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CÂMPUS PORANGATU
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PORANGATU
2018
1
Porangatu
2018
2
Concluinte
__________________________________________
Porangatu/GO
Dez./2018
3
AGRADECIMENTOS
RESUMO
SUMÁRIO
LISTA DE IMAGEM
LISTA DE ANEXO
INTRODUÇÃO
explicativos na antropologia.
10
4 Como leitura sobre o coronelismo no Norte goiano sugiro Palacín (1990), no qual fala
sobre o extremo Norte, referente a região que hoje pertence a Tocantins
5 Sugiro a leitura de Sampaio (2003 e 2014) que realiza uma retomada histórica dos
7Certeau (2014).
8Brandão (1981), Woortmann (2006 e 2013), E. e K. Woortmann (1997a e 1997b) e
Woortmann (1990).
12
9 Para Geertz (1995, p.5-6), em síntese, a piscadela trata de reconhecer que entre o simples
ato de dois ou mais sujeitos trocarem piscadelas há diversas razões, motivos e circunstâncias
intrínsecas a situação apresentada e que fundamentam tais ações, mas que precisam ser
contextualizadas e significadas para de fato entender os motivos e os simbolismos de tal ação.
10 Na dificuldade de realizar uma tradução que continue o sentido original da palavra, optei
por continuar o texto, entretanto, podemos aproximar seu significado como um “conjunto ordenado
de valores, impressões, sentimentos e concepções de natureza intuitiva, anteriores à reflexão, a
respeito da época ou do mundo em que se vive; cosmovisão, mundividência” ou como a “visão pré-
lógica da realidade” (HOUAISS, 2009).
13
organização espacial possui sua lógica e assim também fala sobre a identidade e
práxis campesinas.
Os dados sintetizados pelas entrevistas e diários de campo foram utilizados
para a realização de análises com a triangulação de dados primários, secundários e
teoria, recolhidos e utilizados para o estudo de caso.
Para que isto se concretizasse a pesquisa foi dividida em alguns capítulos,
cada um se constitui como um objetivo específico desta pesquisa, representando
assim as camadas as quais julguei necessária para entender a construção de
significado destes assentados.
Desta maneira, no primeiro deles procuro refletir sobre a construção
histórica dos movimentos campesinos no Norte de Goiás, especialmente entender o
processo histórico de ocupação destas terras e os conflitos agrários que se
desencadearam, além disso também refletir sobre a reforma agrária e os
assentamentos no Norte de Goiás.
No segundo capítulo, procuro analisar o assentado enquanto sujeito
histórico, antes e depois de sua busca pelo retorno a terra. Refletindo as
historicidades dos sujeitos ali assentados, suas origens, sua trajetória para adquirir
aquela terra e o campesinato como componente destes processos.
No terceiro capítulo irei descrever as artes de fazer como métis camponesa
no assentamento, considerando as mudanças históricas que aí ocorreram,
produzindo importantes modificações em suas práxis.
No quarto capítulo irei problematizar o campesinato como ordem moral
produtora de práxis, entendendo que esta possui valores e que estes se configuram
como produtores de práxis cotidianas, além de produzirem significações partilhadas,
levando assim a uma (re) produção identitária.
Por fim, entendo que cada um destes capítulos permite ao leitor entender as
principais camadas produtoras de significações para os assentados. Cada uma com
sua devida importância, retirar uma destas camadas também é modificar as
significações, por isto para entender a weltanschauung dos assentados é preciso
conhecer sua trajetória.
15
Cada lugar possui em sua história marcas que registram momentos vividos
tomando forma discursiva. Falar sobre Goiás é vivenciar a conquista deste território
por meio de lágrimas, suor e sangue derramado. Ao início deste processo, mais
especificamente no século XVIII a mineração de ouro se tornou um dos principais
meios de ocupação demográfica do estado, território este ocupado anteriormente
por indígenas. Neste processo, os conflitos foram inevitáveis e cruéis, levando a
dizimação de grande quantidade de nativos.
A atividade mineradora, durante os primeiros anos, foi bastante árdua. Os
descobridores abriram caminhos e estradas, vasculharam rios e montanhas,
desviaram correntes de água e desmataram diversas regiões. Rechaçaram
índios, exploraram e povoaram o imenso território goiano (PÁDUA, 2007, p.
624).
11Sugiro a leitura de LIMA FILHO, Manuel Ferreira. Pioneiros da Marcha para o Oeste:
memória e identidade na fronteira do médio Araguaia. Brasília, UnB, 1998. Tese de Doutorado.
Tese de Doutorado em Antropologia Social.
16
nacional: ocupar regiões “despovoadas” e com isto criar novos trajetos para
possibilitar uma ampliação do tráfego e comunicação nacional.
Assim, em 1933 a construção da nova capital em Campinas (CHAUL, 1988,
apud PÁDUA, 2007), teve como intenção procurar terras mais férteis e um melhor
posicionamento estratégico e geográfico. Para realizar a construção da mesma, a
verba
veio primeiramente de empréstimos feitos pelo Governo Federal, que tinha
como interesse ter a nova capital como centro absorvedor de mercadorias
das várias regiões do Estado, repassando-as e interligando-as
economicamente às regiões urbano-industriais do país. Os primeiros
empréstimos, totalizando cerca de 15 mil contos de réis, foram conseguidos
no primeiro qüinqüênio dos anos de 1930 (PÁDUA, 2007, p. 628).
ampliação do capital.
17
Com o rádio sendo o principal meio de comunicação daquela época, este foi
muito utilizado como o veículo de extensas propagandas, nas quais ofereciam terras
para os trabalhadores rurais. Carneiro (1988, p.80, apud Sampaio 2003, p. 34),
exemplifica algumas delas: “Lavrador sem terra, venha para Goiás, trabalhar na sua
terra doada pelo governo”; “Lavrador que não tem terra deve vir para Goiás, só não
vem quem não quer trabalhar e ter o que é seu”.
Tendo o alvo destas propagandas a migração para a Colônia Agrícola
Nacional de Goiás, houve um grande êxito na impulsão da migração nacional desta
18
região. Todos os estados vizinhos, inclusive alguns mais distantes como os sulistas,
paulistas e nordestinos tiveram em Ceres-GO seu destino. Demonstrando que este
local central do mapa brasileiro, naquele momento, tornou-se o principal centro das
atenções e investimentos nacionais.
Segundo Pessoa (2013, p. 355), em 1943 havia um total de novecentos
habitantes na CANG. Já em 1946 a população estava em oito mil, sendo que destes:
“60% da população residente na colônia era constituída de mineiros, 20% de
goianos e os 20% restantes eram de camponeses oriundos de outros estados,
principalmente de São Paulo e até de estados do Norte e Nordeste (p. 356)”.
Ainda segundo Pessoa (2013, p. 357), “em 1950, foram colhidas vinte e
cinco mil e duzentas toneladas de arroz, mil quinhentas e trinta de milho e três mil e
oitenta de feijão”. Em 1947 a produção de milho foi de trinta mil toneladas, tal
redução produtiva se explica pela inserção de outras culturas de produção como a
cana-de-açúcar, a mandioca e o algodão (DAYRELL, 1974, apud PESSOA, 2013, p.
358). Além disso, houve grande produção de café e pouca utilização da pecuária,
especialmente pelas dificuldades de deslocamento para chegar até a região13.
Entretanto, tais terras não estavam somente sob os olhares dos sujeitos
sem-terra. Borba (2015, p. 346) também aponta que “a criação da CANG valorizou
as propriedades fundiárias da região e despertou a cobiça de fazendeiros que
passaram a se apropriar de parte das terras destinadas à colonização, assim como
das glebas circunvizinhas à colônia”.
Devido ao grande contingente populacional, a colônia não conseguia abrigar
todos aqueles que chegavam, deste modo, iniciou-se a migração para o Norte,
região pertencente ao Sertão de Amaro Leite. Almeida (2016) em sua dissertação
discute tal região que, em sua análise, carece de outros trabalhos historiográficos.
Ela discute ainda que os indígenas se constituíram como um grande problema para
o povoamento desta região, uma vez que eles realizavam grande resistência, por
isto várias bandeiras foram realizadas contra os indígenas (p. 17). No terceiro
capítulo de sua dissertação, Almeida também discute a “política de colonização
militar, que se baseava na ocupação e no controle territorial, visando a defesa das
fronteiras do Império (internas e externas) pela ocupação dessas áreas por paisanos
Salvador Allende durante a realização desta pesquisa, isto porque um dos proprietários foi morador
da Colônia, migrando para lá enquanto criança, vindo do nordeste.
19
e militares a partir de 1850 (p. 20)”. Ou seja, esta região, desde antes da CANG,
esteve marcada por conflitos, em especial contra os indígenas.
Se a região do Sertão de Amaro Leite vivia intenso conflito em 1850, a partir
de 1950, iniciou-se a migração para tal região, uma vez que a CANG se encontrava
com sua lotação estabelecida. Com indígenas já massacrados e expulsos
(ALMEIDA, 2016), a intenção da migração para esta região era procurar terras
devolutas para viver. Borba (2015), que no título de seu trabalho realiza uma grande
síntese de todo o processo migratório para esta região, aponta que o Norte de Goiás
representava uma terra de esperança, conflitos e frustrações.
Deste modo, naquele período o Médio Norte de Goiás desempenhou um
grande papel de esperança para os sujeitos, sendo possível encontrar terras em
boas qualidades, semelhantes às de Ceres-GO. Assim, com o acesso restrito das
terras na colônia agrícola e dado a grande demanda, a migração para o Norte do
Estado começou a aumentar. Sendo que, segundo Borba (2015, p. 347), “grande
parte desse contingente vinha do Sul de Goiás, de Minas Gerais e do Nordeste.”
Os modos de trabalho neste período variavam entre a parceria14 (72,4%), a
posse 15 (20,8%) e o trabalhado assalariado 16 (2,4%), além de outras formas de
trabalho (4,4%) (BORBA, 2015, p. 350-351). Outro importante aspecto deste
processo, foram
As experiências vividas pelos camponeses, antes de chegarem ao Norte de
Goiás, eram baseadas num forte mecanismo de dominação, no qual a
violência, o descumprimento e/ou ausência de leis, além da privação da
terra, cumpriam um importante papel na sujeição e coação desses sujeitos
(Borba, 2015, p. 350).
14 Sistema em que era obrigatório ceder metade da produção ao proprietário que arrendava
a terra.
15 Sistema no qual os sujeitos fixavam-se em terras devolutas e produziam e trabalhavam
para si.
16 Sistema onde o proprietário contrata o sujeito para a realização de um trabalho, podendo
fazendeiro, desta forma, com altos juros o sujeito não conseguia quitar a dívida e era
explorado permanentemente.
Situações como essas eram comuns na vida dos camponeses brasileiros.
Mesmo que o trabalhador tivesse noção de que aquelas relações eram
injustas e que o fazendeiro manipulava o real valor das suas dívidas,
impossibilitando de pagá-las, era difícil romper com as relações de
dependência devido ao poder pessoal do fazendeiro (BORBA, 2015, p.
352).
17 Este nome faz referência com o método utilizado por eles, onde colocavam documentos
falsos em caixa com grilos para que estes ficassem com uma aparência de velho, na tentativa de
legitima a falsa “posse” anterior da terra.
21
que estas famílias se realizem nestas terras se torna um desafio, e sem apoio
externo a complexidade aumenta.
Assim, grande parte dos assentamentos consumados na região tiveram
seus acampamentos, focos de luta, na região Centro-Sul, havendo uma importante
imigração de goianos para a região Norte. Entretanto, não houve um importante
aproveitamento deste fluxo migratório para a economia desta região, uma vez que
mal assistidas pelos órgãos competentes, estes assentamentos não conseguem se
desenvolver e assim despojar todo o seu potencial econômico no meio urbano.
Segundo Gosh et al. (2013), “dos 405 assentamentos rurais de Goiás, cento
e dez estão localizados em municípios com mais de duzentos mil hectares de área
de pastagem, sendo que cinte e dois se localizam nos municípios com mais de
quatrocentos mil hectares de área de pastagem”. O Norte do Estado possui grande
parte destes municípios com extensas áreas de pastagem e/ou um rebanho efetivo
maior.
Assim constatou-se que dos 405 assentamentos rurais de Goiás, 51
assentamentos se localizam em municípios com plantios de soja e milho
grão acima de 50 mil hectares, 110 assentamentos estão localizados em
municípios com mais de 200 mil hectares de área de pastagem e 66
projetos em municípios com mais de 80 % das propriedades menores que
100 hectares.
Dessa forma, a maior parte dos assentamentos de Goiás se localiza fora
das principais regiões produtoras de commodities, o que sugere que a
reforma agrária em Goiás, vem sendo desenvolvida preferencialmente longe
dos eixos econômicos do Estado, deslocando a luta pela terra para regiões
menos desenvolvidas economicamente (GOSH ET AL, 2013).
Quando perguntada sobre o motivo de seu pai plantar escondido, ela diz que
o dono das terras não permitia que ele plantasse para si. O que representa grande
parte da realidade daquele período, uma vez que o estado de Goiás possuiu grande
migração nacional, em especial, com importante influência do capital paulista, onde
os mesmos realizavam a compra de extensas quantidades de terras e colocavam
“peões” para administrar seus bens.
Isto também é refletido por Brandão (1981) em seu livro Plantar Colher
Comer, no qual retrata a trajetória do lavrador do campo para a cidade, analisando
como tal trajetória, aliado com outros processos, principalmente como a
modernização do campo influenciou em sua alimentação, degradando-a.
Brandão (1981, p. 73) ao transcrever uma entrevista, diz:
Eu tiro por mim. Esse ano eu quis fazer uma horta. Nem a semente de
abóbora eu não tive. De forma que a gente não consegue alimentar bem.
Nós temos n arroz e feijão. Eu lembro, de primeiro a gente puxava era
carrão de abóbora pra porco, e hoje a gente não consegue ter uma verdura
porque é difícil a gente fazer até uma horta. Então a gente fica com a
alimentação fraca, porque a carne de gado não tem. Lá um dia tem carninha
de porco e, tirando isso, um arroz com feijão. Agora, o que eu acho difícil é,
como dizem, ter um jeito de ganhar a parte alimentar, e no começo de cada
ano a crise dobra. A gente às vezes não tem verdura assim, toda qualidade
de verdura. A mandioca faz muita fartura e de mandioca faz muitas outras
coisas. E a gente não tem nada disso decido a terra, porque a terra é dos
fazendeiros. Agora, os fazendeiros dá pra gente arar a terra e plantar essas
coisas? Eles não dão. [...] porque a terra é arada e não pode ocupar terra
com essas coisas.
Se a terra arada, que será utilizada para plantar capim, não pode ser
utilizada pelo peão para plantar sua comida, existia também outro fator que limitava
tal plantio: o medo do fazendeiro de perder sua terra através do usucapião instituído
no Estatuto da Terra de 1964. Impedir que o peão plantasse em sua terra, indica
também a ambição de ampliar os lucros, fato relatado por Brandão (1981), no qual a
“ambição” estaria desconstruindo a relação historicamente estabelecida entre o peão
e o proprietário.
-Eu nasci no campo, né, eu nasci em Mossâmedes. Nós somos uma família
de nove irmãos, a maioria nasceu no campo e a vida nossa foi trabalho no
campo. Eu sai de Mossâmedes novinha, não tinha nem 1 ano. Meu pai e
minha mãe trabalhava na terra dos outros, o motivo de ter ido embora eu
não sei, porque era muito nova. Aí compramos uma terra em Iporá, de lá
pra Redenção, de Redenção pra Araguaína e de lá pra trindade, andando
igual cigano. Aí ficou no Trindade, mas sempre trabalhando no campo,
morava na cidade, mas sempre trabalhando no campo, saia 3 horas, 4
horas de caminhão boia fria neh, e trabalhava no campo. E casei, casei não,
enrolei, e fui morar no campo denovo, e assim essa minha vida foi só roça.
- Até casar foi trabalhando na fazenda de outra pessoa?
-É, era. Quando casei também era trabalhando na terra dos outros, na
realidade, onde eu to morando, terra minha é essa aqui.
(ASSENTADA B)
As pessoas achavam que eram tristes antes, mas na realidade elas eram
felizes, tinha fartura de comida de amigos, não tinha televisão, mas tinha
essas coisas, sempre muita fartura de comida. Se quer ter muito, hoje em
dia.
Perguntada o que é meia ela disse: “meia é: você colhe, seca e ensaca,
metade era do dono e metade nossa”. Atualmente o sistema de meia é pouco
utilizado, porque há uma maior individualização dos sujeitos, aspecto este que será
posteriormente abordado no próximo capítulo.
A fartura de comida parece ser um aspecto muito presente na memória
destes sujeitos, como salienta Brandão (1981) não havia muita variedade de comida,
mas havia muita fartura na pouca variedade, desse modo, “na roça, se come o que
tem” salienta-me uma assenta. A produção determina o que haverá no prato, lógica
esta que sofreu algumas mudanças, isto porque, mesmo que a produção do quintal
ainda determine muito daquilo que será ofertado na alimentação, o ato de plantar
sua comida não é mais praticado, desta forma, o básico arroz e feijão é comprado,
sendo, portanto, a plantação de quintal, somente um complemento sazonal à
refeição.
Ainda sobre a fartura, uma assentada disse:
Antigamente, eu me lembro assim, até certo tempo, a gente morava na
fazenda, a gente tinha bastante coisa, quer dizer, a gente não comprava um
óleo, uma mistura, era raramente uma carne, comprava mais era o açúcar,
esses trem que não produzia, então naquela época, o custo de vida podia
ser mais caro, mais era mais fácil pra quem morava na zona rural, porque
eu me lembro que a gente morava em fazenda dos outros, nem era nossa,
mais a gente sempre tinha, meu pai fazia as tuia, você já ouviu falar em
tuia? As tuia sempre tava cheia de feijão, era saco e saco de feijão e arroz,
sempre tinha muito, hoje é raro você ver uma casa que tem, você chega e
tem saco de feijão, de arroz pra passar o ano, milho na palha, hoje é raro
você ver isso, hoje o povo já colhe lá na colhedeira e já sai tudo pra venda
né, então assim, antigamente a gente via isso muito, eu fui criada assim,
meu pai quando matava um porco, sempre tinha aquele porco de carne e
aquele de banha, então a gente nunca ficava sem, e tinha mandioca,
galinha, gado, né, sempre não tava comprando esses trem. Arroz e feijão,
meu pai tinha vez que abria assim pra colocar mais saco, hoje você não vê
mais isso, é raro chegar numa casa que tem. Pra mim aquela época era
muito mais fácil, apesar de o povo falar que era mais difícil, até pra criar um
filho era mais fácil, num tinha o tanto de coisa que tem hoje, ai fala assim:
“hoje evoluiu, tem muita coisa boa”, mas tem muita coisa ruim, muito mais,
no meu ponto de ver. No tempo que trabalhava o dia inteiro pra trocar o dia
num litro de banha, mas também naquele tempo cê tinha vizim, hoje você
não pode falar que tem vizinho, ele fica te vigiando pra você sair e ele
roubar, acontece muito isso, naquela época, eu lembro, as porta nem tinha
chave, era tramela, passava a faca e fechava, saia e chegava os trem tava
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tudo quietim, não tinha esse tanto de roubo, não. Vou limpar o pasto,
juntava aquele tanto de homem e limpava o pasto, faz isso hoje pra ver se
funciona, não funciona gente! Então pra mim, naquela época, era mais fácil,
hoje tá mais difícil, hoje você não pode confiar, sai pra ir ali e fica
imaginando que só vai acontecer coisa ruim, pra você plantar hoje tem
muito mais praga, a terra tá mais fraca, num é que tá ruim, tá mais fraca, o
povo derrubou muito, os bicho muitas vezes ataca, que nem papagaio ataca
as plantação, num é? Tem que comer ué, o povo tá derrubando tudo, tem
que comer ué, hoje tá mais difícil (ASSENTADA B).
para com a cidade permite refletir que este sistema de funcionamento parece não
lhe agradar.
Assim, quando perguntei sobre seu período na cidade, as respostas
elucidavam melhor esta relação, como podemos observar nesta fala:
Oh, eu sou meio bicho do mato, eu gosto muito de roça, gosto muito de
fazenda, não gosto muito de cidade não, sou meio perturbada com barulho,
então assim, não foi muito bom não, mas também eu comecei a mexer com
feira e graças a Deus chegou essa oportunidade e fui embora, não pensei
duas vezes não. A gente quando mora na cidade, não tem uma casa
própria, acho que a maior prioridade hoje dum ser humano é ter uma casa
pra morar, quando surgiu essa oportunidade eu num pensei muito não, ah...
fui embora. Não me arrependi até hoje não, com toda dificuldade que nóis já
passou, num me arrependi não, hoje tem minha casa, como diz os outros,
não é aquela casa, mas é a que eu tenho, é minha, se eu adoecer não
preciso me preocupar, então to feliz (ASSENTADA B).
visto que suas terras no Ceará eram ruins. Depois de migrar de Ceres-GO até Santa
Tereza-GO, vivendo um período de tempo nas cidades que ficam localizadas entre
as duas, teve conhecimento de um lote para venda no assentamento e assim
realizou a compra com todas as economias restantes que dispunha. Hoje é um dos
mais velhos do assentamento e está em atividade, ao conversarmos ele declara seu
amor pela roça, dizendo que seu desejo era sempre retornar para a mesma.
Analisar a historicidade dos sujeitos permite entender suas escolhas, estas
que se fundamentam em uma tradição advinda pela vivência familiar, que se faz viva
nas memórias, como uma indicação das ações a serem tomadas no presente.
Saiu duas terras na época, saiu a Cristo Rei, no município de São Miguel, e
saiu a Rio Pintado, pra lá do Planalto e eu não quis ir pra nenhum. Aí saiu
denovo, lá em Bom Jardim, o pessoal foi lá olhar era só areia, aí saiu essa,
nóis veio olhar, nóis não, o pessoal veio olhar. Não... a terra é
assim...assim, até na época diz que o pessoal tava fazendo pesquisa nela
pra minério, aí como não deu, vendeu pro INCRA, aí nóis veio pra cá, no dia
que nóis chegou aqui era 104 famílias, nessa fazenda aqui era pra ser
assentado 104 famílias, nóis veio ficou 1 ano e pouco no pré-assentamento
né, lá perto da sede. Pagamos pra medir, pagamos pra fincar os marco
tudo, ajudamo, trabalhamo, mas nóis tinha uns dirigentes aqui que não era
nada legal não, aí tava proibindo nóis de entrar nas parcela. Aí enfrentou
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muita dificuldade, não foi fácil tá aqui hoje não, muita gente mandada
embora, muita gente sendo humilhada, aconteceu muita coisa ruim
(ASSENTADA B).
Tem assentamento mais velho que nós aqui e não tem moradia, aqui gastou
muito, mas dentro de um ano nóis tava dentro da parcela e com dois anos
nóis tava com casa, moradia e energia. E tem assentamento que até hoje tá
debaixo da barraca e sem energia. A gente só consegue as coisas com
dinheiro na frente (ASSENTADO E).
Segundo a assentada A, havia uma filosofia durante este período: “fale muito de si,
pois irão conviver muito tempo juntos”. Assim, neste momento, a recomendação era
que dialogassem muito para formar maiores amizades, uma vez que, no
acampamento anterior, grande parte dos sujeitos que foram distribuídos para
aquelas terras não se conheciam, devido a grande quantidade de famílias, por isto
era importante que houvesse uma maior inteiração.
Durante o acampamento, foram realizadas plantações coletivas de arroz e
milho, tendo o maquinário disponibilizado pela prefeitura para a realização do
serviço. A assentada B conta que, nesse período, “homens e mulheres trabalharam
iguais no campo”, foi laborioso. As festas eram comuns e os encontros para as
reuniões das coordenações eram frequentes, tendo nessas as futuras ações e
planos eram decididos, existindo, para isto, uma coordenação para cada área
específica como tesouraria, produção, cultura e outras.
A assentada A, que já foi coordenadora de produção, relata que era
responsável pela melhora da qualidade da produção de todos os assentamentos do
Norte de Goiás. Para isto, visitou todos os assentamentos desta região que tinham o
MST como bandeira. Conta ainda que, nesta região todos os assentamentos
visitados estavam na mesma situação, salientando que seu assentamento se
encontrava em uma situação melhor que a dos outros. “Mais ou menos meio que
tudo parecido, assentamento acho que só muda o nome, geralmente nóis tá sempre
conversando, os problemas é sempre os mesmos (ASSENTADA B)”.
- Até pouco tempo através tinha esse trabalho de coordenador da produção,
em que eu tinha que coordenador a produção dos assentamentos aqui da
região, as lavouras, quem coordenava era eu e uma amiga nossa.
Incentivávamos as pessoas a produzir a plantar, fazíamos cursos sobre
cada cultura. Esses cursos, alguns eram financiados pelo movimento,
outros eram de graça pelo SEBRAI, SENAR. Assim, todos os
assentamentos da região Norte até Novo Planalto eu visitei, dando palestra,
conhecendo.
- Teve algum que você visitou que era organizado?
-Não, o mais organizado que tinha era o nosso e o do Antônio Conselheiro,
porque o Antônio Conselheiro é um assentamento de uma família só, é
bom, mas também tem as desvantagens dos desentendimentos. Mas
quando não tem relações, e ocorre uma briga feia, as vezes é preciso
intervir.
-Já ocorreu de dar alguma briga feia?
-Já, por isso que temos políticas internas, temos um estatuto para seguir: se
brigou que machucou, matou, estuprou, nós expulsamos do assentamento
ou do acampamento. Temos um padrão de ordem, não temos droga, não
temos prostituição, mesmo que tenha, não pode ter, igual na sociedade
mesmo.
(ASSENTADA A)
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Não teve união para fazer dar certo [sobre as áreas coletivas]
(ASSENTADO G).
21
Sobre isto, eu recomendo o documentário disponibilizado na internet chamado Raiz Forte
(https://www.youtube.com/watch?v=IJoGaWbonmw), no qual retrata o processo de ocupação e seu
movimento adjacente.
22 ARISTÓTELES, 2008, p. 35
42
Assentamento é bom, não é ruim, estudar isso mais a fundo, pra eles não
ficar hostilizando a gente. Na eleição eles aparecem aí, com uma política
linda, mas eu já falei na cara deles: vocês precisam estudar, saber quem
somos nós, saber o que é a reforma agrária no Brasil, pra vocês
compreender melhor e realizar um trabalho mais digno. Mas isso é falta de
inteligência, porque vocês estão deixando de ser um município bem
desenvolvido por ignorância de vocês. Você pode perguntar ao dono do
Pacheco [supermercado], pergunta ele o que era ele antes dos
assentamentos, era pequenininho, ele só vendia para os assentamentos, na
fichinha, dava até 30 dias para pagar, deu crediário, então ele vendia,
vendeu tanto que teve condições financeiras de abrir um maior, e continua
do mesmo jeito, vendendo pra nós. Nós não queremos que deem as coisas
de graça pra nós, só queremos maquinário, semente, as ferramentas pra
trabalhar, porque ninguém aqui quer nada de graça, ninguém é tão idiota,
todos tem caráter (ASSENTADA A).
- No tempo do PT, foi a época que nóis, baixa renda, teve direito de comprar
uma casa, uma moto, um carro, os nossos filhos ir pra faculdade, estudar
em um colégio melhorzinho, porque até então não existia isso, ter uma
televisão, um telefone, porque telefone era só uma coisa de rico antes do
PT.
- E como ficou a situação depois do impeachment da Dilma?
- Muita diferença (risos), quando tirou a Dilma de lá, vou te dar dois
exemplos, tempo da chuva e tempo da seca, tirou a Dilma tava no tempo da
chuva, entrou o Michel foi lá pros últimos tempos da seca, daquelas do mais
terrível, ficou claro a diferença neh? [risos] (ASSENTADA B).
24 Por lógica clássica, refiro-me por aquela praticada por seus pais
51
ruptura para com a cultura anteriormente praticada, mas sim como uma modificação
necessária para a sobrevida do movimento.
A troca de produtos, mesmo que pouco praticada, também possui uma
lógica de funcionamento, denominada de gambira pela assentada A, trata-se de uma
troca de produtos, seja como valor de pagamento de dívida – onde tive relatos de
pagamento de dívida com ovos- ou também pela troca de um produto em outro –
onde tive relatos de troca de porcos em outros produtos, assim como também a
troca de bananas por queijo.
A gambira é um mercado informal, o estabelecimento de valores para troca
é de acordo com o valor do produto se caso fosse vendido. Desta forma, R$ 10,00
de banana equivalem aos mesmos R$ 10,00 de queijo. Há também trocas realizadas
sem este aferimento quantitativo, onde ambas as partes avaliam a proposta
oferecida e se parecer vantajoso é efetuado o negócio.
Houve relatos durante as entrevistas de fim de negociações devido as
desvantagens que a troca oferecia, nestes casos além do fim da negociação há
também a perca de confiança no outro, implicando na diminuição ou até mesmo no
fim das negociações entre os sujeitos. Há, portanto, uma ética a se seguir regendo
as negociações e seus processos.
Todos os entrevistados declararam que, pelos menos em algum momento,
tiveram que realizar outro serviço, que não seja do manejo da terra, das criações e
dos produtos produzidos para complementar a renda. Isto resulta na saída do sujeito
do assentamento para buscar trabalho em outro lugar. As finalidades podem variar
desde a necessidade de ampliar o orçamento para uma determinada compra ou
pagamento de dívida, até a necessidade de obter dinheiro pela não possibilidade de
o produzir pelo trabalho na terra.
Dentre os serviços relatados, os que mais se repetem são a busca por
trabalhos de pedreiro, pintor, servente, peão e reparador de cerca. Sendo que os
três primeiros se realizam quase que exclusivamente na cidade e os dois últimos no
campo, sendo, inclusive, realizado para outros assentados.
Pedreiro, pintor e servente são serviços basais no meio urbano, em geral
desgastantes, que obrigam os sujeitos a deslocar-se para a cidade, para longe de
suas famílias. Em certa ocasião, durante uma entrevista, ao a assentada A dizer-me
que seu marido havia ido para Goiânia trabalhar, sua expressão e seu tom de voz
revelavam a tristeza em dar a notícia, dizendo que “infelizmente tem que ir né
52
Matheus, só aqui não dá”. Isto demonstra que tal deslocamento para complementar
a renda revela a infelicidade da ação, demonstrando que há um valor menor no
outro trabalho realizado, isto porque o trabalho desempenhado na cidade é para o
outro, já o desempenhado em sua terra é seu. Além disso, o trabalho
desempenhado na cidade não contribui, diretamente para a realização de sua ordem
moral, sua virtude, assim, em seu máximo ele contribui para fornecer uma
quantidade de dinheiro que permita aproximar-se do ideal desejado.
Os serviços de peão e reparador de cerca, mesmo que realizados fora de
sua terra, possuem um valor diferente daquele realizado na cidade. Ao falar sobre
estes trabalhos, não parecia haver um sentido de prejuízo presente quanto ao falar
dos serviços de pintor, pedreiro e servente. O assentado G disse que costumava
fazer muitos serviços fora para complementar a renda, um dos principais era fazer
cerca, no entanto ele diz que hoje em dia é muito pouco realizado esse serviço,
sendo realizado somente dentro do assentamento atualmente, mas que no início da
vinda para o assentamento, quando ele tinha moto, havia um grupo de dez homens
que faziam o serviço lá no “Barreiro”, nas fazendas da região. O assentado G conta
ainda que não tinha moto, assim o deslocamento era o mais difícil, uma vez que o
gasto com gasolina no carro é maior. Seu ganho era de R$14,00 reais por lasca,
como trabalhavam em dez pessoas o trabalho possuía a seguinte organização: seis
pessoas cavando e quatro pessoas colocando e aprumando, depois passava-se o
fio. Entretanto, hoje em dia, os fazendeiros só fazem reparos nas cercas, não
querem mais gastar trocando por uma nova, o que resultou na diminuição da
quantidade de serviço.
O motivo para estes trabalhos não serem visualizados com prejuízo, se dá
pela aproximação com sua ordem moral, uma vez que estes serviços efetivam o
conhecimento prático adquirido nesta vivência. Desta maneira, a prática deste
conhecimento proporciona uma aproximação com sua ordem moral, diferentemente
do serviço de pedreiro. Assim, mesmo que o sujeito esteja trabalhando para o outro,
ainda há uma continuidade de sua ordem moral.
Além disso, outros serviços também aparecem como complementador de
renda, durante o carnaval uma das famílias entrevistadas realizou a venda daquilo
que foi apelidado de “drincolé”, trata-se de um suco de frutas com pinga. Todas
estas formas de complementação de renda representam as táticas que estes
53
25 Com destaque para o WhatsApp e sua ampliação na comunicação, sendo que uma das
variação nas relações ecológicas. Deste modo, quando pergunto para a assentada B
como ela vê a natureza ela responde que:
- Gente, nóis e aí eu me incluo também, se nóis aprendesse a conviver com
a natureza e aprendesse a respeitar o espaço dela, nóis vivia mil vez
melhor. O negócio é que hoje o homem, eu falo assim num modo geral, eles
acha que tudo ele pode, mas não pode tudo, e não é assim. O que que tá
acontecendo, tudo que tá acontecendo de ruim, é por causa de falta de
respeito nosso mesmo, então assim se nóis não derrubasse tanto, a onça ia
vir aqui? Num ia né, ia ter o espaço dela pra andar, tinha o catitu, a paca, a
cutia, todos os bicho lá, a onça mata só os bicho, mais se nóis mata os
bicho tudo dela comer ela tem que comer quem? ela vai atacar o ser
humano, vai atacar a vaca, o bezerro, então assim, acho que o ser humano
tinha que respeitar mais a natureza, porque tudo que nóis tem de bom é a
natureza gente.
- E sobre a chuva?
- Menas chuva, muito mais calor e as coisas seca muito rápido, gente quem
não vê que esse trem tá funcionando mal? Nóis tinha que, o povo tinha que
parar e oh, tem alguma coisa errada aí! Mais não vê, enquanto você planta
uma árvore tem outro que derruba dez. A vizinha fechou a reserva e eu
também, de minha parte não tiro um palito de fosforo lá de dentro. Quando
nóis mudou pra cá, a água dessa represa era linda, você via os peixe
nadando, aí nóis mudamos, fez as parcelas a primeira coisa que meu
vizinho fez foi tacar o trator pra dentro da mina, furou um poção, queria
fazer uma represona, aí essa mina secou, aí não corre água mais, nóis
tentamo preservar, porque eu pretendo ainda ver essa água correndo ali
denovo, porque a gente tem que aprender a cuidar mais, preservar mais.
táticas adequadas e como diz o assentado G: “na fazenda está sempre fazendo
algo”.
Isto se explica por dois motivos: 1) o fim das associações, que forneciam um
crédito inicial para compra dos materiais para a construção de galinheiros. Sendo
que sobre estas o assentado E diz que:
A gente tentou uma associação, derramou pro canto. Eu tentei essa
associação, aquele negócio, associação, nunca traz benefício pra ninguém,
só prejuízo, inclusive desunião. A associação não foi pra frente por causa
de que falta de união, em primeiro lugar, não tinha um pra nóis tá buscando
algum recurso pra base que tava, então o pessoal vai se deslocando,
dinheiro não tinha.
Sobre os derivados do leite, estes são pouco produzidos para venda, sendo
sua produção, em grande maioria, destinada para consumo próprio ou em alguns
casos de excedente destinados para a venda. A assentada C, em uma das visitas
que realizei, estava a produzir o queijo, disse-me que o lucro obtido do leite era
muito baixo, não compensando assim sua venda, acrescentando ainda que estava
produzindo porque havia ganhado o leite e assim não teria nenhum prejuízo.
59
Entretanto, diz que mesmo assim sua produção para venda não compensaria, sendo
utilizado para o consumo.
Além do queijo, também há a produção de requeijão, considerado mais
trabalhoso de se fazer. Este é pouco produzido, sendo que, durante o período de
visita somente a assentada M havia produzido. A mesma vendia alguns queijos e
requeijões na cidade anteriormente, mas que hoje não realiza tal “esforço”, pelo
pouco lucro e muito trabalho. Ainda vendia alguns queijos e requeijões no
assentamento por encomenda.
Se, portanto, esta produção produz pouco lucro, o que justifica sua prática?
Silva (2003, p. 176) aponta para uma justificativa:
[...] alguns camponeses, no assentamento, fazem queijo por recriação
cultural da identidade, uma forma de voltar ao exercício de uma atividade
60
aprendida no “passado” e não pelo valor que o mesmo possa ter como
lucro. Fazer queijo, não tem, portanto, se configurado uma atividade
“lucrativa” para as famílias dos assentados.
Assim, tal relação afetuosa cria um vínculo com o animal, ao chamar o gado
para alimentá-lo com a ração, há um chamado particular, sendo que ao ouvi-lo
imediatamente o gado corre para se alimentar. Estes chamados, em geral, são
61
reproduzidos como os mesmos que o sujeito tenha ouvido anteriormente, seja pelos
pais ou por alguém ao qual o sujeito conviveu e apreendeu.
Além de ter por função fornecer água, as represas também possuem peixes
que são utilizados pelos assentados como alimento. Certa vez, durante um encontro
de alguns assentados, a assentada H brinca dizendo que tem uma trilha até a
represa da assentada A, e que todos os assentados vão lá pescar. Além de servir de
alimento, os peixes também realizam a limpeza das represas, sendo, portanto, muito
utilizados até mesmo em caixas onde é colocado água para o gado, pois assim “não
deixam dar larva de mosquito da dengue (ASSENTADA C)”.
Se por um lado o cuidado com a natureza é importante, por outro as onças,
presentes no local, por vezes, representam uma ameaça para o gado. Entretanto,
nunca ouvi dos assentados algo que representasse a onça como uma inimiga, ao
contrário, eles realizam sua defesa:
se nóis não derrubasse tanto, a onça ia vir aqui? Num ia né, ia ter o espaço
dela pra andar, tinha o catitu, a paca, a cutia, todos os bicho lá, a onça mata
só os bicho, mais se nóis mata os bicho tudo dela comer ela tem que comer
quem ? Ela vai atacar o ser humano, vai atacar a vaca, o bezerro, então
assim, acho que o ser humano tinha que respeitar mais a natureza, porque
tudo que nóis tem de bom é a natureza gente.
Além disso, o mato também pode ser as plantas invasoras do quintal, sendo
estas plantas que não foram plantadas e que não possuem nenhuma função
aparente. Assim, uma planta que não foi plantada e que nasceu no quintal, mas que
possui uma função é deixada, mas caso não possua ela é o mato de quintal e será
capinada, portanto, retirada.
Outra importante diferenciação se dá entre a roça e o quintal, isto porque
nem toda área domesticada pelo trabalho do homem denomina-se roça. Havendo,
portanto, uma distinção, assim por quintal entende-se a plantação realizada aos
arredores27 da casa. Já a roça é definida como uma grande área de plantio, podendo
ser de monocultura de milho, sorgo, arroz e etc., ou também consorciação de
algumas espécies.
De toda forma, a classificação é pelo tamanho da área de plantio e não
necessariamente do produto em si. Assim, em minha primeira visita, ao colhermos o
milho para fazer pamonha, fui informado que este estaria no quintal e não na roça,
desta forma, não é a plantação de milho uma roça, mas sim o local, as condições e
o tamanho do plantio, que determinam ser uma roça.
Já por pasto se entende como o local destinado para o plantio do capim e,
portanto, local do e para o gado. Sendo que, em todas as parcelas visitadas, de
acordo com os assentados, não havia nenhuma roça no assentamento, sendo a
principal área de trabalho do homem o pasto para o gado.
O quintal representa, no momento, o local da agricultura de fato. Isto porque,
as roças, em geral, são produzidas em arrendamentos. A assentada A me disse que
arrendar é “quando você planta nas terras de outro e 20% da plantação fica pros
donos da terra como pagamento”, ela complementa dizendo que “ele [dono da
fazenda] fornece todo o maquinário pra você utilizar, inclusive quando o Zé Coelho 28
arrendou pra nós o meu marido dirigiu o trator, mas caso algo estrague é você que
tem que arrumar, a responsabilidade é sua”.
O arrendamento possibilita ao assentado ter acesso ao maquinário do dono
da terra, desta forma, facilita o processo de produção. Entretanto, fazia algum tempo
que o Zé Coelho não arrendava para alguém do assentamento. As suas terras
ocupam grande parte da margem da estrada que leva ao assentamento, durante o
27 Sendo mais comum nos fundos e lado da casa, entretanto, havia alguns quintais também
localizados à frente da casa.
28 O Zé Coelho é considerado pelos entrevistados um dos maiores fazendeiros da região de
período da visita de campo pude observar que em suas terras são realizadas o
plantio de soja e que após serem colhidas o arrendatário planta capim e/ou sorgo
que será utilizado pelo dono das terras, como informa o assentado N.
Esta prática assemelha-se a ilustrada por Brandão (1981), em que o
camponês depois de realizar o plantio da roça necessita plantar capim para o dono
da terra para servir de pasto do gado. O que posteriormente, para aumentar o
espaço do pasto passou a proibir a plantação da roça e assim levou a migração para
a cidade ou como fazia o pai da assentada A, ao plantio escondido.
Além disso, o uso da água é um importante fator quando se fala de
agricultura, uma vez que sem água é impossível plantar. Desta forma, há duas
maneiras de realizar o plantio, uma periódica, aproveitando a água proveniente da
chuva e outra constante, utilizando irrigação, entretanto necessita de maquinário
específico para realizar tal processo como a bomba, mangueira e aspersor. Por não
dispor de verba para realizar tais investimentos, os assentados possuem duas
alternativas, a primeira é plantar no período “das águas” ou utilizar um balde e
realizar a irrigação manual e individual, o que demanda muito tempo de mão de
obra. Geralmente, a água utilizada nestes trabalhos provem das caixas de água,
cisternas e represas.
Para otimizar o uso da água, alguns assentados focalizam a água utilizada
na cozinha e outras pias, além do chuveiro, para o quintal, favorecendo assim a
disponibilidade de água neste local. Entretanto, como salienta a assentada C, “tem
um problema, essa água com açúcar e comida assim atraí formiga e onde tem
formiga do pulgão”.
O controle das pragas é um importante modo de fazer da agricultura
campesina. Caso a praga não seja controlada, esta pode arruinar toda a plantação
realizada e assim gerar um imenso prejuízo para, deste modo é importante “saber
lidar com a terra, com a falta de água, com as plantas (ASSENTADA C)”
Quando perguntei se as desistências foram pelas dificuldades apresentadas
a assentada A disse que:
Foi isso que aconteceu com aqueles que vendeu, eles vendeu porque não
teve força suficiente pra encarar a dificuldade, porque não viu com bons
olhos a terra que tem, eu não consigo mais plantar pra vender, planto
pra subsistência, alugo o gado, e compro uma roupa, melhor viver aqui na
roça com o mínimo do que viver na cidade, porque ali talvez não consiga
emprego e moradia, e o dinheiro que vendo aqui, talvez não consigo
comprar uma casa lá. Aqui no campo você tem uma vida melhor, respira um
ar melhor, uma água de qualidade, tudo isso soma, to longe da cidade. As
71
vezes minhas irmãs falam para minha filha: “porque você não vem pra
cidade, está perdendo tempo aí”. Não está perdendo tempo sabe, isso aqui
é dela, se não quiser estudar mais, não estuda, mas eu quero que ela
estuda, aqui ela não está perdendo, essa é a casa dela, a herança dela, pra
eu passar pros meus filhos e netos. Também não acho, que quem está na
cidade está perdendo (Grifos meus).
considerada por todos a melhor vendedora do assentamento, esta fama faz com que
ela fique encarregada de realizar a grande maioria das vendas. Neste sistema há
outra forma de negociação, na qual o dono da mercadoria a deixa em alguma venda
ou mercado e assim esta ficará na prateleira para ser vendido, caso seja, divide-se o
lucro entre o dono do produto e o dono do mercado/venda; ou em outro caso o dono
do produto já vende diretamente para o dono do mercado. O primeiro caso costuma
acontecer quando há uma amizade já estabelecida entre ambas as partes, levando
assim o estabelecimento da confiança.
O PRONAF poderia representar uma verba de empreendimento destes
assentados, entretanto, devido problemas burocráticos com os papéis das escrituras
das terras houve um atraso para estarem aptos a receber o financiamento, e quando
enfim estavam aptos depois do impeachment o PRONAF teve sua verba reduzida e
assim não foi possível realizar o empréstimo.
Mesmo sem investimentos, os assentados já realizaram plantios da roça
comunitária, ainda durante o período de pré-assentamento. Na ocasião, o prefeito
enviou maquinário e insumos para a realização do plantio da roça de arroz e milho,
sendo ao final dividido entre os assentados a produção. Depois de divididas as
parcelas, nas áreas coletivas, também houve plantio coletivo em algumas áreas,
sendo também de arroz e milho, posteriormente não houve mais nenhum plantio
coletivo ou individual de nenhuma roça.
Dentro de suas parcelas, cada assentado atua à sua maneira, desta forma,
é possível observar os diferentes tratamentos que cada um realiza com suas
plantações, seja com a realização de canteiros suspensos ou plantados no chão, a
produção do quintal possui muita influência no cotidiano das assentadas. Seja para
a colheita dos temperos usados na comida ou até mesmo para a preparação dos
remédios caseiros, o quintal participa do cotidiano assentado. Até mesmo por isso, a
razão de estar nas imediações da casa é para facilitar seu acesso.
Dito isto, durante o período “das águas”, o milho é o principal produto
plantado, neste período há uma grande produção de derivados como: curau,
pamonha, massas de milho, milho cozido, assado e refogado. Todos estes preparos
participam da mesa alimentar, não obstante, também é utilizado para alimentação
dos animais, seja o milho inteiro ou somente os restos da cozinha: o miolo da
espiga. Outra prática com o milho é secá-lo para que as sementes sejam guardadas,
pois, deixa-las na própria planta para secar deixa-as expostas ao ataque de
73
pássaros. As palhas e restos do milho são aproveitados como adubo para as plantas
ou criações.
Há também modos de fazer específicos com o milho, quando auxiliei na
colheita para a realização da pamonha foi explicado que a espiga de milho estava
pronta para o plantio “quando os cabelos dele estiverem secos (ASSENTADA A)”,
referindo-se a uma parte da espiga. Durante a colheita foi advertido que o mato
estava alto, podendo ser perigoso encontrar ali uma cobra, pois gostava de ficar
nestes lugares.
polvilho, seus restos são utilizados como adubo para as plantas ou como alimento
para os porcos ou aves, caso o assentado tenha.
Para evidenciar a importância da mandioca e sua grande utilização, ao
referir-se que um assentado pouco trabalhava em sua parcela, uma das assentadas
disse que “nem mandioca na terra ele plantou”. O único problema enfrentado no
plantio de mandioca são os cupins, que à medida que a mandioca fica mais velha
pode ser atacada por eles, resultando assim em algumas percas na produção.
A pimenta representa outra importante plantação dos quintais, muito
utilizada como tempero na comida ela possui outras finalidades. Dentre elas, temos
a produção de conservas para venda ou utilização, produção de temperos com sal
também para venda ou utilização, além de também protegerem do “mal olhado”.
Assim, quando alguém olha ou toca para a pimenta desejando o mal ou com inveja
esta murcha e morre. Deste modo, ela também atua como um indicador dos
vizinhos, pois, caso estes toquem ou olham para a pimenta e esta murcha após a
visita é um sinal de que a mesma esta desejando o mal e, portanto, se fica alerta
com esta pessoa.
A qualidade mais plantada é a malagueta, isto ocorre devido “ela ser a mais
procurada pra compra (ASSENTADA A)”. Desta forma, é a principal qualidade
plantada, sendo a pimenta de cheiro muito utilizada nos temperos caseiros.
Existem plantas que além de serem utilizadas como alimento desempenham
também papel medicinal como a semente e folha do quiabo, babosa, noni, urucum,
açafrão, limão, amora. Outros como o boldo possui uso estritamente medicinal, não
sendo utilizado como alimento.
75
chão, para demarcar as margens do canteiro, repete-se este processo nos próximos
1,5 metros até que retoma ao início e inicia a perfuração da terra, para que seja
descompactada, quebrando os pedaços maiores que estão compactos, tornando-a
assim macia, para melhorar o enraizamento da planta.
Durante a realização do processo ele chamou a atenção por duas vezes: na
primeira ao avançar no canteiro, meus pés ficavam em cima do local onde
anteriormente havia perfurado, sendo errado porque ao pisar eu ia comprimindo
novamente a terra anteriormente trabalhada, desta forma, como instruído por ele o
canteiro deveria ficar entre minhas pernas 29 . No segundo momento em que fui
advertido, foi quando no meio do canteiro, estava deixando-o torto. Depois de
terminado o canteiro, a esposa dele observou e salientou que este ainda estava
torno, advertindo que por causa disto os canteiros seguintes também ficariam.
Isto demonstra que há uma lógica própria e específica para fazer os
canteiros, como demonstrarei a seguir:
Primeiramente, há uma distinção entre dois modos de canteiro: 1) um
sistema de canteiros que tem como produto final a produção frutífera/madeireira; 2)
um sistema de canteiros que tem como produto final a produção de hortaliça e
temperos. Nestes dois casos, o critério de escolha para qual sistema utilizar para
realizar a produção dos canteiros dá-se pelo produto final que pretende obter. Isto
porque, no sistema 1, pela prioridade ser dada para as árvores de maior porte,
depois que estas adquirem um determinado extrato arbóreo, ou seja, depois que
possuem um determinado tamanho adequado, o sombreamento irá impossibilitar
que plantas de baixo extrato possam sobreviver adequadamente. Deste modo, para
aprimorar os resultados optou-se por realizar dois sistemas de canteiros diferentes,
cada um procurando aumentar a produtividade na finalidade desejada. Em meio a
isto, ainda no canteiro 1, como veremos a seguir, até que estas plantas adquiram um
extrato adequado, será realizado o consorciamento das mesmas com outras plantas,
a fim de potencializar o uso do canteiro, dinamizar a produção e ampliar resultados.
29 G contou-me que ele aprendeu isto com o instrutor do MAIS, durante a implementação
30 Na legenda está descrita como cerrado, uma vez que ao descrever-me qual planta seria,
a assentada disse-me: “é uma planta do cerrado”, podendo ser frutífera, madeireira ou medicinal,
podendo ser de estrato alto ou baixo, variando conforme a necessidade.
82
mesma. 2) outro fator importante dá-se por uma possível substituição das frutíferas
por madeireiras, neste caso, planta-se uma espécie que terá como produto final não
os frutos, mas sim a madeira. Como salienta-me a assentada A, ela não optou por
realizar o plantio de madeireiras uma vez que sua terra possui muitas árvores que
ainda poderem ser extraídas, mas que, em caso de necessidade está é a realização
a ser feita, ao falar sobre o plantio de eucalipto e outras árvores madeireiras por
outros assentados, que dado seu longínquo período até que esteja no ponto de corte
demora aproximadamente sete a doze anos, variando conforme a espécie.
Já uma planta do cerrado, possui um sentido complementar para a escolha
da frutífera, como é possível observar na ilustração ela está a somente um metro da
frutífera, neste caso que parece ser um choque de estratos é explicado pela escolha
a ser feita da frutífera utilizada. Neste caso, há três possibilidades: na primeira
planta-se uma madeireira do cerrado, na segunda planta-se alguma planta
medicinal, na terceira planta-se alguma frutífera do cerrado. Nestes casos, para a
primeira opção – a mais comum- planta-se uma madeireira logo após a frutífera, não
havendo a interferência desta última na madeireira, isto porque, a madeireira do
cerrado é adaptada para crescer na sombra, neste caso, mesmo com o
sombreamento da frutífera esta irá sobressair e desenvolver. Para a segunda opção,
ao optar por alguma planta medicinal do cerrado, a frutífera não irá atrapalhar pois
quase sempre se trata de uma planta com ciclo mais rápido, este caso não foi
observado, mesmo sendo relatado sua possibilidade. Para a terceira opção, também
não observada, utiliza-se uma frutífera do cerrado, que quase sempre possui um
longo período até que desenvolva frutos, além disso, o principal motivo para não ser
utilizada dá-se por sua grande distribuição no assentamento, além disso, estas são
plantadas, quase sempre, fora dos canteiros, dado sua capacidade de sobreviver
sem uma terra fértil, entretanto, esta opção foi também relatada.
Por fim, o mamão assim como a banana, possui grande importância para a
produção de frutos, sendo juntamente com a banana os mais vendidos/trocados,
além também de representar grande importância para a produção de matéria
orgânica/adubo, uma vez que dado seu ciclo rápido, depois da segunda, terceira ou
quarta colheita, variando conforme a produtividade aparente da espécie, há sua
retirada e consequente corta para a deposição no canteiro, servindo como adubo.
Dado a explicação das regras que compõe este sistema, é preciso agora
abordar algumas possíveis lacunas, a primeira delas dá-se sobre quais frutíferas
84
C o sistema por ela realizado aproxima-se muito do sistema utilizado pela assentada
A. Em todos os casos há uma agroecologia em práxis, uma vez que em nenhuma
das parcelas por mim visitada observei a utilização de venenos e adubos químicos
como parte do sistema, seu uso, quase sempre estava associado ao controle do
mato, mas longe dos sistemas (ao redor da casa por exemplo), nos canteiros, o
controle dos matos dá-se pelo uso da enxada.
Sobre o sistema dos canteiros para hortaliça, vale dizer que possuem as
mesmas regras anteriores, mudando aqui o produto final e, portanto, as espécies
escolhidas.
pode resultar na derrubada das árvores para o plantio, mas que dado a juventude do
uso da terra pelos assentados, seriam necessárias algumas décadas para tais
condições. Isto portanto, representa a produção de uma mata pelos assentados, ou
seja, através do trabalho destes sujeitos, produz-se uma área de não trabalho,
preservada, mas que, será de grande retorno para o mesmo uma vez que constitui-
se como uma mata de comida, de frutas, esta é, portanto, o ponto central da
agrofloresta, que direta ou indiretamente é praticada pelos assentados, uns
realizando em maior intensidade outros em menos.
- Já vendi pra PAA e PNAE, mas o PNAE eu não vendo mais porque
demora muito pra pagar, tive uma dificuldade muito grande pra receber. Ele
paga melhor, mas demora demais, agora o PAA não, várias pessoas aqui
que vendeu, paga em dia sabe... Sempre no fim do mês você pode contar
certeza, o PAA é maravilhoso, se o PNAE funcionasse eu vendia pros dois,
pro PNAE já vendi 200 kg de farinha e demorou 1 ano pra receber, o PAA
tudo que vendi, com 30 dias que entreguei eu recebia.
Nós não íamos na cidade, fazíamos compra nas vendas, que são botecos
no meio do mato, andávamos uns 30 km a pé e chegávamos lá. La tinha um
32 Este estado de fartura de comida reflete mais para a comida como linguagem
(WOORTMANN, 2013). Assim quando E. Woortmann (2018), aponta no seu texto O sítio camponês,
tal linguagem produz práxis específicas, revelando assim a lógica e a simbólica destes saberes
tradicionais (WOORTMANN, 2006).
93
Mediante estes dados irei refletir sobre do que se trata alimentos produzidos
no lote e alimentos comprados. Ao realizar as visitas, todos os assentados
entrevistados afirmaram não produzir arroz e feijão, além disso disseram que,
mediante seu conhecimento, nenhum outro assentado realiza tal produção.
Ainda segundo dados da Fundater (2015, p. 7) os alimentos que os
assentados disseram sempre possuir para alimentação são: arroz e feijão (quarenta
e oito famílias), carnes (trinta e nove famílias), verdura (trinta e um famílias),
legumes (trinta e nove famílias), massas (vinte famílias), bebidas (trinta e duas
famílias) e sobremesa (oito famílias). Assim podemos destacar o arroz e feijão,
carnes, verduras e legumes como os principais produtos alimentícios do
assentamento.
de outros assentados, uma vez que o frango ali produzido será considerado caipira e, portanto, mais
caro, neste caso é mais barato comprar o frango de granja congelado nos supermercados do que
adquirir um frango caipira, assim um frango caipira de 25-30 reais possibilita a compra de dois
frangos de granja médios de 12 a 13 reais aproximadamente.
95
36 Não denominarei aqui tal finalização do consumo produzido no almoço como “resto” do
almoço, uma vez que o “resto do almoço” é aquilo destinado para os animais: cachorros, gatos,
porcos e aves, ou seja, aquilo que não é de consumo humano.
96
frente as dificuldades, que são várias, entretanto, aos que ficaram, a resistência e
insistência são latentes.
Eu não consigo mais plantar pra vender, planto pra subsistência, alugo o
gado e compro uma roupa, melhor viver aqui na roça com o mínimo do que
viver na cidade, porque ali talvez não consiga emprego e moradia, e o
dinheiro que vendo aqui, talvez não consigo comprar uma casa lá. Aqui no
campo você tem uma vida melhor, respira um ar melhor, uma água de
qualidade, tudo isso soma, to longe da cidade (ASSENTADA A).
Para isto novas táticas são criadas, novos caminhos são trilhados. Brandão
(1981) aponta em seu texto para o deslocamento do campo para a cidade dos
camponeses de Mossâmedes e em sua respectiva precarização através da
modernização do campo e consequente impossibilidade de praticar-se como
campesinos no âmbito urbano.
A linha que marca o passado e presente destes assentados, demarca
também uma mudança brusca nos modos de plantar, colher e comer, cada vez mais
precário, restou ao campesino submeter-se a algumas regras, entretanto, seu
campesinato, sua ordem moral permanece viva. É preciso acrescentar o dinheiro e
suas formas de obtê-lo dentro da lógica da matriz cognitiva camponesa, viver
somente da terra e do trabalho no campo não mais faz parte do presente e vivência
campesina destes assentados. Talvez, por isto, relembrar sua infância e os modos
ali vividos seja também um ato de resistência, que ilustra a condição precária em
que se encontram e assim torna-se o combustível para resistir em meio à luta
vivenciada em seu cotidiano.
98
textos acadêmicos, optei por deixar que o contato com eles me guiasse na
elaboração e reconhecimento de significados dos mesmos. Conviver, conversar e
participar de seus cotidianos seria o caminho para tal abordagem.
A partir da vivência, se constrói símbolos, significados, que por sua vez
produzem uma concepção de mundo, por isto, a fala do assentado carrega sua
cosmovisão (FLORES, 2012, p. 143). Trazê-la ao texto é fornecer ao leitor a
possibilidade de digerir esta alteridade, cabendo a mim ampliar e melhor significar as
concepções, elaborar estruturas de significações para aquilo que não é explicitado
na fala.
Desta maneira, em comunhão com Geertz, pretendi descrever, a partir do
meu olhar, o mundo no qual os assentados vivem, como eles o veem e também
como eles constroem significados, desta maneira, procurei fazer sentido do que
ouvi, vi e participei (MICHEELSEN, 2016, p. 200 e 202). Por isto, o terceiro capítulo
é uma descrição das práticas, de como veem e como fazem.
Estes princípios são definidos por E. & K. Woortmann (1997b, p. 7-8) como
matriz cognitiva camponesa, na qual
pode ser concebida, de outro modo, como parte do que Bourdieu define
como “habitus”, que resulta de práticas historicamente engendradas, que
por sua vez organiza essas práticas, reproduzindo a estrutura. O habitus por
conseguinte, tende à assegurar sua própria constância e sua própria defesa
contra a mudança descaracterizadora. Através da seleção distingue entre
as informações novas – a serem incorporadas pelo grupo- e aquelas a
serem rejeitadas, em caso de exposição fortuita ou forçada, informações
essas capazes de colocar em questão a informação acumulada.
37
Sahlins (1972, p. 139) denomina isto de crise reveladora, no seu estudo esta crise deu-se
pela ocultação de uma real condição para não cumprir sua obrigação social, já aqui esta crise é o
inverso, pois dá-se quando os assentados querem cumprir sua função social, mas não possuem
condições reais para isto.
103
o assentamento era uma marca viva do processo de luta e perca, assim ao falar
sobre o assentamento o sujeito expunha a frustração, raiva e decepção. Desta
maneira, o assentamento atua enquanto uma marca viva de seu processo, uma
memória.
Terceiro, enquanto o local de trabalho e vivência de cada família, aqui o
assentamento torna-se uma comunidade (ASSENTADO E), na qual diversas
famílias vivem e trabalham, cada um a sua maneira, entretanto havendo uma
comunicação, uma junção entre as mesmas, a qual será posteriormente detalhado.
Quarto, onde o pai de família se realiza havendo, portanto uma junção entre
terra e família. Desta maneira:
Se a produção é central para a reprodução, e se é pelo trabalho que se
constrói a família, é pelo saber “técnico” que ela se faz e é o controle sobre
esse saber que faz a hierarquia do grupo doméstico. Exerce-se o poder
porque se detém o saber. Na hierarquia da unidade produtiva, o pai de
família (no plano público) governa a família porque governa a produção;
governa o processo de trabalho porque “domina” o saber. O saber “técnico”
é, portanto, fundamental para a reprodução da estrutura social (E. & K.
WOORTMANN, 1997a, p. 12).
pude observar os critérios para o estabelecimento destas categorias, além disto, por
vezes, pode haver tamanha alteridade entre dois sujeitos que ambos considerem o
outro como de fora, ou seja, mesmo morando no assentamento, este pode ser
considerado como de fora, não pertencente.
Também há um reconhecimento do outro enquanto família/companheiro,
que se relaciona com a percepção da terra comunal, ou seja, os frutos das árvores
do assentamento não pertencem aos proprietários da parcela, são de todos, com
exceção para aquilo que adveio pelo trabalho. Neste caso, pertence a quem
trabalhou/plantou, desta maneira, para colher caju de um cajueiro não é preciso
pedir autorização, mas para colher a pimenta, couve e etc., já se faz necessário.
Neste sentido, o trabalho enquanto valor, completa o valor família, pois é
através deste que a família se faz enquanto tal. Em exemplo anteriormente citado,
quando uma assentada me disse que seu marido havia ido trabalhar fora com
tristeza, mesmo que este dinheiro ganho pelo assalariamento signifique o sustento
desta família naquele momento, ela ilustra que, mesmo estando na posse da terra, a
família não pode realizar-se pelo trabalho, ou melhor dizendo, pelo trabalho na terra.
Desta maneira, o assalariamento do pai de família tem por função evitar a ruptura do
campesinato, sendo que, esta situação constitui-se análoga a uma situação
vexatória, pois expõe o pai de família, indicando que este não conseguiu cumprir sua
função social, dentro de sua moral.
Woortmann (1990, p. 25-27), retrata tal condição nos engenhos, que a
classificam como humilhação, sujeição e cativeiro. Desta forma, é possível realizar
algumas classificações quanto ao trabalho: a) trabalhar para si; b) trabalhar para
outro.
No caso a) trabalhar para si, indica que o trabalho deste campesino será
realizado para ele mesmo, ou seja, em sua terra, no qual além do controle da
produção, tem domínio sobre o tempo. Já no caso b) trabalhar para o outro, pode
ser dividido de duas maneiras: 1) trabalhar para outro sem realizar sua ordem moral;
2) trabalhar para outro realizando sua ordem moral. Ou seja, para o primeiro caso, o
assentado trabalha para outro, assalaria-se, e realiza um trabalho no qual não
contribui, diretamente, para a realização de seus valores, por exemplo trabalhar
como pedreiro no meio urbano, além de retirar o controle sobre sua produção e do
seu tempo, seu trabalho não põem em prática seus valores, ao contrário, quase
108
39 Durante uma entrevista, a assentada B celebra que “Graças a Deus quando morou na
cidade trabalhava na feira”, isto mostra que para este trabalho que aproxima-se com os modos de
fazer campesinos, o trabalho na cidade que aproxima-se de tais valores é reconhecido como bom
trabalho.
40 A categoria fazendeiros como apresentada no capítulo anterior é distinta, pois estes
Nestes processos, ocorre uma diferenciação quanto a quem irá realizar cada
etapa, deste modo, percebo duas diferenças iniciais: primeiramente, quanto ao
gênero; segundo, de acordo com o caráter geracional. Assim, para o primeiro caso,
como se trata de um processo de preparar o alimento, tradicionalmente pertencente
ao ambiente feminino, as mulheres costumam ficar com alguma destas etapas, já os
homens costumam buscar lenha, cuidar do fogo, ou realizar alguma etapa do
processo do preparo, como o caso em que o marido realizou o tempero da massa,
pois, segundo sua esposa: “ele tem um tempero bom”. Já no segundo caso, quando
este ocorre, em que uma criança ou adolescente participa do processo, esta recebe
alguma função simples, como cortar o queijo, pegar vasilhas ou outros itens, não
participando efetivamente do processo, uma vez que ainda não domina o saber
fazer. Em todo este processo de preparo, a “prosa” é parte do trabalho, não existe
trabalho sem prosa, podendo ter a função de provocar o riso, compartilhar
informação, modos de fazer, mas principalmente produzir a “fartura de amizade”.
Este tipo de troca de tempo de serviço costuma gerar uma corrente, na qual
cada um realiza um convite para algum evento em sua casa e aqueles convidados
necessitam, posteriormente, também realizar outro convite, com a finalidade de
fortalecer os laços e assim produzir a fartura de amizade, retratado ao falar do
“tempo de seus pais” ou “antigamente”, além disso, ao relatarem que hoje em dia há
uma diminuição desta fartura de amizades, indica que ela possui uma função
importante dentro do campesinato.
Woortmann (1990, p. 16) ao falar sobre o campesinato diz que:
O modelo que imagino lida, portanto, com seres históricos e não deve dar
margem a reificações. Ele é também histórico na medida em que a
passagem de uma ordem moral para uma ordem econômica é,
efetivamente, um processo multissecular por onde passa todo o mundo
ocidental e já antevisto por Aristóteles quando este descobre a economia,
na feliz expressão de Polanyi (1975). Trata-se de uma grande revolução em
toda a cosmologia ocidental, epitomizada, talvez, na “revolução newtoniana"
(Burti, 1983) Passa-se de uma ordem de primazia da lei dos homens para a
primazia da lei das coisas; de um universo relacional para um universo
atomizado; da sociedade para a economia.
Desta maneira, esta ordem moral também está inserida dentro do fluxo
cultural, este influenciado por diversas variáveis. Ao apontar para modificação
cosmológica que atomiza a sociedade, ele refere-se desde ao funcionamento do
sistema político-econômico capitalista, até ao desenvolvimento da ciência, no qual “o
capitalismo subordina, porém não organiza o campesinato” (TAUSSIG, 1983, apud
111
42 Como no caso anteriormente citado onde a assentada H questiona sua mãe sobre uma
receita caseira, demonstrando que o saber do médico, científico, era melhor que o senso comum de
sua mãe.
112
portanto, a ordem moral. Por isto, estas ambiguidades para tratar o negócio,
demonstram seu caráter histórico e culturalmente construído.
Face a estas questões envolvendo as ambiguidades do negócio e trabalho,
o controle do tempo é parte fundamental da autonomia campesina. Desta maneira,
quando estes sujeitos perdem o controle do tempo estes são impossibilitados de
serem agricultores plenos, ou seja, se o assentado se assalaria no período que seria
destinado para a realização de um plantio, não é possível praticar a agricultura em
sua terra.
Neste caso o pai de família não consegue se realizar enquanto valor,
influenciando na realização da terra e do trabalho enquanto modos de fazer éticos.
Isto coloca alguns assentados em condição “fraca” de sua campesinidade,
identificado quando este não consegue cumprir suas próprias regras e valores.
Tal situação não é algo que se inicia agora, conforme nos relatos
anteriormente transcritos, ao falar sobre as condições de seus pais, os assentados
demonstram que a perca da autonomia do trabalho se realiza já há algum tempo,
como no caso da assentada A em que seu pai plantava a roça escondido. Desta
maneira, as condições objetivas as quais alguns assentados se encontram os
enquadram em uma espécie de cativeiro, retirando sua autonomia de trabalho, pois
necessita vende-la para sobreviver. Por isto, novas táticas e golpes (CERTEAU,
2014) necessitam ser utilizadas pelos mesmos para tentar modificar tal situação.
A área coletiva do assentamento falha, pois não consegue englobar
diferentes pais de família em um mesmo espaço, ou seja, não é possível haver mais
de um pai de família atuando no mesmo lugar 43 , ou como relata um assentado:
“mais de uma cabeça no mesmo lugar não dá certo, cada um quer ir para um canto”.
Assim, parte da individualidade do assentamento também se dá pelo
respeito da posição do pai, ou seja, de que cada um gerencie seu tempo e seu
trabalho como preferir sendo uma regra muito importante para a realização da moral.
Quando o pai não consegue se realizar, a terra e o trabalho também são afetados,
ferindo diretamente a ordem moral, igualmente quando os assentados não
encontram condições objetivas para realizar tais funções, estes sentem-se
diretamente falhos, assim como alguém que deseja profundamente ser honesto e se
43 Quando retratei que havia o pai de família alternado, este funciona da seguinte maneira:
ora o pai e outrora a mãe realizavam a função de pai de família alternadamente, não ao mesmo
tempo, somente havendo uma troca da hierarquia conforme a necessidade e o reconhecimento do
saber “técnico”.
114
encontra praticando uma ação desonesta, esta ruptura deixa marcas perceptíveis
nas falas destes sujeitos.
Dada estas condições, poderia o leitor perguntar: os assentados são
campesinos, ou seja, possuem de fato esta ordem moral? Acredito, que os dados
até aqui confirmam isso. Sua luta para retornar a terra e sua resistência para
permanecer indicam que esta condição, mesmo que degradada, implica na
realização ou na tentativa de realização desta ordem moral. Devido os eventos
serem recentes, alguns aspectos quanto a transmissão da terra e quanto ao caráter
geracional que são inerentes da reprodução da família não podem ser observados,
uma vez que não há mais que uma geração na terra.
Entretanto, é possível tecer algumas considerações sobre estas questões,
primeiramente há uma modificação quanto a função do filho, isto porque, como
conta a assentada A, quando seu pai plantava a roça, os filhos eram responsáveis
por cuidar/trabalhar na mesma, além disso havia outros trabalhos no campo para
serem realizados. O estudo, principalmente pela dificuldade ao acesso a escola, não
era parte da função de uma criança e adolescente, sendo que, quase sempre, era
preferível que este trabalhasse do que estudasse.
Contudo, a partir da possibilidade e acesso à escola eles a visualizaram
como importante, deste modo, face sua vivência no meio urbano, estes sujeitos
realizaram uma inversão da função que as crianças e adolescentes realizam. Agora,
ao invés de obrigatoriamente trabalharem, o estudo deve ser prioridade/obrigação,
mesmo que estes possam, e quase sempre o fazem, trabalhar auxiliando seus pais,
ainda assim o foco deve ser o estudo. No assentamento, como relata o assentado F,
filho de outro assentado, quando adolescente, seu pai chamava para auxiliar, o qual
ele denominava “aprender a fazer”, mas não obrigava a realização do mesmo,
assim, cabia a escolha de ir ou não aprender a fazer.
Outro efeito recorrente é a migração dos filhos, se para os pais a luta pela
posse da terra possui um significado de aquisição do patrimônio, para os filhos isto
não possui o mesmo significado, mesmo que se reconheça como patrimônio dos
pais, estes não necessariamente veem-no como seus, desta maneira, a migração
dos filhos para a cidade ao atingirem determinada idade costuma ser a regra, sendo
muito pouco o número de filhos adultos que permaneceram no assentamento. Vários
fatores atuam nestes casos: a própria influência dos pais para que isto de fato
aconteça, influência do acesso as novas mídias, influência da escola, influência dos
115
novos desejos sociais e etc. O mais importante aqui é entender que há uma
mudança da função do filho e que, quase sempre estes herdeiros se recusam a
herdar.
A própria reintegração a sociedade global em transformação, realiza no filho
uma “descoberta do outro, de uma alteridade não-tradicional de novos valores,
estabelecendo, com isso, o estranhamento de seu próprio universo e sua
desnaturalização” (WOORTMANN, 1990, p. 56). Isto revela também não somente
para os filhos destes assentados, como também seus irmãos que, em sua grande
maioria, optaram por viver na cidade e não retornar para a terra, como podemos
observar nesta fala que irei transcrever novamente:
Aqui no campo você tem uma vida melhor, respira um ar melhor, uma água
de qualidade, tudo isso soma, to longe da cidade. As vezes minhas irmãs
falam para minha filha: porque você não vem pra cidade, está perdendo
tempo aí. Não está perdendo tempo sabe, isso aqui é dela, se não quiser
estudar mais, não estuda, mas eu quero que ela estuda, aqui ela não está
perdendo, essa é a casa dela, a herança dela, pra eu passar pros meus
filhos e netos. Também não acho, que quem está na cidade está perdendo
(ASSENTADA A).
(DES)CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deste modo, quero aqui salientar o aspecto mais importante, mais do que a
precarização do trabalho deste sujeito, falo de uma precarização moral. E. & K.
Woortman (1997a) falam sobre a integração entre terra-trabalho-família, e que ao
falar sobre o trabalho o campesino fala de si. Desta forma, mas do que falar sobre
seu trabalho, de uma perspectiva economics, pretendo falar de sua vida, e o
trabalho é um importante componente dela. Sua ordem moral, sua virtude,
necessitam do trabalho no campo para concretizar-se, desta forma, o trabalho na
cidade implica em um não cumprimento de seus propósitos, sendo, por isto, uma
prática deficiente, pois, não permite o alcance de seu ideal.
Desta forma, a resistência e a luta são tão marcantes tanto nas falas quanto
nas atitudes. É na resistência que o assentado pode continuar a trilhar os caminhos
de seus ideais, ao contrário ele entrega-se, cai. Em um ditado comum, Jesus foi
tentado pelo diabo no deserto e resistiu à todas, entendo tal ditado como algo que
melhor elucida a força da resistência destes assentados: resistir para não se
entregar.
Nesta pesquisa, procurei compreender o campesinato como produtor de
categorias de apreensão. Terra-Trabalho-Família são, portanto, aspectos fundantes
da ordem moral destes sujeitos, revelando que, para além do objeto próprio há
outros significados invisíveis aos olhos alheios.
Se a justificativa desta pesquisa se dá por um contexto de preconceito
construído e recorrente, esta pesquisa procura contextualizar o leitor, tentando
inseri-lo dentro da matriz cognitiva camponesa, para assim melhor compreender os
motivos e porquês de determinadas ações.
Longe de se considerar acabado, compreendemos aqui um ponto de partida.
Ao entender a cultura como produto de significados, problematizo também, a partir
disto, o Norte goiano como um produtor de significados sui generis, uma vez que
nossa história campesina é latente. Cavalos, carroças, criação de bois e vacas como
parte da iconografia comum, indicam que este campesinato ainda se encontra em
modificação, em ressignificação dentro dos centros urbanos.
Muitas problemáticas novas surgiram ao final desta pesquisa, nestes
caminhos, entendo que seja relevante uma futura pesquisa que trate sobre a
produção identitária e cultural dos filhos destes assentados, nesta relação dupla
entre a vivência da escola no meio urbano e a vivência do assentamento no meio
118
Samurai 57
Feliciano de Freitas 10
Pablo Neruda 13
Mutun 20
Emílio Zapata 12
Niquelândia Conceição 58
José Martí 35
Julião Ribeiro 17
Engenho do Bom Sucesso 31
Santa Rita do Broeiro 18
Aranha 24
Rio Vermelho 59
Acaba Vida 59
Água Limpa 23
Salto para o Futuro 30
Água Forra (em criação) 00
Nova Crixás Cantoneiras 47
Santa Maria do Crixás-assu 45
São Judas 50
Lagoa Jenipapo 42
Florestan Fernandes 55
Tarumã 26
Novo Planalto Camilo Torres 56
Roseli Nunes 34
Sepeti de Araújo 26
Pontal do Araguaia 86
Antonio Conselheiro 26
Porangatu Salvador Allende 61
Santa Tereza 72
Deus me deu 27
Pioneira 70
Padre Josimo 46
Santa dica 96
Paulo Gomes da Silva Filho Doide 23
Josué de Castro 27
Fernando Silva 92
Irmã Dorothy 66
Santa Terezinha de Morada do Sol 20
Goiás Vitória da União 16
São Miguel do Araguaia São José 45
Umuarama 119
Campo alegre 124
Rio Araguaia 93
Gustavo Martins 55
Lageado 18
Vasco de Araújo 171
Trombas José Ribeiro da Silva 33
Uirapuru Bacuri 54
Mãe Maria 36
Uruaçu José Vítor da Silva 35
121
Fonte: INCRA
122
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PÁDUA, Andréia Aparecida Silva de. A Sobrevida da Marcha para o Oeste. EVS -
Estudos Vida e Saúde, Goiânia, v. 34, n. 4, p. 623-643, jan. 2008. ISSN 1983-781X.
Disponível em: <http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/estudos/article/view/402>.
Acesso em: 17 jul. 2018. doi: http://dx.doi.org/10.18224/est.v34i4.402.