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Marcello Sena
Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar o debate em torno dos alcances e limites da
racionalidade no conhecimento científico. Embora a prática da ciência não seja inteiramente
livre e autônoma, ela não pode estar submetida inteiramente às lógicas do mercado e da
política. A retomada do ethos mertoniano oferece um guia importante para manter elevados os
índices de liberdade e autonomia da prática científica ao mesmo tempo em que favorece o uso
comum dos métodos e descobertas científicas.
Introdução
É comum ao vulgo a idéia de que a ciência produz verdades absolutas e definitivas por
representar o auge do desenvolvimento da racionalidade humana. Porém, pesquisadores como
Chalmers (1993) vêm chamado atenção para os limites ou, pelo menos, para as influências
internas e externas que limitam a produção do conhecimento científico, podendo até mesmo
vir invalidá-los.
Neste trabalho serão mostradas brevemente as principais razões pelas quais esta crença
no poder da ciência é infundada. Primeiramente será apresentado o contexto de
desenvolvimento do conhecimento científico, em seguida serão confrontados os princípios do
positivismo com as críticas da filosofia e da sociologia da ciência, por fim, será mostrado
como os science studies têm avaliado recentemente este debate através da retomada do ethos
mertoniano por John Michael Ziman.
A Crença na Racionalidade Científica
Reis (2012), alude à expressão “Lenda da Ciência” de Philip Kitcher para assinalar
esta tentativa de constituir uma prática fidedigna para a ciência baseada em critérios absolutos
de demarcação e verdade. Segundo John M. Ziman, a “Lenda” pode ser definida como “a
concepção filosófica romântica da ciência como um ‘método’ que ganhou uma inabalável
confiança” (ZIMAN apud REIS, 2012, p. 191).
Ziman ainda chama a atenção para o fato que a esta forma de praticar o conhecimento
científico baseia-se em empreendimentos individuais nos quais o investigador aborda a
realidade desconsiderando que este é um processo coletivo. Essa “visão recebida” proposta
para a ciência com base nos pressupostos da verificabilidade, observacionalismo e
indutivismo já havia sido debatida por Kant, mas foi recuperada pelo positivismo e pelo
neopositivismo que buscavam conciliar as tradições idealista e empirista, inicialmente por
meio de observações e experimentos e posteriormente com base em testes estatísticos de
associação de variáveis. Este viés estendeu-se desde o século XIX até meados do século XX.
A partir daí novas críticas sobre os limites da racionalidade científica foram empreendidas
pela nova filosofia da ciência e pela nova sociologia da ciência. Vejamos mais de perto, porém
brevemente, estas críticas.
Como dito acima, Kant posicionou-se contrariamente aos métodos idealistas e
empiristas. Partindo da idéia de número desenvolvida por Platão para se referir ao universo do
pensamento, Kant desenvolve na obra Crítica da Razão Prática a idéia de noumeno para se
referir ao universo das coisas em si, inacessíveis à experiência que somente podem conhecer
aquilo que é sensível. Esta via para o conhecimento somente permite abordar as coisas através
de representações, isto é, por meio de conceitos a priori que ele mesmo “produziu” ou que de
alguma forma dependa dele. Categorias iminentes do pensamento humano como causalidade
e gênero formam a ossatura da inteligência sendo já preexistentes ao espírito humano, e é
através delas que o homem pode vir a conhecer o fenômeno, ou seja, não a coisa em si, mas
como ela se apresenta a mim.
Diante da reação positivista à perspectiva kantiana desenvolvem-se a partir de meados
do século XX duas novas abordagens epistemológicas. A nova filosofia da ciência e a nova
sociologia da ciência. Estas novas abordagens diferiam em termos de perspectiva, enquanto a
primeira dedicava-se a investigar o conteúdo epistêmico da ciência, a segunda dedicou-se a
investigar a ciência como uma prática social condicionada pelo ambiente político, econômico
e cultural. Basicamente uma distinção entre internalismo e externalismo, respectivamente.
A perspectiva internalista (Contexto da Justificação), na qual se inscreve a nova
filosofia da ciência aproximou a reflexão filosófica da prática científica. Esta perspectiva
buscou ultrapassar a mera descrição das características da ciência para refletir a respeito da
validade dos conceitos e teorias.
Conclusão