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Todavia, isto não é suficiente. Não conduzirá isto à confusão ou erro enquanto
permanecermos no âmbito da vida de cada dia que formou as nossas palavras e para o
qual estas são adequadas; entretanto, tornar-se-á fatal no momento em que tentarmos
refletir sobre problemas abstratos com os mesmos termos, sem fixar diligentemente o
seu significado para a nova finalidade. Com efeito, cada palavra tem um determinado
sentido ou significação somente dentro de outro contexto definido no qual foi inserida e
ao qual foi adaptada; em qualquer outro contexto carecerá inteiramente de significação,
a não ser que formulemos novas regras para o emprego da palavra no mesmo caso; ora,
isto pode ser feito, ao menos em princípio, de maneira muito arbitrária. Consideremos
um exemplo. Se um amigo me dissesse: "Leva-me a um país , onde o céu é três vezes
mais azul do que na Inglaterra", não saberia eu como satisfazer a tal desejo. A sua frase
se me antolharia carente de sentido, pois o termo "azul" é empregado de uma forma não
prevista pelas normas da nossa linguagem.
Esta tese tem sido designada com a expressão "teoria experimental do sentido"
(teoria hermenêutica experimental). Ora, é certo que não se trata absolutamente de uma
teoria, porquanto o termo "teoria" é empregado para designar uma série de hipóteses
acerca de uma determinada matéria, e a nossa tese não envolve hipótese alguma, uma
vez que não pretende ser outra coisa senão uma simples afirmação do modo como na
realidade se apura o sentido das proposições, tanto na vida cotidiana como na ciência.
Jamais existiu alguma outra maneira para isto, e seria erro grave supor que descobrimos
um novo conceito de sentido, o qual seria contrário à concepção comum, conceito este
que pretenderíamos introduzir na filosofia. Pelo contrário, o nosso conceito não somente
concorda inteiramente com o senso comum e com o método científico, senão que deles
deriva.
Embora o critério por nós adotado sempre tenha sido empregado na prática,
muito raramente foi formulado no passado, constituindo esta circunstância
possivelmente a única razão das tentativas feitas por tantos filósofos para negar a sua
plausibilidade. O caso mais conhecido de uma formulação explícita do critério por nós
defendido é a resposta de Einstein à seguinte questão: "Que queremos dizer ao falar de
dois eventos que acontecem simultaneamente em lugares distantes?" A resposta de
Einstein consistiu na descrição de um método experimental, através do qual se
constatou com certeza a simultaneidade de tais eventos. Os filósofos opositores de
Einstein mantinham - sendo que alguns deles continuam a manter - que sabiam o
sentido da referida questão independentemente de qualquer método de verificação.
Quanto a mim, não faço outra coisa senão aderir decididamente à posição de Einstein e
não admitir nenhuma exceção dela divergente. Não estou escrevendo para aqueles que
acreditam estarem com a razão os filósofos adversários de Einstein.
Excerto de “A eliminação da metafísica”, de Carnap
(...)
Vamos resumir o resultado de nossa análise. Tomemos "a" como sendo qualquer
palavra e "S(a)" como sendo a sentença elementar na qual ela ocorre. Deste modo, as
condições suficiente e necessária para "a" ser significativa podem ser dadas por cada
uma das seguintes formulações, que em última análise dizem a mesma coisa:
Muitas palavras da metafísica podem ser agora exibidas como não preenchendo
a exigência acima e, portanto, como sendo destituídas de significado.
Tomemos como um exemplo o termo metafísico "princípio" (no sentido do
princípio do ser, e não princípio do conhecimento ou axioma). Diversos metafísicos
oferecem uma resposta à questão de qual é o (mais alto) "princípio do mundo" (ou das
"coisas", da "existência", do "ser"), por exemplo, a água, o número, a forma, o
movimento, a vida, o espírito, a idéia, o inconsciente, a atividade, o bom etc. A fim de
se descobrir o significado da palavra "princípio" nesta questão metafísica, devemos
perguntar ao metafísico sob quais condições um enunciado da forma "x é o princípio de
y" seria verdadeiro e sob quais condições seria falso. Em outras palavras: devemos
perguntar pelo critério de aplicação ou pela definição da palavra "princípio". O
metafísico replica mais ou menos assim: "x é o princípio de y" significa "y se origina de
x", "o ser de y reside no ser de x", "y existe em função de x" etc. Mas estas palavras são
ambíguas e vagas. Freqüentemente elas têm um significado claro; por exemplo, dizemos
de uma coisa ou processo y que ele "se origina de" x quando observamos que as coisas
ou processos do tipo x são em geral ou invariavelmente seguidas pelas coisas ou
processos do tipo y (conexão causal no sentido de uma sucessão em conformidade a
leis). Mas o metafísico afirma-nos que ele não pretende se referir a esta relação
empiricamente observável. Pois neste caso suas teses metafísicas seriam apenas
proposições empíricas do mesmo tipo das proposições da física. A expressão "se origina
de" não é pretendida, aqui, como uma relação de seqüência temporal ou causal, que é o
que normalmente a palavra significa. Entretanto, nenhum critério é especificado para
qualquer outro significado. Conseqüentemente, o alegado significado "metafísico", que
a palavra supostamente possui em contraste com o significado empírico mencionado,
não existe. Se refletimos acerca do significado original da palavra "principium" (e da
palavra grega correspondente, αρχή), percebemos o mesmo desenvolvimento. A palavra
é explicitamente destituída de seu significado original "início"; ela supostamente não
significa o temporariamente anterior a algo, mas anterior com respeito a algum outro
tipo de consideração especificamente metafísica. Contudo faltam, nesta "consideração
metafísica", os critérios. Em ambos os casos, então, a palavra foi destituída de seu
significado anterior sem receber um novo significado; a palavra permanece como um
casco vazio. Em decorrência de um período anterior de uso significante, a palavra
permanece ainda conectada associativamente com várias imagens mentais; estas, por
sua vez, associam-se a novas imagens e sentimentos mentais no novo contexto de uso.
Mas a palavra não se torna, por isso, significativa; e permanece como sem significado
na medida em que nenhum método de verificação pode ser descrito.
Outro exemplo é a palavra "Deus". Devemos aqui, exceto as variações de seu uso em
cada domínio, distinguir o uso lingüístico em três diferentes contextos ou épocas
históricas que, no entanto, sobreporam-se temporariamente. Em seu uso mitológico, a
palavra tem um significado claro. Ela, ou palavras paralelas em outras linguagens, é
algumas vezes usada para denotar seres físicos que são entronados no Monte Olímpo,
no Céu ou no Hades, e que são dotados de poder, sabedoria, bondade e alegria em maior
ou menor grau. Algumas vezes a palavra também se refere a seres espirituais que, de
fato, não possuem corpos humanos, mas se manifestam de algum modo em coisas ou
processos do mundo visível e são portanto empiricamente verificáveis. Em seu uso
metafísico, por outro lado, a palavra "Deus" refere-se a algo que excede a experiência.
A palavra é deliberadamente despojada de sua referência a um ser físico ou ser
espiritual que é imanente no [mundo] físico. E como não é dado um novo significado,
ela torna-se sem significado. Para ser exato, freqüentemente parece que a palavra
"Deus" tem um significado mesmo na metafísica. Mas as definições que são postas
revelam-se, numa inspeção cuidadosa, pseudodefinições. Elas levam ou a uma
combinação logicamente ilegítima de palavras (trataremos disto mais tarde) ou a outras
palavras metafísicas (por exemplo, "base primordial", "o absoluto", "o incondicionado",
"o autônomo", "o autodependente" etc), exceto no caso das condições de verdade de
suas sentenças elementares. No caso desta palavra, nem mesmo a primeira exigência da
lógica, que é a exigência para especificar sua sintaxe, isto é, a forma de sua ocorrência
nas sentenças elementares, é preenchida. Uma sentença elementar deveria ter a forma "x
é um Deus"; contudo, o metafísico ou rejeita inteiramente esta forma sem substituir por
outra, ou aceita esta forma, ele é negligente para indicar a categoria sintática da variável
x. (Categorias são, por exemplo, coisas materiais, propriedades das coisas, relações
entre as coisas, números etc.).
O uso teológico da palavra "Deus" está entre seu uso mitológico e metafísico.
Não há significado distinto aqui, mas uma oscilação entre um dos dois usos antes
mencionados. Muitos teólogos possuem um conceito claramente empírico (em nossa
terminologia, "mitológico") de Deus. Neste caso não há pseudo-enunciados; mas a
desvantagem para o teólogo está na circunstância de que, de acordo com esta
interpretação de que os enunciados da teologia são empíricos e, portanto estão sujeitos
aos julgamentos da ciência empírica. O uso lingüístico de outros teólogos é claramente
metafísico. Além disso, outros não falam de forma definida, seja porque eles agora
seguem isto, este uso lingüístico, seja porque eles se expressam em termos cujo uso não
é claramente classificável, pois tende em direção a ambos lados.
Assim como nos exemplos mencionados, "princípio" e "Deus," a maioria dos
outros termos especificamente metafísicos é destituída de significado, por exemplo, "a
Idéia", "o Absoluto", "o Incondicionado", "o Infinito", "o ser do ser", "não ser", "coisa
em si", "espírito absoluto", "espírito objetivo", "essência", "ser em si", "ser em si e para
si", "emanação", "manifestação", "articulação", "o Ego", "o não-Ego" etc. Estas
expressões estão no mesmo barco que "teavy", nosso exemplo previamente fabricado. O
metafísico nos diz que as condições de verdade empíricas não podem ser especificadas;
se ele acrescenta que não obstante ele "entende" alguma coisa, sabemos que isto é
apenas uma alusão a imagens e sentimentos associados que, no entanto, não dotam a
palavra de um significado. Os alegados enunciados da metafísica que contêm tais
palavras não têm sentido, nada afirmam, são apenas pseudo-enunciados.
Investigaremos, depois, a explicação da origem histórica dos pseudo-enunciados.