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questões da república
A REVOLTA CONSERVADORA: Bolsonaro será o líder de um governo
antiestablishment, por Marcos Nobre
Tendo ou não votado em Bolsonaro, fazendo ou não parte de seu futuro
governo, a única tese de que ninguém parece discordar é que o eleito não cabe
nas instituições. Quem acha que o capitão-presidente vai acabar se adaptando à
institucionalidade democrática se divide em dois grupos.
Cabe a cada pessoa decidir por si mesma o que pensar e o que fazer,
evidentemente. Mas o que se tem até agora são apenas essas interpretações
difusas, essas versões mais ou menos irrealistas do que pode acontecer. Faltam
aqueles sinais luminosos que indicam a saída mais próxima em caso de
emergência. O que restou do sistema político não anda capaz de produzir
interpretação, muito menos orientação para a ação. Quem tem feito isso com
exclusividade é o presidente eleito.
Bolsonaro não tem máquina eleitoral clássica. Não pode e não quer ter
uma. Tem uma rede. Para mantê-la, precisa convencer o núcleo duro de seu
eleitorado de que não irá abandonar a luta contra o sistema político. Precisa
continuar com a tática de recrutamento fora do sistema. Conta para isso com os
inúmeros grupos de WhatsApp que mantém ativos e mobilizados de maneira
permanente.
Só que não. O capitão está disposto a perder tudo se for necessário, mas
nunca se renderá. É isso o que parece incompreensível para quem pensa em
amansá-lo ou espera que a camisa de força venha a lhe tolher os movimentos.
Incompreensível porque é revolucionário, justamente. O mesmo velho sistema
político que se horrorizou com as pretensões hegemonistas do PT vai descobrir
que o partido de Lula era um partido tucano em comparação com o projeto
hegemonista que Bolsonaro representa. Vai descobrir que o “nós contra eles”
petista, que tanto horror provocou, era brincadeira infantil perto do que fará o
capitão-presidente. Agora é “nós contra a rapa”.
Tem muita gente que quer aderir, sem dúvida. Mas quem “do sistema”
fizer isso será tratado como o próprio Bolsonaro sempre foi tratado no
Congresso: como baixo clero. A roda da fortuna girou, o baixo clero chegou à
Presidência.
Bolsonaro não foi escolhido pela maioria do eleitorado, mas pela maior
parte de quem compareceu e não votou branco ou nulo. Uma atitude arrogante,
um posicionamento meramente passivo e reativo por parte do amplo campo de
oposição pode dar ao capitão-presidente o tempo de que precisa para impor seu
projeto hegemonista. Ao preço do colapso das instituições democráticas, se for
necessário.
MARCOS NOBRE
É professor de filosofia da Unicamp e autor de Imobilismo em Movimento, pela
Companhia das Letras, e Como nasce o novo, pela Todavia