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Eleições 2010
Publicamos neste terceiro número, além de nosso terceiro manifesto, uma proposta de parada para o dia
das eleições, um vídeo de uma entrevista com a candidata Dilma sobre o aborto e o casamento
homossexual e artigos sobre a temática do aborto, das homossexualidades e identidades LGBTTT no
contexto do segundo turno das eleições 2010.
Manifesto NIGS | Eleições 2010
Número 3, Outubro de 2010
Parada do Orgulho Carta Aberta da ABGLT
Laico à Dilma e Serra De boas intenções o
A vitória do familismo
Manifeste-se! Dia 31 Vote contra a inferno está cheio
homofóbico e Existimos e resistimos
de Outubro, em uma homofobia, defenda a Antropóloga Anelise
conservador Sociólogo Luiz Mello,
urna perto de você. cidadania. Fróes, do NIGS/UFSC,
Sociólogo Alípio de professor e pesquisador
Entrevista Coletiva de Página 3 reflete sobre os
Souza Filho, da da UFG, aponta para
Dilma em Teresina/PI retrocessos que se
UFRN, discute o papel os perigos do silêncio e
Dilma fala sobre anunciam na escolha
da ideologia cristã nas da não-resistência.
casamento entre d@ nov@ president@
Eleições 2010. Página 6
homossexuais e Estado do Brasil
Página 4
Laico Página 5
Página 2
Parada do
Orgulho Laico
A Parada do Orgulho Laico é um dia
de manifestações dos cidadãos que
prezam pela separação entre o
Estado e a Religião.
Divulgue a Parada do
#OrgulhoLaico nas suas redes!
pautar, nos últimos anos, os direitos civis dos Candidato Serra: o senhor, como ministro da
Carta aberta da homossexuais e combater a homofobia. Também saúde, implantou uma política progressista de
familista cristã ou até mesmo menos ou mais fora do Congresso Nacional, como cães de
As eleições e a vitória seu manipulador. Fora do maniqueísmo das guarda da moral sexual vigente, os primeiros
Da cegueira do retrocesso ou: sabemos) no cenário brasileiro neste Sou isso, também, mas muito mais. Sou
vamos todos para o inferno? momento, quando estamos a duas semanas antropóloga, pesquisadora, mulher, negra e
da eleição que definirá nossos rumos lésbica. Sou aprendiz e educadora, militante
Nossas vivências e experiências, desde que sociais, econômicos, políticos e – outra vez – e sujeita de minhas reflexões e relações.
nascemos, são permeadas e constituídas pessoais, é exatamente a cegueira. Sou uma mulher que já ajudou amigas a
por oposições e polaridades, por desafios e Cegueira absoluta e diversa daquela que pagar por abortos clandestinos, sabendo do
dicotomias. Aprendemos muito cedo o que é costumamos imputar à quem não vê. risco, do medo, da dor, da solidão e da
“quente” e “frio”, o que é “certo” e “errado”, o Diferente do que pensamos na maioria das perversidade de um sistema que julga essas
que é “normal” e “anormal”. Nessa vezes, pessoas cegas veem tão ou mais do mulheres como assassinas.
obssessão classificatória, nessa que qualquer outro ou outra que tenha olhos O retrocesso conduzido pela cegueira de
necessidade premente de ajustar o mundo e capazes de enxergar. VER é muito diferente quem pretende nos governar nos diz que é
seus seres à estruturas compreensíveis que de ENXERGAR. Ver passa por sensibilidade, preciso proibir mulheres de matar
nos façam dormir e acordar em segurança por tato, por olfato. Passa por ouvir pessoas, criancinhas, e penalizá-las judicialmente
contra o que é “diferente” (e portanto sons, ruas, identificar os obstáculos do caso insistam. Este mesmo retrocesso nos
ameaçador), nos tornamos quase sempre caminho através de todos os sentidos. A diz que não, que o imenso contingente
pessoas que não ousam. Que não questão aqui, então, parece ser mais do que homossexual do país deverá permanecer
experienciam a coragem de ir além, de a cegueira do não ver, mas também a do confinado à decisões pontuais sobre seus
transgredir, de inventar o impossível não enxergar. E é esta que nos conduziu até afetos e direitos, porque o Brasil não está
cotidianamente até que ele se torne aqui, e parece, nos conduzirá ao retrocesso disposto a ampliar suas ações nesse
possível, visível, tátil. paralisante, indigno, feroz e cruel. sentido.
Mas há os que ousam, os que tentam, os Não falo apenas de nossas conquistas em Pois declaro que a mim, nem todas as
que contrariam. Os que sonham e realizam, políticas públicas, dos avanços na área da mortes são físicas. Entre um aborto e
os que se insurgem contra o conforto das educação, na área dos direitos humanos. direitos negados, creio que os segundos
maiorias absolutas, da normalidade reinante, Não é um clamor afetado e vazio sobre a matam muito mais. Mata mais criancinhas
seja nas esferas pessoais, políticas, importância dos movimentos sociais, ou quem nega direito de adoção à casais de
acadêmicas, relacionais. Estou ao lado porque gays e lésbicas não poderão ter a gays, lésbicas, travestis, transexuais. Mata
destes, e seguram minha mão nessa fileira garantia de seus direitos civis respeitados. mais mulheres quem as coloca outra vez na
tantos outros, tantas outras, seja em Falo porque atrás de cada política pública, posição de culpadas, por negarem o dom
memórias afetivas dos que passaram pelo há pessoas. Atrás do Programa Brasil sem “natural” da maternidade, como se isso fosse
meu caminho, seja em corpo e espírito de Homofobia, há crianças, adolescentes, definidor de seus sexos e seu gênero.
luta, como atualmente. jovens e adultos inseridos em espaços Algo me diz que estão matando um Brasil no
Me vejo então instada a escrever e refletir escolares e educacionais, formais e qual acreditamos nos últimos oito anos, e
sobre o que está acontecendo em nosso informais, que poderão outra vez ser que é fruto de lutas históricas de mais de 40
país, na hora crucial de escolhermos quem calados, reprimidos, excluídos, depois de anos. Aqueles que se dizem “a favor da
presidirá nossa república pelos próximos termos acreditado que este era um “país de vida”, que se dizem “comprometidos com os
quatro anos. Ao meu lado, como já disse, todos”. Atrás das políticas públicas ideais cristãos”, que defendem “o direito de
caminham e lutam outros e outras tantos e implantadas por decreto, lei, instrução nascer”, que proclamam em nossas tevês,
tantas. Escrevem, exercem a indignação, normativa, há profissionais de todas as rádios, Facebooks, Twitters, sites, blogs que
conversam, brigam, concordam e discordam; áreas, pessoas de todas as origens, acreditam em Deus, são os mesmos que
compartilhamos, porém, o mesmo espanto, a brasileiros, brasileiras, que acreditaram que estão nos guiando, cegamente, para o
mesma dolorida sensação de que vamos o “país do futuro” finalmente havia chegado inferno.
retroceder. Não individualmente, cada um e lá, e olhado para todos os seus cidadãos. O inferno, parece, é um lugar cheio de boas
uma de nós, capazes de reinventarmos a Atrás de cada Secretaria Especial da intenções. E é preciso mais do que elas para
nós mesmos e mesmas tantas vezes ao Presidência da República, há mulheres, fazer do mundo um lugar melhor. No caso do
longo da vida. Retroceder pode ser homens, negros e negras, idosos e idosas, Brasil, acho que ainda não será dessa vez.
estratégico, pode ser uma pausa para gays, lésbicas, travestis, transexuais, parte
pensar melhor, para rever conceitos. Avançar deste mesmo Brasil que está prestes a Anelise Fróes (NIGS/UFSC)
nem sempre é sábio, e pode significar retroceder, e afirmar uma vez mais que é
apenas arrogância e desespero. preciso mantê-los à margem, na sombra,
Mas não posso compactuar com o longe deste lugar de destaque, onde podem
retrocesso que paralisa. Com o retrocesso falar, ouvir, dialogar, construir um país mais
que é guiado pela cegueira do medo, da justo.
suprema covardia de assumir posições Eu não sou uma política pública. Eu não sou
claras e justas, dignas e passíveis de nos um número em um prontuário. Eu não sou
elevar a um outro patamar social, mais um código identificando um projeto de Lei
igualitário e humano. que jamais será votado. Eu não sou parte de
O que temos visto acontecer no debate uma sigla que tenta abranger a todos e
político (que é também pessoal, como o todas, apenas.
Queremos casar. Fazemos não se trata apenas de uma símbolo do triângulo rosa invertido,
abortos. Mudamos de sexo. ameaça à cidadania e mesmo à empregado por nazistas para
Amamos viados. Mulheres são sobrevivência física de pessoas identificar homossexuais nos
nosso ideal. homossexuais, travestis, campos de concentração. A
E, mais que tudo, existimos e transexuais e de mulheres solidariedade foi a fonte da
resistimos. heterossexuais, embora a garantia resistência. Não é à toda que
de seus direitos humanos seja um muitos anos depois a Dinamarca
Luiz Mello imperativo absoluto. Num nível tornou-se o berço dos direitos
Pesquisador do Ser-Tão e além das aparências mesquinhas, conjugais de lésbicas e gays na
professor da Universidade Federal o que está em jogo é algo precioso contemporaneidade.
de Goiás para todas as pessoas, por serem Apenas por muito pouco
princípios fundamentais da vida estamos hoje distantes das mãos
Quando adolescente, no democrática: a laicidade do dos que se sentem no direito de
final dos anos 70, uma das Estado, a liberdade e autonomia dizer quem deve e quem não deve
máximas da resistência ideológica dos indivíduos, a garantia da viver – e como viver -, seja por
de minha geração era um trecho igualdade na esfera pública. razões de Estado, seja por razões
de poema atribuído ao russo Agora são as mulheres e religiosas. Isso é inaceitável.
Maiakovski, mas que é de os segmentos LGBT os alvos do Quando um grupo de pessoas se
Eduardo Alves da Costa. Intitulado desejo de morte física e simbólica vê na iminência de perder direitos
No caminho com Maiakoviski, em dos que se auto-intitulam de cidadania e humanos por terem
um trecho diz assim: “Na primeira representantes da única se tornado o bode expiatório da
noite eles se aproximam / e concepção aceitável de vida e de vez, toda a estrutura democrática
roubam uma flor / do nosso humanidade. Amanhã continuarão da convivência humana está
jardim. / E não dizemos nada. / Na a ser eles, concretamente ameaçada. Num momento em que
segunda noite, já não se expulsos de seus trabalhos e o machismo homofóbico é
escondem; / pisam as flores, / perseguidos rua afora, por termos nitroglicerina pura e o combustível
matam nosso cão, / e não dizemos feito abortos ou por amarmos um ideológico das igrejas nas disputas
nada. / Até que um dia, / o mais igual... Depois de amanhã, ... de poder relacionadas a um
frágil deles / entra sozinho em poderá ser qualquer um que se projeto de sociedade que nega
nossa casa, / rouba-nos a luz, e, / torne o o(a)bjeto da ira dos direitos sexuais e reprodutivos a
conhecendo nosso medo, / intolerantes seguidores de um grupos específicos, um caminho
arranca-nos a voz da garganta. / E deus inventado para justificar uma de resistência talvez seja dizermos
já não podemos dizer nada”. Creio lógica perversa de manutenção de que somos tod@s ess@ outr@
que é hora de dizermos: privilégios, para os de sempre: que querem calar, castrar, excluir e
machos-dominantes- aniquilar. E é urgente fazermos
SOMOS LÉSBICAS, TRAVESTIS, heterossexuais e os que com eles isso agora, desobedientemente,
GAYS E TRANSEXUAIS. SOMOS se macomunam. Basta olhar quem sem medo de assumirmos
MULHERES E FAZEMOS são os donos do poder e quem politicamente a rebeldia do
ABORTOS. REIVINDICAMOS ocupa majoritariamente os oprimido que se revolta e não
ACESSO IGUALITÁRIO AO espaços de decisão política de aceita as bases da vida
CASAMENTO, À UNIÃO nossa sociedade – nos poderes desumanizada que lhe está sendo
ESTÁVEL, AO DIVÓRCIO, À legislativo, judiciário e executivo, imposta. Se nos calarmos neste
INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL, À nas igrejas, no tráfico de drogas, momento, talvez amanhã não
BARRIGA DE ALUGUEL, À na estrutura policial, etc. possamos dizer mais nada.
ADOÇÃO. QUEREMOS TER Não sei se é lenda, mas há
DOIS PAIS HOMENS OU DUAS alguns anos ouvi uma história
MÃES MULHERES. SOMOS incrível: quando os nazistas
CATÓLICOS-AGNÓSTICOS- invadiram a Dinamarca, não
UMBANDISTAS-EVANGÉLICOS- conseguiram prender grande
ATEUS E ESTAMOS EM TODOS número de gays e lésbicas,
OS LUGARES. diferentemente do que ocorreu em
muitos outros países durante a
Não há nenhuma segunda guerra mundial. Antes
necessidade real de pertencermos que as prisões se tornassem um
a qualquer desses grupos ou de fato irremediável, centenas de
desejarmos usufruir qualquer dos milhares de dinamarqueses
direitos que lhes são negados. O começaram a usar
fundamental é ter a clareza de que voluntariamente em suas roupas o
Núcleo de Identidades de
Gênero e Subjetividades
Site — www.nigs.ufsc.br
E-mail — nigsnuc@cfh.ufsc.br
Telefone — (48) 3721-9890