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CONCEITOS BÁSICOS DE CIÊNCIA POLÍTICA

PODER E AUTORIDADE

Segundo Max Weber (apud DREIFUSS, 1993), o conceito de poder diz respeito à capacidade
de imposição da própria vontade, a despeito da resistência do outro, visando à consecução de um
determinado objetivo ou fim estipulado pelo sujeito que impõe.

O poder como fenômeno relacional


Trata-se, portanto, de um fenômeno relacional, ou seja, de um fenômeno que não ocorre no
vazio, uma vez que se origina do confronto de vontades e/ou interesses diversos e potencialmente
antagônicos. O conceito weberiano de poder abrange, portanto, as noções de conflito e coerção.
Para que a vontade de um prevaleça sobre a vontade de outro, deve haver uma expectativa de
severas sanções em caso de desobediência ou rebeldia.
Entendido em sua acepção política, o poder é a capacidade de impor a própria vontade a
outrem, mesmo contra a vontade dessa outra pessoa. Sua característica é, portanto, a de um
fenômeno relacional, que pressupõe ao lado do indivíduo ou grupo que o exerce, outro indivíduo ou
grupo que é obrigado a comportar-se como aquele deseja.
Isso posto, o poder não é uma substância, algo que se possa ter como um objeto, mas uma
relação que se estabelece entre sujeitos ou grupos, que não depende para ser caracterizado apenas
dos recursos materiais ou simbólicos ou da habilidade de quem pretenda utilizar esses recursos para
exercer poder, mas sim de que efetivamente o sujeito ativo possa impor sua vontade ao sujeito
passivo.

A tipologia moderna das formas de poder


As formas modernas de classificação do poder se baseiam nos recursos por meio dos quais o
sujeito ativo da relação pode determinar o comportamento do sujeito passivo. Com base nesse
critério, BOBBIO (1992) diferencia três grandes classes na esfera do poder, quais sejam: o poder
econômico, o poder ideológico e o poder político.
O poder econômico é aquele que se vale da posse de certos bens, necessários ou considerados
como tais, numa situação de escassez, para induzir aqueles que não os possuem mas deles
necessitam a manter um certo comportamento, consistente sobretudo na realização de um certo tipo
de trabalho. Em princípio, sustenta o autor, todo aquele que possua abundância de bens necessários
é capaz de determinar o comportamento de quem se encontra em condições de penúria, mediante a
promessa de provisão desses recursos, ou a ameaça de interditá-los.
O poder ideológico fundamenta-se na influência, ou seja, na capacidade que possuem certas
idéias, formuladas de certo modo, expressas em certas circunstâncias, por pessoas com certo
prestígio e difundidas mediante certos processos, de determinar a conduta de terceiros. Trata-se de
um poder simbólico, associado à capacidade de produzir o conhecimento e difundir os valores que
consubstanciam o processo de socialização necessário a coesão e integração do grupo.
O poder político. Sustenta o autor que o poder político é aquele que se baseia na posse dos
instrumentos mediante os quais se exerce a força física (as armas de toda a espécie e potência): seria
o poder coator no sentido estrito do termo. O sujeito ativo é aquele que monopoliza os meios de
violência (instrumentos, técnica e organização) e é capaz de usá-los para impor sua vontade ao
sujeito passivo, sendo a ameaça do emprego da violência – e sua possibilidade real e latente -, a
base do poder.
Finalmente, o autor contextualiza a classificação, ao afirmar que todas estas três formas de
poder fundamentam e mantêm uma sociedade de desiguais, isto é, dividida em ricos e pobres (poder
econômico), sábios e ignorantes (poder ideológico), fortes e fracos (poder político), isto é, em
superiores e inferiores.

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De fato, as três formas de poder acima referidas, embora possam ser visualizadas nas relações
entre dois indivíduos, interessam à ciência política na medida em que se expressam no contexto de
um processo social, como poder de um grupo sobre outro, sejam quais forem os critérios adicionais
que balizam a distinção entre esses grupos.
Essa relação de desigualdade e oposição de interesses entre grupos promove um antagonismo
permanente, cujo desfecho violento é sempre uma possibilidade real, eis que a força é o recurso a
que recorrem todos os grupos sociais antagônicos para se defenderem dos ataques externos, ou para
impedirem, com a desagregação do grupo, de serem eliminados.
Na medida em que o antagonismo é constante, o poder político, como poder cujo meio
específico é a força, de longe o instrumento mais eficaz para condicionar os comportamentos, é o
poder supremo em qualquer sociedade, assim como as relações baseadas no antagonismo que estão
balizadas pela ameaça do emprego da violência – ainda que em última instância -, são o núcleo da
política.

CONFLITO E CONSENSO

Trata-se de uma relação social que envolve interação intensiva entre atores sociais (tanto
individuais quanto coletivos), podendo apresentar comportamento violento ou não, incidindo sobre
desavenças quanto ao acesso e/ou distribuição de recursos estratégicos em determina do espaço
social (poder, riqueza, prestígio).
Podemos identificar diferentes tipos de atores envolvidos no conflito, conforme sua
densidade, agregação e complexidade. O conflito pode ser protagonizado por indivíduos, grupos
(consumidores, minorias etc.), organizações (partidos, empresas, sindicatos etc.) ou mesmo
coletividades inteiras (Estados, raça etc.). Os conflitos podem envolver atores de diferentes níveis
(indivíduo x grupo; organizações x coletividade).
Ao analisar as características objetivas do conflito, três dimensões salientam-se prontamente:
o número de participantes, que pode se relativo e absoluto, sendo referente a quantidade de
elementos envolvidos na confrontação; a intensidade do conflito, que pode gerar em torno de fins
negociáveis, onde a regra é a barganha até obtenção do consenso, ou em torno de fins não-
negociáveis, quando então os impasses tendem a ser mais prolongados e o desfecho assume uma
configuração de soma-zero; e os objetivos perseguidos pelos atores, que podem implicar em
mudanças no sistema, de cunho incrementalista e/ou setorial, ou podem implicar em mudanças do
sistema, implicando uma radicalização de posições e a ruptura com as instituições dominantes.
Em que pese o conflito ser uma constante ao longo da história, podemos identificar duas teses
dominantes e mutuamente excludentes acerca da natureza do conflito em sociedade: a tese da
harmonia ou equilíbrio, que sustenta o caráter disfuncional e eventual do conflito; e a tese da
coerção, segundo a qual o conflito é inerente à sociedade, que a partir dele organiza seu
funcionamento e distribui seus papéis sociais.
Solucionar o conflito seria, então, um dos grandes dilemas da sociedade moderna. Para ser
suprimido, teríamos que bloquear sua expressão ou mesmo destruir os atores envolvidos no
processo. Para resolver o conflito, seria necessário oferecer aos atores envolvidos a satisfação plena
de suas necessidades, eliminando as causas da insatisfação. Usualmente, a saída encontrada passa
por regular o conflito, institucionalizando os confrontos mediante regras aceitas por todos, mais ou
menos estáveis, passíveis de modificação tão-somente com a anuência de todos os interessados.
A solução do conflito, portanto, passaria pela busca e criação do consenso, entendido
enquanto um acordo (ou convergência de valores e interesses), tácito ou expresso, sobre os
princípios gerais de um determinado sistema social, o qual poderia garantir a coesão social pelo
compartilhamento mínimo de regras e valores.
Naturalmente, não existe um consenso absoluto em nenhuma sociedade atualmente
conhecida, nem absoluto conflito, mas graus variados e variáveis de consenso e conflito. Para
aqueles que preocupam-se com a governança democrática, o consenso principal, imprescindível
para o funcionamento das democracias, dá-se pela adesão às regras do jogo que sustentam o sistema

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representativo e suas práticas eletivas regulares e pluralistas (alternância no exercício dos cargos
públicos decisórios, por exemplo). O consenso acessório, sobre objetivos específicos a serem
alcançados (políticas setoriais, por exemplo), poderia ser construído por barganhas realizadas no
quadro do consenso principal.
Por outro lado, quanto mais firmemente estabelecido o consenso principal e mais numerosos
os consensos acessórios, tanto menor a necessidade de recorrer aos mecanismos coercitivos de
imposição das decisões públicas, menos fragmentada tende a ser o funcionamento do sistema
político e menores os riscos de uma ruptura institucional. No sentido oposto, a perda do consenso
tende a requer um incremente no uso da coerção, com os desgastes decorrentes, o estilhaçamento da
ação política e a ruptura institucional.

POLÍTICA

Significado e definições clássicas


Classicamente, a palavra política é originária do grego pólis (politikós), e se refere ao que é
urbano, civil, público, enfim, ao que é da cidade (da pólis). Indica tratar-se, portanto, de uma
atividade humana relacionada ao exercício do poder, eis que a cidade era o centro da vida política, e
cidadão era um termo restritivo empregado para classificar os membros de uma elite que se
dedicava aos assuntos de governo, filosofia, arte e guerra.

As instituições ou espaços sociais da política: Estado, Governo e partidos


A definição clássica do século XIX, considerando a política como a “arte e a ciência do
Estado ou do governo”. Mesmo essa visão, todavia, aceita a importância de incluir algumas
organizações ou fenômenos que se ligam ao Estado na condição de pré-estatais ou supra-estatais.
Tradicionalmente incluem o estudo dos partidos, grupos de pressão, círculos militares e grupos
informais que atuam próximos ao Estado, sobre ele exercendo ou tentando exercer influência
(SCHMITTER, 1984).
Essas primeiras abordagens em ciência política concentravam sua análise no Estado ou no
Governo, enfatizando sua estrutura, funcionamento, modelo jurídico-formal, composição de seus
membros titulares, mecanismos de interferência na sociedade, permeabilidade aos grupos externo e
instituições associadas.
Embora a preocupação com o Estado seja uma constante no pensamento político
contemporâneo, as primeiras abordagens que enfatizavam o Estado e seus aparelhos eram
usualmente restritivas, enfatizando os aspectos jurídico-formais do fenômeno político, fortemente
influenciada por um viés jurídico – com desdobramentos de direito constitucional, teoria geral do
Estado e de filosofia jurídica.

A partir dos Recursos: ênfase na capacidade de impor comportamentos


A definição da política a partir dos recursos enfatiza os meios utilizados pelos atores para
imporem sua vontade aos antagonistas num contexto de conflito. Tende a buscar a especificidade da
política em relação a outros fenômenos sociais a partir do suo de conceitos como poder, influência e
autoridade (SCHMITTER, 1984).

Poder
Conceitualmente fundamentado pela teoria weberiana, segundo a qual o “meio decisivo da
política é a violência” (WEBER, 1994), enfatiza a coerção e a monopolização da violência ou força
física, bem como as lutas para obter, reter e exercer o poder ou resistir a seu exercício.
Maquiavel (apud BOBBIO, 1987), considerado o fundador da ciência política moderna, foi o
primeiro a exprimir com clareza a política como instância autônoma da moral, filosofia, direito ou
religião, definindo-a exatamente como “a arte de conquistar, manter, expandir ou reaver o poder”,
associando a figura do príncipe, como condutor do Estado moderno, ao político no sentido estrito.

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Essa concepção da política como instrumento de poder vai caracterizar o pensamento absolutista e
permanece até hoje presente em abordagens moderna do conflito político.
A concepção da política associada ao poder tende a dicotomizar as facções em luta em dois
campos opostos e mutuamente excludentes. Caracteriza as abordagens clássica de Maquiavel e
Weber, sendo modernamente utilizada, dentro de seus respectivos paradigmas, pelos marxistas e
behavioristas.

Autoridade
Nessa segunda subcategoria, o foco do estudo da política estaria situado na disciplina,
entendida como característica condicionadora e formadora de hábito, “de obediência de massa
acrítica e não resistente”, possuindo traços de comportamento regrado, treinado e internalizado
(DREIFUSS, 1993).
Tipo específico de relação social. Trata-se do poder legítimo, isto é, revestido de
consentimento, que, segundo Weber (apud DREIFUSS, 1993), se faz obedecer voluntariamente.
Portanto, essa abordagem está optando por um tipo específico de relação social que combina
ambos: o estudo da política seria o estudo das relações de autoridade entre indivíduos e os grupos,
da hierarquia de forças que se estabelecem entre eles, e principalmente a capacidade de criar e
manter a crença de que as repartições de poder e influência existentes são as mais apropriadas.
Embora não enfatize as instituições, esse entendimento reconhece que, modernamente, o
Estado ou governo ocupariam o ápice da estrutura social e autoridade, cabendo à ciência política
explicar toda essa estrutura e as forças e influências respectivas que a compõem.

O processo de tomada das decisões públicas ou alocação imperativa de valores


Essa abordagem considera a política como um processo social, cuja especificidade estaria no
uso dos recursos antes mencionados – poder, autoridade, influência – para formulação de linhas de
conduta coletivas adotadas pelos atores.
Essa abordagem se propõe a explicar porque uma determinada linha de conduta foi adotada
(formulação, participantes, determinantes, resultados e impacto), num contexto de conflito
envolvendo disputadas sobre a administração de bens escassos na sociedade.
Para os autores que adotam essa aporte teórico, a ciência política deve compreender “o estudo
da alocação autoritária ou imperiosa dos valores, de maneira que essa alocação seja influenciada
pela distribuição e utilização do poder” (David Easton apud Schmitter, 1984).
Ela fixa os limites do sistema político como todas as ações mais ou menos relacionadas com a
formulação de decisões autoritárias ou imperiosas para uma sociedade. Se entendermos decisões
“autoritárias ou imperiosas” como aquelas fundamentadas no poder extroverso do Estado, então a
política volta a ser definida em termos de Estado, agora entendido como processo e não como
instituição (SCHMMITER, 1984).
Alguns teóricos que utilizam o decision-making approach, todavia, consideravam que o
estudo do processo de tomada de decisões enquanto delimitação da política ultrapassa os limites da
esfera pública, podendo ser também aplicada às decisões que tem reflexos indiretos sobre o Estado
e a sociedade (CHILCOTE, 1997).
Inspiradas pela análise sistêmica (CHILCOTE, 1997), essas abordagens consideram a
existência de um sistema integrado de decisões, tanto públicas quanto privadas, que se influenciam
reciprocamente e que dão origem aquilo que denominamos de política, a partir de uma dinâmica de
estímulo-resposta, onde o Estado é o núcleo de tomada das decisões coletivamente relevantes, onde
são processadas as demandas e formuladas as políticas públicas.

As funções da política: lidando com o conflito e criando consensos


Em sentido amplo, definir algo pela sua função quer dizer considerá-lo sob o aspecto da sua
conseqüência ou conseqüências no sistema global do qual faz parte. O modelo funcionalista
investiga o fenômeno político tendo como objeto de análise as conseqüências da atividade política
para a sociedade global (CHILCOTE, 1997).

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No entendimento funcionalista, a política pode ser compreendida tanto como requisito do
sistema, isto é, uma atividade necessária ao bom funcionamento do sistema global, quanto como
uma tarefa, isto é, padrão de atividade geralmente encontrado em qualquer sociedade
(SCHMITTER, 1984).
O sociólogo americano Talcott Parsons (apud SCHMITTER, 1984) sugeriu que o subsistema
político é responsável por processar as demandas dos vários grupos de interesses existentes no
sistema global, de forma a realizar os objetivos coletivos, e a teoria funcionalista do equilíbrio
sustentada por Robert Dahl (apud CHILCOTE, 1997), baseada na autonomia dos subsistemas e no
pluralismo organizacional, considera que o desafio da política por uma classe ou grupo leva à busca
de um novo equilíbrio, de maneira que a política funcione para manter a paz entre os interesses
conflitantes.
Assim temos que a função da política é resolver os conflitos entre indivíduos e grupos, sem
que este conflito destrua uma das partes. Admite o caráter precário da resolução política, eis que a
mesma não põe fim ao conflito, mas apenas o canaliza, o transforma em formas não destrutivas para
os partidos e coletividade, de forma a garantir a manutenção do sistema.

Condições de para definir um fenômeno como político


Condição necessária: caráter controverso, conflituoso, envolvendo antagonismo de interesses
ou atitudes entre diferentes indivíduos ou grupos. A questão das necessidades ilimitadas versus
escassez de recursos. Qualquer fenômeno ou ato social é potencialmente político nesse sentido
(COTTA, 1998).
Condição suficiente: reconhecimento recíproco pelos atores de um quadro de restrições
mútuas, o que existe um certo grau de integração e cooperação entre indivíduos e grupos. Este
reconhecimento pode estar baseado em crenças comuns (estrutura de autoridade) ou na simples
prudência (antecipação do poder de retaliação do oponente), que leva os atores a respeitarem as
regras do jogo (COTTA, 1998).
O estudo da política pode enfatizar os conflitos e a ruptura com a ordem estabelecida tanto
quando pode enfatizar a integração e a assimilação dos conflitos para a manutenção do sistema
estabelecido. Assim, temos (COTTA, 1998):
Conflito: tipos, fontes, padrões e intensidade.
Integração: autoridade, estrutura, formulação de decisões e crenças comuns.
Por exemplo, pode-se estudar o Estado, poder institucionalizado da sociedade, como um
instrumento de dominação (de uma elite dirigente, de uma classe economicamente dominante etc.) e
como um meio de assegurar a manutenção da ordem social, a integração e o alcance do bem
comum. Pode-se ainda enfatizar os processos de decisão que nele ocorrem, ou antes examinar sua
estrutura e funções.

DOMÍNIO
Para Weber, toda as formas de poder devem repousar sobre um princípio de legitimidade ou
autoridade que forneça a base legal e moral para o seu exercício. A legitimidade resulta, portanto,
da convicção de que o poder deriva do compartilhamento de valores e metas coletivas.
Historicamente, haveria três formas de exercer, legitimamente, o poder político (WEBER, 1994): a
dominação tradicional, a dominação racional-legal e a dominação carismática.
Ao tratar da liderança e da ação política, fica claro que Weber pensa, em primeiro lugar, em
“direção” e “comando”, o que envolve a extração de “obediência”. A obediência, por sua vez, pode
ser obtida de várias formas. Pode ocorrer enquanto obtenção de um “consentimento passivo” (por
imposição carismática) ou enquanto “subordinação” (por imposição tradicional).

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Porém, o fundamental para a política numa situação de dominação racional-legal e, portanto,
essencial para a relação de autoridade (racionalmente e legalmente legitimada), é. que a obediência
ocorra enquanto disciplina.
Disciplina é “a probabilidade de que, em virtude do hábito, um comando receba obediência
pronta e automática, de forma estereotipada, por parte de um grupo dado de pessoas”. A disciplina,
para Weber supera as formas de obediência baseadas na tradição e no carisma e prepara o terreno
para a emergência de um sistema representativo e de uma política racional e impessoal. A disciplina
é constituinte necessária do consentimento ativo que um governo precisa obter, por medidas e
meios legais e racionais.
O conceito de dominação se refere a uma relação de poder em que a vontade do dominador
não precisa ser cotidianamente imposta, mas flui naturalmente sobre os atos do dominado, sendo
esta situação percebida por ambos como “normal”. Trata-se de uma relação essencial de comando
e obediência, geralmente duradoura e historicamente constituída.
Segundo Max Weber, a legitimidade, ou reconhecimento da autoridade, que é o poder
revestido de consentimento, é elemento da dominação que busca prolongar-se, podendo ter como
fundamento a tradição, o carisma ou a legalidade. Assim temos (LEVI, 1992; WEBER, 1994):

Dominação carismática
Legitimação baseada no extraordinário e pessoal dom da graça, ou carisma. Nesse caso a
autoridade é estritamente pessoal, não podendo ser herdada, doada ou transmitida normativamente,
pois e considerada uma qualidade intrínseca ao dominador.
Autoridade pessoal, exercida por um líder nato, herói, santo ou gênio. Geralmente, quando
reivindica o uso do poder, pode encontrar-se em conflito com as bases de legitimidade da sociedade
em questão, sendo um revolucionário; assim, seu campo de ação é a conversão e o uso da força:
No modelo weberiano.original, o líder carismático e concebido em termos de messianismo
religioso, razão pela qual ele possui senso de missão sagrada e reivindica autoridade moral,
conformidade e obediência de seus seguidores. Atualmente pode se aplicar a qualquer líder, de
massas. ou não, que reivindique com êxito o direito de se fazer obedecer com base em alguma
qualidade extraordinária que seja considerada única e intrínseca à pessoa dele.

São características típicas da dominação carismática:


• obediência é devida à pessoa do líder
• essa obediência não se baseia na tradição ou em considerações de competência racional para
ocupação de um cargo, mas é afetiva e devida ao carisma do líder
• cabe ao líder carismático mandar e ao seguidor obedecer
• o quadro de funcionários é escolhido pelo carisma, vocação pessoal ou devoção ao líder, não
por capacidade técnica ou posição tradicional
• não existem regras de competência técnica nem privilégios estamentais
• inexistem regras para a administração, sejam elas racionais ou tradicionais
Exemplo: Subcomandante Marcos (líder zapatista mexicano); Lênin durante o período da
Revolução Bolchevista; Moisés ao conduzir o êxodo do povo hebreu para fora do Egito.

Dominação tradicional
Nessa forma de dominação a legitimação que se baseia na autoridade do “eterno ontem”, ou
seja, dos hábitos arraigados, consolidados geração após geração a ponto de serem “naturalizados”
pelo uso e excluírem outros comportamentos do horizonte de possibilidades.
Trata-se de uma ordem social que é percebida pelos seus membros como tendo sempre
existido, estando portanto revestida de uma força obrigatória.
A autoridade do governante é pessoal, fundamentada nesses usos e costumes sedimentados
pelas gerações; as obrigações e direitos dos legisladores não são claramente especificados, sendo o
status normalmente atribuído pelo nascimento, assim como o conjunto de funções que devem ser
desempenhadas na sociedade por cada indivíduo.

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Exemplo: direito divino dos reis, poder de um chefe tribal, poder de um patriarca. A
dominação tradicional, assim como a racional-legal, é característica de ordens sociais estabelecidas.
São características típicas da dominação tradicional:
• obediência é devida à pessoa do governante, não ao cargo que ele ocupa
• essa obediência se sustenta na tradição que ele encarna, não nas suas características pessoais,
derivando do costume e da linhagem
• as normas não são racionais, mas se baseiam .na tradição
• a vontade do governante é a lei, exceto quando conflitante com a tradição
• os funcionários são ligados ao governante por laços de :parentesco ou fidelidade pessoal,
não necessitando ter competência técnica e sendo seus poderes e atribuições dependentes da
confiança do governante

Dominação racional-legal
A dominação é exercida em virtude da crença na validade do estatuto legal e da competência
funcional baseada em regras racionalmente criadas.
Nesse tipo de dominação, temos o predomínio das regras generalizadas, que conferem uma
autoridade impessoal decorrente de um cargo particular, sem vinculação com pessoas.
Os homens aceitam o exercício do poder como legítimo porque a formulação das ordens ou
da política obedece a regras aceitas por todos, formal e claramente expressas, que visam a atingir
finalidades compartilhadas, ou pelo menos, que assim se apresentam.
Se baseia na crença de que são legais e racionais as normas do regime. Compreende o triunfa
da racionalidade como princípio ordenador do poder e da convivência social. Como modelo de
dominação, está associado ao processo de racionalização que acompanha a formação dos modernos
Estados Nacionais, calcados em burocracias profissionais, vivendo em sociedades cada vez mais
laicas e operando dentro de um modo de produção capitalista. .
São características típicas da dominação racional-legal:
• a obediência é devida ao ordenamento jurídico, não às pessoas
• o governante é obedecido em decorrência do cargo que ocupa, não por tradição ou por
qualidades carismáticas
• as pessoas que ordenam estão obrigadas a obedecer ao estatuto
• os funcionários são profissionais selecionados por competência técnica, sem vinculação
tradicional ou afetiva com os governantes
• esses funcionários seguem urna hierarquia de cargos e um conjunto de atribuições (direitos e
deveres) legalmente fixados
• a vontade do governante somente é acatada quando embasada em atribuições legais, que são
caiadas ou modificadas por mudanças no estatuto.
Exemplos: Diretoria de grandes empresas; Presidente dos Estados Unidos; Reitor de
Universidade; Chefe de Repartição Pública; Delegado de Polícia.

TEMAS CENTRAIS DA TEORIA POLÍTICA CLÁSSICA

O ESTADO MODERNO E A CONSTRUÇÃO DA ORDEM POLÍTICA

Antecedentes históricos
O Estado como ordem política da sociedade é conhecido desde a Antigüidade aos nossos dias.
Todavia nem sempre teve essa denominação, nem tampouco encobriu a mesma realidade.

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A polis dos gregos ou a civitas e a respublica dos romanos eram fozes que traduziam a idéia
de Estado, principalmente pelo aspecto de personificação do vínculo comunitário, de aderência
imediata à ordem política ou de participação na cidadania.
No Império Romano, durante o apogeu da expansão, e mais tarde entre os germânicos
invasores, os vocábulos Imperium e Regnum, então de uso corrente, passaram a exprimir a idéia de
Estado, nomeado como organização de domínio e de poder.
O emprego moderno do termo .Estado remonta a Maquiavel, quando este inaugurou O
Príncipe com a frase famosa: “Todos os Estados, todos os domínios que têm tido ou têm império
sobre os homens são Estados, e são repúblicas ou principados”.
Atualmente, aqueles que adotam uma abordagem jurídica tendem a considerar o Estado
representa uma manifestação específica da Sociedade, caracterizada por um ordenamento jurídico
carregado de imperatividade. Chega-se ao Estado moderno por uma operação jurídica de
institucionalização do poder.
Segundo essa concepção, o Estado se forma quando o poder assenta numa instituição e não
numa pessoa, pelo que esse Estado representa uma sujeição do poder ao direito, somente existindo
onde for concebido como um poder independente da pessoa dos governantes (BONAVIDES, 1978).
A relação íntima entre poder .e Estado se encontra claramente expressa no pensamento de
Max Weber, segundo a qual todas as formações políticas são formações de força, de tal maneira que
se existissem somente agregações sociais sem meios coercitivos não mais haveria lugar para o
Estado, e nem mesmo para a política (WEBER, 1994).
Com base nesse entendimento, Weber concebeu o Estado como sendo aquela comunidade
humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o
monopólio da violência física legítima (WEBER, 1994).
Todavia, o mesmo autor, embora afirmando que o Estado é tanto base e ápice quanto
continente e conteúdo de dominação, independente do nome específico com que, seja conhecido a
partir de sua configuração histórico-legal própria, diferencia o Estado moderno que se constrói a
partir dos Estados absolutistas de outras formações sócio-econômicas e político-militar que lhe
antecederam. ou que com. ele coexistiram, considerando que o, “gênero”, Estado pode apresentar
inúmeras “espécies” diferentes.

Idade Média e o feudalismo


Durante a Idade Média, consolida-se o feudalismo, sistema de produção e de organização do
poder baseado nos feudos, grandes propriedades territoriais relativamente auto-suficientes que, num
contexto de economia essencialmente agrária e natural, são controlados por uma aristocracia de
proprietários guerreiros (os senhores feudais) que detêm o controle dos meios de gestão coletiva
(cobrança de tributos, produção jurídica e prerrogativa de manter exércitos) e possuem
hereditariamente o direito de governar, o qual é transmitido juntamente com a propriedade do
feudo.

1. Economia agrária por basear-se essencialmente na produção agrícola e na criação de gado,


girando a sociedade em torno do meio rural e sendo a terra a principal fonte de riqueza; natural na
medida em que essencialmente não-monetária, havendo a auto-suficiência do feudo e uma troca
complementar entre feudos de uma mercadoria por outra.

As relações sociais são essencialmente didáticas, isto é, calcadas no relacionamento pessoal


entre os agentes sociais. Entre os nobres a autoridade: se distribuí por meio das práticas de suserania
e vassalagem, um pacto em que um senhor feudal entrega parte de seu feudo a outro nobre em troca
do pagamento de tributos periódicos em gêneros ou em espécie, bem como em troca do
cumprimento de certas obrigações políticas e, principalmente, militares. Esses nobres, além de
proprietários de terra e administradores da justiça,,agora privatizada, detém a função de guerreiros,
tendo o privilégio de portar armas e de constituir exércitos privados2, controlando o aparato coativo
e respondendo pela defesa do feudo.

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A produção da riqueza, por outro lado, é atribuição dos servos de gleba, camponeses que por
diversos caminhos ficaram dependentes das terras e dos instrumentos de produção3 do senhor
feudal, devendo trabalhar um certo número de dias diretamente para o senhor, pagar-lhe tributos em
moeda ou gêneros, e ainda prestar-lhe serviços domésticos.
O clero, por derradeiro, constituí o corpo sacerdotal da Igreja Católica Romana, detentora do
dito poder espiritual, ou seja, portadora de urna verdade revelada que deveria servir para explicar a
natureza do mundo e definir comportamentos, detendo assim o monopólio ideológico que permitia
unificar a Europa em torno de uma visão cristã de mundo.
Essa posição era ao decorrente do processo de ruralização desencadeado pelas invasões
bárbaras, que provocou o colapso da educação escolar, onde apenas o clero permaneceu letrado.
Isso porque, junto aos mosteiros e catedrais, surgiram escolas para a formação religiosa, bem como
bibliotecas, onde ficaram guardados os tesouros culturais do mundo grego-latino, interpretado e
adaptado aos ideais cristãos.
Devido ao monopólio sobre o conhecimento exercido pela Igreja, associado ao crescente
poder político oriundo da posse de terras e de sua capacidade de legitimar ou não o poder exercido
pelos reis e seniores feudais, todas as atividades são percebidas como fundamentadas em algum
princípio religioso, e a política considerada urna faceta da existência subordinada aos ditames
teológicos e morais do cristianismo.
Isso posto, podemos caracterizar o feudalismo por:
• policentrismo, ou seja, multiplicidade de centros de poder, implicando na fragmentação do
exercício da autoridade política, aplicada de forma autônoma e não-coordenada por cada senhor
feudal, eis que decorrente da propriedade do respectivo feudo.
• posse e isso privado dos instrumentos de gestão pública, ou seja, a faculdade de cunhar
moedas, de cobrar tributos, de dizer o direito e de impor normas de conduta aos seus dependentes
(vassalos e servos), sustentados pela posse de exércitos privados.
• economia rural, natural e fechada, com a riqueza concentrada na terra e o predomínio da
produção agrícola voltada para a subsistência da unidade feudal.
• relações de domínio essencialmente pessoais, baseadas no pacto de suserania e vassalagem
(mediante o qual o suserano concedia ao vassalo,uma parte do seu feudo, em troca de homenagem,
tributos e prestação de serviços, principalmente militares) e na relação de dependência e
subordinação que prendia o servo de gleba à terra do senhor feudal. .
• predomínio do religioso sobre o secular, ou seja, o poder espiritual da Igreja interfere na
política e, muitas vezes, subordina a atuação do poder político aos interesses religiosos. A
autoridade política é exercida em nome de princípios morais e religiosos.

A revolução comercial

A partir do século XIV, o feudalismo entra em crise. Desde o século XII muitos servos
abandonam os campos, compram a liberdade e se ocupam com atividades artesanais e mercantis nos
burgos, agrupamentos surgidos fora dos domínios feudais que vão produzir um renascimento
urbano, ou seja, o renascimento das cidades. Caberá aos artesãos e comerciantes concentrados
nesses núcleos urbanos’ em lenta mas constante expansão, a ação transformadora que gradualmente
substituirá o feudalismo pelo capitalismo (ARANHA, 1993).

2. Na Idade Média, somente os nobres tem tempo e dinheiro para fazer frente ao longo treinamento e a aquisição de armas, cavalos e
trajes que eram imprescindíveis para o exercício das funções militares.
3. O uso de arados, de pastagens para o gado de subsistência, de moinhos e outros instrumentos que pertenciam ao senhor feudal e
eram utilizados pelos servos mediante o pagamento de tributos em parte da produção ou em dias de serviço nas terras de uso
exclusivo do nobre.

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A monetarização da economia, a ampliação quantitativa e qualitativa do comércio, o
surgimento de um incipiente sistema bancário, são fatores que, ao lado da expansão da vida urbana,
marcam a chamada Revolução Comercial. Com a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453
(marco cronológico para o início da Idade Moderna), a circulação de mercadorias vindas do Oriente
é dificultada, dando início ao Ciclo das Grandes Navegações, seja pelo contorno do continente
africano, seja pela travessia do Atlântico em direção às terras americanas. Significa o surgimento de
novos mercados fornecedores de mão-de-obra e matéria-prima. Todos esses fatores implicam na
ascensão da burguesia (essa classe de comerciantes, banqueiros e artesãos que viviam nas cidades) e
no enfraquecimento social e econômico da nobreza, cuja riqueza depende de rendas fixas oriundas
da propriedade territorial e da agricultura.

Surgimento e evolução do Estado moderno


Pode-se estudar o Estado sob a perspectiva diacrônica, cuja preocupação é analisar suas
transformações ao longo da história da civilização ocidental, ou sob a perspectiva sincrônica, de
cunho estrutural-funcionalista, que se interessa pelos elementos constitutivos do Estado a despeito
do período histórico considerado. O estudo do Estado Moderno, a nova forma de organização
política que emergiu na Europa entre os séculos XIII e XIX, faz parte da primeira abordagem. A
formação desta estrutura se deve a três processos resultantes da dissolução do feudalismo, a saber .
(COTIA, 1998):
• a progressiva concentração e centralização do poder político
• a afirmação do principio da territorialidade
• a despersonalização da relação de mando político
O Estado Moderno surgiu, portanto, da crise e transformação das sociedades medievais. A
expansão das relações capitalistas de produção gerou uma demanda pela racionalização das funções
de. Governo, criando condições para a unificação dos múltiplos centros de poder então existentes.
Paralelamente, enfraquecia-se o poder secular da Igreja, impulsionando a formação daquilo que
hoje conhecimento como Estado Nacional laico. Trata-se de uma forma de organização política
cujas principais características são (COTTA, 1998):
• a existência de um único centro de poder, que monopoliza a produção do direito, a emissão
de moeda, a cobrança de tributos e o controle do aparato coativo, não respondendo perante qualquer
outro poder, de forma a caracterizar-se.como soberano;
• a.demarcação de limites territoriais para o exercício desse poder;
• o caráter impessoal das relações governante-governado; em contraposição às relações
pessoais de vassalagem do período medieval.
As noções de concentração, centralização e despersonalização (ou configuração do espaço
público) do poder é constante no entendimento moderno de Estado.
O já citado Max Weber (apud DREIFUSS, 1993) considera que, de um ponto específico de
análise, a formação do Estado moderno é a história da ampliação do espaço público, com a
conseqüente separação dos possuidores individuais ou grupais de seus instrumentos privados de
força; da neutralização ou erradicação da administração particular da justiça; e do cerceamento da
gerência autônoma e arbitrária da emergente “coisa pública”, isto é, da desprivatização dos assuntos
de interesse geral, junto com a ampliação de seu âmbito e abrangência.
De outro ângulo, BOBBIO (1987) trata a formação do Estado moderno como processo de
concentração de meios gerenciais, militares e legais, acima dos agrupamentos sociais diversos, o
que acontece entrelaçado com o processo de expropriação histórica. Ambos os processos são
descritos por Weber numa linguagem que evoca a análise e terminologia de Marx ao retratar a
expropriação dos meios de produção que levam à formação do capitalismo moderno.
A emergência simultânea destes processos, a seqüência de acontecimentos que deles se
desdobram e a sua específica interação são um fenômeno distintamente ocidental. Esses fenômenos
são os alicerces e viabilizadores do Estado moderno que, por uma vez constituído e aceito como tal,
os perpetua.

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Em outras palavras, no século XIX, época que serve de contextualização à produção
intelectual de Weber, o Estado culmina seu processo de infra estruturação material (os meios,
agentes, recursos:, instituições), jurídico-político (procedimentos, normas, práticas regulatórias) e
ideológico (crenças, representações coletivas, imagens que associam o Estado à Nação).
Weber (apud DREIFUSS, 1993) aponta para o processo “estatuinte” do Estado (e para a sua
reprodução enquanto entidade e ,instância per se e para si), marcado por diversas “expropriações
históricas” concomitantes e acumulativas: dos possuidores de meios de força para. benefício
pessoal; dos donos de recursos de exercício legal personalizado; dos proprietários de mecanismos
de administração do social para fins privados. Todos eles são separados de seus instrumentos
particulares de violência, normatização e gestão, os quais se tomam “públicos”, isto é, estatizados,
enquanto seu emprego, por agentes, servidores públicos e funcionários do Estado (não mais por
donos de função ou recurso), fica sujeito a normas socialmente inclusivas e despersonalizadas. A
gestão política é desprivatizada.
Ao sublinhar, por sua vez, a relação dos possuídos pelas armas, pela, lei ou pelo poder
econômico, como instrumentos e súditos dos possuidores, e a transformação destas relações e
posições dos dominados e dominadores para novas formas e situações, agora intermediados e
legitimados pelo Estado enquanto instância impessoal e pública, Weber traça um paralelo de
imagens e até de terminologia com Marx e Engels (apud DREIFUSS, 1993) para marcar o processo
“estatuinte” do capitalismo moderno e de sua reprodução.
A formação do Estado moderno, portanto, compreende a história da. expropriação dos meios
de violência, administração dos recursos coletivos e codificação ou normatização legal, de seus
detentores privados, paralelamente à expropriação dos artesãos e camponeses de seus recursos e
instrumentos de produção.
A formação do capitalismo e do Estado moderno seriam concomitantes, representando a
emergência do público frente ao privado, da cidadania em relação à condição de súdito, dos códigos
gerais contra os regimentos estamentais, das relações impessoais de mercado em substituição -às
relações pessoais de troca e clientelismo.

Elementos constituintes do Estado moderno

Território
Constituindo .a base geográfica do poder, o território do Estado é definido de maneira mais ou
menos uniforme pelos autores examinados. De acordo com os conceitos presentemente trabalhados,
poderíamos definir como território de um Estado aquele espaço geográfico em que esse Estado
exerce sua soberania com a exclusão da soberania de qualquer outro Estado.

Povo
Por população podemos entender aquele conjunto, de pessoas presentes no território do
Estado e, portanto; em princípio, sujeitas a sua soberania. E um dado essencialmente quantitativo,
incluindo turistas estrangeiros ou imigrantes ilegais.
Já a noção de povo pressupõe que os que vivem no território do Estado e lhe_ estão sujeitos
possuem com esse Estado um vinculo a ele através da nacionalidade ou cidadania. Trata-se de um
dado qualitativo, podendo ser estabelecido do ponto de vista político, jurídico e sociológico.
Na Antigüidade já se formulavam conceitos a esse respeito, como bem demonstram as
colocações de Cícero, onde o povo é a reunião da multidão associada pelo consenso do direito e
pela comunhão da utilidade, e não simplesmente qualquer conjunto de indivíduos agregados de
alguma maneira.
Assim, temos que a Soberania pode ser entendida, em termos de combinar os conceitos
trabalhados, como a racionalização jurídica do poder político (BOBBIO, 1992) e da dominação
(WEBER,1994), associando a legalidade com a legitimidade.
Assim que temos um conceito jurídico de povo como aquele grupo humano presente no
território do Estado e a ele vinculado pela cidadania, ou seja, pela. capacidade pública desses

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indivíduos; traduzida por um conjunto correlato de direitos e deveres que os torna aptos a participar
da vida política daquela sociedade.
Já um conceito mais sociológico, esse mesmo povo, como conjunto de indivíduos ligados ao
Estado por vinculo de obrigações e direitos que lhes permite participar da vida pública, é colocado
numa dimensão ética, que o caracteriza como uma comunidade histórica, compartilhando valores e
interesses que sedimentam uma identidade coletiva. Trata-se de um conceito que aproxima povo, de
dimensão jurídica, de nacionalidade, cuja ênfase é no aspecto histórico-político.

Governo e soberania
MATTEUCCI (1992) define soberania como sendo o poder de mando de última instância,
numa sociedade política e, consequentemente, a diferença entre esta e as demais associações
humanas em cuja organização não se encontra este poder supremo, exclusivo e não derivado.
De fato, a Soberania pretende ser a racionalização jurídica do poder político, no sentido em
que o poder consentido, portanto autoridade, impõe a uma coletividade um conjunto de atribuições
de comando e obediência que são regularmente aceitos como devidos e naturais, portanto legítimos.
Embora essa condição de instância última do poder institucionalizado esteja presente em
várias formas de organização ao longo da história humana, o termo Soberania como entendido hoje
é contemporâneo do Estado moderno, surgindo no final do século XVI precisamente para designar
esse poder estatal, sujeito único e exclusivo da política.
Essa Soberania, enquanto faculdade de mando de última instância, acha-se intimamente
relacionada com a realidade primordial e essencial da política: a paz e a guerra. Na Idade Moderna,
com a formação dos grandes Estados territoriais, fundamentados na unificação e concentração do
poder político, cabia exclusivamente ao soberano, único centro de poder, a tarefa de garantir a paz
entre os súditos de seu reino e a de uni-los para a defesa e o ataque contra o inimigo estrangeiro; por
isso no novo Estado territorial, são permitidas unicamente forças armadas que dependam
diretamente do soberano.
Dessa colocação podemos inferir a dupla face da Soberania: a interna e a externa.
• Soberania interna: internamente o Soberano moderno procede à eliminação dos poderes
feudais, dos privilégios estamentais, das autonomias locais, eliminando principalmente todas as
formas de organização militar não-estatal, de forma a concentrar sua atenção na luta externa contra
outros Estados.
• Soberania externa: externamente, cada soberano deve decidir sobre a guerra e a paz, uma
vez que os Estados não tem acima deles qualquer poder maior que possa arbitrar os conflitos; que
terminam sendo resolvidos essencialmente através da guerra ou da ameaça de guerra, malgrado o
surgimento e desenvolvimento de um sistema de tratados e convenções internacionais.
Assim temos que a Soberania pode ser entendida, em termos de combinar os conceitos
trabalhados, como a racionalização jurídica do poder político (BOBBIO, 1992) e da dominação
(WEBER, 1994), associando a legalidade com a legitimidade.
• Por legalidade entendemos um conceito jurídico, que significa proceder de conformidade
com o ordenamento jurídico vigente ou, no caso em tela, de conformidade com o ordenamento
jurídico estabelecido pela Constituição do Estado, sendo as relações hierárquicas de poder
sancionadas pela lei.
• Por legitimidade, todavia, compreendemos um conceito político, de dominação como uma
relação de poder em que a vontade do dominador não precisa ser cotidianamente imposta, mas flui
naturalmente sobre os atos do dominado, sendo esta situação percebida por ambos como devida.
Karl Deutsch, em “Política e Governo”, explica que “um sistema político é um conjunto de
unidades reconhecíveis que se caracterizam pela coesão e pela covariação”. Da coesão resulta a.
capacidade dos sistemas de constituírem um conjunto de diversas partes que se influenciam
mutuamente. A covariação, por sua vez, .é a qualidade que propicia às partes componentes de
qualquer sistema mudarem em conjunto. “Se uma unidade muda, a outra muda também”, ressalta
Deutsch. Governo, portanto, é um conjunto de unidade especializadas mediante as quais o poder
extroverso do Estado se manifesta,

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Teoria da separação dos Poderes
A teoria da tripartição de poderes consiste em propor, como meio de prevenção contra a
tendência natural que tem os homens de abusar de qualquer parcela de poder que lhe seja confiada,
que os poderes ou funções que são inerentes ao exercício da Soberania estatal sejam exercidos por
três órgãos distintos.
Para Montesquieu, essas funções ou poderes seriam três, a saber:
• o Poder Legislativo, mediante o qual o príncipe ou magistrado faz leis para algum tempo ou
para sempre, e corrige ou ab-roga as que estão feitas;
• o Poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes, mediante o qual ele faz a
paz ou a guerra, envia e recebe embaixadas, estabelece a ordem, prevê as invasões (seria o Poder
Executivo em sentido estrito, o Governo ou Administração Pública);
• o Poder Executivo das coisas que dependem do direito civil, mediante o qual pune os crimes
e julga os dissídios dos particulares, ou seja, o poder de julgar e de dizer o direito (poder
jurisdicional do Estado, ou Poder Judiciário).
Assim, o autor considera que o exercício dos três poderes, o de fazer as leis, o de executar as
resoluções e o de julgar os dissídios, pela mesma pessoa pode facilmente conduzir à opressão,
motivo pelo qual as funções devem ser confiadas à pessoas distintas, de forma que um poder
controle e sirva de freio ao outro.
Essa organização, como a separação dos Poderes, com suas faculdades de estatuir e de
impedir (le pouvoir arrête le pouvoir), poderia também evitar a tirania.

CONTRATO SOCIAL: HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU

Delimitação conceitual
Em sentido amplo, compreende todas aquelas teorias políticas que vêem a origem da
sociedade e o fundamento do poder político (chamado de imperium, Governo, soberania, Estado,
potestas) num contrato, isto é, num acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos, acordo
que assinalaria o fim do estado natural e o início do estado social e político, (MATTEUCCI,
1992a).
Num sentido mais estrito, por tal termo entendemos uma escola que floresceu na Europa entre
o começo do século XVII .e os fins do século XVIII, e teve seus máximos expoentes em Thomas
Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Por escola
compreendemos não uma comum orientação política, mas o comum uso de uma mesma sintaxe ou
de uma mesma estrutura conceitual para racionalizar a força e alicerçar o poder no consenso.
Sua característica comum e a unidade metodológica (BOBBIO & BOVERO, 1994). Não
possuem as mesmas bases ontológicas, metafísicos ou ideológicas, mas sim um princípio
metodológico fundamentado na racionalidade, que supõe permitir a redução do direito, da moral e
dá: política a uma ciência demonstrativa, ancoradas m premissas gerais indutivamente formulada
com base na experiência concreta, ou empirismo4.
Nesse aspecto, todos os três autores, à semelhança de Maquiavel, buscam a construção de
uma ética racional, separada da teologia e capaz por si mesma, precisamente porque fundada numa
análise e numa critica racional dos fundamentos do poder, de garantir a legitimação universal dos
princípios da conduta humana na comunidade política.
A busca dessa ética racional e universal implica na adoção das premissas da escola
jusnaturalista, a qual sustenta precisamente a existência de um conjunto de direitos que, inerentes ao
ser humano e anteriores à constituição da comunidade política ou da sociedade, seriam naturais e,
portanto, ensejariam o Estado como um produto da vontade racional dos homens.
4. Empirismo pede ser entendido como a abordagem filosófica que considera que o único conhecimento válido é aquele oriundo da experiência,
aferido pelo sujeito a partir das impressões sensoriais provocadas pelo ambiente e da reflexão sobre essas experiências, negando tanto o valor da
especulação puramente racional quanto a base instintiva do comportamento.

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Em termos de modelo que explica o surgimento e a organização do Estado em sua época, a
abordagem contratualista faz uso de dois conceitos fundamentais, presentes em todos os autores
abordados, ainda que com interpretações conflitantes: o estado de natureza e o estado civil.
Essa concepção contratualista é construída no momento em que a cultura política sofre
profundas modificações, impactada pelas concepções científicas da época, onde o Estado passa a
ser cada vez mais concebido como máquina, isto é, como algo que pode e deve ser artificialmente
construído, em oposição à concepção orgânica própria da Idade Média.
Tal concepção orgânica, oriunda de Aristóteles e amplamente recepcionada e desenvolvida
pelos doutores da Igreja5’, naturalizava o Estado, negando qualquer dicotomia entre a sociedade
natural e a sociedade civil, visto que a última era o desdobramento lógico e necessário da primeira,
pela ampliação sucessiva dos laços familiares. O Estado era visto como o ápice de uma longa escala
de grupos intermediários naturais (família, corporação, comuna), onde a associação era natural e a
autoridade surge no pai (ou rei) e se delega aos escalões inferiores, tendo como fonte de legitimação
a ordem natural das coisas estabelecida pela vontade divina.
Três foram as condições para a consolidação do pensamento político das teorias
contratualistas, no âmbito de um debate mais amplo sobre o fundamento do poder político
(MATTEUCCI, 1992):
Em primeiro lugar, que um processo bastante rápido de desenvolvimento político tirasse de
sua base a sociedade tradicional - a sociedade que sempre existiu e que recebe, por conseguinte, sua
legitimidade do peso do passado - e instaurasse novas formas e novos processos de Governo,
representado na Europa pela consolidação do Estado Moderno sobre a sociedade feudal, baseada em
estamentos e na gestão privada da autoridade política.
Em segundo lugar, que houvesse uma cultura política secular, isto é, disposta a discutir
racionalmente a origem e os fins do Governo, não o aceitando passivamente por ser um dado da.
tradição ou de origem divida.
Em terceiro lugar, que á sociedade não só conhecesse o instituto privado do contrato, mas
soubesse usá-lo de forma analógica: entre os gregos, por exemplo, a palavra koinonía indicava tanto
uma associação econômica como política. Supõe que possa haver uma proximidade associativa
entre a.natureza das atividades produtivas e a natureza das relações de comando e obediência em
que se fundamenta a distribuição de poder ria comunidade.
Em todo o caso, a finalidade é sempre dar uma legitimação racional às.ordens do poder,
mostrando que ele se fundamenta, em última instancia, no consenso entre os indivíduos.

O estado de natureza
Elemento essencial da estrutura da doutrina contratualista é o estado de natureza, que seria
justamente aquela condição da qual o homem teria saído, ao associar-se, mediante um pacto, com os
outros homens. Normalmente é apresentado como hipótese lógica negativa sobre como seria o
homem fora do contexto social e político, para poder assentar as premissas do fundamento
racional do poder. Trata-se, portanto, de contrapor, como dois momentos distintos ou como dois
modelos antitéticos de representação das relações humanas, o conceito de estado natural e o
conceito de estado civil.
Segundo BOBBIO & BOVERO (1994), esses dois termos são de uso sistemático, servindo
para compreender toda a vida social do homem. O uso histórico permite interpretar o curso da
história como o processo de passagem do estado de natureza para o estado civil - e eventual recaída
do segundo para o primeiro -, enquanto uso axiológico se faz na medida que a cada um dos termos é
atribuído um valor antitético em relação ao outro, podendo ser o estado de natureza visto como
negativo face ao estrado civil, e vice-versa.
5. Teólogos e filósofos ligados à Igreja Católica Romana, membros do clero ou não, que desenvolveram a escolástica, escola de pensamento medieval
que baseava-se na interpretação do direito romano e dá filosofia grega clássica segundo os textos bíblicos, as encíclicas papais e a especulação
metafísica.

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Ainda segundo BOBBIO & BOVERO (1994), o uso diverso e muitas vezes contraditório do
termo “estado de natureza”, referente ao momento anterior à constituição do Estado e englobando
aquele conjunto de direitos imanentes ao ser humano (portanto naturais a ele), implica no
surgimento de três problemas conceituais que vão receber respostas diversas dos autores
contratualistas, a saber:
• se o estado de natureza é uma realidade histórica ou hipotética
• se esse estado de natureza é pacífico ou belicoso
• se nesse estado de natureza o indivíduo se apresenta isolado ou já desenvolve formas de
convivência social
Para responder ao primeiro, problema, é necessário fazer um.a distinção analítica entre três
possíveis níveis explicativos (MATTEUCCI, 1992a):
• há os que sustentam que a passagem do estado de natureza .ao estado social é um fato
histórico realmente acontecido, isto é, estão dominados pelo problema antropológico da origem do
homem civilizado (Rousseau seria um desses);
• outros, pelo contrário; fazem do estado de natureza mera hipótese lógica, a fim de ressaltar a
idéia racional ou jurídica do Estado, do Estado tal qual deve ser, e de colocar assim o fundamento
da obrigação política no consenso expresso ou tácito dos indivíduos a uma autoridade que os
representa e encarna (caso de Locke e, até certo ponto, Hobbes);
• outro ainda, prescindindo totalmente do problema antropológico da origem do homem
civilizado e do problema filosófico e jurídico do Estado racional, vêem no contrato um instrumento
de ação política capaz de impar limites a quem detém o poder.
Desses três níveis explicativos, todos eles presentes nos autores a serem abordados, o segundo
reflete a predominância do elemento jurídico como categoria essencial da sintaxe explicativa: trata-
se de reconhecer no direito a única forma possível de racionalização das relações sociais ou de
sublimação jurídica da força. Isso se explica com base numa tríplice ordem de considerações
(MATTEUCCI, 1992a):
• a influência contemporânea da escola do direito natural (jusnaturalismo), com a qual o
Contralualismo está estreitamente aparentado;
• a.necessidade de legitimar o Estado, seja suas imposições (as leis), num período em que o
direito criado pela soberano tende a substituir o direito consuetudinário, seja, seu aparelho
repressivo, num período em que o exercício da força era por ele monopolizado;
• finalmente, uma exigência sistemática, a de construir todo o sistema jurídico - aí
compreendido o público e o internacional - usando uma categoria tipicamente privada que evidencia
a autonomia dos sujeitos, como é o Contrato, e colocando assim como base de toda a juridicidade o
pacta sunt servanda.
Quanto ao segundo problema, se o estado de natureza e pacífico ou hostil, os autores
divergem quanto à avaliação da situação do homem antes da instauração do estado civil. Podemos
basicamente indicar três abordagens:
• hostil, em guerra efetiva, segundo Hobbes, para. quem a vida do homem no estado de
natureza é “(...) solitária, mísera, repugnante; brutal, breve”, dado que nesse estado “o domino das
paixões, a guerra, o medo, a pobreza, a desídia, o isolamento, a barbárie, a ignorância e a
bestialidade” são os elementos que governam a relação entre os indivíduos.
• pacifico, mas em guerra potencial, para.Locke, que considera que em princípio o estado de
natureza pode ser pacífico, mas que nele os direitos dos homens são sempre precários è a harmonia
tende a perder-se, se nenhum poder superior assiste e regulamenta esses direitos.
• pacífico, segundo Rousseau, para quem o estado de natureza é um estado pacífico e
harmônico, onde inexiste o conflito ou a escassez; todavia, deve-se observar que Rousseau tem uma
concepção triádica, onde um momento positivo (estado de natureza, caracterizado pela igualdade e
harmonia) é seguido por um momento negativo (estado civil, calcado na propriedade privada e no
conflito), por sua vez sucedido por um positivo (república, fundamentado no contrato social
instituído e instituidor da vontade geral), este último sendo assimilado ao Estado da razão.

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Quanto ao terceiro problema, os contratualistas concordam em considerar que não há uma
tendência natural para a vida em sociedade, mas tão somente a necessidade dessa vida, decorrente
da impossibilidade de cada um atender sozinho seus próprios interesses, razão pela qual a vida em
comum em suas múltiplas associações se dá em torno do indivíduo e não da coletividade.
BOBBIO & BOVERO (1994) sustentam que a concepção contratualista não exclui o direito
natural das sociedades naturais, como a família, mas não admite a sociedade política como extensão
daquela, mas tão somente como criação dos indivíduos, visto que nem o vínculo doméstico nem o
vínculo senhorial oferecem um modelo válido para a sociedade política.
Malgrado essas diferentes interpretações, os contratualistas querem legitimar o estado de
sociedade (a civilização) ou modificá-lo com base nos princípios racionais onde o poder não assenta
no consenso, opondo-se às visões regressivas de uma idade de ouro baseada na harmonia e na
abundância que seria anterior ao surgimento da família, da propriedade privada e do Estado; dado
que vêem no contrato a única forma de progresso: mesmo Rousseau, que tende a considerar como
degenerativa a sociedade de seu tempo em relação à felicidade inicial do estado de natureza,
considera que o pacto social é inevitavelmente necessário após ter surgido a linguagem, a família e
a propriedade privada (ROSS, 1983).
Isso posto, todos os contratualistas vêem no contrato um instrumento de emancipação do
homem, emancipação política apenas, que deixa inalterada e até garante a estrutura social, baseada
precisamente na família e na propriedade privada, mantendo uma clara distinção entre poder.
político e poder social, entre o Governo e a sociedade civil (MATTEUCCI, 1992a).

A doutrina jusnaturalista
O modelo contratualista parte da premissa, comum a todos os autores, de que o princípio de
legitimação das sociedades políticas é exclusivamente o consenso. Esse consenso por sua vez,
decorre de contrato, expresso ou tácito, firmado pelos homens entre si, no sentido.de concederem à
um deles, ou a uma assembléia deles, a capacidade de fazer as leis ode impor o seu cumprimento a
todos os membros da comunidade.
Para melhor compreender esse liame obrigacional que une os indivíduos na constituição da
sociedade civil e legitima o exercício do poder pelo Estado, faz-se necessário conhecer antes
abordar o jusnaturalismo, um conjunto de escolas.de direito que sustentava duas premissas básicas,
a saber (BOBBIO & BOVERO, 1994):
• que havia um conjunto de direitos naturais, ou seja, que não eram oriundos do Estado nem
de urna instância divina, cuja fonte exclusiva de validade estava na sua conformidade com a razão
humana
• que o Estado como forma de comunidade humana politicamente organizada surge de um
contrato entre os indivíduos, a fim de melhor garantir e tutelar os seus direitos naturais.
O Jusnaturalismo sustentava que não apenas o Estado, mas a própria sociedade era constituída
por. um pacto entre os indivíduos, sendo assim o contrato social desdobrado em dois tipos,
referentes a dois momentos sucessivos (BOBBIO & BOVERO, 1994):
• pacto de união, ou pacto societatis, mediante o qual os indivíduos decidem de comum
acordo viverem em sociedade, sendo a base que constituí a sociedade civil;
• pacto de submissão, que sucede ao primeiro, mediante o qual os indivíduos assim reunidos
decidem, de comum acordo, se submeterem a um poder comum.
Assim, o Jusnaturalismo não ignora os três fundamentos clássicos das obrigações6, cada um
disciplinador do exercício do poder em um. tipo diferente de associação (BOBBIO & BOVERO,
1994):
• sociedade doméstica: baseado no ex generatione, que é .a obrigação mediante a qual o filho
obedece os pais por ter sido por eles gerado;
• sociedade senhorial: baseada na ex delicto, ou seja, a obrigação do escravo obedecer ao seu
dono decorre de um delito cometido, ao qual era cominada a condição de escravo;
• sociedade política: ex contractu, onde a obrigação do súdito de obedecer ao soberano nasce
do contrato, oriundo este do pacto entre vontades livres e iguais, o qual dá origem à sociedade civil.

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Todavia, o Jusnaturalismo busca ultrapassar os limites do pensamento jurídico medieval sem,
contudo, romper completamente com os conceitos jurídicos romanos que regulamentam a própria
noção de contrato. Os limites da autoridade do poder soberano, por exemplo, são analisados a partir
dos conceitos oriundos do contratualismo medieval, que se baseava na lex imperium, onde o
populus conferiu ao Príncipe o poder que originalmente somente o povo era titular. Esse pacto de
submissão, todavia, sempre permitiu duas interpretações antagônicas, a saber (BOBBIO &
BOVERO):
• translatio imperii, onde a autoridade do Príncipe resulta de uma alienação total, que
compreende tanto o exercício quanto a titularidade do poder soberano;
• concessio imperii, onde se entende que o pacto implica tão somente na concessão limitada
do poder soberano, tanto no tempo quanto no. objeto, motivo pelo qual o Príncipe recebe tão
somente o exercício, mas não a titularidade desse poder.
Esses fundamentos são resgatados pelo jusnaturalismo, eis que ele busca formular
precisamente uma teoria racional, do Estado, prescindindo de argumentos teológicos, dentro do
processo de’contínua cisão entre a Igreja e o Estado, ao mesmo tempo que aponta a existência de
direitos anteriores e eticamente superiores ao direito positivo, que deveriam servir-lhe de referência
e limites.
Segundo BOBBIO & BOVERO (1994), a doutrina jusnaturalista considera o Estado
racionalmente concebido como a única entidade na qual o homem realiza plenamente sua própria
natureza racional. A saída do estado de natureza para o estado social não se faz por utilidade, mas
antes é um imperativo categórico. O Estado tem o valor intrínseco absoluto, pois é um ente moral,
ainda que não dependente de razões teológicas, já que o indivíduo não é livre senão no reino do
Direito, ondeio direito privado (natural) é submetido ao ,direito público (positivo).
Segundo os mesmos autores, esse abordagens jusnaturalistaa permite compreender a lei como
sendo o ato específico mediante o qual se explicita a racionalidade do Estado. A lei, enquanto geral
e abstrata, emana do Legislativo, representante da vontade geral (conceito muito trabalhado por
Rousseau), distinto do decreto do Príncipe, pois o que caracteriza o Estado, dentro da concepção
jusnaturalista, é precisamente o poder exclusivo de fazer leis.
WEBER (1994), considera a racionalização do Estado, ou seja, das formas de dominação,
característica fundamental da formação do Estado Moderno, passando pela redução de toda a forma
de direito ao direito estatal, a ponto de restar tão somente o direito natural do indivíduo
(reconhecido e tutelado pelo Estado) inserido no direito estatal, que é direito positivado.
Assim, se o Estado Moderno, segundo WEBER (1994), tende a optar por um modelo de
dominação racional-legal, o jusnaturalismo fundamenta juridicamente essa autoridade racional,
pelas seguintes características:
• primado da lei sobre os costumes e a jurisprudência
• relações impessoais entre o Príncipe e os funcionários, característica da forma burocrática de
organização do Estado
• relações impessoais entre funcionários e os súditos, e depois entre funcionários e cidadãos,
características do Estado de Direito
• laicização do Estado e subordinação do soberano às leis naturais que são as leis da razão
• concepção antipaternalista do poder, cuja meta não é a de fazer os súditos felizes, mas sim
de fazê-los livres, dentro dos limites do Direito
Esse modelo de Estado. proposto pelo jusnaturalismo tem como bases duas concepções
essenciais, quais sejam:
• uma concepção individualista do Estado, que passa a ser considerado como a somatória
de cada indivíduo que o compõe;
• uma concepção estatista da sociedade, que a partir do jusnaturalismo passa a ser entendida
como artificialmente criada a partir da racionalidade do Estado.
6. Esses conceitos são oriundos do direito romano, tendo sido largarmente adotados na Idade Média.
7. Oriundo da filosofia de Emmanuel Kant, significa, de forma simplificada, um dever moral que se impõe por si mesmo, independentemente das
preferências do sujeito ou de sua utilidade para o bem-estar público ou privado.

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A natureza do contrato: divergências e convergências
Conforme anteriormente afirmado, o modelo contratualista parte da premissa, comum a
todos :os autores, de que o princípio de legitimação das sociedades políticas é exclusivamente o
consenso. Esse consenso por sua vez, decorre do contrato, expresso ou tácito, firmado pelos homens
entre si, no sentido de concederem a um deles, ou a uma assembléia deles, a capacidade de fazer as
leis e de impor o seu cumprimento a todos os membros da comunidade.
O contratualismo moderno, aquele desenvolvido por, Hobbes, Locke e Rousseau, apresenta
divergências quanto ao modelo de realização e quanto ao conteúdo do pacto. A historicidade do ato,
ou seja, se a transição entre o estado de, natureza e o estado civil ocorreu factualmente, num
momento específico do tempo, é secundária, tendo em vista que o contrato é concebido como uma
necessidade da razão, eis que o contrato original é o único princípio de legitimação válido para o
exercício racional do poder, não precisando derivar de um fato realmente ocorrido para ser válido
(MATTEUCCI, 1992a).
Assim, no que se refere à modalidade do pacto, nós temos duas posições, a saber
(MATTEUCCI, 1992a):
• dupla modalidade, seguindo as premissas do jusnaturalismo, mediante as quais temos a
constituição primeiro da sociedade civil, mediante um pacto de associação. ente: indivíduos iguais e
livres, portadores dos mesmos direitos naturais, seguido da constituição do Estado, mediante um
pacto de submissão pelo qual os indivíduos assim reunidos se submetem a um poder comum;
• modalidade única, sendo uma inovação de Hobbes, que eliminou o pacto societal, pois para
esse autor o pacto de união supõe que cada um dos indivíduos que compõe a . multidão cede o
direito de autogoverno a um terceiro (príncipe ou assembléia), desde que todos os outros façam
simultaneamente a mesma coisa, motivo pelo qual o contrato é a um só tempo um pacto de
sociedade e de submissão.
No que diz respeito ao objeto do contrato, este é sempre concebido como sendo a
transferência de direitos naturais, que são inerentes ao homem no estado de natureza, para a
sociedade ou Estado. A extensão dessa alienação é, todavia, percebida de forma diversa pelos
autores, a saber (BOBBIO & BOVERO, 1994; ROSS, l983):
• Hobbes: Para esse autor, a titularidade dos direitos naturais, e não apenas o exercício destes,
é transferido para o Soberano; todavia, não defende uma alienação total, visto que toda a renúncia
que sustenta o contrato social tem por finalidade garantir a segurança da Própria vida, sendo este o
único bem inalienável, que quando ameaçado ou não suficientemente protegido ilide o pacto e
confere ao indivíduo a prerrogativa de se defender como bem entender, a margem ou mesmo contra
o Soberano.
• Locke: concebe uma alienação muito parcial dos direitos naturais do indivíduo em favor do
Soberano, eis que a única falta que impede a perfeição no estado de natureza é a de um juiz
imparcial que possa julgar sobre a razão e o erro sem ser parte envolvida; na medida em que o autor
considera o estado civil instituído para tutelar a propriedade, que engloba também a liberdade
pessoal, os indivíduos conservariam todos os direitos naturais menos um, que é.o de fazerem justiça
por si mesmos.
• Rousseau: Paradoxalmente, esse autor é o que concebe urna alienação mais total, pois
entende que o contrato social não aliena os direitos naturais para os outros, roas para si mesmo; a
transferência total de direitos naturais ao corpo político tem a finalidade de fazer com que sejam
dados a todos os membros desse corpo leis que cada um reconheça que teria imposto si próprio no
estado de natureza, se nesse estado pudesse exercer a razão.
Assim, se anteriormente observamos divergências dos autores acerca do estado de natureza,
agora podemos observar essas divergências no que diz respeito ao conteúdo da sociedade civil.
Essas divergências se dão a partir de três problemas acerca da natureza do poder soberano e de suas
relações com os indivíduos, a saber:
• se o poder soberano é absoluto ou limitado;
• se o poder soberano é indivisível ou divisível;

18
• se o poder soberano é irresistível ou resistível.

Poder soberano absoluto ou limitado


Hobbes e Rousseau defendem o caráter absoluto do poder, visto que os três consideram que o
Soberano não é obrigado a respeitar as. leis civis por ele criadas nem pode ser submetido a
julgamento por seus súditos.
Essa colocação não permite inferir que o Soberano exerce poder ilimitado, mas que está acima
das leis civis (aquelas consagradas pelo direito positivo), sendo limitado somente pelo direito
natural, que é o fundamento último de sua autoridade. Tampouco permite falar em despotismo,
visto que o Estado deve permanecer fiel aos princípios racionais que orientaram sua criação, sob
pena de ruptura com o contrato e retorno ao estado de natureza.
Locke é mais abrangente, defendendo abertamente o direito de insurreição quando as leis
civis são violadas pelo Soberano, visto considerar, em primeiro lugar, que o contrato não consiste
na. alienação dos direitos naturais em favor do poder assim constituído; e, em segundo lugar, que
não admite que o Soberano possa estar acima das leis civis, pois isso o colocaria em estado de
natureza.

Poder indivisível ou divisível

Nenhum dos três autores admite a. divisão da soberania. O que eles admitem é tão somente o
exercício das funções soberanas do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) por organismos
diversos. Particularmente Locke e Rousseau consideram o Poder Legislativo superior aos demais,
enquanto Hobbes tende a concentrar a soberania no Poder Executivo. Todavia, nenhum dos três
admite o Governo misto8.

Poder soberano irresistível ou resistível


Nesse aspecto em particular, duas posições surgem, conforme se considera como mal extremo
a ser evita, ou a tirania (exacerbação do poder exercido pelo Soberano em detrimento dos direitos
dos indivíduos) ou a anarquia (ampliação exacerbada da esfera de liberdade privada em detrimento
do bem comum e da autoridade do Soberano):
• o contra a tirania: Locke considera a tirania o primeiro mal, devendo os súditos desconhecer
e resistir ao Soberano quando ele, extravasa os limites do contrato social ou desrespeita os direitos
naturais dos indivíduos; para Locke, o mau governo é passível de resistência, dado que trata seus
súditos não como homens racionais, mas como escravos.
• contra a anarquia: Hobbes sustenta a obediência incondicional; admite, contudo, que o
usurpador não merece obediência e, deve ser combatido como inimigo; considera mau governo
aquele que não é capaz de proteger os seus súditos, cuja obrigação perante o Soberano dura
enquanto durar o poder deste de proteger os súditos.
A posição de Rousseau é mais ambígua. Posto diante do dilema fundamental para qualquer
teoria racional do Estado, qual seja, equacionar dois bens fundamentais aparentemente
contraditórios, a obediência ao poder soberano e a liberdade dos súditos, o autor reafirma a
liberdade como bem prioritário, mas ao mesmo tempo defende o dever de obediência absoluta, na
medida em que entende por obediência a submissão à lei que cada um prescreve para si mesmo, o
que consistiria, paradoxalmente, na liberdade (BOBBIO & BOVERO, 1994).

8. Governo misto e tripartição de poderes soberanos do Estado são duas coisas diferentes: no Governo misto temos a divisão da soberania que repousa
em entes distintos, geralmente representando diferentes categorias de cidadãos, cada um dotado de soberania própria e distinta dos demais; na
tripartição de poderes, temos um só ente soberano, cujas funções típicas, de fazer leis, executar as leis e dizer o direito são exercidas mediante
delegação por organismos independentes e harmônicos entre si.

19
DISTINÇÃO PÚBLICO E PRIVADO, CULTURA POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO

É o público uma esfera? Uma esfera pública? Sobre qual conceito se constitui essa esfera?
Podemos pensar na idéia neutra de um espaço? Se é um espaço, sob que regras constitui a sua
ocupação? Estas regras dizem respeito a que atores? Exclui-se alguns? Poucos? Muitos? Quase
todos? Que público participa do público? Quais meios tecnológicos são utilizados na sua
constituição? Tratam-se de algumas perguntas, outras ainda poderiam ser feitas e respondê-las não é
uma tarefa tão fácil.
Vamos imaginar uma metáfora associando a idéia de público a um espetáculo teatral.
Veremos que num espetáculo de um lado existe os atores e de outro o público. O enredo, o roteiro
deste espetáculo pôde ter um ou mais de um autor.. O público,, de modo geral, não é obrigado
compulsoriamente a assistir ao espetáculo, é? Geralmente para se ter acesso como público a um
espetáculo, temos muitas vezes que pagar ingresso; raramente um bom espetáculo, com bons atores
é de graça.
Nessa pequena metáfora, já podemos detectar alguns problemas. O primeiro é o de existir de
um lado atores e de outro público. Aqui, o público movido por um determinado interesse pode ser
no máximo um bom espectador, atento mas espectador mais ou menos passivo em relação a trama
que engendra o espetáculo? Os atores expressam um roteiro que podem possuir um ou mais autores.
Nessa metáfora há claramente uma dissociação entre autor e ator. Nesse espetáculo específico, o
autor sé comunica com o público indiretamente através dos atores que traduzem a sua criação.
Para dar lógica e beleza ao espetáculo, existem vários suplementos (luzes, cenários, etc.). Há,
também, toda uma organização que dá suporte ao espetáculo. Temos a figura do diretor, como um
gerente capaz de dar eficácia na relação da criação, do autor com o público através da trama
desenvolvida pelos atores. Também temos a, figura, dos semi-artistas (maquiadores, estilistas,
elaboradores de cenários e de figurinos); ainda temos os trabalhadores braçais, construtores de
cenários, carregadores, responsáveis pela limpeza, pela portaria, pela bilheteria, etc. Isso demonstra
que na construção de um espetáculo existe uma rede diferenciada de interesses e uma intrincada
divisão de trabalho.
A partir dessas indagações, podemos agora penetrar um pouco mais nos estudos clássicos já
realizados sobre essa complicada problemática e a heterogênea rede de relações entre a esfera
pública e a esfera privada.
Uma posição geralmente muito utilizada nos estudos clássicos é a abordagem de
contraposição, ou seja, a idéia de público só tem sentido em contraste com a idéia de privado e vice-
versa. Assim, segundo esses autores, temos de um lado o privado, que.está sob a minha inteira
governabilidade individual, o que é meu, do tipo: “minha” família, “minhas” propriedades, “meus e
minhas” amigas, minha corporação2,.., para esses autores, essa governabilidade não pode estar
implicada mima extensão ilimitada do eu. Por exemplo, se sou um grande proprietário de terras, o
público não poderá se reduzir a construção de um poder comum entre todos os proprietários de
terras que tenha apenas por objetivo garantir que as minhas propriedades continuem sendo minhas.
Nesta perspectiva, numa sociedade com vários e diferentes privados, o poder público não
poderá atender apenas uma pequena parcela privada de interesses. A construção de um poder
público se expressa numa rede complexa de interesses privados, bem mais abrangente, por exemplo,
do que uma espécie de sindicato de proprietários de terras. E essa questão que encontramos em
Duarte (1965) quando esse autor constata a privatização da organização política nacional,
independente de que venhamos ou não a concordar com algumas suas conclusões.
Dentro dessa . mesma abordagem, quando uma determinada parcela de atores buscam
associar seus interesses particulares com o interesse público, universalizando para todos dá valores,
a cultura e os interesses particulares que são apenas seus, temos, para esses autores, uma absoluta
substituição do público pelo privado, ou mais especificamente, uma privatização do público. Assim,
utilizando nossa metáfora do espetáculo, o público é um espaço onde o ator se apropria do espaço
do público, sendo ao mesmo tempo ator e público.

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Outros autores se perguntam sobre quem dará o suporte organizacional e os meios para
realização deste espaço público? A não ser que não exista mais a esfera privada e que toda ela tenha
se fundido na esfera pública, onde o público como um não-privado deixou de existir, não
necessitaríamos de um suporte organizacional para sua realização?
Aqui podemos inserir a preocupação teórica de Raimundo Faoro (1991) quando este afirma
que, por decorrências históricas e culturais que se originam na especificidade da formação social
portuguesa colonizadora, um estamento burocrático no Brasil privatizou o poder e determina as
regras, convida quem quer para os espetáculos, ele é o dono do poder público. Em suma, foram os
responsáveis a darem suporte ao espetáculo que acabaram por privatizar o espaço público.
E possível um espaço público neutro capaz de possibilitar o trânsito de todos os interesses
particulares e conflituosos? Os responsáveis pela construção e execução desta esfera pública não
estão também sujeitos a interesses particulares e, neste sentido, não teria Faoro uma boa dose de
razão?
Um outro ângulo de ver a questão sobre a mesma perspectiva encontramos em diversos
autores assumem quando estes abordam a idéia de público como uma simples extensão do privado.
Aqui alguns autores criticam a perspectiva privatista do público por seus interlocutores não
realizarem um devido corte, uma ruptura entre as esferas privada e a pública. Assumem, implícita
ou explicitamente a visão de que o espaço público deve possuir uma autonomia e regras próprias
independentes do interesse privado. Essa posição é bem presente em Diniz e Boschi (1991) e
também, está muito clara nas abordagens teóricas das elites ou de circulação de elites no poder
público, principalmente em Carvalho (1980), sobretudo em seu brilhante trabalho “A Construção da
Ordem”.
Encontramos também essa perspectiva muitas vezes é mareada por urna demarcação ética; e
defendendo muitas vezes um ethos público marcado pela construção. abstrata e normativa tomada
por uma projeção teórica e não-histórica concreta: Neste sentido, o público ou a esfera pública
torna-se para muitos um dever ser sobre a realidade, ou seja, concretamente. não existe - é uma
projeção finalística. A questão passa pela simples explicação de que a esfera pública é um recurso
heurístico para a construção critica de uma realidade !imitante. Muitos autores passam a.considerar
a esfera pública como um valor já dado: ela é simplesmente pública, portanto, não necessita de
maiores explicações. A partir daí, discorrem pela sua não-realização concreta e histórica diante de
uma esfera pública que já está dada heuristicamente e cuja única coisa da qual conhecemos é a sua
não-realização histórica perfeita.
Outro aspecto a ressaltar e que para alguns autores enfrentam também esta temática com
diferentes nuanças, onde a realização do público passa pela construção de uma racionalidade
universal. Estes autores estão influenciados - principalmente - pelas posições do cientista social
alemão Max Weber, que descreveu um tipo de relação criado por mecanismos racionais e
impessoais para os procedimentos e regras a serem executadas por uma moderna burocracia. Para
esses autores, a crítica das manifestações privatistas da esfera pública no Brasil se dá pela ausência
ou não desta moderna burocracia não permitindo a superação do patrimonialismo, do coronelismo,
etc. Esta perspectiva marca muito a obra de Uricoechea (O Minotauro Imperial, 1978), bem como, a
análise do próprio Raimundo Faoro (1991) que discorre sobre a incapacidade universal do
estamento burocrático na constituição desta esfera pública racional.
Na complexa relação entre o privado e o público encontramos também posições de autores
que discorrem sobre a incapacidade da realização de uma ordem burguesa e liberal no Brasil. Esta
questão está presente nos textos de Santos (1978) é do próprio Carvalho (1991), onde se encontra
implicitamente e no texto de Diniz e Boschi (1991).
Outro aspecto fundamental a ser considerado é a relação da construção da esfera pública com
as complexidades regionais desenvolvidas esta temática a que vamos nos ater com mais acuração
neste texto foi mais explicitamente por Schwartzman (1975).
Por fim, cabe lembrar que existem outros autores que abordaram outras importantes questões
sobre a construção de uma esfera pública no Brasil como, por exemplo: a construção do espaço
público e a sua relação com a construção nacional ou mais precisamente com a própria construção

21
da nação brasileira, questão essa desenvolvida por Oliveira (1990); a posição dos comunistas no
Brasil na tentativa da “conquista” do poder público, ainda que marcada por um determinado período
histórico, trabalhada por Pinheiro (1991); os aspectos culturais do homem cordial brasileiro
levantados por Holanda (1963); a questão democrática na relação com a construção da esfera
pública, desenvolvida em vários textos da historiografia política do Brasil que trabalharam temas
como representação partidária, liberalismo político no Brasil e outros.
De fato, as questões que abarcam esta temática são tantas que se faz necessário hierarquizar
algumas delas para podermos melhor dar conta de alguns aspectos mais gerais e que julgamos mais
relevantes. O importante é termos claro de qual público e de qual privado estamos nos referindo?
Pois não devemos nos esquecer nunca que estarmos diante de urna temática. complexa de
heterogeneidade abordagens conceituais.
Um dos trabalhos mais criativos da política brasileira é a obra de José Murilo de Carvalho
(1991), “Os Bestializados”.
A idéia de Aristides Lobo (apud Carvalho, 1991) de que o povo assistiu bestializado a
Proclamação da República (como se fosse uma parada militar da qual ninguém sabia o que estava
acontecendo), idéia que Carvalho (1991) questiona, é significativa para desenvolvermos uma
reflexão.
A noção de que a sociedade civil é composta por bestas incapazes de um autogoverno está
muito presente na cultura política brasileira.
A decorrência deste fato é a necessidade de uma elite civilizada no Estado que tem como
missão histórica salvar e civilizar o país. O Estado passa a ser um ente, que por imanência é
progressista, e moderno pela sua própria natureza.
A social democracia viu no Estado um espaço com possibilidade de realizar uma condensação
de forças capai de fundir o social no próprio Estado. Neste sentido, a questão social era uma questão
do Estado. Porém, esta condensação de forças é produto de uma tríade pactualizada com um forte
sindicalismo nacional, de agentes econômicos oligopolizados e de uma burocracia estatal
centralizada e competente o suficiente para dar “funcionalidade” e socializar os ganhos do processo
de industrialização, entretanto, sem ferir os interesses que pudessem decompor este pacto.
No Brasil, certamente isto não ocorreu. O Estado foi. um dos motores fundamentais de
realização de uma infra-estrutura industrial. A velha noção planificadora onde existe um Estado que
é sujeito e uma sociedade que é objeto implicou uma relação autoritária com a sociedade civil.
Muito do viés do estatismo autoritário da cultura comunista e socialista. vem desta lógica
imanente e progressista do Estado, a ponto de muitas vezes querer reduzir a estratégia política do
socialismo a um simples ataque frontal ao Estado, para impor um novo perfil no processo político
dá país.
A conseqüência desta lógica é a criação ilusória de uma racionalidade anticapitalista do
Estado brasileiro, como se este fosse uma realização do não-mercado, capaz de impor um controle
total e absoluto ao “desenvolvimento moderno” frente ao arcaísmo vigente no país. Urna
“racionalidade” capaz de impor, regular e tutelar a sociedade civil. Esta lógica, marcou
profundamente a formação cultural do projeto de modernização industrial e inclusive a cultura
política socialista do país.
Esta fusão mecânica do público rio Estado permite indagar se a solução autoritária da esfera
pública no Brasil não é muito mais uma consequência da ausência de urna sólida cultura
democrática no país.
Neste sentido, o trabalho de Wanderley Guilherme dos Santos é profundamente original. O
autor, indagando sobre o período de crise do governo Goulart comenta: “(...) os objetivos visados
pela nova versão do autoritarismo instrumental eram a intervenção do Estado, o nacionalismo e o
maior avanço possível em direção ao socialismo.” (Santos, 1978. p 107) (grifos do autor do
trabalho)
No Brasil, até mesmo para ser democrata, era necessário instaurar um regime político
autoritário. Segundo os princípios dos liberais doutrinários, mas também para os socialistas
autoritários, um regime forte seria um instrumento da modernização para uns e a consolidação da

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democracia política para outros, porém num indeterminado futuro próximo. O conceito de Santos
(1978), do autoritarismo instrumental, marca a predominância de uma racionalidade que separa
meios de fins, que normatiza impositivamente os conflitos sociais e que impede a construção de
uma esfera pública democrática no país.
Apesar disto, discordamos do autor quando diz: “constituiria grosseira simplificação supor
que a burocracia pública está aí para abandonar-se a dinâmica do privatismo” (Santos, 1978. p 116).
E diz ser: “improvável que a visão estritamente capitalista venha se impor monoliticamente”.
(Santos, 1978. p 116). Também discordamos de Carvalho (1980) quando defendeu impossibilidade
de a elite política (mesmo a imperial) ser um mero reflexo dos interesses econômicos. É necessário
proceder com maior cautela sobre estas afirmações. Não cremos ser a burocracia ou a “elite” no
Estado um ator com tanta autonomia assim. Longe de considerar o Estado um simples escritório
gestor dos interesses privados, devemos nos conduzir sobre esta vinculação com pressupostos mais
convincentes em relação a essa autonomia do corporativismo estatal.
Quais seriam estes pressupostos? Desenvolvê-los não é tarefa fácil. As pistas dadas por Diniz
e Boschi (1981) permitem afirmar que o corporativismo estatal tem uma autonomia muito mais
relativa do que se supõe, e suas decisões são processos de pressões estruturados em conflitos
existentes na sociedade brasileira. O modo através do qual os canais se encontram fechados para os
trabalhadores e, sobretudo, para amplas parcelas de urna economia clandestina e subterrânea impôs
uma institucionalização do público que consagrou o que os autores chamam de “desigualdade
estrutural” no acesso dos processos de tomada de decisões “públicas”.
A própria articulação direta entre os interesses do corporativismo estatal com a sociedade civil
impossibilitou e fragilizou as mediações intermediárias que seria, segundo o autores, um papel a ser
realizado pelos partidos políticos. Discordamos dessa afirmação, entretanto pensamos que podemos
seguir as pistas de Diniz e Boschi (1981) que elas poderão levar-nos a algumas novas revelações e
distanciarmos em relação às proposições de Santos sobre a burocracia estatal e de Carvalho sobre.a
elite imperial, mesmo que Carvalho (1980) e Diniz e Boschi estejam tratando de períodos distintos,
historicamente determinados.
Retomemos a Nestor Duarte. Não pretendemos simplificar a inexistência de lima esfera
pública no país apenas pela confusão do público com o privado, porém esta esfera pública no Brasil
sempre foi um espetáculo onde participava ativamente um público muito reduzido. Neste sentido, as
preocupações de Duarte (1965) são importantes, não pelo fato de universalizarmos
simplificadamente o patrimonialismo para todas as regiões do país, mas por atentarmos para sua
preocupação principal, que é a privatização da esfera pública no país.
Quando os neoliberais tupiniquins afirmam, com todas as letras, “vamos privatizar o público
no Brasil” (entendendo este apenas como ação econômica do Estado no mercado empresarial), as
coisas ficam no mínimo um pouco engraçadas. Como é possível privatizar ainda mais o público no
país?
Talvez, se a cultura política socialista rompesse suas relações mal resolvidas com a
democracia e sua rigidez moralista frente a idéia de mercado, ficaria certamente em melhor posição
para defender uma construção ampliada e democrática da esfera pública no Brasil em contraposição
ao projeto neoliberal. Enquanto a cultura socialista estiver amarrada a uma racionalidade imanente
da realização do não-mercado no Estado, estará impotente para responder com profundidade aos
problemas levantados pelo neoliberalismo, problemas a que este último responde superficialmente,
como se existisse um único e uma única lógica de mercado através do qual, pelo equilíbrio da oferta
e da procura, encontrar-se-ia a solução mágica da “nova” modernidade e do próprio fim da história.
(Fonte: http://www.humanas.unisinos.br/disciplinas/politica/publico/geralpub.htm)

REPRESENTAÇÃO, DEMOCRACIA, CULTURA POLÍTICA, GOVERNABILIDADE

Essas relações entre conflito e consenso terminam por balizar a lógica de ação política do
governo atual, no Brasil: transição apoiada em fundamentos macroeconômicos e construída em

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regras de governabilidade democrática. Para alcançar níveis de sustentabilidade de desenvolvimento
e inclusão social dentro de prazos relativamente curtos (primeira metade do mandato).
Mas a dimensão da governabilidade envolve a questão das democracias majoritárias ou
consensuais, abordada por Arend Lijphart, em seu recente Modelos de Democracia, no qual o autor
analisa desempenho e padrões de governo em trinta e seis países. O modelo de democracia
majoritária concentra o poder nas mãos de pequena maioria ou de maioria simples, ao invés de
maioria absoluta. Por sua vez, o modelo de democracia consensual tenta compartilhar, dispersar e
limitar o poder de várias maneiras. O modelo majoritário é mais competitivo. E o modelo
consensual é mais negocial, porque proporciona participação mais ampla das pessoas na tomada de
decisões e tenta melhor representar as minorias.
No modelo de democracia majoritário o governo pode ser capaz de produzir decisões mais
rápidas do que o governo no modelo de democracia de consenso. Mas decisões rápidas não
significam necessariamente decisões sábias. Por outro lado, segundo Finer, no caso da gestão
macroeconômica, as políticas apoiadas por amplo consenso têm mais probabilidade de se
realizarem com sucesso e permanecer duradouramente do que as políticas impostas por governo
“com grande poder de decisão” contra desejos de expressivos setores cia sociedade.
No campo da manutenção da paz civil, em sociedades divididas, Lijphart defende que
conciliação e acordo, objetivos que requerem maior inclusão possível de grupos rivais nas decisões,
são mais importantes do que adotar decisões rápidas. O autor acentua também que generosidade e
benevolência são atributos de governo no modelo de democracia de consenso. E favorecem a
adoção de políticas de proteção do meio-ambiente de proibição da pena de morte e de assistência
econômica às nações em desenvolvimento.
Nesse contexto, a descoberta de espaços de concordância será mais construtiva do que a
pressa que se obtém simplesmente com maioria na contagem de votos. Porque, por meio de
consenso, é possível agregar mais harmonia como valor no resultado final. Como disse um
professor nigeriano, citado por Lijphart, política jamais deve constituir jogo de soma zero.
O modelo consensual apresenta como principais características:
• Partilha do Poder Executivo por meio de gabinetes de ampla coalizão
• Sistema multipartidário
• Corporativismo de grupos de interesse
• Bicameralismo
• Rigidez nas alterações da Constituição
• Independência do Banco Central
Ao se observar o comportamento político do governo Lula, vê-se que ele está mais próximo
do modelo consensual. A imensa capacidade de escutar do presidente parece se refletir na postura
ouvinte de sua equipe. E a paciente consideração do governo em relação a problemas antigos e
complexos, pode ser via para construir soluções pedagogicamente.
Nesse sentido, conforme o espírito do modelo de democracia de consenso, construir soluções
não será apenas achar, a qualquer custo, saída para problemas de gestão política. Mas será
sobretudo caminho para tentar agregar valor político ao processo de governabilidade.
A política do governo de produzir círculos de consenso pode se transformar, na esfera
participativa, em complemento da democracia representativa. E pode constituir também vetor de
qualificação política em alternativas e contribuições ao debate. Ao buscar consenso em instâncias
sociais, o governo atua em duas direções: de um lado, amplifica a voz de segmentos da sociedade
procurando gerar vínculos de lealdade, na linha defendida por Hirschman. Aqui, talvez o exemplo
mais próximo seja o do diálogo aberto com as Centrais Sindicais. De outro, mobiliza recursos
sociais e políticos em beneficio da política de mudanças. Neste caso, o governo, fornece moldura
para que sociedade e instituições engrossem seus anseios de avanço social em face do Congresso
Nacional. E o exemplo mais recente pode. ser o da participação dos governadores na reforma da
Previdência.
Na perspectiva do governo Lula, política de consenso pode ser característica que se acrescenta
a um perfil político, ao lado .da estabilidade na economia, da governabilidade e da inclusão social.

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Enquanto estas funcionam como âncoras, a política de consenso opera como bússola, identificando
possibilidades e limites na realidade.
A idéia de arranjos consociativos de poder tem sido tratada na ciência política sobretudo por
Arend Lijphart, em numerosos textos. Consociativismo é a fórmula prática encontrada por países
divididos por clivagens religiosas, étnicas, raciais ou regionais para permanecerem como uma única
comunidade política democrática. As duas características principais e complementares da chamada
democracia consociativa são a formação de uma grande coalizão e a autonomia segmental. As
decisões sobre assuntos comuns são compartilhadas pelos representantes dos diversos segmentos, e
as demais decisões ficam no âmbito destes segmentos. Adicionalmente, a democracia consociativa
caracteriza-se pela proporcionalidade na representação política e nomeações de serviço público e
destinação de recursos públicos e o veto da minoria com relação a assuntos vitais para ela. Lijphart
contrasta esse tipo de arranjo ao da democracia majoritária, em que, em princípio, a maioria leva
tudo e seria difícil de aplicar em sociedades com as características acima arroladas.
Um dos centros das atenções dos estudiosos da política nas últimas décadas tem sido a
democracia. E não poderia ser diferente, uma vez que a invenção democrática foi fruto de um Misto
de proposição intelectual normativa, em certa medida idealista, com uma profunda ligação orgânica
de seus fundadores com o mundo em que viviam. Nos países que foram gestores e berço desta
construção simbiótica de capitalismo e democracia, como a Inglaterra e os Estados Unidos, esse
sistema político faz parte do cotidiano das pessoas. A valorização do sistema democrático foi
internalizada pelos cidadãos desses países, através de um sólido processo de socialização política.
A realidade latino-americana, entretanto, é substancial e historicamente diferente. Por
exemplo, aqui o surgimento do capitalismo se deu sem que existisse uma base social, política,
econômica ou ideológica de cunho liberal. Dessa forma, ao contrário do que acontece com os povos
chamados desenvolvidos, a democracia liberal não é tão natural na América Latina. Não é sem
fundamento, portanto, o questionamento das bases de legitimação da democracia em seu modelo
liberal entre nós. As interrogações sobre o que se entende por democracia e quais são as condições e
vias possíveis para a sua consolidação nos países latino-americanos têm produzido debates em
múltiplas dimensões. Para resolver esse impasse, talvez a melhor solução seja a divisão analítica de
democracia em duas perspectivas (não mutuamente exclusivas): uma, que prioriza seus aspectos
formais ou suas singularidades; outra, que prioriza (ou centraliza a atenção em) o seu conteúdo.
Essa divisão foi utilizada em detrimento de outras talvez mais usuais, como, por exemplo, o
binômio democracia majoritária-consensual (ou consociacional) de Lijphart (1984), ou a divisão
minimalista versus maximalista, de Di Palma (apud Moisés, 1995), por parecer mais adequada a um
estudo sobre a América Latina, onde a democracia como regra tem se restringido aos seus
procedimentos, e por não sugerir a existência de um gradiente de democracia, quando o que parece
ocorrer é, em realidade, uma dicotomia. Por outro lado, essa divisão analítica permite a constatação
empírica dos paradoxos tratados neste trabalho, bem como a operacionalização do conceito de.
democracia, a partir de uma perspectiva de Cultura Política.
Em um extremo da divisão conceituai realizada, estão as concepções que entendem
democracia como princípios a serem seguidos ou respeitados. Para elas, mais que saber ou estudar
como funciona uma democracia real ou procurar listar requisitos mínimos que a caracterizariam;
importaria definir ou caracterizar os seus limites substantivos. Dito de outra forma, a democracia
não se limitaria à existência de determinadas regras, procedimentos e ritos, mas fundamentalmente
à qualidade a ela inerente. .
Dentro dessa perspectiva, democracia não poderia receber qualquer tipo de adjetivação: ou a
sociedade seria democrática, ou não. Assim, com base nessa concepção, de forma alguma se
poderia pensar na existência de uma democracia relativa (eufemismo criado durante o regime
militar brasileiro), na qual algumas regras, procedimentos ou princípios estivessem sendo
respeitados em detrimento de outros. É possível, defendendo a mesma perspectiva, argumentar em
sentido exatamente inversa, como faz Augustin Cueva (1988): a democracia realmente existente
necessitaria de qualificativos para dar-lhe um real conteúdo, como, por exemplo, através da sua
vinculação com o Estado de Bem-Estar.

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Uma outra característica deste enfoque de democracia como conteúdo (na realidade, seu
corolário) é o entendimento de que ela é um meio de resolução de problemas políticos, não um fim
em si: ao serem enfatizadas a tecnologia eleitoral, as instituições e os procedimentos formais, se
estaria invertendo esta premissa.
No outro Extremo da divisão proposta, encontramos a democracia como forma. O termo
forma é utilizado aqui como Bobbio (1989, p. 157-8) o empregou, ou seja, limitando o conceito de
democracia basicamente às suas regras, aos seus procedimentos e aos seus ritos. Assim considerada,
a democracia nada mais seria que um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que
estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com que procedimentos.
Joseph Schumpeter, por sua vez, escreveu um profundo tratado, no qual realiza uma crítica à
concepção clássica de democracia. Para tanto, utilizou conceitos de sociologia política que os
autores clássicos desconheciam, como socialismo e classes, entre outros. Em seu trabalho, fica
implícita a necessidade de operacionalização do conceito de democracia, ao vincular uma
determinada forma (de adquirir o poder) a uma determinada função (tomada de decisões políticas).
Nesse sentido, a questão de forma toma relevância por ser um modo (institucional) de resolver uma
função, cuja necessidade de resolução, de sua parte, independe das regras que a sociedade adota
para a sua consecução. Dito de outra forma, o conceito de democracia estaria intrinsecamente ligado
a uma opção social. E conclui quando se refere ao método democrático, enfatizando que não existe
(..) nenhuma razão geral contra ou a favor dele (Idem, p. 352). Ou seja, o que caracterizaria a
democracia seria o método democrático, e não seus aspectos substantivos.
Outro autor que se preocupou com a democracia enquanto forma foi Robert Dahl (1956), que
sintetizou o conceito de democracia em uma série de princípios. Rebatizando-a de poliarquia, Dahl
constrói uma definição de democracia que ao mesmo tempo a caracteriza e operacionaliza.
Será, contudo, outro autor - Anthony Downs (1957, p. 23) - que irá tratar a democracia,
essencialmente como sua forma. Downs, para evitar premissas éticas, irá definir democracia pela
enumeração de certas características, as quais evidenciam que os procedimentos e as regras do jogo
são, para o autor, o que a singulariza. Assim vista, ela existiria se uma série de condições fosse
satisfeita. Diferentemente de Robert Dahl, portanto, Anthony Downs não postula a possibilidade de
níveis de democracia, mas tão-somente considera sua existência ou não, se atender aos requisitos
absolutos que enuncia. Não existe em Downs espaço para qualquer tipo de debate sobre o conteúdo
da democracia: uma sociedade é democrática ou não é, bastando para tanto cumprir determinadas
condições.
O importante a ser considerado nesses autores é que, em menor ou maior grau, manifesta ou
latentemente, de modo proposital ou não, todos eles contribuíram para a criação de uma concepção
de democracia que a trata essencial ou principalmente em sua forma, procurando considerá-la
(alguns de modo explícito) como um método universal (Coutinho,1980).
Vale ressaltar que o conceito de Cultura Política foi originalmente introduzido pela obra
fundacional The Cvic Culture: political atttitudes and democracy in five countries, de Gabriel A.
Almond e Sidney Verba, lançada em 1963. A tese que embasa todo aquele trabalho é a de que
existe uma relação causal entre a opinião da população e a possibilidade de. surgimento do sistema
democrático e .sua estabilidade. É importante considerar que essa hipótese subverte o caminho
usual da análise política até então: segundo ela, o centro explicativo da política deixa de ser as
instituições políticas e passa a ser o eleitorado, com suas atitudes e ações (Baquero, Castro, 1996;
Castro, 1996).
Segundo Baquero e Prá (1992, p. 6), o conceito de Cultura Política se refere ao processo
através do qual as atitudes dos cidadãos são estruturadas em relação ao sistema político. O
pressuposto básico do conceito de Cultura Política é que existe um comportamento político e que
ele pode ser conhecido pelo uso de pesquisas e técnicas especificas. Em suma, essas técnicas
permitiriam o conhecimento do comportamento do eleitorado e, em conseqüência, das relações
existentes entre as opiniões sobre a democracia e a estabilidade democrática.
Desde o seu surgimento, no entanto, o conceito e os pressupostos envolvendo Cultura Política
têm sofrido uma série de críticas, não apenas por parte daqueles que não os aceitam, mas,

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sobretudo, e especialmente, de estudiosos que atuam no campo de conhecimento inaugurado por
Almond e Verba. E a principal e mais séria crítica diz respeito aos pressupostos da obra The Civic
Culture: a postulação de um determinado tipo de Cultura Política como requisito necessário e
absoluto para a constituição e consolidação da democracia, no caso, a Cultura Cívica existente no
Estados Unidos e na Grã-Bretanha (Pateman, 1989). Essa perspectiva não considera que as
diferentes Culturas Políticas são fruto de diferentes experiências históricas e que não
necessariamente caminham para a mesma conformação institucional. Além disso, coerente com a
Ciência Política norte-americana da época do pós-guerra, Almond e Verba defendem a democracia
liberal como modelo ideal de sociedade, encontram relações de causalidade entre democracia e
Cultura Política, apontando dessa maneira para á necessidade de existência de uma cultura cívica.
Ainda que não haja um consenso na literatura pertinente, uma série de autores advoga a
necessidade de set feita uma adequação dos conceitos originais de Cultura Política, tornando-os
mais próximos da realidade latino-americana (Tumer, 1995).
Assim, o conceito de Cultura Política foi originado a partir de uma concepção normativa de
sociedade baseada em um determinado tipo de experiência histórica vivenciada por determinados
países. Dito de outra forma: o conceito original, além de ser etnocentrista, não consegue dar conta
das realidades não consideradas em The Civic Culture. Mas, se as proposições de Almond e Verba
não conseguiram dar conta das inúmeras realidades, inauguraram uma nova forma de analisar e
explicar a política. A partir daí, a evolução do debate teórico sobre o tema, bem como a
possibilidade e a disseminação de novos estudos empíricos, permitiram que hoje se possa falar em
uma teoria de Cultura Política que vai além da classificação proposta em 1963. Dessa forma, em
vez de enquadrar as diferentes sociedades em uma tipologia construída a priori, os estudos de
Cultura Política devem servir para que se construa uma compreensão da realidade que considere as,
diferentes experiências históricas.
Desde os estudos que pretendiam encontrar uma causalidade entre desenvolvimento
econômico e construção da democracia na década de 60, passando pela teoria da dependência dos
anos 70, sempre esteve subjacente ao debate acadêmico sobre a democracia na América Latina a
indagação sobre quais são os reais pré-requisitos para a sua instalação e estabilidade (Smith, 1995).
O fato de ser um assunto muito estudado não significa que haja consenso .em relação a
importância da opinião pública para o estabelecimento e a manutenção de instituições políticas
democráticas: além dos pesquisadores que não encontram evidencias de urna relação (causal ou
não), há aqueles que simplesmente desconsideram a própria possibilidade de sua existência.
Esse é o caso de Susan Tiano. A partir de consagrado trabalho quantitativo no qual analisa a
Cultura Política na Argentina e no Chile nos anos 60, conclui que não se pode, para aqueles casos,
estabelecer uma relação causal entre Cultura Política e estrutura política. Partindo da hipótese de
que o Chile teria uma Cultura Política mais democrática que a Argentina, em função de questões
históricas, e que isto implicaria uma maior adesão à democracia pelos chilenos, a autora conclui que
não houve diferenças estatisticamente significantes entre as atitudes de trabalhadores de ambos os
países, as quais pudessem sustentar a existência de uma relação entre estrutura e cultura (Tiano,
1986).
Há, em princípio, duas posições, entre os, autores que trabalham sob á concepção de que
existe uma relação entre Cultura Política e democracia. Uma entende que existe um caminho
unilinear na relação entre democracia e Cultura Política: uma cultura cívica (no dizer de Almond e
Verba) pode ter um efeito na democracia, mas a democracia não tem efeito na constituição de uma
cultura cívica (Almond, Verba, 1989a; Inglehart, 1988, 1990; Dahl, 1971; Moisés, 1995). Outra,
que parte do princípio de que a Cultura Política pode também ser influenciada pela democracia
(Dahl, 1989 (9); Catterberg, 1991; Muller, Seligson, 1994).
E possível argumentar que talvez não se encontrem evidências empíricas. de que a existência
de uma Cultura Política democrática implique o estabelecimento ou a manutenção de urna
democracia. Se, no entanto, a Cultura Política pode não ser determinante para a instalação de urna
democracia, ela pode vir a ser o diferencial em caso de um retrocesso. Em outras palavras, um país
com uma Cultura Política democrática é capaz de garantir (ou ao menos influir era) a manutenção

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das regras do jogo no caso de alguma tentativa de golpe ou de ruptura institucional. Podemos, por
outro lado, considerar às avessas o argumento de que a crença na democracia seria um fator de sua
estabilidade: o descompromisso da cidadania com a democracia abriria espaço para rupturas
institucionais.
O conjunto destas respostas indicava uma aparente contradição entre uma forte adesão a
valores democráticos ligados à forma da democracia e uma baixa adesão ao seu conteúdo. Ao
mesmo tempo, há um certo desencanto com a possibilidade de consolidação da democracia. Como
se discutirá abaixo, esse comportamento se constitui em dois paradoxos, que podem ser mais bem
explicados através do recurso da teoria da hegemonia.
O primeiro paradoxo se deve ao fato de que existe um descompasso entre as atitudes políticas
ligadas à democracia como forma e as atitudes ligadas à democracia como conteúdo. Esse paradoxo
- uma forte adesão manifesta a questões ligadas aos procedimentos democráticos (democracia como
forma) e uma fraca adesão aos valores democráticos (democracia como conteúdo) - tem sido
caracterizado pela literatura como uma dupla nacionalidade (Keller, [1991]) ou como a
manifestação da existência de um apoio difuso, por um lado, e de um apoio específico, por outro
(Easton, 1968; Baquero, Castro, 1996; Castro, 1996).
Essas caracterizações, se permitem uma adequada descrição das constatações empíricas, não
nos dão uma explicação suficiente da essência do fenômeno. Em outras palavras, e utilizando as
categorias de Easton, deixam a desejar quanto à explicação da origem do paradoxo existente entre
os apoios difuso e específico. Daí a necessidade de outro recurso explicativo.

Cultura política, democracia e estabilidade na América Latina


Pode-se afirmar que sempre esteve subjacente ao debate acadêmico a respeito da democracia
na América Latina a indagação sobre qual ou quais são os reais pré-requisitos para a sua instalação
e estabilidade. Esse debate, no entanto, sempre partiu da premissa ideológica de que a democracia -
entendida como as suas regras, procedimentos. e ritos - é um valor em si, um bem a ser alcançado.
Subjacente a essa concepção, vem a defesa de um tipo de sociedade que se constituiu a partir do
advento do capitalismo na Europa. Este posicionamento a priori, se pode, por um lado, ser fator da •
construção e da consolidação do processo democrático em sua forma, através dá constituição de
uma democracia minimalista (Moisés, 1995), parece, por outro lado, desconsiderar ou subvalorizar
uma concepção de democracia como conteúdo (ou maximalista).
Este privilégio à concepção minimalista como forma de garantir (ou propugnar) a estabilidade
democrática se constitui em um paradoxo, porque a instituição dos procedimentos democráticos
formais não garante por si a adesão da população, uma vez que os problemas sociais não são
resolvidos. Nó entanto,.há a aceitação da democracia minimalista (ou existe um apoio difuso ao
sistema). E o paradoxo está justamente na aceitação (mesmo que pela passividade) de um sistema
que não resolve os problemas sociais.

Uma tentativa de explicação dos. paradoxos


Uma explicação para ambos os paradoxos será encontrada na teoria de hegemonia de Antonio
Gramsci. Esse polêmico conceito, construído a partir de Marx, possui uma relação dialética com o
conceito de dominação, na medida em que a função de liderança econômica, social, intelectual e
moral da(s) classe(s) (ou frações de classe) hegemônicas (dominantes) forma ou constitui um
consenso (a partir dos valores dessas classes), que é, na visão de Gramsci, um modo de dominação
mais eficaz que a coerção (Gramsci, 1995). A hegemonia de uma classe, fração de classe ou
conjunto de classes no poder se manifestaria através do consentimento espontâneo dado pelas
grandes massas da população à direção geral imposta à vida social pelo grupo dominante (15)
(Gramsci, 1995, p. 12). .
O conceito de hegemonia é pertinente porque incorpora a dimensão do poder ao debate da
Cultura política, usualmente não considerada nas análises. Assim, vai além da caracterização e

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descrição dos fenômenos do comportamento político ou da postulação de determinado tipo de
Cultura Política, criando as condições para que se possam explicar as suas origens.
Segundo essa teoria, os setores dominantes da sociedade – a fração no poder – constroem uma
hegemonia que é simultaneamente a garantia e a justificativa de seu domínio. Em outras palavras,
os setores hegemônicos constituem um sistema de crenças e de valores que passam a ser
considerados senso comum, ao mesmo tempo em que essas crenças e valores, por sua vez, são
constituintes da sociedade. Desta forma, os valores e crenças hegemônicos – que se manifestam na
Cultura Política – são simultaneamente uma apreensão e uma construção dinâmica da realidade, a
partir de determinada concepção de mundo.
A explicação dos paradoxos a partir dessa perspectiva teórica se dá em dois momentos: no
primeiro, cabe identificar as contradições, no sentido da dialética, que não seriam explicadas em
urna primeira abordagem; no segundo, deveria se verificar quais os interesses da fração no poder
que estariam em jogo, ou seja, os interesses hegemônicos. Essas contradições podem ser resumidas
nos dois paradoxos: o paradoxo das atitudes políticas e o paradoxo da democracia e da estabilidade
na América Latina.
O paradoxo das atitudes políticas se deve à incoerência entre uma atitude política de apoio à
enunciação genérica de um fenômeno ou assunto (apoio difuso) e urna atitude de refutação das suas
manifestações concretas (apoio específico). O paradoxo da democracia e da estabilidade na
América Latina se deve à contradição entre a defesa de um sistema que privilegia ou entende a
participação política como um sinônimo de voto e a existência de uma sociedade que exclui pela
desigualdade social.
Essas contradições são explicadas com base nos interesses da fração no poder. A tese pode ser
resumida da seguinte maneira: é do interesse da fração no poder que os de baixo se mantenham
como tal e, para tanto, criam um sistema de crenças e de valores adequado a tal finalidade. É claro
que isto não implica uma visão simplista, de orquestração da política, mas que interesses
convergentes tendem a constituir ações políticas convergentes.
A explicação dos paradoxos, no entanto, se dá na ordem inversa de sua enunciação: primeiro
cabe explicar, com base na teoria gramsciana, os motivos da contradição existente num sistema que
combina igualdade política com desigualdade social, para, então, explicar como isso se reflete no
comportamento.político.
Do ponto de vista de Gramsci, com base em Mam e Lênin, é a divisão da sociedade em
classes antagônicas o que explica a origem da desigualdade social. Numa sociedade de classes, urna
delas (ou várias, ou uma fração de classe) detém g poder político, utilizando-se para tanto de todos
os meios disponíveis, desde a opressão física (através da repressão aos movimentos que possam de
alguma forma ameaçar o poder da classse), até (e principalmente, para Gramsci) mecanismos de
dominação ideológica.
No caso da sociedade capitalista, a fração no poder é ligada ao capital e aos seus interesses.
Dessa forma, a sua atuação mais ampla será no sentido de garantir a manutenção e a reprodução do
capital, fazendo uso dos mecanismos aos quais tem acesso. Como a exclusão social é inerente ao
desenvolvimento do capitalismo dependente (Fernandes, 1987), setores da população cada vez
maiores tendem a ficar à margem da distribuição da riqueza social.
A existência de urna sociedade que exclui econômica e socialmente, porém, não implica urna
atitude passiva por parte de quem é excluído. Já foi dito que nenhum povo se deixa morrer de fome
sem lutar, e, em vários momentos, o conflito latente passa a ser manifesto, havendo disputa e
confronto nos campos político, econômico e social.. Se considerarmos que se trata do interesse de
uma fração no poder ligada ao capital, o mais fundamental de todos estes campos é o econômico:
para defender a estrutura econômica em vigência, são tomadas todas as medidas necessárias
(violentas, se for o caso).
Nos demais campos, contudo, há maior amplitude de ação ou de negociação. Em
conseqüência, há maior possibilidade de haver mudanças políticas e sociais, dentro do marco
institucional da ordem capitalista (18). E uma das mudanças políticas seria justamente a progressiva
ampliação da cidadania, sem que haja modificação na estrutura econômica que fundamenta a

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exclusão. De forma sintética, essa seria a explicação do paradoxo da convivência de um sistema
político que inclui com uma estrutura econômica que exclui.
A explicação do segundo paradoxo é decorrente da anterior. Já foi mencionado acima que a
fração no poder necessita manter-se enquanto tal e que a dominação através da construção de um
consenso gerado pela hegemonia é mais efetiva que através da coerção (Gramsci, 1995). Assim,
passa a defender e a construir uma série de valores que sejam congruentes com a sua necessidade de
defesa da ordem econômica. Uma implicação direta disso é a defesa. de uma democracia
minimalista, que desconsidere as questões sociais.
E é justamente este descolamento da democracia como forma da democracia como conteúdo
que explica a baixa adesão aos valores democráticos verificada empiricamente: como o que surge
originalmente entre nós é a defesa hegemônica das regras do jogo, os valores anteriores e basilares
do jogo não são devidamente considerados, por poderem significar um questionamento ao modelo
econômico. Desta forma, o que parece existir entre nós é urna cultura política autoritária que se
funde coro a defesa hegemônica de procedimentos democráticos. Uma conseqüência dessa aparente
contradição é um comportamento político que tem como limite os valores defendidos pelas elites
políticas.
Por outro lado, segundo a concepção de .hegemonia, a compreensão da realidade que as
classes subalternas, no dizer de Gramsci, possuem é fragmentada, o que cria uma barreira entre a
concepção de mundo e a ação real, se constituindo em um dos fatores de alienação, que implica
dominação política pelos setores hegemônicos. Dessa forma, quando os resultados dos surveys nos
indicam atitudes políticas aparentemente incoerentes, o que na realidade ocorre é a manifestação
dessa visão fragmentada da realidade.

RELAÇÕES ENTRE POLÍTICOS E BUROCRATAS

Contexto
Vamos entender que política consista no conjunto de procedimentos formais e informais que
expressam relações de poder e autoridade e que se destinam à resolução pacífica, dos conflitos
quanto a alocação imperativa de valores (RUA, 1998). .
No âmbito do subsistema decisório, os atores envolvidos na elaboração è aplicação das
políticas públicas (que terem origem e amparo no poder público – não são privadas ou apenas
coletivas, mas a sua dimensão pública é dada não pelo tamanha do agregado social sobre o qual
incidem, mas pelo seu caráter imperativo) estão envolvidos em uma série de articulações que
envolvem:
• mobilização da ação política: seja ação coletiva de grandes grupos, seja ação coletiva de
pequenos grupos dotados de fortes recursos de poder, seja ação de atores individuais
estrategicamente situados;
• resposta a uma situação de crise, calamidade ou catástrofe, de maneira que o ônus de não
resolver o problema seja mais que o ônus de resolvê-lo;
• percepção de uma situação de oportunidade, ou seja, haja vantagens, antevistas por algum
ator relevante, a serem obtidas com o tratamento daquele problema.

Atores políticos
Atores políticos são aqueles elementos envolvidos em conflitos acerca da alocação de bens e
recursos públicos. Usualmente, podem ser identificados como sendo aqueles que tem algo a ganhar
ou.perder com tal política, ou seja, tem alguma coisa em jogo, sendo seus interesses diretamente
afetados pelas decisões e ações que compõem a política em questão.

A primeira distinção a fazer entre os atores políticos é que eles podem ser agrupados em dois
grupos, a saber:

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• atores públicos, que são aqueles que se distinguem por exercer funções públicas e por
mobilizar os recursos associados a essas funções, onde pode-se diferenciar dois subgrupos:
- políticos, que são aqueles atores cuja posição resulta de mandatos eletivos, cuja atuação é
condicionada pelo cálculo eleitoral e pelo pertencimento a partidos políticos.
- burocratas, que devem sua posição à ocupação de cargos que requerem conhecimento
especializado e se situam em um sistema de carreira pública, controlando recursos de autoridade e
informação.
• atores privados, que são aqueles que não mantêm vinculo com o Estado, e devem contar
com recursos privados para fazer valer seus interesses (empresários, sindicatos, consumidores etc.)

Dinâmica das relações entre os atores


De maneira geral, podemos observar que a dinâmica das relações entre os atores tende a
assumir um de três padrões (RUA, 1998):
• lutas: ocorrem usualmente no contexto de uma arena redistributiva, onde se tem o jogo de
soma-zero, na qual, para que um ator ganhe, o outro tem de perder; pode-se, todavia chegar a um
processo de acomodação, onde um não ganhe tudo, nem o outro lado perca tudo, dependendo
daquilo que esta em jogo e do custo do confronto entre os atores envolvidos.
• jogos: são situações onde a lógica é vencer o adversário em uma situação específica, sem
eliminá-lo totalmente do processo, de tal maneira que ele possa a vir a ser um aliado num momento
posterior.
• debates: são situações onde cada um dos atores procura convencer o outro da adequação das
suas propostas, de tal maneira que o que vence é aquele que se mostra capaz de transformar o
adversário em um aliado, valendo a lógica da persuasão e desfrutando o conhecimento técnico de
um papel relevante.
Alguns autores contemporâneos apontam a tendência demonstrada pelas burocracias de
extrapolar seus limites e ampliar desordenadamente sua participação no orçamento, ao mesmo
tempo em que procuram indevidamente atuar no processo decisório. O modelo básico que expressa
essa teoria foi desenvolvido por Niskanen, que trabalha com o paradigma do principal-agente,
podendo ser assim explicitado:
• o comportamento burocrático é explicado a partir da interação em forma de monopólio
bilateral entre agência (agente: oferta serviços) e o legislativo (principal: compra os serviços da
agência)
• a agência tem vantagens sobre o principal em função da assimetria de informações que a
beneficia
• a agência tem por objetivo aumentar seu beneficio, maximizando lucros
• a agência produz uma quantidade de serviços procurando maximizar a diferença entre os
seus recursos orçamentários e os custos de produção dos serviços: a quantidade de serviços
compradas pelo legislativo à agência não atinge a quantidade em que os benefícios se igualam aos
custos de produção dos serviços
• o comportamento burocrático é ineficiente, dado que o tamanho de urna agência (em termos
de seus recursos) não se determina no ponto em que beneficias e custos marginais se igualam (como
numa firma particular que atua no mercado).

INTERMEDIAÇÃO DE INTERESSES ENTRE ESTADO E SOCIEDADE

Conceito
Ocorre intermediação de interesses quando estamos diante de organizações que possuem as
seguintes características:
• ultrapassam o nível da mera representação, possuindo interesses próprios;
• atuam na definição dos interesses dos membros, muitas vezes de forma unilateral e
imperativa;

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• assumem funções de governo privado, com poder sobre a alocação de recursos;
• exercem controle social, e algumas vezes legal, sobre os membros da sua categoria

Análise da situação brasileira


Segundo NUNES (1997), existem quatro padrões institucionalizados de relações ou “quatro
gramáticas” que estruturam os laços entre sociedade e Estado no Brasil, desempenhando funções de
controle político, intermediação de interesses e alocação do fluxo de recursos materiais disponíveis.
São elas:
• o clientelismo
• o corporativismo
• o insulamento burocrático
• o universalismo de procedimentos
O clientelismo tem sua origem no modelo patrimonialista herdado de Portugal já na época
colonial; as outras três instituições emergem nos anos 30, sob o governo de Getúlio Vargas,
acompanhando a transformação do Brasil rural, agrário e de administração ainda patrimonial em um
Brasil urbano, industrial e de administração burocrática.
Cada uma dessas gramáticas cumpre uma função específica nas relações entre sociedade e
Estado no Brasil, a saber:
• clientelismo e o corporativismo são instrumentos de legitimação política;
• insulamento burocrático é uma forma mediante a qual as elites modernizantes
tecnoburocráticas e empresariais promovem o desenvolvimento;
• universalismo de procedimentos implica na afirmação lenta de um regime racional-legal e
eventualmente democrático.

Clienteismo
Do ponto de vista sociocultural e político, caracteriza-se por um sistema de relações diádicas
assimétricas, isto é, pessoais, não-universalistas e marcadas pela dependência dos clientes, daqueles
recursos que são monopolizados pelo patrão.
Do ponto de vista econômico, as trocas em contexto clientelista são generalizadas e pessoais;
ela ocorre numa atmosfera em que está ausente uma economia de mercado impessoal, incluindo
promessas e expectativa de retorno futuro, envolvendo a pessoa toda daqueles que participam da
troca, não apenas sua dimensão enquanto produtores ou consumidores de bens e serviços (NUNES,
1997).
Assim, o clientelismo é um sistema de controle do fluxo de recursos materiais e de
intermediação de interesses, caracterizado pelos seguintes aspectos:
• não há número fixo ou organizado de unidades constitutivas;
• as unidades constitutivas do clientelismo são agrupamentos, pirâmides ou redes baseados em
relações pessoais que repousam em troca generalizada;
• as unidades clientelistas disputam freqüentemente o controle do fluxo de recursos dentro de
um determinado território;
• a participação em redes clientelistas não está codificada em nenhum tipo de regulamento
formal;
• os arranjos hierárquicos no interior das redes estão baseados em consentimento individual e
não gozam de respaldo jurídico.
Nas sociedades capitalistas sincréticas, principalmente em sociedades capitalistas periféricas,
como a brasileira, as práticas clientelistas tendem a coexistir com a representação partidária, a vida
urbana e o sistema de trocas específicas (caracterizadas pelo impersonalismo das relações de troca
num contexto de mercado) inerente ao capitalismo.
No caso brasileiro, o clientelismo político se manifesta na impregnação do Estado por
processos generalizados de troca de favores, que determinam também a relação da maioria das
lideranças partidárias com suas bases, pois aqueles que tem acesso a cargos públicos têm acesso a
inúmeros privilégios através do aparelho do Estado.

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Corporativismo

Caracterização como mecanismo de intermediação de interesses


Podemos caracterizá-lo como sendo um sistema específico de intermediação de interesses
com as seguintes características (CARNOY, 1994):
• as unidades constitutivas estão organizadas em um número limitado de categorias
singulares;
• essas unidades singulares são compulsórias, não-competitivas, hierarquicamente ordenadas e
funcionalmente diferenciadas;
• essas unidades existem apenas enquanto são reconhecidas ou permitidas (senão criadas) pelo
Estado;
• sua existência se sustenta na garantia de um deliberado monopólio de representação dentro
de suas categorias respectivas, em troca da observância de certos controles na seleção de líderes e
na articulação de demandas e apoios.

Corporativismo estatal
Trata-se de um sistema de intermediação de interesses, calcado no monopólio da
representação de grupos funcionais produtivos, e organizado pela adoção de uma estrutura
hierárquica de associações, diretamente vinculadas ao Estado, o qual detém. a prerrogativa de
autorizar ou reconhecer a existência de organização e do monopólio por ela exercido.
O modelo clássico de corporativismo no século XX apresenta as seguintes características:
• as associações. são dependentes formal e materialmente do Estado, sendo por ele penetradas
e, usualmente, controladas
• modelo foi concebido e implementado pelos, regimes autoritários.dos anos 1930-1945, com
base na doutrina social da igreja Católica e na ideologia fascista
• essas organizações corporativistas resultaram das determinações governamentais, sendo
delineadas pelo Estado
O corporativismo também é urna doutrina, apresentando as seguintes características:
• É uma doutrina que propugna a organização da coletividade baseada na associação
representativa dos interesses e das atividades profissionais (corporações). Segundo CARNOY
(1994), propõe, graças à solidariedade orgânica dos interesses concretos e às fórmulas de
colaboração que daí podem derivar, a remoção ou neutralizarão dos elementos de conflito:
• no plano econômico, a concorrência de mercado
• no plano social, a luta de classes
• no plano político, os conflitos entre partidos
Corporativismo enquanto doutrina tende a ter como referência histórica uma forma idealizada
da comuna medieval italiana, onde a corporação não é apenas uma associação de indivíduos que
exercem a mesma atividade profissional:
• monopólio da produção: monopoliza a arte ou oficio e, conseqüentemente, a produção,
vedando-a aos estranhos
• normalização econômica: detém poderes normativos em matéria de economia (determinação
das normas de comércio, fixação de preços e critérios de qualidade e quantidade a ser produzida)
• representação política: não raro, constitui por vezes um canal obrigatório de representação
política.
No plano sócio-econômico, esse modelo teórico de corporativismo se apresenta, como
fórmula contraposta ao modelo, sindical, que seria o gestor do conflito subjacente à sociedade
industrializada ou em vias de desenvolvimento e o transformaria, de quando em quando, em uma
eventual relação de força entre trabalho e capital. O modelo corporativo, pelo contrário, impediria
justamente a formação de elementos de conflito, articulando as organizações de categoria em
associações entre classes e prefixando normas obrigatórias de conciliação para os dissídios coletivos
de trabalho.

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No plano político, o modelo corporativista se apresenta como alternativa ao modelo
representativo democrático. Preconiza a realização de uma democracia orgânica, onde o indivíduo
não terá valor coro entidade numérica, mas como portador de interesses precisos e identificáveis,
vinculados a uma categoria específica.
A intervenção do Estado na economia é corporativista na medida em que ela envolve o
trabalho organizado na elaboração do Estado; assim o trabalho organizado e os grupos de interesses
de capitalistas interagem a nível de Estado.
O corporativismo no Brasil é um mecanismo que serve ao propósito de absorver de forma
antecipada o conflito político através da incorporação e da organização do trabalho, mediante sua
inserção regulamentada no espaço estatal.
Esse corporativismo, ou corporativismo estatal, foi implantado no país na década de 30,
buscando, através da intermediação de interesses, incorporar de forma controlada as massas de
trabalhadores urbanos em expansão, bem como disciplinar a burguesia, evitando seu acesso direto
aos quadros dirigentes do Estado (NUNES, 1997).
O modelo corporativo então adotado previa que os sindicatos deveriam estar organizados em
um número limitado de categorias singulares, compulsórias, não-competitivas, hierarquicamente
ordenadas e funcionalmente diferenciadas, reconhecidas ou permitidas (senão criadas) pelo Estado e
que tinham a garantia de um deliberado monopólio de representação dentro de suas categorias
respectivas, em troca da observância de certos controles na seleção de líderes e na articulação de
demandas e apoios.

Neocorporativismo ou corporativismo societal


Seria um tipo específico de intermediação de interesses, caracterizado pelo fato de as
organizações intermediárias serem livres para aceitar ou não suas relações com o Estado, ainda que
mantendo uma identidade baseada nas funções exercidas pelo indivíduo enquanto membro de uma
categoria funcional e não enquanto cidadão participante de um mercado eleitoral (CARNOY, 1994).
Nas sociedades capitalistas modernas o neocorporativismo, ou corporativismo societal,
significa a integração da classe trabalhadora organizada ao Estado capitalista, incrementando o
crescimento econômico e assegurando a harmonia das classes em face do conflito de classes, num
contexto de capitalismo monopolista avançado combinado a um sistema de bem-estar social.
Nesse contexto, são tidas como características específicas do neocorporativismo (CARNOY,
1994):
• associações têm autonomia e penetram o Estado
• Modelo surgiu na vigência do Estado de Bem-Estar Social e da social-democracia européia,
a partir das políticas de Estado de corte keynesiano
• resultaram da dinâmica da própria organização dos interesses, ainda que respaldadas pelas
políticas governamentais
A despeito da tradição de corporativismo estatal caracteerístico da sociedade brasileira,
formas de corporativismo societal, ou neocorporativismo, também foram implementadas nos
últimos anos. O exemplo mais marcante seriam as Câmaras Setoriais, que teriam a função de
coordenar as instâncias representativas do empresariado e dos trabalhadores de setores produtivos
específicos, mediados por técnicos e consultores do Estado.

Corporativismo Societal e Estatal

Corporativismo Societal (Neocorporativismo) Estatal


Número limitado de unidades Estabelecido por processos de Estabelecido por deliberada restrição
arranjo inter-associacional ou do Estado
por “cartéis políticos”
desenhados pelos participantes
a fim de excluir aos recém
chegados

34
Unidades singulares Resultante da cooptação Resultante da erradicação, imposta
espontânea ou da eliminação pelo Estado, das associações múltiplas
competitiva pelas associações ou paralelas
sobreviventes
Unidades obrigatórias Obrigatórias de facto, por meio Obrigatórias de jure, por meio do
de pressão social, supervisão código trabalhista ou de outra
dos deveres contratuais, autoridade oficialmente decretada e
prestação de serviços essenciais exclusivamente concedida
e/ou aquisição da capacidade
privada de autorizar
Unidades não-competitivas Como resultado das tendências Como resultado da contínua
oligárquicas internas ou de interposição da mediação, arbitragem e
acordos voluntários externos repressão estatais
entre as associações
Unidades hierarquicamente Como resultado de processos Como resultado da centralização e
ordenadas intrínsecos de extensão e/ou dependência administrativa decretadas
consolidação burocrática pelo Estado
Unidades funcionalmente Por meio de acordos voluntários Por meio de enquadramento de
diferenciadas sobre os respectivos categorias ocupacional-vocacionais
“territórios” e de declarações de estabelecido pelo Estado
não intervenção
Reconhecimento das unidades Concedido como questão de Outorgado a partir de cima pelo Estado
pelo Estado necessidade política imposta a como condição para a formação de
partir de baixo aos funcionários associações e sua contínua operação
públicos
Monopólio representativo Independentemente conquistado Dependentemente concedido
Controles à seleção de Produto de um consenso Produto de uma imposição assimétrica
dirigentes e articulação de recíproco sobre procedimentos dos “monopólios organizados da
interesses e/ou metas violência legítima”

Fonte: Elaborado por RODRIGUES, Alberto Tossi. Introdução aos modelos de intermedciácão de
intereses. s.l.d. a partir de SCHMITTER (1992)

CAPITAL SOCIAL, AUTONOMIA E INSERÇÃO

Na linguagem da teoria organizacional contemporânea, o insulamento burocrático é o


processo de proteção do núcleo técnico do Estado contra a interferência oriunda do público ou de
outras organizações intermediárias (NUNES, 1997).
O insulamento burocrático significa. a redução do escopo da arena em que interesses e
demandas populares podem desempenhar um papel. Esta redução da arena é efetivada pela retirada
de organizações cruciais do conjunto da burocracia tradicional e do espaço político governado pelo
Congresso e pelos partidos políticos, resguardando estas organizações contra tradicionais demandas
burocráticas ou redistributivas.
Para EVANS (1993), uma máquina burocrática efetiva é a chave para a capacidade estatal de
intervenção. Para ele, a penetração crescente da sociedade civil pelo Estado ativa reações políticas e
aumenta a probabilidade de que interesses societais procurem invadir e dividir o Estado, resultando
que, à medida em que a capacidade estatal de implementar suas preferências aumenta, sua
capacidade de formulá-las independentemente declina.
Há duas características do processo de insulamento que devem ser entendidas:
• grau de insulamento: nem todas as agências insuladas o são no mesmo grau, podendo se
imaginar um contínuo que vai do insulamento total a um alto grau de penetração pelo mundo
político e social;

35
• continuidade do insulamento: nem todas as agências que foram insuladas permanecerão
assim com o passar do tempo; elas podem ser desinsuladas, conforme o ambiente operativo toma-se
menos complexo ou os objetivos são atingidos.
Todavia, o processo de insulamento não é de forma nenhuma exclusivamente técnico e
apolítico, eis que (EVANS, 1993; NUNES, 1997):
• agências e grupos competem entre si pela alocação de valores alternativos;
• coalizões políticas são firmadas com grupos e atores fora da arena administrativa, com o
objetivo de garantir a efetividade dos projetos;
• partidos políticos são bajulados para proteger projetos no Congresso.
Os estudos sobre desenvolvimento têm retomado a importância do papel do Estado em
induzir esse desenvolvimento ou em bloquear suas possibilidades. Os casos acerca das experiências
recentes dos países do sudeste asiático, Japão, Coréia do Sul e Taiwan, que atingiram um rápido
desenvolvimento econômico – há menos de trinta anos ostentavam indicadores-sociais parecidos
com os verificados na África e hoje possuem indicadores iguais, ou melhores a de países europeus
–, são os que melhor demonstram o papel central desempenhado pela burocracia do Estado; cujas
características envolvem a tradição weberiana relacionada à meritocracia, carreiras de longo prazo,
senso de dever e lealdade. Em situação oposta, os estudos também identificam o desempenho pífio
do Estado em outros países como um dos elementos importantes na cadeia de causas do fracasso
nos níveis de desenvolvimento, como é ocaso do Zaire e Nigéria, na África (Evans;1995).
Mais ainda, EVANS (1993) desenvolveu o conceito de autonomia inserida (embedded
autonomy) para determinar a situação em que o núcleo técnico é suficientemente insulado para
formular projetos próprios a partir de decisões técnicas não-clientelistas (sem vinculação direta ou
subordinação à partidos ou outros grupos de interesse), e ao mesmo tempo possui uma série de
canais ou redes de contato com grupos e organizações socialmente relevantes, a fim de subsidiar
suas decisões e angariar apoio político e outros tipos de recurso para implementar os projetos
formulados. Ou seja, a análise do sucesso dos países que alcançaram, ou não, níveis altos de
desenvolvimento encontrou na abordagem centrada no conceito de autonomia _de Estado. uma
resposta às causas do sucesso, ou mesmo do insucesso.
Nos casos estudados, a variável considerada é a atuação do Estado e de sua máquina
burocrática como ator na elaboração de políticas públicas e seu grau de inserção e conexão com a
estrutura social circundante (autonomia inserida) combinada com de burocracia “weberiana”. Onde
essa combinação era positiva, foi também positiva a curva de desenvolvimento. Ao contrário, onde
a combinação foi negativa, foi negativa também a curva do desenvolvimento. O caso brasileiro é
um intermediário, pois, segundo Evans, aqui se encontram características de autonomia inserida,
mas também de relações de captura do serviço público.
Nesses estudos, a hipótese focal é de que instituições fortes condicionam os melhores
resultados nos níveis de desenvolvimento industrial dos países. Além desse, um outro foco de
pesquisa vem ocorrendo e está associado à presença, ou não, de capital social em determinada
região ou país. Segundo Putnam (2000), capital social pode ser definido como um conjunto de laços
e. normas de confiança e reciprocidade contidas numa comunidade que facilitam a produção de
capital físico e capital humano. Essa linha de estudos privilegia a identificação dessa presença como
fator explicativo para o sucesso ou insucesso de políticas públicas.
Para Putnam (2000 apud CAMARGO, s.d.), a existência de capital social, isto é, laços de
confiança consubstanciados em maior participação nas associações cívicas, está correlacionada, no
caso italiano, e explica o alto nível de desempenho econômico alcançado pela região norte em
relação ao sul do país. Para esse autor (PUTMAN, 1996), as associações civis contribuem para à
eficácia e a estabilidade do governo democrático. Com isso, o autor defende a noção de
complementaridade entre a burocracia de Estado e as iniciativas coletivas.
Como a existência de capital social em dada comunidade ou sociedade é algo que se constrói
em anos, ou até mesmo séculos, os estudos de Putnam colocam um grau de inexorabilidade da
condição de subdesenvolvimento daquelas regiões que não possuem capital social, como é o caso
da grande maioria dos países do Terceiro Mundo, aí incluso o Brasil. Em resposta, EVANS et al

36
(1996) apontam para a possibilidade de indução na construção desse capital social; para tanto, e em
complemento e em crítica a Putnam, os autores vêem nas instituições públicas um papel central
nessa empreitada. Combinando o conceito de autonomia inserida com a abordagem histórico-
cultural de capital social, desenvolvida por Putnam, os autores mostram como uma relação sinérgica
(ação simultânea de diversos órgãos para a realização de uma função) entre Estado e sociedade
pode produzir capital social. Se sinergia é um resultado que depende da existência anterior de
configurações sociais e culturais-historicamente enraizarias em culturas e sociedades particulares,
daí ela pode estar bem fora do alcance da maioria dos grupos. A perspectiva da construtibilidade é
mais otimista. Sinergia torna-se uma possibilidade latente para a maioria dos contextos, esperando
ser trazida para a vida pelos empreendimentos institucionais. [...] Se as possibilidades de construção
existem, elas deverão ser exploradas (Evans et al, 1997: 189-190):
Assim, o setor público deve incorporar a construção de civismo comunitário como elemento
do seu trabalho. Além disso, dependendo de sua ação, o Estado tanto pode construir ou dar as bases
para a construção de capital social como pode, por um instante, destruir o que existia ou o que foi
construído. Evans et al (1996) apontam, por exemplo, o caso da Rússia pós-socialista que, ao
contrário da China, destruiu a antiga associação de carpinteiros após a venda da estatal de
reflorestamento para empresas estrangeiras produzindo efeitos perversos do ponto de vista
econômico. No caso chinês, a manutenção das relações entre o aparato do estado e as pequenas
empresas locais dos municípios e vilas rurais acabaram produzindo uma boa base de sustentação
para a transição de um regime para economia orientado pelo mercado.
Essas abordagens que apregoam o resgate da centralidade do papel do Estado no.
desenvolvimento industrial (econômico) são uma resposta às teorias que vêem na relação entre
Estado e sociedade (negócios, mercado) um amplo campo para comportamentos de captura e
carona, e para cujos efeitos perversos conduziram a propostas de redução do papel do Estado ao
mínimo possível Maxfreld,1997).
Não sem efeito que. as propostas que surgiram no bojo dessas teorias conduziram a
privatização indiscriminada de empresas estatais, de transferência de atividades para a esfera
privada na maioria dos países do Terceiro Mundo, mas cujos resultados pouco contribuíram para a
redução dos comportamentos associados ao clientelismo. Pior, destruíram porções significativas de
capital social e desmantelaram conhecimentos técnicos estabelecidos.
A abordagem teórica adotada neste artigo parte do pressuposto de que as instituições
importam no estudo das possibilidades de desenvolvimento dos países. Contrariamente ao ponto de
vista segundo o qual as instituições apenas importam para reduzir as incertezas, facilitando as
transações no mercado, este artigo se sustenta na premissa de que, em sociedades nas quais
prevalecem instituições fortes, o capital social é promovido e o desempenho é positivo ao
desenvolvimento. Parte-se, pois, de uma perspectiva teórica que privilegia o papel das instituições
públicas no desenvolvimento capitalista.
Para CAMARGO (s.d.), dois conceitos são fundamentais para esta reflexão, o de autonomia
inserida e capital social, desenvolvidos por Evans et al (1996). O autor trata ambos os conceitos sob
a abordagem institucional da ciência política.
O conceito de capital social tem sido amplamente utilizado na sociologia norte-americana
para demonstrar a importância das redes sociais informais na construção de relações sociais e de
formas de sociabilidade nas quais interesses pessoais e coletivos se imbricam. A existência desse
“capital” se constituiria, igualmente, em importante indicador de participação política através do
estabelecimento ou consolidação de relações de confiança entre sociedade e Estado, o que o tomaria
elemento crucial a ser mobilizado na implementação de políticas públicas, podendo explicar o êxito
ou fracasso dessas políticas.
Capital social pode ser entendido como o conjunto de normas de reciprocidade, informação e
confiança presentes nas redes sociais informais desenvolvidas pelos indivíduos em sua vida
cotidiana, resultando em numerosos benefícios diretos ou indiretos, sendo determinante na
compreensão da ação social. O conceito incorpora diversas tradições sociológicas, estando presente
no pensamento de Durkheim através do estudo da interiorização das normas sociais e sua

37
funcionalidade; em Tönnies na análise do papel integrativo da comunidade; em Marx na
compreensão da construção da solidariedade de classe; em Weber na explicação do sentido da ação;
em Simmel na caracterização da sociabilidade na metrópole, para ficarmos apenas nos clássicos.
Apesar de não se constituir propriamente numa novidade teórica, a partir dos anos 80, assume nova
dimensão na recuperação das conseqüências positivas da sociabilidade e das relações não
monetárias presentes na sociedade (Portes, 1998 apud LIMA, s.l.d.).
Entre os autores considerados pioneiros na utilização do conceito na sociologia atual, quatro
são considerados referências obrigatórias: Pierre Bourdieu (1986), Glenn Loury (1981), James
Cóleman (1988, 1990) e Robert Putnam (1993,1993a,1995,1996), que em linhas gerais, definem
capital social por sua função, incorporando uma variedade de relações presentes na estrutura social
que facilitam ações dos indivíduos participantes dessa estrutura. O conceito, portanto, refere-se a
relações entre pessoas, não necessariamente percebidas imediatamente, que favorecem o acesso a
recursos presentes na sociedade.
Tal como outras formas de capital, o capital social seria produtivo mas, diferente dos outros,
seria inerente às relações entre as pessoas e não necessariamente positivo para todas elas. Em outras
palavras, seria composto por redes sociais informais entre. indivíduos, e por formas de sociabilidade
representadas pela vida associativa na família, na igreja; na escola e no trabalho. Estas favorecem,
por exemplo, a continuação de negócios em determinados ramos e mercados, legais ou não; a
obtenção de empregos pela indicação de conhecidos para ocuparem postos de trabalho disponíveis;
a resolução de questões individuais nos problemas do cotidiano. Mesmo com a crescente
racionalização da vida moderna, as relações pessoais continuariam a ser determinantes na
construção da sociabilidade, relações estas que podem ser utilizadas de forma positiva na
implementação de programas sociais, daí serem consideradas um capital disponível na sociedade.
As redes sociais pressuporiam a observância de normas de reciprocidade e confiança, de um
conjunto de obrigações mútuas entre as pessoas, que integra o próprio cerne dessas relações,
facilitando, dessa forma, a atividade produtiva. Sua função estaria em seu valor para os atores, na
estrutura social como recurso que pode ser utilizado na realização de seus interesses. Sim.
positividade, entretanto, pressupõe que o indivíduo participe de redes relativamente amplas, o que
depende de sua inserção na estrutura de classe que vai estabelecer a qualidade dos benefícios
recebidos. O fato de estar fora das redes é um fator negativo desse capital, já que estas terminam por
limitar o acesso de outras pessoas a seus recursos. Como exemplo, podemos citar ramos de
negócios controlados por grupos étnicos que monopolizam o comércio de determinadas
mercadorias em algumas cidades, restringindo o acesso de parceiros de fora das redes construídas
na comunidade.
Segundo Portes (199S apud LIMA, s.l.d.), a primeira análise sistemática do capital social foi
realizada por Bourdieu (1936), que define o conceito como o agregado do atual ou potencial recurso
ligado à posse de uma forte rede social, de relações mais ou menos institucionalizadas de
compromisso e reconhecimento mútuo. Os benefícios que revertem pela participação em um
determinado grupo são tornados possíveis pelas bases da solidariedade. O capital social pode ser
decomposto entre dois elementos: o primeiro deles seria o conjunto das próprias relações que
permitiriam aos indivíduos reivindicar os recursos comuns aos participantes; o segundo, a
quantidade e qualidade dos recursos. Apesar de enfatizar a intercambialidade das diferentes formas
de capital (econômico, cultural e social), o capital econômico (trabalho humano acumulado) seria a
base dos outros capitais. Entretanto, existira urna circularidade em que, a partir do capital social, os
atores podem ter acesso direto a recursos econômicos (através de acesso privilegiado a mercados,
pelo acesso à informação) e aumentar seu capital cultural (idem). Todavia ele é pensado,
primariamente, como capital econômico.
Outro autor, o economista Glenn Loury (1981), utiliza o conceito a partir de uma crítica às
teorias das desigualdades raciais e às políticas delas decorrentes nos EUA. Para ele, as proibições
legais contra a discriminação racial no emprego e a implementação de programas de oportunidades
iguais não eliminariam as desigualdades. Primeiro, pelo environment em que vive a população
negra, caracterizado pela pobreza, que tenderia a reproduzir para as crianças as limitadas

38
oportunidades econômicas e culturais dos pais; segundo, pelas fracas conexões dos jovens; negros
com o mercado de trabalho e falta de informação sobre oportunidades. Em outros termos, o acesso
diferenciado aos bens materiais e simbólicos decorre das limitadas redes sociais e,
conseqüentemente, do baixo capital social dessa população.
Em Coleman (1988, 1990), o ponto de partida da teoria sobre o capital social é a teoria da
escolha racional, embora rejeitando o individualismo extremo presente nela. Como base de sua
análise teve a pesquisa realizada com estudantes secundários, de diversas gerações, na Chicago nos
anos 60, em que procurava identificar a influência dos estudantes mais velhos sobre os mais jovens
em questões de participação social, liderança e participação em clubes recreativos. Para ele,
existiriam duas grandes correntes intelectuais na descrição e explanação da ação social. Uma delas,
que caracterizaria o trabalho da maioria dos sociólogos, considerava o atar socializado e a ação
determinada por normas sociais, regras e obrigações. A principal virtude dessa corrente estaria na
habilidade de descrever a ação em seu contexto social e explicar a ação como constrangida e
direcionada pelo contexto social. A outra corrente, predominante entre os economistas, veria o ator
com objetivos independentes e inteiramente voltados aos seus, interesses privados. Sua principal
virtude estaria no principio da ação entendida como maximização utilitária, defendendo a inclusão,.
no desenvolvimento da teoria sociológica, de componentes das duas correntes: a aceitação do
princípio da ação racional ou ação propositiva e a tentativa de apresentar como este princípio, em
determinado contexto social, pode contar não somente com a ação de indivíduos em contextos
particulares, mas também no desenvolvimento da organização social. Em sua concepção, capital
social é um recurso presente na ação, introduzindo a estrutura social no paradigma da ação racional.
Coleman examinou algumas formas que o capital social assumiria: obrigações e expectativas;
confiabilidade das estruturas; canais de informação e normas sociais. As obrigações e expectativas
constituem o relacionamento entre os indivíduos e podem ter uma analogia com o capital
financeiro.
Nesta perspectiva, para que funcione, essa forma de capital social dependa da confiabilidade
no meio social circundante, significando que essas obrigações serão pagas, o que, de fato e a
garantia que mantém essas relações. As estruturas sociais funcionam distintamente, fazendo com
que um mesmo indivíduo aja diferentemente em estruturas sociais diversas, gerando graus de
confiança desiguais e aumentando os riscos desse “capital”. Em outros termos o capital social
depende da estabilidade das instituições e sua ruptura implica na perda desse capital, com o fim das
regras e normas aceitas socialmente.
A informação é considerada uma forma de capital social por ser concernente às relações
sociais, através das trocas permanentes entre os indivíduos, provendo a base .para a ação social.
Como exemplo, Coleman cita a uma notícia de jornal que é passada a um amigo que não tinha
prestado atenção a algo que lhe seria importante. Ou ainda, as informações que são trocadas entre
familiares e conhecidos sobre empregos e oportunidades diversas. A aquisição dessa base, todavia é
custosa, exigindo atenção permanente. O uso das informações e sua manutenção nas relações fazem
com que estas possam ser utilizadas para diversos propósitos.
As normas e sanções sociais, quando efetivas, constituem-se em importante forma de capital
social no interesse da coletividade. Por norma social entende-se desde a norma interiorizada no
sentido durkheimiano, até a norma externa imposta pela efetiva repressão de atitudes individuais
que vão contra os interesses da comunidade. Constitui-se em instrumento eficaz na manutenção do
controle social agindo, por exemplo, na inibição do crime, pela sua repressão direta ou
constrangimento de comportamentos. Por outro lado, podem facilitar o desenvolvimento de
movimentos sociais (pela aplicação das normas ou por sua abolição), de atividades mutualistas (na
provisão de bens escassos), e na chamada boa governança, ou seja, políticas públicas voltadas ao
interesse do conjunto da sociedade.
Na análise de fenômenos macro-sociais, sua utilização vincula o funcionamento das
instituições econômicas e políticas a questões culturais constituídas a partir da interação social dos
indivíduos. Destaca ainda a importância da construção de uma sinergia Estado-Sociedade, ano bom
funcionamento das instituições democráticas, constituindo-se, assim, numa perspectiva alternativa

39
às análises que privilegiam ora a atuação estatal, ora a atuação do mercado no estudo do
desenvolvimento sócio-econômico. No espectro político que vai da direita, em autores como
Fukuyama (1995), à esquerda em autores como Burawoy (1997) e Evans (1997), passando por
recomendações do Banco Mundial acerca de políticas de desenvolvimento, a “mobilização” do
capital social de uma comunidade ou sociedade passou a ser considerada um fator positivo no
fortalecimento da participação popular nas instituições políticas num contexto de crise das utopias e
de pensamento único, no qual o Estado é visto como grande vilão. Essa “mobilização” refere-se à
utilização dos recursos organizacionais e associativos, formais e informais, existentes na sociedade.
civil no planejamento e execução de políticas públicas.
Assumir a centralidade do papel do Estado no fomento de uma relação sinérgica com o
mercado e a sociedade representa ir de encontro a dois desígnios negativos defendidos pela
literatura recente sobre o papel do Estado e sua relação com o mercado. .
O primeiro deles é que essa aproximação entre ambos conduziria a um comportamento. de
captura do agente público em beneficio do privado. Isso porque, do ponto de vista público, como
afirmava Weber, essa relação poderia ser uma ameaça à autonomia do Estado e às normas sociais.
Contudo, a possibilidade de captura é o horizonte apregoado pela literatura correspondente à
abordagem da escolha racional, para a qual evitar essa captura significava a diminuição do papel do
Estado na economia. Seguindo essa perspectiva, boa parte das políticas desenvolvidas pelos países
foi de um esforço para reduzir o papel do Estado. Os resultados dessa política, principalmente em
países do terceiro mundo, atestam a ineficácia dessa medida.
Um segundo desígnio, apontado por PUTMAN (1996), é a inexorabilidade da condição de
sociedades sem capital social em permanecer infinitamente na situação presente, dada sua história
de ausência desse componente. Essa é a realidade de quase todos os países do terceiro mundo, onde
são escassas as redes, normas de confiança que facilitam a coordenação e cooperação para
benefícios mútuos. Contra essa predestinação, defende EVANS et al (1997) a possibilidade de
construção de ambientes institucionais propícios para produção de capital social.
Nesse sentido, o Estado assume papel central por meio de uma burocracia forte na
características descritas por Max Weber. Um requisito fundamental para o estabelecimento dessas
relações é a existência de instituições fortes e autônomas. Com isso, nem o Estado, nem o mercado,
nem a sociedade perdem suas características.
EVANS et al (1996) sustentam a idéia do o papel central das instituições na formação de
capital social, por meio de uma sinergia na relação entre Estado e sociedade, quando na
implementação de programas de desenvolvimento social. Essa centralidade apoia-se na autonomia
do Estado, com o conceito de autonomia inserida, a qual representa a existência da combinação da
burocracia weberiana com uma intensa conexão com a estrutura social circundante (EVANS, 1995:
50 apud CAMARGO, s.d.). Ao contrário de Weber, contudo, Evans defende a opinião das esferas
pública e privada. Enquanto Weber afirmava que essa relação seria uma ameaça à autonomia do
Estado e das normas sociais, Evans afirma que a relação “sinérgica” (ação simultânea de diversos
órgãos para a realização de uma função) entre o público e o privado é essencial para otimizar a
própria intervenção do Estado na formulação de políticas e na estruturação do mercado.
A melhor medida da relação entre Estado e capital privado, visando o desenvolvimento
industrial, ocorre quando combina-se uma forte tradição burocrática entre os agentes públicos com
uma relação, não de captura, mas de cooperação e confiança, junto ao setor privado. Assim, o
Estado é dotado de autonomia porque exerce a autoridade por meio de um rígido aparato
burocrático, e possui inserção no setor privado quando se estabelecem laços e normas informais de
confiança que asseguram cooperação para o alcance dos objetivos de política econômica
(FERNANDES, 2001 apud CAMARGO, s.d.). Desse modo, por meio da intervenção direta do
Estado, da existência de instituições sólidas inseridas no cotidiano da sociedade e conectadas a
demandas sociais cotidianas, e de uma burocracia coesa e coagida pelo “espírito de corpo” seria
possível fornecer os bens públicos. Esta combinação, entre coesão burocrática interna e inserção do
Estado, é chamada por Evans de “autonomia inserida”.

40
ECONOMIA CLASSES SOCIAIS E POLÍTICA

A natureza e as funções do Estado no capitalismo


Primeiro, Marx considerava as condições materiais de uma sociedade como a base de sua
estrutura social e da consciência humana. A forma do Estado, portanto, emerge das relações de
produção, não do desenvolvimento geral da mente humana ou do conjunto das vontades humanas.
A consciência humana que guia e até mesmo determina essas relações individuais é o produto das
condições materiais – o modo pelo qual as coisas são produzidas, distribuídas e consumidas
(CARNOY, 1994).
Entende Marx que, “(...) Na produção social de sua vida, os homens entram em relações
determinada, necessárias, e independentes de sua vontade, relações de produção que
correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A
soma total dessas forças de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base, real
sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas
definidas de consciência social. O modo de produção da vida material, condiciona de forma geral,
o processo de vida social, político e intelectual”.
Assim, o capitalismo, como modo de produção específico surgido a partir da desarticulação
da sociedade feudal, de acordo com Mam, tem as seguintes características (CARNOY, 1994):
• a riqueza produtiva, os instrumentos de produção, são privadamente possuídos e alocados
para usos por seus proprietários
• o mesmo é verdadeiro para a capacidade de trabalhar, chamada de força de trabalho
• alguns proprietários da força de trabalho não possuem os instrumentos de produção que lhes
possibilitariam satisfazer suas necessidades.
Assim, no capitalismo há um mercado de capital, onde os donos da riqueza produtiva alocam
seus recursos na procura de lucros, e um mercado de trabalho, onde os proprietários de força de
trabalho são forçados a vender seus serviços para sobreviver.
Dessa forma, porque a burguesia tem um controle especial sobre o trabalho no processo de
produção capitalista, essa classe dominante estende seu poder ao Estado e a outras instituições.
Em segundo lugar, Marx defendia que o Estado, emergindo das relações de produção, não
representa o bem-comum, mas é a expressão política da estrutura de classe inerente à produção.
Uma vez que desenvolveu a formulação da sociedade capitalista como uma sociedade de classes,
dominada pela burguesia, seguiu-se necessariamente a sua visão de que o Estado é a expressão
política dessa dominação. Mais ainda, concebeu o Estado como um instrumento essencial dá
dominação de uma classe sobre a outra na sociedade capitalista, visto que sua intervenção (e não
neutralidade) no conflito é vital e se condiciona ao caráter essencial do Estado como meio de
dominação de classe. . .
Se nas primeiras obras Marx via a sociedade burguesa como aquela em que a sociedade civil
está separada da sociedade política, o fundamento da luta de classes permite compreender o Estado
como uma instituição com vínculo de classe, surgindo da contradição entre os interesses de um
indivíduo e o interesse comum de todos os indivíduos. Na significa que o Estado seja um complô de
classe, mas ele evolui no sentido de mediar as contradições entre os indivíduos e a comunidade e,
uma vez que a comunidade é dominada pela burguesia, assim o é a mediação pelo Estado.
Todavia, não fica claro até onde e de que forma o Estado age nos interesses da burguesia “em
seu conjunto como um todo”, enquanto que, ao mesmo tempo, é capaz de utilizar seus poderes
sobre a propriedade privada na busca desses interesses. Ocorre que o Estado expressão política da
classe dominante sem ser originário de um complô de classe, mas antes é uma instituição
socialmente necessária, exigida para cuidar de certas tarefas socialmente necessárias para a
sobrevivência da comunidade, tornando-se uma instituição de classe.
O terceiro ponto fundamental na teoria do Estado de Marx é que, na sociedade burguesa, o
Estado representa o braço repressivo da burguesia. A ascensão do Estado como instância que detém
o monopólio legítimo do exercício da violência física em seu território se coaduna perfeitamente

41
com seu caracter classista, visto que esse aparelho coativo por ele monopolizado atua como força
repressiva para manter sob controle os antagonismos de classe.
Hei aqui duas questões, dois desdobramentos em termos de funções que são exercidas pelo
Estado:
• uma função primária de jurisdição e legislação da sociedade, qual seja, a imposição das leis,
inerente a toda a sociedade;
• uma função secundária de repressão, pois seu surgimento é identificado como parte da
divisão do trabalho, isto é, como parte do aparecimento das diferenças entre os grupos na sociedade
e da falta de consenso social.
Trata-se da constatação que o aparecimento das divisões sociais leva à separação do poder de
coerção em relação ao corpo geral da sociedade, de forma a possibilitar que um grupo use o poder
repressivo concentrado no Estado contra os outros grupos.

Autonomia do Estado
A noção de autonomia do Estado pressupõe que em algum momento ele pede ser capturado,
por interesses privados e expressar diretamente esses interesses. Dessa forma, podemos observar
três situações específicas no que diz respeito as relações entre o Estado e a sociedade civil
(PRZEWORSKY, 1995):
• autonomia: o Estado é autônomo quando formula suas próprias metas e as realiza face à
oposição.
• instrumentalização: ele e instrumental quando age efetivamente como agente de alguns
interesses externos.
• irrelevância: ele é irrelevante, fraco ou disfuncional quando não pode fazer muito, seja em
busca de: seus próprios objetivos ou de objetivos alheios.
Nessa perspectiva, a autonomia é sempre relativa, no sentido de que o Estado se toma
autônomo apenas sob certas condições.
Essa visão das relações entre Estado e sociedade civil, nas teorias marxistas, apresenta a
seguinte estrutura (PRZEWORSKY, 1995):
Se a classe economicamente dominante é capaz de se organizar politicamente e não encontra
oponentes igualmente poderosos; então, a classe dominante conquista o Estado e manda
diretamente. Se alguma dessas condições é violada, o Estado se torna independente da sociedade. .
Disse temos (CARNOY, 1994; PRZEWORSKY, 1995):
• quando o Estado é instrumental, interesses da classe economicamente dominante ditam o
que o Estado faz
• quando o Estado é autônomo, suas políticas não refletem sistematicamente os interesses da
classe dominante
Todavia, a própria relação entre Estado e sociedade – se em condições históricas particulares
o Estado é autônomo ou instrumental – e explicado pelas relações de classe.
O Estado seria um instrumento da classe capitalista, sempre que essa classe pudesse se
organizar politicamente e sempre que ela não se defrontasse com um oponente, igualmente
poderoso, em outras classes.

A condição normal de autonomia: abdicação/abstenção


Nessa condição a burocracia do Estado tem alguma autonomia frente à burguesia devido a
aversão inerente desse classe em atuar diretamente no aparelho do Estado e devido ao conflito de
interesses entre os capitalistas individuais (exigindo uma burocracia independente que pode atuar,
como executora, para toda a classe capitalista).
Essa autonomia seria explicada pela teoria da abdicação/abstenção, segundo a qual a
burguesia tem a importância econômica e a capacidade organizacional necessárias para conquistar e
exercer o poder de Estado. Todavia, o custo de participação na luta pelo poder político e seu
eventual exercício é alto, atrapalhando os burgueses individuais que apenas querem explorar outras
classes e desfrutar da propriedade. Assim, os capitalistas esperam que seja possível tratar de seus

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negócios privados com sucesso sob a proteção de uma ditadura.. Então, a burguesia abdica da luta
pelo poder político e o Estado se torna autônomo. Nesse caso, a burguesia abdica do poder ou se
abstém de tomá-lo porque percebe que seus interesses são melhor servidos se permanecer fora da
política (PRZEWORSKY, 1995).
Assim, nas condições normais do Estado burguês, a burguesia atribui a tarefa de gerenciar os
negócios políticos da sociedade a uma burocracia (que pode ou não ser originada socialmente dos
quadros burgueses), mas esta burocracia – em contraposição às primeiras formações sociais – está
subordinada à sociedade e à produção burguesas. Embora a burocracia, enquanto conjunto de
burocratas individuais, seja autônoma frente à burguesia, está, como instituição, reduzida cada vez
mais ao estado de um estrato social que atua como agente da classe dominante (PRZEWORSKY,
1995).

A condição excepcional de autonomia: equilíbrio de classes


A autonomia do Estado frente aos interesses de classe resulta do equilíbrio de classes: esta é a
explicação marxista ortodoxa da autonomia expandida do Estado (CARNOY, 1994).
O equilíbrio de classes é uma condição necessária para a autonomia do Estado: quando a
burguesia é forte, a força de seus oponentes explica porque os custos da luta pelo poder são altos;
quando a burguesia é fraca, a fraqueza de seus oponentes, explica porque. não são capazes de
conquistar o poder (PRZEWORSKY, 1995).
. Em tempos excepcionais, as possibilidades de autonomia podem aumentar, quando a luta de
classes é “congelada” pela incapacidade de qualquer classe em demonstrar seu poder sobre o
Estado. Essa condição histórica excepcional permite que a burocracia amplie sua autonomia frente
ao controle de classes, não sendo dominada por nenhuma classe dominante da sociedade civil. O
exemplo histórico comentado por Marx seria o bonapartismo, mais precisamente o golpe de Estado
de Napoleão III, tema de seu livro “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” (1852), onde analisa uma
forma de governo onde a burguesia se deixa levar quando se vê na emergência de uma crise
(CARNOY, 1994).
Nessa análise do Império de Luís Bonaparte (1852-1870), Marx volta a sua conceituação
original, argumentando que há exemplos históricos, quando nenhuma classe tem poder suficiente
para governar através do Estado. Nesses casos, é o próprio Estado que domina.
Seriam situações específicas, em que a burguesia concede sacrificar seu poder político para
manter seu poder econômico e social, abrindo mão da representação parlamentar e seus partidos
políticos. Marx argumenta que Luís Bonaparte, jogou. as classes umas contra as outras onde
nenhuma delas tinha forças para reconquistar o poder, tendo assumido o governo depois que todas
elas mostraram sua incapacidade de dominar a se esgotaram no processo.
Para Marx, o Estado bonapartista surgiu num período excepcional e se constituiu numa
exceção à forma “normal” do Estado burguês. Tais períodos são caracterizados pelo equilíbrio das
classes em luta, de tal forma que o poder de Estado, como mediador entre elas, adquire uma certa
autonomia. Ainda, o Estado serve a classe capitalista passivamente, ao deixar intocadas as relações
de produção, deixando o controle básico dos meios de produção em mãos burguesas.
Nesse modelo de Estado autônomo, o Estado não é instrumento da burguesia, mas tem suas
ações determinadas pelas condições da luta de classe e pela estrutura de uma sociedade de classes.
Na verdade, se o Estado autônomo não muda a configuração do poder econômico, ele depende da
burguesia dominante para a acumulação de capital, conseqüentemente de impostos públicos e para a
própria elevação do Estado e expansão militar.

A questão da democracia
Marx observou duas facetas na questão da democracia, coerentemente com seu conceito da
natureza de classe do Estado, mas a ambigüidade está justamente na duplicidade desta questão,
visto que as duas faces correspondem às duas classes fundamentais que lutam no interior do quadro
político de uma sociedade de classes (CARNOY, 1994).

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Assim, temos que as formas democráticas (eleições, parlamento, multiplicidade de partidos
políticos e garantias constitucionais) podem ser instrumentalizadas e utilizadas pela classe
dominante como meio de oferecer a ilusão de participação, das massas no Estado, enquanto o poder
econômico da classe dominante garante a reprodução das relações entre capital e o trabalho na
produção.
Por outro lado, existe a luta para dar às formas democráticas um novo conteúdo social ou de
massas, impelindo-as aos extremos democráticos de controle popular a partir da base, incluindo a
extensão das formas democráticas da esfera política para toda a sociedade.

A questão da classe dominante


Desde que não fica claro, em Marx, até que ponto o Estado é um agente da classe dominante,
seus seguidores têm oferecido várias respostas para explicar porque o Estado deveria ser
considerado como um instrumento da classe dominante, a saber (CARNOY, 1994):
• origem social. dos membros do sistema de Estado: as pessoas que estão nos mais altos
postos dos ramos executivo, legislativo e judiciário tendem a pertencer à mesma classe ou classes
que dominam a sociedade civil; mesmo quando não tem sua origem nessa classe, são para ela
recrutados por sua educação e suas relações, adotando o comportamento e interesses da classe
dominante.
• poder econômico global: através de seu controle dos meios de produção, a classe dominante
é capaz de influenciar as medidas estatais de uma maneira que nenhum outro grupo, pode
desenvolver; os capitalistas subjugam a economia, e por decorrência o Estado, manipulando o
capital.
• determinação estrutural: o Estado é um instrumento da classe dominante porque, dada a sua
inserção no modo capitalista de produção, não pode ser diferente, já que existem constrangimentos
estruturais isto é, estruturas previamente construídas que limitam a margem de,manobra do Estado
que nenhum governo, na sociedade capitalista, pôde evitar ou ignorar.

Os conceitos mais utilizados


• modo de produção: a mistura das forças produtivas e relações de produção entre as pessoas
na sociedade numa determinada época da história. Os exemplos incluem o comunismo primitivo, o
feudalismo, o capitalismo, o.socialismo e o modo de produção asiático
• relações de produção: a divisão do trabalho que coloca em movimento as forças produtivas e
cuja atividade está relacionada à propriedade e à posse dos meios de produção.
• forças produtivas: a capacidade produtiva, incluindo prédios e maquinários, a tecnologia e as
habilidades de trabalho,
• meios de produção: as ferramentas, a terra, os prédios e o maquinário com os quais os
trabalhadores produzem bens materiais para si próprios e para a sociedade;
Outra perspectiva pára a relação entre classes sociais, Estado e economia é obtida mediante o
estudo das contribuições de autores neoliberais (ou próximos ao neoliberalismo), a exemplo de
Jalnes Buchanan e Mancur Olson.
Até a Grande Depressão, o Estado apenas garantia a operação do mercado, mas não
intervinha. Não exista, naquela época,. razão para, que interesses privados buscassem controlar o
Estado. Veio então a Revolução Keynesiana: o Estado adquiriu a capacidade de administrar a
economia. Mas como resultado de seus novos poderes adquiridos, rapidamente perdeu sua
capacidade de resistir às pressões de grupos privados, que agora tinham boas razões para tentar
influir no Estado.
Permeado por interesses privados, o Estado passou a gerar massivas ineficiências à medida
em que respondia a pressões conflitantes, em particular para a acumulação e a legitimação. Nesse
momento, os neomarxistas como Offe e O’Connor concluíram que é possível um fracasso na
reprodução – diagnóstico partilhado pelos neoliberais, no caso Buchanan e Olson, que responderam
com uma revolução contra o Estado.

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Buchanan desenvolve seu trabalho de análise da crise do Estado contemporâneo a partir da
Teoria da rent seeking society, inspirada por Krueger e Tullock, segundo a qual não há espaço para
a política, visto que ela é simplesmente um desperdício de recursos.
Essa dura crítica baseia-se em dois postulados essenciais, ambos profundamente ligados ao
paradigma da Escolha Racional, a saber:
• que todos os indivíduos tendem a agir no sentido de maximizar sua própria utilidade, ou
seja, de ampliar seus benefícios e reduzir seus custos, de forma a ganhar mais;
• que o Governo é, em última análise, formado por indivíduos que, sejam eles políticos eleitos
ou burocratas nomeados, são tão propensos a maximizar os próprios benefícios pessoais quanto
quaisquer outros indivíduos.
Dessa concepção essencial da natureza humana decorre e da constituição do Governo decorre,
necessariamente, duas conclusões:
• as burocracias são inexoravelmente ineficientes, uma vez que tendem a alocar recursos não
de acordo com a lógica de máxima eficiência alocativa do mercado, mas de acordo com embates
políticos;
• as burocracias, aqui entendidos tanto os burocratas profissionais de carreira quanto os
políticos eleitos e seus assessores nomeados, são propensas à expansão de seus próprios recursos,
motivo que orienta seu comportamento e suas decisões frente ao eleitorado.
Isso posto, o comportamento dos burocratas (profissionais, políticos eleitos e auxiliares
nomeados) seria do tipo rent seeking, ou voltado para obtenção de renda. Essa busca de renda, no
caso específico desses grupos governamentais, provocaria uma alocação ineficiente de recursos; na
medida em que eles se utilizariam do poder extroverso do Estado precisamente para obter rendas
extramercado, gerando ineficiência pela transferência de renda fora do equilíbrio competitivo de
mercado.
Essa abordagem considera que o mercado é sempre mais eficiente para alocar os recursos do
que o Governo. Duas outras razões ainda se, agregam para definir a supremacia do mercado sobre a
regulamentação pública, a saber:
• as rendas monopólicas gastas pelo Governo
• os recursos desperdiçados na tentativa de influencias o governo para fornecer rendas
monopólicas (lobby, grupos de pressão, gastos eleitorais, corrupção etc.)
Esse autor que a intervenção governamental gera rendas.monopólicas, a partir de apropriação
dos excedentes do consumidor. Se os próprios governantes se apropriam dessa renda, ela será
desperdiçada em atividades improdutivas. Além disso tudo, todos desperdiçam recursos tentando
influenciar o Governo.
A postura do autor pede ser exemplificada da seguinte maneira: se duas indústrias gastam
recursos com gentilezas a burocratas governamentais, uma fazendo lobby a favor e outra contra
urna certa tarifa, e no final o Governo decide não introduzir essa tarifa, a eficiência não sofre com
pela intervenção governamental, dado que o Governo se absteve de interferir, mas recursos foram
desperdiçados na tentativa de influenciar sua decisão: a própria possibilidade de intervenção é unia
causa de desperdício.
Olson, por outro lado, trabalho com o problema sobre a formulação de decisões coletivas,
portanto analisa o próprio processo de construção e manifestação de preferenciais eleitorais e seus
impactos: na organização dos grupos de interesse e no processo decisório que ocorre a nível
governamental.
Para ele, a lógica da ação coletiva não corresponde aos mesmos padrões de comportamento
que regem a racionalidade individual. Sua principal contribuição teórica foi o desenvolvimento
dessa diferenciação, expressa pela falácia da composição.
Basicamente, podemos entender que a falácia da composição sustenta que a ação coletiva não
é o resultado da mera agregação das preferências individuais, mas que o comportamento do
indivíduo em coletividade, ao menos nos grandes agregados, assume urna racionalidade peculiar,
que expressa diferentes estratégias para maximizar o interesse de cada um frente às interações que

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ocorrem no grupo e que podem modificar os comportamentos que seriam adotados isoladamente,
mesmo que os interesses de cada um sejam coincidentes e não-competitivos.
Para melhor exemplificar a lógica dessa ação coletiva, o autor examina três situações
específicas e as estratégias que se podem adotar em cada uma delas, sempre dentro do princípio do
sujeito racional maximizador dos próprios benefícios.
• O problema do carona: trata-se de uma decisão que envolve o interesse de agir frente ao
custo de participação. Nessa situação, o indivíduo, que sozinho agiria no sentido de proteger seus
interesses, prefere não agir, deixando que os outros membros do grupo resolvam o problema, certo
de que será beneficiado pela ação dos demais mesmo sem atuar, obtendo o mesmo benefício sem
custo algum.
• O dilema do prisioneiro: ocorre numa situação em que a cooperação produziria o máximo de
benefício possível para cada membro individual do grupo, .mas a impossibilidade de compartilhar
informações e de prever o comportamento dos demais leva cada membro, agindo isoladamente e
supondo um comportamento não-cooperativo por parte dos demais, a adotar uma atitude não-
cooperativa, que leva a uma perda de eficiência e a diminuição dos benefícios que cada um poderia
auferir..
• O jogo da galinha: uma situação em que a retirada súbita e explícita da cooperação, sob a
alegação de desinteresse, inviabilidade ou desespero, busca na verdade induzir outros membros do
grupo a assumirem o custo e os riscos do empreendimento coletivo que, uma vez realizado, vai
beneficiar o agente que se propõe “a jogar tudo para.o alto”.
Esses são apenas alguns dos exemplos de como a reação aos agregados modifica os
comportamentos individuais, provocando um resultado diverso daquele que decorreria da ação
isolada de cada membro do grupo.

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