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Faculdade de Direito
Belo Horizonte
2017
Martilene Martins da Silva
Belo Horizonte
2017
SUMÁRIO
APÊNDICE.............................................................................................................................60
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1 INTRODUÇÃO
Desde o descobrimento do país se usa mão-de-obra externa aos moradores da casa para a
realização do trabalho cotidiano das residências. No período colonial, era utilizada em grande parte a
força de trabalho escrava para a execução do serviço doméstico. Por esse fato, associou-se na mente
coletiva o trabalho exercido em casa à servidão, desprestígio e subalternidade (MORI, 2011). Não
são isolados os casos em que trabalhadores domésticos relatam terem sido humilhados no exercício
de suas funções, por seus patrões ou entes familiares destes, independentemente de quais sejam as
causas (EU EMPREGADA DOMÉSTICA, 2017).
A gravidade e a incidência dessas situações de violência e humilhação contra domésticos
ficam evidente quando se verifica a repercussão midiática dada atualmente ao tema. Após a
promulgação da Lei Complementar 150/2015, que incrementou a proteção jurídica aos empregados
domésticos, a sociedade começou a voltar o olhar para esta categoria de trabalhadores, que por muitos
anos fora negligenciada pela Lei. (BRASIL, 2015)
No ano de 2016 foram publicadas, em veículos midiáticos conceituados, várias reportagens a
respeito de situações degradantes vivenciadas por empregados domésticos. Como exemplos têm-se a
matéria publicada em 21/09/2016 no site da Folha de São Paulo, intitulada como “Domésticas narram
no Facebook suas histórias de crueldade e humilhação” (COELHO, 2016). Outras publicações sobre
o tema de abusos contra empregados domésticos foram veiculadas nos sites da USP (SOARES, 2016)
e Extra (EXTRA, 2016). Ainda, foi criada uma Página no Facebook intitulada “Eu empregada
doméstica”, que reúne relatos de humilhações sofridas por domésticas, contando com milhares de
seguidores. (EU EMPREGADA DOMÉSTICA, 2017)
Tais situações vexatórias a que são submetidos os empregados domésticos criam interesse
científico no pesquisador do ramo do jurídico, uma vez que, conforme expressa Bobbio, o direito é
uma ciência que busca a harmonização das relações e a pacificação social, por meio das normas
(BOBBIO, 1995, p.8).
Numa análise sobre o tema do assédio moral contra empregados domésticos, verifica-se que
falta sobre este um tratamento específico na doutrina, havendo em sua maioria estudos que versam
apenas sobre assédio moral, sem avaliar as especificidades das relações de emprego domésticas. Da
mesma forma, nota-se na jurisprudência a mesma inclinação de abordar genericamente o assédio
moral, mesmos em causas de empregados domésticos assediados, de forma que a proteção destes
trabalhadores fica prejudicada.
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Em relação à organização deste relatório de pesquisa, além deste capítulo introdutório, foram
redigidos mais três. No segundo capítulo analisou-se a história do trabalho doméstico e do assédio
moral laboral. Em seguida, realizou-se a conceituação do assédio moral, explicando-se como este se
distingue de fenômenos semelhantes, e como se expressa na lei, doutrina e jurisprudência, fazendo
paralelos com o assédio moral relativo aos domésticos. Também foi feita uma reflexão acerca da
existência ou não de banalização do assédio moral no caso dos domésticos.
No terceiro capítulo demonstrou-se de que forma a figura do assédio moral é influenciada
pelas especificidades da relação de emprego doméstico. A partir das particularidades encontradas,
foram identificados quais os requisitos necessários para a caracterização do assédio moral no âmbito
do emprego doméstico. Foi verificada a possibilidade de responsabilização do empregador por
condutas assediantes praticadas sem dolo assediante.
No quarto capítulo foi posta sob análise a questão da prova do assédio moral nas relações
domésticas, estudando-se a possibilidade de emprego da técnica da inversão do ônus da prova nos
casos de assédio moral no emprego doméstico. Também se buscou uma reflexão sobre formas
alternativas que permitam a facilitação da prova para os trabalhadores domésticos.
Desta forma, intentou-se chegar a um tratamento mais adequado da matéria do assédio moral
contra empregados domésticos, que leva em consideração as características peculiares desta relação
de emprego.
Conclui-se pela possibilidade de configuração do assédio moral contra empregado doméstico,
independentemente da existência de dolo. Ainda, chega-se à conclusão pela impossibilidade do
emprego da técnica de inversão do ônus da prova para facilitar a comprovação do assédio, pois,
conforme será explicado no decorrer do texto, mesmo que nesse tipo de ilícito a tarefa de se obter
provas seja penosa e inglória, o mecanismo da inversão do ônus da prova não se mostra adequada.
Por fim, sugeriu-se alternativas para facilitar a prova do assédio moral. Na conclusão, último capítulo,
são retomadas as principais considerações realizadas ao longo deste relatório de pesquisa.
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Neste capítulo será realizada uma contextualização do tema assédio moral, notadamente sobre
sua ocorrência no ambiente de trabalho doméstico, bem como uma distinção do assédio moral para
outros fenômenos jurídicos. Também se verificou como o assédio moral é tratado na legislação e
jurisprudência hodierna, de forma a situar a problemática acerca da matéria.
O trabalho doméstico no Brasil se originou com a escravidão, pois nesta época o trabalho nas
residências era predominantemente feito pelas escravas. Tendo as relações de trabalho se organizado
com base no racismo e patriarcalismo, as mulheres escravizadas foram responsabilizadas pelos
serviços domésticos, como mucamas, amas de leite e criadas:
Com a abolição, o trabalho doméstico continuou a ser realizado pelos ex-escravos, mantendo-
se o quadro de submissão e ausência de direitos (FERREIRA, 2013). Perpetuam-se as hierarquias de
gênero e raça por meio do trabalho doméstico, uma vez que ainda nos dias atuais o serviço doméstico
no país se apresenta como a atividade com maior número de mulheres negras. (MORI, 2011).
Cabe ressaltar que há a subvalorizarão econômica e social atribuída aos trabalhos
denominados como “de cuidado”, em sua maioria exercidos por mulheres:
Devido a uma ideologia patriarcalista, historicamente, o trabalho doméstico tem sido visto
como algo que toda mulher deveria saber, especialmente as mulheres oriundas das classes
baixas, consequentemente algo que não envolve nenhuma expertise. Soma-se a esta
desvalorização mais dois aspectos: primeiro, uma formação cultural racista que o identifica
como “trabalho de negras” e segundo, uma invisibilidade em função do trabalho ser
desempenhado entre muros e não um produto concreto e palpável (MORI, 2011 p.134.)
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Tais trabalhos são vistos como inferiores, uma vez que não geram riqueza direta e são
realizados em ambientes privados, o que contribui para o desprestígio social e consequente
precarização das condições do trabalho doméstico. Existe também a percepção de que o trabalho
doméstico é uma habilidade inferior, devido ao fato de que é aprendido pelas mulheres dento de suas
famílias e não em instituições formais de ensino (MORI, 2011).
Trata-se de uma sociedade em que o trabalho manual, quando exercido por pessoas negras e
com baixa escolaridade é considerado de forma equivocada como desqualificado (MORI,
2011 p.16).
Desta feita, um longo percurso foi necessário para que a categoria dos domésticos alcançasse
direitos trabalhistas. Inicialmente as relações de trabalho envolvendo os domésticos eram reguladas
pelo código civil de 1916, por meio de contratos de locação de serviços, pois não havia legislação
trabalhista que os abrangesse (CHAGAS; DAMASCENO, 2013).
Em 1923, o decreto nº 16.107 regulamentou a locação dos serviços domésticos. Mais tarde,
em 1941, entrou em vigor o Decreto-Lei nº 3.078, trazendo um conceito de trabalho doméstico e
também disciplinando a locação destes serviços. (CHAGAS; DAMASCENO, 2013).
Em 1972 foi publicada a Lei n° 5.859, regulamentada posteriormente pelo Decreto nº
71.885/1973, que definiu o trabalho doméstico e determinou a obrigatoriedade da anotação na carteira
de trabalho. O vale-transporte foi concedido aos domésticos por meio do decreto lei n° 95.247/87.
Por sua vez, a Lei nº 10.208/2001 incluiu a possibilidade de FGTS e seguro-desemprego aos
domésticos, contudo, como uma faculdade do empregador (CHAGAS; DAMASCENO, 2013).
Nas Constituições anteriores, os trabalhadores domésticos não foram contemplados. Somente
na Constituição de 1988 é que os domésticos tiveram reconhecidos alguns direitos, contudo sem
desfrutar de igualdade jurídica perante os trabalhadores urbanos e rurais, os quais possuíam um rol
mais amplo de direitos (BENTIVOGLIO; FREITAS, 2014).
Felizmente, houve vários avanços no que concerne à conquista de direitos dos trabalhadores
domésticos, com a equiparação legal perante os demais trabalhadores. A igualdade jurídica foi
implementada pela Emenda Constitucional n° 72/2013, que acrescentou novos incisos ao parágrafo
único do art. 7° da Constituição, reconhecendo aos domésticos vários direitos há muito tempo
pertencentes aos demais trabalhadores (jornada de trabalho, seguro-desemprego, FGTS, dentre outros)
(BENTIVOGLIO; FREITAS, 2014).
A emenda n° 72/2013 foi regulamentada pela Lei complementar 150/2015, que estabeleceu
os critérios e detalhes para a aplicação dos direitos conferidos por aquela. Por meio de tais normas,
foram positivados vários direitos básicos que antes eram negados apenas aos empregados domésticos,
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Minha mãe, uma vez, chegou a ver a patroa colocar a comida velha por debaixo da comida
nova e servir para ela comer. E minha patroa, para não jogar a comida velha no lixo, me
acordava só para comer. (EU EMPREGADA DOMÉSTICA, 2017)
[...] a alguns dias atrás ela (a patroa) chegou nervosa foi para a cozinha, eu tinha feito a
comida como de costume, e simplesmente começou a gritar que ia jogar a comida no lixo
e que queria almoçar fora. Fiquei em choque corri pro fundo e fui chorar pois me senti
humilhada [...] Daí em diante as coisas começaram a piorar. O filhinho dela de 19 anos
passou a gritar comigo, deixa todo papel higiênico jogado no chão e faz uma bagunça
inimaginável no quarto dele. [...] (EU EMPREGADA DOMÉSTICA, 2017, grifos nossos.)
[...] Minha mãe de criação trabalha em uma casa de família há quase 3 anos. [...] desde o
início eles abusavam moralmente dela, pelo fato de ser pobre, mas minha mãe nunca
rebateu ou falou algo pelo fato de que precisava do emprego e tinha medo de perdê-lo.
Dormia no mesmo quarto que a idosa, num colchão no chão, e no início de 2017
colocaram câmera em todos os quartos (sem nenhuma privacidade) [...] (EU
EMPREGADA DOMÉSTICA, 2017. grifos nossos.)
Barreto realizou uma pesquisa sobre assédio moral para seu mestrado, na qual foram ouvidos
45 mil trabalhadores em todo o país. Nesse estudo chegou-se à estatística de que cerca de 33% da
população economicamente ativa está submetida ao assédio moral laboral. (PRATA apud. BARRETO,
2014, p.23)
A visibilidade da problemática do assédio moral no Brasil deve-se muito ao trabalho de
pesquisa e militância de Barreto junto ao sindicato dos químicos de São Paulo desde meados da
década de 1990. Tal atuação sindical contribuiu muito para a disseminação do tema entre os
trabalhadores e a sociedade, por meio da elaboração e distribuição de cartilhas, bem como do
oferecimento de palestras e a elaboração de processos judiciais trabalhistas. (SOBOLL et. al, 2008).
A partir daí foram feitos vários estudos sobre o assédio moral, datando o tema de mais de 25
anos na agenda acadêmica brasileira. Contudo, o assédio moral como objeto de pesquisa e de
intervenção no direito é ainda permeado de imprecisões conceituais e metodológicas. (SOBOLL et.
al, 2008).
O assédio moral não possui, no direito pátrio, determinação legal expressa e específica, apenas
menções esparsas no âmbito da administração pública, como será exposto na sessão seguinte. Na
doutrina são realizados muitos esforços conceituais, porém é raro que se discorra clara e detidamente
sobre os limites de abrangência do assédio moral laboral.
Sobre como o conceito de assédio moral é entendido pela doutrina, não há uma unanimidade
a respeito, uma vez que o tema é conhecido e nominado, por autores que o estudam do ponto de vista
jurídico, pelos termos mobbing, bullying, acoso moral, harassment (Castro, 2015), dentre outras
expressões. Por esta diversidade de nomenclaturas, já se observa um clima de imprecisão e dúvida
sobre o fenômeno do assédio moral.
Há algumas diferenças de sentido entre os termos citados, porém estas são pontuais, pelo que
não serão discutidas à exaustão, uma vez que não se objetiva neste trabalho a determinação de qual
termo é o mais adequado, de modo que se utilizará apenas “assédio moral” ao longo deste relatório
de pesquisa.
Mobbing tem origem no vocábulo mob, derivado do inglês, que tem o sentido de uma
multidão de indivíduos agindo de forma violenta, ou bando de animais que cercam a caça (PRATA,
2014). Tal sentido tem muito a ver com o assédio moral, uma vez que a vítima é cercada pelo agressor
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como uma presa. O termo acoso deriva da ação de perseguir cavalos em campo aberto, a fim de domá-
los ou por diversão (PRATA, 2014). O termo harassment é utilizado no sentido de ataques repetidos,
com o objetivo de importunar. O bullying é geralmente usado de maneira mais ampla do que para
designar o assédio moral no trabalho, abrangendo agressões físicas e abuso sexual (CASTRO, 2015).
Todavia, a palavra bullying é comumente usada para designar a violência em ambientes escolares
(PRATA, 2014).
No Brasil, o termo mais utilizado na área acadêmica é “assédio moral”, que foi difundido por
Barreto (2005), seguindo o modelo de Hirigoyen (2002). A opção dos autores por uma terminologia
unificada é uma opção mais adequada, uma vez que a compreensão dos trabalhos sobre o tema poderia
ser facilitada, uma vez que não se tem de lidar com uma infinidade de termos distintos. (CASTRO,
2015).
A partir disto, percebe-se que o tema do assédio moral deve ser bem delimitado e conceituado,
a fim de trazer maior segurança jurídica ao empregador, além de conferir proteção aos empregados,
que saberão os limites de seu direito, ao passo que facilitará aos juízes a identificação do ilícito,
possibilitando a reparação.
Sobretudo é importante definir com precisão quais elementos devem ser levados em
consideração ao se compor o conceito de assédio moral no âmbito doméstico, delimitando o direito
desses trabalhadores, maximizando a eficiência na aplicação do instituto, ao mesmo tempo
permitindo especial proteção a essa classe tão vulnerável de trabalhadores.
Para se iniciar a discussão sobre o tema, é salutar que seja estabelecida uma definição de
assédio moral, que sirva ao menos de base para a compreensão do assunto tratado, sem contudo
esgotar a conceituação. Será utilizada a definição de Nascimento (2004), por seu caráter conciso e ao
mesmo tempo abrangente, que servirá de apoio para discussões mais aprofundadas ao longo do texto.
Para ela, assédio moral é:
[...] uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atente contra a dignidade psíquica, de
forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e
constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade
psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o
ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
(NASCIMENTO, 2004. p. 299).
Não é toda situação desagradável no trabalho que pode ser considerada assédio moral, sob
pena de descaracterização e banalização do instituto. Portanto é necessário que se faça uma distinção
clara do que não é assédio moral. (SOBOLL et. al, 2008). Tal flexibilização conceitual do assédio
moral, feita pelos atores sociais, se justifica diante do contexto atual do mundo do trabalho no Brasil,
marcado pela desigualdade, precarização, exploração intensa, abuso do poder diretivo e desemprego
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estrutural. (SOBOLL et. al, 2008). Ou seja, diante de tantos problemas vividos pelos trabalhadores, é
mais que natural que todas essas formas de abusos sejam confundidas e taxadas como assédio moral,
da onde a imprecisão conceitual encontra guarida.
Começando a diferenciação, inicialmente cabe ressaltar que o assédio moral não se confunde
com o dano moral, na medida em que este é produto daquele.
Para a psicóloga francesa Hirigoyen (2002, p. 145), o assédio moral causa uma espécie de
“mutilação psíquica” na vítima, afetando sua capacidade de reagir emocionalmente, de pensar e de
perceber o mundo. Ainda, segundo a mesma autora, “Não se morre diretamente de todas essas
agressões, mas perde-se uma parte de si mesmo. Volta-se para casa, a cada noite, exausto, humilhado,
deprimido. É difícil recuperar-se” (HIRIGOYEN, 2002, p. 66).
A partir de tais considerações, é possível perceber que o assédio moral atinge a vítima em sua
personalidade, de forma que, a consequência do assédio moral é o dano moral. A extensão do dano
dependerá da gravidade ou intensidade das práticas do assediador.
Há na doutrina autores que pensam existir assédio moral apenas quando a vítima sofre danos
psíquicos. Uma doutrinadora que pensa desta forma é Sônia Mascaro do Nascimento, que para tanto
defende que:
Todavia, tal pensamento restritivo não deve prosperar, pois mesmo que não haja dano psíquico
ou físico, subsiste uma série de violações de direitos constitucionais causadas pelo assédio moral,
como por exemplo a honra, intimidade, igualdade e não discriminação, que merecem ser reprimidas.
Para além da discussão sobre a existência ou não de prejuízo ou sofrimento da vítima, há valores
caros ao ordenamento jurídico em jogo quando se trata de assédio moral.
Ademais, ao se considerar que os danos à saúde da vítima sejam um elemento intrínseco do
assédio moral, está se condicionando a classificação como assédio moral às características do
ofendido e não do ofensor, de modo que abre-se espaço para injustiça e desigualdade. Isso porque
uma mesma situação de assédio pode causar dano psíquico ou físico em determinado sujeito e em
outrem não, a depender da compleição física e mental da vítima. Apoiando-se neste raciocínio, aquele
sujeito que for mais resistente ao assédio e não adoecer não seria indenizado pelo assédio moral, ao
passo que aquele que adoeceu o seria, criando a desigualdade de tratamento de pessoas em uma
mesma situação.
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Também é errônea esta abordagem, pois leva em conta como assédio moral somente casos
graves e com maior duração, que naturalmente são aqueles que tem maior condão de ensejar danos
físicos e psíquicos. (CASTRO, 2015). Contudo, como asseveram Piovesan e Rodrigues, o assédio
moral consiste de maneira geral em micro agressões, não devendo-se esperar, para bem caracterizar
quais atos seriam assédio moral, a presença de grandes ações. O Assédio moral se manifesta com
sutileza, que encobre os atos mas não evita as consequências dos comportamentos do assediador.
(FIORELLI, 2015)
Diante do exposto, é presumível o dano moral, em casos de assédio moral, e portanto
reparável mesmo se não houver comprovados danos físicos ou psíquicos, uma vez que se está diante
de ofensa a direitos fundamentais.
Claro que na valoração da indenização no caso concreto entende-se justo que se julgue maior
o valor dos danos sofridos à aquele que de fato adoeceu devido ao assédio moral, contudo é por
demais excluir a existência de assédio apenas por característica pessoal da vítima.
Como conclusão deste raciocínio, entende-se que os danos à saúde do trabalhador não fazem
parte do conceito de assédio moral, mas figuram como elementos acidentais, presentes apenas em
alguns casos (CASTRO, 2015), e úteis para se estipular o quantum indenizatório, não para
descaracterizar a existência do mesmo.
Não se deve confundir o poder diretivo do empregador com o assédio moral. O poder de
direção autoriza ao empregador que use de meios para fazer com que o empregado se submeta a seus
comandos, no exercício do trabalho e com vistas a fiscalização e disciplinamento da economia interna
da empresa (DELGADO, 2011).
Contudo, tal prerrogativa possui limites estabelecidos pela Constituição, ancorados ainda na
boa fé e bons costumes. Deve o empregador, no exercício de seu poder de direção, respeitar a vida,
liberdade, intimidade e honra dos seus empregados (art.5°, Caput e incisos II e X da CRFB/88), além
dos demais direitos fundamentais de todo o cidadão, expressos na Constituição, sendo a violação
passível de indenização (art.5°, X da CFRF/88).
Deste modo, qualquer atitude que extrapole o permitido pelo Direito do Trabalho, interpretado
à luz das normas constitucionais vigentes, e fira a dignidade do trabalhador está sujeita a ser
enquadrada como assédio moral, caso presentes os demais requisitos desse. Este é o ponto de
intersecção entre poder diretivo e assédio moral.
É de se destacar, contudo, que o exercício abusivo do poder de direção, nos moldes contrários
aos parâmetros legais e da boa-fé e ferindo a dignidade do trabalhador não caracteriza por si só o
assédio moral. E não está se falando aqui apenas sobre o preenchimento dos requisitos específicos do
assédio, mas sobre o que seria um “limite tolerável de abusividade”. Por exemplo, mesmo se o
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empregador profere ordens ríspidas e tem atitudes mal educadas, não será assédio se os atos não
tiverem característica de promover a perseguição, hostilidade ou constrangimento ao empregado
(OLIVEIRA, 197).
Hirigoyen argumenta na mesma linha, concluindo que é necessário que haja uma violência
repetitiva, com vista a desprezar o outro e assim, obter um sentimento de poder sobre este. Segundo
ela, não são assédio moral episódios de violência pontuais, tais como grosseria, nervosismo e mau
humor, uma vez que a isto todos estão sujeitos nos ambientes de convivência humana. (HIRIGOYEN,
2002)
Porém, há que se considerar o caráter impreciso do que seriam atos ofensivos ao trabalhador,
pois o que numa determinada época é suficiente para ferir a esfera subjetiva do “ser humano médio”,
talvez em outros tempos não mais o seja, estando o entendimento de atos abusivos atrelado a critérios
sócios temporais. (OLIVEIRA, 197)
Apesar da inexatidão quanto aos atos, modos e intensidades intoleráveis, que configurariam
assédio moral, não será explanado sobre quais seriam os limites que diferenciariam uma atitude
meramente grosseira do assédio propriamente, por uma questão de recorte metodológico.
Em que pese o fato de que não se determinou com precisão quais atos e em que intensidade
esses denotam assédio, há esforços de autores que buscaram uma saída para esse impasse. A título de
exemplo, cabe citar o trabalho de Heinz Leymann, que estabeleceu uma lista de 45 comportamentos
hostis que para ele configuram assédio moral. (HIRIGOYEN, 2002)
Tais comportamentos foram organizados em 5 categorias, para facilitar a compreensão:
1. Atividades que reduzem as possibilidades da vítima de comunicar-se adequadamente com
os outros, incluído o próprio assediador);
2. Atividades que evitam que a vítima tenha a possibilidade de manter contatos sociais;
3. Atividades dirigidas a desacreditar ou impedir a vítima de manter sua reputação pessoal
ou profissional;
4. Atividades a fim de reduzir a ocupação da vítima mediante o descrédito profissional;
5. Atividades que afetam a saúde física ou psíquica da vítima. (PANCHERI, 2017).
Esta categorização é deveras importante para se ter uma ideia mais clara de quais espécies de
comportamentos podem configurar assédio moral, contudo estes não são os únicos, pois podem existir
outros que nela não se encaixam.
Nas entrevistas realizadas com empregadas domésticas, verificou-se algumas atitudes
abusivas que se repetem com frequência nos relatos, como por exemplo desconfianças sobre objetos
que somem nas casas, com acusações das patroas para com as empregadas. Também é comum o uso
de apelidos pelas patroas, para intimidar ou zombar das trabalhadoras domésticas. Abaixo exemplos
extraídos das entrevistas, demonstrando o uso de apelidos:
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Entrevista 2: As crianças são muito levadas, na hora de pentear os cabelos delas, elas gritam
que estou arrancando os cabelos delas e me chamam de gorda, baleia assassina. Entrevista
3: A patroa fica dizendo para usar roupas decentes e não de “Periguete”. A patroa a apelidou
de “periguete” e a chama disto o tempo todo, quando precisa que ela faça algo.
Entrevista 6: Que a patroa a apelidou de maria-mole, pois o nome da empregada é Maria e
a patroa pensava que ela fazia corpo mole. Sempre usava este apelido (Dados da entrevista).
1
Entrevista 5: A patroa conta os talheres, e se faltar um, ela acusa que está sumindo. Diz que
a patroa olha na sua bolsa quando pensa que ela não está vendo, e que já pegou-a fazendo
isso diversas vezes.
Entrevista 3: Uma relação muito difícil, pois a patroa fica com desconfianças, perguntando
se ela conhece alguém que rouba na comunidade onde ela mora, se conhece algum presidiário,
e fica dizendo para não levar ninguém na casa enquanto ela não estiver lá. Que a patroa fica
conferindo as coisas e de vez em quando acusa que sumiu algo. Diz que mora na comunidade,
e todo dia a patroa indaga se ela tem colegas ou namorado na favela, e diz que não é para
levar ninguém da comunidade lá na casa. A patroa vive testando a sua honestidade, deixando
pequenas quantias de dinheiro jogadas pela casa, para verificar se ela pegaria. Muitas vezes
a patroa disse que havia sumido algo, como por exemplo um brinco, a carteira, os óculos,
sapatos, e depois que ela faz um escândalo, acusando-a, as coisas aparecem. Depois que as
coisas aparecem novamente, a patroa fala que ela não está trabalhando direito, pois as coisas
não sumiriam assim se ela as colocasse nos devidos lugares. 2
1
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em Belo Horizonte em out. 2017.
2
Dados da Pesquisa. Pesquisa de campo realizada em Belo Horizonte em out. 2017.
20
gerenciamento empresarial por si só não configuram assédio moral, contudo favorecem seu
surgimento. Neste sentido, Schmidt escreveu:
Nesse passo, é possível estabelecer um paralelo entre a modernização das relações de trabalho
e assédio moral. Com efeito, o novo perfil exigido do trabalhador favorece o
desenvolvimento de situações de assédio moral. Assim, de um lado, estabelece-se que o novo
trabalhador deve ser competitivo, capaz, qualificado, criativo e polivalente. De outro lado,
esse novo trabalhador sente, em sua pele, que não estar ‘apto’ a esta nova realidade pode
significar a perda do emprego. Em outras palavras, o medo de perder o emprego pode
favorecer o aparecimento da submissão e o desenvolvimento da humilhação. (SCHMIDT,
2002 p. 180-181)
Por último, é importante estabelecer a diferenciação entre assédio moral e práticas rígidas de
gerenciamento empresarial. Não é assédio moral a situação em que todos os trabalhadores de uma
organização estão submetidos a tratamento abusivo e estressante, denominada por alguns autores
como “gestão por injúria”. Só é assédio moral se uma pessoa ou um grupo de trabalhadores esteja
sofrendo tratamento discriminatório ou degradante, e não todo um quadro de funcionários, por meio
de uma política agressiva de gestão. (PINTO, 2012).
Outros estudiosos nomeiam tal circunstância como Bossing, especificando a circunstância
em que empresas se utilizam de uma estratégia dura de tratamento aos empregados, a fim de
selecionar aqueles que mais aguentam a pressão, ou mesmo para forçar pedidos de demissão. (PRATA,
2014). Ainda segundo Prata (2014), tal comportamento de gestão se diferencia do assédio moral pelo
fato de que provoca danos tanto para os funcionários quanto para a empresa, que passa a sofrer com
“[...] ausências por motivo de licenças médicas e com a desmotivação do quadro de pessoal.” (p.83.
grifos do autor)
Embora na visão de muitos autores os danos decorrentes de bossing, ou gestão por injúria,
independentemente da denominação utilizada, possam ser demandados em juízo, há que se
reconhecer a diferença de tal instituto para o assédio moral, haja vista as diferenciações já explicitadas.
No Brasil, não há lei específica tratando do assédio moral nas relações de emprego entre
particulares. Existem apenas leis regulamentadoras de algumas categorias de servidores públicos de
estados e municípios, as quais proíbem o assédio moral no trabalho e cominam penalidades, ainda
assim de forma indireta, por serem leis que versam predominantemente sobre outros assuntos.
(CASTRO, 2015)
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A primeira lei a tratar de assédio moral no âmbito do serviço público foi a lei n° 3.921, de 23
de agosto de 2002, do estado do Rio de janeiro. Tal lei veda o assédio moral nos órgãos, e repartições
de todos os entes da administração e esferas de poder do Rio de Janeiro.
No Mato Grosso foi sancionada a Lei Complementar n° 347/2009, alterando o Estatuto dos
Servidores Públicos daquele estado, para proibir o assédio moral e sexual entre servidores.
Concernente aos municípios, Iracemápolis (SP) foi o primeiro a promulgar lei sobre assédio
moral, e partir desta surgiram uma série de leis semelhantes em várias outras cidades.
Existem ainda alguns projetos de lei em tramitação com respeito ao assédio moral. Na seara
penal há o PL 4.742/01, de autoria do deputado Marcos de Jesus. Tal proposta visa acrescentar o art.
136-A no Código penal, e fazer com que o assédio moral no trabalho seja tipificado como crime
(PRATA, 2014 p. 26).
Outro projeto de lei em destaque é o PL 6757/2010, com vistas a inserir na CLT uma definição
de assédio moral, bem como estabelecer a possibilidade de rescisão do contrato de trabalho pelo
empregado assediado, com a devida indenização. Também se propõe a majoração do quantum
indenizatório se verificada culpa exclusiva do empregador pelo fato da “coação moral” (denominação
presente no projeto) vivenciada pelo trabalhador. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2017)
Conclui-se que apesar de existirem muitas legislações tratando do assédio moral, elas estão
espalhadas pelo ordenamento, e não possuem aplicação geral no território brasileiro. Além do mais,
são diplomas que tratam do assédio moral de maneira indireta e pouco específica, além de se
limitarem ao âmbito da administração pública, protegendo apenas servidores públicos.
Ademais, há muitos projetos de lei em tramitação, desde muito tempo, sem haver até o
presente momento a aprovação de um diploma único e geral sobre a matéria, o que facilitaria o
entendimento dos aplicadores do direito e traria aos trabalhadores maior consciência sobre o assédio
moral e os direitos que decorrem deste.
Com tal inércia legislativa, cabe uma reflexão sobre os motivos que levam aos parlamentares
a não aprovarem uma lei federal a respeito do assédio moral. Acredita-se que essa inércia se deva ao
fato de que a matéria possui vários pontos controversos, que dificultam a aprovação, pois se necessita
de muita discussão técnica.
Outro motivo quer pode estar causando a demora numa aprovação de lei é o “o receio de que
a normatização do instituto em tela vá aumentar atritos na relação entre empregados e empregadores,
prejudicando a atividade econômica.” (PRATA, 2014 p.30)
Assim sendo, verifica-se que é necessário maior estudo e desmistificação do tema assédio
moral, para que sejam eliminadas as controvérsias, na medida do possível, de forma que as dúvidas,
22
mitos e temores acerca do mesmo se dissolvam, e seja possível a aprovação de uma lei de assédio
moral.
[...]A reclamante busca a reforma da sentença que rejeitou o pedido de indenização decorrente
de assédio moral. A indenização requerida pela reclamante tem por base as informações da
petição inicial, na qual consta que a reclamada a submeteu a humilhação e xingamentos, além
de tratamento desumano e degradante com proibição de saída do serviço para tratamento
médico. Diz ainda que na última semana trabalhada, a reclamada não forneceu refeição, mas
apenas café e pão, deixando-a mais debilitada. Em razão disso alega ter sofrido assédio
moral, pleiteando uma indenização por danos morais com fulcro no art. 5o, V e X, da CF (fl.
05). [...]
Em verdade, a contar pelos relatos das entrevistas, e pela grande quantidade de histórias
narradas na página do Facebook “Eu empregada doméstica”, verifica-se que de fato há uma baixa
procura da justiça pelos domésticos vítimas de assédio moral.
Ademais, dos poucos julgados a respeito de assédio moral contra domésticos no TST e TRT3
ª região, a maioria rechaça os pedidos de indenização infundados sem provas, sendo raros os pedidos
julgados procedentes. Se pode ver essa tendência nos acórdãos seguintes:
[...] Afirmou a autora na inicial que foi vítima de assédio moral, pois o filho da primeira
reclamada, Luiz Antônio, a tratava de forma ríspida e grosseira, tentando impor respeito por
meio de gritos, ofensas verbais e humilhações, situação que se agravou quando a reclamante
comunicou sua gravidez. [...]
[...] A imprecisão do depoimento não autoriza o deferimento da pretensão, ainda mais
quando o pretenso ofensor foi excluído do pólo
(sic) passivo da lide nesta instância, porque não compôs a lide originária.
Como é cediço, para a caracterização do dano moral, é indispensável a ocorrência
concomitante de três elementos: o ato ilícito do agente (comissivo ou omissivo), o dano
propriamente dito e o nexo de causalidade entre os dois primeiros. E, diante da nítida
fragilidade da prova oral, conclui-se que a reclamante não se desvencilhou a contento
do ônus de provar suas alegações, não restando demonstrados o ato ilícito ou o dano.
Ante o exposto, provejo nesse aspecto o apelo da ré, decotando da condenação o
pagamento de indenização por danos morais. [...] (TRT 3ª Região. Recurso Ordinário n°
0103900-19.2009.5.03.0149. Relator: Vitor Salino De Moura Eça. Belo Horizonte, 19 maio,
2010. grifos nossos.)
[...] O que se percebe dos depoimentos da autora e da ré, aliado ao depoimento da testemunha
acima, é que ocorreu um desentendimento entre as partes, que ensejou a ruptura contratual,
especialmente por descontentamento da demandante com a ordens emanadas pela
empregadora e a forma de cumpri-las. Nada há nos autos a demonstrar que a autora tenha
sido, ao longo do pacto laboral, humilhada de forma sistemática a configurar assédio moral,
ou mesmo, que após sua dispensa, tenha a empregadora denegrido sua imagem perante
terceiros lhe prejudicando de alguma forma, ônus probatório, no aspecto, que incumbiu à
demandante, nos moldes do artigo 818 da CLT e 333, inciso I do CPC. Nega-se provimento
ao recurso. [...] (TST. Recurso de Revista n° 575-78.2011.5.04.0521. Relator: Douglas
Alencar Rodrigues. Brasília, 27 maio, 2015. grifos nossos.)
Deste modo, é possível concluir que os tribunais estão atentos, pelo menos nas relações de
trabalho domésticas, ao fato de que precisam desprover pedidos de assédio moral que não estejam
fundamentados em provas.
Verificou-se pelas entrevistas realizadas, que a maioria das trabalhadoras domésticas
entrevistadas nunca procurou a justiça do trabalho para reivindicar direitos. Prevaleceu entre as
entrevistadas a opinião de que a Justiça é dispendiosa e demorada, e outras não souberam responder:
Entrevista 1: Disse que a justiça é muito demorada.
Entrevista 3: Disse não saber responder, visto que nunca procurou a justiça.
Entrevista 5: Ela não acha que a Justiça do Trabalho seja confiável, uma vez que tem duas
amigas que procuraram a justiça, mas que não deu certo, não lhe deram razão.
Entrevista 6: Disse que teve vontade de procurar a justiça, mas que procurou um advogado
e este a desencorajou, pois não havia provas dos maus tratos. (Dados da entrevista). 3
Percebe-se que a busca do judiciário pelos domésticos para demandas sobre assédio moral é
pequena, e que nos casos existentes os juízes souberam discriminar aqueles pedidos infundados em
provas.
Ainda, verificou-se que os magistrados, de acordo com os acórdãos analisados, estão atentos
para recusarem o provimento de pedidos que não se configuram como assédio. Como exemplo:
A condenação do empregador ao pagamento de indenização por dano moral ao
empregado exige a comprovação da prática de abusos, perseguições infundadas ou
atitudes reiteradas voltadas a minar a integridade psicológica do trabalhador.
Contudo, na hipótese dos autos, o reclamante não logrou êxito em provar as suas assertivas,
ônus que lhe competia, a teor do disposto nos art. 818 da CLT e 373, I, do CPC. Eis o que
declarou a testemunha do autor a respeito:
[...] que presenciou em uma oportunidade em que a Sra. Afra chamou e gritou com o
reclamante alguma coisa relacionada com café; que já ouviu colegas conversando sobre "uma
briga feia" que ocorreu entre o reclamante e a Sra. Afra; [...] (depoimento de Willian Martins
da Silva, Id 0012eac, p. 02)
Com efeito, de tal declaração não se verifica a suposta perseguição ou violência
psicológica dirigida ao reclamante por determinado superior hierárquico, capaz
de gerar danos à honra e à imagem do empregado, carecendo de respaldo fático
a pretensão inicial de reparação por assédio moral.
Nesses termos, não reconheço o alegado dano moral, porquanto o reclamante não apontou
qualquer fato específico que autorize a concluir pela ocorrência de ato ilícito a justificar a
indenização por danos morais. (TRT 3ª Região. Recurso Ordinário n° 0010840-
32.2015.5.03.0003. Relator: Luiz Antônio De Paula Iennaco. Belo Horizonte, 04 out. 2017.
grifos nossos.)
Ainda:
Os bilhetes escritos pelo réu (ids. b0f233e - Pág. 1 e 47aba6d), d.v., não autorizam concluir
que a era vítima de constantes ofensas e humilhações, ou tratada com excessiva rispidez.
No bilhete de id. 47aba6d, o reclamado reclama que está "faltando ideia" à
reclamante e, ainda assim, examinado seu teor, e pelo contexto, há queixa do
empregador quanto a falta de imaginação da empregada na composição do
cardápio diário, diz que não quer repetir no jantar o que foi servido no almoço e indica
preferências em relação aos alimentos. Veja-se o teor do referido bilhete: "Está de faltando
ideia. Não tem legumes à noite. O peixe é do almoço. Feijão só vou comer uma vez por dia
no almoço. O pato não está desfiado. não estou a fim de tirar osso. Não faça nunca mais
peixe frito".
No outro bilhete juntado, sob o id. id. b0f233e - Pág. 1 - "Ou eu sou burro, ou eu sou cego!!!
Onde está a nota da Click Mania? Ou os burros são outras pessoas? Trouxa é quem paga
sem ver o resultado da encomenda" - o que se tem é a demonstração de extremo desagrado
com compra paga e sem que fosse deixado o comprovante fiscal. E fato é que ao cumprir
a ordem e fazer a compra o menor cuidado que o empregado deve ter é de deixar o documento
comprovando o valor - e logo no início do bilhete fica evidente que já fora instruída a autora
3
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em Belo Horizonte em out. 2017.
A
26
a deixar a nota de compra. O bilhete é de fato ríspido, mas a falha da reclamante não foi
pequena.
Não se pode concluir por ocorrência de assédio moral decorrente de rispidez de tratamento
por esses dois bilhetes. O reclamado se queixa de diretrizes dadas e não atendidas. Não é
possível concluir daí por comportamento antijurídico do empregador a ensejar reparação
por assédio moral.(TRT 3ª Região. Recurso Ordinário n° 0010264-49.2017.5.03.0074.
Relator: Maria Stela Álvares Da Silva Campos. Belo Horizonte, 04 out. 2017. grifos nossos.)
Por tudo isso, pode-se afirmar que no âmbito das relações de emprego doméstica não há
banalização do assédio moral no judiciário, uma vez que estão sendo rechaçados pedidos sem provas
ou fundados em atitudes que não configuram de fato o assédio.
No próximo capítulo será explanado acerca dos elementos que necessariamente compõem o
assédio moral, e aqueles nos quais se defende que não são importantes para que este se configure.
27
Neste capítulo será demonstrado que os elementos que compõem o conceito de assédio
moral são: conduta lesiva à dignidade do trabalhador e a repetitividade e habitualidade das
condutas. A despeito das posições doutrinárias contrárias, a existência do dolo não deve ser
considerada para a caracterização do assédio moral, apenas sendo necessária a comprovação da
culpa. Também será demonstrado que o dano moral decorrente do assédio é presumido.
O assédio moral é uma violação dos deveres inerentes ao contrato de trabalho, os quais
pressupõem tratamento leal mútuo e o dever jurídico de respeito à dignidade e à personalidade
do outro. (NETO, 2005).
Para Hyrigoyen (2002), o sujeito assediador toma atitudes de assédio recorrendo para
isso de estratégias para alcançar seus pontos fracos, usando de injúrias, insultos e pressionando
os trabalhadores. A consequência de tal comportamento é a perda da confiança do assediado em
si mesmo.
As condutas abusivas consideradas assédio moral são aquelas que humilham, isolam,
desqualificam, ou mesmo qualquer atitude que por sua natureza contribuem para a destruição
psicológica da vítima (GUEDES, 2003). Tais condutas de assédio afetam a moral da vítima, ou
seja, afetam o indivíduo em suas relações sociais, sendo capazes de corromper o conceito que
a pessoa possui de si mesma, e perante os outros. São afetados por consequência os direitos à
identidade, honra, direito ao respeito, à dignidade, e ao decoro pessoal. (BITTAR, 2001).
Os conteúdos psíquicos afetados são aqueles concernentes à inteligência, sentimentos,
sendo parte indissociável da personalidade do indivíduo. Também pode-se dizer que fazem
parte da personalidade da pessoa humana o direito à liberdade, à intimidade, à integridade
psíquica e ao segredo (BITTAR, 2001).
Assim sendo, pode-se dizer que o assédio moral é entendido como verdadeira redução
da personalidade, uma vez que ataca os fundamentos da personalidade do indivíduo,
28
obstaculizando seu desenvolvimento como ser humano, portanto, uma afronta a sua dignidade.
(GUEDES, 2003, p. 97).
A partir dessas reflexões, infere-se que o assédio moral é para além de um dano, um
prejuízo causado a alguém, é um ataque pessoal ao trabalhador, e indo mais além, um ataque
ao seu psiquismo e personalidade. Desta forma, percebe-se o quão grave é o fenômeno do
assédio moral, e por consequência com que rigor extremo este deve ser combatido, uma vez
que pode ocasionar além de um sofrimento subjetivo, a destruição da pessoa em si mesma.
No caso das domésticas entrevistadas, estas no geral disseram se sentir humilhadas, sem
forças e sobrecarregadas, em virtude de como eram tratadas nos seus empregos. As condutas
assediantes nos casos estudados centram-se prioritariamente em desconfianças, deboches em
questões relativas à aparência das trabalhadoras, ou sua condição social, e cobranças de serviço
agressivas. Abaixo um compilado dos relatos das entrevistadas, no qual estas descrevem como
se sentem em seus empregos, e a forma como o assédio moral se materializou em condutas:
Entrevista 2:Ela diz se sentir exausta e humilhada.As crianças são muito levadas,
na hora de pentear os cabelos delas, elas gritam que estou arrancando os cabelos delas
e me chamam de gorda, baleia assassina. A patroa concorda com as crianças, fala
que tenho a mão muito pesada, e que preciso de regime. Fala que eu não estaria
tão gorda se não assaltasse tanto a geladeira da casa dela. Diz que eu como o
iogurte das crianças, e que ela não compra iogurte caro para a empregada comer. Não
posso sentar um só momento que seja, e quando eu sento, ela debocha dizendo que
não é para eu sentar no sofá, porque ele pode quebrar com o meu peso.
Entrevista 3:As acusações são constantes, e é muito triste, principalmente porque
ela dorme no local de trabalho durante os dias de semana. A patroa fica com
desconfianças, perguntando se ela conhece alguém que rouba na comunidade onde ela
mora, se conhece algum presidiário, e fica dizendo para não levar ninguém na casa
enquanto ela não estiver lá. Que a patroa fica conferindo as coisas e de vez em
quando acusa que sumiu algo. A patroa vive testando a sua honestidade, deixando
pequenas quantias de dinheiro jogadas pela casa, para verificar se ela pegaria. Muitas
vezes a patroa disse que havia sumido algo, como por exemplo um brinco, a
carteira, os óculos, sapatos, e depois que ela faz um escândalo, acusando-a, as
coisas aparecem. Depois que as coisas aparecem novamente, a patroa fala que ela
não está trabalhando direito, pois as coisas não sumiriam assim se ela as colocasse nos
devidos lugares.
Entrevista 4:Ela diz que além do cansaço do serviço, ainda é humilhante, pois
tem que ouvir desaforos. Relata que a patroa fica enciumada, acusando-a de estar se
insinuando para seu marido, tentando conquistá-lo. Reclama das roupas dela,
dizendo que são muito apertadas e indecentes, fica indagando porque ela usa tal
batom, que seria muito provocante. Conta que a patroa fica dizendo para ela
usar roupas de gente decente e não de “periguete”
29
Entrevista 5: Ela diz que não pode atrasar um minuto no serviço. É acusada de
quebrar os pratos e os copos. A patroa conta os talheres, e se faltar um, ela acusa
que está sumindo.Diz que a patroa olha sua bolsa quando ela não está olhando,
que já pegou diversas vezes. Diz que desde que coloca os pés na casa para
trabalhar, que sua vida se transforma num inferno. Relata que a patroa lhe indaga
a todo momento porque ela não fez determinado serviço no dia anterior, ou que o
serviço ficou mal feito. A patroa diz que está pagando o seu salário e que ela não está
valendo o salário pago.Ela fica calada, e finge que a patroa está certa, pois precisa
muito do emprego, para sustentar os filhos, pois é mãe solteira. Relata que na
hora do almoço, perde até a fome, de tanto sofrimento.
Entrevista 6:Ela diz que resolveu pedir demissão, pois não aguentava as
humilhações e os descontos no salário. A patroa reclamava se ela atrasava, porém
como ela depende de transporte público, por morar longe, fica de pés e mãos atadas,
mas que a patroa não tinha compreensão. A patroa dizia que “isso que dá contratar
pobre, empregada tem que ser pobre mas não tão pobre assim, devia ter pelo
menos um carro ou morar mais perto, e não onde judas perdeu as botas”. A patroa
falava que ela chegava no serviço cansada, porque mora muito longe, não aguentava
fazer nada. Dizia que quando ela a procurava para algo, que ela estava no banheiro
toda hora, o que não era verdade. Na verdade a patroa não gostava que ela fosse no
banheiro, pois achava desperdício de tempo da empregada. Diz que sua saúde não
é muito boa, e que na época em que trabalhava naquela casa ela costumava trabalhar
doente, se arrastando, para não faltar, com receio de faltar e ser dispensada. A patroa
não tinha compreensão, apesar da empregada estar doente, ela reclamava que a
empregada era folgada e fazia corpo mole. Relata que a patroa a apelidou de Maria-
mole, pois o nome da entrevistada é Maria, pois achava que a entrevistada fazia
corpo mole. Sempre usava esse apelido (Dados da entrevista).4
4
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em Belo Horizonte em out. 2017.
30
E ainda:
Caracteriza-se o assédio moral como a reiterada perseguição, devendo haver por
parte do empregador o ânimo de depreciar a imagem e o conceito do empregado
perante si próprio e seus pares, acarretando a diminuição de sua autoestima.
Necessária a prática reiterada de condutas abusivas, humilhações e intimidações
com o objetivo de desestabilizar a vítima emocionalmente, abalando a sua saúde
psíquica e sua dignidade.
Trata-se, em outras palavras, da repetição de condutas abusivas por parte do
empregador ou preposto seu, agredindo sistematicamente o empregado e
provocando-lhe constrangimentos e humilhações, com a finalidade de
desestabilizá-lo em seu aspecto emocional e excluí-lo de sua posição no emprego,
com notória ofensa à dignidade humana. (TRT 3ª Região. Recurso ordinário n°
44.0000823-93.2010.5.03.0137. grifos nossos.)
Conclui-se que nos julgados que tratam sobre assédio moral contra empregados
domésticos, a temporalidade é tratada mais como um parâmetro para a mensuração da
indenização e não como uma exigência para a existência do assédio. Quanto maior o tempo em
que o empregado foi submetido ao assédio, maior será o valor da indenização:
Existe, pois, um dano a ser reparado. No caso presente, a prática injurídica perpetrada
pelo réu causou danos à autora no âmbito moral, o que culminou na sua incapacidade
laboral em decorrência das doenças de ordem psicossocial (estresse, hipertensão
arterial e depressão). Em consequência de todo o exposto, é correto o deferimento
daindenização pleiteada a título de danos morais. No que tange ao valor arbitrado para
a indenização por danos morais, entendo que R$ 13.950,00 (treze mil e novecentos e
cinquenta reais), correspondente a 30 salários mínimos atuais, é razoável, levando-
se em conta a gravidade da lesão de ordem moral e o tempo de serviço prestado
ao empregador. (TST. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° 186340-
59.2008.5.03.0100. grifo nosso).
5
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em Belo Horizonte em out. 2017.
32
Assim sendo, fica claro que não importa a quantidade de tempo em que a pessoa esteja
submetida aos abusos, para que seja configurado o assédio moral, pois independentemente disto
pode haver produção de efeitos destrutivos sobre a vítima.
No sentido de que a intensidade e lesividade ao trabalhador é determinante para
estabelecer o assédio moral, mais do que um parâmetro temporal rígido, não se pode entender
que a falta de insurgência da vítima expressa tolerância diante do comportamento agressivo.
(SOBOLL et al., 2008). Isso porque se a vítima não reage, isto não implica automaticamente
no fato de que as condutas agressivas não atingem sua subjetividade, mas que talvez exista
algum tipo e receio por parte do trabalhador, que seja um impedimento para que este tome
alguma atitude.
Como assevera Hyrigoyen (2002), o assédio moral pode provocar diversas mudanças
psíquicas na vítima, alterando sua identidade influenciando por longo tempo seu temperamento.
Podem ocorrer sintomas do que a autora denomina como “desvitalização”, na qual a vítima de
assédio passa a pensar compulsivamente sobre os fatos traumáticos ocorridos, até um ponto em
que perde-se o ânimo e paixão pela vida. Ou seja, a pessoa se torna imobilizada e incapaz, talvez
definitivamente, de se livrar dos sentimentos de fracasso e derrota, bem como pode se sentir
incapaz de sair da situação de violência.
No caso dos trabalhadores domésticos, verificou-se por meio das entrevistas realizadas
que estes na maioria dos casos estudados permanecem silentes diante dos maus tratos, muitas
vezes por recearem perderem seus empregos, ou por acreditarem que não há saída para suas
situações.
Contrariamente a esta tendência a permanecer no emprego, a entrevistada de número 6
disse que num dado momento confrontou sua patroa, e acabou por pedir demissão, por não
aguentar mais o assédio que vivia. Ela relata que sofria tanta angústia ao sair para trabalhar
todos os dias, que tinha sintomas físicos como dores de cabeça e no estômago, de forma que,
não mais aguentando a pressão, pediu para sair do emprego.
Por sua vez, a entrevistada número 3 relatou que tentou diálogo com seu patrão, pois
não estava convivendo bem com sua patroa, e que este nada fez, apenas se limitou a dizer que
as duas precisavam se entender.
As demais entrevistadas, em sua maioria, relataram que quando assediadas preferem se
calar e continuar o serviço como se nada houvesse acontecido, pois dizem precisar muito manter
o emprego, apesar de serem mal- tratadas, conforme se vê:
33
Entrevista 5: Ela diz que fica calada, e finge que a patroa está certa, pois precisa
muito do emprego, para sustentar os filhos, pois é mãe solteira. Relata que na hora do
almoço, perde até a fome, de tanto sofrimento.
Entrevista 3: Quando há conflitos, que ela ajuda a patroa a procurar os objetos
perdidos, e que fora isso não faz mais nada para mudar esta situação. Ela fica quieta
e não responde a patroa, mas fica triste com estas situações . 6
Destarte, percebe-se que apesar de não tomarem nenhuma atitude diante dos maus tratos,
que as trabalhadoras entrevistadas se sentem mal com os atos que vivenciam, de forma que
pode-se dizer que estas não concordam com o modo como são tratadas, mas toleram, numa
espécie de silenciamento, por receio de perderem seus empregos.
Conclui-se não ser o fator mais importante a se considerar ao tratar de assédio moral a
duração e frequência deste, mas a lesividade causada à dignidade do trabalhador e a
repetitividade das condutas. Ainda se infere que nem sempre a falta de reação da vítima significa
que esta não se sente lesada em seu íntimo, caracterizando-se o assédio mesmo que a vítima
não aja para pôr fim à violência.
Há autores que consideram o dolo como um dos elementos essenciais do assédio moral.
Um destes Barros (2004), que considera a intencionalidade um elemento necessário para a
conceituação do assédio moral, uma vez que o agente possui intenção de causar um dano
psíquico ou moral no empregado, de forma a degradar o ambiente de trabalho.
Na mesma linha, Zabala (2006) entende que o dolo do agente é inerente ao assédio
moral, pois em todo caso de assédio haveria um objetivo de intimidar, diminuir, amedrontar e
consumir a vítima emocionalmente e intelectualmente. Tais atos seriam tomados com o fim de
eliminar o funcionário da empresa ou mesmo satisfazer uma necessidade pessoal de agredir.
Outros teóricos, para além da subjetividade, interpretam que o dolo necessário à
configuração do assédio moral é algo mais objetivo, uma espécie de plano que se desvelaria
como a sequência dos inúmeros atos lesivos praticados. Desta feita, pensam que o conjunto das
ações do agressor deixa aparente sua intenção de atingir o trabalhador, de forma que não é
necessário inquirir sobre estados de ânimo para inferir-se o dolo. Dallegrave Neto (2005) é um
dos que assim entendem, argumentando que só é possível assédio moral com intencionalidade,
6
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em Belo Horizonte em out. 2017.
34
uma vez que há sempre um “plano” por parte do assediador, com o objetivo de destruir
emocionalmente a vítima.
No mesmo sentido, Barea (2002) defende que a prova da intenção no assédio moral não
pode ser considerada como diabólica, uma vez que “Trata-se que os próprios atos, a própria
sequência de atos e a própria sistemática de conduta evidenciam que há um plano, que se
persegue algo”. Desta forma, as atitudes assediantes em conjunto tomariam forma e desvelariam
o plano intencional do agressor em lesar a vítima, não sendo esta uma prova subjetiva (referente
a estados anímicos), mas de natureza factual.
Esta teoria é a mais adequada, uma vez que se exigir a prova de elemento anímico por
si só é impossível, de forma que se utilizados critérios objetivos, baseados nas atitudes do
agressor, para a aferição da intenção do assediador, não se está a querer que a vítima prove o
inalcançável.
Todavia, como argumenta Harald Ege, o assédio moral quase sempre possui como
consequência a retirada do trabalhador do seu posto de trabalho, contudo não se pode afirmar
que necessariamente que este seja o objetivo do assediador. A demissão da vítima inclusive por
vezes representa uma consequência indesejada para o assediador, que pode ser um sádico que
tem prazer em humilhar e envergonhar o perseguido, e por isso tem interesse que o assediado
continue sob seu domínio. (SOBOLL et Al. apud Harald Ege, 2008).
Castro não contempla o dolo como elemento essencial do assédio moral, defendendo
que “[...] o que realmente distingue o assédio moral das demais figuras próximas é a repetição,
a duração e a sistematização das atuações do ofensor que tenham por ‘efeito’ causar um abalo
à dignidade da vítima.” (CASTRO, 2015. p. 130).
Tal consideração possui sentido, tendo em vista que, se o magistrado observará apenas
os atos do agressor para presumir a intenção, como entende Barea (2002), o dolo neste caso se
confunde com as condutas ofensivas em si mesmas.
Ademais, cabe dizer que não faz sentido dizer que o dolo é necessário para a
caracterização do assédio moral, uma vez que com ou sem a intenção do agente em causar dano,
as vítimas vão sofrer com os abusos, não podendo-se dizer que a falta de intencionalidade
desqualifica o assédio, pois ainda assim há o dano contra a dignidade da pessoa e seu psiquismo.
Para além da inadequação de se considerar o dolo como um elemento para a
caracterização do assédio moral, cabe dizer que considerá-lo é ainda inconveniente. Isso porque
a prova do dolo é um ônus tormentoso e desnecessário. Tormentoso pois conseguir provas a
35
[...] No que tange ao argumento de que não teria o autor provado suas alegações nos
termos da inicial, melhor sorte não assiste à reclamada. Informou o obreiro, no exórdio,
ter sido humilhado por seus superiores, ofendido por expressões como burro,
incompetente, cavalo paraguaio, 'além de várias piadas extremamente ultrajantes' (fl.
04).A única testemunha ouvida a seu convite (fl. 373) confirmou que 'diariamente
eram cobrados no início da jornada quanto ao desempenho nas vendas; a supervisora
Roberta naquela cobrança chamava os componentes da equipe de incompetentes e
burros, incapacitados de fazer o trabalho'. [...]
[…] A respeito do tema ora enfocado, o art. 5º, inc. X, da Carta Magna assegura a
indenização por danos morais quando houver prejuízo à reputação, à boa honra, ao
decoro e à dignidade pessoal do empregado. Também, a responsabilidade do agente
pela indenização do ato por ele praticado ou a que deu causa tem suporte no art. 186
do Código Civil. [...]
36
[...] Destarte, não vislumbro violação direta e literal do artigo 5º, II, da Constituição
da República, bem como afronta à literalidade do artigo 186 do Código Civil, como
exige a alínea "c" do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. Note-se que
o Tribunal Regional verificou através da prova testemunhal ter havido
"constrangimento constante por parte da supervisora a toda sua equipe
subordinada", o que caracteriza "conduta dolosa ensejadora do dano moral".
Dessa forma, o Tribunal Regional condenou a reclamada ao pagamento da
indenização por danos morais. Em conseqüência, deu a exata subsunção da
descrição dos fatos ao conceito contido nos artigos 186 e 927 do Código Civil,
segundo os quais "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito" e "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano
a outrem, fica obrigado a repará-lo". [...] (TST. Agravo de Instrumento em Recurso de
Revista n° 8.498/2005-026-12-40.3. Relator: Renato de Lacerda Paiva. Brasília, 07
fev., 2007. grifos nossos)
E ainda:
[...] À vista do previsto no artigo 5.º, incs. V e X, da C.R./88, todo aquele que por
culpa ou dolo infringir os direitos da personalidade de outrem, fica compelido a
indenizar-lhe o prejuízo, porquanto a honra, a imagem, a integridade física e a
intimidade de qualquer pessoa são bens jurídicos protegidos constitucionalmente.
[...] Por fim, no que diz respeito ao valor atribuído à indenização, impende salientar
ser o arbitramento do dano moral do inteiro arbítrio do juiz, que, no entanto, deve
atender à repercussão econômica, à dor e ainda ao grau de dolo ou culpa do ofensor,
além de serem levados em conta os critérios de prudência e do bom senso. [...] (TST.
Agravo de Instrumento em recurso de revista n° 8.498/2005-026-12-40.3. Relator:
Renato de Lacerda Paiva. Brasília, 07 out., 2017).
Cabe ressaltar que o dano moral resultante do assédio é presumível, ou in re ipsa, sendo
desnecessária a realização de sua prova, uma vez que se refere ao desrespeito aos direitos da
personalidade da vítima. Tal entendimento é razoável, uma vez que se exigir a prova de um
dano moral é exigir prova diabólica, pois o sofrimento experimentado trata-se de estados
subjetivos do ofendido, os quais dificilmente tem-se como averiguar (PRATA, 2014). Assim
sendo, basta que seja comprovada a existência das condutas de assédio para que o reclamante
faça jus à indenização. O seguinte acórdão fundamenta muito bem a desnecessidade de prova
do dano:
humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar,
2003, p. 159-60).
No mesmo sentido, José Affonso Dallegrave Neto ressalta:
"Enquanto o dano material encerra perdas e danos que alcança os danos emergentes e
os lucros cessantes (art. 402 do CC), exigindo-se assim a prova concreta do prejuízo
sofrido pela vítima, no dano moral o valor é arbitrado pelo juiz que visa uma
compensação financeira para a vítima, sendo desnecessária a prova do prejuízo moral,
o qual é presumido da própria violação à personalidade da vítima:
(...)
Particularmente, entendo que o dano moral caracteriza-se pela simples violação de um
direito geral de personalidade, sendo a dor, a tristeza ou o desconforto emocional da
vítima sentimentos presumidos de tal lesão (presunção hominis) e, por isso,
prescindíveis de comprovação em juízo(...)
("Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho"- 2ª ed - São Paulo, LTr, 2007, pp.
151 e 154) (TST. Recurso de Revista n° 97/2006-108-15-85.4. Relator: Rosa Maria
Weber Candiota da Rosa. Brasília, 21 out. 2007. grifos nossos).
Foi exposto neste capítulo a dificuldade acerca da prova do assédio moral, sobretudo
tendo em vista os trabalhadores domésticos. Chegou-se a conclusão pela necessidade de
reflexão, a fim de se obter propostas para facilitar a prova do assédio moral. Neste esforço,
concluiu-se que a inversão do ônus da prova não se afigura como uma solução acertada.
Propôs-se a alternativa da prova por indícios, presente em sistemas jurídicos
estrangeiros e defendida por alguns doutrinadores, em casos de assédio moral. Ainda, verificou-
se a importância dos profissionais da área da psicologia e psiquiatria para elucidar a ocorrência
de assédio moral, constituindo uma alternativa probatória.
Verificou-se ser muito importante que os trabalhadores domésticos sejam instruídos a
recolherem o quanto antes provas do assédio moral sofrido, preferencialmente antes de
terminada a relação empregatícia, de forma a conseguir melhores resultados. Para tanto, é
necessário a classe esteja forte e unida, de forma que se realizem campanhas de conscientização,
dentre outros meios que informem aos trabalhadores sobre o assédio moral, como agir diante
deste e como procurar e defender seus direitos.
que a relação de emprego doméstica, por ser deveras íntima, vez que ocorre no interior dos
domicílios, faz com que provar o assédio seja uma tarefa difícil.
Cabe considerar que a despeito das inúmeras queixas de assédio moral, como observado
nas entrevistas realizadas e na página “Eu empregada doméstica” (EU EMPREGADA
DOMÉSTICA, 2017), o número de processos ajuizados por domésticos, que dizem respeito ao
assédio moral são em pequeno número nos tribunais, conforme demonstrado no capítulo tal
deste relatório de pesquisa. Talvez um dos motivos para que haja tão poucos processos de
domésticos, nos quais é reconhecido o assédio moral, seja devido à dificuldade em reunir provas
do assédio.
Nas entrevistas realizadas, verificou-se que a maior parte das domésticas entrevistadas
disse que no momento em que ocorreram os atos de assédio, estas se encontravam apenas com
o agressor.
Ademais, no caso das entrevistadas que disseram haver testemunhas dos atos de assédio,
muitas destas pessoas que presenciaram os fatos são parentes do agressor ou pessoas com
relações de afeto. Isso faz com que numa possível ação trabalhista seja muito provável que essas
pessoas que presenciaram o assédio não queiram servir de testemunha em favor do doméstico,
tendo em vista a estreita relação com a outra parte. Abaixo exemplos extraídos das entrevistas
quando as empregadas domésticas foram questionadas sobre a presença de testemunhas aos
atos de humilhação:
Entrevista 3, A patroa sempre fala na frente de suas visitas que na casa tudo some,
como se tivesse indo alguém quando ela não está lá, insinuando que seria a empregada.
Entrevista 5,: Só o patrão (Dados das entrevistas).7
7
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em Belo Horizonte em out. 2017.
41
Descobriu-se que em Belo Horizonte não há sindicato para a categoria dos domésticos,
e que no Estado de Minas Gerais há somente um sindicato, em Governador Valadares
(FENATRAD, 2017). O sindicato que existia há alguns anos em Belo Horizonte teve suas
atividades encerradas, em virtude de problemas de saúde e idade avançada da dirigente sindical,
conforme narrado por morador do entorno do local onde era sediado o sindicato, quando
indagado, no momento da pesquisa de campo.
Inclusive, tais fatos foram um obstáculo à pesquisa de Campo, dificultando o contato
do pesquisador com os entrevistados, uma vez que foi especialmente árduo encontrar pessoas
a serem entrevistadas. Isso se deu pelo fato de que, questionadas algumas pessoas, estas
geralmente evitavam indicar trabalhadores domésticos para participarem da entrevista. Outras
vezes os próprios domésticos é que não se dispunham a colaborar, talvez por receio de que as
informações prestadas a este estudo fossem as prejudicar de alguma forma. Felizmente tais
dificuldades foram superadas, tendo sido possível o desenvolvimento da pesquisa.
Diante destas informações, percebe-se como a categoria dos domésticos encontra-se
vulnerável no que concerne à organização da categoria, para a luta pelos direitos. A falta do
órgão de classe é um apoio a menos com que os trabalhadores possam se amparar em caso de
ocorrência de assédio moral.
A partir das considerações realizadas sobre a dificuldade da prova no que diz respeito
ao assédio moral, sobretudo no trabalho doméstico, se faz necessária uma reflexão acerca da
temática da prova, com o fito de buscar uma solução que possibilite a tutela dos direitos dos
trabalhadores.
O legislador estabeleceu por meio da Lei n° 13.467, de 13 julho de 2017 (Nova CLT)
dinâmico para a atribuição do ônus da prova. Como regra, cabe ao reclamante provar os fatos
constitutivos de seu direito, enquanto que ao reclamado cabe demonstrar fatos impeditivos,
modificativos ou extintivos do direito do autor:
42
Todavia, este sistema probatório abrange a possibilidade de haver realocação dos ônus,
como estabelece o parágrafo primeiro do art.818 da CLT, nos casos em que haja excessiva
dificuldade para uma das partes realizarem a prova:
Há quem defenda que o juiz, ao apreciar a prova deva, em caso desta mostrar-se
insuficiente, utilizar-se do princípio da proteção ao trabalhador, decidindo em favor do obreiro.
Contudo, grande parte da doutrina defende que o juiz deve se vincular às provas dos autos,
43
julgando em desfavor daquele a quem cabia o ônus. Isso porque ao valorar as provas o
magistrado não pode se orientar por critérios de hipossuficiência entre as partes, devendo
considerá-las iguais no momento da apreciação (PIERIN, 2017). Decidir em favor do
trabalhador em caso de prova duvidosa ou falta de provas é decidir apenas com base nas
alegações do autor, enquanto que a prova por indícios consiste apenas em não exigir provas
muito robustas ou cabais.
Assim, a hipossuficiência se opera no que diz respeito à capacidade probatória e não no
momento de valoração das provas, pelo que considerar o princípio in dubio pro operario para
valorar a prova é diferente de aceitar a prova por indícios. Avaliar provas utilizando-se do in
dubio pro operario pode dar margem a ações descabidas de assédio moral, acarretando sua
banalização (PIERIN, 2017).
Pelo exposto, a manutenção da carga probatória do reclamante se justifica
razoavelmente, uma vez que transferir ao reclamado o ônus de provar que não praticou assédio
moral seria cobrar dele a prova de um fato negativo, o que é exigir prova diabólica. Ademais,
não se deve basear a condenação por assédio moral com base apenas nas alegações do autor,
sob pena de banalização do instituto. Sendo assim, aparte que reclama assédio moral deve
suportar o ônus de prová-lo ao menos por indícios ou prova indireta da existência deste
(CASTRO, 2015).
Sustenta-se que em ações sobre assédio moral não se deve exigir uma prova plena.
Apenas seria necessário indícios racionais de que tenha havido condutas lesivas, a partir dos
quais o juiz embasará sua convicção pela existência do assédio, não sendo necessária
demonstração extenuante. O que se propõe com a alternativa da prova por indícios é que seja
exigido do reclamante uma espécie de “prova aliviada”, mas apesar disso o ônus de provar o
assédio permanece com o demandante. (CASTRO, 2015)
Contudo, não se deve confundir a prova por indícios com simples palpites ou suspeitas.
As suspeitas são fruto da imaginação do intérprete, não se apoiando logicamente na
racionalidade ou nos fatos, enquanto que os palpites são “pressentimentos” advindos da
44
subjetividade do intérprete acerca dos fatos, não dizendo nada a respeito da realidade destes
(PARRA QUIJANO, 1997).
A prova por indícios é definida como um conjunto de fatos a partir dos quais se pode
inferir a existência de outros fatos. É todo vestígio, ou circunstância que permita verificar
“rastros ou pegadas” de acontecimentos anteriores desconhecidos, num raciocínio indutivo
(PITT, 2008).
Na França se utiliza um sistema que poderia ser comparado ao de prova por indícios.
Os casos de assédio moral pressupõem que o empregado apresente fatos que permitam presumir
a existência do assédio. A partir disto, o ônus é invertido para o empregador, que fica
responsável por se defender provando que seus procedimentos não constituem assédio moral.
Desta feita, basta que o trabalhador demonstre indícios capazes de gerar presunção da alegada
perseguição, tendo o Conseil Constitutionnel do país exigido que tais indícios sejam precisos e
consistentes. Caso o reclamante não produza os indícios do assédio, o ônus não é invertido,
permanecendo com ele (PRATA, 2014).
No Direito Espanhol também se encontra semelhante esquema probatório para o assédio
moral. É requerido do trabalhador que este demonstre indícios fundados de discriminação, e
após isto passa ao réu a responsabilidade de apresentar uma justificação objetiva, razoável e
provada de que seus atos foram razoáveis e proporcionais, não sendo ações de assédio (PRATA,
2014)
No Brasil, há julgados mencionando o uso de indícios para resolução de casos
envolvendo assédio moral, o que demonstra adesão por parte de alguns magistrados de tal teoria.
Eis alguns exemplos de adoção da prova indiciária:
Possivelmente, com uma maior discussão sobre a prova por indícios, um número maior
de julgadores se sentirá inclinado a julgar de acordo com esta. Pelo exposto, cabe dizer que,
diante de exemplos no direito estrangeiro, e da presença na doutrina tanto pátria como
internacional, que o sistema de provas por indícios pode ser uma alternativa viável para facilitar
a prova nos casos de assédio moral. Cabem aos doutrinadores, aplicadores do direito e
principalmente ao legislador estabelecer de que forma e sob que regras seria possível a
aplicação de um sistema de provas por indícios no Brasil.
Quanto à legitimidade das provas no assédio moral, Dallegrave (2013) assevera que,
convém ao magistrado aceitar aquelas obtidas por meio de gravações de conversas em áudio.
Esclarece que tais provas não devem ser consideradas ilícitas, uma vez que na ponderação entre
os direitos fundamentais “sigilo das comunicações” (art. 5º, XII da Constituição) e “Dignidade
do trabalhador” (art.5°, Caput e incisos II e X da CRFB/88), deve prevalecer este último, a fim
de não se beneficiar o réu e corroborar a prática do ilícito. O mesmo raciocínio pode ser
estendido a mensagens de aplicativos de comunicação instantânea, como, por exemplo, via
whatsapp, bem como SMS.
Outra proposta para facilitar a prova do assédio moral é colocar profissionais como
psicólogos e psiquiatras à disposição do trabalhador, a fim de que estes sejam examinados, na
busca por vestígios psíquicos que ajudem a concluir pela existência da violência moral.
(BAREA, 2002). Tal proposição é interessante, uma vez que:
em matérias específicas para as quais o Juiz não possui conhecimentos que lhe
permitam avaliar e decidir com precisão, poderá recorrer à prova pericial de forma a
que lhe seja prestado parecer sobre determinada matéria de peritos com conhecimento
específico na mesma. (AMANTE, 2014 p. 77)
Verifica-se que através do laudo pericial que é possível se estabelecer a relação entre o
adoecimento psicológico do trabalhador e possíveis condutas de assédio por parte do
empregador.
47
Isso assim ocorre porque os eventos traumáticos, uma vez vividos, deixam indícios no
aparelho psíquico da vítima, mesmo que visivelmente não haja mais nenhuma prova externa,
os quais um profissional capacitado consegue decifrar e presumir o dano ocorrido
(CHAPADEIRO, 2015). Desta feita, verifica-se que a perícia se afigura como um meio de se
estabelecer a prova da existência do assédio moral.
Outra opção na busca por facilitar a prova do assédio moral é que os trabalhadores
domésticos sejam orientados a buscar provas dos assédios que vivenciam o mais cedo que
puderem, uma vez que após cessado o contrato de trabalho, e com o decurso do tempo ficará
mais difícil de reunir indícios que possam ser utilizados num futuro processo judicial
(HYRIGOYEN, 2002):
Como as ocorrências de assédio moral são por sua natureza muito sutis e ocultas, não
é fácil apresentar prova. Com muita frequência, o empregado só toma consciência de
sua condição quando já sofreu os efeitos e se encontra em licença médica. É preciso
então reconstituir o processo e buscar as provas a posteriori. É por isso que é essencial
buscar bem cedo ajuda de natureza jurídica, com o objetivo de preparar o próprio
dossiê e possuir, pelo menos, cartas trocadas com o patrão. (HIRIGOYEN, 2002, p.
347. grifo da autora)
Contudo, para que as vítimas saibam como se precaver na colheita de provas do assédio
é necessário difundir informações e sensibilizar os trabalhadores sobre a realidade do assédio
moral, promovendo-se um debate na sociedade. Seria de grande importância a criação de
campanhas explicando aos trabalhadores como detectar a violência moral, bem como as
circunstâncias que podem se tornar situações de assédio, esclarecendo-os acerca dos recursos
disponíveis, sejam jurídicos ou qualquer outro tipo de ajuda (HIRIGOYEN, 2002).
48
CONCLUSÃO
Restou claro que não importa a quantidade temporal em que a pessoa esteja submetida
aos abusos, para que seja configurado o assédio moral, uma vez que independentemente disto
pode haver produção de efeitos destrutivos sobre a vítima.
Entendeu-se que não se pode ter a falta de insurgência da vítima como concordância
com o assédio, uma vez que talvez exista algum receio por parte do trabalhador, que o impeça
de tomar alguma atitude, como a perca do emprego ou a descrença em uma melhora para sua
situação.
Em relação ao dolo como um elemento para a caracterização do assédio moral, cabe
dizer que se percebeu considerá-lo inconveniente, uma vez que conseguir provas a respeito de
sentimentos e intenções é praticamente impossível, pois tais estados de ânimo não costumam
deixar vestígios exteriores. Desta forma, o dolo como elemento do assédio moral foi percebido
apenas como um elemento para dificultar a prova e, por consequência a reparação dos danos
pelos trabalhadores, o qual deve ser desconsiderado.
Contudo, não há como se prescindir da culpa, sendo suficiente a análise objetiva dos
atos do agressor para se presumir que este tinha a intenção de praticar os atos abusivos, tendo-
os praticado conscientemente, ainda que não tenha sido sua motivação e intenção consciente de
humilhar ou provocar danos à esfera moral do trabalhador, restando configurada a culpa.
Inclusive foi verificado que na jurisprudência analisada não conteve menção à
necessidade de dolo como elemento para caracterização do assédio moral, de forma a concluir-
se que os julgadores entendem a intenção de assediar como um elemento desnecessário para o
julgamento. Extraiu-se ainda da pesquisa que os tribunais têm utilizado o dolo somente para
mensurar o valor da indenização por assédio moral.
Portanto, demonstrado que os elementos que compõem o conceito de assédio moral são:
conduta lesiva à dignidade do trabalhador e a repetitividade e habitualidade das condutas, de
forma que a existência do dolo não deve considerada, apenas sendo necessária a comprovação
da culpa.
Percebeu-se que as domésticas entrevistadas, em sua maioria, disseram se sentir
humilhadas, sem forças e sobrecarregadas, em virtude de como eram tratadas nos seus
empregos. As condutas assediantes vividas por estas apontam prioritariamente para
desconfianças, deboches em questões relativas à aparência das trabalhadoras, ou sua condição
social, e cobranças de serviço agressivas.
50
Sobre a prova do assédio moral, pode-se dizer que contra empregados domésticos ela é
ainda mais difícil de obter, uma vez que a relação de emprego doméstica ocorre no interior dos
domicílios, muitas vezes às escondidas, de forma que por vezes não há testemunhas, e quando
elas existem são pessoas ligadas à família do agressor, diferente do que ocorre nas empresas
onde em geral há circulação maior de pessoas e documentos. As entrevistas realizadas
corroboraram esta afirmação, pois a maior parte das entrevistadas disse que se encontravam ou sozinhas
em casa ou apenas com os familiares do agressor no momento em que sofreram assédio. Disseram
também que os assediadores não costumavam deixar documentos que pudessem servir como prova
documental.
Verificou-se que a despeito das inúmeras queixas de assédio moral, como observado nas
entrevistas e na página “Eu empregada doméstica”, o número de processos ajuizados por
domésticos, que dizem respeito ao assédio moral são em pequeno número nos tribunais, em
comparação com as demandas por assédio moral em geral, conforme verificado na pesquisa
jurisprudencial. Talvez um dos motivos para que existam tão poucos processos de domésticos,
sobretudo em que é reconhecido o assédio moral, seja devido à dificuldade em reunir provas do
assédio.
Chegou-se à conclusão pela necessidade de reflexão sobre a prova do assédio moral, a
fim de se obter propostas para facilitar a reparação dos danos morais sofridos pelos
trabalhadores domésticos.
Todavia, não se mostrou adequado o emprego da inversão do ônus da prova, com o fito
de facilitar a reparação por danos morais. Isso por que não se pode transferir ao reclamado o
dever de provar que não praticou assédio, pois isto seria cobrar a produção de prova negativa,
o que é vedado pelo ordenamento pátrio. Ademais, se na falta de provas o juiz decidir com base
na inversão do ônus em desfavor do reclamado, se baseará a condenação por assédio moral com
base apenas nas alegações do autor, o que é inadmissível. Sendo assim, infere-se que aparte que
reclama assédio moral deve suportar o ônus de prová-lo.
Contudo, observou-se a possibilidade de facilitar a prova do assédio moral por meio do
sistema de prova por indícios, que é uma espécie de prova “mais branda”, ou prova indireta da
existência do ilícito. Verificou-se a existência de julgados recentes mencionando o uso de
indícios para resolução de casos envolvendo assédio moral, bem como de sistemas jurídicos
estrangeiros que usam a prova indiciária nestes casos. Todavia, o uso da prova por indícios no
assédio moral ainda não é regulamentado, de forma que cabe aos doutrinadores, aplicadores do
52
direito e principalmente ao legislador estabelecer de que forma e sob que regras seria possível
a aplicação de um sistema de provas por indícios no Brasil.
Verificou-se a importância dos profissionais da área da psicologia e psiquiatria para
elucidar a ocorrência de assédio moral, constituindo uma alternativa probatória. É de valia a
intervenção de profissionais como psicólogos e psiquiatras no processo, a fim de que examinem
o trabalhador, na busca por vestígios psíquicos que ajudem a concluir pela existência da
violência moral. Isso se dá, pois, através do laudo pericial, é possível se estabelecer o nexo
causal entre o adoecimento psicológico do trabalhador e possíveis condutas de assédio sofridas,
devido a indícios no aparelho psíquico da vítima, os quais um perito consegue decifrar, para
presumir o dano ocorrido.
Por fim, entendeu-se que é preciso difundir informações e sensibilizar os trabalhadores
domésticos sobre a realidade do assédio moral, por meio de debates na sociedade, com a criação
de campanhas explicando aos trabalhadores como detectar a violência moral, bem como a
prevenir tais situações de assédio, esclarecendo-os acerca dos recursos disponíveis, sejam
jurídicos ou qualquer outro tipo de ajuda. Principalmente se percebe esta necessidade pelo fato
observado de que a maioria das entrevistadas disse não confiar na justiça ou não ter procurado
a justiça do trabalho. Tal conscientização é importante para que os trabalhadores possam saber
como procurar a defesa de seus direitos, bem como conheçam de antemão como reunir provas
em caso de uma futura demanda judicial. Todavia, entende-se salutar que a categoria dos
domésticos esteja forte e unida, de forma que possam realizar campanhas de conscientização,
dentre outros meios que informem aos trabalhadores.
53
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60
APÊNDICE
Questionário
Número da entrevista:
Data:
I – relacionamento no trabalho
1) Há quanto tempo você está no seu trabalho atual? Quantos dias por semana você trabalha?
Quantas horas por dia?
10) Alguém além de você e sua patroa(ão) estava presente no momento em que você foi
mal tratada?
11) Alguém mais tem conhecimento das situações de maus tratos que ocorrem com você?
Como essa pessoa ficou sabendo?
12) Sua patroa costuma deixar bilhetes ou outros papéis ou registros, nos quais aparecem
maus tratos?