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ISSN: 1887-2417
ISSN-e: 2386-4362
terreiro de candomblé
“Kosi ewe, kosi orisa” (no leaves, no orisha):
ecologic experiments in a candomble ‘terreiro’
Universidade de Brasília
-DF (Brasil).
Resumo
por um método de intervenção coletiva, permeada pela dimensão afetiva, baseado nos
princípios da etnopesquisa-ação e inspirado nas técnicas de tomada de decisão, que
associou pesquisadores e atores sociais num procedimento conjunto de transformação de
uma dada realidade e de compartilhamento de conhecimentos entre uma tradição cultural
Ogun’s priest. The research aimed to investigate the probable relation between an African
worldview, its cultural practices and Environmental Education basis and practices, as well as
The collective research group has chosen a collective intervention method based on the
has united researchers and social actors in a changing reality procedure which made possible
Key-words
Aspectos introdutórios
- -
Babalaxé Re-
ginaldo Daniel ( ),
63 anos, sacerdote de Ogum - -
ritual de Mãe Stella de Oxóssi, uma das da de decisão, que associasse pesquisa-
tão em fase de análise e neste texto serão para compreender a complexidade des-
parcialmente apresentados. -
veis relações foram observadas de forma
compartilhada por meio de diálogos per-
- -
biental. -hierarquização de conhecimentos, que
buscamos vivenciar no decorrer da etno-
- -pesquisa-ação.
morou saberes ancestrais e acolheu novos
saberes referentes à educação ambiental
- Tramas epistemológicas
fundar os conhecimentos fundadores do
A amplitude da transdisciplinaridade,
-
tunidade de propiciar o compartilhamen-
sua abertura epistemológica me permiti-
to de conhecimentos entre uma tradição
orixá’. -
que o encantamento aconteça. Esse mito
pode nos remeter à interpretação de que
Ossaim permitiu que houvesse, ainda que outras) têm sido as guardiãs da identidade
com que limites, a democracia do conheci-
mento das folhas, permitiu a ecologia dos e de perpetuação de caráter civilizatório
-
lação e encantamento podem ser coloca- resguardadas as línguas africanas (ioru-
dos a favor da vida.
negras que formaram a cultura brasileira
resistiram, adaptaram-se e seus descen-
nesse processo de aprendizado educacio- dentes continuam tecendo sua cultura an-
A construção coletiva -
ção religiosa de origem africana no Brasil, temos
4 Candomblé
ligado a uma cidade ou a um país inteiro. Por históricos. Estes heróis são denominados Òrìsàs
-
-
-
Cristóvão, no estado de Sergipe- está in- pela realização de ritos que propiciam co-
serido no bairro denominado Caípe. As
diretrizes daquele terreiro apontam para
a preocupação de promover uma maior
consciência ecológica, visto que para os possuía,
-
Talvez por isso, a preocupação com a di- o primeiro momento para apresentação do
mensão ecológica, com a mudança de
comportamentos em relação à natureza, os demais encontros ao longo de 2013,
-
parsa, teórica e restrita a alguns membros roda de conversa avaliativa, em dezem-
do terreiro acima referido. Embora, do bro/2013.
ponto de vista do sagrado, esses compor-
- -
zação para se empreender uma mudança tato com o campo da cognição e suscita-
de realidade com novos comportamentos -
cepções, sentimentos (cuidado, relações
percebida pelas manifestações expressas de poder, desconhecimento, afetividade).
-
vam para uma preocupação em relação -
-pesquisador que se voluntariava para
-
- -
do que, a partir do segundo semestre de
entrávamos em contato com a expressão
de sentimentos relacionados ao foco de
interesse e buscávamos nos preparar para
no território.
-
-
- realizamos a Contratualização do grupo/
reiro. Trabalhamos com a descrição densa -
e as categorias analíticas da tese, as quais,
principalmente, em se tratando de uma et-
nopesquisa-ação, emergiram da base em- -
pírica, no decorrer do próprio trabalho. -
Prestação
de Contas do Ponto de Cultura Axé Ô!
-
e recriou o histórico do terreiro por meio das necessidades do terreiro, dentre eles:
-
xão, como cânticos, contação de histórias -
- quente de descartáveis durante as festas
na propiciou a construção dos espaços -
tos integrantes sobre plantas sagradas e
foi trabalhado (aprimoramento dos dados
impacto dos resíduos no ambiente e au-
- sência de discussão de práticas coletivas
biente, desmatamento, queimadas, agen- para gestão do espaço-meio, tempo e ta-
tes poluidores, iniciativas de preservação refas.
ambiental por parte de gestores munici-
pais e sociedade civil/legislação ambien- Frente aos problemas diagnosticados,
- foram propostas possíveis soluções: a
bientais). separação e redução do consumo e con-
sequente aumento da quantidade de lixo
-
pelo terreiro para entrar em contato com
da utilização de descartáveis por meio de
entendemos ser esta mudança de cunho território político e cultural, tem soberania,
paradigmático e que implica numa mu- suas próprias leis, regras e o legado de
-
-
de, os vínculos afetivos que mantemos
com esse pedaço de terra, a história da
nos situarmos no tempo e na história: de ocupação desse território que está guar-
-
truiu esse caminho antes de nós? Que da- que fazemos desse território e as formas
tas, fatos históricos merecem registro na de defesa desse território ( , 2001).
história da nossa memória coletiva? Fize-
mos um esboço dessa linha que puderam um grupo determinado representa uma
ser complementadas com outras informa- das formas mais importantes de dotar
ções ao longo de todo a nossa etnopes-
quisa-ação. ( -
guias, nossa visão, nossa sabedoria, nos- caracterizam o terreiro, como a porteira, a
bandeira branca, os assentamentos dos
natureza divinizada e essa relação se dá
por meio de meios mágicos, por meio da
intuição, por meio do ser. A ancestralidade
está em constante interação com a comu-
nidade e vive-versa.
que essa territorialidade tem vários esco- pela oralidade e suscitou um importante
dos demais. “Essa atividade ajudou a gen- cuidado com o territorio sagrado.
te a se desterritorializar e a se reterritoria-
pedagógico a contação de itans onde são narrativas dos participantes sobre cons-
retratados as histórias e aprendizados por
meio dos mitos. de diálogo / articulação e primeiras cone-
xões entre EA e cosmovisão africana.
-
cia das árvores sagradas para o candom-
Educação ambiental-maio/2013.
mento dos saberes tradicionais). A partir mostra o caminho que vamos trilhar.
daqueles princípios/valores, foi solicitado Somos uma comunidade. Uma família.
O pertencimento é o desejo de perten-
-
cer. Estamos aqui porque queremos.
mentos sobre os princípios, valores sagra-
Colocar o pé no chão. Saber viver tanto
- aqui quanto lá fora. Ter ciência para ter
tem ter uma relação de compromisso, de consciência. Amor que é sentimento su-
zelo, de responsabilidade com a natureza. premo” (Menina da lama).
veremos a seguir.
dominação. Eu sou tão humano quanto Eu acho necessário, mesmo porque sem
vocês. O respeito é mais importante do esse diálogo, nada feito. Pois se cada
que se sentar no nível mais baixo. Pre- um chegar com seus pensamentos e
suas práticas, somente aplicando, não
do ferro). se chega num senso comum [consenso].
Então, esse diálogo é necessário e eu
não fujo dele não, eu gosto até de fazer
porque, inclusive, me esclarece muita
dinamismo da cultura na atualização de
coisa também (Senhora das matas).
valores da tradição. Entretanto, essa atu-
pode haver saber sem cooperação. ter uma questão espiritual. E é nessa in-
teração entre o material e o natural, entre
o espiritual e o humano, que se efetiva eu conheci uma das minhas tias velhas
nas atitudes, nas ações, na descoberta,
no querer conhecer, no manejo e nos
ela cozinhava e lavava pra ela mesma
desse universo sagrado que se movi- com seus quase 90 anos. E, inúmeras
menta em direção ao humano porque vezes, a gente presenciava ela conver-
ao humano foi dado inteligência. Então,
a preocupação ambiental do candom- assanhaço. E quando ele começava a
blé para com a existência, para com a
vida vai se dar nas possibilidades que se pra janela e dizia: “ Xangô meu pai, eu
abrem mediante a carência de um e o
poder do outro (Senhor do ferro).
E falava do cotidiano dela. Ah, era uma
velha esclerosada, alguns falavam. Mas
será que era só isso? Creio que ela che-
gou no auge de uma conectividade com
a vida e com a natureza que não sei se
você ou eu vamos chegar. Do jeito dela,
ela chegou. Mas, essa invasão urbana
dentro dos territórios sagrados vai pos-
sibilitar que nossas roças hoje consigam
-
car no canto do pássaro a visita de seu
pai-de-santo é qualidade de vida, isso
é amor e isso eu aprendi dentro do Ase
Opo Afonja (Senhor do ferro).
Imagem 5: colocando a mão na massa da terra “[…] Nós temos nossos segredos e
enlameada para preparar a fachada da casa de que não é de bom tom ser falado fora dos
momentos propícios, que é justamente na
hora das obrigações (Senhora das matas).
A referência que o homem tem de co-
A mesma entrevista reforça o cuidado e o
nexão com a natureza, no sentido mais
abrangente, mais cosmologicamente fa- sentido dos mitos, ferramenta dominante
lando ainda é a árvore. Conversar com o na educação dentro dos terreiros de can-
pé da jaqueira é uma das possibilidades.
Eu sou testemunha de uma dedicação e
amor à natureza, à vida, maravilhosos. E o cuidado com a face da terra que sa-
Na minha infância no Asè Opo Afonjá, bemos que foi Olorum quem nos deu. É
com os mitos da formação da terra, do e vai limpando seu astral (Senhora das
Aiye, que aprendemos os cuidados que matas).
devemos ter com as águas, com as ma-
tas, com as árvores, até com o próprio
A valorização do elemento água como o
ser humano, pois nós somos também
primeiro elemento nas ações ritualíticas e
veículo do próprio orixá. Eu considero
nosso corpo como um templo, o templo
Tudo o que Deus fez, tudo o que exis- Quando vc vai fazer uma iniciação, a
te na natureza é digno de respeito e de partir do banho, tudo é lavado. Qualquer
cuidado e de veneração (Senhora das elemento que você pega na feira, uma
matas). quartinha por exemplo, para ela ser con-
sagrada tem que se lavada. Nosso cor-
po, tudo é lavado, nosso interior, nosso
A dignidade e a preocupação com o as-
emi (sopro úmido que vem da palavra
seio pessoal, revelam a importância da
proferida pelo sacerdote ou sacerdoti-
água, do banho e da ritualização dos ele- sa). Também não podemos esquecer de
beber água (Senhora das matas).
ambiente e do próprio corpo.
-
[…] No candomblé, o primeiro ato quan- de religiosa, desrespeito esse capitaneado
do você acorda é tomar banho. Durma-
-
-se no pé do orixá, quando se acorda
costais:
tem que tomar banho. E nosso banho
você sabe que não é qualquer banho. É
Quando se fala em candomblé todo
toda uma preparação com as ervas ne-
-
cessárias, com o sabão necessário, com
alizando o preconceito de que é coisa do
o local determinado. Todo candomblé
-
que se preza tem seu quarto de banho.
ça é nosso coração, é nossa cabeça e,
É obrigatório mudar a roupa todo dia.
além do mais, o nosso consentimento …
Devemos estar na frente do orixá ou dos
Se a gente não tiver um gesto de amor
outros sempre com roupa limpa, tanto é
não adianta nada.. A responsabilidade
que tem pessoas que têm restrição de
dos pais e mães de santo é a comunida-
usar roupa velha, rasgada, quanto mais
de. O compromisso com o bem e com
elegantes, limpos, bem vestidos, com
a verdade. Nosso poder é ese (Senhora
roupas inteiras, melhor para o próprio
das matas).
orixá. Porque damos tudo de melhor
para o orixá. Nossa aparência, nosso
cheirinho gostoso, de sabão, de banho,
nossa roupinha limpa, nossa mente tam- um dos entrevistados, um dos valores que
bém é limpa. Então nesse exercício de
tomar banho, cantando pra seu orixá,
logo as negatividades vão se esvaindo,
cação à natureza. Basta dizer que toda e próprio homem envenenou a terra e se
envenenou. Hoje, as crianças não po-
qualquer necessidade de manipulação do
dem mais vivenciar e experimentar uma
sagrado não se faz evocando o criador
relação visceral com a natureza. E se, no
- momento em que a criança, que nasce
cia-se assim, a noção de pertencimento à da natureza, é impedida de pegar numa
natureza e a intrínseca relação ser humano planta porque vai pegar uma gripe, tudo
-
(Doutorado em Educação) São Paulo: Fa-
culdade de Educação da Universidade de
São Paulo -FEUSP, 2005.
Acessos à Rede Mundial de
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CAMPBELL, J. As máscaras de Deus. Trad. De
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Salvador:EDUFBA. 2004.
-
sões de Sabedoria: educação, vida e sabe-