Sunteți pe pagina 1din 94

0

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE –


UERN
FACULDADE DE DIREITO – FAD
CURSO DE DIREITO

DJAIR CLAUDIANO DA SILVA

O CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS


DO MUNICÍPIO DE PASSA E FICA NA ORDEM JURÍDICA
CONSTITUCIONAL: Uma análise da atuação dos Conselhos
Municipais e do Poder Público

NOVA CRUZ-RN
2012
1

DJAIR CLAUDIANO DA SILVA

O CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS DO MUNICÍPIO DE


PASSA E FICA NA ORDEM JURÍDICA CONSTITUCIONAL: Uma análise da
atuação dos Conselhos Municipais e do Poder Público

Trabalho de Curso, na modalidade


monografia, apresentado ao Curso de Direito
do Núcleo Avançado de Nova Cruz da
Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte como requisito parcial para obtenção do
título de bacharel em Direito.

Orientadora: Prof.ª Cláudia Vechi Torres

NOVA CRUZ-RN
2012
2

DJAIR CLAUDIANO DA SILVA

O CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS DO


MUNICÍPIO DE PASSA E FICA NA ORDEM JURÍDICA
CONSTITUCIONAL: Uma análise da atuação dos Conselhos Municipais e
do Poder Público

Trabalho de Curso, na modalidade


monografia, apresentado ao Curso de Direito
do Núcleo Avançado de Nova Cruz da
Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte como requisito parcial para obtenção do
título de bacharel em Direito.

Apresentado oralmente e aprovado no dia ___de ______________de _______

COMISSÃO DE AVALIAÇÃO:

__________________________________________________

Examinador

__________________________________________________

Examinador

__________________________________________________
Prof.ª Cláudia Vecchi
Examinadora

NOVA CRUZ-RN

2012
3

Dedico este trabalho a Deus, por ter permitido


a finalização desta jornada, com coragem e
saúde, e aos meus pais, que me trouxeram ao
mundo e me acompanharam desde sempre.
4

AGRADECIMENTOS

A realização de um trabalho e a conclusão de uma meta quase nunca é um ato


meramente individual, e este projeto é produto de um esforço coletivo. Devo, assim, cada
capítulo e cada palavra, direta e indiretamente, a diversas pessoas, às quais não posso
deixar de citar, agradecer e dedicar essa obra.
Primeiramente agradeço a Deus por ter me propiciado a vida, não simplesmente a
biológica, mas a vida plena, já que colocou tantas pessoas especiais na minha trajetória;
aos meus pais que abraçaram a causa dos meus estudos durante toda a minha vida e me
proporcionaram não somente condições físicas e psicológicas para alcançar meus
objetivos, como também incutiram em mim a vontade de estudar e a força de vontade para
seguir nos momentos difíceis, pois sempre apoiaram e acolheram as minhas decisões sem,
no entanto, determinarem a escolha de meus caminhos, compartilharam os meus sonhos e
me ajudaram a lutar por eles, com carinho sinceridade e companheirismo incondicional.
As minhas seis irmãs que presenciaram todo o meu crescimento acadêmico e
pessoal de perto, sempre me apoiando e me encorajando a me manter firme. Agradeço a
minha esposa Raquel pela paciência em permitir que eu me ausentasse de casa quase todas
as noites para ir à aula ficando em casa com nossos filhos.
Aos meus professores em geral, que marcaram meus estudos e me guiaram
diversos anos. Não poderei jamais citar todos os nomes, mas não posso deixar de
mencionar os mestres que me conduziram nos mais diversos feitos e realizações, desde a
alfabetização básica ao êxito da aprovação do vestibular e a todos os anos nas cadeiras da
universidade. Foram estes responsáveis pelo crescimento intelectual e, principalmente, por
solidificarem ensinamentos de vida.
Meus companheiros de sala, que dividiram comigo as angústias, os feitos, que me
socorreram nas mais diversas situações e que compartilharam comigo momentos
inesquecíveis, que certamente estarão sempre presentes, se não fisicamente, nas fotos e
lembranças, nas páginas desse trabalho e nas memórias mais ternas como parte importante
da minha vida.
Agradeço, por fim, à minha orientadora, a Prof.ª Cláudia Vecchi Torres, que
entrou nessa Instituição de Ensino se mostrou disposta a ajudar todos os alunos, como se
possível fosse, que me incentivou nos meus projetos iniciais e teve paciência e esmero em
corrigir este trabalho, como também compreender as minhas faltas durante a jornada.
5

RESUMO

A abordagem do controle das políticas públicas ambientais do Município de Passa e


Fica/RN dentro da ordem jurídica Constitucional, como forma promover uma cidadania
ativa capaz de propiciar um meio ambiente equilibrado que harmonize desenvolvimento
com sustentabilidade, bem como da ação de cada cidadão e do Estado, através dos seus
representantes, como sujeitos e agentes de transformação, constituem os principais
objetivos do presente trabalho. Analisando a realidade social e ambiental deste município,
identificando as falhas e os acertos na execução das políticas públicas, far-se-á a
abordagem dos seguintes requisitos: o papel dos atores sociais, dos governantes e
governados; o papel dos conselhos comunitários, como expressão dos interesses da
sociedade civil organizada; o papel do Ministério Público, como aliado da sociedade; e,
por fim, o papel do Poder Judiciário. A escolha da temática deste trabalho foi motivada
pela constatação do impacto socioambiental causado neste município quando o
desenvolvimento econômico e o crescimento demográfico comprometem o equilíbrio do
ecossistema, e pela percepção do contraste entre o crescimento demográfico, o
desenvolvimento estrutural e a falta de investimento no desenvolvimento humano. Serão
abordados os Princípios Constitucionais que norteiam os atos administrativos dos gestores
que conduzem a máquina estatal, e a “Ordem Social ambiental”, que trata do meio
ambiente, tendência contemporânea de preocupação com os interesses difusos, bem como
também o conceito de Estado de Direito Ambiental, pois se trata de acrescentar o elemento
“relevância ecológica” à fórmula consagrada pelas democracias constitucionais
contemporâneas, sempre levando em conta a necessidade de garantir o meio ambiente e as
várias esferas humanas de existência. Por fim, tratar-se-á da democracia participativa da
sociedade civil organizada na elaboração e execução das políticas públicas de cunho
socioambientais, fazendo uma análise da atuação dos conselhos comunitários existentes no
município e da atuação do Poder Público, Executivo e Legislativo, e do controle judicial
destas políticas.

Políticas Públicas – Sócio-Ambiental – Princípios Constitucionais – Participação


Popular – Poder Público – controle judicial.
6

RESUMEN

El abordaje del control de las políticas públicas ambientales del Municipio de Passa e
Fica/RN dentro del orden jurídico Constitucional, como forma de promover una ciudadanía
activa capaz de propiciar un medio ambiente equilibrado, que venga a armonizar desarrollo
con sustentabilidad, así como de la acción de cada ciudadano y del estado, por sus
representantes, como sujetos y agentes de cambio, constituyen los principales objetivos del
presente trabajo. Analizando la realidad histórica social y ambiental de este municipio,
identificando las fallas y los aciertos en la ejecución de las políticas públicas, será
abordado los siguientes requisitos: el papel de los actores sociales, los gobernantes y
gobernados; el papel de los consejos comunitarios como expresión de los intereses de la
sociedad civil organizada; el papel del Ministerio Público junto a la sociedad, actuando
como fiscal de la ley; y, por fin, el papel del Poder Judiciario. La elección de la temática de
este trabajo fue motivada por la constatación del impacto socio-ambiental causado en este
municipio cuando el desarrollo económico y el crecimiento demográfico comprometen el
equilibrio del ecosistema, y la percepción del contrasto entre el crecimiento demográfico,
el desarrollo estructural de la ciudad y la falta de investimento en el desarrollo humano.
Serán abordados los principios constitucionales que nortean los actos administrativos de
los gestores que conducen a la máquina estatal, y el Orden Social Ambiental, que trata
del medio ambiente, tendencia contemporánea de preocupación con los intereses difusos,
así como el concepto de Estado de Derecho Ambiental, pues se trata de acrecentar el
elemento “relevancia ecológica” a la fórmula consagrada por las democracias
constitucionales contemporáneas, siempre se llevando en cuenta la necesidad de garantizar
el medio ambiente y las diversas esferas humanas de existencias. Por fin, será tratada la
democracia participativa de la sociedad civil organizada en la elaboración y ejecución de
las políticas públicas ambientales, analizando la actuación de los consejos comunitarios
existentes en el municipio, la actuación del Poder Público, Executivo y Legislativo, y el
control judicial de estas políticas.

Políticas Públicas – Sócio-Ambiental – Principios Constitucionales – Participación


Popular – Poder Público – control judicial.
7

TABELA DE SIGLAS
SCO – Sociedade Civil Organizada
ONG – Organização Não Governamental
SAR – Serviço de Assistência Rural
SEAPAC – Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos Comunitários
CF – Constituição Federal
EMATER – Empresa Brasileira de Extensão Rural (uma para cada Estado)
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
8

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO......................................................................................................... 10
2. DO CONCEITO DE POLÍTICA AO CONCEITO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS..................................................................................................................... 13
2.1 Da origem do conceito de política Greco-Romana aos nossos dias.................... 13
2.2 O conceito de políticas públicas.......................................................................... 17
3. DOS INSTRUMENTOS CONSTITUCIONAIS DE CONTROLE
SOCIAL E INSTITUCIONAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS............................... 21
3.1 Do controle social................................................................................................ 21
3.2 Do controle Institucional..................................................................................... 25
3.3 Os princípios constitucionais da Administração Pública.................................... 32
4. A ORDEM SÓCIOAMBIENTAL E OS ELEMENTOS
ESTRUTURANTES DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL........................... 40
4.1 A Educação Ambiental e a Política Nacional do Meio Ambiente....................... 40
4.2 Conceito Jurídico de Meio Ambiente e competência municipal........................ 43
4.3 Princípios do Direito Ambiental.......................................................................... 44
4.4 Licitação ambiental.................................................................................. 47
4.5 O Estado de Direito Ambiental.................................................................. 48
5. PANORAMA HISTÓRICO E GEOPOLÍTICO DO MUNICÍPIO DE
PASSA E FICA ............................................................................................................. 57
5.1 Das raízes aos frutos............................................................................................ 57
5.2 A implantação do Projeto de Educação Ambiental............................................ 61
5.3 As casas de farinha, o enfraquecimento da cultura da mandioca e os impactos
socioambientais............................................................................................................... 65
5.4 A preservação cultural no município de Passa e Fica......................................... 67
5.5 Biodiversidades: A fauna e a flora do município de Passa e Fica............... 69
5.5.1 Parque Estadual da Pedra da Boca....................................................................... 72
5.5.4 A caça predatória e o comércio de animais silvestres......................................... 74
6. DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: Uma luz no final do túnel......................... 75
6.1 O ESTADO SOCIOAMBIENTAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS
AMBIENTAIS: Os conselhos municipais estão a serviço do Estado ou da Sociedade
Civil?............................................................................................................................ 76
6.2 A atuação do SAR e a resistência à mudança de mentalidade........................... 79
1

6.3 A política ambiental e o destino do lixo em Passa e Fica................................... 81


6.4 As experiências positivas e a atuação da Sociedade Civil nas Políticas
Públicas Socioambientais................................................................................................ 83
6.5 Fundamentos histórico, constitucional, legal e regulamentar para o exercício
dos direitos de exigir um estado transparente e do controle popular do dinheiro
público............................................................................................................................. 84
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 87
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................... 92

1 INTRODUÇÃO
10

Partindo da constatação de que o controle social e jurídico nem sempre é tão eficaz
na realidade dos pequenos municípios brasileiros, e que muitas vezes este controle é
condicionado por interesses quase sempre indiferentes ao interesse público, aqui se traz a
baila questões atinentes ao exercício pleno da cidadania no tocante ao papel do Estado e da
Sociedade Civil no horizonte do Direito Constitucional no contexto da Ordem Social
Ambiental expressa em nossa Carta de 1988.
Objetivando-se abordar o controle social e jurídico, sua eficácia e/ ou eficiência,
como forma de promover uma cidadania ativa capaz de propiciar um meio ambiente
equilibrado que harmonize desenvolvimento com sustentabilidade, e que também seja
capaz de combater a corrupção e a impunidade daqueles que são responsáveis pela
degradação do ambiente em que vivemos, do qual fazemos parte, agindo como sujeito e
agente de transformação.
A escolha do município de Passa e Fica como parâmetro para os demais da região
do Agreste Potiguar foi motivado pela constatação do impacto socioambiental causado
num determinado município quando o desenvolvimento econômico e o crescimento
demográfico atingem o equilíbrio do ecossistema. O que fazer numa realidade social onde
a preocupação com a organização da infraestrutura do município está no topo das
prioridades dos administradores enquanto o mesmo município se encontra entre os que
estão abaixo da linha da pobreza? Como conciliar desenvolvimento e sustentabilidade nos
pequenos municípios?
É neste contexto que o SAR (Serviço de Assistência Rural) da Arquidiocese de
Natal chegou ao município para suscitar questionamentos e buscar soluções junto ao povo.
Para tanto, faz-se necessário analisar a conjuntura social, política e econômica do
município de Passa e Fica para perceber o contraste entre desenvolvimento estrutural,
crescimento demográfico e desenvolvimento humano, a ponto de o município em tela ser
colocado entre os oito municípios do Estado do Rio Grande do Norte que estão abaixo da
linha de pobreza.
Há de se considerar também a ausência de políticas públicas que atendam às
necessidades precípuas do município levando em consideração à participação popular nas
discussões e na tomada de decisão. Vê-se que o povo é o menos solicitado quando se trata
de aplicar recursos do erário público. E quando o povo é chamado, na maioria dos casos,
sua participação restringe-se em referendar o que já está imposto.
11

Acredita-se que mais eficaz do que a ação isolada de um cidadão ou do Estado, o


controle social e jurídico pode e deve ser exercido diretamente pelos variados setores da
sociedade civil, em parceria com os diversos órgãos estatais, promovendo uma ação de
preservação e reconstrução do meio ambiente, através da implementação de políticas
públicas eficientes e eficazes, e de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.
Partindo do conceito de política e democracia, oriundo da cultura Greco-romana se
chegará ao conceito de políticas públicas, que sempre é mal compreendido pela população,
muitas vezes despolitizadas, que não a distingue da política partidária, razão pela qual
existe a apatia por questões políticas.
E as questões a serem respondidas ao final deste trabalho são: até que ponto existe
participação popular na discussão, na elaboração, nas tomadas de decisão e na realização
das políticas socioambientais? E se houver participação, ela será legítima e espontânea? O
povo tem maturidade para exercer seu poder na forma da lei? A Administração Pública
está levando em consideração os princípios constitucionais em seus atos administrativos no
tocante a implementação de políticas públicas socioambientais? Afinal, a ineficácia e
ineficiência da implementação das políticas públicas socioambientais deve-se à condição
passiva da sociedade civil, ou da passividade por parte dos órgãos constituídos para a
fiscalização das mesmas?
Dentre os Princípios Constitucionais que serão abordados aqui, dar-se-á destaque
ao princípio da Legalidade e da Eficiência, uma vez que a partir destes serão também
abordados os demais princípios que norteiam os atos administrativos dos gestores e dos
que fazem e conduzem a máquina estatal, uma vez que, no ordenamento jurídico brasileiro,
a proteção ambiental foi constitucionalizada em capítulo próprio, inserido no Título da
“Ordem Social”, relacionando a tutela ecológica com inúmeros outros temas
constitucionais de alta relevância.
Neste trabalho também serão abordados os elementos estruturantes do Direito
Ambiental, assim como também o conceito de Estado de Direito Ambiental, pois se trata
de acrescentar o elemento “relevância ecológica” à fórmula consagrada pelas democracias
constitucionais contemporâneas, sempre levando em conta a necessidade de garantir o
meio ambiente e as várias esferas humanas de existência. Se o Estado Democrático de
Direito trouxe o povo e a vontade popular para a discussão jurídica contemporânea, sua
nova faceta ambiental nos conduz a mais básica de todas as necessidades humanas:
sobreviver com dignidade.
12

Para analisar como se dá a execução de políticas públicas de cunho socioambiental


o presente trabalho fixou atenção a um pequeno município da região agreste potiguar, cujo
nome jocoso, e porque não poético, PASSA E FICA, servirá de parâmetro para a
compreensão de como as políticas públicas são implementadas nos entes da federação. Ou
seja, partirá do âmbito local para o global a fim de identificar onde estão as falhas no
sistema administrativo do Brasil, que tem uma legislação riquíssima, mas que vive em
crises sucessivas na administração dos recursos públicos. Seriam as razões destas crises as
mazelas da corrupção ativa e passivos dos seus representantes e também representados?
Será feita uma viajem panorâmica sobre a realidade histórica, geopolítica,
econômica e cultural deste pequeno município potiguar, identificando as falhas e os acertos
na execução das políticas públicas, analisando o papel dos atores sociais, dos governantes e
dos governados; o papel dos conselhos comunitários, como expressão dos interesses da
sociedade civil organizada; o papel do Ministério Público, como aliado da sociedade; o
papel do Poder Judiciário, que é o “terceiro” poder da República – desde a divisão tripartite
feita por Montesquieu – e que exerce papel preponderante para que as políticas públicas
sejam cada vez mais eficientes e eficazes, cabendo-lhe julgar as atitudes ímprobas dos
agentes públicos, responsáveis pela administração pública.
Por fim, tratar-se-á da democracia participativa, fazendo uma análise da atuação
dos conselhos comunitários existentes no município, da atuação do Poder Público,
Executivo e Legislativo, bem como a participação passiva da população, que é a
destinatária das políticas públicas socioambientais.
Será que as ações em prol da sociedade estão em acordo com a Política Nacional de
Meio Ambiente? Os atos administrativos estão coerentes com a legislação em vigor? As
políticas públicas estão sendo implementadas de maneira eficiente e eficaz, conforme reza
os princípios constitucionais expressos na Carta de 1988? O que é possível fazer para que a
realidade que aí está seja transformada? O que falta para que a Sociedade Civil Organizada
e o Estado trabalhe em parceria, sem criarem obstáculo para seu agir em prol de todos?
Será aplicada a metodologia da pesquisa bibliográfica da legislação em vigor, dos
doutrinadores que interpretam a legislação aplicando-a ao caso concreto e da pesquisa de
campo como parâmetro para atingir os objetivos deste trabalho, a fim de perceber a
inaplicabilidade das leis brasileiras no cotidiano de um pequeno município, assim como
também a falta de fiscalização pela ineficácia do controle social e judicial das políticas
públicas, pela sociedade civil através dos conselhos municipais, e pelo Estado pela atuação
do Ministério Público e pelo Poder Judiciário.
13

2 DO CONCEITO DE POLÍTICA AO CONCEITO DE POLÍTICAS


PÚBLICAS

Com o fito de compreender a natureza conceitual do termo política, tão mal


compreendido em nossos dias e, portanto, desgastado por seu emprego descontextualizado
pelo povo leigo, é importante fazer um estudo deste termo partindo de sua origem
histórica, a fim de que se possa desmistificar a figura do político como aquele que substitui
a figura do semideus nas culturas antigas, que busca a dominação a todo custo, atribuindo
para si essa condição quase divina, à qual apenas uns poucos têm acesso.
Uma vez que se consiga compreender tal termo, será fácil também compreender o
que é política pública como meio de participação mais democrática no poder. É o será
explanado a seguir.

2.1 DA ORIGEM DO CONCEITO DE POLÍTICA GRECO-ROMANA AOS NOSSOS


DIAS

Política denomina arte ou ciência da organização, direção e administração de


nações ou Estados; aplicação desta arte aos negócios internos da nação (política interna) ou
aos negócios externos (política externa). Nos regimes democráticos,a ciência política é a
atividade dos cidadãos que se ocupam dos assuntos públicos com seu voto ou com sua
militância.
A palavra tem origem nos tempos em que os gregos estavam organizados
em cidades-estado chamadas "polis", nome do qual se derivaram palavras como "politiké"
(política em geral) e "politikós" (dos cidadãos, pertencente aos cidadãos), que estenderam-
se ao latim "politicus" e chegaram às línguas européias modernas através
do francês "politique" que, em 1265 já era definida nesse idioma como "ciência do governo
dos Estados". (Bobbio, 2002)
O termo política é derivado do grego antigo πολιτεία (politeía), que indicava todos
os procedimentos relativos à pólis, ou Cidade-Estado. Por extensão, poderia significar
tanto Cidade-Estado quanto sociedade, comunidade, coletividade e outras definições
referentes à vida urbana.
A partir deste conceito clássico de política, tem-se o que hoje se conhece pelo
termo cidadania, ou cidadão, no sentido genuíno do termo, atribuído hoje, não apenas aos
que moram na cidade, mas a qualquer pessoa, mesmo que viva ainda em zona rural. O
termo cidadão foi assim estendido para fins de direitos e deveres. Ta politika e res publica
correspondem (imperfeitamente) ao que se designa modernamente por práticas políticas,
14

referindo-se ao modo de participação no poder, aos conflitos e acordos na tomada de


decisões e na definição das leis e de sua aplicação, no reconhecimento dos direitos e das
obrigações dos membros da comunidade política e às decisões concernentes ao erário ou
ao fundo público.
Apesar das críticas de Aristóteles ao ideal político construído por Platão em sua
obra “A República”, ele também abordou o problema político com base no ponto de vista
normativo, procurando definir a essência do bom governo. Depois, em Roma, Cícero
seguiu o mesmo caminho ao defender a necessidade do conhecimento da lei natural e
universal para saber como agir. Verifica-se a valorização da teoria sobre a prática
(valorização do conhecimento puro, que vem antes da experiência, do que é naturalmente e
não construído pelos homens, pelas leis) e uma estreita ligação entre política e moral.
(Chalita, 2011)
Dizer que os gregos e romanos inventaram a política não significa dizer que antes
deles não existia poder nem autoridade. Foram eles que inventaram o poder e a autoridade
políticos propriamente ditos. Este poder era o que se conhece pelo termo despotismo, cuja
autoridade era atribuída ao chefe do grupo familiar, e consequentemente ao rei soberano
escolhido para o governo da comunidade.
Nesta época, em que o chefe era um senhor, a família era uma unidade econômica
constituída pelos antepassados e descendentes, pai, mãe, filhos, genros, noras, tios e
sobrinhos, escravos e animais, terras, edificações, plantações, bens móveis e imóveis –
enfim, pessoas e coisas eram propriedades do patriarca, de modo que, aquilo que aprazia
ao rei tinha força de lei, cabendo a ele decidir o que seria bom para os membros da
comunidade ou não. (Chauí, 1996)
Com o crescimento demográfico, a expansão territorial, a divisão social do trabalho
e os acordos entre os grupos, a autoridade passou a ser delegada pelo rei aos seus
representantes, fazendo surgir uma repartição das funções de direção e poder. No entanto,
tudo estava subordinado ao poder do rei, que detinha a propriedade patrimonial dos seus
governados, segundo o arbítrio de sua vontade, permitindo assim que ele usasse os
recursos vindos dos tributos para as grandes obras de irrigação e transporte de águas, ao
mesmo tempo em que possuía o poder para atravessar toda e qualquer terra para realizar
qualquer obra.
A propriedade coletiva das aldeias ou propriedade comunal do chefe da aldeia, que
pagava tributos ao rei em troca de proteção, era submissa ao poder régio, com sua
autoridade religiosa e militar. Assim, o rei era forçado a exercer um controle cerrado sobre
15

as chefias locais e sobre os que usufruíam das terras, pois as rebeliões eram frequentes e a
disputa pelo poder interminável. Este controle era feito pelos representantes do rei, fazendo
surgir daí uma burocracia imensa, realizada pelos funcionários régios. (Chauí, 1996)
Para por fim a este poder despótico os gregos e os romanos inventaram a política,
desfazendo as características de autoridade e poder, pautadas no patriarcalismo, no
absolutismo, na corporificação do poder, na magia sobrenatural, no transcendentalismo, na
hereditariedade. Eles tomaram um conjunto de medidas que impediram a concentração dos
poderes e da autoridade nas mãos de um rei, senhor da terra, da justiça e das armas,
representante da divindade.
A propriedade da terra não se tornou propriedade régia ou patrimônio privado do
rei, nem se tornou propriedade comunal ou da aldeia, mas manteve-se como propriedade
de famílias independentes, cuja peculiaridade estava em não formarem uma casta fechada
sobre si mesma, porém aberta à incorporação de novas famílias e de indivíduos, ou não-
proprietários enriquecidos no comércio. (Chauí, 1996)
Como a propriedade não mais pertencia ao rei, nem mesmo à aldeia, mas às
famílias independentes, formou-se na Grécia e em Roma uma camada pobre de
camponeses que migraram para as aldeias, ali se estabeleceram como artesãos e
comerciantes, prosperaram, fizeram das aldeias cidades, passaram a disputar o direito ao
poder com as grandes famílias agrárias, fazendo surgir às lutas de classes. A luta de classes
entre ricos e entre ricos e pobres pelo poder pedia uma solução, que foi a política.
Os primeiros chefes políticos ou legisladores criaram uma divisão territorial das
cidades que visava diminuir o poder das famílias agrárias, dos artesãos e comerciantes
urbanos ricos e a satisfazer a reivindicação dos camponeses pobres e dos artesãos e
assalariados urbanos pobres.
Em Atenas, a polis foi subdivida em unidades sociopolíticas denominadas demos;
em Roma, em tribus. Quem nascesse num demos, ou numa tribus, independentemente de
sua condição econômica, tinha o direito assegurado de participar das decisões da cidade,
donde o regime ser uma democracia. Em Roma, os não-proprietários pobres formavam a
plebe, que tinha o direito de eleger um representante – o tribuno da plebe – para defender e
garantir os interesses plebeus junto aos interesses e privilégios dos que participavam
diretamente o poder, que constituíam o populus romanus, os patrícios. O regime político
romano era uma oligarquia. (Chauí, 1996)
A partir daí, criaram a lei e o direito, como expressão de uma vontade coletiva e
pública, definidora dos direitos e deveres para com todos os cidadãos, retirando dos
16

indivíduos o direito de fazer justiça com as próprias mãos, delegando ao Estado a sua
aplicação, criando também as instituições públicas, que são os tribunais e magistrados para
aplicarem a lei e garantir os direitos.
Criaram ainda a instituição do erário público ou do fundo público, impedindo a
concentração da propriedade e da riqueza nas mãos dos dirigentes. Criaram o espaço
político ou público – a assembleia grega e o tribunal romano – donde se discutia as ideias,
opiniões, defendiam interesses, deliberavam e decidiam por meio de votos, fazendo com
que a sociedade conheça as deliberações e participe da tomada de decisão. Desta forma, a
democracia ateniense e as oligarquias de Esparta e da república romana fundaram a ideias
e prática da política na Cultura Ocidental. (Chauí, 1996)
No entanto, não se pode ser ingênuo em supor que este ideal de política criado
pelos gregos e romanos sejam idênticos à nossa forma de conduzir a vida política.
Ademais, em nosso sistema político a cidadania não está restrita apenas aos homens
adultos, livres, nascidos no território da cidade, pois em nosso modo próprio de fazermos a
política, não há discriminação de raça ou de sexo, como era entre os gregos e romanos.
O termo política, que se expandiu graças à influência de Aristóteles, para aquele
filósofo categorizava funções e divisão do Estado e as várias formas de Governo, com a
significação mais comum de arte ou ciência do Governo; sofreu uma transposição de
significado das coisas qualificadas como político, para a forma de saber mais ou menos
organizado sobre esse mesmo conjunto de coisas.
O termo política foi usado, a seguir, para designar principalmente as obras
dedicadas ao estudo daquela esfera de atividades humanas que se refere de algum modo às
coisas do Estado: Política methodice digesta, exemplo célebre, é obra com que Johannes
Althusius (1603) expôs uma das teorias da consociatio publica (o Estado no sentido
moderno da palavra), abrangido em seu seio várias formas de consociationes menores.
Na época moderna, o termo perdeu seu significado original, substituído pouco a
pouco por outras expressões como ciência do Estado, doutrina do Estado, ciência
política, filosofia política, passando a ser comumente usado para indicar a atividade ou
conjunto de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a pólis, ou
seja, o Estado. (Bobbio, 2002)
Então, ao falar um pouco de política, na busca do seu sentido etimológico e da
significação do termo ao longo da história não se pode restringir a discussão apenas ao
aspecto eletivo, consolidado pelo voto da maioria, mas, sobretudo, no aspecto mais
genuíno do termo política, como política pública. É o que vamos esmiuçar a seguir.
17

2.2 DO CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A partir do conceito de política e cidadania já analisado passamos ao universo das


políticas públicas e do seu controle com foco na eficiência e eficácia da sua
implementação, com o intuito de mostrar que a participação direta do povo enquanto
sociedade civil organizada e a participação das instituições nem sempre atingem seus
objetivos, desviando as políticas públicas de sua real finalidade.
A indiferença da maioria das pessoas, que muitas vezes não atua ativamente na
sociedade e, consequentemente, não participa diretamente das decisões, se deve à cultura
do comodismo, que condiciona as pessoas a esperar que os governantes façam tudo. Elas
esquecem que a política faz parte das suas vidas, pois os cidadãos são políticos por
natureza por causa de sua urbanidade. Mas o termo política é muito abrangente. Política
diz respeito a tudo quanto envolva relações de poder ou a tudo o quanto envolva
organização e administração de grupos.
Desta forma, as pessoas desgostosas e decepcionadas, que não querem ouvir falar
em política, recusam-se a participar de atividades sociais que possam ter finalidade ou
cunho político, e assim afastam-se de tudo quanto lembre atividades políticas; não sabem
elas que com o seu isolamento e a sua recusa estão fazendo política, pois estão deixando
que as coisas fiquem como estão e, portanto, contribuindo para que a política vigente
continue como tal. A apatia social é, pois, uma forma passiva de fazer política.
A politização da sociedade se dará quando ela começar a participar diretamente das
decisões e execuções das políticas públicas, a ela destinada. A partir desta constatação faz-
se necessário discorrer sobre o que seja, de fato, políticas públicas em seu sentido estrito.
Como diz o saudoso cantor Gonzaguinha, numa de suas belas canções: “somos nós que
fazemos a vida, como der, puder ou quiser”. O cidadão é, ao mesmo tempo, autor e sujeito
de suas próprias escolhas. Portanto, no que se refere às políticas públicas, não deve esperar
que alguém tome por ele as decisões importantes que influem diretamente em sua vida.
Mas, o que de fato é Política Pública? Para responder a esta indagação por demais
conveniente, pode-se dizer que são a totalidade de ações, metas e planos que os governos
(nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o
interesse público. Certo é que as ações que os dirigentes públicos (os governantes ou os
tomadores de decisões) selecionam (suas prioridades) são aquelas que eles entendem serem
as demandas ou expectativas da sociedade. Ou seja, o bem-estar da sociedade é sempre
definido pelo governo e não pela sociedade.
18

Isto ocorre porque a sociedade não consegue se expressar de forma integral. Ela faz
solicitações (pedidos ou demandas) para os seus representantes (deputados, senadores e
vereadores) e estes mobilizam os membros do Poder Executivo, que também foram eleitos
(tais como prefeitos, governadores e inclusive o próprio Presidente da República) para que
atendam as demandas da população. Isso é o que a prática cotidiana nos aponta.
Política pública é definida aqui como o conjunto de ações desencadeadas pelo
Estado, no caso brasileiro, nas escalas federal, estadual e municipal, com vistas ao bem
coletivo. Elas podem ser desenvolvidas em parcerias com organizações não
governamentais e, como se verifica mais recentemente, com a iniciativa privada. Cabe ao
Estado propor ações preventivas diante de situações de risco à sociedade por meio de
políticas públicas. No caso das mudanças climáticas, é dever do Estado indicar alternativas
que diminuam as conseqüências que elas trarão à população do Brasil, em especial para a
mais pobre, que será mais atingida.
Porém, não resta dúvida que diversas forças sociais integram o Estado. Elas
representam agentes com posições muitas vezes antagônicas. Também é preciso ter claro
que as decisões acabam por privilegiar determinados setores, nem sempre voltadas à
maioria da população brasileira. Analisar ações em escalas diferentes de gestão permite
identificar oportunidades, prioridades e lacunas. Além disso, ela possibilita ter uma visão
ampla das ações governamentais em situações distintas da realidade brasileira que, além de
complexa, apresenta enorme diversidade natural, social, política e econômica que gera
pressões nos diversos níveis de gestão.
A temática do aquecimento global ganhou corpo no mundo desde a década de 1980.
Na década seguinte, surgiram convenções internacionais para regulamentar emissões de
gases de efeito estufa e, principalmente, apontar causas e efeitos das alterações climáticas.
O Brasil teve um papel destacado nas negociações internacionais. Porém, internamente as
políticas públicas relacionadas ao tema ainda deixam a desejar. Na escala Federal houve a
destacada Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas, coordenada pelo Ministério
de Ciência e Tecnologia. Além disso, o Ministério do Meio Ambiente lançou um
documento de avaliação das implicações das alterações climáticas para o Brasil.
Na escala estadual, São Paulo merece destaque por aplicar uma política de
mitigação. Apesar de apresentar resultados preliminares interessantes, carece de recursos
para ganhar em escala maior. Por sua vez, o município de São Paulo desenvolveu no
último ano uma política na escala municipal que busca contribuir para a redução de
emissões da maior aglomeração urbana do país. (Júlio César Hoenisch et al, 2004).
19

As demandas da sociedade são apresentadas aos dirigentes públicos por meio de


grupos organizados, no que se denomina de Sociedade Civil Organizada (SCO), a qual
inclui, conforme apontado acima, sindicatos, entidades de representação empresarial,
associação de moradores, associações patronais e ONGs em geral.
As sociedades contemporâneas se caracterizam por sua diversidade, tanto em
termos de idade, religião, etnia, língua, renda, profissão, como de ideias, valores, interesses
e aspirações. No entanto, os recursos para atender a todas as demandas da sociedade e seus
diversos grupos (SCO) são limitados ou escassos. Como consequência, os bens e serviços
públicos desejados pelos diversos indivíduos se transformam em motivo de disputa. Assim,
para aumentar as possibilidades de êxito na competição, indivíduos que têm os mesmos
objetivos tendem a se unir, formando grupos.
Não se deve imaginar que os conflitos e as disputas na sociedade sejam algo
necessariamente ruim ou negativo. Os conflitos e as disputas servem como estímulos a
mudanças e melhorias na sociedade, se ocorrerem dentro dos limites da lei e desde que não
coloquem em risco as instituições.
Assim, o interesse público - o qual, por sua vez, reflete as demandas e expectativas
da sociedade - se forma a partir da atuação dos diversos grupos. Durante a apresentação de
suas reivindicações os grupos tentam obter apoio de outros grupos, mas também sofrem
oposição daqueles que têm outras reivindicações contrárias. O interesse público se forma,
portanto, por meio da disputa de todos os grupos da Sociedade Civil Organizada (SCO).
Pode-se também entender por Políticas Públicas como o conjunto de decisões e
ações de um governo para solucionar problemas que em um dado momento os cidadãos e o
próprio governo de uma comunidade política consideram prioritários ou de interesse
público. Porém, segundo uma concepção elitista, os conflitos, as disputas e as divergências
sobre valores são considerados supérfluos, artificiais, ilusórios ou mesmo indesejáveis e
destrutivos.
As políticas públicas são implementadas por agentes do governo que atuam em
relação às pressões da sociedade civil. Já para a concepção pluralista, os indivíduos
possuem não apenas atributos diferenciados (idade, sexo, religião, estado civil, renda, setor
de atuação profissional etc.), mas também ideias, valores, interesses, aspirações diferentes
e papéis sociais diversos a desempenhar no decorrer de sua vida. (sociedade aberta e
participativa).
Decorre, então, que os conflitos não constituem uma aberração, mas um aspecto
normal e desejável, não apenas do jogo político como também de toda a vida social. A
20

tarefa dos dirigentes, portanto, não consiste em suprimir as divergências de opinião e os


conflitos de interesse. Ao contrário, cabe-lhes basicamente assegurar que todos os
interesses particulares (de indivíduos ou de grupos) possam se expressar, tentando apenas
harmonizá-los com a preocupação da equidade.
O que é mais conflitante, nesta seara, é o choque de interesses do povo com o dos
seus representantes, pois estes nem sempre visam o bem-estar da própria sociedade em sua
totalidade. Há sempre quem busca ver prevalecer seus interesses particulares, daí a
importância dos conselhos paritários para que sejam discutidas as prioridades e sejam
colocadas sempre em votação para que os objetivos das políticas públicas sejam
alcançados. Somente com a participação ativa de uma Sociedade Civil Organizada, junto
ao governo, poderá tornar eficiente e eficaz a implementação das políticas públicas.
21

3 DOS INSTRUMENTOS CONSTITUCIONAIS DE CONTROLE


SOCIAL E INSTITUCIONAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Para que a eficiência e a eficácia das políticas públicas sejam plenas e as políticas
atinjam seus objetivos faz-se necessário a aplicação de instrumentos constitucionais para
estabelecer seu controle, e tais instrumentos são os mesmos tanto para a sociedade quanto
para as instituições.

3.1 DO CONTROLE SOCIAL

Em virtude da apatia social de grande parte da população, que não se interessa por
questões ideológicas ou partidárias, é que as políticas públicas são implementadas sem o
devido controle da sociedade civil, que mesmo se fazendo representar nos conselhos
paritários, não acompanha de perto todo o processo, desde a elaboração até a concretização
da política.
Vale ressaltar que a responsabilidade pelo controle social das políticas públicas é de
todos os cidadãos. Esta responsabilidade assume proporção ainda maior quando estamos
tratando das políticas públicas voltadas às questões socioambientais que afetam a todos,
direta ou indiretamente.
Ora, a ignorância de grande parte da sociedade em relação aos programas sociais e
ambientais do Governo, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, faz com que muitas
vezes as políticas públicas não sejam devidamente implantadas em prol das camadas
socialmente mais necessitadas. Isto é uma questão de educação.
Assim como na Grécia antiga, a dialética, o instrumento adequado na busca do
conhecimento científico, tem por fundamento um diálogo, e por essa razão é esse o estilo
literário de todas as obras de Platão. Na modernidade, o diálogo é uma forma democrática
de troca de ideias entre dois ou mais atores sobre qualquer assunto previamente escolhido.
Para adentrar no conceito de Controle Social, é necessário começar pelo que não é.
Controle Social não é consulta. Mesmo porque, consulta não gera controle sobre nenhum
ato, mas é apenas uma escuta, nem sempre criando interação ou continuidade da relação
entre as partes. Na mesma linha, não se trata de feedback, que é um retorno, uma notícia do
impacto que uma ação gerou no outro. Também não se trata de convencer o outro sobre
uma política correta. Nem mesmo ouvir demandas para montar um projeto ou programa.
22

O conceito de controle social indica, portanto, a participação da sociedade civil na


elaboração, acompanhamento e verificação (ou monitoramento) das ações de gestão
pública, que na prática significa definir diretrizes, realizar diagnósticos, indicarem
prioridades, definir programas e ações, avaliar os objetivos, processos e resultados obtidos.
O controle do Estado sobre os indivíduos ocorre tanto por mecanismos jurídicos e
políticos quanto por processos culturais e educativos. Dos castigos, dos mitos e dos
processos de socialização até a justiça e a segurança, atravessam dispositivos de controle
do Estado. Enquanto em um contexto autoritário, observa-se a redução da participação e o
aumento de mecanismos de controle, em regime democrático, o processo se inverte.
No caso atual do Brasil, a Constituição de 1988 assegura juridicamente a
participação e o controle social como mecanismos de democratização dos direitos civis e
políticos. Nesse sentido, o termo controle social está intrinsecamente articulado a
democracia representativa, que assegura mecanismos de participação da população na
formulação, deliberação e fiscalização das políticas públicas. Conferências e Conselhos,
por exemplo, são formas de participação social e mecanismos conquistados para exercer o
controle social.
Já a participação “é requisito de realização do próprio ser humano e para seu
desenvolvimento social requer participação nas definições e decisões da vida social.”
(SOUZA, 1991, p. 83). A participação sempre esteve comprometida com aquilo que Marx
e Engels (1996) apontam como pressupostos da existência humana: “o primeiro
pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a história, é que os homens e
mulheres devem estar em condições de viver para poder fazer história. E para viver é
preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais”.
A participação pode ser compreendida como um processo no qual homens e
mulheres se descobrem como sujeitos políticos, exercendo os direitos políticos, ou seja,
uma prática que está diretamente relacionada à consciência dos cidadãos e cidadãs, ao
exercício de cidadania, às possibilidades de contribuir com processos de mudanças e
conquistas. O resultado do usufruto do direito à participação deve, portanto, estar
relacionado ao poder conquistado, à consciência adquirida, ao lugar onde se exerce e ao
poder atribuído a esta participação.
Na Carta de 1988 percebe-se que é imprescindível a participação do cidadão no
controle público dos recursos geridos pelos governantes, fazendo surgir a cogestão. Para
tal, a sociedade civil tem à sua disposição alguns instrumentos, jurídicos ou não, que o
próprio Estado apresenta para efetivar este controle social, a saber:
23

a. Ação Civil Pública: O Ministério Público ou associação civil (com ao menos um


ano de existência) podem apresentar representações, sem custas, honorários ou
outras despesas.
b. Mandato de Segurança Coletiva: Denúncia que protege um direito certo. Esta
ação pode ser impetrada por associação civil, partido político ou organização de
representação de classe, contra autoridade pública que descumprir este direito.
c. Mandato de Injunção: Quando a ausência de uma norma que regulamente uma
situação impede o exercício de um direito ou liberdade garantida
constitucionalmente.
d. Ação Popular: No caso de um direito ou interesse público for lesado, qualquer
cidadão pode, individualmente, entrar no Judiciário com uma ação popular. Visa
proteger o patrimônio público, a moralidade da administração pública, o meio
ambiente e o patrimônio ambiental e cultural.
e. Audiência Pública: Consulta pública à sociedade sobre determinado problema que
afetará uma parcela da sociedade. No caso de construção de uma obra pública
(hidrelétrica, rodovias) que gerem desapropriações ou deslocamentos de povoados
e vizinhanças, é obrigatória a realização de audiências públicas que discutam o
impacto social e ambiental com as pessoas e famílias que serão atingidas pela obra,
antes de seu início.
f. Conselhos Municipais: Encontramos os Conselhos Municipais, como
instrumentos de controle mais pertos da sociedade, pois são compostos pelos
representantes de associações, entidades sociais e do Poder Público constituído,
porém com certas limitações devido a inferência das autoridades constituídas que
tentam monopolizá-los.
Em face destes instrumentos, já se faz necessária uma nova geração de políticas de
natureza participacionista, incluindo punição à autoridade pública que não cumprir as
determinações dos conselhos. Mais: que controle socialmente os próprios conselhos. Que
imponha eleição direta para composição dos conselhos, que sejam descentralizados (por
bairro), que tenham suas contas e deliberações publicadas em sites. Mas que também se
articulem para pensar a cidade. Precisamos, ainda, aumentar o conhecimento técnico de
conselheiros e lideranças sociais nesta nova dinâmica. Afinal, controle social não é mera
presença. É cogestão.
Tendo em vista a complexidade das estruturas político-sociais de um país e do
próprio fenômeno da corrupção, o controle não se deve restringir ao controle institucional.
24

É fundamental para toda a coletividade que ocorra a participação dos cidadãos e da


sociedade organizada no controle do gasto público, monitorando permanentemente as
ações governamentais da Administração Pública e exigindo o uso adequado dos recursos
arrecadados. A isto se denomina "controle social".
O controle social é um complemento indispensável ao controle institucional
realizado pelos órgãos que fiscalizam os recursos públicos: O Ministério Público, a
Defensoria Pública e o Tribunal de Contas do Estado. A participação de todos os atores
sociais é importante porque contribui para a boa e correta aplicação dos recursos públicos,
fazendo com que as necessidades da sociedade sejam atendidas de forma eficiente.
Em termos gerais, pode-se dizer que o controle social realiza-se tanto pela estrutura
dos conselhos, como pelos cidadãos, seja individualmente ou de forma organizada. Cada
cidadão ou grupo de cidadãos pode ser fiscal das contas públicas. Cada um desses atores
sociais pode, por exemplo, verificar se o Município e o Estado realizaram, na prática, as
melhorias nas escolas conforme demonstrado na prestação de contas apresentada ou se os
valores das notas fiscais dos bens adquiridos são compatíveis com os preços de mercado;
ou ainda, se os conselhos estão constituídos conforme a lei.
O cidadão, no exercício do controle social, pode denunciar as irregularidades
encontradas a diferentes instâncias do poder público, dentre estas, à CGU; ao Ministério
Público Estadual; ao Ministério Público Federal; aos Tribunais de Contas do Estado e da
União; às Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas e aos Conselhos Municipais.
A Constituição Federal de 1988, conhecida como "Constituição Cidadã", reconhece
o povo como detentor de todo poder e garante diversas formas de exercê-lo diretamente. A
participação direta da comunidade e do cidadão na definição, fiscalização, controle e
avaliação das políticas e dos recursos públicos constituem-se em uma das formas de
impedir desvios, irregularidades, fraudes e corrupção.
Segundo preceitua a Constituição de 1988, no seu art. 134 a Defensoria Pública é
instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica
e a defesa dos necessitados, em todos os graus, na forma do art. 5º, LXXIV, tendo
autonomia funcional e administrativa, tornando-se assim importante aliado da sociedade
civil no controle das políticas públicas, em especial àquelas voltadas para a proteção do
princípio da dignidade humana, considerando o homem como sujeito e destino de tais
políticas sendo parte integrante do meio ambiente, assim como também auxiliar do Poder
Judiciário, ao lado do Ministério Público, na defesa da ordem jurídica constitucional.
25

3.2 DO CONTROLE INSTITUCIONAL

Como mencionado acima existem alguns instrumentos de que a sociedade civil


dispõe para fazer o controle social das políticas públicas. Dentre eles estão o acesso ao
Poder Judiciário, ao Ministério Público e as instituições governamentais como os tribunais
de contas, dentre outros. Cabe analisar aqui o conceito de controle institucional e
especialmente o jurídico como meio mais eficaz no controle das ações dos gestores
municipais no tocante ao gerenciamento das políticas públicas.
Controlar significa verificar se a realização de uma determinada atividade não se
desvia dos objetivos ou das normas e princípios que as regem. Na Administração Pública,
o ato de controlar possui significado similar, na medida em que pressupõe examinar se a
atividade governamental atendeu à finalidade pública, à legislação e aos princípios básicos
aplicáveis ao setor público. Para Jessé Torres P. Júnior (2006, p. 20) “Controlar nos
modernos dias, significa exercer uma função política e um dever jurídico em caráter
permanente e não uma faculdade dependente de conveniências temporais”.

O autor é coerente em suas afirmações no que se refere ao controle, pois traz uma
visão inovadora na qual nenhum ramo do Estado pode afastar sua aplicabilidade.
Importante é a afirmação do professor Jessé Torres (2006) quando este diz que o controle
basicamente significa, hoje, o exercício de uma função política, de um dever jurídico e de
uma etapa inerente a todo processo sistêmico de trabalho. É manifestação de uma função
política porque decorre necessariamente da Constituição da República, dentro desta, da
aplicação dos freios e contrapesos que viabilizam a harmonia e a independência entre os
Poderes, coibindo-lhes os eventuais abusos.
Depreende-se daí que é dever jurídico porque está predeterminado à produção de
resultados de interesse público e, é isto que se pode esperar do funcionamento de qualquer
sistema Estatal em favor da população em geral. É também etapa necessária de um
processo sistêmico de trabalho, na medida em que toda atuação Estatal, deve almejar uma
gestão eficiente e eficaz dos meios que a sociedade deposita nas mãos dos gestores
públicos. É o devido processo legal aplicado às relações de administração entre o Estado e
os cidadãos.
O Professor Jessé Torres afirma que no Brasil, segundo o sistema constitucional
vigente, existem quatro vertentes de controle: o controle da Administração Pública sobre si
mesma, segundo os princípios da tutela administrativa e da autotutela; o controle
26

parlamentar, por meio de tribunais de contas, audiências públicas, pedidos de afirmação,


convocações de autoridades e comissões parlamentares de inquérito; o controle pelos
cidadãos, no exercício da ação popular e na participação em órgãos formuladores de
políticas públicas; e o controle judicial.
A forma de controle exercida pela própria Administração Pública e por
organizações privadas é chamada de controle institucional. No Governo Federal, é exercida
por órgãos que têm a competência legal para fiscalizar a aplicação dos recursos públicos.
Os artigos 70, 71 e 74 da Constituição Federal Brasileira estabelecem que cabe
essencialmente ao Congresso Nacional o controle institucional, pois o Congresso é o
responsável pelo controle externo, realizado com o auxílio do Tribunal de Contas da
União, e a cada Poder, por meio de um sistema integrado de controle interno.
Dessa forma, o controle externo deve ser realizado pelo Poder Legislativo com
auxílio dos tribunais de contas. No caso do Governo Federal, conforme o mandamento
constitucional, o Tribunal de Contas da União – TCU é o responsável por auxiliar o
Congresso Nacional no exercício do controle externo, atividade que deve ser apoiada pelo
sistema de controle interno de cada poder.
Quanto ao controle interno, na esfera federal, a Controladoria-Geral da União –
CGU é o órgão central do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal. À
CGU compete desenvolver funções de controle interno, correição, ouvidoria, além das
ações voltadas para a promoção da transparência e para a prevenção da corrupção.
Outros órgãos públicos também atuam na prevenção, controle, investigação e
repressão da corrupção: o Ministério Público Federal, os Ministérios Públicos Estaduais, o
Tribunal de Contas da União, os Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios, as
Controladorias dos Estados, a Polícia Federal, as Polícias Estaduais, o Poder Legislativo e
o Poder Judiciário, apenas para citar os órgãos mais evidentes.
O problema que se apresenta, mediante a constatação deste fato, é que nem sempre
o Poder Judiciário toma ciência desta realidade. É o efeito do princípio da inércia. Até
mesmo o Ministério Público, às vezes, faz uso deste princípio, esperando a manifestação
de algum cidadão indignado, que porventura faça alguma denúncia fundamentada em
provas concretas. Daí entra em ação o controle social como vetor de denúncias quando se
necessita da intervenção do Poder Judiciário.
Com o advento da Constituição de 1988, o Ministério Público adquiriu nova
configuração institucional (Gunter, 2003), inúmeras sendo as conquistas alcançadas no
sentido de angariar novas garantias e funções. E isso não corresponde, evidentemente, a
27

qualquer privilégio concedido pelo constituinte: trata-se de dotar a Instituição


constitucionalmente eleita para o desempenho de misteres essenciais à manutenção do
Estado Democrático de Direito de mecanismos eficientes de atuação, garantindo-lhe
liberdade de atuação na busca do interesse público.
Segundo o artigo 127 do texto constitucional, o Ministério Público é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Desta
forma, a sociedade tem a seu lado um parceiro da lei para fazer valer seu cômpito de
controlar as ações da Administração Pública no que diz respeito à implementação de
políticas públicas. É o controle institucional.
Pela nova roupagem constitucional, verifica-se que o Ministério Público passa a ser
ente autônomo, independente, não vinculado a qualquer dos três “Poderes” estatais
(Gunter, 2003). A desvinculação do Executivo garante-lhe, é certo, liberdade de atuação,
de modo a que seus membros não estejam atrelados a decisões político-governamentais.
De outra parte, tampouco se insere o Ministério Público no Poder Judiciário – falsa
impressão muitas vezes difícil de afastar, em especial em alguns setores da imprensa –,
mas é órgão essencial à função jurisdicional do Estado.
No que concerne aos direitos sociais constitucionalmente fixados, caracterizando-se
o Ministério Público como seu defensor pelo texto do artigo 127, faz-se mister considerar
que todo e qualquer ato atentatório dará ensejo à atuação ministerial, no sentido de que
sejam extirpadas as ameaças e evitados os danos à ordem instituída pela Assembléia
Nacional Constituinte de 1987. Assim, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica e dos
interesses sociais, configura-se o Ministério Público como verdadeiro defensor do povo ou
ombudsman, como denominado em alguns países.
Na Ordem Socioambiental Constitucional esse desiderato pode ser mais facilmente
identificado, diante da imperiosa necessidade de proteção do meio ambiente como forma
de assegurar a sadia qualidade de vida essencial à dignidade da pessoa humana, valor
fundamente do ordenamento jurídico nacional. Depreende-se que a nova configuração
constitucional da Instituição a fez evoluir do singelo papel de acusadora no processo penal
e fiscal da lei no processo civil, para assumir uma posição pró-ativa em relação aos
direitos sociais e individuais indisponíveis, notadamente em relação a matérias como meio
ambiente, consumidor, saúde e patrimônio público, elencados a título ilustrativo.
A fim de dar concretude às normas constitucionais criadoras de direitos
fundamentais – incluídos entre esses os sociais e difusos, dentre os quais o direito ao meio
28

ambiente ecologicamente equilibrado garantido pelo artigo 225 da Constituição Federal de


1988 – impõe-se, portanto, a atuação incisiva do Ministério Público, em especial no que
tange ao controle externo do Poder Público, a quem compete assegurar a materialização
dos ditames constitucionais no Estado Social de Direito.
De fato, ademais de realizar a fiscalização protetiva do ambiente em relação a
particulares, de forma a evitar que danos ambientais sejam causados e a garantir que
eventuais degradações sofram as pertinentes conseqüências administrativas, civis e
criminais (em especial a recuperação do ambiente degradado), ao Ministério Público
incumbe agir no sentido de realizar o controle da Administração Pública, visto que muitos
danos são produzidos ao ambiente através de sua participação direta ou indireta.
No que toca ao presente estudo prioritariamente, a omissão administrativa na
elaboração e execução de políticas públicas na seara ambiental deve ser firmemente
combatida pelo Ministério Público, a fim de evitar que a inércia estatal viole os cânones da
Constituição Federal.
Gomes (2004) bem analisa:
Destarte, quando o Estado se revela omisso, e a
omissão é ilícita, dado que deveria agir, é perfeitamente possível
que o Ministério Público, ainda que não eleito por voto popular,
intervenha, invocando o controle jurisdicional, ou mesmo por
veículo extraprocessual, como a recomendação, para,
respectivamente, obrigar o agente estatal à ação ou indicar-lhe
o caminho legal para suprir a omissão, sob pena de
responsabilização, porque agente político constitucionalmente
qualificado para tanto, pelo próprio titular soberano do poder
político estatal.
Se no controle social o cidadão conta com alguns instrumentos, como a Ação Civil
Pública, o Mandato de Segurança Coletivo e o Mandato de Injunção, o Ministério Público
se utiliza destas ferramentas e outras eficazes para efetivar o controle institucional. Cabe
aqui uma análise mais apurada de cada uma delas, inclusive as que são próprias de sua
auçada.
A ação civil pública é o instrumental de atuação do Ministério Público por
excelência, utilizado tradicionalmente em larga escala para o alcance das finalidades
institucionais no que concerne à defesa de interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos. Concebida no ordenamento jurídico nacional através da Lei nº 7.347/85, foi
29

alçada ao status de garantia constitucional fundamental pela Carta da República de 1988,


prevista no inciso III do artigo 129. (FINGER, 2003)
Caracterizado mecanismo processual que abre caminho à possibilidade de
cominação de obrigações de fazer e de não-fazer, reveste-se a ação civil pública de
relevância fundamental ao controle da omissão administrativa na implementação de
políticas públicas, visto que a partir dela pode-se obter determinação judicial ao ente estatal
para que atue de forma a dar concretude aos direitos sociais previstos na Constituição, em
especial no que concerne à Ordem Socioambiental.
Assim, constatada inércia ilícita da Administração Pública em dar efetividade a
normas constitucionais ou infraconstitucionais instituidoras de direitos sociais
fundamentais – dentre os quais o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado –
sujeitar-se-á o ente estatal aos sistemas de controle previstos na ordem jurídica brasileira,
notadamente o controle institucional exercido por intermédio do Ministério Público, na
esmagadora maioria de casos, e também do Poder Judiciário, nos casos em que o conflito
for judicializado (Porque conta o Ministério Público com importante arsenal extrajudicial
de solução de conflitos nessa área, conforme será exposto a seguir ).
Para além da responsabilização do administrador omisso, que pode ser inclusive
alcançado pela Lei da Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), tem-se na ação civil
pública eficaz mecanismo de coerção do ente público inerte à ação.
O exercício do poder de controle imanente ao sistema, portanto, deve ser
perseguido pelo Ministério Público e realizado pelo Judiciário dentro dos exatos limites de
suas funções, não podendo sobrepor-se a decisões também razoáveis e revestidas de
legalidade da Administração Pública.Incumbe ao Ministério Público, pois, ao tomar a
decisão política sobre o ajuizamento da ação civil pública, ter em mente os exatos
contornos de sua atribuição, evitando demandas infrutíferas (nati-mortas) e desgaste
institucional desnecessário.
Em contrapartida, estando diante de omissões advindas de ente estatal obrigado a
agir para consolidar a Ordem Socioambiental Constitucional através de políticas públicas,
deve a Instituição ministerial, com a coragem a ousadia que forjaram seus contornos atuais,
lançar mão do instrumental posto à disposição da cidadania para a garantia da existência
digna, dentro dos limites de sua atribuição constitucional de defensor do povo e com
observância das regras procedimentais aplicáveis.
Na via extrajudicial tem o Ministério Público possibilidade de considerar todas as
condicionantes que envolvem a questão posta, prevendo a realização dos atos pretendidos
30

em prazos razoáveis e com a superação das etapas necessárias (inclusive orçamentárias, se


for o caso).
Assim, através dos instrumentos do Inquérito Civil, das Recomendações (que lhe dá
a possibilidade de corrigir condutas de forma a evitar a produção de danos ou mitigar os já
causados) e do Compromisso de Ajustamento de Conduta, que surgem como alternativas à
jurisdição, pode o Ministério Público atingir com maior eficiência seus objetivos
constitucionais, inclusive no que diz respeito ao controle das políticas públicas da Ordem
Socioambiental. (Cappelli, 2004)
Importante meio de formação da convicção do Promotor de Justiça que conduz a
investigação e, ainda, de legitimação da solução escolhida, as audiências públicas são
instrumentos do exercício pleno da democracia, induzindo à cidadania participativa que
conduzirá o alcance das finalidades do interesse público. O Promotor de Justiça pode
participar ativamente da criação legislativa em sua Comarca, sem cogitar de interferência
na esfera de atribuições dos membros do corpo legislativo, podendo o agente ministerial
contribuir para a edição legislativa local relativa aos interesses cuja proteção lhe incumbe,
possuindo tal tarefa especial relevância na criação e implementação de políticas públicas.
A legislação concretizadora da Ordem Socioambiental Constitucional – que exige
para sua eficácia a implementação de políticas públicas – prevê a existência de fundos
específicos e conselhos gestores, possibilitando o efetivo controle social da atuação do
Poder Público. Com efeito, os conselhos de gestão contam, além da participação direta de
representantes da sociedade civil, com a fiscalização do Ministério Público sobre as suas
atividades, em especial com relação à aplicação dos recursos dos fundos. (Cappelli, 2004)
A proteção do meio ambiente, nessa senda, dispõe de Fundo Nacional, Fundos
Estaduais e Fundos Municipais de Meio Ambiente, bem como de conselhos próprios para
gestão dos recursos arrecadados (fontes de custeio próprias), sobre os quais exerce o
Ministério Público fiscalização permanente. Tal atividade de fiscalia, note-se, afigura-se
fundamental para a implementação de políticas públicas no plano ambiental, visto que o
conselho dá os contornos da política pretendida, aplicando na sua consecução os valores
correspondentes ao fundo pertinente.
A atuação política da Instituição frente a esses colegiados (Conselhos
Deliberativos) é de todo recomendável, visto que a eles incumbe estabelecer a política
nacional e local, bem como editar as normas aplicáveis no âmbito de suas atribuições. A
voz do Ministério Público nesses conselhos, portanto, pode definir os rumos das políticas
públicas necessárias à concretização da Ordem Socioambiental Constitucional.
31

Inegável a atuação política do Ministério Público. Age o Ministério Público,


portanto, como legitimado ao exercício de parcela do poder político estatal, bem colocando
Frischeisen que a própria decisão a respeito da propositura ou não de uma ação civil
pública tem caráter político, não obstante fundamentada e dentro dos limites de sua
legitimação (Capelli, 2004, p. 77, nota 105).
Não somente no exercício da iniciativa de propositura de demanda judicial age
politicamente o Ministério Público: embora lhe seja vedada a atividade político-partidária
(Artigo 128, parágrafo 5º, inciso II, alínea e, da Constituição Federal), toda a atividade
ministerial está permeada por contornos políticos, conforme já apontado em diversas
ocasiões ao longo deste estudo. Incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis, está o Ministério Público
legitimado constitucionalmente a interferir na condução dos negócios políticos estatais,
visto que podem estes representar afronta aos interesses tutelados.
Por isso a Instituição vem encontrando tanta resistência político-governamental à
sua atuação, sendo constantes os ataques com evidentes propósitos de cerceamento da
atividade que funciona como limitadora do arbítrio estatal. Depreende-se, pois, a atuação
política do Ministério Público em sua atividade diária no exercício de suas atribuições.
Pode ser mais facilmente perceptível, contudo, através da utilização dos
mecanismos retro apontados, como as audiências públicas, a participação em conselhos
deliberativos e a participação na edição legislativa local. O próprio processo de elaboração
de políticas públicas – além da fiscalização de sua efetiva implantação – pode contar com a
participação ativa do Ministério Público, de claro caráter político.
Não se deve olvidar o papel do Tribunal de Contas, nas esferas estadual e federal, e
da Controladoria Geral da União, que servem de instrumento de controle da administração
do erário público, uma vez que são ligados ao Poder Legislativo no papel de fiscalizar os
atos do Poder Executivo.
O Tribunal de Contas é um órgão auxiliar do Poder Legislativo, com competência
de fazer a fiscalização contábil, orçamentária, operacional e patrimonial de todos os entes
federativos (municípios, estados e União). Todo cidadão pode denunciar irregularidades
aos Tribunais de Contas, uma vez que perceba uma certa omissão na atuação do Poder
Legislativo, que tem por função precípua fiscalizar, analisar e aprovar ou não as contas do
Poder Executivo. O Tribunal de Contas, uma vez que fiscaliza as contas tanto das
prefeituras quanto das câmaras municipais a ele encaminhados, apenas apresenta um
parecer, favorável ou não.
32

3.3 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Segundo nossa carta constitucional, o "bem de todos" é objetivo fundamental da
República Federativa do Brasil (art. 3.º, IV) e, por conseguinte, uma finalidade axiológico-
jurídica que se impõe como pólo de iluminação para a conduta de todos os órgãos e
pessoas que integram a estrutura básica do Estado brasileiro. Sendo assim, a noção do bem
comum, historicamente condicionada e posta no âmbito das concepções dominantes em
nossa sociedade e época, deve ser considerada obrigatório parâmetro para a definição do
sentido jurídico-constitucional de quaisquer dos princípios que governam as atividades da
Administração Pública.
A maior parte dos princípios da Administração Pública encontra-se positivado,
implícita ou explicitamente, na Constituição. Possuem eficácia jurídica direta e imediata.
Exercem a função de diretrizes superiores do sistema, vinculando a atuação dos operadores
jurídicos na aplicação das normas a respeito dos mesmos e, objetivando a correção das
graves distorções ocorridas no âmbito da Administração Pública que acabam por impedir o
efetivo exercício da cidadania.
O Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é um
princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade, sendo considerada sua própria
razão de existência. Possui, este princípio, algumas particularidades em seus atos como:
imperatividade, unilateralidade, exigibilidade, previsão legal, autoexecutoriedade, e
princípio da autotutela.
Tal princípio não é mencionado de forma específica em nenhum dispositivo da
Constituição Federal, apesar de que inúmeros outros princípios e institutos abundam ou
impliquem manifestações concretas dele como: os princípios da função social da
propriedade, da defesa do consumidor, ou do meio ambiente (art. 170, III, V, VI), o
instituto da desapropriação (5º, XXIV) e o instituto da requisição (5º, XXV).
A Constituição Federal elencou um rol de princípios para nortear os atos da
Administração Pública, que são: princípio da legalidade; princípio da impessoalidade;
princípio da moralidade; princípio da publicidade; e, por fim, o princípio da eficiência.
Também serão abordados os princípios da razoabilidade, da finalidade, da reciprocidade,
do controle dos atos administrativos e da motivação.
E nos sofirmamos sobre os dois porque estamos analisando a atuação da sociedade
civil, através dos conselhos municipais, e do Poder Público, que também tem
representatividade nestes conselhos. E, como acontece na maioria dos municípios, os
conselhos estão sob o comando do Poder Público, que sofrem destes uma inferência
33

conforme o interesse de quem está no topo do poder, questiona-se a eficiência e eficácia


das políticas púlicas, uma vez que muitas vezes não se respeita o princípio da legalidade,
não desconsiderando a lei em vigor, mas multifacetando e utilizando a legislação de
maneira a favorecer interesses particulares em detrimento do interesse coletivo.
Conforme afirma Morais (2000), a administração pública pode ser definida
objetivamente como atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a
consecução dos interesses coletivos e subjetivamente como o conjunto de órgãos e de
pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado.
O princípio da legalidade, conforme reza o art. 5º, II, CF/88 aplica-se na
Administração Pública de forma rigorosa e especial, pois o administrador público somente
poderá fazer que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies
normativas, inexistindo incidência de sua vontade subjetiva, diferente da esfera particular,
onde será permitido a realização de tudo o que a lei não proíba, ou seja, o administrador
tem que atuar respeitando a finalidade imposta pela lei, para assim preservar a ordem
jurídica. (MORAIS, 2000).
A administração, e seus agentes, têm de atuar na conformidade de princípios éticos.
Violá-los implicará na violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que se sujeita a
conduta viciada à invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na
conformidade do art. 37 da Constituição Federal. Compreendem-se em seu âmbito, como é
evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé. Segundo estes dois cânones, a
administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza,
sendo-lhe interdito qualquer comportamento astuciosos, eivado de malícia, produzido de
maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.

O Princípio da Impessoalidade, “mutatis mutandi” assemelha-se ao principio da


finalidade e ao principio da isonomia. A impessoalidade literalmente significa que o agente
público tem que objetivar o interesse público e não o interesse particular, conforme acima
descrito no principio da soberania do interesse publico sobre o principio particular. Quer
dizer: “se ele é apenas um gestor de bens e interesses colocados à sua disposição, não pode
constituir privilégios e nem distribuir a quem quer que seja. Deve estar relacionado com a
finalidade pública que norteia toda a atividade administrativa.
De acordo com a súmula 473 do STF “A administração pode anular seus próprios
atos quando eivados de ilegalidade porque deles não se originam direitos, ou revogá-los
34

por motivo de conveniência ou oportunidade respeitados os direitos adquiridos e


ressalvados em todos os casos à apreciação judicial”.
No sistema constitucional brasileiro é o judiciário que detém competência final para
controlar a legalidade e a legitimidade dos atos da administração. Para isso é que existe o
Princípio do Controle Judicial dos Atos Administrativos. O art. 5º, XXXV da C.F.
explicita a garantia do controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. Nem a lei
poderá evitar este controle. No sistema jurídico brasileiro é o judiciário que detém a
competência para decidir por último. O ato administrativo só se dá por definitivo através
de sentença com transito em julgado. O problema mais polêmico atinente ao controle
jurídico cifra-se aos atos discricionários.
O judiciário mantém um “tabu”, isto é, os atos discricionários não podem ser
sindicados no que tange aos seus elementos intrínsecos, ou seja, a livre determinação do
objeto pelo agente administrativo. No Brasil o controle atende a teoria do desvio poder,
que entrou no Brasil com a denominação de “teoria dos motivos determinantes”. Tácito
(2001) explica que o judiciário deve patrulhar os elementos extrínsecos dos atos
administrativos, isto é, a competência, o motivo é a finalidade.
Cretella Júnior (2006) sinaliza em sua obra, que a proteção aos direitos de cidadania
exige do magistrado admitir até mesmo a prova indiciária. Os atos discricionários são
também denominados de atos políticos, qual seja, uma faixa de liberdade que a lei concede
ao administrador a fim de que este em face da indeterminação do conceito legal possa fazer
uma escolha ótima. “É dizer, aquela que melhor possa atender ao interesse público. Toda
atividade administrativa é livre nos limites do direito”.
Não se deve confundir discricionariedade com arbítrio. Aquele é um resíduo
normativo que o legislador transfere ao administrador a fim de que ele possa melhor
atender ao interesse público fazendo uma escolha ou opção que deve ser ótima, já, esse, é
ação ilegal e ilegítima que excede o desempenho juridicamente limitado pela regra de
competência. Tácito (2001) ensina que – “A regra de competência não é um cheque em
branco”. E assim continua asseverando que a regra de competência, elemento subjetivo
em direito administrativo, corresponde a ideia de capacidade jurídica.
Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o
estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública,
respeitar os princípios éticos da razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir
da Constituição de 1988, pressuposto de validade do ato da administração pública.
(Morais, 2003)
35

Para di Pietro, “Não é preciso penetrar na intenção do


agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto
ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso
comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à
dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das
instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios
e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os
benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas
autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos
cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a
administração pública é pródiga em despesas legais, porém
inúteis, como propaganda e mordomia, quando a população
precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança,
educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência
digna. Não é preciso, para invalidar despesas desse tipo, entrar na
difícil análise dos fins que inspiraram a autoridade; o ato em si, o
seu objetivo, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição,
afronta a norma de conduta aceita como legítima pela
coletividade administrada. Na aferição da imoralidade
administrativa, é essencial o Princípio da Razoabilidade.” (Di
Pietro, 2004)
Enuncia-se com o Principio da Razoabilidade que a administração, ao atuar, terá
que obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso
normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da
competência exercida. Trata-se de princípio aplicado ao Direito Administrativo como mais
uma das tentativas de impor-se limitações à discricionariedade administrativa, ampliando-
se o âmbito de apreciação do ato administrativo pelo Poder Judiciário.
Di Pietro (2004) ensina que a moralidade exige proporcionalidade entre os meios e
os fins a atingir, pois a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é
pródiga em despesas legais, porém inúteis. Segundo Sobrinho (xxxx), a Constituição
Brasileira, ao consagrar o princípio da moralidade administrativa como vetor da atuação da
administração pública, igualmente consagrou a necessidade de proteção à moralidade e
responsabilização do administrador público amoral ou imoral.
Alguns apontam que o Princípio da Finalidade decorre do Princípio da
Legalidade. Outros preferem dizer que aquele se insere neste. Silva (2004) crê que a CF
não o trata diretamente por entender ele ser parte do princípio da reserva legal. Em sua
opinião, um ato administrativo só é válido quando atinge seu fim legal, ou seja, o fim
36

submetido à lei. Este princípio impõe que o administrador público só pratique o ato para o
seu fim legal, que a finalidade é inafastável do interesse público, de sorte que o
administrador tem que praticar o ato com finalidade pública, sob pena de desvio de
finalidade, uma das mais graves formas de abuso de poder. (Silva, 2004)
O assunto marca presença no art. 5º, LXIX da CF, no qual se prevê o mandado de
segurança. Ali se diz cabível sua concessão contra ilegalidade e abuso de poder. O abuso
de poder consiste em usar do poder além de seus limites. Um dos limites do poder é
justamente a finalidade em vista da qual caberia ser utilizado. Donde, o exercício do poder
com desvirtuamento da finalidade legal que o escancharia está previsto com censurável
pela via do mandado de segurança.
O Princípio da Finalidade está contido no da Legalidade, pois corresponde à
aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em
vista do qual foi editada. Por isso pode-se dizer que tomar uma lei como suporte para a
prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei. É desvirtuá-la. É burlar a
lei sob pretexto de cumpri-la. Daí por que os atos incursos neste vício – denominados
´desvio de poder´ ou ´desvio de finalidade´ – são nulos. Quem desatende ao fim legal
desatende à própria lei.
A lei não concede autorização para agir o agente sem um objetivo próprio, como
lembra Tácito (2001). A obrigação jurídica não é uma obrigação inconsequente: ela visa
sempre a um fim especial, presume um endereço, antecipa um alcance, predetermina o
próprio alvo. Lima (2001) advertiu que é traço característico da atividade administrativa
estar vinculada a um fim alheio à pessoa e aos interesses particulares do agente ou do
órgão que o exercita. (Tácito, 2001)
Assim, o Princípio da Finalidade impõe que o administrador atue com rigorosa
obediência à finalidade de cada qual. Isto é, cumpre-lhe cingir-se não apenas a finalidade
própria de todas as leis, que é o interesse público, mas também à finalidade específica
abrigada na lei a que esteja dando execução.
Assim, há desvio de poder e, em consequência, nulidade do ato, por violação da
finalidade legal, tanto nos casos em que a atuação administrativa é estranha a qualquer
finalidade pública quanto naqueles em que o fim perseguido, se bem que de interesse
público, não é o fim preciso que a lei assinalava para tal ato. Mesmo que, como vem
ocorrendo nas privatizações (“houve manipulação em bem do patrimônio público”), a
violação pretenda beneficiar o erário público, ela é ilegal (Morais, 2003).
37

Caio Tácito conclui: “A regra de competência não é um cheque em branco”. A


finalidade, em síntese, é elemento da própria lei. É o fator que proporciona compreendê-la.
Os desempenhos administrativos devem se caracterizar pelo comedimentos, sem excesso,
para se obter o interesse público.
O Princípio da Proporcionalidade enuncia a ideia conquanto frequentemente
desconsiderada de que as competências administrativas só podem ser validamente
exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para
cumprimento da finalidade de interesse público. A proporcionalidade deve ser medida não
pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em
que vive, e diante do caso concreto. (Morais, 2003)
Assim, se a norma legal deixa um espaço livre para a decisão administrativa,
segundo critérios de oportunidade e conveniência, essa liberdade às vezes se reduz no caso
concreto, onde os fatos podem apontar para o administrador a melhor solução.
A Constituição Federal no art.. 93, IX e X exige que os atos da administração
públicas vinculados ou discricionários, sejam motivados. O Princípio da Motivação está
diretamente conectado ao art. 5º, XXXVI da CF, ou seja, o Princípio ao amplo acesso ao
poder judiciário. A motivação deve ser contemporânea a produção do ato. É a exposição
dos motivos que ensejaram a produção do ato administrativo.
O direito de cidadania requer que os atos da administração sejam motivados ou
fundamentados a fim de que ele possa se defender em juízo com mais e melhores
possibilidades. A lei 8.666/93, lei atinente as licitações e contratos administrativos exige
motivação quer para a revogação quer para a anulação de procedimento licitatório. (Di
Pietro, 2004)
Ao lado dos princípios mensionados acima, o princípio da publicidade tem seu
papel sumamente importante que é o de tornar conhecido os atos da Administração
Pública, devendo o administrador gerir de forma transparente os recursos públicos, a fim
de evitar dissabores em processos arbitrariamente sigilosos, permitindo-se os competentes
recursos administrativos e as ações judiciais próprias. Consagra-se nisto o dever
administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos.
No entanto, é no princípio da eficiência que encontramos o elo de ligação de todos
os princípios que norteiam a administração pública. Este princípio foi acrescido
posteriormente através da Emenda Constitucional nº 19/98, pondo fim as discussões
doutrinárias e com as jurisprudências sobre sua existência implícita na Constituição
Federal, bem como sua aplicabilidade integral. Este princípio teve inspiração na
38

Constituição de Cuba (1976), na Constituição Espanhola (1978), na Constituição da


República das Filipinas (1986) e na Constituição da República do Suriname (1987). Em
Portugal, embora não esteja expresso na Constituição como princípio, já se encontrava
implicitamente no artigo 267. (Di Pietro, 2004)
Conceitualmente, define-se princípio da eficiência como aquele que impõe à
Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por
meio de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz,
sem burocracia e sempre em busca de qualidade, primando pela adoção de critérios lagais e
morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a
evitar desperdícios e garantir uma maior rentabilidade social. Nota-se aí que tal princípio
abarca todos os demais, sendo um resumo de todos eles. (Di Pietro, 2004)
O princípio da eficiência traz como características básicas o direcionamento da
atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, imparcialidade,
neutralidade, transparência, participação e aproximação dos serviços públicos da
população, eficácia, desburocratização e busca da qualidade. Enquanto norma
constitucional, apresenta-se como o contexto necessário para todas as leis, atos normativos
e condutas positivas ou omissivas do Poder Público, servindo de fonte para a declaração de
inconstitucionalidade de qualquer manifestação da Administração contrária a sua plena e
total aplicabilidade. (Di Pietro, 2004)
Vale salientar que a proclamação constitucional do princípio da eficiência
pretende solucionar, principalmente, o clássico defeito da administração pública na
prestação dos serviços públicos e do Poder Judiciário em analisar a eficiência da
administração pública. Assim, este princípio vem reforçar a possibilidade do Ministério
Público, com base em sua função constitucional de zelar pelo efetivo respeito dos poderes
públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promover as medidas necessárias, judicial e extrajudicialmente, a sua garantia. Autor
(xxxx)
Para Morais (2000), dentro da nova ótica constitucional, vislumbra-se um reforço à
plena possibilidade do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV), em defesa dos direitos
fundamentais e serviços essenciais previstos pela Carta Magna, garantir a eficiência dos
serviços prestados pela Administração Pública, inclusive responsabilizando as autoridades
omissas, pois no entendimento de Alejandro Nieto quando um cidadão se sente maltratado
pela inatividade da administração e não tem um remédio jurídico para socorrer-se, irá
acudir-se inevitavelmente de pressões políticas, corrupção, tráfico de influência, violências
39

individual e institucionalizada; isto pode gerar intranquilidade social, questionando-se a


própria utilidade do Estado.
O sistema constitucional da Administração pública funciona como uma rede
hierarquizada de princípios, regras e valores, que exige não mais o mero respeito à
legalidade estrita, mas vincula a interpretação de todos atos administrativos ao respeito
destes princípios. Desta maneira, conclui-se que a função administrativa encontra-se
subordinada às finalidades constitucionais e deve pautar as suas tarefas administrativas no
sentido de conferir uma maior concretude aos princípios e regras constitucionais, uma vez
que estão não configuram como enunciados meramente retóricos e distantes da realidade,
mas possuem plena juridicidade.
Partindo deste prisma, pode-se adentrar no conhecimento da realidade do município
em questão, analisando como as políticas públicas socioambientais são alí trabalhadas. O
conhecimento desta realidade vai desde seu histórico ao seu contexto geopolítico, bem
como à visão panorâmica de sua cultura e economia, desde sua origem aos dias atuais.
40

4 A ORDEM SOCIOAMBIETAL E OS ELEMENTOS ESTRUTURANTES DO ESTADO


DE DIREITO AMBIENTAL

A Constituição de 1988 trata dos direitos sociais no Capítulo II do Título II (arts. 6º


a 11), bem como do Título VIII, que trata da Ordem Social. Ela assegura os direitos sociais
dos trabalhadores rurais e urbanos, considerando tanto individualmente (art. 7º) quanto
coletivamente (arts. 8º a 11); dentre estes direitos, dar-se-á relevo aos direitos sociais
relativos ao meio-ambiente (art. 225). Não obstante a preocupação com o meio ambiente
seja antiga em vários ordenamentos jurídicos, as nossas Constituições anteriores com ele
nunca se preocuparam.
No entanto, a Constituição de 1988 define o meio ambiente cmo bem de uso
comum do povo, proclamando que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, impondo ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para às presentes e futuras gerações (art. 225).
Sem embargo, será feita uma abordagem dos conceitos jurídicos de Meio Ambiente
e de Bem Ambiental, bem como dos princípios do Direito Ambiental, passando também
pela análise da Política Nacional do Meio Ambiente e ao final deste capítulo analisar a
conjuntura municipal em matéria ambiental para enfim, saber qual é a competência dos
atores sociais e do Poder Público local nesta matéria.

4.1 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

No intuito de preservação do meio ambiente, introduz a Constituição Federal a


polêmica responsabilidade penal da pessoa jurídica por danos ambientais, asseverando que
“as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação
de reparar os danos causados” (art. 225, § 3º).
O Município, como pessoa jurídica, possui capacidade civil que é a faculdade de
exercer direitos e contrair obrigações, tendo como seu domicílio civil a sede do Município,
ou seja, a cidade. O foro é o da comarca ou termo judiciário a que pertencer seu território,
uma vez que nem sempre o Município é sede judiciária.
Hely Lopes Meirelles, transcrevendo o Art. 87 da Constituição de Alagoas,
conceituou Município como a circunscrição do território do Estado na qual cidadãos,
41

associados pelas relações comuns de localidade, de trabalho e de tradições, vivem sob


uma organização livre e autônoma, para fins de economia, administração e cultura.
Atualmente, o Município deve visar a redução das desigualdades econômicas e
sociais havidas em seu território através de ações voltadas para a universalização e
melhoria da qualidade da prestação de serviços públicos; o incentivo ao desenvolvimento
econômico, especialmente o que privilegia a geração de trabalho, de emprego e renda; e a
promoção da cidadania, podendo ainda agir em conjunto com os demais Municípios
vizinhos, criando microrregiões visando o desenvolvimento em conjunto para evitar o
surgimento de cidades que sirvam como somente dormitórios (estas pobres e
subdesenvolvidas) e outras com maiores poderios econômicos e desenvolvimentos
alcançados com o detrimento daquelas antes denominadas cidades dormitórios, buscando
também a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes. (Meirelles, 1957)
Mas, de nada adianta buscar-se um desenvolvimento econômico visando o
crescimento do Município, bem como o desenvolvimento social sem que haja preocupação
e políticas públicas voltadas à proteção do Meio Ambiente, pois, todo crescimento deve ser
sustentável, ou seja, duradouro e sem destruir as características e propriedades naturais.
Para que o trabalho desenvolvido pela Área de Desenvolvimento Econômico e Social, seja
oportuno e eficaz, pois, se mostra como uma das tarefas principais da política, visando
melhorar as condições de vida das pessoas fazendo com que as políticas públicas sejam
instrumentos para realizar a justiça social. Para se atingir tal fim, faz-se necessário um
processo de ensino e aprendizagem em matéria de educação ambiental.
Como já foi ventilado acima, o município de Passa e Fica esboçou uma tentativa de
educar seus cidadãos quando implantou o Projeto de Educação Ambiental, envolvendo as
escolas do município, no âmbito estadual e municipal, especialmente a Escola Estadual
Senador João Câmara, a Escola Estadual Djalma Aranha Marinho e a Escola Municipal
Governador Mário Covas, que não mediram esforços em participar com seu corpo docente
e discente desta campanha promovida pelo Poder Público local, através da Secretaria de
Turismo.
Nos finais de semana os professores participaram de cursos de capacitação em meio
ambiente, a fim de concretizar este projeto com os alunos para atingir toda a sociedade. A
culminância deste projeto se deu com uma grande movimentação pelas ruas da cidade com
faixas, cartazes, banners, folders, panfletos, músicas, peças teatrais, com o intuito de
sensibilizar a sociedade para a questão ambiental.
42

No entanto não houve uma continuidade e todo esforço empregado pelos


educadores foi desperdiçado pela descontinuidade de objetivos por parte da administração
pública. Hoje, esta secretaria de turismo não existe de fato, somente de direito, e não há
uma atuação eficaz junto aos munícipes no intuito de manter o povo envolvido nas
questões de preservação do meio ambiente. Há, portanto, uma discrepância entre a Política
Nacional do Meio Ambiente com os objetivos prioritários dos gestores do município.
Dentre as Diretrizes da Política Nacional de Meio Ambiente está a
compatibilização da proteção ambiental com o objetivo de desenvolvimento
socioeconômico. Em um primeiro momento, pode ocorrer colisão entre as políticas de
proteção ambiental com as políticas de desenvolvimento econômico, como já exposto
anteriormente.
A Lei nº 6.398/81, em seu artigo 4º, determina como meta da Política Nacional do
Meio Ambiente, a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a
preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio e ecológico. No entanto, no
Brasil pode ser observado que as políticas públicas no sentido de incentivo à proteção
ambiental precisam ser intensificadas, mesmo considerando o meio ambiente
positivamente inserido na ordem social.
Qualquer política ambiental deve estar integrada com planejamento urbanístico,
com a saúde pública, com o desenvolvimento entre outros aspectos. Assim, é necessário
que o governo, em todos os seguimentos, disponha de política econômica, financeira,
tributária que façam com que haja efetivamente, esse desenvolvimento sustentado,
destacado no artigo 225 da Constituição Federal. Embora a Constituição brasileira
determine que o Estado e a sociedade sejam responsáveis pela preservação ambiental,
poucos são os mecanismos para que essa preservação se efetive.
Merecem aqui especial atenção, as atividades do Poder Público nesse processo. A
atuação do Estado é antes de tudo, uma atividade política de intervenção no domínio
econômico, de modo a orientá-lo e a reconduzi-lo aos valores informadores da atividade
econômica e da propriedade privada eleitos pela Constituição Federal.
Concentrando a reflexão para o contexto local do município potiguar em tela, a
falta de uma política pública no âmbito educacional e ambiental é tão gritante que, com o
advento da água encanada, através do sistema de adutoras que levou o nome de
“Monsenhor Espedito”, que transporta a água da Lagoa do Bonfim até os municípios da
região Agreste e Trairí, o desperdício deste precioso recurso ainda é perceptível, prova de
que a educação ambiental passou distante das consciências dos cidadãos passafiquenses.
43

No início, era comum ver as pessoas aguando as calçadas e asfalto defronte suas
residências, além de serem implantadas neste pequeno município um número considerável
de “lava-jatos” totalizando 4, sendo três na sede do município e um na zona rural. Daí a
grande quantidade de água potável derramada, além dos resíduos com adicional de óleo e
detergentes que escoam para os córregos que atravessam o município em direção ao Rio
Curimataú, através do seu afluente Rio Calabouço. Isto mostra que a falta de uma política
pública de educação ambiental constante, enseje na ignorância do conceito de meio
ambiente.

4.2 CONCEITO JURÍDICO DE MEIO AMBIENTE E A COMPETÊNCIA MUNICIPAL

A Constituição Federal atribuiu ao Município competências de duas espécies


visando atender o interesse local no tocante à matéria ambiental. Cabe ainda informar que
essas duas competências atribuídas pela Constituição Federal, aliadas à competência
Urbanística mostram-se de suma importância para que se tenha uma gestão municipal que
possa efetivar o desenvolvimento sustentável. Pode-se afirmar que as duas competências
municipais no tocante ao Meio ambiente são: material e legislativa.
Material é a competência que tem o Município de fiscalizar e punir as condutas que
venham contrariar as normas vigentes, e a competência legislativa é aquela pela qual
poderá o Município traçar normas de interesse local visando a proteção do Meio Ambiente
de maneira a atender às necessidades de sua população.
Com relação à competência material, a Constituição Federal atribuiu competência
exclusiva ao Município em alguns artigos. Dessa forma, pode ser notada tal competência
nos Arts. 30, VIII, 144, §8o e 182, §4o, vez que é competente o poder público municipal
atuar em defesa do meio ambiente urbano. Já com relação à competência legislativa, o
Município não possui atribuições expressivas na esfera privativa, sendo na sua grande
maioria competência concorrente.
A base legal constitucional que dá titularidade ao Município para que possa legislar
sobre Meio Ambiente é o Art. 30, I, pois, afirma que o ente federativo tem competência
para legislar sobre “assuntos de interesse local”. Tal termo, “assuntos de interesse local” é
deveras vago, e por tal razão dá margem a diversos posicionamentos.
Alguns doutrinadores entendem que a Constituição restringe a competência
municipal, pois, afirma que assuntos que sejam de seu interesse e também de interesse de
44

demais entes, como no caso do Meio Ambiente, deixariam de ser regulados pelo poder
público municipal por não ser interesse exclusivo deste, entretanto tal posicionamento se
mostra incorreto. Melhor interpretação é aquela que afirma que interesse local não quer
dizer interesse exclusivo, mas sim que tal interesse predomina sobre os demais interesses.
Assim, aquilo que seja de interesse da população de determinado Município ou de apenas
parte dela, poderá ser objeto de norma municipal.
Carrazza, ao explicar “interesse local”, afirma “interesse local” não quer dizer
privativo, mas simplesmente local, ou seja, aquele que se refere de forma imediata às
necessidades e anseios da esfera municipal, mesmo que, de alguma forma, reflita sobre
necessidades gerais do Estado-Membro ou do país.
Após as primeiras afirmações sobre as competências, passa-se agora a traçar como
o Município age com relação ao cuidar de normas que envolvam a proteção de Meio
Ambiente. Para que se tenha em cada Município um desenvolvimento ordenado e o
aproveitamento de todos os potenciais neles existentes, bem como a cidade se desenvolva
de maneira a fazer valer os preceitos encartados na Carta Magna, fazia-se necessário que
fosse implementada uma política de desenvolvimento urbano que tivesse por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes, entenda-se também a proteção do Meio Ambiente, pois, este reflete nos
itens antes narrados, conforme encartado no Art. 182 da Constituição Federal que dependia
de regulamentação.
Hely Lopes Meirelles escreveu que a atuação municipal será, principalmente,
executiva, fiscalizadora e complementar das normas superiores da União e do Estado-
membro, no que concerne ao peculiar interesse local, especialmente na proteção do
ambiente urbano. Assim, a execução da política urbana determinada pelo Estatuto da
Cidade, deverá ser orientada em decorrência dos principais objetivos do direito ambiental
constitucional. (Meirelles, 1997)

4.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL

Lembra MILARÉ (2005, p.157) que um princípio pode não ser exclusivo de uma
única ciência, possuindo caráter compartilhado, interativo. Isso se observa em especial na
questão ambiental, de cunho eminentemente multidisciplinar. Por esta razão, podemos
realizar uma leitura conjunta das diretrizes que orientam o Sistema de Gestão Ambiental
ISO 14.001 e a principiologia do ordenamento jurídico-ambiental.
45

O Princípio do Desenvolvimento Sustentável é um conceito genérico, aberto,


contemplado no artigo 4º, inciso I da Lei 6.938/81 que prevê como objetivo da Política
Nacional de Meio Ambiente a “compatibilização do desenvolvimento econômico-social
com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”. A ISO
14.001 também reconhece expressamente o desenvolvimento sustentável, declarando como
finalidade “equilibrar a proteção ambiental e a prevenção da poluição com as necessidades
socioeconômicas”.
No Princípio da Prevenção observamos que “implica em um mecanismo
antecipatório do modo de desenvolvimento da atividade econômica, mitigando e avaliando
os aspectos ambientais negativos.” (LEITE, 2000, p.30). A identificação dos impactos
ambientais, a priorização dos impactos significativos, o estabelecimento de controles
gerenciais para eliminação e/ou mitigação destes impactos constitui a base do SGA,
conforme indicado no item 4.3.1 Aspectos ambientais, da norma ISO 14.001.
São essas mesmas linhas gerais que devem orientar o processo de estudo prévio de
impacto ambiental e o licenciamento ambiental das atividades poluidoras (artigo 10 da Lei
6.932/81), definidas as condicionantes de operação. Milaré (2005, p.166-167) cita como
exemplos do direcionamento preventivo da legislação ambiental o artigo 225, § 1º, incisos
IV e V da CF; o Princípio 15 da Carta da Terra e o art. 3º, 3 do Dec. Legislativo 1/94
(ratificação do documento da Conferência sobre Mudanças Climáticas), que versam sobre
ações de precaução. Cita-se ainda que a avaliação de impacto ambiental é um instrumento
da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme artigo 9, III, da Lei 6.938/81.
Com Princípio do Poluidor Pagador se estabelece a prevenção da poluição como
uma das finalidades do SGA, admitindo, portanto, que cabe ao empreendedor estabelecer
as ações de controle necessárias (equipamentos, adequação de processos, planos de
emergência, etc.). O sistema deve visar a melhoria contínua do desempenho ambiental, o
que implica na redução dos níveis de poluição gerados pelas operações. Para tanto,
recursos humanos e financeiros, infraestrutura e tecnologias devem ser mobilizados.
O princípio do poluidor pagador vem expresso na legislação brasileira no artigo 4º,
inciso VII da Lei 6.938/81 e também no § 3º do artigo 225 da CF, observando-se que
nesses dispositivos encontra-se uma fórmula essencialmente reativa, com caráter
reparatório, após ocorrido o dano. Não obstante, a doutrina tem ampliado a interpretação
do princípio, associando-o ao caráter preventivo, de modo que os custos suportados não
são apenas os de reparação e/ou ressarcimento, mas envolvem todos os custos relativos,
principalmente, à implementação de medidas que objetivam evitar o dano, medidas de
46

prevenção ou mitigação da possibilidade de dano, que devem ser suportadas primeiro pelo
poluidor, em momento antecipado, prévio à possibilidade de ocorrência de qualquer dano
ao ambiente” (LEITE, 2004, p. 97).
No Brasil, com o Princípio da Participação, o Poder Público e a coletividade têm
o dever de defender e preservar o ambiente, como descrito no artigo 225, caput da CF. A
participação popular pressupõe informação (previsto nas Leis 6.938/81, art. 9, VII e
10.650/03, que trata do acesso público às informações do Sisnama), educação ambiental
(previsto na CF, art. 225, § 1º, IV; na Lei 6.938/81, art. 2º, X; e na Lei 9.795/99, que trata
da Política Nacional de Educação Ambiental) e acesso ao poder judiciário (Lei 7.347/85,
que trata da ação civil pública). Leite (2000, p.21) associa o princípio da participação ao
que chama “Estado Democrático e de Justiça Ambiental”, que pressupõe a gestão coletiva
do bem ambiental, devendo este “ser considerado um bem de interesse público e cuja
administração, uso e gestão devem ser compartilhados e solidários com toda a comunidade,
inspirado em um perfil de democracia ambiental.”
Paralelamente, a ISO 14.001 prevê que a organização estabeleça canais de
comunicação com suas partes interessadas. O empreendedor deve: a) reconhecer a
existência de indivíduos e grupos interessados ou afetados pelo desempenho ambiental do
negócio; b) reportar publicamente seu compromisso de gestão ou sua Política Ambiental;
c) receber, documentar e responder às comunicações; d) quando pertinente, realizar a
comunicação externa de seus aspectos ambientais significativos.
Em absoluto, esta abertura às partes interessadas não significa que a gestão da
organização será coletivizada. Representa, contudo, uma boa prática de transparência, que
importa no intercâmbio de informações e ganho de confiabilidade. O princípio da
democracia econômica-social representa o lastro principiológico que deve escudar todos os
demais princípios que informam o Direito Ambiental a fim de oportunizar uma
harmonização naquela seara.
O modelo de gestão ambiental ISO 14.001, de modo semelhante ao Direito
Ambiental, também estrutura-se a partir de princípios como do desenvolvimento
sustentável, da prevenção, do poluidor pagador e da participação. As organizações, face
aos desafios do comércio global, têm assumido a responsabilidade ambiental como
estratégia de negócios. A certificação ambiental é uma forma de otimizar os processos
produtivos no que diz respeito ao consumo de matérias-primas, insumos, água, geração de
resíduos e demonstrar às partes interessadas o avanço do desempenho ambiental da
empresa.
47

Os objetivos são diversos visto que a regulamentação estatal constitui a


representação jurídico-legislativa de uma política pública, enquanto o standard, não sendo
jurídico, também não se propõe a normatizar o tema ambiental. O primeiro é obrigatório,
coativo, absoluto, e se realiza no poder de polícia do Estado; o segundo é voluntário,
funciona a partir de um sistema de autoavaliação da conformidade e “não estabelece
requisitos absolutos para o desempenho ambiental, além dos comprometimentos, expressos
na política ambiental, de estar em conformidade com os requisitos legais [...], com a
prevenção da poluição e com a melhoria contínua.” (NBR ISO 14.001:2006, vii)

4.4 LICENCIAMENTO AMBIENTAL


Na Resolução normativa CONAMA nº 237/97, o Licenciamento Ambiental é
definido como o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente
licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou
daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as
disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.
A licença ambiental é um documento com prazo de validade definido no qual o
órgão ambiental estabelece regras, condições, restrições e medidas de controle ambiental a
serem seguidas pela atividade que está sendo licenciada. Ao receber a Licença Ambiental,
o empreendedor assume os compromissos para a manutenção da qualidade ambiental do
local em que se instala.
Ou seja, podemos concluir que qualquer projeto que possa desencadear efeitos
negativos (impactos ambientais) no meio ambiente precisa ser submetido a um processo de
licenciamento. O Licenciamento Ambiental é a principal ferramenta que a sociedade tem
para controlar a manutenção da qualidade do meio ambiente, o que está diretamente ligado
com a saúde pública e com boa qualidade de vida para a população.
Assim sendo, conclui-se que o licenciamento ambiental é o instrumento que o
poder público possui de controlar a instalação e operação das atividades, visando
preservar o meio ambiente para as sociedades atuais e futuras.
Uma série de processos faz parte do licenciamento ambiental, que envolve tanto
aspectos jurídicos, como técnicos, administrativos, sociais e econômicos dos
empreendimentos que serão licenciados. Para saber como licenciar um empreendimento é
necessário consultar a Resolução normativa CONAMA 237/97, e as Leis e Portarias
referentes a Licenciamento do seu Estado.
48

Os principais documentos técnicos de um processo de licenciamento são:


• Requerimento – Caracterização do Empreendimento
• Termo de Referência
• Estudos Ambientais (EIA/RIMA, PCA, RCA, etc)
• Projeto Básico Ambiental (PAE, PGRS, PRAD, Programas de monitoramento, educação
ambiental, etc.).
Em nível municipal são inúmeras as atividades que comprometem o equilíbrio do
meio ambiente. Já fora citada a instalação de pequenos negócios de “lava-jato” na cidade,
que certamente causam impactos irreversíveis à natureza com o derramamento de água
adicionada de óleos lubrificantes e detergentes, além de gastos de água potável utilizada na
lavagem dos automóveis. Estas empresas de “fundo de quintal”, sem personalidade
jurídica, não requerem das autoridades competentes a licença ambiental para funcionar.
Mas fica a pergunta: qual autoridade competente? Na prefeitura do município de Passa e
Fica não existe sequer secretaria de meio ambiente, que seria esta autoridade competente
para conceder esta autorização para funcionamento.
A própria prefeitura é uma das causadoras de poluição, uma vez que a coleta do
lixo urbano ainda é feita por tratores e caminhões abertos e todo o lixo é destinado para um
lixão a céu aberto. É um problema que atinge vários municípios pequenos, médios e de
grande porte também.
Outro impacto ao meio ambiente é a extração indiscriminada de madeira na região,
devastando quase toda a flora, ameaçando também, por conseguinte, a sobrevivência da
fauna. A extração de areia, pedra e barro para construção também vem causando impactos
consideráveis na natureza. Além do mais, pequenas indústrias, como as padarias, vem
jogando no ar a fumaça das suas chaminés, sem a preocupação com o equilíbrio do meio
ambiente.

4.5 O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

O Estado de Direito Ambiental é de conceituação abstrata, ficta, quase utópica.


Implica na existência de um Estado de Direito, cujas políticas sociais, econômicas e
jurídicas viabilizem uma situação de sustentabilidade, na busca de uma harmonia entre
exploração de recursos naturais, respeito à dignidade humana e preservação do meio
ambiente.
49

A consecução de um Estado de Direito Ambiental implica na imposição de uma


maior conscientização ambiental em todo o planeta, com uma sociedade mais engajada e
maior participação do Estado em conjunto com empresas e comunidade. Embora nossa
legislação ambiental seja considerada bastante avançada, a falha se encontra na
fiscalização e concretização de normas.
Nos ensinamentos do Professor Boaventura de Sousa Santos, “o Estado de Direito
Ambiental é, na realidade, uma utopia democrática, porque a transformação a que aspira
pressupõe a repolitização da realidade e o exercício radical da cidadania individual e
coletiva, incluindo nela uma Carta dos direitos humanos da natureza”. (SANTOS, 1994, p.
42.).
O se tratar de direitos fundamentais, neste trabalho, ter-se-á em vista o direito ao
meio ambiente como direito fundamental da terceira geração.
O surgimento do direito ao meio ambiente e dos demais direitos fundamentais da
terceira geração é assim explicado por Bonavides (2001, p. 523):
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração
tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um
determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano, mesmo num
momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade
correta. Os publicistas e os juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o
caráter fascinante do coroamento de uma evolução de trezentos anos dos direitos
fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento à
paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.
Ao se referir aos direitos fundamentais da terceira geração, Bobbio (1992, p. 6)
assinala que "ao lado dos direitos, que foram chamados de direitos da segunda geração,
emergiram hoje os chamados direitos da terceira geração [...] O mais importante deles é o
reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído".
Ao contrário dos direitos da primeira geração (direitos individuais), considerados
como garantias do indivíduo diante do poder do Estado, e dos direitos da segunda geração
(direitos sociais), caracterizados por prestações que o Estado deve ao indivíduo,
o direito ao meio ambiente, como integrante dos direitos fundamentais da terceira geração
(direitos difusos) consiste num direito-dever, no sentido de que a pessoa, ao mesmo tempo
que o titulariza, deve preservá-lo e defendê-lo como tal, em níveis procedimental e judicial,
através da figura do interesse difuso.
50

Assim, o direito ao meio ambiente diferencia-se de um direito individual ou de


um direito social na medida em que a obrigação a que ele corresponde não é apenas dever
jurídico do Estado, mas também do próprio particular, que é seu titular.
A formulação do Estado Ambiental de Direito implica definir um Estado que,
"além de ser um Estado de Direito, um Estado Democrático e um Estado Social, deve
também modelar-se como Estado Ambiental" (CANOTILHO, 1995a, p. 22).
Isso significa que a edição do Estado de Direito Ambiental converge,
necessariamente, para mudanças profundas nas estruturas da sociedade organizada, de
modo a apontar caminhos e oferecer alternativas para a superação da atual crise ambiental,
preservando os valores que ainda existem e recuperando os valores que deixaram de
existir.
Busca-se assim um novo paradigma de desenvolvimento, fundado na solidariedade
social, capaz de conduzir à proteção (concreta) do meio ambiente e à promoção (efetiva)
da qualidade de vida.
Capella (1994, p. 248), teórico da emergência do Estado Ambiental do Direito, ao
conceituá-lo, no novo paradigma de desenvolvimento sustentável, observa: Neste marco
surge o que temos chamado Estado Ambiental, que poderíamos definir como a forma
de Estado que propõe a aplicar o princípio da solidariedade econômica e social, para
alcançar um desenvolvimento sustentável, orientado a buscar a igualdade substancial entre
os cidadãos, mediante o controle jurídico do uso racional do patrimônio natural.
O ilustre autor distingue assim as características principais do Estado Ambiental em
relação ao Estado Liberal e ao Estado Social, que o precederam.
Para Capella (1994), as instituições principais no Estado Liberal e no Estado Social
são o mercado e o Estado, respectivamente. No Estado Ambiental, a instituição principal é
a natureza.
No Estado Ambiental, o sujeito de direitos é todo ente humano, ao passo que
no Estado Liberal é o burguês ou o proprietário, e no Estado Social é o trabalhador.
A finalidade do Estado Liberal é a liberdade e a do Estado Social é a igualdade. Já
o Estado Ambiental tem uma finalidade mais ampla: a solidariedade (centrada em valores
que perpassam a esfera individualista própria do Estado Liberal).
Por derradeiro, os direitos fundamentais do Estado Ambiental são da terceira
geração (direitos difusos), enquanto os do Estado Liberal são da primeira geração (direitos
individuais) e os do Estado Social são da segunda geração (direitos sociais).
51

Como se observa, o Estado Ambiental apresenta características que lhe conferem


funções (ampliadas) do Estado Liberal e do Estado Social, considerando, sobretudo, a
preservação do meio ambiente e a promoção da qualidade de vida, como valores fundantes
de uma democracia e de uma nova forma de cidadania (participativa e solidária).
A concretização do Estado Ambiental de Direito impõe a identificação de
princípios que lhe possam servir de sustentáculo e de balizamento. Os princípios, ensina
CANOTILHO (2000, p. 1124), são normas de natureza ou com um papel fundamental no
ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex:
princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex:
princípio do Estado de Direito).
Em face das características do novo Estado aqui mencionadas, não há como fugir
de ordená-lo e alicerçá-lo com base em princípios do Direito Ambiental, indispensáveis à
sua construção. Nesta tarefa de arrolar princípios com funções ordenadoras, não se
pretende abordá-los à exaustão, mas apenas examinar os que, a nosso juízo, são os mais
relevantes e inspiradores do Estado Ambiental de Direito.
Convém observar, de início, que há autores que se referem ao princípio da
prevenção, ao passo que outros se reportam ao princípio da precaução. Embora não se
descarte alguma possível diferença etimológica e semântica entre as duas expressões,
optamos por adotar a primeira, haja vista que a prevenção, por ter um sentido mais
genérico, engloba a precaução, que apresenta um sentido mais específico.
O princípio da prevenção é ordenador do Estado Ambiental de Direito, referindo-se
à indispensabilidade que deve ser dada às medidas que previnam (e não simplesmente
reparem) a degradação ao meio ambiente. A prioridade de política ambiental deve voltar-se
para o momento anterior ao da consumação do dano - o de mero risco. A prevenção deve
ter prevalência sobre a reparação, sempre incerta e, por vezes, extremamente onerosa.
Têm razão Canotilho e Moreira (1993, p. 348) quando afirmam que as ações
incidentais sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e
perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo
melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la a posteriori.
Lembre-se ainda, conforme Mateo (1977, p. 85-86), de que "aunque el
Derecho Ambiental se apoya a la postre em um dispositivo sancionador, sin embargo, sus
objetivos son fundamentalmente preventivos."
De outro lado, importa sublinhar que a tarefa de prevenir a degradação ambiental é
função de todos na sociedade e não apenas do Pode Público. Trata-se de uma
52

responsabilidade compartilhada, exigindo uma atuação conjunta dos cidadãos e


do Estado na formulação e execução de uma política ambiental preventiva, conforme já
assinalado.
No Direito brasileiro, o princípio da prevenção acha-se estabelecido no inciso V do
§ 1º do art. 225 da Constituição Federal, que impõe ao Poder Público a tarefa de controlar a
produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportam riscos para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
No Direito português, o princípio da prevenção está inserido no art. 66º, nº 2, letra
"a", da Constituição da Republica Portuguesa, que, para assegurar o direito ao meio
ambiente no modelo de desenvolvimento sustentável, determina que incumbe ao Estado,
por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos,
prevenir e controlar à poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão.
No Direito comunitário, o princípio da prevenção está previsto no art. 174º, nº 2, do
Tratado CE, que impõe a adoção, na política do meio ambiente da Comunidade,
dos princípios da precaução e ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, do
causador ao ambiente, e do poluidor-pagador.
Vê-se, destarte, que o princípio da prevenção é elemento estruturante e
indispensável para a formulação do Estado Ambiental de Direito.
O princípio da participação refere-se à necessidade que deve ser dada à cooperação
entre o Estado e a sociedade para a resolução dos problemas das degradações ambientais,
Com efeito, é de fundamental importância a participação dos diversos setores sociais na
formulação e na execução da política ambiental, dado que o sucesso desta supõe que todas
as categorias da população e todas as forças sociais, conscientes de suas responsabilidades,
contribuam à proteção e melhoria do ambiente, que afinal, é bem e direito de todos.
Exemplo concreto deste princípio são as audiências públicas em sede de estudo prévio de
impacto ambiental (MILARÉ, 2000, p. 99).
A efetividade do princípio da participação pressupõe o acesso adequado dos
cidadãos às informações relativas ao meio ambiente de que disponham os órgãos e
entidades do Poder Público. É que mais bem informados os cidadãos têm melhores
condições de participar ativamente nas decisões sobre matéria ambiental, "tantôt comme
auxiliaire de l´Administration, tantôt comme organe de controle" (PRIEUR, 1996, p. 101).
No Brasil, o princípio da participação está presente em vários dispositivos da
Constituição Federal. Citem-se o art. 225, caput, que impõe ao poder público e à
coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras
53

gerações; o art. 225, § 1º, inciso IV, que exige, para instalação da obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental, a que se dará publicidade.
O art. 37, § 3º determina que a lei disciplinará as novas formas de participação do
usuário no serviço público; art. 5, inciso XXXIII, que outorga a todos o direito de receber
dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou
geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade; e, finalmente, o
art. 5º, inciso LXXIII, que confere a qualquer cidadão o direito de propor ação popular que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
Em Portugal, o princípio da participação está previsto no art. 66º, nº 2, da
Constituição da República Portuguesa, quando ali se prescreve que incumbe ao Estado, por
meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos,
assegurar o direito ao meio ambiente, no modelo de desenvolvimento sustentável.
Assinale-se, por fim, que a participação na tutela do meio ambiente necessita
também, para a sua consecução, da cooperação entre os diversos Estados visando à
proteção ambiental comum. De fato, os problemas de degradações do meio ambiente não
se circunscrevem apenas no âmbito interno, mas, diversamente, chegam mesmo a
extrapolá-lo, exigindo uma atuação interestatal solidária para um combate efetivo à
devastação ambiental capaz de salvar o planeta, preservando-o para as futuras gerações.
Neste sentido, o art. 174º, nº 4, do Tratado CE, prevê que, no domínio do meio
ambiente, a Comunidade e os Estados-membros cooperarão, no âmbito das respectivas
atribuições, com os países terceiros e as organizações internacionais competentes. Os
princípios da Declaração de Estocolmo orientaram, ainda, a ação dos Estados no campo de
proteção internacional do meio ambiente até a Conferência do Rio de Janeiro, em 1992.
Viu-se, anteriormente, que os princípios da prevenção e da participação constituem
elementos ordenadores do Estado Ambiental de Direito. Neste diapasão, denota-se outro
elemento fundamental para a efetivação dessa ação em conjunto: o princípio da
responsabilização, mecanismo de atuação, numa relação de complementaridade, porquanto
nenhum desses elementos, isoladamente, não funciona.
Destarte, indubitavelmente, de nada adiantariam ações preventivas e participativas,
se eventuais responsáveis por possíveis danos ao meio ambiente (tanto pessoas físicas
como pessoas jurídicas) não fossem compelidos a responder por seus atos. "A sociedade
exige, portanto, que o poluidor seja responsável pelos seus atos, ao contrário do que
54

prevalecia no passado quanto ao uso ilimitado dos recursos naturais e culturais” (LEITE,
2000, P. 33).
Assim, a responsabilização por danos ambientais, nas suas modalidades civil,
administrativa e criminal, assume singular importância para a edificação
do Estado Ambiental de Direito.
Nos ordenamentos jurídicos, o princípio da responsabilização encontra-se
adequadamente contemplado. No Brasil, a Constituição Federal, art. 225, § 3º, preceitua
que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
O aludido dispositivo constitucional pátrio prevê, pois, o tríplice apenamento do
responsável por danos causados ao meio ambiente, tanto pessoa física como jurídica: a
sanção penal, por conta da responsabilidade penal, que importa a limitação da liberdade, a
restrição de direitos ou a multa; a sanção administrativa, em decorrência da
responsabilidade administrativa, que acarreta a advertência, a multa, a suspensão ou a
interdição da atividade; e a sanção civil, em razão da responsabilidade civil, que implica a
indenização ou reparação do dano.
Em Portugal, a Constituição da República Portuguesa, art. 52º, nº 3, letra "a",
institui que é conferido a todos o direito de requerer para o lesado ou os lesados, por meio
da ação popular, a correspondente indenização, nomeadamente para a finalidade de vida e
a preservação do ambiente e do patrimônio cultural.
Registre-se, também, que a responsabilização (civil) por danos ambientais é objeto
da convenção do Conselho da Europa (Lugano) sobre Responsabilidade Civil pelos Danos
Causados por Atividades Perigosas para o Ambiente, de 21 de junho de 1993.
Anote-se, por derradeiro, que a doutrina discute a inserção do princípio da
responsabilização numa dimensão econômica, isto é, "a inserção da imputação de custos
ambientais relacionada à atividade dos produtores" (LEITE, 2000, p. 33).
Com efeito, o princípio do poluidor pagador (pollutor pays principle), assentado na
ética ambiental redistributiva, inspira-se na teoria econômica de que os custos sociais
externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante por danos
ambientais) devem ser internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos devem levá-
los em conta ao elaborar os custos de produção e, consequentemente, assumi-los
(MILARÉ, 2000, p. 100).
55

Como se observa, o princípio do poluidor pagador, em seu aspecto econômico, visa


à indenização dos custos externos da degradação ambiental (custos de prevenção, de
reparação e de repressão ao dano ambiental), devendo, pois, ser articulado com o princípio
da responsabilização, ou até mesmo com outros princípios estruturantes
do Estado Ambiental do Direito, como os princípios da prevenção e da participação, aqui
também examinados.
As funções do Estado Ambiental de Direito são mais abrangentes do que as
do Estado Liberal e do Estado Social, no sentido de que incorporam novos valores, como a
defesa e a proteção (efetivas) do meio ambiente, a promoção da qualidade de vida humana,
a ética ambiental, a educação ambiental, a gestão ambiental (participativa) e a
democracia ambiental.
Essas funções (ampliadas) refletem diretamente no ordenamento jurídico, que
deverá voltar-se para a confirmação desse novo Estado (com características inéditas),
viabilizando-o e garantindo-o através da máxima efetividade de suas normas.
Importa sublinhar que, como se disse anteriormente, o Direito evolui com a própria
sociedade. Assim, esta evolução social, que culmina com o surgimento
do Estado Ambiental de Direito, provocará também mudanças nos institutos e nas
categorias jurídicas, com a renovação dos direitos preexistentes e a emergência dos
novos direitos.
As funções do Estado Ambiental de Direito se realizam, principalmente, por meio
de medidas (concretas) que visam a estimular e a provocar o exercício das condutas
(participativa e solidária) desejadas para alcançar o fim ambiental do Estado. A função
repressora, típica do Estado Liberal, cede lugar à função promovedora, característica
do Estado Social, que deve ser ampliada no Estado Ambiental.
No Estado Ambiental de Direito, o cidadão não é mais o proprietário ou o
trabalhador (cidadãos típicos do Estado Liberal e do Estado Social, respectivamente), mas
todo ente humano, sem qualificações jurídicas específicas que o insiram em determinado
grupo social. Todas as pessoas, mesmo as excluídas pelo Estado Liberal e
pelo Estado Social, são consideradas cidadãos do Estado Ambiental, naturalmente
com direitos e deveres também ampliados.
Não há como negar que, como se disse precedentemente, a concretização do
Estado Ambiental de Direito converge, necessariamente, para mudanças profundas nas
estruturas da sociedade organizada. Entre tais mudanças, destacam-se a democracia
ambiental e a cidadania participativa.
56

Com efeito, o Estado Ambiental de Direito pressupõe uma dimensão democrática


que propicia a participação dos mais diversos atores sociais (cientistas, juristas,
administradores, empresários, trabalhadores, ONGs, Igreja, mídia, entre outros) na defesa e
preservação do meio ambiente e na promoção da qualidade de vida, através de ações
conjuntas (Estado e sociedade) que visam à formulação e implementação de políticas
ambientais e à elaboração e execução de leis e atos normativos sobre matéria ambiental.
Nesta perspectiva de um Estado ambientalmente democrático e participativo, o
bem ambiental não pode ser rotulado como bem público, devendo, sim, ao contrário, ser
considerado um bem de interesse público e cuja administração, uso e gestão devem ser
compartilhados e solidários com toda a comunidade, inspirado em um perfil de democracia
ambiental. Desta forma, no Estado democrático ambiental, o bem ambiental deve pertencer
à coletividade e não integra o patrimônio disponível do Estado, impedindo o uso irracional
e autoritário de patrimônio ambiental pelo poder público e pelo particular (LEITE, 2000, p.
21).
57

5 PANORAMA HISTÓRICO E GEOPOLÍTICO DO MUNICÍPIO DE PASSA E


FICA

É no contexto da Ordem Sócioambiental que se fará uma panorâmica no aspecto


histórico e geopolítico do município de Passa e Fica buscando com isso a compreensão da
sua situação sócio-econômica e ambiental, analisando a execução das políticas públicas
ambientais, desde a sua gênese, passando pelo controle social e jurídico quanto aos
impáctos causados ao meio ambiente pela ação humana, bem como a eficácia e eficiência
destas políticas.

5.1 DAS RAÍZES AOS FRUTOS.

Segundo os relatos dos mais antigos moradores, catalogados por diversos


historiadores, dentre os quais o mais ilustre potiguar o professor Luís da Câmara Cascudo,
com sua obra “Nomes da Terra”, foi feito um resgate histórico deste pequeno e jovem
município potiguar, denominado curiosa e poeticamente pelo trocadilho de verbos “Passa
e Fica”. Este trocadilho é facilmente admitido em linguagem poética, pois como é que uma
coisa pode passar e ficar ao mesmo tempo? No caso deste município, vê-se que é possível
sim. (CASCUDO, 1997)
É justamente por aqui que se começa a panorâmica viagem sobre o passado e o
presente do município de Passa e Fica, partindo da sua breve história, passeando pelas
culturas alí desenvolvidas, visitando suas paisagens e conhecendo seus ecossistemas.
Umas das antigas estradas para Araruna, brejos paraibanos, descendo em reta para
Caiçara, Pirpirituba, ou inflectindo no rumo das tradicionais feiras de gado, Mamanguape,
Campina Grande, Itabaiana, tinha o derradeiro trecho norte-rio-grandense ao atravessar a
fronteira da Paraíba, na Fazenda PASSA E FICA. Constituía, realmente, uma passagem e
daí o nome chistoso da propriedade, PASSA E FICA.
Em sua obra, acima citada, Câmara Cascudo reforça a ideia de que algumas cidades
do Rio Grande do Norte tiveram sua origem em virtude da atividade criatória, o comércio
de gado, dentre elas Passa e Fica, que outrora era vinculada à cidade de Nova Cruz/RN,
pois sua toponímia está vinculada primeiramente à Fazenda Passa e Fica, propriedade
outrora situada à margem de uma das antigas estradas de gado que ligava Nova Cruz a
Serra de São Bento, cidades do Agreste Potiguar.
58

Devido a essa função, foi estalada uma hospedaria a beira da estrada que ficava na
fronteira entre o Estado do Rio Grande do Norte e o da Paraíba, ponto obrigatório de pouso
e rancho que servia de descanso para os boiadeiros que conduziam seus rebanhos de gado
com o objetivo de comercializá-los nas tradicionais feiras de gado da Paraíba e de
Pernambuco (CAVALCANTE, 2006, p. 02).
Em suma, a origem do nome do município está ligada primeiramente à existência
fazenda Passa e Fica e posteriormente, a instalação da famosa hospedaria. Em curto
espaço de tempo, em torno da fazenda, da hospedaria e do posto fiscal, nesse cruzamento,
iniciou-se a formação de um pequeno aglomerado de casas, e que, no dia 10 de maio de
1962, através da Lei de Criação nº 2.782, Passa e Fica se emancipou politicamente de
Nova Cruz, tornando-se mais um município norteriograndense (Dicionário Escolar do
Município de Passa e Fica/RN, 2001, p.10).
Porém, segundo populares mais antigos, havia uma banca de jogos, na qual dos
tropeiros e viajantes que ali passavam, alguns ficavam para frequentar o primitivo
“cassino” e, após gastar todo o dinheiro que portava, retornava à sua origem, sem
prosseguir viagem. Até que alguém exclamou: “este lugar é o passa e fica”. Isto porque
alguns passavam, apenas, enquanto outros ficavam.
Geograficamente, o município de Passa e Fica se situa em zona fisiográfica de
caatinga, localizado na Mesorregião do Agreste Potiguar, inserido na Microrregião do
Agreste Potiguar, entre os paralelos 6º 26’ 09” de Latitude Sul e entre os meridianos 35º
38' 35" de Longitude Oeste.
Passa e Fica limita-se com os seguintes municípios: Ao norte, São José do
Campestre – RN e Lagoa D'anta - RN; ao sul, Campo de Santana-PB; ao leste, os
municípios de Nova Cruz – RN e Lagoa D'Anta - RN; e ao oeste, Serra de São Bento –
RN. O município abrange uma área de 43 Km², equivalente a 0,08% da superfície estadual,
inseridos na folha São José de Campestre (SB, 25-Y-A-I), na escala 1:100.000, editados
pela SUDENE (CPRM, 2005, p. 02).
Geologicamente o município de Passa e Fica - RN caracteriza-se por dois tipos de
terrenos: O Embasamento Cristalino e as coberturas Colúvio-eluviais. A Sede do
município tem uma altitude média de 189 m, está distante 155 km de João Pessoa - PB,
148 km de Campina Grande - PB e 105 km de Natal – RN, Capital do Estado.
O Embasamento Cristalino, Complexo Serrinha - Pedro Velho aflora nas áreas mais
baixas, nos vales dos rios, sua estrutura é composta de rochas do período Pré-Cambriano
(1.100-2.500 milhões de anos): granitos, migmatitos, gnaisses, xistos e anfibólitos.
59

Enquanto as coberturas Colúvio-eluviais ocupam as partes topograficamente mais altas do


município, são caracterizadas por espessos solos arenosos e argilosos lixiviados e
inconsolidados de Idade Quaternária, que tiveram origem pelo intemperismo atuante sobre
as rochas do Grupo Barreira.
Quanto a sua geomorfologia, o município situa-se na depressão sub-litorânea,
apresentando uma altitude média de 189 m em relação ao nível do mar. O solo do
município pode ser classificado como solos predominantemente Argilosos, denominados
de podzólico vermelho – amarelo e Planossolo Solódico, este último possui como
características: fertilidade alta, textura arenosa e argilosa, relevo suave ondulado e
imperfeitamente drenados e rasos. (ATLAS DO RIO GRANDE DO NORTE, 2004)
O clima de Passa e Fica é semi-árido, quente e seco, segundo a classificação de
Köppen, com estação chuvosa curta entre os meses de março a julho, adiantando-se para o
outono. Seu índice pluviométrico é de 719,1 mm/ano. Possui temperaturas médias que
variam de 26 ºC a 32 ºC, e Umidade Relativa Média Anual de 72%.
O município de Passa e Fica está inserido na bacia hidrográfica do Curimataú, na
micro bacia do Rio Calabouço, sendo este um dos principais afluentes do Rio Curimataú,
que é de fundamental importância para os municípios da região. Mas em decorrência da
devastação da mata ciliar, da irregularidade das chuvas e da temperatura, o curso d'água
desse rio tornou-se intermitente.
Registra-se ainda no município o Açude Calabouço, com capacidade para
1.443.000 m³, e as lagoas: Comprida, do Pedro, do Rancho, Gravatá, da Carnaúba e do
Venâncio. Este Rio Calabouço, que divide os dois Estados vizinhos, que banha a parte sul
e sudeste do município, foi o primeiro a ser castigado pela retirada indiscriminada de areia,
levando-o ao assoreamento, pois a mata ciliar fora totalmente devastada.
(CAVALCANTE, 2006, p. 353)
Numa bela canção religiosa do notório Padre Zezinho, SCJ, intitulada EM PROL
DA VIDA, ele chama a atenção para um fato, segundo um trecho: “... diante de ti ponho a
vida, e ponho a morte, mas tens que saber escolher. Se escolhes matar, também
morrerás, se deixas viver, também viverás. Então vive e deixa viver...”. Ora, o homem
também é parte do ecossistema. Tem-se o costume de deixá-lo de fora da natureza. É certo
que o ser humano, somente ele, tem a capacidade de abstrair-se, de sair de si, para
vislumbrar o mundo e a si mesmo de forma objetiva. Mas não se deve esquecer que
também é parte do que chamamos meio ambiente. Pois bem, pela falta de zelo com o rio
que passa ao lado do município de Passa e Fica, acaba-se por decretar sua morte. Pois este
60

rio, no passado, mesmo não sendo perene, era fonte de abastecimento para os habitantes
mais antigos, que em lombos de jumentos iam buscar água nos poços naturais (comumente
conhecidos por olheiros) e também ás margens do rio as mulheres lavavam as roupas.
Geralmente, as cidades sempre cresceram às margens de um rio. Em Passa e Fica
não poderia ser diferente. Muito embora o rio que separa os estados da Paraíba e Rio
Grande do Norte não corte a cidade, foi às suas margens que os primeiros habitantes
fixaram morada. Este rio tem sua nascente na Paraíba, no município de Araruna, por trás
da Pedra da Boca, passa pelo município de Passa e Fica e deságua no município de Nova
Cruz, no Rio Curimataú.
De acordo com o IBGE (1996, p.117) a vegetação predominante no município é a
Savana Estépica nordestina - Caatinga, de característica Hipoxerófila, vegetação de clima
semiárido, apresentando arbustos e árvores com espinhos e de aspecto menos agressivo do
que a caatinga Hiperxerófila. Este bioma exclusivamente brasileiro vem sofrendo forte
intervenção humana no tocante ao fornecimento de madeira e lenha para o uso humano,
para a criação do gado e plantios agrícolas. É aqui que entra a política pública ambiental,
procurando promover um desenvolvimento sustentável para garantir à atual e às gerações
futuras um ambiente equilibrado que possa proporcionar qualidade de vida para todos.
Ao menos deveria ser esta a principal preocupação dos gestores que administraram
o município nestes últimos 48 anos. O meio ambiente é sempre o mais afetado quando se
trata de desenvolvimento. Até o fim da década de 80, o município ainda vivia num clima
de cidade interiorana arraigada às culturas e tradições dos antigos moradores. Nos últimos
20 anos o município cresceu demograficamente sobremaneira devido o advento da água
encanada oriunda da Lagoa do Bomfim/RN, através do sistema de adutoras.
Além do mais, os últimos administradores primaram pelo investimento em
infraestrutura e urbanismo de modo a atrair pessoas de várias partes do Estado potiguar,
bem como da Paraíba. Com isso, pelo crescimento demográfico, veio também a
preocupação com o ecossistema.
Com o crescimento de vias urbanas e com o aumento considerável de habitantes,
resultante do êxodo rural dos que migravam do campo para viver na cidade, a produção de
resíduos também aumentou significativamente. A coleta era feita de forma precária, em
caminhões ou carroças de tração animal, sem a preocupação de fazê-la de forma seletiva, e
todo o resíduo coletado era depositado em terreno baldio, a céu aberto. Hoje, não é
diferente. Não obstante, algumas tentativas de mudar esta realidade foram frustradas, como
veremos a seguir.
61

5.2 A IMPLANTAÇÃO DO PROJETO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Com o advento da água, o município de Passa e Fica se transformou. O povo que


vivia somente da esperança de bom inverno, tanto para favorecer a agricultura e pecuária,
quanto para garantir os mananciais existentes na região – os açudes e pequenos barreiros –
que abasteciam a cidade, e também do programa do Governo Federal executado pela
SUDENE com os carros-pipas levando água potável para toda a população, vislumbrou
novo horizonte quando experimentou em sua residência a alegria de ver cair água de uma
torneira, enchendo suas cisternas. Foi uma revolução.
Em seguida, veio a necessidade de se implantar uma política pública de cunho
socioambiental, que foi o saneamento básico. Para evitar a proliferação de insetos, devido à
falta de esgotamento sanitário, fora realizado este projeto atingindo quase a totalidade da
população urbana. Foi um importante investimento, que já tem mais de 10 anos de
realizado, e que hoje já não atende mais às necessidades do município. (PREFEITURA
MUNICIPAL DE PASSA E FICA, 2003)
Se a água trouxe certo progresso e crescimento populacional ao município, também
trouxe consigo uma preocupação: pela falta de educação ambiental, o desperdício de água
tornou-se uma constante. E, muito pior do que isso, a má utilização desta água, pois hoje
um município com quase 10 mil habitantes já conta com cinco lava a jatos, de modo a
poluir o lençol freático com o escoamento do rejeito resultante da mistura da água servida
adicionada com detergente e óleo.
Além do mais, tais micro empreendimentos têm total aval do gestor público sem
sequer ser feito um estudo do impacto ambiental que tal atividade causa. Isso sem contar
com os famosos “gatos”, pois em alguns estabelecimentos sequer existem hidrômetros
registrando os gastos, de modo que milhões de metros cúbicos de água são utilizados de
maneira “gratuita” e indiscriminadamente. (ORLANDO, 2004)
A população, como geralmente acontece, fica de fora das decisões e sequer
acompanha a implementação destas políticas públicas. Muito menos coopera com os
administradores no seu usufruto ou manutenção. É exatamente aqui onde reside a
ineficiência das políticas públicas, em particular as socioambientais. Não havendo um
controle social eficaz, não haverá controle jurídico, tampouco.
Infelizmente a realidade dos pequenos municípios entristece a qualquer um, pois o
poder legislativo, que a princípio deveria fazer este primeiro controle, pelo seu papel de
fiscalizador dos atos administrativos do executivo, deixa tudo à mercê da
62

discricionariedade do chefe do executivo, pois vive submisso a este. É claro que não se
pode tomar isto em absoluto, pois existe exceção.
Neste ínterim de inchaço populacional, foi criada, em 2001, a coordenadoria
municipal de turismo, com o intuito de olhar com mais atenção para o meio ambiente, não
apenas por amor às riquezas naturais que dispomos, mas para a implantação do turismo, ou
precisamente do ecoturismo, explorando a beleza natural deste recanto de nordeste.
(PREFEITURA MUNICIPAL DE PASSA E FICA, 2003)
Esta coordenadoria, formada por um vereador, um arquiteto e um professor do
município, elaborou um Projeto de Educação Ambiental, que foi gestado pela prefeitura
municipal de Passa e Fica, visando uma melhoria na qualidade de vida da população,
objetivando, sobretudo, a consciência ecológica, para que cada cidadão passafiquenses
possa se tornar consciente do seu papel na sociedade, mostrando-lhe a importância da
assunção de atitudes que possibilitem a redução na geração de resíduos e correta
destinação destes, contribuindo assim para a preservação ambiental. (SECRETARIA
MUNICIPAL DE TURISMO DE PASSA E FICA)
Para implantar este projeto, tiveram como justificativa dar uma ênfase na educação
ambiental, na participação popular, na consciência ambiental e na mobilização da
sociedade civil, uma vez que se constatou a cultura do desperdício, inclusive da água,
assim como dos demais recursos naturais disponíveis e de acesso universal, que estão cada
vez mais ameaçados pela degradação do solo, das águas e do ar.
Este audacioso projeto começou conscientizando a população para Repensar os
hábitos de consumo e de desperdício de resíduos que poderiam ser Reduzidos, pois é
necessário aprender a consumir menos e melhor para amainar o impacto causado pelo
homem. Com isso deve-se aprender a Reutilizar os bens de consumo, dando-lhe nova
possibilidade ou uso, como é o caso das embalagens retornáveis. E, por fim, Reciclar, que
consiste na reintrodução dos resíduos, seja sólido, líquido ou gasoso, gerando assim novos
produtos, uma opção que pode impactar, a curtíssimo prazo, a qualidade de vida ambiental
e humana do município em questão.
A reciclagem de materiais, resíduos sólidos, gera uma perspectiva de negócio, que,
nos últimos tempos, vem sendo desenvolvido e disseminado pelo meio empresarial e
governamental seja em busca de lucro, ou da qualidade de vida da sociedade. Daí uma
política pública socioambiental de tal envergadura que deveria entrar para o rol das
prioridades administrativas num município de pequeno e médio porte. (PREFEITURA
MUNICIPAL DE PASSA E FICA, 2003)
63

Infelizmente, como ocorre em várias sociedades, o povo não absorve esta feliz e
urgente ideia de harmonizar desenvolvimento sustentável com preservação dos recursos
naturais. E o mais preocupante, é que os conselhos comunitários, paritários, criados por lei
para realizar os projetos em prol do desenvolvimento social e econômico do município são
formados a portas fechadas, nos gabinetes do poder executivo e legislativo, com nomes
elencados apenas para cumprir formalidades.
Neste ínterim, chegou a Passa e Fica o grupo do SAR (Serviço de Assistência
Rural), ligado à Arquidiocese de Natal, para levar conhecimento e informação aos cidadãos
passafiquenses, em especial aos que estavam envolvidos nos conselhos paritários e nas
entidades que compunham a sociedade civil. Foi constatado, segundo levantamento deste
grupo, que grande parte dos membros dos conselhos existentes no município sequer tinha
conhecimento de que participassem de algo na cidade. Entidades, como as igrejas e o
Sindicato dos Trabalhadores Rurais desconheciam que seus membros os representavam
nos conselhos comunitários do município. (SAR, 2004)
O mais intrigante nisso tudo é que, apesar de a Prefeitura ter encampado o projeto
de educação ambiental, que foi desenvolvido nas escolas estaduais e municipais, não havia
sequer o Conselho Municipal do Meio Ambiente, mas sim, apenas a secretaria de turismo,
que resolveu implantar este projeto tendo em vista o ecoturismo que estava se delineando
no Parque Estadual da Pedra da Boca, sito o município de Araruna-PB, mas que o
município de Passa e Fica situa-se na entrada deste parque, auferindo vantagens
consideráveis.
Além deste projeto de educação ambiental, o artesanato local começou a crescer,
pois muitos artesãos começaram a produzir seus trabalhos a partir de matéria prima
extraído dos resíduos reutilizáveis ou recicláveis. Infelizmente tais empreendimentos não
obtiveram o êxito esperado, pois a própria população não dá crédito a esses projetos, nem
valoriza tais trabalhos. Existem, no município, apenas três catadores de resíduos sólidos
que vão ao lixão, ou catam pelas ruas mesmo, em busca de latas, cartões, plásticos etc., e
vendem para empresas de fora. Mas o fazem não por consciência ecológica e ambiental,
mas por questão de sobrevivência. (PREFEITURA MUNICIPAL DE PASSA E FICA,
2004)
Tudo estava caminhando a passos longos, com a campanha de conscientização nas
escolas, nas igrejas e nas ruas. Porém, como faltava o controle social e o controle jurídico
para acompanhar de perto esta política socioambiental, que tinha tudo para desenvolver o
município de forma sustentável, melhorando a qualidade de vida da população urbana e
64

rural, deste projeto, apenas as etapas iniciais foram realizadas a contento, ficando a cargo
da Prefeitura complementar o restante.
Tal projeto previa investimentos na infraestrutura, como a confecção de pontos de
coleta de lixo, com as cores conforme o resíduo, a fim de possibilitar a coleta seletiva,
onde cada tipo tinha destino diverso, assim como também era previsto a construção de uma
usina de compostagem para absorver o lixo orgânico, e um espaço para os coletores de
materiais recicláveis pudessem fazer a seleção e comercialização dos resíduos.
Enfim, o sonho teve curta duração. Os monitores que vieram fazer a capacitação
dos educadores, alunos e da sociedade civil organizada, foram embora, e o projeto ficou
inacabado. A cidade continuou, até o presente momento, a tratar os resíduos sem nenhum
cuidado com o meio ambiente, ampliando o impacto que estes causam ao solo, aos
mananciais de água e ao ar.
Também neste meio tempo, um dos representantes do Poder Legislativo, que fazia
parte da coordenadoria de turismo do município, se levantou contra um ato administrativo
do Poder Executivo, que sem nenhuma autorização do IDEMA, do IBAMA, do próprio
Poder Legislativo, fazendo uso da sua discricionariedade, implantou um lixão na zona rural
do município a sopra vento, no lado leste, e em meio a terras agricultáveis, de modo que,
com o passar dos dias, pelo acúmulo de resíduos no local e pela queima do mesmo, não
tardou a aparecer os primeiros impactos ao meio ambiente. (SAR, 2004)
Sensibilizado com a situação dos moradores circunvizinhos ao novo depósito de
lixo, que mal conseguiam fazer as refeições diárias devido ao excesso de moscas que
vinham do lixão para suas residências, além do mau cheiro, da fumaça da queimada e do
chorume que ameaçava a qualidade da água de alguns poços e pequenos barreiros que
serviam para o consumo doméstico e para os animais, este vereador começou com uma
campanha de conscientização, a começar pela própria Câmara de Vereadores que não
fiscaliza tal empreendimento do então gestor.
Sem sucesso, não conseguindo mobilizar toda a sociedade para o problema, pois
apenas os que moravam mais próximos ao lixão eram os mais atingidos e, portanto, os
mais preocupados, buscou auxílio no Ministério Público, que de pronto recomendou ao
gestor a imediata remoção do lixão da zona rural onde já residia havia décadas,
agricultores que estavam sendo diretamente prejudicados em sua cultura, e também ao
meio ambiente como um todo.
Inconformado com a recomendação ministerial da Promotoria de Justiça, temendo
maiores consequências, o gestor resolveu o problema, criando outro ainda maior.
65

Encaminhou um projeto para a Câmara criando o novo lixão, “batizando-o” com o nome
do vereador ambientalista. E com isso, o município continua a mercê da coleta de lixo de
forma tradicional, desde sua fundação, ou seja, recolhendo-o em carroceria de trator,
caminhão ou em caçamba, destinando todo o lixo produzido pelo município para o mesmo
local, agora situado a sota-vento, no sentido oeste. (MINISTÉRIO PÚBLICO/COMARCA
DE NOVA CRUZ, 2004)
Em face desta realidade, constitui uns dos grandes problemas administrativos,
ambientais e estruturais dos pequenos, médios e grandes municípios, o de darem um
destino adequado a todo o resíduo produzido diariamente e/ou planejarem sua produção de
modo a causar menos impacto ao meio ambiente.
São nos pequenos municípios onde esse impacto ao meio ambiente se dá com maior
intensidade, devido justamente à falta de uma política pública socioambiental que procure
promover um desenvolvimento sustentável, e devido à falta de participação e compromisso
da sociedade.
Nos grandes centros urbanos são gigantescos os problemas decorridos de impactos
ambientais, mas há um maior esclarecimento por grande parte da sociedade. O nível de
conscientização é bem maior, muito embora a consequência oriunda da falta de uma
educação ambiental se veja nas catástrofes quando há uma precipitação torrencial nas
capitais, decorrente da falta de uma política de urbanização que pense nas consequências
da poluição.

5.3 AS CASAS DE FARINHA, O ENFRAQUECIMENTO DA CULTURA DA


MANDIOCA E OS IMPACTOS AMBIENTAIS E SOCIAIS

Antigamente, a economia do município de Passa e Fica dependia exclusivamente da


cultura do algodão, até o final da década de 70 e início da década de 80. Com o advento da
praga do bicudo, houve um decréscimo na produção algodoeira, de modo que na década de
80 as fábricas que absorviam a produção foram fechadas, dentre estas a que era situada no
município de Nova Cruz, a TEKA, de modo que entrou no auge a cultura da mandioca, que
disputava com o algodão, só que em menor potencial econômico. (CAVALCANTE, 2006)
Com a exclusividade do cultivo da mandioca, ao lado das culturas tradicionais do
milho e do feijão, surgem as casas de farinha em escala industrial, pois antigamente
somente existiam as casas de farinha familiares. Alguns agricultores se destacaram como o
66

pai da pobreza por dar oportunidade de trabalho para quem não tinha terra para cultivar,
mas sim, apenas a força da mão-de-obra. Assim, Passa e Fica entrou para o competitivo
mercado regional na fabricação da farinha de mandioca, disputando com o Município de
Brejinho, que até hoje continua sendo o município conhecido pela qualidade de sua
farinha. (CAVALCANTE, 2006)
No entanto, com a cultura da mandioca em grande escala, surgiu também o
problema da degradação da flora, através das queimadas das matas da região para o cultivo
da terra, para a pecuária e para o abastecimento das casas de farinha com lenha, pois em
sua maioria, as casas de farinha ainda eram artesanais e os fornos eram à lenha, muito
embora as mini-indústrias de farinha situadas na cidade já funcionavam com fornos
elétricos e máquinas que substituíam o trabalho manual na moenda.
Com o passar do tempo, o baixo preço da mandioca desestimulou os agricultores,
que começaram a vender seus produtos para outros municípios. Também as intempéries do
tempo, marcado por longos períodos de estiagem, fizeram com que os agricultores
produzissem apenas as culturas de subsistência, como o milho e o feijão, e a mandioca
perdeu um pouco do seu apogeu. O comércio foi crescendo, à medida do crescimento
demográfico e urbanístico. As pessoas começaram a depender mais do poder político local,
vivendo de subempregos na prefeitura. (STR DE PASSA E FICA, 2005)
Com o crescimento demográfico, devido à chegada de água encanada no município,
através da política de adutoras, denominadas Adutoras Monsenhor Expedito, que trouxe
água para os municípios da Lagoa do Bonfim para a região agreste e trairí do Rio Grande
do Norte, e também devido às políticas habitacionais dos gestores que passaram por este
município, que ofereciam terrenos, materiais de construção e até mão-de-obra para os
novos munícipes oriundos de outras regiões do Estado e até da Paraíba, isto em troca de
votos, na maioria dos casos, fez com que aumentasse a pobreza pela falta de perspectiva de
emprego e renda. (PREFEITURA MUNICIPAL DE PASSA E FICA, 2004)
Mas para sanar um pouco a problemática da falta de emprego e renda que surgiram
no município algumas iniciativas privadas que implantaram pequenas e médias indústrias,
tanto no ramo de estofados, confecções, tijolos e pré-moldados, serigrafias e oficinas
mecânicas. E sabe-se que com o advento destas vêm também os impactos causados ao
meio ambiente. E o que não se vislumbra neste município é uma preocupação com estas
atividades econômicas por demais impactantes. Sequer existe um conselho do meio
ambiente, nem sequer uma secretaria. Como foi dito acima, os conselhos municipais que
67

existem são apenas de fachada, sem efetividade, e muito menos as secretarias criadas para
auxiliarem na administração pública.
Um exemplo disto é a Secretaria da Agricultura que existe no papel há muito
tempo, mas não existia secretário nomeado para assumir tal cargo. Somente nos últimos
dois anos é que fora nomeado um secretário, engenheiro agrônomo, que está mais para
dirigir a EMATER, órgão do Estado, do que propriamente secretariar o município no
âmbito rural. (EMATER, 2005)
Por fim, como não há políticas voltadas para as atividades rurícolas, que no passado
era quem ditava o ritmo da economia do município, a agricultura e a pecuária vão sendo
tocadas de maneira desorganizada, sem o cuidado que o meio ambiente necessita, pois não
cessam de ocorrer queimadas nos campos, desmatamento de vegetação nativa e,
consequentemente extinção de espécies da fauna.
Há também o uso inadequado e inadvertido de agrotóxicos nas propriedades rurais
por parte dos que nela labutam, sejam estes proprietários, arrendatários, meeiros ou
comodatários. Sem sabê-lo acabam por comprometer a qualidade dos alimentos produzidos
e também fragilizando o solo com o manejo sem técnicas. Como a maioria dos
trabalhadores rurais cultiva a terra em regime de economia familiar, a falta de informação
acaba por acarretar situações lastimáveis no rendimento da produção, cada vez mais
escassa pelas intempéries do tempo e pela degradação do solo marcada pela erosão do
mesmo.

5.4 A PRESERVAÇÃO CULTURAL NO MUNICÍPIO DE PASSA E FICA

É importante frisar que até mesmo a cultura local passa por um processo de
extinção, pois no passado havia manifestações das tradições populares, como o pastoreio, o
bumba-meu-boi, o mamolengo, as quadrilhas juninas que faziam menção aos elementos
naturais da fauna e da flora.
Havia então a velha tradição das pessoas que costumavam se reunirem nas calçadas
e alpendres para contar histórias, onde ali, naquela ocasião, o saber popular era passado de
geração pra geração, o que, infelizmente, hoje não ocorre mais. No entanto, ainda se vê os
mais velhos reunirem-se nos bancos de praça contando seus “causos” e anedotas, ou
mesmo pra falar da vida alheia, nas famosas “rádio peão”, nas reuniões dos homens, e
“rádio peoa” nas reuniões das mulheres. Mas aquelas estórias, anedotas e bate-papos
68

descontraídos que tinham conteúdos sadios, pois passavam ensinamentos para os mais
jovens estão desaparecendo com os que vão morrendo. (ORLANDO RODRIGUES, 2004)
A cada dia, quando morre um idoso, a tristeza invade as ruas da cidade de Passa e
Fica e penetra nos corações daqueles que têm sensibilidade e fome de saber, pois a
sabedoria e a experiência dos mais antigos vão embora com ele. É justamente para resgatar
estes preciosos berços de cultura e história vivas que infelizmente falta, por parte dos
administradores, uma política pública destinada ao amparo dos mais idosos.
O que se vê, na verdade, são programas sem um objetivo claro e definido, como é
popularmente chamado o “forró da peia mole”, onde os idosos do lugar frequentam
periodicamente para se encontrar dançarem, jogarem cartas, merendarem e, às vezes,
passearem, mas não se vislumbra uma preocupação em documentar o que cada um tem de
experiência de vida. (ORLANDO RODRIGES, 2004)
Os jovens têm apenas um reflexo desta cultura local devido a um trabalho pioneiro
de um arquiteto que trabalhou para a prefeitura, o mesmo que compunha a coordenadoria
de turismo. Ele montou um grupo para-folclórico denominado MACAMBIRAIS, fazendo
menção à uma vegetação nativa da região. (SECRETARIA MUNICIPAL DE TURISMO
DE PASSA E FICA, 2005)
Teatro e dança também forma o cenário cultural do município. O grupo teatral
Macambirais é uma companhia de dança e cultura popular, criada em 2001, que utiliza
elementos do folclore nordestino para apresentar suas danças e peças teatrais. O tradicional
forró pé-de-serra, o coco-de-roda, cirandas, maracatus, araruna, caboclinhos, entre outras
danças são apresentados pelo grupo fazendo algumas adaptações.
O grupo também apresenta dramas, cânticos de romanceiro e autos populares. O
organizador do grupo confessa que o único objetivo era criar uma opção cultural para os
visitantes da Pedra da Boca. Porém, com o tempo, foi se percebendo que aqueles garotos
tinham um grande potencial artístico e poderiam ser mais bem aproveitados dentro do
projeto de valorização cultural do município.
O grupo expandiu as atividades desenvolvidas inicialmente e terminou sendo parte
do Projeto Macambirais, ONG criada em 2003 para educar, qualificar e desenvolver um
projeto de inclusão social para a criança e adolescente. O espetáculo “Nordeste Vivo”, uma
mostra de 32 danças, tem sido apresentada em diversos Estados brasileiros. Um grande
passeio cultural pelas mais variadas manifestações populares e que melhor caracterizam a
alma cultural norte-rio-grandense.
69

A Companhia Macambirais foi o único grupo potiguar na Festa do São João do


Nordeste, realizada no Anhembi, em São Paulo, e do Pernambuco em Concerto, em Recife.
As danças do Macambirais foram apresentadas também nas feiras do “Brasil Mostra
Brasil” em João Pessoa, e na FIART, em Natal. Os dançarinos permanecem no
Macambirais até completarem 21 anos. (cf. site da Prefeitura Municipal de Passa e Fica).
(SECRETARIA MUNICIPAL DE TURISMO DE PASSA E FICA, 2005)
Mas, voltando para as espécies que formam o bioma do município de Passa e Fica,
segue um levantamento feito através de entrevistas concedidas por alguns idosos, na faixa
etária que variam entre 60 e 100 anos. São pessoas que viram Passa e Fica nascer, e
também testemunham seu crepitar, pois aquele povoado pacato, onde se podia dormir com
as portas abertas se perdeu no tempo.
Por questões práticas, há de citar os nomes comuns conhecidos pelos antigos
moradores do lugar, a maioria deles oriundos da zona rural, vivendo hoje na “rua” como os
mesmos gostam de chamar o espaço urbano. No entanto, vale localizar e citar os seus
nomes científicos para fins acadêmicos.

5.5 BIODIVERSIDADES: A FAUNA E A FLORA DO MUNICÍPIO DE PASSA E FICA

A vegetação é composta por espécies do bioma caatinga e matas serranas;


caminhando pela área marginal do município, principalmente às margens do Rio
Calabouço, observa-se a presença do xiquexique, da coroa de frade, mandacaru, facheiro,
dentre outras cactáceas típicas das regiões semiáridas, além do umbuzeiro, juazeiro e
oiticica, adaptados a conviver com os longos períodos de estiagem. A fauna da região é
formada por felinos, roedores, marsupiais, aves e répteis, que podem ser encontrados ao
longo das caminhadas.
Quem nasceu há mais de três décadas já deve ter notado que algumas espécies de
animais e de vegetais já não fazem mais parte da paisagem natural passafiquense, a não ser
nas telas de uma artista plástica da cidade, conhecida pela alcunha de “Ninha Braúna”.
Inclusive, o sobrenome desta pintora “braúna”, é nome popular de um tipo de vegetal que
existia na região e que hoje quase não mais existe: trata-se da Ibiraúna, sf (tupi
ymbyrá=pau + uma=preto) Bot V baraúna. (GOOGLE.COM)
Moradores mais antigos falam tanto em vegetações quanto em animais das mais
variadas espécies que hoje não existem mais na região. Infelizmente é o resultado do
70

progresso que chegou aos pequenos municípios do agreste potiguar, que trouxe consigo
suas consequências. Não se vê mais certas árvores, nem certos animais rasteiros, nem aves.
Os mais jovens sequer têm ideia do que existia até pouco tempo atrás.
A fauna e flora são recursos naturais que juntos proporcionam ao homem inúmeros
benefícios, sendo responsáveis diretos pelo equilíbrio e manutenção dos ecossistemas,
constituindo parte importante do conjunto definido como biodiversidade.
A flora é o principal agente da cobertura vegetal do solo, auxiliando também no
processo de evolução e manutenção, além manter agradável às condições climáticas e
fornecer alimentos aos seres vivos.
A fauna por sua vez mantém com a flora uma relação de sobrevivência, retirando
da flora o seu alimento e em troca proporciona o desenvolvimento da flora e a manutenção
da mesma, ajudando a diversificar os tipos de cobertura vegetal ao longo da formação do
ambiente onde se abriga.
As espécies da flora identificadas na área da micro bacia do Rio Calabouço estão
descritas respectivamente por nomenclatura popular, nome científico e família, que segue
abaixo:
Micro bacia do Rio Calabouço: Espécies vegetais
NOME POPULAR NOME CIENTÍFICO FAMÍLIA
Angico Piptadenia peregirna Leguminosae
Aroeira Astronium urundeuva Anacardiáceae
Algaroba Prosopis juliflora Mimosaceae
Catolé Syagrus comosa mart Palmae
Gameleira Ficus spp Anacardiáceae
Jatobá Hymenaea courbaril Leguminosae
Jenipapo Tocoyena brasliensis mart Rubiaceae
Juazeiro Ziziphus joazeiro Ramnáceae
Jucá Caesalpina férrea Leguminosae
Jurema Mimosa acustitipula Leguminosae
Jurema preta Mimosa hostillis Leguminosae
Jurema branca Pithecolobium foliolosum Leguminosae
Macambira Bromélia laciniosa Bromeliáceae
Mandacaru Cereus jamacaru Cactáceae
Mororó Bauhinia cheilanta Leguminosae
71

Mofumbo Combretum leprusum mart Leguminosae


Mulungu Erythrina velutina Combretaceae
Pitomba Talisia esculenta radlk Sapindaceae
Xique-xique Pilosocereus gounellei Cactáceae
Coroa-de-frade Melocactus bahiensis Cactáceae
Fonte: RADAMBRASIL, 1981. Espécies identificadas no campo, 2008.
Os recursos faunísticos da área da micro bacia do Rio Calabouço constituem-se de
espécies bem conhecidas e de pequeno porte, como mamíferos, répteis e aves, além de
algumas espécies de invertebrados como abelhas, escorpiões, cupins, formigas, moscas,
aranhas, maribondos, grilos entre outros.
Micro bacia do Rio Calabouço: Espécies de Fauna
NOME POPULAR NOME CIENTÍFICO
Timbu D. Paraguayensis
Gato-do-mato Brasiliensis amaz. BA zool.
Preá Cavia aperea
Morcego Lat. Murerato
Raposa Dusicyon vitulus
Tatupeba Euphractus sexcinctus
Mocó Kerodon rupestris
Anum branco Crotophaga ani
Anum preto Guira guira
Pardal Passer domesticus
Periquito verdadeiro Brotogeris sactithomae
Papa-capim Sporophilia nigricollis
Galo-de-campina Brasiliensis zool. V. Cardinalis
Tejuaçu Tupinambis teguixim
Cobra-coral Elapídea micrurus
Lagartixa Liolaemus occipitalis
Cobra-cipó Acutimboia
Fonte: RADAMBRASIL, 1981. Espécies identificadas no campo, 2008.
72

5.5.1 PARQUE ESTADUAL DA PEDRA DA BOCA

Quando se trata da fauna e da flora do município de Passa e Fica faz-se referência


ao vale do Rio Calabouço por ser ainda a região que abriga parte das espécies nativas ainda
existentes, isto porque em fevereiro de 2000, a partir do Decreto Estadual nº 20.339 é
criado fora criado o Parque Ecológico da Pedra da Boca às margens do Rio, que faz divisa
com os Estados do Rio Grande do Norte e Paraíba.
A 130 km de Natal/RN, processos geológicos vêm transformando rochas de granito
em atrativo turístico. Uma série de fatores abióticos, ao longo de milhares de anos, tem
contribuído para dar curiosas feições às rochas na divisa da Paraíba com o Rio Grande do
Norte. Rochas com formas de carneiro, gavião, caveira e uma boca chamam a atenção e
atraem cada vez mais visitantes. (CAVALCANTE, 2001)
Embora situado no município de Araruna/PB, o Parque tem como principal via de
acesso o município de Passa-e-Fica/RN. Com 157 hectares, possui um belíssimo
patrimônio geológico, repleto de cavernas, inscrições rupestres, rochas com agarras
naturais e as mais diferentes formações rochosas, ideais para a prática de ecoturismo e
esportes de aventura. O parque também é palco de estudos científicos, sendo frequentado
por pesquisadores de diversas instituições e lugares com o objetivo de estudar a fauna e a
flora típica da caatinga de altitude.
Na entrada do Parque situa-se a casa do guia local (Seu Tico), que conta com
infraestrutura para camping, restaurante e banheiros. O restaurante oferece café da manhã,
almoço e jantar excelentes por um bom preço. A área de camping conta com
estacionamento, banheiros com chuveiro e iluminação. De acordo com a disposição e o
preparo físico do visitante escolhe-se a o atrativo a ser visitado. Entre os principais
atrativos do lugar estão a própria pedra da boca (2hs), a pedra da caveira (20min.), a pedra
do RN (1h), as cavernas (3hs) e a trilha do gemedouro (5hs). No decorrer das trilhas, o guia
nos ensina algumas curiosidades sobre a fauna e a flora local. (SECRETARIA
MUNICIPAL DE TURISMO, 2006)
O lugar mais procurado é a área de camping no terreno de Seu Tico. A estrutura é
simples e não oferece muito conforto, mas é o local mais perto do parque (fica cerca de
200m do local de início da subida para a Pedra da Boca). Possui banheiros – banho,
sanitário e uma palhoça com piso regularizado abaixo para armar as barracas. Fora dessa
palhoça também é possível acampar, mas as barracas ficam expostas a sol intenso. Você
pode contratar as refeições na casa de Seu Tico bem como comprar água e refrigerante. O
73

inconveniente é que não há controle de quem entra e moradores da redondeza frequentam a


área do camping com som alto e bebedeira. (CAVALCANTE, 2001)
Constitui aí uma falta da atuação das autoridades constituídas com uma política
pública voltada para as questões socioambientais, pois a falta em investimentos,
principalmente em material humano para a conservação e preservação do meio ambiente
faz com que obras como essa do Governo da Paraíba, que criou este parque com o intuito
de atrair o turismo de aventura e o turismo religioso, comprometa a integridade do
ecossistema da região.
Infelizmente, não são os turistas oriundos de outras partes do país, ou até mesmo de
outros países que causam impacto ambiental, mas sim os próprios habitantes
circunvizinhos, como os de Passa e Fica, Campo de Santana (PB), Araruna (PB), Serra de
São Bento (RN), Gameleiras (RN), que por falta de educação depredam a natureza com
suas práticas e atitudes antiecológicas.
É preciso esclarecer que grande parte da população que hoje vive em solo urbano
do município de Passa e Fica é oriunda das terras do Calabouço, que hoje é propriedade do
prefeito, mas que pertence à sua família há mais de 40 anos. Então muitos dos que vivem
na cidade já viveram nas terras onde agora é o Parque Ecológico da Pedra da Boca.
Embora este parque esteja em território paraibano, apenas o Rio Calabouço separa os dois
Estados, de modo que os moradores conviviam com a natureza, sem causar-lhe tanto
impacto, como vemos nos dias atuais, pois é comum ver vestígios de falta de educação
ambiental quando visitamos as cavernas e as trilhas do Parque, e presenciamos pichações e
lixo por toda parte.
Destes cidadãos passafiquenses alguns ainda cultivam a terra, na condição de
arrendatários. Mas o proprietário é um grande latifundiário, que antes mesmo que os
agricultores concluam a safra, seu gado é solto nas terras devastando tudo. Infelizmente, as
pessoas aceitam isso com certa passividade. E onde havia grandes matas, como é o caso da
montanha denominada “Serra dos cocos”, que ficou assim conhecida por haver pés de
catolé, e que hoje não existem mais. Todas as montanhas, serras e serrotes estão nus, pois
são reservados para os antigos moradores da Fazenda Calabouço os cultivar.
Então eis uma das razões para o desaparecimento da fauna e da flora da região.
Caçadores, agricultores e pecuaristas vasculham o resto de mata nativa a procura de lenha,
aves e animais silvestres, limpando toda a área para deixá-la pronta para o uso da pecuária
de grande porte. Depreende-se daí que muitas espécies de aves répteis, animais e plantas já
se extinguiram na região e muitos estão com dias contados para também serem extintos.
74

Dos animais, o mais afetado será o próprio ser humano, grande responsável pela situação
em que se encontra nosso planeta.
Menos mal que surgiu este empreendimento do Governo do Estado da Paraíba que
criou este Parque Ecológico, pois tanto os animais quanto as plantas nativas estão sendo
preservados, na medida do possível. (CAVALCANTE, 2001)

5.5.2 – A CAÇA PREDATÓRIA E COMÉRCIO DE ANIMAIS SILVESTRES

Um dos problemas mais acentuados que estão provocando a extinção da fauna da


região agreste potiguar, onde se situa o município de Passa e Fica é o da caça
indiscriminada de animais silvestres, tanto para o consumo humano, como para o
comércio. É comum se ver nas feiras livres o comércio de aves silvestres, como o galo de
campina, o azulão, o bigode, o papa-capim, a sabiá, o rouxinol, a pega, dentre outras
espécies que estão na lista dos animais em extinção. Algumas espécies desapareceram
justamente pela devastação da vegetação, donde o habitat natural destes animais não mais
existe. (GERALDO BEZERRA, 2008)
Neste contexto, não se deve responsabilizar somente as autoridades constituídas,
mas também a sociedade que é corresponsável por este crime devido sua omissão em não
denunciar estas práticas a quem de direito. Infelizmente, constata-se certa omissão do
Ministério Público que se acomoda no princípio da inércia e não procura conscientizar a
população dos seus deveres e de sua responsabilidade para com o meio ambiente.
Também o Poder Judiciário, que legitimamente apoiado no princípio da inércia,
nada faz sem antes ser acionado. Não existe sequer um processo tramitando na comarca
sobre questões ambientais, muito menos alguma condenação por crime ambiental. E veja
que não são poucos os crimes ambientais praticados todos os dias tanto pelos cidadãos
como pelos órgãos administrativos, representados pelos gestores. É comum o comércio de
animais em lojas de ração de procedência duvidosa. Nas lojas do ramo é mais comum
ainda a venda de viveiros, gaiolas, bebedouros e comedouros para as aves silvestres, bem
como a ração apropriada para os animais. E nas residências, também é fácil perceber que
ali tem criador de animais silvestres pela grande quantidade de gaiolas penduradas nos
telhados, ou fixadas nas paredes e alpendres. (ORLANDO RODRIGUES, 2006)
75

6 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: Uma luz no final do túnel

A legislação brasileira, como foi analisado supra, produziu diversos instrumentos


para que a sociedade participasse diretamente das decisões que norteiam seu destino.
Como meio de exercer a democracia de maneira mais participativa, serão explicitadas
algumas dicas para que a sociedade possa exercer o controle social das políticas públicas.
A primeira providência que o cidadão deverá tomar, para exercer com eficácia e
eficiência seu controle social é Formalizar (por escrito e protocolizada) solicitação ao
governante para que coloque à sua disposição para consulta as prestações de contas
(aí incluído todos os documentos das receitas e despesas, como extratos bancários,
notas fiscais, processos licitatórios etc) de sua administração, invocando, para tanto, os
preceitos da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Caso não
seja atendido, solicite que a negativa também seja formalizada, e requeira, juntando o
pedido e a negativa, ao Ministério Público que acione o Poder Judiciário para fazer valer o
ordenamento jurídico pátrio.
Deverá também acompanhar mensalmente os valores repassados pelo governo
federal a título de transferências constitucionais e legais (FPM, FPE, SUS, FUNDEF e
outros) e de transferências voluntárias (convênios, acordos, ajustes, contratos de
repasses) para o Estado ou Município.
Na listagem de convênios e contratos de repasses, verificar se os seus objetos
(construção de escola, de posto de saúde, de ginásio esportivo, de estradas vicinais, de
mercado público, de matadouro etc., eletrificação rural, perfuração de poço, aquisição de
veículos, de merenda escolar, de carteiras escolares etc.) foram ou estão sendo executados.
Se conseguir acesso às notas fiscais de despesas, deverá verificar a existência, de
direito e de fato, das empresas fornecedoras dos bens e serviços em listas telefônicas,
visitando o endereço indicado nas notas fiscais, verificando a regularidade do CNPJ.
Consultar na Junta Comercial a data do início das atividades das empresas e os seus
titulares. Verificar a existência, de fato e de direito, da gráfica emissora da nota fiscal.
Verificar se a data de autorização para a impressão da nota fiscal (AIDF) é compatível com
a data de emissão da mesma nota.
No caso de obra e/ou serviço de engenharia, descobrir a empresa executora,
investigar se os operários são contratados, com carteira assinada, pela mesma empresa.
Verificar também se a obra foi registrada no CREA e no INSS.
76

Em anexo, estão elencados algumas leis constitucionais e infraconstitucionais que


servem de fundamentos para que a sociedade civil organizada (SCO) possa exercer o
controle social, fazendo valer os seus direitos, sem a pretensão de usurpar o poder de
nenhuma autoridade constituída, uma vez que esta sociedade, através dos conselhos
comunitários, associações, cooperativas, entidades sociais, como as igrejas, com a parceria
imprescindível do Ministério Público, tem o dever de fazer valer a lei, zelando para que
tudo seja executado em conformidade com a mesma.

6.1 O ESTADO SOCIOAMBIENTAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS: OS CONSELHOS


MUNICIPAIS ESTÃO A SERVIÇO DO ESTADO OU DA SOCIEDADE CIVIL?

No município de Passa e Fica existem vários conselhos que atuam conjuntamente


com o Poder Público para a execução de políticas públicas. Estes conselhos são criados por
leis municipais, e são compostos de cidadãos representantes de entidades sociais,
associações e do Poder Público, nas esferas do Executivo e Legislativo.
Em face de tudo o que foi visto acima, adentrar na seara dos conselhos municipais é
mais que necessário, tendo em vista que são a expressão real da sociedade civil organizada,
com poder de participação, com voz e vez nas deliberações do governo municipal. Mas até
que ponto a sociedade civil organizada é bem representada por estes conselhos paritários?
É o que será analisado a seguir.
Como já foi ventilado supra no município de Passa e Fica existem conselhos
municipais, criados oficialmente por lei, por iniciativa do Poder Executivo e aprovado pelo
Poder Legislativo, mas como se sabe, a sociedade civil somente toma ciência disto quando
tudo já está devidamente decidido, estruturado, esquematizado.
Os conselhos constituídos por lei são: O Conselho Municipal de Direito da Criança
e do Adolescente, O Conselho Municipal de Saúde, O Conselho do Fumac, O Conselho
Tutelar.
São integrantes destes conselhos municipais representantes do Poder Público
Executivo e Legislativo, representantes de associações, Sindicato Rural e Igrejas Católicas
e Evangélicas, que são indicados pelos respectivos órgãos ou entidades, com exceção do
Conselho Tutelar, o qual seus membros são eleitos pelo voto direto da população apta para
votar.
77

Infelizmente, a prática mostra que, em sua maioria, tanto as indicações, como as


eleições para a composição destes conselhos sofrem a ingerência do poder executivo, que
não quer ter problemas nas deliberações e execuções dos projetos que nem sempre
atendem aos anseios e necessidades da comunidade.
Somente para ilustrar, numa determinada eleição para escolha dos membros do
Conselho do Fumac, que tem por escopo realizar projetos com recursos do antigo PAPI
(Programa de Apoio aos Produtores), hoje conhecido pela sigla PDS (Programa de
Desenvolvimento Social), recursos estes oriundos do Banco Mundial, que tem a tutela do
Conselho Estadual para acompanhar a implementação destes projetos sociais, foram
reunidos todos os representantes de associações comunitárias, representantes do Sindicato
Rural, representante das Igrejas e representantes do Poder Público. (SAR, 2004)
Na ocasião, antes de começar a votação para determinar quem iria compor tal
conselho, pois o número era limitado, o prefeito do município chegou ao recinto e
determinou que as pessoas votassem na pessoa que ele indicara para ser o presidente do
Conselho do Fumac, que era pessoa ligada ao Executivo. Primeiramente, ele determinou
quais as associações que teriam assento no referido conselho e, logo em seguida, apontou
seu nome preferido.
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais apoiou o representante indicado pela Igreja
Católica, que se prontificou a concorrer ao encargo de presidir o Conselho do Fumac.
Como resultado, este candidato obteve apenas dois votos, o da Igreja e o do Sindicato, ao
passo que o candidato indicado e apoiado pelo prefeito obteve 90% dos votos.
Outros conselhos, que foram formados apenas por indicação dos representantes
majoritários, como o Conselho Municipal de Saúde e o Conselho Municipal de Direitos da
Criança e do Adolescente, o próprio prefeito indicou os representantes do Sindicato e da
Igreja sem a anuência do Presidente da Entidade Rural nem do Pároco da cidade.
E, com o passar do tempo, nas reuniões para a escolha dos projetos para o
município com os recursos do Governo Federal e Estadual, sempre prevalecia a vontade do
chefe do executivo, pois entendia o mesmo que suas ideias eram as melhores para o
município.
Outro exemplo desta ingerência do Poder Público na Sociedade Civil organizada
foi a da eleição de um projeto, em que certa comunidade rural queria adquirir um trator
com carroção e grade de arado para ser utilizado no corte de terra, o prefeito conseguiu,
com sua influência sobre os membros do Conselho do Fumac, que o trator viesse composto
78

com uma retroescavadeira. A maioria dos conselheiros acatou a opinião do prefeito e foi
feita a aquisição.
Até hoje, este veículo está a serviço da prefeitura servindo inicialmente para
realizar as obras de drenagem e do saneamento básico da cidade, do espaço urbano
especificamente. Depois fora utilizado para cavar açudes e barreiros na propriedade
particular o administrador.
Outro projeto em que houve desvio de sua finalidade, foi de uma outra comunidade,
que necessitava de uma debruadeira de grãos, ao passo que este equipamento foi parar em
outro município, a serviço de particulares. (EMATER/RN, Projedo de Combate à Pobreza
Rural)
Vários foram os projetos realizados no município em que não foram levados em
consideração as necessidades e anseios prioritários das comunidades, tendo em vista que os
conselhos, uma vez que eram compostos por pessoas ligadas ao Poder Público, que
mantinham vínculos com a prefeitura através de subempregos contratados, sempre
optavam por aprovar projetos que atendiam aos desmandos do poder executivo.
Neste ínterim, o Poder Legislativo mantinha-se inerte, pois a câmara era sempre
composta por maioria a favor do executivo. A bancada de oposição era sempre em minoria
esmagada, sem voz nem vez. Os vereadores, ao invés de fiscalizar, apenas corroboravam
com os interesses do chefe do executivo. É certo que, em alguns casos, a população era
atendida em suas necessidades, mas como é praxe em todos os municípios pequenos, existe
sempre uma classe privilegiada em detrimento da maioria que vive sempre à margem das
benesses.
Se não havia fiscalização por parte do Poder Legislativo, que sempre legislava em
favor do Poder Executivo, ou melhor, fazia apenas assinar o que o prefeito ordenava a
população por sua vez não tinha sequer a capacidade de questionar certos absurdos que
acontecia no município.
E o Poder Judiciário, onde estava? E o Ministério Público, o que fazia? Justamente
a ausência de controle jurídico e social fazia com que o município crescesse
demograficamente, mas econômico e socialmente decrescesse. Não havia mercado de
trabalho para todos, ao passo que a população ia inchando devido à chegada dos recursos
hídricos através do sistema de adutoras, oriundas da Lagoa do Bonfim.
79

6.2 A ATUAÇÃO DO SAR E A RESISTÊNCIA À MUDANÇA DE MENTALIDADE


No ano de 2004, o Serviço de Assistência Rural, mais conhecido pela sigla SAR,
um órgão representativo e organizador de práticas sociais da Arquidiocese de Natal que
tem por missão desenvolver estudos dos problemas de base da região, despertar as
populações dos municípios para os seus problemas e aproveitamento de recursos da
comunidade, contato das autoridades com os agricultores, proporcionar atividades
recreativas no meio rural, dar apoio técnico ao meio rural, veio ao município de Passa e
Fica para realizar trabalhos na área social junto aos movimentos pastorais da Igreja e com
toda a Sociedade Civil organizada. (SAR, 2004)
Partindo de um estudo social realizado pela Pastoral da Criança da Arquidiocese de
Natal, que detectou a realidade fatídica de que oito municípios da região agreste como
trairí estariam abaixo da linha de pobreza, e dentre estes municípios estava Passa e Fica, o
SAR (Serviço de Assistência Rural) chegou ao município com a missão de despertar a
consciência da população quanto à sua realidade sofrida e buscar junto a ela soluções para
reverter o quadro social em que se encontrava.
A partir dos primeiros contatos com a comunidade, o SAR organizou um seminário
cujo título era bastante sugestivo: “A vida em nossas mãos”. Este seminário surtiu vários
efeitos positivos, que culminou com uma audiência pública, que contou com a presença do
Ministério Público da Comarca de Nova Cruz e demais autoridades locais constituídas.
(SAR, 2004)
Depois desta audiência, os trabalhos do SAR no município de Passa e Fica foram se
intensificando, pois nesta audiência se constatou as possíveis causas para que o município
perfilasse o rol dos que estavam abaixo da linha de pobreza. Também se intensificaram as
resistências dos representantes do poder público da cidade, pois como este trabalho do
SAR era de conscientização da população quanto aos seus direitos de cidadão e quanto à
sua libertação de uma realidade de extrema pobreza e exclusão, isto causou certo
desconforto nas autoridades constituídas.
Da vinda do representante do Ministério Público na cidade, fora do contexto de
eleição, pois geralmente se vê Juiz ou Promotor em dia de eleição em que os mesmos têm a
obrigação de visitar todas as secções, os resultados imediatos foram ações movidas na
Justiça contra o gestor do município por improbidade administrativa.
O Ministério Público apurava denúncias e investigava no município algumas
irregularidades na administração, quando surgiu a oportunidade de participar desta
audiência, onde na ocasião ouviu dos populares muitas reivindicações no tocante à situação
80

de pobreza e nas injustiças que aconteciam no município, onde um pequeno grupo de


pessoas ligadas ao sistema de governo era beneficiado enquanto que a maioria da
população vivia mendigando um subemprego. (ORLANDO RODRIGUES, 2004)
Mas, como a população ainda vivia numa mentalidade provinciana, sempre na
dependência econômica do poder vigente, aos poucos os grupos formados pelo SAR, que
se encontravam periodicamente para estudar, realizar atividades culturais, para refletir e
buscar soluções para os problemas da comunidade foram se dispersando, persuadidos pelos
maus políticos do lugar que os ameaçavam cortar algum favor ou benefício.
Certa vez, quando o povo se organizou para ir à Câmara Municipal a fim de assistir
uma seção, alguns vereadores o interceptou no caminho para que não fosse até o prédio
alegando que a seção havia sido adiada para outra data. Inverdade, pois neste mesmo dia
houve seção e foi discutido um projeto que afetaria principalmente aquelas pessoas que
iriam para a câmara.
Depreende-se daí que não é do interesse do poder público constituído que a
população participe ativamente das discussões e decisões, que na maioria das vezes é de
interesse da própria. E o povo vai sendo vencido pelo desânimo e teme promover
mudanças, pois pela sua passividade, acha melhor deixar a realidade como está, para não
se indispor com ninguém, inclusive de quem detém o poder político e econômico.
Diante desta realidade, o SAR foi aos poucos perdendo seu estímulo, pois não
encontrava na população local uma caixa de ressonância no tocante ao despertar para a
cidadania ativa. E mais uma vez o papel da sociedade civil é mitigado pelo comodismo e
resistência à mudança de mentalidade.
A capacitação que o SAR veio trazer para o município era endereçada justamente
aos membros dos conselhos comunitários. Até pra saber quem fazia parte destes conselhos
o SAR teve dificuldade, pois somente através de ofício é que se conseguiu a cópia das leis
que criaram tais conselhos, bem como a cópia da Lei Orgânica do Município, e demais
documentos importantes, pois um dos temas propostos para estudo era o orçamento
participativo, ou seja, o resgate da cidadania ativa. Depois de alguns dias é que a equipe do
SAR e alguns membros dos conselhos municipais, membros de associações e entidades
sociais tiveram acesso a estes documentos. (SAR, 2004)
Na conclusão desta capacitação, foi realizada uma apresentação dos estudos
realizados durante o ano de 2004, na Câmara de Vereadores, a casa do povo, mas nesta
ocasião nenhuma autoridade constituída se fez presente. Infelizmente, no ano seguinte,
estes trabalhos não puderam ser continuados com tanta ênfase, justamente pela falta de
81

apoio do Poder Público e, principalmente, pelo comodismo da sociedade civil. Nos anos
consecutivos, os trabalhos foram ficando pra traz, e o SAR partiu para outras realidades
onde seus serviços eram necessários e imprescindíveis. (SAR, 2004)
Certamente, a missão do SAR no município não foi levada a termo justamente pela
ingerência negativa do poder público local que não aceitou que se veiculasse a situação
real de Passa e Fica, pois em toda imprensa do Estado, veiculava-se sempre que este
pequeno município do Agreste Potiguar era um dos mais promissores, que crescia a cada
dia. É inegável que o município crescia, mas demograficamente e estruturalmente, pois
sendo o gestor um engenheiro a prioridade de sua administração era a construção civil. E
como diz o velho jargão popular: “gaiola bonita não dá de comer a canário”. Fazendo
analogia, o povo continua na dependência econômica, política e ideológica.

6.3 A POLÍTICA AMBIENTAL E O DESTINO DO LIXO DO MUNICÍPIO DE PASSA


E FICA

Como foi visto acima, há alguns anos, foi realizada uma campanha em prol da
educação ambiental envolvendo educadores e educandos para mobilizar a sociedade
quanto á destinação correta dos resíduos produzidos pela população local, tanto da zona
urbana quanto da zona rural.
Este projeto de educação ambiental tinha o objetivo precípuo de mobilizar a
comunidade para a mudança de mentalidade quanto ao zelo pelo meio ambiente, a começar
pela destinação correta do lixo, ou seja, implantando no município a coleta seletiva de
resíduos, implantando a política socioambiental do desenvolvimento sustentável
reutilizando e reciclando os resíduos sólidos inorgânicos e implementando uma usina do
compostagem para aproveitar o resíduo orgânico em prol da qualidade de vida, uma vez
que se eliminam da área geográfica do município os terríveis lixões que só trazem
transtornos e impactos irreparáveis ao meio ambiente. (ESCOLA ESTADUAL
DEPUTADO DJALMA ARANHA MARINHO, 2004)
No entanto, este projeto de educação ambiental foi abortado pelo poder público,
que instalou uns depósitos de coleta seletiva na praça onde funciona a feira-livre e alguns
depósitos próximos ao hospital, mas não implantou a política da coleta seletiva. Todo o
trabalho e esforço dos alunos e seus professores, que mobilizaram a cidade com campanhas
82

de educação ambiental foi prejudicado pela falta de compromisso do gestor, e pelo


comodismo da própria sociedade que aceita tudo com certa passividade.
Ainda hoje, o lixão, que fora removido da região leste para a região oeste do
município, na estrada que liga Passa e Fica ao município de Serra de São Bento, continua a
despejar a podridão do chorume no lençol freático e a fumaça na atmosfera, devido à
queima diária do lixo ali depositado (vide fotos em anexo). (ESCOLA ESTADUAL
DEPUTADO DJALMA ARANHA MARINHO, 2004)
O lixão da cidade localiza-se numa propriedade privada, locada pela prefeitura a
uma família que há muitos anos tem vínculo com a prefeitura, pois quase toda a família é
empregada na instituição pública. Todo o lixo da cidade, recolhido da zona urbana e rural,
é colocado no cimo de uma montanha. Este lixão dista da cidade mais ou menos 2 km e
situa-se bem próximo a mananciais de água doce, onde muitos a utilizam pra o consumo
animal, ou para a pesca artesanal.
Desde sua emancipação, que a destinação do lixo é realizada em caminhões que
recolhe e transporta-o para fora da cidade. Isso é muito comum nas pequenas cidades. Não
vemos sequer um projeto para a construção de usinas de compostagem.
Nas fotografias em anexo, feitas no lixão da cidade, que segundo um projeto de lei
aprovado na Câmara Municipal, não que não fora sancionado pelo prefeito (autor do
projeto), se chamaria “Lixão Vereador Orlando Rodrigues Silva”, vemos que este lixão
continua espalhando a poluição na zona rural do município atingindo diretamente a fauna e
a flora da região. (CÂMARA MUNICIPAL DE PASSA E FICA, 2004)
Se não há coleta seletiva de lixo por parte dos órgãos públicos, há catadores que por
conta própria fazem a separação do lixo orgânico do inorgânico. No entanto, esta seleção
não é feita nas residências, e sim no próprio lixão, como se vê nas fotografias em anexo, as
pilhas de sacos com garrafas pet’s e latinhas, pneus, latões, papelões, etc.
Para realizar esta atividade, como um meio de sobrevivência, estes catadores se
expõem a toda sorte de enfermidades por passar horas a fio recolhendo aquilo que poderá
ser vendido, num ambiente inóspito e hostil onde disputam espaços as moscas e os urubus,
além de insetos e roedores.
Ano após ano não se vê nenhuma solução apontada para resolver este problema da
destinação do lixo. Então nem a sociedade faz o controle social, nem o Ministério Público
e o Poder Judiciário se movem para exercer o controle jurídico de tais ações da
administração pública. Até hoje, não se vê um processo tramitando na comarca por crimes
ambientais, nem de particulares nem de gestores públicos. Até quando os municípios
83

viverão na inércia? A natureza geme, clama e sofre as consequências das ações impensadas
dos seres humanos.
6.4 As experiências positivas e a atuação da Sociedade Civil nas Políticas Públicas
Socioambientais
Ao longo destes anos, acompanhando o trabalho do SAR, que fez um diagnóstico a
partir de estudos feitos pela Pastoral da Criança, movimento pertencente à Arquidiocese de
Natal, que o subsidiou de informações acerca da realidade social de alguns municípios da
região agreste e trairí do Estado do Rio Grande do Norte, que vaticinava estarem estes
municípios abaixo da linha de pobreza devido ao baixo IDH, notou-se que o município em
tela, não obstante à atuação um tanto passiva da Sociedade Civil no planejamento de
execução de políticas públicas, vem apresentando algum sinal de crescimento e
amadurecimento, portanto, demonstrando que houve experiências exitosas.
Apesar da postura passiva de grande parte desta Sociedade Civil, os Conselhos
Municipais vem desempenhando papel importante no desenvolvimento socioeconômico de
Passa e Fica, pois muitos dos projetos oriundos do governo estadual e federal dependem da
existência destes conselhos municipais, bem como de sua participação efetiva.
Os conselhos existentes no município são: O Conselho Municipal de Saúde, o
Conselho Municipal do FUMAC e o Conselho Municipal de Direitos da Criança e
Adolescentes. Cada qual, na sua especificidade, procurou atuar de maneira efetiva para
atender aos anseios da sociedade. No entanto, a falta de formação destes conselheiros não
rendeu os frutos que poderiam render. Mesmo assim, várias foram as ações que ajudaram a
tirar o município da situação calamitosa de estar com um índice de desenvolvimento que
não harmoniza com um município que vem crescendo geograficamente e
demograficamente.
O Conselho Municipal do FUMAC foi o que mais atuou no campo social devido à
sua própria filosofia, que é o combate a pobreza, principalmente na zona rural, onde ano
após ano o homem do campo vem sofrendo com as mudanças climáticas e ambientais que
comprometem a sua cultura laboral. E, no decurso de alguns anos, o município conseguiu
implantar vários projetos, em parceria com o PDS (Programa de Desenvolvimento Social),
do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, assim como também realizou parcerias
importantes com o Governo Federal.
Através de investimentos na área rural, foi possível a implantação de programas de
cisternas, como foi dito acima, ampliação de rede de água e esgoto para algumas
comunidades rurais, que se tornou realidade com o advento do Programa de adutoras,
84

criada pelo Monsenhor Espedito (In Memoriam), cursos de capacitação para agricultores,
pequenos pecuaristas e artesãos.
Com o apoio da Emater, o PRONAF adentrou na vida das mulheres e dos homens
do campo proporcionando-os, em parceria com o BNB (Banco do Nordeste do Brasil),
linhas de crédito para financiar compra de gado leiteiro e de corte, assim como o custeio e
reforma de propriedades, com sistema de amortização de dívida e carência elástica, de
modo a não onerar em demasia a economia familiar.

6.5 FUNDAMENTOS HISTÓRICO, CONSTITUCIONAL, LEGAL E


REGULAMENTAR PARA O EXERCÍCIO DOS DIREITOS DE EXIGIR UM ESTADO
TRANSPARENTE E DO CONTROLE POPULAR DO DINHEIRO PÚBLICO.
Dentre os direitos proclamados pela Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão votada definitivamente em 2 de outubro de 1789, encontramos: “A sociedade tem
o direito de exigir contas a qualquer agente público de sua administração”, e “Cada
cidadão tem o direito de constatar pôr ele mesmo ou pôr seus representantes a necessidade
de contribuição pública, de consenti-la livremente, de acompanhar o seu emprego, de
determinar a cota, a estabilidade, a cobrança e o tempo.”
No Brasil, os direitos, correlatos, de vivermos sob a égide de um Estado
transparente (público) e do controle deste pelo cidadão estão garantidos na Constituição
Federal de 1988.
No artigo 5º, inciso XXXIII, a CF/88 consignou: “todos têm direito a receber dos
órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral,
que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.” Já no artigo 37, a CF/88
prescreveu que a Administração Pública obedecerá ao princípio de publicidade.
No parágrafo 3º do seu artigo 31, a CF/88 prevê que “As contas dos Municípios
ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para
exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.”. Na
letra “d” do inciso VII do seu artigo 34, a CF/88 elencou como princípio constitucional a
prestação de contas da Administração Pública.
No parágrafo 2º do seu artigo 74, a CF/88 asseverou, acerca das contas públicas,
que “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na
85

forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da


União.".
Com fundamento nestes artigos acima descritos, a sociedade civil, através de suas
representações, tem total autonomia para exigir dos administradores a devida aplicação dos
recursos públicos, de forma transparente, obedecendo os princípios constitucionais acima
mencionados, para se atingir a finalidade das políticas públicas, que é a de suster os
cidadãos dos bens e serviços necessários a uma vida digna.
É muito comum ouvirmos as pessoas reclamarem dos políticos que estão no poder,
eleitos por elas mesmas, que não estão cumprindo com seus compromissos assumidos em
período de campanha eleitoral. E a história sempre se repete, a cada dois anos, nos pleitos
para o governo local, estadual e federal, onde situação e oposição, muitas vezes, se
alternam no poder, mas que o ciclo vicioso de desvios de recursos e descaso com a
administração pública permanece inalterado. Mudam se apenas os atores, mas a trama é a
mesma. Falta aos cidadãos, infelizmente a maioria, informação, politização, coragem de
abrir mão das vantagens pessoais para buscar uma transformação social.
No entanto, não faltam esforços por parte de uma expressiva camada da sociedade
para tentar reverter este quadro. Hoje, mais do que nunca, a imprensa tem dado uma
contribuição enorme para que os atos dos administradores sejam colocados ao alcance de
todos, a fim de que seja dado ao povo a oportunidade de fazer seu juízo crítico em relação
ao modus operandi dos seus representantes eleitos. Não se pode mais falar em inocência
por parte da população, inclusive dos iletrados e analfabetos, que hoje tem um
esclarecimento maior. Mas, há de convir que nem sempre se pode confiar plenamente no
que se divulga na imprensa, devido à influência da elite, ou seja, da classe dominante, que
muitas vezes fazem dos meios de comunicação um instrumento de alienação, ao invés de
abrir a mente das pessoas.
A educação seria, portanto, este instrumento ideal para transformar a sociedade,
principalmente a educação ambiental, devido à situação em que se encontra nosso planeta,
“gemendo em dores de parto” (Rm 8,20) como bem lembra o lema da Campanha da
Fraternidade 2011, promovida pela Igreja Católica, convocando toda a sociedade para a
sensibilização e conscientização, e por fim, para a conversão, com o intuito de salvar o
planeta de um colapso global.
Mas sabe-se que a qualidade da educação no Brasil é questionável, uma vez que a
preocupação dos últimos governantes é com a quantidade. Importa ver os cidadãos nas
escolas e universidades, mas que o nível cultural do país não acompanha sua grandeza e
86

importância a nível mundial. Uma vez que se formam cidadãos conscientes dos seus
direitos e deveres, uma vez que se educa para a cidadania e para a consciência ambiental,
será possível ver uma população mais independente, livre e com sabedoria para eleger bem
seus representantes e participar mais ativamente da administração pública, vivendo numa
democracia de fato e de direito. (CNBB/CF2011)
É certo que muito se avançou neste país no sentido de participação democrática,
muito diverso da participação cidadã na Grécia e na Roma antiga, onde apenas os homens
livres podiam decidir diretamente os rumos da cidade (polis). A invenção da política foi
um das maiores que o homem pode experimentar como forma de governo e o regime
democrático provou ser o melhor dos regimes.
Porém, ainda falta para os cidadãos de hoje, principalmente nos pequenos
municípios, um amadurecimento maior. E não é preciso reinventar a roda. As leis que
existem são muito boas e eficazes. É preciso apenas uma correta aplicação. Para que isso
ocorra, cabe a cada cidadão, uma vez em posse do conhecimento dos seus direitos e
deveres, fiscalizar, acompanhar de perto os atos dos administradores, ajudando-os na
elaboração e execução das políticas públicas. Isto não é tarefa fácil, porém possível.
87

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Face ao exposto, pode-se decorrer que o controle social e jurídico depende, quase
que exclusivamente, da vigilância da sociedade civil que tem ao seu alcance os
instrumentos necessários para exercer, com eficiência e eficácia, sua cidadania através da
participação democrática no governo de seu Município, do seu Estado e do País. Além
destes instrumentos legais, temos os órgãos constituídos para esse fim, como é o caso do
Ministério Público, do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas, além dos agentes
fiscalizadores que compõem o Legislativo.
Partindo do conceito originário de política, que se reporta à Grécia e a Roma,
chegou-se ao conceito mais restrito, o de política pública. Foi visto que o modelo de
democracia e de política Greco-romana, embora sirva de base para os modelos atuais,
muito se distingue dos moldes atuais de política e democracia.
O Brasil, geopoliticamente dividido em Estados e Entes federados, está ainda muito
distante de ser um país politizado, pois grande parte de população ainda vive à margem do
acesso a políticas públicas efetivas que transforme este país continental numa grande
potência mundial.
Pleno de riquezas naturais o Brasil continua sendo o país do futuro, apesar de 500
anos de “saques” por parte dos seus dominadores, que ainda hoje continuam usufruindo
indiscriminadamente dos recursos naturais disponíveis. A falta de zelo pela fauna e flora,
pela ausência de cultura e pela fraca educação mantém o país no rol dos países atrasados,
se comparados com alguns países europeus e com outras nações. Isto tem reflexos diretos
nos pequenos municípios, onde a educação não é a prioridade dos governantes. Sendo
assim, a falta de educação infere principalmente na preservação do meio ambiente.
Infelizmente, a maioria da população ainda não sabe distinguir a política pública da
política partidária, apesar dos meios de comunicação que não cessam de passar
informações do gênero. E o acesso aos meios de comunicação de qualidade também é
outro entrave à formação cidadã do povo brasileiro. Os meios de comunicação de massa a
que a população menos instruída tem acesso, em sua maioria, são dominados pela elite
que, para poder auferir vantagens e continuar no topo, manipulam tais meios para manter o
povo alienado.
O conceito de políticas públicas aos poucos vai sendo absorvido pela população
mais esclarecida, mas que constitui uma batalha sem limites contra a ignorância daqueles
88

que preferem cruzar os braços, tapar os ouvidos ou fechar os olhos pra não ver a realidade.
Preferem não se comprometer.
Mas historicamente a nação brasileira vem avançando no espaço político a ponto de
se ver mudanças significativas no campo da legislação, que aos poucos foi colocando ao
alcance das pessoas instrumentos para proporcionar uma participação mais direta e ativa
nos destinos do país, desde o menor e mais pobre dos municípios ao maior e mais
desenvolvido estado ou região do país. A Constituição Federal de 1988 trouxe novos
horizontes para a democracia e política brasileiras ao definir princípios norteadores do agir
de cada cidadão brasileiro.
O município de Passa e Fica, situado na região agreste potiguar, fazendo fronteira
com o Estado da Paraíba, muito jovem, desde a sua emancipação, ainda mantém uma
mentalidade provinciana de modo que parece que a Constituição Federal ainda não foi
sequer conhecida por seus cidadãos. Isto é constatado pela falta de politização dos
passafiquenses, que sequer conhecem a Lei Orgânica Municipal. E o mais escandaloso,
nem mesmo seus representantes no Poder Legislativo a conhecem, sendo uma parte destes
semianalfabetos, ou analfabetos funcionais, que apenas assinam o nome ou tem
escolaridade básica.
A falta de conhecimento daqueles que são escolhidos como representantes do povo
já dá uma amostragem da falta de politização da sociedade passafiquense que ainda não
aprendeu o que significa democracia, nem muito menos distinguir política pública de
política partidária. Infelizmente, a maioria da população vive na expectativa de, a cada dois
anos, viverem o “frevo” das campanhas eleitorais onde vigora o “toma-lá-dá-cá”,
reminiscência do antigo coronelismo, onde o poder econômico prevalece sobre o político.
A sociedade não está muito preocupada com os destinos políticos nem com a
qualidade da administração pública, uma vez que delegam este papel para seus eleitos. O
que a maioria espera é ser atendido em suas necessidades particulares, de modo que o que
é coletivo não é prioritário.
Diante deste cenário, realmente é um desafio implantar políticas públicas dentro
dos moldes dos princípios constitucionais visando à conscientização para a preservação
ambiental, e possível reparação. Não obstante, também se vê alguns sinais de lucidez em
boa parte da população, principalmente na juventude que hoje busca seu espaço,
acreditando que é na educação que está a solução para a maioria dos problemas que afetam
a sociedade. Mas sabe-se que esta luta não é fácil. Infelizmente é a minoria da população
89

juvenil que ainda alimenta um ideal de mundo melhor, e que acredita nas mudanças pela
força da democracia.
O grande desafio dos cidadãos passafiquenses é o de mostrar para o restante da
população que outra via é possível para ver o município crescer, não somente
demograficamente, como vem ocorrendo ao longo de vinte anos, mas principalmente em
qualidade de vida. A via que se acredita é a da educação, a da formação para uma
cidadania ativa, a via da liberdade de consciência. Muito se espera destes jovens
desbravadores que alçam voos altos para terem uma visão global da realidade local.
Ao longo deste trabalho vislumbrou-se que a possibilidade de mudanças de
mentalidade e de postura na sociedade é real, pois os instrumentos para a atuação cidadã no
controle das políticas públicas socioambientais estão ao alcance de todos. Todos os meios
são disponibilizados para que cada cidadão possa reivindicar seus direitos, que muitas
vezes são tolhidos pela má gestão dos recursos públicos.
Uma vez que as associações, os conselhos comunitários, as ong’s e as entidades
religiosas têm em mãos as informações necessárias para lutar pelos seus direitos e por uma
sociedade mais justa, livre, fraterna e solidária, não há que se perder a esperança de que se
pode chegar bem próximo do ideal de democracia, uma vez idealizada e vivenciada na
Grécia antiga e em Roma, como resposta aos desmandos do poder despótico que reinava
na época. O que motiva a sociedade civil para a luta por uma democracia mais participativa
é a constatação de que esse despotismo teima em querer ressurgir.
Além do controle social, exercido diretamente pelos cidadãos, de maneira
organizada e legalmente fundamentada, temos as instituições que desempenham seu papel
de controle jurisdicional delimitando e norteando, pelos princípios constitucionais da
legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da razoabilidade, da publicidade e da
eficiência, os atos administrativos dos que são colocados no topo do poder para servir à
própria sociedade.
O papel do Ministério Público é de suma importância para este controle social e
jurídico por ser uma instituição cujo escopo é o de defender os direitos coletivos e difusos,
atuando como fiscal dos três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, chegando
às vezes, a ser tratado como se fosse o “quarto poder”. Os promotores de Justiça, após a
Constituição Federal de 1988, não são mais meros acusadores, mas se tornaram os grandes
defensores da sociedade, sendo-lhes parceiro na luta por justiça, e justiça social.
Este novo perfil do Ministério Público, tornando-o mais próximo da sociedade, fez
com que sua existência encontrasse sentido na promoção da justiça. No entanto, constata-
90

se ainda certo comodismo por uma grande parte de representantes do Ministério Público
que não se sentem encorajados a sair do gabinete para promover a justiça junto à sociedade
pela falta de aparelhamento estatal.
Ao lado do Ministério Público, o Poder Judiciário também sofreu certa mutação em
termos de postura. É bem sabido que o Estado também não dá o devido suporte a esta
terceira face do poder que emana do povo. Hoje não dá mais pra ficar apoiado no princípio
da inércia para ver as mudanças acontecerem. Esperar pela manifestação da sociedade, ou
pela atuação do Ministério Público é de certa forma contribuir para que a sociedade não
alcance o nível de liberdade e de democracia verdadeira. O Poder Judiciário também tem
que se aproximar do povo, já que este muitas vezes lhe teme. Aproximar o povo do direito
e o direito do povo é o meio mais eficaz de transformar a mentalidade de uma sociedade
provinciana, ainda arraigada ao sistema feudal do medievo.
No tocante à atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário da Comarca de
Nova Cruz, no controle jurídico das políticas públicas, especificamente no município de
Passa e Fica, existem algumas ações tramitando, todas na vara cível, dentre as quais estão
ações de improbidade administrativa, ação civil pública e uma na seara criminal,
envolvendo representantes do executivo e do legislativo, além de funcionários públicos,
todos arguidos por má gestão do erário público. Mas nenhuma ação contra os gestores
dizem respeito a questões ambientais. Infelizmente, não se tem notícias de que algum
gestor tenha respondido processo, julgado e condenado por crime ambiental.
Falta por parte da sociedade civil organizada um trabalho efetivo de fiscalização e
de denúncia de crimes ambientais, ou até mesmo de desmandos na implementação de
políticas públicas. Quando a sociedade despertar do seu sono profundo, talvez as
instituições, que foram criadas para fiscalizar, julgar e punir pelo próprio Estado, cumpram
seu papel de maneira mais efetiva e eficiente.
Enquanto a implementação de políticas públicas socioambientais não forem
acompanhadas de perto pela sociedade civil organizada, enquanto as decisões não forem
tomadas consultando a sociedade, enquanto as instituições legais não atuarem com rigor,
enquanto os recursos públicos forem geridos por pessoas inescrupulosas, sem ética, sem
moral e sem decência, o mundo vai caminhando para o caos.
A natureza sofre as consequências da degradação ambiental causada pela ambição
desmedida dos homens. “A terra é pequena e limitada, se a terra morrer, também
morrerás...” (Pe. ZEZINHO, SCJ). O homem está acabando com sua casa, com sua vida.
Pode parecer piegas, mas a implementação de políticas públicas socioambientais está
91

associado a questões não apenas sociais, mas, sobretudo éticas. E quando se fala de justiça
social, deve-se incluir neste contexto uma postura religiosa, uma vez que amor à natureza
ao próximo e à vida faz parte do rol doutrinário das religiões, e fundamenta os princípios
constitucionais.
Muito embora se viva hodiernamente sob a égide de um regime republicano, onde
há a nítida separação de Estado e Igreja, não se pode prescindir o papel religioso nas
decisões e ações do Estado no que tange às políticas públicas que visam atender às
necessidades da coletividade, quando se busca a igualdade, fraternidade e liberdade como
garantia da pacificação social.
Na formação dos conselhos comunitários paritários a Igreja sempre fez questão de
ter assento, seja no âmbito estadual como no local. Mas apesar de a Igreja, como
instituição milenar, ter influenciado o poder temporal durante séculos, no mundo moderno
cabe-lhe atuar de modo profético, fazendo-se representar por pessoas que têm ideais e um
senso crítico da realidade que o cerca. Mas o poder temporal, desta vez, é quem interfere
no espaço religioso, indicando quem pode ou não representar a instituição religiosa nos
conselhos. É o que acontece no município de Passa e Fica, e nos demais pequenos
municípios dos estados brasileiros.
Então, já não se pode falar em eficiência e eficácia na realização de projetos e
programas que perfazem as políticas públicas socioambientais, pois a ausência da
sociedade civil, representada pelos conselhos comunitários, somado à ausência dos órgãos
constituídos na fiscalização da execução de tais políticas faz com que os gestores desviem-
nas do seu objetivo principal, que é o atendimento aos anseios e necessidades do povo.
Somente uma mudança radical na mentalidade e na postura das pessoas, através da
educação e da politização poderá proporcionar uma transformação da realidade social.
Sabe-se que promover tal mudança não é tarefa fácil, pois infelizmente a corrupção e a
impunidade ainda maculam a política brasileira. As pessoas têm que se conscientizar de
que sua atuação junto aos governantes nas reflexões, deliberações e execuções das políticas
públicas é de suma importância para o desenvolvimento sustentável, tanto em âmbito local
como em âmbito global. Todos são corresponsáveis pela ordem e progresso deste país,
governantes e governados. A cidadania ativa é o modo mais eficiente e eficaz de garantir
uma sociedade justa, fraterna e solidária, onde os atores sociais não sejam meros figurantes
no cenário político e econômico. Que o controle social e o controle jurídico das políticas
públicas socioambientais sejam cada vez mais eficientes, tanto nos pequenos municípios
quanto em todo o país. Que a realidade local se torne espelho para a realidade global.
92

BIBLIOGRAFIA

ARQUIVOS: Prefeitura Municipal de Passa e Fica; Câmara Municipal de Passa e Fica;


EMATER; SAR; Escola Estadual Deputado Djalma Aranha Marinho; Secretaria Municipal
de Educação. Sindicato dos Trabalhadores de Passa e Fica.

BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de Política. 12 ed. Brasília: UnB, 2002. 2V.

BOBBIO, Norberto et al. O Estado, formas de estado, formas de governo. Brasília:


Instituto Tancredo Neves, 1987.

BOBBIO, Norberto et al. Política e ciência política. Brasília: Universidade de Brasília,


1982.

BOBBIO, Norberto. A teorias das formas de governo. 9. ed. Brasília: Editora da UnB,
1997.

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 8. ed. São Paulo: Malheiros,
2007.

BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2007.

CAPPELLI, Sílvia. Acesso à justiça, à Informação e Participação Popular em Temas


Ambientais no Brasil. In: Aspectos Processuais do Direito Ambiental. MORATO LEITE,
José Rubens e DANTAS, Marcelo Buzagio (org.). Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2003.

CAPPELLI, Sílvia. Atuação Extrajudicial do MP na Tutela do Meio Ambiente. Revista


do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul nº 46, p. 230.

CASAGRANDE, Cássio. Ministério Público, ação civil pública e a judicialização da


política – perspectivas para o seu estudo. Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. I, n. 3,
p. 21-34, abr./jun. 2002.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, SP. 14ª edição. Editora Ática, 2010.

CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. São Paulo, SP. 1ª edição. Editora Ática, 2011.
93

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. Jurídico Atlas, São
Paulo, SP, 2005.

FARIAS, Talden. Introdução ao Direito Ambiental. Belo Horizonte; Livraria Del Rey,
2009.

GOMES, Luís Roberto. O Ministério Público e o Controle da Omissão Administrativa: O


Controle da Omissão Estatal no Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente, doutrina – prática – jurisprudência – glossário, 1.


ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MORAES, ALEXANDRE DE. Direito Constitucional. 18ª ed. Editora Jurídico Atlas, São
Paulo, SP, 2005.

PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Controle Judicial da Administração Pública. Belo


Horizonte. Ed. Fórum, 2006.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. Porto: Afrontamento, 1994, p. 42.

SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). Estado Socioambiental e Direitos


Fundamentais / Andreas J. Krell ... [et al.]; Porto Alegre; Livraria do Advogado Editora,
2010.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed. Editora
Malheiros, São Paulo, SP, 1997.

SOARES,Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

TEIXEIRA, E. C. O local e o global: limites e desafios da participação cidadã. Editora


Cortez, São Paulo, SP, 2001.

WEBER, Max. Ciência e Política duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1967.

S-ar putea să vă placă și