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Marcionila Fernandes
Lemuel Guerra
Organizadores
Contra-Discurso do Desenvolvimento Sustentável
Associação de Universidades Amazônicas – UNAMAZ
2a edição revista
Marcionila Fernandes
Lemuel Guerra
Organizadores
Belém
2007
ASSOCIAÇÃO DE UNIVERSIDADES AMAZÔNICAS
ISBN 85-86037-13-3
CDD: 333.71509811
SUMÁRIO
PREFÁCIO DA 1A EDIÇÃO.......................................... 9
PREFÁCIO DA 2A EDIÇÃO.......................................... 15
APRESENTAÇÃO........................................................... 21
1
DELEAGE, Jean-Paul. História da Ecologia: uma ciência do homem e da natureza.
Lisboa: D. Quixote, 1993; DELEAGE, Jean-Paul. Uma Ecologia-Mundo. In: CASTRO,
Edna; PINTON, Florence (Orgs.). Faces do Trópico Úmido: conceitos e questões sobre
desenvolvimento e meio ambiente. Belém: CEJUP, UFPA. NAEA, 1997. p. 23-52.
importantes das relações sociais implícitas naquele processo,
não captadas também pelas correntes biocêntricas, (ecocên-
trica do fato social) e sociobiológicas, uma vez que não situ-
am a dimensão social, política e ideológica do problema eco-
lógico, por desconhecerem, tais correntes, a teia de relações
sociais que se estruturam na modernidade, como escreve Fer-
nandes2.
2
FERNANDES, Marcionila. Implicações teóricas e praticas do desenvolvimento sustentá-
vel: um estudo com base no Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicas do
Brasil. Recife: [s.n], 2001. 350 p. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal
de Pernambuco. Programa de Pós-Graduação em Sociologia, 2001.
através da convergência de produtos e processos e do consen-
so do ponto de vista econômico, fatos que determinam a fra-
gmentação social e cultural das economias tradicionais. De
nenhum modo a solução da crise ambiental deve ser buscada
em formas de produção que conduzam a modificações no
modo capitalista de produção e de consumo de mercadorias;
terceiro, que a divisão ecológica internacional (FERNAN-
DES, 2001) estabelece, de um lado, áreas ricas em florestas,
situadas principalmente em países subdesenvolvidos, às quais
é atribuída a função precípua de assegurar o equilíbrio ambi-
ental global, que, por isso, são tratadas como patrimônio da
humanidade; do outro lado, áreas industrializadas, financei-
ramente influentes, e, por isso, com capacidade para estabele-
cer um domínio político-ideológico e econômico que assegu-
ra sua permanência e continuidade dentro de padrões de pro-
dução e consumo; quarto, que a repercussão mundial da crise
ambiental dotou de legitimidade o debate público sobre a
deterioração da natureza, possibilitando a emergência de mo-
vimentos ambientalistas, ONGs de abrangência supranacio-
nal; de centros e institutos científicos dedicados à pesquisa e
à formação de recursos humanos especializados em meio
ambiente, incluindo-se aí os organismos internacionais com a
atribuição de gerenciar as políticas ambientais globais a partir
dos países centrais; quinto, que a formulação da crise ambi-
ental como problema mundial tem contribuído para a secun-
darização das diferenças entre as nações e, conseqüentemen-
te, das relações de poder entre elas. Sob a alegação de que a
Terra estaria em risco e sua salvação dependeria de uma ação
de todos, justificam-se intervenções em áreas eleitas como
nichos ecológicos capazes de definir o futuro do planeta – a
grande maioria delas localizadas nos países do Sul – suplan-
tando-se as fronteiras geopolíticas, resguardando-se, assim, as
áreas historicamente geradoras dos grandes problemas liga-
dos à exaustão dos recursos naturais e do comprometimento
da biosfera. A lógica de mundialização do problema protege
os modelos de exploração dos recursos naturais ligados à
forma de produção capitalista dos países centrais, impedindo
a reflexão sobre a indicação de responsabilidade na geração
da crise do meio ambiente. Há, então, em curso, uma propos-
ta de reterritorialização dos espaços que se contrapõem às
fronteiras políticas e sociais nacionalmente conquistadas;
sexto, que a crise ambiental desencadeou, além dos conflitos,
tentativas de implantação de políticas de partilha e de gerên-
cia desses recursos, tendo em vista a repercussão dos limites
energéticos, hídricos, minerais, genéticos para a continuação
da expansão do sistema capitalista. As florestas, incluindo as
da Pan-Amazônia, foram definidas como celeiro da biodiver-
sidade e passaram a ser consideradas como as principais res-
ponsáveis pelo equilíbrio do ecossistema terrestre. A divisão
ecológica internacional determina a confluência entre as áreas
destinadas a reproduzir modos tradicionais de produção, ma-
nutenção e formas de apropriação e processamento dos recur-
sos naturais “limpos” (FERNANDES, 2001). E é nessa jun-
ção que aparece o desenvolvimento sustentável, produzindo a
preservação ambiental com desenvolvimento econômico;
sétimo, que o pensamento hegemônico a respeito da temática
ambiental mantém os privilégios e as estruturas do projeto de
modernidade pós-capitalista cuja premissa básica é estimular,
cada vez mais, processos crescentes de consumo e manuten-
ção de estratégias de apropriação praticadas há muito e que
resultam em níveis crescentes de exclusão social e de artifici-
alização da vida humana. As formulações de uma política
ambiental global não conduzem a um novo contrato social
com base em novas relações entre sociedades e natureza, o
que significaria o questionamento das bases do sistema de
produção da vida material e das formas de apropriação dos
recursos naturais. A visão ecocêntrica tende a apagar a refle-
xão sobre a condição humana nas sociedades modernas, prin-
cipalmente aquela que se orienta para o enfrentamento das
contradições existentes nas relações sociais.
João Almino
3
. Clément Rosset. A anti-natureza. p. 179-186; 202-205.
4
. Norberto Bobbio. Sociedade e estado na filosofia política moderna. p. 49-50.
homens se reúnem e se comprazem numa sociedade mútua,
percebe-se logo que isto não ocorre senão por acidente, e não
por uma necessária disposição da natureza."
Para o naturalismo, ao contrário, a natureza é a ori-
gem de todos os seus opostos. É, portanto, a substância bási-
ca a partir da qual pode existir ou se pode pensar a história, a
cultura, a civilização, a arte, o sobrenatural. Como afirmou
Heidegger:
"Quaisquer que sejam a força e o alcance atribuídos
à palavra 'Natureza' nas diversas fases da história
ocidental, cada vez esta palavra contém uma inter-
pretação do ser em seu conjunto – mesmo ali onde
aparentemente ela é apenas entendida como noção
antitética. Em todas estas distinções (Natureza-
Sobrenatureza, Natureza-Arte, Natureza-História,
Natureza-Espírito), a natureza não adquire somente
significado como termo de oposição, mas é ela que
é primeira, na medida em que é sempre e em pri-
meiro lugar por oposição à natureza que as distin-
ções são feitas; por conseguinte, o que se distingue
dela recebe sua determinação a partir dela."5
Os autores que crêem na existência da natureza têm
se debatido sobre se ela é intrinsecamente boa ou má, daí
decorrendo uma moral e proposições sobre a relação ho-
mem-natureza. O deus Pan, espírito local da natureza na Ar-
cádia, e no Império Romano deus da natureza, transformado
em símbolo do universo porque seu nome era sinônimo de
"todos", causava medo irracional nos viajantes, dele origi-
nando-se a palavra "pânico". De fato, não foram naturais as
eras glaciais bem como os grandes terremotos e erupções
vulcânicas que destruíram cidades inteiras? Num naturalismo
negativo, a natureza pode, assim, aparecer como ameaçadora
ao homem, dotada de grande capacidade de destruição, base
da idéia de necessidade de controle humano sobre seus ímpe-
tos destrutivos, da crença baconiana de que o conhecimento
científico significa poder tecnológico sobre a natureza e da
5
HEIDEGGER, Martin. Ce qu'est et comment se détermine la physis. In: Questions II. p.
180.
proposta cartesiana de que o homem atinge o conhecimento e
a verdade para tornar-se mestre e possuidor da natureza. Não
sem uma dose de ironia, dizia Nietzsche no aforismo 225 de
seu livro A gaia ciência: "'O mal sempre se assegurou do
maior efeito! E a natureza é má! Sejamos portanto naturais!'
Assim concluem secretamente aqueles que na humanidade
visam aos grandes efeitos, os quais muito frequentemente
temos contado entre os grandes homens!"
O naturalismo negativo também pode aplicar-se às
concepções sobre o estado de natureza e a natureza humana.
Em Locke e Kant, apesar de ser o estado de natureza associ-
ado ao bem, este bem não é estável e permanente. Locke
defendeu que, precedendo o estado civil, o estado de nature-
za é inato ao homem, nele já existindo a posse, embora ainda
não a propriedade, sobre os bens da natureza. No “Segundo
Tratado de Governo”, o estado de natureza comporta uma
razão natural, uma justiça natural e leis naturais e está asso-
ciado ao bem. No entanto, para ele, a partir da introdução da
moeda e a possibilidade de acumulação, este estado pode
degenerar num estado de guerra. Mesmo em Kant está pre-
sente a idéia de um estado de natureza original não corrom-
pido, estado, contudo, provisório, que, embora podendo
comportar a justiça e o contrato entre os homens, estava des-
provido de qualquer garantia legal, nele não podendo o ho-
mem continuar a viver indefinidamente.6 Quanto à natureza
humana, na ética judaico-cristã, embora o homem tenha sido
criado à imagem e semelhança de Deus e sua natureza, ante-
rior ao pecado, seja vista como boa, existe também parado-
xalmente a percepção de que, para chegar a Deus, os homens
devem superar em si mesmos os ímpetos de sua natureza
primitiva. O estado de natureza humana é considerado aqui
estado de perdição, o oposto do estado de graça.
No início da modernidade, porém, era mais corrente
vincular a natureza com o bem original. De fato, entre os
autores do Renascimento é frequente a associação entre natu-
reza e Deus, e entre a produção (artificial) do homem e o
6
. BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. p. 88; Idem.
Sociedade e estado na filosofia política moderna. p. 55.
diabólico. Erasmo afirma, por exemplo, em Dulce bellum
inexpertis, que, quando se afasta da natureza, o homem ne-
cessariamente realiza uma obra diabólica, sobretudo através
da técnica, das tecnologias da guerra, com as quais inventa
armas cada vez mais destruidoras. Mais tarde, no século
XVIII, Rousseau talvez seja o expoente maior deste natura-
lismo positivo. Para ele, a natureza presente é apenas residu-
al, não correspondendo mais inteiramente à natureza origi-
nal, ainda não corrompida e por isso intrinsicamente boa.
Rousseau, além disso, vê o estado de natureza inequivoca-
mente de forma positiva e, de uma maneira geral, recusa o
artifício. Embora alguns de seus textos sugiram que não con-
siderou possível nem desejável a volta ao "estado de nature-
za", tanto no seu “Discurso sobre a origem das desigualda-
des” quanto no “Contrato Social” está presente a idéia de um
estado de natureza que precede um estado de civilização per-
vertido, para cuja recuperação serve como referência, o que é
ilustrado pelo mito do bom selvagem. O estado de natureza
é, para Rousseau, o estado original a partir do qual a huma-
nidade decai para entrar na "sociedade civil". Quanto à natu-
reza humana, em Erasmo, La Boétie ou em Rousseau está
presente a associação entre decadência do homem e sua des-
naturação.
Na modernidade, a definição da relação homem-
natureza não depende, porém, somente do valor atribuído à
natureza, ao estado de natureza ou à natureza humana. Ela
assenta-se também e principalmente no reforço da idéia cris-
tã do homem como centro do mundo. O homem passa a ser
pensado como ser autônomo e como sujeito de uma história
linear terrena, o que permitirá não apenas o surgimento de
uma visão de progresso ligada à imagem de um domínio
crescente sobre a natureza, mas também o aparecimento de
reações críticas a esta visão, entre as quais vieram a incluir-
se as do ecologismo.
O marco para a modernidade é o Renascimento, ba-
se tanto do subjetivismo quanto do humanismo. É com o
iluminismo, contudo, que a proposta moderna, que implica a
autonomia da razão humana, atinge sua maturidade. Para o
filósofo político Claude Lefort, o humanismo nasce em Flo-
rença, seu significado não podendo reduzir-se a um tipo de
ensino oposto à escolástica. "É a idéia de que o mundo é o
único teatro da aventura humana, de que o homem nele é
autor, ator e espectador de sua história; é a idéia de uma au-
to-inteligibilidade de princípio do discurso humano, é a
emancipação desse discurso de toda autoridade que lhe fi-
xasse de fora os critérios de legitimidade, que dão ao huma-
nismo sua plena significação..."7 Alain Renaut considera que
o humanismo é a concepção e a valorização da humanidade
como capacidade de autonomia e que o homem do huma-
nismo é aquele que não julga mais receber suas normas e
suas leis nem da natureza das coisas nem de Deus, mas as
funda ele mesmo a partir de sua razão e de sua vontade. O
humanismo contém, assim, uma promessa de liberdade para
o homem, consistindo em nele valorizar a dupla capacidade
de ser consciente de si mesmo (auto-reflexão) e de fundar
seu próprio destino (a liberdade como auto-fundação), inclu-
indo-se, entre seus valores, a consciência, o controle, a von-
tade, a auto-fundação e a autonomia.8
Há quem, como Louis Dumont, associe a sociedade
moderna ao individualismo e considere que, na ideologia
moderna, o indivíduo aparece como o ser moral independen-
te. O valor individualista, para ele, reina sem restrições nem
limitações e está na base do artificialismo moderno, que re-
monta às expressões pós-renascentistas do cristianismo, co-
mo em Calvino, para quem a extramundanidade se concentra
na vontade individual. Segundo Dumont, o holismo não é
moderno. O próprio totalitarismo não apenas não poderia
dissociar-se do individualismo, mas também teria expressões
individualistas. Ele seria "uma doença da sociedade moder-
na" resultante da tentativa, numa sociedade onde o individua-
lismo está profundamente enraizado e é predominante, so-
bretudo no campo da cultura e das criações pessoais, de o
subordinar ao primado da sociedade como totalidade. Os
traços individualistas (ou modernos) do nazismo, por exem-
plo, estariam evidenciados pela doutrina a que estava "real-
7
LEFORT, Claude. La naissance de l'idéologie et l'humanisme. In: Les formes de l'histoi-
re. p. 265.
8
RENAUT, Alain. L'ère de l'individu. p. 14, 16 e 53.
mente ligado" o pensamento de Adolf Hitler, a da luta de
todos contra todos, um darwinismo social em que os sujeitos
reais são os indivíduos biológicos.9
No entanto, um humanismo que reduzisse sua pro-
posta à completa independência humana e que implicasse a
idéia de controle total do homem sobre sua história e sobre a
natureza, assim como um progressismo disto resultante, se-
ria, na concepção de Alain Renaut e Luc Ferry, em La pen-
sée 68, "metafísico" e "ingênuo". Talvez se deva dizer que
ele não é necessário, embora tenha sido predominante a par-
tir do século XIX, quando gerou, entre outras, reações ro-
mânticas e ecológicas.
O ecologismo, em parte, desenvolve-se como uma
crítica naturalista de uma visão moderna, humanista e artifi-
cialista que culminou, sobretudo no século XIX, no indivi-
dualismo à outrance e na redução da natureza a recursos para
a exploração ávida e predatória por parte do homem. Funda-
se principalmente numa crítica a uma concepção de progres-
so derivada de uma história essencial e tornada natural. A
própria "história" que se estabelece a partir do século XVIII
é herdeira da história natural e, segundo Foucault, para que
esta existisse, foi necessário, primeiro, que a história se tor-
nasse natural, ou seja, que deixassem de existir histórias e
passasse a existir "a" história essencial (Les mots et les cho-
ses, Capítulo V, "Classer"). Essa história essencial e natura-
lizada veio a ser a expressão moderna da natureza, base de
toda evolução e da crença de que a história humana segue
um curso linear progressivo resultante de um conjunto de
ações humanas individuais e egoístas. Ou seja, a história
transforma-se em outro nome para a natureza, na medida em
que é uma e passa a desempenhar o papel, que antes era da
natureza, de servir como referencial a partir do qual o mundo
e as ações humanas ganham significado.
Esse humanismo moderno artificialista atribuiu ao
indivíduo um papel central como explorador da natureza.
Acreditando demasiado no progresso histórico, endeusando o
novo e o moderno, favorecendo uma razão puramente ins-
9
DUMONT, Louis. O individualismo. p. 67, 75, 151, 161, 165 e 167.
trumental e a crença na capacidade transformadora ilimitada
da tecnologia, levou à destruição da natureza para atingir
objetivos estreitos do presente, prejudiciais ao homem numa
perspectiva longa de história. Segundo a formulação do filó-
sofo brasileiro Gerd Bornheim:
"O espetáculo da construção da história parece to-
talmente entregue às forças transformadoras da ra-
zão instrumental. E tais forças tendem a desrespei-
tar, como é notório, qualquer limite, qualquer forma
de autocontrole. Elas são constituídas por um com-
plexo de fatores que se estende do individualismo
capitalista à suficiência por assim dizer fatalista das
inovações tecnológicas."10
A noção de progresso serviu à construção de uma
ética de apropriação, exploração e controle da natureza. Ro-
bert Nisbet, em seu livro “História da idéia de progresso”,
defende que esta idéia existe desde a antiguidade. Não há
dúvida, contudo, que ela somente poderia ter eficácia social
nas sociedades históricas, entendidas aqui não em oposição
às primitivas (ou pré-históricas), mas como aquelas empe-
nhadas na busca de sua origem e de seu fim terrenos, com as
quais se inaugura um imaginário distinto do medieval. Se a
tradição judaico-cristã implica uma linearidade histórica, esta
é concebida como passagem do terreno ao divino. Seria difí-
cil comprovar que nela já estivesse concebida a idéia de pro-
gresso terrreno conduzido pelo próprio homem. Como a or-
dem da natureza e a das sociedades humanas eram divinas,
assim como todo poder, os homens somente poderiam alme-
jar a sua plena realização após a morte, já que eram incapa-
zes de modificar esta ordem. E mesmo na modernidade, não
apenas a idéia de progresso está ausente em alguns de seus
grandes autores, como Maquiavel, para quem a história era
repetitiva, mas também alguns dos primeiros embriões da
idéia de progresso, no século XVI, apontaram em sentido
negativo, como na descrição do processo de degenerescência
da humanidade que faz Erasmo em Dulce Bellum Inexpertis
e na imagem do "mau encontro", com a qual La Boétie, em
10
BORNHEIN, Gerd. As origens antagônicas da ecologia. p. 10.
Da Servidão Voluntária, descreve a transição das sociedades
primitivas, que vivem em estado natural, para as sociedades
com Estado. Ainda no século XVIII, Rousseau, com a noção
de progresso da desigualdade, se alinha a esta corrente. So-
bretudo em Erasmo e La Boétie, o progresso criticado signi-
ficava seu distanciamento da natureza e da natureza humana.
A noção de progresso, contudo, foi se firmando
pouco a pouco na modernidade num sentido positivo e veio a
ser instrumental para a revolução industrial inglesa. Entre os
autores artificialistas, Hobbes valorizou positivamente a mu-
dança do passado para o presente. Entre os naturalistas,
Locke, apesar de associar o estado de natureza ao bem, acha-
va necessário, por considerá-lo inseguro, sua superação atra-
vés do contrato e a criação do estado civil. Foi somente na
época da revolução industrial que se estabeleceu, porém,
amplamente a idéia de que o progresso leva a humanidade
para um mundo melhor, através do domínio da natureza pelo
homem, na linha das formulações de Bacon e Descartes.
Como afirma David Pepper, num estudo sobre as raízes do
ambientalismo moderno, "para o homem racional do século
XVIII a beleza era a terra bem conformada e cultivada, e as
áreas silvestres não exerciam atração."11 O iluminismo, por
sua vez, se, de um lado, endeusou a natureza, de outro, acre-
ditando na autonomia do homem e de sua razão, favoreceu a
consolidação da idéia de progresso. Em fins do século XVIII,
esta idéia conquistou definitivamente o espaço histórico-
filosófico, sendo Idéia de uma História Universal de um Pon-
to de Vista Cosmopolita, de Kant, talvez sua expressão mais
acabada. Ali, Kant defendia que a humanidade caminha
sempre para seu aperfeiçoamento, através das oposições e
dos conflitos. Lançava, com isso, a base para as filosofias da
história de Hegel e de Marx. A idéia de progresso veio a ser
dominante no século XIX, sendo alçada quase ao nível de
uma religião.
A ecologia tem como uma de suas raízes a reação
romântica no próprio século XIX ao iluminismo e à revolu-
ção industrial. De uma forma geral, o culto da natureza é
11
PEPPER, David. The roots of modern environmentalism. p. 80.
subproduto da sociedade industrial. Na formulação de Pep-
per, "...os românticos se revoltaram contra as 'excrescências'
do capitalismo industrial," entre as quais "a pobreza, a imun-
dície, o materialismo e a poluição... Estas excrescências fo-
ram simbolizadas na cidade do século XIX, e o anti-
urbanismo é um dos principais traços do pensamento român-
tico."12 Há uma subversão da simbologia medieval, que con-
trastava o "sagrado" da cidade, como santuário a Deus e ex-
pressão das mais altas conquistas espirituais do homem, ao
"profano" dos campos virgens. A reação romântica cresceu
na medida em que a agricultura foi tomando os campos e,
mais tarde, o processo de industrialização transformou terras
e espécies em recursos e matérias-primas.
Mas se, de um lado, surgiu como reação às conquis-
tas da Revolução Industrial, a consciência ecológica, de ou-
tro, foi alimentada pelo próprio progresso tecnológico e o
desenvolvimento científico, em especial da biologia e da
economia. No final do século XVIII e início do século XIX,
a partir da História Natural e após o surgimento do conceito
de "vida", sistematizou-se a ciência da biologia, para estudá-
la. Como diz Foucault, "pretende-se fazer histórias da biolo-
gia no século XVIII, sem se dar conta de que a biologia não
existia... a própria vida não existia. Existiam somente seres
vivos, e que apareciam através de uma malha do saber cons-
tituída pela história natural."13 No bojo do processo de cres-
cente fragmentação do saber, os estudos sobre a riqueza, que
datam dos séculos XVII e XVIII, levaram também à consoli-
dação, a partir da segunda metade do século XVIII, da ciên-
cia econômica.14 Embora grandes clássicos da economia po-
lítica, como a “Riqueza das Nações”, de Adam Smith, datem
da segunda metade do século XVIII, a nova ciência somente
foi ministrada pela primeira vez, em Oxford, nos anos vinte
do século XIX. Os conceitos de crescimento e desenvolvi-
mento, que, como o de ecologia, são herdados da biologia,
12
Idem, ibidem. p. 84.
13
FOUCAULT, Michel. Les mots et les choses. p. 139; ver para esta discussão, o capítulo
V, "Classer", p. 137 a 176.
14
Para uma análise do surgimento da ciência econômica, ver o capítulo VI, "Échanger", de
Les mots et les choses, de Michel Foucault.
foram incorporados à economia num momento em que esta
alçou-se ao primeiro plano das preocupações internas e in-
ternacionais dos Estados.
Na biologia, o marco para o pensamento ecológico é
o enfoque holístico do zoólogo e biólogo alemão Ernst Hae-
ckel, que empregou a palavra ecologia (em alemão "Oekolo-
gie") pela primeira vez em 1866, em seu livro “Morfologia
geral dos organismos”, que relaciona a teoria da evolução
das espécies por seleção natural, de Charles Darwin, à mor-
fologia animal. A nova disciplina proposta por Haeckel, cir-
cunscrita ao universo da biologia, teria como objetivo estu-
dar a relação das espécies com seus meios ambientes orgâni-
co e inorgânico. Ela contribuiu para ressaltar os vínculos do
homem com os demais animais, enfatizando, ademais, sua
interdependência, num meio ambiente em equilíbrio, com a
terra, o ar e as várias fontes de alimentação.
Na economia, Malthus sublinhou a desproporção
entre o crescimento geométrico da população e o crescimen-
to aritmético da produção de alimentos. O malthusianismo
enfocou o problema dos recursos escassos e não renováveis,
seguindo mais Ricardo do que Adam Smith, e adotando uma
concepção mais próxima da visão hobbesiana da escassez e
da impossibilidade de plena satisfação das necessidades hu-
manas, do que da perspectiva lockeana da abundância. Ainda
dentro da economia, o problema dos custos ambientais, das
economias ou deseconomias externas, começava, com Mars-
hall, em seus “Princípios de economia”, a ser analisado no
fim do século passado.
O ecologismo está, assim, no cerne da própria pro-
posta moderna. Ele se indaga sobre a relação entre o homem
e a natureza e o papel desempenhado pelo homem no mun-
do; sobre o sentido da história e a idéia de progresso. Pode
adotar, neste contexto, uma posição de reforço do humanis-
mo individualista e do progresso "metafísico", baseado na
crença cega na capacidade de aprimoramento crescente do
homem e de seu meio, através da técnica e da ciência. Pode
assumir, ao contrário, uma postura anti-humanista, descrente
na capacidade que teria o homem de controlar seu destino, de
aprimorar o mundo ou transformar positivamente a natureza,
tendo como fundamento a negação do progresso e do desen-
volvimento tecnológico. Ou pode contribuir para a revisão de
aspectos da modernidade, sem fugir de seus pressupostos
básicos, através de um neo-humanismo.
O ecocentrismo
O ecocentrismo domina setores influentes do ecolo-
gismo contemporâneo, entre os quais o chamado "ecologis-
mo profundo”. Apóia-se na negação do antropocentrismo.
Ao afirmar que o homem é nada mais que parte da natureza e
deve, diante dela, mostrar-se humilde, critica o papel central
atribuído ao homem na modernidade como sujeito da histó-
ria. Um argumento frequente é o de que, numa escala de bi-
lhões de anos em que existe vida no universo, os homens só
existem há um milhão de anos, havendo registrado sua pas-
sagem por vários milhares de anos. O homem seria uma ex-
periência de ponta, conquista evolucionária no topo de um
ecossistema global. É, portanto, apenas resultado de processo
que absolutamente não controlou. De forma mais radical, o
ecocentrismo partilha a crítica da filosofia do sujeito. Parte
de uma perspectiva holista para negar ao homem o papel de
sujeito de seu mundo e de sua história. Denuncia, sobretudo,
a subjetividade instrumental, voltada para a dominação e a
conquista da natureza.
Frisa que o esforço vão do homem para controlar a
natureza e sua tentativa de desobedecê-la, apenas levou à
vingança desta, que, ameaçada, ameaça agora a humanidade.
Superpõe, assim, à imagem de uma natureza frágil que está
sendo morta pelo homem, outra imagem, a de uma natureza
violenta e vingativa, capaz de destruir uma humanidade sem
defesas. Afirma que a natureza existe por si própria, inde-
pendentemente do homem, ao mesmo tempo em que a divi-
niza ou a antropomorfiza. Crê que a natureza sabe, se ordena,
é boa e pode até punir quem, como o homem, se ponha no
seu caminho. Gaia, por exemplo, seria um ser vivo, perfeito
e belo, que, se necessário, por instinto de conservação, pode-
rá sacrificar a espécie humana. Teria destino próprio, inde-
pendente do homem e acima dele, sendo capaz de puni-lo ou
a quaisquer outras espécies se perturbarem seu curso.
O ecocentrismo, de um lado, critica a concepção da
relação de exterioridade entre homem e natureza e afirma
que o homem é parte da natureza. Mas, de outro, implicita-
mente defende, de forma contraditória, esta relação de exte-
rioridade, já que, se o homem fosse efetivamente parte inte-
grante da natureza, não poderia ser a fonte de seu desequilí-
brio; para que sua intervenção perturbe a harmonia da natu-
reza, é necessário que homem e natureza sejam pensados
numa relação de exterioridade. Ou seja, se o homem integra
a natureza, é apenas como corpo estranho. O homem, no
fundo, não seria parte da natureza. Fora dela, é causa de de-
sequilíbrio de uma natureza que, sem sua intervenção, é
harmoniosa. Nesta relação de exterioridade, o ecocentrismo é
otimista quanto à natureza, vista como harmoniosa, e pessi-
mista quanto ao homem, considerado esbanjador e destrui-
dor. A separação do homem e da natureza é o que permite a
predominância de um determinismo naturalista, segundo o
qual os ecossistemas devem condicionar até mesmo as for-
mas de ocupação e de organização humana.
Da concepção ecocêntrica da relação homem-
natureza deriva uma ética cosmológica. A natureza, que é a
inocência, pureza primitiva, é a base a partir da qual é possí-
vel pensar a infração humana. A natureza é fundamento para
uma moral e tem caráter normativo, legisferante, ditando
regras ao homem.
Os homens teriam obrigações não apenas diante de
outros homens em relação à natureza, mas também obriga-
ções diretamente para com a própria natureza. Esta concep-
ção defende que não se pode, portanto, reduzir as obrigações
concernentes às espécies a obrigações para com pessoas em
relação às espécies. Julga insuficiente o argumento arrolado
para a preservação das espécies com base em considerações
econômicas, que, ao defender a preservação de outras espé-
cies em nome da obrigação do homem em relação à sua pró-
pria espécie, frisa que a extinção de espécies pode afetar am-
plamente a economia, as potencialidades industriais e agríco-
las, o desenvolvimento da química e da medicina, já que es-
tes setores econômicos dependem em grande medida dos
recursos genéticos encontrados em animais e plantas. Tal
argumento econômico é considerado pelo ecocentrismo ain-
da preso à tradição judaico-cristã de ver a relação homem-
natureza como relação de exterioridade em que o homem
domina as outras espécies. Para os defensores ecocêntricos
de uma ética ambiental, as espécies não devem ser conside-
radas como recursos, pois se limitássemos as obrigações para
com espécies aos interesses dos homens em "recursos", cria-
ríamos uma ética que justificaria o desaparecimento de mui-
tas espécies ameaçadas que não têm valor como recurso.
Seria, portanto, imoral e egoísta valorar as outras espécies
por interesses humanos. Seria com base num valor próprio
das outras espécies, que se estabeleceria a proibição de sua
destruição. A subordinação da espécie humana a supostos
direitos da natureza pode chegar a justificar o cerceamento
das vontades e da criatividade humana.
O ecocentrismo nem sempre defende uma natureza
ou um ecossistema estáticos, contra uma intervenção humana
que os modificaria. Freqüentemente deixa claro que a natu-
reza ou o ecossistema, embora em equilíbrio, são dinâmicos.
Mas encara os sistemas naturais, no fundo, como fechados,
porque cíclicos e com leis imutáveis. Diferencia um dina-
mismo natural, que independe do homem, de um dinamismo
espúrio da natureza, que resulta da intervenção humana. Não
reconhece, assim, aos homens, embora partes da natureza,
um direito de interferir no dinamismo considerado natural da
própria natureza. Esta tem sua ordem dinâmica própria, atra-
vés da qual alcança seu equilíbrio, essencial para a preserva-
ção das espécies, inclusive a humana. Do homem se requer
que não altere tal ordem e equilíbrio. A natureza, portanto,
envolve o homem, mas ao envolvê-lo, o apaga. Tendo de
omitir-se de ser parte ativa no seu dinamismo, o homem per-
de sua capacidade de ação própria e autônoma.
A negação da autonomia humana e da visão do ho-
mem como sujeito da história, leva à restauração de um en-
foque heteronomista que, substituída a idéia de natureza pela
de Deus ou acrescentada à natureza seu caráter divino, era
utilizado no pensamento clássico e medieval.
O enfoque heteronomista segue uma via anti-
humanista, pois o humanismo, como assinalei, pressupõe a
autonomia humana e o homem como sujeito racional de sua
história. O homem se distinguiria das demais espécies por
ser capaz de usar sua razão. O ecocentrismo vê no homem a
única espécie capaz de ser nociva à natureza, justamente
porque faz uso de uma razão e consciência, o que permitirá o
surgimento de sua arrogância, de sua vontade de domínio
sobre as demais espécies e de sua ambição de exploração,
progresso infinito e acumulação. Não sendo mero acaso e
tendo um sentido, que deve ser imitado pelo homem, a natu-
reza seria, ela também, racional. A razão humana contraria-
ria, portanto, a razão da natureza. Não se vê no efeito des-
truidor da natureza, mesmo quando mais devastador do que o
dos homens, uma maldade a ela inerente. Quando cruel com
os homens e outras espécies, a natureza apenas estaria se
renovando, seguindo seu curso e seu processo, ou então res-
pondendo às ameaças a ela lançadas pelos homens. Por outro
lado, a razão e a consciência humanas são consideradas um
agravante para a maldade praticada pelo homem contra a
natureza.
O reducionismo tecnológico
Chamo de ecologismo tecnocêntrico ou de tecno-
centrismo ecológico o reducionismo tecnológico que crê que
as mudanças tecnológicas trariam embutidas em si esta revi-
são da relação homem-natureza e do sentido do progresso
humano. Para ele, essas mudanças estão também na base da
definição de um novo modelo político e de sociedade. Em
geral, o argumento ecológico-tecnocentrista enfatiza que
tipos de tecnologia são portadores de padrões de relações
sociais ou defende que a revolução tecnológica em curso já
engendra novas formas políticas e sociais.
De fato, em primeiro lugar, sustenta que as tecnolo-
gias implicariam uma concepção da produção, da divisão do
trabalho e da distribuição espacial e econômica. As tecnolo-
gias duras seriam concentradoras de poder, enquanto as tec-
nologias suaves seriam necessariamente mais democráticas.
Assim, o tipo de energia empregado influiria na forma de
organização da produção do setor energético, com repercus-
sões sociais e políticas amplas. Usinas nucleares, por exem-
plo, requereriam determinado grau de concentração do po-
der, enquanto a utilização da energia do sol ou dos ventos
estaria necessariamente vinculada à descentralização.
Em segundo lugar, existe a idéia, defendida, sobre-
tudo, por tecnocêntricos otimistas, humanistas conservadores
na esteira da sociologia norte-americana de Daniel Bell, au-
tor de “The coming of post-industrial society”, de que, atra-
vés da nova revolução tecnológica, ingressamos numa era
pós-industrial, com a qual surgem sociedades pós-industriais,
ou de que, com esta revolução, o modo de produção capita-
lista (inclusive em sua manifestação socialista) estaria sendo
ultrapassado. O mundo pós-industrial estaria caracterizado
pela expansão dos serviços e da informática, pelo uso menos
intensivo dos recursos naturais propiciado pelo emprego de
novos materiais e pelo desenvolvimento de tecnologias em
campos novos (biotecnologia, por exemplo). As novas tecno-
logias, de uma maneira geral, seriam tecnologias "limpas",
não poluentes, ao contrário das tecnologias geradas pela re-
volução industrial.
Os tecnocêntricos otimistas são, em geral, expansi-
onistas, ou seja, acreditam no progresso continuado como
base para a solução dos problemas ambientais. Ao contrário
dos ecocêntricos, não vêm a natureza como necessariamente
finita. Sendo ilimitadas a engenhosidade técnica e a inventi-
vidade humanas e sendo igualmente ilimitada a capacidade
da natureza de absorver as mudanças às quais está submeti-
da, os desequilíbrios ecológicos poderiam ser corrigidos
através da tecnologia adequada.
Tanto um quanto outro argumento, o que defende
que as tecnologias são portadoras das relações sociais e o
que crê que isto já ocorre com a revolução tecnológica em
curso, defendem, em geral, que, porque são portadoras das
relações sociais, as tecnologias empregadas pelo capitalismo
(ou por sua variante socialista) implicariam um mesmo pa-
drão de relações sociais, que seria alterado quando se intro-
duzissem as novas tecnologias. Ou então o pós-
industrialismo, na medida em que revê os fundamentos da
revolução industrial, superaria tanto o capitalismo quanto sua
variante socialista, que têm como marco aquela revolução.
15
. Environment and planning. In: Ecosocial systems and ecopolitics, p. 33.
la consagrada pelo Relatório Brundtland e que serviu de base
às formulações posteriores que culminaram na Conferência
do Rio de 1992, "desenvolvimento sustentável é desenvol-
vimento que atende às necessidades do presente sem com-
prometer a capacidade das gerações futuras de atender suas
próprias necessidades. Contém dois conceitos chave: o con-
ceito de 'necessidades', em particular as necessidades essen-
ciais dos pobres do mundo, aos quais deve ser dada priorida-
de absoluta; e a idéia de limitações impostas pelo estado de
tecnologia e organização social sobre a capacidade para o
meio ambiente de atender as necessidades do presente e do
futuro."16 Nesta nova perspectiva do desenvolvimento, a di-
mensão ambiental está integrada ao planejamento econômico
bem concebido. Trata-se, no fundo, de um conceito de de-
senvolvimento em que o longo prazo prevalece sobre o curto
prazo.
É necessário estar atento para a possibilidade de que
o crescimento seja apenas ilusório, podendo envolver custos
que só mais tarde serão percebidos. O ecologismo tem for-
mulado uma crítica correta à estreiteza de determinadas aná-
lises econômicas, ampliando o horizonte do economista para
que incorpore em seus cálculos custos antes não internaliza-
dos. Tem também contribuído para que as perspectivas de
mais longo prazo predominem sobre aquelas voltadas para
ganhos rápidos e orientadas por conceitos de produtividade e
rentabilidade dominados por visão de curto prazo.
Apesar das dificuldades técnicas e políticas da apli-
cação do conceito de desenvolvimento sustentável, ele tem,
entre outros, o mérito de apontar erros cometidos no passado
quanto às formas de encarar o progresso, o crescimento e o
desenvolvimento econômico.
É possível entender que as novas formas de desen-
volvimento compatíveis com a preservação ambiental estari-
am, na realidade, aperfeiçoando e implementando de maneira
16
Our common future. p. 43. Trata-se do relatório preparado pela Comissão Mundial sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, estabelecida pelas Nações Unidas, cujos trabalhos
foram presididos por Gro Harlem Brundtland, então líder da oposição no Parlamento da
Noruega. O referido relatório foi acolhido pela 42a Sessão da Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 1987.
mais rigorosa as formas já estabelecidas de desenvolvimento
econômico. Pois não deveriam ser estranhas às formas de
desenvolvimento adotadas desde a revolução industrial as
preocupações com o futuro e com o uso dos recursos natu-
rais. Se o que se praticou levou a uma prosperidade ilusória e
até criou pobreza; se existem custos que não se conhecia mas
são reais e devem ser pagos; se, enfim, o que havia era ape-
nas impressão, por uma visão distorcida de curto prazo, de
desenvolvimento, então o que se praticou não foi desenvol-
vimento. Celso Furtado já havia, aliás, mostrado, em “Análi-
se do Modelo Brasileiro”, ao estudar o modelo da agricultura
itinerante no Brasil e suas conseqüências, entre outras, sobre
a degradação dos solos, que "crescer sem capitalizar-se, me-
diante a destruição de recursos não reprodutíveis, dificilmen-
te poderia ser interpretado como uma forma de desenvolvi-
mento."17 Ou seja, o desenvolvimento sustentável seria a
verdadeira face do desenvolvimento, não sendo desenvolvi-
mento aquele que não fosse sustentável.
O ecologismo neo-humanista rejeita a visão de uma
relação de exterioridade entre homem e natureza, que está na
base da idéia do domínio, do controle e da exploração do
homem sobre a natureza ou, por outro lado, do determinismo
naturalista, que reduz o homem a uma consequência das for-
ças da natureza, considerando o papel do homem o de mero
seguidor da natureza.
As correntes ecologistas neo-humanistas estão aten-
tas à necessidade de reforçar os valores básicos da moderni-
dade e de buscar na revisão da organização social e política,
nas reformas sociais e do Estado, ou seja, no próprio homem,
soluções para problemas ecológicos por ele criados. Para
estas correntes, as conquistas ecológicas não ocorrerão com a
substituição da idéia de direitos do homem pela de responsa-
bilidade, obrigação e dever do homem para com a natureza,
mas, ao contrário, com a expansão do campo dos direitos.
Contrapondo-se a correntes ecológicas que desejam substitu-
ir os valores da modernidade por valores pré-modernos, pre-
tendem reforçar os valores da modernidade, através da ex-
17
FURTADO, Celso. Análise do Modelo Brasileiro. p. 111.
pansão da democracia, da maior participação dos cidadãos
nas decisões do Estado e do reforço do papel do homem na
definição de seu rumo histórico, entre outras razões, para que
seja capaz de corrigir ou evitar erros com conseqüências eco-
lógicas negativas.
BIBLIOGRAFIA
Michael R. Redclift
18
Tradução de Lemuel Dourado Guerra.
forte a partir de 1980, muito dele foi influenciado pela eco-
nomia neoclássica, tentando-se traduzir escolhas ambientais
por preferências de mercado, seguindo a ortodoxia neoliberal.
A crescente atenção dedicada à construção de sistemas de
medições capazes de avaliar a situação das variáveis ambien-
tais foi um corolário necessário dessa tendência, emergindo
uma busca acentuada de maneiras práticas pelas quais a sus-
tentabilidade pudesse ser construída, através da inserção da
preocupação ecológica no âmbito das políticas e nos plane-
jamentos estatais. A disseminação dos sistemas de medição
acima mencionados ampliou o uso de que foi objeto o termo
“sustentabilidade”, e abriu um novo discurso sobre desenvol-
vimento, com um grande apelo aos tecnocratas e aos empre-
sários.
CONCLUSÃO
19
Tradução de Lemuel Dourado Guerra e Claudio Ruy Postela de Vasconcelos.
baseada nas “missões” dos homens brancos.
Essas duas coisas são ética, econômica e epis-
temologicamente incongruentes.
Introdução
A invenção do Desenvolvimento e a
criação do Subdesenvolvimento
Conclusão
REFERÊNCIAS
ROSEN, H., 1995. “The evil empire: the real scoop on Ben
and Jerry’s crunchy capitalism”, The New Republic Septem-
ber 11: 22-25.
Marcionila Fernandes20
20
Professora do Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal
de Alagoas – UFAL.
21
O conceito de Desenvolvimento Sustentável foi apresentado, no ano de 1987, pela Comis-
são Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento através do Relatório denominado
Nosso Futuro Comum, sendo definido como aquele que atende às necessidades do presente
sem comprometer a possibilidades das gerações futuras de atenderem às suas próprias
necessidades”. Ainda, segundo o referido relatório, o Desenvolvimento Sustentável deve
contribuir para retomar o crescimento como condição necessária para: erradicar a pobreza;
mudar a qualidade do crescimento para torná-lo mais justo, eqüitativo e menos intensivo no
uso de matérias-primas e de energia; atender às necessidades humanas essenciais de empre-
go, alimentação, energia, água, e saneamento; manter um nível populacional sustentável;
conservar e melhorar a base de recursos; reorientar a tecnologia e administrar os riscos; e
incluir o meio ambiente e a economia no processo decisório
No conceito de Desenvolvimento Sustentável a idéia
de eqüidade se enquadra nesse conjunto de categorias “lim-
pas ou neutras”, podendo ser considerada como um conceito
vazio. Isto é, destinado a ser enunciado de uma tal forma que
não implica nenhum desdobramento conseqüente, não haven-
do nele substância como proposição possível. Como se pode
ver na maioria das experiências de implementação do modelo
de Desenvolvimento Sustentável, não há indícios da produ-
ção da eqüidade em termos concretos. Vale citar como exem-
plo as próprias experiências catalogadas pelo Ministério do
Meio Ambiente.
Segundo o Relatório da Comissão Mundial de Cultura
e Desenvolvimento (1997), o princípio da eqüidade entre
gerações não pode ser entendido sem, ao mesmo tempo, se-
rem propostas formas institucionais para sua realização. Uma
das propostas apresentada no referido relatório, parte da idéia
de que a melhor maneira de proteger os interesses das gera-
ções futuras consiste em nomear um representante, na forma
de uma agência institucionalizada como, por exemplo, um
escritório no âmbito das Nações Unidas e do direito interna-
cional (CUÉLLAR, 1997, p. 62). A questão da eqüidade é,
como se vê nesse documento, freqüentemente reduzida a um
problema burocrático, cujo enfrentamento se daria no âmbito
institucional e formal. A justiça social, neste caso, é tratada
como se fosse algo exógeno à dinâmica econômica, social e
política das sociedades contemporâneas.
Ainda em referência à forma como é apresentada a
concepção da eqüidade no modelo de Desenvolvimento Sus-
tentável, é possível identificar alguns outros problemas. No
Nosso Futuro Comum, por exemplo, é enunciada a idéia de
que a pobreza contribui para o aumento da degradação ambi-
ental. Esta forma de ver poderia conduzir a uma muito prová-
vel articulação entre justiça social e preservação ambiental, já
que atacar os fatores que causam a pobreza teria, como efeito
necessário, a atenuação ou superação da própria pobreza as-
sociada senão à solução definitiva da crise ambiental planetá-
ria. Ao menos alcançaríamos níveis menores de agressão ao
meio ambiente.
Esse novo modelo de desenvolvimento distancia-se,
em essência, de uma perspectiva crítica em relação às formas
de apropriação da natureza inauguradas pelo Capitalismo, na
direção da construção de um novo modelo societário. Não há,
nesse ecologismo supostamente inaugurador de novos tem-
pos, uma negação da ética da competição e do lucro imediato
e crescente, determinante dos modos e do ritmo de disponibi-
lização dos recursos naturais praticados desde o surgimento
da Indústria.
Os aspectos teóricos do conceito de Desenvolvimento
Sustentável se distanciam de questionamentos dessa natureza,
e o fazem não por “erro” metodológico, ou por “fraqueza”
epistemológica. Poderíamos, realmente, esperar que as insti-
tuições que dão forma ao movimento ecológico internacional,
como a ONU, o Banco Mundial, o G-7, apresentassem uma
nova proposta de organização social destinada a promover
efetivamente a eqüidade social, a eficiência econômica e a
preservação ambiental? Isso seria possível, sem questionar,
na sua base, o ordenamento sócio-político-econômico? Para
dar respostas afirmativas a essas questões, teríamos de imagi-
nar que essas instituições estariam abandonando seus pró-
prios papéis de mantenedoras da ordem econômica e social
vigente.
A realidade social de um número significativo de na-
ções, se pensarmos em termos de desenvolvimento das eco-
nomias nacionais e de amplos setores da população mundial,
demonstrada, inclusive, pelos dados do próprio Banco Mun-
dial, é marcada pela preponderância de baixas rendas, por
níveis inaceitáveis de acesso à saúde, por altos graus de sub-
nutrição e de altas taxas de mortalidade infantil, por baixos
níveis de escolaridade e por baixas quantidades de consumo
diário de proteínas.
Um agravante desse processo é que todos os encami-
nhamentos políticos e econômicos, no plano mundial, inclu-
indo-se aqui os previstos nas políticas de Desenvolvimento
Sustentável, se constróem na perspectiva de manter e/ou
agravar essas disparidades. Com o declínio do Welfare State,
por exemplo, enfraquece progressivamente a responsabilida-
de política do Estado frente ao quadro social esboçado. A
impossibilidade de participar dos mercados, neste caso, re-
percute e passa a ser compreendida como processo exógeno
ao próprio sistema social.22
O fim do Estado de bem-estar, a progressiva diminui-
ção do emprego, e o crescimento da fome, associada à morta-
lidade infantil, por um lado e, por outro, o domínio das leis de
mercado, de uma cultura de consumo que transforma o mais
supérfluo em necessidade indispensável, o que requer a
queima crescente dos recursos energéticos naturais nos ciclos
produtivos, processos que vêm se intensificando nessas duas
últimas décadas, denotam que não se encontram em curso
projetos sociais que visem corrigir as grandes diferenças, no
que se refere aos padrões de vida entre indivíduos e entre as
nações23.
Supor que a pobreza é responsável pela degradação
ambiental, como está posto no conceito de Desenvolvimento
Sustentável e que, para superar esses problemas de ordem
ambiental, seria necessário combatê-la, não garante a cons-
trução de um novo projeto societário. Na verdade, isso pode
ser visto muito mais como uma enunciação formal do discur-
so oficial do que como um questionamento real das lógicas
geradoras da exploração e miséria nos países subdesenvolvi-
dos. De maneira semelhante, a idéia de solidariedade interge-
racional, também muito forte e destacada no modelo de De-
senvolvimento Sustentável, não se traduz, necessariamente,
22
As sociedades contemporâneas, ao abordarem a violência entre indivíduos, como resultan-
te de processos individuais apenas, onde se evidencia somente o agressor e o agredido, na
verdade estão reforçando a idéia de que o que existe, efetivamente, são somente diferenças
individuais inconciliáveis, desconsiderando, portanto, todos os arranjos sociais responsáveis
pela manutenção do processo de diferenciação social entre os homens. Na história humana, é
comum a desvalorização daqueles indivíduos que o próprio sistema não absorvera por meio
da produção e repartição dos produtos do trabalho. Sempre são estes os responsáveis pela
violência, como se marginalizar o outro não fosse o maior ato de violência.
23
Müller (1996) no seu diálogo com Vittorio Hösle (1996) diz que “A grande incógnita da
nova ordem capitalista mundial, face à possibilidade de o modelo de produção capitalista se
firmar como endogenamente sustentável, é saber se as suas transformações vão no sentido
do fortalecimento a curto prazo, através da consolidação temporária da exclusão do acesso
da maioria da humanidade aos direitos humanos elementares, com a ampliação do padrão de
consumo ocidental para apenas alguns países integrados e para as respectivas classes domi-
nantes na assim chamada globalização, intensificando a violência estrutural e o estado de
guerra civil endêmica, ou se as transformações vão no sentido de alguma transmutação, que
permita superar os seus componentes selvagens e destrutivos, que mantêm o vínculo fatal
entre crise ecológica e exclusão, revertendo a barbárie que se anuncia. (MÜLLER, 1996, p.
45).
no enfrentamento conseqüente e eventual adoção de estraté-
gias para a solução dos problemas atravessados pela geração
atual.
Se nem o reconhecimento dos riscos representados pe-
la pobreza ao ecossistema, nem a idéia de solidariedade in-
tergeracional são indicativos de um novo projeto societário,
outros aspectos contidos no conceito de Desenvolvimento
Sustentável não podem ser considerados como capazes de
efetivar um novo projeto de normatividade social.
A idéia de sustentabilidade do modelo de Desenvol-
vimento Sustentável é tirada do campo das ciências biológi-
cas, onde é compreendida como a busca do prolongamento da
durabilidade dos ecossistemas no tempo. Sua utilização nas
análises dos cientistas sociais é freqüentemente carregada dos
sentidos em que é empregada na Biologia, tratando sua apli-
cabilidade em termos da definição biológica de espécie hu-
mana, que não permite a consideração dos aspectos contradi-
tórios envolvidos, quando se leva em conta o mundo social.24
Assim sendo, o próprio marco teórico da sustentabilidade não
relaciona os problemas ambientais com as relações sociais e
não leva em conta as questões das desigualdades, o que com-
promete a efetividade da proposta de eqüidade feita no âmbi-
to do modelo de Desenvolvimento Sustentável. Neste caso, a
idéia de eqüidade tem apenas sentido como discurso (FO-
LADORI, 1999, p. 29).
Tanto a idéia de eqüidade quanto o próprio conceito
de sustentabilidade são exemplos dos aspectos contraditórios
contidos nas principais formulações das políticas ambientais
globais e que devem ser visualizadas nas análises sociológi-
cas que abordam a questão ambiental.
A busca do que realmente é “novo” nessa proposta de
desenvolvimento implica conduzir o debate levando em conta
as matizes teóricas, e as variáveis políticas e ideológicas ne-
las envolvidas. Ao nosso ver, a subsunção dos principais pro-
blemas sociais da humanidade pela evidência das catástrofes
ecológicas não somente assegura aos países ricos a manuten-
24
Ver, neste sentido, Norgaard (1997) e Spangenberg (1999).
ção dos seus privilégios, como dificulta a possibilidade de
formulação de críticas ao modelo capitalista, agora global.
Nesse sentido, em vez de considerar a possibilidade
de questionamento do modelo de expropriação da natureza
implícito no Capitalismo, o que os defensores do modelo do
Desenvolvimento Sustentável freqüentemente fazem é, alu-
dindo às idéias de unidade planetária, que implicam a secun-
darização das diferenças existentes no mundo real, propor
“alianças entre todos os grupos e estratos sociais”25, como se
os problemas ambientais afetassem a todos por igual.
Os problemas ecológicos, que resultam de disfunções
estruturais do sistema de produção econômica, que geram
também uma série de problemas sociais, tomaram maiores
dimensões à medida que é decrescente, na história da ciência,
o espaço para as teses que abordam os problemas estruturais
da sociedade moderna. Não podemos desconsiderar o pessi-
mismo dos cientistas sociais que viveram o alvorecer do sé-
culo XX, marcado pelo prevalecimento da racionalidade ins-
trumental, como também não se pode esquecer o desencanto
dos filósofos franceses engajados, um fenômeno que se ex-
pressa depois da II Guerra Mundial.
É no vácuo de um projeto societário-humanista, que
emergiu a crise ecológica em nível global. “A terra está es-
quentando”, “tem aumentado o buraco na sua camada de
ozônio”, “enfrentamos chuvas ácidas como conseqüência da
poluição atmosférica”, “enfrentamos uma crescente escassez
de recursos energéticos”, “aumenta a poluição dos mares, do
ar e das águas doces”; tudo isso pode ser verdade, mas não é
menos verdadeira a gravidade dos problemas sociais e da
decadência de princípios éticos humanistas.
Nesse sentido, nossa perspectiva considera necessária
uma abordagem que contemple os dois movimentos, conside-
rando o ecológico e o social como processos interligados a
partir da modernidade, e que, ao mesmo tempo, resulte numa
análise crítica da temática do meio ambiente não comprome-
25
Conforme Guimarães (1997), que, longe de representar uma voz isolada, é emblemático
de uma vasta produção da linha “otimista” do Desenvolvimento Sustentável.
tida com a reprodução da desigualdade entre homens.26 Nossa
proposta se aproxima da visão da prática sociológica defen-
dida por autores como Lloyd e Bourdieu. Para o primeiro
deles,
As tentativas de representação do real, através das
ciências, dependendo dos princípios filosóficos e me-
todológicos, às vezes se distanciam da própria reali-
dade empírica para concebê-la como uma interpreta-
ção de acordo com um ponto de vista, e assim estabe-
lecem um discurso sobre possíveis entidades, episó-
dios ou cenários que às vezes se supõe iluminar a
verdadeira realidade, a qual jamais é definida ou es-
tudada (LLOYD, 1995, p. 45).
No caso da proposta de Desenvolvimento Sustentável,
é possível identificar uma articulação de símbolos, significa-
dos e conceitos capazes de mobilizar uma aceitação mundial,
um consenso altamente significativo, sem que haja um esfor-
ço intelectual profundo para o enfrentamento das questões
concretas envolvidas na discussão.
Pierre Bourdieu, numa mesma linha crítica da ativida-
de científica auto-referente, fornece elementos para uma crí-
tica da tendência de análise sociológica acrítica:
...abraçar a verdadeira ciência significa fazer a op-
ção, deveras ascética, de devotar mais tempo e esfor-
ço ao exercício das descobertas teóricas, aplicando-
as a novos projetos de pesquisas, em vez de prepará-
las, de certas formas, para a venda, recobrindo-as de
metadiscurso, destinado menos a verificar o pensa-
mento do que a divulgar a sua importância e valor ou
evidenciar imediatamente suas vantagens, fazendo-as
circular nos incontáveis eventos que a era dos jatos e
das conferências oferece ao pesquisador narcisista...
(BOURDIEU, 1985, p. 11-12).
26
Nossa proposta de análise sociológica das contradições existentes no modelo/conceito de
Desenvolvimento Sustentável se distancia daquela apresentada por Cernea (1993, p. 13),
assessor Senior do Banco Mundial, na área de Políticas Sociais, do Depto. de Meio Ambien-
te. Para ele, uma das contribuições que os sociólogos dão ao Desenvolvimento Sustentável é
o fornecimento de um conjunto de técnicas sociais capazes de conduzir à ação social coor-
denada, inibir atitudes nocivas, promover a associação, forjar acordos sociais e ajudar a
desenvolver o capital social.
Visto que muito dos dados científicos apresentados
para fundamentar a idéia de crise ambiental aguda e, além do
mais, para dar plausibilidade e aceitabilidade às propostas de
construção da sustentabilidade, são controversos, estando
longe a chegada a um ponto de vista pacífico sobre eles
(HERMITTE, 1992), somente é possível entender a legitimi-
dade conseguida pelo modelo do Desenvolvimento Sustentá-
vel, considerando valores externos a ele. Um dos fatores a ser
considerados é sugerido por Petras (1991). O autor afirma
que há vinte anos, na América Latina, era virtualmente im-
possível encontrar um intelectual de esquerda propenso a
aceitar financiamento de fundações do exterior. Atualmente,
segundo ele, é raro encontrar um pesquisador conectado com
qualquer instituição estabelecida que não seja financiado por
uma menor ou maior fundação americana ou européia. E a
maioria dos que não são financiados, não o são por terem
objeção aos financiamentos internacionais – e aos eventuais
constrangimentos de sua atividade e discursos produzidos –,
mas porque não estabelecerem os contatos ou conexões apro-
priadas (PETRAS, 1991, p. 161).
Ao nosso ver, o consenso obtido pela proposta de De-
senvolvimento Sustentável é um dos temas importantes a ser
enfrentados pela análise sociológica do atual estado do debate
a respeito do Meio Ambiente. Outra tarefa dos cientistas so-
ciais preocupados em analisar de maneira conseqüente a te-
mática já referida é a de discutir e avaliar os aspectos ontoló-
gicos do conceito de Desenvolvimento Sustentável, inclusive
avaliando a propriedade de considerá-lo como novo modelo
de desenvolvimento.
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
UMA POLÍTICA DE GESTÃO DOS
RECURSOS NATURAIS NOS PRINCI-
PAIS NICHOS ECOLÓGICOS DO PLA-
NETA
A argumentação acima apresentada fundamenta nossa
interpretação particular a respeito do modelo de Desenvolvi-
mento Sustentável. Ao nosso ver, o que se anuncia como um
modelo de desenvolvimento, que sucederia às alternativas
ocidentais praticadas há cerca de duzentos anos, se constitui,
na verdade, numa proposta de gestão, monitoramento e con-
trole internacional dos recursos naturais – elaborada e im-
plementada a partir dos países do Norte.
A discussão da articulação de uma Divisão Ecológica
Internacional, que favorece a abertura das fronteiras e a inge-
rência internacional nas áreas de nichos ecológicos, bem co-
mo as contradições conceituais apontadas no projeto do De-
senvolvimento Sustentável – por exemplo, o oxímoro repre-
sentado pela proposta de união do par irreconciliável: cresci-
mento econômico e a sustentabilidade dos ecossistemas; e a
fragilidade da idéia de contemplar as necessidades das gera-
ções futuras, sem enfrentar os problemas sociais das gerações
atuais, e, inclusive, aqueles decorrentes das desigualdades
entre nações, e, dentro delas, entre pobres e ricos nos permi-
tem apresentar elementos que evidenciam as dificuldades
teóricas do Desenvolvimento Sustentável a partir dos seus
três princípios – o da eficiência econômica; o da eqüidade e o
da eficiência ecológica.
O questionamento do modelo de Desenvolvimento
Sustentável como alternativa efetiva àqueles historicamente
praticados inclui, pelo menos, os seguintes pontos: (1) a ar-
gumentação referente à construção de um novo projeto socie-
tário a partir da atenção dada a sustentabilidade dos ecossis-
temas, que substituiria não apenas no discurso, mas, no mun-
do real, os estilos de desenvolvimento anteriormente pratica-
dos, perde sua plausibilidade, ao serem examinadas as expe-
riências anunciadas como de produção de Desenvolvimento
Sustentável, em referência aos indicadores da eficiência eco-
nômica e da eqüidade; (2) a fragilidade do modelo de Desen-
volvimento Sustentável como uma alternativa aos modelos
anteriores de desenvolvimento, demonstrada pelo fato de que
o modelo de desenvolvimento dominante, diametralmente
oposto à idéia de sustentabilidade dos ecossistemas, continua
sendo praticado nas áreas das quais se origina a proposta de
mudança.
Assim, se a proposta de Desenvolvimento Sustentável
não implica um modelo efetivo de desenvolvimento, é preci-
so pensá-la em termos realistas. Com isso, queremos dizer
que, ao nosso ver, essa proposta é, na verdade, a de uma polí-
tica ambiental global – elaborada e implementada por insti-
tuições tradicionalmente responsáveis por assegurar os pro-
cessos de expansão do capital – de controle, gestão e monito-
ramento de recursos naturais, somente apresentada como uma
alternativa aos estilos de desenvolvimento anteriormente pra-
ticados, com referência às estratégias de construção de sua
plausibilidade.
Sobre esse aspecto da proposta de Desenvolvimento
Sustentável, vale citar Almeida (1998), que apresenta duas
modalidades de políticas ambientais: uma se baseia na políti-
ca de comando e controle e a outra na política do livre mer-
cado. No nosso entendimento, essas se intercruzam na busca
da otimização da política ambiental, a partir dos seus objeti-
vos econômicos e das relações de poder que se estabelecem
nesse campo, ocultadas pela cultura do management
(CHÂTELET, 1997).
A política de comando e controle, apresentada sob a
denominação de modelo de Desenvolvimento Sustentável, se
associa à de gerência dos recursos naturais do planeta, que
tem à frente uma tecnoburocracia27, ou a diplomacia ambien-
talista (ALMINO, 1993), possuidora de competência técnica
para formular e coordenar os principais processos de formu-
lação da política ambiental global, sendo apresentados como
gestores, que trabalhariam de forma neutra, num espaço apa-
rentemente destituído de qualquer vestígio de interesses polí-
ticos.
Entendemos que na formulação do conceito de De-
senvolvimento Sustentável, como posta no Relatório Brun-
dtand, se opera a lógica do pragmatismo, como nos processos
gerenciais quaisquer. Assim sendo, o conceito se configura
como uma proposta de um conjunto de políticas capazes de
proporcionar um processo de racionalização e de gerencia-
27
É possível fazer um paralelo entre a atuação dessa tecnoburocracia e aquela descrita por
Châtelet (1997) como característica da prática do Estado-Cientista: “Nesta, a política é
reduzida a uma função. Encontra-se avalizada a idéia de que o caráter obrigatório dos
comportamentos impostos aos cidadãos resulta de um cálculo efetuado por um organismo
habilitado para essa função uma regulamentação legítima e necessária substitui assim a
noção de poder. A classe política é doravante desideologizada e despersonalizada; ou pelo
menos, esse é o destino de sua modernidade. Reduz-se à sua função, que é de simples ges-
tão” (CHÂTELET, 1997 : 347).
mento dos ecossistemas, visando ao aumento de sua capaci-
dade de rendimento em relação ao modelo industrial de pro-
dução.
O próprio discurso da solidariedade intergeracional
presente naquele conceito de desenvolvimento pode ser en-
tendido como o resultado da preocupação com o tempo ne-
cessário para racionalizar/gerir os ecossistemas, de forma a
contribuir com a formação de estoques de recursos naturais
(estoques de capital natural). Estes recursos suprirão as de-
mandas do sistema de produção vigente, elastecendo sua ca-
pacidade de reprodução, assegurando um adiamento da exa-
ustão dos recursos naturais não renováveis. Ora, se, no pre-
sente, os recursos da natureza não são disponibilizados para
todos, a preocupação em assegurar esses mesmos recursos
para as gerações futuras não garante que as estruturas de
acesso no futuro não tenderão a reproduzir as condições de
acesso do presente. Como não há, naquela proposta, nenhuma
indicação de socialização de riquezas, a solidariedade inter-
geracional significa assegurar no futuro, também, as riquezas
naturais para os herdeiros dos setores e grupos sociais benefi-
ciários no presente.
Outras dificuldades de efetivação da solidariedade in-
tergeracional ainda podem ser observadas, se pensarmos em
termos da relação entre Norte e Sul. Embora parte dos pro-
blemas sociais do Sul possam apresentar-se nos países Norte,
o que se verifica é que, em grande parte, os grandes proble-
mas ambientais dos países desenvolvidos estão, em geral,
vinculados à abundância e aos desperdícios, aliados aos altos
níveis de consumo neles observados. Nos países do Sul, esses
problemas se derivam basicamente da escassez e da má dis-
tribuição da riqueza, que se refletem na falta de condições
mínimas de infra-estruturas sócio-ambientais básicas, tanto
nas grandes cidades, quanto nos meios rurais. Grande parte
das populações vive em habitações inadequadas à vida hu-
mana, sem saneamento, sem água potável, sem equipamen-
tos, maltratadas pelas doenças e pela falta de perspectiva so-
cial.
O modelo de Desenvolvimento Sustentável foi consi-
derado como a principal resposta à crise ambiental planetária,
a partir dos mecanismos de construção do consenso interna-
cional, o que possibilitou aos governos dos países desenvol-
vidos e suas instituições expandir suas políticas ecológicas
para o Sul, envolvendo os governos em todos os níveis e as
ONGs ambientalistas, que passavam a pensar em políticas
ambientais a partir deste conceito de desenvolvimento.
O que temos, efetivamente, embora se anuncie um
novo estilo ou modelo de desenvolvimento, é uma nova in-
flexão no que diz respeito à orientação política, econômica e
ecológica para as áreas ricas em recursos naturais, como as
florestas tropicais, detentoras de significativos patrimônios
genéticos da flora e da fauna, que as constituem em filões de
biodiversidade. É possível observar também dentro dessa
proposta a revalorização de grupos sociais tradicionais, como
camponeses, indígenas, pescadores, coletores e outros dessa
natureza, presentes naqueles ecossistemas. Estes grupos têm
sua condição valorizada a partir das suas formas de interação
com o meio ambiente, que se destacam pelo seu caráter pre-
servacionista. Essas áreas e essas populações, vale lembrar,
em sua maioria, estão situadas nos países do Sul.
Uma vez que o desenvolvimento econômico não sofre
inflexão no seu curso, nem no que diz respeito à produção
nem ao consumo, é possível concluir que a acumulação e a
reprodução do sistema capitalista em nada têm sido alteradas,
a partir da proposição e implementação do modelo de Desen-
volvimento Sustentável como necessidade de superar a crise
ecológica, e que as intervenções no sentido de responder à
crise ambiental se desenvolvem por meio de ações localiza-
das de políticas ambientais, em áreas ecológicas, como já
citamos acima, muitas delas incidindo na esfera dos conteú-
dos morais e comportamentais. Essa característica é marcante
nos discursos dos ecologistas, nos conteúdos dos programas
de educação ambiental, nos de reciclagem de lixo, todos
normalmente associados à crítica ao crescimento populacio-
nal, de inspiração Malthusiana, e na teoria da capacidade de
suporte.
Como temos visto, a preocupação central da política
ambiental global, sob a égide do conceito de Desenvolvimen-
to Sustentável, tem sido a de assegurar a gestão internacional
dos principais ecossistemas, com o objetivo de garantir a du-
rabilidade e disponibilidade de importantes estoques de re-
cursos naturais funcionais ao desenvolvimento econômico,
atendendo à continuidade da lógica do próprio capital. Assim,
uma das principais metas dos que propõem o modelo do De-
senvolvimento Sustentável, seria, diante da escassez de recur-
sos e dos altos níveis de poluição atualmente existentes, asse-
gurar àqueles povos ou grupos de indivíduos já beneficiados
pelos seus estágios de desenvolvimento social, em termos de
acesso aos recursos naturais abundantes, a manutenção dos
seus níveis de crescimento econômico e de consumo, em de-
trimento daqueles grupos e países do terceiro mundo, que
embora vivam em regiões e/ou ecossistemas ricos em recur-
sos naturais não têm assegurados o direito de usufruto dessas
riquezas.
O discurso do Desenvolvimento Sustentável tem a
vantagem de possibilitar, de certa maneira, suavemente, uma
das formas mais severas e sutis de dominação de povos e
grupos sociais, por meio da apropriação e usufruto de recur-
sos naturais renováveis e não renováveis das grandes reservas
mundiais. Em nome da humanidade, dos interesses de “to-
dos”, suplantam-se os direitos mais elementares das nações,
como o de gerência autônoma dos recursos naturais, agora a
partir de pactos científicos e sócio-políticos, que se estabele-
cem nesse tempo de “globalização” e de “crise ecológica”.
É com base nas leis econômicas e na importância dos
recursos naturais como capital natural e como força de pro-
dução econômica que as políticas ambientais são formuladas
e aplicadas. O projeto do Desenvolvimento Sustentável não é
uma exceção. A própria valorização e preservação da nature-
za se inscreve no contexto das forças de mercado, sendo, na
verdade, a outra face da mesma moeda. É preciso que muitos
valorizem e preservem as riquezas naturais para que estas
possam estar à disposição das redes econômicas e sociais que
as demandam e delas se apropriam. Bauman (1999) dá supor-
te a essa nossa compreensão. Para este, o crescimento eco-
nômico representa a fome insaciável da indústria por novas e
maiores taxas de lucros que, por sua vez, serão consumidas
na queima de novas fontes de energia, no ciclo seguinte. O
que é pressuposto nessa fala é justamente um modelo de pro-
dução marcado pela idéia de expansão contínua, sempre feita
à custa de consumo crescente de energia, de recursos da natu-
reza.
A análise da “crise ambiental”, e, em particular, do
modelo de Desenvolvimento Sustentável, até aqui apresenta-
da, indica que, na prática, esse modelo de desenvolvimento
está longe de se concretizar.
O discurso visando uma associação mundial em prol
do Desenvolvimento Sustentável, conforme o apelo com que
a Agenda 21 Global se inicia, serve, como se referiu Myrdal
(1968), apud Rist (1997), para estabelecer a diplomacia pela
terminologia. O Desenvolvimento Sustentável, nos termos
em que vem sendo posto – quer como discurso oficial, quer a
partir de suas várias interpretações – e implementado, por
meio de intervenções e de projetos de ajuda preservacionista,
como o PPG7, por exemplo, em áreas ecológicas 28, visa dire-
tamente a manter o domínio e o controle sobre os recursos
naturais, ao mesmo tempo em que minimiza a crítica ao pró-
prio modelo de desenvolvimento econômico, à medida que
reconhece e propõe a superação da crise ambiental por meio
de um novo estilo de desenvolvimento. Pelo emprego do
conceito de sustentabilidade, o meio ambiente, neste caso, é
compreendido como sendo capaz de se auto-equilibrar em
vista a contrabalançar os problemas decorrentes do desenvol-
vimento econômico (RIST, 1997, p. 194).
Nossa perspectiva de análise é reforçada pelo pensa-
mento de Rist (1997), segundo o qual o Relatório Brundtland
28
As áreas ecológicas são construídas a partir da Divisão Ecológica Internacional, como nos
referimos àquelas regiões que passaram a ser evidenciadas no contexto internacional, a partir
da hipótese de que estas desempenham significativo papel no equilíbrio planetário, como as
áreas de florestas, por exemplo. São as mesmas áreas que, há trinta anos, foram anunciadas
pelos mesmos atores como áreas prioritárias para a implementação do desenvolvimento
econômico. A Amazônia é a maior demonstração desse processo. Esta, como em outros
momentos da história econômica, se constituiu, dado o seu potencial, a partir do discurso
externo, naquilo que interessava à lógica do sistema capitalista. Se havia interesse da região
como exportadora de produtos extrativos, como produtora de produtos agropecuários, pro-
dutora de energia e minério, era assim que ela passava a ser pensada externamente. O que é
importante ser observado é que em nenhum momento as forças sociais dominantes estão em
desacordo com a representação que dela se fazia e se faz internacionalmente. Tanto no plano
econômico, quanto no plano político, inclusive no campo da política científica, se assumia,
internamente, o discurso e o papel que era atribuído à região no plano internacional. E assim
continua. A região como grande celeiro ecológico do mundo é a nova face que lhe deram.
e a Conferência do Rio de Janeiro, e, por conseguinte, o mo-
delo de Desenvolvimento Sustentável, não visam, como é
corrente no pensamento ambientalista, “negar fenômenos
antagônicos dentro de uma síntese hegeliana, mas fazer o
desenvolvimento econômico aparecer como necessário, por
meio da sua combinação com o supremo valor reconhecido
do meio ambiente”. Desse ângulo o desenvolvimento susten-
tável aparece como uma operação de encobrimento: ele
acalma os medos provocados pelos efeitos indesejáveis do
desenvolvimento econômico. Segundo a idéia de sustentabi-
lidade produzida nos dois eventos acima citados, “o que deve
ser sustentado é o desenvolvimento, e não a capacidade (de
tolerância) dos ecossistemas das sociedades humanas” (RIST,
1997, p. 194)
Assim, a formulação da crise ambiental nos termos
em que foi apresentada mundialmente e as formas de comba-
tê-la devem ser explicadas dentro dos mecanismos de ajustes
e demandas do sistema capitalista mundial, sendo que o mo-
delo do Desenvolvimento Sustentável não é um outro estilo
de desenvolvimento, mas um mecanismo proposto e adotado
pelo centro de poder do referido sistema, para conduzir e le-
gitimar as políticas ambientais globais em consonância com
seu ritmo e lógica.
A transformação dos problemas ambientais locais
com suas diversidades e complexidades em problemas glo-
bais homogeneizados foi elevada, no plano do discurso, ao
status de uma nova proposta de sociedade global, a partir da
valorização do meio ambiente global, como expresso no con-
ceito de Desenvolvimento Sustentável. Isso não significa
dizer que o referido conceito, tal como fora proposto pelas
Organizações das Nações Unidas, em suas várias instâncias,
representasse, efetivamente, um modelo social novo. As defi-
ciências teórico-metodológicas e das experiências práticas
não deixam dúvidas quanto às dificuldades desse modelo de
desenvolvimento, que tem de se constituir numa nova pers-
pectiva societária do ponto de vista da reorganização social.
Entretanto, não podemos deixar de compreender a construção
do Desenvolvimento Sustentável como um mecanismo eficaz
no processo de construção de uma ordem ecológica dentro da
ordem econômica mundial. Os dois objetivos centrais desse
projeto são, portanto: a) a legitimação da ordem ecológica
mundial, que implica uma divisão internacional ecológica e
b) o estabelecimento de políticas de gestão e controle dos
recursos naturais planetários por parte do centro do Capita-
lismo mundial.
Os embaraços teóricos e metodológicos que o concei-
to de Desenvolvimento Sustentável vem enfrentado, as varia-
ções conceituais, talvez se expliquem não porque se trate de
um conceito em construção como vem sendo dito, mas, parti-
cularmente, pela impossibilidade de inexistência concreta
desse novo modelo de desenvolvimento global. Se este não
pode efetivamente existir, existe, enquanto tal, se o que existe
é apenas um discurso que dá suporte ao desenvolvimento
econômico, no que se refere aos recursos naturais renováveis,
e não renováveis é evidente que não há como encontrar coe-
rência teórica nem metodológica numa proposta que se afir-
ma apenas enquanto uma política de gestão de recursos natu-
rais.
Vários cientistas, de diversas áreas do conhecimento,
buscaram entender e explicar, do ponto de vista teórico, o que
viria a ser o Desenvolvimento Sustentável. É possível dispor
as concepções desses autores em dois segmentos. No primei-
ro deles incluem-se os que têm por base o conceito oficial,
apresentado pelo Relatório Brundtland, e tentam, de várias
maneiras, dar-lhes plausibilidade teórica, quer seja redefinido
ou ampliando os seus significados. Noutro segmento, vão ser
encontrados àqueles que edificam suas análises sob a base de
uma concepção crítica do conceito. Na verdade, este grupo
não considera o modelo de Desenvolvimento Sustentável
como um novo modelo de desenvolvimento, como se faz
crer. Suas análises se preocupam, principalmente, em enten-
der os arranjos ideológicos e políticos e as relações de poder
que orientam o discurso do Desenvolvimento Sustentável no
contexto da nova ordem econômica mundial. O quadro abai-
xo exemplifica as duas principais concepções que orientam o
debate acadêmico sobre o conceito de Desenvolvimento Sus-
tentável.
QUADRO 1
EXEMPLO DE VARIAÇÕES EM TORNO DO CON-
CEITO ORIGINAL DE DESENVOLVIMENTO SUS-
TENTÁVEL E ALGUMAS PERSPECTIVAS CRÍTICAS
DESDOBRAMENTO 1
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DEVE SER
DEFINIDO LEVANDO EM CONTA AS SEGUINTES ME-
TAS E OBJETIVOS BÁSICOS: A TAXA DE CONSUMO
DE RECURSOS RENOVÁVEIS NÃO DEVE ULTRAPAS-
SAR A CAPACIDADE DE RENOVAÇÃO DOS MESMOS;
A QUANTIDADE DE REJEITOS PRODUZIDOS NÃO
DEVE ULTRAPASSAR A CAPACIDADE DE ABSOR-
ÇÃO DOS ECOSSISTEMAS; RECURSOS NÃO RENO-
VÁVEIS DEVEM SER UTILIZADOS SOMENTE SE PU-
DEREM SER SUBSTITUÍDOS POR UM RECURSO
EQUIVALENTE RENOVÁVEL (FENZL, 1998);
PERSPECTIVA 1
NÃO HÁ LITERALMENTE NENHUMA EXPERIÊNCIA
DE ECONOMIA INDUSTRIAL AMBIENTALMENTE
SUSTENTÁVEL, EM QUALQUER LUGAR NO MUNDO,
ONDE TAL SUSTENTABILIDADE SE ATRIBUA A UM
ESTOQUE DE CAPITAL AMBIENTAL INEXAURÍVEL.
É, PORTANTO, EVIDENTE, DE MODO IMEDIATO QUE,
COM BASE NA EXPERIÊNCIA PASSADA APENAS, O
TERMO “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL” NÃO
PASSA DE ALGO MAIS QUE UM OXÍMORO (EKINS;
MAX-NEEF, 1992, p. 412);
DESDOBRAMENTO 2
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL É AQUI DE-
FINIDO COMO UM PADRÃO DE TRANSFORMAÇÕES
ECONÔMICAS ESTRUTURAIS E SOCIAIS (I.E., DE-
SENVOLVIMENTO) QUE OTIMIZAM OS BENEFÍCIOS
SOCIETAIS E ECONÔMICOS DISPONÍVEIS NO PRE-
SENTE, SEM DESTRUIR O POTENCIAL DE BENEFÍ-
CIOS SIMILARES NO FUTURO (GOODLAND E LEDOC,
1987, p. 38);
PERSPECTIVA 2
A INTERPRETAÇÃO DOMINANTE (....) VÊ O “DESEN-
VOLVIMENTO SUSTENTÁVEL” COMO UM CONVITE
A MANTER O “DESENVOLVIMENTO” – ISTO É, O
CRESCIMENTO ECONÔMICO. O “DESENVOLVIMEN-
TO”, JÁ UNIVERSAL E INEXORÁVEL, DEVE SE TOR-
NAR ETERNO. (....) O DESENVOLVIMENTO SUSTEN-
TÁVEL, ENTÃO, SIGNIFICA QUE O “DESENVOLVI-
MENTO” DEVE AVANÇAR NUM RITMO O MAIS
“SUSTENTÁVEL” POSSÍVEL ATÉ QUE ELE SE TORNE
IRREVERSÍVEL. (....) O “DESENVOLVIMENTO SUS-
TENTÁVEL” APARECE COMO UMA OPERAÇÃO DE
ENCOBRIMENTO: ELE ACALMA OS MEDOS PROVO-
CADOS PELOS EFEITOS DO CRESCIMENTO ECONÔ-
MICO, DE MODO QUE QUALQUER MUDANÇA RADI-
CAL PODE SER EVITADA. (...) O QUE DEVE SER RE-
ALMENTE SUSTENTADO É O “DESENVOLVIMENTO”,
NÃO A CAPACIDADE DE TOLERÂNCIA DO ECOSSIS-
TEMA DAS SOCIEDADES HUMANAS. (....) UM ÚLTI-
MO PONTO RESTA AINDA A CONSIDERAR. SE O
“DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL É SOMENTE
UM CAMINHO PARA DAR ACEITABILIDADE A AL-
GUMAS PRÁTICAS ATÉ MAIS QUESTIONÁVEIS, TU-
DO MUDARIA COMO UM RESULTADO DO ATENDI-
MENTO DE LIMITAÇÕES AMBIENTAIS? A RESPOSTA
NÃO É TÃO FÁCIL, PORQUE É IMPOSSÍVEL ELIMI-
NAR AS QUESTÕES RELATIVAS AO PODER QUE DE-
TERMINAM AS PRÁTICAS DO MUNDO REAL (RIST,
1997 : 193-194);
DESDOBRAMENTO 3
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL SIGNIFICA
ALCANÇAR SATISFAÇÃO CONSTANTE DAS NECES-
SIDADES HUMANAS E A MELHORIA DA QUALIDADE
DA VIDA HUMANA (ALLEN, R., 1980);
PERSPECTIVA 3
O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO SUSTEN-
TÁVEL É BASEADO NUMA RACIONALIDADE ECO-
NÔMICA E NÃO ECOLÓGICA. AS PRINCIPAIS SUPO-
SIÇÕES DO PARADIGMA ECONÔMICO NEOCLÁSSI-
CO PERMANECEM INTOCADAS E O CRESCIMENTO
ECONÔMICO PERMANECE INQUESTIONÁVEL, SEN-
DO CONSIDERADO UM CRESCIMENTO SUSTENTA-
DO. PRIORIDADES AMBIENTAIS DIFEREM EM DIFE-
RENTES REGIÕES. AS COMUNIDADES RURAIS PO-
BRES DEPENDEM DIRETAMENTE DO MEIO AMBIEN-
TE BIOFÍSICO PARA SOBREVIVER E AS NOÇÕES DE
CONSERVAÇÃO E PROTEÇÃO QUE SÃO COMUNS EM
PAÍSES DESENVOLVIDOS SÃO CONTESTÁVEIS EM
PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO. ENQUANTO A PO-
BREZA É CITADA COMO CAUSA DA DEGRADAÇÃO
AMBIENTAL, O PAPEL DO DESENVOLVIMENTO EM
RESTRINGIR O ACESSO AOS RECURSOS NATURAIS
PARA AS POPULAÇÕES RURAIS NÃO É DISCUTIDO.
O ESVERDEAMENTO DA INDÚSTRIA EM PAÍSES DE-
SENVOLVIDOS TEM SIDO ALCANÇADO ÀS CUSTAS
DO MEIO AMBIENTE DO TERCEIRO MUNDO, ATRA-
VÉS DA REALOCAÇÃO DE INDÚSTRIAS POLUENTES
NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO (BANERJEE,
2000);
DESDOBRAMENTO 4
O DESENVOLVIMENTO AUTÊNTICO É SUSTENTÁ-
VEL? O ÚNICO TIPO DE DESENVOLVIMENTO QUE É
SUSTENTÁVEL É O DESENVOLVIMENTO AUTÊNTI-
CO. CONTUDO, O DESENVOLVIMENTO AUTÊNTICO
É MONUMENTALMENTE DIFÍCIL: É DIFÍCIL DE DE-
SEJAR, DE IMPLEMENTAR E DE MANTER. O ENSAÍS-
TA INGLÊS G. K. CHESTERTON, COM PERVERSIDA-
DE, OBSERVOU CERTA VEZ QUE “O IDEAL CRISTÃO
NÃO FOI TENTADO, TENDO APRESENTADO DEFEI-
TO. ELE TEM SIDO CONSIDERADO DIFÍCIL; E ABAN-
DONADO SEM SE EXPERIMENTAR”. O DESENVOL-
VIMENTO AUTÊNTICO SUSTENTÁVEL PODE
IGUALMENTE PERMANECER SEM EXPERIMENTAR-
SE, POR SER CONSIDERADO MUITO DIFÍCIL.
PERSPECTIVA 4
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, APESAR DE
RELATIVAMENTE RECENTE, NUM ÁTIMO TORNOU-
SE PANACÉIA E SLOGAN INEVITÁVEL DA “SABEDO-
RIA CONVENCIONAL”. DESBANCOU, NAS DISCUS-
SÕES ACADÊMICAS E DOS FORMULADORES DA PO-
LÍTICA DESENVOLVIMENTISTA, O CHARME QUE A
CONTROVÉRSIA CRESCIMENTO ECONÔMICO EQUI-
LIBRADO VERSUS DESEQUILIBRADO EXERCIA. HÁ
QUEM O CONSIDERE O “SÍMBOLO DE UM CONSEN-
SO IDEAL”. OU, AO ARREPIO DAS IDÉIAS SEMINAIS
DE KUHN, O “NOVO PARADIGMA DO DESENVOLVI-
MENTO”. (....) HÁ PLANOS DE DESENVOLVIMENTO
REGIONAL E PROGRAMAS DE GOVERNO ESTADU-
AIS QUE O MENCIONAM VAGA, CONTRADITÓRIA E
ALEATORIAMENTE. OUTROS, DE FORMA CONFLI-
TUOSA COM VÁRIAS DAS DIRETRIZES E DOS OBJE-
TIVOS PRIORITÁRIOS CONJUNTAMENTE COLIMA-
DOS, PRÓDIGOS EM ELEGÊ-LO PARÂMETRO DE IN-
TENÇÕES, MAIS SOMÍTICOS QUANTO ÀS FORMAS
EFETIVAS DE OPERACIONALIZÁ-LO MACRORREGI-
ONALMENTE. POR CONSTITUIR CHAVÃO OBRIGA-
TÓRIO DO EM VOGA “POLITICAMENTE CORRETO”,
TEM SIDO, NO QUE TANGE À AMAZÔNIA BRASILEI-
RA, USADO À LARGA (COSTA, 1997, p. 81-82);
DESDOBRAMENTO 5
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ENVOLVE
UMA RECONSTRUÇÃO DA PRESENTE PARTE INDUS-
TRIAL DA SOCIEDADE GLOBAL, E UMA INDUSTRIA-
LIZAÇÃO (COM UMA NOVA RACIONALIDADE) DA
PARTE NÃO-INDUSTRIALIZADA DO MUNDO. ESTA
RECONSTRUÇÃO É DIFÍCIL E EXIGE O MELHOR DO
SABER. ELA DEVE BASEAR-SE NA CIÊNCIA, E TAL
CIÊNCIA DEVE SER BOA CIÊNCIA (ERIKSSON, 1997,
p. 100-101);
PERSPECTIVA 5
MESMO QUE A IDÉIA DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL PASSE A PREDOMINAR SOBRE A DE
DESENVOLVIMENTO, NO DISCURSO INTERNACIO-
NAL, É POUCO PROVÁVEL QUE ELA SIRVA A UM
OBJETO DE APROXIMAÇÃO DE POSIÇÕES ENTRE O
MUNDO DESENVOLVIDO E O MUNDO EM DESEN-
VOLVIMENTO. AO CONTRÁRIO, A PRÓPRIA PERS-
PECTIVA DA SUSTENTABILIDADE DO DESENVOL-
VIMENTO, EM TERMOS GLOBAIS, PROVAVELMENTE
VARIARÁ ENTRE PAÍSES DESENVOLVIDOS E EM
DESENVOLVIMENTO. OS PAÍSES DESENVOLVIDOS,
DE UMA FORMA GERAL, TENDEM A VER O DESEN-
VOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO ALGO NECES-
SÁRIO SOBRETUDO EM PAÍSES EM DESENVOLVI-
MENTO, PREOCUPADOS QUE ESTÃO COM SEU PO-
TENCIAL DE CRESCIMENTO E A CONSEQÜENTE
PRESSÃO SOBRE OS RECURSOS DO PLANETA. O DE-
SENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NÃO EXIGIRIA A
SUPERAÇÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO, MAS
APENAS A ADOÇÃO DE COMPROMISSOS ADICIO-
NAIS PELOS PAÍSES DO TERCEIRO MUNDO QUANTO
A SUAS FORMAS DE DESENVOLVIMENTO. O DE-
SENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NÃO IMPLICARIA
QUE OS PAÍSES POBRES DEIXASSEM DE SER PO-
BRES, MAS APENAS QUE PASSASSEM A UTILIZAR
SEUS RECURSOS DE MANEIRA MAIS RESPONSÁVEL.
O PONTO DE PARTIDA PARA SUA CRÍTICA NÃO SE-
RIA, PORTANTO, O SUBDESENVOLVIMENTO, MAS O
MAU DESENVOLVIMENTO. OS PAÍSES EM DESEN-
VOLVIMENTO, AO CONTRÁRIO, PARTEM DA CONS-
TATAÇÃO DE QUE, NO PLANO INTERNACIONAL,
ENTRE OUTROS ASPECTOS, NÃO PODE SER SUS-
TENTÁVEL UM DESENVOLVIMENTO QUE IMPLIQUE
A MANUTENÇÃO DE GRANDE DESIGUALDADE NA
DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS DO PLANETA. ALÉM
DISSO, CRÊEM NÃO SER SUSTENTÁVEL HOJE SO-
BRETUDO O DESENVOLVIMENTO DOS PAÍSES DE-
SENVOLVIDOS, QUE SÃO OS QUE CONSOMEM A
MAIOR PARTE DOS RECURSOS GLOBAIS. NÃO SE-
RIA, ADEMAIS, POSSÍVEL FALAR EM DESENVOLVI-
MENTO SUSTENTÁVEL ONDE HÁ AUSÊNCIA DE DE-
SENVOLVIMENTO E A REALIDADE DOMINANTE É A
DO SUBDESENVOLVIMENTO, QUE IMPLICA MISÉ-
RIA, FOME, PROBLEMAS BÁSICOS DE NUTRIÇÃO E
DE SAÚDE, DE SANEAMENTO, DE EDUCAÇÃO, DE
MORADIA, DE MARGINALIDADE URBANA, DE EX-
CLUSÃO DE GRANDE NÚMERO DE CRIANÇAS E JO-
VENS DOS PROCESSOS SOCIAIS, CUJO IMPACTO
NEGATIVO SOBRE O FUTURO É INEGÁVEL. O DE-
SENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, EM PAÍSES EM
DESENVOLVIMENTO, TERIA QUE PRESSUPOR, POR-
TANTO, A SUPERAÇÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO
(ALMINO, 1993, p. 89);
DESDOBRAMENTO 6
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NÃO É APE-
NAS UMA PREOCUPAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DE
MEDIDAS DE POLÍTICA AMBIENTAL ADEQUADAS.
SEU PRÉ-REQUISITO É UM SISTEMA POLÍTICO E
ECONÔMICO ESTÁVEL QUE PERMITA A PARTICIPA-
ÇÃO DE TODA A SOCIEDADE (PROOPS ET AL., 1997, p.
111);
PERSPECTIVA 6
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL RECOMPILA
A HISTÓRIA, TÃO SECTORIZADA, INDEPENDENTE E
MAL CONTADA, PARA INTEGRÁ-LA NUMA SÓ; NA
HISTÓRIA DO CONHECIMENTO HUMANO DESEN-
VOLVIDA NOS CAMPOS DA POLÍTICA, DA ECONO-
MIA, DO SOCIOCULTURAL, E DAS RELAÇÕES HU-
MANAS COM A NATUREZA (NEGRET, 1994, p. 15);
DESDOBRAMENTO 7
PARA QUALQUER FORMA DE DESENVOLVIMENTO
SER SUSTENTÁVEL, O CRESCIMENTO DA POPULA-
ÇÃO NA ÁREA ENVOLVIDA, TANTO PELA REPRO-
DUÇÃO COMO PELA MIGRAÇÃO, DEVE PERMANE-
CER DENTRO DOS LIMITES DA CAPACIDADE DE SU-
PORTE, A QUAL, CONQUANTO NÃO FIXA, TAMBÉM
NÃO É LIVRE PARA AUMENTAR AO BEL-PRAZER DE
NINGUÉM. NÃO EXISTE “DESENVOLVIMENTO SUS-
TENTÁVEL” PARA UM NÚMERO INFINITO DE PES-
SOAS (FEARNSIDE, 1997, p. 314);
PERSPECTIVA 7
É IMPORTANTE EVITAR QUE O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL FAVOREÇA O CONGELAMENTO NÃO
APENAS DAS ATUAIS DISPARIDADES DE DESEN-
VOLVIMENTO, MAS TAMBÉM DA ATUAL DISTRI-
BUIÇÃO MUNDIAL DE POLUIÇÃO. AO IMPEDIR-SE O
ACRÉSCIMO DO NÍVEL GLOBAL DE POLUIÇÃO POR
PARTE DE PAÍSES QUE DESEMPENHAM UM PAPEL
SECUNDÁRIO NOS EFEITOS GLOBAIS, SEM QUE, AO
MESMO TEMPO, OS PRINCIPAIS POLUIDORES GLO-
BAIS, APESAR DAS MEDIDAS ECOLÓGICAS QUE
ADOTAM, REDUZAM DRASTICAMENTE SUA PRÓ-
PRIA CONTRIBUIÇÃO, ESTAR-SE-IA PARTINDO IM-
PLICITAMENTE DO PRESSUPOSTO DE QUE OS PO-
LUIDORES GLOBAIS TÊM DIREITO A MANTER SUAS
ATUAIS “QUOTAS” DE POLUIÇÃO DA TERRA (ALMI-
NO, 1993, p. 83);
DESDOBRAMENTO 8
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL QUER DIZER
UM DESENVOLVIMENTO COM EFICIÊNCIA ECONÔ-
MICA, PRUDÊNCIA ECOLÓGICA E JUSTIÇA SOCIAL.
(....) ATRÁS DO TRIPÉ DO DESENVOLVIMENTO SUS-
TENTÁVEL APARECEM AS TRÊS DIMENSÕES QUE
NENHUM PROJETO DE UM DESENVOLVIMENTO
EQUILIBRADO DA SOCIEDADE GLOBAL PODE NE-
GAR. TRATA-SE: A) DA DIMENSÃO DO CÁLCULO
ECONÔMICO; B) DA DIMENSÃO BIOFÍSICA; C) DA
DIMENSÃO SÓCIO-POLÍTICA (BRÜSEKE, 1996, p. 115);
PERSPECTIVA 8
O CONCEITO DE “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁ-
VEL” PODE SE TORNAR OPERACIONAL NÃO APE-
NAS POR UMA MELHOR ECONOMIA, BOAS TECNO-
LOGIAS OU A INCLUSÃO DE PREOCUPAÇÕES AMBI-
ENTAIS NOS PROJETOS DE INVESTIMENTO; SEU
VERDADEIRO SIGNIFICADO SERÁ DERIVADO SO-
MENTE DOS ESFORÇOS SISTEMÁTICOS PARA CONS-
TRUIR UMA SOCIEDADE MAIS ESTÁVEL, RACIONAL
E HARMÔNICA, BASEADA EM PRINCÍPIOS DE
IGUALDADE E JUSTIÇA NOS RELACIONAMENTOS
ENTRE OS HOMENS, EM CADA SOCIEDADE EM NÍ-
VEL GLOBAL (RATTNER, 1999 : 105);
DESDOBRAMENTO 9
O DESENVOLVIMENTO BASEADO NO USO PRODU-
TIVO DE RECURSOS NATURAIS PARA O CRESCI-
MENTO ECONÔMICO E FORTALECIMENTO DOS
MEIOS DE VIDA, QUE CONSERVA SIMULTANEA-
MENTE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E SOCIAL QUE
CONSTITUEM PARTE INTEGRANTE DESTE PROCES-
SO (HALL, 1997 : 273);
DESDOBRAMENTO 10
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL CONSTITUI A
FACE TERRITORIAL DA NOVA FORMA DE PRODU-
ZIR, A VERSÃO CONTEMPORÂNEA DA TEORIA E
DOS MODELOS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL
(BECKER, 1994);
DESDOBRAMENTO 11
ALCANÇAR UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
NÃO É APENAS UMA PREOCUPAÇÃO DA IMPLE-
MENTAÇÃO DE MEDIDAS DE POLÍTICA AMBIENTAL
ADEQUADAS. SEU PRÉ-REQUISITO É UM SISTEMA
POLÍTICO E ECONÔMICO ESTÁVEL QUE PERMITA A
PARTICIPAÇÃO DE TODA A SOCIEDADE. UMA POLÍ-
TICA QUE “MUDA AS REGRAS DO JOGO” COM MUI-
TA FREQÜÊNCIA É UM ENTRAVE AO DESENVOLVI-
MENTO SOCIAL E ECONÔMICO (PROOPS, 1997, p.
111);
DESDOBRAMENTO 12
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, COMO FOI
APONTADO NA AGENDA 21, REQUER TANTO UM
EQUILÍBRIO SOCIAL QUANTO AMBIENTAL. O ESPA-
ÇO AMBIENTAL PER CAPITA, PORTANTO, DEVE SER
IGUAL PARA QUALQUER PESSOA. A DISTRIBUIÇÃO
EQÜITATIVA DA QUANTIDADE FÍSICA DE RECUR-
SOS DO PLANETA DETERMINA O LIMITE SUPERIOR
OU O TETO DO ESPAÇO AMBIENTAL, QUE É MEDIDO
COM BASE NO CONSUMO DE RECURSOS PER CAPI-
TA. O LIMITE INFERIOR, OU O PISO, É DEFINIDO CO-
MO A QUANTIDADE MÍNIMA DE USO DE RECURSOS
PER CAPITA QUE SÃO NECESSÁRIOS PARA UMA VI-
DA DIGNA. O PRINCÍPIO DE EQÜIDADE DEFINE,
DESTA FORMA, UMA ESPÉCIE DE DIREITO HUMANO
AO USO DOS RECURSOS GLOBAIS QUE SÃO PATRI-
MÔNIO COMUM DA HUMANIDADE, SENDO PARTE
CONSTITUTIVA DA DEFINIÇÃO DE ESPAÇO AMBI-
ENTAL (ACSELRAD; LEROY, 1999, p. 18);
DESDOBRAMENTO 13
“...DESDE LOGO, O DESENVOLVIMENTO SUSTEN-
TÁVEL ASSUME IMPORTÂNCIA NO PRÓPRIO MO-
MENTO EM QUE OS CENTROS DE PODER MUNDIAL
DECLARAM A FALÊNCIA DO ESTADO COMO FORÇA
MOTRIZ DO DESENVOLVIMENTO E PROPÕEM SUA
SUBSTITUIÇÃO PELO MERCADO, ENQUANTO DE-
CLARAM TAMBÉM A FALÊNCIA DO PLANEJAMEN-
TO GOVERNAMENTAL. AO REVISAR-SE ATENTA-
MENTE OS COMPONENTES BÁSICOS DA SUSTENTA-
BILIDADE DO DESENVOLVIMENTO – ISTO É, A MA-
NUTENÇÃO DO ESTOQUE DOS RECURSOS E DA
QUALIDADE AMBIENTAL PARA SATISFAZER AS
NECESSIDADES BÁSICAS DAS ATUAIS E FUTURAS
GERAÇÕES – CONSTATA-SE, TAMBÉM, QUE ESSA
SUSTENTABILIDADE REQUER PRECISAMENTE UM
MERCADO REGULADO E UM HORIZONTE A LONGO
PRAZO PARA AS DECISÕES PÚBLICAS. ENTRE OU-
TROS MOTIVOS, PORQUE ATORES E VARIÁVEIS
COMO “GERAÇÕES FUTURAS” OU “LONGO PRAZO”
SÃO ESTRANHAS AO MERCADO, CUJOS SINAIS
CORRESPONDEM À ÓTIMA ATRIBUIÇÃO DE RECUR-
SOS EM CURTO PRAZO. O MESMO SE APLICA, COM
MAIOR RAZÃO, AO TIPO ESPECÍFICO DE ESCASSEZ
ATUAL. SE A ESCASSEZ DE RECURSOS NATURAIS
PODE, AINDA QUE DE MODO IMPERFEITO, SER
IDENTIFICADA NO MERCADO, ELEMENTOS COMO O
EQUILÍBRIO CLIMÁTICO, A CAMADA DE OZÔNIO, A
BIODIVERSIDADE OU A CAPACIDADE DE RECUPE-
RAÇÃO DO ECOSSISTEMA, TRANSCENDEM À AÇÃO
DO MERCADO...” (GUIMARÃES, 1997, p. 58).
É preciso entender que as abordagens sobre meio am-
biente não são moldadas pelas visões ecocêntricas, como pre-
tendem alguns cientistas e correntes ambientalistas. Nos ar-
ranjos que orientam a sociedade moderna, não há evidência
de que se adote uma preocupação legítima com a natureza
como princípio para organizar a sociedade, como o próprio
conceito de Desenvolvimento Sustentável tende a induzir. É
por meio da racionalidade econômica, que inclui o controle
do crescimento populacional e a poupança dos recursos natu-
rais, por parte de alguns grupos sociais, que são sistematiza-
das e direcionadas as políticas e as ações ambientais, sempre
do ponto de vista do valor utilitário da natureza. Neste senti-
do, Banerjee (2000) afirma:
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
COMO GESTÃO DE RECURSOS NA-
TURAIS
O modelo de Desenvolvimento Sustentável, na práti-
ca, sempre se expressou como um projeto internacional de
gestão de recursos naturais das áreas ecológicas mais impor-
tantes do planeta. Isto tem sido possível pelo estabelecimen-
to, por meio de mecanismos diversos, de um discurso consen-
sual, que tem como conseqüência a construção da plausibili-
dade da idéia segundo a qual haveria interesses comuns entre
países propositores e receptores das políticas ambientais glo-
bais, salvo nas áreas ricas em petróleo que são comandadas
pelos mecanismos de poder e pressão internacional, incluindo
a guerra.
É através da aceitação e implementação de uma Divi-
são Ecológica Internacional – DEI, efetivada, inclusive, pela
construção da idéia de risco iminente que pairaria sobre o
ecossistema planetário e pela proposta do modelo de Desen-
volvimento Sustentável, que se torna possível a gestão inter-
nacionalizada e a apropriação dos recursos ambientais das
áreas definidas como de “interesse planetário”. É neste senti-
do que, embora sejam grandes as cobranças de modelos de
29
Costa (1997) comenta a maneira pela qual o conceito de Desenvolvimento Sustentável
se constitui numa abordagem mais “politicamente correta” do que as anteriores: “O Desen-
volvimento Sustentável, apesar de relativamente recente, num átimo tornou-se panacéia e
slogan inevitável da “sabedoria convencional”. Desbancou, nas discussões acadêmicas e
dos formuladores da política desenvolvimentista, o charme que a controvérsia crescimento
econômico equilibrado versus desequilibrado exercia. Há quem considere o símbolo de um
consenso ideal. Ou ao arrepio das idéias seminais de Kuhn, o “novo paradigma do desen-
volvimento”. (....) Há planos de desenvolvimento regional e programas de governo estadu-
ais que o mencionam vaga, contraditória e aleatoriamente. Outros, de forma conflituosa,
com várias das diretrizes e dos objetivos prioritários conjuntamente colimados, pródigos em
elegê-lo parâmetro de intenções, mais somíticos quanto às formas efetivas de operacionali-
zá-lo macrorregionalmente. Por constituir chavão obrigatório em voga, “politicamente
correto”, tem sido, no que tange à Amazônia brasileira, usado à larga” (COSTA, 1997, p.
81-82).
Desenvolvimento Sustentável para espaços urbanos, a produ-
ção nessa área não tem prosperado.30
Graças ao conjunto de metáforas da “unidade da espé-
cie” e da inclusão de todos, articuladas no conceito de De-
senvolvimento Sustentável, são superadas as fronteiras naci-
onais e as possíveis barreiras legais que porventura possam
existir para implementar os projetos ambientais que se abri-
gam no referido modelo de desenvolvimento e no mais signi-
ficativo plano de ação ecológica global, a Agenda Global
21.31
No nosso entender, construído pela análise das evi-
dências empíricas, vigora, em áreas ecológicas, uma nova
dinâmica que tem como base o controle e gestão dos recursos
naturais dos grandes nichos ecológicos. Essa dinâmica de
gestão, monitoramento e controle dos referidos recursos é
reconhecida como ação capaz de produzir um Desenvolvi-
mento Sustentável, o que facilita sua implementação sem
qualquer questionamento sobre seus objetivos e finalidades
como políticas ambientais globais.
Esse movimento, que do ponto de vista teórico apare-
ce como se se opusesse ao modelo de desenvolvimento eco-
30
Uma iniciativa da ONU, que visa implementar o Desenvolvimento Sustentável em 13
cidades do mundo, termina se voltando para o controle e gestão de recursos naturais em
áreas não urbanas. No Brasil, a cidade contemplada foi Santos, no Estado de São Paulo. A
denominada Agenda 21 local que foi implementada naquela cidade entre 1994-1996 teve
seus projetos voltados, em particular, para áreas de reservas florestais e manguesais. Isto
demonstra que esse modelo de desenvolvimento, nos países do Sul, mesmo quando procura
responder aos desafios urbanos, sempre se aproxima de processo de gestão de recursos
naturais.
31
Segundo Viola (1997), a produção da Agenda 21 resultou de um grande esforço de nego-
ciação internacional para a geração de um consenso normativo e um programa de certa
operacionalidade para a humanidade com relação ao desenvolvimento sustentável. Segundo
Barbieri (2000), a Agenda 21, transformada em Programa 21 pela ONU, é um plano de ação
para alcançar os objetivos do desenvolvimento sustentável. Ela é uma espécie de consolida-
ção de diversos relatórios, tratados, protocolos e outros documentos elaborados durante
décadas na esfera da ONU (Assembléia Geral, FAO, PNUMA, UNESCO). Princípios,
conceitos e recomendações expressos no relatório da Comissão Brundtand, nas estratégias
de conservação da UICN, WWF, PNUMA de 1980, nas estratégias do Caring for the Earth,
nos documentos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, por exemplo,
podem ser reconhecidos no texto da Agenda. A Agenda 21 inclui os temas tratados na
Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, nas convenções
sobre Biodiversidade e sobre Mudanças do Clima, bem como a Declaração de Princípios
sobre Florestas. As recomendações nas áreas da ciência contidas na Agenda 21 são resultado
da conferência internacional realizada em Viena, denominada de Agenda da Ciência para o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento do século 21 (Agenda Global 21 e BARBIERI, 2000,
p. 58).
nômico dominante, no nosso entender, funciona como um
processo subsidiário ao projeto de desenvolvimento econô-
mico global. Não há, portanto, um desenvolvimento dando
lugar ao outro. O que existe, efetivamente, são atividades de
complementaridade entre o desenvolvimento econômico e o
que é chamado de modelo de Desenvolvimento Sustentável,
sendo as experiências de aplicação deste funcionais àquele.
No caso do Brasil, o Ministério do Meio Ambiente
funciona como a maior expressão institucional receptora des-
sas políticas. É claro que ele tem a anuência política do go-
verno brasileiro e do Congresso Nacional, fórum privilegiado
para aprovação dos acordos e convênios entre governos e
instituições internacionais. Os Institutos de Pesquisas e Insti-
tuições Universitárias também desempenham funções impor-
tantes no aval aos projetos ambientais globais implementados
no Brasil.
Diante do problema da escassez dos recursos e da ne-
cessidade de manter a ordem econômica em vigência, é ne-
cessário que se construa, tal como está previsto na Agenda
21, uma rede científica e política para fomentar o debate so-
bre a necessidade de estabelecer normas, valores e práticas
sociais com o fito de evitar, segundo aquele documento, as
previsíveis catástrofes ecológicas previstas.
No plano político, depois da própria mobilização dos
governos de todas as nações modernas, incluindo aí as pobres
e as ricas, e as principais organizações internacionais, quem
vai desempenhar papel fundamental neste contexto são as
ONGs32, na medida em que não apenas se envolvem no ge-
32
As Organizações não Governamentais – ONGs são instituições híbridas que se formam,
em geral, a partir de interesses de grupos e o de indivíduos que estão ou tiveram vinculados
a uma instituição de pesquisa ou de assessoria, principalmente as Universidades. No caso
das entidades que tratam dos problemas ambientais, aquele antigo pesquisador vinculado a
uma Universidade, que desenvolvia suas pesquisas num dado espaço e, por conseguinte,
com uma dada comunidade, funda ou assessora a criação de uma ONG e transforma-se em
seu coordenador ou assessor. Aquela área transforma-se em área de reservas e, por conse-
guinte, a comunidade passa a ser assistida pela nova entidade, o que vai assegurar a essa
ONG seu poder de interlocução. Inclusive são elas que falam e orientam os projetos a partir
das políticas ambientais globais, em nome das comunidades e das entidades tradicionais,
como sindicatos de trabalhadores, associações de produtores, caixas agrícolas, as quais
funcionam também como espaços de ressonância da primeira. Do ponto de vista dos aspec-
tos legais, essas entidades estão submetidas a poucas exigências. Embora sejam exigidos
delas estatutos e cadastramento, como elas não se vinculam ou não representam um grupo
renciamento direto dos recursos, como também são reprodu-
toras do projeto ecológico em curso, tanto no meio dos mo-
vimentos sociais, quanto entre as comunidades locais, estabe-
lecendo uma fala “competente” em defesa dos problemas
ambientais. Às vezes, a defesa do meio ambiente surge em
contraposição às relações de trabalhos desenvolvidas pelas
referidas comunidades. Nas áreas de proteção ambiental, con-
flitos nesse nível são recorrentes. Em alguns casos, em que os
gerentes dos projetos têm pouca sensibilidade social, chega-
se a situações extremadas, nas quais os conflitos terminam
nos tribunais.
As ONGs, são fundamentais na implementação das
políticas ambientais, desempenhando os papéis de mediado-
ras, fazendo parte da estrutura gerencial das referidas políti-
cas e veiculando o conjunto das idéias ecológicas, no sentido
de disseminar um discurso que, geralmente, é construído em
espaços exógenos aos contextos nos quais os projetos de De-
senvolvimento Sustentável são implementados. O esverdea-
mento da Amazônia vem se dando, principalmente, a partir da
colaboração de organizações não governamentais, que, arti-
culadas com um conjunto de instituições regionais, nacionais
e internacionais, contribuíram para tecer o discurso ecológico
ora hegemônico, visando à Gestão dos Recursos Naturais,
sob a guarda do conceito de Desenvolvimento Sustentável.
A construção do discurso ambientalista sobre Amazô-
nia talvez seja, neste momento, o projeto mais importante no
âmbito das políticas ambientais globais. Por meio da recepti-
vidade e da integração de falas das instituições internacionais
e nacionais, pode-se “transformar” a região em área ecológica
de “interesse global” (confirmando um dos pontos da propos-
ta da Divisão Ecológica Internacional). Essa fala, que estabe-
lece uma reconfiguração da região, se reproduz, com efeito
multiplicador, sobre a prática social dos vários segmentos
sociais da Amazônia, dando as condições para uma nova
Agenda (ecológica) Amazônica.
social homogêneo, não há controle da entidade por parte das comunidades assistidas. As
referidas ONGs têm obrigação, geralmente, com os órgãos financiadores dos seus projetos.
A forma privilegiada para a hegemonização do discur-
so a respeito da internacionalização da Amazônia é a consti-
tuição de uma rede de relações institucionais para a execução
de projetos de aplicação do modelo de Desenvolvimento Sus-
tentável, incluindo desde instituições internacionais, como o
BIRD, a ONU, a Comunidade Européia, o Grupo dos 7, pas-
sando por associações, sindicatos de pequenos produtores
rurais e entidades indígenas, cooperativas e associações de
pescadores, associações de coletores e extratores, reservas
extrativistas, federações, associações de classes, Universida-
des e outros tipos de ONGs.
As entidades envolvidas no projeto de Apoio ao Ma-
nejo Florestal Integrado e Sustentável de Florestas Naturais
na Amazônia, vinculado ao PPG7 por meio do Subprograma
denominado de Unidades de Conservação e Gestão de Recur-
sos Naturais, dão a dimensão das interações que se formam
em torno das políticas de Gestão Ambiental na Amazônia,
como podemos observar no quadro abaixo.
FIGURA 1 – Interações Institucionais na Amazônia
GRUPO
DOS
SETE
Gov. Brasi-
leiro
Órgãos
Federais1
PPG7
Entidades de
Assessoria/Pes- Entidades
quisa e ONGs Comunitárias,
Ambientalistas Cooperativas e
4 Outras 5
1
INPA, INCRA, MPMG, SUDAM, EMBRAPA, CEPLAC, CEPLAC, BB, FUNAI, Universidades,
Fundações e Institutos Federais, IBAMA, SIVAM, IBGE, DNPM.
2
Secretaria do Meio Ambiente, Secretaria de Planejamento, Secretaria de Agricultura, Secretaria da
Saúde, Secretaria Indústria e Comércio, Institutos de Terras, EMATERs.
3
Secretarias Municipais de Agricultura, Secretarias Municipais de Educação, Núcleos e/ou Secretarias M.
do Meio Ambiente, Conselhos Municipais.
4
FASE, CPT, CNPT, Sociedade Civil Mamirauá, SOPREN, CTA, IMAZON, GTA, ARNI, POEMA,
GDA, FETAGRI, UNIPOP, CNA, UNAMAZ, CAT, CI, NUMA, IBASE, IPAM, NAEA...
5
Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, Associações Comunitárias, Caixas Agrícolas, Associações agro-
extrativistas, Grupos de Mulheres, Organizações Indígenas, Organizações dos Quilombolas
33
O GEF – Global Environment Facility (Fundo para o Meio Ambiente Mundial) foi estabe-
lecido em meados de 1991, em caráter experimental, como produto de um acordo entre
países doadores voltado para a organização e coordenação dos esforços destinados à prote-
ção do ambiente global, seguindo a filosofia estabelecida durante a reunião de Londres
acima mencionada. O Fundo foi concebido como um mecanismo de financiamento que
outorga doações e concebe ajuda em condições concessionais para os países receptores de
renda média e baixa para que executem projetos e atividades voltados para a proteção do
ambiente global nas áreas de mudança climática, biodiversidade e águas internacionais. A
responsabilidade pelo funcionamento do Fundo é compartilhada pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambi-
ente (PNUMA) e Banco Mundial. Do início efetivo das suas operações em 1991 até 1994,
considerada a sua fase piloto, o Fundo financiou mais de 100 projetos em diversos países em
desenvolvimento, totalizando cerca de US$ 750.00 milhões. Ao final dessa fase experimen-
tal, o Fundo passou por um processo de reestruturação, conforme havia sido recomendado
na Conferência das Nações Unidas (CNUMAD), e deu início a sua fase operacional (GEF-
I), onde pretende aportar US$ 2,0 bilhões até 1997, conforme comprometimento dos países
doadores de recursos (GEF, 1986).
em 1992, para dar suporte financeiro ao Programa Piloto para
Proteção das Florestas Tropicais – PPG7, intitulado Rain Fo-
rest Trust Found. O objetivo do Fundo é dar suporte financei-
ro para viabilizar a gestão do Programa, cujo objetivo enun-
ciado é de conservar a biodiversidade, reduzir as emissões de
carbono para a atmosfera e promover maior conhecimento
das atividades sustentáveis na Amazônia.
Ao compreender o modelo de Desenvolvimento Sus-
tentável permeado por relações de poder e envolvido pelas
condições políticas de dominação, podemos desconsiderar a
existência do bom e do mau desenvolvimento, como foi posto,
ainda na década de 70, no calor inicial do debate sobre a crise
do meio ambiente. A partir desse esquema de inspiração mo-
ralista, os países do Sul não deveriam seguir o padrão de de-
senvolvimento econômico e de consumo dos países do Norte.
A conclusão era a de que, se todas as nações se orientassem
por esse mesmo padrão de desenvolvimento, o equilíbrio pla-
netário estaria comprometido. A tese resultante foi a de que
os países do Sul deveriam implementar um estilo diferente
daqueles historicamente adotados no Norte, despontando co-
mo um modelo de “bom” desenvolvimento o de Desenvolvi-
mento Sustentável.
A implementação do modelo “bom” do Desenvolvi-
mento teria como conseqüência necessária a aceitação da
limitação do estilo de consumo e do ritmo de produção do Sul
e, por tabela, a concordância com a manutenção dos padrões
de consumo e de produção do Norte.
Almino (1993) desenvolve com rara argúcia esse pon-
to de vista, ao demonstrar que:
A Globalização da estrutura produtiva e a interde-
pendência econômica tornarão inviável a revisão das
formas de desenvolvimento estabelecidas e dos pa-
drões gerais de produção e consumo pelos países em
desenvolvimento se tal revisão não ocorrer ao mesmo
tempo no próprio centro do sistema econômico mun-
dial. Enquanto ela não ocorrer, para que os padrões
atuais de produção e consumo sejam minimamente
sustentáveis nos países desenvolvidos, é necessário
que outros países desistam de alcançar o mesmo pa-
tamar de produção e consumo, ou seja, é preciso que
renunciem ao crescimento econômico e à expansão
do uso dos recursos naturais e que contenham seu
crescimento populacional. É já lugar comum, no pen-
samento ecológico, sobretudo em países desenvolvi-
dos, a idéia de que a capacidade do Planeta não
permitiria que os países em desenvolvimento atingis-
sem os padrões de produção e consumo dos países
desenvolvidos. O desenvolvimento Sustentável do Sul
seria, portanto, fundamental para a sobrevivência da
Humanidade e para a preservação dos padrões de
produção e consumo do Norte (ALMINO, 1993, p.
83).
As experiências classificadas como de Desenvolvi-
mento Sustentável, neste caso, podem estar sendo realizadas
à margem dos processos econômicos principais. A Vale do
Rio Doce, por exemplo, atua na Amazônia como uma das
maiores extratoras e beneficiadoras de recursos naturais do
mundo, funcionando a partir da dinâmica econômica mundial
e dos fluxos de mercado, sem qualquer referência à sustenta-
bilidade do desenvolvimento.
Ou seja, o vínculo de complementaridade entre as di-
nâmicas econômicas e as ações de Desenvolvimento Susten-
tável não é automático, nem direto. As interações existentes
entre os processos econômicos e a preservação de recursos
naturais fazem parte da lógica do sistema como um todo. A
complementariedade entre Desenvolvimento Sustentável
(gestão e controle dos recursos) e a dinâmica do capitalismo
internacionalizado no nosso entender, é regulada pela Divisão
Internacional Ecológica.
Neste sentido, cria-se uma aparência de ampla mobili-
zação internacional e nacional traduzida na proliferação de
ações e iniciativas do Desenvolvimento Sustentável. Uma
análise mais profunda do que é apresentado mostra que, do
ponto de vista das ações práticas que visariam ao Desenvol-
vimento Sustentável, qualquer procedimento ligado ao ima-
ginário do ecologismo pode ser caracterizado como ações de
construção da sustentabilidade do desenvolvimento. Para
demonstrar esse princípio do “vale tudo” basta tomar como
exemplo e observar as ações catalogadas pelo Ministério do
Meio Ambiente como as cem “Principais Experiências de
Desenvolvimento Sustentável implementadas no Brasil”, as
quais foram disponibilizadas para conhecimento público por
meio da página eletrônica daquele Ministério.
Como podemos observar, é como se estivéssemos
considerando práticas do Desenvolvimento Sustentável,
ações, projetos, experiências que não deixam clara a sintonia
com seus pressupostos epistemológicos e metodológicos,
como, por exemplo, aos referentes a uma real possibilidade
de relação entre desenvolvimento econômico e Meio Ambi-
ente.
Em muito do que é apresentado como experiências de
Desenvolvimento Sustentável, os três pressupostos do mode-
lo de Desenvolvimento Sustentável, a eqüidade, a eficiência
econômica e a preservação dos recursos naturais a longo pra-
zo, não são atendidos, sendo privilegiadas, sem sombra de
dúvida, as ações preservacionistas, enquanto os dois outros
eixos são quase completamente desprezados.
Dentre os autores que discutem os problemas da apli-
cabilidade do conceito de Desenvolvimento Sustentável, Re-
dclift (1996) considera que não é possível gerenciar com su-
cesso o meio ambiente, no nível global, sem alcançar o pro-
gresso em direção à sustentabilidade ao nível local. O autor
advoga dois papéis para o Desenvolvimento Sustentável. Um
primeiro papel a ser desempenhado seria como meta norma-
tiva para as sociedades. O segundo estaria vinculado ao mo-
delo como forma de entendimento dos ecossistemas (RE-
DCLIFT, 1996, p. 3). A sustentabilidade, segundo o referido
autor, não será atingida pela invenção de técnicas de gerenci-
amento para combater as contradições do desenvolvimento.
Para Redclift, ela seria possível, se recuperássemos nosso
controle sobre o consumo, em lugar de trabalhar na direção
de novas instituições que gerenciam suas conseqüências.
De acordo com a perspectiva desse autor, dois pontos,
a saber, a efetividade do desenvolvimento local e a questão
do consumo precisam ser atacados para que seja possível a
implementação do Desenvolvimento Sustentável, analisando
algumas pretensas experiências de Desenvolvimento Susten-
tável, na Amazônia, em particular, no Estado do Pará. O lo-
cal, neste caso funciona apenas como a ambiência concreta
do gerenciamento dos recursos naturais objetivando a preser-
vação ambiental visando atender as demandas presentes e
futuras da dinâmica do crescimento econômico, principal-
mente dos países hegemônicos.
Nesse sentido, assistimos, dentro da proposição do
Desenvolvimento Sustentável, à valorização de processos
sociais tradicionais e locais. Estabelecida a nova Divisão
Ecológica Internacional, várias práticas sociais de diversos
grupos são valorizadas, relações de trabalho e modos de vida
até então vistos como processos sociais residuais na moder-
nidade tornam-se fundamentais no contexto ambiental. Os
gestores das políticas internacionais, principalmente, procu-
ram mobilizar todos os povos que de uma maneira ou de ou-
tra vivem em regiões cujos ambientes são pouco artificializa-
dos, do ponto de vista da expansão capitalista tradicional.
Desse modo, passou-se a mobilizar pequenos agricultores,
coletores, pescadores artesanais, populações indígenas que se
vinculam diretamente à preservação de recursos naturais flo-
restais pela capacidade que têm de poupar recursos em
áreas de escassez e de poupar e preservar em áreas onde há
recursos abundantes34. As práticas concretas apresentadas
34
Em toda a história da América Latina, os povos indígenas e tradicionais (caboclos, cam-
poneses, seringueiros, peões, colonos, caiçaras etc.) têm sido tratado – na melhor das hipóte-
ses – com desdém pela elite dominante. Só no século XVII, por exemplo, os “índios” foram
considerados seres humanos com alma; e os cientistas ocidentais, de forma muito abrangen-
te, ainda acreditam que o conhecimento tradicional é apenas folclore e que, de uma forma
como experiência de Desenvolvimento Sustentável, contra-
põem-se à abordagem feita por Redclift, no que se refere à
perspectiva do consumo. Para ele, deveria haver uma mudan-
ça nos comportamentos da população mundial, com relação
ao consumo. Contudo, as próprias ações que visam à susten-
tabilidade ambiental, com base naquele modelo de desenvol-
vimento, em áreas ecológicas, correspondem às demandas
dos mercados, no que tange ao uso de capitais naturais, vi-
sando em última instância atender aos padrões de consumo
dos países desenvolvidos, ou, se quisermos ser mais precisos,
de setores da população local/global com níveis de renda que
os tornam hábeis para consumir. As políticas ambientais,
neste sentido, efetivamente, não respondem aos problemas
ecológicos reais, mas, buscam manter a hegemonia do mode-
lo de organização social capitalista, a partir do controle do
meio ambiente. Aquelas são muito mais determinadas pelas
relações de poder e de um certo ordenamento pragmático do
meio ambiente, do que pelos problemas reais que as socieda-
des podem enfrentar com os limites e a escassez de recursos
naturais. O que parece estar no centro do debate sobre os
problemas ambientais e sobre as eventuais estratégias de seu
enfrentamento é, antes, a disputa pelo controle dos recursos
naturais renováveis e não renováveis do planeta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Manuel Sena
Dutra35
Introdução
A impressionante evolução de um
conceito guarda-chuva
36
SCHMIDHEINY, Stephan. Mudando de rumo. Rio de Janeiro: FGV, 1992.
inserções sobre a Amazônia no programa de educação a dis-
tância denominado Telecurso 2000, emissão da Rede Globo
e outras emissoras, produto de um conglomerado empresarial
que tem à frente a Fundação Roberto Marinho e a Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo. Esta programação
educativa visa à formação de mão-de-obra tecnológica, es-
forço do empresariado no sentido de aumentar a escolaridade
dos trabalhadores brasileiros, e assim reduzir as desvanta-
gens na competitividade internacional. Logo na entrada do
programa, o locutor enuncia, professoralmente, em off:
37
REDCLIFT, M. Sustainable development: exploring the contradictions. Nova York:
Methuen, 1987.
38
PEARCE, D. W.; MARKANDYA, A.; BARBIER, E. B. Blueprint for a green economy.
Londres: Earthscan Publications, 1989.
39
BARONI, M. Ambigüidades e deficiências do conceito de desenvolvimento sustentável.
Revista de Administração de Empresas, v. 32, n. 2, 1992.
sos”, que tem origem no “paradigma neoliberal”, como ex-
plica Carvalho (idem, p. 363).
40
BAKHTIN, M. M. (1971) Discourse typology in prose. In: MATEJKA, L.; POMORSKA,
K. (Orgs.). Readings in Russian Poetics (Formalist and Structuralist Views). Cambridge,
MA.: MIT Press, 176-196. Cit. por RIBEIRO (2002). Ver bibliografia.
Isso significa que a ampliação horizontal do uso do
conceito inclui novas realidades, espraia-se no senso comum.
E mantém a noção de gestão e de desenvolvimento. É, pois,
sintomático o depoimento dado num dos programas televisi-
vos da série “Amazônia”, do Telecurso 2000, da Rede Glo-
bo, cuja temática é “Minérios”, por Arnoldo Lima, engenhei-
ro da mineradora Pitinga, no Estado do Amazonas:
42
There are many “Amazonias” and many versions of ‘caboclo’, and the focal meanings of
these terms are matters of dispute, but what is less contentious is the fact that caboclo
society historically has tended to be treated as an afterthought, an unignorable presence,
but a matter of no great import.
gue e no espírito, e assustadoramente feia”, em virtude da
mestiçagem (ap. SKIDMORE, 1989, p. 46). O que hoje che-
ga a impressionar é que essas formas repelentes de racismo
foram assimiladas por não poucos autores brasileiros; se, na
atualidade, os discursos de depreciação de grupos subalter-
nos já não se fazem daquela maneira por assim dizer nua-e-
crua, os elementos que os constituem não estão de todo au-
sentes, ao contrário, acham-se, como na mídia televisiva,
sedutoramente presentes.
Conclusão
Bibliografia
ALTVATER, Elmar. O preço da riqueza: pilhagem ambien-
tal e a nova (des)ordem mundial. São Paulo: Editora da
UNESP, 1995.
Introdução
O esgotamento mundial do padrão de acumulação
fordista, que teve início nos anos 60, com a perda da produti-
vidade industrial dos EUA frente aos seus principais rivais, o
Japão, a Alemanha e os NIC’s asiáticos, revelou-se numa
crise de múltiplas dimensões. Dentre estas, merece destaque a
crise ambiental percebida pelos consideráveis impactos pro-
vocados pelo padrão de produção industrial e de consumo de
massa, no ambiente urbano e rural, dos países desenvolvidos
e em desenvolvimento.43
Em face do reconhecimento da complexidade e gravi-
dade dos desafios econômicos, sociais e ambientais, com que
43
Nos anos 60, a crise ambiental era mais percebida pelos danos que a “indústria de chami-
nés” causava no meio urbano poluindo o ar, com a liberação de dióxido de carbono e outros
gases, poluindo a água, com resíduos sólidos e produtos químicos, e poluindo a superfície da
terra com resíduos tóxicos.
a humanidade se depara ainda hoje, o Relatório da Comissão
Brundland, sobre meio ambiente e desenvolvimento, passou
uma mensagem otimista sobre a necessidade e a possibilidade
de se planejar e implementar estratégias ambientalmente ade-
quadas a um estilo de desenvolvimento econômico – envol-
vendo crescimento econômico, eqüidade social e conservação
ambiental – que foi batizado de desenvolvimento sustentável.
44
44
São muitas as variedades das definições do termo desenvolvimento sustentável. Ver
Baroni (1992). Entretanto, numa “nota final”, Sachs (1986, p. 177, nota 8) reconhece que a
idéia de ecodesenvolvimento foi lançada por Maurice F. Strong, Diretor Executivo do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, no decorrer da 1 a Reunião do Conselho
Administrativo desse Programa realizada em Genebra, em 1973. Sachs (1986, p. 15) tam-
bém afirma que o conceito de ecodesenvolvimento teve como inspiração inicial a definição
de um novo estilo de desenvolvimento particularmente voltado para o meio rural do Terceiro
Mundo, embora reconhecesse que ele pudesse ser estendido também para o meio urbano.
e raças dos reinos vegetais e animais, inclusive do homem, no
planeta terra.45 Se os atuais esforços de governos e da inicia-
tiva privada, para manter o ritmo do progresso socioeconômi-
co, já não basta para atender as crescentes e, às vezes, extra-
vagantes necessidades humanas das gerações presentes, –
tanto nas nações desenvolvidas quanto nas nações em desen-
volvimento – o que legar às gerações futuras já que o capital
ambiental tomado emprestado pelas gerações presentes não
tem nenhuma garantia de ser devolvido no futuro?
A tomada de consciência desse problema intergeraci-
onal ganhou expressão mundial nos anos 70. Nesse período, o
debate em torno dos danos causados pelo crescimento eco-
nômico sobre o meio ambiente biofísico acabou relegando,
para um segundo plano, os problemas socioeconômicos dos
países em desenvolvimento da periferia. De fato, a discussão
sobre meio ambiente gravitou em torno de dois problemas
básicos: (1) o problema da escassez dos recursos naturais e
energéticos e o (2) problema da explosão demográfica
(HARDIN, 1968; EHRLICH, 1968; MEADOWS, 1972,
1992).46
Neste contexto, os defensores da “teoria do cresci-
mento zero” procuravam demonstrar a interdependência da
economia global e a insustentabilidade da “teoria do cresci-
mento sem limites” em face do risco de um possível esgota-
mento dos recursos naturais e energéticos, das dificuldades da
produção de alimentos em escala suficiente para abastecer os
centros urbanos e dos impactos irreversíveis da indústria e da
agricultura moderna sobre o meio ambiente.47
45
A cada ano, 6 milhões de hectares de terras produtivas são transformadas em desertos; são
queimadas mais de 11 milhões de florestas; as chuvas ácidas destroem florestas e lagos e
danificam o patrimônio histórico de muitas nações; a queima de combustíveis fosseis libera
dióxido de carbono (0²C) que vem provocando o “efeito estufa” que pode elevar as tempera-
turas médias da terra com efeitos perversos sobre a agricultura (o abandono de áreas tradici-
onais de produção agrícola) e o nível da água dos oceanos(inundação das cidades costeiras).
A liberação de certos gases pela indústria pode também comprometer a camada protetora de
ozônio (0³) que envolve o planeta terra e assim aumentar a incidência de vários tipos de
câncer para os seres humanos e animais e por em risco a cadeia alimentar da vida nos ocea-
nos.
46
Os “Limites do Crescimento” de Meadows et al. (1972) ficou conhecido como o Relatório
do Clube de Roma.
47
Ver The Ecologist (1972).
Uma longa trajetória histórica foi percorrida para a
tomada de consciência em escala mundial sobre os grandes
problemas do meio ambiente. O famoso Relatório de Founex,
resultante da reunião convocada pela ONU como parte da
preparação para a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente de 1972, foi muito importante para a consti-
tuição de uma agenda sobre meio ambiente e desenvolvimen-
to na medida que a polarização entre meio ambiente (repre-
sentado pelo ecologismo intransigente) e desenvolvimento
econômico (representado pelo economicismo neoclássico de
visão estreita) foi rejeitada.48
A polarização das questões sobre meio ambiente e de-
senvolvimento, entre os países centrais e periféricos, levou a
Organização das Nações Unidas (ONU) a realizar, em 1972,
uma conferência sobre o tema “Meio Ambiente e Desenvol-
vimento” na cidade de Estocolmo (Suécia).49 Apesar das di-
vergências entre os participantes do evento, o Relatório da
Conferência de Estocolmo conseguiu estabelecer as bases
metodológicas para se pensar os grandes problemas ambien-
tais do mundo numa perspectiva global.50 Além disso, o Rela-
tório de Estocolmo enfatizou a idéia da possibilidade da har-
monização entre desenvolvimento e meio ambiente. Mesmo
assim, apesar do reconhecimento de que vivemos numa Al-
deia Global, prevaleceu a política do “salve-se quem puder”
na medida em que os países desenvolvidos adotaram uma
postura individualista, segundo a qual cada nação deveria
levar adiante a sua própria política nacional para resolver os
seus problemas internos.
Com as crises do petróleo, em 1973/74 e 1979/80,
tem-se uma alta generalizada dos preços das commodities
48
Ver Sachs (1994, p. 29).
49
Antes disso, foi realizada uma reunião sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1971,
que contou com a presença de especialistas convidados pela ONU para discutir o tema.
50
O relatório final identificou os seguintes grandes problemas da sociedade global: (1) a
falta de uma política de proteção do meio ambiente era o principal responsável que afetava a
eficiência do desenvolvimento econômico e o bem-estar-social das populações; (2) o cres-
cimento das populações aumento dificulta a preservação do meio ambiente; e (3) que os
problemas ambientais dos países desenvolvidos eram causados principalmente pela poluição
industrial e os dos países em desenvolvimento pelo mau uso e esgotamento dos recursos
naturais. Ver Development Digest (1972).
minerais e agrícolas e dos produtos derivados do petróleo que
vai alterar a postura individualista dos países desenvolvidos
na medida em que estes passaram a levar a sério as previsões
neomalthusianas do Relatório do Clube de Roma relativas à
disponibilidade, acesso e controle dos recursos naturais bási-
cos tão necessários à dinâmica de crescimento das economias
dos países do “Primeiro Mundo”.
Neste aspecto, pode-se dizer que a discussão sobre os
problemas ambientais deste período estava polarizada: de um
lado, os países desenvolvidos, não aceitando o diagnóstico e
as propostas do Relatório do Clube de Roma de transitar para
um “Estado Estacionário”, através da redução das taxas anu-
ais de crescimento econômico dos países desenvolvidos para
zero ou próximo deste; de outro, os países em desenvolvimen-
to também discordando das propostas do Relatório do Clube
de Roma, pois elas iam contra as suas aspirações de desen-
volvimento econômico e feriam a soberania nacional desses
países quanto ao destino dos seus recursos naturais. 51
No Simpósio de Cocoyoc no México em 1974, sobre
Modelos de Utilização de Recursos, Meio Ambiente e Estra-
tégias de Desenvolvimento, nota-se uma mudança de postura
em torno da discussão das questões ambientais.52 De fato, a
partir daí passa-se a reconhecer explicitamente que os gran-
des problemas ambientais urbanos e de destruição dos recur-
sos naturais rurais são causados principalmente pelos países
industrializados do centro. No início da década de 80, num
ambiente da segunda grande alta dos preços do petróleo, de
uma recessão da economia mundial, do agravamento das dí-
vidas dos países do terceiro mundo e do recrudescimento da
51
O “Estado Estacionário” é um suposto estado da economia capitalista que os clássicos,
sobretudo Adam Smith e David Ricardo, tinham receio que a economia de uma nação
pudesse chegar antes de terem atingido um nível relativamente elevado de desenvolvimento
econômico. O “Estado Estacionário” de uma economia é alcançado quando a taxa de cres-
cimento do produto é zero, devido: a) a acumulação de capital que se anula porque a taxa de
lucro do mercado iguala-se à taxa de lucro mínima; b) os salários de mercado igualam-se aos
salários de subsistência e a taxa de crescimento da população anula-se a partir do momento
em que a economia atinge o máximo do seu bem-estar-social. Ver Souza (1999).
52
A Declaração de Cocoyoc é o resultado da reunião da UNCTAD (Conferências das Na-
ções Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e da UNEP (Programa de Meio Ambiente
das Nações Unidas), em 1974. Em 1975, O Relatório de Dag – Hammarskjold aprofunda as
posições contidas na Declaração de Cocoyoc.
guerra fria, tem-se a retomada da discussão da questão ambi-
ental numa perspectiva global.53
Neste particular, os Relatórios da Brandt Comission
(1980) e o The Global 2000 to President (1980) merecem
destaque por já enfocarem a questão ambiental numa pers-
pectiva global na qual são reveladas as grandes apreensões
com o futuro da humanidade. Contudo, diferentemente do
Relatório do Clube de Roma, as preocupações identificadas,
quanto à explosão demográfica, esgotamento dos recursos
naturais e destruição do meio ambiente, passaram a ser vistas
nesses documentos oficiais como possíveis de serem enfren-
tadas pelo avanço do progresso da ciência e da tecnologia.
Cabe observar, também, que os documentos oficiais referidos
enfatizavam que os problemas da explosão demográfica e da
destruição dos recursos naturais nos países em desenvolvi-
mento poderiam trazer graves conseqüências para a segurança
mundial.
Com isso, as propostas de política ambiental ganha-
ram um contorno internacional na medida em que os países
desenvolvidos passaram a aceitar o fato de que os problemas
ambientais tinham de ser atacados através de ações conjuntas
envolvendo todos os países da comunidade mundial. De fato,
dentre as propostas, para os países em desenvolvimento, pre-
conizava-se o combate à pobreza social, o aumento do fluxo
do comércio exterior, a renegociação da dívida externa e a
transferência de tecnologia. Porém, essas ações não tomaram
o curso desejado pelos países em desenvolvimento e essas
propostas transformaram-se em “letras mortas”. Na realidade,
aos países desenvolvidos interessava apenas retirar suas eco-
nomias da recessão e buscar uma saída para a continuação do
pagamento das dívidas externas.
Na segunda metade dos anos 80, a questão ambiental
volta a ter um tratamento especial com a publicação do Rela-
tório Final da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CMMAD), encomendado pela ONU a um
grupo de especialistas. Este documento da “Comissão Brun-
dland”, que ficou conhecido como Relatório Brundland ou o
53
Ver Turner, R. K. (1987).
Nosso Futuro Comum, qualificou melhor as características da
hodierna crise ambiental e conferiu uma visão global dos
problemas do meio ambiente.54 O novo tratamento político
dado à questão ambiental recolocou como tema central a in-
sustentabilidade do padrão de desenvolvimento econômico
capitalista – em face da depredação dos recursos naturais e
da destruição e contaminação do meio ambiente por produtos
tóxicos – na medida em que esse modelo de desenvolvimento
econômico de produção e troca impunha limites às próprias
possibilidades do desenvolvimento socioeconômico no futu-
ro.
Com essa lógica, a Comissão Brundland demonstrava
que os problemas socioeconômicos, de agravamento da po-
breza, de superpopulação absoluta e relativa e do retardo do
desenvolvimento dos países da periferia, mantinham estreitas
ligações entre si e com os problemas ambientais. O Relatório
Brundtland ressalta ainda que as “crises globais” do planeta
terra não eram crises isoladas, vale dizer, a crise ambiental, a
crise econômica, a crise financeira, a crise social e a crise
energética são apenas manifestações de uma crise geral, com
amplitude global do modo capitalista de produção e de con-
sumo.
Não obstante, no Relatório Brundtland, o sentido da
lógica dos argumentos foi invertido: se, no passado, a preo-
cupação era com os impactos do crescimento econômico so-
bre o meio ambiente, no presente, a preocupação passou a ser
dos impactos da destruição do próprio meio ambiente sobre o
crescimento econômico. Assim, além da interdependência
econômica entre as nações, teríamos de nos acostumar com a
interdependência ecológica. A ecologia e a economia estari-
am assim cada vez mais entrelaçadas – em âmbito local, regi-
onal, nacional e internacional – numa ampla rede iterativa e
54
O cognome de “Relatório Brundtland” é uma justa homenagem à presidenta da “Comis-
são” na pessoa da norueguesa Gro Harlem Brundtland. A “Comissão”, composta por 22
pessoas, entre especialistas e lideranças políticas de vários países, dentre os quais figura a do
brasileiro, professor Paulo Nogueira Neto, foi criada pela Resolução n 0 38/161, adotada na
38a sessão da Assembléia Geral da ONU em outubro de 1983, e o “Relatório da Comissão”
foi submetido à apreciação da Assembléia da ONU, em sua 42a sessão, em outubro de 1987.
A “Comissão” também contou com os membros do “Secretariado”, com um grupo de “Con-
sultores Especializados” em diversas áreas de conhecimento e com um grupo de países
patrocinadores dos recursos financeiros. Ver CMMAD (1987, Anexo 2, p. 393-430).
interativa de causas e efeitos que estaria engendrando víncu-
los globais entre a economia e a ecologia .55
No Relatório Brundtland, chega-se admitir que go-
vernos, ONG’s e instituições internacionais estivessem tor-
nando – se cada vez mais conscientes da impossibilidade de
se tratar as questões do desenvolvimento econômico separa-
das das questões relativas ao meio ambiente. De fato, há que
se reconhecer que muitos estilos de desenvolvimento econô-
mico podem ser predadores de recursos ambientais, os quais
deveriam servir de base à promoção do crescimento, à medi-
da que a deterioração gradual do meio ambiente pode retardar
o próprio desenvolvimento econômico. Sendo a pobreza, em
escala mundial, uma das principais causas e efeitos dos pro-
blemas ambientais da economia global, os problemas do meio
ambiente não podem ser tratados somente na esfera das ciên-
cias da natureza sem que sejam referenciados também os
problemas que estão na órbita das ciências sociais.
Neste aspecto, o Relatório Brundtland afirma que o
inadequado uso e manejo dos recursos naturais e do meio
ambiente no mundo têm uma forte relação com as desigual-
dades sociais no que tange à distribuição dos benefícios do
desenvolvimento. Mais ainda, analisando o meio ambiente a
um nível elevado de abstração, e não o reduzindo apenas ao
meio biofísico, o Relatório Brundtland consegue incorporar
os meios econômico e social e popularizar o termo desenvol-
vimento sustentável como um conceito múltiplo dimensional,
envolvendo um processo interativo das relações homem-
homem, homem-natureza e homem-sociedade, porém com
dificuldades operacionais para que seja formulado teórica e
empiricamente.56
55
CMMAD (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1987, p. 5).
56
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUE) reporta-se ao termo meio
ambiente no sentido do habitat total do homem. Esta definição ecológica do ambiente
humano é bastante abrangente. Se aceita, hoje, que o meio ambiente compreende três sub-
conjuntos: o meio biótico (a flora e a fauna, ou seja, o reino dos seres vivos não humanos); o
meio abiótico (o reino dos seres brutos ou não vivos, o clima, o relevo e os mares, rios, lagos
e lagos); e o meio antrópico (onde estão o meio econômico e suas tecnoestruturas e o meio
social com suas relações humanas).
Daí em diante, as discussões e propostas oriundas de
Congressos e Seminários, sobre estilos alternativos de desen-
volvimento, seguiram as linhas mestras da agenda do Relató-
rio Brundtland que acabou levando à convocação, pela ONU,
da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD) ou simplesmente Eco-92, como ficou mais co-
nhecida mundialmente essa Conferência realizada no Rio de
Janeiro em 1992.57 No entanto, apesar do interesse da ONU
pelo Nosso Futuro Comum, a Declaração da Eco-92 acabou
não atendendo as expectativas de muitos países. De fato,
muitos problemas surgiram como conseqüência, por exem-
plo, dos EUA não concordarem com as metas e o cronograma
à limitação da emissão de CO² relativo ao efeito estufa. Um
outro problema foi a não assinatura, por parte da representa-
ção dos EUA, do documento que fixava os princípios da con-
venção sobre proteção da biodiversidade.
De qualquer maneira, o aumento da conscientização
dos danos causados do atual padrão de desenvolvimento eco-
nômico sobre o meio ambiente foi o que de significativo fi-
cou da Eco-92, pois a associação entre desenvolvimento e
meio ambiente passou a entrar na agenda governamental das
políticas nacionais da mai-oria dos países.
Além disso, as agências internacionais de apoio ao
desenvolvimento econômico, a exemplo do Banco Mundial e
da UNESCO, também passaram a incorporar, nas suas agen-
das de política de suporte aos países periféricos, a noção de
desenvolvimento sustentável como um novo paradigma capaz
do mix crescimento econômico (eficiência econômica) com
distribuição de renda (eqüidade) e a preservação ambiental
(prudência ecológica). Mas, se já era difícil às teorias de de-
senvolvimento econômico dar conta do crescimento com dis-
tribuição de renda, a incorporação normativa da variável
“preservação ambiental” tornou mais complexo ainda o tra-
tamento teórico e operacional do conceito de desenvolvimen-
to sustentável.
57
Em junho de 1992, reuniu-se mais 35 mil pessoas e 106 chefes de governo do mundo para
participar da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED) sob a coor-
denação da ONU.
O Conceito de Desenvolvimento Sustentável e seus Limi-
tes
Apesar do reconhecimento da complexidade e da gra-
vidade dos desafios econômicos, sociais e ambientais, com
que a humanidade se depara nos dias atuais, os documentos
oficiais sobre meio ambiente e desenvolvimento – desde o
Relatório Founex, passando pela Declaração de Estocolmo,
pela Declaração de Cocoyoc, pelo Relatório Brundtland, pela
Declaração da Eco-92, até a Agenda 21 – passaram uma
mensagem bastante otimista, ao contrário do Relatório do
Clube de Roma, sobre a necessidade e a possibilidade de se
planejar e implementar estratégias ambientalmente adequadas
a um novo padrão ou estilo de desenvolvimento econômico,
com justiça social e prudência ecológica, inicialmente deno-
minado de ecodesenvolvimento por Sachs (1986) e que mais
tarde foi batizado com a expressão desenvolvimento sustentá-
vel. 58
Segundo o CMMAD (1987, p. 46), o “Desenvolvi-
mento Sustentável é aquele que atende às necessidades do
presente sem comprometer a possibilidade das gerações futu-
ras atenderem a suas próprias necessidades”. Este genérico
conceito de “Desenvolvimento Sustentável” contém dois
pressupostos básicos:
“o conceito de ‘necessidades’, sobretudo as neces-
sidades essenciais dos pobres do mundo, os quais
devem receber a máxima prioridade; e
“a noção de ‘limitações’ que o estágio da tecnolo-
gia e da organização social impõem ao meio am-
biente, impedindo-o de atender as necessidades
presentes e futuras”.59
58
Numa “nota final”, Sachs (1986, p. 177, nota 8) reconhece que a idéia de ecodesenvolvi-
mento foi lançada por Maurice F. Strong, Diretor Executivo do Programa das Nações Uni-
das para o Meio Ambiente, no decorrer da 1 a Reunião do Conselho Administrativo desse
Programa realizada em Genebra em 1973. Sachs (1986, p. 15) também afirma que o concei-
to de ecodesenvolvimento teve como aspiração inicial a definição de um novo estilo de
desenvolvimento particularmente voltado para o meio rural do Terceiro Mundo, embora
reconhecesse que ele pudesse ser estendido também para o meio urbano.
59
Ver CMMAD (1988, p. 46).
Neste sentido amplo, o conceito de desenvolvimento
sustentável não se resume apenas à dimensão biofísica,
mas incorpora as dimensões políticas, econômicas, tecno-
lógicas, sociais e culturais.60 Não pode haver desenvolvi-
mento sustentável, nos países desenvolvidos e/ou nos paí-
ses em desenvolvimento, enquanto as populações carentes
não tiverem suas necessidades sociais básicas – sobretudo
alimento, vestuário, habitação, emprego e lazer – atendi-
das. Além disso, as pessoas aspiram por uma melhor qua-
lidade de vida.
Talvez por isso mesmo é que nos países em desen-
volvimento, onde predominam a miséria, a pobreza e a
injustiça social, existe sempre a possibilidade de crises
ecológicas, políticas, econômicas e sociais. Por certo, é
importante que ocorram mudanças nas ações das institui-
ções governamentais e não governamentais, bem como
nas agências internacionais promotoras do desenvolvi-
mento sócio-econômico. Para tal, a democracia é uma
peça fundamental, para qualquer nação, na medida que
permite que o desenvolvimento sócio-econômico, sobretu-
do dos países em desenvolvimento, possa ocorrer tanto
pelo aumento da produção e do consumo de bens e servi-
ços, capazes de assegurar novas oportunidades de empre-
go e renda para todos, quanto pela inserção de inovações
tecnológicas capaz de harmonizar aumento de produtivi-
dade com preservação ambiental.
O desenvolvimento sustentável, portanto, pressu-
põe um processo de mudança radical no qual espera-se
que a exploração dos recursos naturais, a direção dos in-
vestimentos, a orientação tecnológica e as mudanças insti-
tucionais articulem-se de forma a atender às necessidades
sociais e aspirações humanas das gerações presentes e
futuras. Mas, para levar adiante tal intenção, não se deve
olvidar que as nações ricas estão bem mais equipadas,
com recursos financeiros e tecnológicos, do que as nações
60
O termo desenvolvimento sustentável foi empregado pela primeira vez por Robert Allen,
no artigo “How to Save the World”, 1980. Ver Pearce et al. (1989) e Pezzey (1989).
em desenvolvimento. Por isso mesmo, os países em desen-
volvimento são os que mais sofrem com a deterioração
dos seus ecossistemas, com a extinção das suas espécies
vegetais e animais e também com o esgotamento precoce
dos seus recursos minerais, já que, na hipótese do esgo-
tamento ou destruição antecipada destes, o processo de
industrialização desses países torna-se mais difícil e one-
roso.
É evidente que há uma grande distância entre a
“intenção e o gesto” para que o conceito de desenvolvi-
mento sustentável, aceito como uma nova estratégia de
desenvolvimento, venha realmente se constituir num novo
paradigma do desenvolvimento e tenha embasamento teó-
rico suficiente para sua aplicabilidade.
O próprio Relatório Brundtland reconhece que “é
preciso que o mundo crie logo estratégias que permitam
às nações substituir seus atuais processos de crescimento,
freqüentemente destrutivos, pelo desenvolvimento susten-
tável” (CMMAD, p. 52). Entretanto, são ainda muitos os
problemas e os desafios para se chegar a harmonizar uma
política de desenvolvimento sustentável que combine de-
senvolvimento econômico com preservação do meio ambi-
ente.61 Por outro lado, o conceito de desenvolvimento sus-
tentável carece de uma teoria de base e de um método
operacional que lhe proporcionem sustentação empírica.
61
Ver CMMAD (1987, p. 81-98).
62
Ver CMMAD (1987, p. 9-12).
De qualquer maneira, o conceito de desenvolvi-
mento sustentável (DS) tem estado no cume de quase to-
das as agendas das políticas nacionais e internacionais de
desenvolvimento econômico. Não obstante, enquanto a
noção de sustentabilidade é amplamente aceita, o restante
da definição de desenvolvimento sustentável é assaz eva-
siva. A idéia básica de sustentar Gaia (o planeta com vida
ou a espaçonave que carrega todos) é apenas uma metáfo-
ra importante para desperta a conscientização pública e
evidenciar a necessidade de um melhor gerenciamento
quanto ao uso dos recursos naturais e a preservação do
meio ambiente (LUTZEMBERGER, 1990); BANCO
MUNDIAL¸1992, p. 9).
Nesta perspectiva, o desenvolvimento sustentável
realça a importância das responsabilidades intergeracio-
nais dos habitantes da terra, o que significa introduzir os
riscos e as incertezas do tempo econômico e o significado
ético de preservação do meio ambiente por parte das ge-
rações presentes em relação às gerações futuras. Por ou-
tro lado, o conceito de necessidade é um dos mais comple-
xos e subjetivos da economia, o que torna a definição ge-
nérica de sustentabilidade de difícil tratamento teórico,
dentro de uma já complexa e ampla definição de DS, no
campo da economia positiva.
No âmbito da economia normativa, quando se define
os principais objetivos de uma política de desenvolvimento
socioeconômico, é preciso se levar em conta a sustentabili-
dade em todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimen-
to, qualquer que seja o seu regime econômico: economia de
mercado, economia planificada ou economia mista.63 O de-
senvolvimento econômico sustentável, portanto, supõe uma
transformação histórica do modo de produção e de consumo
da economia e do modo de vida da sociedade na busca da
equidade social e da conservação ambiental intragerações e
intergerações presentes e futuras.64 Neste sentido, o planeja-
63
Ver Laskorin (1983, p. 70-80).
64
Do ponto de vista da gestão ambiental, o conceito conservação é aplicado às atividades
que utilizam racionalmente os recursos naturais renováveis em bases sustentáveis. Quanto à
noção de preservação tem sentido mais de ação de proteger contra qualquer forma de des-
mento do desenvolvimento sustentável, para se tornar rigoro-
samente operacional, deve considerar a sustentabilidade am-
biental, em suas múltiplas dimensões, sujeita as seguintes
limitações:65
1. A sustentabilidade biofísica, pressupondo que as novas
políticas de desenvolvimento econômico incorporem,
além da justiça social, a possibilidade de mudanças tanto
no acesso e uso dos recursos naturais, quanto na distribui-
ção social dos custos e benefícios dos danos causados pe-
la atividade econômica sobre a natureza.
2. A sustentabilidade política, pressupondo uma democracia
moderna, que se caracterize pela ampla participação de
todos os membros da sociedade nos diversos problemas
que os afligem, em que o Estado e sociedade promovem e
viabilizam um arco de alianças e pactos sócio-políticos
para assegurar as condições necessárias de governabilida-
de e de uma boa governança em prol de desenvolvimento
auto-sustentado, com estabilidade e oportunidades de em-
prego e renda para todos os cidadãos;
3. A sustentabilidade econômica, pressupondo uma melho-
ria na eficiência alocativa e na gerência dos estoques de
recursos e dos fluxos de investimentos públicos e priva-
dos, oportunizadores de mais emprego e renda, de forma
a promover o crescimento auto-sustentado;
4. A sustentabilidade social, pressupondo uma melhor eqüi-
dade, quanto à distribuição da renda e da riqueza, de mo-
do a reduzir as assimetrias dos padrões sociais entre po-
bres e ricos e proporcionar uma melhor qualidade de vida
das pessoas;
5. A Sustentabilidade ecológica, pressupondo inovações
tecnológicas capazes tanto de evitar os danos sobre os re-
cursos naturais não renováveis e sobre o meio ambiente,
como de reduzir o volume dos resíduos e da poluição
truição ou dano o meio ambiente e seus recursos naturais. Ver Bellia (1996, p. 18) e Scott
(1995, p. 83-86).
65
Ver Sachs (1994, p. 37-38); Sachs (1986, p. 11-45); e Sachs (1986, p. 94-104).
através da conservação da energia e dos recursos naturais
e da indústria da reciclagem;
6. A Sustentabilidade cultural, pressupondo a inclusão soci-
al dos vários saberes populares naquilo que possam con-
tribuir para o encaminhamento de soluções específicas
para certos locais; e
7. A Sustentabilidade espacial, pressupondo a construção de
uma configuração rural-urbana mais equilibrada e tam-
bém um ordenamento territorial mais harmonioso dos as-
sentamentos humanos e das atividades econômicas.
A economia política do desenvolvimento sustentável,
portanto, busca conciliar crescimento econômico, política
econômica e meio ambiente. Por isso, é de bom alvitre não se
confundir desenvolvimento econômico sustentado com de-
senvolvimento econômico sustentável, já que este último não
se reduz apenas a crescimento, e sustentabilidade não quer
dizer somente manutenção do crescimento, mas a interação e
iteração entre o uso racional dos recursos naturais renováveis
do meio ambiente e a necessidade do crescimento econômico
auto-sustentado, talvez a principal questão econômica dos
dias atuais.
Neste sentido, apesar da crítica heterodoxa ao mains-
tream da economia – de que a teoria da ortodoxia é incompa-
tível com o desenvolvimento sustentável – os economistas
neoclássicos vêm desenvolvendo uma análise formal da sus-
tentabilidade dentro da microeconomia. Convém observar,
entretanto, que esta análise se resume à avaliação econômico-
financeira do tipo custo–benefício e só algumas vezes se es-
tende às externalidades ambientais. No entanto, o mesmo não
se pode dizer da macroeconomia que ainda não incorporou os
problemas da sustentabilidade. 66
Autores tais como Dasgupta & Heal (1979) e Pearce
& Turner (1990) procuraram demonstrar a importância das
políticas macroeconômicas em relação com o desenvolvi-
mento sustentável. Na verdade, os efeitos das políticas ma-
croeconômicas sobre a produção e consumo têm sido explo-
66
Ver Goldin & Winters (1995, p. 1-4).
rados mais com respeito à agricultura. Goldin & Winters
(1992), por exemplo, mostraram que as políticas macroeco-
nômicas – políticas fiscais, cambiais, monetárias e de renda –
podem ser mais importantes à sustentabilidade ambiental do
que as políticas públicas setoriais. Anderson & Blackhurst
(1992) e Low (1992), por outro lado, mostraram que o prote-
cionismo ambiental dos países desenvolvidos não só prejudi-
ca o saldo da balança comercial dos países em desenvolvi-
mento, como pode até aumentar a degradação ambiental,
principalmente se não for encontrada uma solução para a dí-
vida externa desses países.67
Os discursos panfletários de alguns ambientalistas
alarmistas, referentes aos impactos do crescimento econômi-
co sobre o meio ambiente, somente agora estão sendo contes-
tados à luz das evidências. Há trinta anos atrás, o Relatório
do Clube de Roma concluía que o crescimento continuado da
economia mundial iria trazer prejuízos irreparáveis para o
meio ambiente do planeta terra e uma redução da qualidade
vidas das gerações presentes e futuras. Este receio repousava
sobre duas noções intuitivas: a primeira, partindo da tese de
que mais produto requer mais insumos e assim as fontes de
recursos naturais fornecedoras de matérias-primas para os
países industriais iriam ser exauridas devido à expansão con-
tinuada do crescimento da produção e do consumo em escala
global; a segunda, oriunda da tese segundo a qual mais pro-
duto agregado significa mais emissões e resíduos poluentes e
assim a terra, como depósito natural, ficaria inevitavelmente
sobrecarregada pela continuidade do crescimento econômico.
Neste cenário, os ambientalistas mais alarmistas vis-
lumbravam a possibilidade de que a expansão da atividade
econômica mundial, eventualmente, exceda no curto prazo a
“carrying capacity” da biosfera, com graves conseqüências
para saúde das espécies humana, animal e vegetal. Para evitar
tal “tragédia global”, a sugestão dos ambientalistas alarmistas
é de restringir imediatamente o ritmo de expansão da econo-
mia global e de realizar a transição da sociedade para o “Es-
67
Ver Banco Mundial (1992).
tado Estacionário” da economia.68 Outros, a exemplo do
Banco Mundial (1992), notaram que o atual nível da ativida-
de econômica mundial também seria um fator determinante
para o aumento tanto da taxa de exaustão dos recursos natu-
rais, quanto da taxa de poluição do meio ambiente com resí-
duos sólidos e gasosos.
Além dos impactos provocados pelo nível e pela taxa
de expansão da atividade econômica mundial sobre o meio
ambiente, resta ainda considerar os efeitos provocados pela
composição do produto interno bruto e pelas técnicas usadas
à produção dos bens e serviços sobre o meio ambiente.
Não obstante, algumas evidências recentes demons-
tram que o crescimento econômico não necessariamente con-
tribui para a degradação dos recursos e do meio ambiente.
Por outro lado, as “ligações” e as “mudanças” econômicas
operadas na composição do produto, através de métodos de
produção mais amistosos com o meio ambiente, podem mais
do que compensar o aumento do nível da atividade econômi-
ca.69 Grossman (1994), por exemplo, identificou que os paí-
ses nos seus estágios iniciais de desenvolvimento, tendem a
apresentar uma deterioração da qualidade do meio ambiente,
mas que a medida que a renda per capita deles aumenta, tor-
na-se evidente o melhoramento na qualidade do meio ambi-
ente.
Baldwin (1994) é outro pesquisador que admite que o
crescimento econômico é necessário para reduzir a pobreza e
minimizar os impactos da poluição sobre o meio ambiente,
sobretudo nos países em desenvolvimento que têm altas taxas
de crescimento da população. Assim, para reduzir a pobreza e
o aumento da pressão do incremento da população sobre o
meio ambiente, é preciso que o crescimento econômico se
faça com distribuição de renda e mais políticas públicas de
investimentos voltadas para educação, saúde, habitação e
alimentação.
68
Ver Daly (1994, 1997).
69
Ver Goldin & Winters (1994, p. 4).
Apesar dos avanços no campo da macroeconomia do
desenvolvimento, sobretudo com as pesquisas dos modelos
ótimos de desenvolvimento sustentável e das várias tentativas
de medição do desempenho sócio-ambiental, através do con-
ceito de Produto Interno Líquido Ambientalmente Ajustado
(PIA), ainda falta muito para se integrar a contabilidade eco-
lógica à econômica de forma a se dispor uma “contabilidade
verde” do desenvolvimento sustentável (COSTANZA, 1994;
BARTELMUS, 1994; DASGUPTA, 1995; SERAFY, 1997).
Mesmo assim, o desenvolvimento sustentável tornou-se, de
repente, a panacéia do novo estilo de planejamento do desen-
volvimento e a nova palavra de ordem do neo-liberalismo
para a partilha dos problemas ambientais do mundo globali-
zado.
Por certo que o debate em torno da falsa dicotomia entre de-
senvolvimento e meio ambiente deixou de ser relevante.
Reconhece-se, hoje, que sem proteção ambiental o de-
senvolvimento econômico fica comprometido e sem de-
senvolvimento econômico não há proteção ambiental
(Banco Mundial, 1992, p. 27). Mas, apesar da aceitação
de que se pode compatibilizar desenvolvimento econô-
mico com redução da pobreza e dos danos sobre o meio
ambiente, sobretudo a partir de ações governamentais e
não governamentais, as opções reais para tais práticas, só
serão possíveis se os países desenvolvidos transferirem
aos países em desenvolvimento os recursos e as técnicas
de que dispõem.
Não bastasse, ao contrário da peremptória afirmação
do sociólogo Brüseke (1994, p. 2) de que a teoria do desen-
volvimento sustentável já dispõe de uma teoria positiva, por
propor uma “visão tri-dimensional do desenvolvimento na
qual a eficiência econômica casa com prudência ecológica e a
idéia de sociedade solidária e justa”, é preciso admitir que
essa possibilidade ainda está longe de se concretizar no plano
teórico-metodológico. No plano das intenções, esta proposta
de Brüseke para a construção de uma nova teoria do desen-
volvimento sustentável da sociedade global, apesar de consi-
derar caducas as “velhas teorias gerais”, não apresenta nada
de consistente do ponto de vista de um novo arcabouço ana-
lítico logicamente estruturado, capaz de, com coerência e
inteligibilidade, passar pelo teste da falseabilidade popperiana
ou se constituir num novo paradigma kuhniano.70
No âmbito das ciências sociais, uma teoria econômica
pode ter seu poder de explicação limitado frente a uma outra
com maior poder retórico de convencimento, pode ter sua
capacidade de persuasão reduzida devido às mutações da
realidade ou ainda uma combinação das duas situações ante-
riores.71 Nem por isso, o esforço científico, na busca da com-
preensão teórica da realidade social em que vivemos – uma
formação social real dominada por um modo de produção
capitalista – deve ser reduzido na sua intensidade. Tampouco,
deve-se abandonar as chamadas “velhas teorias” porque elas
não puderam evitar as “infinitas frustrações”. Pelo menos, se
realmente estiverem “caducas”, as “velhas teorias” devem
passar para o panteão da história do pensamento econômico,
refúgio das revisões e atualizações. No entanto, como já ocor-
reu várias vezes com a teoria marxiana, de repente pode-se
descobrir que “velha teoria” é bem mais atual do que as “no-
vas teorias” que perderam o sentido da história da civilização
burguesa.
De qualquer modo, o conceito de desenvolvimento
sustentável carece de uma base teórica e de medição de de-
sempenho para instrumentalizar decisões de políticas econô-
micas concernentes ao desenvolvimento sustentável.72 Entre-
tanto, isso não descaracteriza o conceito de DS para fins da
ação governamental em termos de formulação, implementa-
ção, controle e avaliação de planos, programas e projetos.73
Mas, do ponto vista analítico formal, o discurso do desenvol-
vimento sustentável deixa muito a desejar. Mesmo assim, as
agências internacionais de desenvolvimento, a exemplo do
70
Ver Costa (1995, p. 10).
71
Ver Mccloskey (1983).
72
O desenvolvimento sustentável não deve ser confundido com o desenvolvimento sustenta-
do (ou desenvolvimento auto-sustentado) que quer dizer desenvolvimento econômico endó-
geno acompanhado pelo aumento continuado do produto e de mudanças estruturais de
natureza sócio-econômicas realimentadoras do desenvolvimento por um longo período de
tempo.
73
Ver Costa, 1995, p. 10-12.
Banco Mundial e da UNESCO, adotaram o conceito de de-
senvolvimento sustentável para marcar a nova ideologia de-
senvolvimentista que busca harmonizar, numa sociedade ca-
pitalista dividida em classes, o crescimento econômico (efici-
ência produtiva), com equidade (justiça social) e conservação
do meio ambiente (prudência ecológica).
Chega-se mesmo a sugerir que o “conceito de desen-
volvimento sustentável sinaliza uma alternativa às teorias e
aos modelos tradicionais de desenvolvimento desgastados
numa série infinita de frustrações” (Brüseke, 1994, p. 35). Ou
seja, vislumbra-se aí a possibilidade da formulação holística
de uma teoria global do desenvolvimento sustentável.74 Não
obstante, é preciso frisar que as “teorias de desenvolvimento”
dos anos 60, que discutiram a questão do subdesenvolvimen-
to numa perspectiva histórico-analítica, tinham coerência
lógica e consistência metodológica.
Neste sentido, não é minha intenção aqui procurar re-
ver as frustradas tentativas de formulação de uma teoria ho-
lística do desenvolvimento sustentável. Mas posso observar,
seguindo Costa (1995, p. 12-22), que no modo de produção
capitalista a economia política do desenvolvimento nem pode
ser um subproduto da ecologia ou da biologia e nem a lógica
da acumulação ampliada conduz a um “Estado Estacionário”,
pelo menos enquanto no modo de produção capitalista o
avanço do progresso técnico se fizer adiante do crescimento
da população.75
74
Brüseke, 1995, p. 112-119.
75
Ver Mill (1983).
das ciências exatas, os pesquisadores não podem realizar ex-
perimentos controlados como fazem os físicos e biólogos.
Além do mais, as ações e reações comportamentais são ima-
nentes nos agentes econômicos e atores sociais. Talvez por
isso mesmo, Kuhn (1982, p. 12-13), um físico teórico que
depois se interessou por história das ciências, ficou impressi-
onado com o número e a extensão dos desacordos entre os
cientistas das comunidades das ciências sociais, quanto à na-
tureza dos métodos e problemas, em relação às dos cientistas
das comunidades das ciências exatas e naturais.
Na sociedade capitalista o desenvolvimento das forças
produtivas, inclusive a própria ciência e a tecnologia, ocorre
com o aprofundamento da divisão técnica e social do trabalho
em todos os campos da atividade humana. Neste sentido,
além do avanço das ciências sociais ocorrer numa sociedade
de classes, o que leva a desacordos e confrontos teóricos, a
divisão social do trabalho científico ao criar o trabalhador
parcial – cuja possibilidade de ter uma visão e uma compre-
ensão do todo no plano científico e tecnológico fica limitada
– abre a oportunidade de que a perspectiva do todo possa ser
apropriada pelo trabalhador universal. Portanto, quanto à
retórica da visão holística, como a única capaz de integrar as
ciências sociais às ciências da natureza, há que se refletir me-
lhor sobre os discursos e significados do pensamento totali-
zante (BRÜSEKE, 1994).
Neste sentido, apesar da significativa produção de tra-
balhos girando em torno do tema desenvolvimento sustentá-
vel, é preciso atentar para o fato de que a maioria dos autores
produz como se já houvesse uma teoria geral e holística de
uma ciência sócio-ambiental, incorrendo em sério equívoco.
Há que se reconhecer que os problemas sócio-ambientais são
problemas complexos nos quais intervêm processos de dife-
rentes racionalidades, ordens de materialidade e escalas espa-
ço-tempo-rais. A problemática ambiental, que se constitui
num campo onde se situam as interrelações sociedade- natu-
reza, cujo conhecimento é visto como demandando uma certa
aproximação holística e um método interdisciplinar capaz de
permitir a integração das ciências da natureza e da sociedade
em seus aspectos biológicos, físicos, sociais, econômicos e
culturais, tem seu centro fulcral na economia política.
A concepção de complexidade ambiental tem predo-
minado a visão dos ecologistas sobre as relações sociedade-
natureza (MORIN, 1980, 1986). Neste caso, as preocupações
têm se concentrado nos problemas de conservação dos recur-
sos naturais renováveis e de preservação da biodiversidade
natural. Mais recentemente, entretanto, tem-se passado paula-
tinamente da noção restrita de meio ambiente – que considera
essencialmente só os aspectos físicos e biológicos da base
natural do ambiente humano – para uma noção mais ampla
de meio ambiente na qual, além dos essenciais elementos do
ambiente natural, são também incorporadas as dimensões
socioeconômicas, sócio-políticas e sócio-culturais da base
social do ambiente humano, nas quais são definidas as orien-
tações e os instrumentos conceituais e técnicos que permitem
ao homem compreender e utilizar melhor os recursos da bios-
fera para satisfação de suas necessidades (UNESCO, 1980,
1985).
Assim, admite-se que se tenha avançado da concepção
fechada de uma educação ambiental baseada na busca de uma
articulação interdisciplinar entre as ciências naturais e soci-
ais, a uma visão da complexidade ambiental, aberta a diversas
interpretações do ambiente e a um diálogo de saberes, donde
confluem as vias epistemológica e hermenêutica à construção
de uma racionalidade ambiental (LEFF, 1996; ACEVEDO
MARIN & CASTRO, 1997). Como conseqüência disso, pode
se identificar, hoje, vários programas interdisciplinares de
ensino e pesquisa sobre a problemática ambiental. Todavia,
nesses programas desdobram-se estratégias acadêmicas e
experiências dissimuladas que apenas confirmam que o pro-
cesso de construção de uma ciência ambiental avança de ma-
neira “prática”, isto é, sem ainda haver se consolidado uma
reflexão teórica que fundamente as ditas “práticas”.
Entretanto, apesar dos avanços práticos, pode-se dizer
que são raros os “programas universitários” de ensino e pes-
quisa sobre meio ambiente que trabalham realmente as pro-
blemáticas epistemológica e metodológica da interdisciplina-
ridade (FOLLARI, 1982; LEFF, 1994; VIEIRA, 1993). É
verdade que a interdisciplinaridade tem aberto alguns espaços
marginais nas universidades, porém ainda tem sido um tema
pouco tratado a nível formal para fundamentar teoricamente
os diversos programas de pesquisa e ensino. Na realidade, na
maioria das vezes, a interdisciplinaridade é incorporada nos
“programas universitários” apenas como um princípio básico
que se satisfaz com a multiplicidade de temas introduzidos
nos currículos. Neste particular, é preciso enfatizar que a in-
terdisciplinaridade tem transcendido os campos do ensino e
da pesquisa restritos as disciplinas científicas, a sua configu-
ração paradigmática e suas possíveis articulações (LEFF,
1998).
É verdade que a crise ambiental criou condições para
que emergisse o conceito de desenvolvimento sustentável.
Porém, a construção de uma teoria geral do desenvolvimento
sustentável capaz de incorporar a estrutura das ciências da
natureza e da sociedade, em suas relações homem-natureza,
homem-sociedade e sociedade-natureza, ainda está para acon-
tecer. Sachs (1986, p. 26), por exemplo, reconhece que “o
conceito de desenvolvimento sustentável tem que ser opera-
cional”, mas que “sua aplicação requer, todavia, um esforço
de pesquisa contínuo e ações de demonstração, submetidas a
uma reflexão crítica, a fim de estabelecer retroações perma-
nentes entre a prática e a ciência voltada para a ação”.
Para viabilizar tal proposta, Sachs (1986, p. 27) suge-
re a criação de uma rede internacional de intercâmbio profis-
sional entre pesquisadores dos países desenvolvidos e em
desenvolvimento, bem como o recolhimento das experiências
de desenvolvimento sustentável, a partir de estudos de casos
pontuais, com vistas a definir pontos de interesse em torno
dos quais se daria a colaboração entre biólogos, tecnológos e
planejadores – profissões que ainda têm pouco diálogo. Fica
evidente que a proposta de Sachs (1986, p. 18-26) para a
formulação de políticas nacionais e/ou regionais de desenvol-
vimento sustentável, tem um caráter mais de ação normativa
multidisciplinar, através do intercâmbio multiprofissional
entre as várias áreas do conhecimento humano, voltada à de-
finição de prioridades da pesquisa em matéria de ecotécnicas
e de formas de organização do desenvolvimento sustentável.
Igualmente, percebe-se que a própria agenda ambien-
tal da “Comissão Brundtland”, ao conceituar desenvolvimen-
to sustentável, está voltada muito mais para a formulação de
estratégias de planejamento do desenvolvimento, capazes de
incorporar explicitamente os recursos naturais e o meio am-
biente, do que para a formulação de uma teoria geral do de-
senvolvimento sustentável. Neste caso, talvez, o conceito de
desenvolvimento sustentável devesse se circunscrever às es-
feras normativas do planejamento e da gestão ambiental.
Sendo assim, o esforço de construção da praticabilidade tal-
vez ficasse melhor nas mãos dos técnicos responsáveis pela
formulação, implementação, controle a avaliação das políti-
cas públicas ambientais.
Em geral, o meio ambiente, enquanto objeto científi-
co, é visto às vezes como tendo dois componentes: um, liga-
do às ciências da natureza, que toma a natureza não-humana
no âmbito dos ecossistemas e na perspectiva da ecologia, que
estuda as relações entre os seres vivos, animais e vegetais, e
destes com o ambiente natural; e, outro, ligado às ciências
sociais que toma a natureza humana no âmbito da sociedade e
na perspectiva da economia social, que estuda as relações
entre classes sociais e destas com o ambiente social. Não obs-
tante, na sociedade capitalista, as relações sociais de produ-
ção e de troca, enquanto relações de propriedade privada,
estabelecem relações homem-sociedade e homem-natu-reza.
Neste sentido, o meio ambiente como objeto científico
tem uma dupla natureza. Como meio ambiente social, deveria
ser objeto das ciências sociais; como meio ambiente natural,
das ciências da natureza. Esta dupla natureza das questões
ambientais, envolvendo as ciências sociais e as ciências da
natureza, causa uma primeira dificuldade à definição do obje-
to meio ambiente e, portanto, à própria constituição de uma
ciência ambiental. Por tratar-se de uma definição relativa e
sujeita a mudanças no tempo – dependendo do centro de inte-
resse particular do trabalho científico – o objeto meio ambi-
ente acaba se diferenciando mais em função do campo disci-
plinar. Uma segunda dificuldade à definição do objeto meio
ambiente é dada tanto pela sua complexidade lógica (simpli-
cidade na descrição do objeto) quanto pela complexidade
metodológica (o método interdisciplinar).
Por fim, uma terceira dificuldade à definição do obje-
to meio ambiente decorre de uma certa ambigüidade para a
diferenciação e avaliação precisa – em face das tênues rela-
ções de causa e efeito – dos fenômenos bióticos e/ou abióti-
cos daqueles antrópicos induzidos pela ação do homem sobre
a natureza. Talvez, por isso mesmo, a discussão em torno da
questão da interdisciplinaridade tenha sido, pelo menos até o
momento, pouco precisa no que tange ao seu conteúdo e ob-
jeto (MAIMON, 1993). Com efeito, se pode identificar diver-
sas formas de intervenção interdisciplinar para cada situação
em que é enfocada a questão ambiental (SINACEUR, 1991;
MAIMON, 1993; LEFF, 2000).
A crítica corrente ao método interdisciplinar está vin-
culada tanto ao problema da identificação e delimitação do
objeto interdisciplinar, no que tange a sua totalidade e com-
plexidade, quanto ao problema do sujeito interdisciplinar,
entendido este como o sujeito coletivo que emerge de uma
dada equipe de trabalho. Nesse ambiente, o método interdis-
ciplinar é considerado idealista, pois estaria baseado no pres-
suposto do primado explicativo das idéias, e de sua autono-
mia frente ao real, dando suficiência absoluta ao sujeito pen-
sante do objeto.
Neste particular, a posição crítica ao significado de in-
terdisciplinaridade também diz respeito à idéia de “pan-
interdisciplinaridade”, ou seja, o fato da interdisciplinaridade
ser vista como uma resposta para tudo, um remédio a todos
os males da fragmentação do saber. A filosofia da práxis não
aceita esta idéia da potencialidade multidimensional de uma
interdisciplinaridade que, fundada na apologia da construção
dos consensos e harmonias, desconhece as determinações
históricas do modo de produção capitalista, as contradições
em processo do capital e as lutas das classes sociais no interi-
or da sociedade moderna (FAZENDA, 1994, 1998; (JAN-
TSCH & BIANCHETTI, 1995). Ademais, há ainda a crítica
ao sentido a-histórico da interdisciplinaridade, sobretudo
quando esta não reconhece que as ciências disciplinares são
frutos de racionalidade da história da emancipação do ho-
mem, portanto não sendo fragmentos de uma unidade perdida
do saber.
De qualquer maneira, a interdisciplinaridade pretende
se afirmar, enquanto método holístico e universal, como críti-
ca à especialização disciplinar da ciência normal departamen-
talizada. De fato, o termo interdisciplinaridade vem sendo
usado como sinônimo e metáfora de toda e qualquer interco-
nexão entre campos diversos do conhecimento, do saber e de
práticas que envolvem tanto as diversas disciplinas, quanto as
diferentes instituições e setores sociais. É comum hoje que
diversos centros e organismos, governamentais e não-
governa-mentais, dedicados ao ensino, à pesquisa, à assesso-
ria, à consultoria e/ou à promoção de projetos comunitários,
se autodenominem como centros interdisciplinares de estu-
dos.
Neste contexto, como observa Leff (2000, p. 3),
“la interdisciplinariedad no solamente se aplica como
la composición multidisciplinaria de sus colaborado-
res, sino como un dialogo de saberes que funciona en
sus prácticas, y que no aduce directamente a la arti-
culación de conocimientos disciplinarios; donde lo
disciplinario puede aplicarse a la conjugación de di-
versas visiones, habilidades, conocimientos y saberes
dentro de prácticas de educación, análisis y gestión
ambiental, que de algún modo, implican a diversas
“disciplinas” – formas, modalidades, tipos de trabajo
–, pero que no se agota en una relación entre disci-
plinas científicas, campo no cual originalmente se
plantea a interdisciplinariedad para enfrentar el frac-
cionamiento y superespecialización del conocimien-
to”.
De qualquer maneira, há ainda quem utilize indistin-
tamente os termos interdisciplinar (ou interdisciplinaridade) e
multidisciplinar (ou multidisciplinaridade) como se fossem
sinônimos. Neste ponto, cabe diferenciar o que é muldiscipli-
nar do que é interdisciplinar. Apesar desses termos serem
comumente usados como sinônimos, há diferenças semânti-
cas e metodológicas marcantes.76
Para Aragón (1994, p. 10), por exemplo, o trabalho
interdisciplinar é a integração do conhecimento fragmentado
possuído por especialistas de diferentes campos do saber hu-
mano, aplicado somente para problemas específicos. Não
obstante, a simples agregação do “conhecimento fragmenta-
do” não necessariamente é trabalho interdisciplinar. Além do
mais, tratar de problemas específicos pela justaposição disci-
plinar estar mais para trabalho muldisciplinar (que abrange
muitas disciplinas com objetos diferentes) do que para traba-
lho interdisciplinar (que tem um objeto comum a duas ou
mais disciplinas), sobretudo se tomarmos o significado desses
termos numa perspectiva metodológica. Embora reconhecen-
do que o saber especializado é uma condição necessária, mas
não suficiente à prática do trabalho interdisciplinar (ou multi-
disciplinar?), Aragón (1994, p. 10-12), seguindo o que já
tinha sido dito por Sachs (1986), apenas acrescenta que a
multidisciplinaridade pressupõe determinadas mudanças de
atitudes por parte dos especialistas e o trabalho cooperativo
através da networking.
No plano da ação normativa, é possível, sim, o diálo-
go entre profissionais de distintos ramos do conhecimento
humano: biólogos, ecólogos, geógrafos, economistas, antro-
pólogos, sociólogos e cientistas políticos. Neste caso, o mé-
todo de organização do trabalho multidisciplinar é um ele-
mento necessário para a pesquisa aplicada que se baseia nas
experiências alternativas de sustentabilidade, quanto ao uso
dos vários recursos naturais, através das práticas de manejo,
sobretudo nas atividades agroextrativas. Mesmo assim, o mé-
todo multidisciplinar supõe trabalho cooperativo e uma mu-
dança de atitude dos pesquisadores especialistas. Mas, ainda
que o diálogo multiprofissional seja possível, cada especialis-
ta continuará tendo, numa visão sistêmica, o seu próprio obje-
to de investigação, ou seja, a muldisciplinaridade não trans-
forma um economista num físico e nem um físico num eco-
76
No Dicionário do Aurélio, o termo Interdisciplinar significa aquilo que é comum a duas
ou mais disciplinas ou ramos de conhecimento; enquanto o termo multidisciplinar diz res-
peito àquilo que abrange muitas disciplinas.
nomista. Por outro lado, a proposta de uma metalinguagem
codificada, para a integração multiprofissional, pode trazer
mais confusão à construção da “torre de babel”.
A necessidade de construção de uma teoria do desen-
volvimento sustentável – enquanto uma teoria geral alternati-
va às teorias gerais existentes – pressupõe, para além do tra-
balho cooperativo multidisciplinar, a formulação um novo
método interdisciplinar, ou seja, de uma metodologia capaz
de integrar os objetos das ciências humanas e das ciências da
natureza num objeto único de uma ciência ambiental capaz de
permitir a construção de uma teoria do desenvolvimento sus-
tentável.
No campo da economia positiva, por exemplo, devido
à ampla diversidade metodológica das várias correntes de
pensamento econômico, tem-se algumas fronteiras dentro e
entre a economia política e teoria econômica dominante.
Mesmo assim, quando os economistas conseguem superar os
seus obstáculos epistemológicos e ideológicos, é possível
erguer certas pontes entre as herméticas fronteiras como o
fizeram Keynes (tradição neoclássica) e Kalecki (tradição
marxista), em torno da construção da teoria da demanda efe-
tiva. Neste caso, o elemento comum, para que fosse estendida
uma ponte entre as duas correntes de pensamento, foi o pro-
blema da insuficiência da demanda efetiva que, embora tenha
sido percebido por Marx e Malthus, só foi se constituir em
uma teoria geral da demanda efetiva com Keynes e Kalecki.
Mas, se não é fácil conciliar determinadas teorias per-
tencente ao campo de conhecimento das ciências sociais, e
mesmo dentro do campo das ciências da natureza, o que dizer
das propostas que reivindicam uma interdisciplinaridade
ampla – ciências da sociedade com ciências da natureza – em
torno do ideário do desenvolvimento sustentável (COSTA,
1996). Muitas das vezes, o propósito de unificação dos dis-
cursos científicos, visando a busca da homogeneização de
estruturas conceituais, tem se configurado numa “prática in-
terdisciplinar” concebida a partir da teoria geral de sistemas.
Neste particular, o objetivo unificador e reducionista,
compartilhado pelo positivismo lógico, tem reaparecido nas
explicações de físicos e biólogos sobre processos históricos,
surgidos do desejo de encontrar um único principio organiza-
dor da matéria, “como si se experimentara uma singular re-
pugnancia a pensar a diferencia, a descrever las separaciones
y sus disperciones, a disociar la forma reafirmante de lo idén-
tico” (FOULCAULT, 1969, p. 21).
O desenvolvimento das idéias “verdes” dos movimen-
tos ambientalistas nasceu da revolta ou da insatisfação da
ciência normal contra si mesmo (BRAMWELL, 1989; LEIS
& D’AMATO, 1995). Não obstante, o ambientalismo é um
movimento sócio-político que pretende se assumir com base
na própria ciência. De fato, embora
“critiquem a dominação da vida pela ciência, os eco-
logistas valem-se da ciência para fazer frente a esta
em nome da vida. O princípio defendido não é a ne-
gação do conhecimento, mas sim o conhecimento su-
perior: a sabedoria de uma visão holística, capaz de
ir além das abordagens e estratégias de visão restri-
tas, direcionadas à mera satisfação de necessidades
básicas. Neste sentido, o ‘ambientalismo’ tem por ob-
jetivo reassumir o controle social sobre os produtos
da mente humana antes que a ciência e a tecnologia
adquiram vida própria, com as máquinas finalmente
impondo sua vontade sobre nós e sobre a natureza:
um temor ancestral da humanidade” (CASTELLS,
1999, p. 155).
Neste ambiente polêmico, marcado por profunda dis-
cordância, se insere a necessidade de uma estratégia episte-
mológica para abordar a interdisciplinaridade ambiental que
se põe de forma crítica às ideologias teóricas de uma ecologia
generalizada e de um pragmatismo funcionalista que não só
desconhecem o processo histórico de diferenciação, consti-
tuição e especificidade das ciências e dos saberes, como tam-
bém as estratégias de poder das ciências (conhecimento) que
se plasmam no campo da ciência ambiental (LEFF, 1981,
1986, 1994). Neste sentido, Foucault (1969) se refere à “sur-
preendente eficácia do criticismo, descontínuo, particular e
local frente ao efeito inibidor das teorias totalitárias e dos
paradigmas globalizadores”. A atual redescoberta da impor-
tância do “saber popular”, por exemplo, é um testemunho da
“insurreição dos saberes subjugados e dos conteúdos históri-
cos que têm sido enterrados e ocultados em uma lógica fun-
cionalista ou numa sistematização formal” (FOUCAULT,
1980).
Com efeito, esta estratégia teórica para o desenvolvimento de
uma interdisciplinaridade ambiental, em torno da consti-
tuição de um novo saber ambiental, combate criticamen-
te os efeitos ideológicos do reducionismo ecologista e do
funcionalismo sistêmico. Por exemplo, pensar o homem,
como indivíduo deslocado do seu contexto histórico, e as
formações sócio-econômicas, como populações biológi-
cas inseridas no processo evolutivo da natureza, podem
induzir à tentativa de explicar a conduta humana e a prá-
xis social por meio de suas determinações genéticas e/ou
de sua adaptação funcional ao ambiente (WILSON,
1975). Por certo, estas “teorias sóciobiológicas” desco-
nhecem a especificidade histórica das relações sociais de
produção, das regras da organização cultural e das for-
mas do exercício do poder político e ideológico nas quais
se inserem as formas de conhecimento, as mudanças so-
ciais e as formas de uso dos recursos naturais (LEFF,
2000).
Por outro lado, não é correto “metodologizar” a eco-
logia, como a disciplina por excelência das interrelações entre
seres vivos, para convertê-la numa “teoria geral de sistemas”,
ou seja, numa “ciência das ciências” capaz de integrar, sem
mediação teórica crítica, os distintos níveis do real e os dife-
rentes processos materiais e simbólicos, como subsistemas de
um ecossistema global. De fato, não há como admitir, sem
crítica, a ecologia generalizada de Morin (1980) que promete
a reconstrução da realidade como um todo, por meio da inte-
gração dos diversos ramos do saber, com um tipo de interdis-
ciplinaridade que acaba obstacularizando a reconstrução do
real histórico a partir da especificidade e da articulação dos
complexos processos da ordem natural e social.
De forma similar, Brookchin (1990) busca estabelecer
uma certa filosofia da ecologia social baseada num “natura-
lismo dialético” que se propõe explicar a evolução da socie-
dade no sentido da emergência de uma consciência ecológica
ordenadora de uma sociedade eco-comunitária (LEFF, 1999).
Também é arriscado uniformizar os níveis ontológicos do
real por meio de uma teoria geral de sistemas a la Bertalanffy
(1968), que estabelece os isomorfismos e as analogias estru-
turais, através da análise formal de processos de distintas
ordens de materialidade, porém deixando de fora o valor das
diferenças e o potencial do heterogêneo (LEFF, 2000).
Estas formações ideológicas, que encobrem os méto-
dos da interdisciplinaridade ambiental, tendem a naturalizar
os processos políticos de dominação e a ocultar os processos
de reapropriação mundial da natureza contidas nas estratégias
dominantes da globalização econômica. Neste sentido, a luta
pela construção de um saber ambiental abre uma perspectiva
de análises da produção e da aplicação de conhecimentos
como um processo que compreende tanto as condições epis-
temológicas às possíveis articulações entre as ciências, quan-
to os processos de internalização do saber ambiental emer-
gente nos núcleos duros da racionalidade científica e da hi-
bridação das ciências com o campo dos saberes populares e
locais (LEFF, 1998).
Mas a interdisciplinaridade teórica, entendida como a cons-
trução de um objeto científico a partir da colaboração de
diversas disciplinas, e não só como tratamento comum de
uma temática, é um processo que tem se consumado em
poucos casos da história das ciências. Além disso, estes
casos não são generalizados o suficiente para gerar daí
uma metodologia aplicável para produzir efeitos simila-
res em outros campos do conhecimento e da investigação
científica. Por isso mesmo, diante da insuficiência da in-
terdisciplinaridade ambiental, há quem pretenda uma me-
todologia transdisciplinar para o desenvolvimento cogni-
tivo sobre a complexidade ambiental (LEFF, 1986; SIL-
VA, 1999).
Mais recentemente, alguns amazonólogos elaboraram “teori-
as” que pretendem explicar a dinâmica social do subde-
senvolvimento da Amazônia a partir dos conceitos de
economia produtiva e economia extrativa (BUNKER,
1985) ou dos conceitos de entropia e sintropia (ALTVA-
TER, 1993). Ambas teorias gerais sobre a Amazônia têm
em comum o determinismo das leis físicas da termodi-
nâmica que prevê o irreversível esgotamento das fontes
de energia e de matéria prima, em decorrência do aumen-
to da entropia e da redução da sintropia, a continuar o
avanço da economia capitalista nas regiões ricas em re-
cursos naturais.77
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77
Essas ditas “teorias gerais”, apesar da consistência lógica, ainda problematizam a Amazô-
nia de forma extremamente parcial, como bem observa Costa (1996, p. 8).
Foi Georgescu-Roegen (1971) que introduziu a lei da entropia na produção econômica ao
destacar a importância do substrato material e energético dos valores de uso, já observado
pelos fisiocratas e, portanto, dos valores de troca. Neste sentido, a alta dispersão de calor de
determinados processos produtivos passou a ser considerada importante para a gestão ecoló-
gica do planeta. No entanto, apesar da importância da lei da entropia para a ecologia, a
preocupação com o esgotamento dos recursos naturais no longo prazo não deve ser exagera-
da, como o faz Georgescu-Roegen, a ponto de conceber uma entropia crescente para todo o
sistema solar que, ao cabo de alguns bilhões de anos, daria fim à vida no planeta terra.
Esta lei da física vem servindo de pano de fundo à formulação de algumas “teorias gerais”
que se propõem a explicar o desenvolvimento do subdesenvolvimento da Amazônia. Não
obstante, apesar dessas observações, o desenvolvimento deste assunto ficará para outra
oportunidade.
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O PADRÃO INSUSTENTÁVEL DA
DEMANDA MATERIAL DA
E C O N O M I A D O B R A S I L 78
78
Texto produzido sob os auspícios do Projeto Amazônia 21, financiado pela União Euro-
péia e apresentado, em versão preliminar, na Conferência Internacional Desenvolvimento
Regional Sustentável na Amazônia: estratégias e instrumento, período de 24 a 27.10.2001,
em Manaus-AM.
José Alberto
da Costa Machado
Introdução
O debate sobre a sustentabilidade da relação entre a
Sociedade e o Ambiente, após sua fase inicial de denúncia e
diagnóstico, parece ter obtido maturidade com a legitimação
de uma matriz metodológica conhecida como Material Flow
Analsyis (MFA). Essa abordagem, testada ao longo dos anos
noventa por diversas instituições de pesquisas79 está agora
formalmente legitimada como referência pela União Europeía
(EUROSTAT, 2001) Os resultados aportados pelo uso do
MFA possibilitam a análise do sistema econômico através de
seus fluxos materiais e não somente dos fluxos monetários,
como ocorre com os instrumentos clássicos. Isso permite me-
dir a intensidade material da economia, a racionalidade da
utilização dos recursos naturais e o tamanho das mochilas
ecológicas80. Informações dessa natureza permitem conhecer
o peso ambiental dos processos econômicos e viabilizam a
construção de indica-dores de sustentabilidade, com base
empírica consistente. Neste trabalho são apresentados os flu-
xos materiais e os indicadores deles resultantes para a eco-
nomia do Brasil, referentes ao período de 1975-95.
83
Quando não citados, os conceitos a serem apresentados baseiam-se em Fenzl, 1995, 1997;
e Machado, 1998.
84
Tais sistemas existem em função da energia que, por alguma razão, já esteja circulando
em seu interior. Na prática, com exceção do próprio universo, não existem sistemas isolados.
85
Um exemplo é a Terra. Ela recebe energia solar e exporta para o espaço a energia não
utilizada ou escapada dos seus processos internos
86
Há mutações ambientais que surgem autonomamente no ambiente e que também afetam a
sustentabilidade do sistema.
traz a noção de que sociedade, através do sistema econômico,
retira recursos do Ambiente, processa-os na intimidade de
suas engrenagens e deposita-os de volta no Ambiente na
forma de produtos e resíduos; a segunda, colonização, traz a
noção de que a sociedade, também mediada pelo sistema
econômico e visando adequar o Ambiente aos seus interesses,
intervêm nele, transfor-mando-o para o atendimento de suas
necessidades exclusivas, em prejuízo de outras espécies.
Aprofundamentos sobre esse método podem ser encontrados
em Bringezu, 2000; Bringezu & Schütz, 2001; Fischer-
Kowalski, 1998, 1999a, 1999b.
Pelo estudo do metabolismo sócioeconômico pode-se
caracterizar os principais fluxos materiais decorrentes da re-
lação entre Sociedade e Ambiente. Tais fluxos revelam a
intensidade material da economia e, por consequência, seu
padrão de sustentabilidade. Para este trabalho as principais
categorias de conceitos utilizados estão enumeradas a seguir.
Os agregados materiais associados à esses conceitos foram
calculados e, com eles, construídos indicadores e examinadas
suas tendências ao longo do período estudado. Esses agrega-
dos são:
- População: trata-se da população do país;
- Produto Interno Bruto (GDP87.): trata-se do
produto da economia retirado das contas nacio-
nais;
- Extração Doméstica (DE): trata-se do material,
utilizado pela economia, que foi retirado do ambi-
ente do próprio país;
- Matéria Diretamente Utilizada (DMI): trata-se
do total de matéria utilizada pelo sistema econô-
mico. É obtida pela soma da extração doméstica
(DE) e pela matéria importada de outros países.
- Matéria Domesticamente Consumida (DMC):
trata-se do total de matéria utilizada pelo sistema
87
A sigla de cada conceito está sendo apresentada conforme aparece nos padrões internacio-
nais. Normalmente essas siglas são formadas pelas iniciais dos conceitos em suas versões
em inglês.
econômico e destinada à economia do próprio
pais. É obtida pela subtração entre DMI e a maté-
ria exportada.
- Matéria Total Utilizada (TMI): trata-se do total
de matéria mobilizada pelo sistema econômico em
suas atividades. É obtida pela soma da DMI com a
matéria extraída domesticamente e não usada, isto
é, aquela matéria que não integra as mercadorias
negociadas pelo sistema econômico.
Detalhes sobre os dados e seu processo de obtenção
podem ser encontrados em Machado, 1999.
Resultados
Os principais resultados e indicadores podem ser con-
feridos na Tabela 1: Demanda material da economia do
Brasil nos anos 1975-95. Por essa tabela pode-se contatar
que:
a) a Extração Doméstica (EC) era, em 1975, 1.081.358 mil
toneladas e passou para 2.383.073, em 1995, o que repre-
senta um aumento de 120,37%;
b) a Matéria Diretamente Utilizada (DMI) era, em 1975,
1.136.020 mil toneladas e passou para 2.476.867, em
1995, o que representa um aumento de 118,03%;
c) a Matéria Domesticamente Consumida (DMC) era, em
1975, 1.040.907 mil toneladas e passou para 2.269.240,
em 1995, o que representa um aumento de 118,00%;
d) a Matéria Total Utilizada (TMI) era, em 1975, 1.706.777
mil toneladas e passou para 3.530.142, em 1995, o que
representa um aumento de 106,83%;
Observa-se, assim, que todos os agregados materiais tive-
ram aumento que são superiores, em ampla escala, os aumen-
tos da população (47,72%) e do PIB (67,54%). Isso significa
que a economia do Brasil tem uma intensa e crescente de-
manda por matéria sem que isso seja decorrente dos princi-
pais fatores capazes de justificar tal aumento (aumento popu-
lacional e crescimento do produto econômico).
Em relação aos indicadores pode-se observar o que
segue:
a) a DE per capita era 9,9 toneladas e passou para 14,6;
a DMI per capita era 10,4 toneladas e passou para
15,2; a DMC per capita era 9,6 toneladas e passou
para 13,9; e a TMI per capita era 15,7 toneladas e
passou para 21,6;
b) a DE por milhão de GDP era 2.856 toneladas e pas-
sou para 3.756; a DMI por milhão de GDP era 3.000
toneladas e passou para 3.904; a DMC por milhão de
GDP era 2.749 toneladas e passou para 3.577; a TMI
por milhão de GDP era 4.507 toneladas e passou pa-
ra 5.564.
Quando se considera o consumo per capita observa-se
que o crescimento absoluto da demanda por matéria foi em
torno de 46% em relação à DE, DMI e DMC e de 37% em
relação à TMI. Quando se considera o consumo por cada mi-
lhão do GDP observa-se que o crescimento absoluto foi em
torno de 31% em relação à DE, DMI e DMC e de 24% em
relação à TMI. Os resultados expressados por esses indicado-
res mostram que, em 1995, a economia do Brasil ficou muito
mais voraz por matéria do que era em 1975.
As tendências desses agregados e indicadoras podem
ser conferidas no Gráfico 1: Tendência demanda material da
economia do Brasil nos anos 1975-95. Por ele observa-se
que há uma tendência consistente no sentido de crescimento
de todos os indicadores. Além disso, constata-se uma tendên-
cia para desencaixar o crescimento da consumo de matéria do
crescimento do GDP e população. Isso sugere que o consumo
de matéria do Brasil, embora influenciado pelo aumento po-
pulacional e pelo crescimento da economia, possui uma di-
nâmica própria que o torna cada vez mais intenso e, por isso,
de padrão insustentável.
Conclusões
O uso de dados quantitativos e de indicadores de fácil
entendimento permitiram demonstrar que a economia do
Brasil segue a mesma lógica daquela dos países industrializa-
dos, isto é, caminha para padrões cada vez mais insustentá-
veis (MACHADO & FENZL, 1999). Sem medidas políticas e
sem realizações de pesquisas, como esta, que realcem a inten-
sidade material das economias nacionais, a lógica sistêmica
desses modelos continuará sendo a grande fonte de impactos
ambientais.
É nessa perspectiva que os resultados deste trabalho
se tornam importante para a Amazônia, fonte de fornecimen-
to de vários dos materiais que registraram grandes demandas
nos resultados da pesquisa, como por exemplo, o ferro, a
bauxita, a madeira, etc. Aplicando a metodologia para Ama-
zônia vai ser possível conhecer a carga ambiental que ela
suporta para beneficiar outras regiões do país e do mundo.
Talvez assim seja possível comprovar que a Amazônia não
tem sido um problema para o Brasil e para o mundo, e
sim o mundo e o Brasil que têm sido problema para a
Amazônia.
Até agora, com exceção de esforços missionários lo-
calizados, o debate sobre a sustentabilidade da relação Socie-
dade-Ambiente tem registrado um grande desfile de genero-
sas intenções e uma grande movimentação política de
militâncias organizadas e agências internacionais de desen-
vol-vimento. Embora o comprometimento de todos com o
ideário do desenvolvimento sustentável, pouco foi operacio-
nalizado, face à ausência de alternativas consistentes para tal.
O trabalho mostrou que há alternativa consistente para a su-
peração desse obstáculo. E mostrou, também, que nesses
vinte anos de debate sobre a sustentabilidade, de programas
de pesquisa, de conferências políticas, de militância organi-
zada, etc., o que se vê é que o Sistema Econômico seguiu seu
curso. Não diminuiu o seu ímpeto consumidor em relação ao
Ambiente e, ao contrário disso, o aumentou ainda mais.
Portanto, é necessário buscar uma outra forma de me-
dir a eficiência dos processos econômicos. É preciso interna-
lizar no sistema a “consciência” dos fluxos físicos movimen-
tados pelos fluxos monetários da economia. Para fazer isso é
preciso medir e, nesse particular, a metodologia utilizada
revelou-se potente em trazer à tona as particularidades e ca-
racterísticas das demandas materiais do Sistema Econômico.
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