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ESTRANHO SEDUTOR

The Darling Jade


Peggy Nicholson

Atropelar Ian Wykoff tinha sido um tremendo azar para Janet. Desistira de ir à
Grécia, encontrar seu noivo, para pagar o hospital. Mas Ian ainda exigia mais: “Você
ainda está em dívida comigo, doçura. Quem sabe, amanhã, quando acordarmos juntos...”
Janet arregalou os olhos, indignada. Aquele estranho teria coragem de exigir que
dormisse com ele?

Digitalização: Márcia Gomes


Revisão: Crysty e Amanda
Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

Título: Estranho sedutor

Copyright: Peggy Nicholson

Titulo original: "The Darling Jade"

Publicado em 1984 pela Mills &"Bond Ltda., Londres, Inglaterra

Tradução: Lúcia de Barros

Copyright para a língua portuguesa: 1985


Abril S.A. Cultural — São Paulo

Esta obra foi composta na Linoart Ltda. e


impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.

Foto da capa: Inoge Bonk

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

CAPÍTULO I

Janet aproximou-se das plantas colocadas no peitoril da janela e respirou fundo.


Sentia-se bem, animada.
— Tenho a impressão de que hoje vai ser um dia muito especial, em que nada pode
dar errado.
Olhou para o céu ainda escuro, sem nuvens, notando que os primeiros raios cor de
púrpura começavam a aparecer no horizonte. Tinha que se apressar, se quisesse ver o
Sol nascer no lugar certo.
A água que ela havia posto no fogo já estava fervendo e logo um cheiro bom de café
se espalhou pela casa. Janet colocou-o numa garrafa térmica e consultou o relógio.
Quase quatro e meia! Precisava correr! Engoliu uma xícara de café, mastigou umas
bolachas, colocou o resto do pacote na cesta de lanche e ainda pegou uma maçã, para
comê-la enquanto dirigia. Um sorriso radiante enfeitava seu rosto e iluminava seus olhos
verdes.
O que Fred diria, quando descobrisse essa sua mania de pintar cenas marinhas de
madrugada? Nos dois anos em que tinham lecionado juntos, ele nunca tivera
oportunidade de saber dessa excentricidade.
Durante o inverno frio da Nova Inglaterra, Janet se limitava a ser uma eficiente
professora de arte, responsável e muito conceituada. Mas no verão tornava-se diferente,
embriagada pelo calor do sol, entusiasmada com as eternas mudanças do mar.
Fred, por sua vez, aproveitava as férias para ir à Grécia fazer seus trabalhos de
arqueologia, encantando-se ao desenterrar antigas peças de cerâmica ou metal.
Bem, de qualquer modo, em breve ele ia descobrir muitas particularidades da vida
de Janet. Na verdade, na semana seguinte estariam juntos; iam ter bastante tempo para
se conhecerem melhor.
Janet desceu os degraus da escada de madeira procurando não fazer barulho, para
não acordar os vizinhos. Tinha que mandar consertar aquela escada, mas deixaria isso
para depois.
Havia varias coisas por fazer naquela casa, mas acabara de comprá-la e no
momento não tinha dinheiro para nada.
Alcançou a rua e olhou para o céu, preocupada. Será que ainda daria tempo de
chegar à praia antes de o Sol nascer? Respirou fundo, inalando o ar da manhã de junho.
Verão em Newport, Rhode Island! Poderia haver coisa melhor na vida?
Seria uma pena largar tudo aquilo para ir até a Grécia, mas por lá também haveria
coisas maravilhosas... E, de qualquer jeito, agora era tarde demais para pensar em mudar
de planos.
Onde tinha estacionado o carro? Janet olhou os veículos parados junto à calçada.
Não lembrava direito. Há três dias não saía com ele, porque o seguro estava vencido e
não valia a pena 'Se arriscar. Como o dinheiro era pouco, ela tivera que escolher: ou
pagava um novo seguro ou ia para a Grécia. Portanto...
Viu seu velho carrinho parado atrás de um Ford verde-escuro. Chegou junto dele e
abriu a porta, colocando o material de pintura no banco traseiro. Depois se acomodou
atrás do volante, deu partida e seguiu pela rua silenciosa.

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Janet era assim mesmo: decidida, inquieta, impulsiva. Tinha herdado da mãe essas
características. Por outro lado, Fred era sensato e comedido. Há três anos esperava
pacientemente que ela decidisse se casar e fora recompensado: Janet finalmente cedera.
Ela ainda tinha uma semana para pintar as cenas maravilhosas da Nova Inglaterra, antes
de voar ao encontro do noivo.
Foi deixando para trás o bairro de casas vitorianas onde morava e agora se via
cercada por grandes mansões, com muros altos de granito. Era ali o império dos
Vanderbilt, dos Astor, das famílias importantes. Isso significava que ainda havia um bom
caminho a percorrer, antes de chegar à praia.
Entrou na rua que circundava a costa. Tudo estava deserto, àquela hora, e, apesar
das curvas, era possível imprimir boa velocidade ao carro. Janet abriu a janela para deixar
o vento bater em seus cabelos. Como era bom o cheiro do mar, o ar úmido no rosto!
Olhou novamente para o céu. Tinha que se apressar. O Sol não esperaria até que
estivesse instalada. Talvez nem desse tempo de montar o cavalete e misturar as tintas,
antes que o astro-rei surgisse, imponente, no horizonte. Depressa! Tinha que correr
contra o relógio!
Subindo uma colina, ela quase foi de encontro a um faisão. Felizmente, ele alçou
vôo na hora certa, deixando no ar seu grito de revolta. Janet não se intimidou. Sentia-se
desperta, ativa, em sua disputa contra o tempo. Tinha que alcançar o Sol antes que ele
surgisse.
Pensando nisso, apagou os faróis. Já não havia necessidade deles porque o céu se
tingia com uma fraca claridade púrpura: Janet olhou para o relógio. Mais depressa... Pisou
no acelerador e o carro deslizou com rapidez pela rua deserta.
Encontrou um semáforo vermelho e teve que diminuir a marcha. Olhou para um
lado, para outro, não viu nada e tornou a acelerar com vontade.
O carro subiu mais uma colina para finalmente enfrentar o último cruzamento antes
de chegar ao mar. Ela tornou a diminuir a velocidade, olhou para os dois lados, viu que
não havia carro nenhum. Podia passar. Cruzou o sinal e dobrou à esquerda, os olhos
perdidos no céu que ameaçava clarear de vez.
— Oh...
Assim que começou a fazer a curva, algo apareceu à sua frente. A sombra cresceu
e bateu no pára-lama. Os freios guincharam no asfalto molhado de orvalho, a sombra
sumiu de vista e então... não havia mais nada, a não ser o murmúrio suave do mar e o
Sol, que mostrava seus primeiros raios sobre o oceano.
— Meu Deus! — Janet desligou a ignição com dedos trêmulos.
Notou que não havia estrada à sua frente e que as rodas dianteiras do carro
estavam presas na vegetação que ladeava o acostamento. Como tinha se metido ali?
Onde estava a sombra que a havia atingido'! Assustada, Janet abriu a porta e saiu
do carro. Olhou ao redor. Onde estava ela? Olhou na frente do carro, nos lados e se
abaixou, trêmula, para verificar se havia alguém embaixo do veículo. Nada.
— Meu Deus! — exclamou, vendo o pára-lama amassado.
Não era mentira! Ela realmente tinha atropelado alguém!
— Estou aqui! — Uma voz soou às suas costas.
Janet se virou depressa. A uns cinco metros do carro havia um homem sentado no
chão, o braço direito sustentado pelo esquerdo. Ela suspirou, aliviada. Pelo menos, não
tinha matado ninguém! Começou a andar, mas sentiu que tudo dançava à sua frente.
— Sente-se, antes que caia — aconselhou o homem.
Janet nem discutiu; acomodou-se ao lado dele. Teve que erguer a cabeça para
observá-lo e notou os cabelos loiros, o nariz reto, o queixo voluntarioso, com uma
pequena covinha no centro, os olhos... impressionantes... nem cinzentos nem azuis,
quase violeta.
— Tem licença para fazer o que fez?

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— O quê? — Janet perguntou, sem entender.


Gotas de suor apareciam no peito do homem, molhando seus pêlos, deixando o
torso nu brilhando aos primeiros raios do Sol.
— Tem licença para caçar com esse carro? Eu não sabia que a temporada de caça
aos corredores já estava aberta em Rhode Island.
Janet tentou entender o que ele queria dizer. O homem falava e a deixava mais
confusa do que já estava.
— Você está bem? — ela perguntou, preocupada.
— Além disso, nunca vi uma caçadora tão pálida como você! — continuou ele,
como se Janet não tivesse dito nada.
— Por favor, fique quieto e me ouça! — Ela estendeu a mão, procurando tocar o
braço do desconhecido. — Como está seu...
— Ai! — ele gritou, protegendo melhor o membro machucado. — Não precisa me
tocar. Já basta o que fez! Vamos deixar que o médico veja o que tenho, está bem?
Janet mordeu os lábios.
— Tem razão. Vou chamar uma ambulância agora mesmo.
— Tentou se levantar e de novo tudo rodou à sua frente.
— Calma! — A mão firme do rapaz segurou-a pelas pernas.
Janet parou e fechou os olhos, esperando que o mundo voltasse ao normal e sua
visão clareasse.
— Calma, garota. — Devagar, ele retirou a mão que a prendia. — Não adianta
querer fugir, agora. Não vou deixar que vá antes de ver o número da placa de seu carro.
— Acha mesmo que eu...
— Não acho nada — ele falou, irritado. — Mas que você não vai sair do local do
acidente, não vai mesmo.
Começou a se levantar, gemendo baixinho. Janet ficou em pé e o ajudou. Não tinha
imaginado que ele fosse tão alto. Mal chegava aos ombros daquele gigante loiro.
— Você não deve se mexer. Seria melhor se eu chamasse a ambulância.
— Nada disso! Você não vai sair daqui, nem eu vou ficar sentado, esperando que
alguém passe. Conhece algum hospital por perto?
— Conheço, mas, não acabou de dizer que não podemos abandonar o local?
O rapaz olhou ao redor, viu o sinal de tráfego e voltou a se concentrar nela.
— Tudo está muito claro, não concorda? Você não parou no farol. Admite que
avançou a luz vermelha e me atropelou?
— É verdade. Sinto muito.
— Eu também, mas podemos pensar nisso depois. — Ele deu um passo, depois
outro.
— Tem certeza de que pode andar?
Um sorriso zombeteiro apareceu no rosto dele.
— Por quê? Está querendo me carregar? — Encaminhou-se para o carro,
mancando um pouco. — Estou ferido, mas é o braço que dói muito. Ainda por cima, é o
direito!
Janet se adiantou e abriu a porta para que ele entrasse. O rapaz examinou
atentamente o carro.
— Escolhi bem esse acidente, não foi? Fui atropelado por uma garota pálida como
cera, de cabelos castanho-claros, que dirige um carro decrépito. Ainda bem que não
estava num automóvel de luxo!
— Você sempre fala tanto, assim?
O rapaz entrou no carro com dificuldade, mal conseguindo ajeitar as pernas longas
no pequeno veículo.
— Tive muito azar, sem dúvida. Promete parar em todos os faróis até chegarmos ao
hospital?

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Janet aguentou a ironia. Pior se o homem a tivesse xingado. Entrou também e se


ajeitou o melhor que pôde, porque ele sozinho parecia tomar todos os espaços. Ao mudar
a marcha, sua mão esbarrou-lhe na coxa. Sentiu um arrepio estranho, mas imediatamente
desviou os pensamentos.
Ele se recostou no banco, os olhos fechados.
— Não posso me encolher mais. Precisa se conformar com esta proximidade.
— Pode deixar. Dou um jeito.
— Está bem, mas lembre-se de tomar cuidado nos cruzamentos. — Ele procurava
falar com ironia, mas Janet viu que devia estar sentindo muita dor, porque respirava com
dificuldade, os lábios comprimidos, os olhos fechados.
Ela agora dirigia dando pouca atenção à manhã radiosa. Por trás dos muros altos,
no entanto, podia ver o Sol brilhante misturando-se à névoa, mudando o cinza do céu
para um azul límpido. Bem, o Sol tinha ganhado a corrida. Era o destino. Pelo menos
essa seria a explicação de Fred, acostumado aos desígnios dos deuses gregos.
Só então ela se lembrou do seguro do carro, que estava vencido. Que louca! Por
que tinha se arriscado a dirigir sem ele? Ainda por cima havia atravessado faróis no
vermelho! Não tinha mesmo juízo! Ainda bem que não tinha matado o homem, senão...
Entraram na avenida BeIlevue. Não estavam longe do hospital. Ela arriscou mais
uma olhadela para o rosto de sua vítima, que lhe parecia vagamente familiar. Jack? Não!
Como podia achar que aquela expressão cheia de dor fosse parecida com a do sorridente
e astuto Jack?
Janet apertou as mãos no volante. Há muito tempo não pensava em Jack e não ia
começar agora. Estava enganada. Não havia semelhança alguma entre eles.
Quando começaram a encontrar os primeiros sinais de tráfego, ela diminuiu bastante
a velocidade, tornando a esbarrar na perna do rapaz ao mudar de marcha. Reparou nos
músculos desenvolvidos, sinal evidente de que ele não praticava cooper só nos fins de
semana. Olhou para os braços, cruzados sobre o peito largo. Devia se dedicar a alguma
espécie de esporte ou serviço braçal, porque eles também eram bastante musculosos.
— Falta muito?
— Não. Só mais alguns quarteirões. Está doendo?
Ele não se deu ao trabalho de responder, mas tornou a apertar os lábios. Minutos
depois, Janet parava diante da entrada de emergência do hospital.
— É melhor descer aqui. Vou estacionar o carro e já venho. Os olhos de aço fitaram-
na com seriedade.
— Não, obrigado. Prefiro ir com você.
Janet não discutiu. Achou um lugar para deixar o carro. O homem estava pensando
que ela ia fugir? Bem... até que não seria má ideia. Se a processasse por danos
corporais, ela teria que gastar uma fortuna para se defender, principalmente porque dirigia
sem seguro.
Desceu do carro e foi abrir a porta do lado dele.
— Quer que o ajude?
— Vou melhor sozinho, obrigado.
O rapaz saiu, foi até a frente do carro e observou a placa.
Depois, como se ela não existisse, encaminhou-se para a entrada principal do
hospital.
A mensagem tinha sido bastante clara. Ele não se incomodava se ela ficava ou não,
porque agora que sabia a placa do carro iria procurá-la até no fim do mundo. Janet não
teve dúvidas: correu atrás dele.

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O pronto-socorro estava bastante movimentado. Uma criança chorava com um corte


feio na mão, um bêbado se encostava na parede, o nariz sangrando e quebrado. Na
recepção, a enfermeira sorriu para o homem loiro e bonito que se apresentou,
entregando-lhe um formulário para ser preenchido e uma caneta.
— Desculpe, senhorita, mas machuquei o braço direito e não vou conseguir
escrever.
— Deixe que eu faço isso — Janet se adiantou.
O rapaz olhou-a e sacudiu a cabeça.
— Está bem. É justo que me ajude. Vamos encontrar um lugar sossegado para
preenchermos esses dados.
Seguiram pelo corredor até encontrarem um sofá. Sentaram.
— Está bem. Pode começar.
Janet pegou o formulário e fez as perguntas. .
— Sobrenome?
— Wykoff.
— Inicial do segundo nome?
— H, como em Hubert.
— É esse mesmo seu segundo nome?
— Felizmente não.
Ela sorriu e continuou.
— Primeiro nome?
— Alexander, mas quando falar comigo me chame de Ian. Apertou os lábios,
sentindo uma pontada de dor. Janet teve pena dele.
— Endereço?
— Bem... Ah! Brenton Heights, casa 5, Newport. Ainda não sei o CEP.
Janet anotava tudo rapidamente. Sabia que o endereço era de um condomínio novo,
que tinha uma vista maravilhosa do porto de Newport. Era um lugar de gente rica. Para
ela, isso seria melhor ou pior?
— Idade?
— Trinta e quatro.
Tinha calculado que ele estivesse por volta dos trinta. Sem dúvida, era um homem
bem-apessoado e atraente, com olhos magníficos, os mais estranhos que já tinha visto.
— Tem seguro de saúde?
— Nenhum.
Janet respirou fundo. Isso complicava muito a situação. Teria que arcar com as
despesas do hospital.
— É só. Podemos voltar à recepção.
Conversaram com a enfermeira, que tomou todas as providências.
— Como vão pagar a conta? Com cheque ou dinheiro?
— Assumo a responsabilidade dos gastos — Janet garantiu.
— Pago com cheque.
E tornou a sentar-se. Estava preocupada. Já fazia mais de uma hora que Ian Wykoff
estava lá dentro. O ferimento teria sido mais grave do que o esperado?
Pouco depois, ela escutou uma conversa e a voz do rapaz se fez ouvir, nítida e
firme: — Quer dizer então que podem saber se foi acidente ou tentativa de homicídio?
— Exatamente. Em acidentes causados por alta velocidade, podem-se observar as
marcas dos pés do motorista. Elas tanto podem estar no acelerador como no freio, e isso
causa muita diferença, não concorda?
— Maravilhoso! — Ian Wykoff apareceu no fundo do corredor, acompanhado de um
homem baixo e gordinho. Seu braço estava engessado e apoiado numa tipóia que lhe
cruzava o peito ainda nu. — Não se incomoda se eu telefonar, caso tenha problemas
para resolver esta situação, Peter?

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— Claro que não, Ian. Será um prazer ajudá-lo.


Janet os observava inquieta.
— Tome cuidado, Ian, pelo menos por um dia ou dois. – O médico olhou para Janet
— Dê alguma coisa para ele comer e depois ponha-o na cama. Amanhã estará melhor.
Janet estava espantada demais para falar. Quis reclamar, mas acabou fechando a
boca, sem conseguir dizer uma palavra.
— Não se preocupe, Peter. Vou ser bem cuidado. A garota tem mãos de fada!
— Algumas pessoas têm muita sorte na vida, Ian. Você é uma delas. Bem, até mais
tarde. — O médico deixou uma pasta na recepção e se afastou.
— Precisava ser tão gozador? — Janet se queixou.
— Estou apenas tentando acertar as contas, garota. Ainda estamos longe de ficar
quites.
Janet não quis discutir.
— Acha que pode ir para o carro sozinho? Encontro você lá num minuto.
— Por quê? Aonde vai?
— Pagar a conta do hospital.
— Está bem.
Aquele ia ser um dia quente, Janet pensou, ao se dirigir para o carro. Ian Wykoff já
estava acomodado, mas com as pernas para fora. Quando a viu, ajeitou-se melhor e
fechou a porta. Janet deu marcha à ré e saiu do estacionamento.
— Brenton Heights, não é?
— Isso mesmo. — Ele fez uma pausa. — Quanto custou? Janet concentrou sua
atenção no tráfego, antes de responder. — Setecentos. Pulsos quebrados não ficam
nada baratos!
— Tem razão. E esse é o menor dos males.
Ela apertou os olhos, tentando adivinhar o que poderia acontecer ainda. Aquele
homem pretendia processá-la? Em quanto? Não poderia pagar, porque, tirando a casa
que havia comprado, não lhe sobrava mais nada. A conta do hospital, que ela havia
acabado de pagar com cheque, estaria coberta pela devolução da passagem aérea para
a Grécia. Só ia receber de novo quando as aulas começassem, em setembro, e nesse
meio tempo talvez pudesse vender o carro e entregar o dinheiro a Wykoff, como
indenização.
Janet suspirou. Tinha que aplacar a fúria de Ian Wykoff. Ele dissera que ainda não
estavam quites. Só esperava que se conformasse em receber o pouco dinheiro da venda
do carrinho.
Janet piscou para afugentar as lágrimas. Quando se virou para Ian, viu que ele tinha
o olhar fixo em seu rosto.
— Gostaria de saber seu nome...
— Desculpe. Esqueci de me apresentar. Sou Janet Kinnane. — Você não deveria
virar aqui? — ele perguntou, vendo que ela ultrapassava a avenida Bellevue.
— A Bellevue fica cheia demais, a esta hora, com os turistas querendo ver as
grandes mansões. Vou fazer um caminho mais longo, mas desimpedido. Você é novo na
cidade, não é?
— Sou. Cheguei ontem à noite. Estava inquieto, quando parei de trabalhar, e por
isso, em vez de ir dormir, resolvi correr um pouco. Tudo estava perfeito, o ar fresco, o dia
amanhecendo, até que... bum! ... minha vida toda mudou!
Janet apenas ouviu, sem fazer comentários. Seguiu por uma rua lateral até alcançar
a entrada do condomínio, onde havia uma tabuleta avisando que aquela era uma
propriedade particular e que a entrada era proibida a estranhos. Cruzou os portões altos
para seguir por um caminho sinuoso que subia a colina, em meio a uma farta vegetação.
Através dela, Janet podia ver nesgas do mar, lá embaixo. Fizeram várias curvas, até que

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o porto se tomou visível, brilhando sob o sol intenso. Vários barcos ancorados flutuavam
nas águas calmas. Janet abriu bem os olhos, encantada com a paisagem.
Lá embaixo estava o pedaço do porto de que mais gostava. E também a Gruta
Brenton, do outro lado da cidade, um lugar sossegado e bonito. Tinha as águas
profundas, mas muito tranqüilas, o que a fazia lembrar dos fiordes da Noruega, cheios de
paz.
Sobre a gruta apareciam as paredes imponentes do Forte Adams, com seus
canhões apontados para a boca da baía Narrangansett. Além do forte, a ponte de
Newport formava um arco gracioso contra o céu; sua leveza fazia um contraste bonito
com a pesada fortaleza. Era uma vista tão linda que ela quase perdeu o fôlego.
Janet olhou para o outro lado. Viu as casas que formavam o condomínio de Brenton
Heights. Era um conjunto harmonioso; o arquiteto havia aproveitado a beleza do lugar não
para agredi-la com construções exageradas, mas integrando-as na paisagem como se
elas fizessem parte do todo. Janet suspirou, encantada.
— Pode estacionar ali. — Ian apontou para um local cheio de árvores que
garantiam sombra para os carros. — Minha casa fica na esquina.
Janet fez como ele dizia. Depois desceu e o ajudou a sair do automóvel.
— Entre, Janet.
— Não, obrigada. Você precisa descansar e eu também tenho o que fazer.
Ian ergueu a cabeça e seus olhos não eram nada amigáveis.
— Não lhe fiz um convite. Foi uma ordem. Não terminei com você, ainda. Venha. —
E apontou para a porta.
Janet ficou assustada. O que Wykoff pretendia? Ela não sabia nada sobre ele e não
conseguia imaginar o que poderia fazer.
— Ligo para você mais tarde, se quiser.
Ian se inclinou para dentro do carro e, quando se endireitou, tinha as chaves na
mão. Olhou-a bem nos olhos e em seguida a boca se abriu num sorriso irônico.
— Se pensa que pode surgir na minha vida, atrapalhar tudo e depois sumir, está
muito enganada. Não é tão simples assim. Estou lá dentro, quando resolver falar comigo.
Ele se afastou, os cabelos cor de mel brilhando sob o sol de verão. Abriu a porta da
casa e sumiu lá dentro, deixando a entrada aberta para Janet.

CAPÍTULO II

Janet ficou parada, perplexa. Maldito homem! Mas... a culpa era dela, não era? Não
tinha agido bem e agora se via obrigada a arcar com as conseqüências. Precisava de
tempo para pensar, descobrir uma forma de se livrar daquela criatura fria e exigente.
Pensou, pensou... e acabou entrando na casa.
Seus olhos levaram algum tempo para se acostumar ao ambiente escuro. Mesmo
assim, pôde perceber o chão de madeira encerada, a mobília moderna, estofada em cor
clara, e os tons vibrantes de um tapete persa. Mas agora não era hora de se preocupar
com esses detalhes.
Olhou para a frente e viu que a sala terminava em portas de vidro, de onde se
descortinava uma paisagem perfeita: muito sol, o verde-esmeralda de um gramado bem
cuidado e, mais além, o mar azul.

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Contra a luz, viu a figura impressionante de Ian Wykoff, seus ombros largos, o perfil
marcante, uma lata de cerveja numa das mãos.
— Sente-se. Quer uma cerveja?
— Não, obrigada. E, se você está tomando comprimidos para a dor, não deveria
beber álcool.
— Obrigado por se preocupar comigo, mas uma cervejinha só não vai me fazer mal.
Sente-se. — E apontou para uma cadeira de encosto reto, junto à mesa.
Ela não teve outra saída, senão se acomodar.
— Vamos conversar, Janet. — Pegou um bloco e uma caneta e os entregou a ela.
— Escreva o nome de sua companhia de seguros e o endereço, se conseguir lembrar.
Janet mordeu os lábios, preocupada.
— Por que você quer saber isso?
— É óbvio, não? Não posso me livrar da dor e dos inconvenientes de ter o braço
quebrado e por isso pretendo me garantir. Vou processar sua companhia de seguros por
perdas e danos. Agora pare de falar e escreva o que lhe pedi.
— Eu... eu não tenho seguro!
— O quê? — Ian a observou por um instante para depois encostar a lata gelada nos
lábios. — Compreendo. Dirigir sem seguro é contra a lei, não é?
— Não. Pelo menos não em Rhode lsland. E eu nunca sofri ou provoquei um
acidente, em toda a minha vida.
Um riso indignado escapou dos lábios de Ian.
— Pois é, sempre há uma primeira vez. Bem, talvez não seja ilegal dirigir sem
seguro, mas concorda em que é uma coisa estúpida, não é? — Ele a observou, os olhos
duros como aço. — Acho que não tenho outra saída senão cobrar os prejuízos de você.
— Ian apertou a lata vazia nas mãos. — Tem certeza de que não quer uma cerveja? Vou
tomar outra.
— Não quero... isto é... aceito. — Ela mudou de ideia. Pelo menos teria como
ocupar as mãos nervosas.
Ian Wykoff colocou a lata entre as coxas fortes, puxou a alça, abriu-a e entregou a
Janete. Segurando o recipiente que ainda conservava o calor daquele homem, ela
estremeceu. Tomou um gole, descobriu que estava com sede e tomou mais um pouco.
— Muito bem, Janet. Agora pegue o bloco e faça uma descrição do acidente.
Mencione o local, a data, a velocidade em que estava, que não parou no sinal vermelho e
o que aconteceu em seguida. — Ian mantinha os olhos fixos nela, tal qual um gato
quando espreita um passarinho que quer devorar. — Depois assine.
Janet teve que pensar depressa. Sem aquela declaração, Ian não poderia fazer
nada contra ela. Seria apenas uma palavra contra outra. Deu mais um gole na cerveja,
procurando ganhar tempo. Seria um golpe sujo de sua parte, mas, afinal, tratava-se de
sua sobrevivência. Ian, sem dúvida, tinha mais condições de arcar com as despesas. Se
ela fizesse a declaração, estaria se comprometendo demais, seria como hipotecar sua
vida a, ele. Não devia assinar. Terminou de beber a cerveja e colocou a lata sobre a
mesa.
Ian apenas a observava. Também terminou a bebida e amassou a lata com
expressão distante, porém seus olhos não deixaram o rosto dela.
— Como é Janet? Não vai fazer o que lhe disse?
— Não. — Ela se levantou, com a intenção de ir embora.
Mas Ian foi mais rápido e agarrou-a pelos pulsos. Janet podia sentir o hálito quente e
a ameaça que havia naqueles olhos duros. Ele a pressionou tanto que se viu obrigada a
sentar de novo, os joelhos tremendo, os nervos abalados.
— Não se esqueça de três coisas muito importantes, Janet: o dia foi muito difícil
para mim, estou com os nervos à flor da pele e por isso me sinto a ponto de explodir.

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Além disso, ninguém sabe que você está aqui. — Ele continuou a segurar o pulso
delicado, mas seus dedos começaram a acariciar a pele sensível e macia.
— Você está querendo me assustar, não é? Pois não vai conseguir.
— Será mesmo? Eu diria que já estou conseguindo: seu pulso está acelerado.
Janet tentou se livrar, sem sucesso. Ian examinou-lhe a mão pequena com atenção
e reparou no anel de brilhantes que enfeitava o dedo anular.
— Você está noiva? Quem é o felizardo?
— Tenho certeza de que não o conhece. Ele não faz parte da sua raça.
— Minha raça? Essa é muito boa! Parece que está desesperada! Isso é ótimo! —
Os olhos se encontraram, os dele profundos e ameaçadores. — Preste atenção, Janet.
Se pretende voltar para casa, para os braços de seu amor, comece a escrever sua
declaração. — Largou-lhe a mão, mas permaneceu junto dela.
— E se eu não escrever?
Mãos fortes seguraram sua nuca e se entrelaçaram nos cabelos, forçando-a a
encará-lo. Janet sentiu um arrepio na espinha e se controlou para não inclinar a cabeça
para trás, seduzida pelo carinho inesperado.
— Se não fizer o que eu digo? — A voz de Ian era um murmúrio e seus dedos
começaram a acariciar o pescoço de Janet. — Estou muito cansado. Acho melhor
dormirmos e pensar nisso mais tarde.
— Dormirmos? Nós dois?
— Exatamente. Vou me compensar pelo que aconteceu, garota. De uma forma ou
de outra:
— Já não agüento mais essas ameaças!
— Então escreva o que eu lhe disse, doçura. Quero apenas que conte a verdade.
Sabe disso, não é? — Ian continuava a acariciar o pescoço esguio de Janet.
— Pare com isso!
— Então faça o que lhe pedi. — Ian deslizou a mão por dentro da blusa de Janet,
quase lhe alcançando os seios.
Ela tentou se levantar. Precisava se livrar daquele contato perturbador. Ian, no
entanto, não lhe deu chance. Pressionou-a para que continuasse sentada.
— Se você não parar logo com isso, vou gritar!
— Grite à vontade, doçura. A casa vizinha está vazia.
Ian encontrou o grampo que segurava os cabelos de Janet.
Soltou-o e o cabelo caiu sobre os ombros em ondas castanhas. Ela lutava contra as
lágrimas. Aquilo era uma loucura! Não podia estar acontecendo. Era um pesadelo! Ela
precisava acordar e suspirar aliviada.
Janet olhou para a porta de vidro, vendo o sol brilhar na paisagem. Lá fora estava o
mundo real, e não naquela sala escurecida, os dedos hipnóticos, o homem sensual e
atraente que queria dominá-la. Engoliu em seco, tentando manter o sangue-frio.
— Pare com isso, Ian. Vou começar a unhá-lo e a dar pontapés, até mesmo no seu
braço machucado. Não me obrigue a tomar atitudes extremas!
Ele se limitou a sorrir, pressionando-a ainda mais, segurando-a com mais força,
encostando-a contra o peito, apertando-a até que ela se sentiu sem fôlego.
— Posso dar conta de você mesmo com um só braço. Aproximou o rosto do dela e,
com extrema sensualidade, começou a lamber a orelha rosada.
— Por favor, pare com isso! Assino o tal papel! — Ela estava quase sem ar,
desesperada, as lágrimas transbordando dos olhos assustados.
— Que pena! Logo agora, que eu tinha mudado de ideia... — Os braços afrouxaram
a pressão.
Janet respirou fundo.
— O que deseja que eu escreva?
Ian libertou-a, mas permaneceu perto dela.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Muito bem. Escreva: "Na manhã do dia 8 de junho, eu, Janet Kinnane...
Ela mal reconhecia a própria letra. Estava tremida e o papel mostrava sinais de
lágrimas. Mesmo assim, foi escrevendo. Quando chegou no "eu", parou e escreveu "odeio
você!", em letras garrafais, para depois sublinhá-las com raiva. Pôs a caneta sobre a
mesa e tornou a sentir as mãos de Ian em seus ombros.
— Sei que você me odeia — ele murmurou com paciência. Pegou o bloco, arrancou
a folha e colocou-o de novo na frente de Janet. — Tente de novo. Tenho todo o tempo do
mundo e vários blocos à espera. Vamos... "Na manhã do dia..."
Ela desistiu e começou a escrever. Quando terminou, entregou-lhe o bloco, e Ian se
inclinou para ler o que estava escrito. Janet fechou os olhos.
— Está muito bom assim, doçura. Agora basta assinar e pode ir para casa.
Janet pegou a caneta e, com um suspiro, assinou a declaração. Ian pegou o bloco,
levando-o para um lugar seguro, antes que ela resolvesse destruí-lo. Depois voltou e
sentou-se a seu lado.
— Finalmente, tudo resolvido. — Os cabelos loiros cobriram os olhos cinzentos. —
A propósito, doçura, sabe escrever à máquina?
Janet se levantou de um salto. Se aquele homem pensava que ia continuar a
humilhá-la, estava muito errado.
— Você é... Oh! Odeio você! — Ela se afastou com pressa. Ian nem se mexeu, mas
sua voz fria a alcançou antes que chegasse à porta: — Janet, quer a chave de seu carro?
— Quero! — ela gritou, no auge da fúria.
Ele parecia extremamente calmo, com o sol batendo em seu cabelo revolto.
— Pegue-a na prateleira, do lado esquerdo da porta. Com tranqüilidade, continuou:
— Venha me ver amanhã, às dez, e eu lhe digo o que pretendo.
Então virou-lhe as costas e se encaminhou para as portas que se abriam para o
jardim.

CAPÍTULO III

Janet escovou os cabelos mais uma vez, para que eles caíssem brilhantes e
sedosos sobre seus ombros. Repartiu-os no meio e os prendeu de um lado com fivelas.
Viu-se no espelho. Tinha olheiras profundas e, embora as sardas leves lhe dessem um ar
de menina travessa, a aparência era cansada. Não dormia bem há mais de uma semana,
desde que o acidente tinha acontecido.
Depois de deixar Ian Wykoff, tinha ido para casa e dormira o dia todo, embora o
"descanso" fosse repleto de sonhos maus. Acordou com a certeza de que não ia aparecer
na casa de Wykoff no dia seguinte. Não ia se aproximar dele. Nunca mais. O homem era
positivamente perigoso, senão maluco.
Não fazia a menor ideia do que ele pretendia com sua declaração, mas não ficaria
por ali para ver. O jeito era fugir. Iria para a Grécia, nem que tivesse de nadar até lá. Junto
de Fred, tão calmo e sensato, e com o oceano a separá-la de Ian Wykoff, pensaria numa
forma legal de se defender contra a declaração assinada. O mais importante, no
momento, era fugir.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

Para isso, precisava de dinheiro. Já tinha devolvido a passagem para cobrir o


cheque do hospital, mas conservara a reserva na companhia aérea. Ia fazer o possível
para conseguir mais dinheiro para pagá-la. .
Não contava com o auxílio de ninguém. Os pais tinham se divorciado há pouco
tempo e o pai ficara sem dinheiro nenhum. A mãe, para se refazer do golpe, resolvera
viajar para longe do país, na companhia de amigos. Tinha que contar apenas consigo
mesma. Assim, só lhe restava o dinheiro do carro e de suas pinturas, que nunca tinha
pensado em vender.
Na véspera havia levado o carrinho a um comerciante de veículos usados. Ele lhe
oferecera uma ninharia, mas Janet nem discutiu: precisava do dinheiro. Depois voltou
para casa, retirou da parede seus quadros favoritos e os levou à galeria de arte de uma
amiga. Se tivesse sorte, os turistas que visitavam Newport nos fins de semana poderiam
se interessar pelas pinturas e ela teria o suficiente para ir à Grécia.
Janet suspirou. O dia anterior não havia sido fácil. Tivera medo de cruzar com Ian
Wykoff na pequena cidade, em que todos se encontravam junto ao comércio centralizado
à beira mar. Por sorte, não o tinha visto.
Janet foi até o armário, escolheu a roupa e vestiu um short e camiseta. Mais um dia
e, se conseguisse o dinheiro, estaria na Grécia, longe daqueles problemas todos antes
que Ian Wykoff conseguisse descobrir seu endereço pela chapa do carro.
Foi para a cozinha. Ia preparar um café. Nesse momento ouviu batidas leves na
porta.
— Telegrama! — uma voz anunciou do lado de fora.
De quem seria? Provavelmente de Fred.
— Já vou abrir. — Ela soltou o ferrolho e puxou a porta, mas, ao ver quem era,
imediatamente tentou fechá-la.
Ian Wykoff estava ali, com seu ar zombeteiro. Ele colocou o pé no batente e com
força acabou escancarando a porta, que bateu contra a parede.
— Bobinha! Não sei como conseguiu viver sozinha todo esse tempo!
— Saia daqui! — Janet se encostou na pia. — Saia ou chamo a polícia! Juro que
vou chamar! Saia!
Ian não se impressionou com a rude recepção. Entrou e sentou-se numa cadeira.
Desesperada, Janet pensou em como se livrar dele. Teria tempo de chamar a polícia
antes que ele a impedisse? Claro que não!
— Você está mesmo interessada em ver os guardas, Janet? — Tirou do bolso a
maldita declaração. — Ou já esqueceu isto? Aliás nem eu quero falar com eles. O prazo
para reclamações expirou ontem e não tomei nenhuma providência. No entanto, como
tenho uma confissão sua, talvez abram uma exceção. — Colocou o papel sobre a mesa.
— Esta cópia é para você. Tenho outras em casa e o original também.
Janet passou a mão pela testa suada, tentando pensar com calma.
— Você não presta, Ian Wykoff. Está sempre me ameaçando! O que quer de mim?
Por um instante, ele não disse nada. Apenas percorreu o corpo de Janet com o
olhar. Seguiu pelas pernas longas e bem torneadas que apareciam sob o short curto.
Subiu pelos quadris, alcançou a cintura e se deteve nos seios, cujos bicos apareciam
distintamente sob a camiseta justa. Janet sentiu o rosto em fogo, embaraçada diante
daquele exame tão minucioso. Levantou bem a cabeça, disposta a aceitar o desafio.
— Sempre sonhei em fazer chantagem com uma garota bonita — ele disse,
pensativo. Depois mudou para um tom mais animado: — Que tal me dar o café da
manhã? Já tentou quebrar um ovo e colocá-lo na frigideira apenas usando a mão
esquerda?
Janet sentiu pena do gigante loiro, que parecia tão desamparado. Foi até a
geladeira, pegou dois ovos e começou a prepará-los.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Tive muito azar, Ian. Poderia ter atropelado qualquer pessoa sem que isso me
atrapalhasse a vida, mas... tinha que ser você.
Ele se recostou na cadeira e comeu, deixando escapar um suspiro de satisfação.
— Estava delicioso, Janet. Me sinto um novo homem!
— Ainda bem. — Janet serviu-o de mais uma xícara de café. Estava apreensiva. O
que viria a seguir? — Como conseguiu me encontrar?
Ele tomou um gole de café.
— Hum... está ótimo! — Colocou açúcar na xícara usando a mão esquerda, com
movimentos desajeitados. — Tinha várias maneiras de encontrá-la, Janet. Levei algum
tempo para decidir qual delas usar.
— Várias maneiras? Quais, por exemplo?
— Bem, eu poderia ter ido a uma das muitas galerias de arte, perguntando por uma
garota de cabelos castanho-claros que gosta de pintar cenas marinhas. Quantas pessoas
se encaixariam nesta descrição?
Janet sabia que ele estava com a razão. Newport era relativamente pequena e todos
se conheciam.
— Ou... — Ian continuou — poderia ter ido à escola cujo adesivo você colocou no
vidro traseiro do seu carro. Sabe, Janet, para uma mulher que gosta de andar por aí
atropelando pessoas, você é muito ingênua. Lição número um: nunca deixe pistas.
Janet pegou as xícaras e as jogou na pia, com raiva. Aquele homem parecia
entender de tudo
— Pelo jeito, você não usou nenhuma dessas táticas, não foi? — Não... Na
verdade, comprei um mapa da cidade e procurei seu endereço, que descobri neste
cheque. — Mostrou um cheque que tinha voltado do banco, já microfilmado, que ela
havia dado à mercearia há mais de um mês. — Você não deve deixar seus extratos
bancários no carro, se permite que estranhos fiquem nele sozinhos.
— Seu... seu xereta! — Ela pegou o cheque e o amassou. Ian não se abalou.
Continuou sorrindo.

— Devemos ser observadores para conhecer as pessoas, Janet. Aliás, acabei


sabendo muita coisa sobre você. Pelo seu extrato, na semana passada só tinha nove
dólares no banco. E o cheque que deu para o hospital? Não tem medo que ele seja
devolvido por falta de fundos?
— Não.
— Onde arranjou o dinheiro para cobri-lo? Com o noivinho?
— Não é da sua conta! — Janet saiu da cozinha e foi para a sala. Quem sabe ele
não percebia que era melhor ir embora?
Ian a seguiu. Por um instante, ficou olhando para as paredes, os móveis, para ela.
— Vendeu seus quadros?
— Que quadros? — ela falou com raiva. Ele não podia saber tanto assim sobre sua
vida!
— Os que estavam pendurados nesta sala. Vejo que há seis pregos nas paredes.
Ele reparava em tudo? Nada escapava àqueles olhos sagazes?
— Também isso não é de sua conta. Basta saber que paguei a conta do hospital.
Ian continuou a examinar a sala, até que descobriu a foto de Fred sobre uma
mesinha.
— Então esse é o noivinho? Perdi o sono por nada!
— O que quer dizer com isso?
— Depois que você saiu de casa, no dia do acidente, fiquei atento a qualquer
barulho, porque imaginei que seu noivinho viria tomar satisfações e me dar um soco no
nariz.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Sua consciência deve estar bastante pesada para fazê-la pensar assim, não é
mesmo?
— Talvez, mas se você fosse minha noiva e alguém a tivesse tratado como eu fiz,
sem dúvida nenhuma iria tomar satisfações desse sujeito. — Os olhos cinzentos se
estreitaram. — Mas, acho que o noivinho é civilizado demais para esse tipo de reação,
não é? É assim que gosta dos homens? Civilizados, gentis?
— Você é insuportável! Não quero mais falar com você! Não agüento esse tipo de
conversa! É melhor dizer de uma vez o que quer e ir embora!
Ian chegou mais perto dela, os olhos fixos no rosto corado dela de raiva.
— Em primeiro lugar, quero pedir-lhe desculpas por ter sido rude. Não se faz isso
com uma garota adorável. Em segundo... preciso de sua ajuda.
— Não acredito em você, Ian Wykoff. Entra aqui usando subterfúgios, depois me
ameaça, me insulta, me deixa atemorizada, para depois dizer que precisa de minha
ajuda? Pensa que sou idiota? Ou você é completamente louco?
Ele se limitou a olhá-la e Janet se impressionou com aquele jeito atraente, mas ao
mesmo tempo selvagem e impiedoso. Era como estar diante de um leão, majestoso e
perigoso! Precisava pintá-lo! Há muito tempo não fazia retratos, mas aquela fisionomia
merecia a tentativa.
— O que quer de mim? Sei que errei ao atropelá-lo, mas o mal já está feito e não
tenho como corrigi-lo. Também não tenho um centavo para lhe dar.
Ian sentou-se no sofá, sem deixar de observá-la.
— Mas tem tempo, não tem? Você me atropelou numa quarta-feira de manhã. Ficou
parte do dia comigo e nem uma vez olhou para o relógio. Isso prova que não tinha outros
compromissos. Hoje é sexta-feira, são nove da manhã e você não está trabalhando. E se
encontrava em casa, ontem à noite. Sei disso porque passei por aqui e vi luz em sua
janela. Portanto, posso deduzir que deve ser uma professora em férias... ou estudante.
Opto pela primeira hipótese, porque você tem um ar de segurança próprio de quem está
acostumada a ensinar, a explicar. Quero apenas contar com seu tempo livre.
Janet tentou compreendê-lo, sem conseguir afastar a vista daquele rosto
impressionante. Tinha um pouco de receio; ele parecia ver através de sua pele e chegar à
sua alma.
— É melhor me dizer exatamente o que pretende, Ian.
— Sou escritor e... agora... não posso escrever. — Ele indicou o braço engessado.
— Preciso de uma secretária de alguém que possa datilografar meus textos.
Janet riu com vontade. Tanto drama para chegar a essa conclusão?
— Por que não disse antes? Posso alugar um gravador, dou um jeito de arranjar o
dinheiro. Depois encontro alguém que possa bater à máquina e...
Ian balançou a cabeça com raiva.
— Não consigo trabalhar dessa forma. Não posso simplesmente ditar! Preciso ver as
palavras na minha frente, relê-las uma dúzia de vezes, mudar uma aqui, outra ali. Preciso
me reportar ao que disse antes, de modo que a história não fique cheia de contradições.
Tenho que contar com uma pessoa que vá datilografando à medida que falo, para que eu
possa ver a ideia escrita, para mudá-la ou corrigi-la, conforme achar melhor. Preciso de
um par de mãos. Preciso de você!
— Não posso, Ian. Não vou estar aqui. Parto para a Grécia na semana que vem,
para me casar com Fred.
— É uma pena, mas terá que mudar seus planos, do mesmo jeito que mudou os
meus.
Janet se sentiu encurralada.
— Seja razoável. Podemos dar um jeito. Arranjo o dinheiro e você contrata uma
secretária...

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Quanto acha que vai custar uma secretária que fique comigo vinte e quatro horas
por dia? Acho que você não tem o suficiente para isso.
— Vinte e quatro horas por dia? Por quê?
Os olhos frios e inteligentes não se desviavam dos de Janet. — Começo a escrever
de manhã bem cedo, mas, se estiver inspirado, continuo o dia todo. Se não, saio para dar
umas voltas e me distrair, e muitas vezes avanço noite adentro. Acha que posso
depender do horário de uma secretária, ou ligar para ela de madrugada? Não! Preciso de
alguém em quem possa confiar, que esteja pronta a me atender quando for necessário.
Quero você.
— Nada disso! — ela respondeu, desesperada. — Não pode fazer isso comigo!
— Como não? Prefere que eu fale com meu advogado para processá-la por dirigir
sem seguro e atropelar uma vítima inocente, só porque resolveu cruzar a rua com o farol
vermelho? Vai perder a causa, terá que pagar as custas e uma gorda indenização para
mim. E, se você casar nesse meio tempo, vou dar um jeito para que seu noivinho gaste o
que tem e o que não tem. — A voz de Ian passou do tom exaltado para um murmúrio
rouco e insinuante. — Esta é a maneira civilizada como posso tratar do assunto. Pode
escolher. Ou aceita ou vou cuidar de tudo sozinho.
Janet se encostou na parede para se manter firme. Fechou os olhos, tentando
ignorar a presença dele, mas sabia que não tinha outra saída senão fazer como sua
"vítima" desejava.
Suspirou fundo. Sentia-se como uma criança na beirada de um trampolim, quando
não pode fazer mais nada senão se atirar na água.
— Está bem, Ian. Mas terá que me prometer duas coisas.
— O quê?
— Primeiro, que não vou morar em sua casa. Moramos a pouco mais de dois
quilômetros de distância e posso atendê-lo a qualquer hora do dia ou da noite. — Ela
estremeceu e cruzou os braços, num gesto de proteção. — Segundo, não quero mais
que me toque. Não gosto desse tipo de intimidades com pessoas que não conheço bem.
Ian ficou quieto por uns minutos, para depois responder com indiferença: — Não
creio que esteja em posição de exigir nada, Janet.
— Não vou ficar em sua casa, já disse.
Ele lhe examinou as faces coradas, notando a respiração agitada.
— Mas promete que larga tudo o que estiver fazendo, quando eu a chamar, seja
noite ou dia?
— Prometo.
— Então vamos tentar assim. — Ele ainda não parecia muito convencido.
— Você também promete que não vai me tocar, não é?
Ian ficou sério; somente os olhos mostravam sinais de zombaria.
— Só há uma coisa na qual estou realmente interessado Janet: quero acabar meu
livro. Preciso terminá-lo até o fim de agosto.
Ela baixou a cabeça, sem jeito.
— Se você me ajudar a terminá-lo, prometo que considerarei nossas contas
acertadas.
Ela ergueu o olhar para encontrá-la sorrindo.
— E você me devolve a declaração?
Ele concordou com um gesto de cabeça, o sorriso se tornando mais largo.
— Está combinado então, Ian. Quando começamos?
Num impulso, ele a segurou pelo braço.
— Quando começamos? Agora mesmo! Ontem até, se fosse possível. Vamos,
Janet.
— Espere um momento! Pelo menos me dê tempo de calçar os sapatos!
— Ande depressa!

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Janet foi até o quarto, colocou o jeans, sandálias e voltou correndo para junto dele.
Os dois voaram escada abaixo.

CAPÍTULO IV

— Você escreve histórias policiais! — Janet tirou o olhar da folha de papel na


máquina para fixá-lo em Ian. Tinha parado numa frase curta seguida de vários pontos de
exclamação.
Do outro lado do pátio, ele se virou para olhá-la.
— Histórias de mistério, é assim que são chamadas. Agora, se está pronta,
podemos começar.
Janet, que tinha se levantado para esticar o corpo, voltou a sentar-se com relutância.
O dia estava lindo demais para ficar atada à máquina de escrever. Não dava vontade de
trabalhar, principalmente porque Ian tinha colocado a escrivaninha num recanto do pátio,
com uma vista maravilhosa do mar e do porto. Agora mesmo podia ver vários barcos a
vela vagueando pelas águas calmas. Suspirou. Ia ser difícil passar o verão datilografando,
quando se encontrava num lugar com tanto espaço e liberdade.
— Pronta?
Janet concordou movendo a cabeça, tentando disfarçar um estremecimento. Não
podia deixar de tremer toda vez que Ian chegava perto. Estava sempre na expectativa de
sentir os dedos fortes ao redor de seu pescoço.
— "Ele ainda está quente." — A voz de Ian soava alto.
— O quê?
— Por favor, Janet, trate de escrever o que digo!
— Oh... — Ela procurou as teclas com dedos nervosos.
— Outro parágrafo. "O que esperava? Olhe para..."
Ian continuou ditando, enquanto andava pelo pátio: a voz se elevando acima do
barulho das ondas que quebravam na praia, ali perto.
Janet escrevia, procurando segui-lo, mas era como uma criança tentando
acompanhar os passos largos de um adulto.
— Como será que esta cidade... Não, Janet, não escreva Isto. Estou falando com
você!
— Como vou saber a diferença? — Aborrecida, ela riscou a última frase.
— Deve perceber pela minha entonação. Como esta cidade fica, durante o inverno?
— Por que quer saber?
— Porque, se continuar datilografando assim devagar, estaremos escrevendo este
livro em dezembro!
Ian se encostou na parede e a observou. De repente, começou a rir.
— Não fique tão assustada. Prometo que a deixo trabalhar dentro de casa a partir de
outubro. Poderemos encomendar bastante lenha e trabalhar perto da lareira. Talvez seja
até mais aconchegante.
— Se pretende que eu fique aqui até o Natal, pode ir mudando seus planos. Prefiro
amarrar a máquina de escrever no pescoço e me atirar de algum rochedo.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

Janet observou que ele continuava sorrindo. Com um gesto decidido, empurrou a
cadeira e ficou de pé.
— Hora de intervalo, Ian.
— Está bem — ele respondeu, aproximando-se da mesa para ler as folhas já
prontas.
Janet reparou nos ombros largos, nos cabelos dourados que caíam displicentes
sobre a testa. Depois atravessou as portas de vidro que levavam ao interior da casa,
fresca e convidativa.
Era sua primeira oportunidade de reparar no lugar. Quando chegara, naquela
manhã, Ian a levara imediatamente para o pátio. A sala era grande, em "L", e a de estar
dava para o terraço e para o pátio, onde tinham estado trabalhando. No canto do "L"
ficava a sala de jantar, em desnível, dois degraus abaixo.
A perna longa do "L" se estendia para a cozinha, o hall de entrada, o lavabo. Do hall
saía uma escada circular que levava ao andar de cima. A decoração era de muito bom
gosto, com os sofás cobertos de tecidos estampados em cor clara. A lareira ficava no
centro da sala de estar. Uma casa moderna, sem dúvida, e de alto padrão.
— Está com fome, Janet?
— Ainda não.
— Isso é bom, porque não tenho nada em casa. Temos que ir fazer compras.
— Temos? — Ele não podia esperar que ela também ficasse encarregada das
compras!
— Quer um refrigerante?
— Aceito.
Enquanto Ian ia buscar a bebida na cozinha, Janet aproveitou para olhar a sala. Viu
uma estante contendo vários livros de mistério. Numa das prateleiras havia uma foto
tirada na praia, onde Ian aparecia ao lado de uma garota muito sorridente. Estavam de
mãos dadas.
Janet estudou a foto. Eles pareciam muito felizes. Há quanto tempo teria sido tirada?
Difícil dizer. Talvez quatro ou cinco anos antes. Também era difícil determinar a idade da
moça. Vinte e poucos anos, talvez. Era loira, bem-feita de corpo, olhos brilhantes de
alegria.
— Essa é Mona — Ian explicou, aproximando-se. – Foi ela quem me fez entrar
nesta confusão.
Janet se virou e aceitou a garrafa de refrigerante.
— Confusão? Por quê?
— Compramos esta casa juntos. Começo a me perguntar se foi uma boa ideia.
— A casa é maravilhosa, perfeita!
— Mas as prestações são altas demais. Não vai ser fácil pagar. Por falar nisso,
vamos voltar para o trabalho?
— O que acontecerá, se você não terminar o livro até o fim de agosto?
— Está mesmo interessada em meus problemas?
— Claro! Se houve alguém que transtornou sua vida, esse alguém sou eu.
— Ainda bem que reconhece. Bem, a melhor maneira de me ajudar é recomeçar a
datilografar.
Janet sentou-se e se pôs a escrever o que ele dizia. Ian estava certo. Precisava
ajudá-lo porque tinha causado o acidente. Era o mínimo que podia fazer.
As horas passavam e os dedos dela ficavam cada vez mais doloridos. Mas a
companhia dele não era assim tão desagradável. No início, Ian lhe parecera violento e
ameaçador; mas não seria porque escrevia histórias de mistério, cheias de violência e
chantagens? Qual dos dois seria o verdadeiro Ian Wykoff? O aterrorizante vingador ou o
rapaz simpático e bem-humorado que se divertia ao causar medo? Como gostaria de
saber!

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— Puxa, Janet, como você é vagarosa! Não consegue escrever mais rápido? — Ele
estava junto da escrivaninha. — Estou a toda hora me confundindo, porque penso rápido
mas tenho que ditar devagar.
Janet massageou os dedos enrijecidos. Nunca tinha trabalhado tão depressa, nem
por tanto tempo seguido! Mesmo assim, aquele chato ainda não estava satisfeito!
— Não consigo fazer isso mais depressa. Se não está bom, é só avisar que largo
tudo. — Ela se levantou. — Da próxima vez que se atirar na frente de um carro, trate
primeiro de saber quais as qualificações do motorista. Assim...
— Quando eu me atirar na frente de um carro? — Ian não escondia a raiva. Você é
uma motorista irresponsável e ainda tem coragem de me dizer isso? Aliás, faz muito mal
em provocar a vítima na própria casa dela! Lembre-se de que posso ser perigoso!
Janet levantou o queixo para mostrar que não o temia. Ian sorriu, vendo-a corada.
— Está vermelha como um camarão. Será por causa da raiva ou ficou muito tempo
exposta ao sol? Vire-se. Deixe-me testar.
Janet obedeceu. Era mais fácil do que ficar criando caso. Ian levantou-lhe o rabo-de-
cavalo e passou os dedos na pele avermelhada da nuca.
— Sem dúvida, é queimado de sol.
— É mesmo? Mas não está doendo!
— Veja você mesma. No banheiro lá de cima há um espelho.
Tente enxergar sua nuca.
Janet subiu os degraus de dois em dois, contente por ter uma desculpa para se
afastar. A escada levava a um hall de mureta baixa, de onde se podia ver a sala de estar.
O lugar era largo, espaçoso, e Janet viu três portas. Curiosa, abriu uma delas. Dava
para um aposento pequeno, bem arrumado, mas com sinais evidentes de não ser usado.
Devia ser o quarto de hóspedes. Estava decorado em tons de azul e as cortinas leves
cobriam uma- porta de vidro que se abria para um terraço.
Tentou a porta do fundo e se encontrou num quarto grande, sem dúvida nenhuma, o
de Ian, A decoração era em tons de creme e bege, e a porta de vidro dava acesso a um
terraço que ficava exatamente sobre o pátio e, conseqüentemente, mostrava a vastidão
do mar.
Que vista maravilhosa! Janet se virou e viu a cama, colocada de tal maneira que,
dela, se podia ver o oceano azul. Sobre o colchão, grande e macio, havia várias
almofadas. Ela imaginou Ian deitado ali, criando seus livros. Num lugar magnífico como
aquele, ele devia era escrever histórias de amor, não de mistério!
Janet fechou a porta e tentou outra. Dessa vez acertou: o banheiro era ali. Olhou-se
no espelho e levou um susto. Não sentia a pele arder, mas seu rosto estava rosado e a
ponta do nariz vermelha como um camarão. Estaria assim também nas costas?
Olhou ao redor para descobrir um espelho de mão. Seus olhos notaram um brilho de
prata: ei-lo. Pegou o objeto e se encantou com sua delicadeza. No cabo, em letras
pequenas, leu o nome "Mona". O objeto combinava com sua dona, loira e bonita.
Janet reparou no pescoço. Que horror! Também estava vermelho! Soltou o cabelo.
Pelo menos estaria mais protegida e poderia esconder um pouco as marcas de sol.
Guardou o espelho e voltou ao hall.
— Janet!
Ela se inclinou na mureta e viu Ian sentado no sofá. Apesar do braço engessado, ele
não perdia o charme. Era o tipo perfeito do homem encantador.
— Quer alguma coisa daqui de cima?
— Não.
— Então por que me chamou? Não está bem?
— Venha logo. Estou morrendo de fome. Precisamos comprar alguma coisa. Não
consigo trabalhar de estômago vazio. Ela desceu devagar até ficar na frente dele.
— Prometi ajudá-lo como datilógrafa, mas não me comprometi a fazer compras.

19
Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

Ian não tirava os olhos dela.


— Gosto de seu cabelo solto, Janet.
Ela ignorou o elogio.
— Compras não fazem parte do nosso trato.
— Combinamos que viria me ajudar no que eu não pudesse fazer sozinho devido ao
acidente que causou. — Ian mostrou o gesso. — Como vê, não posso estender o braço.
Como espera que eu dirija?
— Não tinha pensado nisso. Desculpe. Mas, infelizmente, vendi meu carro e...
— Não tem importância. Acha mesmo que eu iria entrar de novo naquele carro que
nem ao menos tinha seguro?
— Ora... eu gostava muito dele!
— Mas, já que não o tem mais, vai dirigir o meu. Venha. Saíram pela porta da
cozinha e entraram na garagem.
— Não posso dirigir isso! Deve estar brincando! – Janet estava diante de um antigo
carro esporte verde-esmeralda, que brilhava.
— Vai ter que guiar, doçura. Não sabe que o comprei apenas para combinar com
seus olhos? Trate-o com carinho, se quiser que ele goste de você.
Janet se aproximou. Tinha a estranha impressão de que ia meter os pés pelas mãos
e causar sérios transtornos. Chegou junto da porta e abriu-a.
— Que beleza, Janet! Parece que ele gostou de você! – Ian ria com vontade.
— Lembrou de avisar os médicos que bateu a cabeça quando o atingi? Quem sabe
eles devessem lhe dar um remédio para dominar essa imaginação demasiadamente
fértil...
— Não há remédio que possa curar meus males, doçura. Venha. Vamos entrar.
Janet se acomodou atrás da direção. Aquele carro era todo masculino, grande,
funcional. O assento macio envolveu seu corpo pequeno. Ela olhou para o painel.
— O que é aquilo? — Apontou para um mostrador redondo.
— Não reconhece o tacômetro?
Tinha isso em seu modesto carrinho? Nem ia perguntar para que servia. Estendeu
os pés para os pedais e não os alcançou o banco estava longe demais.
— Preciso ajustar o banco. Onde fica a trava?
— Não sei. Desde que comprei o carro, nunca mexi nela. Terá que achar sozinha.
— Só você dirige esse carro?
— Só eu, até agora. Você é a segunda pessoa a dirigi-lo.
Isso pareceu muito significativo para ela, embora Janet não pudesse adivinhar por
quê. Inclinou-se até encontrar a trava e colocou o assento para a frente. Tentou então as
marchas, para se acostumar.
— A marcha à ré fica aqui — Ian explicou, usando a mão esquerda. — Agora é só
tirar o carro da garagem e podemos ir. Tome as chaves.
Janet procurou a ignição, mas não encontrou nada. Ian estaria brincando com ela?
Olhou-o, em dúvida.
— Fica do outro lado, doçura.
Ela voltou a procurar e acabou encontrando. Que ideia mais boba, colocar a ignição
do lado esquerdo da direção! Deu a partida e o motor funcionou, com um barulho macio e
suave. Janet colocou a marcha à ré e soltou a embreagem. O carro deu um pulo para trás
e depois morreu.
— Droga! — Ela ficou sem jeito.
— Tente de novo, doçura, e dessa vez vá mais devagar.
Aperte o acelerador e solte a embreagem com calma.
— Está bem, mas não me chame mais de doçura!

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— Sei que não é doce, Janet, mas, se eu a chamasse de azeda, ia ficar zangada,
não é verdade? — Ian se encostou no assento, decidido a ser paciente. — Janet se
concentrou em dirigir para saírem dali, precisava subir. Não ia ser fácil!
— Tente de novo, doçura.
Janet deu partida e apertou o acelerador; os pneus guincharam e o carro saiu para o
sol, subindo a rampa com força para morrer no terreno plano.
— Meu Deus! — Ian segurou-se no banco. Janet o encarou, desafiando-o a fazer
comentários. Ai dele, se dissesse uma palavra que fosse!
— Ponha a primeira. Vai sair mais macio — Ele disse. Janet compreendeu que
tinha feito tudo aquilo em terceira.
Mordeu os lábios e seguiu as instruções. O carro deslizou suavemente, até alcançar
a estrada principal.
— Tenho seguro total, Janet, mas tome cuidado para não ultrapassar faróis
vermelhos, está bem?
Ela não respondeu. Estava deliciada com a maciez do carro. Levou-a pela estrada
até alcançar o centro da cidade. Encontrou uma vaga na frente do supermercado e
estacionou, prestando atenção para não riscar as laterais.
— Nada mau, não é? — perguntou, com orgulho, ao parar. Ian a encarou e sorriu.
Olhou para trás e viu que, uma rampa bem inclinada.
— Nada mau para a primeira vez. Ainda bem que não encontrou nenhum pedestre
tentando fazer seu cooper, senão...
— Não diga isso! Eu... — Janet compreendeu que ele estava brincando e sorriu
também.
— Venha, vamos comprar coisas gostosas. Não agüento mais de fome.
Ela desceu entusiasmada, mas logo seu sorriso desapareceu. Newport inteira ia
àquele supermercado! E se a vissem ali com Ian? Todos sabiam que ela ia se casar com
Fred em pouco tempo. Parou, sentindo a mão de Ian em seu braço. Estava tudo errado!
Não queria fazer compras com ele! Queria ficar longe e por isso parou abruptamente.
— O que aconteceu, Janet?
— Eu... preciso comprar umas coisinhas na farmácia. Vá fazer suas compras.
Depois nos encontramos no carro.
— Não. Vá procurar o que precisa e depois me encontra no supermercado. Terá que
me ajudar com os pacotes. — Ele se, adiantou e entrou na loja.
Janet foi até a farmácia. Diante dos xampus e cremes, começou a raciocinar. Que
estupidez! Por que tinha entrado em pânico? Não havia motivos para isso. Fred.
Precisava mandar um telegrama, avisando-o de que não podia viajar! Àquela altura, ele
devia estar achando que a noiva se arrependera e fugira do casamento! Ela precisava
cumprir sua promessa a Ian e depois juntar o suficiente para pagar a passagem.
Pagar a passagem? Isso a levava a pensar no assunto dinheiro, tão vital naquele
momento. Não tinha conseguido muito com a venda do carrinho, só o suficiente para
sobreviver durante um mês e para comprar tintas. Se pintasse, teria quadros para vender,
pois os turistas que visitavam Newport no verão sempre se interessavam por cenas
marinhas.
Mas por acaso Ian lhe deixaria algum tempo livre para pintar? Ele a mantivera
ocupada o dia todo! Bem, claro que não poderia escrever todos os minutos do dia.
Haveriam de sobrar algumas horas para que ela pudesse se dedicar ao trabalho de que
mais gostava na vida.
Bem, melhor de tudo era deixar Ian contente, por que um patrão feliz se mostra
magnânimo. Tinha que ter paciência durante três meses ou até que o livro ficasse pronto.
Depois ele a deixaria livre. Podia agüentar até lá.
Saiu depressa da farmácia e encontrou Ian na seção de bolachas. Parou ao lado
dele.

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— Encontrou o que queria, Janet?


— Sim, encontrei.
Ele observou suas mãos vazias e riu.
— Encontrou mesmo?
— Comprei batom — ela mentiu. Essa desculpa servia, por que poderia ter
guardado o tubinho no bolso do Jeans. Ian voltou a atenção para as bolachas.
— Pode trazer o carrinho até aqui, Janet? — Colocou mais três pacotes de biscoitos
junto das outras compras, para depois pegar mais dois de outra marca.
— Não é muita bolacha, Ian?
— Não. Vou guardar e assim não preciso ficar perdendo tempo em compras. Prefiro
passar o dia escrevendo. Pode empurrar o carrinho?
— Claro.
Percorreram outros corredores. Ele ia colocando coisas no carrinho já cheio.
Enquanto isso, olhava para as pessoas que estavam no supermercado, prestando
atenção ao que elas faziam, em suas atitudes e expressões.
— Ian assim você vai deixar os outros sem jeito! Sua mãe não lhe ensinou que é feio
fitar as pessoas dessa maneira?
— Não conheci minha mãe. Sou órfão.
— Oh! Sinto muito!
Ele riu com gosto.
— Estou mentindo, doçura. Não ligue para o que digo. Estou com tanta fome que
falo bobagens. Aliás, não é só a fome. Há também uma certa garota de cabelo castanho e
olhos muito verdes que acredita em tudo o que falo!
— Você é impossível! Está bem. Então responda a verdade, agora. Por que fixa o
olhar nas pessoas?
— Sou um escritor, já esqueceu? De onde pensa que tiro inspiração para meus
personagens? Aliás, no livro que estou escrevendo, preciso definir a heroína. Penso fazê-
la com cabelo longo e castanho como uma cortina de seda. — Pegou uma mecha do
cabelo dela e enrolou-a nos dedos, para depois soltá-la.
— Você não ousaria! Não pode me colocar em seu livro!
-Tente me deter.
— Simples: eu não datilografo, e pronto! Mudo tudo o que você ditar.
— Já pensou no problema que eu teria depois, para achar, as frases que precisaria
trocar? — E riu, com gosto. — Venha, Janet, me ajude a escolher a carne para fazermos
churrasco.
— Que diferença faz a minha opinião?
— Estou lhe pedindo conselhos, já que é uma dona-de-casa. Que tipo de carne
compraria para seu noivinho?
Janet respirou fundo. Não gostava quando Ian se referia daquele modo a Fred. Mas
ia agüentar firme. Tornou a respirar, mais fundo ainda.
— Vamos escolher no balcão, para ver qual está melhor. Normalmente, não compro
carne, porque é bastante cara e tem muita toxina. Já esqueceu que sou professora e por
isso não tenho um salário alto?
— Gosta de ensinar, Janet?
— Não é o que mais gosto de fazer.
— O que prefere então?
— Pintar.
— Gostaria de ver seus trabalhos.
— Vai ver, sim, e talvez mais cedo do que pensa. — Ela já se imaginava pintando
as cenas marinhas do pátio da cada de Ian.
Chegaram ao balcão das carnes. Ele separou vários pacotes, que foi colocando no
carrinho já repleto.

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— Não acha que chega, Ian? Tem um freezer para pôr tudo isso?
— Tenho, sim.
— Então peça ao balconista que lhe corte a carne em pedaços menores. Não vai
conseguir fazer nada, apenas com a mão esquerda. .
— Sei o que estou fazendo, Janet. Vou levar mais essa, aquela e também as
costeletas. Agora só nos faltam as verduras e as frutas.
Ele separou uma porção de vegetais e também frutas variadas. Ali perto, na seção
de plantas, Janet encontrou um vaso de begônias. Pegou-o e levou-o para Ian.
— Precisa disto também.
— Podem-se cozinhar as folhas?
— Bobo! Lembrei que não tem nenhuma planta em sua casa. Esta poderia ser a
primeira, depois você consegue outras.
— Não tenho jeito com plantas e Mona também não. E também é bobagem deixá-
las na casa, meus inquilinos vão acabar estragando-as.
Janet recolocou o vaso no lugar, sentindo-se inexplicavelmente triste.
— Inquilinos?
— Sim. Só vou passar o verão aqui. Pretenda alugar a casa no inverno. Não gosto
do frio. — Pegou de novo o vaso.
— Vamos levar a begônia, mas você tem que prometer que vai cuidar dela, pôr água
quando precisar, arranjar o lugar certa para que ela floresça. Ela é sua, Janet, mas vai
emprestá-la para mim até setembro. Está bem?
— Ótima — ela concordou, alegre.
— Encontrou cenouras par aí? Não passo sem elas.
— Aqui.
Ainda separaram mais algumas coisas. Janet estava feliz. Seria mais fácil conviver
com Ian se não criasse caso. Já que tinha de cumprir sua parte no acordo, por que não
tornar esse tempo de trabalho com ele o melhor passível.
Quando se virou para colocar os pepinos no carrinho, viu-se quase grudada em Ian,
as costas muito juntas, os narizes quase se tocando.
— Seu novinho já lhe disse que seus olhos ficam ainda mais verdes, quando está
contente?
Janet corou intensamente. Calma, ela se aconselhou. Se conseguia dar conta de
uma classe com quinze diabinhos, poderia também lidar com um adulto insuportável.
— Não, Ian, acha que ele nunca fez um comentário assim.
— É mesmo? Pois perdeu uma oportunidade de ser amável e sincero. Venha,
vamos comprar sorvete. De qual gasta mais? Morango?
— Na verdade, prefiro de nozes. Mas que diferença isso faz?
Ian não disse nada, mas separou vários pacotes de sorvete de morangos e de
nozes.
Voltaram no mais completo silêncio. Os olhos de Ian brilhavam, quando
encontravam algum corredor solitário, mas seus lábios se apertavam, ao ouvir a marcha
arranhar ao ser trocada. Mesmo assim, permaneceu quieto.
Janet baixou o vidro e deixou que a brisa fresca soprasse em seus cabelos. Estava
cansada e com fome. Ajudaria Ian a guardar as compras e depois iria embora. Já tinha
cumprido seu dever, naquele dia.
O crepúsculo envolvia a bela paisagem. Além do Forte, o poente mostrava tons
róseos que prometiam bom tempo para o dia seguinte. Os prédios junto do mar se
cobriam de sombras quase não se podia distingui-los direito.
Janet parou junto à porta da casa. Ian desceu com as compras e ela foi colocar o
carro na garagem. Ao voltar, ainda deu uma última olhada para o porto, para a ponte que
se recortava contra o céu pálido. Suspirou, encantada com tanta beleza. Depois, entrou
na casa.

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Ian já tinha levado os pacotes para a cozinha. Estava de costas para Janet, a
cabeça inclinada, mexendo com cubos de gelo. Ele se voltou e estendeu-lhe um copo.
— Para você, doçura. Foi um longo dia!
Janet aceitou a bebida.
— Obrigada.
— Gosta de gim-tônica, espero. — Ian se aproximou.
Ela deu um gole na bebida gelada. Estava deliciosa! No ponto certo! Tomaria o
aperitivo e iria embora.
— Quer que eu guarde os mantimentos?
— Faço isso depois que preparar o fogo. Por que você não prepara a salada?
O quê? Ian esperava que ela ficasse para jantar? Nada disso!
— Não vou jantar aqui — ela explicou com calma. Já era mais do que tempo de
traçar uma linha divisória entre o trabalho e sua vida particular, embora o fato de terem
feito compras juntos tivesse confundido um pouco as coisas.
— Claro que vai ficar! Eu a fiz trabalhar demais, hoje, e agora é muito justo que a
alimente. — E se afastou, dando o assunto por encerrado.
— Não vou ficar. Posso comer em casa, mais tarde. – Ela deu um último gole na
bebida e colocou o copo sobre a pia.
Ian estava fora, preparando o braseiro. Voltou para a cozinha, depois de acendê-lo.
— Você me deu café da manhã. Por que não posso lhe oferecer o jantar?
— Eu não lhe dei nada. Se bem me recordo, você exigiu. Usou de chantagem
emocional comigo, está lembrado?
— Está bem, está bem. Eu exigi. Por isso, agora você vai aceitar o que posso lhe
dar.
— Não vou não!
Por um instante, os dois se olharam em silêncio, sem poderem se afastar.
— Sabe, Janet, quando você me observa com essa expressão de desafio, está se
arriscando muito. Não poderei responder por meus atos. — A sombra de um sorriso
abrandou a expressão séria.
— Você me acha... perigosa?
— Muito. Já me arrisquei demais com você. Não basta estar com o braço
engessado? — Ele riu, agora abertamente. Parece que estamos brigando pelo último bife
do mundo! Tem certeza de que não quer mesmo jantar comigo?
— Absoluta! Obrigada. — Ela sorriu para tornar mais leve a recusa.
— Está bem. Então sente-se. Não vai levar muito tempo para ficar pronto. — Ian
concentrou sua atenção no que tinha que levar para a churrasqueira.
— Ei! Já lhe disse que não vou ficar!
— Sei disso. Já sei que não quer comer, mas preciso que corte meu bife, entende?
Janet ficou parada, sem saber o que dizer. Depois olhou as compras que tinham
feito no supermercado. Tudo ali precisaria ser preparado, e provavelmente Ian contava
com ela.
Bem, não podia perder a calma e o bom humor.
— Você tem máquina de moer carne?
— Por quê?
— Vou lhe preparar um prato diferente: shish-kebabs.
Tinha encontrado a solução. Ia moer toda a carne, prepará-la, deixá-la no forno e
depois poderia ir embora.
— Janet, pegue outra bebida e sente-se. Assim que eu puser a carne no fogo, vou
fazer minha salada. Prometo que poderá ir embora numa hora e meia. Está bem? Agora
saia do meu caminho, senão posso atropelá-la! — Ele riu.
Janet chegou junto da janela e começou a contar baixinho.

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Contou até dez. Continuava furiosa. Até vinte. Ainda estava com vontade de socá-lo.
A brisa marinha balançava seus cabelos e refrescava suas faces ardentes. Ficou olhando
para fora até sentir-se melhor. Mais calma, olhou para Ian, que tentava cortar um pepino
em rodelas usando somente a mão esquerda. Suspirou, conformada.
— Deixe que eu faço. — Aproximou-se e pegou a faca. — Enquanto você cuida da
salada, vou preparar as bebidas. Até já.
— Quer mais vinho? — Ian levantou a garrafa para servi-la.
— Já tomei bastante, obrigada.
Janet afastou o prato e se recostou na cadeira. Estava sonolenta, depois de comer
tão bem e tomar o vinho gelado e saboroso. O jantar tinha sido perfeito; a conversa,
interessante.
— Então vamos para a sala. Poderemos tomar café junto da lareira.
Janet se enroscou no sofá e Ian se acomodou a seu lado. A lareira, que ele havia
acendido pouco antes do jantar, agora crepitava, enviando chamas altas e irregulares
pela chaminé.
— Sua casa é muito boa, Ian. Como a encontrou?
— Foi proeza de Mona. Eu queria apenas alugar uma casa para passar o verão.
Gosto de, escrever meus livros no local onde acontece a ação. Mona sugeriu que
comprássemos uma, que eu a usasse enquanto fosse necessário e que depois
poderíamos alugá-la e ganhar algum dinheiro com isso. Ela tem boas ideias, quando se
trata de imóveis. Portanto, fiquei convencido e... aqui estou.
Janet se perguntou onde andaria a loira que o tinha levado a comprar aquele
paraíso.
— Onde Mona está agora?
— Na Europa, aproveitando a vida e destruindo corações.
— Ian olhou para o fogo e voltou a encarar Janet. — E o noivinho? Também
procura se distrair na Grécia?
Ela não gostou do tom zombeteiro.
— Fred é supervisor-assistente numa escavação arqueológica. Está a serviço de
uma universidade e serve de guia aos melhores alunos. Ele sempre vai para a Grécia, no
verão. — Ela colocou a xícara de café sobre a mesinha. — É melhor eu ir andando.
— Espere mais um minuto. Termino meu café e posso acompanhá-la.
— Não é preciso. As ruas são bastante seguras. Não corro perigo nenhum, se for
sozinha.
— Elas só ficam perigosas ao amanhecer, não é? Principalmente para corredores
incautos.
— Você é impossível, Ian! Será que nunca vai esquecer?
Ele balançou a cabeça, rindo.
— Nunca perdoe nem esqueça, este é o meu lema. Mas... se está mesmo disposta
a me ajudar, há alguma coisa que poderia fazer.
— O quê?
— Me ajude a tirar esta tipóia. Meu pescoço está doendo!
— Sentou-se no chão e encostou-se no sofá, para facilitar os movimentos dela. Em
seguida Inclinou a cabeça.
Janet reparou no pescoço e nos ombros largos. Eles davam uma impressão de
solidez, força e elasticidade. Por que Ian a fazia lembrar de Jack? Eles nem eram
parecidos!
— Quer que eu desfaça o nó?
— É melhor apenas tirar a tipóia, puxando-a pela cabeça.
Se a desatar, amanhã não poderei colocá-la, não é?
— Está bem.

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Janet levantou a tipóia, que estava pesada, engessado. Colocou os pés do lado do
corpo melhor apoio.
— Pronto. Agora abaixe bem a cabeça que eu tiro. — Segurou firme, e Ian fez o
que ela pediu.
— Ah! Que alívio! — Ele esticou o corpo, gemendo baixinho de satisfação. Rodou a
cabeça, sentindo-a livre de novo. — Obrigado, doçura. — Esfregou o pescoço, que
estava marcado. — Está muito melhor assim!
— Dói?
— Um pouco.
— Que pena!
Instintivamente, Janet esticou os braços e colocou as mãos sobre a nunca
enrijecida. Com movimentos leves mas firmes, massageou-lhe o pescoço e os ombros.
Suspirando, ele se deixou ficar entre os dedos carinhosos que lhe traziam alívio e
satisfação. Janet sentiu um calor estranho subir por suas mãos, espalhando-se por seus
braços e tomando devido ao braço de Ian, para ter conta de seu corpo, como se fosse
uma onda de febre. Tocava-lhe os músculos e o cabelo cor de trigo que terminava, curto e
macio, na nuca. Era bom, muito bom!
De repente, parou e abriu os olhos, espantada. O que estava fazendo?
Ian virou-se e perguntou: — O que aconteceu, doçura? Esperava massagear a nuca
de um homem e não sentir nada? Ou não causar nada? — Um sorriso leve lhe iluminava
o rosto.
Ele chegou mais perto de Janet e, com sua mão livre, pegou mechas dos cabelos
longos e castanhos, examinando-os por um instante. Em seguida afagou-lhe a cabeça
toda, enquanto o polegar acariciava as têmporas.
Janet não conseguia escapar daquela sensação de calor, de languidez, de arrepios
que, como doidos, percorriam sua espinha.
— Janet...
Ela estava quase hipnotizada, os olhos semicerrados, envolvida pelo romantismo do
ambiente.
— Janet... você vai ficar aqui esta noite, não é?
Ela piscou, tentando quebrar a magia.
— Por quê?
Ian riu baixinho e levou a cabeça dela para trás, enquanto se inclinava. Parou
quando seus lábios estavam quase unidos.
— Por quê? Porque vai ser divertido. Assim como foi nosso dia, doçura.
Vencidos os últimos centímetros, seus lábios se encontraram. Os dele, suaves e
gentis, percorrendo o contorno da boca de Janet, explorando-a, acariciando-a,
despertando-a para a paixão.
Janet podia sentir o hálito morno de Ian em suas faces, a pressão firme de seu beijo.
O calor se irradiou por todo seu corpo, atingindo os seios, o estômago, um ponto
indefinível dentro de seu ser.
Ele a apertava cada vez mais contra seu corpo, os lábios conhecendo os segredos
da boca entreaberta que o recebia com gosto. O beijo se tornou mais exigente, mais
sensual, mais tentador...
Janet abriu os olhos, assustada consigo mesma. Viu os cabelos dourados de Ian, a
expressão de total enlevo, os olhos de aço acesos pela chama do desejo. Suspirou de
prazer, e ele a beijou com mais ardor.
A consciência de Janet mandava que ela parasse. Ela se esforçou, mudou a posição
da cabeça, mas Ian acompanhou seus movimentos, dando um novo ritmo ao beijo, um
vaivém que os deixava ainda mais juntos e desnorteados.
Tonta, ela abriu os olhos. Tinha que parar! Se continuasse assim por mais algum
tempo, seria tarde demais! Baixou as mãos que acariciavam os cabelos loiros e macios

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para descê-las até o peito largo e forçá-lo a soltá-la. Sob a camisa, podia sentir o coração
dele pulsando no mesmo ritmo alucinado do seu. Empurrou-o, mas, ao contrário do que
esperava, não a apertou ainda mais. Janet empurrou-o de novo.
Por um instante, os lábios de Ian pararam sobre os dela. Depois, devagar, ele abriu
os olhos, como se despertasse de um sonho. Lutando contra a vontade de voltar a
abraçá-lo, Janet o empurrou mais uma vez.
Ele suspirou, terminou o beijo com uma gentileza extrema e encostou o queixo na
testa de Janet. Seu braço descansava ao redor da cintura fina.
— Divertir-se não é uma razão bastante forte para você ficar, não é? — Ele ainda
tinha a voz rouca.
Janet não conseguia encontrar forças para falar. Apenas balançou a cabeça,
confirmando. Realmente, para ela... não bastava ser divertido.
— Motivos! — Ian não tirava a mão da cintura dela. Por que sempre se precisa de
um motivo? Talvez, se eu dissesse que a amo com loucura... Mas você acreditaria? Janet
sorriu. Tinha que admitir que Ian era dono de um ótimo senso de humor!
— Ou, quem sabe, eu deveria ter dito que você precisa ficar por que pretendo
escrever à noite... Mas não quero mentir para você. — Ele tentou se aproximar, mas
Janet escapou com facilidade. — Estou apressando as coisas, não é? É muito cedo...
— Não, Ian. É exatamente o contrário. É muito tarde. — Ainda não é nem meia-
noite!
— Você sabe que não foi nesse sentido que falei. Ele a observou por um instante. —
Está bem, Janet. É tarde. Vou levá-la para casa.
— Não é preciso.
— Faço questão. Pegue suas coisas e vamos.
— E sua tipóia?
Janet não desejava que aquele dia tão delicioso acabasse desse jeito. Tudo tinha
corrido tão bem! Mas... o que Ian esperava? Que ela corresse para a cama dele ao
primeiro convite? É assim que agia com as mulheres? Provavelmente! Bem... ela tivera
experiências com homens desse tipo e não havia gostado nem um pouco. As outras que
se arriscassem, ela não.
Ian pegou a tipóia e começou a colocá-la. Imediatamente Janet o ajudou.
Saíram para a rua calma e silenciosa, cada um imerso nos próprios pensamentos.
Seus braços se tocavam enquanto andavam, mas Ian não tentou segurá-la.
O que tinha acontecido naquela casa? Que impulso estranho a havia atirado aos
braços daquele homem? O ambiente acolhedor, com as chamas da lareira dançando na
escuridão? O vinho? O charme de Ian? Janet não saberia dizer. Só sabia que tudo tinha
acontecido como num sonho. Não devia se sentir culpada pelo que acontecera, porque é
bobagem lastimar o que ocorre num sonho. E o beijo embriagador, a sensação de desejo
e paz que sentira nos braços de Ian não tinham passado de miragem. O melhor era
esquecer tudo, 'porque não ia acontecer novamente.
Nesse momento, ele a segurou pelo braço, para atravessar a rua. Um carro passou,
a luz do farol mudou e eles continuaram a andar. Assim que chegaram à outra calçada,
Ian a soltou.
Continuaram caminhando lado a lado. No cruzamento seguinte, ele passou o braço
pela cintura dela e não o retirou mais. Janet, no entanto, se afastou e ele a compreendeu.
Era estranho! Ian não levava a sério o relacionamento que tinha com a garota da
foto, Mona? Talvez, mas Janet se sentia comprometida com Fred e não ia deixar que
nada estragasse a lealdade que devia ao noivo. Não ia atrapalhar tudo só por uma noite
"divertida".
Viraram à direita e pouco depois paravam diante da casa de Janet.
— Obrigada, Ian... — Ela estendeu a mão para dizer boa noite, mas ele já tinha
entrado no jardim e subia os degraus do terraço.

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Janet suspirou. Muito bem, ele podia acompanhá-la até a porta. Pegou a chave na
bolsa.
— Obrigada por ter me trazido e...
— Vamos ver se não há nenhum intruso aí dentro. Por que não tranca a porta
quando sai? — Ele já tinha virado a maçaneta e a porta se abrira. .
— Há anos que essa porta não é fechada. Desde que a casa foi reformada e
dividida em dois apartamentos, não há necessidade de trancá-la. Na verdade, minha
entrada fica lá em cima.
— Quem mora aqui no térreo?
— Atualmente, ninguém. Pouco antes de eu comprar a casa, essa parte ficou
danificada por um incêndio e ainda não foi reformada.
Janet tentou se despedir, mas Ian já tinha entrado e a esperava junto à escada.
— Boa noite — Janet falou com decisão, para pôr um fim naquilo.
Ele não insistiu. Sabia quando devia parar.
— Vejo você amanhã, às oito e meia.
— É muito cedo! Preciso fazer umas compras e...
— Gosto de começar a escrever de manhã, e isso faz parte de nosso trato, certo?
Concordou em que estaria livre, quando eu a chamasse... dia e noite. — Passou o dedo,
muito de leve, nas faces dela. — Boa noite, doçura. Eu a vejo amanhã, às oito e meia. —
Saiu do hall e fechou a porta.
Janet ficou parada na base da escada, na cabeça um turbilhão de ideias. Agora
sabia por que Ian a fazia lembrar de Jack. Na verdade, ele não era nada parecido com
seu primeiro amor, que a havia enganado tão cruelmente. O que o tornava parecido com
Jack era o sentimento que ela nutria. De alguma forma, Ian a tinha tocado nos mesmos
pontos sensíveis, alcançando a profundeza de sua alma.
E Fred?
Não passara da superfície.

CAPÍTULO V

— "E a escuridão o envolveu como um manto de esquecimento, colocado


carinhosamente em seus ombros."
Ian parou de falar e Janet colocou as mãos no colo. Pela entonação, tinha percebido
que o capítulo terminara. Estremeceu, ainda emocionada.
— Oh, que lindo, Ian!
— Como eu gostaria que todos os meus leitores reagissem assim — Ian se inclinou
e, por cima do ombro de Janet, leu o que estava escrito.
Ela fez a mesma coisa. Era-lhe difícil acompanhar a trama, pois havia pegado o livro
no meio. Mesmo assim, estava impressionada. Não era o tipo de história que a atraía;
sentia-se muito mais inclinada a se distrair com romances de amor. Ian, no entanto, tinha
um jeito típico de escrever, que transformava casos cheios de violência e sangue em
visões poéticas.

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Sentiu a mão dele pousada em seu ombro, o corpo quase encostado ao seu. Pôde
até sentir o cheiro fresco da loção após barba. Que coisa boa, aquele perfume forte de
verão!
— Vamos parar aqui. Já trabalhamos o suficiente por hoje.
Janet suspirou satisfeita. Ainda bem! Tinham trabalhado a manhã toda, mas Ian
nunca ficava satisfeito e fazia inúmeras correções. Depois do almoço, felizmente, ele
havia encontrado o fio da meada e a história fluíra com facilidade.
— Estou gostando muito do que você escreve. Fico completamente envolvida pelo
enredo e estou louca para saber o fim.
— Muito obrigado! Não sabe como me deixa contente com o elogio! — Ian olhou
para o céu, que já se tornava róseo, prenunciando a noite. — Acho melhor levarmos a
máquina para dentro, antes que comece a serenar.
Janet puxou a última folha, juntou todas as que estavam prontas e cobriu a máquina.
— Quando eu estava na faculdade, minha colega de quarto devorava romances de
mistério — Janet foi falando, enquanto entravam. — Mas não me lembro de ter visto seu
nome em nenhum deles. Já escrevia, há quatro anos?
— Já, mas não com meu nome real. Sempre usei pseudônimo.
— Qual?
— Wyk Halloran.
Janet parou, surpresa. Wyk Halloran! Já tinha visto esse nome, não só em livros
como também em revistas e jornais. Era um dos mais famosos escritores de histórias de
mistério. Seus livros vendiam muito bem; ele era considerado um mestre no gênero. Ela
sentiu-se corar por não ter sabido disso antes. Na verdade, nunca tinha lido nada dele,
mas reconhecia estar diante de um expert no assunto.
Ian tinha ido para a cozinha e ela tratou de guardar as laudas. Queria ir embora logo.
Na véspera havia ficado para jantar, mas nesse dia seria firme e não aceitaria o convite.
Ian apareceu com dois copos numa bandeja. Ofereceu um a Janet e sentou-se para
saborear a bebida.
— O que prefere para hoje, Janet? Frango ou bife de novo? Descobri que comprei
um molho especial para churrasco e sei que você vai gostar.
— Não quero nada, obrigada. Faça o que quiser. Deixo tudo cortado e depois vou
embora.
— Desculpe... mas preciso que datilografe umas cartas ainda hoje. É melhor ficar
por aqui. — Pegou os fósforos e saiu, para preparar a churrasqueira.
Janet ficou na sala, tomando sua bebida com calma. Devia acreditar nele? Precisava
mesmo das cartas ou estava apenas inventando uma desculpa para que ela ficasse?
Aquele homem era imprevisível! Ora parecia muito sério e sensato, ora um brincalhão
inveterado. Em qual dos dois poderia confiar?
— Não está com fome ou ficou cansada de bater à máquina? — Ian estava junto
dela outra vez. — Ou talvez queria ir embora porque acha que vou me transformar num
lobisomem e persegui-la...
Janet riu. Ian era mesmo impossível! Estava sempre brincando!
— Ou talvez... esteja com medo de gostar de minha perseguição.
— Pensa que só porque é famoso, as pessoas não resistem a seu charme? Não
acha que está sendo convencido demais?
— Está bem, me dou por vencido. Apesar dos motivos que tenha para não aceitar
meu convite, vou insistir, porque realmente preciso de seus serviços. Mas prometo me
comportar... desde que você se comprometa a fazer a salada.
— Combinado! — ela concordou, indo para a cozinha, No entanto, seu coração
batia acelerado, como se acompanhasse o ritmo de uma dança estranha.
— Estava ótimo! — Janet disse. — Esse frango ficou delicioso!

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Ainda bem que gostou. Meu pai sempre dizia que nada como um prato gostoso
para conquistar o coração de uma mulher. Quer mais um pouco?
— Não, obrigada. Estou satisfeita. — Janet cruzou os talheres e retomou o assunto:
— Conte alguma coisa sobre seu pai. Ainda é vivo?
— Vivo e bem-disposto, mas, na verdade, não há muito que contar. Ele é diretor de
uma escola particular em Maryland, desde que me conheço por gente. Tem duas paixões
na vida: minha mãe e pescaria.
— E sua mãe?
— Ela é encantadora. Parece uma boneca de porcelana, é muito ativa e também
tem duas paixões na vida: meu pai e escrever poesias.
Então... ele tinha herdado da mãe a habilidade de mexer com as palavras!
— E ela escreve bem?
— Posso ser suspeito para dar opinião, mas acho que mamãe é uma poetisa
maravilhosa. — Levantou-se. — Vou pegar o sorvete. O que prefere? Flocos ou
ameixas?
— Nada. Não tenho lugar para mais nada!
— Então vamos tomar café. Acha que vai sentir frio, se o tomarmos no terraço?
— Vamos tentar?
— Então prepare as xícaras que volto já.
Janet aprontou a bandeja e foi para o terraço. Uma brisa fresca soprava do porto,
encrespando a água. Barcos iam-se aproximando, os raios pálidos do fim do dia tentando
iluminar suas velas. Janet se encostou numa coluna, tremendo um pouco.
— Tome. Vista isto. — Ian colocou-lhe uma malha sobre os ombros. — À noite
sempre esfria, por aqui.
Era uma malha grande, que ainda guardava o cheiro dele. Janet vestiu-a e sentiu-se
aquecida. A seu lado, Ian lutava com um agasalho, tentando vesti-lo.
— Deixe que eu ajudo — Janet logo se prontificou. Colocou a manga no braço bom
e depois fechou a malha na frente, deixando solta a manga que vestiria o gesso. —
Pronto. Agora já pode tomar seu café.
Ian aceitou a xícara, tomou alguns goles e sentou-se sobre o muro baixo.
— Agora que lhe contei sobre minha família, pode me falar sobre seu noivinho.
Janet ficou aborrecida. Estavam se dando tão bem! Ele precisava acabar com a
noite alegre usando essa maneira irônica de se referir a Fred?
— Meu noivo se chama Fred. Gostaria que se lembrasse disso.
— Fred de quê?
— Fred Waring.
— Não vai continuar a conversa? Assim não vale, Janet. — Ian passou a mão pelos
cabelos rebeldes. — Que tal fazermos uma troca?
— O que quer trocar?
— Eu lhe conto sobre minha namorada árabe, de olhos azuis, e você me conta
sobre Fred.
— Não. — ele parecia um menino levado, tentando barganhar com a irmã mais
velha e mais sensata.
— Que tal se eu lhe contar sobre a garota francesa que é perneta e zarolha?
Janet não pôde conter o riso.
— Também não aceito.
— É duro fazer negócio com você, hein? — Ele hesitou um pouco, antes de
continuar: — E se eu lhe fizer somente uma pergunta?
— Está bem. Mas lembre-se: só uma!
Ian se aproximou e lhe segurou a mão.
— Pare com isso. Você prometeu que se comportaria. Pergunta se faz apenas com
palavras, não é?

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Mas estou me comportando, Janet! Quer que lhe mostre como faço quando não
me comporto? Aí então você saberia a diferença! — Segurou-a mais perto, os lábios
quase encostando nos dela.
— Não é preciso. Basta que me faça a pergunta.
— Está bem. Depois também poderá fazer uma.
— Combinado. O que quer saber?
Ele se afastou um pouco, mas não largou a mão dela. Apontando para o anel que
brilhava no dedo delicado, perguntou: — Há quanto tempo usa isso?
— Dois meses.
— E há quanto tempo conhece seu noivo?
— Já está fazendo uma segunda pergunta. Combinamos somente uma.
— É verdade. — E tornou a puxá-la para mais perto.
— Três anos. — Janet se apressou a responder.
— Hum... E agora chegou sua vez de fazer a pergunta.
— Muito obrigada, mas, para ser sincera, não há nada a seu respeito que possa me
interessar. — Ela escapou dos braços dele e foi para dentro. Ia pegar a bolsa e ir
embora. Estava cansada daquela brincadeira.
— Aonde pensa que vai?
— Para casa! Ou já esqueceu que tenho meu próprio lar e que preciso fazer coisas
por lá?
— Precisa datilografar umas cartas.
— Então vamos acabar logo com elas para que eu possa ir embora. — Janet
sentou-se à mesa onde havia colocado a máquina e se preparou para ouvir o ditado. —
Vamos! Não posso ficar a noite toda aqui!
Ela estava com raiva. Não sabia bem por quê, mas seus olhos fuzilavam e sentia
uma vontade louca de brigar.
— Estou pensando. Enquanto isso, já que está com tanta pressa, por que não sobe
e pega minha caderneta de endereços? Está na escrivaninha, em meu quarto. — Ian se
recostou na poltrona, concentrando-se para decidir o que precisava ditar.
Janet entrou no quarto e começou a procurar a tal caderneta. Encontrou-a. Era de
couro marrom. Abriu-a e leu: Harry Granger. A seguir havia o endereço. Abaixo, entre
parênteses, estava escrito: netos e canários.
Não entendeu a anotação. Virou outras páginas. John Hudson, golfe, New York
Yankees, rum e Coca-Cola.
Era a primeira vez que via alguém escrever algo mais do que a rua, o número e o
telefone num caderno de endereços. Muito esquisito! Continuou a ler: Sheila Mallow,
gardênias e comida italiana. Lindy Pierson, perfume francês, filmes estrangeiros.
Diana Tallon, rosas e jantares à luz de velas. Wanda Thayer... Janet fechou o
caderninho. Não queria saber os nomes das amigas ou amantes de Ian e muito menos as
preferências delas.
Coitadas daquelas moças! Devia ser horrível amar um homem que parecia não
gostar de ninguém. E Mona? Teria prendido Ian?
— Janet? — A voz dele soou da sala.
— Já estou indo! — E começou a descer a escada.
— Estou exausta! — Janet disse, em voz alta.
Tinha vontade de deitar ali mesmo, no chão, e dormir dia após dia. No entanto, se
deitasse agora, nunca mais se levantaria.
Olhou para o chão brilhante da cozinha e ficou satisfeita com seu trabalho. Tinha
deixado aquele lugar habitável, finalmente.
Havia se mudado para o andar inferior porque não avisara sua inquilina, Cathy
Kenyon, de que não ia mais passar o verão na Grécia. Não tivera outra alternativa senão
se ajeitar no apartamento de baixo, Só podia contar com o banheiro, a cozinha e um

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pedaço da sala, onde ajeitaria a cama e uma cômoda. Tinha que se conformar em passar
o verão assim.
Mas o dinheiro do aluguel iria ajudá-la; não podia se queixar.
O que Cathy pagasse daria para ajudar nas prestações da casa.
Janet olhou ao redor. Que diferença! Agora a casa estava apresentável e até
cheirosa. Mais tarde, quando tivesse tempo, pintaria as paredes.
Mas realmente estava exausta. Durante toda a semana, tinha aproveitado o pouco
tempo livre para lavar e limpar as poucas peças que iria chamar de lar. Tinha passado a
última noite em claro para poder entregar o apartamento de cima a Cathy. Seus olhos
estavam pesados de sono e ameaçavam se fechar. Gostaria de poder ficar ali e dormir...
dormir... dormir.
Mas tinha que ir. Se não chegasse a tempo, Ian poderia procurá-la, e isso ela não
queria. Nem tinha lhe contado que havia se mudado. Foi até o banheiro, tomou um banho
rápido e se vestiu. Um sorriso brincou em seus lábios. Talvez fosse estupidez, mas havia
pedido a Cathy que, se alguém lhe perguntasse, respondesse que não sabia dela. Era um
pequeno rasgo de independência, e Janet se alegrava com a ideia de que Ian não saberia
como encontrá-la.
Começou a caminhar para o trabalho. Como estava cansada! Cada passo
representava um verdadeiro esforço. Finalmente chegou e encontrou Ian sentado no sofá.
Ele estava sério e, olhando para o relógio, comentou: — Você está atrasada!
— Eu sei.
Aquela caminhada tinha acabado com suas forças. Não sabia nem se conseguiria
enxergar as teclas da máquina, quanto mais escrever! Mas precisava enfrentar as longas
horas de trabalho.
— Sente-se. — Ian apontou para o sofá onde já se encontrava.
Janet não arriscou e preferiu a poltrona em frente. Ele ainda a deixava nervosa e
trêmula. Esperou ser repreendida pelo atraso, mas ele não disse nada. Mais relaxada,
encostou-se na almofada, os olhos pesados, quase se fechando.
Ian aproximou-se e, por um instante, examinou-a, achando-a cansada e abatida.
— Seus olhos estão vermelhos. O que aconteceu? Chorou a noite toda? Está com a
consciência pesada?
Janet apenas balançou a cabeça. Sentia-se cansada demais para discutir.
— Recebeu notícias do noivinho? Ele escreveu dando tudo por terminado?
Janet nem tentou se esquivar com alguma mentira. Preferiu ficar quieta, ouvindo o
som melodioso da voz profunda e sonora, sem ligar para o que ele dizia.
— Não vai conseguir fazer nada, desse jeito, Janet.
Com o braço bom, ele segurou-a pelos ombros. Pôs-se o engessado sob as pernas
dela e a carregou no colo. Assustada, Janet segurou-se no pescoço dele.
— Ian! Não seja louco! Quer quebrar o braço de novo?
— Se você ficar quieta, não faço força no pulso. E não tenha medo. Não vou deixá-
la cair.
— Me ponha no chão! Isso é loucura!
— Se parar de se mexer, não corro o risco de me machucar. — Ian já estava
subindo a escada.
Ela sentiu-se bem, nos braços dele. Tinha uma sensação gostosa de segurança e
proteção. Por que lutar? Reclinou a cabeça no ombro dele e ficou quieta, para evitar
qualquer acidente. Pouco depois ele a colocava sobre a cama macia. Janet abriu os olhos
por um instante e viu que estava... no quarto de Ian!
— Daqui se tem a vista mais bonita do mundo — ele comentou, sorrindo. — Agora
durma bem, mas tire a roupa para ficar mais bem acomodada. Eu a vejo mais tarde,
quando acordar.
Janet concordou, embora seus olhos ainda mostrassem um pouco de receio.

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— Não vou incomodá-la. Não tenha medo. — Abaixando-se, ele roçou os lábios no
rosto dela, numa carícia suave. Depois tocou a boca entreaberta, mas não se deteve nela.
— Durma bem, doçura.
Janet nem respondeu. Estava flutuando entre o sono e a realidade, e já não
distinguia nada. Então levantou-se, fechou a porta e ela dormiu no mesmo instante.
Janet abriu os olhos e sorriu. Estava descansada e em paz. Aproveitou a luz do sol
que entrava pelas venezianas e reparou na parede branca, na prateleira cheia de livros. O
quarto de Ian! Assustada, sentou-se na cama, mas logo sossegou. Estava sozinha.
Tomou a deitar, respirando fundo. Que horas seriam? Espreguiçou-se, curvando o
corpo com graça. Sentia-se muito bem. Atirou as cobertas para o lado e se levantou.
Nossa! Tinha dormido vestida! Lembrou da recomendação de Ian e do beijo que ele
lhe havia dado. Uma onda de calor tomou conta de seu corpo. Tinha sido tão bom!
— E Fred? — ela se perguntou, assustada. Não tinha decidido construir uma vida
com ele? Que horror!
Balançou a cabeça, com raiva. Não ia permitir que Ian atrapalhasse sua vida desse
jeito. Não ia dar novas chances a ele, um gozador que se divertia com tudo,
principalmente com os sentimentos dos outros. Precisava de um banho frio, de uma boa
xícara de café e então estaria com a mente clara para tomar sua decisão. Foi para o
banheiro, o sorriso desaparecendo de seus lábios.
Já estava com a mão estendida para a maçaneta quando a porta do banheiro se
abriu e Ian apareceu no limiar, os ombros ainda molhados.
Ela ficou atônita, de boca aberta, os olhos arregalados. Ian estava completamente
nu! Paralisada de susto, ela não conseguia desviar o olhar do corpo perfeito, que a fazia
lembrar das estátuas maravilhosas representando os deuses da antiga Grécia.
Ian era forte, tinha os músculos desenvolvidos, a pele bronzeada, o peito cheio de
pêlos claros e sedosos. Ela fechou os olhos, sentindo que corava violentamente.
— Sua mãe nunca lhe ensinou que não deve fitar estranhos dessa maneira? — A
voz de Ian lhe chegou aos ouvidos, irônica e divertida.
— Eu... estou escrevendo um livro e tiro minhas ideias das pessoas que vejo —
Janet retrucou, imitando a resposta que ele havia dado no supermercado.
Ian riu com vontade.
— Essa é muito boa! — Aproximou-se. — Vejo que acabou dormindo vestida.
Enquanto toma banho, vou separar umas roupas de Mona para você pôr. — Pegou
mechas do cabelo dela, segurando-as entre os dedos longos.
Janet virou-se e se livrou do contato antes que ele a beijasse. Entrou rapidamente
no banheiro e fechou a porta, para depois se encostar nela, respirando depressa,
sentindo o coração bater na garganta.
— Diabo de homem! Danado! Me deixa completamente atordoada!

CAPÍTULO VI

Janet pegou o pincel mais fino e deu um último retoque na vela do barco. Afastou-se
um pouco, limpou a ponta do pincel, usou outra cor, corrigiu o alto da montanha, acertou a

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espuma de uma pequena onda. Tornou a estudar o que tinha feito. Agora sim, estava
perfeito. Com certeza, esse quadro também seria vendido com facilidade.
Olhou para o porto. O terraço do quarto de hóspedes também se abria para uma
paisagem de sonhos. O único problema era que estava pintando as cenas de um mesmo
ângulo, e isso há duas semanas. Precisava aproveitar melhor o tempo.
— Janet?
Ela se inclinou no gradil e viu Ian no pátio.
— A inspiração voltou? Quer recomeçar a escrever?
— Não. Continuo tão vazio de ideias como antes. Mas a qualquer momento me dá
um estalo então vamos trabalhar para valer.
Durante duas semanas, Ian quase não tinha escrito. Estava sempre passeando pela
praia e pelo jardim. O sol forte deixara seus cabelos ainda mais claros, e sua pele, em
contraste, tinha ficado mais bronzeada.
— Então, já que não precisa de mim, vou para casa, está bem?
— Fique mais um pouco. Ainda posso precisar de você.
— Está bem.
Janet concordou, mas ficou aborrecida. Preferia ir para casa e adiantar a arrumação
do apartamento. Mas não adiantava se mostrar chateada. Ian sempre dava um jeito de
fazê-la rir até que o mau humor passasse. Ele era danado!
Nesse instante, uma maçã cruzou os ares e subiu pouco acima do balcão, para
tornar a descer. Janet seguiu a trajetória com o olhar e a viu subir de novo. Levantou-se e
se debruçou no gradil.
— Quer uma maçã? — Ian perguntou.
— Quero, sim.
Ele tornou a atirá-la. Janet a segurou no ar e a jogou com força para baixo tentando
atingir a cabeça dele. No entanto, com muita perícia, Ian pegou-a no ar. Sem dúvida, ele
estava adquirindo muita prática com a mão esquerda!
— Errou o alvo, doçura! — Ele riu, descontraído. – Vou dar um pulo na casa de
Jerry. Volto logo.
— Não se apresse por mim.
Janet já tinha sido apresentada a Jerry, vizinho de Ian, um advogado aposentado
que gostava de discutir o aspecto jurídico dos crimes. Os dois homens ficavam horas
conversando e Ian sempre seguia os conselhos do amigo para delinear os traços legais
de suas histórias.
Janet voltou sua atenção para o quadro. Estava pronto. Não ia mais mexer nele.
Com cuidado, levou-o para dentro do quarto, que tinha se transformado em seu estúdio.
Colocou-o de pé contra a parede e o cobriu com uma toalha.
Tomou um banho e colocou um vestido de algodão, fresco e alegre. Depois desceu
para preparar um refresco. A tarde estava quente e pedia uma bebida gelada.
Estava acabando de tomá-la quando o telefone tocou.
— Alô?
Houve um momento de silêncio, até que uma voz feminina respondeu: — Quem
está falando?
Janet ficou furiosa. Quem seria? Fosse quem fosse, não ia explicar sua situação
naquela casa. Se a pessoa quisesse saber, que perguntasse a Ian.
— Alô? Alô? — A voz, já irritada, se fez ouvir de novo.
— Pois não. Deseja alguma coisa?
— Sim. Quero falar com Ian.
Devia ser uma pessoa amiga, uma voz que o chamava pelo apelido.
— Sinto muito, mas ele não está.
— Quando ele volta?
— Não tenho certeza. Quer deixar algum recado?

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Não. — Uma pausa. — Eu ligo de novo.


Havia uma ameaça velada por trás dessas palavras. Para quem seria dirigida? Para
Ian ou para Janet?
— Está bem. Quem quer falar com ele?
— Diga apenas que é... uma antiga amante. — E a pessoa desligou o telefone.
Janet colocou o fone no gancho, pensativa. Uma antiga amante... Quem? Quantas
mulheres Ian teria amado para depois deixá-las, sem o menor remorso? Por outro lado,
alguma delas teria alcançado o coração de pedra que pulsava no peito do grande
Alexander Wykoff? Era uma loucura pensar em amar aquele homem tão independente e
volúvel! Ela estremeceu. Não queria que isso lhe acontecesse.
Janet foi para o pátio e se deliciou com a vista, sempre bonita. A ponte de Newport
brilhava sob o sol da tarde, bem delineada contra o azul do céu. O que fazia ali? Por que
não ia para casa e deixava que Ian jantasse sozinho? Por que tinha de estar sempre por
perto, satisfazendo todas as vontades dele?
Decidida, procurou as sandálias. Sempre as tirava dos pés e depois levava um
tempão tentando achá-las. Ah! estavam ali, no canto. Colocou-as e foi para a porta,
decidida a sair antes que Ian chegasse.
Mas... justamente nesse momento ele vinha chegando. Estranhou vê-la na porta,
pronta para sair.
— Para onde vai, Janet?
— Para casa.
— Nada disso.
Com o braço livre, Ian segurou-a pela cintura e a levou para dentro.
— Pare com isso! Quero ir para casa!
— Se for embora agora, vai destruir as ilusões românticas de um bom velhinho. Não
pode ser assim tão cruel!
— O quê? Do que está falando?
— Jerry pensa que ficamos tanto tempo dentro de casa, sem ver ninguém, porque
estamos gozando nossa lua-de-mel. Não vai destruir as ilusões dele, não é?
— Não é possível! Como você pôde deixar que ele imaginasse tamanha mentira?!
Esta cidade é pequena e terei que continuar vivendo nela, depois que você for embora! Já
pensou o que vão dizer? Tanto eu como Fred não precisamos desses boatos para
complicar nossas vidas!
Por um instante, ele a olhou e o tom zombeteiro sumiu de seu rosto. — Tem razão.
Direi a verdade a Jerry. Desculpe.
— Faça isso logo, por favor... — A raiva sumiu tão depressa quanto tinha surgido, e
Janet sossegou. — Você teve uma longa conversa com Jerry, não? Isso lhe deu
inspiração?

— Sem dúvida. Ele sempre conta fatos interessantes. Vou até lhe pedir que tome
nota de alguns itens muito bons. Qualquer dia, escrevo uma história baseada no que Jerry
diz. É só acrescentar um pouco de imaginação e um enredo poderá nascer com
facilidade. Fique mais um pouco. Podemos jantar e depois começar a escrever.
— Está bem — ela respondeu, concordando de novo. Sempre ficava interessada no
que Ian inventava. — Ah, sim: ligaram para você.
— É mesmo? – Ian estava diante do freezer, tirando os pacotes de carne. —
Quem?
— Uma antiga amante.
Ele se virou, olhando-a bem nos olhos.
— As palavras são suas ou foi o recado que recebeu?
— Foi ela quem disse isso.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Hum... Como era a voz?


Janet gostaria de dizer que era desagradável, mas achou o termo um pouco pesado.
Procurou descrevê-la de forma mais leve.
— Aguda... um pouco alta demais.
— Hum...
Janet esperava maiores comentários, mas Ian ficou quieto e se dedicou a separar o
que ia ser usado.
— Que tal escrevermos um pouco enquanto ainda há luz?
— Estou pronta.
— Então vá para a máquina e comece a escrever porque as ideias transbordam de
minha mente.
Durante algum tempo, ficaram ocupados com a história, que fluía fácil e
rapidamente. O sol já estava no oceano, quando Ian parou de ditar e se inclinou sobre o
ombro de Janet para ler as últimas linhas.
Ela estirou os dedos dormentes e ergueu a vista. Ficou encantada. O Sol tingia de
rosa as nuvens no horizonte. O céu parecia pegar fogo e os reflexos dos últimos raios
punham um brilho mágico na água do porto.
— Que coisa linda, Ian! Olhe!
Ele se virou e apoiou a mão no ombro dela. Ficaram em silêncio, admirando a
natureza tão pródiga. Pouco a pouco, a luz foi sumindo e o tom rosado cedeu lugar ao
manto azulado da noite clara e serena.
— Que pôr-do-sol maravilhoso, Ian!
— É verdade. — Os dedos dele começaram a acariciar o pescoço esguio de Janet,
que procurou se esquivar.
— Acho melhor você preparar a churrasqueira. — Ela precisava quebrar a magia
daquele instante, senão seria tarde demais.
— Tem razão. Você deve estar com muita fome, não é? Afastou-se em direção à
churrasqueira. -Enquanto isso, você prepara o aperitivo, está bem?
— Quer gim-tônica, como sempre?
— Quero. — Ian já estava com os fósforos na mão.
Janet ficou aliviada. Se ele ia beber, provavelmente não trabalharia mais. Isso
significava que ela poderia ir para casa mais cedo.
Estavam na cozinha quando o telefone tocou. Janet hesitou.
A casa era de Ian, ele que atendesse. A campainha soou de novo, insistente.
— Pode atender, Janet, por favor? — ele pediu, as mãos sujas de carvão.
Ela pegou o fone. Se fosse a "antiga amante'" de novo, não ia ficar nada contente de
saber que Janet ainda estava lá.
— Alô?
— Oh... você outra vez? Chame Ian, por favor.
Janet se virou para ele e avisou: — É para você!

Ian lavou as mãos e pegou o fone. Antes de falar, pediu: — Termine de preparar as
bebidas, por favor. – Esperou até que ela estivesse ocupada com os copos. Só então
começou a falar ao telefone.
Janet tinha medo de deixar cair alguma coisa, de tanto que suas mãos tremiam. Não
queria ficar ali e ouvir a conversa romântica. Provavelmente, a mulher do outro lado da
linha não ia se incomodar em ser discreta. Como ele podia ser tão insuportável?
— Sim? — Ian começou a falar. — É... foi isso que ela me disse, que era uma
antiga amante. — Ele riu. — Não. Para falar a verdade, não pensei que fosse você,
Irene. Não a imaginei como uma "antiga amante". Aliás, quantos anos você tem? — E riu
com vontade.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

Janet ficou horrorizada. Como ele podia agir com tanta indelicadeza? Era incrível!
Janet colocou os copos na bandeja e serviu o gim.
— É... ela é minha secretária. Não acha que eu precisava de uma? Por que não ter
esse status? Quase todos os autores famosos têm secretária. Por que não eu?
Janet colocou a água tônica sem olhar para Ian. Podia imaginar seu ar superior e
zombeteiro.
— É verdade. Ela tem uma voz muito agradável. O quê? Não... nem alta nem
baixa... Diria por volta de um e sessenta, sessenta e cinco... Sim, a voz parece a de uma
pessoa bem mais jovem. Digamos que ela tem o espírito jovem.
Janet já estava cansada daquilo. Como ele podia ser tão cínico? — Castanho-
escuros. Provavelmente tinge os cabelos para esconder os fios grisalhos.
Janet suspirou. Se a tal Irene conhecia bem o amante, devia saber que ele estava
mentindo. Com raiva, cortou um limão em fatias e colocou uma na beirada do copo, para
depois entregá-lo a Ian; Ele piscou e balançou a cabeça em agradecimento. Janet pegou
o outro copo. Queria sair dali. Não agüentava mais ouvir aquela conversa.
No entanto, as pernas dele estavam estendidas de encontro à parede, barrando-lhe
a passagem. Fez sinal para que a deixasse passar, mas ele a ignorou.
— Não tenho muito mais que dizer. Tem olhos verdes, um temperamento esquisito...
Chega! Janet colocou o copo sobre a mesa, disposta a pular por cima das pernas
dele. Não havia motivo para ficar ali, escutando uma conversa que não lhe interessava. Já
ia começar a pular quando Ian a deixou passar, para logo em seguida segurá-la pela
cintura e puxá-la para junto do peito.
Isso já era demais! Janet tratou de empurrá-lo. No entanto, o braço que a prendia
apertava-a cada vez mais e ela teve que arquear o corpo para trás. Com isso, seus seios
roçaram o corpo de Ian, seu decote se tornou mais profundo e ousado, permitindo que ele
se deliciasse com o que via.
— Não, ela não me distrai — ele disse ao telefone.
Janet apertou os lábios. Estava furiosa. Ainda por cima tinha que ficar quieta! Tentou
se soltar, mas não conseguiu. E sentia cada vez mais o pulsar do coração de Ian, seu
calor, sua sensualidade...
O que podia fazer para que ele a soltasse? E se lhe fizesse cócegas? Podia tentar,
não é? Com movimentos vagarosos, como se estivesse disposta a acariciá-lo, Janet
colocou a mão sob a camisa dele, procurando pelos pontos mais sensíveis.
Ian tinha os olhos brilhantes, antecipando momentos de prazer. Foi então que Janet
acertou o lugar e começou à fazer cócegas. Ele se retraiu, mas apertou-a ainda mais,
prendendo as pernas dela com as suas.
Janet estremeceu. O contato com as pernas peludas e musculosas que o short curto
deixava à mostra teve um efeito avassalador. Durante alguns segundos, fixou-se nos
olhos de aço, furiosa, quase sem poder respirar.
— O trabalho vai indo muito bem, Irene. — Ele continuava a falar ao telefone, como
se nada tivesse acontecido. — Você...
O fone caiu das mãos de Ian, quando, num último esforço, Janet virou o corpo para
se libertar. Ele se levantou e abraçou-a com violência, esmagando-lhe os lábios com um
beijo selvagem.
— Alô... Ian? Alô? — a voz ao telefone falava.
Ele forçava o corpo de Janet para trás, pressionando-lhe os seios, os lábios antes
tão selvagens se tornando doces e suaves, famintos de carícias. Quando ela já não
resistia mais e entreabria a boca para corresponder àquele assalto, Ian se afastou e a
olhou profundamente.
— Janet... — murmurou baixinho, antes de beijar novamente os lábios tentadores.
— Alô? Alô? — a voz ao telefone continuava a reclamar.

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Ian soltou Janet com delicadeza, para apanhar o fone e colocá-lo ao ouvido.
Respirou fundo, passando a mão nos cabelos revoltos.
— Alô, Irene?
Janet levou alguns instantes para se recompor. Quando se viu livre, virou-se e tratou
de escapar. Mas não conseguia andar. Suas pernas estavam moles, o coração disparado.
— Já estou no oitavo capítulo, Irene, mas não posso concordar com isso. Com você
aqui, eu não consigo trabalhar. É melhor esperar até o livro estar terminado. Aí, então,
terei muito prazer em recebê-la.
Janet sentiu os olhos úmidos de raiva. Já tinha agüentado mais do que o suficiente
daquele homem insuportável. Ia sair dali e não sabia se voltaria. Só então descobriu que
estava de novo sem as sandálias. Onde as teria deixado?
— Não, acho melhor não, Irene.
Janet encontrou as sandálias perto de Ian. Ia pegá-las, de qualquer jeito!
— Irene, tenho que desligar. Meu jantar está queimando. Adeus, querida. — E
desligou, depressa. — Espere um pouco, Janet. — Colocou os pés sobre as sandálias,
de modo a não deixar que as pegasse.
— Solte minhas sandálias, seu bruto! — Ela se abaixou e pegou uma, mas Ian
estava firmemente plantado sobre a outra. — Largue! Isso é meu!
— Espere um pouco! Me dê antes a oportunidade de lhe pedir desculpas!
— Agora você pede desculpas, é? — Janet puxava a sandália sem conseguir pegá-
la. — Está bem, pode ficar com ela!
E foi para a porta, com um pé descalço.
— Janet, espere!
Ela nem se abalou. Ian que se fosse para o diabo! Continuou andando para o pátio,
disposta a desaparecer dali. E ai dele se tentasse impedi-la!
Mal tinha dado alguns passos e sentiu Ian a seu lado. Não era possível! Será que
aquele homem não aprendia nunca?
— Aonde você vai?
— Vou para casa, e você pode ir para o inferno!
Ele não fez comentários; limitou-se a acompanhá-la. Janet procurou respirar
profundamente o ar fresco da noite, que encheu seus pulmões e acalmou a raiva. Subira
a pequena colina que levava à estrada principal e ela parou, para ver o porto. Alguns iates
estavam ancorados, as janelas iluminadas. A luz verde de um farol mandava sua
mensagem silenciosa para os barcos que ainda estavam fora. Que lugar lindo!
Ian se ajoelhou junto dela e segurou o pé descalço.
— O que está tentando fazer? Me largue!
— Vai se machucar, se não puser a outra sandália. — E colocou-a no pé de Janet,
apertando as tiras para prendê-la.

Que sensação estranha, sentir a mão de Ian em seu pé! Era quente, macia, e os
pêlos loiros do braço por vezes roçavam sua perna. Janet sentiu-se zonza, inebriada.
Apoiada num só pé, acabou perdendo o equilíbrio e procurou um lugar onde se segurar.
Não havia nada, a não ser Ian. Apoiou-se nos ombros largos e sentiu os músculos tensos.
Por um momento, ele deixou o que estava fazendo e a encarou. Mas depois continuou
sua tarefa.
Janet suspirou. Ele a olhou de novo e tornou a baixar a cabeça, para beijar-lhe a
parte interna do joelho. Quentes e sedutores, os lábios de Ian a punham em fogo. Ela
tremia de prazer, ao sentir que a boca dele avançava... avançava...

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Arfando, Janet se afastou. Suas pernas estavam bambas de novo, seu coração batia
como doido. Com muito esforço, recomeçou a andar, mal sabendo o que fazia. Logo
sentiu Ian caminhando a seu lado.
Foram se aproximando da parte mais movimentada da cidade e as primeiras casas
começaram a surgir.
— Ian?
— Diga...
— Por que me fez escutar aquela conversa ao telefone?
— Não sei, Janet. Sinceramente, não sei.
Tinha sido pura brincadeira? Era bem próprio dele, que procurava fazer piada de
tudo.
— Mas não tive a menor intenção de ofendê-la. — Segurou-a pelo braço,
obrigando-a a encará-lo. — Sabe disso, não é?
— Acho que sei.
Ian ficou durante um bom tempo olhando-a, como se quisesse lhe desvendar os
segredos mais íntimos. Depois recomeçaram a andar.
Ela estava certa de que Ian jamais a faria sofrer de propósito. O problema era que
ele agia impulsivamente. Tinha pena de Irene, de Mona e de todas as outras que um dia
haviam se apaixonado por ele. Ian não conhecia a própria força.
— Chegamos. Obrigada pela companhia.
— Ainda é cedo. Por que não esticamos até a cidade? Poderíamos ir jantar. Lá
encontraremos algum bom restaurante especializado em frutos do mar.
— Hoje não, por favor.
Ele a fitou intensamente e suspirou.
— Às vezes me sinto muito sozinho, sabe? Não poderíamos fazer companhia um ao
outro? Prometo me comportar.
— Como é essa promessa? De acordo com os seus termos ou com os meus?
— Com os seus, doçura, e sei como eles são. Se eu tentar pular a cerca, é só me
avisar. Está bem?
Janet o observou. Era tão sensual, atraente... Tão impossível, na verdade.
Impossível, sim, mas... irresistível!
— Você promete?
— Prometo. — Ele colocou a mão no coração para tornar verdadeiro o juramento.
Depois segurou a mão dela e recomeçaram a andar.
— Onde podemos encontrar um restaurante que faça uma boa lagosta? Não
conheço muitos lugares por aqui.
Ian nunca desistia? Ela não tinha a menor intenção de ir para a cidade de mão dada
com ele!
— Ei... você está ultrapassando o limite!
— Já? — Ele era todo inocência e mantinha os olhos bem abertos, numa expressão
de quem não está entendendo nada. Depois olhou para as mãos juntas e acrescentou: —
Ah... isso? Desculpe. — Apertou a mão dela antes de soltá-la.
Quando chegaram à avenida à beira-mar, ele tomou a segurar a mão pequenina,
conduzindo Janet por entre a multidão. Ela o seguia docilmente, impressionada com o
movimento. Os turistas tinham saído em massa para aproveitar a noite, clara e fresca.
Os tipos se mesclavam. Um marinheiro, de short e botas, cruzou com eles; logo
depois se viram diante de duas mulheres cobertas de jóias e de outra que carregava um
bebê. Oficiais da Escola Naval passeavam por ali, brilhando em seus uniformes brancos e
impecáveis.
— Minha nossa! — exclamou Ian, bem junto do ouvido dela. — Se isto aqui está
tão cheio numa quinta-feira à noite, como será no fim de semana?
— Você perdeu a noção do tempo? Hoje é sábado!

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— É mesmo? Puxa! Já não sinto o tempo passar! – Riu com gosto. — Bem... onde
é que vamos jantar?
— Vai ser meio difícil acharmos algum lugar. Não fizemos reservas, lembra? Mas
que tal comer mariscos numa dessas tendas à beira-mar?
— Prefiro ir a um lugar melhor. Me diga onde há um bom restaurante. Ouvi dizer que
a cidade está cheia deles.
— Está bem, podemos tentar. Meu predileto fica na próxima esquina. Precisamos
virar à esquerda, depois da galeria de arte.
— Ótimo. — Ian segurou-a mais perto e juntos enfrentaram as pessoas que
caminhavam em sentido contrário.
Na rua de paralelepípedos, as lojas se sucediam, seguidas de galerias e bares. Eles
viraram a esquerda e se viram num local mais aberto, sem tanta gente, de frente para o
mar, de onde se podia ouvir as ondas quebrando na areia macia.
— Ah... aqui é bem melhor. É ali? — Ele apontou para uma construção baixa que se
projetava sobre o mar e em cujas janelas se divisavam casas iluminadas a velas.
— É... mas está muito cheio.
— Vamos ver o que consigo. Quer me esperar aqui?
— Está bem.
Janet o viu atravessar a rua e entrar no restaurante. Pouco depois, ele voltou com
dois drinques nas mãos, parecendo muito satisfeito.
— Vamos dar uma olhada nesses barcos?
— E o jantar?
— Haverá lugar para nós, mas vamos ter que esperar mais ou menos uma hora.
Andaram em silêncio, observando os iates luxuosos que se alinhavam no cais.
— Sabe, Janet, para alguém do seu tipo, você tem o temperamento bastante calmo.
— Acha mesmo que o temperamento de uma pessoa é deter minado pelo tipo
físico?
— É o que dizem, não é? Por isso fiquei surpreso. Em casa, me comportei mal com
você e acho que merecia um tapa na cara. No entanto, apesar de estar furiosa, você não
tomou nenhuma atitude extrema. Por quê? Por ser uma mulher liberada, que acredita na
igualdade dos sexos?
— Não é bem assim. Acontece que, na primeira vez que me senti no direito de tomar
uma atitude assim esbarrei com um macho liberado! — Ambos riram. Ela cruzou os
braços, protegendo-se da brisa fresca.
— E então?
— E então... nada! — Janet já havia se arrependido de ter começado aquele
assunto. Era bom que parassem por ali.
— O que aconteceu depois? — Ian insistiu.
— Ele quase me pôs nocaute.
Ian segurou-a com determinação, fazendo-a encará-lo, os olhos mais cinzentos que
nunca, fuzilando de indignação.
— Quem fez isso com você? O noivinho?
Janet também ficou zangada. Por que ele não cuidava da própria vida? Puxou o
braço, mas Ian a manteve segura, os olhos não perdendo nenhuma de suas reações.
— Não foi Fred. Agora me solte!
— Então diga quem e quando!
Ela suspirou fundo, aborrecida com o rumo que a conversa tomava.
— Eu não devia ter falado sobre isso. São águas passadas e não quero lembrar o
que aconteceu.
— Diga quem foi.
— Por favor! Você já se desculpou hoje por ter agido mal comigo. Vai ter que pedir
desculpas de novo?

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— Janet, por favor, quem e quando?


— Não quero me aborrecer com você, nem falar sobre o que houve há tanto tempo.
Portanto, esqueça!
Ian parecia prestes a estourar, mas conseguiu se controlar.
— Está bem... tudo bem! — E se afastou dela, andando rapidamente na direção do
quebra-mar, onde se apoiou num pilar. Ficou parado, o olhar perdido na escuridão.
Janet ficou onde estava, tremendo. Concentrou o olhar no iate que chegava,
tentando se acalmar. Por que Ian teimava em fazê-la lembrar fatos do passado? Nunca
mais queria pensar em Jack, falar sobre ele. Desde a noite da separação, ela resolvera
esquecer a dor e a humilhação que tinha sofrido.
Mas Ian tinha abalado a muralha que ela construíra para se proteger. No entanto,
começou a se dar conta de que já não havia dor, humilhação, sofrimento... a lembrança
de Jack não a machucava mais. O que tinha sobrado? Que loucura! Agora Janet já nem
entendia por que tinha se impressionado com um homem como Jack. Estava livre dele há
muito tempo, embora não soubesse disso!
Sentiu o braço de Ian envolvê-la com seu calor.
— Está gelada, não é? Vamos sair desse vento. — E a levou para longe do cais, o
rosto sombrio e preocupado.
Ainda precisavam esperar mais meia hora e vagaram pela cidade, olhando as
vitrinas iluminadas. Havia bonitas peças de prata, cerâmica feita a mão, equipamentos
náuticos, moda sofisticada e moderna. As lojas, bem arrumadas e sugestivas, procuravam
atrair os clientes.
Entraram numa livraria e Janet foi diretamente para a seção de policiais. Logo
encontrou os livros de Ian. Nossa! Era muito mais do que podia imaginar!
. Trabalhando com Ian, tinha achado que escrever era um processo longo e difícil,
muitas vezes frustrante, mas, a julgar pelo número de livros que encontrava ali, estava
completamente enganada.
Janet pegou um livro ao acaso. Folheou-o e leu alguns trechos. O estilo era
característico, reconhecia seu toque de mestre. Então Ian era realmente Wyk Halloran!
Passou os olhos por outros livros dele e acabou comprando um.
— Quero muito ler um livro seu, Ian. Inteiro. Do que está escrevendo agora, só
conheço uma pequena parte.
— Por que não? — Ele abriu a porta. — Vamos, Janet. Já está na hora de
pegarmos nossa mesa. Tive muito trabalho para consegui-la.
O maítre recebeu-os com um sorriso e muita amabilidade, para levá-los a uma mesa
de canto, junto de uma das janelas. Não devia ter sido fácil conseguir um lugar tão bom.
Sentaram-se à mesa iluminada à luz de velas. Leram os cardápios, enquanto uma
moça, de bloco na mão, esperava que fizessem o pedido. Com gestos sensuais, a
garçonete procurava se insinuar para Ian. Janet notou que ele ainda estava bravo e
irritado, mas nem assim a chama do desejo deixou de brilhar no seu olhar.

Há quanto tempo Ian não fazia amor? Na certa, há muito, para ele se mostrar tão
ansioso. Mona teria sido a última a ocupar sua cama? Ou tinha havido outras? Ian era tão
atraente que, mesmo sem querer, despertava a atenção das mulheres. Por isso sentia-se
frustrado com Janet, que não lhe dava a mínima.
Ela teria sido a primeira a não concordar com os avanços dele? Por isso ele ficara
tão zangado? Ian, como qualquer outro homem, gostava de um desafio, de uma mulher
difícil de conquistar, mas Janet não queria ser alvo de investidas. Sabia que depois seria
posta de lado.
— Já escolheu, Janet?
Ela estava com os pensamentos tão longe dali que até se assustou. Concentrou a
atenção no cardápio.

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— Podemos abusar um pouco?


— Claro. Estou me sentindo um milionário. Peça o que tiver vontade, porque é uma
comemoração.
— Quero a lagosta recheada, por favor. — Ela fechou o menu. — O que estavam
os comemorando?
— Não tenho bem certeza ainda. Não será o Dia Internacional do Vinho?
Janet olhou-o, espantada.
— Não? Então, quem sabe, a Festa dos Frutos do Mar?
Janet riu, descontraída.
Enquanto ele fazia o pedido, Janet tirou do bolso o livro que havia comprado.
Folheou-o e parou na dedicatória: "Para Al e Mona". Levantou os olhos e viu que ele a
observava.
— Quem é AI?
— É um policial aposentado, com quem convivi quase dia e noite enquanto elaborei
essa história.
— E este livro vendeu bem?
— Sim. Consegui até saldar o empréstimo que meu pai havia feito para que eu
pagasse a faculdade. Perdi o ano.
— Você... não passou? — Era difícil pensar em Ian falhando no que quer que fosse.
— Desisti de terminar o curso naquele ano. Estava empolgado demais com o fato de
escrever para me dedicar aos estudos. Mona cursava a faculdade, fazia Administração de
Empresas. Ela me deu muita força para que eu resolvesse me dedicar exclusivamente à
carreira de escritor. Estava certa, como sempre. É por isso que o livro também é dedicado
a ela.
— Então... este é o primeiro livro que você escreveu!
Janet compreendeu que Mona fazia parte da vida de Ian há muito tempo.
Provavelmente tinha havido outras mulheres na vida dele, mas Mona estava sempre
presente.
A comida foi servida, cheirosa, acompanhada de vinho gelado. Começaram a
conversar, enquanto apreciavam a lagosta. Ian contou como tinha escrito o primeiro livro,
os casos engraçados que haviam acontecido. Janet se divertia a valer, rindo muito.
O café chegou, cheiroso e quente. Ian parecia perdido em pensamentos. Janet não
se incomodou com o silêncio. Ele às vezes tinha esses momentos. Devia estar pensando
no livro, em situações que poderia desenvolver.
Recostou-se melhor na cadeira. Que tipo de amante seria Ian? Perfeito, claro. O
toque de suas mãos era sensual, macio, envolvente... Ele todo devia ser assim. Gentil e
selvagem, amigo e tirano, forte e imprevisível. Enquanto seu corpo se mostrava terno e
suave, ele devastava com o coração.
— No que anda pensando, doçura? Está com o olhar em fogo!
Janet voltou à realidade, corando intensamente. Ian era real, estava ali à sua frente,
e ela já não sabia em que mundo se encontrava, se no da fantasia ou da realidade.
— Estava me lembrando da última vez que estive aqui mentiu.
— Quando foi isso?
— Foi... — Hesitou, procurando recordar de quando conhecera aquele restaurante
— Como podia ter esquecido? Lembrava que fora uma ocasião importante... De repente,
tudo lhe veio à mente. — Foi quando Fred e eu ficamos noivos!
A expressão de Ian ficou séria e o sorriso sumiu de seu rosto. Que pena! Estavam
tão ligados, aproveitando a companhia um do outro, e agora Ian se mostrava frio e
distante, como se fosse um desconhecido...
— Você me dá licença um instante? — Ela se levantou, indo para o toalete.
Idiota! Era uma perfeita idiota. Janet olhava para o espelho, falando consigo mesma.
Idiota! Não tinha aprendido com a experiência, com Jack? Estava caindo na mesma

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armadilha pela segunda vez? Tinha levado mais de um ano para refazer sua vida e agora
caía nas garras de Ian! Quanto tempo levaria para se recuperar; depois dele?
— Você não vai ser louca e se apaixonar por ele, não é? — Janet perguntou à sua
imagem no espelho. — Não vá trocar o amor tranqüilo de Fred pelo fogo ardente de Ian,
ou sairá queimada! Esse homem só quer passar um verão divertido, só isso! Faça sua
escolha com calma! Vai trocar a paz e a serenidade de Fred por uns poucos dias de
alucinação?
Janet voltou para o salão e encontrou junto da mesa a mesma garçonete loira que
anotara o pedido. A moça conversava com Ian, balançando os quadris de modo sedutor.
Janet parou a uma certa distância, sentindo-se uma tonta. Por que se preocupava com
Ian e seu braço quebrado? Ele sabia como se cuidar e não precisava dela. Tinha milhares
de mulheres prontas para fazer o que ele bem entendesse. Quanto a ela, devia ir embora
de uma vez!
Nesse momento, os olhos cinzentos a encontraram e a mensagem silenciosa lhe
chegou bem clara. Não podia simplesmente desaparecer. Ian a esperava.
— Pedi um licor para você, Janet.
— Obrigada, mas não estou com vontade.
— Dê um gole, só para experimentar.
— Sim, senhor — ela falou com ironia. Experimentou a bebida, que lhe queimou a
garganta. Era muito bom! — Marcou um encontro com a garota? — Janet usou seu tom
mais sarcástico.
— Não marco encontros com ninguém, quando estou escrevendo. Não posso me
distrair.
— Não me diga! — Janet queria machucá-lo.
— Também não brigo com as pessoas de quem gosto nem perco tempo saindo para
jantar, como estou fazendo hoje. — Ele terminou o licor. — e, a primeira vez que ajo
assim, mas... tudo anda esquisito, desde que você apareceu na minha vida.
Janet não encontrou resposta. Tomou mais um gole do licor. De repente, Ian
segurou o cálice que estava nas mãos dela.
— Você disse que não tinha vontade de tomar o licor... Por que resolveu bebê-lo
agora? — Rodou o cálice entre os dedos até encontrar o lugar onde ela colocara os
lábios. Então encostou ali a própria boca. — Como já deve ter reparado, o livro não está
saindo com facilidade.
— Está querendo dizer que estou atrapalhando?
— Que garota inteligente!
Janet engoliu em seco. Devia haver uma forma eficaz de atingi-lo!
— Existe um jeito muito fácil de resolver a situação. Vendi meu carro e várias
pinturas. Portanto, agora tenho o suficiente para lhe comprar um gravador. Assim ficará
livre de mim e eu poderei ir para a Grécia, onde ainda me querem.
— Se falar mais uma vez na Grécia, vou ficar bravo! – As palavras eram violentas,
mas foram ditas em voz suave. — Você prometeu.
— Promessas podem ser quebradas... — Janet começou a se levantar.
— Sente-se!
Ela concordou, percebendo que as pessoas das outras mesas a olhavam com
curiosidade. Fechou os olhos, sentindo as lágrimas que ameaçavam escapar. Por que
uma noite que tinha começado tão bem ia terminar daquele modo?
Por um longo momento, eles ficaram quietos, olhos nos olhos, mãos dadas.
— O que está tentando provar, Janet? -- ele perguntou, com a boca encostada na
palma da mão dela. Seu hálito quente parecia queimá-la. — Quer que lhe diga do que
estou precisando? Vou dizer aqui mesmo, na sua mão. — Os lábios dele lhe roçaram a
palma para chegar ao pulso, que latejava.
— Ian...

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— Pergunte de que preciso, Janet. Quero lhe dizer.


— Ian...
— Tenho todo o tempo do mundo para esperar. -- Agora a língua vibrante tocava o
pulso acelerado.
Janet estremeceu sentindo uma onda de calor espalhar-se por todo o corpo. Ele era
irresistível!
— Do que você precisa Ian?
— De você. -- Fechou os dedos dela logo em seguida. — É um segredo. Guarde-o
bem.
Janet cerrou os o1hos. Tinha que sair dali ou acabaria por ceder aos caprichos
daquele homem que mexia com sua alma.
— Não preciso pedir desculpas de novo, não é, Janet?
— Não...
Saíram do restaurante, andando em silêncio pelas ruas já mais vazias. Só quando
se aproximaram de casa Janet se lembrou de que Ian não sabia que ela estava no
apartamento do andar térreo. Preferia que ele não descobrisse. Quando chegaram ao
portão, resolveu se despedir.
— Obrigada pelo jantar. Estava maravilhoso.
— Foi um prazer. — Ian caminhou pelo corredor, até chegar à porta da frente.
— Boa noite e até amanhã.
— Ainda não. Vou me certificar de que não há ladrões aí dentro.
Que fazer? Por sorte, ela reparou na caixa do correio e viu uma carta. Tinha
encontrado a solução! Pegou a carta e sentou nos degraus, como se Ian não estivesse
mais ali.
— O que está fazendo, Janet?
— Oh! É uma carta de Fred! — ela explicou, abrindo o envelope. — Quero lê-la
imediatamente!
— Então entre. Poderá ler melhor com mais luz.
— O luar é o suficiente. Além do que... é muito mais romântico! Vou ficar aqui. Vá
para casa, Ian, por favor. Quero ler isto sozinha.
— Como quiser. — Ele desceu os degraus com raiva. Banque a difícil!
— Mas você não compreende? Esta carta é muito importante para mim! Não vai
querer lê-la comigo, não é?
— Não faço a menor questão! Mas... sabe o que acontece com garotas sozinhas
que sentam na porta de casa à uma da manhã? Não tem juízo? Ou quer que seu nome
apareça nos jornais, na seção policial? Entre e vá para seu apartamento.
Janet se levantou. Estava tão perto dele que podia sentir sua respiração.
— Não estamos em Nova York ou outra grande capital, onde só existe violência, Ian.
Além disso, não sou uma garotinha e por isso posso decidir a que horas quero ir deitar.
Ficou bem claro?
— Claríssimo! — Ele se voltou para a saída, com passos decididos.
— Ian! — Janet não queria que ele fosse embora assim, com raiva. — Ian, por
favor!
Ele virou-se, a silhueta esbelta recortada contra a lua.
— Eu... por favor... A que horas quer que eu vá, amanhã?
— Não quero você amanhã.
— Não? Então quando?
— Eu telefono. Preciso de uns dias para pensar.
— Não vou passar o dia todo junto do telefone, esperando que você me ligue!
— É problema seu!
Sem esperar resposta, Ian se afastou dali, a cabeça erguida, o andar decidido.

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Janet ainda ficou uns minutos parada nos degraus, a carta esquecida nas mãos.
Finalmente, enxugando as lágrimas que teimavam em sair de seus olhos, entrou.

CAPÍTULO VII

Despertando de um sonho, Janet virou-se na cama e atendeu ao telefone, que


tocava há alguns segundos.
— Doçura? — A voz de Ian fez com que um sorriso alegre aparecesse no rosto
dela.
Janet se recostou no travesseiro, reparando no teto recém pintado. Tinha feito aquilo
na véspera e, terminara bem depois de meia-noite. Mas havia valido a pena. Estava lindo!
A luz forte entrava pela janela aberta. O dia prometia ser ensolarado e bonito. Que
bom!
— Alô? Ainda está na linha? — Ian perguntou.
Janet sentiu um enorme prazer, ao ouvir a voz profunda e sensual. Tinha sentido
falta dele, nesses três dias.
— Não tem ninguém aqui de nome Doçura.
— Não? Bem, estou procurando uma garota de cabelos castanhos e olhos verdes,
que datilografa e faz omeletes divinas. Ela está por aí?
Janet deu uma risada e levou a brincadeira adiante: — Posso verificar, senhor. Se
encontrar essa pessoa, o que deseja que lhe diga?
— Diga que, depois de três dias de comida fria, meu espírito está sofrido e humilde.
Por isso, eu a aceito da maneira que quiser.
— Realmente? Como ela quiser?
— Bem... deixe-me refazer a frase: diga-lhe que, se ela não vier para cá
imediatamente,- vai ter um mundo de coisas para pagar. Um mundo, entendeu bem...
doçura?
— Sim senhor. Vou dar o recado. Alguma coisa mais?
— Diga-lhe que... — Houve um instante de silêncio. — Esqueça. Não demore. —
O clique da ligação cortada doeu no ouvido de Janet.
Ainda ficou deitada, pensando. Depois, com decisão, afastou as cobertas e foi para
o banheiro. Tomou um banho reconfortante, enxugou-se e escovou o cabelo para deixá-lo
brilhante e sedoso.
Então Ian a tinha perdoado! Ou melhor, chegara à conclusão de que precisava dela.
Ainda bem! Janet havia passado os últimos três dias numa inquietação incrível,
mantendo-se ocupada para não pensar. Tinha pintado a cozinha, o quarto, cuidara das
plantas, esperara...
Escovou o cabelo com mais vigor, vendo as ondas castanhas caírem com suavidade
em seus ombros. Cantarolava, contente, quando seus olhos alcançaram a fotografia de
Fred. O sorriso morreu em seus lábios. Não era justo! Como podia sentir mais falta de Ian
em poucos dias do que de Fred em um mês? Como podia ser tão... tão volúvel?
Fred... sempre tão paciente! Na certa, estava confuso, magoado e aborrecido, sem
saber por onde ela andava. O que estava acontecendo? Ela ainda o amava?

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— Sei que não é justo, Fred — disse para a foto. — Reconheço que a culpa é
minha. Como posso responsabilizar Ian, se fui eu quem o atropelou? O que não esperava
era que ele tivesse tanta influência em minha vida!
Tinha que se apressar. Não queria que Ian a esperasse demais.
Não era fácil lidar com ele, quando se zangava. Vestiu-se rapidamente colocou uma
blusa nova e um short. Quando fechou a porta para sair, já sorria de novo. O céu estava
azul, o sol brilhava radioso, os pássaros cantavam e ia ver Ian!
Ninguém atendeu à porta, quando ela bateu. Por quê? Esperava que Ian estivesse
ansioso, aguardando sua chegada. Tentou, de novo, e nada. Acabou pegando na bolsa a
chave que ele tinha lhe dado. Nunca sentira a liberdade de usá-la, mas nesse caso era
diferente.
— Ian? — ela chamou, assim que entrou.
Ninguém respondeu. As portas do pátio estavam abertas, deixando a brisa leve
entrar na casa. Na mesa, junto da porta, a begônia que haviam comprado estendia suas
folhas em busca da claridade.
Janet foi para o pátio, mas não viu Ian. Onde ele tinha se metido? Já ia voltar,
quando olhou na direção do mar e, junto do cais, viu um veleiro pequeno. Dentro dele
notou um homem alto, de cabelos dourados e pele bronzeada. Ian!
Desceu até lá. Ele estava com a cabeça apoiada na parte traseira do convés, os
olhos perdidos na imensidão do céu, uma xícara de café entre os dedos. Levou um susto
tão grande, ao vê-la, que derramou café no peito nu.
— Droga! — Ele pegou a camisa que estava a seu lado e enxugou o peito molhado.
— Você ainda vai acabar me matando! Já me atropelou, tentou me matar com um susto
e agora quer me ver queimado, não é? Um dia vai conseguir seu intento! — Ele ria.
— Desculpe, ora! — Janet também riu. — Você está bem? — Sentou-se na
beirada do barco, que oscilou um pouco.
— Não foi nada. Não se preocupe. O café já nem estava muito quente. — Uma
pausa. — Você veio depressa. Não pensei que chegasse tão cedo.
— Também... com o recado que recebi, tratei de fazer tudo rápido. — Janet olhou o
barco. — Que veleiro bonito! Posso subir a bordo?
— Já não subiu? Mas esqueceu de uma das principais regras náuticas: não se usam
sapatos comuns dentro do barco. Tire suas sandálias!
Janet tirou-as e deixou-as cair sobre o cais. Mal continha a alegria que inundava seu
coração. Nada tinha mudado! Virou o corpo para entrar no barco, que tinha um banco de
madeira de cada lado.
— Faz tempo que tem o veleiro?
— Aluguei-o no mês passado. — Ian observou as pernas de Janet, longas e bem
torneadas. — Agora me diga o que conhece de navegação.
— Bombordo, estibordo, mastro, a todo vapor... e acho que é só! — Ela sentou-se
no banco em frente a ele. — Ah! Naturalmente, também S.O.S.
— Não poderia esquecer o S.O.S., não é? Muito bem. Então vamos começar com as
aulas.
— As lições começam depois do café, está bem? – Janet tinha visto a garrafa
térmica.
— Incomoda-se de usar minha xícara? É a única por aqui.
Ela balançou a cabeça e viu que Ian a servia.
— Como é o nome do barco?
— Sublimação.
— Pare de mentir!
Ela se ocupou com o café. Era estranho, mas talvez alguma coisa tivesse mesmo
mudado entre eles. Já não conseguia enfrentar o olhar de Ian com a mesma calma de

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antes. Parecia que os olhos dele usavam uma linguagem diferente, mais profunda, mais
íntima...
— Tem razão. Ele só tem um número, porque é alugado.
— Que tal arrumarmos um nome para ele? — Deu mais um gole no café. — Mas...
o barco não vai distraí-lo? Não vai atrapalhar seu trabalho?
— Nada disso. Não podemos ficar trancados dentro de casa. Vai ser muito mais fácil
encontrar inspiração no meio do mar, sentindo a brisa. Poderei me concentrar totalmente
em criar. Pretendo que você dirija a embarcação.
— Não posso! Nem sei como mexer no leme, nas velas ou nessas cordas!
— Se conseguiu dirigir meu carro, não vai ter problema nenhum com o barco. Só
precisa de um pouco de prática. Vamos começar imediatamente, doçura.
Nas duas semanas seguintes, Ian se dedicou a ensiná-la a navegar. Só paravam
algumas horas por dia, e então se ocupavam com o livro. Ian tinha razão: não era difícil
lidar com o veleiro. Em pouco tempo, ela já dava suas voltas.
Nesses momentos, Ian ficava deitado, pensando, enquanto Janet manobrava o
veleiro nas águas calmas, sentindo o sol acariciar seu rosto e o gosto de sal nos lábios.
Era maravilhoso poder sair bem cedo, deslizar pelo mar, olhar para trás e ver Newport, a
torre alta da igreja, os telhados vermelhos, as colinas suaves. E, se cansasse da vista da
cidade, ocupava os olhos com os barcos ancorados e com as gaivotas que voavam
gritando, baixando, tornando a subir.
Janet se sentia uma bailarina, fazendo evoluções com o veleiro branco e vermelho.
Passava perto de barcos presos a bóias ou junto a outros que, como ela, singravam as
águas. Era maravilhoso!
O livro prosseguia rapidamente. Ian agora tratava das recordações dos personagens
e Janet tinha a impressão de que essa parte da história estava muito viva na imaginação
dele, porque as ideias fluíam com extrema facilidade.
— Ian, por que essa rememoração toda? Qual a ligação que existe entre Endeavour
e Rainbow, em 1934, e os crimes cometidos agora? — Janet já tinha ouvido falar nesse
nome, Endeavour, mas não conseguiu lembrar onde.
Ian, de olhos fechados, imerso nos próprios pensamentos, pareceu não ouvi-la.
Tinham saído com o veleiro durante a tarde, depois de trabalharem no livro a manhã
inteira. Haviam encontrado um lugar agradável para parar e agora estavam sentados no
barco, a âncora arriada.
— Ouviu o que perguntei? — Janet quis se certificar de que de não estava
dormindo.
— Estou pensando. Não corte o fio da meada.
Ela se recostou. Que pena não ter trazido seu bloco de desenhos! O lugar onde
estavam era muito bonito e daria mais uma bela cena marinha. Além disso, poderia
começar a desenhar o rosto de Ian, o que seria um desafio. Ele tinha traços bem definidos
e seria uma experiência incrível passar aquela expressão decidida para a tela.
Por um instante descansou a vista no mar. Não havia nada mais bonito e
impressionante do que as águas sempre em movimento.
Mas, quando olhou ao redor, Janet se assustou. O céu sobre o Forte estava
descorado, quase branco, e a neblina avançava sobre a colina. Ao longe, escutou o apito
triste de um barco. Notou que a neblina vinda do canal parecia querer se estender sobre
todo o mar.
De repente, Ian se sentou.
— Não adianta. Não consigo me concentrar. — Ele se espreguiçou como um
grande felino e entrou na cabine. Voltou de lá com latas de cerveja na mão.
— Cerveja? Agora?
— Trabalhamos muito, hoje, e podemos dar o dia por terminado.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

Janet tomou a bebida gelada. Aquelas duas semanas tinham sido muito boas. A
princípio ficara um pouco inibida, mas logo tinha se descontraído. Ian só requisitava sua
ajuda para datilografar e cozinhar. Ele não tinha "avançado o sinal". Nem uma vez tentara
abraçá-la ou demonstrar qualquer espécie de sentimento que não fosse o de dois
companheiros trabalhando juntos, embora algumas vezes percebesse no olhar dele
aquele quê indefinido, aquela ternura, o desejo que o dominava.
Ela suspirou. Piscou, olhou para os lados e descobriu que a costa estava toda
tomada pela neblina. Mal podia divisar a torre da Igreja. A paisagem estava envolta num
manto branco.
— Ian, veja!
Ele olhou na direção indicada.
— Não se preocupe. Mesmo com neblina, sou capaz de encontrar o caminho de
volta.
— Tem certeza? — Janet estava atemorizada. O horizonte não existia mais: céu e
mar se misturavam na mesma névoa esbranquiçada.
— Claro! Podemos seguir a costa. Mas, de qualquer modo, vamos esperar mais uma
meia hora para ver se clareia.
Ela concordou. Confiava em Ian. Se ele dizia que acharia o caminho, por que não
acreditar? Mesmo assim, estava um pouco assustada. Escorregou pelo banco até se
deitar, colocando o braço sobre os olhos para não ver o mundo se tornar pálido e branco.
De que tinha medo? Da neblina? Ou de estar ali, sozinha com aquele homem
perturbador, isolada do resto do mundo? Ao longe, podia ouvir o apito dos barcos, que
preveniam os outros.
— Esses apitos... significam alguma coisa para você, Janet?
— Não sei. Acho que não. Sinto-os mais como se fossem uma cor, uma forma...
uma curva profunda, azul-escura, quase violeta.
Ian riu e Janet abriu os olhos para vê-lo.
— Essa é a diferença entre uma artista e um escritor.
— Por quê? O que os apitos significam para você?
— É um som melancólico, triste. Muitas noites acordo com esse som lamurioso e
depois não consigo tornar a dormir.
— O que faz então?
— Me levanto, tomo um copo de vinho, volto para a cama, fico olhando pela janela,
reparando na ponte, no mar, no céu... Tempos atrás, quando isso me acontecia, eu
costumava me levantar e escrever, mas não tenho agido assim neste verão.
— Desculpe... — Janet lembrou que Ian não podia escrever por causa dela.
— Vou sarar, não se preocupe. — Ele sorriu. — Vou sarar.
Por que sentia tanta vontade de acariciá-lo e confortá-lo? Era tão esquisito.
Preocupava-se por imaginá-lo solitário. Mas... ele seria realmente uma pessoa só?
Bastava pegar o telefone, que Irene ou Mona, ou qualquer outra, viriam correndo para
ficar a seu lado. Ian estava sozinho porque queria, e ela não tinha nada a ver com isso.
— Janet, como é... estar apaixonada?
Ele falava sério? Ou era mais uma de suas brincadeiras? Janet não podia acreditar
que, mesmo não sendo fiel, Ian nunca estivesse sentido amor por Mona.
— Não acha que para um escritor, é uma falha enorme não saber nada sobre o
amor? No entanto, lembro das páginas em que fez sua heroína loira viver momentos
apaixonados, e eles me pareceram muito bons. Sendo assim...
— Você está falando da heroína desse livro que estou escrevendo? Ela tem cabelos
castanhos, não se esqueça. Se mudou o aspecto físico dela, lembre-se que o original vai
passar por muitas revisões e que vou acabar corrigindo tudo. Somente o autor pode
modificar a história. Mas, falando sobre essas cenas de amor, na realidade, elas não
exprimem um sentimento verdadeiro. São apenas sexo, atração física, nada mais. Estou

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me referindo ao amor real, ao sentimento maior que une dois seres, tornando-os um só.
Qual é a sensação que ele dá, Janet? Você ouve sinos tocarem, sente-se flutuar numa
nuvem, fica tão envolvida por ele que nem enxerga os faróis de trânsito?
Janet procurou pensar em Fred e ver se conseguia explicar. Mas... nada! Não podia!
— Bem... quando se ama, a gente quer estar junto da pessoa amada, fica feliz
porque ela está feliz, procura... Ora, Ian, você sabe como é! Já esteve apaixonado,
mesmo que não tenha durado muito, não é?
— Aí é que está a questão. Se não durou, foi porque não era amor, certo? Portanto,
o que sei sobre o amor?
Janet ficou pensativa. Se não durou, foi porque não era verdadeiramente amor. Ian
tinha razão! Isso estava acontecendo com ela! O amor que vislumbrara havia se dissipado
tão rapidamente como a neblina sob o vento.
— Está sentindo frio, doçura? — Ian aproximou-se e abraçou-lhe os ombros,
fazendo-a recostar a cabeça em seu peito.
Janet estremeceu. Sentia-se muito solitária para sair da segurança daqueles braços,
tensa demais para relaxar. Ian apoiou o queixo na cabeça dela, roçando os lábios nos
cabelos macios. Dessa vez, Janet percebia que ele não exigia nada; pelo contrário,
procurava lhe dar calor humano, força, compreensão. Fechou os olhos e se deixou ficar
contra o peito largo, sentindo o pulsar do coração dele. Sentia-se em paz.
— Janet, me conte sobre seu outro namorado... o anterior a Fred.
Ela tentou escapar, mas ele a segurou com mais firmeza.
— Não tenho nada para dizer.
— Não mesmo? Já contou a alguém? A Fred, talvez?
Janet balançou a cabeça. No início, Fred sabia que ela estava sofrendo muito e
tinha se esforçado para consolá-la. No entanto, nunca tinha conseguido.
— Não... — Janet ficou junto dele, contente por se sentir segura.
— Então tem muito que dizer. Por que não me conta?
— Não...
— Vamos, pode confiar em mim.
— Eu fui uma idiota!
— A gente sempre é, quando muito jovem. Quantos anos você tinha?
— Foi no ano passado. Eu estava com vinte e dois.
— Então, está vendo? A vida é só ilusão, nessa idade. Quem era ele?
— Um professor visitante da faculdade. Era irlandês e estava ali a convite, para
lecionar durante um semestre. — Janet lembrou o rosto de Jack, charmoso e inteligente.
— Ele era casado, não era? — Ian a apertou mais contra o peito. — E se dizia
solteiro, certo?
— Como sabe disso? — Janet o olhou, espantada, e descobriu um ar de riso no
rosto dele. — Ora, seu diabo! Me largue!
— Sossegue, doçura, eu não estava rindo de você, mas da ironia do mundo, de
como as pessoas não têm sentimento e são todas iguais. Desculpe.
Ela tentou se soltar, mas Ian a segurava firme, agradando-a, murmurando
desculpas, fazendo-a compreender que era seu amigo, que desejava ouvi-la desabafar,
para ajudá-la. Pouco a pouco, as defesas de Janet foram vencidas.
— Quando foi que você descobriu a verdade?
Ela suspirou. Não pretendia tocar no assunto, nunca, mas, uma vez que tinha
começado, não havia como parar. Ian ia ouvir tudo.
— Descobri quando... quando...
— Na noite em que ia para a cama com ele.
— Isso mesmo. Ele tinha aberto uma garrafa de champanhe...
— Hum... Tratamento completo, não foi? Um sem-vergonha de marca! E aí? O que
aconteceu?

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— A mulher dele entrou na sala. Era modelo, uma inglesa muito bonita que tinha
chegado a Nova York de surpresa, para ver o marido.
— Que situação horrível, doçura!
— O pior era que o que aquela mulher tinha de bonita, também tinha de venenosa.
Simplesmente me olhou com muita calma e comentou que o gosto do marido estava
melhorando. Ainda me perguntou se ele tinha me convidado para passar a lua-de-mel na
Irlanda.
— Vocês chegaram a falar em casamento?
— Claro! Pensei que havia encontrado o amor de minha vida e ele... ele era apenas
um mentiroso! — Janet engoliu um soluço.
— Minha bobinha! Por que leva tudo tão a sério? Pode se divertir sem imaginar que
está diante do amor, não acha?
Ela sentiu os olhos cheios de lágrimas. Era assim que Ian pensava? Seria essa sua
fórmula de sucesso?
— O que aconteceu depois?
— Ela subiu para o andar superior. Eu tratei de sair dali, mas ele me segurou,
dizendo que em poucos dias a mulher iria embora e que então... poderíamos continuar...
— Engoliu outro soluço. — Não agüentei e dei-lhe um tremendo tapa. Ele... revidou.
Fiquei tão zonza e aturdida que vi estrelas. Quando dei por mim, estava do lado de fora,
com a porta fechada na minha cara. Fim do caso. Fim da história.
Ian permanecia imóvel, com o queixo apoiado nos cabelos castanhos, o coração
batendo em ritmo apressado.
— Ele não está mais nos Estados Unidos, não é?
— Não. — Janet chegou a sorrir. — Já foi embora. Não poderá acabar com ele por
mim. Mas agradeço da mesma forma.
Ian a apertou mais. Ficaram um longo tempo assim, juntinhos, no meio da neblina,
tomados de uma emoção tão forte que nem sentiam necessidade de palavras.
Finalmente, Janet interrompeu o silêncio:
— Está começando a escurecer. Não acha melhor irmos embora?
— Vamos. Mas primeiro me responda a mais uma coisa.
— O quê?
— Como foi que o noivinho apareceu para recolher o que sobrou de você? Estou
falando de Fred.
— Ele não recolheu sobra nenhuma!
Janet ficou brava. Não gostava que falassem assim de Fred, que parecia ficar
sempre com o resto de tudo.
Mas, pensando bem, não fora isso que acontecera? Já conhecia Fred e saía com
ele, antes de Jack aparecer. Já tinha até recusado sua proposta de casamento. No
entanto, fora o noivo, com sua ternura e paciência, que a tirara da fossa. Tinham se
tornado muito unidos e ela passara a ficar mais tempo com ele. Mas continuava a vê-lo
como amigo, e não como amante.
Somente quando seus pais se separaram foi que aceitara casar com ele.
— Compreendo, Fred estava disponível, não é? Era o tipo do rapaz apresentável,
seguro e dedicado, principalmente se comparado àquele malandro irlandês. Não estou
certo?
— Não foi nada disso!
Janet colocou o rosto entre às mãos. Tinha recriminado tanto a mãe por deixar o
marido bom e dedicado, trocando-o por um homem loiro e insinuante, e no entanto, agora,
estava fazendo a mesma coisa! Durante três anos, tinha ignorado o amor sincero de Fred
para estar sempre à procura do arco-íris. Muitas pessoas agiam dessa maneira.
Passavam a vida perdendo o amor, quando na verdade estavam justamente à procura
dele. Mas não; seria assim com ela. Poderia construir uma vida junto a Fred.

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— Deve ter sido fácil dizer "sim" a uma pessoa que lhe queria bem, que a adorava
tanto, que era capaz de se atirar ao chão para que você pisasse em cima. Não foi o que
aconteceu? — Ian falava agora num tom duro e áspero, que ela desconhecia.
— Não! Eu apenas compreendi que amava Fred e o aceitei!

— Amava? Você nem sabe o que é o amor! — Ian parecia amargo. — Amar é ser
feliz quando o outro também é, segundo me disse. Mas... e o outro lado do amor? O lado
infernal? O que me diz do monstro que nos agarra, quando a pessoa que a gente ama
sorri para outra? O que se sente quando se acorda e se nota que o ente querido não está
ali, a nosso lado? Não sabe nada sobre isso ainda, não é, doçura? Tenho reparado em
você, Janet, e, se tem sentido falta de Fred, sabe fingir muito bem. Na minha opinião, está
amando com o cérebro, e não com o coração.
— Pare com isso! — Ela soluçou, os olhos cheios de lágrimas.
Ele continuou, sem pena: — Durante este verão, somente uma vez você me
pareceu uma mulher realmente apaixonada. Foi no restaurante, quando me contou sobre
o noivado.
Aquela noite no restaurante... ela estava pensando era nele, no tipo de amante que
seria! Janet estremeceu e sentiu que o sangue lhe subia ao rosto. Lutava contra aquela
situação. Não podia ser tão boba assim! Limitou-se a olhá-lo, sem dizer nada.
Por um longo momento, Ian a observou sem compaixão, o braço ainda ao redor da
cintura delicada.
— Talvez você tenha se convencido de que está apaixonada, doçura, mas sugiro
que analise melhor seus sentimentos. Não me parece muito verdadeira com você mesma.
Pelo menos não conseguiu me convencer... ainda.
Presa entre os braços fortes, e também pela emoção que a dominava, Janet
balançou a cabeça, o cabelo voando de um lado para outro.
— O que preciso fazer para convencê-lo? — disse, num desafio, embora soubesse
que ele tinha razão.
Ian pareceu se divertir com aquela revolta toda. Sorria, mas não como cinismo, e sim
com ternura, simpatia.
— Que tal um beijo? — sugeriu, muito sério. — Se ama Fred de verdade, meu beijo
vai deixá-la fria e indiferente. Talvez isso me convença.
— Isso não prova nada! — Ela mascarou o medo que sentia mostrando-se ainda —
mais zangada. — O amor é muito diferente, e você só está se referindo a sexo!
— E você é tão experiente que consegue perceber a diferença?
— Pelo jeito, posso fazer isso melhor que você. — Janet sentia que a armadilha
começava a se fechar sobre ela, mas não sabia de que direção viria o golpe final.
— É mesmo? Então me diga se isto é sexo ou amor!
Ian a agarrou e Janet fechou os olhos com força, como se fosse uma criança com
medo. Ficou esperando que o beijo acontecesse, mas... nada! Podia sentir a respiração
quente de Ian em seu rosto, mas, mesmo assim, ele não a beijava. Respirou fundo e se
sentiu uma boba, de olhos fechados. O que Ian estava fazendo? Se divertindo às custas
dela? Devagar, com muita cautela abriu os olhos.
Foi então que os lábios dele começaram a chegar mais perto... mais perto... para se
mover sobre os dela, numa exigência gentil, hipnótica.
Amor ou sexo, eis a questão. Janet tremeu e levantou os braços, envolvendo o
pescoço dele. Já tinha a resposta: amor. Seus lábios se uniram e suas últimas defesas
caíram por terra, quando Ian se apossou de sua boca, sentindo-a, provando-a, exigindo
respostas, encontrando o que buscava para depois pedir mais e mais... e mais...

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

Sim, aquilo era amor. Pelo menos para ela. E para Ian? Sentia a respiração dele
junto do rosto, cada vez mais rápida, enquanto gemidos de prazer escapavam dos lábios
quentes e sensuais.
O que esse beijo representava para aquele homem? Ele tinha uma amante em Nova
York, uma na Europa e quantas outras espalhadas pelo mundo? Como podia pensar em
levá-lo a sério?
Ian continuava a explorar e a acariciar a boca conquistada.
Tocava os lábios dela com movimentos levíssimos, para depois mordiscar a carne
macia.
Ela gemeu baixinho. Ian deslizou os lábios em direção ao nariz pequeno, beijou-lhe
a ponta e se deteve por instantes nos olhos dela.
— Então? Amor ou sexo?
Janet ergueu a cabeça, sentindo ainda o ardor daquele beijo alucinante. Percebeu o
ruído do apito distante de um barco varando a neblina. Para Ian era desejo, necessidade
física, sexo, tudo muito alegre, simples e nada permanente, tal como aquela neblina
passageira.
— O que é, Janet?
Ele continuava com as carícias. Os lábios roçavam-na suavemente, as mãos
deslizavam por seu corpo, até sentirem a elevação dos seios, encontrarem os bicos e
acariciá-los, enlouquecendo-a de desejo.
Quase sem fôlego, Janet não perfeito e maravilhoso, mas não respondeu. Tudo
tinha sido era amor e por isso não ia durar. Então... como ela ficaria, quando Ian estivesse
satisfeito e o livro terminado?
Empurrou-o com determinação. Conseguiu se afastar, embora seu corpo ainda
tremesse, ansiando pelo contanto embriagador. Ele a encarou, reparando nas faces
coradas, no cabelo revolto, emaranhado. Parecia muito satisfeito.
— Responda, doçura. O que acha que foi? Sexo ou amor?
Era impossível odiá-lo, Janet pensou, ainda tonta de amor.
Apesar do que ele tinha feito, não podia odiá-lo. Tentou ficar em pé, mas o local era
pequeno para os dois. Aliás, o barco todo era pequeno demais para os dois!
Ian também se levantou.
— Ainda não tem certeza? — ele brincou, tentando se aproximar. — Bem, vamos
tentar outra vez. Talvez suas ideias fiquem mais claras.
Deslizou a mão sobre o braço dela, mas Janet recuou.
— Não me toque de novo!
— Por que não?
"Porque mais um beijo vai acabar comigo!", ela pensou, desesperada. Se ele a
beijasse, não conseguiria mais resistir.
— Porque amo Fred.
— Você está mentindo. Não acredito numa palavra. — E deu um passo para a
frente, os braços estendidos na direção dela.
Desesperada, Janet subiu num dos bancos. O barco oscilou.
— Não ouse me tocar, senão eu pulo!
— Não acredito.
Ele deu outro passo à frente, quase alcançando-a. Ela olhou para a água, depois de
novo para Ian, que estava cada vez mais próximo.
— Ian... não!
O sorriso sumiu do rosto dele quando viu que ela ia mesmo se atirar.
— Janet!
Tentou segurá-la, mas só alcançou a ponta da blusa, ela havia mergulhado.
— Oh...

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

A água não podia ser tão gelada! Janet pensou, ao cortar a superfície. Afundou
para aparecer logo adiante. Sacudiu a cabeça para ajeitar os cabelos molhados. Mal
respirava.
— Janet, venha cá! — Ian ajoelhou-se no banco, as mãos estendidas, os olhos
perscrutando o mar imenso.
Estava frio demais para ela discutir. Já que tinha sido tão dramática a ponto de
pular, era melhor completar a encenação.
— Não vou voltar para o barco, Ian. Prefiro nadar até a praia.
Começou a se afastar, nadando rapidamente para espantar o frio. Não estava muito
longe da costa.
— Janet! É mais longe do que pensa! Volte!
Ela ficou impressionada com o tom imperioso. Ian nunca tinha falado assim. Ficou
assustada. Dessa vez tinha ido longe demais, mas não poderia recuar. Tinha que seguir
em frente.
— Janet!
A emoção daquela voz deixou-a mais gelada do que a onda que cobriu sua cabeça.
Continuou nadando, sentindo muito frio. Podia ouvir as palavras rudes de Ian e o barulho
das velas sendo içadas. Ele conseguia fazer tudo sozinho, embora lentamente, devido ao
braço engessado.
Janet levantou a cabeça para ver se estava muito longe da praia. Nem tanto, mas
precisava ir para a esquerda. A maré devia ser vazante, carregando a água com força na
direção do mar e para longe da baía, levando-a consigo. Começou a nadar de novo,
agora com mais vigor e energia. Olhou para trás e viu que a vela começava a se encher
com a brisa. Muito em breve, Ian estaria a seu lado. Redobrou a força das braçadas.
Sentia a respiração difícil e curta, a água se tornava cada vez mais fria e seus
braços estavam pesados. Viu algumas pedras, que sabia ficarem junto da praia, e à
direita o fim da ponta de terra, a boca do canal. A correnteza ali era mais forte. Precisava
tomar cuidado. Além disso, Ian a mataria, se a alcançasse.
Uma onda quebrou no rosto de Janet, deixando-a atordoada. Se não morresse, Ian
a pegaria. Procurou esquecer tudo e se pôs a nadar com força, pois disso dependia sua
vida.
Durante um tempo infindável, Janet nadou, os olhos fixos na ponta de terra que
indicava o lugar de correnteza forte; do outro lado, a praia tão desejada. Onde estava Ian?
Mais perto, representando outra ameaça?
Por um instante, ela sentiu que encontrava apoio para os pés, mas a correnteza a
levou para longe. Janet engasgou com outra onda, que a cobriu inteiramente. Era agora
ou nunca! Deu braçadas vigorosas, batendo os pés com toda força. Sentiu que alcançava
o raso. Ia conseguir!
Começou a subir por uma rampa de embarque, de concreto frio e limoso. Tremendo,
virou-se para a água. O veleiro, pálido na luz difusa do crepúsculo, se aproximava da
rampa, com a figura de Ian ao leme.
Uma onda de calor percorreu-lhe os membros cansados, enquanto sua vista se
turvava pelas lágrimas. Ian a estivera protegendo o tempo todo! Se a correnteza a tivesse
carregado, ele estaria lá, para apanhá-la e salvá-la.
O barco se aproximou o bastante para que Janet pudesse encontrar o olhar de Ian.
O calor que sentia sumiu por completo; voltou a tremer. Percebeu raiva naqueles olhos
frios. Ficou grata por ver que ele não poderia parar o barco ali. Continuaram se olhando,
enquanto o veleiro passava por ela e Ian levantava a mão num aceno, para depois seguir
adiante. Janet começou a andar para casa.
Deu a volta no Forte e alcançou a estrada. O caminho era longo e ela estava toda
molhada, com a roupa grudada no corpo, tremendo de frio e de cansaço.

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Mas um milagre aconteceu. Um carro da polícia passou por ali, viu-a e acabou
levando-a até sua casa. Foi direto para o chuveiro. Precisava tomar um banho quente
para se sentir gente de novo.
Sob a água que jorrava, gostosa e relaxante, ela fez um balanço dos
acontecimentos. Tinha sido uma tonta, não só essa tarde como o verão todo. Bastava ter
reparado direito em Ian para saber que devia ter fugido, mesmo que o tivesse deixado
estendido na estrada depois do atropelamento. Que idiota fora, ao deixar que ele entrasse
em sua vida! Nada mais seria igual, com aquele homem.
Terminou o banho, enrolou-se numa toalha e ouviu o telefone tocar. Correu para
atender.
— Janet? — A voz de Ian lhe chegou claramente aos ouvidos. — Já está aí, garota
levada?
— Já. — Ela se sentou e um sorriso iluminou seu rosto.
— Sua danadinha! — ele começou, e essa foi a palavra mais delicada que ouviu,
porque Ian começou a desabafar, usando um vocabulário nada bonito. Janet se recostou
no travesseiro, limitando-se a ouvir. Depois de algum tempo, ele ficou quieto, para logo
depois perguntar: — Você ainda está aí?
— Ainda.
O silêncio que se seguiu foi pesado e desagradável.
— Você está bem, Janet?
— Estou. E você? Está me parecendo tão... esquisito!
— Claro que estou esquisito! Tomei dois drinques, nos últimos vinte minutos, e
minhas mãos ainda não pararam de tremer!
— Desculpe, eu...
— Claro que tem de me pedir desculpas! Há maneiras mais fáceis de você mostrar a
um homem que não o quer, não acha? Não precisava tentar se afogar! Da próxima vez,
diga apenas "não"!
— Desculpe... Vou fazer como disse... na próxima vez. Mas acho que já tentei
nessa.
— É mesmo? — Ele suspirou. — Bem... talvez eu não tenha percebido. Mas por
favor, não se atire mais do barco!
— Sinto muito.
— Eu também. Fiquei tão nervoso e preocupado que tenho até medo de olhar no
espelho e descobrir que fiquei de cabelos brancos de uma hora para outra!
Janet sentiu uma vontade imensa de vê-lo.
— Não pretende escrever mais hoje?
— Para ser sincero... Ouça, nunca na vida bati numa mulher, mas mantenha-se
afastada até amanhã, senão não respondo por mim. Fui bastante claro?
— Foi.
— Boa noite, então.
— Boa noite.
Ela ouviu o clique e seus olhos se encheram de lágrimas.

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CAPÍTULO VIII

Janet estava cada vez mais sentida com Ian. As únicas palavras que ele lhe dirigia
diziam respeito ao romance. Era horrível não vê-lo bem-humorado, brincando ou
arreliando. Seria assim quando ele fosse embora? Essa mesma sensação de perda, de
vazio?
Ian não conseguia criar como queria. Não estava bem-disposto e isso influía no
trabalho. Ele ditava, lia, relia, corrigia, tornava a ditar e, no fim de algum tempo, juntava as
páginas prontas e as jogava no cesto.
Na verdade, parte do que escrevia era muito bom e interessante, mas não dava
unidade à história. Aqueles trechos pareciam fragmentos, pedaços de um todo que não
podia ser emendado.
No entanto, ele não admitia que houvesse algo errado. Seu rosto bronzeado se
tornava cada vez mais sério, enquanto ele procurava um caminho no meio da névoa que
envolvia seu cérebro e não permitia que o enredo se desenvolvesse a contento.
Durante horas, ficava na beira do cais, os olhos perdidos na vastidão de mar e céu,
sem se mexer, buscando... buscando... para depois voltar com novas frases soltas e
situações indefinidas que não levavam a nada. .
No dia anterior, cansada de tanto escrever coisas que não seriam aproveitadas,
Janet sugerira uma folga. Que tal se pegassem um trem e fossem para Nova York, para
se distraírem e verem coisas diferentes? A mudança não ajudaria a fazer nascer novas
ideias?
Ian ficara furioso. Ele sabia que tinha um problema, mas esse problema estava ali
mesmo e era preciso enfrentá-lo. Com nova disposição, tinha-se posto a ditar com
rapidez. Mas, por volta do meio-dia, resolveu desistir. Tudo o que tinha feito naquela
manhã também acabou indo para o cesto do lixo.
Desanimado, ele comunicou que Janet podia ir para casa e descansar o resto do
dia. Pegou uma caixa com seis latas de cerveja e foi para o cais, sentando em seu ponto
predileto, junto do veleiro. Janet não ousou se aproximar e acabou indo embora.
No dia seguinte, acordou e se arrumou, pensando em como iria encontrá-lo. Olhou
para o relógio. Meu Deus, como era tarde! Tinha passado uma noite muito agitada, com o
sono entrecortado por sonhos horríveis. Acabara perdendo a hora. Apressada, ia saindo
quando o carteiro apareceu e lhe entregou um envelope. Vinha da Grécia. O homem
comentou algo sobre aquele país e isso acabou por atrasá-la ainda mais.
Como Ian iria recebê-la? Se estivesse de mau humor, faria um escândalo. Rezava
para que ele estivesse bem. Já estava cansada de vê-lo sempre aborrecido por causa do
livro que não progredia.
Bateu à porta. Ninguém respondeu. Ian ainda estaria dormindo? Vai ver, já se
postara junto do veleiro. Bateu de novo, em vão. Usou a chave e entrou. A casa estava
em silêncio. Atravessou o hall, pensando em sair pelos fundos para ir até o cais. No
entanto, arriscou olhar para a sala de estar e viu Ian esparramado no sofá, dormindo
profundamente.

Ficou hipnotizada. Como ele era bonito! Era bom vê-lo com a expressão calma, o
corpo brilhando à luz do dia, vestindo apenas um short. Somente o gesso quebrava a
beleza do corpo atlético e bem proporcionado. Os cabelos, claros como trigo, se
espalhavam sobre o braço bom. Como ela queria acariciá-lo, entrelaçar os dedos nos
pêlos loiros, esconder o rosto naquele peito largo. —

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Janet... Faz tempo que está aí?


— Acabei de chegar.
— Que horas são?
Ela notou que Ian estava diferente, a voz meio enrolada. Chegou mais perto.
— Você está bem?
Quando se aproximou, notou olheiras profundas e uma expressão cansada. Sentou-
se no sofá, ao lado dele.
— O que você tem?
— Estou bem agora.
Janet não se convenceu. Ele podia estar com febre! Colocou-lhe a mão na testa,
mas sentiu-a fresca. Pegou a mão dele e a levou ao rosto.
— Quero ver seus olhos, Ian.
Ele levantou as pálpebras, com um gemido surdo. Foi o suficiente para que Janet
lhe visse os olhos vermelhos e injetados.
— Você está de ressaca, não é? — Ela se levantou.
— Por que saiu de perto de mim? Aonde vai?
— Vou buscar um remédio e fazer café, a não ser que prefira dormir até que tudo
isso passe.
— Não. Prefiro que faça o que disse. — Ian se virou e cobriu o rosto com uma
almofada.
Janet foi para a cozinha, pensando que ele ficava até engraçado, de ressaca, mas a
situação não era nada divertida. Já fazia dois meses que o conhecia e nunca o tinha visto
bêbado. Ian era forte, disposto, e não seriam seis latas de cerveja que o deixariam
naquele estado. O que teria acontecido?
Depois de pronto o café, Janet levou a bandeja para a sala, colocando-a sobre a
mesa. Sentou-se no sofá, junto de Ian.
— Acorde. Está na hora de tomar café. Sente-se.
Com grunhidos, Ian rolou o corpo, tentando se apoiar no braço bom. Mas assim não
poderia segurar o copo. Janet sentiu pena. Afinal, se não o tivesse atropelado, ele não
estaria em dificuldades. Tinha que ajudá-la.
Segurou o comprimido entre os dedos e mandou que ele abrisse a boca. Em
seguida segurou o copo junto dos lábios dele. Com a outra mão, sustentou-lhe a cabeça.
Enquanto ele tomava goles grandes, ela estremecia com o contato. Por que Ian
tinha essa capacidade de deixá-la em fogo?
— Chega?
— Quero mais. Estou com sede — e tomou a água toda, sem tirar os olhos dela.
Janet corou, mas intimamente estava satisfeita. Era bom ter de novo a atenção dele.
Depois colocou o copo vazio sobre a mesa, para pegar a xícara.
— Quer o café agora?
Percebeu, pelo olhar, o que ele realmente queria. Estava ali, naquelas pupilas, tão
claro como água. Seria fácil se enroscar nele, entreabrir os lábios, esperar pelo beijo,
pelas carícias...
Janet serviu-se do café que Ian recusara. Precisava ocupar as mãos antes que elas
se perdessem nos cabelos dourados.
— O que aconteceu?

— Nada interessante. Saí de veleiro, mas isso não ajudou muito. Então, fui à casa
de Jerry para conversar. Tomamos uns drinques e ele começou a falar... mas acho que
bebeu mais do que falou. E o pior é que Jerry não bebe sem companhia. Quando dei por
mim... Nem sei se vou me lembrar das histórias que ele me contou. Da próxima vez acho
que vou levá-la para tomar notas.
Ele se ajeitou no sofá, procurando achar uma posição melhor.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

Levantou a cabeça para acomodá-la no colo de Janet.


— Já que está bancando a enfermeira, faça o serviço completo.
Ela não se mexeu. Gostaria de acariciar os cabelos macios, mas conseguiu se
controlar.
— Cheguei em casa depois de meia-noite e fui dormir – ele continuou. — Não sei a
que horas despertei, com os apitos dos barcos, tão tristes e lamentosos. Fiquei
aborrecido, pensando em tudo o que gostaria de ter feito na vida e não fiz. As. coisas
estão acontecendo tão depressa e eu... não estou chegando a lugar nenhum!
— Está se referindo ao livro?
— Não... embora ele também seja um problema. Bem, quando despertei, me vesti e
fui até a rua do Oceano, para ver a neblina deslizar pelo canal. Passei por sua casa e até
pensei em chamá-la para começarmos a escrever, mas... acho que você não ia gostar,
não é?
— Eu teria vindo.
— Mesmo, doçura? — Ele sorriu e estendeu a mão para segurar o joelho dela. —
Bem... vim para casa sozinho e li o original do livro. Está uma droga!
— Não está, não!
— Sei que está. Àquela altura, tive vontade de sair na neblina para me lastimar junto
com os apitos.
— Teve uma noite difícil!
— Ainda por cima, o telefone tocou. Fui atender. Era Mona, ligando de Londres.
— A uma tal hora?
— Lá já havia amanhecido, mas Mona não liga a mínima para horários. Ela me
pediu que abrisse uma garrafa de champanhe antes que continuasse a falar.
— Champanhe? Para quê?
— Mona queria que brindássemos porque eu estava sendo o primeiro a saber do
casamento dela. Claro que não fui o primeiro. O noivo já sabia.
— Falou com ele? — Janet estava admirada. Como Mona podia agir assim com Ian,
mesmo que fosse um ex-namorado?
— Falei. Ele estava ali na cama, com ela. É arquiteto e me pareceu simpático. —
Ficou quieto por um instante, a mão ainda acariciando o joelho de Janet. — Espero que
ele seja um sujeito decente. Mona tem uma quedinha por salafrários...
Bem, depois que desliguei, fiquei sentado, com uma garrafa de champanhe aberta.
Não tive dúvidas e acabei com ela. Queria brindar ao meu futuro, mesmo que seja um
pouco nebuloso. Depois... só me lembro de vê-la aqui.
Ian continuava a acariciar o joelho dela, como se sua mente estivesse em outro
lugar. Parecia triste. Não devia ser fácil saber que seu velho amor ia se casar com outra
pessoa.
— Vá deitar e curtir a bebedeira, Ian. Podemos trabalhar amanhã.
— Se eu for, você me fará companhia?
Até que isso poderia deixá-lo mais animado, mas... não!
Ela apenas sorriu e balançou a cabeça.
— Então que tal tomarmos banho frio? A banheira é bastante grande para dois.
— Vá dormir — ela falou, em tom sério.
Ele suspirou e sentou-se, passando a mão nos cabelos despenteados.
— Nada disso, Janet. É hora de trabalhar. Vou tomar um banho rápido e aí podemos
começar.
— Mas...
— Estou muito atrasado com esses originais. Não posso mais brincar.
— O que acontece, se atrasar ainda mais?
— Recebi um bom adiantamento sobre o livro, mas já gastei quase tudo. Ele já
deveria estar quase pronto. Devo começar outro em outubro, nas Bahamas.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

Janet apertou os lábios. Então Ian ia embora! A realidade a atingiu como um soco.
Um dia, em breve, seu amor iria embora... Enquanto ele se vestia, Janet arrumou a sala,
recolhendo o Jornal espalhado, guardando uma malha jogada no chão. Sua mente
trabalhava rápido. Estavam quase em agosto e Ian iria embora em outubro! E ela
continuaria ali, lecionando, preparando-se para casar com Fred. Como tinha sido boba!
Foi para seu ateliê, onde guardava suas pinturas. Colocou várias delas contra a
parede. Seus olhos se fixaram no retrato que tinha feito de Ian, há poucos dias. Ele
estava no pátio e nem sequer percebera que ela captava seus traços firmes, a luz nos
olhos expressivos, o suave ar de riso... Mas, e agora? O que fazer com o retrato? Jamais
o venderia. Seus olhos se encheram de lágrimas.
Pôs a mão no bolso, em busca do lenço, quando sentiu a carta de Fred, esquecida
ali. Virou-se para a janela e começou, a ler. Fred queria que resolvessem logo sobre o
casamento. Queria marcar a data para outubro. Aproveitariam um fim de semana
prolongado e iriam para Nantucket, se ela quisesse passar a lua-de-mel lá.
Janet amassou o papel entre os dedos. Olhou para fora, o coração doendo.
Outubro... Ian estaria nas Bahamas. Como podia continuar vivendo como se ele nunca
tivesse existido? Mesmo Fred, com sua paciência ilimitada, não conseguiria reunir o que
restava dela. Precisava escrever a Fred e dar o noivado por terminado. Não podia se
casar com ele porque não o amava. Tinha dado seu coração a outra pessoa. Que
situação difícil! Fred a amava, e ela amava Ian. E Ian? A quem amava?
— Janet?
Do hall, ele a chamava. Tinham um acordo tácito de que aqueles eram os
aposentos dela e que ele não poderia entrar, a não ser que fosse convidado.
Janet se assustou com o chamado. Ficou de frente para a janela. Não queria que
Ian visse suas lágrimas.
— Pode me ajudar a vestir a camisa? — Ele estava na porta do quarto, olhando
para ela. Ela precisava de tempo para se recompor, mas nem podia enxugar as lágrimas
para que ele não as percebesse.
— Janet? O que aconteceu?
— Nada.
— Então vire-se e olhe para mim.
— Saia daqui. Este é meu quarto, lembra-se? — Você... está chorando, não está?
— Não!
Ele a abraçou, encostando-a no corpo forte. A ternura daquele gesto fez com que as
lágrimas continuassem a rolar pelo rosto dela.
— Querida... O que é isso? Não chore! Por que... – Ian roçava os lábios no rosto
molhado. — Então é por isto, não é?
Janet abriu os olhos, tonta com a proximidade dele, e levou alguns segundos para
notar a que se referia. Ian olhava para a carta amassada entre os dedos dela.
— Acabou de lê-la?
Ela concordou, sentindo-se protegida e segura naqueles braços fortes. Queria que
aquele momento não acabasse jamais. — Sente tanta falta assim de Fred?
Janet não resistiu mais e um soluço profundo escapou de sua garganta, seguido de
outro e mais outro. Ian chegou a uma conclusão óbvia: — Janet... Janet... Diabo!

Virou-a, pressionando-a contra o corpo. Ela afundou a cabeça no peito macio,


sentindo o cheiro gostoso da pele recém-lavada. Ian passou a mão nos longos cabelos
castanhos, murmurou palavras doces, roçou o rosto no dela, até que, lentamente, os
soluços foram se espaçando e pararam.
— Olhe para mim, Janet.
Ela não podia! Se Ian visse seus olhos, descobriria quanto o amava.
— Janet...

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A campainha soou com insistência. Ele levantou a cabeça, ainda apertando-a com
força. A campainha tornou a soar, um toque longo e dois curtos. Ian suspirou e deu um
passo para trás. Janet sentiu falta dos braços protetores.
— Doçura, você tem que se controlar. Infelizmente, temos visita. Vá lavar o rosto,
está bem?
"Visita? De quem?", ela se perguntou.
— Desça quando estiver pronta. — A campainha tornou a soar e Ian saiu do quarto.
Janet foi lavar o rosto, pensando que ele devia estar esperando essa pessoa, pois
reconhecera o toque. Preferia não ver ninguém, mas, já que era inevitável, ia pentear o
cabelo e descer.
Fez tudo bem devagar. Talvez, se demorasse mais um pouco, a visita fosse
embora.
Ouviu vozes lá embaixo. Não queria espionar, mas eles falavam alto e era
impossível deixar de prestar atenção.
— É difícil acreditar, Ian! — uma voz feminina falava. Se dissesse que quebrou o
braço entrando na cama de alguém, eu poderia achar razoável, mas ao se levantar! —
Riu com vontade, alto e bom som.
— Está bem — ele respondeu, brincando. — Então me dê mais uns minutos que
invento urna história melhor. Estou um pouco fora de forma hoje.
— Foi o que notei. — A voz da mulher era ácida. – Andou bebendo?
— É tão evidente assim?
— Tudo é evidente para olhos treinados. — Ela continuou, agora em tom sério: —
Onde está a tal secretária?
Janet achou que era hora de descer. Preferia acabar com aquilo de urna vez. Sabia
que não ia ser agradável, mas tinha que enfrentar a situação.
Quando chegou à sala, viu-se diante de olhos azuis muito frios, urna face bem
maquilada, um par de sobrancelhas finas e arqueadas. Imediatamente Ian as apresentou:
— Irene Adams, esta é Janet Kinnane. Irene é minha agente.
"Não só agente como antiga amante... e muito zangada", Janet acrescentou para si
mesma. Reparou melhor na mulher, muito loira, vestida com um conjunto branco
finíssimo, cujo preço devia corresponder a seu salário de um mês inteiro.
— O mercado de trabalho aqui anda tão mal que só lhe restou contratar urna menina
recém-saída das fraldas?
Janet levantou o queixo em sinal de desafio. O dia não tinha sido nada fácil e ela
não era obrigada a agüentar humilhações.
Mas Ian interveio: — Ela já é bastante crescida para escrever à máquina.
— Hum... — Irene voltou a olhar para Janet. – Quantas palavras por minuto
consegue datilografar?
— Não faço a menor ideia — Janet respondeu com firmeza, embora sentisse o
rosto em fogo.
— Não ligue para essa pergunta, Janet. Irene tem um interesse muito grande
naquilo que produzo. É minha agente e se sente ansiosa por saber como vai meu
trabalho.
Irene voltou os olhos para Ian.
— Por falar nisso, como anda o livro?
— Vou começar o capítulo onze.
— Ainda? Era isso que eu receava. Posso ver o que já escreveu?
— Se faz questão... Quanto tempo vai ficar por aqui, Irene?
— O tempo que quiser me hospedar. O tempo necessário para pôr você na linha.
— Então vamos tratar de acomodá-la lá em cima. Depois podemos sair para almoçar
fora.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Sair para almoçar? No meio do livro? — Irene estava espantada. — Seus


hábitos estão mudando, hein? Não dizia que não misturava trabalho com prazer?
Ele se limitou a sorrir, sem responder. Virou-se para Janet.
— Terá que abrir mão de seu estúdio por uns dias. Quer juntar suas coisas?
— Está bem.
Ela ficou contente por poder sair dali. Sentia o ambiente carregado demais.
Estava retirando as tintas da gaveta quando Ian entrou no quarto, carregando uma
mala.
— Janet... por que estava chorando tanto?
— Eu... eu...
Nesse momento, a voz de Irene se fez ouvir no corredor: — Ian, onde você está?
— Aqui!
A mulher entrou no quarto e chegou até a janela, maravilhada com a vista.
— Que lugar encantador!
— Também acho.
— E a vista de seu quarto... também é bonita assim? Houve um momento de
silêncio antes que Ian respondesse: — É mais bonita ainda.
Janet não levantou os olhos do estojo das tintas. Juntou pincéis, tubos e os guardou
com cuidado.
— Saia daqui, agora — Irene disse a Ian. — Quero trocar de roupa.
Janet começou a sentir que o quarto era pequeno demais para elas. Queria ir
embora. Acabou de juntar o que lhe faltava.
— Pelo anel que vejo em seu dedo, presumo que está noiva. — Irene agora se
dirigia a ela.
— Estou, sim.
— Seu noivo deve confiar muito em você, para deixá-la trabalhar com Ian Wykoff.
— Ele não está preocupado com isso.
— Pois deveria estar. Ian coleciona mulheres como outros colecionam selos.
Janet não respondeu. Fechou a caixa das tintas e foi recolher seus quadros.
— Pode deixá-los aqui — Irene avisou.
Janet compreendeu que aquela mulher não ia dormir ali, mas sim no quarto de Ian...
com ele!
— Obrigada, mas prefiro levá-los. — Janet pegou as pinturas e nesse momento
apareceu o retrato que tinha feito de Ian.
— Está muito bom! — Irene chegou mais perto, para examiná-lo melhor.
— Obrigada.
— Quanto quer por ele?
— Não está à venda.
— Srta. Kinnane, vou lhe dar um conselho.
— Não pedi e não creio que precise de um.
— Mesmo assim, vou lhe dar. Não leve Ian a sério. – A boca pintada de vermelho
sorriu, embora os olhos continuassem gelados. — Digo isso para seu próprio bem.
Janet saiu para o hall e Irene a acompanhou. Desceram a escada e encontraram
Ian, que as esperava.
— Aonde podemos levar Irene para almoçar? — ele perguntou, tentando parecer
alegre.
— Leve-a ao Pier — Janet sugeriu.
— Você vem conosco, não vem?
— Prefiro não ir. Não estou disposta.
— Faço questão que venha.
— Não, obrigada. Hoje não.
Janet olhou para ele com raiva. Por que insistia tanto?

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Deixe de ser ditador, Ian — Irene interveio, rindo. Aproximou-se dele e o


abraçou. — Dê um dia de folga à pobre garota!
Ele observou Janet e percebeu que ela estava decidida a não ir. — Está bem.
Como quiser, Janet.
Com muito custo, ela chegou à porta da frente. Sentia as pernas trêmulas, mas,
mesmo assim, se afastou da casa e começou a subir a colina. Já estava no meio do
caminho quando lembrou que tinha deixado a chave de sua casa na mesinha ao lado do
sofá. E agora?
Não queria voltar lá, mas não havia outra solução. Respirou fundo e retomou. Bateu
à porta, mas ninguém atendeu. Não teve coragem de tocar a campainha. E se os dois
estivessem lá em cima? Não queria perturbá-los. Talvez estivessem no pátio e não
pudessem ouvi-la. Não custava nada dar uma olhada. Contornou a casa e espiou por
cima do muro lateral.
Eles estavam lá, mas não admiravam a paisagem. Ian estava de costas, o corpo
grande encobrindo o de Irene. Mesmo assim, Janet pôde ver os dedos dela, de longas
unhas vermelhas, subirem pelos ombros de Ian e se enroscarem no cabelo loiro. Ainda a
viu puxar-lhe a cabeça, para que seus lábios pudessem se entregar aos dele.
Janet saiu dali correndo. Por que mudar seus planos em relação a Fred? Sentia uma
espécie de náusea, uma sensação desagradável, amarga. O que Ian tinha dito sobre o
monstro que devorava as entranhas quando alguém que se amava sorria para outra
pessoa? Ela estava aprendendo depressa a reconhecer o outro lado do amor.
Sem saber como, Janet chegou em casa. Deu um jeito de abrir uma janela mal
fechada e entrou em seu ninho. Tirou do armário uma mala já usada e colocou nela
algumas roupas. Encontrou cópias das chaves, pegou dinheiro, aguou as plantas e saiu.
Newport era pequena demais para os três. Tinha que escapar dali. Meia hora mais
tarde estava num ônibus, seguindo para Boston.

CAPÍTULO IX

Nem a distância nem o tempo resolveram os problemas de Janet. Ela foi para a casa
de uma amiga, Liz, e passava os dias vagando pelas ruas da cidade, pintando e
pensando em Ian. Depois que Liz chegava do trabalho, sentavam e conversavam sobre
Ian. À noite, acomodada no sofá da sala para dormir, virava de um lado para outro,
sonhava, acordava e Ian nunca saía de seus pensamentos.
Quatro dias mais tarde, ela se deu por vencida e tomou o ônibus de volta para
Newport.
Sentada no banco confortável, começou a fazer uma análise fria da situação. Não
sabia como agir, que atitude tomar, não podia ficar fugindo para sempre. Já abusara da
hospitalidade de Liz, não queria apelar para os pais, que já tinham seus próprios
problemas para resolver, e não poderia ir para a Grécia, à procura de Fred. Portanto, só
lhe restava Newport.
— Tire esse homem da cabeça — Liz tinha-lhe dito. — Durma com ele o mês de
agosto inteirinho e vai ver como muda de opinião e passa a odiá-lo.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

Janet sabia que isso não ia funcionar. Não lhe interessavam as experiências. Queria
se dar a um homem por completo, pelo resto da vida. Mas não era o que Ian queria.
Reconhecia que ele tinha usado muitos truques para tê-la a seu lado, mas o fato era
que tinha prometido ajudá-lo a terminar o livro e não cumprira a promessa. Perguntou-se
se Irene havia conseguido fazê-lo dedicar-se ao trabalho em tempo integral e não
encontrou resposta.
Pensando em Irene, lembrou-se de Fred. Tinha resolvido esperar que ele voltasse.
Em vinte dias, Fred estaria ali e então, pessoalmente, ela daria o caso por terminado. Era
melhor do que mandar a notícia por carta. Janet havia respondido que não deviam marcar
o casamento ainda e que conversariam quando ele chegasse. Talvez isso o deixasse
preparado para o golpe final.
Tinha que parar de pensar em tudo isso! Sua cabeça já estava estourando!
Precisava se distrair. Abriu a bolsa e pegou o livro que tinha comprado com Ian, o
primeiro que ele havia escrito. Qualquer coisa serviria para afastar seus pensamentos dos
problemas que a afligiam.
Folheou o livro, procurando os melhores pedaços para ler. Sem querer, olhou de
novo a dedicatória. Ao lado de "Para Al e Mona" estava acrescentado "Para a querida
Janet". Ela se espantou. Quando Ian teria escrito aquilo? No restaurante! Claro, quando
ela fora ao banheiro!
Janet perdeu-se de novo em pensamentos e só percebeu que o ônibus chegara a
Newport quando o veículo estacionou. Desceu, percorreu as ruas desertas e se
encaminhou para seu apartamento. Encontrou Cathy, sua inquilina, sentada nos degraus
da escada, conversando com amigos. Janet não sentia vontade de falar com ninguém.
Limitou-se a acenar para todos e já ia entrar quando Cathy se aproximou.
— Como vai, Janet? Gostou da viagem? Um homem veio procurar você. Era loiro e
estava com o braço quebrado.
— Oh... O que foi que ele disse?
— Bateu em minha porta e perguntou por você. Respondi o que me pediu, que tinha
se mudado em junho e não sabia para onde.
Janet mordeu o lábio.
— E aí, Cathy?
— Ele não falou nada mais, ficou parado, muito quieto, e depois, com delicadeza,
empurrou a porta e entrou. Não consegui detê-lo.
— Sinto muito que tenha tido que enfrentar esses transtornos, Cathy. Mas... o que
ele fez em seguida?
— Andou pelo apartamento todo e me perguntou por que seus móveis e plantas
continuavam ali. Eu não sabia o que dizer, mas acabei contando que me alugou o
apartamento mobiliado. Ele foi até o telefone, reparou no número e depois foi embora.
— Estou aborrecida por ter lhe causado problemas, Cathy. Não tive a intenção de
envolvê-la nesse caso.
— Tudo bem comigo, Janet, mas acho que você devia chamar a polícia. No dia
seguinte, vi que ele andava olhando pelas janelas da frente. E seu telefone tem tocado dia
e noite.
— Reparou se ele olhou pelas janelas do fundo? — Janet quis saber. Se Ian tivesse
visto suas plantas ali, saberia que ela voltaria.
— Não prestei atenção, mas, mesmo assim, acho que você deveria se garantir e
falar com a polícia.
— Não se preocupe, Cathy. Esse homem não é do tipo violento. Sei como lidar com
ele. Obrigada por tudo e desculpe o transtorno.
— Bem... você é quem sabe.

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Janet foi para seu apartamento. Fechou bem as portas e colocou a corrente de
segurança na porta dos fundos. Devia tomar todas as precauções, porque Ian parecia
pronto para a guerra.
Mas... o que fazer com a cozinha? Iluminada e sem cortinas, ela não oferecia
nenhuma segurança. Qualquer pessoa que olhasse pelas janelas veria tudo o que
acontecia lá dentro. Janet se sentiu tão vulnerável que apagou as luzes e deixou que
apenas o luar iluminasse o local.
Estava quente ali dentro, com tudo fechado. Ela caminhou para a sala-quarto, tirou a
roupa e colocou uma camisola leve e curta. Estava melhor assim. Pensou que Ian havia
procurado por ela porque queria escrever. Tinha faltado a suas obrigações, mas, de
qualquer forma, não voltaria à casa dele. Compraria um gravador no dia seguinte e o
mandaria para lá. Depois... bem, depois tentaria nunca mais tornar a vê-lo.
Voltou à cozinha para pegar água. Estava com sede. Chegou perto da geladeira e
ouviu um barulho na porta. Ficou gelada, o coração batendo alucinado. Quem seria? Ela
se virou e ficou parada, como uma estátua.
Viu a maçaneta girar uma, duas vezes...
— Janet? Abra a porta! — Era Ian!
Ela continuou imóvel. No lugar onde estava, ele não poderia vê-la.
— Janet! Abra esta porta! Sei que está aí.
Ele estava blefando. Só podia ser isso. Não podia vê-la! Sua respiração se tornou
rápida e curta.
A maçaneta girou de novo, houve um barulho de chaves e a porta se entreabriu,
segura apenas pela corrente de segurança. Janet quase gritou, mas depois se lembrou de
que tinha deixado suas chaves na casa de Ian, quando saíra de lá correndo. Ele as tinha
e por isso conseguira abrir a porta.
— Janet, se não quer que eu arrebente tudo, é melhor vir abrir... agora!
Ela sentiu raiva de si mesma. Deveria estar furiosa, e não amedrontada!
— Ian, saia já daqui! Entendeu?
— Nada disso! Abra a porta!
— Não quero que entre!
Ela ouviu o som de madeira quebrada, enquanto lascas do batente voavam pela
cozinha. A porta rangeu e finalmente se abriu, dando passagem a Ian, que, de punhos
fechados, olhar fulminante, respiração entrecortada, vagarosamente se aproximou dela.
— Não... por favor... — Janet murmurou, estendendo as mãos para empurrá-la.
Ele chegou mais perto e agarrou-a pela cintura. Por baixo do tecido leve da
camisola, Janet sentiu o calor daquela mão.
Um tremor tomou conta de seu corpo.
— Por favor, vá embora!
— Tenho vontade de... de... torcer seu pescoço! — E a puxou para junto de si.
Janet tentou escapar, procurando ficar longe daquela boca tentadora. Com isso, sua
camisola abriu-se, expondo os seios rijos. Muito devagar, Ian se abaixou e passou a
língua sobre o bico róseo, que no mesmo instante endureceu, mostrando o desejo que a
dominava.
— Ian... não...
Ele fez que não a escutou. Inclinou a cabeça até alcançar o vale entre os seios e
sugou, ora um, ora outro, os bicos eretos e palpitantes.
Janet se agarrou ao pescoço dele, mais para buscar apoio para suas pernas, que
amoleciam e não podiam mais sustentá-la.
— Ian... não faça isso... — ela murmurou num fio de voz, enquanto apertava a
cabeça dele contra o corpo.
— Diga isso com raiva, se quiser mesmo que eu pare.

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

— Por favor... — Ela sentia o corpo em paixão crescia e ameaçava tomá-la por
inteiro.
E deslizou a mão em direção aos quadris arredondados, para subi-la pelas costas
macias, em movimentos circulares que punham Janet num mar de fogo. Ao mesmo
tempo, seus lábios continuavam explorando os seios jovens.
Janet já nem podia pensar, mas algo em sua mente lhe dizia que precisava fazê-lo
parar com aquelas carícias extasiantes. Mas... como?
Ian a encostou contra a pia, enquanto sua coxa forte abria caminho entre as dela.
Janet ficou com a respiração suspensa, ao sentir o sexo duro e quente contra sua
calcinha.
— Ian... Ian... por favor!
Ele se apossou dos lábios carnudos de Janet, como se estivesse faminto por
carícias. Explorou o interior úmido e quente daquela boca que correspondia ao beijo com
igual avidez. Por um longo momento, saciaram a sede do amor, para depois Ian passar a
beijar o rosto delicado, as orelhas pequenas e se deter no pescoço esguio.
— Por que fugiu, Janet? Não foi por causa daquela carta, foi? Cheguei a pensar que
já estivesse na Grécia! Tenho procurado por você como um louco! Desde que Irene foi
embora, não faço outra coisa!
Foi como se uma ducha fria a tivesse atingido. Irene! Como podia ter esquecido? As
noites passadas com ela não tinham satisfeito Ian? Ou ela havia apenas atiçado o fogo
para que Janet se queimasse nas labaredas até apagá-lo?
Ian a apertava nos braços, novamente lhe beijando os seios.
Carregou-a com facilidade e se encaminhou para o quarto.
— Quer fazer o favor de me colocar já no chão? – Janet falou furiosa.
— O quê? — À luz do luar, os olhos de Ian pareciam enormes, ameaçadores.
— Me largue!
Ele a colocou no chão, embora não a soltasse completamente. Reparou nos seios
que subiam e desciam pela respiração ofegante.
— Por quê? Por que me fez parar?
— Porque não quero você! — Ela não estava mentindo.
Não o queria daquele jeito.
Ian ficou imóvel, apenas observando-a com o olhar. Depois colocou a mão no
pescoço dela, o polegar forçando a base da garganta. Janet ergueu o queixo, para
mostrar que não tinha medo. O que ele pretendia? Matá-la por asfixia?
— Não adianta mentir, Janet. Sei que me deseja. Sinto que sua pulsação está
agitadíssima. Seu corpo me quer!
Era incrível, mas ele podia perceber claramente o que ela sentia. Sim, claro que o
desejava. Queria se dar a ele, ir para a cama com ele, fazer parte dele. Mas não daquele
jeito. Não admitia completar o que Irene tinha começado. Queria ser a única dona do
coração de Ian ou então não ser nada.
— Vá para o inferno! Odeio você!
Ele ficou tenso e seus olhos se transformaram em pedras de gelo. Virou-se e em
poucos passos saiu da casa, batendo a porta da cozinha com força.
Janet não conseguia se mexer. Apenas olhava a porta fechada, as lágrimas rolando
de seus olhos, o coração prestes a estourar de dor e frustração. Não podia deixá-lo ir
embora daquele jeito! Não podia deixá-lo acreditar que realmente o odiava!
Sem ligar para seus trajes, correu para a rua, disposta a chamá-lo. Mas Ian já tinha
desaparecido.
Ele tinha ido embora, zangado, furioso, incapaz de perdoá-la pelas palavras rudes.
Mas... deveria mesmo se sentir assim? Ela havia sido cruel, mas Ian também não tinha
agido do mesmo modo, achando que podia apenas usá-la?

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Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

CAPÍTULO X

Janet passou a manhã toda ao lado do telefone, rezando para que ele tocasse.
Ficou furiosa, mas reconheceu que tinha de tomar a iniciativa. Afinal, precisavam terminar
de escrever o livro, justificou-se.
Mas esse não foi o verdadeiro motivo que a levou para a casa de Ian, por volta do
meio-dia. No fundo, não agüentava mais se manter afastada dele.
Bateu à porta, tocou a campainha, mas ninguém atendeu.
— Por que os homens não gostam de nos dar satisfações?
A esposa de Jerry, usando luvas de jardinagem, apareceu ao lado de Janet. — Seu
marido não a avisou que ia viajar?
Ela ficou sem fala por alguns segundos, não só porque a sra. Connally pensava que
ela fosse casada com Ian, como também, e principalmente, por saber que ele não estava
lá.
— Quando ele volta?
— Não sei. E o pior foi que levou meu maridinho junto.
Provavelmente, vão acabar se arrebentando, porque Jerry não sabe dirigir aquele
carrão!
— Para onde eles foram, sra. Connally?
— Para Nova York. Estou tão preocupada! Temos que rezar para que nada lhes
aconteça.
— Não disseram mesmo quando iam voltar? — Não era possível que Jerry Connally
ficasse muito tempo afastado da mulher.
— Vou apanhar Jerry hoje à noite, na estação de Kingston. Quanto a Ian... não sei.
É o cúmulo que ele não a tenha avisado!
— Ele deve ter deixado um bilhete. — Janet tratou de contemporizar. — Obrigada,
sra., Connally.
Não pretendia usar as chaves que tinha, mas, nesse caso, era o melhor que podia
fazer. Como a casa parecia vazia! Foi para a sala, procurando em todos os lugares para
ver se encontrava um bilhete. Nada. Por que Ian tinha ido embora? Por causa da noite
anterior? Porque ela não se dispusera a ir para a cama com ele? Que tristeza... Os dois
poderiam ter uma vida maravilhosa, juntos, se...se pelo menos. Ian a amasse! Por que só
existia desejo e não amor? Tudo seria perfeito, se pudessem realmente se dar, partilhar
esse sentimento maior.
Na cozinha, ela encontrou um envelope rasgado e um telegrama. Não teve dúvidas.
Podia ser errado, mas ia ler.
"Você venceu. Mona." Só isso. Quando o telegrama teria chegado? Na certa Ian
partira por causa dele. Para encontrar Mona em Nova York.
Mas isso não fazia diferença nenhuma. Janet sabia que, se não fosse Mona, haveria
Irene, ou qualquer outra daquela longa lista do caderno de endereços de Ian. Ela não
tinha vez, porque estava lutando por amor, enquanto ele só pensava em sexo.

65
Julia 307 - Peggy Nicholson - Estranho sedutor

Janet reparou que a mesa onde costumava datilografar estava vazia. Nem a
máquina, nem as folhas em branco, nem o original, feito com tanto cuidado. Então era
isso! Ian havia terminado o livro e partido de vez! Para ele, o verão tinha terminado, sua
obrigação estava concluída e provavelmente nem se lembrava mais que Janet existia.
Estava tudo acabado. Ian tinha dado um jeito de trabalhar sem ela. Janet sorriu com
amargura, enquanto deixava que as lágrimas rolassem livremente. Com ela, o trabalho
tinha sido difícil e vagaroso, mas, assim que Ian se vira sozinho, voltara à antiga forma.
Talvez por isso também tivesse ido embora. Ela o atrapalhava!
Janet vagou pela casa toda, catando aqui e ali coisas que lhe pertenciam. Encontrou
um pincel esquecido, um tubo de tinta quase terminado, uma caixa de lenços de papel, a
begônia que tinham comprado. Ia levar tudo para casa. Saiu para o dia quente, de volta
para sua casa. O sonho acabara.
Ao se aproximar do apartamento, Janet viu Cathy em pé nos degraus da escada e,
ao lado dela, um homem de costas. Resolveu que não ia parar para conversar. Entraria
pelos fundos.
— Janet?
Ela não podia acreditar em seus olhos. Fred! Ele estava bem, mas parecia mais
velho e triste, com ar aborrecido.
— Como está? — Ele a ajudou a carregar a begônia.
— Estou bem — ela conseguiu responder, sem tirar os olhos dele. — Como correu
tudo, na Grécia?
— Querida... quero saber como vão as coisas por aqui! Ouvi rumores de que... bem,
suas cartas... Tive que voltar para saber como... bem, se você...
Janet suspirou. Era tão injusto! Fred lhe era tão dedicado, lhe inspirava tanta
segurança, poderiam ser tão felizes juntos, se... se Ian não tivesse estragado tudo! Agora,
nada mais poderia ser como antes.
— Fred...
— Diga, meu bem.
— Vamos entrar e tomar uma xícara de chá. Quero que me fale sobre a Grécia.
Amanhã eu lhe conto sobre as coisas daqui, está bem?
Fred observou o rosto querido, viu as lágrimas quase saltando daqueles olhos que
lhe imploravam que concordasse.
— Está bem. Vou pegar minha mala.
Fred tinha deixado o próprio apartamento em maio, antes de ir para Grécia. Ficaria
lá o verão todo, esperaria Janet, se casariam e na volta morariam na casa que já era dela.
Portanto, o mínimo que Janet podia fazer era abrigá-lo até que ele encontrasse um lugar
para ficar.
Cathy, felizmente, resolveu a situação, propondo que Janet partilhasse o
apartamento com ela de modo que Fred pudesse ocupar o andar térreo, até que
encontrasse para onde ir.
Com uma longa conversa, Janet expôs a situação ao noivo. Tirou o anel de
brilhantes e o pôs nas mãos de Fred.
— Nada mudou para mim, Janet. — Ele olhava o anel, sem querer recebê-lo.
Como? Fred era cego? Não via que não podiam mais casar?
Não sentia que o coração dela pertencia a outra pessoa?
— Sinto muito, Fred, mas não posso mais usá-lo. Você compreende, não é?
— Você se sente assim agora. Posso entendê-la. Mas, à medida que o tempo
passar... dentro de um mês ou dois...
— Desculpe, mas não vou mudar de ideia.
Fred olhou para o anel, depois para ela. Segurou-lhe a mão delicada e colocou a
jóia nela.
— Guarde-o. Não vamos nos apressar.

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— Mas não posso continuar a usá-lo!


— Não tem importância, meu bem. Apenas quero que o guarde. Pode ser que...
Não adiantava insistir. Tudo bem, havia lugar para o anel em sua caixa de jóias.
Mais tarde, quando Fred estivesse convencido de que não havia mais nada entre eles, o
devolveria de uma vez.
O tempo foi passando sem que Janet se desse conta. Pintava quase que todos os
dias. Nessa mesma manhã tinha saído bem cedinho, antes de nascer o sol, e passara o
dia pintando diversos ângulos daquele lugar tão cheio de poesia.
Ao chegar em casa, encontrou Fred e Cathy conversando no terraço. Sorriu,
contente de ver que alguém gostava de estar com o ex-noivo e lhe fazer companhia.
Quem sabe se entendessem?
— Tudo bem, Janet?
— Tudo, Fred, e com você? Olá, Cathy.
A amiga cumprimentou-a com um sorriso e logo entrou, dizendo que tinha o que
fazer. Janet sentou-se no degrau, ao lado de Fred.
— Querida, não acha que está na hora de começar a pensar nas aulas que se
aproximam? — Fred falava com calma. — Já estou cuidando de preparar as minhas.
Era verdade. Setembro se aproximava rapidamente e com ele o reinício das aulas.
— Você está emagrecendo muito. Precisa dar um jeito de resolver o que a aflige.
Janet suspirou. Bem que gostaria, mas... como?
— Cathy nos convidou para jantar — Fred prosseguiu.
Vai fazer lasanha e diz que é sua especialidade.
— Não tenho fome. Prefiro não jantar.
— Ei, mocinha, não pode agir assim! Tem que se alimentar!
— Já comi um sanduíche e estou bem.
— Hum... vou lhe fazer uma proposta: se jantar hoje, eu lhe conto sobre um
telefonema que recebi enquanto você esteve fora.
— Alguém me ligou? — Os olhos de Janet brilharam, iluminados pela esperança.
— Venha jantar, que lhe conto tudo.
— Fred, por favor, quem foi?
— Bem... ele ligou apenas para dizer alô e avisou que o livro finalmente está saindo.
— Só isso?
— Não. — Fred apertou os lábios. — Disse também que devolvesse a chave da
casa porque Mona ia precisar dela. Nem sabia que você tinha essa chave, Janet...
— Isso foi tudo? — Ela queria saber de todos os detalhes. Nem se abalou, ao ver
como Fred ficara amolado ao saber da chave.
— Foi. Agora venha comer.
Janet deu um jeito de engolir alguma coisa, durante a refeição. Ouvia o que diziam,
sorria, mas sua mente não estava ali. Queria sair, ficar sozinha e à vontade.
Logo que foi possível, pediu licença e se retirou. Correu para a rua, onde encontrou
um telefone público. De lá poderia ligar para Ian.
Mas o telefone tocava e tocava sem que ninguém atendesse. Ligou para a
telefonista e pediu auxílio. Foi então que ficou sabendo que o telefone tinha sido
desligado e lembrou de que Ian ia alugar a casa depois do verão. Talvez já tivesse feito
isso. Onde ele estaria agora?
Somente Irene Adams poderia lhe fornecer a informação. Mesmo sabendo que
poderia ouvir uma resposta desagradável, resolveu ligar para ela. Queria notícias de Ian.
Mas já era tarde. E se Irene estivesse dormindo? Mesmo assim, ia tentar.
Procurou o número na lista. Discou e esperou que a ligação se completasse.
— Alô?
Aquela voz era inconfundível! Ian! O que ele fazia na casa de Irene?

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— Alô? — Uma pausa. — Alô? — ele repetiu, impaciente. — É melhor falar ou


então vou desligar.
Janet não encontrou o que dizer. Sentia-se vazia, desanimada, desesperançada.
Tinha sido uma tola, ao ligar para a casa de Irene.
— Quem é, querido? — Janet ouviu a voz sonora da mulher.
— Algum engraçadinho que não tem o que fazer e fica perturbando os outros. Alô?
Janet desligou. Tinha que enfrentar a realidade. Já era mais do que hora de
esquecer Ian. Ele fazia parte do passado, de um sonho que não voltaria mais.
Devagar, com passos lentos e pesados, ela caminhou para casa. Era duro, mas
tinha de reconhecer que estava tudo acabado. Não podia nem devia continuar pensando
em Ian. Agora precisava reunir seus pedaços e tratar de reconstruir sua vida.
Não sabia como, mas teria que dar um jeito. Não tinha mais nada. Nem Fred, nem
Ian, nem motivação para pintar. Nada mesmo. Mas, de algum modo, precisava
recomeçar. Haveria de encontrar forças para voltar a viver sem Ian, sem seus carinhos,
sem sua presença marcante, sem...
Ela engoliu um soluço. Não sabia como, mas tinha que dar um jeito!

CAPÍTULO XI

— Tem certeza de que não quer ir conosco? Sempre teve vontade de ir a um


concerto em Tanglewood e agora chegou a oportunidade! -- Fred tentava convencê-la. —
Acho que um dia fora lhe faria muito bem.
— Venha conosco, Janet — Cathy insistiu. — As montanhas Berkshire são
maravilhosas e há lugar para todos, na casa de meus pais. Eles adorariam conhecê-la!
Janet sorriu, mas sacudiu a cabeça, negando.
— Obrigada, Cathy, mas só falta uma semana para as aulas começarem. Tenho que
preparar meu planejamento. Além disso, quero lavar a cabeça e aproveitar o domingo
para dormir até tarde.
— Está bem, então — Fred concordou. — Voltamos amanhã à noite.
Janet reparou nos dois, que entravam no carro. Cathy estava feliz, ao lado de Fred,
e ele tinha voltado a sorrir, os olhos sempre alegres. Pelo menos Ian tinha conseguido
uma coisa de bom, ao entrar em sua vida, havia permitido que Fred e Cathy se
conhecessem e se entendessem. Ainda bem. Mais um pouco e ela poderia devolver o
anel, sabendo que Fred não o recusaria.
Um carro luxuoso parou do outro lado da rua. Uma moça alta e elegante desceu e
se aproximou dela. Sua voz era sonora e cristalina.
— Você é Janet, não é?
— E você é Mona.
— Isso mesmo. Sou a tia de Ian.
— Tia? — Janet abriu os olhos, surpresa. Mona riu com vontade.
— Ian nunca lhe disse? Ele sempre achou esquisito ter uma tia mais nova. Na
escola, sempre estava um ano na minha frente e dizia não querer ter uma tia atrasada! —
Riu com gosto, para depois se acomodar nos degraus, ao lado de Janet. – Há mais de

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uma semana planejo vir conversar com você, mas Peter e eu estamos tão ocupados,
pensando nos detalhes do casamento e da lua-de-mel, que quase não tenho tempo para
mais nada.
Janet ouvia, sabendo que nada disso fazia diferença para ela. Se Mona era tia de
Ian e, portanto, não representava perigo, ainda havia Irene e todas as outras do tal
caderninho.
— Tem que me ajudar, Janet.
— Eu? Como?
— Há duas semanas, Ian me pediu que lhe comprasse um presente de casamento.
Deve ser para logo, não é? No entanto, ele não me disse do que você gostava. Como
estou indo para Boston, para encontrar meu noivo, pensei em parar aqui e conversar com
você. Vai me dar uma ideia, não é? Ian disse que queria um presente realmente bom.
— Eu... lhe agradeço muito, mas não é preciso, obrigada.
— Sei que não, mas Ian insiste em lhe dar alguma coisa. Portanto, por favor, me
ajude a escolher.
— Obrigada, Mona, mas não vou mais me casar.
— Mas... Ian me disse que seria na primeira semana de setembro e estamos quase
lá! O que aconteceu?
— Nada, mas não vou mais casar. Só isso. — Janet se levantou. Queria sair dali.
— Compreendo. — Mona também se levantou. — Nesse caso, tenho que lhe
entregar uma coisa. Está no carro. Espere um pouco. — Foi até o automóvel, conversou
brevemente com o homem sentado atrás do volante e voltou para junto de Janet.
— Eu deveria colocar este cartão junto com o presente. — E entregou-lhe um
envelope.
— Até logo, querida. Vejo você outra vez.
— Adeus.
Mona atravessou a rua e entrou no carro, que se afastou devagar. Janet resolveu
entrar e foi até a cozinha, fazer um chá. Pôs a água para ferver e abriu o envelope, onde
encontrou um bilhete.
Nunca tinha visto a letra de Ian, mas instintivamente sabia que era dele. Era uma
letra grande, cheia de ângulos, decidida.
Ele começou sem saudá-la, como se estivesse continuando uma conversa: "Não
consegui encontrar sua declaração de culpa, Janet, mas considere sua dívida cancelada.
Foi paga. Nós já estávamos quites quando consegui que você a assinasse.
Seja feliz, Ian. "
Janet enxergava as palavras através de uma cortina de lágrimas. Correu para o
banheiro e se pôs sob o chuveiro, enquanto chorava até não poder mais. As lágrimas,
misturadas às gotas de água, lhe pareciam menos salgadas e dolorosas.
Por que, meu Deus? Por que ela se sentia tão magoada, tão vazia, tão sem
perspectivas? Chorou alto, soluçando, deixando que a expressão física de sua dor
pudesse aliviá-la. Esgotou a emoção, mas a dor permaneceu em seu coração, forte e
latente. Não iria parar nunca? Não conseguiria se livrar de Ian? Se o verdadeiro amor
durava para sempre, a dor também duraria?
Com gestos mecânicos, Janet saiu do chuveiro e se enxugou. Voltou para a cozinha,
onde a água do chá já tinha quase secado. Colocou outra, preparou a bebida quente e
esqueceu de tomá-la, tão perdida estava em seu próprio desespero.
Não podia ficar ali. Tinha que sair, se cansar, até que pudesse voltar tão exausta
que a cama representasse um alívio. Vestiu uma calça, uma camiseta e saiu.
A noite estava escura, sem lua, mas seus pés sabiam para onde levá-la. Desceu a
colina, parou por um instante para ver a Ponte Newport iluminada e continuou seu
caminho até chegar à porta tão conhecida e por onde entrara tantas vezes.

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Ficou parada diante dela, como se a qualquer momento Ian fosse abri-la.
Finalmente, suspirando, deu a volta à casa para olhar o pátio, onde um dia o vira:
beijando Irene. Era esquisito, mas aquela mulher não importava mais. Só tinha
pensamentos para Ian. Ele era o grande significado de sua vida.
Deu a volta pela praia e entrou no pátio. Sentou-se ali, fechou os olhos e sonhou
acordada. Quase podia vê-lo, com seu sorriso amplo e jovial, sua voz profunda, seus
cabelos dourados caindo sobre a testa. Estremeceu, sentindo-se gelada.
Abriu os olhos. Viu que as portas de vidro que davam para o pátio estavam
fechadas, na certa trancadas. Não tinha importância. De qualquer maneira, sentia-se mais
perto dele, ali no pátio, onde tinham ficado tantas horas juntos. Sem pensar, desceu para
o cais.
A água estava calma, refletindo as luzes da ponte. Janet sentou-se num pilar e
respirou fundo. Não tinha mais o que fazer. Já tinha vindo à casa dele, procurando
encontrá-lo, e agora não podia fazer mais nada.
Olhou para o céu cheio de estrelas. Elas começaram a duplicar de número, triplicar,
e só então Janet percebeu que sua vista estava turva por causa das lágrimas. Sentou-se
no chão, fechou os olhos, encostou a cabeça no pilar. Queria dormir e esquecer. Dormir,
esquecer... esquecer ...
Ela piscou. Quanto tempo tinha cochilado? Sentia o corpo doído e gelado. As
estrelas tinham mudado de lugar no céu.
Um barulho de passos chamou-lhe a atenção. Janet piscou de novo. Quantas vezes
tinha sonhado que Ian se aproximaria dela assim? Agora já estava sonhando acordada?
Ou continuava dormindo?
Endireitou o corpo. As luzes da ponte lhe pareceram bastante reais. E os passos?
Seriam parte de sua imaginação? Não. Ela tornou a ouvi-los. Levantou-se. Tinha medo de
olhar para trás e constatar que havia imaginado aquela situação.
Mas não resistiu e se virou. Ian estava ali! Alto, de ombros largos, bonito como
sempre. Num instante, os dois. Percorreram a pequena distância que os separava.
Ficaram se olhando, parados, em silêncio.
— Ian...
— Pensei que nem me reconhecesse, sem o gesso.
Estendeu os braços e ela se aninhou neles. Como era bom senti-lo tão perto, gozar
de seu calor, estar tão junto do homem que amava!
— Não me incomodo! Não quero nem saber! — Ian falou junto do rosto dela.
— Do que está falando?
— Não quero nem saber se vai se casar ou se não me ama, e me importo se você
não sabe o que é amar, Janet. Você é minha e não vou deixá-la escapar! Nunca! – Ian
disse.
Janet não conseguiu dizer mais nada, porque ele se apossou de sua boca, com
fúria, com saudades, com muita paixão. Ficaram juntos, os corpos colados, à luz das
estrelas.
— Oh, Ian, como eu te amo!
— Querida! Repita isso, por favor.
— Amo você, Ian, como nunca julguei ser possível amar alguém!
— Janet, finalmente reconheceu! Já não sabia mais o que fazer para que você
despertasse para o amor!
— Não sei quando aconteceu, mas acho que aquela noite, no restaurante, eu já te
amava, querido.
As bocas se uniram numa demonstração do que sentiam. Era como estar no céu.
— Você está gelada, Janet. Há quanto tempo está aqui?
— Nem sei... acho que desde as nove ou dez da noite.
Ian inclinou a cabeça para trás, rindo com vontade.

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— Estive sentado nos degraus de sua casa desde as dez. Aliás, fui para lá logo
depois que Mona me ligou.
— Ela ligou? Por quê?
— Mona é muito inteligente e, além disso, tinha uma pequena dívida comigo.
— Foi isso que você ganhou, Ian? Por isso ela lhe mandou o telegrama?
— Isso mesmo. Apostamos, há muito tempo, que ela casaria antes que eu. Ganhei a
aposta.
— O que ganhou como prêmio?
— Éramos crianças, quando fizemos a aposta. Ainda estávamos na escola. O
ganhador teria tudo o que seu coração desejasse.
— E Mona conseguiu dar o que você queria?
— Claro. Ela me levou a notícia de que você não ia mais se casar com Fred.
Ian a abraçou com ternura e, muito juntos, começaram a andar na direção da casa.
Entraram pela porta do pátio e, sempre abraçando-a, ele a levou até o quarto.
Janet estava tranqüila. Essa noite era muito importante em sua vida. Ia experimentar
o verdadeiro amor, para o qual tinha se preparado a vida toda. Não queria pensar em
mais nada.
Entraram no quarto e Ian entreabriu a janela.
— A vista daqui é perfeita! — Ele começou a desabotoar a camisa, mas seus olhos
não deixavam o rosto dela.
Janet estava feliz, mas precisava tirar um peso do coração.
— Por que fugiu de mim, Ian? Por que foi embora sem falar comigo?
Ele chegou mais perto e apoiou o queixo nos cabelos castanhos.
— Por quê? Porque não conseguia mais pensar nem dormir, muito menos escrever.
Você disse que me odiava, me mandou para o inferno. O que queria que eu fizesse? Que
ficasse por aqui, procurando uma forma de atingi-la tão fortemente que nunca mais me
perdoasse? Eu não podia ficar aqui, curtindo minha dor. Tive que partir!
Abraçou-a, apertando-a contra o peito. Depois, com ternura, pegou a ponta da
camiseta e a puxou sobre a cabeça dela. Viu o corpo bonito brilhar sob a luminosidade
que entrava pela janela.
— Se você já me amava, Janet, por que não me disse nada?
— Não sei. Tive medo de me machucar. Sabia que você tinha muitas mulheres.
Pensei que Mona fosse uma delas e Irene também.
— Tentei lhe mostrar que não estava interessado nela. Irene se intitulava uma antiga
amante porque passamos uma noite juntos, há três anos. Ela nunca me deixou esquecer
aquele pequeno incidente. Talvez planejasse participar integralmente da minha vida e não
ficar só com os cinco por cento que ganhava como minha agente. Muitas vezes pensei
em mudar de agente, mas ela é ótima profissional.
Ian soltou o fecho do sutiã e os seios de Janet apareceram, livres, rijos, em toda sua
plenitude. Ele se inclinou e beijou as elevações suaves, com muito carinho.
— Nenhuma mulher significou alguma coisa para mim, nesses anos todos. Acho que
estive à sua espera, Janet. E nunca mais haverá outra pessoa para disputar minha vida e
meu coração, porque sou todo seu. Para sempre. Você vai ser minha amante, minha
esposa, a mãe de meus filhos, por toda a vida. Tem que me dizer sim, meu bem.
— Sim, Ian! Sim, sim, mil vezes sim!
Ele a carregou e a colocou na cama macia. Estavam felizes, pois finalmente tinham
encontrado o amor. Os corpos se entrelaçaram, numa procura frenética, dando e
recebendo, aprendendo e ensinando, as carícias se tornando mais íntimas até explodirem
num êxtase, na ventura suprema de amar e ser amado.
A luz da manhã os encontrou muito juntos, Janet tinha a cabeça no peito forte de
seu homem e os braços dela rodeavam-lhe o corpo adorado.
— Ian? E seu livro?

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— Ficou pronto, e muito bom. Apesar de ter minhas reservas com Irene, foi ela quem
descobriu o que havia de errado.
— O que era?
— Eu procurava escrever uma história de mistério e, no entanto, estava saindo um
romance de amor! Foi Irene quem, descobriu. Passamos uma noite toda reescrevendo e
logo a história fluiu com facilidade.
— Vai começar o outro livro em outubro?
— Pretendo. Temos que ir para as Bahamas. Terá que concordar em trocar seu
emprego de professora pelo de minha esposa e também pintora. Dizem que há paisagens
belíssimas nas Bahamas.
— Meu querido! Eu seria capaz de ir até o fim do mundo, só para ficar com você.
Não pense que vai conseguir se livrar de mim.
— O que mais quero é exatamente passar o resto de minha vida com você, doçura.
— Vamos ficar juntos, meu amor. Prometo.
O sol, entrando pela janela entreaberta, aqueceu os corpos jovens que se
abraçavam e retomavam o ritmo alucinante da felicidade.

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