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Flávio R. Versiani
Setembro/2003
Um bom exemplo disso está na discussão da política de preços para o setor elétrico,
ora em consideração pelo Governo, no artigo de Rogério Werneck, do Departamento de
Economia da PUC-Rio, publicado no jornal O Estado de S. Paulo.1 O ponto em discussão,
parte de uma proposta de reformulação do setor elétrico em estudo no Ministério de Minas e
Energia, é o seguinte: qual devem ser os critérios para fixação do preço da energia elétrica
para o consumidor final? É evidente a importância disso: um aumento no preço desse insumo
produtivo básico ira onerar quase todos os setores de atividade produtiva, e terá impacto
significativo no índice de preços ao consumidor. Por outro lado, um preço muito baixo pode
desencorajar o investimento na expansão da oferta de energia elétrica, e estimular um
consumo excessivo dessa forma de energia, em comparação com outras. Em particular, se o
preço da energia elétrica for fixado num nível substancialmente abaixo do custo marginal de
produção (ou seja, do custo de tornar disponível uma unidade a mais de energia), é fácil ver
que nenhum investidor privado se disporá a aplicar recursos na expansão da oferta, nesse
setor. As bases que serão adotadas para a fixação do preço da energia elétrica são, assim, um
componente fundamental da nova política energética que se propõe estabelecer.
A proposta de política de preços ora em estudo pretende se valer desse fato para
chegar a um nível de preços que não onere muito o consumidor. Fixar-se-ia algo como um
preço médio, e essa média seria puxada para baixo pelo custo de geração da “energia velha”,
1
Werneck, R. “Energia Velha”. O Estado de S. Paulo, 29/8/2003, pág. B2. Disponível em: www.estadao.com.br.
Introdução à Economia
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produzida nas hidroelétricas instaladas há tempos. A idéia subjacente é que, dado que o custo
de construção de tais usinas já foi, praticamente, amortizado, só o custo de operação seria
relevante; sendo este baixo, não haveria por que encarecer desnecessariamente o preço final
da energia elétrica para o consumidor.
Ora, como assinala Werneck,. essa idéia deixa de lado um princípio econômico
elementar. Do ponto de vista contábil, é certo que o custo de construção de boa parte de
nossas usinas hidroelétricas não representa mais um ônus financeiro significativo, ou mesmo
ônus algum, para seus proprietários (na maioria dos casos, o Governo, isto é, todos nós). Os
empréstimos levantados para financiar essas obras já foram pagos, ou quase isso; no
essencial, os custos já foram amortizados. Mas isso não significa, em absoluto, que o valor
econômico desse capital investido no passado seja insignificante. Pois esse capital tem um
custo de oportunidade: o Governo poderia, por exemplo, vender suas hidroelétricas, e com os
recursos obtidos amortizar parte de sua dívida, pela qual paga juros notoriamente altos. Por
quanto poderiam ser vendidas as usinas hidroelétricas “velhas”? Um valor de referência básico
(usado, por exemplo, nos leilões de privatização) é o fluxo de rendimentos líquidos que se pode
esperar obter desses ativos, até o final de sua vida útil. Como usinas hidroelétricas têm, em
geral, uma longa vida útil, trata-se de muito dinheiro. Vários bilhões de reais — que, sob a
forma de dívida pública, acarretam uma despesa substancial em juros, todos os anos.
Ou seja, considerar que a “energia velha” tem um preço baixo equivale, de fato,
implicitamente, a conceder o Governo um subsídio aos consumidores de energia elétrica. Ou
melhor, concedermos todos esse subsídio, nós, os contribuintes, que somos de fato os donos
das hidroelétricas velhas. Faz sentido, isso? Em princípio, pode fazer sentido subsidiar alguns
consumidores de eletricidade, como os domicílios de baixa renda (o que costuma ser feito, por
meio de tarifas diferenciadas). Mas, no caso, trata-se de um subsídio generalizado, que atinge
também o ar-condicionado central dos edifícios de luxo, ou a feérica iluminação de um
shopping center. Se esse subsídio indiscriminado fosse explicitado, e fosse deixado claro
também qual é o seu custo de oportunidade, é provável que a maioria dos contribuintes se
recusasse a custeá-lo.
O erro de raciocínio econômico pode ser posto em relevo por uma analogia proposta
por Werneck. Suponhamos que um avô indulgente ceda uma loja, que comprou há anos, num
ponto privilegiado, para que o neto preferido explore uma atividade comercial. Para o neto, o
custo do aluguel desse imóvel “já amortizado” é zero, o que certamente fará subir o lucro
contábil do empreendimento comercial. Mas é claro que não fará sentido tomar esse lucro
como um indicador da viabilidade econômica do empreendimento, pois há um custo não
contabilizado: o custo de oportunidade, para o avô, da loja cedida. Pode ser que, incluído esse
custo, o lucro do neto fosse de fato negativo.
De outra parte, dado que o preço da energia elétrica tenda a se fixar, em decorrência
do subsídio implícito, abaixo do custo marginal de produção, isso certamente terá o efeito de
afastar investidores privados dessa área. Esse é o efeito potencialmente mais danoso, no
longo prazo, na medida em que se pretenda atrair a iniciativa privada para o investimento em
geração de eletricidade no País. Quando se consideram as restrições orçamentárias do
Governo, é muito possível que o investimento privado venha a ser necessário, nessa área; se
os incentivos não forem adequados, poderemos voltar a ter problemas com uma oferta
insuficiente de energia elétrica, no futuro .
Introdução à Economia