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Annie Besant

O CAMINHO DO
DISCIPULADO

Tradução de E. NICOLL

EDITORA PENSAMENTO
SÃO PAULO
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Título do original:
The Path of Discipleship

Edição original de The Theosophical Publishing


House, Adyar, Madras, Índia.

Índice

Capítulo I O Caminho do Discipulado 04


Capítulo II Qualidades para o Discipulado 17
Capítulo III A Vida do Discípulo 29
Capítulo IV O Futuro Progresso da Humanidade 43
Glossário de Termos Sânscritos usados no Texto 59

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Capítulo I

O Caminho do Discipulado
PRIMEIROS PASSOS

Carma Ioga. Purificação

Quando, há dois anos, eu falei pela primeira vez nesta sala, chamei vossa atenção sobre
a construção do Cosmos em geral, sobre as fases pelas quais passou esta evolução e,
também, sobre os métodos seguidos no decurso desta vasta sucessão de fenômeno. No
ano passado tratei da evolução do Ego, do Ego humano mais do que do Ego cósmico, e
procurei explicar como o Ego adquiria experiência elevando-se de veículo em veículo,
chegando a dominar seus corpos inferiores. Para o homem como para o universo, para o
indivíduo como para o Cosmos, o fim é o mesmo: um esforço constante para reunir-se ao
eterno e único Ego do qual tudo emana. Mas, muitas vezes, discutindo sobre estes assuntos
sublimes, me hão objetado nos seguintes termos: "Que importância tem tudo isto sobre a
conduta dos homens no mundo, cercados como estamos pelas necessidades da vida, pela
atuação do mundo fenomênico, subtraídos sempre de elevarmos o pensamento ao único
Ego, e obrigados pelo Carma a tomar parte nestas múltiplas atividades? De que servem as
superiores doutrinas sobre a conduta humana e como é possível que os homens do mundo
elevem-se a tão alta vida?" É sobre este assunto que eu vou tratar nas atuais conferências.
Procurarei demonstrar como o homem do mundo, sujeito às obrigações de família, com
deveres sociais a cumprir com todas as atividades da vida do século, pode, não obstante,
preparar a união com o Ego e fazer os primeiros passos no caminho que conduz ao Único.
Procurarei descrever os progressos neste caminho, de modo que, começando pela vida que
um homem qualquer possa levar na atualidade, e colocando-me no ponto de vista da
maioria de todos vós, reconheçais a possibilidade de alcançar uma meta, de trilhar um
caminho que começa aqui, na vida da família, do município e da nação, mas que termina
em um ponto muito além de todo pensamento e conduz o peregrino a sua eterna pátria.
Tal é o objeto destas quatro conferências, esperando que me acompanheis neste caminho.
Para melhor compreender o assunto, examinemos rapidamente o decurso da evolução, sua
significação e seu fim, para que este golpe de vista lançado no conjunto, nos ponha em
condições de apreciar a oportunidade da marcha que vamos efetuar passo a passo.
Sabemos que a Unidade tornou-se a multiplicidade. Lançando um olhar para trás e
considerando as trevas iniciais que tudo envolviam, ouviremos um murmúrio que exclama:
Eu me multiplicarei. Esta multiplicação não é outra coisa senão a construção do universo e
dos seres que nele existem, Nesta vontade de multiplicar-se que tem o "Único sem
segundo", vemos a fonte de toda a manifestação, reconhecemos o gérmen primordial do
Cosmos. E quando tivermos compreendido de que modo teve começo o Universo e de
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como a complexidade e a multiplicidade surgiram da simplicidade e da unidade primordiais,
só então perceberemos que cada uma destas manifestações fenomênicas deve ser
imperfeita, é que o fato de um fenômeno só ser possível sob a condição de ser limitado é a
prova irrefutável que ele é inferior ao Único e, por consequência, imperfeito. Isto nos dá o
porquê da variedade, da vasta multiplicidade das coisas e dos seres vivos. E só então
podemos compreender que a perfeição do universo manifestado reside nesta mesma
variedade; e lá onde houver mais do que Um, indispensável é esta variedade infinita, a fim
de que o Único, que é como um sol projetando seus raios em todás as direções, possa
difundir-se por tudo, e é na totalidade destes raios que reside a perfeição e a iluminação do
mundo. Quanto mais numerosos, notáveis e variados forem estes objetos, mais fiel será -
embora sempre imperfeita - esta imagem do Único, Daquele donde tudo emana.
O primeiro esforço da evolucionante vida consiste em produzir existências
aparentemente distintas, de modo que, vistas de fora, pareçam separadas; mas,
contempladas em sua essência, se reconheça que é o Único o Ego de todas elas. Tendo isto
presente, compreenderemos que no processo da multiplicidade individual, o indivíduo
manifesta-se como débil e limitado reflexo do Ego Único. E assim principiamos a
compreender qual será a finalidade deste universo, porque a evolução destes numerosos
indivíduos é necessária, porque esta separatividade representa um papel indispensável na
evolução do conjunto. Este universo tem por objeto a evolução de um Logos para outro
Universo, de poderosos Devas que deverão servir de guias a todas as forças cósmicas deste
futuro universo, e de divinos Instrutores da infantil humanidade que há de povoá-lo. Em
todos os mundos de existência individual se efetua agora um contínuo processo de
evolução, pelo qual um universo proporciona a outro futuro universo seus Logos, seus
Devas, seus primeiros Manus e todos os grandes Seres necessários para construir, adestrar,
governar e instruir este universo que ainda-não nasceu. Assim se enlaçam entre si os
universos, e os manvantaras se sucedem e os frutos de um universo são a semente do que
o sucede. No meio desta multiplicidade evolui uma unidade ainda mais vasta que servirá de
vigamento do futuro universo, que será o Poder diretor do Cosmos futuro.
Perguntam-me, tanto no Oriente como no Ocidente, por que a evolução é assim
cercada de dificuldades, por que tantos insucessos em sua execução, por que os homens se
conduzem mal antes de conhecerem o bem? Não seria possível ao Logos do nosso universo,
aos seus agentes, os Devas e os Manus, que vêm guiar nossa infantil humanidade, traçar o
plano de modo que não houvesse semelhantes insucessos no decurso da evolução? Não
lhes seria possível guiar de forma a tornar o caminho reto e direito, em lugar de tortuoso e
revolto? Aqui está a dificuldade da evolução humana, se se leva em conta seu objeto final.
Fácil, na verdade, teria sido organizar uma humanidade perfeita, dócil e fácil de dar aos
seus poderes nascentes uma direção que lhe faria marchar sempre no caminho do bem,
sem que jamais se desviasse para o que chamamos o mal. Mas, que vantagem haveria
numa obra assim tão fácil? Seria, certamente, fazer do homem um autômato movido por
uma força exterior que o forçaria a cumprir uma lei iniludível. O mundo mineral está sujeito
a uma lei deste gênero; as afinidades que ligam entre si os átomos obedecem a esta
imperiosa impulsão. Mas, à medida que nos elevamos nos reinos da natureza, observamos
cada vez maior liberdade nos seres, até que encontramos no homem uma energia
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espontânea, uma liberdade de escolha que é a aurora da manifestação da Divindade, que
começa a transparecer no ser humano. Ora, o fim a atingir, o objetivo real não é construir
autômatos destinados a seguir cegamente uma linha traçada, mas edificar um reflexo do
Logos, uma poderosa coletividade de sábios e homens perfeitos, suscetíveis de preferir o
bem, porque o conhecem e o compreendem, e de repelir o mal, depois de terem aprendido
a discernir, por experiência, a sua impotência e as dores às quais ele conduz. Assim é que,
no futuro universo e entre os Grandes Seres que guiam o universo atual, há de haver uma
unidade de vontades concentradas pelo conhecimento, isto é, graças ao saber e ao livre-
arbítrio, movidas pelo mesmo desejo porque tudo sabem, identificadas pela Lei porque
aprenderam que a Lei é justa. Neste universo futuro, a Lei será Una, como o é no universo
atual, e será executada graças ao concurso daqueles que dela são a personificação, por
causa da unidade de suas vistas, da unidade de seus conhecimentos e da unidade de seu
poder. Não será uma lei cega e inconsciente, mas uma coletividade de Seres vivos que
formam a Lei, porque são divinos. Outro caminho não há para alcançar esta meta, para
harmonizar a livre vontade de muitos em uma grande Lei e uma superior Natureza, senão o
caminho pelo qual seja possível adquirir experiências, conhecer tanto o bem como o mal, a
derrota e o triunfo. Assim os homens convertem-se em Deuses e, pela experiência sofrida,
querem, pensam e sentem todos igualmente.
Para alcançar esta meta, os divinos Instrutores e Guias de nossa humanidade
estabeleceram várias civilizações, todas elas constituídas em vista do fim visado. Não me
detenho a examinar a grande civilização da quarta raça que precedeu o nascimento do
poderoso povo ariano. Basta dizer que uma alta civilização foi posta a prova e que durante
algum tempo logrou êxito sob o governo de seus divinos Reis, os quais, finalmente,
retiraram sua imediata proteção, como a mãe solta a mão à criancinha que começa a andar,
para ver se já é capaz de valer-se de seus membros e dar por si os primeiros passos. Assim
os divinos Reis e Guias deixaram solta a infantil humanidade, para ver se já podia andar só
ou se tropeçavam no caminho. Mas, a infantil humanidade tropeçou e caiu; e embora
potente e perfeita em suas instituições, gloriosa pela força e pelo saber que tinham
presidido a sua formação, sucumbiu sob o peso do egoísmo humano, esmagada pelos
instintos inferiores que não tinham sido ainda dominados. Foi necessário fazer outra
tentativa e assim foi fundada a grande Raça Ariana, também com seus Reis e Guias Divinos,
com um Manu que lhe deu suas leis, fundou sua civilização e desenvolveu sua política
auxiliado pelos Rishis que, grupados em torno Dele, asseguraram a execução dessas leis e
guiaram a jovem civilização. Assim teve a humanidade outra norma, outro modelo sob o
qual devia evoluir. Em seguida, mais uma vez os grandes Instrutores afastaram-se por
algum tempo para que a humanidade exercitasse suas próprias forças e sentisse se era
bastante forte para andar só, confiante em si mesma, sob a direção do seu Ego interno, e
não mais por manifestações exteriores. Mas, também, segundo sabemos, a tentativa
redundou em completo insucesso. Lançando um olhar para trás, vemos esta civilização,
originariamente divina, degenerar pouco a pouco pela influência dos instintos inferiores do
homem e das indomáveis paixões da humanidade.
Na Índia de outrora vemos sua constituição perfeita, sua maravilhosa espiritualidade
que foi, de milênio em milênio, decaindo à medida que se retirava da vista do homem a
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mão que o guiava; e ainda mais uma vez a humanidade tropeça e cai ao querer andar
sozinha. Em todas as tentativas vemos malograr-se o ideal divino. O mundo atual nos dá a
prova de que a natureza inferior do homem triunfou do ideal divino que se fixou como
meta no começo da raça ariana. Nesta época o ideal do Brâmane consistia na liberação da
alma que já não suspira por bens terrestres, nem pelos gozos da carne, nem por
autoridade, prazeres mundanos, mas sim pela sabedoria eterna acompanhada da pobreza;
enquanto que hoje vemos no que se diz Brâmane rico e ignorante, em vez de ser pobre e
sábio. Na casta dos Brâmanes, como nas outras três, descobrimos sinais de
degenerescência que produziu a ruína do antigo regímen.
Vejamos agora como os Instrutores se propuseram conduzir os homens a preferir livre
e voluntariamente o ideal que lhes foi proposto e do qual se afastaram: como os grandes
Instrutores esforçaram-se em dirigir a evolução da humanidade tão imperfeita para o ideal
perfeito, que se viu no começo servindo de exemplo à raça, e que não foi alcançado por
causa da fraqueza e puerilidade dos homens.
Para atingir este ideal no decorrer dos séculos, ensinou-se-lhes o caminho da ação -
Carma Ioga. É a forma de Ioga que convém aos homens do mundo, assediados pelas
atividades da vida; e mediante estas atividades, graças à sua ação disciplinar, damos os
primeiros passos que conduzem à união. Vemos assim que Carma Ioga serve para
disciplinar os homens.
Notemos a justaposição dos termos "ação" e "união". Significa o Carma Ioga que a ação
se executa de modo que seu resultado seja a união. Convém recordar que é precisamente a
atividade, as ações, os múltiplos afazeres que separam e distanciam os homens uns dos
outros. Por isso parece paradoxal falar de união por meio da ação, como se fosse possível
unir valendo-se do que divide e separa. Mas, a sabedoria dos divinos Instrutores nos explica
o aparente paradoxo, como vamos ver.
Sob a influência das três energias da natureza, as qualidades da matéria ou gunas, o
homem move-se desordenadamente em todas as direções. O morador do corpo, o Ego, fica
sob o domínio das gunas cuja atividade constitui o universo manifestado, e com as quais se
identifica o homem, que julga atuar quando elas atuam e estar atarefado quando elas de
fato produzem sua atividade. Vivendo com elas, o ofuscam e alucinam, e perde por isso
todo o conhecimento do seu verdadeiro ser, de modo que tudo quanto vê na vida se reduz
à atividade das gunas que o impelem para todos os lados, arrastado por desencontradas
correntes. Nestas condições não se sente o homem apto para as formas superiores da Ioga
sem primeiro desvanecer, embora parcialmente, estas ilusões.
Deve começar por compreender as gunas, separando-se das atividades do mundo dos
fenômenos. Podemos considerar como doutrina de Carma Ioga as declarações de Krishna a
Arjuna no campo de batalha de Kurukshetra, quando ensinava esta forma de Ioga ao
príncipe, ao guerreiro, ao homem chamado a viver no mundo, a combater no mundo, a
governar e a tomar parte em todas as atividades exteriores; aí se encontra a eterna lição
para os homens que vivem neste mundo, lição que ensina a nos elevar gradualmente acima
das gunas e chegar à união com o Supremo. A primeira etapa, portanto, da Carma Ioga
consiste na disciplina das atividades, serenando as gunas. Há três gunas: Sattva, Rajas e
Tamas com as quais tudo que nos cerca foi edificado, combinado de mil maneiras. As três
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atuam e operam em todas as direções; daí a necessidade de equilibrá-las e subjugá-las. O
Ego encarnado, o morador do corpo, deve tornar-se senhor soberano e procurar
estabelecer uma distinção entre ele e as gunas, conhecendo as funções destas,
controlando-as e dirigindo suas atividades. Não podemos elevar-nos repentinamente acima
delas, ou vencê-las prontamente, assim com uma criança jamais poderá executar o trabalho
de um homem. Pode a humanidade, no estado imperfeito de sua evolução, atingir a
perfeição- da Ioga? Não; e não seria prudente tentar fazê-lo, pois, se procurássemos impor
à criança o trabalho do adulto, não somente nada obtenhamos, como ultrapassaríamos o
limite de suas forças nesta tentativa, resultando um insucesso, tanto no presente como no
futuro, por ser a empresa superior à sua constituição. É necessário que os homens
exercitem suas forças antes de empreender a tarefa, como é necessário que a criança atinja
a idade do homem antes de se tornar apta ao trabalho viril.
Consideremos as funções da qualidade Tamas - que se traduz por obscuridade,
preguiça, inércia, negligência, etc. Que serviço pode prestar esta guna à evolução humana?
Qual a utilidade desta guna no desenvolvimento do homem? Sua utilidade para Carma Ioga
consiste que ela age como resistência a qual se deve combater e vencer, de modo que a
luta e a vitória desenvolvam a vontade, conquistando-se o domínio e a disciplina de si
mesmo. Podemos comparar a utilidade de Tamas na evolução humana, aos halteres e às
massas nos exercícios dos atletas. Estes jamais conseguiriam robustecer seus músculos se
não os exercitara em vencer alguma resistência, esforçando-se repetidamente em levantar
os pesos e manejar as massas. A utilidade não está no peso destes artifícios ginásticos, mas
no emprego que se lhes dá; e se alguém deseja robustecer os músculos de seus braços, o
único meio é tomar uma dessas massas e diariamente esforçar-se em vencer a resistência
que se opõe ao seu manejo. Do mesmo modo Tamas (negligência, ignorância, inércia)
interveio na evolução. O homem deve vencer esta guna e desenvolver suas forças na luta.
Os músculos da alma se robustecem quando o homem triunfa da negligência, vence a
preguiça e a atonia, que são as qualidades tamásicas de sua natureza.
Assim vemos que os ritos e cerimônias religiosas foram estabelecidos com o propósito
de vencer a qualidade tamásica, pois em grande parte servem para adestrar o homem em
combater a lentidão, a preguiça e a indolência de sua natureza inferior, colocando-o em
presença de certos deveres que devem ser cumpridos em momentos determinados - quer o
homem sinta ou não o desejo neste momento de os cumprir, quer esteja ou não dominado
pela atividade ou pela preguiça.
Se considerarmos a qualidade Rajas, veremos que as atividades do homem são guiadas
em Carma Ioga por certos caminhos que eu me proponho assinalar, mostrando como a
atividade, tão ardente e vivaz no mundo moderno, manifesta-se em todos os sentidos,
movendo-se em esforços precipitados, em que tudo se faz apressadamente. Também esta
qualidade pode ser gradualmente dirigida, exercitada e purificada, até que ela não mais
possa impedir a real manifestação do Ego. O objeto de Carma Ioga é substituir o desejo
imoderado dos gozos materiais pelo dever; o homem age para satisfazer seus instintos
inferiores, na ânsia de obter o fruto das suas ações, com a esperança de recompensa,
apetecendo dinheiro para gozar a vida material e satisfazer seus baixos instintos. Todas
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estas atividades da qualidade rajásica têm por fim a satisfação da natureza inferior; e para
discipliná-las, de modo que sirvam ao propósito do Ego superior, é necessário conduzir o
homem a substituir o dever ao gozo pessoal, a trabalhar porque o trabalho é um dos seus
deveres, a girar a roda da vida porque é sua incumbência assim fazer o que Shri Krishna
declarou fazer por Si mesmo, isto é, não porque tenha a ganhar qualquer coisa, nem neste
mundo nem no outro, mas porque sem sua ação deixaria o mundo de ser o que é, e ficaria
parado o giro da roda.
Quem pratica a Ioga deve agir segundo o espírito de Shri Krishna, com a intenção posta
em todo o conjunto e não em parte separada, com o propósito de cumprir a divina vontade
no Cosmos e não pelo prazer de uma entidade distinta, que se imagina independente,
quando devia secundar a ação de Shri Krishna. O homem atingirá este alvo elevando
gradualmente a esfera de suas atividades. O dever substituirá a concupiscência, e os ritos
religiosos, como as cerimônias, são prescritos para conduzir gradualmente os homens à
verdadeira vida. Todas as cerimônias religiosas são processos para conduzir os homens à
verdadeira vida, à vida superior. O homem começa a meditar ao levantar-se e ao deitar-se,
mas dia chegará em que sua vida será uma prolongada meditação. Medita durante uma
hora e assim se prepara à meditação perpétua. Toda atividade criadora é o resultado da
meditação, e convém recordar que pela meditação Tapas todos os mundos foram criados.
Assim, pois, para que o homem alcance este vigoroso e divino poder criador de
meditação e seja capaz de exercê-lo, deve ir-se fortalecendo por sucessivas cerimônias
religiosas, por esforços mentais intermitentes, por periódicos tapas alternados. A
meditação a horas fixas é um passo para a meditação constante. Tomando uma parte da
vida diária para, em seguida, tomá-la toda, o homem medita diariamente para que pouco a
pouco o absorva por inteiro. Chega um momento em que o iogue não tem mais hora
marcada para a meditação, porque toda sua vida é uma contínua meditação. Sejam quais
forem as atividades em que se empregue, o iogue medita e está sempre aos pés do Mestre,
embora mente e corpo estejam ativos no mundo dos homens. O mesmo podemos dizer de
todas as modalidades de ação. Primeiro aprende o homem a cumprir a ação como um
sacrifício do dever, como o pagamento de sua dívida para com o mundo no qual vive,
retribuindo aos diversos reinos da Natureza o que deles recebeu. Mais tarde, o sacrifício
torna-se mais que o pagamento de uma dívida: é a jubilosa oferta de tudo quanto o homem
tem para dar. O sacrifício parcial é a dívida que se há de pagar; o sacrifício perfeito é a
oferta total. O homem se dá com todas as suas atividades, com todos os seus poderes, não
já desejoso de dar parte do que possui em paga de uma dívida, mas ele mesmo é dádiva de
sua oferta. Quando se chega a este ponto, realiza-se a Ioga e se aprende a lição de Carma
Ioga.
Considerai como um passo para este fim os cinco sacrifícios diários que a religião
hinduísta exige de seus fiéis, procurando compreender a razão de cada um deles. Cada um
deles é o pagamento de uma dívida, o reconhecimento do que o homem deve
individualmente à coletividade em que vive. Consideremos o primeiro: o sacrifício aos
Devas. Por que foi prescrito este sacrifício? Porque o homem precisa saber que seu corpo
contraiu uma dívida com a terra e com as entidades inteligentes que presidem às funções
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da Natureza, graças às quais a terra dá seus frutos e fornece ao homem o alimento; e por
isso, o corpo do homem, em pagamento desta dívida, restitui à Natureza o equivalente
daquilo que dela recebeu, graças à cooperação destas Inteligências Cósmicas ou devas que
guiam as forças do mundo inferior.
Por que se ordenou ao homem que consumasse sua oferenda pelo fogo? A explicação
desta cerimônia está na frase: "AGNI é a boca dos Deuses". Os homens repetem esta
expressão sem procurar compreender a sua significação, sem ir além do nome deva para
alcançar sua função no mundo. A verdadeira significação da frase é que por toda a parte em
torno de nós se encontram os operários conscientes e subconscientes da Natureza em
cortes de diversos graus com um superior deva cósmico à frente de cada uma das falanges
do numeroso exército. Subordinados aos devas que respectivamente governam o fogo, a
água, o ar e a terra, se encontra um grande número de legiões dévicas, de categoria
inferior, que presidem às diversas operações das forças naturais no mundo, tais como as
chuvas, as faculdades produtoras da terra, as influências fertilizantes de várias espécies.
Este primeiro sacrifício serve de alimento aos devas inferiores que o recebem por meio
do fogo; e o fogo é chamado "a boca-dos-deuses" porque o fogo desintegra e transmuda
primeiro em vapor, depois em éter os sólidos e os líquidos que se submetem à sua ação,
convertendo as oferendas sacrificiais em alimento etéreo dos devas inferiores,
encarregados de executar as ordens dos devas cósmicos. Assim satisfaz o homem a dívida
para com eles contraída, e em recompensa cai a chuva, frutifica a terra e recebe o homem
seu alimento. É o que queria dizer Shri Krishna quando ordenava ao homem: "alimenta os
deuses e os deuses te alimentarão". É este ciclo de alimentação que o homem deve
aprender a reconhecer. A princípio aceitou como um ensinamento religioso. Em seguida
veio um período em que o considerou como superstição, por desconhecer os motivos reais,
pois apenas via o lado exterior. Mais tarde, aumentando o homem seus conhecimentos,
embora a ciência se incline para o materialismo, ele chegará, por um estudo mais profundo,
ao conhecimento do reino espiritual. A ciência começa a dizer hoje, em termos técnicos, o
que os Rishis disseram na terminologia espiritual, isto é, que o homem é capaz de governar
e dirigir as forças inferiores da Natureza e, deste modo, o conhecimento científico
corrobora os antigos ensinamentos; e a inteligência confirma o que o homem espiritual vê
por intuição direta, pela visão espiritual. Temos, em seguida, o Sacrifício aos antepassados;
o reconhecimento do que o homem deve aos que o precederam no mundo; o pagamento
de sua dívida para com os que trabalharam no mundo antes que ele viesse; a gratidão e a
veneração aos que, por seu esforço, melhoraram o mundo. Este sacrifício é a dívida de
gratidão com quem imediatamente nos precedeu na humana evolução, os que tomaram
parte nela durante suas vidas terrenas e nos legaram o resultado do seu labor. Pois que
hoje colhemos o fruto de seus trabalhos, paguemos essa dívida testemunhando o nosso
reconhecimento. Eis por que um dos sacrifícios diários é o reconhecimento da dívida de
gratidão que contraímos com os que partiram· antes de nós, os antepassados. Em seguida
vem o sacrifício de conhecimento, o estudo das Escrituras que prepara o homem para
instruir aos ignorantes, de modo que estes possam também adquirir o conhecimento para a
manifestação do Ego interno.

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O quarto sacrifício é o que se faz em proveito do próximo, dando de comer cada dia a
um necessitado, em reconhecimento do dever contraído com a humanidade, para
proclamar que os homens se devem mutuamente ajudar, no mundo físico, por meio de
boas obras. O sacrifício aos homens é o formal reconhecimento deste dever, e,
alimentando os que têm fome, dando hospitalidade aos que sofrem, embora seja apenas
um homem, no ponto de vista ideal e em razão da intenção, é à humanidade inteira que se
leva o auxílio. Quando oferecerdes a hospitalidade ao homem que passa diante de vossa
porta, abris a porta do vosso coração à humanidade considerada como uma grande
unidade; ajudando e abrigando um indivíduo, e à humanidade, em geral, que se oferece
ajuda e abrigo. O último sacrifício diário é o prescrito em favor dos animais. O chefe de
família deve colocar alimentos no solo para que deles se aproveitem os animais que
passam. É este o dever para com o mundo inferior. O sacrifício aos animais tem por fim
gravar na mente humana a ideia de que o homem deve ser o auxílio, guia e valimento das
criaturas que estão abaixo dele na escala da evolução. Quando somos cruéis, ásperos e
violentos para os animais, pecamos contra o supremo Ser que neles mora e de quem eles
são manifestações inferiores. Assim, para que o homem aprenda a discernir o que há de
bondade no bruto e compreender que Shri Krishna também reside nos animais, embora sob
forma mais velada que no homem, se lhe ordenou que sacrificasse aos animais, em honra
ao deus que neles mora. O único meio que temos de fazermos sacrifícios pelos animais
consiste em tratá-los com carinho, doçura e compaixão e nunca os repelir com brutalidade
e crueldade como geralmente vemos em torno de nós.
É assim que o homem aprende, graças aos ritos e às cerimônias externas, as internas
verdades espirituais que devem saturar sua vida. E depois de ter cumprido os cinco
sacrifícios, entregava-se a suas ocupações diárias, que podem também considerar-se como
sacrifício quando têm por objetivo o cumprimento dos deveres ordinários. A vida diária,
que começou com estes cinco sacrifícios, escoou-se santificada na vida exterior dos
homens. Mas, a negligência na prática dos cinco sacrifícios trouxe como consequência os
descuidos dos deveres da vida quotidiana, não porque estes sacrifícios sejam, por si
mesmos, indispensáveis - pois chega um momento em que o homem se eleva acima deles -
mas porque só podem ser transcendidos quando a vida se torna um contínuo sacrifício.
Enquanto não chega este momento, o reconhecimento formal destes deveres é necessário
para tornar a vida mais elevada. Infelizmente, na Índia de hoje, liga-se pouca importância a
estes sacrifícios, não porque os homens se elevassem acima deles, nem que suas vidas
sejam assaz puras e espirituais, mas porque os homens se materializaram e caíram na
indiferença muito abaixo do ideal concebido pelo Manu. Eles recusam hoje reconhecer
quanto devem às Forças que estão acima deles e, por isso, não cumprem seus deveres para
com os homens que os rodeiam.
Examinemos agora os deveres do indivíduo na vida social. Seja quem for, ele nasceu
em determinada família de tal município e de tal nação. Seu nascimento marca seus
deveres para com a família, o município e a nação. As circunstâncias do nascimento limitam
os deveres do homem, pois a Boa Lei o coloca segundo o seu carma no lugar propício ao
seu desenvolvimento, na escola onde vai aprender. Assim se diz que, cada homem, se lhe
incumbe cumprir seu próprio dever ou dharma. Vale mais cumprir nosso peculiar dever,
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embora imperfeitamente, que executar o dharma superior de outrem. Por isso o lugar de
seu nascimento é fundamental para cada um, porque ali se aprende o que melhor convém
saber. Cumpra-se o nosso dever sem nos preocuparmos com as consequências, e só então
se aprende a lição da vida dando os primeiros passos no caminho da Ioga. No início, cada
ação será naturalmente executada tendo em vista os seus resultados, o desejo de
recompensa. Isto nos explica porque se ensina ao homem agir com a esperança de receber
no céu (svarga) o prêmio de suas boas obras. Ao homem-criança ensina-lhe o estímulo do
prêmio, apresentando-lhe o céu como recompensa do cumprimento de seus deveres
morais e das cerimônias religiosas. Assim é ele induzido a portar-se com elevação moral,
como se diz à criança que aprenda as lições porque terá um prêmio como recompensa.
Mas, se a ação a cumprir tem por fim a Ioga, e não a obtenção de recompensas, é
necessário que ela seja executada unicamente porque constitui um dever.
Estudemos agora as quatro castas da Índia e vejamos qual foi o propósito de sua
instituição.
O Brâmane tinha por dever ensinar, com o fim de formar uma estirpe de sábios
instrutores, capazes de dirigir a evolução da raça. Não devia ensinar por dinheiro, nem para
subir ao poder, nem por proveito pessoal, senão pelo cumprimento de seu dever em
transmitir aos outros seus conhecimentos. Em toda nação bem organizada devia haver
sempre instrutores capazes de guiar, dirigir e aconselhar sem móveis egoístas, sem jamais
nada adquirirem pessoalmente, embora o que juntassem fosse para todos. Desta maneira
cumpririam seu dever e obteriam a libertação da alma. A casta dos guerreiros, os
kshattriyas, tinha por objeto a educação e adestramento da atividade dos homens nascidos
para o governo e defesa do país. Mas não se os educava nem nasciam nesta casta para
abusarem do poder, e sim para administrarem justiça de modo que o pobre estivesse
amparado e o rico impedido de tiranizá-lo, tudo para que a imparcial justiça prevalecesse
neste agitado mundo dos homens. Porque neste mundo de lutas, rancores e contendas,
onde os homens somente procuram sua satisfação pessoal em vez do bem coletivo,
devemos ensinar-lhes o império da justiça, e que se o forte abusa de sua força, deve o
governante justo reprimir o abuso, nunca deixando que o oprimido seja vítima do
poderoso.
Por isso, o dever do Rei era administrar justiça entre os homens, de modo que todos os
vassalos olhassem o trono real como a fonte donde fluía a divina justiça. Este é o ideal da
monarquia divina, do rei divino. Rama e Krishna vieram ensinar este ideal; mas tão grande
foi a torpeza humana que ninguém aprendeu a lição, porque os kshattriyas empregaram
seu poder para fins egoístas, oprimindo os demais, apoderando-se das riquezas e do
trabalho alheio em proveito próprio. Perdeu o kshattriya o ideal do governante divino que
encarnava a justiça no belicoso mundo dos homens. Contudo a sua razão de ser era fazer
deste ideal o objeto de sua vida; para isso seu dever era governar o país em proveito dos
seus habitantes e não pela satisfação pessoal de si mesmo. O mesmo cabe dizer das
funções do kshattriya como soldado. A nação devia prosperar em paz. As pessoas simples e
inermes deviam gozar em segurança de suas propriedades, para viverem contentes e
ditosas. Os comerciantes se dedicariam em paz aos seus negócios. Todas as profissões
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sociais poderiam se exercer sem perigo de agressões. Assim ao kshattriya competia
guerrear em defesa da população inerme, sacrificando generosamente sua vida para que os
homens pudessem viver em paz. O seu fim não era lutar para ganhar glórias na vitória, nem
com intenção de conquistas e domínio, mas cercar como uma muralha de ferro o território
nacional, de modo que todo ataque viesse se quebrar contra seus corpos, e assim
pudessem viver as pessoas em paz, segurança e felicidade no recristo nacional, fortificado
com seus peitos. Para seguir o caminho da Ioga dentro do dever do kshattriya, este devia
considerar-se como agente do divino Autor, e por isto disse Shri Krishna que Ele havia feito
tudo isto e que Arjuna não fazia senão reproduzir esta ação no mundo dos homens. E
quando se encontra o divino Autor em todas as ações do homem, cumpre a este executá-
las como um dever, sem desejo de recompensa, e assim estas ações não entravam a alma.
Análogas considerações cabe aplicar ao comerciante ou vaishya, encarregado de
acumular riquezas, não em seu proveito, mas para sustento da nação. Devia ser rico a fim
de que todos os gêneros de atividade, que necessitassem riquezas, pudessem encontrar
nele uma reserva a seu alcance e se desenvolvessem em todas as direções, de modo que os
pobres tivessem casas, os viajantes albergues e os enfermos hospitais (tanto para homens
como animais); para os devotos, templos, e assim servisse a riqueza para manter todas as
funções da vida nacional. Portanto seu Dharma exigia a acumulação destas riquezas no
interesse comum e não pela satisfação pessoal. Deste modo podia, ele também, praticar a
Ioga e, pela Carma Ioga preparar-se para uma vida superior.
Igualmente ao shudra cumpria exercer suas atividades na coletividade social. Era ele o
braço manual da nação, trazendo-lhe tudo que ela tinha necessidade e exercendo as
atividades domésticas. Sua Ioga era de cumprir alegremente seus deveres, por seus deveres
e não pelo fruto que deles proviesse.
Vemos, pois, que, a princípio, os homens não obram senão por interesse pessoal e
deste modo adquirem experiência. Em seguida aprendem a agir por dever e com ele iniciam
a prática da Ioga na vida diária. Finalmente, sua ação é um jubiloso sacrifício sem pedir
nada em recompensa, ao contrário, entregando quanto possuem para o cumprimento da
obra divina. E assim realizam a união com Deus.
A significação de purificação fica compreensível quando observamos as três etapas de
egoísmo, dever e sacrifício. São as etapas do caminho de purificação. Mas, como deve ser
esta purificação para que conduza aos graus superiores, a entrada do discipulado a cuja
preparação toda a atividade concorre? O homem todo deve purificar-se em corpo e alma.
Não me deterei a discorrer sobre a purificação do corpo; basta recordar o que, segundo os
ensinamentos do Bhagavad-Gita, se ganha com a moderação e a temperança, e nunca pela
maceração ascética que, como disse Shri Krishna, tortura ao corpo e ao morador do corpo.
A Ioga realiza-se pela suave subjugação e calma disciplina da natureza inferior, adotando
puro regímen dietético, regulando as atividades físicas e disciplinando o corpo de modo que
se submeta ao governo da vontade do Ego. Eis por que se prescreveu a vida conjugal,
porque os homens, exceto poucos, não estavam em condições de seguir o áspero caminho
do celibato. O estado de Brahmacharya (celibato bramático ) não era para todos. Graças à
vida de família o homem aprendia a disciplinar suas paixões sexuais, não aniquilando-as

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violentamente por um só esforço (coisa impossível à generalidade dos homens, e se acaso
alguém intente com Imprudente energia, conduz a uma reação que precipita o imprudente
nos piores excessos de uma vida desregrada), mas por gradual moderação, praticando as
abnegadas virtudes domésticas de modo que a natureza inferior acostume-se, pela
temperança, a obedecer à superior. Então intervém a ação de Carma Ioga. O chefe de
família aprendeu gradualmente a dominar sua personalidade pela prática da moderação
submetendo a natureza inferior à superior e disciplinando-a dia a dia ate que se sujeite à
vontade. Deste modo purifica o corpo e se predispõe a dar os altos passos da Ioga. Em
seguida deve purificar por completo as paixões da natureza inferior.
Tomemos três exemplos que podemos empregar na conduta a vida. Consideremos a
cólera, e examinemos como a Carma Ioga a transforma em virtude. A cólera é uma energia
que surge do homem e produz seu efeito exterior. No homem inculto e atrasado é uma
paixão que se manifesta em várias formas brutais que, sem reparar nos meios, se atira
contra tudo que se lhe opõe a satisfação do seu desejo. Nesta forma é uma indisciplinada e
destruidora energia natural e quem deseja praticar Carma Ioga deve certamente domina-la.
Como vencer a paixão da cólera? Primeiramente deve se eliminar o elemento pessoal.
Quando alguém nos injuria, ou quando nos causa um prejuízo pessoal, não mostremos
ressentimento do agravo. Tal é o dever. Se recebeis um dano ou sois vítima de uma
injustiça, que fazer? Podeis soltar a rédea à ira e atacar o agressor e feri-lo. À injustça
recebida respondeis com igual injúria. Assim a cólera mostra seus destruidores efeitos.
Como purificar esta paixão? A resposta nos dão os Instrutores que ensinaram Carma Ioga,
isto é, o modo pelo qual a ação do mundo dos homens possa servir à finalidade do Ego.
Recordai-vos que no Decálogo do Manu figura, como um dos dez mandamentos, o perdão
das injúrias. Também o Buda disse: "O ódio não cessa pelo ódio, senão pelo amor".
Igualmente o Instrutor cristão S. Paulo expressou-se em termos análogos: "Não te deixes
vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem" (Rom. 12 e 21). Eis Carma Ioga. Perdoai as
ofensas. Respondei com amor ao ódio. Vencei o mal com o bem. Assim eliminareis o
elemento pessoal e já não sentireis cólera quando vos fizerem dano. Eliminando-se o
elemento pessoal, a ira não mais revestirá esta forma inferior. Mas um gênero de cólera, de
natureza mais elevada, pode subsistir ainda. Quando se vê cometer uma injustiça com o
fraco, experimenta-se cólera contra o autor. Quando se vê maltratar um animal, nasce a
indignação contra o agressor. A opressão contra o pobre desperta ira contra o opressor. É
uma cólera impessoal, mais nobre que a modalidade anterior e necessária à evolução
humana, porque muito mais nobre é nos revoltarmos contra o agressor do desvalido do
que presenciar a agressão com estólida indiferença, sem a mais leve simpatia com o
sofrimento alheio. A cólera impessoal é mais nobre que a indiferença; todavia é imperfeita
e devemos transformá-la na qualidade superior de fazer justiça tanto ao forte como ao
débil, de compaixão idêntica ao agredido como ao agressor, porque se sabe que sobre o
agressor recairá maior dano. Devemos nos compadecer por ambos e o mesmo sentimento
de amor e justiça envolverá os dois. Quem assim purifica a paixão da cólera, abomina o
agravo porque é seu dever abominá-lo; mas, ao mesmo tempo mostra-se benigno com o
agressor porque necessita lição e auxílio. Deste modo a ira dirigida contra uma injúria
pessoal transforma-se em justiça que evita todo o agravo e igualmente protege o forte e o
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fraco. Esta é a purificação executada no mundo da atividade por meio do esforço diário que
vai depurando a natureza inferior, a fim de alcançar a união com o Ego superior.
Consideremos agora o amor. Pode revestir a baixa e brutal forma da paixão animal
entre os sexos; uma paixão de índole má que não leva em conta o caráter da pessoa por
quem se sente este amor, mas apenas encara a beleza física, a atração carnal e o prazer
material. Esta é a mais inferior modalidade do amor. Seu móvel é o egoísmo. Mas, quem
segue Carma Ioga o transforma no amor que se sacrifica pelo ser amado, que cumpre os
deveres de família, cuidando da esposa e dos filhos, por eles tudo fazendo, sacrificando
suas inclinações pessoais, prazeres e gostos. Trabalha para aumentar as comodidades da
família e satisfazer mais folgadamente as necessidades do lar. Nele o amor não se limita ao
gozo material, ao prazer pessoal, mas na proteção e auxílio aos seres amados, desviando os
males que os ameaçam, a fim de que vivam com segurança. Mediante Carma Ioga o
homem purifica seu amor eliminando seus elementos egoístas, e o que era paixão animal
"pelo outro sexo, transmuda-se em amor conjugal, amor do irmão maior, do parente que
cumpre seu dever trabalhando em proveito dos seres amados para que vivam mais
contentes e ditosos.
É então que começa a última fase, em que o amor, depurado do egoísmo, se derrama
por todos. Não mais atua no reduzido círculo da família, mas em todo o semelhante vê um
necessitado de auxílio, em todo faminto um irmão a alimentar e, em toda mulher
desamparada, uma irmã a quem proteger. O homem assim purificado converte-se em pai,
irmão e auxiliador do desvalido, não porque o ame pessoalmente, mas porque o ama
idealmente, favorecendo-o em virtude de seu desinteressado amor, mesmo que o
favorecido não o corresponda. O amor supremo, o amor que flui de Carma Ioga nada pede
em troca do que dá; não aspira gratidão nem reconhecimento; obra em segredo e deseja
ficar ignorado. É mesmo mais feliz quando não atrai a atenção, nem recebe recompensa.
Enfim, a purificação definitiva do amor é a que o transmuda no divino, quando apenas dá,
porque sua natureza é difundir a felicidade, nada pede para si e só procura a satisfação
alheia.
Falemos agora da cobiça e da avidez. Os homens desejam o lucro para desfrutar os
prazeres, adquirir posição e poderio. Em seguida purificam esta baixa modalidade de cobiça
pela avidez do ganho para melhorar a condição da família e pô-la a coberto da miséria e do
sofrimento. Já não é o homem, que assim procede, tão egoísta como antes. Mais tarde
deseja poderes para empregá-lo para o bem, a fim de alcançar uma esfera de ação mais
ampla que a da família, campo mais vasto que o lar, até que aprenda a dar sem desejo de
recompensa. Deseja conhecimentos e poder, não para os conservar e gozar só, mas para
difundi-los. Assim o egoísmo é eliminado.
Nunca procurastes pensar por que se representa a Mahadeva ou Siva sobre chamas?
Singular morada para tão poderosa Entidade, aquele que é, por excelência, a pureza. Mas a
representação simboliza a Siva, isto é, a vida humana consumindo tudo que é inferior pelo
fogo do sacrifício. Se assim não fosse as coisas terrestres se corromperiam até a putrefação
e fariam um foco de infecção que se espalharia por toda a parte. Mas na parada ardente
em que Ele mora, cujo fogo o atravessa de lado a lado, tudo que é egoísta e pessoal, tudo
quanto pertence à natureza inferior é consumido. Destas regeneradoras chamas surge
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triunfante o iogue, completamente depurado de todo o elemento pessoal, porque o fogo
do Senhor queimou as baixas paixões e não resta corrupção alguma capaz de difundir o
contágio. Por isto Siva é chamado o Destruidor. É o destruidor do inferior a fim de tornar
possível a regeneração. Do fogo de Siva emanou originariamente a alma e de suas chamas
brota o purificado Ego.
É assim que estes primeiros passos guiam o homem ao discipulado e ao encontro do
Mestre, no recinto interno do Templo em cujo ádito sagrado reside o Guru (Instrutor) da
humanidade. São estes os primeiros passos que se devem dar e o caminho que se há de
percorrer. Embora se esteja no mundo, ligado por mundanos laços, com atividades sociais e
políticas, no fundo do nosso coração palpita o anelo pela verdadeira Ioga e pelo
conhecimento de permanente e não transitória vida. Se cada um de vós auscultar as
profundezas de vosso coração, aí descobrireis o ardente desejo de cada vez mais se instruir,
de mais nobremente viver, mais do que o fazeis hoje. Podeis amar as coisas do mundo e vós
as amais realmente pela vossa natureza inferior, mas no coração de quem não renegou de
todo sua religião e seu país há sempre uma aspiração para um ideal mais elevado que o
deste mundo, um desejo por mais fraco que seja, qual as tradições do passado, de ver a
Índia tornar-se mais nobre do que hoje é, e seus habitantes mais dignos do seu glorioso
passado. Eis aqui, pois, o caminho que deveis seguir. Não é possível a grandeza de uma
nação se não forem magnânimos seus filhos. Não será poderoso um povo se os indivíduos
forem mesquinhos, sórdidos e egoístas. Podeis partir do ponto em que vos achais e com a
conduta que observais, seguindo sempre a direção que acabo de vos assinalar, e assim
dareis os primeiros passos que vos aproximará do Caminho.
Permiti que eu termine recordando-vos onde vai terminar o Caminho, embora em
sucessivas conferências ainda mais ampliarei o tema. O término do Caminho é a união por
meio da ação. Há ainda outros passos a dar; mas, que significa "união"? Recordemos como
Shri Krishna assinala as características do homem que já transcendeu as gunas e é capaz de
beber o néctar da imortalidade, de conhecer o Supremo e de unir-se com Ele. Um homem
assim não conhece outro agente senão as gunas, mas sabe que ele fica além, pois conhece
Aquele que está além delas. Percebe a atuação das gunas, e não as deseja quando ausentes
nem as repele quando presentes. Conserva-se equânime entre amigos e inimigos, nos
louvores e no opróbrio. Confiante olha todas as coisas de igual maneira o barro da terra e a
barra de ouro, o amigo e o inimigo. Para todos é o mesmo, porque transcendeu as gunas e
já não o alucina sua ação. Tal é a meta a que aspiramos. Estes são os primeiros passos para
o Caminho que passa pelas gunas. Enquanto não forem dados estes primeiros passos, não é
possível seguir adiante; mas, uma vez dados, descobre-se o começo do verdadeiro
Caminho.

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Capítulo II

Qualidades para o Discipulado


Domínio da mente - Meditação.
Formação do Caráter

Consideremos antes de tudo a questão da reencarnação e o que significam os meios


que permitem que um homem possa escolher deliberadamente seu futuro caminho e o que
se entende por "qualidades do discípulo". Já vimos quais são as diferentes fases da ação. A
princípio, egoísta sem outro móvel que satisfazer as inclinações da natureza inferior e
recolher benefícios. Depois, por meio da prática de Carma Ioga, aprende o homem a agir,
não por egoísmo, mas porque é seu dever o cumprimento da ação, identificando-se assim
com a Lei e tomando parte consciente na grande obra do mundo. Finalmente, a terceira
etapa consiste em efetuar a ação, não como um dever, mas também como um jubiloso
sacrifício, em que o homem procura entregar tudo quanto possui. Ao chegar a esta fase
pode ele quebrar os laços do desejo e livrar-se do renascimento, pois só o desejo dos
prazeres e ações levam o homem novamente à terra. Quem procura satisfazer um ideal
mundano, quem tem por meta algum objeto terrestre, está evidentemente ligado pelo
desejo, e enquanto aspira ao que a terra pode dar, deverá voltar à terra. Tudo quanto
pertence à transitória vida física e seja motivo de atração, será também capaz de ligá-lo. Em
outros termos, todo desejo prende a alma e a conduz ao lugar em que deve satisfazê-lo.
A natureza anímica do homem é tão semelhante à divina, que esta força que dele
emana, e à qual damos o nome de desejo, encerra em si mesma o poder de se satisfazer. O
homem obtém tudo quanto deseja, embora não imediatamente, mas a seu tempo, quando
a natureza das coisas o permitir. E por isso se tem dito repetidas vezes que o homem é
senhor do seu destino, e que o universo dar-lhe-á tudo quanto pedir. Assim receberá os
resultados do seu desejo naquela parte do universo em que a coisa desejada existe; e se
deseja algo terreno, a terra acabará por satisfazê-lo.
O homem está também acorrentado à reencarnação por seus desejos que não podem
ser satisfeitos senão nos mundos transitórios, que ficam além da morte, o astral e o mental.
Se, por exemplo, um homem põe seu desejo nas delícias do céu e, com a esperança de
desfrutá-las, recusa os gozos terrenos, desfrutá-las-á em tempo oportuno como
consequência de sua conduta; mas sendo o céu também transitório, deverá voltar à terra
uma vez terminado seus gozos. Por esta razão se chama "caminho da Lua" o que o homem
segue quando desejoso das venturas celestes, e assim se diz que "a Lua é a porta de
svarga". Compreende-se que todo desejo deve ser satisfeito na terra ou em qualquer outro
mundo transitório, o que obriga a alma ao renascimento e é por esta razão que foi escrito
que a alma não pode atingir a libertação senão depois "que os laços do coração forem
rompidos".
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Se o homem elimina todo o desejo, alcançará a pura e simples libertação sem
necessidade de executar insignes proezas nem ter chegado a uma etapa elevada da
evolução, sem ter mesmo desenvolvido todas as possibilidades divinas que existem em
estado latente na consciência humana, nem atingir os vértices sublimes nos quais habitam
os Mestres e Auxiliadores do gênero humano. Ganhará apenas uma libertação
essencialmente egoísta que o coloca acima deste mundo inconstante, quebrando muitos
laços que o prendem à roda dos nascimentos e das mortes; mas não o prepara para ajudar,
de modo algum, seus irmãos a romper os laços que os sujeitam. É um gênero de liberação
que aproveita ao indivíduo e não à coletividade, graças à qual o homem deixa a
humanidade abandonada aos seus próprios esforços. Eu sei que muitas pessoas não têm na
vida outra aspiração senão a própria liberação, pouco se importando com os demais. Esta
classe de liberação é, como foi dito, muito fácil de alcançar, pois unicamente exige o
reconhecimento da natureza fugitiva das coisas deste mundo, a inanidade das ambições
pelas quais diariamente se agitam os homens. Mas também esta egoísta e individual
liberação é transitória, pois só dura um manvantara a cujo termo é preciso voltar às esferas
de atividade. Deixa a alma livre das ligações da terra; mas, em futuro ciclo deverá renascer
para dar novo passo para o fim realmente divino do homem: a evolução da consciência
humana na Consciência Universal, cuja função é ensinar, ajudar e dirigir os mundos futuros.
Outras almas há, mais nobres e generosas, que alegremente quebram os laços do
desejo, não para escaparem às dificuldades da vida terrena, mas para ficarem em condições
de seguir o alto e nobilíssimo caminho do discipulado, seguindo os passos dos grandes
Seres que facilitam a marcha da humanidade. Estas almas procuram os Mestres que se
dispõem em aceitar por discípulos os que são qualificados e que se sentem prontos, não de
se libertarem pessoalmente nem os que se esquivam das atribulações, mas os que desejam
ser auxiliares, mestres e salvadores da humanidade, restituindo ao mundo o que de seus
Mestres receberam.
Todas as Escrituras sagradas do mundo aludem ao discipulado. Um dos ideais de todas
as almas de alta evolução, que neste mundo anseiam unir-se à Divindade, é encontrar um
Mestre, um instrutor de almas. Os Upanishads mencionam o Guru e mostram como o
aspirante-discípulo é encorajado a procurá-lo e a encontrá-lo. Trataremos agora das
qualidades necessárias para entrar no discipulado e o que é preciso praticar antes de obter
permissão para chegar ao Mestre. Vamos expor o que se deve fazer na vida diária,
aproveitada para escola onde se aprendem as primeiras lições nos tornando dignos de
tocar nos Pés dos grandes Mestres que concedem o verdadeiro renascimento simbolizado
em todas as religiões exotéricas por uma cerimônia externa, menos sagrada por si mesma
do que pelo que ela simboliza. No hinduísmo encontramos a frase "duas vezes nascido"
significando não só aquele que nasceu dos seus pais carnais, mas que voltou a nascer
quando o Mestre lhe deu novo nascimento à sua alma. Desgraçadamente, isto hoje
simboliza, na generalidade dos casos, a iniciação que o guru da família, ou o pai, confere
àquele que no mundo profano se chama "o duas vezes nascido". Mas, em outros tempos e
também atualmente, em poucos casos, se efetua uma verdadeira iniciação, essência da
cerimônia externa, que não conduz ao ingresso em uma casta social, mas que é realmente
o nascimento divino, conferido por um poderoso Mestre, delegado pelo único Iniciador da
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humanidade.
A história nos fala destas iniciações no passado e sabemos que ainda existem no
presente. Há testemunhos históricos de sua realidade. Em muitos templos da Índia
conservam-se as criptas dás antigas iniciações, e embora o vulgo ignore sua situação, ali
chegam somente os que se mostram dignos de nelas entrar. Também o·Egito teve suas
criptas de iniciação sobre algumas das quais se levantam hoje pesadas pirâmides que as
ocultam à vista das multidões.
As últimas iniciações conferidas no Egito e na Grécia, segundo nos diz a história, entre
as quais contam-se insignes filósofos, celebraram-se nos templos de iniciação, conhecidos
no mundo profano. Para penetrar nesses templos nada valia o conhecimento científico,
mas exigiam-se condições que sempre existiram em toda a antiguidade e que existem ainda
hoje com tanta realidade como existiram outrora, porque se a história testemunha a
realidade da Iniciação, ela testemunha igualmente a realidade do Iniciado, À frente das
principais religiões figuraram homens extraordinários que deram aos fiéis as Escrituras e
que a história nos mostra dominando seus contemporâneos pelo conhecimento profundo
das coisas espirituais, pela clarividência que Lhes permitia ver, e atestar o que viam. É esta
a característica de todos os grandes Mestres, que não argumentam, mas afirmam; não
discutem, proclamam. Falam sempre com autoridade corroborada por suas próprias
palavras, e o coração dos homens reconhece a verdade dos seus ensinamentos, embora
sejam demasiado elevados para o entendimento vulgar, porque no coração de todo
homem palpita o elemento espiritual que o Mestre evoca, e este elemento sabe responder
à verdade da afirmação espiritual, por mais curta que a inteligência seja para discernir a
realidade daquele que vê o Espírito. Os grandes Mestres, instrutores e filósofos, que a
história nos fala, foram iniciados, de natureza muito mais elevada que o nível ordinário da
humanidade. Sempre existiram e ainda existem hoje estes iniciados. Como poderia a morte
pousar sua descamada mão nos que venceram a vida e a morte e dominam toda a natureza
inferior? Transcenderam a evolução humana no decurso de passados milênios, uns vindos
da nossa mesma humanidade, outros de humanidades anteriores à nossa. Alguns vieram de
outros planetas quando a atual humanidade estava ainda na infância; outros surgiram
quando esta humanidade já havia percorrido suficientes etapas para produzir em seu seio
iniciados que a auxiliassem. A morte já não tem poder algum sobre o homem que passou
por este caminho e alcançou sua meta, e por isso não é possível que deixe de existir. Sua
presença na história basta para provar que continuam existindo, mesmo sem o testemunho
dos que os encentram, os conhecem e a Seus pés aprendem as lições da sabedoria. Em
nossos mesmos dias há estudantes que descobrem, um após outro, o antigo caminho,
estreito e sutil como o fio de navalha, caminho que conduz ao portal do discipulado e que
prepara o homem a percorrer o altíssimo Caminho do Discipulado. Um a um vão
penetrando nele em nossos dias, e podem, por conseguinte, confirmar a verdade das
antigas Escrituras e vencer o Caminho etapa por etapa.
Vejamos, pois, que qualidades requer a entrada no Caminho. A primeira é o domínio do
mental que, pelo menos em certa medida, deve-se possuir antes que sejamos admitidos no
discipulado. Expliquemos o que significa domínio mental, que é a mente e quem deve
dominá-la. Geralmente as pessoas identificam com seu Ego a mente ou inteligência
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consciente, e quando um homem diz: "penso, sinto, conheço", veremos que ele não passa
os limites do seu estado de consciência durante a vigília, e resume no pensar, sentir e
conhecer todas as características de individualidade. (1)
Para quem estudou cuidadosamente a constituição do homem sabe que a mente não é
o Ego, mas uma das suas qualidades, ou melhor, instrumento de sua atividade no mundo.
Para compreender com mais precisão o que significa o domínio da mente e como é possível
dirigi-la, vejamos o que se entende por autodomínio e advertiremos que muito dista de
parecer este autodomínio como a qualidade para o discipulado. Quando dizemos que um
homem é senhor de si mesmo queremos exprimir que sua mente é superior a suas paixões
e emoções, que a vontade, a razão e o discernimento prevalecem contra a natureza
inferior, e o homem é capaz de resistir ao choque da tentação, dizendo "não cederei; não
consentirei que a paixão me arraste, nem me deixarei dominar pelos sentidos que não são,
nem mais nem menos, senão os cavalos que puxam meu carro. Eu sou o condutor e não
permitirei galopar pelo caminho que escolherem". Quando um homem fala e obra deste
modo, podemos dizer que é senhor de si mesmo. Este é o comum sentido da frase, e por
certo que supõe uma admirável qualidade, uma etapa pela qual todo homem deve passar.
O indisciplinado, aquele que está inteiramente sujeito aos sentidos, tem, na verdade, muito
que fazer antes de adquirir esta qualidade de autodomínio na vida social; mas, o
discipulado exige muito mais. Quando nós falamos de um homem de vontade enérgica, nos
referimos àquele que, em presença das tentações e das dificuldades habituais deste
mundo, faz apelo à sua razão antes de escolher seu caminho e que se deixa guiar pela
memória de passadas experiências e pelas conclusões que delas sabe tirar. Dizemos assim
que este homem tem reta vontade, que não é joguete das circunstâncias nem obedece aos
impulsos, não sendo como um navio arrastado pela correnteza ou sacudido pelos ventos,
mas que se pode comparar ao navio governado por um piloto experimentado, consciente
do seu dever, que utiliza ventos e correntes para obter o rumo que lhe convém, servindo-se
do leme da vontade para que o navio navegue em direção determinada.
A diferença entre uma vontade enérgica e outra fraca indica o grau de desenvolvimento
individual, pois, à medida que o homem avança em seu caminho é tanto mais capaz de
dirigir do interior todas as suas ações. Recordo-me que H. P. Blavatsky, em um dos seus
artigos sobre a individualidade disse que se podia reconhecer sua existência no homem e
sua ausência no animal observando o modo como se comportam um e outro em certas
circunstâncias. Se tomarmos certo número de animais selvagens, colocando-os em
presença de circunstâncias idênticas, veremos seguir todos a mesma linha geral de
conduta. Sua maneira de agir é determinada pelas circunstancias no meio das quais eles se
acham; cada um não procura agir de modo a modificar estas circunstâncias, pois agem
todos da mesma forma. Conhecendo-se a índole do animal e as circunstâncias em que está
colocado, podeis deduzir a maneira de agir de toda a sua espécie. Isto denota ausência de
individualidade. Mas, se tomarmos certos número de homens não poderemos assegurar de
antemão que todos agirão da mesma maneira em igualdade de circunstâncias porque
conforme o desenvolvimento do indivíduo, assim variará sua conduta, embora sejam as
mesmas circunstâncias. Cada indivíduo é diferente dos demais e, por isso, age
diferentemente. Tem vontade própria, o que lhe permite escolher ao, seu sabor. O homem
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abúlico tem menos individualidade, esta menos desenvolvido e não se adianta muito no
caminho da evolução.
Admitido isto: supondo que o homem tenha adquirido o autodomínio na vida ordinária
e tenha fortificado sua vontade, podemos então dar novo passo no domínio da natureza
inferior pela superior e conhecer algo do poder criador do pensamento, isto é, mais do que
o pensamento é para o homem vulgar, pois requer certos conhecimentos filosóficos. Se
estudou, por exemplo, as principais obras dos filósofos hindus, aprendeu nelas o que
intelectualmente se entende por poder criador do pensamento; e perceberá que há mais
alguma coisa por trás do que se chama a mente, porque se o pensamento tem força
criadora, se o homem pode gerar pensamentos por meio da mente, deve haver alguma
coisa que os gere e que está oculta por trás da mente, da qual brotam os pensamentos. A
existência deste poder, ou força criadora do pensamento, por cujo intermédio é o homem
capaz de disciplinar e influir em sua mente e nas alheias, é quanto basta para provar que há
qualquer coisa além do mental, superior a ele, embora dele inseparável, valendo-se dele
como instrumento. Estas reflexões infundem no estudante, que se esforça na compreensão
do seu próprio ser, a ideia da dificuldade em dominar a mente, pois os pensamentos
brotam dela espontâneos sem que ele os excite ou provoque, e muitos deles são contrários
à sua vontade. Invadem sua mente toda espécie de quimeras e fantasias que o repugnam,
embora sinta-se incapaz de repeli-los. É forçado a aceitar pensamentos que prevalecem em
sua mente e não estão sujeitos à sua autoridade. Então, pergunta: donde vêm estes
pensamentos? Como agem eles? Como dominá-los? Pouco a pouco aprende que muitos
pensamentos, que invadem sua mente, têm origem no mental dos outros homens, e que,
em troca, ele também influi nos outros com os pensamentos que produz, donde deduz que
a responsabilidade sua depende da natureza dos seus próprios pensamentos, mais do que
poderia supor. Imaginava que apenas com a palavra influía nas mentes alheias e que
unicamente com o exemplo de sua ações afetava as ações dos demais. Mas, agora se vai
convencendo que há uma energia invisível emanando do homem que pensa e que vai influir
na mente dos outros homens.
A ciência moderna nos diz alguma coisa disto e chega às mesmas conclusões,
reconhecendo a transmissão do pensamento entre dois cérebros sem necessidade de
palavra escrita ou falada; mas também reconhece que no pensamento há alguma coisa de
tangível, de observável, parecido a uma vibração que levanta outras vibrações, embora não
se ouça palavra alguma. A ciência descobriu que o pensamento pode transmitir-se
silenciosamente de uma a outra pessoa sem comunicação externa, ou como disse o
professor Lodge, sem meios materiais (físicos, diríamos nós) de comunicação.
Sendo assim, todos nós estamos nos afetando mutuamente por meio do pensamento,
sem recorrer à palavra ou à ação. O pensamento que geramos irradia-se para afetar as
mentes alheias, como também os pensamentos dos outros influem em nossa mente. Assim
compreendemos que a imensa maioria dos homens pensa muito pouco por si mesma,
embora lhe pareçam pensamentos próprios os que recebe de estranhos. Na realidade, o
mental dos homens assemelha-se muito a uma hospedaria em que os viajantes se detêm
por uma noite. Os pensamentos entram e saem sem que para isto influa grande coisa o
homem que os recebe, os hospeda e, em seguida, os despede. Mas, nós devemos pensar
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deliberadamente, com o fim de executar o nosso pensamento, transformando-o em ação.
Por que é tão valiosa esta disciplina mental que regula e refreia o pensamento e expulsa
os pensamentos estranhos? Por que deve ser esta uma condição do discipulado? Porque,
quando o homem se converte em discípulo, seus pensamentos são muito mais poderosos,
cresce e se robustece sua individualidade até o ponto em que seus pensamentos adquirem
enorme vitalidade e energia para influir na mente dos homens do mundo. Com o
pensamento pode-se matar ou curar um homem de uma enfermidade. Com o pensamento
é possível influir em uma multidão ou criar uma ilusão visível que engane e desencaminhe
aos que candidamente a vejam. Tornando-se assim tão poderoso o pensamento, à medida
que a individualidade cresce, e como a qualidade de discípulo exige rápido crescimento da
individualidade em proporções tais que homem consegue fazer, no decurso de várias vidas,
o que, sem esta qualidade, não executaria senão em milhares de anos, é necessário, antes
que este acréscimo de poder seja posto ao seu alcance, que ele aprenda a exercer um
domínio sobre seus pensamentos, aprenda a reprimir tudo de mau, aprenda a não dar asilo
senão ao que for puro, benfazejo e útil. O controle do mental pelo Ego foi imposto como
condição do discipulado, porque antes que o homem possa possuir o suplemento de poder,
que o ensinamento do Guru Instrutor confere, é indispensável que ele se torne senhor do
instrumento que produz os pensamentos, a fim de que este não faça senão o que ele
resolveu e nada execute sem o seu consentimento.
Sei que, para muitos, parecerá difícil a questão que vamos considerando, e por isso
perguntam: Que é esta individualidade sempre crescente, que desenvolve o poder da
vontade e adquire domínio mental e que, não sendo a mente, é contudo superior à mente?
Permiti que me sirva de uma imagem tomada à vida do mundo para vos ajudar a
compreender como nasce a individualidade e como se desenvolve. Admitamos que entreis
em uma atmosfera saturada de vapor d'água, bastante quente para que esse vapor fique
em suspensão, invisível, e o ambiente vos pareça vazio. Direis que nada, senão o ar, há
naquela atmosfera. Mas, se um químico toma um pouco deste ar saturado de vapor d'água
e o esfria gradualmente, ver-se-á um leve nevoeiro ir se adensando pouco a pouco até que
apareçam algumas gotas de água, onde, momentos antes, nada se percebia. Esta imagem
ponde servir-nos para explicar a formação da individualidade. Do seio deste invisível Ser,
que é o único donde tudo emana, surge uma tênue neblina que se separa do diáfano vapor
circundante e pouco a pouco vai condensando-se até resolver-se na gota individual a que
consideramos como unidade. Do Todo procede o separado e distinto que, embora uno em
natureza e essência com o Todo, está isolado por suas condições e qualidades e fica assim
individualizado. A alma individual do homem emana desta maneira do único Ego e cresce
todos os dias em experiência. Ela se desenvolve à medida que vence centenas de
renascimentos no mundo, vida após Vida, sofrimento após sofrimento; e o mental não é
senão uma leve atuação, um modesto rebento no mundo da matéria. Assim como a ameba,
para alimentar-se, projeta uma porção do seu corpo e, depois de agarrar a partícula
nutritiva, retrai outra vez a parte que contém o alimento com o qual se nutre; assim
também a individualidade projeta no mundo físico um pequeno fragmento de si mesma,
para adquirir experiências a semelhança de alimentos, para em seguida reabsorvê-la na
chamada "morte" e desse modo assimilar esta experiência, que vai alimentar seu
22
crescimento. A mente é a fração da individualidade que mergulha no mundo físico; mas a
consciência individual é maior que a mente, superior ao intelecto. Todas as experiências
adquiridas pelo homem no passado estão guardadas na consciência. Todo conhecimento
que foi assimilado abriga-se na consciência causal, que é o homem verdadeiro. Ao nascer,
lançamos urna insignificante parte de nossa individualidade de modo a poder acumular
novas experiências que aumentem esta individualidade; e em cada vida, a consciência total
procura influir nesta porção do seu ser, que vive sumida no mundo físico. O que chamamos
"voz da consciência" é o Ego. superior que fala ao inferior no propósito de guiá-lo, em sua
ignorância, com a sabedoria que, vida após vida; vai adquirindo.
Mas uma dificuldade surge com relação à mente inferior. Recordemos do que Arjuna
diz a Shri Krishna, ao falar da mente inferior: "Porque a mente é a verdade inquieta! ó
Krishna. É impetuosa, violenta, de sujeição rebelde. Eu julgo tão difícil dominá-la como o
vento". Na verdade é assim e todos sabemos que é tão difícil dominá-la como o vento.
Quem se esforça em disciplinar a mente sabe quão inquieta, impetuosa e violenta ela é e
quanto custa subjugá-Ia. Mas? Senhor bendito responde a Arjuna: "Sem dúvida, Manas e
turbulento e difícil de dominar, ó guerreiro poderoso; mas para subjugá-la bastam um
esforço constante e a ausência, de desejo". Não há outro meio. A prática constante.
Ninguém pode fazer isto por outrem. Nenhum Mestre pode executá-la pelo discípulo. Cabe
a cada um realizá-la, e não será possível encontrar o Mestre sem isto. É inútil procura-lo se
não seguirmos o caminho traçado por todos os grandes Mestres, caminho que leva aos
Seus Pés. Vimos que Shri Krishna, o poderoso Mestre, o Avatar, como expõe o que se há de
fazer e diz como se poderá fazer. E quando um Avatar diz que se pode realizar, dá a
entender que poderá cumprir quem o queira porque sabe até onde chegam as forças dos
homens postos no mundo por Ele. E se empenha sua divina palavra de que é possível a
vitória, nos atreveremos a dizer que se não pode fazer e assim desmentir o Deus? Krishna
diz que se consegue dominar a mente por "constante prática", isto é, que na vida diária e
nos negócios mundanos, começaremos a refrear a turbulenta mente, sujeitando-a à nossa
vontade. Quem procura pensar fixamente, durante um momento, notará que todos os
demais pensamentos se desvanecem e assim pode focalizar a questão no ponto desejado.
Assim, escolha-se um assunto e pense-se firmemente nele, concentrando completamente e
sem interrupção.
Para esta disciplina mental têm os hindus a imensa vantagem das tradições da raça, a
herança física e a educação durante a infância e a juventude que os acostuma a disciplinar a
mente. Esta disciplina é, para um ocidental, muito mais difícil, porque nada a ensina na
Europa nem na América, nem forma parte, como no Oriente, da educação religiosa, o que
leva as pessoas a borboletearem de um assunto a outro. O costume de ler jornais, às vezes
três ou quatro por dia, é uma das mais graves dificuldades contra a disciplina mental. O
leitor passa velozmente de um a outro assunto e enche a cabeça com uma multidão de
telegramas que fazem turbilhonar a mente da Inglaterra à França, à Espanha, à
Kamtichackta, à Nova Zelândia, aos Estados Unidos, passando por todos os países da
Europa, Em seguida vem outra espécie de notícias, As declarações dos políticos, as idas e
vindas dos personagens importantes, as crônicas dos teatros e esportes, os sucessos do dia
anterior. Ninguém percebe o mal que acarreta o consumo das energias mentais nestas
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frívolas matérias; e há quem leia, cada dia, meia dúzia de jornais, desperdiçando
diariamente suas forças mentais, acostumando-se a diluí-las de modo que se tornam
incapazes de concentrá-las num ponto fixo, Acima de tudo, assim perde-se um tempo
precioso que estaria melhor empregado em valiosas ocupações.
Não quero com isto dizer que o homem do mundo deva ignorar o que no mundo
ocorre; mas basta ler um só jornal para inteirar-se das notícias de maior interesse, e quem
sabe ler este único jornal não levará muito tempo para ficar ao corrente de todos os
sucessos e fatos de principal importância que assinalam a marcha diária do mundo.
A fim de vencer esta propensão moderna em desperdiçar o pensamento, convém
acostumar-se a concentrar cada dia, durante um pequeno espaço de tempo, a atenção em
determinado assunto, e para isto nada mais a propósito do que a leitura habitual e diária de
algumas páginas de um livro que trate das mais graves questões da vida, com preferência
as espirituais, fixando a mente na leitura, sem conseguir que dela se desvie. Em caso de
involuntária distração, é preciso voltar de novo ao mesmo ponto que se estava lendo, e
repetir a leitura para disciplinar a mente, até que, pela perseverança no exercício, fique
completamente dominada e siga o caminho traçado pela vontade. Mesmo para os assuntos
deste mundo esta disciplina confere grandes vantagens, pois o homem capaz de pôr seus
cinco sentidos e fixar a atenção no que faz tem maiores probabilidades de êxito que o
distraído e o descuidado, de modo que o domínio da mente não só lhe servirá de
preparação à mais alta vida que o espera, como também é mais bem sucedido nas coisas
deste mundo. A constante prática da disciplina nos assuntos mundanos conduz pouco a
pouco ao domínio da mente, que é uma das condições do discipulado. Quando se consegue
este domínio, não será difícil dar um novo passo e aprender o exercício da meditação,
exercício que consiste em concentrar e fixar a mente sobre um só pensamento,
deliberadamente e de maneira regular. É indispensável fazer todos os dias este exercício
para estimular o automatismo do corpo e da mente, isto é, a formação do hábito, pois o
que diariamente se pratica acaba por fazer-se com o tempo sem esforço algum. A
meditação pode ser de natureza devocional ou intelectual, e o homem prudente se dispõe
do discipulado praticando ambos. Fixará seu pensamento e concentrará sua mente no
divino ideal, no Mestre de sabedoria a quem, embora desconhecido, espera encontra um
dia. Mantendo diante de si este ideal perfeito, fixará nele sua mente concreta, na hora da
meditação, ansiando alcançá-lo por inabalável pensamento. Assim se desenvolve e se vai
disciplinando a mente com domínio cada vez maior, sentindo refletir-se em si seu ideal e
dele se aproximando sempre. Esta é uma das faculdades criadoras do mental, porque o
homem converte-se no que pensa, e se pensa diariamente no ideal perfeito da
humanidade, aproximar-se-á pouco a pouco deste ideal.
Concentrando firmemente seu mental neste ideal, aspirando atingi-lo, desejando entrar
em contacto com ele, o discípulo observará, nas horas de meditação, que o mental inferior
se acalma e o mundo exterior se desvanece, tudo entra num estado de absoluta
serenidade. 0 homem perde o sentimento das impressões do mundo exterior e seu estado
superior de consciência resplandece como se fora um clarão interno. Porque quando a
mente inferior está pacificada e serena, o homem assemelha-se a um lago cujas águas
tranquilas não se perturbam com ventos nem correntes. Então conhece ele, não por ouvir
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dizer, mas por experiência pessoal, que é alguma coisa mais que o mental, que sua
consciência é superior à consciência transitória da mente, e que lhe é possível ir
identificando-se com a consciência superior e perceber, embora momentaneamente, a
majestade do Ego.
Convém recordar que as Escrituras das principais religiões ensinam que o verdadeiro
homem é a consciência superior e não a inferior; assim diz o Chhandogyopanishad: "Tu és
Brama", "Tu és Aquele". E os budistas repetem: "Tu és Buda". Mas, por muito que
especuleis intelectualmente sobre estas afirmações, não vos será possível ter consciência
real de sua verdade até que, pela meditação convertas a mente inferior em um espelho
onde se reflete a superior. Prosseguindo sempre na meditação chegareis à identificação
com o vosso verdadeiro ser e reconhecereis a significação da famosa frase: "O reino de
Deus está dentro de vós mesmos" com a qual o grande Mestre afirmava a divindade do
homem.
Quando se põe em prática, por contínua meditação, dia após dia, mês após mês e ano
após ano, este conhecimento vai impregnando pouco a pouco nossa vida inteira, e se torna
constante, em lugar de ser momentâneo. A princípio restrito às horas da meditação, em
seguida estende-se até presidir todas as circunstâncias da vida ordinária, Alguém
perguntará: "Como posso ter consciência de minha divindade se estou preocupado com os
negócios do mundo? Como ser consciente do superior quando o inferior está em plena
atividade? Ignoras então que, quando um devoto se inclina diante do altar de sua devoção,
o corpo pode estar ocupado em oferecer flores, mas seu pensamento pode estar fixo na
Divindade a quem as flores se destinam? O corpo está preocupado na oferenda material
das flores, enquanto que a mente está concentrada, não nas flores, mas no objeto da
oferenda, As mãos cumprem com seu dever, oferecendo flores, embora o pensamento
esteja na Divindade. Assim, no mundo dos negócios, pode cada homem oferecer as flores
do dever em uma vida de constante atividade e trabalho diário. Oferecerá as flores do
dever com o corpo e a mente, mas o espírito, o verdadeiro homem, estará fixo na
meditação, embora cumpra escrupulosamente seus deveres na vida social. Aprendei a
separar vossa consciência superior da inferior, a vos separar do vosso mental e acabareis
por adquirir a faculdade de prosseguir vossas atividades mentais sem que elas vos façam
perder de vista o "Ego" real; o mental cumpre perfeitamente os deveres que lhe incumbem,
enquanto que o Ego permanece num plano mais elevado, Nunca mais deixareis o santuário
interno qualquer que seja a atividade de vossa vida material no mundo dos homens, é des-
ta maneira que o homem se prepara para tornar-se discípulo.
Consideremos agora outra fase a que chamo o aspecto intelectual da meditação,
relacionado com a gradual e consciente formação do caráter. Recorrendo ao grande
tratado de Carma Ioga, cujo texto são os ensinamentos de Shri Krishna no Bhagavad-Gita,
vemos a enorme enumeração das qualidades que o homem deve desenvolver para nascer
com elas no futuro. Shri Krishna chama condições ou qualidades divinas e assim diz a
Arjuna: "Nada temas, ó Pandava, tu nasceste em condição divina." Ora, se quereis nascer
com estas qualidades em vidas futuras, é necessário que comeceis a cultivá-las no presente.
Para trazê-las convosco ao nascer deveis criá-las gradualmente durante vossas existências
sucessivas. O homem do mundo que deseja saber corno formar seu caráter, não tem outro
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procedimento senão ir adquirindo na vida diária, pela meditação combinada com a ação, as
divinas qualidades enumeradas no Bhagavad-Gita.
Consideremos, por exemplo, a pureza, uma destas qualidades. Como pode o homem
adquiri-la? Pondo-a no número dos assuntos sobre os quais medita todas as manhãs até
compreender bem em que ela consiste. Nunca deve consentir que o manchem
pensamentos impuros, nenhuma ação impura deve contaminá-lo; deve ser puro na tríplice
modalidade: pensamento, palavra e ação. É este o tríplice dever do qual já vos falei e do
qual o tríplice cordão, que o Brâmane conduz, simboliza o fato. O homem deve, pela
manhã, imaginar a pureza como uma coisa desejável, uma virtude a adquirir e quando entra
na vida do mundo leva consigo a memória de sua meditação. Deve observar atentamente
suas ações, não permitindo nenhuma ação, nenhum ato impuro durante todo o dia,
escrutando cada movimento seu, de modo que contato impuro nenhum venha manchá-lo.
Cuidando e vigiando suas palavras para não pronunciar nenhuma palavra impura nem em
suas palestras empregue temas obscenos. Jamais consinta que sua língua se manche em
torpes insinuações. Todas as suas palavras são puras, de modo que possa pronunciá-las em
presença do Mestre cuja visão descobre a mais tênue sombra de impureza que a vista
mortal não percebe. Fará o possível para que todas as suas palavras sejam as mais puras de
quantas possam brotar de seus lábios sem que manche a si e aos demais, com palavras ou
frase que contenha grosseiras sugestões. Não tolerará que sua mente seja invadida por
pensamentos desonestos; e se algum se aproxima, o repelirá sem demora. E como sabe
que eles não virão a menos que haja em sua mente alguma coisa que possa atraí-los,
procurará purificação de modo que nenhum pensamento torpe nela penetre. Assim deve
observar durante todo o dia sua conduta sobre este ponto especial da pureza.
Em seguida poderá tomar a veracidade por objeto de sua meditação matinal. Pensará
na veracidade, em seu valor, no trato social nos negócios do mundo e em seu próprio
caráter, de modo que em suas relações comuns nunca realize uma ação que seja contrária à
verdade nem pronuncie, palavra alguma que possa insinuar uma mentira. Não só evitará a
mentira, mas também não dirá jamais nada de inexato, porque assim exprime alguma coisa
de falso. Relatar inexatamente o que se viu, é mentir. Todo exagero ou dissimulação de
uma narração, tudo quanto não se ajuste à verdade do fato referido e tenha uma sombra
sequer de falsidade não é próprio de quem aspira o discipulado. Igualmente deve ser veraz
em pensamento, de modo que tudo quanto pense seja o mais verídico possível sem assomo
de falsidade que manche sua mente.
O mesmo podemos dizer da compaixão. Meditará nesta virtude pela manhã e procurará
exercitá-la na vida diária. Será benévolo com quantos o rodeiam e servirá com todo o seu
poder à família, amigos e vizinhos. Onde veja uma necessidade acudirá para remediá-la.
Onde descubra uma aflição se apressará em consolá-la. Onde existe a miséria se esforçará
para aliviá-la. Não somente pensará na compaixão, mas também levará uma vida toda de
compaixão, de modo a fazer desta qualidade para integrante de seu caráter. Analogamente
com a firmeza, a fortaleza de ânimo. Meditará sobre a nobreza do homem forte, o varão a
quem as circunstâncias não conseguem abater nem desalentar, que se não orgulha com o
sucesso nem se acovarda com o fracasso, que não está à mercê das vicissitudes da vida,
hoje triste porque as coisas lhe são adversas, amanhã contente porque lhe são favoráveis.
26
Procura ser quem é sempre equilibrado e firme; e a sua atuação no mundo revelará que
possui a virtude da equanimidade. Quando chegarem os cuidados e as tribulações, pensará
no Eterno onde as preocupações da vida não chegam. Se sofre perda de dinheiro, pensará
na riqueza da sabedoria que nada pode arrebatar. Se a morte lhe rouba um amigo, um ente
querido, considerará que a alma não morre, e que o corpo é unicamente a vestimenta
abandonada pela alma e que em breve tomará outra com que voltará a gozar da
companhia do amigo. Assim todas as demais virtudes tais como o domínio de si mesmo, a
calma e a intrepidez. Sobre todas elas pode meditar e praticá-las, embora não todas ao
mesmo tempo, pois não há, no mundo, homem capaz de meditar diariamente em todas.
Devem ser tomadas sucessivamente uma a uma até que sejam incorporadas ao caráter.
Trabalhai com constância: não vos deixeis assustar pelo tempo necessário que se deve
consagrar a isto, nem pelo mal que possa vos trazer. Tudo quando edificardes será para a
eternidade, por isso deveis ser pacientes, quando a eternidade se abre diante de vós. Só a
meditação e a sua prática são suficientes para a formação do caráter; mas é indispensável
combiná-las. Ambas devem fazer parte da vida diária, e assim se edifica um nobre caráter.
O homem assim disciplinado, o homem que fez quanto lhe foi possível, empregando
pensamentos, tempo e fadigas para tornar-se digno de encontrar o Mestre, este homem
encontra-lo-á certamente, ou antes, o Mestre o encontrará e se manifestará a sua alma. A
ignorância e a cegueira criaram a ideia errônea de que os Mestres querem permanecer
ocultos. A ilusão faz crer que Eles se escondem conscientemente da vista dos homens para
deixá-los entregues aos seus erros e tropeços, sem lhes prestar auxílio e direção. Mas, eu
vos digo que, por mais poderoso que seja vosso desejo de encontrar o Mestre, este sente-
se mil vezes mais desejoso de vos encontrar e ajudar. Ao examinarem o mundo, os Mestres
observam que poucos são os auxiliares e grande a tarefa. As multidões perecem na
ignorância sem que ninguém as ajude por falta de instrutores; assim necessitam Eles
discípulos que possam agir no mundo inferior, consolando os aflitos, ensinando os
ignorantes. Os Mestres estão sempre explorando o mundo para descobrirem almas
dispostas a receber auxílio. Estão sempre procurando quem esteja pronto a recebê-Los e
não Lhes fechem as portas do seu coração, pois em geral o coração do homem está
fortemente fechado, impedindo a entrada do Mestre, o qual jamais viola portas para
penetrar pela força. Se alguém fecha as portas à chave, tendo já escolhido seu próprio
caminho, ninguém senão ele mesmo pode dar volta à chave. Nós estamos aferrolhados em
nossos desejos mundanos, pela avidez pelas coisas terrenas; guardados pelo pecado, pela
indiferença e pela preguiça. Mas o Mestre permanece esperando que a porta se abra, para
transpor o limiar e iluminar a mente.
"Mas como distinguir, perguntareis, no meio de milhões de homens, os que estão aptos
para recebê-los e por Eles trabalhar? A esta pergunta já se deu uma resposta em forma de
metáfora: assim como um homem, no cume da montanha, pode ver a luz que brilha na
choupana do vale, luz que destaca das trevas, assim também a alma disposta ao discipulado
irradia sua luz entre as trevas do mundo e o Vigilante a descobre lá do alto da montanha.
Por isso deveis acender a luz de vossa alma para que o Mestre a veja, pois compete a vós
dar o sinal para que o Mestre os guie no caminho. Compreendeis agora a grande
necessidade de auxiliadores para terminar a obra que nos aguarda; para isso recordai que o
27
Mestre vigia, espera e deseja vos encontrar e vos instruir; que em vossa mão está o poder
de atraí-lo e que unicamente vós podeis consentir que se aproxime. Ele baterá nas portas
de vosso coração; mas sois vós que deveis dizer-lhe que entre. E se seguirdes o caminho
que acabo de traçar, se passo a passo aprendeis a dominar a mente, a meditar e construir o
caráter pronunciareis assim a tríplice palavra que obriga o Mestre a manifestar-se. Quando
esta palavra ressoa no silêncio da alma, o Mestre apresenta-se e o aspirante ao discipulado
cai de joelhos aos seus Pés.

(1). Este é o fundamento do sistema filosófico de Descartes resumindo no famoso


apotegma: cogito, ergo sum (penso, logo existo), que identifica o Ego com a mente.

28
Capítulo III

A Vida do Discípulo
O caminho probatório. As quatro iniciações.

Temos tratado até agora da vida que os homens levam habitualmente no mundo,
mostrando como é possível ir preparando-se gradualmente para etapas superiores de
evolução e como adestrar-se para mais rápido progresso e adiantamento. Porém maior
dificuldade opõe a tarefa de nos colocarmos acima da vida ordinária do homem, não
quanto ao seu aspecto externo, mas no que toca à realidade da vida interna. As etapas do
progresso humano que agora vamos considerar são distintas e definidas, pois conduzem os
homens da vida do mundo a regiões superiores, da humanidade ordinária à humanidade
divina.
É precisamente porque seu estudo nos faz transcender os limites dos conhecimentos
habitualmente adquiridos que a tarefa é, como vos disse, mais difícil, tanto para quem fala,
como para quem escuta, porque, ao tratar de tão elevadas matérias, é preciso fazer intervir
faculdades superiores, e por consequência, será muito mais fácil fazer compreender estes
elevados ensinamentos a quem até certo ponto, pelo menos, haja purificado sua vida e
formado seu caráter, tal como nos referimos nas conferências anteriores.
Ficamos ontem no ponto em que o homem melhora sua conduta e domina seu
pensamento, a fim de se preparar para o papel de discípulo e desse modo atrair a atenção
dum grande Mestre, dum Guru. Só então fica em condições de atravessar as primeiras fases
da vida do discípulo. São estas fases preliminares que vamos abordar hoje. Embora seja um
tema muito vasto, tentemos passar em revista a vida inteira do discípulo, do chela. As
primeiras etapas constituem o "caminho probatório”, isto é, o estágio em prova, para
distinguir do estado de discípulo aceito. Embora no caminho probatório se reconheçam
certas etapas assinaladas pela aquisição de qualidade definidas, estas não são tão
acentuadas e distintas como as do Caminho propriamente dito, ou seja do chela
reconhecido e aceito, onde o Mestre e discípulo se reconhecem mutuamente. As quatro
etapas deste Caminho superior estão traçadas com admirável precisão, recebendo nomes
adequados e seus respectivos limites são as quatro iniciações, enquanto que as etapas do
caminho de prova, embora distintamente traçadas, não os separam análogos limites, pois
melhor se podem considerar como paralelas do que sucessivas. Ao que entra no caminho
de prova não se exige que cumpra perfeitamente tudo quanto começa a praticar, mas
apenas que se esforce em atingir essa perfeição. Basta que seja fervoroso, que mostre
perseverança em seus esforços, que não mude de propósito nem perca de vista sua
finalidade. Muitas são as coisas que lhe são desculpadas em razão da fragilidade e da
fraqueza humanas, mesmo em consideração da falta de conhecimento que dificulta todo o
progresso. As provas por que passa e as dificuldades a que é submetido, são provas e
dificuldades que se encontram na vida ordinária, a qual nos oferece grande diversidade de
29
atribuições, mas que.não são ainda da mesma natureza das que vamos encontrar no
Caminho Superior.
Um Brâmane, membro de Sociedade Teosófica, Mohini Mohum Chattergi, de Calcutá,
mas residente na Inglaterra, extraiu dos ensinamentos do Hinduísmo as principais
características das etapas do caminho probatório que o aspirante deve percorrer com o
auxílio do Mestre, embora sem o conhecer pelo menos em consciência de vigília. O chela
então imagina que vence só o caminho, julgando contar com suas próprias forças, fiando-se
em suas próprias energias. Não é necessário dizer que isto é uma ilusão devida à sua
cegueira e sua ignorância, pois seu Mestre não tira os olhos de cima dele, embora não o
perceba em sua consciência física, mas recebendo, nos planos superiores, auxílio contínuo
que se manifesta em sua conduta sem que ele sinta claramente.
Vejamos agora as qualidades preliminares que se necessitam no caminho do noviciado,
qualidades que devem tomar uma forma precisa e intensa nesta fase.
Viveka. Equivale ao discernimento, e é o resultado das experiências passadas que
ensinam ao homem a distinguir entre o real e o ilusório, entre o eterno e o transitório.
Enquanto não se adquire esta qualidade fica-se ligado à terra pela ignorância, e as coisas
deste mundo exercerão sobre nós suas seduções e encantos. Os olhos devem-se abrir para
vencer o véu de Maia com percepção aguda para dar às coisas terrenas seu verdadeiro
valor. A segunda qualidade que se deriva de viveka, é: Vairagya. Já fiz observar que o
aspirante ao discipulado deve começar por prescindir do fruto de suas ações que devem ser
cumpridas como um dever, sem aspirar a nenhum lucro pessoal. É de supor que o homem
já deve ter-se exercitado nesta qualidade em vidas anteriores de modo que seja capaz
agora de satisfazer as exigências que dele se esperam antes de ser possível a iniciação, e
que se mostre de todo indiferente às coisas terrenas e mundanas. Vairagya é a segunda
qualidade do caminho probatório, derivada de viveka ou discernimento entre o real e o
ilusório, entre o permanente e o transitório, porque quando o aspirante se convence
sinceramente da distinção entre o que é eterno, real e permanente, as coisas deste mundo
perdem para ele toda a sedução, ficando indiferente a elas. Quando se vê o real já não mais
satisfaz o ilusório. Quando, mesmo por um instante, se contempla o permanente, o
transitório torna-se indigno dos nossos esforços. No caminho de prova tudo quanto de
mundano nos rodeia perde seu encanto, e o homem já não mais se esforça em possuí-lo,
nem trabalha com a preocupação do fruto do seu labor. As coisas por si mesmas vão
perdendo todo o poder de sedução; as raízes do desejo gradualmente se atrofiam e como
diz o Bhagavad-Gita, os objetos terrenos se afastam do austero morador do corpo, não
porque se abstenha deles, mas porque eles perdem a propriedade de satisfazê-lo. Os
objetos de sensação afastam-se dele em consequência da disciplina a que se submeteu.
Vendo, de ora em diante, o caráter transitório dos objetos de desejo, é natural que a
indiferença com que olha para estes produza igualmente a indiferença pelo fruto das ações,
porque em rigor este fruto é também um objeto apetecível; e se o homem está convencido
de sua ilusão e fugitividade dele se absterá pelo perfeito reconhecimento do real e
permanente.
Shatsampatti. É a terceira qualidade a adquirir no caminho de prova e compõe-se de
um grupo de seis atributos mentais que fazem parte da vida do candidato-cheIa. Largo
30
tempo lutou para dominar seus pensamentos pelo modo que sabemos. Pôr em prática os
métodos já tratados para dominar-se, adquirir o hábito de meditação e formar o seu
caráter. Adquiridas estas qualidades, virá então manifestar-se no homem real (pois estamos
tratando do homem real e não de sua aparência) a qualidade de Shama ou domínio da
mente, esta disciplina exata do pensamento, esta perfeita compreensão dos seus efeitos e
das relações que o pensamento estabelece entre o homem e o mundo, sentindo quando
ele afeta para o bem ou para o mal aqueles que o cercam. Convicto da certeza que possui o
poder de ajudar ou perturbar a existência de outrem, de atrasar ou favorecer a evolução da
raça, converte-se o chela em obreiro consciente do progresso humano e de todos os seres
que evolucionam no mundo a que pertence. A disciplina do pensamento e a firme atitude
da mente o predispõe ao discipulado, durante o qual todos os seus pensamentos deverão
servir a causa do Mestre, e a sua mente assim perfeitamente educada e exercitada vai
deslizando suavemente e sem esforço pelos sulcos traçados pela vontade.
Desta disciplina dos pensamentos, agora tão solidamente estabelecida decorre
inevitavelmente 'Dama', o domínio dos sentidos e do corpo, ou melhor: a disciplina da
conduta. já não observastes que quando se trata de questões e coisas, do ponto de vista
oculto, elas se apresentam invertidas em relação às mesmas coisas vistas da terra? Os
homens do mundo ligam maior importância à conduta do que ao pensamento. Os
ocultistas, ao contrário, consideram o pensamento acima da conduta. Se o pensamento é
reto, forçosamente o será também a conduta. Se o pensamento estiver disciplinado, não
deixará de estar igualmente a conduta, porque a ação não é nem mais nem menos que a
realização do pensamento concreto no mundo das formas, mas forma que depende da
conduta interna da energia modeladora que concebe a ação. O mundo arrúpico é o mundo
das causas e o mundo rúpico o dos efeitos. Por isso, se disciplinarmos o pensamento,
disciplinada ficará a conduta, porque esta é a natural e inevitável expressão do
pensamento.
O terceiro atributo mental que caracteriza esta atitude do homem interno é Uparaii,
que significa a mais ampla, a mais nobre e completa tolerância por tudo quanto nos rodeia:
uma sublime paciência capaz de esperar e de compreender e que, para isso, não reclama de
ninguém senão o que se pode dar. É também esta qualidade uma preparação para outra
importante etapa do caminho do discipulado.
A tolerância é indulgente com todas as pessoas e com todas as coisas, porque não
considera os homens sob seu aspecto exterior, mas pelo seu interior, e vê assim suas
aspirações, desejos e motivos e não apenas os artifícios que a dissimulação aparenta no
mundo exterior. O homem aprende a exercer a tolerância absoluta com todas as formas de
religião, com os diferentes costumes e tradições dos povos, pois sabe que tudo Isto são
fases passageiras que o homem transcenderá um dia.
Tendo suficiente discernimento não vai exigir da humanidade infantil a paciência ampla
e completa própria da humanidade em seu período viril e não desta que ainda está nas
primeiras fases de sua evolução.
Esta atitude mental de tolerância deve o homem cultivar constantemente, à medida
que se aproxima da iniciação, e deve adquiri-la por um conhecimento profundo da verdade
capaz de reconhecer a verdade mesmo encoberta sob os véus de enganadoras aparências. E
31
não observastes já que, durante o percurso do caminho do noviciado, a grande mudança
que se opera no homem outra coisa não é senão a aurora do sentimento da realidade?
Já não o enganam as aparências como a princípio o enganavam. A medida que se
desenvolve, percebe melhor a realidade e se desembaraça pouco a pouco da ilusão.
Liberta-se de toda a sujeição às aparências e reconhece a verdade qualquer que seja a
forma ilusória que ela tome.
O atributo imediato ou qualidade mental é:
Titiksha, o poder de suportar com serenidade tudo que seu carma pode lhe fazer sofrer,
renunciando aos objetos terrestres quaisquer que sejam. Esta qualidade significa a ausência
total de ressentimento. Segundo já disse é necessário esforçar-se na aquisição desta
qualidade, desprendendo-se pouco a pouco da propensão de sentir-se ofendido,
acostumando-se à compaixão e ao perdão.
O resultado deste exercício mental é a firme e definida atitude de renúncia impassível
ou titiksha. O homem interno liberta-se assim de todo o ressentimento para pessoas e
coisas, para as circunstâncias e quanto o rodeia na vida, porque descobriu a verdade e
conhece a Lei, sabendo que, quaisquer que sejam as circunstâncias em que se encontre,
são consequências da boa Lei. Compreende que tudo quanto os homens podem fazer-lhe, o
fazem como agentes inconscientes da Lei. Sabe que o que lhe acontece nesta vida é efeito
de causas por ele despertadas no passado, e assim abandona toda a atitude de
ressentimento. Agindo sempre com justiça, jamais se encoleriza por coisa alguma, pois
nada pode afetá-lo se não o mereceu, nem pode interpor-se no seu caminho se ele mesmo
não o colocou em suas vidas anteriores.
Vemos assim que nem sofrimentos nem alegrias o podem desviar do seu caminho, nem
coisa alguma que aconteça será capaz de o desviar de sua meta.
Vê o caminho e o segue, olha o alvo, e para ele corre. Não caminha mais vagueando
indeterminado, mas segue firme com a perseverança de quem escolheu o caminho. O
prazer não o faria desviar, como a dor não o obrigaria abandonar o caminho. Jamais sente
desânimo, nem tristeza, nem o tédio, nem apelo algum o abalaria, exceto o dos Mestres em
cujos Pés deseja prostrar-se. Ser incapaz de desviar-se, ter a força de ânimo para tudo
suportar, eis as qualidades do verdadeiro chela. Já vos falei das provas que se encontram
no caminho e é bom que eu vos faça compreender a necessidade destas dificuldades. O
homem que se encaminhou pelo noviciado propõe-se de executar, em número limitado de
vidas, o que o homem do mundo gastará centenas de existências a cumprir. Ele faz como o
homem que, desejando atingir o cimo da montanha, recusa seguir a estrada que
lentamente serpenteia em espirais em torno da montanha e diz "Eu vou subir diretamente
até o cimo. Não quero perder meu tempo no caminho batido e sinuoso que é tão longo,
embora suave e cômodo, trilhado por milhões de pés. Subirei pelo atalho e apesar de todas
as dificuldades escalarei a montanha. Por maiores que sejam os obstáculos chegarei ao
cume. Havendo precipícios, rochedos, hei de vencê-los, pois estou resolvido a escalar o
cume".
Que resultará disto? Encontrará milhares de dificuldades no caminho, mas o que ganha
em tempo é compensado pelo esforço necessário para vencê-las. Quem entra no caminho
de chela faz o mesmo que quem escolhe o atalho para subir a montanha, acumulando
32
sobre si todo o seu carma passado para esgotá-lo antes de vencer a iniciação.
Os Senhores do Carma - os dispensadores da Lei Cármica e a quem muitas vezes
chamamos os Arquivistas ou Registradores do Carma, Inteligências poderosas cuja grandeza
excede a nossa compreensão, entidades que conservam as crônicas akhsicas onde se
anotam os pensamentos e ações dos homens - estes Seres divinos abrem para cada vida
humana uma conta-corrente que se deve saldar antes de transpor o portal da iniciação. E
quando se entra no caminho de noviciado ou de prova e se põem os pés nele
voluntariamente, este fato só constitui um apelo aos Poderosos Senhores do Carma para
que possam extrair a conta que deve ser paga. Nestas condições, é de admirar que o
caminho se encontre cheio de dificuldades? A conta cármica que deveria se estender
durante centenas de existências deve ser saldada em poucas, talvez em uma só resultante
disto naturalmente a grande dificuldade no percurso do caminho. O homem se encontra no
meio de pesares de família, cumulado de dificuldades nos negócios, presa de perturbações
físicas e intelectuais.
Como dissemos, necessita o homem muita firmeza para prosseguir no caminho
probatório sem desalento e sem retroceder. É como se tudo se levantasse contra ele, e
sente-se como abandonado do seu Mestre. Por que, quando se esforça no melhor, há de
cair sobre ele o pior? Por que, quando sua conduta se excede em bondade, então lhe
assaltam tantos sofrimentos e atribulações? Parece injusto, duro e cruel que, quando vive
mais nobremente, veja-se mais duramente tratado pelo destino que quando seguia pior
conduta. Mas deve vencer a provação e não consentir que o sentimento de injustiça
penetre em sua vida interna. Deve dizer: "Eu assim o quis; desafiei o carma, devo, pois, me
admirar que seja convidado a pagar?" Ao menos sente alívio ao recordar-se que, uma vez
saldada a conta, esta não voltará a perturbá-lo mais. Cada dívida cármica que satisfaz é
riscada para sempre do grande livro da vida.
Desta, pelo menos, sente-se desembaraçado. Eis por que permanece alegre no meio
dos pesares, cheio de esperança nos sofrimento, porque o homem interno bendiz a Lei e
sente-se feliz pela resposta que recebe ao seu pedido. Se não houvera resposta, significaria
que sua voz não chegou aos ouvidos dos Mestres, que sua prece caiu por terra; mas as
atribulações são a resposta do seu pedido.
É no entrechocar destas lutas, dificuldades e esforços que se adquire o quinto atributo
mental, a fé, a confiança no seu Mestre e em si mesmo:
Shraddhâ, a fé nos ensinamentos do Mestre. É fácil compreender como a confiança ou a
fé resulta de semelhante luta, porque, como a flor abre-se sob a influência do sol e das
chuvas, assim surge a confiança. O discípulo adquiriu confiança em seu Guru, porque Este o
fez transpor o caminho espinhoso, levando-o para o outro lado, lá onde as portas da
iniciação abrem-se diante dele. Também conquistou a confiança em si mesmo, não no ego
inferior do qual domou as fraquezas, mas no seu Ser divino cuja fortaleza reconhece. Só
então percebe que todo o homem é divino e que, no decurso das vidas que o esperam
chegará a ser o que hoje é seu Mestre, em cujo poder, para ensiná-lo e guiá-lo, em cuja
sabedoria para conduzi-lo, tem plena confiança.
Tem também em si uma inabalável confiança, embora seja humilde, confiança que lhe
dá a convicção real de possuir o poder de se aperfeiçoar, porque sente dentro de si a
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essência divina; confiança que lhe dá a certeza que é Brama, e é quanto basta para triunfar
de provações e obstáculos.
O sexto atributo mental é Samâdhâna, que significa a ponderação e a calma, a paz da
mente, o equilíbrio e a firmeza que são resultantes das qualidades precedentemente
adquiridas.
Depois da conquista desta última qualidade, o candidato deixa o noviciado e se
encontra no portal da iniciação e a quarta qualidade aparece:
Mumukshâ: o desejo de emancipação, a ânsia de libertação que, coroando os
prolongados esforços do candidato, o converte em um Adhikari, isto é, apto para a
iniciação. Foi posto em prova e nada se achou contra ele; seu discernimento é agudo; sua
indiferença pelas coisas terrenas não é um desgosto momentâneo, ocasionado por
desenganos passageiros; seu caráter mental e moral subiu de elevação. Sente-se apto e
disposto para a iniciação.
Já não se pede mais nada.
Sente-se digno para ver seu Mestre face a face, e entrar na vida que tanto tempo
desejou.
Antes de abrir as portas da iniciação convém advertir que cada qualidade do caminho
de provação é duplamente mental e moral, e serve de preparação para adquirir as do
Caminho Superior.
São qualidades morais e mentais que não se devem confundir com os siddhis ou
poderes resultantes de um anormal desenvolvimento físico. De maneira alguma são
exigidos tais poderes a quem percorre o caminho.
É possível que, às vezes, alguém tenha adquirido algum poder psíquico ou siddhi e, no
entanto, não esteja em condições de ser iniciado. Deve possuir as qualidades morais que se
exigem com inquebrantável rigidez, porque assim o requer a experiência dos Mestres.
Os grandes Gurus, com a profunda experiência da humanidade, formaram, pouco a
pouco, esta humanidade através de milhares de anos. Sabem muito bem que a aptidão
para o verdadeiro chela consiste no valor da mente e no caráter moral e nunca no
desenvolvimento da natureza psíquica, que chegará com seu devido tempo. Mas, para ser
discípulo aceito é preciso estar mental e moralmente disposto a afrontar o semblante do
Mestre, o qual exige as qualidades aludidas que o discípulo há de possuir antes de receber
o segundo nascimento que só o Mestre pode outorgar. Notai também que estas qualidades
implicam o conhecimento e a devoção, a fim de que, pelo conhecimento, possa o homem
contemplar o caminho e pela devoção, amá-lo. Assim diz o Upanishad que não basta o
conhecimento sem devoção, nem devoção sem conhecimento. Estas qualidades,
combinadas, são necessárias porque são as asas com as quais o discípulo levanta o voo.
Chegamos agora ao Caminho propriamente dito. De longe em longe caem, dos lábios
dos Mestres, no mundo material, algumas declarações explícitas sobre as quatro grandes
Iniciações que assinalam as etapas do Caminho, a partir do momento em que o Mestre
aceita o discípulo e o coloca sob sua direção. Sobre este particular encontramos várias
alusões comprovadas pela experiência dos que transpõem o portal, alusões permitidas
divulgar, não para satisfazer curiosidades ociosas, mas para a instrução dos que desejam se
preparar para darem mais um passo. Percebe-se que há de ser forçosamente incompleto
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tudo quanto se diga sobre as iniciações, pois só informes fragmentários de tão grandes
mistérios são proporcionados ao mundo profano, e por isso, a declaração de quanto é lícito
se dizer desperta, nos ouvintes, inúmeras perguntas que seria indiscrição responder,
porque tais informações, que conduzem a curiosas perguntas, jamais se tornam públicas,
sendo apenas dadas aos que ardentemente desejam aprender e compreender, a fim de
preparar-se ao cumprimento do seu trabalho.
A história nos apresenta dois grandes Mestres que nos deixaram descrições sobre este
assunto. Foram Instrutores e fundadores de duas grandes religiões mundiais, embora este
adjetivo não seja tomado no sentido de extensão física, mas sim quanto à intensidade e
alcance espiritual sobre as almas melhor dispostas a receber a iniciação.
Um deles foi o Senhor Buda, fundador do Budismo; o outro foi Shri Shankaracharya,
que fez pelo Hinduísmo o que o Senhor Buda fez pelos países onde purificou a fé exotérica
destes.
Quanto ao Caminho, os ensinamentos de ambos os Instrutores são idênticos, como o
devem ser de todos os grandes iniciados, pois todos apontam os mesmos estágios e os
assinalam por iniciações perfeitamente definidas que separam cada fase da precedente e
da seguinte. Os ensinamentos dos iniciados são essencialmente idênticos e apenas diferem
na terminologia empregada necessária para adaptá-las às respectivas religiões. Por isso
vemos porque devem os homens procurar a verdade em todas as formas e sob todos os
aspectos e aparências, pois do contrário são levados a discutir e duvidar do fato exterior,
em vez de procurarem descobrir a identidade que subjaz em todas as verdades.
Há no Caminho quatro fases distintas, assinaladas cada uma por sua respectiva
iniciação. Iniciação significa o desabrochar da consciência superior, a alvorada de uma nova
fase espiritual pela intervenção direta do Guru que atua em nome do Supremo Iniciador da
humanidade, o único em cujo nome o Mestre pode conferir o segundo nascimento do
discípulo. Esta expansão da consciência é a nota característica da iniciação porque dá ao
discípulo "a chave do conhecimento", isto é, abre-lhe novos horizontes de conhecimento e
de poder, pondo-lhe em sua mão a chave das portas da natureza, tornando-o capaz de
prestar mais eficaz auxílio ao mundo, maior aptidão para o serviço. Fica assim incorporado
à pequena falange de homens que, renunciando ao ego inferior, se consagram ao serviço
da humanidade, idêntico ao serviço do Mestre, sem desejar mais nada, pois recusam
quanto o mundo pode lhes oferecer só para servirem de instrumentos de ação aos Mestres,
como canais por onde se derrama a Sua graça sobre o mundo.
Entre cada uma destas quatro iniciações produzem-se, no homem interior, mudanças
totalmente diferentes das que temos até agora considerado. Do momento em que um
homem passou por uma Iniciação, tudo o que ele faz, tudo o que executa deve ser feito
com toda a perfeição; não poderá prosseguir sem haver terminado a obra peculiar da fase
em que se encontra.
Não se permite no Caminho Superior nada feito pela metade, obras imperfeitas, e por
mais que demore a tarefa deverá terminá-la definitivamente antes de prosseguir na
ascensão. Chama-se tecnicamente a este período "quebrar as cadeias" pelas quais ficam
ainda entravadas as aspirações da alma. Ao terminar o Caminho alcança o estado de
yivanmukti, cuja vida é absolutamente livre, e para alcançar este estado deverá partir todas
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as prisões, a fim de que nada possa impedir o homem Superior.
A primeira iniciação converte o discípulo em parivraiaka, segundo Shankaracharya ou
Srotapatti segundo Buda.
Esta palavra srotapatti é do idioma páli e significa "o que entrou na corrente", isto é,
aquele que já se separou do mundo, não mais lhe pertence, embora ainda viva, pois nada
mais existe que o prenda ao mundo. Exatamente o mesmo conceito exprime a palavra
parivraiaka, que significa errante e sem lugar; mas isto não significa que ele seja um
vagabundo sem casa nem albergue no sentido vulgar, mas que vive inteiramente separado
do mundo sem ter moradia fixa, tanto lhe importando este ou aquele sítio, indo sempre
onde lhe ordena o Mestre. Não tem predileção por nenhum lugar, pois cortou todas as
ligações com nacionalidades e por isso é chamado "errante".
Sabemos que atualmente se considera este estágio em sentido completamente
exotérico; mas eu o considero no significado esotérico como sempre o deram os Mestres.
Desgraçadamente todos sabemos como se tem alterado as coisas da mais alta antiguidade,
e o que era antes uma realidade da vida tornou-se hoje apenas mera aparência exterior.
Mas, desejo dar a conhecer as quatro etapas do Caminho tal como as explica o hinduísmo e
que, segundo alguns julgam, embora erradamente, foram reveladas pelo Senhor Buda,
quando este nada mais fez do que restaurar os ensinos do antigo e áspero Caminho que
todos os Iniciados da única Loja Branca percorrem e hão de percorrer no futuro.
Consideremos primeiramente a realidade do caso. Aquele que entra na corrente e
separou-se, em absoluto do mundo, espera apenas a ocasião de servi-lo. Unicamente aspira
fazer no mundo o que seu Mestre determina. Esta é a característica da primeira grande
Iniciação, o sinal do homem renascido. Em geral, na maioria dos casos, este renascimento é
conferido fora do corpo físico, embora em consciência de vigília, isto é, a primeira Iniciação
consiste em despertar a consciência ativa do homem em seu corpo astral, enquanto o seu
corpo físico fica em êxtase, embora, às vezes, o discípulo receba a iniciação sem que tenha
a menor percepção de havê-la recebido em estado de vigília. Contudo, tanto num como no
outro caso jamais perde o que acaba de receber. O homem não será nunca mais o que foi.
Um recém-nascido ficará durante algum tempo inconsciente do novo mundo que o rodeia;
mas não pode voltar ao seio materno como se não houvera nascido. Assim igualmente não
pode, o iniciado renascido, ser como era antes e agir na vida do mundo como se não
houvesse renascido. Poderá atrasar-se no caminho, retardar seu progresso, gastar muito
tempo em quebrar as correntes que o ligam ainda; mas não pode mais deixar de ser
iniciado; a chave não mais se escapará de suas mãos. Entrou na corrente, desligou-se do
mundo e há de seguir adiante por muitas vidas que lhe são indispensáveis ao progresso.
Tem sido objeto de discussão o número de vidas intermediárias entre a primeira
Iniciação e a obtenção final do estado de Jivanmukti. Lembro-me que Swami Subba Row, ao
examinar a opinião geralmente admitida de que se necessitam ainda sete vidas no
Caminho, observou muito acertadamente que "tanto podiam ser sete vidas como setenta,
ou mesmo sete dias ou sete horas". Com efeito, a vida da alma não se conta por anos de
almanaque, pelo tempo da terra, mas o sucesso depende de sua energia, de sua força e de
sua vontade para vencer. Um homem pode desperdiçar seu tempo ou empregá-lo
proveitosamente, mas somente dele dependerá seu progresso.
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Durante a fase que começa na primeira grande Iniciação e termina na segunda, deve o
homem libertar-se de três coisas antes de penetrar no segundo portal. A primeira é a ilusão
do eu pessoal. Deve destruir a personalidade. Não basta dominá-la, refreá-la, vencê-la; é
preciso destruí-la, esmagá-la para sempre. É necessário destruir a ilusão do eu pessoal. O
discípulo deve reconhecer sua unidade com todos os demais seres, porque um único é o
Ego de todos. Deve convencer-se de que tudo que o rodeia, homens, animais, plantas,
minerais e formas elementares de vida, constituem uma só unidade. Para isto muito o
ajudará a expansão de sua consciência na iniciação. O reconhecimento do verdadeiro Ego o
permitirá desembaraçar-se do falso. A visão do real desvanecerá o ilusório, e assim matará
a ilusão do eu pessoal, porque ficam abertos seus olhos que podem penetrar através do
véu de ilusão. Desta maneira liberta-se da "ilusão da personalidade". O segundo obstáculo
que o impede adiantar-se é a dúvida da qual se liberta pelo conhecimento. As coisas do
mundo invisível não serão para ele meros temas de especulação, as grandes verdades da
religião não devem ser simples ideias filosóficas, mas fatos positivos. Não se admite que
pergunte o "como" e o "porquê" das coisas. Há certas verdades fundamentais sobre as
quais não poderá mais ter a menor dúvida. Antes de dar outro passo à frente, deve estar
absolutamente convencido da grande verdade da Reencarnação, uma convicção inabalável
sem sombra da mais ligeira dúvida; a grande verdade do carma deve ser um fato
consumado, como a existência dos Jivanmuktas ou Mestres da humanidade. Sobre estes
pontos não poderá ter a mais insignificante dúvida, isto é, não se limitará a conhecê-los
teoricamente, mas realmente, de forma que nenhuma vacilação o perturbe. E o único
modo de conseguir esta certeza é quando o conhecimento direto substitui a teoria, e o
contato com a realidade torne, para sempre, impossíveis as decepções e as ilusões do
mundo da matéria. A terceira e última ligação que deverá partir, nesta etapa do Caminho, é
a superstição. Se nos compenetrarmos bem do que significa a superstição só então se
perceberá porque Shri Shankaracharya e Buda fizeram uso de nomes pelos quais ambos
respectivamente designaram esta fase da vida do chela. Superstição quer dizer, no sentido
técnico do termo, confiança nos ritos exteriores das seitas para se obter assistência
espiritual. No que concerne à natureza externa destes ritos, o homem percebe, debaixo da
forma, a verdade que eles contêm e, se a verdade está realmente lá, o valor da aparência
exterior depende de maior ou menor adaptação a este mundo de ignorância e de ilusão.
Assim o chela deve elevar-se acima das formas e cerimônias exotéricas.
Aos que na Índia chamam Sannyasis se lhes supõe serem homens que já transcenderam
a superstição porque conhecem a realidade das coisas e não necessitam subir os degraus
por onde em geral sobem os homens. Tais degraus são necessários no início, pois, para
subir ao piso de uma casa, torna-se preciso uma escada, a menos que quem tenha que
subir possua já o conhecimento e com ele domine as leis da natureza; quem seja capaz de
inverter a polaridade de seu corpo e possa elevar-se, por levitação, em virtude da força de
sua vontade, em vez de subir degrau por degrau. A um tal homem a escada não lhe faz
falta, pois sabe elevar-se por sua própria energia e chegar ao ponto mais alto sem o lento
método dos degraus da escada. Mas contudo não se conclui que a escada seja inútil, pois os
que não sabem subir por si mesmos ainda a necessitam; e muitos, hoje em dia, incapazes
de energia própria, repugnam valer-se da escada, esquecendo que, enquanto a vontade
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não estiver desenvolvida de todo, as formas inferiores são indispensáveis para a ascensão
humana. Isto me leva a dizer alguma coisa sobre "o verdadeiro Sannyasi". Há cinco mil anos
já esta palavra havia perdido sua significação genuína. No começo do Kali-Yuga, vemos que
Shri Krishna distingue entre o Sannyasi aparente e o real. É bom lembrar que, ao tratar
deste assunto, disse: "Aquele que cumpre a ação como um dever, independentemente do
fruto da ação é Sannyasi, é iogue, porque carece de fogo e nada faz". A frase "carece de
fogo" significa que não acende o fogo do sacrifício, não pratica ritos nem cerimônias, pois
ao sannyasi isto não mais se exige. Mas, acrescenta Shri Krishna, não é verdadeiro sannyasi
quem apenas prescinde de ritos e cerimônias e se abstém de agir no mundo dos homens.
Se, há cinco mil anos, isto era uma verdade, muito mais o é, infelizmente, agora. Se quando
o Grande Avatar afirmava isto, ao percorrer as planícies da Índia, quanto mais agora depois
de cinco mil anos de trevas.
Ao observar os países orientais e especialmente a Índia, com seus inumeráveis
sannyasis, vemos que alguns o são pelo hábito que trazem e não interna renúncia das
coisas terrenas. Se da Índia passarmos a Ceilão, Birmânia, China e Japão veremos ali
monges budistas que também o são por suas vestes amarelas e não por nobreza de
conduta; em aspecto externo e não pela vida interna. Contudo, é certo que, na Índia, se
pratica a religião com mais sinceridade que nos outros países, e por tradição religiosa é o
seu solo mais sagrado e seu ambiente mais espiritual que nas outras terras. Há na Índia
lugares tão santificados pelos ascetas que ali viveram, que o visitante profano sente a
mente se acalmar e despertar em sua alma aspirações espirituais; mas se tudo isto é certo
na Índia, seus filhos, na verdade, não são dignos dela, porque decaíram em todos os
conceitos.
Observando o mundo profano não encontramos lugar algum onde predomine a vida
espiritual, nem nação que reconheça sua supremacia. Sente o seu coração se despedaçar
quem sabe o quanto o homem poderia fazer, e que vê o que ele faz; quem tem consciência
do quanto ele poderia ser e observa o que ele, de fato, é. Mas, apesar de tudo, o ânimo do
discípulo não desfalece, porque eternamente vivem os Mestres, e seus discípulos
continuam servindo ao mundo dos homens. Contudo, o discipulado não tem agora nenhum
hábito por distintivo, senão a sua vida interna; não é o traje que o discípulo traz, mas o
conhecimento, a pureza e a devoção que lhe abrem as portas da Iniciação.
Chegamos agora ao segundo estágio do Caminho, no qual o discípulo torna-se um
kutichaka, segundo a terminologia de Shankaracharya, e um sakridagamin segundo a de
Buda, com que se designa o homem a quem um novo nascimento é conferido. Nesta etapa
não tem que partir ligações, mas adquirir certas qualidades. É o momento em que os
Siddhis são necessários, porque se exige do discípulo, nesta fase, um grande serviço a
cumprir em nome do seu Mestre, não só no mundo físico, como no astral e mental. Para
isso necessita não falar com os lábios, mas, sim, de mente a mente, transmitindo
conscientemente as suas mensagens.
Veremos mais adiante as possibilidades que se oferecem de servir ao mundo físico; e se
estas possibilidades forem aceitas mudam com vantagem o rumo das coisas, mesmo da
vida física do homem. Mas para que o discípulo possa realizar esta parte da obra e se
disponha a executar ainda outra mais importante que o espera para quando ele possuir
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outros conhecimentos e a natureza não tenha nenhum véu para vendar-lhe os olhos,
compete-lhe ir desenvolvendo sucessivamente cada uma das suas faculdades internas, das
capacidades latentes. Se antes não o fez, torna-se indispensável que nesta etapa consiga
acender o fogo interno, fazendo funcionar kundalini nos seus corpos físico e astral.
Podeis ler em certas obras, como em Ananda Lahiri de Sankaracharya, passagens que
tratam do modo de despertar o fogo vivo, o qual confere ao homem o poder de deixar, à
vontade, seu corpo físico, pois, à medida que este fogo sobe de chakra em chakra,
desprende o corpo astral do físico, dando-lhe liberdade. Só então, sem interrupção da
consciência, sem solução de continuidade, o homem é capaz de agir conscientemente nos
mundos astral e mental, deles trazendo ao voltar ao físico, o conhecimento de tudo que lá
efetuou.
É durante este segundo estágio que se desenvolvem estes poderes ou faculdades, se já
não foram despertados; e enquanto o discípulo não conseguir agir com toda eficiência com
eles nos mundos invisíveis, não poderá prosseguir no Caminho. Quando todas estas
barreiras caírem em consequência do desenvolvimento dos sentidos e poderes latentes,
pela aquisição dos Siddhis, o chela se encontra pronto a transpor o terceiro grande estágio
no caminho do progresso, podendo entrar numa fase nova de existência mais elevada
ainda.
Facilmente se compreende o mal enorme que fazem a si mesmos homens mal
preparados, procurando atingir artificialmente este estágio, antes que a evolução os leve a
ele, e sem que possuam a necessária espiritualidade. Há alguns livros, especialmente os
Tantras que seduzem os desejosos de possuir faculdades psíquicas, livros que são lidos
avidamente sem que eles antes cuidem do seu mental e do moral para usá-los com retidão.
Em alguns Tantras encontram-se muitas verdades proveitosas para os que acertam
descobri-las; mas sua expressão literal, sendo bastante incompleta, conduz a perigosos
enganos para quem não conhece a realidade dos fatos, ou não tem um Mestre que lhe
levante os véus e preencha as lacunas.
Assim é que as pessoas, cuja ignorância e ambição as levam a estas práticas, que
violentam seu desenvolvimento psíquico antes do mental e do caráter, obtêm resultados
que lhes trazem grandes males em vez de benefícios, minando a saúde, desequilibrando a
razão, porque intentam colher o fruto da árvore da vida antes de ter amadurecido.
Com impuras mãos e contaminados sentidos querem penetrar no Santo dos Santos,
neste ádito sagrado cujo ambiente é de tal natureza que nele nada de impuro subsiste, e
suas vibrações são tão intensas que despedaçam tudo que não entra no mesmo diapasão,
que não se adapta à sua formidável atividade vibratória.
Mas, quando sob a direção de seu Guru - só nestas condições deve ele tentar isto - o
discípulo consegue vencer este estágio, então atinge a terceira grande Iniciação que o
converte em hamsa segundo Shankaracharya, e anâgâmin segundo Buda. É o homem que
não mais voltará a nascer, a não ser por sua livre vontade.
Nesta fase, conforme indica a palavra hamsa, o homem percebe a unidade e conhece
que é uno com o Supremo. Sua consciência ascende à região do universo na qual percebe a
identidade de todas as coisas e onde experimenta a certeza da expressão "Eu sou Aquele".
O aperfeiçoamento de seus sentidos psíquicos em correspondência com os físicos, não
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somente o capacita para elevar-se à região onde atinge a concepção da unidade de
consciência, como também pode transmitir ao corpo físico, nas horas de vigília, a memória
de tão excelsa consciência. É neste momento que o discípulo abandona as últimas migalhas,
se as tem, dos desejos terrenos, devendo eliminá-las por completo. Estes resíduos são
chamados kâmarâga, fragmentos das aspirações terrestres que se desvanecem neste
momento, porque perdem, diante da unidade universal, o poder de seduzir. O discípulo
elevou-se muito acima das limitações da separatividade, e por consequência não somente
transcende os desejos terrenos, como também os mais sutis e depurados desejos
espirituais que arrastam o homem à separatividade.
Estes desejos espirituais se desvanecem para quem alcança tão elevados cimos, para
quem se sente como fazendo parte integrante do todo, do conjunto de todos os seres.
Tudo o que ganha o ganha para todos; tudo o que adquire, para todos o adquire.
Permanece, nesta região do universo, donde flui toda a energia divina e sobre o mundo dos
homens derrama toda a força que adquire e com todos partilha o que recebe.
Cada homem que alcança este estado é, pois, um estímulo de aperfeiçoamento para o
mundo.
Tudo quanto consegue em espiritualidade é para a humanidade e tudo que suas mãos
recebem o remete logo para o mundo dos homens.
É um com Brama e, por isso, uno com todas as suas manifestações; e realiza isto em sua
própria consciência e não somente por esperanças e aspirações.
Outra prisão, que ainda deve partir nesta etapa, se designa pelo termo patigha, que
não tem significado exato nem tradução nas línguas ocidentais, embora a mais aproximada
seja animosidade, bem que este termo seja absurdo neste caso. Patigha quer dizer que o
homem, quando sente-se em unidade com todos os seres e todas as coisas, não pode já
distinguir entre raças, nem nações, nem famílias, nem entre os objetos diferenciados do
mundo, e por isso não manifestará animosidade contra coisa alguma, nem amor nem ódio
por causa de distinções exteriores. Já não pode amar nem odiar a ninguém por causa da
raça a que pertença. Já não pode amar nem odiar levado pelas distinções entre os homens
e as circunstâncias que os rodeiam.
Lembrai-vos desta curiosa frase de Shri Krishna quando diz que o sábio não sabe
distinguir entre o iluminado Brama e um cão, porque o sábio já alcançou a unidade e vê
Brama em todas as coisas. Isto equivale a dizer que o sábio vê a Shri Krishna em toda a
parte, e o aspecto exterior do Senhor não faz diferença para a sua visão purificada. Deste
modo não manifesta absolutamente animosidade, ódio ou repulsa. Nada lhe repugna nem
nada o repele. É amor e compaixão para todos os seres e todas as coisas. Em volta dele
estende-se um círculo de afetos que tudo envolve. Todos que dele se aproximam recebem
a influência de sua compaixão divina. Por isto, no tempo em que os Brâmanes eram
realmente o que seu nome significa, se dizia deles que eram "amigos de todas as coisas e
de todas as criaturas". Seu coração estava unido com Deus e era bastante amplo para
conter tudo quanto Deus criou.
Anulada para sempre a separatividade, passa o discípulo à etapa final do Caminho, a
cujo termo será um paramahamsa, conforme Shankaracharya e um arhat, segundo Buda.
Devemos aqui deplorar a terrível degradação moderna dos nomes sagrados, pois os deste
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elevadíssimo estado espiritual são empregados sem consideração alguma, por mera lisonja
ou cortesia, em vez de serem reservados à perfeição humana.
O verdadeiro significado do termo arhat é que o homem recebeu a quarta grande
Iniciação e atravessa o estado que precede o de Jivanmukti, sendo capaz de agir com plena
consciência no plano búdico ou seja a região de Turiya (2). Não necessita deixar o corpo
físico para agir conscientemente no plano búdico, pois sua consciência já se expandiu até o
ponto de envolver o próprio cérebro físico. Esta ubiquidade é um dos sinais característicos
de que já recebeu a quarta Iniciação. Já não mais necessita ficar fisicamente inconsciente
para remontar à região superior da consciência; e, enquanto fala, conversa e vive no
mundo dos homens, sua dilatada consciência atua também, com pleno conhecimento e
vontade, no plano búdico.
É nesta quarta etapa que se rompem as cinco últimas ligações que devem desaparecer
para que o homem se converta no Jivanmukta. A primeira se chama ruparâga, isto é, o
desejo de "vida com forma". Não o deve mais seduzir tal desejo. Depois deve abandonar
aruparâga ou desejo de "vida sem forma". Em seguida libertar-se-á de mana, o orgulho.
Não deve vangloriar-se da magnitude do seu triunfo, da deslumbrante altura a que
atingir, porque para ele já não existe nem alto nem baixo, nem alturas vertiginosas nem
humildes vales. Tudo ele percebe na unidade do conjunto. Nada que possa ocorrer no
mundo manifestado conseguirá perturbar a sublime serenidade com que logrou perceber o
Ego em todas as coisas. Não o preocupam as catástrofes, porque sabe que só desaparecem
as formas. Que importa que os mundos se entrechoquem, se apenas se altera o modo de
manifestação?
Vive no único Eu, no eterno, imortal e imutável a quem nada pode alterar sua
serenidade nem perturbar sua perfeita paz.
Em seguida desliga-se da última prisão, de avidyâ, a tecedeira de ilusões, tênue venda
que impede a perfeita intuição e a completa liberdade.
Embora não mais necessite renascer, pode contudo reencarnar-se se tal for sua
vontade. Seu saber agora abraça tudo o que comporta nossa cadeia planetária.
Já é sabedor de tudo quanto esta manifestação lhe pode ensinar nem deixou de
aprender lição alguma, nem há para ele segredos escondidos, nem recanto que sua vista
não possa esquadrinhar, nem possibilidade que escape à sua ação. Ao terminar este estágio
sabe todas as lições e possui todas as faculdades.
É onisciente e onipotente nos limites desta cadeia planetária. Terminou a sua evolução
humana. Deu o último passo que a humanidade dará quando terminar o grande
manvantara e se execute a obra deste universo. Nada se lhe oculta, nem nada há que não
exista no seu interior. Sua consciência expandiu-se a ponto de tudo abraçar e tudo
envolver.
Pode entrar, se assim quiser, no Nirvana, onde existe unidade e plenitude de
consciência e vida. Chegou à meta da humanidade. Tem diante de si apenas o último portal
que se abrirá ao ruído dos seus passos. Uma vez transposto este portal, converte-se no
Jivanmukta, segundo o Hinduísmo, ou no asekha adepto, isto é, aquele que nada mais tem
que aprender, segundo a nomenclatura budista.
Tudo ele conhece e tudo executou. Diante dele abrem-se diversos caminhos, entre os
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quais pode optar, como também se estendem numerosas possibilidades que pode utilizar
ao seu arbítrio.
Muito além de nossa cadeia planetária, em regiões que transcendem a nossa mais
profunda compreensão, abrem-se para o Jivanmukta caminhos que ele pode percorrer. Um
destes, o mais dificultoso e áspero de todos, embora o mais rápido é o Caminho da Grande
Renúncia.
Se foi este que escolheu, ao contemplar o mundo dos homens, o Jinvanmukta não o
deixa nem dele se afasta, mas toma, de vez em quando, um corpo para ensinar e auxiliar os
homens. Shri Shankaracharya nos fala dos que ficam para trabalhar, até que toda a obra
esteja terminada.
Sua tarefa terminou, mas Eles ficam identificados com a humanidade até que esta
acabe sua evolução, sem que Eles se afastem dos homens.
São livres, mas prendem-se voluntariamente, porque não querem gozar de sua
liberação até que toda a raça humana fique liberada. São os excelsos Mestres de
Compaixão que vivem ao alcance dos homens, a fim de que a humanidade não fique órfã, e
os desejosos de aprender encontrem quem os ensine. São estes os Grandes Mestres por
quem sentimos imensa gratidão, que vivem na consciência nirvânica e permanecem dentro
da esfera da terra, para manterem um laço dos mundos superiores com o dos homens que
vivem prisioneiros no cárcere do corpo.
Todos quantos alcançaram o nível asekha são igualmente gloriosos e divinos; mas, sem
falta de respeito, devemos dizer que os mais queridos da humanidade, os mais
intimamente ligados ao coração dos homens pelos laços de gratidão por sua renúncia, são
Aqueles que, podendo separar-se de nós, permanecem conosco; que podendo nos
abandonar como órfãos, quiseram ser Pais dos homens.
Tais são os divinos Mestres a cujos Pés nos prostramos; tais são os Mestres que guiam a
Sociedade Teosófica. Enviaram como mensageiro H. P. Blavatsky, a qual trouxe Sua
mensagem ao mundo, mensagem quase esquecida pelo mundo, e que veio de novo
mostrar o estreito e antigo Caminho que alguns estão nesta hora percorrendo e que todos
podem igualmente pisar.

(2). Estado supremo, de alta consciência espiritual.

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Capítulo IV

O Futuro Progresso da Humanidade


Futuros métodos da ciência.
Desenvolvimento vindouro do homem.

Temos até agora indicado o progresso do indivíduo, demonstrando como o homem,


resolvido a fixar seu futuro, pode elevar-se passo a passo da vida do mundo à do discípulo,
e como lhe é possível antecipar-se ao progresso da humanidade, realizando em poucos
anos o que a raça executará em inumeráveis séculos.
Mas, agora, a minha tarefa é diferente. Vou esforçar-me em vos descrever o progresso
da humanidade no decurso dos séculos. Procurarei expor, brevemente, as grandes fases da
evolução, olhando o passado até chegarmos ao presente, como também o futuro que está
reservado à nossa raça.
Proponho-me a tratar do progresso das nações e do desenvolvimento da humanidade a
que agora pertencemos. Mas, para isto, atrevo-me a pedir que subamos juntos no veículo
de Vishnu, a poderosa ave Garuda e nela, atravessando a atmosfera de inumeráveis idades,
fixemos o olhar nos panoramas que encontraremos em nosso voo. Parece-me que todos
nós ficaremos sem alento depois de tal viagem.
Contudo, de certo modo será para mim mais fácil que para vós, por haver pensado
demoradamente neste assunto, o qual se tornou familiar ao meu espírito, enquanto que,
para muitos de vós, parecerá um terreno desconhecido, e a concepção teosófica da
evolução será completamente nova em alguns detalhes. Mas serei forçada a passar
rapidamente de um a outro ponto sem esclarecimentos, e por isso talvez evite muitas
dificuldades que despertariam pormenorizada explicação do conjunto.
Permiti dizer-vos que talvez me equivoque em alguns pormenores e pontos subalternos
desta vasta descrição; mas em seu conjunto, é a descrição exata, porque, não de mim: mas
de outra fonte provém ela e, embora a insuficiência de quem vos expõe possa trazer alguns
erros de detalhes, tende absoluta confiança na exatidão fundamental do esboço.
O homem, aos olhos dos Grandes Seres que foram seus primeiros Instrutores,
governantes e guias, não é o homem tal como o vemos hoje, e ainda não chegou a ser o
que deve ser e será algum dia. Não quero dizer com isto que coletivamente o seu progresso
não tenha sido satisfatório. Pelo contrário, o ponto em que a humanidade chegou em sua
evolução rodeada de dificuldades e sofrimentos, é bastante satisfatório se o encararmos do
ponto de vista do reduzido espaço de tempo, curto segundo o cômputo divino embora
imenso segundo os anos terrestres, que ela traz em sua evolução.
Certamente que o homem, tal como é hoje, não corresponde de forma alguma ao ideal
Daqueles que conceberam a sua longa peregrinação, Daqueles que o lançaram no caminho
da evolução. Terminou sua descida e já ultrapassou o ponto mais baixo do trajeto; resta-lhe
escalar altas escarpas no fim das quais a humanidade, perfeita e gloriosa será bem
43
diferente do que é hoje, tal como a concebeu o Pensamento divino. É indispensável ter em
conta que o universo compreende sete grandes e distintas regiões ou planos, surgidos da
mente divina de dentro para fora ou melhor, de cima para baixo, conforme a expressão
preferida.
Cada plano é constituído por modalidades distintas da essência única, o Paramâtmâ, de
que todos procedem. Quando o Pensamento divino tomou forma, modelado pela Vontade
divina no universo manifestado, foi-se constituindo cada plano caracterizado pelas
diferentes densidades de sua matéria constituinte e pelo número de diferentes envoltórios
que servem para velar a energia primordial.
Assim é que, em termos gerais, podemos conceber o universo como um grandioso
sistema solar no qual o sol representa o Logos que o formou, e cada um dos globos
sucessivos um dos planos do universo. Os planos interiores seriam os de matéria mais sutil
e de energia menos aprisionada, menos velada os exteriores seriam os de matéria mais
densa e de energia mais condensada. Cada uma destas regiões ou planos tem seus
habitantes e que a corrente da evolução parte do centro para a circunferência e depois
regressa da circunferência para o centro. Quando o Grande Alento expira e a matéria
aparece na vida cada vez mais densa, chega um momento em que a matéria alcança o
máximo de densidade e a energia o máximo de fraqueza. Neste ponto a forma apresenta
sua maior rigidez e a vida sua maior ocultação, de sorte que este período é caracterizado.
pelo fato de a matéria tornar-se mais densa e a forma mais rígida, enquanto que a vida
cada vez fica mais velada nesta manifestação. Por outro lado, quando o Grande Alento
inspira, voltando para o centro sua atividade criadora, a matéria vai tornando-se mais sutil
e a vida menos velada, até que finalmente o Grande Alento extraia deste Cosmos todas as
experiências adquiridas nos mundos. A humanidade objeto e resultado deste processo
evolutivo, será então divina e ficará pronta para galgar etapas superiores de adiantamento.
Observando o curso da evolução, verificamos que os habitantes tendem a
individualizar-se à medida que passam a formas mais densas de matéria. De fato, se
lançarmos um olhar para trás, notaremos que a chamada essência elementar vai tomando
pouco a pouco formas cada vez mais definidas, porque involuciona pelo arco descendente
e, por isso, tende a separar-se em formas materiais. É o processo da descida da matéria,
enquanto que a humanidade evoluciona pelo arco ascendente e tende a tomar formas cada
vez mais sutis, aspirando à unidade e à vida sem véu.
Esta leve explicação daria ideia do universo em conjunto, e compreende-se que nos
planos menos densos que o físico, não só está ascendendo a humanidade como também
está em involução a essência elementar. O mundo mineral é o ponto de conversão, porque
nele a matéria atinge ao máximo de densidade. No decurso da evolução ascendente, os
reinos mineral e vegetal do mundo físico ocupam o plano físico e sua consciência não passa
daqui; mas no prosseguir da evolução, o reino animal dará um passo adiante e há de viver
nos planos físico e astral. O homem está destinado, pelo pensamento do Logos, a
conquistar, nesta evolução, cinco dos sete planos do universo, que são o físico, o astral, o
mental, o búdico e o nirvânico. O plano mental compreende o svarga do hinduísta e o
devakhan do teósofo; mas também podemos designar mais vantajosamente o estado de
consciência mental pelo nome de sushupti, estado que não é conhecido senão pelos
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homens de muita experiência e desenvolvimento, embora no curso da evolução chegarão a
ele quase todos os homens. Ao plano búdico também se chama turiza, e ao nirvânico,
turiza-tita.
Com isto temos cinco distintas regiões ou planos do universo que a humanidade está
destinada a ocupar no decorrer da evolução, nos quais há de ir desenvolvendo sua.
consciência para terminar com êxito feliz sua longa peregrinação. O indivíduo pode
atravessar estas etapas mais rapidamente, com auxílio da Ioga mas a humanidade coletiva
só poderá terminar sua evolução no decorrer das idades. A maioria dos homens, não todos,
terá conquistado todos estes planos de consciência e será ativa em todos os cinco, antes
que finalize o atual manvantara. O homem então possuirá veículos próprios para agir
conscientemente em cada plano. E ao observar-se o homem de hoje, nele vemos a
possibilidade de expandir esta quíntupla vida através dos cinco veículos que o capacitam
para habilitar nos cinco planos, tornando-se senhor deste universo manifestado.
Existem, ainda, muito acima destes, dois planos que a maioria do gênero humano não
atinge, pelo menos nesta evolução. Estes dois planos são para nós meros nomes que não
despertam nenhuma ideia definida, pois transcendem a tudo que podemos imaginar. São
eles o paranirvânico ou anupadákico e o mahaparanirvânico ou ádico. Não podemos saber
o que sejam estes estados de consciência.
Tais são os sete planos do universo. A maioria da humanidade há de conquistar cinco
deles, e alguns dos seus mais ilustres filhos chegarão aos planos superiores; mas a massa
geral da raça humana terminará sua evolução no quinto universo, o mundo nirvânico.
Isto nos dará uma ideia da controvérsia entre os números "cinco" e "sete" na natureza.
Muitas discussões se travaram sobre isto, especialmente entre os teósofos e alguns dos
nossos irmãos Brâmanes, os quais defendem a divisão quíntupla, enquanto os teósofos
insistem na sétupla. Certamente que a divisão total é sétupla, e algumas passagens dos
Upanishads nos falam da divisão do sétuplo fogo; contudo, a atual evolução é de natureza
quíntupla, simbolizada pelos cinco pranas tão frequentemente citados na literatura hindu.
Menciono isto porque tais discussões não existiriam se as pessoas melhor se
compreendessem mutuamente, pois encontrariam sempre um ponto de coincidência.
Falta-me tempo para deter-me nesta questão; mas no que ficou dito está a chave do
enigma relativo aos cinco e sete. Em conjunto a humanidade desenvolve cinco veículos para
a sua quíntupla evolução, enquanto que a flor da humanidade alcançará os dois planos que
ficam além. Estudando a evolução humana, vemos que as raças primeira e segunda
ocupam-se na evolução da forma física e da natureza inferior puramente animal, isto é,
desenvolvem o corpo físico com seu duplo etéreo e a natureza cármica ou passional que
encontramos nos animais como também no homem.
A terceira raça da humanidade recebeu especial assistência ao atingir o meio de sua
evolução. Isto não quer dizer que a raça não teria caminhado só, sem esta ajuda; mas, sua
marcha foi prodigiosamente acelerada. Os grandes Kumaras também chamados
Manasaputras, os Filhos da Mente, as primícias de uma pretérita evolução, baixaram à
humanidade terrestre a fim de apressar seu desenvolvimento, e fazendo saltar uma chispa
de sua essência peculiar, despertaram o manas, a alma individual do homem.
Esta ajuda especial trouxe como consequência uma grande aceleração à evolução
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humana. Foi então formado o corpo causal - karana Sharira - ou corpo de manas superior, o
último que persiste durante toda a vida do Ego reencarnador, transferindo de uma vida
para a seguinte os resultados acumulados, as experiências adquiridas. Por isto é chamado
corpo causal, pois nele se radicam as causas que se transformam em efeitos no plano físico
da vida futura.
Com a formação do corpo causal teve a humanidade um veículo, um receptáculo e um
depósito onde se concentram as experiências e conhecimentos adquiridos no mundo físico
durante a vida terrena, enquanto o Ego com seu corpo causal projeta-se nos corpos
inferiores.
Quando o corpo físico morre, o homem vai assimilar o que colheu nas experiências,
vivendo então sucessivamente nos planos astral e mental, incorporando ao seu ser as
experiências e todos os efeitos resultantes da vida terrena. Cada vida física produz sobre o
Ego certos resultados que se transmudam em faculdades e poderes. Se, por exemplo, na
vida terena exercitou o homem sua mente, esforçando em compreender e adquirir
conhecimentos, resulta que, no período entre a morte física e o renascimento irá
transmutando em faculdades intelectuais todos os esforços realizados na terra, e, ao
renascer, trará congenitamente consigo as faculdades. elaboradas. Igualmente as nobres
aspirações, os elevados desejos, a ânsia de espiritualidade serão definitivamente assimiladas
um sua natureza íntima durante o intervalo entre a morte e o renascimento renascendo em
circunstâncias favoráveis ao seu progresso, trazendo consigo faculdades espirituais que lhe
vão servir para maior impulso nesta nova vida terrestre.
Vemos assim a perfeita regularidade com que se sucedem as fases de progresso e
crescimento o corpo causal, corpo que é a vestimenta peculiar do Ego e que se projeta nos
mundos inferiores para adquirir experiências, as quais leva consigo ao plano mental para
assimilá-las e transformá-las em poderes, faculdades e aptidões que incorpora
definitivamente em sua consciência. Novamente projeta-se nos planos inferiores, mais rico
e mais forte com os tesouros adquiridos nas vidas terrenas anteriores. Assim progride lenta,
mas continuamente vida após vida, tendo como receptáculo de todas as experiências o seu
corpo causal.
Compreender isto é perceber o significado da expressão: "peregrinação da alma",
porque em cada vida nova deve possuir o homem maiores poderes, mais perfeitas aptidões
mentais, morais e espirituais. Tal é o plano da evolução. Este plano é posto em execução de
uma forma imperfeita, e aí está a causa da enorme longitude da peregrinação, em que o
homem dá muitas voltas, extraviando-se no caminho em vez de seguir um atalho direto e
seguro. Eis por que a viagem da humanidade é tão longa, necessitando milhares de milênios
para terminar sua evolução. Contudo, deve terminá-la, pois assim o quer a Vontade Divina
e nada poderá impedir por mais que se demore em atingir a meta assinalada.
A evolução prosseguiu durante a segunda metade da terceira raça até alcançar a
quarta, na qual floresceu a poderosa civilização atlante, cujo ponto máximo é assinalado
pela grande sub-raça tolteca, da qual também fala a ciência ocidental.
Foi uma civilização maravilhosa pelos resultados obtidos, embora caminhasse no meio
de enormes dificuldades. Mas teve um inconveniente: como o homem estava muito
embaixo do arco ascendente da evolução, portanto, profundamente mergulhado na
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matéria, suas faculdades mentais eram de índole psíquica. Daí a necessidade indispensável
de as velar durante algum tempo, para que as faculdades intelectuais pudessem progredir e
assim a evolução superior da humanidade se tornasse possível no futuro. Eis aí por que a
grande Lei Cósmica, à qual nada pode resistir, impeliu a raça para uma civilização
importante, porém muito material. Esta ocultação das faculdades psíquicas foi apressada,
em grande parte, pela ação consciente das classes dirigentes do Império Tolteca da
Atlântida. Para facilitar seus projetos egoístas, elas se esforçaram em extinguir as
faculdades psíquicas, impedindo o desenvolvimento nas classes inferiores da população,
inferiores no ponto de vista da evolução e por isso, menos elevadas na escala social. Com o
fito de possuírem instrumentos mais apropriados aos seus ambiciosos desígnios, as classes
elevadas empregaram seus conhecimentos ocultos em entorpecer deliberadamente as
faculdades psíquicas do povo. Nestas condições, estas faculdades foram artificialmente
suspensas no seu crescimento mais do que desejava a grande Lei cósmica, e isto leva-me a
vos assinalar um fato, sobre o qual convém pensar. É que nenhum homem é capaz de deter
a marcha poderosa da Evolução divina, embora seja livre de cooperar ou não em sua ação
no mundo. O homem tem a liberdade de dirigir seus esforços para o bem ou para o mal.
Reconhecendo a sabedoria e a grandeza da obra divina, pode a ela associar-se por dever e
submeter-se à Vontade Suprema; mas pode também procurar apoderar-se, para uso
pessoal, de algumas das forças da natureza, servindo-se delas para satisfação de seu
egoísmo pessoal e efêmero, em vez de auxiliar a realização das Intenções divinas.
Quando um homem emprega as grandes forças do Cosmos com um fim egoísta, cria
para si um mau Carma individual, embora a linha geral do Carma da raça não fique
modificada.
Um indivíduo pode, deste modo, prejudicar seu próprio futuro, permanecendo contudo
na corrente da Lei cósmica; pode preparar para si sofrimentos no círculo estreito do seu
próprio desenvolvimento individual, porque, fazendo uso egoísta da Lei colherá também
uma messe de egoísmo. De tal forma que, sob o império desta grande e única lei; assim se
preparam os carmas individuais felizes ou desgraçados.
Devemos refletir demoradamente sobre este assunto, que certamente decifrará muitos
enigmas, entre eles o carma que se nos apresentará então como uma bênção divina da
evolução impelindo o homem para a frente, mostrando que o progresso é o seu destino
fatal, desde que o homem reconheça o relativo arbítrio de sua vontade. Também
percebemos como o homem pode escolher seu próprio caminho, mas sem escapar a este
possante impulso da evolução.
Como dizia, durante esta civilização do passado, os atlantes empregavam as forças da
natureza para fins egoístas, e como consequência desta conduta deu-se a destruição da
Atlântida e o aniquilamento da raça, exceto de alguns núcleos de população que, salvos da
catástrofe, espalharam-se pelo mundo, especialmente no Peru, onde deixaram vestígios de
sua gloriosa civilização. E tão grande foi seu esplendor, que, mesmo na época de sua
decadência, quando os espanhóis conquistaram o império dos incas, ficaram surpreendidos
pela doçura, afabilidade e candura dos habitantes, a sabedoria dos governantes, a
prosperidade e a felicidade do país inteiro. Esta civilização, que os espanhóis esmagaram,
que suas legiões aniquilaram, era o último e vacilante clarão da grande civilização atlante,
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desta civilização tão grande no seu apogeu, e cuja queda foi tão retumbante, varrida pelas
águas do Oceano Atlântico, cujas ondas hoje rolam sobre as mesmas paragens onde
outrora existiam territórios florescentes.
Chegamos agora à evolução da raça a que pertencemos; mas para prosseguir nosso
estudo convém recordar que o Logos do nosso sistema manifesta-se sob três aspectos
diferentes. Sabeis que, nas principais religiões, a Trimurti ou Trindade representa o Deus
manifestado, como também sabeis que as três pessoas da Trindade são a tríplice
manifestação do Deus único, os três aspectos da única Essência manifestada, e que só pode
ser conhecida quando se manifesta no Universo. No trino Logos descobrem-se os aspectos
de Poder, Sabedoria e Amor. Todas as atividades humanas trazem impressa a característica
do tríplice Logos e podem relacionar-se com um ou outro dos três aspectos do poder,
sabedoria e amor, de tal forma que as atividades de qualquer nação, grupo de homens ou
indivíduos se agrupam sob um destes aspectos. Escolhi esta classificação porque, tratando
de um assunto tão complexo como este, ela nos servirá à semelhança de um armário com
gavetas onde se vão colocando as diversas partes do tema para ulterior estudo e
consideração.
Recordemos que os três são um e que, portanto, se interpenetram, pois a divisão em
três se refere ao aspecto fenomênico e nunca à essência; mas como estamos no mundo dos
fenômenos, e a separação é fenomênica, podemos considerar aos três distintamente sem
cairmos em erro.
Tomemos a divisão trina e procuremos subdividir cada um dos seus elementos. No
aspecto Amor descobriremos todas as atividades da mente que se ligam, de um lado à
religião e de outro à filantropia, tomando estas duas palavras no seu mais amplo sentido,
isto é, entendendo no sentido religioso o serviço tributado aos Seres que estão acima de
nós; e filantropia o dever para com os que nos rodeiam e para com os nossos inferiores.
Assim no Amor incluímos o conjunto das atividades humanas que tributam homenagem aos
que nos precederam na evolução e assistência fornecidas aos nossos iguais e aos nossos
inferiores, assistência à qual se junta um sentimento de compaixão. Se fizermos distinção
entre os deuses e homens, diremos que a religião incumbe o serviço aos deuses, enquanto
que a filantropia se reduz ao serviço prestado no plano físico aos homens. Sob a
denominação de Sabedoria podemos englobar todas as atividades da mente humana, do
mental superior e inferior que se prendem diretamente à Ciência, à filosofia e à Arte. Estes
são os três vastos campos de atividade da mente compreendidas na Sabedoria; mas, não se
julgue que conhecimento seja por si só Sabedoria, mas o material que, por uma alquimia
espiritual, produza Sabedoria, porque o conhecimento espiritualmente transmutado
converte-o em Sabedoria, e por isso grupamos sob o título de Sabedoria o conjunto de
atividades do conhecimento.
No Poder incluímos todas as atividades relacionadas com o governo humano, com o
exercício das funções administrativas e executivas, a contribuição das nacionalidades e
municípios, em tudo onde se exerce o poder. Entram também nesta divisão as faculdades
criadoras que o homem possui por direito de nascença, faculdades divinas que tão poucos
compreendem e menos ainda as exercitam conscientemente, e que são as causas
poderosas da evolução humana, a grande força que impele o homem para diante.
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Todos os esforços dos divinos Instrutores do passado e do presente tendem a
subordinar estes enormes campos de atividade à inteligência do homem, a fim de que o
homem deles se utilize para sua evolução. Todos os esforços dos Mestres encaminham-se a
dirigir as atividades humanas de modo que se revistam de amor, sabedoria e poder, mas
sempre em benefício da humanidade.
Para este fim foram fundadas as principais religiões, escreveram-se os códigos de moral
e poderosos impulsos recebeu a inteligência humana.
Para este mesmo fim, em nossos dias, foram restauradas as antigas verdades com o
nome helênico de Teosofia, equivalente à Sabedoria Divina e que nada mais é senão o
restabelecimento da verdade antiga, verdade que surgiu do esforço dos Mestres que
dirigem as atividades da vida humana.
É atualmente mais necessário do que nunca a restauração das antigas verdades,
porque, se lançarmos um golpe de vista sobre o mundo, observar-se-á que, em todos os
departamentos da atividade humana, o homem parece ter atingido o limite dos seus
poderes. É dono, por direito de conquista, do plano físico; e tão bem o submeteu que o
lado material o absorve completamente, toda a sua atenção e cuidados são para ele,
enquanto que as realidades dos mundos superiores estão ocultas à sua vista. Se
observarmos as atividades quanto ao aspecto religião, vemos que ela é atacada por um
lado pelo materialismo e minada do outro pela superstição, de forma que a humanidade se
debate entre estes dois abismos que ameaçam sua existência - o ceticismo que nada crê e a
superstição que tudo crê. Ambos são funestos ao progresso humano neste campo
particular da sua atividade. Se, deixando a religião, nos voltarmos para a filantropia no
mundo moderno, encontraremos uma miséria demasiado profunda para que o homem
possa vencê-la. Onde a civilização moderna oferece maior brilho e sucesso, lá onde ela
triunfa pelo seu esplendor, ali encontrareis o maior acúmulo de sofrimentos, as mais
horríveis misérias capazes de esmagar a vida humana. Ao contemplarmos este quadro
tétrico, nos convencemos que, não só a filantropia é impotente para remediá-los, mas que
destes sofrimentos pungentes levanta-se um rancor, um ressentimento selvagem que está
ameaçando, com o ódio das classes, a sociedade moderna.
A sociedade estremece em seus fundamentos e os homens, estonteados, não sabem
como afrontar o perigo, porque perderam o sentimento de amor.
Nos três campos da Sabedoria não se deparam menores dificuldades. A ciência parece
haver esgotado todos os seus recursos materiais. Seus instrumentos de observação e
análise são tão maravilhosamente delicados, que não se pode imaginar maior perfeição.
Suas balanças de precisão são tão admiráveis que podem apreciar diferenças de milésimo
do miligrama; e contudo os cientistas dizem que há substâncias para as suas balanças
perfeitas. A ciência começa a esgotar seus recursos em tudo que se relaciona com seus
métodos de investigação, e a seu pesar vai sendo compelida a aceitar a existência de forças
sutis e misteriosas que se negava a reconhecer.
Se penetrarmos no laboratório do químico e no gabinete do físico percebemos que ali
atuam forças impossíveis de se sujeitar ao peso e à medida. A existência real destas forças
confunde o homem de ciência, pois contraria todos os métodos clássicos e difere em tudo
que ele encontra na natureza.
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Em filosofia notamos a luta entre o materialismo já desacreditado e o idealismo que
não acertou ainda assentar-se sobre sólidos fundamentos.
Na arte notamos a propensão à extravagância, em tudo a impotência, aridez e
esterilidade, não produzindo nada de original, senão torpes cópias das antigas escolas. A
arte perdeu seu poder criador.
Consideremos a atividade, sob o terceiro dos grandes aspectos que já assinalei: o
Poder. Que vemos no mundo moderno? As nações tateiam na diversidade de regimes
políticos. Perderam os Soberanos Divinos que outrora as conduziram pelos caminhos da
paz, da prosperidade e da felicidade, e agora procuram compensar a perda dos Reis divinos
entronizando o monarca policéfalo chamado Povo.
Em lugar da monarquia divina de poderosos iniciados, estabeleceram os regimes de
autonomia e democracia, como se bastasse multiplicar a ignorância por um fator de
milhares de unidades, esperando que o produto fosse igual ao conhecimento. No que se
refere às faculdades criadoras, nada mais resta; e o homem perdeu de tal forma a sua
herança divina que quem nela fala torna-se ridículo.
Que nos ensina tudo isto? Que a humanidade coletivamente considerada se dispõe a
dar outro grande passo adiante.
Chegamos a um daqueles períodos de transição em que, tendo-se gasto tudo que é
velho, vemos abrir-se um novo período de renovação e crescimento.
No meio da turbulência, do desassossego, da angústia e da perplexidade, vemos agitar-
se no seio da raça humana os gérmens do progresso, os quais vão restituir às três ordens de
atividade sua antiga eficácia, mediante um novo desenvolvimento por caminhos
previamente traçados.
A evolução, com efeito, jamais retroage, mas reproduz seus processos outrora usados,
seus antigos métodos, embora avançando numa espiral ascendente, achando-se em cada
espiral nova, sob uma forma elevada e mais perfeita, o que já houve de melhor no anel
precedente. A humanidade evolui hoje sobre esta espiral, procurando realizar, com novos
poderes e faculdades mais extensas, o que o passado nos mostra sob formas diferentes.
Consideremos o Amor. Quando a humanidade der seu novo passo adiante - e já se
notam sinais precursores indicando que ela se prepara para dar - e tenha então o seu
veículo físico atingido a perfeição, começará a tarefa de aperfeiçoar seu segundo veículo de
consciência com o qual há de atuar livremente no plano astral. Transcorridos milhares de
anos, a humanidade já teria aperfeiçoado o segundo veículo e a maioria dos homens será
capaz de agir com ele no astral tão fácil e comodamente como o fazemos hoje com o corpo
físico. Nem toda a espécie humana possuirá esta faculdade porque os homens não são
iguais, como pretende a moderna democracia; mas a imensa maioria poderá valer-se do
corpo astral para agir conscientemente no mundo astral, sem contudo deixar sua vida
física; e assim irá progredindo a humanidade.
Que alterações trará este novo passo? Em religião, terá a humanidade aberto diante de
sua visão o plano astral, onde alguns dos mais poderosos Seres se manifestarão em forma
humana para auxiliar e instruir os homens. Estas Entidades, cuja existência é apenas objeto
de fé, serão vistas pelos homens, reconhecidas e adoradas por eles, que as contemplarão
como agora contemplam ou julgam conhecer aos seres, que em corpo físico os rodeiam.
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Conhecerão os habitantes do atual mundo invisível.
Desta maneira, a maioria da humanidade há de partilhar com os mais adiantados de
hoje o conhecimento direto e absoluto domínio do mundo astral, que tão poucos hoje
conhecem, e assim desaparecerá para sempre o ceticismo, porque ninguém ousará negar a
existência do mundo invisível. Então o homem, consciente e desperto, verá os seres que
habitam no astral, como vê seus parentes e amigos no físico.
Quando a humanidade tiver dado este passo, a religião mudará completamente de
caráter até o ponto em que todos os homens conhecerão quanto os videntes e profetas
conheceram e proclamaram, porque tudo isto será matéria de seu conhecimento diário e
de suas experiências, o que trará como resultado tornar o ceticismo tão impossível como o
é ele hoje para as verdades científicas.
A superstição terá a mesma sorte que o ceticismo, porque vive em trevas e se nutre de
ignorância. Graças à ignorância dos homens, ela vive na sombra, desenvolve-se e prospera
e se torna uma maldição para os povos, porque certos homens que apenas conservaram a
tradição do conhecimento, sem possuir a realidade, fazem uso desta tradição para reduzir
seus compatriotas à escravidão. Estes, na sua ignorância, sentem-se aterrorizados por esta
pretensão dos falsos representantes da verdade, e inclinam-se diante deles que pretendem
possuir as chaves deste conhecimento, embora estas chaves, bastante enferrujadas, não
mais possam girar na fechadura. Mas, não obstante o terror que se infunde aos ignorantes
para afastá-los do verdadeiro conhecimento, a superstição é impossível quando os olhos do
homem se abrem.
Ninguém pode imaginar o mal que a superstição acarreta para além da morte. É
impossível descrever a miséria e o terror que sofrem, no plano astral, muitas almas que
deixam o corpo físico e entram num mundo desconhecido para elas e repleto de todos os
imaginários terrores de que a superstição, dominada pelo falso conhecimento, conseguiu
povoar.
É, sobretudo, no Ocidente, onde tão divulgada está a ideia do inferno eterno, onde se
ensina que depois da morte não pode haver progresso espiritual, e que os pecadores ficam
mergulhados num lago de fogo e enxofre por toda a eternidade, sem esperança de
salvação.
Não é possível imaginar o efeito que estas superstições produzem no mundo astral aos
que para ali vão dominados por elas. Crentes de que tudo quanto lhes ensinaram seus
ignorantes mestres é verdade, julgam-se vítimas de semelhantes horrores, dificultando
enormemente a ação benéfica dos auxiliares que vão pelo astral socorrendo estes infelizes,
dando-lhes a entender que a lei é sempre a mesma para todos e que as potências diretoras
do universo não são carrascas nem vingativas.
Deste modo compreendemos que a superstição e o ceticismo serão impossíveis. Haverá
então outras dificuldades, outros problemas e enigmas, mas os dois inimigos gêmeos do
homem, o ceticismo e a superstição, serão extirpados sem que haja possibilidade de
renascerem.
Quanto ao amor, também será grande o progresso sob o ponto de vista filantrópico,
pois mesmo no plano astral muito pode ser feito em favor da humanidade, e muito mais
que no mundo físico, porque as atividades físicas são mais ruidosas, mas dão resultados
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comparativamente fracos. Vemos um chefe de governo ditando leis, decretos e
regulamentos sem descanso, e todos o admiram do seu intenso labor, esperando que todo
este trabalho seja proveitoso para a nação. No entanto, insignificantes e mesquinhos são os
frutos deste trabalho ao compararmos com a ação oculta e silenciosa, executada
tranquilamente, sem que uma palavra seja pronunciada, pela mente no meio sutil que age
sobre os pensamentos dos homens em vez de atuar sobre seus corpos; que influencia suas
inteligências e não seus veículos exteriores.
Quando a humanidade subir a este plano superior, uma influência benéfica se
derramará mais copiosamente da que atualmente recebemos; e a miséria, o crime e o vício
serão melhor combatidos pela ação sobre as mentes dos homens, purificando-as e
enobrecendo-as, elevando-as acima das circunstâncias que hoje as assediam.
Deveis ter notado que, quando se projeta um pensamento impuro, de vingança,
sórdido ou rancoroso, o enviais às pessoas do mundo como uma força viva, como um
agente ativo que plana sobre as multidões, obrigando os mais fracos e receptivos a
assimilarem-no; de modo que estes pensamentos de indivíduos que nos parecem
respeitáveis, vão espalhando os gérmens do crime entre as pessoas de inferior condição,
cujos delitos são quase sempre devidos a pensamentos estranhos, aumentando o mau
carma de quem os criou. Este fato, tão importante, não é tão conhecido como deveria ser.
Cada homem, que experimenta um sentimento de ódio, lança uma força destrutiva no
mundo astral e quando surpreende uma criatura fraca, vítima de um mau carma, e rodeada
de más circunstâncias, isto é, submetida a impulsos e paixões que é incapaz de dominar,
estes maus pensamentos atiram-se sobre ela, pensamentos que muitas vezes provêm de
pessoas que gozam de uma respeitável posição social. Se o infeliz de natureza débil vem já
excitado por uma injustiça, ultrajado por um inimigo, é levado a cometer um assassínio,
cuja responsabilidade cabe mais ao emissor dos pensamentos do que a ele que apenas foi a
mão que empunhou o punhal. Será impossível fazer desaparecer o crime nas últimas
camadas do povo enquanto as classes superiores não educarem seus pensamentos, não
purificarem seu mental, estas que melhor podem compreender a natureza das coisas.
Quando o homem conhecer e compreender tudo isto e o mundo astral se desvendar à
vista da humanidade, teremos no pensamento uma formidável força que auxilia e educa.
Ninguém, então, poderá negar o poder do pensamento e todos compreenderão sua
responsabilidade, exercendo vigilância sobre os pensamentos que emitem, lançando no
ambiente influências benéficas e protetoras em lugar de criarem influências sinistras,
entidades maléficas como hoje fazem.
Só então se convencerão os homens da possibilidade de receberem, dos mundos
superiores, o auxílio bendito, como atualmente o recebem; pois, mesmo as descobertas
que os homens de ciência fazem, são inspirações recebidas dos mundos superiores, agindo
diretamente sobre o mental.
Quando o cientista proclama ao mundo uma nova orientação na ciência, quando um
William Crookes descobre a gênese dos átomos - uma das mais belas teorias modernas -
julgai que isto tenha partido de baixo, até elevar-se aos cimos do conhecimento? Eu vos
declaro: tais ideias vêm do alto e nunca de baixo, pois os Mestres influem nas mentes dos
que possuem alguma aptidão ou capacidade suscetível de ser utilizada em benefício do
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mundo. Os pensamentos são formas vivas e ativas que descem do mundo mental para o
astral onde tomam corpo e podem influir sobre certos indivíduos com o fim de apressar o
progresso do mundo e facilitar a marcha da humanidade.
Esta influência dos Mestres sobre as mentes não é tão frequente hoje em dia, porque
enquanto o homem não melhorar sua natureza moral, não convém que conheça as forças
invisíveis que agem por trás do véu; empregariam para o mal, servir-se-iam delas sem
escrúpulos para fins egoístas, em vez de as utilizar no serviço dos seus semelhantes. Por
este motivo não é divulgado este conhecimento, nem recebe a ciência maior auxílio. Como
disse um Mestre, a ciência tem de se tornar a serva da humanidade para merecer maior
ajuda dos Auxiliadores e Salvadores da raça humana:
Ao aproximar-se o dia que hoje vislumbramos, mais rápido será o progresso do homem.
Em educação penso que ninguém negará o enorme proveito que obteriam os educadores
se estes soubessem estimular diretamente as boas qualidades reprimindo as más. Sabemos
que, envolvendo o indivíduo, há uma aura, apenas visível aos adestrados olhos do iogue,
aura que denuncia o desenvolvimento do mental, que revela o caráter e o estado espiritual
da alma residente no corpo. Cada indivíduo conduz consigo este registro que mostra o grau
de adiantamento em que ele se encontra, registro que destaca o caráter e os pensamentos
a quem possuir a visão superior, como a visão física percebe os traços fisionômicos, sem
penetrar no caráter do homem.
Pois bem, quando uma criança nasce, ao passar pelas primeiras fases do crescimento,
possui sua aura a particularidade de concentrar todos os resultados cármicos do passado,
embora a maior parte das qualidades mentais congênitas e dos poderes morais inatos
estejam ainda latentes em estado embrionário.
Quem examina a aura da criança a encontrará comparativamente pura, de tons claros e
transparentes e nunca densos, espessos e sujos como no adulto. Na aura infantil residem os
gérmens das inclinações e tendências, umas boas outras más, que, mais tarde, virão à tona
da vida. A visão, que possa distinguir estas características, é capaz de estimular as boas e
reprimir as más, rodeando a criança de influências favoráveis. O agricultor, que necessita
uma planta sã é robusta, lança a semente em bom terreno, procurando regá-la e deixando
que o sol a inunde com seus raios. Igualmente sucede com a educação da criança. Quando
ela nasce traz em si os gérmens da cólera, das paixões ardentes, temperamento rebelde, na
maioria dos casos. Se os que a cercam fossem dotados de conhecimento e sabedoria,
empregariam o verdadeiro método de educação, não consentindo da criança uma só
palavra irritada; nem que fosse testemunha de atos de cólera nem ações passionais. Todos
que a rodeassem, no círculo íntimo da família deveriam tratá-la com amor, porque o adulto
transmite à criança, com a sua presença, as suas qualidades boas ou más que irradiam
constantemente a sua aura, no ambiente em que vive. As vibrações da cólera dos mais
velhos vão vitalizar e fortalecer os gérmens ainda adormecidos na criança, provocando seu
crescimento criminosamente.
Assim é necessário rodear a criança de influências estimulantes de tudo o que é bom,
nobre e puro. Se assim se procedesse com todas as crianças, a humanidade avançaria
espiritualmente com rapidez, enquanto que atualmente caminha com passo claudicante. A
ignorância obscurece a mente dos homens, e por isso não sabem como educar as
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criancinhas. Todos os métodos empregados são estéreis e vãos; mas não haverá fracasso
quando o conhecimento aumentar e os professores educarem as crianças consultando a
aura de cada uma e não agindo cegamente como hoje. Só então serão educadas por meio
do conhecimento real e não pela ignorância.
Esta necessidade da verdadeira educação explica por que, nos tempos antigos,
confiava-se toda a criança a um preceptor religioso ou Guru, cuja mente disciplinada influía
na do educando através de uma intuição mais profunda que a dos homens vulgares. O Guru
era sempre um sábio, um vidente; e a criança, entregue aos seus cuidados, perdia seus
maus instintos graças à educação ministrada pelo Mestre.
A medida que os verdadeiros Gurus foram desaparecendo, o gênero humano perdeu
esta grande vantagem, que recobrará quando o conhecimento estiver mais difundido pela
massa, e quando uma fase mais elevada do seu desenvolvimento tornar possível esta nobre
educação da infância.
Em todas as modalidades do conhecimento, os métodos serão mudados. O médico não
precisará diagnosticar uma enfermidade por meio dos sintomas, nem pelo raciocínio, mas
sim pera vidência, percebendo diretamente a causa da moléstia. Já alguns indivíduos
diagnosticam por meio das suas faculdades de clarividência cuja visão penetra através da
matéria física, percebendo onde está o mau funcionamento do organismo, qual o órgão
afetado. Graças à clarividência, o médico possui as informações que lhe são necessárias e
que permitem agir com inteira certeza, como também acompanhar o efeito dos
medicamentos empregados.
Imaginai quão diferente seria a medicina se os médicos possuíssem esta clarividência
que hoje é apanágio de tão poucos, faculdade pela qual poderiam diagnosticar com
segurança e receitar com absoluta precisão segundo o que tivessem visto.
Coisa semelhante sucederá com a química. Quando os químicos forem senhores de sua
visão astral, obterão muito mais do que hoje, e em vez de combinarem corpos e analisar
suas proporções e equivalências por mera conjetura, sem possuírem completa certeza do
resultado das reações, procederão com exata visão das forças e agentes químicos,
facilitando o avanço da ciência e prevenindo inúmeros acidentes, hoje tão comuns.
Encontramos no número de novembro de 1895 da revista 'Lúcifer' um artigo que
apresenta várias sugestões sobre o modo de realizar-se o progresso da ciência. Ali se expõe
que, quando o homem souber utilizar-se do seu veículo astral, se ampliarão
consideravelmente os limites do conhecimento.
Com relação à psicologia, veremos que, quando os homens puderem se comunicar uns
com os outros por meio do pensamento, sem empregar os métodos lentos da pena e da
imprensa, as ideias voarão de cérebro a cérebro sem necessidade dos lentos e grosseiros
processos de hoje. Podereis compreender, quanto ao plano físico, a significação desta
generalizada transmissão do pensamento. Assim é que a ideia de separação não existirá
então, como existe hoje, pois que, nem montes nem mares poderão afastar o homem dos
seus amigos e parentes. Desde que os homens tenham conseguido conquistar esta nova
região da natureza, serão capazes de se comunicarem entre si, de mental para mental,
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qualquer que seja o lugar em que estejam, porque, para o mental as barreiras do tempo e
do espaço não existem como existem no mundo físico. Quando o homem tiver
aperfeiçoado o seu veículo astral estará sempre em contato com os que ama e as dores da
ausência terão desaparecido. Assim também a morte que terá perdido o poder de separar.
Considerai a vida dos indivíduos e das nações, tal como é hoje em dia, e vereis que a
morte e a separação são os dois sentimentos mais tristes e dolorosos que afligem a
humanidade. Ambas perderão seu poder de ferir quando o homem houver dado este
grande passo para a frente. Ambas perderão o poder de separar quando o homem chegar a
este nível superior. Tudo quanto hoje apenas pertence aos discípulos e aos chelas, será
então repartido pela maioria da humanidade. Oh! muito mais formosa será a vida terrena
do homem quando cessarem estas influências que a perturbam!
Quanto à filosofia podemos dizer o mesmo, possuindo ela um conhecimento mais
profundo das possibilidades da matéria e das realidades da vida. Igualmente quanto à
história, quando os historiadores tiverem em sua frente os anais akashicos, os grandes
arquivos indeléveis do passado, a história não será mais escrita para satisfazer as paixões
de um partido político, ou para apoiar certas teorias sobre o desenvolvimento humano, ou
certas hipóteses nascidas da imaginação dos sábios.
Toda a história está registrada na indestrutível memória do akasha, aí se encontram
seus eternos arquivos. Nenhuma ação da humanidade passada há que lá não esteja gravada
para a eternidade, nenhum fato que não seja visível aos que tenham olhos para ver. Tempo
virá em que toda a história será escrita de acordo com os documentos akashicos em vez de
ser redigida pelos processos cheios de ignorância atualmente em uso. E quando os homens
quiserem conhecer o passado, lançarão um golpe de vista sobre estes imperecíveis arquivos
e com eles se servirão para apressar seu desenvolvimento, utilizando a experiência do
passado para favorecer uma evolução mais rápida da humanidade.
Quanto ao futuro da arte, quando estes novos poderes chegarem às mãos dos homens,
só serão capazes de compreendê-la os poucos que deles se valem agora. Novas formas de
intraduzível expressão, colorações de inimitável esplendor, nuanças desconhecidas ao
mundo físico, tomarão vida na sutil matéria do plano astral. Tudo isto será então do
domínio da arte, enriquecida pelas formas e cores das regiões superiores com as
maravilhosas possibilidades que os sentidos sutis descobrem.
Que diremos então do poder e do governo? A realeza divina reaparecerá sobre a terra;
será restaurada a monarquia divina e os homens ocuparão, na sociedade, o lugar
correspondente ao seu grau de evolução, e não segundo os caprichos dos poderosos e o
compadrio, como sucede hoje. Todos os homens se conhecerão a si mesmos, cada um
saberá o seu valor e o seu grau evolutivo como também estará em condições de perceber o
dos outros, pois que a aura individual trará impressas suas qualidades mentais e morais e,
daí decorre a posição social que cada um merece ocupar.
Os jovens serão encaminhados à profissão melhor adequada às suas aptidões e
faculdades, não havendo o descontentamento que lavra hoje em dia, e que tem sua causa
na decepção das vocações erradas, no sentimento de quem sofreu uma injustiça; e o
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desalento que invade a alma ao ver que possui aptidões que não podem ser aproveitadas.
Se todos Os homens tivessem o verdadeiro conhecimento, compreenderiam que as
circunstâncias em que se encontram são cármicas; mas agora apenas nos preocupamos
com as massas e não com os indivíduos.
O descontentamento será impossível quando cada homem estiver no lugar para o qual
o capacitem suas notórias faculdades, e assim tornar-se-á a sociedade novamente bem
organizada.
Aprenderemos também como tratar os tipos inferiores da humanidade. Não mais
castigaremos os criminosos, não os mataremos porque os nossos olhos verão o ponto fraco
no qual a assistência deve ser levada. Serão instruídos, serão tratados como doentes da
alma que precisam de cura. Não somente mudará toda a sociedade graças a esta influência
sobre a natureza dos homens, como igualmente mudará de aspecto o próprio reino animal,
sob o poder reformador do homem. Já não será o tirano e o opressor como faz agora, mas
o educador e o mestre do mundo animal.
Cumprirá seu destino de ser o auxiliador do bruto e não o seu explorador abusivo, o
carrasco como se apresenta em nossos dias. Todas as formas de crueldade irão
desaparecendo pouco a pouco, e o sangue dos animais não manchará a terra como
abundantemente acontece agora. Os animais não mais fugirão com horror e espanto do
homem, olhando-o como inimigo em vez de reconhecê-lo por amigo, porque caminhamos
para uma idade de ouro em que todos os seres viventes sentirão amor sem sombra de ódio.
Tudo quanto tenho exposto parece um conto de fadas, mas tal é a realidade da próxima
fase da evolução humana, o resultado da conquista do plano astral.
Que será então quando o homem ainda mais se elevar, conquistando o mundo mental?
Apenas posso vos dar um ou dois exemplos que mostram a ideia da expansão
triunfante da consciência, nesta época ainda tão afastada de nós.
Admitamos, por exemplo, um orador e seu auditório; que diferença encontraremos na
natureza da eloquência e no efeito que ela produzirá sobre o público? Em lugar de se ouvir
palavras, sons articulados que atingem os nossos ouvidos e não transmitem senão uma
pequena parte do pensamento, de maneira imperfeita e inexata, o auditório verá então o
pensamento tal como ele é. O pensamento jorrará diante dos seus olhos, revestido de
deslumbrantes cores, tendo tonalidades sonoras de sublime harmonia e uma forma tão
perfeita e delicada, como se o orador estivesse entoando um hino que transbordasse a sala
de perfeitos acordes.
A sua linguagem de formas coloridas irá ao ponto de fazer vibrar todos os corpos
superiores dos ouvintes. Tal será a eloquência do futuro, quando os homens tiverem
conquistado este mundo superior da consciência e da vida.
Direis que eu sonho? Eu vos declaro: existem hoje homens que podem atingir este
plano de consciência, que podem conhecê-lo e sentir-lhe os efeitos; estes seres humanos já
atravessaram os véus que impedem a vista à maioria dos homens e que dificultam
reconhecer as belas possibilidades da vida. Porque assim como um homem pode ver do
alto de uma torre toda a paisagem circundante, perceberá as formas, os sons e as cores de
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todos os pontos do panorama; mas se embaixo da torre apenas descobrirá parte da
paisagem através de uma janela, assim também no plano mental.
O conhecimento lhe chegará em ondas de todos os lados, não por intermédio dos
sentidos que conhecemos, mas através de um sentido único que responde a todas as
vibrações do exterior. E quando o homem volta aos veículos inferiores, isto produz
exatamente o mesmo efeito como se ele descesse a escada da torre; não mais pode
perceber senão o que os olhos, os ouvidos - estas pequenas janelas abertas no muro - lhe
permitem conhecer do mundo exterior, porque os sentidos não são senão janelas e nós
estamos prisioneiros das muralhas do corpo. Em nos elevando acima deste corpo é que
estamos realmente em condições de perceber o mundo que nos rodeia, em toda sua glória,
em toda sua beleza e com todas suas maravilhas.
O poder da vida será, então, consideravelmente mais intenso. Os mais vigorosos
pensamentos científicos, provenientes destas sublimes regiões, passarão através do astral e
chegarão até nós. As mais potentes influências mentais e poderosas Inteligências baixarão
até nós, enviadas por Quem nelas atua e as dirige. Os discípulos dos Mestres, os que já
transpuseram o portal da Iniciação, estarão lá, plenamente conscientes, trabalhando para
auxiliar o homem e elevar o nível moral da humanidade. Os discípulos podem agir no
mundo físico, mas o seu mais intenso trabalho será no plano mental. É lá que eles
desenvolvem sua ação com mais eficácia, tornando-se assim mais úteis. E quando a maioria
dos homens chegar ao plano mental, quão grande será o número de trabalhadores, quão
vasta será a falange dos auxiliares! Não há, atualmente, senão algumas centenas de
trabalhadores para ajudar as centenas de milhares de seres humanos; e o trabalho é
imperfeito em consequência do seu pequeno número. Mas, quando a massa geral da
humanidade alcançar o mundo da mente, rapidamente evoluirão, em grau extraordinário,
os que ainda galgam os degraus inferiores. O gênero humano desenvolver-se-á com tal
rapidez que não podemos fazer, hoje, uma ideia sequer aproximada.
Há, contudo, ainda outro mundo que o homem há de conquistar. É o plano búdico, a
esfera Turiza, onde domina a unidade, onde a consciência identifica-se com todas as
consciências, mundo que o homem ocupará antes de terminar este Manvantara. Esta
sublime região apenas abre suas portas ao discípulo que já atingiu a última fase do seu
desenvolvimento.
A Sétima Raça escalará estas alturas e aí viverá conscientemente. Quando se alcança
esta expansão da consciência, este estado espiritual elevado acima do mental, vemos aí
que nada mais pode separar os homens; cada homem sente-se idêntico ao seu semelhante,
formando uma unidade com todos, sentindo o que os outros sentem, pensando o que
todos igualmente pensam.
É um estado de consciência que se amplia e se estende até envolver miríades de seres.
Neste momento, a fraternidade humana tornar-se-á um fato real, porque lá percebe-se a
essência das coisas e não somente as suas aparências; lá vê-se a realidade e não mais a
manifestação do fenômeno. Lá todos reconhecem o EU único que vive em todos, e o ódio
torna-se, para sempre, impossível para o homem que galgou esta consciência.
Ainda muito além se depara outro plano inefável, mundo a que os sábios chamam
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nirvânico, sem que possam descrevê-lo, embora o tentem, porque a tanto não chega a
linguagem humana; e cujos esforços para explicá-lo só produzem erros e concepções falsas.
A consciência alcança lá a um estado inimaginável, porque envolve o universo inteiro e de
lá parece inconsciência a limitada mente concreta do homem. A vida do Nirvana, a vida dos
Seres poderosos que o atingiram, é um estado de consciência perto do qual o nosso
assemelha-se ao estado mineral pelas limitações que o sujeitam, pelas trevas que o cegam
e pela incapacidade dos meios de ação. A vida no Nirvana supera a tudo que se pode
sonhar, e sua atividade transcende a todas as possibilidades do nosso pensamento. É uma
vida una, mas que se derrama em atividades manifestadas, como a Luz do Logos cujos raios
iluminam o universo inteiro. É a meta final do homem neste manvantara. Chegará a ela
quando a Sétima Raça terminar sua evolução; e as primícias de nossa humanidade, que
hoje tem consciência dela, verão em torno inumeráveis multidões que também a
alcançaram para gozar por toda a eternidade da vida do Logos, refletindo nos que
cresceram e se fizeram à sua imagem e semelhança, até que um novo universo possa
nascer da atividade manifestada. Os seres unidos ao Logos do passado universo formarão o
Logos que vai construir o novo Cosmos onde deve evoluir uma nova-humanidade. Tal é o
futuro que nos aguarda! Tal é a glória que nos será revelada.

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Glossário de Termos Sânscritos usados no Texto

Akasha. O principal dos cinco ou sete Tattvas; o éter, causa psíquica e espiritual do som.
Nos arquivos akásicos ficam permanentemente gravados todos os sons, acontecimentos e
palavras que proferimos.
Arhat, "Digno"; é aquele que atingiu a quarta iniciação e se tornou um adepto. Pode ver
o Nirvana durante a vida.
Avatar. Uma encarnação Divina.
Chela. "Criança". Discípulo de um guru ou sábio; prosélito de algum adepto de escola de
filosofia. No Oriente também se chama chela ao discípulo aceito para o estudo de
Ocultismo.
Dharma. Lei, dever, religião; é o dever e o seu cumprimento.
Gunas. São as três qualidades da matéria, os três modos de manifestação cósmica:
Rajas, a energia, a atividade, a força centrífuga; Tamas, a inércia, a resistência, a
obscuridade, a força centrípeta; Sattva, o ritmo ou equilíbrio que há de resultar de ambas
as anteriores, isto é, a verdade, a pureza, a luz.
Hamsa. "Cisne", o pássaro branco, símbolo da sabedoria e da iniciação. Segundo a
tradição, tinha o poder de separar a água e o leite misturados, e daí representar a virtude
ou faculdade do Discernimento espiritual. No Hinduísmo chama-se Hamsa àquele que
atingiu a terceira grande iniciação.
Jivanmukta. "O liberto ou emancipado em vida". Um adepto ou iogue que chegou ao
último estado de santidade e se libertou da escravidão da matéria.
Karana Sharira. O corpo causal que, por ser permanente, passa de uma encarnação
para a outra.
Linga Sharira. É o duplo etérico, que faz parte integrante do corpo físico.
Paramahama. Aquele que está além de Hamsa.
Sannyasi. O asceta que renunciou a todos os atrativos da vida terrestre.
Siddhis. "Atributos de perfeição", poderes ocultos que, graças à sua santidade,
adquirem os iogues.
Titiksha. Longa e inalterável paciência; resignação, renúncia.
Tattva. "Aquilo" eternamente existente, e também os diferentes princípios da Natureza,
em seu significado oculto. Dá-se também o nome de Tattva aos abstratos princípios de
existência, ou categorias, físicas e metafísicas, que são correlativos aos sentidos externos e
internos do homem.

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