para mudança de contexto perceptivo, cognitivo
e comportamental.
O desempenho efetivo engloba a capacidade de automonitorar, autodirigir
e autorregular a intensidade, o ritmo e outros aspectos qualitativos do compor-
tamento e da ação. Refere-se ao controle de qualidade do produto gerado.
A crescente utilização de instrumentos psicológicos padronizados na
avaliação das funções cognitivas, advinda com o desenvolvimento da neuropsi-
cologia clínica no último século, trouxe um aumento no número de publicações
sobre as alterações neuropsicológicas das funções executivas. Os relatos incluem
diminuição da atenção voluntária (seletiva e sustentada); falta de estratégias
eficazes de aprendizado, comprometendo a memorização (sobretudo quando
os itens do material não contêm vínculo lógico); baixa flexibilidade conceitual;
ineficácia da memória de trabalho; dificuldade de planejamento e reduzida
capacidade de abstração.
Um grande obstáculo na avaliação das funções executivas é a necessidade
paradoxal de estruturar uma situação na qual o paciente possa mostrar se e
o quanto é capaz de formar uma estrutura por si só. Tradicionalmente, em
avaliações formais, o examinador determina que atividade o examinando deve
realizar, que materiais ele deve utilizar, quando, onde e como. O problema para
os neuropsicólogos clínicos passa a ser como transferir o estabelecimento de
metas, a estruturação e a tomada de decisões do examinador para o examinando
(Lezak, 1995).
Não há testes formais para avaliar especificamente a volição. O examinador
deve utilizar, neste caso, as observações feitas do paciente no cotidiano pelo
relato de cuidadores, familiares e outros que o vejam regularmente de modo a

410
avaliação neuropsicológica das disfunções executivas

avaliar qualitativamente sua capacidade de gerar desejos, formular objetivos e


formar intenções.
Um dos testes mais utilizados para avaliar a capacidade de planejamento é
o teste de labirintos, em suas mais diversas versões. Uma das mais utilizadas é o
Teste de Labirintos de Porteus. Neste teste, para obter um resultado satisfatório,
o examinando deve percorrer com o lápis cada labirinto desenhado no papel sem
entrar em nenhum beco sem saída. O teste não é cronometrado (diferentemente
da versão da Bateria Wechsler de Inteligência para crianças) e pode levar com
alguns examinandos cerca de uma hora ou mais para completar todos os itens.
Os escores são obtidos em forma de idade do teste, que é o nível de idade do
labirinto mais difícil que o examinando conseguiu completar com sucesso
(Lezak, 1995).
Outro tipo de teste muito utilizado para medir o planejamento é o de torres.
Existem várias versões, também, como a Torre de Londres, de Hanói, de Toronto.
A versão básica é composta por 3 barras verticais (nas posições A, B e C) e
algumas bolas de cores diferentes que devem ser arrumadas numa determinada
posição (digamos, a C) de uma determinada maneira. É sempre solicitado
que o examinando consiga fazer isso com o menor número de movimentos
(deslocamento das bolas) possível. Isso envolve pensar antes de agir e também
aprender a não repetir os mesmos erros.
Uma forma de avaliar a ação propositiva é verificando a produtividade.
Esta pode ser reduzida por conta de uma dissociação entre intenção e ação,
assim como pouco ou nenhum desenvolvimento de intenções ou um déficit
de planejamento. Esse problema de produtividade pode ficar evidente naqueles
examinandos que até dão detalhes do que deve ser feito, mas são incapazes
de pôr em ação o que propuseram como solução. Essa dissociação pode ser
observada também naqueles pacientes que falam uma coisa e fazem outra na
solução de algum teste.
A avaliação desse tipo de problema normalmente é observada no curso de
uma entrevista ou em testes que avaliam outras funções.
A lentidão nas respostas deve ser documentada porque pode dar pistas
quanto à natureza da lesão, o que pode não ocorrer na análise das respostas do
examinando. Aqueles examinandos que são lentos para resolver uma tarefa,

411
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

mas cujos domínios cognitivos estão intactos podem obter escores dentro ou
acima da média. Os seus déficits aparecem apenas nos dois primeiros itens de
cada nova tarefa, após os quais ele tem um bom desempenho e passa a responder
mais rápido.
Outra forma de avaliar a ação propositiva é avaliando a flexibilidade e
a capacidade de alternância. A inflexibilidade conceitual aparece em formas
concretas ou rígidas de entender e resolver problemas e também na incapa-
cidade do examinando de flexibilizar suas respostas ou de tirar a atenção de
pensamentos correntes ou estímulos que aparecem no campo perceptivo, mas
que não são importantes para a resolução da tarefa em curso.
Um dos testes mais utilizados para esse tipo de exame é o Wisconsin Card
Sorting Test (WCST). Nesse teste, o examinando deve associar um cartão a um
dentre quatro outros, mas o examinador não diz qual é a regra de associação.
As possibilidades são de associar por cor, forma e número de figuras no cartão e
essa regra vai mudando de tempos em tempos. Examinandos com lesão frontal
tentem a perseverar numa determinada categoria, não aprendem com o erro
(pois a cada associação é dito se houve acerto ou erro) e muitas vezes não são
capazes de mudar o conceito de associação.
Um dos testes utilizados para avaliar o desempenho efetivo é o Random
Generation Test. Pede-se ao examinando que gere uma sequência de 100 letras
do alfabeto numa ordem aleatória. Embora a tarefa pareça difícil, mesmo pessoas
não lesionadas acham difícil evitar sequências estereotipadas ou combinações
frequentes (como A-B-C, O-N-U). A resposta foi avaliada de três formas: a frequência
de cada letra, para detectar redundâncias; a frequência de pares de palavras
(dígrafos), novamente para detectar redundâncias; e a frequência de pares de
letras na ordem alfabética (padrões estereotipados). Examinandos com lesão
frontal tendem a perseverar em algumas sequências (padrões estereotipados).
Uma das baterias mais completas de síndrome disexecutiva é conhecida
como BADS (Behavioral Assessment of Disexecutive Syndrome). Essa bateria é
composta por seis tarefas diferentes, cada uma propondo-se a avaliar diferentes
aspectos de uma disfunção executiva.
A primeira delas, um teste com cartas de baralho desenhadas, é composta
por duas etapas. Na primeira, o examinando tem a seguinte regra a sua frente:

412
avaliação neuropsicológica das disfunções executivas

“Diga sim para vermelho (carta vermelha) e não para preto (carta preta)”.
À medida que o examinador vira as páginas, o examinando dá a resposta de
acordo com a regra. Na segunda etapa, a regra muda: “Diga sim para a mesma
cor da anterior, e não para cor diferente da anterior”. O examinando deve dizer
sim quando a carta que ele estiver vendo for da mesma cor da carta anterior e
não para cor diferente. Em pacientes lesionados, é comum eles permanecerem
usando a primeira regra na segunda etapa.
A segunda tarefa é composta por um conjunto de materiais: um pote
transparente que deve ser entregue ao examinando com dois terços de água
dentro, um tubo de vidro, dentro do qual existe uma rolha de cortiça, uma
haste de ferro que não alcança o fundo do tubo, um recipiente de plástico e uma tampa
de rolha (que encaixa perfeitamente no recipiente. A tarefa do examinando é
conseguir tirar a rolha do tubo sem tocar o tubo e o pote com as mãos e fazendo
uso do material descrito. Obviamente, essa tarefa é inédita e requer grande
planejamento (o chamado “ver à frente”).
A terceira tarefa exige que o examinando trace com um lápis um caminho
dentro da área de um quadrado desenhado no papel, dentro do qual ele deve
imaginar ter perdido suas chaves. Esse subteste avalia a capacidade de traçar
estratégias eficazes para a resolução de um determinado problema.
A quarta tarefa é composta por perguntas que demandam uma estimativa
de quanto tempo leva para uma pessoa realizar algumas coisas como assoprar
para encher uma bola de gás até ela estourar. A estimativa de tempo é outra
habilidade que costuma estar comprometida em pacientes frontais.
A quinta tarefa é uma visita fictícia a um zoológico desenhado no papel,
onde estão determinados alguns lugares por onde o examinando deve ir sem,
no entanto, poder fazer uso de alguns caminhos por mais de uma vez. Também
é dividida em duas partes: na primeira, ele deve escolher o caminho a seguir;
na segunda, o percurso é dado por etapas para ele. Aqui avalia-se também a
capacidade de planejamento e é possível verificar se ocorre perseveração.
A sexta tarefa envolve flexibilidade e alternância. São dadas três tarefas, cada
uma dividida em duas partes, e o examinando tem dez minutos para, ao final,
ter realizado ao menos um pouco de cada uma das seis partes. Quem planeja e
divide o tempo pelas seis partes é o examinando.

413
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Concluindo, as funções executivas são as funções mais nobres do cérebro


humano e estão diretamente relacionadas aos lobos frontais. Por se tratar de
uma grande área, a ocorrência de lesões por diversas etiologias não é rara, e
tem sido interesse de vários campos da literatura, por conta das alterações de
personalidade que pode acarretar e pelo comprometimento funcional, incapa-
citante, que traz para seus portadores.
Ainda há muito o que descobrir, tanto em termos de instrumentos para
sua detecção (que nem sempre é evidente), quanto em termos de uma proposta
de reabilitação.

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414
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Avaliação neuropsicológica
no Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade
(TDAH): aspectos práticos
Angela Alfano

Podemos dizer que a atenção é uma função cognitiva que pode ser
avaliada em diversos testes, mesmo naqueles que não foram desenvolvidos
com este objetivo. Existem testes específicos para avaliar o domínio da
atenção, mas, na prática, o examinador deve se basear não apenas neles,
mas no desempenho do paciente ao longo de toda a avaliação, para inferir
sobre a integridade da capacidade atentiva. Observações do desempenho
do paciente nos diversos testes formais e também em situações informais,
de análise qualitativa, devem servir de base para a avaliação da atenção. Um
paciente com TDAH pode, por exemplo, não conseguir se manter atento
durante instruções muito longas e demonstrar suas dificuldades atentivas
já neste momento.
Cabe ressaltar que muitos testes são altamente dependentes de atenção,
apesar de não serem formalmente destinados a avaliá-la, entre eles o teste de

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

aritmética e o dígitos/símbolos (Baterias Wechsler de Inteligência). Eles podem,


então, contribuir para a avaliação qualitativa do domínio da atenção.
É importante ressaltar que o exame neuropsicológico não é necessário
nem suficiente para o diagnóstico de TDAH, que deve ser feito clinicamente.
Ele pode ser utilizado como exame complementar para indicar a gravidade
do déficit atentivo e sinalizar outros déficits associados. Além de avaliar as
funções cognitivas propriamente ditas o exame pode também, através de
entrevistas, escalas e questionários estruturados aplicados paralelamente aos
testes, ajudar a documentar as queixas e sintomas. Questionários baseados
nos critérios diagnósticos, quando aplicados em pessoas que convivem com
o portador de TDAH em diferentes ambientes como casa e escola, podem dar
uma ideia mais precisa de quanto os sintomas interferem em cada contexto.
Estes dados podem ser de grande valia para o planejamento da futura inter-
venção terapêutica, seja ela medicamentosa e/ou psicoterápica.
Ao pensarmos em avaliação de déficits atentivos devemos tomar alguns
cuidados:

1. Não adianta utilizar testes que meçam apenas um aspecto


da atenção

Alguns profissionais podem cair no erro de utilizar apenas um teste para


medir a atenção como um todo; por exemplo, o Digit Span. Nestes casos o que
ocorre é que a avaliação foi realizada de maneira incompleta, já que apenas a
amplitude foi avaliada. Um exame mais detalhado deve avaliar pelo menos dois
ou três aspectos da atenção, como por exemplos: a amplitude (maior quantidade
de material que pode ser inicialmente processado quando este é apresentado uma
única vez), a alternância (capacidade de mudar o foco da atenção entre tarefas com
demandas cognitivas diferentes), a seletividade (focalizar estímulos relevantes
na presença de outros estímulos, determinando a qual informação se prestará
atenção em dado momento) e a sustentação (capacidade de manter o foco atentivo
ao longo do tempo).

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avaliação neuropsicológica no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

2. Déficits leves a moderados podem não aparecer no exame


formal

Testes pouco sensíveis podem deixar escapar déficits sutis, que podem
aparecer ao longo da avaliação informal ou até mesmo durante a execução de
outros testes que não sejam primariamente de atenção.

3. Déficits atentivos podem ter curso flutuante, sendo observados


em algumas ocasiões e em outras não

A atenção é uma função que pode ser modulada dependendo do contexto


externo e também de fatores intrínsecos (grau de interesse, fadiga etc.).

4. Dependendo do tipo e da gravidade do déficit, ele pode não


ser observado em tarefas mais simples ou de curta duração

Uma criança portadora de TDAH pode não apresentar problemas durante


a aula de educação física, onde há atividade o tempo todo. Já na aula de mate-
mática, durante a qual ela precisa ficar pelo menos cinquenta minutos sentada,
concentrada fazendo exercícios, o déficit fica evidente.

5. O déficit atentivo pode se expressar através de queixas


cognitivas ou comportamentais

Alguns pacientes podem ter queixas de memória quando na realidade este


é apenas um sintoma correlato do déficit atentivo. Pacientes com TDAH podem
apresentar queixas do tipo não responder quando se fala com ele ou não ser
persistente e não completar tarefas, sendo estes comportamentos secundários
ao transtorno de base.

6. Alguns testes de atenção medem a capacidade tanto do


examinando quanto do examinador

Testes de atenção não computadorizados, que necessitam que a marcação de


respostas seja feita pelo examinador, são um verdadeiro teste para ele. Exemplos
são o teste de Stroop e o PASAT (Paced Auditory Addition Test).

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

O teste de Stroop consiste em pedir ao paciente que leia em voz alta a cor
da tinta na qual determinada palavra foi impressa. Todas as palavras são nomes
de cores, dispostos em colunas. Por exemplo: A palavra “verde” está escrita em
tinta azul e ele deve, então, ler “azul”. O examinador, por sua vez, deve anotar
os acertos e todos os tipos de erro do examinando.
O teste PASAT é constituído por uma fita que o paciente deve ouvir, na
qual são ditos números randômicos que o paciente deve somar dois a dois. Por
exemplo: A fita diz a sequência: 2 – 7 – 3 – 5 e o paciente fala: 9 – 10 – 15. Como
no Stroop o examinador deve anotar os erros e acertos.

7. O uso de psicofármacos deve ser ponderado

Alguns examinandos podem ter desempenho deficitário por estar fazendo


uso de medicações que diminuem a capacidade atentiva. Crianças que sejam
testadas fazendo uso de psicoestimulante podem, por sua vez, obter resultados
normais uma vez que foram beneficiadas pelo efeito da medicação.

8. O ambiente onde será realizada a avaliação deve ser adequado

O local deve ser apropriado para o exame, sem muitos distratores externos
(estímulos decorativos na sala, barulho etc.).

9. Alguns aspectos do comportamento do paciente portador


de TDAH podem comprometer a validade dos testes

Inquietude e respostas impulsivas e descuidadas são uma constante no


comportamento de pacientes com TDAH durante a avaliação neuropsicológica.
Esses aspectos podem levar a achados qualitativos e o examinador deve estar atento
para avaliar o quanto eles interferiram no desempenho do paciente durante o exame.

10. O Tempo Médio de Reação (TMR) é um dado importante


na avaliação do TDAH

O tempo médio de reação (tempo que se leva para responder ao estímulo


apresentado) pode ser um indicativo de desatenção, já que pessoas desatentas

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avaliação neuropsicológica no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

tendem a ter um TMR aumentado. Crianças com TDAH, que frequentemente


estão “no mundo da lua”, costumam demorar até mesmo a responder o que
lhes é perguntado. O TMR pode ser observado tanto formalmente, em testes
computadorizados, quanto informalmente.
Além de todos os cuidados citados, ainda há um aspecto de imensa impor-
tância no que tange à avaliação neuropsicológica do TDAH. Alguns estudos
sugerem envolvimento de circuitos frontoestriatais no TDAH (Barkley et al., 1992;
Casey et al., 1997; Filipek et al., 1997), de forma que, por conta do comprometi-
mento neste circuito, ocorrem déficits cognitivos e alterações do comportamento
que podem ser observadas em testes neuropsicológicos. Foi exatamente destes
achados que se começou a conceber o TDAH como uma síndrome disexecutiva.
Do ponto de vista neuropsicológico a síndrome disexecutiva é o compro-
metimento de funções relativas aos lobos frontais, como atenção, memória de
trabalho e planejamento. De fato, muitas são as queixas de pacientes portadores
de TDAH que podem estar relacionadas à deficiência dos lobos frontais: dificul-
dades em tomar iniciativa sem que haja estímulo externo, falta de planejamento,
desorganização e problemas com a memória operante (de trabalho).
Testes que se propõe a medir habilidades envolvidas no funcionamento
executivo devem fazer parte do protocolo do exame de pacientes com TDAH.
As funções mais relevantes para a avaliação neuropsicológica são a memória de
trabalho, o planejamento e o controle inibitório. Entende-se por controle inibitório:
▶▶ Prevenção da resposta antes que ela ocorra;
▶▶ interrupção de uma ação em curso;
▶▶ controle das interferências.

O frequente comprometimento observado no teste de Stroop pode se dar por


deficiência de controle inibitório uma vez que nele acontece uma dinâmica compe-
titiva entre as alternativas de respostas: o paciente deve inibir a resposta prepotente,
que é incorreta (ler o que está escrito) e emitir verbalmente apenas a resposta não
prepotente e correta (dizer a cor da tinta na qual a palavra está impressa).
Um teste bastante utilizado para avaliar síndromes disexecutivas é o Wisconsin
Card Sorting Test (WCST). Nele, o paciente deve formular hipóteses e modificá-las
de acordo com o feedback recebido. O examinador avisa apenas que o paciente deve

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

associar cartões novos a um dos quatro preestabelecidos e o próprio examinando


deve perceber que existem três formas de associação possíveis, que são alternadas
de acordo com um esquema de razão fixa. São elas: cor, forma e número.
Queixas de disexecução são mais marcantes em adultos e testes para avaliar
funções frontais também são, em sua maioria, destinados a essa população. O
que justifica isso? A complexidade dos relacionamentos e situações sociais nas
quais o adulto está inserido é muito maior do que quando ele estava na infância
ou adolescência, bem como as demandas sociais e profissionais. Crianças e
adolescentes normalmente têm um controle externo (mãe, professores etc.) que
os estimula e monitora, diminuindo então, a expressão de déficits executivos que
acabam por se tornar evidentes apenas mais adiante, ao longo da vida adulta.
Muitos estudos ainda estão em andamento e seus resultados certamente
irão nos trazer cada vez mais informações sobre o TDAH. Aspectos ainda
pouco conhecidos serão explicados e muita coisa ainda deve mudar no que
se refere à avaliação neuropsicológica do transtorno. Por enquanto cabe a nós,
profissionais de saúde, estar atentos à evolução dos estudos e buscarmos, através
da troca constante de informações sobre nossa prática, ajudar uns aos outros a
proporcionar uma avaliação cada vez precisa e detalhada a estas pessoas.

Referências bibliográficas

Barkley, R. A et al. Frontal lobe functions in attention deficit disorder with and
without hyperactivity: A review and research report. Journal of Abnormal
Child Psychology, v. 20, p. 163-188, 1992.
Casey et al. Implication of right frontostriatal circuitry in response inhibition
and attention deficit hyperactivity disorder. Journal of the American of
Child and Adolescent Psychology, v. 36, p. 374-383, 1997.
Filipek, P. A et al. Volumetric MRI analysis comparing subjects having attention
deficit hyperactivity disorder with controls. Neurology, v. 48, p. 589-601, 1997.
Goldberg, E. O Cérebro Executivo – Lobos Frontais e a Mente Civilizada. Imago:
Editora, Rio de Janeiro, 2002.
Lezak, M. D. Neuropsychological Assessment. Oxford University Press: New
York, 1995.

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34
Avaliação de linguagem no
Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade
Guiomar Albuquerque

Introdução

Problemas de linguagem são comumente observados em crianças


portadoras de transtornos psiquiátricos. Entre os transtornos psiquiátricos, o
Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é apontado como
o mais frequente em crianças com deficiências de linguagem, segundo estudos
como os de Cohen et al. (2000) e Tannock (2000). Resultados de estudos clínicos
e epidemiológicos, além de indicarem um elevado índice de comorbidade entre
Transtornos de Linguagem e desordens psiquiátricas, sugerem uma ligação
específica entre TDAH e Transtornos de Linguagem (Beitchman et al. 1986;
Cantwell e Baker 1991; Cohen et al. 1993 apud Tannock, 2000).
Há vários tipos de dificuldades apresentadas pelas crianças com TDAH,
dentre elas estão aquelas ligadas à comunicação. Os problemas de comunicação
podem ser divididos em problemas de fala e problemas de competência comuni-
cativa. Problemas de fala referem-se a desordens na produção motora dos sons da

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

fala tais como articulação, disfluência, velocidade de fala. Existem menos relatos
de problemas de fala no TDAH do que de problemas de linguagem, contudo, há
estudos que relatam a existência de menor controle motor na fala de crianças com
TDAH (Hamlet et al., 1987; Tannock et al., 1993; Zentall, 1998 apud Tannock,
2000). Problemas de competência comunicativa referem-se a dificuldades na
manutenção de relações dialógicas, tais como a tomada e sequenciamento de
turnos de fala, manutenção e desenvolvimento de tópico. São problemas
de natureza pragmática, portanto, não são específicos de linguagem porque
não são relacionados aos níveis linguísticos, mas ao conhecimento de mundo
de cada um dentro de um contexto social, devendo ser abordados mais adiante.
Os problemas de linguagem, por sua vez, referem-se a problemas no
processamento linguístico, isto é, na compreensão e produção da fala baseado
nos níveis linguísticos de estruturação sintático, semântico e fonológico,
refletindo-se tanto na linguagem oral quanto na linguagem escrita (leitura e
escrita). Uma desordem muito frequente em crianças com TDAH é o atraso
de linguagem, que corresponde à aquisição tardia da linguagem e é mais
comum ocorrer em crianças com TDAH do que em crianças sem TDAH
numa frequência de 6% a 35% de crianças com TDAH comparados com a
frequência de 2% a 6% de acometimento em crianças sem TDAH (Gross-Tsur
et al., 1991; Hartsough e Lambert, 1985; Ornoy et al., 1993; Szatmuri et al.,
1989 apud Tannock, 2000).
Inicialmente será realizada uma breve apresentação das principais defi-
ciências relacionadas com a linguagem que ocorrem nas crianças com TDAH,
seguidas de um roteiro de avaliação fonoaudiológica.

Problemas pragmáticos

Dificuldades pragmáticas são as relacionadas com o uso da língua no


contexto social e são altamente associadas ao TDAH. É importante ressaltar
que não é um transtorno especificamente linguístico e ocorre em crianças com
os níveis linguísticos sintático, semântico, fonológico e morfológico intactos,
embora também possa ocorrer em comorbidade com transtornos de linguagem.
Há estudos que apontam uma maior ocorrência de tais dificuldades em crianças

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avaliação de linguagem no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

com TDAH do que em crianças com problemas de aprendizagem (Humpries


et al., 1994; Lapadat 1991, apud Tannock, 2000).
Não é nada surpreendente que crianças com TDAH apresentem problemas
pragmáticos, visto que também apresentam dificuldades de autocontrole. Desta
forma, apresentarão dificuldades de lidar com regras, principalmente as que
envolvem tempo como é o caso das regras conversacionais, pois exigem tomadas
e sequenciamento de turnos, manutenção e mudança de tópicos durante o
período da conversação.

Dificuldades de leitura

Estudos epidemiológicos e clínicos sugerem uma comorbidade entre TDAH


e problemas de leitura em torno de 15% a 30% dos casos (Tannock, 2000).
Pesquisas mostram que problemas de aprendizagem, incluindo dificuldades
de leitura, podem ser mais comumente associados a desatenção do que com
sintomas de hiperatividade/impulsividade ou ainda, tanto problemas de leitura,
quanto baixo rendimento acadêmico são mais comuns em TDAH predomi-
nantemente desatento e no subtipo combinado (desatenção + hiperatividade/
impulsividade) do que no subtipo predominantemente hiperativo/impulsivo
(Tannock, 2000). Estes resultados sugerem uma forte relação entre problemas
de leitura e desatenção.
A fala é a base referencial para o desenvolvimento do processo de leitura e
escrita, de forma que a existência de dificuldades na fala se refletirá na escrita e na
leitura. A mesma dificuldade de seguir sequência e de ritmo que a criança com
TDAH apresenta na fala estará presente na leitura. Poderá haver omissão de sílabas,
palavras, frases ou parágrafos inteiros sem que o leitor perceba, comprometendo
a manutenção semântica do texto lido. A velocidade de leitura também pode
estar reduzida devido a uma maior latência para acessar itens do léxico mental.
A dificuldade de leitura relatada não se refere à dislexia, mas esta última
também pode co-ocorrer com o TDAH, embora não seja obrigatória, visto que
não há uma relação de causalidade entre elas. A dislexia e o TDAH apresentam
disfunções diferenciadas, pois a disfunção da dislexia origina-se de dificuldades
de processamento fonológico, enquanto que a disfunção do TDAH reporta-se

423
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

a problemas de função executiva que comprometem a aquisição das estratégias


de leitura (Lima e Albuquerque, 2003).

Dificuldades de escrita

Se a fala influencia a leitura, a influência sobre a escrita é ainda maior por ser
também um meio de expressão. Desta forma, podemos esperar um texto escrito
com muitas omissões de letras, sílabas, palavras e até frases, pois a dificuldade de
sequenciamento também ocorre na escrita. A dificuldade de aquisição e fixação
das regras ortográficas é outra característica frequente e devida à desatenção.
Segundo Tannock (2000), uma associação entre TDAH e problemas no
controle motor tem sido documentada em muitas amostras clínicas e epide-
miológicas em diferentes culturas. O tipo de dificuldade de coordenação motora
(ampla ou fina) interfere na rotina de atividades diárias da criança com TDAH
caracterizando-a como “estabanada ou desajeitada” em maior ou menor grau. Esta
dificuldade de coordenação motora reflete-se também na escrita, causando um
transtorno gráfico denominado Disgrafia que caracteriza-se por incoordenação
do traçado das letras, forte pressão do lápis no papel, má organização espacial,
presença de repassamentos. Tais aspectos podem tornar a escrita incompreensível
e desorganizada, além de poder originar dores nas mãos, braços e/ou ombros
provocando um desagrado ou até mesmo um evitamento do ato de escrever.
Um estudo de Piek et al. (1999, apud Tannock, 2000) sugere que o tipo e grau
de dificuldade motora podem diferir entre os subtipos de TDAH, com a habili-
dade motora fina estando mais comprometida no subtipo desatento, enquanto
a coordenação motora ampla, mais comprometida no subtipo combinado.
Entretanto, problemas de coordenação motora em geral, são mais fortemente
relatados no subtipo desatento do que no subtipo hiperativo/impulsivo (Kadesjo
e Gillberg 1998; Piek et al., 1999 apud Tannock, 2000).
Diante da alta frequência de comorbidade entre dificuldades de comu-
nicação e linguagem com TDAH, houve a necessidade de elaboração de uma
bateria de avaliação que permitisse identificar a presença de tais dificuldades
na criança com TDAH, permitindo o traçado de um planejamento terapêutico
mais adequado para cada caso.

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avaliação de linguagem no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

Avaliação da linguagem

A avaliação fonoaudiológica pode e deve ser utilizada para focalizar aspectos


específicos em função da queixa apresentada. Aqui ela será utilizada com o objetivo
de verificar a interferência de déficits atentivos no desenvolvimento e utilização da
linguagem e/ou a comorbidade entre problemas de linguagem e TDAH.
Diante da enorme frequência de déficits atentivos no desempenho acadê-
mico, a avaliação da linguagem transforma-se num instrumento de auxílio para
desvendar questões importantes, tais como:
▶▶ O déficit atentivo justifica o mal desempenho acadêmico?
▶▶ O mal desempenho acadêmico justifica a desatenção?
▶▶ O déficit atentivo co-ocorre com transtornos de linguagem?

Questões como estas devem permanecer em mente durante todo o processo


avaliativo a fim de que se possa estabelecer a conduta mais adequada a ser
seguida, visto que, ao se tratar de déficit atentivo primário ao comprometimento
acadêmico, pode-se esperar que uma intervenção no referido déficit facilite
a recuperação do aluno. Entretanto, se o déficit atentivo for secundário ao
comprometimento acadêmico, será necessária uma reabilitação de linguagem
por tratar-se de transtorno de linguagem e não de TDAH, sendo natural e
esperado que a desatenção apareça decorrente de desinteresse aos assuntos
que a criança apresente mais dificuldades.
Tal como Lima & Albuquerque (2003) registraram, o roteiro básico de
avaliação deve ser precedido de anamnese direcionada para questões de maior
interesse nas investigações do processamento linguístico, seguindo-se de
avaliação das capacidades prévias à aquisição de leitura e escrita e avaliação
das habilidades de linguagem oral e escrita.

Anamnese

A história da criança diz muito a respeito de seu desenvolvimento e permite


um direcionamento mais preciso em relação à queixa apresentada. Em vista disso,

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

o histórico deve ser norteado por questões que visem especificar as dificuldades
das crianças. Informações sobre a competência comunicativa, aquisição do sistema
fonológico, habilidades de leitura e escrita e sobre a vida escolar são fundamentais.
Portanto, não podem faltar questões do tipo: Demorou a falar? Sua fala era
compreendida por todos? Fala alto? Solicita muitas repetições? Tem histórico
de doenças no ouvido? Aguarda a vez para falar ou interrompe? Muda muito
de assunto? Sabe contar uma história do início ao fim? Gosta de ler e escrever?
Há queixas escolares? Precisa de ajuda para estudar? Esquece o que aprende? Já
repetiu série?
O histórico deve ser relatado pelos pais da criança da forma mais precisa
possível por tratar-se de informações valiosas para o seu diagnóstico. Após a coleta
do histórico parte-se para a avaliação propriamente dita realizada com a criança.

Avaliação das capacidades prévias

Chama-se de capacidades prévias o conjunto de capacidades que funcionam


como pré-requisito para o processamento linguístico hábil da leitura e da escrita
(Lima e Albuquerque, 2003). Estas capacidades desenvolvem-se durante o
processo de aquisição da linguagem oral e têm sido apontadas em pesquisas
como preditivas do sucesso ou insucesso na aquisição da linguagem escrita
(Ellis, 1995).

Habilidades metafonológicas

Conhecida também como consciência fonológica, diz respeito à capacidade


de lidar com os sons da língua em suas menores partes, de modo que a criança
percebe que a fala pode ser segmentada e adquire a habilidade de manipular
tais segmentos (Bertelson e De Gelder, 1989; Blischak, 1994, apud Capovilla
e Capovilla, 2000). Baixo rendimento nos testes de consciência fonológica
indica comprometimento de processamento do nível fonológico da língua. Os
testes incluem tarefas de rimas, aliteração, segmentação silábica e fonêmica,
manipulação silábica e fonêmica, entre outras.

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avaliação de linguagem no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

Fluência verbal

De acordo com Lima e Albuquerque (2003), o teste de fluência verbal avalia


a produtividade verbal a partir de demandas de ordem semântica e fonológica,
permitindo comparar diferenças de rendimento nas respostas, identificando
assim o tipo de deficiência mais acentuada — semântica ou fonológica. Prejuízos
na fluência verbal associam-se a lesões no lobo frontal e podem se apresentar na
fala (espontânea e responsiva) e na escrita (Lima e Albuquerque, 2003).

Memória de trabalho

O teste de memória de trabalho requisita a manutenção da atenção para


que haja processamento linguístico adequado. É ela que permite a compreensão
e produção da linguagem oral e escrita. Sendo assim, a memória de trabalho
está sendo avaliada em todas as etapas da avaliação da linguagem, mesmo nos
momentos informais de conversa espontânea.

Nomeação

A capacidade de acessar itens do léxico mental com um estímulo visual, ou


seja, a criança nomeia figuras apresentadas visualmente. Baixo rendimento nesse
teste indica deficiências nos processos de armazenamento e/ou recuperação de
informações fonológicas e semânticas.

Avaliação da linguagem oral

A avaliação da linguagem oral é realizada de forma contínua e qualitativa,


portanto deve ocorrer durante todo o tempo de contato com o paciente.
Deve-se observar aspectos relativos à fala, tais como fluência, velocidade,
alterações articulatórias, substituições de fonemas, para que tenhamos infor-
mações sobre os aspectos articulatório e fonológico; à voz: modulação, altura,

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

volume e clareza, por exemplo; e às habilidades discursivas. Todos estes fatores


são responsáveis por uma boa comunicação e auxiliam o processo de aprendi-
zagem (Lima e Albuquerque, 2003).
Conforme já citado anteriormente, a competência comunicativa é a habi-
lidade com maior índice de associação com quadros de TDAH, de modo que
pode-se suspeitar de TDAH quando a competência comunicativa está muito
prejudicada. Observa-se, portanto, o domínio de estratégias discursivas para a
manutenção de relações dialógicas, tais como os mecanismos de tomada e sequen-
ciamento de turnos, manutenção e desenvolvimento de tópico. Os portadores
de TDAH geralmente apresentam dificuldades para lidar com sequências, pois
sequências requisitam planejamento, tornando-se muito comum a ocorrência
de mudanças de assunto a todo momento por pacientes hiperativos por pensar
várias coisas ao mesmo tempo. Os desatentos, no entanto, podem parecer estar
“no mundo da lua”, dificultando a continuidade de uma relação dialógica.

Avaliação da leitura

A avaliação da leitura deve ser realizada com extremo cuidado por haver
grande comorbidade entre transtornos de leitura e TDAH. Deve-se observar a
existência de déficits especificamente linguísticos ou interferência da atenção.
São realizadas tarefas de leitura de palavras (pseudopalavras, palavras regulares
e palavras irregulares) e leitura de textos (leitura oral e silenciosa). Os textos são
selecionados de acordo com a escolaridade do paciente.
Durante a leitura oral de texto é avaliada a compreensão de texto lido
e automatização da decodificação fonológica da palavra contextualizada. É
comum portadores de TDAH realizarem leitura automática, isto é, realizar a
decodificação fonológica adequadamente, porém não compreender o material
lido porque as representações semânticas não são mantidas para o tempo
necessário para que ela se processe. Observa-se o ritmo de leitura, a entoação
expressiva, a pontuação e a decodificação fonológica por serem aspectos
importantes referentes ao processamento fonológico da língua. Após a leitura, o
paciente deve relatar o texto lido e responder questões interpretativas para que se
possa verificar a monitoração semântica e a realização de inferências pertinentes.

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avaliação de linguagem no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

Durante a leitura silenciosa é importante observar a movimentação dos olhos,


pois nos permite verificar a ocorrência de releituras devidas à desatenção ou
dificuldade de compreensão, além de fixações de olhar ou “voos”. A leitura
silenciosa apresenta maior dificuldade de realização para portadores de TDAH
por ser mais fácil perder o ponto de leitura sem o apoio da fala.
Utiliza-se a avaliação de texto ouvido como despistagem no caso de
ausência de leitura compreensiva nos modos anteriores. Ela permite verificar
se a dificuldade de compreensão ocorre num âmbito geral ou se é por deficiência
na leitura.
Leitura de pseudopalavras checa o uso da rota fonológica de leitura por ser
a única que possibilita a leitura desse tipo de palavra, pois não é possível ativar
representações semânticas de palavras que não existem. A leitura de palavras
irregulares verifica se a criança domina estratégias de localização no processo
de identificação de palavras, pois este tipo de leitura não pode ser realizado pela
rota fonológica. A leitura de palavras regulares evidencia a influência de variáveis
psicolinguísticas, tais como frequência e extensão das palavras, sendo útil no
sentido de possibilitar um diagnóstico de dificuldade expressiva de leitura se esta
se processa com dificuldade ou muito lentamente na identificação de palavras
curtas e muito frequentes (Lima e Albuquerque, 2003).

Avaliação da escrita

A avaliação da escrita é realizada em quatro etapas: cópia, ditado, auto-


ditado e produção textual. Em todas estas tarefas são observados os aspectos
grafomotores, o domínio da correspondência fonema/grafema, a aquisição e
fixação das representações ortográficas.
A tarefa de cópia avalia a manutenção de representações fonológicas
a partir de um estímulo visual. Ela pode ser desempenhada de modo hábil,
semisservil ou servil de acordo com seu grau de dificuldade. É uma tarefa difícil
de ser realizada de modo hábil por crianças com TDAH e com dificuldades
de processamento fonológico. O ditado é constituído de pseudopalavras,
palavras regulares e irregulares e frase. Avalia-se a capacidade de retenção de
representações fonológicas a partir de um estímulo auditivo, além da memória

429
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

de trabalho, visto que nada pode ser repetido após a escrita ter sido iniciada. No
autoditado a criança precisa evocar as representações fonológicas, ortográficas e
semânticas a partir de estímulo visual. A produção textual avalia a capacidade de
desenvolver uma sequência narrativa, além dos aspectos anteriormente citados.
Segundo Lima & Albuquerque (2003) a influência do TDAH na escrita
é mais acentuada na dificuldade de fixação das representações ortográficas
e no planejamento e elaboração das sequências narrativas. Também é muito
comum a presença de disgrafia, como citado anteriormente, resultando num
desagrado para a escrita ou até mesmo recusa e ansiedade por seu término.
Porém as dificuldades motoras leves podem ficar mascaradas em situação de
testagem, visto que a criança pode se controlar e “caprichar” por saber que está
sendo avaliada e que é por um espaço curto de tempo. Pode ser interessante ter
acesso ao caderno escolar da criança para verificar seu desempenho no dia a dia.

Considerações finais

O TDAH frequuentemente apresenta-se em comorbidade com desordens de


linguagem, sobretudo aquelas ligadas à comunicação, mais especificamente os
problemas de competência comunicativa. O subtipo desatento é o mais afetado
pelas deficiências de linguagem, devido à dificuldade extrema de concentrar-
-se o que implica na perda de aspectos importantes para a aprendizagem e
desenvolvimento de habilidades. A dificuldade de autocontrole dos portadores
de TDAH os prejudica no cumprimento de regras, principalmente as referentes
à conversação, por envolverem tempo ao exigirem tomadas e sequenciamento de
turnos, manutenção e mudança de tópicos durante o período da conversação.
A escrita pode estar bastante comprometida graficamente e refletir os aspectos
apresentados na linguagem oral. A dificuldade de aquisição e fixação das regras
ortográficas é outra característica frequente e devida à desatenção.
Podemos observar a enorme interferência negativa da desatenção no desen-
volvimento linguístico. Isso ocorre porque a atenção é a “porta de entrada” para as
informações do mundo, para inúmeros estímulos recebidos desde o nascimento.
Essas dificuldades interferem em toda a vida escolar e social da criança,
sendo necessária a intervenção terapêutica para auxiliar o seu desenvolvimento.

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avaliação de linguagem no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

A avaliação de linguagem é de grande importância para o planejamento da


conduta terapêutica a ser seguida, pois permite a visualização das dificuldades
primárias e específicas de cada sujeito de forma mais clara, além de enriquecer
consideravelmente o trabalho da equipe de profissionais responsáveis pelo caso.

Referências bibliográficas

Capovilla, A. & F. Capovilla. Problemas de leitura e escrita. São Paulo: Memnon,


2000.
Cohen, N. J.; D. D. V. M., Barwick; N. I. R., Menna; N. B. Horodezky; L.
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Ellis, A. Leitura, escrita e dislexia. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1995.
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Greenhill, L. L. (ed.) Learning disabilities: Implications for psychiatric
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Press, 2000, p. 129-167.

431
35
Intervenção nos transtornos
de aprendizagem
Simone Aparecida Capellini

Transtornos de aprendizagem: considerações gerais

Os transtornos de aprendizagem, comumente denominados distúrbio de


aprendizagem e de dislexia do desenvolvimento, são aqueles relacionados às
dificuldades ou alterações cognitivo-linguísticas evidenciadas em crianças nas
fases pré-escolar e escolar (Ciasca, Capellini e Tonelotto, 2003).
Os principais sinais do transtorno de aprendizagem podem ser evidenciados
durante o desenvolvimento da criança, e, segundo Denckla (1972), Kahmi (1972),
Scarborough (1990), Etchepareborda (2002) e American Speech-Hearing
Association [ASHA] (2003), estes sinais se referem a: fala ininteligível; imaturi-
dade fonológica; redução de léxico; dificuldade em aprender o nome das letras
ou os sons do alfabeto; dificuldade para entender instruções, compreender a
fala ou material lido; dificuldade para lembrar números, letras em sequência,
questões e direções; dificuldade para lembrar sentenças ou estórias; atraso de
fala; confusão direita-esquerda, embaixo- em cima, frente-atrás (palavras-
-conceitos) e dificuldade em processar sons das palavras e história familial
positiva de problemas de fala, linguagem e desenvolvimento da leitura.

433
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Sendo assim, é preciso estarmos atentos ao desenvolvimento da linguagem


expressiva e receptiva das crianças no início da alfabetização para que a
detecção e o diagnóstico interdisciplinar possam ser realizados precocemente
e com isso minimizados os problemas acadêmicos decorrentes de alterações
cognitivo-linguísticas por meio da realização de programas de intervenção
ou remediação.

Programas de intervenção com a leitura e escrita

A intervenção deve ocorrer no período pré-escolar, etapa da vida da criança


onde é possível detectarmos os sinais dos transtornos de aprendizagem. Esta
intervenção deve fornecer a criança algum tipo de atenção individualizada
em âmbito escolar, o que diz respeito ao planejamento de suas atividades
curriculares e extracurriculares que devem complementar o currículo normal
de sua série escolar.
O objetivo principal de qualquer programa de intervenção não é resolver o
problema que a criança apresenta para aprender e sim reduzir o impacto de suas
dificuldades nas atividades para leitura, escrita e raciocínio lógico-matemático.
Com base no exposto acima, a Figura 35.1 apresenta as múltiplas faces da
intervenção que devem ser contempladas com a criança que apresenta dislexia.

Planejar programas Organizar sala de aula


Individuais ou grupais Trabalhos em grupo
(Relação terapeuta-professor) (Atividades dos professores)
Intervenção
Apoio da equipe técnica escolar:
Aumento do grau de experiência
coordenadores, psicólogos,
com matérias de leitura e escrita
psicopedagogos, fonoaudiólogos e
(atuação escolar)
professores de reforço.(Atuação do pais)

Figura 35.1 – Representação esquemática das múltiplas faces da intervenção


com a criança com transtornos de aprendizagem.

434
intervenção nos transtornos de aprendizagem

Assim, os programas de intervenção devem ser os mais integrativos


possíveis, unindo trabalhos terapêuticos fonoaudiológico, pedagógico e
psicopedagógico com a atuação escolar eficiente e uma vivência com práticas
discursivas de leitura e escrita em casa, realizando desta forma o trabalho com
o trinômio família-criança-escola para uma melhor recuperação e adaptação
da criança em ambiente social e escolar.
Os métodos de intervenção para crianças com transtorno de aprendizagem
vêm sendo descritos na literatura desde a década de 1950, sendo os mais conhe-
cidos aqueles que abordam a percepção sensorial e a leitura, a recuperação de
falhas no processamento visual, a recuperação de falhas no processamento
auditivo, a abordagem multissensorial para a aprendizagem da leitura, o
trabalho com a atenção/memória associado à compreensão da leitura. Assim,
resumidamente os principais objetivos desta intervenção são:
Reconhecimento das palavras:
▶▶ Recepção, discriminação análise – síntese e memória auditiva/visual de
elementos silábicos e fonêmicos das palavras;
▶▶ reconhecimentos dos elementos estruturais das palavras (terminações
verbais, prefixos, sufixos e palavras compostas);
▶▶ desenvolvimento de vocabulário visual;
▶▶ domínio da silabação das palavras;
▶▶ reconhecimento da acentuação das palavras (oxítona, paroxítona e
proparoxítona);
▶▶ correções de inversões (inversão da ordem das letras nas sílabas, da
ordem das sílabas na palavra).

Compreensão da leitura (parágrafos, frases e textos):


▶▶ Aumento de vocabulário expressivo.

Velocidade de leitura (palavras, frases e textos).


Hábitos de leitura (retirada de hábitos que interferem no processo normal
de leitura como: seguir as linhas da leitura com o dedo, articular as palavras em
voz baixa durante a leitura silenciosa — leitura subvocal e mover a cabeça ao
longo da linha).

435
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Recentemente, tem sido descrito na literatura a importância da intervenção


com o processamento auditivo em cabine acústica ou com a função auditiva
em situação fora de cabine em crianças com transtornos de aprendizagem.
Para a ocorrência do aprendizado da leitura e escrita é necessário um bom
domínio da habilidade fonológica da linguagem que se desenvolve por meio da
capacidade da criança em lidar com os sons verbais que compõem a palavra, que
está diretamente relacionada com a consciência fonológica, ou seja, a habilidade
de refletir sobre a estrutura sonora das palavras faladas.
Assim, Margall (2002) referiu que a estimulação da função auditiva deve
ocorrer em três níveis:
▶▶ Estimulação auditiva em terapia fonoaudiológica: sons não verbais e
verbais; sons verbais e consciência fonológica: aspectos segmentais da
língua; aspectos suprassegmentais da língua; compreensão e linguagem.
▶▶ Estimulação auditiva em casa: orientação aos pais; cuidados especiais em
casa; estimulação em casa;
▶▶ Estimulação auditiva na escola: orientação aos professores; estimulação
pré-escolar.

Programas de remediação com a leitura e escrita

Remediar é diferente de tratar. A partir da década de 1990, os programas


de remediação, ou seja o plano terapêutico elaborado com base no número
limitado de habilidades comprometidas de cognição, linguagem oral e escrita,
nos possibilitou o desenvolvimento de curtos planos de ações terapêuticas,
que poderiam ser encadeados em grau de complexidade do desenvolvimento
da leitura e escrita, favorecendo assim, além de verificação de eficácia
terapêutica, uma intervenção com tempo predeterminado e com resultados
que poderiam ser visível não apenas em situação clínica como também em
situação de sala de aula.
Os principais programas de remediação são aqueles que utilizam as
habilidades fonológicas e metafonológicas para o desenvolvimento da leitura
e escrita. Os programas são geralmente baseados em atividades fonêmicas,
silábicas e suprafonêmicas, que têm por objetivo desenvolver habilidades

436
intervenção nos transtornos de aprendizagem

referentes ao processamento fonológico (velocidade de acesso ao léxico,


nomeação e consciência fonológica).
As atividades presentes nos programas remediais de treinamento fonológico
incluem o seguinte esquema:
▶▶ Estrutura silábica da palavra (análise e síntese);
▶▶ identificação de sílabas;
▶▶ identificação de fonemas;
▶▶ comparação de sílabas;
▶▶ comparação de fonemas;
▶▶ recombinação silábica (segmentação e manipulação);
▶▶ recombinação fonêmica (segmentação e manipulação) e
▶▶ identificação de sons e sílabas por rima e aliteração.

Esta combinação de estratégias é descrita por vários autores, entre eles, Broom
e Doctor (1995), Barrera (1995), Santos (1996), Capovilla e Capovilla (2000),
Capellini (2001), Ygual-Fernandez e Cervera (2001), Etchepareborda (2002).
A estrutura descrita ainda pode ser combinada com atividades de leitura
oral e escrita sob ditado. De um modo geral, as crianças em fase pré-escolar
se beneficiam da remediação fonológica com ênfase perceptiva-auditiva,
enquanto as crianças escolares se beneficiam da remediação fonológica que
combinam a percepção auditiva e visual, isto pode ser explicado pelo fato desta
remediação favorecer a transformação do estímulo visual em compreensão
verbal, por meio do acionamento do sistema de processamento buttom-up
(acesso exterior dos estímulos visuais e auditivos – envolvendo mecanismos
de atenção e discriminação de estímulos) e do sistema de processamento
top-down (uso de mecanismos de linguagem/aprendizagem como abstração
e categorização).

Orientações a profissionais

O processo de intervenção ou remediação utilizado em crianças com


transtornos de aprendizagem tem por objetivo a melhora das mesmas em

437
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

situação de sala de aula, por isso, o profissional fonoaudiólogo, psicólogo ou


psicopedagogo deve estar atento para:
▶▶ Compartilhar estratégias terapêuticas, principalmente aquelas que acionam
os sistemas de processamento buttom-up e top-down, com professores da
sala de ensino regular e do reforço;
▶▶ auxiliar na elaboração e planejamento do programa de educação individ-
ualizada (PEI – este nome pode variar de uma secretaria municipal de
educação ou diretoria regional de ensino para outra) para que o mesmo
tenha ênfase em habilidades cognitivas como atenção, percepção, memória
e habilidades linguísticas como fonologia, sintaxe, semântica e pragmática;
▶▶ capacitar os professores quanto à aquisição e desenvolvimento da
fala e linguagem, relação linguagem oral e escrita, relação habilidade
fonológica e desenvolvimento da leitura, relação processamento audi-
tivo e consciência fonológica, técnica e atividades para compreensão de
textos, estratégias para construção de textos entre outros aspectos que
possam estar alterados nas crianças, favorecendo, assim, subsídios aos
professores para realizarem modificações e adaptações necessárias no
currículo escolar do aluno;
▶▶ oferecer aos pais e professores uma descrição por escrito dos objetivos e
principais atividades que serão desenvolvidas nas sessões terapêuticas,
principalmente se forem realizados programas de remediação, com
número de sessões previamente estabelecidos, isto para que os pais e
professores possam acompanhar e verificar o desempenho das crianças;
▶▶ verificar eficácia terapêutica dos procedimentos de intervenção ou
remediação utilizados;
▶▶ realizar seguimento terapêutico para aquelas crianças que receberam
alta após o desenvolvimento de habilidades cognitivas e de linguagem,
mas que ainda estão em processo de alfabetização.

Considerações finais

Considerando as várias possibilidades de intervenção ou remediação que


existem para atuação com crianças com transtornos de aprendizagem, o que tem

438
intervenção nos transtornos de aprendizagem

de ser enfatizado é que estas merecem e necessitam de um investimento pedagó-


gico para a estimulação de habilidades de aprendizagem e, para que isso ocorra,
o fonoaudiólogo, o psicólogo ou psicopedagogo deve conhecer as habilidades e
dificuldades apresentadas pela criança no processo diagnóstico para poder se
orientar ou orientar os professores para a realização destes programas que visam
à melhora no uso das habilidades e funções da linguagem e o desenvolvimento
de estratégias que possibilitem melhor desempenho desta criança nas tarefas
escolares que exigem leitura e escrita, pois somente o trabalho com enfoque
multiprofissional na criança, na família e na escola pode garantir que a mesma
supere suas dificuldades cognitivo-linguísticas.

Referências bibliográficas

Barrera, S. D. Consciência fonológica e linguagem escrita em pré-escolares. 179 f.


Dissertação Mestrado em área — Instituto de Psicologia, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 1995.
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Capellini, S. A. Eficácia do programa de remediação fonológica em escolares
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Capovilla, A. G. S. & Capovilla, F. C. Efeitos do treino de consciência fonológica
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Ciasca, S. M., Capellini, S.A., & Tonelotto, J. M. F. Distúrbios específicos de
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de avaliação interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo, p. 55-66, 2003.
Denckla, M. B. Clinical syndromes in learning disabilities: a cause for “splitting”
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439
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Etchepareborda, M. C. Detección precoz de la dislexia y enfoque terapéutico.


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Kamhi, A. G. Causes and consequences of reading disabilities. In Kamhi, A. G.
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Margall, S. A. C. A função auditiva na terapia dos distúrbios de leitura e escrita.
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Santos, A. A. A. A influência da consciência fonológica na aquisição da leitura
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de aprendizaje de la lectura en niños con trastornos del lenguaje. Rev.
Neurol. Clin., v. 2, p. 95-106, 2001.

440
36
A dislexia e algumas
estratégias de intervenção
Raquel Caruso Whitaker,
Silvia Amaral de Mello Pinto

Introdução

Em relação à nossa prática psicopedagógica e fonoaudiológica sentimos a


necessidade de estratégias mais específicas de intervenção para os casos de dislexia.
Etimologicamente, dislexia vem do grego dis = mau funcionamento;
disfunção e lexia = palavra; sendo assim definida como uma disfunção da
palavra, manifestando-se na leitura e/ou na escrita.
Encontramos excelentes resultados com o uso da estimulação multissen-
sorial, com o Método de Projetos e a informática que nos permitem, além de
um melhor atendimento às dificuldades do disléxico, o desenvolvimento do
seu potencial cognitivo e emocional como um todo, conduzindo o sujeito às
possibilidades de aprendizagem.
Preocupamo-nos em promover a multiplicidade das inteligências, a diver-
sidade de talentos e estilos cognitivos do indivíduo, bem como desenvolver uma
postura que vise a maior qualidade de vida do disléxico.

441
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Dislexia

A dislexia de desenvolvimento ou evolução é uma dificuldade para aprender a


ler, apesar de a criança ter uma inteligência normal (QI) e ter sido submetida a um
ensino adequado. Ela deve estar isenta de outros distúrbios sensoriais, neurológicos
ou emocionais e não ser proveniente de um meio sociocultural insatisfatório.
Segundo o DSM-IV — Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (APA, 1994) — a dislexia está classificada sob o código 315.00 — Trans-
torno da Leitura — na seção sobre Transtornos da Aprendizagem (anteriormente
habilidades escolares), na categoria Transtornos Geralmente Diagnosticados
pela Primeira vez na Infância ou Adolescência.
Os critérios para o diagnóstico diferencial são:
▶▶ Rendimento da leitura (teste padronizado) muito abaixo do nível
esperado para a idade, tendo em vista a escolaridade e a capacidade
intelectual do indivíduo (teste de Q.I.);
▶▶ essas perturbações estejam interferindo significativamente no sucesso
escolar ou nas atividades diárias que requerem capacidade em leitura;
▶▶ em presença de um déficit sensorial, as dificuldades de leitura excedem
aquelas geralmente a este associadas .
Apresentamos o conceito de dislexia segundo o DSM-IV por ser um dos
mais referendados mundialmente. Porém, é necessário ressaltar as inúmeras
controvérsias a respeito da definição do termo dislexia e suas implicações. Uma
análise mais cuidadosa mostra que esta definição tem sua origem na corrente
organicista (fim do séc. 19), evoluindo através de uma trajetória de exclusão.
Nesse sentido é importante acrescentar que os estudos sobre a dislexia vêm
ganhando amplitude e profundidade, principalmente se considerarmos os
avanços médico-tecnológicos e contribuições clínicas, ou seja, de neuropsicó-
logos, fonoaudiólogos, psicopedagogos e médicos.
Em interação com a corrente instrumental (psicólogos), a corrente
pedagógica (professores e pedagogos) desenvolveu baterias de avaliação dos
desempenhos em leitura, na verdade, baterias prognósticas da aprendizagem,
em plena consciência da complexidade deste comportamento que é o saber ler
(Grégoire e Piérart, 1997).

442
a dislexia e algumas estratégias de intervenção

As tentativas de avaliação dos distúrbios de leitura e as estratégias decor-


rentes fundamentam-se na sua descrição sintomática.
São seus principais sintomas:
▶▶ Substituições:
▶▶ na forma: p b q d; e a o; m/n
▶▶ no som: f/v; t/d; c/g
▶▶ Inversões:
▶▶ letras: prato/parto
▶▶ sílabas: telefone/tefelone
▶▶ Omissões de letras, sílabas e palavras;
▶▶ Aglutinações: davontade; acasa; mais oumenos
▶▶ Segmentações: em bora; a quele; a tras
▶▶ lentidão na leitura;
▶▶ compreensão reduzida;
▶▶ dificuldades também na escrita.

Segundo Critchley (Condemarin, 1989), existem algumas premissas para se


diferenciar a dislexia específica das demais causas de dificuldades na leitura. São elas:
▶▶ Dificuldade para ler persistente até a idade adulta;
▶▶ erros na leitura e na escrita de natureza peculiar e específica (ver texto
anterior);
▶▶ incidência familiar da síndrome;
▶▶ dificuldade associada à interpretação de outros símbolos.

Dessa forma, o conceito de dislexia está associado às diversas competências


necessárias à leitura:
▶▶ Competência léxica, isto é, o conhecimento que a criança tem de um
certo número de palavras e sua aptidão para ter acesso rapidamente ao
vocabulário mental assim constituído;
▶▶ consciência fonológica, a capacidade de segmentar uma palavra em
unidades menores como as sílabas e de decompô-las em seus compo-
nentes fonológicos;
▶▶ memória operacional.

443
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Associados aos sintomas específicos, encontramos diversos sinais colaterais


presentes, no quadro de dislexia, de forma diferenciada de indivíduo para
indivíduo. Esses sintomas podem aparecer desde a primeira infância. São eles:
▶▶ Dificuldades na área percepto-motora;
▶▶ percepções sensoriais (auditiva, visual);
▶▶ semelhanças, diferenças, rimas, canções;
▶▶ esquema corporal;
▶▶ orientação espacial: localização, posição, direção;
▶▶ orientação temporal: noção de tempo (horas, dias), duração, ritmo;
▶▶ coordenação motora-ampla (corpo) e fina (mãos): movimentos corpo-
rais, desenho, pintura;
▶▶ lateralidade: esquerda/direita;
▶▶ análise/síntese: decomposição de sons e palavras; quebra-cabeças;
numeração;
▶▶ sequência lógico-temporal: histórias;
▶▶ imaturidade Global;
▶▶ déficit de atenção e concentração;
▶▶ atraso no desenvolvimento da fala e linguagem;
▶▶ pobreza de vocabulário;
▶▶ dificuldade de memória;
▶▶ desinteresse por leitura.
Além dos sintomas, outro importante fator a ser considerado no processo
de intervenção na dislexia é o processamento da leitura e da escrita.

Processamento da leitura e escrita

Os modelos cognitivos indicam a existência de um local de armazenagem


lexical da ortografia de palavras familiares, semelhante ao que existe para a fala
(léxico de produção da fala), o qual também é usado no momento da leitura.
Ele contém todas as palavras cuja ortografia foi armazenada na memória. Ellis
(1995) o chamou de léxico de produção dos grafemas.
Ele é alimentado pelo sistema semântico (significado das palavras) e pelo
sistema de produção da fala (pronúncia de palavras familiares) que, por sua vez,

444
a dislexia e algumas estratégias de intervenção

são construídos através da análise visual (identificação e posição das letras) e do


sistema de reconhecimento visual de palavras (ou léxico de input visual), que
é uma espécie de depósito mental de palavras, que contém representações das
formas escritas de todas as palavras familiares.
A leitura se processa de forma semelhante, conforme podemos ver no
quadro abaixo. O modelo apresentado é uma adaptação do modelo clássico,
de autoria de Patterson e Shewell (1987), no qual fizemos uma junção do
processamento da leitura, da escrita e da fala.

Neste modelo, podemos visualizar muito bem as duas rotas de leitura


utilizadas: a leitura por localização e a leitura por associação.
A leitura por localização (rota lexical ou léxico-semântica) é utilizada para
lermos palavras familiares que armazenamos na memória (sistema de reconheci-
mento visual de palavras), através de nossas experiências de leitura. Recorremos

445
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

ao léxico e ao sistema semântico para identificarmos essas palavras. Em seguida,


verificamos a pronúncia (sistema de produção fonológica de palavras) e fazemos
a leitura oral.
A leitura por associação (rota fonológica) é utilizada para lermos palavras
pouco frequentes. Para fazermos a leitura dessas palavras, a sequência grafêmica
é segmentada em unidades menores (grafemas e morfemas) e associada aos seus
respectivos sons. Em seguida, fazemos a junção fonética e articulamos a palavra.
Essas duas rotas são utilizadas sempre, por todos os indivíduos, em dife-
rentes situações de leitura.
Nos casos de dislexia, quando encontramos um déficit maior na rota
fonológica, podemos classificá-la como sendo uma dislexia auditiva. Quando
o déficit se apresenta na rota lexical, é chamado de dislexia visual; e quando há
prejuízo nas duas rotas, de dislexia mista.
Nas crianças em processo de aprendizagem da leitura e escrita e nas disléxicas,
em especial, precisamos estar atentos a que rota elas usam preferencialmente,
para estimulá-las, através de diferentes atividades cognitivas, a fazer uso dos
dois processos: o fonológico e o lexical.
Para estimular o processo fonológico, precisamos desenvolver sua
consciência fonológica, através de atividades onde a percepção e memória
auditivas sejam trabalhadas.
Para estimular o processo léxico-semântico, precisamos trabalhar a
percepção e memória visuais, além de atividades cognitivas para enriquecimento
da linguagem como um todo.
Desta forma, para ler, escrever e processar as informações, em geral, o sujeito
faz uso de três grandes funções — a percepção, a cognição e a emoção — que
encontram-se intimamente relacionadas.
Várias pesquisas têm sido feitas para investigar os processos que o leitor
usa para a decodificação da informação léxica.
No processamento bottom-up, o leitor decodifica a informação da
percepção sequencial dos caracteres de cada letra ou sílaba até sua associação
em palavras e frases, seguindo um trajeto do particular para o geral, das partes
para o todo.

446
a dislexia e algumas estratégias de intervenção

No processamento denominado top-down, o significado da frase ou texto


facilita a percepção das letras. Desta forma, neste modelo, são usados procedi-
mentos mais gerais e de nível cognitivo mais alto, ressaltando a importância do
significado no ato léxico e do todo na identificação das partes.
As pesquisas indicam, também, que esses dois processamentos interagem e, no
caso de déficit de um deles, o leitor buscaria apoio nos procedimentos mais intactos.
Escrita e leitura têm sido alvo de muitas pesquisas da neuropsicologia cogni-
tiva, mas encontramos uma maior quantidade na área da leitura, principalmente
com relação ao seu processamento.
Na escrita, os trabalhos estão mais ligados à ortografia de palavras do que
à produção de textos e suas implicações. No entanto, para escrever, gastamos
muito mais energia no planejamento daquilo que queremos dizer e como dizer.
Esta fase de planejamento, que alguns autores chamam de pré-escrita,
envolve toda a preparação para escrever: ruminação de ideias e decisão do
que escrever.
O estágio seguinte seria o da escrita propriamente dita e uma última etapa
envolveria a reescrita, através de uma avaliação e revisão do texto elaborado.
“Escrever é pensar. O ato de tentar expressar-se por escrito pode ajudar a
esclarecer os próprios pensamentos e fazer aflorar novas ideias” (Ellis, 1995).
Algumas pesquisas apontam na direção de que bons escritores são também
bons em oratória e em ditado; assim como os maus escritores têm dificuldade para
expressar suas ideias. Entretanto, em nossa prática clínica, observamos inúmeros
casos em que essa afirmativa não procede, com crianças com graves dificuldades
de leitura e escrita apresentando incrível desenvoltura na linguagem oral.
Lembrando Ajuriaguerra (1952), a nossa experiência nos demonstra que não é
possível encontrar explicações unicausais aplicáveis a todos os disléxicos em geral.
São diversas as teorias, muitas as conclusões obtidas e outras tantas a serem
ainda investigadas.
Mais importante do que definir dislexia e sua etiologia, no sentido de uma
rotulação, é diagnosticá-la e tratá-la de modo adequado, de seus sintomas,
direcionando a intervenção de forma particular e procurando investigar o seu
significado em cada caso.

447
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Intervenção

O processo de intervenção envolve diferentes estratégias, procurando


torná-lo o mais rico possível.
Na nossa prática clínica costumamos utilizar como estratégias a estimu-
lação multissensorial, o método de projetos e a informática, aliadas a uma
postura terapêutica — muito mais do que reeducativa — partindo do interesse
do paciente e de suas possibilidades, para que o trabalho seja significativo. Além
disso, fornecemos orientação para os pais e profissionais que lidam com o sujeito.
A estimulação multissensorial abrange o trabalho com a percepção,
discriminação e memória auditivas, visuais, cinestésicas e táteis. Dessa forma,
pretende-se estimular a criança de uma forma global, visando compensar
possíveis dificuldades existentes, através do uso dos canais competentes.
O Método de Projetos é uma excelente abordagem de trabalho, pois possi-
bilita essa dinâmica que ao mesmo tempo organiza o conhecimento, promove a
inter-relação, investigação, contextualização e globalização do mesmo, dando-
-lhe um caráter inter e transdisciplinar, assegurando, também, a significatividade
da aprendizagem.
“A função do projeto é favorecer a criação de estratégias de organização
dos conhecimentos escolares em relação a: 1) o tratamento da informação, e 2)
a relação entre os diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que
facilitem aos alunos a construção de seus conhecimentos, a transformação da
informação procedente dos diferentes saberes disciplinares em conhecimento
próprio” (Hernández, 1998).
A informática é a ciência que visa ao tratamento da informação através
do uso de equipamentos e procedimentos da área de processamento de dados
(Ferreira, 1986). Assim como a Informática, o sujeito vai tratar as informações,
usando os seus “equipamentos” e procedimentos.
Ao utilizá-la o sujeito tem a possibilidade de entender o seu próprio processo
de pensamento através do que acontece com o computador, quando recebe as
informações para serem processadas. Ele vai tomar consciência dos processos
e estratégias que utiliza: na esfera cognitiva (metacognição), na captação de
estímulos (meta-atenção) e no conteúdo da memória (metamemória).

448
a dislexia e algumas estratégias de intervenção

Considerações finais

A Psicologia Cognitiva ou Ciência Cognitiva pesquisa e estuda o proces-


samento de informações, buscando descrever refinados detalhes das etapas
de uma determinada execução. A leitura e a escrita, como vimos antes, são
funções cognitivas que envolvem o processamento de informações, de um
determinado sistema simbólico. Ao adquiri-las, o indivíduo vai assimilar as
regras que governam e organizam o próprio sistema; vai perceber o significado
ou denotação dos símbolos e a relação entre eles; bem como os usos e funções
dos significados.
Ao ler e escrever, a criança faz uso da sua capacidade de simbolizar, da
necessidade que ela tem de lidar receptiva ou expressivamente com a represen-
tação da realidade e sua simbolização — a nomeação do mundo.
Dessa forma, trabalhar as possibilidades de um sujeito, seja ele disléxico
ou não, é dar a ele a oportunidade de perceber este mundo através de seus
melhores canais receptivos e expressivos; é favorecer o desenvolvimento das
suas aptidões e do conhecimento de si mesmo e dos outros, ampliando sua
capacidade simbólica.
Ao trabalhar com as estratégias aqui sugeridas, o sujeito faz uso de diferentes
atividades, o auxílio de um mediador capacitado a estimular o desenvolvimento
das habilidades cognitivas e emocionais.
O trabalho terapêutico assim realizado é um instrumento facilitador na
construção do conhecimento pelo disléxico e do seu desenvolvimento como
pessoa, consciente das suas dificuldades mas, principalmente, reconhecendo suas
possibilidades e fazendo pleno uso delas, para exercer o seu direito de ser feliz.

Referências bibliográficas

Ajuriaguerra, J. L’ Apprentissage de Lecture et ses Troubles. Médicine


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Condemarin, Mabel & Blomquist, Marlys. Dislexia: Manual de Leitura
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449
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

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450
37
Dislexia: intervenção
psicopedagógica com
o PEI – Programa
de Enriquecimento
Instrumental de Reuven
Feuerstein
Júlia Eugênia Gonçalves

A dislexia

A dislexia é uma síndrome cujos sintomas mais comuns estão relacionados


a dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita de palavras, frases ou
textos, os quais se tornam mais explícitos quando o sujeito inicia seu processo
formal de escolaridade.
Durante o período da Educação Infantil a família e a escola raramente
percebem que existe um problema de aprendizagem, porque a criança tem
desenvolvimento físico e social condizente com sua faixa etária, sem apre-
sentar indícios claros que possam levar a crer nas dificuldades que certamente

451
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

acontecerão no futuro. Entretanto, alguns aspectos já podem ser identificados


desde cedo, se os pais e professores estiverem informados de sua importância:
▶▶ Tendência à inversão de signos gráficos;
▶▶ dificuldade com a memória imediata e a organização em geral.;
▶▶ dificuldades na discriminação de fonemas (vogais e consoantes);
▶▶ vocabulário pobre ou atraso de linguagem;
▶▶ falta de interesse por livros impressos;
▶▶ dificuldade em acompanhar histórias;
▶▶ dificuldade em aprender rimas/canções;
▶▶ alterações na relação figura-fundo;
▶▶ dislalia;
▶▶ fraco desenvolvimento da atenção.

Como não se trata de uma doença, mas de uma síndrome que, neste caso
específico, não acomete o portador de nenhum mal que ponha em risco sua
saúde física, somente quando ele entra em contato formal com a leitura e a
escrita, ou seja, durante o processo de alfabetização é que os sintomas da dislexia
começam a se tornar evidentes.
Esta diferença entre doença e síndrome é fundamental para a compreensão
do tema, no enfoque que pretendemos privilegiar.
Doença é uma alteração da saúde física ou mental, que compromete o
funcionamento de todo o corpo ou de parte dele, ocasionando uma série de
transtornos, generalizados ou localizados, que podem ser fruto de alguma lesão,
de uma disfunção, ou de uma desorganização no processo de desenvolvimento
humano. A doença pode levar à morte, quando suas causas não são identificadas
ou tratadas convenientemente.
A síndrome difere da doença, porque consiste num conjunto homogêneo
de sintomas que expressam uma maneira específica de o organismo se
manifestar. Uma febre é um sintoma que pode ser atribuído a várias causas.
Porém, se estiver acompanhada de outros sinais que possam vir a compor
um conjunto de sintomas, pode fazer parte de uma síndrome. Um mesmo
sintoma pode ser comum a várias doenças ou pode ser produzido por causas
inteiramente distintas.

452
dislexia : intervenção psicopedagógica com o pei

O que garante que estamos diante de uma síndrome e não de uma doença
é o fato de que os sintomas que afetam o sujeito formam um “quadro clínico”
característico, passível de ser “descrito”. Há sintomas que podem pertencer a
várias doenças diferentes, ou aparecerem justapostos em uma mesma enfermi-
dade. No caso das síndromes, a presença deste conjunto organizado de sintomas
é que permite o diagnóstico diferencial e sua consequente identificação.
As síndromes podem ter causas genéticas, hereditárias, anatômicas,
sensoriais e afetivas.
O que pretendemos é trazer à discussão sobre a dislexia, o enfoque psico-
pedagógico, apresentando o papel que o psicopedagogo desempenha junto ao
disléxico, à sua família e à sua escola.
Também é nossa intenção expor um “programa” de intervenção — o
PEI — cujos pressupostos, a nosso ver, constituem uma oportunidade de atuação
dirigida para a superação de alguns sintomas que interferem no desempenho
social, intelectual e emocional do sujeito atendido na clínica psicopedagógica.

Modos de ver e compreender a dislexia

De acordo com cada área do conhecimento científico, a dislexia pode ser


vista e compreendida de uma determinada maneira. A definição mais usada
na atualidade é a da IDA — International Dyslexia Association:

“Dislexia é um dos muitos distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio


específico da linguagem, de origem constitucional, caracterizado pela dificul-
dade de decodificar palavras simples. Mostra uma insuficiência no processo
fonológico. Estas dificuldades de decodificar palavras simples não são esperadas
em relação à idade. Apesar de submetida à instrução convencional, adequada
inteligência, oportunidade sociocultural e não possuir distúrbios cognitivos e
sensoriais fundamentais, a criança falha no processo de aquisição da linguagem.
A dislexia é apresentada em várias formas de dificuldade com as diferentes formas
de linguagem, frequentemente incluídas problemas de leitura, em aquisição e
capacidade de escrever e soletrar.” 1

1 Definição criada pelo Comitê da IDA, em 1994.

453
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Os geneticistas acreditam, com base nos resultados obtidos com o projeto


Genoma Humano, que as alterações cromossômicas estão associadas às difi-
culdades de desempenho na leitura/escrita e não têm dúvidas de que fatores
genéticos estão presentes nos casos de alexia (incapacidade de ler e escrever),
dislexia (dificuldades na aquisição e utilização da linguagem escrita), disgrafia
(dificuldades relacionadas à grafia das letras) e disortografia (conjunto de
dificuldades na aprendizagem da ortografia).
Os neurologistas comprovam que uma alteração anatômica no cérebro do
disléxico, cujo hemisfério direito apresenta-se com volume maior do que o esquerdo,
é responsável pelos transtornos relacionados com a aprendizagem da leitura/escrita,
relacionando a dominância lateral como causa da dislexia, posto que o hemisfério
esquerdo é o que lida com as questões linguísticas, mesmo nos indivíduos canhotos.
Psicólogos cognitivos alertam para a importância dos fatores perceptivos
relacionados com a decodificação e codificação de signos linguísticos pelo
cérebro humano, sobretudo aqueles relacionados com a percepção visual e
auditiva. A percepção visual possibilita a observação, fonte das informações
que alimentam os neurônios e possibilitam as sinapses e mantém relação direta
com a memória e com o processamento mental. A visão é a porta de entrada da
informação, sobretudo numa cultura de base imagética, como a da atualidade.

“Hoje vivemos na chamada” civilização da imagem. É a era da visua-


lidade, da cultura visual. Há imagens por toda à parte... as crianças,
desde cedo, aprendem a interagir com elas através de comandos nos
videogames e computadores, e aprendem a produzir e consumir imagens
de toda“ordem” (Rossi, 2003)

Rossi, citando Berger, assim se refere à importância da percepção visual na


aprendizagem da leitura/escrita:

“a vista chega antes das palavras. A criança olha e vê antes de falar”


(Rossi, 2003)
García, após minuciosa revisão de literatura a respeito das dificuldades de
aquisição da leitura/escrita, conclui:

454
dislexia : intervenção psicopedagógica com o pei

“a dificuldade ou impossibilidade de criar imagens afetará a compreensão


da linguagem oral ou escrita.” (García, 1998)

Os psicolinguistas defendem a ideia de que a dislexia é uma síndrome de


origem linguística resultante de um déficit de consciência fonológica. Segundo
tais pesquisadores, os disléxicos têm uma inabilidade natural para lidar com a
correspondência entre símbolos gráficos (grafemas) e os fonemas (sons), que são
geralmente mal reconhecidos e mal identificados. As dificuldades articulatórias
presentes em muitos casos seriam explicadas pela dificuldade de transformação
dos signos escritos em signos verbais.
Eles sustentam que a leitura pode ser realizada por duas rotas de proces-
samento da informação, quais sejam a lexical e a fonológica e que o ato de ler é
uma combinação destas, que serão utilizadas com maior ou menos intensidade
de acordo com a familiaridade com as palavras que compõem o texto ou a
amplitude vocabular do leitor. Porém, os estudos e pesquisas linguísticas
concluem que a rota fonológica é a que a permite a leitura mais eficiente porque é
baseada na segmentação, por força da metalinguagem, dos componentes textuais
(parágrafos, períodos, orações, frases, sintagmas, palavras, morfemas), como
também das sílabas que formam as palavras ou dos sons da fala (fonemas), que
verbalmente são emitidos de forma articulada e contínua.

A consciência fonológica consiste em descriminar os sons correspondentes


a cada uma das letras ou grafemas que compõem a palavra, possibili-
tando seu reconhecimento e sua transformação em sons. Desta maneira,
o leitor é capaz de ler palavras com as quais não está familiarizado,
palavras desconhecidas e, inclusive, pseudopalavras. (Capovilla, 2000)

Enfoque psicopedagógico

Os psicopedagogos estudam o processo de aprendizagem não apenas no


âmbito da escola, mas em qualquer espaço ou situação na qual o sujeito aprende.
Consideram que toda aprendizagem existe com base em três instâncias:

455
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

1. O desconhecimento – ninguém conhece tudo. Temos que lidar sempre


com o desconhecido, com o novo, com o que ainda não conhecemos.
2. O conhecimento – aquisição progressiva e fundamental para a
“humanização”.
3. O desejo de conhecer – energia que nos impele em direção ao
conhecimento.

Alícia Fernández desenvolve um conceito muito importante para a Psico-


pedagogia, o de modalidade de aprendizagem:

“é uma maneira pessoal para aproximar-se do conhecimento e para


conformar seu saber. É construída desde o nascimento a partir das
relações familiares e funciona como uma matriz, um molde, um esquema
de operar que o sujeito utiliza nas diferentes situações de aprendizagem
durante sua vida.” (Fernández, 1990)

O diagnóstico psicopedagógico é um corte que permite observar a


dinâmica da modalidade de aprendizagem, sabendo-se que esta tem uma
história, que vai sendo construída pelo sujeito em interação com o grupo
familiar de acordo com suas experiências e de como elas foram interpretadas
por ele e seus pais.
A intervenção psicopedagógica, por sua vez, visa abrir espaços objetivos e
subjetivos, nos quais a autoria de pensamento seja possível, ou seja, onde possa
surgir um sujeito capaz de aprender.
Desta maneira, a Psicopedagogia olha para o sujeito em sua individuali-
dade, mas o vê integrado nos grupos a que pertence (familiar, social, escolar)
e busca encontrar sua peculiaridade como aprendente, ou seja, a modalidade
de aprendizagem que lhe é própria. O que lhe interessa são as diferenças que
possibilitam compreender o indivíduo como único, apesar de ele, como todos os
demais seres humanos, possuir em comum uma ”modalidade de aprendizagem”.
O olhar da Psicopedagogia sobre a dislexia é peculiar. Não interessa ao
trabalho psicopedagógico as características que os disléxicos têm em comum.

456
dislexia : intervenção psicopedagógica com o pei

O psicopedagogo não olha para a “dislexia”, mas para um sujeito e sua história de
dificuldades de leitura/escrita, no contexto de sua modalidade de aprendizagem.
Como área de estudos transdisciplinar, a Psicopedagogia acompanha as
pesquisas e a evolução do conhecimento científico em campos epistemológicos
com os quais mantém interfaces. Deste modo, parte dos seguintes princípios
para orientar sua intervenção em casos de dislexia:
▶▶ De que se a dislexia não é doença, não tem cura e, portanto, o disléxico
vai apresentar seus sintomas, com maior ou menos intensidade, durante
toda sua vida;
▶▶ de que fatores emocionais interferem para o agravamento dos sintomas;
▶▶ de que o meio familiar pode interferir de maneira favorável ou não
ao desenvolvimento das estruturas objetivas e subjetivas presentes no
processo de aprendizagem;
▶▶ de que os fatores etiológicos são múltiplos e não se pode afirmar com
segurança que este ou aquele seja o causador da dislexia;
▶▶ de que o diagnóstico da dislexia pode ser realizado pela exclusão das
seguintes características: em hipótese alguma o disléxico tem compro-
metimento intelectual, ou perda auditiva, nem visual;
▶▶ de que o diagnóstico da dislexia pode ser confirmado pela presença
de algumas características comuns: dificuldade de processamento
auditivo que concorre para baixo índice de consciência fonológica;
incapacidade para reter na memória de longo prazo o perfil visual das
palavras; dificuldade para ler e compreender o significado de orações
e textos; tendência de troca ou inversão de fonemas ou grafemas por
outros de som parecido, de aspecto visual semelhante ou com sime-
tria oposta; dificuldades de orientação espacial, relacionadas com a
direcionalidade e a lateralidade; memória prejudicada, o que acar-
reta esquecimento de datas, números de telefones, compromissos
agendados; falta de organização temporal; facilidade para resolver
problemas oralmente; inteligência prática e bem desenvolvida, com
alto índice de criatividade;
▶▶ de que o sujeito disléxico pode ter um bom desempenho escolar se
adquirir consciência de que seu funcionamento mental não é inferior,
porém diferente e peculiar à sua condição existencial.

457
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Utilizando o PEI no tratamento da dislexia

Diante de tais princípios, o psicopedagogo deve escolher uma forma de


intervenção que possibilite o controle dos sintomas, por meio da diminuição da
conduta impulsiva, da identificação e correção dos erros cometidos na leitura
e na escrita e da conquista da metacognição.
Em nossa opinião, o PEI — Programa de Enriquecimento Instrumental —
sistematizado por Reuven Feuerstein2, em Israel, no fim da década de 1940 e início
da década de 1950 do século passado, atende plenamente a estas condições.
A intervenção psicopedagógica com o PEI é baseada na Teoria da Modifica-
bilidade Cognitiva Estrutural e no que Feuerstein chama de EAM — Experiência
de Aprendizagem Mediada. Ambas as teorias põem em destaque a relação entre
os aspectos objetivos e subjetivos da aprendizagem humana e o potencial que
todo indivíduo possui para aprender, relativisando os esteriótipos associados à
“deficiência” e ressignificando o próprio sentido deste termo, trazendo-lhe um
caráter de transitoriedade. Tais referenciais epistemológicos são compartilhados
pela Psicopedagogia e têm como base os conceitos de plasticidade cerebral,
privação cultural e relação do homem com o meio ambiente.

“A Modificabilidade Cognitiva Estrutural, procura, objetivamente,


descrever a capacidade única, peculiar, singular e plural dos seres
humanos mudarem ou modificarem a estrutura do seu funcionamento
cognitivo, visando a adaptação às exigências constantes e mutáveis, das
situações que caracterizam o mundo exterior envolvente.” (Fonseca, 1987)

“Experiência de Aprendizagem Mediatizada é uma interação na qual o


mediatizador se situa entre o organismo do indivíduo mediatizado e os

2 Reuven Feuerstein nasceu na Romênia, em 1921, e reside em Israel desde 1944. Em


1965, tornou-se diretor do Hadassah-Wizo-Canada Research Institute. Hoje, é diretor
do International Center for the Enhancement of Learning Potencial, fundado em 1993.
É professor desde 1970 na Escola de Educação da Universidade Bar Ilan, em Ramar
Gan, Israel, e na Escola de Educação da Universidade Vanderbilt, em Nashville, nos
Estados Unidos. Em 1970 concluiu sua tese de doutorado na Sorbonne, Paris, na área
de Psicologia.

458
dislexia : intervenção psicopedagógica com o pei

estímulos, de forma a seleciona-los, muda-los, amplia-los ou interpretá-los,


utilizando estratégias interativas para produzir significação, para além
das necessidades imediatas da situação.” (Fonseca, 2002)

De acordo com as experiências levadas a efeito por Feuerstein e seus segui-


dores, a modificabilidade é consequência da mediação entre seres humanos
conseguida por intermédio da valorização do processo, sobre o conteúdo a ser
ensinado/aprendido, ou seja, o produto. Por esta razão, a ênfase do trabalho é a
valorização da pessoa, tanto a do mediador quanto a do mediado, pois a quali-
dade está no sujeito e não no objeto que ele produz. Produtos de boa qualidade
são obtidos por intermédio de processos bem organizados, sistematizados
e controlados.
O PEI é um programa constituído por uma série de cadernos didáticos
(os chamados instrumentos) e tem por objetivo estimular o funcionamento
cerebral por meio do trabalho com as funções cognitivas que compõem o ato
mental, o qual, por sua vez, é influenciado de forma positiva ou negativa, por
fatores etiológicos proximais e distais.

FATORES ETIOLÓGICOS DISTAIS: são aqueles que interferem no desen-


volvimento humano, apesar de manterem alguma distância em relação
ao sujeito. Por exemplo: fatores hereditários ou orgânicos; distúrbios
emocionais na infância; distúrbios emocionais dos pais; nível educacional
dos pais; pobreza de estímulos; diferenças culturais; qualidade da relação
entre os pais e a criança.
FATORES ETIOLÓGICOS PROXIMAIS: são aqueles que interferem no
desenvolvimento humano, de acordo com sua presença ou ausência
constante. Por exemplo: mediação na aprendizagem.

Caso tais fatores se apresentem positivamente, haverá, em consequência,


desenvolvimento cognitivo adequado. Caso eles se apresentem negativamente
ou estejam ausentes (no caso da mediação), o desenvolvimento cognitivo poderá
ficar prejudicado e as dificuldades de aprendizagem, instaladas.

459
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A mediação é condição do desenvolvimento cognitivo, porque coloca o


mediado numa interação dinâmica com as situações-problema do dia a dia,
valorizando seus processos de pensamento e facilitando o processamento da
informação no modelo sistêmico de input, integração-elaboração e output.
É preciso distinguir inteligência de cognição, para podermos continuar
desenvolvendo nosso raciocínio sobre o tema. Fonseca (2002), assim, estabelece
tal distinção:

Comparação entre inteligência e cognição

Dimensão Inteligência Cognição


origem genética/inata aprendida/ensinada
caráter global/específica generalizável
produto final – QI processo potencial
avaliação
(passado) (futuro)
composição atitudes intelectuais capacidades e motivação
modificabilidade Modesta (grande esforço) elevada – EAM
papel dos pais genes, alimentação, escola mediação ativa

Estas diferenças possibilitam a compreensão de que os processos cognitivos


são adquiridos pelo ser humano por meio da exposição direta aos estímulos ou
por meio da experiência da aprendizagem mediada. Deixam claro que a EAM
potencializa o desenvolvimento humano porque, independentemente do grau
de inteligência de cada um, todo aquele submetido a este tipo de interação pode
potencializar suas funções cognitivas, aprendendo a pensar logicamente e de
maneira organizada, aprendendo a aprender e a aplicar sua estrutura mental
e emocional na adaptação criativa frente à realidade natural, social e cultural.
A contribuição de Reuven Feuerstein para a humanidade foi a sistematização
de uma atitude natural — a mediação — em critérios muito bem definidos,
utilizados de forma intencional, para a obtenção de um resultado prático: a meta-
cognição e o desenvolvimento de atitudes pró-ativas, desenvolvendo habilidades
de pensamento por intermédio de atividades propostas nos instrumentos do PEI.
Tais instrumentos são aplicados em duas etapas, de acordo com a função
cognitiva que cada um deles estimula de forma predominante:

460
dislexia : intervenção psicopedagógica com o pei

PRIMEIRA ETAPA:
▶▶ Organização de pontos: projeção de relações virtuais;
▶▶ orientação espacial I: representação mental num sistema de coorde-
nadas móveis;
▶▶ comparações: observação e comparação;
▶▶ classificações: percepção de semelhanças e diferenças, estruturas de
classe e ordem;
▶▶ ilustrações: percepção, inferência lógica, pensamento hipotético-
-dedutivo;
▶▶ percepção analítica: identificação e análise e síntese;
▶▶ orientação espacial II: representação mental num sistema de coorde-
nadas fixas.

SEGUNDA ETAPA:
▶▶ Instruções: codificação e decodificação;
▶▶ relações familiares: correspondências unívocas e biunívocas, reversibi-
lidade mental;
▶▶ relações temporais: abstração de conceitos temporais;
▶▶ progressões numéricas: estruturas de ordem e série;
▶▶ relações transitivas: pensamento lógico formal;
▶▶ silogismos: lógica proposicional formal;
▶▶ desenho de padrões: operacionalização das funções cognitivas presentes
nos demais instrumentos.

Considerações finais

Para aplicar o PEI, o profissional necessita receber capacitação específica por


meio de curso com, no mínimo, 72 horas de duração para cada uma das etapas,
ministrado por instituição credenciada. A metodologia é vivencial e interativa, com
a aplicação dos instrumentos no cursista de forma que ele próprio consiga se modi-
ficar, alcançar a metacognição, aprendendo a mediar os outros e a se automediar.
O psicopedagogo que possui esta habilitação pode utilizar o programa no
atendimento a disléxicos, individualmente ou em pequenos grupos, de acordo
com as seguintes perspectivas:

461
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

▶▶ Tais sujeitos, apesar de não possuírem baixo nível de inteligência, apre-


sentam disfunções cognitivas típicas da síndrome que interferem em sua
capacidade de aprendizagem da leitura e da escrita, em seu relaciona-
mento social e em sua vida escolar e profissional;
▶▶ o PEI é composto por instrumentos didáticos que oportunizam o
desenvolvimento das funções cognitivas que geralmente estão prejudi-
cadas na grande maioria dos indivíduos disléxicos;
▶▶ o PEI possibilita uma intervenção dirigida para o desenvolvimento
cognitivo do disléxico, contribuindo para a elevação de sua autoestima
e para potencializar sua capacidade de aprendizagem;
▶▶ com a conquista da metacognição, o disléxico adquire a habilidade de
controlar seu comportamento impulsivo, de agir de forma planificada e
organizada, de identificar as causas dos erros que comete e, assim, pode
corrigi-los mediando-se a si mesmo;
▶▶ apesar de ter consciência de que, enquanto síndrome, a dislexia não tem
cura, o psicopedagogo, utilizando o PEI, contribui para a obtenção de
um bem estar para o sujeito, na medida em que acredita em seu poten-
cial e investe em sua capacidade de modificabilidade;

A utilização do PEI parece-nos uma forma de intervenção psicopedagógica


que contribui sobremaneira para um prognóstico favorável em relação aos porta-
dores de dislexia, porque possibilita, para o terapeuta, um trabalho organizado,
sequencial, objetivo, sem perder de vista os aspectos subjetivos presentes no
processo de aprendizagem humana, alcançado por meio das transcendências
e ressignificações que o programa propicia.
Para o sujeito atendido, o PEI oferece uma chance única de correção das
disfunções cognitivas que concorrem para a intensificação dos sintomas da
dislexia, permite a compreensão de suas diferenças em relação aos outros e a
aceitação de sua maneira de ser e de interagir no mundo, abrindo um espaço
de aprendizagem e de construção de autoria.
Nossa experiência com o PEI na clínica psicopedagógica nos permite
sugerir uma aplicação informal do Programa, incluindo jogos, atividades
lúdicas, trabalhos simbólicos, recursos da informática, textos complementares,
sem perder de vista sua estrutura sequencial e lógica que o norteia.

462
dislexia : intervenção psicopedagógica com o pei

Consideramos o PEI como uma alternativa, dentre outras, que o psicope-


dagogo tem à sua disposição para o atendimento clínico ao portador de dislexia,
realizando a tarefa primordial para a qual se dirige sua atuação profissional:
cuidar do outro, oferecendo-lhe oportunidade de desenvolver seu potencial
humano para a aprendizagem.

“O terapeuta não cura, ele cuida”.... O terapeuta está lá apenas para pôr
o doente nas melhores condições possíveis para que ele possa mudar.”
(Leloup, 1996)

“O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais


que um ato; é uma atitude. portanto, abrange mais que um momento
de atenção, de zelo, e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação,
preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.”
(Boff, 2003)

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464
38
Transtorno da leitura
(dislexia) e transtorno
do déficit de atenção e
hiperatividade (TDAH)
Guiomar Albuquerque

Introdução

Diversos estudos referem-se à presença de uma alta taxa de comorbidades1


entre o Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e Transtornos
de Linguagem (Beitchman et al., 1986; Cantwell e Baker, 1991; Cohen et al., 1993
apud Tannock, 2000). Contudo, observa-se uma certa confusão de conceitos,
sendo importante deixar claro a diferença entre deficiências da linguagem e
deficiências na linguagem.
Deficiências da linguagem referem-se aos problemas primários de
linguagem ou transtornos propriamente ditos. Nesse contexto, observa-se o

1 Comorbidade é um termo utilizado para designar a ocorrência de dois ou mais


transtornos em um mesmo indivíduo.

465
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

comprometimento de níveis linguísticos de estruturação: fonológico, morfológico,


sintático e/ou semântico e as dificuldades de aprendizado são decorrentes de tais
aspectos. Enquadram-se aqui o Transtorno da Expressão Escrita (disortografia)
e o Transtorno da Leitura (dislexia) que será abordado mais adiante.
Em relação às deficiências na linguagem, estas, por sua vez, referem-se aos
problemas secundários de linguagem, ou seja, fatores que não estão ligados aos níveis
linguísticos de estruturação, mas podem prejudicar de alguma forma o desempenho
dos sujeitos na área de linguagem. Fazem parte desse contexto a desatenção, o
desinteresse, alterações comportamentais, rebaixamento cognitivo, entre outros.
Com base em tal esclarecimento, revela-se que não há estudos conclusivos
correlacionando o TDAH com deficiências da linguagem de forma primária. Os
estudos apenas referem-se a uma alta taxa de comorbidade entre eles, ou seja,
apesar de a alta taxa de comorbidade o sujeito com TDAH não necessariamente
apresentar deficiências de linguagem. Segundo Tannock (2000) diversos estudos
clínicos e da comunidade têm documentado uma proporção de 20% a 60% das
crianças em idade escolar portadoras de TDAH apresentando também um
problema de linguagem (Beitchman et al., 1989; Cantwell e Baker, 1991; Cohen
et al., 1989; Oram et al., 1999; Tirosh e Cohen, 1998 apud Tannock, 2000). Tal
dado nos faz refletir a respeito da causa dessa altíssima taxa de comorbidade,
mas não é a proposta desse estudo discutir essa questão.
Portanto, será realizada uma breve apresentação das principais deficiências
relacionadas com a linguagem que ocorrem nas crianças com TDAH e a ênfase
será sobre a dislexia.

Dificuldades pragmáticas

São altamente associadas ao TDAH. Há estudos que referem uma maior


associação de dificuldades pragmáticas e o TDAH do que com transtornos do
aprendizado. Por exemplo, Humphries et al. (1994, apud Tannock, 2000) encon-
traram que 60% das crianças com problemas de atenção tinham dificuldades
pragmáticas, enquanto 15% das crianças com transtornos do aprendizado e 7%
das crianças sem transtorno algum tinham esse mesmo problema.

466
transtorno da leitura (dislexia) e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (tdah)

Não é considerado transtorno da linguagem, visto que não há comprome-


timento dos níveis linguísticos sintático, semântico, fonológico e morfológico,
isto é, eles estão intactos.
A pragmática está relacionada com o uso da língua e suas regras. Por
conta disso, fica prejudicada no sujeito com TDAH, pois sua dificuldade
de autocontrole prejudica o seguimento de regras. Tal aspecto ref lete-se
fortemente na linguagem oral, mais especificamente na competência comu-
nicativa, por esta ser imbuída de regras conversacionais, tais como tomada
e sequenciamento de turnos, manutenção e desenvolvimento de tópicos e,
sobretudo, a habilidade de seguir sequências narrativas. Nesse aspecto, é
comum os sujeitos portadores de TDAH interromperem o interlocutor, não
esperarem uma pergunta ou resposta até o final e mudarem muito de assunto
mesmo sem tê-lo terminado.

Dificuldades de escrita

Características similares à da linguagem oral podem também ser encon-


tradas na linguagem escrita (leitura e escrita). Isso ocorre porque as dificuldades
têm a mesma natureza. Há ainda o fato de a linguagem escrita sofrer forte
influência da linguagem oral, certamente porque ambas são meios de expressão.
Encontra-se, portanto, uma enorme dificuldade de seguir sequências e esse
tipo de característica pode manifestar-se por omissões de partes das informações
escritas: omissão de letras, sílabas, palavras, frases ou até mesmo parágrafos
inteiros. Devido a isso, é de crucial importância que o sujeito sempre releia o que
escreveu para revisar o conteúdo escrito evitando e/ou diminuindo esse tipo de
manifestação. A dificuldade de aquisição e fixação das regras ortográficas é outra
característica frequente e devida à desatenção. Nesse caso, serão encontradas
falhas de acentuação, pontuação, de uso de maiúsculas e, sobretudo, de fixação
das imagens ortográficas das palavras.
Há, ainda, diversos estudos epidemiológicos e clínicos que correlacionam
a presença de problemas de coordenação motora no TDAH. “Os tipos de
problemas de coordenação motora reportados são significativos e interferem
na rotina de atividades diárias, tais como vestir ou tirar roupas e sapatos, jogos,

467
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

esportes, trabalhos escolares e não são atribuídos à idade cronológica, inteli-


gência ou outro transtorno neurológico ou psiquiátrico” (American Psychiatry
Association, 1994; Organização Mundial de Saúde, 1992, apud Tannock, 2000).
No que tange às dificuldades com trabalhos escolares, pode-se ressaltar a
Disgrafia por tratar-se de uma dificuldade de coordenação motora fina que
evidencia-se por planejamento motor inadequado para o traçado das letras
ocasionando um traçado ruim e letra feia, forte ou fraca pressão do lápis
no papel, alta incidência de repassamentos, desorganização espacial, dentre
outras características. “Tais aspectos podem tornar a escrita incompreensível
e desorganizada, além de poder originar dores nas mãos, braços e/ou ombros
provocando um desagrado ou até mesmo um evitamento do ato de escrever”
(Albuquerque, 2004). Observe, a seguir, um exemplo de escrita de uma criança
com TDAH que também apresenta disgrafia:

Figura 38.1 – Exemplo de escrita.

No exemplo da figura, observamos a dificuldade de coordenação do traçado


das letras e de organização espacial de uma criança portadora de TDAH com
disgrafia. Trata-se de um ditado que consta de cinco pseudopalavras (palavras

468
transtorno da leitura (dislexia) e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (tdah)

que não existem e não tem nenhum significado), cinco palavras reais, uma frase
e produção textual realizada pela criança de uma figura.

Transtorno da leitura (dislexia)

Dislexia do desenvolvimento refere-se a uma dificuldade de leitura inesperada


para a idade, inteligência e oportunidades educacionais, numa pessoa com integri-
dade auditiva e visual (Ellis, 1995; Shaywitz, 2003; Tannock, 2000). A Associação
Internacional de Dislexia apresenta uma definição mais completa desse transtorno:

“É um distúrbio específico da aprendizagem de origem neurobioló-


gica. É caracterizado pela dificuldade de reconhecimento acurado/
ou fluente de palavras e pobre habilidade em soletrar e decodificar.
Estas dificuldades tipicamente resultam de um déficit no componente
fonológico da linguagem que é frequentemente inesperado em relação a
outras habilidades cognitivas e provisão de instrução em classe efetiva.
Consequências secundárias podem incluir problemas na compreensão
da leitura e experiência reduzida de leitura que pode impedir o aumento
de vocabulário e conhecimento profundo.” (International Dyslexia
Association Comitê de agosto/2002)

Portanto, o transtorno da leitura é devido essencialmente a deficiências das


capacidades relacionadas com a linguagem, mais exatamente das capacidades
fonológicas e sua principal característica é a dificuldade de aprender a ler.
Contudo, o comprometimento pode variar de acordo com a idade e nível de
escolaridade, visto que o indivíduo vai desenvolvendo estratégias para lidar
com suas dificuldades.
De maneira geral, o disléxico apresenta dificuldade de lidar com os sons,
prejudicando sua relação som/significado (fonologia/semântica) e, consequente-
mente o armazenamento adequado das representações ortográficas das palavras.
Portanto, é necessária a integração das representações fonológicas, semânticas
e ortográficas para a leitura de uma palavra, conforme o esquema a seguir:

469
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

  Figura 38.2 – Integração necessária para a leitura de uma palavra.

De acordo com Shaywitz (2003), a representação cerebral da leitura é


diferenciada nos sujeitos disléxicos. Ela realizou estudos de imagem utilizando
a Ressonância Magnética Funcional 2 e verificou que os sujeitos disléxicos,
devido à dificuldade fonológica, não fazem a correlação som/significado, e,
consequentemente, não armazenam em seu lobo occipital, na área de forma de
palavras, a forma da palavra lida.Sem tal representação, cada vez que o sujeito
se depara com aquela palavra é como se ele a estivesse lendo pela primeira vez,
necessitando de decodificação fonológica e tornando o processo de leitura mais
lento, menos fluente.
Segundo as imagens apresentadas por Shaywitz (op. cit), a leitura ocorre
da seguinte maneira: ao vermos palavra impressa, a região occipital do cérebro
registra a imagem. Em seguida a região parieto-temporal, com o auxílio da
região frontal, analisa a palavra ligando as letras ao seu som. Rapidamente (em
menos de 150 milissegundos) todas as informações retornam à região occipital
onde as mesmas são armazenadas numa área chamada de área de forma de
palavra. Todas as informações são então acessadas e enviadas à região frontal,
que também ajuda na análise, e onde é produzida a leitura. Tudo isso ocorre no
hemisfério dominante da linguagem, o esquerdo.
No sujeito disléxico o processo de leitura não ocorre dessa maneira. Por
não ter o auxílio da região occipital com a área de forma de palavras, as palavras

2 Exame utilizado para a realização de imageamento da atividade do cérebro.

470
transtorno da leitura (dislexia) e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (tdah)

lidas são lentamente analisadas e produzidas pela região frontal. A região


correspondente no hemisfério direito é requerida para auxiliar nesse processo.
Tal processo resulta numa análise insuficiente, não armazenamento da forma
da palavra e maior custo de decodificação da palavra lida.
Importante ressaltar que, em seu livro, Shaywitz (2003) demonstra a
reabilitação da representação cerebral do sujeito disléxico com o treino de
habilidades fonológicas, observando que após algum tempo de intervenção, as
representações de leitura no cérebro do sujeito disléxico assemelham-se àquelas
do sujeito sem dislexia.
Observe a dificuldade de decodificação da leitura de uma criança disléxica:

Leitura e TDAH

A linguagem oral proporciona o contato e familiaridade com os sons —


fonemas — para que possamos transferi-los para a escrita e reconhecê-los na
leitura. A fala e a leitura, portanto, são compostas pelos mesmos elementos (os
fonemas). Nesse caso, como podemos justificar as dificuldades de leitura em
pessoas com adequada linguagem oral? Há uma grande diferença entre tais
habilidades: a fala é natural e a leitura não. A leitura é uma invenção do homem
que pode ser aprendida conscientemente e demanda esforço. Segundo Shaywitz
(2003) ao contrário da fala, a leitura ainda é relativamente rara no mundo.
Considerando que a fala é a base referencial para o desenvolvimento do
processo de leitura e escrita, a existência de dificuldades na fala se refletirá na
escrita e na leitura. Portanto, as mesmas dificuldades de seguir sequências e de
ritmo que as crianças com TDAH apresentam na fala e na escrita, conforme
sessão anterior, também estarão presentes na leitura. Poderá haver omissão
de sílabas, palavras, frases ou parágrafos inteiros sem que o leitor perceba,
comprometendo a manutenção semântica do texto lido, ou seja, a compreensão
do texto. A velocidade de leitura também pode estar reduzida devido a uma
maior latência para acessar itens do léxico mental.
A dificuldade de leitura relatada é muito característica do TDAH, contudo
não refere-se ao transtorno de leitura (dislexia). A dislexia pode coocorrer com o
TDAH, embora não seja obrigatória, visto que não há uma relação de causalidade

471
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

entre elas. A dislexia e o TDAH “apresentam disfunções diferenciadas, pois a


disfunção da dislexia origina-se de dificuldades de processamento fonológico,
enquanto que a disfunção do TDAH reporta-se a problemas de função executiva
que comprometem a aquisição das estratégias de leitura” (Lima e Albuquerque,
2003; Albuquerque, 2004). Contudo, há alguns estudos em andamento que
acreditam na existência de uma correlação maior entre tais transtornos,
fato que justificaria a altíssima taxa de comorbidade entre os transtornos de
linguagem e o TDAH e, mais especificamente, entre a dislexia e o TDAH.
Estudos epidemiológicos e clínicos sugerem uma comorbidade entre TDAH
e transtorno de leitura em torno de 15% a 30% dos casos (Tannock, 2000).
Shaywitz (2003) acredita que entre 12% e 24% dos sujeitos disléxicos também
tenham TDAH. Embora o TDAH e a dislexia sejam transtornos de natureza
tão distintas, às vezes eles são confundidos. Visto que a dislexia é decorrente
da dificuldade de lidar com os sons da língua e o TDAH reflete problemas de
modulação da atenção e do comportamento hiperativo e impulsivo, a pessoa
disléxica pode não prestar atenção em tarefas de leitura por necessitar de grande
esforço para decodificar e compreender palavras escritas, não havendo um
problema primário de desatenção. Isso realmente ocorre frequentemente sendo
uma grande demanda de pacientes no dia a dia da clínica.
Pesquisas mostram que problemas de aprendizado, incluindo dificuldades
de leitura, podem ser mais comumente associados a desatenção do que com
sintomas de hiperatividade/impulsividade. Tanto problemas de leitura quanto
baixo rendimento acadêmico são mais comuns em TDAH predominantemente
desatento e no subtipo combinado (desatenção + hiperatividade/impulsivi-
dade) do que no subtipo predominantemente hiperativo/impulsivo (Tannock,
2000). Estes resultados sugerem uma forte relação entre problemas de leitura
e desatenção.

Considerações finais

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) está forte-


mente relacionado com deficiências da e na linguagem. Há diversos estudos
demonstrando tais fatores, sobretudo os que dizem respeito à pragmática.

472
transtorno da leitura (dislexia) e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (tdah)

Contudo, observa-se uma taxa de comorbidade muito alta entre tais transtornos,
o que motiva a realização de estudos a fim de esclarecer essa correlação.
As dificuldades encontradas na linguagem oral do sujeito com TDAH
são referentes às disfunções executivas e se refletem na escrita e na leitura com
características muito semelhantes.
No que tange à ocorrência simultânea do TDAH e da dislexia, observamos
um funcionamento peculiar do cérebro desses sujeitos. É interessante como
transtornos tão diferentes possam ser confundidos por gerar comportamentos
semelhantes em alguns aspectos. Devido a isso, é de extrema importância o
conhecimento das características de cada um. Por sua vez, a coocorrência de
ambos é frequente, sendo necessário um diagnóstico mais precocemente possível
para que possa haver uma intervenção igualmente precoce a fim de proporcionar
a aquisição e desenvolvimento da linguagem escrita de maneira mais próxima
possível daquelas sem os transtornos.
Vale lembrar que na dislexia a habilidade prejudicada é a consciência
fonológica, que é essencial para a aquisição e o desenvolvimento da leitura e
da escrita, sobretudo para a análise e o armazenamento cerebral adequado
das palavras lidas. Portanto, é extremamente importante a diferenciação
de dificuldades e transtornos de linguagem, ou seja, de deficiências na e da
linguagem, e o fonoaudiólogo é o profissional mais habilitado para a realização
de tal diagnóstico.

Referências bibliográficas

Albuquerque, G. Avaliação de Linguagem no Transtorno do Déficit de Atenção e


Hiperatividade. In: Ribeiro do Valle, L. H. (Org.). Temas Multidisciplinares de
Neuropsicologia e Aprendizagem. São Paulo: Robe Editorial, p. 223-233, 2004.
American Psychiatric Association. DSM-IV — Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
Ellis, A. Leitura, escrita e dislexia. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1995.
Lima, C. C. & Albuquerque, G. Avaliação de Linguagem e Co-morbidades com
Transtornos de Linguagem. In Rohde, L. A., P. Mattos et al. Princípios e

473
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

práticas em transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Porto Alegre:


Artmed, p. 117-142, 2003.
Shaywitz, S. Overcoming Dyslexia: A new and complete science-based program
for reading problems at any level. New York: Knopf, 2003.
Tannock, R. Language, reading and motor control problems in ADHD. In
Greenhill, L. L. (ed.) Learning disabilities: Implications for psychiatric
treatment. Review of Psychiatry 19, Washington: American Psychiatric
Press, p. 129-167, 2000.

474
39
Funções executivas e
resolução de problemas
aritméticos
Leila Vasconcelos

Como uma grande corporação, uma grande orquestra ou um grande exército,


o cérebro consiste em componentes distintos que desempenham diferentes
funções. E assim como estas inúmeras organizações humanas, o cérebro tem
seus diretores executivos, seu regente, seu general: os lobos frontais.
Elkhonon Goldberg

As discussões em torno do processo ensino-aprendizagem da matemática


remontam a longa data; são antigas e provocam, invariavelmente, reações diver-
sificadas, todas elas, entretanto, permeadas de preocupações e questionamentos
por parte tanto dos professores, quanto dos pesquisadores e educadores mate-
máticos. Todos reconhecem a relevância desta área de conhecimento, que pode
ser vista como facilitadora para a aprendizagem em outras áreas ou domínios
e para a resolução dos mais diversos problemas, contextos ou situações da vida
social e profissional. Esta crença se mostra tão pertinente que na apresentação

475
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

dos Parâmetros Curriculares Nacionais — da área de matemática, os autores


da Secretaria de Ensino Fundamental argumentam que “a constatação de
sua importância apoia-se no fato de que a matemática desempenha um papel
decisivo, pois permite resolver problemas da vida cotidiana, tem muitas apli-
cações no mundo do trabalho e funciona como instrumento essencial para a
construção de conhecimentos em outras áreas curriculares. Do mesmo modo,
interfere fortemente na formação de capacidades intelectuais, na estruturação
do pensamento e na agilização do raciocínio dedutivo do aluno”.
Apesar do reconhecimento sobre a importância da construção do conheci-
mento relativo à área da matemática e do investimento governamental na busca
de melhores resultados nesta área de ensino, as diversas pesquisas e resultados
escolares revelam uma grave situação em relação tanto ao desempenho dos
estudantes, quanto ao tipo de abordagem utilizado no nosso sistema de ensino
com relação à atuação e alcance do ensino formal escolar.
Uma pesquisa realizada pelo Sistema Nacional de Avaliação Escolar de
Educação Básica, em 1995 (na realidade, uma avaliação) com estudantes das
4a e 8a séries do ensino fundamental evidenciou que, além de existir um baixo
desempenho global em Matemática, as maiores dificuldades são encontradas
em questões relacionadas à aplicação de conceitos e à resolução de problemas.
Como se estes fatores já não comprometessem suficientemente, foram iden-
tificadas evidências de que a matemática ou o ‘saber matemático’ funciona como
um “filtro” que seleciona alunos que concluem, ou não, o ensino fundamental
e eleva as taxas de retenção nas séries escolares.
Um outro estudo, realizado pelo Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica (SAEB), mostrou que dois terços dos estudantes brasileiros
concluem o ensino médio com ‘nível crítico’ de raciocínio matemático,
ou seja, a maioria dos jovens que chega ao mercado de trabalho não tem
condições de resolver cálculos e equações básicas. Este problema se mostra
ainda mais grave, com expressivos desdobramentos. No ano de 2000, o
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) mediu o desem-
penho de crianças de quarenta e um países diferentes. O teste mostrava
quais delas estavam absorvendo e aplicando, de maneira mais adequada,
os conteúdos de matemática e ciências. Para preocupação nossa, o Brasil
ficou em penúltimo lugar.

476
dislexia : intervenção psicopedagógica com o pei

Algumas questões relevantes que interferem e/ou permeiam o processo


ensino-aprendizagem da matemática, levando as crianças a apresentarem
tantas dificuldades devem ser identificadas e discutidas, tais como, os
objetivos, os conteúdos, as estratégias de ensino, o sistema de avaliação, os
livros escolares, a filosofia educacional, o relacionamento professor-aluno e,
muito especialmente, o que se pode denominar por competência matemá-
tica. Todavia, o nosso estudo não poderia contemplar todas estas questões;
optamos, portanto, em abordar e investigar as relações existentes entre a
“competência matemática’”e as “funções executivas”.
No ensino da matemática, destacam-se dois aspectos básicos (PCN, 1997):
um consiste em relacionar observações do mundo real com representações
(esquemas, tabelas, figuras), o outro consiste em relacionar essas representações
com princípios e conceitos matemáticos. A aprendizagem da matemática está
ligada, portanto, à compreensão, isto é, à apreensão do significado; apreender
o significado de um objeto ou acontecimento pressupõe vê-lo em suas relações
com outros objetos e acontecimentos. O estabelecimento de relações é tão
importante quanto a exploração dos conteúdos matemáticos.
A ideia de que não existe um só caminho ou uma só abordagem no ensino
de qualquer disciplina é consensual, assim como, para o ensino da matemática,
a ideia de que o recurso à “resolução de problemas” é uma estratégia que tem se
mostrado bastante promissora.
“O ponto de partida da atividade matemática não é a definição, mas o
problema. No processo ensino e aprendizagem, conceitos, ideias e métodos mate-
máticos devem ser abordados mediante a exploração de problemas, ou seja, de
situações em que os alunos precisem desenvolver algum tipo de estratégia para
resolvê-las.” (PCN – Matemática).

O recurso à resolução de problemas é visto não como uma atividade a ser


desenvolvida em paralelo ou como aplicação da aprendizagem, mas como
uma orientação para a aprendizagem, pois proporciona o contexto em
que se pode aprender conceitos, procedimentos e atitudes matemáticas.

477
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Psicologia da educação matemática

Segundo Da Rocha Falcão (2003), “a psicologia da educação matemática


é um domínio recente de pesquisa, reflexão teórica e aplicação prática, tendo
como foco de análise a atividade matemática e buscando oferecer subsídios
especificamente psicológicos para o debate interdisciplinar referente ao campo
mais amplo da educação matemática”.
Os diversos centros de pesquisa e estudos em educação matemática brasi-
leiros, além de programas de pós-graduação das diversas universidades, têm
contribuído, significativamente, para a identificação dos fatores intervenientes
no ensino de matemática e muito se têm descoberto em termos de conhecimento
matemático, do tipo de raciocínio envolvido nas diversas tarefas, das estratégias
utilizadas pelos estudantes, das funções cognitivas subjacentes, do respaldo
emocional propício, entre outros.
Existe uma convergência de opiniões em relação à aprendizagem da
matemática, vista, atualmente, como uma construção da criança e não como
resultado de um simples processo de transmissão. Em lugar da memorização e da
utilização mecânica de algoritmos, visa-se com as atividades de ensino, promover
a compreensão de princípios e relações matemáticas por parte da criança.
Além destas orientações fornecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais – PCN, existem, atualmente, diversas contribuições dadas pela “psicologia
da educação matemática”. Entre as diversas contribuições, podemos destacar,
com base na relevância para o nosso trabalho, aquela que diz respeito a um
trabalho diferenciado com relação ao ‘cálculo aritmético’. O cálculo não é mais a
parte prioritariamente enfatizada em si mesma; o que ocorre é um afastamento
da ênfase do cálculo para, posteriormente, voltar a ele de uma maneira mais
adequada, sob a forma de ‘cálculo relacional’.
Segundo Vergnaud (1991), o cálculo relacional está no “centro” do funciona-
mento da inteligência e do conhecimento e é próprio da atividade matemática.
Esta noção permite uma ‘análise matemática’ de muitos outros campos, além
do numérico, e distinguir, no interior do campo numérico, uma variedade de
operações da matemática elementar.

478
dislexia : intervenção psicopedagógica com o pei

A noção de relação e de cálculo relacional é uma noção básica e geral. O


conhecimento consiste, em grande parte, na condição de estabelecer relações
e em organizá-las em sistemas. Podemos pensar diversos tipos de relações,
como entre objetos no espaço, entre quantidades físicas, entre fenômenos,
entre estados etc.
As relações, às vezes, são simples comprovações que se pode fazer sobre a
realidade. Existem, entretanto, relações que não são diretamente observáveis
e sobre as quais se deve inferir, deduzir ou aceitar. Porém, as relações esta-
belecidas não seriam muito favoráveis se fossem restritas apenas às situações
verificáveis. E a inteligência, por sua vez, seria bastante limitada se pudesse,
apenas, atuar em verificações. O trabalho da inteligência, ainda citando
Vergnaud, conduz a deduções, inferências e construções. Em matemática,
uma forma extremamente relevante de dedução consiste em deduzir novas
relações a partir de relações verificadas ou aceitas. A esta identificação
das relações existentes, às deduções e inferências possíveis e construções
necessárias que o indivíduo é capaz de realizar diante de uma tarefa mate-
mática, se dá o nome de cálculo relacional, ou seja, o cálculo, a identificação
da operação aritmética ou algoritmo necessário, se dá através das relações
estabelecidas entre os dados fornecidos pela situação-problema. O cálculo
relacional está, portanto, fundamentado não somente nas relações e nas suas
propriedades (simetria, transitividade etc.), mas, também, nos laços existentes
entre as diversas relações, isto é, nas relações entre relações.
Uma das mais expressivas situações da aprendizagem da matemática, em
que se pode observar o “fenômeno’’do cálculo relacional, diz respeito à resolução
de problemas, isto é, o processo de resolução de uma situação-problema só é
possível através do estabelecimento das relações entre os diversos dados do
problema ou, mais precisamente, das relações entre relações.
Podemos verificar, de algumas das exposições anteriores, que tanto o PCN
quanto as orientações da psicologia da educação matemática reconhecem o
recurso à “resolução de problemas aritméticos” como um meio quer de ensino
ou uma estratégia de ensino eficiente, quer como uma ferramenta de verificação
da compreensão e domínio de diversos conceitos, conteúdos e algoritmos arit-
méticos. Dito de outra maneira, através da resolução de problemas aritméticos
podemos avaliar os dois aspectos básicos do ensino da matemática: relacionar

479
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

observações do mundo real com representações e relacionar essas representações


com princípios e conceitos matemáticos.
Esclarecida a relevância da escolha em trabalhar com a resolução de problemas
aritméticos, podemos abordar uma das grandes crenças que permeiam o processo
ensino-aprendizagem da matemática: só pessoas inteligentes aprendem matemá-
tica. Não podemos nos deter na discussão sobre a inteligência e suas inter-relações
com o desenvolvimento cognitivo ou com as demais funções cognitivas. Um
nível de inteligência satisfatório amplia as diversas possibilidades do ser humano,
inclusive a competência matemática. Mas, não é o bastante em termos de funções
cognitivas facilitadoras. Se pensarmos, paralelamente, nos “aspectos básicos
destacados pelo PCN”, na importância do “calculo relacional”, na condição de
“estabelecer relações sobre relações” e na “competência em resolver problemas”,
devemos identificar uma outra função cognitiva imprescindível, aquela que
condensa importantes variáveis cognitivas – as funções executivas.

Funções executivas

“Os lobos frontais desempenham as funções mais avançadas e complexas


de todo o cérebro, as assim chamadas funções executivas. Eles estão
vinculados à intencionalidade, propósito e tomada de decisões complexas.
Elas alcançam desenvolvimento significativo apenas em humanos;
pode-se dizer que eles nos tornam humanos. Toda a evolução humana
foi denominada ‘a era dos lobos frontais’. Meu professor Alexander Luria
chamava os lobos frontais ‘o órgão da civilização”. (Elkhonon Goldberg)

As funções executivas se referem a um conjunto de habilidades cognitivas


que permitem a antecipação e o estabelecimento de metas, o desenho de planos
e programas, o início das atividades e das operações mentais, a autorregulação e a
monitoração das tarefas, a seleção precisa dos comportamentos e das condutas,
a flexibilidade no trabalho cognitivo e sua organização no tempo e no espaço
(Harris, 1995; Pineda, 1996; Cadavid e Mancheno, 1996a; Pineda Ardila,
Rosselli, Cadavid, Mancheno e Mejía, no prelo; Reader, Harris, Scherholtz e
Denckla, 1994; Stuss e Benson, 1986; Weyandt e Willis, 1994).

480
dislexia : intervenção psicopedagógica com o pei

De acordo com Goldberg (2002), de todas as estruturas do cérebro, apenas


o córtex pré-frontal está implicado em uma rede tão rica de caminhos neurais.
Segundo seus estudos, o córtex pré-frontal está conectado a cada unidade
funcional distinta do cérebro, como o córtex de associação posterior; córtex
pré-motor; gânglios basais; cerebelo; núcleo talâmico dorsomedial; hipocampo
e estruturas relacionadas; córtex cingulado; amídalas; hipotálamo; núcleos do
tronco cerebral. Por conta dessas várias conexões, torna-se óbvio a sua partici-
pação no desenvolvimento e funcionamento das diversas funções cognitivas.
O período de maior desenvolvimento das funções executivas ocorre entre os
seis e os oito anos de idade. Neste período, as crianças adquirem a capacidade de
autorregular seus comportamentos e condutas, podem fixar metas e antecipar-se
aos acontecimentos, sem depender, exclusivamente, das instruções externas, apesar
de apresentar, ainda, um certo grau de descontrole e impulsividade. Esta capaci-
dade cognitiva está claramente ligada ao desenvolvimento da função reguladora da
linguagem (linguagem interior) e a aparição do nível das operações lógicas formais
e a maturação das áreas pré-frontais do cérebro, a qual ocorre, tardiamente, no
processo de desenvolvimento infantil. Os processos de amadurecimento compre-
endem uma multiplicidade de elementos tais como a mielinização, o crescimento
dendrítico, o crescimento celular, o estabelecimento de novas rotas sinápticas e a
ativação de sistemas neuroquímicos (Golden, 1981; Luria, 1966, 1984; Vygotzky,
1934; Passler et al., 1985). As crianças de 12 anos, geralmente, já possuem uma
organização cognitiva muito próxima daquela observada nos adultos; apesar disto,
o desenvolvimento completo da função se alcança por volta dos 16 anos (Chelune
e Baer, 1986; Chelune, Fergunson, Koon e Dickey, 1986; Levin et al, 1981; Obruzt
e Hynd, 1986; Passler et al, 1985, Welsh, Pennington e Grisser, 1991).
Analisando-se, paralelamente, o desenvolvimento do lobo pré-frontal,
segundo suas etapas e faixa etária correspondente e o desempenho escolar, de
um modo geral, podemos suspeitar que exista alguma correlação. O êxito na vida
escolar tem a ver com o desempenho frente às diversas solicitações e avaliações
acadêmicas. Poderíamos, como neuropsicólogos, investigar e correlacionar o
nível de exigência em relação a diversas disciplinas e conteúdos escolares com
o nível de desenvolvimento das funções executivas. Ou, mais precisamente, a
correlação existente entre o funcionamento das funções executivas e o processo
de resolução de problemas aritméticos.

481
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Existem várias provas, segundo a neuropsicologia, utilizadas para a


avaliação das “funções executivas” ou dos seus diversos componentes, entre
elas, destacam-se: Teste de Classificação de Cartões de Winsconsin; Prova de
Fluidez de Desenhos; Fluência Verbal; A Torre de Hanói ou A Torre de Londres;
Teste de Stroop; Trail Making (forma A e B).

A resolução de problemas

“A resolução dos problemas de adição e subtração por parte das crianças


das primeiras séries da escola primária, continua a ser fonte inesgotável
de controvérsias e pesquisas. Por mais que se conheça e se domine a
literatura correspondente a essa área, é bastante instigante observar
como as crianças resolvem os problemas e a incrível dificuldade que elas
enfrentam na identificação da operação aritmética necessária à resolução
dos referidos problemas” (Vasconcelos, 1989).

Essas dificuldades mencionadas surgem na primeira série, arrastam-se


pelas séries seguintes e são intensificadas na medida em que a escola dá ênfase
excessiva ao cálculo numérico necessário à resolução dos problemas, o qual
constitui a formalização final da situação-problema. Na resolução de um
problema, enfatizamos a operação aritmética constitui a formalização final
da situação-problema. Mas, para que a criança chegue a este passo, é preciso
ter caminhado antes. Existe todo um raciocínio anterior, toda uma gama de
aspectos lógico-matemáticos implícitos nesta formalização final, necessários
à resolução, e que não são trabalhados, não são, suficientemente, explicitados
pela prática escolar.
Uma análise minuciosa acerca dos procedimentos das crianças, durante a
resolução dos problemas aritméticos (Polya, 1973; Vasconcelos, 1989), permite
reconhecer que o bom desempenho das crianças se deve ao trabalho de “explo-
ração do enunciado”: é preciso compreender o problema para poder resolvê-lo.
E para compreendê-lo é imprescindível: identificar o elemento desconhecido
e a situação envolvida; os dados do problema; o relacionamento entre estes

482
dislexia : intervenção psicopedagógica com o pei

dados; a dedução da operação aritmética necessária à resolução; a verificação da


relação entre os dados do problema e o resultado encontrado. Como podemos
verificar, não basta o domínio dos algoritmos aritméticos, se faz necessário
alguns procedimentos sequenciais e simultâneos: compreensão do enunciado;
planejamento da ação; organização e ordenamento dos procedimentos; levanta-
mento de hipótese; utilização de estratégia; monitoramento da ação; manutenção
da atenção e da atitude cognitiva; verificação dos resultados obtidos.

Relações entre funções executivas e resolução de problemas


aritméticos

Numa tarefa de aprendizagem, na resposta à demanda da vida cotidiana


ou, mais especificamente, da vida acadêmica, algumas das funções cognitivas
são requisitadas e funcionam de maneira diferente que na situação de exame
neuropsicológico.
Numa situação acadêmica, como a resolução de problemas aditivos (adição
e subtração), por exemplo, a pessoa tem que identificar e/ou escolher que
“coisas” devem constituir o foco da atenção, aquelas que devem ser lembradas
ou evocadas, que informações devem ser relacionadas, manipuladas e como
devem ser trabalhadas a ponto de ser possível o alcance da solução.
Nas diversas situações de exame, o neuropsicólogo faz isso pelo cliente: as
instruções da testagem fornecem as informações sobre o que atentar, sobre o
que deve ser evocado e como deve se dar a busca de conclusão da tarefa.
Uma tarefa de resolução de um problema, por sua vez, permite observar o
funcionamento cognitivo de uma maneira ampla e, ao mesmo tempo, específica
e relacionada de forma diretamente proporcional aos fatos e episódios da vida
cotidiana. Permite investigar paralelamente: raciocínio, percepção, representação
mental, memória, atenção, linguagem e funções executivas. Acreditamos ser
possível afirmar que a resolução de um problema, pertencente às estruturas
aditivas ou multiplicativas, pode ser considerada como uma expressão da
eficiência das “funções executivas”, como uma observação do funcionamento
do córtex pré-frontal.

483
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

No quadro a seguir, é possível acompanhar as diversas etapas, primeira-


mente das funções executivas, depois do processo de resolução de problemas
aritméticos. Acompanhando as duas rotas, verificamos que existe um nível
muito próximo em termos de exigências de ordem cognitiva; sendo pontos-
-chave: o levantamento de hipótese, uso de estratégia, monitoramento da própria
atuação e verificação.

Funções executivas Resolução de problemas


(Elkhonon Goldberg) (Leila Vasconcelos)
Compreensão do enunciado do
O comportamento deve ser iniciado. problema/identificação de uma situação
a resolver.
O objetivo deve ser identificado, a meta Identificação do elemento
da ação formulada. desconhecido/a meta a ser alcançada.
Um plano de ação deve ser forjado de Identificação da relação entre os dados
acordo com a meta. do problema e da estratégia adequada.
Os meios pelos quais o plano pode ser
Da estratégia selecionada, realizar os
realizado devem ser selecionados numa
procedimentos necessários.
sequência temporal apropriada.
Os vários passos do plano devem ser
Ordenar os procedimentos com base
executados numa ordem apropriada
nas relações estabelecidas entre os dados
com uma transição homogênea passo a
do problema.
passo.
Uma comparação deve ser feita entre
o objetivo e o resultado da ação: o Verificação do acerto com base na
resultado corresponde ao objetivo? Se relação entre os dados, a hipótese
não corresponde, então em que etapa e levantada e o resultado obtido.
em que aspecto da tarefa?
Caso não haja correspondência entre
Uma nova hipótese de trabalho deve ser
a relação estabelecida e o resultado,
elaborada e colocada à verificação
elaboração de nova hipótese.

Este estudo não tem a pretensão de ser conclusivo, mas almeja tanto traçar
uma nova forma de avaliar as “funções executivas” numa dimensão “ecológica”,
pertinente a uma atividade da vida cotidiana, bem como enfatizar a utilização
do recurso da resolução de problemas como um meio eficaz no ensino da
matemática, visto que favorece o próprio desenvolvimento das funções cogni-
tivas. Obviamente, teremos que avaliar, paralelamente, o domínio aritmético

484
dislexia : intervenção psicopedagógica com o pei

para que possamos obter dados confiáveis. Se reconhecemos que ambientes ricos
em estimulação e situações propícias favorecem o desenvolvimento cognitivo
e o próprio desenvolvimento cerebral, teremos que reconhecer também que
estratégias utilizadas adequadamente podem desencadear, favorecer, direcionar
e ampliar a condição de aprendizagem do ser humano.

Referências bibliográficas

Falcão, J. T. R. (Ed.) Psicologia da Educação Matemática: uma introdução. Belo


Horizonte, MG: Autêntica, 2003.
Goldberg, E. (Ed.) O Cérebro Executivo: Lobos Frontais e a mente Civilizada.
Rio de Janeiro, RJ: Imago, 2002.
Maturana, H. R. & Varela, F. J. (Eds.) A Árvore do Conhecimento: as bases
biológicas da compreensão humana. São Paulo, SP: Palas Athena, 2001.
Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais.
Brasília, DF: MEC/SEF, 1997.
Vasconcelos, L. (Ed.) A Resolução dos Problemas de Adição e Subtração na Escola
de 1o Grau. Dissertação de Mestrado. Recife, PE: Universidade Federal
de Pernambuco, 1990.
Vergnaud, G. (Ed.) El Niño, Las Matemáticas y la Realidad. (1th ed.) México, D.
F.: Trillas, 1991.

485
40
Cooperar para incluir –
os jogos cooperativos como
uma prática inclusiva
Giovanna Tereza Abreu de Oliveira

Eliminação da diferença ou do preconceito?

O processo de inclusão escolar tem propiciado reflexões acerca do seu


significado e das possibilidades de atuação neste sentido. A proposta da chamada
educação inclusiva é proporcionar, além de uma oportunidade de escolarização
às crianças com problemas de desenvolvimento, uma abertura da escola e da
sociedade à diversidade, às diferenças entre os indivíduos. Desta forma pretende-
-se garantir a inserção de todo cidadão no convívio social.
Quando falamos em abertura à diversidade, precisamos em primeiro
lugar reconhecer que as diferenças individuais existem. Querer negá-las, na
tentativa de facilitar o processo de inclusão social mostra a dificuldade em
lidar com o sentimento que a diferença provoca. É muitas vezes angustiante
depararmo-nos com o indivíduo diferente. A piedade, juntamente com a
vontade de que a pessoa fosse acolhida, nos leva a acreditar que o melhor é
inserir o aluno portador de necessidades especiais, por exemplo, na escola
regular. Mas será que inserir, misturar é realmente incluir? Será que essa
criança terá a oportunidade de desenvolver suas capacidades ao mesmo
tempo que os outros alunos aprendem a lidar com a sua presença vencendo
o preconceito? Como possibilitar a vivência de uma real aceitação e não
anulação das diferenças?

487
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Refletindo sobre o significado da inclusão social e da maneira como a escola


vem agindo nesta direção, pude verificar a amplitude desta temática.

“(...) a integração significa a inserção da pessoa deficiente preparada


para conviver na sociedade, já a inclusão significa a modificação da
sociedade como pré-requisito para a pessoa com necessidades especiais
buscar seu desenvolvimento e exercer sua cidadania. Então, é preciso
preparar a escola para incluir o aluno especial, e não o contrário.”
(Jover, 1999)

Assim, percebemos a necessidade de reestruturação da sociedade para


entender a diferença como natural entre todos os indivíduos. É preciso sair da
ilusão de que tentando igualar o que é diferente eliminaremos o preconceito.
Acredito que constatar a diferença e promover maneiras de encará-la “frente a
frente” não é excluir.

Estruturas das tarefas de aprendizagem

As atividades de ensino-aprendizagem podem ser estruturadas de três


formas diferentes:
Individualista. Cada aluno deve preocupar-se com seu trabalho e
em alcançar os objetivos de cada tarefa, independentemente, do que seus
colegas fazem e de que estes alcancem ou não estes objetivos.
Competitiva. As atividades organizam-se de forma que os alunos
percebam que, somente, podem alcançar a meta proposta se e somente
se, os outros não conseguirem alcançar as suas. Neste caso, ocorre uma
interação competitiva entre os alunos.
Cooperativa. Os alunos estão estreitamente veiculados, de forma
que cada um deles possa atingir seus objetivos, se, e somente se, os outros
atingirem os seus. Os resultados que cada membro do grupo almeja
são, portanto, benéficos para o restante dos alunos com os quais está
interagindo de forma cooperativa.” (Johnson, 1980)

488
cooperar para incluir – os jogos cooperativos como uma prática inclusiva

A conduta dos alunos motivou pesquisadores e educadores a explorarem


os efeitos positivos de uma estrutura cooperativa das tarefas de aprendizagem.
Apesar de não estar explícita a estrutura competitiva na proposta educacional,
é a mais frequente na prática.

“Este tipo de estrutura tem gerado um bom número de alunos com


atrasos de aprendizagem...” (Coll, 1995)

“ (...) A investigação na área da educação evidenciou que as situações


de aprendizagem baseadas no grupo cooperativo são as que mais favo-
recem tanto a aquisição de competências e habilidades sociais como o
rendimento escolar dos alunos. Este aspecto adquire especial relevância
face aos alunos com necessidades educacionais especiais, que ficariam
desintegrados em estruturas de aprendizagem do tipo competitivo.”
(Coll, 1995)

Competitivos ou cooperativos – como estamos?

Com o propósito de compreender a natureza humana como sendo compe-


titiva ou cooperativa, pesquisadores relatam que o que determina se uma dada
sociedade irá competir ou cooperar é a estrutura sociocultural. Em algumas
culturas a competição é um valor dominante e outras utilizam a cooperação.
Portanto, não são vistos como fenômenos intrinsicamente naturais.
Fazendo referência à teoria darwiniana da seleção natural das espécies,
“Dizer que quanto melhor um indivíduo se adapta ao meio ambiente
em transformação, maiores são as suas chances de sobreviver e se
reproduzir, não implica, necessariamente, que o melhor modo de
adaptação seja a competição.” (Brotto, 1997)
“Charles Darwin afirmou, claramente que, para a raça humana o valor
mais alto de sobrevivência está na inteligência, no senso moral e na
cooperação social “. (Orlick, 1989)

489
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Se compreendemos a competição em nossa sociedade como o sistema


cultural dominante e não como uma ordem natural fica mais próxima a possi-
bilidade de mudança. Este caminho foi percorrido por alguns educadores que
começaram a pesquisar e a criar jogos para estimular a cooperação no lugar da
competição. A seguir citarei algumas ações neste campo.

Um breve histórico

Jim e Ruth Deacove em 1972, no Canadá, começaram a transformar e a


criar Jogos Cooperativos. Hoje são comercializados mais de 50 jogos coopera-
tivos de tabuleiro em várias partes do mundo.
Terry Orlick, também no Canadá, publicou em 1978 o livro Vencendo a
Competição, obra reconhecida mundialmente como uma das principais fontes
de compreensão dos jogos cooperativos.
Guilhermo Brown, educador popular venezuelano, iniciou em 1983 uma
reestruturação e criação de jogos com ênfase na cooperação, escrevendo o
primeiro livro sobre jogos cooperativos na América Latina.
Em 1980, é fundada “A Escola das Nações” em Brasília, tendo como filosofia
a Educação para a Paz e como um de seus principais pressupostos pedagógicos
os jogos cooperativos e a aprendizagem cooperativa.
Em 1992, é criado o Projeto Cooperação em Santos, São Paulo. É uma
organização dedicada à difusão dos jogos cooperativos através de palestras,
eventos, publicações.
Em 1995, Fábio Brotto, mestre em Ciências do Esporte pela UNICAMP,
coordenador do Projeto Cooperação, publica o primeiro livro de autoria
nacional: “Jogos Cooperativos: Se o importante é competir, o fundamental
é cooperar!”
Muitos trabalhos e estudos vêm sendo realizados no mundo todo. No Brasil
há o curso de Pós-Graduação em Jogos Cooperativos em Santos, São Paulo,
além da publicação bimensal da Revista Jogos Cooperativos.

490
cooperar para incluir – os jogos cooperativos como uma prática inclusiva

Compreendendo a pedagogia da cooperação

A pedagogia da cooperação é uma pedagogia para “aprender a cooperar


cooperando”, entendendo que professor e aluno compartilham continuamente
experiências de aprendizagens. Tem como instrumento a aprendizagem coope-
rativa, o jogo cooperativo e a dança circular. A tentativa é de transformar a
cooperação em um princípio dentro e fora da sala de aula.
A pedagogia da cooperação propõe:
“uma lógica dialógica, que busca uma sinergia entre (...) tudo e todos
que se acham isolados, separados ou em oposição uns aos outros.”
(Brotto, 2001)

É uma proposta inclusiva na medida em que tem a intenção de levar a


sociedade a modificar sua visão e ação direcionada à convivência social.
A cooperação entre os indivíduos naturalmente diferentes é o foco para se chegar
a uma transformação pessoal e da própria realidade construída a partir da
inter-relação constante.
Na tentativa de promover relações onde cada indivíduo seja reconhecido
como único e possa participar à sua maneira do encontro com o outro,
propus-me analisar o jogo cooperativo como uma via para se trabalhar a
inclusão social.

Por que os jogos cooperativos possibilitam a inclusão social

“Não há (...) diálogo, se não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu


poder de fazer e de refazer. De criar e de recriar. Fé na sua vocação
de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direitos dos
homens.(...) Não existe, tampouco, diálogo sem esperança. A esperança
está na própria essência da imperfeição dos homens, levando-os a uma
eterna busca. Uma tal busca, como já vimos, não se faz no isolamento,
mas na comunicação entre os homens.” (Freire, 1980)

491
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Paulo Freire nos mostra a necessidade de nos perguntarmos se estamos,


enquanto educadores, possibilitando oportunidades de participação e diálogo ou
se reproduzimos a dinâmica da competição e dominação no ambiente escolar.
O jogo cooperativo oferece justamente a vivência da confiança mútua, saindo
do isolamento e incorporando a prazerosa atitude de COMUNICAR, ou seja,
de tornar comum, estabelecer relações e unir.
A crença nas pessoas e nas suas possibilidades relatada na citação é a base
para que o jogar seja cooperativo. É importante o reconhecimento de capa-
cidades e dificuldades considerando-as como elementos necessários ao jogo
e à convivência. Por isso, no jogo cooperativo ninguém é excluído. Todos os
participantes tentam, através de regras definidas, superar desafios e não uns
aos outros. Há o esforço de todos para se atingir um objetivo comum. O foco
é no processo e não no resultado.
Esta vivência proporcionada pelos jogos traz inúmeros benefícios ao educando:
▶▶ Eliminação da pressão e tensão que a competição produz;
▶▶ desenvolvimento da autoconfiança e da confiança no outro;
▶▶ desenvolvimento da empatia;
▶▶ permissão para que o sucesso seja compartilhado;
▶▶ melhoria da comunicação e resolução de problemas;
▶▶ desenvolvimento da criatividade para superar limites;
▶▶ eliminação do medo e do sentimento de fracasso;
▶▶ eliminação da agressão física;
▶▶ estabelecimento de relações entre a atuação no jogo e no cotidiano;
▶▶ aumento do comprometimento com o “fazer coletivo”;
▶▶ estimulação da aceitação mútua e perseveração face à dificuldade;
▶▶ são divertidos para todos que participam.

“(...) quando estamos desenvolvendo uma atividade desta natureza,


estamos estimulando as ações sociais, pois decidir em conjunto signi-
fica aprender a ceder sem se sentir perdedor, a buscar uma unidade na
adversidade, a aproximar-se dos outros sem preconceitos ou reservas,
a compartilhar seus modos de agir, pensar e atuar, a administrar
conflitos pessoais e de grupo, a ouvir e respeitar o outro; as ações
produtivas, onde aprendemos a trabalhar em equipe, a desenvolver

492
cooperar para incluir – os jogos cooperativos como uma prática inclusiva

comportamentos sociais, a gerir e resolver conflitos, a estimular o


espírito de iniciativa, a trabalhar a flexibilidade e a criatividade; as ações
emocionais, aprendendo a entender e conhecer o mundo que o rodeia, a
relacionar-se com o outro de modo responsável e justo, a lidar de forma
construtiva com suas potencialidades e limites, a elaborar pensamentos
autônomos e críticos, a lidar com os sentimentos seus e respeitar o dos
outros, a respeitar a vida, a viver a própria intimidade e respeitar a dos
outros; as ações do conhecimento, aprendendo a entender e operar o
seu entorno social, a desenvolver habilidades para a vida cotidiana,
a receber criticamente as propostas, a avaliar e decidir sobre regras
e regulamentos adequando-os às suas necessidades, considerando o
grupo.” (Bittar, 2002)

“Como assinalam David e Roger Johnson, aquelas pessoas que se


sentem aceitas pelos outros também se sentem seguras para explorar,
com mais liberdade, os problemas que surgem. Assumem riscos,
examinam as possibilidades e podem aprender dos erros ao invés de
tolerar uma situação na qual é preciso esconder os erros para evitar a
zombaria.” (Brown, 1994)

Uma prática de jogos cooperativos

Da minha experiência com os jogos cooperativos desde 2000 venho


percebendo o quanto ela é significativa! Primeiro para mim, participando de
vivências com outros profissionais de várias áreas, buscando novas técnicas para
inserir em nossas práticas. Encontrei nesta busca muito mais do que técnicas,
mas uma descoberta pessoal das minhas capacidades para interagir e cooperar
comigo mesma, com o ambiente e com as pessoas.
Comecei a trabalhar com os jogos cooperativos em oficinas para profes-
sores, treinamento empresarial, grupos de adolescentes e terceira idade. Cada
grupo com sua especificidade. Porém, todos tendo em comum a necessidade,
muitas vezes desconhecida, de encontrarem a si próprios e aos outros. É
comum enfrentarmos resistências iniciais, como a crença de que não darão

493
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

conta da tarefa proposta ou de que parece “infantil” (aos adultos) e ainda de


que é estranho não ter vencedor e perdedor. A tendência em iniciar o jogo com
padrões competitivos já internalizados acontece, mas desaparece no decorrer
da atividade. O papel do facilitador é primordial neste momento.
O que mais me encanta é perceber como o indivíduo descobre seu potencial
e lida com a própria limitação e a do outro de maneira construtiva.
O espaço para comparações não existe e abre-se um instigante caminho para a
autossuperação. Quando o objetivo é alcançado há uma vibração que emociona!
Todos comemoram o sucesso alcançado num clima de agradecimento mútuo.
Faço parte da equipe interdisciplinar do programa Ipsemg — Família do
Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais, na cidade
de Varginha, que tem o objetivo de prevenção e promoção de saúde. Há um ano
realizamos encontros com os aposentados da Secretaria da Educação a maioria
acima de 55 anos. Percebemos o quanto este grupo sentia-se excluído não só
do universo escolar, mas também da própria vida social. A disponibilidade
da equipe de saúde para o servidor criou aos poucos um clima de confiança e
abertura. O vínculo foi sendo estabelecido por meio da proposta cooperativa em
todos os encontros. Homens e mulheres (professores, serviçais, supervisores e
orientadores educacionais) sentem-se hoje indivíduos mais criativos e criadores
de oportunidades para a vida após a aposentadoria.
O jogo cooperativo foi o instrumento de comunicação com este público, que
durante as vivências foi descobrindo possibilidades, compartilhando saberes,
alegrias, dores e sonhos, ultrapassando juntos limites até então intransponíveis.

Facilitando jogos cooperativos

O jogo cooperativo pode ser uma ferramenta que apoia o processo de


inclusão, mas não é algo automático, que se aplica mecanicamente. É importante
estar atento à necessidade do grupo, ter a clareza da intenção ao propor o jogo.
Facilitar não é mesmo que dirigir. Implica ter uma atitude de empatia: a
capacidade de colocar-se no lugar do outro; de assumir o seu lugar. Para isso
é preciso acreditar na cooperação, buscar coerência entre o discurso e a ação.

494
cooperar para incluir – os jogos cooperativos como uma prática inclusiva

O facilitador deve estar atento a tudo o que acontece durante o jogo. Facilitar
é acompanhar, estar junto sempre e não simplesmente propor uma atividade
onde nem se sabe se todos estão participando. É ser flexível se precisar mudar,
acrescentar, suspender; ser sensível ao processo do grupo; criativo e também
paciente. Deve lembrar-se sempre do riso, os jogos devem ser alegres!
O facilitador pode também transformar jogos com estrutura competitiva
em jogos cooperativos e até criar novos, lembrando sempre que:
▶▶ Ninguém pode ser excluído em nenhum momento do jogo;
▶▶ todos podem e devem participar;
▶▶ é preciso ser desafiador, divertido e interessante;
▶▶ o desfio deve ser adequado às características do grupo;
▶▶ o prazer deve estar no processo do jogo e não no resultado;
▶▶ o ritmo de cada participante deve ser considerado;
▶▶ o facilitador também deve ter espaço para jogar.

Ao final do jogo deve haver um momento de reflexão com os participantes


sobre como foi jogar: Como o grupo agiu? Como se sentiram durante o jogo
e como se sentem agora? Que dificuldades encontraram? Como fizeram para
superá-la? Que lições foram aprendidas? Como estas lições podem ser aplicadas
no dia a dia? São sugestões de questionamentos a serem feitos ao grupo.
Cabe ao facilitador compartilhar também suas percepções com os partici-
pantes para que juntos possam dar um significado ao processo de aprendizagem.

Considerações finais

Espero que a visão aqui apresentada possa ter contribuído para levantar
questionamentos e instigar novas possibilidades de ação coletiva, dentro e fora
da sala de aula. Acredito que a inclusão começa quando estamos atentos à
mensagem que transmitimos não só por meio de uma atividade, mas também
pelos valores embutidos em nossa ação, em nossa fala, em nosso olhar.
Confiamos, verdadeiramente no caminho da cooperação e da inclusão?
Ou ainda achamos que é mais sadio competir? Qual é a nossa real convicção?

495
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

“(...) já sabemos competir; necessitamos pôr em prática a cooperação


como alternativa para enfrentar os problemas e juntos buscar soluções.
(...) Assim falar da cooperação não significa esconder-se da realidade;
significa antes descobrir que podemos ser agentes na construção do
amanhã.” (Brown, 1994)

Aprender por meio da cooperação, aceitando e lidando abertamente com


a eterna diversidade humana é um desafio de todos nós. Desafio este que
me propus a enfrentar, estimulada pela emoção e vibração compartilhada que me
faz acreditar que o “nós é feito d’ eus”.

Referências bibliográficas

Bittar, A. A relação entre a Cooperação e a Inclusão. In Revista Jogos Cooperativos,


ano I, n. 08, março 2002.
Brotto, F. O. Jogos Cooperativos: Se o importante é competir, o fundamental é
cooperar! Santos, SP.: Ed. Re-Novada,1997.
. Jogos Cooperativos: Uma Pedagogia da Cooperação. In Revista
Jogos Cooperativo, ano I, n. 03, out. 2001.
Brown, G. Jogos Cooperativos: Teoria e Prática. São Leopoldo: Sinodal, 1994.
Coll, C., Palacios, J. e Marchesi, A. Desenvolvimento Psicológico e Educação:
Necessidades Educativas Especiais e Aprendizagem Escolar. v. III. Porto
Alegre, RS.: Artes Médicas,1995.
Jover, A. Inclusão: Qualidade Para Todos. In Revista Nova Escola, ano XIV,
n. 123, jun.1999.

496
41
Cemada
Marcio Ribeiro do Valle

Os distúrbios da aprendizagem caracterizam-se por um aproveitamento


escolar abaixo do esperado, tendo em vista a comparação com sujeitos da mesma
idade cronológica, e são verificados, principalmente, no início do aprendizado, já
na alfabetização. Segundo Vilanova (1986), o termo distúrbio de aprendizagem,
tem sido utilizado na prática neuropediátrica para designar a característica
distintiva de um grupo numeroso de crianças que apresenta uma dificuldade em
aprender, em circunstâncias nas quais se espera que isto se realize regularmente.
A alfabetização é o tipo de aprendizagem que permite ao indivíduo tomar
conhecimento do mundo e dele, participar e acompanhar suas grandes transfor-
mações. Quando a criança não consegue êxito em seu processo de aprendizagem
há necessidade de intervenções que possam alterar possibilidades de resultados
insatisfatórios porque suas consequências não se limitam ao desempenho da criança
numa situação escolar, mas inscrevem-se em suas chances de adaptação ao mundo
e no seu desenvolvimento pessoal, através do conceito que o indivíduo forma de si
mesmo. Entretanto, os estudos sobre as causas das dificuldades de aprendizagem
não devem restringir-se à qualidade do ensino, ao número de vagas oferecido aos
alunos e a outros aspectos pedagógicos. É necessário que se tenha conhecimento
das condições de saúde global da população a quem se oferece a educação.

497
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A saúde é um processo complexo, qualitativo, que define o funcionamento


completo do organismo, integrando, de forma sistêmica, o somático e o psico-
lógico, formando uma unidade em que um atua sobre o outro. Além disso, o
indivíduo é influenciado pelas interações pessoais e transações com o meio.
Por isso, para compreender o desempenho escolar da criança em desenvolvi-
mento é preciso ter me mente uma perspectiva biopsicossocial, de aspectos que
interagem e se complementam no sujeito em formação. Sendo assim, carências
alimentares ou afetivas, deficiências de visão ou audição, comprometimentos
neurológicos, dentre diversos outros fatores, podem interferir no desempenho
infantil, independente do esforço dos educadores.
A tentativa de buscar soluções sem o conhecimento especializado do assunto
pode levar a interpretações distorcidas da realidade, que interferem no compro-
metimento observado e aumentam as dificuldades de adaptação, como acontece
quando as pessoas que cercam a criança “resolvem” que ela é “preguiçosa” ou
“teimosa”, o que resulta em atitudes punitivas, no mínimo desnecessárias.
Por sua vez, o conhecimento de comprometimentos neurológicos, por
exemplo, que podem interferir no rendimento infantil permite que se esclareça
quanto ao tratamento necessário para que a criança cresça beneficiando-se com
atendimentos que lhe seriam recomendados (Ribeiro do Valle e Ribeiro do Valle,
1995). Faz-se, então, necessária a compreensão das condições de saúde da criança
que não acompanha os trabalhos da escola, para que sejam avaliadas as causas,
de forma que se possa organizar um plano de trabalho, prognóstico e orientação
que devem ser discutidos com os pais e com os profissionais da escola que lidam
coma criança em benefício de um atendimento às suas necessidades individuais.
A desadaptação escolar pode ser resultado de diversas causas e está incluída no
DSM IV (American Psychiaatric Associaation, 1994), que descreve os sintomas
de síndromes que podem prejudicar o rendimento da criança a escola. O DSM
IV aponta, dentre diversos distúrbios, os seguintes: transtornos do aprendizado
(na leitura, matemática, expressão, escrita), transtornos de comunicação, trans-
tornos de déficit de atenção, transtornos de humor, transtornos de ansiedade,
transtorno de conduta e déficit cognitivo.
Como neuropediatra, com base na grande demanda observada no aten-
dimento público e no consultório particular de crianças que não conseguiram
bons resultados nos trabalhos escolares, surgiu a necessidade da criação de um

498
cemada

serviço que pudesse oferecer um suporte, especialmente àquelas oriundas de meios


mais pobres, que não tinham recursos financeiros para buscar soluções para suas
dificuldades e, frequentemente, perdiam o interesse pela escola, ou, ainda, desen-
volviam comportamentos que prejudicavam não apenas o próprio relacionamento
em casa e na sala de aula, como também interferiam na aprendizagem de outras
crianças. Assim, em 1992, durante a administração do prefeito Dr. Sebastião
Navarro Vieira Filho, no cargo de Secretário de Saúde, demos início ao Cemada.
O Cemada reúne uma equipe de profissionais voltados para o desen-
volvimento infantil em diversas áreas disciplinares: Neurologia, Psicologia,
Fonoaudiologia, Pedagogia e Serviço Social. Estando ligado à Prefeitura, o
Cemada pode, ainda, contar com a integração com outros profissionais da rede
pública de saúde, quando há necessidade de suas avaliações em especialidades
como psiquiatra, oftalmologista e otorrinolaringologista, entre outras.
Os alunos da rede pública do município de Poços de Caldas são encami-
nhados para o Cemada com o relatório da professora e coordenadora da escola.
Da avaliação do caso pela equipe multidisciplinar e um estudo integrado do caso
para compreensão das queixas apresentadas com relação ao baixo rendimento
da criança ou às dificuldades que não puderam ser resolvidas na escola, são
organizadas reuniões de orientação com os pais e com a escola, para discussão de
propostas, visando transmitir a compreensão obtida das questões apresentadas
e os procedimentos necessários para que se possa auxiliar a criança a superar
as dificuldades que estaria encontrando na aprendizagem.
É necessário que o governo, a sociedade ou educadores, se preocupem com
a qualidade de ensino que está sendo ministrada, mas também, se as crianças
estão assimilando que lhe está sendo ensinado, ou senão... por quê? É para esta
resposta que criamos o Centro Municipal de auxílio à criança com dificuldade
de aprendizagem.

Referências bibliográficas

American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental


Disorders: DSM IV (4th ed.) Washington, DC: American Psychiatric
Association, 1994.

499
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Ribeiro do Valle, L. E. L., & Ribeiro do Valle, M. Distúrbios neurológicos


na aprendizagem infantil. II Congresso: Sociedade Brasileira de
Neuropsicologia, 1995.
Vilanova, L. C. (1996). Distúrbios do aprendizado. In: E.S. Carvalho, & W. B.
Carvalho (Orgs.), Terapêutica e prática pediátrica. São Paulo, SP, Atheneu.

500
42
Alta capacidade, dotação e
talento
Zenita C. Guenther

Capacidade humana efetivamente existe em diferentes graus de intensidade,


natureza e especificidade, como se pode observar pelo desempenho diferenciado
em qualquer avenida de atividade e interação do ser humano, consigo mesmo,
com os outros e com o mundo. Por definição, capacidade indica essencialmente
“poder de captar e aprender”, ou seja, abstrair do ambiente informação e saber
úteis ao indivíduo, absorver, sintetizar, organizar e incorporar esse material
ao campo perceptual interno de significados. Aprender acontece por muitas
vias e canais, através de ensino, imitação, vivência, comunicação, observação,
experimentação, reflexão, formação de conexões, intuição, enfim, qualquer
situação onde utilizar configurações neuro-físico-mentais já formadas favorece
visualizar perspectivas de ação.
As diferenças individuais inerentes a esse poder de aprender são facilmente
verificáveis nas interações pessoa-pessoa-/pessoa-ambiente, e revelam-se pron-
tamente em situações onde há intenção de provocar aprendizagem, como em
Educação. Assim carências, falhas, inibição e dificuldades frente ao processo de
aprender, são eventos prontamente reconhecidos, e amplamente investigados em

501
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Educação, formando o core da Educação Especial. Porém a mesma intensidade


e amplitude de interesse não se verifica em presença de sinais de facilidade,
profundidade, rapidez e eficiência em aprender.

Educação Regular e Educação Especial


As instituições educacionais, por compromisso com objetivos sociais, mas
também por opção, lidam com a faixa média da população, via educação regular,
e com a faixa fora da média via educação especial:
 

Figura 42.1 – Curva das probabilidades:


Em qualquer distribuição de características humanas, é provável que ao
redor da média fique cerca de 70% da população, abaixo da média 10% e acima
da média 10% - formando a faixa reconhecida como “população normal”. Os
3% a 5% a cada extremo são os “excepcionais”.
Em se tratando de capacidade humana, em qualquer domínio, o lado direito
da curva indica prevalência de capacidade notadamente superior à média da
população comparável, 3% a 5 %, que constitui a população alvo da Educação
para Dotados e Talentosos.
Nos meios educacionais, infelizmente, observa-se um cenário obscuro
na conceituação de construtos centrais a essa área, devido principalmente
a conotações e erros de interpretação no processo de traduzir material
produzido em outras culturas, e outras línguas. Gagné (2008) comenta que,
ao analisar a literatura profissional e cientifica da área, surpreende-se ao
verificar que a utilização de duas palavras diferentes pode não significar
existência de dois conceitos diferenciados, situação que denomina caótica,
em termos de conceituação.

502
alta capacidade , dotação e talento

No Brasil o caos é agravado com instruções oficiais que dificultam apro-


fundar e clarear conceitos, por usar indiscriminadamente uma “terminologia
caseira”, expressa em termos vagos como — “superdotação”, “altas habilidades”,
“talentos” — em lugar dos construtos conceituais. Ao que parece a confusão
foi iniciada quando da tradução do inglês dos termos giftedness e gifted — que
significam literalmente dotação, (gift: prenda, presente; ness: essência, natureza),
e dotado (que tem dotação), foi enxertado o prefixo “Super”. O termo Superdo-
tação caiu mal, sendo logo rejeitado nos meios educacionais mais relevantes.
Para amenizar o efeito, buscou-se na Europa a expressão inglesa, High Ability,
em português capacidade elevada, que também foi mal traduzida para “Altas
Habilidades”, (no plural!), no que perdeu a essência do conceito e a leveza da
expressão. Talento vai emergindo como um termo aceitável, mas, por ser um
construto diferenciado, não deve ser usado como complemento, ou sinônimo
de dotação. Esse caos é mais que simples dissidência semântica, pois conceitos
mal assentados, expressos em termos imprecisos, criam um cenário de muitas
palavras para poucas ideias, o que gera insegurança e rejeição pela área, e
dificulta qualquer iniciativa de trabalho educativo.
Para fins deste capítulo vamos nos ater à terminologia dotação e talento,
hoje adotada na maior parte do mundo (Gagné, 2008): Dotação designa posse
e uso de notável capacidade natural, em pelo menos um domínio de capaci-
dade humana. Em uma analogia ao dote — bens dados ao casal para iniciar o
casamento, capacidade natural é um dote diferenciado dado ao indivíduo para
iniciar a vida. Talento designa desempenho superior, mestria, conhecimento
aprendido, e habilidades sistematicamente desenvolvidas, implicando alto nível
de conhecimento, ou realização, em alguma área de atividade.
Esses dois conceitos têm três características comuns: a) ambos se referem a
capacidades humanas; b) são normativos, por apontar indivíduos que diferem da
norma, ou média; c) indicam pessoas “fora do normal” por produção notavel-
mente superior. Tais características concretizam o sentido de “notável”, e ajudam
a entender porque alguns dicionários, mesmo especializados em ciências sociais,
às vezes definem “dotação” como “talento”, e vice-versa. Mas,

“Tanto elevado potencial como desempenho superior tem que mostrar


estabilidade no tempo. Não é possível manifestar alto potencial em

503
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

um dia, e não no outro; da mesma maneira alguém não pode ter um


desempenho superior em um dia, mas não no dia seguinte. Renzulli e
Reis chegam perigosamente perto da perspectiva de um conceito instável
de dotação, ao propor mudar a visão ‘estática’ para uma visão ‘dinâmica’ de
dotação”. (Gagné 1999)

Dotação, aptidão, capacidade

Diferente de características ou atributos pessoais, dotação indica presença,


posse e uso de capacidade, ou seja, poder físico ou mental de aprender alguma
coisa sem ensino ou treino intencional. É um construto diretamente relacionado
à ação, ou potencial para a ação, o que distingue dotação de outros construtos
que representam características de personalidade, e correspondem a “estilos de
comportamento” (McCrea et al., 2000).

Expressões e manifestações

Capacidade natural não se manifesta como um bloco de atributos gerais, ao


contrário, é definida dentro de domínios claros e diferenciados, (Gagné, 1994;
2003), que podem ser rastreados a funções cerebrais específicas (Clark, 1984).
Tais domínios sinalizam pelo menos quatro áreas de potencial, sob a forma de
predisposições contidas no plano genético, expressas por canais de interesse,
atividade e desempenho disponíveis no ambiente.
Os principais domínios de capacidade são:

Inteligência

A inteligência, como poder para ação intelectual, está enraizada na função


cognitiva do cérebro, localizada no córtex frontal. Esse domínio inclui habi-
lidades mentais que conduzem a conhecer, entender, compreender, abstrair,
apreender por diferentes vias, tais como por pensamento analítico e senso de
observação (indução, dedução, transposição); pensamento verbal (linear), e

504
alta capacidade , dotação e talento

espaço-visual (não linear); estabelecimento de relações; memória, julgamento,


metacognição. Analisando estudos em psicometria da inteligência, Carrol (1997)
aponta como uma conclusão óbvia e amplamente negligenciada: “... o fato de que
o QI representa o grau e o ritmo em que as pessoas são capazes de aprender”.
Nos últimos anos nota-se esforço para desvencilhar o conceito de inteli-
gência da restrita função cognitiva, introduzindo outros ângulos de diferenciação:
Gardner (1983) desafia a existência do Fator G com a noção de “Inteligências
Múltiplas”; Goleman (1994) delineia uma inteligência emocional, não racional;
Sternberg, que em 1985 propôs a Teoria Triárquica da Inteligência, redefine o
conceito em termos da interação entre quatro fatores — Wisdom (sabedoria),
Inteligência, Criatividade — e uma Síntese Pessoal própria — WICS (Sternberg,
2004); a mesma ideia já nos vem de Helena Antipoff (1946) quando afirma que:
“A inteligência encarada no seu todo não pode ser separada da personalidade total”.

Criatividade

A criatividade é enraizada na função intuitiva do cérebro, provavelmente ao


córtex pré-frontal, diferenciada de outras funções cerebrais não por oposição ao pensa-
mento racional, mas por estar “fora da razão”, sem ser propriamente “emoção”.
A noção de criatividade inclui capacidade divergente para configurar, colocar e
enfrentar situações pela imaginação e pensamento intuitivo, sem necessidade de
apoio em dados concretos; tecer conexões amplamente figurativas, não lineares;
facilidade e prontidão de evocação fluente de muitas fontes, e muitas redes de
relações complexas; manejo intuitivo de blocos de ideias, ações, e reações inter-
-relacionadas, segundo princípios de originalidade não explícitos, característicos
da invenção, criação e inovação.

Domínio socioafetivo

A capacidade socioemocional enraíza-se na função afetiva, localizada à


base primitiva do cérebro, principalmente, amídala, tálamo e sistema linfático.
Como dotação compreende elevada capacidade para lidar com situações de
convivência grupal e pluralística; agir com segurança e estabilidade; encontrar
caminhos para experiência de vida em comum, satisfatória e aperfeiçoada. Sob

505
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

esse domínio se agrupam, de um lado, indicadores associados a expressões


de liderança, energia pessoal, persuasão em situações grupais e coletivas, e, de
outro, relações humanas, convivência, empatia, boa interação pessoal, além
de qualidades associadas com “maturidade” e “inteligência emocional”. Gagné
(2004) descreve o domínio socioafetivo em três componentes: a) perceptividade,
(no que pressupõe capacidade intelectual); b) empatia e tato, (necessários à
comunicação); c) liderança e persuasão, (expressos como influência).
Há poucos estudos específicos para o domínio socioafetivo. A maioria
da pesquisa na área da dotação reconhece presença de conteúdo afetivo, mas
aparentemente enfatizando expressões sociais — visíveis, mais que emocionais —
internas. Outros resvalam para funções intelectuais, como “compreensão de senti-
mentos, pensamentos e comportamentos”, em si mesmo ou nos outros (Romney e
Pyryt, 1999). Essa noção sublinha a conceituação de “inteligência social”, ao passo
que a dimensão emocional do domínio socioafetivo pode ser entrevista sob o ideário
geral de “motivação”, ou listada como “catalisadores interpessoais” (Gagné, 2008).

Domínio físico

A função física do cérebro, expressa em comportamentos e ações, enraíza


duas vias de capacidade específica: uma no âmbito da percepção sensorial, uma
função mental conectada ao aparelho sensorial externo, ou interno, e outra
no âmbito do aparelho motor. Nesse domínio são identificados os sinais de
capacidade sensorial específica, (visual, auditiva, olfativa...), combinações
sensório-motoras, (coordenação visomotora, auditivo-motora...), capacidade
motora, (força, equilíbrio, ritmo, resistência, precisão de reflexos), e notável
controle da mente sobre funções do sistema muscular e ósseo.
Capacidade perceptual constitui um domínio de transição entre capacidade
essencialmente física e essencialmente mental (Gagné, 2008). O conhecimento
do mundo externo começa com impressões sensoriais físicas, mas a maior parte
do tratamento dessa informação acontece no cérebro, em áreas destinadas a
cada um dos sentidos, como um processo mental. Por sua vez, mesmo envolvendo
um processo iniciado no cérebro, guiando impulsos dos neurônios para os
músculos, as atividades motoras são diretamente observáveis em movimentos
do corpo humano, o que justifica status de capacidade física.

506
alta capacidade , dotação e talento

Origens da dotação

Não há como ignorar que a capacidade natural é originada no plano genético,


configurado pela combinação única e individual de cromossomos, e ordenação
de cadeias de genes. O agonizante debate em torno da questão “hereditariedade X
ambiente”, com argumentos mais embasados em ideologia política que conhecimento
científico, vai aos poucos cedendo lugar à autoridade dos estudos atuais em genética
e neurociência. Tais estudos vêm acumulando considerável evidência captada pela
decodificação do genoma humano, reorientando esforços para localizar genes
específicos atuando à raiz das capacidades humanas, e características pessoais, das
proteínas codificadas pelos genes identificados e estruturas e processos fisiológicos,
ao impacto observado em capacidades físicas ou mentais no indivíduo.
Todavia, os cientistas raramente usam o termo “inato” para descrever qualquer
tipo de capacidade natural, ou característica de temperamento, precisamente
para evitar a noção de “herdadas”, portanto fixas, imutáveis e transmissíveis
aos descendentes diretos. O geneticista Plomin (1983), falando na dificuldade
em desfazer a ideia de que diferenças genéticas são fixas e imutáveis, lembra:
“Características longitudinais estáveis não são necessariamente hereditárias,
nem características geneticamente influenciadas são necessariamente estáveis
através do tempo... Genético não significa imutável”.
Mas essas observações persistem em situações de interpretação errônea, ou
demasiadamente simplificadas ao contrapor os termos “inato” e “desenvolvido”.
Quando se diz que alguém tem um “talento inato”, obviamente não se quer dizer
que nasceu com aquele padrão de desempenho. Tal descrição só faz sentido para
dar a ideia de que a pessoa parece aprender sem esforço, em um ritmo muito mais
rápido que os outros. A diferença está na facilidade e rapidez com que avançam
através dos sucessivos estágios no processo de aprender, e assim alcançam altos
níveis de conhecimento e desempenho antes da grande maioria dos pares.
Capacidades naturais são inatas, mas não fixas. Como qualquer predisposição
genética, desenvolvem-se espontaneamente desde os primeiros anos, sem necessidade
de ensino ou aprendizagem estruturada. Tal desenvolvimento é provavelmente mais
acelerado durante os primeiros anos, por existirem poucas conexões aprendidas, mas
capacidades são visíveis em qualquer fase da vida, pela notável facilidade e rapidez
com que novos conhecimentos e habilidades são adquiridos.

507
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Caracterização

Na sequência dos estudos sobre efeitos da hereditariedade ou ambiente


na determinação de capacidade superior, o clássico estudo de Angoff (1988),
abrangendo ampla gama de dados de diferenciação entre capacidade para ação
e desempenho observado, trouxe contribuição de profundas implicações para
a educação. Por esses e outros estudos (Gagné, 1993), chegou-se a caracterizar
dotação como potencial, aptidão, capacidade natural apresentando:
a) origem genética, sob a forma de predisposições estabelecidas desde a
concepção, na maneira como são ordenadas as cadeias de genes, mas não
hereditária, isto é, não submissa às leis de transmissão em linha direta,
de pais para filhos. É parte da organização genética própria, pessoal e
única, provavelmente irrepetivel, de cada indivíduo;
b) passível de influência de maturação, um processo amplamente presidido
pelos genomas, por ser um componente que integra a constituição da
pessoa, o seu plano genético;
c) desenvolvida lentamente por vias de amadurecimento neurocerebral,
ósseo, muscular, e conexões estabelecidas por aprendizagens absorvidas
no ambiente;
d) influenciada por educação informal, ou seja, pela rede de experiên-
cias vividas no dia a dia, sem plano sistematizado, ensino direto, ou
intenção definida;
e) resistente a estímulos externos, devido a raízes internas, sediadas no
sistema nervoso, seu desenvolvimento não se submete a incentivos e
manifestações externas do ambiente;
f) estimulada pela vivência cotidiana, através da rede de ações, interações, expe-
rimentações e atitudes expressas no e pelo ambiente, próximo ou distante;
g) acumulada em longos períodos, através de conexões cerebrais complexas
e divergentes que se integram em função de uso efetivo, nas variadas
situações do dia a dia.
Assim sendo, desenvolver potencial humano não é um processo rápido,
direto ou fácil, ao contrário, exige tempo, direção, planejamento e acompa-
nhamento específico, firmado em bases construídas sobre o conhecimento

508
alta capacidade , dotação e talento

científico buscado em várias áreas de pesquisa. Mas, apesar da complexidade,


esse processo traz resultados inegáveis ao longo de toda a vida, porque dotação,
como capacidade natural, em comparação com habilidades aprendidas:
▶▶ Tem generalização efetiva e mais ampla;
▶▶ constrói maior gama de aprendizagem sedimentada, útil em longo prazo;
▶▶ permite melhor previsão para aprendizagem futura.

Talento, desempenho, habilidade

Talento, como um construto definido em termos de desempenho superior


e habilidade notável, implica comportamentos, ações e atitudes visíveis ou
captáveis. Em essência um talento é capacidade natural expressa por alguma
via de ação, diferenciada no contexto onde a vida acontece. Desenvolver um
talento só é possível quando existe capacidade natural, ou potencial para a ação,
e condições ambientais favoráveis àquela área de atividade.

Caracterização

Também pelos estudos de Angoff citados anteriormente, talento é iden-


tificado por características de desenvolvimento, as quais são notadamente
diferentes e até opostas às de dotação:
a) Depende de aprendizagem intencional, portanto permite planos de ação
definidos;
b) tem crescimento rápido, o que traz efeitos imediatos para a pessoa e
para o ambiente;
c) é passível a ensino, treino, exercício, prática, portanto submete-se a planos
educacionais;
d) responde a estímulos externos, prêmios, incentivos, recompensas e
reforço do ambiente;
e) traz respostas imediatas em termos de desempenho elevado, o qual tende
a melhorar por exercício, treino sistemático e prática continuada.

509
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Porem, embora cultivar talentos seja aparentemente um caminho simples


e direto para a educação formalizada, tem implicações profundas tanto em
relação às finalidades e propósitos do projeto educacional maior, como ao
desenvolvimento geral e a própria vida pessoal:
▶▶ Tem estreita área de transferência, cada talento responde a um campo
definido de ação, sem muita possibilidade de transitar comportamentos
e habilidades para outras situações, mesmo semelhantes;
▶▶ privilegia experiência retrospectiva, o que mantém a dependência de
prática continuada;
▶▶ evoca aprendizagem adquirida pressupondo pouca consideração de
condições situacionais;
▶▶ disponibiliza pequena previsão de aprendizagem futura.

Implicações para a educação

Uma vez que desenvolver talentos resume-se em estabelecer e exercitar


um nível alto de desempenho, para a Educação torna-se essencialmente um
processo de ensino, instrução, treinamento e prática, que pode ser provido
sem grandes problemas. Obviamente, para que altos padrões de desempenho
sejam alcançados são necessárias certas condições básicas, inerentes ao
individuo: capacidade, vontade, disponibilidade para receber, buscar, desejar
o desenvolvimento, e disciplina, dedicação, esforço próprio, como variáveis
intrapessoais que garantem melhoria progressiva no desempenho. Já os fatores
que estimulam a dotação, desenvolvendo a capacidade natural, não podem ser
diretamente ensinados, e seguem vias processuais não planejáveis, influenciados,
principalmente, por:
▶▶ Amadurecimento geral e maturação continuada do organismo, tanto
sob o aspecto físico, controlado pelos genomas, como social, resultado
de interações no ambiente;
▶▶ aprendizagem espontânea, informal, assistemática, processada na e pela
vivência normal cotidiana, experiência de vida, convivência, oportuni-
dades e possibilidades encontradas;
▶▶ e... circunstâncias do acaso...

510
alta capacidade , dotação e talento

Tais condições permitem inferir que, de fato, desenvolver um talento pode


ser uma via de ação manejável para planejar a educação, ao passo que desenvolver
uma capacidade, mesmo sinalizada ainda em potencial, exige condições pouco
definíveis, como vivência de situações diversificadas em quantidade, qualidade
e complexidade, amplas redes de educação informal e de experiência de vida.
Entretanto, devido aos resultados em longo prazo, em termos de transferência e
sedimentação de conexões, não há outra conclusão possível: desenvolver dotação
é mais promissor para a vida humana, e para o projeto educativo da sociedade,
que cultivar talentos. Essa a base da orientação metodológica e organizacional
adotada pelo Cedet1.

O Cedet

Embora a sigla Cedet seja conhecida como um centro comunitário de


educação especial, refere-se essencialmente a uma metodologia para construir
um ambiente de complementação e suplementação educacional e apoio ao aluno
dotado e talentoso, matriculado em diferentes escolas, nos diversos sistemas e
níveis de ensino (Guenther, 1999; 2008).
Suas raízes e alicerces avançam em várias direções. Pessoas produtivas, que
efetivamente influíram no cenário geral da humanidade, apontam contingências
da vida, e fatos ao acaso, como os fatores que mais contribuíram para seu desen-
volvimento (Shavinina, 2005). Para minimizar o efeito Mateus “a quem mais
tem, mais lhe é dado”, pelo trabalho do Cedet tentamos encontrar meios para
bater o acaso, e vencer contingências da vida, para crianças dotadas e talentosas,
mesmo nascidas e criadas em ambientes adversos.
Um aspecto complexo inerente a esse ponto de vista é que para provocar o
crescimento do potencial identificado, ou seja, da dotação, é necessário visualizar
um processo educativo conduzindo à formação da pessoa, acontecendo por vias
informais, não planejadas. Como ideia geral, esse tipo de educação abrange redes
de influências amplas e imprevisíveis, veiculadas por expansão da experiência
de vida, vivência diversificada, presença de pares e não iguais com interesses
compatíveis, interação e convivência com personalidades “admiráveis”, apren-

1 Centro para Desenvolvimento do Potencial e Talento.

511
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

dizagens internas de Ser, clarificação de valores, entre outras circunstâncias que


interagem para formar o ambiente educativo...
No ideário do Cedet a metodologia é apoiada sobre áreas básicas à formação
humanista, buscando construir “equilíbrio entre os interesses pessoais (intra-
pessoais), com os interesses dos outros (interpessoais), e outros aspectos do
contexto no qual a pessoa vive (extrapessoais)”, uma posição teórica compatível
com o conceito de Sabedoria – Wisdom, também pensada como uma dimensão
da dotação (Sternberg, 2003).
No esforço para estabelecer um ambiente propício à “vivência educativa”,
integramos elementos extraídos de estudos de Terman (década de 1920), Honzik,
Macfarlane, Allen (1948), follow up em Honzik (1967), à vasta literatura atual.
A direção consistente desses estudos aponta para apoio pessoal recebido na
família e na escola, cuidado, afeição, preocupação sincera com a criança como
sendo os meios mais efetivos de se promover melhoria significativa e duradoura,
tanto na produção escolar, como na inteligência geral medida em termos de QI.
Integrados esses resultados e recomendações ao ideário preconizado por Helena
Antipoff no Brasil desde 1931, a construção do “ambiente educativo” no Cedet
orienta-se por alguns princípios:

1. Atitude científica

“Todo trabalho de Educação é um laboratório. Sem um complemento


científico o nosso trabalho seria restrito à mera repetição de uma técnica,
cujos resultados mal interpretados cairiam no natural desuso, ou se
tornariam tão rotineiros e sem significação que nos aborreceriam com
o seu peso morto e sua inutilidade”. (Helena Antipoff)

2. Fé no conhecimento científico

“(...) Da ciência deve-se esperar a clareza da percepção da meta, dos


objetivos, do plano de ação coordenado...”. (H. Antipoff, 1970)

512
alta capacidade , dotação e talento

3. Paciência e persistência

Trabalho educativo não se faz com pressa de “concluir”, “achar resposta”,


ou criar “modelo”, pois cada “resposta” leva inevitavelmente a outra pergunta.
Aprendizado é um processo, e somente como processo vivo pode ter confiabi-
lidade, validade e qualidade.

4. Quadro teórico em permanente construção

O melhor referencial teórico para a educação não consiste em “adotar”


um ponto de vista, ou seguir “um modelo”, mas, ao contrário, em favorecer o
desenrolar de um processo contínuo de estudar, aprofundar, esclarecer, absorver
e incorporar conhecimentos e ideias que permitam reformular afirmações,
iluminar a prática diária, e viver efetivamente o que se pode chamar de “prática
teorizada pela teoria praticada”.

5. Ênfase na “imersão ambiental”

“Criar um ambiente propício para a Educação, o ‘clima’ mais favorável ao


tipo de aluno (...) Uma atmosfera de confiança e simpatia”. (Helena Antipoff)

Para captar a força do aprender pela vivência concreta, e não por explicações
e discussão, os planos pedagógicos são desenvolvidos em interação dinâmica
em redes não hierárquicas, envolvendo alunos, escolas, famílias, instrutores
voluntários, comunidade, estagiários, visitantes... Através dessa rede de inte-
gração natural configura-se o ambiente educativo.

Dinâmica processual

Dinamiza o projeto educativo do Cedet uma equipe de professores licen-


ciados, recrutados em áreas diversificadas de formação, especializados em
Educação para Dotados e Talentosos. A organização pedagógica necessária à

513
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

sistematização do projeto institucional reflete o propósito de sediar a equipe em


áreas de estimulação e enriquecimento, numa configuração fiel ao referencial
teórico, e através das quais são esquematizadas as atividades do alunado:
a) Organização social, comunicação e humanidades – focaliza vivência de
interações interpessoais consolidando presença e concepção do “Outro”,
vida social e inter-relações humanas. Como área de estudos engloba temas
em organização geográfica, histórica e social, aprendizagem de línguas,
comunicação e mídia, intercâmbios culturais, vivência em comum com
crianças, jovens e adultos...
b) Ciência, investigação e tecnologia – explora o contexto no qual a pessoa
vive, com vistas à formação da visão de mundo, o abrir de portas para o
conhecimento científico, aquisição de instrumental e métodos empre-
gados pela ciência para abordar, compreender e pensar o mundo de
forma organizada e racional, buscando informar-se, modificar, influir
no contexto...
c) Criatividade, habilidades e expressão – sonda a esfera de interesses
pessoais e vivências intrapessoais, promove autoconhecimento e formação
pessoal pela exploração dos próprios sentimentos, apreciação da beleza,
experiência no cultivo das artes, compreensão e expressão do corpo,
aperfeiçoamento de habilidades pessoais, autocontrole e autorregulação
no convívio orientado para metas em comum.

Identificação e recrutamento de participantes

Uma característica de Centros Comunitários é a busca ativa dos alunos


que sinalizam capacidade, sem esperar que “apareçam”, sejam “descobertos”
ou “encaminhados”. Alguns centros de educação para dotados e talentosos
focalizam um tipo especifico de potencial, por exemplo, o Centro para Jovens
Talentosos, de Chicago, que se dedica ao desenvolvimento de talentos matemá-
ticos, ou o Programa para Desenvolvimento de Talento Acadêmico, de Santiago do
Chile, que recruta escolares com motivação para estudos e aprendizagem escolar;
o Cedet, pelas razões discutidas, busca desenvolver capacidade e potencial na
população escolar, em todos os domínios.

514
alta capacidade , dotação e talento

Localizar alunos capazes em ambientes escolares pode ser um problema,


porque a escola, organizada em função de “normas”, “médias” e “maiorias”,
mostra-se mais propensa a corrigir quem está abaixo, do que estimular quem
está acima da média adotada.
A metodologia de identificação desenvolvida para o Cedet orienta-se, em
princípio, pela diferenciação horizontal, na perspectiva de Gagné (1995), em
visão qualitativa, indicada por domínios e subdomínios de capacidade. Como
orientação geral são procurados sinais de capacidade nos quatro domínios de
capacidade humana, isoladamente ou combinados: inteligência e capacidade
intelectual; criatividade e pensamento criador; capacidade socioafetiva e
capacidade física. Ao invés de adotar uma linha demarcatória de produção,
como acontece com testes, pontos, e respostas a questionários, visualizamos
um processo desenvolvido ao longo do tempo, na sequência de acontecimentos
naturais de uma sala de aula, orientado pela observação contínua, direta e
cuidadosa, nas diversas situações de ação, produção, posição e desempenho
em que a criança está envolvida, no ambiente escolar.
Folha de Dados – O instrumental que orienta a coleta de dados de obser-
vação compreende 25 itens, abrangendo indicadores diferenciados por estudos
clássicos da área, captáveis na vida escolar (Guenther, 1997). Cada professor
observa a turma com que está trabalhando, anotando os dois alunos que mais
se sobressaem naquele grupo, em cada indicador. A base para “preparação do
professor” para a coleta de dados focaliza o estudo dos itens que configuram a
folha, e os alunos sinalizados são os que sobressaem naquele grupo de compa-
ração, conforme observação do professor que convive com a turma naquele ano.
Nos estudos de validação feitos em 1997 foi verificada alta margem de erro
na primeira folha de observação, acima do nível de acaso. Mas, pela análise
longitudinal verificamos que, quando o mesmo aluno é sinalizado por duas
ou mais observações independentes, o erro estatístico é corrigido no nível de
chance, permitindo inferir que o potencial sinalizado pelo mesmo instrumental,
por dois ou mais professores, em momentos e turmas diferentes, efetivamente
existe. Assim assegura-se validade aos dados de observação direta feita anual-
mente, seguindo a própria seriação escolar.
Todavia permanece uma dificuldade inerente à escola: ali se “vê” certos tipos
de capacidade, mas não outros, e só por acaso é possível reconhecer potencial

515
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

que não se expressa por vias de pensamento linear sequencial, ou pela “lógica
escolar” de “começo-meio-fim”. Reconhecida essa limitação, introduzimos no
processo um período de observação assistida.

Observação assistida

Observação assistida acontece entre a sinalização de capacidade pelos dados


recebidos do professor de sala de aula e a identificação efetiva dos domínios de
potencial evidenciado pelo aluno. Essencialmente implica a vivência de situações
variadas, em local onde haja ambiente e espaço para iniciativa, escolha, ação,
desempenho, tomada de posição, proporcionando oportunidades de expressão
de capacidade e potencial por caminhos pouco presentes na vida escolar. Para esse
trabalho precisa haver uma “equipe preparada”, dominando conhecimentos mais
especializados do que tem o professor de sala de aula, e com base de competência que
permita “observar” – não somente exemplificar – e induzir com relativa segurança
que sinais se dirigem a que características, ações, reações e expressões... em que
domínios de capacidade natural. Finalmente faz-se uma síntese pelo cotejamento
dos dados colhidos por observação sistemática, em sala de aula, e observação
assistida pelos especialistas. É inscrita ao Cedet a criança que demonstrar sinais
consistentes de potencial, em domínios claramente identificados.

Intervenção educativa

Havendo organizado o ambiente e encontrado as crianças, o que fazer


com elas? Promover desenvolvimento de capacidade, segundo observação de
Gallagher, exige intervenção intencional e sistematizada, em média 10 horas
por semana, pelo menos durante 3 a 5 anos. O plano de intervenção educativa
do Cedet, em princípio, contempla:
1-Aceleração segundo a necessidade e ritmo de produção do aluno.
2-Agrupamento consistente, com base em características individuais,
nível de maturação e interesse manifesto de cada aluno, em seu plano
individual de trabalho.

516
alta capacidade , dotação e talento

3- Observação das Quatro Marcas da Intervenção (Gagné, 2007): densidade,


diversidade, profundidade e complexidade.
4-Enriquecimento orientado pela relevância pessoal e social.

“Demasiado material trabalhado com os dotados


não tem qualquer relevância,
e há exagerada ênfase em diversão e jogos lúdicos!”
(Gagné, 2007).

O plano individual

A intervenção educativa é concretizada no dia a dia dos alunos pelo plano


individual de trabalho. Como ação pedagógica, o plano individual é elaborado
a cada semestre, orientado pelo domínio de capacidade sinalizado na identifi-
cação, e dosado de acordo com as diferenças de estilo e ritmo de aprendizagem,
interesses específicos, preferências ou necessidades pessoais detectadas pelo
facilitador durante o tempo de convivência com a criança. “Conhecer o aluno”
permanece como diretriz primeira a orientar o processo educativo, cultivada
por sessões semanais de aconselhamento e orientação.
O plano individual se caracteriza por ser: a) planejado com o aluno, não
para ele; b) acompanhado de perto, pelo menos semanalmente; c) avaliado em
períodos curtos, de no máximo um mês. O plano é dinamizado pela combinação
de atividades grupais e individuais variadas, imersão no ambiente educativo,
e orientação pessoal. As atividades de conteúdo geralmente são conduzidas
por alguém da comunidade que conheça o assunto em profundidade, e se
disponha a trabalhar voluntariamente com os alunos, além de acompanhadas
semanalmente pelo facilitador que orienta a criança.
As atividades grupais se organizam, em regra geral, como: Grupos
de Interesse, para ampliar e cultivar áreas de interesse comum; Grupos de
trabalho, que assumem compromisso de realizar uma tarefa específica;
Grupos de estudo, para responder aos interesses e necessidades imediatos

517
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

dos alunos; Encontros Gerais, que abordam interesses amplos e transversais,


próprios da faixa etária, ou temas atuais maiores, envolvendo um numero
maior de alunos.
As atividades individuais compreendem os Projetos, planejados para
abordar um tema de interesse de um ou dois alunos com maturidade e moti-
vação para trabalho independente; estudo independente em situações específicas,
por exemplo, se não há um orientador disponível que conheça o tema, ou como
preparo anterior à escolha de um tema de estudo; experiência de trabalho, através
de estágios, aprendizados, trabalho voluntário, meio-emprego; Inserção em
situações existentes na comunidade, como em esportes, grupos de teatro, ou
cursos em áreas específicas.

Instrutores voluntários

Os instrutores voluntários são recrutados na comunidade para desenvolvi-


mento de conteúdo específico, em atividades individuais e grupais. A presença
de voluntários no Cedet não é uma medida de economia, mas um contingente de
qualidade para o projeto pedagógico, precisamente por dominarem temas e
assuntos que só por acaso professores de escola regular conhecem, ao nível
de profundidade e complexidade necessária ao aluno mais capaz. À base do
recrutamento de instrutores voluntários estão estudos teóricos, de Helena
Antipoff (1973) a Larissa Shavinina (2005), demonstrando que um fator de
grande alcance no desenvolvimento da capacidade natural é inspiração, exemplo,
convivência e contato direto com pessoas admiráveis, produtivas, bem formadas,
ativas, respeitadas na comunidade.

A família

Por ser a maior referência na formação pessoal, principalmente nos


primeiros anos da vida, a família do aluno é chamada a participar ativamente
do processo, da inscrição da criança ao Cedet. A incorporação da família
acontece sob iniciativa e responsabilidade da Associação de Pais e Amigos para

518
alta capacidade , dotação e talento

Apoio ao Talento – Aspat. As vias regulares de contacto para integração da


família incluem reuniões periódicas nas escolas, e conferência individual, em
certas situações, por exemplo, quando a escola é ausente, ou a família mostra
interesse maior no trabalho da criança. Mas em qualquer circunstância, é sempre
o facilitador responsável pela orientação da criança que faz a mediação e cultiva o
contato com as famílias, seja atendendo pessoalmente quando procuram o
Cedet, seja tomando a iniciativa de chamar para uma conversa de interesse da
criança, e mesmo indo à casa da criança, em visita aos pais.

A escola

A força educativa da escola é mais ampla que a da família, porque envolve


convivência diária entre pares e coortes, e propicia oportunidade para influ-
ência de outros profissionais de educação na orientação do projeto educativo
da criança. Porém, como é natural que aconteça em situações coletivas, a
escola geralmente tem menor grau de envolvimento individual, com cada
criança, e maior compromisso social e cultural com a comunidade. No Cedet
a escola assume coresponsabilidade pelo programa desenvolvido com seus
alunos, ao âmbito da instituição, especificamente na coleta de dados iniciais
de identificação, e acompanhamento do plano de trabalho de cada aluno.

A comunidade

Com expressiva divulgação jornalística, e escasso conhecimento científico


apropriado, a área de educação para dotados e talentosos, em nossos meios, é
praguejada por questões polêmicas, ambivalências, conotações e ambiguidade de
noções, termos e definições. Para corrigir essa deficiência, no Cedet utilizam-se
muitas vias de comunicação para esclarecer e sensibilizar a comunidade, a qual
é chamada a participar ativamente em todas as fases do processo educativo.
Por isso as “raízes comunitárias” do Cedet são sólidas, um ponto que chama a
atenção do mundo sobre essa metodologia e estilo de trabalho.

519
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Considerações finais

A avaliação contínua do processo como vivido pela equipe, como profissio-


nais especializados, e pelo aluno, individualmente, é documentada e registrada
por um acervo organizado em espiral, com momentos de reflexão em sessões
semanais da equipe, e avaliação sistematizada do processo vivido pelo aluno, a
cada final e início de semestre letivo. Seja como metodologia ou espaço educativo,
por sua teoria coerente, custos modestos, e resultados satisfatórios, o Cedet vem
despertando interesse, com boa aceitação na comunidade educacional e sistemas
de educação pública, notadamente por Sistemas Municipais de Educação.

Referências bibliográficas

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l American Psychologist, vol. 43, n. 9, 7 13-720, 1988.
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520
alta capacidade , dotação e talento

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Gardner, H. Frames of mind: The theory of multiple intelligences. New York:
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Spitz, H. The raising of intelligence: A selected history of attempts to raise
retarded intelligence. Hillsdale, NJ: Erlbaum, 1986.

521
43
Hidroterapia e integração
sensorial
Leonardo Cervera

A hidroterapia, como uma modalidade de reabilitação, possui um histórico


tão grande e importante nos dias de hoje como foi no passado. Cada vez mais
surgem novas pesquisas e estudos voltados para a arte de tratar na água,
possibilitando ao fisioterapeuta embasamento científico para poder trabalhar
com criatividade e critério.
Atualmente é difícil encontrar alguém que não saiba nadar, porém
muitas pessoas não sabem explorar todos os benefícios que o contato com
o meio líquido pode proporcionar não só fisicamente mas também psico
e socialmente.
A água transmite a ideia de diversão, relaxamento e agradabilidade e isto
torna-se um importante fator para um programa de estimulação, habilitação
ou reabilitação, pois tudo o que se torna bom a criança quer repetir.
Estar em imersão na água é uma experiência única, que proporciona uma
possibilidade de ampliar física, mental e psicologicamente seus conhecimentos
e habilidades.

523
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A água está intrinsecamente ligada culturalmente a processos curativos,


místicos, religiosos e recreacionais na história da humanidade. Há registros de seu
uso com finalidade terapêutica em 2400 a. C. e só a partir do início do século passado
é que se começou a utilizá-la de forma ativa pelo paciente através dos exercícios em
imersão. É um meio que possibilita que se realize exercícios em três dimensões,
os quais não podem ser realizados em solo. Contém também a possibilidade de
uma considerável estimulação sensorial através da percepção visual, auricular, dos
receptores cutâneos, dos propriceptores dos músculos, tendões, articulações e do
equilíbrio graças a seus efeitos físicos e fisiológicos do exercício em imersão.
Torna-se assim um meio com características únicas para integração dos
estímulos que o meio líquido produz nos sistemas sensoriais. Estes sistemas
possuem receptores que recolhem informações para serem percebidas pelo cérebro.
As pessoas estão familiarizadas com os sentidos envolvidos no paladar,
olfato, visão e audição, mas a maioria das pessoas não percebe que o sistema
nervoso também integra o toque, o movimento, a força da gravidade através
da posição da cabeça e do corpo no espaço.
A primeira pessoa a relatar a identificação do déficit de integração sensorial
foi uma terapeuta ocupacional americana chamada Anna Jean Ayres.
Durante suas pesquisas, identificou em várias crianças uma dificuldade em
organizar os inputs sensoriais recebidos pelo sistema nervoso, denominando
este quadro disfunção de integração sensorial.
Ayres desenvolveu ferramentas através do diagnóstico para identificar a
desordem e propôs uma abordagem terapêutica que foi denominada Terapia
de Integração Sensorial.
Na terapia a criança é conduzida através de atividades e exercícios que
desafiem sua habilidade de responder apropriadamente ao estímulo sensorial
através de respostas e condutas organizadas com sucesso. O local deve ser um
ambiente lúdico e que proporcione diversão para o brincar dirigido. Assim a
piscina terapêutica aparece como uma grande alternativa para conduzir a terapia
de integração sensorial.
Para compreender como a água, mais específico a piscina terapêutica, pode
atuar no processo terapêutico da integração sensorial, faz-se necessário conhecer
todas as estruturas do sistema nervoso central.

524
hidroterapia e integração sensorial

As vias de influxo no sistema nervoso central são basicamente três a saber:


os canais sensoriais exógenos, de visão audição, tato e dor, existem também os
endógenos, responsáveis pela propriocepção, vestibular, controle de Pco2 e PO2
entre outros (Cristie et al., 1987 e Costill et al., 1998).
As entradas mnemônicas são sinais assimilados que são codificados dentro
sistema nervoso central em função de memórias anteriores.
Sabe-se pela Filogênese, o início da vida iniciou-se na água bem como as
espécies mais primitivas. Através da Ontogênese, os nove meses da geração da
vida são em um meio líquido. E por fim a ação volitiva, o desejo é importante
para integração no sistema nervoso (Piaget, 1992 e Canelas et al., 1983).
Como a via e o fluxo tem-se a resposta motora propriamente dita, que é
estabelecida pela estruturação trófica, tônica, pelo estabelecimento da postura
em relação a ação gravitacional, no desenvolvimento de praxias e automati-
zação das mesmas na medida em que são repetidas. Outro tipo de resposta é a
neurovegetativa, também reaferentadora, para os canais sensoriais, basicamente
ajustes respiratórios, hemodinâmicos e metabólicos (Wilmore et al., 1994).
O grande diferencial do uso da água para a terapia de integração sensorial
é que estando o indivíduo em imersão, todo o conjunto de vias do influxo e
fluxo do sistema nervoso central são estimulados.
Sobre os influxos sensoriais exógenos, o terapeuta pode estimular os visuais e
auditivos em um espaço lúdico e organizado como um setor de piscina terapêutica.
O sistema táctil é o mais trabalhado no meio líquido por todas as ações que
os princípios físicos pode proporcionar, como a pressão hidrostática, o fluxo
laminar e turbulento e a fricção.
O efeito da água sobre a propriocepção é altamente benéfico, pois todas as
articulações estão se movimentando em um meio que contém o indivíduo e
favorece uma ação motora conjunta, fazendo que todos os receptores articulares
e musculares sejam ativados informando o sistema nervoso central.
Sobre os influxos mnemônicos, o ser humano durante a sua geração vive
seus nove primeiros meses no meio líquido, como foi dito antes, e o sistema táctil
é o primeiro sistema a ser desenvolvido durante a gestação e o sistema vestibular
está bem desenvolvido ao nascimento. Assim durante o período intrauterino já
inicia-se a recepção sensorial daquele meio com respostas motoras.

525
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Existem trabalhos que relatam o reflexo do nado em bebês. Foi observada


que no meio líquido havia uma manifestação motora que produz o nado da
espécie (reflexo de nadador) anterior à capacidade de controle do movimento.
Assim, não poderia ter origem voluntária e não poderia ser de origem espon-
tânea, pois estes movimentos não são característicos da espécie, movimentos
com padrão de nado. E também não se tratava de nada patológico, pois era
observado em bebês normais.
Acredita-se que os movimentos vinham exatamente da memória corporal
já existente (Wilmore, 1994 e Blanche et al., 1995).
Os influxos volitivos, em formação de comportamentos voluntários, podem
tornar-se mais ricos, quanto mais estimulante for o meio. Num meio que favoreça as
manifestações de exposição, minimizando a ansiedade, os comportamentos serão
facilitados e terão influência sobre o desenvolvimento e ajustes do funcionamento
do sistema nervoso central.Quanto ao ajuste tônico, a água fornece experiências
de deslocamento do centro de gravidade de uma postura para outra. Quanto
mais evoluídas as praxias e os automatismos, mais ocorrerá retroalimentação
das entradas sensoriais, para melhores ajustes, promovendo melhor integração e
possibilitando melhores e novas respostas (Banche et al., 1995 e Leféfre et al., 1990).
Sendo assim a imersão na água torna-se um meio de experiências, quase
sempre de grande prazer e organizadora para as crianças.
A terapia de integração sensorial utilizando-se dos meios, métodos e
técnicas que a piscina terapêutica pode proporcionar mostra-se na prática de
grande auxílio no tratamento das alterações sensório-motoras.

Referências bibliográficas

Aborelius M., Balldim Ui., Lilja B. et al. Hemodynamic changes in man during
immersion with the head above water. 1995.
Ayres, A. J. Sensory Integration and the Child Western Psychological Services,
L. A., 1980.
Blanche E. I. Botticelli, T. M; Hallaway, M. K. Combining Neuro Developmental
Treatment and Sensory Integration Principles Therapy Skill Builders,
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526
hidroterapia e integração sensorial

Campion, M. R. Hidroterapia. 1. ed. São Paulo: Manole, 2000. 03-173.


Cristie Jl., Shldan L. M., Tristani F. E. et al. Cardiovascular regulation during
head-out water immersion exercise. Butts N.K., Bonde-Peterson G., J am
Coll Cardiol, 1987.
Campion, M. R. Adult Hidrotherapy a prática/Approach Oxford, Heimeman
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Guyton, A. C. Tratado de Fisiologia Médica. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 6.
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Lataille, Yves de Piaget, Vygotsty, Wallon. Teorias Psicogenéticas em discussão.
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Michel, D.; Babey, G. Apostila Introdução aos Princípios Básicos da Terapia de
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Wilmore J. H., Costill D. L. Physiology of Sport and Exercise. Champaing, Human
Kinetics: 1994. Costill D. L., Cahill Pj., Eddy D. Metabolic responses to
submaximal exercise in three water temperatures, 1998.

527
44
Biodanza®: uma pedagogia
de vida
Maria Angelina Pereira,
Maria Luiza Appy

A Biodanza®1 é um instrumento potente de transformação social, na


medida em que resgata os valores essenciais e a arte de viver a vida. Rolando
Toro, criador do sistema Biodanza, teve a genialidade de criar um sistema que
toca as pessoas com uma a linguagem muito além do conhecimento intelectual e
que resgata vivencialmente os vínculos com a vida em níveis que vão do micro ao
macrocosmo. A Biodanza® utiliza uma linguagem extremamente simples, capaz
de ser compreendida por qualquer ser humano em qualquer parte do planeta,
a linguagem da música, dos gestos, da dança e do olhar. E é nesta simplicidade
que reside sua maior potência.
Biodanza propõe vivências nas linhas de vitalidade, sexualidade, criativi-
dade, afetividade e transcendência. Vivência é o vivido, “aqui e agora” é o que

1 Biodanza® – sistema vivencial de desenvolvimento humano. Tem um modelo teórico


fundamentado nas Ciências Biológicas e Humanas, criado por Rolando Toro Araneda.
O termo é grafado com z por ter sido registrado na língua materna de seu criador, que é
chileno.

529
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

permite ao participante, integrar pensamento, emoção, sentimento, percepção,


intuição e ação. A Biodanza é um sistema que promove o desenvolvimento do
ser humano em sua totalidade.

Saberes necessários

O processo educativo começa no ventre materno, com a disposição anímica


dos pais de proteção e cuidado. Os cuidados, durante o nascimento e o primeiro
ano de vida, têm uma força determinante no futuro do ser humano. Os conceitos
de Frederic Leboyer, Arnold Gessel e Rene Spitz representam uma abertura
imensa para a humanidade nesses aspectos.
Segundo Rolando Toro, “Nas Escolas as crianças devem estar em contato
direto com a natureza, com a terra, com a água, o fogo e o ar puro, com plantas,
as flores e os frutos, com os trabalhos de semear e cultivo agrário, com os
animais, com o canto e a dança, com a preparação dos alimentos, com jogos
de luta e fuga, com a observação e o cuidado do meio ambiente”.

“A aprendizagem em Biodanza®”

Biodanza® é um sistema no qual os movimentos e as cerimônias de encontro,


acompanhados de música e canto, induzem “vivências” capazes de modificar o
organismo e a existência humana em diversos níveis: imunológico, homeostático,
afetivo-motor e existencial.
No sistema Biodanza® a prioridade absoluta é a vivência, que segundo
Dilthey é “viver o aqui e agora” com o máximo de intensidade.
A aprendizagem nessa pedagogia de vida passa, portanto, pela vivência,
pela sensibilidade cenestésica, pela afetividade, pela dança, criatividade e música
e por situações de encontro em grupo.
A dança é um movimento profundo que surge das entranhas do ser
humano. É o movimento de vida, é ritmo biológico, ritmo do coração, ritmo
da respiração, impulso de vinculação com a espécie, é movimento de intimidade,
natural e pleno de sentido.

530
biodanza ® : uma pedagogia de vida

A Biodanza® acontece em grupo, sendo este essencial ao processo de


mudança, porque estabelece novas formas de comunicação e vínculo afetivo.
O grupo é matriz, na qual cada participante pode renascer, encontrando um
continente afetivo e permissão para o contato e expressão de sua identidade.
A música é o instrumento de mediação entre a emoção e o movimento
corporal. A música é linguagem universal acessível a todas as pessoas de qual-
quer época ou região.
A Biodanza® utiliza música “orgânica”: sua influência vai diretamente à
emoção, sem passar pelos filtros analíticos do pensamento. A música estimula
a dança expressiva, a comunicação afetiva e a vivência de si mesmo. O primeiro
conhecimento do mundo anterior à palavra é o conhecimento pelo movimento.
A dança é, portanto, um modo de ser no mundo, a expressão da unidade orgâ-
nica do homem com o Universo.

Inícios, sonhos: caminhos2

A Biodanza® não é apenas uma forma saudável de liberação e saúde. É uma


pedagogia de vida e sua ação constitui uma forma de ecologia humana baseada
em uma percepção da vida como experiência suprema.
É indispensável em nossa cultura recuperar o sentimento de sacralidade
da vida, de integração não somente social, mas também universal do homem.
A educação atual tende a produzir adaptação servil ao já estabelecido, não
respeitando a vida e as condições humanas de sobrevivência.
O padrão social de opressão e exclusão condiciona a percepção, conforme
interesses alheios à vida e altera as vivências de afeto, negando a ética humana.
É importante recuperarmos o sentido de pertencer, incluir, cooperar e nutrir, de
respeitar a singularidade e respeitar a diversidade. Recuperar a amorosidade...
Recuperar um novo e velho paradigma, paradigma do valor intrínseco da vida.

2 Introdução do texto “Tecendo redes de sensibilização criativa/Biodanza”, construído


por Ana Maria Faleiros, Maria Angelina Pereira, Marina Silveira Borges e Márcio Xavier
Bonorino Figueiredo.

531
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Desafios e novas possibilidades na formação do educador

Permanente é o desafio quando se procuram novas possibilidades na


formação de educadores. Uma delas é não só refletir sobre ações que conduzam a
uma mudança, mas também vivenciá-las na prática. Esta mudança de paradigma
deve compreender um processo de transformação da pessoa. Transformar-se
significa adquirir uma outra visão de si mesmo, das pessoas e do mundo. É
resgatar a autoestima, a autoimagem e o valor das outras pessoas. A atuação no
cotidiano das escolas é fortalecida quando as pessoas sentem que fazem diferença
e que são um elo essencial ao grupo a que pertencem. Ao realizar atividades com
educadores, visando o seu desenvolvimento é importante propor-lhes atividades
teórico-vivenciais e criar condições favoráveis ao seu amadurecimento tanto
profissional como pessoal, estimulando-os a expressar a sua identidade.
Para sensibilizar o educador para esse processo é necessário estarmos
sensíveis a sua expressão.
A sensibilidade para perceber-se e perceber o outro é despertada nas vivên-
cias de Biodanza. Este é um sistema que promove o desenvolvimento do ser
humano em sua totalidade. As vivências enfatizam o aqui e o agora e permitem
ao participante integrar pensamento, emoção, sentimento, percepção e intuição.
Trabalhar com os educadores, com as educadoras propondo-lhes vivências
significa criar condições para que se percebam como pessoas inteiras, capazes
de ver e sentir a si e ao outro. Na medida em que percebem seus limites e possi-
bilidades podem estar abertos para cuidar, brincar e orientar crianças durante
o seu processo de desenvolvimento e sua integração no mundo.
Quando se oferece Biodanza® para educadores, cria-se oportunidade para
que eles rememorem os jogos e as brincadeiras da sua própria infância, para que
se conectem com o “corpo que fala”. Abre-se espaço para se sentirem crianças
de novo. Movimentar o corpo em conexão com a música provoca modificações
que atuam inclusive em nível do organismo.
Educadores que trabalham com crianças, além de conhecimentos teóricos
e técnicos, devem conhecer a linguagem corporal das mesmas e a sua própria,
permitir-se expressar suas emoções e experimentar as diversas formas de
vivenciar, de conhecer e interagir.

532
biodanza ® : uma pedagogia de vida

Sonhando com uma pedagogia de vida

A Biodanza® — uma pedagogia de vida — propicia o desenvolvimento da


afetividade, da percepção ampliada e da expansão da consciência ética como
prioridade absoluta.
A capacidade para “cuidar do outro” é despertada quando se trabalham os
potenciais humanos primários, de modo a estabelecer uma integração entre a
dimensão motora, sensorial e o visceral, facilitando a expressão da afetividade,
da cognição e do movimento numa totalidade.
Cuidar de crianças é cuidar da vida num momento em que sua pulsação
é vibrante, e crescente sua disposição para explorar o ambiente que a rodeia.
Os educadores são convidados, pela criança, a participar da aventura de viver
com intensidade.
E todo ser humano que se abre para participar dos rituais de roda e resgatar
sua criança interior, torna-se mais sensível para construir um mundo mais
humano, menos violento... Resgata a verdadeira missão de cidadão universal.
É na roda que se tecem vínculos e se desenvolve um processo para despertar
os educadores, para se perceberem e poderem perceber as crianças com as quais
trabalham e se sensibilizarem para cuidar da vida. Em determinadas situações um
gesto, um movimento, um símbolo e, às vezes, uma palavra é suficiente para despertar
a pessoa. Esta, uma vez desperta, abre-se para evoluir e passa a colaborar com a
construção do mundo que a rodeia. Se for um educador, uma educadora, passa a ser
capaz de facilitar o desenvolvimento do seu aluno, criando condições para ele “ser”.
Que prazeroso é sentir o encontro das mãos na roda e brincar e, dançando,
reencontrar os elos perdidos! Todo educador, toda educadora pode propiciar
esse encontro solidário e cooperativo com as crianças. Fazer uma roda, um
círculo, com as crianças na sala de aula ou fora dela é uma forma de trabalhar
a capacidade da criança, de criar vínculos e tecer redes sensíveis de comunicação.
Os vínculos nascem do olhar, do sorriso, do toque de atenção e cuidado.
A comunicação das crianças ocorre em seu corpo em movimento, que
brinca, ri e chora, e em seus olhos que brilham, na expressão de seu rosto,
em suas exclamações de agrado ou desagrado. Elas nos oferecem sinais para
compreendermos suas vidas e a nossa, basta estar aberto para captá-los.

533
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Cultivando no educador o eterno aprendiz

Nesta pedagogia o educador é estimulado a transformar a própria vida.


Para tanto é preciso estimular sua criatividade para que se disponha a ingressar
nesse processo de transformação, em busca de uma percepção,uma inserção
ampliadas do seu universo e do mundo para poder participar de uma criação
permanente.
Durante essa construção é necessário estar pronto para desapegar-se
das velhas formas de viver, pois o novo exige sempre um desprendimento do
passado. Em toda mudança a pessoa ganha algo, mas também se liberta de algo.
Viver em contato como o novo, com o diferente, é viver um processo de criação.
Ser educador é estar em processo de vir a ser, é estar aberto e fluir. É reeducar-se
continuamente, em comunhão com as crianças, com os pais, com a escola e a
comunidade, com o cosmo em uma relação profunda e comprometida.

Inquietações em relação a tecer uma pedagogia de vida

O que significa tecer uma pedagogia de vida dentro de nossas escolas? Viver
nossa corporeidade que fala? O corpo tem lugar nos bancos de nossas escolas?
Existe uma percepção do processo ensino-aprendizagem em sua totalidade?
O educador ama a criança que é confiada ao seu cuidado? Como olha para a
ela, percebe seus medos, suas certezas e incertezas? As direções das escolas, as
coordenações, conseguem olhar nos olhos dos educadores e enxergar a vida
que ali pulsa? E os planejadores de educação do país, do estado, do município
enxergam as diretoras, as coordenadoras, as educadoras, as crianças, os pais,
as mães e a comunidade como pessoas que necessitam ser compreendidas,
educadas, cuidadas e amadas?
As interrogações acima nos levam à problematização: como transformar
no sistema educacional situações que já não se justificam, como construir novas
formas de educar que possam, ensinar a arte de viver e amar, a arte da justiça,
a ética, a solidariedade, o viver com qualidade e plenitude?

534
biodanza ® : uma pedagogia de vida

Sementes de esperança

Desejamos construir e tecer com sensibilidade uma ação pedagógica nova,


fundada na vida. Convidar os educadores a serem agentes do prazer nas escolas:
do prazer de ensinar e aprender, do prazer de conviver, de descobrir, de inovar,
de renovar e colaborar. Prazer de ser um profissional que faz diferença por suas
ações. Ações atentas às contradições internas e externas de nossa humanidade,
à ética vivencial, à diversidade das etnias, dos gêneros, das idades, culturas etc.
Fazer o que se gosta é autovalorizar-se. Fazê-lo com carinho, diálogo e
consideração pelo grupo, pelo outro é reaprender a gostar das pessoas, não
como quero que ela sejam, mas como elas são, ou como podem estar neste
momento, é estar no trabalho fazendo diferença por sua ação comprometida.
É aprender a qualificar os que ousam ser diferentes, ousam ser criativos... é
dar-se chance para sair da rotina, da mesmice. A qualificação da pessoa pelo
elogio, quer seja dos pais, das mães, dos professores, das(os) colegas, eleva a
autoestima, a capacidade de ação amorosa. Este é um processo que permite
às pessoas se colocarem no ponto de vista do outro, no lugar do outro, numa
relação empática. Cria-se assim um espaço de acolhimento, de bem-estar, um
ninho de gestação e de conexão com o que é invisível aos olhos. Além da fala,
as linguagens do corpo expressam diferentes estados emocionais o que permite
a integração silenciosa.
Acolher, ouvir, ser simples, ser sincero, pedir e sorrir abre espaços para
a criação de vínculos surpreendentes e encantadores, para a criação de uma
educação, de uma poética do encontro em uma multiplicidade de dimensões.
Nesta proposta de formação de educadoras sonhamos com uma escola que
enfatize outras formas de sensibilidade e seja capaz de criar e aceitar muitos
jeitos de expressar e valorizar a vida.
Queremos um viver diferente, que inove sem negar os velhos conhecimentos,
transformando-os, tecendo os saberes de forma afetiva, criativa e solidária.
Em nossa opinião a Biodanza é um instrumento capaz de reconstruir a
teia da vida. Sendo uma atividade essencialmente de grupo, tem a capacidade
de atingir muitas pessoas em diversos tipos de situação econômica e social.
Resgatando um alimento muito em falta em nosso mundo - a amorosidade,
a integridade, a ética e a cidadania. Neste sentido é um instrumento capaz de

535
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

levar às mudanças de paradigma atuais ao coração de cada ser humano, e ao


coração das escolas.

Referências bibliográficas

Cavalcante, R. (Org.) et al. Educação Biocêntrica: um movimento de construção


dialógica. Fortaleza, 1999.
Faleiros, A. M. Professor: a pessoa se transformando profissionalmente. São Paulo,
1998. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da USP.
Fiqueiredo, M. X. B. O jogo da corporeidade na educação: da infância à escola.
Pelotas: Editora da UFPel, 2001.
. Faleiros, Ana Maria; Pereira, Maria Angelina e Silveira, Marina
Borges. Pedagogia do Encontro: tecendo redes de sensibilidade criativa.
In Nicolau, Marieta Lúcia e Dias, Marina Célia Moraes. Oficinas de Sonho
e Realidade na Formação do Educador da infância. Campinas: Papirus,
2003.
Pereira, M. A. Biodança: educar com afeto. Em L. E. R. Valle (Org.), Temas
multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem. São Paulo, SP:
Scortecci.
Silveira, M. B. A arte como uma proposta de desenvolvimento humano na escola.
São Carlos, 2000. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São
Carlos.
Toro, R. Biodanza. São Paulo: Editora Olavobrás/Escola Paulista de Biodanza, 2002.

536
45
A equoterapia e sua
interdisciplinaridade –
o terapêutico além
do movimento
Núcleo Educacional e Terapêutico Vida em Movimento

Claudionor,
Giovana Granchelli,
Jussara Sommerhalder,
Marcos Duran,
Mônica Losso,
Nádia G. Passini,
Sabrina P. Morelli,
Tânia Marcon

Introdução — os benefícios das interações homem-animal

O uso de animais no tratamento de várias doenças tem sido um recurso cada


vez mais usado. Pesquisas têm demonstrado que eles têm um poder terapêutico.
A Terapia Facilitada por Animais (TFA) teve início em 1972 em uma
instituição para deficientes mentais localizada na Inglaterra. Em 1867, animais

537
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

foram usados também em terapias na Alemanha. Foi em 1942 que os terapeutas


perceberam os benefícios da TFA em pacientes com desordens mentais e físicas.
Segundo as pesquisas do cientista e professor de veterinária da universidade de
Zurique, Dennis Turner, alguns dos benefícios encontrados no paciente em contato
com animais são redução da pressão arterial e diminuição dos níveis de colesterol
e stress. Ele tem como uma das hipóteses para esses resultados o fato de que cuidar
ou brincar com um bicho acalma e traz felicidade, fatores que influenciam positi-
vamente na saúde, pois a alegria está diretamente relacionada com a liberação de
endorfina (nosso calmante natural) e esta ao aumento do nosso sistema de defesa.
Em um hospital da Força Aérea em Nova York o cuidado dos animais pelos
soldados feridos com estresse pós-trauma fez parte do tratamento. Os animais
também podem ser úteis com crianças no ambiente escolar e durante as sessões
de terapia com pessoas com desordens mentais, emocionais e/ou físicas. Há
diversos projetos envolvendo diferentes animais, como cães que auxiliam o
processo pedagógico de escolas regulares em bairros carentes, coelhos, peixes
e tartarugas que auxiliam a diminuir o tempo de internação hospitalar, além
de diminuírem o nível de estresse, entre outros.
Um dos diversos estudiosos, Johnson (1983), concluiu que um animal de
estimação, ou uma interação em geral com um animal permitiria uma criança
com deficiência amar e importar-se com algo, e não apenas ser amada por adultos.
De modo geral, um animal pode propiciar a uma criança com necessidades
especiais a oportunidade de dar e receber afeto incondicional (Shawn M. Golden).
É dentro deste contexto que o cavalo surge como um facilitador, fazendo
da equoterapia um rico recurso terapêutico que traz inúmeros benefícios às
pessoas portadoras de necessidades especiais.

Equoterapia e seu contexto histórico

A utilização da prática equestre para regeneração da saúde em geral foi


citada pela primeira vez aproximadamente nos anos 300 a.C. por Hipócrates.
No ocidente moderno esse tratamento tornou-se importante na recuperação
física e psicológica dos mutilados da Segunda Guerra Mundial.

538
a equoterapia e sua interdisciplinaridade – o terapêutico além do movimento

A partir da década de 1950, começaram a surgir os primeiros centros de


equoterapia na Europa e Estados Unidos. Hoje existem mais de 100 entidades
especializadas no assunto. No Brasil esse tratamento chegou nos anos 1980 com
a criação, em 10 de maio de 1989, da Associação Nacional de Equoterapia, a
ANDE-Brasil, com sede em Brasília, também de caráter filantrópico.
Desde 1997 a equoterapia é reconhecida como método terapêutico pelo
conselho federal de medicina e como prática educacional pela secretaria de
educação do Distrito Federal.
A equoterapia é um método terapêutico que utiliza o cavalo como facili-
tador do aprendizado, da socialização e como instrumento cinesioterapêutico,
dentro de uma abordagem interdisciplinar. Dizemos que é uma terapia que
emprega técnicas de equitação e atividades eqüestres e lúdicas para proporcionar
benefícios físicos, psicológicos, educacionais e sociais. Esta prática é caracteri-
zada por uma ampla variedade de estímulos motores, sensitivos e psicossociais,
enriquecendo a intervenção em diversas áreas da reabilitação.

O cavalo como facilitador da aprendizagem

Utiliza-se o termo praticante e não paciente, pois nessa terapia o sujeito do


processo participa ativamente de sua reabilitação na medida em que interage
com o animal.
O cavalo é o indicado, pois é o único animal com movimentos tão completos
(tridimensional) e simétricos. Além disso há todo um contexto histórico envol-
vido no qual o cavalo foi utilizado como meio de conquista, de transporte, de
trabalho, no lazer e no esporte. É um animal dócil, de grande porte e força,
que se deixa montar e manusear e se transforma num amigo do praticante de
equoterapia, criando com ele um relacionamento afetivo importante.
O praticante e o cavalo estabelecem uma relação harmoniosa e conseguem atuar
juntos. O código usado nessa relação é o da afetividade, estabelecido graças à
confiança recíproca. A utilização desse animal produz importante participação
no aspecto psíquico, uma vez que através dele, o indivíduo desenvolve e modifica
atitudes e comportamentos.

539
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Com relação à motricidade, seu movimento tridimensional, semelhante


a marcha humana, exige a participação do corpo inteiro do praticante contri-
buindo, assim, para seu desenvolvimento global. Quando o cavalo se desloca ao
passo, ocorre o movimento tridimensional de seu dorso, havendo deslocamento
nos três eixos: para cima e para baixo, para frente e para trás, para um lado e para
o outro, gerando movimentos complexos de rotação e translação no cavaleiro e
propiciando informações proproceptivas que vão despertar as relações de equi-
líbrio e endireitamento e controle da postura. Com relação à psicomotricidade,
esses movimentos ondulatórios do cavalo influenciam no desenvolvimento do
esquema corporal e na organização espaço-temporal.
Esta é uma das grandes vantagens da utilização do cavalo. O praticante
é incapaz de gerar os movimentos por si só. Sendo assim, o cavalo gera os
movimentos e os transmite ao cavaleiro desencadeando neste um mecanismo
de resposta. Apesar dos movimentos se processarem de maneira muito rápida,
o cérebro os compreende e, a sua repetição, simetria, ritmo e cadência fazem
com que as respostas surjam de maneira rápida.
Considerando que um cavalo executa aproximadamente 60 passos por
minuto, e se uma sessão dura em média 30 minutos, teremos ao final 1.800
passos. Se cada passo produz duas oscilações completas em cada movimento,
imaginem a quantidade de movimento que o cavaleiro pratica durante um
“simples passeio a cavalo”. Apesar da pouca tensão muscular solicitada quando
o cavalo está no passo (andadura mais lenta), a quantidade de repetições torna
a atividade bastante intensa.
Sendo assim, o cavalo atua como facilitador do aprendizado, da socialização
e como instrumento cinesioterapêutico.

Equoterapia e suas indicações

A prática equestre é indicada em casos de incapacitações evolutivas,


e que ocorrem nos âmbitos da motricidade, linguagem, aprendizado, das
relações interpessoais, entre outras; ou seja, essa terapia destina-se a pessoas
com lesões cerebrais (paralisia cerebral, traumatismos crânio-encefálicos,
acidente vascular cerebral — AVC), lesões medulares, malformações do sistema

540
a equoterapia e sua interdisciplinaridade – o terapêutico além do movimento

nervoso central (hidrocefalia, microcefalia, milomeningocele), doenças


neuromusculares (distrofias, amiotrofia espinhal) atraso global do desen-
volvimento, psicoses infantis, demências e síndromes em geral, distúrbios
de comportamento, atenção, e aprendizagem, atraso da fala e comunicação,
deficiência visual e auditiva.

O trabalho interdisciplinar na equoterapia

A equoterapia enquanto recurso terapêutico é complementar as demais


terapias e é desempenhado por uma equipe multidisciplinar que trabalha de
forma inter e transdisciplinar. Os profissionais que podem compor a equipe
são instrutor de equitação, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo,
fonoaudiólogo, pedagogo, médico neurologista (responsável pelas avaliações
para indicação desta prática), entre outros.
Em um ambiente facilitador, os membros da equipe mobilizam o praticante
a desenvolver melhora das capacidades adaptativas e das funções orgânicas,
psicológicas e de interação social, através de informações sensoriais (movimento
tridimensional, variável, rítmico e repetitivo) e atividades dirigidas.
Cada profissional é responsável por avaliar o paciente, e junto a equipe,
traçar os objetivos a serem alcançados com essa terapia. Cabe também a cada
terapeuta interpretar diagnósticos, verificar e encaminhar exames específicos
se necessário, realizar orientações aos responsáveis e trocar informações entre
profissionais da equipe e também entre os terapeutas que atendam o praticante
fora do setting equoterápico.
Para que o trabalho possa fluir com todo o seu potencial, é necessário
que cada profissional tenha claro a importância dos seus três relacionamentos
básicos na equoterapia: terapeuta X praticante, terapeuta X família e terapeuta
X terapeuta.
Por motivos didáticos, iremos expor os objetivos de cada área separada-
mente, mas é importante salientar que a grande maioria dos objetivos citados
são comuns a diferentes áreas.

541
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Médico

Fica na responsabilidade do médico a indicação e a contraindicação da


equoterapia, assim como estabelecer e esclarecer o diagnóstico do praticante para
a equipe. O médico não trabalha diretamente com o indivíduo na equoterapia
como os outros profissionais; ele não atua no ambiente equoterápico, mas,
através do diálogo interdisciplinar participa de discussões do caso para traçar
objetivos esclarecendo dúvidas pertinentes a sua área, e acompanha a evolução
do indivíduo em terapia.

Instrutor de equitação

O instrutor tem o papel fundamental de escolher o animal adequado


para a equoterapia bem como de prepará-lo para a sessão (higiene, material de
arreamento). Sua atuação varia de acordo com o programa em que o praticante
se encontra. No primeiro (hipoterapia), o equitador faz o papel de auxiliar guia,
ou seja, é ele quem conduz o cavalo e realiza circuitos e mudanças de velocidade
no passo do animal. Para isso, deve manter diálogo com equipe terapêutica para
saber quais os objetivos para cada praticante e qual conduta deve ser tomada. Já
nos outros dois programas (educação-reeducação e pré-esportivo), o equitador
conduzirá as sessões buscando o ganho de independência do indivíduo enquanto
montado, noções básicas de equitação, o despertar da satisfação de montar,
melhorar a flexibilidade e a fixidez (ausência de movimentos involuntários
durante a montaria), e combater as alterações posturais.

Fisioterapeuta

Durante a sessão de equoterapia a função do fisioterapeuta é inibir a reali-


zação de movimentos anormais e facilitar a realização dos normais, e orientar
o restante da equipe quanto ao melhor posicionamento para o praticante.
Este profissional se utiliza dos movimentos da andadura do cavalo para
buscar um melhor alinhamento postural, melhora nos ajustes posturais e,
consequentemente, nas transferências de peso e no equilíbrio, ganho da memória
do movimento visando um aprendizado além do tratamento, desenvolvimento

542
a equoterapia e sua interdisciplinaridade – o terapêutico além do movimento

do controle cervical e de tronco, ganho de mobilidade principalmente de tronco


e pelve, alongamento muscular global, melhora dos componentes rotacionais e
conseqüentemente melhora nas dissociações dos membros, aumento de força
muscular global, trabalho de coordenação motora global, e busca de simetria
na postura e nos movimentos.
Um outro aspecto muito trabalhado nessa terapia é o tônus muscular, e
o objetivo fisioterápico varia de acordo com o quadro, ou seja, busca-se um
relaxamento através do passo lento para aqueles com tônus aumentado, e vice-
-versa (aumento do tônus através do passo mais acelerado para aqueles com
quadro de hipotonia).

Terapeuta Ocupacional

O Terapeuta Ocupacional (T.O.) desenvolve seu trabalho através do uso da


atividade, e é através dela que o indivíduo explora a natureza de seus interesses,
necessidades, capacidades e limitações; além disso desenvolve a motricidade, as
funções percepto-cognitivas, aprende uma série de atitudes sociais e interpes-
soais, comportamentos necessários para o domínio de tarefas vitais e manejo
dos elementos de seu meio ambiente.
Na equoterapia o T.O. tem como objetivo geral, promover ao praticante a
maior independência e autonomia possível, através do desenvolvimento de suas
potencialidades, visando a qualidade de vida e suas relações sociais.
Tem como objetivos específicos favorecer a conscientização de seu
próprio corpo, incentivar o prazer pelo lúdico e pela atividade, para, através
de seu usufruto, haver o desenvolvimento de aquisições, estimular o desen-
volvimento cognitivo do praticante bem como a percepção visual, auditiva,
tátil e proprioceptiva, favorecer a integração sensorial, restaurar capacidades
perdidas e/ou evitar novos déficits promovendo novas formas de desempenho
ocupacional, trabalhar a coordenação motora fina e noção de atividades de
vida diária (AVDs).
Percebemos a importância da atuação terapêutica ocupacional na equipe
terapêutica para o desenvolvimento de atividades relacionadas ao ambiente
equoterápico, adequando os estímulos para que o praticante tenha maior

543
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

percepção enquanto sujeito participativo do contexto social, ao apropriar-se


de seu corpo e ao usufrui suas habilidades, adaptando-se aos contextos de
desempenho, descobrindo assim, novas formas de sentir-se inteiros.

Fonoaudiólogo

A fonoaudiologia é uma ciência que realiza o estudo, a estimulação, a


habilitação e reabilitação da linguagem e audição humanas através de seus
conceitos gestuais, orais ou escritos.
A comunicação humana envolve sempre uma gama de conhecimentos e
aprendizados diários que dizem respeito a todas as vivências do ser humano
e, portanto, vivenciar um momento com um animal de grande porte, dócil e
com passo ritmado já proporciona por si só um estímulo muito grande para
a composição de um repertório de linguagem e uma produção mais rica na
fala. Deve-se levar em conta também o ambiente tranquilo, a proximidade
com a natureza e a presença de fatores externos como o sol, a sombra, o vento,
os ruídos ambientais e de animais, o cheiro do cavalo e da baia, fatores que,
em consonância, fazem do momento da terapia um grande motivador de
criatividade, disposição e interesse para o praticante.
Na equoterapia, o recurso mediador (o cavalo), com suas estimulações
específicas e adequadas a cada praticante, principalmente no que se refere ao
ritmo e batida do passo, leva o fonoaudiólogo a obter de maneira mais rápida
e eficaz a reabilitação da voz, da fala, linguagem e audição.
Os principais objetivos são: proporcionar estimulação dos sentidos, a
coordenação motora global, estimulação da memória (de trabalho e fonológica),
desenvolvimento motor, linguístico, comportamental e cognitivo, esquema
corporal, reabilitar o sistema estomatognático, aprimorar sequência lógico-
-matemático, simbolização, integração da identidade rítmica.

Pedagogo

Como já citado, a atividade cerebral está aumentada em resposta aos estí-


mulos dados pelo cavalo. Isso faz com que o tempo de atenção e concentração

544
a equoterapia e sua interdisciplinaridade – o terapêutico além do movimento

também aumentem, tornando esta prática favorável como facilitadora do


processo de aquisição de conhecimentos.
Na equoterapia é possível desenvolver inúmeras atividades as quais
englobam diversas áreas do conhecimento como leitura e escrita, lógico-
-matemático e físico e social de forma lúdica, divertida e significativa.
Em uma sessão, realizamos atividades complementares as da sala de aula,
ou seja, com os mesmos objetivos, porém nos valendo de estímulos do ambiente
e do cavalo, bem como dos materiais devidamente adaptados de forma a suprir
as necessidades especiais encontradas, que são diferentes das da sala de aula.
O pedagogo deve buscar adaptar as atividades a serem realizadas, partilhar
com a equipe os aspectos pedagógicos a serem trabalhados e participar ativa-
mente da concretização de outros objetivos propostos pelo restante da equipe.

Psicólogo

Em meio a este processo terapêutico, não podemos isolar a problemática


familiar. Ao assumir um tratamento, a família carrega suas expectativas, suas
angústias, medos, sentimentos de culpa, ansiedade etc., além de enfrentar geral-
mente a incompreensão, o preconceito e o isolamento social. Muitas vezes esse
quadro leva a uma relação muito peculiar desses pais com seus filhos portadores
de necessidades especiais, nem sempre favoráveis ao desenvolvimento deste,
como a superproteção, o abandono, conflitos entre o casal ou com outros filhos,
entre outros.
O acompanhamento e a orientação individual ou em grupo da família
é tão importante quanto o atendimento ao filho. Apenas compreendendo
e elaborando de modo adequado seus sentimentos é que estarão aptos a
perceber a condição real e as possibilidades de desenvolvimento de seus filhos,
de estabelecer metas reais a serem alcançadas, de se envolver no processo e
assumir suas responsabilidades, formando assim com a equipe terapêutica
uma parceria vitoriosa.
Temos ainda que considerar que o praticante de equoterapia encontra
dificuldades em expressar seus sentimentos e comportamentos inerentes a sua
condição, bem como no que se refere a sua relação com o outro, manifestando

545
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

resistência, apego excessivo, e outras atitudes que comprometem sua esponta-


neidade e desempenho no meio.
Neste sentido, o psicólogo é um facilitador na formação de vínculos afetivos
e na expressão de seus desejos e oferece formas através das quais ele possa se
desenvolver como um ser pleno e capaz de encontrar seu modo de ser no
mundo, incentivando-o ao autoconhecimento e oferecendo condições para
inter-relacionamentos.
Considerando a noção de que o homem é um ser total, concebemos o
trabalho da psicologia na equoterapia como a prioridade de percebê-lo em seus
aspectos emocionais, com atenção às suas frustrações, à sua carência afetiva,
autoestima, criatividade etc. São evidentes os benefícios que esse trabalho pode
trazer em relação aos aspectos psicológicos: melhora na autoestima e auto-
confiança; sensação generalizada de bem-estar; condição para desenvolver a
afetividade (vínculos); aquisição de autonomia; socialização; re(inserção) social;
modificação de comportamentos inadequados; expansão do controle; superação
de fobias; capacidade de decisão; controle emocional e autodisciplina.
Ainda podemos considerar o papel do psicólogo em relação à equipe, no
sentido de “traduzir” ou esclarecer para a equipe o funcionamento mental
do praticante e as implicações e decorrências nos aspectos social, familiar e
pessoal, bem como auxiliar na elaboração do plano de intervenção, enfatizando
a afetividade.

Considerações finais

No contexto da equoterapia dois atores são fundamentais: o praticante


e o cavalo. Porém esse binômio exige a intervenção de agente para dinamizar e
operacionar o método terapêutico, a equipe.
Num momento em que família e praticante buscam um caminho sem
barreiras nem preconceitos, surge a equoterapia trazendo um ser tão vivo
quanto eles disposto a dar e receber afeto, motivação e alegria. Um ser que vai
além de proporcionar movimentos complexos e “perfeitos” (simétricos); ele é
capaz de tocar de maneira carinhosa e gentil as pessoas que com ele convive,

546
a equoterapia e sua interdisciplinaridade – o terapêutico além do movimento

respeitando as limitações de cada um e, dessa forma, propiciando importantes


transformações.
Usamos recursos que os portadores de necessidades especiais gostam
(cavalo, músicas, brincadeiras) para aumentar sua atenção e levar os estímulos
para as áreas que estão afetadas. De outra maneira, podemos dizer que usamos
a força deles para alcançarem suas próprias fraquezas.

Referências bibliográficas

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Paulo.
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e melhoram o ânimo de crianças e idosos. Revista Isto é — 2/2004.
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Os bichos tornam nossa vida mais saudável — www.arcabrasil.org.br
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ajuda misteriosa dos golfinhos — www.terra.com.br/istoe/ciencia/148813.htm
Bichos terapêuticos - www.marlytocantins.com.br/anterior6.htm

547
46
Acupuntura, cinco elementos
e cinco emoções
Jorge G. Splettstoser

O que nos chamamos de Acupuntura aqui no ocidente é na verdade um


sistema complexo de medicina que envolve o indivíduo como um todo.
Desde suas relações consigo próprio, como a alimentação de acordo com sua
constituição e épocas do ano; suas vestimentas, seu repouso e horários que devem
ser feitos; exercícios físicos acompanhando os movimentos do Sol tanto diário
como também nas estações do ano; suas emoções, filosofia de vida, cuidados em
cada uma das idades. As relações e posturas com o ambiente, com o clima, com
o movimento dos astros e das estrelas, em fim com o todo. Portanto, Acupuntura
(punção com agulhas) é apenas parte do universo da Medicina Tradicional Chinesa.
A origem desse sistema de preservação da saúde e cura de doenças perde-se
no tempo. Para alguns historiadores ela nasceu com o ser humano, ou seja, desde
que o homem passou a se observar com o objetivo de aliviar seus sofrimento, foi
aprendendo que apertando em certas áreas do seu corpo conseguia resultados
favoráveis. Como exemplo clássico, podemos citar o fato de instintivamente
coçarmos uma área da cabeça quando queremos lembrar de alguma coisa, pois
bem, hoje sabe-se que no topo do crânio existe um ponto que ao ser estimu-

549
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

lado ativa a memória. Através de constatações como estas, descobertas eram


realizadas e passadas oralmente de geração para geração. Ao longo de milênios,
esse povo, orientado pelo taoísmo (uma espécie de filosofia, ciência ou religião,
espécie porque seus princípios vão muito além da nossa concepção ocidental
de filosofia, ciência ou religião) aprimorou seus estudos, que visavam o melho-
ramento das capacidades humanas, favorecendo um alto grau de percepção
que levou à um aperfeiçoamento desta medicina. Diz-se que ouve um tempo
na China em que uma civilização muito antiga chegou a uma tal perfeição
dessa arte de curar que os homens seguindo seus ensinamentos construíram
uma sociedade paradisíaca, sabendo satisfazer suas reais necessidades físicas
mentais e espirituais, preveniam doenças e viviam mais de cento e vinte anos.
Embasada na observação da natureza com a finalidade de se harmonizar
com ela, contrário ao nosso modo ocidental de dominação, encaravam o universo
como um todo indivisível e imutável o TAO. Eles mesmos diziam que o TAO
é invisível, inexplicável, indizível, porém é dele que tudo emana e se manifesta.
As coisas manifestas, ou seja, o universo material desde átomos até as estrelas,
assim estão devido a movimentação e interação das forças contrárias e comple-
mentares. Para os chineses a energia emanada do TAO tem dois aspectos o Ynn
de polaridade passiva ou negativo (a água, a noite, a mulher, a Lua, o frio, a
contração etc.) e o Yang de polaridade ativo ou positivo (o fogo, o dia, o homem,
o Sol, a expansão etc.). No pensamento taoista tudo é dinâmico e relativo, pois
uma coisa é Ynn em relação a outra Yang, que pode ser Ynn em relação a outra.
Tomemos o dia como exemplo: O nascer do Sol é Yang em relação à noite, mas é
Ynn em relação ao meio-dia que é o máximo do Yang. Mas quando uma dessas
forças chega ao seu máximo ela começa a decair dando lugar ao seu oposto, é
justamente a partir do meio-dia que o Sol vai diminuindo sua incidência na terra
e portanto dando lugar paulatinamente ao resfriamento, pois de quinze horas em
diante notamos que o dia vai se refrescando, portando às doze horas o frio Ynn
foi chegando. O por do sol é Ynn em relação ao meio-dia, mas é Yang em relação
à meia-noite que é o máximo do Ynn, mas novamente aqui que renasce o Yang.
Conforme o movimento e quantidade do Ynn/Yang, o fluxo do TAO se
manifesta em um dos cinco elementos. O FOGO é o máximo do Yang, a TERRA
é neutra, a quantidade de Ynn e Yang se equiparam; o METAL tem Ynn por
fora e Yang por dentro; a ÁGUA é o máximo do Ynn e a MADEIRA tem Yang
por fora e Ynn por dentro.

550
acupuntura , cinco elementos e cinco emoções

Aprofundando sua sensibilidade, os taoistas aprenderam a colocar as


forças cósmicas a seu favor, tirando sua subsistência de uma maneira sábia
e preservacionista, bem como cuidar da saúde e desenvolver-se física mental e
espiritualmente. Essa é a origem da famosa sabedoria chinesa.
Pelo que se tem notícia, foi durante o reinado do lendário Imperador
Amarelo, que para alguns foi um tirano cruel e para outros um ser iluminado. Os
que assim pensam dizem que ele reinou com justiça e sabedoria transformando
a China num verdadeiro paraíso de desenvolvimento das ciências e das artes.
A Acupuntura ganhou seu primeiro documento escrito quando o imperador
Huang Ti chamou seu médico Qui Po e numa forma de perguntas e respostas
foram compilando os ensinamentos dessa ciência/arte. Esses ensinamentos
foram registrados no famoso livro chamado Ney Ching.
Ali estão todos os elementos que possibilitam ao aprendiz e aos experimen-
tados praticantes conhecerem e estudar como praticar a Medicina Tradicional
Chinesa, bem como as regras para aplicação das agulhas, da moxa (estimulação
dos pontos pelo calor) e das massagens shiatsu e do-in.
Para nós, ocidentais cartesianos, é um tanto complicado compreender a forma
do pensamento chinês, pois o paradigma deles era completamente diferente do
nosso e exige do interessado um desprendimento e abstração pouco comum na
nossa maneira de pensar e enxergar o mundo. Além de que os chineses viam o
mundo como uma “interação” de forças, contrário a nossa maneira de entender
os fatos como “causa e efeito” lineares. Os chineses valorizavam muito a intuição e
se dedicavam a desenvolver essa capacidade com práticas como o Tai Chi Chuam
que visava se harmonizar com a natureza. No nosso mundo, apenas agora começa
a ter um certo valor o despertar dessas capacidades.

Como é o tratamento pela Acupuntura (Medicina Tradicional


Chinesa)?

A base de todo o entendimento é o taoísmo, que vê o homem como uma


réplica do Universo, micro e macrocosmos interagindo num equilíbrio dinâ-
mico. Se nós pensarmos que um átomo tem a mesma forma do sistema solar,
talvez fique mais fácil compreender essa maneira dos chineses encarar o mundo.

551
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Observando o movimento do Sol através dos dias, conhecendo as modifica-


ções que acontecem aqui na Terra por conta das estações do ano, das mudanças
climáticas, da influencia do frio e do calor, da secura e da umidade, dos ventos.
Verificando como essas forças refletiam na maneira de ser do homem, seu estado
emocional, saúde e doença, foram aprendendo a se harmonizar com as energias
cósmicas e tirar proveito disto.
Um conceito fundamental no taoísmo é que o TAO flui sem cessar, está
em constante movimento. É esse fluxo de energia gerado pelas forças opostas e
complementares que gera todas as coisas tanto no macrocosmos (as estrelas, os
planetas o Sol e a Terra) como no microcosmos (os seres vivos como o homem)
seu nome é Ki ou Chi pronunciando-se Tchi. Quando essa energia flui sem
obstáculos pelo corpo humano a pessoa esta saudável, se surge um desequilíbrio
ou obstrução, vem a doença.
A energia Chi flui no organismo através de canais superficiais na pele que
são conhecidos como meridianos (hoje usando-se isótopos radiativos alguns
desses canais já foram observados por cintilografia). Existem doze pares de
meridianos principais que estão conectados aos órgãos e visceras. Seis são Ynn
e outros seis são Yang, assim temos seis pares, cada um pertencendo a um dos
elementos e dois pares são do elemento fogo. Cada elemento também tem seu
caráter Ynn/Yang, os órgãos maciços são Ynn, a saber pulmão, rim, fígado,
coração e baço-pancreas. As visceras são Yang, intestino grosso, bexiga, vesícula
biliar, intestino delgado e estomago. Os elementos são:

Ynn Yang
Metal pulmão intestino grosso
Água rim bexiga
Madeira fígado vesícula biliar
Fogo coração intestino delgado
Terra baço-pâncreas estomago

O elemento fogo porém tem mais dois pares que são circulação sexualidade/
triplo aquecedor.

552
acupuntura , cinco elementos e cinco emoções

Ainda temos dois meridianos importantes que correm na linha mediana do


corpo, um na parte dianteira e outro em cima da linha apofisária nas costas, são o
vaso governador atrás e o vaso da concepção na frente. Estudos atuais atribuem-
-lhes correspondência com os nervos simpático e parassimpático. Encontramos
também outro grande número de meridianos secundários que servem de ligações
entre os meridianos principais, são importantes recursos terapêuticos.
Os doze meridianos principais, no entanto, são pares já que se iniciam e
terminam nas pontas dos dedos, como temos dois braços e duas pernas temos
um meridiano para cada lado do corpo.
Aqui também existe a relação Ynn/Yang, para os homens o lado esquerdo é
Yang em relação ao direito e o inverso se dá com as mulheres. Intestino grosso,
triplo aquecedor e intestino delgado, todos Yang, têm origem no segundo
(indicador), quarto e quinto dedos das mãos respectivamente, sobem através
dos braços e terminam no rosto. Pulmão, circulação sexualidade e coração (Ynn)
se iniciam na parte superior do tórax e terminam no dedão, terceiro e quinto
dedos respectivamente. Fígado e baço-pâncreas iniciam-se no dedão do pé, o
rim tem sua origem na planta dos pés, são Ynn, sobem pela perna e terminam
no tórax. Vesícula biliar, bexiga e estômago (Yang) iniciam no rosto, descem
todo o corpo para terminar no segundo quarto e quinto artelhos. Conhecer
seu trajeto origem e término é de extrema importância para o diagnóstico e
tratamento das doenças.
Ao longo dos meridianos estão os pontos de acupuntura, principal foco de
tratamento, pois é através deles que vamos interferir na circulação de energia
seja tonificando nas faltas, desobstruindo, ou sedando nos excessos. Existem nos
principais meridianos trezentos e sessenta e cinco pontos, não por coincidência o
mesmo numero de dias do ano. Aqui vemos a integração do micro com o macro.
Os pontos de maior influência estão localizados do cotovelo às pontas dos
dedos da mão e do joelho às pontas dos artelhos, pois como eles têm término e
origem nessas regiões, são ai que são feitas as trocas e portanto são mais susce-
tíveis de interferência. Não obstante usamos todos os pontos para tratamento.
Além do equilíbrio entre o Ynn/Yang, é de suma importância para a manu-
tenção da saúde a harmonia entre os cinco elementos, pois dele depende a saúde
dos órgãos e das vísceras que são os responsáveis pela manutenção do organismo.

553
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

O tratamento pelas agulhas segue algumas leis que foram observadas na


natureza. O primeiro diagnóstico é dirigido ao equilíbrio entre o Ynn/Yang.
Depois busca-se qual dos elementos está em vazio, estagnação ou demasia
provocando a desarmonia e por último qual dos meridianos está sofrendo.
Aparentemente simples, o diagnóstico na Medicina Tradicional Chinesa no
entanto é uma arte que exige muito empenho do profissional, pois o paciente é
minuciosamente examinado. Sutilezas como coloração, temperatura, pulsações,
vascularização de cada milímetro quadrado são levadas em conta. Capítulo
à parte é a tomada do pulso radial, esse revela em suas mínimas flutuações o
estado de energia do corpo e dos meridianos, é um estudo muito vasto.
O tom da voz, a língua, os pequenos vasos tudo é considerado. O conceito de
micro e macro também é bastante enfatizado, pois em cada uma das partes do
corpo, todo o organismo é representado, como nas plantas do pé, nas palmas
das mãos, na orelha, no abdome, no rosto. Comprovadamente existe uma
inter-relação, um ponto doloroso no lobo da orelha pode estar denunciando
um problema no olho. Esse mesmo ponto tratado por uma agulha pode resolver
essa patologia. Como as partes revelam o todo, servem tanto no diagnóstico
como no tratamento.
Como o homem está em constante interação com a natureza, ele sofre
ataques dela como os excessos de calor ataca os órgãos e vísceras do Fogo, frio
ataca a Água (Rim/Bexiga), umidade a Terra (Baço-pâncreas/Estômago), secura
o Metal (Pulmão/Intestino grosso), ventos a madeira(Fígado/Vesícula biliar). Em
Medicina Chinesa é chamado de energias perversas; nesses casos o tratamento
visa drenar essa energia aliviando o mal.
Outra forma de provocar doenças são as emoções; para os taoistas existem
cinco emoções que estão também relacionados com os cinco elementos e
portanto com os órgãos, vísceras e os meridianos. São elas:

Ataca Transtorna
Medo Água rim / bexiga
Raiva Madeira fígado / vesícula biliar

554
acupuntura , cinco elementos e cinco emoções

coração /
intestino delgado
Alegria Fogo
circulação sexualidade /
triplo aquecedor
baço-pâncreas/
Melancolia Terra
estômago
pulmão /
Tristeza Metal
intestino grosso

Também o modo de vida, os excessos, a constituição são considerados como


agentes patogênicos como na nossa medicina ocidental, afinal o ser humano é
um fato, a maneira como estudamo-lo é que diferencia as conclusões.
O tratamento respeita algumas leis que foram constatadas ao longo dos
milênios, por exemplo a lei MÃE/FILHO. Como cada horário do dia tem a sua
quantidade de Ynn/Yang, são também relacionados com os pares de meridianos,
que seguem um ciclo e uma sequência. A vida começa com a primeira respiração,
para o pensamento chinês o feto e mãe são uma unidade, somente ao nascer
após o primeiro suspiro nós somos uma individualidade. Portanto o primeiro
meridiano do ciclo das vinte e quatro horas é o pulmão órgão do metal. Isso
acontece às três horas da madrugada, é o horário em que esse órgão está no
máximo de sua atividade e dura até às cinco horas. Depois vem o intestino
grosso seu par yang, também com duração de duas horas. Assim por diante,
seguindo a sequência aparece o estômago, Yang da terra, das sete às nove. De
nove às onze vem o baço-pâncreas Ynn da terra. De onze às treze é horário
do coração Ynn do fogo seguido de treze às quinze pelo intestino delgado Yang do
fogo. A bexiga Yang da água tem seu horário das quinze às dezessete e seu par
Ynn o rim das dezessete às dezenove. Aqui aparece uma diferença, pois o ciclo
volta da água para o fogo que é o único elemento que tem quatro meridianos;
aparece o seu Ynn que é a circulação sexualidade de dezenove as vinte e uma,
seu par, o triplo aquecedor Yang, de vinte e uma às vinte e três. Das vinte e três
à uma vem a vesícula biliar Yang da madeira e por ultimo o fígado que termina
o ciclo da uma às três para recomeçar com o pulmão.

555
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A lei MÃE/FILHO segue essa ordem pois o meridiano precedente é mãe e


nos vazios é ele que deve ser ativado. Por exemplo, se o intestino grosso está em
vazio pode-se tonificar o pulmão. Em caso de excesso o filho deve ser dispersado:
exemplo se o intestino grosso está cheio o estômago deve ser esvaziado para
drenar a energia do intestino.
Uma outra lei é dos CINCO ELEMENTOS: Eles também estão numa
sequência, O FOGO gera a TERRA que gera o METAL que gera a ÁGUA que
gera a MADEIRA que gera o FOGO.
Para tratar um vazio no meridiano do coração que é do Fogo eu tonifico o
meridiano do fígado que é Madeira. Um outro aspecto dessa lei é o ciclo de controle:
FOGO controla METAL, pois o fogo derrete o metal, METAL controla MADEIRA,
a lâmina corta a árvore, MADEIRA controla a TERRA, as raízes segura a terra,
TERRA controla ÁGUA, formando barreiras num açude a terra segura a água e
ÁGUA controla o FOGO, pois a água apaga o fogo. Assim para tratar um excesso
no meridiano do fígado (madeira) eu tonifico o meridiano do pulmão (metal).
Existem ainda muitas outras leis para o tratamento; vamos falar de mais
uma delas que também é muito importante tanto para o diagnóstico como para
fins terapêuticos. A distribuição das partes do corpo com relação ao Ynn/Yang.
A cabeça é o máximo do Yang, os pés são o máximo do Ynn; o tórax é Ynn em
relação à cabeça mas é Yang em relação ao abdome, que por sua vez é Yang em
relação aos membros inferiores. A parte da frente é Ynn, as costas Yang. Portanto
para tratar da cabeça, dependendo do diagnóstico, usa-se pontos dos pés.
A maneira de inserção das agulhas também varia dependendo da necessi-
dade. Para tonificação as agulhas ficam no local por volta de três minutos, são
colocadas na direção do fluxo do meridiano (o meridiano do pulmão desce pelo
braço, então coloca-se a agulha no ponto com o cabo voltado para a cabeça) e o
retirá-la deve-se obstruir o orifício, que aqui fazemos com um algodão molhado
em algum anticéptico. Para sedação a agulha permanece por volta de vinte
minutos, é colocada na direção contraria ao fluxo e ao ser retirada deixa-se o
orifício aberto.
Para acupuntura o paciente é individualizado, cada um é tratado de acordo
com seu desequilíbrio, constituição, pois também existe uma classificação do
indivíduo dentro dos cinco elementos, estado mental etc.

556
acupuntura , cinco elementos e cinco emoções

Seguindo os ciclos da natureza, de acordo com suas estações, as variações


climáticas os chineses desenvolveram mais que um tratamento, um sistema
preventivo de doenças. Começando pelo horário de acordar: No verão devemos
acordar antes do nascer do Sol, pois isso permite que fortaleçamos nossa energia
Yang. No outono e primavera devemos acordar junto com o Sol, assim estamos
protegendo nossas energias tanto a Ynn como a Yang. No inverno devemos
acordar depois do nascer do Sol para defendermos nossas energias.
De acordo com o estado de energia devemos nos alimentar, se somos do
Fogo devemos carne de carneiro, Madeira carne de galinha, Terra carne de vaca,
do Metal carne de cavalo e da Água carne de porco. Isso também varia de acordo
com as estações do ano: Verão é estação do fogo. Entre o verão e outono existe
uma pequena estação que eles chamavam de veranículo que está relacionado
à Terra; o outono é estação do Metal, inverno da Água e primavera é estação
da Madeira. De acordo com essa visão universal e de inter-relação os chineses
criaram aquela sociedade paradisíaca contada em lenda e prosa pela arte oriental.
Todo o conhecimento aí exposto vem de cinco mil anos atrás. De lá para cá
muita coisa aconteceu, guerras avassaladoras entre dinastias, invasão europeia
que destruiu com autoestima dos chineses, a revolução comunista que foi
contra toda tradição proibindo a prática da acupuntura. Mas, apesar de tudo
a Tradicional Medicina Chinesa, de onde vem o tratamento com as agulhas,
sobreviveu a tudo e permanece encantando aqueles que se dedicam ao seu
estudo. Só por esse motivo ela já teria aval no cenário médico contemporâneo.
A acupuntura chegou ao Ocidente no século 16 com os jesuítas, porém,
por falta de compreensão, foi deixada no esquecimento. No início do século
XX o francês Solie de Mourrant, que prestava serviços na China para a Cruz
Vermelha, ficou impressionado com os efeitos das agulhas na recuperação dos
doentes que eram acometidos pela epidemia. Dessa forma dedicou-se muitos
anos estudando com autênticos mestres da arte e trouxe para o ocidente um
tratado que possibilitou uma compreensão mais profunda. Fez uma relação dos
termos chineses com os órgãos conhecidos por nós e de lá para cá a Acupuntura
não parou de ser usada e desenvolvida.
Estudos modernos têm demonstrado que a acupuntura promove um
aumento nos anticorpos, nos hormônios e nos neurotransmissores. Promovendo
uma melhora no quadro geral.

557
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Qualquer doente pode ser tratado com acupuntura, da mesma forma que
qualquer doença. Hoje em dia as aplicações dessa arte médica estão sendo
empregadas em todos os setores da medicina, da psiquiatria à oncologia; no
tratamento das dores crônicas, na anestesia inclusive de grandes cirurgias etc.
Também tem um largo uso na veterinária e por incrível que pareça na agricultura.
Unindo forças, com o arsernal científico moderno a acupuntura vai sem
dúvida ser elucidada e muitos benefícios serão conquistados para uma medicina
mais preventiva, menos invasiva e muito barata favorecendo uma vida melhor.

Referências bibliográficas

Patogenia y patologia energéticas em medicina China Tratamiento por


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Gleiser, M. A Dança do Universo (Dos Mitos de Criação ao Big-Bang) São Paulo:
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558
47
Desenvolvimento de
Interfaces Pessoa -
Computador (IPC) e suas
contribuições para a
reabilitação
Elizeu Coutinho de Macedo

Introdução

A Ergonomia Cognitiva é uma disciplina que estuda a interação entre


as pessoas e os computadores, a fim de determinar a adequação dos sistemas
computacionais às necessidades dos indivíduos. Os conhecimentos produzidos
por esta disciplina têm sido aplicados na construção de: computadores pessoais,
sistemas operacionais, aplicativos e criação de páginas da Internet (Macedo e
Capovilla, 1998). A popularização dos computadores pessoais, nos últimos 20
anos, pode ser explicada, em parte, pela aplicação dos princípios da Ergonomia
Cognitiva no desenvolvimento de interfaces gráficas universais e mais amigá-
veis do tipo WIMP (Window, Icon, Menu, Pointer). Desde o início da década
passada, novas aplicações foram desenvolvidas baseadas em interfaces do tipo

559
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Non-WIMP, tal como aquelas observadas em videogames interativos, tablets


e aparelhos celulares.
Estas novas interfaces diferem das WIMPs pelo fato de o usuário interagir
com o equipamento de forma contínua, paralela e multimodal. As aplicações
baseadas em interfaces Non-WIMP já são usadas de forma generalizada em
aplicações de realidade virtual. Assim, nos últimos anos tem sido observado o
aumento de aplicações Non-WIMP na criação de interfaces para: jogos, sistemas
inteligentes, canetas eletrônicas e sistemas de detecção do movimento ocular.
Embora o desenvolvimento destas novas interfaces tenham tornado mais
fácil e intuitivo o uso dos computadores, jogos e equipamentos de uso domés-
ticos, uma parcela significativa de pessoas carece do uso de interfaces mais
adequadas em função de suas características cognitivas, motoras e sensoriais.
O desenvolvimento de novas interfaces para o uso do computador por estas
pessoas possibilitará a criação de novas condições para o trabalho de reabilitação.

Desenvolvimento de interfaces para pessoas com distúrbio


motor severo

Pessoas com distúrbio motor severo e incapaz de verbalizar frequentemente


apresentam grandes dificuldades para comunicar seus desejos, pensamentos e
necessidades. Em alguns casos observa-se uma tentativa do uso dos limitados
movimentos voluntários para se comunicar com seus familiares, amigos e outros
cuidadores. Algumas pessoas podem mover as mãos com maior precisão, piscar
os olhos voluntariamente, movimentar os olhos e a língua.
A Tecnologia Assistiva é uma área que procura desenvolver equipamentos
que ajudem estas pessoas a usar seus movimentos voluntários para controlar o
computador. Isto permite com que o usuário possa expressar seus sentimentos,
emoções e potencialidades intelectuais. Além de possibilitar um aumento na
capacidade comunicativa, pessoas com distúrbio motor severo podem se bene-
ficiar do acesso ao computador de diversas outras formas. Assim, tais pessoas
podem adquirir novos conhecimentos de maneira mais ativa, envolver-se em
atividades criativas, usar a internet e controlar equipamentos como cadeiras
de rodas automatizadas.

560
desenvolvimento de interfaces pessoa - computador ( ipc )

Sistemas de Tecnologia Assistiva baseados em diferentes dispositivos


de acionamento para controlar computadores já vêm sendo usados desde a
década de 1980 e ainda continuam bastante populares (Perkins e Stenning,
1988) mais de 30 anos depois. Tais dispositivos de acionamento podem ser:
botões, alavancas, pedais, com mouse adaptado, ou ainda sensores de sopro,
som, inclinação, proximidade ou qualquer outro dispositivo acionado por
movimentos voluntários. Uma das grandes limitações destes dispositivos
é o registro de apenas dois tipos de resposta: acionado e desligado. Esta
característica faz com que seja necessário o desenvolvimento de programas
específicos de computadores. Entretanto, alguns sistemas operacionais
desenvolvidos mais recentemente já apresentam recursos de acessibilidade
que possibilitam a configuração destes dispositivos para serem usados em
tablets e computadores pessoais.

Dispositivos de acionamento por movimento de cabeça

Pessoas com restrição motora que mantenham ainda a capacidade de


rotacionar a cabeça podem usar outros dispositivos tecnológicos que tornem
mais rápida e ampla a utilização do computador. Estes equipamentos tipi-
camente funcionam com a emissão de raios infravermelhos. Assim, alguns
destes equipamentos podem ser conectados aos óculos do usuário, capacetes,
ou em uma faixa presa na cabeça, como os comercializados pela empresa
americana Don Johnston Inc. (http://www.donjohnston.com). Outros equi-
pamentos são posicionados sobre o monitor de vídeo e usam um refletor
de infravermelho posicionado na testa ou nos óculos do usuário como os
comercializados pela empresa Madentec (http://www.madentec.com). Estes
sistemas possibilitam controlar o cursor do mouse na tela do computador
com o movimento da cabeça.
No início da década passada, Evans et al (2000) descreveram um disposi-
tivo que funciona por meio de raios infravermelhos que funcionava como um
joystick em vez de mouse. Chen et al. (1999) desenvolveram um dispositivo que
funcionava acoplado aos óculos do usuário, e um conjunto de módulos recep-
tores de raios infravermelhos substituíam as teclas do teclado do computador.

561
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

No entanto, estes dispositivos apresentam as seguintes desvantagens: causam


desconforto, são difíceis de ser ajustados na cabeça das crianças, são evitados por
pessoas que não gostam de ser tocadas e podem ser retirados pelo usuário. Para
contornar estes problemas, Reilly e O’Malley (1999) propuseram um sistema
de acionamento baseado em raios infravermelhos que rastreiam o padrão do
reflexo espectral da pele.
De fato, na última década, esforços têm sido empreendidos no sentido de
desenvolver interfaces que garantam o acesso de pessoas com necessidades
especiais a diferentes equipamentos. Assim, tais interfaces têm sido criadas por
empresas e órgãos não governamentais, com preços acessíveis ou, até mesmo
gratuitos. Um bom exemplo destas iniciativas é o site da Open Source Assistive
Technology Software (OATS) que apresenta mais de uma centena de recursos
de tecnologia assistiva: http://www.oatsoft.org/Software/listing/Repository.

Características de funcionamento dos programas baseados


em sistemas de varredura

Para escrever um texto, por exemplo, o usuário ao pressionar o dispo-


sitivo faz com que inicie um sistema de varredura através de uma matriz
de letras, símbolos, palavras ou frases. Cada elemento da matriz pode ser
selecionado com uma sequência de operações sobre o dispositivo com base
na escolha do elemento em função da sua localização na linha e na coluna
(Macedo e Capovilla, 1998). Pesquisas têm sido conduzidas no sentido de
criar sistemas dinâmicos e inteligentes que possibilitem o usuário escrever
textos com maior rapidez e com mínima interferência visual (Simpson e
Koester, 1999).
Pessoas com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), em seu estado mais
avançado, podem vir a se comunicar através da escrita por meio da seleção de
símbolos em uma matriz. Segundo Oliveira et al (2000), a ELA é uma doença
neuromuscular progressiva que afeta os corpos celulares do neurônio motor
inferior e/ou superior, resultando em óbito do paciente, geralmente dentro
de três a cinco anos após o início dos sintomas principalmente por falência
respiratória. Como ainda é considerada uma doença incurável, procura-se

562
desenvolvimento de interfaces pessoa - computador ( ipc )

melhorar a qualidade de vida do paciente por um enfoque multiprofissional.


Tais cuidados propiciam um maior conforto físico e psicológico para os
pacientes, a despeito da natureza progressiva e limitante da doença.
No Brasil, Lima et al. (2000) fizeram uma das primeiras implantações e
adaptações de um sistema de comunicação para uma pessoa com ELA. Os
autores descrevem o caso de um homem de 53 anos diagnosticado com ELA
que apresentava apenas o movimento voluntário de piscar os olhos. O sistema
de comunicação implantado foi o NoteVox desenvolvido por Capovilla et al.
(2000) com um dispositivo de acionamento fixado entre o supercílio e o músculo
orbicular. Embora o sistema possa ser instalado em computadores portáteis e
ser operado pelo teclado, foi feita a adaptação no quarto do paciente a fim de
permitir o fácil acesso ao equipamento. A Figura 78.1 (à esquerda) ilustra a
tela da versão do NoteVox usada com o paciente. Conforme a figura, na parte
superior da tela há os menus de letras e de números (à esquerda), de comando
(ao centro), além do banco de palavras (à direita com fundo branco). Na parte
central da tela há uma janela de composição de mensagens (com oito linhas). Na
parte inferior, há uma janela que mostra a opção disponibilizada pela varredura
em qualquer momento. O programa projetava para o paciente uma moldura
azul que migrava da esquerda para a direita, abraçando sequencialmente as
janelas de letras, de dígitos, de comandos e do banco de palavras. O paciente
piscava quando a coluna que tinha a letra que ele desejava selecionar apresentava
a moldura em azul. Em seguida deveria piscar novamente quando a moldura
em azul estivesse sobre a letra que desejava escolher. Desta forma o paciente
foi capaz de compor palavras, frases e até cartas para familiares e profissionais
que trabalhavam com ele.
Outros sistemas comerciais que possibilitam pessoas com distúrbio motor
severo acionarem o computador são baseados nas medidas de reflexo da córnea
e possibilitam o controle de equipamentos com o movimento ocular. A Figura
78.1 (à direita) ilustra o sistema NoteVox com os traços de busca visual das
letras e os pontos de fixação (círculos) por uma pessoa exposta pela primeira
vez ao sistema.

563
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Figura 78.1. Tela do sistema NoteVox (Capovilla et al., 2000) com acionamento
por linhas e colunas (à esquerda) e com padrão de busca visual de letras por
sujeito exposto ao sistema (à direita).

Dispositivos de acionamento por movimento ocular

Estes dispositivos de acionamento detectam a direção do olhar da pessoa


pela comparação da posição da pupila em uma imagem do olho do usuário.
Tais sistemas são popularmente conhecidos como Eyetracking (ET). O ET é
um equipamento computadorizado que permite: avaliar e registrar a varredura
visual de um sujeito frente a um estímulo visual projetado na tela; controlar o
cursor do mouse com a direção do olhar; selecionar ícones ao olhar para regiões
da tela que apresentem este comando.
O ET detecta vários parâmetros durante o movimento ocular. Entre
tais parâmetros destacam-se a fixação e os movimentos sacádicos. Salvucci e
Goldberg (2000) definem a fixação como sendo a pausa do movimento do olho
em um objeto de interesse, ou seja, parar o olhar fixamente. Já os movimentos
sacádicos, segundo os autores, são movimentos rápidos entre as fixações, é o
“saltar” do olhar de um ponto para outro. Dessa forma, com os parâmetros
registrados, é possível reconstruir através de traçados gráficos, os movimentos
oculares durante uma atividade e construir novos sistemas de acionamento.
Este tipo de equipamento tem sido utilizado em pesquisas diversas.
Investigações como: relação entre movimentos de busca visual e avaliação
psicopatológica (Coursey et al, 1989); movimentos oculares durante a leitura

564
desenvolvimento de interfaces pessoa - computador ( ipc )

de textos (Rayner e Morris, 1992; Clifton, 1993; Albrecht e Clifton, 1998);


vigilância do anestesista durante seu trabalho (Schulz-Stubner et al, 2002);
medidas e funcionamento humano em tarefas de vigilância (Lavine et al, 2002);
compreensão e fluência de um segundo idioma (Arnold et al, 2003).
Um dos sistemas de baixo custo usa câmeras comuns acopladas em compu-
tadores pessoais e tem se caracterizado com recursos baratos e acessíveis para
pessoas com necessidades especiais, tal como “Camera Mouse” (http://www.
cameramouse.org/).
Diferentes sistemas ET foram desenvolvidos baseados nesta tecnologia.
A seguir será apresentado de forma mais detalhada o Sistema de ET, Eyegaze®, que
temos usado no Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento
da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O sistema tem sido usado tanto para
avaliação de padrão de busca visual em crianças com Transtorno Invasivo do
Desenvolvimento, quanto para acionamento dos sistemas de Comunicação Alter-
nativa NoteVox-EG e ImagoDiAnaVox-EG (Macedo, Duduchi e Capovilla, 2004).
O sistema EyegazeÒ é um eyetracker projetado para medir a varredura visual
de uma pessoa em uma tela de computador e foi desenvolvido pela empresa
americana LC Technologies, Inc. As medidas são obtidas do Gazepoint e são
feitas através da câmera de vídeo montada abaixo do monitor do computador.
A direção do olhar é determinada usando o método pupil-center-corneal reflexion
(PCCR). A acuracidade típica é de 0,63 cm ou menos. O sistema do EyegazeÒ
segue os movimentos oculares do sujeito na tela automaticamente em tempo
real. As medidas de Gazepoint são feitas em uma taxa de amostragem de
60 hertz. Assim, para cada amostragem, são geradas as seguintes informações:
flag, indicando se a imagem do olho foi capturada pela câmera; diâmetro e
posição da pupila com base nas coordenadas x-y do ponto de localização do
centro da pupila na tela; deslocamento do globo ocular ao longo do eixo z e
informação sobre duração e localização das fixações e sacadas.
O hardware é composto por: microcomputador com processador Intel
Pentium 3, com 128 Mb de memória RAM; placa de vídeo de 2Mb; e monitor
de vídeo com tela plana do tipo LCD de 15” com resolução de 1024 x 768 pixels.
Além disso, o computador tem instalado uma placa de captura de vídeo do tipo
Matrox, que captura os sinais enviados de uma câmera de vídeo com lentes
sensíveis infravermelhas de alta velocidade (RS-170 ou CCIR). A câmera possui

565
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

ainda um LED que emite luz infravermelha de baixa intensidade diretamente


sobre a retina da pessoa posicionada à frente do monitor. O equipamento
também inclui um monitor de vídeo monocromático que apresenta a imagem
obtida da câmera de vídeo, que usualmente é um dos olhos do participante. É
importante ressaltar que o equipamento é calibrado com apenas um dos olhos.
A Figura 78.2 ilustra o equipamento e a posição do usuário em relação à câmera.

Figura 78.2. Layout ilustrativo do sistema EyegazeÒ. Modificado de: http://


www.eyegaze.com/2Products/Development/Developmentmain.htm.

O sistema EyegazeÒ funciona no Windows 2000 Professional e é composto


por softwares que possibilitam a calibração do equipamento e apresentação de
imagens e textos. Além disso, o sistema contém uma biblioteca para desenvol-
vimento de novos aplicativos. Como todos os equipamentos desta natureza,
existe a necessidade de que o equipamento seja calibrado com o perfil do olho
do usuário, mais precisamente, com dados referentes à pupila. No momento
de calibração é necessário que não haja movimento de cabeça. O EyegazeÒ
apresenta diferentes tipos de calibração em função do grau de precisão esperado.

566
desenvolvimento de interfaces pessoa - computador ( ipc )

Sistema de comunicação alternativa por acionamento ocular

O sistema de comunicação ImagoDiAnaVox-EG (Macedo, Duduchi e


Capovilla, 2004) foi desenvolvido do programa ImagoDiAnaVox (Capovilla
et al., 1997) e permite que os itens, os quais compõem o sistema de comu-
nicação, sejam selecionados com base na direção do olhar. Para escolher
um determinado item, basta o usuário fixar o olhar sobre o item desejado.
O programa possibilita a configuração do tempo de fixação do olhar para
seleção do item em função das características do sujeito. Com este sistema
de acionamento, a seleção do item é feita de forma direta e não por meio de
varredura como os sistemas tradicionais. A Figura 78.3 ilustra a tela com as
categorias principais (à esquerda) e dos itens da categoria frutas (à direita) do
sistema ImagoDiAnaVox-EG com o traçado de busca visual e com os pontos
de fixação (círculos).

567
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Figura 78.3. Sistema ImagoDiAnaVox-EG.

Considerações finais

Embora os sistemas de acionamento ocular ainda sejam inacessíveis para


uma parcela significativa da população, em um futuro próximo esta situação
poderá ser revertida em função dos seguintes fatores: desenvolvimento de novos
sistemas com tecnologias mais baratas e acessíveis (Betke et al., 2002); compu-
tadores pessoais já deverão vir equipados com câmeras de vídeo que poderão
ser adaptadas; nova geração de equipamentos com sistemas operacionais que
disponham de recurso de tecnologia assistiva e incorporação de interfaces de
reconhecimento de voz (Ducuchi e Macedo, 2009).

568
desenvolvimento de interfaces pessoa - computador ( ipc )

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571
48
Fatores de risco e de
proteção: discutindo o
desenvolvimento infantil
Carolina de Aragão Escher Marques

O termo “des-envolver” foi utilizado originalmente por volta do século 10,


como sinônimo de abrir, revelar, tirar o invólucro, deixar aparecer. Com os estudos
da biologia e da genética, a partir dos séculos 14 e 15 e, sobretudo no século 19, com
a perspectiva darwiniana de evolução, diferentes significados foram impregnando
a elaboração do termo (Smolka, Fontana, Laplane e Cruz, 1994).
Uma definição frequentemente utilizada reconhece o desenvolvimento
como um padrão de mudanças que se inicia na concepção e continua durante
todo o período de vida. Nesta visão, o desenvolvimento envolve diversos domí-
nios, como o biológico (mudanças físicas), o social (mudanças nas relações
sociais), o emocional (mudanças nas compreensões e experiências emocionais)
e o cognitivo (mudanças no processo de pensamento) (Keenan, 2002).
Entretanto, cada teoria do desenvolvimento humano possui um conjunto
de regras, proposições e princípios para explicar e atribuir ao desenvolvimento
diferentes significados e formas de organizações para observar, interpretar e
fatores de risco e de proteção : discutindo o desenvolvimento infantil

explicar as mudanças que ocorrem com a criança com o passar do tempo. Mais
especificamente, Meece (1997) aponta três grandes objetivos que balizam os
estudos acerca do desenvolvimento: descrever como as crianças se modificam
de um ano para outro, como os diferentes aspectos do desenvolvimento se inter-
-relacionam e porque o desenvolvimento procede em determinada direção.
A preocupação atual mais evidente na Psicologia como um todo e, em
especial, na Psicologia do Desenvolvimento refere-se, segundo Rossetti-Ferreira
(2004), a apreender e a analisar os fenômenos complexos em suas múltiplas
dimensões, de maneira integrada e inclusiva, em uma visão geralmente referida
como sistêmica. Os usos e interpretações desta abordagem são muito variados,
entretanto, alguns pontos mais ou menos consensuais incluem o foco nas
pessoas em interação, o reconhecimento da interdependência, da reciprocidade
e do sinergismo entre as diferentes pessoas, e, por fim, incluem uma investigação
do desenvolvimento situado, ou seja, em contexto.
Na prática, contudo, o desenvolvimento humano ainda tem sido tradi-
cionalmente estudado em laboratórios, onde são verificados, por exemplo,
os tempos de emergência das capacidades, os seus limiares, os efeitos causais
de variáveis independentes sobre as dependentes. São simuladas tarefas de
aprendizagem, de memória e, até mesmo, comportamentos sociais em settings
razoavelmente sofisticados e criativos, mas com resultados, muitas vezes,
extremamente afastados da vida real (Paúl, 1995).
Entretanto, segundo Guzzo (2002), quem vive o dia a dia em uma situação
real sabe que não se pode compreender o que acontece com uma criança, nem
mesmo propor alguma solução para um problema ou dificuldade em seu
desenvolvimento, sem uma observação minuciosa de todos os sistemas em que
ela se desenvolve. Apenas a compreensão teórica baseada em alguns estudiosos
do desenvolvimento humano não é suficiente, uma vez que a ciência e a vida,
no seu cotidiano, devem caminhar juntas.
Esta afirmação torna-se preocupante ao considerarmos, de acordo com
Bastos (2001), que uma importante parte da Psicologia tem sido construída de
observações acerca do contexto de crianças brancas, ocidentais de Primeiro
Mundo e de classe média. O problema é que, mesmo com os avanços tecnoló-
gicos e com o fantástico crescimento na produção de serviços e bens materiais

573
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

nas últimas décadas, a distribuição desumana destes bens faz com que dois
terços da humanidade viva em uma realidade de pobreza (Boff, 2000).
Com base nesta realidade, conclui-se que a Psicologia e a pesquisa científica
não vêm oferecendo respostas satisfatórias para várias questões relativas ao
desenvolvimento de crianças em situação de risco social. Mesmo com um
volume substancial de pesquisa na área do desenvolvimento infantil, grande
parte da qual é descritiva, há uma série de questões que ainda precisam ser
investigadas para melhor entender o desenvolvimento desta população (Hutz
e Koller, 1996).
Especificamente com relação à realidade brasileira, cerca de um terço das
crianças e adolescentes vive em famílias com renda igual ou menor a meio salário
mínimo. Mais especificamente, 27,4 milhões de meninas e meninos brasileiros
vivem em situação de pobreza (Niimi, 2003). Apesar deste triste dado estatístico,
Trombeta e Guzzo (2002) assinalam que as políticas de proteção social no Brasil
são caras, fragmentadas, discriminatórias e ineficientes, priorizando sempre a
remediação em prol de ações preventivas.
No entanto, os programas de prevenção vêm ganhando um lugar de destaque
na função de entender e acompanhar o desenvolvimento das crianças para
assegurar o menor impacto possível de condições de risco sobre o curso de suas
vidas. De acordo com Silva (2002), nas sociedades em que o capitalismo foi, com
o passar dos anos, intensificando as desigualdades sociais e as diferentes formas
de marginalização social, como é o caso do Brasil, as estratégias de prevenção
de saúde tanto em níveis individuais como sociocomunitários, são prioritários.
A American Psychological Association (APA) define as intervenções
preventivas para jovens como aquelas que envolvem a redução da incidência
de problemas psicológicos e físicos, assim como a intensificação de competências
sociais e de saúde (Weissber; Kumpfer e Seligman, 2003). Embora algumas
práticas específicas possam ser mais relevantes para determinado contexto ou
população alvo, Nation, Crusto, Wandersman, Kumpfer, Seybolt, Morrissey-
-Kane e Davino (2003) apontaram que uma das características básicas que
programas de prevenção com sucesso costumam seguir é justamente a utilização
de uma estrutura baseada em fatores de risco e de proteção que envolve as
famílias, os pares, a escolas e a comunidade como parceiros para atingir os
resultados esperados.

574
fatores de risco e de proteção : discutindo o desenvolvimento infantil

Fica evidente que as intervenções preventivas buscam, por princípio, a


eliminação de processos transacionais negativos (fatores de risco), ou a inten-
sificação dos processos transacionais positivos (fatores de proteção) que irão
acentuar os ajustamentos e prevenir conseqüências negativas (Durlak, 1997).
De acordo com Yunes e Szymanki (2001), os fatores de risco podem ser
conceituados como toda espécie de eventos negativos da vida que, quando
presentes, aumentam a probabilidade de o indivíduo apresentar dificuldades
e problemas físicos, sociais ou emocionais. Para Guzzo (2001), os fatores de
risco se caracterizam por condições ou aspectos da realidade que intensificam a
probabilidade de um indivíduo ou um grupo desenvolver desordens psicológicas
ou sociais.
Hults e Koller (1996) apontam que uma criança se encontra em situação
de risco quando o seu desenvolvimento não acontece dentro do esperado para
sua faixa etária de acordo com os parâmetros da cultura em que está inserida.
Entretanto, atribuir a um evento de vida isolado uma condição de adversidade,
tanto no caso de um indivíduo, como de um grupo, não é a melhor forma de se
abordar a questão. Yunes e Szymanski (2001) acrescentam que é imprescindível
uma análise criteriosa dos processos de risco para que se possa ter a dimensão
da diversidade de respostas que podem ser observadas, sobretudo quando se
trata de riscos sociais ou socioculturais.
Aos fatores de risco contrapõem-se os fatores de proteção, os quais, segundo
Cruz (1999), aumentam a possibilidade de os sujeitos não serem afetados pelos
fatores de risco, devido a recursos próprios ou ambientais. Enquanto os fatores de
risco aumentam a possibilidade de algumas consequências negativas, os fatores
de proteção reduzem a chance de uma consequência negativa ou aumentam as
chances de resultados positivos (Durlak, 1997).
Para Trombeta e Guzzo (2002), a ausência de problemas e distúrbios
mensuráveis em crianças e adolescentes expostos a fatores de risco indica a
existência de fatores de proteção. A característica primordial destes fatores,
entretanto, é a modificação da resposta da pessoa frente à situação de risco.
Dessa forma, Yunes e Szymanski (2001) apontam que o fator de proteção pode
não apresentar efeito na ausência de uma situação estressora, pois seu papel
é o de modificar a resposta em momentos adversos, mais do que promover
diretamente o desenvolvimento normal.

575
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Trombeta e Guzzo (2002) ainda acrescentam que é preciso considerar que


a presença de fatores de risco não é necessariamente preditiva de uma psicopa-
tologia, enquanto que, por sua vez, os fatores de proteção são, necessariamente,
preditivos de resiliência e de adaptação.
Cecconello e Koller (2000) indicam a importância da interação entre as
características individuais, as estratégias utilizadas para a adaptação ao ambiente
e os recursos disponíveis no ambiente, como o apoio familiar e social, para que
a pessoa possa obter um resultado satisfatório na batalha contra as adversidades.
Trabalhar no sentido de intensificar os recursos disponíveis, tanto em nível
individual quanto em nível ambiental, pode vir a ser uma maneira de amenizar
os danos causados pelas adversidades. Além disto, proporcionar situações nos
mais variados contextos (familiar, escolar etc.), assim como oferecer condições
para o estabelecimento de uma rede de apoio social são formas de favorecer a
resiliência, almejando, sempre a criação de oportunidades para conseguir mudar
o curso da vida de uma pessoa inserida em uma trajetória de risco.
Nessa perspectiva, o psicólogo pode e deve ser um dos profissionais que
age em defesa desta criança. Mas seu trabalho isolado não basta. Para Guzzo
(2000), é preciso um conjunto de ações que contemplem, sobretudo, as famílias
e sua dinâmica de conflito e de risco ao desenvolvimento infantil.
Os profissionais da saúde mental devem buscar modelos adequados para
captar e enfrentar as especificidades dos problemas da população que atende.
Pensando especificamente na realidade sofrida da maioria da população brasi-
leira, deve ser exigido, deste profissional, um conhecimento profundo acerca
deste contexto específico, que é muito mais pluriforme do que demonstram os
esquemas de trabalhos usuais (Martin-Baró, 1990).
O psicólogo, especificamente, é o profissional que pode ser e fazer a diferença,
por meio de uma ciência crítica, comprometida com o social e que focalize, prio-
ritariamente, a promoção dos processos evolutivos saudáveis de todas as pessoas
envolvidas. Assim, fica evidente sua importância no oferecimento de condições
especiais para o desenvolvimento de crianças saudáveis, atuando em prol do melhor
interesse da criança e protegendo-a de qualquer dano em seu desenvolvimento.

576
fatores de risco e de proteção : discutindo o desenvolvimento infantil

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577
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

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578
49
Dificuldade de aprendizagem
e família: construindo novas
narrativas
Elizabeth Polity

Introdução

É sempre muito desafiador iniciar um trabalho que combina o resultado


de uma pesquisa com a prática que é construída no fazer profissional. Este teve
origem na dissertação apresentada para a obtenção do título de Mestre na área
de Educação. Sua execução foi o produto de muita reflexão sobre as atividades
que desenvolvo em uma Instituição escolar, que atende crianças com a queixa
de Dificuldade de Aprendizagem, juntamente com o trabalho que desenvolvo
em consultório particular, com famílias, aliados aos meus estudos acadêmicos.

Síntese teórica

Iniciarei com um levantamento a cerca das diferentes definições sobre


Dificuldade de Aprendizagem. Acredito ser esta uma abordagem interessante
e que nos permite ampliar a maneira de nomearmos o problema.

579
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A definição desenvolvida pelo Comitê Nacional de Dificuldades de Apren-


dizagem (EEUU) é a seguinte:
“Dificuldade de Aprendizagem é um termo genérico que se refere a um
grupo heterogêneo de desordens, manifestadas por dificuldade na aquisição e
no uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas.
Estas desordens são intrínsecas ao sujeito, presumidamente devido a uma
disfunção no sistema nervoso central, e pode ocorrer apenas por um período
na vida.
Problemas de controle de comportamento, percepção social e interação
social podem existir junto com as dificuldades de aprendizagem, mas elas não
constituem por si só uma desordem de aprendizagem.
Embora dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente
a outras condições desfavoráveis (retardo mental, séria desordem emocional,
problemas sensórios-motores) ou influências externas (como diferenças culturais,
instrução insuficiente ou inapropriada) elas não são o resultado dessas influências
ou condições.”
A dificuldade de aprendizagem, quando de origem biológica, pode
ser bastante definida e clara, nos levando a supor que a área emocional e o
ambiente familiar não tiveram nenhuma participação no seu aparecimento e
determinação. Boa parte dos problemas que esbarramos nesta área — lentidão
de raciocínio, falta de atenção, desinteresse etc. — encontram suas origens na
biologia e sobretudo na biologia exposta ao meio ambiente.
Mesmo as teorias mais organicistas e baseadas na neuropsicologia,
como afirma Ratey (1997), admitem que os distúrbios mentais, mesmo
brandos, podem se tronar muito piores em respostas a um ambiente cheio
de ruídos, a uma família ruidosa. Este é um dos importantes motivos pelos
quais responsabilizamos os pais pelos problemas dos filhos; porque o nível
de funcionamento dos pais sempre altera o problema — com base biológica
ou não – do filho. A criança hiperativa se tronará mais hiperativa, a deprimida
mais deprimida, a autista mais autista, quando a família funciona desta forma.
Alícia Fernandez (1990), em vários momentos do seu livro A Inteligência
Aprisionada, nos traz uma visão mais global das Dificuldades de Aprendizagem,
onde existe a articulação entre inteligência e desejo; entre família e sintoma. Ela

580
dificuldade de aprendizagem e família : construindo novas narrativas

diz: “Se pensarmos no problema de aprendizagem como só derivado do orga-


nismo ou só da inteligência, para sua cura não haveria necessidade de recorrer
à família. Se, ao contrário, as patologias no aprender surgissem na criança ou
adolescente somente a partir de sua função equilibradora do sistema familiar,
não necessitaríamos, para seu diagnóstico e cura, recorrer ao sujeito separada-
mente de sua família. Ao considerar o sintoma como resultante da articulação
construtiva do organismo, corpo, inteligência e a estrutura do desejo, incluído
no meio familiar (e determinado por ele) no qual seu sintoma tem sentido e
funcionalidade... é que podemos observar o possível ‘atrape’ da inteligência.”
Audrey Souza refere-se à Dificuldade de Aprendizagem, como sendo “um
impedimento de um bom desempenho intelectual, vinculado a problemáticas
emocionais associados a conflitos familiares não explicitados” (Souza, 1995).
É preciso também se considerar os efeitos emocionais que essas dificuldades
acarretam, agravando o problema. Se seu rendimento escolar for sofrível, a
criança talvez seja vista como um fracasso pelos professores ou colegas, e até
pela própria família. Infelizmente, muitas dessas crianças desenvolvem uma
autoestima negativa, que agrava em muito a situação, e que poderia ser evitada,
com o auxílio da família e de uma escola adequada. É essencial que as crianças
recebam apoio dos pais, pois quando sabem que têm pais que dão suporte
emocional, a criança desenvolve uma base sólida e um senso de competência
que a leva a um autoestima satisfatória.
No meu entender, a dificuldade de aprendizagem tem causas e desenvolvi-
mentos múltiplos, exigindo pesquisas em diversos campos do conhecimento,
para que se tenha uma visão mais ampla sobre esse tema.
Ela pode ter tanto uma origem orgânica, ou intelectual/cognitiva, quanto
emocional (incluindo-se aí a estrutura familiar/relacional), porém, o que se
percebe na maioria dos casos é que há um entrelaçamento destes fatores,
responsável pela complexidade da situação.
Dificuldade de aprendizagem é um termo genérico que se refere a um grupo
heterogêneo de desordens, manifestadas por dificuldades na aquisição e no
uso da audição, da fala, da leitura, da escrita, do raciocínio ou das habilidades
matemáticas. Problemas de controle de comportamento, percepção e interação
social podem coexistir.

581
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

As dificuldades de aprendizado também podem ocorrer em concomitância


com outras condições desfavoráveis (retardo mental, séria desordem emocional,
problemas sensório-motores) ou, ainda, serem acentuadas por influências
externas (como diferenças culturais, instrução insuficiente ou inapropriada)
não sendo, necessariamente, o resultado dessas condições.
Por isso, tanto nas considerações caso a caso, como numa casuística mais
ampla, encontrar um fio condutor para explicar a multiplicidade de sintomas
é, às vezes, impossível, mesmo para os especialistas. O que responde por este
fato é que esta complexa e ampla sintomatologia corre paralela a igualmente
complexa rede de possibilidades que a originam.
Crianças tolhidas por uma dificuldade de aprendizagem, na maior parte
das vezes, têm o seu desempenho escolar comprometido. Sabe-se que nunca há
uma causa única para o fracasso escolar, mas uma conjunção de fatores que,
num determinado momento, interagem, imobilizam o desenvolvimento do
sujeito e do sistema familiar/escolar/social. Daí a necessidade de não se confundir
dificuldade de aprendizagem com fracasso escolar.
Em resumo, nomeio a dificuldade de aprendizagem como uma síndrome
biopsicossocial, calcada em algumas constituintes básicas: a criança, a família,
a escola e o meio social (Polity, 2001).

Apresentação

Definir dificuldade de aprendizagem, como vimos, não é tarefa das mais


simples. Muitas são as causas que concorrem para seu aparecimento e outras
tantas são as formas como se manifestam. No entanto, algumas características
são normalmente encontradas nas crianças ou jovens com este diagnóstico:
dificuldade de raciocínio ou lentidão, dificuldade de simbolização, atraso no
desenvolvimento cognitivo em comparação a crianças da mesma faixa etária,
dificuldade de socialização, entre outros. E o que aparece mais evidentemente
em decorrência destes fatores é o que denominamos fracasso escolar.
Toda criança em idade escolar sabe que precisa ter sucesso nos estudos. Isso
é exigido por seus pais, familiares, colegas, professores, pela sociedade como

582
dificuldade de aprendizagem e família : construindo novas narrativas

um todo. O sucesso opõe-se ao fracasso, e este implica um juízo de valor, um


julgamento que deve corresponder a um ideal.
Esse ideal normalmente é ditado por valores familiares que são transmitidos
de geração em geração. Há famílias de engenheiros, que se espera do filho mais
velho que também o seja. Há famílias de advogados, de médicos ou de nego-
ciantes, onde o destino da criança já está selado nem bem ela nasceu. Pode-se
observar aqui o papel dos mitos familiares que tentam a construção de uma
realidade irreal desejada para a continuação da história familiar.
Quando se atende uma família cuja queixa é a dificuldade de aprendizagem
de um de seus membros, em geral um dos filhos, faz-se mister uma avaliação de
alguns tópicos importantes para que possamos observar o processo de um
plano mais amplo. Começamos por identificar:
Estrutura familiar, isto é, qual a composição da família, organização fraterna
(a ordem, o sexo, as idades), quais as pessoas significativas para o grupo,
que convivem, ou não na mesma casa;
Adaptação ao ciclo vital, isto é, quais os eventos relacionados à evolução
natural do grupo, como a família reage a eles, como cada membro
enfrenta essas mudanças, eventos externos e internos ao grupo que tem
alguma significação;
Alianças e coalizões existentes no grupo, quem é leal a quem, quem se une
com quem, contra quem;
Padrões de repetição que determinam a formação e/ou rompimento de
vínculos afetivos, influenciando sobremaneira no funcionamento e na
hierarquia familiar;
Equilíbrio e desequilíbrio considerando-se seu funcionamento regular, ou
seja, quais as expectativas para cada um de seus membros, papéis, estilo
de funcionamento, padrões de comunicação e temas recorrentes, que
pertencem ao imaginário do grupo; como manejam os segredos, o que é
visto como permitido para o crescimento e a diferenciação;
Significado que a família confere aos mitos, que geram mandatos relativos
ao saber.

583
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Ao analisarmos a família como um todo, estaremos valorizando o aspecto


de globalidade do sistema, que difere do somatório das partes (teoria Geral
dos Sistemas) e o aspecto de reciprocidade, onde cada membro influencia e é
influenciado pelo comportamento dos outros. Desta forma, poderemos nos
aproximar daquelas questões familiares que interferem de maneira contundente
no desenvolvimento da criança ou do jovem.
A colocação do indivíduo no espaço familiar, dentro de uma perspectiva
geracional (vertical) e dentro de um contexto atual (horizontal), permite a
formação de um quadro mais amplo para o entendimento das dificuldades de
aprendizagem.
O aparecimento de algum tipo de sintoma, explicitado em um dos membros,
(como a dificuldade de aprendizagem), já foi estudado por vários autores: Minuchin,
1993; Bowen, 1978; Whitaker, 1990; Palazolii, 1978, Satir, 1980; Haley, 1972.
Quando um indivíduo nasce, ele não vem ao mundo como uma tela
em branco,mas sim, inserido numa história familiar que compreende várias
gerações e recebe uma série de delegações e projeções dos pais avós e família
extensiva (Bowen, 1978).
O conceito de missão está ligado aos conceitos de legado e lealdade
desenvolvido por Boszormenyi e Nagy (1983), que evidenciam o quanto forte
e poderosa pode ser a missão destinada à criança, impedindo-a muitas vezes
de se relacionar com o conhecimento e com o saber.
Se escolhêssemos reduzir a problemática humana a uma só palavra, esta
seria separação, diz Groisman. Pois o ser humano é gerado em uma união,
gestado em união, mas para ser reconhecido em sua existência precisa separa-se.
Eu ousaria dizer que mais que separação, estamos falando de identidade, que
só pode ser conseguida através do pertencimento e da separação.
A necessidade de pertinência, de se sentir incluído num grupo, é uma
necessidade básica do ser humano. Minuchin (1993) diz que a família é o
contexto natural para crescer e receber auxílio, onde cumpre o seu papel de
garantir a pertença e ao mesmo tempo promove a individualização do sujeito.
Aprender requer que possamos nos separar, pelo menos em parte, dos nossos
pais e construir um saber próprio, que ao mesmo tempo que nos dá pertenci-
mento, pois o compartilhamos com outros membros do grupo, demanda de nós

584
dificuldade de aprendizagem e família : construindo novas narrativas

um certo grau de autonomia e individualidade, que por sua vez nos permitem
elaborar nossa própria identidade.
A pouca diferenciação entre os membros da família leva a uma confusão
de papéis que provoca perturbações na estrutura hierárquica da família, com
inversões nas quais os filhos se tornam pai e os pais se tornam filhos, ou são
todos irmãos, sem haver uma divisão nítida de papéis. A família nuclear não se
separara o suficiente das respectivas famílias de origem e não estabeleceram o
que Minuchin chama de fronteiras geracionais. (Minuchin, op. cit.)
A criança com dificuldade de aprendizagem, que é o objeto de nosso estudo,
está na maior parte das vezes situada numa família onde seu discurso não encontra
um sentido. A ela muitas cabe a função de carregar o peso da história do grupo.
Esta função pode ser demasiado difícil e ela não conseguir dar conta.
É quando surgem os sintomas: notas baixas, falta de atenção, dificuldade
ou lentidão de raciocínio. Ele fica nas nuvens; Nunca traz as lições, seus cadernos
estão incompletos; Não faz nada durante as aulas, parece que eu falo com as
paredes; comentam os professores.
Cada grupo familiar introduz expectativas e valores sobre como o filho
deve ser, como deve se comportar e passa, mesmo sem o saber, os sonhos sobre a
vida profissional futura da criança. Desde seu nascimento começam as profecias
(acho que ele será um grande economista, como o avô), os mandatos (somos uma
família de advogados), as comparações (ele deve se esforçar para tirar notas boas
como o irmão), as lealdades (meus pais são analfabetos, acho que também não
preciso estudar muito) os segredos (sempre achei melhor não lhe falar nada sobre
a adoção). Todas estas situações marcam profundamente o desenvolvimento
futuro da criança impondo-lhe tarefas que estão em desarmonia com suas
capacidades, aptidões ou mesmo desejos.
Para que uma criança aprenda é necessário que ela tenha o desejo de
aprender. E que sobretudo o desejo dos pais a autorizem. Como diz Maud
Mannoni, numa belíssima metáfora, as crianças andam não só porque tem pernas
mas porque seus pais assim o permitem.
Bowby (1993) afirma que a existência de uma criança com problema representa
uma ruptura para os pais. As expectativas construídas em torno do filho normal
tornam-se insustentáveis. Vistos como uma projeção dos pais, estes filhos representam

585
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

a perda de sonhos e esperanças e a obrigatoriedade em lidar com as limitações fazem


com que muitos pais se sintam despreparados para a tarefa que devem assumir.
Assim, pode surgir um padrão rígido de comportamento, onde o tempo não pode
passar, dando lugar a mecanismos constantes e repetitivos no intuito de manter o
sistema homeostático e impedir que o grupo evolua de um estágio para outro.
No trabalho com as famílias, nos deparamos então com algumas ques-
tões: qual a relação da família na formação e manutenção do sintoma; qual
a função do sintoma para este grupo familiar? O que este sintoma quer dizer?
Quais as pessoas implicadas? E ainda, com relação à aprendizagem: o que a
família aprende? Como ela se relaciona com o saber? Como a família lida com
as dificuldades que surgem no aprender e, sobretudo, porque não aprender é
significativo para este grupo, em particular?
Ao pesquisar e construir junto com a família sua história em relação ao saber,
podemos permitir que cada membro reconte sua história, descrevendo os fatos à
sua maneira, e sobretudo a significação destes para a vida do sujeito. Sua relação
na estrutura familiar pode nos permitir resgatar um pouco da história do grupo,
onde o sintoma passou a ser descrito como tendo um sentido nesta família.

Considerações finais

Ao longo de seu Ciclo Vital, o ser humano traz dentro de si, muitas famílias:
a da sua infância, a da sua adolescência, a da sua fase adulta, com filhos e netos,
e em todas elas a herança familiar é seu legado mais forte. Ser bem-sucedido,
do ponto de vista intelectual (poder aprender e fazer uso do conhecimento,
como uma apropriação legítima), está intimamente ligado à forma como o
funcionamento destas famílias internas de suas relações atuais permitem que
o sujeito construa sua relação com a aprendizagem.
A criança vem inscrita no desejo materno, afirma a psicanálise, e os pais que
se vêem às voltas com a frustração de ter um filho diferente tendem a estabelecer
vínculos patológicos com essa criança.
Algumas vezes, na tentativa de superprotegê-la, encobrem sua raiva e frus-
tração, outras colocam-na num plano de menos valia, determinando para ela,
através de mitos, mandatos, lealdades, uma incompetência que está muito longe

586
dificuldade de aprendizagem e família : construindo novas narrativas

de corresponder à realidade e com isso, a mantém eternamente infantilizada,


sem autorização para desenvolver o potencial que apresenta. Há ainda aqueles
que colocam expectativas inatingíveis, tendo em vista as dificuldades da criança.
Percebo que existe um processo de luto subjacente, quando do nascimento
e/ou desenvolvimento de uma criança que poderia ser nomeada como disfun-
cional, seja ela física, emocional ou intelectual; ou ainda a combinação de todos
esses aspectos. Processo esse, que nem sempre é bem elaborado pela família,
agravando o quadro já existente.
Sabe-se ainda de pais que fazem uma verdadeira peregrinação por consul-
tórios de especialistas, na esperança de conseguir algum tipo de ajuda para essa
criança, estando eles mesmos engajados e dispostos a colaborar. Entretanto, na
minha experiência, o que mais percebo são aqueles pais, que não consideram a
relação vincular como decisiva para o processo de cura, tentando colocar sempre
no “outro” a causa do problema e não se permitindo enxergar a possibilidade de
progresso da Família, enquanto Sistema. Como diz Sara Pain, “o absolutismo
parental transforma o transitório em definitivo, pois raramente a expectativa
de cura está colocada na modificação do vínculo”.
O que constatei ao longo de meu percurso profissional é que não é suficiente
ter capacidade intelectual para aprender. É necessário também que se acompanhe
o que eu chamo de uma estrutura de personalidade razoavelmente madura do
ponto de vista emocional, construída sob a égide de uma relação familiar saudável.
Pensando sobre a Dificuldade de Aprendizagem, e considerando-a sob
a óptica das relações familiares, constato que muitas vezes a compreensão do
contexto mais amplo não torna a criança mais inteligente, mas possibilita que
se formem novas construções, que redefinem a carga de responsabilidade,
distribuindo aquilo que anteriormente denominávamos sintoma, por todos
os envolvidos: família, escola, comunidade terapêutica, meio social, formando
uma verdadeira rede relacional. E desta forma, que se permita a construção de
narrativas mais poderosas — criadas em torno das competências e da resilência1 —
tanto para a criança como para sua família.

1 Advindo da Física e utilizado pela Engenharia, resiliência é um conceito referente à


capacidade humana de enfrentar adversidades sucessivas, o que pressupõe a presença de
um certo sentido para a vida e alguma autoestima, capazes de servir como suportes.

587
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Referências bibliográficas

Boszormenyi & Sparks, Ivan e Geraldine. Lealtades Invisibles. Buenos Aires:


Amorrotur Editores, 1983.
Bowby, John. Trilogia: Apego, Perda e Separação. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 1993.
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Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1989.
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Evan Imber-Black et al. Os Segredos na Família e na Terapia Familiar. Porto
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Fernandez, Alícia. A Inteligência Aprisionada. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1994.
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Livro, 1998, 2. ed., 2004, Ed. Vetor.
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narrativas. São Paulo: Editora Vetor, 2001.
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pai na Pós-modernidade. (Org.). São Paulo: Ed. Vetor (no prelo).
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2003, co-autora.
. Psicopedagogia – diversas faces, múltiplos olhares. Ed. Olho d’agua,
2003, coautora.
Ratey & Johnson, John, Catherine. Síndromes Silenciosas. Rio de Janeiro: Ed.
Objetiva, 1997.
Rivière, Pichon. Teoria do Vínculo. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1980.
Souza, Audrey. Pensando a Inibição Intelectual. São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo, 1995.
Watzlawick, Paul. (Org). A Realidade Inventada. São Paulo: Psy Editorial, 1994.

588
50
“Estou com vergonha
de mim”: a reflexividade
auxiliando o trabalho
disciplinar na sala de aula
Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla

A frase que nomeia este texto foi dita por um professor, cuja vida docente
compreendia 20 anos, e que atuava em uma escola pública municipal da periferia
da cidade de Campinas. Este profissional queixava-se de, diferentemente dos anos
anteriores, não conseguir ministrar aulas para classes de 5a a 8a séries naquele
ano letivo, em função de estar enfrentando inúmeros problemas disciplinares
com seus alunos. Ao relatar para o grupo de docentes o que ocorrera na sua
sala de aula, emocionado, o professor afirmou que não imaginara que um dia
chegaria ao ponto de pensar em desistir da docência devido a comportamento
de alunos em classe.
Usar bonés ou óculos escuros em sala de aula, apoiar o pé sobre a própria
cadeira, mascar chiclete, emprestar material escolar para os colegas. Estes
são alguns exemplos de comportamentos não permitidos para alunos de
determinados professores uma vez que são considerados comportamentos

589
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

indisciplinados. Outros docentes combinam com seus alunos algumas regras,


informando o que é considerado proibido. Um deles entrou na classe e avisou:
“Não sou ginecologista, sou professor! Não quero ninguém com os pés na
carteira da frente!”
O que é considerado indisciplina? Baseado em quê os professores podem
se sentir mais ou menos confortáveis em dizer que determinado aluno tem um
problema disciplinar em classe?
Estrela (1984) indica que a palavra disciplina tem uma origem latina, advindo
da mesma raiz que discípulo, tendo diferentes significados: punição, dor, direção
moral, regra de conduta, obediência à regra. Já o conceito de indisciplina, está
intimamente relacionado com aquele, sendo geralmente utilizado no sentido
negativo de privação ou quando há desordem decorrente da quebra de regras
estabelecidas. Portanto, para que seja possível afirmar que determinado aluno
tem problemas disciplinares em sala de aula, há a necessidade de que as regras
tenham sido combinadas entre professores e alunos, compreendendo-se, aqui,
que as regras submetem a vontade de um indivíduo ou um grupo à análise geral.
Se as regras forem impostas, podem gerar conflito, contestação ou regras
informais, e se forem legitimadas pelo grupo, podem criar as condições
necessárias à aprendizagem uma vez que harmonizam o contexto de ensino e
aprendizagem. Há alguns anos atrás, alguns alunos quintanistas de Psicologia,
que faziam estágio na área de Escolar em uma escola pública estadual na periferia
da cidade de Campinas, presenciaram a seguinte cena. A direção da instituição
educacional definiu que era vetado às alunas do período noturno frequentarem
as aulas vestindo shorts, bermudas e minissaias. Instituiu uma multa de alguns
centavos (hoje equivaleria a R$ 0,50) para as infratoras que entrassem na escola
trajadas desta forma. Depois de alguma confusão e discussão entre discentes
e direção, os alunos (do sexo masculino) combinaram entre si que ficariam no
portão da escola para autorizar a entrada das alunas cujas pernas valessem o
sacrifício do pagamento da multa. Deste modo, aquelas consideradas adequadas
para o padrão de beleza daqueles meninos tinham a entrada autorizada e a multa
paga pelos colegas. Do contrário, as demais tinham que arcar com os gastos da
quebra das regras impostas ou, então, voltar para casa.
Para que as regras, mesmo as informais, sejam legitimadas é necessário
também que sejam discutidas e aprovadas pela escola como um todo. Quando

590
“ estou com vergonha de mim ”

isto não acontecesse, além de se correr o risco de não haver uma coerência entre
o que se pretende com os direitos e deveres discentes e docentes, há também a
possibilidade de membros diversos da comunidade escolar terem opiniões dife-
rentes acerca de determinados atos e suas consequências, o que não colaborará
em nada na direção da promoção do desenvolvimento dos alunos.
Além disso, a falta de acordo entre os professores de uma escola na
implementação das regras em sala de aula pode levar a comportamentos
indisciplinados, pois a falta na consistência em sua aplicação, bem como a falta
de comunicação entre o que é permitido ou não, pode levar aos alunos a terem
dificuldade de levantar hipóteses acerca de comportamentos ou procedimentos
mais ou menos adequados. Assim, se não houver consistência, dificilmente os
alunos poderão analisar com tranqüilidade o que é adequado ou não de ser
feito dentro da escola.
Estrela (1984) aponta que os comportamentos indisciplinados dos alunos
podem variar segundo uma escala, indo de ações que perturbam as funções
que devem executar, passando pela recusa de papéis que lhes são prescritos,
buscando, inicialmente, atingir o professor na sua autoridade docente, até chegar
ao ponto máximo que representa um comportamento que pretende atingir o
professor de modo pessoal, e não apenas como profissional.
Além de estes comportamentos causarem um grande desgaste de tempo
para que o docente consiga promover o processo de ensino-aprendizagem na
sala de aula, são extremamente prejudiciais às funções docentes, pois o professor
acaba assumindo atitudes defensivas, ficando sob tensão, além de chegar a ponto
de analisar cuidadosamente a possibilidade de abandonar sua profissão1.
Goergen (2001) aponta a educação moral como possível e necessária, mas
afirma que não se deve acreditar na transmissão de valores morais aos discentes
dentro da escola. É fundamental, segundo o autor, que sejam oferecidas situações
reais de vivência para que os alunos possam fazer reflexões acerca de seu agir
moral. Se o cotidiano for problematizado visando discussões de atitudes e
procedimentos consensuais na escola, os alunos terão melhores condições de
analisar seus atos e conseqüências.

1 Para aprofundar a respeito desta temática, consultar Codo (1999), apresentando


discussões fundamentais acerca da síndrome da desistência do educador (burnout).

591
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Professores quase sempre têm uma dificuldade básica na intervenção no


âmbito da educação moral: quando ser neutro ou parcial. Puig (1998) sugere
que esta decisão deve estar baseada na análise, pelo docente, de um critério-
-chave: a classe de valores que está em discussão. Apesar de o autor lembrar da
impossibilidade da assunção de uma posição exclusivamente neutra ou parcial,
afirma que se deve tomar uma atitude parcial quando, em uma situação litigiosa,
estão em risco valores que são universalmente desejáveis, tais como respeito,
justiça, igualdade, diálogo ou solidariedade. Quando a situação não envolve
a discussão de valores universais, tais como preferências e religiões, o autor
sugere que o educador deve assumir uma postura de neutralidade. Assim, o
professor não deve fazer ouvidos moucos a situações que envolvam, por exemplo,
discriminação de qualquer espécie, mas não deverá se posicionar quando a
discussão gira em torno de times de futebol ou regras de jogos, por exemplo,
apontando que o docente deverá intervir quando a classe de valores for alterada.
Para Puig (1998), o professor não deve assumir uma postura de espectador
em desavenças entre alunos, mas deve atuar como um tutor de tarefas forma-
tivas, coordenando discussões que envolvam situações em que a classe de valores
universais estiver ou não em pauta, explicando, problematizando, criticando,
questionando, apontando controvérsias, organizando e incentivando os alunos
na busca de soluções democráticas e satisfatórias.
Para que o professor tenha condições de coordenar situações como as apon-
tadas acima, é fundamental que ele tenha uma prática reflexiva, fundamentada
em teorias educacionais e psicológicas que os ajudem a deixar de assumir apenas
um papel de cumpridores de tarefas sugeridas por especialistas, sendo, então,
sujeitos dos propósitos e objetivos de seu trabalho.
A reflexividade é um processo interno que imerge de forma consciente no
mundo da experiência do indivíduo, quando ele tem possibilidades de analisar
suas crenças, valores, intercâmbios simbólicos e correspondências afetivas.
Quando se trabalha com grupos de reflexão é importante que se considere o
fato de que ao se propor a um grupo de docentes que analise sua atuação profis-
sional, isto significa deflagrar uma discussão, preferencialmente coletiva, sobre
determinados aspectos de sua docência. Pensar acerca dos fatos e acontecimentos
ocorridos em sala de aula não garante a reflexividade. É fundamental que sejam
analisadas teoricamente as tomadas de decisão docentes.

592
“ estou com vergonha de mim ”

Com base nessas ideias acerca de disciplina e reflexividade iniciou-se, na


escola pública referida no início deste texto, um trabalho junto ao grupo de
23 docentes de 5a a 8a série, objetivando analisar reflexivamente as tomadas de
decisão do docente frente aos problemas apontados pelos professores. Com uma
frequência semanal, durante duas horas, o grupo coordenado pela Orientadora
Pedagógica da escola e duas psicólogas2, analisou as ocorrências trazidas pelos
docentes. Inicialmente, buscou-se na literatura a fundamentação teórica neces-
sária à discussão desta temática, de modo a compreender aquelas ocorrências.
As reuniões eram conduzidas de forma que o corpo docente discutia textos
previamente selecionados sobre disciplina, bem como se discutiu a respeito dos
procedimentos adotados pelos professores para tentar resolver os problemas
em sala de aula, de modo que os êxitos e as dificuldades eram analisados cole-
tivamente. Considerou-se também que as ações deveriam ser intencionais, de
modo que as tomadas de decisão deveriam considerar determinado objetivo
que se pretendia atingir.
Ao final de quatro meses de trabalho, o corpo docente apontou que as
dificuldades iniciais haviam sido superadas, bem como o auxílio do grupo foi
fundamental para que o docente que se sentia envergonhado de sua dificuldade
pudesse ter condições de superação. Assim, a reflexão fazia parte das tomadas
de decisão cotidianas e o grupo relatou situações que mostravam a alteração do
modo de pensar a respeito dos problemas disciplinares, alterando não só suas
crenças, mas também suas ações na direção daquilo que pretendiam alcançar.
A reflexão em si não é condição necessária e suficiente para alterar estratégias
de ação, mas pode abrir portas para o desenvolvimento de professores mais
autônomos, pois ao mesmo tempo em que estão refletindo sobre sua ação,
constroem seu próprio conhecimento, de modo que sua intervenção seja bem-
-sucedida e cada vez mais intencional.
Uma das estratégias de ação discutida com os professores no final do ano
letivo foi a assembleia de classe. Baseada na proposta de Araújo (2002), foi
oferecida aos docentes a possibilidade de vivenciar uma assembleia acerca
de uma temática que não tivesse, pelo menos objetivamente, relações com juízos de

2 Agradeço às psicólogas Carolina de Aragão Escher Marques e Paula Saretta e às


pedagogas Adriana Stella Pierini e Tamara Abrão Pina pela parceria na realização deste
trabalho.

593
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

valor, optando-se, assim, pela discussão acerca dos objetivos do sarau cultural
recentemente ocorrido nas dependências da escola.
Ao ser vivenciada esta proposta com o corpo docente, a discussão da atividade
promoveu na comunidade escolar a conclusão, de forma coletiva, que havia a neces-
sidade de uma alteração mais profunda na estrutura, organização e funcionamento
curriculares, nas ações docentes cotidianas, tanto no que se referiam às estratégias
de ação, bem como ao conteúdo a ser ministrado, ou seja, era necessária uma
transformação no projeto político-pedagógico da escola de forma fundamentada.
As reuniões realizadas pelo corpo docente, funcionários, equipe de gestão
escolar e universidade começaram também a evidenciar diferenças significativas
de comportamento, atitude e postura dos alunos em situações extraclasse
nos momentos em que eram agrupadas diferentes séries (de 1a à 8a), assim como nos
eventos cuja participação dos alunos era mais intensa e direcionada, mesmo em
situações de competição, como ocorreu na gincana que envolvia toda a comunidade
escolar, o que motivava a equipe da escola a buscar elaborar um projeto pedagógico
que envolvesse experiências inovadoras e mais significativas aos alunos.
Parceria. Esta é a palavra que melhor traduz o movimento de construção
daquele projeto que conjugou escola e universidade públicas, buscando-se não
só reconhecer os problemas, as necessidades, os questionamentos e os dilemas
originados na realidade escolar, mas também trazer as fundamentações teóricas
que pudessem subsidiar a tomada de decisões na busca coletiva de superação
dos conflitos cotidianos3.
Uma das grandes conquistas neste ano, a partir destas reuniões coletivas,
foi o notável fortalecimento do grupo de docentes, atuando de forma a discutir e
debater aspectos fundamentais do processo ensino-aprendizagem. Deste modo,
as alterações no projeto pedagógico da escola podem ser vistas como resultado
desta interação ocorrida entre os membros do corpo docente, de funcionários
e os demais profissionais envolvidos, deixando evidente que a Psicologia pode
auxiliar os docentes a compreenderem as relações entre desenvolvimento-

3 Da redação deste projeto, foi enviada à Fapesp uma solicitação de apoio dentro da
rubrica especial Escola Pública, que poderá favorecer o desenvolvimento do trabalho
como um todo. Entretanto, ainda não houve tempo hábil para que a resposta a este
pedido fosse enviada.

594
“ estou com vergonha de mim ”

-aprendizagem, pensamento-linguagem, afeto-cognição e professor-aluno,


entre outras temáticas, tendo, deste modo, papel fundamental na promoção da
reflexividade da comunidade escolar.

Referências bibliográficas

Araújo, U. F. A construção de escolas democráticas: história sobre complexidade,


mudanças e resistências. São Paulo: Moderna, 2002.
Estrela, M. T. Relação pedagógica, disciplina e indisciplina em sala de aula. Lisboa:
Porto, 1994.
Goergen, P. Educação Moral: adestramento ou reflexão comunicativa? Revista
Educação e Sociedade. v. 22, n. 76, 2001.
Puig, J. M. A construção da personalidade moral. São Paulo: Editora Ática, 1998.

595
51
Propostas político-
-pedagógicas de organização
do processo escolar:
algumas tendências
Maria José Viana Marinho de Mattos

O objetivo básico deste artigo é discutir propostas político-pedagógicas


de organização do processo escolar, em especial os ciclos escolares, no
contexto do processo de descentralização educacional. Entre muitas razões
da relevância destes estudos destaca-se como fonte de revisão de uma
temática bastante discutida no campo educacional permitindo compreender
a implementação de estratégias de organização escolar como alternativa de
redução da repetência, de correção de fluxo escolar e de melhoria da qualidade
de ensino.
Desde a década de 1970, um considerável número de países como Estados
Unidos, Egito, Espanha e diversos países da América Latina, vem realizando
esforços visando a descentralização educacional. No entanto, esse processo
ganhou espaço quando, no fim dos anos 1980 e década de 1990, as políticas
e reformas educacionais nos países latino-americanos direcionaram suas

597
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

propostas de quatro eixos principais: gestão, equidade e qualidade, formação


de docentes e financiamento.
Com base na pesquisa bibliográfica e da análise documental, diante de uma
literatura vasta sobre a descentralização educacional, compreendemos que as
mudanças e implicações deste processo apresentam como uma das tendências,
outorgar às escolas maior autonomia de decisão com o propósito de melhorar
o desempenho das mesmas e a responsabilidade por seus resultados. Embora
os objetivos sejam semelhantes em alguns propósitos há heterogeneidade
quanto às estratégias e motivações. Os fatores determinantes da origem desse
processo estão relacionados à crise e reforma do Estado, à recuperação gradual
do processo democrático, à fragilidade econômica causada pelo endividamento
externo e desenvolvimento social desses países. (Senén González, 1994).
De modo geral, esses países têm se comprometido com as recomendações
advindas dos acordos internacionais e de declarações realizadas entre eles,
principalmente em relação à escolaridade básica. É importante considerar,
também, que o nível de desenvolvimento educacional varia na região; muitos
países têm alcançado altas taxas de atendimento, mas o desempenho satisfatório
dos estudantes ainda é um desafio. Quanto ao acesso e participação por nível
de ensino países como a Argentina, Chile, Peru, México, Bolívia, Brasil, por
exemplo, desfrutam de uma escolarização considerada universal por apresen-
tarem taxas acima de 97% que correspondem à população que, oficialmente,
ingressa no primeiro ciclo da escolaridade básica (Unesco, 2001).
É no âmbito de ações descentralizadas, de flexibilização e de autonomia
escolar que os sistemas de ensino vêm adotando diferentes alternativas político-
-pedagógicas visando à qualidade e equidade do ensino. Entre essas alternativas,
o regime de ciclos escolares frequentemente é apontado como uma das estraté-
gias das políticas educacionais recentes no contexto de um sistema educacional
historicamente organizado em seriação.
No limite deste texto, recorremos à organização do processo escolar em
ciclos em alguns países, identificando casos de implementação apenas parcial.
Em outros, planejou-se uma implantação progressiva entre 1995 e 2005,
como Bélgica e Suíça, adotando experiências limitadas implementando-as
em escolas experimentais. Países como França, Estados Unidos, Alemanha,
Inglaterra, Suécia, Argentina já vêm adotando experiências rompendo com a

598
- pedagógicas de organização do processo escolar

forma seriada de organização do ensino e assegurando a aprendizagem como


processo contínuo (Perrenoud, 1999). A literatura indica que as organizações
pedagógicas desseriadas não podem ser transpostas com facilidade para sistemas
nos quais os conteúdos dos saberes têm lugar importante e onde há uma forte
seleção escolar (Afonso, 1999).
As experiências dos sistemas educacionais da Espanha e de Portugal, por
exemplo, merecem destaque, pois incorporam às reformas educacionais medidas
relacionadas à organização da educação básica em ciclos de aprendizagem
acompanhadas de modificações nas práticas pedagógicas atribuindo à equipe de
docentes um papel relevante, colocando sob sua responsabilidade a reformulação
curricular, a coordenação dos recursos didáticos e mecanismos de avaliação do
processo ensino/aprendizagem e do sistema educacional. Enquanto na Espanha
a ampliação da escolaridade básica deu-se em condições de obrigatoriedade
e gratuidade até dezesseis anos, a reforma educacional de Portugal previa a
universalização acelerada do acesso à escolaridade básica de nove anos. Nestes
países a organização do tempo escolar em ciclos é apontada como medida de
modernização do sistema de ensino e de combate aos fenômenos de repetência
e de abandono escolar.
Nos países latino-americanos, na década de 1990 principalmente, propostas
de organização do processo escolar ocuparam espaço na agenda das reformas
educacionais decorrentes do processo de descentralização educacional.
Desta forma, em linhas gerais, o México, por exemplo, iniciou o processo de
desconcentração da administração educacional avançando, na década de 1980,
com ações propícias à descentralização, processo conhecido por federalização,
baseado na transferência da gestão, recursos financeiros e serviços educacionais
federais aos Estados.
A estrutura do sistema educacional do México está organizada em dois
níveis: a educação primária e a secundária. A educação primária tem duração
de seis anos e compõe-se de seis graus; a secundária, dura três anos e é composta
de três graus. Estes níveis são obrigatórios e mantidos pelo Estado de forma
gratuita. Segundo análise da Unesco (2001), o México apresenta uma taxa de
repetência em torno de 8% no ensino primário, requerendo, como nos demais
países, maior atenção por parte das instituições educacionais, uma vez que
este aspecto acarreta uma certa pressão sobre os gastos destinados à educação.

599
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A proposta de descentralização educacional do Chile privilegiou a expansão


da educação privada subvencionada pelo Estado, constituindo um negócio
excelente, no contexto da crise fiscal vivida pelo país na década de 1980. Na
década de 1990, prevaleceu uma proposta privatizadora em que a intervenção
do Estado tornou-se limitada e foi substituída por mecanismos do mercado com
objetivos e programas direcionados ao atendimento de resultados que reflitam
a melhoria da qualidade e da eqüidade da educação. No entanto, o governo
central continua exercendo papel fundamental nos programas desenvolvidos
nas escolas, visando melhorar seu desempenho e a responsabilização pelos seus
resultados, através do processo nacional de avaliação do sistema educacional
(Casassus, 2001).
O sistema escolar desse país é composto por blocos que formam a educação
básica e média, níveis do sistema formal das escolas. A educação básica, com
duração de oito anos, constitui o nível obrigatório do sistema escolar chileno. É
importante ressaltar que os quatro anos de duração do primeiro ciclo estão sob
a responsabilidade de um único professor que acompanha o percurso escolar do
aluno. Esta é uma característica que difere a organização escolar em ciclos, dos
demais países da região. No segundo ciclo, os conteúdos são organizados por
temáticas com professores especialistas, que realizam atividades de exploração
e orientação vocacional.
Se o baixo índice de repetência é um dos indicadores de eficiência e eficácia
dos sistemas educacionais, o Chile é o país que apresenta menores índices (4%)
e, portanto, seus esforços em relação às reformas, às estratégias de organização
escolar, aos programas de capacitação de docentes e uma política de promoção
automática parecem adequados ao enfrentamento dos problemas decorrentes
da repetência escolar.
A descentralização do sistema educacional na Argentina, país federado,
consiste basicamente na transferência dos serviços do governo nacional às
províncias, processo designado provincialização. No entanto, é interessante
observar que a maior parte da autoridade para tomada de decisões segue
concentrada nos ministérios de educação das províncias, ou seja, as decisões
localizam-se em nível regional.
Na Argentina a educação básica é obrigatória a partir dos seis anos de idade,
entendida como uma unidade pedagógica integral, é implementada de

600
- pedagógicas de organização do processo escolar

forma gradual e progressiva, tendo a duração de nove anos. Os ciclos e regimes


especiais que integram a estrutura do sistema educativo articulam-se a fim de
facilitar a progressão continuada e assegurar a mobilidade horizontal e vertical
dos estudantes.
A iniciativa de descentralização de El Salvador, por exemplo, apresentou-se
parcial e esteve orientada às escolas rurais e as principais decisões de organização
dos métodos pedagógicos, de gestão dos recursos humanos e de materiais são
de competência das escolas. Embora a taxa de atendimento à escolarização do
ensino primário seja de 80%, as pesquisas têm apontado alto índice de evasão
escolar em torno de 60% (Unesco, 2001). Outro país, a Nicarágua, também
adotou a descentralização educacional com ênfase na municipalização, dire-
cionada para uma política de transferência de maior participação nas decisões
de gestão e financiamento educacional.
Há elementos que indicam que as razões para a descentralização da educação
destes países são de natureza política e fiscal, com perspectivas de que as mudanças
decorrentes dessas iniciativas melhorem os resultados da escolaridade. No entanto,
os resultados de escolaridade podem definir-se de diversas maneiras desde a
melhoria no desempenho na avaliação do processo de ensino-aprendizagem e,
até mesmo, no período de duração da escolaridade dos estudantes. Esta análise
permitiu identificar grupos de iniciativas/estratégias que contribuem para melhorar
o desempenho dos sistemas educativos, entre eles: a liderança dos diretores das
escolas, a capacitação continuada dos docentes, a reformulação curricular, a
reorganização do tempo escolar, as mudanças nos métodos pedagógicos e de
avaliação da aprendizagem e a responsabilização pelos resultados.
Nessa discussão, resguardando as especificidades de cada país e as desi-
gualdades regionais, o Brasil entra em cena e é apontado em recente relatório
elaborado pela Unesco (2003), como um dos países que alcançaram a universali-
zação, porém, apresenta o maior índice de repetência escolar na América Latina.
Ao abordar aspectos da discussão do processo de descentralização e de
desconcentração no Brasil como estratégias para melhoria da qualidade de
ensino, é importante considerar os conceitos de Estado federativo e descen-
tralização, ou seja, a restauração do federalismo deu-se anteriormente à
descentralização. Em linhas gerais, as reformas das instituições políticas ao
longo dos anos 1980, particularmente, a retomada de eleições diretas em todos

601
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

os níveis de governo, a partir de 1982, e as deliberações da Constituição Federal


de 1988, recuperaram as bases federativas do Estado brasileiro, suprimidas
durante a ditadura militar. Num país federativo como o Brasil, caracterizado
por expressivas desigualdades regionais e um grande número de municípios,
decidir por um processo de reforma do Estado capaz de transformar o formato
centralizado, depende decisivamente da ação deliberada dos níveis mais abran-
gentes de governo, com recursos financeiros e administrativos para tornar a
adesão à descentralização uma opção efetivamente atrativa para os governos
locais (Arretche, 2000).
Nesta perspectiva, a descentralização é considerada como um instrumento
de modernização gerencial da gestão pública, pela crença nas suas possibilidades de
promover a eficácia e a eficiência dos serviços prestados à comunidade escolar
e passa a ser difundida como um mecanismo para corrigir as desigualdades
educacionais, por meio da otimização dos gastos.
Muitas propostas de modificações na estrutura e no funcionamento da
educação foram apresentadas neste período. No entanto, a Emenda Constitu-
cional que definiu as responsabilidades dos três níveis de governo instituindo
o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) e os Parâmetros Curriculares Nacionais são considerados as
principais iniciativas de maior repercussão na definição das políticas públicas
para a educação básica.
Em relação à organização do processo escolar, objeto desta reflexão, a nova
LDBEN (Lei no 9.394/96) apresenta alternativas de flexibilização na organização
da educação básica em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância
regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, compe-
tência e em outros critérios. Desta forma, amplia as possibilidades de avanço
do estudante no percurso de sua escolaridade através de métodos de recuperação
de conteúdos; de aceleração de estudos para estudantes com defasagem idade/
série; de mecanismos de reclassificação e de avanço nos cursos e nas séries, desde
que observadas as normas curriculares e os demais dispositivos da legislação.
É interessante ressaltar que o processo de avaliação do ensino/aprendizagem,
entendido como processual e contínuo é considerado eixo da organização
escolar em ciclos.

602
- pedagógicas de organização do processo escolar

Por sua vez, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a organização da esco-


laridade em ciclos encontra-se relacionada ao processo educacional necessitando
de condições institucionais, medidas administrativas, pedagógicas e financeiras
para sua efetivação, requerendo, ainda, que a equipe pedagógica das escolas se
corresponsabilize com o processo de ensino e aprendizagem de seus estudantes
(Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997).
Reiterada em âmbito nacional, a organização escolar em ciclos consti-
tuiu uma das medidas incorporadas às políticas educacionais dos Estados,
articulada à gestão democrática, autonomia escolar, formulação do projeto
político-pedagógico, mudanças curriculares e mecanismos de avaliação do
sistema escolar.
As políticas educacionais de São Paulo, Santa Catarina1, Rio de Janeiro,
Paraná e Minas Gerais, principalmente, adotaram em suas respectivas reformas
educacionais, desde a década de 1980, um conjunto de medidas de ordem
política, administrativa e pedagógica muito semelhantes, com estratégias de
flexibilização da organização do ensino fundamental, como alternativa impor-
tante para o enfrentamento do fracasso escolar.
Mesmo enfrentando resistências, rupturas e variáveis decorrentes da
diversidade regional, a ideia de ciclos é acolhida por gestões de redes públicas
de ensino dos mais diferentes matizes partidários.
No conjunto destas iniciativas as redes municipais de São Paulo, Belo
Horizonte e Porto Alegre implementaram mudanças com repercussão nacional.
Os princípios norteadores dessas propostas concentraram-se na flexibilização
do tempo escolar, organização curricular com integração dos conteúdos,
valorização dos aspectos socioculturais e participação coletiva dos professores,
visando enfrentar o fracasso escolar, dentro de uma concepção ampliada de
educação, voltada à formação do cidadão (Barreto, 1999).
A proposta da Escola Plural na rede municipal de Belo Horizonte, em 1994,
experiência de reorganização dos tempos escolares atendendo crianças de seis
anos de idade, estruturada em três ciclos de formação, acompanhando as fases de
desenvolvimento do aluno: infância, pré-adolescência e adolescência. Nesse caso,

1 Santa Catarina instituiu os ciclos escolares com progressão continuada, por um período
prolongado de 1970 a 1983.

603
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

a retenção no último ano do ciclo dá margem a multirrepetência, provocando


críticas a esse respeito.
A experiência da Escola Cidadã de Porto Alegre é parte de um projeto
político amplo, materializado ao longo de três gestões municipais (1989-2000),
como uma proposta de gestão da escola pública. Por ser um projeto considerado
político, democrático e coletivo apresenta a participação como princípio básico
para a construção do conhecimento e formação da cidadania com princípios
de educação inclusiva.
O que se depreende da análise destas experiências é que a repetência não
pode ser vista como um fato natural. Desta forma, há dados quantitativos e
qualitativos referentes à historicidade do processo educacional brasileiro indi-
cando que as razões atribuídas ao fracasso escolar vêm se deslocando no âmbito
desse processo e aumentando sua complexidade. Estas razões estão relacionadas
aos próprios alunos, a suas famílias, aos aspectos políticos, sociais e econômicos,
à falta de investimento e incentivo do Estado às políticas sociais, às dificuldades
de gerenciamento nos âmbitos federal, estadual e local dos sistemas educacionais.
Os estudos indicam que todo o empenho de implementação de políticas
educacionais, a partir da década de 1990, voltou-se para elaborar propostas,
tendo como eixo o sistema escolar e unidades escolares. Acreditava-se que através
das mudanças na gestão escolar; na elaboração do projeto político-pedagógico
e nas formas de participação de alunos, pais, professores e outros segmentos da
comunidade escolar seriam minimizados os problemas da repetência, evasão e
distorção série/idade que continuam como desafios atuais.
A região Sudeste, por exemplo, além de possuir a maior população escolar,
é a que se mostra mais inclinada a implantar os ciclos em suas redes de ensino:
55,8% dos estudantes encontram-se matriculados em escolas organizadas
em ciclos escolares. No entanto, apenas 1,8% das escolas privadas adotam o
regime de ciclos no ensino fundamental. As taxas de distorção idade/série que
representam o grupo de estudantes que se encontram com idade superior a
que corresponde à série, período ou ciclo que esteja cursando, reduziram, se
considerarmos o período de 1996 a 2002. A rede estadual de São Paulo, na sua
maioria organizada em ciclos, reduziu de 30,5% em 1996 para 13,6% em 2002; a
rede estadual de ensino do Rio de Janeiro, organizada em seriação, reduziu muito
pouco neste período de 42,7% para 33,7% em 2002. E, Minas Gerais de 37,4% em

604
- pedagógicas de organização do processo escolar

1996 alcançou 28,1% em 2002, lembrando que este Estado teve dois movimentos
importantes neste período: o primeiro, a obrigatoriedade de organização em
ciclos escolares em 1998 (gestão de Eduardo Azeredo) e, o segundo, na gestão de
Itamar Franco (1999-2002), quando a SEE/MG delegou às escolas competência
para definir a forma de organização do ensino fundamental.
Nesse quadro de revisão, outro aspecto observado, é a diversidade de
conceitos da expressão ciclos, blocos e níveis, presentes na literatura, na legislação
e nos documentos das redes públicas de ensino do país, para caracterizar uma
organização de ensino oposta à seriação, ou seja, a desseriação. Nos países
europeus, por exemplo, a literatura refere-se à organização escolar em ciclos
de aprendizagem; nos países latino-americanos usam-se ciclos escolares, níveis e
blocos, como na maioria das propostas educacionais brasileiras. No entanto, há
propostas que defendem os Ciclos de Formação Humana, proposta defendida
por alguns educadores entre eles Arroyo (1999), Rodrigues (2001), quando se
referem à organização da escola, aos conteúdos, aos tempos e espaços escolares
entendidos como ciclos de desenvolvimento dos educandos.
No conjunto das propostas político-pedagógicas de organização escolar em
ciclos, identificamos que a organização do processo escolar vem acompanhada
de diferentes formas de promoção do estudante, as mais comuns são: a promoção
automática, classes de aceleração e progressão continuada.
A promoção automática talvez seja a mais controvertida e mais radical das
políticas de correção de fluxo, pois sua principal característica aparece como
proposta de eliminação da reprovação no ensino fundamental.
Outra medida adotada pelas políticas educacionais que acompanham
o regime de ciclos é a aceleração de estudos que é uma forma de propiciar a
alunos, com atraso escolar, a oportunidade de atingir o nível de desenvolvimento
correspondente a sua idade. Estudantes com atraso escolar são aqueles que se
encontram com idade superior a que corresponde à série, período ou ciclo que
esteja cursando (CEE/MG, 1997). Vale ressaltar o Programa de Aceleração da
Aprendizagem adotado pelo MEC com a adesão de alguns sistemas estaduais
e municipais, como política nacional de correção do fluxo escolar dos alunos
das quatro primeiras séries do ensino fundamental que apresentam defasagem
idade/série de dois anos ou mais.

605
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Outra medida, a progressão parcial entendida como sendo de responsa-


bilidade de a escola permitir ao aluno avançar em componentes curriculares
para os quais já apresente, comprovadamente, domínio de conhecimentos,
possibilitando-lhe novas oportunidades de estudos daqueles componentes nos
quais apresenta deficiências.
No entanto, o regime de progressão continuada é a medida utilizada com
mais frequência, que faculta às escolas organizadas em séries anuais, períodos
semestrais ou ciclos, a possibilidade de o aluno avançar na sua escolaridade
conforme seu desempenho.
Percorrendo a trajetória de algumas experiências de organização escolar
em ciclos, nas redes estaduais de ensino dos estados selecionados, observamos
que as políticas de organização escolar em ciclos e/ou a conjugação de séries/
ciclos estão presentes em diferentes contextos, como uma alternativa importante
para o enfrentamento do fracasso escolar. Entre as justificativas apontadas para
a implantação dos ciclos nos sistemas educacionais relacionados às experiências
estudadas, destacamos:
▶▶ As políticas de reorganização escolar inserem-se no contexto dos movi-
mentos de descentralização e desconcentração da gestão educacional;
▶▶ os programas de correção do fluxo escolar apresentam medidas para
redução dos altos índices de repetência na educação básica;
▶▶ as experiências de flexibilização dos tempos escolares constituem estraté-
gias de respeito aos percursos individuais de escolaridade dos estudantes;
▶▶ as estratégias de reorganização escolar são previstas para provocarem
mudanças nas ações didático-pedagógicas no âmbito das instituições
escolares;
▶▶ estas iniciativas devem ser acompanhadas de estratégias administra-
tivas, financeiras, mudanças curriculares e de capacitação continuada
dos docentes.
▶▶ possibilidade de mudanças nas concepções e práticas de avaliação
escolas vigentes no sistema educacional.

Há autores que consideram que estas políticas estão sendo impulsionadas


de forma ambígua, pois são modificações que visam tanto uma perspectiva de
democratização da escola, quanto uma economia de recursos, o que fará com

606
- pedagógicas de organização do processo escolar

que, em breve, todos tenham oito anos de escolarização, mas não o acesso aos
mesmos níveis de conhecimento (Oliveira, 2000).
Outra questão observada é que as análises decorrentes das políticas de
correção do fluxo tendem a integrá-las às políticas inclusivas, pois estão voltadas
para o enfrentamento do fracasso escolar e “à construção de uma escola demo-
crática, onde todos entrem, todos aí permaneçam aprendendo e todos sejam
incluídos” (Setubal, 2000).
Diante da complexidade da temática e considerando pesquisa recente
realizada junto a um grupo de educadores, identificamos que as tendências
de organização do processo escolar estão relacionadas ao processo de imple-
mentação dos programas de qualidade e equidade do ensino, entendidos como
um conjunto de programas que garantam a eficácia do sistema educacional,
acompanhada de programas de formação e capacitação docente e de condições
institucionais necessárias para sua efetivação.
Enfim, os princípios de flexibilização e de autonomia escolar garantem
a formulação de propostas político-pedagógicas de organização do processo
escolar, desde que formuladas e implementadas articuladas a outras medidas
que visam o processo educativo.
Desta forma, para uma análise mais elucidativa acerca das formas de
organização escolar e das políticas de correção do fluxo escolar, não podemos
nos afastar do problema da repetência e da evasão escolar, pois são problemas
crônicos, que sempre estiveram presentes na história da educação brasileira. Os
prejuízos causados à organização escolar e ao financiamento do sistema educa-
cional, as dificuldades enfrentadas no tocante ao processo de aprendizagem dos
estudantes e os problemas decorrentes da repetência no plano pessoal, familiar
e social são os desafios emergentes enfrentados por nós educadores.

Referências bibliográficas

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sociológica da reforma educativa em Portugal. Braga: Universidade do
Minho, 1999.

607
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

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Shiroma, E. O.; Moraes, M. C. de; Evangelista, Olinda. Política Educacional. Rio
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608
52
Avaliação da aprendizagem:
uma relação ética
Vasco P. Moretto

Introdução

Um fato curioso ocorre em encontros de estudo, congressos, seminários e


conferências quando o tema é avaliação da aprendizagem: o número de profes-
sores, coordenadores e diretores inscritos é grande. Vemos aí o indicador de
quanto o tema é de interesse para os envolvidos na educação e quantas dúvidas,
angústias e preocupações ele gera.
Muito se tem escrito e falado sobre a avaliação da aprendizagem. As dúvidas
continuam, os pontos de vista se multiplicam. O sistema escolar gira em torno
desse processo e professores e alunos com ele se angustiam. A verdade parece
ser uma só: precisamos estudar mais, debater com maior profundidade e definir
com segurança o papel da avaliação no processo da aprendizagem.
O processo é angustiante para muitos professores. Angústia por não saber
como transformá-lo em processo que não seja uma mera cobrança de conteúdos
aprendidos “de cor”, de forma mecânica, sem significado para o aluno. Angústia
por usar instrumento tão valioso no processo da aprendizagem como recurso de

609
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

repressão, como meio de garantir que uma aula seja levada a termo com certo
grau de interesse por parte dos estudantes. Sentenças como anotem, pois vai cair
na prova, prestem atenção neste assunto, porque na semana que vem tem prova,
se não ficarem calados vou fazer uma prova surpresa, já que vocês não param de
falar, considero a matéria dada e vai cair na prova, ou outras que se equivalem,
são fortes indicadores de como a avaliação da aprendizagem tem sido utilizada
por muitos professores.
Se para o professor esse processo gera angústia, podemos imaginar o que
ele representa para os alunos. Momento de acerto de contas, A hora da verdade,
A hora de dizer ao professor o que ele quer que se diga, A hora da tortura, são
algumas das muitas representações em voga no meio dos alunos de todos os
níveis de educação. Enquanto não há “prova marcada”, alguns alunos encontram
um álibi para não estudar. E se o professor disser que a meteria será dada em
aula, mas não cairá na prova, quem precisa estudar?
Para muitos pais, a prova também não cumpre seu real papel. Se a nota
foi razoável ou ótima, eles se dão por satisfeitos, pois pressupõem que a nota traduz a
aprendizagem correspondente, o que nem sempre é verdade. E os alunos sabem
disso! Se a nota foi de “aprovação” (não foi nota vermelha!), o aluno a apresenta
como um troféu pelo qual “deve receber recompensa” (saídas autorizadas,
aumento de mesada, férias no exterior etc.). Quanto ao sentimento do dever
cumprido... Ah! Isso nem vem ao caso!
Diante de tais constatações, a avaliação da aprendizagem precisa ser
analisada sob novos parâmetros, ressignificada e assumir seu novo papel no
processo de intervenção pedagógica.

O ensinar e o aprender: um novo enfoque

A avaliação é parte integrante dos processos de ensino e de


aprendizagem

O ensinar já foi concebido, em outros tempos, como um transmitir de


conhecimentos já prontos e acabados, isto é, tidos como conjunto de verdades
a ser recebido e gravado pelo aluno para ser devolvido na hora da prova. Nessa

610
avaliação da aprendizagem : uma relação ética

visão de ensino, o aprender tem sido visto como a forma de gravar informações
transcritas para um caderno (cultura “cadernal”) e devolvê-las da forma mais
fiel possível ao professor na avaliação. Expressões como o que será que o professor
quer com esta questão, professor, a questão 7 não estava no caderno de ninguém,
professora, dá para explicar o que a senhora quer com esta questão?, professor,
decorei todo o questionário que o senhor deu e o perguntou tudo diferente na prova
são indicadoras de que a preocupação dos alunos é satisfazer os professores,
é tentar responder a tudo o que se imagina que o professor quer que o aluno
responda.
Dentro desta visão, que classificamos de tradicional por ser o que ainda
domina fortemente o processo de ensino nas escolas de hoje, a avaliação da
aprendizagem é vista como um processo de “toma lá, dá cá”, em que o aluno
deve devolver ao professor o que dele recebeu e, de preferência, exatamente
como recebeu. Não cabe interpretação e nem muita criatividade.
A relação professor-aluno, concebida da forma acima descrita, é identificada
como uma espécie de dominação, de autoritarismo, de submissão. É uma forma
perniciosa no processo de formação para a cidadania.
A perspectiva construtivista para a educação em contexto escolar estabelece
uma nova relação entre o professor, o aluno e o conhecimento. Parte-se do
princípio que o aluno não é um mero acumulador de informações, ou seja, um
simples receptor-repetidor de dados, mas, ao contrário, o fundamento é que ele
seja visto como o construtor de seu próprio conhecimento, este constituído de
uma rede de relações significativas entre dados considerados relevantes para o
contexto do aluno.
Esta construção se dá com a mediação do professor, mas na ação do aluno,
que estabelece a relação entre suas concepções prévias e o objeto de conhecimento
proposto para o estudo. Assim, fica claro que a construção do conhecimento,
neste enfoque, é um processo interior do sujeito da aprendizagem, estimulado
pelas condições exteriores criadas pelo professor. Por isso, cabe a este o papel
de catalisador do processo da aprendizagem. Catalisar/mediar/facilitar são
palavras que indicam o novo papel do professor no processo pedagógico de
interação com o aluno.

611
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Um momento privilegiado de estudo (vulgo prova!)

A expressão “avaliar a aprendizagem” tem um sentido amplo. A avaliação pode


ser feita de diversas formas, com os mais variados instrumentos. O mais comum
deles, característico de nossa cultura escolar, é a prova escrita individual. Por esse
motivo, em lugar de apregoarmos os malefícios da prova e levantarmos a bandeira
de uma avaliação sem provas, procuramos seguir o princípio: já que temos que fazer
provas, que sejam bem feitas, atingindo eu real objetivo, isto é, verificar se houve
a aprendizagem significativa de conteúdos relevantes propostos pelo professor.
Em estudo que fizemos, analisando centenas de provas realizadas nos
quatro cantos do Brasil, classificamos como tradicionais aquelas que apresentam
três características básicas, como veremos a seguir.

Exploração exagerada da memorização mecânica

Com certeza a memorização tem seu lugar no processo de aprendizagem,


desde que seja uma memorização que chamaremos de significativa. O que se
observou na escola da linha dita tradicional foi muita exploração da memorização
de dados sem algum sentido para o aluno. Quem não se lembra dos “questio-
nários” usados, sobretudo, no ensino de História e de Geografia, por meio dos
quais se enfatizava a memorização repetitiva e autômata. Professores, buscando
estimular os alunos conclamavam: “não deixem de estudar (entendido pelos
alunos como decorar!) o questionário que passei”. E, quando o professor não se
antecipava propondo um questionário, os alunos o solicitavam, pois sabiam que
esta seria sua garantia, pois “o professor vai perguntar o que está no questionário”,
pensavam eles. E quando isso não acontecia, muitos alunos reclamavam com
veemência: “Professor, a questão 4 (quatro) que o senhor passou na prova não
estava nem no questionário e nem no caderno dos alunos onde copiamos sua
aula”. Eis o reflexo de uma relação na qual a memorização é privilegiada em
relação a outras operações mentais que a escola deve ajudar a desenvolver.

A falta de parâmetros para a correção

Esta é uma característica encontrada em muitas provas e que “deixa os


alunos na mão do professor”. Com a falta de definição de parâmetros, vale o

612
avaliação da aprendizagem : uma relação ética

que o professor quer que o aluno responda. Por isso, muitos alunos, na hora das
provas, levantam a mão (quando o fazem!) e perguntam: “Professor, o que o
senhor quer mesmo com esta questão 5?”. Veja, o aluno não pergunta “o que diz
a questão 5”, mas deseja saber o que o professor quer que se escreva. Ele sabe,
na cultura do “toma lá, dá cá”, que deve escrever o que o professor quer, mesmo
que na questão proposta isto não esteja claro.
Certa vez encontrei, em uma prova de ciências, a seguinte pergunta: Como
é a organização das abelhas numa colmeia?. O aluno simplesmente respondeu:
É joia! A interpretação do aluno está correta para a pergunta feita. E qual será o
parâmetro para a correção? Não está claro na pergunta. Muitas outras respostas
podem ser dadas, tais como: é maravilhosa, é espetacular, é surpreendente etc.
O que dirá o professor? Certamente dará zero para a questão e justificará sua
ação afirmando: O aluno assistiu minha aula, logo deve saber o que eu quero
e da forma como foi dado. É sobre isso que queremos chamar a atenção. Essa
afirmação traduz uma visão clara da didática que conceituamos como tradi-
cional: o professor (detentor do conhecimento) passou as informações (leia-se
informações e não conhecimentos) aos alunos (receptores-repetidores) e estes
copiaram em seus cadernos (cultura cadernal!) e na hora da prova devem repetir
o que receberam (Pedagogia Bancária denunciada por Paulo Freire).

Uso de palavras sem sentido preciso no contexto

Com frequência há palavras utilizadas no comando de questões de provas,


que não têm sentido preciso nos contextos de uso, tais como: comente, como,
dê sua opinião, o que você sabe sobre..., quais, caracterize, etc. Veja uma questão
encontrada numa prova: Comente a frase de Sócrates: conhece-te a ti mesmo.
Analise algumas respostas possíveis, coerentes com o comando da questão: É
uma frase de grande profundidade; Essa frase não me diz nada; Conhecer-se a si
mesmo é muito importante; Esta frase, para mim é sem sentido. Sendo o comando
da questão expresso apenas pela palavra comente, todos os comentários são
válidos. Não houve precisão no comando, pois não há parâmetros para a
correção, isto é, não foi dito sob que aspectos deveria ser feito o comentário.
A questão ficou com dois defeitos graves: não estabeleceu parâmetros para a
correção e usou uma palavra — comente — de sentido impreciso no contexto.

613
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Examinemos algumas características marcantes das provas que examinamos


e que foram elaboradas dentro dos princípios da perspectiva Construtivista
Sociointeracionista.

Contextualização do conteúdo

Qualquer questão deve estar acompanhada de um contexto, por meio do


qual o aluno possa identificar as relações que precisa estabelecer. O contexto
deve apresentar pistas inteligentes para a elaboração da resposta. É importante
fazer do texto um contexto e não apenas um pretexto.

Utilização de parâmetros para a correção

Ao ler a questão, o aluno deve perceber com clareza os parâmetros que serão
utilizados na correção de sua resposta. Assim, uma questão como Caracterize
os gases fica sem parâmetro, pois não o aluno não sabe quantas características
deve colocar e de que tipo elas devem ser. Ao passo que o enunciado Apresente
ao menos três características dos gases, dentre as que estudamos em aula indica,
de forma mais clara, o critério que será utilizado na correção da reposta.

Exploração da leitura e escrita

Costumamos afirmar que os alunos não sabem ler e nem escrever. Na hora
da avaliação – momento privilegiado de estudo — não lhes proporcionamos a
oportunidade de leitura e de escrita. Com frequência são elaboradas questões
de forma direta, do tipo: “O que é rocha?”, “O que é república?”, “O que é
uma ilha?”, “Defina densidade”, “Defina morro e montanha”. Com este tipo
de questões, as respostas serão, certamente, do tipo: “Rocha é ....”, “República
é ...”, “Densidade é ...” etc. O que estamos ressaltando é que o contexto deve
favorecer a leitura e as perguntas elaboradas devem provocar argumentações,
descrições, relações, análises, sínteses, etc. O aluno deve ser estimulado a
escrever, embora não se deva descartar instrumentos de avaliação com outro
tipo de questão, como do tipo múltipla-escolha, completar, verdadeiro-falso,
etc. Se alguém levantar o argumento: e depois, como vou corrigir se dou 40

614
avaliação da aprendizagem : uma relação ética

aulas por semana? Ou, tenho 200 alunos fazendo provas e não tenho tempo
para ler tudo o que eles escrevem. Pense no seu profissionalismo. Esta limitação
é real e deve ser levada em conta, mas não deve ser fator para abandonar outras
formas que estimulem o pensamento e a criatividade do aluno.

Proposição de questões operatórias e não apenas transcritórias

As primeiras são as que permitem ao aluno, ao responder, fazer diversas


operações mentais; as outras são aquelas cuja resposta é uma mera transcrição
de informações.
Encontrei, certa vez, um aluno da 6ª série lendo, em seu caderno tipo espiral,
um questionário de Geografia e decorando respostas. A primeira das questões
era: “Qual a origem da terra roxa?”. Perguntei ao aluno qual era a resposta e
ele cantarolou sem pestanejar: “Originou da decomposição do basalto”. “E o
que é basalto?”, perguntei em seguida. “Ah! isso eu não sei não, mas sei que a
resposta está certa porque a professora escreveu no quadro e eu copiei de lá”.
Esta questão exigiu apenas transcrição da informação do quadro para o caderno,
do caderno para a cabeça e desta para a prova (quando não passou por uma
“colinha” por questão de segurança!) e acabou o processo. Qual o sentido deste
tipo de questões em provas? Isso “prova” o quê?

Utilização de linguagem coloquial

O sentido de coloquial aqui utilizado é de aproximação do aluno com o


professor. A linguagem utilizada em questões de provas deve dar continuidade
à empregada durante as aulas. Em nossas exposições dizemos: “vamos agora
estudar a teoria cinética dos gases”, ou “vocês já viram em aulas anteriores que ...”,
ou outras em que nós, vocês, vimos, estudamos etc. são palavras que aparecem
o tempo todo, no sentido de aproximar aluno e professor. Ora, porque não
usar a mesma linguagem no momento da avaliação? Não há nada mais “frio
e impessoal” do que um enunciado do tipo: “Seja o triângulo retângulo ABC,
onde AB mede 3 cm, AC 4 cm. Determine o comprimento da hipotenusa BC.”
Indiscutivelmente a questão está matematicamente correta. Mas o professor
poderia usar uma linguagem mais “suave”, sem perder o rigor científico.

615
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A ética na avaliação da aprendizagem

Inicialmente precisamos explicitar de que ética estamos falando. Em nosso


enfoque sobre o assunto utilizamos ideias desenvolvidas pelo filósofo professor
Jayme Paviani. Segundo ele, podemos afirmar, de maneira geral, que a ética tem a
ver com as consequências de nossos atos. Se elas forem boas para a comunidade,
serão éticas, caso contrário, serão classificadas como antiéticas.
Neste sentido, a avaliação da aprendizagem tem tudo a ver com a ética.
Assim, se um professor elabora questões sem muito cuidado, sem estabelecer
objetivos precisos, sem verificar da relevância do assunto abordado, sem colocar
parâmetros claros e precisos e, em vista disso o aluno sair mal na prova, diremos
que a ação do professor fere a ética profissional. No caso do aluno, se ele colar
na prova e com isso passar de ano, poder-se-ia pensar que o resultado de sua
ação é bom para ele, logo sua ação seria ética. Isso é falso, pois ao colar estará
cometendo uma fraude, não estará se preparando para ser um profissional
competente, logo as consequências de seu ato são perniciosas para a comunidade
á qual prestará serviços profissionais. Por isso dizemos que “colar” é uma ação
antiética do aluno.
Em síntese, falamos em comportamento ético das pessoas, pois analisamos
as consequências de suas ações. Por isso, entendemos, também, como um
possível conceito de ética o seguinte: “Ética profissional é o compromisso de
respeito nas relações envolvidas na profissão que exercemos.”
Nos juramentos de formandos em quase todas as profissões aprece a expressão
“prometo cumprir a ética de minha profissão”, cujo sentido nos parece claro:
assumo o compromisso de respeitar as relações inerentes a minha profissão.
Para nós, professores, a avaliação da aprendizagem é um dos momentos
em que podemos definir os rumos da vida do aluno. Quantas vezes ouvimos
dizer que o aluno foi reprovado na 7a ou 8a série porque ficou com média 5,8 em
determinada disciplina, quando a média de aprovação era 6,0. Será que esses 0,2
(dois décimos de ponto) não podem ter sido por falta de uma certa “ética” no
momento da elaboração das questões de provas? Como podem ser terríveis as
consequências da ação do professor, se esta não for executada com competência
e profissionalismo. E o que dizer daqueles que pensam que professor bom é
aquele que reprova uma boa parte de seus alunos?

616
avaliação da aprendizagem : uma relação ética

Concluindo, queremos ressaltar que nossas reflexões não têm o sentido


de acusação nem a professores e nem a alunos. Muito pelo contrário! O que
buscamos é trazer à tona situações reais do dia a dia da escola, que devem ser
analisadas com profundo cuidado e respeito, à luz do sentido que aqui damos
à expressão inicial avaliação da aprendizagem: uma relação ética.

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Editora, 2000.
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617
53
Problemas de aprendizagem:
diagnóstico e suas
consequências sociais
Shirlei Lizak Zolfan

A expressão problemas de aprendizagem é bastante ampla e engloba


diferentes problemas, com causas as mais variadas possíveis. Ter prontidão para
o aprendizado escolar significa estar apto e possuir habilidades para executar
determinadas tarefas. Em temos funcionais significa ter maturação das funções
necessárias para a adequada execução das tarefas.
As crianças com problemas de aprendizagem frequentemente apresentam
dificuldades na aquisição dessas habilidades escolares (escrita, leitura, matemá-
tica, coordenação) e/ou comportamentos inadequados para a idade, desatenção
e pouco interesse. Estas crianças não conseguem acompanhar o ritmo de
aprendizagem de seus colegas.
Na maioria das vezes a queixa vem inicialmente da própria escola que vê
este distúrbio de aprendizagem, em primeira instância, como alguma deficiência
localizada no aluno. Esses alunos são considerados pela escola como alunos
problemas que manifestam deficiências ou atrasos cognitivos.

619
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Muitas vezes a escola vê as dificuldades de aprendizagem como problemas


educacionais de alunos com certa similaridade cultural, considerando deficiência
aquilo que difere do que é valorizado pela mesma.
No entanto, as dificuldades escolares podem ocorrer devido a outros
motivos os quais podem ser:
1. Prejuízos decorrentes da falta de interesse da criança.
2. Quando a performance global da criança está prejudicada.
3. Prejuízo decorrente dos problemas relacionados à atenção.
4. Prejuízo decorrente de problemas cognitivos. Podendo ser subdividido em:
A. Prejuízo na apreensão de informações;
B. prejuízo no processamento das informações.

Vale lembrar também da questão emocional que apesar de ela poder não
ter provocado o problema que a criança apresenta, pode contribuir para o
agravamento dos distúrbios.
Outro fator a ser levantado é em relação ao tipo de relacionamento estabe-
lecido entre professores e alunos e entre os alunos da classe, pois poderá criar
boas condições para o aprendizado bem como, pode dificultá-lo muitíssimo.
A ênfase, muitas vezes, colocada no desempenho da criança pode dar
a impressão de que seu progresso ou o seu fracasso depende exclusivamente
dela. Entretanto, isso não é verdade. O problema pode estar na relação entre
suas características e o método empregado pela escola, nas características da
professora, nos seus colegas de classe, e muitos outros. Portanto, uma criança
que apresente problemas de aprendizagem não exime o professor da busca
de condições adequadas ao seu repertório. Pelo contrário, as crianças que
apresentam problemas de aprendizagem geralmente são capazes de aprender
se as condições forem favoráveis.
Algumas vezes é possível, à própria escola, avaliar e dar o atendimento
necessário a uma criança que vem apresentando problemas de aprendizagem.
Esta é uma situação privilegiada que evita uma sobrecarga ao aluno e oferece
possibilidades de que os resultados obtidos se mantenham, porque o problema
foi trabalhado na situação em que eles ocorrem.

620
problemas de aprendizagem : diagnóstico e suas consequências sociais

Porém, isso não acontece, porque muitas vezes a escola não dispõe de
recursos necessários para tal avaliação e tratamento do problema da criança,
sendo necessário o encaminhamento para profissionais especializados fora da
escola. As crianças que apresentam problemas de aprendizagem são encami-
nhadas a profissionais pela escola com intuito de ser realizada uma avaliação
desses problemas que apresentam em sala de aula e prejudicam a aprendizagem.
Para que a escolha do encaminhamento seja mais adequada possível é
preciso considerar as características do caso e as informações que a escola dispõe.
Assim:
a) Quando é possível descartar a hipótese de existência de distúrbios de
aprendizagem, pois o problema é de ordem exclusivamente orgânico
(deficiência auditiva ou visual, por exemplo) ou de ordem emocional,
o encaminhamento deve ser feito para um profissional ou instituição
competente para resolver cada um destes tipos de problema.
b) Quando em um primeiro momento a avaliação da escola não puder ser
conclusiva ou se existir forte suspeita de distúrbios de aprendizagem, o
encaminhamento ideal seria para uma psicopedagoga ou para o profis-
sional da área que parecer mais comprometida.

Em qualquer um dos encaminhamentos referidos, as informações forne-


cidas pela escola são de extrema importância para a compreensão do problema
da criança. Neste contexto destaca-se o papel do professor, que possuidor de
um conhecimento técnico e aliado ao conhecimento da criança que está sendo
encaminhada, é insubstituível na obtenção de informações essenciais. Todos
os outros profissionais da escola (professor de educação física, de artes, de
computação etc.) que possam ter algum contato com essa criança devem ser
estimulados a fornecer os dados que tem sobre ela.
As informações dadas pela escola permitem, não somente um conheci-
mento mais aprofundado da criança, mas também a inserção de seu problema
num contexto que envolve o método empregado pela escola, a classe em que
a criança está, as atividades e expectativas da escola para os alunos. Porém na
maioria dos casos, não há um trabalho conjunto entre o profissional que está
realizando a avaliação e a escola e/ou o professor.

621
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

É fundamental que sejam realizadas também consultas aos pais, porque


eles podem fornecer dois tipos de informações:
a) Histórico da vida da criança: condições da gestação e do nascimento,
episódios relevantes de sua vida, doenças que teve etc.
b) Informações sobre a vida atual, mudanças de comportamento percebidas,
amizades que tem e como são essas relações etc.

A avaliação muitas vezes ocorre através de testes psicométricos e projetivos


e quando possíveis são realizadas entrevistas e observações. Testes formais e
quantitativos que podem não revelar o que a criança faz, revela o que ela não
faz, gerando muitas vezes diagnósticos equivocados.
Para evitar estes diagnósticos equivocados seria necessário:
1. Professores e educadores inicialmente devem lidar com os próprios
preconceitos.
2. Entender as implicações políticas, sociais e pedagógicas das escolhas
feitas, individual ou coletivamente quanto os instrumentos de avaliação
usados na/pela escola.
3. Educação de qualidade.
4. Abolir o isolamento de suas práticas, melhores salários, condições de
trabalho, contínua capacitação.

Com isto estaríamos prevenindo um segundo problema para estes alunos


o problema de autoestima.
Segundo Içami Tiba (2002), a autoestima de uma criança começa a se formar
quando ela ainda é um bebê. O bebê ao se sentir amado e cuidado começa a
perceber o seu valor e o valor que os outros lhe dão podendo formar assim sua
autoestima essencial. Com o passar do tempo, sentindo-se segura e podendo
realizar seus desejos, consegue desenvolver sua autoestima fundamental.
Para que a criança se sinta amada é necessário que lhe deem respeito, isto
é, permitam que tenha seus próprios sentimentos e que possam expressá-los
de maneira socialmente aceita, aceitá-los como são tendo seus próprios sonhos.

622
problemas de aprendizagem : diagnóstico e suas consequências sociais

A autoestima é a maneira pela qual uma pessoa se sente em relação a si


mesma. É o juízo geral que faz de si mesma, o que gosta de sua própria pessoa.
Uma criança com autoestima elevada é resultado dos reflexos positivos
que a cercam. A verdadeira autoestima é aquela sentida intimamente, e não a
aparência de felicidade ou a acumulação de riquezas e posições.
Para que uma pessoa seja adequada e sinta-se bem interiormente, precisa
desde criança de experiências de vida que lhe provem que tem valor e como já
foi dito, que é digna de ser amada.
O que alimenta a autoestima é sentir-se amado não importando aquilo
que faz, e sim aquilo que é e também ter prazer de conseguir realizar algo de
maneira independente.
Os sentimentos que as crianças têm a seu próprio respeito são sentimentos
mistos, mas temos que lembrar que a autoestima refere-se aos juízos gerais de
si mesma.
Se uma criança tem uma baixa autoestima é porque deve se considerar
incapaz, ela espera falhar e comportar-se de maneira que a torne menos provável
ao sucesso, fica destinada ao fracasso. Ao contrário daquela com autoestima
alta, a sua confiança em si mesma é muito maior o que lhe dá coragem para
enfrentar obstáculos e energia para superá-los.
Uma autoestima precária age como obstáculo à felicidade pessoal, impe-
dindo as relações pacíficas. Está ligada a exigências impossíveis do eu e para que
isso possa ser mudado seria necessária uma reorganização de suas convicções
básicas sobre si mesmo, já que autoconceitos são apreendidos e suas atitudes para
consigo mesmo podem ser modificadas numa direção positiva, o que necessita
apenas de experiências positivas com pessoas e com a vida, isto é, sentindo-se
amada e tendo êxito em seus esforços.
Algumas dicas podem ser necessárias para a construção da autoestima,
principalmente da própria vivência familiar, mas que são importantes também
dentro do âmbito escolar:
Procure verificar como anda a sua própria autoestima. Evite atuar como o
provérbio: faça o que eu digo, mas não o que eu faço. Cada vez mais está sendo
valorizada no relacionamento familiar e escolar a coerência das palavras e ações.

623
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Observe se anda atuando com o rótulo de “dono da verdade”. Lembre-se:


é importante ouvir, refletir e conversar com os seus filhos ou alunos os diversos
assuntos de forma mais coesa e coerente.
Se perceber algum comportamento como medo, agressividade gratuita,
isolamento social, falta de atenção etc., procure observar sem invadir e conversar
sem agredir. É importante nestas fases iniciais da vida do ser humano procu-
rarmos compreender o que os nossos filhos ou nossos alunos estão sentidos
e percebendo do mundo, para sabermos como melhor ajudá-los a superar a
insegurança, o medo, as frustrações etc. Evite fechar a porta da comunicação,
mas se ocorrer, abra em seguida a janela do diálogo.
Evite falar com os seus filhos ou com seus alunos frases e/ou termos que
reduzam a autoestima, como: “Mas como você é burro!” “Só faz coisa errada”
ou muitas vezes compará-los com o primo, ou pior, com o vizinho — que eles
mal conhecem. Converse, respeite e ame — sempre.
Pode-se então concluir que uma criança saudável é verdadeira consigo
mesma lhe assegurando sua integridade pessoal. Faz o que pode com aquilo
que tem. A criança doentia vive segundo padrões emprestados. Em choque
consigo mesma, ela disfarça suas partes inaceitáveis e julga a si própria e aos
outros de acordo com isso.
E pegando emprestadas as palavras de Aristóteles: “Felicidade é autossatis-
fação”, por isso apoie seus filhos ou alunos em suas explorações, curiosidades e
tentativas de autoconfiança, proporcione experiências ricas, exemplos e atitudes
que valorizam o aprendizado e a independência. Proporcione um clima de
encontros autênticos o que motiva a aprendizagem da criança e capitalizar as
suas particularidades inatas. Há uma relação direta entre a criatividade livre e
a autoestima elevada.

Referências bibliográficas

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Paulo: Martins Fontes, 2002.
Tiba, I. Quem Ama Educa! São Paulo: Editora Gente, 2002.

624
problemas de aprendizagem : diagnóstico e suas consequências sociais

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Weiss, M. L. L. Psicopedagogia clínica: Uma Visão Diagnóstica dos Problemas
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625
54
Dando voz às crianças:
privilegiando a dimensão
afetiva na educação infantil
Paula Saretta

Falar em prevenção e promoção do desenvolvimento infantil, hoje, quando


se vê uma infinidade de problemas que precisam ser resolvidos na educação,
parece, num primeiro momento, uma tentativa de ofuscar o triste quadro em
que se encontram as escolas, a formação dos professores e as condições de vida
da maioria das pessoas deste país. Entretanto, pensar em prevenção e promoção
parece ser um dos caminhos mais seguros e capazes de reverter esta realidade, de
reflexões com os professores, pais e alunos, na antecipação dos possíveis problemas.
Neste sentido, o papel do profissional da psicologia especializado em
educação está pautado em criar condições mais favoráveis para as crianças e
adolescentes se desenvolverem, evitar sofrimentos desnecessários e dar o suporte
para o fortalecimento da autoestima e da autonomia.
No cotidiano das escolas brasileiras, ainda é muito frequente a solicitação
para o trabalho do psicólogo escolar como um tapa buraco, ou aquele que deve
dar um diagnóstico para uma criança-problema, deixando para um segundo

627
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

momento projetos que visem promover, nas crianças, um desenvolvimento


saudável. Sendo assim, pode ser facilmente constatada nas escolas a ineficiência
de ações centradas apenas em atos remediativos, voltados para a identificação de
dificuldades, depois que os problemas já vêm à tona, o que reforça cada vez
mais a necessidade de uma atuação preventiva por parte dos profissionais da
Psicologia que atuam nas escolas.
Estudos realizados no fim da década de 1980, por Dubow e Tisak (1989),
demonstram que as crianças que são expostas a um acúmulo de eventos estres-
sores, em um curto espaço de tempo, são consideradas crianças com um risco
maior de ter dificuldades acadêmicas. Entretanto, há pesquisas (Odonne, 2002;
Eisenberg, 2001; Hubbard, 2001; Ashiabi, 2000; Lewis, 1999; Peeks, 1989; May e
Welch, 1985) que confirmam que diferentes estratégias podem ser usadas para
diminuir o impacto desses estressores, sendo uma das alternativas os chamados
suportes sociais, pois produzem um efeito muito positivo nas pessoas.
Dentre as possibilidades de atuação do psicólogo escolar está um serviço
voltado para a prevenção, que consiste em um trabalho que visa identificar
as situações que potencialmente conduzam ao aparecimento de dificuldades
de aprendizagem, estruturar programas para alunos com risco de história de
fracasso escolar, promover a tolerância, compreensão e apreciação da diversidade,
desenvolver programas intra e interinstitucionais, entre outras possibilidades
de atuação.
Programas de prevenção, principalmente primária, vêm sendo cada vez
mais solicitados como parte do trabalho do psicólogo escolar em todo o mundo.
Nos Estados Unidos, os programas de prevenção tiveram um grande impulso
desde a década de 1980, aproximadamente, quando foi registrado que uma parte
significativa da sociedade americana sofria de alguma desordem psicológica
(Guzzo, 1993; Johnson, 1992). As intervenções na escola com caráter preventivo
vêm crescendo e as pesquisas em relação à eficácia dos programas de prevenção vêm
aumentando muito nestes últimos anos, sobretudo nos Estados Unidos, e sendo
confirmada como algo realmente necessário.
Segundo Dubow e Tisak (1989), portanto, administrar eventos estres-
sores e ter um suporte adequado ajuda no comportamento das crianças. Eles
sugerem que as intervenções que visem amenizar estes eventos da vida de uma
criança, como os momentos de transição acadêmica, devem ser realizadas,

628
dando voz às crianças : privilegiando a dimensão afetiva na educação infantil

pois promovem mais confiança e segurança e, consequentemente, diminuem


a probabilidade de os alunos terem problemas acadêmicos futuros.
Deste modo, alguns momentos que são particularmente importantes na
vida das crianças devem ser olhados com a devida atenção, para amenizar os
possíveis efeitos negativos que possam causar, como a passagem da criança do
curso de educação infantil e a entrada no ensino fundamental.
Esta passagem é um dos marcos da vida escolar das crianças e, sendo assim,
podemos supor que a mudança de uma escola para uma outra, com regras dife-
rentes, atividades voltadas para a alfabetização, professores e alunos estranhos
é um momento que pode deflagrar sentimentos de medo e insegurança nas
crianças, nos pais e nos professores.
Quais são os sentimentos que surgem nas crianças com a saída do curso de
educação infantil? Quais as lembranças que elas têm da sua entrada na escola?
Como garantir melhores condições às crianças que irão para o 1o ano do ensino
fundamental? Questões relacionadas às formas de pensar o desenvolvimento
infantil e a passagem para o ensino fundamental foram o ponto de partida de
um trabalho recente de dissertação de mestrado da pesquisadora (Saretta, 2004).
Esta pesquisa teve como tema a educação infantil e o recorte foi feito, então, em
relação à passagem para o ensino fundamental, na tentativa de compreender
e analisar os sentimentos das crianças, segundo elas próprias, neste momento
de transição.
A escolha por dar voz às crianças aconteceu do conhecimento da literatura,
pois há um número muito escasso de pesquisas que trabalham com as crianças
como participantes. Demartini (2002) reflete acerca da importância de as
crianças serem ouvidas nas pesquisas atuais, além de chamar a atenção para
o fato de que ainda é um grande desafio para os pesquisadores o modo como
os relatos devem ser analisados e sobre o que pode ser esperado das crianças
durante a coleta das informações.
Algumas questões relacionadas a esta fase da escolaridade deixaram
marcas ao longo da história da educação infantil. Os modelos utilizados (de
caráter assistencialista e higienista) para trabalhar com as crianças de 0 a 6
anos, assim como o perfil das famílias que procuravam estas instituições para
deixar seus filhos pequenos, foram se modificando. Depois da regulamentação

629
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

dos direitos trabalhistas, mais famílias procuravam as creches e isso fez com
que as características e os objetivos destas instituições se transformassem cada
vez mais. Porém, como afirmam Amorim e Rossetti-Ferreira (2003), “apesar
dos avanços, a prática e as rotinas nas creches têm muito a se modificar, sendo
que muitas questões de relevância para a educação infantil continuam, ainda,
por serem resolvidas”.
Oliveira (2002) discute as heranças que estes modelos deixaram na educação
infantil e acredita que, em geral, apesar de as escolas de educação infantil estarem
buscando ainda uma identidade própria, pode-se notar em muitas instituições
um ensino individualista, com atividades pouco significativas, realizadas dentro
de rotinas rígidas e inflexíveis. Sendo comum prevalecer a ideia de educação
infantil apenas como preparatória para o ensino fundamental.
Para superar algumas destas questões, um aspecto que merece atenção é
o próprio conceito de infância. Este termo tem o sentido de não fala (in-fans),
originado nos períodos clássico e medieval e que caracterizava uma época em
que as crianças eram vistas como seres com tendências selvagens e depois como
representantes da natureza pecadora do homem (Oliveira, 2002; Reis, 2002).
Reis (2002) considera que o fato de a criança ser caracterizada como um ser
que não tem condições de falar, de se expressar tem elementos muito antigos, e
acredita que, ainda hoje, as crianças são encaradas pelos adultos como objeto de
sua empatia, de sua proteção, de seu controle, de maneira que infância acaba não
sendo dita por si, mas pelos outros. A autora ainda discute a subordinação da
própria criança na imagem projetada pelo adulto, no sentido de que estes têm,
na maioria das vezes, uma concepção idealizada de infância, descontextualizada
da realidade. Deste modo, parece que muitas vezes os adultos se relacionam não
com as crianças reais, concretas, mas com um adulto futuro, ou seja, com um
ser que será alguém no futuro.
Podem ser vistas em todo o mundo concepções diversas em relação à
própria infância que, segundo Oliveira (2002), têm pesos políticos próprios,
uma vez que os familiares e os educadores acabam alimentando ideias diferentes
acerca das habilidades e necessidades das crianças, favorecendo o estabeleci-
mento de metas diversificadas, até muitas vezes divergentes em relação ao que
elas deveriam alcançar.

630
dando voz às crianças : privilegiando a dimensão afetiva na educação infantil

De modo geral, a instituição de educação infantil deve trabalhar para


promover o desenvolvimento de uma criança nos aspectos físico-motor, afetivo-
-emocional, social e cognitivo.
Entretanto, questões relacionadas aos aspectos afetivo-emocionais merecem
destaque na educação infantil. Zabalza (1998) justifica que isto se deve não apenas
porque nesta etapa do desenvolvimento estes aspectos desempenham um papel
fundamental, mas, além disso, porque constituem a base ou a condição necessária
para qualquer progresso nas diferentes áreas do desenvolvimento infantil, “desde
o desenvolvimento psicomotor, até o intelectual, o social e o cultural”. Assim,
a escola de educação infantil tem como uma das funções criar condições para
que as crianças expressem seus sentimentos e vão reconhecendo cada vez mais
as suas emoções e assim sendo capazes de controlá-las gradativamente.
Fiamenghi (2001) afirma que a necessidade das pessoas de serem física e
emocionalmente protegidas pode ser tranquilamente comparada a um motivo
fisiológico, como a fome, a sede ou o sono.
Segundo Zabalza (1998), a afetividade age, principalmente, no nível de segu-
rança das crianças que frequentam a educação infantil. A segurança é a plataforma
sobre a qual se constroem todos os desenvolvimentos. Ligado à segurança está
o prazer, o sentir-se bem, o ser capaz de assumir riscos e enfrentar desafios com
autonomia. Já a insegurança provoca medo, aumenta tendências a condutas
defensivas, dificulta a disposição de assumir os riscos inerentes a qualquer tipo
de iniciativa pessoal e pode levar a padrões de relacionamentos dependentes.
Ribeiro do Valle (2001) afirma que a preocupação com a educação infantil
se justifica pela importância decisiva desta etapa, considerando que muitos dos
problemas de ordem social e psicológica se apresentam como pano de fundo ao
desenvolvimento socioemocional na infância sob condições de risco.
Na pesquisa aqui comentada, a coleta de informações foi realizada dire-
tamente com as crianças de segundo semestre do último ano de uma escola
particular do interior paulista, em que foram realizados quatro encontros com
as crianças participantes, com técnicas que pudessem deflagrar uma discussão
acerca desta passagem.
Os resultados sugeriram que o ensino fundamental foi visto por elas como
uma ruptura entre aspectos próprios da educação infantil, como brincar, ter

631
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

uma professora mais afetiva e atenciosa, uma escola aconchegante e acolhedora,


passando para uma sala de aula mais ampla, com professores incapazes de
perceber suas necessidades individuais e com uma exigência grande em relação
ao desempenho acadêmico, o que, para todas as crianças participantes, causava,
inicialmente, medo e ansiedade. Os encontros possibilitaram às crianças que
identificassem, refletissem, nomeassem seus próprios sentimentos de modo
que pudessem resignificar a ida para o ensino fundamental, promovendo nas
crianças uma maior autonomia e confiança na saída da educação infantil e
entrada na 1a série do ensino fundamental.
As crianças foram ouvidas durante a pesquisa de forma verdadeira e sincera,
na tentativa de compreender um ponto de vista que se mostrou tão surpreen-
dente e sábio. Foi um grande prazer trabalhar diretamente com as crianças,
assim como afirma Quinteiro (2002), “as falas das crianças indicam e revelam
aspectos da vida do mundo concreto com uma sabedoria encantadora, por vezes
até comovente”, levando-nos a refletir sobre nossos próprios sentimentos e no
modo como as estamos estudando e falando no lugar delas, ao invés de ouvir
o que elas próprias têm a dizer.
Pretendeu-se com este trabalho que as pesquisas com o intuito de
prevenir e promover o desenvolvimento antes que ocorram os problemas
sejam olhadas com mais atenção por parte da comunidade científica e dos
profissionais que trabalham em educação, pois este é um caminho seguro,
viável e eficaz. São, principalmente, com ações que visem fortalecer a auto-
nomia, o controle e conhecimento dos nossos sentimentos que podem fazer
com que tenhamos mais realizações e menos desgastes emocionais na nossa
vida pessoal e profissional. Saber discriminar nossos medos, nossas aflições,
nossas ansiedades, nossas alegrias, entender nossas expectativas, permite que
aceitemos o novo, que as descobertas tenham um sabor de surpresa e não só
de medo, desconfiança e insegurança.

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-Ferreira, M. C; Amorim, K. S; Silva, A. P. S. da e Carvalho, A. M. A

632
dando voz às crianças : privilegiando a dimensão afetiva na educação infantil

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

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Católica de Campinas, SP, 175 p.
Zabalza, M. Qualidade em Educação Infantil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

634
55
Neuropsicologia e
biociências: aprendendo
ecologia humana com um
novo olhar – sobre si mesmo
e os outros – com base na
autopoiese1
João Beauclair

Neuropsicologia e trajetória humana de aprendizagem: escritos


como introdução

estou propondo que...


recuperemos a coragem de falar
na primeira pessoa,
dizendo com honestidade o que vimos, ouvimos e pensamos.
(Alves, 1988)

1 Este estudo é integrante da pesquisa recém-iniciada pelo autor sobre Paradigmas


emergentes em Biociências e Saúde e formação inicial e continuada de educadores.

635
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Nossa trajetória de vida nos faz construir nosso


conhecimento do mundo – mas este também constrói
seu próprio conhecimento a nosso respeito.
(Mariotti, 2002)

A Neuropsicologia é uma especialidade que busca avaliar e tratar sujeitos


com problemas cognitivos emocionais ou comportamentais oriundos das
diferentes doenças ou lesões que podem ocorrer no cérebro humano. É a
Neuropsicologia uma específica área da Psicologia cujo enfoque situa-se basi-
camente no estudar o comportamento humano, baseando nos mecanismos
que permitem a existência do funcionamento cerebral.
Esta especialidade do campo da Psicologia surgiu de dois caminhos distintos
da pesquisa, o que pode nos conduzir à sua perspectiva multidisciplinar, pois
se originou da própria Psicologia Científica – que se dedica a estudar movi-
mentos e as ações do comportamento humano, além das estruturas cerebrais
funcionais responsáveis pelas atividades mentais superiores –, e da Neurologia,
que se propõe analisar e estudar cautelosamente às possíveis modificações de
comportamento originada de lesões cerebrais.
Assim, posso afirmar aqui que a Neuropsicologia tornou-se um campo
científico multidisciplinar voltado à construção de novas metodologias de
investigação sobre a importância dos sistemas cerebrais dos sujeitos e suas
múltiplas complexidades no que concerne às atividades cerebrais.
De seu estudo, pode-se obter diagnósticos detalhados das lesões cerebrais
locais, o que facilita o estabelecimento de ações terapêuticas e reeducativas dos
sujeitos que tiverem comprometimento com suas habilidades.
É sabido que a busca por definições das localizações das funções cerebrais
tem sido ocupação de pesquisadores desde tempos remotos. Neste sentido,
cabe ressaltar que existem bons trabalhos sobre este tema e que aqui não é
minha intenção ampliar a discussão. Entretanto, o que é válido destacar é a
importância que devemos dar a estes estudos, visto que o cérebro humano e seu
funcionamento instigam todos que se interessam por aprendizagem e cognição.2

2 Vale a pena conhecer o número 17 da Revista Scientific American – Brasil, que trata
especificamente do tema Cérebro aperfeiçoado: o que a neurociência está fazendo por você.
Editado pela Duetto Editorial, o número 17 é da edição de outubro de 2003. Homepage
www.sciam.com.br

636
neuropsicologia e biociências

A essencialidade que devemos ter sempre desperta, cada vez mais neste
nosso século XXI caracterizado pela sociedade do conhecimento e da infor-
mação, é a de estarmos em prontidão para aprendermos novas competências
e desenvolvermos novas habilidades enquanto seres humanos viventes neste
espaçotempo terrenal.
Com base em minha vivência em múltiplos espaços e lugares de aprendi-
zagem, pretendo neste texto estabelecer conexões entre novas idéias e paradigmas
que pesquiso no decorrer de minha trajetória como aprendente-ensinante,
partindo do conceito de autopoiese proposto por Maturana e Varela (2002)2
como estímulo para iniciar um novo olhar sobre a própria Ecologia Humana,
destacando-a como uma nova perspectiva das Biociências capaz de nos ajudar
a resignificar nossas vivências clínicas-institucionais, com novos caminhos do
viver e novos espaços do sentir.
Proponho, por fim, um caminhar onde idéias em rede possam contribuir à
construção de outras possibilidades de ser, pensar, sentir e, principalmente, refletir e
agir em nossa contemporaneidade, resgatando principalmente nossa potencialidade
humana de estarmos, todos e todas, juntos/as na nossa comum trajetória humana.

Autopoiese como estímulo para iniciar um novo olhar

... vivemos no mundo e por isso fazemos parte dele;


vivemos com os outros seres vivos,
e portanto compartilhamos com eles o processo vital.
(Mariotti, 2002)

A autopoiese é um conceito voltado para a auto-organização e autocriação


dos seres vivos. A meu ver é ponto-chave para compreendermos a matéria que
se complexifica e desenvolve sobre si mesma. Segundo Boff (1999), este processo
biológico seria o terceiro ato do grande teatro cósmico onde somos, todos/as
coautores/as. Este terceiro ato, “irrompeu, há 3,8 bilhões de anos, a vida em
todas as suas formas; atravessou profundas dizimações mas sempre subsistiu e
veio até nós em incomensurável diversidade”.

637
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Acredito ser este conceito um estímulo para iniciarmos um novo olhar


sobre o aprender e a cognição, pois nos remete a pensar em nossa plasticidade
diante do infinito mistério da aprendizagem. Em seu trabalho sobre cérebro e
aprendizagem, Ribeiro do Valle (2004) nos mostra que é preciso estar atento ao
fato de que aprender é uma interferência nossa no mundo e em suas múltiplas
possibilidades de conexão. É a nossa performance, diante das informações
que vamos encontrando pelo caminho, que faz com que tenhamos nossos
mecanismos de aprendizagem cada vez mais desenvolvidos e aperfeiçoados.
Neste sentido, compreender o funcionamento de nosso cérebro e
ampliarmos nossas possibilidades cognitivas é desafio perene, constante em
nossa trajetória humana. Em alguns trabalhos anteriores, tenho destacado que
é fundamental buscarmos sempre novas informações sobre os mecanismos de
aprendizagem, focalizando que aprender requer um esforço permanente
de elucidação e retificação de nossas representações da aprendizagem, ou seja, é
importante sabermos, de antemão, sobre quais são as representações dominantes
da aprendizagem. Neste sentido, encontramos no trabalho de Meirieu (1998)
referenciais objetivos sobre a questão do aprender, como exercício curioso, mas
significativo, do dilema pedagógico.
Se aprender é escolher alternativas entre o que se conhece e o que se busca
conhecer, nossa necessidade é encontrarmos pontos de apoio que funcionem
como alavancas para podermos fazer novas conexões. Pedagogicamente tenho,
gradativamente, me apoiado na metodologia de projetos de trabalho educativos
como alternativa para os processos de ensinagem.
Em diferentes momentos de minha trajetória, enquanto educador e
formador de professores em diferentes níveis, a vivência com esta metodologia
tem permitido me aproximar de algumas perspectivas, que poderia chamar
aqui de conclusões mas, por opção científica, escolhi a palavra possibilidades,
à medida que, em cada grupo humano, os processos de criação de vínculos
diferem-se uns dos outros e nenhuma experiência pode ser repetida, ou seja,
serão sempre outros os que a vivenciaram, outras sempre serão as conexões e
sinapses possíveis.
Tais possibilidades me levam a acreditar que é na nossa dedicação à
compreensão dos processos de ensinagem, através de pesquisas sobre formação
inicial e continuada de professores, que poderemos avançar no que concerne ao

638
neuropsicologia e biociências

estudo da mente humana e do como e de que forma, enquanto sujeitos únicos,


podemos aprender.
A identificação com os pressupostos teóricos e metodológicos propostos
por Humberto Maturana, neste sentido, está se constituindo num caminhar
que envolve curiosidade epistemológica e processos de autoria de pensamento.
Autopoiese — Autopoiesis (do grego poien: fazer, gerar) – é o conceito base
para a compreensão deste movimento. Aqui me baseio nos escritos deste autor,
que junto com um grupo de alunos e ex-alunos, construiu no segundo quartel
do século 20 importante trajetória discutindo questões fundamentais para a
compreensão da fenomenologia do ser humano, partindo da Biologia, seu campo
referencial enquanto pesquisador, para se deter em temas tão empolgantes e
interessantes como visão, linguagem, racionalidade, realidade, consciência
e emoção.3
Maturana e Varela chamam de Biologia da Cognição o fato de a vida
ser, antes de qualquer coisa, um processo de conhecimento, ou seja, se nossa
meta principal é compreender a vida, é fundamental saber como os seres vivos
conhecem o mundo.
Este tema é uma constante investigação que instigou, e ainda instiga, nossa
humana potencialidade de curiosidade. Desde tempos imemoriais, as constru-
ções da mente humana em suas diversas manifestações, tem sido ocupação de
cientistas e filósofos. Com isso, posso afirmar que, apesar de alguns momentos
diferenciados, até hoje ainda perdura uma noção, a meu ver equivocada, de que
o mundo é pré-construído em relação à experiência dos seres humanos. De
acordo com Mariotti (2002), esta teoria afirma que:

“nosso cérebro recebe passivamente informações vindas já prontas de


fora. Num dos modelos teóricos mais conhecidos, o conhecimento
é apresentado como resultado do processamento (computação) de
tais informações. Em consequência, quando se instiga o modo como
ele ocorre (isto é, quando se faz ciência cognitiva), a objetividade é

3 Investigou , entre outros temas, Neurofisiologia da visão e Bioquímica. Alguns sites


interessantes sobre este autor e suas obras: http://www.lcc.ufmg.br/autopoiese e http://
www.inteco.cl/biology/index.htm

639
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

privilegiada e a subjetividade é descartada como algo que poderia


comprometer a exatidão científica”.

Da autopoiese, outros conceitos e ideias vão se configurando no pensa-


mento de Maturana e conduzindo nossos pensares sobre ética, relações de
nossa cotidianidade, nos vínculos e nossa responsabilidade perante nossa
vida em sociedade e ao tempo presente que estamos, todos e todas, vivendo.
Se ouvirmos a sua voz ao lermos suas palavras, com certeza teremos com o
pensamento original deste autor possibilidades de criação de outros paradigmas
de interpretação e de reação, mediante a complexa realidade em que vivemos.

Propondo um caminhar: ideias em rede para construção de


outras possibilidades

Lançar pensamentos ao futuro na


forma de desejos quer dizer
criar esperanças que nortearão seus passos.
Grande parte destas poderão ser concretizadas.
Outra pequena parte é só ilusão.4

Acredito ser interessante recorrer ao dicionário para elucidar o que significa


a palavra cognição, para assim poder tentar estabelecer uma síntese do tema
aqui abordado.
No Dicionário Aurélio temos a seguinte definição de cognição:
“[Do lat. cognitione.]
S. f.
1. Aquisição de um conhecimento.
2. P. ext. Conhecimento, percepção.

4 Mensagem de autoria por mim desconhecida, contida na caixinha de Mensagens


de Reflexão utilizada em nosso curso, já citado aqui anteriormente, num momento de
dinâmica de autopoiese.

640
neuropsicologia e biociências

3. Jur. Fase processual duma demanda, em que o juiz toma conheci-


mento do pedido, da defesa, das provas, e a decide, em contraposição
à fase executória.
4. Psicol. O conjunto dos processos mentais usados no pensamento,
na percepção, na classificação, reconhecimento, etc. [Cf. cognação.] ”

É óbvio que aqui o destaque que devo dar à palavra cognição está centrado
no item 4, vinculado à Psicologia. Trata-se de enfatizar que tudo que se refere
ao ato de conhecer perpassa efetivamente por nossos processos mentais, onde
podemos perceber fatos, coisas e objetos, recorrer à memória, estabelecer
parâmetros de classificação, além de, entre outras múltiplas possibilidades,
reconhecer movimentos plurais em nosso viver cotidiano.
Pelo que aqui propus ao nosso pensar, aprender é condição essencial para
uma existência sustentável, não somente no que se refere às organizações e
instituições, mas também aos próprios sujeitos.
Se me proponho a pensar num espaçotempo onde haja, de modo veloz,
um forte fluir de informações, conhecer, a princípio, está intimamente ligado
a nossa potencialidade de aprendizagem, tema/conceito que, na história da
humanidade, sempre foi debatido e que, na nossa contemporaneidade, ganha
espaço renovado e vincula-se ao pensar sobre os novos pilares para a educação
do século XXI, com todas as mudanças referentes aos paradigmas individuais
e aos paradigmas organizacionais, ou seja, ganham cada vez mais ênfase os
debates acerca da aprendizagem das organizações e instituições (Morin, 2000).
No decorrer das pesquisas do século 20, foi possível pensar e identificar, no
cérebro humano, como se processa a aprendizagem. No entanto, no que se refere às
organizações, ainda há muito espaço de discussão e caminhos abertos para pesquisa
e busca de constatações, principalmente sobre a questão da organização que aprende.
Tal espaço nos remete a revisitar as chamadas teorias da aprendizagem, que com
o seu desenvolvimento, trouxe a baila conjuntos de inúmeras possibilidades para
compreendermos, mais e melhor, a potencialidade humana de aprender.
Não foram poucos os estudos de educadores/as, psicólogos/as, biólogos,
psicopedagogos/as, entre outros especialistas que se envolveram (e ainda se
envolvem) com a temática do aprender. Em seus estudos, enfocam, entre

641
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

outras questões, a respeito de nossas possíveis limitações para a cognição e,


ainda, sobre as possibilidades de superação de tais limitações que impedem o
desenvolvimento cognitivo de cada um/uma de nós.
Jean Piaget, por exemplo, dedicou sua vida a pesquisar sobre inteligência e
pensamento e a escrever e divulgar suas ideias e constatações. Publicou diversos
livros (mais de 40) e escreveu sobre diversas áreas do conhecimento humano
(mais de 100 artigos sobre Filosofia, Biologia, Educação e Psicologia da Criança).
É fundamental, então, estudar e compreender as ideias deste importante
teórico, reforçando que o conhecimento científico exige de cada um/uma, a
compreensão das limitações, sempre presentes em todos(as) nós, por diferentes
fatores existentes em qualquer campo de estudo do comportamento humano.
A meu ver estes estudos estão efetivamente conectados, ou seja, nada se faz sem
recorrer ao que antes já havia sido feito.
Além de Piaget, outros estudos nos chegaram como legado, oriundos dos
campos da Psicologia, da Gestalt, da Psicanálise, para nossa busca de compreen-
-são sobre o como todos/as nós aprendemos, de observações e reflexões, da
formação de conceitos (abstrações e generalizações), das diferentes experiências
de testes sobre as possíveis implicações de determinados conceitos em vivências
novas e, como resultante, a vivência concreta e objetiva.
Trata-se portanto de estarmos em movimento de observação, avaliação,
projeção e implementação permanente. E funda-se, no tempo que ora viven-
ciamos, a era da busca perene de novas leituras, estudos, principalmente se
percebemos, pela experiência e trajetória, que os diferentes modelos mentais
fornecem possibilidades de sentido, ao mesmo tempo que podem estabelecer
parâmetros de facilitação ou limitação ao desenvolvimento de processos aqui-
sitivos de novos saberes e conhecimentos originados nas diversas intervenções
que temos com o mundo e suas múltiplas faces.
Resta afirmar que os diferentes níveis de aprendizagem perpassam pela
operacionalidade e pela conceituação, ou seja, o que se aprende, como se aprende
e por que se aprende. Ganha ênfase atualmente a perspectiva de valorarmos,
ainda mais, o aprender conceitual, visto que o que gera a motivação para alguma
coisa geralmente é originado por um desafio as nossas próprias limitações. Neste
sentido talvez seja interessante reforçar que:

642
neuropsicologia e biociências

“A melhor maneira de compreender e lembrar o funcionamento cogni-


tivo de um bebê é se pôr no lugar de “arquiteto da evolução” e pensar
em como planejar um sistema de aquisição de conhecimento o mais
eficiente possível: isso é uma criança, um ser nascido para aprender.
Se não, como explicar que as crianças em seus seis primeiros anos de
vida aprendam nada menos que uma média de uma palavra por hora?
Quanta saudade nos causa agora, que tentamos aprender inglês, russo
ou programação de computadores, aquela facilidade de aprendizagem
que sem dúvidas tínhamos em pequenos!” (Pozzo, 2002)

Biociências e Ecologia Humana como perspectiva e Vivência Clínica-


-institucional: caminhos do viver, espaços do sentir no conceito de autopoiese

“Só quero partilhar, mostrar o que descobri, mostrar a todos esses


horizontes que estão à nossa frente.” (Richard Bach)

Em alguns trabalhos anteriores, as amplas ideias aqui também contidas


tiveram início no meu pesquisar sobre os campos de sentido de minhas próprias
vivências enquanto sujeito que busca tornar acessíveis ideias aparentemente
complexas, mas que descrevem os múltiplos processos que, de modo clínico e
institucional, acontecem em nossas vidas e em nossas interelações, integrações
e interações com o mundo e tudo que nele se apresenta em nossa cotidianidade
(texto de Beauclair, 2001).
Falar, pensar, escrever sobre aprendizagem necessita, a meu entender, voltar
o nosso olhar para o que acontece na subjetividade de cada um. É comum, por
exemplo, pensar a aprendizagem como uma relação que envolve, sempre, quem
executa o papel de ensinante e quem representa o papel de aprendente.5
O conceito de autopoiese proposto por Maturana, conceituado biólogo
contemporâneo, contribui para o nosso pensar sobre Neuropsicologia, Apren-
dizagem e Multidisciplinaridade, temas essenciais para nossa ampliação de

5 Aprendentes e ensinantes são expressões surgidas nos estudos mais atuais de


Psicopedagogia. Conferir Fernandéz, 1990 e 2001.

643
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

horizontes no que diz respeito a aprendizagem em particular, inteligência e


educação em geral — onde elabora uma crítica ao instrucionismo e estabelece,
assim, profundos debates sobre a importância da Biologia para compreendermos
nossos processos de aprendizagem (Maturana, 2001).
De acordo com Maturana tudo o tudo o que aconteceu, acontece e acon-
tecerá com os sistemas vivos é determinantemente estrutural, visto que tudo
depende de sua própria estrutura. É de nosso maior interesse, à medida que
estamos inseridos em processos de pesquisas sobre o ensino de biociências e
saúde, compreender claramente o fato de que incide os sistemas, apesar das
ações sofridas por diferentes agentes, determinados estruturalmente, são apenas
veículos propiciadores de desencadeamentos mutacionais, ou seja, são nossos
próprios sistemas que possibilitam as modificações.
O autor em destaque ressalta que, de nossa vivência cotidiana, podemos
saber que “ao escutarmos alguém, o que ouvimos é um acontecer interno a nós,
e não o que o outro diz, embora o que ouvimos seja desencadeado por ele ou
ela” (Maturana, 2001). Na verdade, acredito que Maturana nos revela que, na
sua estrutura os sistemas autopoiéticos são fechados, mas são abertos no que
diz respeito ao fluxo de energia e matéria, ou seja, para permanecer em processo
vital é preciso transformar-se na estrutura, somente se tais transformações obje-
tivarem a conservação de um determinado modo de vida auto-organizado – o
que denominamos autopoiese. O que caracteriza os sistemas “auto-organizantes”
é a sua própria autorreferência, sua autonomia, sua circularidade, conceitos que
demonstra a potencialidade de autonomia da vida, para fazer a manutenção de seu
próprio desenvolvimento e preservação, visando a si próprio, autoproduzindo-se.
Trato aqui de apenas de lançar estas ideias, provisórias e em movimento – de
contínuo pensar e refletir — sobre o tema que aqui discuto: aprender para nós
todos, enquanto sujeitos interessados em Neuropsicologia, Aprendizagem e
Multidisciplinaridade, sobre a proposta epistemológica contida na autopoiese
pode ressignificar nossos campos de sentido enquanto seres aprendentes e
ensinantes. A aprendizagem sobre organismos autodeterminados, meio e inter-
dependência, pode nos levar a pensar porque estudos sobre energia, ambiente
e informações são necessários para que cada um de nós, em nossas distintas
práticas, enquanto profissionais e humanos, encontre/reencontre significados
próprios, que faça sentido para nossas vidas. Isso nos leva à interconstituição,

644
neuropsicologia e biociências

gerada da autoprodução de nossas identidades sistêmicas, autoreferentes, inte-


rativas em um conjunto de relações que demonstra a organização, que por nós
pode ser compreendida com a reflexão e o olhar atento.
A Nova Biologia e as Biociências de um modo geral, e a Ecologia Humana
em particular, podem ser elementos fundamentais para compreendermos a
urgência de buscarmos outros paradigmas para nossas condutas, que devem
ser pautadas pela Ética, pelo Humanismo e pela crença nas possibilidades de,
enquanto seres humanos, sabermos que a aprendizagem é fundamental.
Estudar, cada vez mais e com afinco, Biociências e Ecologia Humana pode
nos trazer uma perspectiva para nossas vivências clínicas e institucionais ampla-
mente significativas, redescobrindo/criando/recriando outros caminhos para
viver os espaços do sentir, do fazer, do estar junto com o outro, em processo de
autopoiese. É nas nossas interações que poderemos melhorar nossas condições
de aprendizagem, compreendendo todas as nossas particularidades.
Sabemos com Paulo Freire que quem ensina aprende ao ensinar e quem
aprende ensina ao aprender. Esse processo é conhecer e conhecer, invariavel-
mente, é momento de tomada de decisão. Na direção para a constituição de
nossas autonomias, a aprendizagem necessária é fundamentalmente vinculada
ao ser que aprende, e seus processos cognição exigem criatividade e visão para
a construção de nossas subjetividades enquanto organismos autopoiéticos.
O desafio que se configura aqui é o de aprofundarmos este estudo, vislum-
brando que será, cada vez mais necessário, refletirmos sobre quais serão as
nossas habilidades e competências para interagir com a diversidade humana
que convivemos e os imensos dilemas que constituem nosso tempo presente.
Assim, fundamental é continuar a proposta de perceber a aprendizagem como
necessária, absolutamente necessária e a Neuropsicologia como um campo
infinito de possibilidades de construção de novos pensares, novas maneiras
de perceber, sentir, auxiliar e cuidar dos entraves existentes nos processos de
ensinagem. E o desejo, aqui expresso, é que possamos, com este movimento,
exercer nossa capacidade de sermos solidários, justos e essencialmente ternos
uns com os outros, companheiros que somos de viagem nesta nave Mãe-Terra.

645
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Referências bibliográficas

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e Aprender”, da II Jornada Regional de Psicopedagogia, promovida pela
ABPp – Associação Brasileira de Psicopedagogia e organizada pelo
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em 23/6/2001.
. A prática de ‘ensinagem’ no desenvolvimento de projetos edu-
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no Caderno de Estudos e Pesquisas da Universo, volume especial, de
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comunicação oral no Encontro de Diretores e Supervisores de Ensino
da Coordenadoria Metropolitana IX, Itaboraí, Rio de Janeiro, dezembro
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pós-graduação e Pesquisa da Universo – Universidade Salgado de
Oliveira, Campus são Gonçalo, Rio de Janeiro, dezembro de 2002.

646
neuropsicologia e biociências

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Valle, L. E. R. Cérebro e aprendizagem: um jeito diferente de viver. Ribeirão Preto,
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647
56
Inclusão educacional e
telemática: a formação do
educador
Aidyl Pérez-Ramos,
Lucila Pesce

As diversas esferas sociais contemporâneas cada vez mais têm sublinhado


a pertinência da Inclusão à construção de uma sociedade mais justa e saudável.
Nesse cenário, à educação são propostos múltiplos desafios à viabilização
da preconizada inclusão, no cotidiano das escolas. Dentre eles, um dos que
merecem maior atenção é a formação do professor para atuar no Paradigma
da Inclusão. Como viabilizar esta vertente de formação docente, em um país
como o Brasil, com expressivo contingente de educadores e de grande expansão
territorial? Nesse sentido, a Educação a Distância (EaD) pode vir a ser uma
importante contribuinte à implementação do referido paradigma, na educação
regular com integração à Educação Especial. Não há como considerar sobre
a utilização da EaD que melhor atenda às demandas deste veio de formação
docente, sem antes proceder a uma breve incursão aos enfoques teóricos dos
quais o Paradigma da Inclusão se deriva.

649
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Paradigma da Inclusão

Inclusão refere-se a uma filosofia de vida, que se fundamenta na valorização


global de todas as pessoas, inclusive aquelas que mais se distanciam da normali-
dade (Sanz del Rio, 1995). Esse enfoque vem dando origem a movimentos sociais
e educacionais, no sentido de proporcionar a todas as pessoas com necessidades
especiais um ambiente de convivência comum, sem barreiras. O movimento
de inclusão, como paradigma socioeducacional, é a sua etapa mais atualizada,
derivando-se de outros dessa natureza, a partir do da Normalização e de outras
teorias1, como: Mainstreaming e o Método SIVUS.
A teoria de Normalização tem por finalidade precípua propor normas
e princípios que têm como objetivo básico a incorporação das pessoas com
necessidades especiais, aos diversos contextos de vida comunitária (Sanz del
Rio, 1995). Suas origens não são tão recentes; nasceram na década de sessenta, na
Suécia. Posteriormente, desenvolveu-se no Canadá, com contribuições de Flynn
e Nitsch (1980), expandindo-se pelos países da América (Pérez-Ramos, 1997).
No Brasil, as publicações sobre esse enfoque iniciaram na década de setenta
(Pereira, 1972; Pérez-Ramos, 1973). Desse movimento derivam-se princípios
norteadores: similaridade, socialização, continuidade e integração, que auxiliam
a operacionalidade da citada teoria. Todavia, para se colocar em prática tais prin-
cípios, há necessidade de desmistificar as resistências das pessoas consideradas
normais, em relação às afetadas de deficiência, para sua integração nos diferentes
setores da sociedade. Esses obstáculos preconceituosos consubstanciam-se como
barreiras atitudinais e relacionam-se aos valores culturais centralizados no belo
e no perfeito que se estendem à família, à escola, ao trabalho, entre as unidades
de um sistema social (Flynn e Nitsch, 1980; Pérez-Ramos, 1997).
Com a evolução das ideias desse movimento, derivam-se as do Mainstreaming
e as referidas ao Método SIVUS. O primeiro (corrente principal), aplicado à
educação formal, é concebido como o abrir as portas do sistema escolar, para
facilitar a integração no mesmo, o educando com necessidades especiais e este,

1 O conceito de teoria, nesse contexto, recebe uma conotação diferente da concepção


usualmente divulgada nos meios científicos. Refere-se a uma filosofia de vida
fundamentada na valorização do ser humano; qual seja, sua condição de normalidade
ou de anormalidade.

650
inclusão educacional e telemática : a formação do educador

previamente preparado; o segundo preconiza uma convivência acolhedora das


pessoas comuns com as especiais e vice-versa.
O enfoque sobre Mainstreaming foi iniciado sistematicamente nos anos
1980, segundo Pérez-Ramos (1983) e prossegue sua evolução na atualidade
(Mantoan, 1998). Refere-se à proposição de determinadas diretrizes ao âmbito
escolar, através da implementação de currículos educacionais extensíveis a
individualizados: da metodologia, do conteúdo programático e dos recursos
didáticos diversificados; assim como procedimentos avaliativos de natureza
contínua e qualitativa do desempenho escolar. Tudo com o fim de proporcionar
ao educando, com necessidades especiais ou não, um ambiente de mútua apren-
dizagem. Por sua vez, pressupõe a preparação desses educando para poder
participar ativamente desse novo ambiente.
Os pressupostos aqui contidos foram se aperfeiçoando no sentido de
estabilizarem a concretização de suas ideias, centralizadas no contexto de
integração socioeducacional. Com o referido aperfeiçoamento surge, inter-
nacionalmente, o Paradigma da Inclusão em 1990, em prol de uma Sociedade
Inclusiva, concretizada através das determinações das Nações Unidas sobre a
“Sociedade para Todos”, configurando-se, assim, a normativa universal que
fundamenta a implantação desse Modelo (Pérez-Ramos, 1999).
Como uma das recentes determinações das Nações Unidas, relacionadas
a esse enfoque, encontra-se a recente Declaração Universal sobre o Genoma
Humano e os Direitos Humanos. Esse documento tem sido objeto de discussão
pela Associação Inclusão Internacional (nome atual que designa a Liga Inter-
nacional das Associações em prol das Pessoas com Deficiências – ILSMH),
que integra as federações que reúnem as entidades associativas em prol do
desenvolvimento dessas pessoas com deficiências; como, em nosso meio, são
as Federações das APAES. Tal organização mundial, embasada nessa filosofia,
clama pelo respeito às pessoas com necessidades especiais, como princípio
orientador na pesquisa genética (Glat, Magalhães e Carneiro, 1998).
O movimento do Paradigma da Inclusão no âmbito educacional teve sua
efetiva implementação em 1994, pela Conferência Mundial sobre Necessidades
Educativas Especiais, em Salamanca (Espanha). Resultou da mesma a “Decla-
ração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais”:
documento assinado por vários países, entre eles o Brasil, vem representar um

651
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

compromisso, por parte deles, de colocar em prática as ideias nela contidas


(Unesco, 1994). Contempla a referida Declaração, a necessidade de implementar
uma pedagogia diferencial, centralizada no aluno, com pressupostos educa-
cionais individualizados e diversificados, conforme o princípio educacional
orientado, não somente pelas semelhanças com a normalidade, mas em função
de suas diferenças. Tal documento propugna “Escola para Todos”, incluindo na
mesma, os portadores de deficiência e aqueles com altas potencialidades, como
também os considerados normais.
Com base nesse compromisso, diferentes países deram continuidade, de
maneira mais objetiva e decisiva ao movimento em favor da integração daqueles
educandos no sistema regular de ensino, ajustando sistemas escolares, sensi-
bilizando professores, pais e autoridades educacionais para se identificarem
a esse processo. Dando cumprimento a esse compromisso e motivado pelo
movimento socioeducacional preexistente em prol da integração das pessoas
com necessidades especiais, o Governo Brasileiro assumiu esse desafio, através
de mudanças nas normas legais pertinentes, derivadas das disposições cons-
titucionais já estabelecidas (Brasil, 1988). Tais mudanças foram efetuadas nas
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996) emanadas do “Plano
Decenal de Educação para Todos” (Brasil, 1993), entre outros documentos.
Ao lado dessas transformações de natureza legislativa, outras frentes concre-
tizaram-se em prol deste movimento no Brasil, tanto na esfera Federal, como
na Estadual e Municipal, dentre elas a formação de professores para atuar no
Paradigma da Inclusão. Nesse contexto, a educação a distância consubstancia-se
como valioso instrumental ao contínuo aprimoramento docente para atuar no
referido paradigma, sobretudo em um país de dimensões continentais como
o nosso.

Formação a distância de professores atuantes no Paradigma


da Inclusão

A educação a distância que se utiliza de ambientes telemáticos possibilita


a interação com a diversidade social e cultural. Portanto, pode proporcionar ao
professor atuante no Paradigma da Inclusão a abertura e flexibilização do

652
inclusão educacional e telemática : a formação do educador

pensar e do sentir, com reflexos sobre sua prática pedagógica. Por sua estrutura
hipertextual, o foco da navegação telemática ocorre na circulação do fluxo de
informações, através de diversas formas de interatividade reticular, fortalecendo
tanto a comunicação como a memória dos envolvidos, comprovando Lévy
(1997, 1998).
Nesse cenário, a educação a distância, via telemática, pode vir a viabilizar
interações entre educadores de diferentes contextos — erguidas em meio
à multiplicidade de ideias, valores, culturas, linguagens regionais, crenças e
etnias. Fato que pode vir a contribuir significativamente para a formação dos
docentes que atuam no Paradigma da Inclusão, ampliando-lhes a perspectiva
de alteridade. Isso contribuiria significativamente à construção de conceitos
afetos ao Paradigma da Inclusão, nos programas de formação docente, erguidos
de experiências vividas e/ou compartilhadas.
Recomenda-se aos programas de formação a distância para professores
que atuam na perspectiva educacional inclusiva a utilização da EaD embasada,
principalmente, no construcionismo contextualizado, como anuncia Valente
(1998), em menção ao construcionismo de Papert (1994) e à construção de
conhecimento contextualizado de Freire (1997). Tais programas, ao se preocu-
parem em viabilizar a construção de um grupo de aprendizagem colaborativa,
acabam por explorar ao máximo os ambientes de interação do instrumental
telemático, tais como os chats, fóruns e listas de discussão. Nessa perspectiva,
a telemática pode privilegiar a reflexividade e a auto-organização dos profes-
sores em formação, de modo a apontar caminhos para o aprimoramento das
inteligências individuais, que se tornam mais complexas no desenvolvimento
da inteligência coletiva, tomando como base as ideias de Lévy (1998).
Também Machado (1997) partilha de tais ideias ao sublinhar que só
pode haver educação no contexto da proximidade, seja ela ideológica, afetiva,
conceptual entre outras, não precisando ser necessariamente geográfica. Dessa
forma, ao invés da utilização da telemática como processo de aprendizagem
passiva — situação em que os educadores em formação passam a ser simples
receptores nesse veículo — é importante o emprego desses recursos em EaD,
que privilegie o diálogo e as manifestações pessoais, dando-lhes vez e voz, qual
seja, uma utilização que os inclua como participantes ativos do seu próprio
processo de formação.

653
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Nesse cenário da formação a distância de educadores voltada ao Para-


digma da Inclusão, a aprendizagem caracterizar-se-á por ser ao mesmo tempo
personalizada e coletiva, em rede, viabilizando a construção de grupos de
aprendizagem colaborativa. Tais profissionais poderão participar de uma
comunicação multilateral, aberta, contínua e reticular. Para tanto, o professor
formador, ao assumir a autoria do curso, poderá trabalhar em parceria com a
equipe multidisciplinar envolvida no projeto, em especial, o roteirista e o web
designer. Nesse caso, exercerá sua função primordial de mediador, mantendo
fortes os fios da rede de informações e significados; porém, flexíveis, já que
passíveis de contínuas e novas articulações. Caso contrário, o professor formador
correrá o risco de se eximir como mediador, ao delegar parte de sua função a
outros profissionais — que constróem o curso no ambiente telemático —, e aos
tutores, que fazem a interlocução junto aos alunos.
Ao pensar na formação a distância de professores alicerçada no Paradigma
da Inclusão, vislumbra-se a possibilidade de:
▶▶ Criar ambientes telemáticos que privilegiem o diálogo entre os partici-
pantes, no tocante à temática educacional inclusiva;
▶▶ possibilitar, através de ambiente telemático, o registro do processo viven-
ciado, tanto pelo professor formador, como pelo docente em formação;
▶▶ utilizar códigos semióticos em sua maior diversidade (sons, textos,
hipertextos, imagens, animações, etc.), de modo a enriquecer o campo
perceptivo e a respeitar os estilos singulares de aprendizagem dos profes-
sores em formação.

Tais objetivos baseiam-se na busca do conhecimento através de uma cons-


trução pessoal e social, inserida em seu contexto vivido, espacial e temporal.
Nesse sentido, a dimensão subjetiva do tempo deve ser considerada, aliando a
dimensão kairológica (vivencial) à cronológica, numa alusão à terminologia
grega, que distinguia dois tempos, o subjetivo (Kairos) e o objetivo (Kronos),
vistos em suas dinâmicas sincrônicas e diacrônicas, de forma articulada (Pesce,
apud Moraes, 2002).
No contexto da EaD, outro importante instrumental é a videoconferência,
que permite a participação de grandes expressões do Paradigma da Inclusão, nos
programas de formação docente voltados a esta temática. Todavia, sua participação

654
inclusão educacional e telemática : a formação do educador

será mais significativa a esses professores, se os mesmos forem sensibilizados em


discussões prévias, emanadas dos ambientes de interação digital.
Pela abordagem sistêmica, a dinâmica autorreguladora dos almejados
programas de formação docente pode vir a compartilhar com a multiplicidade
de dimensões presentes na formação do professor — cultural, social, afetiva —,
para além da cognitiva. Deve-se, portanto, atentar para a possibilidade de se
desenvolver dinâmicas interativas não lineares, com o concurso da intersubjeti-
vidade. Sendo assim, pretende-se viabilizar uma formação docente, a partir das
experiências reais ou simuladas pelos participantes, numa perspectiva praxioló-
gica, na qual a sistematização de conceitos afetos ao Paradigma da Inclusão ocorra
da reflexão sobre o cotidiano do professor. Tal dinâmica pode possibilitar maior
contato com a própria realidade e com a do outro, através de internalizações e
externalizações cíclicas e progressivas, de forma a desenvolver a individualidade e
a sociabilidade presentes no ethos desse profissional da educação, propiciando-lhe
uma formação crítico-reflexiva.

Considerações finais

Este estudo propôs-se realizar uma leitura da possível contribuição da


educação a distância à formação de professores calcada no Paradigma da
Inclusão. Para tanto, levantou considerações afetas ao referido paradigma, com
destaque para seus veios teóricos e trajetória histórica. A seguir, comentou alguns
eixos norteadores da educação a distância, desenvolvida segundo a perspectiva
construcionista contextualizada e sistêmica.
Percebendo a aprendizagem como processo ativo e comunicativo, Litwin
(2001) sublinha a necessidade de a educação a distância estar voltada às
características da clientela. Nessa perspectiva, acredita-se que a abordagem
construcionista contextualizada e sistêmica esteja adequada ao atendimento das
demandas da formação de professores voltada ao Paradigma da Inclusão.
A educação a distância alicerçada neste ambiente de aprendizagem caminha
de uma concepção curricular enciclopédica e pretensamente totalizante para
outra, mais enxuta, modular e flexível, porque voltada à demanda participativa
dos aprendizes. Dessa forma, situa-se como abordagem de educação a distância

655
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

que considera e, por que não dizer, inclui o professor em seu próprio processo
de formação. Nesse sentido, uma abordagem de EaD que se erga em meio a
alguns pressupostos inclusivos, talvez possa contribuir de modo significativo ao
aprimoramento da prática docente, sob enfoque do Paradigma da Inclusão,
por possibilitar-lhe uma formação crítico-reflexiva, calcada na sistêmica meta-
cognição de seu percurso pessoal e profissional.

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657
57
Neurofisiologia clínica
nas demências
Mário Silva Jorge

O eletroencefalograma do tipo analógico ou digital através, da análise visual


ou o eletroencefalograma quantitativo (análise espectral), pode ser de valor no
diagnóstico e acompanhamento nos distúrbios demenciais.
Importante ressaltar que a realização de eletros seriados é de muito mais
valor do que avaliação isolada de um único eletroencefalograma.
EEG normal ou levemente alterado no início de um quadro de disfunção
cognitiva pode ser indicativo de um quadro de pseudodemência (demência
depressiva), e pelo contrário, distúrbios metabólicos, tóxicos ou infeccioso,
do Sistema Nervoso Central que ocasionam disfunções, na esfera congini-
tiva, geralmente já apresentam logo de início, eletroencefalogramas bastante
alterados.
Após longos anos, de estudos eletrofisiológicos, nos quadros demênciais,
observa-se que o EEG que no início pode ser normal, sofre uma rápida dete-
rioração no primeiro ano, sendo mais alterado na doença de Alzheimer, com
alucinações e ilusões.

659
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

O EEG é um bom indicador da função cerebral, deste modo, pode ser


um exame útil na avaliação inicial de pacientes com distúrbios cerebrais. É
importante observarmos tanto alterações qualitativas como quantitativas, em
exames evolutivos. Dentre as síndromes demenciais agudas, citaremos Delirium
como um exemplo.
O Delirium se caracteriza por uma dificuldade flutuante de atenção e
pensamento desordenado, havendo distúrbios da sensopercepção como ilusões
ou alucinações, degradação da memória, uma fala incoerente e alterações da
atividade motora de do ciclo vigília sono.
As alterações no eletroencefalograma se correlacionam positivamente com
a alterações do comportamento. Nas fases iniciais, pode haver uma redução do
ritmo alfa e, à medida que o quadro vai progredindo, a atividade lenta e teta e
delta de alta voltagem passa a tomar conta do maior tempo do traçado.
O eletroencefalograma estuda com maior propriedade a atividade cortical.
A sua utilidade nessas situações podem ser observadas na possibilidade de
descobrir um quadro tóxico metabólico, através do aparecimento de ondas
trifásicas, complexas espícula ondas bisincrona ou ritmos rápidos (estados de
intoxicação exógena) ou diferenciar um estado epiléptico não convulsivo e uma
doença degenerativa onde aparece atividade periódica.
No estudo realizado por Spehr e Stemmer, em 1985, relacionado ao delirium
tremens, eles dividiram seu grupo de pacientes em grupo A e B e observaram
que as alterações eletroencefalográficas eram proporcionais à quantidade de
álcool ingerido e à presença de distúrbios eletrolíticos. O grupo A apresentava
atividade beta e raras atividade alfa, porém, de frequência normal, e o grupo
B apresentava atividade delta com raros atividade beta e alfa. No período de
recuperação do grupo A, havia uma redução da atividade beta, uma recuperação
do alfa, enquanto o grupo B, que era um grupo que ingeria maior quantidade
de álcool, tinha um aumento de beta e alfa de frequência normal.
Na doença de Alzheimer, hoje com uma incidência em torno de 2% a 6% dos
indivíduos acima de 65 anos de idade e 50% a 60% em autópsias de indivíduo que
morreram de demência, o EEG é normal ou apresentava discreto alentecimento
da atividade de base, o chamado: alfa lento. Em algumas situações, inicialmente
a atividade alfa pode estar ausente. Entremesclada a essa atividade de base,

660
neurofisiologia clínica nas demências

observamos a presença de atividade teta de baixa e média voltagem difusa. À


medida que a doença progride, a atividade teta torna-se dominante, ocorrem
surtos de atividade delta regular, que vão se tornando regulares ou semirítmicos
de grande amplitude e generalizados, podendo ser mais proeminente nas regiões
frontotemporais na medida em que a doença progride. Alterações epilépticas
são muito raras na doença de Alzheimer. Muller e Kral (1967) descreveram a
presença de ondas sharp trifásicas em áreas posteriores somente nos casos de
demência tardia.
Por sua vez, mesmo um EEG normal, em um indivíduo com sintoma
demencial, é bastante útil, porque afasta a possibilidade de distúrbios metabó-
licos, infecciosos, tóxicos e ou estruturais do Sistema Nervoso Central. Com
relação ao EEG quantitativo (análise espectral), as alterações dependem da
severidade da demência. Avaliando vários estudos publicados na literatura, nas
últimas duas décadas, Olkardt e Markhand resumiram todas estas publicações
da seguinte maneira.
Nas fases iniciais da doença, ou na demência leve, há um aumento da
atividade teta e a redução da atividade Beta podendo haver ainda Alfa em
quantidades normais com frequência do pico occipital normal. Nas fases
moderadas, além do aumento de teta, há uma redução da atividade Alfa em
áreas posteriores e uma diminuição do pico de frequência espectral nestas áreas
e nas fases avançadas, há um aumento extremamente importante de atividade
delta. Pentilla et al já haviam publicado, em 1975, que o aumento da potência
da banda delta é bastante significativa nas formas avançadas da doença, não
distinguindo demência leve e moderada de idosos normais. Alguns autores
correlacionaram redução do EEG e a mortalidade (Karls et al., 1978).
Com relação à doença de Pick a maioria dos indivíduos tem EEG normais.
Quando presentes, as anormalidades são caracterizadas por atividade lenta de
baixa e média voltagem sobre as áreas anteriores e a atividade alfa permanecendo
normal, mesmo em casos de demência severa. Na doença de Huntington,
quando prese-ntes, as alterações do EEG, geralmente em um terço dos pacientes,
se traduzem por um traçado plano de baixa voltagem, com menos de 10 micro-
volts, que não sofre modificações durante a hiperventilação, Scott et al. (1982)
acreditam que essa baixa amplitude se correlaciona com a atrofia cortical. Na
doença de Parkinson, o EEG costuma ser normal.

661
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

As alterações, quando aparecem, ocorrem nos estágios bem avançados da


doença sendo caracterizado por uma redução do alfa abaixo de 8 Hz, e uma ativi-
dade lenta generalizada na faixa teta ou teta com delta. Nos casos de parkinson com
demência, as alterações eletroencefalografias são mais pronunciadas e aparecem
mais precocemente, caracterizando por um ritmo alfa mais lento, atividade teta
difusa e redução delta arrítmica focal principalmente nas regiões fronto temporais.
Na paralisia supranuclear progressiva, o EEG habitualmente é normal,
em mais de 50% dos pacientes. Quando alterado, essa se caracteriza por uma
atividade delta arrítmica focal ou rítmica intermitente e com o desaparecimento
do alfa, conforme a doença progride.
Com relação à demência com disfunção corticosubcortical iremos
ressaltar a doença Creutzfeldt-Jakob, e as demências vasculares do tipo multi-
-infarto e Binswanger.
A demência de Creutzfeldt-Jakob é dividida clinicamente em três estágios,
indo de uma demência progressiva com vários sintomas focais, caracterizando
o primeiro estágio, com o desaparecimento dos sinais focais, progressão da
demência e o aparecimento dos sinais piramidais com mioclonias que carac-
terizam segundo estágio, até o terceiro, e último estágio caracterizado por
estupor, e contração pelvicocrural e restrição ao leito. O EEG pode apresentar
determinadas característica relacionadas aos estágios em que a doença é avaliada.
As alterações eletroencefalográficas do primeiro estágio normalmente refletem
uma desorganização da atividade de base com uma atividade lenta teta e delta
entremesclada generalizada com maior acentuação em áreas anteriores ou
posteriores, ou mesmo hemisférica.
O segundo estágio é quando geralmente aparece a atividade periódica
bilateral difusa de curta duração. E no terceiro estágio ocorre uma redução
da amplitude da atividade de base com uma permanência ou redução das
anormalidades periódicas.
O padrão periódico está presente em apenas 30% dos pacientes nos estágios
iniciais da doença aumentando para 90% a 94% dos pacientes quando a doença
está plenamente desenvolvida. Nas demências vasculares as anormalidade focais
são de extremo valor porque permite diferenciarmos a demência vascular da
demência não vascular. Os trabalhos realizados por Roberts e colaboradores

662
neurofisiologia clínica nas demências

(1978) Harrison e colaboradores (1979) Sorninen e colaboradores (1982) apontam


a presença de atividades focais foi encontrado em 74% das demências vasculares
e em somente 19% das demências não vasculares.
Na doença de Binswanger, Caplan e Schoene, em 1978, relataram que 11
pacientes foram avaliados, três mostravam EEG normal, dois uma redução
focal e seis, uma redução difusa, mostrando então que nessa doença o achado
mais característico é uma redução difusa, totalmente inespecífica. Nas ence-
falopatias, especialmente as de origem endócrinas, o hipotireodismo é o que
mostra o maior número de estudos, e se caracteriza por alentecimento discreto
da atividade alfa. Isto é mais bem avaliado em estudos seriados podendo passar
despercebido quando se analisa um único EEG. Ainda importante é ressaltar
que encefalopatias metabólicas como encefalopatia urêmica e hepáticas podem
apresentar ondas trifásicas características que predominam em áreas anteriores,
podendo ser bastante útil na elaboração do diagnóstico. Vamos também nos
referir às anormalidades do sono encontrados em indivíduos com quadros
demenciais, que se caracterizam por diminuição do tempo de sono REM,
diminuição da quantidade de sono delta, latência ligeiramente aumentada do
sono REM e uma fragmentação dos vários estágios do sono, caracterizando
uma porcentagem maior de tempo acordado na cama.
Tudo isso leva uma manutenção e eficiência do sono reduzido nesses
indivíduos com quadros demenciais
A polissonografia, utilizada no diagnóstico precoce ou para separar
demência orgânica de pseudodemência, permanece com valor limitado devido
a um grande número de anormalidades sobrepostas.

Considerações finais

Recentemente vários estudos com análise de coerência foram publicados


especialmente com relação aos quadros demenciais. A coerência eletroencefa-
lográfica mede a força de correlação entre dois canais em determinada frequência,
segundo J. Gotmam, sendo, portanto, uma correlação espectral avaliando a
semelhança do sinal elétrico entre duas áreas cerebrais de um mesmo hemisfério
ou entre hemisférios (intra ou inter hemisférica).

663
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Leuchter e colaboradores (1992) encontraram diminuição da coerência


do alfa entre as regiões temporo-parieto-occipitais com áreas frontais,
enquanto que Locatelli e colaboradores (1998) encontraram perda de
coerência nas áreas temporo-parieto-occipitais, principalmente no hemis-
fério cerebral esquerdo. Cibils, do Instituto de Neurologia de Montevidéu,
trabalhando com análise de coerência há vários anos, encontrou redução
da coerência nos indivíduos com Azheimer, muito maior do que ocorrência
no envelhecimento normal, em todas as faixas de frequência, sendo mais
evidente na faixa alfa e principalmente no hemisfério cerebral esquerdo,
nas regiões temporo-parieto-occipitais, e com boa correlação com o déficit
perfusional detectado no SPECT.

Leituras Recomendadas

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Plasticidade do Sistema
Nervoso Central
Luciana Auxiliadora de Paula Vasconcelos,
Regiane Luz Carvalho

A capacidade que o Sistema Nervoso Central possui em modificar algumas


de suas propriedades morfológicas e funcionais em resposta a alterações do
ambiente pode ser determinada como Plasticidade do Sistema Nervoso Central.
Na presença de lesões, o Sistema Nervoso Central utiliza-se dessa capacidade na
tentativa de recuperar funções perdidas e/ou, principalmente, fortalecer funções
similares relacionadas às originais (Oliveira et al., 2001).
Ainda de acordo com Ferrari e colaboradores (2001) as interações
organismo-ambiente vivenciadas por um indivíduo determinam a topografia
e a função de suas respostas. As relações entre os eventos ambientais e as
respostas do organismo podem estabelecer contingências, ou seja, relações
condicionais entre classes de comportamento e as classes de estímulos que
lhes precedem ou lhes são consequentes, determinando ainda alterações
morfológicas na estrutura do sistema nervoso. Esse processo evolutivo
resultou em um número elevado de conexões sinápticas que podem ser
modificadas pela experiência.

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A plasticidade do Sistema Nervoso Central está presente em todas as fases


do desenvolvimento humano, da vida intrauterina (fase de desenvolvimento
embriológico) até a vida adulta. Dessa forma, podemos classificar o processo
plástico característico desse sistema em três estágios: a) Desenvolvimento; b)
Aprendizagem/Memória; c) Pós-processo lesional.

Desenvolvimento

Durante o desenvolvimento, a plasticidade é marcada na capacidade


intrínseca do neurônio em direcionar suas vias de conexão aos sítios “corretos”
(Oliveira et al., 2001).
O estudo do desenvolvimento e plasticidade do sistema nervoso pode ser
iniciado por uma simples questão: como ocorre a “construção” do sistema nervoso?
A formação do sistema nervoso envolve ações coordenadas de um número
imenso de neurônios. Pode-se resumir, de maneira bastante simplificada, suas
funções da seguinte maneira: células precursoras neuronais devem ser formadas
em regiões e quantidades predeterminadas e apropriadas; devendo migrar, num
determinado momento do desenvolvimento, para suas posições finais onde se
diferenciam em suas formas definitivas, desenvolvendo suas estruturas dendrí-
ticas e axonais. Seus axônios devem se projetar para seus alvos reconhecendo
para tanto os caminhos corretos a seguir para alcançar seu alvo específico.
Finalmente, os neurônios devem refinar suas conexões sinápticas a um alto
nível de precisão, mantendo ou achando as conexões corretas e desfazendo
as incorretamente realizadas. Após esse processo de “construção”, o sistema
nevoso deve ser capaz de se alterar, dramaticamente, durante os estágios iniciais
da vida, acomodando-se ao crescimento do organismo e às novas capacidades
intelectuais e comportamentais do indivíduo (Stiles, 2002).
Cabe lembrar que grande parte desse processo de desenvolvimento ocorre
guiada por sinalizadores químicos chamados de substâncias neurotróficas —
fatores de crescimento neural — as quais ajudam, por exemplo, a orientar o
trajeto de crescimento axonal em direção ao seu alvo (Oliveira et al., 2001).
Embora seja claro que a maturação do sistema nervoso se inicia no período

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plasticidade do sistema nervoso central

embrionário, sabe-se que seu término dar-se-á somente alguns anos após o
nascimento. Assim, sabemos que esse sistema sofre influências não só gené-
ticas mas também do ambiente durante esse processo, sendo que esse último
apresenta-se de grande importância, o que torna necessário expor o sistema
nervoso não maduro a adequados fatores ambientais para a interação das
regiões cerebrais e para promover as alterações das estruturas celulares, o que
permitirá um melhor desenvolvimento das habilidades diversas regidas pelo
sistema nervoso como perceptuais, motoras, cognitivas e sociais (Oliveira et
al., 2001/2002; Annunciato, 1995). Rosenzweig e Bennett (1978) apresentaram
registros de trabalhos experimentais que constataram a alteração de morfologia
de células nervosas por estímulos ambientais, prejudicando ou favorecendo sua
atividade funcional.

Aprendizagem/Memória

O estágio conhecido como aprendizagem pode ocorrer a qualquer momento


na vida de um indivíduo, pois a qualquer estágio do desenvolvimento pode-se
aprender alguma coisa nova e alterar algum comportamento de acordo com essa
informação. Assim, podemos concluir que é através dos mecanismos envolvidos
na aprendizagem e na memória que os eventos do ambiente podem moldar os
comportamentos (Oliveira et al, 2001/2002; Kandel et al., 2000).
Em Kandel e colaboradores (2000) temos uma das melhores descrições
sobre os processos de aprendizagem e memória. De acordo com esses autores
entende-se por aprendizagem “o processo pelo qual adquire-se conhecimento”
enquanto a memória seria “a retenção desse conhecimento”.
Com o avanço das pesquisas na área da neurobiologia, dois tipos diferentes
de aprendizagem/memória foram determinados:
▶▶ Explícita: aprende-se sobre o que é o mundo — acessível à consciência.
Codifica eventos autobiográficos e conhecimento de fatos, estando total-
mente dependente de processos cognitivos como avaliação, comparação e
interferência. Sua recuperação dar-se-á por ato voluntário de recordação
e sua expressão normalmente ocorrerá através de frases declarativas.

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A região do lobo temporal, principalmente o hipocampo, parece crucial


para a aquisição e retenção desse tipo de aprendizagem/memória.
▶▶ Implícita: aprende-se como fazer as coisas – não acessível à consciência
Automática e reflexiva esse tipo de aprendizagem/memória necessita
de repetições para que seja adquirida e retida sendo detectada através
da melhora no desempenho em atividades específicas (p. ex., atividades
motoras; regras e procedimentos), não podendo ser relatada de maneira
verbal. É resgatada de maneira automática sem necessidade de esforço
deliberado. Está intimamente ligada a atividade de procedimentos
sensoriais e motores que participam do sistema realizador da tarefa,
sendo conservada por mecanismos inerentes a cada um deles.
Dentro da aprendizagem implícita, diversos processas abordagem podem
ser utilizadas como:
▶▶ Não associativa: exposição por uma ou mais vezes a um mesmo
estímulo.
Dependendo da resposta evidenciada a tal apresentação pode-se
desenvolver a habituação (decréscimo da resposta ao estímulo) ou a
sensitização (fortalecimento da resposta). Hoje temos teorias muito
bem descritas que descrevem os eventos celulares que ocorrem em
tais mecanismos de habituação e sensitização.
Associativo: dentro desse processo podem-se utilizar abordagens
distintas para obtê-lo, sendo que todas envolvem fatos, tempo e
relações preditivas. Assim temos:
▶▶ Condicionamento clássico (Pavlov): dependente da relação en-
tre dois estímulos (condicionado x incondicionado);
▶▶ condicionamento operante (Skinner): depende do aprendizado da
relação entre um estímulo e um comportamento do organismo.

Cabe colocar nesse momento que os estudos desses processos, na maioria


envolvendo modelos animais de experimentação, têm levado ao desenvolvimento
de técnicas terapêuticas que utilizam o condicionamento como ferramenta,
como a biofeedback no caso de reabilitação motora e a dessensitização siste-
mática utilizada para atenuar estados de ansiedade.

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plasticidade do sistema nervoso central

O processo de aquisição acompanha-se de um processo de retenção: a


memória. Hoje, através dos estudos sobre a base neural da memória, pode-se
dividi-la em duas etapas:
▶▶ A memória a curto prazo: armazena em média 12 itens e duros minutos
ou horas. Depende de alteração “funcional” de proteínas (fosforilação
proteica) e dura enquanto esse estado alterado da proteína se mantiver;
▶▶ a memória a longo prazo: exige síntese proteica e formação de novas
conexões sinápticas, perdurando por mais de um dia e podendo se
estender por anos.

Com os avanços do conhecimento sobre os mecanismos neuroquímicos


envolvidos nos processos de aprendizagem e memória, os primeiros passos
têm sido dados no sentido de trazer ao arsenal clínico drogas que possam
melhorar a memória. Drogas que facilitam a ativação de receptores específicos
são candidatas a agentes terapêuticos no tratamento de déficits de memória
associados à doença de Alzheimer (Roesler e Quevedo, 1998).

Pós-processo lesional

O Sistema Nervoso Central é considerado como o produto biológico mais


elaborado e complexo da nossa história evolutiva (Moonen et al, 1990). Quando
este sistema é lesado por trauma, disfunções circulatórias ou intervenções
cirúrgicas, perdas neuronais e distúrbios funcionais podem ocorrer (Ferrari et
al., 2001). Com a lesão as bombas de cátions falham e ocorre a despolarização
celular, a qual gera um aumento da concentração de neurotransmissores prin-
cipalmente do glutamato na fenda sináptica. Este acúmulo induz ao influxo
de íons cálcio para o interior da célula levando á uma grande liberação de
neurotransmissores criando uma cascata excitatória tóxica (Da Silva, 1995).
Dois são os tipos de alterações funcionais após lesão. O primeiro é causado
pela morte dos neurônios e o segundo por uma inibição dos neurônios preser-
vados, sendo também denominada de diasquise. A diasquise pode explicar os
comprometimentos funcionais transitórios após lesão. Portanto, as alterações
de função ocorrem não apenas nas áreas diretamente afetadas, mas também em

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

outros sítios neurais direta ou indiretamente conectados a elas resultando em


prejuízos comportamentais e cognitivos (Cerutti et al., 1997).
A recuperação das lesões do sistema nervoso é um processo que envolve
diversos estágios e se inicia imediatamente após a lesão. A reparação constitui-se
no retorno gradual de uma função específica após um déficit inicial. Este fato
demonstra adaptabilidade biológica e comportamental do SN.
Várias teorias têm sido formuladas para explicar esta recuperação. O conceito
de ação maciça estabelece que, como regiões diferentes do SNC medeiam a
mesma função motora, se esta for suprimida, ela pode ser mediada por um
circuito residual equivalente (Ribeiro, 1995). A teoria da função vicária sugere
que os sistemas preservados têm a capacidade latente de controlar a função
perdida (Fitzgeral, 1985). A reorganização funcional defende que uma via nervosa
pode alterar qualitativamente a sua função. Finalmente, a teoria da substituição
estabelece que a recuperação nervosa pode ser produzida pela substituição de
mecanismos controlados por vias/circuitos danificados por vias não danificadas.
O processo de recuperação é composto de vários mecanismos com ação
integrada no SNC. Os mecanismos de reparação e reorganização do SN surgem
após a lesão e podem perdurar por meses e anos (Nelles et al., 1999). São eles:

Recuperação da eficácia sináptica

Este processo consiste em fornecer ao tecido nervoso um ambiente favorável


à recuperação (Villar, 1997).

Ativação de sinapses latentes

Quando um estímulo importante ás células nervosas são destruídos


sinapses residuais ou dormentes previamente ineficazes podem se tornar
eficientes (Brasil Neto, 1992).

Supersensitividade de desnervação

Subsequente à desnervação o controle de sensitividade da célula pós-


-sináptica a estímulos químicos é perdido, e a célula pós-sináptica torna-se

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plasticidade do sistema nervoso central

quimicamente supersensível. Este fato pode ser explicado pelo aumento da


superfície receptora e alterações na permeabilidade iônica da membrana
pós-sináptica (Trendelenburg, 1996).

Potencialização sináptica

Desvio de neurotransmissores para pontos de contatos que não foram


lesados (Annunciato, 1994).

Brotamento regenerativo

Ocorre em axônios lesados e constitui a formação de novos brotos do


segmento proximal. Este crescimento axonal pode estabelecer ligações funcio-
nais como também incorretas na qual o neurônio pode entrar em contato com
células alvos indesejadas (Annunciato, 1994).

Brotamento colateral

Ocorrem em axônios não lesionados em resposta a um estímulo normal


(Cotman et al., 1994)
A capacidade de formação de novos brotos e crescimento dos axônios
depende também do meio. Fatores neurotróficos (FNT) são moléculas impor-
tantes para o crescimento e diferenciação dos neurônios e regulam a plasticidade
sináptica durante o desenvolvimento e no sistema nervoso do adulto (Stichel
et al., 1998). É sabido que a atividade dos FNT aumenta depois do trauma e
pode ser o responsável parcial pelo início da resposta regenerativa do SNC
com a estimulação da plasticidade sináptica e da formação de brotos. A adição
de FNT no SNC danificado é frequentemente utilizada em conjunto com
outras estratégias para promover o crescimento axonal. Por exemplo, células
de Schwann geneticamente modificadas para secretar uma neurotrofina (fator de
crescimento derivado do cérebro) têm sido transplantadas na medula espinhal
(Menei et al., 1998). Moléculas associadas à mielina têm sido inibidas pela apli-
cação de anticorpos (Schnell, 1994). Outra estratégia utilizada para promover
o crescimento no sistema nervoso danificado é a neutralização das influências

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

inibitórias. A mielina parece possuir moléculas inibitórias associadas, sendo


a mais proeminentes as proteínas NI 250 e a NI 35, identificadas por Schwab
et al como poderosos inibidores do crescimento axonal. Recentemente o gene
Nogo foi identificado por Prinjha (2000), sendo que este codifica pelo menos três
proteínas Nogo-A, Nogo-B, Nogo-C. A Nogo-A foi afetada pelo anticorpo de
IN250 e provavelmente corresponde a esta proteína inibitória do crescimento.
Nogo foi encontrado nos oligodendrócitos e não está presente nas células
de Schwann (GrandPre, 2000). Esta localização pode explicar a inabilidade de
regeneração na presença de oligodendrócitos no SNC. A ausência das células
de Schwann para guiar a regeneração axonal e sintetizar moléculas promotoras
do crescimento também parece ser importante.
Transplante de tecido nervoso fetal também tem sido explorado devido ao seu
meio promissor para o crescimento axonal. Este meio promissor se deve à ausência
de moléculas inibitórias associadas à mielina e maior capacidade plástica. Em
ratos com lesão cerebral, foi observado que transplantes neurais fetais sobrevivem,
integram-se ao cérebro do hospedeiro e melhoram déficits comportamentais.
Fornecem uma fonte de neurotransmissores depletados ou produzem substâncias
neurotróficas para melhorar a sobrevida e o crescimento de células.

Fatores epigenéticos que influenciam o SNC

Existem alguns fatores que interferem direta ou indiretamente nos


processos plásticos de aprendizagem e consequentemente na reabilitação do
paciente neurológico.
Início, duração frequência e intensidade do tratamento: Início precoce,
com programas terapêuticos intensivos, contínuos e por longo período podem
favorecer a recuperação.
Exposição ambiental: Rosenzweig (1996) observou alterações morfológicas
e funcionais importantes em áreas corticais devido à mera exposição e interação
com ambientes que fornecem diversidade de estímulos. Portanto, o ambiente
terapêutico deve fornecer condições adequadas para o aprendizado, propiciando
uma boa qualidade de estímulos e possibilitando a integração do paciente com o
meio, viabilizando assim a superação de obstáculos gerados pela lesão cerebral.

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plasticidade do sistema nervoso central

Comunicação: A comunicação verbalizada como também por meio de


gestos, posturas, expressões faciais, organização dos objetos no espaço, singu-
laridade somática será um recurso muito apropriado para um maior vínculo
terapêutico, potencializando a fisioterapia.
Dentre outros fatores epigenéticos, pode-se considerar as características
da lesão (local e extensão); idade do paciente; estado emocional (motivação X
depressão); condições físicas (estado nutricional e condicionamento musculo-
esquelético); nível cognitivo (Annunciato 1999).
O conhecimento acerca dos mecanismos subjacentes a plasticidade neural
e a recuperação de função, assim como a interferência de fatores epigenéticos,
mostra que o SNC é mais plástico do que se pensava. As aplicações e implica-
ções deste conhecimento constituem desafios para todos os interessados em
comportamento e sistema nervoso.

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59
Memória
Roberto Godoy

Há duas maneiras pelas quais o cérebro adquire e armazena informações:


memória de procedimento e memória declarativa. Essas duas formas divergem
tanto no que diz respeito aos mecanismos cerebrais envolvidos como nas
estruturas anatômicas.
A memória de procedimento (também chamada implícita) armazena dados
relacionados à aquisição de habilidades mediante a repetição de uma atividade
que segue sempre o mesmo padrão. Nela se incluem todas as habilidades
motoras, sensitivas e intelectuais, bem como toda forma de condicionamento.
A capacidade assim adquirida não depende da consciência. Somos capazes de
executar tarefas, por vezes complexas, com nosso pensamento voltado para algo
completamente diferente.
Por sua vez, a memória declarativa (também chamada explícita) armazena
e evoca informação de fatos e de dados levados ao nosso conhecimento através
dos sentidos e de processos internos do cérebro, como associação de dados,
dedução e criação de ideias. Esse tipo de memória é levado ao nível consciente
através de proposições verbais, imagens, sons etc. A memória declarativa
inclui a memória de fatos vivenciados pela pessoa (memória episódica) e de

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

informações adquiridas pela transmissão do saber de forma escrita, visual e


sonora (memória semântica).
Analisando a memória quanto ao tempo de armazenamento das informa-
ções, pode-se classificá-la em memória de trabalho, memória de curto prazo e
memória de longo prazo.
A memória de trabalho, que alguns acreditam ser parte da memória de
curto prazo, atua no momento em que a informação está sendo adquirida,
retém essa informação por alguns segundos e a destina para ser guardada
por períodos mais longos ou a descarta. Quando alguém nos diz um número
de telefone para ser discado, essa informação pode ser guardada se for um
número que nos interessará no futuro ou ser prontamente descartada
após o uso. A memória de trabalho pode, ainda, armazenar dados por via
inconsciente.
A memória de curto prazo trabalha com dados por algumas horas até que
sejam gravados de forma definitiva. Este tipo de memória é particularmente
importante nos de cunho declarativo. Em caso de algum tipo de agressão ao
cérebro enquanto as informações estão armazenadas neste estágio da memória,
ocorrerá sua perda irreparável.
A memória de longo prazo é a que retém de forma definitiva a informação,
permitindo sua recuperação ou evocação. Nela estão contidos todos os nossos
dados autobiográficos e todo nosso conhecimento. Sua capacidade é pratica-
mente ilimitada.
Não há uma estrutura ou uma determinada porção do cérebro reconheci-
damente depositária de informações, embora se acredite que o lobo temporal
esteja envolvido com a memória dos eventos do passado. Entretanto, são
conhecidas várias estruturas cerebrais envolvidas com a aquisição e o processo
de armazenamento de dados.

Mecanismos da memória

Ainda não se conhece definitivamente o mecanismo, ou os mecanismos,


pelo qual o cérebro adquire, armazena e evoca as informações.

680
memória

Não obstante, alguns modelos são propostos para explicar essa função do
cérebro humano.
O primeiro dos modelos propostos tem como base a atividade elétrica
cerebral. Assim, a informação seria guardada em circuitos elétricos, ditos
reverberantes. Evidência desse mecanismo é obtida pela existência de conexões
neuronais recorrentes, ou seja, ramificações da célula nervosa (neurônio) que
voltam ao seu próprio corpo, reestimulando-a. É possível que esse mecanismo
esteja presente na manutenção das informações nas memórias de trabalho e
de curto prazo.
O segundo modelo baseia-se na produção de substâncias químicas que
conteriam um código relacionado às informações. Esse modelo supõe que os
neurônios possam sintetizar ARN (ácido ribonucleico) e que esta substância
conteria um código da memória da mesma forma que o ADN (ácido deso-
xirribonucleico) contém a codificação genética. Embora se tenha verificado
aumento da síntese de ARN em fases de aprendizado, atualmente acredita-se
que essa síntese seja responsável mais pelo funcionamento celular que pela
criação de um código químico, de forma a ter-se relegado a um segundo
plano essa hipótese.
Outro modelo pressupõe a alteração das conexões entre os neurônios, sendo
denominado modelo conexionista. Todos os neurônios emitem ramificações que
se comunicam com outros neurônios, tendo umas, caráter estimulante e outras,
caráter inibitório para a célula a que se destinam. A transmissão do impulso
nervoso é feita no ponto de encontro dessas ramificações com a célula alvo, ponto
esse denominado sinapse. Haveria alteração da função sináptica criando novos
circuitos neuronais e seriam esses circuitos que codificam as informações. Esse
modelo tornou-se bastante plausível depois que se comprovou, experimental-
mente, o aumento da resposta sináptica com a aplicação de estímulos repetitivos.
Assim, acredita-se que o substrato da memória é o aumento da função sináptica
(hipertrofia) ou a criação de novas sinapses. Esse modelo é bastante interessante,
pois, além de esclarecer como são guardadas as informações, permite explicar,
também, a atenuação das lembranças, fenômeno conhecido por todos e que
seria devido à diminuição da função sináptica causada pelo desuso.

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temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Amnésia

A amnésia é uma entidade patológica provocada por diversas causas


em que o indivíduo perde a capacidade de reter informações novas (amnésia
anterógrada) ou de evocar as antigas (amnésia retrógrada).
As amnésias são sempre causadas por agressões ao cérebro que podem ter
caráter transitório ou permanente, sendo algumas delas destacadas a seguir.
Síndrome de Korsakoff. Essa doença foi descrita como decorrência
de alcoolismo crônico, podendo, no entanto, decorrer de outras causas. A
amnésia é o sintoma predominante nessa síndrome, sendo caracteristicamente
do tipo anterógrado.
Amnésia traumática. As pessoas que sofrem um trauma de crânio de certa
intensidade, muito frequentemente, esquecem-se dos fatos que ocorreram minutos
antes do trauma (amnésia retrógrada) e, também, dos fatos que ocorrem após o
trauma (amnésia anterógrada), embora não percam a consciência. Há uma certa
relação de proporcionalidade entre a intensidade do trauma e o tempo de amnésia.
Amnésia global. Essa forma de amnésia está relacionada com um grave e
difuso comprometimento cerebral. Há, de forma definitiva, amnésia tanto ante-
rógrada quanto retrógrada, ou seja, o indivíduo perde a capacidade de reter novas
informações e de evocar seu estoque antigo de informações. Tal situação ocorre
em demências, traumas muito graves e intoxicações por monóxido de carbono.
Amnésia global transitória. Nessa situação a amnésia dura algumas
horas, não ultrapassando um dia, e a recuperação é completa. O indivíduo
tem comportamento normal, porém não retém nenhuma informação durante
o episódio, ou seja, tem amnésia anterógrada completa, permanecendo uma
lacuna na memória dessa pessoa depois da recuperação. A causa desse problema
não está, ainda, totalmente esclarecida, parecendo estar ligada à isquemia
transitória afetando as partes internas do lobo temporal. Essa patologia tem
curso benigno, sendo excepcional um segundo episódio.
Amnésia pós-operatória. Há cerca de 50 anos, um neurocirurgião ameri-
cano, para poder tratar um paciente com crises convulsivas que não melhorava
com remédios, fez uma cirurgia retirando, de ambos os lados, certas partes do
lobo temporal (hipocampo e porção medial). Esse paciente obteve um controle

682
memória

das crises, mas ficou com amnésia anterógrada muito intensa. Esse caso, muito
estudado, além de demonstrar que déficits de memória podem surgir no pós-
-operatório, foi de fundamental importância para os estudos neuropsicológicos
da memória.

Esquecimento

Ao contrário da amnésia em que há perda de uma capacidade, o esqueci-


mento é uma falha na retenção ou na evocação dos dados da memória.
Trata-se de fenômeno muito comum que, em maior ou menos grau, ocorre
com qualquer pessoa.
No entanto, é cada vez maior o número de pessoas que se sentem incomo-
dadas com o problema e que buscam solução.
A principal questão no que se refere ao esquecimento é saber sua causa.
Alguns postulam que ocorre uma debilitação dos traços de memória com o
passar dos anos. Outros, no entanto, acreditam que novos conhecimentos
podem interferir prejudicando a memória.
O desuso provocaria um enfraquecimento dos circuitos da memória,
conforme o modelo conexionista, tornando cada vez mais difícil o acesso a
essas informações. Isto pode explicar parte do problema, mas não todo ele. É
fato que com o passar da idade as pessoas têm mais dificuldade para lembrar
de fatos passados, porém essa dificuldade é mais intensa para os fatos recentes
enquanto fatos remotos marcantes, ainda que não utilizados com frequência,
podem ser lembrados facilmente, inclusive em detalhes.
Considerando-se a interferência, sabe-se que um novo aprendizado pode
interferir com um antigo que lhe guarde alguma semelhança ou que lhe possa
ser associado. Assim, a cada nova informação haveria modificação naquelas
já sedimentadas. O acúmulo de informações ao longo do tempo faria com
que pessoas de mais idade tivessem maior dificuldade em relação à evocação
da memória.
Nenhuma dessas causas explica totalmente a ocorrência do esquecimento,
mas não podem ser descartadas como componentes do problema.

683
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Há, no entanto, um outro importante aspecto a ser considerado. Não é


possível evocar uma informação se ela não foi devidamente arquivada. Para
que o ser humano possa reter na memória uma determinada informação,
é necessário que sua atenção esteja voltada para isso. Sem atenção, não há
qualquer possibilidade de se guardar um fato e sem guardá-lo, não há como
recuperá-lo depois.
O combate ao esquecimento deve levar em consideração a atenção e o
poder de concentração, bem como os fatores que os facilitam ou os dificultam.
Também se deve atentar para os fenômenos do desuso e da interferência de
novos aprendizados.

Fatores interferentes

O cérebro humano está sujeito a estímulos externos através dos sentidos, a


estímulos internos advindos do organismo e a estímulos de ordem emocional.
Há quem acredite que o ser humano só consegue pensar porque há uma inte-
ração desses estímulos.
Com a atenção e o poder de concentração não é diferente. Assim, há fatores
externos e internos que facilitam ou dificultam a atenção.
O interesse pessoal sobre determinado assunto faz com que certas pessoas
possam quase que decorar informações com uma única e simples leitura. É de
conhecimento geral que quanto maior o interesse, mais facilmente se aprende.
A vivência de fatos com alta carga emocional faz com que os mesmos
permaneçam para sempre na memória. São os chamados fatos marcantes na
vida de uma pessoa que, mesmo ocorrendo uma única vez, não são jamais
esquecidos.
Por sua vez, as preocupações com os problemas diários, a ansiedade e,
em muitos casos, a depressão são fatores que turvam a atenção e, como conse-
quência, impedem a retenção de informações novas, gerando a impressão de
que a “memória está falhando”.
Esses fatores normalmente não afetam diretamente a memória mas sim a
atenção e a concentração. No entanto, quando muito intensos podem provocar

684
memória

alterações temporárias da memória. É o caso dos conhecidos “brancos” que


ocorrem em situações de ansiedade intensa.
Há, ainda, um outro fator ao qual se começa a dar atenção. Trata-se da
relação e possível interferência entre as memórias explícitas e implícitas.
Toda atividade humana, inclusive as puramente intelectuais, tende a ser automa-
tizada. Muitas de nossas atividades são repetidas diariamente e ao longo do tempo
vão deixando de ser conscientes passando a ser executadas sem que dediquemos a elas
a menor atenção. Com o passar da idade, a maioria das pessoas passa a só executar
atividades e tarefas que já realizou um sem número de vezes e isso, evidentemente,
dificulta sua atenção e, consequentemente, a retenção na memória dos fatos ocorridos
e das informações veiculadas nesse período. Esse fenômeno é mais comum do que
se imagina, e tem como exemplo a leitura automática, em que o leitor ao cabo de
uma página não consegue se lembrar de uma linha sequer.
A maioria das pessoas com problema de esquecimento na realidade nada
tem de errado com sua memória, mas sim com os mecanismos que levam a
informação até a memória.

A memória humana e a escrita

O ser humano desenvolveu a capacidade de transmitir conhecimento a seus


semelhantes. Talvez tenha sido essa capacidade que permitiu sua sobrevivência
como espécie e, certamente, foi ela que lhe deu a supremacia na escala evolutiva.
Nos primórdios da civilização bastou que esse conhecimento fosse transmi-
tido por uma linguagem que misturava sons e gestos. Como isso era transmitido de
geração em geração e como quem conta um conto aumenta um ponto, criaram-se
histórias fantásticas. Surgiram as lendas das quais até hoje temos notícia.
Durante a era do gelo a humanidade sobreviveu graças à caça de grandes
animais, mas ela terminou. O ambiente mudou radicalmente e o ser humano foi
obrigado a encontrar outras fontes de alimentação. Daí surgiu a agricultura e, com
ela, a sedentarização, a organização social em cidades e o acúmulo de riquezas.
A humanidade percebeu que não havia mais como confiar somente na
memória e, por volta do ano 3.100 a.C., surgiu a escrita. No princípio, era um

685
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

simples rol de riquezas estocadas em armazéns, mas logo o homem começou a


usá-la com finalidade religiosa, cultural e comercial.
Com o grande salto cultural dado pelos gregos no período clássico, a escrita
tornou-se o principal instrumento na transmissão do saber e, paralelamente,
um instrumento de poder político.
No entanto, a escrita não foi aceita por todos. Platão, através de Sócrates em
seu diálogo com Fedro, nos traz ao conhecimento uma lenda egípcia. Thot, deus
a quem era consagrada a ave íbis, inventou os números e o cálculo, a geometria
e a astronomia, o jogo de damas e os dados, e a escrita. Durante o reinado
de Tamuz, o deus ofereceu-lhe suas invenções, dizendo-lhe para ensiná-las a
todos os egípcios. Mas Tamuz quis saber de suas utilidades e, enquanto o deus
explicava, o faraó censurava ou elogiava, conforme essas artes lhe parecessem
boas ou más. Quando chegaram à escrita Thot disse que aquela arte tornaria
os egípcios mais sábios e lhes fortaleceria a memória. No entanto, Tamuz
respondeu-lhe que a escrita tornaria os homens esquecidos, pois deixariam
de cultivar a memória. Ao confiar apenas nos livros, só se lembrariam de um
assunto exteriormente e por meio de sinais, e não em si mesmos. Os homens
tornar-se-iam sábios imaginários.
Nesse mesmo diálogo, Sócrates considera a escrita como algo que limita o
pensamento, que engessa as ideias. Um discurso escrito, dizia ele, será sempre
o mesmo, repetido inúmeras vezes sem que se possa agregar novas ideias.
Ironicamente, se hoje sabemos muito da filosofia de Sócrates é porque
Platão a escreveu.
Analisando a questão frente a nossos conhecimentos sobre a memória
humana, podemos, no entanto, afirmar que escrever é uma forma salutar de
ampliar nosso banco de dados. Salutar porque é preciso esquecer para poder
lembrar. Explicando, nossa memória não pode guardar absolutamente todas as
informações que lhe chegam, sob risco de bloqueio. É armazenando somente o
que interessa e associando convenientemente os dados estocados que a memória
pode ser evocada.
De qualquer forma, a escrita está aí, imutável ao longo do tempo (a não ser,
claro, em algumas dessas péssimas traduções com que por vezes nos deparamos),
pronta para ser consultada quando precisamos e, sobretudo, liberando o cérebro

686
memória

humano para a associação dos conhecimentos armazenados e a criação de


novas ideias.
A título de ilustração, sabe-se que com treinamento intenso e adequado, uma
pessoa pode reter uma sequência de 50, 100 algarismos. No entanto, com papel e
lápis qualquer um terá a mesma sequência guardada, com um mínimo de esforço.
Finalizando, não podemos nos esquecer do que dizia Confúcio: bem, ele
dizia... O que mesmo ele dizia?... Acho que me esqueci, teria sido melhor escrever.

Referências bibliográficas

687
60
Reabilitação da memória
Jacqueline Abrisqueta-Gomez

Nas últimas décadas, o interesse pelo funcionamento cognitivo do cérebro


vem sendo o alvo de estudos de muitos cientistas, portanto, o foco das pesquisas
é voltado para o entendimento das bases biológicas do comportamento, em
especial dos aspectos mediados pelo sistema nervoso central. As tentativas
por descobrir formas de recuperar pessoas com lesões cerebrais nos levaram à
descoberta de um mecanismo chamado plasticidade neural, o qual representa
a possibilidade do cérebro se autorreparar após sofrer lesões ou mesmo contrair
doenças. No entanto, esta habilidade do cérebro dependerá da idade, localização
neural e função do comportamento envolvido. Apesar de estes estudos serem
bastante alentadores, no momento são iniciais e não se conhece exatamente
como isto pode funcionar na prática clínica, especialmente no caso de pacientes
que cursam processos amnésicos derivados de algum acometimento cerebral
adquirido, seja este estável ou progressivo. Sendo assim, um dos grupos bastante
representativos desta problemática é o de pacientes portadores da doença de
Alzheimer, no qual a característica inicial e principal é a perda de memória,
seguida de outros déficits cognitivos, alterações comportamentais e funcionais.
Devido à impossibilidade de curar a doença e à identificação de pessoas atingidas
em estágios iniciais, está sendo cada vez mais defendida a abordagem terapêutica

689
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

multifatorial, que inclui intervenções farmacológicas e não farmacológicas


com finalidade de melhorar o funcionamento global dos pacientes afetados e
otimizar a orientação em seus cuidados (Newhouse, Potter e Levin, 1997; Winter
e Hunkin, 1999; Abrisqueta-Gomez et al. 2002). Portanto, a seguir discutiremos
propostas de reabilitação não farmacológica no tratamento da Demência de
Alzheimer (DA).

Breve revisão de tratamentos não farmacológicos em pacientes


demenciados

Inicialmente, a deficiência da memória em pacientes com DA concei-


tualizada como síndrome de amnésia-desexecutiva (Becker, 1987) foi um fator
preponderante para que muitos investigadores desconsiderassem as habilidades
de aprendizado e se abstiveram de incluí-los em programas de tratamento ou
reabilitação sem drogas (Beers e Goldstein, 1998), uma vez que o aprendizado
é considerado um dos componentes-chave de qualquer forma de reabilitação.
Até bem recentemente, o tratamento não farmacológico orientado para a
reabilitação da memória nestes pacientes era dominado por duas abordagens: a
orientação para a realidade (Taulbee e Folsom, 1996) e a terapia de reminiscência
(Boylin, Gordon e Nehrke, 1976). O alvo destas terapias era manter ou restaurar
a orientação temporal e espacial e a memória autobiográfica, através de uma
apresentação contínua de informações, tais como: dados pessoais, tempo e lugar,
reduzindo as demandas sobre os pacientes e melhorando o envolvimento com
o ambiente externo, sendo que, na observação clínica pareceu existir alguma
eficácia do uso destas técnicas sobre a cognição e comportamento dos pacientes
com DA, porém os efeitos sobre as habilidades funcionais na vida diária foram
pequenos e sua metodologia bastante questionada por não possuir suporte
técnico suficiente para sustentar a técnica. Em geral, a metodologia comum
da orientação para a realidade e da terapia de reminiscência é operar por
meio de ‘ensino de massas’ as habilidades de orientação genérica, seguindo a
definição puramente fenomenológica do comportamento, sem tentar explicar
a sustentação cognitiva. Além disso, essas intervenções terapêuticas assumem
implícita, mas erroneamente, que todos os pacientes com DA sofrem de

690
reabilitação da memória

distúrbios cognitivos similares, e que, consequentemente, possam se beneficiar


da mesma forma e do mesmo programa de reabilitação. Também, existem
poucas pesquisas rigorosamente testadas com estas técnicas que demonstrem
sua eficácia em maior quantidade de pacientes.

Abordagens recentes nos estudos da memória de pacientes


demenciados

Os avanços recentes na reabilitação cognitiva de pacientes idosos


demenciados foram desenvolvidos em base a conhecimentos advindos da
neuropsicologia cognitiva e da neuro-reabilitação de pacientes com severa
amnésia causada por lesão cerebral não progressiva.
O conhecimento dos estágios iniciais e pré-clínicos das demências foi
determinante para identificar quem tem maior possibilidade de beneficiar-se
destas técnicas, uma vez que em fases iniciais, os pacientes ainda têm capacidade
residual de aprendizado e podem aprender a lidar com estratégias compensató-
rias e preservar suas habilidades mesmo depois de limitados neurologicamente.
Desta forma, discutiremos a seguir como funcionam estas abordagens não
farmacológicas no tratamento da demência de Alzheimer e sua relação com os
diferentes tipos de memória.

A memória e suas implicações no desenho de programas de


reabilitação

Segundo Izquierdo (2002), memória é a aquisição, formação, conservação


e evocação de informações. A aquisição é também chamada de codificação;
a formação e conservação são o armazenamento; a evocação é a recordação,
lembrança ou recuperação de informações.
As investigações apoiadas em dados neuropsicológicos e de neuroimagem
permitiram evidenciar que a memória compreende um conjunto de habilidades
mediadas por diferentes regiões do sistema nervoso, que funcionam de forma
independente, porém cooperativa.

691
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Em geral admite-se a existência de pelo menos dois grandes sistemas de


memória: um de longa duração e outro operacional. A diferença fundamental
entre ambos é que neste último, a informação é mantida transitoriamente,
enquanto útil e por períodos relativamente curtos ao passo que no primeiro,
ela é mantida por períodos prolongados.
A memória tem múltiplos componentes e processos, porém nem todos são
igualmente deficientes na DA. Embora os principais déficits sejam encontrados
na memória episódica (registros de eventos específicos ou episódios que estão
relacionados a um tempo e local particular) e semântica (conhecimento sobre
informações aprendidas no contexto social, sendo seu conhecimento igual ao
de uma enciclopédia mental), o grau de deficiência dessas duas capacidades
ilimitadas de armazenagem de informações é altamente variável nos primeiros
estágios da AD e apresenta uma taxa de declínio não uniforme (Small e
Bäckman, 1998). A memória episódica e semântica pertence a um sistema de
memória explícita, porque necessitam do envolvimento consciente da pessoa,
e normalmente são volitivos, envolvendo uma introspecção consciente e uma
tentativa de lembrar ou reconhecer os fatos ou as informações (Squire, 1987).
Em contraste, a memória implícita se refere à aquisição automática de conhe-
cimentos verbais e não verbais ou habilidades (conhecimento procedural) e na
ausência de recuperação consciente do conteúdo e das circunstâncias em que o
aprendizado foi realizado. O sistema de memória implícita, que não está aberto
à introspecção consciente e não é volitivo, tem sido visto como, relativamente,
bem preservado até os últimos estágios da DA (Rogers, Holm, Burgio, Hsu,
Hardin e Mcdowell, 2000).
Por essas conclusões, parece que os déficits de memória após uma “síndrome
de desconexão neocortical” como a de Alzheimer, não é um fenômeno de “tudo
ou nada” e que, durante os primeiros estágios da doença, as funções da memória
que foram preservadas, ou relativamente preservadas, são alvos adequados para
intervenções de estimulação e de reabilitação.
No entanto, para desenhos de programas de reabilitação, o funcionamento
da memória não pode ser analisado apenas em termos de concepção de sistemas
e sim de processos ativos. Sendo assim, distintas abordagens enfatizam os
processos subjacentes à codificação (Craik e Tulving 1975), ao armazenamento
(Collins e Loftus, 1975) ou à recuperação (Craik e Tulving 1975), os quais podem

692
reabilitação da memória

ser mediados por mecanismos ativos. O conhecimento da dinâmica destes


processos é essencial para a inserção de estratégias de memórias as quais são
influenciadas pelo nível de conhecimento de base do indivíduo e pela eficiência
do processamento das informações.

Técnicas de reabilitação de memória em pacientes com doença


de Alzheimer

De acordo com De Vreesse et al. (2001), as técnicas de reabilitação da


memória que podem ser aplicadas a pacientes com DA estão divididas em
três níveis, sendo que os dois primeiros implicam o treinamento direto do
funcionamento da memória e a tentativa de manter o máximo possível seu
funcionamento no dia a dia, enquanto o terceiro nível trata de aspectos compen-
satórios na deficiência da memória, com o propósito de diminuir seu impacto
na rotina diária desses pacientes.

Facilitação da memória explícita residual

O primeiro nível de intervenção representa um dos aspectos mais tradi-


cionais da reabilitação da memória, conhecido como “treino de memória”; nesta
técnica, é realizada a facilitação das capacidades explícitas da memória, com
apoio da codificação (processamento de estímulos para o ingresso da informação
e sua associação para uma armazenagem futura) e da lembrança posterior
(recuperação da informação armazenada).
A justificativa desta técnica nos primeiros estágios da DA deriva da
conclusão de que a memória episódica, embora prejudicada, ainda tem uma
capacidade de reserva cognitiva, o que nos permite ativar a parte residual da
rede semântica que guia a codificação e a recuperação da informação.
Portanto, apesar de a perda da memória ser abrangente nestes pacientes,
existem evidências de ganhos palpáveis no desempenho de tarefas de memória
explícita nas primeiras fases da doença, quando é proporcionado um auxílio
na aquisição da informação e oferecido um forte apoio na recuperação.

693
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Por exemplo, a codificação pode ser melhorada ou reforçada por estímulo


multimodal (Lipinska e Bäckman, 1997), carregado de conteúdo emocional
(Moayeri, Cahill, Jin e Potkin, 2000), por associação (visando engajar uma
codificação semântica autogerada) (Lipinska et al., 1994), por ativação da tarefa
(Arkin, 1992) ou por conhecimento anterior de evento relevante (Johnson e
Smith, 1998). A recuperação também precisa ser auxiliada de acordo com dicas
ou pistas adequadas às condições de codificação (Bird e Kinsella, 1996). Dessa
forma, os resultados obtidos nos poucos estudos onde foram estimuladas as
memórias residual episódica, semântica e autobiográfica (De Vreese e Neri,
1999) oferecem uma orientação em relação à vantagem dos procedimentos
diretos do treinamento de memória em combinação a tratamentos com drogas
antidemência, que podem ser aplicados em centros de reabilitação, com pacientes
no início da doença e enquanto a melhoria da atividade funcional do cérebro
possa ainda ser obtida.

Estimulação da memória implícita

Diferentemente das técnicas de treinamento de memória citadas anterior-


mente, o segundo nível de técnicas de intervenção trata especificamente das
estratégias, que se supõem, sejam apoiadas no sistema de memória implícita.
A preservação da memória implícita na DA leve a moderada tem sido repe-
tidamente demonstrada em pelo menos dois domínios diferentes. O primeiro
domínio estudado em pacientes com DA foi o priming ou pré-ativação, onde o
aprendizado é medido como uma mudança na velocidade, precisão ou tendência
no processamento de um estímulo, devido a uma exposição anterior desse
estímulo em comparação a uma condição inicial apropriada (Fleischman e
Gabrieli, 1998). Pacientes com DA leve à moderada podem apresentar magni-
tudes normais de repetição priming de curto e longo prazo em tarefas de:
identificação perceptual de palavras simples, padrões de pontos, fragmentos
de desenhos, objetos, faces não familiares e releitura de uma só palavra e texto.
O segundo domínio da memória implícita em pacientes com DA leve
a moderada, que se aproximam do nível observado em idosos normais, é a
memória de procedimento, que é medida como o aumento da precisão ou

694
reabilitação da memória

velocidade na execução de uma tarefa ou perícia em tentativas repetidas,


com pacientes que possuam ou não uma recuperação explícita limitada. Os
estudos experimentais sobre este sistema de memória na DA focalizaram-se nas
habilidades das atividades motoras (labirinto digital, desenho em espelho, perse-
guição em círculo), assim como em tarefas que envolvem apenas habilidades de
percepção (reação visual em série, ler em espelho, reconhecimento pelo tato)
e em habilidades que se baseiam num maior esforço cognitivo da memória de
procedimento (montar quebra-cabeças e tarefas do teste de dígitos e símbolos).
Essas conclusões empíricas apoiando a existência de sistemas de memória
alternados, pelos quais os pacientes com DA leve à moderada podem absorver
novas informações ou reter vários tipos de conhecimento procedural, forne-
ceram recentemente um novo ímpeto às abordagens de reabilitação da memória
que tentam levar vantagens das funções sobressalentes da memória e que têm
obtido resultados benéficos em pessoas com cérebro lesionado e com aprendi-
zado deficiente (Wilson, 1999).
Nessa perspectiva, são conhecidas quatro tipos de técnicas de intervenção,
que serão discutidas a seguir, e que poderão ser mais bem estudadas através das
referências dos estudos citados. O treinamento expandido Expanding rehearsal,
originalmente descrito como recuperação espaçada: Spaced Retrieval (Landauer
e Bjork, 1978); nesta técnica é solicitado ao paciente recuperar repetidamente
informações num tempo curto, sendo que o intervalo é aumentado gradual-
mente (p. ex., 5, 10, 20, 40, 90, 120 segundos, e assim por diante) à medida que
o paciente apreende a informação. O método de dicas desvanecidas: “Vanishing
cues” (Glisky, Shacter e Tulving, 1986), onde o paciente é convidado a produzir
respostas-alvo verbais, através de dicas ou lembretes, fornecendo a ele algumas
letras para facilitar a evocação correta. Neste sentido, o terapeuta poderá
adicionar (dicas crescentes) ou diminuir (dicas decrescentes), dependendo da
habilidade do paciente em lembrar a informação-alvo.
A técnica de aprendizado sem erros Errorless learning (Baddeley e Wilson
1994) é outra área de interesse crescente na reabilitação da memória; neste
contexto, o papel é de evitar ou minimizar a ocorrência de erros ou enganos
na fase de aprendizagem. Pesquisas realizadas em contexto experimental e
clínico, em pessoas com problemas de aprendizado, esquizofrênicos e com lesão
cerebral, mostraram que mantendo os erros iniciais a um mínimo na fase de

695
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

aprendizagem, ocorre numa melhora da aquisição de conhecimentos de domínios


específicos em comparação ao aprendizado por tentativa de erro e acerto.
A estimulação das habilidades sensório-motoras (Zanetti et al., 1997) é uma
técnica concentrada nos aspectos motores das atividades diárias e instrumentais
mais ou menos simples e necessárias na vida do paciente, tais como tarefas
de auto cuidado (arrumar-se, vestir-se, pentear-se o cabelo etc.), preparar e
comer suas refeições e utilizar o telefone, entre outras. Ao ensino de pessoas com
deficiência, igualmente foram introduzidos treinamentos verbais e/ou escritos
com dicas táteis, para reduzir as demandas sobre a memória temporal deficiente
(Storandt, Kaskie e Von Dras, 1998) e déficits executivos. Essas manipulações
diminuem o grau de complexidade das tarefas, compensando os déficits de
iniciação e sequenciamento que são necessários para seu desempenho.
De modo geral, o uso destas técnicas isoladamente ou em conjunto permitiu
aos pacientes mostrar habilidades em adquirir novos ou reaprender antigos
conhecimentos de domínio específico de modo predominantemente implícito,
ou manter as habilidades das atividades básicas ou instrumentais necessárias
no dia a dia.

Estimulando o uso de apoios externos

Em relação a este aspecto é importante mencionar que os auxílios externos


são meios de compensar a perda de memória e não visam diretamente ao seu
funcionamento. Ao invés disso, servem como dicas externas, fornecendo um alto
grau de apoio, diminuindo a necessidade de operações cognitivas autoiniciadas,
especialmente em tarefas gerenciadas pela memória prospectiva, concedendo
ao paciente com distúrbio de memória, meios para acompanhar e organizar
seu tempo, a fim de dar continuidade à sua rotina.
O potencial de treinamento de pacientes com DA na utilização de auxílios
externos não eletrônicos de memória (diários, calendários, agendas e quadros de
aviso, entre outros) recentemente se tornaram o foco de procedimentos de trei-
namento bem estabelecidos (Wilson, 1999; Bourgeois et al., 1997). No entanto,
sua utilidade na vida diária do paciente com AD dependerá da metodologia
aplicada, no ensino de seu uso efetivo, sendo assim, o procedimento para a

696
reabilitação da memória

inserção destes apoios deverá ser dividido em etapas individuais, sendo cada
uma delas cuidadosamente treinadas (Bird, 2000).
A determinante crítica no processo de aprendizado dessas ajudas externas
consiste no treinamento do paciente para lembrá-lo a fazer uso delas (isto é,
‘lembrar de consultar seu calendário ou agenda) como foi abordado nos trabalhos
de Clare et al. (2000). Portanto, é necessário ensinar ao paciente a utilizá-los o
mais independentemente possível, pois a dependência de dicas externas aliadas
às sugestões dos parentes ou cuidadores nem sempre são possíveis todos os dias.
Neste sentido, um meio de contornar essa dificuldade pode ser o uso de apoios
externos eletrônicos portáteis e de fácil manuseio, que transmitem na hora correta
as informações previamente gravadas para lembrar o paciente. O uso de alguns
dispositivos de ajuda de memória tem sido testado com sucesso em pacientes com
amnésia severa não progressiva (Wilson et al., 1997; Goldstein et al., 1998), aumen-
tando sua autossuficiência no dia a dia sem depender dos parentes ou cuidadores.
Um método similar também foi recentemente aplicado em pacientes com DA por
Zanetti et al. (2000), sugerindo possibilidades de intervenção em futuros projetos
de reabilitação da memória envolvendo este tipo de apoios, especialmente em fases
iniciais da doença. Embora os apoios externos eletrônicos ainda não tenham sido
amplamente testados e sua validade ecológica ainda não tenha sido confirmada,
podem ser um método de reabilitação poderoso (especialmente para as gerações
futuras), ativando no paciente que é treinado uma reação adequada para cumprir
de forma mais independente suas atividades.

Considerações finais

É importante considerar que os avanços recentes na reabilitação de memória


do tratamento não medicamentoso de pacientes demenciados constituem
uma abordagem promissora especialmente nos primeiros estágios da doença,
podendo potencializar inclusive o tratamento medicamentoso. No entanto, sua
implementação precisa ser criteriosa requerendo do terapeuta uma metodologia
de intervenção, onde possam ser considerados aspectos importantes, do uso de
instrumento de avaliação neuropsicológica que permita identificar o problema
de memória do paciente no contexto real (cotidiano), até o envolvimento da

697
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

família e dos cuidadores no treinamento das técnicas. O sucesso de nossa inter-


venção será medido pela manutenção da independência funcional do paciente,
que constitui um aspecto importante no retardo da evolução da doença, assim
como na melhora da qualidade de vida.

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reabilitação da memória

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701
61
Atualização terapêutica em
neuropatias periféricas
Eduardo L. Ribeiro do Valle
Margareth Reiko Kai

Introdução

Os avanços terapêuticos no tratamento das neuropatias periféricas


(polineuropatias) acompanham as novas possibilidades de diagnóstico através
da neurofisiologia e dos novos marcadores bioquímicos e amplo número de
medicações.

Diagnóstico

A diferenciação clínica entre as possibilidades diagnósticas deve iniciar


com o conhecimento das diversas patologias que acometem o sistema nervoso
periférico e suas características conforme a topografia da lesão. As neuropatias
podem ocorrer em qualquer idade, e, em alguns tipos específicos, têm maior
prevalência em idosos. Entre as neuropatias periféricas mais frequentes em nosso

703
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

país estão polineuropatia diabética, a polineuropatia alcoólica e a polineuropatia


do hipotireoidismo. Algumas neuropatias periféricas hereditárias podem se
assintomáticas e apenas demonstrar sinais clínicos em idades mais avançadas,
como a doença de Charcot Marie tipo II.
É importante avaliarmos a história clínica com o questionamento de
todos os sintomas apresentados pelo paciente como fraqueza, parestesias tipo
queimação ou dormência, hipoestesias, anestesia, presença de nível sensitivo,
traumas uso de medicações, exposição a agentes químicos tóxicos, uso de álcool
cronicamente, déficits nutricionais, e antecedentes familiares. A história de
evolução do quadro pode indicar a possível etiologia do quadro. A história de
déficit agudo pode sugerir doenças como síndrome de Guillain-Barré, traumas
ou porfiria. Quando o início dos sintomas é progressivo e com evolução lenta,
há maiores possibilidades doenças crônicas como diabetes, hipotireoidismo
e neuropatia carcinomatosa. Em casos graves, pode haver déficit motor
significativo com impossibilidade de deambular, tetraplegia e até insuficiência
respiratória com necessidade de ventilação mecânica. Alguns casos podem levar
ao acometimento do sistema nervoso autonômico com sintomas de miose,
anidrose, hipotensão ortostática, alterações esfincterianas, impotência sexual,
alterações vasomotoras, sendo mais frequentes em diabetes e amiloidose. A
presença de fasciculações sugere doença do corno anterior da medula ou neuro-
patia motora multifocal com bloqueio de condução. A presença de taquicardia,
alteração de PA, rubor facial, sudorese e alterações gastrointestinais podem
sugerir porfiria, síndrome Guillain-Barre e intoxicação por tálio.
Apesar dos avanços tecnológicos, com o desenvolvimento de marcadores
bioquímicos e testes neurofisiológicos mais avançados e específicos, o exame
físico e neurológico é imprescindível para orientar a avaliação através dos exames
complementares. No exame físico devemos avaliar a marcha, pesquisa de atro-
fias, perda de pelos, lesões de pele, hipotonia, deformidades ósseas, hiporreflexia,
alterações sensitivas e déficit motor. A avaliação da extremidade dos membros
superiores e inferiores deve ser cuidadosa. Nos pés é fundamental avaliar a
sensibilidade dolorosa, vibratória e proprioceptiva. Avaliação da circulação e
presença de lesões cutâneas típicas.

704
atualização terapêutica em neuropatias periféricas

Neuroanatomia e neurofisiologia

O conhecimento dos componentes da unidade motora é necessário para


podermos compreender o mecanismo e a topografia da lesão. Fazem parte
da unidade motora as raízes nervosas, plexos, nervos, fibras nervosas, fibras
musculares e a junção neuromuscular. Qualquer componente da unidade
motora pode ser acometido nas diversas doenças neuromusculares e apresentam
particularidades típicas na história da doença e ao exame clinico.
O estudo da neurofisiologia também é essencial para avaliarmos o funcio-
namento e possíveis alterações deste sistema. Em uma célula em repouso, os
íons estão em equilíbrio, estando o Na parte extracelular e potássio e magnésio
na parte intracelular, criando uma diferença de potencial, que é o potencial
de repouso. De acordo com a intensidade do estímulo, inicia-se o processo de
despolarização da membrana, e a propagação do impulso, que irá se autopro-
pagar em velocidade constante sem alterar a amplitude dos potenciais de ação.
Já nas fibras mielinizadas a despolarização ocorre de forma saltatória.
As fibras nervosas, segundo a classificação de Erlander/Gasser, podem ser
divididas de acordo com tipo, funções, diâmetro médio e velocidade média de
condução em A-alfa (15(m), A-beta (8(m), A-gama(5(m) A-delta (3(m), B(3(m)
(mielinizadas) e C (0,5(m) (amielínicas). Os sintomas e os resultados diagnósticos
podem depender do tipo de fibra nervosa predominantemente acometido em
determinada neuropatia periférica.
Distúrbios complexos dos mecanismos imunológicos, geralmente, estão
envolvidos na fisiopatologia da doença. Envolvem desde alterações hereditárias e
microvasculares até alterações imunológicas que são cada vez mais pesquisadas.

Principais neuropatias adquiridas

Polineuropatia diabética – Constitui a principal causa de polineuropatia.


Podem ocorrer de várias formas como uma polineuropatia simétrica, polineuro-
patia sensitiva, sensitiva-motora, neuropatia autonômica ou neuropatias focais e
de nervos cranianos. Vários fatores parecem estar envolvidos na patogênese desta
doença e incluem isquemia do vasa nervorum por alteração do fluxo axonal e

705
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

alterações metabólicas como acúmulo de sorbitol e deficiência de mioinositol.


São frequentes queixas de parestesias tipo dormências em pés e mãos. Podem
ocorrer ainda dores em membros inferiores que pioram à noite. Também é
frequente a perda de sensibilidade cutânea distal, aumentando o risco de lesões e
ulceradas cutâneas. Alguns casos podem evoluir com perda de força e alterações
da marcha. A presença de acometimento do sistema nervoso autonômico pode
levar a um aumento do risco de óbito por causas cardiovasculares
Polineuropatia alcoólica – Pacientes com histórico de etilismo crônico
podem evoluir com uma polineuropatia de predomínio em membros inferiores,
sensitiva com queixas de parestesias em membros inferiores. É descrito na
literatura que cerca de 9% dos pacientes com antecedentes de etilismo crônico
evoluem com polineuropatia. O efeito tóxico direto relacionado ao etanol e
déficit carênciais parecem estar relacionados à etiologia do distúrbio.
Polineuropatia relacionada ao hipotireoidismo – O hipotireoidismo é
frequente em indivíduos idosos. Pode favorecer ao aparecimento de um quadro
de polineuropatia por deposição de proteínas e mucopolissadarídeos ácidos e
maior risco estrangulamento em regiões suscetíveis. Clinicamente, os pacientes
podem queixar de parestesias tipo dormência ou formigamento em mãos e pés.
Não é comum queixa de fraqueza e diminuição de força.
Neuropatia carênciais – Algumas variações relacionadas à ingestão de
vitaminas podem desencadear quadros de neuropatias. Dentre as principais
responsáveis por polineuropatias estão à deficiência de vitamina B1(tiamina),
deficiência ou excesso de B6 (piridoxina), deficiência de B12 (cobalamina) e deficiên-
-cia de vitamina E.
Neuropatias associadas a infecções – Infecções por diversos micro-orga-
nismos podem levar a infiltração ou lesão do nervo e incluem a neuropatia da
lepra, neuropatia diftérica, neuropatias relacionadas ao HIV, neuropatia do
herpes zóster e neuropatia da doença de Lyme.
Neuropatia sensitiva – Podem ser decorrentes de doenças sistêmicas como
díndrome de Sjögren, infecção por HIV, deficiência de vitamina B6, neuropatia
paraneoplásica, amiloidose e neuropatia tóxica medicamentosa e intoxicação por
tálio, ganglioneurite sensitiva aguda idiopática, neuropatia sensitiva hereditária,
lepra e diabetes.

706
atualização terapêutica em neuropatias periféricas

Causam sintomas de parestesias tipo dormências, dores, queimação, ataxia


e disfunção autonômica.
Neuropatia motora multifocal – É caracterizada por alterações assimétricas
e de predomínio braquial, com evidências eletrofisiológicas de denervação e
bloqueios de condução da condução motora. O acometimento neste caso é
puramente do neurônio motor inferior, sendo importante a diferenciação
com doença de neurônio motor (ELA), devido à possibilidade de tratamento com
imunoglobulina venosa nos casos de neuropatia motora multifocal. Geralmente
os pacientes apresentam sintomas de perda de força, com piora progressiva.
Polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica – Pode ocorrer de
modo insidioso ou agudo e depois evoluir de modo crônico e recidivante.
A fisiopatologia parece envolver mecanismo imunomediados relacionados à
mielina e geralmente pode ocorrer após infecção viral prévia. Diferentemente
da síndrome de Guillain-Barré, tem boa resposta a corticoideterapia.
Polineuropatia do doente crítico – Pacientes em estados graves, com insu-
ficiência de múltiplos órgãos e septicemia podem evoluir com um quadro de
polineuropatia sensitivo-motora que normalmente é suspeitado em casos em que
apesar da melhora da patologia de base e ausência de outras doenças cerebrais
e medulares que justifiquem o quadro, existe uma persistência dos sintomas
de pouca movimentação e ausência de respostas reflexas adequadas, levando,
inclusive, à dificuldade em retirar o paciente da ventilação mecânica assistida.
Deve ser excluído o uso de anestésicos que ocasionem o bloqueio neuromuscular.
Neuropatia urêmica – Estudos indicam que até 70% dos pacientes porta-
dores de insuficiência renal poderão apresentar alterações nos nervos periféricos.
Caracteriza-se por uma polineuropatia sensitivo-motora de padrão axonal e de
predomínio crural. A realização de diálise mostrou eficaz em evitar a progressão
da doença e o transplante renal muitas vezes pode reverter o quadro.
Neuropatia associada à doença hepática – São raras as neuropatias associadas
às doenças primárias hepáticas. Existem relatos de uma neuropatia sensitiva
dolorosa na cirrose biliar primária e na hepatopatia crônica um polineuropatia
desmielinizante crônica subclínica.
Neuropatia da sarcoidose – Uma pequena porcentagem de pacientes porta-
dores de sarcoidose pode manifestar sintomas neurológicos, como a neuropatia.

707
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Geralmente, apresenta sinais de acometimento através de paralisias de nervos


cranianos isolados ou múltiplos, como o VII par. No entanto, é impossível
diferenciar clinicamente da Paralisia de Bell idiopática. A biópsia do nervo pode
indicar a presença de granulomas sarcoides e pode responder adequadamente
ao tratamento com corticóide.
Neuropatia amiloidótica – Caracterizada por uma neuropatia sensitiva de
fibras finas, dolorosa, com disfunção autonômica progressiva e perda simétrica
das sensações de dor e temperatura, com preservação dos sentidos posicional
e vibratório. Ocorre um depósito de amiloide, que compreende um agregado
proteico extracelular insolúvel, em nervos e outros tecidos. Apresentam prog-
nóstico reservado.
Polineuropatia axonal motora – Forma mais rara e relacionada à intoxicação
por chumbo, por dapsona, hexano, paralisia do carrapato, porfiria aguda inter-
mitente e variante da síndrome de Guillain-Barré (AMAN).
Neuropatia por vasculite/crioglobulinemia – Algumas doenças como a poliar-
terite nodosa, crioglobulinemia, insuficiência renal, hepatite B e C, síndrome
de Sjögren, síndrome de Churg-Strauss podem evoluir com acometimento do
nervo periférico por vasculite ou crioglobulemia. Em menor frequência estão
a artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico e esclerose sistêmica.
Síndrome de Guillain-Barre (Polirradiculoneurite aguda) – Constitui uma
patologia grave, relacionada a alterações imunológicas, muitas vezes, em
decorrência de processo viral ou bacteriano, vacinas ou cirurgias prévias e
caracterizada por déficit motor progressivo, axonal ou desmielinizante.
Neuropatia associada a Carcinoma/Paraneoplásica – Sintomas de evolução
progressiva e lenta com emagrecimento podem sugerir uma causa secundária
de neoplasia.
Neuropatias por medicamentos – ganglionopatia medicamentosas –
Diversos medicamentos podem induzir a polineuropatias como a hidralazina,
cloranfenicol, etambutol, isoniazida, difenil-hidantoina, vincristina, dapsona,
metronidazol, talidomida, hidroxicloroquina, clorpropamida, piridoxina,
entre outros.
Miopatia por estatinas – O uso de estatinas para tratamento de dislipidemias
pode desencadear dores musculares e aumento dos níveis de CPK. Mesmo após

708
atualização terapêutica em neuropatias periféricas

a retirada do medicamento, pode ainda um período para a normalização dos


níveis séricos de CPK.
Polineuropatias tóxicas – A exposição crônica a determinadas substâncias
levam ao desenvolvimento de polineuropatias. Sintomas de fraqueza, e alterações
de sensibilidade em membros inferiores são frequentes. Entre as principais
substâncias a investigar estão arsênico (fundição de cobre), chumbo (fabrica de
baterias, pintores e ceramistas, ou intoxicação em alimentos e bebidas), mercúrio
(indústrias elétricas e químicas), tálio (usado em dedetização e veneno de rato
e alguns processos industriais).
Neuropatias hereditárias – Através dos recentes estudos genéticos é
possível determinar uma variedade de neuropatias hereditárias identificando
adequadamente os principais genes acometidos. Frequentemente apresentam
sinais precoces, porém em alguns casos é possível que o desenvolvimento de
sinais clínicos da doença e desenvolvam de idades mais avançadas. Entre estas
doenças hereditárias encontram-se a doença de Charcot Marie Tooth tipo II e
polineuropatia amiloidótica familiar.

Testes complementares

A utilização de estudos neurofisiológicos é necessária para a confirmação


diagnóstica e até prognóstica na avaliação das neuropatias.

Eletroneuromiografia

Os achados deste exame permitem em muitos casos identificar o diagnóstico,


prognóstico e o tempo de evolução da doença. A eletroneuromiografia compreende
uma extensão do exame neurológico, permitindo uma amplificação dos achados
clínicos, que normalmente são imperceptíveis. O aparelho de eletroneuromiografia
permite amplificar e registrar os sinais bioelétricos das trocas elétricas celulares
durante a transmissão do impulso nervoso e durante a contração muscular.
O teste de eletroneuromiografia é constituído de duas etapas: neurocon-
dução e eletromiografia.

709
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Neurocondução – Através da aplicação de estímulos elétricos em determi-


nado ponto do nervo (ponto de estimulação), provocamos a despolarização do
nervo. Esta onda de despolarização percorre o nervo e por meio dos eletrodos
de captação no trajeto do nervo, podemos avaliar e analisar esta despolarização.
Eletromiografia – Utilizando eletrodos de agulhas descartáveis, que podem
ser monopolares ou concêntricas, avaliamos os fenômenos bioelétricos nas
membranas celulares das fibras musculares, representados pelos potenciais
de ação musculares. O potencial de ação muscular é a representação gráfica
dos sinais captados pelo eletrodo. Vários aspectos são avaliados como a forma,
tamanho, amplitude, duração, frequência e som. A atividade da membrana
celular muscular é avaliada durante o repouso, esforço leve e esforço máximo.
A interpretação dos achados deste estudo depende de conhecimentos específicos
sobre o assunto e dos grupos musculares examinados.
Pode, em muitos casos, indicar o tipo de neuropatia, a localização, axonal
ou desmielinizante, evolução aguda ou crônica e prognóstico.

Novos marcadores bioquímicos

O uso de marcadores bioquímicos pode ser de ajuda diagnóstica e indicar


possíveis fatores associados que possibilitam melhores definições terapêuticas
e prognósticas. Deve ser realizado apenas na suspeita de problemas especí-
ficos em que o paciente possa ter benefício em relação a melhoria das opções
terapêuticas.
▶▶ Neuropatia Motora Multifocal – Anticorpo anti GM1, Anti MAG
▶▶ Síndrome de Guillain-Barré e Neuropatia Motora axonal aguda
(AMAN) – Anticorpo Anti-GM1 e Asialo-GM1 e Síndrome de Miller
Fisher – Anti GQ1b
▶▶ Polineuropatia Desmielinizante inflamatória Crônica – Anti MAG
▶▶ Polineuropatia desmielinizante predominantemente sensorial com
gamopatia monoclonal IgM – Anti –MAG, Anti SGPG
▶▶ Doença do Neurônio motor – Anticorpo Anti-GM1 e Asialo-GM1
▶▶ Neuropatia Paraneoplásica – Anticorpo anti Hu ou Anti ANNA 1, Anti
CV2 (Nestes casos, é indicado, também, solicitar tomografia computa-
dorizada de tórax devido a risco de câncer pulmonar de pequenas

710
atualização terapêutica em neuropatias periféricas

células, câncer de mama, tumor de ovário, doença de Hodgkin. O trata-


mento da neoplasia não tem relação com a melhora da polineuropatia).
▶▶ Neuropatia sensorial crônica – Anti GD1b, Anti Sulfatídeo
▶▶ Síndrome de Sjögren, e Ganglionopatia autoimune – Anti SS-A, Anti
RO, Anti SS-B/La,
▶▶ Miastenia Gravis – Anticorpo Antirreceptor de Acetilcolina e Anti Musk
▶▶ Liquor (LCR) – Em casos selecionados a pesquisa do LCR pode
contribuir na diferenciação diagnóstica.

Biópsia

Apenas indicado em casos de suspeita de neuropatias secundárias à vasculite


ou em neuropatia de causas indeterminadas, na tentativa de melhor determinar
a causa do problema.

Tratamento

As orientações gerais sobre os riscos, problemas e possibilidades terapêuticas


devem ser esclarecidos ao paciente. Na grande maioria dos casos, é indicada a
realização de fisioterapia motora e orientação quanto à prevenção de acidentes
e possíveis complicações. Uso de prótese pode ser indicado, quando necessário.
A reposição de vitaminas pode ser necessária e benéfica em casos de
carências nutricionais. O tratamento da doença de base e retirada de fatores
desencadeantes é essencial para evitar piora do quadro.
O uso de medicamento é de grande utilidade no alivio dos sintomas e
melhora da qualidade de vida. Deve ser escolhido de forma individualizada
neste grupo de pacientes, devido ao maior risco de interações medicamentosas
e reações adversas. Entre os principais medicamentos para o alívio de sintomas
estão os antidepressivos tricíclicos, e incluem a nortriptilina, a amitriptilina e a
imipramina. Em pacientes com comorbidade de depressão e ansiedade, pode
ser de grande ajuda. São contraindicados em pacientes com cardiopatias graves,
glaucoma e problemas de próstata. Como reações adversas comuns estão boca
seca, constipação, retenção urinária, taquicardia, sonolência, ganho de peso.

711
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Em casos de utilizar estes medicamentos antidepressivos é importante lembrar


que podem ocasionar diminuição de libido.
Outro grupo de medicações com eficácia comprovada na melhora dos
sintomas em neuropatias periféricas é o das drogas antiepiléticas como a carbama-
zepina, a gapapentina, o topiramato e a lamotrigina. O uso destes medicamentos
costuma ser eficaz, quando bem tolerados. Em casos de pacientes com comorbi-
dades de epilepsia, depressão e ansiedade, têm especial indicação. Se optarmos por
este grupo, devemos atentar para as principais reações adversas como sedação,
tremores, alopecia e confusão mental. O uso de carbamazepina é bem conhecido
na comunidade médica no tratamento desta doença há muitos anos e com eficácia
comprovada, porém, deve ser realizado um monitoramento hepático através de
exames laboratorias de rotina para prevenir o risco de hepatotoxicidade. A gaba-
pentina tem sido uma opção também eficaz em doses adequadas. É necessária
uma especial atenção à possibilidade de levar a sonolência, hipotensão postural
e tontura, devendo ser iniciados com baixas doses.
Recentemente, novos tipos de medicamentos têm sido estudados para
melhor controle dos sintomas. O antidepressivo duoloxetina tem se mostrado
eficaz em casos de polineuropatia diabética. Vários outros medicamentos estão
sendo pesquisados e podem ser úteis.
Outras opções no controle dos sintomas dolorosos nos casos de neuropatias
periféricas são o uso de codeína, oxicodona e tramadol.
Novas opções como o uso de acido α lipoico indicam ser benéficos na
prevenção e tratamento em neuropatias periféricas diabéticas.
Em situações especiais, como síndrome de Guillain-Barre é indicado o uso
de imunoglobulina venosa ou plasmaférese. Estudos recentes indicam eficácia
semelhante, porém com menos efeitos colaterais com uso de imunoglobulina.
A polirradiculoneuropatia desmielinizante crônica pode ser tratada com
imunoglobulina venosa ou corticoideterapia. A neuropatia motora multifocal
é indicação de imunoglobulina venosa. Em algumas doenças neuromusculares
como a neuropatia por vasculite e a miastenia gravis tem se mostrado eficaz
o uso de imunossupressores como micofenolato, ciclofosfamida, metotrexate,
azatioprina, ciclosporina, tracolimus, rituzimab. No entanto, o uso destes
medicamentos deve ser rigorosamente monitorado com realização de exames

712
atualização terapêutica em neuropatias periféricas

laboratoriais frequentes, como, hemograma completo e contagem de células


imunológicas como o CD3. Em outras situações especiais com sintomas loca-
lizados pode ser utilizado o uso de tópico de capsaicina a 0,01%.
Cada caso deve ser individualizado, analisando o uso de outras medicações
associadas e risco de interações.

Considerações finais

A prevenção de fatores de risco para o surgimento da neuropatia periférica


é fundamental. A orientação aos profissionais de saúde e pacientes em relação
aos principais causas deste distúrbio deve ser divulgada. Muitas medidas podem
ser realizadas neste sentido, como o controle adequado dos níveis glicêmicos
em diabéticos, tratamento do etilismo crônico, pesquisa de déficit carênciais,
pesquisa de hipotireoidismo e evitar o uso de medicações que provoquem
neuropatias periféricas.
O tratamento das polineuropatias em idosos deve ser realizado de modo
diferenciado, seguindo a particularidade de cada indivíduo e de cada caso,
considerando sua história de vida, suas doenças prévias e uso de medicações.
É importante lembrar que uma polineuropatia periférica de iniíio em idosos
merece sempre uma investigação detalhada. As opções terapêuticas devem
seguir as necessidades individuais da pessoa, avaliando o risco benéfico da
utilização de determinado medicamento. Novos marcadores específicos, novas
pesquisas com potentes imunomoduladores específicos e o desenvolvimento de
terapias moleculares parecem ser promissoras possibilidades futuras.

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714
62
Variações da depressão:
aspectos psiquiátricos e
psicológicos
Yuristella Yano,
Teng Chei Tung

Aspectos psiquiátricos

O termo depressão é largamente utilizado pelos profissionais de saúde para


designar uma condição médica frequente e muitas vezes incapacitante. Outros
significados, tanto em relação ao uso leigo como ao uso psicológico deste termo,
não serão objeto de discussão no presente trabalho.
Diagnósticos variados de depressão foram definidos de forma operaciona-
lizada, tanto no Código Internacional de Doenças 10a versão (CID-10), assim
como no sistema diagnóstico americano amplamente utilizado (Diagnostic and
Statistic Manual of Mental Disorder, 4th edition — DSM-IV). Estes diagnósticos
uniformizam e padronizam o conceito de depressão, porém não podem ser
considerados definitivos e representativos de patologias clínicas, uma vez que

715
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

a etiologia e a fisiopatologia não estão bem estabelecidas. Além disso, há óbvia


heterogeneidade que é observada nos grupos de pacientes com diagnóstico
de depressão, indicando que o conceito de depressão tem clara conotação
sindrômica. Este capítulo se propõe a discutir os conceitos diagnósticos dos
quadros depressivos, as apresentações mais frequentes observadas na prática
clínica habitual, e as diferentes abordagens médicas e psicológicas de acordo
com a apresentação clínica.

Os diagnósticos dos quadros depressivos e suas diferentes


apresentações clínicas

Os quadros depressivos podem ser encontrados em três grandes grupos


diagnósticos: os transtornos mentais orgânicos, os transtornos do humor e os
transtornos de ajustamento, neles incluem-se as reações agudas ao estresse. Os
sintomas depressivos são fundamentalmente os mesmos nestes três grupos, sendo
que a principal diferença ocorre em relação ao contexto clínico em que o quadro
depressivo se insere. Desta forma, uma depressão que ocorre após um acidente
vascular cerebral ou concomitante com o diagnóstico de um câncer de cabeça de
pâncreas é definido como uma depressão orgânica. Já quadros depressivos pouco
intensos, claramente relacionados no tempo com situações ou eventos de vida que
justificam a presença destes sintomas, seriam definidos como reações depressivas
agudas ao estresse ou transtornos de ajustamento depressivos. Finalmente, um
quadro depressivo claramente incapacitante, cuja intensidade é discrepante em
relação à qualidade do evento vital estressante associado, que pode até não existir,
é definido no capítulo de transtornos afetivos ou do humor. Esta forma de divisão
baseia-se na suposição de que a etiologia depende do evento desencadeante, o que
está longe de ser aceita como adequada. Por exemplo, é possível que pacientes
com processos depressivos de mesma fisiopatologia possam ser categorizados em
diagnósticos de agrupamentos diferentes.
No grupo diagnóstico dos transtornos afetivos, as definições dos conceitos
e dos transtornos podem confundir qualquer profissional de saúde pouco
familiarizado com as questões clínicas e diagnósticas desta área da medicina.
O sistema do DSM-IV é o mais claro e bem estruturado, pois define o conceito

716
variações da depressão : aspectos psiquiátricos e psicológicos

de episódios afetivos (episódios depressivo, maníaco, hipomaníaco e misto),


que são usados posteriormente na definição dos transtornos afetivos (depressão
recorrente, transtorno afetivo bipolar, distimia e ciclotimia). Assim, o trans-
torno depressivo recorrente é definido por dois ou mais episódios depressivos,
enquanto que o transtorno afetivo bipolar é definido por qualquer combinação
de episódios, desde que não sejam apenas episódios depressivos. A distimia
define um quadro depressivo longo, cronificado e oligossintomático, que não
chega a ser caracterizado como um episódio depressivo, mas causa prejuízos
claros aos afetados. A ciclotimia seria o correlato bipolar da distimia. Apesar de
estes diagnósticos apresentarem provável valor clínico ainda há controvérsias,
pois uma parcela considerável dos pacientes deprimidos recorrentes pode ser
na realidade uma forma de transtorno afetivo bipolar, sendo que estes pacientes
seriam indistinguíveis dos que não são bipolares. Nestes casos, o diagnóstico
só se firmaria com o seguimento evolutivo do paciente, às vezes demorando
anos para que um outro episódio não depressivo apareça forçando a mudança
deste diagnóstico.
Os critérios diagnósticos atuais dos quadros depressivos acabam selecio-
nando um grupo heterogêneo de pacientes, o que pode ser percebido claramente
pelas apresentações clínicas diferenciadas, e pelas diferentes respostas clínicas
aos tratamentos preconizados. Exemplificando, um paciente com diagnóstico
de Transtorno Depressivo Recorrente pode ter insônia, emagrecimento e alen-
tecimento, enquanto que um outro paciente com o mesmo diagnóstico pode
ter hipersonolência, aumento de peso e agitação, ou seja, quadros que parecem
opostos pertencem a um mesmo diagnóstico. Nestes casos, um psicofármaco
antidepressivo pode ajudar um paciente e até prejudicar o outro, e certamente
as abordagens psicoterapêuticas necessariamente serão diferentes.
Na prática clínica habitual, a definição diagnóstica é fundamental e inevi-
tável, pois a nomenclatura deve ser a mesma para todos os profissionais. Porém,
um refinamento na avaliação clínica, considerando as diferentes apresentações
clínicas que muitas vezes são pouco valorizadas, pode enriquecer e criar um
diferencial de qualidade na condução clínica dos pacientes deprimidos.
Estaremos definindo a seguir algumas apresentações clínicas mais comuns,
que já são descritas pelo DSM-IV como “especificadores” dos episódios
depressivos, e suas características específicas em relação ao tratamento médico

717
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

e psicológico. Vale ressaltar que estas apresentações não ocorrem na vida real
de forma pura, como a maioria dos fenômenos naturais. Existem variações que
muitas vezes são complexas, e que acabam sendo um desafio clínico para a sua
compreensão e abordagem.

Depressão melancólica

Nesta forma de depressão, ocorre uma tendência de alentecimento geral,


com grande perda da capacidade de sentir prazer, muitas vezes até chegando a
ponto de sentir uma anestesia afetiva, ou uma incapacidade de sentir emoções.
Predominam a insônia, que incomoda muito e pode ser a principal queixa do
paciente, a perda do apetite com frequente perda de peso e os aspectos cogni-
tivos da depressão são extremamente intensos, com pensamentos insistentes
de culpa, de ruína ou de pessimismo infundado, incluindo pensamentos de
morte e suicídio. Quando os pensamentos de suicídio são predominantes, muitas
vezes a fase inicial de melhora clínica destes pacientes é a fase de maior risco de
suicídio, pois como a psicomotricidade costuma melhorar antes das cognições
depressivas, o paciente tem mais condições físicas de realizar o ato suicida já
que começa a melhorar clinicamente.
Nestes casos, o tratamento psicofarmacológico se baseia em antidepressivos
com ação preferencialmente noradrenérgica ou uma combinação de ação
noradrenérgica e serotoninérgica, tais como os antidepressivos tricíclicos: a
venlafaxina e a mirtazapina. A reversão do quadro pode levar semanas, e o
apoio psicoterápico é fundamental.

Depressão atípica ou histeroide

Nesta forma de depressão, predomina uma hiper-reatividade emocional,


aliada a uma inversão dos sintomas vegetativos em relação à depressão melan-
cólica, representada por um excesso de sono e excesso de apetite. A ansiedade
é uma queixa evidente e, muitas vezes, a principal queixa do paciente, que usa
esse sintoma como justificativa para os demais sintomas. A hiper-reatividade
emocional se caracteriza por um padrão recorrente de distorção da avaliação das
relações emocionais, principalmente no contexto romântico. É muito frequente

718
variações da depressão : aspectos psiquiátricos e psicológicos

uma forte tendência a interpretar qualquer ato do companheiro, familiares ou


amigos próximos como um sinal de rejeição, e o paciente quase sempre reage de
forma intempestiva e descontrolada, com brigas e discussões em circunstâncias
inadequadas. É comum o paciente com depressão atípica conseguir se sentir
melhor se for estimulado de forma prazeirosa, como receber uma notícia agradável
ou participar de uma festa, o que pode levar a uma impressão de que a depressão
teria características histriônicas. Isto pode ocasionar em erro diagnóstico, que
por sinal é frequente, por valorizar excessivamente a expressão da personalidade,
desprezando o caráter depressivo. Estes pacientes podem ter ideação suicida,
mas muitas vezes acabam se suicidando de forma impulsiva, sem planejamento.
Alguns deles relatam uma inércia física, como se o corpo fosse muito pesado ou
como se os membros fossem pesados “como chumbo”. É comum estes tipos de
pacientes terem como diagnóstico o transtorno afetivo bipolar, especialmente o
que predomina um padrão de hipomanias e depressões. Algumas vezes, esses
pacientes apresentam também quadros melancólicos, principalmente quando
o quadro depressivo se agrava. As características histeroides não respondem ao
tratamento farmacológico, sendo necessário um intenso tratamento psicoterápico.
O tratamento farmacológico se baseia no uso de antidepressivos inibidores
da monoaminooxidase (IMAO), sendo os mais utilizados no nosso meio a
tranilcipromina e a moclobemida. A primeira droga tem o inconveniente de
restrição alimentar como uma dieta pobre em tiramina, pois a ingestão deste
aminoácido em excesso pode causar crises hipertensivas arteriais graves, com
risco de vida, sendo necessário evitar alimentos fermentados, enlatados e defu-
mados, ou envelhecidos de uma forma geral, especialmente queijos, vinhos e
cerveja. A moclobemida não possui esta característica, podendo ser usada sem
restrição alimentar. Outras opções de tratamento psicofarmacológico seriam
os inibidores seletivos de recaptura de serotonina (ISRS), como a fluoxetina, a
paroxetina, a sertralina, o citalopram e o escitalopram. Drogas dopaminérgicas
como a bupropiona e a amineptina também podem ter efeito positivo.

Depressão psicótica

A presença de sintomas psicóticos, que geralmente surge na forma de


alucinações auditivas ou delírios de conteúdos diversos, acaba por caracterizar

719
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

a depressão como uma forma sempre grave, cuja abordagem farmacológica


e psicoterápica deve ser intensa e determinada, às vezes necessitando de
internação hospitalar.
Quando os delírios são predominantes, eles podem ser de conteúdo
congruente ou incongruente em relação ao humor. No caso dos delírios
congruentes com o humor, o conteúdo tem características das cognições
depressivas típicas e assim teriam um caráter menos grave do que os de conteúdo
incongruente. Um exemplo de delírio congruente com o humor seria a crença de
que o corpo estaria podre por dentro, ou que teria perdido todos os bens, mesmo
quando a família nega continuamente. Já um exemplo de delírio incongruente
com o humor seria a crença de que existem marcianos perseguindo o paciente,
por ele possuir poderes desconhecidos.
A resposta ao tratamento farmacológico pode ser mais demorada e difícil,
quase sempre sendo necessária a associação de antidepressivos potentes como
os tricíclicos ou IMAOS, junto com drogas antipsicóticas ou neurolépticas.
Ainda hoje a eletroconvulsoterapia é a forma mais eficaz e rápida de tratar estes
casos, superando o tratamento psicofarmacológico. O tratamento psicológico
deve ser direcionado para abordagens que se assemelham inicialmente aos
de pacientes psicóticos, com gradual adaptação para modelos habituais de
tratamento psicoterápico de quadros depressivos.

Depressão sazonal

O padrão de repetição dos episódios depressivos na mesma época do ano,


mais frequentemente no inverno, é a principal característica da depressão
sazonal. Esse tipo de depressão é mais claramente observado em regiões mais
setentrionais do globo, apesar de existirem casos relatados nos trópicos, inclusive
em nosso meio. O padrão atípico é o mais frequente, mas o que chama a atenção
deste tipo de depressão é a resposta terapêutica à fototerapia. Este tratamento
consiste na aplicação de forte estímulo luminoso por tempo prolongado, que
ao atingir a retina estimularia indiretamente o sistema límbico e o hipotálamo,
além de alterar a secreção de melatonina. A depressão sazonal também responde
aos tratamentos farmacológicos tradicionais, como os ISRS.

720
variações da depressão : aspectos psiquiátricos e psicológicos

Depressão crônica

A definição de depressão crônica consiste na presença de sintomas sufi-


cientes para o diagnóstico de um episódio depressivo, pelo prazo mínimo de
dois anos consecutivos, quase sem períodos de melhora. As depressões crônicas,
na sua maioria, não representam uma forma mais grave ou de difícil tratamento,
apenas são consequência do comportamento dos pacientes que não buscam
ajuda de forma consistente, ou que estão em condições sociais que impedem
esta busca. Não há características específicas desta forma de depressão, apenas
em relação ao tratamento. Dificilmente um paciente com depressão crônica
poderia ficar sem algum tratamento farmacológico de forma preventiva, e a
necessidade de psicoterapia é até maior que o habitual, pois diversas caracterís-
ticas da depressão acabam sendo incorporadas como sendo uma característica
do paciente e não uma conseqüência crônica de uma doença.

Definição de Episódio Depressivo (DSM-IV)

A. Cinco (ou mais) sintomas seguintes estiveram presentes durante o


mesmo período de duas semanas e representam uma mudança do
funcionamento prévio; no mínimo um dos sintomas é, ou (1) humor
deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer.
Nota: Não se incluem sintomas que sejam causados claramente pelas
condições médicas gerais, ou delírios e alucinações incongruentes com
o humor.
(1) humor deprimido a maior parte do dia, quase todos os dias, indicado
pela própria pessoa (p. ex., diz sentir-se triste, vazia) ou observações
feitas pelos outros (p. ex., aparenta tristeza). Nota: em crianças e
adolescentes pode ser humor irritadiço.
(2) notável diminuição no interesse ou prazer em todas ou quase todas
as atividades diárias, quase todos os dias (como indicado pela própria
pessoa ou observações feitas pelos outros).
(3) perda significativa de peso quando não estiver de dieta, ou ganho de
peso (p. ex., uma mudança de mais de 5% do peso do corpo em um

721
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

mês), ou aumento ou diminuição do apetite quase todo dia. Nota: em


crianças considerar quando elas não ganharem o peso que deveriam.
(4) insônia ou excesso de sono quase todos os dias.
(5) agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observável pelos
outros, não apenas sentimentos pessoais de impaciência e diminuição
do ritmo).
(6) fadiga e perda de energia quase todos os dias.
(7) sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva sem razão (que pode
ser um delírio) quase todos os dias (não apenas autorreprovação ou
culpa por estar doente).
(8) diminuição na habilidade de pensar ou concentrar-se, ou indecisão,
quase todos os dias.
(9) pensamentos recorrentes sobre a morte (não apenas medo de morrer),
idealização recorrente de suicídio, sem um plano específico, ou
tentativa de suicídio, ou um plano específico para cometer suicídio.
B. Os sintomas não preenchem os critérios de um episódio misto.
C. Os sintomas causam angústia clinicamente significativa ou prejuízo nas
atividades sociais, ocupacionais e outras importantes funções.
D. Os sintomas não se devem a efeitos psicológicos diretos de alguma
substância (p. ex., abuso de drogas, de medicamentos) ou uma condição
médica geral (p. ex., hipotireoidismo).
E. Os sintomas não se explicam melhor por luto, isto é, após a perda de
um ser amado, os sintomas persistem por mais de dois meses ou são
caracterizados por prejuízo significativo das funções, preocupação
mórbida com inutilidade, idealização de suicídio, sintomas psicóticos
ou retardação psicomotora.

Critérios como especificador de características atípicas


(DSM-IV)

A. Reatividade do humor (anedonia não evidente)


B. Dois dos seguintes:
1. aumento de apetite e/ou peso

722
variações da depressão : aspectos psiquiátricos e psicológicos

2. hipersonia
3. “paralisia de chumbo”
4. sensibilidade à rejeição interpessoal
C. Não preencher critérios para características melancólicas

Critérios como especificador de características melancólicas


(DSM-IV)

Pelo menos um sintoma. A: (1) anedonia, (2) ausência de reatividade a


estímulos prazeirosos.
Pelo menos três sintomas B:
(1) qualidade do humor distinto (diferente da tristeza do luto),
(2) piora matinal,
(3) insônia terminal,
(4) retardo ou agitação psicomotora,
(5) perda do apetite e/ou peso,
(6) culpa excessiva ou inapropriada.

Critérios como especificador de sazonalidade (DSM-IV)

A. Relação temporal regular entre episódios depressivos e um período


particular do ano. Excluir fatores psicossociais sazonais.
B. Remissões completas também em períodos característicos do ano.
C. Dois episódios depressivos maiores em dois anos, sem episódios não
sazonais neste período.
D. Episódios sazonais prevalecem substancialmente.

Critérios para depressão grave com sintomas psicóticos


(DSM-IV)

▶▶ aspectos psicóticos congruentes com o humor


▶▶ aspectos psicóticos incongruentes com o humor

723
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Critérios como especificador de características crônicas


(DSM-IV)

Deve preencher critério para episódio depressivo maior continuamente


nos últimos dois anos, no mínimo.

Aspectos psicológicos da depressão

A depressão como outras tantas doenças, além das alterações biológicas,


tem seu lado psicológico, isto é, uma pessoa com depressão pode ter o quadro
iniciado, prolongado e até piorado dependendo da maneira como ela interpreta
o mundo, às suas habilidades, a sua autoestima, enfim, como ela compreende as
situações vividas. Daí a importância do tratamento psicológico para amenizar
seu sofrimento, com ele pode aprender a enxergar o mundo de outra maneira,
a se comportar de novas formas resultando numa melhor qualidade de vida.
Várias abordagens psicológicas têm sido aplicadas ao tratamento da
depressão. Entre elas, as terapias comportamental, cognitiva e interpessoal têm
recebido grande atenção pelos resultados favoráveis descritos. Na literatura
podemos verificar vários trabalhos mostrando que a Terapia Cognitivo-
-Comportamental tem sido mais eficaz em relação às psicoterapias tradicionais
(Hollon e Beck, 1978; Antonuccio e Danton, 1995). Aqui nesse trabalho nos
ateremos a ela.
A Terapia Cognitivo-Comportamental é uma abordagem ativa, estruturada,
diretiva, e costuma produzir resultados mais rápidos. Ela é voltada para a solução
de problemas e procura dar atenção aos fatores que contribuem para manter as
dificuldades que os pacientes apresentam. Na sua atuação baseia-se no modelo
psicoeducacional, ou seja, ensina o paciente a adquirir um novo repertório para
que possa melhor se adaptar às situações. Vale ressaltar que ela compreende
o indivíduo como um ser biopsicossocial, buscando enxergá-lo sob diversas
perspectivas de modo integrativo.
Um dos modelos para explicar a depressão parte do pressuposto que ela
é resultante de fatores estressores que rompem padrões normais do compor-
tamento do indivíduo, ocasionando redução de comportamentos reforçados

724
variações da depressão : aspectos psiquiátricos e psicológicos

positivamente. Por exemplo, o indivíduo pode perder seu emprego e ter


dificuldade em conseguir um novo. A cada dia vai perdendo as esperanças de
uma nova oportunidade. Começa a se sentir inútil, incapaz, sem ânimo, sem
energia para desempenhar qualquer atividade etc. Nesta situação, o depressivo
passa a ter dificuldade de reverter a situação, gerando-lhe autocrítica negativa,
baixa autoestima, redução de contatos sociais, bem como falta de vontade de
desempenhar atividades cotidianas antes realizadas com facilidade e prazer.
Há outros autores que dão mais ênfase à cognição. Por exemplo, Beck e
colaboradores (1979) acreditam que os pacientes depressivos têm uma visão
negativa de si, do ambiente e do futuro (tríade cognitiva da depressão). De fato, os
pacientes depressivos não conseguem enxergar suas qualidades, pelo contrário,
enxergam apenas suas falhas, suas derrotas, por isso perdem a motivação para
enfrentar novos obstáculos. Sendo assim não têm possibilidades de provarem
para si mesmos que tal visão é inadequada. Dada a esta forma de ver o mundo,
suas expectativas, avaliações e atribuições negativas o paciente com depressão
(especialmente se for grave) não suporta viver, resultando em ideações suicidas
ou mesmo na concretização. O suicídio então lhe aparece como uma solução,
um alívio aos problemas. Há autores (Ellis e Ratliff, 1986) que acreditam que
pacientes suicidas apresentam níveis aumentados de pensamentos irracionais e
impulsividade ou mesmo déficits em ter pensamentos futuros de modo positivo
(MacLeod et al, 1998) ou mesmo em resolução de problemas sociais.
Os depressivos parecem distorcer os fatos vivenciados ou interpretam as
situações de modo equivocado. Costumam prestar a atenção às consequências
imediatas e fazem atribuições inadequadas quanto à sua responsabilidade por
fatos negativos. Várias distorções podem estar presentes na vida deles, tais como:
supergeneralização, pensamento de tudo ou nada, sentimento de menos valia,
e outras (Beck et al., 1979).
Para Beck et al. (1990), tais pacientes apresentam esquemas primitivos.
De forma geral, os esquemas são vistos como uma estrutura (cognitiva) para
filtrar, codificar e avaliar estímulos aos quais o indivíduo está exposto. Estes
esquemas colaboram na orientação em relação a tempo e espaço, bem como
na forma de interpretar as experiências de maneira significativa. No caso do
indivíduo com depressão nota-se que os esquemas negativos estão em evidência
e, contrariamente, os positivos estão reduzidos, isto significa que é mais fácil ele

725
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

interpretar e enxergar os fatos de forma negativa do que positiva. O problema


disso tudo é que as crenças negativas levam-no a perceber que não tem controle
sobre acontecimentos importantes da sua vida, ocasionando desesperança.
Young (1990) também vai ao encontro desta perspectiva, ele identificou
nestes pacientes esquemas primitivos mal-adaptados. Segundo o mesmo autor
estes esquemas foram desenvolvidos na infância e, posteriormente, aperfeiçoados
na idade adulta. A criança constrói sua realidade através das experiências
vivenciadas em diversos contextos e especialmente com pessoas que são signi-
ficativas para ela. No entanto, muitas destas experiências podem levá-la a ter
determinados comportamentos que mais tarde mostram-se desadaptativos, por
exemplo: “Não importa o sacrifício ou esforço, sei que serei um fracasso”. Mais
tarde, este esquema poderá ser ativado em outro contexto na vida adulta (por
exemplo, não passar no vestibular ou não conseguir um novo emprego). Assim
ela poderá interpretar o fato de forma que o esquema primitivo de fracasso
seja mantido. Isto nos leva a pensar que esquemas primitivos mal-adaptados
predispõem os pacientes com depressão a distorcer os fatos, levando-os a manter
uma visão negativa de si, do ambiente e do futuro.
Para tratar estes pacientes, a terapia cognitivo-comportamental preocupa-
-se em aumentar a frequência e qualidade das atividades prazerosas, alterar
as cognições mal-adaptadas (esquemas), melhorar as habilidades sociais, e
desenvolver um novo repertório para lidar com as novas situações, bem como
para prevenir novos episódios. Após a análise para compreender o porquê
de suas dificuldades ou mesmo o que as mantém, o terapeuta poderá utilizar
algumas técnicas para realizar a intervenção, tais como: as comportamentais,
discurso lógico, exame de evidências, resolução de problemas, desenvolvimento
de habilidades, dramatização e reestruturação cognitiva.
Este processo psicoterápico pode ocorrer de diversas formas, individual, em
grupo, de casal e com a família, bem como em diversas etapas da vida, como na
infância, adolescência, vida adulta e terceira idade. Em todas elas, os resultados
têm sido efetivos. Em muitos casos o envolvimento de familiares, pais e cônjuges
é de extrema valia para o bom andamento do tratamento.
Outra característica fundamental para o sucesso da terapia cognitivo-
-comportamental é a relação terapêutica. Esta é peça chave, pois se o vínculo
não ocorrer, não haverá confiança e colaboração por parte do paciente, e então

726
variações da depressão : aspectos psiquiátricos e psicológicos

todo o processo não se desenvolverá. Para tanto, habilidades interpessoais do


terapeuta, seleção adequada dos problemas a serem trabalhados, feedback e
investigação constante são características que devem ser consideradas para a
facilitação do estabelecimento da aliança entre terapeuta e paciente.
Algumas características do terapeuta podem contribuir de maneira signi-
ficativa, como as habilidades em lidar com o paciente, como se colocar em seu
lugar, não criticar, não julgar, ou seja, ser empático. Enxergá-lo e compreendê-lo
de acordo com as perspectivas do paciente, é de extrema relevância para o
paciente. Muitas vezes, sente-se incompreendido, até porque a depressão é uma
doença que “não se vê” e, por este motivo, pode gerar a falta de credibilidade
na pessoa que manifesta a depressão. O terapeuta também deve planejar
estratégias efetivas conjuntamente com a colaboração do paciente, de forma
individualizada, bem como conduzir todo o processo de modo ativo dando-lhe
o suporte necessário.
Como vimos anteriormente, há várias maneiras do paciente apresentar a
depressão. Assim como para cada um deles há um tipo de tratamento farma-
cológico específico, o terapeuta também atuará de forma individualizada para
cada caso e queixa específica apresentada pelo paciente. Tais queixas podem variar
de caso para caso, quanto ao problema manifestado, intensidade e frequência do
mesmo. Há casos onde alguns sintomas prevalecem, como: falta ou excesso de
sono ou apetite, alterações psicomotoras (agitação ou lentificação), agressividade
ou impulsividade (podendo gerar o suicídio), falta de motivação, ser altamente
sensível à rejeição interpessoal ou ter pensamento de autodesvalorização.
Para cada um dos casos o terapeuta deverá prestar atenção especial aos
comportamentos mais frequentes ou àqueles que mais lhe causam sofrimento,
propondo assim estratégias específicas. Para todos, o terapeuta deverá esclarecer
e enfatizar a importância do comprometimento com o tratamento e a relevância
do cumprimento de tarefas estabelecidas para o sucesso terapêutico. Por exemplo,
em casos onde há risco de suicídio a primeira tarefa será garantir a segurança do
paciente, depois lidar com seus sentimentos negativos, de desesperança e então
desenvolver habilidades para tratar tais sentimentos (Reinecle, 2004). Já em casos
onde o paciente apresenta falta de controle, por exemplo, é intolerante, agressivo,
come exageradamente, o terapeuta orientará para que adquira autocontrole por
meio de técnicas específicas e assim controlar seus comportamentos impulsivos.

727
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Além disso, pode recomendar a prática de atividades físicas, biblioterapia para


entendimento do quadro, exercícios de relaxamento para controlar a ansiedade
ou raiva que acentuam este problema.
Enfim, é dever do terapeuta ficar atento a certos comportamentos que
demandam a intervenção imediata e gradativa, propor estratégias de tratamento
de forma a amenizar o sofrimento do paciente e ajudá-lo na conquista de uma
vida mais saudável e com mais qualidade.

Referências bibliográficas

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728
variações da depressão : aspectos psiquiátricos e psicológicos

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Sullivan, M. J. L. & Conway, M. Dysphoria and valence of attributions for others
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729
63
Ansiedade, estresse,
distúrbios do sono e saúde
no trabalho
Luiza Elena L. Ribeiro do Valle,
Eduardo L. Ribeiro do Valle,
Sigmar Malvezzi,
Rubens Reimão

Ansiedade, estresse e sono são termos comuns à nossa vida diária. Parece
natural experimentar situações freqüentes de ansiedade nos dias de hoje frente a
exigências múltiplas que se desenrolam em nossos afazeres, enquanto o relógio
parece não acompanhar o ritmo de nosso tempo. O estresse, sem dúvida, resulta
de ansiedade que resulta em cansaço aumentado, mas também soa rotineiro.
O sono surge como uma atividade parada no tempo que se precisa gastar, nem
sempre como se gostaria...
O trabalho faz parte da vida humana e traz benefícios importantes. É um
meio de sobrevivência, de realização, de construção de identidade psicossocial,
mas pode ser um meio de adoecimento, quando surgem situações de ansiedade
ou estresse, gerando transtornos mentais, somáticos ou sociais, que inevitavel-
mente afetam o sono, criando um círculo vicioso de transtornos que acentuam

731
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

os prejuízos entre si e desestruturam a saúde. O que teriam de comum, então, a


ansiedade, o estresse e os distúrbios do sono, além de interferirem no trabalho?
São transtornos mentais que prejudicam a saúde física e mental e ainda carregam
outra característica que merece um alerta: são sintomas traiçoeiros. Justamente
por esta última característica, trazemos neste capítulo esses temas, porque todo
o cuidado é pouco!
Qualquer pessoa pode perceber que está ansiosa... Mas, é preciso fazer mais
que isso para prevenir o estresse, cuidar do sono... ou buscar cuidados antes
de ser engolido por mecanismos desastrosos! Talvez não pareça tão perigoso
assim... Talvez as tendências genéticas nem sejam observadas até que o problema
se estabeleça com força... Então, falaremos um pouco sobre cada um desses
distúrbios e suas consequências.
O transtorno de ansiedade se caracteriza essencialmente por uma ansiedade
ou preocupação excessiva (expectativa apreensiva) que permanece por um longo
período (cerca de seis meses), de acordo com o DSM IV (2000). A ansiedade
e a preocupação se fazem acompanhar por três, entre os seguintes sintomas:
inquietação, cansaço, dificuldade em concentrar-se, tensão muscular, pertur-
bação no sono. Outros transtornos de ansiedade podem apresentar ataques de
pânico, que geram crises de pânico. São crises de medo e desconforto intensos,
acompanhados de quatro dos seguintes sintomas: taquicardia, sudorese,
tremores, falta de ar, sensação de desmaio, náusea, tonturas, desrealização
ou despersonalização, sensação de descontrole ou de enlouquecer, medo de
morrer, formigamentos, calafrios ou ondas de calor. Estes sintomas ocorrem
de forma súbita, sendo o tempo entre o início dos sintomas e o pico máximo
de intensidade não superior a 10 minutos. Os ataques de pânico não ocorrem
apenas no transtorno do pânico, podendo estar presentes em diversos outros
transtornos psiquiátricos, principalmente os transtornos ansiosos e afetivos.
O estresse, segundo é um conjunto de condições bioquímicas do organismo
humano, que refletem a tentativa do corpo de se ajustar às exigências do meio. É
um termo utilizado de formas diferentes para designar uma fadiga psicofisioló-
gica, tensional, porém não há uma definição satisfatória que seja aceita de forma
unânime pelos estudiosos. Para melhor entendimento do estresse os autores
diferenciam: (a) os estressores como eventos que desencadeiam a excitação
do organismo; (b) o estresse, para identificar a excitação do organismo; (c) e a

732
ansiedade , estresse , distúrbios do sono e saúde no trabalho

reação de estresse, para caracterizar o comportamento manifesto (Inocente,


2008; Vasconcelos, 1998).
A reação de estresse pode ser notada por meio das mudanças que ocorrem
com o indivíduo diante dos estressores. Os elementos emocionais e somáticos
da resposta do estresse são reações emocionais e fisiológicas como: ansiedade,
pânico, tensão, angústia, alienação, tédio, dificuldades interpessoais, dúvidas
quanto a si próprio, preocupação excessiva, inabilidade de se referir a assuntos
não relacionados com o estressor, inabilidade para relaxar, hipersensibilidade
emotiva, irritabilidade crônica, inquietação, sensação de esgotamento, frus-
tração, depressão, raiva, descontrole com comida e bebida e transtornos do
sono, entre os sintomas descritos por diversos autores (Lipp e Lucarelli, 2005;
Bullentini, 2008; Grazziano, 2009; Inocente, 2010).
Para Witter (1996), o estresse é um conjunto de respostas do organismo, de
caráter psicofisiológico, que se instalam processualmente, quando há contin-
gências ambientais eliciando respostas emocionais, positivas ou negativas, que
requerem outras respostas contingentes, as quais os sujeitos nem sempre estão
preparados para enfrentar de modo satisfatório.
São quatro as fases do estresse: alerta ou alarme, resistência, quase exaustão
e exaustão. Na fase de alerta, ocorre aumento da frequência cardíaca e da pressão
arterial e contração do baço, liberação de glicose pelo fígado, redistribuição
sanguínea da pele para o fortalecimento dos músculos, aumento da frequência
respiratória e dilatação dos brônquios, dilatação das pupilas e aumento do
número de linfócitos na corrente sanguínea. Na fase de resistência, o organismo
procura se restabelecer, passando pelo estágio de adaptação. Com a contínua
exposição ao agente estressor, vem a fase de quase exaustão, que pode progredir
para a fase de exaustão, e, não sendo eliminado o estímulo agressor, pode então
ocorrer o aparecimento da doença ou a morte (Lipp e Malagris, 1995).
O estresse interfere na forma de perceber e responder aos estímulos que
nos cercam. Algumas pessoas sentem-se ansiosas ou apresentam queixas
somáticas, como dores ao invés de sentimentos de tristeza. Outros demonstram
irritabilidade, raiva persistente, uma tendência para responder a eventos com
ataques de ira ou culpando outros, ou um sentimento exagerado de frustração
(DSM-IV, APA, 2000).

733
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A partir da década de 1970, a síndrome de Burnout foi introduzida na


Psicologia Organizacional por Freudenberger para descrever um indivíduo
frustrado e fatigado em decorrência de decepção em suas expectativas em
relação ao seu ambiente de trabalho. De acordo com Maslach e Jackson (1981),
o Burnout se define por sintomas de exaustão ou sentimento de esgotamento,
de despersonalização manifestada por cinismo, negação e insensibilidade, e de
falta de realização, trazendo sentimentos de incompetência.
A presença do estresse dificulta o trabalho, que, frequentemente, representa
a situação onde o esforço para manter o controle precisa ser mais ativado. Outras
condições interferem para que o estresse se desenvolva mais no trabalho, embora
nem sempre se manifeste nesse setor, já que o autocontrole é colocado em ação
para manter as aparências. O estresse se relaciona à condição na qual um indivíduo
é confrontado com uma oportunidade, limitação ou demanda da forma como
propõe Robins (2005). A oportunidade surge pela possibilidade de ganho, num
trabalho reconhecido socialmente, situações que incitam muita ansiedade; o limite,
que ocorre por se ver impedido de fazer o que deseja, o que pode ocorrer por
diversos motivos, seja porque as necessidades financeiras exigem o acúmulo de
jornadas de trabalho ou porque existe uma concorrência; a demanda, que significa
a possibilidade de perda de algo desejado, como acontece quando se encontra
dificuldade de obter recursos e apoios para a realização do trabalho, tendo que lidar
com críticas ou exigências, que ameaçam a satisfação de aproveitar a oportunidade.
O trabalho influencia na qualidade do sono, seja por fatores decorrentes de
sobrecarga de trabalho, falta de controle e autonomia, falta de recompensada
pelas contribuições no trabalho, falta de equidade e justiça social, seja mesmo
falta de oportunidades, também como desencadeador de ansiedade.
O sono normal deve respeitar o ritmo biológico do indivíduo. Almondes e
Araújo (2003) afirmam que adormecer e despertar são processos que seguem um
padrão que, embora seja determinado por processos fisiológicos, varia de acordo
com cada pessoa e com seus hábitos de vida e de trabalho. Os distúrbios do sono
causam consequências para a saúde do trabalhador, representam importante
custo financeiro para a empresa ou para os cofres públicos, afetando, também,
a vida de familiares e da sociedade.
O sono é um estado fisiológico complexo e altamente organizado, mais do
que a ausência de vigília. Em linhas gerais, o sono realiza uma função protetora,

734
ansiedade , estresse , distúrbios do sono e saúde no trabalho

que se desenvolve como uma prevenção de danos que uma atividade cansativa
ou prolongada poderia ocasionar ao corpo e ao cérebro, em particular. Além
disso, o sono tem um papel bastante ativo, que repara o desgaste que a vigília
ocasiona ao organismo, seja através da síntese de substâncias utilizadas durante
a vigília, pela eliminação das toxinas acumuladas ou pela elaboração psicológica
dos eventos através dos sonhos. Também tem sido considerado um processo
com função conservadora de energia, através do qual se promove a plasticidade
do corpo e mente, através de um afastamento por períodos prolongados.
Segundo Ayala-Guerrero, Aguilar e Medina (2010), o distúrbio do sono no
homem produz uma série de distúrbios orgânicos e mentais. Entre os efeitos da
privação do sono que têm sido descritos no homem, encontram-se:
▶▶ Deterioração da memória. A memória sofre uma diminuição signifi-
cativa na recordação de uma lista de palavras, porém, sem déficit no
reconhecimento de figuras.
▶▶ Distúrbios de aprendizagem. A leitura torna-se quase impossível, a
escrita ilegível e a linguagem inteligível.
▶▶ Alterações nas funções executivas, em geral, na intenção, na inibição
de respostas irrelevantes, nas tomadas de decisões e nas mudanças de
estratégia após a privação de sono.
▶▶ Alentecimento no desenvolvimento raciocínio matemático, mas sem
aumento do número de erros, relacionadas às variações circadianas da
temperatura corporal.
▶▶ Rebaixamento de respostas nas tarefas de atenção e concentração, com
grau de comprometimento mais pronunciado quando essas tarefas
são simples e repetitivas, do que quando são complexas e interessantes
e, mais ainda, nas tarefas que produzem incerteza em comparação as
repetitivas. Além disso, há uma deterioração maior quando a atenção
tem que ser seletiva, ao observar o potencial lento negativo ou variação
de contingência negativa (VCN) que precede o potencial evocado.
▶▶ O tempo de reação tende a aumentar em indivíduos privados de sono,
quando submetidos a um teste de sinais auditivos.
▶▶ Tarefas psicomotoras sofrem um déficit significativo no desempenho.
Demora aumentada na realização das atividades.
▶▶ O comprometimento cognitivo é acompanhado por mudanças na

735
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

atividade metabólica cerebral, na regulação da temperatura e do sistema


imunológico.
▶▶ Aumenta a sensibilidade à dor.
▶▶ Podem se apresentar transtornos psiquiátricos, neurológicos e cognitivos.
▶▶ Há um declínio gradual da força muscular e das diversas alterações no
sangue que ocorre como resultado de privação de sono.
▶▶ Alterações no sistema nervoso autônomo, com os seguintes distúr-
bios: diminuição da temperatura corporal, pressão arterial, frequência
cardíaca, resistência elétrica da pele, assim como a diminuição das
respostas vegetativas frente aos estímulos.
▶▶ Surgem sinais de irritabilidade, fadiga e irritação. Simultaneamente com
estes sintomas, aparecem sinais de euforia e alegria frente aos estímulos
que são normalmente considerados neutros.
▶▶ Alterações na visão, diplopia, visão turva e relatos de ilusões visuais que
consiste na percepção de fumaça ou névoa saindo de objetos ou paredes.
Outros relatam sonhos durante a vigília, assim como intensas imagens
hipnagógicas ou alterações nas sensações corporais, como sentimentos
de estar em dois diferentes lugares.
▶▶ Disfunções nas habilidades psicossociais.

Enfim, estudos recentes têm confirmado que a privação do sono tem


diferentes consequências biológicas que afetam tanto as funções mentais e
corporais, em geral, assim como os distúrbios do sistema imunológico, hormonal
e sistema nervoso autônomo, chegando inclusive a causar a morte. Dessa forma,
acredita-se que a investigação dos distúrbios do sono, com a presença de fatores
estressantes que o professor vivencia em seu trabalho, poderá auxiliar na busca
de instrumentos de prevenção e recursos para o atendimento desse profissional,
do qual dependem os alunos, e, através deles, o futuro da sociedade.
A avaliação da atividade encefálica é feita através de um exame denominado
eletroencefalograma (EEG). O exame permite medir a atividade encefálica em
três estados: em vigília, durante o sono REM (Rapid Eye Movement) e sono
NREM (Non-Rapid Eye Movement). Este exame faz parte de outra avaliação,
mas específica para o estudo do sono, a polissonografia. A polissonografia
consiste no monitoramento contínuo de registros de diversos parâmetros

736
ansiedade , estresse , distúrbios do sono e saúde no trabalho

fisiológicos e fisiopatológicos do sono, durante um período prolongado, de


seis ou mais horas (Academia Americana do Sono, 2002).
Segundo Lima, Rossini e Reimão (2008), frequentemente, distúrbios do
sono não são diagnosticados, não sendo sequer objeto de procura para trata-
mento. Mais raramente ainda, observa-se preocupação e interesse das empresas
na prevenção, diagnóstico e tratamento dos problemas de seus empregados
relacionados ao sono. Os distúrbios do sono trazem consequências à saúde do
trabalhador além de importante custo financeiro para a empresa, atingindo,
ainda, os familiares e a sociedade.
O homem busca o trabalho como fonte de realização pessoal e reconheci-
mento social, e dele depende sua subsistência e de seus dependentes. De acordo
com Rossini e Reimão (2007), fatores biológicos, psíquicos e sociais, que estão no
dia a dia do trabalhador, podem ser desencadeantes de distúrbios importantes
do sono. As consequências dos distúrbios do sono aliadas em conjunto com
os estudos sobre o estresse são extremamente preocupantes. As organizações
de trabalho deveriam ser mais alertadas sobre os cuidados com o sono dos
funcionários, que pode levar a intenso sofrimento psíquico, em diferentes esferas
do trabalho (Dejours, 1992).
A ansiedade que pode surgir diante de fatores estressantes pode formar
condições nocivas favoráveis ao surgimento da insônia, principal queixa dos
trabalhadores (Rossini e Reimão, 2007). Quando em níveis mais graves, a insônia
compromete o trabalho se estabelece um círculo que se repete, evoluindo para
transtornos graves e crônicos, que podem incluir fragmentação do sono com
múltiplos despertares e dificuldade em conciliar o sono gerando desequilíbrio
do comportamento e da saúde.
As intervenções os procedimentos adotados nas organizações precisam
estar ancoradas em pesquisas ou em algum tipo de diagnóstico que possa
caracterizar o ambiente físico e psicossocial da organização (Malvezzi,
2010), por isso, torna-se importante pesquisar as questões que se revelam
nas atividades de trabalho, com cautela com esses vilões traiçoeiros que
surgem da ansiedade, estresse e dos distúrbios do sono, prejudicando a vida
na saúde e no trabalho.

737
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

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739
64
Um paralelo entre ansiedade
e insônia – Epidemiologia,
diagnóstico e tratamento
Marcio L. S. Bezerra,
C. Guilherme Suárez,
F. Teles da Silva

Introdução

Aproximadamente 50% dos americanos adultos declaram ter sofrido de


insônia em algum momento de suas vidas (Ancoli-Israel e Roth, 1999). Dez por
cento dos Americanos adultos sofrem de dificuldades para dormir durante mais de
duas semanas em cada episódio (Ancoli-Israel, 2000). Os distúrbios de ansiedade
representam, como grupo, o tipo mais comum de desordem psiquiátrica, afetando
25% dos adultos em algum momento de suas vidas (Kendler et al., 1991).
Contudo, apesar da prevalência dessas duas desordens, apenas 6% dos
insones visitam seus médicos com se queixando do problema. Desses, 24%
relacionam a dificuldade de dormir como uma queixa secundária. E a vasta
maioria dos pacientes (70%) não procura ajuda para sua condição. Ademais, 40%
dos insones procuram ajuda na forma de períodos extensos de sono e álcool,

741
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

o que quase sempre complica seu quadro (Ancoli-Israel, 2000). Em paridade,


apenas um terço dos pacientes com distúrbios de ansiedade recebem tratamento
(National Institutes of Health Publication, 2002).

Insônia

Insônia é uma entidade clínica única na medicina, uma das características


mais marcantes é o fato de ser ao mesmo tempo um sintoma e uma desordem.
A International Classification of Sleep Disorders e o Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders , quarta edição definem insônia como um sintoma
complexo, consistindo na dificuldade de iniciar o sono, permanecer dormindo
ou sensação de sono não recuperador, combinada a alguma forma de sequela
na performance do indivíduo durante o dia. Esse complexo sintoma pode ser
secundário a outra condição ou um distúrbio independente (insônia primária).
A alta morbidade associada com a insônia crônica atesta o fato de que tipica-
mente é uma condição secundária a outras desordens (Bixler et al., 2002). Mais
comumente, a insônia secundária está associada a desordens psiquiátricas,
especialmente de caráter afetivo (Mellinger et al., 1985).
A insônia também é frequentemente associada a desordens de caráter físico,
como as que cursam com dor e dispneia (Klink et al., 1992; Mahowald e Mahowald,
2000). Além disso, algumas drogas usadas no tratamento de desordens físicas e
psiquiátricas podem causar insônia (Schweitzer, 2000). Podemos ainda associar a
insônia a desordens de comportamento (Spielman et al., 1987), como maus hábitos
de sono, incluindo uma condição denominada insônia condicional, sendo necessário
tratamento comportamental. Finalmente, a insônia pode também ser associada
a desordens do ritmo circadiano ou desordens primárias do sono (síndrome das
pernas inquietas, desordem do movimento periódico dos membros, desordens
respiratórias do sono). Não podemos esquecer ainda de incluir dentre os distúrbios
primários do sono a insônia primária, consistindo nos sintomas da insônia sem
associação de nenhuma outra desordem, sendo portanto um diagnóstico de exclusão
(Vgontzas et al., 1998; Perlis et al., 2001). Apesar da prevalência de insônia primária
não ser bem definida, um estudo encontrou uma incidência de 25% em pacientes
com insônia crônica em uma clínica do sono (Buysse et al., 1997).

742
um paralelo entre ansiedade e insônia – epidemiologia , diagnóstico e tratamento

Ansiedade

A ansiedade é uma sensação de alerta, medo que permite o indivíduo


ficar atento a um perigo iminente e tomar medidas necessárias para lidar
com a ameaça. Em outras palavras, a ansiedade fisiológica (reacional) é um
sentimento útil, sem ela estaríamos vulneráveis a perigos e ao desconhe-
cido. A ansiedade está presente no desenvolvimento normal do indivíduo,
experiências inéditas e mudanças. Já a ansiedade patológica (endógena) está
associada a diversos sintomas psicológicos e somáticos, como inquietação,
fadiga, baixa concentração, irritabilidade, antecipação, tensão muscular e
distúrbios do sono. Dentre os distúrbios de ansiedade podemos incluir a
síndrome do pânico com ou sem agorafobia (medo de lugares abertos), fobias
específicas, fobia social, desordem obsessivo-compulsiva, síndrome do estresse
pós-traumático e distúrbios agudos de estresse. A ansiedade também pode
ser secundária a uma condição física ou substâncias, e pode acompanhar
outras desordens psiquiátricas como a depressão e esquizofrenia (American
Psychiatric Association, 1994).

Relação entre insônia e ansiedade

Insônia e ansiedade frequentemente coexistem, e o processo de formação


da insônia envolve (pelo menos no caso da insônia primária) ativação física
ou mental e ansiedade na hora de dormir ou durante o sono. Não é surpresa
portanto que 24% dos insones na comunidade sofram transtornos de ansie-
dade diagnosticáveis. Mesmo naqueles que não possuem uma desordem
psiquiátrica, a persistência da insônia confere um risco maior para o desen-
volvimento de distúrbios de ansiedade no futuro (Ford e Kamerow, 1989). Por
sua vez, pacientes com distúrbios de ansiedade possuem um risco elevado para
o desenvolvimento de distúrbios do sono. O sono dos pacientes ansiosos é
caracterizado por um tempo maior para a iniciação do sono e maior número
de despertares após, assim como uma menos porcentagem dos estágios 3 e 4
(sono profundo) do sono (Fuller et al, 1997; Saletu-Zyhlarz et al., 1997).

743
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Diagnóstico e classificação

De acordo com a décima edição da classificação dos transtornos mentais


(CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS), os transtornos do sono podem
ser divididos em dissonias e parassonias (World Health Organization, 1993).

Dissonias

Situações primariamente psicogênicas (decorrentes de causas emocionais);


o distúrbio é predominante na quantidade, qualidade ou regulação do sono
(insônia, hipersônia, e transtorno do ciclo sono-vigília).

Parassonias

Situações episódicas anormais e indesejáveis que ocorrem durante o sono


(sonambulismo, terror noturno e pesadelos), na maioria das vezes entre os
estágios 3 e 4.

Quando um paciente apresenta os sintomas de insônia primária e ansiedade,


o primeiro passo deve ser determinar se a dificuldade representa primariamente
insônia ou um distúrbio de ansiedade. No primeiro caso a ansiedade está
tipicamente associada à hora de dormir, aumentando quando essa hora vai
se aproximando. Muito disso deve ocorrer devido a ansiedade antecipatória
decorrente da perspectiva de uma outra noite sem dormir. Os pensamentos do
paciente se agrupam em torno da insônia, o que por sua vez agrava ainda mais
o sintoma. Existem casos em particular onde o paciente tipicamente possui
uma maior dificuldade de dormir em seus próprios quartos, e comumente se
assombram com o fato de que dormem com mais facilidade fora de casa. Isso
ocorre devido ao fato de que a própria cama do paciente dispara o medo de não
dormir e, portanto, a cascata da ansiedade.
Por sua vez, quando o quadro principal é um distúrbio de ansiedade, a
mesma está presente durante todo o dia. Ademais, o foco do paciente é comu-
mente não apenas a insônia em si, mas também seus aspectos subordinados,

744
um paralelo entre ansiedade e insônia – epidemiologia , diagnóstico e tratamento

como pesadelos angustiantes na síndrome do estresse pós-traumático e compul-


sões no transtorno obsessivo-compulsivo. Além disso, os aspectos situacionais
da insônia primária não estão comumente presentes, segundo Karl Doghramji.

Tratamento

Segundo o I Consenso Brasileiro de Insônia, uma vez determinado que a


insônia primária é a responsável pelo quadro, o tratamento de escolha deve ser
a combinação da educação comportamental e agentes farmacológicos. Esses
agentes farmacológicos possuem um início de ação rápido, funcionando como
apoio enquanto o tratamento comportamental ainda não surte efeito.

Tratamento comportamental

O uso de terapias comportamentais acaba sendo limitado em função do


pequeno número de profissionais treinados nessas técnicas e pelo custo. Quando
se compara tratamento farmacológico e comportamental notamos semelhança
entre ambos, embora a melhora seja notada mais cedo com o tratamento
farmacológico. Entretanto, no tocante à manutenção da melhora, as terapias
comportamentais se mostram mais eficazes.
O foco dessa classe de tratamento é modificar situações e pensamentos
que causam e mantêm a insônia. O tratamento dura em média de quatro a
oito sessões, sendo em geral, uma sessão semanal, requerendo grande empenho
do paciente. Em trabalhos avaliando a eficiência desses tratamentos, os que se
mostraram mais eficazes foram a restrição de sono e o controle de estímulos,
podendo também ser incluída a higiene do sono e a terapia cognitiva.

Higiene do sono

Informações básicas sobre o sono e higiene do sono são, em geral, dadas a


todos os pacientes com insônia. A higiene do sono apresenta como foco os hábitos
de vida e os fatores ambientais que podem interferir positiva ou negativamente

745
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

no sono. Atividades diárias que são incompatíveis com a manutenção de uma


boa qualidade do sono e com o alerta diurno podem ser a única causa da insônia.
Desta forma, deve-se investigar os hábitos de vida dos pacientes para poder
orientá-los na identificação desses fatores e mudanças necessárias a serem feitas.
A cafeína, da mesma maneira que outros estimulantes, pode ocasionar
insônia e a sensibilidade à mesma pode aparecer com a idade. A nicotina, assim
como a cafeína, é estimulante e pode dificultar o adormecer, ocasionando
despertar por síndrome de abstinência durante a noite. Desta forma, o paciente
deve ser orientado a interromper o uso de substâncias que contenham cafeína
e/ou nicotina entre quatro a seis horas antes do horário de dormir.
Apesar de se acreditar que o álcool facilita o sono, as bebidas alcoólicas
podem induzir um sono de má qualidade e fragmentado. Dessa forma, a
ingestão de álcool, além de induzir a um sono não reparador, aumenta o risco
de desenvolvimento de dependência.
Exercícios físicos não devem ser feitos próximo do horário de dormir,
mantendo-se um intervalo de no mínimo três horas, entre o final da atividade
física e a hora de dormir.
Embora possa parecer óbvio, é importante orientar o paciente quanto a
cuidados relacionados ao ambiente de dormir, que muitas vezes são esquecidos,
como a luminosidade, o barulho, a temperatura, o tamanho da cama entre outros.
Fazem parte ainda das orientações a serem dadas ao paciente, de forma
verbal e por escrito, as seguintes instruções:
▶▶ A restrição do tempo de sono;
▶▶ o estabelecimento de horários regulares de sono;
▶▶ não ir para a cama tentar dormir sem sono;
▶▶ não passar o dia preocupando-se com o sono;
▶▶ usar a cama apenas para dormir ou atividade sexual;
▶▶ despertar e levantar sempre no mesmo horário todos os dias, independ-
ente do quanto você dormiu durante a noite, isso ajudará o organismo a
adquirir um ritmo de sono consistente;
▶▶ não cochilar ou deitar durante o dia (exceções podem ser feitas a idosos
que podem necessitar de um cochilo breve no meio do dia);
▶▶ não ficar controlando o passar das horas no relógio.

746
um paralelo entre ansiedade e insônia – epidemiologia , diagnóstico e tratamento

Terapia de controle de estímulos

A terapia de controle de estímulos refere-se a instruções que ajudam o


paciente a estabelecer um adequado ritmo sono/vigília. Tem como objetivo
associar o quarto e a cama ao rápido início do sono, eliminando do quarto e
da cama atividades incompatíveis com o sono (TV, telefone, comida, livros,
computador), ou mesmo o hábito de preocupar-se com eventos do dia que
passou, e o planejamento das tarefas do dia seguinte na hora de dormir. Essas
situações podem aumentar o estado de alerta e dificultar o sono. A ansiedade
e a frustração associadas ao tentar adormecer também é um fator que dificulta
dormir. Esses conselhos são válidos para a maioria dos pacientes, entretanto
alguns usam a TV ou eventualmente a leitura em ambientes com luminosidade
não muito elevada, durante curto período para induzir o sono, com sucesso. De
modo geral, deve-se dar as seguintes instruções para o paciente:
▶▶ Ir para a cama quando estiver com sono;
▶▶ caso sentir-se incapaz de dormir, levantar da cama e ir para outro ambi-
ente e retomar alguma atividade relaxante em ambiente com pouca
luminosidade;
▶▶ caso a dificuldade em iniciar ou reiniciar o sono persistir, repetir o item
acima quantas vezes for necessário durante toda a noite;
▶▶ não controlar o passar das horas no relógio.

Restrição do sono e de tempo na cama

A terapia de restrição de sono é baseada na observação de que muitas


pessoas com insônia passam muito tempo na cama tentando dormir e mesmo
assim, apresentam uma pobre eficiência do sono. O objetivo é consolidar o sono
por meio da restrição do tempo que o paciente passa na cama. Na terapia de
restrição do sono os horários de sono e vigília são prescritos individualmente,
limitando-se o tempo na cama a uma quantidade de horas próxima à média que
o paciente normalmente dorme. Essa técnica cria um leve estado de privação
do sono, podendo no princípio causar sonolência diurna mas propicia uma
rápida consolidação do sono, facilita o adormecer, melhora a eficiência do sono
e diminui a variabilidade entre as noites. Por exemplo, no caso de um paciente

747
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

que permanece na cama nove horas, mas dorme apenas cinco horas, orienta-se
para a primeira semana um tempo de permanência na cama de cinco horas,
a partir da segunda semana serão feitos ajustes conforme a eficiência do sono:
▶▶ Se esta for maior que 90%, aumenta-se 15 a 20 minutos do tempo na
cama por semana;
▶▶ se esta for menos que 80%, diminui-se em 15 a 20 minutos do tempo na
cama por semana;
▶▶ se a eficiência do sono estiver entre 80% e 90% não se altera o tempo na cama;
▶▶ deve-se ressaltar que o tempo na cama não deve ser menor do que cinco
horas para evitar excessiva sonolência diurna.

Técnicas de relaxamento

As técnicas de relaxamento têm como base a observação que pacientes


com insônia apresentam um nível de alerta (fisiológico e cognitivo) elevado
tanto ã noite, quanto durante o dia. As técnicas de relaxamento incluem vários
procedimentos como o relaxamento progressivo, o treinamento autogênico, a
técnica de visualização, hipnose e biofeedback.
Muitos pacientes com insônia apresentam-se hiperalertas e ansiosos durante
todo o dia. O treinamento de relaxamento pode produzir um duplo benefício:
primeiro reduz o alerta diurno e permite ao paciente manejar com maior eficácia
seu estresse diurno e, segundo, ajuda a adormecer. Independentemente do tipo
de relaxamento utilizado, orienta-se o paciente a utilizar a técnica em qualquer
situação e local.
As técnicas de relaxamento têm sido investigadas para o tratamento
das insônias, mostrando serem superiores ao placebo. Com essa abordagem
a percepção subjetiva da qualidade do sono também melhora. Entretanto, a
técnica de relaxamento se mostra menos eficaz do que as terapias de restrição
de sono e de controle de estímulos. Da mesma forma, a técnica de relaxamento
parece ser menos efetiva em idosos, principalmente quando sem a supervisão
de um terapeuta.
O relaxamento progressivo é o tratamento mais estudado para insônia. Nele
orienta-se o paciente a tensionar e relaxar os grandes grupamentos musculares
de forma sequencial; ao mesmo tempo, pede-se que observe a sensação de tensão
e de relaxamento.

748
um paralelo entre ansiedade e insônia – epidemiologia , diagnóstico e tratamento

O biofeedback é a técnica de relaxamento progressivo que monitora, com


uso de equipamento apropriado, variáveis fisiológicas dos pacientes, como,
a tensão muscular, a temperatura cutânea, a frequência cardíaca, a pressão
arterial e a resposta eletrodérmica, entre outras. O paciente tem informação
desses dados, por meio de resposta sonora que aumenta ou diminui de forma
diretamente proporcional ao grau da tensão muscular, ou informação visual
(mediante um gráfico que é observado no monitor do computador). Da obser-
vação desses sinais, o paciente é treinado a controlar suas respostas fisiológicas,
inicialmente com o auxílio do equipamento e, posteriormente, após aprendido,
por si mesmo.
Existem três tipos de biofeedback que se mostraram eficazes para o
tratamento da insônia: (a) biofeedback por eletromiografia (BFB-EMG); (b)
biofeedback por eletroencefalografia com produção de ondas teta (BFB-EEG) e
(c) biofeedback por eletroencefalografia com produção de ritmo sensoriomotor
(BFB-SMR). A maioria dos estudos para avaliar a eficácia do biofeedback foi
realizada com o BFB-EMG.
O BFB-EMG produz relaxamento. Nessa técnica os pacientes são orientados
a fazer o exercício de relaxamento em casa, além de realizarem os exercícios
de forma monitorada no laboratório (consultório). Estudos mostraram uma
diminuição da latência do sono nos pacientes que são tratados com essa técnica,
mas não mostraram ser superior a outras técnicas de relaxamento.
O BFB-EEG induz o sono diretamente, em contraste com o BFB-EMG
que diminui o nível de tensão e ansiedade. A combinação do BFB-EMG com
o BFB-EEG com treinamento de produção de ritmos alfa e teta ao mesmo
tempo, BFB-EEG só com produção do ritmo teta tem demonstrado eficácia
terapêutica no tratamento da insônia.
O BFB-SMR é usado para produzir o ritmo eletroencefalográfico de 1 a
14 Hz no córtex sensoriomotor. Alguns estudos mostraram que esse tipo de
biofeedback é mais eficaz em pacientes com insônia que não apresentam maior
nível tensional, entretanto, estes resultados ainda são controversos.
Todas essas modalidades de relaxamento necessitam de treinamento
regular ao longo de várias semanas e a orientação profissional é frequentemente
necessária no estágio inicial do processo.

749
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Outras técnicas de relaxamento como a respiração diafragmática, a meditação


e o ioga, ainda não apresentam suporte científico para o seu uso no tratamento
das insônias.

Tratamento com terapia cognitiva

Há um grande número de sintomas cognitivos que podem ocasionar ou


manter a insônia, como preocupações, pensamentos instrutivos e falsas atitudes,
crenças sobre o sono e a consequência da insônia. As intervenções cognitivas
englobam as técnicas de intenção paradoxal e de reestruturação cognitiva.

Intenção paradoxal

Muitas pessoas pioram sua insônia com a preocupação de ser ou não capaz
de adormecer. Para reduzir a ansiedade antecipatória associada ao tentar dormir,
os pacientes são orientados a ir para a cama e ficar acordado e não tentar
adormecer. Essa técnica reduz a ansiedade associada ao medo de não ser capaz
de dormir, assim, os pacientes tornam-se mais relaxados e adormecem mais
rapidamente. Não é uma técnica frequentemente utilizada.

Reestruturação cognitiva

Pacientes com insônia frequentemente apresentam ideias irracionais sobre


o sono. Cinco tipos de pensamentos inadequados são identificados como: (a)
falsas ideias sobre a causa da insônia; (b) falsas crenças ou amplificação das
consequências do sono ruim (por exemplo, que se ficarem uma ou duas noites
sem dormir entrarão em um “colapso nervoso” ; que devem cancelar atividades
sociais, familiares e de trabalho após uma noite ruim de sono) ; (c) expectativas
de sono irreais (necessidade de no mínimo oito horas de sono para sentir-se
bem e ter um bom desempenho no outro dia) ; (d) diminuição da percepção
do controle do sono e perspectiva de sono e; (e) não acreditar nas práticas de
indução de sono e na sua própria capacidade de obter sono.
A terapia cognitiva consiste em dar orientações gerais, identificar atitudes e
pensamentos inadequados promovendo mudanças. Essas técnicas mostram-se

750
um paralelo entre ansiedade e insônia – epidemiologia , diagnóstico e tratamento

eficazes como parte do tratamento, levando ao aumento da eficiência do


sono, reduzindo a latência do sono, o tempo acordado após adormecer e o
despertar precoce.

Tratamento com fototerapia

A exposição à luz pode influenciar a amplitude e a fase dos ritmos circa-


dianos humanos, podendo ter papel importante no tratamento da insônia
relacionada a ciclos irregulares de sono-vigília. As principais indicações dessa
técnica são: síndrome do atraso e do avanço da fase do sono, transtorno afetivo
sazonal, quadros demenciais e condições que envolvam mudança de fuso
horário e trabalho em turno.
Os aspectos envolvidos na aplicação da fototerapia incluem horário e
tempo de exposição, características do estímulo, medidas de segurança e uso
de aparelhos adequados. Os aparelhos são seguros, não provocam aquecimento
e contêm filtros de ultravioleta, protegendo assim os olhos.
Em transtorno de atraso de fase o horário recomendado para a exposição
à luz é logo cedo, pela manhã, para prevenir letargia matinal. No transtorno de
avanço de fase o horário de exposição à luz deve ser duas horas antes do horário
usual de dormir. Desta forma, pode-se obter o atraso desejado no horário de
dormir, passando a um horário mais aceitável socialmente.
Existem ainda outras técnicas não farmacológicas, utilizadas para o
tratamento das insônias, que podem trazer benefícios aos pacientes, mas que
aguardam maior evidência científica.

Tratamento farmacológico

Drogas sedativo-hipnóticas são indicadas no tratamento de curto prazo da


insônia. Dentre as drogas hipnóticas três gerações podem ser definidas:
Barbitúricos: Introduzidos no início do século 20, sendo excelentes agentes
hipnóticos, mas não induzem a um sono fisiológico. Com o tratamento a
longo prazo podem causar tolerância e dependência, e uma overdose pode ter
consequências sérias e até mesmo fatais, ainda mais se associada ao consumo

751
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

de álcool. Atualmente esses fármacos são contraindicados como hipnóticos,


sendo muito úteis, entretanto, em pacientes epilépticos (Holbrook et al., 2000;
Mendelson, 1992).
Benzodiazepínicos: Foram introduzidos na década de sessenta. Possuem
também efeitos ansiolítico, relaxante muscular e anticonvulsivante, pelo fato
de serem agonistas não seletivos do receptor GABA-A. São muito efetivos na
redução da latência do sono (tempo que se leva até iniciar o sono) aumentando
o tempo total de sono, mas também alteram a arquitetura do sono. Podem
causar ainda efeitos colaterais e complicações, como, sedação diurna, déficit
cognitivo e psicomotor, insônia de rebote e síndrome de abstinência. Podem
induzir tolerância e dependência com uso prolongado e altas doses (Holbrook
et al., 2000; Monti e Monti, 1995; Dooley e Plosker, 2000).
Hipnóticos não Benzodiazepínicos: Apareceram na década de oitenta e
incluem em seu grupo drogas como imidazopiridinas (zolpidem), ciclopirrolonas
(zopiclone) e pirazolopirimidinas (zaleplon). Essas drogas são inibidoras seletivas
do complexo receptor GABA-A, o que confere aos fármacos propriedades
hipnóticas sem, entretanto, possuir efeitos ansiolítico, relaxante muscular e
anticonvulsivante. Esses fármacos respeitam a arquitetura do sono fisiológico
em pacientes saudáveis e até mesmo promovem um rearranjo nos pacientes com
insônia (dados referentes ao zolpidem e zopiclone). Por sua vez, zaleplon and
zolpidem não causam insônia de rebote ou síndrome de abstinência quando
administrados em doses terapêuticas (Holbrook et al, 2000, Monti e Monti,
1995; Albin et al., 1988; Albin et al., 1983).
Existem ainda outros fármacos com efeito sedativo com poder sedativo,
porem alguns ainda necessitam de comprovação quanto sua eficácia no
tratamento da insônia. Dentre esses fármacos podemos citar os antidepres-
sivos com ação sedativa (amitriptilina, imipramina, clomipramina, dentre
outros); anti-histamínicos (difenidramina, carbinoxamina, dimenidrato,
clemastine, pirilamina, dentre outros); fitoterápicos (valeriana; camomila;
kava; passiflora); triptofano (aumenta as concentrações de serotonina no
cérebro) e melatonina (uso não aprovado), que é o principal hormônio da
glândula pineal dos mamíferos, com liberação seguindo o padrão circadiano,
ocorrendo antes dos períodos de maior propensão do sono) (Sociedade
Brasileira de Sono).

752
um paralelo entre ansiedade e insônia – epidemiologia , diagnóstico e tratamento

Finalmente, podemos citar medicamentos de uso específico para alguns


tipos de insônia, indicados de acordo com a doença de base, optando-se
eventualmente por aqueles que possuem como efeito secundário a sedação.
Antipsicóticos, antiepilépticos, antidepressivos etc.

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755
65
Neurofisiologia básica do
sono e polissonografia
Marcio L. S. Bezerra,
Eduardo L. Ribeiro do Valle

Introdução ao sono e aos distúrbios do sono

O sono é um estado fisiológico obrigatório em que todos temos que


dormir, podendo-se atrasá-lo, mas não evitá-lo. O sono tem inspirado e
intrigado filósofos e poetas, pois, passamos cerca de um terço de nossas vidas
dormindo e um quarto desse tempo sonhando. A cada noite abandonamos
nossos conhecidos, nosso trabalho, nossas atividades e quase tudo que é nosso
para entrarmos num estado peculiar, que alterna inconsciência e fluxo de
pensamentos, muito diversos ao que temos acordados. Caso este processo
trafegue pelas vias fisiológicas, algumas horas depois, voltamos a estar dispostos
e refeitos, mas caso contrário obter-se-á um desarranjo fisiológico que poderá
ser expresso de diversas formas.
A medicina concentrou seus esforços para compreender este estado fisioló-
gico, o sono, em vários segmentos, tais como, a regulação, função e a fisiologia
do sono. Mas, estas variáveis apenas puderam obter uma perspectiva científica

757
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

com o advento de aparelhagens eletrofisiológicas capazes de registrar a atividade


elétrica cerebral em humanos (Berger).
O sono não é o resultado da diminuição da atividade neuronal, mas
decorre da atividade de várias estruturas do encéfalo, envolvendo mecanismos
complexos. Portanto, problemas nas diversas etapas do sono poderão expressar
problemas tanto no sono quanto na vigíla.
Dependendo da estrutura e do mecanismo envolvido, diferentes problemas
surgem. Assim, os problemas do sono apresentam diversas causas, sintomas e
consequências. Os transtornos do sono (TS) podem ocorrer em qualquer época
da vida humana e certas condições especiais mantêm relação com determinados
períodos etários. Cada grupo etário apresenta entidades clínicas específicas, as quais
se relacionam com o grau de maturidade, com a idade e com o sexo. Atualmente a
Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono reconhece 84 diferentes distúr-
bios do sono e cada um deles é descrito com os critérios diagnósticos específicos.
Os TS são muito comuns. Estudos epidemiológicos feitos com a população
geral mostram uma alta prevalência e incidência de distúrbios do sono. Bixler et
al. encontraram, numa amostra de 1.006 indivíduos da região metropolitana de
Los Angeles, 42,5% com história de insônia, 32,5% com insônia no momento da
entrevista e 7,1% dos indivíduos com sonolência diurna. Números semelhantes
são vistos em outros estudos, inclusive em populações não ocidentais.
Os TS não são importantes para a saúde apenas por si próprios. Eles podem
repercutir na saúde do paciente, estando intimamente relacionados com diversas
entidades mórbidas, como hipertensão arterial, insuficiência cardiáca, acidente
vascular encefálico, arritmias cardíacas, infarto do miocárdio e doenças cardio-
vasculares em geral (Coy T. V.; Tremel F.: Basseti C.; Schafer H.; J. L. Kiely; Yong
T. ; Sutton D. A.; Akashiba T.).
Os TS estão associados à baixa qualidade de vida de um modo geral, tanto
em pacientes com insônia quanto em pacientes com apneia obstrutiva do sono.
Em um estudo conduzido pelo autor, verificou-se que pacientes com distúrbios
respiratórios do sono têm qualidade de vida inferior aos indivíduos sem esse
problemas (Bezerra, 2000).
Os TS causam grande número de acidentes de trânsito e acidentes ocupa-
cionais. Pacientes com apneia do sono são menos capazes de manter a atenção e

758
neurofisiologia básica do sono e polissonografia

possuem uma chance de até sete vezes a mais de sofrer acidente automobilístico
(Teran-Santos J). Os custos e as consequências relacionadas com os TS podem ser
diretas, indiretas, relacionados e intangíveis e são de todas as maneiras imensos.
Esses acidentes podem ser domésticos, ocupacionais, de trânsito e até de grandes
proporções. Acidentes com usinas nucleares como Chernobyl e Three Mile
Island e acidentes com petroleiros como o Exxon Valdez ocorreram durante a
madrugada e existem evidências de decisões equivocadas, nestas ocasiões, em
consequência de problemas de sono (Mahowald MW).
Curiosamente, apesar de os distúrbios do sono apresentarem alta incidência
e prevalência na população geral e estarem intimamente relacionados com
problemas de saúde graves e importantes, e também estarem relacionados com
acidentes, com grande prejuízo em termos de vidas humanas, impacto ambiental
e custos econômicos diretos e indiretos, os médicos em geral têm pouca intimi-
dade e conhecimento destes problema levando a um subdiagnóstico de problemas
de sono no sistema de saúde primário. Este fato deve-se à Medicina do Sono ser
uma área relativamente nova dentro do contexto médico, ainda ignorada pela
grande maioria dos profissionais. A difusão dessa especialidade se faz necessária
por ser uma área multidisciplinar, abrangendo várias áreas do conhecimento,
tais como Medicina, Odontologia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Psicologia etc.

Histórico

O sono é comum a todos os vertebrados e quase todos os animais, embora


em cada um deles tenha características próprias. Na história da Medicina,
com todo o mistério e fascinação envolvendo o sono, muitos médicos notáveis
realizaram brilhantes observações em relação à importância dos fenômenos
do sono na medicina clínica. Esse fato fez acumular informações ao longo dos
séculos sobre o papel do sono nos mecanismos provocadores de determinadas
doenças e seu tratamento. Porém, a falta de mecanismos capazes de medir o
funcionamento de órgãos internos impossibilitava um avanço mais consistente
na comparação entre sono e vigília.
As primeiras ideias relacionadas com o sono eram variantes da “doutrina
reflexa do sono”, que afirmava que o indivíduo dormia para recuperar as forças

759
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

e que a atividade cerebral cessava na ausência de estímulos externos. Os


primeiros sinais de que as coisas não deviam ser tão simples assim veio com os
primeiros registros eletroencefalográficos (EEG), feito por Hans Berger, em 1929.
Este, numa série de trabalhos publicados entre 1929 e 1933, mostrou que
o cérebro apresentava vários ritmos próprios e que estes mudam conforme o
estado de consciência. A importância de Berger para o estudo do sono — que
não era o seu principal objetivo — não reside apenas nos seus achados, mas
também no seu método: O aparelho de eletroencefalografia (EEG). Este permitiu
o estudo do sono de forma sistemática e ainda é até hoje um dos principais
elementos constituintes da ferramenta que disponibilizamos para efetuar o
estudo do sono, a polissonografia. Com este método, o EEG, novas portas se
abriram para o estudo do sono. Loomis e colaboradores descreveram, em 1937,
a tendência de o EEG mostrar mudanças estereotipadas no seu traçado durante
o sono, demonstrando conclusivamente que o sono consiste em estágios que
se alternam e podem ser diferenciados pelos padrões eletrencefalográficos, os
quais são adotados até hoje no nosso sistema de classificação.
Em trabalhos considerados clássicos, Bremer, em 1937, realizou uma prepa-
ração cirúrgica conhecida como cérebro isolado, que é a secção mediocolicular
abaixo do nível do núcleo do terceiro par craniano, fazendo com que o animal
de experimentação entrasse num estado de sono contínuo, caracterizado
pelo achado eletrofisiológico de ondas lentas difusas de grande amplitude.
Ao realizar uma secção no segmento caudal do bulbo, o encéfalo isolado, o
animal de experimentação foi capaz de gerar estágios de vigília e de sono. Destes
estudos que ocorreu a ideia de que o sono era um estado passivo que ocorria
quando eliminados os impulsos sensoriais ao nível cerebral alto. Moruzzi e
Magoun, em 1949, mostraram a importância das estruturas do tronco cerebral
para a manutenção do estado de vigília, pois realizaram transsecçoes nas vias
sensoriais ascendentes em que observaram a interferência no ciclo sono-vigília.
Em contraste, lesões produzidas em determinados núcleos do tronco cerebral
produziam estados de torpor e sono no animal, nascendo então o conceito de
sistema reticular ativador ascendente.
Este revelou, em estudos a posteriori conduzidos por Moruzzi e Magoun,
que não agia uniformemente na regulação do sono. Aproximadamente, na
mesma época Hess, trabalhando com gatos, mostrou ser possível induzir esses

760
neurofisiologia básica do sono e polissonografia

animais entrarem em estado altamente sugestivo de sono, tanto do ponto de


vista comportamental quanto do ponto eletroencefalográfico. Todos esses dados
mostram o papel fundamental que a atividade neuronal tem para a manutenção
da vigília e do sono. Estes dois estados são dependentes da atividade neuronal e
não apenas respostas à presença ou ausência de estímulos externos. Mas esses
dados, muito importantes, não foram suficientes para mostrar a grande comple-
xidade do sono e todos os seus elementos. Pode-se dizer que estes trabalhos
pavimentaram o caminho para o que estava por vir.
O grande passo na pesquisa do sono foi dado em 1953 quando Aserinski
e Kleitman observaram que o sono não é um estado homogêneo, mas que
podia ser dividido em dois estados fisiológicos bem distintos, sendo um como
movimentação ocular rápida e o EEG semelhante à vigília a que denominou-
-se sono paradoxal ou sono REM (Rapid Eyes Movements) e o outro sem
movimentos oculares rápidos, o sono Não REM. Os estudos, a posteriori,
verificaram várias diferenças fisiológicas, em que atualmente sabemos que o
sono Não REM apresenta redução da atividade neuronal, da taxa metabólica, da
temperatura cerebral, da atividade simpática (reduzindo a frequência cardíaca
e tensão arterial sistêmica), com atividade lenta no EEG e com atividade
motora ocasional. O sono REM apresenta aumento da atividade metabólica,
da temperatura cerebral, da atividade parassimpática (aceleração das frequências
cardíaca e respiratória), com o EEG dessincronizado, redução de atividade da
musculatura esquelética (excetuando-se o diafragma, a musculatura ocular e
a dos ouvidos médio).
Dement e Kleitman, uma das associações mais produtivas ao estudo do
sono, numa série de trabalhos (REF), determinaram as várias fases do sono
NREM (Estágio I a IV), suas particularidades e elementos constituintes, a
duração destas fases no sono, e que os sonhos ocorrem durante o sono REM.
Com estudos subsequentes, pode-se definir o substrato neuronal do sono,
em que foram identificados os núcleos geradores do sono REM, localizados na
ponte do tronco cerebral e núcleos executivos distribuídos no bulbo, medula,
tálamo e córtex cerebral. Foram, também individualizados células REM-on e
REM-off, assim como, células não REM on (Kandel et al.).
Com toda a informação acumulada das últimas décadas e mesmo, com a
elucidação dos mecanismos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos

761
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

que regulam o sono, não se sabe adequadamente a função do sono. Por isso,
surgiram na literatura, teorias que tentam traçar elementos que expliquem, ao
menos, parcialmente algumas evidências observadas. A Teoria da conservação
de energia baseia-se no fato de que o animal de maior taxa metabólica dorme
o maior número de horas que o animal de menor taxa metabólica; Teoria da
termorregulação consiste na observância de que ratos quando privados de sono
por duas semanas demonstram uma queda da temperatura corpórea, sugerindo
que o sono tenha um papel de retenção de calor; Teoria do metabolismo anabólico
refere-se que durante o sono ocorre liberação de hormônios anabólicos (GH)
e há redução da liberação dos hormônios catabólicos (cortisol) (Chokroverty,
1995); Teoria da restauração tecidual descreve que durante o sono REM ocorre
um aumento da síntese proteica no tecido cerebral e durante o sono Não REM
ocorre aumento da síntese proteica no tecido corporal (Adam K.); Teoria da
consolidação da memória os proponentes desta teoria acreditam que as infor-
mações e processamentos atribuídos ao sono REM apaguem, de forma seletiva,
traços de memória, como se fosse descarga de informação supérflua durante
a vigília. Mas o achado de que o sono REM serviria apenas para este processo
de informação acumulada ficou desestruturado com as pesquisas endereçadas
ao desenvolvimento ontogenético do ciclo sono-vigília, pois observou-se que
todos os mamíferos recém-nascidos apresentavam altas taxas de sono REM
e era o primeiro estágio a aparecer ontogeneticamente. Portanto, os autores
sugeriram que os eventos neurais forneciam substrato sensorial e motor para o
sistema nervoso central, para promover o enriquecimento das densidades sináp-
ticas, assim como desenvolver circuitos neuronais bem operantes (Roffwarg).
Contudo, sabemos atualmente que o sono não é um processo monolítico e sim
um contém vias a serem pavimentadas e trafegadas ao processo do conheci-
mento. Cabe salientar, no entanto, que parece-nos atual, apesar de ter sido dito
há 2000 anos por Aristóteles, que a função do sono é de prevenir a incapacidade
que resulta o excesso de vigília (Baker, 1985).
Poder-se-ia pensar que o estudo do sono é muito interessante do ponto de
vista puramente científico, fornecendo dados e explicações de como o cérebro
funciona ou no que consiste o sono, mas sem aplicações clínicas de relevância.
No entanto não é assim, os transtornos do sono começaram a ser identificados
e descritos. Foi na Europa que ocorreram os primeiros avanços no estudo da

762
neurofisiologia básica do sono e polissonografia

apneia do sono e sonolência. Gastaut et al. e Jung at Kuhlo descreveram a apneia


obstrutiva do sono, a síndrome de Pickwick. A síndrome de Pickwick havia sido
descrita alguns anos antes (pacientes obesos, pletóricos, sonolentos), tendo o seu
nome inspirado em um personagem de Charles Dickens do livro Posthumous
papers of the Pickwick Club, o menino Joe, gordinho e sempre sonolento. A sono-
lência destes pacientes foi erroneamente atribuída à hipercapnia e acreditou-se
também erroneamente ocorrer somente ao acordar. O grupo chefiado por Elio
Lugaresi foi quem determinou grandes avanços no estudo da apneia obstrutiva
do sono, ressaltando a importância do ronco, da hipoventilação e da associação
entre hipertensão arterial e apneia. O uso da polissonografia, registro simultâneo
de EEG, ECG, registro da respiração e dos movimentos do paciente durante
todo o sono permitiu a análise muito mais precisa do sono e seus problemas.
Christian Guilleminault determinou claramente o excesso de sono como um
problema clínico que merece atenção, promovendo no centro dos transtornos de
sono da universidade de Stanford a utilização rotineira de registros respiratórios
e cardíacos durante o exame do sono noturno.
Com a explosão de conhecimento, fez os estudos do sono terem um
campo próprio da medicina, a “Medicina do Sono”. Pode-se considerar que
uma disciplina médica existe quando constitui num corpo de conhecimento
estruturado e que este pode ser ensinado. Assim sendo, a Medicina do Sono
como disciplina médica teve seu início dos anos 1970, quando o estudo do sono
estava formalizado, estruturado, com centros de estudos.
Associação Americana dos Transtornos do sono formou-se em 1975 para
padronizar a prática e representar os cientistas e médicos praticantes da medicina
do sono, realizando inúmeros avanços, tais como a informação a nível de sistema
educacional sobre o sono, dos efeitos da privação de sono e suas consequências.

Regulação do cérebro sobre o sono

O sono é um processo fisiologicamente ativo e nos estudos por tomografia


por emissão de pósitrons demonstra-se que várias áreas cerebrais estão envolvidas.
Não existe um centro único do sono, e sim várias regiões que parecem
governar o tempo e a sequência do processo do sono. No hipotálamo há uma

763
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

região envolvida na regulação dos ritmos circadianos que determinam quando


o sono deve ocorrer dentro do período de 24 horas, a que denominamos área
supraquiasmática. A região anterior do hipotálamo está implicada primariamente
o aparecimento do sono. Existe uma região cerebral crítica, o tronco cerebral, para
a determinação da sequência alternante dos ciclos REM e não REM.

Arquitetura do sono

Denomina-se arquitetura do sono o conjunto de estágios e ciclos que


envolvem o sono. Cada indivíduo apresenta uma variação fisiológica destas
etapas, porém existe uma faixa de normalidade de tempo para cada estágio e
ainda podemos observar várias intercorrências nestes períodos que possam
interromper algum estágio e demonstrar alguma patologia associada, como
no caso da apneia do sono, que provoca o despertar, ou o microdespertar do
indivíduo, mesmo que de forma despercebida pelo paciente com esta síndrome.
A interrupção destes estágios ou ciclos como neste exemplo, impedindo a
progressão fisiológica do sono, causa uma sensação de sonolência diurna ou
um sono não restaurador no dia subsequente.
O estagiamento do sono é realizado principalmente através do padrão
eletroencefalográfico. Outros parâmetros também ajudam neste estagiamento
como a eletromiografia, eletro-oculograma e etc. Durante o dia quando estamos
alerta, em vigília apresentamos um ritmo cerebral relativamente rápido denomi-
nado ritmo Beta. Quando dormimos, inicialmente apresentamos normalmente
o sono Não REM, que compreende quatro estágios:
Estágio 1 – Com uma atividade elétrica cerebral predominantemente mais
lenta denominado ritmo Teta (2% a 5%)
Estágio 2 – Atividade elétrica cerebral Teta e presença de grafoelementos
como complexos K e Fusos (45% a 50%)
Estágio 3 – O traçado no EEG permanece ainda mais lento com ondas
denominadas delta (13% a 23%)
Estágio 4 – Presença de ondas lentas delta difusamente, correspondendo
a um sono profundo (até 5%)

764
neurofisiologia básica do sono e polissonografia

O sono REM é constituído por uma grande atividade cerebral, como na


vigília, porém com menor amplitude, redução da atividade muscular e movi-
mentos oculares rápidos, característico deste período. É ainda neste período
que apresentamos os sonhos e esta etapa relaciona-se com alguns distúrbios
do sono e com a consolidação da memória.
O sono consiste numa alternação cíclica de sono REM e não REM durante
uma noite. A duração desse ciclo é em torno de 70 a 120 minutos e realiza-se
de três a quatro ciclos por noite.
Os estágios do sono de ondas lentas predominam no terço inicial da noite,
enquanto o sono REM predomina no terço distal.
Normalmente, o sono desenha uma arquitetura que obedece a uma
sequência de variação dos estágios que nos adultos iniciam com sono Não REM
do estágio 1 progredindo para os outros três estágios. O sono REM comumente
ocorre após uma alteração entre o estágio 3 ou 4 para o estágio 2.

O sono nas diferentes idades

a) Sono nos lactentes e nas crianças

Os recém-natos passam dois terços de suas vidas dormindo, o que significa


uma duração do sono em torno de 16 a 18 horas. Cabe lembrar que 50% desse
período é de sono REM. No final do primeiro ano de vida, o período total de
sono reduz-se aproximadamente para 12 horas por dia, sendo que o sono REM
apresenta 25% do total do período de sono. Este mantém-se durante a maior parte
da vida. A observação de que as crianças apresentam uma maior dificuldade para
acordar no primeiro terço da noite deve-se ao fato de que nesse período se insere
um maior contingente do sono de ondas lentas (estágios III e IV).

b) Sono nos adultos e idosos

Nesta faixa etária, os indivíduos são mais facilmente despertos, pois ocorre
uma diminuição do sono de ondas lentas. Os indivíduos com mais de 60 anos

765
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

exibem fisiologicamente um maior número de despertares e redução importante


do sono de ondas lentas. Portanto, encontramos queixas de sono não reparador
com maior frequência nessa idade. Esse processo é parcialmente compreendido
devido à redução da densidade sináptica no córtex cerebral.

Classificação dos transtornos do sono

Estão descritas 84 transtornos do sono, sendo que suas anormalidades


manifestam-se de várias maneiras, tais como dificuldade para iniciar e/ou
manter o sono, sonolência excessiva, eventos motores ou comportamentais
atípicos, os quais obedecem a um determinado estado do sono.
Os transtornos do sono são classificados em quatro categorias, de acordo
com a classificação internacional das desordens do sono:
a) Dissonias (dificuldade para iniciar/manter o sono ou sonolência exces-
siva); Exemplificadas como Insônias de diversas causas (dificuldade de
iniciar ou manter o sono), Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono
(obstrução ao fluxo aéreo), Narcolepsia (sonolência excessiva de causa
central), Síndrome das pernas inquietas (vontade incessante de mover as
pernas ao deitar), Bruxismo (movimentos de ranger os dentes ou morder),
entre outras.
b) Parassonias (condições que ocorrem com uma relação particular ao
processo do sono). Como no Sonambulismo (comportamentos complexos
como andar e executar certas funções), Soniloquismo (emissão de fala ou
sons durante o sono), Terror no sono, Confusão ao acordar, Pesadelos,
Síndrome comportamental do Sono REM etc.
c) Transtornos associados a condições clínicas e psiquiátricas; distúrbios de
Humor, Psicoses, Ansiedade, Alcoolismo, Doenças neurológicas associadas
como a epilepsia, demência, Parkinsonismo e diversas outras condições.
d) Desordens do sono propostas. Desordem do sono associada à mens-
truação, Hiper-hidrose do Sono (sudorese profusa durante o sono) etc.

766
neurofisiologia básica do sono e polissonografia

Metodologia para a avaliação do sono e polissonografia

Na avaliação do sono, em um indivíduo, devemos primeiro pesquisar


quais as queixas relacionadas: se o sono é restaurador; a que horas o paciente
se deita e desliga a luz; a que horas ele consegue dormir; se ronca, se fala à noite;
se movimenta; se já acordou com falta de ar e todas as perguntas associadas.
É importante questionar também problemas sociais e familiares agudos ou
crônicos, que possam estar interferindo na qualidade de sono deste paciente.
Muitas vezes torna-se necessário a presença de um acompanhante para iden-
tificar e relatar a presença destes questionamentos.
Em diversas ocasiões, é necessário um maior estudo da eficiência de
sono da pessoa. Nestes casos, quando houver indicação podemos utilizar
a polissonografia. Este é um instrumento que dispomos para quantificar,
qualificar e documentar o estado comportamental do sono noturno. É uma
ferramenta altamente confiável e objetiva, que monitora múltiplos parâmetros
fisiológicos simultaneamente: eletroencefalograma, eletromiografia do queixo
e pernas, eletrocardiograma, eletro-oculograma, fluxo de ar nasal/oral e esforço
respiratório. Este exame é realizado à noite, em laboratórios especializados, em
quartos preparados como nos serviços de hotelaria permitindo que o indivíduo
sinta-se totalmente à vontade para dormir o mais fisiologicamente possível,
permitindo que possamos identificar todos os estágios do sono, o tempo de
sono, os despertares, as obstruções do fluxo aéreo, o ronco e todos os outros
parâmetros para identificar uma patologia do sono e sua gravidade.
Na avaliação do sono diurno utiliza-se o teste de latência múltipla do sono,
em que se faz o monitoramento, semelhante à polissonografia, durante uma
série de quatro a cinco sessões de sono espaçadas em intervalos de duas horas
durante o dia.

Considerações finais

A cada dia vem crescendo a importância da Medicina do Sono no dia a


dia dos médicos e das pessoas. É importante, como profissionais na área de
saúde, termos conhecimentos destas patologias tão frequentes em nosso meio,

767
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

porém que ainda hoje é prejudicada por certas crenças e tabus e pela falta de
investimentos na educação médica nesta disciplina. Ao observarmos que ocorre
uma melhora no desempenho, na produtividade e principalmente na qualidade
de vida de muitas pessoas, e ainda diminui a incidência de certas patologias
associadas aos distúrbios do sono, como, a hipertensão arterial e problemas
gastrointestinais, entre outros, esperamos que haja uma conscientização de
todos para que estes conceitos se estendam para toda a população.

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769
66
Mecanismos fisiológicos
da audição em níveis
ocupacionais
Kátia Miriam de Melo Silveira

Introdução

Geralmente, os transtornos auditivos somente são percebidos quando


passam a interferir no processo de comunicação do indivíduo, comprometendo
a inteligibilidade da mensagem, ao formular respostas erradas às questões que
lhe foram dirigidas. Como consequência, este tende a isolar-se, afastando-se
cada vez mais de situações de comunicação.
O conceito de que é difícil melhorar as habilidades de comunicação, nestes
casos, pode estar equivocado, frequentemente oriundo da falta de conhecimento
sobre a plasticidade do sistema nervoso auditivo central e das práticas clínicas
disponíveis que podem favorecer a modificação destes processos. Os testes
de Processamento Auditivo Central (PAC) destinam-se, especificamente, ao
estudo e análise das informações acústicas, quando relacionadas às funções
centrais básicas. Sabe-se, também, que o reconhecimento de padrões auditivos
está relacionado aos processos perceptuais e auditivos (Memória, Interação e

771
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Integração) e a percepção verbal do estímulo está relacionada às funções mais


básicas do sistema nervoso auditivo central (Kimura, 1961).
A importância de estudar corretamente o desempenho de duas populações
distintas nos testes que avaliam os processos auditivos, bem como caracterizá-
-las, vem da necessidade, cada vez maior, de se realizar um diagnóstico mais
preciso, nos casos em que não é possível uma avaliação objetiva e, considerando
que, na realidade brasileira, fatores como escolaridade e nível socioeconômico
e cultural, frequentemente, são apontados como fontes de variabilidade. Além
disso, os resultados obtidos aqui podem ser muito diferentes das populações
avaliadas em outros países do mundo, onde inicialmente estes testes foram
validados e padronizados. Deste modo, decidiu-se por caracterizar algumas
das etapas que constituem avaliação do Processamento Auditivo Central em
indivíduos adultos e idosos que ocupam diferentes níveis ocupacionais da cidade
de Franca, Estado de São Paulo, a fim de verificar se existe variabilidade entre
o desempenho de indivíduos que fazem uso de atividades mentais diárias e
aqueles que exercem profissões manuais sem esforço mental diário, sendo em
sua grande maioria atendida nos hospitais universitários e públicos.

Métodos

A casuística deste estudo foi constituída por adultos e idosos de diferentes


níveis ocupacionais. Foram selecionados em uma clínica de fonoaudiologia
localizada na cidade de Franca, Estado de São Paulo, num total de 226 indi-
víduos, sendo 137 do sexo feminino e 89 do sexo masculino. O grupo etário
variou entre 22 e 89 anos, com média de 58 anos, sendo 97 indivíduos com
idade menor que 55 anos e 129 indivíduos com idade maior ou igual a 55 anos.
Denominou-se Grupo Adulto, o grupo etário com idade menor do que 55
anos e Grupo Etário de Idosos, os indivíduos com idade igual ou maior que
55 anos. Justifica-se a opção de selecionar indivíduos com idade menor
que 55 anos e maior ou igual que 55 anos, pelos estudos de Amatucci (1998), que
verificou prejuízo na habilidade de localização sonora (processo de interação)
em indivíduos idosos, sugerindo a ocorrência de perda da capacidade auditiva
funcional a partir de 55 anos.

772
mecanismos fisiológicos da audição em níveis ocupacionais

Os indivíduos foram distribuídos em três diferentes grupos, de acordo com


os níveis ocupacionais em que foram classificados, segundo a portaria no 1334
de 21.12.1994, que dispõe sobre a Classificação Brasileira de Ocupações. Estas
ocupações foram reunidas em níveis para formação dos grupos de indivíduos,
a fim de facilitar a comparação dos níveis de ocupação profissional entre si. Para
tanto, seguiu-se modelo adaptado da classificação de Hutchinson e Castaldi
(1960). Para formação dos grupos A, B e C, reuniram-se os indivíduos com
níveis ocupacionais correspondentes a: grupo A: 131 indivíduos com níveis
ocupacionais correspondentes a profissões liberais e funcionários de altos cargos
administrativos: professores, pesquisadores; grupo B: 16 indivíduos que ocupam
cargos de gerência e direção, posições de supervisão, inspeção e outras ocupações
não manuais; grupo C: 79 indivíduos com ocupações semiespecializadas e não
especializadas em cargos manuais.
Foram considerados os seguintes critérios de seleção dos indivíduos para
participar deste trabalho
1. ser brasileiro, com idade entre 21 e 90 anos e apresentar o português
falado no Brasil como língua materna; 2. apresentar exame de otoscopia
normal na data de seleção para participar do estudo; 3. apresentar capacidade
bilateral de detecção de tons puros de freqüências baixas e médias, 250 a 2000
hertz (Hz), em até 25 decibéis nível de audição (dBNA) e timpanograma do
tipo A (Jerger, 1970), (timpanograma normal). Indivíduos com rebaixamento
auditivo em altas frequências (3, 4, 6 e 8) quilohertz (kHz) foram incluídos
nesta pesquisa, desde que apresentassem limiares de audibilidade bilateral-
mente de até 71 dBNA e simétricos.
Neste estudo, denominou-se Questionário de Investigação o instrumento
conhecido como Anamnese do Processamento Auditivo, seguindo o proposto
por Pereira (1997), de maneira que o indivíduo deveria responder sim ou não
para as questões que lhe foram apresentadas.
Verificação dos limiares tonais por via aérea. Os procedimentos adotados
na pesquisa da medida do limiar de audibilidade para tom puro por via aérea,
via óssea (quando possível) e timpanometria seguiram os pressupostos descritos
por Jerger (1970); Redondo e Lopes Filho (1997); Rossi (1998) e Frota (1998).
Para obter os resultados dos limiares de audibilidade, foram utilizados os
procedimentos descritos por Redondo e Lopes Filho (1997). Sendo assim, foram

773
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

considerados normais aqueles indivíduos que apresentaram níveis de audição


por via aérea de no máximo 25 dBNA nas frequências baixas, médias e altas, ou
seja: 250 e 500 Hz, 1, 2, 3, 4, 6 e 8 kHz, adotando o critério proposto por Davis
(1970). E considerou-se rebaixamento auditivo, quando o limiar de audibilidade
em dBNA obtido ultrapassasse a 26 dBNA, aceitando a classificação descrita
por Davis (1970)

Resutados e análise estatística

Distribuição dos indivíduos segundo resultados obtidos em limiares de


audibilidade normais, detecção normal (DN) e rebaixamento auditivo (RA)
em altas frequências, separadamente, segundo as variáveis, sexo e grupo
etário, em toda a população avaliada e os respectivos valores dos testes
estatísticos.
Audiometria

Resposta
Bilateral

Sexo Sexo
Grupo
Etário
Tonal

Feminino Masculino Qui-quadrado


ou Fisher (p)

N % N %
Sim 44 64,7 21 72,4 0,615
Adultos
Não 24 35,3 8 27,6
RA
Sim 33 47,8 27 45,0 0,885
Idosos
Não 36 52,2 33 55,0

Audiometria Tonal adultos idosos Qui-quadrado


Resposta
Bilateral N % N % ou Fisher (p)
Rebaixamento auditivo Sim 65 67,0 60 46,5 0,003
em altas frequências Não 32 33,0 69 53,5

Distribuição dos indivíduos em valores médios e desvio padrão no teste


SRT, separadamente por orelha, segundo as variáveis sexo e grupo etário para
população avaliada e respectivos valores dos testes estatísticos.

774
mecanismos fisiológicos da audição em níveis ocupacionais

Lado Direito Lado Esquerdo


Adultos Idosos Adultos Idosos
Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc.
Média 15,15 12,41 16,30 17,42 16,62 12,07 17,10 17,92
Desvio-padrão 7,87 6,36 7,84 8,66 8,17 5,90 7,83 8,09

Distribuição dos valores médios e desvio padrão no teste IPRF, separa-


damente por orelha, segundo o grupo etário e a variável sexo, para população
total avaliada e os respectivos valores dos testes estatísticos.

Lado Direito Lado Esquerdo


Adultos Idosos Adultos Idosos
Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc.
Média 96,53 97,93 95,77 94,00 96,41 98,21 95,83 93,80
Desvio-padrão 5,21 5,41 6,68 5,82 6,23 4,22 6,19 6,35

Distribuição dos indivíduos que apresentaram respostas correta nos


processos auditivos que avaliam Memória SeqUencial para sons verbais e não
verbais, separadamente, por sexo e grupo etário, para a população total avaliada
e os respectivos valores dos testes estatísticos.
Qui-quadrado ou
Grupo Etário

Resposta

Fisher (p)

Sequenciamento Feminino Masculino


Sonoro

N % N %
Adultos 0, 1, 2 22 32,4 5 17,2 0,203
3 46 67,6 24 82,8
Sons Instrumentais
Idosos 0, 1, 2 41 59,4 39 65,0 0,639
3 28 40,6 21 35,0

775
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Qui-quadrado
Grupo Etário

ou Fisher (p)
Resposta
Sequenciamento Feminino Masculino
Sonoro

N % N %
Adultos 0, 1, 2 10 14,7 3 10,3
0,749
3 58 85,3 26 89,7
Sons Verbais
Idosos 0, 1, 2 31 44,9 25 41,7
0,846
3 38 55,1 35 58,3
Resposta

Qui-quadrado
Sequenciamento Adultos Idosos
ou Fisher (p)
Sonoro
N % N %
Sons Verbais 0, 1, 2 13 13,4 56 43,4 <0,001

Distribuição dos indivíduos segundo seu desempenho no teste de locali-


zação sonora, separadamente por sexo e grupo etário, para a população total
avaliada e os respectivos valores dos testes estatísticos.
Resposta

Sexo Sexo
Grupo
Etário

Feminino Masculino Qui-quadrado


ou Fisher (p)
N % N %
2, 3, 4 20 29,4 5 17,2
Localização

Adultos 0,317
Sonora

5 48 70,6 24 82,8
2, 3, 4 43 62,3 41 68,3
Idosos 0,596
5 26 37,7 19 31,7
Resposta

Adultos Idosos Qui-quadrado


ou Fisher (p)
N % N %
Localização 2, 3, 4 25 25,8 84 65,1 <0,001
Sonora 5 72 74,2 45 34,9

776
mecanismos fisiológicos da audição em níveis ocupacionais

Considerações finais

Num país depauperado como o Brasil, inúmeros fatores podem associar-se, de


modo a produzir resultados significativamente mais baixos, quando se comparam
três populações distintas, neste caso níveis de ocupação profissional. Desde o parto
domiciliar, com suas possíveis consequências, como uma infância de desnutrição,
desprovidas de estímulos para um desenvolvimento perfeito, além da maior prevalência
de doenças infectocontagiosas a que se está sujeito, até a dificuldade de acesso às escolas
e aos hospitais, todos esses fatores pesam no desenvolvimento global dos indivíduos,
tornando-os mais limitados na criação de alternativas às respostas dos testes.
Outro fator que poderia explicar o baixo desempenho nos testes de proces-
samento auditivo é a capacidade intelectual dos indivíduos do grupo C, mesmo
que seja simplesmente para repetir palavras, tarefa para a qual, teoricamente,
não deveria haver influência do nível educacional ou profissional. A sensação
constrangedora gerada pela situação teste e a consciência das possíveis limitações
tornam-se evidentes, podendo gerar uma expectativa negativa no desempenho
destes indivíduos. Este aspecto, em particular, chamou a atenção nesta pesquisa,
principalmente porque quando se está diante de uma situação de clínica, algumas
vezes, por motivos até justificáveis, negligencia-se o fato de que o indivíduo que
está sendo submetido ao teste pode estar emocionalmente abalado, ou até mesmo
constrangido diante dele, reduzindo assim o seu tempo de atenção e, conseqüen-
temente, levando-se a resultados alterados e que não necessariamente podem estar
relacionados com capacidade cognitiva ou intelectual. Também se deve considerar
o fato de que no Brasil, as dificuldades de aprendizagem da leitura são identificadas
por meio de instrumento de avaliação da inteligência e do nível de leitura. Porém,
na prática, estes procedimentos em nível individual devem ser complementados
por outras avaliações, uma vez que as correlações entre testes de inteligência e
desempenho em leitura não são perfeitas (Abranches, 1958; Lagôa, 1990).
Os resultados deste estudo mostraram que o nível de ocupação profis-
sional foi o fator de maior importância nos resultados dos testes que avaliam
os processos de Memória, Interação e Integração. Substanciadas na análise
das diferentes etapas para as faixas etárias e para cada sexo, obtiveram-se
diferenças estatisticamente significativos e considerou-se relevante o efeito do
nível profissional e, consequentemente, as exigências diárias de esforço mental.

777
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

O reconhecimento de que o nível de ocupação profissional pode influenciar


os testes que avaliam os mecanismos fisiológicos da audição, é de fundamental
importância. Primeiro, porque ao ser fornecido o diagnóstico de alteração do
Processamento Auditivo, deve-se ter um critério de referência de normalidade
que leve em conta o uso de atividade mental diária do indivíduo. E, também,
que seja selecionado um conjunto de testes que, necessariamente, correspondam
à sua capacidade de analisar e interpretar os estímulos sonoros. Segundo, há a
tendência de se superestimar a capacidade intelectual ou cognitiva de pessoas
que atuam em níveis ocupacionais com menor exigência de reciclagem e
aprimoramento. Deve-se lembrar que, devido à deficiência dessas pessoas em
lidarem com situações novas, é necessário que as instruções para realização
dos testes, os cortes para análise do fechamento de um diagnóstico e mesmo os
retornos e os encaminhamentos para treinamento auditivo devem ser feitos, de
modo diferenciado, para aqueles que ocupam profissões não especializadas e
que fazem reduzida utilização de suas capacidades mentais, repetindo-se, várias
vezes, até que sejam suficientemente assimilados; mais ainda, tomando-se o
cuidado de apresentar um padrão de fala com pausas, evitando o ritmo acelerado
da fala e, por último, tomando cuidado de confirmar se o paciente realmente
compreendeu a orientação antes de aplicar o teste e fechar um diagnóstico.
Diante dos resultados obtidos, a partir da comparação entre o desempenho
de 226 indivíduos de ambos os sexos, adultos e idosos, distribuídos em três
grupos ocupacionais, em que se buscam caracterizar os mecanismos fisioló-
gicos da audição na avaliação simplificada do PAC e Teste Dicótico de Dígitos,
considerando as variáveis sexo, faixa etária e perda auditiva em altas frequências,
foi possível observar que:
1. Tanto no levantamento dos dados da história dos indivíduos, quanto na
sensibilidade auditiva e nos processos de Interação, Memória e Integração
avaliados, não se verificou a influência da variável sexo. Ocorreu, porém,
um efeito da variável faixa etária. O grupo etário de idosos, mesmo
com melhores limiares tonais, apresentou piores pontuações nos testes
especiais, revelando que os processos auditivos avaliados possivelmente
não estão ativos, como no grupo de adultos;
2. foi encontrada relação estatística de significância entre os grupos profis-
sionais, indicando que, tanto no levantamento dos dados da história

778
mecanismos fisiológicos da audição em níveis ocupacionais

dos indivíduos, quanto na sensibilidade auditiva e nos mecanismos


fisiológicos auditivos avaliados, o grupo C foi pior que os grupos A e B,
respectivamente. Quando se analisou a variável grupo etário, pôde-se
verificar que os resultados, tanto de adultos, quanto de idosos, sofreram
influência do grupo C que apresentou piores pontuações nos testes
especiais, revelando que os processos auditivos avaliados no grupo C,
possivelmente, não estão tão ativos quanto nos grupos A e B;
3. nos resultados da análise cruzada entre os achados e o rebaixamento
auditivo em altas freqüências, concluiu-se que em todas as combinações
analisadas, segundo as variáveis limiares de audibilidade normal, rebai-
xamento auditivo em altas frequências e grupo etário, verificou-se que o
grupo C sofreu influência da faixa etária, tanto nos processos de Memória,
Interação e Integração, quanto na sensibilidade auditiva, no sentido de
que o grupo C foi pior que os grupos A e B. Quando se analisou a vari-
ável grupo etário, pôde-se verificar que os resultados, tanto de adultos,
quanto de idosos, sofreram influência do grupo C que apresentou piores
pontuações nos testes especiais, revelando que os processos auditivos
avaliados no grupo C, possivelmente, não estão tão ativos quanto nos
grupos A e B, tanto para adultos quanto para idosos;
4. o rebaixamento auditivo não contribuiu para a dificuldade no desempenho
dos indivíduos, mesmo em casos de comparação com indivíduos com
limiares de audibilidade dentro do padrão de normalidade, revelando que
os processos auditivos podem ser aplicados em indivíduos com perdas audi-
tivas em altas frequências. Os indivíduos do grupo C, mesmo com melhores
limiares tonais, apresentaram piores pontuações nos testes comportamentais
e audiométricos especiais, revelando que os processos auditivos avaliados
possivelmente não estão tão ativos como nos grupos A e B. Isso sugere que
o comprometimento funcional neural nos indivíduos do grupo C pode ter
sido reforçado, provavelmente, pela falta do uso de atividades mentais diárias;
5. em altos níveis de ocupação profissional, que exigem maior uso das
atividades mentais, os idosos não mostraram inabilidade em ordenar
temporalmente os sons, revelando menor comprometimento deste
processo neural, que não foi influenciado, significativamente, pelas
variáveis sexo, faixa etária e rebaixamento auditivo em altas frequências.

779
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

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780
67
Avaliação e diagnóstico
dos distúrbios do
processamento auditivo
Karla M. Ibraim da Freiria Elias

Introdução

Há algum tempo não era incomum recebermos para avaliação crianças


com queixas muito claras de alterações auditivas e estas continuarem sem o
devido esclarecimento uma vez que, com os testes audiológicos convencionais,
obtínhamos resultados absolutamente dentro dos padrões considerados
normais. Hoje sabemos que muitos daqueles casos apresentam distúrbio do
processamento auditivo. Isto se tornou possível com a normatização e difusão
dos testes especiais de audição. Estes são medidas comportamentais fáceis de
ser aplicadas e de extrema utilidade para se avaliar o uso funcional e eficiente
dos processos auditivos em indivíduos nas várias faixas etárias.

Definição

Processamento auditivo são os mecanismos e processos realizados pelo


sistema auditivo que são responsáveis pelos seguintes fenômenos comportamentais:

781
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

localização e lateralização do som; discriminação auditiva; reconhecimento


de padrões auditivos; aspectos temporais da audição que incluem resolução,
mascaramento, integração e ordenação temporal; performance auditiva com
sinais acústicos competitivos e performance auditiva com sinais acústicos
degradados (Asha, 1995).
O desenvolvimento adequado de todas estas habilidades depende da
capacidade biológica inata e da experiência acústica, clara, estável e variada
(Pereira e Cavadas, 1998).
O adequado funcionamento deste sistema capacita o indivíduo a reco-
nhecer, discriminar e interpretar os eventos sonoros a que está exposto, dos
mais simples, como o barulho de um objeto caindo no chão, aos produzidos
por uma sinfonia ou uma calorosa discussão.
Estas habilidades são mediadas pelos centros auditivos localizados no
tronco cerebral e regiões do córtex e que podem ser agrupadas nas seguintes
áreas gerais:
▶▶ Atenção: habilidade relacionada ao modo pelo qual o indivíduo se
atenta aos sons verbais e não verbais;
▶▶ discriminação: relaciona-se a capacidade de detectar as características
diferenciais entre os sons no que se refere à frequência, intensidade e
tempo de duração;
▶▶ associação: é a capacidade de estabelecer relações entre os sons e outras
informações já armazenadas;
▶▶ integração: habilidade de relacionar a informação auditiva com as de
diferentes modalidades sensoriais;
▶▶ organização de Saída: é o conjunto formado pelas habilidades de
sequenciamento, organização e evocação dos estímulos auditivos
necessários ao planejamento e emissão de resposta (Alvarez, 2000;
Misorelli, 2001).

Distúrbios do processamento auditivo

Os distúrbios de processamento auditivo (DPA) resultam da perda ou


disfunção de um ou mais destes processos anteriormente relacionados e que

782
avaliação e diagnóstico dos distúrbios do processamento auditivo

podem ocorrer por disfunção neuromorfológica, distúrbio ou atraso de maturação


do sistema nervoso central, lesões neurológicas ou otológicas. Entre as causas
otológicas a otite de repetição é a mais comum devido à alta incidência entre as
crianças e por acometê-las, frequentemente, num período considerado crítico
para o desenvolvimento das habilidades auditivas, uma vez que determinam
flutuações na acuidade auditiva e distorção dos estímulos sonoros (Bellis, 1996).
O DPA pode ocorrer isoladamente ou em associação de disfunções mais
globais que afetam o desempenho do indivíduo nas várias modalidades e não
apenas na auditiva. O déficit de atenção e o de representação da linguagem são
dois bons exemplos.
É observado em diversas populações clínicas, incluindo aquelas em que há
suspeita de patologias do sistema nervoso central ou desordens de neurodesen-
volvimento, como nos distúrbios de desenvolvimento de linguagem, dislexias,
distúrbio de aprendizagem, déficit de atenção e naquelas onde a evidência de
neuropatologia é clara, como nas afasias, esclerose múltipla, epilepsia, traumas,
acidentes vasculares, tumor e doença de Alzheimer (Chermak, 1999).
O DPA também pode ser observado em idosos, presumivelmente, próprios
das mudanças neurológicas não patológicas associadas ao envelhecimento.
A incidência em crianças é de 2% a 3%, com índice de 2:1 entre meninos e
meninas. Entre os adultos a estimativa é em torno de 10% a 20% e para os idosos
em 70% (Chermak e Musiek, 1997).

Principais sintomas

Indivíduos com DPA são caracterizados como:


▶▶ Ouvintes pobres;
▶▶ facilmente dispersáveis;
▶▶ com dificuldade na compreensão da linguagem falada na presença de
ruídos de fundo ou de reverberação;
▶▶ dificuldade de entendimento de fala degradada, como nas situações de
fala rápida ou abafada;
▶▶ dificuldade em compreender palavras com duplo sentido;

783
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

▶▶ dificuldade em seguir instruções e em discriminar e entender sons de fala;


▶▶ respostas inconsistentes;
▶▶ falta de atenção e memória a estímulos auditivos;
▶▶ frequentemente solicitam a repetição do que foi dito ou demoram a
emitir resposta.

Essas crianças podem se mostrar agitadas, hiperativas ou o oposto, muito


quietas. É comum serem desajustadas ou com tendências ao isolamento.
Muitos destes comportamentos são semelhantes aos apresentados pelos
disacúsicos, o que justifica a busca pela avaliação tradicional e a antiga falta de
compreensão dos sintomas, uma vez que como é que ouvintes normais poderiam
se comportar como se fossem surdos.
Todas estas manifestações acabam por interferir profundamente no
desempenho comunicativo e acadêmico destas crianças, isto porque audição,
linguagem e aprendizagem são processos interdependentes. No que concerne
à aprendizagem, com frequência é observado desempenho escolar abaixo do
potencial em atividades de leitura, gramática, ortografia e matemática, e em
consequência destes, a uma série de desdobramentos emocionais.
Evidentemente estas manifestações dependem de fatores circunstanciais e
nem todas poderão estar presentes num quadro de DPA. Também é verdadeiro
que outras patologias podem apresentar sintomas semelhantes e o diagnós-
tico, em cada caso, reside na aquisição sistemática de um corpo de dados que
confirme o déficit específico na modalidade auditiva.

Avaliação

O PA é avaliado através de um conjunto de testes que inclui medidas eletro-


fisiológicas e procedimentos comportamentais, administrados sob condições
acusticamente controladas.
A escolha dos testes deve ser norteada pela sensitividade, variedade de
processos auditivos que avaliam e disponibilidade de dados normativos em
populações sem queixas de patologias nas diferentes faixas etárias (Alvarez, 2000).

784
avaliação e diagnóstico dos distúrbios do processamento auditivo

É importante ressaltar que para a aplicação destes testes alguns pré-


-requisitos são necessários tais como audição periférica suficiente e nível de
atenção, habilidade cognitiva e habilidade de linguagem compatíveis com as
exigências de cada teste.
Particularmente em relação à linguagem, o fonoaudiólogo deve adotar uma
abordagem mais abrangente do que somente verificar se a emissão e recepção
são suficientes para responder aos testes, propondo avaliar a linguagem oral em
seus aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos.
A mesma ação é válida para a linguagem escrita, pois quanto mais consistentes
forem os dados, mais sólidos serão as condutas adotadas, uma vez que é este
o profissional que irá conduzir a avaliação do PA, fazer as recomendações
terapêuticas e possíveis encaminhamentos para outras áreas do conhecimento.
Especificamente ao PA, os vários testes disponíveis se diferenciam pela
tarefa exigida, tipo de estímulo utilizado, modo de apresentação dos estímulos
e de resposta.
Os estímulos podem ser verbais ou não verbais. Os mais utilizados na
prática clínica são os verbais e estes podem variar na complexidade através do
uso de sílabas, palavras ou sentenças.
Há três possibilidades de apresentação dos estímulos, monótica, onde cada
orelha é avaliada isoladamente, diótica quando o mesmo estímulo é apresentado
a ambas as orelhas e dicótica, onde dois diferentes estímulos são apresentados
simultaneamente às duas orelhas.
Quanto ao modo de resposta, o indivíduo pode repetir, apontar ou imitar
o estímulo apresentado.
Os testes são categorizados em monoaurais de baixa redundância, dicóticos,
de processamento temporal e interação binaural. Os monoaurais são os testes
que avaliam o reconhecimento de um som decomposto acusticamente. Os
dicóticos avaliam o reconhecimento de dois sons apresentados simultanea-
mente. Neste caso, o indivíduo poderá repetir tudo que ouviu, numa tarefa de
integração binaural ou, repetir apenas uma parte da informação realizando o
processo de separação binaural.
Os testes de interação binaural solicitam a habilidade de processar infor-
mações complementares, neste modo, parte da informação é dada às orelhas

785
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

de modo sequencial e para identificar e repetir a mensagem é necessário juntar


os fragmentos dados separadamente a cada uma das orelhas.
Devo ressaltar que uma avaliação eficiente não se baseia nos resultados de
um ou dois testes, mas da aplicação de um conjunto de testes apropriadamente
selecionados, pois o objetivo não se encerra em simplesmente identificar a
presença ou não de um déficit, mas verificar sua natureza e extensão.
De modo complementar, alguns procedimentos eletrofisiológicos poderão
ser utilizados e os mais recomendados são as emissões otoacústicas (OEA),
audiometria de tronco cerebral (ABR), mismatch negativity (MMN) e P300.
As OEAs são medidas objetivas úteis para a avaliação da orelha interna.
A ABR contribui para a avaliação por fornecer informações sobre os núcleos
auditivos localizados no tronco cerebral através da captação da atividade elétrica
gerada em resposta a um estímulo acústico.
O MMN e o P300 são procedimentos que captam respostas auditivas do
tálamo e córtex, estruturas que estão envolvidas com as funções de discriminação,
integração e atenção. Enquanto o MMN mede a detecção cerebral de mudanças
acústicas, o P300 mede a velocidade de processamento cerebral, integrando a
audição com outras atividades do sistema nervoso central (Carvalho, 1997).
A avaliação deve ser criteriosa a fim de identificar tanto as habilidades
disfuncionais como as preservadas com o objetivo de prover as diretrizes para
um tratamento incisivo que vise compensar as deficiências e aproveitar todas
as potencialidades evidenciadas.

Diagnóstico

Para a investigação do DPA em sua totalidade, é necessário adotar um


enfoque multidisciplinar.
A participação de outros profissionais das áreas da saúde e educação levará
a compreensão da abrangência da desordem em seus aspectos comportamental,
emocional e social, além de fornecer maior suporte ao tratamento. Cabe ao fonoau-
diólogo reunir, avaliar e discutir as informações obtidas com a ação de cada membro
da equipe com o objetivo único de atender a necessidade individual de cada criança.

786
avaliação e diagnóstico dos distúrbios do processamento auditivo

Considerações finais

O processamento da informação auditiva depende de um conjunto


complexo de habilidades interdependentes. Por extensão, os distúrbios que
o afetam também são complexos, cada qual com suas manifestações que são
específicas e que variam de indivíduo para indivíduo.
A avaliação do PA nos permite identificar e qualificar a natureza destas
desordens e o impacto que determinam nas habilidades educacionais, comu-
nicativas e socioemocionais da criança.
Sua aplicação se justifica ao considerarmos o grande número de crianças
em idade escolar que são provavelmente afetadas pela desordem. A apropriada
identificação dessas crianças levará à adoção de estratégias de tratamento
e educacionais mais adequadas. Esta abordagem permitirá libertar estas
crianças do ônus e da resignação de serem as eternas distraídas, lentas, de
rendimento escolar insuficiente para a possibilidade redução ou eliminação
destas dificuldades.

Referências bibliográficas

Alvarez, Amma, Balen A. S., Misorelle, M. I. L., Sanches, M. L. Audiologia clínica.


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787
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

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Fundamentos em fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
1998. p. 135.

788
68
Avaliação neuropsicológica
da atenção
Catia Araujo

De todas as funções cognitivas, a atenção é provavelmente aquela que


mais frequentemente se torna comprometida quando se consideram as lesões
cerebrais como um todo, independente de sua localização. Isso ocorre pelo fato
de o sistema atentivo ser tão complexo, que envolve múltiplas vias cerebrais e
diferentes estruturas.
Os déficits atentivos podem se manifestar em diferentes quadros
clínicos, como na tabela a seguir:

Alterações do estado mental em que o déficit


Estados confusionais na ativação tônica é a principal característica.
agudos Exemplos podem ser quadros de traumatismos
cranioencefálicos, epilepsia etc.
Comprometimento da vigilância, associada a
déficits na memória operacional, sem outras
Déficit atentivo crônico,
alterações neuropsicológicas importantes
com início precoce
(p. ex., Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade – TDAH)

789
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Déficit atentivo Comprometimento pode ser em todos


associado a lesões os aspectos da atenção, na ausência de
secundariamente estado confusional, com outras alterações
adquiridas neuropsicológicas (p. ex., AVC)
Déficit atentivo
permanente como parte Comprometimento de todos os níveis de
do quadro sindrômico de atenção (p. ex., esquizofrenia)
enfermidade crônica
Déficits temporários secundários a cansaço,
Déficit atentivo
alterações do sono, pouca motivação ou
“funcional”
interesse etc.

Tratar da avaliação neuropsicológica da atenção é tarefa difícil, pois embora


existam muitos testes disponíveis no mercado considerados como sendo “de
atenção”, poucos fazem jus a essa denominação. A maioria pertence à classe
dos “testes sujos”, ou seja, testes que, embora mensurem primordialmente uma
determinada função, sofrem grande influência de outro domínio cognitivo.
Além disso, os limites do que se denomina “atenção” confundem-se com
os conceitos de consciência, motivação, interesse e afeto.
De acordo com Lezak (1995), vários são os aspectos da atenção que devem
ser investigados durante um processo de avaliação neuropsicológica. Considere-
-se neste capítulo os seguintes:
▶▶ Amplitude
▶▶ Sustentação
▶▶ Seletividade
▶▶ Alternância de conceitos
▶▶ Tempo de reação
▶▶ Rastreamento

Amplitude

É a avaliação da quantidade máxima de elementos que o examinando é


capaz de armazenar com uma única apresentação desses elementos.

790
avaliação neuropsicológica da atenção

Um teste muito tradicional utilizado para investigar essa capacidade é


o teste de span de dígitos. Trata-se de sequências gradativamente maiores de
dígitos, que são ditas para o examinando pelo examinador, sem a possibilidade
de repetição, até que o examinando não consiga repetir corretamente duas
seqüências de mesmo tamanho.

Rastreamento

A capacidade de rastreamento é a capacidade de apreender um determinado


estímulo e transformá-lo, emitindo como resposta um conteúdo diferente
daquele apreendido. É o que acontece quando pedimos ao examinando para
repetir na ordem inversa uma sequência de dígitos dada pelo examinador.
O examinando, para responder corretamente, precisa percorrer mentalmente
toda a sequência (daí o termo em inglês tracking), até o final, e começar a dar
sua resposta do último dígito até o primeiro dígito.

Sustentação

A capacidade de sustentação é a capacidade de um sujeito se manter numa


mesma tarefa por um período prolongado. Tarefas que avaliam sustentação da
atenção precisam ser mais demoradas, pois a atenção pode ser modulada por
algum tempo numa situação formal de testagem. Geralmente testes que exigem a
atenção por mais de 5 minutos já são suficientes para detectar sinais de distração
e inquietude em pacientes com déficits atentivos, principalmente em crianças.

Seletividade

Este aspecto da atenção diz respeito à capacidade de ignorar estí-


mulos distratores e só responder ao estímulo alvo, ou a seleção de parte dos
estímulos disponíveis para processamento enquanto se mantém os demais
como que desprezados.

791
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Esta capacidade é muito importante, pois, uma vez que nosso cérebro
tem uma capacidade limitada e não é possível dar conta de tudo o que nos é
apresentado, é preciso saber priorizar.
A seletividade pode ser avaliada, de modo mais simples, pedindo-se para
o paciente assinalar com a caneta determinada letra, ou ainda uma deter-
minada letra de cor específica numa página repleta de letras de várias cores
(testes de cancelamento). Pode-se aprimorar a avaliação utilizando-se testes
computadorizados, como o TAVIS-3, desenvolvido em nosso meio, pedindo-se
para que dê uma resposta (apertando um botão do joystick) quando aparecer
determinado estímulo na tela do computador (um sinal de jogo da velha cinza),
sendo também apresentados estímulos distratores diferentes e semelhantes ao
estímulo alvo.
A seletividade, juntamente com a sustentação, forma a vigilância, que é a
capacidade de se manter numa determinada tarefa, com a atenção voltada apenas
para o estímulo que interessa para a realização, com êxito, da tarefa. A vigilância
pode ser entendida como o que o senso comum chamaria de capacidade de
concentração: ficar muito tempo numa tarefa (ou até completá-la), sem se
importar com o que está acontecendo fora dela.
Uma tarefa de avaliação da capacidade de vigilância muito utilizada é o
Stroop Color Test. Trata-se de uma tarefa em que o examinador, num primeiro
momento, apresenta uma folha cheia de nomes de cores (4) impressas em cores
distintas daquelas que esses nomes representam. O examinando deverá ler o
mais rápido que puder todas as palavras constantes na folha (sustentação).
Numa segunda parte da tarefa, o examinando diz o nome da cor na qual a
palavra foi impressa, tendo que ignorar a cor que a palavra representa, e também
o mais rápido que puder ou até que o examinador peça que pare (seletividade
e sustentação).

Alternância de conceitos

É a capacidade de alternar conceitos sucessivamente, sob pressão de tempo.


Um dos testes mais conhecidos é o Coding, da Bateria Wechsler de Inteligência

792
avaliação neuropsicológica da atenção

para Crianças em sua 3a Edição (WISC-III), uma tarefa de associação de


símbolos a dígitos ou a figuras, dependendo da idade. O examinando deve ir
desenhando os símbolos correspondentes aos dígitos, no caso de pacientes de
8 a 16 anos, na ordem em que os números aparecem. O modelo fica o tempo
todo disponível para que o examinando possa consultá-lo e para que a tarefa
não envolva memória.
Uma outra forma de avaliar alternância é pedir que o examinando reveze
entre estímulos de classes diferentes sucessivamente, como no teste das trilhas,
onde deve ligar números e letras na ordem e o mais depressa possível, utilizando
uma folha com vários números e letras dispostos aleatoriamente (deve responder
ligando na ordem: 1-A-2-B-3-C...)

Tempo de reação

Na medida em que a velocidade de processamento está diretamente


relacionada com a atenção, avaliar o tempo de reação, isto é, o tempo que o
examinando leva da percepção do estímulo até emitir uma resposta motora
ao estímulo permite investigar déficits sutis de atenção. O examinando pode
não cometer erros por omissão (não emitir resposta quando do surgimento do
estímulo) ou erros por ação (emitir resposta quando do surgimento de distrator
ou simplesmente na ausência de qualquer estímulo), mas em portadores de
TDAH, por exemplo, o tempo de reação é aumentado quando comparados a
um grupo controle.
Embora exista todo um “arsenal” de testes à disposição dos profissionais
para a avaliação da atenção é necessário, antes de tudo, que o examinador tenha
consciência de que diferentes quadros clínicos podem ocasionar déficit atentivo
e que diferentes aspectos da atenção devem ser investigados para permitir uma
melhor compreensão do funcionamento do sistema atentivo do paciente.
A utilização de questionários estruturados ou semiestruturados e conhe-
cimento de psicopatologia e psiquiatria permitem um diagnóstico diferencial
com menor probabilidade de erro.

793
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Referências bibliográficas

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Mesulam, M. M. Attentional, confusional states and neglect, chapter 3. In Principles
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794
69
Avaliação do paciente
com demência
Paulo Roberto de Brito-Marques

A ilusão é a única realidade dessa vida.


José de Alencar

Demência

É uma síndrome que se caracteriza pelo declínio da memória e de uma


ou mais funções cognitivas, tendo várias etiologias. Quando não existir o
comprometimento da memória, os demais componentes cognitivos não serão
suficientes para formar o diagnóstico de demência, da mesma forma, pela
presença isolada de distúrbios de memória. Quando as alterações em compo-
nentes cognitivos se apresentam isoladas, como: amnésia, afasia, apraxia,
agnosia e alterações nas funções executivas, constituem síndromes específicas
que devem ser vistas como tais; por isso o caráter global da demência é para
diferenciá-la dos transtornos que evoluem com o comprometimento de uma
única função.

795
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Sendo uma síndrome é importante saber quais os subcomponentes que


estão envolvidos e, em quais componentes eles se encontram, a fim de se
concluir o diagnóstico precoce. Isso pode ser observado no declínio cognitivo
leve, traduzindo-se como um transtorno de um dos componentes cognitivos,
geralmente a memória (já que a maioria dos casos de demência começa com
problemas na memória), podendo chegar a um diagnóstico precoce de demência
substanciado por qualquer uma etiologia. No caso de a etiologia ser a doença
de Alzheimer, existe perda da memória episódica como o subcomponente
mais alterado.
Um dos conceitos que define o diagnóstico de demência mostra que se
deve comparar o nível prévio de função cognitiva do paciente, determinada
pela história clínica de queda da performance e pelas anormalidades notadas
no exame clínico, objetivando a diferenciação entre os transtornos intelectuais
congênitos ou muito precoces com ou sem influência cultural. Segundo estudo
realizado por Brito-Marques e Cabral-Filho, ainda não publicado, mostra que
indivíduos de zero a quatro anos de escolaridade apresentam dificuldades
cognitivas mais cedo no processo de envelhecimento do que aqueles que tiveram
mais de oito anos de escolaridade. Portanto, é evidente que exista um processo
orgânico como causa da demência, possibilitando o diagnóstico diferencial com
outros quadros mórbidos, tais como: pseudodemência, síndrome de Tolstoi,
síndrome de Ganser, síndrome depressiva, essa última, podendo anteceder a
demência em mais de uma década.
Outro aspecto importante na definição de demência é a avaliação neurop-
sicológica, que apesar de ser relevante não é significativo (Gardner, 1999).
Entretanto, os testes neuropsicológicos podem servir como um documento
clínico, unindo as semiologias subjetiva e objetiva de cada item cognitivo
examinado dentro da neurologia do comportamento. Deve haver uma relação
entre lesão e disfunção cognitiva e/ou comportamental (dificuldade, deficiência e
incapacidade) e, como requisito fundamental para o diagnóstico, que o paciente
se mantenha alerta.
Mais um dado clínico importante na definição de demência é a partici-
pação dos transtornos de comportamento que podem ser tidos como fator
complicador e facilitador para uma institucionalização. Dentro desse contexto
comportamental, os pacientes portadores de doenças orgânicas procuram

796
avaliação do paciente com demência

serviços de psiquiatria mesmo sendo portadores de uma doença orgânica. Na


realidade, a flutuação no nível de consciência é devido à alteração do processo
de modulação das redes de atenção e, mesmo que a flutuação possa interferir
com a performance de qualquer tarefa prática, seus efeitos são em princípio
contornáveis; por isso os problemas comportamentais de origem neurológica
são extremamente variados. O conhecimento de suas características é impor-
tante porque geram problemas persistentes, deixando na maioria das vezes
os familiares sem condições de convivência. A superposição entre problemas
comportamentais e problemas cognitivos ainda é mal conhecida, mas vários
mecanismos neuropsicológicos e neurofisiológicos parecem ser comuns.
Outro fator gerador de confusão é a diferença entre demência e o envelhe-
cimento normal. A gravidade dos sintomas cognitivos interfere na vida diária
do paciente que associados às influências culturais, ocupacionais, educacionais,
metabólicas e emocionais, funcionam como verdadeiros complicadores para o
diagnóstico tanto de demência como de envelhecimento fisiológico. Portanto,
sendo a Medicina a união da ciência com a arte, nesse momento, é a arte que
concluirá o diagnóstico, a sensibilidade do médico poderá se associar ao seu
bom senso, uma vez que o conhecimento científico é igual para todos.
Infelizmente, o diagnóstico de demência não pode ser feito por exames
complementares, entretanto em algumas situações, métodos de imagem mais
modernos poderão indicar o caminho para se chegar à natureza da síndrome,
mas não a etiologia. Esse último item do conceito da definição de demência abre
um caminho para uma grande discussão sobre a heterogeneidade de síndromes
demenciais específicas como a chamada doença de Alzheimer e de Lewy,
demência fronto-temporal, síndromes priônicas, síndromes parkinsonianas
atípicas e típicas etc. Isso significa que não existe relação padrão entre um achado
clínico com um de imagem, neuropsicológico ou histológico para o estudo de
uma das síndromes demenciais específicas.
Tudo o que foi dito no texto sobre demência ainda não preenche todas
as lacunas clínicas oriundas de doenças orgânicas, podendo se encontrar
situações nas quais não se consegue clinicamente defini-las como demência.
Os preconceitos ainda são mais fortes quando as pessoas são submetidas a
testes, sabendo que seu intelecto está sendo aferido, não se utilizando a inte-
ligência prática da vida na maioria dos ambulatórios especializados e, menos,

797
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

em consultórios. Portanto, aguarda-se melhor conhecimento sobre o assunto


e a chegada de marcadores específicos para se obter melhores diagnóstico e
tratamento etiológicos.

Demência é o declínio da memória e de uma ou mais funções cognitivas


comparadas com o nível prévio de função do paciente, que é determinada
pela história de queda da performance e pelas anormalidades notadas
no exame clínico e nos testes neuropsicológicos, estando o paciente alerta.
Geralmente o diagnóstico não pode ser feito por exames complementares2.

Avaliação clínica no diagnóstico de demência

O exame do estado mental revela a integridade das habilidades cognitivas,


cuja capacidade intelectual facilita o pensamento, percepção, comunicação e
resolução de problemas. Para que o médico possa captar esses componentes
cognitivos, na sua essência, se faz necessário se sentir a emoção do paciente.
Conversando com atenção pode-se descobrir a maneira como somos afetados
interiormente pelas circunstâncias que se produzem à nossa volta. Portanto,
afetividade consiste numa experiência com respostas físicas, psicológicas,
comportamentais, cognitivas e assertivas que se caracterizam por um: estado
determinado de ativação, sistema informático de sinais em que há um emissor
e um receptor, e uma série de acontecimentos capazes de por em ação o afeto.
Também deve ser levada em consideração a possibilidade de lesão orgânica
e, de acordo com o local delas, o paciente ter maior ou menor capacidade em
utilizar sua inteligência. Lesões temporal e parietal dificultam a exploração da
inteligência convergente, aquela que requer uma única resposta certa que pode
ser facilmente pontuada. As alterações de personalidade são mais identificadas
em substratos do lobo temporal, especialmente quando envolvidas com estru-
turas do sistema límbico. O circuito órbito-fronto-basal mantém conexões
importantes com o lobo temporal para dar veracidade às experiências vividas
pelo indivíduo que estão registradas no seu sistema límbico. Quando lesado esse
circuito aparecem sintomas obsessivo-compulsivo como: pensamento intruso,
repetição, preocupação com limpeza e ruminação, além de desinibição, falhas

798
avaliação do paciente com demência

nos hábitos sociais, jocosidade, labilidade afetiva, humor expansivo, irritabi-


lidade, falta de empatia. Lesão frontal interfere no pensamento divergente,
dificultando o encontro de abordagens e soluções para uma resposta durante
avaliação clínica de sua doença. As alterações de comportamento ocorrem por
comprometimento da porção dorso-lateral do córtex pré-frontal. A porção
mesial do lobo pré-frontal é responsável pela motivação do indivíduo e mantém
íntima conexão com a área motora suplementar.
Na avaliação do exame do estado mental, o médico, diante de um paciente
sofrendo de demência precisa adotar uma estratégia, cujo objetivo é encontrar
o déficit intelectual e/ou emocional. Quando possível, o examinador deve ter
empatia com o paciente para que ele se sinta como você e, simpatia, para que se
sinta com você. A fim de se obter completa cooperação do paciente, o médico
deve prepará-lo para perguntas para esse fim. De outra maneira, a primeira
reação poderá gerar um atordoamento ou medo por causa da implicação da
mente doente que, geralmente, tem uma tendência a perseverar para coisas nega-
tivas. Deve ser dito ao paciente que alguns indivíduos são um tanto esquecido
ou tem dificuldade de concentração, ou ainda que é necessário fazer algumas
perguntas específicas para ajudá-lo com relação ao seu grau de nervosismo –
garanta que não são testes de inteligência ou sanidade mental. Se o paciente for
extremamente agitado, suspeito ou agressivo as funções intelectuais precisam
ser tomadas durante a entrevista, assim como as informações fornecidas pela
família. É certo que se pode recorrer aos testes psicológicos formais. Entretanto,
tais testes colhem dados quantitativos de valor comparativo, mas não podem
ser usados com propósito de diagnóstico.
Anormalidade de postura, movimento, sensação e reflexos não podem
ser confiados, além de revelar o processo da doença, mesmo que as áreas de
associação do cérebro possam estar severamente prejudicadas sem justificar
esses tipos de sinais neurológicos. Suspeitando-se de doença que leve a uma
demência o paciente apresenta múltiplas queixas que não parecem totalmente
relacionadas umas com as outras. O paciente pode ser incoerente tanto para
descrever a doença como as razões que o motivou a se consultar.
Um outro aspecto importante nessa avaliação está na identificação dos
problemas quando eles têm como essência alterações no afeto-humor, cognição,
personalidade ou comportamento. Dois grandes circuitos estão envolvidos com

799
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

essas alterações, sendo o sistema límbico responsável pelas experiências vividas


que já foram transmitidas para o hipotálamo, que, por sua vez, passa a infor-
mação cognitiva com linguagem bioquímica ao amplo espectro visceral. Dessa
forma, o ambiente comunica-se com o sistema visceral através desse circuito,
de forma subliminar, por meio da percepção que faz parte do processo natural
de sobrevivência. As informações que chegam a esse circuito são trazidas tanto
do meio externo como do visceral, possivelmente guardam desejos ou vontades,
alguns reprimidos, que às vezes caracterizam atos falhos. O outro circuito é
formado no lobo frontal que tem maior relação com afeto-humor (fronto
medial), cognição e comportamento (dorsomedial). A região fronto-medial
relaciona-se com o interesse ou vontade de querer fazer. A região dorso-lateral
está vinculada às mais altas funções cognitivas, servindo de preâmbulo para o
desenlace das ações.
Infelizmente, esse método fenomenológico que evidencia os sintomas
clínicos comportamentais e cognitivos com repercussão nas atividades de vida
diária não pode ser totalmente aprendido por meio apenas da leitura. Apesar de
os pacientes serem os melhores professores é bom saber o que se está procurando,
sem esquecer que todo processo de interação na relação médico-paciente tem
seu ponto máximo com o diagnóstico e tratamento que, às vezes, não estão
relacionados com doença neurológica e, sim, problemas sociais e existenciais.
Portanto, é importante fazer diagnóstico diferencial de doenças que estejam
acompanhadas por demência ou outro problema clínico mental de ordem
orgânica e/ou emocional. Para isso, são requisitadas quatro categorias (Strub
e Black, 1999):

1. História da doença

A história deve ser sempre completada por informação obtida de uma


outra pessoa além do paciente, especialmente que o conheça há vários anos, o
cônjuge. É por meio da entrevista que se observa falta de percepção, os pacientes
são desatentos de sua doença ou gravidade — o componente perceptivo se tornar
consciente auxiliado pela atenção seletiva e uma quantidade de emoção propor-
cional para aquela determinada situação. Na verdade, eles podem estar ignorando
mesmo as suas queixas principais. Às vezes, o que o paciente considera importante

800
avaliação do paciente com demência

ao contar seus sintomas e aflição pode não justificar a queixa. A entrevista ativa
deve ser feita sobre o comportamento do paciente, capacidade de trabalhar, alte-
ração de personalidade, linguagem, memória, julgamento, humor, preocupações
especial e rotineira, ideias delirantes, experiências alucinatórias, hábitos pessoais.
Deve-se perceber o estado emocional e nível intelectual do acompanhante.
Qual sua intenção com aquela consulta? Como está entendendo a situação de
convivência familiar agora perturbada? Sempre houve insatisfação ou acolhi-
mento naquele relacionamento? Ocorreu uma decepção ou omissão de um fato
em sua vida? Porque ter que aceitar o que nunca foi aceito é reviver conflitos
sem poder expor sua culpa à razão. Que tipo de pressão a acompanhante está
recebendo dos demais familiares? Entretanto, o médico deverá saber contornar
qualquer situação adversa em busca do bem-estar do paciente.

2. Entrevista clínica ativa

Cada componente do comportamento e da cognição tem seu lado objetivo,


demonstrado nas ações e respostas produzidas por estímulos adequados, e
seu lado subjetivo, expressado no pensamento e sentimento descrito pelo
paciente em relação aos estímulos. Menos accessível para o examinador, porém
possível de ser estudado pelas perguntas repetidas do paciente é o constante
fluxo interno do seu pensamento, memória, planejamento e outras atividades
psíquicas que mantêm uma pessoa alerta, que podem estar desorganizados em
quantidade ou qualidade alterados pela doença cerebral.Quando o paciente
responde a estímulos familiares de uma maneira não usual e desajeitada,
tratando-os como não familiares ou trocando seus nomes pelo de outros
estímulos que tenham nuances similares em cores, formas ou pesos, mas não
demonstram outros sinais de afasia ou apraxia em outros testes chama-se
agnosia. Esse sintoma pode ser representado por lesão do corpo caloso ou na
profundidade da substância branca adjacente às principais áreas sensoriais,
tendo como causa mais comum atrofia, metástase ou tumor cerebral. Lesões
predominantes no hemisfério direito do cérebro escondem os problemas
cognitivos, principalmente quando o paciente já é portador de um perfil de
personalidade desprovido de sensibilidade. Os componentes mentais que
podem ser examinados ao lado do leito seguem a seguir:

801
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

ATENÇÃO — É a capacidade para enfocar, manter e apropriadamente


mudar a atividade mental de um foco para outro. O estado de alerta
e a capacidade de concentração contribuem para o funcionamento
da atenção. A capacidade de atenção deve está inalterada para que
todas as tarefas cognitivas sejam examinadas e interpretadas com
mais eficácia. Distúrbios de atenção podem ser percebidos durante
a consulta e, todos os déficits cognitivos, devem ser cuidadosamente
interpretados. Sua avaliação pode ser feita usando dígito span direto e
indireto, teste seriado de 7, sequência invertida, teste da letra A, teste das
trilhas de Retain etc. Os problemas clínicos são: diminuição ou aumento
da atenção, crescimento da distração interna ou externa, flutuação
anormal, nível de atenção por fadiga, consciência ou anasognosia.
SENSAÇÃO — É a interpretação do significado de um determinado
estímulo físico, ocorrido por uma interação entre a qualidade do objeto
e o efeito que essa qualidade causa dentro de nós. Cada sensação é
independente da outra, quando elas se unem para formar um todo
pode ser chamada de percepção. Na sensação existe a decomposição dos
componentes de um objeto enquanto que na percepção, seria recom-
posição desse objeto como um todo, tanto na organização como na
interpretação. Os estímulos sensoriais nos alcançam causando sensação,
as suas imagens e as minhas são quase as mesmas e prontamente
identificáveis como iguais por descrição verbal, ou por uma reação
comum. Além desse ponto, cada imagem dessa está associada a uma
informação genética e a uma informação armazenada que tem origem
na experiência que nos transforma num mundo privado e único. Assim,
cada um de nós constrói, num nível mais elevado da experiência de
percepção, sua própria visão, muito pessoal, partindo de dentro de seu
íntimo (Popper e Eccles, 1991).
PERCEPÇÃO — É o processo pelo qual o indivíduo adquire conhecimento
sobre o mundo ou sobre si. Isso envolve muito mais do que um simples
processo sensorial. Novos estímulos ativam o córtex específico e áreas
de associação onde são estocados os códigos de representação passada
desses estímulos. Os elementos essenciais no processo perceptual são: a
manutenção da atenção, foco seletivo sobre o estímulo, eliminação de

802
avaliação do paciente com demência

estímulos não pertinentes e identificação dos estímulos para reconhecer


sua relação com a experiência pessoal lembrada.
Percepção é um vínculo estabelecido pelo homem entre o que lhe impres-
siona e a sensação por meio da qual ele reage àquela impressão. Quando
um objeto é visto pela primeira vez essa sensação proporciona dor ou
prazer. À medida que se repete o estímulo de prazer, o objeto passa a ser
cada vez mais reconhecido e isso favorece a formação de memória (nesse
momento existe uma relação entre cognição e emoção ‘desejo’). Porque o
objeto proporcionou prazer uma vez, espera-se que ele torne a fazê-lo, isso
dá início à lembrança e depois a imaginação (efusão do desejo), desejo de
possuir esse objeto, anseio por esse objeto, por fim ir buscar esse objeto
que proporciona sensação de prazer.
A percepção envolve toda nossa personalidade, história pessoal, afetivi-
dade, desejos, paixões — percepção é a maneira fundamental pela qual
os seres humanos têm consciência do mundo. Quando percebemos uma
outra pessoa, não temos uma coleção de sensações que nos dariam as
partes isoladas de seu corpo, mas percebemos como sua fisionomia é
agradável ou desagradável, bela ou feia, sedutora ou repelente e, por essa
percepção, definimos o nosso modo de relação com ela. A percepção se
organiza progressivamente por perfis ou perspectivas. Quando vemos
um cubo, vemos alguns de seus lados e, quando um arquiteto pensa nele,
pensa como uma figura de seis lados e seu pensamento vê-lo com as seis
faces presentes, a ideia.
A percepção pode ser obtida durante as respostas do paciente frente às
perguntas feitas pelo seu médico, sobre os principais sintomas. Qual o
motivo de sua consulta? Qual é a sua maior dificuldade? Quando você
começou adoecer?
ORIENTAÇÃO PESSOAL — Está relacionada com o conhecimento da
identidade do paciente e sua situação presente. Qual é seu nome, endereço,
localização atual (prédio, cidade, estado). Qual é sua ocupação? Você é casado?
1. ORIENTAÇÃO ESPACIAL — Qual o nome do lugar que você está
agora (prédio, cidade, estado)? Como você chegou aqui? Qual o andar
que você está? Onde é o banheiro?

803
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

2. ORIENTAÇÃO TEMPORAL — Qual é o dia de hoje da semana, a data


do mês, o mês, o ano? Que horas são? Que refeição você fez? Quando
foi o último feriado?
MEMÓRIA REMOTA. Diga-me os nomes e as datas de seu aniversário
e dos seus filhos? Quando você se casou? Qual o nome de sua mãe
quando solteira? Qual foi o nome da sua primeira professora? Qual o
seu primeiro emprego?
1. MEMÓRIA RECENTE. Fale-me sobre sua doença (compare com as
afirmações prévias)? O que você comeu hoje no café da manhã? Qual é
o meu nome? Quando você me viu pela primeira vez? Que teste foi feito
ontem? Qual foi a manchete do jornal de hoje? Conta ao paciente uma
história ou escreve, e pede para ele recontar após 3 a 5 minutos. Idosos
parecem perceber menor quantidade de informação, porém mantêm
capacidade para estocar e lembrar o material aprendido.
2. MEMÓRIA DE LEMBRANÇA IMEDIATA. Repita esses números
após eu dizer (dê uma série de 3, 4, 5, 6, 7, 8 dígitos na velocidade de um
por segundo). Agora quando eu lhe der uma série de números repita-os
em ordem inversa.
3. MEMÓRIA E APRENDIZADO. É dado ao paciente 4 simples dados
(o nome do examinador, data, hora do dia e o nome de uma fruta) e
pede-se para repeti-los. A capacidade para reproduzi-los em intervalos
após apresenta-los é um teste de fixação de memória span.
FLUÊNCIA SEMÂNTICA. Pedir ao paciente para dizer nomes de animais,
flores, vegetais, ou marca de carros, o máximo que puder; a maioria dos
indivíduos pode listar pelo menos 12 itens por minuto em cada categoria
de seu conhecimento. Para pacientes analfabetos ou com baixa escolari-
dade a categoria animais é a mais indicada.
1. FLUÊNCIA SPAN VISUAL. Mostra ao paciente, figuras de vários
objetos; depois pede para nomeá-los.
ATIVIDADE MENTAL E MEMÓRIA DE TRABALHO. Fazer um X em
todas as letras A impressas numa folha de papel; contar em sentido direto
e indireto; dizer os meses do ano em sentido direto e indireto; soletrar
palavras em sentido direto e indireto.

804
avaliação do paciente com demência

1. CÁLCULO. Testar a habilidade para adicionar, subtrair, multiplicar,


dividir. Subtração seriada 7 de 100 é um bom teste de cálculo bem
como de concentração, embora sofra interferência quando utilizado
em pessoas com baixa escolaridade. Nesses casos é mais adequado
pedir ao paciente para subtrair de 25 — 1, sem parar até chegar em 1.
Nessa última situação o paciente pode demonstrar sua capacidade de
compreensão, concentração, memória de fixação e recente, ou seja,
como operacionalizar um cálculo.
2. CONSTRUÇÃO. Pede-se ao paciente para desenhar um relógio e
colocar 7:45, um mapa do Brasil, desenhar a vista de topo de sua casa;
copiar um cubo e outras figuras. Existe dificuldade em fazer cópias,
principalmente nas pessoas com baixa escolaridade e, naquelas que
tem alta escolaridade, é comum se ouvir a queixa de que nunca teve
facilidade para fazer desenhos. O pedido de figuras simples que tenham
representatividade na cultura são sempre melhores recebidas.
3. PENSAMENTO ABSTRATO. Observe se o grau de abstração está
em nível concreto, semiconcreto ou abstrato, pedindo ao paciente para
detectar semelhanças e diferenças entre classes de objetos, ou explicar
um provérbio ou uma fábula. Deve ser observado durante a conversa
se o paciente consegue formular conceito (a essência que é formada
pelo trabalho do pensamento na busca da realidade e verdade de
alguma coisa) no lugar de opinião (constituída pela esfera sensorial,
que pode variar de pessoa a pessoa e na mesma pessoa). Por isso não
pergunte: o que você acha da beleza? Mas o que é a beleza? O que é
o amor? Também pode ser observada a forma do pensamento sem
preocupação com o conteúdo, chamado de analítica ou lógica. Essa para
ciência funciona como um instrumento indispensável na observação
da idéia do conceito. Uma outra forma de se poder avaliar é perceber o
conhecimento por meio da razão discursiva como resultado da razão
intuitiva. Esse último exemplo é comum em paciente com declínio
cognitivo do tipo degenerativo primário.
COMPORTAMENTO GERAL. Atitudes não habituais podem ocorrer
com lesão nas áreas de associação heteromodal pré-frontal no hemis-
fério cerebral esquerdo — um paciente portador de provável doença de

805
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Alzheimer tirou os sapatos e colocou os pés no colo da esposa, em um


consultório médico, sem nenhum constrangimento. Também podem
ocorrer posturas bizarras; ilusão ocasionada por defeito de refração visual
ou baixa da acuidade auditiva; alucinação visual, auditiva ou tátil (quando
monosintomática estão relacionadas com lesões nas áreas de associação
heteromodal temporal do hemisfério cerebral direito); desatenção
seletiva por qualquer estímulo durante a consulta, falta de habilidade
para manter uma sequência de operações mentais, humor, maneira de
vestir, etc. Delírio bem vivido ocorre na doença de Lewy, sendo o fluxo
do pensamento coerente, mas o conteúdo alterado.

Considerações finais

Cada um de nós acredita estar vivendo diretamente no mundo que nos


cerca, sentindo seus objetos e eventos de uma forma precisa, vivendo num tempo
real, que transcorre normalmente. Isso não passa de uma ilusão da percepção,
porque cada um de nós enfrenta o mundo de um cérebro ligado ao que “está
fora” por alguns milhões de frágeis fibras nervosas sensoriais. Esses são os nossos
únicos canais de informação, nossas linhas vitais para estabelecer nosso vínculo
com a realidade. Estas fibras nervosas sensoriais não são gravadores de alta-
-fidelidade, pois elas acentuam certos aspectos dos estímulos, negligenciando
outros. O neurônio central é um contador de histórias, no que diz respeito às
fibras nervosas aferentes; e ele nunca é inteiramente digno de crédito, permitindo
certas distorções de qualidade e de medida, dentro de uma relação espacial não
natural, mas isomórfica, entre “exterior” e “interior”. A sensação é uma abstração,
não uma réplica do mundo real.
“Os olhos e os ouvidos são sentidos sem sentido, o que veem ou ouvem,
apenas relatam. Quem ouve e vê, não são eles, mas nosso cérebro que junta cada
recorte, cada fiapo sem sentido, cada farrapo de evidência e faz um testemunho
do mundo como cada um de nós quer que seja”.

806
avaliação do paciente com demência

Referências bibliográficas

Gardner, H. Inteligência: um conceito reformulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.


McKhann, G., Drachman, D., Folstein, M., et al. Clinical diagnosis of Alzheimer’s
disease: Report of the NINCDS-ADRDA work group under the auspicies
of department of health and human services task force on Alzheimer’s
disease. Neurology 34:939-944,1984.
Mountcastle, V. B, Lynch J. C., Georgopolous, A., Sakata, H. & Acuna, C. Posterior
parietal association cortex of the monkey: Command functions for
operations within extrapersonal space. J. Neurophysiol., 38:871-908, 1975.
Popper, K. R., Eccles, J. C. O Eu e Seu Cérebro. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 1991, p. 513.
Strub, R. L, Black, F. W. The mental status examination in neurology. 5. ed.
Philadelphia: FA Davis,1999. p. 208.

807
70
Doença de Alzheimer: sua
história natural
Paulo Roberto de Brito-Marques

Introdução

Diferente do passado, escrever sobre a doença de Alzheimer (DA) é uma tarefa


deveras difícil para um professor. Até o ano de 1975, de acordo com o Medline,
havia cerca de 42 artigos sobre a DA já publicados. A partir de 1980, uma série
crescente de artigos vem sendo publicada a cada ano. Até o primeiro semestre de
1995, publicava-se mais de 200 trabalhos por mês (Boller e Duyckaerts, 1997).
Esse fato se deve ao grande número de pesquisas que estão sendo realizadas
tanto nas ciências básicas como nas clínicas. O desenvolvimento tecnológico
vem proporcionando às neurociências, especialmente à genética molecular, faci-
lidade para conhecer melhor os seus segredos. Fato comprova-se pelos estudos de
genética molecular e farmacologia que desenvolvem importante papel na busca
do conhecimento por meio prático da aplicação de pesquisas clínicas — hoje essa
doença é uma das páginas mais estudadas na Medicina. Com os novos avanços da
Neurologia, vários questionamentos vêm à tona, como por exemplo: a DA é uma
doença? A DA pode ser curada? Existe prevenção para a DA? Como a DA deve

809
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

ser tratada? Qual terapêutica encontra-se disponível para a DA? Apoiados nessas
premissas, tanto os pesquisadores como os clínicos esperam melhores dias para
os portadores da DA, seus familiares e cuidadores. Assim sendo, neste capítulo,
estaremos retratando a sua história natural, uma visão panorâmica sobre essa
epidemia silenciosa que assola, principalmente, o Mundo Ocidental, que é a DA.

Conceito e histórico

A doença de Alzheimer (DA) é uma desordem neurológica que afeta pessoas


entre as idades de 40 a 92 anos, podendo ser encontrado casos iniciados a partir
dos 26 anos. Sua incidência é proporcional ao aumento da idade, quer dizer,
quanto mais idoso maior é a chance de desenvolvê-la. Ela foi descoberta em 1907,
por Alois Alzheimer, que publicou em revista médica alemã, com o título “Sobre
uma estranha doença do córtex cerebral”, o caso de uma paciente de 51 anos
de idade com história de ciúme mórbido, esquecimento progressivo para fatos
recentes, desorientação no tempo e no espaço e alterações de comportamento.
Muitas vezes dizia que os médicos queriam cortá-la ou flertar com ela atentando
contra sua honra, em outras, gritava horas sem parar ou carregava sua roupa
de cama para outro ambiente do hospital. Essa paciente evoluiu com piora dos
sintomas, vindo a falecer após 4 anos e 6 meses da primeira consulta.
O estudo de sua autópsia revelou dados específicos, nunca vistos em Medicina,
chamados de degeneração neurofibrilar (DNF). Também havia placas senis,
alterações histopatológicas que já tinham sido descritas, em 1892, por Blocq
e Marinesco. Em 1906, o caso anatomoclínico foi apresentado à comunidade
médica de Munique 2. Apesar da crescente evolução em neurociências, o seu
diagnóstico ainda é baseado na exclusão de outras condições e na probabilidade.

Hierarquia dos sintomas da doença de Alzheimer

Em 70% dos casos o sintoma inicial é a perda de memória para fatos


recentes, podendo permanecer como sintoma primário por todo o curso da
doença, principalmente quando começar a partir dos 65 anos. Outros sintomas

810
doença de alzheimer : sua história natural

cognitivos podem aparecer como primário ou secundário. Nos casos da DA sem


demência, os sintomas secundários aparecem como consequência da perda de
memória e de seus componentes, enquanto que nas formas de DA com demência
os demais sintomas além da perda de memória são primários.
Segundo os trabalhos de Growdon 94, apresentados em Congresso, os sintomas
cognitivos iniciais da DA em ordem decrescente são: alteração da memória em 71%,
fala em 5,6%, sentido de direção em 4,4%, raciocínio em 2,9%, orientação temporal
em 2,0%, uso de objetos em 1,7%, socialização em 1,0%, visão em 0,5%, e escrita em
0,3%. Os transtornos do comportamento iniciam a DA em cerca de 8% dos casos.
A evolução da DA apresenta-se clinicamente em três estágios cognitivos. Esses
estágios apresentam maior sensibilidade do que especificidade diagnóstica. Com isso
ocorre o risco de aparecer resultados falso-positivos, principalmente em pacientes
portadores de DA com mais idade, com comprometimento vascular cerebral asso-
ciado, atualmente considerado como demência mista. Entretanto, não é obrigado que
todos os pacientes apresentem o mesmo curso evolutivo com os mesmos sintomas
clínicos que compreendem cada estágio. Cada caso é um caso e o que funciona para
um pode não funcionar para outros. Nesse caso, a maior sensibilidade/especificidade
está a depender do diagnóstico médico (Piccini et al., 1998):
“Estágio leve — mínima desorientação temporal, dificuldade de lembrar eventos
recentes, dificuldade de achar palavras, apraxia construtiva para desenho
tridimensional, ansiedade, negação, depressão e dificuldade no trabalho.
Estágio moderado — desorientação temporoespacial; importante déficit de
memória com interferência nas atividades funcionais de vida diária; progres-
sivo déficit de linguagem com parafasias, anomias, circunlóquios; apraxia
construtiva, ideomotora, ideativa, e apraxia do vestir; agnosia, distúrbio de
comportamento com delírio, alucinações, sintomas paranoides, andança;
bradicinesia e sinais extrapiramidais; e redução do interesse pela higiene.
Estágio severo — perda completa das habilidades cognitivas com dificuldade
de reconhecer familiares ou ambientes; linguagem do tipo jargão semântico
evoluindo para completo mutismo; rigidez, bradcinesia, convulsão, mioclo-
nias; comportamento agressivo, andança, alucinações; dependência total no
toileting, no vestir-se, uso de mamadeira, dupla incontinência esfincteriana
(Piccini et al., 1998).”

811
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Uma forma clínica de classificar a DA é constituída por uma fase inicial,


intermediária, final e terminal. Essa classificação oferece, por um lado, maior
especificidade ao diagnóstico e, por outro, menor sensibilidade. O diagnóstico
de DA tem mais chance de chegar ao diagnóstico certo, porém, tarde. As fases
inicial e intermediária se enquadram nos dois estágios já citados (leve a mode-
rado), relacionados com o desempenho cognitivo do paciente, enquanto que as
fases final e terminal, dependência total, prestam-se para melhor gerenciar as
complicações clínicas que vão surgir durante a evolução da DA.
Estágio final — compreende a fase severa que apresenta função deficitária,
iniciando-se com problemas de locomoção por movimentos estereotipados e
dificuldade de lidar com atividades básicas de vida diária. A deambulação é
feita com duplo apoio. A comunicação se faz através de gestos elementares, o
vocabulário é restrito e primitivo, o pão simboliza a comida; a água, qualquer
líquido; a palavra desenho pode representar a imagem da televisão, revista,
quadros ou fotografias. Não apresenta função visual nos campos laterais,
apenas visão central e de perto. O riso é imotivado. Aparecem pequenos
engasgos. Apraxia ou ataxia do olhar pode ser vista nessa fase. A dependência
é total.
Estágio terminal — Abulia cognitiva. Às vezes, a comunicação pode ser feita
por alguns gestos primitivos e automáticos. O paciente está acamado em postura
flexora universal, com um grau de intensidade que depende do comprometi-
mento do lobo frontal. A dor pode ser representada por um sorriso. Aparecem
os sinais clínicos de infecção, persistência das escaras, broncoaspiração e, por
fim, o óbito.

A história natural da doença de alzheimer

A história natural da DA é consideravelmente variável de um indivíduo para


outro, porém existem alguns valores aproximados que podem ser aplicados em
fases diferentes na doença. A média de tempo entre o início dos sintomas até o
diagnóstico é cerca de 2 a 3 anos (Knopman et al., 1988). O tempo de duração
do diagnóstico para institucionalização em asilos está em torno de 3 a 6 anos.

812
doença de alzheimer : sua história natural

O período de admissão em asilos até o óbito é de cerca de 3 anos (Brodaty et


al., 1993). A DA tem um período de 9 a 12 anos. Mas, podem ser encontrados
casos com 40 a 50 anos de evolução1.
Na fase sintomática da DA com o uso do Miniexame do estado mental
(MEM) (Foltein et al., 1975), variando de 10 a 26 pontos, mostra que a média
de progressão da doença é de 3 a 4 pontos por ano. A taxa mais rápida de
declínio ocorre na fase intermediária e, a menor, nas fases leve e severa7. Além
do mais, existem dados clínicos que sinalizam para maior rapidez na evolução
da DA como: sinais parkinsonianos, alucinações e delírios. As causas de morte
incluem pneumonia, sepsis e doença cardiovascular. Em indivíduos portadores
de risco genético conhecido para a vida tardia, espera-se por volta dos 55 anos
que apresentem demonstráveis alterações nas habilidades funcionais. Os
estudos com PET scan mostram hipometabolismo regional nos lobos temporal
e parietal, similar à forma vista na DA. Além do mais, precoces alterações
neuroanatômicas são observadas pelo adelgaçamento da substância cinzenta
do lobo temporal medial. Geralmente, a atrofia cerebral começa pelo lobo
temporal, podendo se estender em menos de 50% dos casos para outros lobos
cerebrais. No início da DA as áreas heteromodais são as primeiras a ser afetadas,
sem ainda haver nenhuma alteração estrutural do cérebro. Alguns pacientes
podem conviver com sintoma em nível subliminar por várias décadas antes de
receber o diagnóstico. Acredita-se que fatores genéticos e ambientais iniciem
uma cascata de eventos neuropatológicos que envolvem acúmulo extracelular
de placas B-amiloide e degeneração neurofibrilar intracelular. Por mecanismo
desconhecido, esse processo começa a provocar uma perda gradual das sinapses
e, posteriormente, das células nervosas do córtex entorrinal, hipocampo e córtex
cerebral. Eventualmente, essa perda de sinapses não responde aos estímulos,
alterando a função dos circuitos cerebrais por modulação e, posteriormente
,por degeneração, que de forma compensatória fazem parte da reserva cerebral,
levando ao aparecimento dos sintomas. De acordo com o substrato neural, a
DA apresenta três fases biológicas de evolução.
1. Fase latente ou de prevenção primária: nessa ocorrem os problemas de
memória como no idoso, porém com leve déficit funcional sem preencher
critérios de demência;

1 Brito-Marques, PR. Nota pessoal.

813
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

2. Fase prodrômica ou prevenção secundária: esse estágio pode demorar


por vários anos, tendo características que o distingue de outras formas de
déficit cognitivo. Como exemplo, o declínio cognitivo leve é um estágio
prodrômico de uma outra condição clínica que tem um componente
cognitivo alterado, podendo desse transtorno, que geralmente é caracteri-
zado por perda de memória, se desenvolver condições clínicas como DA;
3. Fase sintomática ou de prevenção terciária: constituída de dois ou mais
componentes cognitivos que ocorre com correspondente perda de função
nas AVD (nesse momento, o indivíduo ultrapassou o limiar clínico de
declínio cognitivo leve para o diagnóstico de provável DA) (Alzheimer’s
Insights, 2002).

Apresentação de caso clínico

L. M. M., sexo feminino, 64 anos, branca, casada, doméstica, nível social de


classe média-média, teve 9 anos de escolaridade, natural de Recife, procedente
do bairro das Graças, foi admitida em 04 de janeiro de 1996 com queixa de
amnésia anterógrada há 1 ano. A paciente repetia a conversa, esquecia recado,
negava fato que realizava há minutos e esquecia onde colocava objetos pessoais,
porém tinha vida independente.
Portadora de dislipidemia controlada e apolipoproteína E (APO-E) com
alelos do tipo e3/e4. Ambiente familiar emocionalmente instável. Avó materna
morreu demente. Tia e prima materna estão dementes. Ao exame encontrava-se
alerta, algo ansiosa, porém cooperava com o examinador, pedindo para ajudá-la
na recuperação de sua memória que estava fraca. RM do crânio mostrou várias
pequenas imagens isquêmicas na região frontal bilateral à frente dos cornos
anteriores e nos centros semiovais, ponte e bulbo. SPECT cerebral mostrou
hipoperfusão na região temporal anterior esquerda.

Evolução

Em 10/1/96, analisando o MEM e o miniexame do estado mental em


função da escolaridade (MEMFE) (Brito-Marques, 1999) como diagnóstico,

814
doença de alzheimer : sua história natural

pode ser observado na primeira consulta, pontuação igual a 26 em ambos os


testes. Os quatro erros da paciente foram nos itens de orientação temporal,
evocação e compreensão, não houve interferência da escolaridade quando
comparado ambos os testes. Deve ser levado em consideração na orientação
temporal o item mês, a data não tem valor para essa situação; o item evocação
não se apresenta como significante com um erro e o item compreensão tem
valor na contagem diagnóstica por déficit de atenção representado por
alterações nas áreas heteromodais, especialmente parietal direita. Como
ambos os testes apresentaram 26 pontos, esse fato representa uma alteração
clínica, podendo ser diagnosticada alteração em dois componentes cognitivos,
orientação temporal e compreensão.
Em 05/6/97, na segunda avaliação, a paciente usou de tacrina até a dose de
20 mg 6/6h: a pontuação igual a 27 pontos em ambos os testes teve três erros,
sendo um de orientação temporal e dois de evocação. Apesar do uso de medicação
específica, os erros nos itens dia e evocação apresentam valor clínico. Na orien-
tação mudou do item mês para o item dia e na evocação aumentou de um para
dois erros, o que não deveria ter ocorrido no mesmo item em uso de medicação
específica. Após um ano de diagnóstico usando anticolinesterásico, a paciente
aumentou 1 ponto, continuado com dois componentes cognitivos alterados,
orientação temporal e memória de evocação. Durante a entrevista a paciente
apresentou-se repetitiva, fato compatível com o aumento do erro de evocação.
Em 4/11/97, na terceira avaliação, a paciente inicia o uso de donepezil, 10
mg/dia,associado a mirtazapina, 30 mg/dia: a pontuação igual a 24 pontos
em ambos os testes teve seis erros, sendo três na orientação temporal e três
na evocação. A paciente continua agravando os mesmos dois componentes
cognitivos, memória de evocação e orientação temporal. Em quase dois anos
de tratamento a paciente havia perdido 4 pontos em ambos os testes. O uso de
antidepressivo foi realizado devido à paciente continuar consciente de seu estado
clínico e por não receber apoio de seus familiares.
Em 29/10/98, na quarta avaliação, a paciente em uso de donepezil, 10
mg/dia: a pontuação era para MEM = 23 pontos com falhas nos itens de
orientação temporal, cálculo, evocação e praxia e para o MEMFE = 25
pontos com erros nos itens orientação temporal e evocação. Nessa etapa,
a escolaridade e o nível sociocultural passam a interferir na pontuação de

815
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

ambos os testes, devido ter ocorrido erro nos itens cálculo e praxia. Nessa
avaliação a paciente perdeu 7 e 5 pontos, respectivamente. É importante
chamar a atenção para o fato de que ocupação funcional da paciente é de
grande valia no desenvolvimento da sua capacidade cognitiva, no caso, a
paciente não exercia atividade profissional.
Em 1/7/99, na quinta avaliação em uso de donepezil, 10 mg/dia: a pontuação
era de 23 pontos para MEM e de 21 para MEMFE com falhas na orientação
temporal (dia, data e mês), evocação e compreensão para o primeiro teste e,
acrescentando o item cálculo para o segundo teste. Todos os itens errados
passam a ter valor clínico. Na entrevista clínica a paciente se encontrava bem
humorada e participava das atividades de vida diária. Repetiu algumas vezes
as mesmas perguntas e exclamações. Ansiosa na reavaliação.
Em 26/6/00, na sexta avaliação em uso de donepezil, 10 mg/dia: a pontu-
ação era de 14 pontos para o MEM e 16 pontos para o MEMFE, com erros
para ambos os testes de orientação temporal e espacial (dia, data, mês, ano e
instituição), evocação, cálculo, compreensão e praxia para o MEM. Na entrevista
a paciente encontrava-se bem humorada, ansiosa na reavaliação e apresentava
sinais clínicos vegetativos.
Em12/6/00, na sétima avaliação em uso de donepezil, 10 mg/dia: a pontu-
ação era de 12 pontos para o MEM e 13 pontos para o MEMFE com falhas
para ambos os testes, similar aos mesmos componentes da avaliação anterior.
Em 7/5/02, na oitava avaliação em uso de donepezil, 10 mg/dia: a pontuação
era de 06 pontos para o MEM e 07 pontos para o MEMFE, com erros nos
mesmos componentes anteriores, acrescidos por alterações na linguagem
(nomeação e compreensão escrita).
Em 26/11/02, na nona avaliação em uso de donepezil, 10 mg/dia: a pontu-
ação era de 05 pontos para o MEM e 06 pontos para o MEMFE com as mesmas
falhas nos mesmos componentes cognitivos. Durante a entrevista a paciente
mostrou que não reconhece todos os filhos e demais parentes. Não consegue
dizer o que pensa em poucas palavras.
Em 11/6/03, na décima avaliação em uso de donepezil, 10 mg/dia: a pontu-
ação era de 04 pontos para o MEM e 05 pontos para o MEMFE. A paciente não
me reconheceu. Estava ansiosa, inquieta, não verbalizava e parecia está perdida.

816
doença de alzheimer : sua história natural

Em 4/3/04, na décima primeira avaliação ainda em uso de donepezil, 10 mg/


dia: a pontuação era de 00. A paciente estava dependente, mas me reconheceu
e com linguagem exclamativa disse que voltaria.

DISCUSSÃO

Do ponto de vista clínico, a queixa da paciente se refere a perda de memória


para fatos recentes que corresponde a 71% das queixas que iniciam a DA. Entre-
tanto, perda de memória é a queixa mais comum em qualquer tipo de doença
neurológica ou sistêmica que repercuta sobre o cérebro. Não é incomum o
aparecimento da síndrome de Tolstoi em mulheres que convivem com conflitos
internos de situações passadas vividas com a família.
Alguns fatores poderiam ser levados em consideração a favor da veracidade
dessa queixa como: o grau de escolaridade, o nível social e a consciência da
paciente sobre sua dificuldade. Os níveis séricos de dislipidemia, principalmente
colesterol, tem relevância com o tipo do gene da APO-E e3/e4, tendo cerca de
5% de risco para desenvolver DA. A paciente tinha avó, tia e prima materna
demente, sendo 32% o risco para parente de primeiro grau. Em 2002, foi reali-
zado um estudo contando com 73 pacientes portadores de DA e 57 controles da
Universidade de Pernambuco, sendo a extração do DNA para APO-E realizada
em parceria com a Universidade de São Paulo. O referido estudo mostrou que
dos 73 pacientes 42% apresentaram o alelo tipo e4, sendo 16% homozigoto (e4/
e4), 26% heterozigoto (e3/e4) e 58% com o alelo tipo e3/e3. Dos 57 indivíduos
controle apenas 8,7% apresentaram o alelo tipo e3/e4 e, 91,3%, e3/e3.
É possível que os fatores de risco vascular apresentados pela paciente
justifiquem a hiperintensidade de sinal que apareceu na região frontal bilateral
à frente dos cornos anteriores e nos centros semiovais, ponte e bulbo. Essa
alteração de sinal vista na RM numa paciente com 64 anos dirige o diagnóstico
para DA ou doença vascular e DA juntas. O SPECT cerebral mostrou hipoper-
fusão na região temporal anterior esquerda no início do diagnóstico clínico,
sendo compatível com o quadro clínico de amnésia anterógrada. Segue o
MEM6 e o MEMFE9 avaliado 10 vezes durante sete anos de acompanhamento:

817
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Miniexame do estado mental em função da escolaridade


Datas de avaliação

7/5/02

11/6/03

4/3/04
5/6/97

29/10/98

1/7/99

12/6/01

26/11/02
1/1/96

4/11/97

26/6/00
Orientação temporal
Dia 1 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Data 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Mês 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Ano 1 1 1 0 1 1 0 0 0 0 0 0
Hora 1 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0
Orientação espacial
Local 1 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0
Instituição 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0
Bairro 1 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0
Cidade 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0
Estado 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0
Memória imediata
3 palavras 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 0
Atenção e cálculo
100-7 5 5 5 5 4 3 0 0 0 0 0 0
25-1 5 5 5 5 5 1 1 0 0 0 0 0
Memória recente
Evocação 3 2 1 0 1 2 1 1 0 0 0 0
Linguagem
Nomeação 2 2 2 2 2 2 2 2 0 0 0 0
Repetição 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0
Comando 3 2 3 3 3 2 0 0 0 0 0 0
Leitura 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0
Escrita 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0 0
Triângulos 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0
Pentágonos 1 1 1 1 0 1 0 0 0 0 0 0

Total = MENF 26 27 24 25 21 16 13 07 06 05 00
Total = MEM 28 27 24 23 23 14 12 06 05 04 00

818
doença de alzheimer : sua história natural

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status examinations. Neurology 40:1225-1230, 1990.

819
71
Avaliação Neuropsicológica
para o diagnóstico diferencial
entre Demência de Alzheimer
e Demência Vascular
Myriam J. J. S. Lima

Falar-se da importância da Avaliação Neuropsicológica, seria tornar


repetitivo, o que já expomos no congresso passado. Procuraremos apresentar as
diferenças mais notadas entre os dois quadros demenciais, de maior incidência na
população acima de 50 anos. A importância da interdisciplinaridade nos permite
obter conhecimentos, ao adentrar nos conhecimentos alheios, conciliando
conhecimentos. Pontuaremos, por vez, cada tipo de demência apresentado.

Diagnóstico diferencial

Demência de Alzheimer

É uma enfermidade degenerativa do sistema nervoso, caracterizada por


uma demência insidiosa, progressiva e histológica por placas senis e degeneração

821
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

neurofibrilar; ausência de sinais focais e ausência de qualquer outra doença


específica afetando o cérebro; associação de memória associado, pelo menos,
a um déficit em outra área de cognição apresenta como fatores dominantes
a idade, história familiar positiva, sobrevivência de mais ou menos de oito a
doze anos; desenvolvimento mais torpe e agressivo (gene cromossomo 21 —
Hardy et al, 1991) responsável por 2% a 3% dos casos prematuros, com herança
autossômica dominante; fatores genéticos, apresentam o cromossomo a 70% dos
casos familiares, cromossomo 1, com idade de começo mais tardio que as outras
formas mencionadas, cromossomo 19, no gene que codifica a apoliproteína E4,
na qual aumenta o risco de vir a sofrer da enfermidade, APOE4 grande fator
de risco para o desenvolvimento da Demência de Alzheimer (DA), juntamente
com os fatores étnicos e geográficos; diminuição na tarefa de aprendizagem; falta
de ativação nos campos hipocampais; comportamento de fluxo sanguíneo nas
regiões temporobilateral, temporoanteriores, hipoperfusão, através do SPECT;
ausência de sintomas e sinais indicando dano cerebral de qualquer outra
enfermidade; envelhecimento normal X Demência de Alzheimer, apresentam
alterações cognitivas iguais e placas senis iguais; normalmente precede uma
depressão, perda de acetilcolina; mais devagar na realização de qualquer ativi-
dade cognitiva (lado parietal direito lesionado, causa síndrome de desatenção);
perda neuronal nas regiões temporo-hipocampais, estruturas cruciais para o
processo de memória, degeneração sináptica intensa, placas senis, emaranhado
neurofibrilares (muito mais alta em pacientes com DA).

Demência vascular

É depois da DA a segunda causa mais comum em demência; início abrupto,


escalonado, histórico de AVC, HA arteriosclerose associada, bem como sinais
focais e sintomas neurológicos; normalmente diagnosticada quando o exame
clínico tem presença de demência, um episódio de enfermidade cérebro vascular
e uma relação causal entre os dois; pode ser agrupada por a) quadro clínico
de infartos múltiplos — comprometendo estruturas corticais e subcorticais e
b) síndrome de Binswanger — com alteração do tipo leucaraiose, afetando a
profundidade da substância branca; alguns autores acham mais apropriado
ao referir-se à DV, como “ demência associada ao AVC”; a DV aumenta

822
avaliação neuropsicológica para o diagnóstico diferencial

espontaneamente com a idade; mais comum em homem; maior risco de demência


depois de um AVC; a idade é o único fator bem documentado; disfunção executiva
predomina sobre as alterações de memória e de linguagem; comprometimento
cognitivo; descobrimento de sinais focais compatíveis com um derrame no exame
neurológico com história prévia de derrame cerebral; evidência de AVC nas
neuroimagens (aumenta nove vezes o risco de demência (Tatemichi et al., 1992);
preservação relativa da personalidade; infartos lacunares múltiplos; AVC motor
puro; ataxia — hemiparesia, disartria; leucaraiose — a frequência aumenta com a
idade em indivíduos hipertensos; infartos lacunares múltiplos; disfagia; labilidade
emocional com riso e choro espasmódicos; síndrome depressiva frequente.

Observações mais comuns

Demência de Alzheimer

Declínio cognitivo global; padrão homogêneo e constante no declínio


cognitivo; não se beneficia de pistas; não sustenta uma linha de pensamento;
perda da configuração espacial; anomia; alteração da memória imediata
(memória episódica e verbal), apresentando pior desempenho que na DV; formas
clínicas de apresentação amnésica, anímica, mioclônica, extrapiramidal, com
sinais de comprometimento parietal, predomínio de desorientação espacial,
com alterações de marcha, com espasticidade e ataxia; redução do nível geral
de funcionamento intelectual (juízo, raciocínio abstrato).
Os primeiros sinais são: perda do interesse pela leitura; compreensão preju-
dicada; desinteresse social; dificuldade em encontrar palavras; perseveração;
região temporo-parietal-occiptal; emprobecimento do vocabulário.

Demência vascular

Não apresenta declínio cognitivo global; estágio precoce, sempre fluente,


marcado com faltas de palavras e uma incoerência no discurso; se beneficia
com o uso de pistas; predominância dos riscos subcorticais (lentidão psico-
motora, déficits de funções executivas, alteração do humor; organização

823
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

empobrecida, percepção preservada; diminuição da fluência verbal como


um déficit geral do processo tanto da memória semântica como episódica);
apresenta mais erros do tipo semântico; déficits mais intensos em testes de
movimentos repetitivos e dependentes de velocidade motora e de mecanismos
corticais e subcorticais; a linguagem pode permanecer inalterada, mesmo com
média de seis anos de enfermidade; no estágio precoce, o deterioro é moderado
e a produção verbal é espontânea; dificuldade em tarefas que envolvam fluência
verbal, atenção, desempenho motor que envolvam a alternância de estratégias
e planejamento.
Os primeiros sinais são: causa vascular de deteriorização cognitiva;
memória, atenção; linguagem; orientação; organização empobrecida;
percepção preservada.

Sintomatologia

Demência de Alzheimer

Perda da memória; diminuição das atividades cotidianas; comprometi-


mento do juízo; desorientação temporal; desorientação espacial; dificuldade na
aprendizagem; perda progressiva na comunicação verbal; agressivo em forma
pré-senil vigilância e atenção anormais, mas relativamente menor se comparada
a outras demências; dificuldade em dividir atenção.

Demência vascular

Deteriorização da memória de curto e longo prazo; distúrbio do pensa-


mento abstrato; distúrbio que interfere com a atividade funcional; distúrbio que
interfere nas atividades sociais habituais; sintomas e sinais neurológicos focais;
disfagia; disartria; não tem confabulação; alteração da memória regularmente
associada a um déficit neurológico tipo cortical; disfonia; alteração da perso-
nalidade; apático; abúlico; síndrome depressiva; aumenta com a idade; risco de
demência devido ao AVC.

824
avaliação neuropsicológica para o diagnóstico diferencial

O que diferencia

Demência de Alzheimer

Insidioso; progressivo; desorientação visuoespacial e ambiental, inca-


pacidade para desenhar; mudança na personalidade — passivo, agressivo,
espontâneo, desinibição sexual, alteração do ritmo do sono, incontinência;
estado de ânimo; humor depressivo, psicose, manias; deteriorização do inte-
lecto; alterações do movimento; força motora — fraqueza, rigidez, alterações
posturais; fenômenos deficitários — hemianestesias e hemiparesias; fenômenos
excitatórios — mioclonias, epilepsia; EEG. — onda teta lenta; TC — atrofia com
aumento dos sulcos; RM – ventrículo dilatado.

Demência vascular

Abrupto; escalonado, distúrbios visuoespacial; personalidade preservada;


humor — deprimido; intelecto preservado; força motora — déficit área focal;
EEG — retardo multifocal; TC — área de transparência; RM — sinais aumen-
tado nas áreas de lesão.

Perfil cognitivo

Demência de Alzheimer

Função mnésica – aspecto mais destacado; convertendo-se no paradigma


dessa enfermidade; impossibilidade de armazenar; evocar nova informação;
dificuldade em adquirir nova aprendizagem; desaparecimento de sua própria
história; observar sinais de estresse ou depressão, pois por serem sutis pode-se
atribuir uma síndrome demencial; linguagem (função habitualmente compro-
metida e pode surgir precocemente quando do tipo familiar); diminuição em
especial das palavras de pouco uso, produzida por uma declinação no acesso
lexical ou por falha no conteúdo semântico; com o passar do tempo vai se
assemelhando a uma afasia anômica; a escrita também tende a apresentar

825
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

comprometimentos precocemente observados em distúrbios grafo motores,


visuoespaciais ou linguísticos; a leitura em voz alta pode ainda estar conservada,
porém quase sempre está ausente de significado; os transtornos da linguagem
se superpõem aos diferentes déficits cognitivos, transformando-se em uma
afasia transcortical sensorial; turbilhão de ideias vazias; monossílabos; mutismo;
alterações visuoespaciais são precoces, ocasionando problemas direcionais,
que quando somado a deteriorização da memória, são fortes preditores dos
sintomas de perder-se; segundo estudos, a dissociação intra e interindividual é
demonstrada através de lesões dos hemisférios direito e esquerdo, evidenciando
deteriorização no processamento, responde a um dano multifocal complexo;
alterações cognitivas úteis para a detecção precoce da deteriorização — desco-
bertas nas avaliações da memória semântica (fluência fonológica e semântica,
nominação e déficits em mecanismos de priming) e da memória episódica e os
mecanismos de transcodificação semântica (Bozzola e Mangone, 1992).

Demência vascular

Fatores de risco aterogênicos (HA, tabagismo, IAM, DM, hiperlidemia,


fibrilação atrial, hipercolesterolemia — são antecedentes lógicos de demência
associada ao AVC; linguagem; dificuldade mecânica da fala (disartria); empo-
brecimento articulatório; disfonia; todas as alterações da palavra concernente
ao timbre, articulação, fluxo verbal baixo; disprosódia; parafasias (às vezes);
imprecisão na falta de palavras; perseveração; obs.: todas se parecem como as
descritas no quadro da demências pseudobulbares; a memória secundária (longo
prazo) está bastante alterada; a memória terciária de longo prazo está relativa-
mente conservada; normalmente as alterações de memória estão associadas a
um déficit neuropsicológico do tipo cortical 9 a expressão vai variar de acordo
com o local da demência (Tatemichi et al., 1994).

Avaliação

O profissional deve ter ciência e consciência quanto ao seu parecer, pois os


resultados poderão gerar sérios comprometimentos ao avaliado.

826
avaliação neuropsicológica para o diagnóstico diferencial

Avaliação sugere uma ação voltada para a valoração, implica verificar


a habilidade de uma pessoa para desempenhar respostas de natureza
intelectual, considerando sua história pessoal e suas expectativas e
usando como parâmetro informações normativas e a faixa de varia-
bilidade do desempenho de indivíduos normais na população. (Vieira
e Koenig, 2002).

Avaliação na demência de Alzheimer

Funcional; déficit cognitivo; queixas subjetivas de memória; concentração;


temporalidade; espacial; vigilância; atenção.

Avaliação na demência vascular

Funcional, déficit cognitivo cobrindo as principais áreas de habilidades


cognitivas — memória, orientação, linguagem, fluência verbal; habilidades visuo-
espaciais; controle motor; práxis; velocidade do processamento das informações.

Critérios diagnósticos

Demência de Alzheimer

▶▶ Minimental de Folstein
▶▶ Miniexame cognitivo de lobo
▶▶ NICDS-ADRDA
▶▶ GDS — Reisberg et al, 1982 (usado para avaliar depressão em caso de
eventual demência tipo Alzheimer)
▶▶ CERAD (Consortium to Establish a Registry for Alzheimer Disease)
▶▶ DSM IV (Diagnosis and Statistical Manual of Mental)
▶▶ CID 10
▶▶ CDR (Clinical Dementia Rating) — é considerado padrão ouro (gold
standard) para a classificação de demência
▶▶ NINDS-AIREN

827
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

▶▶ FAST (Functional Assesssment Stages in Alzheimer’s Disease)


▶▶ CAMDEX (Cambridge Examination of Mental Disorders in the Elderly)
▶▶ DSM IV e CID 10, não exigem neuroimagem
▶▶ Cornell Scale for depression in dementia, diagnóstica de pressão em
pacientes com síndrome demencial), avalia sinais de humor, sinais
físicos, funções cíclicas, distúrbios ideacionais.

Demência vascular

▶▶ NINDS-ADRDA
▶▶ DSM IV (requer sinais e sintomas ou achados laboratoriais de dano
neurológico focal que seja atribuído ao distúrbio)
▶▶ CID 10 (distribuição desigual dos déficits cognitivos, sinais focais como
evidência de dano cerebral focal e doença cérebro vascular)
▶▶ NINDS — AIREN (National Institute of Neurological Disorders and
Stroke) — mais específico ADDTC (DV)
▶▶ State California - Alzheimer’s disease diagnostic and treatment centers —
isquemia possível( (mais sensível)
▶▶ DSM IV e CID 10, não exigem neuroimagem
▶▶ Escala de Hachinski (1975)
▶▶ Escala de Hachinski modificada por LOEB, 1985.

Diagnóstico possível

Demência de Alzheimer

Diagnóstico de demência na ausência de outras demências neurológicas,


psiquiátricas ou sistêmicas que poderiam explicar o quadro clínico, com início
de manifestações clínicas ou evoluções atípicas.

Demência vascular

▶▶ Enfermidade cérebro-vascular

828
avaliação neuropsicológica para o diagnóstico diferencial

▶▶ Presença de demência
▶▶ Relação entre A e B.

Diagnóstico definido

Demência de Alzheimer

▶▶ Evidências clínicas de DA provável e confirmação por biópsia ou


autópsia
▶▶ Subtipos:
▶▶ Familiar
▶▶ Presença da trissomia 21

Demência vascular

▶▶ Distúrbios prematuros da marcha


▶▶ Quedas
▶▶ Incontinência
▶▶ Paralisia pseudobulbar.

Respeito à dignidade – por que discutir o diagnóstico com o


paciente e a família

Demência de Alzheimer

▶▶ Proporciona uma autodeterminação de importância.


▶▶ Auxilia para traçar diretrizes para seu tratamento, seus assuntos finan-
ceiros e para outras questões de cunho pessoal, enquanto é possível fazê-lo.
▶▶ Explicar a realidade dos testes psicológicos.
▶▶ Mostrar a importância dos exames periódicos.
▶▶ Quando o paciente estiver emocionalmente perturbado, falar somente
do distúrbio da memória e da importância do acompanhamento.

829
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

▶▶ Família.
▶▶ Discutir o desânimo.
▶▶ Discutir a importância das partes envolvidas.
▶▶ Orientar sobre os cuidados.

Demência vascular

▶▶ Proporciona uma autodeterminação de importância.


▶▶ Auxilia para traçar diretrizes para seu tratamento.
▶▶ Explicar a realidade dos testes neuropsicológicos.
▶▶ Mostrar a importância dos exames periódicos.
▶▶ Mostrar a importância do tratamento.
▶▶ Família.
▶▶ Discutir o desânimo.
▶▶ Discutir o desgaste.
▶▶ Discutir a importância das partes envolvidas.
▶▶ Orientar sobre os cuidados.

O que observar

Na demência de Alzheimer

▶▶ Se veio trazido por um amigo, uma pessoa da família ou se veio espon-


taneamente.
▶▶ Qual a principal queixa?
▶▶ Há quanto tempo apresenta o motivo da queixa?
▶▶ Se demonstra ansiedade quando o acompanhante relata dificuldades?
▶▶ Se pede ajuda ao acompanhante.
▶▶ Se existe relato de perder-se em locais conhecidos.
▶▶ Se apresentou mudanças de personalidade.
▶▶ Fatos de agressividade verbal e física.
▶▶ Distúrbio do sono.
▶▶ Wandering (deambulação).
▶▶ Apatia.

830
avaliação neuropsicológica para o diagnóstico diferencial

▶▶ Desinibição.
▶▶ Maior infantilismo.
▶▶ Embotamento emocional.
▶▶ Confusão.
▶▶ Irritação.
▶▶ Temor/pânico.
▶▶ Humor.
▶▶ Falta de cooperação.

Na demência vascular

▶▶ Veio trazido por alguém ou se veio espontaneamente.


▶▶ Queixa de memória contextual.
▶▶ Dificuldade de memória que deve-se a alterações em outras áreas.
▶▶ Se demonstra ansiedade quando o acompanhante relata as dificuldades.
▶▶ Se pede ajuda ao acompanhante.
▶▶ Se apresenta mudança de humor.
▶▶ Se apresenta mudança de personalidade.
▶▶ Apresenta distúrbios de linguagem.
▶▶ Quais os fatos mais apontados pela família.
▶▶ Alteração da personalidade.
▶▶ Impulsividade.
▶▶ Impaciência.
▶▶ Irritabilidade.
▶▶ Disartria.
▶▶ Disfagia.
▶▶ Alteração da personalidade.

TESTES

Demência de Alzheimer

▶▶ Minimental (Folstein e lobo) — instrumento prático para rastreio inicial


das alterações cognitivas

831
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

▶▶ Teste de Blessed (quase todas as escalas são variedades dela)


▶▶ Teste do relógio (Shulman) — permite avaliar mais de uma área
ou subáreas cognitivas; avalia a memória, habilidade visuoespacial e
construtiva, funções executivas (lobo frontal, temporal, parietal)
▶▶ Span de dígitos
▶▶ Span de letras
▶▶ Teste de fluência Verbal
▶▶ Escala de Hachinski
▶▶ BPSD — Sintomas Comportamentais e psicológicos na demência –
indicado para clínica e pesquisa
▶▶ Escala de AVDs
▶▶ Prova verbal de Rey
▶▶ Figura Complexa de Rey
▶▶ Cubos de Wais
▶▶ Escala de Hamilton
▶▶ Torres de Londres
▶▶ Wisconsin Card Test
▶▶ Escala de demência de mattis, MDRS, 1988 — atenção, perseveração,
construção, etc.
▶▶ Teste de Corsi
▶▶ Trail making — é administrado em dois processos A e B; avalia atenção
visual, habilidade grafomotora, sequência, flexibilidade mental
▶▶ NPI — Neuropsychiatric Inventory (Cumming, 1997), avalia sintomas
psicológicos e comportamentais e mensura os sintomas neurovegetativos.

Demência vascular

▶▶ Minimental
▶▶ Rey Auditory verbal
▶▶ Learning test — lezac
▶▶ Escala de memória de Wechsler (Adult Intelligence Scale Revised), avalia
nível de funcionamento mental, presença ou ausência de disfunção
intelectual significativa (nomear dez animais em uma minuto)
▶▶ Teste de Fluência Verbal
▶▶ Escala de Hachinski (modificada por Loeb)

832
avaliação neuropsicológica para o diagnóstico diferencial

▶▶ Desenho de um cubo (por cópia)


▶▶ Cancelamento de letras
▶▶ Escala de AVDs
▶▶ Lâminas de Boston
▶▶ Torres de Londres (planejamento e iniciação)
▶▶ Escala de Hamilton
▶▶ Wisconsind Card Test (fluência verbal e classificação) Escala de Mattis
para medir atenção, perseveração, iniciação, construção, conceituação,
memória a curto prazo (verbal e visual)

Referências bibliográficas

Almeida, P., Nitrini, R. Demência, fundo editorial. São Paulo: BYK, 1995.
Bertolutti, P. H. F. et al. Miniexame do Estado mental em uma população geral.
Impacto de escolaridade. Arq. Neuropsiquiatria, 1994, 52.
Câmara, D. V. Demências. Editora Científica Nacional, 1996, 24-26.
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Interlivros edições Ltda.
Corrêa, A. C. de. Envelhecimento, Depressão e Doença de Alzheimer. Belo
Horizonte: Health, 1996.
Fortaleza, Almeida, V., Osvaldo P. depressão e demência do idoso no tratamento
psicológico e farmacológico. São Paulo: Lemos editoria, 1999.
Kandell, J. H., Schwartz, T. M. J. Fundamentos da Neurociência e do
Comportamento. Prentice hall do Brasil, 1997.
Proust, J. A Interdisciplinaridade nas Ciências Cognitivas. In TB. Rio de janeiro,
113: 93/118, abril — junho de 1993.
Mangone, C. A. , Alegre, R. F., Arizaga, R. L. J. Demência, enfoque multidisciplinario.
1a Edición. Buenos Aires: Ediciones Sagitario, 1997.
Nitrini, R., Caramelli, Mansur, L.L.. Neuropsicologia das bases anatômicas à
reabilitação clínica neurológica. Hospital das Clínicas, FM-USP, 1996.

833
72
Fonoaudiologia e reabilitação
neuropsicológica
Alexa L. Sennyey

Introdução

Segundo concordância entre a divisão de Neuropsicologia da Associação


de Psicologia Americana (APA) e a Associação Americana de Fonoaudiologia
(ASHA), neuropsicologia é o estudo científico da relação entre a função cere-
bral e o comportamento; é uma área de conhecimento interdisciplinar; não é
propriedade de nenhuma disciplina ou profissão; técnicas e aplicações não podem
ser exclusivistas de uma profissão; assim como todas as disciplinas relevantes e
profissionais devem contribuir expandindo o conhecimento em neuropsicologia e
sua aplicação nos pacientes (Mazmanian, P.; O’Kane Martin, K.; Kreutzer, J., 1991).
A reabilitação está baseada nos resultados da avaliação neuropsicológica.
Após a detecção dos déficits causados por uma lesão neurológica, ou de desen-
volvimento ou adquirida, formula-se um programa de reabilitação.
A avaliação neuropsicológica constitui-se de testes padronizados, que resultam
na constatação das habilidades preservadas e das sequelas cognitivas, de linguagem
e de comportamento, seu impacto na vida do paciente e no prognóstico.

835
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

O programa de reabilitação deve estar dividido em objetivos de curto


prazo e de longo prazo. São objetivos planejados individualmente e que visam
restabelecer uma habilidade perdida ou na adaptação à uma função não
mais recuperável.

A. Avaliação neuropsicológica

As funções avaliadas através de testes padronizados são basicamente:


▶▶ Linguagem
▶▶ Memória e atenção
▶▶ Aprendizagem e resolução de problemas
▶▶ Raciocínio e julgamento
▶▶ Habilidades visuoespaciais
▶▶ Habilidades construtivas
▶▶ Capacidade de organizar e planejar
▶▶ Comportamento

A avaliação pode objetivar detectar um distúrbio neurológico, como


uma demência; detectar déficits e habilidades preservadas após uma lesão
cerebral, como, um traumatismo cranioencefálico; realizar um diagnóstico
diferencial entre uma patologia psicológica e uma patologia do sistema
nervoso central, como uma depressão; monitorar as melhoras durante o
processo de reabilitação e orientar mudança de estratégias quando necessário,
e finalmente, orientar cuidadores e familiares quanto aos progressos e as
adaptações necessárias.

B. Reabilitação neuropsicológica

Com base no resultado da avaliação das funções mencionadas, o reabi-


litador organizará um programa individualizado. Segundo a Organização
Mundial de Saúde (1986):
“a reabilitação implica em restauração, para o mais alto nível atingível
física, psicológica e socialmente. Inclui todas as medidas objetivadas para

836
fonoaudiologia e reabilitação neuropsicológica

reduzir o impacto da incapacidade e da condição de handicap, possibili-


tando pessoas deficientes a alcançar uma integração social optimizada.”

Um déficit neurológico provoca uma inabilidade considerada relativa, isto


é, o que para um indivíduo pode ser um distúrbio grave na vida, para outro este
mesmo distúrbio pode não ser tão significativo. Por exemplo, um déficit motor
em membros superiores para um músico tem um peso bem diferente quando
comparado a alguém que não precisa usar com tanta precisão os membros.
O déficit está inter-relacionado com o ambiente e o papel que a pessoa tem na
sua comunidade. Portanto, um distúrbio igual pode provocar uma inabilidade
diferente em duas pessoas (Diller e Gordon, 1981).
Os programas de reabilitação devem ser planejados individualmente. Cabe
ao reabilitador capacitar pacientes e familiares a conviver, lidar, contornar,
reduzir ou superar os distúrbios resultantes da lesão (Wilson, 1996).
Os meios para se alcançar os objetivos da reabilitação serão: recuperação
das funções cognitivas deficitárias; compensação das funções perdidas; e
substituição das funções deficitárias por funções intactas (Hartley, 1995).
Segundo Gordon e Hibbard (1991), é essencial que um programa de
reabilitação neuropsicológica esteja baseada em uma teoria sólida para melhor
compreensão da natureza do déficit, o melhor caminho para tratar, e entender
porque do sucesso ou da falha. Estes autores também acreditam que o trabalho
de reabilitação deve ser multimodal, pois da mesma forma que uma falha cogni-
tiva pode estar ocorrendo por falhas multimodais, por exemplo, um déficit visual
que a primeira mão parece ser uma negligência, quando melhor entendido
poderá ser verificado que na realidade é um déficit na síntese e análise visual,
na habilidade de escanear e na percepção sensorial, assim também é necessário
um olhar multimodal na reabilitação, buscando os vários aspectos envolvidos
em uma função cognitiva.
O programa de reabilitação requer tempo para se obter resultados. Assim
como o tempo decorrido desde a ocorrência da lesão não significará que o
paciente não apresentará mais melhora. Estudos demonstram que é muito
importante iniciar o trabalho de reabilitação durante o período de recuperação
espontânea, porém os estudos de Ben-Yishay e Diller (1983), Prigatano et al

837
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

(1984, 1986) e de Scherzer (1986) demonstram que a reabilitação após um ano


ou mais de lesão não impediu observar melhoras cognitivas.
A atividade proposta deve ser trabalhada, mas não menos importante é a
compreensão das etapas para se realizar tal atividade. Gordon e Hibbard (1991),
além de outros autores, consideram crucial para a reabilitação ter sucesso o
conhecimento que o paciente deve ter de seus déficits. Por esta razão o paciente
deve ser ativo, dentro de suas possibilidades, na elaboração do programa de
reabilitação. Ele deve saber porque está fazendo tais atividades, a que objetivos
queremos chegar e o porquê.
O trabalho deve sempre visar a generalização para tarefas do dia a dia.
O objetivo só poderá ser considerado alcançado com sucesso uma vez que o
paciente consiga transferir para o seu cotidiano.
A intervenção deve mudar de lócus, isto é, deve abranger outros ambientes
além do consultório e/ou casa do paciente. Algumas vezes o objetivo parece
ter sido alcançado, porém, quando visto com mais cuidado, verifica-se que há
uma dependência com o meio para a realização da atividade com sucesso. É
muito mais fácil realizar uma tarefa em um meio protegido, como a sala do
consultório, do que em meio a um grupo social, em um lugar “desprotegido”
do terapeuta.
As estratégias gerais implicam instruções claras e consistentes, dentro de
uma organização hierárquica. As estratégias a serem utilizadas para a realização
da tarefa devem ser ensinadas, assim como a análise da atividade. Deve sempre
haver uma atitude positiva e sempre que possível, deve-se usar consequências
naturais. Após uma tarefa, deve haver um feedback.
O uso do computador deve ser feito com cautela, uma vez que estudos
têm demonstrado sua importância na melhora de uma determinada atividade,
mas que com este recurso não se tem conseguido a generalização para uma
determinada tarefa. O computador pode sim ser de grande utilidade quando
usado como uma estratégia, isto é, utilizado para compensar um déficit não
recuperável, como cálculos, agenda, controle de aplicações financeiras etc.

838
fonoaudiologia e reabilitação neuropsicológica

Considerações finais

A avaliação neuropsicológica serve para dar início ao programa de reabi-


litação e para monitoramento periódico dos progressos.
A reabilitação neuropsicológica é baseada em um programa individuali-
zado, edificado nos déficits e nas habilidades cognitivas e de linguagem de um
paciente com lesão neurológica. Ela deve ser baseada em uma teoria sólida,
deve ser multimodal, requer tempo para que se obtenha resultado. O paciente
deve entender os objetivos, deve haver mudança de lócus e a generalização
é imprescindível para que se considere o objetivo alcançado com sucesso.

Referências bibliográficas

Ben-Yishay, Y.; Diller, L. Cognitive remediation. In Rosenthal, M.; Griffith, E. R.;


Bond, M. R.; Miller, J. D. (Eds.) Rehabilitation of the Head Injured Adult.
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Boll, T. J. Handbook of Clinical Neuropsychology. John Wiley & Sons, Inc, 1981.
Gordon, W. A.; Hibbard, M. R. The Theory and Practice of Cognitive
Remediation. In Kreutzer, J. S.; Wehman, P. H. Cognitive Rehabilitation
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Mazmanian, P.; O’Kane, K. M..; Kreutzer, J. In Kreutzer, J. S.; Wehman, P.
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Prigatano, G. P.; Fordyce, D. J.; Zeiner, H. K.; Roueche, J. R.; Pepping, M.; Wood,
B. C. (Eds.) Neuropsychological Rehabilitation after Brain Injury. Baltimore:
John Hopkins University Press, 1986.

839
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Scherzer, B. P. Rehabilitation following severe head trauma: Results of a three


year program. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 67, 366-
374, 1986.
Wilson, B. Reabilitação das Deficiências Cognitivas. In Nitrini, R.; Caramelli,
P.; Mansur, L. Neuropsicologia das Bases Anatômicas à Reabilitação. (Eds.)
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo, 1996.

840
73
Reabilitação das afasias
Elizabeth Gonçalves Ribeiro

Propomos discutir no presente texto, o processo fonoterápico das afasias.


Trata-se de uma questão bastante polêmica vista a grande variedade de
manifestações linguísticas, a individualidade de cada sujeito e as diferentes
correntes teóricas sobre o assunto.
Segundo (Chapey, 1996), a afasia é caracterizada por redução e disfunção,
que se manifestam tanto no aspecto expressivo quanto receptivo da linguagem
oral e escrita, embora em diferentes graus em cada uma dessas modalidades.
Entendemos a afasia como um distúrbio de comunicação oral decorrente de
lesão neurológica, que afeta os processos de expressão e recepção da linguagem
tornando o indivíduo vítima deste distúrbio, incapaz de comunicar-se oral-
mente. Provavelmente, é a sequela mais incapacitante seja no plano intelectual
quanto afetivo, que leva o afásico ao isolamento, e aprisiona-o mentalmente em
seus próprios pensamentos.
Partindo deste contexto, acreditamos que o processo de reabilitação deva
priorizar o afásico e não a afasia; pois afasia é apenas um rótulo que gera uma visão
reducionista, construindo uma história comum a todos os afásicos comprometido
com a patologia. Já o afásico, é o indivíduo que, transformado pela afasia, perde o
poder da comunicação que por sua vez afasta-o do convívio da sociedade.

841
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Sendo assim, o objetivo da reabilitação é melhorar as habilidades comuni-


cativas, respeitando o sujeito em sua particularidade.
O estudo clínico das afasias recebeu e vem recebendo contribuições de
diferentes disciplinas, dada a complexidade dessa entidade clínica.
Muitas são as abordagens terapêuticas aplicadas nesse campo. Daquelas
que permitem descrições das características gerais da linguagem na afasia
(teoria da psicolinguística), como aquelas que analisam detalhadamente o
processamento alterado subjacente à afasia (teoria da neuropsicologia cogni-
tiva), até aquelas que valorizam o estudo de fatores sociolinguísticos e seu
impacto na comunicação (teoria da pragmática).
Pensamos que a teoria capaz de lidar com os fatores linguísticos e socio-
linguísticos, tanto para características gerais quanto individuais, seja a mais
adequada; uma vez que através dela obteremos uma visão global do indivíduo,
fornecendo então subsídios para a escolha do programa terapêutico.
É importante ressaltar que a terapia da afasia inclui muitas outras dimen-
sões além do déficit psicolinguístico manifestado pelo afásico, entre elas, as
consequências sociais.
Acreditamos que a Neuropsicologia Cognitiva e a Pragmática possam
dar subsídios para a fundamentação teórica de processos fonoterápicos, desde
que sejam combinadas de forma complementar, favorecendo assim programas
terapêuticos adaptados ao ambiente e ao indivíduo.

Processo de investigação fonoaudiológica das afasias

O processo de investigação fonoaudiológica, em nossa opinião, deve


contemplar duas etapas:

Primeira etapa: anamnese

Tem por objetivo levantar a história deste indivíduo, com base em um


inventário acerca de variáveis psicológicas, médicas, e sociais, no período pré,
peri, e pós-lesional. Esta tem como meta reconhecer as particularidades de
cada indivíduo.

842
reabilitação das afasias

Segunda etapa: avaliação propriamente dita

Em nossa opinião deve ser estruturada sob abordagem formal e informal.


Muitas são as críticas a respeito da aplicação de testes em afásicos, devido à maior
parte das tarefas serem metalinguísticas (Coudry, 1988), ficando o teste falho na
investigação da competência comunicativa do afásico. Acreditamos que, em uma
avaliação bem feita, os dois procedimentos devam fazer parte do processo de
investigação (formal e informal). A avaliação formal fornece dados objetivos, com
a possibilidade de teste-reteste contribuindo para uma impressão objetiva do quadro,
oferecendo desta forma parâmetros para análise da evolução clínica fonoaudiológica.
Em contrapartida, a avaliação informal fornece uma impressão subjetiva
complementar a este processo. Sabemos que, para se obter uma ideia precisa
das falhas comunicativas e das necessidades do afásico, é preciso recolher um
grande número de dados à respeito de seu comportamento verbal e não verbal
em diferentes contextos.
Supomos que o mais importante neste processo seja a descrição e a análise
cuidadosa dos comportamentos observados durante a avaliação. No lugar de
enfatizar a análise quantitativa, devemos ter um enfoque centrado no processo,
proporcionando informações acerca dos pontos fortes e débies, das estratégias e
condutas compensatórias do afásico, que servem de base para induzir hipóteses
e estabelecer programas de reabilitação.
Cada comportamento linguístico obtido na avaliação deve ser entendido
da interação entre os achados, considerando os modelos da neuropsicologia
cognitiva, entre eles, o modelo de produção oral (Levelt, 1989) e os aspectos
pragmáticos da linguagem. Com esta visão, acreditamos ser possível uma inter-
venção terapêutica eficaz, quer visando a melhora das funções, quer trabalhando
para maximizar os recursos disponíveis, através de estratégias compensatórias.

Programa de intervenção fonoterápica

O programa fonoterápico deve, em primeiro lugar, valorizar a história de


vida do afásico, adequando a metodologia as suas necessidades individuais.
Cabendo ao fonoaudiólogo equilibrar o pêndulo que oscila entre a eficiência
e o humanismo.

843
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

O programa fonoterápico deve incluir a família com o objetivo de facilitar a comu-


nicação. É importante que seja oferecido ao afásico “espaço” para comunicação, pois
desta forma amplia-se de maneira significativa seu desempenho. Sendo a comunicação
o meio pelo qual o indivíduo interage socialmente, torna-se importante promover
um ambiente de bons interlocutores, para o alcance de uma comunicação funcional.
Partimos do pressuposto que é fundamental entender os sintomas da
expressão oral, por ser esta modalidade de linguagem, que constitui um dos
parâmetros mais importantes para a caracterização dos quadros de afasia.
A fala como atividade intencional envolve a concepção de uma intenção,
selecionando-se as informações relevantes a serem expressas para a realização
deste propósito ordenando-se estas informações para a expressão, registrando-se
e acompanhando-se o que foi dito antes, e assim sucessivamente. Estas atividades
exigem atenção constante do locutor, que deverá ficar atento às suas próprias
produções, monitorando o que fala e como fala (Levelt, 1989). A soma dessas
atividades mentais é então denominada conceituador, segundo o modelo de
produção de fala (Levelt, 1989).
A mensagem resultante do conceituador é a mensagem pré-verbal que se
processa em duas etapas: o macroplanejamento responsável pela elaboração
da intenção comunicativa, como uma sequência de submetas, e pela seleção
de informações a serem expressas. O microplanejamento referente à formação
seguinte de cada ato de fala será então inserida no formato proposicional exigido
pela mensagem pré-verbal objetivando direcionar a atenção do interlocutor.
Uma vez concluída a mensagem pré-verbal, esta ativa a etapa seguinte
denominada formulador. A etapa do formulador traduz uma estrutura
conceitual em uma estrutura linguística por meio de duas etapas (codificador
gramatical e codificador fonológico). O codificador gramatical fornece acesso
aos lemas e a sua construção sintática, produzindo então uma estrutura de
superfície que ativará a codificação fonológica responsável pelo plano fonético
ou articulatório, que ainda não é a fala manifesta. O produto final desta etapa
torna-se a entrada da próxima denominada então articulador. A etapa do
articulador é responsável pela execução do plano fonético através da muscu-
latura do sistema respiratório, laríngeo e laríngeo superior. O produto final
desta etapa é a “fala manifesta”.

844
reabilitação das afasias

Todo o processamento é automonitorado exigindo assim do locutor uma


atenção constante sobre sua produção oral. Com base neste modelo, acreditamos
ser possível admitir os erros de produção oral em indivíduos normais e entender
as variadas manifestações linguísticas presentes nos quadros de afasia.
Conclusivamente, vimos o quanto é complexo o funcionamento da linguagem,
gerando infinitivos questionamentos até agora percebidos, porém não esclarecidos.
Supomos que o modelo de produção de fala (Levelt, 1989) contribua para a
compreensão das diferentes manifestações linguísticas presente no discurso oral de
afásicos, e que somados à valorização de fatores sociolinguísticos, possam minimizar
o impacto da afasia na vida destes indivíduos; promovendo reintegração social.
Modelo de produção de fala

Conceituador Modelo do discurso,


Geração da mensagem conhecimento da
situação

Mensagem pré-fala

Formulador
Léxico
Codificação gramatical Sistema de compreensão
Lemas
Estrutura superficial

Plano fonético
(Discurso interno)

Articulador Cadeia

Discurso externo

Fonte: Levelt, 1989, p. 9.


Nota: As caixas representam componentes processuais; círculos e elipses
representam conhecimento armazenado.

845
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Considerando-se a prática clínica fonoaudiológica junto a estes pacientes, vale


ressaltar que é de fundamental importância que o fonoaudiólogo esteja consciente
de sua escolha metodológica conduzindo com êxito o processo fonoterápico.
Sempre será difícil obter uma teoria que contemple toda a problemática
do afásico, priorizar uma terapia como absoluta gera uma visão reducio-
nista. A linha metodológica por si só é um mero instrumento que exige um
habilidoso condutor.
Se, por um lado, a linguagem nos dá a condição de sermos ativos, comu-
nicativos e cooperativos, por outro, ela tem o poder de nos paralisar, de nos
dominar até a cegueira, por vezes robotizando nossos pensamentos e emoções.

Referências bibliográficas

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Ponzio, J.; Lafond et al. O afásico, convivendo com a lesão cerebral. Santos: São
Paulo, 1995.

846
74
Aplicação do método
isostretching em disfunções
da coluna vertebral
Thatia Regina Bonfim

Introdução

Muitos são os estudos na literatura que descrevem as diversas disfunções


da coluna vertebral, suas implicações, tipos de tratamento e possibilidades
cirúrgicas; no entanto, este número reduz-se sensivelmente no que diz
respeito às possibilidades de tratamento fisioterapêutico. Mais especifica-
mente, temos pouca evidência clínica comprovada cientificamente sobre
a eficácia dos métodos comumente empregados e dos novos métodos que
surgem a cada dia. Recentemente, uma abordagem diferente foi sugerida
e utilizada como proposta de tratamento conservador para as disfunções
da coluna vertebral. Esta abordagem, o método isostretching, norteará
a proposta deste trabalho, que é discutir a aplicação deste método nas
disfunções da coluna vertebral.
Há alguns anos, o método isostretching vem difundindo-se no Brasil,
com diversos fisioterapeutas obtendo formação no método. Com isso, muito

847
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

se evoluiu na prática clínica no que diz respeito a uma nova e promissora


modalidade terapêutica para o tratamento das disfunções da coluna vertebral.
Porém, grande parte dos relatos e dos resultados do método isostretching
permanece nos consultórios, não chegando à comunidade acadêmica e à
literatura científica. O método tem-se mostrado eficaz no tratamento de
diversas disfunções vertebrais, sendo que de início, sua aplicação era mais
indicada no tratamento de patologias da coluna de origem biomecânica,
como escolioses, hiperlordoses, hipercifoses, ou em casos de retificação
das curvaturas fisiológicas, as quais determinavam uma alteração postural
seguida ou não de dor. No entanto, atualmente o método vem ganhando
mais adeptos e proporções e, em função dos bons resultados verificados na
prática clínica com as alterações mecânicas da coluna vertebral, hoje é possível
encontrar profissionais aplicando o método em pacientes com hérnia de disco
(conservador ou pós-cirúrgico), espondilólise, espondilolistese, pós-operatório
de artrodese de coluna vertebral, assim como em tratamentos preventivos de
alterações posturais em atletas.
Um dos principais aspectos para a utilização do método isostretching é
que o mesmo vem sendo considerado como um método revolucionário como
complemento ao tratamento dos inúmeros desequilíbrios que acometem a
postura. E não somente uma técnica complementar, mas também um método
preventivo que fortalece e equilibra o corpo, evitando compensações. Levando
em consideração estes aspectos e os avanços no que se refere a prática e aplicação
do método isostretching na reeducação postural, parece razoável propor a apli-
cação do método isostretching em diversas disfunções vertebrais, desta forma,
melhorando o controle postural destes indivíduos. Sendo assim, o objetivo deste
trabalho é discutir os principais aspectos do método isostretching na reeducação
postural, buscando evidenciar a possibilidade de aplicação em disfunções da
coluna vertebral.

O método isostretching

Criado por Bernard Redondo, na França em 1974, o isostretching é um


método baseado em uma cinesioterapia do equilíbrio, sendo considerado uma

848
aplicação do método isostretching em disfunções da coluna vertebral

forma de ginástica postural, global e ereta. Postural, devido à posição vertebral


correta durante o tempo de uma longa expiração. Global, pois o corpo todo
trabalha em cada postura, sendo incluído ao mesmo tempo o fortalecimento, o
relaxamento e o alongamento, com prioridade à coluna vertebral. Deste modo,
pode ser considerado um método suficientemente completo para flexibilizar
as partes rígidas e fortalecer as debilitadas. Finalmente, ereta porque solicita à
coluna vertebral um autocrescimento, trabalhando assim a musculatura para-
vertebral profunda. A ênfase é dada aos músculos profundos, pois os mesmos
sustentam a coluna vertebral e são responsáveis pela postura (Redondo, 2001).
A essência do método encontra-se fundamentada em quatro alicerces: 1)
Fortalecimento da musculatura profunda; 2) Flexibilidade muscular e mobili-
dade articular; 3) Autocrescimento; e 4) Controle respiratório.
O fortalecimento da musculatura profunda ocorre através de contrações
isométricas, o que propicia um melhor posicionamento e ação da coluna
vertebral, além de descompressão discal e das articulações posteriores. Ainda,
além da contração da musculatura profunda da coluna vertebral, no método
é requisitada a musculatura profunda considerada importante para o controle
postural: os abdominais, os glúteos, os músculos da coxa e da cintura esca-
pular. A contração dos abdominais solicita um grande equilíbrio da coluna
lombar; a contração dos glúteos e músculos da coxa  atua estabilizando a
estática de base da coluna e, a contração da cintura escapular atua estabi-
lizando a estática apical da coluna (Redondo, 2001; Ribeiro e Ferraz, 2002).
A flexibilidade muscular e a mobilidade articular ocorrem através do
equilíbrio das tensões e por uma ação terapêutica à distância, através do
alongamento de cadeias musculares. Estes alongamentos podem ser globais
ou segmentares, simétricos ou assimétricos e no eixo ou em rotação. Quando os
alongamentos ocorrem de forma global, simétrica e no eixo, estes proporcionam
harmonização e melhora das tensões, evitando compensações. Ainda, é neces-
sário salientar que a pelve controla o alongamento, sendo seu posicionamento
essencial para os alongamentos, para retificar e aliviar a coluna vertebral e para
o trabalho adequado dos músculos abdominais. Em função de a pelve estar
posicionada no meio do corpo, a mesma acaba controlando, selecionando
e organizando as tensões musculares. Assim, de maneira a controlar estas
tensões, no método isostretching, a pelve é posicionada em anteversão ou

849
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

retroversão, em função da postura adotada. Por exemplo, na posição em


pé ou deitada a pelve é colocada em retroversão e, em anteversão na posição
sentada e com inclinação do tronco. Estes posicionamentos específicos são
dotados para que se mantenha em tensão as cadeias anteroinferiores e poste-
roinferiores (Redondo, 2001).
O autocrescimento promove redução das curvaturas por meio da flexi-
bilidade, permitindo o posicionamento da coluna vertebral em seu maior
comprimento, e da força, pelo trabalho dos paravertebrais. Finalmente, o
controle respiratório tem a finalidade de melhorar a mobilidade do diafragma
e gradil costal, evitar a pressão abdominal forte e ritmar o tempo de trabalho.
A postura adotada é mantida ao máximo na correção, durante o tempo de uma
expiração forçada e prolongada. Deste modo, a musculatura da caixa torácica
proporciona um equilíbrio da cintura escapular e coluna dorsal. As contrações
e a respiração agem juntamente com a realização do autocrescimento cefálico e
podálico (Redondo, 2001).
Com base nestes quatro alicerces, o método trabalha com diversas
posturas (em pé, sentada, deitada, com flexão anterior de tronco e de joelhos),
com ou sem auxílio de bolas (de 1 a 3 kg) ou bastões (de 1 m a 1,20 m). As
posturas do método isostretching são progressivas, de acordo com o ganho de
alongamento e (re)adaptação da coluna, resultando em um trabalho sistêmico
do plano profundo.
Durante a realização da postura, ocorre um aumento da tensão muscular
em função dos alongamentos e das contrações isométricas, juntamente com
uma expiração profunda e prolongada, um abaixamento das escápulas e um
autocrescimento da coluna vertebral. Faz-se necessário repetir ao menos três
vezes cada postura, a primeira para compreender, a segunda para corrigir
e a terceira para executar de melhor maneira; alternando as sequências de
alongamentos com a recuperação. Cada postura simétrica repete-se três,
seis ou nove vezes, e cada postura assimétrica repete-se duas, quatro
ou oito vezes. A manutenção da postura dura o tempo de uma expiração
profunda e prolongada (de 6 a 10 segundos). Após cada expiração, relaxa-se a
tensão sem modificar a posição de base. Ao final das repetições, o relaxamento
é total. A tensão das cadeias anteroinferiores e posteroinferiores é mantida
pelo posicionamento da pelve, que é mantida em retroversão na posição em pé

850
aplicação do método isostretching em disfunções da coluna vertebral

ou deitada, e em anteversão na posição sentada ou com inclinação do tronco


(Redondo, 2001; Beloube et al., 2003).
De maneira geral, a finalidade do método é a qualidade corretiva e não a
quantidade de repetições. Com o progresso da correção, procura-se a precisão
dentro do domínio, na intensidade de contração e estiramento muscular,
aumentando as possibilidades de trabalho e a variedade de exercícios. A
dificuldade do método não é posicionar a postura, mas criar suficientes
contrações e tensões musculares, limitando os movimentos compensatórios
(Redondo, 2001). O método trabalha sobre a consciência pelo despertar a
imagem mental e o conhecimento do corpo pela correção dos exercícios; a
mobilidade pelos alongamentos musculares, o movimento do quadril e do
diafragma; a tonicidade, a força, pelo autocrescimento e pelas contrações
isométricas (Beloube et al., 2003).
Como resultado da aplicação do método, é observado um fortalecimento
da musculatura profunda, a qual promove uma melhora da postura, com maior
estabilização das cinturas. Além disso, há redução do quadro de dor, aumento
da flexibilidade, diminuição da compressão e dores articulares, estacionamento
ou regressão das patologias da coluna, melhora da capacidade respiratória e
melhora da forma física (Redondo, 2001; Germiniani e Dechichi, 2002; Beloube
et al., 2003; Matsumoto e Vilas-Boas, 2003).

Aplicação do método isostretching em disfunções da coluna


vertebral: estudos descritos

Apesar do número reduzido de estudos descritos sobre a aplicação do


método isostretching, torna-se fundamental e de suma importância apresentar
os mesmos, com o intuito de exemplificar a aplicabilidade do método através de
diferentes casos. Além de tornar possível a verificação da eficácia do método e
discutir os resultados obtidos através da aplicação do isostretching em disfun-
ções da coluna vertebral.
Em um dos estudos descritos, Germiniani e Dechichi (2002) investigaram a
eficácia do método isostretching na reeducação postural e na melhora na função
respiratória. Neste estudo foram avaliadas duas adolescentes, as quais foram

851
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

submetidas a 20 sessões do método isostretching. Os autores utilizaram como


medidas para avaliar a eficácia do tratamento: a avaliação física, goniometria,
circometria de tórax, espirometria, radiografias e fotografias. Após o término das
sessões, foi verificada uma melhor adequação das curvaturas através do ganho
de flexibilidade e força da musculatura profunda da coluna vertebral. Ainda, os
autores observaram um incremento na capacidade respiratória decorrente da
melhor mobilidade torácica. Com base nestes resultados, os autores concluíram
que o método isostretching tem um grande valor terapêutico no tratamento de
alterações posturais e de suas possíveis limitações.
Em concordância, resultados similares foram encontrados por Matsumoto
e Vilas-Boas (2003) ao analisarem os efeitos do método isostretching no trata-
mento de alterações posturais em adolescentes. Os autores analisaram quatro
adolescentes, sendo que foram adotadas as seguintes medidas de controle para
verificar a eficácia do tratamento: goniometria, testes especiais, cirtometria de
tórax, espirometria, fotografias e radiografias panorâmicas. Neste estudo, os
pacientes foram submetidos a 20 sessões em grupo, três vezes semanais, com
duração de 50 a 60 minutos cada, sendo realizado em média oito posturas,
com grau variado de dificuldade. Dos resultados obtidos, os autores concluíram
que o método isostretching foi eficaz na correção postural, promovendo redução
da dor, aumento da flexibilidade, melhora da capacidade respiratória e melhora da
forma física dos adolescentes tratados.
Ainda, Beloube et al. (2003) encontraram resultados similares ao investi-
garem o efeito do método isostretching em pacientes portadores de disfunções
posturais. Os autores avaliaram dois adolescentes portadores de escoliose idio-
pática e hipercifose. Como medidas de análise foram consideradas a avaliação
fotográfica e radiológica dos pacientes. Um dos pacientes foi submetido a 46
sessões e o outro a 32 sessões, com duração de 45 minutos cada. Nestas sessões
foram aplicadas três posturas na posição em pé, dois posturas na posição
sentada e duas na posição deitada, sendo que para algumas destas posturas
foram utilizados bastão (1,20 m) e bola (2 kg). Após o tratamento, evidenciou-se
uma melhora postural dos pacientes, diminuição das retrações musculares e
diminuição dos graus de escoliose e de cifose.
Seguindo uma linha similar de estudo, Pessoas e Rebouças (2003) investi-
garam a aplicação do método isostretching em pacientes em fase de crescimento

852
aplicação do método isostretching em disfunções da coluna vertebral

e fora da fase de crescimento. Estes autores utilizaram a fisioterapia tradicional


juntamente com o método isostretching. Foram analisados pacientes em fase
de crescimento, entre 12 e 14 anos, e pacientes entre 20 a 22 anos. Como parâ-
metros de avaliação foram adotados: uma avaliação postural individual, para
detecção de alterações em desenvolvimento (pré-escolioses com hiperlordose);
alterações já instaladas (escolioses de terceiro grau com encurtamento de
membro inferior; escolioses de terceiro grau; escolioses de primeiro grau).
O tratamento foi efetuado três vezes por semana, sendo dois dias de tratamento
fisioterapêutico tradicional e de maneira individualizada, e no terceiro dia era
realizado o tratamento com o método isostretching em grupo. De acordo com
os resultados, 100% dos pacientes apresentaram alívio das dores em menos de
um mês de tratamento; 70% dos pacientes ainda em crescimento apresentaram
uma correção postural em dois meses e meio de tratamento; 100% dos pacientes
fora da faixa etária de crescimento apresentaram melhora da postura e maior
estabilização dos segmentos posturais, em um mês e meio de tratamento; 30%
dos pacientes ainda em crescimento apresentaram melhora considerável da
postura. Segundo Pessoa e Rebouças (2003) o método isostretching colabora
para a correção postural acelerando o seu processo, promovendo tanto a rapidez
da correção quanto a sua manutenção.
Abordando uma outra linha de disfunções da coluna vertebral, Besse e
Jachinto (2003) analisaram o efeito do método isostretching no tratamento
conservador de dois indivíduos com diagnóstico de hérnia de disco lombar.
Sendo que um indivíduo com hérnia de disco não cirúrgico e um indivíduo
pós-cirúrgico, mais ainda portador de protusão discal no segmento L5-S1.
Como parâmetros de controle foram adotados: escala visual numérica para
dor (0-10), questionário de dor McGill-Melzack, avaliação da sensibilidade, da
força muscular, da flexibilidade, dos reflexos miotáticos e avaliação funcional
por meio de um questionário sobre habilidades da vida diária e mobilidade.
Os pacientes foram submetidos a 15 sessões de tratamento, sendo as sessões
realizadas três vezes por semana. Após o tratamento, os autores verificaram
uma redução da dor, aumento de flexibilidade geral do corpo, restabelecimento
da força muscular, dos reflexos tendinosos e da sensibilidade.

853
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Considerações finais

Como pode ser evidenciado através dos estudos citados, o método


isostretching tem se mostrado eficaz no tratamento conservador de disfunções da
coluna vertebral. No entanto, a literatura científica pouco se refere ao tratamento
fisioterapêutico empregado na correção postural e, menos ainda, aos resultados
da aplicação do método isostretching. Fato este que pôde ser verificado pelo
número reduzido de estudos descritos, além do pequeno volume de pacientes
avaliados e submetidos ao método em cada estudo. Em função desta escassez
de relatos sobre a aplicação do método isostretching na literatura científica,
ainda persistem alguns questionamentos com relação à eficácia comprovada
do método no tratamento de disfunções da coluna vertebral.
Embora os princípios do método isostretching justifiquem a sua aplicação
em diversas disfunções da coluna vertebral, faz-se necessária a condução de
novos estudos com uma amostra maior e em diferentes disfunções da coluna.
Além disso, seria interessante estimular os profissionais formados no método e
envolvidos na prática clínica a descreverem e publicarem os casos tratados com
o método, visando um maior reconhecimento da sua eficácia.

Referências bibliográficas

Beloube, D. P.; Costa, S. R. M.; Barros Júnior, E. A; Oliveira, R. J. D. P. O


método isostretching nas disfunções posturais. Fisioterapia Brasil, 4(1):
72-74, 2003.
Besse, A.; Jachinto, L. K. Efeitos do método isostretching no tratamento de
indivíduos portadores de hérnia de disco lombar – Estudo de dois casos.
Trabalho de Conclusão de Curso, PUC-MG, 2003, 93p.
Braccialli, L. M. P. Estudo das relações existentes entre crescimento e desvios
posturais. Reabilitar, 9: 19-24, 2000.
Germiniani, B. C.; Dechichi, F. R. Correção postural através do método
isostretching: Relato casos. Trabalho de Conclusão de Curso, PUC-MG,
2002, 79p.

854
aplicação do método isostretching em disfunções da coluna vertebral

Matsumoto, J. E.; Vilas-Boas, V. F. Tratamento das alterações posturais em


adolescentes através do método isostretching. Trabalho de Conclusão
de Curso, PUC-MG, 2003, 114p.
Pessoas, C. B; Rebouças, L. Estudo histórico e bibliográfico do método
isostretching como complemento no tratamento das alterações posturais,
2003. [on-line] Disponível em: www.fisiointerativa.hpg.ig.com.br/
alongamento/iso6.html
Redondo, B. Isostretching: a ginástica da coluna. Piracicaba: Chiron, 2001.
Ribeiro, E. R.; Ferraz, F. R. Cadeias Musculares: Uma abordagem global.
Trabalho de Conclusão de Curso, PUC-MG, 2002, 150p.

855
75
A Reeducação
Postural Global ou RPG
Adriana A. Guaraná Martins Silveira

Introdução

Um método original de tratamento fisioterápico, nascido do livro Le champ


clos — o campo fechado, publicado por Philippe E. Souchard , fisioterapeuta francês,
que após 15 anos de pesquisa na área da ginástica postural chegou, em 1981, ao seu
próprio método de terapia física... a Reeducação Postural Global ou RPG.
Atualmente vivendo em Saint-Mont, Sul da França, onde mantém um
centro de formação em RPG e outras terapias chamado UIPTM — Université
International Permanente de Thérapie Manuelle. Philippe E. Souchard já formou
mais de 6.000 fisioterapeutas em RPG na França, Portugal, Espanha, Itália,
Bélgica, Canadá, Argentina e Brasil.
A RPG é um método científico de reeducação que parte dos seguintes
postulados básicos:  
▶▶ Os músculos estáticos posteriores, que formam uma cadeia hipertônica,
devem ser alongados. Deve-se evitar o bloqueio diafragmático
em inspiração.

857
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

▶▶ Deve-se evitar igualmente a rotação interna dos membros enquanto se


corrige as lordoses do corpo todo. Esse endireitamento permite a resti-
tuição da boa forma e a recuperação da função.

O método baseia-se em posturas de estiramento muscular ativo procu-


rando alongar, em conjunto, os músculos estáticos antigravitários, os músculos
rotadores internos e os inspiradores. Procura-se assim pôr o corpo inteiro em
estiramento máximo, evidenciando tensões particulares que se relacionam umas
com as outras, como se fossem “fios”. Esses fios permitem passar do sintoma
à causa da lesão, restituindo a boa morfologia — reflexo fiel da estrutura — e,
consequentemente, recuperando a função.
Durante o tratamento caberá ao fisioterapeuta tentar descobrir como a
causa do problema se relaciona com o sintoma, analisar as compensações que o
paciente desenvolveu, e revelar as retrações de defesa criadas por ele para esconder
uma dor ou uma tensão. É um trabalho fino, delicado, que exige um tratamento
personalisado e individual, pois cada comportamento é pessoal. (IRPOS, 2004)

Princípios

Souchard, desde o início percebeu a importância de se tratar o indivíduo


como um todo e fundou os princípios fundamentais da RPG: A- Individuali-
dade; B- Causalidade; C- Globalidade.

A- Individualidade

▶▶ Todo ser é único e indivisível


▶▶ Cada um manifestará a sua patologia de uma forma pessoal

B- Causalidade

▶▶ Origem do problema
▶▶ Anamnese
▶▶ Exames

858
a reeducação postural global ou rpg

C- Globalidade

▶▶ Trabalhar o mesmo indivíduo


▶▶ Na mesma sessão
▶▶ Com todo o corpo ao mesmo tempo (Souchard, 1980)

Cadeias musculares

Os músculos da estática podem ser agrupados em um conjunto comumente


chamado de cadeia muscular.

Cadeia mestra posterior  

▶▶ Músculos espinhais
▶▶ Pelvi-trocanterianos
▶▶ Grande glúteo
▶▶ Ísquio-tibiais
▶▶ Poplíteo
▶▶ Tríceps sural
▶▶ Músculos plantares

Cadeia mestra anterior

▶▶ Sistema suspensor do diafragma e das vísceras


▶▶ Esternocleidomastoideo
▶▶ Longo do pescoço
▶▶ Escalenos
▶▶ Pilares do diafragma
▶▶ Psoas-ilíaco
▶▶ Fáscia lata
▶▶ Adutores puvianos
▶▶ Tibial anterior

859
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Cadeia inspiratória  

▶▶ Diafragma e seu sistema suspensor


▶▶ Esternocleidomastoideo
▶▶ Escalenos
▶▶ Intercostais
▶▶ Espinhais dorsais
▶▶ Peitoral menor
▶▶ Peitoral maior

Cadeia anterointerno do ombro  

▶▶ Córaco-braquial
▶▶ Subescapular
▶▶ Feixe superior do peitoral maior

Cadeia anterointerno do quadril  

▶▶ Psoas-ilíaco
▶▶ Fáscia ilíaca
▶▶ Adutores pubianos

Cadeia superior do ombro

▶▶ Trapézio superior
▶▶ Feixe médio do deltoide
▶▶ Peitoral menor

Cadeia anterior do braço  

▶▶ Córaco-braquial
▶▶ Bíceps
▶▶ Braquial anterior
▶▶ Supinador longo
▶▶ Todos os músculos anteriores do antebraço
▶▶ Músculos da face hipotênar e tênar

Fonte: Souchard, 1980.

860
a reeducação postural global ou rpg

Posturas

Abertura do ângulo coxo-femoral/braços aduzidos

▶▶ Cadeia inspiratória
▶▶ Cadeia anterointerno do ombro
▶▶ Cadeia anterointerno do quadril
▶▶ Cadeia superior do ombro

   
Rã no chão  
Em pé no meio
 
Abertura do ângulo coxo-femoral/braços abduzidos

▶▶ Cadeia inspiratória
▶▶ Cadeia anterior do braço
▶▶ Cadeia anterointerno do quadril
▶▶ Cadeia anterointerno do ombro

 
  Rã no chão Em pé contra a parede
   
Fechamento do ângulo coxo-femoral/braços aduzidos

▶▶ Cadeia inspiratória
▶▶ Cadeia anterior do braço
▶▶ Cadeia posterior
▶▶ Cadeia superior do ombro

861
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

  Rã no chão   Em pé contra a parede  


 
Fechamento do ângulo coxo-femoral/braços abduzidos

▶▶ Cadeia inspiratória
▶▶ Cadeia anterior do braço
▶▶ Cadeia posterior
▶▶ Cadeia anterointerno do ombro

  Rã no ar
 
Fonte: Souchard, 1980.

Principais indicações da RPG

Escolioses, hiperlordoses, hipercifoses, retificação de curvaturas fisiológicas,


cervicalgia, cervicobraquialgia, dorsalgias, lombocitalgia, sacralgias, disfunções
de ATM, ombros protusos ou elevados, desnivelamento de cintura escapular

862
a reeducação postural global ou rpg

(ombros), desnivelamento de pelve, hiperextensão dos joelhos, pé plano, pé


cavo, pés invertidos ou evertidos, após tratamento conservador ou cirúrgico
de fraturas de coluna vertebral, membros superiores e inferiores etc.
Outras indicações são a atuação preventiva de alterações pastorais funcio-
nais e dores geradas durante a jornada de trabalho ou rotina escolar, situações
em que podemos englobar pessoas que permanecem numa mesma postura
por muito tempo, executando uma ou mais tarefas. São exemplos: estudantes,
motoristas de ônibus ou caminhão, trabalhadores de escritório, telefonistas,
operadores de call center, recepcionista, secretárias, dentistas, fisioterapeutas,
médicos, cirurgiões, trabalhadores de laboratórios etc.

QUADRO DA AVALIAÇÃO POSTURAL


Tipo anterior Tipo posterior
Pés Plano Cavo
Joelho Valgo Varo
Quadril Rotação externa Rotação interna
Pelve Anteversão Retroversão
Sacro Horizontalizado Verticalizado
Coluna lombar Lordose diafragmática Lordose baixa
Coluna dorsal Cifose Retificada
Coluna cervical Lordose Retificada
Ombros Protusos Retraídos
Cabeça Anteriorizada Posteriorizada

Patologias e posturas

Família de postura em abertura do ângulo coxo-femoral:

     
   
863
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

▶▶ Pacientes que apresentam maior número de alterações em cadeia anterior;


▶▶ pacientes tímidos e retraídos;
▶▶ pacientes com condromalácea e tendinite patelar (devido ao joelho
valgo e tendência a flexo de joelhos);
▶▶ pacientes com lombalgia decorrente da hiperlordose;
▶▶ pacientes com hálux valgo (diminuição de força do abdutor longo do
hálux);
▶▶ pacientes com cifose;
▶▶ pacientes com protusão de ombros e cabeça anteriorizada;
▶▶ pacientes com hiperlordose (tensão do iliopsoas);
▶▶ pacientes com escoliose lombar (tensão do iliopsoas);
▶▶ pacientes com queixa de dor na posição sentada.

Família de postura em fechamento do ângulo coxo-femoral:

 
 
   
▶▶ Pacientes que apresentam maior número de alterações  em cadeia posterior;
▶▶ pacientes com hiperextensão de joelhos e retroversão de pelve (tensão
de ísquios-tibiais);
▶▶ pacientes com curvas retificadas (tensão dos paravertebrais);
▶▶ pacientes com pé cavo e joelho varo;
▶▶ pacientes sujeitos a hérnias discais;
▶▶ pacientes com alta tensão em ísquios-tibiais;
▶▶ pacientes com hiperextensão de joelhos;
▶▶ pacientes com escoliose (principalmente a 2a postura);
▶▶ pacientes com fascite plantar;
▶▶ pacientes com queixa de dor na posição deitada.
Fonte: Souchard, 1980.

864
a reeducação postural global ou rpg

Considerações finais

Neste mundo moderno onde estresse, sedentarismo e má alimentação são


vícios populares, as queixas de dores provenientes de má postura, obesidade e
falta de atividade física são comuns no consultório.
A RPG busca o equilíbrio e o alívio das tensões, porém devo ressaltar a
importância da assiduidade e cooperação do paciente, já que é um tratamento
ativo e solicita a atenção constantemente.
Nosso trabalho na Ortocity é enriquecido por terapias interdisciplinares
como fisioterapia, hidroterapia, terapia ocupacional, psicologia, acupuntura,
Lian Gong, entre outras e como nos grandes centros de reabilitação estamos
na busca da resolutividade.

Referências bibliográficas

Souchard, P. H. E. RPG O método do campo fechado. 1980.


Souchard, P. H. E. Ginástica postural global. 1985.
Souchard, P. H. E. As autoposturas respiratórias. 1990.
Souchard, P. H. E. Stretching global ativo. 1996.
Souchard, P. H. E. e Barros, O. B. Revista Brasileira de RPG 1997.
Blandine, C. Anatomia para o movimento. volumes 1 e 2. 1992.

865
76
Abordagens sobre cirurgia
de epilepsia
José Augusto Nasser

O objetivo principal na terapia das epilepsias é o controle completo das


crises. De uma perspectiva psicossocial, controle completo das crises permite
ao paciente obter carteira de motorista, adquirir emprego. A ausência de crises
significa a longo prazo uma perspectiva positiva de melhora da qualidade de
vida. Batzel observou uma melhora significativa na qualidade de vida após
cirurgia, quando no 4o ou 5o ano não havia mais crises comparados ao grupo que
mantinha crise mesmo em frequência menor. O mais importante fator biológico
observado após o controle de crises como objetivo terapêutico é a evidência do
aumento da mortalidade com as crises persistindo, aproximadamente quatro
a cinco vezes mais comparado ao grupo controle. As crises persistindo levam
ao agravamento neurológico pelo dano tecidual relacionado.
O objetivo do controle completo das crises proporciona a base para a terapia
agressiva das crises. Para pacientes com crises parciais, com ou sem generalização
secundária, ensaios com carbamazepina, fenitoína e talvez valproato de sódio
como monoterapias deveriam ser a escolha. Esta estratégia atinge o controle
de 50%-80% dos pacientes ficando os resultados piores representados pelas

867
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

crises temporais ou parciais complexas. Terapia com anticonvulsivantes (ACV)


adicionais não elevou o índice de controlados. Ojemann reviu os 81 casos controle
para cirurgia ressectiva e descobriu que pacientes eram tratados nos últimos
cinco anos na maioria dos centros de epilepsia e usaram em média 5,2 drogas
com 28% também em drogas experimentais. Apesar de toda esta agressividade
4% ficaram livres de crises em cinco anos. Os novos medicamentos trouxeram
melhorar tolerância ao paciente mas não eficácia no controle das crises.
Pacientes com crises convulsivas que não respondem a dois ensaios conven-
cionais deveriam ser encaminhados para os centros de avaliação de cirurgia ao
invés de ficar em ensaios adicionais fúteis.
O objetivo do controle completo também direciona a avaliação cirúrgica
inicial. Há uma série de possibilidades cirúrgicas para epilepsia, incluindo
ressecção, calosotomia, estimulação vagal, estimulação intracraniana subcortical.
Entre elas apenas a ressecção detém um número expressivo de livre de crises.
Assim, a avaliação inicial seria importante para nortear os possíveis
candidatos à cirurgia.
As indicações clássicas para ressecção estão na presença de área epilep-
togênica que sua remoção não traria déficit neurológico. Deve haver uma
concordância na identificação do foco de diferentes meios, como: semiologia,
eletrofisiologia, neuropsicologia e estudos de imagem. A localização eletrofisio-
lógica tem seu papel de importância particular. O maior número de pacientes
vem da epilepsia parcial complexa, sendo o lobo temporal o maior sítio destes
disparos. As ressecções temporais são as mais comuns operações ressectivas.
A combinação do critério de seleção e técnicas operatórias constitui a
correta abordagem cirúrgica. Existem dois grupos de abordagem cirúrgica
da epilepsia do lobo temporal. Aquelas exclusivamente anatômicas, onde a
lobectomia temporal convencional é proposta, entre 4 a 4,5 cm da ponta do lobo
temporal no lado dominante e 1 cm adicional para o lado não dominante. Estas
cirurgias diferem pouco de um paciente para outro. Nestas cirurgias as áreas
eloquentes são evitadas, assim o limite anterior da linguagem no lobo temporal é
definido por 4 cm da ponta do temporal, ou veia de Labbé ou ao nível do córtex
rolândico. Hemisferectomia é outra operação baseada na anatomia, aplicada
em paciente selecionados com perda da função preexistente em um hemisfério.

868
abordagens sobre cirurgia de epilepsia

Diversas técnicas existem para esta operação, com interesse particular na hemis-
ferectomia funcional que parece ter uma incidência menor de complicações.
Com todas essas abordagens, o critério de seleção deveria assegurar que a
origem das crises estaria dentro de uma área anatômica específica e poderia
com segurança ser ressecada.
O outro grupo de abordagens inclui ressecção ligada à fisiopatologia e à
localização das áreas eloquentes em cada caso. A informação para esta ligação
pode ser adquirida intra ou extraoperatorialmente, via implante de eletrodos
de registros intracranianos. Este tipo de abordagem coloca grande ênfase
na fisiopatologia individual, incluindo localização das descargas epilépticas
interditais, ponto alvo do ictus, ou seja, local de disparo inicial, e mudanças
induzidas por estimulação elétrica na função motora e linguagem. Cada
ressecção é guiada para remover anormalidades epilépticas enquanto poupa
locais eloquentes identificados. Este grupo de abordagens é baseado na visão de
que há uma variabilidade individual, na extensão da anormalidade epiléptica e
na localização das áreas eloquentes. O critério de seleção para este grupo requer
somente que a exposição para o mapeamento intraoperatório ou colocação dos
eletrodos intracranianos esteja na região epileptogênica.

Critério de seleção

Todos os pacientes com epilepsia, com adesividade ao tratamento compro-


vada, previamente protocolados e que já passaram por duas monoterapias
corretas para o tipo de crise, e mesmo assim persistindo as crises, devem ser
estudados pelo grupo de cirurgia de epilepsia.

Avaliação semiológica

É importante descrever o tipo de crise que o paciente tem, se é parcial


simples, complexa, ou as duas, se tem um componente clínico que indica que
há algo mais além da região hipocampal, atingindo o neocórtex, enfim todos
os dados e detalhes são importantes para uma avaliação adequada do paciente.

869
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Estudo neurofisiológico

Paciente que já apresenta os critérios de refratariedade, ou seja, duas mono-


terapias e ainda mantém crises, já vem com seus registros eletroencefalográficos
(EEG) prévios interictais. O que se faz é programar um Vídeo-EEG que vai não
somente estudar com requinte e detalhes as crises como pode inclusive registrar
o momento do início de uma ou mais delas, pontuando com a semiologia o
local correto do foco epiléptico. O Vídeo-Eeg é um exame em tempo real regis-
trando toda a corticalidade e ao mesmo tempo gerando imagens do paciente
externamente para que possamos verificar o início das alterações do Eeg antes
dos fenômenos ictais se exteriorizarem.

Estudo de imagem

RNM
Os pacientes são submetidos à RNM (ressonância magnética do cérebro)
aplicando um protocolo específico de sequências destinadas a localizar quaisquer
alterações corticais e relacioná-las ao foco epiléptico. Por exemplo, uma esclerose
medial hipocampal, conformando com a descarga no Vídeo-EEG ou mesmo
a simples lentificação medial temporal indicando a disfunção daquela área.

SPECT e o PET ictal


Esses exames funcionais visam mapear o metabolismo cerebral baseado
em radiomarcadores sensíveis às variações metabólicas. Assim no momento
que há a crise podemos através do estudo metabólico confrontar as mudanças
numa determinada área específica e confirmar o nosso alvo a ser procurado.

RNM funcional e teste de Wada


Na verdade com o advento da RNM funcional, é possível hoje localizar as
áreas motoras, da fala, da visão, da audição. O grande problema continua sendo
a área da memória. Algumas vezes quando o foco epiléptico se desenha sobre o
hemisfério dominante é lançado o teste de Wada, que é a injeção intracarotideana
de Amytal sódico, um barbitúrico de ação rápida, e meio hemisfério fica aneste-
siado podendo ser checado através da neuropsicologia a integridade da memória
e possíveis danos que a amigdalo-hipocampectomia traria para a memória.

870
abordagens sobre cirurgia de epilepsia

Neuropsicologia

Os pacientes do grupo de epilepsia são triados com avaliação neuropsi-


cológica. A bateria dos exames dura normalmente três sessões. As memórias,
a cognição a fala e outras funções nobres são checadas e também se pode
ajudar a localizar o foco epileptogênico baseado nas disfunções encontradas.
Também é de muita ajuda na documentação préoperatória já preparando a
futura reabilitação cognitiva.

Patologias cerebrais comuns que podem ser tratadas com cirurgia


ressectiva
Síndrome de Sturge-Weber, epilepsia hemiplégica infantil, cisto porencefálico
congênito, hemimegalencefalia, infarto, encefalite de Rasmussen, esclerose mesial
temporal, displasia cortical focal, esclerose tuberosa, neurofibromatose, hamartoma.
▶▶ Doenças relacionadas com crises parciais:
▶▶ Síndrome de Sturge-Weber
▶▶ Epilepsia hemiplégica infantil
▶▶ Encefalite de Rasmussen

Doenças relacionadas com crises generalizadas


▶▶ Espasmos infantis ou Síndrome de LennoxGastaut (calosotomia)

Procedimentos cirúrgicos específicos

Lobectomia Temporal
Embora seja o mais comum procedimento realizado em adultos, é muito
raro em crianças. Crises parciais simples, crises parciais complexas e tônico-
-clônico generalizadas são os tipos usuais produzidos pelas lesões no lobo
temporal. A avaliação anatômica e funcional pré-operatória inclui o teste de
Wada, RNM, análise psicométrica e PET scan.

Técnica Cirúrgica
Dependendo do lado, é feita uma incisão em ponto de interrogação.
A medida do polo temporal na direção do giro temporal médio, a extensão

871
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

maior é 4,5 cm do lado dominante e 5,5 cm no outro lado. Uma janela é feita
até o ventrículo lateral, corno temporal. O hipocampo é descolado e então o
neocórtex lateral é removido dissecando para baixo para o assoalho da fossa
média através do sulco colateral. Próximo, usando uma dissecção subpial, a
amígdala e o hipocampo são ressecados. As lesões mais encontradas nesta área
são: hamartomas, astrocitoma de baixo grau, oligodendrogliomas e dnet.

Ressecção focal
É menos que uma hemisferectomia e mais do que uma ressecção temporal.
Investigações pré-operatórias não invasivas teriam mostrado que a área epilep-
togênica é anterior ao giro motor ou posterior ao giro somatossensitivo. PET
scan e EEG tem grande valor na localização destas áreas, localizando inclusive
com monitores invasivos, são usados grades ou estrias para eletrocorticografia
e neuroestimulação.

Técnica cirúrgica
Pelo fato de esta cirurgia ser realizada em pacientes acordados, é normal-
mente inapropriado para crianças jovens. Mapeamento cerebral usando
potencial evocado intraoperatório e eletrocorticografia são frequentemente
usados. O giro pós-central é identificado detectando uma fase reversa no poten-
cial evocado produzido por estimulação do nervo mediano contralateral. Na
sequência a área maior possível é monitorada com grade. Embora a detecção
de descargas epileptiformes seja útil, em crianças bem jovens, anormalidades
não epileptiformes têm mais valor.

Hemisferectomia
Em 1928, Dandy foi o primeiro neurocirurgião a realizar a hemisferictomia
cerebral. O paciente tinha um glioma difuso hemisférico direito e embora ela se
recuperou da cirurgia, a mesma não alterou o prognóstico da malignidade. Em
1938, Kenneth McKenzie de Toronto relatou um caso no qual ele tinha realizado
uma hemisferectomia direita em uma mulher jovem com epilepsia intratável e
que era hemiparética à esquerda. A paciente evoluiu bem, com controle de suas
crises. Em 1950, Roland Krynauw de Joanesburgo relatou uma série de 12 casos
em que ele realizou hemisferectomia para epilepsia intratável em crianças com

872
abordagens sobre cirurgia de epilepsia

hemiplegia. Em muitas destas crianças havia transtorno do comportamento.


Neste artigo há evidência de 80% de completo controle das crises e todos os
pacientes saíram bem. O comportamento agressivo também foi mais bem
controlado após a cirurgia.
A hemisferectomia estava então estabelecida como tratamento comple-
mentar nas epilepsias de difícil controle. Neste mesmo tempo apareciam os
relatos de eventos hemorrágicos tardios na literatura, abalando a indicação
mais ampla da hemisferectomia. Isto fez com a técnica fosse mudada e, com
a hemisferectomia funcional, as complicações se minimizassem, havendo um
renascimento do procedimento. Rasmussem foi um dos cirurgiões que preconi-
zava esta nova era da cirurgia. Ele foi o primeiro a observar que se mantivesse o
polo frontal e occipital a complicação hemorrágica não aparecia, isto em 1964.
O importante na verdade é deixar a vascularização principal preservada, tanto
arterial quanto venosa. A complicação ficou conhecida como hemosiderose, e
hoje ficou praticamente na história.

Indicações
Crises intratáveis podendo ser parciais, crises parciais secundariamente
generalizadas, primariamente generalizadas ou espasmos infantis que não
responderam ao arsenal medicamentoso adequado. Crianças são os maiores
candidatos. Hemiparesia deveria ser significante com perda da dexteridade na
mão afetada. Frequentemente, a hemiparesia tem sido paresentada por muitos
anos e não aumenta muito após o procedimento.
Com relação ao EEG, todas as alterações deveriam se iniciar no lado contra-
lateral a hemiplegia, e o hemisfério normal deve ter todos os exames normais.
Não é raro aparecerem anormalidades bilaterais em alguns testes em pacientes
candidatos à hemisferictomia. Contudo, isso é secundário às anormalidades do
hemisfério doente contralateral e não deveria ser contraindicação à cirurgia.
Mesmo nas publicações iniciais, foi notado que havia um foco independente
no hemisfério contralateral que desaparecia após a hemisferectomia.

Hemisferictomia anatômica
Para este procedimento o paciente é colocado em posição supina com o
lado da cirurgia para cima. O plano sagital deveria ser paralelo ao assoalho e a

873
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

cabeça totalmente limpa de cabelos. A incisão mediana atrás da linha do cabelo


até a protuberância occipital externa. E uma incisão de relaxamento da sutura
coronal até abaixo no arco zigomático. O retalho do escalpe é dissecado no plano
subgaleal e o flap ósseo cortado da linha média para o assoalho temporal e anterior
e posteriormente como o retalho permitir. A dura é aberta com incisão transversal
do frontal para o occipital com dois pontos de relaxamento para cima e para linha
média e outro para baixo para o plano temporal. A ressecção é realizada em três
fases: ligação arterial, obstrução venosa e dissecção hemisférica. Primeira, o lobo
frontal é elevado e o temporal retraído para se visualizar a artéria carótida interna.
A artéria cerebral média é seguida lateralmente na fissura sylviana e clipada e divi-
dida distalmente aos ramos lenticuloestriados. Depois, as veias ponte anteriores
entre a face superomedial e o seio sagital são divididas para dar acesso à artéria
cerebral anterior até o genu do corpo caloso onde são ligadas onde cuidadosamente
preservadas os ramos contralaterais. Para identificar artéria cerebral posterior, o
lobo temporal é elevado. O vaso é interrompido quando ele atravessa o tentório
do mesencéfalo para a face medial do lobo occipital. Agora que as principais
artérias foram ligadas, o restante das veias ponte pode ser coagulado e dividido.
Retraindo lateralmente o hemisfério, o corpo caloso é exposto e dividido
no seu eixo e toda a sua extensão. Dissecção é dada ao lado dividindo o corpo
caloso e o núcleo caudado liberando o
Lobo frontal, parietal e occipital. Dissecando através do teto do corno
temporal e então liberando o hipocampo e dividindo suas fixações, o hemisfério
inteiro pode ser removido. Finalmente o córtex insular é removido por pedaços
com sucção delicada.

Hemisferectomia funcional
A mesma incisão de pele já descrita na anatômica ou uma diminuição
na linha média. O retalho ósseo é também reduzido em sua dimensão ante-
roposterior. Uma vez que a dura tem sido aberta, uma lobectomia temporal
standard é realizada com a remoção do hipocampo e da amígdala. O giro pré
e pós-central com tecido dos lobos parietal e frontal adjacente é removido.
Trabalhando por dentro do sistema ventricular o corpo caloso pode ser dividido
no lobo frontal e occipital e então por estender através da parede ependimária
de maneira circunferencial a substância branca é dividida.

874
abordagens sobre cirurgia de epilepsia

Resultados
Na maioria das séries publicadas (Rasmussen, 1983), na maioria a frequência
das crises diminuiu significativamente. Engel reportou que a hemisferectomia
é associada a melhor controle de crises de que qualquer procedimento para
epilepsia. As complicações que são relatadas para hemisferectomia anatômica
são hemorragias tardias, dentro do vasto espaço subdural, hemosiderose super-
ficial, hidrocefalia. Para a hemisferectomia funcional a hidrocefalia é bastante
incomum e nenhuma complicação hemorrágica tem sido relatada.
Se a hemiparesia maciça for presente antes da hemisferectomia ou
se o procedimento for realizado antes de 8 anos de idade, o paciente quase
que recupera a capacidade de caminhar. Recuperação da fala no hemisfério
dominante não foi observada mesmo em pacientes com idade inferior a 8 anos.
A recuperação de movimentos finos no lado hemiparético também não foi
observada nas maiores séries.

Considerações finais

Todos os pacientes com epilepsia de difícil controle devem ser encami-


nhados para um serviço de referência em cirurgia de epilepsia. No caso, duas
monoterapias mais indicadas devem ser tentadas e se persistirem as crises já se
estabelece o critério de investigação.
As cirurgias ressectivas apresentam o melhor resultado do que as estimu-
lações. Todas são bastante seguras e se respeitada a anatomia do tratamento o
resultado tende a ser muito e vem a cada dia melhorando.
O sucesso da cirurgia deve-se não só à experiência da equipe cirúrgica
mas também ao respeito pelos critérios rígidos de indicação. É um trabalho
mutidisciplinar que envolve não só neurologistas, mas neuropsicólogos,
neurofisiologistas, neuroradiologistas, neuropatologistas e todo o pessoal da
reabilitação (fonoaudiologia, fisioterapia, T.O).
Com os benefícios da cirurgia hoje em dia muitos adultos e crianças que
eram condenados à vida de crises repetidas e retardo mental são agora capazes
de ter suas crises controladas e uma promessa de vida mental normal.

875
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Referências bibliográficas

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hemiplegia. Preliminary report. JAMA 90:823-25, 1928.
Davidson, S., Falconer, M. A. Outcome of surgery in 40 children with temporal
lobe epilepsy. Lancet 1:1260-63, 1973.
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treatment of the Epilepsies. New York, Raven Press, 553-571, 1987.
Olson, D. M., Chugani, H. T., Shewmon Da, et al. Electrocorticographic
confirmation of focal positron emission tomographic abnormalities in
children with intractable epilepsy. Epilepsia 31:731-39, 1990.
Villemure, J. G., Andermann, F., Rasmussen, T. Hemispherectomy in chronic
encephalitis. In Andermann, F.(ed.). Chronic Encephalitis and Epilepsy:
Rasmussen’s Syndrome. Boston, MA, Butterworths Medical Publishers, 1991.

876
77
Aspectos gerais e atuais
do EEG nas síndromes
epilépticas
Délrio Façanha da Silva

Nestes últimos anos muitas novidades surgiram em relação ao EEG nas


epilepsias, com a introdução de novos conceitos, assim como a identificação de
diferentes padrões eletrográficos em algumas sindromes epilépticas consideradas
clássicas. Do mesmo modo, o EEG, recentemente, tem contribuído para a
mudança de conceitos fisiopatológicos de determinadas epilepsias. Sabemos,
também, que a atual classificação internacional das síndromes epilépticas está
defasada e novas síndromes foram descritas, com a imprescindível participação
do EEG. O diagnóstico diferencial entre os espasmos da síndrome de West e
outros espasmos, epilépticos ou não, é feito apenas pelo EEG. Portanto, desde
a década de 1920, até a época atual, o EEG continua sendo insubstituível no
manejo das epilepsias, apesar de todo avanço neurorradiológico.
Nesta breve revisão abordaremos o papel do EEG nas síndromes epilépticas,
descrevendo os padrões clássicos, incomuns e novos achados, assim como sua
importância nos diagnósticos diferenciais. Por último, selecionamos algumas
das novas síndromes epilépticas, recentemente publicadas, e que ainda não
constam da classificação internacional.

877
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Convulsões neonatais benígnas familiares

As convulsões neonatais benígnas familiares (CNBF) são classificadas


como epilepsia generaliza primária, ocorrem em 80% dos casos no segundo.
ou terceiro dia de vida e menos comumente no primeiro ou terceiro mês de vida,
persistindo durante duas a três semanas. A investigação etiológica não evidencia
nenhuma causa, exceto o relato de um caso com hipomagnesemia, de um total
de 340 casos publicados entre 1964-1991. As crises são do tipo clônica, tônica, às
vezes com breves períodos de apneia, taquicardia, vocalizações e manifestações
oculofaciais. O desenvolvimento neuropsicomotor é normal. O prognóstico das
crises é bom, sendo que 11% pode apresentar, posteriormente, na adolescência
e vida adulta, crises raras, isoladas e de fácil controle medicamentoso (Plouin,
1994). Convulsão febril ocorre em 5% dos casos. Familiares apresentam crises
parciais ou generalizadas e benígnas. O EEG intercrítico geralmente é normal,
mas pode mostrar um padrão descontínuo com anormalidades focais/multifo-
cais ou com theta pointu alternant e durante as crises apresenta uma atenuação
difusa e bilateral (Plouin, 1994).

Convulsões benígnas neonatais idiopáticas

As convulsões benígnas neonatais idiopáticas, descritas na literatura como


“crises do quinto dia”, ocorrem entre o primeiro. e o sétimo dia pós-natal, em
recém-nascidos normais, são do tipo parcial clônica e/ou apneica, duram de um
a três minutos, são crises frequentes e evoluem para status epilepticus que dura
cerca de 20 horas (varia de duas horas até três dias) (Plouin, 1985). O tratamento
do status não interfere na evolução das crises. O EEG intercrítico apresenta
diferentes achados, como normal, descontínuo, com anormalidades focais
ou multifocais e mais frequentemente o padrão theta pointu alternant (surtos
de theta, assíncronos, predominando na região rolândica e intercalados por
períodos de atenuação: 60% dos casos) (Plouin, 1985). O EEG durante as crises
mostra pontas ou ondas lentas rítmicas, frequentemente na região rolândica,
com posterior generalização em alguns casos.

878
aspectos gerais e atuais do eeg nas síndromes epilépticas

Encefalopatia mioclônica neonatal

A encefalopatia mioclônica neonatal, descrita por Aicardi e Goutieres


(1978), em 1978, se caracteriza por crises mioclônicas, erráticas, associadas a
abalos generalizados e que iniciam nas primeiras horas após o nascimento.
A criança apresenta grave retardo e alguns casos evoluem para síndrome de West
ou para óbito no primeiro ano de vida. A etiologia é variável, como metabólica,
malformações e outras. O EEG é fundamental para o diagnóstico da síndrome,
pois apresenta o padrão clássico deste quadro: paroxismos por ondas agudas,
polipontas, de grande amplitude, síncronos, durando de dois a três segundos,
pseudoperiódicos, com intervalo entre os surtos variando de três a 20 segundos
e com um ritmo de fundo caracterizado por supressão ou muito pobre.

Síndrome de Ohtahara

A encefalopatia epiléptica infantil precoce ou síndrome de Ohtahara


(Ohtahara, 1978), descrita em 1978, se caracteriza por crises tônicas, que iniciam
nos primeiros dias de vida e geralmente está associada a uma malformação
cerebral. O EEG apresenta o clássico padrão surto-supressão e que pode evoluir
para uma hipsarritmia da síndrome de West e, posteriormente, para a síndrome
de Lennox-Gastaut.

Síndrome das mioclonias do sono profundo

A síndrome das mioclonias do sono profundo, publicada por Tardieu et


al. (Tardieu et al., 1986), em 1986, ocorre em recém-nascidos normais, entre
o primeiro e quarto dia de vida neonatal, desaparecendo entre três semanas
e cinco meses. As crises mioclônicas ocorrem somente durante o sono, são
generalizadas, durando de alguns segundos até 20 minutos, 2-10/dia, às vezes
em salvas. O EEG é normal, mesmo durante as mioclonias.

879
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Epilepsia mioclônica benígna da infância

A epilepsia mioclônica benígna da infância se caracteriza por crises gene-


ralizadas mioclônicas, de curta duração, de frequência e intensidade variável,
iniciando em crianças entre os 6 meses e os 2 anos de idade e desaparecendo
antes dos 8 anos (Dravet e Bureau, 1981). O exame neurológico é normal e as
crises respondem muito bem ao uso do ácido valpróico. O EEG apresenta surtos
de ponta e poliponta-onda, a 3Hz, difusas e bilaterais, tanto durante a vigília
e o sono não REM, com normalização durante a evolução, e atividade de base
normal para a idade.

Epilepsia mioclônica grave da infância

A epilepsia mioclônica grave da infância (Dravet, 1978) ocorre em crianças


e inicia na faixa etária compreendida entre os três e nove meses de idade, com
crises mioclônicas, febris ou não, prolongadas, que se repetem com frequência e
com pouca resposta ao ácido valproico. O exame neurológico no início é normal
e, posteriormente, em torno de 2 anos de idade, ocorre um atraso mental e
motor. O EEG de vigília e em sono é normal no início da síndrome e se agrava
com a evolução, passando a apresentar frequente atividade epileptiforme por
complexos ponta e poliponta-onda, irregulares, difusos e bilaterais, sensíveis
à fotoestimulação e com uma atividade de base alentecida para a faixa etária.

Mioclonia benígna da infância ou espasmos benígnos não


epilepticose e outros espasmos não epilépticos

A mioclonia benígna da infância, descrita por Lombroso e Fejerman


(1977), em 1983, apresenta espasmos que são clinicamente semelhantes aos da
síndrome de West, ocorrendo durante a vigília, sono e despertar, porém em
número bem menor, curta duração e intervalo de minutos entre os espasmos.
Estes espasmos ocorrem entre 3 e 8 meses de idade e desaparecem antes dos
3 anos. A evolução é benígna, independente das crianças serem medicadas

880
aspectos gerais e atuais do eeg nas síndromes epilépticas

ou não, e o exame neurológico é normal, sem retardo mental ou motor. Os


exames complementares são todos normais, inclusive o EEG, mesmo durante
os espasmos (Dravet et al., 1986).
Em outros quadros não-epilépticos, tipo espasmos, o EEG é fundamental
para o diagnóstico diferencial com os espasmos epiléticos: a) intolerância ao
glutamato monossódico (Reif-Leher e Stemmermann, 1975): após a eliminação
dos alimentos com o glutamato, os espasmos desaparecem; b) reações distônicas
à metoclopramida: são espasmos dolorosos e tônicos, que ocorrem em doses
terapêuticas da droga e que regridem em 12-24 horas após a sua suspensão
(Gatrad, 1976); c) tremor essencial: o aspecto de espasmos ocorre geralmente
até os 2 anos de idade, assumindo o aspecto de tremor posteriormente (Vanasse
et al., 1976).

Espasmos periódicos

Os espasmos periódicos, descrito por Tassinari el al. (1987), em 1987,


iniciam nos primeiros meses de vida ou até os 7 anos de idade, são bilaterais e
generalizados, ocorrem em sequência periódica, durando de dois a 21 minutos,
são resistentes ao tratamento medicamentoso, ocorrem em crianças com grave
retardo mental e motor, com raros casos de ótima evolução (sem retardo e sem
crises na evolução) e estão associados a epilepsia parcial. O EEG mostra atividade
de base normal em alguns casos ou anormal em outros, além de complexos
periódicos focais ou generalizados, caracterizados por ondas lentas com um
ritmo rápido sobreposto, durante a vigília, sono e despertar, precedidos ou não
por atividade epileptiforme focal. Este padrão eletrográfico ocorre durante as
crises de espasmos ou no período intercrítico.

Síndrome de West

A Síndrome de West é um quadro raro e se caracteriza por espasmos


e hipsarritmia no EEG, ocorrendo geralmente entre os 3 meses e 1 ano de
idade, em uma criança com exame neurológico normal ou anormal. Durante

881
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

a vigília, a hipsarritmia se caracteriza por desorganização difusa e bilateral, com


ondas lentas de alta amplitude e pontas multifocais, de predomínio posterior.
No sono não REM observamos a hipsarritmia fragmentada (Fig....). O EEG
é imprescindível para o diagnóstico diferencial, tratamento e prognóstico
entre os diferentes quadros de espamos que ocorrem nesta faixa etária: a)
epilepsia mioclônica benígna da infância; b) mioclonia benígna não epiléptica;
c) epilepsia mioclônica grave da infância; d) espasmos periódicos; e) espasmos
não epilépticos. Todas estas síndromes não cursam com hipsarritmia no EEG.
Na classificação internacional das síndromes epilépticas (Commission on
Classification and Terminology of the International League Against Epilepsy,
1989) temos a síndrome de West criptogênica e secundária, não havendo refe-
rência da primária. Recentemente, foi proposta esta nova síndrome de West,
tipo primária, baseado em achados no EEG de crianças classificadas no tipo
criptogênico (Dulac, 1993): a) teste do diazepam: após a sua aplicação endo-
venosa, não devem ocorrer pontas multifocais; b) após crises tipo espasmos, o
EEG deve apresentar o mesmo padrão hipsarrítimico anterior às crises (padrão
hipssarítmico independente) e no caso de sua ausência (padrão não indepen-
dente) o prognóstico não é bom.
Deve a síndrome de West ser classificada como uma epilepsia de origem
cortical e focal? Trabalhos bem recentes têm demonstrado que uma lesão única,
focal e cortical, como astrocitoma de lobo temporal (Mimaki et al., 1983) ou
microdisgenesias corticais unilaterais e localizadas (Chugani, 1990), provoca a
síndrome de West. Após a ressecção destas lesões focais, observamos o desapa-
recimento da hipsarritmia e dos espasmos generalizados, com boa evolução do
ponto de vista do desenvolvimento neuropsicomotor. Trabalhos que mostram
crises parciais clínico-eletrográficas, precedendo imediatamente os espasmos
generalizados (Carrazana, 1993), e os achados no EEG após calosotomia (hemi-
-hipsarritmia) (Pinard et al., 1993), em crianças com síndrome de West, também
sugerem que uma lesão focal no córtex seja o gerador inicial da hipsarritmia e
dos espasmos. Uma hipótese, baseada nestes recentes estudos, sugere que um
impulso focal anormal, cortical, se propaga para os núcleos da rafe, no tronco
cerebral, e em seguida para os dois hemisférios cerebrais gerando a hipsarritmia,
sendo mediados pela serotonina, e as vias rafe-medulares provocariam os
espasmos (Chugani et al., 1992).

882
aspectos gerais e atuais do eeg nas síndromes epilépticas

Por último, devemos lembrar que um EEG com hipsarritmia e que


normaliza durante alguns minutos durante o despertar e o sono REM não
afasta o diagnóstico da síndrome de West (Hrachovy et al., 1984). Do mesmo
modo, temos alguns padrões incomuns de hipsarrítmia (hipsarrítmia atípica ou
modificada): a) hemi-hipsarritmia; b) alentecimento difuso com raras pontas;
c) pontas de predomínio frontal; d) hipsarrítmia assíncrona.

Síndrome de Lennox-Gastaut

A síndrome de Lennox-Gastaut tem início geralmente entre 1 e 3 anos de


idade, com crises tônicas, ausências atípicas, mioclônicas, atônicas e parciais,
com importante atraso motor e intelectual. O EEG apresenta complexos ponta
e poliponta-onda, lentos, 1-2Hz, de predomínio anterior (Fig....) e que chegam
a ocupar 60% do sono não REM. Também, as polipontas (“trem de espículas”),
difusas e bilaterais, alentecimento difuso e bilateral da atividade elétrica cerebral
de base, são achados no EEG de crianças com esta síndrome (Beaumanoir et
al, 1985).
O EEG é importante no diagnóstico diferencial com outras síndromes
epilépticas, como a Epilepsia Parcial Atípica Benígna da Infância, Síndrome
de Doose, Epilepsia Mioclônica Grave da Infância, além de outras, que não
apresentam as características eletrográficas da síndrome de Lennox-Gastaut.

Síndrome de Doose

A síndrome de Doose ou epilepsia mioclônica-astática geralmente inicia em


crianças, entre 1 e 6 anos de idade, com crises mioclônicas, atônicas, mioclônico-
-astáticas e geralmente associadas a crises de ausência e/ou generalizadas
tônico-clônicas e, menos frequentemente, crises tônicas que ocorrem apenas
durante o sono da madrugada (Doose, 1985). O prognóstico é variável, com
remissão em alguns casos, sem sequelas, mesmo sem tratamento. No caso de
frequentes crises generalizadas tônico-clônicas febris ou não, status de ausência,
início da epilepsia no primeiro ou segundo ano de idade, persistência do ritmo

883
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

theta 4-7Hz e complexos poliponta-onda, além da ausência do ritmo alfa no


EEG, são achados que sugerem uma má evolução (demência e sem controles
das crises).
O EEG apresenta frequentemente atividade de base dominada por um
ritmo theta (4-7Hz), com predomínio na região centro-parietal. Observamos
atividade epileptiforme por complexos poliponta-onda, irregulares, difusos
e bilaterais, com predomínio nas regiões anteriores (Oguni et al., 1992). A
ausência no EEG de complexos ponta-onda a 2Hz, semicontínuos (até 60% do
traçado) no sono não REM, das frequentes polipontas (‘trem de espículas”) e de
importante alentecimento da atividade de base, fazem o diagnóstico diferencial
com a síndrome de Lennox-Gastaut.

Epilepsia com ponta-onda contínua do sono não REM

A epilepsia com ponta-onda contínua do sono não REM (Jayakar e Seshia,


1991) atinge crianças entre os 3 e 12 anos de idade, com crises parciais motoras,
ausências, mioclônicas, que iniciam em torno dos 3-4 anos de idade. O exame
neurológico geralmente é anormal, com atraso mental e motor, mas pode ser
normal. As crises respondem bem ao tratamento medicamentoso. O diagnós-
tico é feito pelo EEG, que apresenta complexos ponta-onda contínuos (95% do
traçado), 2-3Hz, difusos e bilaterais ou focais, apenas durante o sono não REM,
regredindo durante a vigília e sono REM, que apresenta atividade epileptiforme
multifocal e atividade de base geralmente alentecida. Em torno dos 12 anos de
idade este padrão eletrográfico desaparece (Jayakar e Seshia, 1991; Djabraian
et al, 1997; Silva et al., 1995).

Epilepsia parcial atípica benígna da infância

Geralmente confundida com a Síndrome de Lennox-Gastaut, a Epilepsia


parcial atípica benígna da infância (Legarda et al., 1994) ocorre em crianças
a partir dos 2 anos de idade, com crises atônicas, mioclônicas (responsáveis
por várias quedas dos pacientes), ausências atípicas, parciais motoras com

884
aspectos gerais e atuais do eeg nas síndromes epilépticas

convulsões generalizadas (durante o sono), muito frequentes, diárias, resistentes


ao tratamento (evitar excesso de drogas) e desaparecendo entre 8 e 10 anos de
idade, sem qualquer sequela mental ou motora. O exame neurológico é sempre
normal, durante toda a evolução.
O EEG estabelece o diagnóstico diferencial com outras síndromes epilép-
ticas, sobretudo a de Lennox-Gastaut e as epilepsias mioclônicas graves.
A atividade de base do EEG é normal, com atividade epileptiforme focal central,
unilateral ou bilateral, e complexos ponta-onda 3Hz difusos e bilaterais, durante
a vigília. Durante o sono (não REM), bem contrastante com a vigília, o EEG
apresenta complexos lentos ponta-onda, difusos e bilaterais, que dominam
quase todo o traçado (contínuos ou semicontínuos) e atividade epileptiforme
rolândica muito frequente, uni ou bilateral (Legarda et al, 1994).

Crises de ausência (epilepsia generalizada primária)

As crises de ausência ou “petit mal” ocorrem em crianças e adolescentes,


com bom prognóstico, regredindo em torno dos 18 anos de idade e excepcio-
nalmente persistindo até a vida adulta (> 30 anos). O EEG apresenta atividade
de base normal, complexos ponta e poliponta-onda 3Hz, difusos e bilaterais,
regulares, síncronos, simétricos e de predomínio anterior. Entretanto padrões
incomuns são descritos, como ondas lentas difusas e bilaterais durante as crises
(Beaumanoir, 1985; Hirsch et al., 1990) e atividade epileptiforme focal frontal
(Sadler e Blume, 1989; Normand et al., 1995). As figuras....e...... ilustram dois casos
de crises de ausência (epilepsia generalizada primária) com padrões atípicos no
EEG, sendo um com ondas lentas e complexos ponta-onda 3Hz (Fig.....) e o outro
iniciando com atividade epileptiforme frontal direita e complexos ponta-onda
lateralizados, durante a hiperpneia.
A presença de atividade epileptiforme focal não afasta o diagnóstico de
ausência, pois podemos encontrar no EEG desses pacientes, além dos clássicos
complexos ponta-onda 3Hz, foco na região central, temporal média e ocipital.
Entretanto, a identificação de foco frontal e/ou temporal anterior, no EEG de
pacientes com ausência, pode gerar dificuldade diagnóstica: ausência? Epilepsia
frontal? Epilepsia do lobo temporal? Estamos diante de uma fragmentação

885
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

(forma abortiva) da descarga generalizada? É possível que a crise generalizada


ausência tenha início frontal? É possível que uma descarga generalizada
provoque, a longo prazo, atividade epileptiforme focal, em zonas corticais
mais vulneráveis? (Sadler e Blume, 1989). O EEG em sono, assim como as
características semiológicas da crise e a resposta ao tratamento instituído, pode
ajudar no diagnóstico diferencial. Outras epilepsias generalizadas primárias,
como a epilepsia mioclônica juvenil, também podem cursar com atividade
epileptiforme focal.

Epilepsia rolândica benigna ou epilepsia parcial benigna da


Infância com ponta centro-temporal

A epilepsia parcial benígna da infância (EPBI), uma das mais comuns da


infância, ocorre geralmente entre os 3 e os 15 anos de idade, geralmente desapa-
recendo entre os 16 e 18 anos de idade, com raros casos na vida adulta. Cerca de
25% dos casos da EPBI apresentam crises frequentes e 11% apresentam “status
epilepticus” (Ebersole e Wade, 1991), demonstrando que epilepsias benígnas
podem cursar desta forma, sem deixar sequelas, e que este aspecto clínico não é
específico das epilepsias secundárias. O EEG mostra atividade de base normal,
atividade epileptiforme na região central ou temporal média, que se acentua
de forma exuberante durante o sono não REM. Entretanto, nem sempre este
quadro significa que a epilepsia seja primária. Neste caso, o EEG com dipolo
fronto-temporal (Fig....), com positividade frontal e simultânea negatividade
temporal média, é descrito como auxílio diagnóstico na forma benígna (Ebersole
e Pacia, 1996); Geyer et al., 1999).
Recentemente, foi sugerido que a EPBI seja denominada apenas de epilepsia
parcial benígna da infância com ponta central e não temporal média, pois o uso
de eletrodos adicionais na região central demonstrou que a região temporal
média não apresenta uma negatividade independente. Foi dividida em síndrome
central alta e baixa e com diferenças clínicas em relação aos tipos de crises
epilépticas (Pacia e Ebersole, 1997).

886
aspectos gerais e atuais do eeg nas síndromes epilépticas

Síndrome de Landau-Kleffner

A síndrome de Landau-Kleffner (SLK) ou afasia adquirida da infância com


epilepsia inicia em crianças normais, entre 3 e 8 anos de idade e menos comumente
abaixo dos 3 ou após os 9 anos de idade. A afasia (agnosia auditiva com redução da
expressão oral), epilepsia e distúrbios psicomotores (hipercinesia) caracterizam esta
síndrome. As crises epilépticas são de vários tipos (parcial motora, ausência atípica,
generalizada tônico-clônica), ocorrem em 70% dos pacientes, sendo única em um
terço dos casos e, após os 10 anos, apenas 20% dos pacientes ainda apresentam
crises e bem controladas com os antiepilépticos (Scheffer et al., 1995; Berkovic et
al., 1996). A tomografia e ressonância magnética de crâneo são normais.
O EEG apresenta atividade de base normal e é multifocal, com predomínio
da atividade epileptiforme nas regiões temporais (50% dos casos) e parieto-
-ocipitais. O sono não REM é um grande ativador das descargas, podendo
apresentar o aspecto da “ponta- onda contínua do sono lento” com atividade
epileptiforme por complexos ponta-onda >85% do período de sono, de projeção
difusa e bilateral, hemisférica ou focal (Cendes et al, 1998).

Epilepsia mioclônica juvenil

A epilepsia mioclônica juvenil (“petit mal” impulsivo) (Scheffer, 1999),


geralmente inicia entre os 7 e os 22 anos de idade (média = 14,5 anos), com crises
convulsivas generalizadas (90% dos casos), ausências (27%), com posterior surgi-
mento das crises mioclônicas, sobretudo no despertar. São pacientes fotossensíveis,
especialmente TV e videogames, com frequentes fatores precipitantes, destacando-
-se a falta de sono. Mesmo nos pacientes sem crises por anos, a droga não deve ser
retirada, devido à grande farmacodependência desta síndrome. O valproato de
sódio é a droga de escolha. O exame neurológico e neuroradiológicos são normais.
O EEG é importante pois estabelece o diagnóstico diferencial com
outras síndromes epilépticas desta faixa etária, como a ausência juvenil e a
convulsão generalizada do despertar. O traçado da epilepsia mioclônica juvenil
se caracteriza por atividade de base normal, complexos poliponta-onda (45%
dos pacientes), ponta-onda 4-5Hz (82%) ou a 3Hz (16%), difusos e bilaterais.

887
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

A resposta fotoparoxística é descrita em 27-42% dos pacientes (Okino, 1997).


Atividade epileptiforme focal, frontal e temporal média, uni ou bilateral, têm
sido descritas em 55% dos pacientes com esta síndrome (Ricci et al., 1995).

Epilepsia benigna da infância com paroxismos ocipitais

A epilepsia benígna da infância com paroxismos ocipitais (Singh et al., 1999)


ocorre na faixa etária entre os 15 meses e 17 anos de idade (média: 7,5 anos), com
crises parciais visuais, clônicas, complexas e convulsões generalizadas, isoladas
ou associadas, com cefaleia no pós-crise. O exame neurológico geralmente é
normal e o prognóstico é bom.
O EEG faz o diagnóstico da síndrome, apresentando complexos ponta-
-onda (80% dos casos) ou ondas “sharp” (20%), de alta amplitude, de projeção
ocipital ou temporal posterior, unilaterais ou bilaterais, simultaneamente ou
indepentes, que desaparecem com a abertura dos olhos e retornando após sua
oclusão em 1-20 segundos. A hiperventilação e a fotoestimulação não interferem
nos achados do EEG. Em alguns pacientes, encontramos atividade epileptiforme
central, temporal média e complexos ponta-onda 3Hz, difusos e bilaterais, em
associação com os paroxismos ocipitais. A atividade de base normal no EEG é
importante para o diagnóstico diferencial da forma benígna com as variantes
desta síndrome, que apresentam má evolução na frequência das crises e exame
neurológico anormal (Panayiotopoulos et al., 1997).

Epilepsia do lobo temporal

A epilepsia do lobo temporal se caracteriza clinicamente por crises parciais


complexas (100% dos casos), parciais simples (89%), parciais com generalização
para convulsão (57%), geralmente rebeldes ao tratamento, ocorrendo em crianças
e adultos, antecedente de convulsão febril em 67% dos casos, história familiar de
epilepsia do lobo temporal extremamente rara e atrofia hipocampal demonstrada
na ressonância magnética cerebral (Watanabe et al., 1990). A lobectomia temporal
é um recurso terapêutico com resultado muito bom na maioria dos casos.

888
aspectos gerais e atuais do eeg nas síndromes epilépticas

O EEG mostra atividade epileptiforme paroxística por onda aguda, espícula,


ponta-onda, polipontas ou ondas lentas, de projeção na região temporal anterior.
O sono é importante nestes pacientes, sobretudo se a vigília for normal, pois as
chances de observarmos um foco é grande, na fase não REM, enquanto o sono
REM tem valor de localização mais precisa. A presença de sincronia bilateral
secundária, por complexos ponta-onda, difusos e bilaterais, indica que pacientes
com epilepsia do lobo temporal, apresentam convulsão generalizada após a crise
parcial complexa, em 50% dos casos (Vigevano et al., 1992). O EEG, também,
tem grande importância na localização da zona epileptogênica, pela presença
do dipolo, com negatividade temporal anterior e simultânea positividade
parietal contralateral (Guipponi et al., 1999),ou por padrões eletrográficos
críticos (Vigevano et al., 1994) e intercríticos 53 ,54, caracterizados por ondas
lentas delta e/ou theta. A Fig. ..mostra o padrão eletrográfico intercrítico mais
comumente descrito na epilepsia do lobo temporal: onda aguda de projeção
na região temporal anterior direita, com reversão de fase negativa em F8. Do
mesmo modo, as atividades deltas temporais rítmica intermitente 53 (Fig....) e
polimórfica intermitente 54 (Fig....) também são outras formas de expressão no
EEG do foco temporal anterior e de grande valor localizatório.

Novas síndromes epilépticas

A atual classificação internacional clínico-eletrográfica das síndromes epilép-


ticas está desatualizada 54 e outras síndromes foram descritas recentemente. A
identificação destas novas síndromes é importante em relação ao diagnóstico
diferencial com outras síndromes, prognóstico e abordagem terapêutica. Sele-
cionamos as que apresentam maior valor prático e as mais comuns, com os seus
respectivos padrões eletrográficos, imprescindíveis para os seus diagnósticos.

a) Epilepsia do lobo frontal noturna autossômica dominante

A epilepsia do lobo frontal noturna autossômica dominante (ELFNAD),


descrita em 1995 55, na Austrália, se carecteriza por crises parciais com semio-
logia frontal (contração tônica e postura distônica), em salvas (7 a 12/noite), no
sono não REM (estágio 2), de curta duração, em torno de 10 s, sem confusão

889
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

pós-ictal e aura em 70% dos casos. Tem início na adolescência e persiste até a
vida adulta, com exame neurológico e neuroradiológico geralmente normais e
boa resposta terapêutica à carbamazepina. O diagnóstico diferencial deve ser
feito com as distonias paroxísticas noturnas, parasonias noturnas benígnas,
doenças psiquiátricas e discinesias familiares.
O EEG inter-ictal é geralmente normal em cerca de 84% dos casos, o
que pode dificultar o diagnóstico. Quando as anormalidades ocorrem, são
geralmente de localização frontal, por ondas agudas e ondas lentas. O registro
das crises no EEG mostra atividade epileptiforme por onda aguda e onda lenta,
de projeção frontal bilateral. Entretanto, o EEG nestes tipos de crises de origem
frontal, pode não mostrar anormalidades, mesmo durante as crises, o que pode
nos conduzir a afastar o diagnóstico de epilepsia 56.

b) Epilepsia do lobo temporal familiar

Berkovic et al. 57 descreveram uma nova síndrome epiléptica, que denomi-


naram epilepsia de lobo temporal familiar (ELTF), ocorrendo em adolescentes
e adultos (10-63 anos: média de 24 anos), de evolução benígna, com crises de
fácil controle medicamentoso, exame neurológico normal, sem antecedentes
de convulsão febril e exame de ressonância magnética cerebral normal. As crises
parciais simples (89%: psiquicas, autonômicas), parciais complexas (66%, sendo
20/34 precedidas por crise parcial simples) e convusões tônico-clônicas (66%:
25 /34 iniciando com crise parcial) são os tipos mais frequentes.
O EEG mostra atividade epileptiforme por ondas agudas ou ondas lentas
de projeção temporal em apenas 22% dos pacientes e geralmente são unilaterais
57. O sono tem pouca importância em ativar ou evidenciar o foco. Entretanto,
recentemente, foi publicado que a ELTF pode não apresentar boa evolução em
41% dos casos (12/29), com crises frequentes, rebeldes ao tratamento, esclerose
mesial temporal na ressonância magnética cerebral e alguns pacientes subme-
tidos à lobectomia temporal 58.

c) Epilepsia parcial familiar com focos variáveis

Em 1999, Scheffer 59 fez uma revisão sobre a epilepsia parcial familiar com
focos variáveis (EPFFV), que publicou pela primeira vez em 1998 em um grupo

890
aspectos gerais e atuais do eeg nas síndromes epilépticas

de pacientes de uma família australiana. A idade de início das crises vai dos 9
meses até os 43 anos de idade (média = 10 anos). As crises podem ser de origem
frontal, temporal, centroparietal ou ocipital, com as características semiológicas
dependendo da região comprometida. Esta variabilidade de apresentação clínica
das crises é uma das principais características clínicas desta síndrome epiléptica.
Os exames neuroradiológicos são geralmente normais. A análise genética mostra
que a EPFFV apresenta herança autossômica dominante, com 62% de penetrância
para as crises parciais e 76% para as anormalidades epileptiformes no EEG.
O EEG apresenta um único foco para cada indivíduo da família, permane-
cendo constante durante toda a evolução. A atividade epileptiforme de projeção
frontal ou temporal são as mais frequentes, enquanto a topografia centroparietal
ou ocipital são menos comuns. As descargas são muito frequentes durante o
sono não REM, por vezes semicontínuas e geralmente persistentes, mesmo nos
pacientes sem crises há vários anos. Em alguns casos, o foco só surge com EEGs
repetidos e pode ser identificado em familiares sem epilepsia.

d) Epilepsia mioclônica familiar benigna do adulto

A epilepsia mioclônica familiar benigna do adulto (EMFBA) inicia entre a


terceira e quinta década e persiste durante o resto da vida dos pacientes 60. A EMFBA
se caracteriza por crises generalizadas mioclônicas, sem um caráter progressivo,
exacerbadas pelos movimentos voluntários e o estresse, raras convulsões e sem
demência ou alterações cerebelares. Clinicamente, trata-se de uma epilepsia mioc-
lônica relativamente benígna e com boa resposta terapêutica ao ácido valproico.
O EEG é anormal em todos os casos e mostra complexos ponta e poliponta-onda
difusos e bilaterais, com uma atividade elétrica cerebral de base normal.

e) Epilepsia miclônica benígna reflexa do lactente

Ricci et al. 61, descreveram em 1995 um grupo de seis crianças com uma
síndrome que denominaram epilepsia mioclônica benigna reflexa (EMBR).
A EMBR acomete crianças na faixa etária entre 6 e 21 meses, com exame
neurológico normal, história familiar de epilepsia ou de convulsão febril, crises
mioclônicas espontâneas e induzidas por estímulos táteis (toque, percussão

891
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

da base do nariz), térmicos (água fria no rosto) ou acústicos, porém não são
provocadas por estímulos visuais (estimulação luminosa intermitente ou flash).
As crises ocorrem isoladamente ou em salvas (5 a 20/dia), simétricas, com flexão
da cabeça, às vezes elevação dos globos oculares e apresentam boa evolução,
com regressão das crises em alguns meses. A EMBR é considerada a epilepsia
generalizada idiopática mais precoce da literatura consultada 62.
O EEG da EMBR apresenta-se geralmente normal durante a vigília, porém
durante o sono não REM (fases I e II) ocorrem frequentes surtos de atividade
epileptiforme por complexos poliponta-onda irregulares, difusos e bilaterais.
Durante as crises, o EEG mostra polipontas e complexos poliponta-onda a 3Hz,
simétricos, difusos e bilaterais, com predomínio fronto-central 62.

f) Epilepsia generalizada com convulsões febris “plus”

Na Austrália, em 1995, Scheffer et al. 63 descreveram uma síndrome epiléptica


genética (Epilepsia Generalizada com Convulsões Febris “Plus”: EGCFP), que
consideravam rara, acometendo famílias por gerações e exame neurológico normal.
Em 1999, em um novo trabalho, afirmaram que a EGCFP é uma síndrome comum
64, e que se caracteriza por convulsões febris que continuam após os 6 anos de
idade ou que estão associadas a crises generalizadas tônico-clônicas afebris. Outros
tipos de crises não febris podem ocorrer, como ausências, mioclônicas, atônicas,
raramente crises do lobo temporal e mesmo “status epilepticus”. Geralmente,
ocorre remissão da epilepsia na adolescência e excepcionalmente na idade adulta.
Os achados no EEG da EGCFP são variados 63,64, na dependência do
tipo de crise presente. São descritos a presença de atividade epileptiforme de
projeção frontal, temporal, complexos ponta-onda 3Hz difusos e bilaterais,
poliponta-onda irregulares ou assimétricas, difusas e bilaterais, além de EEG
normal. A atividade elétrica cerebral de base é normal.

g) Epilepsia generalizada idiopática do adulto: crises de


ausência “fantasma”, crises generalizadas tônico-clônicas e
frequentes status de ausência

Em 1997, Panayiotopoulos et al. 65 publicaram uma síndrome epiléptica,


que segundo estes autores ainda não havia sido publicada. Denominaram

892
aspectos gerais e atuais do eeg nas síndromes epilépticas

esta síndrome Epilepsia Generalizada Idiopática do Adulto caracterizada por


ausências “fantasmas”, crises generalizadas tônico-clônicas, frequentes status de
ausência e ocorre em 9,6% das epilepsias generalizadas idiopáticas e em 3,2% de
todos os pacientes epilépticos acima dos 16 anos de idade. A síndrome inicia na
idade adulta, entre os 25 e 55 anos de idade, com crises de ausência, que são breves
(3-4 s). Posterior e tardiamente, surgem as crises generalizadas tônico-clônicas e
frequentes status epilepticus por ausências, que às vezes evoluem para um status
convulsivo. O exame neurológico e a ressonância magnética são normais. O
tratamento medicamentoso com valproato de sódio geralmente é eficiente.
O EEG apresenta atividade elétrica cerebral de base normal em todos os
casos. A atividade epileptiforme se caracteriza por complexos ponta e poliponta-
-onda, 3-4Hz, difusos e bilaterais, breves em sua duração (2 a 4 s) e às vezes
se apresentam fragmentados. No status de ausência são observadas descargas
contínuas, generalizadas, por complexos ponta-onda a 3Hz, que regridem com o
diazepam endovenoso. Em torno de 45% dos pacientes, podem ser encontradas
anormalidades paroxísticas focais por ondas lentas, ondas agudas ou pontas,
ocorrendo independentemente ou em associação das descargas generalizadas.
A fotoestimulação não provoca anormalidades no EEG.

h) Epilepsia parcial benígna da infância com crises parciais


complexas

Watanabe et al. 66, em 1990, descreveram os primeiros casos e definiram os


critérios clínico e eletrográficos da Epilepsia Parcial Benígna da Infância com Crises
Parciais Complexas: crises parciais complexas, em salvas (1-10/dia), por 1-3 dias,
recorrendo em 1-8 semanas, em crianças com idade de 3 a 20 meses, com ou sem
história familiar, exame neurológico normal e excelente resposta ao tratamento.
O EEG intercrítico é normal, enquanto durante as crises a atividade epileptiforme
é registrada na região temporal e raramente frontal, central, parietal ou ocipital.

i) Epilepsia parcial benígna da infância com generalização para


convulsões

Vigevano et al., em 1992 67, publicaram os primeiros casos desta síndrome


e denominaram Convulsões Familiares Benignas Infantis, Watanabe et al.,

893
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

em 1993 68, propuseram o nome de epilepsia parcial benigna da infância com


generalização para convulsões. As crises iniciam entre 3 e 20 meses de idade,
com parada do olhar e seguido de convulsão generalizada, em salvas, 2-5/dia,
durante 1 a 3 dias, com recorrência entre 1-3 meses e excelente resposta ao
tratamento instituido. A droga é geralmente suspensa após três anos de segui-
mento. O exame neurológico é normal. O EEG intercrítico é normal e durante
as crises a atividade epileptiforme ocorre inicialmente na região central, parietal
ou ocipital, com propagação para outras áreas cerebrais.

Considerações finais

Desde a última classificação internacional das síndromes epilépticas, em


1989, foram descritos novos padrões eletrográficos e novas síndromes foram
publicadas, deixando a atual classificação desatualizada. O EEG é fundamental
no diagnóstico diferencial dos espasmos infantis, sobretudo com a Síndrome
de West, pois além de identificar a forma benígna muito contribuiu para a
atual hipótese de sua fisiopatologia. A Síndrome de Lennox-Gastaut pode ser
diferenciada dos pseudos Lennox-Gastaut, graças ao EEG. Na epilepsia rolândica,
o EEG identifica a forma primária e, recentemente, foi sugerido mudança no seu
conceito. A identificação de atividade epileptiforme focal frontal nas ausências e
na epilepsia mioclônica juvenil (epilepsias generalizadas primárias) têm levantado
novas hipóteses fisiopatológicas. A epilepsia parcial benigna da infância com
crises parciais complexas ou com generalizacão para convulsões receberam esta
denominação graças ao EEG crítico. O aspecto morfológico do EEG crítico e do
dipolo intercrítico, na epilepsia do lobo temporal, tem contribuido para a locali-
zação da zona epileptogênica. Em suma, apesar de todo avanço neuroradiológico,
o EEG continua sendo o exame imprescindível nas epilepsias.

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900
78
Dança sênior –
um instrumento alternativo
para tratar corpo e mente
Katia Pedreira Dias

As alterações das funções orgânicas do ser humano declinam em função


do tempo. Segundo Papaleo (1997), admite-se como regra geral que ocorre em
cada ano, a partir dos 30 anos de idade perda de 1% das funções orgânicas.
O ritmo do declínio das funções orgânicas varia de um órgão para outro, como
de indivíduo para indivíduo, inclusive varia até entre indivíduos da mesma
faixa etária, confirmando a hipótese de que o desenvolvimento produz efeitos
diferentes de pessoa para pessoa. No que diz respeito ao comprometimento
cognitivo e funcional, natural ou patológico, necessário se faz aplicar testes
específicos para avaliar tanto o comportamento, como as funções cognitivas e
funcionais desse paciente e traçar alternativas, nas mais diferentes áreas, a fim
de melhorar, preservar retardar ou até curar esses pacientes, para que possam
manter, pelo maior tempo possível, sua a autonomia e independência. Segundo
Matsudo (1997), os efeitos do envelhecimento têm sido amplamente discutidos
em diferentes níveis, entre eles:

901
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

1- nível antropométrico; 2- nível pulmonar; 3- nível muscular; 4- nível neural


5- nível cardiovascular; 6- outros - diminuição da agilidade, da coordenação,
do equilíbrio, da flexibilidade, da mobilidade articular, aumento da rigidez da
cartilagem, das tensões e dos ligamentos.
Certo é que os efeitos do envelhecimento de forma normal ou patológica
nos diferentes níveis acima identificados pelo, são responsáveis, haverá declínio
comportamental em função justamente dessas transformações, que poderão ou
não afetar outros sistemas corporais/mentais.
Então o que podemos fazer para evitar essas transformações, esses distúr-
bios de comportamento ou disfunções cognitivas? Certamente através de
investigações, pesquisas e ações verifica-se que existem alternativas que podem
de fato melhorar de forma significativa e retardar em muito essas alterações.
A atividade física, por sua riqueza de formas e recursos, é um instrumento
muito importante e, em alguns casos, decisivo nessa busca de qualidade de
vida e longevidade do indivíduo idoso com ou sem comprometimento físico/
mental. É um tratamento coadjuvante, junto aos mais diferentes medicamentos,
e sendo bem prescrito não causa iadrogenias nem nenhum tipo de moléstia.
Ao contrário, é fácil de executar, pode ser realizado em qualquer lugar ou por
qualquer pessoa, só traz bem-estar e uma incrível sensação de prazer e felicidade.
A atividade física é um meio eficaz de melhorar e manter esses diferentes
níveis em todas as idades, principalmente em indivíduos acima de 60 anos.
Melhora não só o condicionamento físico e mental, mas toda a estrutura
psíquica, emocional e social.
Sabe-se hoje que o sedentarismo é uma das principais causas do declínio
cognitivo na fase do envelhecimento, e a tendência é dizer que a inatividade,
pois os nossos membros, órgãos, tecidos e cérebro foram programados para
realizar movimentos, pensar e executar ações. Ao movimentar músculos e ossos,
todo um complexo, cardiovascular, cardiorrespiratório e neurológico é ativado
e funciona melhor, pois há aumento de sangue e oxigênio em todo o corpo.
Não é recente a afirmação de que a boa forma física traz benefícios à mente.
Em 400 a.C., Platão já dizia que um corpo saudável era necessário para uma
mente sã. Os exercícios aumentam a quantidade de O2 e glicose que chegam ao
cérebro e, segundo Dharma (1997), aceleram a remoção dos restos necrosados

902
dança sênior – um instrumento alternativo para tratar corpo e mente

das células cerebrais. Tonificam, ainda, alguns sistemas neurotransmissores,


aumentando a produção de noradrenalina e dopamina. Também ocorre o
aumento na disposição das enzimas pertencentes ao cérebro como coenzima
Q-10, por sua vez, diminuem as lipoproteínas da alta densidade que prejudicam
a circulação cerebral e a produção de cortisol, ao colocar em um regulador físico
para a reação ao estresse. Reduzem a depressão, abaixam a pressão arterial e
ajudam a estabilizar o açúcar no sangue e a equilibrar o humor e a energia.
Durante os últimos 10 anos houve uma mudança na atitude da comunidade
científica que antes não se preocupava em pesquisar os efeitos neurológicos
do exercício. Atualmente, as pesquisas revelam resultados espantosos que
confirmam a eficácia do exercício para atingir e manter uma perfeita função
mental. Um estudo revelou (Dharma, 1997) que exercícios mais vigorosos
podem fazer com que as pessoas fiquem mais jovens e até mais inteligentes. São
eficazes no que diz respeito à melhora da memória, pois o aumento da irrigação
sanguínea e do oxigênio durante o exercício contribui para a concentração
da atenção, e para a coordenação entre as demais áreas do cérebro que são
estimuladas durante a execução dos exercícios.
Entre as atividades físicas conhecidas e prescritas ao longo dos anos, uma
em especial está sendo motivo de discussões e aprofundamento em pacientes
idosos, com ou sem comprometimentos comportamentais e cognitivos: a dança
sênior. Ela vem ao encontro dos anseios da comunidade científica, como forma
de suporte junto ao tratamento de pacientes portadores de déficit cognitivo
(entre outros), visando prevenir ou manter as diferentes funções do paciente para
que esses continuem mesmo com idade mais avançada a realizar suas AVDs
(atividades de vida diária) e as AIVDs (atividades Instrumentais de Vida Diária).
Essa atividade foi criada inicialmente como forma alternativa de superar,
retardar o declínio funcional e cognitivo típico da população de indivíduos de
idade avançada, sendo hoje estudada e aplicada em diferentes grupos de idosos,
asilados ou não, por diferentes profissionais, em prol da saúde desses pacientes,
em nível de promoção, manutenção e reabilitação, passando primeiro por uma
intervenção médica, psicológica e quando necessário, psiquiátrica, adaptando
a atividade ao nível de comprometimento do grupo a ser trabalhado.
A dança sênior originou-se na Alemanha através da pedagoga Ilse Tutt,
em 1970. Ao visitar uma tia em uma ancionato, percebeu que toda a assistência

903
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

que ela e os demais idosos recebiam no local em questão não era suficiente para
retardar ou melhorar as suas funções cognitivas e funcionais, onde percebia-se
um declínio acentuado na parte física, cognitiva e psíquica desses idosos.
Sensibilizada por essa questão, um grupo de pedagogos que trocavam
experiências sobre a estimulação cognitiva e funcional de idosos através de
exercícios em ancionatos resolveu se juntar e, através de estudos, criou movi-
mentos rítmicos coordenados e sincronizados em grupo, de intensidade leve a
moderados, vigorosos, controlados, como forma alternativa de retardar e manter
preservada as funções cognitivas e funcionais da pessoa de idade avançada.
O que se observou foi que além de contribuir para melhorar essas funções,
auxiliava também na autoestima, na socialização, no estresse/ansiedade, no
relaxamento, no bem-estar e no próprio comportamento dos indivíduos. E
começou a ser praticada não só em ancionatos, mas em diferentes lugares e
grupos, visando a qualidade de vida dos seus praticantes. Diferentes grupos de
profissionais começaram a se interessar e se juntar ao grupo, como fisiotera-
peutas, médicos, psicólogos, professores de educação física, assistentes sócias
e outros.
Em 1917, foi fundada a Federação Nacional da Dança Sênior na Alemanha,
que rapidamente se difundiu pela Europa, sendo indicada para trabalhos com
pessoas maiores de 50 anos, pelos benefícios que proporcionando nas pessoas
dessa faixa etária em diante, sem riscos para as mesmas. Em 1978, a dança sênior
chegou ao Brasil através da alemã Christel Webwr. A atividade foi apresentada
no estado de São Paulo (1978), depois em Curitiba (1981). O primeiro curso para
preparar dirigentes aconteceu no Rio Grande do Sul, em seguida na cidade de
Nova Friburgo (RJ), espalhando-se assim por todo o país. A sede da Associação
no Brasil está localizada em Santa Catarina, na cidade de Piraberaba.
A atividade de dança sênior dividiu-se em três partes:
1a parte — exercícios de ativação – cujo objetivo principal é proporcionar
ao corpo uma preparação para o início da dança que, propriamente dita
é fase de aquecimento e de concentração;
2a parte — as danças podem ser realizadas em pé ou sentada e possuem um
sequência própria de movimentos ao ritmo de uma música própria. Cada
dança tem uma história, uma origem, prelúdio e compasso, requerendo

904
dança sênior – um instrumento alternativo para tratar corpo e mente

dos participantes memorização da sequência de exercícios, atenção,


coordenação, ritmo, trabalho respiratório, postura, mobilidade articular,
flexibilidade, raciocínio, além de trocas de olhares, toque e entrosamento
com todo o grupo;
3a parte — volta à calma, desaceleração cardiovascular, diminuição da inten-
sidade dos exercícios de força, mudança no ritmo respiratório, relaxamento.

As danças sentadas podem ser realizadas por qualquer tipo de pessoa,


portadoras ou não de alguma deficiência ou com pouca possibilidade de loco-
moção. Elas podem ser utilizadas para reabilitação individual, em dupla ou
em grupo. Podem ter ou não utilização de objetos e esses, por sua vez, podem
ou não ser confeccionados pelos próprios participantes. As cadeiras devem
ser confortáveis para facilitar os movimentos e para a sua permanência nas
mesmas durante a atividade, o que não impede de colocar, caso se necessite,
uma almofada para melhorar o conforto de praticante.
As danças em pé devem ser realizadas de preferência em grupo, podem
ser feitas em fileira, colunas, em roda, dois a dois, três a três, quadrilha, em
pequenos círculos ou de forma livre. Seus ritmos são variados, como valsa,
polca e outros. Os movimentos são suaves e delicados, todos ritmados de acordo
com a música, não há sobrecarga nem movimentos bruscos. Pode ou não haver
utilização de objetos.
Os principais resultados obtidos vão além da melhora física do paciente,
observa-se a melhora gradual do comportamento individual e em grupo deste
indivíduo, há uma melhora significativa no que tange à área afetiva, psicológica e
emocional. Há depoimentos da grande maioria dos praticantes de um bem-estar
geral e uma alegria de viver. A memória e a autoestima são outros atributos
observados nas pessoas que praticam com regularidade a dança sênior, não
só os profissionais que aplicam a dança sênior, como também nos próprios
pacientes e familiares.
O tempo da atividade é variável, de acordo com a resposta de cada grupo e
do objetivo que se queira realizar. O grupo não deve ser muito grande, para que
se possa observar e ter maiores condições de atender aos pacientes com melhor
qualidade. Sempre que possível deve haver mais de um dirigente realizando a

905
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

atividade. Todavia, todos os dirigentes devem ser capacitados através dos cursos
realizados pela associação. Quando o grupo já é comprometido, como pela
demência, por exemplo, as atividades são feitas em sessões de 15 a 20 minutos
em dias intercalados. A Universidade Federal Fluminense (UFF) aplica a dança
sênior a dois tipos diferentes de grupos: o primeiro no Programa Interdisci-
plinar de Geriatria e Gerontologia do Hospital Universitário Antônio Pedro
(UFF), com pacientes do referido hospital que frequentam o programa, após
avaliação médica, fisioterápica e psicológica (equipe interdisciplinar). Há o
encaminhamento dos pacientes que possuem ou não distúrbios cognitivos,
comportamentais e funcionais para o grupo da atividade. O trabalho está
associado à reabilitação. O grupo é heterogêneo, hoje em torno de 20 a 30 por
sessão de 50 a 60 minutos, no que tange as dificuldades físicas e cognitivas,
faixa etária entre 50 a 85 anos, ambos os sexos. A importância de não rotular o
grupo, isso é não ter um grupo específico com essa ou aquela dificuldade, faz
com que todos colaborarem na realização dos exercícios havendo dessa forma
um entrosamento e interesse em comum em todo o grupo. O grupo, sempre
que há oportunidade, se apresenta em público, dentro ou fora da UFF, não
sendo obrigatória a participação de seus membros. A proposta é feita ao grupo
em escolha de participar ou não de uma apresentação é livre. Entretanto, todos
querem participar. O depoimento dos participantes é unânime em afirmar que
essas apresentações proporcionam prazer, emocionam e são capazes de se tornar
um capítulo especial de suas vidas. Ao se verem nos filmes, praticando a dança,
todos se divertem e se sentem felizes por poderem vivenciar tal experiência.
O segundo grupo da UFF pertence ao Programa da Escola de Serviço Social
da UFF, denominado UFF-Espaço Avançado, destinado a trabalhar com idosos
em nível de promoção e manutenção da saúde, uma vez que os idosos que lá se
encontram não possuem distúrbios cognitivos, apresentando pequenos declínios
funcionais e de memória, típicos do envelhecimento. O grupo tem em média 20
a 30 idosos, de faixa etária de 50 a 80 anos, de ambos os sexos. O grupo também
realiza apresentações em público e é extremamente motivado e entrosado entre
si com o tempo, apresentam melhoras em nível físico, mental (memória), afetivo
e de relacionamento.
Em ambos os grupos a melhora no entendimento e aceitação das trans-
formações corporais e limitações que o corpo passa ao longo dos anos é uma

906
dança sênior – um instrumento alternativo para tratar corpo e mente

realidade visível, o que leva a uma melhora em todo o tratamento daquele


paciente, que muitas vezes é indicado pelo médico ou psicólogo para participar
do grupo, não só por problemas osseoarticulares ou cardiovasculares, mas por
depressão, por mudanças de comportamento, problemas cognitivos, déficits de
memória, ansiedade, estresse e baixa autoestima.
A neuropsicologia é a ciência destinada a estudar a expressão compor-
tamental das disfunções cerebrais e, como descreve Nitrini, é o campo do
conhecimento que trata da relação da cognição e do comportamento das
atividades do sistema nervoso em condições normais e patológicas. Paulo Mattos
afirma ser uma disciplina autônoma, e deve ser vista como multidisciplinar.
A dança sênior, com certeza, apesar de ser uma atividade extremamente nova
e apresentar poucas pesquisas de campo, e principalmente no Brasil estar
começando a engatinhar, já é um forte instrumento para estar aliado aos
trabalhos da neuropsicologia, pela riqueza de possibilidades que pode trazer
para aqueles que a utilizam. Não possuir um custo alto, nem a necessidade de
lugares sofisticados ou materiais de difícil acesso, bastando a presença de um
dirigente e de um auxiliar devidamente cadastrados a realizarem a referida
atividade pela Associação de Dança Sênior, de preferência com especialização
e experiência em Gerontologia. Caso o trabalho se desenvolva especificamente
com idosos, um aparelho de som, cadeiras, local para guardar os materiais
a serem utilizados durante as aulas, são suficientes para se poder começar
a atividade com um grupo. A dança sênior pode utilizar as mais diferentes
estratégicas para melhorar a qualidade de vida do indivíduo idoso tanto no que
tange a distúrbios cognitivos como a distúrbios funcionais e de comportamento.
Com certeza é uma aliada perfeita e eficaz para ser utilizada em tratamentos de
pacientes com ou sem distúrbios neuropsicológicos. Investigar mais o assunto,
utilizar mais suas técnicas e avaliar os resultados já existentes vão contribuir
muito para a integração e reintegração do indivíduo idoso, entre outros, no
meio ao qual ele pertence. Como diz a Associação de Dança Sênior (2002),
oferecer aos seus praticantes “Mais vida aos anos e não mais anos a vida. É a
comunhão perfeita entre corpo e a mente, entre o ser, perceber e o fazer”. É
preservar, manter e melhorar a vida daqueles que tantas perdas já adquiriram ao
longo dos anos, é a união de esforços de diversos profissionais em prol de uma
qualidade de vida real e possível. É a música, a dança, superando as dificuldades e

907
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

reencontrando novos caminhos, buscando novos desafios entre o corpo e mente,


entre emoção e ação. É a vontade permanente de estudar e realizar práticas
voltadas ao envelhecimento de forma interdisciplinar com um único objetivo:
manter o ser humano vivo, mas o mais saudável possível e feliz.

Referências bibliográficas

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Netto, M. Papaléo. Gerontologia. A velhice e o envelhecimento em visão
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Santos, Del. J. Monografia de especialização em geriatria e gerontologia
Interdisciplinar da UFF, Niterói, RJ, 2001. Site da Associação de Dança
Sênior. www.dancasenior.org.br

908
79
Qualidade de vida no
envelhecimento
Marcelo L. Ribeiro do Valle

Nos dias de hoje muito se discute sobre a qualidade de vida. Este assunto
se relaciona intimamente com a saúde do idoso e a prevenção de doença
cardiovascular.
Sabemos que morbidades como hipertensão, diabetes, tabagismo,
entre outras, são os principais fatores de risco de doenças cardiovasculares.
Estas doenças, como o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular
cerebral são as principais causas de mortalidade do mundo moderno ou
os responsáveis por deixar sequelas importantes, que limitam a qualidade
de vida.
Um estilo de vida saudável, cuidados com a alimentação, com o peso,
atividades físicas em geral bastam para o controle destas doenças ou, pelo menos,
conferem um poderoso auxílio ao tratamento medicamentoso.
Grandes estudos como o “Estudo Europeu de Prevenção Multifatorial”, o
“Veteranos de Los Angeles”, o “Oslo”, comprovaram a diminuição de risco de
doença cardiovascular através de mudanças no estilo de vida.

909
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Tabagismo

Importante fator de risco de doenças cardiovasculares, pulmonares e


neoplásicas. Tem um efeito direto na aceleração do processo de arteroesclerose
e, em caso de outros fatores de risco presentes, pode reduzir a expectativa de
vida em torno de 10 a 15 anos.

Atividade Física

A atividade física, por si, provoca a vasodilatação. Além de melhorar a


capacidade cardiopulmonar, auxilia no controle da pressão arterial, no controle
de peso e do estresse.

Hipertensão

O controle da pressão arterial diminui a morbidade e a mortalidade através


da diminuição do risco de doenças cardiovasculares.
Mudanças no estilo de vida, como uma menor ingestão de sal, ativi-
dade física, controle de peso, controle de tabagismo e estresse, devem ser
implementadas.
Caso não ocorra o controle de pressão deve-se associar o tratamento
medicamentoso orientado por médico especializado.

Obesidade

A obesidade é hoje uma importante carga de morbidade em países


desenvolvidos, além de ser uma das causas isoladas de risco de doença
cardiovascular.
Estudos prospectivos estimam na redução entre 35%-55% do risco de infarto
agudo do miocárdio, apenas com o controle da obesidade.

910
qualidade de vida no envelhecimento

Estresse emocional

Outra causa importante de doença cardiovascular.


O estresse leva à liberação de substâncias adrenérgicas que causam vaso-
constrição e elevação da pressão arterial.
Vários estudos de intervenção psicológica sugerem a redução de risco
cardíaco ao se controlar o estresse.

Diabetes Melito

Há uma incidência duas ou três vezes maior de doença arterial coronariana


em diabético, além de outras doenças cardiovasculares e morbidades com
alterações da microcirculação, retiopatia diabética e nefropatia.
Seu controle deve ser rígido e acompanhado de uma avaliação mais precisa
de outros fatores de risco.

Dislipidemias

A qualidade de vida é ainda um tema sujeito a muitas influências com a


complexidade das diversas fontes que as estudam.
O que temos que ter em conta é que há um caminho que conduz a um
envelhecimento normal significando que um sujeito pode conseguir desenvolver
e implementar recursos que vão permitir adequar-se a mudanças que ocorrem
no processo de envelhecimento e suas temáticas
A qualidade de vida de cada ser dependerá da sua visão do mundo, do
seu conteúdo sociocultural, do contexto econômico no qual está inserido,
da família, do meio ambiente, da alimentação, de sua personalidade e,
principalmente, do seu conceito individual, o que representa para ele ter
qualidade de vida.

911
temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem

Leituras sugeridas

Luiza Elena L. Ribeiro do Valle (org.), Temas Multidisciplinares de Neuropsicologia


e Aprendizagem, II Congresso Multidisciplinar de Neuropsicologia e
Aprendizagem. Scortecci Editora: São Paulo 2003.
Colaboração: Profa. Myriam Lima Professora de Especialização e Extensão em
Geriatria e Gerontologia — Universidade Federal Fluminense.

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