Sunteți pe pagina 1din 108

Capa: Ângelo V.B.

Tribuzy
mailto: geloan@iname.com

Imagem da capa: Rosto de Cristo, de El Greco


Óleo sobre tela, 61 x 46 cm. Galeria Narodni, Praga.

__________________________________________________________

Para meu pai.

Agradecimentos:

A Alexandre Augusto, Eliana Chamon, Lucy Continentino, Andréa Lucia Franco e Claudia Paiva
que me ajudaram a suportar um roteiro tão difícil.

A Marcia Maia,
pelo empréstimo de seu magnífico trabalho “Os Evangelhos Proibidos”

Aos meus amigos internautas,


Micale, Thaia, Gwydyom, Stergios, Tha, Clar@, Ann@, Artemis, Luz, Ânteros, Nêmesis, Alpha, Breja,
Persefone, Crist@l, Aldebaram, Vitor Hugo, Cr@zy Dog, Wicca, Vitori@, Megaeco, Kaos, Paz, Mago,
Primavera, Pixie, P@ndor@, Atena, 1960, Canadá, Sol19, Bruma, Stella, Keka, Amiga, Noturna, Rosacruz,
Quasar, Lua17,
pelos momentos alegres.

INTRODUÇÃO

Um dia ganhei uma moedinha do tempo de Herodes. Comecei a perceber que cada vez que a
segurava nas mãos, vinha à minha mente cenas relacionadas à vida de Jesus e aquilo começou a me encher de
curiosidade.
Hoje em dia a psicometria, ou seja, o poder de conhecer através do toque de um objeto tudo a ele
relacionado, é um fenômeno já comprovado e usado, não somente na procura de pessoas desaparecidas, como
auxiliar em vários ramos da ciência. Como diz René Sudre em seu Tratado de Parapsicologia, “o passado está
encerrado no presente e as descobertas da psicometria nos permitirão explorar a história do homem”.
As imagens que me chegavam mostravam uma história mais abrangente do que a que comumente
nos vem às mãos, e por isso resolvi fazer uma pesquisa séria em torno deste tema que, por si, já é tão
polêmico.
O estudo de Jesus, como figura humana, feito pelos historiadores, mostrou-me uma realidade bem
diferente daquela apresentada pelas religiões. Textos sagrados, encontrados no Tibete e na Índia, documentam
sua passagem por vários mosteiros, naquele período desconhecido de sua vida, entre os 13 e os 30 anos de
idade. Mais recentemente, a descoberta dos evangelhos apócrifos descortina novos eventos relacionados com
seu nascimento e infância, além de depoimentos de muitos que presenciaram grandes acontecimentos. Além
disso, os atuais estudos sobre ufologia abrem um leque inesgotável de possibilidades, mostrando-nos que não
estamos sós no universo e que desde o passado mais remoto, seres alienígenas nos visitam e interferem no
crescimento de nossa humanidade.
A Bíblia está cheia de relatos ufológicos, sendo os mais evidentes os casos dos profetas Ezequiel,
Enoch, Isaias e Elias. Na mitologia budista também vemos heróis usando carros que percorriam o céu e em
todas as religiões e mitologias encontramos referências aos deuses que cruzavam o céu em seus carros de
fogo.
As mais recentes entrevistas com pessoas abduzidas por naves espaciais, mostram que há milênios
um trabalho genético vem sendo realizado, desde os tempos em que “os filhos de Deus se uniram às filhas dos
homens e elas geraram filhos (Gen VI, 1-4)”.
Para minha surpresa, comecei a perceber que essas realidades ufológicas em nada abalavam os
conceitos religiosos, ao contrário, tornavam mais claros e admissíveis fatos considerados como dogmas de fé
e que no entanto, sempre pareceram absurdos.
O homem está caminhando a passos largos para a conquista cósmica, mas os vínculos que o unem à
divindade jamais serão desfeitos e a probabilidade do homem encontrar-se com uma realidade maior não
ameaça seus momentos de busca interior, à procura de uma mais profunda compreensão de Deus.
Não criei uma obra de ficção. O Memorial de Jeshuah foi estruturado numa pesquisa, com a intenção
de reunir dados históricos, religiosos e ufológicos num roteiro único que, espero, possa auxiliar aos
buscadores a encontrarem um incentivo para prosseguirem na grande procura do resgate de uma realidade
quase perdida nas dobras do tempo.
M. V. B.

O MEMORIAL DE JESHUAH

- CAPÍTULO 1 -

O cântaro de barro, mesmo vazio, pesava em sua anca. Tinha que apoiá-lo bem com o braço, pois a
curva do quadril já começava a desaparecer, coberta pelo ventre que se avolumava e se espalhava por toda a
sua cintura.
Os pés delicados, protegidos pela tiras de couro da sandália, deslizavam sobre o verde rasteiro da
encosta e a beira da saia longa arrastava os gravetos secos, as folhas, ou fazia oscilar o caule das anêmonas
vermelhas. Mas aquele caminho que fazia todos os dias agora parecia mais longo do que antes.
Pousou o cântaro no chão e sentou-se na murada que cercava o leito translúcido, onde a fonte
borbulhava. Mergulhou o olhar na água e, mais uma vez, procurou no espelho líquido a resposta que buscava,
desde o dia em que o anjo lhe aparecera, naquela mesma fonte, no meio de um facho de uma luz muito forte,
quase sólida, tão diferente da tênue luz do raio do sol. E quando ele falou, sua voz soou doce, irreal, mas tão
poderosa que até agora ainda ecoava em seus ouvidos:
- Salve, cheia de graça, seja bendita entre as mulheres pois o Senhor está consigo!
Naquele momento, a única coisa que lhe ocorreu foi largar o cântaro e correr de volta para casa. A
respiração tornou-se ofegante, os olhos esgazeados e o medo acelerou suas passadas que se cravaram na relva,
esmagando as flores da encosta.
Agora, após alguns meses de reflexão, a lembrança do anjo já não a assustava. Conseguia até reviver
na mente todos aqueles momentos, sem que o medo voltasse a acelerar as batidas do seu coração.
Lembrava-se daquela manhã tão linda, da alegria de Tiago correndo com as crianças vizinhas atrás
de um brilho estranho que viam no céu. Lembrava-se também do zumbido forte que encheu o ar, quando se
dispôs a mergulhar o cântaro na água, tão forte que fez com que interrompesse seu gesto e olhasse em volta, e
depois para o céu. O brilho do sol feriu seus olhos e ela piscou várias vezes, procurando apagar a mancha
esverdeada que ficou bailando em seu campo visual. No céu, além do sol, apenas uma pequena e densa nuvem
luminosa.
Mergulhou o cântaro e puxou-o para a borda. Cerrou um pouco os olhos, antes de levantar a cabeça,
para protegê-los da luz intensa, porém percebeu que o sol já não estava mais no alto, logo à sua frente.
Surpresa, viu que ele brilhava bem mais adiante, na direção de Séforis, dando-lhe a impressão de que,
inexplicavelmente, muito tempo havia passado enquanto ela apenas mergulhava o cântaro. Mas a nuvem
continuava no mesmo lugar, compacta e brilhante, lá no alto, sobre sua cabeça. E foi então que viu o raio de
luz, que parecia vir da nuvem, e que pousou pertinho da fonte. Dentro dele, o anjo.
- Salve, cheia de graça, seja bendita entre as mulheres, pois o Senhor está consigo!
Depois, o susto, o medo, a corrida frenética para casa.
Na sala, a roca silenciosa aguardava os impulsos de seu pé para transformar as meadas púrpuras e
escarlates no novo véu com que o sumo sacerdote pretendia adornar o templo. Os dedos trêmulos começaram
a esticar os fios, mas em sua mente a figura do anjo continuava a fazer seu coração bater mais rápido.
Sentou-se e pressionou o pedal da roca. Mal, porém, começou seu trabalho, tornou a escutar o
estranho zumbido que a assustara na fonte, e o raio de luz voltou a brotar do nada e pousou no chão. Dentro
da luz, o anjo.
- Não tenha medo! - disse ele com sua voz vibrante - Estou aqui para lhe trazer uma mensagem de
alegria, pois é chegada a hora de se cumprir a profecia dos Magos. A graça divina lhe foi dada e será mãe pela
palavra de Deus!
Novamente o susto fez tremer todo o seu corpo, e a lembrança do voto de castidade que fizera, no
Templo, voltou rígida como um golpe a ferir a santidade daquele momento.
- Serei mãe, darei a luz como as outras mulheres? - balbuciou, atônita, sem acreditar que ouvia tal
blasfêmia de um anjo do Senhor.
- Não será assim, - respondeu ele, para acudir a evidente aflição da moça - pois a virtude de Deus a
cobre com sua sombra e o fruto santo que nascerá de você será chamado Filho do Altíssimo.
Talvez ela nem tenha compreendido bem o sentido exato das palavras do anjo, mas o tom doce de
sua voz poderosa tranqüilizou seus receios. Baixou a cabeça e fechou os olhos.
- Eis aqui a escrava do Senhor... Que tudo então aconteça em mim conforme Sua palavra.
Não viu quando o facho de luz se desfez e o anjo desapareceu.
- Maria!... Maria!...
O chamado de Tiago trouxe-a de novo para a realidade. O menino parou à sua frente e pousou em
seu rosto um olhar curioso.
- Estava dormindo, Maria? - e, ante o fraco movimento negativo da cabeça da moça, continuou: - A
luz que perseguimos desapareceu como que por milagre! Ela corria no céu para lá e para cá e de repente
sumiu! Que luz era aquela, Maria?
Ela sorriu palidamente e afagou os cabelos revoltos do filho menor de José.
- Não sei, Tiago... O Senhor nos reserva sempre muitas surpresas.
...

A parte que lhe coube na elaborada confecção do véu do tabernáculo terminou bem antes do tempo
previsto pelo sacerdote. As mãos velozes corriam pelos fios e a mente não conseguia se desligar do anjo, das
palavras do anjo, daquelas palavras que anunciaram uma mudança tão drástica em sua vida. Um filho...
À princípio se preocupou com José. O que diria ele? Mas logo se acalmou, certa de que o anjo
saberia como resolver aquele problema.
Só deixava a roca para ir à fonte, preparar a refeição para os filhos de José e cuidar rapidamente da
casa. Depois voltava para seus fios de cor púrpura e escarlate e deixava os pensamentos correrem, ora para o
anjo, ora para o filho que iria ter, ora para as dúvidas que chegavam, implacáveis. Seria mesmo verdade? E
por que o anjo não apareceu de novo para acalmar seus pensamentos? Afagava o ventre, procurando algum
sinal da nova vida que estaria se iniciando em suas entranhas mas nada percebia e, em certos momentos,
desconfiava até da sanidade de sua mente.
Só teve um pouco de sossego quando chegou um emissário de Jerusalém, cheio de novidades:
- Sua prima Isabel vai ter um filho!
- Isabel? - surpreendeu-se Maria - Mas ela é estéril e tão idosa!
O homem secou o suor da testa com a mão empoeirada.
- Foi um milagre! Um anjo apareceu para Zacarias e avisou que Isabel teria um filho. E é verdade! Já
se nota o volume de seu ventre!
Após aquela notícia, Maria se tranqüilizou um pouco e, quando seu trabalho terminou, reuniu os
filhos de José e avisou:
- Vou à Jerusalém entregar o véu e depois irei à vila de Ain Karim, visitar minha prima Isabel e talvez
me demore um pouco por lá.
E, mais tarde, já no lombo da mula que a levaria a Jerusalém junto à pequena caravana de peregrinos,
procurava se acalmar, pensando em sua prima.
- Isabel saberá me dizer se estou louca ou não, se tudo aquilo foi apenas fruto de minha imaginação.
Se é verdade o que me contaram, Zacarias também falou com um anjo e minha prima poderá me esclarecer se
o que vi foi mesmo um anjo ou se estou ficando doida...
Sim, Zacarias havia mesmo recebido o aviso de um anjo. Como duvidou, ficou mudo. Agora
arrependia-se de não ter acreditado naquele ser magnífico que lhe surgira, no coração do Templo, no
Santuário tão sagrado. A roupa de prata, colada no corpo, parecia feita de luar. Os olhos enormes e negros,
pousados em sua face envelhecida, fizeram-no estremecer e a voz profunda ressoou em seus ouvidos, embora
os lábios finos nem se mexessem.
- Não tenha medo, Zacarias, porque sua súplica foi ouvida e Isabel, sua mulher, vai lhe dar um filho,
ao qual dará o nome de João.
O coração de Zacarias saltava no peito e o incenso que levara para acender no Santuário tremia,
apertado pelos dedos magros e nervosos.
- Trará muitas alegrias - continuou o anjo, parecendo não se importar com a evidente perturbação de
Zacarias - e muitos também se alegrarão com seu nascimento, pois ele será grande diante do Senhor e
converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus. Caminhará com o espírito de Elias a fim de
converter os rebeldes e preparar o povo.
Zacarias, então, conseguiu deixar que seu medo e suas dúvidas escorregassem através de seus lábios
trêmulos.
- De que maneira saberei que será assim? Eu sou velho e minha mulher é de idade avançada!
A voz do anjo soou novamente, desta vez enérgica, e Zacarias pensou ver nos enormes olhos negros
um ar de reprovação.
- Fui enviado para lhe dar esta boa nova, mas como não acredita em minhas palavras, ficará mudo até
o dia em que elas se cumprirem.
Do lado de fora, o povo já se preocupava com a demora de Zacarias, o sumo sacerdote, que entrara
no Santuário para oferecer o incenso ao Senhor.
- Quem sabe não se sente bem? - sussurrou alguém no ouvido de um sacerdote que passava.
- Deve estar orando ao Senhor - respondeu simplesmente o sacerdote, parecendo não se importar
com a preocupação do outro.
E, de repente, Zacarias apareceu e olhos esbugalhados, a boca abrindo e fechando sem emitir
nenhum som. Com gestos frenéticos, tentava se fazer compreender, mas ninguém entendia nada.
Quando voltou para casa, conseguiu rabiscar uma mensagem, que Isabel leu, preocupada. Mas, logo
depois, abriu-se toda em sorrisos.
- Zacarias! - exclamou ela, com o rosto iluminado - O anjo disse que serei mãe?
Ele fez que sim com a cabeça e gesticulou procurando se expressar, mas ela nem notou, pois seus
olhos não desgrudavam dos garranchos à sua frente.
- Será um milagre! A resposta às nossas súplicas e orações! O filho que tanto desejamos por anos e
anos virá, afinal... - e aí sua voz tomou um tom de censura - E como pode duvidar do anjo, Zacarias?
Ele parou de gesticular e baixou a cabeça, como uma criança repreendida. Abriu a boca ainda mais
uma vez e foi cuidar de sua vida, agora tão silenciosa.
...
A viagem para Jerusalém, como sempre, foi longa e difícil, através dos caminhos rochosos e
irregulares que cortavam a região árida que se seguia aos vales e colinas verdejantes da Galiléia. Apesar da
companhia dos peregrinos, era sempre perigoso parar na estrada e só podiam descansar quando encontravam
alguma das grutas que serviam de abrigo contra os ladrões do caminho.
Quando, enfim, Jerusalém surgiu no alto das colinas e cercada por fortes muralhas, Maria respirou,
aliviada. Não se alegrava pelo final da viagem cansativa, mas porque estava mais perto de sua prima, mais
perto de poder abrir seu coração e encontrar uma resposta para as dúvidas cruéis que a atormentavam. Mas a
visão do Templo, suspenso sobre suas magníficas colunas, não pôde deixar de arrastar seus pensamentos de
volta para o passado. Afinal, passara ali a maior parte de sua infância...
Lembrava-se vagamente do dia em que seu pai a conduziu pela mão e entregou-a aos cuidados dos
sacerdotes. Às vezes pensava se teria sido difícil para sua mãe afastá-la tão cedo de seu convívio e procurava
adivinhar os sentimentos que se ocultavam no peito do pai, naquele momento em que se voltou e partiu,
deixando-a para trás, rodeada pelas jovens hebréias que portavam candeias acesas.

...

Foi difícil, sim, tanto para Joaquim quanto para sua mulher, Ana, entregarem a única filha para ser
educada no Templo. Mas, era preciso cumprir a promessa que Ana fizera ao Senhor, no momento em que
soube que iria ter um filho, aquele momento tão esperado e que custara tanto a chegar, apesar das oferendas,
todas elas em quantidade dobrada, que Joaquim levava ao Templo.
- O que sobra - dizia sempre ele - ofereço para todo o povoado, e o devido será para a expiação dos
meus pecados, para ganhar as boas graças do Senhor.
Mesmo assim, mesmo levando oferendas em dobro, o filho não vinha nunca. Os cabelos brancos já
adornavam sua cabeça e mais rugas chegavam a cada dia, sulcando o rosto de Ana, e o filho não chegava.
E foi então, na grande festa do Senhor, quando mais uma vez se preparava para oferecer seus
donativos, que Ruben se plantou à sua frente e resmungou:
- Não é lícito que ofereça suas dádivas, enquanto não tiver gerado um rebento em Israel.
Aquela verdade estalou em sua alma como um açoite e machucou seus sentimentos mais profundos,
aqueles que vinha tentando esconder por tantos anos.
- Não fique assim, Joaquim - Ana tentava consolá-lo, inutilmente. - Com certeza já existiram muitos
outros que também não tiveram filhos.
Procurando um consolo para sua aflição, Joaquim se dirigiu então aos arquivos de Israel com
intenção de consultar o censo genealógico e verificar se, porventura, teria sido ele o único que não havia tido
posteridade em seu povoado. E, examinando os pergaminhos, constatou que todos os justos haviam, gerado
descendentes.
O desespero invadiu sua mente e não pode mais se concentrar em suas atividades, nem em suas
orações. Ana fazia de tudo para acalmá-lo, mas não havia nada que conseguisse trazer de volta a paz que
fugira do coração de Joaquim
Numa manhã sombria, ele acordou resolvido:
- Vou me retirar para o deserto! Se o Senhor deu Isaac por filho a Abraão, em idade tão tardia, poderá
também ouvir minhas súplicas e permitir que ainda tenhamos um descendente.
Não falou nada para sua mulher, apenas partiu, armou uma tenda e começou um obstinado jejum,
repetindo sempre para si mesmo, como que para se convencer da decisão tomada:
- Não sairei daqui, não voltarei para casa, não comerei e nem beberei, até que o Senhor me escute.
Que minhas preces me sirvam de alimento e de bebida!
Quando soube da decisão de Joaquim, Ana se lamentou amargamente.
- Agora chorarei minha esterilidade e também a minha viuvez! - Vestiu-se de luto e mergulhou em
profunda tristeza.
Os dias se arrastavam, sempre iguais, e nada a arrancava de sua depressão e nem trazia Joaquim de
volta para casa.
Chegou o dia da grande festa do Senhor e Judite, a criada de Ana, inconformada com a tristeza de sua
patroa, procurou convencê-la a abandonar o luto.
- Não se humilhe mais! Suas lágrimas não trarão seu marido de volta. Procure alegrar seu coração,
pois hoje é dia de festa!
Ana relutou, no início, mas aos poucos foi sentindo uma necessidade interna de abandonar sua
tristeza e sair um pouco, respirar ar puro e sentir na pele o calor do sol. Despiu o luto, vestiu suas melhores
roupas, foi para o jardim e sentou-se à sombra de um loureiro. Fechou os olhos e começou a orar.
Rezou muito, pediu a Deus que trouxesse Joaquim de volta para casa e, de repente, ouviu uns piados
fortes sobre sua cabeça. Procurou com os olhos e viu um ninho de passarinhos entre os galhos mais altos. Os
pais, atarefados, alimentavam os filhotes que disputavam a comida em meio a sons agudos.
Grossas lágrimas voltaram a escorrer pela face envelhecida de Ana e suas preces se converteram em
lamentos.
- Ai de mim! Não sei o que vim fazer neste mundo, pois sou como terra maldita e infecunda. Ai de
mim! Com quem me pareço? Nem ao menos sou como as bestas da terra, nem como as aves do céu, pois elas
são férteis e eu não. Ai de mim!
Estava em meio às suas queixas quando uma luz muito forte, vinda do alto, ofuscou seus olhos.
Cobriu-os com as mãos, mas mesmo assim podia perceber a estranha claridade que subitamente a envolvera.
Espiou por entre os dedos e percebeu um ser que brilhava intensamente. Arregalou os olhos, sem acreditar no
que via.
- Um anjo! - pensou - Será um anjo?
A voz do ser de luz logo se fez ouvir, interrompendo suas indagações mentais.
- Ana, - disse ele - o Senhor escutou seus rogos. Conceberá e dará à luz, e todo mundo falará de sua
prole.
A felicidade que há tantos anos esperava chegou e encheu-a de risos alegres.
- Viva o Senhor meu Deus! - exclamou ela, erguendo os braços para o céu - O fruto do meu ventre,
seja menino ou menina, levarei como oferenda ao Senhor e estará a seu serviço por todos os dias de sua vida!
Joaquim também recebeu a visita do anjo, no deserto, e em pouco tempo estava de volta, com um
amplo sorriso rachando os lábios ressecados pelo calor do sol.
Quando nasceu a menina, deram a ela o nome de Maria.
Seis meses depois, vendo que a criança já conseguia se sustentar de pé, Ana preparou um oratório em
um dos cômodos da casa e para lá levou a filha.
- Salve o Senhor! - exclamou. - Minha filha pisará somente neste solo santificado, até que a leve ao
Templo, como prometi.
Chamou doze virgens hebréias para que distraíssem a menina e jamais permitiu que algo impuro ou
mesmo vulgar profanasse a pureza de suas pequenas e alvas mãos.
Quando a menina completou um ano, Joaquim ofereceu um banquete aos sacerdotes, escribas e a
todo o sinédrio. Apresentou a menina e os sacerdotes a abençoaram.
Passaram-se os meses e, quando Maria completou dois anos, Joaquim disse para Ana:
- Temos que levá-la ao Templo, para cumprirmos a promessa que fizemos ao Senhor, antes que ele
reclame nossa oferenda e a torne inaceitável a seus olhos.
Ana estremeceu, com medo que a ira do Senhor pudesse se abater sobre sua filha. Ao mesmo tempo,
seu coração de mãe se encheu de dor, ao imaginar-se longe da menina.
- Vamos esperar um pouco mais, Joaquim - suplicou ela, já com lágrimas nos olhos - Quando Maria
completar três anos, poderá viver melhor longe de nós.
Joaquim, que por sua vez também não suportava a idéia de afastar de Maria de seu convívio,
aquiesceu prontamente.
- Esperaremos, então.
Mais um ano se passou, desta vez mais rápido e implacável e, quando Maria completou seu terceiro
aniversário, Ana não teve outra alternativa senão a de se despedir da filha. Abraçou-a, beijou seu rosto
molhado por suas próprias lágrimas e procurou se conformar, imaginando que o Senhor cuidaria melhor de
sua filha do que eles, já tão idosos e cansados.
Joaquim pegou a menina no colo e levou-a ao Templo, com o velho coração comprimido de tristeza.
Tinha a íntima certeza de que o tempo de vida que ainda tinha pela frente não seria suficiente para ter sua
filha de volta em casa, depois de terminado o período em que serviria ao Templo.
Joaquim levou também as virgens hebréias, cada uma com uma candeia acesa, atraindo a atenção da
menina, para que ela não olhasse para trás e nem se deixasse cativar por alguma coisa fora do Templo, com
medo que Deus, vendo a atenção da menina se desviar para algo profano, não mais a aceitasse a seu serviço.
O sacerdote que a recebeu abençoou-a e levou-a para perto do altar. Lá, a menina bateu palmas e
dançou, cheia de alegria e para assombro de todos. Vendo aquilo, Joaquim voltou para casa com o coração
mais tranqüilo, certo de que Maria realmente havia nascido para servir ao Senhor.

...

- CAPÍTULO 2 -

Ao ver o trabalho de Maria, o lindíssimo véu todo em púrpura e escarlate, o sacerdote abriu um
amplo sorriso e abençoou a moça:
- Seu nome será bendito entre todas as gerações da Terra, Maria!
Mas era tanta a ansiedade que ela trazia em seu coração, era tão grande a vontade de correr ao
encontro de sua prima, que mal se deteve para receber a benção. Balbuciou algumas palavras de
agradecimento, saiu do templo e tornou a subir no lombo da mula, que deixara amarrada perto.
A viagem para Ain Karim pareceu não acabar nunca, apesar daquela cidade ser tão vizinha de
Jerusalém. Quando, enfim, viu a casa de Isabel surgir numa curva da estrada de terra, mal acreditou que sua
angústia estava chegando ao fim. Apeou, amarrou a mula e bateu na porta, com o coração apertado de
ansiedade.
Isabel abriu a porta e nem acreditou em seus olhos quando viu Maria. Ficaram em silêncio, por
instantes, apenas procurando compreender a forte vibração que as envolveu naquele instante. No início foi
um pressentimento, mas que logo se transformou em certeza, que fez Isabel exclamar de repente:
- Que fiz eu para merecer sua visita, a visita da mãe do meu Senhor? Veja, Maria, até mesmo o filho
que carrego no ventre se agita para saudá-la!
As lágrimas chegaram subitamente aos olhos de Maria, e ela abraçou a prima.
- Meu espírito exulta em Deus! - exclamou Maria, entre um soluço e outro – Minha alma engrandece
o Senhor e doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada!
Isabel conduziu-a carinhosamente para o interior de sua casa e, depois de ver a prima mais calma,
perguntou:
- Como foi que tudo aconteceu? Poderá saciar minha curiosidade, minha prima?
- Nem sei como lhe explicar... Foi tudo tão milagroso! Simplesmente me curvei na fonte para encher
o cântaro, e o anjo apareceu dizendo que ia ser mãe. Fugi, assustada, mas ele tornou a me aparecer em casa, e
repetiu o mesmo aviso...
Isabel sorriu, procurando tranqüiliza-la.
- O Senhor pode realizar maravilhas que jamais compreenderemos, Maria...
- Sim - concordou Maria - mas tem uma coisa que me deixou muito confusa...- calou-se por
instantes, procurando as palavras certas para expor suas dúvidas, e depois continuou - Quando me curvei para
pegar água, vi o sol brilhando logo acima de minha cabeça. No entanto, ao levantar o cântaro, o sol estava
longe, bem longe, como se muito tempo tivesse se passado entre o momento em que mergulhei o cântaro na
água e o instante seguinte, em que o puxei, já cheio.
Isabel segurou entre as suas as mãos frias de Maria.
- Não fique nervosa e nem se preocupe, minha prima... Não há como compreendermos os desígnios
de Iahweh, nosso Deus. Ele pode tudo... E se é somente isto que inquieta seu coração, esqueça-se e pense
somente no filho maravilhoso que irá ter.
Mas Maria não conseguia se esquecer, e naquela noite teve um sonho. Viu-se novamente na fonte, o
sol sobre sua cabeça. Dentro da nuvem que percebera, na época, viu uma luz muito forte e, no meio dela, um
estranho carro alado, da cor do fogo. Pegou o cântaro e curvou-se. Em seu sonho, uma forte luz, densa, quase
sólida, incidiu sobre seu corpo e ele flutuou, muito leve, e foi subindo, subindo... Foi parar dentro do carro
alado, num lugar muito claro, cheio de anjos e estranhos objetos translúcidos. Viu-se deitada numa cama
estreita, coberta com um fino pano muito branco. Anjos observavam-na e falavam entre si numa linguagem
completamente desconhecida. Viu que um deles se aproximou com um estilete brilhante entre os dedos
extremamente longos, e curvou-se sobre seu ventre. Sentiu uma leve picada, abaixo da cintura...
A dor da picada fez com que acordasse, suando. Levantou-se e foi lavar o rosto. O sono fugiu e o
medo de que aquele sonho assustador voltasse a perturbá-la fez com que preferisse se debruçar na janela,
procurando a paz naquela noite calma e perfumada com o aroma das flores silvestres.
Quando o sol chegou encontrou-a ali, de olhos pregados no céu, procurando uma resposta para
aquela aflição que sentia no peito, ou, quem sabe, procurando o carro alado que surgira em seus sonhos.
Não sentiu quando Isabel chegou e estremeceu quando sentiu o peso de sua mão em seu ombro.
- Ainda preocupada, minha prima? Entregue sua alma ao Senhor e não mais terá aflições... Conte-
me, o que a aflige tanto?
Maria contou sobre o sonho, mas não teve coragem de falar sobre o pequenino ponto vermelho que
havia surgido na pele de seu ventre, depois daquele dia em que o anjo lhe anunciara a vinda de seu filho. Até
então, nem se importara com ele, acreditando ser apenas a picada de algum inseto, mas agora, depois daquele
sonho, já não sabia mais o que pensar e nem em que acreditar.
- Foi apenas um sonho, Maria - disse Isabel, procurando acalmá-la.
- Naquele dia - continuou Maria, sem se importar com as palavras da prima - Tiago e os meninos da
vizinhança corriam atrás de uma luz que surgiu no céu... No meu sonho, o carro alado estava no meio de uma
luz também no céu...
Isabel ficou séria de repente. Franziu o cenho, como se tentasse evocar alguma lembrança esquecida.
Depois disse baixinho, parecendo falar consigo mesma:
- No dia em que Zacarias recebeu a visita do anjo, no Templo, eu também vi uma luz que riscava o
céu, muito leve, balançando para lá e para cá, até desaparecer subitamente.
Maria arregalou os olhos.
- Teria essa luz alguma relação com o aparecimento do anjo?
- Não sei, Maria...
- Naquele dia, na fonte, havia uma nuvem muito estranha no alto, sobre minha cabeça e, no meu
sonho, a luz estava dentro dessa nuvem e, na luz, o carro alado para onde fui levada...- calou-se por breves
instantes, procurando ensinamentos guardados na memória, e depois continuou, emocionada - Moisés saiu do
Egito foi conduzido pelo deserto por uma nuvem, que lhe mostrava o caminho e o profeta Elias foi raptado e
subiu ao céu num carro de fogo.
Um silêncio cheio de interrogações pesou sobre as moças, mas foi logo cortado por Isabel:
- Vamos, deixe de preocupações! Você cresceu no Templo, já devia ter se acostumado com os
maravilhosos desígnios de Deus. O que lhe ensinavam os sacerdotes? Não lhe diziam que Iahweh é o Todo
Poderoso?

...

Os sacerdotes insistiam, sim, em mostrar o poder de Deus. E também ensinavam o temor e a


obediência cega à Sua vontade. E a pequena Maria tinha medo, mais medo dos sacerdotes do que de Deus.
Medo de seus olhares inquisidores, que pareciam buscar, incessantemente, faltas ocultas no fundo de sua alma
de criança.
Mas havia um deles, o velho Samuel, que deixava escapar bondade e amor através dos olhos já
cansados e opacos. E ele parecia gostar muito quando a menina Maria se sentava a seu lado, cheia de doce
alegria.
- Por que não podemos ver a face do Senhor? - perguntou ela, um dia.
Ele deu uma gargalhada sonora.
- Enoch viu a face do Senhor e descreveu-a como o ferro que arde no fogo e que, ao sair, emite
faíscas e queima. E teve que ter sua face congelada, pois não agüentava o terror que sentia e nem o calor do
fogo. Como poderíamos, nós, suportar uma visão tão deslumbrante, minha menina?
Maria chegou mais perto do ancião, cheia de curiosidade.
- Enoch viu o Senhor? Mas como, onde? E o que mais disse ele?... E quem foi Enoch?
O sacerdote espremeu os olhos, para enxergar melhor o rosto da menina. Viu tanta expectativa em
seus olhos, que resolveu falar.
- Enoch, Maria, foi um grande sábio e artífice, que nos deixou um livro onde conta a instrução que
recebeu diretamente de Iahweh. Diz ele que já estava muito velho, quando uma noite sentiu uma infinita
tristeza, uma tristeza que não podia entender o motivo. Foi então que apareceram dois homens,
extraordinariamente grandes, com as faces resplandecentes como o sol. Os olhos eram como uma chama e de
seus lábios saía um canto e um fogo de cor violeta e suas mãos eram cobertas de um branco da cor da neve.
Eles surgiram à cabeceira de seu leito e chamaram-no pelo nome. E aqueles dois homens levaram Enoch ao
céu e o puseram nas nuvens. Lá, ele viu os dirigentes das ordens estrelares, viu os anjos que dirigiam as
estrelas e suas funções nos céus e viu todos os que navegavam pelos céus. Viu soldados armados, servindo ao
Senhor e viu também outros soldados de faces melancólicas. Eram aqueles que, junto com seu príncipe
Satanail, rejeitaram o Senhor da Luz e que eram mantidos nas trevas. E viu prisioneiros atados e vigiados, que
foram infiéis a Deus e aguardavam julgamento. Os homens que o levaram aos céus também lhe mostraram os
caminhos do sol e os depósitos de neve, de onde saem e para onde vão as nuvens. E foram muitos os lugares,
nos céus, por onde os homens levaram Enoch, mostrando a ele o controle da luz, dos ventos e das estrelas. Por
fim, o arquigeneral Michael o levou diante da face do Senhor. Para tanto, ele foi despojado de suas vestes
terrestres, ungido com doce e perfumado bálsamo e vestido como os gloriosos homens do Senhor, que lhe
revelou muitos segredos. E tudo o que Enoch soube, escreveu em seus livros, depois que voltou ao seio de sua
família. E um dia, o Senhor enviou trevas para a terra e Enoch foi levado para o céu, para conviver com o
Senhor para sempre. As trevas então deixaram a terra e o povo viu, mas não entendeu, como Enoch foi levado
outra vez para glorificar a Iahweh e não mais voltou.

...

E, de repente, tudo aquilo que o velho Samuel lhe dissera começou a se misturar em sua mente com o
sonho que tivera na última noite e com a aparição do anjo, naquele dia, na fonte.
- Isabel, - disse Maria afinal, procurando afastar da mente aquelas lembranças que tanto a
confundiam - pretendo ficar aqui, com você, até que chegue o seu filho. Gostaria tanto de conhecê-lo! Espero
não lhe causar nenhum transtorno...
- Será uma alegria muito grande tê-la aqui comigo, Maria! - exclamou Isabel, aliviada pela súbita
mudança da conversa - Fique, e ajude-me a preparar tudo para a chegada da minha criança!

...

O filho de Isabel chegou três meses depois.


Ajudando no parto, em meio a panos e água quente, Maria voltou a se preocupar com a maneira
como seu filho viria ao mundo, sem violar sua virgindade. Fizera o voto ainda criança, no templo, bem antes
da morte de seus pais.
Ao completar doze anos, os sacerdotes se reuniram para decidir o que seria do futuro de Maria, uma
vez que não poderia continuar no templo depois daquela idade. Um deles logo expôs o problema:
- Eis que Maria cumpriu doze anos no templo do Senhor. Que faremos para que ela não chegue a
manchar o Santuário?
- Deverá se casar...
- Como casá-la, se fez voto de castidade?
Entreolharam-se, à busca de uma solução. Como nada lhes ocorreu, resolveram entregar o problema
nas mãos do recém-nomeado sumo sacerdote, Zacarias, esposo de Isabel, a prima de Maria. Ele, então, se
cingiu com o manto das doze sinetas, entrou no Santuário e orou.
Algum tempo se passou, antes que ele surgisse novamente, já com a solução para o caso:
- Vamos reunir os viúvos do povoado. Que cada um tome de um bastão sagrado e Maria será
entregue aos cuidados daquele a quem Deus mostrar algum sinal.
E saíram arautos por toda a região da Judéia. Doze anciãos foram chamados e, entre eles, estava
José.
José acompanhou o arauto, sem saber direito para que o chamavam ao templo. Quando chegou, logo
recebeu um bastão. Pouco depois, veio o sumo sacerdote, recolheu os bastões, examinando-os um a um.
Quando pegou o de José, uma pomba entrou rufando suas asas muito brancas e começou a esvoaçar em
círculos sobre sua cabeça. O sacerdote se deu por satisfeito e respirou fundo, aliviado. Ali estava o tão
esperado sinal de Deus. Aproximou-se de José e anunciou:
- Receberá, sob sua custódia, uma virgem do templo. Levará Maria com você, e ela lhe será submissa
até que chegue a hora de celebrar o matrimônio.
José estremeceu de susto. Não esperava e nem desejava aquele tipo de dádiva do Senhor.
- Tenho filhos, sou velho e ela é apenas uma menina! - gaguejou ele, procurando um jeito de se
livrar daquela incumbência.
O sumo sacerdote apertou os olhos e olhou-o com seriedade.
- Tenha temor a Deus e lembre-se do que fez Ele com Datan, Abiron e Corê, que foram tragados pela
terra por sua rebelião! Cuide-se para que o mesmo não aconteça à sua casa!
E José, cheio de temor, não discutiu mais. Quando chegou em casa, levava consigo Maria, a menina
virgem do templo do Senhor.

...

José exercia o ofício de carpinteiro e vivia do trabalho de suas mãos, conforme o que estabelecia a lei
de Moisés. Sua esposa morrera, deixando-lhe seis filhos, quatro homens e duas mulheres. Sua profissão o
conduzia com freqüência para fora da cidade, e levava consigo os três filhos mais velhos. O menor, Tiago, era
apenas um menino e, durante as viagens do pai, que às vezes duravam meses, ficava na casa das irmãs, já
casadas, ora com uma, ora com outra.
A idéia de se casar novamente passava freqüentemente pela cabeça de José, principalmente por causa
de Tiago, mas a vida atribulada que levava, sempre viajando, ainda não lhe deixara tempo, nem ao menos para
procurar uma nova esposa.
Levar aquela menina para casa era coisa que não o agradava absolutamente. Tinha filhos homens, e
não gostaria de ter que se responsabilizar por aquela jovem, quase criança, que lhe estava sendo entregue
cheia de recomendações.
Depois de acomodá-la, partiu para seu trabalho, certo de que, durante aquele tempo em que
permaneceria fora de casa, Deus o iluminaria e lhe mostraria o melhor meio de ter Maria consigo para
sempre.

...

Maria apegou-se logo a Tiago e cobriu-o de cuidados. O menino não demorou a substituir sua
presença carinhosa pela saudade que a mãe deixara.
Os afazeres domésticos mantinham Maria ocupada todo o dia, e foi com surpresa que recebeu o
chamado do templo. Os sacerdotes haviam concordado em fazer um novo véu para o santuário, e as donzelas
sem mancha que haviam servido ao Senhor, no templo, foram convocadas para realizarem o trabalho. Fizeram
um sorteio para ver quem iria bordar o ouro, o escarlate, a púrpura, o amianto, o linho, a seda e o zircão. A
Maria couberam o escarlate e a púrpura.
Estranhou, e ao mesmo tempo ficou feliz, quando soube que o velho Samuel estava exercendo
temporariamente a função de sumo sacerdote, substituindo Zacarias que, inexplicavelmente, ficara mudo.

...

Ao receber sua tarefa das mãos do sacerdote, Maria ficara extremamente feliz. Seria mais uma
oportunidade de servir ao Senhor num trabalho importante, que somente as moças que cresceram no templo
poderiam executar. Mas agora, vendo Isabel amamentar o bebê, imaginava quão mais importante era a tarefa
que a aguardava, a de criar um filho divino. E acariciava o ventre já crescido, oculto sob largas vestes.
Oito dias depois de nascido, o menino de Isabel foi circuncidado. A família, toda presente, queria
dar-lhe o nome do pai, mas Isabel anunciou:
- Não, ele vai se chamar João!
- Por que João? Na nossa parentela não existe ninguém com esse nome!
E foram perguntar a opinião de Zacarias, que pediu uma pequena tábua, onde escreveu:
- O nome do menino é João.
Imediatamente recobrou a voz e começou a bendizer a Deus.
- Bendito seja o Senhor Deus de Israel - bradou - porque visitou e redimiu seu povo!... - e continuou
com gritos e louvores que assombraram a todos.
- Que virá a ser esse menino? - perguntavam entre si. - Só de escrever seu nome o mudo recobrou a
fala!
E Maria imaginava o momento em que falaria a José sobre o milagre que lhe ocorrera. No início,
temera o momento em que ele, inevitavelmente, ficaria sabendo de sua gravidez. Mas agora, vendo a
felicidade de Zacarias, o medo desapareceu e foi substituído pela esperança de que José acreditasse nela.
Ficaria ele jubiloso como Zacarias? E por que não? Sabendo que ela servira ao templo e que prestara
voto de castidade, jamais iria pensar que pecara!
E Maria começou a ansiar pelo momento em que revelaria a José seu segredo.
- E este menino será chamado profeta do Altíssimo - continuou Zacarias, quase gritando, o dedo em
riste - pois irá à frente do Senhor para preparar-lhe os caminhos, para transmitir ao seu povo o conhecimento
da salvação, pela remissão de seus pecados!
Iria José louvar seu menino? - imaginava Maria, ouvindo as estranhas profecias que jorravam da
boca de Zacarias - Quem sabe também se encheria da graça do Espírito Santo, como Zacarias, e profetizaria
para ele um radiante futuro?
E alguns dias depois da circuncisão de João, Maria se despediu de Isabel, subiu no lombo da mula e
se juntou a uma caravana que seguia para Nazaré.
Quando chegou em casa, Tiago a recebeu com um abraço carinhoso.
Voltou aos serviços caseiros, a pegar a água na fonte e a aguardar a volta de José.
...

- CAPÍTULO 3 -

José por várias vezes cochilou no lombo do jumento que o levava de volta para casa. Os três filhos
mais velhos, Josetos, Judas e Simão, que sempre o acompanhavam em suas viagens, só viriam uns dias
depois, pois ainda havia negócios a serem resolvidos em Séforis. José veio na frente, somente por causa
daquela reunião na sinagoga, que tanto lhe recomendaram que não faltasse.
Partira com bastante antecedência, a fim de chegar cedo em casa o suficiente para repousar um
pouco antes de ir para a reunião. Não estava mais em idade de ir direto de uma viagem tão longa para uma
reunião que prometia durar horas.
Durante todos aqueles meses em que ficou fora, conseguiu se acostumar com a idéia de conviver
com Maria. Afinal de contas, uma menina criada no templo, com voto de castidade feito, não haveria de lhe
dar tantos problemas como imaginara no início, e seria melhor para Tiago ser criado por uma moça jovem, do
que por alguma senhora com quem porventura viesse a se casar, sem paciência para lidar com crianças. Já se
considerava, enfim, preparado para a realização de seu matrimônio com Maria.
De longe avistou a serra de Nazaré. Vinha percorrendo a Baixa Galiléia há algumas horas,
contornando pelos vales que ligavam as quatro serras e passando pelas aldeias construídas na base dos
morros.
“Seria bom se Nazaré também tivesse sido construída embaixo da serra”- pensava ele, sempre que
estava perto de chegar em casa - “Estou tão cansado e ainda falta subir o morro”.
Mas o grande encanto de Nazaré era justamente ficar lá no alto, isolada dos caminhos mais
freqüentados, com sua única fonte que atraía as caravanas vindas de regiões áridas, que adquiriram o hábito
de fazer paradas ali para abastecerem-se de água e darem de beber aos animais. Era ainda perto da fonte que
os nazarenos costumavam vender objetos artesanais e comida aos caravaneiros. E era também daquela fonte
que cavavam sulcos na terra, que iam irrigar suas plantações e suas oliveiras, cujos frutos eram depois
prensados para a extração do óleo.
A subida pela serra foi tranqüila e pouco depois José avistou sua casa, que ele mesmo construíra do
mesmo modo como todas as outras da vizinhança, com tijolos de lama, baixa, encimada por um terraço feito
com galhos trançados, assentados em panos e recobertos de argila e protegido por uma sacada de madeira.
Uma escada exterior era o único acesso àquele terraço, onde seus filhos gostavam de fazer as refeições e
dormir nas noites quentes, e onde sua falecida esposa estendia as roupas para secarem.
Amarrou o cabresto do jumento no tronco de uma velha oliveira e entrou. De costas para a porta e
debruçada sobre a mesa tosca, Maria arrumava uns potes de argila. Pressentiu uma presença atrás de si e
voltou-se.
José nem notou o sorriso amplo que enfeitou o rosto da moça. Seus olhos se cravaram, horrorizados,
no ventre estufado, modelado pelo tecido grosso do longo vestido.

...

Alguma coisa dizia a Maria que José estava para chegar. Ansiava por aquele momento, pelo instante
em que contaria a José como fora agraciada pelo Senhor, como iria ter um filho divino, anunciado por um
anjo.
O ventre crescido não mais podia ser ocultado, e procurava ir à fonte ainda pela madrugada, para não
encontrar nenhum vizinho. Antes que descobrissem, José precisava saber da notícia. Cabia a ele, como chefe
da família, anunciar o fato maravilhoso a todos.
Muito cedo, depois de chegar com a água, triturou os grãos e amassou o pão. Depois pegou os potes
de argila que Tiago deixara espalhados pela casa e foi arrumá-los sobre a mesa tosca. Pressentiu uma presença
atrás de si e voltou-se. Quando viu José, seu coração se encheu de felicidade. Chegara o momento de lhe dar a
boa nova. Mas imediatamente viu o olhar horrorizado de José pousar sobre seu ventre. Sentiu um frio súbito
invadir sua alma.
- Como foi lhe acontecer... isto? - exclamou ele, sem se importar com a decepção que surgiu nos
olhos de Maria. - Como irei agora me apresentar diante de meu Senhor?- continuou José, cada vez mais
desesperado - Recebi uma virgem do templo do Senhor e não a soube guardar!
Atirou-se no chão sobre uma manta e chorou amargamente. Maria, confusa e triste, plantou-se a seu
lado, procurando explicar, mas ele não a ouvia. Só chorava e se lamentava, ferindo o próprio rosto. Depois se
levantou, olhando acusadoramente para a moça.
- Como foi capaz de fazer uma coisa destas? Acaso se esqueceu de que era a predileta de Deus?
Como pode aviltar sua alma, depois de ter sido criada no Santo dos Santos?
Grossas lágrimas começaram a escorrer pela face pálida de Maria.
- Sou pura e não conheço homem algum! - conseguiu, por fim, gaguejar.
Um riso de escárnio contorceu os lábios de José.
- E de onde vem, pois, a criança que carrega consigo?
Maria parou de soluçar e pousou em José um olhar mais tranqüilo.
- Pelo senhor, meu Deus, eu juro que não sei como aconteceu!
- Ora, Maria, não fique aí inventando coisas! Pelo menos, conte-me a verdade! Quem foi?
Maria baixou a cabeça, ressentida.
- Não sei... O anjo apenas me disse que ia ser mãe pela palavra do Senhor.
José se calou e ficou andando de um para outro lado, procurando ajustar as idéias na cabeça confusa.
Lembrou-se de que, no templo, um dos sacerdotes lhe confidenciara que Maria fora fruto de um nascimento
especial, de pais velhos e estéreis e que, por isso, prometeram ao Senhor entregar-lhe a menina para ser criada
no templo. E corria nos últimos tempos um boato de que Zacarias, o sumo sacerdote, havia sido agraciado
com a chegada de um filho, também especial, cujo nascimento fora anunciado por um anjo. Teria também
acontecido algo milagroso com a sua Maria? Certamente que não, ou ele não estaria naquela situação
embaraçosa!
- Se você não quer me contar a verdade, Maria, como poderei protegê-la? Acaso não conhece as leis?
Nosso matrimônio ainda não foi realizado, mas já houve o comprometimento mútuo e qualquer adultério é
passível de pena de morte!
Um arrepio súbito correu pela espinha da moça. Nada disso lhe havia passado pela cabeça. Ficara
embaraçada, sim, no início, mas somente preocupada com o que José iria pensar. Mas depois de sua ida à casa
de Isabel, vendo o clima mágico que envolvera o nascimento de João, a felicidade que sentira, logo ao chegar,
com a intuição da prima, tudo isso a convencera de que estaria protegida por Deus em todos os momentos e
que jamais alguém iria duvidar de sua palavra.
- Maria - continuou José, cada vez mais nervoso - você vai ser apedrejada! Será que não pode
compreender isso?
Compreendia, sim, mas não podia acreditar que Deus, que lhe dera aquele filho, permitisse que fosse
morta antes mesmo que ele pudesse vir ao mundo. O que mais doía era a descrença de José. Mas, se José não
acreditava nela, quem mais iria acreditar? Somente Isabel?
- Maria, por favor - pediu ele, desta vez com o desespero a embargar-lhe a voz - conte-me quem foi.
Sabendo da verdade, poderei encontrar uma solução!
- Não sei... - sussurrou ela - O anjo só avisou que eu iria ser mãe.
- Não posso acreditar numa coisa dessas! Não sei o que fazer! Você será acusada de adultério e vão
apedrejá-la!... O que vão dizer os sacerdotes? Estou perdido!... e começou novamente a chorar e a esmurrar o
rosto, já vermelho e machucado.
- Não fique assim, José, e acredite em mim! Concebi pela palavra de Deus, mas não sei como
aconteceu!
José não se conformava com as negativas obstinadas de Maria. Nada fazia com que aceitasse a idéia
de que Maria não se deitara com homem algum. Mas começou a ter pena dela. Não via nenhuma sombra de
mentira em seus olhos e nenhuma insegurança em suas palavras. Será que aquela menina era tão tola a ponto
de acreditar que não havia nenhum homem responsável por sua gravidez? E que anjo era aquele?
- E como era o anjo que lhe apareceu? - perguntou de repente.
Percebeu um ar de felicidade iluminar rapidamente o rosto pálido da moça.
- Era muito alto e vestia uma roupa de prata, colada ao corpo. Não pude ver bem seu rosto, tanta era
a luz que o envolvia, mas percebi que seus olhos eram enormes e negros.
José se calou e não perguntou mais nada. Em sua cabeça ferviam os mais diversos pensamentos, mas
nenhuma solução. A noite chegou e encontrou-o ainda pensando e medindo o chão rebocado de argila com
passadas largas e nervosas.
- Se escondo seu erro - pensava - contrario a lei do Senhor. Se a denuncio ao povo de Israel, e se o
que aconteceu a ela foi por intervenção divina, estarei entregando à morte uma inocente. O que fazer?
Tão mergulhado estava em sua confusão mental, que se esqueceu da reunião na sinagoga.

...

Quando, enfim, foi se deitar, já havia tomado sua decisão: Romperia o acordo que fizera com Maria
e iria repudiá-la secretamente, para poupá-la da pena de morte.
Mas, mesmo assim, não conseguiu conciliar o sono. Levantou-se várias vezes, molhou o rosto, orou,
chorou e se lamentou baixinho. E foi entre um lamento e outro que subitamente adormeceu e em sonhos viu
um facho de luz que varou o teto e grudou-se no chão, bem pertinho de sua cama. Arregalou os olhos, vendo
aquela inexplicável coluna de luz e colou-se à parede, quando o anjo surgiu no meio de toda aquela claridade.
Já não sabia dizer se estava dormindo ou acordado, tão real estava sendo aquela experiência. E, de dentro da
luz veio a voz, que ressoou por todo o aposento:
- Não tenha medo e acredite. Maria concebeu pela vontade do Senhor, terá um filho que se chamará
Jesus e nele estará o espírito de Deus.
No dia seguinte, Maria encontrou José mais aliviado e sorridente.
Não demorou muito e alguém bateu à porta. Era um escriba, para saber por que José estivera ausente
da reunião da sinagoga.
Quando os olhos miúdos do escriba pousaram no ventre de Maria, José previu grandes problemas.
Não se enganou. No dia seguinte, receberam um chamado do templo.

...

Foi com uma ruga de preocupação na testa e um aperto no coração, que Zacarias viu chegar José e
Maria, conduzidos por dois sacerdotes. As acusações eram sérias. Maria insistia em dizer que não sabia como
aquilo tinha acontecido. Os sacerdotes pressionaram-na, mas nada conseguiram. Ela apenas dizia que recebera
a visita de um anjo, que lhe participara que iria ter um filho pela palavra de Deus.
José, por sua vez, também falava de um anjo que teria lhe aparecido em sonhos, confirmando a
versão de Maria.
Logo no começo, quando o escriba foi à casa deles, descobriu a gravidez de Maria e contou tudo, na
sinagoga, todos acharam que José teria traído a confiança dos sacerdotes que lhe haviam entregue a moça,
mas José negou a paternidade da criança, contou a história do anjo e Maria, em momento algum acusou José.
Imediatamente fizeram uma sindicância pela vizinhança, perguntando se algum forasteiro teria
estado por ali, e descobriram que, realmente, um legionário romano chamado Panthera havia acampado perto
da fonte durante alguns dias.
Mas Zacarias não podia aceitar a idéia de que aquela menina que ele vira crescer, com a educação
que teve, sabendo do temor a Deus que ela manifestara desde pequena, tivesse simplesmente se entregue a um
romano desconhecido. Isto para ele era completamente inconcebível, embora alguns sacerdotes já tivessem
encontrado aí a solução para o problema.
Resolveu interrogar o casal separadamente, mas as versões de ambos coincidiam em tudo. Pensou
perceber um ligeiro vacilo em José, quando lhe perguntou se tinha a certeza de que vira mesmo um anjo ou se
tudo não passara de um sonho. Mas se houve um vacilo, foi muito ligeiro e quase imperceptível, pois José
logo aprumou a cabeça e respondeu, cheio de convicção na voz:
- Eu vi o anjo! Não foi um sonho.
Zacarias lembrou-se daquele dia, no santuário do templo, em que escutara o anjo lhe dizendo que
Isabel seria mãe. Lembrou-se também da sua dúvida e do seu castigo, que durou meses, e agora lá estava ele
novamente duvidando da história de Maria. Mas o que fazer com a pressão dos sacerdotes?
Não havia outra solução. Teria que submeter a ambos à lei de Deus. E a lei era clara: num julgamento
de adultério, havendo dúvida, a acusada teria que beber das águas amargas. Conhecia bem o perigo daquela
droga e sabia que dificilmente alguém sobreviveria ao seu efeito tóxico. Como José afirmava que jamais traíra
a confiança do templo e não tocara em Maria, também deveria tomar das águas amargas, para que a
veracidade da história ficasse bem atestada.
O velho Samuel também tinha os olhos cheios de tristeza e piedade. Conhecia bem Maria e sabia que
ela não estava mentindo. A dúvida era se teria sido ludibriada por alguém que havia se passado pelo anjo e
abusado da sua inocência. Mas ela dizia que não, que o anjo jamais havia saído do facho de luz, que apenas
falara com ela.
Quando ficou decidido que José e Maria tomariam das águas amargas, Samuel também se
entristeceu. Ele sabia que aquela droga era altamente letal. Mas fazia parte do ritual que Moisés recebera
diretamente do Senhor, para o caso de ciúme, quando havia suspeita de que a mulher se tornara impura. Se ela
fosse inocente, nada lhe aconteceria, mas se houvesse traído o marido, a morte era certa. O estranho, no
entanto, era que quase nenhuma mulher sobrevivia à ingestão da droga e, quando não morria, ficava dias e
dias muito doente. No caso de Maria, mesmo que ela resistisse, a criança certamente estaria condenada.
Zacarias, no íntimo, sentia que não tinha o menor direito de duvidar da menina e que a história do
anjo tinha grandes probabilidades de ser verdadeira, tendo em vista o exemplo de Isabel, que concebera o
pequeno João numa idade em que já lhe seria impossível gerar um filho. Os próprios sacerdotes não
ensinavam que, para Deus, tudo é possível?
Maria, parecendo ler seus pensamentos, levantou a cabeça e disse:
- Fui criada no templo e diariamente aprendi sobre o poder de Deus. E agora os próprios sacerdotes
que me ensinaram que Deus faz e desfaz, são os primeiros a duvidarem da Sua onipotência e preferem
acreditar que estou mentindo.
Aquelas palavras de Maria machucaram a alma de Zacarias e de Samuel, mas a lei tinha que ser
cumprida. Eles não podiam simplesmente passar um pano por cima daquilo tudo e dar o caso por encerrado.
Zacarias tinha que fazer cumprir a lei. Fez um sinal a Samuel para que o seguisse e ambos, com o
peito cheio de dor, foram buscar das águas amargas.
No amplo aposento onde eram guardados os objetos ritualísticos, estava a vasilha das águas amargas,
junto com outras cheias com águas consagradas em várias ocasiões. Teria sido a vontade de Deus ou a dúvida
de Zacarias que fez com que ele se enganasse e estendesse a mão para uma das vasilhas de água purificada?
Teria sido a vontade de Deus ou a dúvida de Samuel que fez com que ele não percebesse o erro de Zacarias?
Duas taças foram enchidas e levadas a José e Maria, que beberam sem pestanejar. Depois foram
conduzidos para fora do templo, para o trecho mais próximo onde o deserto estendia seus braços áridos.
Zacarias e Samuel mergulharam em suas orações e, quando passou o tempo da provação, dois
sacerdotes foram buscar o casal. Era evidente a ansiedade que prendia a respiração de Zacarias e que fazia
com que Samuel não conseguisse desgrudar os olhos da porta. E foi tanta a alegre surpresa que se estampou
em suas fisionomias quando viram José e Maria chegarem bem e sadios, que é possível que a troca das águas
tenha acontecido mesmo por obra de Deus.

...

- CAPÍTULO 4 -

Se uma espera já faz com que o tempo custe a passar, a espera daquela criança tão especial fazia com
que os dias se arrastassem, longos, pesados e difíceis.
Logo depois que os sacerdotes os absolveram, totalmente confusos com a completa ausência de
reação às águas amargas, a tranqüilidade invadiu o coração de José. Casaram-se alguns dias depois, em
segredo, sem festa, sem nada.
Com o decorrer do tempo, as dúvidas voltaram a perturbar sua paz. Fez algumas indagações pela
vizinhança, sobre o tal Panthera, mas, quando refletiu melhor, sentiu até vergonha de tais desconfianças.
Como poderia achar que Maria, tão pura, educada no Templo, pudesse ter se envolvido com um legionário
romano? Mas, no silêncio daquelas longas noites, as dúvidas chegavam e não o deixavam dormir.
Várias vezes viu Maria à janela, com os olhos mergulhados no céu muito negro e tão absorta estava
sempre, que nem notava sua presença. Aí as dúvidas eram cruéis, implacáveis. Em que estaria ela pensando?
Ou em quem?...
Um dia não agüentou tanta aflição. Aproximou-se dela de mansinho e tocou-a de leve no ombro.
- Por que não consegue dormir, Maria?
A moça teve um sobressalto, mas logo se tranqüilizou.
- Não sei, José. Acho que é a ânsia da espera que me tira o sono. Gosto de ficar aqui, olhando para as
estrelas e imaginando se a bola luminosa que Tiago viu, naquele dia, poderia ter sido um carro de fogo como
aquele que arrebatou o profeta Elias às alturas do céu. Afinal, as escrituras dizem que “os carros de Iahweh
são vinte milhares, milhares de milhares...”
José olhou-a, cheio de surpresa. Jamais imaginaria que seriam esses os pensamentos que ocupavam a
mente de Maria, naquelas noites de insônia.
Novamente teve vergonha de suas dúvidas. Afinal, se tudo aconteceu mesmo como ela afirmava,
tinha razões de sobra para contemplar as estrela à procura de suas respostas.

...

José, com a experiência de ser pai de seis filhos, começou a perceber que não faltava muito para
Maria dar à luz, e outra preocupação foi tomando conta de sua mente. Quando a criança nascesse, os vizinhos
logo perceberiam que ela havia sido concebida no período em que estivera viajando, e isto com certeza traria
problemas para Maria e, futuramente, para a criança, que poderia crescer com o estigma de bastardo. A
solução veio rápida.
- Maria, vamos partir. Tenho parentes em Belém e ficaremos por lá algum tempo, até que a criança
esteja forte o suficiente para poder viajar de volta.
Prepararam tudo mas, no dia de partirem, as coisas se complicaram. A canastra que levava as roupas
de José largou o fundo e tudo se espalhou pelo chão, sumiu a bolsa maior de mantimentos e uma das mulas
mancou.
- Acho que Deus prefere que a criança nasça por aqui mesmo, José - disse Maria, preocupada.
Ocupado em consertar a canastra, José resmungou, sem tirar os olhos do trabalho:
- A criança não pode nascer aqui, Maria, e Deus deve saber disso muito bem. O que diriam os
vizinhos? Logo saberiam até que fomos à julgamento!
- Mas fomos absolvidos...
- Eles iam arranjar desculpas, o fato seria distorcido e, no final das contas, veriam a criança como um
bastardo!
Maria se calou e ficou pensativa, olhando o nada. Mas logo depois suspirou, resignada.
- E a mula? Está mancando, não vai agüentar a viagem.
- Levo a de Josetos - resolveu José, rapidamente e, vendo o ar de preocupação que teimava em não
deixar o rosto de Maria, acrescentou, sorrindo - Lembre-se da profecia que diz que o Messias nascerá em
Belém!
Maria arregalou os olhos.
- O Messias?... Meu filho será o Messias?
José voltou-se de novo para a canastra quebrada.
- E por que não? - sacudiu levemente os ombros - Não é filho de Deus?
Maria não respondeu. Andou até a porta, pensativa, pousou os olhos no céu e a mão no ventre
estufado. Instantes depois, uma ruga se instalou em seu cenho e dali não mais saiu.
Na última hora, José resolveu levar também seu filho Simão, para o caso de precisarem de ajuda, já
que as coisas não estavam indo tão fáceis como esperavam.
Já estavam viajando há algumas horas, quando José não agüentou mais a curiosidade que o remoia e
perguntou:
- Por que você está tão pensativa, Maria? Desde que partimos, noto uma ruga de preocupação em seu
rosto.
E ela, parecendo voltar de um sonho, respondeu:
- Você disse que meu filho poderia ser o Messias... Mas o Messias esperado é aquele que libertará o
povo de Israel do jugo romano. Não acredito que meu filho, o filho de Deus, venha a ser um revolucionário.
José olhou-a, mais curioso do que surpreso.
- Você está preocupada, desde que saímos de Nazaré, por causa disto? Se seu filho for o Messias, e se
o Messias for um revolucionário, isto são desígnios de Deus e não cabe a nós achar nada. Não se preocupe
tanto, Maria! - calou-se por segundos e resolveu então perguntar, enquanto analisava a expressão da esposa -
E se for uma menina?
Maria teve um sobressalto e fitou-o horrorizada, como se tivesse escutado a pior das blasfêmias.
- Não! Não acredita no que o anjo lhe falou? É um menino e receberá o nome de Jesus!
José procurou disfarçar um sorriso e não disse mais nada. Deixou-se levar pelo bamboleio da mula e
procurou afastar dos pensamentos as dúvidas que ainda o martirizavam.

...

- CAPÍTULO 5 -

Balthazar olhou mais uma vez para o céu da Índia, consultou seus mapas cheios de rabiscos e
anotações e decidiu partir. Chegara a hora e, se seus cálculos estivessem corretos, deveria se encontrar com
Gaspar pouco antes de chegar à Babilônia.
Já tomara todas as providências, os camelos estavam carregados e tudo preparado para sua ausência,
que prometia ser de meses.
Não fazia muito tempo que, ao consultar as estrelas para corrigir seus mapas, notou um novo e
luminoso corpo celeste, que bailava na imensidão. Extasiado, não conseguiu despregar os olhos daquela
inusitada estrela, que riscava o negro firmamento e que sumia como que por encanto, aparecendo logo
adiante.
Pouco depois seu espanto chegou ao limite, quando a estrela se aproximou e sobrevoou as torres de
seu castelo. Os sentinelas, curiosamente imóveis, pareciam não reparar em nada. Um deles mantinha o braço
erguido, como se pretendesse afastar o capacete que escorregara para frente e ameaçava cobrir-lhe a visão.
Mas o braço ficou no ar, parado no meio do gesto.

A estrela, porém, já estava perto demais para que Balthazar se preocupasse com a estranha
imobilidade dos sentinelas. Seus olhos não conseguiam mais se despregar do objeto luminoso, que
subitamente parou sobre o pátio interno, girando em torno de si mesmo e enfeitando a noite escura com as
luzes coloridas que escapavam do cinturão de pequenas janelas.
Balthazar não viu, mas ouviu. Dentro de sua cabeça, ecoou a voz forte e pausada que lhe disse o que
fazer.
Quando a estrela partiu e misturou-se às outras, imóveis, no céu, o sentinela consertou o capacete e
os outros voltaram a se mover normalmente.
No dia seguinte, Balthazar chamou o chefe da guarda e perguntou. Ninguém vira nada, e todos
pensaram que o rei tivera um curioso pesadelo.
Mas Balthazar sabia que não fora um sonho. Calou-se, começou a contar os dias e a preparar-se para
a partida.

...

Gaspar cochilava no dorso do seu dromedário. Partira há alguns dias de sua possessão na Arábia,
apesar de todos à sua volta terem feito o possível para que desistisse daquela idéia maluca. O momento não
era adequado para afastar-se do trono. Mas, depois daquela estranha visão, nada mais lhe importava, nem
mesmo a segurança de seu trono.
Nem por um instante duvidou do que vira. Foi tudo muito real, quase palpável. Sentira na pele o
ardor dos fachos da luz que saía por uma abertura que surgiu milagrosamente debaixo da... estrela? Devia ser,
uma vez que veio do meio de tantas estrelas e veio tão rápida que, por instantes, Gaspar julgou que ela iria
explodir bem ali, na sua frente. Mas ela parou, parecendo suspensa no ar por fios mágicos e invisíveis,
girando e espargindo suas luzes.
Debruçado na janela, Gaspar não conseguiu mais se mover. Teve medo quando viu uma fresta se
abrir e se transformar numa abertura por onde saiu um grosso facho de luz. Não viu, mas sentiu uma presença
forte, talvez oculta pela intensidade da luz. E entendeu tudo o que lhe foi dito, naquele momento.
Depois, quando o raio de luz foi absorvido para o interior da incrível estrela, restou na pele de seu
rosto a queimadura vermelha, muito mais intensa do que aquela que o calor do deserto produz.

...

Melchior olhava o horizonte a cada instante. Mari estava próxima e, segundo suas informações,
chegara o momento de encontrar seus irmãos, naquela viagem insólita.
Largara seu trono, na Pérsia, para espanto de toda a corte, e não aceitara comitiva. A certeza de que
estava seguindo ordens superiores era tanta, que em momento algum se preocupara com a segurança de seu
reino, durante sua ausência.
Como primogênito, herdara a Pérsia, e seus irmãos, Balthazar e Gaspar, foram ocupar outros tronos.
Nunca mais se encontraram. E agora, depois daquela fantástica chamada, ali estava ele, já chegando a Mari, e
esperando a qualquer momento o encontro com os irmãos.
De vez em quando também olhava para o céu, à procura da estrela bailarina que lhe surgira naquela
noite, durante seu costumeiro passeio pelos jardins do palácio. Era tão linda e, quando se aproximou, quase o
arrebatou no vento que o envolveu num turbilhão. Ficou parada, longe do solo, e de um facho de luz saiu
aquele ser fantástico, que lhe estendeu o braço longo e magro. Ouviu o que ele lhe disse, embora não tivesse
percebido nenhum movimento nos lábios muito finos e suas palavras ficaram gravadas em sua memória,
talvez pela intensidade da força que saía dos estranhos e enormes olhos negros.
No dia seguinte, começou a preparar-se para a viagem, sabendo apenas que devia seguir para Mari,
encontrar seus irmãos, e prosseguir sua jornada junto com eles.
Mais uma vez varreu com o olhar a paisagem árida que o cercava. Desta vez, viu uns vultos negros,
que o brilho do sol não permitia distinguir bem. O coração saltou-lhe no peito e a respiração ficou segura na
garganta. Pouco depois, cheios de alegria, os três irmãos se abraçavam.
A emoção era tão forte que não deixava que falassem e grossas lágrimas correram dos olhos de
Gaspar.
Não era o encontro dos irmãos, há tanto tempo afastados, que trazia tanta emoção, mas a
comprovação daquilo que os fizera partir, tão estranhamente, em busca de um encontro marcado por uma...
estrela.
- Talvez não fosse uma estrela - disse Balthazar, quando enfim conseguiram falar e cada um pôde
contar a sua estória - Talvez fosse um vimana, o carro dos deuses!
Gaspar e Melchior olharam-no, cheios de curiosidade.
- O Mahabharata fala sobre os vimanas, que voam rápidos pelos céus, com o brilho do fogo e o ruído
do trovão, levando os deuses por todos os cantos do mundo, e os livros sagrados do Tibete também contam
que os deuses viajam pelos ares em objetos cintilantes, bolas transparentes.
- Os deuses viajam nas estrelas? - perguntou Melchior.
- E por que alguma divindade resolveu nos reunir aqui, tão distante dos nossos reinos? - perguntou
Gaspar, procurando entender toda aquela estranheza.
- Não sei - resmungou Balthazar. - Mas vamos aguardar que, com certeza, logo teremos a resposta.
Prosseguiram a jornada em direção à Mari, onde pretendiam dar de beber aos animais e acampar
durante a noite. Os perigos do deserto eram grandes: salteadores, animais selvagens, além do risco de se
perderem na escuridão. Tudo isso não permitia viagens noturnas.
E foi durante a noite, quando as chamas da fogueira eram a única luz a iluminar a negra escuridão em
que estavam mergulhados, que a estrela bailarina riscou o céu e aproximou-se, leve e luminosa.
Os reis se levantaram e olharam o globo de luz que se aproximava, veloz. Subitamente, a escuridão
se transformou em dia, tão forte era a claridade que escapava daquele estranho astro que sobrevoava
lentamente sobre suas cabeças. E, de um raio de luz, desceu um ser luminoso, que lhes estendeu o braço num
sinal de paz.
- Não tenham medo - disse ele. - Foram os escolhidos para darem o testemunho de que a promessa
feita por Deus aos filhos dos homens está para se cumprir. O filho do Deus das suas escrituras, seu único
filho, nasce entre os homens, como lhes foi prometido. Sigam a luz, que ela os levará para adorarem o menino
divino e prestarem a todos o testemunho de que é ele o Salvador esperado.
E, pela manhã, surgiu uma coluna de fogo, que guiou os três reis pela margem direita do Eufrates,
partindo de Mari, indo por Haleb, Hameth, Kadesh e Damasco, até Jerusalém.

...

- CAPÍTULO 6 -

Mal entraram em Belém, Maria teve a primeira contração mais forte. Já vinha sentindo dores,
poucas, a intervalos bastante espaçados. Mas agora a dor que veio fez com que se curvasse sobre si mesma,
deixando escapar um gemido rouco.
José olhou para Simão, assustado.
- E agora, filho, o que faremos? Chegou a hora e ainda estamos tão afastados da cidade!
Simão olhou para os lados, à procura de um abrigo e ansioso por parar e dormir um pouco. Logo
adiante, à margem da estrada, alguns arbustos escondiam a entrada de uma gruta. Perto, alguns pastores
tangiam suas ovelhas e outros, sentados pelo chão, preparavam seu alimento.
- Olhe, pai! - exclamou Simão - Vamos para aquele abrigo! Lá Maria poderá descansar.
A gruta providencial, como tantas outras espalhadas pelas estradas, protegia os viajantes contra os
animais e os assaltantes noturnos. Agora, durante o dia, estava vazia e silenciosa.
José espalhou algumas mantas pelo chão e ajudou Maria a se deitar. Depois voltou-se para Simão,
que desatrelava sua mula.
- Corra, Simão, e veja se nos consegue uma parteira!
Simão, cheio de preguiça, deu de ombros e continuou a soltar os arreios do animal.
- Ora, pai, a cidade está tão longe! Não vai dar tempo de chegar lá e procurar uma parteira que
queira me seguir, uma vez que sou desconhecido no local. Com certeza o Senhor Deus providenciará parteira,
ama de leite e tudo o mais que Maria precisar.
Maria, percebendo um tom de descaso nas palavras do rapaz, apoiou-se sobre um cotovelo e chamou
José com um gesto.
- Não se preocupe, José. O anjo me disse que o menino nasceria pela vontade do Senhor. Não
precisarei de parteira.
Mas José, nervoso, não lhe deu ouvidos. Pousou a mão sobre o ombro de Simão e disse, todo
apressado:
- Fique com ela que vou procurar a parteira. O Senhor não nos abandonará numa ocasião tão difícil.
E saiu, apressado, na direção de Belém. Não havia andado muito, quando viu uma mocinha que
descia da montanha que ladeava a estrada. Ao vê-lo, veio em sua direção. Trazia consigo um tamborete usado
pelas parteiras.
- Aonde vai? - perguntou a moça, com evidente curiosidade.
José parou e olhou para cima, procurando compreender de onde viera a mocinha. Não viu nada,
nenhuma casa, nada.
- Procuro uma parteira - respondeu, cauteloso. - Minha esposa vai dar à luz.
O rosto da moça se iluminou.
- São de Israel? - perguntou, ansiosa. E, ante a resposta afirmativa de José, continuou - Então é a
vocês que procuro! Surgiu à minha mestra, e ela não sabe de onde, um menino que lhe disse: Vá acolher um
nascituro, pois uma moça está para dar à luz pela primeira vez! E apontou nesta direção.
-E onde está sua mestra? - perguntou José, mais animado.
- Vinha logo atrás de mim... - e antes que acabasse de falar, o vulto de uma senhora idosa surgiu por
trás da montanha.
José correu até ela e voltaram todos para a gruta, mas antes mesmo de entrar, José percebeu que algo
inusitado ocorria. Tudo estava estranhamente parado. Os pastores que comiam, na realidade não mastigavam e
nem se moviam. As ovelhas tangidas não davam um passo e a mão que levantava o cajado estava parada, sem
concluir o gesto. O ar estremecia de assombro.
Simão, parado à entrada da gruta, parecia fixado em algum ponto perdido no céu e nem os olhos
piscavam. Sobre a gruta, uma nuvem emitia uma claridade fortíssima, como se escondesse o próprio sol. Uma
tira grossa de luz entrava através da gruta, que deixava ver uma espécie de fumaça brilhante em seu interior.
José sentiu as pernas pesadas, os passos difíceis. A parteira, a seu lado, respirava com dificuldade e
os olhos extasiados não se desviavam da entrada da gruta.
Foram longos os momentos que levaram, até conseguirem chegar lá, e somente a mulher entrou. José
ficou de fora, ao lado de Simão, mal contendo a vibração forte que sacudia todo o seu corpo.
Algum tempo depois, a fumaça luminosa começou a escapar pela porta e, no meio dela, surgiu a
parteira com os olhos esgazeados de espanto.
- Como está ela? - conseguiu perguntar José, com voz rouca.
E a mulher exclamou, arregalando ainda mais os olhos negros.
- Vi coisas incríveis e grande para mim é o dia de hoje, já que pude presenciar um milagre com meus
próprios olhos!
Aflito, José bebia uma a uma as palavras da parteira que, vendo sua agonia, procurou relatar, toda
trêmula:
- Entrei para examinar a moça, mas ela estava com o rosto voltado para cima, olhando fixamente
para o teto, e parecia falar consigo mesma. Quando lhe perguntei se sentia dor, ela se calou, ficou imóvel
como uma rocha e parecia nem me ouvir. Naquele momento, todas as coisas ficaram paradas, silenciosas e
atemorizadas. Os ventos deixaram de soprar, não se moveu nenhuma folha e nem se ouviu o ruído das águas.
Tive a impressão de que os rios ficaram imóveis e o mar sem ondas. Silenciaram os mananciais e cessou o eco
das vozes humanas. Reinava um grande silêncio. Todas as coisas se assombraram no silêncio, aterrorizadas e
atônitas. De repente, tudo se encheu de uma luz cheia de fumaça e de um aroma penetrante mais forte do que
todos os bálsamos da terra. Meus olhos, ofuscados, nada podiam enxergar, mas vi, no meio da luz, espíritos
que se moviam. Fui tomada de medo, mas não conseguia me mexer. E então a luz começou a diminuir tanto
que pude ver o menino tomando o peito de sua mãe. Toquei-o e enchi-me de espanto vendo que não tinha
nenhuma mancha, que seu corpo estava limpo e puro.
- Um menino! - exclamou José. E, erguendo os braços para o alto, gritou - É verdade, então! Maria
concebeu pela palavra de Deus!
A parteira pousou nele os olhos cada vez mais incrédulos.
- O que me diz? É certo isto que afirma?
José entrou na gruta, seguido pela parteira atônita. Lá dentro, Maria amamentava o menino. O rosto
tranqüilo, sorridente, não refletia a dor de um parto.
A parteira chegou bem perto e espiou os panos em que Maria repousava.
- Não há nenhuma mancha de sangue! - exclamou, e mergulhou a mão por debaixo das saias de
Maria, que se deixou examinar sem protestar. Parecia muito sonolenta, embora sua expressão fosse serena e
feliz.
- Não sei como explicar tal milagre! - gritou a mulher, recolhendo a mão e despejando em José todo
o seu assombro - Como posso ter encontrado virgem uma moça que acaba de parir?
Uma emoção forte apertou a garganta de José com garras de aço. A certeza que buscava estava ali,
diante de seus olhos, estampada no rosto estupefato da parteira. Todas as suas dúvidas ruíram por terra e
jamais procurou saber como aquilo pôde ter acontecido. Milagre, somente um milagre poderia explicar!
Maria também jamais questionou o porquê do sono súbito que obscureceu seus sentidos, no
momento do parto, e nem a causa do risco vermelho que surgiu em seu ventre e que, com o tempo, foi se
tornando esbranquiçado e desapareceu aos poucos, à medida que o menino crescia.
Tudo ficou envolto num clima de mistério, e até Simão, que da porta da gruta os observara em
silêncio, acabou concordando que aquela criança era mesmo muito especial. Chegou-se à parteira, e disse
baixinho:
- Feliz é você, mulher, que foi digna de presenciar e anunciar esta nova e santa visão. Feliz sou eu
também, por ter escutado tudo isto, mesmo que não tenha visto nada. Meu pai deu-lhe alguma recompensa?
A parteira respondeu, chamando com um gesto a mocinha que a acompanhava e que, de longe,
acompanhava tudo com os olhos muito abertos:
- Eu é que me sinto obrigada a quitar a dívida de uma graça, com agradecimento e oração. Oferecerei
a Deus um sacrifício imaculado, por ter tido a graça de ser testemunha deste mistério. - Tocou o braço da
aprendiz e falou - Minha filha, pegue o tamborete e vamos. Contaremos a todos o milagre que presenciamos!
Hoje minha velhice pode ver uma parturiente sem dores e uma virgem que é mãe.
E afastou-se seguida pela aprendiz.

...

- CAPÍTULO 7 -

A estrela que levou Balthazar, Melchior e Gaspar até Jerusalém, não se deteve por lá. Continuou a
riscar o céu através de toda a cidade e avançou em direção a Belém.
- Vocês notaram que até agora ninguém viu a estrela? - perguntou Gaspar, cheio de espanto. - Ela
segue pelo céu, imensa e brilhante como o sol, e ninguém repara nela. Como pode isto estar acontecendo?
Balthazar e Melchior se entreolharam, mas a nenhum deles ocorreu uma resposta.
Mal chegaram a Belém, a coluna de fogo desapareceu. Preocupados com o estranho sumiço de seu
indispensável guia, os três começaram a fazer perguntas a todos os que encontravam pelas ruas empoeiradas.
- Sabem onde nasceu uma criança?
Um homem que se esforçava em puxar um burrico empacado, respondeu, com um sorriso maroto:
- Ora, amigo, muitas crianças nascem em Belém. Se souber quem são os pais, talvez possa ajudar.
Mas eles não sabiam. Era uma criança especial, um filho de Deus.
As cabeças balançavam em muda negativa e os olhos transmitiam, ora espanto, ora pena daqueles
três coitados, vestidos como reis, mas tão insanos!
E aquele tumulto acabou chegando aos ouvidos dos emissários de Herodes que, pouco depois,
mandou ordem para que acompanhassem os três forasteiros de volta a Jerusalém.

...

Aquela estória de messias já vinham deixando Herodes irritado há anos. Conhecia a profecia que
dizia: “De ti, Belém, que é um dos menores clãs de Judá, de ti sairá para mim aquele que será dominador em
Israel”.
Herodes fora escolhido por Roma para pacificar os judeus, sempre inquietos, e foi aclamado pelo
Senado de Roma “rei dos Judeus, amigo e aliado”. Mas sua primeira providência foi ir ao Capitólio oferecer a
Júpiter um sacrifício como agradecimento, e isto ficou sendo conhecido em todas as aldeias da Judéia.
Sabia que os judeus o consideravam um invasor e renegado, principalmente depois que mandara
erigir em Cesaréia um enorme templo de mármore branco dedicado a César e a Roma. Ora, se ele próprio fora
o fundador de Cesaréia, por que não erigir nela o templo que quisesse? Para ele, todos os deuses tinham valor,
e o que mais lhe importava era dinheiro, sexo e sangue. Ele podia tudo, todos estavam a seus pés e aqueles
que o incomodassem eram imediatamente eliminados, da mesma forma como eliminou sem piedade sua
esposa, Mariane, e sua sogra, Alexandra.
Apesar de tudo, era um hábil político e, aos poucos, conseguiu pacificar o país. Quando aconteceram
as grandes catástrofes, como tremor de terra, epidemias e fome, diminuiu os impostos e vendeu alguns de seus
bens para ajudar aos atingidos. E partiu para as construções monumentais. Construiu a fortaleza Antonia, o
palácio da cidade alta, reconstruiu cidades.
Mas os judeus, aqueles ingratos, teimavam em continuar com as perseguições aos romanos e a
fomentar a idéia da vinda de um messias, um prometido que modificaria as suas condições de vida, que
unificaria e consolidaria o povo de Israel. Só que agora, nem mesmo os judeus sabiam direito de onde viria
esse messias. Da casa de Davi, diziam as profecias, mas esta há muito havia passado para as mãos
estrangeiras. Os Sumos Sacerdotes, de cujo seio poderia vir o messias, eram judeus apenas pelo cargo,
politicamente romanos e de cultura grega.
O César de Roma, considerado divino por seus súditos, para os judeus era um usurpador que ocupava
indevidamente o lugar do filho de Davi que, quando chegasse, estabeleceria um império judeu tão poderoso
quanto o império romano.
Herodes não se conformava com a idéia de que os judeus não o aceitassem como o messias esperado.
Ele, que já fizera tanto pela Judéia! Mas seu comportamento tirânico não deixava que os judeus sentissem por
ele a menor simpatia. Para conquistá-los, sabendo que precisavam de um local santificado onde pudessem
novamente estabelecer contato com seu Deus Iahweh, tal como Moisés fazia no deserto, na Tenda da
Habitação, Herodes ordenou então o início da construção de um suntuoso templo, em Jerusalém.
Os sacerdotes logo desconfiaram que o templo seria pagão. Tempos depois, num novo ataque de
cólera, Herodes mandou estrangular os dois filhos que Mariane lhe dera. A atrocidade foi tanta que o próprio
César comentou: “Melhor ser o porco de Herodes do que seu filho”. Os sacerdotes então exigiram que só
aceitariam o templo se estivesse de acordo com a Lei, para satisfazer a aliança do povo judeu com Deus.
Cerca de dezoito mil homens foram então recrutados para o trabalho da construção, enquanto que mil
sacerdotes pobres recebiam a formação de pedreiro, para construírem o Santo dos Santos, do qual nenhum
profano podia se aproximar, mesmo durante as obras.
Assim, com sua habilidade costumeira, Herodes conseguiu que o templo, grego em aspecto, com
suas magníficas colunas coríntias, respeitasse todas as exigências da Lei.
Mas ele cometeu uma blasfêmia... Esculpiu a águia de Roma acima do portal do templo e a Lei não
permitia que se colocasse no templo nenhum tipo de imagem ou busto de qualquer criatura viva que fosse, e
aquela imensa águia dourada lá estava, exibindo o poder romano sobre o templo.
Os judeus continuaram desgostosos, apesar do templo, mas concordaram em realizar suas cerimônias
religiosas mesmo sob as asas douradas da águia romana. E a idéia do messias, que chegaria para libertá-los de
toda aquela tirania, permanecia viva no coração do povo.
Assim, quando seus emissários em Belém chegaram contando que três reis haviam chegado do
Oriente para prestar suas homenagens ao messias que, enfim, nascera, Herodes entrou em pânico.
- Em Belém? - esbravejou - Mas quem nasceu em Belém, que possa atender à profecia das escrituras
judaicas?
Ninguém sabia e não adiantava mandar seus emissários investigarem, porque os malditos judeus
jamais diriam nada! E, no meio de tantas crianças pequenas, como saber qual delas seria o usurpador de seu
trono?
Pensou um pouco e resolveu:
- Tragam aqui os reis estrangeiros. Digam a eles que Herodes, o rei da Judéia, deseja dar-lhes as boas
vindas!

...

A ânsia em saber mais sobre a tal criança era tanta, que Herodes nem se preocupou em ser gentil para
com os dignos visitantes. Foi logo perguntando:
- Quem os avisou que nasceu um rei em Israel?
Os três reis, cansados e suados, não estavam gostando nada daquele atraso imprevisto em seus
planos, ainda mais que haviam perdido de vista a estrela guia, quando entraram em Belém.
- Vimos um astro muito grande, que brilhava entre as demais estrelas e as eclipsava, fazendo-as
desaparecer. Soubemos então que em Israel havia nascido um rei muito especial, e viemos adorá-lo.
Herodes procurava disfarçar a raiva que crescia em seu peito.
- Gostaria também de adorá-lo - respondeu, num rosnado rouco. - Onde está a criança?
- Não sabemos ainda - respondeu Melchior, escolhendo as palavras. Já percebera que as intenções de
Herodes não eram muito louváveis.
A impaciência de Herodes era evidente, mas procurava não amedrontar os ilustres estrangeiros.
- Aguardarei então o seu retorno. Antes de regressarem a seus reinos, digam-me onde encontrar a
criança e irei prestar-lhe também as minhas homenagens.
Mas o tom de falsidade de sua voz foi tão claro, que os reis se entreolharam, desconfiados. Vendo
isto, Herodes tratou de parecer mais sincero. Chamou um serviçal e cochichou-lhe alguma coisa. O homem
sumiu atrás de umas pesadas cortinas e, momentos depois, voltou com um cofre de jóias. Herodes abriu a
tampa com cuidado e retirou dele um anel engastado com uma enorme pedra.
- Conhecem este anel? - e, sem esperar resposta, continuou - Foi-me presenteado por seu pai, o rei da
Pérsia, pouco antes de morrer. Tenho por ele grande estima, mas vou ofertá-lo à criança que nasceu.- Estendeu
o anel a Gaspar, que o segurou entre os dedos e ficou analisando em silêncio o selo real da Pérsia gravado na
pedra. Herodes tirou também o diadema da própria cabeça e juntou-o ao anel - Levem também o meu
diadema real. E não deixem de me avisar o local exato onde se encontra o menino, que irei visitá-lo e
homenageá-lo.
Os reis saíram calados, certos de que Herodes mentia. Já tinham decidido que jamais revelariam o
paradeiro da criança divina.
Mal saíram de Jerusalém, a estrela surgiu e novamente tomou a direção de Belém. De longe, viram
que parou sobre uma montanha e lançou um grosso raio de luz sobre uma mancha escura, na base do monte.
- Parece uma gruta! - disse Balthazar, apurando a visão.
E partiram, decididos, para o local onde a estrela, misturada a uma nuvem que surgiu
misteriosamente no céu muito limpo, parecia ter aberto uma estrada de luz, ligando o céu e a terra.

...

Maria estava cansada. Já recebera a visita de muitos pastores e todos chegavam, espantados,
querendo saber o que estava acontecendo naquela gruta que ficara por tanto tempo iluminada por uma luz tão
forte. Quando viam o menino, curvavam a cabeça reverentemente e uns até se ajoelhavam. Outros chegavam
cheios de curiosidade, pois haviam encontrado a deslumbrada parteira pelo caminho.
Mal os pastores deixaram a gruta, José viu a silhueta dos reis que se aproximavam.
- Quem serão mais esses que vêm ao nosso encontro?
Simão olhou também, mas sacudiu a cabeça.
- Não sei... Parece que chegam de longa viagem. Devem ser estrangeiros, pois suas roupas são
diferentes das nossas, largas, de cor escura e vestem calças apertadas nas pernas. São até parecidos, embora
um deles tenha a pele bem mais trigueira.
José esperou mais alguns momentos e, tendo a certeza de que os viajantes se dirigiam mesmo para a
gruta, levantou-se e foi ao encontro deles.
- Quem são vocês? - perguntou - e apertou a ruga da testa, vendo que os três já iam entrando, sem ao
menos se identificarem.
Os três pararam quando José se plantou à entrada da gruta.
- Temos viajado muito tempo, seguindo a estrela que nos trouxe desde longe. Nos livros antigos
estava escrito que, quando aparecesse esse astro, nasceria aquele que daria aos homens a vida imortal. Da
estrela, recebemos o aviso e partimos. Paramos em Jerusalém, onde Herodes nos interrogou e mandou jóias
para a criança. A estrela continuou à nossa frente, desde que saímos de Jerusalém, e entrou aqui, nesta gruta,
onde você não nos permite entrar.
José se deu conta de que estava mesmo bloqueando a entrada da gruta e afastou-se para o lado.
- Não me oponho que entrem, pois Deus foi o seu guia.
Os reis entraram, saudaram Maria e ficaram contemplando o menino. Um brilho de felicidade
acendia seus olhos vermelhos e cansados. José chamou Simão com um gesto e segredou-lhe:
- Filho, observe e veja o que fazem os forasteiros, pois não fica bem que eu os espie.
E Simão, de longe, foi logo contando:
- Saudaram o menino e prostraram-se no chão. Agora, cada um deles beija-lhe os pés. - Calou-se e
ficou observando. Momentos depois, continuou: - Estão abrindo suas sacolas e oferecendo presentes. E
voltam a adorá-lo novamente.
Quando os reis saíram, afinal, procuraram José e Gaspar exclamou:
- Que felizes são vocês, por terem sido escolhidos para criarem esta criança! Ele salvará todos os
povos e todas as tribos da Terra o adorarão!
José olhou-os, desconfiado.
- Onde aprenderam tudo isto?
- Vocês possuem antigas escrituras - explicou Gaspar - e nós também possuímos as nossas, mais
antigas ainda, e todas se referem ao salvador. Sabemos que é seu filho, porque fomos guiados pela estrela, um
sinal de Deus. Assim como nós, muitos também serão avisados e, no momento certo, seu filho será levado
para receber a instrução diretamente daqueles que o prepararão para sua missão de libertador. Cuide dele com
temor e diligência e proteja sua infância.
Os reis se despediram, levando consigo uma faixa que envolvera o menino, presente de Maria.
Ao contrário do que haviam combinado com Herodes, escolheram outro caminho de volta, e nunca
mais pisaram em Jerusalém.

...

Sete dias se passaram e, na manhã do oitavo, José despertou nervoso e preocupado.


- Segundo as leis, o menino terá que ser circuncidado hoje. Como faremos?
Pouco depois surgiu a parteira, carregando um jarro com óleo e perfume de nardo.
- Sabia que ainda estavam por aqui. Vim circuncidar o menino, que hoje é o seu oitavo dia.
Preparou tudo, fez a circuncisão e colocou o prepúcio no jarro, que estendeu para Maria.
- Guarde-o consigo - disse Maria.
Naquele dia, o menino recebeu formalmente o nome de Jesus, conforme sugerido pelo anjo que
visitara José.
Alguns dias depois, partiram para Jerusalém. O menino precisava ser apresentado ao templo.

...

O dia estava radiante e o mármore branco das paredes do templo brilhava tanto que ofuscava a
visão. Quando aquele velho se aproximou, encurvado pelo peso dos anos, e estendeu a mão ossuda para a
criança, Maria se assustou. O brilho intenso do sol em seus olhos não permitia que percebesse o ar de intensa
felicidade que iluminava a face do ancião.
- Deixe-me vê-lo!... - pediu - Deixe-me tocá-lo!
Alguém que ia passando segredou para Maria, procurando tranqüiliza-la:
- Não tenha medo... É o velho Simeão! Ele vem conhecer todos os meninos que são apresentados ao
templo. Diz que Deus prometeu não levá-lo antes que visse o Messias.
Os olhos opacos de Simeão haviam adquirido um brilho diferente. Suas mãos tremiam e com voz
embargada de emoção, exclamou:
- É ele!... Deus cumpriu o que me prometeu! Deixe-me pegá-lo, por favor!
Impressionada com a expressão iluminada do velho, Maria estendeu-lhe a criança. Ele a tomou entre
os braços e as lágrimas escorregaram de seus olhos miúdos e infiltraram-se pelas pregas do rosto muito velho.
- Agora, Senhor - disse Simeão - pode levar em paz este seu servo, segundo sua promessa, pois meus
olhos viram a salvação que enviou para todas as nações e para a glória do povo de Israel!
José e Maria, admirados, não sabiam o que dizer, e mais surpresos ficaram ainda quando, voltando-se
para Maria, o velho falou:
- Este menino foi enviado para a queda e ascensão de muitos e em você, mãe, uma espada traspassará
sua alma!
As últimas palavras de Simeão comprimiram o coração de Maria com uma aflitiva intuição, mas logo
outra voz se ergueu, em meio às poucas pessoas que já os cercavam:
- Graças a Deus! Enfim pude conhecer o salvador tão esperado! Vejo a luz que se irradia desta
criança! É ele, o redentor do povo de Israel!
Era Ana, a velha profetiza da tribo de Aser. Desde que enviuvara, não mais deixara o templo,
servindo a Deus dia e noite com jejum e orações. Era tanta a felicidade que fluía pelos seus gestos e suas
palavras, que Maria não mais se importou com as estranhas palavras de Simeão.
Terminada a cerimônia da apresentação ao templo, prepararam-se para voltar para Belém, onde já
haviam combinado de ficar durante algum tempo com os parentes de José, até que o menino crescesse um
pouco. Só então retornariam a Nazaré.
Mas, naquela noite, ainda em Jerusalém, uma forte luz os tocou quando dormiam, e José escutou, em
sonhos, a ordem que mudaria todos os seus planos:
- Acorde, pegue a criança e sua mãe, e fuja com eles para o Egito!
E, quando o galo cantou pela primeira vez, José já havia levantado e partido.

...

Os dias passavam e Herodes, cada vez mais impaciente, aguardava a volta do três reis com a tão
esperada informação. Mas os reis não chegavam
Um dos seus homens de confiança, vendo sua aflição, ousou então dizer aquilo que todos já
acreditavam ter acontecido:
- Eles não vêm mais. Devem ter voltado por outro caminho.
Herodes ficou vermelho, engasgou, e começou a medir o salão com passadas enormes e rápidas.
- Como se atreveram! Preciso saber onde está a criança! Tenho que destruir o mal pela raiz. Como
podem os judeus acreditar que um fedelho vá ocupar o meu lugar? Eu, que tanto fiz por Israel! Eu, que lhes
dei um templo! Eu sou o messias, eu sou o unificador do povo de Israel!... Onde estará essa criança?
Um oficial que se mantinha afastado, chegou-se e procurou acalmar seu rei.
- A criança deve ser o filho do sacerdote Zacarias.
Herodes parou de andar e olhou firme para o homem que lhe despejara esta última informação.
- Por que diz isto?
O oficial pigarreou, olhou para os rostos ansiosos por uma solução rápida, e explicou:
- Soube que o velho Zacarias e sua esposa, também bastante idosa, foram agraciados com a chegada
de um filho. Dizem até que um anjo avisou a Zacarias que iria ser pai, ele não acreditou e ficou mudo até que
a criança nasceu.
O rosto de Herodes se abriu num sorriso largo.
- É isso! Só pode ser isso! Deve ser essa a criança que os três estrangeiros procuravam! - espetou o
dedo no peito do oficial - Procure Zacarias imediatamente e pergunte onde se encontra seu filho. E destruam a
criança! - e gritou mais forte ainda: - Matem o usurpador!
O oficial rodou nos calcanhares e saiu. Naquela mesma tarde, Zacarias procurava se livrar dos
emissários de Herodes:
- Eu me ocupo do serviço de Deus e me encontro sempre no templo. Não sei onde está meu filho!
Nada conseguindo saber, os homens voltaram a Herodes, que explodiu de cólera.
- Se ele não falou, então é verdade! É seu filho que vai reinar em Israel! Voltem e digam a ele que
fale, ou seu sangue jorrará em minhas mãos!
Ao romper da aurora, encontraram o corpo de Zacarias. Fora assassinado durante a noite e ninguém
conseguiu descobrir o porquê daquele crime monstruoso.
Somente Isabel soube de tudo. De dentro da luz, veio o aviso. Pegou João e fugiu com ele para as
montanhas.

...

- CAPÍTULO 8 -

A notícia chegou ao Egito numa velocidade impressionante e atingiu o bairro judeu com o impacto
de uma bomba. Herodes morrera!
Nos últimos tempos, as novas que vinham da Palestina eram todas ferventes de emoção. A águia do
Templo fora derrubada! Custara o preço de muitas vidas, mas o templo de Jerusalém não mais ostentava
aquela ofensiva águia romana.
Aconteceu quando dois professores, sábios especialistas em leis, incitaram seus discípulos a
derrubarem a águia, por ser sua presença completamente ilegal. E, ao meio-dia, desceram do telhado com
cordas e talharam a águia com golpes de machado. Uma força de soldados interviu, rendeu os jovens
revoltosos que enchiam o pátio e levou-os ao rei. Os professores e os discípulos que desceram do telhado
foram queimados vivos.
A revolta foi muita, mas ficou a gratidão aos mártires que conseguiram livrar o templo do peso da
águia romana.
Pouco depois, morreu Herodes, após um longo sofrimento. O fogo da dor queimou-lhe o estômago
por meses e meses. Procurava aliviar suas dores banhando-se nas águas termais de Calíroe, mas nem as águas
e nem os médicos conseguiram fazer com que o sofrimento se aplacasse por um instante que fosse.
Quando Herodes se convenceu da morte próxima, e já até a desejando como última esperança de
alívio, começou a pensar na pompa dos seus funerais. Sua grande tristeza era a convicção de que não seria
pranteado pelos judeus. E teve então a grande idéia. Mandou prender no hipódromo de Jericó, onde passava
os invernos, os judeus da alta nobreza, com a ordem de que fossem todos executados no momento do seu
desenlace. Assim, pensou, os judeus também irão chorar.
Herodes morreu e sua irmã Salomé mandou libertar os judeus, pressionada pelo poder romano, que
não queria ofender o judaísmo. Mas Salomé fez questão de dar ao irmão um funeral esplêndido, só igualado
ao fausto dos imperadores romanos.
Os restos mortais de Herodes foram cobertos por um suntuoso diadema e levados numa urna de ouro
engastada de pedras preciosas, desde Jericó até o Herodium, uma luxuosa cidadela que Herodes mandara
construir para si, ao sul de Jerusalém, perto de Belém. Seguia um cortejo de carpideiras, flautistas, oficiais,
mercenários de guerra e empregados levando perfumes.
Mas o suntuoso féretro não havia chegado ainda ao Herodium e as rebeliões já começavam a sacudir
toda a Palestina. Porque o povo logo ficou sabendo que o rei morto havia deixado um testamento, segundo o
qual seu filho, Arquelau, deveria reinar sobre a maior parte do território. As vozes revoltadas levantaram-se,
num protesto único e veemente:
- Arquelau, não!
As forças romanas locais mobilizaram-se todas para conter os revoltosos e os salteadores
aproveitaram para se misturar à confusão e roubar impunemente. E, em meio à toda aquela desordem,
fomentada pela discriminação social, pela dominação cultural e pela opressão imperial, cresceu mais ainda a
esperança da vinda do messias, que traria de volta a justiça e a paz.

...

O aviso para que voltassem para a Galiléia chegou antes da notícia da morte de Herodes. Foi um
sonho, ou foi uma voz que falou quando estava naquele torpor que precede ao sono, José não se lembrava
direito. Mas acordou com a certeza de que chegara a hora de voltar para casa.
Pelo caminho, foram sabendo dos levantes de rua e chegaram à Galiléia certos de que a situação
política da Palestina estava bastante delicada. O reinado, vago com a morte de Herodes, era disputado por
líderes populares, e três deles se destacaram, organizaram seus exércitos e avançavam tenazmente contra os
romanos. Eram Judas, o Galileu, ao norte, na Galiléia, filho de um chefe bandido chamado Ezequias e que há
anos fora executado por Herodes; Simão, na Peréia, ao oeste do Jordão, que tinha sido escravo de Herodes e
assumiu o título de rei sem nem ao menos esperar a decisão de César sobre o testamento de Herodes, e
Atronges, ao sul, um pastor de estatura descomunal, que agitou as classes camponesas, que viam nele um
novo Davi.
Em meio a toda essa confusão, José chegou à Nazaré e respirou aliviado, com a certeza de que na sua
pequena aldeia, dos tumultos chegavam somente as notícias.
Arquelau, furioso com os judeus que haviam apedrejado seus oficiais, lançou sobre a multidão que se
agrupava no templo todo o seu exército. Mais de três mil pessoas foram assassinadas. Arquelau foi acusado de
tirania e afastado.
A região foi então dividida entre os filhos de Herodes, Herodes Antipas, Felipe e Arquelau, cabendo
a Herodes Antipas o trecho que abrangia a Galiléia, a Peréia e o Jordão.
E Jesus foi crescendo na tranqüilidade de Nazaré, enquanto a Palestina fervia.
A situação política foi se tornando mais e mais complicada e ficou ainda pior quando Judas, o
Galileu, decidiu incitar o povo contra o pagamento dos impostos sobre os rendimentos da terra, ainda mais
que já pagavam impostos religiosos devidos ao templo e à casta sacerdotal. Judas então formou um exército
de camponeses arruinados, mendigos e deficientes e atacou o palácio real em Séforis, capital da Galiléia,
tomando todas as riquezas e armas lá guardadas. Depois armou seus homens e fugiu com toda a pilhagem.
Muitos jovens o seguiram, cheios de amor à liberdade, tomaram o nome de zelotes e partiram para os atos de
terrorismo e guerrilhas. Os extremistas, apelidados de sicários, apunhalavam as pessoas incômodas e sumiam
no meio da multidão e os pacifistas procuravam uma convivência tranqüila com os romanos, desde que
houvessem condições honrosas de vida.
E o povo vivia confuso, entre os inimigos de Roma e os pacificadores, esperando o messias que
resolveria definitivamente aquela situação ou, quem sabe, uma intervenção divina maciça, que traria do céu
uma solução para toda aquela confusão.
Nesta época, Jesus já estava com onze anos.

...

- CAPÍTULO 9 -

Mas enquanto as rebeliões e crises políticas oprimiam o povo judeu, o estranho comportamento do
menino oprimia o coração de Maria.
Tudo começou quando saíram do Egito. Em Belém, um estranho vírus desafiava todos os médicos e
proliferava célere, atacando os olhos das crianças e muitas vezes causando uma forte infecção que levava à
morte.
Já nas imediações da cidade, José soube do perigoso surto e tratou de desviar seu caminho. Pararam
numa fonte, onde Maria encheu uma bacia e banhou o pequeno Jesus.
Estava enxugando o menino, quando uma mulher chegou com uma criança no colo, enrolada em
pesadas mantas. Ficou de longe, observando calada e, de repente, aproximou-se, despiu sua criança, e
mergulhou-a na bacia que Maria havia deixado ainda cheia com a água do banho de Jesus. Vendo aquilo,
Maria se assustou.
- Por que faz isto? - perguntou à mulher que, com gestos nervosos, lavava o rosto e os olhos de seu
filho - Esta água não está limpa, acabei de banhar meu menino nela. Por que não usa a água da fonte?
A mulher olhou para Maria rapidamente, enquanto continuava a molhar sua criança.
- Meu filho está muito doente - respondeu, com a voz rouca de preocupação. - De longe vi uma forte
luz que saía do corpo de seu menino e uma voz me disse, em meus ouvidos, que usasse a água de seu banho
para curar meu filho.
Retirou o menino doente da bacia e enrolou-o novamente nos panos, sem mesmo enxugá-lo. O
menino caiu num sono profundo, imediatamente.
Com pena da mulher, Maria ofereceu-lhe umas frutas e uns pedaços de bolo de cevada. A mulher
aceitou mas, preocupada em observar a criança adormecida, mal tocou nos alimentos. Algum tempo depois,
a criança doente acordou. Seus olhos, antes vermelhos e inchados, estavam agora claros e radiantes.
Sem poder conter a emoção, a mulher chorou e beijou os pés de Jesus que, alheio a tudo o que
acontecia em sua volta, brincava com os longos cabelos de sua mãe.
- Bendito seja o seu filho! - exclamou a mulher logo que conseguiu dizer alguma coisa. E saiu
chorando de alegria e agradecendo a Deus pela volta da saúde de sua criança.
Uma ruga vincou a testa de Maria. Apesar da surpresa e da alegria de ter visto um milagre de cura,
algo lhe dizia que muitos problemas poderiam ocorrer se aquela notícia se espalhasse.
Chegando em Nazaré, tratou de proteger o menino da curiosidade dos vizinhos, mas foi por pouco
tempo. Jesus era uma criança alegre e inquieta, e logo se interessou pelo mundo fora das paredes de sua casa e
fugia para brincar com as outras crianças, ou para se divertir sozinho à beira do riacho, principalmente depois
que chovia. Represava a água barrenta da chuva em pequenas poças, e tornava-as instantaneamente
cristalinas, somente com o poder de sua palavra.
Se Maria se preocupava cada vez que ele saía para se divertir fora, também se enchia de sustos
quando trancava as portas e forçava o menino a ficar em casa. As coisas então desapareciam misteriosamente,
surgindo em locais absurdos, como aquele soquete que se eclipsou de cima da mesa e apareceu no meio das
cobertas. E às vezes sumiam definitivamente.
No começo, pensou que eram travessuras de Jesus, mas logo entendeu que ele não tinha participação,
pelo menos direta, naqueles inusitados desaparecimentos.
De outra vez, José foi procurado por um homem furioso, que veio fazer queixas do menino:
- Sabe onde está o seu filho agora? - perguntou, zangado. José levantou as sobrancelhas e nem
chegou a dizer nada, pois o homem continuou com suas reclamações sem esperar resposta - Está no riacho,
profanando o Sabat! Está trabalhando com barro, fazendo estatuetas de passarinhos!
José foi imediatamente ao encontro de Jesus.
- Trabalhando num Sabat? Por que faz justamente hoje aquilo que não é permitido fazer?
Jesus deu uma risada cristalina, bateu palmas e exclamou, dirigindo-se aos pássaros de barro:
- Vamos, voem!
E os pássaros se animaram, experimentaram as asas e voaram para a vida, em meio a sonoros
trinados.
Pouco depois, até os sacerdotes já sabiam do milagroso feito daquele estranho filho de José.
Não demorou muito e novas reclamações chegaram, cada uma mais grave do que a outra.
O filho de Anás, o escriba, vendo as poças d’água represadas por Jesus, resolveu escoá-las com o
auxílio de uma haste de vime.
- Como você é malvado! - exclamou Jesus, indignado - Por que fez isto? Acaso minhas poças o
incomodavam? Pois ficará seco como uma árvore, sem que possa dar folhas, nem raiz e nem frutos!
Imediatamente o rapaz foi murchando, secando e, poucas horas depois, seus pais o levaram ante José,
maldizendo-o por ter um filho que fazia coisas tão absurdas.
Maria se desesperava, cada vez que seu filho causava problemas na vizinhança. Ralhava com ele,
explicava que não podia agir daquela forma, mas em alguns momentos achava que o menino pretendia
mostrar ao povo uma realidade ainda completamente desconhecida para eles.
A coisa ficou mais séria quando um rapaz, que vinha correndo em meio ao povo, esbarrou nas costas
de Jesus, que lhe disse, irritado:
- Seu caminho acaba agora!
E o rapaz caiu morto, como que fulminado por algum raio invisível.
As pessoas em volta encheram-se de medo e os cochichos não paravam:
- De onde terá vindo esse menino? Todas as suas palavras se tornam fatos consumados!
Os pais do jovem morto, foram a José e, entre choros e gritos, o interpelaram:
- Seu filho não pode viver com o povo, a não ser que aprenda a abençoar e não a amaldiçoar!
José, nervoso, chamou Jesus e reclamou:
- Por que você faz isso? Em pouco toda a aldeia irá nos odiar e perseguir!
Jesus olhou fundo em seus olhos e disse apenas:
- Bem sei que fala assim sem refletir e me calarei porque o respeito muito. Mas as pessoas que se
queixaram de mim receberão seus castigos.
E todos os que haviam falado mal dele ficaram cegos.
Aqueles que a tudo assistiram ficaram perplexos e atemorizados.
- Mas quem é essa criança? Que poder terrível possui!
- Talvez seja mesmo filho do legionário Panthera, como já ouvi dizer! Somente um demônio romano
legaria a seu filho dons tão malévolos!
Quando José soube da cegueira das pessoas que haviam se queixado de Jesus, ficou furioso. Chamou
o menino, agarrou-o pela orelha e puxou com força.
Jesus indignou-se e disse:
- Basta me olhar sem me tocar! Se soubesse quem sou, não me magoaria, pois fui criado muito antes
de você!
Quando o rabino Zaqueu soube dessas palavras de Jesus a José, encheu-se de admiração, pois jamais
ouvira coisa semelhante dos lábios de uma criança. Procurou José e propôs:
- Seu filho é sensato e inteligente e gostaria de ensinar-lhe as letras. Poderei também ensiná-lo toda
espécie de sabedoria e a arte de saudar os mais velhos e de amar seus semelhantes.
José concordou prontamente, satisfeito por ter encontrado uma solução para o estranho
comportamento de Jesus. Porém, poucos dias depois de ter partido com o rabino Zaqueu, Jesus voltou para
casa, trazido pelo próprio rabino.
- Ai de mim! - gemia o professor Zaqueu a cada instante. E, dirigindo-se a José, exclamou: - Meu
amigo, estou aturdido! Não posso seguir o vôo da inteligência deste menino. Enganei-me, pobre de mim!
Queria muito ter um aluno e deparei-me com um mestre! Deixei-me vencer por uma criança! É algo
extraordinário, ou um Deus ou um anjo, ou já nem sei o que dizer!
Confusos, Maria e José não sabiam mais o que fazer com o menino. Não conseguiam prendê-lo em
casa, era como se ele pertencesse ao mundo lá fora. Em casa, ficava impaciente, nervoso, aparentemente
impulsionado por uma força interna que o empurrava para as ruas, e os problemas que causava não o
incomodavam. Ao contrário, parecia até feliz ao ver as pessoas desorientadas após presenciarem algum feito
seu, surpreendente e inexplicável.
Um dia, estava Jesus brincando no terraço e um dos meninos que estavam com ele caiu do alto e
bateu com a cabeça no chão de terra batida. Ficou imóvel e o sangue começou a fugir-lhe do rosto, deixando-
o lívido como o mármore.
Os outros meninos, assustados, fugiram e somente Jesus ficou, espiando do alto.
As pessoas que passavam juntaram-se em torno do menino, sacudindo as cabeças, consternados.
Minutos depois, chegaram os pais, gritando e se lamuriando.
Alguém esticou o dedo e apontou para Jesus.
- Foi ele que empurrou Zenon!
E todos olharam para o terraço, com uma expressão furiosa nos rostos.
- Não fui eu! - exclamou Jesus - Eu não o empurrei!
Mas ninguém acreditou nele.
Indignado, Jesus deu um salto de cima do terraço e caiu junto ao menino.
- Vamos, Zenon! - bradou Jesus - Levante-se e responda se fui eu que o empurrei!
Para surpresa de todos, as cores foram voltando ao rosto lívido e, em poucos minutos, Zenon estava
sentado, olhando espantado para o povo que o cercava.
- Não, Jesus não me empurrou - conseguiu dizer, enfim. E acrescentou, pensativo: - Acho até que ele
me ressuscitou...
Um murmúrio de espanto encheu o ar, enquanto Maria, que chegava naquele momento, apressava-se
em saber o que havia acontecido desta vez. E, do meio do grupo, uma mulher se adiantou e cochichou em
seus ouvidos:
- Sei que é mãe de Jesus. Seu filho possui poderes extraordinários, mas deve aprender a usá-los
adequadamente. Por que não o leva ao Carmelo? Lá existe uma escola, onde ele aprenderá aquilo que precisa
saber.
Algum tempo depois, José chegava ao monte Carmelo, levando pela mão o seu menino, Jesus.

...

- CAPÍTULO 10-

José conseguiu a admissão de Jesus na escola do monte Carmelo, através dos essênios da
comunidade de Jericó, que ficaram impressionados com o menino.
Rapidamente, Jesus assimilou os costumes da escola e, pouco depois de sua chegada, ninguém mais
se lembrava que ele era filho de Maria de Nazaré e de José, o carpinteiro.
Os Irmãos, avisados dos estranhos poderes do menino, passaram a observá-lo mais de perto. Porém,
sem que ninguém conseguisse explicar porque, os fenômenos provocados por Jesus e que tanto intimidavam
toda a vizinhança, em Nazaré, jamais voltaram a ocorrer, desde o momento em que chegou ao Carmelo.
Entre os essênios, ele recebeu o nome de José e os meninos de sua idade logo se acostumaram com
aquele novo colega, de olhar matreiro e sorriso luminoso.
Era naquela pedra suspensa no alto do rochedo que ladeava o mar, que Jesus gostava de se sentar e
pensar. As lembranças da Galiléia voltavam, misturadas às palavras do Irmão que ensinava a disciplina
essênia.
A pureza chegava a ser uma obsessão, lavavam-se muito e as vestes eram de um linho branco, tão
impecável que pareciam refletir o brilho do sol.
A hora das refeições era sagrada. Depois de banharem os corpos em água fria, caminhavam em
silêncio para o refeitório e tomavam seus lugares. Um pão era colocado para cada um deles e o cozinheiro
trazia os pratos que continham um único alimento.
Somente depois da prece de agradecimento, recitada pelo sacerdote, tinham permissão para comer e
quando todos terminavam sua refeição, era dita outra prece antes de deixarem o refeitório, tão silenciosos
como quando haviam entrado.
E era em silêncio que se sentavam no chão, em círculo, para escutar as palavras do preceptor, ambém
em silêncio que faziam suas tarefas e permaneciam em suas pequenas celas.
Foi no regime do silêncio, que Jesus começou a ouvir a voz que lhe falava na quietude de seus
pensamentos. Ela também ensinava e mostrava coisas que ninguém mais conseguiria compreender.
Na aula, o Irmão preceptor dizia que a alma é imortal, que emana do éter mais fino, sendo atada na
prisão do corpo. Mas, quando libertada dos laços da carne, ela rejubila e é levada para as alturas. E lá, naquela
pedra no alto do rochedo, a voz interna lhe falou também que a vida é contínua, que a alma não permanece
nas alturas para sempre, depois de livre dos laços da carne, mas que a eles retorna para continuar seu
aprendizado.
- E por que a alma não se lembra de nada, além de sua infância? - perguntava ele, sua própria voz
mental ecoando em seu silêncio interior.
E a voz lhe explicava, mostrando como é possível ao ser humano se recordar de toda a sua
ininterrupta existência, desde que aprenda a mergulhar seus pensamentos no recôndito mais profundo de seu
próprio ser. O ser humano, ensinava-lhe a voz, está em processo de crescimento, de desenvolvimento de
muitas funções ainda desconhecidas de seu corpo. Isto acontece com muita lentidão mas, quando todas essas
funções estiverem estimuladas, a lembrança do passado mais remoto acontecerá com a mesma facilidade do
que as lembranças atuais.
Jesus nada falava sobre aquilo que a voz interna lhe dizia. Apesar de ser uma criança alegre e
extrovertida, começou a perceber que lhe estava sendo revelada uma realidade que corria em paralelo às
lições ministradas pelos Irmãos de Branco.
Os hinos, entoados diariamente, também passavam grandes conhecimentos, mas outra voz ecoava em
sua cabeça e o levava a um estado estranho de consciência, onde preferia o silêncio de sua cela às brincadeiras
com os outros meninos.
“Graças à Vossa Sabedoria - dizia um dos hinos
todas as coisas existem desde a eternidade
e antes de criá-las, Vós conhecíeis sua obras
por todo o sempre.
Nada se faz sem Vós e nada é conhecido
a menos que Vós assim o desejais”.
As palavras cantaroladas do Irmão vibravam em seus ouvidos, e ele sabia que, no silêncio de sua
cela, ou na amplidão que se estendia à sua volta, no rochedo, outra explicação viria ampliar aquele
conhecimento. E, quando a escutava, um bálsamo de paz envolvia sua alma:
Os Criadores acompanham a evolução de suas criaturas, desde que a Terra foi povoada. Dia virá
em que a criatura e seus Criadores serão um só em pensamento.
A voz se calava, e Jesus procurava perceber mais profundamente o alcance daquela revelação. O
crepitar do fogo, na tocha presa à parede de sua cela, parecia estimular a sua curiosidade pelo desconhecido, e
as perguntas chegavam:
- Os Criadores? Quem são os Criadores? Não é Deus o único Criador?
Deus está acima dos Criadores. Esses são responsáveis pela vida física neste mundo e em outros
mundos também físicos. Deus é responsável pela vida universal.
- E além de Deus, o que existe?
Um dia você saberá. Por enquanto, aproxime sua mente à mente dos Criadores.
O fogo estalou mais forte e, fora de sua cela, escutou os passos suaves dos Irmãos no corredor frio,
entre paredes de pedra. Calou sua mente e esperou. Os passos seguiram. Desta vez, nenhum dos Irmãos entrou
para sua costumeira inspeção.
- Onde estão os Criadores? Posso vê-los?
Sim... Chegue-se à janela e olhe para o céu.
Um buraco redondo no alto da parede servia de respiradouro e, de dia, permitia que uma fraca
iluminação chegasse à cela. Jesus esticou o pescoço, ficou na ponta dos pés e procurou enxergar o céu através
do pequeno orifício. E lá, no círculo negro que surgia pela pequena janela, viu estrelas que bailavam,
apareciam e desapareciam, aumentavam de tamanho e lançavam raios em sua direção.
Jesus sorriu. Seria nas estrelas a morada dos Criadores?
Durante as aulas, o Irmão falava sobre a eterna guerra entre o Bem e o Mal, entre os filhos da luz e
os filhos das trevas. Ensinava que os filhos da luz combatiam lado a lado com os anjos, seus aliados. Mas,
infelizmente, os filhos das trevas também possuem companheiros angélicos e o conflito empatado, até a
batalha final. Retirava um dos rolos guardados em buracos fundos, nas paredes do amplo salão de aulas e lia:
“Esse será o tempo da salvação para o povo de Deus,
uma era de dominação para todos os membros de Sua confraria,
e de destruição eterna para os da confraria de Satã.
Para os filhos das trevas não haverá escapatória.
Os filhos da justiça brilharão em todos os cantos da terra;
continuarão a brilhar até que todas as estações das trevas sejam consumadas
e, na estação apontada por Deus,
Sua grandeza exaltada brilhará eternamente
para a paz, a benção, a alegria, a glória
e a longa vida de todos os filhos da luz”.
As ondas do mar estalavam no rochedo e, à luz do dia, estrelas que somente ele via, dançavam no
horizonte. A luta entre os filhos das trevas e os filhos da luz, ensinada pelo Irmão preceptor, ocupava seus
pensamentos, e uma súbita preocupação veio ocupar sua mente. Pressentia que os filhos da luz precisavam de
ajuda, intuitivamente percebia um perigo, o grande perigo dos filhos das trevas vencerem a batalha final. Uma
angústia surda começou a oprimir seu peito com garras de aço. Em vão as estrelas bailaram e em vão seu
próprio raciocínio lhe disse que os Criadores velam por suas criaturas.
E então, vinda de algum lugar que não era mais o fundo de sua mente, ecoou a voz profunda que
pronunciou seu nome de uma forma intensa, quase irreal:
Jeshuah!
Ele estremeceu e olhou em volta. Somente a imensidão o rodeava. Fechou os olhos e aguardou, pois
já havia entendido que a voz interna que lhe falava era melhor escutada na escuridão dos olhos cerrados.
Por que teme? As forças das trevas não sairão vencedoras se o homem aprender a amar. Ainda é
cedo para que compreenda isso, mas saiba que você está aí para ensinar aos homens a amarem, a deixarem
fluir do peito uma força poderosa que os unirá definitivamente aos Criadores.
E Jesus sentiu um calor estranho no peito, que se elevou à sua garganta e subiu ao alto da cabeça,
iluminando o negro de sua tela mental com uma explosão de luz. Do canto de seus olhos, lágrimas escorreram
num filete morno e, pela primeira vez, sentiu em seus ombros ainda tão tenros, o peso de uma enorme
responsabilidade.

...

- José!
Jesus olhou, procurando quem o chamava. Já se acostumara a ser chamado assim. Um menino se
aproximou, com uma cesta cheia de azeitonas.
- As oliveiras estão carregadas! - exclamou, alegre - Não quer vir colher também? Temos ainda
algum tempo, antes do almoço.
Os pensamentos de Jesus ainda estavam presos ao rochedo, e sentia na pele o sopro salgado do mar.
Há poucos minutos estivera lá, ouvindo a voz que lhe falava.
- Você chorou? - perguntou novamente o menino, vendo os olhos ainda úmidos de Jesus.
Jesus não respondeu. Não saberia explicar que suas lágrimas não vieram da tristeza, mas sim da
intensidade daquele calor que lhe subira do peito à garganta, e depois aos olhos, e por fim ao alto da cabeça.
Tentou sorrir e seguiu seu caminho de volta. Ainda estava confuso e procurava se adaptar à realidade da vida
na escola.
O menino ficou de longe, observando-o, calado. Depois sacudiu a cabeça e voltou para as oliveiras.
Como os outros meninos, também percebera que o amigo José estava ficando diferente...
Jesus absorvia avidamente os ensinamentos do Irmão preceptor, pois sabia que logo chegariam
outros ensinamentos da voz que lhe falava, e que viriam dar um enfoque luminoso a seus novos
conhecimentos.
À medida que crescia, compreendia e admirava a veneração dos essênios por Deus, embora o seu
conceito de Deus já estivesse sendo reestruturado a partir das informações que recebia de seu invisível
mentor.
Os essênios eram absolutamente fiéis às leis de Deus e o grande objetivo de suas vidas era se
tornarem templos vivos do Espírito Santo, para então profetizarem, realizarem curas milagrosas e, como
Elias, serem os precursores do Messias. Para isso, observavam uma santidade absoluta, mortificando a carne
e os desejos, sendo humildes e pobres de espírito. Eram tão sérios no cultivo da santidade, que jamais
proferiam juramentos, acreditando ser um sacrilégio a invocação do nome divino para atestar um depoimento,
seja ele qual fosse. Sua palavra era sim ou não, e tudo o que fosse diferente disso era pecaminoso.
O temor de entrarem em contato com o que é impuro, bem como o desejo de não serem perturbados
em sua comunhão espiritual com o Criador, faziam com que os essênios evitassem o casamento, já que as
mulheres estão sujeitas a constantes poluições pelo sangue mensal e pelo parto, e se deitar com uma esposa,
mesmo que em circunstâncias normais, era considerado aviltante. Aqueles essênios, porém, que não
conseguiam se manter solitários, casavam-se, mas jamais poderiam ocupar cargos mais elevados na
irmandade.
Mas o que Jesus aprendia na solidão de sua alma era bem diferente.
Não existe impureza nas funções naturais do corpo. As mulheres são diferentes do homem, porque a
elas cabe gestar e dar à luz, mas homem e mulher são iguais ante os Criadores e são amados por eles com a
mesma intensidade.
- E ante Deus? - perguntava Jesus, mentalmente, procurando compreender a distinção que seu mentor
espiritual já mostrara existir, entre Deus e os que ele chamava de Criadores.
Deus é a força que cria os universos e que os mantém existindo, da mesma forma que os Criadores
velam pelas espécies físicas, inclusive o homem. Deus é poder, é amor, e Sua consciência está nos infinitos
mundos criados e incriados. Como iria ele gerir coisas tão pequenas?
Os anos foram passando, enquanto Jesus recebia as instruções dos essênios, mescladas às outras que
lhe chegavam à mente, mostrando-lhe uma realidade muito mais abrangente, mas fora do alcance intelectual
de seus colegas e até mesmo dos Irmãos instrutores. E por isso, Jesus se calava. não sabia como explicar os
conceitos sobre a Criação, sobre Deus e sobre o amor. As instruções passaram a chegar, não mais ditadas em
sua cabeça, mas conceitos que lhe vinham num bloco único de informações, idéias sem palavras que calavam
em sua alma e aqueciam seus sentimentos mais profundos.
E quando, enfim, Jesus encontrou um meio de se expressar e falou, percebeu pelos olhares confusos
que o fitavam que ninguém percebera o alcance de suas palavras.
Sua permanência entre os essênios começou a ficar difícil, os diálogos tornaram-se impossíveis e,
quando expressou o desejo de abandonar a escola e de voltar à Nazaré, pôde notar uma expressão de alívio
nos colegas e nos instrutores.
Se entre os essênios aprendeu conceitos de bem e de mal, de pureza e de justiça, de seu mentor
invisível aprendeu lições de vida universal, daquilo que transcende à matéria e da intensidade do amor dos
Criadores pelas criaturas.
Pela última vez se sentou no rochedo e contemplou o céu. Uma estrela piscou várias vezes e moveu-
se rapidamente, sumindo no horizonte e surgindo de novo no meio do firmamento. Jesus sorriu levemente. Já
estava habituado à dança das estrelas no céu, que se ligava ao oceano numa linha quase imperceptível. Fechou
os olhos e procurou gravar na mente aquele local só seu, onde tivera seu primeiro contato com o infinito.
No dia seguinte, José chegou ao Carmelo para levá-lo de volta para Nazaré.

...

- CAPÍTULO 11-

Maria ia à porta a todo instante, perscrutando a estrada com o olhar ansioso, cheia de saudades do
filho que há seis anos não via.
Imaginava-o ainda pequeno, sorridente, com aquele jeito arteiro de ser e, quando chegou aquele
rapaz magro, quase tão alto quanto José, mal acreditou no que via. Abraçou o filho em silêncio e depois
afastou-o um pouco, para observá-lo melhor. Tão crescido, tão belo, o mesmo sorriso alegre, mas o olhar...
Ah, o olhar não era mais o olhar travesso de criança, que piscava rapidamente quando fazia alguma
traquinagem, ou que se sombreava de tristeza quando era repreendido.
Aquele seu olhar havia mudado muito, estava mais profundo, mais intenso. Era como se enxergasse
através das coisas.
O que teria acontecido a seu filho, para que seus olhos tivessem mudado tanto assim? Maria não
perguntou, não porque a curiosidade não a instigasse o suficiente, mas porque logo pensou que a resposta
poderia estar muito longe do alcance de sua compreensão. Talvez fosse pelo mesmo motivo que fez com que
Jesus resolvesse deixar o Carmelo, com uma vontade forte e inabalável, e que também fez com que os Irmãos
de Branco não tentassem impedir sua saída.
E aquele olhar que mergulhava por dentro de seus olhos, parecendo ler seus pensamentos e investigar
todo o conteúdo de sua alma... Olhar de homem amadurecido pela vida, olhar de velho que já procura
vislumbrar além das fronteiras do mundo.
- Minha mãe, - falou Jesus - parece tão triste. Não ficou feliz em me ver?
Maria estremeceu. A voz do filho chamou-a à realidade. Abraçou-o novamente, sorrindo. A voz dele
ainda era voz de criança.
...

- Jesus lhe disse o motivo pelo qual não quis mais ficar no Carmelo? - perguntou Maria a José, ainda
preocupada com o súbito afastamento do filho do convívio dos essênios.
- Não - respondeu José. - Mas, de qualquer maneira, teria que sair, nem que fosse por algum tempo,
pois já completou doze anos e a Lei nos obriga a levá-lo a Jerusalém na próxima Festa Pascal.
A primavera chegava e, com ela, a época de mais uma Festa Pascal, mais um Pessach, quando
comemoravam o fim da escravidão dos judeus no Egito. Era um dia de muita alegria, no templo de Iahweh.
Maria não deixou de perceber uma certa preocupação escurecer o semblante de José, ao pronunciar
as últimas palavras. Sabia que ele não gostava de ir às festas em Jerusalém. Lá, principalmente, os galileus
eram ridicularizados às vezes até em público. Consideravam-nos camponeses rústicos, negligentes e
informais, que nem mesmo observavam a conduta nas ruas, pois pediam informações a mulheres e passeavam
à noite, sozinhos.
Chamavam-nos de gentios e achavam-nos completamente ignorantes quanto ao aspecto religioso,
pois sabiam que os gentios só iam ao templo por pura obrigação, mas seu coração não ardia pelas leis
mosaicas.
A Galiléia dos gentios há muitos anos era detestada pelos judeus e, no ano de 164 antes do
nascimento de Jesus, Judas Macabeu mandou resgatar todos os judeus residentes na Galiléia e os trouxe de
volta a Jerusalém, sob a alegação de que estavam sendo perseguidos. Desta forma, até o ano 103 antes do ano
em que Jesus nasceu, a Galiléia ficou sendo uma nação de gentios e pagãos. Nessa data, Aristóbulo, rei dos
judeus, obrigou a todos os habitantes da Galiléia a fazerem circuncisão e a aceitarem a lei mosaica. Desta
maneira, os galileus eram arianos em sangue, gentios por classificação religiosa, místicos por idéias
filosóficas e judeus por obrigação.
Maria e José eram gentios, mas estavam obrigados a obedecer às leis e seguir os costumes judaicos.
Uma dessas leis ditava que os meninos, ao completarem treze anos, tinham que assistir as festas, em
Jerusalém. Precisavam se apresentar formalmente, participar de uma cerimônia religiosa para se tornarem,
como eram chamados, Filhos da Tora.
A época habitual para isto era por ocasião da primeira Festa Pascal, após haverem os meninos
completado doze anos.
Na época das festas, os nazarenos então se reuniam em uma única caravana, e seguiam todos juntos.
E agora, Jesus seguiria com eles.
...

O grupo de Nazaré partiu, e os meninos de doze anos, animados, procuravam imaginar como seria
daí para a frente, uma vez que chegaram na idade de passarem do átrio das mulheres ao dos homens, mais
próximo do altar onde se sacrificavam cordeiros e pombas, mais perto do Santo dos Santos. E vestiriam o
novo manto de oração para entrar na sinagoga. Assim poderiam pronunciar as bênçãos e passear com os
manuscritos da Lei para oferecê-los à adoração dos fiéis. Seriam religiosamente superiores.
A viagem era longa, tinham que atravessar toda a região da Palestina, porém seus vales e colinas
salpicados de flores tornavam mais amena a caminhada.
À medida que se aproximavam de Jerusalém, outros grupos surgiam e logo a estrada estava apinhada
de peregrinos.
Ao chegarem, viram que as ruelas e ruas da cidade alta já estavam tomadas por vários grupos,
acampados sob tendas, no chão duro. Conseguiram um canto do lado de fora do muro, e abriram suas tendas
também.
De onde estavam, podiam ouvir o rumor da multidão e os longínquos e tristes gritos dos animais
destinados aos sacrifícios.
Os peregrinos vinham de toda a Palestina e se misturavam aos comerciantes ansiosos por venderem
objetos e tecidos. Essa multidão provocava verdadeiro pânico entre os romanos, pois eles sabiam que eram
considerados impuros por um povo obcecado pela pureza e temiam um motim. Desta maneira, reforçavam
suas tropas e contavam sempre com o apoio de Cesaréia, que enviava reforços e impunham aos peregrinos os
itinerários que consideravam melhores para controlarem.
Assim, o grupo de Nazaré foi conduzido pelo Vale de Josafá, através do Monte das Oliveiras, e lá já
encontraram os primeiros postos de câmbio, onde eram obrigados a trocarem todas as moedas romanas,
impuras, pela moeda do templo.
Por todo o caminho empoeirado, o cheiro dos excrementos dos animais se misturava ao dos
temperos, à fumaça da carne assada e ao suor acre dos viajantes cansados, enquanto os soldados romanos,
com seus capacetes e saias de malha luzindo ao sol, filtravam a longa procissão, com a espada à vista e o
bastão na mão, sem procurar disfarçar o desprezo que sentiam pelos judeus.
Os guardas do templo e os aduaneiros, a postos, separavam o puro do impuro, e as frutas, os cereais,
a lenha, enfim, tudo o que os peregrinos traziam, tinha que ser purificado com uma taxa, e seus gritos se
misturavam aos cânticos e ao som das flautas daqueles que oravam à beira dos caminhos.
Recém chegado do silêncio do Carmelo, Jesus estranhava muito toda aquela balbúrdia. Os gritos dos
cambistas entravam por seus ouvidos como aguçadas lâminas e o lamento dos animais oprimia seu peito.
Maria já havia reparado no ar confuso que tomava as feições do menino e, quando viu que as cores
começavam a fugir do seu rosto, teve medo e se chegou a ele.
- Sente-se mal, meu filho?
Ele, cheio de confusão no olhar, perguntou num sussurro:
- Precisa mesmo de tudo isto, tanto barulho, tanta dor, tantos cuidados com a pureza, para que Deus
nos escute?
No mesmo momento, do fundo de sua memória, voltou aquilo que a voz lhe dissera, no rochedo:
Deus é poder, é amor, e Sua consciência está nos infinitos mundos criados e incriados. Como iria ele
gerir coisas tão pequenas?
Nem escutou a resposta de Maria, e nem se importou mais com a confusão. Sua consciência
mergulhou nas lembranças e tudo pareceu se aquietar à sua volta.
Quando chegaram ao local do templo, subiram um monte que se elevava subitamente do vale, e em
cujo cume se erguiam belas construções. Em torno do monte, na verdejante área do vale, erguiam-se
muralhas, palácios e casas que refletiam a luz do sol na brancura do mármore. Mais adiante, a noroeste e
ligada ao edifício principal, ficava a Torre Antonia, utilizada pela guarnição romana. As portas maciças,
encravadas na muralha, davam um ar pesado de proteção.
Atravessaram os portais e logo chegaram ao átrio dos gentios, o mais amplo do lado ocidental. Era
também o espaço profano, onde, junto com os cambistas, os sacerdotes do templo vendiam incenso, óleos
para as oferendas santas e também selos, que eram adquiridos pelo peregrino para que pudessem trocar pelos
animais levados ao sacrifício.
José trocou vários selos por um cordeiro e entrou. Jesus e Maria aguardaram no átrio dos gentios e,
pouco depois, os meninos de doze anos foram chamados para sua cerimônia iniciática.
...

Depois dos rituais, os peregrinos dispersaram-se entre o comércio local, quase todo exercido pelos
sacerdotes, onde deviam gastar um décimo de sua renda. Maria, passando de barraca em barraca, olhava os
tecidos finos e os objetos. Distraída, mal sentiu o tempo passar e logo chegou a hora de partir.
Em meio a uma balbúrdia maior ainda que a da chegada, as tendas foram desmontadas e os utensílios
empilhados junto com as compras. Os garotos, impacientes, seguiram na frente comentando o ritual e
discutindo a emoção de ser adulto e Maria, cansada, não se preocupou em verificar se Jesus estava mesmo no
grupo dos meninos.
Escureceu, armaram a tenda e Jesus não veio para se alimentar e nem para dormir.
- Alguém viu meu filho? - perguntava Maria, nervosa. Mas ninguém, nem mesmo os meninos, sabia
de Jesus.
Maria e José voltaram para Jerusalém, olhando em todas as grutas da estrada onde Jesus pudesse ter
se escondido. Subiram pelos barrancos, olharam nos atalhos, mas nem sombra do menino.
Depois de uma longa e exaustiva busca pelos caminhos, entraram novamente em Jerusalém. Bateram
às portas, perguntaram a todos, mas só viam cabeças balançando de um para outro lado, em mudas negativas.
No terceiro dia de desesperadas procuras, foram encontrá-lo no templo, sentado entre os doutores,
respondendo perguntas sobre a Torá, a Lei e a expressão atônita estampada no rosto dos inquiridores parecia
dizer que as respostas do menino os confundiam bastante.
...

-CAPÍTULO 12-

Voltaram em silêncio. Pelo semblante carregado dos pais, Jesus percebeu o quanto estavam
aborrecidos com ele, mas algo em seu íntimo lhe dizia que havia agido corretamente. Ao ouvir os sacerdotes
dissertarem sobre a Lei, as palavras lhe chegaram aos lábios e ele sentiu um impulso irresistível de discuti-la à
luz do conhecimento adquirido no Carmelo.
Pararam para dormir numa das grutas da estrada. José, num silêncio constrangedor, empilhou os
objetos e as compras num canto, e em sua cabeça ferviam todas as admoestações ainda não ditas a Jesus.
Depois, estirou-se sobre uma esteira e dormiu.
Jesus também se deitou, mas não dormiu. Apenas fechou os olhos, e logo uma energia intensa
começou a correr por todo o seu corpo, levando-o a um estado de relaxamento intenso.
De repente, achou que sonhava. Viu-se suspenso no ar e levado a um lugar intensamente iluminado,
cheio de objetos desconhecidos, brilhantes e translúcidos. Olhou em volta e percebeu dois seres
aparentemente iguais, ocupados em olhar uma imensa tela, onde se sucediam cenas da Palestina. Um terceiro,
de pé no meio do salão, parecia aguardá-lo.
- Seja bem-vindo, Jeshuah!
Jesus se sentia estranhamente leve e feliz. Era como se aquele lugar lhe fosse muito familiar.
- Onde estou? - pensou - E quem é você?
Ouvindo sua mente, o ser respondeu:
- Você está onde sua vida física teve origem. Sua mãe foi trazida para cá e, através de meios que você
desconhece, implantei em seu ventre a semente que deu início à sua existência. Eu sou Iahweh. Agora, volte e
medite sobre o que viu e soube.
E antes que Jesus conseguisse ao menos tentar compreender tudo aquilo, uma força energética o
atraiu para uma espiral e ele abriu os olhos. Estava novamente na gruta.
Sentou-se e viu José, que dormia profundamente. Maria, na entrada cavada na pedra, tinha os olhos
fixos no céu.
Jesus fechou os olhos e ficou ainda muito tempo sentado na sua esteira, procurando entender o que
lhe acontecera, mas mergulhou num silêncio profundo e sem respostas. Quando abriu os olhos, Maria ainda
estava no mesmo lugar. Levantou-se e aproximou-se dela.
- Por que não dorme, minha mãe?
Maria teve um sobressalto, mas continuou a olhar a noite negra, encravada de estrelas.
- Por que fez aquilo conosco, Jesus? - sussurrou ela, em tom queixoso - Se soubesse como ficamos
aflitos, à sua procura...
Jesus ficou em silêncio por instantes, e depois respondeu:
- Deviam ter imaginado que estaria na casa do meu pai.
Aquelas palavras do menino ecoaram na alma de Maria de uma maneira quase violenta. Olhou-o e,
quase se engasgando com as próprias palavras, perguntou:
- O que está dizendo, Jesus?
Ele não respondeu logo, não porque não desejasse compartilhar com a mãe de sua incrível
experiência, mas porque não encontrava um meio de falar.
- Eu tive um sonho, minha mãe... - disse, por fim - Vi-me num lugar de muita luz, cheio de objetos
que nunca havia visto antes em nenhum lugar. Dois seres olhavam um grande quadrado, onde, não sei como,
surgiam as ruas da Palestina, pessoas caminhando, mercadores. Um terceiro ser se aproximou e falou comigo.
Vestia uma roupa muito justa, da cor do luar, e tinha um estranho capacete redondo e liso, que lhe cobria todo
o rosto. Pude apenas ver seus olhos através de uma pequena abertura na frente do capacete. Eram negros e
enormes. Ele me disse que plantou em seu ventre a semente que me deu a vida. E disse que era Iahweh.
Um arrepio forte sacudiu o corpo de Maria. No mesmo instante lembrou-se do sonho que ela mesma
tivera, logo depois que o anjo lhe aparecera, avisando que ia ser mãe. E agora, seu filho lhe contava um sonho
tão parecido!
Jesus percebeu a perturbação da mãe e procurou seus olhos com o olhar ansioso.
- Por que ficou tão comovida com o meu sonho? Fale-me, diga-me algo que me esclareça um pouco!
Tive outros sonhos antes, no Carmelo, e ouvi vozes que me falavam. E, tanto nos sonhos quanto nas palavras
que ressoavam em minha mente, havia algo de misterioso sobre minha origem. Ajude-me, minha mãe, eu
preciso saber a verdade! José é realmente o meu pai?
Maria estremeceu novamente. Sabia que aquele momento chegaria, mas ainda não estava preparada
para ele. Nas vezes em que discutira o assunto com José, ele foi categórico:
- Para que contar ao menino? Saber sobre o que aconteceu iria colocar idéias fantasiosas em sua
cabeça... - dizia, sempre que Maria tocava no assunto.
E agora, ali estava seu filho, perguntando sobre aquilo que José tanto temia que ele soubesse.
Respirou fundo. Achava que Jesus, afinal, tinha todo o direito de conhecer um pouco mais sobre si mesmo.
Num impulso, contou tudo. Falou sobre o anjo, falou sobre seu próprio sonhos e Jesus bebia uma a
uma suas palavras.
- Em seu sonho - perguntou ele, num fio de voz - também viu Iahweh? Ele lhe falou?
Ela sacudiu tristemente a cabeça.
- Eu não sei quem falava comigo, nem compreendo o que vi, em meu sonho. Vi anjos, eu acho... Suas
roupas também eram de prata e os olhos muito grandes e negros. Não sei mais nada, meu filho. Gostaria de
saber muito mais, para acalmar a aflição que sinto quando penso quantas vezes fui chamada de mentirosa,
quando me lembro da humilhação por que José e eu passamos, obrigados até a tomar das águas amargas. - A
voz lhe sumiu por momentos, embargada pelas lágrimas. Secou os olhos com as costas da mão e continuou : -
Eu queria poder lhe contar o que realmente aconteceu, mas não sei. Tenho comigo apenas a lembrança de um
sonho e as palavras do anjo, que me disse que eu concebera pela palavra de Deus.
Jesus abraçou-a docemente e ficaram assim por muito tempo, ela mergulhada em suas poucas
recordações, e ele procurando entender aquilo que lhe parecia tão incompreensível, mas ao mesmo tempo tão
real.

...

No dia seguinte, chegaram à Galiléia, mas Jesus nunca mais foi o mesmo. Ficava horas olhando para
o céu, à procura de respostas ou, quem sabe, das estrelas dançarinas que enfeitavam o céu do Carmelo. Sentia
a mente fervendo de informações que lhe chegavam, vindas não sabia de onde, e cujo teor estava muito longe
de sua compreensão.
Por várias vezes, Maria o viu andando de um lado para outro, apertando a cabeça entre as mãos e
outra vez acordou no meio da noite e encontrou o filho olhando fixamente para o céu, os olhos vermelhos, o
rosto molhado de lágrimas. Aflita, rezou:
- Senhor Deus, ajude Jesus! Ele precisa encontrar seu caminho, precisa de alguém que o oriente. Ele
é ainda apenas um menino...
No silêncio de sua mente, escutou as palavras com que Gaspar se despedira de José, em Belém.
“No momento certo, seu filho será levado para receber instrução diretamente daqueles que o
prepararão para sua missão de libertador”.
Ela nunca chegou a dizer a José que escutara aquelas palavras de Gaspar. Guardou-as em seu íntimo,
com tristeza, sabendo que seu filho viera para o mundo e não para compartilhar de sua companhia. Aqueles
anos no Carmelo já haviam sido de intensas saudades e agora, que por pouco tempo julgou tê-lo de volta, já
havia compreendido que ele iria partir novamente.
No dia seguinte, Jesus chegou em casa animado e decidido:
- Soube que o príncipe indiano Ravana de Orissa encontra-se em Séforis, com uma grande caravana.
Vou com eles para a Índia, estudar melhor a Palavra Divina, através das leis dos grandes Budas.
Nem Maria e nem José tiveram coragem de dizer não. Era tanta a firmeza na decisão do menino, que
parecia que ele havia recebido alguma ordem superior e indiscutível.
Com o coração apertado, Maria viu o filho jogar poucas roupas e pertences pessoais dentro de uma
sacola de couro. Com um sorriso luminoso no rosto bonito, abraçou os pais, despediu-se e partiu.

...

- CAPÍTULO 13 -

Só faltava a ordem do príncipe para a caravana partir, mas ele, imóvel no meio do caminho, mantinha
os olhos presos onde a estrada era engolida por uma curva. Quando ele retesou o corpo e deu uns passos à
frente, todos olharam também e viram o menino, quase rapaz, que se aproximava meio curvado para o lado do
ombro onde pendia uma enorme sacola de couro.
O príncipe abriu os braços e acolheu o menino no gesto amplo.
- Esperava por você, Issa! - e, voltando-se para a caravana, exclamou: - Agora, podemos partir!
Virou-se novamente para o menino e, ao ver suas sobrancelhas erguidas numa muda interrogação,
pousou a mão morena sobre seu ombro.
- Não estou enganado, Issa. É a você mesmo que espero. Os astros me falaram, antes da minha
partida, que deveria levar comigo um Bodhisattva, que iria ser preparado para sua futura missão entre os
homens. Vamos, Issa, meu pessoal há horas aguarda o momento da partida.

...
Depois de atravessarem desertos e dunas escaldantes, sob o rigor de um clima seco e rude, chegaram
à região de Sindh, onde o príncipe Ravana de Orissa deixou o menino numa comunidade ariana, para que
iniciasse o estudo das leis de Buda.
Foi imediatamente confiado a um mestre competente e logo aprendeu que deveria se entregar à
autoridade de seu guru, obedecê-lo e confiar cegamente em suas palavras.
- O discípulo que tem a verdade adormecida em suas entranhas - dizia seu mestre - submete-se sem
reservas a seu guru, pois ele é o porta-voz da sabedoria superior. O discípulo é como um metal maleável, que
seu guru modela de acordo com seus ensinamentos, até que a verdade adormecida desperte e o discípulo se
transforme em mestre.
E o jovem Issa, como todos o chamavam, começou a aprender sobre a necessidade da concentração,
da quietude mental, que mantém a mente livre das perturbações provocadas pelos sentidos. Como já havia
aprendido sobre isto entre os essênios, voltar-se para seu interior era uma atitude que conseguia manter com
facilidade. E foi dentro desta quietude mental, que ouviu as vozes que também o instruíam. De onde vinham,
não sabia... Mas seus ensinamentos preciosos lhe falavam sobre a criação do homem sobre a Terra e sobre o
amor universal, a única força capaz de unir o ser humano a seus criadores. E quando voltava de suas
contemplações interiores, a voz de seu guru parecia tão longínqua e irreal... A única realidade que o
impressionava era aquela que chegava à sua mente quando mergulhava no mais profundo recôndito de sua
alma.
Aos poucos, porém, foi percebendo que, tanto as vozes que o orientavam quanto o guru que lhe
falava, referiam-se a uma realidade única, que apenas era-lhe apresentada de formas diferentes.
- Está escrito - dizia o guru - que somente Brahma é a substância permanente, tudo o mais é
transitório. Os objetos deste mundo que são agradáveis aos sentidos, como as grinaldas de flores, os perfumes,
as mulheres bonitas, os prazeres de todo o tipo, são meramente transitórios e chegam como resultado de
nossas ações. Mas os prazeres do mundo vindouro também são resultados de nossos atos e, portanto,
efêmeros. Portanto, somente Brahma é permanente.
- Jeshuah - contavam as vozes num sussurro dentro de seus pensamentos - Iahweh e seus
companheiros criaram as formas viventes neste mundo em que você agora vive. E criaram o homem, para
governar todos os outros seres físicos, mas sempre em contato mental com seus criadores. O homem, porém,
se afastou de seus criadores, não por sua própria culpa, mas por uma dificuldade surgida entre a comunicação
de suas mentes humanas com as mentes que lhes eram superiores. Há muito tempo do seu tempo, que os
criadores tentam corrigir este problema, que, no entanto, vem sendo agravado pela obstinação dos homens em
só acreditarem naquilo que podem ver, tocar, cheirar ou provar. Enfim, os homens só aceitam aquilo que seus
sentidos físicos lhes mostram. Não sabem que os seus sentidos só lhes mostram uma realidade apenas
adaptada ao mundo físico e, no entanto, é essa uma realidade falsa em face à realidade universal. E levam
toda a sua vida somente apreciando o que acham belo, presos a desejos ilusórios. Quando deixam finalmente
o corpo físico, já velho e cansado, mergulham numa outra realidade ainda falsa, criada por seus pensamentos
e seus desejos. Outro mundo de ilusões então os aguarda, após a morte, e nele passam um bom período,
preparando-se para o retorno à uma nova vida física. Somente quando a mente do homem toca a mente de
Iahweh, pode ele então conhecer a verdade absoluta, sem véus, sem ilusões.
As sandálias arrastando no piso áspero dos corredores, os passos leves e lentos, para não perturbar o
entendimento das lições que vinham de dentro, Jesus era todo contemplação. Procurava juntar, na mente, as
peças daquele quebra-cabeça que lhe era diariamente apresentado pelas mensagens intuídas e pelas palavras
do guru:
- O Homem real, isto é, o Espírito do homem, não nasce nem morre. Inato, imortal, perpétuo e
eterno, sempre existiu e sempre existirá. O corpo pode morrer ou ser morto e destruído, porém aquele que
ocupou o corpo, permanece depois da morte deste. Como tiramos do corpo as roupas usadas e as substituímos
por outras novas e melhores, assim também o habitante do corpo, que é o Espírito, tendo abandonado a velha
morada mortal, entra em outra, nova e recém-preparada para ele. O Homem real, o Espírito, não pode ser
ferido por armas, nem queimado pelo fogo, a água não o molha, o vento não o seca, nem move.
- Jeshuah - murmuravam as vozes - você é aquele que habita em seu interior. O ser interno habita no
interior de cada um, usando o corpo físico apenas como uma roupagem para que possa existir no mundo de
matéria. O grande problema dos homens é que eles se identificam plenamente com sua roupagem física, e se
esquecem de que seu Eu real está preso, incomunicável, tolhido pelos bloqueios criados pelos pensamentos.
Mas é somente o Eu interno que tem a capacidade de comungar com seus criadores, de absorver a mente de
Iahweh. Sua grande missão, Jeshuah, será ensinar isto aos homens. Faça-os compreender a importância do
mergulho da consciência, do resgate do Eu interior à plenitude de uma consciência total.

...

Jesus não ficou muito tempo em Sindh, na comunidade ariana. Talvez os sacerdotes tivessem
recebido alguma orientação superior, ou talvez o próprio comportamento de Jesus que, quando falava,
dissertava sobre temas muito profundos, tenha feito com que fosse encaminhado para Juggernaut, onde
monges brâmanes o receberam alegremente, prontos para ensinar ao jovem Issa a leitura correta dos Vedas,
bem como a curar e a fazer exorcismos.
Os atos de cura, já ensinados também pelos essênios, envolviam ervas, imposição das mãos,
massagens e a emissão de palavras sagradas. Entre os essênios, Jesus já questionara sobre a origem das
doenças. Algo em seu íntimo lhe dizia que os males eram instalados no corpo a partir de algum desequilíbrio
invisível, que ocorria num nível sutil e desconhecido. Apesar desta teoria também ser compartilhada tanto
pelos essênios quanto pelos monges brâmanes, o resultado de suas curas nem sempre era satisfatório.
- Dia chegará, Jeshuah - segredavam-lhe as vozes - em que Iahweh falará através de seus lábios e
agirá através de seus gestos. E então você aprenderá realmente a arte de curar.
Neste dia, Jesus se surpreendeu. Como Iahweh, em toda a sua magnitude e poder, iria se manifestar
através de sua boca e de seus gestos?
- Não se esqueça, Jeshuah, de que Iahweh é seu pai. A semente, no ventre de Maria, que se
transformou em sua vida de hoje, foi fecundada por Iahweh e os métodos usados só serão conhecidos pela
humanidade em alguns milhares de anos. Seu organismo foi preparado desde a sua origem terrena para
suportar a plenitude da presença de Iahweh. Quando os homens foram criados, sua forma era como a dos seus
criadores, sua semelhança era total. Como Iahweh, eram macho-fêmea em um só organismo. Mas neste
mundo, a essência do macho e da fêmea teve que ser separada em organismos diferenciados, para que o
encontro de ambas as partes pudesse gerar com mais facilidade uma nova vida humana. Assim como a
semente que toca o solo germina e produz uma árvore enorme que dá sombra e frutos, da mesma forma o
encontro do homem e da mulher produz seus descendentes.
- Iahweh, então, é o pai-mãe de todos os homens - falou Jesus num sussurro, como se falasse consigo
mesmo. No mesmo momento, uma eletricidade estranha correu por seu corpo e num impulso irresistível
varreu o céu com o olhar. Muito longe, viu o piscar de uma estrela diurna e uma emoção incontrolada apertou
sua garganta com garras de aço. E ele disse baixinho:
- Iahweh, Pai-Mãe do Cosmos, origem nossa, pai que gerou minha existência, ajude-me a cumprir
minha missão terrena. Que possa eu ser o seu intermediário em meio aos homens e que jamais o desaponte!
No céu, a estrela fez um largo círculo e nela piscaram luzes de várias cores. Em seguida, misturou-se
a uma nuvem, que começou um caminho no céu, levando consigo um núcleo luminoso. Mas ninguém, além
de Jesus, parecia ter visto a estranha estrela que bailava e que se escondia na nuvem, à luz de um dia
esplendoroso. Ninguém, a não ser Purâna, o mais velho dos brâmanes, cego e trôpego, que passava a maior
parte do dia sentado do lado de fora do templo, numa pedra arredondada que parecia, com o tempo, já ter se
ajustado às formas de seu corpo muito magro. E somente ele, o velho Purâna, tinha os olhos esbranquiçados e
sem vida pregados no céu, no ponto onde a nuvem caminhava, levando em seu centro a estrela de fogo.
Jesus aproximou-se dele e tocou-lhe o ombro de leve.
- Diga-me que misteriosa estrela é aquela, que esvoaça nos céus à luz do dia e que se reveste de
nuvem, sem que os outros a vejam?
O velho brâmane sorriu e sua boca entreaberta e murcha deixou ver uma gengiva escura e quase sem
dentes.
- Vimana... - respondeu o velho, apontando para o céu - Não é uma estrela, é um vimana. Posso sentir
seu tremor nos ares. É o carro alado que leva os deuses através dos céus, que guia os homens pelos desertos,
mostrando o rumo certo aos que se perderam nas estradas da vida.
Jesus sentou-se a seu lado, em silêncio. As palavras de Purâna trouxeram-lhe à lembrança o que
havia aprendido, na infância, sobre os hebreus. Guiados por Moisés, saíram do Egito à procura da Terra
Prometida, orientados pela nuvem de Iahweh que, a noite, deixava ver seu centro de fogo. Moisés teve seu
primeiro contato com o anjo de Iahweh, surgido numa chama de fogo, no meio de uma sarça, que não se
consumia, e de onde saiu a voz que o chamou. Seria todo aquele fogo um vimana, como falava Purâna?
Pensou em perguntar-lhe, mas desistiu. Preferiu refletir mais sobre Moisés:
“Eis que virei a ti na escuridão de uma nuvem, para que o povo ouça quando eu falar
contigo...” E ao amanhecer do terceiro dia, houve trovões, relâmpagos e uma espessa
nuvem sobre a montanha, e um clamor muito forte de trombeta; e o povo que estava no
acampamento se pôs a tremer. Moisés fez o povo sair do acampamento ao encontro de
Deus, e puseram-se ao pé da montanha.. Toda a montanha do Sinai fumegava, porque
Iahweh descera sobre ela no fogo; a sua fumaça subiu como a fumaça de uma fornalha,
e toda a montanha tremia violentamente.
Naquele mesmo dia, ouviu as recitações de um monge, ainda com as lembranças povoadas pelas
aparições de Iahweh a Moisés:
“Tendo o Senhor dos Mundos assim dito, deu-se a conhecer ao Filho da Terra em seu
supremo aspecto de Senhor Absoluto, cujo domínio abrange o universo inteiro.
Neste aspecto, viu-se como Muitos em Um só: com inúmeras faces e olhos e bocas,
inúmeras aparências, consciências e formas, com todo o esplendor de adornos celestes,
com todas as forças de poder divino, divinamente vestido e coroado, exalando
agradabilíssimos perfumes.
Luminoso, radiante, maravilhoso, cheio de graça, e onividente era o seu Semblante. Se mil
sóis, ao mesmo tempo, brilhassem no firmamento, a luz deles haveria de empalidecer na
presença da Glória que aquele Semblante irradiava em todas as direções...”
E Jesus teve a certeza íntima de que todos se referiam a um mesmo Senhor Deus, a um único e
misterioso ser que vagava pelos céus em seu carro alado, e que velava pelo destino de toda a humanidade.
- Oh! Pai-Mãe do Cosmos, origem nossa, - murmurou de novo - ajude-me a compreendê-lo e a servi-
lo!

...
Daquele dia em diante, sempre que possível, ia sentar-se na pedra enorme e lisa, ao lado do velho
monge cego, os olhos pregados no céu, procurando compreender, à luz das palavras de Purâna, tudo o que
aprendera em sua infância.
- A luz do carro celeste é tão forte e viva - dizia Purâna - que se irradia por toda a parte e, quando
meus olhos eram vivos, ficavam tão ofuscados que nada mais enxergavam. São inúmeros os seus braços e
olhos e os seres infinitos que nele vagam pelos céus não têm princípio e nem fim. São como animais de ouro
sobre rodas que brilham sem cessar. Seu Amor aquece os mundos todos, todas as terras, tudo enchendo com
sua glória! É a carruagem brilhante como o sol, que dispara através dos céus levando Vayu, o deus do vento,
ou é o vimana dos asvins, brilhante como ouro polido, armado de raios, que flutua sobre o oceano. Em seu
carro de ouro, os asvins vieram do espaço e salvaram Bhujya do mar, e chegam sempre para livrar as pessoas
de dificuldades, pois são médicos divinos.
A voz de Purâna se confundia com suas memórias passadas e fragmentos da visão do carro de
Iahweh, nos relatos de Ezequiel, voltaram à sua mente:
“Eu olhei: havia um vento tempestuoso que soprava do norte, uma grande nuvem e um
fogo chamejante. No centro, algo com forma semelhante a quatro animais, mas cuja
aparência fazia lembrar a forma humana. As suas pernas eram retas e seus cascos como
cascos de novilho, mas luzentes, lembrando o brilho do latão polido...
Olhei para os animais e eis que junto aos animais de quatro faces havia, no chão, uma
roda. O aspecto das rodas e a sua estrutura tinham o brilho do crisólito. Moviam-se nas
quatro direções e ao se moverem, nunca se voltavam para os lados. A sua circunferência
era alta e formidável, e estava cheia de reflexos...
Sobre as cabeças do animal havia algo que parecia uma abóbada, brilhante como o cristal,
estendido sobre as suas cabeças, por cima delas....
Por cima da abóbada que ficava sobre suas cabeças havia algo que tinha aparência de uma
pedra de safira em forma de trono, bem no alto, havia um ser com aparência humana...
Vi uma aparência como a de fogo junto a ele e em redor dele, a partir do que pareciam ser
os quadris e daí para cima; a partir do que pareciam ser os quadris e daí para baixo, vi algo
que tinha a aparência de fogo e um brilho em torno dele; a aparência desse brilho era como
a aparência do arco que, em dia de chuva, se vê nas nuvens. Era algo semelhante à Glória
de Iahweh...
Às vezes preferia caminhar em silêncio, procurando compreender melhor tantas informações e
lembranças. Afinal, onde procurar Iahweh, nos céus, em seu carro de fogo, ou dentro de seu coração? Ao
mesmo tempo, o brâmane que o instruía falava da elevação da consciência.
- Quando finalmente nossa consciência se eleva ao plano Nirvânico, somos identicamente o coração
e o centro de todos os seres e de todas as coisas. Mas, esta ascensão de nossa consciência não é possível senão
pela atividade liberta de todo o egoísmo. A purificação é o primeiro passo sem o qual é mais do que inútil
falar de pensamentos superiores, da verdadeira Sabedoria.
Sua voz interior falava de uma interiorização profunda, de um mergulho no mais íntimo do ser, para
o encontro com Iahweh. Falava de Amor, de um Amor intenso que fazia ferver o coração, unindo
definitivamente a consciência humana à consciência dos Criadores. E falava também da igualdade entre os
homens.
Os problemas começaram no dia em que Jesus interrompeu o monge que o instruía e disse que não
deveria haver diferenças entre pessoas de castas diversas, que tanto os brâmanes como os sudras - agricultores
e mercadores - e os vaixias - camponeses e trabalhadores - eram iguais aos olhos de Deus. Em poucos dias,
os brâmanes, descontentes, providenciaram sua transferência para Rajagriha, onde ficou por pouco tempo,
indo depois para Benares. Nessas cidades santas, também pregou às castas inferiores o amor indiscriminado
de Deus e, quando suas palavras chegaram aos ouvidos dos brâmanes, a polêmica recomeçou.
Voltou a Juggernaut, onde não foi tão bem recebido como na primeira vez. Seus passos passaram a
ser vigiados. Não permitiriam jamais que Jesus despertasse nos vaixias e principalmente nos sudras a idéia de
uma absurda igualdade.
- O jovem Issa está se tornando perigoso - segredavam os brâmanes pelos corredores. - Os vaixias,
que têm autorização para ouvirem os Vedas somente durante as festas, já estão pretendendo aproximar-se em
qualquer ocasião.
- E o que dizer dos sudras, que jamais podem ter acesso ao conhecimento védico? Eles também estão
sendo instruídos por Issa!
- Issa está falando sobre os ensinamentos sagrados aos sudras? Que blasfêmia!...
Os sudras, que sequer tinham permissão para olhar para os brâmanes, embeveciam-se com os
ensinamentos de Jesus. A esperança de também serem amados por Brahma dava novo alento às suas almas e
coragem para aproximarem-se, amparados pelas palavras de Issa, que lhes dizia:
- “O juiz eterno, o eterno Espírito, que fez a alma-mundo, única e indivisível, julgará com severidade
aqueles que se arrogam privilégios”.
Os brâmanes, indignados, chamaram-no para um severo interrogatório, sob a acusação de estar
violando a lei.
- A lei - respondeu ele com tranqüilidade - foi feita apenas para indicar o caminho aos homens e não
para puni-los, em nome de um Deus que é todo amor e carinho para com sua Criação.
Um deles olhou-o de cima em baixo e gritou:
- Pois então prove o poder deste seu Deus! Faça um milagre e acreditaremos que Ele o protege e guia
seus passos e aceitaremos uma revisão nas nossas leis!
Jesus mergulhou seu olhar nos olhos miúdos e furiosos pregados em seu rosto sereno.
- Os milagres de nosso Deus foram manifestados no primeiro dia da Criação do mundo e se renovam
a cada dia e a cada momento. Quem não tem a capacidade de percebê-los, acha-se privado de um dos mais
belos dons da vida”.
- Está sugerindo que não percebemos o poder divino? Neste caso, está pondo em dúvida a própria
autoridade da classe sacerdotal!
- Quando os povos ainda não tinham sacerdotes, eram guiados pela lei natural, conservando a pureza
da alma, e suas almas se encontravam com Deus. Hoje em dia, têm seus sacerdotes que, em vez de
aproximarem mais ainda o homem de seu Criador, dividem-nos em castas e fazem-nos acreditar que não têm
mais o direito de receber o amor do próprio Pai!
Furiosos, os brâmanes aliaram-se aos xátrias, que formavam a classe guerreira, e tramaram matar o
jovem Issa.

...

Jesus acordou no meio da noite sentindo um estranho perigo no ar. Algo lhe dizia que deveria sair de
Juggernaut imediatamente. Sem pensar duas vezes, juntou suas poucas coisas na sacola de couro e partiu.
Seguiu em direção ao Himalaia. As altíssimas montanhas pareciam tocar o céu e o frio rachava sua
pele. Mas nem mesmo o frio era mais intenso do que a tristeza que lhe gelava a alma, cada vez que pensava
nos pobres sudras, tão injustiçados, podendo tocar o seio de Deus com seus corações e julgando-se tão
afastados da divindade por questões puramente sociais. No dia em que lhes dissera: “Deus, nosso Pai, não faz
diferença entre seus filhos, amando a todos igualmente”, viu a luz que se acendeu em todos os olhares.
Quase sem perceber, atravessou a garganta de Namika, já numa altitude de mais de três mil metros e
desceu para o vale do rio Sangeluma. A natureza majestosa que o envolvia na caminhada levava-o a um
silêncio profundo, onde somente o canto das águas correndo pelas pedras ligava-o ao mundo físico. À medida
que caminhava, ia passando por povoados onde parava para descansar e para falar sobre o intenso amor de
Deus pelos homens. Passou por declives escarpados, encostas montanhosas, desfiladeiros, perigos sombrios,
mas seus passos só se detinham nos vilarejos, numa necessidade interior de falar, de pregar sobre o amor e a
igualdade entre todos os homens. Quando chegou a Lhasa, os lamas já tinham ouvido falar no jovem Issa, que
por onde passava iluminava os homens com suas palavras, que trazia as almas frívolas para o seio da
divindade, mostrando a todos o caminho do bem. Receberam-no de braços abertos.
- Issa, você se identificou com o princípio divino, que enche o espaço, que é tudo. Deus falará por
seus lábios a seu povo, que precisa reencontrar o caminho perdido que leva ao Todo. Quanto mais proclama o
poder de Deus, mais esse poder chega ao seu coração e todos o ouvirão. Sua atividade exterior não será nada
comparada à atividade da alma, que ensinará a todos a despertarem. Sua missão é grandiosa e ficará marcada
no coração de todos os homens por tempos incontáveis e seus passos serão seguidos por milhares.
E nas noites incrivelmente estreladas, Jesus pregava os olhos no céu, acompanhando os movimentos
graciosos das estrelas que dançavam, piscando luzes de todas as cores e indo se esconder no seio de uma
estrela maior, que caminhava em círculos pelo céu, logo acima de sua cabeça.
- O Amor - sussurrava a voz que lhe falava internamente - é a força que une todos os corpos celestes,
que alimenta as partículas que mantém o Universo, é uma centelha central que se expande de Deus e que
envolve tudo o que existe. No ser humano, esta centelha se acumula perto do coração, como um sol central e
poderoso e atrai para si a energia vibrante de todo o cosmo. Os homens ainda não sabem disto e procuram o
poder de Deus fora de si, projetado em ídolos e na própria natureza. Sua missão, Jeshuah, é fazer com que os
homens se voltem para dentro de si mesmos, que despertem o amor, o seu fogo central, dentro de seus
corações, para poderem então se aproximar conscientemente de seus Criadores. Iahweh o auxiliará e falará
através de seus lábios e as gerações seguintes saberão que Deus é alcançado pelo poder do Amor.
E, de repente, Jesus compreendeu o quanto os homens estavam afastados de Deus, o quanto os
homens estavam voltados apenas para si mesmos, tão longe do cosmo, tão longe do Amor. Sentiu na alma o
sofrimento de um povo ignorante das leis divinas, daquelas leis que, durante todos aqueles anos em que
estivera longe de casa, lhe eram segredadas pelas vozes que o instruíam e que já faziam parte de sua vida.
Compreendeu que não tinha mais raízes, que seu lar era o mundo e que seus irmãos eram todos aqueles que
sofriam pelo desconhecimento das grandes causas universais.
Ficou muito tempo ali, entre os lamas, escutando seus ensinamentos e se preparando para seu
retorno.
Olhando para o céu, sentia que somente ali sua alma encontrava o verdadeiro aconchego, mas vendo
os despenhadeiros que levavam seu olhar de volta ao mundo dos homens, compreendia que a hora de levar a
palavra de Iahweh estava se aproximando. Algumas vezes tentou partir, mas a atração das alturas, do
mergulho no céu ali, tão perto de sua cabeça, fez com que desistisse temporariamente de suas intenções.
Num dia em que estava perdido em suas contemplações, um dos lamas aproximou-se
silenciosamente e tocou-lhe de leve o ombro.
- Por que retarda sua viagem, Issa? A Divindade trabalha através de sua pessoa para levar aos
homens o conhecimento de verdades profundas. Eles precisam receber a semente da santa palavra que está
retida em sua boca e em seu coração. Se não semear, jamais haverá colheita, os frutos não nascerão, e o
jardim de seu Pai permanecerá estéril e improdutivo. Será árduo o seu trabalho, pois irá semear em solo seco,
mas o Amor que emana de seu coração tornará mais amenos os caminhos que vier a trilhar e seus
pensamentos estarão sempre com a Divindade, recebendo torrentes de Amor.
Jesus não respondeu e nem se voltou para o lama que lhe falava. Continuou com os olhos pregados
no céu, sabendo que a hora realmente chegara e que o caminho que o levaria ao coração dos homens seria
muito mais árduo do que aquele que o trouxera a Lhasa. Sentia o amparo que vinha do alto, sentia o Amor que
fluía através de todo o seu corpo, mas o primeiro passo para a descida que o levaria ao mundo ainda não fora
dado.
Aquela noite, passou-a toda em vigília, os olhos grudados nas estrelas, o peito pulsando, cheio
daquela energia poderosa que vinha do Pai, a mente alerta absorvendo todos os estremecimentos de um ar que
vibrava pleno de vida, as lágrimas correndo pelo rosto prateado pelo luar.
Quando o sol surgiu, espremendo-se entre as montanhas, banhando os vales com sua faixa de um
ouro intenso, quando o canto dos pássaros encheu o silêncio, as lágrimas secaram e a decisão chegou, desta
vez inabalável. Os lamas já sabiam, não se entristeceram e nem se despediram, como se soubessem que laços
indeléveis os ligariam para sempre àquele jovem pregador que partia. Mas ficaram à beira do rochedo mais
alto, sem se importarem com o vento frio que lhes cortava a carne, vendo o rapaz que se afastava, que sumia e
tornava a aparecer nas curvas do caminho estreito e difícil, o corpo magro meio curvado para o lado do ombro
onde pendia sua enorme sacola de couro.

...

- CAPÍTULO 14 -

Quando os soldados chegaram, já encontraram o local cheio de gente que, pelo visto, já esperava há
horas a chegada de João. Todos os dias ele falava e mergulhava as pessoas, uma a uma, nas águas do rio
Jordão.
Para se assegurar de que nenhuma rebelião seria insuflada pelo falatório daquele homem enorme e
esquisito, Herodes Antipas ordenou a um grupo de soldados que o vigiasse de perto e diariamente o relatório
era o mesmo:
- Ele não prega contra Roma. Fala apenas na purificação dos pecados.
Herodes, aparentemente satisfeito, não se preocupava com João mais do que o suficiente para
acompanhar seus passos.
- Que trate somente de lavar os pecados do povo, não me importo. Mas, continuem vigiando!
E os soldados, entediados, tinham que escutar os sermões diários. Um deles olhou em volta e
comentou:
- Até alguns fariseus já estão se chegando.... Que domínio estranho tem este homem sobre o povo?
O outro deu de ombros, enquanto afastava um pouco o capacete da testa suada.
- Pouco me importa... Sobre mim é que ele não exerce nenhum poder. Já me basta o de Roma! -
ajeitou melhor o capacete e resmungou - Aliás, acho que aqueles fariseus estão fazendo o mesmo que nós...
vigiando.
De repente, um murmúrio agitou a multidão e todos olharam na mesma direção.
- Lá vem ele! - e o soldado apontou.
Vinha ao longe, da direção de Qumran. O corpo enorme vestido numa pele de camelo, apertada na
cintura por um cinturão de couro. Os passos decididos avançavam pelas areias escaldantes do deserto, que
pareciam não queimar os pés envoltos apenas em tiras de couro. Os cabelos negros e eriçados confundiam--se
com a barba maltratada que lhe cobria quase todo o rosto, deixando à mostra apenas as maçãs do rosto
queimado pelo sol e os olhos penetrantes, muito escuros, cobertos pela sobrancelha cerrada e o cajado grosso
e pesado que trazia na mão enterrava-se ameaçadoramente na areia a cada passo que dava..
Ninguém sabia, ao certo, onde morava. Diziam que se abrigava nas grutas de Qumran e havia quem
afirmasse que era também essênio, como os outros da comunidade.
O mosteiro de Qumran, cujos habitantes haviam sido banidos por Herodes, o Grande, voltou a se
tornar ativo logo após sua morte, porém seus monges se mantinham afastados do mundo, levando uma vida
puramente espiritual. Diziam que tinham um pacto com Deus e que não rezavam voltados para Jerusalém,
como previa a lei judaica, mas em suas três orações diárias olhavam para o leste, para o nascente. E diziam
muitas outras coisas, mas, na verdade, ninguém sabia direito o que acontecia no mosteiro de Qumran, e
quando João começou a pregar, chegando todos os dias das grutas perto do mosteiro, chegaram logo à
conclusão de que ele era um daqueles misteriosos essênios.
O que não sabiam era que João crescera naquelas grutas, oculto do resto do mundo, sob a proteção de
sua mãe, Isabel, que, depois do assassinato brutal de Zacarias, tornara-se assustada, medrosa, com a única
preocupação de criar seu único filho em segurança.
Depois que Isabel morreu, João continuou sozinho, já acostumado àquela vida de ermitão, e não
tolerava a aproximação de quem quer que fosse, a não ser dos essênios, que resolveram educá-lo, na medida
do possível.
No dia em que foi procurado por dois sacerdotes suarentos, que conseguiram localizá-lo após meses
de exaustivas tentativas, sua reação foi a pior possível:
- Não me interessa a sucessão do sacerdócio de meu pai!
Os dois gaguejavam, confusos. Jamais imaginaram que João, morando no meio daquele deserto
inóspito, fosse recusar semelhante honraria.
- Mas, João, a lei diz que deve receber a herança de Zacarias!
O olhar furioso de João não os deixou insistir muito. Daquele dia em diante, a reputação do filho de
Zacarias começou a se degradar e seu rompimento com o Templo passou a ser conhecido de todos.
João jamais se importou com sua péssima fama entre os judeus. Continuou sua vida solitária,
alimentando-se dos gafanhotos do deserto e do mel que encontrava no interior das grutas e no toco das
árvores secas.
Um dia, acordou no meio da noite estranhamente iluminada. Saiu de sua gruta e olhou para o céu, à
procura da fonte de tanta luz. Ficou parado durante horas, os olhos grudados em algum ponto que somente ele
via, banhado no esplendor de uma luz maravilhosa e estranha. No dia seguinte, saiu para pregar. Encontrou
apenas dois caminhantes, que pararam e ouviram suas palavras. No dia seguinte, um pequenino grupo de
curiosos já demonstrou alegria ao vê-lo e, daí para frente, todos os dias seu auditório aumentava. Esperavam-
no à beira do Jordão e ansiavam pelo momento em que mergulhariam nas águas que os livrariam de seus
pecados pregressos.

...

Quando João começou a falar, o silêncio que se fez foi impressionante. Os olhos cravados em seu
rosto rude, as bocas entreabertas como que esperando sorver cada palavra sua.
- Arrependam-se e batizem-se e Deus perdoará todos os seus pecados, como está escrito no livro do
profeta Isaias! - clamou ele, enquanto agitava no ar o enorme cajado. - A voz que clama, diz: “Preparem no
deserto o caminho do Senhor, endireitem todas as estradas para o nosso Deus. Todo o vale será levantado, o
monte será abatido, o terreno será nivelado e o que é escabroso será aplanado.” Arrependam-se! Arrependam-
se! Preparem-se para a chegada do Senhor!
Um homem que estava mais perto deu um passo à frente e exclamou:
- Eu me arrependo, mas não encontro solução para meus pecados! Sou um cobrador de impostos,
como posso ser agradável aos olhos de Deus?
E João exclamou, enquanto o conduzia para as águas:
- Não cobre mais do que a lei manda!
O homem mergulhou em silêncio e, quando tornou a se levantar, um ar luminoso cobria seu rosto.
João espalmou a mão imensa em sua cabeça e o cobrador de impostos seguiu seu caminho pelas águas do
Jordão até a margem, sentindo o coração mais leve e a consciência livre de tantas culpas.
O olhar de João pousou no grupo de fariseus e seus olhos faiscaram.
- Raça de víboras, pensam que podem fugir da ira que está para vir? Não pensem que basta dizer que
são filhos de Abraão, pois o machado já está a postos para abater toda a árvore que não produzir bons frutos!
Arrependam-se!
O povo o interrogava, impressionado com suas palavras:
- Mas o que devemos fazer?
E o cajado erguia-se novamente, enquanto a voz poderosa de João feria o vento do deserto:
- Quem tiver duas túnicas, dê uma delas a quem não tem nenhuma e quem tem o que comer, ofereça
uma parte a quem está faminto! Arrependam-se, e a água consagrará seus corpos a Deus!
O povo mergulhava, já disposto a modificar seu modo de vida, a dirigir seus passos para a estrada do
bem.
Os soldados, que por tanto tempo vigiavam as palavras de João, resolveram também se aproximar e
um deles ousou perguntar:
- E nós, o que precisamos fazer?
- Não molestem a ninguém com extorsões, não façam denúncias falsas e contem-se com seu soldo!
Um velho, com os olhos já sem brilho fixados em João, estendeu-lhe os braços muito magros:
- O Messias! Você é o Messias que estamos esperando! Salve-nos!
Mas João, com um gesto rude, afastou-o e exclamou, enquanto ajudava outro a mergulhar:
- Eu batizo apenas com a água, mas está vindo aquele que é mais forte do que eu, aquele do qual não
sou digno nem ao menos de desatar-lhe as sandálias, aquele que os batizará com o fogo e que trará em sua
mão a pá com que irá recolher seu trigo no celeiro. Mas, quanto à palha, vai queimá-la num fogo
inextinguível!
O homem emergiu, feliz e santificado. O velho aproximou-se mais, pronto a mergulhar também. João
estendeu a mão em sua direção mas alguma coisa fez com que seu gesto ficasse suspenso no ar. Seu rosto se
iluminou subitamente e ele procurou em volta, como se algum chamado poderoso o interrompesse, e seus
olhos se cravaram num ponto muito além do velho, que aguardava seu batismo.
O corpo imóvel, a respiração retida, João era todo contemplação. Sua expressão mostrava que
alguma intuição muito além de sua percepção chegava à luz de seu conhecimento. O seu ser exalava um tão
grande mistério, que as cabeças se viraram, à procura do ponto que absorvia toda a atenção de João, e viram o
moço que se aproximava, o corpo magro meio curvado para o lado do ombro onde pendia uma enorme sacola
de couro.

...

- CAPÍTULO 15 -

Jesus, nem por um instante, arrependeu-se de ter deixado o Tibet. A certeza de que chegara o
momento de servir a Iahweh era tão forte, que nem parou nas aldeias. Descansava apenas o suficiente para
conseguir caminhar mais um pouco e chegar à Palestina o mais breve possível.
Sentia que precisava estar em contato com o povo, transmitir-lhe os ensinamentos que recebera
durante todos aqueles anos, ajudá-lo naquela difícil caminhada que leva ao Conhecimento. Afinal, pelo que
pudera concluir de tudo o que já lhe fora intuído, viera ao mundo para uma missão de esclarecimento entre os
homens. E agora esperava encontrar os meios para isto, esperava uma palavra de Iahweh.
Atravessou a Índia e a Pérsia e, no silêncio dos caminhos, pôde refletir melhor e ordenar seus
pensamentos. Pensou na mãe, enterneceu-se ao imaginar como estaria saudoso o seu coração. E José, o pai
que o criara, já tão idoso, como o receberia?
A lembrança de Tiago chegou de repente, trazendo a imagem de um menino alegre. Sorriu. Não
conseguia imaginá-lo um homem já feito.
Quando chegou, enfim, à Palestina, resolveu seguir para a Galiléia pelo Jordão.
Já vinha seguindo o rio há algum tempo quando, nas proximidades de Betânia, viu a pequena
multidão. Um homem enorme, de barba e cabelos hirsutos, brandia um enorme cajado no ar. As pessoas
entravam na água e ele mergulhava suas cabeças, enquanto falava coisas que, de onde estava, Jesus não
conseguia ouvir.
Aproximou-se mais e ficou observando, cheio de curiosidade. Aquele ritual lhe lembrava os banhos
batismais dos essênios, mas havia uma diferença: Os essênios só batizavam aqueles que pudessem provar que
já haviam mudado sua maneira de viver, enquanto que aquele homem chamava para as águas todos os que
estivessem dispostos a um arrependimento. Ele não perdoava os pecados, apenas consagrava as pessoas a
Deus.
De repente, alguma coisa mudou. O ar ficou mais vibrante, como se uma poderosa energia tivesse
surgido do nada e invadido toda aquela região. No mesmo momento, o homem interrompeu seu gesto no ar e
olhou na sua direção. Uma força magnética surgiu do encontro de seus olhares e impeliu Jesus na direção do
grupo que também já o fitava, com expressões de surpresa e assombro espalhadas em seus rostos.
Entrou na água e percebeu que o leito do rio afundava, fazendo com que ficasse submerso até a
cintura. A vibração do ar, cada vez mais forte, dificultava seus movimentos. Todos se calaram e somente a voz
do pregador foi ouvida:
- Este é o cordeiro de Deus, aquele que tira os pecados do mundo! Ele já existia muito antes de mim,
mas eu não o conhecia! Eu o vi e dou meu testemunho de que ele é o eleito de Deus!
Jesus mergulhou e sentiu a água fria fechar-se sobre sua cabeça. Quando emergiu, uma luz muito
forte irradiava de uma nuvem estranhamente baixa, que se colocara no céu exatamente na direção de sua
cabeça. E uma voz poderosa, metálica, feriu os ares:
- “Este é o meu filho muito amado!”
Todos se assustaram e olharam em volta, procurando de onde viera a voz e não repararam no súbito
estremecimento que sacudiu momentaneamente o corpo de Jesus, trazendo-lhe a sensação de que uma
descarga de energia lhe invadira todo o organismo.
Uma pomba debateu-se na frágil gaiola de gravetos que um menino segurava distraidamente e fugiu,
indo pousar no ombro de Jesus por alguns segundos. Depois voou para os céus, arrastando consigo todos os
olhares, que ficaram perdidos naquele imenso azul, sem saber se contemplavam o vôo da pomba ou aquela a
nuvem de um brilho inusitado, que se afastou célere na direção contrária à do vento.
O barulho da água, agitada pelos passos de Jesus que voltava à margem, foi o único ruído que se
ouviu. Ninguém conseguiu se mover nem impedi-lo de partir. Extasiados, viram o moço que se afastava, o
corpo magro meio curvado para o lado do ombro onde pendia uma enorme sacola de couro.

...

Jesus não se importava, nem com o calor da areia, nem com o sol escaldante sobre sua cabeça. O
incidente do batismo abalara-lhe profundamente a alma, e ele procurava refletir, mesmo com o suor salgado
escorrendo pelos olhos.
Que voz foi aquela que explodiu tão misteriosamente no meio de todos, parecendo vir da nuvem
estranha e iluminada?
As palavras de Purâna voltaram à sua lembrança:
- ... é um vimana. Posso sentir seu tremor nos ares. É o carro alado que leva os deuses através dos
céus, que guia os homens pelos desertos, mostrando o rumo certo aos que se perderam nas estradas da vida.
Afinal, o que representava tudo aquilo? De onde vinham as vozes que lhe falavam? E as estrelas
bailarinas que o acompanhavam desde a infância, eram vimanas como afirmava o velho brâmane cego, ou
apenas estrelas que dançavam na imensidão? Se eram vimanas, por que Iahweh, até agora, não viera num
deles para lhe mostrar sua glória e esclarecer sua missão no mundo? Como partir para um destino que lhe era
ainda tão desconhecido? O que fazer de sua vida, que rumo dar a seus passos, baseado numa certeza apenas
conseguida através de relâmpagos de uma intuição?
A necessidade de um esclarecimento maior, de uma compreensão mais clara de tudo aquilo começou
a se infiltrar sorrateiramente em todo o seu ser. E ele tomou uma decisão irrevogável... Olhando para o céu, à
procura de algum sinal, exclamou:
- Ficarei no deserto até que Iahweh se apiede de mim e oriente meu caminho!
Os dias foram passando e a solidão era sua única companheira. Fraco, quase sem forças para
caminhar, os olhos vermelhos de tanto fitar o céu sob o sol abrasador, Jesus não desistia de sua idéia
obstinada.
- Preciso de uma certeza! Tenho que saber com clareza o que fazer, o que ensinar, como ajudar o
povo!
À noite, no céu silencioso, nem uma estrela se movia. Pareciam todas pregadas no véu negro das
noites geladas que se sucediam aos dias tórridos. As lágrimas corriam de seus olhos, à medida que a esperança
de ser atendido se esvaía a cada nova manhã que chegava.
- Devo estar enganado, - pensava - estou sozinho...
E de dentro de seus pensamentos vinha uma tentadora solução:
- Por que não voltar para casa, para a terna companhia da mãe com a qual tão pouco contato tivera?
Por que não usufruir da tranqüilidade de Nazaré, onde nada lhe faltaria, onde o sol era ameno e a natureza tão
acolhedora?
Mas, ao mesmo tempo, de outro ponto muito mais profundo, vinha outra voz que expulsava as idéias
anteriores:
- Você não está só, nunca esteve! Deixe passar a força que vem do seu interior, do poder que
alcançou no momento em que mergulhou nas águas do Jordão. Sinta este poder e deixe-o fluir!
E Jesus apertava a cabeça entre as mãos, procurando respostas.
Elas chegaram no quadragésimo dia do seu exílio voluntário, junto com a noite, no momento em que
Jesus, exausto, deixou cair sua vontade humana. Chegaram num ímpeto, explodindo em seu peito com uma
sensação de poder e, sobretudo, com a certeza de que estava realmente conectado a uma força superior, àquela
mesma força que invadira todo o seu ser no momento do batismo no Jordão.
Nesse momento, uma estrela brilhou mais forte, destacou-se das demais e, como uma pedra preciosa
que se soltava subitamente do véu da noite, foi se chegando... e chegando. Parou, alguns metros acima do
solo, enorme, girando sobre si mesma, emitindo um facho de uma luz quase sólida que tocou a areia muito
branca.
E, através da luz, aquele Ser desceu e falou com Jesus.
O que disse, somente Jesus escutou, compreendeu e acreditou, e aquelas palavras lhe trouxeram uma
preciosa dádiva: a certeza.
E novamente Jesus escutou, compreendeu, acreditou e, quando a luz partiu, seu coração estava
tranqüilo e feliz. Um sono envolvente chegou, curvou seu corpo e fechou-lhe os olhos. Quando acordou, o sol
já queimava sua pele ressecada. Levantou-se e olhou em volta. No ponto onde a estrela quase pousara, havia
ficado nas areias uma enorme depressão muito redonda.

...

-CAPÍTULO 16-

Jesus caminhava sem pressa, procurando organizar seus pensamentos. Não conseguia se lembrar
direito de tudo o que acontecera. Lembrava de ter visto uma estrela que se destacava das demais e que se
aproximava até quase tocar a areia. Pôde então perceber que ela era metálica, mais brilhante ainda do que os
capacetes dos soldados romanos. Parecia ter um brilho próprio, e luzes saiam das pequenas janelas espalhadas
em seu cinturão de prata. Viu uma abertura surgir por baixo, e um facho de uma luz quase tangível foi jogado
na direção do solo. Depois, o Ser que desceu pela luz e que lhe falou. Era Iahweh.
Agora suas lembranças eram confusas, mas a certeza ficara, inabalável.
Sentou-se um pouco para descansar e fechou os olhos. Em sua mente relaxada e livre de
pensamentos, as palavras de Iahweh foram voltando, aos poucos.
- Você, Jeshuah, que gosta tanto de contemplar as estrelas, vê apenas uma parte ínfima de todo o
Universo de Deus. É tão pequeno o pedaço do universo em que habita e, no entanto, nem dele os homens têm
consciência, porque o Amor ainda não tocou seus corações. O Amor é o poder que une Deus a todo o
Universo e os homens, dia a dia, afastam mais o Amor de seus corações. Sua grande missão, Jeshuah, é levar
o Amor ao coração dos homens, ensiná-los a emitir Amor, a entrar em harmonia com a natureza. Somente
então poderemos alcançar suas mentes com mais facilidade, poderemos imprimir-lhes nossos pensamentos,
para que possam se lembrar de sua origem divina. Terá que ensinar aos homens a voltarem-se para dentro de
si mesmos, pois ainda não sabem o poder que reside em seu interior. Tenha sempre firmeza em sua mente,
confiança no que pensa, altivez nas suas atitudes e será ouvido e seguido. Falarei através de seus lábios, pois
você e eu somos um só. Seu organismo foi preparado, não somente a partir de sua concepção, mas por
gerações e gerações, desde Abraão, um trabalho genético vem sendo realizado entre os judeus. Sei que muitas
vezes parecemos até cruéis aos olhos dos homens, mas quantas vezes também os filhos julgam ver crueldade
nos atos de seus pais, quando eles tentam apenas orientá-los para que tenham um futuro feliz? Apesar de
termos escolhido os judeus para seguirmos uma linha de trabalho, não somos deuses tribais. Procuramos
orientar toda a raça humana. Os Criadores tentam habitar entre os homens, e por isso essa experiências
genéticas estão sendo feitas. Enquanto isso não acontece, tentam o contato com suas mentes e seus corações
mas é preciso que a consciência do homem seja una com sua consciência interna, pois somente quando a
consciência objetiva e a consciência divina forem uma só, o contato interior entre os Criadores e suas
criaturas poderá ser compreendido pela mente. Sua passagem pela Terra ficará impressa em muitos corações,
e sua lembrança ajudará a abrir o corações dos homens para um sentimento de totalidade, no qual o homem, a
natureza e as forças divinas trabalharão junto para o crescimento de todo o Universo.
Jesus levantou-se e prosseguiu seu caminho, sentindo o corpo inteiro vibrando. Pouco tempo depois
chegou à margem do Jordão e procurou com os olhos aquele homem gigantesco que o batizara, mas não o
encontrou. Pequenos grupos cochichavam entre si, enquanto o aguardavam e por essas conversas Jesus
descobriu que ele era seu primo, filho de Isabel e Zacarias..
Seguiu pelas margens do Jordão, meditando sobre tudo o que ouvira de Iahweh, até que viu surgir à
sua frente, enorme, o mar da Galiléia. De longe, ficou observando os pescadores, que lançavam suas redes na
água. Sua voz interior lhe segredou que sua missão estava começando, e que precisaria de auxílio.
Ficou distraído, olhando o trabalho daqueles homens. Um deles largou a rede, secou o suor que lhe
atrapalhava a visão e, num movimento imprevisível, olhou na direção de Jesus. Voltou-se para o mar por
segundos, mas logo tornou a fitar aquele moço, parado muito perto da água, o corpo magro meio curvado para
o lado do ombro onde pendia uma enorme sacola de couro. Cutucou com o cotovelo outro pescador que, a
seu lado, acabava de puxar a rede onde alguns peixes miúdos saltavam, aflitos. Cochicharam alguma coisa,
prepararam-se para jogar outra rede, cochicharam novamente e olharam outra vez para Jesus. Uma força
desconhecida fez com que saíssem do barco, as pernas mergulhadas no mar raso, os passos firmes levando-os
diretamente em direção àquele estranho que os fitava, de longe. Quando chegaram a ele, nem sabiam o que
dizer. Jesus apenas sorriu e estendeu-lhes a mão.
- Se vierem comigo, farei de vocês pescadores de homens...
Eles se entreolharam e voltaram a afundar no olhar sereno de Jesus.
- Eu me chamo Simão - disse o mais velho - e este é meu irmão, André.
E Jesus, colocando a mão sobre o ombro de Simão, disse:
- Venham comigo...
Simão olhou desconfiado para Jesus, e depois fez um gesto chamando seu irmão de volta para o
barco. Mas André sacudiu a cabeça e puxou Simão pela manga larga.
- Vamos com ele... - sussurrou André - Alguma coisa me diz que devemos seguí-lo.
Simão pigarreou e olhou de soslaio para Jesus que, impassível, observava-os com um leve sorriso
nos lábios bem desenhados.
- Não sei, não - resmungou Simão - Quem será ele? Minha vida é aqui, no meio das minhas redes,
tenho minha família, não sou um desmiolado como você.
Pelo rosto jovem e imberbe de André passou uma sombra de tristeza. Afundou os dedos nos cabelos
levemente ondulados que lhe caiam no rosto, empurrando-os para trás.
- Vai me abandonar, Simão? - perguntou baixinho, quase num lamento - Será que pela primeira vez
na vida vamos nos separar?
Uma ternura súbita invadiu o coração rude de Simão. Abraçou o irmão caçula e já ia se despedindo
dele, quando o olhar de Jesus mergulhou fundo nos seus olhos muito negros.
- Está bem. Sigo com vocês.
Que poder estranho fez com que os dois irmãos largassem suas redes, seus peixes, toda a sua vida, e
seguissem aquele homem que jamais haviam visto antes? Foi o magnetismo que emanava de seus olhos, foi a
doçura de suas palavras, foi sua aura envolvente, ou talvez tenha sido apenas aquela certeza que somente a
voz interna confere, de que estavam indo ao encontro da maior transformação de suas vidas.
Caminharam pela beira do mar, os homens mal disfarçando a curiosidade que mantinha seus olhos
pregados no rosto tranqüilo daquele homem que resolveram seguir, sem saberem por que.
Enquanto caminhavam, Jesus observava algum coisa no céu mas, por mais que os homens também
olhassem, nada conseguiam ver.
Reparando na inquietação que começava a agitar seus companheiros, que não sabiam se
contemplavam o rosto de seu recém-escolhido mestre, ou se procuravam no céu aquilo que arrastava o olhar
de Jesus, ou se simplesmente se mantinham atentos no caminho à beira do mar, Jesus falou:
- Quem procura, não pára de procurar até que ache e, quando achar, ficará estupefato e depois
maravilhado - e então terá domínio sobre todo o Universo.
Ante essas palavras um tanto misteriosas, os dois voltaram a olhar para o céu.
Mais adiante, outros pescadores lançavam suas redes ao mar. Jesus parou e ficou reparando num
barco mais perto da praia, onde um velho e dois rapazes consertavam suas redes avariadas. Momentos depois,
os três pescadores deixaram cair as redes no fundo do barco e pregaram os olhos naquele moço que os fitava
de longe, o corpo magro meio curvado para o lado do ombro onde pendia uma enorme sacola de couro.
Os dois mais jovens saíram do barco e caminharam pelas águas até alcançarem Jesus.
- Quem é você? - perguntou um deles - Por que nos olha desta maneira?
- Olho os pescadores - respondeu Jesus - e neles vejo os homens sensatos. Eles são como o pescador
ajuizado, que lança sua rede ao mar e, quando a traz de volta, vem cheia de peixes miúdos. Mas, entre eles, o
pescador sensato encontrou um peixe bom e grande. Sem hesitação, escolheu o peixe bom e devolveu ao mar
todos os pequenos. Se quiserem ser sensatos, sigam-me.
Eles se entreolharam e a decisão foi imediata. Voltaram ao barco, despediram-se do mais velho - seu
pai, Zebedeu - e retornaram para a margem, para a companhia daquele homem de palavras estranhas.
- Eu sou Tiago e este é o meu irmão João.
Jesus sorriu e estendeu-lhes a mão.
- Eu darei a vocês o que nenhum olho viu, nenhum ouvido ouviu, nenhuma mão tangeu e que jamais
surgiu no coração do homem.
Pelo jeito meio sem graça dos dois, Jesus viu que não estavam compreendendo nada do que dizia,
mas o ar de bondade estampado em seus rosto junto com a ansiedade que lhes brilhava nos olhos, mostravam
que valia a pena tê-los como seus discípulos.
Caminharam muito, seguindo a margem do Jordão, rumo à Galiléia.
- Vim trazer aos homens a palavra de meu Pai - dizia Jesus, enquanto andavam.
Simão olhava para André, sem coragem de falar nada e Tiago e João não conseguiam despregar os
olhos da face serena de Jesus.
- E quem é o seu Pai? - resolveu perguntar André, meio desconfiado, meio curioso, mas
evidentemente fascinado pelo magnetismo poderoso que emanava daquele homem que, por algum impulso
desconhecido, decidira seguir.
Jeus sentiu que teria dificuldades em explicar aos discípulos a sua origem. Como lhes dizer que era
filho de Iahweh, e ao mesmo tempo que não era filho de Deus? Naquele momento, voltaram-lhe à lembrança
as instruções mentais que recebera, durante o seu período com os essênios: Deus está acima dos Criadores.
Esses são responsáveis pela vida física neste mundo e em outros mundos também físicos. Deus é responsável
pela vida universal. Deus é a força que cria os universos e que os mantém existindo, da mesma forma que os
Criadores velam pelas espécies físicas, inclusive o homem. Deus é poder, é amor, e Sua consciência está nos
infinitos mundos criados e incriados.
A expressão ansiosa estampada no rosto de André mostrava que ele aguardava uma resposta. Jesus
respirou fundo, e disse:
- Se virem alguém que não seja filho de nenhuma mulher, prostrem-se de rosto em terra e adorem-no
- ele é o meu Pai e é também o Pai de todos vocês.
Uma admiração muda começou a crescer no coração daqueles homens rudes e, quando chegaram ao
lago de Genesaré, nem pensavam mais em voltar. Somente Simão ainda reclamava com o irmão:
- Vamos ver em que nos metemos...
Mas André, que conhecia o gênio difícil de Simão, bem sabia que ele também estava se afeiçoando
àquele homem que entrara subitamente em suas vidas, de uma maneira um tanto inusitada.
Estavam todos cansados de tanto caminhar e sentaram-se à beira do lago, para um breve repouso
antes de prosseguirem seu caminho até Nazaré. Um homem de rosto jovem e pele muito branca aproximou-
se de André, que o recebeu com um sorriso largo.
- Felipe! - exclamou André.
O ar de alegria no rosto de Felipe logo se transformou em curiosidade e em seguida em surpresa, ao
reparar na presença de Jesus.
- Quem é ele? - sussurrou baixinho, a boca quase colada ao ouvido de André.
André procurou disfarçar, mas no íntimo sabia que Jesus, apesar de parecer distraído contemplando o
céu, sabia de tudo o que se passava em torno dele.
- Ele... é o Messias.
Jesus voltou-se para Felipe e observou-o melhor. Gostou do seu jeito alegre e da franqueza que
emanava dos seus olhos escuros. Estendeu-lhe a mão e disse apenas:
- Junte-se a nós!
O moço aproximou-se mais e olhou no fundo dos olhos de Jesus. Aquele chamado ecoou em sua
alma como um apelo irresistível. Em poucos momentos, o grupo se afastava novamente em direção a Nazaré.
Com eles, seguia o jovem Felipe.
Foi pouco antes de chegarem a Nazaré, que Felipe encontrou seu amigo Natanael. Segurou-o pelo
braço, afastou-se com ele alguns passos, e disse baixinho:
- Nós encontramos o Messias! Ele é Jesus, de Nazaré!
Natanael olhou por cima do ombro de Felipe, procurando ver melhor o semblante do homem a quem
Felipe chamava de Messias, mas os longos cabelos de Jesus, repartidos ao meio, caiam sobre seus ombros e
ocultavam seu perfil. Voltou-se para Felipe e resmungou:
- E pode algo de bom vir de Nazaré?
- Venha comigo - respondeu Felipe, puxando Natanael pelo braço - venha e verá.
Jesus voltou-se e sorriu, ao ver a evidente desconfiança que se instalara nas feições de Natanael.
- Eis um israelita autêntico e verdadeiro! - exclamou Jesus.
- Por que diz isso?... De onde me conhece? - perguntou Natanael, cada vez mais desconfiado.
E Jesus respondeu:
- Eu o vi quando estava debaixo da figueira, antes mesmo que encontrasse Felipe.
Natanael arregalou os olhos e gaguejou:
- Como pode saber disto?... Então você é mesmo o Filho de Deus, o rei de Israel!
Jesus deu uma risada e chamou-o para mais perto, com um gesto.
- Você julga que sou filho de Deus somente porque eu lhe disse que o vi sob a figueira? Pois digo-lhe
que verá coisas muito maiores do que isto. Você verá aquilo que homem jamais viu e saberá de coisas que
jamais ninguém sonhou saber.
- Mas você é filho de Deus? - insistiu o rapaz.
O sorriso desapareceu dos lábios de Jesus. Naquele instante, ele compreendeu a dificuldade que teria
em responder às tantas perguntas que fatalmente lhe fariam sobre a sua origem.
- Eu sou o filho do Homem, mas a morada de meu pai não está nesse mundo.
Natanael se calou e uma ruga vincou sua testa. Escurecia. A primeira estrela surgiu e enfeitou a noite
que chegava. Jesus pousou a mão sobre o ombro do rapaz e convidou:
- Venha conosco.
Ele não respondeu logo. Ficou quieto, pensativo, talvez tentando entender as palavras de Jesus. Mas
quando o dia amanheceu e todos acordaram, encontraram Natanael pronto para seguir com eles também.

...

- CAPÍTULO 17 -
A notícia da volta de Jesus já havia chegado a Nazaré.
Maria, emocionada e saudosa, preparava a casa para receber o filho que há anos não via e os vizinhos
ofereciam seus préstimos, mais curiosos do que solícitos. E mais agitados ficaram quando viram chegar
aquela mulher muito bonita, os cabelos negros já matizados por fios de prata caindo até o meio das costas.
Trazia um cesto com ervas e potes de barro.
- É aquela prostituta de Magdala! - exclamou alguém. E um sussurro de reprovação correu pelo ar.
A mulher aproximou-se, sem se importar com os comentários que não tentavam disfarçar. Maria
recebeu-a com um sorriso.
- Obrigada, muito obrigada! - exclamou - Suas ervas e óleos são tão maravilhosos!
José apareceu à porta e chamou Maria com um gesto de cabeça.
- Um instante só... - desculpou-se ela - Vou ver o que meu esposo deseja.
E foi em direção ao marido que a aguardava, o rosto sombreado por uma muda incriminação.
- Já lhe disse para não chamar mais esta mulher de Magdala à nossa casa. Sua presença ofende
nossos vizinhos!
Maria fazia gestos aflitos para que ele baixasse o tom da voz.
- Pois não me importo com o que pensam os vizinhos! - retrucou - Ninguém prepara óleos como ela!
E as ervas que traz, não consigo encontrar em outros lugares... E além do mais, ela não é nenhuma prostituta,
como dizem. É apenas uma mulher sozinha que trabalha para se manter!
José sacudiu a cabeça e resmungou:
- Mulheres solitárias não são recomendáveis. Por que ela não tem marido e filhos, como todas as
outras?
- Ora, José... Ela deve ter seus motivos - abriu um sorriso maroto no rosto ainda jovem e belo. - E
deixe-me voltar para atendê-la, antes que a vizinhança a apedreje...
Mas assim que voltou à sala, viu através da porta aberta o grupo que se aproximava. À frente estava
um moço magro, meio curvado para o lado do ombro onde pendia uma enorme sacola de couro.
Correu para fora de casa, as mãos crispadas no peito, procurando acalmar as batidas fortes do
coração ansioso. As lágrimas começaram a rolar de seus olhos e quando abraçou o filho, não sabia se ria ou
se chorava mais ainda, se o apertava contra si ou se o afastava para contemplar-lhe o rosto já bastante
diferente daquele que trazia em suas lembranças.
- Meu filho!... - conseguiu, enfim, sussurrar. E com os dedos percorreu-lhe a barba e os longos
cabelos - Meu filho... - repetiu. - Você já é um homem, não é mais aquele meu menino arteiro, você cresceu...
e eu não vi você crescer.
Abraçou-o novamente, as lágrimas encharcando a roupa empoeirada de Jesus.
Os rapazes que o acompanhavam mantinham-se discretamente afastados, para não invadirem a
emoção daquela mãe, os vizinhos tagarelavam entre si, loucos para se chegarem com mil perguntas e a mulher
de Magdala, imóvel à porta, não conseguia despregar os olhos daquele moço que acabara de chegar.
Quando Maria se acalmou, o grupo de rapazes chegou mais perto e Jesus começou a fazer as
apresentações, mas logo parou quando seus olhos pousaram em José. Achou-o envelhecido, a pele sem viço
sulcada de rugas, os olhos embaçados pela idade já tão avançada. Abraçou-o em silêncio, ainda chocado com
a inesperada aparência do pai que o criara.
Por cima dos ombros de José, seus olhos pousaram no rosto moreno de uma mulher de cabelos
longos e negros, matizados de fios de prata, que o olhava com uma expressão de quase êxtase. Deu uns passos
em sua direção, sem se importar com o sussurro de reprovação que imediatamente correu pelo povo espalhado
por perto.
- Quem é você? - perguntou ele - Não me lembro de tê-la visto antes pela vizinhança.
Um tremor quase imperceptível sacudiu o corpo da mulher, arrancando-a do enlevo em que se
encontrava.
- Sou Maria, de Magdala... Mas chamam- me de Madalena.

...

Madalena sabia que sua presença ali não era nada bem vinda e até havia pensado em ir embora logo
que recebesse o pagamento pelas ervas e óleos, mas agora não conseguia mais sair, não conseguia mais se
afastar da presença daquele homem. Encolhida num canto da sala, observava-o com atenção, procurando
absorver todas as suas palavras e todos os seus gestos. No fundo, queria entender porque, de repente, seu
coração disparara com tanta violência e suas pernas ficaram tão fracas. Não sabia também o motivo daquela
pressão na cabeça, como se mãos de ferro procurassem esmagar-lhe o crânio, nem daquele aperto na garganta
que trazia uma inexplicável vontade de chorar.
Em dado momento, Maria aproximou-se de Jesus com uma cesta de onde tirou os presentes que os
três Reis lhe haviam ofertado logo que nascera.
- Tudo isto pertence a você, filho, e guardei para lhe entregar quando não fosse mais criança.
Jesus tomou os objetos em suas mãos e olhou-os com cuidado. Eram algumas moedas de ouro,
tabletes de incenso prensado e um saquinho com um punhado de mirra. Guardou o incenso em sua bolsa de
couro e entregou as moedas a Maria.
- Tome, minha mãe... Fique com elas e distribua-as aos pobres.
Depois pegou a mirra e dirigiu-se ao canto da sala, onde Madalena observava todos os seus
movimentos.
- Fique com isto, Madalena - disse ele, estendendo-lhe a mirra - Acho que lhe será útil.
Os olhos dela brilharam mas seus lábios mal conseguiram murmurar um agradecimento.E,
novamente, pairou pelo ar um rumor de desaprovação.
José franziu a testa e olhou para Maria, mas quando a viu distraída na conversa com uma das
vizinhas, resolveu fingir que não estava notando nada.
Jesus entregou a mirra a Madalena e foi para perto de Natanael e Felipe que, do lado de fora da casa,
pareciam extasiados contemplando as flores viçosas que enfeitavam as encostas.

...

Maria partiu primeiro. Foi uma decisão rápida, que chegou logo que receberam o convite para as
bodas da filha daqueles grandes amigos que, há alguns meses, haviam se mudado definitivamente para Caná.
Maria fez questão de ajudar nos preparativos da festa que seria longa, que duraria provavelmente sete ou oito
dias.
Por alguns momentos, Jesus ficou dividido. Não sabia se seguia logo com a mãe, ou se ficava
fazendo companhia a José, que não se sentia bem para seguir em tão longa jornada. Resolveu, por fim, que
Maria iria na frente com os enteados e Jesus seguiria alguns dias depois. Mas, quando ele partiu para Caná,
seguiu apenas com Natanael e Felipe. Simão, André, Tiago e João ficaram, para fazer companhia a José que
protestou mas não teve outra alternativa senão a de aceitar a decisão de Jesus.
Jesus seguiu para a festa das bodas com o coração apertado. Preocupado com a saúde de José, até
teria preferido ficar com ele, mas a mãe não teria sossego se ele não chegasse no tempo combinado.
Pelo caminho, as cores exuberantes da natureza que mal saíra dos rigores do inverno, mescladas à
alegria quase infantil de Felipe e Natanael, fizeram com que a preocupação com José quase desaparecesse.
Quando chegaram à Caná, a festa já havia começado há dois dias. Jesus foi recebido com alegria por
todos aqueles antigos amigos da família, que não o viam desde criança. O vinho, que rolava desde o começo
da festa, já havia deixado todos os olhares brilhantes e todas as almas despreocupadas e livres.
Jesus foi logo monopolizado por um grupo de jovens da sua idade, curiosos em saber detalhes sobre
a educação monástica nos mosteiros da Índia e do Tibete.
Em dado momento, Jesus percebeu que Maria conversava baixinho com a mãe da noiva e uma
sombra de preocupação escurecia o semblante de ambas. Pressentiu que algo não andava bem, pediu licença
ao grupo e chegou perto de sua mãe.
- Algum problema? - perguntou.
- Ah, meu filho,- exclamou ela, apoiando-se no braço de Jesus - não sei como foi acontecer... O vinho
está acabando e não há como conseguir mais a tempo da falta não ser percebida. E isto é um péssimo
presságio para os noivos... Pobrezinhos, como começarão sua nova vida com essa pecha agourenta a lhe pesar
nos ombros?
A inquietação de Maria contagiou Jesus. Chamou Natanael e Felipe, mas ninguém conseguiu
encontrar uma solução para evitar o desastre iminente.
Maria afastou-se por instantes e voltou mais nervosa ainda.
- Jesus... - cochichou ela, quase chorando - só tem um palmo de vinho no fundo do último cântaro.
Eu devia ter imaginado que o vinho não seria suficiente. E agora, o que faremos?
Seus olhos se prenderam no rosto de Jesus, esperando encontrar ali alguma resposta. Ele, pressionado
pela aflição da mãe e sentindo-se incapaz de resolver o problema, abanou a cabeça tristemente.
- O que espera que eu faça, mulher?...
Afastou-se subitamente e parou à porta da casa. A noite caíra e as estrelas enfeitavam a negra tela do
firmamento. Uma delas riscou rapidamente a escuridão, desapareceu por momentos, surgiu mais adiante,
num bailado gracioso e depois parou, misturando-se às milhares de outras estrelas
Ficou parado, os olhos fixos no céu, esperando ver a estrela bailarina destacar-se novamente. De
repente, uma energia estranha invadiu seu corpo e ele sentiu que um impulso além de sua vontade guiava seus
passos.
Voltou à sala. A pressão que sentia na cabeça era tão forte que nem mais percebia os ruídos da festa e
viu as pessoas conversando, movendo-se de lá para cá, como se estivesse vivendo num sonho. Procurou a mãe
com o olhar e ela se aproximou, adivinhando seu chamado mudo. E então ele apontou para as enormes talhas
de pedra, destinadas às abluções,
- Mande os serventes encherem aqueles vasos com água.
Percebendo algo de muito forte emanar de Jesus, Maria não discutiu e nem demorou em mandar
executar a ordem recebida do filho. Em poucos minutos, as seis talhas estavam repletas de água e enfileiradas
lado a lado.
Jesus aproximou-se delas e estendeu as mãos, sempre impulsionado por uma força além de seu
controle. Foi tudo muito rápido, quase ninguém percebeu. Logo depois, Jesus apontou para um dos serventes
e disse:
- Pode servir os convidados!...
O serviçal mergulhou um caneco na talha e trouxe-o repleto de um vinho escuro e aromático.
Maria olhou para Jesus, cheia de surpresa. Ele caminhou novamente para a porta da casa, em passos
lentos, sentindo-se ainda pleno da estranha força que subitamente o envolvera. No céu, a estrela rodopiou e
desapareceu.
Um frio súbito espalhou-se pelo seu corpo e ele esfregou os braços, procurando aquecê-los. Olhou
para dentro da sala. Os ruídos da festa haviam voltado ao normal, apenas o olhar de Maria continuava
estupefato, cravado em seu rosto. Atrás dele, Natanael e Felipe não conseguiam esconder a admiração que os
envolvia.
- Como conseguiu fazer aquilo, meu filho? - perguntou Maria, gaguejando.
- Ele é mesmo o Messias - cochichou Natanael no ouvido de Felipe.
Um dos convidados, servindo-se do novo vinho, deu um tapinha amistoso nas costas do noivo.
- Com que então guardou o melhor vinho para o final da festa, heim?
O noivo, espantado, não soube o que responder. Sorriu, embaraçado, e foi perguntar lá dentro de
onde surgira aquele vinho tão delicioso e tão providencial.

...

A volta para Nazaré foi calada, mas cheia de mudos questionamentos. O semblante pensativo de
Jesus mostrava que ele não queria falar sobre o ocorrido e Maria, ainda muito surpresa, procurava nas
lembranças do passado alguma explicação para aquele feito insólito de seu filho. Apenas Natanael e Felipe
pareciam despreocupados e alegres.
...

- CAPÍTULO 18 -

A notícia chegou primeiro em Nazaré e foi difícil escapar ao assédio do povo, que queria saber como
acontecera aquele milagre com o vinho, na festa de Caná.
André não perdeu a oportunidade de espicaçar o irmão:
- E você reclamou tanto de vir conosco... Viu como tinha razão? Ele é mesmo o Messias!...
Simão não respondeu. Estava impressionado com o fato e, se Felipe e Natanael não tivessem jurado
que viram a coisa acontecer, não iria mesmo acreditar. Tiago e João, no íntimo, lamentaram não terem ido às
bodas para apreciarem tudo com os próprios olhos.
Quando conseguiu ficar à sós com o filho, Maria arriscou perguntar:
- O que houve realmente, Jesus?
- Não sei, mãe... - disse ele, saindo por fim da concha de mutismo em que se enroscara, desde que
saíram de Caná. - Não sei. Fiquei aflito com sua aflição e triste com sua tristeza. Olhei então para o céu, em
busca de alguma idéia inspiradora que pudesse salvar aquela situação e vi a estrela bailarina que sempre me
acompanha. No mesmo momento, senti uma força intensa tomar todo o meu corpo e, dali em diante, fui
guiado por aquela força a fazer tudo o que fiz. Pedi as águas sem saber para que e quando estendi as mãos
sobre elas não tinha intenção de fazer com que se transformassem em vinho. Minha mente estava
estranhamente vazia e apenas aquela força me guiava.
- É a força de Iahweh - disse ela baixinho, com os olhos brilhando de emoção. - É a força de Deus,
seu pai!
Jesus colocou a mão no ombro da mãe e puxou-a para si, envolvendo-a num abraço.
- Escute, minha mãe, o que tenho para lhe dizer. Aprendi muitas coisas em todo o tempo em que
fiquei longe de você e agora quero que compartilhe comigo deste meu novo aprendizado. Mas, acredite, são
muito poucos aqueles que poderão entender tudo o que vou lhe narrar. Descobri que nosso mundo foi
colonizado outrora por seres que habitam em outros mundos, da mesma forma que os homens podem levar a
vida a regiões vazias e lá plantar e criar. Esses seres foram os criadores da vida em nosso mundo e vigiam de
perto sua criação. Iahweh é um deles. Iahweh é um dos criadores, mas não é Deus. Deus é uma força
consciente que existe muito além dos criadores, muito além do alcance dos nossos pensamentos, e que rege
todo o equilíbrio universal. Os criadores estão muito perto de nós, mas não podem conviver conosco porque
as condições da vida física nesse nosso mundo lhes são muito agressivas. Eles vivem em veículos alados, que
brilham como o sol e se confundem com as estrelas, mas estão ao alcance de nossa mente. Eu nasci, minha
mãe, para ensinar isto aos homens, mostrar a eles como comungar em pensamentos com os criadores, com
Iahweh. Eu não nasci para fazer milagres, para transformar água em vinho... Não entendo por que aquilo foi
acontecer.
Maria estava muda de espanto e não conseguia disfarçar o horror que sentia ante as palavras que
acabara de ouvir.
- Você está me dizendo que Iahweh não é Deus? Isto é uma blasfêmia, meu filho!
Jesus se calou. De repente compreendeu que talvez estivesse indo longe demais. Procurou um meio
de tranqüilizar Maria.
- Minha mãe, não existe nenhuma blasfêmia no que lhe revelei! O que há é apenas uma enorme falta
de entendimento. Deus é um poder tão grande, tão magnificente, que está além da nossa compreensão,
embora esteja dentro do nosso coração, porque está em tudo o que existe. Os criadores são seres mais
evoluídos do que nós... Mas um dia, num futuro ainda distante, os homens terão os mesmos conhecimentos
que os criadores têm hoje, serão capazes de viajar pelo céu em carros alados e de colonizar outros mundos
então desertos.
O horror da expressão de Maria foi sendo substituído por uma evidente inquietação, enquanto
procurava arrumar na cabeça aquelas informações tão novas.
- Você é filho de Iahweh! - exclamou subitamente - Mas como pode ser isso, já que você insiste em
me convencer de que Iahweh não é Deus?
Jesus afagou seus longos cabelos com um gesto carinhoso.
- Os criadores possuem meios que não sabemos, mãe... No futuro também os homens conhecerão
muitas maneiras de gerar a vida e terão o controle do nascimento de tudo o que existe.
- Mas eu não me lembro de nada... - gemeu ela - Como pode ter acontecido sem o meu
conhecimento?
Calou-se de repente. À sua mente voltou, num turbilhão, a lembrança daquele dia, enquanto buscava
água na fonte, da posição sol que tornou evidente um lapso de tempo e daquele sonho que tivera na casa de
Isabel, onde se vira atraída por um facho de luz para dentro de um carro alado, deitada numa cama estreita.
Viu novamente o estilete brilhante que lhe picou o ventre, lembrou-se do misterioso ponto vermelho que ficou
em sua pele durante algum tempo...E no mesmo turbilhão também lhe voltou à mente o momento do
nascimento de Jesus, a gruta plena de uma nuvem que brilhava muito, os vultos que surgiram, o estranho sono
em que subitamente mergulhou. E depois... aquele traço fino que lhe marcou o ventre.
Não falou mais nada. Sentiu que estava frente a frente a uma realidade que lhe era incrivelmente
desconhecida, porém inegável. Uma forte emoção fez tremer todo o seu corpo. Abraçou o filho com força e
chorou.
...

Era sábado. Os homens encaminhavam-se para a sinagoga e entre eles estava Jesus. Sentia os olhares
em seu rosto, mas não se importava. Aquilo que acontecera em Caná já se espalhara entre todos, e as reações
eram as mais diversas. A maioria estava apenas curiosa, mas alguns já o fitavam cheios de desconfiança.
Sentaram-se todos lado a lado nos degraus de pedra e, entre os outros, Jesus foi o escolhido para
fazer a leitura e estenderam-lhe o grosso rolo que continha o livro de Isaias. Jesus se levantou e dirigiu-se ao
púlpito de pedra entalhada. Puxou por sobre a cabeça o manto que tinha jogado nas costas, desenrolou o livro
e começou a leitura no trecho em que seus olhos haviam pousado, ao acaso.
O espírito do Senhor está sobre mim,
e ele me escolheu para trazer as boas novas aos pobres,
enviou-me para trazer liberdade aos presos,
dar vista aos cegos,
e proclamar a chegada do Senhor.
Novamente sentiu aquela poderosa energia invadir seu corpo. Parou a leitura, tornou a enrolar o
livro e olhou um a um todos aqueles que o fitavam com as mais diversas expressões a brilhar nos olhos.
- Hoje se cumpriram as escrituras sagradas que acabaram de ouvir!
Um dos homens que, desde que haviam entrado na sinagoga mantinha o cenho cerrado e não
despregava os olhos de Jesus, foi o primeiro a exclamar:
- Como se cumpriram as escrituras? Somente o Messias pode cumpri-las!
Os outros se levantaram e todas as vozes soaram ao mesmo tempo.
- Só o Messias pode cumprir as escrituras!... Como pode dizer que elas foram cumpridas hoje?
E Jesus, impassível, ergueu os braços sobre eles e continuou:
- Vim trazer boas novas aos pobres e libertar aqueles que estão presos em seu coração. Os que não
enxergam o caminho poderão ver a luz e todos se prepararão para a chegada do Senhor!
No turbilhão de vozes, as perguntas se destacavam:
- Quem é ele?
- Não é o filho de José?
- Como pode estar falando desta maneira?
- Nenhum profeta é bem aceito em sua própria terra - continuou Jesus - portanto, lembrem-se de que
no tempo da grande fome, muitas viúvas existiam em Israel, no entanto Elias foi enviado a uma viúva, em
Serepta de Sidon, e no tempo do profeta Eliseu, muitos leprosos existiam em Israel, mas o único leproso que
se purificou foi Naamã, o sírio.
Aquelas palavras de Jesus, mostrando uma realidade para a qual não haviam ainda despertado,
provocou ainda mais revolta.
- Ele se diz profeta!
A ira tomou conta de todos, na sinagoga. Sem ao menos procurarem compreender o sentido das
palavras de Jesus, expulsaram-no dali com palavras rudes, cercaram-no e conduziram-no ao cume do monte
mais alto. A intenção de todos era evidente. Guiados pela fúria que aumentava cada vez mais, procuravam
empurrar Jesus pela montanha abaixo, mas não conseguiram. Ninguém pôde explicar o que houve, mas viram
simplesmente Jesus se libertar das mãos que o seguravam e prosseguir seu caminho, sem se voltar para trás.

...

A ida para Cafarnaum foi sugerida por Simão.


- O povo de lá é simples e acolhedor. Tenho casa em Cafarnaum, onde poderemos ficar pelo tempo
que quiser.
Pensativo, Jesus não se opôs. Parecia mergulhado por inteiro no mundo de seus pensamentos. De
repente, parou e voltou-se para os discípulos.
- O reino de meu Pai está tão perto, no céu, ao alcance de todos os homens. - disse - Por que tanto
ódio nos corações, quando a Vida é o Amor?... Parece que falar de amor, de igualdade entre os homens, da
libertação das amarras causadas pela ignorância, traz revolta em lugar de maior compreensão... Se assim é,
não pensem que vim para trazer paz à terra, pois na verdade eu vim para trazer discórdias, fogo, espada e
guerra. Na casa onde houver cinco pessoa, três estão contra dois, filho estará contra pai. E serão solitários...
- Mas, Mestre - gaguejou Natanael - como pregar o amor de Deus pode trazer a discórdia?
- Porque o amor não é pacífico nem inócuo, é fogo que queima tudo, para transformar o humano em
divino, e é somente quando o homem desperta o divino dentro de si que poderá receber meu Pai em seus
pensamentos.
A ruga que vincava o cenho dos discípulos mostrava o esforço que faziam para compreender as
palavras de seu Mestre.
- E com o que se parece o Reino do Céu? - perguntou João.
Jesus se calou por instantes, como que procurando um meio de ser melhor compreendido. Depois
disse:
- É como a semente de mostarda, a menor de todas as sementes. Mas quando ela cai em terra arada,
produz grandes galhos e se torna abrigo para os pássaros do céu. Assim é o Reino do meu Pai, quando
consegue entranhar-se no coração do homem. No começo é uma pequenina idéia que nasce e, quando o
coração está pronto para recebê-la, ela cresce e abrange todo o universo.

...

Caminhavam e conversavam e nem viam o tempo passar. Os discípulos, bebendo uma a uma as
palavras de Jesus, tentavam adaptar seus antigos conhecimentos àquelas novas idéias que chegavam, cada
vez que Jesus lhes falava. E chegaram a Cafarnaum.
A praia, cheia de barcos e redes, logo mostrava que a atividade principal ali era a pesca, mas logo
além das areias, elevavam-se outeiros cobertos de oliveiras, divididos por vales viçosos, cortados por riachos
de águas cristalinas.
A casa de Simão era simples, ampla e acolhedora. Suas paredes eram forradas de barro cozido e o
teto feito de folhas de palmeira, sustentadas por galhos entrelaçados.
Descansaram da viagem, passearam pela beira do mar, olharam os pescadores na luta contra o mar. E
assim chegou o sábado, dia de ir à sinagoga.
Novamente Jesus foi convidado para falar, mas desta vez todos o escutaram. Suas palavras falavam
de amor, ensinavam que o reino do Pai está muito perto, no coração de cada um.
- Se aqueles que os guiam lhes disserem: “Veja, o Reino está no céu”, então os pássaros poderão
alcançá-lo antes de vocês, e se lhes disserem: “o Reino está no mar”, então os peixes poderão chegar a ele na
sua frente. Mas eu lhes digo que o Reino está dentro de vocês e, ao mesmo tempo, fora de vocês. Se o
alcançarem em seu interior, saberão que são filhos do Pai-Mãe vivo. Mas se não conseguirem encontrá-lo
dentro de si, estarão mergulhados na pobreza. Contudo, aquele que encontrar o significado destas palavras,
não provará a morte!
Embevecidos, todos o escutavam. Mas, no meio deles, houve um que se pôs a gritar:
- O que quer de nós, Jesus de Nazaré? Veio para nos arruinar? Bem sei quem você é... É o Santo de
Deus!
Um rumor de desagrado correu pela sinagoga.
- Novamente!... - resmungou um velho de longas barbas brancas, enquanto olhava em volta, para ver
se alguém tomava alguma atitude contra o indesejável intruso - Ninguém pode mais fazer discursos nesta
sinagoga! Este homem sempre interfere, parece até endemoniado!
- Ele é endemoniado! - falou outro, a seu lado. - Ninguém consegue contê-lo!
- Segurem-no!... É o endemoniado!...
O homem aproximou-se de Jesus com os olhos injetados de sangue. Um filete de saliva escorria pelo
canto de sua boca e desaparecia na barba eriçada.
- O Santo de Deus! - repetiu ele - Vamos, diga logo o que veio fazer aqui!
A forte energia impregnou novamente o corpo de Jesus e seu olhar penetrante mergulhou fundo nos
olhos esgazeados e vermelhos. O homem parou e ficou arquejando, a boca aberta, deixando escapar um hálito
fétido.
- Cale-se e saia deste homem! - ordenou.
O corpo do homem foi violentamente sacudido por alguma força invisível e poderosa e arremessado
ao chão. Jesus estendeu a mão direita sobre ele e tornou a repetir, em tom imperioso:
- Saia já deste homem!
O homem estremeceu e parou. Respirou profundamente e esfregou o rosto com as mãos sujas da
poeira avermelhada do chão. Depois piscou várias vezes, como que procurando limpar a visão e voltou-se
para Jesus, que o fitava com o olhar então tranqüilo. Depois levantou-se, um pouco assustado.
Na sinagoga, todos se admiraram e as vozes exclamavam:
- Viram o que ele fez?
- Dá ordens aos espíritos impuros, e eles o obedecem!
- Quem é ele? De onde vem?...
E em poucas horas, toda a Galiléia comentava o que acontecera na sinagoga de Cafarnaum.

...

Foi com um certo custo que conseguiram sair da sinagoga e foram direto para a casa de Simão. Lá,
uma péssima notícia os aguardava. A febre que há dias acometera a sogra de Simão mas que parecia não ser
nada grave, aumentara a ponto de fazê-la delirar. De nada estavam adiantando as compressas frias e a boca
cerrada não deixava passar os chás que poderiam, talvez, ajudar a reduzir o intenso calor que coloria suas
faces de um vermelho intenso. Seu corpo se debatia e gemidos surdos escapavam-lhe do peito.
Nervoso, Simão correu para Jesus:
- Mestre, ajude-a, por favor!
Jesus aproximou-se da enferma e ficou parado, de pé, a seu lado. Aos poucos foi sentindo de novo
aquele calor que chegava, que tomava todo o seu corpo, que dirigia seus movimentos e sua vontade. Segurou
a mão trêmula da doente e respirou fundo. No mesmo instante ela parou de tremer, o vermelho foi sumindo de
seu rosto, ela abriu os olhos e sentou-se. Minutos depois já estava de pé, alegre, tomando providências para
que seus hóspedes fossem servidos.
Ao entardecer, parecia que toda a população doente e endemoniada da cidade estava aglomerada à
porta da casa de Simão, esperando o milagre da cura. Jesus atendeu a todos mas, durante madrugada, retirou-
se para um lugar deserto e meditou.
Quando os discípulos, enfim, o encontraram, exclamaram:
- Mestre, todos estão à sua procura!
E Jesus, saindo do estado pensativo em que se encontrava, respondeu:
- Vamos a outros lugares, a outras aldeias, preciso continuar pregando. Foi para levar a palavra de
meu Pai que ele me enviou.
- Mas, Mestre - exclamou Tiago - eles sofrem, precisam de sua ajuda...
E Jesus disse:
- Em todos os lugares existem os que sofrem e bendito é o homem que sofreu, porque encontrou a
Vida.
Mal clareou o dia, o povo viu o grupo que partia de Cafarnaum. À frente ia aquele moço que tantas
esperanças lhes trouxera, o corpo magro meio curvado para o lado do ombro onde pendia uma enorme sacola
de couro.
...

- CAPÍTULO 19 –

Era a época da Páscoa, e Jesus seguiu para Jerusalém. Lembrava-se vagamente da primeira viagem
que fizera até lá, com seus pais. Logo depois, partira para a Índia.
André e Felipe iam na frente, tagarelando, mas Jesus não se importava. Aprendera a recolher-se em
seu interior e o ruído externo não perturbava o que lhe ia na mente.
Quando a estrada se tornou melhor e o caminho mais fácil, Jesus logo soube que já estavam muito
próximos a Jerusalém. Lá se erguia o magnífico Templo onde, no Santo dos Santos, Iahweh estava
misteriosamente presente e ausente ao mesmo tempo.
De longe, viram o muro ocidental do monte do Templo, erguendo-se com imponência contra o azul
do céu. Mais um pouco, e o Templo surgiu, com toda a sua pujança. Jesus parou e ficou contemplando aquela
construção magnífica. Do fundo de sua memória voltaram recortes da história de Moisés e lembrou-se de
como ele, conduzindo seu povo pelo deserto, armava a Tenda da Habitação onde Iahweh se manifestava.
Diziam as escrituras: “Quando Moisés se dirigia para a Tenda, todo o povo se levantava, cada um permanecia
de pé, na entrada de sua tenda, e seguia Moisés com o olhar, até que ele entrasse na Tenda. E acontecia que
quando Moisés entrava na Tenda, baixava uma coluna de nuvem, parava à entrada da Tenda e Ele falava com
Moisés. E Iahweh então falava com Moisés face a face, como um homem fala com o outro”.
Esses ensinamentos, inculcados em sua alma quando ainda criança, estavam ainda presentes,
trazendo a emoção de ver o Templo, construído para que Iahweh voltasse a falar com seu sacerdote. E lá, no
Santo dos Santos, no coração do Templo, somente o Grande Sacerdote podia entrar, uma vez por ano, no dia
do Grande Perdão, depois de Ter feito retiro e jejum, de estar purificado de todas as maneiras, para pronunciar
com receio e temor o nome de Iahweh e lhe implorar o perdão de todas as iniquidades, ofensas e transgressões
de que é culpado o povo que Ele elegeu. E enquanto ele entra no Santo dos Santos, os outros sacerdotes e o
povo se ajoelham e se prosternam orando em louvor ao Senhor.
E Jesus imaginava se também ali a coluna de nuvem desceria e traria a figura física de Iahweh, da
mesma maneira como ele lhe aparecera no deserto para onde se retirara, logo após seu batismo. Mesmo que
não houvesse a presença física, com certeza sua presença espiritual aconteceria naquele local tão santificado e
o Grande Sacerdote escutaria suas palavras e suas orientações.
À medida que se aproximava do Templo, mais Jesus se alegrava com a idéia de estar chegando
àquele local santificado e preparado para receber a presença de seu pai, Iahweh.
Os peregrinos já haviam invadido Jerusalém aos milhares, e tomado as ruelas e ruas da cidade alta,
onde se encontrava o Templo. Em volta, tudo era confusão.
Jesus aproximou-se do adro dos gentios, uma gigantesca esplanada à entrada do Templo, onde uma
multidão com véus coloridos, turbantes vermelhos, mantos brancos se agitava em meio a um grande alarido.
Havia um rumor denso e pesado, mesclado de rezas, imprecações, discursos, cânticos e os gritos dos animais
levados para o sacrifício. Mais adiante, as vozes estridentes dos cambistas ofereciam a moeda do Templo,
com a qual os peregrinos pagariam, para o perdão de sua alma, os impostos à casta sacerdotal. Qualquer outra
moeda seria impura e sujaria o local sagrado. Mais longe, os levitas conduziam sal, pão, incenso e óleo para
as oferendas. Filas se formavam diante dos balcões onde se vendiam selos diversos, selo do cordeiro, selo do
carneiro, selo do cabrito, que permitiriam comprar os animais para o sacrifício. Os sacerdotes tinham o
monopólio de todo o comércio do lugar. Sentiu uma rápida tonteira e lembrou-se de Ter sentido o mesmo mal-
estar há anos atrás, quando ali chegara com seus pais. E do fundo de suas recordações, chegou sua própria
voz dizendo a Maria:
- É preciso tudo isto para que Iahweh nos escute?
Subitamente, uma verdade dolorosa atingiu em cheio o seu coração. Naquele momento, teve a
certeza de que Iahweh jamais se manifestaria em meio àquele clima de confusão, exploração humana e
sofrimento animal. E compreendeu quando Iahweh lhe dizia em seus pensamentos: O Reino está dentro do
coração de cada um.
Os cambistas continuavam a gritar e a trocar as moedas impuras, para garantir a compra de animais
sem mácula. As pessoas se empurravam, na pressa de conseguir moedas do Templo, para pagarem logo seus
impostos anuais e para adquirirem a taxa de purificação para suas frutas, laticínios, cereais e lenhas.
Os soldados romanos metiam-se entre a massa humana, procurando organizar o povo em filas,
mostrando claramente o desprezo que sentiam pelos judeus.
Dos Estábulos Salomônicos vinham os lamentos dos animais destinados ao sacrifício, animais que
vinham dos camponeses pobres, obrigados a doarem ao Templo o primogênito de seu rebanho, porque
somente os primogênitos eram considerados puros.
Jesus respirava com dificuldade, em meio àquela multidão suarenta e a tristeza apertava mais e mais
seu peito. Sentia que, de alguma forma, aquele procedimento absurdo afastava mais ainda o coração das
pessoas da alma e da mente de Iahweh.
Quase que arrastado pelo povo, Jesus chegou à praça, onde os cambistas gritavam, atraindo a atenção
do povo para suas mesas. Um suor gelado começou a correr de sua testa e a entrar-lhe pelos olhos. Uma
pesada porta que dava para os estábulos se abriu, deixando passar um lote de ovelhas. Jesus apertou o rosto
entre as mãos, por instantes, e limpou o suor que o cegava. Com a respiração acelerada, as lágrimas chegando
de repente, as mãos subitamente firmes e decididas, Jesus arrancou as cordas que envolviam o cercado que
conduzia os animais, segurou-as com firmeza, e açoitou as mesas mais próximas.
- A casa de Iahweh não é uma casa de comércio! – gritou com voz rouca.
Os cambistas recuaram, assustados. Foi tudo muito rápido. Logo que o tumulto começou, os discípulos
puxaram-no para um canto e tomaram as cordas de suas mãos, mas alguns sacerdotes se aproximaram, com
ares ameaçadores nos rostos congestionados.
- Com que autoridade age desta forma? – perguntou um deles.
Jesus sentiu tão forte a ira dos homens, que por momentos julgou que fossem agredi-lo fisicamente.
- Destruam este templo, e o reconstruirei em três dias... – disse com voz pausada.
Os sacerdotes se entreolharam, procurando compreender as palavras de Jesus. Depois um deles falou:
- Quarenta e seis anos foram precisos para se construir este Templo... e você diz que o levantaria em
três dias?
Jesus não respondeu. Voltou-se e saiu seguido pelos discípulos assustados. Mas a notícia logo chegou
aos ouvidos das autoridades do Templo e em pouco estavam todos querendo saber quem ousara atacar suas
necessidades fiscais, sacrificiais e cultos.
Mais tarde, a sós com os discípulos, ele disse:
- Aprendi que o Templo de Jerusalém é a casa de Iahweh, aprendi também que Moisés ensinou que a
Iahweh deveriam ser consagrados todos os primogênitos, homem ou animal. Moisés ensinou muitas coisas
que aprendeu de Iahweh, mas o que vi hoje foi uma total profanação de homens e de animais. E eu digo a
vocês que para chegar a Iahweh basta encontrar o Amor em seus corações, basta se voltar para dentro de si
mesmos. Aqueles que praticam atos contra as criaturas de Iahweh não podem ser íntegros, nem aqueles cujas
mãos estejam manchadas de sangue podem compreender os mistérios do Reino. Portanto, digo a todos os que
desejam ser meus discípulos: mantenham suas mãos afastadas do derramamento de sangue. Mas, se qualquer
animal sofrer muito e se a sua vida for uma miséria, ou for perigosa ao homem, libertem-no rapidamente de
sua vida, com o menor sofrimento possível. Não o atormentem, pois aquilo que fizerem ao menor dos filhos
da Terra, estarão fazendo a mim mesmo, pois eu estou neles e eles em mim. Eu estou em todas as criaturas, e
todas as criaturas estão em mim. Alegro-me com suas alegrias e aflijo-me com suas tribulações. Assim, lhes
digo: sejam complacentes uns para com os outros e para com todas as criaturas de Iahweh.
A noite caiu e envolveu Jerusalém com seu manto negro, onde as tochas bailavam, enfeitando a
escuridão. Do meio das trevas surgiu um emissário à procura de Jesus.
- Venho da parte de Nicodemus, ilustre membro do Sinédrio, que deseja recebê-lo em sua casa.
Jesus acompanhou o mensageiro até uma casa bem situada, onde um homem de meia-idade já o
aguardava.
- Sou Nicodemus – apresentou-se ele, recebendo Jesus com um gesto largo – e já ouvi falar dos feitos
que realizou em Caná. Falaram-me também de suas palavras da sinagoga de Nazaré e fiquei curioso em
conhecê-lo...
... embora não queira se arriscar a ver-me em público, para não enfrentar as incômodas críticas de
seus colegas, não é verdade? – acrescentou Jesus.
Nicodemus sorriu. Começava a gostar daquele moço de olhar profundo, que mal chegara à Nazaré já
conseguira mobilizar a opinião de tantos. Sentaram-se e Nicodemus foi direto ao assunto:
- Dizem que vem da parte de Iahweh. Acredito que seja verdade, pois ninguém pode fazer os sinais
que já fez, se Iahweh não estiver com ele.
E Jesus respondeu:
- Iahweh pode estar com todos os que alcançarem o seu Reino, desde que renasçam em Espírito.
- Como pode um homem renascer, já sendo velho? Poderá entrar uma segunda vez no seio de sua
mãe e tornar a nascer? – perguntou Nicodemus, surpreso.
- Em verdade lhe digo que quem não renascer em Espírito não pode entrar no Reino de Iahweh. O
que nasceu da carne é carne e o que nasceu do Espírito, é espírito. O vento sopra onde quer e todos ouvem seu
ruído, mas ninguém sabe de onde vem e nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do
Espírito.
- Mas como pode isso acontecer? – voltou a perguntar Nicodemus, curioso com as palavras
enigmáticas de Jesus.
- Sendo mestre em Israel, como pode ignorar essas coisas? Apenas dou testemunho daquilo que vi,
mas não acredita em minhas palavras. Se não acredita quando falo das coisas da terra, como irá acreditar
quando falar das coisas do céu? Porém eu lhe digo: vim para trazer luz ao mundo, mas sei que os homens
preferem as trevas, pois suas obras são más e aquele que faz o mal odeia a luz. Mas quem pratica a verdade
vem para a luz, para que suas obras sejam feitas em Iahweh.
Nicodemus se calou. Intimamente admirava aquele Rabi tão jovem e tão sábio. Houve momentos em
que teve vontade de seguí-lo, de tornar-se um de seus discípulos, mas o temor de combater de peito aberto por
um ideal não permitiu que fosse junto com ele. De pé à porta de sua casa, viu partir aquele moço, o corpo
meio curvado para o lado do ombro onde pendia uma enorme sacola de couro.

...

- CAPÍTULO 20 -

Aos poucos os discípulos se acostumaram com os períodos de solidão em que Jesus mergulhava, às
vezes por horas a fio. Geralmente, acontecia antes de pregar em alguma sinagoga.
Naquele dia, estando às margens do mar da Galiléia, resolveram aproveitar o afastamento de seu
Mestre para pescar. A venda de peixes os auxiliaria a conseguir mantimentos para um bom período.
Soltaram as amarras dos barcos e remaram para o mar profundo. Lançaram as redes, mas elas
retornaram completamente vazias.
Depois de algumas tentativas, Simão começou a ficar nervoso.
- Mas o que houve com os peixes? Será que não conseguiremos nenhum, nem ao menos para nosso
jantar?
Por mais que tentassem, não pescaram nada. Era como se o mar tivesse se esvaziado completamente
de qualquer ser vivo.
Retornaram à praia, desapontados. Jesus já os esperava e, ao ver a tristeza estampada no rosto dos
discípulos, sorriu.
- Mas o que houve? Por que tanto aborrecimento?
André secou com as costas da mão o suor que escorria pela testa.
- Nenhum peixe, Mestre. Não conseguimos nem mesmo um peixe para o jantar de hoje.
- As provisões estão no fim! - exclamou Simão - Contávamos com uma boa pescaria hoje.
- Zarpem de novo - disse Jesus. - Irei junto com vocês.
Simão, que já enrolara suas velas, retrucou mal-humorado:
- Mas, Mestre, já tentamos por horas e horas... Não há peixe nestas águas! - Mas, sem conseguir
sustentar o olhar de Jesus, coçou a cabeça e suspirou - Está bem, já que manda, vamos voltar à pesca.
Jesus entrou no barco de Simão e André e os outros os seguiram no pesqueiro de Tiago e João. Os
remos cortaram as águas, novamente em direção ao mar profundo.
Os olhos de Jesus pousaram na superfície líquida e respingada do ouro do sol.
- Joguem as redes - disse ele.
Simão obedeceu. Sua rede mergulhou e voltou abarrotada de peixes. Assombrados, os discípulos
pescaram e pescaram, até que os barcos ameaçaram afundar com o peso.
Mais tarde, de dentro daquele mesmo barco, Jesus falou aos pescadores, suas famílias e outros que
chegaram e se comprimiram à margem, ávidos de sua palavra.
- Vim para lhes trazer boas novas, sua escravidão acabou!
Um deles chegou mais perto e perguntou:
- Mas que escravidão? Do que está falando, Rabi?
A fisionomia de Jesus era tranqüila e seus olhos pareciam ver muito além de toda aquela gente.
- A escravidão trazida pela ignorância das leis de Deus. O Reino Divino está próximo, Deus está em
vocês, dentro de seus corações. Saibam encontrá-lo e amá-lo.
A mulher de um dos pescadores exclamou, impressionada tanto pelo milagre dos peixes, quanto
pelas palavras de Jesus:
- Bendito seja o ventre que o gerou e s seios que o amamentaram!
E Jesus disse:
- Benditos sejam aqueles que ouvirem a palavra do Pai e a realizarem de verdade. Por que virão dias
em que dirão: ‘Bendito o ventre que não concebeu e os seios que não amamentaram’, pois mil vezes mais
importante é o nascimento pelo espírito do que pela carne. Nossos pais nos dão o corpo, mas a alma vem de
Deus.
- Ele fala como João, o Batista! - disse alguém na multidão, seguida por outra voz, que ecoou:
- João Batista, foi preso!...

...
A prisão de João entristeceu o coração de Jesus mas, no fundo, ele já esperava por isso.
O batismo que João realizava era um rompimento com o Templo. A purificação pela água era quase
obsessiva, sobretudo entre os fariseus. A água purificava, mas não trazia a salvação prometida por Deus, e o
batismo de João salvava, de uma vez por todas, depois do arrependimento dos pecados. Quem quisesse se
ligar a Deus não precisaria mais suportar os altos custos e o sofrimento de uma viagem à Jerusalém para levar
oferendas ao Templo e pagar impostos aos sacerdotes. Bastava demonstrar arrependimento verdadeiro e
mergulhar nas águas do Jordão. Os homens do Templo não estavam vendo com bons olhos o sucesso de João.
Herodes, por sua vez, vivia preocupado com as multidões que se uniram em torno de João, com
medo que sua eloquência levasse o povo a uma perigosa rebelião. As notícias diziam que tudo começou
quando Herodes Antipas anunciou publicamente seu casamento com a própria sobrinha Herodíades que, ainda
por cima, era esposa de seu irmão Herodes Felipe.
A liteira que transportava o casal real seguida por um cortejo, passou por perto do Jordão, onde João
pregava. E do meio de todo aquele povo, a voz do pregador elevou-se contra Herodes:
- A lei do Senhor é bem clara! - gritou João - Não pode desposar a esposa de seu irmão! Não
cometam adultério! Arrependam-se e envie esta mulher de volta para Herodes Felipe!
- Prenda este homem! - rosnou Herodíades entre dentes.
- Morrerão em pecado! - continuou a gritar João - Arrependam-se!
A liteira seguiu seu caminho, mas Herodes resolveu colocar um ponto final naquele falatório. Poucos
dias depois, João foi encarcerado em Maqueronte.
Herodíades, furiosa com as palavras ofensivas de João, exigia sua morte. Mas Herodes, ainda
preocupado com a reação do povo que seguia o Batista, procurava acalmá-la:
- É apenas um fanático religioso... Vou mantê-lo preso por algum tempo, até que se esqueçam de seus
banhos... Sua morte poderia incitar o povo e Roma não iria gostar nada disso.

...

Eram poucas as vezes em que Jesus conseguia estar a sós. O povo, sabendo de suas palavras e de
seus feitos, sempre o assediava onde quer que estivesse. A necessidade que tinha de solidão, no entanto, era
muito forte e ele costumava se esconder em regiões desertas. Era naqueles momentos que falava com Iahweh.
Eram momentos íntimos, quando filho e Pai conseguiam estar a sós e Jesus era acolhido por aquela energia
terna e poderosa, que o envolvia.
- Pai, eles não me compreendem... Digo-lhes que trago luz a quem não enxerga o caminho do seu
Reino e me trazem cegos para curar. Querem que eu seja um curandeiro, mas não se esforçam em
compreender o que tenho a lhes dizer.
- Jeshuah - respondia-lhe Iahweh - muitas vezes é preciso apelar para feitos milagrosos, a fim de que
os homens percebam que estão em frente a um fenômeno maior. E então abrirão sua consciência para a
palavra que traz o conhecimento. Ajude-os, Jeshuah, eles precisam de você. O que vai hoje lhes ensinar
talvez não seja logo compreendido, mas suas palavras permanecerão, e à medida que a consciência dos
homens for se expandindo, poderão compreender o sentido das palavras que hoje não entendem.
- Será que este dia chegará, Pai? Sinto seus corações mais áridos do que este deserto...
- ... deserto que será irrigado por suas palavras - emendou Iahweh - e que se tornará capaz de dar
sementes.
Jesus se calou. A vibração que o envolvia era muito forte. Pelos olhos cerrados, as lágrimas corriam.
- Tenho tantas saudades, Pai... Sinto-me um peregrino em terras desconhecidas.
A vibração se tornou mais intensa ainda e um fluxo de amor envolveu seu corpo e sua alma.
Mergulhado no silêncio que se fez em seguida, Jesus se deixou amar e amou. As dores de sua alma se
aplacaram e o vento do deserto roçou sua pele com delicadeza, trazendo-o de volta à realidade do mundo
físico à sua volta.

...

Estava ele se dirigindo para o local predileto de suas meditações, quando um leproso chegou
correndo e, ao vê-lo, atirou-se a seus pés:
- Rabi, ajude-me! - exclamou estendendo o braço envolto em trapos imundos, que mal escondiam
suas chagas - Se quiser, poderá curar-me!... Ajude-me a me limpar desta doença horrível!
Jesus teve pena e ajudou. Estendeu a mão e tocou-o, dizendo:
- Bem-aventurado é você, que acredita...
No mesmo momento sentiu-se tomado por aquela forte energia que o invadira no momento do
batismo, e percebeu que ela se concentrava na sua mão e envolvia o doente numa tênue nuvem cor de prata. O
leproso exclamou, surpreso:
- Estou curado! - e arrancou os panos sujos dos braços. Somente umas marcas levemente escuras na
pele mostravam o lugar onde antes haviam feridas abertas - Estou curado!
E Jesus falou novamente:
- Não diga nada a ninguém, mas procure o sacerdote e faça a sua purificação de acordo com a lei de
Moisés.
Mas o homem, não se contendo de tanta felicidade, saiu gritando a todos o milagre de sua cura.
- E ele me tocou! Não se importou com a minha doença!... Ele me tocou e fiquei curado!
O povo, maravilhado, olhava sua pele limpa de qualquer estigma, mas os fariseus comentavam entre
si:
- Como pôde tocar um leproso! Não tem a menor consideração pelas normas da pureza!...
- Além de tudo, é um galileu, vem de um povo mestiço, misturado com pagãos!... Impuros!
Os fariseus, que tanto sendo doutores da lei, como pequenos nobres ou comerciantes ansiosos por
uma reforma religiosa, estavam convencidos que era preciso observar a Lei com mais rigor e obedecer
cegamente ao menor de seus mandamentos. Tratava-se se salvar a alma de Israel. Alguns fariseus diziam
mesmo que fora de Israel todo solo era impuro, que todo estrangeiro transmitia sua impureza a quem quer que
tocasse. Debatiam horas para decidir se podiam comer o pão assado num forno aquecido a lenha cortada por
não-judeus e discutiam passionalmente para saber se o tecelão tinha o direito de usar uma lançadeira talhada
numa madeira vinda do exterior. Como os rolos de textos sagrados não forneciam respostas indiscutíveis a
essas questões, eles procuravam ali os indícios que pudessem dar a menor orientação sobre as vontades do
Senhor, sobre as quais eles se cansavam de brigar.
Mas, apesar de não ser aceito por eles, a fama de Jesus já corria pela Galiléia. Por onde andava, as
pessoas o seguiam, geralmente trazendo doentes para serem curados.
A casa de Simão, em Cafarnaum, estava sempre lotada e para lá também iam fariseus e doutores da
Lei, vindos de todos os povoados. Ficavam atentos a todas as palavras de Jesus, mais procurando atingi-lo
com suas acusações do que realmente interessados em ouvir o que ele falava.
Mas, naquele dia, todas as atenções se voltaram para o burburinho que se aproximava da porta. As
pessoas se acotovelavam, procurando deixar passar alguém e logo a confusão ficou estabelecida. Mas, as
tentativas não alcançaram êxito. Não conseguiram introduzir pela porta estreita a maca de cipós entrelaçados,
que transportava um paralítico.
- Deixem a maca e peguem-no no colo! - sugeriu alguém.
- Não pode! - gritou alguém da família - Ele sente muitas dores, não suportaria tantos movimentos
com o seu corpo! Ele precisa ficar absolutamente imóvel!...
O doente, assustado com a perspectiva de não ser atendido por Jesus, gemeu:
- Por favor, encontrem um jeito!... Se o Rabi me tocar, ficarei curado! Não me levem embora sem vê-
lo!...
Alguém, finalmente, teve a brilhante idéia. Reuniram alguns homens, levaram o doente para o
terraço, afastaram as folhas de palmeira do teto e desceram a maca, amarrada com cordas. O paralítico pousou
no chão, bem na frente de Jesus.
- Rabi - exclamou o homem, com os olhos marejados de lágrimas - sei que pode me curar! Meu
corpo não me serve para mais nada, somente meus pensamentos correm, livres, mas não posso acompanhá-
los. Mas meu coração me disse que aqui encontraria a cura...
Um silêncio cheio de expectativas desceu sobre todos. Jesus se levantou e ficou ao lado da maca,
olhando para o homem deitado com um olhar longínquo, que parecia estar vendo muito além de sua doença.
De repente, falou:
- Homem, seus pecados estão todos perdoados!
Um rumor de vozes contidas correu pela enorme sala, e os fariseus comentaram entre si:
- Mas afinal quem é ele para dizer tal blasfêmia? Quem, senão Deus, pode perdoar os pecados?
- E o doente não está pedindo perdão, está querendo ser curado - resmungou outro.
- Só Deus pode perdoar! - repetiu o primeiro - Ele blasfema! Para ser perdoado de seus pecados, tem
que ir ao Templo, fazer sacrifícios, assim a Lei exige!
Do meio do tumulto, elevou-se novamente a voz de Jesus, parecendo responder aos cochichos
daqueles que, à distância, criticavam suas palavras:
- Sei que pensam que é muito fácil dizer: seus pecados estão perdoados. É muito mais fácil do que
dizer: levante-se e ande, não é verdade? Pois eu lhes digo que a fé deste homem é grande e que seus pecados
foram perdoados, e agora ordeno também: levante-se e ande!
Foram poucos os que perceberam que o ambiente, por alguns instantes, mudou. Era como se uma
força estranha invadisse o recinto, pressionando de leve a cabeça de alguns, e somente uma velha conhecida
por seus dons proféticos, viu uma nuvem brilhante que chegou do alto, de repente, e envolveu o paralítico.
Minutos depois ele estava de pé, diante de todos, mal conseguindo se equilibrar de tanta euforia, curado. Ele
mesmo fez questão de carregar a maca onde estivera por tanto tempo deitado, e foi para sua casa, seguido por
um grupo de curiosos que o assediavam com mil perguntas.
E, na casa de Simão, ficou o espanto e o medo, envolvendo aqueles que não conseguiam
compreender o que havia acontecido.
Perto dali, uma pequena fila se formava na coletoria de impostos onde, Levi, filho de Alfeu,
arrecadava o tributo dos pescadores. Não pôde deixar de perceber a turma alegre que se aproximava, tendo à
frente um homem muito magro, que carregava uma maca vazia . Escutou alguém dizer:
- Mais um milagre daquele Rabi de Nazaré...
- Não acredito nisso... - resmungou um homem já bastante idoso, enquanto contava as moedas com
que iria pagar seus impostos.
- É verdade! Eu conheço Simão e André, sei que não mentem. E eles me contaram como o Rabi
encheu seus barcos de peixes, depois de um dia em que não haviam pescado nada!....
Levi aguçou os ouvidos, interessado. Se aquilo era verdade, mais peixes significavam mais impostos.
Seria interessante ter aquele Rabi sempre nas redondezas. Se era milagre ou não, pouco lhe importava. O que
queria era ter muitos impostos para receber e assim garantir seu lugar como coletor em Cafarnaum.
A fila ainda não havia se acabado, quando outro grupo foi chegando, trazendo à frente um moço
meio curvado para o lado do ombro onde pendia uma enorme sacola de couro.
- É ele! - exclamou o próximo da fila, apertando as moedas entre os dedos magros - É o Rabi de
Nazaré!
Levi se voltou rapidamente. Ao ver Jesus, não pôde esconder sua decepção.
- Pensava que era alguém mais velho, com um ar mais sábio... - e voltou-se para receber as moedas.
Quando o grupo chegou mais perto, reconheceu Simão.
- Olá, Simão!... - exclamou, dando uma gargalhada - Uma pesca milagrosa não o isenta de impostos!
Simão, furioso, deu uns passos à frente, aparentemente decidido a começar uma feia discussão, mas
Jesus segurou-o pelo braço e conteve-o com um gesto. Simão ficou parado, surpreso, enquanto via Jesus se
aproximar da mesa do coletor..
- Como se chama? - perguntou Jesus.
Levi não respondeu logo. Parecia perdido no olhar de Jesus, um olhar que penetrava no fundo de sua
alma e vasculhava todos os seus segredos.
- Meu nome é Levi... - conseguiu, por fim, murmurar.
- Muito bem, Levi - continuou Jesus, parecendo não se importar com a evidente perturbação do
coletor - Por que não me convida para jantar em sua casa?
O inesperado pedido pegou Levi de surpresa, que gaguejou o convite e mostrou com trêmulos gestos
onde morava. Depois ficou parado, as sobrancelhas empurrando toda a testa para o alto, mudo de espanto,
vendo Jesus se afastar com seu grupo.
Simão não se conteve e exclamou:
- Mestre, não pode entrar na casa de um pecador!
Sem se abalar, Jesus respondeu tranqüilamente:
- Entro na casa de quem me receber bem, e no coração de quem me acolher com amor.
- Mas, Mestre - continuou Simão, nervoso - isso irá causar um escândalo! O que dirão os fariseus?
Eles já o vigiam de perto, procurando motivos para acusá-lo! Não permitem nem ao menos que os coletores
entrem nas sinagogas, são considerados profanos! Irão chamá-lo também de profano, não permitirão mais que
pregue nas sinagogas!...
Jesus afagou a cabeça de uma criança que ia passando, sorriu e disse apenas:
- Não se preocupe tanto, Simão. Por que não vai comigo também?
Simão não respondeu. Respirou fundo, pensando num argumento mais forte para mudar aquela
insensata decisão de seu Mestre. Mas não encontrou e teve que se conformar.
À noite, acompanhando Jesus pelas ruas em direção à casa de Levi, os apóstolos tentaram, todos,
dissuadi-lo:
- O que irão dizer, Jesus?- perguntou Felipe - Não pode comer na casa de ladrões!
- Sabe-se que lá se divertem todas as noites com prostitutas! - emendou João
- Todos pecadores, todos imundos aos olhos de Deus!... - resmungou Simão - Agora vai para lá,
juntar-se a eles na orgia e na perversão. Nós somos pessoas honestas, cumprimos a Lei de Deus, como espera
que compreendamos esta sua decisão?
Jesus parou e olhou para todos eles, um a um. Depois disse:
- Não vim para falar aos justos, mas sim aos pecadores. Quem está cheio de saúde, não precisa de
médico...O coração de meu Pai é cheio de misericórdia e precisa distribuí-la entre aqueles que dela
necessitam. São os pecadores que mais precisam escutar as palavras de meu Pai. Como deixarão a vida
pecaminosa se ninguém lhes mostra o caminho certo? Abram seus corações e acolham aqueles que precisam
de ajuda, do mesmo modo que meu Pai o faz, em sua infinita bondade...
Todos se calaram ante as palavras de Jesus. Seguiram a seu lado, as cabeças baixas, procurando
aceitar aquela filosofia tão nova e tão inesperada.
Mas não entraram. Ficaram à porta, espiando de esguelha pela fresta, horrorizados com as
gargalhadas e o palavreado baixo que vinha de dentro da casa do coletor. Apuravam os ouvidos, procurando
ouvir a voz de Jesus, mas o que escutavam os deixava mais escandalizados ainda.
- Não consigo compreender... - falou Simão - Como pode ele se misturar com essa gente?
André, que até então não se manifestara, deu de ombros e disse:
- Da mesma forma que se misturou com os samaritanos, ou não se lembra? Pediu água para uma
mulher e depois ainda lhe disse: “ Aquele que bebe da água que lhe darei, jamais terá sede. Pois a água que eu
lhe der tornar-se-á nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna”. Ele só se importa em chegar à alma
das pessoas...
- O que faremos agora? - perguntou Tiago.
André dobrou sua manta, colocou-a no chão e se sentou, encostado na parede.
- Vou esperar aqui - falou, com determinação. Em pouco, todos o imitaram, menos Simão, que
continuava a andar de lá para cá, visivelmente nervoso.
- Não fique tão aflito, Simão – disse André – Nosso Mestre sabe o que faz. Acredite nele, da mesma
forma que aquele funcionário real acreditou e seu filho se salvou, não se lembra?
Simão se lembrava muito bem. Todos se lembravam daquele dia, quando novamente em Caná, Jesus
fora procurado por um funcionário cujo filho se achava doente, à morte, em Cafarnaum. Quando pediu que o
acompanhasse, Jesus apenas lhe disse:
- Volte para sua casa, que seu filho está vivo!
O homem acreditou e voltou para Cafarnaum. Quando lá chegou, encontrou o filho bem, já sem a
febre que o devorava.
...

De dentro da casa de Levi vinham somente gargalhadas, músicas e vozes que se misturavam umas às
outras, com evidente animação. Aos poucos, porém, o alarido foi diminuindo, a música cessou, as vozes se
calaram. Surpresos, os apóstolos se entreolharam, calados. A voz de Jesus soava baixa e inaudível, mas era a
única voz que se ouvia, vinda de dentro da casa do coletor de impostos. Cheio de espanto, Simão também se
sentou ao lado dos outros, e apurou os ouvidos mas, por mais que fizessem, não conseguiram escutar o que
seu Mestre dizia. Um torpor foi chegando e tomando conta de seus corpos, e eles adormeceram. Quando
acordaram, viram Jesus sorrindo, de pé à sua frente. Junto dele estava Levi, o coletor de impostos.
À porta foram chegando, um a um, todos os convidados de Levi. Vinham em silêncio, os rostos
pensativos. E Jesus virou-se para seus discípulos e disse:
- Sei que ficaram aborrecidos comigo, porque os abandonei... Mas qual de vocês, tendo cem ovelhas
e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove sozinhas e não vai atrás daquela que está perdida, até
encontrá-la? E quando a encontra, como é grande a sua alegria! Do mesmo modo, há muito mais felicidade no
céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não precisam de arrependimento.
Ninguém disse nada. Aproveitando o silêncio, Jesus continuou:
- Vou contar-lhes uma história: Um homem tinha dois filhos. O mais moço deles disse ao pai: “Pai,
gostaria de receber agora a parte que me cabe dos bens”. E ele então repartiu o que tinha entre os dois filhos.
O filho mais moço partiu para terras distantes e dissipou todos os seus bens, levando uma vida dissoluta. Veio,
então, um período de grande fome e começou a passar por sérias necessidades. Conseguiu que um cidadão
daquela terra o contratasse para apascentar os porcos, e teve que comer da comida que os porcos comiam,
porque ninguém lhe deu alimento. Arrependido, pensou: “Até os criados de meu pai têm abundância de pão, e
eu aqui estou morrendo de fome. Vou voltar para casa e pedir que ele me aceite como seu criado”. E partiu.
Estava ainda distante de sua casa, quando seu pai o viu e ficou tão cheio de compaixão, que correu até ele e o
abraçou e beijou. E o filho lhe disse:”Pai, pequei contra o céu e contra você, não mereço ser chamado de seu
filho!” Mas seu pai chamou seus criados e disse: “Tragam depressa a melhor roupa e vistam-no, ponham anéis
em suas mãos e sandálias nos seus pés! E vamos festejar com um banquete, pois este meu filho estava morto e
reviveu, tinha-se perdido e foi achado!” E todos se alegraram. Seu filho mais velho, que trabalhava no campo,
chegou perto da casa e ouviu a música e as danças. Chamou um criado e perguntou a razão. E ficou sabendo
da volta de seu irmão. Ele se indignou e não quis entrar. Seu pai veio buscá-lo e ele reclamou: “Eu lhe sirvo
há anos, e nunca preparou uma festa tão bela em minha homenagem! No entanto, porém, recebe meu irmão
com um banquete, ele que nos abandonou e desperdiçou seus bens com meretrizes!” E o pai lhe disse: “Filho,
você sempre esteve comigo e tudo o que tenho é seu. Mas seu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e
foi encontrado!”
Simão, que tudo escutava de cabeça baixa, olhou, encabulado, para Jesus.
- Perdão, Mestre... - disse apenas.
Os outros olharam para Levi, que a tudo ouvia com alegria e surpresa estampadas no rosto. Jesus
colocou a mão sobre seu ombro e disse:
- Junte-se a nós, Levi... De agora em diante, será um novo homem e lhe darei também um novo
nome. Eu o chamarei de Mateus.
No dia seguinte, os comentários ferviam entre os fariseus. E, chegando o sábado, viram Jesus e seu
grupo atravessando pelas plantações. Percebendo que os discípulos arrancavam as espigas e as comiam,
debulhando-as com a mão, disseram:
- Não sabem que isto não é permitido fazer num sábado?
E Jesus lhes respondeu:
- Não aprenderam o que fez Davi e seus companheiros, quando tiveram fome? Pois vou lhes ensinar,
então: Davi entrou na casa de Deus, comeu dos pães da proposição, que só os sacerdotes podem comer, e os
deu também aos companheiros. Assim, digo-lhes que o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o
sábado.
Os fariseus se entreolharam, furiosos, enquanto Jesus e os discípulos continuavam seu caminho, por
entre a plantação. Um deles comentou:
- Os discípulos dele nem ao menos jejuam aos sábados! E fomos lhe perguntar porquê, e ele disse:
“Podem os amigos do noivo jejuar enquanto o noivo está com eles? Ninguém faz remendo de pano novo em
roupa velha e nem põe vinho novo em odres velhos...” Quem pode compreender o que ele diz?
Foi também num dia de sábado que Jesus curou a mão atrofiada de um homem, em plena sinagoga.
E foi naquele sábado que os fariseus, junto com os herodianos, aqueles judeus políticos, zelosos pela casa de
Herodes Antipas, chegaram à conclusão de que alguma coisa teria que ser feita para impedir a trajetória do
Rabi de Nazaré.
A primeira reunião foi feita poucos dias depois, com ares informais, convocada apenas para tratar de
assuntos corriqueiros, embora todos já soubessem que o tema principal seria o Rabi de Nazaré. Sem muitos
rodeios, abordaram logo o cerne da questão.
- Ele se outorga o direito de perdoar pecados! Isto é uma blasfêmia!
- E somente curando, também mostra que pode perdoar pecados, uma vez que são os pecados que
tornam as pessoas enfraquecidas...
O mais velho dos fariseus apertou os olhos e comentou:
- Não creio que somente os pecados aniquilem a resistência do organismo das pessoas.. Também o
excesso de impostos deixa os pobres enfraquecidos e as doenças se estabelecem com facilidade.
- Roma não cobra impostos em excesso! - exclamou um dos herodianos - Se impostos não forem
pagos, como irá promover as melhorias em toda Judéia?
Os fariseus fuzilaram-no com o olhar.
- Isto não vem ao caso agora!... O que importa é que a cura das doenças está somente no Templo.
Devem pagar as taxas e comprar os animais para o sacrifício. Este é o verdadeiro caminho para a purificação,
de acordo com a Lei.
- Souberam o que ele fez no Templo? Agrediu os cambistas!... Da próxima vez, poderá agredir até
mesmo os sacerdotes!
- Daqui a pouco as pessoas vão acreditar que não precisam mais ir a Jerusalém, nas festas
obrigatórias, pois a remissão dos pecados pode ser alcançada em casa mesmo.
- E como irá Jerusalém sobreviver, se os judeus não mais vierem para as festas?...
- Ele fala de um Reino onde lá entrando, todos os pecados estão perdoados.
- Não devia ser ao contrário? Primeiro, a remissão dos pecados conforme a Lei exige, depois então a
entrada no Reino.
- É um homem perigoso...
Calaram-se por instantes, mas na mente de todos passava a mesma solução: o Rabi de Nazaré tinha
que ser afastado.
- Vamos afastá-lo, então! - exclamou um dos fariseus, e todos os outros estremeceram, sentindo que
seus pensamentos tinham sido descobertos.
O mais velho apertou novamente os olhos miúdos e resmungou:
- Afastá-lo, como?
- Roma não quer nenhuma violência - apressou-se a dizer um dos herodianos.
- Ninguém está falando de violências - emendou o fariseu - Deve haver um meio de calá-lo.
- Só conheço um...- disse um fariseu muito jovem, que havia permanecido calado até então. Todos se
voltaram para ele - Bem, - continuou o rapaz, sentindo-se alvo das atenções - poderia ser exterminado na
calada, por um punhal rápido e oculto na multidão. Os sicários levariam a culpa...
- Não daria certo! Quem iria acreditar que os sicários estavam agindo por própria conta?
- E Roma não iria aprovar uma medida extrema como essa, que poderia levar o povo a uma revolta! -
emendou outro herodiano.
Dentro do silêncio que novamente caiu sobre eles, já havia uma decisão tomada: vigiar de perto o
Rabi de Nazaré. Ele se tornara uma figura extremamente perigosa para o Templo.

...

- CAPÍTULO 21-

Novamente Jesus se retirou para o deserto, para uns momentos de comunhão com o Pai. A
necessidade de solidão às vezes se tornara tão grande que chegava a causar um mal-estar físico.
O radicalismo religioso o entristecia, não compreendia como as pessoas podiam limitar-se tanto,
prender-se por Leis que confinavam seus pensamentos, em vez de trazerem a libertação do interior. Cada vez
mais se conscientizava de sua missão de libertador, mas não aquele esperado pelos judeus, aquele que os
livraria do jugo romano, mas o libertador de suas almas.
Sentado ao abrigo do sol, fechou os olhos e esperou. Logo foi envolvido pela forte energia do Pai e
escutou sua voz:
- Filho, eles sofrem, não pelo cativeiro da alma, mas por desconhecerem o poder do Amor. O Amor
não é um sentimento que aguça os sentidos, o Amor é uma força que brota no coração, que se expande por
todo o universo e faz com que os pensamentos do homem mergulhem na mente dos Criadores. É o poder do
Amor que permite que criaturas e Criadores, enfim, tornem-se um só, como você e eu somos um só em amor
e em pensamentos. Somente o despertar do Amor trará a libertação de suas almas do cativeiro em que se
encontram agora. O Amor cura, o amor transmuta a matéria, o amor eleva a consciência, tanto a alturas nem
imaginadas quanto ao interior mais profundo do ser, onde ele se encontra com a consciência dos Criadores.
Quando Iahweh se calava, Jesus mergulhava fundo em seu interior e permanecia passivo, apenas
percebendo sua existência interna e, quando retornava ao mundo exterior, vinha fortalecido e pronto para
novamente falar aos homens.
Naquele dia, quando chegou junto ao mar, uma pequena multidão já o aguardava, mais adiante.
Vendo Jesus que se aproximava, Felipe correu ao seu encontro.
- Mestre - exclamou - aquele povo todo o espera há horas.
Jesus parou e depois caminhou para o mar, em direção a um pequeno barco que balançava muito
perto da areia. Vendo a intenção de seu Mestre, Felipe ajudou-o a subir e depois desatou a corda que prendia o
barco num toco de madeira. O barco deslizou suavemente e dali ele falou ao povo que o aguardava.
- Vou lhes contar uma história - disse ele -. Um homem saiu para semear, e foi jogando as sementes à
medida que caminhava. Algumas caíram à beira do caminho e foram comidas pelas aves. Outras caíram em
solo pedregoso. Nasceram, porém quando o sol surgiu, queimou-as e como não tinham raízes profundas, pois
não havia terra suficiente, secaram. Outras sementes caíram entre os espinhos, que cresceram e sufocaram-
nas. E outras, finamente, caíram em terra boa, desenvolveram-se e produziram frutos.
De repente, a multidão que o escutava, calada, foi agitada por um homem aflito, que chegou quase
chorando ao barco de onde Jesus falava. Era Jairo, um dos dirigentes da sinagoga.
- Minha filha está morrendo! - exclamou - Por favor, Rabi, se a tocar com suas mãos, ela ficará
curada!
Jesus teve pena do homem. A expressão de angustia em seu rosto mostrava a dor que lhe ia na alma.
Jesus levantou-se e preparou-se para segui-lo. O povo se acotovelou à sua volta e os discípulos procuraram
facilitar a passagem de seu Mestre. Mas uma mulher conseguiu abrir caminho entre eles e tocou a veste de
Jesus. Imediatamente ele parou e olhou em volta.
- Quem me tocou? - perguntou, e olhou para os discípulos.
Eles sacudiram os ombros, sem resposta.
- São tantas pessoas, Mestre, não vimos quem o tocou.
E a mulher, temendo ter desagradado o Mestre, aproximou-se e ajoelhou-se à sua frente.
- Perdão, Mestre. Tenho estado doente por anos e anos e nenhum médico conseguiu atinar com a
causa de minha doença. O sangue se esvai de meu corpo e nada o contém.Toquei sua veste, Mestre, para ser
curada!
- Filha - respondeu ele - sua fé a curou. Vá em paz, seu mal já está curado.
Estava ainda falando à mulher, quando alguém da sinagoga chegou para Jairo e falou:
- Não adianta mais, Jairo. Sua filha acabou de morrer...
Vendo o desespero que sacudiu o corpo de Jairo, Jesus tentou acalmá-lo:
- Jairo, tenha fé...- olhou em volta e chamou: - Simão, Tiago e João, venham conosco!
Seguiu com Jairo e os três discípulos, um pouco inquieto. Mas logo toda a preocupação se
desvaneceu ante a intensa energia que o envolveu e aqueceu seu corpo, trazendo uma confiança e uma certeza
que somente a presença do Pai em si podia lhe dar.
Na casa de Jairo, todos choravam e clamavam cheios de dor. E Jesus, sem se impressionar com todo
aquele pranto, disse apenas:
- Por que choram? A menina está apenas dormindo...
Não ligou para os murmúrios de descrença que encheram o ar e entrou onde a menina estava deitada,
seguido apenas pelos discípulos. Parou ante a cama e seus olhos pousaram no rosto lívido, parecendo talhado
em cera. Os discípulos se entreolharam, desanimados e um deles fez um gesto em direção a Jesus, mas
desistiu. Uma névoa levemente brilhante começou a encher o recinto, parecendo vir do alto e dos olhos de
Jesus, pregados na menina, emanava uma força completamente desconhecida para eles. Recuaram,
espantados, mas chegaram a escutar as palavras de Jesus:
- Thalita kum! - exclamou Jesus, estendendo a mão para a menina. E sua voz soou estranha, mais
profunda.
As cores começaram a voltar ao rosto de cera e os olhos rolaram sob as pálpebras. Em minutos, a
menina se sentou na cama. Jesus segurou-a pela mão e ajudou-a a se levantar. Saíram da casa e mergulharam
no espanto geral.
Jesus segurou Jairo pelo braço e recomendou:
- Avise a todos que não contem nada a ninguém... E mande dar algo de comer para a menina.
Mas Jairo nem o ouviu direito, tão alegre estava. Todos gritavam e louvavam a Deus e somente Jesus
viu a esfera de prata que saiu por instantes de trás de uma nuvem para logo em seguida se ocultar novamente.
Na volta, eram muitas as pessoas que os seguiam, ainda estonteadas com o ocorrido. No meio delas,
vinham dois cegos que gritavam se parar:
- Por favor, filho de Davi, tenha compaixão de nós!...Cure-nos!
Quando chegaram em casa, Jesus chamou os cegos e perguntou-lhes:
- Vocês acreditam que tenho o poder de curá-los?
E eles responderam:
- Sim, senhor... acreditamos!
Então Jesus tocou seus olhos, dizendo:
- Que seja tudo de acordo com sua fé.
E eles enxergaram. Antes que saíssem, Jesus recomendou:
- Não deixem que saibam...
Mas de nada adiantou seu aviso. Os cegos saíram alardeando sua cura por toda a região.

...

A noite chegou e, por fim, conseguiram ficar sozinhos. Com paciência, Jesus ouvia os discípulos
matraquearem sobre a ressurreição da menina, até que o assunto se esgotou. E Tiago, então, perguntou:
- Mestre, por que conta histórias ao povo?
Jesus chamou-os para perto de si e falou:
- A vocês procuro explicar os mistérios do Reino do meu Pai mas, os de fora jamais entenderiam o
que tenho a lhes dizer. Por isso, a eles falo em parábolas.
Simão fungou e disse, encabulado:
- Não entendi a parábola do semeador...
Pela cara dos outros, Jesus logo viu que nenhum deles tinha compreendido também. Sacudiu a
cabeça, desanimado.
- Se não compreendem minhas parábolas, como entenderão minhas palavras? ... Está bem, vou
explicar: O semeador semeia uma Verdade. As sementes que as aves levam são a Verdade dada àqueles que
não têm preparo para recebê-la, que passam e nem a percebem.. As sementes que caem em solo pedregoso,
são a Verdade que alcança aqueles que a aceitam mas não deitam raízes profundas para que ela permaneça no
fundo de sua alma, e logo sucumbem. As sementes que caem entre os espinhos são a Verdade que chega ao
coração, mas logo é abafada pelos cuidados do mundo, pela sedução das riquezas, pela ambição, e elas se
tornam infrutíferas. Mas as sementes que foram semeadas em terra boa são a Verdade que é escutada, que é
acolhida, e que então produzem os seus frutos - calou-se e olhou um a um. - Compreenderam agora?
As cabeças balançaram num sinal afirmativo.
- A Verdade que o semeador semeia é a Verdade que nos ensina? - perguntou Tiago.
- Sim - respondeu Jesus - e a primeira Verdade que quero que entendam é o conhecimento de si
mesmos, pois aquele que conhece o Todo mas não conhece a si próprio, a este falta tudo. Dentro de vocês,
encontrarão o Reino de Deus, de dentro de vocês sua voz lhes falará. Não acreditem em nada que os outros
lhes disserem e nem mesmo naquilo que está nos livros sagrados. Acreditem somente naquilo que sua
compreensão aceitar e seu coração tomar como certo.
- Diga-nos então quem é, e acreditarei em você, pois meu coração toma como certo todas as suas
palavras - falou Simão.
E Jesus disse:
- Sou um com a luz que paira acima do mundo, sou um com o Todo e o Pai vem através de mim. Mas
nem olhando para o alto e vendo lá a morada do Pai entre as estrelas, saberão conhecer aquele que está agora
diante de vocês e nem poderão avaliar a grandeza deste instante. Mas aquele que beber da minha boca se
tornará como eu e eu me tornarei como ele, e todas as coisas ocultas lhe serão reveladas.
Aos poucos, o cansaço foi chegando e os discípulos foram se ajeitando para dormir. Jesus chegou à
porta e olhou para o céu.
- Pai, - disse baixinho - ajude-me a ensinar a eles aquilo que precisam saber. Sinto que não
compreendem o que lhes falo e que muitas vezes até não gostam de ouvir o que lhes digo
Calou-se, à espera de uma resposta. Uma paz intensa o envolveu e uma onda quente de Amor chegou
a seu coração. E de dentro de sua mente, a voz do Pai lhe falou:
- As pessoas não gostam de ser tocadas no fundo de sua alma, no entanto é lá que está o ponto de
contato com os Criadores. Para chegarem ao fundo da alma, precisam aprender a olhar para dentro de si
mesmas e lá se quedarem em muda contemplação.
- Como? -perguntou Jesus - Por mais que lhes ensine, elas não conseguem se voltar para dentro de si
mesmas...
Fez-se um silêncio profundo. Jesus percorreu o céu com o olhar à procura da estrela bailarina, mas as
luzes estavam todas paradas no firmamento negro, apenas enfeitando-o com seu brilho.

...

- CAPÍTULO 22-

No dia seguinte, André foi o primeiro a perceber o grupo que se aproximava.


- Mestre! - chamou - Muitas pessoas estão vindo nesta direção. Acho que o procuram!...
Jesus jogou seu manto às costas e saiu.
Desde cedo naquele dia, os discípulos repararam que Jesus estava muito calado. Acostumados aos
momentos de reflexão em que seu Mestre mergulhava, já não se importavam quando ele passava horas
pensativo, sem lhes falar. Quando viram as pessoas que chegavam, imaginaram que Jesus não iria atendê-las e
se surpreenderam quando ele foi diretamente ao seu encontro.
Contido por dois homens grandes e fortes, um rapaz se debatia furiosamente. De sua boca, junto com
rumores ininteligíveis, saía uma espuma viscosa.
- Ele está endemoniado, Rabi! - exclamou uma mulher.
- Por favor, ajude-o! - choramingou outra - Ele é mudo, pobrezinho... E seus ataques estão cada vez
mais freqüentes!
O rapaz mudo se contorcia, sustentado pelos dois homens. Jesus parou à sua frente e ergueu a mão.
Não disse nada, apenas fitou com firmeza os olhos desvairados que procuravam evitar seu olhar. Uma
convulsão mais forte sacudiu o doente e ele teria caído se não estivesse seguro. Depois foi se acalmando, os
tremores foram passando, o rosto foi tomando uma expressão natural. O primeiro nome que chamou foi o da
mãe.
- Nunca vi coisa semelhante em toda Israel! - disse uma voz no meio do grupo.- Expulsou o demônio
e fez o mudo falar!
Um pouco afastados, dois fariseus observavam a cena.
- É pelo príncipe das trevas que expulsa os demônios!
O outro concordou com um movimento de cabeça e ficaram de longe, vendo Jesus se afastar seguido
por aquele grupo de pessoas atônitas.
Pelo caminho, o grupo foi aumentando e em pouco uma pequena multidão acompanhava o Rabi de
Nazaré.
Ele subiu uma colina, junto com seus discípulos, e sentou-se no tronco de uma árvore caída. O povo
foi parando no pé do morro, jogando as mantas no chão e se sentando também, os olhos todos fixos em seu
rosto tranqüilo.
No céu muito azul e límpido, uma pequena nuvem apareceu, brilhando muito, como se ocultasse
alguma jóia dos deuses. Mas ninguém lhe deu importância. Todos olhavam para o Rabi de Nazaré.
De repente ele começou a falar, e sua voz parecia cheia de um estranho e desconhecido poder:
- Bem-aventurados são os pobres, porque deles é o reino do céu. Bem-aventurados os que choram,
porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a Terra. Bem-aventurados os que têm
fome e sede de justiça, porque serão saciados....

...

Judas viu o povo que seguia aquele homem, e foi se chegando devagar. Seu instinto revolucionário
lhe dizia que ali estava um excelente líder, um homem capaz de mobilizar multidões. Quem sabe estavam
todos certos e ele era mesmo o Messias esperado, aquele que viera para livrar o povo judeu do jugo romano?
Já ouvira falar de seus feitos milagrosos e sabia que seu poder pessoal era indiscutível. E ali estava ele,
manso, sereno, mas com uma presença firme e poderosa. Era, sem dúvida, um homem capaz de reunir os
judeus e dar a eles a força necessária para banir definitivamente os algozes romanos da Judéia.
Misturou-se no meio do povo e se sentou também. A voz de Jesus chegou-lhe aos ouvidos, cheia de
um magnetismo que até então lhe era desconhecido.
- Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros
de coração, porque verão o Pai. Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos do Pai...
Judas sentiu um estranho arrepio correr por sua coluna e ir alojar-se na base de seu crânio. Pensou ter
frio e enrolou-se no manto. Mas logo o calor do sol fez com que o despisse. Dobrou-o e sentou-se sobre ele.
As palavras do Rabi continuavam a ecoar em seus ouvidos e a invadir todo o seu corpo:
- Bem-aventurados os que sofrem injúrias e perseguições, por que deles é o reino dos céus...

...

Madalena amarrou com cuidado o último maço de ervas e arrumou-o junto com os outros, na cesta.
Toda a encomenda estava finalmente pronta.
Chegou à mesa onde guardava os potes de óleos e escolheu os que iria levar consigo. Depois pegou
com carinho uma pequena caixa cheia de mirra e apertou-a contra o coração. Não conseguia se esquecer do
filho de Maria de Nazaré, aquele homem cheio de paz no olhar e doçura na voz. Gostaria de vê-lo novamente,
mas desde aquele dia, não conseguira mais se afastar de Magdala. Somente agora, depois de preparado o novo
lote de ervas e óleos, iria passar uns dias fora de sua cidade, fazendo as entregas. Preparou tudo, fechou a casa
e saiu. Seu destino, desta vez, era Cafarnaum.

...

As palavras de Jesus calavam fundo na alma de Judas. Começou a duvidar da possibilidade de ver
aquele homem agitando as massas, tão profundas eram as palavras com que tocava o coração de todos.
- Bem-aventurados são aqueles que, por minha causa, são perseguidos e injuriados. Alegrem-se,
porque será grande sua recompensa nos céus.
O povo, em silêncio, bebia uma a uma todas as suas palavras. E Judas começou a perceber que,
muito mais poderosa do que as palavras, era aquela força fantástica que saía daquele homem de Nazaré. E
novamente cultivou a idéia de vê-lo liderando os revolucionários judeus. Seria muito bom tê-lo à frente
daquele seu grupo que vivia escondido, forjando armas e se organizando para um dia, que não sabiam quando
seria, se lançarem contra o exército romano que dominava a Judéia.
- E aquele que trouxer uma oferenda ao altar - continuava Jesus - e então se lembrar de que seu
irmão tem alguma coisa contra si, deixe a oferenda diante do altar e volte para se reconciliar primeiro com seu
irmão, para depois poder apresentar sua oferenda. Reconcilie-se com seu adversário, enquanto está no mesmo
caminho que ele, porque se perdoar aos homens as suas ofensas, também o Pai o perdoará...

...

De longe Madalena viu o povo espalhado pela colina e, no alto, aquele homem que lhes falava.
Aproximou-se, curiosa. Devia ser o Rabi que tanto comentavam em Magdala, aquele que andava curando
leprosos e cegos e afastando demônios.
Chegou mais perto e olhou melhor. Logo reconheceu o olhar cheio de paz do filho de Maria de
Nazaré. Mas sua voz, ah sua voz!... Estava diferente, cheia de um poder que ela jamais supôs existir, uma
força surpreendente que parecia envolver a todos num cálido abraço. E ela também se sentou junto aos outros,
e se deixou tomar pelo fascínio que emanava do Rabi de Nazaré.
- Ouviram o que foi dito: - continuava ele - Amará o seu próximo e odiará o seu inimigo. Eu, porém,
lhes digo: Amem seus inimigos e façam o bem àqueles que os odeiam. Abençoem os que os maldizem e orem
pelos que os maltratam e os perseguem, para que sejam filhos do Pai que está no céu e que faz o sol se
levantar sobre maus e bons e a chuva cair sobre justos e injustos. Que glória há em fazer o bem a quem lhes
faz o bem, e em amar somente aqueles que os amam? E se desejarem aquilo que custa a dor e o sofrimento de
outro, arranca este desejo de seu coração, pois é melhor suportar o sofrimento do que infligi-lo aos mais
fracos. Sejam perfeitos, assim como o Pai que está no céu é perfeito.
Madalena comprimiu as mãos sobre o peito, para conter as batidas fortes do coração. Que força era
aquela que escapava daquele homem e que o tornava tão diferente de todos os outros homens que conhecera
em toda a sua vida? E Jesus prosseguia:
- E quando derem esmola, não permitam que sua mão esquerda saiba o que faz a direita, e cuidem
para que suas esmolas sejam em segredo. Quando orarem, não sejam como os hipócritas que oram de pé nas
sinagogas e nas esquinas das ruas para serem vistos pelos homens; quando orarem, entrem em seu aposento e,
fechando a porta, orem ao Pai-Mãe que está em segredo.
E um de seus discípulos, ergueu-se e pediu:
- Mestre, então nos ensine a orar!
E Jesus falou:
- Quando orarem, digam o seguinte: Oh! Pai-Mãe do Cosmos, origem nossa! Direcione sua luz
dentro de nós tornando-a útil. Crie seu Reino de Unidade agora e que somente sua Vontade possa atuar dentro
e junto à nossa vontade, em tudo o que é luz e em todas as suas formas. Dê a nós, a cada dia, tudo o que
necessitamos em pão e em entendimento, desfaça os laços dos erros que nos prendem, assim como nós
liberamos as amarras com que aprisionamos os erros dos nossos irmãos. Não permita que a superfície e a
aparência das coisas do mundo possam iludir-nos e libere-nos de tudo o que nos detém. De seu Ser nasce toda
a Vontade Reinante, o poder e a força viva da ação, a canção que se renova de idade em idade e a tudo
embeleza. Possam a sua Vontade, Poder e Canção - afirmamos com viva força! - ser o solo fecundo de onde
cresçam todas as nossas ações. Amém.
Madalena não conseguia mais conter as lágrimas que brotavam de seus olhos aos borbotões e
escorriam por seu rosto bonito.
Jesus continuou:
- Também lhes digo: Peçam e lhes será dado; busquem e acharão; batam e lhes será aberto. Pois todo
aquele que pede, recebe; o que busca, acha; e ao que bater, será aberto. Quem de vocês, sendo pai, se o filho
lhe pedir um peixe, em vez do peixe lhe dará uma serpente? Ou ainda, se pedir um ovo, lhe dará um
escorpião? Ora, se vocês sabem dar coisas boas a seus filhos, mais ainda saberá o Pai que está no céu dar em
amor aos que lhe pedirem!
E Judas, sentado no meio de toda aquela gente, conseguiu, por poucos momentos, esquecer-se do
ódio pelos romanos e se deixou levar pelo Amor que fluía da boca daquele Rabi de Nazaré.
No alto, a pequena nuvem permanecia estável e brilhante como o próprio sol.

...

Terminado aquele sermão, o povo foi se dispersando pouco a pouco. Alguns permaneceram,
impressionados com as palavras de Jesus. Ele se levantou e chamou Simão. Colocou a mão sobre seu ombro e
disse:
- De hoje em diante, eu o chamarei de Pedro. Será a pedra onde edificarei meus ensinamentos. -
Abriu os braços e chamou - André, Felipe, Tiago, João e cheguem-se a mim. Natanael, eu o chamarei de
Bartolomeu. Mateus, venha também...
Junto a esses discípulos estavam outros que sempre o acompanhavam, e Jesus também os chamou:
- Simão, o zelota, chegue-se a nós!.. Tomé, Tadeu e Tiago filho de Alfeu, venham...
Seus olhos pousaram em Judas, que a tudo observava em silêncio.
- E você, quem é? - perguntou Jesus.
Judas aproximou-se e disse:
- Sou Judas Ben Simão, de Queriot, mas me chamam de Judas Iscariotes.
Jesus olhou-o profundamente. Depois perguntou:
- Quer vir conosco?
- Irei aonde for, estarei onde estiver...- respondeu Judas.
- Fique conosco também, Judas Iscariotes... - e, virando-se para os outros, acrescentou - Vocês serão
meus doze apóstolos, a quem darei o poder de pregar, de curar e de afastar os demônios em meu nome. Vocês
são o sal da terra, pois todo o sacrifício deve ser salgado com sal... Vocês são a luz do mundo. Não se pode
esconder uma cidade edificada sobre um monte e nem se acende uma candeia e se coloca debaixo do alqueire,
mas sim no candelabro e assim ela brilha para todos os que estão na casa. Que a sua luz brilhe do mesmo
modo diante dos homens, para que, vendo as suas boas obras, eles glorifiquem o Pai que está nos céus.
De longe Madalena assistia a tudo. A emoção que a tomava era forte demais e naquele momento ela
soube que jamais conseguiria se afastar do Rabi de Nazaré.

...

- CAPÍTULO 23 –

De Nazaré chegou o chamado urgente. José estava muito doente e chamava por Jesus. Maria abraçou
o filho cheia de emoção e, apesar de sua tristeza, não pôde deixar de notar a sua transformação. Não era mais
aquele jovem magro que vira pela última vez. A vida peregrina que levava fortalecera seu corpo e dera um ar
mais maduro às suas feições.
- José está muito mal, Jesus, não come e nem bebe nada há dias e seu corpo está tremendo de febre.
Chama por você sem cessar.
Jesus entrou sozinho. No rosto lívido, coberto em parte pela barba e pelos cabelos crescidos, os olhos
opacos e quase sem vida deixavam ver que seu estado era mesmo muito sério. Tão magro estava que seu
corpo não mostrava nenhum volume na grossa manta que o cobria.
Jesus sentou-se a seu lado e segurou sua mão esquálida. José abriu os olhos e mostrou profundo alívio quando
o reconheceu.
- Jesus – sussurrou ele – que bom que veio. Minha hora chegou e queria vê-lo antes de partir. Tenho
que lhe pedir perdão...
Jesus apertou com carinho a mão de José.
- Perdão?... Mas por que? Sempre foi o melhor dos pais...
E José sussurrou:
- Eu duvidei de sua origem divina, duvidei de tudo o que sua mãe falava sobre sua concepção.
Somente depois de seu nascimento me convenci da verdade... Mas antes, eu duvidei. Já pedi o perdão de
Maria, mas preciso ouvir de sua boca que também me perdoa.
- Não há o que perdoar... Como poderia compreender aquilo que estava acima de seu entendimento?
– disse Jesus com doçura, afagando os cabelos brancos e revoltos – Mas se meu perdão o tranqüiliza e precisa
dele para encontrar a paz, saiba que o perdôo e que meu Pai também o perdoa e o ama.
José sorriu levemente.
- Minha alma agora recupera sua tranqüilidade e já posso partir em paz. Chame sua mãe para perto
de mim.
Maria entrou no quarto e, quando viu os sinais evidentes da morte que se aproximava, abraçou-se a
Jesus. Os filhos de José entraram, calados e tristes. Lisia, que chorava muito, ao ver Jesus abraçado a Maria,
disse:
- Jesus, você que tem curado a tantos, dado a luz a cegos, que ressuscitou a filha de Jairo, por que
não estende a mão sobre nosso pai e afasta a morte que veio para levá-lo?
E Jesus respondeu:
- Compreendo sua dor, minha irmã... Mas quem, entre os humanos, pode se ver livre da necessidade
de Ter que encarar a morte? Um dia ela chega para todos e, neste dia, a alma vai se reunir às almas dos que já
partiram e que aguardam no reino da vida eterna. Porque a vida é eterna, Lisia, e passageiro apenas é o corpo
em que ela se manifesta. Quando este sofre o desgaste do tempo, é melhor que a alma se liberte e voe, livre
como o pássaro que foge da gaiola que o prendia.
No leito, José absorvia as palavras de Jesus junto com seus últimos alentos. Maria ajoelhou-se a seu
lado e abraçou-o, soluçando. Lisia se calou e aconchegou-se aos irmãos. Jesus afastou-se, chegou à janela e,
com os olhos fixos no céu, orou em silêncio.

...

Jesus ficou em Nazaré apenas o suficiente para acompanhar os funerais de José e logo depois voltou
para Cafarnaum.
O povo já se habituara a esperá-lo à beira do lago, para escutar suas palavras. Nem sempre
compreendiam o que ele dizia, mas havia um conteúdo misterioso em suas palavras que os fascinava. E, no
meio do povo, estava Madalena.
Jesus, de todas as maneiras, procurava transmitir a eles as palavras do Pai, que lhe dizia em seus
momentos de solidão:
- Os homens procuram fora aquilo que está dentro deles. Ensine-os a olhar para seu interior, Jeshuah.
Lá encontrarão a luz interior, que os unirá a essência do universo, e lá está a possibilidade de interagirem com
os Criadores. Lá, no interior de suas almas, está o ponto de encontro com o Todo. Tocando em seu íntimo,
suas consciências abrangerão o Cosmos.
E Jesus, sentado no pé de uma figueira, falava ao povo sobre o Reino do Céu.
- Não procurem o Reino fora de vocês, busquem-no em seu interior. Quando o encontrarem, vocês
crescerão muito e encontrarão o Pai. O Reino do Céu é semelhante a uma pequenina semente que o homem
planta em seu campo. Ao crescer, transforma-se numa grande árvore que envia seus ramos em todas as
direções. Esses ramos, lançando-se à terra, criam raízes e crescem para o alto até que todo o campo ficará
coberto pela árvore. E então as aves do céu se aninharão em seus ramos e as criaturas da terra encontrarão
abrigo sob ela. O reino do céu é também semelhante ao trabalho de uma mulher que, tomando do melhor
fermento, esconde-o em três medidas de farinha até que tudo fique levedado e assando no forno de torna um
pão. Ou também a alguém que toma uma medida de vinho puro e despeja-o em duas ou quatro medidas de
água até que, estando tudo misturado, torna-se o fruto da vinha. O reino do céu é semelhante ao trigo que um
homem semeou em seu campo mas, quando dormia, veio o inimigo e semeou joio no meio do trigo. E quando
o trigo cresceu, apareceu também o joio. E ele disse a seus servos: Não arranquem agora o joio, para que não
arranquem o trigo também. Deixem que cresçam juntos até a época da ceifa. E então o joio será colhido
primeiro, atado em feixes e queimado, e o trigo será ajuntado no meu celeiro!
Sempre depois de falar, pedia a seus discípulos que o levassem ao outro lado do lago, onde outra
multidão aguardava suas palavras.
Numa dessas travessias, estando cansado, sentou-se na popa do barco, reclinou-se numa almofada e
dormiu. Pouco depois o céu se fechou com pesadas e escuras nuvens e a tempestade desabou, implacável. As
ondas sacudiram o barco sem misericórdia e o vento, em rajadas fortes, ameaçava virá-la a qualquer
momento.
Os discípulos procuravam vislumbrar a margem, tentando se orientarem, mas as trevas e a
tempestade não permitiam que enxergassem muito além da frágil embarcação em que se encontravam.
Amedrontados e perdidos, chamavam por Jesus, mas ele continuava a dormir, sossegado. Apavorados,
sacudiram-no e o acordaram com seus gritos.
- Mestre, vamos afundar!... Salve-nos!
Jesus se sentou e olhou-os com tranqüilidade, como se não entendesse o porquê de tanto pânico.
Depois virou-se para o mar que espumava, revoltado, abriu os braços e exclamou:
- Silêncio!... Quieto!
O vento serenou, as ondas se acalmaram, as nuvens se afastaram e um tímido raio de sol polvilhou de
ouro a superfície já calma do lago. Jesus voltou-se para seus discípulos e perguntou:
- Por que tiveram tanto medo? Ainda não têm fé?
Os discípulos, sem graça, não responderam. Mas, no íntimo, todos pensavam a mesma coisa: “Quem
é ele, realmente, a quem até o vento e o mar obedecem?

...

Ancoraram do outro lado do lago, na região dos gerasenos. Os discípulos, ainda assustados com o
perigo por que haviam passado, caminhavam calados junto a Jesus.
Um pouco adiante, vindo dos túmulos de um cemitério perto dali, aproximou-se um homem
imundo, de barba e cabelos emaranhados e misturados a folhas secas e gravetos. De seu corpo exalava um
mau cheiro horrível.
Já tinham ouvido falar dele, pois por toda a região corria sua fama de louco endemoniado. Diziam
que se jogava entre as pedras, ferindo o próprio corpo, e ninguém conseguia contê-lo, nem mesmo com
correntes.
O homem chegou bem perto e pousou em Jesus os olhos injetados de sangue.
- O que quer de mim, Rabi? – perguntou com voz rouca – Por que veio me atormentar?
Jesus parou e sustentou seu olhar.
- Quem é você? – perguntou. E seu tom de voz, decidido e autoritário, não deixava margem para
nenhuma resposta dúbia.
- Meu nome é Legião, porque somos muitos! – exclamou o homem em meio a um rugido quase
animal.
Jesus olhou em volta. Apesar da Lei de Moisés proibir a criação de porcos, considerados animais
impuros, havia perto dali uma grande manada. Jesus voltou-se para o mendigo e estendeu a mão.
- Afastem-se deste homem! – ordenou. E apontou para os porcos.
Toda a manada imediatamente se enfureceu e lançou-se pelo penhasco, caindo no lago profundo.
Alguns pastores viram o que aconteceu e correram a divulgar a notícia. Pouco depois, os donos dos
porcos chegaram e viram Jesus sentado e conversando com o mendigo, incrivelmente calmo e lúcido. Logo
que chegaram, tiveram medo, mas pouco depois ficaram furiosos com a perda de toda a manada e exigiram
que Jesus e seus discípulos abandonassem a região.
Quando Jesus entrou no barco, o mendigo suplicou:
- Por favor, Mestre, leve-me com vocês!..
E Jesus respondeu:
- Vá para sua casa e conte aos seus aquilo que lhe aconteceu e tudo o que lhe ensinei.
Na volta, Pedro se queixou:
- Mestre, como puderam eles dar tanto valor aos porcos perdidos, vendo aquele homem ficar livre da
Legião que o possuía? A riqueza, para eles, é mais importante do que a alma?
- Assim são os homens, Pedro – disse Jesus – mas eu lhes digo que aquele que tiver renunciado a
riquezas, casas e amigos por causa do Reino do Céu, herdará a vida eterna. É mais fácil passar um camelo
pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no Reino do Pai.
- Mas por que, Mestre? – insistiu Pedro.
- Porque enquanto os olhos olharem as riquezas exteriores, não saberão ver o reino do coração.

...

-CAPÍTULO 24-

Jesus subiu uma montanha e retirou-se para meditar. Seus discípulos, sabendo que ele precisava
daqueles momentos de solidão, aguardaram à distância e cuidaram para que ninguém se aproximasse para
perturbá-lo.
Jesus se deixou envolver por aquela energia fantástica que chegava e que fazia todo o seu corpo
vibrar.
- Jeshuah, – disse a voz de Iahweh de dentro de seu coração – divulgue minha palavra pelos quatro
cantos do mundo e alcance também o povo da casa de Israel, para que se voltem para o alto, como era no
tempo de Abraão. Mesmo que não entendam sua palavra, a semente ficará plantada em seus corações. Fale a
todos, mostre a eles o caminho que leva ao seu reino interior.
Jesus então chamou seus doze apóstolos e enviou-os para pregar, de dois em dois.
- Não levem ouro nem prata – recomendou – e nem moedas em seus cintos. Não levem alforje e nem
duas túnicas. Levem apenas um cajado e uma sandália calçada. Se algum lugar não quiser recebê-los,
sacudam a poeira da sandália e partam de lá. Procurem falar às ovelhas perdidas da casa de Israel e ensinem a
elas o caminho que leva ao Reino do Pai, ao Reino de seus corações. Curem os doentes, ressuscitem os
mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demônios, mas cuidado, pois, por minha causa, serão
perseguidos. Se forem conduzidos à presença de governadores e reis para darem testemunho de seus atos, não
fiquem preocupados com o que irão falar, porque não serão vocês que estarão falando, mas sim o espírito do
Pai que estará sempre com vocês. Não se iludam: serão odiados por causa do meu nome. Eu os envio como
ovelhas aos lobos, por isso sejam cautelosos como as serpentes e sem malícia como as pombas. Quando os
perseguirem em uma cidade, fujam para outra e não tenham medo, pois nada há de encoberto que não venha a
ser descoberto, nem de oculto que não venha a ser revelado. O que lhes digo às escuras, repitam à luz do dia e
o que lhes digo aos ouvidos, proclamem sobre os telhados. Já lhes disse e digo novamente: Não pensem que
vim trazer paz à Terra. Não vim para trazer a paz, mas sim a espada. Na verdade, vim jogar o homem contra
seu pai, a filha contra sua mãe e os inimigos do homem serão seus próprios familiares. Porque aquele que ama
pai ou mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Mas quem recebê-los, a mim recebe também e recebe o
Pai que me enviou. Vim para atear fogo ao mundo e estarei vigiando até que ele arda. Se lhe perguntarem:
“Qual a sua origem?”, digam: :Viemos da Luz, de onde a Luz se originou”, e se perguntarem: “Quem são
vocês?”, respondam: “Somos os filhos e eleitos do Pai vivo” e se ainda perguntarem: “Qual o sinal do Pai em
vocês?”, digam: “ É o movimento e o repouso”
Bem perto deles, um grupo esperava para se aproximar. Vendo que os discípulos se despediam de seu
Mestre e se afastavam de dois em dois, chegaram perto de Jesus e disseram:
- Somos discípulos de João e ele, na prisão, ouviu falar de suas obras. Mandou-nos para lhe perguntar
se é aquele que há de vir ou se devemos esperar outro.
E Jesus respondeu:
- Contem a João tudo o que viram e ouviram: os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os
leprosos são purificados, os surdos ouvem, os pobres são evangelizados e os mortos ressuscitam., pois eu lhes
trago a palavra do meu Pai. – E, virando-se para o povo que já se chegara e os rodeava, disse: - Aqueles que
ouviram João no deserto, o que viram? Um caniço agitado pelo vento, um profeta? Eu afirmo que sim, mais
do que profeta, ele é Elias que voltou. Quem tem ouvidos, que ouça! Venham a mim todos os que estão
cansados sob o peso de seu fardo e eu lhes darei descanso. Aprendam comigo, porque sou manso de coração e
encontrarão repouso para suas almas, pois meu jugo é suave e meu fardo é leve!

...

João, o Batista, procurava enxergar o céu através das grades da pequena janela de seu cárcere. Seu
coração estava tranqüilo, pois seus emissários haviam voltado com a resposta que esperava ouvir. Pregara no
deserto a chegada do servo de Iahweh, como fora dito pelo profeta Isaias: “Eis o meu Servo, a quem escolhi, o
meu Amado em que minha alma se compraz. Porei meu Espírito sobre ele e ele anunciará o Reino às nações”.
Era noite e o pequenino pedaço do céu que conseguia ver estava cheio de estrelas. Sentia saudades
do imenso céu do deserto, da imensidão da liberdade à sua volta. Confinado entre aquelas tristes paredes de
pedra, o mundo lhe parecia subitamente tão pequeno e mesquinho.
Ouviu passos que se aproximavam. Àquela hora tão tardia, quem estaria vindo a seu cárcere?
Momentos depois, dois guardas abriram a porta de sua cela e tiraram-no para fora.
- Venha!... São ordens de Herodes!

...

A festa animava a todos no palácio, naquela noite em que um grande banquete era oferecido aos
dignitários da corte. O vinho já subira à cabeça de todos e a alegria contagiante enchia o salão de gargalhadas
e gritos festivos.
Somente Herodíades não se sentia feliz e o vinho que tomara aumentara o ódio crescente que trazia
no peito. No começo, foram somente os insultos de João, o Batista, que a ofenderam mas, com o passar do
tempo, destruí-lo se tornara uma obsessão. Acordava no meio da noite em meio a pesadelos, onde se via no
deserto querendo alcançá-lo para obrigá-lo a se calar, mas ele gritava cada vez mais alto, levantando uma
nuvem de areia que se arremessava contra seu rosto, cegava-lhe os olhos e abafava sua respiração. Pela
manhã, o alívio chegava com o sol, mas o medo da próxima noite não deixava que seu dia corresse em paz.
Exigia que Herodes mandasse matar o pregador do deserto, acreditando que assim se livraria de seus
pesadelos, mas ele não fazia sua vontade e, quanto mais o tempo passava, mais cultivava ela a raiva surda e o
pavor incontido que lhe oprimia o peito e que lhe tirava a alegria de viver.
Foi com um prazer maldoso e secreto que percebeu os olhares cobiçosos com que Herodes envolvia
sua filha, Salomé. A menina, mal saindo da infância, dançava ao som da flauta e logo outros instrumentos
foram chegando e tornando a música cada vez mais sensual. Os olhos de Herodes brilhavam acompanhando
os movimentos sinuosos dos quadris de Salomé e ela foi se chegando, mais perto e mais graciosa e numa
última volta, atirou-se aos pés do tetrarca.
Ele aplaudiu, entusiasmado e exclamou:
- Peça aquilo que mais quiser e eu lhe darei, mesmo que seja a metade do meu reino! - E, vendo a
expressão de dúvida que se estampou no rosto da jovem dançarina, acrescentou: - Tem a minha palavra de rei!
A menina, confusa ante a possibilidade de tão grande escolha, correu para a mãe e perguntou:
- O que devo pedir?
Uma onda de felicidade doentia invadiu Herodíades e ela teve vontade de sair gritando sua vitória.
Fez um esforço para conter-se e, apenas contorcendo a boca num sorriso de triunfo, disse:
- Peça a cabeça de João, o Batista. Que ela seja trazida aqui, ainda durante a festa, numa bandeja de
prata!
...

-CAPÍTULO 25 –

A morte de João Batista causou um forte impacto na alma de Jesus. Longe dos apóstolos, retirou-se
para o deserto para meditar. A humilhação sofrida por João lhe doía mais do que sua morte. Por que um
homem que passara sua vida num deserto, procurando levar uma palavra de luz a todos, tivera uma morte tão
trágica, a cabeça oferecida numa bandeja, num banquete, como um macabro manjar?
A dor invadia todos os seus sentidos, e com os olhos procurava no céu um sinal que o reconfortasse,
ou que ao menos lhe explicasse aquilo que lhe parecia tão incoerente com a bondade de Iahweh.
E a explicação chegou com a luz que desceu da esfera luzente que, na segunda noite de sua vigília,
destacou-se das estrelas do céu.
- Jeshuah – disse-lhe Iahweh – não creia que somos injustos, ou que a morte de João tenha sido
desnecessária.
O brilho da luz tingiu de prata o rosto de Jesus.
- Que a morte dele tenha sido necessária, compreendo, mas por que tanta injúria com seu corpo e
com sua memória?
A luz pulsou com mais força, e as palavras de Iahweh soaram dentro da mente de Jesus.
- Muitas vezes é preciso um sacrifício para que os homens sejam tocados no fundo de suas almas.
Quanto mais cruento é o holocausto, mais profundamente será relembrado... As palavras de João, o Batista,
jamais serão esquecidas e seus ensinamentos se conservarão por gerações e gerações. Alivie seu coração,
Jeshuah, eu estou em você e você está em mim. Prossiga em sua missão, que é um prolongamento daquela
que João iniciou.
Jesus se calou. As palavras de Iahweh foram ao fundo de seu coração e ele compreendeu que as
decisões do Pai eram inquestionáveis. Baixou a cabeça e deixou que o Amor que vinha do alto se impregnasse
em seu ser, livrando-o de suas tristezas e, quando sentiu que chegara o momento, voltou para pregar aos
homens.
Era a época de mais festa e Jesus subiu a Jerusalém. Misturou-se ao povo e seguiu até o Templo.
Quando chegou perto da Posta das Ovelhas, notou um número incontável de doentes, cegos e aleijados que,
deitados pelo chão, esperavam o borbulhar das águas de uma enorme piscina Porque, diziam, o Anjo do
Senhor descia, de vez em quando, à piscina e agitava suas águas. Então o primeiro que nela entrasse, depois
que a água fosse agitada, ficaria curado de qualquer doença.
Jesus parou no meio daquela gente e ficou observando. Uma pena enorme oprimiu seu coração.
Olhou as águas da piscina que, imóveis, pareciam não se importar com a ansiedade de todos aqueles infelizes.
A seu lado, um homem estendido num catre de palha trançada, orava aos brados:
- Deus, meu Deus Iahweh, ouça minhas súplicas!... Há anos venho aqui e jamais consegui ser o
primeiro a mergulhar nas águas, quando desce o seu Anjo! ... Ajude-me a chegar às águas antes de todos os
outros!... Meu Deus Iahweh, atenda às minhas orações!
Jesus sentiu, naquele momento, uma energia chegar com toda a intensidade, invadir seu corpo e seus
sentidos. Chegou mais perto dele e perguntou:
- Quer mesmo ficar curado?
O homem calou seus lamentos e respondeu:
- É o que mais desejo, mas sou doente e não consigo chegar à água antes dos outros.
Disse-lhe então Jesus:
- Levante-se, tome seu leito e ande!
Ou foi pela força da ordem, ou pela energia que emanava de Jesus, que o homem não questionou e se
levantou. Surpreso, à princípio, maravilhado logo em seguida, pegou seu catre e saiu gritando a todos a sua
cura.
Era sábado, e por isso logo foi parado por judeus que o admoestaram:
- Não sabe que não é permitido carregar seu leito aos sábados?
O homem, que não cabia em si de tanta felicidade, exclamou:
- Aquele que me curou me disse para tomar meu leito e andar! Como desobedecê-lo, depois do
milagre que fez em mim? Se largar minha cama, como me garantem que não voltarei a adoecer?
Os judeus se entreolharam, surpresos.
- Quem lhe disse isso? – perguntou um deles, interessado.
O homem procurou com os olhos, mas não conseguiu mais ver Jesus, em meio à multidão. Apontou
para a beira da piscina.
- Ele estava ali , mas já deve ter ido embora...
Seguiu para o Templo, sempre segurando seu catre. Já estava quase alcançando o adro dos gentios,
quando viu Jesus, que se aproximava.
- Agora está curado – disse Jesus – mas não volte a pecar. Ame Iahweh, e ame seus irmãos, e nada
pior lhe sucederá.
O homem afastou-se cada vez mais alegre e aproximou-se dos judeus que vinham logo atrás,
vigiando seus passos.
- Viram? Foi ele quem me curou!... - e mostrou Jesus que se afastava.
Os judeus correram na direção de Jesus, e o interpelaram.
- Como faz curas aos sábados? Não sabe que a Lei proíbe?
Jesus parou e olhou-os com serenidade.
- Meu Pai trabalha todos os dias e eu também trabalho – disse tranqüilamente. Depois, voltou-se e
seguiu seu caminho, deixando os homens boquiabertos.
- Quem é ele, que se iguala a Deus?
- Quem é ele, que acaba de se dizer filho de Deus?
Um deles se lembrava muito bem. Enrolou com os dedos longos o cacho anelado que lhe caía ao
lado do rosto, e resmungou:
- Sei quem é... Na última Páscoa atacou os cambistas. As autoridades do Templo gostarão de saber
que está aqui novamente.
Mais adiante, Jesus foi rodeado pelo povo que, já sabendo da cura que realizara à beira da piscina,
queria ouvir sua palavra. E ele disse:
- Em verdade lhes digo que o filho, por si mesmo, nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer e
só aquilo que o Pai faz através do filho. Porque o Pai ama seu filho e lhe mostra tudo o que faz, e mostrará a
vocês obras ainda maiores do que essas, para que o admirem e o amem. O Pai ressuscita os mortos e os faz
viverem, através de seu filho e por isso o filho pode dar a vida e curar doenças. Quem não honra o filho, não
honra o Pai que o enviou. Em verdade lhes digo que quem escuta a minha palavra e acredita naquele que me
enviou, terá a vida eterna e, quando os mortos ouvirem a voz do filho de Iahweh, viverão. Quando julgo, não
sou em quem julga, mas o Pai que está em mim. João deu testemunho da verdade, e vocês se alegraram com
sua luz. Eu, porém lhes trago um testemunho ainda maior: as obras que meu Pai me encarregou de consumar.
Se vierem a mim, terão a vida, pois lhes falo em nome de meu Pai.
De longe, as autoridades do Templo não escutavam suas palavras, apenas se preocupavam com o
efeito que elas produziam na multidão que já cercava o Rabi de Nazaré.
- Ele tem que ser afastado... – resmungou um deles.
- Não podemos permitir que volte a Jerusalém!
- Sua presença aqui está cada vez mais perigosa...

...

- CAPÍTULO 26 –

Madalena não conseguia dormir. A imagem de Jesus não saía de suas lembranças e não havia um dia
sequer em que ela não apertasse a caixa de mirra contra o peito e chorasse, se lembrando da presença forte
daquele homem que entrara para sempre em seus pensamentos. Não conseguia definir as sensações que tinha
ao se lembrar dele, era algo intenso, que apertava sua garganta com garras de aço e que fazia subir um calor
inusitado pela coluna. A necessidade constante que tinha de vê-lo e de escutar sua palavra tornou-se quase
uma obsessão e só encontrava um pouco de paz nos momentos em que o ouvia falar.
Levantou-se e foi para a janela. O ar frio da noite acariciou seu rosto afogueado. Ansiosa, esperava o
dia raiar para partir, pois já ouvira falar que Jesus estaria pregando no outro lado do grande lago.

...

Os apóstolos, depois de pregarem por toda a Palestina, voltaram ao encontro Jesus, que continuava a
ensinar às margens do lago de Genesaré.
Naquele dia, pegou o barco e foi para o outro lado. Uma pequena multidão já o aguardava, mas
eram muitos os doentes que ansiavam pelo toque de sua mão.
Eram tantos os que precisavam de alívio que, quando Jesus pôde, enfim, começar a falar ao povo, a
tarde estava chegando ao fim.
- Está tarde para começar a pregar, Mestre! – disse Pedro – Melhor despedir as pessoas para que
possam ir ao povoado mais perto e comprar alimentos. Estão aqui desde cedo, este lugar é deserto e afastado...
Por instantes Jesus concordou com Pedro, mas não chegou a dizer nada. Uma vibração poderosa o
invadiu e no mesmo momento ele compreendeu que precisava falar, levar a palavra de Iahweh àquela gente.
Movido por um impulso muito além de sua vontade, ordenou:
- Não deixe que vão embora!... Dê a eles o que comer!
- Mas, Mestre... – gaguejou Pedro – só temos aqui cinco pães e dois peixes! – e apontou para uma
pequena cesta.
- Pois traga tudo aqui! – continuou Jesus, sem parecer se incomodar com aquela situação indesejada.
Pedro pegou a cesta, desanimado, a voltou para perto de Jesus. Ele estendeu as mãos sobre os pães e
peixes e fechou os olhos. Pedro percebeu a energia que chegou subitamente, envolvendo-o também. Foi algo
tão poderoso que, por alguns segundos, mal conseguiu respirar.
- Alimente a todos – disse Jesus, quase num sussurro.
Pedro nunca soube explicar como foi que se dirigiu ao povo com aquela cesta que continha apenas
cinco pães e dois peixes, sem se preocupar mais com isto, e começou a distribuir os alimentos com
tranqüilidade, como se nada de inusitado estivesse acontecendo. E ninguém explicou também como foi que o
povo aceitou os pães e peixes que se multiplicavam com uma surpresa calma, apenas felizes por estarem
aplacando sua fome.
Depois que todos se alimentaram, Jesus começou então a lhes levar a palavra do Pai.

...
Quando Madalena chegou, encontrou Jesus cercado pelos doentes. Nos catres espalhados pela areia,
os paralíticos lançavam olhares desesperados àquele que era sua última esperança de voltarem a viver
plenamente.
Um pouco afastado, um grupo aguardava a palavra do Mestre e Madalena se misturou a ele. E o
tempo foi passando, o grupo aumentando, mas Jesus continuava a se preocupar somente com os doentes.
Mas Madalena não se importava. Ficaria ali o tempo que fosse necessário, até ouvir novamente os
ensinamentos do Rabi de Nazaré. Olhou em volta. Em todos os rostos via a mesma ansiedade, mesclada ao
cansaço da longa espera.
A tarde chegava ao fim e ela se reclinou um pouco. Seus olhos pousaram em uma nuvem
estranhamente brilhante. Contemplou-a por alguns momentos, imaginando de onde viria o brilho que a
iluminava, se o sol já se deixava cair ao longe, perto do horizonte. De repente reparou que da nuvem vinham
raios muito sutis que incidiam sobre Jesus. Olhou novamente os rostos na multidão e percebeu que ninguém
mais via aquilo. Houve um momento em que a nuvem se afastou um pouco e mostrou um objeto redondo de
uma luminosidade intensa. Seu coração se sobressaltou e de novo procurou em volta alguém que
compartilhasse de sua visão. Mas ninguém, além dela, parecia ver a nuvem e seu mágico conteúdo luminoso.
Quando o último doente foi atendido, viu Pedro se aproximar de Jesus e percebeu que queria
dispersar a multidão. Seu coração disparou outra vez. Será que não ouviria a voz do Rabi?
Foi quando percebeu que a nuvem começou a pulsar e que uma força desconhecida dela emanava e
envolvia Jesus, Pedro e a cesta que carregava. A respiração parecia faltar-lhe, tão intensa foi a pressão que
comprimiu sua garganta. E viu que Pedro distribuía pães e peixes para todos, a mão mergulhando na cesta
quase vazia, trazendo alimento para toda aquela gente. Quando recebeu sua porção, as lágrimas já cegavam
seus olhos e não pararam mais de correr, durante todo o tempo em que ficou ali, escutando a palavra do Rabi
de Nazaré.
...

O dia tinha sido cansativo e os discípulos já dormiam mas Jesus, ainda pleno daquela energia que o
invadira, não somente enquanto curava, mas principalmente no momento da distribuição dos alimentos e da
pregação, não sentia vontade de dormir. Ao contrário, preferia o contato com o frio da noite e a umidade do
orvalho que deixara a folhagem do jardim da casa de Pedro refletir a luz prateada do luar.
E foi do meio dos arbustos ocultos pela sombra da casa que viu aparecer um vulto trêmulo e receoso
. O luar mostrou o rosto moreno de uma mulher de cabelos longos e negros, matizados de fios de prata, que o
olhava com uma expressão de quase êxtase.
- Aproxime-se, Maria de Magdala!... – disse Jesus.
Ela chegou mais perto, comprimindo as mãos fechadas contra o peito.
- Ainda se lembra de mim, Mestre? – balbuciou.
Ele ignorou a pergunta, quando viu as gotas de prata que escorriam dos olhos escuros da moça.
- O que a faz sofrer, Madalena?
Ela torcia os dedos, embaraçada. Gaguejou alguma coisa, procurando as palavras. Por fim, disse
baixinho:
- Desde que o ouvi falar pela primeira vez, não consigo esquecê-lo. Suas palavras ecoam em meus
ouvidos o dia inteiro e a noite inteira, não durmo e mal consigo cumprir com as minha tarefas.
Jesus sorriu levemente.
- E por que minhas palavras lhe tiram o sossego?
Ela secou com as mãos as lágrimas que desciam.
- Por que chegam junto com sua imagem, com a lembrança de emoções fortes que sinto em sua
presença, e com o amor profundo que tomou conta de mim.
O coração disparado no peito fazia com que sua respiração saísse difícil, arquejante.
- Madalena – disse Jesus, e sua voz era terna como se falasse a uma criança – o Amor que sente não é
por mim, mas pelo Pai que habita em mim. A presença do Pai acendeu as luzes de sua alma e elas clamam e
festejam o seu despertar. É essa a emoção que sente, Madalena, e por não conhecer sua essência, acredita que
sofre por amor. O sofrimento que o Amor traz não é esse que julga ter. O Amor é fogo que nasce no coração
como uma chama sagrada e consome os elementos mortais do ser humano, concedendo-lhe a divindade e a
dor que traz é a do fogo a queimar os liames que separam a alma do corpo. O Amor, Madalena, não é um
sentimento despertado por outra pessoa, o Amor é a fogueira que se acende no momento certo em que a alma
está pronta para crescer e o corpo para suportar o sacrifício da destruição de sua mortalidade.
Num esforço além de suas forças, Madalena procurou entender o sentido daquelas palavras, mas elas
lhe soavam irreais e fantasiosas.
- Mas como não amá-lo, Mestre, se até o céu manda sinais para louvar sua presença na Terra?
- E que sinais viu no céu? – perguntou Jesus, curioso.
- Vi uma estrela compacta e brilhante, oculta atrás de uma nuvem, e dela saiam raios que o
envolviam e se espalhavam ao seu redor.
Jesus se calou e seu olhar, pousado em Madalena, parecia perscrutar muito além de seu rosto.
- São poucos os que conseguem ver, como você viu, a casa de meu Pai. Meu Pai mora no céu, mas
está à espera de que todos alcancem sua mente e comunguem com seus pensamentos. Para conseguir isso,
Madalena, é preciso procurar o Reino que existe no fundo do coração e para chegar a este Reino, o Amor deve
ser antes despertado. Você despertou o Amor, agora caminhe para o Reino dentro de seu coração e alcance a
mente de meu Pai. Ele está à sua espera e por isso lhe deixou ver sua casa no céu. Um dia, quando todos
alcançarem o caminho do Reino, o Pai aparecerá em toda a sua glória e todos o verão, como eu o vejo. E
você, Madalena, volte para sua casa e mergulhe em seu coração, essa é a verdade que tenho para lhe dizer. Se
pensar em mim conduz seus pensamentos ao seu Reino interior, então que eu seja o seu caminho para a
verdade e a vida.
Madalena quis se atirar a seus pés, mas ele a conteve com um gesto e ficou quieto, calado, vendo a
moça desaparecer na sombra dos arbustos.
Quando a manhã chegou, Jesus partiu sozinho. Subiu a encosta montanhosa e foi meditar. -
Pai – disse ele – cada vez mais sinto que minhas palavras caem em solo árido e não vejo como irão frutificar
um dia. Minhas palavras não são entendidas, as pessoas despertam tumulto em seus corações e perdem sua
paz...
Novamente a voz de Iahweh se fez ouvir.
- Eles não podem perder aquilo que não possuem, Jeshuah. Suas palavras levam verdades que jamais
escutaram antes, e isto causa tumulto, sim... Se a terra é árida, precisa ser revolvida, se o interior é árido,
precisa também ser agitado para receber as novas revelações. E essa agitação é o tumulto que encontra em
seus corações, mas que um dia cessará e então poderão encontrar a paz, realmente. E de dentro dessa paz
escutarão as minhas palavras e as palavras daqueles que, como eu, participaram da Criação. Você está
ensinando aos homens como se ligarem novamente aos seus criadores, pois deles estão afastados há muito,
muito tempo... E a volta é dolorosa, Jeshuah, mas no fim do caminho encontrarão a mesma alegria do filho
que retorna ao lar, após uma longa e sofrida jornada. No entanto, aqueles que já têm na alma a semente do
Amor despertada, irão procurá-lo. Acolha-os com carinho, pois terão escutado minha voz em seus corações,
mostrando-lhes o rumo certo.
...

- CAPÍTULO 27 –

Os apóstolos acordaram e não encontraram Jesus. Esperaram um pouco e, vendo que ele não
aparecia, saíram à sua procura.
- Onde teria ele ido? – perguntou Felipe.
- Saiu tão cedo...Nem esperou por nós! – resmungou Pedro.
- Não reclame, Simão – reclamou André – o Mestre tem seus motivos, ele sempre sabe o que está
fazendo...
Pedro não respondeu. Sabia que André estava certo, apenas gostaria que Jesus perdesse o hábito de
desaparecer de repente, sem lhe dizer onde ia nem por quanto tempo ficaria ausente.
- Não custava ter nos avisado... Pode até estar precisando de nós.
- Se precisar, irá nos chamar...
- A essas horas, já deve estar cercado pelo povo!...
- Duvido... Deve estar no deserto, ou na montanha, orando...
Tiago aproximou-se e, vendo o ar de preocupação no rosto de todos, sorriu levemente.
- Vocês ainda não aprenderam a confiar no Mestre?... Esperem, logo ele aparecerá.
- Claro que confiamos! - exclamou Pedro.
- Será que confiam mesmo?... Naquele dia, em que mandou o centurião para casa dizendo que seu
criado estava curado, vocês tiveram suas dúvidas...Lembram?
Pedro se lembrava muito bem. Todo mundo duvidou, menos o centurião. Ele apareceu todo agitado,
suando, foi empurrando o povo até chegar junto de Jesus e pediu:
- Por favor, Rabi! Meu criado, que é quase um filho para mim, está muito mal, está paralítico,
sofrendo dores atrozes!
Jesus ficou com pena do homem e disse:
- Vou com você até sua casa...
Mas o centurião surpreendeu a todos, exclamando:
- Mestre, não sou digno de recebê-lo sob meu teto... Basta que diga uma só palavra, e meu criado
ficará curado. Tenho soldados sob meu comando e quando digo a um “Vai!”, ele vai, e quando digo a outro
“Vem!”, ele vem e quando digo ao meu criado “Faça isso ou faça aquilo”, ele faz como lhe ordenei. Assim,
tenho certeza de que se disser uma palavra, meu servo ficará são no mesmo momento.
Até Jesus se surpreendeu com as palavras do centurião. Virou-se para o povo e disse:
- Em verdade lhes digo que, em Israel, não achei ninguém que tivesse tanta fé – e acrescentou,
voltando-se para o centurião – Como acreditou, assim será feito! Vá para sua casa, seu criado já está curado.
Logo em seguida, Jesus partiu para a cidade de Naim, acompanhado pelos discípulos e por uma
pequena multidão. Ao entrarem na cidade, por eles passou o funeral de um rapaz, o único filho de uma viúva
que chorava, desesperada. Jesus, comovido com as lágrimas da mulher, disse apenas:
- Não chore...
Ninguém viu a poderosa energia que desceu de uma nuvem muito clara, a única no céu azul. Jesus
sentiu o corpo vibrar, as mãos pulsarem e, num impulso, tocou no esquife. Minutos depois, o rapaz estava
vivo, ainda um pouco tonto, nos braços de sua mãe.
A notícia correu, mas alguns não acreditaram.
- O rapaz devia estar vivo!...
Até mesmo entre os discípulos, a notícia tomou vários aspectos. Uns acreditavam, outros
duvidavam...
...

Os discípulos cansaram de esperar e resolveram pegar seus barcos. As águas estavam agitadas, mas
navegavam ao longo da costa, procurando Jesus com os olhos atentos. Já escurecia, e nem sinal de seu
Mestre.
Resolveram então atravessar para o outro lado do lago. Os barcos oscilavam nas águas revoltas, já
envolvidas pela escuridão.
Foi Pedro quem primeiro viu o vulto que se aproximava, caminhando por sobre as águas.
- É um fantasma! – gritou, apavorado.
Os outros, cheios de medo, procuravam enxergar em meio à névoa que envolvia a penumbra da noite
que chegava. De repente, Tiago gritou:
- É Jesus!...
...

Jesus ficara o dia inteiro na montanha, em contato com Iahweh. A tarde chegou e ele nem percebeu,
tão mergulhado estava em seu mundo interior.
Quando abriu os olhos, o sol já havia declinado no horizonte e o fim da tarde havia se transformado
no início da noite.
Levantou-se e percebeu que o corpo inteiro vibrava numa intensidade nunca sentida até então. A
pele, sensível até ao toque de sua mão, parecia emitir uma força que tornava seu corpo estranhamente leve.
Caminhando devagar, aproximou-se do lago. A cabeça ainda confusa, mal chegada de um contato
intenso com o Pai, custava a se readaptar ao mundo exterior.
De longe, reconheceu os barcos dos discípulos e prosseguiu sua marcha, sem nem perceber a
superfície líquida já tão perto de seus pés.
O corpo vibrando, os olhos pregados nos barcos, a mente ainda presa à mente de Iahweh, Jesus
continuou a caminhar na direção dos barcos. E tão leve estava seu corpo que ele passou por sobre as águas,
que o sustentaram e lhe serviram de estrada.
De longe escutou o grito assustado de Pedro:
- É um fantasma!
Viu os discípulos recuarem dentro dos barcos, olhando todos fixamente em sua direção. E ouviu
quando Tiago gritou:
- É Jesus!...
...

Mal o dia raiou, e já havia um grupo de pessoas à espera de Jesus. Como ele não aparecesse, saíram
com seus barcos e foram encontrá-lo do outro lado do lago. A mesma vibração da véspera, intensa, forte,
continuava a fazer estremecer todo o seu corpo.
Ao ver a ansiedade estampada no rosto de todos, Jesus falou:
- Vocês me procuram porque comeram do pão e se saciaram. Trabalhem, não pelo alimento que se
perde, mas sim pelo alimento que permanece até a vida eterna, aquele alimento que o Filho do Homem lhes
dará.
Alguém, no meio do povo, perguntou:
- Mas como trabalharemos por este alimento que permanece até a vida eterna?
- Para trabalhar na obra do Pai, basta crer naquele que ele enviou – respondeu Jesus.
A mesma voz se fez ouvir novamente:
- Que sinal nos dá, para que acreditemos em suas palavras? O que vem realizando? Nossos pais
comeram o maná do deserto, como está nas escrituras : Deu-lhes pão do céu a comer.
E Jesus disse:
- Digo-lhes que não foi Moisés quem lhes deu o pão do céu, mas sim meu Pai. É ele quem lhes está
dando o verdadeiro pão do céu, que é o pão que dá a vida ao mundo!
O povo se agitou e um murmúrio de surpresa correu de boca em boca.
- Rabi, então dê a nós sempre deste pão! Queremos o pão da vida! – exclamou alguém.
Jesus passou o olhar tranqüilo pelos rostos que o observavam e depois falou:
- Eu sou o pão da vida e quem vem a mim nunca mais terá fome, e o que acreditar em mim não terá
sede. Porém, afirmo que vocês me vêem, mas não acreditam. Mesmo assim, todo aquele que o Pai me
mandar, eu o receberei pois desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me
enviou. E a vontade de quem me enviou é esta: Que eu aceite aqueles que ele me enviar e que os ressuscite
para a vida eterna.
Os judeus começaram a murmurar entre si evidentemente desaprovando as palavras de Jesus.
- Como pode ele dizer que é o pão descido do céu?
- Não é o filho de José? Como diz que desceu do céu?
Enquanto eles falavam, Jesus começou a perceber que aquela onda de energia que o envolvia ia se
tornando muito forte.
- Não fiquem murmurando sobre aquilo que desconhecem... – disse Jesus - Digo a vocês que aqueles
que vêm a mim, são conduzidos pelo Pai, e eu os ressuscitarei. Está escrito nos profetas: E todos serão
ensinados por Iahweh. Quem escuta o ensinamento do Pai em sua alma, vem a mim. Por isso, lhes digo: Eu
sou o pão da vida e quem acredita tem a vida eterna. Seus pais comeram o maná no deserto e morreram. Mas
o Pai lhes dá o pão que desce do céu para que quem dele coma jamais pereça. Eu sou o pão vivo descido do
céu, e quem comer deste pão viverá eternamente.
A força que o envolvia se tornava mais e mais intensa e Jesus começou a perceber que as palavras
saiam de sua boca sem que ele nem ao menos pudesse captar com sua mente o seu significado. Continuou a
falar, sob aquele impacto súbito:
- O pão que darei é a minha carne para a vida do mundo...
Os judeus continuavam a discutir entre si:
- Como pode este homem nos dá sua carne para comer?
E Jesus prosseguia, já mal ouvindo os comentários ao seu redor:
- Na verdade, digo-lhes que se não comerem a carne do Filho do Homem e não beberem o seu
sangue, não terão a vida em vocês. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna e eu o
ressuscitarei. Pois minha carne é verdadeiramente uma comida e meu sangue é verdadeiramente uma bebida.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como vivo por causa do
Pai que me enviou, também aquele que se alimenta de mim, viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu,
e não aquele que seus pais comeram e pereceram, e quem come deste pão viverá eternamente.
Os judeus não conseguiam mais ocultar sua indignação.
- Mas que palavras duras! Quem pode escutá-las?
Mas Jesus não mais os ouvia. Em sua mente apenas ecoavam as palavras de Iahweh.

...

A notícia chegou depressa aos ouvidos de Maria. Disseram-lhe também que até mesmo alguns
discípulos haviam se afastado de Jesus, depois de ouvirem aquelas suas últimas palavras.
- Mas o que disse ele que tanto os abalou? – perguntou Maria, já começando a ficar aflita.
Contaram e disseram também que ele repetira tudo novamente na sinagoga de Cafarnaum. Depois
que saíram, Maria ficou sozinha e preocupada. Aos poucos, sua preocupação foi se transformando na intuição
de que algo de muito doloroso estava contido nas palavras de seu filho. O desespero tomou conta de seu
coração, e ela chorou, ao mesmo tempo que procurava lançar ao céu os seus lamentos:
- Iahweh, todo-poderoso, a quem minha vida foi consagrada e a do meu filho dedicada. Não permita
que ele sofra por levar ao mundo a sua palavra, não deixe que ele se transforme num sacrifício cruento, para
que os homens consigam elevar seus corações ao céu. Iahweh, que lhe deu a vida, mantenha-a, eu suplico! –
as lágrimas corriam por seu rosto, e mal conseguia mais falar – Não deixe que nada de mal aconteça a meu
filho!...
Os soluços sacudiam seu corpo e embargavam sua voz, impedindo-a de continuar com suas súplicas.
E ela mergulhou o rosto nas mãos e ficou por muito tempo ali, sozinha e chorando.

...

- CAPÍTULO 28 –

Jesus saiu então da Galiléia e foi pregar no território de Tiro. Em seus momentos de
repouso, queria permanecer oculto, mas logo descobriram a casa onde ficava e traziam doentes e
endemoniados para serem curados. Depois então que curou uma menina, filha de uma mulher sirio-fenícia,
que diziam ter um temível espírito impuro a tomar conta de seu corpo, a quantidade de pessoas carentes
aumentou ainda mais.
Saiu de Tiro, passando por Sidônia e, quando atravessava a região da Decápole, trouxeram-lhe um
surdo que gaguejava e pediram-lhe que o tocasse.
Jesus levou o homem para longe da multidão e colocou os dedos em suas orelhas. Depois tocou-lhe a
língua com saliva e, erguendo os olhos para o céu, exclamou:
- Abra-se!
Na mesma hora, o homem começou a ouvir, sua língua se desprendeu e ele pôde falar perfeitamente.
Jesus o proibiu de contar o que acontecera, mas logo todos sabiam de mais este feito miraculoso.
Em qualquer lugar que fosse, logo era procurado, ou por pessoas para serem curadas, ou pelos
fariseus, sempre prontos para uma discussão e, quando lhe pediam que lhes desse um sinal do céu, Jesus
recusava, dizendo:
- Porque esta geração procura sempre um sinal? Em verdade lhes digo que a esta geração nenhum
sinal será dado. O sinal que está no céu só é dado àquele que encontra o caminho do Reino em seu coração!
Na maioria das vezes, nem os discípulos alcançavam a mensagem que suas palavras levavam.
Quando ele, pela segunda vez, multiplicou os pães para uma multidão que há três dias o acompanhava,
novamente os discípulos se assombraram ante aquele poder que não conseguiam atinar com a origem.
Uma vez estavam todos em seus barcos, rumando para Betsaida, quando Jesus percebeu que os
discípulos estavam bastante embaraçados. Nenhum deles se lembrara de levar pão.
- Cuidado com o fermento dos fariseus e dos saduceus! – disse Jesus, em tom de brincadeira.
Pedro catucou João com o cotovelo.
- Por que ele disse isso? – cochichou
- Não sei... – respondeu João no mesmo tom de voz. – Deve ser porque nos esquecemos dos pães!
Jesus escutou e exclamou:
- Mas vocês não compreendem mesmo o que lhes falo! Ainda têm o coração tão endurecido
assim?...Pouco importa que tenham se esquecido de trazer pão! O que quis lhes dizer, é que tenham cautela
com os ensinamentos dos fariseus e dos saduceus!
Mal chegaram a Betsaida, logo lhe trouxeram um cego para que ele o tocasse. Jesus tomou-o pela
mão e conduziu-o para fora do povoado. E lá, longe de todos, passou saliva em seus olhos e, impondo-lhes as
mãos, perguntou:
- Pode ver alguma coisa?
O cego virou a cabeça de um lado para outro, espremeu os olhos e disse:
- Vejo as pessoas ao longe, como se fossem árvores andando...
Jesus colocou novamente as mãos sobre seus olhos, sua visão se limpou e ele conseguiu enxergar
totalmente.
Jesus mandou-o para casa, dizendo:
- Não entre no povoado!
Dali partiu com os discípulos para os lados de Cesaréia. No meio do caminho, pararam para
descansar. Jesus gostava de ficar quieto, observando as diversas expressões que surgiam nos rostos dos
discípulos. Naquele dia, lembrou-se de perguntar:
- Quem dizem os homens que sou?
Os discípulos se entreolharam, confusos.
- Bem... – começou Pedro – uns dizem que é João, o Batista, que voltou...
- Já ouvi dizerem que é Elias ou um dos outros profetas! – exclamou Felipe.
Jesus olhou um a um e depois perguntou novamente:
- E vocês, quem acham que sou?
Um silêncio cheio de incertezas caiu sobre os discípulos.
- Acho... que é o Cristo! – falou Pedro, finalmente.
Jesus pensou em explicar alguma coisa, mas desistiu. Sentiu que aqueles homens jamais entenderiam
sua verdadeira origem. Suspirou e disse apenas:
- Não fale a ninguém sobre isso.

...

No dia seguinte, Jesus deixou os discípulos dormindo e procurou um lugar retirado para meditar.
Sentia necessidade desses momentos de isolamento, quando podia escutar a voz do Pai com nitidez, ou
mesmo visualizá-lo em sua esfera luminosa. Ultimamente percebia que uma tristeza estranha estava sempre
ameaçando invadir seus sentidos, era uma espécie de cansaço, de vontade de largar tudo e retornar à sua
origem, junto ao Pai.
Estava procurando compreender todas essas sensações, quando escutou a voz de Iahweh:
- Filho, não se entristeça, pois estou sempre com você... Mas saiba que muitas vezes o sacrifício é
necessário e somente através dele conseguimos alcançar o coração dos homens.
Jesus suspirou fundo.
- Como aconteceu com João, não foi?... Eu já pressentia isso, Pai. Naquele dia em que falou através
de minha boca e disse ao povo que o pão que darei é a minha carne para a vida do mundo, compreendi que
meu sofrimento seria preciso e sei que um dia irá me explicar porque.
Iahweh não respondeu, mas Jesus sentiu um calor reconfortante invadir seu peito e subir pela
garganta. Era como se Iahweh, naquele momento, o abraçasse ternamente. Ficou ainda algum tempo em
silêncio, com os olhos fechados, apenas sentindo a ternura da presença do Pai em seu coração.

...

Quando voltou, já quase na metade do dia, os discípulos ainda o aguardavam, preocupados. Reuniu-
os e disse:
- Existem coisas que preciso lhes avisar...É necessário que o filho do Homem sofra muito, que seja
rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e escribas, e talvez até seja morto para ressurgir em
seguida...
- Não diga isso, Mestre – interrompeu-o Pedro – Deus não o permitiria! Isso Jamais acontecerá,
Mestre!
Jesus calou-o com um gesto e continuou:
- Você fala assim porque não pensa nas coisas de Iahweh, só pensa nas dos homens! – e, virando-se
para os discípulos, continuou – Se alguém quiser vir comigo, que se negue a si mesmo, tome sua cruz e siga-
me. Porque aquele que quiser salvar sua vida irá perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai
encontrá-la! Que proveito tem o homem em ganhar o mundo inteiro, se ele se perder ou arruinar a si mesmo?
O que não daria o homem em troca de sua vida? Na verdade lhes digo, que muitos de vocês não provarão a
morte até que vejam o Reino de Iahweh chegando com todo o poder!
Os discípulos, confusos e entristecidos com as palavras de Jesus, não sabiam o que dizer. A idéia
longínqua de perder seu Mestre doía profundamente na alma de cada um.
Judas afastou-se do grupo e sentou-se e ficou olhando para Jesus, de longe. A cada dia que passava,
sua admiração por aquele homem se tornava maior. Sentia o poder que dele emanava, sua presença forte e
indiscutivelmente marcante. Era o tipo de pessoa que ninguém conseguiria esquecer jamais.
Desde que se reunira a eles, esperava o momento em que Jesus assumiria seu papel de libertador. Os
judeus esperavam o dia em que os romanos seriam finalmente expulsos de Israel, mas para isso precisavam de
um líder. E quem seria melhor líder do que aquele homem, que já mobilizava centenas de pessoas? Tinha
certeza de que, a qualquer momento, ele assumiria seu papel à frente do exército que já se organizava, na
surdina. Era só uma questão de tempo...

...

Nos dias que se seguiram, Jesus evitou o povo, parecia sempre mergulhado em si mesmo. Uma ar de
reflexão pesava sobre seu rosto, como se tentasse compreender alguma coisa que lhe ocupava a mente, sem
dar lugar a qualquer outro pensamento.
Seis dias depois, chamou Pedro, Tiago e João e disse:
- Venham comigo. Vou meditar no alto da montanha, mas desta vez quero que venham junto.
Subiram pela encosta em silêncio, os discípulos macambúzios com a tristeza inexplicável de seu
Mestre. Lá em cima, deixaram que ele ficasse à sós e procuraram se manter quietos, para não perturbarem a
profunda contemplação em que Jesus mergulhara.
O dia passou, chegou a tarde e o sol começou a mergulhar no horizonte. Os últimos raios ainda
matizavam de ouro as folhagens, quando um sono súbito e irreprimível caiu sobre os discípulos. E eles
dormiram.
A primeira estrela surgiu no céu, mas foi logo seguida de outra, ágil e graciosa, que riscou a
imensidão com movimentos rápidos e foi chegando bem perto e parou logo acima do monte. Dela saiu um
facho de luz que pousou no chão, a poucos metros de Jesus. Pelo facho, lentamente, desceram dois seres e um
deles era Iahweh, que falou:
- Hoje veio comigo Gabriel, que anunciou à sua mãe sua chegada, para que, lhe fale também sobre
as próximas novas. Sentimos seu coração entristecido pela premonição daquilo que está vir. Mas quero que
tenha em sua mente sempre viva a verdade de que sou seu Pai e que o amo muito. Será entregue aos lobos,
sim, seu sacrifício será lembrado e calará fundo no coração das gerações futuras, mas nós jamais o
abandonaremos durante seu holocausto e seu corpo, a partir de hoje, será preparado para que tolere a
intensidade os mau tratos a que for submetido. Arranque esta tristeza de seu peito, Jeshuah, e deixe que nosso
amor o invada com todo o seu poder ígneo.
Calou-se. Uma onda de calor começou a chegar e a envolver Jesus. O facho de luz, pousado adiante,
moveu-se e se colocou sobre os três, e tudo virou prata. Jesus fechou os olhos, por não suportar o brilho
ofuscante em que se viu subitamente mergulhado. Sentiu sua pele estranha, vibrante e pulsando no ritmo de
seu coração. Pelo facho de luz desceu um cilindro, que Gabriel pegou e apontou para Jesus, e um jato de uma
luz esverdeada surgiu, muito intensa e quase sólida, e foi se depositando em todo o seu corpo numa camada
de minúsculas partículas muito brilhantes, que em instantes foram absorvidas por sua pele, e tudo se tornou
prateado, como antes.
Pedro acordou. Imediatamente viu o que acontecia e chamou os outros:
- Olhem! Quanta luz!...
- Quem está com o Mestre? – perguntou Tiago, esfregando os olhos.
Os olhos arregalados, os lábios trêmulos, Pedro não conseguia nem falar.
- São Elias e Moisés! – exclamou João.
- Olhem, trouxeram uma tenda com eles! – gritou Tiago, apontando para o objeto elíptico parado no
ar, logo acima de Jesus.
De repente, uma nuvem densa desceu e cobriu a todos com sua sombra. Os discípulos, atemorizados,
nem se moveram do lugar onde estavam. E de dentro da nuvem veio uma voz profunda e metálica:
- Este é meu filho, ouçam todos o que ele lhes tem a dizer!
Apavorados, os discípulos caíram com o rosto no chão, e só levantaram a cabeça quando ouviram a
voz de Jesus:
- Levantem, não tenham medo.
Devagar foram abrindo os olhos, mas não viram mais ninguém. Jesus estava sozinho.

...

- CAPÍTULO 29 -

Desceram do morro em silêncio. Foi somente quando estavam lá em baixo, que Jesus recomendou:
- Não contem a ninguém a visão que tiveram. Mantenham segredo sobre tudo o que viram e
ouviram...
Logo adiante, um grupo já os esperava. No meio dele, um homem procurava chegar perto de Jesus e,
empurrando os outros, gritou:
- Rabi, tenha compaixão do meu filho! Ele é lunático e sofre muito com isso! Joga-se à terra,
espumando e muitas vezes cai na água e no fogo! Eu o trouxe a seus discípulos, mas eles não foram capazes
de curá-lo!
Jesus respirou fundo e exclamou:
- Geração de incrédulos! Até quando os suportarei? – E, vendo a expressão de espanto no rosto do
homem, continuou – Traga seu filho aqui.
Com as palavras de Jesus, o menino ficou curado. Os discípulos, sem graça, nada disseram mas
quando ficaram à sós, perguntaram:
- Por que não conseguimos curar o menino, Mestre? Por que não pudemos expulsar-lhe o demônio
do corpo?
Jesus olhou um a um e depois disse:
- Por causa da fraqueza de sua vontade. Se tivessem a fé de um grão de mostarda, diriam a uma
montanha: mude-se daqui para lá, e ela se moveria e nada lhes seria impossível. O poder de sua vontade é
infinito. Queiram, e conseguirão!
...

Estavam na Galiléia, e Jesus procurava os lugares mais isolados para conseguir falar aos seus
discípulos. Sentia uma necessidade imperiosa de prepará-los, de torná-los mais fortes para continuar o seu
trabalho. Muitas vezes percebia chegar aquela energia muito intensa e, naqueles momentos, sabia que era
Iahweh que falava através de sua boca.
Foi numa dessas vezes que disse:
- Terão que aprender a doutrinar e a curar sem a minha presença... Vocês ainda não têm a confiança
necessária em si próprios, mas terão que adquirir esta confiança rapidamente. Não vai demorar muito chegar o
tempo em que o filho do Homem será entregue às mãos dos homens e eles o matarão... mas ele ressuscitará no
terceiro dia.
Surpresos e entristecidos, os discípulos procuravam compreender o que seu Mestre tentava lhes dizer
mas, na verdade, recusavam-se a acreditar que aquilo fosse realmente acontecer e procuravam outros assuntos
para ocuparem seus pensamentos.
- Quem será o maior no Reino dos Céus? – perguntou subitamente Felipe.
Os outros se entreolharam, sem atinarem com a resposta mais adequada. Jesus, que acariciava a
cabeça de uma criança, pegou-a no colo, aproximou-se deles e disse:
- Na verdade lhes digo que, se não se tornarem como as crianças, não entrarão no Reino do céu. Mas
aquele que se tornar pequenino como esta criança, esse é o maior no reino do Céu. E aquele que receber uma
criança como esta por causa do meu nome, recebe a mim, porque as crianças são puras de coração e em sua
pureza podem ver a face do Pai que está no céu.
Bartolomeu e João, que tinham se afastado um pouco, chegaram às pressas.
- Mestre – disse João, todo alvoroçado – vimos um homem expulsar demônios em seu nome e
estamos tentando impedi-lo, porque ele não é do nosso grupo!
Jesus depositou a criança no chão com cuidado e disse apenas:
- Por que impedi-lo? Quem não é contra nós, está a nosso favor!
Outras crianças foram chegando, conduzidas pelas mães para que Jesus lhes impusesse as mãos. Os
discípulos tentaram impedir que se aproximassem, mas Jesus falou:
- Deixem que as crianças venham a mim, porque delas é o Reino do Céu.
Estava entretido, acariciando as crianças, quando um rapaz lhe perguntou:
- O que devo fazer de bom para ter a vida eterna?
Jesus voltou-se para ele e viu um jovem muito bem vestido, limpo, aparentemente bastante rico.
- Guarde os mandamentos – respondeu simplesmente.
- Quais? – perguntou o moço.
- Não matar, não cometer adultério, não roubar, não levantar falso testemunho, honrar pai e mãe e
amar o próximo como a si mesmo.
Disse então o rapaz:
- Mas tudo isto eu tenho guardado. O que falta ainda?
Jesus olhou-o profundamente e respondeu:
- Venda todos os seus bens e dê tudo aos pobres, e siga-me. Assim terá um tesouro no Reino do Céu.
O moço não perguntou mais nada. Baixou a cabeça e foi embora, visivelmente perturbado.
Pedro, vendo o rapaz se afastar, perguntou:
- E nós, Mestre, que abandonamos tudo para seguí-lo, o que vamos receber?
E Jesus disse:
- Você e todos aqueles que, por minha causa, tiverem deixado suas casas, sua família ou suas terras,
herdarão a vida eterna. Porque os olhos só podem ver a face do Pai depois que não estiverem mais presos às
coisas do mundo.

...

Aproximava-se a festa judaica das Tendas, e todos se preparavam para a ida a Jerusalém.
Os apóstolos, preocupados, não queriam que Jesus seguisse com eles, pois, por mais de uma vez já
lhes tinham chegado aos ouvidos notícias de que seu Mestre corria risco de vida em toda a Judéia. Depois da
última Páscoa, quando tivera aquela discussão com os cambistas, sua presença por ali se tornara indesejada e
ameaçadora à estrutura financeira do Templo.
Ao mesmo tempo, as pessoas mais chegadas insistiam em que ele deveria ir e levar sua palavra,
achando que todos mereciam conhecer suas obras.
Vendo a preocupação dos apóstolos, Jesus resolveu:
- Vocês vão à festa sem mim – disse para todos. – A gente de lá me odeia, pois digo sempre que suas
obras são más, porém meu tempo ainda não chegou.
Esperou os discípulos partirem e foi também, às ocultas.
Misturado na multidão, escutava os comentários a seu respeito:
- Onde está o Rabi de Nazaré, não veio?
- Ele engana o povo! – falavam uns.
- Ele é bom, faz muitas curas... – protestavam outros.
Mas, com medo das autoridades do Templo, ninguém falava dele abertamente.
A festa já estava pelo meio, quando Jesus pressentiu que chegara o momento de falar novamente a
toda aquela gente. Subiu ao Templo e começou a ensinar:
- Minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. Sei que muitos não acreditam nisto e
pensam que falo por mim mesmo. Mas quem fala por si mesmo, procura ter sua própria glória, porém aquele
que procura a glória de quem o enviou, é verdadeiro e nele não existem injustiças. Moisés não lhes deu a Lei?
No entanto, nenhum de vocês pratica a Lei, pois se a praticassem não desejariam matar-me!
Pelo povo que o ouvia correu um rumor de surpresa e desagrado.
- Estará endemoniado? Por que fala assim? Quem procura matá-lo?
E Jesus continuava, sem se importar com os comentários velados.
- Realizo minha obra e me condenam por isso. Moisés lhes deu a circuncisão e a praticam no dia de
sábado, mas por ter curado um homem no dia de sábado, todos se voltam contra mim!... Não julguem pela
aparência, mas conforme a justiça!
Um novo grupo foi se chegando e alguém comentou:
- Não é a esse que procuram matar? Mas ele está falando abertamente e nada lhe fazem!
- Será que as autoridades já o reconhecem como o Cristo? – perguntou outro.
Mas uma outra voz imediatamente retrucou:
- Esse nós sabemos de onde é! Não sabem que é da Galiléia? Quando o Cristo vier, ninguém saberá
de onde veio...
E Jesus prosseguia:
- Vocês me conhecem e sabem de onde sou. No entanto, não estou aqui por minha vontade, mas pela
vontade daquele que me enviou e que não conhecem. Estarei com vocês por pouco tempo e irei para junto
daquele que me enviou. Vocês me procurarão e não me encontrarão, pois estarei onde não poderão ir.
E os murmúrios continuavam:
- Que lugar será esse, onde não poderemos ir?
- Onde estará ele, que não o encontraremos?
- Com certeza irá falar aos gregos...
Quando Jesus terminava de falar, ninguém conseguia encontrá-lo mas, no dia seguinte, lá estava ele
novamente falando ao povo. E, no último dia da festa, o mais solene de todos os dias, Jesus disse:
- Se alguém tem sede, que venha a mim e beba! Como diz a Escritura, de seu seio jorrarão rios de
água viva, pois a palavra que lhes trago é a palavra da vida e quem a reconhece estará para sempre no reino da
Vida Eterna!
Na multidão, continuavam os sussurros:
- Este é verdadeiramente o profeta!... Este é o Cristo!
No mesmo instante, outro protestou:
- Como poderia vir o Cristo da Galiléia? A Escritura não diz que o Cristo será da descendência de
Davi e que virá de Belém?
A discussão gerou um tumulto e os sacerdotes mandaram dizer aos guardas do Templo para pendê-lo,
mas eles voltaram sem haverem cumprido as ordens. Os chefes dos sacerdotes e os fariseus, indignados, lhes
perguntaram:
- Por que não o trouxeram, como ordenamos?
Os guardas, confusos, não sabiam explicar direito o porquê daquela força estranha que os impedira
de colocar as mãos naquele homem que pregava ao povo.
- Nunca vimos antes um homem falar daquela maneira... – gaguejou o chefe da guarda.
- Vocês também foram enganados? – exclamaram os fariseus, furiosos – Os chefes do Templo e os
fariseus não acreditam nele, mas a gente do povo, que não conhece a Lei, é maldita! Deviam tê-lo trazido à
nossa presença, como lhes foi ordenado, em vez de ouvirem as palavras de quem se diz profeta!
Nicodemus, um dos chefes do Templo e que há muito já tinha o coração apertado de preocupações
por causa do jovem Rabi a quem tanto apreciava, e que tão profundamente tocara sua alma, apressou-se a
dizer:
- Acaso nossa Lei condena alguém sem primeiro ouvi-lo e saber o que fez?
Os fariseus olharam-nos cheios de desconfiança:
- Por que fala assim? Por acaso é também galileu? Estude e descobrirá que da Galiléia não surjem
profetas!

...

A noite chegou e Jesus procurou um local retirado para meditar. Subiu um pequeno morro que se
erguia logo atrás do Templo, chamado Monte das Oliveiras. Lá em cima, longe do povo e do burburinho,
fechou os olhos e esperou a palavra do Pai. Ela chegou logo depois, trazendo-lhe o conforto e o calor de que
tanto necessitava.
- Sua palavra, Jeshuah – segredou-lhe Iahweh – calará no coração das gerações vindouras e todos
compreenderão amanhã o que hoje não conseguem entender. Continue a lhes falar, filho, e não pense jamais
que seu trabalho está sendo em vão...
No dia seguinte, antes mesmo do sol nascer, Jesus já se achava outra vez no Templo. Os dias de festa
já haviam terminado mas o povo vinha a ele para ouvir seus ensinamentos. Os escribas e fariseus também se
aproximaram, na esperança de que surgisse mais uma oportunidade para prendê-lo.
Trouxeram-lhe então uma mulher que gritava e se debatia.
- Esta mulher foi surpreendida em flagrante delito de adultério! – disseram – Na Lei, Moisés nos
ordena a apedrejar tais mulheres!... O que nos diz sobre isto?
Imediatamente Jesus percebeu que estavam procurando um meio de acusá-lo novamente e não
respondeu. Inclinou-se e começou a rabiscar na terra com o dedo. Os fariseus insistiram:
- Diga-nos, Rabi, o que devemos fazer com esta mulher? Pela Lei, devemos apedrejá-la!
Vendo que insistiam, olhou a todos e respondeu com tranqüilidade:
- Pois então, aquele que estiver sem pecado, que seja o primeiro a lhe atirar uma pedra. – e continuou
a rabiscar na terra com o dedo.
Fez-se silêncio entre o povo e os fariseus que haviam trazido a adúltera foram saindo, um após o
outro. Jesus então levantou a cabeça e, vendo a mulher chorando à sua frente, perguntou:
- Onde estão aqueles que a trouxeram? Ninguém a condenou?
Ela sacudiu debilmente a cabeça.
- Não, senhor, ninguém me condenou...
- E nem eu a condeno... – disse ele. – Vá para sua casa e não peque mais.
Ele acompanhou com os olhos a mulher que se afastava e depois se voltou para o povo que
aguardava sua palavra:
- Eu sou a luz do mundo e quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida.
No mesmo momento, um fariseu retrucou:
- O testemunho que dá de si mesmo não pode ser válido!
E Jesus respondeu:
- Embora dê testemunho de mim mesmo, meu testemunho é válido, porque sei quem sou, de onde
venho e para onde vou. Pergunto a todos: Quem são? De onde vêm? Para onde vão? E ninguém sabe me
responder, só sabem julgar pelas aparências. Eu não julgo ninguém mas, se julgasse, meu julgamento seria
verdadeiro, porque eu não estou só. Comigo está o Pai que me enviou e está escrito na Lei que o testemunho
de duas pessoas é válido.
- E onde está seu Pai? – perguntaram
- Se me conhecessem realmente, conheceriam também meu Pai que está no céu – respondeu ele. –
Vocês são daqui de baixo, e eu sou do alto. Vocês são deste mundo, eu não sou deste mundo.
- Então, quem é você?
- Eu sou aquele que diz ao mundo tudo o que ouviu do Pai e nada faço por mim mesmo, mas falo
como me ensinou o Pai. E ele, que me enviou, está sempre comigo e jamais me deixou sozinho. Quem de
vocês permanecer na minha palavra, será verdadeiramente meu discípulo e conhecerá a verdade e a verdade o
libertará.
Alguém então replicou:
- Nós somos a descendência de Abraão e não somos escravos de ninguém! De que irá, então, nos
libertar?
E Jesus respondeu:
- Quem comete pecado é escravo mas, se o Filho o libertar, será realmente livre. São a descendência
de Abraão, mas querem matar-me porque minha palavra não penetra em vocês. Se são filhos de Abraão,
pratiquem então as obras de Abraão e se guardarem minha palavra, jamais provarão a morte.
Um dos fariseus imediatamente exclamou:
- Abraão morreu, os profetas também, mas você diz que quem guardar sua palavra jamais provará a
morte! É, porventura, maior que nosso pai Abraão, que morreu? Quem pretende ser, para se glorificar tanto
assim?
- Quem me glorifica não sou eu, mas sim o meu Pai, que vocês não conhecem! – retrucou Jesus –
Abraão também o viu e encheu-se de alegria!
Disseram então os fariseus, em tom de sarcasmo:
- Como pode saber disto? Acaso viu Abraão?
E Jesus respondeu:
- Na verdade lhes digo que, antes que Abraão existisse, EU SOU.
Houve até quem pegasse pedras para atirar nele, mas Jesus saiu do Templo e não conseguiram achá-
lo.

...

No dia seguinte, seus discípulos o encontraram.


- Mestre, como veio a Jerusalém? – perguntou Pedro, num tom de recriminação – Não sabe que sua
vida aqui corre perigo?
- Minha hora ainda não chegou, Pedro, – respondeu-lhe Jesus – e precisei trazer a palavra de meu
Pai. Aqueles que tiveram ouvidos para ouvir, ouviram.
Mais adiante, um mendigo cego estendia a mão ossuda a todos os que passavam. João perguntou:
- Mestre, conheço aquele homem, ele é cego de nascença. Quem pecou para que nascesse assim, ele
ou seus pais?
Jesus respondeu:
- Nem ele nem seus pais pecaram, mas é para que nele sejam manifestadas as obras de Deus.
Aproximou-se do mendigo, cuspiu no chão, fez lama com a saliva, aplicou-a sobre os olhos do cego
e lhe disse:
- Vá agora lavar-se na piscina de Siloé!
O cego foi e voltou vendo.
Todos que o conheciam ficaram surpresos. Reuniram-se à sua volta e perguntaram:
- Como foi que se abriram os seus olhos?
O mendigo, esfregando os olhos ofuscados pela claridade que antes desconhecia, disse:
- Foi o Rabi da Galiléia que tocou em meus olhos!
Mas este dia era um sábado, e os fariseus logo reclamaram:
- Se esse homem vem de Deus, por que não guarda os sábados?
Mas logo outros retrucaram:
- Mas se ele não vem de Deus, como pode realizar tais milagres?
Enquanto discutiam, Jesus falava mais adiante a outro grupo que já se formara ao seu redor:
- Na verdade lhes digo que quem não entra pela porta no redil das ovelhas, mas sobe por outro lugar,
é ladrão e assaltante. O que entra pela porta é o pastor das ovelhas, que ouvem a sua voz quando eles as
chama uma a uma e as conduz para fora. Tendo feito sair todas as que são suas, caminha à frente delas e as
ovelhas o seguem, pois reconhecem sua voz. Elas não seguirão um estranho, mas fugirão dele.
Vendo que não entendiam o que lhes dizia, Jesus continuou:
- Na verdade lhes digo que sou a porta das ovelhas e todos os que vieram antes de mim são ladrões e
assaltantes, mas as ovelhas não os ouviram. Eu sou a porta e se alguém entrar por mim, será salvo, entrará e
sairá e encontrará pastagem. O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham a vida e a
tenham em abundância. Eu sou o bom pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas. O mercenário, que não é
pastor e a quem não pertencem as ovelhas, vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge. Eu sou o bom
pastor, conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem, como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou a
vida pelas minhas ovelhas e também conduzo aquelas que não pertencem ao meu redil e então haverá um só
rebanho e um só pastor.

...

- CAPÍTULO 30 -

Enquanto prosseguiam viagem, outras pessoas seguiram com eles. Um rapaz falou:
- Deixe-me ir junto... Eu o seguirei a todos os lugares, ficarei onde ficar.
Jesus respondeu:
- As raposas têm tocas e as aves do céu têm seus ninhos. Mas o Filho do Homem não tem onde
reclinar a cabeça.
Virou-se para outro que caminhava um pouco atrás e disse:
- Venha, siga-me!
E o homem respondeu:
- Permita-me antes ir enterrar meu pai!
- Deixe que os mortos enterrem seus mortos – respondeu Jesus. – Quanto a você, vá anunciar o
Reino do Céu!
E um outro falou:
- Eu quero segui-lo, Rabi, mas preciso antes me despedir da minha família!
E Jesus disse:
- Aquele que põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino do Céu.
- E eu? – perguntou o mais velho de todos – O que farei para herdar a vida eterna?
Jesus parou e olhou-o fixamente. Logo percebeu que era um legista e que queria apenas experimentá-
lo.
- O que está escrito na Lei? – perguntou.
- Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, com toda a tua força e a teu
próximo como a ti mesmo. – recitou o homem, um pouco embaraçado.
E Jesus falou simplesmente:
- Respondeu corretamente. Faça isso e viverá.
Mas o legista, querendo se justificar, perguntou:
- Mas quem é meu próximo?
Jesus parou de caminhar e todos se reuniram para escutar o que tinha a lhes dizer. E ele falou:
- Um homem descia de Jerusalém a Jericó, foi assaltado, despojado de tudo o que tinha, espancado e
largado semimorto no caminho. Por ali passou um sacerdote que o viu mas seguiu adiante. Pouco mais tarde
passou um levita, que também o viu mas prosseguiu. Mas um samaritano chegou perto dele e, cheio de
compaixão, cuidou de suas chagas derramando nelas óleo e vinho, depois colocou-o em seu próprio animal,
conduziu-o à hospedaria e dispensou-lhe cuidados. No dia seguinte, pagou dois denários ao hospedeiro,
dizendo: “Cuide dele e o que gastar a mais, no meu regresso lhe pagarei ”. Qual dos três, na sua opinião, foi o
próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes.
O homem respondeu prontamente:
- Aquele que usou de misericórdia para com ele.
Jesus então lhe disse:
- Vá, então, e faça o mesmo.
...

Desta vez a caminhada levou-os a uma cidade chamada Betânia, perto de Jerusalém. O povo,
ocupado em seus afazeres, não deu muita atenção ao pequeno grupo que chegava, mas um rapaz largou o que
fazia e veio ao encontro de Jesus..
- Já o vi falando em Jerusalém – disse o moço, abrindo no rosto um franco sorriso. – Mal acredito
que esteja aqui, no meu povoado!
Jesus simpatizou com o rapaz. Dele emanava uma sinceridade dificilmente encontrada na maioria
das pessoas com quem falava.
- Vão parar por aqui? – perguntou o moço.
- Somente o suficiente para trazer à sua gente a palavra de meu Pai – respondeu Jesus.
- Permita-me então que lhes ofereça hospedagem em minha humilde casa. Tenho a certeza de que
minhas irmãs irão ficar muito felizes em ouvi-lo também.
Jesus sorriu. Havia algo de tão acolhedor naquele convite que o deixava impossível de ser recusado.
- Muito bem, agradecemos e aceitamos... Como se chama, amigo?
Ele sorriu de novo, mostrando seus dentes muito brancos e perfeitos.
- Lázaro... – respondeu, enquanto com um gesto mostrava o caminho de sua casa.

...

Quanto Marta viu chegar seu irmão acompanhado por aqueles desconhecidos, correu para a irmã que
a ajudava na cozinha.
- Lázaro está chegando com um grupo... Será que pretende dar-lhes comida e abrigo?
Maria deu de ombros.
- Por que se preocupar com isso? Nosso irmão sabe o que faz....
- Ele sabe o que nós fazemos, não é, Maria? – respondeu Marta, num muxoxo.
Maria deu uma risada alegre.
- Ora, minha irmã, você se preocupa demais com tudo... Deixe que as coisas se arranjam por si
mesmas!
Marta secou a mão e pousou nela um olhar duro.
- Queria ver como as coisas se arranjariam, se eu não estivesse aqui para fazê-las.
Lázaro entrou na frente e foi fazendo as apresentações, enquanto ia providenciando assentos para
todos. E Jesus começou a falar, a mostrar o caminho do Reino dentro do coração, o único caminho que levava
ao encontro do Pai, no céu.
Todos escutavam, atentos, inclusive Maria que se esqueceu de voltar para a cozinha e ficou ali, no
meio dos homens, escutando, embevecida, as palavras do Rabi.
Daqui a pouco Marta surgiu e chamou-a de longe, com um gesto, mas Maria fingiu não ver.
Indignada, Marta se aproximou:
- Senhor – disse a Jesus – minha irmã me deixou sozinha para cuidar de tudo. Não se importa com
isso? Diga-lhe que venha me ajudar!
E Jesus respondeu:
- Marta, Marta, você se aflige por muitas coisas quando, na verdade, deveria se preocupar em
conhecer o meio de entrar no reino do seu coração. Sua irmã, Maria, escolheu certo... Por que não se reúne a
nós, Marta, e escuta também o que tenho a lhes dizer?
Até os homens se entreolharam, confusos. Que ensinamento era aquele, que colocava as mulheres em
iguais condições à dos homens? Já não estavam gostando muito de Maria estar entre eles, e agora aquele
convite do Rabi os deixava mais consternados ainda.
Parecendo ler o pensamento de todos, Jesus continuou:
- Qualquer um que queira, deixe-o entrar, comer do meu pão e tomar do meu óleo e beber do meu
vinho! E lhes pergunto também: Quem, entre vocês, se tiver um amigo e for procurá-lo no meio da noite,
dizendo: “Meu amigo, empreste-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e nada tenho a
lhes oferecer” irá ouvi-lo responder de dentro: “Não me importune, a porta já está fechada e meus filhos e eu
já estamos na cama, não posso me levantar para dar o que me pede!” Digo-lhes, mesmo que ele, sendo
amigo, não se levante para atendê-lo, irá levantar-se por causa de sua insistência e lhe dará tudo o que
precisa.
...

Jesus deixou Betânia com pesar. Lá fizera amigos e adquirira a certeza de ter alcançado o coração de
Lázaro e de Maria.
- São tantos os que o perseguem, Mestre – comentou João – no entanto, em Betânia, as pessoas
foram amigas e sinceras. Por que todos não são assim, por que julgam mal as suas palavras? Por que o
perseguem tanto em Jerusalém?
- Não se aflija, João – respondeu Jesus – eles apenas não conseguem compreender o que falo. Que
digam que a árvore é boa e que seu fruto é bom, ou que declarem que a árvore é má e que seu fruto é mau. É
pelo fruto que se conhece a árvore. Como podem eles falar coisas boas, se são maus? Porque a boca fala
daquilo que o coração está cheio. Eu lhes digo que pelas próprias palavras ou serão todos justificados, ou
serão todos condenados.
- Acho que serão condenados – resmungou Pedro – pois não acredito que mudem a maneira de
pensar...
Jesus colocou a mão sobre o ombro de Pedro e disse:
- Quando o espírito impuro sai do homem, perambula por lugares áridos, procurando repouso, mas
não o encontra, então diz: “Voltarei para minha casa de onde saí”. Chegando lá, encontra-a desocupada,
varrida e arrumada. Diante disso, vai e traz consigo outros sete espíritos piores do que ele, e vêm habitar aí. E
com isso, a condição final daquele homem torna-se pior do que era antes. É isso o que vai acontecer a esta
geração má. Aqueles que escutaram e compreenderam, irão realizar em si as palavras do Pai e chegarão ao
reino de seu coração. Mas os maus serão afastados.
No dia seguinte, bem cedo, deixou os apóstolos dormindo e retirou-se para meditar. O que ele mais
pregava era a necessidade dos homens realizarem em si as palavras do Pai, como dissera a Pedro, mas sabia
que até então ninguém conseguira isso em toda a plenitude. E isto o entristecia. Era nesses momentos que
ouvia a voz de Iahweh.
- Jeshuah, você está semeando num solo muito árido e será preciso tempo para que as sementes
germinem. Você lhes fala de Amor, e nem ao menos essa força eles conhecem e deixam fluir em seu coração.
Será preciso tempo para que a humanidade reconheça o Amor, não somente como um sentimento ou mesmo
uma união fraternal, mas sim como um laço invisível que une todos os seres humanos, colocando-os numa
sintonia única e universal. Todos juntos, como um só ser, uma humanidade integrada comungando num
único pensamento com seus Criadores.
- Pressinto que este dia ainda tardará muito a chegar...
- Sim, Jeshuah, mas quando chegar os homens se igualarão a seus Criadores. Houve época, quando
este mundo estava sendo ainda colonizado, que nós, que para cá trouxemos a vida, éramos chamados de
deuses. Futuramente, os homens também serão deuses, irão colonizar outros mundos, levar a vida onde ela
existe apenas no arquétipo universal. Seu trabalho então terá frutificado... Por enquanto, ensine-lhes o
desapego das coisas do mundo, para que consigam olhar para dentro de seus corações.

...

- CAPÍTULO 31 -

Algum tempo se passou, e novamente chegou a época de mais uma festa em Jerusalém. Mesmo
sabendo dos perigos que corria, Jesus partiu para lá.
Caminhava sob o pórtico de Salomão, quando foi cercado por um grupo de fariseus.
- Então, Rabi! – exclamou um deles – É verdade que é o filho de Deus?
- Até quando nos manterá em suspenso? – perguntou outro. E acrescentou: - Se é o Cristo, diga-nos
abertamente!
Jesus respondeu:
- Já lhes disse a verdade, mas não acreditam em mim. As obras que faço em nome de meu Pai dão
testemunho de mim, mas vocês não acreditam, porque não fazem parte do meu rebanho. Minhas ovelhas
escutam minha voz, eu as conheço e elas me seguem, eu lhes dou a vida eterna e elas jamais perecerão. Tudo
vem do Pai através de mim, pois o Pai e eu somos um só.
Um deles abaixou-se e apanhou uma pedra. Jesus olhou-o fixamente e perguntou:
- Já lhes mostrei inúmeras obras, vindas do Pai. Por qual delas querem me lapidar?
O que segurava a pedra, exclamou:
- Não o condenamos por suas obras, mas por blasfêmia! Como se diz Deus, sendo apenas um
homem?
A tranqüilidade que emanava de Jesus contrastava com o nervosismo evidente dos fariseus.
- Não está escrito na Lei: Eu disse: Sois deuses? A Lei chama de deuses aqueles aos quais a palavra
de Iahweh foi dirigida, e a escritura não pode ser contestada, e nem anulada! No entanto dizem que blasfemo,
quando digo que o Pai me enviou e que realiza suas obras através de mim.
Ou foi a forte presença de Jesus, ou alguma emanação vinda daquela luz que se ocultava atrás das
nuvens, que fez com que os homens, naquele momento, não lançassem suas pedras. Com o ódio refletido no
olhar, viram Jesus se afastar e desaparecer no meio da multidão.

...

Jesus saiu de Jerusalém e foi pregar do outro lado do Jordão. O povo se aglomerava à sua volta,
sequioso por suas palavras.
- Rabi – perguntou um homem – é pequeno o número dos que se salvam?
E ele respondeu:
- Esforcem-se para entrar pela porta estreita. Muitos tentarão mas poucos conseguirão. E quando o
dono da casa fechar a porta, não deixará entrar aqueles que cometeram injustiças. E haverá choros e ranger de
dentes. E os profetas virão, do ocidente e do oriente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa do Reino do
Céu.
Enquanto Jesus falava, dois jovens discutiam. De repente um deles chamou Jesus e pediu:
- Mestre, diga a meu irmão que reparta comigo a herança!
- E quem me escolheu como árbitro de sua partilha? – perguntou Jesus – Melhor será que se cuidem
contra qualquer cupidez, porque a vida do homem não é assegurada por seus bens. Vou lhes contar uma
história: A terra de um rico produziu muito e ele não sabia onde guardar tanta colheita. Resolveu então
demolir seus celeiros e construir outros, maiores. E pensou: Minha alma agora pode ficar em paz, pois tenho
uma reserva para muitos anos. Mas Iahweh lhe disse: Insensato, se nesta mesma noite sua alma for reclamada,
de quem serão as coisas que acumulou? Eu lhes digo, portanto, que vendam todos os seus bens e façam um
tesouro inesgotável nos céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói. Pois onde está o seu tesouro, aí
também está o seu coração. E não somente aos tesouros, mas há muito mais o que renunciar para alcançar o
Reino do Céu. Eu lhes digo que se alguém vem a mim e não renunciar ao próprio pai e mãe, mulher, filhos,
irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo.
Alguns fariseus que escutavam aquilo, começaram a rir e a zombar.
- Vocês querem passar por justos diante dos homens, mas Iahweh conhece seus corações. E digo-lhes
que ninguém pode servir a dois senhores. Ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o
outro. Não é possível servir a Iahweh e ao Dinheiro.

...

Em um sábado, e Jesus foi pregar numa das sinagogas. Suas palavras, porém, ficavam pairando na
mente das pessoas como aves sem ninho. Mas ele já se habituara a isso e, como lhe avisava sempre Iahweh, as
sementes estavam sendo lançadas em solo árido e o tempo de brotarem ainda estava distante.
Enquanto pregava, reparou numa mulher tão encurvada para frente, que não conseguia nem ao
menos erguer a cabeça para olhá-lo. Mas, apesar da posição incômoda em que se encontrava, a mulher
permaneceu ali até o final de seu discurso.
Quanto terminou de falar, Jesus aproximou-se dela e tocou-a.
- Mulher – disse ele com ternura na voz – está livre de sua doença.
Um forte calor saiu de sua mão e invadiu o corpo da mulher, que exclamou:
- Há dezoito anos que meu corpo não se apruma! Mas sinto-o agora leve e livre do mal que me
persegue!
Devagar, muito devagar, foi erguendo o corpo e um silêncio pesado caiu sobre a sinagoga, enquanto
todos os olhares, pousados nela, aguardavam ansiosos. Em poucos minutos, ela estava ereta.
O chefe da sinagoga, no entanto, surgiu do meio do povo que rodeava a mulher, tocando-a e fazendo
mil perguntas e gritou, indignado:
- Há seis dias na semana para o trabalho, portanto só procurem a cura nesses dias, e não num dia de
sábado!
E Jesus imediatamente respondeu
- Seriam hipócritas os que agissem desta maneira! Por acaso num sábado não soltam seu boi ou seu
asno do estábulo para levá-lo a beber? E então por que não curar esta mulher num sábado, presa que estava a
uma doença há dezoito anos?
O chefe da sinagoga nem conseguiu responder, em meio às exclamações de alegria e surpresa que
corriam de boca em boca. E, logo que o povo se acalmou, Jesus continuou:
- Esta mulher está livre da doença, e quem tem o conhecimento da verdade também é livre. A
verdade eleva os corações e o amor constrói a ponte que leva ao Pai. O amor é vinho e bálsamo e se
glorificam aqueles que se deixam ungir com ele. Bem-aventurados aqueles que buscam a verdade, porque são
ungidos com o amor do Pai, e bem-aventurados os que amam, porque seu amor afastará o véu que encobre a
verdade.

...

O dia tinha amanhecido tão esplendoroso, que era difícil imaginar que, numa manhã tão radiosa,
alguma notícia triste pudesse chegar. Mas foi naquela manhã de luz, que chegou um mensageiro de Betânia.
As irmãs Marta e Maria chamavam Jesus às pressas. Lázaro estava à beira da morte.
O primeiro impulso de Jesus foi o de partir imediatamente, mas uma voz interna e poderosa o deteve
e lhe deu a certeza de que Lázaro já havia morrido. Seguindo aquele impulso intuitivo, esperou dois dias e
então anunciou aos discípulos.
- Vamos partir novamente para a Judéia!
Eles protestaram com veemência.
- Mestre, lá tentaram até mesmo apedrejá-lo! Como pensa em voltar?
- Vamos para Betânia – continuou Jesus. – Preciso despertar Lázaro do sono em que se encontra, para
que todos acreditem no poder do Pai.
Mas Pedro, preocupado, insistiu.
- Mestre, se Lázaro está doente mas apenas dorme, não deve estar tão mal assim... Não se arrisque
indo mais uma vez à Judéia!
Jesus olhou-o, pensativo. Por mais uma vez suas palavras não eram compreendidas.
- Pedro – disse, afinal – Lázaro morreu, mas meu Pai me diz que devo ir para dar a todos o
testemunho do poder de seu amor.
- Então vou junto! – exclamou Pedro.
- Vamos todos! – acrescentou Tomé – Se atacarem Jesus, morreremos com ele!

...

A viagem para Betânia foi silenciosa, carregada de preocupações. Somente Jesus estava tranquilo,
procurando manter a mente aberta às orientações de Iahewh. Não precisava olhar para o céu para saber que a
estrela de prata os seguia e emitia suas poderosas irradiações.
Quando chegaram a Betânia, só encontraram lágrimas e desespero. Lázaro já estava sepultado havia
quatro dias.
Maria, esgotada e fragilizada, nem conseguiu se levantar quando vieram avisar da chegada do grupo.
Marta foi ao seu encontro, com o olhar cheio de tristezas e reprimendas.
- Por que não veio antes, Jesus? Teria salvo meu irmão!... Agora é tarde, muito tarde...
Jesus fechou os olhos por instantes. Sentia chegar uma energia forte, que fazia vibrar tanto o seu
corpo que até lhe parecia difícil caminhar. E, quando falou, soube que não era mais ele quem falava, mas o
Pai através de seus lábios:
- Eu sou a ressurreição e quem acredita em mim, mesmo que morra, viverá. E quem vive e acredita
em mim, jamais morrerá – seus olhos mergulharam fundo no olhar surpreso de Marta – Acredita nisso, Marta?
Ela sacudiu debilmente a cabeça. Naquele momento, precisava acreditar em qualquer coisa que lhe
trouxesse um pouco de esperança.
- Sim... eu acredito.
- Chame Maria – disse Jesus.
Marta foi ao encontro da irmã. Quando a trouxe para fora da casa, os amigos que ali estavam para
consolar a família acompanharam também as duas moças. Surpreenderam-se ao verem Jesus.
- Poderia ter curado meu irmão! – exclamou Maria, desesperada. E mergulhou o rosto entre as mãos,
num choro convulsivo.
A vibração que envolvia Jesus era tão intensa que ele mal conseguia falar. Perguntou apenas:
- Onde o colocaram?
Seguiram em direção ao sepulcro. Os olhos de Jesus ardiam e lacrimejavam, e uma forte pressão
comprimia-lhe a garganta.
- Vejam – sussurrou alguém – ele também amava Lázaro! Olhem como está emocionado!
- Se o amava tanto – cochichou outro – então por que não veio antes? Teria evitado que morresse!...
O sepulcro era uma gruta, com uma pedra sobreposta sobre a entrada. Disse Jesus:
- Retirem a pedra!
Maria olhou-o, atônita.
- Mas, Jesus, já se passaram quatro dias... gaguejou – ele já cheira mal!
A vibração se tornava cada vez mais forte.
- Não disse que acredita em mim?...- perguntou Jesus - Não quer conhecer a glória de meu Pai?
Retiraram, então, a pedra. Jesus deu uns passos adiante e ficou parado, de frente para a escuridão que
se mostrava além da abertura da gruta. Todos se calaram, mas ninguém viu a estrela de prata que se ocultava
atrás da nuvem que se aproximou, movendo-se misteriosamente num céu sem ventos, e se colocou logo acima
do sepulcro. Ninguém viu também o jato de luz que ela emitiu, que atravessou a pedra e incidiu sobre o centro
da gruta, envolvendo o corpo de Lázaro numa vibração tão intensa que nenhum ser vivo suportaria.
Enquanto isso, Jesus falava:
- Pai, dou-lhe graças por que me ouviu, e ouviu a súplica de todos os que me rodeiam, e que poderão
enfim acreditar que realmente me enviou!
E gritou em voz alta, uma voz sonora e vibrante:
- Lázaro, vem para fora!
Os minutos que se sucederam foram carregados de uma estranha tensão. Era um misto de esperança e
descrença, de temor e ansiedade, de uma alegria contida por lágrimas, mas que explodiu em gritos quando um
vulto ainda enfaixado veio surgindo do meio da escuridão.
Mal escutaram quando Jesus disse:
- Desatem-no, deixem-no livre!.....
Todos rodearam Lázaro, arrancando o sudário, desenrolando as faixas que lhe tolhiam os
movimentos. As lágrimas agora eram de pura alegria e emoção e, quando Maria procurou Jesus com os olhos
embaçados pelo choro, viu já bem longe o grupo que se afastava e na frente dele aquele moço, meio curvado
para o lado do ombro onde pendia uma enorme sacola de couro.

...

- CAPÍTULO 32 –

O milagroso feito ocorrido em Betânia, convenceu a Judas que Jesus seria mesmo o líder ideal para
levar os judeus à almejada libertação dos romanos. Sabia que a notícia da ressurreição de Lázaro correria de
boca em boca e se espalharia por toda a Palestina, dando a todos a certeza de que alguém capaz de reviver os
mortos, teria também todo o poder para expulsar os invasores, talvez até mesmo sem grandes lutas nem
derramamentos de sangue.
Mas nas poucas vezes que se aproximara do Mestre, procurando expor-lhe suas idéias, calara-se ante
o poder que emanava dos olhos profundos e que o impedia de falar, parecendo já rejeitar suas idéias, mesmo
antes de ouvi-las.
E a notícia correu. Dos amigos que visitavam a família de Lázaro, muitos acreditaram em Jesus e se
calaram em reflexão. Mas houve aqueles que correram aos fariseus e falaram, assombrados, sobre o incrível
poder de Jesus.
Os chefes dos sacerdotes e os fariseus reuniram o Conselho e chegaram todos à mesma conclusão.
Deveriam tomar providências imediatas. O Rabi de Nazaré estava se tornando muito perigoso, fazia milagres
e não demoraria muito para que o povo o aclamasse rei de Israel, atraindo assim a atenção do governador
romano. O fanatismo levaria a uma revolução, e as legiões do Imperador viriam para sufocar a revolta,
destruindo a cidade e o Templo. E, no meio da agitação geral, elevou-se a voz de Caifás, o sumo sacerdote:
- É melhor que morra um só homem, do que toda uma nação venha a perecer!
E naquele momento decidiram o destino de Jesus.
Mas nem mesmo as reuniões mais secretas conseguiam segurar informações por muito tempo. Elas
vazavam de uma ou outra forma e acabavam se tornando rumores que percorriam os povoados e as aldeias.
Um dos apóstolos escutou e correu para avisar:
- Mestre, os sacerdotes querem prendê-lo!... Querem matá-lo!
Judas encheu-se de esperanças. O grande momento se aproximava. Se prendessem Jesus, com
certeza ele reagiria de alguma forma e o levante aconteceria, enfim.
Mas Jesus partiu para Efraim, e lá ninguém apareceu para molestá-lo.
- Só o prenderão se voltar a Jerusalém... – pensou Judas. E novamente se encheu de esperanças.
Estava se aproximando a festa da Páscoa.
Jesus ficou algum tempo em Efraim e depois seguiu para Jericó. Ainda não haviam entrado na
cidade, e um cego aproximou-se, gritando:
- Cure-me, Rabi!... Por favor, faça-me enxergar novamente!
Os discípulos tentaram afastar o cego, com medo de que ele atraísse a atenção sobre Jesus. Mas ele,
desesperado, empurrou-os.
- Cure-me, Rabi! – exclamou novamente, já bem perto de Jesus que, com pena, estendeu a mão e
disse:
- Sua fé o curou... Volte para sua casa.
Mas o homem, longe de ser discreto, continuou a gritar sua cura a todos e a louvar o nome de Jesus.

...

Madalena trocou mais uma vez a água do banho e mergulhou. Esfregou com veemência a pele já
irritada de tanto ser friccionada com as mais diversas ervas de purificação, mas nem assim conseguia apagar a
impressão que as mãos daquele homem deixara em seu corpo.
Aceitara por uma noite aquele que já fizera parte de seu passado, na esperança de apagar o fogo que
ardia em seu peito, que a consumia às lágrimas, que não a deixava nem por um instante se esquecer do Rabi
de Nazaré.
Tentara de tudo, orações, banhos, unções com os óleos mais eficientes, mas a imagem de Jesus, suas
palavras, seu olhar profundo não abandonavam seus pensamentos, trazendo uma sensação de dor interna
inexplicável, que parecia derreter sua alma. A garra de aço que lhe apertava a garganta não aliviava sua
pressão em nenhum momento e os olhos, sempre ardendo e vermelhos, nunca mais se viram livres do pranto
que a sufocava.
E agora, além da dor, além do desassossego, o cheiro horrível de pecado que lhe ficara impregnado
no corpo. E, como se não bastasse, a culpa pesava-lhe na alma mostrando-lhe que o amor carnal, além de não
ter lhe trazido o alívio que esperava, enchera seu coração do remorso de ter traído o único e verdadeiro amor
que conhecera em toda a sua vida.
Os dias se arrastaram, lentos e sofridos, e nem os banhos e nem os óleos serviam de bálsamo para sua
dor e nem afastavam a culpa que se instalara em seu coração. Quando os olhos de Jesus, escuros e profundos,
se tornavam mais vivos em sua lembrança, o choro se tornava mais abundante e o aperto na garganta mais
cruel e doloroso.
Via as noites passarem, o sono não vinha para lhe trazer algumas horas de esquecimento e o dia,
quando raiava, não iluminava a escuridão em que a culpa a deixara mergulhada. O cansaço já curvava seus
ombros e manchas negras espalhavam-se sob suas pálpebras.
Um dia, tomou a decisão. Pegou o frasco de alabastro com o bálsamo mais precioso de sua coleção,
trancou sua casa e partiu.

...

De Jericó, Jesus voltou a Betânia e Lázaro recebeu-o novamente, com o mesmo sorriso franco com
que o acolhera na primeira vez em que o vira.
- Mestre! – exclamou, abrindo os braços – Como estamos felizes em vê-lo novamente! Já haviam nos
avisado que estava para chegar, e um jantar o espera em casa de Simão.
Jesus sorriu. Aquela gente de Betânia era sincera e amiga, e agora mais ainda, depois do que
acontecera a Lázaro.
A casa de Simão estava repleta de convidados e todos queriam ouvir o que Jesus tinha a lhes dizer.
- Amem o próximo como amam a vocês mesmos, amem ao Senhor que está no céu acima de todas as
suas forças e procurem o reino dentro de seus corações. Somente isto os salvará. Estejam sempre atentos, pois
ninguém sabe o dia e nem a hora em que o Senhor, que está no céu, irá se aproximar em toda a sua glória e
mostrar àqueles que estão preparados o seu esplendor. E se os olhos não estiverem prontos para ver, irão se
cegar perante tanta luz. O reino do céu é semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao
encontro do noivo. Cinco eram insensatas e cinco, prudentes. As insensatas, ao pegarem as lâmpadas, não
levaram azeite consigo, enquanto as prudentes levaram vasos de azeite com suas lâmpadas. O noivo se
atrasou e todas acabaram cochilando e dormindo. Mais tarde, ouviram um grito: “O noivo vem aí! Corram ao
seu encontro!” Todas as virgens então se levantaram e trataram de aprontar as lâmpadas. As insensatas
disseram às prudentes: “Dê-nos do seu azeite, que nossas lâmpadas estão se apagando”. Mas as prudentes
responderam: “De modo algum. O azeite que temos não bastará para todas nós. Vão depressa comprar mais
um pouco”. Mas enquanto foram comprar o azeite, o noivo chegou e as que estavam prontas entraram com ele
para o banquete de núpcias. E fechou-se a porta. Finalmente chegaram as outras virgens, dizendo: “Senhor,
abra-nos a porta!” Mas ele respondeu: “Na verdade, nem as conheço!” Vigiem, portanto, porque ninguém
sabe nem o dia e nem a hora em que o noivo irá chegar e chamar a todos para seu banquete. Estejam sempre
preparados, com a luz de sua alma acesa e seu coração pleno de amor.
Um rumor estranho agitou o silêncio com que todos o escutavam e ouviram vozes que procuravam
impedir a entrada de alguém. Jesus ergueu os olhos e viu Madalena que, decidida, passou por todos e caiu de
joelhos à sua frente. Seu rosto lívido mostrava o cansaço que trazia na alma, as olheiras negras revelavam as
noites não dormidas e os olhos vermelhos e inchados não escondiam a dor que lhe ia à alma. As lágrimas
rolavam, copiosas, caindo sobre os pés de Jesus e escorrendo entre seus dedos.
Madalena curvou-se, secou-lhe os pés com seus longos cabelos, beijou-os e ungiu-os com o óleo
perfumado que trouxera num frasco de alabastro.
Um rumor correu entre todos, e um dos discípulos comentou:
- É nardo!... O perfume mais precioso e caro que existe!
Simão resmungou:
- Que desperdício!...Este perfume poderia ter sido vendido e o dinheiro distribuído aos pobres...
Mas Madalena não se importava. Continuava a chorar e a ungir reverentemente os pés de Jesus.
- Não a aborreçam! – disse Jesus. E, voltando-se para Simão, continuou: - Vim à sua casa e você não
lavou meus pés, não me saudou com um beijo e nem me ungiu com óleo. Ela, no entanto, lavou meus pés com
suas lágrimas, enxugou-os com seus cabelos e os ungiu!
Madalena ergueu a cabeça e sussurrou:
- Rabi, perdão! – e chorou mais ainda.
Jesus segurou seu rosto entre as mãos e olhou-a dentro dos olhos vermelhos e inchados.
- Filha – disse ele – seu amor é tão grande que transcende a qualquer culpa. Seus pecados estão
perdoados, e o amor que traz no coração abriu-lhe as portas do reino.
Alguém exclamou:
- Só Deus pode perdoar os pecados!...
- Sua fé e seu amor a salvaram... – continuou Jesus, sem se importar com o comentário – Vá em paz
e não torne a pecar.
Madalena se levantou, cambaleando, e já ia saindo quando Jesus a chamou:
- Tome! – disse, estendendo-lhe o frasco de alabastro – Leve seu ungüento e use-o novamente no
meu sepultamento.
Madalena pegou o frasco com as mãos trêmulas. Por um rápido instante, seus dedos tocaram a mão
de Jesus e ela sentiu um calor intenso subir-lhe pelos braços e invadir-lhe todo o corpo. Imediatamente seus
olhos secaram, a certeza do perdão aconchegou-se em seu coração, e a paz chegou, envolvendo-a num cálido
abraço.
O povo se afastou em silêncio e deixou-a passar. Ela parou mais adiante, voltou-se e fitou Jesus mais
uma vez. Depois afastou-se e não olhou mais para trás.

...

- CAPÍTULO 33 –

Novas notícias chegaram: estava decretada a prisão de Jesus e a de Lázaro. Os discípulos,


terrivelmente assustados, revezaram-se na proteção à casa de Simão, até que Jesus resolveu partir seguindo a
margem do Jordão.
Realmente, não havia nenhum exagero por parte dos mensageiros. Lázaro de Betânia era uma pessoa
conhecida demais, para que Jerusalém ignorasse o que havia acontecido e o Sinédrio teve que se reunir em
caráter de emergência, pois a Páscoa estava muito perto e todos temiam que a presença de Jesus causasse
sérios tumultos na multidão. Seria bom que Lázaro também desaparecesse, pois sua presença, testemunho
vivo do maior milagre do Rabi, também poderia agitar demais o povo.
Um dos fariseus chegou a propor a prisão imediata do Galileu e sua execução sem julgamento
prévio. Mas os anciãos pertencentes à nobreza foram contra, insuflados por José de Arimatéia, amigo de
Nicodemus, que depois da entrevista que tivera com Jesus, não conseguira mais tirá-lo de sua mente, agora
cheia de temores.
Os policiais do Templo chegaram à casa de Simão para efetuarem a captura, mas quando viram que
Jesus já havia partido, deixaram Lázaro de lado e voltaram para Jerusalém.
Os sacerdotes, furiosos com o malogro da missão de seus policiais, deram-lhes ordens expressas, e
também aos levitas, para que capturassem Jesus imediatamente, caso ele tivesse a ousadia de aparecer em
Jerusalém para a Páscoa.

...

A tensão era grande entre os discípulos. André, sentindo um terrível aperto na boca do estômago, não
conseguia comer o pão que fora distribuído a todos. Pedro, inquieto, acariciava a todo o instante o cabo da
espada curta que enfiara no cinto, por baixo da manta, às escondidas de Jesus e os outros não conseguiam tirar
da testa a ruga de preocupação que traziam desde que saíram da casa de Simão.
Todos, sem exceção, traziam a muda pergunta engasgada na garganta: Será que o Mestre estava
pretendendo ir a Jerusalém, para a festa da Páscoa?
E quando Jesus mandou chamar Judas, que era o que cuidava da economia do grupo, todos se
aproximaram, curiosos.
- Judas – disse Jesus com aparente tranqüilidade – reserve o dinheiro necessário para irmos a
Jerusalém e comprarmos o que for preciso para a nossa ceia pascal.
Um rumor de medo e espanto correu entre os discípulos e Pedro não se conteve:
- Mas, Mestre!... Os sacerdotes não permitirão que pregue nem que se mostre em público!
- Para que irmos, se terá que ficar escondido? – acrescentou João, sem conseguir disfarçar seus
receios.
Jesus ergueu os braços, fazendo com que se calassem.
- Minha vontade não é minha, mas sim do Pai que me enviou. Vamos a Jerusalém sem temores, pois
nada acontecerá que não seja por ele determinado.
Estavam já próximos de Jerusalém, quando Jesus parou, chamou Pedro e João e apontou para o
povoado mais perto.
- Vão até Betfagé e lá encontrarão o filhote de uma jumenta amarrado a uma estaca. Desatem-no e
tragam-no aqui. Se alguém perguntar porque fazem isso, digam apenas que o Mestre precisa dele mas que
logo o devolverá.
Não se passou muito tempo, e voltaram os dois discípulos, puxando um jovem jumento, atado a uma
corda esfiapada.
- André! – chamou Jesus – Arranje uma manta que não esteja sendo usada e coloque-a sobre o
animal.
Sem entender muito bem o pedido de seu Mestre, André logo voltou com a manta solicitada,
arrumou-a sobre as costas do jumento e segurou-o pela corda, quando percebeu que Jesus iria montá-lo.
Pouco depois, tocando o animal com os joelhos, Jesus o fez andar, levando-o no dorso em direção à
Jerusalém.
Uma patrulha romana passou por eles e Felipe, assustado, encolheu-se à beira da estrada. Mas os
soldados, todos muito jovens, não se importaram com aquele pequeno grupo que entrava na cidade, tendo à
frente um homem de cabelos longos e vestes brancas, montado às costas de um pequenino jumento. Passaram
por eles, fazendo tinir suas espadas longas, os elmos dourados refletindo o sol daquela manhã magnífica.
- Não tenha medo – sussurrou-lhe André – isto somente mostra que Pilatos já chegou à Torre
Antônia, onde ficará até o fim da festa, como de costume.
- Tenho medo, sim! – respondeu Felipe, no mesmo tom de voz – Além de vir, o Mestre ainda
resolveu entrar em Jerusalém em cima de um burrico!
- Também estou pensando por que teria feito isto... – cismou João.
André chegou mais perto dele e cochichou:
- Deve ser para que se cumpram as profecias. Foi dito: Dizei à Filha de Sião: eis que o teu rei vem a
ti, manso e montado em um jumento, em um jumentinho, filho de uma jumenta.
Tiago, que se acercara deles, comentou:
- Achei que era um sinal de humildade...
- Mas chama muito a atenção do povo... – continuou Felipe – Daqui a pouco vão reparar e...
Nem acabou de falar. De uma caravana que seguia um pouco adiante, alguém se virou para trás e
parou. Protegeu os olhos com a mão em concha, para enxergar melhor e, quando se certificou do que via,
gritou:
- É o Rabi de Nazaré!
Em instantes um número enorme de pessoas cercou Jesus, aclamando-o, emocionadas. E estiraram
suas mantas no caminho por onde ele passava, enquanto outras forravam a estrada com galhos cortados das
árvores mais próximas e com as flores que conseguiam colher por perto. E formaram uma procissão atrás
dele, ao som de cítaras, címbalos, harpas e cânticos.
- Bem-vindo o que vem em nome do Senhor! – exclamavam.
Alguns fariseus também se aproximaram, mas temendo uma manifestação por parte dos peregrinos,
não tiveram coragem de chamar os guardas do Templo e apenas pediram a Jesus que acalmasse o povo que o
louvava.
- Se eles se calassem, as pedras gritariam! – respondeu alto Jesus, sua voz mal sendo ouvida em meio
aos gritos de alegria e louvor.
- Pois que seja... – reclamaram – Quando as multidões se agitarem mais, os próprios romanos irão
intervir!
O povo continuava a louvar:
- Paz e glória no mais alto dos céus!
Jesus parou. À sua frente, Jerusalém surgia com toda a sua magnitude. As torres da Fortaleza Antônia
apontavam para o céu azul e o sol forte tingia de ouro as muralhas que cercavam o Templo. Uma tristeza
súbita escureceu seu semblante e lágrimas escaparam-lhe do canto dos olhos.
- Ah, Jerusalém! – exclamou, enquanto todos o olhavam, surpresos – Se pudesse compreender, ao
menos hoje, a mensagem de paz que trago! Mas isto ainda está escondido a seus olhos!... Dias virão em que
os inimigos a cercarão com trincheiras e não deixarão pedra sobre pedra, porque não reconhece hoje aquele
que a visita!
Protegido por seus discípulos, continuou a caminhar, iniciando sua descida para Jerusalém, abrindo
caminho por entre a multidão que continuava a gritar:
- Bendito o nosso Rei que vem em nome do Senhor!
Comprimido pelo povo, Jesus entra no Templo pela porta oriental e pára no adro dos gentios. Os
fariseus foram se chegando e os guardas do templo, atentos, esperavam um sinal para prendê-lo, mas as
aclamações e gritos do povo não deixavam que os fariseus tomassem uma atitude. Esperavam que ele tornasse
a se indispor com os cambistas, mas nada aconteceu que justificasse sua prisão, naquele momento.
No meio do povo havia alguns gregos que, timidamente, aproximaram-se de Felipe e pediram:
- Gostaríamos de conhecer o Rabi....
Felipe levou-os para perto de Jesus, que os acolheu com simpatia.
- Mestre... – animou-se um deles a dizer – ensine-nos sobre a vida eterna!
E Jesus falou:
- O grão de trigo cai na terra e, se não morrer, ficará sozinho. Porém, se morre, produzirá frutos.
Quem se apega à sua vida, acaba por perdê-la, mas quem não se importa com ela, ganhará a vida eterna. Se
alguém quiser servir-me, que me siga e a quem me serve, meu Pai o honrará...
Vendo, pela expressão confusa dos gregos, que não entendiam o que lhes dizia, calou-se. Depois
voltou-se para os discípulos e comentou:
- Minha alma está tão conturbada... Que direi? Pai, salve-me desta hora? Mas foi precisamente para
esta hora que vim! ... – ergueu os olhos para o céu e exclamou: - Pai, glorifique meu nome!
Logo acima, de dentro de uma nuvem espessa, saiu um raio acompanhado de um trovão.
Imediatamente, uma voz poderosa e metálica, vinda do alto, de algum ponto dentro da própria nuvem, falou:
- Já glorifiquei e glorificarei novamente!
O povo, ouvindo aquela frase, dita num tom extremamente alto e num aramáico cristalino, recuou,
assustado.
- Quem disse isso?
- Foi o trovão!
- Não, foi um anjo que falou com o Mestre!
E Jesus respondeu:
- Essa voz não veio para mim, mas sim para vocês! O príncipe será lançado para fora do mundo, mas
quando me elevar da terra, atrairei a todos para mim...
Uma voz se ergueu do meio do povo, e perguntou:
- Por que diz isso? Sabemos que o Messias permanecerá para sempre!
- A luz estará entre vocês por pouco tempo! – continuou Jesus – Caminhem, enquanto há luz, para
não serem surpreendidos pelas trevas, pois quem caminha nas trevas não sabe para onde vai! E, enquanto
tiverem a luz, acreditem nela e se tornarão filhos da luz...
Jesus se afastou, seguido pelos discípulos.
Quando a noite caiu, ninguém mais conseguiu encontrar o Rabi e seu grupo. O povo procurou em
todos os cantos, mas nem sombra de Jesus e seus discípulos. Foi somente bem mais tarde que souberam que
haviam voltado para Betânia.

...

Judas passou a noite sem dormir, medindo com passadas largas o jardim da casa de Lázaro. De
longe, os outros o observavam, mas ninguém conseguia descobrir o que tanto o perturbava.
Ele não podia se conformar com o fato de Jesus não ter se aproveitado daquela oportunidade única
que tivera para tornar-se o rei da Judéia. Com toda aquela multidão à sua volta aclamando-o, bastava uma
palavra, um gesto, para que todo aquele povo se colocasse a seu lado, formando um exército formidável.
Todos perceberam o receio dos fariseus e os olhares ariscos que trocavam. Os guardas do Templo,
com os olhos pregados nos sacerdotes, esperavam a ordem para prender Jesus, mas essa ordem não veio. Eles
estavam com medo do poder popular. E Jesus perdera aquela grande oportunidade! Já não gostara de ver seu
Mestre entrar em Jerusalém montado num burrico. Teria preferido vê-lo cavalgando um fogoso corcel, como
um general invadindo o território inimigo. Mas se conformara ao ver a aclamação da multidão e a esperança
cresceu em seu coração. Mas, quando viu que Jesus não pretendia mesmo inflamar o povo, deixou que o
desespero tomasse conta de todo o seu ser, e andando de lá para cá, pensava num meio de fazer com que Jesus
assumisse seu papel de libertador daquela gente tão oprimida pelos romanos.

...
No dia seguinte saíram bem cedo de Betânia. Pelo meio do caminho sentiram fome e, na pressa,
ninguém havia trazido pão.
À beira da estrada, uma figueira solitária lançava seus galhos para o alto. Jesus se aproximou dela,
mas tocando em seu tronco, falou:
- Só há folhas... É velha e estéril, ninguém jamais comerá de seus frutos!
Seguiram para Jerusalém. Assim que chegaram, os fariseus foram se aproximando e os discípulos,
com medo, olharam em volta procurando a proteção do povo que, na véspera, havia-lhes servido de escudo.
Com um suspiro de alívio, viram que as pessoas já estavam se reunindo e se preparando para ouvir o Rabi de
Nazaré. E, do meio do povo, um fariseu gritou:
- Vai de novo pregar, Rabi? Apesar dos sinais que mostrou, ninguém acreditou em suas palavras!
Jesus procurou-o com os olhos e, apesar do homenzinho procurar se esconder atrás dos ombros de
outro, foi tocado pelo olhar do Mestre.
- Não acreditando em mim, estão cumprindo as palavras do profeta Isaias, que disse: Cegou-lhes os
olhos e endureceu-lhes o coração, para que seus olhos não vejam, seu coração não compreenda e não se
convertam e eu não os cure. E eu lhes digo que quem acredita em mim, não é em mim que crê, mas em quem
me enviou; quem me vê, está vendo aquele que me enviou. Eu trouxe a luz, para que aquele que crê em mim
não permaneça nas trevas. Eu não julgo aquele que ouve minhas palavras mas não as segue, porque não vim
para julgar o mundo, mas para salvar o mundo. Quem me rejeita e não acolhe minhas palavras, tem por juiz a
palavra que proferi: ela o julgará no último dia, porque não falei por mim mesmo, mas repeti aquilo que o Pai,
que me enviou, prescreveu que eu lhe dissesse e seu mandamento é vida eterna. O que falo, portanto, eu o falo
como o Pai me disse!.

...

- CAPÍTULO 34 –

No dia seguinte, novamente voltando de Betânia para Jerusalém, passaram pela figueira e viram que
ela estava completamente seca, retorcida até as raízes. Pedro comentou:
- Olhe só, Mestre, aquela figueira que ontem amaldiçoou, secou completamente!
Jesus colocou a mão no seu ombro e disse:
- Pedro, compreenda que a palavra tem um poder enorme. E a fé no Pai, firmada pela palavra, faz
acontecer milagres – e, apontando para a montanha mais próxima, continuou: - Se alguém disser a esta
montanha: erga-se e atire-se no mar, e não tiver dúvidas em seu coração, mas realmente acreditar no que diz,
assim acontecerá. Por isso lhe digo, tudo o que suplicar ou pedir, acredite que já recebeu, e assim será. E
quando estiver orando, se tiver alguma coisa contra alguém, perdoe-lhe, para que também o Pai que está no
céu perdoe suas ofensas.
Mais uma vez chegaram à Jerusalém e, enquanto circulavam pelo Tempo, aproximaram-se os chefes
dos sacerdotes, os escribas e os anciãos. Os discípulos, assustados, encolheram-se. Sabiam que as autoridades
do Templo procuravam um motivo qualquer que justificasse a prisão de seu Mestre.
Na véspera, Caifás já havia feito nova reunião, cobrando a prisão do Rabi.
- Não podemos simplesmente prendê-lo! – protestou um dos escribas – O povo todo se revoltaria!
- Pois arranjem um motivo! – exclamou Caifás – Não é possível que um revolucionário como ele não
lhes dê uma única razão para sua captura!
Quando viram Jesus já se preparando para um novo discurso, aproximaram-se prontos para uma
discussão, que talvez levasse a alguma violência por parte do Rabi ou de seus discípulos, ou a alguma
contradição em suas palavras que provocasse o descrédito ante o povo que o ouvia.
- Com que autoridade faz essas coisas? – perguntaram – Quem lhe concedeu autoridade para fazê-
las?
Por um instante, Pedro julgou ver a sombra de um sorriso repuxar os olhos de Jesus.
- Antes de responder, gostaria de fazer-lhes uma pergunta: Onde João obteve autoridade para
batizar? Foi no céu ou foi entre os homens?
Os fariseus e escribas se afastaram um pouco e, em voz baixa, procuraram encontrar a melhor
resposta.
- O que vamos responder? – perguntou um escriba. – No céu?
Um fariseu, evidentemente nervoso, puxou-o pela larga manga.
- Não! Se respondermos no céu, ele irá nos perguntar porque então não acreditamos nele!
- Então vamos dizer que foi entre os homens...
- Não! – exclamou outro fariseu, que olhava em volta procurando perceber qualquer reação no rosto
da multidão. – Se dissermos que foi entre homens, este povo todo que considera João o seu maior profeta, irá
contra nós!
Continuaram a escolher a resposta, entre sussurros, e por fim o escriba se aproximou de Jesus:
- Não sabemos... – respondeu afinal.
O povo, em silêncio, aguardava a palavra de Jesus. E ele apenas disse:
- Pois então também não lhes direi com que autoridade faço estas coisas!
Envergonhados, os fariseus e escribas já iam partindo, mas foram impedidos por um gesto de Jesus:
- Um momento! – exclamou o Rabi – Escutem a história que tenho para lhes contar: Um homem
plantou uma vinha, cercou-a, construiu um imenso tanque e uma torre. Como precisasse viajar, arrendou-a a
uns vizinhos e partiu. Algum tempo depois, enviou um servo aos vinhateiros, para que recebesse uma parte
dos frutos da vinha. Mas eles o espancaram e mandaram-no de volta, sem nada. O homem enviou outro servo,
mas bateram-lhe na cabeça e o insultaram. E assim o homem enviou, um a um, todos os seus servos, mas
bateram nuns e mataram outros. Restava-lhe ainda alguém para mandar: o seu filho muito amado. E o homem
pensou: Eles ouvirão e respeitarão meu filho. Mas os vinhateiros resolveram entre si: “Este é o herdeiro!
Vamos matá-lo e a herança será toda nossa!” E mataram também o filho do homem. O que acham que fará o
dono da vinha? – olhou firme para os fariseus e escribas, e continuou – O dono da vinha virá, destruirá os
vinhateiros e dará a vinha a outros! Não conhecem a Escritura? A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se a pedra angular! E eu lhes digo que, quem cair sobre esta pedra irá se quebrar todo, e aquele sobre
quem ela cair, ela o esmagará!
Os fariseus e os escribas, notadamente perturbados com a história que ouviram, afastaram-se e
reuniram-se mais adiante:
- Vocês ouviram? Ele sabe que queremos prendê-lo! – disse um escriba. E, baixando mais ainda o
tom da voz: - Ele sabe que queremos matá-lo!...
Olharam mais uma vez para Jesus que, sem mais se voltar para eles, continuava a pregar ao povo
interessado em suas palavras. Depois entraram no Templo para melhor escolherem um outro meio de prender
Jesus.
Resolveram então, depois de acaloradas confabulações, enviar como espias pessoas desconhecidas,
para surpreenderem alguma palavra de Jesus que pudesse incriminá-lo.
Os espias aproximaram-se, mesclaram-se ao povo e logo um deles foi se colocar perto de Jesus.
- Rabi! – chamou ele – Sabemos que vem ensinando com retidão e, sem levar em conta a posição das
pessoas, ensina a todos o caminho que leva a Deus. Por isso, pedimos que nos esclareça uma dúvida:
Devemos ou não pagar o tributo a César?
Os fariseus, ocultos no meio do povo, não conseguiam esconder a ansiedade com que aguardavam a
resposta àquela pergunta, elaborada com tanto cuidado e astúcia, pois se Jesus respondesse negativamente,
seria acusado de alta traição.
Jesus apontou para os espias e disse:
- Peguem um denário! – esperou que um deles apresentasse a moeda e continuou – De quem é a
imagem e a inscrição?
- De César! – exclamou o que segurava o dinheiro.
E Jesus disse:
- Pois então, dê a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus!
Os espias emudeceram. Não haviam sido preparados para esta resposta. Olharam timidamente por
cima dos ombros, à procura de seus mentores, mas eles já haviam corrido de volta para dentro do Templo.
Judas a tudo assistia, nervoso. Ao mesmo tempo que admirava a inteligência de Jesus, lamentava sua
rapidez mental, que não deixava que fosse apanhado em armadilhas. O tempo estava passando e Judas sabia
que Jesus precisava ser preso antes da Páscoa, para que toda aquela multidão que o louvava se erguesse contra
os sacerdotes e guardas do Templo, iniciando a esperada revolução. Dos becos sombrios chegariam os grupos
já preparados e armados para a revolta e arrasariam as tropas romanas, logo que chegassem para prender os
revoltosos. Pouco faltava para a esperada libertação!
Viu outro grupo chegar perto de Jesus e animou-se, pois logo percebeu que vinham cheios de
animosidade.
- Rabi, responda-nos! – exclamou um deles, adiantando-se – Se um homem casado morrer sem
deixar filhos, seu irmão deverá se casar com a viúva, para que a descendência de seu irmão não se perca. Ora,
um homem tinha seis irmãos. Morreu, e sua esposa foi dada em casamento a um dos seis irmãos, que também
veio a falecer. Ela se casou, então, com outro irmão que logo morreu. E assim foi, até que ela se casou com
todos os seis irmãos de seu primeiro esposo. Depois que essa mulher morrer e ressuscitar, com qual deles
tornará a se casar?
Um sussurro de surpresa correu de boca em boca. Eram poucos os que conheciam uma lei antiga de
Moisés que dizia: Se alguém tiver um irmão casado e este morrer sem filhos, tomará a viúva e suscitará
descendência para seu irmão. Era evidente que pretendiam confundir Jesus, para que sua imagem
enfraquecesse diante do povo.
E Jesus respondeu:
- Vocês se enganam, porque aqueles que ressuscitarem do meio dos mortos, jamais se casarão e nem
tornarão a morrer. Serão como os filhos do Pai, sendo filhos da ressurreição.
E uns escribas que chegaram naquele momento, interromperam-no com a pergunta:
- Sendo filho de Deus, é o Messias, filho de Davi?
- E como pode dizer que o Cristo é filho de Davi? – respondeu Jesus com outra pergunta. E
continuou: - Se o próprio Davi diz no livro dos Salmos: O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha
direita, até que eu ponha teus inimigos como escabelo para teus pés”. Ora, se Davi o chama de Senhor, como
pode ser seu filho?
Os escribas, confusos, não ousaram mais continuar com o interrogatório. Voltaram-se e foram
embora, mas ainda escutaram as palavras de Jesus:
- Cuidado com os escribas, que sentem prazer em circular com suas togas, gostam de saudações nas
praças públicas, dos primeiros lugares nas sinagogas e de lugares de honra nos banquetes, mas que devoram
as casas das viúvas e simulam fazer longas orações. Esses receberão uma sentença bem mais severa!
E levantando os olhos, viu os ricos lançando suas ofertas no Tesouro do Templo. Logo chegou uma
viúva muito pobre, e também lançou algumas moedas. E Jesus, sem tirar os olhos da mulher, quase uma
mendiga, disse:
- De fato lhes digo que aquela pobre viúva ofereceu muito mais do que todos, pois os outros deram
do que lhes sobrava, e ela deu tudo o que possuía para viver.
Um fariseu, oculto no meio do povo exclamou:
- Mas Mestre, é preciso que todos dêem ao Templo, para que ele continue rico e ornado com pedras
cada vez mais belas!
- Contemplam essas coisas – disse Jesus – mas chegará o dia em que todas essas pedras serão
demolidas!
- E quando será isso, Mestre? Que sinal teremos de que isso estará para acontecer?
Jesus calou-se por alguns momentos, e alguns julgaram ver uma sombra de tristeza cobrir seu rosto.
- Cuidado para não serem enganados – disse – porque muitos virão em meu nome e, quando
disserem: “O dia está próximo”!”, não os sigam. Quando ouvirem falar em guerras e em subversão, não se
atemorizem, pois é preciso que primeiro isso aconteça. Nações se levantarão contra nações e reinos contra
reinos. Haverá grandes terremotos, pestes e fome em todos os lugares e aparecerão fenômenos assustadores e
grandes sinais vindos do céu. Mas antes que tudo isso aconteça, irão prendê-los, perseguí-los e entregá-los às
sinagogas e às prisões. Por causa do meu nome, vão conduzi-los aos reis e governadores, mas eu lhes darei
eloquência e sabedoria e nenhum adversário poderá resistir. Serão traídos até por seu pai, mãe, irmãos,
parentes e amigos e serão odiados por todos por causa do meu nome. Mas nem um só cabelo de suas cabeça
se perderá e pela perseverança manterão suas vidas! E quando virem Jerusalém cercada de exércitos, saberão
que sua devastação está perto. Então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes, os que estiverem na
cidade saiam, e os que estiverem no campo não entrem nela, porque serão dias de punição, nos quais irá se
cumprir tudo o que foi escrito! Haverá grande angústia na terra e cólera contra este povo! E cairão ao fio da
espada, levados cativos para todas as nações. Jerusalém será pisada por nações, até que se cumpram os
tempos de todas as nações! Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações estarão em angústia,
inquietas pelo bramido do mar e das ondas. Os homens desfalecerão de medo, na expectativa do que ameaçará
o mundo habitado, pois os poderes dos céus serão abalados. E então verão o Filho do Homem chegar numa
nuvem com poder e grande glória. Quando começarem a acontecer essas coisas, ergam a cabeça, pois está
próxima a sua libertação!
Era grande o silêncio que havia pesado sobre o povo que o ouvia e, no meio dele, estava José de
Arimatéia, amigo de Nicodemus. Pasmo ante as palavras de Jesus, bebia uma a uma suas palavras. No íntimo,
podia até compreender o medo que aquele homem despertava nos sacerdotes e autoridades do Templo.
E Jesus continuava a falar:
- Vejam a figueira e todas as demais árvores. Quando brotam, todos já sabem que o verão está
próximo. Da mesma forma, quando virem essas coisas acontecerem, saberão que o Reino de Iahweh está
próximo e em verdade lhes digo que não se passará esta geração sem que tudo aconteça. O céu e a terra
passarão, mas minhas palavras não passarão jamais. Cuidado para que seus corações não fiquem pesados pela
devassidão, pela embriaguez, pelas preocupações da vida, para que aquele Dia não se abata sobre vocês como
um laço, pois ele virá a todos os habitantes da terra. Fiquem acordados e orando em todos os momentos, para
terem força para escapar de tudo o que deve acontecer e de ficar de pé diante do Filho do Homem.
José de Arimatéia não conseguia explicar o porquê daquela energia estranha e forte em que se viu
subitamente mergulhado. Não sabia se emanava de Jesus, ou se vinha do alto, num jato invisível que parecia
escapar de uma pequena nuvem muito brilhante, sozinha no meio do céu. Disfarçou e olhou em volta,
procurando ler no rosto das pessoas algo que lhe dissesse que também sentiam a mesma coisa que ele. Mas as
expressões indefinidas nada lhe falavam. Apenas fitavam o Mestre com respeito, espanto ou admiração.
Somente uma criança, no colo de sua mãe, olhava atentamente para a nuvem, estendia os bracinhos para o alto
e sorria, balbuciando palavras incompreensíveis.

...

- CAPÍTULO 35 -

No fim daquele dia voltaram novamente a Betânia e, no dia seguinte, para surpresa de todos, Jesus
resolveu:
- Hoje não iremos a Jerusalém. Vamos todos ficar por aqui, em meditação. Quero que busquem no
interior de seus corações a razão de minha vinda e a razão de minha partida. Vocês continuarão a pregar o que
hoje ensino, e não quero que falem sobre verdades que não conseguiram compreender e nem assimilar no
fundo de suas almas.
Os discípulos, tristonhos, não questionaram a decisão de Jesus. Sentiam em suas palavras algo de
muito mais profundo do que aquilo que haviam conseguido compreender. O Mestre lhes falava em partir, o
Sinédrio já havia decretado sua captura... e eles? O que lhes aconteceria se lhes faltasse seu Mestre? Como
iriam ensinar a todos aquelas coisas que nem haviam conseguido ainda compreender direito?
E uma profunda aflição começou a gravar suas garras implacáveis no coração de todos os apóstolos.
Todos, menos Judas, que era minado por uma aflição diversa... O tempo estava passando, Jesus resolvera não
voltar a Jerusalém naquele dia e sua captura deveria ser realizada antes da Páscoa, ou não aconteceria mais.
Sabia que, durante as festas, não iriam colocar as mãos sobre o Mestre. E a oportunidade não surgira ainda...
Em seus pensamentos, já criara a fantástica batalha onde Jesus ia na frente, seguido pelos revoltosos que
faziam cair a golpes de espada todos os romanos. E a Judéia, livre enfim, brilhava como uma jóia preciosa no
coração do mundo!
Os discípulos, em meditação, mantinham silêncio. De vez em quando um deles levantava a cabeça
abria rapidamente os olhos e procurava Jesus com um olhar rápido e sorrateiro. Vendo-o em paz, em profunda
reflexão, voltava a fechar os olhos. Foi num desses momentos que os olhos de João se encontraram com os
de André, e ele cochichou bem baixinho, procurando não chamar a atenção dos outros:
- Você acha que vão mesmo prender o Mestre?
André respondeu, mal movendo os lábios:
- Não sei... Até agora ainda não o fizeram. Acho que não vão ter coragem... as pessoas que estão
louvando Jesus iriam se revoltar....
- Tenho medo....
- No fundo, acho que todos nós estamos com muito medo....
Calaram-se e fecharam os olhos novamente.
Um pouco afastado, Judas também meditava. Mas era apenas sua mente que trabalhava, por baixo
dos olhos cerrados. Às vezes até sorria, quando lhe vinham imagens da Judéia livre, tendo como único rei
aquele homem fantástico que elegera por Mestre. Mal percebeu o dia passar, tão absorto estava em suas
fantasias. Quando, abrindo os olhos, voltou à realidade presente, uma agonia intensa oprimiu-lhe o peito.
Nada acontecera, tudo era como antes... e estava a um passo de uma cruel decepção. Chegou, por instantes, a
pensar que Jesus não seria aquele líder que esperava, aquele homem capaz de conduzir o povo revoltado ao
encontro das tropas romanas, mas logo descartou essa possibilidade. Jesus, o filho de Iahweh, o homem que
fora capaz de ressuscitar os mortos, seria também capaz de tudo para libertar seu povo! Era só uma questão de
oportunidade... E foi então que uma idéia começou a crescer e a tomar vulto em seus pensamentos. E se ele,
Judas, fosse o enviado de Iahweh, o homem que chegou perto de Jesus para conduzi-lo à sua verdadeira
missão de libertador? Claro, só podia ser isso!... E era por isso que todos estavam ali, esperando... Era por isso
que Jesus não tomara ainda nenhuma iniciativa! Ele, Judas, teria que tomá-la! Como não havia percebido isso
antes? Fora preciso Jesus convocar a todos para um longo período de meditação coletiva, para que, enfim,
conseguisse deslumbrar o real motivo de sua existência. A libertação da Judéia estava em suas mãos, ele daria
o passo inicial!
Não esperou mais. Levantou-se e, em meio a um silêncio total, conseguiu passar pelos apóstolos sem
que ninguém o visse e tomou a estrada rumo a Jerusalém. Tão excitado estava com sua próxima tarefa, que
nem sentiu cravar-se em suas costas o olhar penetrante de Jesus.

...

Caifás reunira os sacerdotes mais uma vez. Furioso, media o salão do Templo com passadas
nervosas.
- Mas como ainda não o prenderam? Acaso estão com medo daquele Galileu?
Ninguém dizia nada.
- Não sabem que ele precisa ser afastado antes da Páscoa? Estão esperando por que, exatamente?
- Não é a ele que tememos – arriscou um dos mais jovens – É o povo...É a multidão que o aclama e
que se voltaria contra nós.
Caifás parou e cofiou a barba rala. Bem sabia que os homens do Templo estavam certos em não
tomarem uma atitude impensada. Não se podia de forma alguma irritar Herodes, e uma revolta popular era a
última coisa que desejava.
- Temos que arranjar um jeito de prendê-lo num momento em que esteja sozinho, talvez à noite...
- Ele tem voltado para Betânia e passado lá as noites, guardado por seus discípulos e pelos moradores
do local. E, quando sai de lá, o povo logo se reúne à sua volta para escutá-lo.
Caifás se atirou numa enorme cadeira e suspirou fundo.
- Estaremos perdidos se ele vier ao Templo e novamente falar ao povo contra o sacrifício animal,
convencer a todos de que estão sendo extorquidos pela classe sacerdotal e, pior ainda, que nada disso é
preciso para conseguir a purificação. Não é isso que vem pregando e não foi por isso que uma vez agrediu os
cambistas? Já devia ter sido preso naquela ocasião!
- Como se poderia imaginar?... – gemeu um dos escribas.
Foi então que outro escriba entrou no salão, às pressas. As mãos trêmulas, os olhos piscando muito,
mostravam a ansiedade em contar a Caifás alguma coisa de muita importância.
- Está aí um dos discípulos do Galileu! Pede para entrar e diz que o assunto é importante e de
interesse do Templo.
Um ar de espanto estampou-se no rosto de Caifás. Mas foi só por alguns instantes, pois logo um
sorriso estranho e maldoso iluminou seu rosto.
- Traga-o aqui!
...

Quando Judas saiu, apertando na mão a pequena bolsa de moedas, os sacerdotes se entreolharam,
mal acreditando no que acontecera.
- Viram como as coisas se resolvem? – exclamou Caifás, feliz – Nada existe que o dinheiro não possa
comprar!
- Tão pouco dinheiro – resmungou um dos idosos – Dá até para desconfiar que aquele homem vá
trair seu Mestre por apenas trinta ciclos de prata.
- Mas se foi ele mesmo que nos procurou! – protestou um dos escribas – Deve ter seus motivos,
digamos, secretos...- e acrescentou, dando uma gargalhada – Com certeza seu Mestre não o estava agradando!
Caifás calou-se e ficou a enrolar os fios da barba nos dedos compridos. Depois resmundou:
- Sim... ele deve ter seus motivos.
Deu mais umas passadas pelo salão e resolveu:
- Ordenem à guarda do templo que se mantenham à minha disposição. A qualquer momento poderei
chamá-los para procederem à captura do Galileu. Aquele discípulo...como é mesmo o nome dele? Judas, não é
isso? ... irá nos avisar quando chegar o momento propício, exatamente o momento que esperamos, aquele em
que o Galileu estiver sozinho e longe das multidões! Vamos esperar...

...

Judas saiu do Templo feliz e certo de que dera o primeiro passo para que a liberdade dos judeus se
concretizasse. Tivera que mentir aos sacerdotes, precisara inventar que era por dinheiro que traíra seu Mestre.
Como iria lhes dizer a verdade? Como poderia lhes revelar que a Judéia estava a um passo se livrar do jugo
romano?
Agora, era esperar por algum momento em que Jesus estivesse longe do povo... Entregando Jesus às
autoridades do Templo estaria introduzindo-o na fortaleza de seus adversários onde, como Sansão, teria que
tomar uma atitude definitiva. Iahweh não abandonaria seu filho e encontraria um meio notável de libertá-lo e
de impô-lo ao mundo!
E Judas se sentia imensamente emocionado de ter sido o escolhido para dar início a uma tão ansiada
libertação que colocaria no trono da Judéia seu Mestre, Jesus!

...

- CAPÍTULO 36 –

Logo cedo pela manhã, Jesus chamou Pedro e João.


- Quero que partam agora para Jerusalém, e preparem para hoje a nossa ceia.
Pedro arregalou os olhos.
- Hoje, Mestre?
Jesus calou-o com um gesto.
- Sim, hoje. Nossa ceia será antecipada, tal como fazem os essênios.
Tiago, ouvindo aquilo, aproximou-se, seguido de Felipe e Tomé.
- Mestre, não teremos cordeiro para a ceia. O abate ainda não começou...
- Aquele que, dentre vocês, ainda se alimenta de carne animal, hoje fará uma ceia especial, apenas
com cereais, verduras e frutas – falou Jesus. E, voltando-se novamente para Pedro e João, disse: - Vão,
portanto, para Jerusalém, e providenciem tudo.
Pedro coçou a cabeça, desconcertado.
- Mas, e o local?... Onde faremos a ceia?
- Logo que chegarem à cidade, - explicou o Mestre - serão procurados por um homem que carrega
uma bilha de água. Ele os conduzirá a uma casa de dois andares. Procurem o dono da casa e peçam-lhe que os
levem à sala que escolhi para realizar a nossa ceia. É uma grande sala, arrumada com almofadas. Preparem
tudo. Seguiremos mais tarde.
Os discípulos, inquietos, viram Pedro e João afastarem-se em silêncio. Pesava no ar um clima de
tensão.
- O Mestre já havia escolhido um local para a ceia... E não nos disse nada! – falou Tiago, filho de
Alfeu.
- Deve ser algum local especial e bem oculto...- continuou Felipe - Sabem que querem prendê-lo!
- Mas por que a ceia... hoje? – resmungou Bartolomeu, pensativo.
Jesus, absorto em seus pensamentos, fingia não ouvir os comentários curiosos. De repente um deles
perguntou:
- Onde está Judas?
Mas ninguém soube responder.

...

Ao cair da tarde, Jesus aproximou-se de Lázaro e suas duas irmãs.


- Vou partir – disse. – Lembrem-se sempre de mim em seus corações, e que minhas palavras tenham
encontrado abrigo em suas almas
- Não vai mais voltar aqui, Mestre? – perguntou Lázaro, percebendo o estranho silêncio dos
discípulos.
Jesus não respondeu logo. Parecia buscar dentro da própria alma uma palavra para seu amigo. Maria
e Marta preocupadas, fixaram-se em Jesus, aguardando sua resposta.
- Voltarei, sim – disse Jesus, afinal – Voltarei quando não mais esperarem o meu regresso... Lázaro,
cuide bem de suas irmãs. Elas são jóias preciosas.
Voltou-se e seguiu pela estrada, acompanhado pelos discípulos.
- Tenho um mau pressentimento... – sussurrou Maria, com os olhos cheios d’água.
Lázaro, Marta e Maria ficaram parados à porta, em silêncio, o coração estranhamente oprimido, os
olhos pregados no grupo que se afastava, procurando reter na memória a imagem daquele homem que haviam
aprendido a amar tanto e que agora partia, os longos cabelos esvoaçando ao vento, a veste muito branca
contrastando com o verde do caminho, o corpo meio curvado para o lado do ombro onde pendia uma enorme
sacola de couro.
...

Como Jesus dissera, João e Pedro encontraram o guia que os levou a uma casa de dois andares. No
segundo andar, acharam a ampla sala completamente vazia, apenas adornada por algumas almofadas
arrumadas ao longo das paredes. Nas paredes, alguns lampiões auxiliavam na iluminação.
Sem muita dificuldade, conseguiram uma mesa de madeira com o tamanho suficiente para todos, e
também treze bancos.
Quando Jesus chegou, encontrou tudo arrumado, a mesa já pronta. Os donos da casa, que haviam
auxiliado tanto na arrumação, quanto nas compras das frutas, cereais e ervas, fecharam as portas e saíram,
deixando-nos a sós.
Momentos depois, todos sentiram uma energia mais forte chegar e envolver todo o ambiente, Jesus
fechou os olhos, procurando captar alguma indicação mental. No mesmo instante, sentiu um impulso além de
sua vontade e caminhou para a bacia d’água que haviam deixado num canto, para as abluções. Chamou Pedro,
mandou que se sentasse, e começou a lavar-lhe os pés. Pedro protestou:
- Mestre, não faça isso! Lavando meus pés?...
No íntimo, Jesus compreendia que estava ensinando a seus apóstolos um gesto de humildade, de
igualdade a seus semelhantes. Entendeu que não adiantaria mais falar, que o que eles poderiam aprender, já
haviam aprendido, mas que mostrando por ações, eles saberiam melhor o que fazer, dali em diante.
- O que faço agora, não podem ainda entender – respondeu-lhe Jesus – Mas entenderão mais tarde.
Depois de lavar os pés de todos os discípulos, Jesus falou:
- Podem agora compreender o que fiz? Vocês me chamam de Mestre e, no entanto, lavei seus pés.
Para encontrarem o Reino em seus corações, precisam antes saber que não existem Mestres e nem discípulos
diante dos olhos do Pai. São todos caminhantes de uma mesma estrada, que se auxiliam uns aos outros.
Aqueles que sabem mais ensinando aos que sabem menos, e todos levam no peito um único e mesmo Amor.
Na verdade lhes digo, o servo não é maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que quem o enviou.
Se compreenderem isso e praticarem, serão felizes. Se fizerem com que todos compreendam isso e pratiquem,
todos serão felizes e poderão chegar mais depressa ao Reino do coração.
Sentaram-se todos à mesa. Arrumados nos pratos estavam pão sem fermento, ovos cozidos raízes
fortes, ervas amargas, uma mistura de nozes moídas e frutas e salsa mergulhada em vinagre, que representava
a amargura dos dias vividos no exílio, enquanto acompanhavam Moisés pelo deserto. Só não havia o cordeiro
pascal.
Ainda envolvidos por aquela forte energia que tomava conta do local e que aumentava a cada minuto
que passava, os discípulos permaneciam calados, apenas aguardando as palavras de Jesus.
- Foi a vontade do Pai que me fez reuni-los nesta ceia, e se antecipei sua data, foi por desejar estar
com todos antes de sofrer. Por pouco tempo ainda estarei com vocês e, para onde vou, vocês não poderão ir.
Mas lhes deixo um mandamento novo: que amem uns aos outros, como eu os amo, e se tiverem amor uns
pelos outros, todos saberão que são meus discípulos.
E pegou o pão, deu graças, o partiu e distribuiu a todos, dizendo:
- Este é o meu corpo, que é dado por vocês. Façam isto em minha memória.
E, depois de comer, fez o mesmo com o cálice, dizendo:
- Este é o meu sangue, o sangue da Aliança, que será derramado em favor de vocês. Que todos
bebam dele.
E, enquanto os discípulos atônitos com todas aquelas palavras, levavam trêmulamente aos lábios o
pão e o vinho, Jesus continuou:
- E agora lhes digo que, entre vocês, está um que me entregará.
Judas teve um sobressalto. Pressentia que estava chegando o momento ideal para chamar os guardas
do Templo. Estavam ali, sozinhos, desprotegidos. Esperava somente uma oportunidade para escapar sem que
notassem.
Depois que esteve no Templo, pernoitou em Jerusalém e, na volta para Betânia, encontrou-se com o
grupo de Jesus. Respirou aliviado, quando viu que nenhum deles perguntou porque se ausentara durante toda
a noite. E agora, de repente, Jesus anunciava uma traição. Teria desconfiado de alguma coisa? Mas, como? Se
soubesse, na certa também saberia também seus motivos, saberia que a Judéia precisava de Rei e saberia que
era preciso que tomasse uma iniciativa.
Ouvindo aquelas palavras de Jesus, os discípulos se entreolharam, sem saber de quem falava.
Pedro cutucou João com o cotovelo e cochichou:
- Pergunte ao Mestre quem é aquele de quem fala.
E João perguntou:
- Quem é, Mestre?
Jesus pegou um pedaço de pão e mergulhou no molho.
- Aquele a quem eu der o pão molhado – respondeu.
E todos viram, surpresos, Jesus oferecer o pão para Judas. Depois curvou-se para ele e disse
baixinho:
- Ande, faça logo aquilo que precisa fazer!
Judas levantou-se, atônito. Todos o olhavam, sem compreender o que acontecia. Quis se desculpar,
quis se justificar, mas as palavras morreram em sua garganta. Virou-se para a porta e saiu.
Pedro cochichou novamente para João:
- O que está acontecendo? O que terá dito o Mestre para Judas?
E João respondeu, no mesmo tom de voz:
- Judas cuida do dinheiro do grupo... Com certeza mandou que fosse comprar alguma coisa que possa
estar faltando em nossa Ceia.
Logo que Judas saiu, Jesus voltou-se para todos e disse:
- Não se entristeçam por minha causa, pois se acreditam em mim, também acreditam no Pai e na casa
do Pai há várias moradas. Vou preparar para todos um lugar, e quando eu me for, voltarei depois para levá-los
comigo. Assim conhecerão o caminho.
Tomé curvou-se sobre a mesa e perguntou:
- Mas, Mestre, se não sabemos para onde vai, como conheceremos o Caminho?
E Jesus respondeu:
- Eu sou o caminho para a verdade e a vida, e ninguém chega ao Pai a não ser seguindo aquilo que
ensinei.
- Mestre, - pediu Felipe – mostre-nos o Pai e isto nos basta!
Jesus olhou-o com tristeza e perguntou:
- Há quanto tempo estou com vocês e você não me conhece, Felipe? Quem me vê, vê o Pai. Não
acredita que estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que lhes digo não são minhas, mas do Pai que
permanece em mim e realiza suas obras. Digo-lhes, em verdade, que quem acredita em mim, fará também as
obras que faço e até maiores, porque vou para o Pai e o que pedirem em meu nome, eu farei, para que o Pai
seja mais e mais glorificado. Em pouco o mundo não mais me verá, mas vocês me verão, porque vivo e
viverei, e então compreenderão que estou no meu Pai, que vocês estão em mim e que eu estou em vocês. Se
me amam, observem os mandamentos e não os deixarei órfãos, porque meu amor por vocês é imenso. Quem
tem meus mandamentos e me ama, será amado por meu Pai e a ele viremos e nele estabelecermos morada. A
vocês, deixo minha Paz Não se entristeçam, porque vou, mas retornarei a vocês. Se me amam, fiquem alegres
porque vou para meu Pai. Está escrito que esta noite o pastor será ferido e as ovelhas se dispersarão mas,
depois que eu voltar, os encontrarei na Galiléia.
E Pedro, tomando a palavra, falou:
- Ainda que todos se dispersem, eu jamais fugirei!
E Jesus declarou:
- Em verdade lhe digo que ainda esta noite, antes que o galo cante, você terá me negado três vezes!
- Mesmo que tenha que morrer também, jamais o negarei, Mestre – exclamou Pedro. E todos
exclamaram o mesmo.
Sem se alterar com aquela manifestação dos discípulos, Jesus continuou:
- Eu sou a verdadeira videira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que em mim não produz fruto, ele
o corta, mas todo o que produz frutos ele o poda, para que produza mais fruto ainda. O ramo, para dar fruto,
precisa permanecer na videira. Da mesma forma, aquele que permanece em mim e eu nele, produz muito
fruto. Assim como o Pai me ama, eu também os amo. Permaneçam em meu amor e observem os
mandamentos, para que sua alegria seja plena. Este é o meu mandamento: amem-se uns aos outros como eu
os amei, pois ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. E vocês são meus
amigos, não são meus servos, pois os servos desconhecem aquilo que seu senhor faz. Vocês são meus amigos,
e lhes revelei tudo o que ouvi do Pai. Não foram vocês que me escolheram, mas eu que os escolhi e designei
que fossem produzir fruto, para que esse fruto permanecesse, a fim de que tudo o que pedirem ao Pai, ele lhes
dê em meu nome. Por isso lhes digo: Amem-se uns aos outros e se forem odiados pelo mundo, saibam que o
mundo primeiro odiou a mim. Se vocês pertencessem ao mundo, o mundo os amaria, mas eu os escolhi e com
isso os tirei do mundo. Lembrem-se do que lhes disse: O servo não é maior que seu senhor. Se eles me
perseguem, também irão perseguí-los. Não pequem. Se eu não tivesse vindo e não lhes tivesse falado, não
seriam culpados de pecado, mas agora não têm mais desculpas para seu pecado. Preparem-se, portanto, pois
irão expulsá-los das sinagogas e virá a hora em que aquele que os matar, julgará estar realizando um ato de
culto a Deus. E farão isso, pois não reconheceram o Pai nem a mim. Tenho ainda muito a lhes dizer, mas
agora não poderão mais suportar. Quando o espírito da Verdade entrar em suas almas e o amor invadir seus
corações, compreenderão tudo o que lhes disse e também tudo o que não cheguei a lhes dizer. Na verdade,
digo-lhes que irão se entristecer, mas o mundo se alegrará, pois encontrará um meio de chegar ao Pai e
também poderão pedir e ele, em meu nome, lhes dará. Até agora falei a todos em figuras, mas chegará a hora
em que não falarei mais em figuras, mas bem claramente mostrarei a glória do Pai. E neste dia todos
acreditarão e compreenderão porque saí do Pai e vim ao mundo, e porque de novo deixo o mundo e vou para
o Pai. Está chegando a hora em que se dispersarão cada um para seu lado e me deixarão sozinho. Mas eu não
estou só, porque o Pai está comigo. Enfrentarão as tribulações do mundo, mas tenham coragem: eu venci o
mundo!
Os discípulos, calados e tristes, escutavam aquelas palavras que se cravavam fundo em suas almas.
Quando se calou, ninguém disse nada. Ele os olhou nos olhos uma a um e, quando compreendeu que nenhum
deles iria dizer mais nada, ergueu o olhar para o alto e disse:
- Pai, sinto que chegou a hora! Glorifique-me, para que eu dê a todos a vida eterna que me deu!
Conclua agora a obra que me encarregou de realizar. Mostrei ao mundo o seu nome, ensinei o caminho que
leva ao seu Reino. Agora rogo por estes que me seguiram e ouviram o que lhes ensinei, porque eles são
também seus. Eles permanecerão no mundo e eu volto para seu lado. Guarde-os como eu os guardei, e
nenhum deles se perdeu, e aquele que me traiu apenas fez cumprir aquilo que estava escrito. Rogo não
somente por eles, mas por todos os que acreditaram em mim, a fim de que todos sejam um e perfeitos na
unidade, e que todo o seu Amor esteja neles também.
Depois de dizer tudo isso, Jesus encerrou a refeição com um cântico e saiu com seus discípulos.
Atravessaram os quarteirões da baixa Jerusalém até o Cedron, um riacho na maior parte do tempo seco, e que
na época das chuvas se tornava uma torrente de água suja e lodosa.
Os discípulos olhavam em volta, receosos.
- Este local é perigoso... – disse Tomé, cheio de medo.
Mas Jesus não se importou. Continuou caminhando e chegaram ao Gethsêmani, uma área coberta de
oliveiras e fechada com uma mureta de pedras, situada na entrada de Betfagé.
- Sentem-se aqui e me aguardem! – disse ele, apontando para a entrada de uma gruta. E depois,
apontando para Pedro, Tiago e João, chamou: - Venham comigo!...
Caminharam mais um pouco, enquanto o resto dos discípulos se acomodava como possível. Mais
adiante, quando já não era mais possível divisar a figura dos discípulos que haviam ficado à espera, Jesus
voltou-se para os que o acompanhavam e disse:
- Fiquem aqui e vigiem, enquanto vou orar.
Os três se sentaram, e Pedro acariciou o cabo da espada curta que trazia sob as vestes. Pressentia o
perigo. Mas não se passou muito tempo e um sono incontrolável caiu sobre ele. Tentou se manter acordado e
se assustou, quando percebeu que Tiago e João já dormiam profundamente. Quis acordá-los, mas eles não se
moveram. E o sono se abateu também sobre ele e, apoiado às costas de João, dormiu também profundamente.
Jesus, de joelhos sobre a terra, orava:
- Pai, minha alma está triste e meu coração sofre! Por vezes penso que fracassei em minha missão!
Os homens não realizaram minhas palavras, não encontraram ainda o reino em seus corações e agora devo
partir!...Se tudo lhe é possível, Pai, afaste de mim este cálice...
Foi neste momento que tudo se iluminou. Um ruído estranho chegou, fazendo tremer o solo, e um
objeto intensamente brilhante se colocou no alto, sobre Jesus. De uma abertura inferior saiu um raio forte de
luz, que pousou logo à sua frente, e pela luz Iahweh desceu e falou:
- Jeshuah, não pense que sua missão não teve êxito, porque ela foi coroada de glória. Se os homens
hoje não entendem suas palavras e não seguem o que lhes ensinou, é somente por não estarem ainda
preparados para isto. Eles se ocupam somente com o mundo exterior e nem sabem da existência do mundo
interno, que é o seu verdadeiro mundo. Um dia vão entender que são um ser que habita dentro de um corpo
físico, e que sua consciência deverá estar sempre centrada neste ser interno, real e eterno, e não na veste
material que o envolve e que apenas serve para que se expressem no universo físico. Mas além do universo
físico, estendem-se mil outros universos, inacessíveis ao corpo material, aguardando o toque da mente dos
homens de todos os mundos. E além da existência de todos os universos, está o Deus que os criou. E aí
termina o Infinito. O Infinito se acaba em Deus, que não é um Ser, é um conjunto de forças, de energia e de
poder, é um Santo e vibrátil Espírito. A mente é um campo sem limites, capaz de alcançar até mesmo a mente
de Deus, que está além do Infinito. E dentro de toda esta grandeza universal, está o ser humano, ainda
engatinhando no mundo de matéria, sem conseguir encontrar o caminho que leva para seu próprio interior e já
pretendendo alcançar o próprio Deus com suas pobres orações. Sua missão, Jeshuah, é fazer com que
encontrem o caminho que os conduz a sua essência verdadeira, que reside no fundo de suas almas. Você me
pede que afaste de si o cálice da dor, mas será a sua dor e o seu sacrifício que perpetuarão suas palavras e seus
atos. Será a sua dor que se entranhará na alma dos homens, permitindo que realizem em si seus ensinamentos,
pois será seu martírio o exemplo para que suportem suas próprias privações. Sem sua dor, como fazer com
que os homens comunguem com a Mente Universal? Como fazer com que os homens deixem de andar sem
destino à procura de alguém, de alguma coisa, de uma palavra que preencha o vazio imenso de seus seres,
vazio que hoje é preenchido somente por medos e superstições? Como evitar que a humanidade caminhe para
o caos, com os sentidos psíquicos embrutecidos por temores e crendices? Como arrancar esses pobres seres
humanos do coração das trevas da ignorância para o Conhecimento Absoluto? Como fazer com que os
homens deixem de rastejar num mundo criado pela ilusão dos sentidos físicos e encontrem dentro de si o
verdadeiro mundo da Luz? Como fazer com que a humanidade se liberte de todos os temores e tabus criados
pela mente objetiva e participe conscientemente da vida universal? Como fazer com que os olhos humanos
deixem de vagar cegos pelo negro da noite de suas mentes cansadas do sofrimento? Como fazer com que os
homens se libertem dos grilhões criados pela matéria e, ao erguerem os olhos para o céu, não se surpreendam
ao nos verem passar em nossos veículos alados e nem julguem mais que somos deuses, mas que sintam Deus
dentro de seus corações e possam confundir-se com a Grande Consciência do Universo, participando
conscientemente do milagre da Criação? Como fazer com que seus corações reflitam o Sol Universal como
um lago tranqüilo reflete o sol físico em suas águas calmas, e como fazer com que os homens, ao verem o sol
nascer no horizonte, sintam seus raios confundirem-se com a luz de seus corações? Como fazer com que cada
ser humano sinta sua própria consciência em todos os lugares, na água, na brisa, na flor, nas estrelas, na
consciência de todos os homens, na consciência de todo o Universo? Como fazer com que criaturas hoje
cheias de temores sintam que são a manifestação física da Consciência Universal e que, repletos de Luz e de
Amor, retornem à origem, retornem à Criação e criem novamente? Como fazer com que os homens despertem
em si a Consciência de Ser e encontrem dentro de si o reflexo da Luz que os gerou? Como fazer com que seus
olhos não mais chorem de medo do desconhecido e se umedeçam somente ante o fenômeno deslumbrante do
amanhecer do dia interior? Como fazer com que os homens tomem consciência da Verdade Universal, para
que possam transmitir a seus filhos uma mensagem de Amor e não de medo, uma mensagem de Luz e não de
trevas, uma mensagem de Vida e não de morte? Como fazer com que os homens sejam tudo, sejam nada,
sejam luz, sejam vida, sejam Amor, sejam Sol e sejam Deus?... Jeshuah, hoje você lhes mostrou o caminho
para que um dia possam realizar tudo isto que agora lhe disse, porque você os ensinou a comerem do pão e a
beberem do vinho. Jeshuah, os homens pensam que sou o próprio Deus, não compreendem que sou apenas
mais um irmão das estrelas, que aprendeu a caminhar pelo universo e a habitar em vários mundos. Você lhes
contou que eu sou seu Pai e com isso, no futuro, acreditarão que você, por ser meu filho, também é Deus. E
hoje você lhes deu o último e grande ensinamento, quando partiu o pão e disse: “Tomem, este é meu corpo!”
E, em seguida, tomando do cálice com vinho, disse: “Tomem, este é o meu sangue!” Porque, deste tempo em
diante, um culto se estabelecerá criado pelo seu sacrifício e pela sua dor, e o pão e o vinho se transformarão
em um ato ritualístico. Foi a maravilhosa alquimia que conseguiu, Jeshuah: Transformar o pão e o vinho no
corpo e sangue de um Deus criado pelos homens, e essa transformação se dará na mente e no conceito dos
próprios homens. É a verdade de cada um. Mas, no momento em que o piedoso comer do pão e beber do
vinho, julgando estar ingerindo o próprio corpo e sangue de Deus, na verdade estará voltando sua mente para
dentro de si e encontrando o Reino dentro de seu coração, despertando nele o fogo do Amor e dando o
primeiro e indispensável passo para a grande comunhão: a Comunhão Cósmica! Por isso, Jeshuah, alegre seu
coração, que sua missão foi coroada de êxito! Você ensinou aos homens o caminho que os levará à
compreensão das Leis Universais!
Jesus fechou os olhos, mergulhou a cabeça entre as mãos e chorou. Seu corpo foi sacudido por
soluços convulsivos e sua testa pontilhou-se de um suor escuro, grosso e quente, que escorreu entre seus
dedos e misturou-se com as lágrimas que lhe corriam dos olhos. Não sentiu mais o tempo passar e, quando
voltou a procurar Iahweh, ele já havia desaparecido e o Gethsêmani estava iluminado apenas pela pálida luz
do luar. Pedro, João e Tiago dormiam profundamente. Acordaram sobressaltados, quando Jesus os chamou.
- Mestre! ... O que aconteceu? – exclamou Pedro, vendo os olhos vermelhos e úmidos de Jesus.
- Não foram capazes de vigiar por uma hora? – perguntou Jesus, procurando disfarçar a emoção que
o tomava.
Ao longe, na estrada, surgiram as luzes trêmulas de archotes. E Jesus, sem tirar os olhos da estrada,
disse aos discípulos:
- Levantem-se, a hora chegou!
...

- CAPÍTULO 37 –

Judas saiu da sala sentindo o rosto arder. As mãos tremiam e o coração parecia querer saltar pela
boca. Como Jesus ficara sabendo de sua traição?
Antes de prosseguir seu caminho até o Templo, encostou-se a um muro de pedras perto da casa onde
o Mestre estava reunido com os outros discípulos, e procurou se acalmar. O fato de Jesus ter descoberto suas
intenções mostrava que realmente ele era uma pessoa muito especial, era mesmo o filho de Iahweh. O coração
de Judas voltou a bater mais forte. Teria ele agido corretamente em prometer entregar Jesus? Não deveria ter
esperado? Afinal de contas, se Jesus era o escolhido para reinar sobre a Judéia, mais dia menos dia isso iria
acontecer. Mas logo outros pensamentos vieram para justificar seu ato, acalmando sua ansiedade:
- Eu, Judas Ben Simão, fui o escolhido para fazer cumprir os desígnios de Deus. Se não fizer o que
prometi no Templo, eles não virão, não o prenderão, e mais uma oportunidade terá sido perdida. Iahweh não
deixará que nada de mal aconteça a seu filho.
Estava ainda em meio às suas divagações, quando viu Jesus e os discípulos deixarem a casa e
tomarem a direção da baixa Jerusalém. Seguiu-os de longe até o Ghetsêmani e então pegou o caminho que
levava ao Templo.
...

Logo que Caifás escutou o relato de Judas, mandou uma mensagem urgente para Pilatos. Em
seguida, chamou o chefe da guarda do Templo e ordenou:
- Leve seus homens ao Ghetsêmani e prendam o Galileu. Ele está lá agora, com seus discípulos.
O levita piscou várias vezes os olhos miúdos.
- O Galileu?...
Pela expressão confusa do homem, Caifás imaginou sua indecisão.
- Sim, o Galileu!... Levem-no à casa de Anás, meu sogro!... Ele deseja fazer-lhe um interrogatório. E
não vá prender o homem errado!.
- Está escuro... não o conheço bem. Se ele está com seus discípulos, como saber a quem devo
prender? – e olhou para Judas, cheio de aflição.
Por instantes, Judas vacilou. Deixaria nas mãos do acaso a prisão de Jesus? Se o levita não o
reconhecesse, poderia trazer um dos discípulos que, com certeza, se prestaria a ser preso no lugar de seu
Mestre. Mas a convicção de que o cumprimento da vontade divina estava em suas mãos foi mais forte.
- Indicarei qual deles é Jesus – disse. – Será aquele em que eu der um beijo da face.
A tropa partiu e, no meio do caminho, uniu-se aos homens de Pilatos.

...
A luz dos archotes destacava-se na escuridão das ruas, e acompanhava o ruído cadenciado dos passos
das tropas e o tilintar das espadas. Alguns curiosos saíam para espiar e ficavam parados à porta de suas casas,
mas logo que os soldados sumiam na primeira curva, retornavam às suas casas.
Quando o Ghetsêmani surgiu, Judas sentiu um aperto forte na garganta, mas nada abalava sua certeza
interior de que estava fazendo aquilo que a vontade divina determinara.
Pararam à entrada do horto e as oliveiras não lhes permitiam uma visão nítida. Judas adiantou-se
lentamente e o ruído seco das folhas pisadas por suas sandálias grossas misturou-se ao crepitar dos archotes.
Chegou perto de Jesus e tocou-lhe o ombro:
- Rabi... – sussurrou. E beijou-lhe uma das faces.
Jesus voltou-se para ele e disse:
- Judas, com um beijo entrega o filho do Homem?
Vendo que a tropa se adiantava, Pedro chamou os outros discípulos, puxaram do cinto as espadas que
traziam ocultas sob as mantas e partiram ao encontro dos soldados. A eles se juntou um rapaz que, de longe, a
tudo assistia. Foi tudo muito rápido. Com um golpe. Pedro decepou parte da orelha de um dos homens de
Caifás, mas Jesus deteve-o, segurando com força seu braço armado.
- Embainhe sua espada – disse severamente – Acaso pensa que deixarei de beber o cálice que meu
Pai me deu? Guarde sua espada, pois todos os que pegam a espada, pela espada perecerão. Pensa que não
poderia apelar para meu Pai, para que ele pusesse à minha disposição uma legião de anjos? E como então se
cumpririam as Escrituras, segundo as quais isto deve acontecer?
Pedro largou a espada e os outros discípulos, amedrontados com o avanço dos soldados, recuaram e o
rapaz que se unira a eles parou, sem saber o que fazer.
A orelha cortada sangrava copiosamente. Jesus aproximou-se do homem e tocou-lhe a ferida. O
sangue estancou no mesmo instante.
Os soldados rodearam Jesus e um deles puxou uma corda.
- Por que vieram prender-me como se eu fosse um ladrão? – perguntou Jesus – Eu estive no Templo,
ensinando todos os dias, e não me prenderam! Saibam que isto acontece agora para que se cumpram as
Escrituras!
Um dos soldados empurrou-o com força, enquanto outro atava suas mãos às costas. Os discípulos se
entreolharam, desconcertados. Onde estaria o auxílio divino que esperavam acontecer naquele momento?
Com horror, viram seu Mestre ser conduzido aos trancos pelos soldados impacientes e um terror subido
invadiu-os. Sentiram-se desprotegidos e vulneráveis. Alguns levitas se adiantaram em sua direção e,
apavorados, fugiram. O rapaz que chegara tão decidido a lutar, também correu. Um dos soldados chegou a
segurá-lo, mas ficou apenas com o pano que o envolvia na mão. O rapaz, despido, partiu em disparada.
Somente Pedro não correu.
Ficou de longe, vendo a tropa seguir levando seu Mestre. Depois foi indo atrás de mansinho, oculto
pelas sombras da noite.

...

Pedro viu quando Jesus foi levado para a casa de Anás e ficou de longe, esperando. Não entendia
porque haviam levado o Mestre para lá. Anás não desfrutava de grande reputação. Fora sumo sacerdote
durante anos, sempre procurando agradar Herodes e os romanos conseguindo, enfim, transmitir seu cargo ao
genro, Caifás.
Chegou mais perto e ficou à entrada do pátio externo da suntuosa casa de Anás. Do lado de dentro,
servos e guardas haviam feito uma fogueira e se aqueciam, em torno dela. O frio era intenso. Pedro puxou o
manto mais para cima, tentando proteger o pescoço. Um homem passou por ele, parou e voltou. Falou-lhe ao
ouvido:
- Você não é um dos discípulos de Jesus? – e, sem esperar resposta, continuou – Venha comigo, eu o
levarei para dentro do pátio. Lá está mais aquecido...
Pedro lançou-lhe um olhar agradecido e reconheceu quem lhe falava. Era Nicodemus.
Entrou apressando, ocultando o rosto na dobra do braço que levantou, junto com seu manto. Quando
procurou novamente por Nicodemus, este já havia desaparecido. Olhou em volta mas não o enxergou.
- Deve ter entrado – pensou. – Ele é tão amigo do Mestre, não deixará que nada de mal lhe aconteça.
Chegou junto à fogueira e agachou-se. Ninguém parecia se importar com sua presença. Mais
confiante, estendeu as mãos geladas em direção às chamas e procurou aquecê-las.

...

Anás olhava Jesus com um indisfarçável desprezo. Ainda não conseguira arrancar dele uma só
palavra.
Sua curiosidade em conhecer aquele homem havia nascido desde que seus feitos começaram a correr
por Jerusalém.
- Mas de onde veio ele? - perguntou logo.
E não pôde deixar de surpreender quando lhe disseram:
- Veio da Galiléia.
- Mas da Galiléia! – exclamou – Do meio de gentios e de camponeses?... E o que prega ele?
- Fala de um reino no coração e de outro no céu e ambos pertencem a seu Pai.
Anás lançou em seu informante um olhar de suspeita.
- Mas que Pai é esse? Quem é o pai dele?
- É José, um carpinteiro de Nazaré.
Anás fez um muxoxo de desdém. Mas na primeira oportunidade, avisou a Caifás:
- Mantenham-no sob vigilância! Deve ser mais um daqueles pretendentes ao reinado de Israel. E
pode ser perigoso, pois ilude o povo com suas mágicas. Bem sabe como o povo gosta de ser enganado...
Mas quando a notícia da ressurreição de Lázaro, de Betânia, lhe chegou aos ouvidos, um arrepio de
horror brotou do âmago de suas vísceras e cravou-lhe no cérebro uma mensagem de alerta. Sabia o quanto
Lázaro era querido e seus funerais foram a prova disto. Por toda a redondeza todos comentavam, e quem não
tinha ido sempre conhecia alguém que fora prestar homenagens ao morto querido. E, de repente, por artes de
mil demônios, lá estava Lázaro novamente no mundo dos vivos!
- Como conseguiu fazer isso? – foi a primeira coisa que pensou. Mas a resposta não veio e sua
angústia aumentou.
- Cada vez mais perigoso... – dizia para si mesmo, enquanto imaginava que meio teria usado Jesus
para fazer viver um homem indubitavelmente morto.
Mas esta dúvida terrível não atormentava somente seus pensamentos, mas os de todos os homens do
templo, e espalhou-se também entre aqueles que não gostavam do jeito como Jesus curava aos sábados,
colocava as mulheres em igualdade com os homens e pregava a simplicidade e a pobreza. E um dia, visitando
Caifás, soube dos boatos que corriam de boca em boca:
- Dizem que o Rabi de Nazaré roubou do Templo as chaves do conhecimento secreto! Por isso
consegue fazer suas curas e ressurreições!
- Pois que pensem assim... – resmungou Anás. – É melhor que o julguem um ladrão do que um
enviado de Deus.
Caifás, pensativo, perguntou:
- Mas se não é ladrão e nem filho de Deus, então quem é Jesus de Nazaré?
Anás não respondeu. Não sabia o que responder.
Sua curiosidade sobre Jesus aumentava a cada dia que passava e, quando soube das ordens para sua
captura, falou a Caifás:
- Faça com que seja levado primeiramente à minha casa. Gostaria de interrogá-lo.
E ali estava ele, o homem de Nazaré, inteiramente à sua mercê. As mãos amarradas às costas, o olhar
emanando uma paz invejável, uma paz que ele, Anás, Sumo Sacerdote do Templo de Jerusalém, jamais havia
sequer experimentado em toda a sua vida.
...

Pedro estremeceu quando um dos guardas de Anás sentou-se a seu lado. Observou-o com o canto dos
ohos por alguns minutos e, vendo que o homem não se importava com sua presença, respirou aliviado e
voltou a fitar a dança das chamas.
O crepitar do fogo avivou-lhe antigas recordações. Lembrou-se das fogueiras à beira do lago de
Genesaré, quando Jesus lhes falava sobre o reino de seu Pai, das sensação incríveis de paz e segurança que
cresciam em seu coração sempre que escutava a palavra daquele homem que escolhera para seguir, e do calor
estranho que nascia em seu coração cada vez que procurava compreender a maneira de alcançar o reino que
seu Mestre afirmava ali existir, tão dentro de si mesmo e tão longe do alcance de sua compreensão. E foi
chegando uma saudade dolorida daquele tempo em que tudo parecia tão tranqüilo, em que somente os
ensinamentos de Jesus preenchiam seus pensamentos.
Como poderia imaginar que tão cedo estaria ali, com o coração apertado, aguardando notícias de seu
Mestre, que vira ser conduzido preso, amarrado, para um destino tão incerto? Jesus dizia que assim seria, pois
assim estava escrito... Mas que Pai deixaria seu filho ser preso e maltratado? Não, com certeza tudo iria se
resolver bem.
Uma criada surgiu à porta e esfregou as mãos na saia rodada. Olhou para os homens reunidos em
volta da fogueira e aproximou-se. Olhou para Pedro e espremeu os olhos para enxergar melhor.
- Você não é dos discípulos do homem que os guardas trouxeram hoje?
Pedro teve um sobressalto. A voz esganiçada da mulher chamou-o à realidade.
- Não!... – exclamou. – Está me confundindo com outra pessoa.
A mulher ficou de longe, olhando, desconfiada. Depois deu de ombros e entrou na casa novamente.
Pedro afastou-se da fogueira, com medo de que as palavras da criada tivessem trazido dúvidas
àqueles homens. Escolheu um canto sombrio e encostou-se ao muro, com os olhos pregados na porta da casa
de Anás. O que estaria acontecendo lá dentro?

...

Anás já estava perdendo a paciência. De várias maneiras inquirira Jesus sobre a verdade que pregava,
mas a única resposta que obtinha era o silêncio. E, além do silêncio, o olhar. Aquele olhar profundo, que
parecia rasgar-lhe a alma e expor a todos seus sentimentos mais inconfessáveis. Tentou mais ma vez:
- Por que se recusa a falar sobre sua doutrina?
Desta vez Jesus respondeu:
- Falei abertamente ao mundo. Ensinei nas sinagogas e no Templo, onde se reúnem todos os judeus,
jamais falei às escondidas. Porque, então, me interroga? Pergunte aos que ouviram o que falei, eles sabem o
que eu disse.
Um raiva surda cresceu no peito de Anás. No mesmo momento um dos guardas aproximou-se e deu
uma bofetada no rosto de Jesus, exclamando:
- É assim que responde ao Sumo Sacerdote?
Jesus procurou com os olhos o homem que o esbofeteara e disse:
- Se alguma vez falei mal ou ofendi, que então testemunhe sobre isto; mas, se falei bem, por que me
bate?
Percebendo que Jesus estava com a razão e que, se falasse ali talvez até convencesse seus homens de
sua inocência, Anás gritou:
- Chega! Tirem este homem daqui!...Levem-no a Caifás!

...

Encostado no muro, Pedro esperava. Um dos guardas do templo saiu de perto da fogueira e veio em
sua direção. Parou, olhou-o com atenção, e perguntou:
- Você não e um dos discípulos do Rabi que trouxemos preso esta noite?
O coração de Pedro quase saltou pela boca.
- Não! – gritou, quase se engasgando com a própria saliva – Não sou discípulo do Rabi!
Um servo que ia passando escutou, parou e olhou bem para o rosto conturbado de Pedro.
- É, sim – afirmou – você é discípulo do Rabi. Já o vi várias vezes com ele!
E Pedro, nervoso, gaguejou:
- Homem, não sei do que está falando!
Calaram-se todos, cada um procurando dentro de si sua própria razão. Cortando o silêncio que se fez,
um galo cantou.
Os homens saíram e deixaram Pedro sozinho. Em sua mente, ressoaram as palavras de Jesus, durante
a ceia:
- Pedro, antes que o galo cante, você terá me negado três vezes...
Escondeu o rosto nas mãos e chorou. Quando levantou a cabeça, viu Jesus sair, ainda com as mãos
amarradas às costas, escoltado pelos guardas de Anás.

...

- CAPÍTULO 38 –

Os primeiros clarões do dia que começava tingiram o céu. Os soldados, empurrando Jesus pelas ruas,
dirigiram-se ao encontro de Caifás, que já reunira um número suficiente de juizes para que o julgamento
pudesse ser levado a efeito.
O Sinédrio, tribunal composto por sumos-sacerdotes, anciãos e escribas, perfazia um total de setenta
e um membros, mas bastava a presença de vinte e três juizes para se ter uma condenação. Quem presidia esta
Curte-Suprema era Caifás.
Como o Sinédrio não estava autorizado a se reunir à noite para tratar de casos de direito penal, a
permanência de Jesus na casa de Anás, até o início da manhã, havia sido providencial e, durante aquela longa
noite, Caifás preparara tudo para que, desta vez, o Galileu não escapasse de suas mãos. Afinal, estavam nas
vésperas da Páscoa e tudo tinha que ser resolvido rapidamente.
Caifás sabia que há alguns anos, os judeus tinham perdido o jus gladii, ou seja, o direito de
sentenciar à morte. Por isso seria preciso que, após ser julgado pelo Sinédrio, Jesus fosse levado ao
procurador romano, que estava em Jerusalém para a Páscoa, e teria que arranjar uma boa acusação para que
Pilatos lavrasse a pena de morte.
Nicodemus e José de Arimatéia, ambos fazendo parte do tribunal, tinham esperança de conseguir a
anulação do julgamento.
Caifás arranjara duas testemunhas, o mínimo indispensável para haver um julgamento, e elas
começaram repetindo o discurso de Jesus sobre a ruína do Templo, garantindo que ele ameaçara destruir o
Templo de Jerusalém..
- E ele afirmou – prosseguiu uma das testemunhas – que destruiria o templo e que três dias depois
construiria outro, que não seria feito por mãos humanas!
Um rumor de desagrado correu pelos juizes e Nicodemus e José de Arimatéia se entreolharam,
cheios de preocupação ante o desenrolar dos acontecimentos.
As testemunhas continuaram o relato, falando sobre os inúmeros casos em que Jesus fizera curas aos
sábados, usando de artes mágicas desconhecidas, mostrando ser praticante de ciências demoníacas.
- E também tocou em leprosos – declarou uma testemunha, torcendo a boca num esgar de nojo.
Incitadas por um interrogatório bem dirigido, foram desfilando as piores acusações.
Por fim, Caifás aproximou-se de Jesus e perguntou:
- O que tem a dizer a seu favor, depois de tantas acusações?
Jesus não respondeu.
- Nada responde? – continuou Caifás – Não tem nada a dizer para justificar as faltas de que o
acusam?
Mas o Mestre permaneceu em silêncio. Sentado entre os juizes, Anás se deleitava com o desenrolar
do julgamento.
- Diga-me – perguntou Caifás – é o Messias esperado?
Jesus levantou a cabeça e fitou-o em pleno rosto.
- Isto dizem que sou – respondeu.
- Muito bem – continuou Caifás – diga-me então se é filho de Iahweh!
- Eu sou – disse Jesus com firmeza – e verá o filho do Homem sentado à direita de Iahweh, vindo
sobre as nuvens do céu!
O sangue subiu às faces de Caifás, tingindo-as de vermelho. Deu uns passos para trás, segurou com
força suas próprias vestes e rasgou-as num golpe único. Voltou-se para os juízes e abriu os braços, num gesto
dramático.
- Blasfemou! Que necessidade temos ainda de testemunhas?
Os juizes cerraram as mãos e golpearam o ar, gritando:
- Apedrejem-no! Blasfemo!... Blasfemo!
Nicodemus e José de Arimatéia nada puderam fazer. A lei prescrevia que o tribunal, ou qualquer
pessoa, ao escutar um insulto ao nome explícito de Deus, deveria rasgar suas vestes. E com aquele gesto
Caifás mostrava a gravidade da ofensa feita a Iahweh, o Deus de Moisés.
Os juizes e todos os demais se acercaram de Jesus, e Nicodemus e José de Arimatéia se afastaram
para o fundo da sala, para não verem Jesus ser ultrajado, esbofeteado e escarrado em pleno rosto.

...

Oculto atrás de uma árvore, Pedro chorava. Estava ali há horas, desde que saíra da casa de Anás
seguindo os soldados que conduziam Jesus a Caifás. O coração oprimido, apertado dentro do peito, não
conseguia suportar a idéia da própria covardia. E quanto mais o tempo passava, mais a angústia ia se
espalhando por dentro de sua alma.
Sentiu um peso sobre o ombro e voltou-se, assustado. Era João. Foi tanta a alegria em ver o amigo
que nem procurou disfarçar o choro que lhe embargava a voz.
- Você, por aqui? – falou baixinho – Pensei que tivesse fugido junto com os outros.
- Estou por perto desde que o trouxeram a Anás – respondeu João. – Vi você junto à fogueira, mas
não quis me aproximar. Achei que, separados, seria mais fácil de não sermos reconhecidos. Aqui, descobri um
amigo que é um dos servos nesta casa onde se reúne sempre o Sinédrio. Levou-me lá dentro e fiquei num
lugar de onde podia escutar alguma coisa, quando falavam mais alto durante o julgamento.
- E o que escutou? – perguntou Pedro, aflito.
João sacudiu a cabeça, desolado.
- O Mestre está sendo acusado de faltas que não cometeu... Os juizes estão reunidos agora, para
decidirem a sentença.
- Mas, João! – exclamou Pedro, esquecendo-se do medo de ser visto – Não poderá acontecer nada de
mal ao mestre! Como o Pai, com quem ele está sempre em contato, iria permitir que maltratassem seu filho?
Desta vez foram os olhos de João que se encheram de lágrimas.
- Já permitiu, Pedro... O Mestre foi esbofeteado por todos, cuspiram em seu rosto, sujaram suas
vestes! O Pai permitiu, Pedro...
Pedro segurou com ambas as mãos a túnica de João e puxou-o com força para perto de si.
- Você tem certeza? – perguntou, nervoso – Mas como isso foi acontecer? O Pai não se importa com
o destino de seu filho, do filho que deu todos os minutos de sua vida para transmitir ao mundo seus
ensinamentos? E agora, como irá querer que o mundo acredite, se não vier em socorro de seu filho?
João livrou-se das mãos de Pedro com gentileza.
- Não sei, Pedro... – Nunca pude compreender bem aquilo que o Mestre tentou nos ensinar. Mas creio
nele e sei que alguma coisa dentro de mim mudou, durante este tempo em que o segui. E não consigo
imaginar a minha vida sem ele... – calou-se para secar as lágrimas que começavam a escorrer pelo rosto
suado.
Os soluços voltaram a sacudir o peito largo de Pedro.
- Eu o neguei, João!... Nem que viva mais mil anos conseguirei me esquecer da minha fraqueza!
- Somos todos fracos, Pedro...Mas aprenderemos a trazer de dentro a força necessária para
prosseguirmos, sem ele.
- Você fala de um modo como se tivesse certeza de que será condenado!... Não fale assim, João, ele
será solto!... Não podem fazer isso com ele, é injusto! ... É cruel!...
João não respondeu. Encostou-se também na árvore e ficou com os olhos pregados na casa de pedras,
onde os juizes decidiam o destino de seu Mestre.

...

Um pouco mais adiante, Judas também espreitava a casa de pedras. Segundo suas previsões, o povo
que aclamara Jesus já devia ter aparecido, para exigir sua libertação. Mas já se cansara de olhar em volta e de
só ver na rua a dança das sombras das folhagens das árvores.
Quando o dia começou a clarear, encheu-se de esperanças. O povo não tardaria a chegar. Tornou a
procurar com os olhos a cada instante e quanto mais o tempo passava, maior ia se tornando a sua angústia.
De repente, notou um movimento mais intenso no pátio interno da casa de pedras. Minutos depois
Jesus surgia, amarrado, imundo, o rosto desfigurado por tantos hematomas, o lábio rachado e coberto por uma
crosta de sangue seco. Os cabelos molhados, pingando sobre a túnica encardida, revelavam o jorro de água
fria com que o teriam reanimado, na hora de sair. As mãos, ainda amarradas às costas, tremiam levemente. Por
uns instantes, ergueu a cabeça, fitou o céu e Judas, mesmo de longe, percebeu a intensa tristeza que enchia
aquele olhar.
Caifás surgiu, deu algumas ordens, reuniu uma escolta e partiu à frente do grupo, conduzindo Jesus
pelas ruas de Jerusalém.
Decepcionado com o rumo dos acontecimentos, Judas ainda deu uma última olhada procurando o
povo pelo qual esperava desde a véspera, e viu João aparecer por trás de uma árvore e se dirigir a José de
Arimatéia. De onde estava não podia escutar o que falavam, mas quando o ancião sacudiu a cabeça
lentamente de um lado para o outro e João escondeu o rosto entre as mãos e sacudiu o corpo em soluços,
compreendeu tudo. Horrorizado, seguiu atrás do grupo que conduzia Jesus, ainda na esperança de serem
impedidos, no meio do caminho, pela multidão que chegaria para libertar o Mestre.
Quando viu as torres da fortaleza Antônia e percebeu que Jesus estava sendo levado a Pilatos,
desviou-se para a direita e tomou o caminho do Templo.
No pátio externo, as pessoas se acotovelavam, aparentemente sem se importarem ao que acontecia a
Jesus. Com o coração acelerado e a respiração ofegante, Judas se misturou ao povo à procura dos rostos que
haviam se reunido em torno de seu Mestre, enquanto ele pregava. Logo reconheceu um homem gordo e baixo,
a pele lustrosa e a boca sem dentes. Aproximou-se dele e perguntou:
- Sabe que o Rabi de Nazaré foi preso e está sendo conduzido a Pilatos?
O homem, preocupado em atar as correias de sua sacola, pareceu não se importar muito.
- Sim, sabemos que foi preso – respondeu. – Isto nos mostra que não é o Messias que esperávamos,
ou teria feito chegar uma legião de anjos para salvá-lo!
- Estamos muito desapontados com tudo o que está acontecendo – apressou-se a dizer um outro. – Se
ele fosse o esperado rei de Israel, nem os fariseus e nem os romanos teriam conseguido sequer tocá-lo!
Judas não disse mais nada, continuou misturado ao povo, procurando o auxílio que jamais viria e
tentando achar pelo menos uma pessoa preocupada com o destino do Rabi de Nazaré. Mas só encontrou
rostos suados, olhares distraídos que vasculhavam os arredores, ora pousando nas mesas dos cambistas, ora
nas barracas que vendiam miuçalhas.
Saiu dali desesperado e correu para o pretório. Pilatos descia as escadas, seguido por seus centuriões.
Judas logo compreendeu que o julgamento estava por começar. E seria ali mesmo, no terraço, pois os judeus
jamais entrariam no pretório, temendo se sujar, por ser um local pagão e a Páscoa estava muito próxima. Na
verdade, Pilatos poderia mandar conduzir Jesus para dentro do pretório, onde todos os julgamentos se
conduziam a portas fechadas e apenas funcionários romanos autorizados poderiam estar presentes, e os
judeus esperariam do lado de fora. Seu ódio pelos judeus, porém, era ostensivo e todos compreenderam que
estava apreciando a situação, mostrando a eles sua incapacidade em julgar os atos de sua própria gente.
Pilatos aproximou-se de Jesus, olhou-o de cima em baixo, e voltou para a escadaria. Subiu alguns
degraus e voltou-se para os judeus que haviam trazido Jesus.
- É este o réu que me trazem para julgar? E de que é acusado?
Um dos saduceus, que durante todo o tempo permanecera ao lado de Caifás, respondeu:
- É um subversor, impede que o povo pague os tributos a Roma e pretende ser o rei dos judeus!
Pilatos correu os olhos pelos judeus e sorriu intimamente, percebendo os olhares ansiosos com que
aguardavam sua palavra.
- E por que não o julgam de acordo com sua lei? – perguntou propositadamente, para obrigá-los a
declarar publicamente sua submissão ao poder romano.
- O prisioneiro é réu de morte e não podemos aplicar-lhe a pena – respondeu o saduceu,
evidentemente contrariado. E acrescentou: - E também infringiu leis romanas que não cabe a nós julgar.
Pilatos voltou a olhar para Jesus com curiosidade. Sua esposa, Claudia Prócula, já lhe havia falado
sobre os feitos e doutrina daquele homem, que ela se mostrava inclinada a seguir. Ainda com os olhos fixos
em Jesus, perguntou:
- É você o Rei dos Judeus?
Jesus levantou a cabeça e respondeu com outra pergunta:
- Fala isso por si mesmo, ou por ter ouvido dos outros?
Pilatos não respondeu logo. Percebeu a habilidade na resposta de Jesus. Se ele próprio o estivesse
incriminando, a acusação seria de traição, mas se estivesse apenas atendendo às acusações dos judeus, a
acusação seria de blasfêmia, fora de sua alçada. Aquele rabi era um homem inteligente.
- Sou por acaso, judeu? – perguntou – Seu povo e os chefes dos sacerdotes o entregaram a mim. O
que fez para isto?
E Jesus respondeu:
- Meu reino não é deste mundo. Se fosse, meus súditos teriam combatido para que eu não fosse
entregue aos judeus. Mas meu reino não é daqui.
Pilatos começou a se impacientar. Compreendeu que aqueles judeus deviam ter contra aquele homem
alguma questão puramente religiosa e como não podiam aplicar-lhe a pena de morte, procuravam uma
acusação que ofendesse o poder romano.
- Então é rei? – insistiu Pilatos.
- Assim o diz.... Sou rei. Nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade e quem quer a
verdade, escuta a minha voz.
- E o que é a verdade? – perguntou Pilatos, já visivelmente irritado. E. sem esperar resposta, voltou-
se para os judeus e exclamou – Não vejo culpa alguma neste homem!
Um murmúrio de desagrado correu entre os judeus e Caifás, subitamente pálido, gaguejou:
- Este homem é perigoso! Vem agitando o povo de toda a Judéia! – continuou Caifás - Começou na
Galiléia, mas agora todos ...
Pilatos o interrompeu com um gesto.
- Está me dizendo que o prisioneiro é da Galiléia?
- Sim... – respondeu Caifás, sem disfarçar o embaraço da voz – O prisioneiro é galileu.
Pilatos respirou, aliviado. Acabara de encontrar um meio de se livrar daquele problema. A Galiléia
era da jurusdição de Herodes, ele que resolvesse aquele impasse.
- Pois levem-no então a Herodes! – exclamou, virou-se e subiu as escadarias do pretório.

...

- CAPÍTULO 39 -

Herodes já havia chegado em Jerusalém, onde habitualmente ficava durante os festejos da Páscoa dos
judeus. Hospedava-se no palácio Asmodeu, bem defronte do Templo.
Durante aquela noite mal dormira. Os vinhos e as carnes gordurosas do jantar da véspera
tumultuaram-lhe o estômago e o fígado, causando uma violenta enxaqueca. A dor já havia melhorado, mas o
enjôo e o peso no corpo não lhe davam ânimo para se levantar do sofá onde passara a noite.
Estava tomando mais uma dose do medicamento que lhe fora preparado pelo médico do palácio,
quando chegou a notícia:
- Os soldados do pretório acabam de chegar, junto com Anás e Caifás que trazem um prisioneiro para
que seja julgado.
Herodes voltou-se para o mensageiro com evidente mau-humor:
- Mas o que tenho com isto? Por que não o levaram a Pilatos?
- Foi Pilatos que os mandou para cá – respondeu o rapaz, sem se alterar.
Herodes pensou em mandar alguma mensagem malcriada, despachando o grupo, mas refletiu melhor
e resolveu acabar logo com aquela amolação. Levantou-se com um certo custo.
- Muito bem – resmungou, enquanto tomava de um gole todo o remédio – vamos ver do que se trata.
Quando seus olhos pousaram em Jesus, estremeceu. Desde que ordenara a execução de João, tinha
medo de que ele retornasse, para se vingar, e quando começou a escutar sobre os milagres realizados por Jesus
de Nazaré, encasquetou na cabeça que aquele poderia ser o Batista, redivivo.
- Mas que bobagem! – exclamava Herodíades, procurando fazer com que se esquecesse de João –
Mortos não voltam, ainda mais nos vivos!
- Não sei... – dizia Herodes – Os olhos do Batista, na bandeja de prata, não se desgrudavam de meu
rosto. Sei que ele me falava, me dizia que voltaria para se vingar!
- Os olhos dele estavam fechados ! – retrucava Herodíades – Como poderiam fitá-lo?
E Herodes afirmava, furioso:
- Nunca mais diga isto! Os olhos deles estavam pregados em mim, me incriminavam! Eu vi, não
estou louco!
E por mais que todos tentassem convencê-lo do absurdo de sua fantasia, ele não conseguia tirar da
cabeça a idéia de que João voltara em Jesus. E agora, estava ele ali, à sua frente, a cabeça baixa, o rosto
inchado pelas pancadas recebidas, os pés descalços e feridos, aguardando uma palavra sua. Uma alegria
doentia encheu seu coração. Naquele momento convenceu-se de que Jesus não era João encarnado. Se fosse,
não estaria naquelas condições, pacífico e calado. João era uma voz que clamava, que jamais admitiria tais
injúrias. Procurou aliviar a tensão em que vivera durante todo aquele tempo.
- Com que então é o homem que anda pela Judéia maravilhando as pessoas com suas mágicas! –
rodeou Jesus, olhando-o de cima em baixo – Pois então, faça agora uma mágica para me agradar! – e, como
Jesus continuasse calado, gritou: - Por que não me atende! Vamos faça uma mágica! – olhou para um servo
mais perto – Traga água, para que ele a transforme em vinho!
O criado sumiu por uma porta e voltou segundos depois, com uma jarra cheia d’água, que Herodes
puxou de sua mão, num solavanco.
- Tome! – estendeu a jarra para Jesus – Transforme isto em vinho e ordenarei a Pilatos que o solte!
Jesus continou calado, de cabeça baixa, parecendo não escutar o que Herodes lhe dizia.
- Então suas mágicas são fraudulentas, como dizem? ... Com certeza são, já que não consegue
demonstrá-las com as mãos atadas! – e, num gesto rápido, jogou a água no rosto de Jesus.
Voltou-se para os que o conduziam e perguntou:
- Afinal, do que é ele acusado?
Um escriba deu um passo à frente e anunciou:
- O acusado vem causando agitação no povo, recusa-se a pagar os impostos a Cesar e diz ser o
Messias, Rei dos Judeus.
Herodes deu um risinho fino.
- Rei dos Judeus, heim? Pois bem, tragam-lhe um manto! – e ordenou novamente ao servo – Ande
logo, o que está esperando! Traga um manto para o Rei da Judéia!
O criado sumiu novamente pela mesma porta e retornou, trazendo um manto vermelho, de um tecido
muito brilhante. Herodes apontou para Jesus e ordenou:
- Vamos, coloque logo o manto nas costas do Rei! – e vendo o ostentoso manto sobressair no corpo
sujo de Jesus, irrompeu em nervosas gargalhadas.
- Agora, sim, é um Rei! Vamos prestem homenagem ao Rei da Judéia! – um enjôo mais forte fez com
que seu riso se transformasse numa careta. Comprimiu o estômago e concluiu, dando as costas para Jesus –
Levem-no de volta para Pilatos! Ele que decida o que fazer.

...

Claudia Prócula irrompeu na sala com um ímpeto inusitado. Pilatos olhou-a, surpreso.
- Onde está ele? – perguntou Claudia, com uma visível aflição estampada no rosto. E vendo Pilatos
levantar as sobrancelhas numa muda interrogação, continuou: - O Rabi! Onde está o Rabi!... Soube que foi
trazido para que o julgasse!
Pilatos, enfim, compreendeu o motivo do nervosismo da esposa. Sabia que ela apreciava a doutrina
de Jesus.
- Mandei-o para Herodes.
- Para Herodes? – e uma lividez súbita se abateu sobre seu rosto bonito – Mas por que não o
absolveu logo? O que pode ter ele feito de errado? Sua prisão foi um absurdo!
Pilatos deu de ombros, aparentando indiferença. Não estava disposto a iniciar uma discussão, àquela
hora da manhã.
- Os judeus o acusam de algum crime religioso mas, como não podem condená-lo à morte,
trouxeram-no a mim... Na verdade, não entendi que erro cometeu.
- Então por que não o absolveu logo? – insistiu ela.
- Não quero me indispor com os judeus! – respondeu Pilatos asperamente, começando a se irritar –
César não gostaria de ver o procurador romano em litígio com as autoridades religiosas da Judéia!
- E por acaso já consultou César?
- E iria incomodar o Imperador por uma questão tão banal? – perguntou, rindo da ingenuidade da
esposa.
Ela se deixou cair sobre as almofadas de um sofá e mergulhou o rosto nas mãos.
- Eu tive um sonho terrível!... Por favor, não deixe que nada aconteça ao Rabi!... Proteja-o, pois ele é
um homem divino! – levantou a cabeça e insistiu – Prometa que não deixará que o matem!
Pilatos ia responder, mas o chefe da guarda chegou, agitado.
- Trouxeram novamente o prisioneiro! Herodes se recusou a julgá-lo!
Claudia se levantou e segurou Pilatos pelo braço.
- Por favor, liberte-o!...
Pilatos não respondeu. Franziu o cenho e ficou escutando o rumor que se aproximava, as vozes que
gritavam impropérios e as risadas de deboche.
...

- CAPÍTULO 40 -

Judas, por nenhum momento, deixara de acompanhar os passos de Jesus. Depois que admitira que o
povo que julgava vir libertá-lo jamais apareceria, esperava que, a qualquer momento, um milagre acontecesse.
Agora, sua última esperança estava nas mãos de Pilatos.
Com o coração apertado, viu Jesus envolto naquele manto ridículo, sendo alvo de risadas e chacotas.
Quando Jesus novamente levantou a cabeça e olhou para o céu, ele também fez o mesmo, sem saber direito o
que procurar, mas certo de que o esperado auxílio viria do alto. Mas no céu muito limpo, somente o sol
brilhava e dourava uma pequena e compacta nuvem parada no meio do azul infinito.
Baixou os olhos, viu João e Pedro, no meio daquele povo hostil. Colocou a manta sobre a cabeça,
como um capuz improvisado, para evitar que o reconhecessem e virou-se para a direção oposta. Um grupo
que se aproximava, gritando e apontando para cima as mãos crispadas. Alguns traziam pedaços de pau, que
sacudiam sobre as cabeças. Seu coração agitou-se no peito. Era o auxílio que chegava, era o povo que vinha
para exigir a libertação do Mestre! Mas logo sua esperança desmoronou. Reconheceu nos que vinham à frente
os homens de Barrabás, um zelote revoltoso que poderia ser grande, mas que se limitava a assaltar e
eventualmente assassinar quem se colocasse no seu caminho. Apesar de tudo, os seguidores de Barrabás eram
muitos e sua prisão já havia repercutido entre eles.
Quando Pilatos apareceu no alto da escadaria, a gritaria aumentou, mas logo a expectativa da decisão
do procurador fez com que os ruídos maiores cessassem.
- Trouxeram-me este homem para julgar, – disse ele, olhando diretamente para Anás e Caifás –
disseram-me que é um agitador do povo. Eu o interroguei e não encontrei nenhum motivo de condenação!
Tampouco Herodes, uma vez que o enviou novamente a mim. Portanto, vou apenas castigá-lo e soltá-lo
depois!
O grupo de Barrabás, ouvindo aquelas palavras, gritou em uníssono:
- Solte Barrabás!... Solte Barrabás!
Pilatos calou-se por instantes. Sabia que poderia libertar um prisioneiro, nas vésperas da Páscoa, mas
não pretendia absolutamente libertar aquele zelote, agitador e assassino. Achava-o perigoso, e pretendia
crucificá-lo, juntamente com outros revoltosos presos também, mas preferia esperar o fim das festas e a
partida dos peregrinos.
- Pedem que solte Barrabás! – exclamou Pilatos – Escolham, então: Quem preferem que eu liberte,
Barrabás, o assassino, ou este homem, cujo único crime é se dizer rei dos Judeus?
- Solte Barrabás! – continuava a gritar o grupo de zelotes, e suas vozes abafavam os gritos dos
poucos que pediam por Jesus – Solte Barrabás!
De repente, do meio de toda aquela confusão, ouviu-se um grito esganiçado:
- Crucifique Jesus!
E um coro dissonante repetiu:
- Crucifique-o! Crucifique-o!
O povo começou a se agitar perigosamente. O chefe da guarda fez um movimento para pegar a
espada, mas Pilatos o deteve com um gesto.
- Açoitem o prisioneiro! – ordenou, esperando que aquela gente se satisfizesse com o cruel castigo. E
entrou no pretório.
Os soldados arrastaram Jesus para um pátio interno, longe do olhar do povo.
- Quer dizer que é o rei dos judeus? – perguntou um legionário, cortando as cordas que atavam os
braços de Jesus às costas.
- Um cetro para o rei! – exclamou outro, enquanto colocava uma vara em sua mão arroxeada e
trêmula.
Um soldado ajeitou melhor o manto que Herodes havia colocado nas costas de Jesus e depois
enterrou-lhe na cabeça uma touca feita com espinhos agrestes trançados.
- Um manto e uma coroa para o rei da Judéia! – exclamou.
Os espinhos, enterrados fundo na carne, fizeram correr filetes de sangue que deslizaram pelas faces,
entranhando na barba e nos olhos.
- Vamos acabar logo com isso! – gritou um centurião, esticando com as duas mãos as correias de
couro de um açoite, que nas pontas levava pedaços de osso e bolinhas de chumbo.
Com um gesto brusco, arrancou o manto e depois a veste e a tanga de Jesus, deixando-o
completamente despido. Depois voltou a amarrar-lhe os braços, desta vez no alto, numa argola presa a um
tronco.
Outro verdugo se aproximou, com um látego semelhante, porém no lugar de tiras de couro trazia
correntes, também com bolas de chumbo e ossos às pontas.
O primeiro golpe feriu-lhe o corpo com um ruído seco. E depois o segundo e o terceiro rasgaram-lhe
a pele e o sangue começou a escorrer. Os golpes, atingindo a carne já coberta de sangue, faziam um ruído
molhado e gotículas vermelhas espirravam no peito e nos braços dos algozes. Houve um momento em que
as pernas de Jesus se dobraram ao peso da dor, e ele ficou suspenso pelos punhos presos à argola de ferro.
Sem se importar, os homens continuaram a bater e a bater, com uma selvageria, que parecia brotar-lhes das
entranhas. As chibatadas cortaram-lhe as nádegas, o ventre, os testículos e as pernas. Só pararam depois que
cada um deles aplicou quarenta chibatadas. Então os látegos foram jogados sobre uma bancada de pedra e
saíram à procura de água para se limparem.
Um soldado desatou as cordas que prendiam Jesus e ele escorregou e caiu sobre as pedras irregulares
do chão, dobrado sobre o próprio corpo.
- Levantem o homem! – gritou um centurião – Temos que levá-lo de volta a Pilatos!
Uma caçamba de água fria foi jogada sobre Jesus, que estremeceu. O sangue correu junto com a
água, mas começou a fluir novamente das feridas abertas na carne. Um dos homens fez com que se levantasse
e, com grande esforço, conseguiu se manter de pé. Enfiaram-lhe a veste pela cabeça. A abertura da gola era
bastante larga, mas mesmo assim o tecido se prendeu nos espinhos da coroa e eles puxaram com força, para
que se soltasse.
Vendo que a coroa ficara torta, um deles pegou um porrete e bateu nela com força. Da cabeça de
Jesus o sangue voltou a correr com mais abundância. O segundo golpe pegou em cheio do lado do nariz e a
cartilagem partida emitiu um ruído seco. O sangue esguichou copiosamente.
Colocaram-lhe o manto nas costas outra vez, mas suas mãos não conseguiram mais segurar o cetro
improvisado.
Empurrado e aviltado, Jesus foi conduzido de volta a Pilatos, que se voltou para os chefes dos
sacerdotes e exclamou, apontando para Jesus:.
- Eis o homem! Já recebeu seu castigo!
- Crucifique-o! – gritaram vários, no meio do povo.
- Mas o que fez ele para merecer a morte? – perguntou Pilatos.
Caifás, vermelho e nervoso, aproximou-se e exclamou:
- Conforme a Lei ele deve morrer, porque se diz filho de Deus!
Pilatos estremeceu. Alí estava uma séria acusação. Somente os césares podiam ser considerados
divinos e outra pessoa qualquer que se dissesse também divina estaria ofendendo diretamente o poder
romano. Olhou para Jesus. Que homem era aquele, lúcido e inteligente, que fazia tal afirmação, sabendo que
ela poderia levá-lo à morte? As palavras de Claudia voltaram-lhe subitamente:
- Eu tive um sonho terrível!... Por favor, não deixe que nada aconteça ao Rabi!... Proteja-o, pois ele é
um homem divino!
Um medo repentino fez correr um arrepio por todo o seu corpo. Os deuses falavam pelos sonhos... E
se Claudia tivesse tido um aviso? Ao mesmo tempo, aquele homem estava ofendendo a divindade do próprio
imperador!
Chegou mais perto de Jesus e perguntou:
- De onde veio, afinal? Quem é você? – e, como Jesus continuasse em silêncio, insistiu – Por que não
me responde? Não sabe que tenho o poder para libertá-lo ou crucificá-lo?
Jesus levantou lentamente a cabeça e Pilatos novamente estremeceu. Dos olhos de Jesus, quase
ocultos sob as pálpebras entumecidas e roxas, saiu um brilho penetrante.
- Todo o poder que tem sobre mim lhe foi dado do alto – disse Jesus com dificuldade, mal movendo
os lábios feridos.
Pilatos voltou-se novamente para os chefes dos sacerdotes mas, antes mesmo que dissesse alguma
coisa, Caifás se adiantou e exclamou:
- Se o soltar, não é amigo de César! Todo aquele que se faz rei está contra César!... E o Imperador
não gostaria nada de saber que libertou um homem destes!
Pilatos vacilou. Sabia que Caifás era terrível e sentiu o perigo que ameaçava sua cobiçada posição
política e seu prestígio junto a César. Olhou novamente para Jesus. Ali estava aquele homem injuriado,
terrivelmente ferido e fraco, coberto por um luminoso manto púrpura, levando à cabeça uma touca de
espinhos.
- Eis aqui o seu rei!... – exclamou, apontando para Jesus num gesto largo e teatral.
- Crucifique-o!... Crucifique-o! – voltou a gritar o povo.
- Querem que crucifique o seu rei? – insistiu Pilatos.
Um dos chefes dos sacerdotes deu um passo a frente e gritou:
- Não temos outro rei que não seja César!
Pilatos olhou-o de soslaio. Era preciso não conhecê-los para acreditar numa afirmação daquelas. Mas
resolveu ignorar a descarada mentira e chamou o chefe da guarda. A decisão estava tomada. Melhor agradar
àqueles homens, do que arriscar-se a perder seu posto.
- Solte Barrabás e traga-me uma bacia com água.
- Barrabás! ..... Barrabás!... – começou a gritar o grupo dos zelotes,
Momentos depois, chegou o servo com uma bacia de prata, com água pela metade. Pilatos puxou as
largas mangas para cima, mergulhou os braços e depois estendeu-os para o povo.
- Lavo minhas mãos! Sou inocente do sangue deste homem!
Os gritos e os aplausos estouraram no ar. No meio da confusão, alguém gritou:
- Pois então que seu sangue recaia sobre nós e sobre nossos filhos!
Pilatos olhou uma última vez para Jesus. Depois fez um gesto para o chefe da guarda, para que o
levasse e ditou sua sentença:
“Eu, Pôncio Pilatos, aqui Presidente Romano dentro do Palácio da Arquipresidência, julgo, condeno
e sentencio à morte Jesus, chamado pela plebe de Cristo Nazareno, cuja pátria é a Galiléia, homem seguidor
da Lei Moseana, contrário ao grande Imperador Tibério César; e determino e pronuncio por esta, que sua
morte seja na cruz e fixado com cravos ao uso de réus, porque aqui, congregando e juntando muitos homens
ricos e pobres, não tem cessado de promover tumultos em toda a Judéia, dizendo-se filho de Deus e Rei de
Jerusalém, ameaçando a ruína desta cidade e de seu Templo Sagrado, negando tributos a César e tendo tido
ainda o atrevimento de entrar com ramos, triunfo e parte da plebe, dentro da cidade de Jerusalém e no Templo
Sagrado. E mando que meu primeiro centurião Quintus Cornelius leve publicamente Jesus Cristo, amarrado e
açoitado, pela cidade, e vestido de púrpura e coroado de espinhos, com a própria cruz nos ombros para que
sirva de exemplo a todos os malfeitores. E com ele quero que sejam levados dois ladrões homicidas, que
saiam pela Porta Sagrada, agora Antoniana, e que leve Jesus ao monte de Justiça chamado Calvário, onde
crucificado e morto, fique seu corpo na cruz , como espetáculo para todos os malvados e que sobre a cruz seja
posto o título em três línguas e em todas três (hebraica, grega e latina) diga “Jesus Nazareno, Rei dos
Judeus”.
João ouvia tudo aquilo com horror. Não conseguia despregar a atenção do rosto disforme de seu
Mestre e sua alma sofrida, esfolada pela dor daqueles últimos dias, só conseguia extravasar-se nos soluços
que de vez em quando brotavam do fundo do seu peito. Virou-se para o lado e não viu mais Pedro. Procurou-o
com o olhar aflito e embaçado pelas lágrimas, mas não achou o amigo no meio do povo que ainda gritava,
pedindo a morte de Jesus.
Quando voltou a olhar para o Mestre, um dos soldados se aproximava, trazendo um grande e pesado
patíbulo. Dois homens vinham atrás, amarrados e gritando.

...

Ainda misturado à multidão, Judas acompanhava o desenrolar daquele drama. Como pudera se
enganar tanto assim? Como fora confiar naquela gente terrível, mesquinha, que não conseguia ver que a
grandeza de seu futuro estava nas mãos daquele mesmo homem que acabavam de entregar à morte?
Uma palidez mortal descera sobre sua face. A respiração entrecortada, o corpo todo tremendo, viu o
patíbulo ser colocado às costas de Jesus. Mas ao perceber a expressão de dor no rosto do Mestre, quando a
madeira pressionou os espinhos da grosseira coroa contra sua nuca, escondeu o rosto entre as mãos e não quis
mais presenciar o resto daquele suplício. O remorso pesou demais em sua alma e ele saiu correndo,
empurrando o povo que se acotovelava, para não perder um só momento da tortura de Jesus.
Andou sem destino durante muito tempo, o choro preso na garganta, os olhos esgazeados procurando
no céu o auxílio que não chegava.
- Eu o traí – dizia para si mesmo, como se rezasse uma íntima oração – e nem os homens e nem Deus
o socorreram... Eu o traí e fui traído por meu próprio idealismo, pela vontade de livrar essa gente perversa do
jugo opressor... Eu o traí.... Eu o traí...
Tentou ainda procurar os sacerdotes e devolver as moedas que queimavam suas mãos, mas eles não
quiseram recebê-las de volta.
Continuou pelas ruas, tropeçando nas pedras do caminho, e seus passos o conduziram para fora da
cidade, para um local tranqüilo e silencioso, onde só ouvia o canto dos pássaros e o ruído do vento agitando
os arbustos. Subiu um outeiro, sentindo os pés amassarem a relva úmida. Tudo era paz, tudo era silêncio,
menos em sua consciência, onde os gritos do remorso se tornavam cada vez mais insuportáveis.
No alto do outeiro, uma árvore maior lançava seus galhos fortes em direção a uma descida mais
íngreme. Judas parou e ficou algum tempo contemplando aquela árvore solitária, que recortava o azul do céu
com sua forma retorcida e rude, sacudindo levemente as pontas dos galhos mais finos, que agitavam as folhas
convidando-o a se aproximar.
Ele foi se chegando aos poucos, abraçou a árvore e chorou. Depois foi subindo, pisando nos galhos
mais grossos, sentindo as folhas acariciando sua pele, como que a consolá-lo em sua infinita aflição. Alguns
pássaros, assustados, fugiram para longe trazendo-lhe uma sensação de abandono total.
Abraçou-se mais à árvore e subiu ainda alguns galhos. Sentou-se numa forquilha e tirou o cordel que
lhe prendia a veste na cintura. Devagar, muito devagar, amarrou uma das pontas no galho e com a outra fez
uma laçada. Olhou ainda para os arbustos mais próximos, procurando os pássaros fugitivos. Depois, num
gesto lento, como se sua mão pesasse toneladas, colocou a laçada em torno do pescoço, deu uma última
olhada para aquele mundo seu, tão querido, que desejara ver livre e feliz, e pulou.

...

- CAPÍTULO 41 –

Maria não conseguia mais um instante de sossego, desde que lhe contaram sobre o sermão de Jesus
na sinagoga de Cafarnaum. As notícias chegavam soltas, sem nexo, mas uma coisa era certa: Jesus corria risco
de vida.
Do filho mesmo, não vinha nem uma só palavra e aquele silêncio começou a corroer-lhe a alma.
Quando soube da ressurreição de Lázaro, pensou em ir à Betânia, mas os filhos de José a impediram.
Como já havia a ordem de prisão contra Jesus, acharam prudente que ela ficasse em Nazaré. Sua presença tão
perto de Jerusalém poderia ser perigosa.
- Jesus sabe se defender, Maria! Ele tem os discípulos que o protegem, não terão coragem de botar-
lhe as mãos em cima, ou o povo todo iria se revoltar. Fique por aqui, pelo menos até as coisas esfriarem um
pouco!
Ela esperou. Mas, quanto mais esperava, mais aumentava sua angústia, até que um dia se decidiu.
- Vou para Betânia! Lá terei notícias de Jesus e talvez até o veja, uma vez que disseram que ele tem
ficado por lá a maior parte de seu tempo.
E não houve mais ninguém que conseguisse retê-la em Nazaré.

...

Madalena acordou sentindo uma estranha opressão no peito. Estava há dias em casa, preparando um
novo lote de óleos, mas não se sentia tranqüila. E naquele dia, principalmente, uma estranha angústia travara-
lhe suas garras implacáveis na garganta.
Abriu a porta e foi para fora, procurando respirar o ar fresco da manhã. Olhou para o alto. Uma
pequena e densa nuvem se destacava contra o azul do céu. De repente, a lembrança daquele dia em que
assistira Jesus distribuindo pães e peixes lhe voltou à memória e surpreendeu-se procurando algo brilhante
que pudesse estar escondido atrás daquela pequena nuvem. Nem percebeu quando uma vizinha chegou,
carregando uma enorme cesta de frutas que pousou no chão à sua frente.
- Ufa! – exclamou a mulher, trazendo Madalena de volta à realidade – Que cesta mais pesada! Ainda
bem que já estou perto de casa...
- Quer que a ajude? – perguntou Madalena, solícita.
- Não precisa, obrigada... Agora já estou pertinho – suspendeu novamente a cesta e já ia indo embora,
mas lembrou-se de dizer alguma coisa e voltou – Já soube que o Rabi foi preso?
Madalena estremeceu.
- Preso? – gaguejou – Quando? Onde está?
A mulher pousou novamente a cesta no chão, satisfeita em poder contar a alguém as últimas
novidades. Madalena ouviu tudo em silêncio. E foi ainda em silêncio que viu a mulher se afastar com suas
frutas. Com os olhos pregados no nada, procurava compreender tudo o que acabara de ouvir. De repente um
soluço saiu das profundezas do seu peito e explodiu-lhe na garganta. Entrou em casa e em segundos estava
saindo novamente, rumo a Jerusalém.

...

Um número sem fim de barracas margeavam as ruas de Jerusalém apinhadas de peregrinos e de


habitantes locais, atarefados com os últimos preparativos para a festa. Um rumor fez com que parassem suas
ocupações para ver o que acontecia. E logo tiveram que chegar bem para o lado, para deixar passar os
soldados que abriam passagem com seus bastões. Na frente ia Quintus Cornelius, de espada na mão e logo
atrás seguia aquele homem com as roupas ensangüentadas, vergado sob o peso de uma enorme trave de
madeira, o sol tórrido queimando-lhe a cabeça ferida por centenas de espinhos. Em uma de suas pernas estava
atada uma corda, que o ligava a outros dois condenados.
- É o Rabi de Nazaré! – gritou uma mulher, horrorizada.
- É o Rabi de Nazaré! – imitou-a um galhofeiro que passava num grupo que vinha logo atrás, fazendo
um terrível alvoroço e festejando a libertação de Barrabás.
A mulher entrou na sua tenda e ficou espiando por trás da cortina que fechava a entrada. Mas quando
viu o açoite estalar nas costas de Jesus, num momento em que fraquejou e quase caiu, sumiu pela barraca a
dentro, chorando, e não quis ver mais nada.
Os passos lentos e trôpegos, as pernas curvadas pelo peso, o corpo tombado para frente, Jesus
caminhava dolorosamente. Houve um momento em que uma chicotada pegou num dos joelhos que se
envergou mais ainda e ele caiu. Com custo se levantou mas o tombo fez com que o peso do patíbulo abrisse
mais ainda as feridas dos ombros e a manta começou a se tingir de um vermelho mais escuro.
Os outros prisioneiros não paravam de gritar.
Um outro tombo lançou-o novamente ao chão e o rosto se chocou contra a poeira seca da estrada.
Com a pancada, espinhos se enterraram mais fundo ainda na têmpora e o sangue encharcou a poeira do chão.
- Ei, Longinus! – gritou um centurião que caminhava perto de Jesus – O homem caiu de novo! Não
vai conseguir chegar ao Gólgota! – segurou-o pela barba e puxou com força, tentando levantá-lo mas não
conseguiu. O corpo continuava ao solo, sob o peso do patíbulo. Sacudiu a mão para se livrar do tufo de pelos
arrancados e, auxiliado por outro centurião, levantaram-no com brutalidade.
Longinus ia mais à frente empurrando o povo, afastando os desocupados e os piedosos que não
conseguiam conter o pranto e estendiam as mãos, procurando tocar em Jesus, para curar seus males. Quando
escutou que o outro o chamava, voltou, abrindo caminho entre os que vinham em sua direção.
- Ele não agüenta mais o peso da trave – explicou o centurião – e os açoites não estão resolvendo!
Longinus olhou para o prisioneiro. Curvado sob o peso do patíbulo, tentava erguer a cabeça, mas os
espinhos da bizarra coroa não permitiam. A todo instante a corda que o ligava aos outros prisioneiros era
repuxada, ameaçando jogá-lo ao chão novamente e nas duas vezes que caíra, fora difícil recolocá-lo de pé,
com todo aquele peso às costas, e ainda estavam a uma boa distância do Calvário.
Jesus caminhava com muita dificuldade, os joelhos dobrados mal se firmavam de pé, a boca aberta, a
respiração entrecortada mostrava o esforço supremo que fazia para continuar andando.
Longinus resolveu pedir ajuda. Viu um grupo de peregrinos e, entre eles, um homem enorme e
maçudo. Era costume dos romanos exigirem dos peregrinos serviços humilhantes, portanto Longinus não
pensou duas vezes e o chamou.
- Ei, você! – gritou.
O homem olhou de um para o outro lado, para se certificar de que era com ele mesmo. Aproximou-
se, desconfiado.
- Quem é você e o que faz aqui? – perguntou Longinus.
- Sou Simão, de Cirene...Sou peregrino e vim para a festa da Páscoa.
Longinus apontou para o prisioneiro.
- Tome o patíbulo e leve-o ao Gólgota. O homem está nas últimas, não pode mais com o peso.
Quando Simão viu Jesus, as cores fugiram de seu rosto. Conhecia Jesus, já ouvira alguns sermões
junto com seus dois filhos, que também apreciaram a palavra daquele homem admirável. Jamais imaginaria
vê-lo naquelas condições, quase morto, arrastando-se sob o peso daquela enorme trave. No mesmo momento
compreendeu que seria crucificado. Aproximou-se e tomou-lhe o patíbulo.
Do meio do povo, veio uma voz marota:
- E então, filho de Deus, onde estão os anjos que não o livram da cruz?
O cortejo continuou lentamente, Jesus se arrastando pelo chão poeirento, eventualmente amparado
por algum dos soldados, os dois outros prisioneiros agitados, aos berros, pedindo clemência. Atrás de todos
vinha Simão de Cirene, carregando o patíbulo, e procurando compreender que motivos teriam os romanos
para crucificarem o Rabi de Nazaré.
Umas mulheres pararam à frente de Jesus, chorando, desesperadas. Jesus parou e disse numa voz
sofrida e rouca:
- Não chorem por mim, mas sim por vocês e por seus filhos, pois virá o dia em que dirão: Bem-
aventuradas as estéreis! E dirão também à montanhas e às colinas: Caiam sobre nós e cubram-nos! Porque se
fazem assim com o lenho verde, o que acontecerá com o seco?
As mulheres recuaram, pressentindo algo de terrível naquelas palavras que não conseguiam
compreender. Voltaram quietas à margem do caminho, enquanto Jesus continuava sua marcha sofrida,
empurrado com brutalidade.
A subida pela encosta do Gólgota foi o mais difícil, embora breve. Auxiliado pelos soldados que
queriam se ver livre logo de sua missão, Jesus conseguiu subir o pequeno monte, apesar dos repuxos que os
outros prisioneiros davam nas cordas.. De vez em quanto procurava olhar para o céu, mas somente os olhos se
erguiam.
Lá em cima, três estacas verticais aguardavam os condenados. Arrastado e exausto, Jesus foi lançado
sobre o solo, onde caiu sobre os joelhos. Um rapazinho chegou com uma caneca contendo vinho com fel. Era
hábito oferecer esta beberagem aos condenados. A mistura produzia um efeito narcótico, ajudava a suportar as
dores e, muitas vezes, produzia até mesmo a inconsciência. Os dois prisioneiros beberam, ávidos, mas Jesus
não aceitou.
Dois soldados se aproximaram e arrancaram-lhe as roupas. Aderidas no corpo em carne viva, elas
custavam a se despregar mas com um violento puxão resolveram o problema. O sangue voltou a jorrar
profusamente das feridas abertas.
Algumas vespas pousaram nas feridas de um dos condenados e ali cravaram os ferrões. Ele começou
a gritar, desesperado, mas ninguém se importou com sua dor e seus gritos se tornaram mais intensos à medida
que o carrasco o prendia na cruz.
O outro prisioneiro desmaiou de dor e somente quando já estava içado acordou e encheu o ar com
seus brados e lamentos.
O patíbulo foi então tomado das mãos de Simão e colocado no chão e fizeram com que Jesus se
deitasse com as costas apoiadas sobre ele. O carrasco aproximou-se com uma das mãos cheia de cravos e na
outra trazia um pesado malho. Esperou que colocassem os braços do condenado na posição certa, apalpou-lhe
o pulso esquerdo e, com uma pancada surda, enterrou ali um enorme cravo. O sangue jorrou copiosamente e
começou a gotejar no chão, misturando-se à poeira seca.
Jesus cerrou os olhos com força e trincou os dentes. Mas não deixou escapar nenhum gemido. O
carrasco deu a volta por trás de sua cabeça e abaixou-se novamente. Mais um cravo foi colocado, desta vez
no outro pulso. Mas algum nó na madeira, ou talvez o pedaço de outra ponteira partida, impediram que o
cravo mergulhasse da trave. Com um impropério, o algoz arrancou o cravo e bateu de novo. Mais uma vez
não conseguiu sucesso e, já impaciente, cravou pela terceira vez a ponteira de ferro no pulso de Jesus, com
uma pancada violenta.
A respiração entrecortada e o esgar que torcia os lábios de Jesus mostravam a intensidade da sua dor.
Abriu a boca e sorveu o ar poeirento e um ruído baixo e rouco saiu de sua garganta.
Içaram o patíbulo e encaixaram-no na estaca. O corpo de Jesus, pendurado somente pelos cravos,
deixava ver os músculos distendidos ao máximo. O sangue saía dos pulsos e escorria pelos braços. O carrasco
aproximou-se novamente, dobrou uma de suas pernas, ajeitou seus pés, um sobre o outro, contra a madeira
dura e fincou o terceiro cravo. Uma forte hemorragia correu dos pés, achou caminho por entre os veios da
madeira e foi fazer estranhos desenhos na terra.
A cabeça baixa, os olhos fechados, o corpo aberto em chagas, pendurado na cruz pelos cravos, Jesus
era a imagem viva do extremo sofrimento.
Aos poucos, foi despregando as pálpebras e levantou a cabeça até onde os espinhos da touca
permitiram. Mas seus olhos se elevaram até o céu e, por segundos, Longinus percebeu neles um brilho de
esperança. Seguiu o olhar de Jesus, mas viu apenas uma pequena nuvem, densa e estranhamente luminosa.
Um soldado foi chegando, apressado. Trazia a placa gravada por Pilatos. A lei exigia que cada
condenado levasse uma identificação, e Pilatos escrevera, em latim, grego e aramaico: Jesus Nazareno, Rei
dos Judeus.
- Os chefes dos sacerdotes não gostaram da inscrição – explicou o soldado – Queriam que Pilatos
fizesse outra, dizendo: “Este é o homem que disse: Eu sou o rei dos judeus”. Mas Pilatos não concordou e
respondeu: “O que escrevi, escrevi”.
E fixaram a placa no alto da cruz
...

- CAPÍTULO 42 –

Madalena chegou no momento exato em que o verdugo cravava o último cravo. Emitiu um grito
rouco e quis se lançar em direção a Jesus, mas um soldado a impediu. Ficou de longe, encolhida, torcendo as
mãos, o corpo todo sacudido por incontroláveis soluços.
Viu quando Jesus ergueu os olhos e viu também o brilho de esperança que deles se irradiou.
Levantou também a cabeça e reparou na pequena nuvem, muito alta no céu. Secou as lágrimas com a ponta do
véu e procurou enxergar se ela ocultava algo luminoso. No mesmo momento, lembrou-se das palavras de
Jesus:
- São poucos os que conseguem ver, como você viu, a casa de meu Pai. Meu Pai mora no céu, mas
está à espera de que todos alcancem sua mente e comunguem com seus pensamentos. Para conseguir isso,
Madalena, é preciso procurar o Reino que existe no fundo do coração e para chegar ao Reino, o Amor deve
ser antes despertado. Você despertou o Amor, agora caminhe para o Reino dentro de seu coração e alcance a
mente de meu Pai. Ele está à sua espera e por isso lhe deixou ver sua casa no céu. Um dia, quando todos
alcançarem o caminho do Reino, o Pai aparecerá em toda a sua glória e todos o verão, como eu o vejo.
Fechou os olhos e orou:
- Pai, se é verdade que está no céu, livre seu filho deste sofrimento. Como pode permitir que um
inocente sofra tanto assim? Que mal ele fez? Sua vida inteira foi dedicada a falar de Amor e a ensinar um
meio de levar os homens a um Pai que até mesmo duvido que exista, pois nenhum pai iria consentir que um
filho querido passasse por tão amarga prova. Onde está, neste momento, que não vê e não livra seu filho de
um sofrimento grande assim? Que Pai é este que permite que tudo isto aconteça?...
As lágrimas voltaram a rolar através das pálpebras fechadas e os soluços sacudiram novamente seu
corpo. De repente, alguma coisa fez com que abrisse os olhos e parasse de soluçar. Foi uma chamada forte,
além de sua compreensão. Levantou a cabeça e seu olhar se encontrou com o olhar de Jesus. Naquele
momento sentiu que ele lhe sorria e que sabia o porquê de todo aquele sofrimento. E ficou ali, perdida dentro
daquele olhar tão profundo que parecia contar à sua alma verdades que ela não conseguia entender. Naquele
estado quase hipnótico, deixou-se mergulhar dentro do próprio coração e sentiu, pela primeira vez, que Jesus
a amava. E a intensidade daquele amor foi crescendo em seu peito e de repente ela compreendeu a natureza
do sentimento que fervia dentro de seu ser. Era uma energia fantástica que crescia, que aumentava, que
escapava de seu coração em ondas rítmicas e envolvia tudo e todos em sua volta e que irradiava para o alto,
arrastando seus pensamentos ao encontro daquela pequena nuvem brilhante no céu.
As lágrimas voltaram a rolar, desta vez tranqüilas. Acabara de compreender a doutrina de Jesus.

...

Um alarido súbito arrancou Madalena do estado contemplativo em que se encontrava. Olhou


novamente para Jesus, e viu-o de olhos baixos, a cabeça levemente inclinada. Teria imaginado tudo aquilo?
Onde estava o olhar profundo que a conduzira à todo aquele êxtase?
O ruído de vozes aumentou e chegou um grupo, rindo e batendo palmas.
- Olhem só! – gritou um deles – Lá está ele, o filho de Deus! Se salvou a tantos, porque não salva a si
mesmo?
Um coro de gargalhadas acompanhou suas últimas palavras.
- Olhem só o que está escrito na tábua! Jesus de Nazaré, rei dos Judeus! .. Ei, rei! Onde estão os seus
súditos que não o livram desses pregos? Foram eles quem o coroaram?
Novas risadas explodiram no ar mas logo pararam, quando viram Longinus e Cornelius que se
aproximavam, com mais dois soldados. Foram saindo de mansinho, mas ainda escutaram quando Jesus falou,
numa voz trêmula e arrastada:
- Pai, perdoa-lhes... Eles não sabem o que estão fazendo.....
Em suas cruzes, os dois condenados gemiam sem parar, e contorciam-se, como se tivessem a
esperança de se livrar das cordas que os amarravam.
Um dos centuriões comentou com Longinus:
- Esses dois bandidos vão custar a morrer... E tudo tem que estar acabado até o anoitecer. Amanhã
não é permitido nenhum corpo nas cruzes... Teremos que lhes quebrar as pernas.
- Mais tarde... – respondeu Longinus. Ele sabia que, com as pernas quebradas, a morte por sufocação
viria mais rapidamente, sem o apoio dos pés.
Do alto da cruz, um dos homens gritou para Jesus:
- Você não é o filho de Deus? Por que não salva a si mesmo e a nós também?
Vendo que Jesus parecia nem ter escutado aquelas palavras, o outro malfeitor crucificado gritou:
- Deixe-o em paz! Pelo menos agora devia temer a Deus! Nós merecemos este castigo, mas e ele? – e
apontou com o queixo na direção de Jesus – Ele não fez nada de mais, ele não fez nenhum mal... – calou-se,
respirou fundo e continuou – Espero que ele se lembre de nós, quando estiver em seu reino...
Sem voltar a cabeça, Jesus respondeu, com bastante dificuldade:
- Hoje ainda... estará comigo... no paraíso...
Perto das cruzes, os soldados faziam a partilha das roupas de Jesus. Reuniram tudo para dividir em
quatro partes, uma para cada soldado. Mas, quando viram a túnica de Jesus, começou a discussão.
- O jeito então é dividi-la em quatro partes! – disse um deles, mal-humorado.
- Que coisa idiota está dizendo! – exclamou outro. – Vamos disputá-la nos dados!
Distraídos com o jogo, cada um fazendo o possível para ser o ganhador, não viram chegar o grupo
silencioso que se aproximou e parou bem perto da cruz central. Pressentindo alguma coisa, Jesus ergueu um
pouco a cabeça e seus olhos descansaram num rosto desfigurado pela dor. Era Maria.
Vinha apoiada por João, junto com mais uma mulher e Madalena, que se reunira a ela logo que a viu
chegar. Não chorava, mas seu rosto era a máscara viva do desespero profundo que trazia no fundo da alma.
Uma pergunta muda pairava em seu olhar. Por que?
Apesar da dor e da exaustão em que se encontrava, Jesus percebeu as dúvidas que assolavam a mente
de sua mãe. Como explicar a ela que era a vontade do Pai que estava sendo cumprida? Como dizer-lhe que
não guardasse mais aquelas incertezas em seu coração? Como pedir-lhe que não odiasse os homens que o
castigaram daquela maneira, simplesmente por não terem compreendido o alcance de suas palavras? Tentou
falar, mas sentiu que não conseguiria. Olhou novamente para ela e sentiu a solidão intensa em que ela estava
mergulhada, apesar de amparada pelo braço de João. Murmurou apenas:
- Mulher, eis o seu filho... – voltou os olhos para João, e completou – Eis a sua mãe.
Estarrecida, Maria não conseguia despregar os olhos do filho. No corpo ferido a evidência dos
açoites, o sangue abrindo caminho por entre poeira que lhe cobria a pele, as moscas pousando nas feridas, e
aqueles cravos sustentando todo o seu peso. Era inacreditável que alguém ainda estivesse vivo depois de
tantos maltratos.
Respirando com dificuldade, aspirando o ar em golfadas, Jesus já mostrava evidentes sinais de
asfixia.
Nas outras cruzes, os condenados ainda conseguiam berrar, porém seus gritos eram mais esparsos e
entremeados com os ruídos que faziam, tentando respirar.
O sol tórrido no céu azul estava bem acima de suas cabeças, quando de repente tudo foi ficando
escuro. Surpresos, os centuriões olharam para o alto e viram que a pequena nuvem, que há horas permanecia
parada no alto, aproximava-se e cobria o sol. Foi chegando perto e ficando enorme no céu, produzindo uma
inusitada escuridão.
Jesus abriu os olhos e pousou-os na nuvem, e Longinus pensou ver neles um brilho de esperança.
Voltou a olhar para o alto, e não viu mais o sol. A noite subitamente descera sobre todos.
Madalena também olhou e viu o objeto gigantesco que brilhava por trás da nuvem. Procurou nos
rostos à sua volta qualquer indício de que alguém também via o mesmo que ela, mas ninguém parecia
perceber nada além da nuvem estranha que conseguia ocultar totalmente a luz do sol.
E a escuridão caiu sobre o Gólgota enquanto a vida ia fugindo aos poucos do corpo de Jesus. Os
dedos arroxeados e a palidez mortal mostravam um colapso iminente. As horas passaram, arrastadas, em meio
àquela estranha noite e Jesus de vez em quando lançava um olhar sofrido em direção à nuvem enorme que
cobria o sol.
Somente ele e Madalena viam a esfera enorme oculta pela nuvem. De repente, Jesus olhou mais uma
vez para o alto e exclamou, em voz alta:
- Eli, Eli!... Lemá sabactâni?
As mãos de Maria se crisparam sobre o braço de João e, baixinho, ela traduziu as palavras do filho:
- Meu Deus, meu Deus, porque me abandonou?
Foi a única coisa que disse. Voltou para seu penoso mutismo, onde somente seus olhos falavam da
imensa dor que lhe ia na alma.
Os centuriões, ouvindo o brado de Jesus, comentaram entre si:
- Ele chama por Elias!
Uma convulsão forte agitou o corpo de Jesus e ele tornou a falar:
- Tenho sede!....
Um dos soldados aproximou-se de um vaso cheio de vinagre com água. Davam a esta mistura o
nome de posca e era uma eficaz receita para resistirem ao calor forte e à sede torturante Mergulhou uma
esponja, prendeu-a num galho de hissopo e aproximou-a dos lábios ressecados de Jesus.. Ele sorveu o líquido
e disse, numa voz rouca:
- Tudo está terminado... Meu Pai, em suas mãos entrego meu espírito...
Em ruído gutural saiu de sua boca, a cabeça pendeu sobre o peito e o corpo afrouxou.
Maria escondeu o rosto no peito de João e Madalena se deixou cair sobre a terra, com os olhos fixos
no rosto muito pálido de Jesus. De repente, tudo começou a tremer. Um rumor surdo encheu o ar, fez tremer a
terra e as cruzes fincadas nas rochas. As pessoas gritaram e se espalharam e, sem terem onde se esconder,
desceram pelo morro abaixo, tropeçando nas fendas que se abriam perigosamente na terra, indo se misturar
aos peregrinos que, também assustados, procuravam manter de pé suas tendas. O solo todo tremia, enquanto o
ruído estranho fazia vibrar até o ar que respiravam.
Algum tempo depois, o sol voltou a surgir, enquanto o rumor se afastava com a nuvem, que voltou a
ficar bem no alto, distante e parada.
Um centurião, acompanhando tudo isto cheio de espanto, exclamou:
- Ele era mesmo o filho de Deus!...
Quando tudo se acalmou, fez-se um triste silêncio, cortado apenas pelos gemidos das mulheres, que
se misturavam aos lamentos distantes dos cordeiros, que começavam a ser sacrificados para a ceia Pascal.

...

- CAPÍTULO 43 –

Pilatos se surpreendeu com o pedido de José de Arimatéia. Não sabia que o digno membro e
conselheiro do Sinédrio era também amigo do galileu. E agora estava ele ali, fazendo um pedido irrecusável.
Queria o corpo de Jesus, para promover seu sepultamento.
Todos conheciam Arimatéia, não somente pelo seu prestígio, como também por sua riqueza. Era um
dos poucos que possuíam uma casa magnífica como a dele, rodeada por um imenso jardim e um sepulcro à
entrada da cidade.
Em geral, os crucificados eram deixados na cruz, onde os corvos e os cães se incumbiam de devorá-
los. Mas aquele era um dia especial, véspera da Páscoa, e os corpos dos condenados teriam que ser jogados
numa vala comum, pois a Lei não permitia que ficassem expostos durante as festas.
- Mas como já morreu, se fazem poucas horas que o enviei à cruz? – perguntou Pilatos, desconfiado.
Arimatéia, que exibia no rosto uma evidente máscara de tristeza e desagrado, respondeu secamente:
- Ele perdeu muito sangue, estava no auge da fraqueza e os soldados lhe deram a posca para beber.
No Oriente sabe-se que os crucificados podem morrer subitamente se beberem vinagre, que causa uma
síncope imediata.
Pilatos não pretendia recusar o pedido de Arimatéia. Era até um alívio saber que tudo estaria
resolvido e que nenhum dos discípulos nem dos parentes viria perturbá-lo com seus pedidos. Mas, precisava
se certificar de que o galileu estava realmente morto, apesar de já lhe ter chegado aos ouvidos a notícia de que
atribuíam à sua morte o estranho tremor de terra que acabara de sacudir toda a região, levando ao povo o
medo de uma destruição imediata de todo o mundo.
Tão logo Arimatéia saiu, levando sua autorização, chamou o chefe de sua guarda e ordenou:
- Mande verificar se os condenados realmente já morreram. Se ainda estiverem vivos, que sejam logo
liquidados.
Mas, quando ficou sozinho, uma ruga de preocupação vincou sua testa. Se pessoas importantes como
José de Arimatéia estavam interessadas no destino do corpo do galileu, que tipo de histórias poderiam chegar
aos ouvidos de César?
Novamente com medo de que seu cargo se visse ameaçado, sentou-se e começou a redigir uma
carta, que terminaria e enviaria ao Imperador dentro de poucos dias:
“ Pôncio Pilatos saúda o Imperador Tibério César.
Jesus, o Cristo, que já lhe apresentei explicitamente nos meus últimos relatórios foi, finalmente,
entregue a um duro suplício a pedido do povo, cujas instigações segui por medo e contra minha vontade. Um
homem piedoso e austero como esse, não existiu e nem existirá jamais em época alguma. Mas, a verdade é
que houve um estranho empenho do povo para conseguir a crucificação deste embaixador da Verdade, além
de uma conspiração de todos os escribas, chefes e anciãos, malgrado os avisos dos seus profetas, ou, como
nós dizemos, as sibilas. E, enquanto estava dependurado na cruz, apareceram sinais que sobrepujaram as
forças naturais e que pressagiavam, segundo o entendimento dos filósofos, a destruição de todo o mundo.
Seus discípulos ainda vivem e não desdizem o Mestre nem suas obras e nem a pureza de sua vida; e
continuam fazendo muito bem em seu nome. Portanto, se não fosse pelo temor de uma possível revolta entre
o povo que já estava quase enfurecido, talvez aquele insigne varão ainda pudesse estar entre os vivos. Atribuí,
pois, mais ao meu senso de fidelidade para consigo do que ao meu próprio capricho, o fato de não haver
resistido com todas as minhas forças para que o sangue de um justo, isento de toda a culpa, mas vítima da
malícia humana, fosse perversamente vertido e sofresse toda a paixão. Aliás, como dizem os intérpretes de
suas escrituras, poupá-lo redundaria em sua própria ruína. Adeus.”

...

Atendendo à ordem de Pilatos, o centurião ordenou que quebrassem as pernas dos prisioneiros. Os
dois condenados, já quase desmaiados, voltaram a gritar quando os bastões bateram por várias vezes em suas
pernas, violentamente. Primeiro ouviu-se o estalar dos ossos se partindo, depois os corpos se distenderam
mais ainda quando as pernas, grotescamente dobradas, não suportaram seu peso. Os gritos foram se
transformando em sons sufocados, o ar lhes faltou, e a morte chegou, livrando-os daquela tortura.
- Este aqui já está morto! – exclamou o soldado, olhando a figura inerte de Jesus, os olhos
entreabertos e empoeirados, o queixo arriado sobre o peito.
Voltou-se e jogou o bastão para o lado. Mas outro soldado pegou uma lança e cravou-a fundo, entre
as costelas de Jesus.
- Ordens de Pilatos! – disse. E, vendo que o corpo continuou inerte, deu de ombros – Está morto!
Da ferida escorreu um jorro de sangue, seguido por um líquido claro.
- Está ficando tarde! – gritou Longinus – Desçam os corpos e joguem-nos na vala. Não podem
pernoitar na cruz, amanhã é dia de festa!
João, abraçado a Maria, procurava ocultar com o próprio corpo a cena terrível da cruz. Olhou em
volta à procura dos outros discípulos, mas nenhum deles ainda aparecera. Foi então que viu José de Arimatéia
que chegava e exibia a Quintus Cornelius a autorização dada por Pilatos, para transportar o corpo de Jesus ao
sepulcro de sua propriedade. Preso debaixo do braço, trazia um pano de linho branco, dobrado.
O corpo foi descido da cruz, a touca de espinhos arrancada, os olhos fechados pelos dedos trêmulos
de Arimatéia.
Pouco depois chegou Nicodemus e ajudou-o a abrir no chão o pano, para transportarem o corpo até o
sepulcro. Vendo que precisariam de auxílio, Madalena aproximou-se de Maria e abraçou-a com carinho,
fazendo com a cabeça um gesto para que João a deixasse. Ele se juntou aos dois homens e em pouco tempo o
triste cortejo deixava o Gólgota.

...

- Temos que ser rápidos – disse Nicodemus, vendo que o sol já começava a declinar.
Às pressas, abaixaram-se e entraram no sepulcro aberto numa rocha e colocaram o corpo de Jesus
deitado sobre uma mesa de pedra, onde rapidamente fizeram uma limpeza no corpo e o untaram com uma
mistura de mirra com aloés.
Um lenço foi amarrado em torno de sua cabeça, fechando a boca e prendendo o queixo, e duas
moedas colocadas sobre as pálpebras, segundo o costume.
Metade da longa peça de linho trazida por Arimatéia foi colocada debaixo de seu corpo, e dobraram
a outra parte sobre sua cabeça, cobrindo-o completamente.
Apesar de toda a tristeza que pesava sobre todos, era preciso andar depressa.
- Vamos agora ! – chamou Arimatéia – O sepulcro será fechado e depois da Páscoa viremos
embalsamar o corpo.
Com o auxílio de dois servos, uma pedra redonda e pesada foi arrastada, fechando a entrada da gruta.

...

Nas últimas horas do dia, Pilatos foi procurado pelos chefes dos sacerdotes e pelos fariseus:
- É preciso que o sepulcro do galileu seja guardado! – pediram – Acreditamos que seus discípulos
tentarão roubar-lhe o corpo para depois afirmarem que ressuscitou, como dizem os boatos.
Pilatos percebeu que tinham razão. Se aquele corpo desaparecesse, novamente a ameaça de uma
rebelião iria pairar sobre a Judéia e desta vez seria difícil conter o povo.
- Quero que guardem o túmulo do galileu! – ordenou ao chefe de sua guarda.
E ficou tranqüilo, certo de que aquele caso estava encerrado para sempre.

...

O sábado passou arrastado, cheio de tristeza. O primeiro que apareceu foi Pedro, os olhos vermelhos,
rodeados de escuras olheiras, mostravam as noites não dormidas. Não disse nada. Apenas abraçou João em
silêncio e sentou-se perto de Maria. Segurou as pontas dos seus dedos e ficou muito tempo olhando aquelas
mãos miúdas que haviam acariciado seu Mestre, guiado seus passos na infância, afagado seus cabelos e
começou a chorar. Depois chegaram André e Felipe. Também em silêncio, as lágrimas rolando pelo rosto
abaixo. Tomé veio com Bartolomeu mas ficaram de longe, de cócoras num canto da sala, escondendo sua
tristeza.
De repente, já no meio da tarde, André falou:
- Ele vai voltar...
Todos os olhares se cravaram em seu rosto.
- Será?... – perguntou Tomé – Se ele tem o poder de voltar do mundo dos mortos, por que então se
deixou ir para lá?
- Ele vai voltar... – insistiu André.
- Ele vai voltar! - afirmou Pedro, fungando com força. – Ele nunca nos disse uma mentira.....
- Se vocês acreditam mesmo, então por que estão tristes assim? – perguntou Tomé.
Ninguém respondeu. Voltaram ao silêncio anterior, com o coração cheio de dúvidas e de esperanças.
Os outros discípulos foram chegando, se ajeitando pelos cantos, e ninguém dormiu. Na longa noite, todos
aguardavam o milagre prometido mas sobre todos pairava a sombra da mesma dúvida.

....

Os guardas, entediados, viram passar o sábado vigiando a gruta fria. Para eles também a noite foi
longa e tensa. A escuridão da véspera, e aquele inusitado tremor de terra haviam acabado com seus nervos e
agora a perspectiva de ver um morto se levantar da tumba não os deixava ter um só minuto de sossego.
Jogaram dados à luz de uma lamparina, mas nem o jogo conseguiu distrair-lhes a atenção e a todos
os instantes alguém arriscava um olhar rápido em direção ao sepulcro.
Um deles ainda tentou quebrar a tensão com um risinho nervoso:
- Estão com medo de que?... Os mortos não voltam!
- Não é por isso que estamos aqui, já se esqueceu? – resmungou outro – Temos que vigiar os vivos e
não o morto!
Mas todos sabiam que não era a preocupação com os vivos que estava provocando aquela forte
tensão.
Foi quando os primeiros alvores do dia começou a tingir o céu, que alguma coisa os fez estremecer.
- O que foi? – perguntou logo o mais assustado deles – Vocês ouviram?.
- Não ouvi nada – respondeu outro, meio sonolento.
Mas alguma coisa estava acontecendo. Não era um ruído, era uma vibração surda que chegava,
fazendo com que seus corpos tremessem como folhas ao vento. O ruído aconteceu dentro de suas cabeças, um
apito prolongado que parecia nascer de seus cérebros e enlouquecer-lhes a razão. Arrancaram os capacetes e
apertaram com força a cabeça . Mas a pressão foi demais e desmaiaram.
Ninguém viu o objeto enorme se aproximar, pairar sobre o sepulcro e lançar o facho de prata.
Sobre a mesa de pedra, o corpo de Jesus foi inundado pela luz, que começou a fazer pulsar todas as
suas células Os músculos retesados relaxaram, as feridas voltaram a sangrar.
O corpo ganhou um brilho intenso, ficou tão leve que se ergueu e flutuou por alguns minutos. Aos
poucos, a matéria foi se transformando em energia pura e desapareceu. Ficaram apenas os panos vazios.
...

A consciência foi voltando muito devagar. Escutou sua própria voz dizendo:
- Pai, deixe-me agora ficar consigo...
- Ainda não, Jeshuah... – falou a voz de Iahweh – Você vai voltar e mostrar ao mundo, àqueles que
puderem ver, que os Criadores têm o poder de levar a vida onde ela já não existe. Dará ao mundo, que
caminha a passos lentos para a destruição, a imagem da esperança, a certeza de que o Deus que criaram em
suas mentes pode reconstruir o que foi destruído, pode recriar de onde nada mais existe e não haverá a morte
enquanto o homem mantiver viva em seu coração a chama do Amor que você ensinou a despertar. Você
mostrou a todos o caminho que leva ao Reino, o caminho que conduz ao mundo interior, você lhes falou de
Amor, ensinou-lhes a despertar a energia que existe no coração de cada um e deu-lhes a possibilidade de se
tornarem um só com o Todo. Mostre a todos, agora, que a Vida e o Amor são eternos.
...

Os guardas, desmaiados, não perceberam que a vibração foi tanta que deslocou a pedra que fechava a
entrada do sepulcro. Quando abriram os olhos, tudo ainda estava diferente e havia uma coisa qualquer no ar
que os oprimia, que fazia com que seus corações batessem descompassadamemte no peito.
Sobre a tumba aberta, um brilho estranho incidia e mostrava um vulto vestido de prata. Horrorizados,
bateram em retirada.
Madalena chegou logo depois, junto com outras mulheres, trazendo as especiarias que tinha
preparado, para embalsamar o corpo de Jesus. Vinham preocupadas, sabendo que não teriam forças para
remover a pedra que fechava o sepulcro. Quando viram a entrada aberta, aproximaram-se com cuidado, mas
logo perceberam o estranho vulto vestido de prata, que parecia aguardá-las.
- Não tenham medo – disse ele – Sei que procuram por Jesus, mas ele não está mais aqui. Entrem e
vejam! Ele ressuscitou, como lhes prometeu.
Ela recuaram, assustadas, mas ele insistiu:
- Por que procuram entre os mortos aquele que vive? Entrem e vejam com seus próprios olhos e
depois contem aos outros!...
Elas entraram e viram apenas os panos vazios.
Momentos depois, voltavam correndo. Entraram na casa esbaforidas, falando todas ao mesmo tempo.
- Ele ressuscitou! – gritou Madalena – Ele não está mais lá! O anjo nos mostrou!......
Os discípulos se entreolharam e Pedro e João saíram em disparada. João chegou primeiro, abaixou-se
para olhar melhor e viu os panos sobre a mesa vazia. Entraram e, mudos de espanto, viram o sudário e o lenço
que prendera o queixo de Jesus em seus lugares sobre a mesa de pedra. Só não estava o corpo.
...

Madalena voltou ao sepulcro, sem conseguir acreditar em tudo o que estava acontecendo. Sua
cabeça, confusa, procurava uma explicação. Onde estaria Jesus? Teria mesmo ressuscitado como prometeu,
ou teriam simplesmente roubado seu corpo? Aquela gente de Caifás era capaz de tudo...
Uma saudade intensa foi chegando e enchendo seus olhos de lágrimas. Secou-os rapidamente, mas
logo o pranto veio e sacudiu todo o seu corpo.
- Mulher, porque chora?... Procura alguém?
Voltou-se e, em meio à cortina de lágrimas que lhe embaçava a visão, viu um vulto que se
aproximava. Pensou que era o jardineiro de Arimatéia.
- Senhor – disse ela com a voz entrecortada pelo choro – se levou o corpo dele, diga-me para onde e
eu irei até lá!
E a voz novamente se fez ouvir, desta vez mais próxima:
- Madalena!
Um arrepio estranho percorreu todo o seu corpo e ela exclamou:
- Mestre!
Correu para abraçá-lo, mas ele a deteve com um gesto.
- Não me toque, Madalena, pois ainda não estou pronto. Mas vá dizer aos outros que me viu, que
estou vivo e que me encontrarei com meu Pai.
A alegria foi tanta que ela não sabia nem o que fazer. O coração disparado, as mãos crispadas no
peito, a vontade que tinha era a de gritar de felicidade. Ele estava vivo! Ele voltara!
Foi somente quando chegou de volta à casa e contou para todos o que acontecera, que se lembrou de
ter visto na pele de Jesus certo um brilho estranho.
...

- CAPÍTULO 44 –

Naquele mesmo dia, bem mais tarde, estavam os discípulos reunidos, quando viram chegar Jesus.
Emudecidos de espanto, escutaram sua voz:
- Que a Paz esteja com todos vocês!
Cheios de alegria, viram a marca de suas chagas nos pulsos e acreditaram.
- Assim como o Pai me enviou – disse Jesus – eu também os envio. Em meu nome, perdoarão os
pecados e levarão a todos a minha palavra. Anunciem ao mundo a ressurreição do Filho do Homem e ensinem
a lei do Amor, da mesma forma como lhes ensinei. Batizem aqueles que crêem e se arrependem, abençoem-
nos em nome de meu Pai. Eu dei meu corpo e meu sangue para que todos encontrem o caminho do Reino.
Ofereçam, portanto, o pão e o vinho em minha memória para a redenção de todos. Assim como eu vos envio,
enviem a outros para que também realizem todas essas coisas em meu nome.
E, dizendo isto, impôs-lhes as mãos. Todos sentiram uma descarga de energia entrar pelo corpo e
invadir todo o seu organismo. Ficaram em silêncio, de olhos fechados, sentindo o corpo vibrar. Quando
tornaram a olhar, Jesus já havia desaparecido.
Apenas Tomé não se achava no momento e, quando soube que Jesus tinha estado ali, não acreditou.
- Só acreditarei quando tocar em suas chagas! – exclamou.
Nos dias que se seguiram, souberam que, na estrada para Emaús, dois discípulos haviam visto Jesus e
conversado com ele e, ansiosos, aguardavam uma nova visita.
Maria, já de volta a Nazaré, recebeu a notícia com um sorriso pálido nos lábios. Não sabia se
exultava de alegria ou se morria de tristeza de saber que seu filho mais uma vez voltara para o mundo que
tanto o hostilizara.
No oitavo dia, estavam os discípulos reunidos, quando chegou Jesus.
- Que a Paz esteja com todos vocês! – e, vendo Tomé, chamou: - Venha, Tomé, e toque em meus
pulsos!
Tomé se aproximou, meio sem jeito. Jesus estendeu-lhe os braços e ele pousou os dedos na profunda
depressão deixada por suas chagas.
- Não seja mais tão incrédulo! – disse Jesus.
E Tomé, com os olhos muito arregalados, gaguejou:
- Meu Senhor e meu Deus!.....
Jesus voltou-se para os outros e falou:
- Amem-se uns aos outros e amem a todas as criaturas do Pai. Vim ao mundo, fui visto e ouvido, mas
encontrei todos os homens inebriados com seus prazeres e não achei nenhum sedento da sabedoria do meu
Pai. Minha alma se entristece, porque vejo que são cegos e surdos, mas se levarem a eles minhas palavras, e
se aqueles que os sucederem também fizerem assim, aos poucos todos irão ver e ouvir. Alegrem-se, portanto,
porque serão vocês que levarão as palavras que um dia tocarão a alma dos homens. Mas em verdade lhes digo
que se passarão muitos e muitos anos, antes que os homens possam entender e realizar a palavra de meu Pai
para então conhecerem sua glória.
Emudecidos e emocionados, os discípulos ouviram aquelas palavras. Sentiram o peso de uma
responsabilidade imensa sobre seus ombros e, no fundo, não sabiam nem mesmo o que iriam fazer para
continuar o trabalho de seu Mestre. Mas a confiança nele era tanta que, se ele afirmava que seriam seus
sucessores, o meio para isto lhes seria com certeza apontado no decorrer de seus caminhos.
Antes que Jesus saísse, Natanael o chamou:
- Mestre, tenho algo comigo que lhe pertence!
Correu para um saco de pano grosso onde guardava suas coisas e voltou estendendo para Jesus uma
sacola de couro.

...

Pedro, João, Natanael e Tomé estavam à beira do lago de Tiberíades, já desanimados. Naquela noite,
nada haviam pescado. De repente, deles se aproximou um homem e pediu:
- Têm alguma coisa para comer?
- Só umas frutas secas e um pouco de pão – respondeu Pedro. Mas, reconhecendo Jesus, gritou: - É o
Mestre!
Jesus sorriu e respondeu:
- É o bastante! Vamos jantar...
E depois de terem jantado, virou-se para Pedro e perguntou:
- Pedro, você me ama?
- Mestre, bem sabe que o amo! – respondeu Pedro, cheio de convicção.
- Apascente meus cordeiros! – disse Jesus. Mas perguntou novamente: - Pedro, você me ama?
Meio desconfiado, Pedro tornou a dizer:
- Mestre, eu o amo...
- Apascente minhas ovelhas! - repetiu Jesus. E, por mais uma vez, perguntou: - Pedro, você me ama?
Pedro se entristeceu, achando que Jesus não acreditava em suas afirmações, e suspirou.
- Mestre, já que sabe tudo, deve saber também o quanto o amo!
E Jesus falou:
- Apascente meu rebanho, que eu volto para o lugar de onde vim e lá ficarei até que se cumpram
todos os dias de minha vida sobre este mundo. Deixarei que fique acima dos meus doze, como meu
representante, e propague minha Verdade entre os gentios. A verdade única e absoluta está apenas no Pai, mas
ao homem ela é revelada segundo sua capacidade de compreendê-la e assimilá-la. A verdade única tem
muitas faces e uns só vêem um lado, enquanto outros só vêem o outro lado e algumas pessoas vêem mais do
que as outras, conforme lhes é permitido ver. A verdade é como um cristal que possui várias faces e cada uma
delas reflete um raio da luz. Uns percebem uma face, outros vêem a outra, porém o cristal é um só e também
uma só é a luz que ele irradia. Quando alguém escala uma montanha e pensa que chegou a seu cume, logo vê
outra elevação mais além e assim é até que chega a uma altitude onde não avista mais nenhuma outra
elevação que possa ser alcançada. Assim é com a verdade. Eu sou o caminho para a verdade e a vida, e dei a
vocês a verdade que recebi de cima. Mas o que é visto e recebido por um, não é visto e recebido por outro. O
que para um se apresenta como verdadeiro, para outros se apresenta como inverídico. Os que se encontram no
vale não vêem da mesma maneira como os que se encontram no cume da montanha. Assim, a verdade é para
cada um conforme o entendimento separado a percebe naquele momento, até que uma verdade mais elevada
se manifeste; e as almas que estão em condições de receber luz mais elevada, mais luz lhes será dada. Por isso
não condenem a ninguém, para que não sejam condenados. À medida em que guardarem a santa lei do Amor
que lhes ensinei, a verdade ser-lhes-á mais e mais revelada e o Espírito da verdade que provém do alto os
guiará através das suas peregrinações, assim como os filhos de Israel foram guiados através do deserto pela
nuvem de fogo. Sejam fiéis à luz que possuem, até que uma luz maior lhes seja concedida. Aspirem por mais
luz, e a terão em abundância. E lembrem-se também de que o Amor é o cumprimento da Lei. Aqueles que têm
amor no coração também recebem o Amor do Pai. Portanto, com amor, deixem que cada um encontre sua
verdade. Assim estarão também praticando a bondade. Se alguém odeia a seu irmão e endurece o seu coração
diante das criaturas de Deus, como poderá ver a verdade para a sua salvação, visto que seus olhos estão cegos
e seu coração endurecido para a Criação do Pai? Assim como eu recebi a verdade, eu a dei para vocês. Que
cada um a receba de acordo com sua luz e capacidade de compreensão e não persigam aqueles que a recebem
segundo uma interpretação diferente. Porque, no fim, é a Verdade que reinará sobre todos os erros.
...

Esta foi a última vez em que os discípulos falaram com Jesus. Souberam que ele ficou vários dias
com sua mãe, Maria, mas que depois partiu e não mais o viram.

...

Quando o sol surgiu, espremendo-se entre as montanhas, banhando os vales com sua faixa de um
ouro intenso, os lamas subiram à beira do rochedo mais alto, para verem melhor a silhueta distante que se
aproximava. De repente um deles exclamou:
- É Issa!...
E todos repetiram:
- Issa está voltando!
No íntimo não se surpreenderam. Sabiam que um dia ele voltaria.
E ficaram à beira do rochedo mais alto, sem se importarem com o vento frio que lhes cortava a carne,
vendo o homem que se aproximava, que sumia e tornava a aparecer nas curvas do caminho estreito e difícil, o
corpo meio curvado para o lado do ombro onde pendia sua enorme sacola de couro.

...

ADENDO

O historiador Mullah Nadiri conta: “Durante o governo de Gopadatta, Yuz Asaf chegou da Terra
Santa a este vale e se apresentou como profeta. Encarnava os mais altos graus da virtude e da piedade e dizia
que era a encarnação de sua própria mensagem, que gozava dia e noite da companhia de Deus e que tinha
tornado Deus acessível ao povo de Caxemira. Chamou o povo para junto de si, e os habitantes do vale creram
nele”.
A sepultura do profeta Yuz Asaf está hoje no centro da cidade antiga de Srinagar, em Anzimar, no
bairro Khanjar. A construção que se encontra ao redor do sepulcro chama-se “Rozabal”, uma abreviação de
“Rauza Bal”. Rauza significa “sepultura de um profeta”. A construção é retangular e tem um pequeno pórtico.
No alto da porta de entrada da atual câmara mortuária, há uma inscrição. Diz que Yuz Asaf chegara, muitos
séculos atrás, ao vale de Caxemira e que dedicara a vida à busca da verdade. Existem, sobre o chão da referida
câmara, duas longas lápides, ambas rodeadas por uma grade de madeira e recobertas por um pano grosso. A
grade, por sua vez, está dentro de um relicário fixo de madeira. A lápide maior pertence a Yuz Asaf, a menor,
ao santo muçulmano Syed Nasir-ud-Din, ali enterrado no século 15. As duas sepulturas apontam do norte para
o sul, de acordo com os costumes islâmicos. No entanto estas lápides não são as verdadeiras, pois na verdade
as sepulturas se encontram no subsolo, dentro de uma cripta. Um pequeno orifício permite o acesso visual à
real câmara mortuária. O sarcófago que guarda os restos mortais de Yuz Asaf aponta na direção leste-oeste,
segundo os costumes judaicos, prova insofismável de que Yuz Asaf não era um santo muçulmano ou hindu.
Durante séculos os fiéis adoradores acenderam velas ao redor das lápides. Quando o professor
Hassnain removeu a velha e grossa camada de cera que a recobria, fez uma descoberta sensacional: duas
pegadas gravadas na pedra, e ao lado, um rosário e um crucifixo. Estes sinais eram utilizados antigamente
para indicar a identidade do falecido, de forma semelhante às nossas impressões digitais. Como as suásticas
dos pés de Buda, nas pegadas de Yuz Asaf encontramos provas inegáveis de sua identidade. O escultor
destacou, nitidamente, as feridas da crucificação. A disposição dessa ferida indica mesmo que o pé esquerdo
foi colocado por cima do direito, fato confirmado pela análise das manchas de sangue encontradas no sudário
de Turim. Considerando que a crucificação era desconhecida na Ásia, como medida punitiva, conclui-se seja
este o lugar da sepultura de Jesus.
Existem, em Caxemira, inúmeras fontes históricas que confirmam a identidade entre Yuz Asaf e
Jesus. Um antigo manuscrito descreve o monumento como a sepultura de Isa Rooh-u-Ilah. O lugar é visitado
anualmente por milhares de peregrinos de todos os credos, não apenas muçulmanos, mas hindus, budistas e
cristãos. Os descendentes dos antigos israelitas conheciam o verdadeiro significado daquele modesto
monumento, chamavam-no de “a sepultura de Hazrat Isa Sahib”, isto é, “a sepultura do Senhor (mestre)
Jesus”. - JESUS VIVEU NA ÍNDIA – Holger Kersten

................

BIBLIOGRAFIA

A Bíblia de Jerusalém . SP: Ed. Paulinas. l987


Baird, T. Spalding.Vida e Ensinamento dos mestres do Extremo Oriente. SP: Ed. Pensamento. 1996
Benitez, J.J. O Enviado. RJ: Nova Era/Record. 1995
Benitez, J.J. O Ovni de Belém. RJ: Nova Era/Record. 1993
Bhagavad Gîta. SP:1986.Fundação Bhaktivedanta. 1986
Buck, William. Mahabharatha. SP: Cultrix. 1988
Charlesworth, James H. Jesus Dentro do Judaísmo. RJ: Ed. Imago. 1992
Cohn, Haim. O Julgamento de Jesus, o Nazareno. RJ: Ed. Imago. 1990
Crossan, John Dominic. Jesus, Uma Bibliografia Revolucionária. RJ: Ed. Imago. 1995
Crossan, John Dominic. O Jesus Histórico. RJ: Ed. Imago. 1994
Crossan, John Dominic. Quem Matou Jesus?RJ: Ed. Imago. 1995
Drake, W. Raymond . Deuses e Astronautas no Antigo Oriente. SP: Círculo do Livro. 1975
Duncan, Anthony.Jesus, Ensinamentos Essenciais.SP: Cultrix. 1987
Duquesne, Jacques. Jesus, a Verdadeira História. SP: Geração Editorial, 1995
Fox, R. Lane . Bíblia, Verdade e Ficção . SP: Companhia das Letras. 1993
Galbiati, E.R. e Aletti, Aldo . Atlas Histórico da Bíblia e do Antigo Oriente. Petrópolis/RJ: Ed. Vozes. 1991
Ginsburg, Christian D. Os Essênios. SP: Ed. Pensamento. 1988
Hoeller, Stephan A. Jung e os Evangelhos Perdidos. SP: Ed. Cultrix. 1ª Edição
Keller, Werner. ... E a Bíblia Tinha Razão. SP: Círculo do Livro. 1983
Kersten, Holger. Jesus Viveu na Índia. SP. Ed. Best Seller. 1988
Lewis, H.Spencer. A Vida Mística de Jesus. RJ: Ed.Renes.1981
Monteiro, Chico. Eu Viajei num Disco Voador. RJ: Ed. Miray. 1995
Maia, Marcia. Evangelhos Gnósticos. SP: Ed. Mercuryo. 1992
Maia, Marcia. Os Evangelhos Proibidos. Tradução e Organização. Manuscritos.
O Evangelho dos Doze Santos. SP:Lectorium Rosicrucianum. 1985
Otero, Aurelio de Santos. Los Evangelios Apocrifos. Madrid: BAC. 1988
“Pai Nosso”. Trad. do original em aramaico. Revista Universus n.35
Prophet, Elizabeth Clare. Os Anos Ocultos de Jesus. RJ: Record. 1995
Rohden, Huberto. O Quinto Evangelho. SP: Fundação Alvorada para o Livro Educacional. 2ª Edição.
S. José e o Menino Deus – Bíblia Apócrifa. Petrópolis/RJ: Ed. Vozes. 1990
Tricca, M.H. de Oliveira. Apócrifos, os Proscritos da Bíblia. SP: Ed. Mercuryo. 1989
Tricca, M.H. de Oliveira.Apócrifos, os Proscritos da Bíblia-II. SP: Ed. Mercuryo.1991
Vanderkam, James C. Os Manuscritos do Mar Morto Hoje. RJ: Ed. Objetiva. 1995
Vermès, G. Jesus, o Judeu. SP: Ed. Loyola. 1990
Wallace, Carlos S. UFOS – Ilusão ou realidade?RJ: Ed. Tecnoprint. Coleção Realismo Fantástico. 1985
Zimmer, Heinrich. Filosofias da Índia. SP: Ed. Palas Athena. 1986

UFOs na Bíblia:
Gênesis: Cap.19 - vers. 11, 23 a 29 - Cap. 28 - vers. 10 a 17
Êxodo: Cap.3 - vers.2 - Cap.19 - vers. 9 a 25 - Cap.20 - vers. 18 a 21 - Cap. 34 - vers. 29 a 35
Números: Cap.9 - vers. 15 a 25
Ezequiel: Cap.1 - vers. 2 a 25 - Cap.2 - vers. 2, 8 a 10 - Cap.3 - vers. 12 a 14
S. Mateus: Cap.2 - vers. 9 e 10
Atos: Cap.9 - vers. 3 a 9
Apocalipse S.João: Cap.1 - vers. 9 a 20
............................

S-ar putea să vă placă și