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ÁÍ'-,I/IMMUL:’ /‘ 1 /

__ _ _A_ _LA
TENTATIVA

THEOLOGICA,

EM QUE SE PRETENDE MOSTRAR,


que impedido o .Recurio

Á SÉ APOSTOLICA
SE DEVOLVE . v.

SENHORES BISPOS

A FACULDADE DE DISPENSAR
nos Impedimentos Públicos do Matrimonio , e de
prover efpiritualmente em todos os mais Cazos
Refervados ao Papa ,

4 U Lf
TODAS' l> JS
У1 О PEZES
Г Ел £-1 O QUE^ytSSlM
¿sy Lj SI U U M. J.YL Ö
\J г 1Ъ
PEDIR
J- a publica e urgente necejfidade dos fubditos.

'^^^SEÜ AUTOR^^t-

ANTONIO P ER E l К A
DE FIGUEIREDO
Presbyrero e Theologo de Lisboa, Deputado Ordinario da Real Me
za Cenforia, e Official de Linguas da Secretaria de Eílado
dos Negocios Eftrangeiros.
Terceira imprejjao , wviftae emendada pelo mefmo Autor t que no fim da
Obra Ihe ajuntou afuá Reporta Apologética contra a Cenjura do Par
\ Are Gabriel Galindo Theologo de Madrid.

102264
LISBOA,
Na Oficina de ANTONIO RODRIGUES GALHARDO,
Impreflor da Real Meza Cenforia.

M. DCC. LXIX.
Сет Исща fa тфш Real Mc%a>
S. Cypriano no Livro da Unidade da

Igreja :

Epifiopatus mus efl , cujus à fingulis in

folidum pars tenetur.

O Papa S. Gregorio Magno no Livro

IX. Epiftola 68. a Eufebio de Theflalo-

nîca :

Si unus univerfalis efl , reftat ut vos Epis-

copi non fitis.


• AOS EXCELLENTISSIMOS ....

E REVERENDISIMOS SENHORES

Bifpos e Arcebifpos do Reyno de Portugal e feus


Dominios.

EXCELLENriSSIMOS, E REVERENDISIMOS SENHORES.

Urn Livrô que todo fe occupa em

moflrar e defender os Direitos Epifcopaes , e


que nao fâ no ímu juizo , mas taobem no de
a ii 4ua'
quatre gravißmösCenfores , os moflra e dé

fende JoUdamente : eße Livra, digo, пет

fe deve dedicar fenaÖ a Bifpos , пет pode


deixar de merecer a appro vacad dos Bifpos.

Tal he o que agora ofereço a Voßas Ex*


cellencias : que nos dez Principios que efla-

belece , contém outras tantas ideas nobiliß-

mas e incorruptißmas do que he fer Bifpo :


ideas infpiradas pelo Efpirito Santo ñas divi

nas Letras : ideas confervadas dejde os pri


meaos fe culos no fagrado Depozito da Tra-

diçao Apofiolica : ideas que a pezar nao fei


fe da rudeza , fe da adulaçao defies últimos

tempos ; apparecem nefta Tentativa reftitui-

das ao feu nativo efplendor , como reveju

das de todas aquellas notas , que cofiumao

acompanhar tudo o que he genuino efincero.

He Chrifio Senhor noffo o Autor imme


diato do Epifcopado : porque elle foi o que

immediatamente ordeno и Bifpos os feus A-


■poftolos , quando Ihes diffe : Affim como

meu Pay me mandou , affim eu vos man

do. Recebei o Efpirito Santo : ide por

todo o mundo , prégai , enfinai, baptizai :

tudo o que ligardes ou defatardes na ter


ra , ferá ligado ou defatado no Ceo. Pa-

lavras que na fuá те/ma amplidao e genera-

íldade y eflao denotando hum -poder fem limi

tes: hum poder fem limites em quanto á ma

teria , porque a fuá medida era a neceßdade

dos fubditos : hum poder fem limites em quan-

to ao lugar , porque em virtude das palavras

de Chriflo tinha cada Apoßolo por Dioceje *


nao menos que o mundo todo'.****"?* ¿¿Sé&

Seria injuria feita a Voffas Excelen

cias , fe eu me demoraße em provar efla con-

fequencia. Mas como fallando eu nefla De

dicatoria fó com Bifpos , hao de fer muitos

os que a haode 1er , fem ferem Bifpos : alie-

garei ameufavor dois Theologos, que pe

la fuá autoridade façao aqui as vezes dos

mais. He o prime iro Nicolao de Cufa , Car-

deal e Bifpo de Bréffa , que no Livro II. da


fuá admiravel Obra da Concordia Catho-

lica , cap. 15. diz aßm : Keéle dicimus drap,

omnes Apodólos in poteftate cum Petro

requales.Infuper eil ad memoriam reducen-


dum , quod in principio Ecclefiae fuir unus

tantum Epifcopatus generalis. He o fegun-

do Domingos Soto , gloria immortal da Sa


grada
grada e Illufirißitna Familia ' dos Pregado*

res , e que no Concilio de Trento fez no tem

po de Paulo III. a primeira figura. As fuas


Soto no IV. palavras fao eflas : Cum utraque pleniffi-

jas pag^S* ma jurisdicStio de eíTentia fit Apoftolici

muneris, utramque a Chriílo omnes imme

diate fufceperunt , atque adeo unusquis-

que erat per Chriílum Epifcopus totius

orbis.

Affim para mais perfeito defempenho

do Minifierio Epijcopal , como para fe con-

fervar melhor no fagrado Collegio a unida-

de Catholica , de que o mefmo Chriflo cons*

tituira Centro a Pedro : repartirao os Apos

tólos entre fi de commum acordó as Provin

cias , que cada hum efpecialmente havia de


Л inflruir e reger. E efla foi a origem das

-JDiocefes : efie o motivo , porque logo nos


principios da nova Igreja introduzirao os

Apoflolos no Epifcopado as tres Clafes

de Bifpos , Arcebifpos , e Primazes : no*

mes de maior adminiflraçao por ordem

ao governo exterior da Jerarquía Eccle-

fiaflica , mas nao de maior jurisdicçao a

rejpeito do governo interior de cada Vioce-*


fe. Porque como diz S, Jeronymo : Ubicum-

que fuerit Epifcopus , five Romze , five

Eugubii , five Conílantinopoli , five Ale

xandrine , five Tanis : ejusdem meriti,

.- ejusdem eil &. Sacerdotii. Ceterum om-

nes SucceíTores Apoílolorum funt. E por

termos mais concizos o Papa S. Symmaco :

Ad Trinitatis inflar , cujus una eil atque in

dividua poteílas , unum eil per diverfos

Antiílites Sacerdotium. Donde veyo a du

zer admiravelmente Guilherme Bifpo de Pa-

riz , que em quanto hörnern , nao exercitâra

Chriflo Serihor noßö neße mundo poder maior9

r que о de Bifpo : Ipfe Dominus Jefus Chri-

ilus non plus quàm Epifcopus eil in Digni-


tatibus Ecclefiailicis , fecundum quod

homo.

. Ora Je neße poder annexo por Chriflo

ao Epifcopado fuccedem os Bifpos aos Apos

tólos , como ainda agora ouvimos da boca

de S. Jeronymo , e corn S. Jeronymo o enfi-

na toda a Antiguidade : claro eftá , que den»


^ tro da fuaDiocefe fe ha de eftender a tanto

€ poder do Bifpo , quanta he a neceßdade

das fuas ovelhas. He o que S.Cypriano ef


crevia
crevla ao Papa S. Efievao na Epißota 72.

^oTdTedf" Habet ш Ecclefise adminiftratione volun-


de Feii*e ' tatts iliae arbitrium liberum unusquisque

Praepofitus, rationem aélus fui Domino

redditurus.

He verdade que pelo difcurjo dos tem

pos forao os Succejfcres de S. Pedro appro-

' priando a fi o exercicio de certas jurisdic-

qoens , de que até alii eftavao de poffe os

Bifpos. Mas álem de que eflas primeiras


Kefervaçoens todas pert eneчао ás Сaufas do

foro contenciozo , e jogavao propriamente

com a Policía externa de toda a Igreja : effas

mefmas as nao appropriavao aß os Roma

nos Pontífices , fe nao por confentimento dos

mais Bifpos : que em obfequio e reverencia

do Principe dos Apoftolos S. Pedro , dimit-

tiao de fi a favor dos Bifpos de Koma feus

Succeffores aquellas mefmas prerogativas ,

que antes erao communs a todas as Dioce-

jes. He nefle genero admiravel o exemplo ,

que taobem pondero no Corpo defta Obra , ti'

vado das Aéias do Concilio Gerät de Sardica

celebrado no meyo do quarto feculo. Ouçanios

as palavras do feu Prezidmte , que era o

gran*
grande Ofio Bifpo de Cordova : Si vobis pía- CanonIII áo
cet ,
Sanóti Petri Apoíloli memoriam ho- соясШо de
. r , ii« • r Sard.Tom.II«
noremus , ut icribatur ab his qui caulam pag. ó47.

examinarunt, Julio Romano Pontifici, 6c

íi judicaverit renovandum eíTe judicium ,

renovetur &: det Judices. -E logo imme

diatamente : Refpondit Synodus , Placet.

Aqui temos confejfarem os Padres de hum

Concilio Geral , em que entravao сот o feu

Prezidente muitos Bifpos de Hefpanha e Por

tugal : como o de Merida que era a Metro*


■pole da Luzitania , e o de Aflorga que per»

tencia á Provincia de Braga : confejfarem ,

digo y que em honra e memoria do Apojlolo

S. Pedro primeiro Bifpo de Roma , acorda-

vao e convinhao todos , que dalli por diante

gozajfe o Romano Pontífice da Regalia de

poder conceder a favor dos Bifpos fent enria

dos no Synodo da Provincia , novo exame ou

nova Revifia da Caufa : nao por avocaqao del

ta para a Curia, como hoje fe prática em con-

formidade do Capit, Caufe criminales do *i

Concilio de Trente : mas nomeando novo s Jui-

zes , que na mefina Provincia examinajfem

de novo a Caufa dos Bifpos recorrentes.


b He
' fíe tao cefto , que do confentimento

dos Bifpos ou dos Concilios Geraes tiverao

feu principio eflas e outras Prerogativas an

nexas ao Primado de Koma : ( Frerogati

vas , que muito s por nao faberem ou nao que

rerem diflinguir e feparar no Primado , o que

he Direito Divino do que he Direito Eccle-

fiafiico ; confundan de tal forte e com tal ex-

ceßv , que querem nao haja nos Romanos

Pontífices qualidade alguma efpiritual , que


Ihes nao compita por infiituiçao de Chrifio. )

He tao certo , digo , que muitas das Rega

lias de que hoje goza o Bifpo de Roma l/ie


nao convem por Direito Divino , mas fim por

concefao e beneplácito da Igreja reprefenta-

da no Corpo dos Bifpos : que até o andar o

Primado de S. Pedro annexo fempre ao Bis-

po de Roma , fentem muitos e gravißmos

Theologos , nao fer de inflituiçao Divina , mas

fim de inflituiçao Ecclefiaftica , que abfoluta-

mente fallando fe pode mudar ou alterar.

Porque ainda que Chrifio Senhor noßb infli-

tuhio o Primado na peßoa de S. Pedro, e

quiz ( como he Tradiçao confiante de todos

os Padres e de todos os Jeculos ) que na

и „ ü „ fuá
^-fua ïgreja houvefe perpetuamente hum Cht*

fe ou Cabeça vifivel de todos os Fiéis i com

tudo fer efle Chefe fempre o Bifpo de Кота ,

e nao outro Bifpo , enfinao acjueïles TJieolo-

gos que nao he de Direito Divino : mas que

aquella uniaö das diias qualidades fora huma

confequencia da devoçao e agradecimento da

Igreja , que em honra e memoria do Pria-

cipe dos Арoftoíos quiz honrar com a confer-

vaçao e jucceffao do Primado huma Cidade ,

que fobre fer Cabeça do Orbe , fora a Cathe

dral do primeiro e do maior Bifpo.

Nao duvido , que os que nao therein


da TJieologia e dos feus Dogmas as grandes

luzes, que eu confedero e devo conßderar em

Yоffas Excellencias : todos ao lerem о que

acabo de efcrever , terao por hereges os

Theologos que tal dizem. Mas quem chama

rá herege a hum Joao Gerfon , Cancellario

da Univerßdade de Variz , Alma do Conci

lio Gérai de Conftança , e por antonomafia o

Doutor Chriítianiffimo ? a hum Joao Ger

fon , que depois de unir a huma erudiçao es

tupenda huma vida fantißma , brilhou depois

da morte com tantos e tao illuftres milagresy

b ii в"*
f

que obrigado da fama délies manâou Carlos

VIII. Rey Chrifiianißmo , edificar em hon

ra e memoria fuá huma Capella , e collocar

nella a fuá imagem , aonde por muitos an

uos teve Gerfon culto publico , com appro-

vaçao e applauzo dos Arcebifpos de Leao e

de outros grandes Prelados daquelle floren-

tißmo Keyno ? £ efie Gerfon he o que no

feu nobre Tratado de Poteftate Eccleíiafti-

ca 6c Origine Juris , efereve aßm no fim

GerÇorxTom. da Сonfideraçao VIL Sed quaeret forte ali-


11.pag.a36. qUjs 9 qU0 pafto Ecclefia Romana dica-

tur eadem iílo modo , cum ab initio me

rit in Antiochia ? Refponfio facilis eil , fi

fiat abftractio talium à connotatione loci ,

ÔC dicamus quod Eccleíia Romana eil il

la Diœceiîs , Provincia , vel Sedes , qure

peculiariter habet regi per au&oritatem

Papalem , 6c earn complectitur. Sic veri-

tatem habet vulgata vox : Ubi Papa , ibi

Roma.
Qiiem chamará herege a hum Nicolao

de Сиfa, Cardeal Alemao e Bifpo de Bréfa

na Italia, Doutor da Sagrada Ordern dos Co-

negos Regulares de S. Agofïinho ? que no

Livro
TÀvro IL da referida Obra, cap. ц. efcre-
ve aßm : Non poífe adhuc Romanum Cufa p. 774-

Pontificem perpetuum Principem Eccle-

iire probari , fatis ex hoc manifeilum eft*

E logo mais abaixo : Quare fi per poflibi-


le Treverenfis Archiepifcopus per Ec-

clefiam congregatam pro Prœiïde ôcCa- /

pite eligeretur , ille proprie plus Succes

sor S. Petri in Principatu foret , quam

Epifcopus Romanus.

Quem chamará hereges aos doisfamo-

fifimos Сathedráticos^ de Prima da Univerß-

dade de Salamanca , Domingos Soto e Domin

gos Banhes , da Illuflrißma Ordern dos Pre-

gadores 1 Dos quaes 0 primeiro nos Com


mentaries /obre о IV. das Sentenqas diz
aßm: Utrum culmen 'fu m m se dignitatis Soto p. 64^.

jure divino in Eccleiîa Romana coniîfïat ,

ita ut Epifcopus Romanus &: Summus

Pontifex fint divino nexu conjuncti, NON 1

EST ТАМ CERTUM, QUAM NON-

NULLI ARBITRANTUR. O fegun-

do nos Commentaries fibre a Segunda da Se


gunda de S. Thomas aßm : Quam vis à vi- Banhes Tom.
ris doéliffimis ôc Catholicis verum exiili-57.paß"52' e

metur,
metur., jure divino Romanum Pontificem

eíTe Petri Succefíbrem : tarnen NON

: EST FIDES CATHOLICA , fed opi

nio valde probabilis. E mais adiante : Ali-

qui Dolores graves noftri temporis aiunt ,

Epifcopum Romanum efle quidem Sum

mum Pontificem , non tarnen jure divino

hsec conjuncb. eíTe. Ita fentit Fr. Domi-

nicus Soto.

Paffando já ás Refervas de outro ge


nero , que fad as que pertencem ao Foro
■Penitencial e interno : aínda nos principios

do feculo XL erad os Bifpos tao tenazes da

fuá autoridade e jurisdicçao , que no Conci-


CondK Tpag.s Ü° de Salegunflat celebrado em 1022. defi-

11 33- nirao os Yadres delle no Canon XVШ, nao

ferem validas as abfolviçoens que o Romano

Pontífice concedejfe aos Diocefanos , nao ten-

do precedido o beneplácito e confentimento

dos feus Bifpos. E no Concilio de Limoges

celebrado em 1053. derao os Padres por aß

ibid. p. 1250. fentada efta doutrina : Inconfulto Epifcopo

* fuo , ab Apoftolico pœnitentiam ôc abfo-


per mjd m lutionem nemini accipere licet. О que eU
Jegundo fe- н Г 7
cuioefcomun- les provarсш com eßa memoravel rezao ;
Äpoftolici Romani (aßmchamavaö entaoff^^/^
vs Pa-pas ) Epifcoporum omnium fenten- Bi/po

tiam confirmare, non diíTolvere debent. recorrendo

QUIA SICÜT MEMBRA CAPUT tîZ'am

SÜUM SEQUI, ITA CAPUT MEM- fp-

BRA SUA NECESSE EST NON'ÍSÍ,^

CONTRISTARL Г>~
.E/fa doutrina do Concilio de Limoges d¿g*„p0*r?fm

naturalmente nos conduz a indagar e defcu'p°nde°- No-


- . * V» • •» ' bisinjuflu ve-
шг ¿7i" ш^.? , <^/г de Vtinos ter do t rimado nerandi patris
do Papa : ideas que fendo mal formadasVmdnonCn«t"

deßroem toda a boa ordem da Jerarquía Ее* s- Ер*/****

clefiaftïca : fendo Ъет entendidas , confervao тт. i. т. i.


em admiravel uniao todo o Corpo myflico dapag'm'

Igreja. Confeßao os Padres de Limoges , que

ao Papa como a Cabeça devem obedecer os \

Bifpos : mas que ao mefmo tempo nao deve o

Papa por fer Cabeça ofender buns membros

tao nobres , como fao os Bifpos. Sabiao por

doutrina de S. Paulo , que ajfim como no Cor-

po fyfico do hörnern tern cada membro fuas

operaqoens proprias , que fem defordem e de-

formidade do Todo fe nao podem inverter :

qfim no Corpo moral de Chiflo , que he a

Igreja, aßgnou o mefmo Chriflo a huns hu


mas
L Corinth. mas funçoens , a outres outras. Nunc au-

tem pofuit Deus membra , urmmquodque

eorum in corpore , ficut voluit. Vos au-

tem eitis Corpus Chrifti , &: membra de

membro. Ao Papa aßgnou Chriflo as fun

çoens de Сabeça : aos Бifpos as funçoens de


Braços e de mads. Se oBraço cjuizer fer

Cabeça , como ficará monflruozo o corpo ?

mas fe a Cabeça quizer fazer as vezes de

Braço , como ficará taobem disforme ? E fe

a Cabeça arrogar afi as operaçoens de todo

o corpo ? a todos nos parecerá huma Qui

mera. Si totum corpus oculus , ubi audi-

tus ? fi totum auditus , ubi odoratus ? Quod

íi efíent omnia unum membrum , ubi cor-

pus l A efie propofito explicou S. Bernardo

divinamente o referido lugar do Apofioïo ,

(\uando ejcrevendo ao feu Difcipulo Eugenio

III. difcorre affim no Livro III. cap. 4.


Bernardo т. Monítrum facis, íí manu íubm ovens di-
• pag-439- gj£Um ^ £acjs penc[ere ¿q capite , íuperio-

rem manui , brachio collateralem. Tale

eíl íi in Chrifti corpore membra aliter lo

cas , quàm difpofuit ipfe. Donde o mefmo

Bernardo conclue , eflar obrigado o Summa

Pon
Pontífice a confervar indemnes e ü naS ufur-

par para fi os Diretios dos Bifpos. Hono-

rum ac dignitatum gradus &. ordinesqui-

busque fervare poíiti eftis , non invidere,

ut quidam veílrorum ait : cui honorem ,

honorem.

Ora he claro , que a honra e dignidade

dos Bifpos nao efiá em fe chamarem Bifpos ,

пет em uzarem das infignias de Bifpos. Efiá

Jim em exercerem as funqoens proprias do

feu caraëter : as funqoens de Yafores do

feu Rebanho : as funqoens que ex er citaraç

os Apoßolos , de quem os Bifposfao por Di-

reito divino legítimos Succeßores : as fun-

çoens que Chrifto por termos tdo ampios de-

fignou no Evangelho , quando infiituhio. a

Ordern Epifcopal. Privar défias funqoens

os Bifpos , he privar das proprias operaqo-

ens os principaes membros do Corpо de Chris

to : he querer que os Bifpos nao fejao Bis-

pos : porque até na ordern natural o mefmo

he perder qualquer Ente as operaqoens pro

prias da fuá efpecie , que perder a fuá for

ma. Admiravelmente o grande Gerfon : Qui Gerfon Tonjt


toUit ab entibus proprias operationes , cer- p3s- l83-
te feCtindum Phiîofophum tollit ab eis

proprias formas. Quid enim valet quod

unus fit Epifcopus , fine officii fui execu-

tione, quod illi Chriftus contulit?

< .. . Querer pois , que o Papa por fer Pri

maz da Igreja , pofa tirar aos Bifpos todos

e refervar para fi livre mente , e como the

parecer, o exercicio de humas funçoens , que

Chrifto fez proprias dos Bifpos: he ter do

Primado huma idea nova , huma idea defco-

nhecida]da Antiguidade , huma idea total

mente oppofla á que nos deixarao os Santos

Padres, e os mefmos Pontífices Romanos

mais celebres.

Que Papa conheceria melhor os Direi-

tos do feu Primado , do que. os conheceo S.

Gregorio Magno ? E ejfe Gregorio he o

que no Livro VIH. Epiflola ?o. efcrevia a

Eulogio Bifpo de Alexandria , que os De

cretos do Papa os nao chamajfe Eulogio

Mandados do Papa : porque mandar era pa-

lavra propria dos que fao Senhores : e que o

Papa nao era Senhor , mas fim irmao dos

Bifpos, Mihi loquitur veílra Beatitudo di-

Gregor.Tom. cens ; Sicut jußfiis. Quod verbum juffio^


îiis peto à meo auditu removeré , quià

icio qui fum , qui eítis. Loco enim mihi

fratres eftis , moribus patres. NON


ERGO JUSSI , fed quœ utilia vifa font ,

indicare curavi. Para Vojfas Excellencias

verem , que eftas expreßоens do Papa S.

Gregorio forao mais efeito da fuá fabedoria ,

que da fuá humildade : ouçao o que muitos

feeutos depots eferevia- do Papa Eugenio 1IL

o gloriofo S. Bernardo de Ciaraval : Quid


tibi dimiíit Sanétus Apoílolus ? numquid

dominationem ? Sed audi ipíum. Non do

minantes , ait , in Clero , fed forma faóíí

gregis. Et ne diélum fola humilitate pu

tes, non etiam ve rítate , vox Domini eil

in Evangelio : Reges gentium dominantur


eorum : vos autem non fie. PLANUM

JEST : APOSTOLIS INTERDICI-

TUR DOMINATUS. E em outra parte:

Coniîderes Romanam Ecclelîam aliarum

Matrem eiTe , non Dominam : ET TE

NONEPISCOPORUM DOMINUM,
SED UNUM EX IPSIS.

О mefmo S, Gregorio eftranha na mes*

ma Carta a Eulogio , darlheelle o tratamen-


c ii to
to de Bifpo Univerfal : e a razào que alle

ga fara о eftrarihar , he que o chamarfe Uni

verfal о Bifpo de Кота , era hum titulo

que álem de foberbo , nao fe podia admittir

fem ofenfa e injuria dos outros Bijpos : quart-

do toda a honra do Tapa deve fer a honra


dos Bifpos. In prsefatione Epiitolse , quam

ad me ipfum direxiftis, fuperbse appella

tions verbum , univerfalem me Papam di-

centes , imprimere curaílis. Quod peto

dulciffima mihi fanditas veftra ultra non

faciat : quia vobis fubtrahitur , quod alteri

plusquam ratio exigit praebetur. Nec ho

norem efle deputo , in quo fratres meos

honorem fuum perderé cognofco. MEUS

NAMQUE HONOR EST ERA-

TRUM MEORUM SOLIDUS VI

GOR. Tunc ego veré honoratus fu m ,

cùm íingulis quibusque honor debitus non

negatur. ^ .-, ,L *
He rezad que Vojfas Excellencias fe

demorem hum pouco em refleóiir , que até o

titulo de Bifpo Univerfal julgava efle gran-:

de Pontífice alheio do Bifpo de Roma , e in-

juriozo aos mais Bifpos, Que diña Gregorio ,


fe vife a feus Succeßores arrogando a fi nao

fó o titulo , masa realidade de Univerfaes ?

Que diría , vendo-os pôr toda a honra do

Papado em fó elles parecerem Bifpos ? He

. certo que quem aßmfallava , quem aßm ef

ere via , tinha do Primado de S. Pedro huma

idea muí diverfa da que hoje domina na Curia.

He certo que julgava , que perfeverando em

todo о feu primeiro vigor a autoridade dos

Bifpos , пет por iffo deixava o Papa de fer

o Primaz da Igreja : e que o refervarem a


fi os Romanos Pontífices о que por infiituiçao

de Chriflo e dos Apoflolos tranfcende por to

do o Epifcopado , nao era outra coufa mais

que fomentar vaidades , e occafionar difcor-


dias. Si univerfalem me Papam veilra fan-

¿titas dicit , ( conclue о modeflißmo Grego

rio) negat fe hoc efíe, quod me fatetur

univerfum. Sed abíit hoc. Recédant ver

ba quae vanitatem inflant , &. caritatem

vulnerant

. Na Epifioh 12. do Livro IX. que

foi efcrita a Joao Bifpo de Saragoça de

Sicilia , affirma o mefmo S. Gregorio Mag

no , que o Primado do Papa nao eflá em obri-


gar
gar todas as Provincias à obfervancia doi.

Ritos e coflumes da Igreja Romana : que

antes pelo contrario he loueura cuidar o Va

ya , que huma vez fer Primaz dosBifpos,

todos delle devem aprender, e elle de nenhum.


ibid.pag.941. De Conftantinopolitana Eccleíia quod di-

cunt, quis dubitet eam Sedi Apoftolicse

eíTe íubieétam ? Tarnen íiquid boni vel

ipfa vel altera Eccleíia habet , ego &. mi

nores meos , quos ab illicitis prohibeo , in

bono imitari paratns fum. STULTUS


EST ENIM , QUI IN EO SE PRI-

MUM EXISTIMAT , UT BONA,

QUЖ VIDERIT , DISCERE CON-

TEMNAT. Ao menos defla Carta de S.

Gregorio colhemos , que nao he o mefmo for*

cejar hum Bifpo por confervar e defender os

coflumes e Ritos da fuá Igreja , que opporfe

ao Primado de Roma. Non omnes Eccle-

üdd confuetudines ex Romana petendas

efíe , docet haec Epiílola , inferió Pedro


Gunffavilie• , celebre e moderno Editor des-

tas Epiflolas.

Como he tao grave e importante a pre-

zente materia , he precizo indagamos ainda

com
com mais älgum cuidado os fentimentos , que

delta nos deixarao outros Santos Padres. De

S. Cypriano ArceUfpo de Carthago , que pe

la antiguidade tao vizinha ao tempo dos A-


• poflolos , e pela exacçao com que defcreveo

as excellencias do Primado e do Epifcopado ,

tern entre os Padres fem controverßa o pri-

meiro lugar. De S. Cypriano , digo , já по

Corpo defla Obra expendí multas e gravis-

fimas autoridades , que nella fe podem 1er lo-

go no principio. Aqui pois fó ponderará hu

ma de igual força , em que Cypriano moflra

vivamente , que a effencia do Primado nao

€flá em fer o Papa na Igreja o único Legisla

dor ou Arbitro Supremo dos Bifpos : пет

eflarem os Bifpos obrigados a tributar ao Pa

pa huma obediencia cega , que nada averigua,

nada examina. He a Epiflola 71. dirigida

a Quinto , Bijpo da Mauritania, e diz aßtn :

Non eíl de confuetudine prseícribendum , Cypri.

fed ratione vincendum. Nam пес Petrus 304.

quem primum Dominus elegit , &. fuper

quem œdificavit Ecclefiam fuam , ciim Te

cum Paulus de circumciiione poftmodum

difceptaret , vindicavit fibi aliquid infolen-


ter,
ter , aut arroganter praefumpfít : ut dice-

ret fe primatum tenere , 6c obtemperari à

novellis 6c poíleris fibi potius oportere.

Nec defpexit Paulum quod Ecclefiae prius

perfecutor fuiíTet , fed coníilium veritatis

admiíit , 6c rationí legitimas, quam Paulus

viridicabat , facile confenfit : documentum

fcilicet nobis 6c concordia 6c patientias

tribuens , ut non pertinaciter noílra ame-


mus , fed quae aliquando à fratribus 6c

Coliegis noftris utiliter 6c falubriter fug-

geruntur , fi fint vera 6c legitima , ipfa

potius noftra ducamus.

Da modeflia com que Pedro levou a re*

prehenfao de Paulo , e àbraçou a fua doutrina

fibre a obrigaçao da Ley Mofaica : nao re

futando injuria da Primazia ver/e reprehen

dido e enfinado por hum inferior: colhe о

grande Cypriano , nao deverem os Succeßbres

de Pedro governar como Monarcas difpoti-

cos , a quern firve de rezao a vontade : пет

deverem os Bifpos preoccuparfi de tal forte

com os Juizos de Koma , que julguem Ihes

nao he nunca licito reclamar e defibedecer.

Fois o governo da Igreja nao he governo de


defpotismo , de dominaçao , de imperio : mas

fim governo de modeflia , de miniflerio , de

humildade. Governo em que nao he hum fâ

0 que pode mandar , пет hum fó o que pode

definir : mas governo em que fe deve fempre

attender o voto dos Collegas , e em quefe паб

pode prefcindir dojuizo dos Adjunólos. Chris-

to o dife bem claramente a todos os feus A-

poflolos , como ha pouco ouvimos da boca de


S» Bernardo : Reges gentium dominantur luc. xxii.
eorum : VOS AÜTEM NON SIC. 1S'

Sed qui maior eil in vobis , fíat íicut mi

nor : &. qui praeceflbr eil , íicut miniílra-


tor. £ Bernardo a 'Eugenio III. Planum Bern-T°m t
eil : Apoílolis interdicitur dominatus. aß"425'

1 ergo tu , &. tibi ufurpare aude aut domi-


nans Apoftolatum , aut Apoilolicus domi-

nantum. Plane ab alterutro prohiberis. SI

UTRÜMQUE SIMUL HABERE

VOLES , PERDES UTRUMQUE.

A S. Cypriano Arcebifpo de Carthago

figa-fe S. Agoflinho Bifpo de Hipponia na


mefma Africa. Haverá por ventura na Cor

te de Roma algum Theologo , que tenha do

Primado de S. Pedro ideas mais [olidas e


á ver-
verdadeiras, do que asteve Agofiinho? Crelo
que nenhum prefwnirâ de fi compararfe com

tao illufire e tao Santo Doutor. Pois efe

Agoßinho , e com elle mais duzentos e quin*

ze Bifpos de Africa , congregados todos no

Concilio V. de Carthago pelos anno s de

Chrijïo 418. alertamente proteftou , e pro-

teßou em prezença dos Legados do Papa


Zozimo : que fó a autoridade de hum Conci

lio Geral de toda a Igreja , como fora o de

Nicea , podia obrigar a elle e feus Colle


gas a mudarem de Difciplina na materia das

Appellaçoens , contra o que até alli fe prati-

f°fc$TomCara em áfrica. Áuguftinus Epifcopus


i.pag.143. 'Eccleíise Hipponenfis dixit : ET HOG

NOS SERVATUROS PROFITE-

MUR, SALVA DILIGENTIORE

INQUISITIONE CONCILII NI-

СДШ1. E poucos annos antes tinha efcrito

0 mefmo Agoßinho a Epiflola 43. a Glorio

V a Шеиfio , em que fallando da célebre Cali

fa de Cecïliano Arcehifpo de Carthago affir

ma como doutrina affentada , que ainda dé

pois da Sentença que no feu Synodo de Koma

dera 0 Papa Melchiades , podiao os Dona


tifias appeîtar para hum Concilio Gerat , aon-

de últimamente fe examinare e decidijfe a


Caufa de Ceciliano. Ecce putemus illosAgod. Tom.
Epifcopos , Q»UI КОМЖ JUDICA-97.P-n-pas'

* RUNT , non bonos judices fuilíe. RE-

STABAT ADHÜC PLENARIÜM

ECCLESIM UNIVERSA CONCI

LIUM , ut', íi male judicafíe convi&i

eíTent, eorum fententiae folverentur.

As confequencias que defies dois luga


res do grande Agoftinho Je devem tirar , dei-

xo eu á confideraçao e juizo de VoJJas Ex

celencias. Porque he tempo de hirmos apa-

nhando as velas ao Difcurfo ; e )á que mos-


trei até agora em que coufa nao confifie o

Primado , paße a defignar já em que elle po-


fitiv amenté confifla. Ardua empreza por cer-

to ! perigozo pajfo ! So o nao terá por ar


duo , quem nao fouber o pouco ou nada que

efie ponto anda debatido ñas Efeolas. Só o

nao adiará dificil , quem nao advertir , que vida de s.

jé no quinto ficulo dizia hum bom Juizo : Au- Arle"°efcrita


res Romanorum quâdamteneritudine plus ??г [еи0 PTif-
- х * cipulo Ь. Но- ,
trahuntUr. norato , no

» Eu todavía govemandome pelas luzes i 370. da edic.


d ii que dc Q>csaeU t
que defla materia nos de ixou hum Cypr iano ,

hum Agoftinho , hum Gregorio Magno : di


go que a ejfencia do Primado he a que em

tres palavras defcreveo o Abhade de Clara-

val no mefmo lugar , que ha pouco álleguei.

Quid tibi ( diz Bernardo ao Papa Eugenio )


dimiíit Petrus Apoflolus ? Non tibi ille

áare , quod non habuit , potuit. Quod ha-


buit , hoc dedit , SOLLICITUDINEM

SUPER ECCLESIAS. Efies fao os ter-


mos a que Bernardo reduz o Primado do Pa

pa : fer hum Infpeóíor , fer hum Superinten

dente Geral de todos os Bifpos , de todos os

Fiéis , de todas as Igrejas. Mas em que poem

o Doutor Mellifluo efla Infpecçao e Superin

tendencia univerfal do Papal Poem-па por

ventura em fer o Papa hum Arbitro Supre

mo dos Keys e Principes Seculares, para

em certos cazos depor a huns e entronizar


eutros \ De nenhuma forte. Antes enfina r

que intrometterfe o Succeffor de Pedro a fer

Juiz dos Eftados e Dominios feculares , he

huma ufurpaqao dos Direitos alheios : huma


conducía totalmente alheia do efpirito e pra-

xe dos Apoftolos ; hum abufo das chaves da


Igreja , que fió devem ter pot objeâto as con-
/ciencias, e nao as Fazendas. Non mon- lív. т. cap. 6.
lirabunt , puto , ubi aliquando quispiam 418. 41 7* e

Apoftolorum judex federit hominum , aut ^

¿ivifor terminprum , aut diílribiitor terra- <

rum. Ergo in criminibùs, non inpoíTes-

fionibus poteílas veftra. Habent hsec in

firma 6c terrena Judices fuos , Reges &

Principes terrae. Quid fines alíenos invadi-

tis ? Quid falcem veitram in alienam mes-

fem extenditis ?

Poem-па por ventura em ter a Curia

cheia de Tribunaes , aonde de todo 0 mundo

concorrao innumeraveis Partes , buns a im

petrar Beneficios , outros a pedir Difpenfas ь

Nada menos. Antes diz , fer occupaqao im

propria de bum Succejfor dos Apoftolos , dar

ouvidos a tantas pretenqoens , e fier a Cadei-

ra de Pedro bum como Pretorio dos Roma


nos. Quid fervilius indigniusve prœfertinyLiv.i. cap. 4,
Summo Pontifici , quam, non dico omnipas'4i6,

die , fed paenè omni hora , infudare tali-

bus rebus ôc pro talibus? Etquidemquo-

tidie perílrepunt in Palatio leges , fed Ju-

ítiniani, non Domini. Juítene etiatii il-


lud г
lud ? Tu videris. Fallor , fl non movet

tibi fcrupulum perverfitas hgec.

Poem-па por ventura, em que fó a Dig-


nidade Papal tem por Autor a Déos ? ou que

fá o Papa recebe de Déos a jurisdicçao , e


nao os Bifpos ? Ißo chama Bernardo hum
uv. in. cap. erro , e erro contra as Efcrituras. Erras , íi
4. pag. 439- ût fummam, ita &: folam inítitutam à Deo

veftram Apoftolicam poteílatem exifti-

mas. Si hoc fentis , diíTentis ab eo qui di-

cit : Non eft poteßas nifi à Deo. Non ergo

tua fola poteílas à Domino : funt &. me

diocres , funt &: inferiores.

Poem-па por ventura em poder o Pa

pa de/pojar dos feus Direitos e Liberdades os


Bifpos ? em conceder izençoens immodicas 1

em reservar para fi aínda as coufas mais le

ves ? em alterar a Ordern da Jerarquía Ec-


clefiaftica ? Antes enfina pelo contrario , eftar

o Papa obligado a confervar a cada hum o

que he proprio da fuá Dignidade : fob pena

de fer hum ufiirpador e retenfer iiijußo do


£ipa?I¿<8.p' que nao he feu. Honorum ас Dignitatum

gradus &: ordines quibusque fuos fervare

poflti eilis , non invidere , ut quidam ve-

ilrorum
ilroram ait : Oui honorem , honorem. Tuné

tibi licitum cenfeas fuis Eccleßas mutilare

membris , confundere ordinem , pertur

bare términos quos pofuerunt patres tui ?


, Si juftitia eil jus cuique fervare fuum , au-

ferre cuiquam fuá juilo quomodo poterit

convenire ? Enfina fer hum abuzo da pleni

tud do poder Papal eximir da juris dieçao

dos Bifpos os Abbades , da jurisdieçao dos

Metropolitanos os Bifpos , da jurisdieçao dos

Patriarcas os Metropolitanos. Murmur lo-

-quor &. querimoniam Eccleiiarum. Sub-

trahuntur Abbates Epifcopis , Epifcopi

Archiepifcopis , Archiepifcopi Patriarchis

íive Primatibus. Bonane fpecies hrec? Mi-

rum ii excufari queat vel opus. Sic facili

tando probatis vos habere plenitudinem

poteílatis : fed juftitiae forte non ita. Fa-

citis hoc quia poteilis : fed utrum ÔC de*

beatis , quseftio eft. Enfina fer huma indi-

gnidade no Summo Pontífice , que fendo tao

ampio e tao foberano о feu poder , elle fe


nao contente , fe nao tirando para fi dos Biß

pos humas jurisdieçoens tao leves , que eu

para exprimir corn exасçao os termos dé


Ber
Bernardo , nao the fei chamar fenao nmha*

rias. Quid tarn indignum tibi , quam ut

totum tenens non fis contentus toto , niíi

MINUTIAS QUASDAM ET EXI-

GUAS PORTIONES tibi creditse uni-

verfitatis velis faceré tuas ? Enßna fer hu


ma monßruozidade no Corpo dalgreja, in

verter o Pava a ordern , e perturbar a har

monía , que fegundo a inflituiçao de Chriflo

deve haver nos feus membros. Monilrum

facis , fi in Chrifti corpore membra aliter

locas, quam difpofuit ipfe. Enßna finalmen

te , que пет a Igreja Romana he fenhora

das mais lgrejas , пет o Papa fenhor dos


!^tfa' Eifpos. Confideres ante omnia Sanclam

Romanam Ecclefiam , cui Deo auclore

praefides, Ecclefiarum Matrem efle non

Dominam : te vero non Dominum Epis-

coporum , fed unum ex ipfis.


He logo evidente , que a fuprema Ins-

pecqao e Superintendencia em que S. Ber

nardo poem a efencia do Primado , nao he

outra сoufa mais , que fer o Romano Pon

tífice hum Prelado fuperior a todos os Pre

lados , hum Çhefe , hum primeiro Preßden-

te
te de todos os Bifpos : a quem por officio da

Primazia toca vigiar /obre toda a Igreja , a

fim de que cada hum cumpra exactamente as

obrigaçoens e minifterios da fua linha : iflo

he , que o Corpo da Igreja fe conferve na-

quella âifpofiçaÔ e harmonía , em que Chris

to e os feus Apoflolos o deixarao ; confer*

vando illezos os Direitos de cada grao , e

franqueando a cadamembro as funçoens pro*

prias da fua Jerarquía.

Confirma-Je поЪт emente ejla noçao do

Primado , advertindo no fim porque Chrifto

o inflituhio. Todos os Padres concordat ,

que o fim nao fora outro mais , que querer

Chrifto evitar cifmas e confervar aunidade.


S. Cypriano no Livro da unidade da Igreja :

Quamvis Apoílolis omnibus parem pote- cypr.pag.77.

ílatem tribuat , tamen ut unitatem mani-

feílaret , unitatis ejusdem originem ab uno

incipientem fua auétoritate difpofuit. Hoc

erant utique &. ceteri Apoftoli , quod fuit

Petrus , pari confortio prsediti honoris &:

poteílatis : fed exordium ab unitàte profi-

ciscitur, ut Ecclefiauna monftretur. S. Je-


топуmo no Livro L contra Joviniano : Pro- Jeron. Tom.
* IV. P. Il.pag.
e pterea l6$. 1 *
pterea inter duodecim unus eligitur , ut ,

capite conftituto , fchismatis tollatur occa-

A oft Tom ^10* ^ Agofiinho no Tratado С XVIII. fo

ui, pâg. 801! Ire S. Joao : Ideo unus pro omnibus , quia

unitas eil in omnibus. Ora défie fini do Pri

mado fe conhece claramente a fuá effencía.

Torque fe Chrißo Senhor nojfo mßituhio efe

Chefe ou Cäbega vißvel , afim de fe evita-

rem cifinas no Corpo myfiico da Igreja , e de

fe confervar a uniao de todos os membros :

claro eflá, que о officio defe Chefe ou deffa

Cabeça nao he о appropriar a fi as operaço-

ens dos mais membros ; mas fim influir nelles

de modo , que cada hum fe contenha no feu

lugar , e cada hum exercite as funçoens do


feu officio , fervindo a todos de primeiro mo-
vel o Direito divino e os Cañones.

Confirma-fe mais efianoçao do Primado,

vendo que em fazer executor os Cañones , e


em confervar a cada hum os feus Direitos , he

que os antigos Pontífices ofientavao a maior

força ç grandeza do feu Carácter : nifto pu-

nhao a Soberanía e Magefiade do feu Prima

do. S. Gélafio na Carta aos Bifpos de Dar'

dania : Uniuscujusque Synodi conítitutum,


■ * ~ quod,
quod univerfalis Ecclelïas probavit àflen-

fus, non aliquam magis exequi Sedem ргэе з&

ceteris oportet , quam primam. S. Grego*

rio Magno no Livro X. Epiß. 52. Abfit


hoc à me , ut ílatuta maiorum Confacer- Tom.
dotibus meis in qualibet Ecclefia infrin- ' pa°'

gam. (¿VIA MIHI INJURIAM FAr

CÍO , SI FRATRUM MEORUM

JURA PERTURBO. S. Leao IV. ci


tado por Graciano : Ideo permitiente Do

mino Paíloreshominum fumus efTecti , ut,

quod Patres noftri in Sanctis Canonibus

affixere, excederé minime debeamus. Tan

to que defies limites fahir o Romano Pontífi

ce , nao haverá na Igreja de Déos fenao cis

mas , difienfoens , e di/cordias.

Bern o conheceo o Fapa Benedicto IX.

(¡liando efcrevendo a hum Bifpo de Fronça


dizia aßm : Profiteor omnibus Confacer- Tom.xi. dos

dotibus meis , ubique terrarum Adjutorem ' №

me &. confolatorem potius efíe, quàm


contradiétorem. ABS1T ENIM SCHIS- •

MA A ME, ET A COEPISCOPIS

MEIS. A rezao dea-a maito antes o Santo

Pontífice ¿Gflo UI. na Epiftola lo. mos Bis-


e ii pos
confiant, pap. 4p Iliyrico : Ut omné corpus capite

1272. regitur , ita ipfum caput, niñ fuo corpore

íufíentetur , firmitatem &. vigorem fuum

perdit. E o Papa load VIH. na Epiflola

Tom. xi. dos clos Imperadores : Totius familise Domini


concii. pag. ftatus & ordo nutabit , fi , quod requiritur

in corpore, non fit in capite : &: inde

fîet, ut omnis Eccleiîaftica difciplina re-

folvatur , omnis ordo turbetur.

Efia he taobem a rezao , porque os an-

tigos Pontífices no dia da fua Coroaçao àa-

vaÔ publico juramento de obfervarem ex*

aframente os Cañones recebidos em toda a

Igreja. E da те/maforte os Bifpos no dia da

fua Sagraçao juravao , e jurao ainda hoje

obediencia ào Papa , mas obediencia fecun-

dum Cañones, obediencia fervato ordine

fuo. Efies fao os dois eixos de toda a Dis

ciplina : regularfe o Papa pelos Cañones no

mandar ; e reguiaremfe os Bifpos pelos Ca

ñones no obedecer. Por iffo o Papa Eugenio

IV. na mefma Bulla Laetentur caeli, em

que definió no Concilio de Florença fer o Ro

mano Pontífice Primaz de toda a Igreja, Vi-

gario de Chriílo , Pay , Doutor , e Paftor


de todos os Fiéis : accrefcenta logo : Sal-

vis Privileges Patriarcharum, ôt Juribus eo*

ram. E para que ninguem fe perfuada, que

debaixo do nome de Privilegios Je devem en-


л tender aqui meras graças do Тара : lie
faber, que ao Primado de S.Pedrrchamou

S. Lead Privilegio de Pedro \.r aos Direi-

tos Epifcopaes chamou taohm Privilegios

das Igrejas o Concilio de ttkià no Canon

VI. e a efles mefmos jyreitos chamou o Con

cilio de Efefo na jcçao VU. Liberdades

concedidas por Cnrifto noiïo Redemptor

ao Corpo dos bifpos.


He lo¿o o Romano Pontífice Chefe e

Càbeça d¿ toda a Igreja : mas taobem os


Bifpos o fad das Juas Diocefes. He o pri-

meiro voto ñas controverfias da Fe e Uifci-

plina : mas nao he único voto : taobem os

Bifpos neflas materias tern feu voto , e voto

decifivo y nao Jó dentro dos Concilios , mas

ainda difperfos pelo mundo. Pode Jazer e

promulgar Leys por toda a Igreja : mas tao

bem os Bifpos as yodem fazer e promulgar

pelas fuas Diocefes. Pode abrogar e refcin.

dir as Leys e Confiituiçoms Epifcopaes r que


Itîdïvbr.fe encontrarem com os Cañones gerälmente
seír. fin. p. recebidos : mas taobem оs Bifpos tern direito

Cu¿ Liv.n. e autoridade para examinar e ponderar , fe

магсаьы!.^ Leys e Conflituiçoens do Fapa contravem


шР1п6'Л a0z Cañones dos Concilios Geraes , ou aos
Puif. Ecck- Coßumw 9 Bireitos , e líberdades legitima-
fi*ß mente futidas ñas Provincias. Tem o

Romano Ponvfce por certo , que quando de

fine algum Ponto [ohmnemente , the aßfie о

EJpirito Santo para nao errar. Mas no feu

tanto devem efperar umefma aßßencia os

Bifpos , quando no govern de fuas ovelhas

encherem todas as obrigaço&is de bons Pas-

tores. Porque he verdade do Esangelho, que

ubi funt duo vel tres congregati щ nomine

meo , illic fum ego in medio еогшд. Efla

aßßencia tinhao por certa os Bifpos de Afri


ca , quando efcreverao ao Papa Celeflino Jo-

Ire as Appellaqoens. Efla fuppunhao com-

mum a todas as Igrejas os Padres do oitavo

Concilio Geral na Acqao VI. quando diziao

aßm : Spiritus Sanctus qui locutus eil in

Sancta Romana Eccleíia , credimus quod

& in noílris Eccleiiis locutus extiterit. Me-

miüerant enim illud (accrefcenta o lllus-

trißmo
trifimo Boßiiet) : Vifurn eil Spiritui San

ólo &. nobis. Finalmente he a Igreja Ro

mana a Igreja Principal , como Ihe cha-

mou S. Iréneo , e S. Cypriano : mas nao he

a única Igreja de Chriflo. Taobem o fao as

mais : e todas juntas com a Romana confli-

tuem huma fó Igreja Santa , Catholica , e

Apoftolica , que confesamos no Symbole Ou-

çamos no Concilio de Florença Seßao IX. о

grande Beßarion Arcebijpo de Nicea , e de-


pois Cardeal de Roma: Seimus quidem que Tom. xviit.
V» . . о т% ту i d°s Concilios
lint jura oc prerogative Romane Eccle- pag. 15?.

fíe : nihilominus feimus etiam prerogati

ve ejus quos términos habeant. Quoniam

QUANTACUMQUE FACULTATE
POLLEAT ROMANA ECCLESIA ,

MINUS TAMEN SYNODO (ECU

MENICA ET UNIVERSAL! EC

CLESIA. Tara que he logo enfinar , que dos

Dogmas da Be' e da adminiflraçao da Difci-

plina he o Romano Pontífice o único Juiz ?

Para que he querer persuadirnos , que na


Igreja de Déos nao ha outro поте пет outro

"poder fenao o do Papa , como lemos em hum

dos Difiados de S. Gregorio VIL


^ . Que
Que longe eflavao defla doutrina os

Bifpos de França no fecúlo IX. quando cor-

rendo voz , que o Papa Gregorio IV. vinha

de Italia a França com animo de efcommun-

gar todos os que feguißem o partido do Im

perador Luiz Pió contra feus dois filhos re~

beides : refponderao intrépidos , fegundo re

fere o Monge Aimoino no Livro V. cap. 14.


a5°d? Ж Null° modo fe veIle voluntad ejus íuc-
S6i6o Pariz Cum^ere : > ^ excommunicaturus ve-
e l6°3' niret , ipfe excommunicato ajpiret : CUM

ALITER SE HABEAT ANTIQUO

RUM AUCTORITAS CANON UM.

Que longe eflava das mejmas adulaço-

ens hum Roberto Bifpo de Lincolnia , que

pretendendo 0 Papa Innocencio IV. no anno

de 1255. refervar para fi certas Prebendas


das Igrejas de Inglaterra : Roberto fe Иге

oppoz valerofamente , e efcreveo ao Papa


aquella nobilißma e famoza Carta , que traz

Matth, de Mattheos de Pariz Autor contemporáneo ,


dariediP¿6l8d¿ cu)a fabfiancia era : que a Sé Apoflolice fó

Londres de tinha autoridade para mandar o que era jufio

1 4°' e conforme aos Sagrados Cañones: e> que

nao o fendo aquellas Refervas ? Л1е por obri-

gaçaS
gaqäo do feu officio as nao podia Пет de via

admittir. Propter hoc his quse in praediclia

Littera continentur , unicè , filialiter , 6c

obedienter non obedio , contradico , re~

bello. E para que Vojfas Excellencias ve~

jao , que fempre na Curia houve quern déjfe

rezao aos Bifpos , profegue о те/то Efcri-


tor afuanarraçao por efle teor: Cum hsec ibid.pag.872,

inter frates Cardinales recitarentur , vix

compefcentes impetum Papse dixerunt ei:

Non expediret , Domine , ut aliquid du

rum contra ipfum Epifcopum ftatuere-

mus : ut enim vera fateamur, VERA

. SUNT QIJM DICIT. Non poflumus

eum condemnare. Catholicus eíl , imo

&. fandliílimus , nobis religioíior , nobis

&c fanftior : ita ut non credatur inter om-

nes Praelatos majorem , imo nec parem

habere. Novit hsec Galliçana & Angliça-

na Cleri univerfitas : noftra non prœvaleret

çontradictio.

Que longe eflava taobem défias ideas 0


' Chriftianiffimo Doutor JoaÔ Gerfon, quan-
do aßm efcrevia : Papa non poteft perver- v^ivL^t

tere OrdinemHierarchicumuniverfalisEc- ep. 4. тот!


■F V.P.Ii. Pag.
V . « 4t Civile* 324.6325.
clefiae. Quin in multis cafibus liceret ei-

dem refiilere in facie & dicere : Cur ita

facis? utpote in exemptionibus manifeile

nocivis, éc fi Praelatos &: Ecclefias iîbi fub-

ditos oneraremmptibusintolerabilibus, &.

Libertalibus penitus fpoliare vellet.

Mais de tres jecutos antes tinha Godo-

fredo de Vandoma efcrito efle memoravel di-

Tom.xxi.da ^amei Romanse Eccleiiae poft Petrum mi-


BabL6o°s PP* n*me licet,quodPetrononlicuit.Petro quae
FS °" liganda erant ligandi , 6c quas folvenda fol-

vendi eil à Chriflo data poteítas : non

quae liganda folvendi , vel quse erant fol-

yenda ligandi eil conceiîa facultas.

Сaufa na verdade grande laflima ver ,

que ordenando Chriflo Serihor noffo Bifpos

todos os feus Apoftolos nefia forma : Affim

como me mandou meu Pay , aflîm eu vos

mando a vos: ide, enfinai, prégai, bap-

tizai : vieffe paßados treze feculos hum Fe-

dro de Valude a enfinar , que jurisdicçao re-

cebida immediatamente de Chriflo fo a teve


Pedro. E adopta depois о Cardeal Torque*

mada efia doutrina \ E chama Bellarmino

Tratado egregio efle do Pàludano !..


■ ~ Nao
Nao deve caiifaf menos efeándalo veff

que fendo a Igreja por doutrina do EJpirito

Santo E/poza de Chrifio : Sacramentum hoc

magnum eil: ego autem dico in Chriilo

&. in Ecclefia. Sendo a mejma Igreja fegim-


do S. Agoflinho huma Soberana Rainha : Agoft.fobreo

fendo por confifjao de Tertulliano May e Se- num. 23.


iihora nofía : e 0 que mais he, fendo a mes- u"u¿¿ mi

ma Soberana Arbitra , diante de cujo Tribu- гугм-

nal manda Chriflo a Pedro , que delate os in*


corrigiveis : Si te non audíerit , die Eccle-

fire : Venha nefles últimos feculos hum Car-


deal Caetano a provar , que effa Igreja a

refpeito do Papa he huma ÈJcrava , e Efcra^


va por nafeimento : Ecclefia ferva nata Ro- Caetan.Tom.

rnani Principis. JE efies fao os Livros que Powif-p.^


fe eftimao em Koma : efies os que nao vao £a°unnfi™feLiv.

úo Indice dos prohibidos : efies os ^ue forma^ l^z\^¿c

a Bibliotheca Pontificia do Illuftrißmo Ro- Notas a S.


-caberti , a quai eu com mais propriedade cha- Cypr* p* 549'

mará antes Arfenal das opinioens da Curia.

Chrifio Senhor nojfo claramente nos des

engaña por S. Lucas , que o governo da


fuá Igreja deve fer mui diverfo do governo

das Monarquías e Repúblicas do mundoP


f ii Reges
Vejafe Marc R^géS gentium ЙОШЩПШГ eorüm '. VOS
i6Vnum6aP'AUTEM NON SIC Entre 0S Smt0S

Padres nao ha doutrina mais corrente. Aín

da aßim que poucos fao hoje na Curia e fóra

da Curia , os que nao affentem , que o Papa

a refpeito de qualquer Eccle/iaßico he como

hum Principe fecular a refpeito dos feus

Vaßalios Leigos ? que a refpeito dos Bifpos

he como hum Key a refpeito dos feus Ma-

giftrados \ Que aßm como о Key pode limi

tar , e reflringir a feu arbitrio a juris àicçao

dos Senadores : aßm o Papa pode limitar e

refringir de feu moto proprio ajurisâicçao

dos Bifpos ? Que aßm como о Key pelo que

toca ao governo temporal nao reconhece na

terra outro Superior , fenao a Déos: aßm o


Papa pelo que pertence ao governo da Igre-

ja he tao foberano , tao ábfoluto , tao defpo-


tico, que, como diz a Gloffa do Capitulo

Quanto perfonam , de Translatione Epis-

copi , ninguem Ihe pode dizer , Cur ita fa-

Gerfon Tom. eis ? Gloßa que o grande Gerfon em huma


ii^pag. 247. -parte chama veneno mortal da antiga adu? j

laçao : em outra , monílruozo e horren

do tropeço poílo pela lizonja no caminho


с ^ da
da Ley de Déos. Delia fem âuviâa nafceâ

acharemfe os Bißos no tempo do me/то Ger*

fon reduzidos a buns iîmulacros pintados :

cu, como no Concilio de Trento fe lamentavao


os de Hefpanha , reduzidos a nada.

Ora quem nao ha de lamentar tanta cor-

rupçao de ideas ? quem nao ha de fentir ta6

grande menoscabo da Ordern Epifcopal i tan*

ta quebra da Jerarquía Ecclefiaflica ? tantos

fentimentos oppoflos à Antiguidade l So quem


for totalmente hofpede na mefma Antiguida

de: fóquem nao tiver liçao alguma dos San*

tos Padres.

Eu fmceramente confeßo a Voßas Ex*

cellencias , que efla decadencia da JurisdicçaÔ

Epifcopal , tanto pelo que tem de indecoroza.

aos Bifpos , como pelo que involve de pre*

juizo dos Jubditos : foi o único motivo que


vie obrigou a pegar da penna para efcrever

ejte Livro , que Ihes dedico : o quai ainda,

que efpecialmente fe dirige aos impedimentos

¿o Matrimonio , com tudo os feus Principios

igualmente eßao moflrando , a quanto fe po

de eflender em outros Pontos de Difciplina a

mtoridade dos ßifpos* Deilhe o titulo de

»- » Ten-
,<••-■
Tentativa , naö por davidaf das Ddatrinas^
que eu e todos meus Cenfores damos por

Certas : mas -por me accommodar ás preocca-

paçoens do Paiz em que efcrevo , que a nin-

guem podemfazer certa a victoria.

Nejle Livro pois verao Vofas Excel-

leticias , como nao fundo o que digo em efpecu-

laçoens apparentes , ou em declamaçoens


aerias. As Efcrituras , оs Padres , os Con- •

Cilios , a Hißoria , os Theologos de maivr


поте , fao o fundamento em que fe eflribao

todas as minhas Doutrinas. Pujo de Cenfu-

ras acres , de dicterios impertinentes : por»

que о теи caraóter he pelejar com a rezaÖ ,

veneer com a verdade. Se eflas Doutrinas

merecerem a approvaçao de Voffas Excelen

cias, ejfa ferà a maior recommendaçao do Li

vro : fe a nao merecerem , confolarmehei com

à conciencia das reóias intençoens , com que о


eferevi e dei aö prélo. E poderá fer que a pos*

teridade nao mais fahia, mas menos apaixona*

da , venha a abraçar о que agora fe defpreza.

Se hem que eu me nao poßo perfuadir ,


que Vofas Excellencias venhao a reprovar

hum Livro y <uja honra nao Ы outra que a

- dos
àosBifpos ¡ i Cuja doutrina fe nao pode con*

äenar fem injuria , do Epifcopado. Principal*

mente nao podendo Voßas Exceïlencias igno- т


rar , que pelo Canon XIV» do oitavo Cond- concii. 'pag.s

• lio Gerät , eflavao os Bifpos obrigados fob pe- Ó40,

na àe fufpenfao a fe fazerem ainda politica


mente refpeitados dos Grandes do mundo : e

que na inteireza e confervaçao dos Direitos

Epifcopaes fe intereffa igualmente a gloria

da Religiao , que a do Eftado. Vorque como


já efcreveo o gloriozo S. Erancifco de Sales

Bifpo de Genebra : Id erit Deo glorioíum Srfb^S


maxime , ut Epiícopalis Ordo pro eo , quo- з°-

k modo inílitutus eft ас valet y agnofcatur.

JE ha mais de novecentos annos que o Im

perador Carlos Magno advertio , que dos

Bifpos confervarem ïllezos os feus Direi

tos e inteira a fuá autoridade , dependía


o refpeito e fegurança das Monarquías.
Praecipimus atque jubemus , ne forte , bivro У* dos

quod ab lit , aliquis circa Epilcopos le-n.314. тот.


viter aut graviter agat : QUOD AD bÄ.88, de

PERICUIAJM TOTIUS IMPERII

NOSTRI ATTINET. Et ut omnes

cognofcant nomen , poteilatem , vigo-


- rem,
rem , & dignitatem Sacérdotalemï Us*

boa 14 de Julho de 1766.

De Vojfas "Excellencias

0 mais humilde e reverente Serva


1

Antonio Pereirá.

PROE-
PROEMIO.

Os principios de Agoílo do

anno de 1760. ordenou S.


Mageílade por feu Real Decreto , que ne-
nhum dos feus VaíTallos debaixo de gra

ves pena& tiveíTe com a Corte de Roma

algum commercioy tanto no efpiritual co

mo no temporal. He eíte o modo ordi

nario , com que a Mageílade e Soberanía


dos Principes Catholicos ( fem offenfa da

Religiao ou do Primado de S. Pedro ) cos

tuma defpicarfe das injurias e defattenço-

ens da Curia Romana. Deixando outros

exemplos mais antigos , affim o pratica-


rao em Franca EIRey Luiz XI. com o

Papa Xiílo IV. no anno de 1478. EIRey

Luiz XII. com o Papa Julio II. no an

uo de 15; 10. EIRey Henrique II. com

oPapaJulioIII.no anno de ifji. e EI

Rey Henrique IV» com o Papa Clemen-

g
II
te VIH. no anno de 15(92. Em Hefpa-
nha o Imperador Carlos V. com o Papa

Clemente VII. no anno de 1526. e feu fï-


lho ElRey Filippe II. com o Papa Pau

lo IV. no anno de 1556. e ElRey Filip

pe V. com o Papa Clemente XI. no an

no de 1709. Em Portugal o Senhor Rey

D. JoaÖ V. com o Papa Benedicto XIII.

no anno de 1728. cujo exemplo allegou

e feguio feu filho noflb Auguílo Monar

ca , que Déos guarde.


He notavel e fingular nette genero

o defpique que no anno de 1563. tomou

Carlos IX. Rey Chriítianiffimo , quan-

do por ordern do Papa Pió IV. fe deo


ívlddafts°co¡i' no C°nc^° de Trento a precedencia ao

ftituiç.Imper. Embaixador de Filippe II. Rey Catholi-


pag-573- œ Mandou Carlos a feu Embaixador ,

que depois de propor e exaggerar com

vivas e pungentes exprefíbens a injuria,


que do Papa recebera hum Rey filho pri

mogénito da Igreja : concluirle diante de

todo o Concilio o feu difcurfo com eíla

tanto mais picante , quanto mais delica


III
da precizao : Sedetn Apoftolicam , SanÖios

Pontífices, Sanótam Eccíefiam, pro cujus

dignitate augenda mniores noflri fanguinem

fuderunt , veneramur , reveremur , fufpicir

mus. PiiautemlV- Imperium detreótamus:


quœcumque fint ejus judicia V fententiœ ,

reicimus , refpuimus , V contemnimus.

IL A rezaô que juftifica e cohoneíla

eftes rompimentos com o Supremo Paftor,

he a que ha mais de 4Ç0. annos deixou

efcrita o famozo Dominicano Joaó de Pa»


riz , quand o no feu Tratado de Potefiate

Regia V Papali cap. 20. diíTe aiïim : Eft


licitara Principi abufum gladii fpiritualis re- lf™álvJz$¡

peilere eo modo quo potefl , etiam per gla- Richer,

dium materialem : pr<ecipue ubi abufus gla

dii fpiritualis vergit in malum Reipublic<e ,

cujus cura Regi imcumbit : aliter enim fine t^x y

caufa gladium portaret. Cento e vinte an*

nos de pois deo a rneíma doutrina o gran

de e pió Gerfon ñas fuas Regras Mo«


raes , no Titulo dos Preceitos do Decálo
go , aonde diz aflim : Jure naturali vim vi Gerfon Tom.
11 1^ r 1 • 1- ■ill.pag.97.da
repeliere licet ; fie quod impetitus aliquis emS. de Du-

g Ц à qua-*10'
IV
à quälicumqueperfonacujuscumque dignitatis

etiam Papalis viafaffi , t? non Habens juris

remedium , fas habet injurianti defaéîo re-

fiflere fecundum qualitatem injuria , fcilicet

quantum requiritur V fuficit contra illud ad


fui tutamentum ab hâc viafaóíi. E logo

im mediatamente : Cafas multi eße pojjunt ,

in quibus áliquis fe gerens pro Yapa , Ó3 pro

tali habitus ab Eccleßa, poterit a fubdito

licite vel occidi , vel incarcerari , vel per

тоdum quendam appellationis ab eo vel fub-

traólionis à fuá obedient ia declinad : nißfor

te obfiare monflraretur conflitutio aliqua non

humana folum, fed divina atque revelata,

huic naturali juri prœjuàicans. Ñeñe fenti-

do fe devem entender as difcretas expres-

foens, com que o judiciozo Hiftoriador

de França Monf. de Thout no Livro I.

pag. 33. da edicao noviffima , defcreve o

rompimento de Carlos V. com Clemen

te VII. C<efar Carolus , ut injuriam fibi à

Clemente VIL illatam ulcisceretur , nomi-


nis Pontifica auéioritatem per отпет Hifpa-

niam abolet : exemplo ab Hifpanis pofleritati

reli-
V
reliéio, poffe Ecclefiaßicam Dijcipîinam ci-

tra nominis Pontificii auëtoritatem ad tem-

pus confervari.

III. Os Theologos do nofíb Rey D.

Joaö IV. tratando eile Ponto ha 115. an-

nos : aínda fe explicaraó por termos mais

expreífos e efficazes no Livro intitulado ,

Balido das Ovelhas de Portugal, que ет.ва/мо das

Latim e em Portuguez fe imprimió em al3' I

Pariz no anno de 165 1. AfTentaÄiö, que ao

Principe fecular pertence o poder da juris die* '

çao contra os fubditos e entre elles : e con*

tra os eflranhos o poder da proteeçao , que

exercitao na guerra : e contra os izentos

( como fao os Eccleßaflicos ) o poder econó

mico : e que efle pode Ьет concorrer сот o

proteétivo da guerra , aínda contra os pro*

prios Eccleßaflicos. Que efla proteoçao Ihe *' * '

pertence por fer o Principe Tutor e Defen*

for do Keyno , e como tal deve propuljar as

injurias feitas afi e aos Vaffallos : e nao Jó

as feitas , mas avada as temidas : e defen

der fuá dignidade Real , e a honra e repu-

taçab[ della. Defle principio concluiraó to-

L j g iii dos
VI
dos os iiôflos , e à melhor parte dos Doîï-

tores eitranhos ; que , fuppofla a injuria fei-

ta ao Rey e ao Reyno , eflava Sua Mages-

fade obrigado a uzar do governo económico ,

defendendo-fe e propulfando efla injuria : a


■Cujo fim era licito mandar logo retirar de

Roma para о Reyno todos os Portuguezes :

fubtrahir as penfoens aos Refidentes etn Ro

ma eflrangeirps ou naturaes : ordenar que

nao fojfe dinheiro algum para a mefma Cu

ria , пет para negocio , пет para Difpen-

fas , пет para Renuncias.

Como efcrevo mais para os igno

rantes que para os fabios , aínda me que

ro demorar em expor aqui a doutrina do

famozo Dominicano, o Cardeal Thomás

de Vio , chamado vulgarmente o Caieta-

no , por fer natural de Caleta , Cidade do

ÜReyno de Ñapóles. Eile Chefe dos Theo-

logos Ultramontanos , nos Commenta

ries á Segunda da Segunda de S. Tho

más , explicando fegundo a mente do

Doutor Angélico , em que coníiíla a re*

zao de cifma ? «diz affim : In refponfwne.

>. , - ad
VII
Ы fecundum] adverte diligenter quod re-Cakt^ in
ci//är£ prœceptum vel judicium Pap<e contin- |Xy Ö?*ft-

git tripliciter. Primo ex parte rei judicata i. ad 2. Tom!


/ги pr<ecept<e : fecundó ex parte perfon<e)u- So.P racfoL

dicantis : í£7t¿¿) г# /wrte tf^fczï JW¿- Roma J57o.

ш. »%ш'.г гшт pertinaciter contem-


nat fententiam Papds , fcilicet non vult

exequi qu<e mandavit : licet gravißme er-

ret , non tarnen eft ex hoc fchismaticus. Con-

tingit namque Ù1 f¿epe , nolle exequi pr<e-

cepta fuperioris , retenta tarnen recognitione

ipfius in fuperiorem. SIQUIS VERO PER

SONAM PAPJE SUSPECTAM RA

TIONABILITER HABET, ETPRO-

PTEREA NON SOLUM PRESEN

TI AM EJUS , SED EJIAM IMME-


DIATUM JUDICIUM RECUSAT, r^

PARATUS AD NON SUSPECTOS

JUDICES AB EODEM SUSCIPIEN-

DOS, NEC SCHISMATIS NEC AL-

TERIUS Villi CRIMEN INCUR-

KIT NAMQUE POTEST PERSO

NA РАРЖ TYRANNICE GUBER-

NARE : JET TANTO FACILIUS 4

с \ * g QUAN-
vni
QUANTO POTENTIOR EST ; ET

NEMINEM IN TERRIS TIMET

ULTOREM. Cum quis autem Pap<e pr<e-

ceptum vel judicium ex parte fui officii recu-

fat y non recognofcens eum ut Superiorem ,

tunc proprie fchismaticus eft. Et juxta hunc


fenfum intelligenda verba Litter <e hujus СУ
fimilium : INOBEDIENTIA ENIM

QUANTACVMQUE PERTINAX ,
NON CONSTITUIT SCHISMA / NISI

SIT REBELLIO AD OFFICIUM РА-

РЖ VEL ECCLESIJE , ita ut renuat

illifubeße, Шит recognofcere ut Superiorem,


О с. Quer dizer em íubítancia o Cardeal

Caietano : que o retirarfe do Papa , e nao

eftar pelos feus Mandados, quando eil es

faó injuílos ou tyrannicos , nao he ciíma

nem peccado algum : com tanto que os

que affim fe retiraö ou dezobedecem , re-

conheçaô ao Papa por legitimo Superior

ñas coufas efpirituaes , e que forem racio-


naveis.

IV. Impedido aiîim nos noffos dias

o Recurfo a Roma , comecou *o Reyno

\. locro
IX
logo a experimentar a falta dos Refcri-

ptos e Difpenfas : e começarao taobem os

noflos Theologos a excitar a queftao fo-

- bre o poder dos Bifpos neíle cazo. A pre-

cizaö em que vai por fete an nos fe achao


muitos Eidalgos e Grandes da Corte , de

fe exporem ou a tomar Allianças menos

decorozas , ou a perder por falta de fuc-


ceífao as fuas Cazas, Títulos, e Morga-

dos : obrigou a alguns ProfeíTores a vo-

tarem , que neíla conjunçaô podiaô os

Bifpos difpenfar nos impedimentos de

confanguinidade , e affínidade , que fao

os mais fréquentes em hum Reyno , em

que a primeira Nobreza quafi toda eílá

enlaqada entre il com eílreitos vínculos

de parentefco. Mas como nenhum defies


Pareceres hia bufcar a raiz da queítaó , e

todos fe fundavaó na vontade prefumpta

do Supremo Paílor : nenhum que eu fai-

ba confeguio até agora o aífenfo dos Bis-

pos. E na verdade fem fe reflectir pri-


meiro ñas grandes forças , que da fuá ins-

tituiçao tem a Ordern Epifcopal ; fem fe


expor
X
.expor a praxe dos primeiros feculos da

Igreja : fem fe defcobrir a origem das

Rezervaçoens Pontificias : fem fe mos

trar , que fem o confentimento do Cor-

po dos Bifpos nao p odia o Romano Pon


tífice defpojallos para fempre da poíTe e

exercicio daquellas funçoens , que por

inilituiçao divina andao annexas ao feu ca

rácter : fem fe ponderarem finalmente as

condiqoens que fazem juila a Difpenfa , e


as circunftancias que a fazem neceíTaria.

Sem fe eílabelecerem , digo, eíles e ou-

tros femelhantes Principios ; nao pode o

difcurfo dos Theologos correr de plano ,

ñera confeguir dos ánimos timoratos o

pretendido aíTenfo. . ;

V. Ora eu nao me coníídero tao fa-

bio nem tao autorizado , que me perfua-

da fe deve m conformar com o meu voto

tantos e tao egregios Prelados , quantos

occupao hoje as Cathedraes do Reyno.


Mas efpero todavía dar algumas luzes , e -

produzir alguns novos exemplos , que fa*

çaô parecer nao fó muito provavel , mas

: tao-
i.
XI
taobem fegura na praxe a referida doutri-

na. Porifíb a eile meu Difcurfo chamo

Tentativa Theologica: porque quando nao

* mova as vontades , poderá illuftrar os en-

tendimentos. Para maior digeftao e clare

za dividilJo-hei em duas Partes. A primei-

ra eítabelecerá os Principios em que me

fundo , para concluir délies , que embara

zado o Recurfo a Roma ou pela prohi-

biçao dos Soberanos , ou por caufa de

guerras , ou por occaíiao de algum pro

longado cifma: fe devolve aos Bifpos o


poder de difpenfar em todos os cazos , que

fóra dcílas occafioens erao rezervados ao

Papa. A fegunda apontará as doutrinas e

exemplos , que fobre eíla materia nos

deixarao os Doutores, Univeríidades , e

Prelados de outros Reynos Catholicos.

PRIMEI-
a

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PRIMEIRA PARTE.

CONTÉM OS PRINCIPIOS,
donde fe conclue , que na fituaçao prezente po^
dem os Bifpos prove r e difpenfar em todos os
cazos , que nao foffrem demora.

PRIMEIRO PRINCIPIO

A JurifdicçaS Epifcopal confiderada em fi me/ma , ißo he > на


fua infiituiçao feita por Cbrißo , e prefcindindo de Leyy
uzo , ou refervaçaS em contrario : he huma jurifdicçaS
abfoluta e ¡Ilimitada a refpeito de cada Diocefe.
Doutrina do Evangelho [obre a inflituiçaS dos Bifpos. Textos
de S. Cypriano : Cañones de Nicéa , de Confiantinopia , de
Calcedonia. t
Raina da Difciplina , e perverfao da Ordern Jerárquica , de»
pois de introduzidas no feculo nono as faifas Decretaes
de Ißdoro Mercador , no feculo duodecimo o Decreto de
Graciano. Autoridades de S. Bernardo, de Durando Bip"
po de Mende , do Cardeal de Cufa , de Joao Gerjon , e de
Pedro Aurelio.

PROVAS. A

L Or S. Mattheos no cap XXVIII. n. 1 8.


dille Chrifto aos Apoftolos depois da fua Refurrei-
çao : Data eft mihi omnis pouftas in cœlo & in terra.
Euntes ergo dornt omnes gentes » baptizantes eos in
A nomin*
2 Tentativa Theologica.

nomme Patris & Filii & Spiritus SanSli : docentes


eos Jervare omnia quacumque manduvi vobis. Por
S.Joao no cap. XX num. 2 1. Shut misit me Pater 9
& ego mitt o vos. Acápite Spiritum SanSium : quo
rum remiferitis pcccata , remittuntur eis ; & quo
rum retinueritis , retenta funt. A> vifta deftes tex
tos he certo em primeiro lugar : que em virtude def-
ta MiíTao que dos Apollólos fez Chrifto, ficarao
elles, conftituidos Miniftros do Novo Teftamento,
(como lhes chama S. Paulo) ifto he, Paitares da
íua Igreja, e Adminiftradores ou Difpenfeiros de
todos os Sacramentos , que o mefmo Senhor infti-
tuira : dos quaes fó exprimió Chrifto o do Baptií-
mo e Penitencia , por íerem eftes os mais necesa
rios para a ialvaçao dos homens. He certo em fe-
gundo lugar : que nefta adminiftraçaô dos Sacra
mentos fe encerra nao fó o poder da Ordern , mas
tambem o da Junfdicçaô : iílo he , nao fó o poder
de confagtar o corpo de Chrifto , e abfolver dos
peccados ; mas tambem o exercicio deftes e dos mais
Sacramentos , a eleiçao e miflao de novos Miniftros
íeus , o poder de eftabelecer novas Leys concer-
nentes a efta adminiftraçao dos Sacramentos, e por
confeguinte o poder de difpenfar nellas , todas as
vezes que aflim o pediíTe a utilidade ou neceflidade
dos Fiéis. Por iflo S. Paulo* nos Aclos dos Apofto-
los cap. XX. num. 28. explica o officio dos Bifpos
pelos a&os de reger ou governar a Igreja de Déos :
Attendite vobis & univerjo gregi , in quo vos Spiri
tus
Parte I. Principio I. 5

tus SanSlus pofuit Epifcopos regere Eccleßam Dei.


E he evidente, que defta regencia he infeparavel
o poder eftabelecer Leys , e difpenfar confeguinte-
mente nellas.
Com effeitonas Provincias, que cada hum to-
mava á fuá conta , faziao os Aportólos como fupre-
mos Legisladores do feu rebanho varias ConftituU
çoens, que poriflb fechamaö ainda hoje Apoftoli-
cas: quaes forao a do jejum da Quarefma, a da
celebraçao da Pafcoa e mais Feftas de Chrifto em
certos dias , os ritos e ceremonias do Baptifmo e
mais Sacramentos. E defte genero de Leys falla fem
duvida S. Paulo , quando diz na primeira Epiftola
aos de Corintho, cap. XI. num. 34. Cetera auîem ,
cum venero y difponam. Algumas pertencentes ás Ir
regularidades para o Epifcopado e Sacerdocio , pro-
mulgou o melmo Aportólo ñas Epiftolas a Timo-
theo e a Tito. E na fegunpa aos de Corintho слр.
II. num. 10. efcreve omefmoPaulo, que como Vi-
gario de Chnfto remittira a hum fubdito feu parte
das penas, que como inceftuozo merecerá; e o tor
nara por compaixao a admittir ao gremio da Igre-
ja, da qual como efcommungado eftivera atéalli
íeparado. O que he hum bom exemplo do poder
de difpenfar.
He certo em terceiro lugar : que eile poder
dado por Chnfto aos Aportólos para governarem as
Igrejas ou Diocefes , que a cada hum coubeílem
por forte, ou que cada hum por divina infpiraçao
A 11 efco
4 Tentativa Theologica

efcolhia : era hum poder abfoluto e ¡Ilimitado, que


íe eftendia a todo o genero de cazos. Prova-íe : por
que a forma das palavras de que Chriílo ufou neíla
MiQao dos Apollólos , por íi mefma eítá indicando
hum poder fem limites nem reftricçaô alguma : Data
eß mihi omnis poteßas : ettntes ergo doute &c. Sicut
mißt me Pater , & ego mitto vos &c. E na verda-
de huns homens , a quern Chriílo enviava para tan
tas e tao remotas Provincias, como feus Legados a
latere , ( fegundo aquiJIo de S. Paulo , Pro Cbrißo
legationefungimur : ) huns homens , a quem o meA
moChrillo conftituhia Pays da nova Jgreja, Prin
cipes do povo Chriftao, eDeofes fortes da terra,
como Ihes chamou David : (Propatribus tu/s пай
funt tibi fili't r. Principes populorum congreganfunt :
DU fortes terra vehementer elevatifunt?) Eftes ho
mens, digo, deviao fer huns como Plenipotencia
rios de Chriûo , aos quaes nada fe refervaÏÏe,
nada fe reílringiffe a reípeito das Diocefes , de que
cada hum fe encarregava. Confirma-fe : porque
em coníequencia defte poder íabemos , que to
dos e cada hum dos Apollólos ñas Provincias ou
Diocefes que adminiílravao , ordenaraö por fi
mefmos muitos Bifpos e derao a eftes o poder ,
de ordenarem outros Bifpos. Affim o fez S. Joao
ñas Igrejas da Aíia Proconfular , aonde ordenou
entre outros aS.Polycarpo Bifpo de Smyrna, co-
mo) he notorio de Tertulhano no livro de Prafcri-
ftiomhus cap. 32. e de S. Jeronymo no Catalogo
Parte I. Principio T. y

dos Efcritores num. 17. Affim о Apoftolo S.Paulo


em Creta , aonde ordenou Arcebifpo de Gortyna
a S. Tito , com faculdade de poder erigir na fuá
mefma Ilha novos Bifpados : como lemos na Epiílo-
Ja ad Titum cap. I. num. 5. Pois fe os Apollólos
em virtude do poder annexo porChriílo á Ordern
Epifcopal , exercitavao ñas fuas Diocefes a fublime
funçao de ordenar Bifpos , que he a maior da Je
rarquía Ecclefiaílica : que cazos podiao occorrcr
neítas e ñas mais Diocefes , que nao eíliveífem fu-
jeitos ao governo e infpecçao dos mefmos Apolló
los?
II, Se averiguarmos agora, quaes fao os que
íuccederao neíte poder ejurisdicçao aos Apoílolos,
todos os antigos Padres concordaô, que fao os Bif
pos. S. Firmiliano de Cappadocia na Epiílola 75*.
aCypriano: omefmo Cypriano na Epiílola aCor-
nelio , que he a 45. na ediçao de Fell , de que
uzamos : S. Paciano de Barcelona na Epiílola 1.
S. Jeronymo na Epiílola a Evangelo , e na Epif-
tola a Marcel la. Por nao defcrevermos todos ,
ouçamos a paífagem de S. Firmiliano , que he ele-
gantiffima. Depois de referir a forma com que
Chnílo por S. Joao ordenou Bifpos os Apoílolos ,
profegue aílim : Potefias ergo remittendorum pecca-
torum Apoflolis data efl , & Ecclefiis quas Uli a
Chriflo miß conflituerunt , & Epifcopis qui eis or-
dinatione vicaria fuccejferunt. Nao he menos nota-
veJ a de S. Agoítinho fobre o Salmo XLiV. num.
A iii 32.
6 Tentativa Theologica

AugoíhTom. 32. Pro Apoflotis COTlßitUti flint Epifcopi. Non trgO


IV. peg, 398. te putes dejertam, (falla cora a ígreja) quia non

vides Petrum , guia non vides Pauhim , quia non vi


des tilos , per quos nata es : de prole tua tibi crevit
paternitas. Mas para que he canfarmo-nos em de
monstrar huma verdade, que o Concilio deTrento
na SeíTao XXIII. cap. 4. íuppoz notoria e indubi-
tavel ?
Daqui tiro eu duas Conclufoens importantiílí-
mas. Primeira : que a jurisdicçao dos Bifpos lhes
vem immediatamente nao do Papa , mas de Chrif-
to. Moílra-fe: porque o mefmo Chriíto que dille a
Pedro , Tu es Petrus &c. e Pafce oves meas : eile
meímo diíle aos Apollólos Sicut mißt me Pater , à*
ego mitt o vos : Emites ergo docete , ^c. Logo aflim
como dos primeiros textos fecolhe, íer o fucceflbr
de Pedro pordireito divino Primaz da Igreja , e re-
ceber immediatamente de Chriño o governo e ad-
miniibaçao fobre a Igreja univerfal : aflim dos ou-
tros textos fe deve concluir , ferem os íuccellores
dos Apollólos por direito divino Paftores e Gover-
nadores das fuas Diocefes , e receberem immediata
mente de Chriílo o poder de as governar e admi-
niftrar. Nefta doutrina perfevera de tempo imme
morial para cá toda a Sagrada Faculdade de Pariz ,
e perfeverou conftantemente por doze feculos toda
a Igreja Catholica : até que a ignorancia ou def-
BoíTuet Tom. Prezo ^a antiguidade ( como obferva o IUuítriflimo
И. pag. 88. BoíTuet no Livro VIII. cap. XI. ) introduzio ñas
Eíco-
Parte I. Principio I. ' 7
Eſcolas a contraria, de ſer ajurisdícçaó dos Biſpos
immediatè à Papa. Doutrina que para ſe ter por
falſa , baſtava ver que era nova e inaudita até o ſe
culo Xlll. e que da contraria ſe conſervaó na Eſ
crrtura eTradiçaó gravilſimos e patentiffimos fun
damentos. Porque , que outra couſa nos quiz dar a
entende? Chríſto, quando dilſe aos ſeus Apoſtolos,
Sim: mffit me Parc-r , ¿Tego mirta v0.0*: ſenaó que
o meſmo Chriſto , e naó Pedro , he O que dá tanto
7 aos Apoſtolos como aos Biſpos ſeus ſucceſſores aju~
risdicçaó e autoridade annexa ao ſeu caracter? (lue
outra couſa nos quízeraó perſuadir OS meſmos Apos
tolos , quando no Concilio de Jeruſalem definir-;16 aſ
fim,'VI]IIm Eſi Spiritui Sancto ¿7º nobir: ſenaó que to—
do o vigor dos Decretos Epiſcopaes ou nos Concillos
Geraes ou nos Particulares, lhes vem immedíatamen—
te de Chriſto, e naó do Papa? Que outra couſa enten
deo S. Paulo , quando dizia aos Biſpos da Aſia , V0:
Spíritus SIIflEZuJ* poſuit Epiſcopor rcgcre Ecclcſtam
Dei: ſenaó que do poder dos Biſpos \ó o Eſpirito
Santo he o Autor , e naó o Vlgarío de Chrlſto?
ue outra couſa quizeraó ſignificar OS amigos
BIſpos , quando nos CODClllOS eſcrewaó affim as ſuas
FIrmasz Ego judicam, ego dejffin'ieaI ſzIb/cripſi : ſe-.
naó que nas materias de Fé e DIſCIplma votaó OS Biſ*
pos nos Concilios com a meſma autoridade , com que
no de Jeruſalem dizia o Apoſtolo Santiago: Propter
quod egojudico , ¿Tc, Finalmente que outra coula en
tenderaó os Padres do (Luinto Concilio Geral , quaál—
A 1V o
8 Tentativa Theologica

do em auzencia , e ainda com repugnancia do Ro


mano Pontifice , condenarao os famozos tres Capí
tulos Neílorianos : e os Padres do oitavo Concilio
tambem Geral , quando fem efperarem a confirma-
çao da Sé Apoftolica pronunciarao contra Focio
efta fentença : Nos eum inobedientem & reßßentem
SanSía huk à" univerfali Synodo repulimus & ana-
thematizavimus ,per datant nobis potefiatem in Spiri-
tu SanSlo aprimo & magno Pontifice noflro Libera-
tore aç Salvatore cunSlorum : fenao que ainda antes
da confirmaçao do Papa tern as Decizoens feitas pe
lo Corpo dos Bifpos huma força divina , participada
immediatamente de Chrifto, único Autor de todos
os Sacramentos , e Fonte de toda ajurisdicçao Ec-
clefiaftica ?
Ш. A fegunda Conclufao he : que eñe po
der dado por Chrifto aos Bifpos he de íi hum poder
abfoluto e fem limites , por ordern ao governo de
cada Diocefe. Moftra-fe pelos mefmos principios.
Porque aflim como Chrifto dizendo a Pedro , Tu es
Petrus , e Pafce oves meas : conftituhio aos fuc-
celfores de Pedro, que fao os Romanos Pontífices,
Paftores da Igreja univerfal , illefos íempre os Direi-
tos dosBifpos: affim tambem quando diíTe aosA-
poftolos , Sicut mifit me Pater , & ego mitto vos :
creou aos fucceíTores dos Apoftolos , que fao os Bif
pos, Paftores de cada Igreja particular, falvo tam
bem o Primado do Papa : o qual nao confiftc em ou
tra coufa mais , que na Adminiftiaçao e Infpecçao
íobre
Parte T. Principio I. 9

íbbre toda a Igreja Catholica, a fim de que cada


Miniftro no grao da fuá Jerarquía faça perfeitamen-
te as íuas obrigaçoens e funçoens , tendo por nor
ma délias oDireito divino e os Cañones , eftabele-
cidos pelo commum confenío e aceitaçaô de toda a
Igreja. Porque a autoridade Papal e a Epi fcopal ,
ambas fao da mefma ordern , e pertencem ao meí-
mo genero : e ío diíFerem , em que o Papa a refpei-
to de toda a Igteja he como o Metropolitano a ret*
peito de toda a Provincia , ficando fempre illefos os
Direitos dos Suffraganeos. S. Thomás no IV. das S. Thom. T.
Sentenças, Dift. XXIV. qua2ft.UI. art. 2. Pótelas Vll.P.lI.fol.

Sacerdotis excedítur à poteßate Epifcopi , quafi apo- Roma 15-70.


tcßate alterius generis. Sed poteflas Epifcopi excedi-
tur à poteßate Fapa 1 quafi a poteßate eju]dem gene
ris. Unde отпет асЧит hierarchicum , quem poteß
faceré Papa , poteß faceré Epifcopus. Que he о que
di (Те em mais breves termos o Cardeal de Cufa no Ii- Cufa p. 728.
vro II. de Concordant ia Catholica , cap. 1 3 . Hocfolum \Щ' BafiI'

ßngularitatis in Petro fuit , quod ipjefuit maior in


adminiflratione. E no Cap. 1 7. Superioritas in Archie-
pifcopo, Primate^ Papa, in adminiflratione con/tßit.
IV. He efta verdade huma das mais confian
tes na Tradiçao dos Amigos Padres. Todos confpi-
rao , que o que Chrifto dille fingularmente a Pedro ,
Pafce oves meas , comprehende por caufa do feu
officio a cada hum dos Bifpos : e que o dirigir Chrif
to fingularmente a Pedro a fua oraçao , nao foi
conílituir Paílor íó a elle ; mas lim darnos a enten
der,
го Tentativa Theologica

der , que compondo-fe a ïgreja de tantos Rebanhos


e Paitares , quantas fao as Diocefes e Bifpos : a
uniaó e fubordinaçao a Pedro, como aCabeçaou
a Centro daunidade Catholica, as dévia fazer pa
recer huma fó ïgreja. Vejao-fe as autoridades de S.
Baiilio nas Conflit. Monaft. cap. 22. de S. Jero-
nymo no meio doLivro L contra Joviniano : de S.
Joao Chryfoftomo na Homilía 79. fobre S. Mat-
theos : de S. Agoftmho no Livro de Agone Сbrißta
ño, cap. 30. e no Sermao 108. de Diverßs , cap.
4. de S. Cyrillo de Alexandria no Livro XIII. de
Adorations infpiritu : do Veneravel Beda nos Com
mentaries ao cap. XXI. de S. Joao : e as de ou-
TaunoyT.V. tros, que largamente defereve Launoy na Epiftola
P.l.pag.2ic. a Hadriano Valiant, que he a 5. do Livro II. e Luiz
UP Dupin na DiiTertaçao IV. que he de Primatu Ro

mani Pontificis , cap. I. §. i. Eu fó proporei aquí


algumas de S. Cypriano , que entre os Santos Pa
dres foi о que com mais frequencia e maior viveza
pintón o grande poder , que Chriíto annexou ao
Epifcopado.
V. Na Epiftola 33. aos Lapfos affirma Cy
priano, fer inftituiçao divina feita рог Chnfto, que
a nova Igreja , que fundava , fe eílabelecefle e fir-
malle nos Bifpos, e que de todos os aclos e fun-
çoens da meíma Igreja folTern os Bifpos os Arbitros
Cyprian, pag. e Adminiftradores abfolutos : Divina lege funda-
**6- tum eß , ut Eccleßa fuper Epifcopos conßituatur ,
ET OMNIS ACTUS ECCLESIjE PER
EOS
Parte I. Principio I. 1 1

mSDEM PREPOSITOS GUBERNETUR.


Na Epiftola 72. ao Papa S. Eftevao , efcreve o
mefmo Cypriano , fer cada Bifpo na fuá Diocefe
hum Prelado fupremo , que na adminiftraçao dos
Sacramentos e no governo interior della nao reco-
nhece outro fuperior, fenao aChrifto: Qua in re Ibid. pag 306.
пес nos vim cuiquam facimus aut legem damus :
CUM HABEAT IN ECCLESIjE ADMP
NISTRATIONE VOLUNTATIS SUjE AR-
BITRIUM LIBERUM UNUSQU1SQUE
PROPOSITUS , rationem aclus Jui Domino
redditurus. Na Oraçao com que о mefmo Cypria
no deo principio no anno de 256. a hum Concilio
de 87. Biípos , ainda о Santo Doutor falla por
termos mais expreífivos : porque claramente diz ,
que pelo que toca ao governo e adminiftraçao de
cada Diocefe , nao ha na Igreja de Déos quem fe
deva reputar Bifpo dos Biípos : mas que cada hum
s~ he do feu rebanho Paftor fupremo, que tudopó-
de , e que fó deChrifto pode fer julgado: Super- Ibid. pag.138.
eß ut de hас ipfa re finguii quid fentiamus , profe-
ramus: neminem judicantes , aut a jure commun'to-
nis aliquem , fi divcrfum fenferit , amoventes. Ñe
que enim quisquam noßrum Epifcopum fe Epifcopo-
rum conßituit , aut tjrannico terrore ad objequendi
tiecejfitatem collegas fuos adigit : QUANDO НА-
• BEAT OMNIS EPISCOPUS PRO LICEN-

TIA LIBERTATIS ET POTESTATIS SUJE


ARBITRIUM PROPRIUM : tamque judkari
ab
12 Tentativa Theologica

ab alio non poßßt , quam пес ipfepotefl judicare. Sed


expeSlemus univerfi judicium Domini noßri Jefu
Cbrifli , qui unus &>folus habet poteßatem & prœ-
ponendi nos in Eccleßa Jua gubernatione , & de aclu
ttoßro judicandi.
VI Para que ninguem imagine , que a pai-
хаб contra o Papa Eftevao he que fuggerira a Cy-
priano tao fortes expreiToens a favor do poder dos
Bifpos: baila advertir, que a Epiftola зз-aos La-
pfos , que em primeiro lugar defcre vemos , foi еГ-
crita no anno de 250. ifto he , quatro ou finco an-
nos antes de excitada a controverfia da Rebaptiza-
çao. Quanto mais que em outras muitas Obras es
critas no Pontificado do Papa Cornelio anteceflor
de Eftevao , tinha Cypriano inculcado com igual
clareza e affeveraçao a mefma doutiina , que de-
pois repetio. Como quando na Epiftola 55. a An-
toniano efcrita no anno de 252. diz affim : Ma-
Ibid.pag.248. nente concordia vinculo & perfeverante Catholica
Ecclefiœ individuofacramento , aclum fuum difponit
& dirigit unusquisque Epifcopus , rationem prapo-
fiti fui Domino redditurus. Donde temos , que no
juizo de Cypriano huma vez que o Bifpo conferva
a paz e unidade Catholica , nao difcrepando da
Difciplina geralmente recebida ; he em tudo o mais
hum Prelado fupremo da íua Diocefe , que fó a
Déos deve dar conta do que faz.
Na Epiftola 59. a Cornelio Papa efcrita no
niefmo anno de 252, affirma Cypriano , que de
po is
Partei. Principio T.

pois dejulgados e condenados pelo Synodo da Pro


vincia os dois Reos Fortunato e Feliciflimo : nao
deviao elles efperar que Cornelio os reftituiíTe ,
nem lhes podía aproveitar o recurfo a Roma
contra o que fe tinha decretado nos Concilios de
Africa. Porque nos feus Synodos erao os Biípos
Juizes fupremos das caufas de cada Provincia , que
fd a Déos reconheciao por fuperior : que a razao
pedia , que as Caufas fe difcutiíTem no mefmo lu
gar , em que iê commeterao os crimes : e que o
reputar dentro da Provincia menor a jurifdicçao de
Africa que a de Roma , era hum juizo que fó*
podía caber em homens perdidos e defefperados :
Cùmßatutumfit omnibus nobis , & aquumfit pariter Ibíd.pag.íóí..
acjufium, ut uniuscujusque coufa tlltc audiatur , ubi
eß crimen admiffum i & fingulis paßoribus portio
gregis fit adfcripta * quam regat unusquisque & gu-
bernet %rationemJui aStus Domino redditurus : opor
tet utique eos quibus prœfumus , non circumcurfare ,
fed agere Uliс caujam fuam , ubi & accufatores ha
bere & teßes ßdi criminis pojfint : nifi fi paucis de-
Jperatis à*perditis minor videtur ejfг auSloritas Epif-
coporum in Africa conjlitutorum , qui jam de Ulis
juaicaverunt.
Ultimamente- no Livro de Unitate Ecclefia com-
pofto no anno de 251. nos deixou Cypnano efte
importante e memoravel Axioma : Epifcopatus unus Ibid.. pag; 78:
eß , cujus afingulis infolidum pars tenetиг. О Epi A
copado he hum fó,, mas de tal forte repartida рог
Chnllo %
14 Tentativa Theologica

Chrifto, que cada Bifpo á fuá parte goza in foli-


dum de todo o poder , de que goza outro Bifpo.
E nao gozaría cada hum in folidum doEpiícopado,
fe foíTe maior na fuá Diocefe o poder defte que ó
daquelle. He logo em todos igual o poder , e he em
todos o mefmo. Expresamente o tinha dito pouco
Ibid. pag.77- antes o mefmo Cypriano no meímo Livro : Hoc erant
utique & ceteri Apoßoli , quod fuit Petrus , pari
confortio prxditi Ь* honoris & poteßatis : Jed exor
dium ab unitate proficifcitur , ut Eccleßa una monf-
tretur. Que Cypriano falle nao fó do poder da or
dern , mas taobem e muito principalmente do poder
da jurifdicçao : confia claramente do feu contexto,
que he defcrever as palavras de Chrifto a S. Pedro,
2~u es Petrus , &c. Pafce oves meas : e as que diíTe
aos mais Aportólos : Sicut mißt me Pater, & ego mit-
to vos: Sicui remiferitis peccata, &c. nas quaes ma-
nifeftamente falla Chrifto do poder da jurifdicçaô
e do feu exercicio. Logo no Epifcopado fe encerra
todo o poder efpiritual , que Chrifto deixou na
Igreja. Logo em cada hum dos Bifpos he efte po
der abfoluto , fupremo , e ¡Ilimitado. Por iífo о met
mo S. Cypriano na Epiftola 66. a Florencio definin-
do a îgreja , diz que confifte na Congiegaçao do po-
vo unido ao feu Bifpo : de forte que о mefmo he
conceber hum povo Chriftao iinido ao feu Biipo ,
Ibid. pag 286. que conceber a Igreja de Chrifto : //// funt Eccle
ßa , Plebs Sacerdoti adunata , ¿7- Paßorifuo Grex ad
herens. Undefctre debes, Epifсорит in Ecclesia effè 9
&
Parte I. Principio L 15

& Ecchßam in Epifcopo. Logo como em toda a


Igreja deve haver todo o poder : fegue-fe que , (en
do o Bifpo о que com o povo conftitue a Igreja,
deve efte Bifpo ter todo o poder.
O que fe confirma nobremente advertindo ,
que o mefmo Apoftolo S. Pedro querendo fignifi-
car de huma vez , e com huma fó palavra o influxo
de Chriíto no governo da Igreja , lhe deo о nome
de Bifpo das nolTas aimas : Converß efiis nunc ad
Paßorem à* Epifcopum animarum veßrarum. Con
firma-fe mais do coftume da primitiva Igreja , que
çomo obfervou Theodoreto fobre a I. epiftola a
Timotheo cap. 3. chamava Apodólos aos Bifpos:
Qui nunc vocantur Epifcopi , Apoßolos nominábante
Elte mefmo conceito moftravao fazer do Epifcopado
, os Santos Padres e Concilios antigos , quando da-
vaô aos Bifpos o ampio e magnifico titulo de Viga-
rios de Cbrißo : como lhes chamao os Padres do
Concilio de Mós no anno de 845. Nos omnes licet
indigni , Cbrißi tarnen Vicarh : os do Concilio de
Ca ri fíaco no anno de 848. Paßores Eccleßarum
ut Patres & Cbrißi Vicarios colite : por nao citar-
mos o Papa S. Gregorio VII. e os dois Biípos de
Chartres S. Fulberto e S. Ivo , e outros que def-
çreve Launoy no Livro II. Epiftola 2. num. 21. 22., Laynoy T.
23. e 24Г Donde fe vé afemrazao, com que Bel- v- J-,1- Pag-
larmino. pretende Tazer proprio do Romano Ponti- 17 C(W"

fice o nome de Vigario de Cbrißo , por affim o ter


chamado o legundo Concilio Geral de Leáo de
Fran-
iб Tentativa Theologîca

França. Porque antes de Binghamo tinha adverti-


Binghamo T. do Baluzio , e antes de Baluzio tinha advertido Ri-
Lpag. 8s. galcio , que já no tempo de S. Cypriano fe chama-
vao e reconheciao Vigarios de Cbrißo os Bifpos :
Ecce atttem Epifcopos avo jam Cypriani Vicarios
Cbrißiy diz Rigalcio fobre a Epiftola 55. de Cy
priano a Cornelio , que he a 59. da ediçaô de
FeU.ptg.i6t. Fell. Mas como Baronio quer que efte lugar de
Cypriano fe emenda do Papa , allega Binghamo
outro da Epiftola 63. a Cecilio , aonde Cypriano
Fell.pag.177- diz aííim: Ule Sacerdos vice Cbrißt veré fungitur >
qui id quod Chrißusfecit imitatur. Cita as Conftitui-
çoens Apoftolicas , ( Obra que todos aflentao era já
conhecida no quarto feculo) que no Livro IL cap.
2.6. dizem affîm : Qui Epifcopus eß , bic poß Deum
Deus terrenas. Epifcopus vobis prafideat , ut digrí
tate Dei coboneßatus.f Cita o antigo Efcritor das
Queftoens fobreoVelho e Novo Teftamento , que
anda entre as Obras de S. AgoíHnho , e no cap.
127. efcreve affim : Antißitem Dei purtorem cete
ris ejfe oportet : eß enim Vicarias ejus. Cita a S.
Bafilio , que no cap. 22. das Conftituiçoens Mo
narcas efcreve affim : Nihil aliud Anttßes , quam
is qui perfonam Cbrißi fußinet. De forte que o ti
tulo de Vigario de Cbrfßo , que Bellarmino quería
que fofte cara&eriítico do Papa, confta dos referi
dos exemptas fer na Igreja commum taobem aos
Bifpos , e ifto ainda nos feculos mais puros. Don^
de conclue Luiz Thomailino na Primeira Parte da
fuá
Parte I. Principio I. 17

fuá immortal Obra de Beneficiis , Liv. I. cap. 50. Thomafl.T.i.


num. 13. que o chamarfe hoje por antonomafía
Vigario de Cbrißo ío o Pontífice Roma no ) nao na.
foi porque alguma ley deípojaíTe deíle titulo aos
mais Bifpos ; mas fim por hum coníenfo tácito dos
Fiéis , que infenfivelmente o foi fazendo proprio e
caraélenllico do Biípo de Roma, por fer eile pelo
titulo do Primado o que com maior direito e com
mais eípecialidade faz em toda a Igreja as vezes
de Chriíto.
VII. Como o mefmo ThomaíTino confefla e
adverte , que deíla materia do poder e excellencia
dos Bifpos ninguem fallou mais folida e profunda
mente , que o grande Theologo de Pariz Pedro Au
relio : Nemo felicius in hujus doSirina penetralia in- Tomaíi. т. L
vafit : he razao que exponhamos aqui o nobilifli- pag-7.
mo difcurfo deíle grande hörnern , cujas Obras fao
em Portugal pouco ou nada conhecidas , merecen-
do ellas diílinélo lugar ñas Livrarias de todos os
Bifpos. Ñas Vindictas pois da Cetifura Sorbonica,
difcorre aflim Pedro Aurelio : Chrißus Epifcopalem Aurel. Tom.
ßatum , non mancum quippiam mutilumve inßituit ; H. pag. 87.
fed plenum, integrum, perfectum ,& Sacerdotiifui^am 1б4<5,

fummi ас perfeEliJßmi fummam perfeElijfimamque


imaginem. Cbrißum enim refert Epifcopus , & vicem
ejus in terris gerit, utßepe docent SS. Patres. Sic-
ut ergo Cbrißi Sacerdotium vim отпет Sacerdota-
Jem perfectamque pafcendi gregis poteßatem comple-
Bitur , ita ut varias in ea pienitиdim &\perfec~hone
В con-*
18 Tentativa Theoïogica

cortelufas poteßates dißinguere quidem difeermreque


liceat , diffociare vero & interJe quodammodo dij'än
dere , fit piacutum : fic Epifcopatus plenitudinem Sa
cerdotii & Paßoralis muneris perfeSlionem natura
fuá continet , & in banc ßatus dignitatem à Cbri-
ßo conditus fuit , ut qui fummas illas muneris tanti
poteßatesfeparare ас dilacerare conetur , fimiliterfa-
ciat, ac fi Sacerdotii Cbrifii divinaque ipfius natu
ra proprietates dirumpat & Cbrifii in terris pracel-
lentiffimam imaginem obliteret. Cbriflus enim perfe
Slionem Sacerdotii a Patre accepit , quando ab illo
miffus efi. PerfeSlionem deinde ejusdem Sacerdotii ,
feu Epifcopalem utramque potefiatemfimul dedit Apo-
fiolis , quando mifit eosficut ipfe a Patre miffus fue-
rat. Eandem denique perfeSlionem ipfi tradiderunt
Epifcopis , mitientes eos ficut ipfi mifit fuerant a
Cbrifio. Quam eandem deinceps Epifeopi adpofieros
transmiferunt , eos mitientes , ficut ipfos ¿4pofioli
miferant.
Nefte profundiffimo e elegantiffimo difcuríb
involveo Pedro Aurelio a íubftancia de todaadou-
trina , que elle nefte e em outros Tratados nos dei-
xou íbbre o illimitado e abfoluto poder que Chris
to annexou á Ordern EpifcopaK Com elle impug
na e deftroe eñe fapientiffimo Theologo todas as
efpeculaçoens e fofysmas , com que os Jeíuitas , per
petuos inimigos dos Bifpos , pretendiao entao em
França , e Inglaterra , deprimir e ainda aniquilar
a autoridade e jurisdieçao, que por Direito divino
com
Parte I. Principio L 19

compete áquelles Principes da Igreja e mecedores


dos fagrados Aportólos. Moftra que ainda que nos
Bifpos fejao diítinétos entre íi o poder da Ordern
e o poder da Jurisdicçao : nao fe fegue daqui , que
eftes poderes fe poífao livremente feparar. Moftra
que huma coiza he poder o Papa privar da juris
dicçao a hum Bifpo , outra poder privar da juris
dicçao o Epifcopado. Moftra que por inftituiçao
de Chrifto he o poder da jurisdicçao tao intrin-
íéco ao da Ordern , que na intelligencia e accepçao
da Igreja primitiva o mefmo era fer hum Bifpo
privado da jurisdicçao , que reputarfe Ieigo. Mos-
tra finalmente , que errara o Padre Soares , e iè
moftrára hofpede na verdadeira doutrina dos Pa
dres e Concilios , quando efcreveo , que 0 Bifpo
era mais nome de Ordern que de Jurisdicçao. Quan
do pelo contrario a idéa que do Epifcopado nos
deixou Chnfto e a Igreja antiga , he idéa que di
rectamente e expreíTamente comprehende ambos os
poderes. Antes о nome Epifcopus , por iíTo mefmo
que íignifica fupenntendencia e cuidado, mais ex
preíTamente denota Jurisdicçao que Ordern. Por iíTo
ainda na Difciplina de hoje nunca a Igreja cria
Bifpo j fem Jhe nomear fubditos ao menos poíiiveis :
como fuccede aos Bifpos Titulares , que huns fe
chamao de Conítantina , outros de Lacedemonia ,
outros de Martyria , outros de Tipaffa.
Tenho alcaníado de varios Autores , que o
nome de Pedro Aurelio fora huma mafcara com
В ii que
2o Tentativa Theologica

que fe quiz occulta r o celebre Joao Verger âe Hau


ranne, chamado vulgarmente o Abbade de San Çyram
nome odioziflimo na Corte de Roma , pela grande
amizade que dizem tivera fempre efte Theologo
com o famozo Bifpo de Ypres Cornelio Janfen.
Tao odiozo he na Curia efte nome , que me lem-
bra ter lido.nas Obras do Papa Benediclo XIV.
que quando fe tratava da Beatificaçao do Patriar
ca S. Vicente de Paulo , hum dos Artigos com que
fe Ihe oppoz o Promotor da Fé , foi moftrar que
Vicente de Paulo fora amigo intimo do Abbade de
San-Cyran. Mas feja ou nao íeja Pedro Aurelio o
meímo que Joao Verger de Hauranne , he certo
que as Obras de que fallamos , tiverao e tern em
França as primeiras eftimaçoens : nem fei que até-
gora as tenha cenfurado a Curia. ThomaíTino as
coftuma citar fempre com diftin&os elogios. O Cle
ro de França as mandou imprimir todas magnifica-
mente em folha imperial no anno de 1646. orde
nando que a cada Bifpo fe deíTem dois Exempla-
res , e que os mais fe repartiífem pelas pefloas dou
tas. Na tefta fe eftamparao as Acias da Aífemblea ,
que contém as mais honoríficas approvaçoens e os
elogios mais diftin&os , que já mais fe lerao nem
ouvirao de outra Obra.
Para os Jefu i tas in fama rem a Pedro Aurelio,
baftava lembraremfe, que efte Theologo ao mes-
mo paíTo que defenderá felizmente das fuas petu
lancias e diderios a facrofanta autoridade dos Bis-
pos,
Parte I. Principio I. 21

pos , defcubrira e refutara com inelucbveis razoens


e applauzo univerfal de todo o mundo a ignoran-
da de feu companheiro о Jefuita Inglez Jnao Flui
de 9 que debaixo do nome de Dan/ei de Jefus pu-
blicára contra todos os Bifpos de França e Dou-
tores de Pariz muitos e varios Efcritos petulantiilï-
mos. Baitava ter efcrito o mefmo Pedro Aurelio ,
que em toda a Sociedade Jefuitica nao havia hum
Theologo , que fe podeíTe comparar com о gran
de Cancellario de Pariz Joao Geríon nem na dou-
trina , nem na fama por toda a Igreja Catholica ,
nem nos merecimentos para com a meima Igreja
e para com a mefma Se Àpoflolica : Depone igitur
in poßerum amuiationem ißam Jefuiticam in Ger-
fonem , CUI TOTA TUA SOCIETES NON
HABET QUEM CONFERAT, nonfolum do-
Ягind famâque per Ecclefiam Catholicam maxima y
fed etiam meritis in eandern illam Eccleßam & in ip-
fam Sedem Apoßolicam , cumquaeum fruflra com
mit tere cottaris , eximiis & gravijflmis. Mas he já
tempo de paíTarmos a moflrar com os exemplos da
Antiguidade , о que atégora provámos com as auto
ridades dos Padres e Theologos.
VIII. Para fe ver pois de huma vez eile fupremo
poder dos Bifpos , baftava advertir no difpotifmo ,
com que elles por mais de oito íeculos admimítra-
vao as fuas Diocefes. Exceptuando aquellas Caufas ,
que o Direito chama Maiores , as quaes antes da
Compijaçao feita no feculo XIII. por Gregorio IX.
В iii erao
22 Tentativa Theologicä

егаб raras : е antes de introduzidas no tempo de


Carlos Magno as faifas e efpurias Decretáis de Ifi-
doro Mercador , eraö rariflimas. Exceptuando , di
go , eftas poucas Caufas , de que Joao Gerbais Dou-
tor SoTbonico compoz no firn do lèculo paífado
hum erudito Tratado intitulado de Caufis Matori-
bus , impreífo por ordern do Clero de França em
Pariz no anno de 1 670. era 4. erao os Bifpos , os
que fem intervençao nem influxo algum da Sé A-
poftolica governavao , adminiftravao , dífpunhao ,
e decidiao com pleno poder todos os cazos e mate
rias dos feus fubditos , como quem délies erao Pas
toras fupremos e abfolutos.
Pelos Cañones Nicenos 4. e 6. pelo 15?. de
Antioquia , pelo 12. de Laodicea , e por outros
muitos Cañones aílim do Oriente como do Occi
dente : competía aos Metropolitanos o Direito de
confirmar os feus Bifpos SufFraganeos , os quaes fem
mais Bullas que as do feu Arcebifpo erao logo en-
thronizados e fagrados. Ainda pelo Direito novo
das Decretaes de Gregorio IX. confervavaó os Me
tropolitanos efta regalia : como fe colhe do Cap.
Innotuit , 20. de EleBione: e do Cap. Cum dtle-
Slus , 32. do mefmo Titulo : e o advertem com os
mais Canoniftas о grande Pedro da Marca, no Livra
VI. cap. 3 num. 12. e Variefpen no Titulo XIV.
Por iífo ] оаб Ekio , aquelle grande Theologo e fa-
mozo Antagonifta de Luthero era Alemanha nos
principios do feculo XVI. no Livro III. de Prima*
'.. tu
Parte I. Principio î. 23

/// Petrï cap. 40. diz que fe admira , como os Bis


pos efquecidos do que o Direito commum lhes per-
míete , pedem ao Papa a confirmaçao para fe po-
derem fagrar. O cazo he , que pelos modernos De
cretos , e novas Regras da Chancellaria , fe forao
as eleiçoens e confirmaçoens dos Bifpos reíervando
á Sé Apoftolica.
IX. Confirmados pelo feu Metropolitano
os Bifpos , podiaó eftes introduzir na fuá Igreja o
Symbolo da Fé que melhor lhes pareceífe , com tan
to que em nada difcrepaíle dos dogmas Catholicos.
Daqui vem , que hum era o Symbolo de Roma , ou-
tro o de Aquileia , outro o de Jerufalem , outro
o de Neo-Cefarea , outro o de Alexandria , outros
os de outras Diocefes. Porque Theodoro Bifpo de
g Mopfueftia na Cilicia compoz e introduzio nos
principios do quinto feculo hum Symbolo pouco Ca-
tholico , o reprovou e condemnou o Santo Concilio
Geral de Efefo na Acçao VI. De todos tratao
miudamente Jozé Binghamo no Tomo IV. das
Origens Eccleíiafticas , Livro X. cap. 4. e Jacques
UfTerio na DifTertaçao de Symbolts , que anda no
fim da fuá Chronologia.
Se fe levantava alguma herefia ou doutrina fus-
peita , erao os Bifpos os que nos feus Synodos a con-
denavao , obrigando feus autores a retratalla , e abju-
ralla. Affim o praticárao com Sabellio e Ario os
Bifpos do Egypto : com Eutyques e Severo os Bis-
pos da Thracia : com Pelagio ,os Bifpos de Africa :
В IV com
24 Tentativa Theologica

com Priscilliano os Biípos de Hefpanha. E obfer-


va com razao Pedro Aurelio , na doutiflima Apo-
Jogia da Carta Paftoral dos Bifpos de França con-
Obras de Au- tra certos Livras dos Jefuitas ; e citando a Aure-
relÍOThomafl ^° ° °bferva tambem Thomaflino na Diifertaçao

T.III, p. 33. íobre o Concilio de Gangres , num 26. que nin-


do Appendix. gUem naquelles primeiros feculos ouzou declinar ,
ou eludir a força defíes Juizos Epifcopaes íó com o
pretexto de nao fe rem elles infalliveis : mas que os
mefmos hereges refpeitavao neítes Juizos fempre hu
ma irreíiftivel força, de forte que para a declinar ,
fó fe valiao do íubterfugio da obrepçao ou da im-
poftura -, moftrando-fe falfamente accufados do erro
impofto , e fer a fuá opiniao mui diverfa , da que
Ihes attribuiao os Synodos. Que a nao fer affim ,
todos reconheciao legitimo , e decretorio o Juizo
dos Bifpos : todos lhe obedeciao , todos anatbema-
tizavaoos eicritos, e peifoas, que elles anathema-
tizavao.
; Aos Biipos eftavao fujeitos nao íó os Cléri
gos , mas tambem todos quantos Monges havia em
cada Bilpado : de forte que fem preceder a facul-
dade e approvaçao do Biípo , ninguem podia ex-
ercitar funcçao alguma Ecclefiaflica , ou Jerárqui
ca , ou foííe de pregar ou de adminiílrar Sacra
mentos. Baila para iífo citarmos o Canon IV. do
Concilio de Calcedonia , ou a Epiñola de S. Je-
ronymo a Pammaquio contra os erros de Joao Ar-
cebiípo de Jerufalem, ...
Parte I. Principio T. 25

A adminiflraçao dos bens da Igreja toda es-


tava nos primeiros íeculos dependente do Bifpo.
Confia do Canon 26. de Calcedonia : dos Caño
nes de Gangres7- e 8. dos de Antioquia 24. e 25*
' edo4i. dos chamados Apoflolkos.
X. Nao havia entao , nem houve muito depois
refervaçao alguma de excommunhoens ou peccados.
Todos podiao abfolver os Bifpos , ou taobem os que
eJies conflituhiao feus Penitencieiros , fem excep
tuar a hereíia publica , ou a idolatría dos que fra-
queavao no tempo das perfeguiçoens. Da hereíia
confia dos Cañones Niceno 8. dos Laodicenos 7.
e 8. do Conflantinopolitano 7. do 60. de Agde ,
do 28. de Epaon , do 8. do Concilio IV. de Or
leans , do 36. de Martinho de Braga , do 50. de
, Ferrando de Carthago , e da Epiflola de S. Atha-
nafio a Rufïniano. Da idolatría confia de S. Cy-
priano na Epiflola 15. aos Martyres e Confeflores,
e na Epiflola 1 6. aos Presbyteros e Diáconos : do
Canon 2. de Ancyra , e de muitos do Concilio de
Elvira , e do i o. do Concilio IL de Arles.
Os Padres do Concilio Provincial de Sa-
legunflat em Alemanha celebrado no anno de 1 022.
declarao no cap. 18. aos feus fubditos , ferem in- Tom. XI. dos
validas e illicitas todas as abfolviçoens que elles im- cXd pag^
petraiïem de Roma, fem preceder a licença e con- 1 133.
fentimento dos feus Bifpos. O mefmo cnfinarao na Ibid- PaS*
SeiTaô II. os Padres do Concilio de Limoges em L15°'

França , celebrado no anno de 1034. О que he


prova
z6 Tentativa Theolögicä.

prova evidente , de que о dar ou nao dar quaes-


quer abfolviçoens eftava no poder ordinario dos*
Bifpos. No anno de 1141. fegundo a conta de
Paríf. pag. 79. Mattheus de Pariz, Efcntor do feguinte feculo : 011
doTcontde no ^e M43- ieg»ndo a Clironologia de David
inglat. pag. Vilkins na Collecçao dos Concilios de Inglaterra :
422' ordenou o Concilio de Londres , que dalli em dian-
te fîcaiî'e reiervada ao Papa a abfolviçao dos que
puzeiTem maos violentas em algum Clérigo. Sinai
de que até alli abfolviao os Bifpos Inglezes efte ca
zo ) que hoje he tao reiervsdo.
Conhecendo e confeflando eíla preeminencia
da Ordern Epifcopal , ordenavao com o Niceno 1 2.
os Cañones de Africa 49. e 50. da Collecçao de
Ferrando , que ao Bifpo he que competía deíignar
о tempo das penitencias publicas , e quando de-
viao íer abíolvidos os penitentes. E pelo Canon
Antioqueno o. tirando as caufas do foro conten-
ciozo , era o Bifpo hum Adminiílrador diípotico
da fuá Diocefe , para reger e governar os feus fub-
ditos , como bem lhe pareceíle.
XI. Finalmente quem 1er a Pedro da Marca
no Livro VI. de Concordia Sacerdotii & Imperii cap.
3. 4. 8. e 9 a Thomaífino na Difciplina fob re os
Beneficios , Parte II. Livro II. a Gerbais no refe
rido Tratado de Caufis Maioribus , Art. I. a Gil
bert no Tomo II. Tit. VIL de Prœlatis : achara
largamente provado pelos amigos Monumentos da
Hiítoria e Concilios , que as eleiçoens e confirma-
çoens
Parte L Principio I. 27

çoens dos Biípos , as erecçoens de Bifpados novos *


as nomeaçoens de Coadjutores e futuros SucceíTo-
res dos Bifpos , as renuncias e depoiiçoens dos
mefmos Bifpos , as mudanças de huma Diocefe pa-
■ ra outra : erao negocios todos , que , aínda que de
fi graviffimos , por muitos feculos fe praticarao le
gítimamente na ïgreja fem dependencia algiima do
Romano Pontífice : íendo os Metropolitanos os que
a re/peito das fuas Provincias adminiftravao e re-
giao 011 em Synodo , ou fóra de Synodo , todas eftas
funcçoens da Difciplina Jerárquica : e îfto por cos
tume eftabelecido fem duvida defde о tempo dos
Apoftolos , e confirmado pelos Cañones 6. de Ni-
cea , e 2. de Conftantinopla : nos quaes fe orde
na, que em conformidade do coftume geralmente
recebido na Igreja , governem e adminiftrem dis-
poticaraente os Bifpos do Egypto no Egypto : os
do Oriente no Oriente : os da Alia na Alia : os do
Ponto no Ponto: os da Thracia naThracia : e go
vernem de tal forte , que o que a reípeito de to
da a Diocefe he o Primaz , feja a refpeito de cada
Provincia o Metropolitano com os feus SuíFraga-
neos. Donde temos ., que ainda que para efta deíig-
naçao ou diftribuiçao de Igrejas e Diocefes concor-
тео o confentimento e approvaçao do Papa ; nao foi
elle fó o que deu força e vigor a efta divizao , que
fem duvida tinha o feu principio na divizao que das
Diocefes fizerao com S. Pedro os mais Apoftolos ,
e em que íucceflivamente foi confpirando depois to
do
28 Tentativa Theologicä

do о Cörpo dos Bifpos : о quai affim como davä


a ultima força aos Cañones por virtude do feu con-
fentimento , aiïim tambem fó elle os podia refcin~
dir ou alterar , e nao fó o Papa de feu motu proprio.
Pois até algumas prerogativas do mefmo Papa re-
duzio o Concilio de Calcedonia no Canon XXVIII.
Tom. IV. dos ao coníentimento e acordó da Igreja: Tbrono an-
Concil. pag. щиа Rom¿e 9 quod urbs illa imperaret , jure Pa

tres privilegia tribuerunt. Que he o que muita


antes tinha confeífado o mefmo Papa Zozimo I.
Cutant. pag. jipoßoüca Sedi in honorem Beatißmi Petri Patrum

decreta peculiarem quamdam fanxere reverent iam.


XII. Na verdade fe a divizaó e defignaçao
das Diocefes foíTe por direito Divino refervada ao
Papa , ou fe fó delle dependeíTe a tal divizaó e de
fignaçao : porque razaó os Padres do Concilio de
Nicea tratando no Canon 6. dos limites e admi-
niftraçao das Diocefes do Egypto , do Oriente , e
das mais da Chriftandade ; nao recorrem para o
feu eftabelecimento ao direito Divino , ou á auto-
ridade do Pontífice Romano , mas íim ao coítume
Conci]11 a°S mtr°duzido ? Antiqua confuetudofervetur per ¿Egy-
^ . pag. píum ^ gjfßjjjfgf. fr, apu¿ Antiochiam , ceteras-

que Provincias , fuis privilegia ferventur Eccleßis.


Porque razaó os Padres do Concilio de Conftanti-
nopla, quando no Canon 2. renovaó a obíervan-
cia da mefma divizaó de Territorios , nao allegaó
Ibid. р. 113г. a feu favor fenaó os Cañones da Igreja ? 'Juxta
Cañones Alexandrinus antifles qua funt in JEgypto
regat
Parte T. Principio T. 29

regat folummoào , & Orientis Epifcopi Orientent


tantum gubernent , &c. Se fo do Papa dependefle
a deiignaçao e repartiçao das Provincias Ecclefias-
ticas , ou fe efta defignaçao foiTe prerogativa in-
' feparavel do Primado ; com que confciencia orde-
narao os 150. Padres do mefmo Concilio de Cons-
tantinopla, no mefmo Canon 2. ( figo os numé
ros de Dionyíio Pequeño ) que dahi por diante ti-
ve/Ге o Bifpo defta Cidade o fegundo lugar logo
depois do Romano ? Conflantinopolitanus Epifco-
pus habeat honoris primatum poß Romanum Com
que confciencia os Legados do Papa S. Leáo eftra-
nharao no Concilio de Calcedonia na Acçao I. que
Diofcoro no Conciliábulo de Efefo mandaiTe fentar
em quinto lugar a S. Flaviano de Conftantinopla ,
quando pelo Canon referido fe lhe dévia o primei-
ro ? He de advertir , que efte tal Canon teve por
autores a muitos Santos Bifpos , que nefte Conci
lio aiîiftirao , e que nao erao menos celebres na dou-
trina que na fantidade. Com que confciencia come-
çarao dahi por diante os Arcebifpos de Conftanti
nopla ( entrando nelles o grande Chryfoftomo e feu
íucceflor Attico , ambos fantiífimos ) a arrogar a íi
a adminiftraçao nao fó da Diocefe da Thracia , ( em
que elles até alii erao huns meros Suffraganeos do
Arcebifpo de Heraclea ) mas taobem adaAfia, e
a do Ponto , que ambas fe confervavao na poíTe
de ferem tao autocefalas e independentes , como
o erao e ficarao fendo as Diocefes do Egypto , do
Orien
go Tentativa Theologîca

Oriente , e de Roma ? Com que conferencia final


mente conflrmarao os Padres do Concilio de Calce
donia no Canon 28. efta preeminencia ou prima
ria do Arcebifpo de Conftantinopla, declarando-o
Patriarca ou Exarco das dims vaftiífimas Dioce
fes da Afia e do Ponto : nao obftante repugnarem
os Legados do Papa S. Leáo fortemente a efta pri-
mafia do Arcebifpo de Conftantinopla ? E todos fa-
bem , que nao obftante a contradieçao que a Sé
Apoftolica fempre fez a efte Canon 18. de Calce
donia , fempre os Arcebifpos daquella Metrópoli
do Imperio Oriental fe forao coníervando na poífe
que Ihes dera o Concilio: entrando nel les S. Eufe
mio , S. Macedonio , S. Menas , S. Eutyquio , S.
Ignacio , e outros muitos Santos Patriarcas. He lo
go innegavel, que nefta e outras materias de Dis
ciplina fempre no juizo da Igreja e dos Bifpos he
maior a força de todo o Corpo , que fó a da Ca-
beça : ifto he , que quem dá vigor á difciplina e
economía das Diocefes nao he tanto o Summo Pon
tífice , como o confenfo das Igrejas : e que defte
confenfo he que teve principio a divizao e diftribui-
çao das Diocefes e Provincias Ecdeíiafticas ; para
a qual nao confta que nos principios do Chriftia-
niímo concorrelfe e deveífe concorrer fomente a
autoridade de S. Pedro. Pois fabemos , que S. Pau
lo de autoridade propria conftituio Bifpo de Efe- •
fo a Timotheo , e de Creta a Tito : e o meímo
iïzerao noutras Regioens os mais Apollólos. Acres-
ce
Parte I. Principio I. 51

ce a iíto fabermos de certo , que as erecçoens de


novas Provincias e Bifpados fempre nos primeiros
ieculos fe fizerao fem concorrer influxo algum do
Romano Pontífice : e que até os Bifpos Suftraganeos
fem mais licença que a dos feus Metropolitanos di-
vidiao os feus Bifpados , conftituindo nelles novos
Bifpos , e defignando-lhes o Territorio. ¡
XIII. Nao ha hoje entre os eruditos quem
ignore , que as efpurias Decretaes de Ifidoro Mer-
cador introduzidas no feculo IX. por diligencias do
Papa Nicolao I. forao as que começarao a an Ul
nar a Diíciplina primitiva , e a perverter toda a Or
dern Jerárquica da Igreja, com graviíTimo prejui-
zo dos Direitos Epiícopaes , e lezao enorme da
autoridade dos Synodos das Provincias : como bem
pondera Joao Gerbais na fuá DiiTertaçao de Сau- Gerbais pag.
fis Maiortbus , Artigo IX. §. 2. e Eftevao Baluzio
na Prefaçao ás fuas Notas fobre os Diálogos de '1UZ'P' I^

Antonio Agoftinho , num. II. Deilas faifas De


cretaes nafcerao as gravi ífimas contendas e difTen-
íoens , que no tempo do Emperador Carlos Calvo
houve entre a Sé Ápoílolica e os Bifpos deFran-
ça , por cauza das depofiçoens de Rothadö Bifpo
de Soiflons , e de Hincmaro Bifpo de Laon : as
quaes em prejuizo dos Concilios Provinciaes de
SoiíTons e de Duziaco , pretendiao refcindir os Pa
pas Nicoláo I. e feu fucceíTor Hadriano II. Del- Вягоп. Tom.
las nafcerao em grande parte os Diftados de S. Gre- XVII. p. 43 o.
gorio VIL que defcreve Baronio no anno de icyó. ^edl£30nno

' num.
g2 Tentativa Theologicà

num. 3 1 . e fao 27. Privilegios do Romano Pontir


fice , que como outros tantos Direitos divinos nos
deixou efcrito aquelle Papa : fendo aflim que alguns
délies baila leremíe , para fe darem por falfos : co
mo depois de Gerbais e Boiîuet advertirao Fleury
e Vaneipen. Deilas íe formarao taobem em gran
de parte no feculo XI. as Collecçoens de Burcar-
do Bifpo de Wörmes e de Ivo Bifpo de Chartes :
è no feculo XII. a de Graciano , que vulgarmen
te chamamos Decreto. Collecçao que fendo feita
fem mais autoridade que a de hum fimples Monge
Benedictino , ainda que douto : eilando cheia de
Decretaes faifas e de Concilios que nunca houve :
cheia de autoridades mal entendidas : como he por
exemplo a de S. Agoílinho no Livro II. da Dou-
trina Cbrißäa, cap. 8. donde contra a mente do
Santo Doutor pretende provar Graciano no cap. In
Canonicis , Dill. XIX. terem as Decretaes dos Pa
pas autoridade de Efcrituras Canónicas. Sendo tao
defeituoza , digo , eíla Collecçao , como depois
dos Correctores Romanos moítrou o grande Anto
nio Agoítinho Arcebifpo de Tarragona nos feus
Dialogos de Emendatione Gratiani : a ignorancia dos
tempos ajudada da autoridade que a eíta Collecçao
deo a Univeríidade de Bolonha ; a fez íubir pouco
a pouco a hum tal grao de eftimaçao , que deíle
Decreto como de hum Corpo de Direito Publico ,
ou como de hum Promptuario Autentico dos Ca
ñones da Igreja , tirao os Canoniftas quaíi tudo ,
o que
Parte I. Principio Г. 33

o que por quinhentos annos fe acha nelles citado de


Concilios e Padres.
XIV. Defte Decreto pois fahio o Capitulo
Nunc autem , e del le o celebre Axioma , Prima Se- Dift. XXL
des non judicabitur a quoquam : que fendo tirado do caP-7*

fingido Concilio de SinueíTa , anda na boca dos


Canoniftas como huma Definiçao dogmática : e
delle vem aquella GlolTa que anda ñas Decretaes de
Gregorio IX. Liv. I. Tit. 7. cap. 3 . In bis qua vult
Papa , et eft pro ratione voluntas. Nec eft qui ei di-
cat : Cur ita facis ?
Daqui fahio tambem o Capitulo Synodum , e Dift- XVIlt.
o Capitulo Regula veßra : tirados das faifas Deere- cap* x' e **

taes de Marcello I. e Julio I. donde Graciano co-


lhe , que fem a confirmaçao da Sé Apoftolica nao
podem ter força de Leys as Conilituiçoens dos Bis
pos : Epifcoporum Concilia , ut ex pramijjis appa-
ret , funt invalida ad definiendum à* conflituenâum,
Nefta mefma doutnna contraria a toda a Antigui-
dade Eccleíiaílica e ao mefmo Concilio de Trento ,
fundón a Congregaçao dos Cardeaes Interpretes do
Concilio a feguinte Reioluçao no anno de 1504.
Derreta qua in Conciliis Provincialibus conduntur ,
publicari non debent inconfulto Romano Pontífice,
У eja-fe Pedro da Marca no Livro VI. de Concordia
cap. 14. num. 13.
Daqui fahio tambem o Capitulo Qui fe feit , СаиГа II. cap.
que he o Documento mais antigo em que fe encon- I2-
tra o outro celebre Principio da Curia ; Solus Papa
С habit
34 Tentativa Theologica

habet pîenitudinem poteflatis : ceteri verb ab eo voca~


Fagnano no tifunt in partemfollicitudinis. Donde Fagnano pre-
^ciofa fdeOß- ten^e tirar , que fo o Papa tem a Jurisdicçao imme-
cio &Poteß. diatamente de Chrifto , e os Bifpos fo a recebem do
Jud. Ord. Papa : e donde outros inferem fer o Papa Bifpo dos

Вifpos , e Ordinario dos Ordinarios , para poder


exercitar em toda a parte as funçoens Epifcopaes ,
como quem tem por Diocefe toda a Igreja. Ora he
de notar , que a referida expreflao he tirada de hu
ma Epiílola do Papa Vigilio eícrita nao a Eleuthe-
rio , ( como emendarao os Correctores Romanos
do Decreto ) mas a Profuturo Arcebifpo de Braga
pelos annos de Chriílo 5з8.(сото advertio Baluzio)
tempos ainda mui refpeitaveis , e em que florecía
a Difciplina mais pura. Mas o mefmo Baluzio , que
Collecça6 de na fuá Collecçao dos Concilios publicou aquella
Baluzio pag. Epiílola , adverte ñas Notas que lhe fez , que toda

4 * efta paííagem de que Graciano formou o Capitulo ,


Qui fe fcit , falta em tres antiquiflimos Exempl ares
de maö que elle vio : dois da Bibliotheca de Monf.
Colbert , e terceiro da Cathedral de Leáo de Fran-
Gibert. Тот. ça. Donde conjectura prudentemente Gibert fe-
I. pag. 2,62. guindo a Baluzio , que eíta pafíagem he huma das
addiçoens que Ifidoro Mercador quiz vender por
legitimo feto dos antigos Pontifices : e que elle ti-
rou de outra Carta do Papa S. Leáo Magno efcri-
ta a Anaítaílo Arcebifpo de TheíTaloníca , aonde
o Santo fallando com eile feu Vigario do Illyrico
diz affim : Fices noßras ita tua credidimus carita-
ti,
Parte I. Principio I.

ti ) ut in partent ßs meatus follicituàinis , »o« /я


plenitud/пет poteßatis. O cazo he, quelfidorode
varios pedaços que tirava daqui e dalli , he que for-»
mou as oitenta e tantas Decretaes , que hoje dao
todos por apocryfas e efpurias. He logo muito pro-
vavel j ( fuppoftas as manifeftas impofturas de Ifi-
doro , e fuppofto tambem o lilencio dos tres referí- .
dos codices MÎT. ) que о que elle lera em S. Leáo
fallando como Patriarca de certas Provincias a hum
feu Vigario ou Delegado : o applicaífe Ifidoro á
Carta de Vigilio , fallando como Papa a todos os
Bifpos : donde refultou uzar Innocencio III. , e uza-
rem outros Papas daquella Formula , como Formu-»
la da Igreja Primitiva.
Finalmente ( por nao nos dilatarmos mais em
hum aíRimpto , que hoje he corrente nos Efcrito-
res mais illuftrados , e que andao pelas maos de to
dos ) defte Decreto fahio о Cap. Alius , tirado Gjjjjjj XV-

das Epiftolas de S. Gregorio VIL donde todos os Cap. 3! '


antigos Canoniftas provao o poder do Papa íobre
as Temporalidades dos Reys e Principes Sobera
nos. E eftava Xifto V. taó perfuadido de que era
Senhor de todos os Eftados do Chriftianifmo , que
(fe cremosa Antonio Arnaldo) mandou meter no Arnald. EcU-
Índice dos Livros prohibidos a Obra de Bellarmino ^^L."Auto-
de Romano Pontífice : porque nella fe negava ao ritè des Con-
Papa o poder direclo , e fó fe lhe concedía o indi- clles Ge"er,r
À r * vaux cap. I Y.
recio. . .• - pag.J2.

XV. Nao obftante terfe divulgado entre o


С ii feculo
g6 Tentativa Theoîogica

feculo IX., e о XII. tanta copia de Deer etaes faifas


e eferitos efpurios : como toda via exiftiao inteiras
as Acias e Cañones dos antigos Concilios , e mul
tas Obras dos Santos Padres : nao deixavao entre
tanto muitos homens fabios e zelozos de advertir
na corrupçao da Difciplina novamente introduzida ,
e de lamentar amargamente a decadencia e menos
cabo dos Direitos Epifcopaes. Digo os dois Bifpos
de Chartres S. Ivo na Epiftola 1 10. ao Papa Pas-
coal II. e Joao de Sarisbeiy no feu Pol icratico Li
vra VIL cap. 2i. Arnulfo Bifpo de Lizieux na Epis-
tola 71. ao Papa Alexandre III. Hildeberto Bifpo
de Mans, e depois Arcebifpo de Turs na Epiítola
47. tambem a outro Summo Pontífice : Roberto
Bifpo de Lincolnia na Repolla ao Papa Innocen-
cio IV. que defereve Mattheus de Pariz na fuá
Hiftoria do anno 1253. Ouçamos por todos a S.
Bernardo Abbade de Claraval , fallando com o Pa-
Bernard.T.I. pa Eugenio HI. no Livra III. de Conßder'añone ,
pag- 437« cap. 4. Murmur loquor fo* querimon'tam Ecclefiarum.
Truncan fe damitant ас demembrarl. Vel nulla Ec-
clefia vel pauca admodum funt , qua plagam ißam
aut non doleant aut non timeant. Quarts quam ? Jub-
trahuntur Abbates Epifcopis , Epifcopi Archiepijco-
pls , Archlepifcopi Patriarchisfive Primat/bus. Bo-
папе /pedes bac ? Mlrumfi excufari queat vel opus.
Sic facilitando probatis vos habere plenitudinem pote-
ßatls , fed jufiitiaforte non ita. Honorurn ac dlgni-
tatum gredus à" ordines qulbusquefervare pofitl ejtls>
non
Parte I. Principio I. 37

non invidere. E mais adiante : Tune dentque lici- lbiJ. pag.435>.


turn cetifeas fuis Ecclefiam mutilare membris , confun
dere ordinem , perturbare términos quos pofucrunt
Patres tut ? Si juftitia eft jus cuique Jervare fuum ;
auferre cuiquam propria jußo quomodo poterit conve
nire ? Erras ft ut fummam , ita & Julam inftitu-
tam h Deo veflram Apoflolicampoteflatem exiftimas.
Si hoc fentis , diffentis ab eo qui ait : Non eft po-
teftas nifi a Deo. Denique idem ait : Omnis anima
poteftatibus fublimioribus fubdita fit. Non aitfubli-
mior i , tamquam in uno : fed fublimioribus , tamquam
in multis. Non ergo tua fola poteflas a Domino :
funt à" mediocres , funt & inferiores. E logo : Mon-
ßrum facts , fi manu fubmovens digitum , facis
penderé de сapite : fuperiorcm manui , brachio colla-*
teralem. Tale eft fi in Chrifti corpore membra aliter
Jocas , quam difpofuit ipfe. Quem affim fallava ,
bem dava a entender que eilava perfuadido , de ■
que a jurisdicçao dos Bifpos era tao immediata
mente de Chrifto , como a do Papa : e que a pie*
nitud do poder nao a recebera o Papa para des
pojar os Bifpos dos Direitos e funçoens proprias
do feu carácter ; mas fim para Ihos confervar , fob
pena de lhes fazer injuria , e de lhes ficar em res-
tituiçao. Porque como efcreveo depois o CardeaL
de Cufa no Livro II. de Concordantia Catholica , Caía p 728.
* cap. 13. Papa non habet a Canone , quo ladere poftfit
jurisdiSlionem Epifcoporum. Nec legitur antiques
Pontífices fe de bis intromifijfe.
С iii XVI.
38 Tentativa Theologica

XVI. Quafi cem annos depois de publicado


o Decreto de Graciano , fahio o Papa Gregorio
IX. com a füa nova Collecçao das Decretaes divi
didas em finco Livros. Л maior parte délias foraÖ
tiradas das Cartas e Refcriptos de Innöcencio III.
Foi eile Papa doutiffîmo , mas demaziadamente ar>
plicado a defcobrir e arrogar a il novas Regalias ,
como por direito Divino proprias e infeparaveis da
Sé Apoílolica : que por iíTo Mattheos de Pariz Es
critor do mefmo feculo Ihe chama audacem Juris-
peritum. Taes fao as que Innocencio defcreve no
Cap. Inter corporalia , de Translatione Epi/copi :
aonde diz abertamente , que a Translaçao , a Re
nuncia, e a Depoiiçao dos Bifpos , íao por direi
to Divino refervadas ío ao Romano Pontífice : Tria
bac non tam inflitutione Canónica , quam inflitutio-
ne divina , Joli funt Romano Pontifici rejervata :
Marca Lívro doutrina que o Uluílriflimo Marca e com elle Ger-
mim ?Pp2ii] ^a's cnama^ inaudita ? e alheia da praxe de dez Je-
pag. 37г. Cl/lof.
Gcrbais pag. СгеГсегаб ellas Refervas demaziadamente com
*7i' a publicaçao do Livro do Sexto feita por Bonifa

cio VIII. com a das Clementinas de Clemente V.


com as das Extravagantes de Joao XXII. com a
das Regras da Chancellaria deíle e de outros Pa
pas : e com a de innumeraveis Bullas que até os
nofíos tempos forao emanando da Curia , e que lo
para fe lerem nao baila a vida de hum hörnern.
Deila forte ficaraö os Bifpos tao defpidos da fuá
anti-
Parte I. Principio I. 39

antiga autoridade , qué o Cancellario de Pariz ja


no feu tempo ilies chamava fimulacra dep'iSla : como
fe differamos em Portuguez humas fombras de B/s-
pos. He digna de fe defcrever aquí toda a pafía-
gem : Crefcente Clericorum avaritia & Papa cupt- Ge'rfon Tom.
áltate , potefias &> aucloritas Epifcoporum quafi vi- 6шш1ё
àetur exhaußa fa> totaliter diruta \ ita ut OUI IN "era rit Epifco-
PRIMITirA ECCLESIA MQUslLLS PO-
TESTATIS CUM PAPA ERANT , jam infiTelnjlt
Ecc lefia non videantur eJTe nififimulacra dcpiSla , & bat * quam ba
st г. n cv • r» r» r • Cuius lúf 11 i-
quaji jrujtra. jam emm Papa Romanus rejervavtt lra¿
omnia Beneficia ,jam advocavit omnes сaufas ad Cu- Eneas Fylvio
riamfuam.&c. Hc"itt'dcBa:

Eíta depreíTao e como aniquilaçao dos Bifpos


tinha deplorado cem annos antes de Gerfon o ce
lebre Durando Bifpo de Mende , diverfo do que
chamao Efpeculador , no Tratado que por ordern
do Papa Clemente V. compoz antes do Concilio
Geral de Vienna no anno de 13 07. conrefte titu
lo : Do Modo com que Je deve celebrar o Concilio Duran.lo pag.
Geral. Aqui moílra Durando, Quod Papa nonpo- *4"e

tefl пес debet novas leges aut nova jura condere ,


contra ea quœ aperte Dominus r vel ejus Apofioli ,
à" eos Jequentes SanSIi Patres fentenù'aliter defini
erunt : quia aliter errare probaretur. Aqui moitra ,
quod Epifcopi poteftatem à* honorem fuum receperunt
à Deo , h quo ordo prœlatioms eft inftitutus , & à quo
Epi/copi in loco Apoftolorurn conflituti funt infingu-
lis civitatibus & Dmcefibus. Donde conclue , que na
С iv fuá
4o Tentativa Theologica

fuá Diocefe tem o Bjfpo à jure autoridade e juris-


dicçao fobre todos : e que fem evidente neceflídade
ou utilidade da Igreja nao podia пет devia o Papa
conceder tantas izençoens aos Moßeiros Religiozos
e Communidades Eccleßaßicas. Dezeja tambem que
lbid.pag.282. [e délie providencia , quod Romana Ecclefia ultra

contra prœdiSla non pojfet , absque Generali Con-


cilio , habenas extendere plenitudinis poteßatis. Item :
Qubd Dominus Papa non vocaretur univerjalis Pon-
ttfex Ecckßrf , cum hoc prohibeat Gregorius. No
que Durando nao intentava negar ou diminuir a
autoridade e poder, que como Primaz tem em to
da a Igreja o Papa: pois efte poder reconhece elle
por toda a Obra com todos os Catholicos. Mas o
fentido de Durando era , que o Papa a titulo de
fer Primaz da Igreja nao arrogaífe tudo a fi , des
pojando dos feus Direitos os mais Bifpos. Por iífo
em outra parte tinha já eferito o mefmo Durando
Ibid. pag. 63. eíla memoravel fentença : Proverbium vulgare eft :
qui totum vuIt , totum perdit. Eccleßa Romana ß-
bi vindicat univerfa : unde timendum eß , ne univer-
fa perdat. Ailim eferevia e declarava os feus fenti-
mentos hum Bifpo doutiffimo e piiffimo , favoreci
do do Papa Clemente V. , e que pela fama da fuá
doutrina e zelo foi a alma do Concilio Gérai de
Vienna. Corre eftaObra impreiTa feparadamente em
Pariz no anno 1 67 i.em 8.e junta com outras na gran
de Collecçao dedicada a Gregorio XIII. com o titulo
Traclatus Tratfattwm, no Tom, XIII. P. I. fol. 154.
О*
Parte I. Principio ï. 41

Os lugares do Papa S. Gregorio Magno ib-


bre o titulo de Bifpo univerfal , a que allude Du
rando , fao do Livro V. Epiftola 18. e Epiílola
43. e do Livro VII. Epiftola 30. Na primeira ef-
creve aífim eñe grande Pontífice : Epifcopus un/ver- S.Greg. Toni.
faits vocari nullи s prœfumpfit , qui veraciterfanSlus V*E- 743-
fuît. Nullus Apoflolica Seáis Antifles ßbt hoc íí- s? Mauro. ^
merarium nomen arripuit : nefi fibi in Pontificatus
gradu gloriam fingularitatts arriperet , banc omni
busfratribus denegaffe videretur. Na fegunda afíim :
Nullus umquam Decejforum meorum hoc tam profano Ibid. pag. 77г..
vocabulo uti confenfit : quia videlicet fi unus PatH-
archa univerfalis dicitur , Patriarcharum nomen ce
teris denegatur. Na terceira alTim : Univerfalem me Ibid.pag.5ny..
Papam vefirafanclitas dicens , negatfe hoc ejfe quod
we fatetur univerfum. Sed abfit hoc : recédant verba
qua vanitatem infiant , caritatem vulnerant. E
outra vez na mefma Carta: Nec honorem effe depu
te , in quo Fratres meos honorem fuum perderé co-
gnofco. Meus namque honor efl honor univerfalis Ec-
clefiœ. Meus honor efl Fratrum meorum folidus vi
gor.
Eilava logo perfuadido о Grande Papa S. Gre
gorio, que ainda com fe intitular Bifpo univerfal
offendia о Romano Pontifice os Direitos dos Bis
pos. Que différa effe S. Gregorio , fe os viffe no
* eílado , em que oitocentos annos depois os via Ger-
fon , quando chamava aos Bifpos fimulacra depi-
iía ? E que diífera o mefmo Gerfon , fe vifle hoje
que
42 Tentativa Theologies

que os Bifpos de Portugal fe dao por obrigados a


obfervar e fazerem obfervar huma Bulla, que ñera
lhes foi remettida a elles , nem promulgada por
elles ñas Provincias e Diocefes : ( como mandao os
Cañones, e a praxe antiga da Igreja , e e m todas
as fuas Leys praticao até os mefmos Soberanos do
mundo ) meramente por lhes confiar particularmen
te, que elTa Bulla fora fixada em Roma ad Fal
úas , e no Campo de Flora ? Que diífera , fe viífe a
eíTes mefmos Bifpos embaraçarem-fe e prenderem-
fe com huma Declaraçao dos Cardeaes Interpretes
do Concilio , ou com algum Decreto da Congre-
gaçao de Ritos: meramente porque as acharao ci
tadas em Barboza ou Lacroix ? Que diíTera , fe
viífe aos mefmos Bifpos mandarem a Roma pedir
Jicença para 1er hum Livro , que elles nao fabem fe-
ja prohibido , fenao pelo verem no Indice que de
annos a annos apparece aqui imprefío , fó na fe dos
Livreiros que o vendem ? Finalmente que différa,
fe ville que os Theologos da Curia preoecupados
das fuas opinioens , como de outros tantos dogmas
da Fé Carbólica , ferem cora as mais acres cenfu-
ras todos os mais , que delies diícordao , aínda que
fejao os Santos Padres da primeira сЫГе ? Como
quando Chriftiano Lupo ñas Notas ao Concilio de,
Sardîca attribue a hum genio colérico , e colérico
por caufa dos muitos jejuns , o que S. Baíilio na
Carta 239. efereveo dos Romanos : Quale nobis
auxillum ab Occidentalsum Jupercilio , & faßu ad*.
erit y
Parte I. Principio I. 45

erit 9 qui verttatem ñeque ttorunt , tieqne difcere fu-


ßinent ? Sobre о que diz Lupo affim : In tram fre
quenti jejunió ßudentium more promor Bafllius сla
mabat.
Toda a doutrina deíle Principio receberá ma-
ior luz da que adiante havemos de dar ñas Provas
do Quinto. Entretanto ouçamos ao Cardeal de Cu-
fa Biípo de Breña, no Livro II. cap. 13. Set mus Cufa $.7x6.
quod Petrus nihil plus poteflatis a Chriflo reeepit
aliis Apoflolis. Nihil enim diclum efl ad Petrum ,
quod etiam aliis diclum non fit. Nonne ficut Petro
dictum cß , Quodcumque ligaveris fuper terram : ita
aliis , Quodcumque ligaveritis ? Et quamquam Pe
tro diclum eß , Tu es Petrus & fuper ham petram :
tarnen per petram Chriflum quem confcJJ'us efl in-
telligtmus . ... Et fi Petro diclum efl: Pajee oves
meas : tarnen manifeßum eß , quod illa pafeentia eß
verbo <b° exemplo. Ita etiam fecundum Augußinum
omnibus idem prœceptum efl Nihil reperitnr Pe
tro aliud diclum , quod poteflatem importet aliquam.
Ideo recle dieimus omnes Apoflolos in poteftate cum
Petro äquales QUARE HOC SOLUM
SINGULARITATIS IN PETRO INFENIE-
MUS , QUOD IPSE FUIT MAIOR IN
ADMINISTRAI lONE.

SE-
l SEGUNDO PRINCIPIO 1

iántes de haver na Igreja algum Corpo de Leys ou Cañones ,


que como Direito commum regulare umversalmente to
dos os pontos da Difciplina : eraS os Bifpos os que nos
feus S) nodos Provinciaes eflabeleciao os Impedimentos do
Matrimonio , huns mais cedo , outros mais tarde , con
forme o pedia a necejßdade e utilidade das Diocefes que
governava6.
Corpo dos Cañones do Oriente. Regras Canónicas de S".
Bafilio. Collecfao de Dionyßo Pequeño. Decretaes de
Stricto e Innocencia I. Cañones de França , Hefpatiha ,
e África.

PROVAS.

i P EIo que toca ao Oriente , he fació certo


e notorio pelas Acias do Concilio de Calcedonia ,
que o Código ou Compilaçao de Leys , de que
no meio do feculo quinto uzavao as Igrejas Gre-
gas, nao conti nha fe nao 165. Cañones: que егаб
os de Nicea , os de Ancyra , os de Neo-Cefarea ,
os de Gangres , os de Antioquia , os de Laodi-
cea , e os de Conftantihopla. Entre eftes porém a
penas fe achao tres , que tratem de impedimentos
Na d^°T,^c-] de Matrimonio : e eit.es fao о XI. do Concilio
foW Upag" Provincial de Ancyra celebrado no anno de 314.

37. e 39. e 50. que eftabelece o impedimento do Rapto: e o Ií.


do Concilio Provincial de Neo-Cefarea celebrado
no
Parte I. Principio IL 45

no mefmo anno de 314. que eftabelece o impedi


mento de Affinidade , que dirime o Matrimonio da
que fucceílivamente caza com dois irmaos : eol
do Concilio Provincial de Laodicea , celebrado no
' anno de 364. que eftabelece o impedimento da
Difparidade de religiao, para os filhos dos Cléri
gos nao poderem cazar com herejas. Daqui fe fe-
gue, ferem os Biipos , os que nos primeiros feair
los punhao nos feus Synodos particulares os impe
dimentos do Matrimonio , que julgavao mais con?-
venientes á neceffidade dos tempos. O que fe con
firma dos Cañones chamados Apoßolicos , que na
melhor opiniao forao feitos no terceiro feculo : e o
37. poem para nao cazarem o impedimento da
Ordern aos que no Clero tiverem gráos fuperiores
aos deLeitor e Cantor.
II. Com effeito S. Bafilio Arcebifpo de
Cefarea da Cappadocia que florecía pelos annos
de 370. na Carta 160. ahàs 197. que he efcnta
a Diodoro , fallando do impedimento de Affinida-
de entre cunhados e cunhadas , claramente dá a
entender , que quem dava toda a força e vigor a
efte e outros impedimentos , era a ley ou coftume
eftabelecido naquella Provincia pelos Santos Bis-
pos : Principio ígitur , quod in ejusmodi rebus ma- Bafi!. Tom.
sehnt momenti eß , morem qui apud nos eß objicere Pa8«249«

* poJßTumus , quöd is legis vim babeat , propterea qubd


SanBiones ißa a SanSlis nobis (mit viris tradita.Eß
autem bic mos talis : ßquis affeclu immundo corre-
ptus
ф Tentativa Theologica.

ptus ad illicitam duarum fororum communie ationem


exorbitaverit , id ñeque conjugium ejfe cenfendum9
ñeque talem ad Ecclefiaßicum cœtum admittendum ,
priusquam à fe invicem dirimantur. Trasladei eile
Jugar do modo , que o defereve Gerbais : mas pa
ra fe ver que o examinei na fonte , citei á mar-
gem a ediçao dos Padres de S. Mauro , que achei
concorde na fubftancia.
Ao meímo S. Bafilio fez S. Amfiloquío Ar-
cebifpo de Iconio varias confultas fobre certos pon
tos de Difciplina , muitos dos quaes pertenciao aos
impedimentos do Matrimonio : e deltas meímas
perguntas de S. Amfiioquio fe confirma , que aín
da pelos fins do quarto feculo паб havia Direito
Commum geralmente recebido , que individuaífe
eftes impedimentos ; mas que cada Provincia fe go-
vernäva pelos feus coftumes , ou Cañones particu
lares. Refponde S. Bafilio ás referidas Confultas
de S. Amfiioquio , efcrevendo-lhe duas Cartas , em
que expoem os coftumes ou leys que fobre cada
ponto daquelles achava elle eftabelecidas pelos Bis-
pos mais antigos. Coftumao-fe chamar Canónicas
eílas duas Cartas , porque contém tantos Cañones ,
quantas erao as perguntas de Amfiioquio. Com ef-
lbid.pag.272. feito no Canon 6. fuppoem Bafilio eftabelecido
feg93' e nas Pel°s Synodos das Provincias o impedimento do

Voto : no Canon 22. o impedimento do Rapto: -


no Canon 23. o impedimento de Affinidade'. no
Canon 40. o impedimento da Condicao : no Ca
non
1.
Parte I. Principio IT. 47

non 42. o impedimento que dirimía os cazamen^


tos dos filhos de familias , que contrahiao contra von-
tade dos pays : nos Cañones б 8. e 78. o impedi
mento de Confanguiritdade.
- . III. PaíTando já ao Occidente he igualmen
te certo , que até os principios do quinto íeculo nao
tinha a Igreja Romana elevado ao grao de auto-
ridade publica outros Cañones , que os de Nicea ,
dos quaes nenhum trata do Matrimonio. Confia em
termos da Epiftola de Innocencio I. ao Clero de
Conftantinopla , e da outra fuá a Theofilo de Ale
xandria. He outrofim innegavel pela Epiftola 60.
de S. Ambroíio efcrita a Paterno nos fins do quar
to feculo , que ainda nefte tempo nao era geral na
Igreja ao menos por Ley Canónica o impedimento
da Confanguinidade : e que cada Bifpo fe gover-
nava nefte particular ou pelo que difpunhao as Leys
Impenaes , ou pelo que cada hum prudentemente
entendia e julgava mais acertado. A primeira par
te do meu dito confta do aflumpto daquella Epis- Ambrof.T.TT.
tola , na qual Paterno confulta a S. Ambrofio fo- ^IQl8- e

bre íe hum filho feu poderia tomar por mulher a


huma íua fobrinha. Refponde o Santo que nao
convinha tal Matrimonio : e os fundamentos cjue
allega íao a Ley divina , e huma moderna Confti-
tuiçao do Imperador Theodoíio : Si divina tepra-
■ tereunt , faltem Imperatorum pracepta haudqua-

quam praterire te debuerunt. Que Ley divina feja


efta, que S. Ambroíio íuppoem prohibir o cazamen-
to
48 Tentativa Theologica

to däquelles parentes ; confeíTa о feu doutifíimo Edi


tor da Ordern Benedictina , que o nao fabe : nem
eu tambem o fei. Baila advertirmos , que o Santo
nao recorre a alguma Ley Canónica : lignai que a
nao havia aínda. A fegunda parte confia da mes-
ma Epiílola , aonde Paterno affirma , que o feu
proprio Bifpo o mandara confultar a S. Ambrofio ,
moílrando que eílaria pela fua refoluçao : Super
hoc meam a SanSlo viro Epifcopo veflro expeEiari
fententiam diets.
No meio do fexto feculo por diante fe co-
meçou a introduzir no Occidente a Collecçao de
Dionyzio Pequeño , que conflava em parte dos Ca
ñones do Oriente , em parte de varias Cartas dos
Romanos Pontifices eferitas a algumas Igrejas par
ticulares. Entre eftas Cartas he celebre a do Papa
Siricio refpondendo as perguntas que Hie fizera Hi-
Col!ecça6 de merio Arcebifpo de Tarragona , da qual fe confir-
Cutant. pag. ma evidentemente , que ainda nos fins do quarto
6z8.efeg. feculo nao" eftava publicado nem recebido geral-

mente algum Corpo de Cañones ou Leys Eccleíiaíli-


cas, que regulaífem os impedimentos do Matrimo
nio : porque a havello , nao ignoraría Himerio que
pelos Efponfaes fe contrahia o impedimento de P#-
blica honeßidade : nem ignorariao os feus Clérigos ,
que pelo voto annexo á Ordern fe contrahia o im
pedimento do Voto : e da Carta de Siricio fe co-
íhe , que o ignoravao. O meímo argumento fe po
de fazer de outra Carta nao menos famoza e do
mes
Tarte I. Trincipio IL 49

mefmo tempo , que he a do Papa S. Innocencio


I. refpondendo as Consultas de Viclncio Arcebif- lbid.pag.75-3;
po de Ruao , nos cap. 10. e 12. e dos Cañones e feg«
que o mefmo Papa , ( fegundo conjeclurao Sirmon- ibid, pag.628.
do e Labbè) enviou aos Bifpos de Franca: dos e íeg.
quaes о 12. e о 14. os inftruem fobre o impedi
mento de Aßnidade. Donde claramente fe conven
ce : que os impedimentos que nos primeiros fecu-
los eftavao em vigor , erao os que fe eitabeleciaö
nos Synodos de cada Provincia pelos feus Bifpos,
ou os que eíles recebiao e aprendiao da Igreja de
Roma.
IV. Com eíFeito perto de cem annos antes
do Pontificado de Siricio , ifto he , no anno de 305.
eftabelecerao os Biípos de Hefpanha no Concilio de
Elvira os impedimentos do Voto , da Difparidade ColIecça6 de
de reliziaö , da Ordern , e da Affinidade: como fe foletlTom-

pode ver lenao os Cañones 13. 15. 10. 17. 33. feg.
61. e 66. Com a mefma autoridade , e antes do
Pontificado de Innocencio , ifto he , no anno de
397. ordenarao os Padres do III. Concilio de Car- ibid.Tom.IL
thago no Canon 1 2. que os filhos e filhas dos pag' I4°K ■

Clérigos nao cazaíTem com peífoas gentias, here-


fes , ou cifniaticas. E no Canon 19. obrigarao aos Ibid. p.1402.
Atores , que em chegando aos annos da puber-
dade , ou cazem , ou façao voto de caílidade. Os
mefmos Padres no íeguinte anno , em que celebra-
raô о IV. Concilio de Carthago , declararao no Ibid. p. 1445V
Canon 1 04. que os Matrimonios daquellas viuvas ,
D que
yo Tentativa Ttieologica

que depois de profeílarem caftidadc cazavao ,. fe


deviao reputar como- adulterios.
Tom. I. dos S. Patricio Primaz de Hybernia- no anno de
Concil. de in* 4^6. entre outros Cañones que eftabeleceo emSy-
glat. p.3. e6. üo¿q9 fol num 0 !^ em que condena o Matrimo

nio contrahido pelas Donzellas r que tiveíTem fei-


to voto de caftidade. No Canon 25. de outro Sy-
nodo eftabeleceo o impedimento de Affinidade en
tre cunhados, e cunhadas.
V. Nos Synodos de Hefpanha e Franca nao
reluz menos efta autoridade dos Bifpos. О' IV.
Concilio de Toledo celebrado no anno de 633. e
ColIecça6 de a°nde entre outros affiftirao 8. Bifpos de Portu-
Aguirre T. gai: : no Canon 44. ordena , que o Clérigo que ,
Ш. pag. 374. fem jar parte ao Bifpo , fe cazar com mulher viu-

va , ou repudiada , ou proftituta , o Bifpo o man


de logo feparar. O Concilio XIII. da meíma Ci-
dade, celebrado no anno de 683. em que taobem
affiftirao alguns o. Bifpos Portuguezes , no Canon
5. eftabelece debaixo de penas gravifllmas hum no-
TÔro\ïv\pag. vo impedimento de Condiçao : prohibindo eftreita-

2 2* mente, que nenhum hörnern, de qualquer qualida^


de que íeja , ( fem exceptuar os mefmos Reys e
Principes ) poflà tomar por mulher a Rainha , que
fkafíe viuva de qualquer dos Reys de Hefpanha y
que erao entao os Godos. E efte Canon confirmou
EIRey Ervigio i que enfao governava , como fe ve
do feu Ediclo, que vem no fim- do mefmo Conci
bo. O Concilio- Mí. de Saragoça em 69 1 . no Ca
non
Parte I. Principio II. 51

non 5. depors de renovar fobre as Rainhas viuvas Ibid.pag.3r9.


o'Canon de Toledo , accrefcenta^ue., morto oRey9
ie tecolha logo a Rainha a algum Mofleiro deRe-
ligiozas , aonde veftida como Freirá viva toda a
•vida Tem tornar a cazar.
O Concilio I. de Orange celebrado no an- T001:,.1, d<?s
i 1 /-i r Concilios de
no de 441. ordena no Canon 2.1. .que os que го- ргап^а р> 73#
rem cazados , nao fejao promovidos i ordern 1 de
Diáconos , fem fazerem primeiro voto publico .de
caíUdade.
O 'Concilio IV. de 'Orleans em 541 . no Ca
non 24. annulía os iMatrimonros daquélles-efcra- Ibid. pag. 165-.
vos , que com ;a efperança 'de icazarem rfugíao a
•feus pays ou ferihores ,parra .os; cercos das Hgiejas.

>Q Concilio !Ü. tie TEurs., no anno de 567.


■no Canon до. declara ierem incefluozas., .e prahl- ibid. pag.338.

Ъе fob pena- rie excommunhao ;as allianças 'entrepa-


rentes por corifanguinidade :e affinidade. E os fun
damentos j que allega , nao rao alguns Canonesuia
-Igreja Romana ou da Igreja «uni verfal : nras^írm va
•Ley do ¿Levitico no сар.ч8. as'Leys Civís do'Co-
digo de Theodoíío : e os Cañones anteriores da
Igreja Gallicana. Para fe ver que, ainda prefcindin-
do das Leys pofitivas dos Superiores humanos , po-
diao os Bifpos eílabelecer eíles impedimentos por
autoridade propria.
Ainda no meio do feculo XII. em que era
Summo Pontífice Alexandre HI. eftava a Igreja de
Franja na pofíe e coftume de diilblver os Matri-
D ii monios
5¡2 Tentativa Theologica

monios dos que por caufa de enfermidade eftavao


impoffibilitados para ter copula : ao mefmo tempo
que a Igreja Romana obfervava a Difciplina con
traria. Confta da Carta do mefmo Papa ao Bifpo
de Amiens , que refere Launoy nos Opufculos fo-
bre o Matrimonio , Tom. IV. Part. II. pag. 142.
VI. Concilio eile Principio advertindo, que
o que os Bifpos praticavao no Matrimonio , prati-
cavao taobem nos mais Pontos da Difciplina Eccle-
íiaftica. Cada Provincia fe regia pelos feus proprios
Cañones. As que os nao tinhao, adoptavao os das
outras. Daqui teve principio no quinto feculo a
Collecçao dos Cañones da Igreja de Africa. No fex-
to a de Dionyíio Pequeño , a de Martinho de Bra
ga, a de Ferrando de Carthago. No nono a de
Benedicto Levita, e a de Anfegifo Abbade, que com-
pilarao os Capítulos de Carlos Magno , de Luiz
rio , e de Carlos Calvo. Todos fe fundavao na-
quelle Principio de S.Agoftinho: In bis rebus, de
quibus ritbil certiflatuit Scriptura divina , mos Po-
fu/i Dei, veî inßituta maiorum pro lege tenenda [mit.

TER-
Я

TERCEIRO PRINCIPIO

Por muitos [eculos fe confervaraS os Bifpos na pojfe de dijpen-


* Jar até nas Leys aty Concilios Geraes e dos Romanos
Pontífices , e por confeguinte nos impedimentos do Matri
monio.
Admiraveis autoridades de S. Bafilio de Cefarea , de Synefio de
Ptolemaida , de Fulberto de Chartres , do Concilio IF. de
Carthago , do Concilio I. de Turs.
Dißolvem-fe os argumentos de Vagnano. Doutrina de S. Ber
nardo , do Cardeal de Cuja , de Joao Gerfon , de Thomaf-
fino e de outros.
Autoridade dos Principes Seculares /obre os impedimentos do
Matrimonio. Difpenfas de Tbeodorico e de Recaredo. Pa
recer de Pedro Soto.

PROVAS.

E doutrina aíTentada entre os melhores


Canoniftas e Theologos , que quando o Supremo
Legislador nao rezerva a íi exprefíamente o poder
de difpenfar , pode o Bifpo difpenfar nas Leys do
Papa e do Concilio Geral , todas as vezes que aílim
o pedir a publica neceífidade ou utilidade dos feus
íubditos. Aííím o tem o Cardeal deCufa noLivro
II. de Concor dantia Catholica cap. 20. Silveftre
Prieras Meftre do Sacro Palacio na Summa , V.
Difpenfatio , num. 7. Vanefpen no Tratado de
Dffpenfatiombus Cap. I. §. 7. Barthel nas Ad-
D iii diçoens
54 Tentativa Theologica

Barthcl pag. diçoens ao Direito Canónico Li v. TIL Tit. 33. Fe-


137- bronio de Statu Ecclefia Cap. VI. §. I. num. 7. e
Febron.pag. Gibert no Tratado deEccleßa, Tit. VIL de Prœ-

Gibert. Tom. latis : feguindo todos a Glofla do cap. Nuper, 20,


II. pag. 102. ¿e Sentent. Excommunicato <y.ie fobre as palavras
e I04' de Innocencio III. Sibi fpecialiter non retinuit , diz

affim : E[i hie argumentum , Episcopos poße dispen-


fare , ubi fpecialiter difpenfatio non efl inhibita.
Em confequencia deíle poder dos Bifpos ob-
ferva com os mefmos Canoniílas , o grande Theo-
Thomaff.T. logo Luiz Thomaffino na Difciplina fobre os Be-
II. pag. 317. с fjeßeios P.II. Liv. III. cap. 24. num. 14-е cap. 25.
num. 15. que por muitos ieculos eftiverao os Bif
pos na pofle e coílume de difpenfarem em todas as
Leys Canónicas ainda dos Concilios Geraes.
Ouçamos a Vanefpen : Cum precipuas in re-
gimine Ecclefia partes Epifcopi fuflineant , confe-
quens apparet , quod fepofitâ omni pofitiva referva-
tione , Epifcopali auSloritati cohereat plenaria rigo
vern Canonum relaxandi poteflas , quotics neeeßitas
aut utilitas gregis fibi crediti relaxationem poflula-
verit. Qua Epijcoporum in difpenfando libertas hi
de nonparum confirmattir \ quod conßet penes Epis
copos plurimis Jaculis fuijfe difpenfandi facultatcm
in omnibus Ulis difciplina articulis , quorum hodie
relaxatio privative Sedi Apoßolica competeré nofei-
tur.
Ouçamos a Thomaffino no primeiro lugar :
■Ne ambigi quidem illud a quoquam poteß , quinpri

' + . mi
Parte I. Principio III. 55

mi à3 fecundi adeoque & tertii etiam flecuïi Epifco-


pi Cañones Apoßolicos & Decreta ejus avi omnia
relaxarint , ubi publica id jubebat necejfitas , nullo
Pontífice Romano , millo interveniente Concilio Pro
vinciali. E no fegundo lugar , em que trata do 54
6. e 7. ieculo : Fruebantur fane eodem tempore Epis
copio maxime in Conciliis Provincialibus aggrega-
ti , eximid ipfi quoque & vafiißmd di'[penfundi fa
cúltate, ut ex Us omnibus fupra capitibus emicuit.
A razao ou fundamento delta doutrina he,
que a jurisdkçao e autoridade Epifcopal (como ja
moftrámos no primeiro Principio ) he de fi e pela
fua inftituiçao perfeitiffima , e abfoluta, e involve
todo o poder necefíario para o bom governo dos
fubditos. E eile governo , como al Ii mefmo mof
trámos , neceífariamente pede o poder difpenfar
ñas Leys , quando affim o pedir a utilidade ou ne-
ceífidade dos mefmos fubditos.
II. Efta regra dos Theologos e Canoniftas
tern a feu favor a praxe de toda a antiguidade Ec-
defiaítica , e entre os mais Padres ao grande Dou-
tor da Igreja S. Bafilio Arcebifpo de Ceíarea , è
Primaz de todas as Diocefes do Ponto.
Era Ley Eccleíiaftica do Concilio de Nicea
no Canon 154, do Concilio de Sardíca no Canon
i. , do de Antioquia no Canon 2 1. , e que , a fäka
lem eíles e outros Documentos , fe colhe claramen
te de S. Jeronymo na Epillola a Océano , e da
oppoiiçao que no Concilio I. de Conítantinopla
D íy expe
56 Tentativa Theologica

experimentou S. Gregorio Theologo por querer


mudar-fe , como elle mefmo refere no Poema da
fuá vida : e do que efcreve Eufebio na vida de
Conftantino Liv. III. cap. 62. que chama Apoßo-
J'tcd) ifto he, introduzida pelos Apollólos ella Ley:
a qual o Concilio de Calcedonia rénova no Canon
5. fuppondo que era já Ley mui antiga. Era Ley ,
digo , eftabelecida geralmente na Igreja , que ne-
nhum Bifpo mudaíTe de Diocefe. Attendendo po-
rém á neceffidade e defamparo da Igreja de Nico-
poli, difpenfarao os Bifpos da Armenia, para que
Eufronio , Bifpo que era de Colonia , o foífe fer
de Nicopoli. Levava muito a mal o Clero de Co
lonia que lhe tiraíTem o feu Bifpo : e pretendía епь
baraçar efta trasladaçao valendo-fe para iífo do Ma-
gift rado fécula r. Efcreve S. Bafilio Primaz de to
das aquellas Provincias duas Cartas , huma ao Cle
ro , outra ao Magiftrado de Colonia , que fao a
227. è 228. da ediçao dos Padres Benedictinos :
e nellas enfina a huns e outros , que fe accommo-
dem com a determinaçao dos feus Bifpos , que at
tendendo á neceffidade eutilidade da Igreja, uza-
rao nefta occafiao do poder que Déos lhes dera ,
e da economia que o Efpirito Santo lhes fuggeri-
ra : e que aílim tiveífem por certo , que o refiftir
Bafil. Tom. aos Bii'pos era refiftir a Déos. Preclara acono-
111. pag. 350. . Г 7. • r/r n ^ n г 7
m/a erga reltgtojijjimumjratrem nojtrum bupbronmm
ab bis , quibus Eccleßa commijfœ funt gubemanda ,
fafta eß , necejfaria tempori 7 perutilis & Ecckfi* ,
ai
Partei. Principio III. 57

ad quam translatifs eß. Hanc ne exißimetis huma-


nam : fed eos quibus Eccleßarum follicitudo incumbít ,*
ex confuetudine & conjunSlione , quam babent cum
Spiritu , id fecijfe çerfuafum babete : babentes pro
cerio eos , qui res a Dei eleSiis conßitutas non ad-
mittunt , Dei ordinationi reßßere. Affîm efcrevia
Baiîlio na Carta 227. Na feguinte répète o meP
mo : Igitur ¿7- temporis difficultat em conßderantes , ibid.pag.35-r.
& œconomia necejjitatem prudenter intelligentes , E-~
pifcopis ignofcite , qui banc vtam ad conßituendum
D. N. J. C. Eccleßarum ordinem inierunt.
III. Fundados nos mefmos principios efta-
belecerao osBifpos de Africa no anno de 398. no
Concilio IV. de Carthago о Canon 27. em que
ordenao que , interelTando-fe niiïo as Igrejas , pof-
fa o Synodo da Provincia permittir as mudanças-
ou trasladaçoens de hum Bifpado para outro. Sa-* Tom. I. dos
ne fi utilitas Ecclefia idfiendum popo/cerit , inpra- Çonai. pag.

fentia transfcratur. De forte que lendo Ley dos


Apollólos e dos Concilios Geraes a que prohibía
as trasladaçoens dos Bifpos , os de Africa julga-
rao que por ella fe lhes nao tinha tirado o poder
de difpenfar nella , em todos os cazos de utilidade
ou neceffidade da Igreja.
Affim Iemos em Syneíio Arcebifpo de Ptole-^
maida no quinto feculo na Epiílola 67. como S. Synef.p. 210,
Athanafio de Alexandria mudara de Biípo de Pa~
lebifca para Metropolitano de Ptolemaida a Side-
no , a quem contra o Canon 4. de Nicea tinha
fagra-
5& Tentativa Tlieologica

fagrado hum fó Bifpo : e eifaqui temos os do Egyp-


to difpenfando em duas Leys geraes. Porque co-
mo obferva o mefmo Synefio : Form'tdolofis tempo-
ribus fummum jus pretermitíi necejfe eß. Le mos
em Socrates Liv. VII. cap. 36. como Attico de
Conílantinopla mudara de Troade para Filippo-
poli ao Bifpo Silvano. Ao qual exemplo ajunta
allí о mefmo Socrates outros treze , entre os quaes
fó huma deftas translaçoens foi commettida ao
Biípo de Roma , que foi a de Perigenes traslada
do de Patras para Corintho. Mas todos fabem que
no Illyrico tinha o Papa direitos efpeciaes , como
Patriarca. Todas as outras foraó ordenadas e exe-
eutadas pelos Bifpos das Provincias.
No feculo XI. ainda os Biípos de Sicilia fe
confervavaó na poíTe de mudarem de Diocefes , fem
efperarem o confentimento da Sé Apoftolica. Co-
lhe-fe claramente do Cap. 4. de Elefôione 5 que he
de Pafcoal II. Por onde ninguem fe admirará , que
os Padres do Concilio XVI. de Toledo , celebra
do nos fins do feptimo feculo , por autoridade pro
pria fizeífem mudar de Diocefes aos Bifpos de Se-
vilha y Braga , e Porto.
Deftes e de outros muitos exemplos infere
Marca P. II. Pedro da Marca no Livro VII. cap. 26. num. 8.

cSbaís'pag, e Joa° Gerbais no Tratado de Caufis Maior'tbus


271. Art. X. §. I. que le engañara Innocencio III. quan-
do no Cap. 2. de Translat. Epifcop. affirmou , que
as translaçoens dos Bifpos eraó por Direito divi
no
Parte I. Principio III. 59

no refervadas ao Papa. Na verdade os fundamen


tos , de que fe vale Innocencio , nao provao o feu
aíférto. . ,
IV. Era taobem Ley dos Apollólos , que S,
Paulo efcreveo nal. a Timotheo, cap. 3. reno
vada depois pelos Concilios de Nicea no Canon
a. de Sardica no Canon 13. de Laodicea no Ca
non 3. e referida taobem pelo Papa Siricio na E-
piftola a Himerio de Tarragona : que do eftado de
Neofyto ou de Leigo ninguem pudefle fer promo
vido ao de Bifpo. Nefta Ley porém difpenfarao
muitas vezes os Bifpos por autoridade propria : со*
mo fizerao os da Cappadocia com Eufebio Arce-
bifpo de Cefarea, como affirma oNazianzeno na ^azianz, T.
OraçaoXIX. os da Thracia comThalaffio taobem 'ра2*^4 *

de Cefarea , como refere Socrates no Livro VII.


cap. 47. os de França com S. Germano Bifpo de Au-
xerre , como lemos na Epiftola 3 8. de S. Fulber-
to Bifpo de Chartres. E muito antes fe tinha prati-
cado o meímo com S. Сур ri ano de Carthago , e
com . S. Filogonio de Antioquia. Efta autoridade
confervavao os Bifpos de França ainda nos princi
pios do fepulo XI em que por autoridade propria
ordenaraô para Arcebiipo de Rems a hum Neofy
to ou Leigo. Era hum délies o referido S. Fulberto ,
que na Epiftola 38. em que conta efte fació, ta6* ^om/jt^J1,
bem adverte a outro Bifpo da mefma Provincia, pp.pag'jj,
que nao tema que o Papa leve a mal efte difpenfa,
pois a neceffidade da Igreja de Rems afazia irre-
prehen-
бо Tentativa Theologica

prehenfivel : Dominus Papa non babehh quoi tibi


fnerito debeat fuccenfere , fi te graviter collapfie San-
Вл Remenfi Ecclefiœ altquam fpem refurreSlionis
audierit providijfe. Da mefma forte a bigamia fempre
e em toda a parte tornava irregulares os Clérigos pa
ra as Ordens Sacras e para o Epifcopado. Confia
de S. Paulo no mefmo lugar da I. a Timotheo ,
Cap. 3. e fia Epiftola a Tito Cap. I. e era Ley
expreifa do Canon 16. entre os Apoftohcos , re
novada pelos Papas Siricio , Innocencio, e Leáo
Magno : e como fe colhe dos antigos Padres e
Concilios , geralmente recebida na Igreja. Ainda
Teod. Tom. affim pela Epiftola 1 1 o. de Theodoreto Bifpo de
ДО. pag.o8o. СуГО) fabemos, que nefta Ley Apoftolica difpen-

farao por vezes muitos Bifpos iníignes em letras e


fantidade : como Alexandre de Antioquia , Acacio
de Berea, Praylio de Jerufalem, Procio de Conf-
tantinopla , e outros : com cujos exemplos défende
Theodoreto a economía que uzára com Ireneo ,
ordenando-o Arcebiipo de Tyro, fendo elle biga
mo. О que nefta materia he mais admiravel he , que
pelo Decreto XI. de Siricio , e pelo XII. de In
nocencio I. ficavao irregulares para o Clericato ,
e deviao ficar depoftos délie os que eraô digamos ,
ou tinhao cazado com viuvas. Ainda aflim o Con
cilio I. de Toledo no Canon 3. e o Concilio I. de
Orange no Canon 25 ambos diípenfarao neftas
Leys Pontificias : o primeiro para poderem ficar no
Clero os que cazaflem com viuvas : o fegundo pa
ra
Parte I. Principio III. 61

ra ferem promovidos á Ordern de Subdiaconos os


que tinhao cazado duas vezes. Taobem Socrates no
Liv. V. cap. 22. obferva , que fendo Ley geral
nao ferem admittidos ao Clero os Catechumenos :
em Alexandria coftumavao os Bifpos promover os
Catechumenos á Ordern de Leitores e Cantores.
Era outra Ley geralmente eftabelecida e re-
cebida , que o que fofle eleito Bifpo , eftivefíe ao me
nos no grao de Diácono. Confia de S. Cypriano na
Epiílola 5:5. aAntonino, de S. Gregorio Nazianze-
no na Oraçao XX. do Concilio de Sardica Can.
10. da referida Epiftola deSiricio, e da 84. de S.
Leáo Magno. Ainda affim S. Agoftinho attenden-
do á neceflîdade dos feus fubditos ordenou Bifpo
de Fu/Tala , Caftello da Diocefe de Hipponia , a
hum certo Antonio , que elle mefmo na Epiftola
209. teftifica , nao tinha no Clero outro gráo que
o de Leitor.
V. Era igualmente Canon do Concilio de
Nicea , ( e era o 8. Canon ) referido taobem por
Sozomeno no Livro IV. cap. 15ч e por Theodo-
reto no Livro II cap. 17. que nao houveíTe na
mefma Cidade dois Bifpos. Ainda affim S. Mele
cio de Antioquia , por evitar diícordias e cifmas
entre elle e feu competidor Paulino , paéleou com
elle ferem ambos Paftores daquella Cidade , repar-
tindo entre íi o rebanho de Chrifto. He faélo no
torio, que com os mais Hiftoriadores defcreve Theo-
doreto no Livro V. cap. 3. e que mereceo а аррто-
vaçao
02 Tentativa Theologica

vaçao deS.Bafilio, dos dois Gregorios, e de qua-


fi todo o Oriente.
Era finalmente Ley inviokvel de toda a Igre-
ja , que nenhum Bifpo eelebraííe ordenaçoens fo
ra da fuá Diocefe. Ainda affim fabemos por aiito-
ridade de Socrates noiLivro II. cap. 24. que em
diverfas Igrejas que nao егаб fuas Suffraganeas ,
dera S. Athanafio ordens a muitos. Sabemos por
autoridade de Theodoreto no Livro IV. cap. ag„
e no Livro V. cap. 4. que S. Eufebio de Samo-
fata Gidade da Eufratefia, compadecido da nece£-
¿idade efalta de Miniftros Carbólicos , que experi
menta va6 com as perfeguiçoens deVatent-e muitos
'Igrejas ; ordenara varios Bifpos e Presbyteros 'na
Syria , Fenicia , Cilicia, e Paleftina.
VI. ¿PaíTando já ás difpenfas Matrimoniaes, <
íie certo em primeiro lugar : »que fe os J3ifpos ^i-
nhao autoridade para porem impedimentos , (co
mo atraz moflrámos cjue'tmhao ) elles mefmos po-
diao di fpenfar melles pela Regra que »diz : ^Cujus
eß ligare , ejus.efí fofoere. He ceno iem fegundo
lugar : que nos primeiros dez ou doze fecülos 'fo
ra б rariítimas e difficultoziffimas as difpenfas 'Ma-
tíi moniaes , como os curiozos podem * ver ¿em Van-
«fpen P. II. -Tit. ХШ. cap. 5. >He -certo >em да-
ceiro lugar : *jue deltas diípenfas dadas pelos -Bif
pos fe achao alguns illüftres exemples na primeira
antiguidade : e já Bafilio Ponce advertio ¡no'Liv.
-VI. cap. i. -que por -mukös -fbcdos forai) foe Bf£
Parte I. Principio III. 63

pos os que punhao е- tiravao os, impedimentos;


Hum délies como todos fabem, he a Ordern,
Sacra* dos Presbyteros Diáconos , e Subdiaconos;
impedimento que íegündo fe colhe dos antigos Pa
dres e Concilios , е- о dëmonftra Natal Alexandre
na DiiTertaçao XIX. do 4. feculo : he na Igreja
tao antigo,, como amefma Igreja. Em virtude deís
ta Ordern , e por attençao aos Sagrados minifte-
rios do Altar , ficao os Clérigos inhabilitados nao.'
ío para contrahir Matrimonio depois das Ordens-v
mas taobem para uzarem das mulheres , corn; as,
quaes o tiveífem contrahido legitimamente antes das.
Ordens. A queftao entre os Theologos he , fe a
Ordern dirime o Matrimonio ex и/ da Ley da Igre
ja , que affim o inítituhio ; ou ex vi do Voto da
* caíbdade annexo á Ordern. O Concilio de Tren
te , deixando intacla a queftaÖ dos Theologos , fó
definió na Seííao XXIV. Canon o. que pelas Or
dens Sacras fe dirimia o Matrimonio. Seja porque
titu/o for , he innegavel , que quando por toda a
Igreja eftava em vigor o Canon 27. dos Apolló
los , que ib aos Clérigos de Ordens Menores per- ¿^f
mittia o cazar depois de Clérigos : ordenarao os
Bifpos do Concilio de Ancyra na Galacia pelo Ca
non 10. que fe os Diáconos ao tomar das Ordens
fignificaílem ao Bifpo , que nao podiao viver fol-
teiros y Ihes foífe licito exercitar as fuas Ordens y
ainda que depois cazaíTem. Se tomando porém as;
Ordens fe calafTem,* e depois contrahifíem Matriz
■. , monio,
64 Tentativa Theologíca

monio , ordenarao que fícaíTem fufpenfos do Día-


Collecçao ¿e conado. Diaconi quicumque orâhmntur , fi in ipfa
Juítdlo pag. ordinatione protefiati funt & dixcrunt , oportere Je
37' uxores ducere , cùm non poßint fie manere : hi ,fi pofl-
modum uxores duxerint , fint in minifierio , eo quod
eis Epifcopits hoc concederit. Sí qui autant acuerint ,
pofiea ad nuptias venerint, ii à diaconat и cejfent.
Ou ifto foíTe difpenfar no Voto da continencia dos
Clérigos, ou difpenfar na Ley Ecclefiaftica , que
os obrigava a ella : he certo que foi difpenfar 011
relaxar huma Ley geralmente recebida, eque to
dos os Theologos e ainda Santos Padres deduzem
dos Aportólos. He de advertir , que os Cañones
de Ancyra conílituhiao huma parte confideravel do
Código , por onde no quinto feculo fe governa-
vao as Igrejas do Oriente. Donde fe fegue , que
quando no Occidente pelas Decretaes de Siricio , e
Innocencio I. pelos Cañones de Africa , Hefpanha ,
e França , viviao os Clérigos de Ordens Sacras
obrigados ao celibato fob pena de depofiçao : en-
tao mefmo podiao os Diáconos do Oriente pelos
Cañones de Ancyra cazar depois de ordenados , fi-
cando fempre no feu miniíterio.
No feculo feptimo eftabelecerao os Bifpos
do Concilio de Trullo em Conftantinopla , que
Tom.VIi. do? paíTavao de 200. no Canon 13. que as Ordens
\\4i. ' p3ß ^e Presbytero, Diácono, e Subdiacono, nao fof-
fem impedimento nos Clérigos para uzarem do Ma
trimonio contrahido dantes. Hominum qui funt in
Sacris
Parte I. Principio III. 6f

Sacris legitima conjugia deinceps quoque firma à*


ßabilia effe volumus , nequáquam corum cum uxori'
bus conjunflionem disolventes , vel eos mutua tem
pore convenient i confuetudine privantes.
VII. Por eile Canon fe governao ainda bo
je os Gregos , паб ío cifmaticos , mas catholicos.
He cerco que a Igreja Occidental nunca o admit-
tio : mas fempre delle fe prova o grande poder dos
Biípos na materia de impedimentos e irregularida
des. Accrefce a ifto , que ainda que no Occidente
ao menos do quarto feculo por diante efteve em
feu vigor a Ley da continencia dos Sacerdotes e
Diáconos , ainda quando егаб cazados : com tudo
he tambem innegavel , que neftes meímos tempos
remittiao os Bifpos de algumas Provincias o rigor
dos Cañones , mitigando talvez äs mefmas Confti-
tuiçoens Pontificias , e difpenfando ou tolerando
que os Presbyteros e Diáconos uzafíem do Matri
monio fem perderem os feus graos. Pela Decretal Ibid. pag. 199.
de Siricio dirigida por Himevio de Tarragona a to
dos os Bifpos de França , e Hefpanha , no cap. 7.
della impoem o Papa pena de depofiçao a todos os
Sacerdotes e Diáconos , que depois de ordenados
uzaííem de fuas mulheres , de forte que nao pofTao
exercitar na Igreja funçao alguma Clerical. ivV-MeNo pag,
verint fe ab omni Ecclefiaßico honore dejeclos , пес l9z-

umquam pojje divina attreSlare myßeria , &c. A


meima Ley renovou poucos annos depois Innocen-
cio I. na Epiitola a Exuperio de Tolofa Cap. I.
E Com
<S5 Tentativa Theologíca

Tom. III. dos Com tudo os Padres do Concilio L de Toledo no


Concilios de 0 .QO mitigando em parte a Conftituiçao
Hefpanha p. . . T Г *
ai. de bincio , ordenarao no Canon 1. que os rresby-
teros e Diáconos reos de incontinencia , nao tiveí-
fem outra pena que a de ficarem irregulares para
os gráos Superiores : Placuit ut Diacones , fiqui in-
commenter cum uxoribus vixerint , Presbyterii ho
nore non cumuJentur. Siquis vero ex Presbyteris fi
lfas fufceperit , de Presbiterio ad Epifcopatum non
Concilios de admittatur. Os Padres do Concilio I. de Orange
Franca p.70. no anno 44 1, mitigando as penas impoftas por.ln-
nocencio, ordenarao no Canon 24, o mefmo que
os de Toledo , remetiendo- fe já ao Decreto do Con
cilio de Tur im : De bis qui prius ordinati in hoc
tpfum incidertint , Taurinatis Synodi fequendam ejfe
jententiam, quajubentur non ulterius promoveri.
Os do Concilio I. de Turs no anno de 46г.1
Ibid.pag.124. no Canon 2. fallando da mefma materia , clara
mente dizem que difpenfao no rigor das Leys por
eftas palavras : Licet a Patribus nofiris emiffa au-
cloritate id fuerit conflitutum , ut quicumque Sacer-
dos ve/ Levita filiorum procreationi operam dare
fuiffet conviSius , a commun'tone Dominica abfiinere-
tur : nos tarnen buk dißriciioni moderat ionem adhi-
bentes , & jußam Confiitutionem mollientes , id de-
crevimus ; ut Sacerdos vel Levita conjugali concu-
pifcentia inharens ad altiorem gradum non afeendat.
Du pin De La Sufficiat his tant um , ut a communione non effician-
Vcußaß.cemg}ur dienu Já Luis Dupin nas Provas da Declara
Parte I. Principio III. 67

çaô do Clero de França ad vertió , que eile Canon


do Concilio de Turs apporte une modification aux
Décrets des Papes Sirice & Innocente I. touchant
le Célibat des Pêtres & des Diacres. E a mefma
involvem os outros que taóbem referimos de Fran
ça e de Hefpanha , que fó prohibem a eftes trans-
greíTores do celibato o ferem promovidos a outra
Ordern íuperior. He de faber , que por efles tem
pos coftumavao os que fe haviao de ordenar de
Presby teros ou Diáconos , fazer voto folemne em
preiença dos Bifpos , de que guardariaô continen
cia ainda corn as mulheres com que de antes vi-
viao cazados. Confia do mefmo Concilio I. de
Orange no Canon 23. e do fegundo de Arles no
anno de 452. Canon 2. como já obfervou Natal
A/exandre na DiiTertaçao ácima referida. E nao
obftante o voto e a ley , permittiao os Bifpos ,
que perfeveralfem no exercicio das fuas Ordens os
Presbyteros e Diáconos , ainda que conftafle uza-
vao de fuas mulheres : difpenfando affim ou tole
rando por economía a quebra do celibato ; quando
nao queiramos dizer , que difpenfavao no voto.
VIII. PaíTemos aos impedimentos de Con-
fanguinidade e Jíffinidade. Já Chriftiano Lupo e
Joao Gerbais advertirao , que ainda no feculo XII.
erao difficuItoziíTimas de impetrar da Se' Apoftoli-
ca eftas difpenfas. E Thomaffino teftifica , que
Martinho V. nos principios do feculo XV. fora o
primeiro que difpenfara para hum Conde Sobera-
E ii no
68 Tentativa Theologica

no cazar com a irmaa de fuá primeira mulher. Com


tudo do feu tempo efcreve S Agoftinho no Livro
XV'. da Cidade de Deos cap. 16. que vifto nao p;o~
hibirem as Leys Civís os Matrimonios dos primos
com fuas primas , algumas vezes aínda que raras
Tom. VIL p. permittiao os Bifpos taobem eftas allianças. Exper-
39 ' // fumus in connubiis canfobrinorum etiam nofiris
temporibus , propter gradiîm propinquitatis fraterno
gradui proximum , quam raro per mores fiebat ,
quod fieri per leges licebat : quia id пес divina pro
hibait , à* nondum prohibuerat lex humana.
Prohibió o Imperador Theodofio eftes ca-
zamentos por huma Ley que nao exifte , mas dél
ia fazem mençao S. Ambroíio na Epiftola 6o. e
Caffiodoro no Livro VII. das Varias , cap. 46. e
a efta allude aqui S. Agoftinho. Morto Theodo-
íío no anno de 395". abrogou feu filho Arcadio
aquella Ley , levantando a prohibiçao de cazarem
entre fi os primos. Confta da famoza Ley Cele-
brandis y 19. C. de Nuptiis. Faleceo Arcadio pe
los annos de Chrifto 408. e he igualmente certo
que alguns annos depois he que S. Agoftinho el-
crevia o Livro XV. da Cidade de Deos. E comtu-
do hum pouco mais adiante attefta o Santo , que
quando efcrevia , nao permittia a Igreja já os Ma
trimonios entre primos. Quis dubitet honeßius hoc
tempore etiam confobrinorum ejfe probibita conjugia ?
Donde eu infíro , que no Foro Ecclefiaftico nao ad-
mittiao já entaó os Biípos a Ley Civil de Arca
Parte I. Principio IIL 69

dio, antes punhaô impedimento aos Matrimonios


dos primos : ou porque julgavaô que os паб com-
prehendia a Ley de hum Imperador que ío o era
do Oriente : ou porque antepunhaô a decencia dos
Sacramentos a qualquer permifíaó das Leys Civîs.
X. Duas coufas pois fe tiraö do referido
lugar de S. Agoftinho. Primeira : que antes das
Leys Civís inhabilitarem para cazar huns com ou-
tros os primos , permittiaô os Bifpos de Africa e£
tes cazamentos : mas depois que o Grande Theo-
dofio irritou pela fuá Ley o Matrimonio dos pri
mos , taobem os Bifpos de Africa os irritaraô ,
nao fazendo cazo da Ley poíterior de Arcadio,
que como Imperador fó do Oriente nao podia obri-
gar os Occidentaes , em que entravaô os Africa
nos. Segunda : terem taobem os Principes Secula
res autoridade para eftabelecerem impedimentos
aínda dirimentes do Matrimonio : como taobem dá
a entender o outro lugar de S. Ambroíío na Car- ;
ta a Paterno: e no feculo IX. o reconheceo o Pa- Toe». IX. do
pa Nicolao I. na fuá Reporta ás perguntas dos de Jíjf "
Bulgaria no cap. 39. Daqui vem, queaflim como
punhaô impedimentos aos Matrimonios dos paren-
tes , aílim taobem difpenfavao algumas vezes nertes
impedimentos os melmos Principes , fern que a • .7
Igreja já mais Ihes difputaíTe eile poder. He cele
bre nefte genero a Formula , com que Theodori-
co Rey dos Godos da Italia no íexto feculo con- -
cede a hum feu vaflallo licença para poder con-.
Ë iii trahir
7o Tentativa Theologica

Caflbdoro trahir com huma fuá prima. Defcreve-a toda por


Tom. I. pap. extenfo feu Confelheiro o famozo Caífiodoro no
de^ujS.6 Livro VIL das Farias, cap. 46. He taobem cele
bre a Ley de Recatedo Rey dos Godos de Hef*
panha no feprimo feculo , que anda no Corpo das
Ediçao de Leys dos Wífigodos Livro III. Tit. V. Cap. I.
Linlcnbrog.^ ¿a ecj,ça5 ¿q Lindenbrogio , que he a de que uzo.
1613. ГаПС O mefmo fe colhe das muitas Leys que deftas ma

terias fe achao no Código de Theodoíio e no de


Juftiniano : e ainda hoje fe confervao os Reys de
França na poíTe de annullarem todos os Matrimo
nios dos Principes de fangue , que cazaren» fem
confentimento e approvaçao de feus Soberanos :
como com effeito praticou no anno de 1635. El-
Rey Luiz XIII. com feu irmao Gaftao Duque de
Orleans e de Chartres , que fem licença delRey
fe tinha recebido com a Piinceza Margarida de
Launoy T. T. Lorena. Confuhado na materia о Corpo dos Bis-
P. II. p. 818. p0S e Theologos na AíTemblea Gérai que no mef

mo anno fe fez em Pariz , refolverao todos que ,


fuppofto o coftume do Rey no, podia Sua Magef-
tade uzar do ieu Real Poder contra aquelle Ma
trimonio : e affim fe executou , declarando-o ElRey
nullo e de nenhum vigor.
S. Thomaz X. Com os Theologos de França concordao
Tom.vil.fol. nas outras Naçoens os mais abalizados , feguindo
Toai.íx.rp.ri! toc^os ao Doutor Angélico tanto no IV. das Sen-

íbJ.514. verfl tengas , Dift. XXXIV. Queft. unicay art. I. como


na Summa Contra Gentes , Livro IV. cap. 78. aon-
• ■ * de
Parte I. Principio III. 71

de о S. Doutor adverte , que aífim como em quan-


to Sacramento eftá o Matrimonio fujeito ás Leys
da ígreja ; aílim em quanto contracto Natural e
Civil eílá fujeito ás Leys do Principe Secular. A
feu Meftre feguem com outros os quatro famozos
Dominicanos , ( todos Theologos do Concilio de
Trento ) Ambrollo Catherino , depois Arcebifpo de
Compfa , na Queftao de Clandeßinis Matrimonii!
impreíla em Roma no anno de 1552. Jacques Na-
clanto , Bifpo de Chiozza , no Tratado XVI. que
he de Irritandis Clandeßinis Conjugiis : Domingos
Soto no IV. das Sentenças , Dilt. XL. Queft. úni
ca , art. 5. Pedro Soto no Tratado de Matrimo*
nio , Liçao IV. Todos eníinao , que quando Chrií-
to Senhor NoíTo elevou a Sacramento o Matrimo-
. " nio, nada innovou fobre a fuá materia, que he o
contraclo Natural e Civil : e que aflim como pe*
lo refpeito , que efte contracto diz ao Sacramento ,
pode a Igreja por ao Matrimonio varios impedi
mentos dirimentes: afllm pe!o refpeito , que o mef-
mo contracto diz ao Bern publico da Sociedade Ci
vil , pode o Principe Secular por taöbem certos im
pedimentos que o annullem. Sao notaveis as pala-
vras com que Pedro Soto conclue o feu Difcurfo.
Non debent ( diz efte fapiemiffimo Thomifta , Con-
fe lio г do Imperador Carlos V. e Theologo do Papa
Pió IV. no Concilio de Trento ) Prœhti Eccle-
ßa grávate fufcipere , fi qtiod tcmporali pact vide-
rittt tiecejfarium , faculares Principes ßatuanU Nec
72 Tentativa Theologica

efl cur tills fe opponant , fed permittant potius Ma-


trimonium legibus bumanis ordinandum , cum offi
cium humanum fit : & addant poßea ipfi , fi vide»
bitur , quod adbonum religionis pertinet : quam-
quam civiles leges in bis omnibus ex pietate certe à*
volúntate Principum facile cefierint Ecclefia , ut jam
nullum cenfeatur Matrimonium illegitimum , quod
Ecclefia taie non judicat. Pa fiemos adiante.
XI. No Livro V. da Hiftoria de França

defta difpenfa o argüirá depois ElRey Chilperico


como violador dos Cañones dizendo : Quid tibi
vifum eft , ó Epifcope , ut inimicum meum Merove-
cbum cum amitâ fuá , idéfi , cum patrиi fui uxore
conjungeres ? An ignarus eras , quœ pro bac caufd
сапонитflatuta fanxiffettt ? Nao era Pretexta to hö
rnern taô leve ? que difpenfaííe nefta affinidade , fe
tiveíTe por inauditas femelhantes difpenfas , ou fe
juIgaíTe que nem ainda hum Metropolitano era
Juiz competente délias. O fer Meroveco hum Prin
cipe , e Principe inimigo do Rey ; foi talvez a
caufa porque Chilperico afeou tanto efta difpenfa
oü relaxaçao dos Cañones , que Pretextato паб po
dia ignorar.
Os Padres do Concilio de Agde eo*
Fraa
Parte I. Principio Ш. 75

França , que егаб 34. de diverfas Provincias , ^no,


anno 5*эб. eftabeleceraô affim о Canon 61. De Tom. I. do*
inceßis coniunSlionibus nihil prorfus venia reCerva- Concilios de

mus, nificum adulterium feparationefanaverint. In-


ceßos vero nulle conjugii nomine deputandos , hos efie
cenjemus. Siquis reit clam fratris , qua pane priufi
foror extiterat , carnali conjunSlione polluerit : fi
quisfrater germanam uxoris acceperit : fiquis novcr-
cam duxerit : fiquis confobrhia fi fociaverit : fiquis
reliSla vel filia avunculi mifceatur : aut patrui fi
lia , vel privigna fua : aut qui ex propria conjan-
guinitate aliquam , aut quam confanguineus habuit ,
concubitu polluerit aut duxerit uxorem. Quos omnes
& olim, atque fub bac confiitutione incefios efie non
dubitamus , & inter catecbumenos и(que ad legiti-
triam fatisfatlionem manere é° orare pracipimus.
Quod ita prafenti tempore probibemus , ut ea qua
funt haSlenus infiituta non diffolvamus. Sanè qиibus
conjunBio illicita interdicitur , babebunt ineundi me-
iioris conjugii libértateme Querem dizer os Padres
de Agde : que dao por verdadeiros inxéftos , como
ja de antes eraö , os cazamentos com cunhadas ,
com madraftas , com primas e tias por confangut-
nidade ou amnidade , e com quaesquer parentes.
Que como inceftuofos mandaô feparar , e fazer pe
nitencia entre os Catechumenos , aos que dahi por
diante tomarem femelhantes allranças. Masadver-
tem , que nao diílolvem nem annullao os cazamen
tos que prezentemente fe achavao feitos em graos
-. . . probi-
74 Tentativa Theologica

prohibidos: antes daô faculdade aos confortes ou


para fe confervarem no primeito contrajo , ou pa
ra contrahirem de novo com peflbas que nao fejao
parentes. A multidaö e frequencia dos cazamentos
em grao prohibido , que entao havia em França ,
deotalvez occafiao a eíta economía dos Padres de
Agde, que bem moftrarao nella o grande poder e
jurisdicçao que ainda no fexto feculo exercitavao
os Bifpos.
Os Padres do Concilio de Epaon taobem
em França , celebrado no anno 517. no Canon 30.
renovao quafi pelas mefnas palavras o Canon de
Tom. T. dos Agde contra os que cazavao em graos prohibidos.
Concilios de jyjas compadecidos ¿os muitos , que até alli tinhao
rancap.19 . contrajo com primas e cunhadas; difpenfao nos

mefmos termos corn os taes defpofados , para podew


rem ou confervar as mulheres parentas , ou cazar
de novo corn outras nao parentas. Quod ut a pra-
fent'i tempore probibemus , ita ea qua funt anter'tus
inßituta non folvimus. Sane quibus conjunSlio illici-
ta interdicitur , babebunt ineundi melioris conjugii
¿Jbertatem. Erao 25. os Bifpos nefte Concilio , e
de diverfas Provincias.
Que o fentido daquellas palavras do Conci
lio de Agde , ut ea qua funt baSlenus inßituta non
dijfolvamus : e o das outras do Concilio de Epaon ,
ita ea qua funt anter'tus inßituta non folvimus : feja
o fentido que démos a elles dois Cañones : pare-
ce-me f¿r ponto, que nao deve admittir a menor
duvi-
Parte I. Principio III. 75

diivida. Porque attendido todo о feu contexto , dois


faó únicamente os fentidos grammaticaes , que fe
podem excogitar deftes Cañones. Primeiro : enten
der aquelle qua funt haSlenus ou ant ertus hißituta ,
dos Decretos anteriores aos ditos Cañones, quepro-
hibiao ja de mais tempo os cazamenios com parentas.
De forte que a mente dos Padres de Agde e de
Epaon feja dizer, que elles de tal forte prohibem
agora eíles cazamentos , que nao he fuá tençao
abrogar o que íobre a mefma materia tinhaojá or
denado outros Concilios. Mas cite fentido he to
talmente inveroíimel e inepto : á huma porque os
Padres de Agde pouco antes tinhao advertido , que
os cazamentos com parentas já por outros Caño
nes mais amigos eftavao prohibidos como inceftuo-
. zos : jQuos отпет ET OLIM , atque fob hac con-
ßitutione ince/îos efje non dubïtamus : á outra por
que delies prohibirem agora os tacs cazamentos ,
ninguem podia prezumir nem julgar prudentemen
te , que abrogavaô com iílo os Cañones que já an
tes prohibiao os mefmos cazamentos. Por fer evi
dente, que huma Ley que prohibe taes e taesalli-
anças , nao diíTolve , antes confirma e ratifica as
outras Leys , que já antecedentemente as tiveífem
prohibido. Daqui fe fegue , que as palavras dos
dois Cañones de Agde e de Epaon , fó podem e
devem ter o fegundo fentido , que he o quedemos
no principio: ifío he, que elles de tal forte prohi
bem naquelle prefente tempo , ou ( como fe explicao
os
л

76 Tentativa Theoldgica

os de Epaon ) daquelle prefente tempo por diante ,*


os cazamentos entre parentes : que nao he fuá ten-
çao defmancharem ou annullarem , os que por en-
taó fe acharvao feitos. O que fe confirma claramen
te nao lo dos verbos folvere e diffolvere , de que
uzao os Padres , e que mais propriamente fe refe-
rem aos Matrimonios , que ás Leys : mas taóbem
pela clauzula com que ambos os Cañones асаЬаб :
Sane quibus conjunStio illicita interdicitur , habebunt
ineundi melioris cotijugii libertatem. A qual os Pa
dres fem duvida puzeraó , para que aquelles com
quem elles difpenfavaô nao entendeflem , que
vifto difpenfarfe com elles nos cazamentos já feitos
em gráo prohibido , nao Ihes ficava liberdade de
os diílolverem , cazando fegunda vez com mulheres
que nao foil'em patentas.
Tambem creio que a ninguem fará duvida,
ver aos Padres deftes Concilios difpenfar nos graos
prohibidos por Déos no Cap. XVIII. do Leviri-
co » aonde expreííamente fe défende aos Judeos o
cazarem commadraftas, cunhadas, enteadas , &c.
Porque já com outros Theologos advertio o Car-
deal Clemente Moniliano , Theologo doutiflimo.
da Sagrada Ordern dos Menores , referido por
^apai{Toa"' Launoy : que efta Ley do Levitico com as mais
735-. Ра^' Яие promulgou Moyfés , ricára abrogada na Ley

da Graça em tudo o que nao he de Direito natu


ral : e que por iffo fora conveniente que a Igreja
eos Principes Seculares a adoptaíTem de novo a
; . favor
Parte I. Principio III. 77

favor do Matrimonio , para os Fiéis nao poderem


contrahir com parentas naquelles graos. He logo
certo , que em difpenfarem nos graos prohibidos
no Levitico tanto nao violarao os Padres de Agde
e de Epaon o Direito divino : como o nao violao
hoje os Romanos Pontifices , quando diípenfao pa
ra cazar cunhados com cunhadas , ou tios com ío-
brinhas.
Mas o que a refpeito dos Cañones de Agde
e de Epaon nos tira toda a duvida , e he na pre-
fente materia o mais illuftre exemplo que fe podia
excogitar : he o que no III. Concilio de Orleans
determinao os 25. Bifpos , que nelle aífiftirao. No
Canon 10. renovao fobre os impedimentos de affi-
nidade e confanguinidade o mefmo que fe achava
já eftabelecido pelos Cañones de Agde e de Epaon.
Mas uzando ao mefmo tempo da autoridade que
Chrifto lhes dera , difpenfao corn dois géneros de
pe (Toas , para fe poderem conferva r cazados com
madraftas , cunhadas , tias , e primas. Os fujeitos
da difpenfa fao os que tiveflem cazado com paren-
tas íendo baptizados defrefco: eos que muitos an-
nos depois de batizados , ignoraíTem a prohibiçao
dos Cañones. De inceßis conjunSíionibus ha qua Tom. I. dos
funt ßatuta ferventиг , ut bis qui aut modo ad ba- F^anjapaij!
ptifimm veniunt , aut quibus patrum ßatuta in noti
fiant antea non venerunt , ita pro novitate conver-
fionis ac fidei fuœ credidimus confulendum , ut con-
fraBa bucusque bujusmodi conjugia non fohantur ;
fid
_%
7& Tentativa Theologica

fed in futurum quod de inceßis conjunSíionibus in


anterioribus canonibus interdiSlum eß , obßrvetur.
Nao fe pode dezejar mais íbbre o grande po
der dos Bifpos. Elles punhao os impedimentos : el
les difpenfavao nelles : ainda que fofle para fe con-
fervarem cazados com madraftas , enceadas , cu-
nhadas , e tias por affinidade : que forao fempre
as allianças mais vedadas até pelas Leys Civís.
XIII. Mas ainda nao acabao os exemplos
defta autoridade dos Bifpos. No anno de 805. fe
celebrou em Alemanha por 22. Prelados o Con
cilio de Triburia. No Canon 41. difpenfao eftes
Padres para que hum irmao poíía cazar com fuá
cunhada , que tinha adulterado com elle fendo vi
vo feu primeiro marido , irmao deíle fegundo : com
tanto que tiveíTem feito penitencia do feu pecca-
Tom.. XI. dos ¿0m Epifcopus confideratâ mentis eorum imbecil/ita-
one . pag. Jg ^ pœn'ttenttam faa inßitutione peraSlam , fi

fe continere non pojfmt , legitimo confoletur Matri


monio.
Se ouvimos a Thomaffino na Segunda Parte ,
Livro III. cap. 27. num. 5. e cap. 29. num. 10.
ainda no feculo XI. confervavao os Bifpos efta
poífe de difpenfar. Pelo menos da Carta 34. de
Hildeberto Bifpo de Mans fabemos, que nefte fe*
culo difpenfaraÖ os Bifpos de França da Provincia
de Turs , e que difpenfaraÖ por eferito , para ca
zar huma filha de Gauterio de Meduana com o
Conde de Mortonio feu confanguineo em grao mui
г

Parte I. Principio III. 79

to proximo e prohibido : efperando que por meio


defta alliança ceflaííem as difcordias que entre am
bos havia. Addidït prœterea Gauterius , vos ve- Tom.xxi.da
ßrosque Provinciales ei confirmaffe fcripto , compen- pp^pí" ,d°s

did pads & quietis tolerandum confanguinitatis pia- ' 3


culum. Nao quiz confentir da fua parte Hildeber-
to : nao por nao poder , mas pelo rigor que ainda
naqueiles tempos obfervavao os Prelados mais ze-
lozos da Difciplina.
XIV. Demonftrada com tantos faélos e ex
emptas a authoridade dos Bifpos em ordern a pode-
rem difpenfar nos impedimentos do Matrimonio , e
em quaesquer outras Leys Canónicas , quando eíta,
faculdade lhes nao for tirada exprelfamente poral-
guma Ley ou Refervaçaô legitima em contrario;
refta agora refponder a dois argumentos , em que
Profpero Fagnano faz grande força , como quem
eftava tao preoccupado das ideas da Curia , e fó
por ellas queria regular o poder dos Bifpos. O pri-
meiro he tirado da Cap. Dileclus , 15. De Tem-^Sna™.£°

poribus Ordinationum : aonde o Papa Honorio III. j)e Taitporl


caftiga com pena de fufpenjà# a certo Bifpo , que Ordin,
tinha conferido no mefmp día todas as tres Ordens
Sacras a hum Conego. E a razao que dá o Papa
he : Cum Uli bujusmodi difpenfatio a Canone mini
me ßt permita. Donde Fagnano tira a Regra ge-
ral , que nao pode o Bifpo difpenfar ñas Leys do
Superior , fenaô quando efte expreííamente Iho per
mitte ñas mefmas Leys.
XV.
8ó ^Tentativa Theologicá

« XV. Primeiramente já advertio Gibert , qué


o Cap. DileSlus de Honorio III. era pofterior e
mais moderno que o Cap. Innotuit , 3. De eo qui
furtive ordinem fufcepit , de Celeftino III. e que
о Cap. Litteras , 13. De temporib. Ordinate de
Innocencio III. dos quaes confta , que já do tem
po dos PredeceíTores de Honorio eftava refervado
á Sé Apoílolica efte genero de difpenfas. E que
affim o dizer Honorio , Cum. Uli hujusmodi difpen-
fatio à Canone minime ßt permijfa : nao foi dizer ,
que para o Bifpo difpenfar no Canon , era abíolu-
tamente neceíTario que o Canon por termos ex-
preflos lho permittiíTe. Mas foi dizer, que huma
vez fer aquelie cazo já refervado por feus Prede
ceíTores , nao podia nelle difpenfar já o Bifpo. De
forte que aquelie Cum á Canone minime ßt permiß-
ßa, he como fe diíTeíTe o Papa , Cùm a Canone fit
vetita. Em fegundo lugar : feja efte dito de Hono
rio muito embora hum Axioma irrefragavei para
Fagnano , que como puro Canonifta , e Canonifta
da Curia , coftuma com os mais Ultramontanos al
legar e feguir como Regras inalteraveis quaesquer
paífagens das Decretaes. Nao affim para os Theo-
îogos que fabem conhecer , que do que fe acha ñas
Decretaes , fó he Regra infallivel o que fe achar
fundado ñas Efcrituras ou na Tradiçao. E deftes
termos eftá muito longe o Axioma de Honorio ,
tomado no fentido que quer Fagnano. Quanto mais,
que já o grande Cano advertio , que ñas Decre
taes
Parte I. Principio III. 8i

taês do Papa : Aliud eß intentio concJußoque Deere- Cano de Lo


ti , aliud ratio & caufa. jjb T^h^ ]
XVI. O fegundo argumento tem mais appa- e/peg. 202,a.P*

rencia , mas fó apparencia , ainda que he o Aquil-


les dos Contrarios. E vem a fer: que o difpenfar
o Bifpo nas Leys do Papa ou do Concilio Gérai,
feria conítituirfe Superior ao Papa e ao Concilio
Gérai : o que fe nao pode admittir entre Catholi-
cos. Mas já advertirao taobem os noffos , que o
difpenfar o Bifpo nas Leys Conciliares ou Pontifi
cias , nao he fazerfe Superior aos Concilios ou ao
Papa; mas fim interpretar as Leys dos Superiores,
fegundo o pede a neceílidade ou utilidade dos fub-
ditos. Porque como enfinao as Efcrituras e os San
tos Padres, abafe e fundamento de todas as Leys
Ecclefiafticas he a Ley divina da caridade com os
próximos : contra a qual nao pode haver Ley al-
guma jufta ou obligatoria : antes a ella devem fer-
vir e devem ceder todas as Leys humanas , ou fe-
jaô do Papa , ou fejao dos Concilios. Que he o
que diz o Apoftolo a Timotheo : Finis pracepti
eß caritas. E S. Agoftinho no Livro de PerfeSlio-
ne jußitia y cap. 5. Generalis prohibitio eß , Non
■ concupifees : generalis jußto, Diliges. E S. Bernar
do no Livro de Pracepto & Difpenfatione , cap.
1. Si contraria caritati forte aliquando vifafuerint,
bis dumtaxat quibus hoc poje videre datum eß , etiam
providere creditum eß. Nonne jußißimum effe liquet ,
ut qua pro caritate inventa funt > pro caritate quo-
F que
82 Tentativa Theologicá

que ubi expediré videbitur , vel omití antur , vel in~


termittantur , vel in aliud convenientius demuten-
tur ? Teneant ergo fixam firmamque immobilitatem ,
etiam apud Prälatos : fed quatenus caritat i defer-
viunt.
Como o acudir á grave necefíidade dos pró
ximos he preceito máximo , univerfal , e inviola-
vel : fegue-fe , que todas as vezes que inflar efta
neceflidade , devem quaesquer Leys ou Conftiíui-
çoens humanas ceder á Ley fuprema da caridade :
e que todas eíTas Leys humanas para ferem juilas
e obligatorias , devem levar fempre embebida em íi
a excepçao da neceífidade ou utilidade publica dos
fubditos : de forte que inflando eíTa neceífidade ou
utilidade , céfla por Direito natural e divino toda
a obrigaçao e força das mefmas Leys humanas.
Que poriflb o Papa Alexandre III. no Cap. Сит
Чепеатиг , De Prabendis'', permkte aos Bifpos que
nao executem os Refcriptos da Sé Apoflolica, quan
go da fuá execuçao fe temem efcandalos ou ruina
efpintual dos próximos. Si non poteft ei fine [cánda
lo provideri , ¿equanimiter fuflinemus , fi pro eo man-
datum noftrum non duxeris exequetidum. Sobre o
que fao dignos de fe lerem Covarruvias na Re»
gra Peccatttm , P. í. n-um. 7. e Pedro da Marca no
Livro III. de Concordia cap. XV. num. 8.
Mas como he razao , que defta defobriga-
çao nao fejao todos Juizes ; mas fó aquelles , que
Cbrifto -deo i fuá Igreja por Paftores : Геи do o
Papa
Parte I. Principio III. Ц

Papa e os Bifpos ( como na verdade fao ) por Di-


reito divino os legitimos Paitares da Igreja : ao Pa
pa e aos Bifpos he que por Direito divino compe
te o pezar a neceiîîdade dos fubditos , e declarar
a defobrigaçaô das Leys por meio da difpenfa. Nao
porque difpenfando vá o Papa contra a Ley dos
Concilios Geraes , ou os Bifpos contra a Ley do
Papa , como Superiores da Ley : mas fim intrepre-
tando as mefmas Leys fegundo a occurrencia e qua-
lidade dos cazos : o que pode muito bem eftar com
a rezao de inferiores. Porque como enfina o Papa
S. Symmaco efcrevendo a Avito Arcebifpo de Vien
na : Quod fit prater regulam , modo fit ex jufia Spicileg. de i
сaufa , поп infirmgit regulam , quam fióla pertinacia {¡J^g
& antiquitatis contemptus lœdit. Claramente fe vêda nova edi-
efta doutrina , quando o Summo Pontifice difpen- ?a°-
fa por exemplo nos votos ou nos juramentos , que
fao íem controverfia materia de Direito divino :
ñas quaes difpenfas todos os Theologos e Cano- ^°™r™Jxz%
ñiflas de algum nome concordao , que o Papa as „¡0t рд/^р"
nao faz como Superior ou Senhor do Direito divi- IV. §. 9. com
no : ( que eíTe privilegio fó o concedem ao Papa al- ?* TíomoV
■ г- л i 1 1 Angelo, Syl-
guns antigos Canoniítas , de quem nennum hörnern veftre Cathe-
prudente e fabio faz cazo ) mas fim como Inter- riño, Almain,
prête deiïe mefmo Direito divino , declarando que c*

em taes e taes circumftancias nao obriga.


XVII. Com outro exemplo podemos mos
trar , como nao he o mefmo difpenfa r na Ley , que
moftrarfe Superior da Ley. Segundo a Definiçao
- • F ii de
84 Tentativa Theologica

de dois Concilios Geraes , que forao o de Conftan-


ça na Seiïao V. e o de Bafilea na Sefíaó IL a
quem feguem com toda a Igreja de França as Uni-
verfidades de Pariz , de Colonia , de Ei ford , de
Vienna , de Cracovia : os finco Cardiaes Pedro de
Ailly Fiancez , Francifco Zabarella e Nicolao Tu-
defco Italianos , Nicoláo de Cufa Alemaö , e Ha-
driano Florencio Flamengo : o Bifpo de Avila Af-
fonfo Toftado , e outros muitos Doutores que al
legaremos adiante no Principio V. he o Summo
Pontífice por Direito divino inferior ao Concilio
Geral , que reprefenta toda a Igreja Catholica : e
como inferior , efU fogeito ás Leys do mefmo Con
cilio. O que nao obftante , todos efíes Doutores
com o Concilio de Bafilea e Igreja Gallicana con-
feflao e admittem , poder o Papa difpenfar nos
Cañones e Decretos de Difciplina dos Concilios
Geraes , todas as vézes que aííim o pedir a neces-
íidade ou utilidade dos Fiéis por toda a Igreja. Nao
porque o Papa feja Superior aos Concilios : ( por
que todos o fuppoem inferior a elles ) mas por
que os mefmos Concilios tácitamente Ihe dao efta
permifíao , como a Principe da Igreja : e taobem
porque, fendo na Igreja neceflarias as difpenfas ,
e nao fendo fácil ter fempre prompto o Recurfo
aos Concilios Geraes , que raras vezes e fempre
difficultozamente fe celebrao : era raza6 , que no
Papa tiveíTem os Fiéis hum Difpenfeiro perpetuo
e Supremo , que como Interprete dos Cañones pu-
deífe
Parte I. Principio III: 8f

deíTe mitigar ( fegundo as occafioens pediflem ) o


rigor dos mefmos Cañones. Os Padres de Bafilea
na Synodica do anno de fallando do Papa:
Per Concilium autem ßatuta in millo derogant fuá Tom. XVII.
pot eß at i , quin pro tempore , loco , caußsque & per- dos Concil.
fonts , uttinate vel neceßttatefuadente , moderari dis- pag* 4 4*

penfareque poffit , atque uti Summt Principis epikeia ,


qua ab eo außerri nequit. Joao Gerfon no Tratado
de Poteßate Eccleßaßica , Confid. X. Intelligitur
Papalis auSloritatis exceptio faFla , prout occurretis
necejßtas vel evidens utilitas poßulat , ubi pro tunc
recur/us ad Generale Concilium non patet. Veja-fe
taobem Almain no Cap. XII. fobre as Decizoens
de Ockam : Natal Alexandre na Hiftor. do feculo
XV. e XVI. Diííert. VIII. Art. IV. num. 16. о
IJJuíiriífimo BoíTuet na Defenfa da Declaraçaô de
Franca , Liv. XI. cap. 16. e Dupin na Obra do
mefmo aflumpto pag. 660. em 8. O que fe diz do
Papa arefpeito dos Concilios Geraes , pode á pro-
porçao dizerfe dos Bifpos a refpeito do Papa. Que
aflím como o Papa pode difpenfar por caufa grave
nos Decretos do Concilio Geral , íem que dahi fe
ííga fer o Papa Superior ao Concilio Geral ; aílim
taobem o Bifpo pela mefma caufa pode difpenfar
ñas Leys do Papa , fern que por iífo fe moftre Su*
perior ao Papa. Porque o que o Papa he a refpei
to de toda a Igreja , he o Bifpo a refpeito da íua
Diocefe. O Cardeal de Cufa no Livro II, de Con- Cufa p. 75-0.
cordantia Catbolkß , cap. 20. NulJo modo negari e 7*9*
F iü poteß>
86 Tentativa Theologica

poteß i quin propter nccejfitatem aut evidentem uti-


litatem , Papa difpenfare pojßt contra quodcumque
ßatutum. lmo Archidiaconus dicit in Cap. Sanclo-
rum , 70. dift. Epifcopum hoc poffe. Qui inter alia
dich , quod fi Canon aliquis hoc prohiberet , irratio-
ttabilis fieret. Et ponit exempJa , ubi Epifcopi con
tra Concilia tant provincialia quant univerfalia , ex
Ulis caufis difpenfarunt. Papa autcm ultra hoc pro
pter prœrogativam perfona difpenfare potefl , de quo
per eum ibid. Et ex ifiis patet , quod poteftas fuper-
intendentia , qua efl ad utilitatem Ecclefiœ in Pa
pa , non eft proprie fupra Cañones , fed ipfa décla
rât , Cañones in occurrenti cafu propter rationabiles
caufas locum non habere. Et fie Difpenfatio non eft
proprie juris relaxatio , fed déclarât io , &c Já antes
no cap. 13. tinha eferito o mefmo Cardeal : Si di
ets ultra de poteftate difpenfativa Papa in Canoni-
bus , ex eo arguendo poteßatemftatuendi , nihil con-
cludis. Quia etiam Epifcopus difpenfat in Canoni-
bus. Nec fach di[penfutió Canonibiis prœjudicium.
Donde conclue Gibert no Tomo II. Titul. VII.
Gibert Tom. Abfurdum videtur , ut Epifcopis difpenfare non li
li, pag. 102. ceat , nifi quando a Canone fibi expreffe permittitur.
Quia cafus difpenfationis jufta omni in lege fub-
intelligitur exceptus : quia dijpenfatio ut fit jufta ,
debet ejfe publico bono neceffaria vel faitem ut iIis :
neceffttas autem vel utilitas publica in legefemper ex-
àpitinlur. O Papa S. Symmaco na mefma Epifto-
la que ha pouco citamos : Quamvis a Patribus fa
tuta
Parte I. Principio III. 87

tuta diligenti obfervatione & obßrvanti diligentia


Jtnt cußodienda : nihilominus propter aliquod bonum
de rigore legis aliquid relaxatur , quod & ipfa lex
cavijfet , fi prœvidijfet : à* ßepe crudele effet infiße-
re legi , cum obßrvantia ejus eße prajudicabilis
Ecclefiœ videtur : quoniam leges ea intentione lata
funt , ut pr ofician t , non noceant.
XIX. He certo que as Leys da Igreja nao
faö hoje de outra natureza , do que era б nos pri-
meiros feculos. E fe lermos a Hiftoria de Sozome-
no no Livro I. cap. XI. acharemos , que S. Efpi-
ridao , aquelle grande Bifpo de Chipre no quarto
feculo , nao tendo outra coufa que dar a comer a
hum hofpede feu pela Quarefma , Ihe mandou por
na meza hum prato de carne de porco , de que о
mefmo Santo taobem comeo : julgando que a Ley
da caridade devia prevalecer a todas as mais Leys.
Com efte mefmo fundamento , e pela grande falta
de peixe que nefte prezente anno de 1766. hou-
ve em França , difpenfou о Bifpo de Limoges com
feus Diocezanos para comerem carne na Quarefma
pafíada tres vezes na femana , como foi publico pe
las Gazetas daquelle tempo.

F iv QJJAR
88

QUARTO PRINCIPIO.

Em todo o Corpo do Direito Canonice , e ainda no Conci


lio de Trento , nao ha Texto a/gum que negué ou tire
aos Bifpos a faculdade de difpenfar nos impedimen
tos do Matrimonio. So por соfturne ou tolerancia dos
Bifpos feforao роисо а роисо rejervando d Sé Apos
tólica eßas e outras Difpenfas.
Bellas autoridades do Concilio de Triburia , de Fulberte
de Chartres , de Hildeberto de Mans , e de S. Ber
nardo de Claraval , acerca dejia tolerancia dos Bis
pos.
Valor de S. Dunßano de Canturía , de Roberto de Lin-
colnia , e de outro Bifpo de Engolefma. Parecer de
Rebuffo /obre a origem das Refervas*

PROVAS.

.. D Eile Principio dou eu por Fiador a Gi-


bert , moderno e famozo Canonifta de França ,
que no Tratado de Ecclefia , Tit. VII. de Prala-
Gibert. Tom. th , efcreve aiîim : Fabla Refervationes circa Dis-
Paf>« 49« penfationes matrimoniales in favorcm Sedis Apoßo-

lica , nulla leguntur in Corpore Juris , пес in Co«-


cilio Tridentino. Dou a Barthelio , ta6bem moder
no e nao menos celebre Canonifta de Alemanha ,
que nas Addicoens ao Direito Canónico Liv. I. Tit.
Barthel. pag. 33. efcreve o feguinte : Ubi vel jus feriptum vel

' 17' confuetudinarium non aclimit Epifcopo poteßatam , il-


lam
Parte I. Principio IV. Ц

lam in regula habet. Paucos habemus Cationes , in


quibus poteßas Ulis adempta , ut in difpenjanda atate :
in imped/mentis matrimonii millos habemus , Jed ex
mera confuetudine funt refervata. Cum enim ob tene~
ram confcientiam Epifcopi faculo XII. defuper fa-
piiis referrent ad Pontificem , non quod de fuá pote-
fiate dubitarent , fed quod ejus inquirerent confiliam,
quia magis adbuc infiflebant obfervantia Canonum :
confuetudine fibi bac impedimenta Pontifex refería»
vit. Don a Vanefpen , outro moderno e doutiflb
mo Canonifta de Flandes , que na Segunda Parte,
Tit. XIV. cap. I. efcreve affim : Quibus difpenfan- Vanefpen T.
di auHoritas fuper impediment is Matrimonii compe-^- Paß-44-
tat , пес in Canonibus , пес in Décretalibus Grego-
rii IX. determinatur : ñeque legitur aliquo decreto
getterali auSloritas bac Epifcopis adempta , & Poti"
tifici refervata. At confuetudine tandem invaluit ,
ut fi agatur de impedimentis dirimentibus , foli Pon-
tifici difpenfatio competat Dou aGerbais, Theolo-
. go infigne da Sorbona : que no feu Tratado do
Poder da Igreja e dos Principes fobre os impedi
mentos do Matrimonio , efcreve primeiramente affim
em Francez , о que eu fielmente traduzo em Por-
tuguez : Nao ha Texto no Direito Canónico , que Gerbais pag.
referve a faculdade de difpenfar nos graos prohibí- 412,
dos Jómente ao Papa , com exclufao dos Btfpos. E
tía verdade que razao pode haver , para os Bifpos
nao poderem difpenjar nefies cafos ? Ou porque fe
Ibes bade difputar efia faculdade , ao menos quando
as
9o Tentativa Theologica

as Partes fao pobres , ou exceßva a difiártela dos


lugares j e guando' fao urgentes as caujfas ? Mais
Ibid.pa3.y32. adiante diz aflim : Jsfao ha Leys algumas Ecclefias-
ticas , que refervem as difpenfas dos impedimentos
dirimentes fó ao Papa , пет que déterminent preci-
famenté a quem pertence o difpenfar. E ajftm necesa
riamente nos devenios remeter ao uzo e coßume , que
tem prevalecido ñas Igrejas.
II. Don finalmente a Thomaffino , Padre
da Congregaçao do Oratorio de Pariz , o maior
Theologo , e fem controvertía o hörnern mais ver-
fado na antiguidade Ecclefiaftica , que no feculo
paíTado vio Franca , e tal vez a Igreja toda. Na
Segunda Parte da fuá incomparavel Obra da Dis
ciplina fibre os Beneficios , no Livro III. deíUe o
cap. 24. até 28. moftra e adverte Thomaííino duas
coufas. Primeira , que dez ou onze feculos eftive-
raô os Bifpos na poífe de darem toda a caita de
Tom.II.pag. difpenfas. No cap. 26. num. 1. que trata das dis-
3"' penfas do 8.9. e 10. feculo, efereve aíTim : Con-
ßabit illa eadem difpenfationum doSlrina temporibus
Caroli Magni & regnatricis ejus familia , ufos vi
delicet ejfe in difpenfando prifea fuá poteßate Epis-
copos , tumfingulos , tum ßinodice congregatos . De-
pois no num. 16. adverte , que no tempo dos dois
Arcebifpos de Conftantinopla S. Tarafio e S. Ni-
ceforo , ninguem duvidava , ferem elles Juizes com
petentes de todas as caufas e difpenfas matrimo-
lbid.pag.327. niaes. N0 cap, 27. num. 1. que trata das difpen
fas
Parte I. Principio IV. 91

fas desde o anno de iooo. até 1200. Duo quí


dam propofuimus , qua nobis hic opero/ius Шиftren-
da fint & munienda. Primum caput eß ipfa difpen-
fandi poteßas , qua infería & concreta quodmimodo
eß Epifcopali dignitati. Logo no num. 3. adveite ,
que ainda no leculo XI. eftavao • perfuadidos os

Grandes e Bifpos de Polonia , que para cazar hum


Principe como Cafimiro , Monge Profefío e orde
nado já de Diácono na Ordern de Cluni , паб era
ptecifa a difpenfa do Papa , mas que baítava a dos
Prelados Ordinarios. E no num. 6. que tendo Du-
arte Rey de Inglaterra feito voto de hir a Roma ,
e podendo os íeus Bifpos difpenfar nefte voto , o
Rey pedirá a difpenfa ao Papa Leao IX. A íe-
gunda he , que a origem de fe hirem refervando
á Sé Apoftohca eftas e outras difpenfas , fora o
confentimento dos Bifpos : que ou pelo refpeito e
attençaô , que todos tributavao ao Supremo Paftor ;
ou porque remetendo elles para Roma as Partes
intereíTadas , julgavao ficar com efta difficuldade
mais fegura e vigoroza a obfervancia dos Cañones;
pouco a pouco forao dimittindo de íi o poder que
tinhao , e refervando á Sé Apoftolica as difpenfas
matrimoniaes , as dos votos , e outras. No cap. 2.6V
num. i. Eo quaß inftinfíu afßatuque Chrißiana Ibid. p. 322.
pietucis Epifcopi reJigioßus in dies & ambitiofius
cmßulendum ßbi exißimabant Chrißi in terris Vica-
rium , Petrique Succejforem : at que ita ipßmet inopi-
m & imprudentes innovât ionis in Dijciplinn Jaera
auclo-
92 Tentativa Theologicá

auSlores erant. No cap. 27. num. 3. depois de pro-


var com os exemplos do Concilio de Limoges ce
lebrado no anno de 1032. como os Bifpos eípon-
taneamente remittiao para o Papa os cafos mais
difficeis de abfolviçoens ou difpenfas : conclue af-
ibid. p. 327. (im. Cum multis aliis rationibus ¿7* caußs , tum bac
potißimum , defiuxit in manus Romani Pontificis
ufus concedendarum difpenfationum , quo ultro fe abs-
tinebant Epifcopi. E no num. 5. depois de contar
por teftemuiiho de Ivo de Chartres , como certo
Bifpo confultara a Se Apoftolica fobre a difpenfa
de hum fubdito que contrahira em grao prohibido :
profegue aiîim. Ea Pontificum confiantia tuendi Ca-
wnum rigoris reliquos Epificopos fuá /ponte fiexibi-
liores alliciebat , ut in poßerum mallent a Pontífice
trutinari difpenßitiones , eas etiam quas ipfi hactenus
Ibid. p. 329. concejßjfent. E no num. 12. conjeclura o mefmo
Thomaifino , que no feculo XI. lie que começara
a introduzirfe adoutrina, de nao poderem os Bis-
pos difpenfar nos Cañones do Concilio Gérai , e
nas Leys do Romano Pontífice. Por ultimo no cap.
Ibid. p. 331. a8. num. 1. efcreve aflim Thomaffino : Penes E-
pifcopos primum fuijfe ußum dißpenfationum largien-
darum. Lapfit temporis partem earum longe maxi-
mam uni Apoßolica Sedi vendicatam ej/e , vel volen
tibus ipfis Epißcopis , vel aliis incidentibus caußs in-
noxiis y nihil ejиj modi ad ße trahentibus Pontificia

bus.
III. Para maior confirmaçao de que as Re
fervas
Parte I. Principio IV\ 95

lèrvas Apoftolicas tiverao о feu principio no con-


fentimento dos Bifpos : lemos no Concilio de Lon
dres do anno 1 143. Tenuit Vintonienfis Epifcopus Cone il.de In-
Concilium apud Londoniam, clericis pro tempore ne- & Tom-1*
m ■ r r + a 1• • • 1 • PaS-422-
cejfarium. In quo Jancttum efi , ne aliquts qui elen
co violenter manus injecerit , ab aliquo poffit abfol-
vi , quam ab ipfo Papa , & in prafentia ipfius. Le-
mos na vida de S. Lourenço Arcebifpo de Dublin Baro"io no

pelos annos de 1 179. Omnes tant- Sudiaconos , quam г.


Diáconos vel Presbyteros , fi incontinentia convicli
ejfent , ( licet tamquam Archiepifcopus pojfet ) ta
rnen nolebat abfolvere , fed ad Romanam Ecclefiam a
Summo Pontífice abfolveitdos deflinabat. Lemos na
Epiftola 135ч de Ivo de Chartres, como elle mef-
mo depois de impor a penitencia canónica a hum
percuiïbr de Monge , o remeteo ao Summo Pon
tífice , dizendo que para maior merecimento do
penitente , elle refervara á Sé Apoftolica a fua
abfolviçao. Refcrvantes itaque banc indulgentiam
Apoßolica moderationi , ad Apofiolorum eum limi-
tta direximus , &c. Lemos no Concilio de Ruao
do anno 1189. Canon 26. aonde fe trata dos
que jurarem fajfo em prejuizo da Igreja : Ad eo- Tom xni de
rum maiorem confufionem ad Sedem Apofiolicam Coleti p. 6%z.
transmití antur. Lemos noutro Concilio de Ingla
terra celebrado no anno de и 38. Canon 7.
que fe algum Clérigo fe ordenar em Diocefe
alheia fem licença do proprio Bifpo , à fufic-Tom.l.deln-
ptorum ordinum offciis inbibemus , folique Romano glat" p# 4I*"
Pontic
94 Tentativa Theologica

'Pontificl eorHindern plenaria refiitutio refervetur , ni-


fi religionis fiifceperint habitum.
IV. Pelo contrario no feculo XIII. em que
os Romanos Pontifices hiao já refervando a fi as
difpenfas da irregularidade contrahida defeSiu nata-
ThomaflT. T. Hum , e outras : teílificavao e proteftavao os Bifpos
И. pag- 333. Inglaterra ñas Conftituiçoens Synodaes , que el

les podiao difpenfar neftas irregularidades : o que


ThomaíTino prova de dois Concilios daquelle tem
po , em que os Bifpos dizem : Cum talibus difpen-
fare poff'umus. S. Dunftano Arcebifpo de Canilla
ría , niandandolhe o Papa que abfolveífe da ex-
communhaÔ a hum feu fubdito , a quem о Santo
em pena dos inceftos que commettera , tinha fepa-
radó da Igreja : refpondeo intrépido ao Papa , que
entao obedecería ao feu preceito , quando aquelle
peccador por meio da publica penitencia fe fizefle
Siirio a 19.de digno da fua abfolviçao. Equidem cum ilium fui de-
Maio Tom. USli pœnitudinem ogere videro , prœceptis Domini
• Pag Pap# lihens parebo. Pelo 'mefmo tempo refpondeo

ailim mefmo ao Papa em femelhante cazo hum


Bifpo de Engolefma em França , fegundo fe refe
re ñas Aftas do Concilio de Limoges do anno
Tom. XT. dos ïo32- Více verfa quod ego pofiulare debueram ab
Concilios p. Apoßolico y Apoflolicus poßulat a me. Non credere
1г5°- foßum hoc mandatum ab eo exortum : & hoc tibi

nihil utile eß. Et donec à me vel hujus Sedis Ar


chidiácono , me jubente , accipias pœnitentiam , per-
mane in excommunications Et ejeçit eum de Ecclefia*
Rober-
Partei. Principio IV. 95

Roberto Bifpo de Lincolnia Cidade de In


glaterra , hörnern íantifíimo e doutiffimo no feculo
XIII. mandandolhe o Summo Ponriflce Innocencio
IV. dar na fua Cathedral huma Prebenda a certo
Ecclefiaftico : O Bifpo vendo que com eile novo ge
nero de provifoens fe violavaô os Direitos Epiíco-
paes ate alii eftabelecidos : abertamente proteftou
que nao podia nem dévia obedecer ás Letras do Pa
pa , dizendo : Propter hoc his qua inpradiSla Litte- Mattheos de
ra continentur ,filialiter & obedienter non obedio , con- Pariz p. 871.
tradico , rebello. E dava a reza б : Bréviter recol-
ligens dico : Apofiolica Sedis SanSlitas non potefl
nifi qua in adificationem fimt , ¿7- non in deflruSlio-
nem. Ha autem provißones non funt in adificatio
nem , fed in mamfeßijjimam deßruclionem. A Aim о
refere Mattheos de Pariz no anno de 1253. О
mefmo Efcritor , que he Efcritor Coevo , deícreve
no anno de 1226. outro Documento , por onde
confta , que pretendendo o Papa Gregorio IX. re-
fervar em cada Cathedral duas Prebendas , para a
Sé Apoftolica prover nellas em quem quizeíTe :
juntos em Bourges os Prelados de França protefta-
rao e reclamarao todos em prezença do Legado
Pontificio , que nao confentiriaö em femelhantes
Refervas , fem lhes conftar concordarem taobem
«ellas os mais Prelados ou Bifpos Cathoücos. De ibid.pag.329.
forte que o Legado fe vio obrigado a dizer , que e 33o*
nao ijnfiíliria no negocio , donee per regna alia Pra-
lati confenferit. Ninguem ignora taobem a oppo-
fiça6
$6 , Tentativa Theologica

iîçao que ás Refervas da Sé Apoftolica em materia


de Beneficios fizcraó defde о tempo de S. Luiz IX.
os mais Reys de Fiança, movidos das queixas que
faziao os Bifpos , vendo ufurpados pela Sé Apos
tólica os feus Direitos. Veja-fe Pedro da Marca Li-
vro IV. cap. 9. e Francifco Dtiareno Livro V. de
Sacris Ecclefia Minifieriis cap. 8. e 11.
V. Concilio com a autoridade do infigne
RebufFo pag.Jurisconfulto de França Pedro Rebuffo na Praxe
dos Beneficios Tit. de Difpenfat. ad pJura Benefi
cia > num. 32. e feja efte o fexto Fiador do noflo
Principio : Ignari Epifcopi , nefcientes quam pulcbra
Jus Canonicum eis tribuijfet privilegia , paulatim
ex confuetudine à° fiylo Curia Romana derogari ti
lts pajjt funt , b1 jus fuum neglexerunt. Verumta-
men adhuc jure pojfent ex prafata neceffttatis causa
difpenfare.
Nefte lugar attribue Rebuffo a ignorancia
dos Bifpos o confentirem em varias Refervas do
Papa : mas he certo , que nem todos os que con-
ientiao nellas era por ignorancia : mas ou por eco
nomía , ou por obfequio efpontaneo á Sé Apofto
lica. Sao excellentes nefte aíTumpto as quatro au
toridades que vou a referir. A primeira he do Con
cilio de Tribuna celebrado no anno de 895. por
22. Bifpos Alemaens. No Canon 30. dizem aflim :
Tom.XI.pag. In memoriam beati Petri Apofioli honoremus San-
644« Slam Romanam & Apoftolicam Sedem , &c. Qua-
re fervanda eß cum manfuetudine humilitas > tit li
cet
Parte I. Principio IV. §X

cet vix ferenium ab, illa San Fía Sede imponatur ju-
gum , conferamus , à* fia devotione toleremus* A
iegunda he de S. Fulberto Bifpo de Chartres noTom.XVIir.
feculo XI. que na Epiftola 48. efcrita ao Arcebis- B- p- p*g- ^
po de Turs , ( a quem o Papa fem legitima caufa
negava o Pallio ) diz-Ihe que tenha paciencia , e
que efpere , e dá logo efta razaö : Continentur eninf
quadam reverenda nobis in privilegiis Romana Ec-
clefiœ , qua propter negligentiam noßram non facile,
inveniuntur in armariis noßris. Foi efta huma futií
e modefta ironía , com que Fulberto deo a enten
der , que muitos dos Privilegios , que a Se Apofto-
lica allegava, tinhaö no confentimento e toleran
cia dos Bifpos todo о feu fundamento. A terceira
he de Hildeberto Bifpo de Mans , que na Epifto
la 47. da nova ediça6 do P. Beaugendre , fallan
do com o Papa fe queixa del'e affim : Pro obedi-
entia veßra adverfariis meis facJus fum tota die in
derifum j tamquam qui omnino amiferim difponendi
de commiffa mihi Eccleßa facuItatem. E logo": O-
nonicam & traditam omnibus Epifcopis poteßatem
abßulißis. A quarta he de S. Bernardo de Cía ra val ,
que efcrevendo ao Papa Eugenio no Livro III. cap.
4. diz affim : Murmur Joquor & querimoniam Ec-
cleßarum. Truncari fe damit ant ас demembrari. Sub-
trabuntur Abbates Epifcopis , Epifcopi Arcbiepis-
cops y frc,

. ; с - ' 'quin:'
QUINTO PRINCIPIO.

Sem o confentimento dos Вi[pos nao podía o Papa privai-


¡os do poder de difpenfar nos impedimentos do Matri
monio e mais Leys Canónicas.
Ejemplos das antigás Igrejas da Afia , Africa , e Fron
ça. Autoridades de S. Zozimo , S. Gelazio , S. Grego
rio Magno , e de outros antigos Papas.
Doutrina de S. Agofiinbo e dos mais Padres , confirma
da pelos antigos Miff'aes Romanos, que o fogeito pro
ximo e immediato em quefundamentalmente refide toda
ajurisdicçao Ecclefiafiica , he a Igreja e nao o Papa»
Expendemfe os Decretos dos Concilios Geraes de Confian
ça e de Florenea. Mofira-fe como os de Confiança da
Sefiao IV. e V. antes e depois das intrigas de Euge
nio IV. com os Padres de Bafiléa , foraö reputados em
toda a Igreja por hum Decretos regulativos de toda
a jurisdieçao Ecclefiafiica.
Ttfiemunhos dos Cardeaes Zabarella , de Ailly , e de
Cufa. Autoridades de Joao Gerfon de Tofiado Bis-
po de Avila , e dos outros dois Hefpanhoes jfoao de
Segovia e André de Efcobar , Theologos do Concilio de
Bafiléa. Difiolvemje os argumentos de Bellarmino e
Orfi. Refponde fe d Bulla Paftor aeternus de Leao X.

PROVAS.

... A S forças deíle Principio incluemfe no fe-


guinte fyllogifmo. Sem o confentiment© do&Bifpos,
nao podía o Papa privallos de hum poder , que he
proprio da Ordern Epifcopal , e em cuja poíle fe
- ,1 con
Patte L Principio v. 9$

confervarao os Bíípos por muitos feculos. Sedfie efl


que o poder de difpeníar nos impedimentos do Ma
trimonio e ñas mais Leys Canónicas he proprio da
Ordern Epifcopal : e nefta pofíe fe confervarao os
.Bifpos por muiros feculos. Logo íem o confenti-
mento dos Bifpos nao podia o Papa privallos do
poder de difpenfar nos impedimentos do Matrimo
nio e ñas mais Leys Canónicas.
A propofiçao menor fica demonftrada nos
Principios antecedentes : nem della duvída Theo-
logo algum que eu faiba. A maior he que parece*
ra dura e difícil a os que principiaÔ. Mas eu a con
firmo com a Tradiçao de toda a Antiguidade Ec-
clefiaiiica , dednzida dos antigoe Concilios , Santos
Padres , e das doutrinas dos meímos Pontífices Ro
manos.
Ц. Nos fins do fegundo feculo, quando a
Igreja Romana com a maior parte das Orienta»
celebrava o día da Pafcoa no Domingo feguinte á
Lúa 14. de Marco : as Ig rejas da Diocefe da A fia ,
cuja eabeca era Efefo , a celebravao no mefmo día
da Lue > fegundo o eoftume dos Judeos. Parecen*
dp mal 80 Papa S. Viclor efta dHTonancia das Igre-
jas pm hum ponto de Difciplina rao fubftancial :
manéou aos Bifpos da Afia fob pena de excommu*
nliao, que fe conforma île m neiie com as maislgrejas.
Refpondeolhe Polycrates de Efefo 2 queeHefeguia
ecoßume da fuá Diocefe introduzido pelo Apoïèo»
lo S. Joao , в obfervado por feus AnteeeíTores S.
Gii Poly
loo Tentativa The'ologica

Polycarpo , S. Thrafeas , S. Papirio , e S. Meli-


tao : e que defte coftume o nao apartariao as amea-
ças de Victor. Ego , fratres , quinqué à° fexaginta
anuos natus , nibil moveor Us , qua nobis ad formi-
Eufeb. pag. dinem intentantur. Affim o refere Eufebio no Li-
1¡¡6' vro V. cap. 24. aonde taobem efcreve , que miji
tos dos Prelados que feguiao o Rito Romano, e£
creverao ao Summo Pontifice Cartas mui fortes ,
eftranhando-lhe a conduela com que elle fe havia
com os da Afia , em os querer feparar da fuá com-
munhao por lhes defobedecerem em hum ponto ,
que nao tocava com a Fé , e fe fundava no coftu
me de tantas Provincias Catholicas. Hum deftes
foi S. Ireneo Bifpo de Leáo de França , que na
Carta que efereveo a Viclor lhe conta entre ou-
tros exemplos , como achando-fe em Roma S. Po-
Jycarpo , nunca o Papa S. Aniceto o podera mo
ver a abraçar e praticar na Afia a Difciplina do
Occidente. V",rum hac non omnibus placebant Epis-
copis. Extant etiamnum eorum littera , quibus Vi-
florem acerbius perßringunt. Ex quorum numero
Irenaus &c. O mefmo attefta Socrates no Livro
Socrat. pag. y. capt 2г. aonde diz aííim : Victor immodico ira-

cundía fuceenfus aßи , its qui in Afia erant , ex-


communicationis libellum mißt. Quo faSlo Irenaus
Viflorem per Epißolam graviter perßrinxit , acrio-
rem ejus impetum reprehendens. Com eiFeito паб -
obftante o Decretó do Romano Pontifice , perfe-
yerarao muitas Igrejas do Oriente no coftume dos
*. ."7 Afia-
Párte I. Principio У; loi

Afianos. Entre eftas âponta S. Athanafio no Livro Athanai. pag.


de Synodis , num. 5. as da Syria, Cilicia, e Me-,719.
iopotamia. E nem a humas nem a outras teve al-
guem por cifmaticas , até que no Concilio Gérai v
de Nicea fe eftabeleceo por Ley univerfal , que
celebraflem todos a Pafcoa fegundo o Rito de Ro
ma. Julgavao logo os Bifpos da Afia , da Syria ,
da Cilicia , da Mefopotamia ; que vifto nao ter
precedido Decreto algum da Igreja univerfal , nao
podia o Papa tirallos do coftume e pofle em que
eftavao , e muito menos excommungallos por i fío*
Ora fe ifto milita a refpeito de hum coftume par
ticular , e coftume de huma ou outra Provincia :
que diremos de hum coftume geralmente introdu-
zido em toda a Igreja, e de que eftava de poífe
ь todo o Corpo dos Bifpos ? —
III. Eftavao as Igrejas de Africa e Cappa-
docia no coftume de tornarem a baptizar aquelles ,
que da hereíia fe paíTavao ao gremio de Chrifto.
Ordenoulhes o Papa S. Eftevao fob pena de ex-
communhao , que fe abftiveííem de tal coftume.
Era graviftlmo efte ponto da Difciplina , e muito
connexo com o dogma. Todas as mais Provincias
da Chriftandade eftavao na praxe contraria ás de
Africa e Cappadocia. O Papa tinha-fe explicado
pelos termos de huma jurisdicçao fuprema. Que
» fez S. Cypriano de Carthago, e S. Firmiliano de
Cefa rea ? Acazo obedecerao ao Decreto de Ror
nía ? Nada menos. Perfeverarao no coftume anti-
G iii go,
Ш Tentativa Theologicä

go , e nos feus Synodos ordenarao , que fe паб


eftivefle pelo que tinha mandado o de Roma. A
todos fao notorias as Cartas que contra o Papa S.
Cyprian. pag. Eftevaö efcreveo Cypriano a Pompeo, e Firmilia-

34-6324. no a (2)yprjano . qUe fa5 a e a y-t entre as


defte Santo. Aqui fó advertirei , que depois de re-
ceber a Definiçao e Ordern do Papa , juntou Cy
priano hum Concilio dos feus Suffraganeos , que
eraô 87. e nelle depois de os perfuadir a que dis-
feíTe cada hum fobre a RebaptizaçaÔ о que enten-
delfe , concluio dizendo : que bem fabiao elles ,
que por ordern ao governo interior e coftumes par
ticulares de cada Diocefe , nao havia na Igreja de
Deos quem foíTe Bifpo dos Bifpos , nem quem os
podelTe obrigar com ameaças a largar o que acha-
lbid.pag.158. vao eftabelecido por feus Anteceífores. Neque enim
quisquam noßrum Epifcopum fe Epifeoporum confit-
tutt , aut tyrannico terrore ceteros adigit ad obfe-
quium, Nao negava com ifto Cypriano as Rega
lias do Primado Romano , que elle mefmo no Lî-
vro de Unitate Eccleßa , e em outras Obras tinha
teconhecido e provado admiravelmente pelas Es
crituras. Nao negava que huma deftas Regalias e
a principal délias , era competir ao Succeiîor de
Pedro a infpecçao e adminiftraçao de toda a Igre
ja com poder de fazer crer e obfervar todos aquel-
les pontos de dogma ou difciplina , em que unido
com a Cabeça tivefíe confpirado já legitima e io-
iemnemente todo o Corpo dos Bifpos. Como fe
V ; nao
Parte L Principio V*7 105

naö* achava nefta fituaçao o coftume de naôreba-


ptizar , julgou Cypriano e julgou Firmiliano com
os feus Bifpos , que querellos o Papa obrigar a de-
fiftir da difciplina de fuas Igrejas , era hum repre-
heníivel abuzo do Primado : e que affim nem Ihe
deviaô obedecer , nem eftar pelas fuas ameaças.
Nos Livros do Baptifmo contra os Donaùflas
tocou S. Agoftinho innumeraveis vezes eile faclo
de S. Cypriano : e nunca qualificou de cifmatica
a fuá defobediencia , antes fim de licita , vifto nao
eftar a queftao aínda decidida por algum Concilio
Gérai , como depois efteve ; nem fe oppor a Cy
priano outro fundamento , que о coftume da Igre-
ja Romana. E de íi mefmo confeífa o mefmo A-
goftinho , que fe o cazo foffe entao com elle , co
mo foi com Cypriano : elle obfervaria corn о Pa
pa о mefmo que praticára Cypriano. N0 Livra
II. cap. 4. Ñeque nos tale aliquid auderemus adfe- Auguft. Tom.
rere, quale Stcpbanus jujfit , nifi Ecclefia Catbol/-lx- Paß-98«

ca concordijfimâ auSloritatefirmati : cut & ipfe Cy-


prianus fine dubio cederet , fijam /Но tempore veri-
tas eliquata & declarata per plenarium Concilium
folidaretur. No cap. 7. Nondum erat diligenter /7- lbid.pag.102;
la baptism/ quaflio pertraclâta. No cap. 8. Tunc
non extiterant , nifi qui Cypriano confuetudinem op*
portèrent ; defenfiones autem ipfius confuetudinis non
tales afférrent , quibus ilia talis anima moveretur.
No cap. o. Nondum univerfale Concilium faclumlbli-V3S'l0f

erat. Tantas vezes que refleétio na Conduela de


G iv Cy-
Ю4 Tentativa Theólogicá

Cypriano, nunca nelle notou Agoftinho outra cul


pa , e efla leve , que a de uzar de algumas expres-
foens mais fortes contra o Papa Eftevao : e fem-
pre conheceo e affirmou , que com toda efta rezis-
tencia ao Decreto do Papa , nunca Cypriano vio
lara ou perderá a unidade Catholica.
IV. Pela Difciplina de Africa , eftabelecida
no Canon 125. do feu Código fegundo a ediçao
de Juftello , nao era permittido aos Presbytéros ,
Diáconos , e mais Clérigos inferiores , appeliar dos
Bifpos ou Synodos das fuas Provincias para o Ro
mano Pontifice : mas todas as fuas Caufas fe deviao
Juftello pag. terminar em Africa. Presbyteri , Diaconi , vel cete-
169. rt inferiores С1erici , fi ab Epifcopis provocandum
putaverint , non provocent nifi ad Africana Concilia
vel ad Primates Provinciarum fuarum. Ad trans
marina autem qui putaverit appellandum , a nullo
intra Africain in communionem fufcipiatur. N0 an
no de 418. eftando juntos no Concilio VI. de
Carthago mais de 200. Bifpos , e entre elles S.
Aurelio Arcebifpo Primaz de toda a Africa , .S.
Agoftinho de Hipponia , S. Alypio de Tagafte :.
expuzerao nelle os Legados do Papa S. Zozimo
varios Capítulos de nova Difciplina , que o Papa
mandava introduzir em Africa : dandolhes о nome
de Cañones do Concilio Niceno , quando na ver-
dade erao os Sardicenfes , que em Africa ou fe
nao conheciao , ou nao eftavao em uzo. Hum des-
tes Capituios era , que dalli por diante pude/Tem
^ .. os
Parte I. Principio V. ioj _J

os .Clérigos de Africa appellar dos Synodos das fuas


Provincias para o Jurzo da Sé Apoftolica. Como os
Bifpos de Africa aílim nefte , como em outros pon
tos de Difciplina eftavaÖ na poííe contraria ao que
Zozimo agora lhes queria impor : ( pois nem admit-
tiao as appellaçoens dos Bifpos para Roma , que
era o outro Capitulo de Zozimo ) reclamarao logo
e proteftarao aos Legados do Papa , que elles na
fuppofiçao de ferem do Concilio de Nicea os Ca
ñones que Sua Santidade queria introduzir em A-
frica , eftavao promptos para aceitallos. Mas como
eftes Cañones fe naö achavao nos Codices ou Ej
emplares , que do Concilio Niceno havia em Afri
ca , elles pediao e requemo , que fe mandafíe a
Conftantinopla e Alexandria averiguar o numero
e o aílumpto dos Cañones Nicenos. Ouçamos o
voto de S Alypio: Alypius Epifcopus Ecclefiœ Ta- jufteIJo pag.
gafienfis , l.egatus Provincia Numidia dixit : De 142. e 143.
hoc id nos fervaturos profitemur , qttod in Nicano
Concilio confiitutum efi. Adbuc tarnen me movet 9
quod cum inípiceremus exemplaria Synodi Nicœnœ ,
ißa ibi minime invenimos. Ouçamos o de S. Agos-
tinho. Augufiinus Epifcopus Ecclefiœ Hipponenfis
dixit : Et hoc nos fervaturos profitemur , falva di-
ligentiore inquifitione Concilii Nicœnu .. ...
De toda efta narraçaô tirada fielmente das
Acias fe colhe evidentemente , eftarem os Bifpos
de Africa na intelligencia e determinaçao , de que
fó valendo-fe o Papa da autoridade de hum Conci
lio
io6 Tentativa Theologicá

lio Geni , e efte geralmente recebido , como era


o Niceno : he que o Papa os podia obrigar a mu
daren» de Difciplina. Confirma-fe efta doutrina :
porque vindo de Conftantinopla e Alexandria os
Exemplares auténticos do Concilio Niceno , e nao
fe achando nelles os Cañones que Zozimo allega-
va : derao fe os Padres de Africa por defobrigados
de lhe obedecer , e efcreveraô ao Papa Celeftino
( егаб já mortos nefte meio tempo Zozimo e Boni
facio ) aquella nobre Carta , na qual entre outras
Coufas lhe dizem : que dalli por diante nao admit
ía Sua Santidade as appellaçoens dos Clérigos de
Africa , vifto que nenhum Decreto dos Concilios
Geraes tinha derogado na Difciplina da mefma
Africa : antes pelos Cañones de Nicea deviao os
Bifpos e Clérigos viver fubordinados em tudo aos
feus Metropolitanos : e que ñas Provincias aonde
tinha6 começado as Caufas , ahi fe deviao ellas ter
minar : pois o Efpirito Santo aíTím como repartía as
luzes "da fuá graça por humas Provincias , taobem
as паб havia negar ás outras. Que os que fenao
fatisfizeífem com as decizoens dos Synodos Dioce-
zanos , ahi tinhao os Provinciaes , e depois os Nà-
Juftello pag. cionaes. Presbyterorum quoque & fequentium C/eri-
174« corum ímproba refugia , ficut te dignum eß , repel*
ht fanSlitas tua , quia & nulla Patrum definitione
hoc Ecclefia derogatum eß Africana : & Decreta
Nicœna , five inferioris gradus Clericos , five ipfos
Epifcopos fuis Metropolitanis apertiffime commife-
runt :
Parte I. Principio V. 107

runt : prudentißime enim'jußißmeque viderunt , qua-


cumque negotia infuis locis , ubi orta funt , finienda.
Nec unicuique provincia gratiam Sancli Spiritus de-
futuram : maxime quia unicuique conceffum eß , fi
judicio offenfus fuerit cognitorum , ad Concilia fuse
Provincia vel etiam univerfale provocare. Pouco
tempo antes , fendo ainda vivo Bonifacio , e na
fuppofiçao ou efperança de que os Exemplares do
Concilio Niceno mandados vir do Oriente concoi*
dariao com os de Africa : tinhao os mefmos Bifpos
efcrito ao Papa outra Carta , em que Ihe dizem
a iïi m : Credimus adjuvante mifericordia Dei noßri,
quod tua Sanclitate Romana Ecclefia prafidente non
fumus jam ißum typbum pajfuri. Chamao ambiçao
e foberba a efta pretenfaô dos Romanos Pontífi
ces : que ifto fignifica na frafe daquelle feculo a
palavra typhus. Veja-fe BoíTuet Livro XI. cap. 14.
e o Anonymo da Sorbona no Livro de Antiquis
& Maioribus Epifcoporum Caufis , cap. 43.
V. Efta conftancia dos Padres de Africa no
quinto feculo para com o Papa Zozimo , me faz
lembrar a dos Bifpos.de França no nono para com
o Papa Hadriano II. tempo em que já as faifas e
efpurias Decretaes de Ifidoro Mercador hiao abrin-
¿0 porta as Refervaçoens de Roma. No anno 871. Siipplem. dos
juntos no Concilio de Duziaco 30. Bifpos da Pro- Concilios de
vincia de Rems, foi deporto canónicamente Hinc- Fran?' Р,г*8,

maro Bifpo de Laon , reo de muitos e graviffimos


crimes, liuns Canónicos , outras Civîs. Queren-
do

ю8 Tentativa Theological

do o Papa ( de quem Hincmaro ¡Ilegítimamente fe


tinha valido ) avocar o reo e a caufa para Roma :
os Bifpos Ihe efcreverao huma graviffima e dilata
da Carta , reforçada com as autoridades de mili-
tos Concilios, Papas, e Imperadores, e dos mes-
mos Padres de Africa de que ácima fallamos : don
de conftava a forma dos Juizos , que ñas Caufas Ec-
clefiafticas fe devia feguir , e elles tinhao feguido.
Defta nobre peça da antiguidade паб publicou Sir-
mondo na CollecçaÔ dos Concilios de França fe-
nao huma pequeña parte : que era a que fe conhe-
cia no feu tempo, e paífa pouco do principio. O.
Autor do Supplements dos taes Concilios , e depois
délie Joao Gerbais no fim do feu Tratado de Cau-
fis Ma'tortbus a imprimirao ainda imperfeita , mas
fempre algumas feis vezes maior. A íubftancia des-
ta Carta he moftrar , que na depofiçao de Hinc
maro de Laon obfervarao elles Juizes a forma que
ñas Caufas dos Bifpos mandao obfervar os antigos
Ca nones , os Romanos Pontífices , e as Leys lm-
periaes : a qual confiftia , em que as Caufas dos Bis-
pos fe deviao tratar e terminar ñas fuas mefmas
Provincias , e nao fóra délias. Que íuppofta eíla
Difciplina tao autorizada com os exemplos da an
tiguidade : elles fe admirao e paímao, deque Sua
Santidade os queira tirar defta poíTe , dando ou-
vidos a hum reo convencido de crimes graviííimos ,
e pretendendo fufpender huma fentença tao folem«
ñe e canónica. Fenkns ai nos venerabilis freter
'* Parte I. Principió V; Щ

ABardus tradidit nobis Epißolam a veßra paternU ^ff^' dos


täte filiolitati nofira direSiam , quam cum in con- F°annc^ р^Д*

ventu noflro fecimus recenferi , quœdam in ea inve-


fiimus 9 qua fiuporem mentibus noflris non mediocri*
ter induxerunt , feceruntque nos non modicum dubi-
tare y utrum aliter putaremus ^ an illa ita ejfent poß-
ta , quemadmodum perfonabant , &c.
VI. No mefmo tempo e fobre o mefmo ne
gocio efcreveo o Imperador Carlos Calvo outra
Carta ao Papa , dicbda por Hincmaro Arcebiipo
de Rems , e Prefidente do Concilio de Duziaco :
na quai entre outras autoridades de Concilios e
Padres , com que prova nao poderem nem deve-
rem ter vigor algum aquellas Leys aínda da Sé
Apoftolica , que forem contrarias ao que eftá ge-
ralmente recebido pelos Cañones da Igreja : allega
aquelle celebre dito de S. Leáo Magno no Ser
mao III. do dia da fua coroaçao : Manet ergo Pe» —
tri Privilegium , ubi ex ipfius aquitäte fertur judi
cium. E delle tira o doutiffimo Arcebifpo por con-
cluzaö , que todas as vezes que o Succeflor de Pe-'
dro ou outro qualquer Prelado obra contra os Ca
ñones geralmente recebidos , céíla logo o privile
gio ou prerogativa do Primado , e ficao de nenhum
vigor os feus Decretos. Quâfententiâ confiât , quia Supplem.pag;
nonmanet Petri Privilegium , ubi ex ipfius aquitate*7*'
поп fertur judicium. Et quia ubicumque fine ulla ex-
ceptiene non manet Petri Privilegium , ubi ex ipfius
¿quítate non fertur judicium : obauâkmus juj/um,
; . . veí
îi# Tentativa Theologies

velrecipkmus judicium, qued non ex Petri ¿quita-


te prolatwn , ас per hoc ipjtus privilegio fuerit de-
ßitutum ? E logo fallando com o Papa : Ergo ju
bete fr jttdicate privilegio magni Petri juxta œqui
ttâts ejus judicium , quajuhenda fr judieanda funt ,
ne , ut dich ejus Coapoßolus , vituperetur minißerium
veßrum. Conclue o Imperador , ou para melhor di-
zer o Arcebifpo era feu nome , ameaçando a Ha-
driano e adyertindolhe , que viíTe nao os obrigaG-
ie com as fuas tifurpaçoens a praticarem com elle,
о que com o Papa Vigilio praticaraö os Padres da
Quinta Synodo Geral , que fe fepararao da fuá
communicaçao e mandarao por ordern do Impera
dor Juftiniano rifear o feu лоте dos fagrados D¿-
ptyeos. O que he hum bom documento , de nao
Jfer fuppofiticio ñas Acias da Quinta Synodo o Ad-
ditamento que do Códice de Jouly pubücou Balu-
.шШ zio no fim da Aeçao VI, o qual Additam.ento co
mo nao eftava publico no tempo de Pedro da Mar
ca , nao he muïto que elle no Livro IV. de Con
cordia cap. 12. num. 7. entende ííe e ехрЦсаНе efta
■paflagera de Carlos Calyo ern outro lentido , do
lbid.pag.174. .que ella deve ter. Veßram fanBitatem humili prece
depofeimus , ne nos .fr noßros fatis invito/ ad id со*
gatis .convertere > quod in Quinta univerfali Synodo
inyewtur nobis tenendum-
Nao me ^цего meter jna queftao , fe a eaur
№«W4par# ¿$ La©$ e&a*a era teemps (ie Ы
vate Саадш a apf^Ha^ae
та :
Parte X Principio Tí' fit

ma : nem averiguar quai he neíla materia o lentidó'


dos Cañones de Sardica , em que Hadriano II. fe
fundava. Veja-fe Pedro da Marca no Livro VIL
cap. 3. Quefnel na Diiïertaçao V. cap. 14. Joao
Gerbais no Tratado de Caußs Maioribus , Art. VII.'
e Luiz Dupin no Tratado de La Puijfance Eccle-
fiaßique , pag. 645. e na DiiTert. II. de Formai
Judiciorum , cap. 1. §.3. Bafta fabermos e mos-*
trarmos , como os Bifpos de França e com elles
os mefmos Reys Chriftianiffimos tinhao por doutriJ
na certiflima no feculo IX. que fem o confentimen-
to dos Bifpos паб podia o Papa arrogar a fi os di-
reitos e privilegios , de que os mefmos Bifpos oit
pelos Cañones ou por coftume eftavao de poíTe.
He notoria nefte mefmo aífumpto de appel-1
. laçoens a inimitavel animofidade , com que S. Hi
lario de Arles defendeo no meio do quinto fecu
lo os feus direitos Metropolitanos , que S. Leáo
Magno pretendía coaréhr por occafiao da appelfci-
çao que do Synodo de Hilario interpuzera para Ro
ma o Bifpo Chelidonio de Bezanfon. He igual
mente notoria a conftancia , com que S. Ignacio
Patriarca de Conílantinopla no feculo IX. fe con-
fervou na poífe de governar a Provincia de Bulga
ria ; nao fe aterrando nem com as prohibiçoens de
Hadriano II. nem com- as extommunhoensv cení;
» «jwe o am«a<çava JoaÔ VttK fern que efta reílften-
cia derogue ntdtf da grande fen-íidade de KJa nia
e de Ignacio j a arabos- ee^ures venera eema Soaw
. ^ tos
ps; Tentativa Theologie^

tos a Igreja Romana , e fobre o que he digno de


fe 1er o que do fegundo eícreve Baronio no anno
de 878.
VII. Tomando aos Bifpos de França , tao
radicados eítavao todos elles ne ib doutrina ; que
fem preceder o feu confentimento nao fortiao effei-
|o nem fe davaö i execuçao privilegios alguns ou
izençoens , que em prejuizo dos mefmos Bifpos
concedía talvez a Sé Apoftolica. Aífim o protes-
taraö e praticarao no anno de 844. os Padres do
Concilio de Vërno , no Canon XI. aonde fe tra-
tou da caufa de Drogo fi I ho natural de Carlos
Magno , a quern o Papa Sergio tinha ordenado com
o titulo e prerogativas de Arcebifpo de Metz ,
( Igteja que até alli fora fimples Suffi aganea de
Treveris) e conftituido Vigario Gérai da Sé A-
poftolica na Gallia e na Germania. Como efta nova
dignidade alterava e diminuia as honras e pree-
Tom.lII.dos minencias dos Metropolitanos, refolverao os Pa-
Frana^/2 ^res ^e^e Concilio > Яие ^e devia efperar no Con-
ranjap.z . c'jj0 Qera| ¿e am[jas as naçoens o voto e confen

timento de todos. Como eíte faltou , taobem Dro


go ficou fem a fuá prerogative : fegundo fe colhe
de Hincmaro de Rems na Epift. VI. cap. 30. aon
de diz : Quoà affeSiu ambiit , cffeflu non babuit >
non confentientibus quibus intererat.
O mefmo fuccedeo a Anfegifo Metropolita-]
no de Sens , a quem o Papa Joao VIII. por em«
penhos do imperador Carlos Calvo tinha nomea- .
Li¡ dq
Parte I. Principio V. 113

do Primaz de toda a França , e Germania. Oppu- Ibid.pag.434.


zerao-fe os Padres do Concilio de Pontigono , ce
lebrado no anno de 876. , e careceo ao menos por
entao de effeito a pertençao de Anfegifo. As cali
fas da oppoiiçao defcreve largamente Hincmaro
de Rems na Epiftola VIII. cap. 32. , e todas vinhao
a parar em fer eíta graça Pontificia a favor de
Anfegifo contraria aos Cañones , e á poíTe em
que eílavao os Metropolitas de França , e Ger
mania.
No anno de 948. fe juntarao os Bifpos de
duas Provincias no Cattello de Mozomo da Dioce-
fe de Rems , para decidirem a contenda que ha-
via entre Hugo filho do Conde Heriberto e Ar-
taldo Monge que fora da Abbadia de S. Remi
gio , fobre qual havia de íer Arcebifpo de Rems.
Apprezentou Hugo no Concilio as Letras Apofto-
licas do Papa Agapito II. que mandava fe lhe res-
tituiífe aquella Mitra. Porém os Padres do Conci
lio examinando o Breve , e achando-o pouco con
forme aos Cañones ; fem fazerem cazo delle íen-
tenciarao o Arcebiípado a Artaldo. Ouçamos a
Flodoardo na fuá Chronica : Vèniens illuc Hugo Tom. ХГ. dos
Praful , Litteras quasdam ex nomine jigapiti Pa- cS 1^848.
pœ mißt ad Epifcopos per Clericum fuum , qui eas
Roma detulerat , nihil auSloritatis Canónica conti
nentes ; boc tant um praeipientes , ut Hugoni lie-
menfe redderetur Eptjcopium. Quibus leclis , ineun-
tes Epifcopi Concilium cum Abbatibus refponderunt ,
H ut
114 Tentativa Theologica

ut quod reguîariter cceptum fuerat , Canonice pef»


traSlaretur , &c.
No anno 1004. tendo o Conde Fu lea б edi
ficado ñas vizinhanças de Tuts huma Igreja , e
eícuzando-fe de a fagrar o Prelado Diocefano : o
Cardeal Legado do Papa Joao XII. com a auto-
ridade que elle julgava lhe competía pelo feu car
go , tomou á fuá conta eíta funçao. Mas os Bis-
pos de França levarao tanto a mal a aeçao do Le
gado, que reputando-a huma interpreza ou uzur-
paçao , nao acabavao de eftranhar , que o Papa
por meio dos feus Miniítros fe íntrometteíle a exer
cer ñas Diocefes alheias as funçoens Epifcopaes.
Duchefns T. Quod utique andientes Galliarum Praßdes ( fao pa-
lV.pag. iy. javras ¿e Rodolfo Glabro Monge de Cluni no Liv.

II. cap. 4.) prafumptionem Jacrilegam cognoverunt


ex caca сир/dit ate proceßijfe. E logo : Licet Ponti-
fex Romana Eccleßa ob dignitatem Sedis Apoßoli-
ca ceteris in orbe conßitutis Epifcopis reverentior
babcatur , non tarnen ei licet transgredí in aliquo ca
nonici moderaminis tenorem. E outra vez : Univerß
pariter deteßantes , quoniam nimittm indecens vide-
batur , ut is , qui Apoßolicam regebat Sedem , Apo-
policum primitus ac Canonicum transgrediatur te
norem.
No anno 1025. no Concilio de Anfa junto
aLeáo de Franca fe queixou amargamente Gaus-
leno Bifpo de Mâcon , de que Burcardo Arcebis-
po de Vienna do Delrinado 9 fundado em certo
privi-r
Parte I. Principio V. ну

privilegio que os Monges de Cluni diziao terlhes


concedido o Papa , défle Ordens aos referidos Mon
ges que nao erao feos fubditos. Sobre o que len-
do-fe em Synodo os Cañones Calcedonenfes , e os
de outros Concilios , que ordenao que os Abbades
e Monges todos vivao íubordinados e reconheçao
por feu Prelado ao Bifpo do lugar : rezolverao fer
nullo aquelle privilegio , como oppofto aos amigos
Cañones. Do que convencido Burcardo deo fatis-
façao a Gausleno. Relegentes SanSli Chalcedonen- Tom. XT. cos
fis Concilii & plurimorum autbenticorum Concilio- ('onc51- Pas-
rum fententias , &c. decreverunt chartam non ejfe l"'

ratam , qua Canonicis non folum non concordaret ,


Jed ейam contratretfententits. jirchiepiscopus ratie
fte conviSíus y a Gausleno veniam petHt.
VIII. O principio em que fe eftribava a li-
berdade e oppoziçao dos amigos Bifpos , era о met
mo que vamos demonftrando : a iaber , que dos
Direitos e prerogativas que por coftume legitima-
mente prefcripto , ou pelos Cañones dos Concilios
Geraes competiao ao Corpo dos Biípos ; nao podia
o Papa defpojallos , fem confentimento dos mefmos
Bifpos. Porque o Papa nao era Senhor difpotico
dos Cañones univerfalmente eílabelecidos e recebi-
dos , para transtornar ou alterar a Jerarquía Eccle-
ííaftica de feu moto proprio : antes era e dévia fer
• Confervador dos mefmos Cañones, e Ihe incum
bía por officio procurar , que cada hum na fuá li-
nha confer vaíTe íllezos os feus Direitos. Pois o Con-
H ii cilio
ii6 Tentativa Theologica

cilio Gérai de Nicea no Canon VI. renovado de-


pois pelo Efefino na Acçao VIL ordena que
guardem a cada Igreja ou Provincia os feus Privi
legios. Ao que alludia o celebre e doutiffimo Ar-
cebifpo de Rems Hincmaro , quando em huma
Carta efcrita ao Papa Nicolao I. dizia aflim : Pri
vilegia Ecclefiarum SanSlorum Patrum Canonibus
infiituta , & venerabilibus Nicana Synodifixa De-
cretis , nullâ pojfmt improbitate convelli , nulla pra-
vitate mutari.
Em huma palavra : toda a Antiguidade teve
por certo , que a Igreja Romana íim era a pr'imei-
ra , íim a principal , íim a fuprema entre as mais
Igrejas particulares : mas nao Rainha de todas jun
tas. Que o Papa íim era o Primaz de cada hum
dos Biípos : mas nao Monarca de toda a Igreja.
Porque a qualidade de Rainha fó compete á- Igre
ja univerfal : a qualidade de Monarca ao Concilio
Ecuménico , que a reprefenta. Nefte fentido diz
admiravel mente S. Agoílinho fobre o Pfalmo
XLIV. num. 23. Ecclefia filia Apofiohrum funt ,
filia Regum junt . . . Ecce Roma , ecce Carthago :
filia Regum funt , & ex omnibusfit una quadam Re
gina. Que he o mefmo que em menos palavras ti-
nha dito S. Jeronymo : Si aucloritas quaritur , Or
bis motor efl Urbe.
IX. Eile aíTumpto tratou muitas vezes ñas
fuas Obras o veneravel e illuminado Cancellario
de Pariz Joao Gerfon : como no Tratado de Po-
tefiate
Parte I. Principio V. 117

teßate Eccleßaßica Coníid. X. no Sermao Pro


Viagio Regis Romanorum : no on tro Contra Bul-
lam Mendt сanttum : e no que efcreveo De Stati-
bus Eccleßaßicis. Todos andao no. Tomo II. das
fuas Obras da ediçao noviífima. Deixando outros
lugares excellentes , eu fó copiarei aqui alguns do
Tratado que elle intitulou De Modis uniendi ас
reformandi Eccleßam in Concilio : aonde claramen
te nos da a entender efte grande Theologo, como
do confentimento ou tolerancia dos Bifpos depen
den! em grande parte as Refervas da Sé Apofto-
lica. Porque as Refervas que íe contém no Livro
do Sexto e ñas Clementinas , qualifiqua Gerfon por
ufurpaçoens da jurisdicçao alheia , e Ihes chama ar
rogantes e foberbos artificios da ambiçao de alguns
Papas , que por efte meio quizerao deprimir o Cor-
po dos Bifpos , e fazer dependentes da Curia os
mefmos Principes Seculares. Quis fecit Libros , Tom. II. pag.
Sextum & Clementinas ? Arrogantiam , fuperbiam , 167'
juris Ordinariorum ufurpationem , Imperat orum Ro
manorum injuriofem detraSlionem , ¿7- eorum alio-
rumque poteßatis periculoßjßmtm fupprejponem , &•
alia multa in fpiritualis &■ facularis Reipublica
laßonem malitiofe fa* pertinaci ambit tone fabricat a ,
in omnibus & per omnia concludentes ? E mais adi-
ante : Papa ufurpando aliorum Epifcoporum, quos lbid.pag.18j.
* fratres appellat , jfurisdiflionem & honorem , pra- e l84-

fertim ha generaliter , peccat mortaliter. E logo :


Skut contra ßatuta Evangélica Cbrißi non audet
H iii Papa
ii8 Tentativa Theologîca

Papa fe htromittere : ITA NEC VA LET PO-


TESTATEM COLLATAM A CHRISTO
ALUS EP ¡SCO PIS SIВ I АР РЫСАКЕ
NEC RESERVARE Antes tinha ditoomefmo
Ibid pag ; 66. Geríon : Tantam fraudem in adminißratione Papa
tas fecerunt antiqui aliqui , qui cum multis viris pé
ritis , immo malitioßs , Deum non habentes prœ оси-
lis , multa jura ßbi ufurparunt , &pro fe fecerunt ,
& meliorem partem ßbi attribuerunt , & de Repúbli
ca non curarunt.
X. Francifco Zabarella , famozo e doutiiîï-
mo Cardcal no tempo do Concilio de Conftança ,
e de naçao Florentino, no Tratado de Scbismati-
Zabarella p. bus eicreve affim : Mos inter antiquos obtinuit , quod
omnia dißiciliaper Concilium terminabantur , tere
bro ßebant. Poßea vero quidam Summt Pontífices ,
qui magis ad modum terrenorum Principum , quàm
Apoßolorum y Ecclefiam rexerunt , non curarunt fa
ceré Concilia: ex qua omißone prodierunt multa ma
la. Ex hoc apparet , quod id quod dicitur , quod Pa
pa habet plenitudinem potefiatis , debet intelligi non
Joins , fed tamquam apud untverfitatem. Ita OUOD
IPSA POTESTAS EST IN UN1VERSITA-
TE , TAMQUAM IN FUNDAMENTO , è*
in Papa , tamquam in principali miniflro , per quem
Ibid. pag.5-6o. hœc poteflas explicatur. E mais adiante : Alulti af-
fentatores voluerunt placeré Pontificibus per multa
i retro facula , & и[que ad hodierna fuaferunt eis ,
quod omnia jjoffent. Ex hoc infiniti fecutifunt erro-
. * * res,
Parte I. Principio V. 119

res , quia Papa occupavit omnia jura inferiorum


Prœlatorum : ita quod inferiores Prälati funt pro
nibilo , à"с. Е logo : Oportebit determinare Papa
poteßatem , ut non fubvertantur inferiores potefia-
tes : & ut Papa pojßt non quod Itbet , fed quod lir
cebit.
O Cardeal Nicolao de Cufa Alemao e Bis-
po de Brefla na Italia no Livro II. de Concordan-
tia Catholica , depois de moftrar no cap. 28. co
mo o Papa eftá fujeito aos Cañones dos Conci
lios Geraés , e deve era confciencia confervar aos
Bifpos illezos os feus Direitos: paila logo a pro-
var no cap. 32. como toda a força das Reíerva-
çoens que fízerao os Papas , lhes vem do confenfo
tácito dos mefmos Biípos : e que a todo o tempo
que elles reclamarem pelos feus Direitos , eftá o
Papa obngado a largarlhos. Per taciturn confenfum c
tottus Ecclefiœ Romani Pontífices refervationibus fa- e

Siis ufi funt .... Nunc autem exorbitamia ob varias


lœfiones difplicere incipit , & oritur contradiSlio. . .
Quare puto Papam amplias non pojfe zener aliter re-
fervare elfcliva beneficia , nifi exprrjfe ei indulgere-
tur per Concilium. Papa enim invitis Epifcopum da-
re non potefi , &c.
.. XI. Nos noífos tempos demonílrou com a
fuá coftumada folidez e erudiçao efte mefmo aí-
fumpto o Illuftriffimo Bofluet por todo o Livro XI.
aonde entre outras graviílimas autoridades que
provaô fer efta tambem a dóutrina dos primeiros fe^
H iv culos,
120 Tentativa Theologica

culos , allega a do Papa Zozimo aos Bifpos de


Fran ça : Contra flatuta Patrum concederé aitquià
vel mutare , ne bujus quidem Sedis poteft auftori-
tas. Apud nos enim inconcujjis radicibus vivit anti-
guitas, cut flatuta Patrum fanxere reverentiam. A
do Papa Gelaiio aos Bifpos de Dardania : Unius-
cujusque Synodi Conflitutum , quod univerfalis Ec-
clefia probavit ajfenjus , non aliquam magis exequi
Sedem pra ceteris oportere , quam primam. A do
Papa Celeftino I. aos Bifpos do Illyrico : Domi-
nentur nobis regula , non reguiis dominemur. A do
Papa Leáo Magno : Nimis improba funt , nimis
prava , qua fanSíiJJimis Canonibus probantur adver-
fa. A de Gregorio I. Si Cañones non cufloditis , &
Matorum vultis flatuta conveliere, non agnofсo qui
eflis. A de Martinho I. Cañones Eccleßaflicosfolve-
re non pojfumus , qui defenfores & cuflodes Cano-
num Jumus , non transgriff ores. A de Leáo IV.
Non potuimus praflxos Patrum términos immutare.
LaunoyT.V. XII. Joao Launoy na Carta a Luiz Cufin ,
е авГ2 72 4ue ne a 8. do Livro f., e na outra a Thomas
Rullando , que he a 3. do Livro II. defcreve as
autoridades de mais de 50. Summos Pontífices ,
donde prova , que o poder do Papa fe deve regu
lar nao pelo feu moto proprio , mas pelos Caño
nes. Refere depois o juramento , que amigamen
te coftumavao fazer no dia da fuá coroaçao os Pa
pas diante da Imagem de S. Pedro , a quem pro-
mettiao obfervar fem diminuido nem alteraçaô to
Parte I. Principio V. 121

dos os Cañones dos Concilios Geraes , todos os


Eftatutos dos Pontífices feus PredeceíTores , e toda
a forma da Difciplina Eccleíiaflica geral mente re-
cebida. A forma defte juramento foi tirada do an-
tigo Diurno dos Romanos Pontífices, que pubhcoa
o Jefuita Garnier : e he a mefma que do Reforma
torio propofto no Concilio de Conftança defcreve
Vander Hart , obfervada por Martinho V. :
Daqui paila Launoy a referir o confelho que
ao Papa Paulo III. derao os quatro Cardeaes Con-
tareno , Carafa , Sadoleto , Polo : o Arcebifpo de
Salerno , o de Brundufio , o Bifpo de Verona , o
Abbade de S. Jorge de Veneza , e o Meftre do
Sacro Palacio , congregados todos em Junta para
effeito de fe defcobrirem os meios de reformar a
Igreja. Nefte confelho advertem ao Summo Pon
tífice os referidos Prelados , que a fonte donde
procederao todas as defordens que entao desluftra-
vao a Igreja , fora darem alguns Antecefíbres de
fuá Santidade ouvidos á lizonja de certos Theolo-
gos , que vendo-os inclinados a novidades , e a diu
latar por todas as vías os limites do Primado : co-
meçarao a infpirarihes a Maxima, de fer licito ao
Papa tudo quanto quizefíe. Principium omnium
malorum Me fuit , quoi nonnulli Pontífices prade^
ceßores tut prurientes auribus , ut inquit Paulus
Apoftolus , coacervaverunt fibi magifiros ad defideria
fuá , non ut- ab its difcerent , quid faceré deberent ,
fed ut eorum ßudio & callidiwe inveniretur ratio ,
> qua
122 Tentativa Theologica

qua liceret id quod liberet : ita quod voluntas Pon


tifiais , qualiscumque illa fuijfet , Regula eßet , qua
operationes ejus à* aSliones dir igèrentur. Ex hoc
fonte y fanSle Pater , tamquam ex equo Troiano ir-
rupere in Ecclefiam Dei tot abufus & gravißmi
morbi , à°c. Concluem pois os nove Prelados , que
fe Sua Santidade quer fazer como deve o feu offi
cio , ha de a (Tentar na Maxima contraria : iflo he ,
•que os Succeílores de Pedro nao fao Senhores , mas
Difperifeiros : que nao podem fazer , íenao o que
Severn ; e que fó devem , o que eftá prefcnpto pe
ías Leys ou Cañones da Igreja. Secutus doSlrinam
iApoßoli Pauli vis ejfe Difpenfator , non Dominus :
ас propterea decrevißi nolle , quod non liceat , пес
vis pojfe quod non debes, lllud vero ante amnia , bea-
tijfime Pater , putamus ftatuendum ejfe ,ficut in una-
quaque república , ita £r in hac Eccleßafiica guber-
tiatione Eccleßa Dei banc prœ omnibus legem ba-
bendam ; ut quantum fieri poteft , leges ferventur ,
dyc. Quem quizer ver efte parecer dos Confultores
de Paulo Ш. todo inteiro , abra a Htftoria dos
-Concilios de Kicher,e achallo-ha na Segunda Par
te do Livro IV. pag. 71. até 82. ou, tambem no
Supplemento dos Concilios de Manfi Tomo V.
pag. 539- ....
XIII. Na verdade quem tiver alguma liçao
ele certos Theologos e Canoniftas , que florecerao
antes do Concilio de Trento ; ha de achar , que fó
da lizonja he que podía nafcer a doutrina que no
Parte I. Principio V. 123

Cap. Quant o perfonam, Liv. I. Tit. 7. de Transía*


tione Eptfcopi , eícreve o Autor da Glofía fallando
do Papa : In bis qua vult , ei efi pro ratione volun
tas Nec efi qui ei dicat , cur ißa facis?. Ipfe enim
potefl fupra jus difpenfare , de injufiitia faceré ju-
ßitiam , corrigendo jura & mutando. Só da lizon-
ja podia л a ice г о que no Livro H. de Ееelefia.
cap. 63. ad 18. e cap. 67. ad 2. enfina о Car-
deal de Torquemada : Que de todas as Jurisdic-
çoens Ecclefiafiicas Jó a Pontificia tern por immédiat
to Autor a Cbrifio , de forte que até o poder , eju-
risdieçao dos Sagrados Apoftolos procedía de Pedro*
Que a ¿ferarquia Ecclefiafiica , ( que coníiíle prin-.
cipalmente nos Bifpos e Parocos) nao be por algu~
ma infiituiçao de Cbrifio necejfaria na Igreja : mas
Jómente voluntaria , e Jó dependente da vontade da.
Papa , e por confeguinte o Papa a pode mudar, e al
terar , como muito quizer. Só da íizonja podía ñas-,
cer o que no Tratado de Caufa immediata Eccle
fiafiica Potefiatis Art. 5. Conclufaó 2. e 3. affir
ma o Paludano.: Que os Bifpos , e mais Prelados
inferiores ao Papa , nao fao na Igreja fenao buns
meros Procuradores do Papa. Que como feus Pro
curadores , os pode o Papa remover dos feus ofßcios y
qiiando e como Ihe parecer , ainda que da parte del
ies nao baja culpa. Só da Iizonja podía nafcer 6
defeommedido afsêrto do Cardeal Caietano , quan-
do по Геи Tratado da aiuondade do Papa , e До-
Concilio chama á Igreja Servam natam Rumavi
г 24 Tentativa Theologica

Pontificis : efcrava por nafcimento do Pontífice Ro


mano. Finalmente fó da lizonja podia nafcer o ti
tulo de feu Déos , que ao Papa di a GloíTa da Ex
travagante dejoao XXII. que começa Cum inter
nonnullos : pois chegando ao verbo Declaramus ,
que vem no fim da dita Extravagante , diz affim a
tal GloíTa : Credere Dominum Deum noßrum Papam
conditorem diSia Decretales. Aílim o Jeio em duas
ediçoens de Leáo de 1584. , e 1606. , e em tres de
Pariz de 1585., e 160 1. , e 1612. Veja-fe o que
contra eftes Theologos aduladores do Papa eC-
creveo o piiflimo e doutiffimo Gerfon no Tratado
de Poteflate Ecckßaßica , Conlid- XII. e no Tra
tado de Examination DoSlrinarum , Confid. V.
aonde oppondo contra íi a razao que alguns davao :
Fiet recurfus adSedem & Curiam Summi Pontificis :
replica aílim Gerfon : Non mgabimus hoc , fi Theo-
logia iHic habuerit fuos Doclores non partiales , non
JeduSlos , non fafluofos , non quœftuofos , aut invidos :
non potefiati facttlari , non fpirituali plusquam ve
ntad faventes. Alioquin tolerabilius effet nullos ha
bere , quam tales paù.
XIV. . Antes do confelho dos o. Prelados ,
tinha Launoy referido para o mefmo intento èm
que vamos , o famozo e ineluélavel Decreto do
Concilio Gérai de Florença : que depois de defi
nir , fer o Romano Pontífice Primaz de toda a Igre-
ja , Succeffor de S. Pedro , Vigario de Cbrifio , Pay
e Doutor de todos os Chrifiaos : accrefcenta imme
diata-
Parte I. Principio V. isy

diatamente a claufula , por onde todos devenios-


crer , que o pleno poder dado por Chrifto ao Papa
para apafcentar , reger , e governar toda a Igreja :
nao he poder diípotico e Monárquico , mas lim
hum poder , que fe deve regular pelos Cañones.
Et ipfi in Beato Petro pafcendi , regendi , ac gu-
bernandi univerfalem Ecclefiam a Domino noflro
Jefu Chrißo plenum poteflatem traditam effe , quern-
admodum & in geflis (Ecumenicorum Conciliorum &
in Sacris Canonibus continetur. Defte modo citao о
Decreto de Florença os Efcritores daquelle tempo >
ou mui vizinhos a elle: como faojoao Blondo Se
cretario que foi do mefmo Papa Eugenio IV. Pre-
lidente do Concilio , na Decada X. do Livro III.
O Cardeal Marcos Vigier no Decacordo , Joao
Ekio no Livro II. de Primatи Petri , cap. 25. о
Cardeal RofFenfe no Artigo XXV. contra Luthe-
ro : e Alberto Pighio no Liv. IV. da Jerarquía
Ecclefiaftica , cap. ultimo. О que fe confirma da
ediçao Grega do meímo Decreto , que tambem he
authentica: a qual, como advertio Pedro da Mar
ca no Livro III. cap. 8. , e Boifuet no Livro VI.
Cap. XI. traduzida ao pé da letra diz aílim : Se
cundum quod , ou Juxta eum modum qui & in ge
fiis Conciliorum (Ecumenicorum à" in facris Cano
nibus continetur. Para nos nao vermos obngados a
dizer , que o Papa com o Concilio Gérai para en-
ganarem os Gregos , puzerao no Texto Latino о
contrario do que definirao no Grego : deve-fe emen
dar
isö Tentativa Theologica

dar pelo Texto Grego o Latino , que anda ñas


CoIIecçoens dos Concilios , e que em lugar de di-
zer , Quemadmodum & in geßis , traz , Quemad-
modum etiam in geßis , &c. alterando aflim , ou ,
para melhor dizer , mudando totalmente o fentido
do Decreto dogmático , que como Regra de fé fe
entregou aos Bifpos da Igreja Grega que afliftirao
no Concilio de Florença , e que como Dogma de
toda a Igreja Catholica defcreverao os Autores e
Theologos vizinhos da quelles tempos.
XV. Por ultimo obfervo , fer tao certo e
affentado , que fem o confentimento do Corpo dos
Biípos nao pode o Papa defpojallos dos feus an-
tigos Direitos : que para o Papa fe poder intromet-
ter por via de Appellaçao ou Revifta ñas Caufas
da depofiçao dos Bifpos , propoz Oíio Prefidente
do Concilio de Sardíca no anno de 347. fe con-
cordavao elles , que , nao obftante a contraria Diíci-
plina até allí praticada , podeífem dahi por diante
os Reos pedir ao Summo Pontífice novos Juizes
que conhecelTem do merecimento das Caufas já fen-
tenciadas pelos Synodos das Provincias, E rek
pondendo elles que confentiao , fe fonnou o Ca-
СогГт11 d°S ПОП 3' ^ue concec^e ao Papa aquella honra. Si vo-
Сокйр!ву4. bis placet , SanSli Petri Apoßoli memoriam honore-
mus , &c. Synodus refpondit: Placet.
O mefmo Papa S. Julio I. que na fuá cele
bre Epiftola aos Orientaes deixou das Regalias do
Primado Romano o mais illuitre Monumento que
fe
Pürte I. Principio V. 127

fe acha em toda a Hiftoria Eccleíiaftica : quando


argue a incompetencia do Concilio de Antioquia
para condenar a Athanafio , o fundamento que al
lega para Ihes moftrar que паб deviaö fentenciar
aquella Caufa fem terem primeiro confultado a Sé
Apoftolica , nao he algum direito Divino , dedu-
zido das Efcrituras : mas he únicamente o coftume
que eftava introduzido e recebido em toda a Igre-
ja pelos mefmos Bifpos. Oportuit fecundum Cano- Ibid. p
пет , & non iflo modo judiciumfieri. Oportuit feri-
here omnibus nobis, &c. An ignari eßis banc con-
fuetudinem ejfe , ut primum nobis Jcribatur , &c. Ve-
ja-fe Marca Livro V. cap. 12., e Livro VIL cap.
4. e о excellente Tratado de Libértate Ecclefiafli-
ca do Anonymo a meu parecer Francez , que trass
Goldafto no Tom.I. pag. бро.
Eu aqui fó accrefeento , que pelo mefmo es
tilo de Julio I. fallarao depois outros Papas , re-
duzindo e attribuindo ao confenfo e coftume dos
Biípos o direito de muitas Refervas. Innocencio I.
na Epiftola a Joao de Conílantinopla : Maiores ve
ro & difficiles quaßiones , ut SanSia Synodtts fla-
tuit , & beata confuetudo exigit , ad Sedem Apofio-
licam referantur. Gelaíio I. no Commonitorio a
Faufto : Nobis opponunt Cañones , dum nejeiunt quid
loquantur > frc. IPSI CANONES SUNT, qui
appellationes totius Ecclefia ad bujus fedis examen
deferri voluerunt. Nao diz Ipfe Dominus efi , ou
fpfa Scriptura funt ; mas Ipfi Cañonesfunt.
128 Tentativa Theologíca

XVI. Refta para cabal intelligencia e como


prova a priori de tudo o que temos dito neífe im-
portantiílimo Principio , explicar agora mais por
extenfo , como pode eftar eíta fubordinaçao que
os Romanos Pontifices reconhecem ter ao Corpo
de toda a Igreja , com o Primado que por direito
Divino compete indi fputavel mente aos mefmos Pon
tifices. He pois de íaber , que o fujeito a quem
Chrifto Senhor noflo próxima e immediatamente
deo a plenitud do poder efpiritual , que elle infti-
tuhio no Evangelho : nao foi propriamente S. Pe
dro , ou algum de feus Succeflores : mas íim todo
o Corpo Jerárquico da Igreja, que entaocomode
membros Ungulares conftava de S. Pedro , e dos
mais Aportólos e Difcipulos : e hoje confia do Sum-
mo Pontífice , dos Bifpos , e dos mais Miniftros ,
que conftituem a Jerarquia Ecclefiaftica. Cada mem
bra defies ou cada Apoíblo , fim eíM como mem
bra inferior fubordinado a Pedro , como a membro
principal , ou como a cabeça miniílerial de cada
hum. Mas е1Га mefma cabeça miniílerial , ou eile
mefmo Pedro , como membro que he aínda que
fuperior e mais digno , eílá íubordinado á Com-
munidade ou ao Corpo da Igreja univerfal , como
parte ao Todo , como filho á Mai , como minis
tro á Senhora. Cada Fiel em particular fim ferá
cifmatico , fe nao reconhecer por íeu Superior ao
Succeífor de Pedro : mas tambem o Succefíbr de
Pedro ferá cifmaíico , fe паб fe fujeitar á Igreja
Catho
Parte I. Principio V. 129

Catbolica. E com effeito cifmatico foi declarado


no Concilio Gcral de Piza o Papa Gregorio XI í. , e
declarado fautor de cifma o Papa Joao XXIII. no
Concilio Gérai de Conftança. Efta fubordinaçao
do Papa á Igreja univerfal ou á unidade Catholi*
ca entendia S. Hilario Bifpo de Potiers , quando
dizia contra o Papa Liberio : Anathema tibi , Li
beri. Efta entendia Firmiliano de Cappadocia ,
quando eícrevia aílim ao Papa Eftevao : Te ipfum Cyprian, pag.
excidißi , noli te fallere. Dum enim putas omnes a >J г0'

te abflineri pojfe, folum te ab omnibus abßinu'tßi.


XVII. Ouçamos já a S. Gregorio Papa no
Livro V. Epiftola 1 8. a Joao de Conftantinopla :
Certe Petrus Apoßolorum primus , membrum San- Gregorio T.

&/€ & univerfalis Ecclefiœ : Paulus , Andreas , e e 746. '


Joannes , quid aliud quamßngularium funt plebium
capita ? tarnen fub uno capite ( Chrifto ) omnes
membra funt Ecclefiœ. E mais adiante : Nos in qui-
bus per aufum temerarium culpa committitur , Jcr-
vamus quod Veritas prœcipit dicens : Si Eccleßam
non audierit , fit tibi tamquam ethnicus & pubIica
ms. E logo : Quidquid humilit er faceré debui , non
omifi : fed quia in mea correptione defpicior , reßat
ut Eccleßam adhibere debeam. Neftes lugares falla S.
Gregorio com o referido Bifpo , que nao queria obe
decer ás correcçoens que o S. Pontífice Ihe dava. E
aílim conclue , que por ultimo o denunciará á Igre
ja. Eftava logo S. Gregorio na intelligence , que o
que Chrifto dille no Evangelho : Si te non audierit ,
Г die
130 Tentativa Theólogica

die Ecclefiœ : tanto o diíTe Chriílo a Pedro, como aos


mais Apollólos. Donde evidentemente fe fegue , que
depois do Tribunal do Papa ha na ígreja de Déos
por inilituiçao de Chriílo outro Tribunal fuperior , e
ultimo , perante o qual pode o Papa denunciar e fer
denunciado. Eile he o Tribunal da Igreja, que a
refpeito de Pedro confiília no Corpo dos Apos
tólos , a refpeito do SucceíTor de Pedro coníiíle no
Corpo dos Bifpos. E como eile Tribunal necesa
riamente ha de ter jurisdieçao dada por Chriílo fo-
bre todos e cada hum dos fubditos : fegue-fe com
igual certeza, que mais immediatamente foi dado
o poder efpiritual á Igreja , que ao Papa. Por iílo
os Doutores Efcolaílicos mais antigos fempre dizem
Chaves da Igreja , e nao Chaves de S. Pedro. Na
tal Alexandre na Hifloria do feculo XIV. , e XV.
Natal Tom. Difíert. VIII. num. 53. Scbolafiici poß Magißrum
VIII. p. 527. Sententiarum & S. Tbomam claves Ecclefiœfemper

appellant , non claves S. Petri : quia immediatius


Ecclefiœ traditœ funt , quam S. Petro , illique com-
m'tjfœ funt , ut Ecclefiœ perfonam gerenti. Unde li
gandi folvendique poteßas in Eccleßa tam quam in
J'ubjeSlo proximo refidet , in Petro ¿r ejus fuccefi 0-
ribus tamquam in JubjeSlo remoto. Confirma-fe eíta
doutrina admiravelmente , refleélindo que depois
de Chriílo dizer no lingular , Si Eccleßam non au-
dierit , fit tibi ficut ethnicus & publicanus : accre£
centou logo fallando no plural com todos : Amen
dko vobis , quœçumquç alligaveritis fuper terram ,
erunt
Parte I. Principio V, 13 t

erunt Ugata (y in cœlo , &c. como denotando que


o poder de ligar e defatar , ( que he o poder das
chaves ) o dava elle principalmente á Collecçao
dos Aportólos e de feus Succefíores , que faô os
que denominao a Igreja , como parte mais nobre
della. Nao polTo deixar de referir aquí o celebre
dito de S. Agoítinho na Epiftola a Glorio e Eleu-
fio , que he a 43. da nova ediçao dos Padres de
S. Mauro : Ecce putemus tilos Epifcopos QUI S. Agoftin.T.
ROMjE JUDICJRUNT , . non bonos judkes L p- 1L P- 97-

fuffe. RESTABAT ADHUC PLENARIUM


ECCLESim VNIFERSM CONCILIUM, ut,
fi male judic¿ijje convicli ejfent , eorum fententia fol-
verentur.
Efta mefma intelligencia do referido Texto
de Omito parece que nos quería dar a mefma Igre
ja Romana , quando por muitos centos de annos
mandava 1er e cantar efte Evangelho da correcçaô
fraterna na Milla da Terça feira depois da terceira
Dominga da Qiiarefma , por efte modo : In tilo
tempore : Refpiciens jfefus in difcipulos fuos dixit
Simoni Petro : Si peccai)erit in te frater tuus b'c.
Si te non audier it , die Ecclefia ,&c. Aonde clara
mente confeífava a Igreja , que aquelle die Eccle-
fia , o dilfera Chrifto a S. Pedro , como aos mais
Apollólos : dando-lhe a entender , que depois do
Tribunal delle Pedro havia ainda outro maior , que
era o da Igreja , a quem o mefmo Pedro devia de
nunciar os incorrigiveis > e a quem os SucceíTores
I íi de
132 Tentativa Theologica

de Pedro , fe foiîem incorrigiveis ou efcandalozos »


deviao de fer denunciados por feus inferiores.
Sarpi р. ют. Já o famozo Servita Paulo Sarpi na fuá A-
Veneta de d° P°l°g'a Pe'°s Decretos da República de Veneza

1673. еш 8. advertio ha 160. annos : que nos Miffaes mais


modernos fe mudara a forma de propôr efte Evan
gel ho. Porque em lugar da que аШта referimos :
Refpiciens ¿fefus in difcipulosfuos dixit Simoni Pe-
tro : Si peccaverit in te frater tuus , &c. fe poz
efta : Dixit Jefus difcipulis fuis : Si peccaverit in
te frater tuus, &c. como hoje trazem todos os
Tous íes mif MiíTaes Romanos. Depois de Sarpi advertirao o
'm'líS^fJS mefmo os Theologos de Pariz , que no fim do fe-
jusqu'auConci. cul0 paífado imprimirao a Obra intitulada Nota in
le de 1 rente , ^ .г rr r . , ^L
ííT en panim- Lenjuram Hungartcam , que anda entre as Ubras
^njeßitenco. ^e Richer. Para que ninguem fuípeite mal da fé
re aujourd'hui e verdade deftes Efcritores , advirto a meus Leito-
Auíerre" ípor res j 4ue examinando eu os MiíTaes antigos que fe
mm uTc'eSit con^erva° publicamente na Real Bibliotheca da
à Pierre: Ret Congregaçao do Oratorio defta Corte : achei lo-
Epu^^uô" g° na° menos 4ue fete 5 tod°s imprelTos muito an-
dfarit Simoni tes das correeçoens feitas por Clemente VIH. e
de*Avenena Paulo V. e em todos elles vem o Evangelho da-
Carta ao Bifpo quella Terça feira de Quarefma do modo que o des-
deSotßons>qus * о • i m n
andana Coiiec- crevé barpi , que he о que puzemos aliima : Ke-
&a иЯпТ«п? fpiciens Jefus in difcipulos fuos dixit Simoni Petro :
tus т. l£hi. Si peccaverit in te , &c. O primeiro he o MiíTal da
w,10<,"°7, Diocefe de Rennes , ( Miffale Redonenfe ) em

Folha de Pergaminho , impreíTo em Pariz no an


no
Parté I. Principio V. 135

no 1492. 0 fegundo о MiíTal da Diocefe de Utrech,


(Mijfale Trajeclenfe^) tambem em Folha impreflo
era Pariz, anno 15 15. O terceiro he o Miflal da
Diocefe de Braga , ( Mijfale juxta uftim Alma
Bracarenßs Eccleßa ) tambem em Folha de Perga-
minho , impreflo em Leáo no anno 1558. Sum-
ptibus Joan, à Burgundia Bibliopola Regis Lufi-
tanorum. Donde tambem aprendemos , que naquel-
ies tempos tinhao os noflbs Reys Livreiro pro
prio no Reino de França. О quarto e quinto fa5
dois Millaes Romanos ( Mijfale Romanum fumma
revifum diligentia ) hum impreflo em Veneza apud
Juncias , anno 1563. outro da mefma Cidade ,
anno 1564. ambos tambem em Folha. O fexto in
titúlale , Mijfale fecundum morem Sánela Romana
Eccleßa: he em 8, anno 1403. mas nao pude des
cubrir o lugar da împreflaÔ. O feptimo he da Dio
cefe de Liege , ( Mijfale Inßgnis Eccleßa Leodicn-
fis~) impreflo em Pariz tambem em 8. anno 1500.
Eftes dois últimos eftao encadernados em Marro -

Oratorio concorda outro da Religiaó Dominicana ,


que achei em outra Livraria da Corte , impreflo
em Veneza apud Juncias » anno 1500. com eile
titulo : Mijfale fecundum Ordinem Fratrum Pradi-
catorum,juxa Decreta Capituli Generalis Salman-
tica anno Domini 155 1.
Difcorrendo agora na Caufa que teria Cle
mente VIII. ou Paulo V. para emendarem no Mif-
fal
134 Tentativa Theologica

fal Romano hum Evangelho , que tantos annos fe


leo imiverfalmente por toda a ïgreja , do modo que
deíxamos eícrito : julgo que os Correctores de que
fe vaîeo o Papa , entre os quaes tinha o primeiro
lugar o Cardcal BeJIarmino : vendo que hdo o
Evangelho daquella forma ficava patentillimo , fer
Pedro por doutrina de Chrifto inferior ao Tribunal
da Igreja : e que approvando feus SucceíTores efta
Jiçao , íe devia prefumir que canonizavao o Decre
to da Seflao V. do Concilio de Conftança , que de-
clarou eftarem os Papas fujeitos ás Leys dos Con
cilios Geraes. Vendo , digo , Bellarmino com feus
Adjuntos , que o Evangelho lido daquelle modo
incommodava muito a pretenfa Monarquia de Ro
ma : fuggerirao ao Summo Pontífice , que em Ju
gar de dixit Jejus Simorit Petro , fe lefle dahi por
diante no Miífal , dixit Jefus difcipulis fuis. Por
que affim nao ficava tao clara nem tao patente a
iubordinaçao de Pedro ao Tribunal da Igreja.
Efta correcçao dos MiíTaes me faz lembrar
outra tambem notavel , e feita pelo mefmo fim ,
que he razao nao paífemos em filencio. Todos os
MiíTaes , e Breviarios de hoje trazem afiim a Oraçao
da Cadeira de S. Pedro : Deus qui В. Petro Лро-
ßolo tuo collatis clavibus regni cœleflis liganài atque
folvendi Pontißcium tradidißi , &c. An tiga mente
porém diziao os Breviarios aiîim : Deus qui B. Pe
tro Apoßolo tuo collâtis clavibus regni cœlefiis ANI-
■Mas liganài atque folvendi Pontißcium tradidißi ,
Parte I. Principió V. 1 3y

¿TV. Aflim compoz eíla Oraçao pelos annos de Chris


to 850. o Papa S. Leáo IV. , e affim a acho eu
em quatro Breviarios que examinei na mefma Real
Bibliotheca da Congregaçao do Oratorio : a faber
no da Igreja de Liege , impreifo em Pariz no an
no de 1509. em 8. no de Leáo de França por
Joao Crefpim anno 1539. tambemem8.no dePa^
riz , que fe intitula aífim : Breviarium Romanum a
Paulo tertio recens promulgatum, anno 1542. em
4. , e no da Igreja de Braga , que no anno de 1 634.
mandou imprimir na mefma Cidade o Arcebifpo
Primaz D. Rodrigo da Cunha , em 8. E para fe
ver, que concordao com os Breviarios os Mi ífaes ,
a mefma palavra Animas confervao os dois MiíTaes
Romanos de Veneza , o MiíTal de Utrech , e о de
Liege , que affima nomeâmos ; e fora dettes outro
de outra Livrana , que me veio á maô , tambem
Romano em folha , e impreifo em Veneza com efte
titulo : Miffale Romanum ex Decreto Sacrofancti
Concilii Tridentini reflitutum , PU V. Pontificis
Maximijujfu editum , Vmetiis apud Gratiofum Pcr~
cbacinum , an. 1573. E tambem о antigo Caderno
das Oraçoens de que uzava a Igreja , que tenho
em meu poder impreifo em 8. com eile titulo :
Orat iones qua in univerfali Ecclefia per totum mun-
dtttn decantantur , nunc denuo colle cla <b° ad unguent
caßigata. Apud inclitam Antiquariam. Anno M. D.
LXXIIL
Se me perguntao agora a caufa de fe tirar
1 iv &
136 Tentativa Theologica

de todos os MiíTaes e Breviarios modernos aquella


palavra ánimas : ella he bem clara. Porque dizen-
do-fe , mínimas ligandi atquefolvendi , dava-fe a en
tender, que o poder das chaves ib fe eftendia as
almas , e ao foro da confciencia , como meramente
efpiritual. Tirando-fe porém a palavra Animas , fi-
ca ainda lugar a íe poder eilender o poder das cha
ves tambem aos córpos , e ás temporalidades : que
he o poder indirecío fobre os Eftados dos Reys
e Principes Seculares , que Bellarmino , e os mais
Jefuitas com tanto empenho pretendem dar ao
Papa.
He maxima notoria da Corte de Roma fuppri-
mir todos os monumentos antigos , e modernos , que
pofíao incommodar de algum modo as fuas novas
pretençoens. Por nao fallarmos em outros mais ía-
bidos , fupprimirao ñas Ediçoens do Concilio de
Tren to o voto de tres Bifpos , que no fim do Con
cilio forao de parecer , que fenao pedifíe confirma-
Richer no fim Çao" ao Papa : o que Richer moftra claramente,
Conciî°r' dos con^erm^° com as ediçoens de Roma do anno 1564.
i$u paS* a 4ue no mefmo anno fahîo em Pariz trabalhada

por Genciano Hervet Theologo de Fiança no mef


mo Concilio , e a que em Antuerpia fahio no mef
mo anno da Officina de Martim Nució. Supprimi-
rao no anno de 1660. a edieao do antigo Ritual
Romano , que com o titulo de Liber Diurnus Ro-
manorum Pontificum , tinha concluido em Roma
Lucas Holftenio, E fupprimirao- a com tanto em-
^ * : penho ,
Parte I. Principio V. 137

penho , que até tres folhas da impreíTao que Holíle-


nio mandara de Roma a Pariz , fez o Nuncio Ce-
Jio Picolimini altas diligencias por recobrar da mao
do Illuftriffimo Marca : e com eíFeito as recobrou
com grande diiîlmulaçao , como teftifica Baluzio
ñas Notas aos Liv ros de Concordia da terceira edi-
çao, que he a de Pariz do anno 1704. pag. 55,
É a caufa de tamanho empenho era , que o tal
Diurno , que por muitos feculos fora o Ritual de
Roma , continha entre outras coizas o juramenta
que todos os Papas davao de obfervarem inviola-
velmente os Cañones , e Ley s dos Concilios Geraes :
continha ter íido condenado na fexta Synodo como
herege 011 fautor dos Monothelitas o Papa Hono
rio I. continha outras muitas coizas r que paíTan-
do antigamente em cazo julgado, hoje nao agra-
dao á Curia. Mas todas conftao da fegunda edi-
§ao defte Diurno , que publicou em Pariz no anna
1680. o Jefuita Joaó Garner , tirada dos MíT. que
fe confervao era França , e que eu tenho lido mui^
tas vezes.
XVIIL Mas tornando já ao noflo principal
aiTumpto , ninguem explicou melhor a fubordina-
cao do Papa á Igreja , que o grande S. Agoilinho ,
que a cada paílo eftá enfinando , que todo o po
der efpiritual o deo Chrifto á Igreja como a fu-
jeito principalmente contemplado por elle , quan-
do faJIava ou a Pedro ou aos mais Aportólos. Na
13? Tentativa Theologica

fa inter omnes Apoßolos bujus Eccleßa Catholica


perfonam fußinet Petrus. Huic enim Eccleßa claves
regni calorum dataJunt , cum Petro data funt : (y
cum ei dicitur , ad omnes dicitur , Amas me , pas
ee oves meas. No Tratado CXXIV. íobre S. Joao ,
Tom. HI. p- num. 5. Eccleßa Petrus Apoßolus propter Apofio-
8ï*î latus fui primatum gerebatfigurata generalitäte per
fonam. Quod enim ad ipfum proprie pert inet , natu-
ra unus homo erat , gratia unus Chrißianus , abun-
dantiore gratia unus idemque primus Apoßolus. Sed
quando et diSlum eß , Tibi dabo claves regni calo
rum > &c. univerfam ßgnificabat Ecclefiam , quafun-
data eß fuper Petram , unde Petrus nomen accepit.
E mais adiante : Eccleßa ergo quafundatur in Chri
ßo , claves ab eo regni calorum accepit in Petro,
ideß , potefiatem ligandi Jolvendique peccata. Quod
enim eß per proprietatem in Chrißo Eccleßa , hoc
eß per fignificationem Petrus in Petra , qui fignifi-
catione inteíligitur Chrißus Petra , Petrus Eccleßa.
No Sermao CCXCV. que nas Ediçoens antigás fe
Tom V. p.ig. mimera CVIIJ. de Diverfis , num. 2. Non inter
1 difcipulos folus meruit pafcere Dominicas oves. Sed
quando Chrißus ad unum loquitur , unitas commen-
datur ; dy Petro primitus , quia in Apoßolis Petrus
eß primus. E outra vez : Solus Petrus totius Eccleßa
meruit geßare perfonam. Propter ipjam perfonam
quam totius Eccleßa folus geßabat , audtre meruit :
Tibi dabo claves regni calorum. HAS ENIM.
CLAVES NON HOMO UNUS , SED UNI-
TAS
Parte I. Principio V. 159

TAS ACCEPIT ECCLESIjE. E logo : Vt no-


veritis Eccleßam accepifje claves regni calorum ....
audi quid Fetто dieatиг , quid omnibus Fidelibus fan-
Bis : Si te non audierit , ' refer ad Ecclefiam. Amen
dico vobis , quia qua ligaveritis in terra , &c. Co
lumba Iigat , columba folvit , adificium fupra Pe-
tram ligat & folvit. É no Sermao CXLIX. que fe
coftuma citar Sermao XXIV. de Diverfis diz aífim
o meímo Agoftinho : Petrus multis locis Scriptu- Tom. V. pag-;.
rarum apparet , quod perfonam geftet Ecclefia , ma- 7 *
xime in loco , ubi diclum efi , Tibi trado claves re
gni calorum , &c. Numquid ifias claves Petrus ac-
cepit , à* Paulus non accepit ? Petrus accepit , Joan-
nés à* jacobus non accepit ? Sed quoniam in figni-
ficatione perfonam Petrus geflabat Ecclefia , quod
Uli uni datum efi , Ecdefine datum efi. Ergo Petrus
ßguram gefiabat Ecclefia , Ecclefia corpus Cbrifii
efi. Por efte eftilo fallao S. Cypriano , S. Jerony-
mo , S. Leáo I. о Veneravel Beda , e outros Pa
dres , que defereve Joao Launoy no Livro IL LaunoyT. V^-
Epiftola V. Simao Vigor no Tratado de Monorchia vigor* р'Лю!-
poueo depois do principio : Luiz Dupin na Differ- Dupin. pag.
taçao VI. §. i. e Natal Alexandre na Hiftoria do jj^j Tom
íeculo XV.. e XVI. DiiTert. VIII. num. 53. «VIH. p.
XIX.. • Delta doiitrina dos Santos Padres co-
Jhem os bons Theologos em primeiro lugar : que a
propriedade e como dominio da jurisdicçaô efpi ri
tual toda eftá no Corpo da Igreja : e que o uzo
ou exercicio defta jurisdicçaô eftá no Papa e nos.
Bis»
140 Tentativa Theologíca

Bispos , como em Miníftros oü Executores da mes-


ma Igreja. Joao Geríon Cancellario de Pariz no
Livro dos Modos de unir e reformar a Igreja , cap.
ll^T i6°m ^' Ecclefia R.omana , cujus caput Papa creditur ,
• Pa& 1 3« ¡onge minoris auSlorttatis videtur effe , univerfali

Ecclefia. Et efl quafi inflrumentalis & operativa cla-


vium uni Verfalls Ecclefia , & executiva poteßatis li-
gandi à" folvendi ejusdem. Pouco antes tinha dito
Gerfon : Huic /olí Ecclefia univerfali efl poteflas li-
gandi & folvendi tradita. Quia dato quod nullus
Papa effet , adbuc aliquis fidelium , remedium li-
lbid.pag.z43. gandi & folvendi veniret. E no Livro do Poder Ec-
clefiaflico, Confid. XI. Poteflas Ecclefiaflicainfua
plenitudine , efl in Ecclefia ficut in fine & ficut in
regulante applicationem & ufum bujusmodi plenitu-
dinis Ecclefiaftica poteßatis per fiipfam velper ge
tterale Concilium. Propterea loquitur Âuguftinus cum
aliis quibusdam , quod claves Ecclefia ¿atafunt non
uni , fed unitati : & quod data funt Ecclefia. Para
que ninguem cuide que efta doutrina he fó dos
Sylvio da edi- Theologos de França , ouça ao Cardeal Eneas Syl-
ça6 de Pinion vlo natural de Sena, que depois foi Papa Pió II.
tía Pragmati- T . , TT _ . ' Л _ г , „ J.
caSaniaöpag. no Livro da Hiitoria do Concilio demlilea, aon-
de depois de referir a expofiçaô que S. Agoftinho
no primeiro lugar aflima referido deu ás palavras
de Chriílo fallando com S. Pedro , profegue aflim :
Quibus ex verbis rabularum noflrot umfundamenta
Concutiuntur ас penitus evertuntur Quoniamfi per-
JenatH Ecclefia Petrus ferebat , nm Petro , Jed Ec~
clefid
Parte I. Principio V. 141

clefia potius vim illorum verborum debemus adfcri-


bere. Ouça a Antonio de Rofellis natural de Arezzo
tambem na Italia , Confelheiro do Imperador Si-
, gis mundo e do Papa Eugenio IV. no Livro de
Monarcbia , Parte III. cap. 16. Chrlflus Ecclefiam Rofellis da
videtur confiituijfe non in folo Petro , fed in omni- *S¿ 4om.°i"
bus Apoftolis , juxta verba Pfalmifta : Fundamen- pag.43*.
ta ejus in montibus fanclis. Si igitur Ecclefia fuit
conflituta non inJolo Petro , potius ipfum in omni
bus Apoßolis conftituit , licet in Petro ut in unofi-
gnificative & figurative , qua tarnen erat in omni
bus Apoßolis fubftantialiter , principaliter , à* effe
ctive : juxta illud Auguftini fuper Joannem , Pe
trus quando claves accepit , Ecclefiam fanSlam fignifi-
cavit. Ex quo fequitur , quod fubßantialiter & ef
fective potefias clavium eft in Ecclefia , & in Petro
fignificative , & fubfiantialiter una cum aliis. Ouça
os Padres do Concilio Geral de Piza na Carta con
vocatoria ao Antipapa Pedro de Luna no anno de
1408. Ecclefia unitat i claves à Cbrifio concejfa funt. Hardt. Tom.
Ouça ao Cardeal Francifco Zabarella Florentino ,,pas' 2'

em tempo do Papa Joao XXIII. no Tratado do


Cifma : efcrito poucos annos antes do Concilio de
Conftança : Id quod dicitur , quod Papa habet pie- Zabarella p.
nitudinem poteßatis , debet intelligi non folus , fed ¿i9^*^'
tamquam apud univerfitatem. Ita quod ip[a potefias 1609.
eft in ipfa univerfitate tamquam in fundamento , à*
in Papa tamquam in principali minifiro , per quem
bac potefias explicatur. E mais adiante : Univerfi-
• tas
142 Tentativa Theolögica

Ibid. pag.5-67. tas tottus Ecclefia numquam ita potuit transfern


ipfam poteflatem in Papam , ut defineret effe penes
ipfam : quia hoc effet contrajus divinum , ¿7- contra
exempla Apoßolorum. Ouça o fa mozo Hefpanhol
Affonío Toftado Bifpo de Avila em tempo de Eu-
Abulenfe T. genio IV. na Queíbo XLVIII. fobre o cap.
"V.pag. 357. dos Numeros : Claves data funt a Chriflo toti Ec

clefia. Quia tarnen non poterat tota Ecclefia difpen-


fare illas, citm non effet aliquaperfonajed communi-
tas , tradidit eas Petro nomine Ecclefia. E mais
adiante : Petro & aliis Apofiolis non fuerunt data cla
ves , TAMQUAM DETERMINATE PER-
SONIS, SED TAMQUAM MINISTRISEC-
CLESME : & tune magis dantur claves Ecclefia ,
quam ipfis. E na Queítao feguinte : Ecclefia fufee-
pit claves a Chrifio , & Apofloli tamquam minißri
Ecclefia : & nunc Ecclefia illas habet & Pralati
etiam : fed aliter Ecclefia quam Pralati. Nam Ec
clefia illas habet fecundum originem ¿7* virtutem: Pra
lati autem habent fecundum ufum earum. Exemplum
bujus patet in domino rei & ufufruSluario. Ouça a
outro Bifpo Heípanhol do mefmo tempo , que foi
André de Efcobar da Ordern de S. Bento , Bifpo
de Mégara , que antes de confeguir de Nicolao V.
efta Mitra , afliftio como Theologo nos dois Con
cilios Geraes de Conftança , e Bafilea : e eílando
no íegundo eícreveo o doutiííimo Tratado , Gover-
no dos Concilios , dedicado ao Cardial Juliao de
Cefarinis Prefidente do Concilio , e publicado nos.
fins
Parte I. Principio V. Î43

fins do feculo paflado por Hermanno de Hardt na


Hiíbria do Concilio de Conftança. Na primeira
Parte pois defte Tratado, cap. IL diz affîm o Bif-
po de Mégara : Plenitudo poteflatis Papalis non Hardt. T. VI:
fuit data Petro , ut Petro : fedfuit data univerfali p* 47> e t6it

Ecclefia , qua erat per ßgnificationem tota in Petro.


E mais adiante : Quando Petrus claves accepit , has
potius tota Eccleßa fuppofitaliter accepit in ipfo Pe-
tro , five per ipjum Petrum : & ipfe Petrus claves
accepit in typo , myfiice , & miniflerialiter ab ip/a
Ecclefia univerfali. Claves enim, quas Ecclefia non
pot erat per omnes exercer e univerfaliter , voluit quod
exequercntur per Petrum & ejusfuccefiores particu*
laritcr. Et ifla efl mens Hieronymi & Auguflini ,
/// ißt dicunt & Juperius fcripfi. Ouça a toda a Uni-
veríidade de Cracovia , expondo nefta materia o
feu parecer por ordern do feu Rey de Polonia La-
disláo , no anno de 1440. Нас poteftas juxta do- Hiíh da TJni-
cJrinam Apofioli I. Cor. 12. videtur omnibus in- ^Tomo^v"
ejf? membris five totf corpori , non autem uni membro png. 494.
tantum. Dicit enim Apoflolus , Corpus non eft unum
membrum , fed multa. Apparet igitur quod pote-
fias Ecclefia fe ipjam confervandi , regendi , tuen-
di , infit corpori , five omnibus membris fimul , non
autem quod ex único membro depenäeat in- totum. E lbid.pag.5-0*.
mais adiante : Ecclefia efl corpus Cbrifli myflicum
organicum fide Chrifli animatum. Cum ergo Papa
non fit corpus hoc quod efl Ecclefia , fed unum ex
membris ipfeus , juxta dottrinam Apofioli : Jequitus
144 Tentativa Theolögica

quod Papa eß pars ifiius corporis , (y ipfa Eccleßa eß


quoddam toturn. Communis autern animi conceptto efl :
Omne totum eß maiusfua parte. Ergo Eccleßa , qua
efl quoddam totum , maior eß ¿7* excellentior ipfo
Papa. Ouça ao Cardeal Nicolao de Cufa Alemao ,
e Bifpo de BreíTa na Italia , que florecía pelos an-
nos de 1450. no Livro II. de Concordant/a Catbo-
Cufa
BaiU. 1565. ' l*ca 5 caP- 1 Poteflas ligandi & folvendi , & in-
fallibilitas & indeviabilitas propter Chrifli aßiflen-
tiam, eß in ipfa Catholica vera Eccleßa. Cum au-
tem Romanus Pontifex ßt membrum illius Eccleßa ,
qua corpus Cbrißi eß ; & infallibilitas NON CUI-
LIBET MEMBRO , SED TOTI ECCLE-
SiJE PROMISSE EST: tune non eß dubiumy
quod poteßas indeviabilis totius Eccleßa eßfupra po-
teßatem Romani Pontificis : quamquam ab eodem
principio poteßas tarn Eccleßa quam Papa fluat.Ouça
finalmente os Padres do Concilio Geral de Baíi-
lea , que eraÔ alguns trezentos, na Repolla Sy
nodal aos Menfageiros do Papa Eugenio IV. eferi-
7o°smc?naL ta no anno de 43*'Etß P*P* maior fit in Ec-

pag. elefia , non tarnen maior eß tota Ecclefia. Uni au-


tem quare diSlum efi , Tibi dabo claves regni caelo-
rum , SanSli Doclores exponunt , ut unitatem defi-
gnaret Ecclefia : & ideo exordium ab unitate profi-
ciscitur , ut Ecclefia Chrifii una eße demonflretur :
à" Petrus quando claves aeeepit , ut diät Augufli-
nus , Ecclefiam fignifieavit IPSA ENIM
ECCLESIA UNÜS EST PRINCPES , ET
UNI-
Parte I. Principio V. 145

UNITJTI FIDELIUM, NON SINGULIS,


HjEC JUR1SDICTI0 A DOMINO CON-
CEDITUR. : & ideo ab uno incipere voluit , ut uni-
tatem atque unanimitatem defignaret. He de adver
tir , que efta doutrina a publicarao os Padres de
Baíilea logo depois da Seifao IL eftando ainda
unidos a Eugenio IV. e preíidindo ao Concilio о
Cardeal Juliao de Cefarinis nomeado para iflb pe
lo mefmo Eugenio. Donde o mefmo Bellarmino
no Livro III. de Ecc/eßa, cap. 16. confeífa , que
antes daSeflaoXXVI. celebrada no anno de 1437.
em que os Padres negarao a obediencia ao Papa,
nao fora illegitimo nem cifmatico o Concilio de Ba
íilea. E o mefmo tinha já antes declarado o mef
mo Eugenio IV. na Bulla Salvatoris , e na Bulla
Expofcit debitum ; que andao no principio das Acias
do Concilio de Florença.
XX. Colhem em fegundo lugar os mefmos
Theologos • que ainda que tanto o Papado , como

o Epifcopado, feja de Direito divino : com tudo


a Igreja , que coníiíte na Congregaçaô de todos
os Fiéis , e a quem Chriíto principalmente atten-
deo , quando entregou a Pedro e aos mais Apolló
los as chaves do poder efpintual : efta Igreja , di-
zem , que he como proprietaria deltas chaves , e
de quem o Papa e os mais Bifpos fao como Mi
niaros e Executores : pode regular e limitar , co
mo defacto tem regulado e limitado pormeio dos
feus Cañones , o uzo e exercicio deíte poder eípi-
K ritual
146 Tentativa Theologica

ritual de feus Miniftros : e ordenar , como de fa-


, T cío tem ordenado, que o poder de huns e oufros
nao exceda os limites preícriptos, nem huns je in-
tromettao com as jurifdicçoens dos outros. Joao
Geríbn Tom. Gerfoii no mefmo lugar ácima referido : Papa de
II. pag. 164. re¿ja confitentta non maiorem habet , пес habere po-

tefl auSloritatem & executionem poteßatis , quamfi-


Ы ab univerfali Ecclefia conceditur. E no SermaÔ
Ibid.pag. 205. do Sabbado de Ramos : Ecclefia vel Generale Con
cilium , quamvis non poffit tollere plenitudinem po
tefiatis Papalis a Chrifio fttpernaturaliter collate\:
POTEST TAMEN USUM EJUS LIMITA
RE SUB CERT1S REGULIS AC LEGI
BUS in adificationem Ecclefia, propter quam Papalis
auSloritas jy altera hominis collata eß: & in hoc eß to-
tius Ecclefiaflica reformat ionisflabilefundamentum.
O Cardeal Pedro de Ailly Bifpo de Cam-
bray e Meftre de Gerfon no Livro de AuSlorita-
te Ecclefia , Concilii Generalis, ¿7- Papa, Parte
Ailly no HI. cap. I. Plenitudo potefiatis eß in Papa tarn-
Gerfon pag? Çuam m fubjeclo ipfam recipiente à" minifterialiter
051. exercente : eß in Ecclefia univerfali , tarnquam in
objeclo ipfam caufaliter & finaliter continente : eß
in Generali Concilio , TAMQUAM IN EXEM-
PLO IPSAM REPRESENTANTE ET RE
CULARITER DIRIGENTE. Quia fi Papa
ateretur bac poteßate ad deßruBionem Ecclefia , Ge
nerale Concilium efi exemplum velfpeculum diBam
ttniverfam Ecclefiam reprafentans , & ejus vice, ö*
nomi-
Parte i. Principio V. 147

nomine abußts bujusmodi poteßatis coercens , regu


lan* , à° dirigens. E no cap. 4. Tam dejuré huma- ibid. p. 95^.
no quam divino concedendum eß , Papain poße ab
univerfali EccJeßa vel a Generali Concilio in multis
caßbus judicari & condemnari , à* ab eo ad Cond- 'V, !Д jj
//»/w multis in* caßbus poße appellari. • ' ■ .
.'•\ ' V; "Tbömaz de Corcellis Theologo de Carlos

VII. Rey de Franca no Concilio de Bafilea , ao


quai Eneas Sylvio chama Vir doSlrinâ juxta mi
rabilis , à* amabilis , no graviflimo Difcurfo que fo-
bre'a prefente materia fez na AíTemblea de Bourges
no anno de 1440. fegundo o defcreve Pitheo no
cap. XII. num. 4. Totum Collegium Apoflolorum^-^o^.^
beatorum ita praSlicavit , quoniam poß declaration
пет babitam in fuo Concilio Jerofolymitano , non di-
cebantßc in Conclußone , Vifum eit Petro ,/ed Vifum
eftSpiritui Sanólo & nobis : пес dicebant ita, Placet
Petro , fed Placuit Apoftolis & Senioribus cum omni
Eccleíia : attribuentes Spiritui SanSlo & toti Concilio
auSloritatem ejus , quod ibidem decretum erat.
O Cardeal de Cufa , no Livra II. de Con* r. --u - ■
cordantia Catholica , cap. 34. Non fuit Petrus w_ Cufa p. 77*-
illo Primatu Eccleßd maior : quoniam ipfe ab Eccle-
ßa à* propter earn nominatur , fecundum Augußi-'
пит & alios DoBores. QUARE ILLA МАЮ-
RITAS NON FUIT MA10RITAS SUPRA ,
SED INFRA ECCLESIAM. Unde licet osßve
caput effet Apoßolorum & Ecclefia , & ejus nomine
proponeret à* re/ponderet: tarnen nibilo minus tam-
К ii quam
ï 48 Tentativa Theologica

quam memhrum fulfuît. Quare in medio fiâelium


furgens in revereniiam Ecc lefia îocutus efi , &paf-
fus efi Je mitti in Samariam ab ipfa , ASI. VIIL
E mais abaixo : Si propter Rcclesiam Petrus a Pe
tra diclus efi , & Ecclesia non efi nisi unió fidelium :
recle propter unionemfidelium & ob tollendum fchis*
ma prasidentia efi. Quare unitas fidelium efi illa ,
ad cujus fcrvitium & obfervantiam prœsidentia efi
fuper singulos. Hinc unitas fidelium, quam nos Ьс-
clesiam dicimus , sive univerfale Concilium Catholica
Ecclesia illam reprafenians EST SUPRA SUUM
MINISTRUM AC SINGULAREM PRjE-
SIDEM. Já no cap. 17. do meímo Livro II. ti-
Cufa p. 736. nha efcrito o mefmo Cardeal о que fe fegue : Quis
dubitare potefi fana mentis , univerfale Concilium
abfque diminutione vera potcfiatis & privilegii Se-
dis Apofiolica , tarn in abufum , quam in abuten-
tem poteftatem habere pro fui ipsius confervatione ?
Quare univerfaliter dici poteß , univerfale Concilium
habere potefiatem immediate a Chrifio , ¿7- efe omni
refipeSlu tarn/ирга Papam , quamfupra Scdem Apo-
fiolicam. Et banc fententiam probant plura gefia &
Cañones & rationes*
O Bifpo de Avila Affonfo Toftado no feu
XXV "^8 ^efepforto •> f*arte caP- ¿9- Manifefium efi au-
e 130. P ' Йогitatem Ecclefia ejfe maiorem auSloritate Papa:

cum ilia non pofßt errare пес infide пес in moribus :


ifie autem in utraque errare potefi , Jape repertum
efi , quod Summi Pontífices in utraque erraverint.
Parte I. Principio V. 149

Ob hoc autem CHRISTUS CONSTITUIA SU~


PREMUM TRIBUNAL IN ECCLESIA
IN SACRO CONCILIO EHAM SUPRA

O Bifpo de Mégara André de Efcobar no ,; ... f_ , .


referido Tratado , Governo dos Concilios Parte
VI. cap. 3. Concilium non fubjicitur jfuri pofitivo , Har^^' J*'
cum habeat plenitudinem potcßatis , & fit a Jure p' 1 • e ^ Xî

divino immediate , ut dictum eß. Qua poteßas Ii-


gandi & [olvendi eß in ipfa univerfitate univerjalis
Ecclefia. Qua Ecclefia fuperiorem non habet nifi
Deum , пес fubjicitur legi pofitiva. Qua Ecclefia
etiam non potuit transferre fuam poteflatem in ip~
fum Papam totam , in tantum quod defineret efe pe
nes earn. Quia hoc effet contra jus divinum , & con-
tra exempla Apofiolorum. E na Parte IX. cap. I.
Ex quibus fequitur , quodfimpliciter &fine additio-
ne debet teneri & eredi , quod poteßas Ecclefia in
omnibus eß maior , quam poteßas Papa , in auSlo'
ritate^ in jurisdiSlione , & in executione.
Dionyíío Carthufiano Efcritor Flamengo do
meímo feculo XV. em que floreceo Toilado , no
Tratado de Aucloritate Papa & Concilii , Art. Carthuf. T.
XXVII. In his qua proprie ас directe fpeSíantadfo- ver£ dalSic.
rum Generalis Concilii , Concilium videtur ejfe fu- de Colon.
per Papam , ita quod Concilium dando voces fuas ^32-
feu vota , eß liberum , пес Papa poteßatem coerciti-
vam habet fuper illud in hujusmodi caufis , magisque
ßandum determinationi Concilii Generalis quam Pa-
K iii pœ*
1 50 Tentativa Theologica

Ibid. fol. 34т. P*' e no Artigo XXXI. Porro ha causa funt e¡c-
verí. tirpatio baretica pravitatis ас fchismatis , declara-
tio fidei , atque editio fymboli ejus , universalis re
formatio Eccleßa in capite & in membris ejus, ba
que in expeditione ißorum maior dicitur poteßas
Concilii Generalis quam Papa. Quoniam Chrißus
promißt Eccleßa feu Concilio ipsam reprasentanti
infallibilem direSlionem & gloriosam aßißenttarn in-
ceßantem. Unde &> Papa in taltbus tenetur ßare de-
terminationi Eccleßa feußatutis ConetIii , tamquam
ordinationi асjententia Spiritus SanSli. CUMQUE
PAPA P0SS1T ERRARE IN FIDE ET
M0R1BUS , AC CETERIS QUJE SUNT
DE NECESSITATE SALUTIS, EJUS JU-
VICIO NON FIDETÜR ULTIMATE AC
CE RTITUDINALITER STANDUM IN
ISTIS : CUM NON SIT INFALLIBILIS
REGULA, ÑEQUE INDEVIABILE FUN-
DAMENTUM. Affim julgava e efcrevia hum hö
rnern , a quem pelas fuas raras virtudes , e mila
gree, venera com culto publico toda a Sagrada Re-
Jigiao da Cartuxa : e a quem por efta rezao derao
lugar entre os Santos os Padres Bollandiftas no
ASIa SanSlorum-i a 12. de Marco.
XXI. Col hem em terceiro lugar os nofíos
Theologos : que como toda a força e autoridade
da Igreja univeríal fe acha no Concilio Geral que
como tal reprefenta toda a Igreja Catholica : hu
ma vez preferiptos e deíignados pelo Concilio Ge-
ral
Parte I. Principio V. iyr

ral tanto os limites do Papado , como os do Epis


copado , como todos os mais Pontos da Difcipli-
na e Reformaçao Eccleíiaíhca : nao pode o Papa ,
nem podem os Bifpos execeder eíles limites : aflim
como nem o Papa , nem os Bifpos podem hir con
tra o que em materias de Fé e coftumes tiver defi
nido o Concilio Geral legitimamente convocado e
celebrado. Efta conclufaô eftá definida em termos
pelo Concilio Geral de Conftança no Decreto da
SeíTao V. que diz aííim : Primo déclarât bac San- Hardt Hiíbr.
Sta Synodus Conflantienfis , quod ipfa in Spiritu do Conj 'mde

SanSlo legitime congregata y Generale Conciliumfa- iv^pag.^.'


tiens y & Ecclefiam Catbolicam reprafentans , pote-
flatem a Cbrißo immediate habet , cui quilibet cujus-
cumque ftattis vel dignitatis , etiamfi Papalis ex-
ißat, obedire tenetur in his , qua pertinent adfiàem ,
& extirpationem Jchismatis , ac generahm reforma-
tionem Ecclefia Dei in capite & in membris. Item
déclarât , quod quicumque cujuscumque conditionis ,
fiat ûs , vel dignitatis , etiamfi Papalis exiflat , qui
mandatis , flatutis , feu ordinationibus , & prace-
ptis bujus SanSla Synodi , & cujuscumque alteriiis
Concilii Generalis fuper pramijfts , feu ad ea perti
nentibus obedire contumaciter contempferit : nifi re-
fipuerit , condigna pœnitentia fubjiciatur , & debite
puniatur y fyc.
XXI. Efte Concilio e fuas Definiçoens con-
firmou na SeflaÖ XLII. o Papa Martinho V. pe- ff^J^.
la Bulla Inter cúnelas : aonde aos que fe conver- e 1548.
К iv terern
152 Tentativa Theologica

terem da hereíia manda fazer elles Interrogatorios :


Utrum credat quod quodcumque Concilium Generale ,
à* etiam Conßantienje , univerfalem Eccleßam reprœ-
Çentet ? que he hum dos Artigos definidos na Set»
fao V. Item quod illud quodfacrum Concilium Con-
ßantienfe univerfalem Eccleßam reprafentans , ap-
probavit & approbat in favorem fidei & adfalutem
animarum : quod hoc efl ab univerfis Chrifii fide-
libus approbandum jy tenendum. E nao parece ter
duvida , que tudo о que fe definió na SelTao V. he
a favor daFé e dos bons coítumes. E que o tal De
creto falle nao íó do tempo do cifma , mas de ou-
tro qualquer , confta manifefta mente daquellas pa-
lavras do Concilio, hujus Sánela Synodi &cujus-
cumque alterius Concilii Generalis, >
Que a confirmaçao de Martinho V. fe eben
da nao fó aos Decretos que no Concilio fe publi-
carao depois da fuá eleiçao, mas taobem aos que
fe publicarao antes: prova-fe claramente da Bulla
Tom. XVI. Cupientes do mefmo Martinho V. paífada na Sef-
d°s Concib^p. fao XLIV. aonde elle fe confelTa obrigado a ob-
xvil? pag"1 fervar o Capitulo Frequens , eftabelecido no Con-
222. e 225. cilio na Seífao XXXIX. antes de eleito Papa. Eis-
aqui as palavras de Martinho V. Cupientes ac vo-
Jentes decreto hujus Generalis Concilii jatisfaceré ,
inter alia difponenti , quod &c. E fegunda vez na
Bulla Nuper diz affim : Cupientes Generale Conci
lium juxta deliberationem & ordinationem San Я'œ
Synodi Conßantienßs celebran. E tereeira vez na
•■ Bulla
Parte I. Principio V. 153

Bulla Dum onus defte modo : Dudum Sacrum


Generale Conßantienfe Concilium flatuit ¿7° decre-
vit , &c. О que taôbem prova , que os Decretos
de Conftança taobem militao fora do tempo de
cifma. Que igualmente fe eftenda a mefma confir-
maçao nao fó aos Decretos eftabelecidos no Con
cilio depois de unidas todas as tres obediencias ,
mas taobem aos que precederao á uniao : moftra-fe
com igual evidencia da mefma Bulla confirmatoria
Inter cunetas : em que Martinho V. manda crer e
proteftar , que as Sentenças proferidas na SeíTafr
VIII. contra Joao Wiclef , e na SeíTao XV. con
tra Joao Hus, forao legitimas e juftas, e Senten
ças de hum Concilio Geral. Utrum credat quod di
elW condemnations per Sacrum Generale Concilium
rite & jufle faSla funt. Quando das Acias confta ,
que a obediencia de Gregorio XII. fó fe unió na
SeíTao XII. e a de Benediclo na Sefíao XXII. * t
XXIII. Fallando já dos outros Pontífices
que fe feguirao, nenhum feapontará, que emal-
guma Bulla dogmática ou Definiçao folemne , an-
nullaíle 011 reprovaíle eftes Decretos da Seílao V.
de Conftança. Antes Eugenio IV. na mefma Bul
la Moyfes , em que condena as ultimas Acias do
Concilio de Bafilea : ( ifto he, as que fe feguirao
depois de transferido o Concilio para Ferrara no
anno de 1437.) allegou contra os Baíileenfes a
autoridade do Concilio de Conftança , como de Tom. XVIII.
hum Concilio Geral e irrefragavel : Pravum ipso- p°* J°™¿ ,os

rum
1 54 Tentativa Theologica

rum Bafileenfium fenfum, quern facia detnonßrant ,


veJut SacrofanSîœ Scriptига , & SanSlorum Patrum,
ET IPSIUS ETIAM CONSTANTIENSIS
CONCILH fenfui сontrarium äamnamus, &c.
XXIV. E para fe ver a femrezao , com que
Bellarmino , Duval , Juftiniano , e outros Cunaes
nos oppoem efta Decretal Moyfes , como fe ella
folie huma Condenaçao íolemniflima dos Decretos
de Conftança : he de advertir , que muitos annos
depois , ifto he, node 1448. ( quando eleito Ni
colao V. Succeífor legitimo de Eugenio IV. tra-
tarao os Principes Chriftaos unidos a Carlos VIL
de França o negocio da ceífao , que do Pontificado
devia e quería fazer o Antipapa Felix V. ) hum dos
Pontos que os Eleitores de Alemanha propuzerao
Tom. XIX. na fuá Inftrucçao , foi o que fe fegue : lnßabit Do-
dos Concilios m'mus Rex Francorum , quod S. D. Nicolaus Pa-
pafi¿ 4' pa V. Concilium Conßantienfe , Deeretum Frequens ,

& alia ejus Decreta , ficut cetera Concilia Catboli-


cam Eccleßam reprœfentantia , ipforum poteßatem ,
honorem , & eminentiam , SICUT ET CETERI
ANTECESSORES SUI, fufeipiet , ampleSletur ,
& venerabitur. Fez o Antipapa Felix celfao do
Pontificado , proteftando ñas Letras da celfao que
Raynaldo no efereve Odorico Raynaldo , que a Definiçao fei-
апгю 1449. n. ta em Conftança na SeifaÖ V. era huma Défini-

Tom. XXIX. çao nulla umquam oblivione delenda. Proteftarao tao-


da^no^edi4 OS ^Pos ^° Synodo de Laufana , fequazes
até alii de Felix V. que aceitavao e reconheciao
por
Parte I. Principio V. i^y

por único e verdadeiro Pontífice a Nicolao V. fi-


dâ relatione intelligentes , ipsum eandern credere b*
tenere veritatem pro conservanda auSloritate Sacro-
rum CondIiorum IN SACROSANCT^ SINO
DO C0NSTANT1ENSI DEF1NITAM ET
DECLARATAM , in Sacro Baßleenß Concilio
renovatum , пес non a Prœlatis , Regibus à" Prin-
cipibus , Univerfitatibusque Orbis fusсерtarn , &c.
Com ellas condiçoens fe concluio a paz : com eítas
admittio Nicolao V. no Collegio dos Cardeaes o
feu contendor Felix. E nao íatisfeito ainda com ií-
to o mefmo Papa, annullou peía Bulla Tanto nos , Tom. xix.
todas as Sentenças e Proceífos , que contra os Pa- dos Concil-

dres de Bafilea tiveífe publicado íeu Anteceflbr Eu


genio IV. Nao fe pode nem deve logo reputar
condenada , antes fe deve julgar approvada pelos
Summos Pontifices a Seflao V. de Conftança. E
aífim paíTemos já a convencer de falfos outros de-
feitos, que lhe imputao os quatro Cardeaes Tor-
quemada , Caietano , Bellarmino , e Oríi.
XXV. Oppoem todos como argumento info-
Juvei , que quando fe celebrou em Conftança a
SeíTao V. nao affiftiao no Concilio fe nao os Car
deaes e Prelados da obediencia de Joao XXIII. que ,
como elles dizem , nao reprefentavao mais que a
terceira parte dalgreja: pois faltavao os Cardeaes
e Prelados que ainda feguiao as partes dos dois An
tipapas Gregorio XII. e Benedick) XIII. He de
faber, que além dos Cardeaes , fe achavao entao
em
156 Tentativa Theologica

em Conftança alguns duzentos Bifpos de Ale ma-


nha , Inglaterra , Polonia , Suecia , Noruega ,
Dinamarca , Hungría , Bohemia , França , Can
des j e da maior parte de Italia : os Prelados das
Religioens de S. Bento , da Cartuxa , dos Pre-
monft raten fes , Ciftercienfes , Dominicanos , e Fran-
cifcanos : os Deputados e innumeraveis Doutores
das Univeríidades de Pariz , Bolonha , Vienna,
Cracovia, Osford , e Praga : o Imperador Sigif-
mundo com os Embaixadores dequafi todos os Rei
nos ácima referidos. A toda efta multidao chamaba
Bellarmino a terceira parte da Igreja : quando a
Benedicto XIII. fó obedeciao os Caílelhanos , Ara-
gonezes , e Navarros : ( porque o nodo Portugal
eftava por Joao XXIII.) a Gregorio XII. fó obe
deciao os Efcocezes , os da Pulha no Reino de Ña
póles , e algumas outras pequeñas Communidades.
Mas havia já finco annos , que tanto Benedicto
como Gregorio , eftavao declarados Antipapas pe
lo Concilio Geral de Pifa , a que concorrerao com
innumeraveis Prelados de todas as naçoens ácima
nomeadas , os Cardeaes das tres obediencias. Affim
he que depois do Concilio de Pifa , continuarao
os Hefpanhoes em feguir a Benedicto , e os Efcoce
zes com alguns mais em feguir a Gregorio; Mas
além de que todos forao convidados para virera -a*
Conftança , e convidados por hum verdadeiro Pa
pa , que foi Joao XXIII. todos pouco depois fe
vierao a unir ao Concilio; a íaber os da obedien-
• - cia
Parte I. Principió V. 157

cía de Gregorio na SeíTao XII. os da obediencia


de Benedifto ñas SeíToens XXII. XXVI. e XXXV.
E nao confia , que em coufa alguma repugnafíem
aos Decretos das SeíToens antecedentes.
Mas ainda que fe nao uniíTem , ou ainda que
relu&aílem ; pedia a razao , que finco o íeis reta-
lhos do Chriftianifmo , que todos juntos nao faziao
a quinta parte dos que íe achavao defde o princi
pio em Conftança : e que fendo convidados nao
vierao , fabe Déos com que confciencia : nao ti*-
raíTem nem pudefíem tirar com a fuá auzencia ou
contumacia o vigor e autoridade de huns Decretos
acordados e promulgados em publica SeíTao pelos
Prelados de dez grandes RegioensCatholicas ; das
quaes fó a Alemanha comprehendia mais , que to
da a Hefpanha e Efcocia. De outra forte de ve Bel-
larmino confeífar, que naquellas circunftancias ti-
nha defamparado Chrifto a fuá Igreja , tirando-lhe
ou negando-lhe as forças neceflarias para refiñir ás
herefias e aos cifmas, que a combatiao. Deve confeí
far, que nao fora Ecuménico o Concilio deEfefo,
por faltarem e fe fepararem delle os Bifpos do Pa
triarcado de Antioquia , que erao mais de 40. Deve
confeflar, que taobem nao fora Ecuménico o Conci
lio deFlorença : pois nelle faltarao todos os Prelados
que pelo mefmo tempo aíliftiao em Bafilea , ainda
quando Eugenio paílbu a famoza Decretal Mqyfes.
XXVI. Mas quando fe celebrou a Seílao V.
( inflao os quatro Cardeaes ) nao affiília já nella
o Pa
iy8 Tentativa Theologica

o Papa, que de Conitança fugira improvifàmente


para Scafuza de Auftria. Affim he : mas ainda affim
todo o Concilio aíTentou e definió , reprefentar-fe
nelle a Igreja univerfal : e efta fuá Definiçao con-
firmou depois Martinho V. na Bulla Inter cúnelas.
Ainda affim todo procedeo a citar proceflTar,"é
últimamente a depôr o Papa , como efcandalozöy
incorrigivel , e com a fuá retirada fautor do ciíma.
Ainda affim fe deo o mefmo Papa por deporto,
e foi eleito em feu lugar Martinho V. que nin-
guem duvida foi verdadeiro e legitimo Papa. Aina
da affim continuou todo o Concilio muito antes da
eleiçao de Martinho a cenfurar e condenar na Sef-
fao VIII. os erros de Joao Wiclef, na SeífaoXV.
os de Joao Hus. E na SeíTa6 XLII. definió Marti
nho V. na meíma Bulla , que as referidas conde-
naçoens forao e fe deviao ter e crer como legiti
mas e juilas : Quod diSia condemnationes per Sacrum
Generale Concilium rite &juflefaSla Junt. Aonde
he de notar chamar o Papa Concilio Geral o da
SeíTao VIH. e XV. naö obftante faltar nelle Joao
XXIII. e nao eftarem ainda unidos ao Concilio os
parciaes de Benedido. O que fuppoíto , a quem
havemos dar crédito : ao Concilio , ou aBellarmino ?
Ao Papa , ou ao Cardeal ?
XXVII. Mas continuao as replicas de Bel-
larmino e Oríi dizendo : que ainda que pelo que
toca aos erros de Wiclef e Hus foíTem legitimas as
Definiçoens do Concilio : nao o forao as da Sef-

íaó
Parte I. principio V. 159

faö V. porque o que nelJa fe definió , fora fem


preceder examç. A tanto faz chegar os homens a
preoccupaçao ! Deila forte podem os hereges elu
dir qualquer Definiçao dos Concilios Geraes , di-
zendo que о que nelles fe decretou , foi fem fer
antes examinado : e entao nenhum Canon nem De-^
creto ficará em pé : e tudo íicará vacillante. Accref-
ce паб íe poder de modo algum provar , que a
materia propoíla na Sefíao V. nao foíTe antes mui-
to bem averiguada e ponderada : íobre o que bafc
taflsj olhar para a fuá gravidade, e para a circuní-
pecçaô e prudencia de duzentos Bifpos , e de in-
numeraveis Doutores deTheologia eDireito, que
no Concilio fe acharao e votarao. Qiianto mais que
hum entre elles o maior , o mais fabio , e mais pió i
quai foi Gerfon , no Tratado de Poteßate Eccleßa-
flica , Confid. XII. ( foi efcrito dois annos depois )
expreíTamenté affirma , fer a Definiçao da SelTao
V. huma verdade tirada dos Principios Theologi-
cos mais clara que a mefma luz : Poß declaration Tom. II. pag.
пет ex Theologia principas luce clariorem. E паб247-е355-

Ihe daria eile nome , íe elles Principios nao fof-


fem antes notorios e ponderados : e na verdade os
tinha já ponderado entre outros no anno de 1 3 8 1 . Tom. ir. de
o celebre Doutor Alemao Henrique de Haffia no Gerfon Pag-

íeu Confelbo de Paz, cap. 13. e no anno de 1400. 4'


o outro Sorbonico Pedro Plaoul no Diícurfo que
fez no Concilio de Piía SeíFao XIII. da ediçao de
Hardt.. No Sermao de Santo Antao pregado ta6- ^fäg r™'

bem
i бо Tentativa Theolögica

bem em Conftança em prezença do Concilio , ef-


creve o meímo Gerfon , fer efta huma Decifao
clarifpma , e folidijfima , e fundada [obre a pedra da
Sagrada Ejcritura , aonde Chrifto difle a Pedro :
Si te non audierit , die Ecclesiœ. Si Ecclesiam non
audierit , sit tibi tamquam ethnicus & publicanus.
Ibid pag.iij. Efta mefma doutrina tinha provado e illuftra-
e i6x. e 201. ¿0 com graviffimos fundamentos da Efcritura e Tra-

diçao o mefmo Gerfon antes de fe celebrar em


Conftança a Seflao V. A faber no anno 1408, na
Conferencia com os Deputados da Univerfidade de
Osford , que começa : Congratulatur veßr<e devo-
tioni. No anno de 14 14. no Tratado do Modo de
Unir e Reformar a Igreja , que começa : Dolentes
quarebamus te. N0 anno de 14 15. noSermao que
fez diante de todo o Concilio logo depois da fuga do
Papa , que começa : Ambulate dum lucem habetis.
О mefmo Gerfon no outro Sermao pregado
taobem em Conftança na SeíTao XVII. pro Via-
gio Regis Romanorum , attefta , que defta mate
ria tinha feu Meftre o Cardeal de Ailly ( hum
dos que fe a chara б no Concilio ) publicado varios
Ibid. pag. 176. Tratados antes de celebrada a Seílao V. Scripsit
fuper hoc errore velfeandalo Reverendißmus Pater
Dominus Cardinalis Cameracensis Preceptor meus
inelytus DUDUM ETNUPER ANTE QUAM
FIERET ИМС CONSTITÜTIO.
Finalmente Theodorico de Niem , que ef-
creveo a vida do mefmo Joao XXIII. e affiíUo em
Cons
Parte I. Principio V. i6t

Conftança no Concilio, aonde taobem faîeceo : no


Livro II. cap. 8. depois de referir, como com a re
tirada do Papa começarao alguns Cardeaes a pu
blicar, eilar diflolvido o Concilio: accrefcenta lo
go, que a efta doutrina fe oppuzerao fortemente
muitos e graviflimos Theologos e Padres que no
Concilio fe achavao. Et eis refponfum fuit acriter Hardt Tom.
per plures de ipfo Concilio viros magnt auflorita-l[-?4- 398-
tls, & [científicos: feiltсet , QUODPJPANON
ESSET SUPRA CONCILIUM, SED ESSET
SUB CONCILIO. Com effeito das mefmas Adas
confia, que a queftao da autoridade do Concilio
fobre o Papa fe conferio e ponderou antes entre
Padres e Theologos , entre os quaes faziao a pri-
meira figura os da Univeríidade de Pariz, como
em toda a parte fempre fizerao.
Ifto baítava para convencer as tergiverfaço-
ens de Oríi e Bellarmino , e para moftrar a circum-
fpecçao e madureza com que os Padres de Con-
ftança formaraÖ e publicarao o Decreto da Seiko
V. Mas como efere vemos em hum Paiz , em que
as opinioens Ultramontanas eftao profundamente
radicadas por falta de liçao : demorarme-hei mais
algum tanto em moftrar o grande pezo, que a to
dos deve fazer a Decifao de hum Concilio tao ce
lebre , como foi o de Conftança.
XXVIII. Que efte Decreto pois por todo
o ièculo XV. em que fe celebrou o Concilio de
Conftança, o recebeífem os Biípos e Theologos
L ; , JL da
гвг Tentativa Theologica

da Chriílandade , como hum Decreto dogmático oit


Regra fundamental de todo o poder eípiritual da
Igreja a refpeito de todos e quaefquer Papas , e
para todos e quaefquer tempos e cazos : he fa¿ro,
que com toda a evidencia fe moftra dos Efcritores
daquelle tempo , que ou aífiftirao no Concilio , ou
florecerao poucos annos depois. Entre os que aíTif
tirao tem o primeiro lugar o Cardeal Biípo de
Cambray Pedro de Ailly , que no feu Tratado
Nofim doT. de AuSioritate Ecclefia , ConctUi Generalis , & Ro
ll, de Gerfon man¡ pontißds , efcrito em Conftança , anno e
c95 • me]0 depois de celebrada a Seftao V. efcreve aííim

na Terceira Parte , cap. H. Нас Conchisio (falla


do poder do Concilio íbbre o Papa ainda fóra do
cafo de herezia ) in condemnatione <¡y depositione
jfoannis Papa XXIII. praSlicata efl per hoc Con
cilium Generale , cujus determinationi contradhere
non licet. E logo no cap. III. chama errónea adou-
tnna contraria , pelo fundamento de fe oppor aos
Decretos de Conftança. PrœmtJJam opinicncm er
ronéam e/fe, fatis patet ex aclis in hoc Sacro Con
cilio.
Tem o fegundo lugar o Cancellario de Pa-
Geríon Tom. riz Joao Gerfon, que etn muitas das fuas Obras
»7^1 303.' e a^eSa e defcreve o Decreto de Conftança por pa-
Iavras formaes , como huma Regra da Fé Catho-
lica. A íaber, no Tratado dePoteflate Ecclesiafli-
ca , Confideraçao IV. (o qual Tratado foi Jido
publicamente na Seftao XXVI. ) no Sermao pro
ViagiQ
Partei. Principio V. 165

Viagio Regis Romanorum pregado no mefmo Con


cilio dois mezes depois de publicada a SeíTao V.
no Sermao de Santo Antao, pregado taobem em
Conftança em prefença do Concilio dois annos de-
pois de celebrada a mefma SeíTao V. e no Tra
tado , An liceat in caufis Fidei a Summo Pontífice
appel/are ? efcrito tres annos depois da mefma
Se/Габ.
Tem o terceiro lugar o famofo Theologo
Heípanhol da Ordern Benedictina André de Efco-
bar, Bifpo deMégara, que nofeuLivro, Gover-
110 dos Concilios , affirma primeiramente que fe acha
ra em Conftança prefente ao Decreto da SeíTao
V. publicado a 6. de Abril do anno 14 ic\ e que
nefle mefmo dia prégara elle em prefença de todo
o Concilio : те , qui bac fcribo , eâdem die coram
Concilio fermocinante. Affirma mais : que efte De
creto fora promulgado e definido no Concilio por Hardt Tom.
confentimento , beneplácito , e mandado de todos e ¿j
os Padres délie. Prafentibus omnibus Cardinalibus
S. R. E. à- mtiltis Archiepifcopis , Patriarcbis ,
Epifcopis & Praiafis , ac diverforum Principum
AmbaJ/iatoribus , à* Illußrijßmo Principe Domino
Sigifmundo Romanorum Rege , de confenfu omnium,
beneplácito & mandato , SacroJanSlum Concilium
Conßantienfe promulgavit à* promulgari fecit à*
definivit hoc perpetuum flatutum in quinta Seffione\
&c. Affirma mais : que eíte Decreto de Confian
za fe deveprégar, efcrever, e promulgar, como.
L ii ^ hum
1 64 * Tentativa Theologica

hum Artigo da Fe Catholica : e que ainda que rief


le fe exprimao fó tres cazos, em que os Concilios
Geraes íao fuperiores ao Papa : ifto he , o cazo da
Fé, o do cifma, e o da reformaçao da Igreja na
cabeça e nos membros : com tudo nao foi ifto ref- 4
tringir o Concilio de alguma forte o feu poder fo-
bre o Papa : mas foi declarar com a efpecificaçao
daquelles tres cazos , que em todos erao fempre os
Concilios Geraes fuperiores ao Papa : porque to
dos os cazos defta fuperioridade fe comprehendem
debaixo dos tres expreíTados no Decreto de Conf-
Ibid.pag.300. tança. Hoc Décretum de poteßate Conciliorum affir-
matum & décretatum inSacris Conciliis Conßanti-
enß & Baßleensi, debet ita per Sacra Concilia fa-
pius prœdicari , fcribi perpetuo & promulgari , quod
pracipiatur cunSlis fidehbus Chrifiianis aquc fir*
mißime à* sine dubitatione credi , sicut creditur ali-
quis articulus fidei , fo>c. E mais adiante: Ex qui-
bus fequitur, quod simpliciter & sine additione de
bet teneri à* credi , quod poteßas Ecclesia in omni-
bus eft maior quam potefias Papa y in auSioritate , in
jurifdiSlione , à* in ex ecu tione. E mais adiante re-
Ibid.pag.316. flecbndo nos termos ou forma dos Decretos : In
Decretis duobus Concilii Conftantienfis comprehendi-
tur quidquid eß corrigendum , quidquid eß refor-
mandum , quidquid eß emendandum in clero , in po
pulo Chrifiiano , ■& in Pontífice Romano. Qtiiapo-
nuntur in eis tres gradus , in quibus Papa fubjici-
tur Concilio & eß inferior eo. Primo quod fitbjici*
tur
Pàrtë I. Principio V. 165

tur in bis qua funtfidei & reformations cujuscum-


que. Secundo fubjicitur in his omnibus qua pertinent
ad fidem & reformationem. Tertio fubjicitur in per-
tinentibus ad pertinentia ad fidem fy reformationem.
Et bic gradus efl tanta extenfionis , quod vix exco
gitan potefi , quod non fub ipfo comprehendatur.
XXIX. He de fummo pezo na prefente ma
teria efte Documento : que por fer de hum Theo-
Jogo tao grave , que affiftio no Concilio , e de hum
Theologo Hefpanhol ; deftroe de hum golpe to
das as maquinas, com que os tres Cardeaes Caie-
tano, Bellarmino , e Orfi , pretenderao infringir
a autoridade dos Decretos de Conilança. Porque
delle confía , que ainda que no tempo que fe ce-
lebrou a Seftao V. faltava ainda no Concilio a
Naçaô Hefpanhola : com tudo depois de depofto no
Concilio o Antipapa Benedicto XIII. a quem ella
até alli feguia , concordarao logo os Hefpanhoes
com as mais naçoens nos Decretos e Definiçoens,
2ue no Concilio fe tinhao feito e promulgado.
lonfta. que o Decreto da Se (Га б V. íe nao de ve
entender fó do tempo em que haja cifma , ou em
que feja dubio o Papa : mas de todos os tempos ,
e ainda fendo único e indubitavel o Papa , queen-
tao governe a Igreja de Déos. Confia que aquel-
Jas claufulas do Decreto , in his qua pertinent ad
ßdem , à" extirpationem [chismatis , & reformati0-
nem univerfalis Eccleßa in capite & in membris :
nao fao claufulas reítri&ivas , mas exemplificativas ,
L iii e que
1 66 Tentativa Theologica

e que comprehendem todos os cazos , em que о


Concilio Gérai julgue precizo uzar do feu poder fo-
bre os Papas para bem da Jgreja. Confta final
mente , que o Decreto fora promulgado em pre-
zença de todos os Cardeaes , e por unanime con-
fenfo , approvaçao , e mandado de todos os Padres :
e que por confeguinte he efte hum dos Decretos
que Martinho V. confirmou , quando na SeiTao
XLIV. proteftou em publico Ccnfiftorio , que ap-
provava e ratificava tudo о que no Concilio íe ti-
nha promulgado Conciliante* : ifto he , em publi
ca SeiTao , e por votos de todo o Concilio»
XXX. Por ultimo advirto , que fe o Illu£-
triffimo Boflliet tiveífe noticia defte Monumento
do Bifpo de Mégara certamente o allegaría a íeu
favor j porque he graviffimo e terminantiffimo. Mas
elle no fim do íeculo paíTado y em que BoíTuet
compoz a Defenfa da Declaraçao do Clero de Fran
ca , era pouco conhecido na República Litteraria :
porque entaó he que Hermano Vander Hardt o im
primió a prim ei ra vez em Alemanha , tirado dos
MíT. deHelmftad, que até alli eítavao fechados e
efcondidos ñas Livrarias. Mas muitos annos antes
tinha D. Nicolao Antonio advertido na fuá Bibl'w-
theca da Hefpanba Antiga-, que eíh. Obra fe acha-
va taobem manufcrita nos Codices do Vaticano :
e que fora bem , que o Padre Labbé a tiveífe da
do á luz na fuá Collecçao dos Concilios. Do meC-
mo D. Nicolao Antonio vim eu a conhecer o fo*
Parte I. Principio V. 167

brenome de Efcobar , que dei a efte famozo Hef :


panhol : e que elle fe nao dévia nomear André Bis-
po Magorenfe , como fempre o nomeia Hardt , e
como citando a Hardt o nomeia fempre Juftino
Febronio : mas íim André de Efcobar Bifpo Mé-
garenfe , ifto he , Bifpo de Mégara , que he huma
Cidade da Acaia entre Athenas e Corintho, don
de fupponho que elle foi Bifpo Titular.
XXXI. Tem o quarto lugar fobre a intelli-
fencia dos Decretos de Conftança muitos dos
adres do Concilio de Baíilea , que forao em gran
de parte os mefmos , que havia dezafeis annos tinhao
celebrado o Concilio de Conilança : entre elles o$
tres Arcebifpos de Bourges , de Leao , e de Ar
les , que foi o Beato Luiz Alternando , feito Car-
deal por Martinho V. e canonizado depois por
Clemente VIL Na Seífao II. celebrada no anno
de 1432. (que ninguem pode duvidar foíle legi
tima e Ecuménica , e como tal reconhecida por Eu-
Penio IV. na Bulla Dudum Sacrum) allegarao os
adres de Baíilea os Decretos de Conilança, co
mo Regras fundamentaes de toda a Reformaçao da Tom.XVIÎ.
Igreja: e ifto a tempo, que o referido Eugenio era düs Concibo»,
único e indubitavel Papa : e no Concilio preíídia p'2;) 'e2

o feu Legado o Cardeal Juliano , que taobem aífií-


tira emConftança. Pretendendo Eugenio logo dif-
folver o Concilio , e celebrar em Bolonha outro :
os Padres de Bafilea íe lhe oppozerao fortemente,
proteftando fempre nos feus Manifeftos Synodaes,
L iv que
i68 Tentativa Theologica

que eftando em pé como deviao eftar os Decretos


île Conftança, nao podia Eugenio diflolver o Con
cilio de feu moto proprio , antes fe devia íojeitar
ás fuas Determinaçoens. Em huma parte diziao
a ílí m : Quis jam de poteßate Conciiii fuper omnes
Ibid.pag.458. tilias potefiates ambigere potent , tot irrefragabilibus
e 459. tefiimoniis comprobata ? Ex quibus manifefle confiât
auSloritates quas de Jummi petefiate Pontificis alle-
gafiis , non probare quominus ipfe Pontifex manda
nts univer'faits Ееdesia & ConсiIii Generalis obedire
teneatur. Sed id dumtaxat probant , quod omnes sin
gulares homines particulares que Ecclesia , ipsi Рощ
tifici obedire debent , nisi in its qua huic Sacra Sy-
vodo & cuilibet alteri legitime congregata prajudi-
cium generarent. Nam & fi sit Caput minifieriale
Ecclesia , non tarnen efi maior tota Ecclesia : al/'o-
quin errante Pontífice, sicut fœpe contingit & con-
tingère potefi, tota erraret Ecclesia, quod ejfe non
potefi. Outras vezes diziao : Hoc quod dixit Chri-
fius , Si peccaverit in te frater tuus , die Ecclefiae;
omnes homines cemprehendit. Et quod Petrus à* tßts
Succeffores illa auSloritate comprehendantur , ofien-
dit Paulus , qui in faciem refiitit Cepha coram, om
nibus. Ecclefia enim dixijfe videtur , qui coram ont-
■tubus dixit. Bern fabemos que paifados fete annos ,
ifto he 9 no de 1430- pela Bulla Moyfes, conde-
nou Eugenio IV. as Acias de Baíilea : mas que
'Aftas ? a mefma Bulla declara ferem aquellas , que
fe feguirao á Translaçao do Concilio para Ferrara
410 anno de 1437. XXXII.
Parte I. Principio V. 169

XXXII. Entre os que nao afliftirao em Cons


tanza , mas eícreverao poucos annos depois fobre
efta materia , temos ao Cardeal de Cufa Conego
Regular de S. Agoftinho e Bifpo de BreíTa , que
no Livro II. de Concordancia Catholica cap. 17.no
fim efcreve aíTim : Manifeßum efi ex his , univer- Cub

/ale Conciliumfimpliciterfupra Papam effe : пес am


plias de hoc opus eß exempla producere , quum ha-
beamus varia Decreta Sacri Basileensis Concilii , Ö*
etiam Conßantiensis , quomodo Papa dicatur Jubejps
Conciliis. Et licet Confiantienfe tantum in tribus ca-
fibus loquatur , darum efi , quod оптеs Cañones fa-
Eli , aut amplias faiïibiles y ad ipfos reducuntиг. E
no cap. 20. In his tribus jam definido pracejjit in lbid.pag.74?.
Conßantienfi Concilio amplius indifputabilis & im-
mutabilis. Temos os dois famozos Carthuíianos do
mefmo tempo , Dionyfio de Ryckel Flamengo e Jaco
do Paraifo Alemao , que affim mefmo o eícrevem :
aquel le no Tratado de Auí~toritate Papœ & Conci- ^ar¿Juf-
Jii Generalis , que já citamos, Artigo XIX. eile ve'rr° ' 37°*
no Tratado de Septem fiatibus Ecclesiœ , que reim- Goldaíb T.
primio Goldafto. E he de advertir , que efte fe- "*Pafr 47*~

gundo Carthufiano nao íó allega por Regra fun^


damental e dogmática o Decreto de Conftança,
mas taobem affirma que efte Decreto fora geraU
mente aceito em toda a. Igreja. Porque fallando
dos Curiaes de Roma diz aíTim : Totaliter nitmi"
tur fuffocare auSloritatem Conciliorum , contra dé
cretationem ab omnibus acceptam , in Confiantiensi à?
170 Tentativa Theologica

Basileensi Generalibus Concihis publice promulga-


tam.Temos mais as quatro famozasUniverfidades de
Colonia, Erford, Vienna, e Cracovia : que nos
Pareceres que fobre a autoridade dos Concilios de-
rao no anno de 1440. todas reconhecerao o De
creto de Conftança por huma Ley fundamental da
Igreja. Quern as quizer 1er , veja a Hjftoria da
Buîeo T. y. Univeríidade de Pariz efcrita por Buleo no Tomo

e47i.e47^' V. Temos finalmente outros tres Efcritores gravifc


fimos do mefmo tempo , hum Heípanhol , e dois
Italianos.
XXXIII. O Hefpanhol he o famozo Joao de
Segovia , Arcediago de Oviedo , e depois Arce-
bifpo de Cefaréa , que aíliftio no Concilio de Ba-
íilea como Theologo da Univeríidade de Salaman
ca e delRey D. Joaö II. de Caftella , pelos annos
de 1432. Aquí compoz efte grande hörnern hum
extenfo Livro de Ecdeßaßica Poteftate , que he pe
na fe nao tenha communicado a todos por meio da
impreííao. O moderno Alemao Hardt nos partici-
pou dos feus MíT. hum eftimavel Fragmento defta
уЙ» I7?' °bra Яие diz affim : Confiât in Generalibus Cond-
0 Iiis faSlos fuiffe plurimos Cañones ad regulandas
aSliones Summorum Pontificum. Ex quo docemur ,
quod Ecclefia fe habet ad Pарат ut formalis сaufa.
Poteftas enim Papa eft informabilis & dirigibilis
per regulas Ecclefia. Unde manifefie patet , quod il*
lud verbum : Nemo potefl dicere Papa , Cur itafa
cts ? vel fimile , non comprehendit Generale Conci
lium.
Partei. Principio V. 17 г

Лит. Et licet debts baSienus fortajfe fuerit âttbium


apud aliquos : jam tarnen ut nemini liceat dubitare ,
juper bac materia fafia fuit per EccJcsiam declara-
tio in Concilio Conflantitnsi Moguntinensis Provin
cia , die VI. Aprilis , Anno Domini MCCCCXV.
fub hoc tenore, &c.
XXXIV. Dos dois Italianos he o primeiro о
Cardeal Arcebifpo de Palermo, Nicolao Tudefco r
chamado vulgarmente o Panormitano : que no mef-
mo Concilio de Baíilea compoz outro grande Li-
vro de AuShritate Concilii fupra Papam , donde
o referido Hardt copiou o feguinte Fragmento :
Hodie cejfent difputationes , glojfœ ? & opiniones
Magiflrorum , per déclarâtionem veritatisfaBam in
illa magna Synodo Conflantiensi : ubi fuit declara-
tum , quod in bis qua pertinent ad fldem , & ad ex-
tirpationem fchifmatis , ¿7" ad reformationem Eccle-
ßa univerjaüs in capite fr in membris, Concilium
efl fupra Papam. Nos Com mentados ao Capitulo
Novit, De jfudiciis , diebdos na Univerfidade de
Coimbra no anno de 1548. faz mençao o celebre
Martinho Navarro deíta doutrina do Panormita
no , quem frequent ius noftri fequuntur } diz elle.
Donde temos , que entre os Canoniftas he efta a
mais coramum opiniao. No anno de 1578. fe im
primió em Lisboa a Obra do grande Diogo de'
Payva de Andrade , Theologo del Rey D. Sebaf-
tiao no Concilio de Tremo. No Livro I. fol. 19.
allega efte doutiffimo e eloquentiffimo Portuguez os;
Deere*
1 72 Tentativa Theologicä

Decretos de Conftança da SeíTao IV. e V. como


Decretos da Fé Catholica, ao menos naquella par
te em que elles definem , que o Concilio GeraJ re-
preíenta a Igreja univerfal , e tem de Chrifto im
mediatamente o feu poder. Na fol. '30. moftra e
défende , que para as Definiçoens do Concilio Ge ral
terem toda a fuá força e infallibilidade , nao Ihes he
neceífaria a Confirmaçao Pontificia. Na fol. 36.
eníina com o Cardeal de Torquemada , que no ca
zo de duvida entre o Papa e o Concilio, deve a
fentença do Concilio prevalecer á do Papa. Tao
diverfa da doutrina dos noílos Maiores he a que
depois eftabeleceo em Portugal o Magifterio Jefui-
tico!
XXXV. O fegundo he o Papa Pió II. que
antes de o fer foi Secretario do Concilio de Baíl-
Jea , e no Livro I. da fuá Hiftoria efcreve affim :
Sylvio pag. Ufad in primis cupio Tiotum , quia Romanum Papam
772. depois ■* . j. * / л „ ... f
da Pragmat. unities qui altquo numero Junt , Lonai/o Jubjciunt.
Sança6. E mais adiante : Sufficere nobis Conßantienfe Cond-
Ibid. p. 774- j¡um pojfet , cujus non minor auSloritas fuit , quam

iHorum quatuor , qua illuflris Doctor Gregorius ut


quatuor Evangelia venerari fe dicit. Pouco antes ti-
nha advertido o meímo Efcritor, que íó por vai-
dade ou intereífe he que alguns no feu tempo pa-
Ibid. pag. 77г. trocinavao a doutrina contraria. Sive avidi gloria,
five quod adulando p•ami'a expectant. Que he о que

So. annos depois advertio taöbem Joao Maior


Theologo da Sorbona , nos Commentarios fobre о
cap.
Parte I. Principio V." 173

cap. 18. de S. Mattheos. Concilium raro congregad No fim <ьт.


tur у пес dat Dignitates Eccleßaflicas : Papa dat n' de Geríon
eas: bine homines ei blandiuntur , dicentes quod y¿bpafi'1144'

lus potefi omnia : quadrare rotunda , à* rotundare


quadrat a , tarn in fpiritualibus , quam in temporalis
bus. O mais he , que eile mefmo Eneas Sylvio de-
pois de fer Papa Pió II. na meíma Bulla In mino-
ribus , em que reprova as Adas do Concilio de
BaííJea feitas depois que Eugenio IV. o mandou
transferir para Ferrara. Neíía Bulla , digo , que
Harduino defereve , reconhece Pió II. o Concilio jb^uino T.
de Conftança por hum Concilio Geral fanto ele- ,paS,I45°*

gitímo : proteftando que recebe e approva as fuas


Definiçoens fob re o poder Eccleíiaftico. Cum his
Ô* Genera/is ConciHi auSloritatem à' poteflatem com-
pleSlimur , quemadmodum & avo noflro Confiantia y
dum ibi fuit Synodus universalis , declaratum defi*
nitumque eß. Veneramur enim Confiantienfe Conci
lium , ¿re. *
XXXVI. De todo eile noífo Difcurfo conhe¿-
cerá fácilmente qualquer leitor a rezao , porque os
Santos Padres e os mefmos Sum mos Pontífices an-
tigos attribuiao aos Cañones dos Concilios Geraes ,
e aos coftumes geralmente recebidos na Igi eja , mui-
tos dos privilegios e regalias annexas ao feu Prima*
do. Como quando o Papa Julio eferevia aos Ori-
entaes : An ignoraits , Canonem effe Ecckfiaflicum 9
ut prius nobis Jcribatur, &c. E os Padres do Con
cilio de Calcedonia no Canon XXVIII. Sedi fe¿
.• % nioris
1 74 Tentativa Theologicà

woris Roma , eo quod urbs illa imperareis jure Pa


tres privilegia tribuerunt. EosBifpos de Africa na
Synodica ao Papa Theodora : Cut etiam in bottom
rem Beatißmi Petri Patrum Decreta peculiarem
fuandam fanxere reverentiam. Fallao do Romano
'ontifice. Conhecerá a rezao , porque os Padres do
Concilio de Nicea no Canon VI. querendo pref-
crever e delígnar os limites das Diocefes maiores ,
nao recorrerao ás determinaçoens do Romano Pon
tífice , mas íim ao coftume geralmente recebido na
Igreja deíde o tempo dos Aportólos: Antiqua con-
fuetudo fervetur per Aïgyptum , Pentapolim , à*
JLybiam : ut Alexandrinus Epifcopus borum omnium
adminißrationem habeat. Similiter & apud Antio-
cbiam, iyc, E os do fegundo Concilio Gérai no
Canon 2. Jихta Cañones Alexandrinus Epifcopus
qua in jEgjpto Junt regatJolummodo: &Orientts
Epifcopi Orientent tantum gubernent , &c. Donde fe
fegue , que a divifao das Diocefes nao he de Di-
ieito divino, mas deDireito humano Eccleíiaftico :
( como de pois de S. Jeronymo citado por Gracia
no no cap.Olim, Dift. 93. obfervou o Cardeal de
Cufa no Livra II. de Concordantia Catbolica cap.
13.) e que cita mefma divifao fe nao deve enten
der feita fó por autoridade do Papa , mas fim por
autondade de todo o Corpo da Igreja , que niíTo
confentio 011 por Ley , ou por coftume : como en-
íinao Gerfon no Livro de Poteflate Ecclefiaßica
Coníid. IX. o Cardeal de Cufa no Livro II. cap,
32
Parte I. Principio V. 17 J

32. o Illuflriílimo Pedro da Marca, no Livra VI.


de Concordia cap. 1. o Illuftriflimo BoíTuet no Li
vra VIII. cap. 15. da nova ediçao : Lniz Dupin
na Diflertaçao I. que he de Forma & Diflributio-
tie Eccleßarum , §. 7. e na Diflertaçao IV. que he
de Primatu Romani Pontificis cap. II. §. 3. Ede-
mundo Richer na Htfloria dos Concilios Geraes Li-
vro I. cap. II. num. 14-е cap. III. num. 17. que he
о Theologo que melhor tratou eile ponto.
XXXVII. Conhecerá taobem a rezaÖ, por
que os Papas naÖ podem abrogar ou infringir os
Cañones dos Concilios Geraes , nem defpojar os
Bifpos daquellas Regalias, que a Igreja defde os
primeiros feculos annexou á fuá Ordern. Conhece
rá , como os Papas nao fao Senhores , mas Ilm
Executores dos Cañones da Igreja : e que funda
dos neftes Cañones , mais que na fuá propria au-
toridade , he que os mefmos Papas fe oppuzerao an-
tigamente ás pertençoens dos Eufebianos , ás de
Melecio e Flaviano de Antioquia , ás de Theofilo
de Alexandria , ás de Anatolio e Acacio de Conf-
tantinopla , e ás de outras Prelados Autocefalos :
como exprefíamente o affirma S. Gelafio na Epís
tola 4. aonde fallando de feu AnteceíTor S. Felix
III. diz aflim : Executorem fuijfe veteris inflituti >■
non nova conßitutionis auclorem. Quod non folum
Prœfuli Apoflolico faceré licet , fed & cuicumque
Pontifici. Conhecerá que ainda que o Papa na Igre
ja he Principe Supremo , nao he todavía tao dif*
?7б Tentativa Theötogicä

potico, que nao eíleja fubordiñado ás Leys de tor


do o Corpo : e que a forma de governo que Chriß
to inftituhio , e os Aportólos exercitarao, fim he
forma de governo Monárquico , mas temperado do
Ariflocratico e Democrático: como expreííamente
o eníinou no Concilio de Conftança o Cardeal de
Ailly no Tratado de AuSloritate Concilii Genera-
lis & Romani Pontificis , Parte IL eGeríon a ca
da paíTo com todos os mais , que até aquí fomos
citando e feguindo. Conhecerá finalmente , que os
Títulos de Cabeça e Paflor de toda a Igreja , Pay
e Meflre de todos os Cbriflaos , que o Papa Euge-
Tom. XVIII. nio IV. na Bulla Latentur Cali paíTada no Con
des Concil. c[\ío ¿e Florença no anno de 1439. diz que por
pag-517- Direito divino competem ao Romano Pontifice :

todos fe devem entender no fentido , em que os


tmha declarado Martinho V. AnteceíTor de Euge-
Hardt. Tom. nio na Bulla Inter cúnelas , publicada pelos annos
IV. р. 1$г$. ^е j^jg no Concilio de Conftança. Dizia a Pro-

pofiçao XLI. de Joao Vviclef : Nao he necejfario


fara a fahaçao crer que a Igreja Romana he a fu-
prema entre as outras Igrejas. Condenou o Conci
lio e condenou Martinho V. efta Propoiîçao di-
zendo na íua Cenfura: He errónea , fe de baixo do
mme de Igreja Romana fe entender a Igreja univer-
fal y ou o Concilio Geral : ou em quanto negaße а
Primazia do Summo Pontifice fibre as outras Igre
jas particulares. Donde le col he , que о Summo
Pontifice fim he Cabeça 9 e Meftre , e Pailor da
Igreja
Parte I. Principio V. 177

Igreja univerfal : mas he tomando a Igreja univer


fal dißributive , ( como dizem os Filozofos ) ifto
he , confiderada em cada huma das Igrejas parti
culares , 011 em cada hum dos feus membros : e
nao tomando a Igreja univerfal collective, ifto he ,
confiderada como univerfal , e tomada por todo o
Corpo, ou pelo Concilio Geral que oreprefenta:
<jue neíla fegunda accepçao nao he o Papa Cabe-
ça da Igreja nem do Concilio Geral , mas fomen
te o he Chrifto: e a efta Igreja tomada affim em
geral e por todo o Corpo he fubordinado o Papa ,
como membro e íilho délia , ainda que mais digno ,
e fuperiór a cada hum dos outros membros.
XXXVIII. He o que diziao os Padres do
Concilio de Baíilea : fer o Papa Superior in Eccle-
fia , fed non Ecclefiâ Superior. E Gerfon no Ser-
mao de S. Antao : Dandam ejfe fupremam & ple
num Summo Pontifici poteßatem Ecclefiaflicam , fed
in comparâtione ad fidèles ßngulos b* aàparticulares
Ecclefias. E accrefcentava que nefte fentido he que
fe dévia entender о que fobre o abfol uto poder do
Papa efcreverao os dois Santos Doutores , Angé
lico e Seráfico. E nefta doutrina confpirao os mais
Theologos , que atraz citamos : o Cardeaes Zaba-
rella , de Ailly , e de Cufa : os Bifpos de Avila , de
Mégara , de Cefarea : o Panormitano , Eneas Syl-
vio , e as Univeríidades de Pariz , Colonia , Vienna ,
Erford, e Cracovia. Ouçamos por todas a de Colo
nia no Parecer que enviou ao feu Arcebifpo pelos
c .: M annos
178 Tentativa Theologica

Tom. V. da annos de 1440. Ecclefia fynodaliter congregata Ъа-


verf. de Pariz ^etfuPremamjurisdiftionem in terris , cut опте mem-
pag. 460. brum Eccleßa , cujuscumque dignitatisfuerit , etiam
PapaJis obedire tenetttr. E mais adiante : Omnes
obedire tenentur Chrißo Juaque Sponfa Ecclefia , in
qua prima prafidentia efi Sedis Apofiolica , SUPER
OMNES ALIAS ECCLESIAS PARTICU
LARES ET SEDES INFERIORES, nonfu-
per totam unherfalem pralata.
XXXIX. Confirme tudo o celebre lugar da
GloíTa do Decreto no Cap. A recia ergo , Parte
Decreto pag. ц Caufa XXIV. Queft. i. cap. 9. Quaro de ana

de Par» 16^5. Ecclefia intelligas , quod hiс dicitur quod Ecclefia


errare non potefi ? Si de ipfo Papa qui Ecclefia di-
citur ? Sed certum efi quod Papa errare poteß. Res
ponde : ipja Congregatio fidelium bic dicitur Eccle
fia , & talis Ecclefia non potefi non ejfe , nam ipfe
Dominus orat pro Ecclefia : Ego pro te rogavi , ut
non deficiat fides tua : & volúntate labiorum fuo-
rum non fraudabitur. Confirme a Gloíía o Papa In-
nocencio III. quando aílim efcreveo a FihppeAu-
gufto Rei de França : Si fuper hoc ABSQUE
GENERALIS DELIBERATIONE CON-
CILII determinare aliquid tentaremus , prater di-
vinam oficnfam & mundanam infamiam , forfan or-
dims & officii nobis periculum immineret^
XL. Refta por fim defte prolongado Dis-
curfo refponder á ultima objecçao , que contra os
Decretos de Conitança fazem os Theologos da Cu-*
па,
Parte I. Principio V." 179

ría, e he tirada da Bulla Paßor œtemus , publi


cada no Concilio Lateranenfe V. pelo Summo
Pontífice Leáo X. aonde efte Papa declara , Bjo-
manutn Pontificem Jupra omnia Concilia poteßatem
habere. He notavel a força que nefta claufula de
Leáo X. fazem os referidos Theologos , princi
palmente o Cardeal Bellarmino no Livro II. dos
Concilios cap. 13., e André Duval Doutor de Pa-
riz , que fubornado pelo Cardeal Perron , efcre-
veo nos principios do feculo paifado entre outros о
Tratado de Suprema Romanorum Pontißcum Pote-
ßate , em que abandonando a doutrina de feus
Maiores , fe declarou acérrimo Defenfor das Ul
tramontanas. Mas ambos eftes Theologos , nao
podendo negar faltarem á Bulla as indifpenfaveis
notas de Definiçao dogmática ; vierao por ultimo
a conceder , que della fe nao podia concluir coi-
za , que devefle aterrar os Theologos da opiniao
contraria. Porque na Quarta Parte do feu Trata
do , Queílao VII. confeíla Duval , que nenhuma
das duas Sentenças fe pode reputar nao digo eu he-
retica , mas nem ainda errónea ou temeraria. Non Biblioth;
Poп сi f"* Г.Г
tantum neutra harum opinionum haretica efl , fed H¿J l'

etiam neutra efl errónea & temeraria. A razao de


tudo he : porque por huma parte confesa Bellar
mino e Duval , nao fer certo que o Concilio La
teranenfe V. foíTe Ecuménico : pois nelle apenas
aíTiitirao 8o. Padres , entre Biípos e Cardeaes , e
eíTes quafí todos ío de Italia : e aos defóra emba-
t.' . M ü raçavao
1 8o Tentativa Theologica

raçavao as guerras em que ardía a mefma Italia",


por caufa das diflenfoens de França com o Impe
rador , com o Duque de Milao , e com outros So
beranos. Depois ditto a claufula referida vem in-
ferta na Bulla nao por modo de Definiçao , mas
por modo de narraçao ou difeurfo Theologico. E
já o grande Cano advertio no Livro VI. cap. 8.
Cano p. 202. que ñas Bullas Pontificias , aliud efl intentio conclu-
da^nova edi- ß0gUg Décret i , aliud ratio & caufa. A intençao

pois defta Bulla era únicamente abrogar a celebre


Pragmática Sançao de Carlos VIL Rey de Fran-
ça : por occaíiaó defte Ponto he que Leáo X. ajun-
tou varios argumentos do fupremo poder dos Pon-
tifices Romanos.
XLI. Elles argumentos porém fao tao de
béis , que querer chamar nefta parte Definiçao
dogmática o que diz a Bulla , he querer que te-
nhamos por Dogma de Fé Catholica hum Ponto ,
que de nenhuma forte fe prova das autoridades al
legadas pelo mefmo Papa , ou pelo Theologo que
ideou a Bulla. O fundamento da Efcritura que nel-
la allega Leáo X. em prova do Supremo poder do
Papa , he quando logo no principio diz aííim : Pe
tri Succefforibus , ex Libri Regum teflimonlo ita
obedire necejfe efl , ut qui non obedierit , morte moria-
tur. Nao reparo em fe citar como do Livro dos
Reys hum Texto , que como advertirao á margem
algumas ediçoens defte Concilio Lateranenfe , (ó
fe acha no Livro do Deuteronomio Cap. XV1L
num.
Parte I. Principio V. i8i

num. 12. Mas nao fe deve paíTar em íilencio , que


nao fó neíta Bulla Paßor aternus de Leáo X. mas
tambem no Cap. Per venerabilem, 13. Qui filii
font legitimi , de Innocencio III. fe allega efte
' Texto ou truncado ou viciado. Allega-fe truncado
na Bulla Paßor aternus : porque fe allega , como
le na Efcritura leífemos afíim : Qui non obedierit
Sacerdotis imperio , morte moriatur. Allega-fe vicia
do no Cap. Per venerabilem , como fe no Origi
nal fofle afíim o Texto : Qui non obedierit Sacer
dotis imperio , decreto Judiéis moriatur. Quando o
Texto genuino , que a Vulgata nos repreíenta , faz
hum fentido mui diverfo , pois diz afíim : Qui non
obedierit Sacerdotis imperio & decreto Judiéis , mor
te moriatur. De forte que para o reo merecer a
morte , era precizo defobedecer a dois , e nao fó
ao Sacerdote. Accrefce mais , que do fentido alle-
gorico e accommodaticio , ( qual he o que a eile
Texto dá Leáo X. , e Innocencio III. ) he Theo-
logisL corrente , que fe nao prova bem o dogma. E
já o IUuílrifíimo Pedro da Marca advertio tambem
no Livro II. cap. 5. que da Policía da Synagoga
fe nao tirava bom argumento para a Pohcia da
Igreja. Non bene merentur de Romano Pontífice , Marca Part.
пес de Regibus Chriflianis , qui auSioritatem harum ' pas' 7°'

dtgnitatum in Ecclefia Cbrifiiana ex infiitutis Ju-


daicis metiuntur.
XLII. Os documentos que da Tradiçao
aponta Leáo X. fao os feguintes. Primeiro : a Car-
M iii ta
i32 Tentativa Theologica

ta do Synodo de Alexandria ao Papa Felix riö


tempo de S. Athanaiîo: a qua) todos hoje dao por
efpuria e fuppoíiticia , ( como já tinha feito o Car-
deal Baronio no anno de 357.) com todas as mais
da Collecçao de Ifidoro Mercador. Quanto mais y.
que aínda admittida por genuina eíla Carta , nao
fe prova della o intento. Segundo : que S. Leáo
Magno transferirá por autondade propria o fegun-
do Concilio de Efefo para Calcedonia. O que he
contra a verdade da Hiftoria : da qual confia , que
o Concilio de Calcedonia fora celebrado hum an
no depois de concluido e diíTolvido o de Efefo.
Antes confia manifeílamente das Acias , que quem
primeiro convocara o Concilio de Calcedonia , fo
ra o Imperador Marciano , ainda que com appro-
vaçao e confentimento do Papa S. Leáo. Vèja-fe
Natal Alexandre na DiíTerta^ao XI. do Quinto fe-
culo. Terceiro : que fem efperar o confentimento-
dos Padres , transferirá tambem Martinho V. para
Bafilea o Concilio Geral de Sena. Mas eu acho
na Bulla do mefmo Papa que começa Dum onus ,
que a translaçâo fe fizera de commum acordó en-
Tom. XVII. tre os Padres e o Papa. In Concilio Senenß fer по-
dos Concil. ßros à" Apoßolica Seáis nuncios tum in diclo Con*
pag. 226, c'tyJ0 praßfantes 9 eodem opprobante Concilio chitas

Baßleenßs deputata extitit. E affim dévia fer feita a


translaçâo , fegundo o Decreto Frequens de Cons
tancy, que о mefmo Papa allega. Os mais exem-
plos produzidos na Bulla de Leáo X. fao him's lu-
gare»
Parte I. Principio V. 183

gares communs , que ío provao em gérai a reve


rencia que aos Romanos Pontífices tributarao fern
ere e devem tributar os mefmos Concilios Geraes.
Veja-fe Launoy na Epiftola a Luiz Marelio , que he
a XI, do Livro I.
XLIII. Outra prova de nao fer Dogmática
efta Bulla de Leáo X. , e de ficarem em pé ainda
depois délia publicada os Decretos de Conftança :
he vermos о modo , com que nefta materia da au~
toridade dos Concilios fallarao muitos e graviifimos
Theologos ainda fora de França , muitos annos
depois de celebrado o Concilio Lateranenfe V. Joao
Driedo Doutor de Lovaina em Flandes no Livro
IV. de Ecckfiaßicis Dogmatibus cap. 4. ( Obra
impreíTa a primeira vez em Lovaina no anno de
IS3S- ) filando das Queftoens de que tratamos,
XJtrum Suc cejfor Apoftoli Petrifit prflatus omnibus
aliorum Epifcoporum Ecclefiisï XJtrum univerfalis
Eccleßa aucJoritas ßt maior auSloritate feu potefia-
te Papa , an e contrario} profegue immediatamen-
te affim : Videntur has quafiiones folvere doSlrina Driedo pag.
Cbrißi determinatio Conftantienfis Concilii. Do- ^•^ovaiK

Slrina quidem Cbrißi in Evangelio docentis : Si pec-


caverit in tefrater tuus , die Ecclefia , à*c. Cum ergo
Papa ßt frater & membrum in corpore Cbrißi , con-
fequens videtur , quod ipfe aut a fide devians aut
fсándalofe vivens , fit fubjeSlusjudicio Eccleßa , cut
in toto Apofiolorum Collegio defignata Cbrifius ibi
dem inquit : Quacumque alligaveritisfuper terrant,*
M iv &c.
184 Tentativa Theologica

&c. Item & defimtio Concilii Confiantienfis Seffio-


ne V. declaravit à* definivit , quod illa Synodus , <¿rc.
Antonio de Cordova Theologo Hefpanhol
da Ordern de S. Franciíco , e Theologo doutim-
mo , que aífiftio no Concilio de Trento , no Li-
vro IV. das Queftoens Theologicas , Queftao IV.
Utrum Concilium fit [ирга Рарат , vel è converfo ?
Opinio prima cfi , quod Concilium eß fupra Papam
indifiinSle , quam fequitur innumerabilis turba Do-
Slorum utriusque Juris , & Univerfitas Parifienfis ,
¿7° quœdam alia Univerfitates amplexa funt , &c.
Foi publicada efta Obra a primeira vez em Tole
do no anno de 1578. fegundo efcreve o Autor da
Bibliotheca Francifcana.
Domingos Soto tambem Hefpanhol da Or
dern dos Prégadores , e hum dos primeiros Theo-
logos do meímo Concilio de Trento , no IV. das
Sotop. 5-5-5-. Sentenças, Dift. XX. Quœft. I. art. 4. Non aliter
Lovan. 1573. Concilium habet auSloritatem a Summo Pontífice ,
quam quod Epifcopi creantur ab ipfo : & è contra
rio , fi aliqua ratione Concilium eß fupra Papam ,
non «fi quod ipfe a Concilio recipiat auSloritatem '>
fed quia omne membrum , etiam caput , efi pars to-
tins , & ideo ienetur fiare decreto à" Jententia to-
tins.
Francifco de Victoria , outro Theologo Hes-
panhol da mefma Ordern , que quando nao tivera
outros predicados por onde conheceÏÏemos a fua lit-
teratura 5 baftava fabermos que fora Cathedrati-
cq
Parte I. Principio V. 185

со de Salamanca e Mettre do grande Bifpo das


Canarias Melchior Cano. Eile Victoria pois na Re-
Jecçao de Poteßate Papa & Concilii , imprefía com
outras em Salamanca no anno de 1 565. efcreve affim:
De comparatione poteßatis Papa eß duplex fenten-
tia : altera S. Tboma &fequacium multorum & alio-
rum Dotlorum tarn in Tbeologia quam in Jure Ca
nónico , quod Papa eß fupra Concilium : altera eß
communis Jentent ia Parifienfium , multorum alio-
rum Doctorum in Tbeologia & Canonibus , ut Pa-
normitani & aliorum : quod Concilium eßJирга Pa-
pam.
XLIV. Era para dezejar muito nos Theo
logos da Curia efta indifferença , com que ha du
zentos annos , e muito depois de celebrados os
Concilios de Florença e de Latrao , fallavao das
doutrinas de Pariz os primeiros Theologos de Hes-
panha ; quando ainda os nao tinhao preoccupado "
os Livros de Bellarmino , de Aguirre , de Rocca-
berti , e de Oríi. E para fe ver , que em Portu
gal corriaô entao as mefmas idéas , já atraz expu-
zemos, como deftas materias efcrevia e íentia em
Coimbra no anno de 1548. o celebre Doutor Na
varro , commentando entao o Cap. Novit , de Ju
diáis. E agora por ultimo moftraremos , como pe
los meímos tempos difcorria o grande Diogo de
Payva de Andrade Theologo delRey D. Sebaftiao
no Concilio de Trento, quando as Univerfidades
e mais Efcolas do Reino eítavao ainda livres do
jugo
i86 Tentativa Theologica

jugo e efcravidaö , em que depois as poz о Ma-


gifterio Jefuidco.
No Livro I. da incomparavel Obra intitu
lada Defenßo Tridentina Fidei , revifta por manda
do do Cardeal Infante Inquifidor Geral pelo Pa
dre Fr. Bartholomeu Ferreira da Ordern de S. Do
mingos , e impreíTa no Convento de No/Га Se-
nhora da Graça de Lisboa em 1578. tambem
com Iicença do Arcebifpo D. Chriftovaö , e com
Privilegio delRey D. Sebaftiao. Nefta Obra , di
go, em que a folidez daTheologia corre parelhas
com a eloquencia e pureza do eftilo : eftabelece
Diogo de Payva de Andrade a feguinte doutrina.
Nao íer contra a obediencia dévida ao Summo
Pontifice o repugnar algumas vezes aos feus Man
datos , quando eftes fe julgarem injuftos e per-
niciozos : e que entao fe devem julgar injuftos e
perniciozos , quando forem contrarios ao que Chris
to ou os feus Apoftolos e os Santos Padres eftabc-
Payva fol. 48. lecerao para bem e governo da Igreja. Non inficior
quod ß al'tquando Romanus Pontifex ita deßpiat , ut
qua injufla & perniciofa funt , imperet : audaSler
fit HUus voluntati repugnandum , & Jcelerata jujfa
fort/ ¿7- inviSlo animo contemnenda : quod tarnen non
tit obedient iam abjicere , fed humana voluntati divi-
nam ante/erre. Ubi enim (inquit Urbanus) aperte
Dominus vel ejus Apojloliy ¡reos fequentes Sancli
Patres Iententt'aliter aliquid definierunt , ibi non no
vum legem Romanus Pontifex dare , fedpotius quod
pradi"
Parte I. Principio V. 187

prœâicatum eß , ufque ad anhnam & fanguinem con


firmare debet : fecus enim faciens non fententiam da
re > fed magis errare confirmaretur. Para fe conhe-
cer, que nao falla Payva fó dos Decretos que fe
oppuzeílem á Fé , mas tambem e muito principal
mente dos que jogao com a Difciplina : proíegue
elle dizendo , fer doutrina confiante de todos os Tbeo-
Jogos j que fe o Summo Pontifice abuzando do po
der que Déos lhe deo , perturbar a boa ordern que
deve haver na Igreja , nao fazendo cazo das Leys
geralmente eftabelecidas e recebidas , antes infrin-
gindo-as : peccará graviffimamente o Summo Pon
tifice, e ficará diante de Déos reo de hum crime
nefando : Unde extitit confians illaTbeologorum fen- Ibi fol. 48.
tentia, Romanis Pontifiabus tantam illampotefiatem verí*

h Chrifio tributam ejfe , ut Ecclejtœ rationibus con


fiant , ut non omnia licenter diflurbent y dijfipent ,
confondant : atque ideo nefarium etiam ab Ulis fee-
Jus admltti,fi Ecclefiafiicarum legumfeveritatem dis-
penfationum temeritate relaxent , & levitate magis
quàm necefjîtate ad difpen/andum inducantur. Depois
de confirmar efta doutrina com os ditos dos Papas
Gelafio I. , e Leáo IV. que antes de os 1er nelle ,
deixo eu allegados já em outra parte : conclue Pay
va о feu difcurfo affim : Quod fortajfe Concilium ibi fol. 49:
Confiantienfe permovit , ut quemvis fuprema etiam
ht Ecclefia auEloritate fulgentem , Concilii fanSlio-
nibus fubjec~lwn ejfe dixerit : quippe quia horrenda
fini in eos fupplica a Deo confiituta, qui leges fan-
clijfimas
1 88 Tentativa Theologica

fiißmas frangunt , aut de earumJeveritäte quiâquam


nulIis legitimis de caufis remittunt. Quem affim fal
la , nao defpreza o Concilio de Conftança , nem о
julga reprovado. He reflexaö judicioza de Joa6
Launoy no Livro III. Epiftola 3. num. 82. que fe
os Summos Pontífices рессаб gravemente ( como
concordao todos os Theologos ) em abrogar ou al
terar fem caufa as Leys dos Concilios Geraes : he
final , que vivem fujeitos a ellas. Porque ninguem
pecca transgredindo huma Ley ? a que nao eftá
lbjeito»

SEXTO
189
> . « • "> . -

SEXTO PRINCIPIO.

Qîiando os Bifpos confentirao ñas Refervas do Papa , ( fe


acazo be que confentirao , ou fe confentirao em todas )
foi logo com a condiçao , de que embarazado por qualquer
via o Recurfo a Roma, tormjfe para elles interinamente
a jurisdicçao e poder , qne dimittiao.
Autoridades de S. Cypriano r de S. Agofiinbo , de S. Joao
Cbryfoßomo y do Papa Celeflino I. de JoaS Gerfon : e,
exemplos de S. Atbanaßo de Alexandria , de S. Eujebio
de Samofata , e do Clero Gallicano*

PROVAS.

i O Fim porque os Bifpos dimittirao de fí


para a Sé Apoítolica os poderes e faculdades de
que eftavao de poíTe : naô podia fer outro , que a
maior utilidade da Igreja univerfal e de cada hu
ma de ftias Diocefes > que no Summo Pontífice ti-
nhao hum prompto e fabio Provizor de todas as
iuas neceiîïdades. Logo ce fiando efte fim pelos im
pedimentos do Recurfo a Roma, ceffa tambem a
Refervaçao em que os Bifpos confentirao. A ra-
zao difto he : porque о officio dos Bifpos he por
direito Divino officio de Paftores , fegundo aquillo
do ApoftoloS. Pedro: Pafeite qui in vobis efl gre-
gem Dei. E noutro lugar : Non dominantes in Cle
ro ,
J90 Tentativa Theologîca

го , fed forma faSii gregis. E dos Paftores he in-


feparavel o cuidado das ovelhas , para lhes acudir
em tudo о que for neceíTario para a fuá vida e
confervaçao efpiritual. Porque por amor das ove
lhas e para feu bem , he que Chrifto inftituhio os
Paftores , que fa б os Bifpos. S. Agoftinho no Li-
Tom.IX.pag. vro II. contra Crefconio , cap. XL Neque enim
Epifcopi propter nosfumus ,fed propter aliosfumus.
Ora ninguem pode negar , que huma das coizas
de que as ovelhas de Chrifto ou os feus Fiéis ne-
ceftitao , he de quem ñas occafioens de neceífida-
de uze com ellas de compaixao e caridade , remit-
tindo o rigor dos Cañones e Leys da Igreja , que
nem fempre podem nem devem eftar no feu rigor :
como admiravelmente eníinao com o Concilio de
Trento na Seflao XXV. cap. 18. o Papa Pafcoai
II. na Epiftola a S. Anfelmo de Cantuaria , que
he a 42., e S. Ivo de Chartres no Prologo do feu
Decreto. Sendo logo por huma parte o poder de
difpenfar hum accelíorio infeparavel do Epifcopa-
do : e fendo por outra parte neceíTario na Igreja
efte poder : feria graviffimo o damno efpiritual da
mefma Igreja , e cederia em deftruiçao o poder que
nella deixou Chrifto fó para edificaçao : fe emba-
raçado o Recurfo ao Supremo Paftor , nao pudes-
íera os Bifpos uzar com feus fubditos da economía
que permittem os Cañones. Daqui inferia o gran
de Gerfon , que por mais antiga que foííe nos Sum-
mos Pontifices a pofte de certas Refervas ? nao po-
Parte I. Principio VI. 191

dia nenhuma délias prefcrever nem ter vigor contra


a utilidade publica das Igrejas e Diocefes : e que
aílim podiao os Bifpos ir contra ellas , todas as
vezes que do contrario fe feguiíTe damno ás fuas ove-
Ihas. Exurgant Pralati Eccleßa offerentes Deo Tom. II. pag.
crißciumjußitia, & has rapiñas , farta, & latro-
cinta Romana Curia ( eftes nomes dá ás Refer-
vas ) dignentur penitus amoveré : qui non poffunt
in detrimentum univerfalis Eccleßa flare aut pra-
Jcribi , cum fint contra naturam propriam corporis
myflici , & contra отпет ordinemjuflitia , &c.
II. Confirma-fe efte argumento com a auto-
ridade dos graviffimos Theologos e Canoniftas 9
que defcreverei na Segunda Parte defta DiíTerta->
çao : os quaes todos concordao , que no cazo pro-
poíto fe torna a devolver aos Bifpos a antiga ju-
risdicçao , a qual nelles fe nao deve reputar dele
gada , mas ordinaria.
Confirma-fe mais pela praxe e perfuafaÖ com-
mum , em que fempre eftiverao os Bifpos , de que y
embaraçado o Recurfo á Sé Apoftolica ou por cali
fa de guerras , ou por occafiao de algum dilatado
eifma , ou pela prohibiçao dos Principes Sobera
nos , podem elles Bifpos difpenfar e abfolver era
todos os cazos reíervados ao Papa , quando pela
demora fe teme prejuizo grave dos fubditos. Affim
. o entenderao e praticarao durante o grande cifma
que antes do Concilio de Conftança opprimio a
Igreja por 4c, annos , os Bifpos de Hefpanha pe-
loa
192 Tentative Theologica

los annos de Chrifto 1 399. em tempo delRey Hen


rique III. , e os de França pelos annos de 1 40З. em
tempo delRey Carlos VI. Aifim o entenderao e
praticarao no tempo das roturas de Luiz XII. com
o Papa Julio II. os mefmos Bifpos de França : no
tempo das roturas de Filippe II. com Paulo IV. os
mefmos Bifpos Hefpanhoes. Todos eftes e outros
Documentos defcreveremos tambem na Segunda
Parte defta Diifertaçao.
III. Para total intelligencia e perfeita illus-
traçao deüe Sexto Principio , he precizo recordar
huma Theologia , que fendo vulgar e afíentada en
tre todos os Santos Padres , nem todos os meus lei-
tores eílarao îalvez nella. Vem a fer , que affim
como o rebanho de Chrifto he hum fó dividido por
mukös ; ( que por iíTo a Igreja fe diz huma , eftan-
<k> repartida por muitas ) aílim o cuidado defle re
banho he commum a todos os Paftores , que fao
os Bifpos : para que na falta de huns acudao os
outros a apafcentar as ovelhas de Chrifto* S. Cy-
Cypriano p. priano na Epiftola 68. Et fi pafiores multi fumus ,
, unum tarnen gregem pafcimus , & oves univerfas
quas Chrifius fanguineJuo & pajfione quafivit , col-
ligere & fovere debemus. E em outra parte : A
Chrißo una Ecclefia per totum mundum in multa
membra divija. Item Epifcopatus unus , Epijcopo-
rum multorum concordi numerofitate diffufus. S. A- .
Auguft. Tom. goftinho no Livro I. contra as duas Epiftolas dos
I. pag.412. pelagianos capt I# Communis efi nobis omnibus , qui
'fungi-
Parte I. Principio VI. 193

fungtmur Efifcopatus officio , fpecuïa paßoral'm Fa


vo quod pOjffam pro met partícula muneris , quantum
mihi Dominus dare dtgnatur. O Papa S. Celeftino £°™^U'f0S

L na ЕрЦЫа aos Padres de Efeío : .Hereditario iu&.'


jn banc fiollicitudiñem jure conßringimur , quicum- f,
que per diverfa terrarum loca Apoßolorum vice no~
men Domini pradicamus. S.Joao Chryfoílomo no
Panegyrico de;Euftathio de Antioquia : EdoBus
probe fuerat a Spiritus gratia , Ecclcfia antißitem
Mon de illa folum, qua ipfi ab Spiritи fit commijfia ,
curam deberé gerere: verum etiam de uni verJa , qua
per orbem terrarum degit , 4yc. Daqui fe fegue , que
na falta do Supremo Paftor que he o Papa , po-
dem e devem os Bifpos prover efpiritualmente em
todas as neceffidades dos feus fubditos: porque fó
aííim fe verifica , que nunca o rebanho de Chriílo
eftá fem paílores : fóaííim cumprem os Bifpos com
a obrigaçao que Jhes ímpoz S.Paulo, quando dif-
fe : Attendite vobis univerjo gregi , in quo vos
Spiritus Sanclus pofuit Epifcopos regere Eccleßam
Dei. Só affim he que os Bifpos evitaráó a queixa
que Déos faz por Ézequieí : Quod infirmatum efl >
non confortaflis : & quod male babuit , non corrobo-
rafiis: & quod tribulatum efl, nan confulidafiis. So
affim feraô imitadores de hum S Athanafio , que ,
como o louvou S. Gregorio Nazianzeno na Ora-
çao XXI. fendo Bifpo de Alexandria 9 о feu cui
dado e zelo o fazia parecer Bifpo- de toda a Igre-
ja. Que he o mefmo que délie efcreveo S. Bafir
N lio
1 94 Tentativa Theologica

Bafil. Tom. ]io de Cefarea na Epiíbla бо. alias <г. Tantam ее-
III. pag. i6í. . - i? / • J л ь
г ь га omnium tLcclestarum cur'am , quantam ejus qua

tibi peculiariter a Domino coneredita eft. Só affim


feguiráÓ o exemplo de hum S. Eufebio Bifpo de Sa-
Theodoreto mofata , que como refere Theodoreto no Livro IV.
p. i66. Cüpt !^ achando no tempo da perfeguiçao de Va-

lente faltas de Bifpos e Pa rocos muitas Igrejas da


Syria , Fenicia , e Paleftina : elle que andava def-
terrado da fuá Diocefe , as proveo de Paílores ,
fendo hum íimples SuíFraganeo da Eufratefia. Só
affim finalmente moftraráo eftarem naquella folida
Theologia , que na fua Encylica de io. de Feve-
reiro do anno de 163 1. propuzeraÖ e praticaraô os
^"?a ТаГо" ^^Pos ^e França , quando affim efereviao : Limi-

bra»° de Pedro tes habet JurifdiBio Epifcoporum , non habet cari-


Aurelio. tas. Omnes illuà Apoßoli ufurpare &poJ/umus à*
debemus : Inftantia mea quoti diana , folhcitudo om
nium Ecclefiarum. ltaque veteri atque Apoftolice
inflituto yfiqua in noftris Paradisfchifmata oriuntur
aut bar ejes , au Вoritate compefeimus: ß alibi, те*
demur amore ; qui tum demum Cbriflo dignus efl
animarum noflrarum Epifcopo , cum omnes complex
Elitur , flcut pro omnibus Ule mortuus efl. Nao que
remos dizer comifto , que podem os Bifpos intro-
metter-fe nas Diocefes alheias : mas fim que eitando
о Supremo Paftor impedido para prover nas necef-
íidadíes do rebanho deChrifto; podem e devem os
Bifpos fupprir a fua falta , cada hum nas fuas Dio-
cefes.
SE
SETIMO PRINCIPIO

Embaraçado pelos Reys e Principes Soberanos o accétfo e Re-


curfo a Roma , nao toca aos Bifpos averiguar a jußi-
ça da cau/a j mas fim obedecer , e prover interinamen
te о que for necejfario para bem efpiritual dos fubdi-
tos.
Doutrina dos Apoflolos fobre a obediencia devida aos Princi
pes Soberanos.
Autoridades de S. Atbanafio , S. Agoftinbo , e de outros Pa
dres па те/ma materia.

P R О V A S. :

.Не Principio da Moral do Evangelho,"


<jue todas as vezes que o Principe uza do feu di-
reito , e a materia do preceito паб íe encontra com
o Direito divino ou com a Ley natural : ( que en-
tao obedire oportet magis Deo quam bominibus ,
como diz o Apoftolo ) devemos todos obedecer
promptamente ao que manda о Principe. Ouça-
mos ao Apoftolo Summo Pontífice , na fuá primei-
ra Carta cap. г. SubjeSii eflote omni humana crea-
tura propter Deum : five Regt quafi praceilenti, fi
ve Ductbus tamquam ab eo mijfis. E logo : Servi
fiubditi efiote in omni timoré dominis , non folum bo
nis & modeflis , fed etiam dyfcolis. ( о Texto Gre-
g° : fid etiam afperis &pravis. ) Нас eft enim gra
tia J fi propter Dé confident iam fuftimt quis trifti-
N ii tias
1^5 Tentativa Theologica

tías pattern injuße. He vontade de Déos que obe


dezáis aos voílbs Reys , Magiftrados , e Senhores :
nao ío aos bons e julios ^ mas taobem aos afperos
« injuílos. Porque em padecer injuílamente eftá o
nodo merecimento para com Déos. AíTim enfinava
S. Pedro os Fiéis , mandando-lhes obedecer fem con-
tradicçao aos Principes legítimos , aínda que eíles
fofíem tao injuílos e perveríos , como hum Nero ,
em cujo tempo efcrevia o Apollólo. Como di ici-
pulo da mefma Efcola da S. Paulo a mefma dou-
trina na Epiílola aos Romanos cap. 13. aonde diz
affim : Qui rcfißit poteßati , Dei ordinationi reß-
tit. Ideo necesítate JubUift eßote non Joltim propter
tram , fed etiam propter confcientiam. O qiue refifle
ás ordens do Principe ou do Magiftrado , refifte
ás ordens. de Deo?. Por iíTb neceflariamente deveis
obedecer, паб fó por evitardes a pena temporalis
que defobedecem • ao Principe > mas taobem poi
que em confciencia eíkis- obrigados por Déos a obe
decer aos Superiores legítimos.
H. • Inftfluidos neíla doütfina de- Chrifto e
dos Aportólos , enfinaö *a cada paífo os amigos Pa
dres , que huma vez uzar o Principe do feu dîrei*-
tx> e poder , aínda que leja injuüarnente j deve
nios todos, obedecer aos feus preceitös fem mais
excepçao , que a do cazo em que fe martre violar
o\i a Ley de Deos ou a natural.: Не о que diz
Tettiillianö : In omni objequio fubditos nos eße der
bere poteßatibus intra limites. difit^Üm* £ S. Ägolw
V » í\ .i tinhx) :
Parte I. Principio VIL 197

tinho : Sive poteflas veritati favens aliquem corrí-


gat , laudem habet ex illa gut fuerft emendatus : ß-
ve immica veritati in aliquem f/eviaty laudem habet
ex illa qui fuerit coronatus. E outra vez : Ita a
plebibus Principes & a fervis Domini ferendi funt ,
ut fub exercitationc tolerantiœ [uflineantur témpora-
lia , & fpcrentur œterna. Que preceito mais injus
to , que mandar defterrar pela Fé a hum Chriftao ?
e S. Cypriano na Epiftola 13. a Rogaciano affir
ma, que о Chriftao que mandado para о defterro
por ordern do Imperador ou do Proconful Gentio ,
fe contra efta ordern voltar para a patria , he ji
caftigado nao como Chriftao , mas como reo de
defobediencia. Alius in earn patriam, unde extort Cyprian, pag.
ris facíиs eß , regrediiur , /// deprebenfus non jam
quafi Chrißianus , fed qiiafi nocens pereat. S. Euíe-
* bio Bifpo de Samofata , querendo o feu povo em-
baraçar que elle foíTe para o defterro , como or
denara Valente , diz Theodoreto no Livro IV.
cap. 14. que repetirá a Ley dos Aportólos que
mandava obedecer á rifca aos Principes e Magif-
trados: e que immediatamente fe embarcara para
o defterro. Legem Apofiolicam recitavit , qua di- Theodor, p.
ferte pracepit obediendum effe Magißratibus ас Po- 167'
teßatibus. Outras dois Bifpos Catholicos , Eleufio
de Cizyco , e Sylvano de Tarfo : ameaçando-os о
impio Conftancio em odio da verdadeira Fé que
defendiao contra os Arianos , que os deporia dos
ieus ßilpados ; ambos refponderao , fegundo refer
N iii re
19& Tentativa Theologica

re o mefmo Theodoreto no Livro II. cap. 27. que


elle Imperador tinha autoridade para os caftigar:
e elles Bifpos liberdade para abraçarem ou nao
TlicoJor. p. abraçarem os verdadeiros dogmas. Tum vero Eleu-
I23* fins b* Sylvanus dixerunt Imperatori , penes iHum

jus eße ßatuendi de fupplicio: penes ipfos vero de


pietate atque impietate. S. Athanaílo na Apologia
a Conftancio num. 26. claramente protefta , que
nao entrará em Alexandria , donde elle o defter-
j ara,, em quanto Sua Mageftade o nao mandalTe.
Pietatis tua mandato minime repugnavi : ñeque Ale-
xandriam ingredi conabor , donee humanitati tua id
placuerit. E pouco antes tinha confeftado, que elle
obedecería até ao Queftor da Cidade , huma vez
fer Miniftro do Imperador. Non tanti quippejum^
ut obfifiam vel QuaßoriUrbis 1 nedum tanto Impe
ratoria
Bern conheciao eftes Santos Bifpos, que os
preceitos do Imperador erao injuftos , erao iniquos ,
erao tyrannicos. Mas como por huma parte viao ,
que a materia dos preceitos nao íe encontrava com
a Ley de Déos ; por outra que nelles uzava o Im
perador do feu direito : obedeciao fem contradi-
çao, e protefta vao, que em obedecer a eífes pre
ceitos injuftos exécutavao a Ley, que Chrifto eos
Apollólos preícreverao a todos os Profeílores do
Chriftianifmo.
III. Ora fe quando o Principe abuza da fuá
autoridade , como Conftancio ou Juliano , ainda
entao
Partei. Principio VIT. 199

entao obedeciao os Athanafios , os Melecios , os


Cyrillos , os Eufebios : ainda entao proteftavao e
eníinavao, que fe lhes devia obedecer: quem po-
derá eximir os Bifpos de Portugal de executarem
á ri fea. hum preceito tao juftificado , como о que
poz о по!Го piiffimo e prudentiífimo Soberano,
quando prohibió a todos os feus Vaflallos o com-
mercio e recurfo a Roma?
Tem por fi efte preceito nao fó a innata e
notoria piedade , que vemos reluzir como virtude
hereditaria em todas as aeçoens do noflo Rey e
Senhor : mas taobem a praxe de todos os Reys
Catholicos, que poi meio deftas prohibiçoens cof-
tumao fem menoscabo da Religiao defpicar as of-
fenfas da fuá Soberanía. Por outra parte aos fub-
ditos nao toca averiguar nem ponderar a juftiça ou
injuftiça defies procedimentos Regios : nem о Key
tem obrigaçao de dar parte aos lubditos das re-
zoens que o moverao: por fer doutrina afíentada,
que quando a materia do preceito nao tranfeende
os Jimites do poder Regio , antes iè comprehende
nelle : fempre a prefumpçao da juftiça deve eftar
a favor do Rey. Ora he igualmente certo , que a
materia do Real Decreto , que prohibe a todos os
Portuguezes ocommercio com Roma, he hum ob
jecto proprio da autoridade dos Soberanos , aos
quaes privativamente compete regular que os feus
fubditos faiao ou nao faiao do Reyno , que tenhao
ou nao tenhao comme rcio com taes e taes Eftran-
.. N iv " geiros".
zoo- Tentativa Theologica

geiros. Logo aínda que a juftiça de Sua Magefta-


de nao foífe tao patente com ) he pelos repetidos
Manifeftos , que a noíTa Corte publicou : fempre
pelas Leys da caridade para сот o proximo, e pe
les da piedade para сот o Soberano deviamos to
dos p redimir , que era muí to juftificado o Real
Decreto.
IV. Mas fupponha alguem , ( o que eu nao pre-
fumo) que o Decreto he injufto. Certamente nao
he mais injufto , que o de Conftancio ou V alenté ,
quando mandava fahir de Alexandria e Samofata
(conde Déos queria que reíidiílem como Bifpos , e
. Paltores do feu rebanho) a Athanaíio e Eufebio. E
ainda aílim huma vez que o Imperador os manda
íahir , ambos faiem , e ambos proteftao que deviao
fahir. Nao he mais injufto que o do mefmo Conf
tancio , quando com graviífimo daño corporal de
alguns 600. Bifpos, e graviflimo efpintual de ou
tras tantas Diocefes : detinha em Kimini por me-
zes e no pino do invernó a toda huma Synodo Ge-
ral do Occidente. E ainda aílim toda efta Synodo ,
ainda quando era legitima, ( que Catholica fempre
o foi) proteftava ao Imperador que Ihe déile li-
cença para voltarem para as fuas Provincias , por-
EmS. Äthan. qUe fem еца Confeflava6 nao poderem fahir. Tuam
F*g- 72r 4 • clementiam herum obteßamur , Imperator Augußiffi-

me , ut ante hyemis afperitatem , modo tuœ pietati


4)ifum fuer it , nobis ad noßrar Ecclefias reverti fa
das poteßatem. Nao he mais injufto , que o de
Mau
Parte I. Principio VIL 201

Mauricio , quando por huma Ley prohibía aos Tol


dados o fazerem-fe Monges. E ainda aflim S. Gre
gorio Magno , mandando-Ihe o Imperador que a
promulgate , a promulgou , confe liando que co
mo íubdito o devia fazer , ainda quando conhecia
fer a Ley pouco conforme com a de Déos. Ego S.Gregor.
quidem juffioni fubieSlus eandem legem per diverjas ll-pag.677

terrarum fartes transmitti feci : ф* quia Lex omni-


potenti Deo minime concordat , ecce Serenijfimis Do-
minis nunciavi. Finalmente nao he mais injufto,
que o de que falla o Papa Innocencio III. quan
do na Carta a hum Bifpo de Inglaterra , da qual
fe formou o Cap. Paßoralis , Liv. I. Tit. 29. de
Officio & Poteßate Judiéis Delegati : diz e eníi-
na defte modo. Quia vero Jape contingit , quod
executio fententiœ Ordinario demandatur : quafivißiy
an fi ip/am injußam ejfe cognoverit , debeat eamexe-
cutioni mandare ? an fit ei potius fubfißendum ? Re-
Jpondemus , quod cum Ordinarius teneatur obfequi
Delegato, etfiJciat Jententiam illam injußam, exe-
qui nihilominus tenetur eandem , nisi apud eum effi-
cere pojfit , ut ab hoc onere ip/um abfolvat.
V. Por ultimo feja qualquer que for a natu-
reza e qualidade do Real Decreto, he certo, que .
-por elle eftá prohibido de faSlo todo o commercio
com Roma. He certo , que ern virtude delle ейаб
os Portuguezes de fació inhibidos para recorrerem
á Sé Apoftolica , e inhibidos debaixo de graviflí-
mas penas. He certo, que nao eftánem pelos Bif-
pos.
202 Tentativa Theologíca

pos nem pelos íubditos embaraçar o Decreto , e


defembaraçar o Recurfo. Logo citamos em circuns
tancias, em que he verdade dizer, que fe nao po
de recorrer a Roma , que eftá imposibilitado o Re
curfo á Sé Apoftolica , fem que os que neceífitao
de Recurfo tenhao culpa délie eftar embaraçado.
Logo devem portarfe nefta iituaçao os Bifpos , co
mo fe portan ao , fe o Recurfo eíhveíTe embaraça
do por caufa de guerras , ou por caufa de peftilen-
cia, ou por caufa de algum dilatado cifma , em que
fe nao foubeflè , qual era o verdadeiro Papa : fem
fe meterem a averiguar , fe a guerra he ou nao he
juila ; fe he prudente ou nao a neutralidade , em
que o Principe manda pôr os feus Reynos para no
cazo de duvida fe nao obedecer nem a hum , nem
a outro Pontifice. AíTim o praticarao no tempo de
cifma ou de guerras os Biípos deFrança eHefpa-
nha : aílim o devem praticar no tempo da prefente
rotura os de Portugal , lembrados do excellente di
fame que no Livro XXII. contra Fauílo cap. 75.
■efcreve S. Agoftinho referido taobem por Graciano
no Cap. Quid culpatur, Parte IL Caufa XXIIL
Queftao I. Vir juflus , fi forte fub Rege bomine
etiam facnlego militet ; recle potefi illo jttbente bel-
lare , fi quod fibijubetur vel non eje contra Dei prœ-
ceptum ccrtum efi ; vel utrum fit , certum non efi : ita
Ut fortajfe reum factat Regem iniquitas imperandi ,
innocentem autem militem ofiendat ordo ferviendi.

OITA-
203

OITAVO PRINCIPIO

Em quanto a nao deverem, ou a nao poderem licitamente dif-


pcnfar fem jußa caufa. \ tao obrigados efiao os Papas ,
como os Bifpos. Porque a neceffidade ou uti'idade dos
fubdttos he a regra , por onde huns e outros devem me
dir as difpenfas.
Lugares de S. Bernardo , de Gerfon , dos Confultores de Pau
lo III. e do nojfo Diogo de Payva de Andrade.

PROVAS.

, E Sta Regra prefcrevem a íi mefmo os


Romanos Pontífices nos Capítulos 13. e 19. e 30.
e 38. de Eleclione : enos Capitulos 19. de Senten-
tia & Re Judicata : e 3. de Translatione Epis-
copi , e em outros muitos que allega Dupin no Tra- Dup¡n p. 662.
tado De la Puiffance Ecclefiaßique , ñas Provas da
terceira Propofîçaô do Clero Gallicano : e Gibert GibertT.IL
ло Tom. II. Tit. VII. de Pralatis , aonde fazpag I°^

efta nota : Cañones qui docent ßne jußa caufa dif-


penfare non licere , defumuntur ex Epißolis Ponti-
ficum, in quibus defe ipsis dicunt , fe non poffe dif-
penfare, nisi jußa fubsit caufa. Unde pat et veritati
contrarium effe , quodCanonißa nonnulli ponunt dif
erímen inter Рарат & Ерi/сорum , in eoque ßtum ,
quod Papa ßne caufa dijpenfare pojfit , EpiJcoj)us ve
ro non vakat.
II. О
204 Tentativa Theologica

II. O Illuftrifíimo Pedro da Marca Arcebif-


po de Pariz no Livro III. de Concordia cap. 154
num. г. attefta , fer efta doutrina amáis commum
Marca P. I. dos Theologos e Canoniftas. Plerisque Tbeologis
pag. 184. ¿» Juris Canonici Interpretibus placuit пес Summum
Pontißcem пес Reges ipjos licite a legibus fuis pof-
fe abfolvere fubditos fine jufla eaufa. Logo no num.
2. affirma , ferem defte parecer S. Bernardo , Gof-
frido Abbade, Joao Sarisberienfe, Gerfon com os
mais Doutores da Sorbona , Gabriel Vafques , e
a maior parte dos Canoniftas e Legiilas : os quaes
nao ío dao por illicitas as difpenfas fem caufa , mas
taobem por millas no foro da confeiencia.
BofluetT.iL m o Illuftriffimo Boffuet no Livro XI.
pag. aö2. ate , r, r , ,
deide o cap. 16. ate o cap. 20. prova largamente
efte aíliimpto com as autoridades do Papa S. Sym-
maco na Epiftola 12. a Avito de Vienna : do Con
cilio de Bafilea , na Epiftola Synodica num. 5. de
S. Bernardo , de Gerfon , e dos o. Prelados que
nefta materia oíFerecerao ao Papa Paulo III. hum
larguiffimo e doutiffimo Parecer no anno de 1538.
que já allegamos em outra parte.
ThomaíT. T. IV. Luiz ThomaíTÍno na Segunda Parte da
até 340. 33°' &rfctphna fobre os Beneficios Livro III. cap. 28. e
20. fegue a mefma doutrina , e a confirma com
muitas autoridades dos Santos Padres , dos Conci
lios i dos Romanos Pontífices , dos Doutores Eí-
colafticos : entre os quaes allega S. Thomás no Li
vro Contra Impugnatores Religionum cap. 4. e na
Según
Parte I. Principio VIII. àoy

Segunda da Segunda, Queftao 88. art. 12. a Tho


rn ás de Cantipatro no Livro I. cap. 19. num. 9. e
tio Livro 1Ï. cap. 3. num. 6¡ a Henrique de Gan
te, Alexandre de Ales , Joa6 Gerfon , e Profpe-
* to Fagnano. ' Л .j . . .
V. Bernardo Vanefpen no Tratado de Dif- Vanefpen Tv
penfationibus-, cap. II. expende e prova largamente 1 ' pas'2^'

o meímo aílumpto , dos Padres , dos Pontífices ,


tíos Concilios , e do unanime conlenfo de todos os
Theologos com Santo Thomas паб fó nos lugares
citados por Thomaífino, mas taobem na Primeira
da Segurtdü, Queftao1 79. art. 4. no Corpo : e com
os melhores Canoniftas, como o Panormitano, &
Hoftienfe, Joa6 André, Covarruvias, e Fagnano, •
<jüé doutamente difcorre íobre efta materia nos
Commentatios ao Cap» Ex parpe , das Decretaes
* no Tit. de Clerico non residente : t nos do Cap.
Nimis y Tit. de Filus Presbyterorum.
VI. Eu de tantos votos fó defcreverei aquí
quatro. O primen o he de S. Bernardo no Livro
III. de Consideratione ad Eugenium Papam , cap. 4. <j x I
num. 18. Ubi necejjitas urget , excujabilis dijpenfa- ^"433.
tio eß: ubi utilitas provocar , laudabilis dijpenfatio
eß. Utilitas , dico , communis , non prop'ia : nam cum
nihil borum eß, поп plane fidelis dijpenfatio eß , fed
crudelis àijjîpatio eß. O íegundo he de Geríon no
Sermao que prégou diante do Papa Alexandre V.
Leges reble latas , quantâlibet in.portumtate peten- Gerfon. T. II.
tiumfatigeris , numquam dijpenfabts : nißaut neceßi- V3g' 14°*

O . '. >. . .. ~ tas


2об Tentativa Theologica

tas urgent y out communis provocet utilit as. Alioquin


fuerit potius crude/is dijftpatio , quam jufla difpen-
fatio. O terceiro he dos o. Confultores do Papa
Richer Liv. paul0 Ш. que no feu Voto refolverao affim : Nec
IV. dos Cone. i • i• i- r> r - i-i • r>
Part. IL pag. putemus nobis licere dtfpenfare tn legibus , mji ur~
73*. genù de caufa necesaria. Nulla namque pernicio-
fior confuetudo in quavis República induct potefl ^
quam bac legum inobfervantia , quas fanSlas ma'to-
res nofiri ejfe voluerunt , eorumque poteflatem ve-
nerandam & divinam appellaverunt. О quarto he do
noíTo Diogo de Payva de Andrade , Theologo del-
Rey D. Sebaftiao no Concilio de Trento , que no
Livro I. da Defenfa do mefmo Concilio diz affim :
yerZ* ^ 48 ^onßans extat Tbeologorum fententia , nefavium
etiam ab ipfis Romanis Pontificibus fcelus admitti,
ft Ecclesiaflicarum legum feveritatem difpenfationum
temeritate relaxent , à* levitate magis quam neccf-
ßtate ad difpenfandum indueamur.

NONO
207

NONO PRINCIPIO

Prefentemente ha em Portugal nao Jó caufa fuffîeiente r mas tau


bem necesaria e urgentißima , e ejja publica , para fe difi
penfar nos impedimentos do Matrimonio.

PROVAS.

,. o*—
a refpeito da Nobreza : he evidente haver agora a
meíma caufa , que havia antes do recurfo impedi
do. E como a obrigaçao de nao difpenfar fem саш-
fa he igual no Papa , e nos Bifpos : fegue-fe que , fe
ha cauía para difpenfar o Papa r ( como ninguem po
de negar ) taobem a ha para difpeníarem os Bifpos*
Antes agora he maior efta caufa. Porque da-
falta ou demora das difpenfas he graviffimo o daño
efpiritual e ainda temporal , que padecem innume-
raveis fogeitos do povo, que com aefperança das
difpenfas ( que muitos mandarao bufcar e nao che-
garao a tempo ) tern contrahido efponfaes com fuas
parentas , e perfeverao com eile titulo na amizade
e trato familiar , que elle facilita > nao fem perigo
da fuá ruina efpiritual. Emuito maior he ainda a
daño de outros muitos da mefma plebe , que a
rnim me eonfta vivem ha muito tempo com íuas
futuras ou efperadas eípozas como fe já foílem le

gitimas mulheres.
Como
io8 . Tentativa Theologica

Como nefta materia de difpenfas , afíím co


mo ñas mais, deve íempre contemplar-fe efpecial-
mente a Nobreza : a refpeito della me demorarei
mais em amplificar eítas razoens , que á proporçao
trànfcendem taobem pelo povo.
IL Ninguem pois ignora, que para fe con-
cederem difpenfas \ fempre a Igreja contemplou
muito o fangue illuftre. O Concilio Gérai de Latrao
no Canon XXIX. diz que com os Fidâlgos gran
des iè poderá difpenfar no Decreto que alli mefmo
fe publicou contra a pluralidade dos Beneficios. О
Concilio Gérai de Trento na Seffaô XXIV. Cap.
V. adverte que , intereflando-fe o bem publico , iè
pofia difpeníar no fegundo grao de parentefco com
os grandes Principes. Como eftamos em materia
favoravel , e ö Concilio podendo dizer inter Su
premos Principes , dille inter magnos Principes:
nao ha rezaó que nosobrigue a entender por gran
des Principes fó os Soberanos. E aflim debaixo
defte nome podemos confiderar comprehendidos
taobem os Grandes ou Magnates defte Reyno : que
pela Real Afcendencia de que muitos fe gloriao , e
pela figura que todos fazem na Corte , fe podem
com propriedade chamar e reputar Principes e gran
des Principes. Seja como for, he certo que a Sé
Apoftolica fempre facilitou aos noflos Grandes as
difpenfas em fegundo grab : final de que ou os re
puta grandes Principes , fegundo a mente do Con
cilio de Trento; ou que julga que eítas dilpenfas
Parte I. Principio IX. Ü09

fe devem já hoje facilitar mais , que no tempo em


que fe celebrou o Concilio. Logo para difpenfar
com os Grandes de Portugal ha caufa fufficiente,
e caufa publica : nao ío pelas qualidades das peí-
foas , mas tambem pelo grande interelfe que deítas
difpenfas percebe o Reino todo: o qual aílim co
mo para o feu luftre , reputaçao , e tranquillida-
de , depende muito da primeira Nobreza ; aífim
tambem para confervar efte luftre , reputaçao , e
tranquillidade , neceífita igualmente das difpenfas.
III. E daqui fe conhece já, que nao fó he
fufficiente e publica a caufa , mas tambem necefla-
ria e urgentiffima. Porque todos íabem , que as al-
lianças dos Grandes do Reino fao as queenobre-
cem o mefmo Reino , e as que confervao a fuá
harmonía publica. Todos fabem tambem , que efte
efplendor do Reino , e efta paz publica nao po-
dem fubíiftir , fe nao quando as allianças fao illus
tres , e reciproca a harmonia das Caías entre íi.
Ora he igualmente certo , que eftando reduzida a
pouco mais de 6o. Cafas a primeira Nobreza de
Portugal : e eftando todas ellas ou quaíi todas en-
laçadas entre íi com eftreitos vínculos de parentes
co : fe fe negao ou dííFerem as difpenfas , ficao os
nodos Grandes reduzidos a termos , que ou hao de
cazar com peffoas de menos qualidade , ( o que
EIRey com razaö embaraçaria ) ou fe hao de expor
a perder as íuas Varonías , Títulos , e Morgados :
quando na coniervaçao deftas Varonías y Títulos ,
О e
2 iot Tentativa Theologica

e Morgados , confífte todo o efplendor das Mo


narquías , e toda a gloria das Familias. He logo,
neceilaria , he urgentiíTima , e he publica a caufa
para as difpenfas.
Nem baftadizer, que fe os Herdeiros acbraes
nao cazarem , ahi eftao os Cadetes das Cazas para
continuarem depois a íucceíTao. Porque primeira-
mente em muitas deftas Cazas he único o Herdei-
ro varao. Depois diílo a mefma incerteza de vida
que tern os Primogénitos , acompanha os Cadetes.
Por outra parte o poder o filho ou irmao fegundo
continuar a Varonía , nao tira fer para o aclual Her-
deiro hum daño graviífimo a falta de fucceífao do
proprio fangue , e o paífar a Caza nao a íeus depen
dentes , mas aos coilateraes. Por ultimo tantas Senho-
ras ajuftadas para cazar ha tantos annos , паб fe
effeitnando já o cazamento , cada anno fe vao in
habilitando mais para darem fucceífao ás cazas : e
nao cazando depois de feitos os efponfaes , depois
de dadas as prendas , depois de affiftidas tantos an
nos , e com tanta familiaridade , quanta fe per-
mitte aos efpozos : neceífariamente ficao expoftas
aos dezares e contraternpos , que mais fao para fe
confiderarem , que para fe dizerem.
IV. Accrefce ás referidas razoens outra , que
fempre na Igreja facilitou grandemente as diípen-
fas matrimoniaes. He efta o perigo efpiritual e mo
ra lmente certo , que incorrem tantos Senhores e:
Fidalgos mocos , Herdeiros de grandes e opulent
* •/ tas
Parte I. Principio IX. 211

tas Cazas : aos quaes a difficuldade ou demora das


■difpenfas occaíiona o bufcarem fóra do matrimo
nio divertimentos ilícitos : e os expoemtambem a
abufarem daquellas indifferentes affiftencias , viftas,
€ galanteos, que por eftilo da Corte e pelo direi-
to de Efpozos futuros , coftumao praticar e prati-
caô vai por fete annos com fuas Damas.
; Já fe refleclirmos nos efcandalos , que por oc-
cafíao das difpenfas differidas fe podem originar, e
tal vez já fe originarao : ainda recrefce mais a razao
para ellas fe deverem exeeutar pelos Bifpos. Por
que da fuá demora , e negaçao feguem-fe queixas
e murmuraçoens contra o Principe , que embara-
çou o Recurfo a Roma: feguem-fe juizos temera
rios contra a juftiça do mefmo Soberano : feguem-
fe diíTabores entre ? fubditos e os Prelados. Se
eíles dizem , que podc/n mas nao querem difpcnfar ,
os fubditos neceífariamente Ihes hao de ficar defa-
feiçoados. Se dizem , que querem mas nao podem ,
criao e fomentao ne povo a idea de que o Papa
pode tudo quanto quizer, e que os Bifpos íao huns
meros Miniftros do Papa , que nao podem mais ,
que o que elle Ihes quizer conceder : idea perni-
cioza , e que o grande Gerfon chama com razao
monflruoza e horrenda , no Sermao pro V'tagto Re- Gerfon T. II.
gis Romanorum , Parte I. , e que o Cardeal Con- Paß- г75-

tareno em huma Carta ao Papa Paulo III. diz que


he idea, qua idolatriam Japit. Donde temos, que
no uzo das pertendidas difpenfas fe intereira a paz
-1 • • O á publi-
■äfz Tentativa Theologica

publica , a obediencia e piedade devida ao Rey,


o conceito e reputaçao do carácter Epifcopal , a ca-
ridade com tantos próximos. Nefta fituaçao de coi
zas quem poderá negar , íer urgentiflima e de in-
tereíTe publico a cauía para as difpenfas ? Pelo me
nos nao fe pode negar fer hoje efta caufa a mefma ,
pela qual o Summo Pontifice em todos os tempos
difpenfaria nao digo eu fó com os Grandes do
Reino , mas aínda com fujeitos de muito menor
esfera. N
-.S

■ УЛ
:
DE
2IJ

DECIMO PRINCIPIO

Nao devem recear os nojfos Bifpos , que o Summo Pontífice


leve a mal ou reprove as difpenjas matrimoniaes , que el
les concédèrent. Porque o efpirito da Sé ApofloUca , e o
de toda a Igreja , ( ao qual fe deve conformar o Supre
mo Pafir) he asentir ds difpenfas Epifcopaes , quando
para ellas concorrem tao urgentes razoens , como as que
de prefente concorrem em Portugal.
Admiravei r lugares do Papa S. Symmaco , de S. Agoß'tnbo , de
Columbano , de S. Bernardo , de Hmcmdro de Rems , e
de outros Padres fobre a meftna materia.
Axioma ¿los amigos Theologos e Canonißas : Papa omnia po-
teft , clave non errante.

PROVAS.

I. v3 Abe muito bem a Sé Apoflolica , a quan-


to fe eftende o poder dos Bifpos , principalmente
attendida a fuá inftituiçao , e a praxe dos primeiros
feculos. Sabe que quando o Principe dos Apolló
los chamou a Chrifto Bifpo das noffas almas , foi
para nos dar a entender , que toda a jurisdicçao
efpiritual , que o mefmo Chrifto deixou na fuá Igre
ja , fe contém e encerra no Epifcopado. Sabe que
por muitos feculos fe confervarao os Bifpos na pof-
fe de reger , e adminiftrar difpoticamente as fuas
Dioceíes , como Difpenfeiros fupremos e abfolutos
. . O íii de
T
2 14 Tentativa Theologica

de todos os facramentos e graças que Chriflo iníli-


tuira. Sabe que com a mefma autoridade difpenfa-
vao ainda ñas Leys mais univerfaes , todas as vezes
que affim o pedia a neceffidade ou utilidade de
feus íubditos. Sabe , que fe os Bifpos tem obriga-
çao de confervar no feu vigor o nervo da Difcipli-
na : a mefma e ainda maior corre ao Summo Pon
tífice. Sabe que , fe fao grandes as forças dos Ca
ñones da Igreja para fe nao relaxarem fem ur
gente caufa : maiores fao as da caridade , com que
todos os Paitares fe devem accommodar ou á con-
diçao dos tempos , ou á neceffidade das ovelhas.
II. Sabe que íegundo nos eníina S. Benar-
do efcrevendo ao Papa Eugenio III. no Livro IV.
de Conßderatione , cap. 7. he a Igreja Romana
Mai das outras , mas nao Senhora : e que o Pa
pa nao he Senhor dos Bifpos , mas hum dos Bis-
Tom. I. pag. pos. Confideres Romanam Ecc/efiam aliarum Eccle-
45o? fiarum Matrem cjfe , non Donútiam : te vçro non

Dominum Epifcoporum ,fed tíпит ex ipfis. Sabe que


ao mefmo Eugenio III. efcrevia no Livro III. cap. 4.
o mefmo S. Bernardo : fer muito indecente , que .
quem fobre íi tem o governo de toda a Igreja ,
queira efte privar aos Bifpos da pequeña adminis-
Ibid.pag.438. traçao que lhes compete. Quid t am indignum tibi ,
quam ut totum tenens non fis contentus toto , nifi mi~
nutias quasdam à" exiguas portiones Umverjitatis
fatagas faceré tuas¡^ ,
III. ->SaJ>e <jüe fendo prohibido pelos Caro
nes
Parte I. Principio XJ qtf

ties de Nicea , haver na mefma Cidade dois Bifpos ;


aínda aflim o grande Melecio por arrancar as dis-
feníbens que havia entre elle , e feu competidor
Paulino , pacleou com elle que governaíTem entre-
ambos o mefmo rebanho de Antioquia , com con-
diçao que , morto hum dos dois , ficaííe o outro Bit
po in folidum de toda a Diocefe. Sabe que ñeñe
compromiíTo concordou quaíi todo o Oriente : e que
ainda quando o Romano Pontífice S. Damafo o
contradizia , perfeverarao em ter a Melecio por le
gitimo e verdadeiro Bifpo hum Bafilio de Cefarea ,
hum Gregorio de NyiTa , e outro de Nazianzo :
com os quaes por ultimo veio a concordar o meA
mo Damafo , depois que o tempo lhe moftrou a boa
fe e fantidade de Melecio, ea neceífidade quede
tal Bifpo tinhao as Igrejas do Oriente.
Sabe que fendo outra Ley geral , que hum
Bifpo fe nao mudaífe da fuá Diocefe para outra ,
e muito menos que governafíe duas : os Bifpos da
Armenia , attendendo á neceífidade de Nicopoli,
palla rao para feu Metropolitano a Eufronio Bifpo
de Colonia , ordenando que foííe Prelado de am
bas. O que S. Bafilio Primaz de todas as Igrejas Ba filio na E-
do Ponto nao fó confirmou , mas enfinou por eícri- ¡¡^ ¿¡j£a¿*
to fer huma difpenfa infpirada por Déos , com a
quai por confeguinte fe deviao accommodar todos
os amantes da paz.
V. Sabe que fendo outra Ley inftituida pe
los mefiiios Apoftóios , e geralmente recebida em
O iv toda
2i6 Tentativa Theologica

toda a Igreja , que fe nao ordenaíTem Bifpos os que


ainda erao neofytos : os Padres do Concilios dí iátst
Conftantinopla , em que entravao S. Amfiloqui о
de Iconio , S. Gregorio de NyíTa , S. Cyrillo de
Tom. IT. dos Terufalem , S. Acollo de TheiTalonîca : com os
Concilios de *> . . i T • i гт>1 • i
Coleti pag. omos no гпаюг bem das Jgrejas da lnracia, ele-
149- gerao para Arcebifpo daquella Corte a Necbirio,
ainda leigo , e natural de '1 arfo : executando em
huma fó acçao duas difpenfas : poique tao prohi
bido era pelos Cañones ordenarfe de Bifpo quem
nao folie addiclo á mefma Igreja , como quem nao
foíTe já Clérigo. E com tudo o Papa Nicoláo I.
na Epiitola VI. dando por íllegitima a difpenía , com
que os Bifpos da Thracia tinhao promovido do
eílado de leigo ao de feu Primaz a Focio : dá por
legitima a que fe praticara tanto antes com Necia-
rio , affirmando que a neceííidade da Igreja de Cons-
tantinopla , e a falta que havia de fujeitos habéis ,
fora caufa fufficiente para corn elle difpenfarem os
Tom. IX. dos Padres do fegundo Concilio. NeSlarium SanSla fe-
I304.08 P3ß* cun^a Synodus non ob aliud adfacerdotahm elfgère ex
laicali ordine voluit dignitatem , nifi quia magna ne-
ceffitatis contrittone anxiebatur. E efta m cima foi
Tom. V. pag. fem duvida a razao , porque o Papa S< ü^iBífo1
8*2, alfentio á eleiçao de Neclario , como confia da Epís
tola 15. de Bonifacio I. aos Biípos de Macedonia.
W . Sabe que tendo o Papa Anaftafio' I. no
Tom. И. des anno de 400. com o Concilio de Capua mandado
mefmospag. a05 Jjj/p^ ¿e Africa % qUe viíbs ás extorçoens; e

14 9' info
Parte I. Principio X. 217

infolencias que por toda aquella Regiao commettiao


os Donatiftas , uzaíTem elles de todo о rigor con
tra os taes climáticos , nao confentindo que ainda
depois de abjurarem íeus erros ficafíem gozando no
I
Clero as honras das fuas Ordens : os Bifpos Afri
canos congregados em Synodo no feguinte anno de
40 r. a que preíidia S. Aurelio Arcebifpo de Gar- ,
thago, advertindo que a brandura poderia convi
dar a muitos a fe reconciliarem com a Igreja : de
commum acordó refolverao todos , que os Presbyte-
ros , Diáconos , e mais Clérigos Donatiftas , que Collecça6 de
do cifma quizelfem vir para a unidade Catholica , ^¿%°i^f"
gozaíTem na Igreja dos mefmos graos e honras , que
pelas fuas Ordens tinhao no tempo do ciíma : e que
defta refoluçao fe déíTe parte ao Papa Anaftafio , e
aos mais Prelados de Italia , para que coníideran-
do eftes a urgente neceífidade de Miniftros , em
que fe achava toda a Africa , deílem por bem
feita a difpenfa , que já nos tempos antigos , e
logo nor principios do cifma tinhaö praticado com
os mefmos Donatiftas convertidos os Bifpos de
Africa. Quai foíTe a repofta que fobre efte nego
cio deo o Papa aos Africanos , confelfa Schel-
ftrateiríai DilTertaçao III. da Igreja de Africa ca-
pit.' ib.'num. 3. que fe паб fabe. Mas todos fa-
bem pela Carta 185. Santo Agoftinho, e pe
lo feui Livro II. contra Crcfconto , cap. XI. que
a 4ii^öflfe feJexecutou por müitos annos, fendo o
meíhioo'^góftinho hum dos que' a prabicavao , afc
íim
218 Tentativa Theologica

fim como fora hum dos que a acordarao no Con


cilio. ' - v V

VI. Sabe que notando Crescortio eíla eco


nomía , que com os feus uzava a Igreja : о mefmo
Agoftinho no Livro II. cap. XI. Ihe reipondeo com
aquella admiravel fentença , que deve fervir de Re-
gra a todos os Prelados Catholicos. Iílo he, que
os Bifpos паб о erao para fi , mas para os feus fub-
ditos : e que aflim dévia a neceffidade defies fer a
Regra,por onde os mefmos Bifpos fe deviao gover-
nar para faberem , quando haviao de fer Bifpos ,
e quando o nao deviao fer para com os fubditos.
Tom.IX.pag. Neque enim Epifcopi propter nos fumus , fed propter
eos quibus verbum & jacramentum dorntnicum mini-
flramus : ac per hoc ut eorum fine feandalo guber-
nandorum fe fe neeeßtas tu 1erit , ita vel ejfe vel non
effe debemus , quod non propter nos , fed propter
alios fumus.
Sabe que fegundo о mefmo Agoftinho no
Livro II. contra Parmeniano cap. 13. he tal a for
ça , tal o privilegio da neceffidade ; que о que fem
ella he ufurpaçao repreheníivel , com ella ou nao
Ibid. pag. 44- he peccado , ou nao paíTa de venial. Nulla urgen
te necejfitate fi fiat , alieni muneris ufutpatio eft : fi
autem neeeßtas urgeat , aut nullum auf veníale de
lic~lum efi. Com о que concorda a Regra do Direi-
to : Quod non efi licitum in lege , neeeßtas licitum
fach. X. de Reg. Juris , cap. 4. E о que ao Im- *
perador Leáo Auguílo efereviao os Bifpos do Pon
to ;
parte I. Principio X. a 19

to : ifto he , que 'nos cazos apertados deve a Igreja


uzar dos Cañones non Arißotelke , fed Pifcatori¿v¿
VIL . Sabe igualmente a Sé Apoftolica , que
nao querendo o Papa Vigilio condenar os famozos
tres Capítulos Neftorianos , nem affiftir ao Quinto
Concilio Ge ral congregado para elle effeito : os Pa
dres que nelle affiftiao , que paíTavao de 1 60. jul-
gando irracionavel a contradiçao, e refiftencia de
Vigilio , e que nao era razao que por efte motivo
fe deixafle de acudir á publica neceffidade da Igre*
ja : procederao á celebraçao do Concilio , e nelle
anathematizarao os tres Çapitulos , e feusDefenfo-
res. E que convencido das mefmas razoens deo o Tom. VI. de
Papa últimamente o íeu aflenfo á Definiçao do Se 139?**
Concilio , confeíTando-fe mal informado na reíiften-
cia antecedente , e juftificado o procedimento dos
Padres , a quem preíidira S. Eutyquio Patriarca de
Conftantinopla , no anno de 552.
Sabe que informado o Papa S. Martinho I.
de varias difpenfas , que em materia de eleiçoens , e
ordenaçoens de Bifpos íe tinhao feito no Oriente :
deo elle na Epiftola V. aos mefmos Orientaes o Tom. VII. p.
documento , de que quando a relaxaçao dos Cano- 2
nes nao he feita em defprezo dos mefmos Cañones ,
mas fim extorquida pela neceffidade dos tempos ,
nao deve a Sé Apoftolica ceníurar o feu uzo , mas
permittillo. Novit Canon affliSlorum temporum per^
fecfttiwibus veniam tribuere > in qu'tbus contemptus
non prœceflït-) prœvaricationcm arguens : fed avgu-
ß'm
220 Tentativa Theologica

ßia magis & penuria , qua propter neceßtatem & nti-


fericordiam cogit mult am diligentiam pretermitted.
VIII. Sabe que efcrevendo a Avito de Vienna
o Papa S. Symmaco , lhe deo eile a feguinte Regra
Tom. III. do para fe governar nas difpenfas : Quod fit prater re-
deIPDachgery gu^m , modofit jufla сaufa , non infringit reguiam ,

Fag. ^07. da quamfolapervicacia & antiquitatis contemptus ladit.


ediçaô nova. ]$am quamvis a Patribus flatuta diligenti obferva-

tione ¿7- obfiervanti diligentia fint cuflodienda : nibil-


ominus propter aliquod bonum de rigore legis aliquid
relaxatur : quod & ipfa lex cavijfet , fi pravidtjfiet.
Et fiepe crudele ejfiet infiflere legi , cum obfiervantia
ejus ejfie prajudicabilis Ecclefia videtur.
Sabe que receando certo Bifpo da Provincia
de Rems incorrer no defagrado do Romano Pon
tífice , fe concorrefíe com os mais Suffraganeos pa
ra fer eleito , e ordenado Arcebiípo daquella Metro-
poli hum fujeito leigo , ainda que nas mais quali-
dades benemérito : S. Fulberto Bifpo de Chartres
na Epiftola 38. lhe tirou o efcrupulo advertindo-
lhe , que o Papa informado da neceífidade da Igre-
ja de Rems , e da utilidade que por efta eleiçao
lhe redundava , nao havia de levar a mal , que por
elles motivos difpenfaflem os Bifpos no Canon , que
inhabilita para o Epifcopado os neofytos ou leigos.
Tom. XVIII. Dominus Papa , cujus animadverfionem te revereri
dosPadÎet' fi&nificaß'> nonbabebit auod tibi mérito debeat fuc-
pag. ij. ' cenfiere , fi te graviter collapfie Eccleßa aliquamfipem
refurreclionis audierit providijfie.
IX.
Parte I.' Principio X. 22 r

ÎX. Sabe que pedindo S. Anfelmo Arcebis-


pö de- Cantuaria ao Râpa Pafcoal lï. faculdade. pa
ra ¿tí ^ehÎàrèhî váríós cazos , que frequentenïente
occorriao em Inglaterra : o Papa na Epiítola 42.
nao fó lha concedeo ampliflima e fem limites , mas
também accrefcentou por autoridade de S. Cyrilío de V^-A 7 V.
Atóañdria , fér o uzo das difpenfas nos cazos apeï£ *ь .zsq
tados muito proprio do Efpirito da Igreja. Difyen- Tom.xiK'dé
fationis modus , ßcut & В. Cyrillus in Epißola ^Jj*j ' Pa&

Epheßna Synodi loquitur , nullt umquam fapientum


difplicuit. Novimus eritm Sanftos Patres noßros à*
ipfos Apoßolos , pro temporum articulis & qualitoh
tibus perfonarum , difpenfationibus ufos , &c. *4
Sabe que attendendo á publica neceffidade
das Provincias de Inglaterra e Alemanha , fiaraö os Tom. I. dos
Papas S. Gregorio I. , e S. Gregorio II. ckw¿g£d¿££

dencia de Agoftinho Primaz de Inglaterra , e de Bo


nifacio Primaz da Germania , as difpenfas matri- Tom. 1. dos
moniaes de certos graos prohibidos ; aquelte pelos ConciHos de
f \. ? ^ О l iL Х*ГЗЛСЗ D3ÊT
ann^7dé Ghrifto 601. efte pelos annos de угу. yi0. * f b"

X. Sabe finalmente a Sé Apoftolica , que


durando o grande cifma de Avinhao , aconfelhados
pelos feus Bifpos , e Univerfidades os Reinos de
rrânça , Hefpanha , e outros , fe eftabeleceo nel-
les para remedio , e extinçao do mefmo cifma a
p.
neutralidade ou fubtracçao de obediencia a hum, e a
outro dos contendores do Papado. E que neftas
circumftancias fe aiîentou tambem como certo em
todos eítes Reinos > que naquella falta ou impedi
mento-
222 Tentativa Theologica

mentó de Recurfo , podiao os Bifpos prover inte


rinamente em todos os cazos , que erao por direito
ou cofhime refervados ao Santo Padre , ¿odas as
vezes que affim o pediíTe a neceílidade dos íiibdi-
tos : porque aflentarao e refolverao , que em fe- -
melhantes conjunturas fe devolvía aos Ordinarios
o poder, que tinhao antes dasRefervas comoBis-
pos : e que depois no Concilio Geral de Pifa no
Tom. XV. de anno de 1409. deo o verdadeiro Summo Pontifi-
Coleti , pag. ce Alexandre V. por bem feitas e por validas as

4* difpenías, provifoens, e abfolviçoens , que até alli


-tinhao concedido os Bifpos : como confta da Sef-
lao XXII. do meímo Concilio.
A' vifta deltas razoens nao devem recear os
noífos Senhores Bifpos , que o Summo Pontífice
leve a mal as difpenfas que concederem na prezen-
te conjuntura : porque outro he o efpirito da Igre- -
ja , ao qual fe deve accommodar o Supremo Pas
tor , que ( fegundo efcreve Innocencio IV. fobre
o Cap. Quanto , de Jurejurando ) íempre coíluma
e deve uzar primeiro da chave da difcnçao , que da.
do poder. Donde na fceo o Axioma do Panormitano
e dos mais Canoniílas fobre o Cap. Venerabilem ,
de ElcSlione : que o Summo Pontifice pode tudo ,
mas he clave non errante , e fern prejuizo de ter-
ceiro.
XI. Mas eu quero fuppor , que o Santiffimo
Padre Clemente XIII. ou outro de feus Succeíío- -
res , reprovava e decía ra va nullas as dilpenfas яэа-
. trimo-
Parte I. Principio X. 22^

trimoniaes , que os Bifpos de Portugal tiveflem con-


cedido no tempo da noiîa Rotura. Porque com erTei-'«
to de Clemente XI. fe conta , que no anno de
1709. annullara por hum Breve dirigido aos Bis-
pos de Hefpanha as difpenfas e provimentos , que
elles tinhao feito no tempo que Filippe V. ргоЫд
bira a feus VaíTallos o commercio com Roma in
temporalibus. Do que fe nao pode fazer argumento
para Portugal : nao fó porque como eftamos em
cazo de mera Difciplina, em que fegundo a diver-
fà fituaçao das coizas, e fegundo os diverfos genios
e diverfas intençoens dos Legisladores , pode valer
para hum Reino o que nao vale para outro : nao
fó tambem porque no cazo de Hefpanha íe fuppoem-
prohibido o commercio da Curia nao pro fpiritutH
¡/bus , mas íim pro temporalibus : mas principal
mente pelas razoens que até aqui temos pondera
do e eftabelecido , e que eu por ultimo epilogare!
para cabal ioluçao de todas as duvidas. Quero
fuppor pois como diziamos , que o Summo Pontí
fice Clemente XIII. que preíentemente governa a
Igreja , ou que algum de feus Succeflbres repro-
vava e annullava as difpenfas matrímoniaes , que
no tempo do Recurfo embaraçado tiveíTem conce
dido os noflbs Bifpos. Digo iníiftindo nos inelucla-
veis Principios que deixo eftabelecidos , que eile
Breve de Sua Santidade fe devia reputar millo e
obrepticio , por falta de intençao e plena inforrr.a-
§ao do Supremo Paílor.
: i XII. A
224 Tentativa Theologica

XII. A razao em que me fundo he : porque


todas as vezes que da Sé Apoftolica emana algum
Refcripto , que notoriamente offende os Direitos de
terceiro , efte Reícripto por unanime confenfo de
todos os Doutores fe deve reputar obrepticio , e
confeguintemente nullo , para nao poder fortir al
gum erfeito. Efta he a raza6 , porque S. Cypriano
pag. na Epiftola 67. efcnta aos Hefpanhoes , dá por
nullo e obrepticio o Decreto, que do Papa S. Es-
tevao tinhao impetrado os dois Bifpos Balilides de
Leáo e Marçal das Afturias , para ferem ambos
reftituidos aos feus Bifpados , donde os tinha ex
cluido fegundo os Cañones o Synodo da Provin
cia , por ferem Reos convencidos de idolatria. Por
que eftando eftabelecido pelo Papa S. Cornelio , e
por todo o Corpo dos Bifpos , .que os que idola-
traflem ficaíTem privados de todos os exercicios da
Ordern ; conclue Cypriano , que nao podia Eítevao
reftituir os Reos fem offenfa da Difciplina e dos Di
reitos Epifcopaes : e que aflim fe dévia ter por obre
pticio e nullo o Breve de Roma. Fundados nomes-
шо Principio reclamarao os Bifpos de Africa con
tra os Decretos de Zozimo , Bonifacio , e Celes
tino na Caufa das Appellaçoens : reclamou contra
os Refcriptos de Leáo Magno S. Hilario Arcebis-
po de Arles : contra os de Joao VIH. S. Ignacio
de Conftantinopla , nao fe aterrando nenhum dos
dois nem com as ameaças , nem com as excommu- -
nhoens que os Papas fulminavao. Reclamarao os
Biípos
Parte i. Principio X. '225т

Bifpos de França contra Hadriano II. na Caufa de


Hincmaro de Laon : e contra Gregorio IX. na Cau
fa das Prebendas que elle quería refervar. ¡
XIII. Ora dos Principios que deixamos efta-
belecidos he evidente , que com o Breve da nolTa
hypothefe offendia o Summo Pontífice o direito
aílim dos Bifpos, como o dos feus fubditos. Porque
fendo legitima e ordinaria, como já provâmos, a
jurifdicçao que os Bifpos exercitaííem ñas difpen-
/as : (vifto devolverfe a elles pelo Recurío impe
dido a antiga autoridade , e iíto nao por graça do
Papa , mas por inftituiçao da Igreja , e como ex
natura rei : ) faria o Papa injuria a huns e outros ,
dando por nullas humas difpenfas , para que elles
tinhao poder ; e dando por nullo hum Matrimo
nio , difpenfado por quem legitimamente o podía
difpenfar. Affim como faria injuria ao Penitente e
ao Miniftro , fe pertendeífe annullar a abiolviçao ,
que ao feu fubdito déíTe o verdadeiro Paroco. Em
huma palavra: em osSenhores Bifpos aífentando,
como devem aifentar , que nao he o mefmo defen
der com modefta conílancia os feus Direitos, que
fer cifmatico : Que pode muito bem eftar huma ían-
tidade heroica, (quai foi a de S.Hilario de Arles
e a de S. Ignacio de Conftantinopla ) com a refif-
tencia legitima ás pertençoens da Sé Apoftolica:
Que do Epifcopado fó he Autor Chrífto : e que
a fuá jurifdicçao nao Ihe vem do Papa , mas im
mediatamente do Efpirito Santo : Que o poder an-
i . P nexo
2i6 Tentativa Theologica

nexo por Chriílo á Ordern Epifcopal he de íí abfo-


luto e ilíimitado por ordern a cada huma das Dio-
cefes: Que defte poder os nao podia o Papa des
pojar , fem o confentimento delies Bifpos : Que
quando os Bifpos confentirao ñas Refervas foi lo
go com a condiçao , de que impedido oRecuríoe
influxo da Sé Apoftolica por qualquer caufa , em
que os Bifpos nao foífem culpados ; tornava e revi
vía nelles o primitivo poder , como ordinario e pro
prio da fuá Ordern : Em aflentando finalmente na-
quelle certiflimo e irrefragavel Axioma dovenera-
Gerfon Tom. vel e doutiffimo Gerfon , que diz aífim : Omnes
II. pag 166. Confli tutiones Apoflolicafive Leges faclœ infavorem
Papœ , inteUiguntur à3 intelligi debent , ubi Refpubli-
ca Ecclefiafiica direSle vel indirecte , in parte vel in
toto , detrimento non videtur fubejfe : Em os Senho-
res Bifpos , digo , aífentando neites Princ pios , que
deixo provados folidamente , e que todos fe dedu-
zem da doutrina e praxe dos Santos Padres : logo
corre de plano a confequencia , que embaraçado vai
por fete annos fem culpa fuá о Recur fo de Roma ,
fe devolve aos mefmos Senhores Bifpos o poder
que amigamente tinhao , e que por mukös íecu-
los exercitarao ; para poderem e deverem prover ,
abfolver, e difpenfar em todos os cazos, que até
alii erao privativamente refervados á Santa Sé A-
poftolica : e ifto nao por direito de prefumpçao ,
ou de alguma epikeia arbitraria , nem por modo
de jimfdicçao delegada : mas fim pela intelligencia
era
Parte I. Principio X. 227

em que a Tgreja fempre efteve fobre a jurifdicçao


dos Bifpos, reconhecendo-a fempre para eftes ca
zos jurifdicçao ordinaria , ainda que interina , e que
ceflando a Rotura paíTa outra vez ao Supremo Paf-
tor , fegundo os Principios que deixamos eílabele-
cidos.
XIV. Ficará mais confirmada ainda eíla dou-
trina , fe recordarmos a que no Principio Quinto
ouvimos da boca de Hmcmaro de Rems , que re- Supp!. dos
fleaindo naquelle celebre Documento do Papa S. p™^^.
Leao I. Manet Petri Privilegium , ubi ex ipfius
aquitateferturjudicium : infere delle , que todas as
vezes que os Succe flores de Pedro fe defviarem
defta equidade , perdem feus Decretos todo o vi
gor. Qua fententia confiât , quia non manet Petri
Privilegium , ubi ex ipfius aquitate non ferturjudi
cium. Ora he evidente , que prohibir o Papa o tizo
das difpenfas aos Bifpos de Portugal, a huns Bit-
pos que por Direito divino fao legítimos Paitares
defte Reyno : e ifto em occafiao , que as difpen
fas fao notoriamente juilas e neceíTarias : feria
hum mandado defpido de toda a equidade , e de
que fe feguiriao graviífimos efcandalos. E neftes
cazos ja taóbem ouvimos ao Papa Alexandre III.
no Cap. Cum teneamur , De Prabendis , a feguin-
te Regra : Si non potcfi fine [cándalo provideri ,
aquanimiter fiufiinemus , fi mandatum noflrum non
duxeris exequendum. No que os Summos Pontífices
moítraó ellar na doutrina , que ha pouco expuze-
. V P 11 mos
228 Tentativa Theologicá"

mos que he de todos os Canoniftas e Theologos


antigos : e que Jordao Brici celebre Doutor de Ita
lia no tempo de Eugenio 1 V. , em hum Tratado
;>nluz. Tom. qUe publicou Baluzio no Tomo III. das Mifcella- „
Iii. pag. 335. neas dgfcj-gyg afl]m: Ad id quod dicitur , Quodcum-

que ligaveris , rcfpondetur quod verum (ß,ßjuße


faciat , à- mediantejußit'ta , clave non errante. Idem
tenet Archid. exprefse : idem Guillelmus in Speculo :
idem Magtßer Nicolaus de Lyra in diclo cap. 16.
Matth. Quodcumque ligaveris. Scilicet fuppofito in
terra debito u/u clavis , Deus approbat in calis ; ali
ter non. Verba funt Nicolai de Lyra. Primeiro que
todos tmha enfinado o mefmo o Abbade S. Colum-
bano na Carta que eicreveo ao Papa Bonifacio :
Tom. XII. Tamdiu poteßas apud vos erit , quamdiu reSIa ratio
f^LPP. pag. permanjer¡t, Jilg entm certus regrit caleßis clavicu

laras eß, qui dignis per veram Jentemiam aperit 9


& indignis claudit.

CON-
229

CONCLUS А О

< DESTES PRINCIPIOS.

Repofia aos argumentos que fe podem fazer da primeira Ptyh


po/ifao condenada por Innocencio XL e da Declaraçao
da Sagrada Congregaçao do Concilio , que defcreve Ri
ga ncio : e do Juramento que no dia da Jua Sagraçao
fazem os Bifpos : e da Formula de que elles uzaot
quando fe intitulait Bifpos por graça da Sé Apofto-
lica. ;
Refletfe-fe na doutrina dos Theologos de França na cele'
bre Qiieflaü delRey Dom Joaö lV. сот o Rapa Inno*
cencío X.

D.... Os dez Principios


" que temos
-. eftabele-
• cido , os quaes ío poderá negar quem efliver dema-

fiadamente preoccupado ou da lizonja ou da igno


rancia : fe fegue por ultima conclufao , que vifto
eftar ha tantos annos impedido o Reçu río á Sé
.Apoftolica , podem e devem os Senhores Bifpos
reaíTumindo a fuá primitiva autoridade diípenfar
nos impedimentos públicos dé confanguinidade e
affinidade, por concorrerem para ííTo as mefmas e
aínda maiores caufas, pelas quaes o Summo Pon
tífice difpenfaria fem duvida, principalmente com
os Grandes e Fidalgos da Corte.
. . II. Nem obíta a condenaçao da Propofiçao
I. entre as que condenou Innocencio XI. no an-
P ш no
230 Tentativa Theologica

no de *Gj<). a quai dizia affim: Non eft tlVtc'itum


in iconfcrcndis Sacramentis Jequi opinionem probabi-
hm de valore Sacrament/, reliSla tutiore. Porque
re'pondu' em primeiw lugar: que efta condenaçao
Pontificia fó fe deve entender daquelles Sacramen
tos , cujas materias e formas nao eftaó debaixo da
juriidicçao da Igreja. Taes faó o Baptifmo, a Or
dern, e todos os mais, excepto o Matrimonio A
jezaô da difFerença he : porque nos mais Sacramen
tos nao pode a Igreja fupprir o que faltar das ma
terias e formas : porque todas ellas dependem úni
camente da inftituiçao de Chrifto. No Matrimo
nio porém , como a materia fó fe torna inepta pe
lo impedimento extrinleco da Igreja : tirado efte
por meio da difpenfa , fica logo apta a mefma ma
teria para o Sacramento. Efta he taobem arezao,
porque os Theologos que efcreveraó fobre as con
denadas , todos alfentaó com o Padre Viva , que
efta de que fallamos , nao comprehende : as opi-
nioens que militaó fobre a juiïfdicçao do Miniftro,
porque como a Igreja pode fupprir eftajurifdicçao,
já o Sacramento nao corre penga de nullidade : que
he o inconveniente que o Papa contemplou e quiz
evitar, quando condenou na adminiftraçaô dos Sa
cramentos o uzo da opiniao provavel deixada a
mais fegura. E affim reíolvem aquelles TheoJogos ,
que nao vai contra a prefente condenaçao Pontifi
cia o Sacerdote, que abfolve fó com opiniaÓ pro
vavel da fuá jurifdicçao. Logo taobem паб offen
Partei. Conclufao defies Princip. 231

úe a Definiçao do Papa aquel le , que com opiniaö


provavel de eftar legítimamente diípenfado contrahe
Matrimonio com parenta. Porque a eondenaçao (6
comprehende o cazo, em que a Igreja nao pode
fupprir o que esencialmente fe requer para a vali-
dade do Sacramento. . : . .
III. Digo em fegundo lugâr: que a conde
naçao Pontificia fó falla , quando fe trata de va/ore
Sacramenti. E faó muitos os cazos ^ em que o Ma*
trimonio fe pode celebrar licitamente ainda entre
Fiéis , fem fer Sacramento. Nao he Sacramento
na /entença do Doutor Sutil e da fuá Illuftre Efco*
la , todas as vezes que fe celebra por acenos , co
mo íuccede aos mudos. Nao he Sacramento na fenr
tença dos tres grandes Dominicanos Durando Bif
po de Mós , do Cardeal Caietano , e de Melchior
Cano eleito Bifpo das Canarias : todas as vezes que
os contrahentes fe recebem por Procuraçao : ( dou*
trina que por íi tem graviffimos fundamentos, que
fe podem ver no mefmo Cano Livro VIII. de Lo*
eis Tbeologicis cap. 5. ) Nao he Sacramento na íen*
tença de Guilherme Bifpo de Pariz , do Cardeal
Toledo , do Cancellario de Duec Guilherme
Ettio , e dos doutiííimos Thomiftas Pedro de Pa*
lude, Melchior Cano , Vicente Contenfon, Na*
tal Alexandre , e de outros muitos d^fta e de ou*
tras Efcolas , que cita o moderno Sorbonico Do*,
»inicano Jacinto Serry ñas Vindicias do refe
rido Cano capit. 7. todas as vezes que o Mmi&
P iv • - tro
232 Tentativa Theologicä

-tro do Matrimonio rao heoParoco, ououtroSa^


ce; dote que faça as fuas vezes : como antes do
Concilio de Trento fuccedia em toda a Igreja nos
Matrimonios clandeftinos , e depois do Concilio
íuccede ainda em França e em outras Provincias ,
que nefta parte naö aceitarao o Concilio. Nao he
Sacramento na ientença dos que enfinao comBa-
filio Ponce e Rebello, (que ambos Jhe chamaö a
mais provavel e a mais commua ) que faltando nos
contrahentes a intençao neceflaria para o Sacra
mento , he o Matrimonio fim valido na rezaó de
contrato , mas nao na rezao de Sacramento : como
taobem obiervou Launoy 110 Livro de Regia in
Matr'tmonium Poteflate , Artigo II. cap. 8. He lo
go faifa , ou ao menos nao he certa a doutnna de
Bellarmino no Livro I. de Matrimonio , cap. 32.
quando diz fer inftituiçao de Chrifto que entre
os Fiéis nao haja Matrimonio íem fer juntamente
Sacramento. Sao logo taobem muitos os cazos , era
que os Fiéis licitamente podem contrahir Matrimo
nio y. ainda que nao façao Sacramento. E como a
Defmiçaô de Innocencio XI. fó falla do cazo, em
que fe trate da. validade do Sacramento :. fegue-fe
que fem incorrer na' cenfura Pontificia , pode era
muitos cazos ter lugar a nofía doutrina : porque em
muitos fe pode licitamente celebrar o contrato do
Matrimonio fem fer Sacramento.
IV. A terceira reporta he : que no íentir de
todos os Theologos , quando Innocencio XI. de*
Parte I; Conclufaö defies Princip. 233

finio nao fer licito na adminiflraçao dos Sacramen-»


tos uzar de opiniao provavel fobre a fuá validade,
deixando a mais fegura : nao contrapoem o Papa a
opiniao mais fegura á que he moralmente certa j
ainda que menos fegura : mas á que he íó efpecu-
lativamente provavel , e nao prácticamente. Don
de todos concordaó , que neíla condenaçao fe nao
comprehende a opiniao dos que dizem , que para
materia próxima do Sacramento da Penitencia baf-
ta a contriçao imperfeita , que coníiíle na attriçao :
ainda que a fentença que pede contriçao perfeita
be mais fegura. Porque dizem que o bailar a attri
çao ou o amor inicial , he doutrina moralmente cer
ta : e o Papa nao condena a praxe das doutrinas
moralmente certas : porque o contrario feria hum
onus graviiïïmo e ainda infupportavel , fe eíliveífe-
mos obrigados a feguir fempre o mais feguro , e nao
baftaííe ojuizo moralmente certo. Ora he innega-
vel , que a noífa doutrina fobre o poder dos Bif;
pos no tempo de Recur fo impedido , tem por íi
tantos e taó graves fundamentos : que nenhum
Theologo que livre de preoccupaçoens os ponde
rar , pode deixar de a ter por muito provavel na
praxe, e ainda por moralmente certa: e por con-
feguinte nao a comprehende a condenaçao de ln-
uocencio XI. ¡que íó falla daquellas doutrinas , que
além de fe rem menos feguras , nao paífao dos li
mites de huma íimplez opiniao.
V. Acrefcento em quarto e ultimo lugar: que
234 Tentativa Theologicä

militas Propofiçoens deltas fó fe condenaô por cali


fa da generalidade com que fallaö : e neftes ter
mos nao he tençao da Igreja nem do Summo Pon
tífice comprehender na íua condenaçao os cazos ra
ros e de neceffidade urgente, qual he o noiïb. E
affim vemos , que na adminiftraçao dos Sacramen
tos do Baptifmo e Penitencia, fe eftao praticando
por força da neceffidade muitas opinioens, quecer-
tamente nao fao as mais feguras : fern que efta pra-
xe fe julgue contraria á generalidade com que o
Papa condenou a Propofiçao de que tratamos. Com
effeito o Jefuita Martinho Efparza , que foi hum
dos Confultores de Innocencio XI. na condenaçao
das Propofiçoens , teftifica por Carta fuaefcrita de
Roma a 6. de Abril de 1680. que a caufa de fe
condenar a prefente Propofiçao , foi a fuá genera
lidade. Prima illa propoßtio fuit reprobata propter
fuam ilUmitatam amplitudinem & generalitatem , &c.
Deila Carta faz mençao entre outros o Padre Con
cilia.
VI. Nao obfta taobem a Declaraçao da Sa
grada Congregaçao do Concilio , que deícreve
Kigancio ñas Notas á Regra XLIX. da Chancel
laria : aonde refere, que no anno de 1660. fize-
ra o Arcebifpo de Saragofa a feguinte Pergunta
Ricane T. p0r mej0 ^0 cardeal prodatario : An Epifcopus in
lV.pag.6. r r m ' /г * ci
cafu urgentísima necejjitatis pojjit ante contractum
Matrimonium in impedimento publico difpenfare ? E
que refpondera a Sagrada Congregaçao ; Negati
ve.
Partei. Conclufaô defies Princip. 235

vè. Acrefcenta que pouco depois fora a fentença


affirmativa qualificada em outra Congregaçaô por
faifa e temeraria.
Digo em primeiro lugar : que em materia de
• doutrina nao reconhecem nem devem reconhecer
os Bifpos outro Meftre ou Superior, que o Con
cilio Gérai ou o Papa , definindo ou mandando fo-
lemnemente. Quanto mais que na opiniao dos me-
Jljores Theologos e Canoniftas ainda de Hefpanha ,
as Reportas da Sagrada Congregaçaô nao paflao
os^imites de huns juizos Doutrinaes , que nao tem
de fi mais força , que a que tem o voto dos mais
Theologos e Doutores particulares. Aflim o tem
entre os Canoniftas o famozo Gonzales no Appa-
rato aos feus Commentarios fobre as Decretaes n»
57. entre os Theologos о grande Tapia Domini-
* cano Arcebiípo de Sevilha na fua Catena Moral
Livro IV, Queft. VIII. art. 8. por nao fallarmos
em Bonacina na Difp. I. de Legibus , Queft. I.
Ponto I. em Sanches no Livro VIH. de Matrimo
nio , Diíp. II. num. 10.
Em fegundo lugar: qualquer que feja a au-
toridade defta Congregaçaô , nenhuma força deve
ter para com os Biipos efta fua Declaraçaô : por-
qtae nao foi promulgada pelas Provincias do Címf-
tiamímo, nem intimada íblemnemente aos Bifpos;
como era весеЯапо em materia tao grave, taoge-
* ral y e tao derogatoria dos Direitos Epifcopaes. Ve-
jao-fe Pedro da Marca Livro II. cap. 15. aonde
.... moftra ,
256 Tentativa Theologîca

moftra , fer efta doutrina a que defendem e provaö*


com rezoçns . fortiffimas Panormitanus , ö> omnes
fere Gallig Germant , Hifpani , immo & Caie-
tanus unus e purp'tiratis Patríhus. Vanefpen no
Tratado de Promulgatione Legum Eccleßaßicarum
cap. 2, Gibert na Diifertaçao Circa neeeßitatem pu
blication's Canomtm , que anda no principio do To
mo I. e Natal Alexandre na Theologia Moral ,
Livro IV. Regra XXV. Tom. II. pag. 55 1.
1 Em terceiro lugar : íe a fagrada Congrega-
çao do Concilio no anno de 1660. refolveo , que
nao podiao os Biípos ainda em cazo de urgentiffi-
ma neceffidade difpenfar nos impedimentos públi
cos do Matrimonio , como refere Rigancio : a mef-
ma no anno de 1673. foi de parecer que podiao,
como attefta Gerbais Doutor da Sorbona bem co-
nhecido , que afíim o imprimía em Pariz no anno
de 167p. na Pratka dos impedimentos do Matri
monio , que anda no fim do feu Tratado do Poder
da Igreja e dos Principes íbbre eftes impedimen
tos , pag. 412. ;
Vil, Por ultimo bem averiguada a Propoíla
e DeclaraçaÔ que defereve Rigancio , ella he bem
divería da queftao que prefentemente fe difputa em
Portugal. Porque perguntar fe os Bifpos em cazo
de urgentiffima neceffidade podiao difpenfar nos
impedimentos públicos: nao he perguntar, fe em
barazado e cortado abfolutamente oRecurío a Ro- "
¿na , fe .devolve aos Biípos a faculdade de prover
<• ■• neftas
Partei. Conclufao deíles Príncip. ¿.37

neftas enoutras materias. E o reíponder a Congre-


gaçao, que nao baftava fer ïirgentiffima a neceffi
dade , para os Biípos podcrem difpeníar nefte cazo 1
nao he refolver, que nao o podem fazer impedido
totalmente o Recuifo. Em huma palavra : o cazo
de Rigancio dava aos Bifpos a jurifdicçao pelo ti-/
tulo da neceffidade : fuppunha que os Biípos po-
diao diípeníar, porque havia neceffidade para dik
peníar. No noíío fyftema porém ha mais outra cou-
ía mui fubítancial e attendivel : e he, que nelle
pro priori i neceffidade , fe moítra terem os Bifpos
jurifdicçao : e que podem difpenfar nao porque ha
neceffidade , nio por prefumpçaô , паб por epikeia ;
mas íím porque tem jurisdicçao ordinaria para dif
penfar , todas as vezes que o pedir a neceffidade.
Porque deduzindo a caufa aos íeus Principios mos
trarnos , que fó confentindo os Bifpos he que o Papa
podía refervar para fi as difpenfas Matrimoniaes:
e que quando os Bifpos confentirao , foi logo com a
neceífaria e impreterivel condiçao , de que cortado
por qualquer via (em que elles nao folfem culpa>-
dos ) o Recurfo e influxo da Sé Apoílolica -y tor-
nava para os Bifpos o antigo direito de difpenfar,
como direito proprio e ordinario da Ordern Epifco-
pal. Donde por ultimo fe conclue, que areveríao
deñe direito nao he por via de interpretaçao da
vontade do Papa ¿ mas fim por via do pació táci
to e neceflario , que os Bilpos fizerao com a Se
Apoílolica y quando confentirao" nas Refervaçoens.':
" "1 r da
238 Tentativa Theologica

do quai pació elles nao podem ceder , porque por


Direito divino faô obligados a prover, e apafcen-
tar fuas ovelhas, fempre que a neceflidade o pedir,
e ellas nao puderem receber o influxo do Supremo
Paíbr.
VIH. E daqui fica taobem refpondido ao
terceiro argumento que fe podia fazer contra a nof-
fa doutrina : que he que os Biípos no dia da fuá
Sagraçao , todos dao juramento de guardar os Di-
reitos da Sé Apoftolica , e de eftar por todas as
fuas Difpoiiçoens , Frovifoens , e Refervaçoens.
Porque efte juramento, como he notorio, fempre
leva imbebida em íí a excepçao do cazo em que
eítamos , e de outros femelhantes : em que o Papa
por algum impedimento dinturno, e a que os Bif-
pos nao derao caufa , eftá impoífibilitado para acu
dir, ou nao quer acudir ás neceffidades publicas e
urgentes de algum Reino ou Provincia.
Eira he a rezao em que íe fundavao os Theo-
logos de França , quando pelos annos de 1650. vo-
tavao uniformemente , que nao obftante fer refer-
vada ao Summo Pontirice a confirmaçao dos BiC-
pos : podiaó os de Portugal fer íagrados fem pre
ceder a confirmaçao Pontificia : viíto íer urgentiffi-
ma a neceffidade em que todo o Reino eftava pe
la falta de Paftores, e ter o mefmp Summo Pon
tífice por varias rezoens políticas fechado de todo
as portas ao noíTo Recurfo. Por onde argumenta-
vao affim os Theologos : que íendo os Bifpos ne-
ceífarios
Partei. Conclufao defies Princip. 239

cefTarios por Direito divino e natural ; e fendo a


Refervaçao da eonfirmaçao fó de Direito humano,
o quai nao obriga no cazo de neceífidade , ainda
quando efta nao he extrema , nem ainda graviffi-
. ma : podiao os Bifpos íagrar-fe fem a eonfirmaçao
do Papa. Epifcopos in Ecclefia effe Jus divinum im- BaUt. Ovimn
per at , Jus naturalejubet. Re/ervatio illa faSla eß?'21*' ег^'

de jure humano , quod non obligat in necejfitate , non


extrema tantum , fed ne in gravijfima quidem. lgi-
tur cum modo Recurfus non detur , pojfunt Episco-
pi fine confirmation Pontificis confiderato prafenti
ßatu confecrari.
Affim argumentavao no tempo deIRey D.
Joao IV. os noílos Theologos e os eftrnnhos : co
mo confia do Livro intitulado Balatus Ovium , im-
prefTo em Pariz no anno de 1651. Aonde he mui-
- to de notar , que a queítao excitada fobre a Sagras
çao dos Bifpos no feculo paíTado , era incompara-
velmente muito mais grave , que a que hoje fe tra
ta fobre o uzo das difpenfas Matrimoniaes : tanto
mais grave , quanto a Igreja e a falvaçao eterna
depende mais da validade do Sacramento da Or
dern , que da validade do Sacramento do Matri
monio. Porque fem a validade da Ordern nao po
de haver nem verdadeiro facrificio , nem abíolvi-
Çoens verdadeiras. E o Matrimonio fendo contra-
hido com boa fé pode utilizar a República fem cul-
- pa formal dos contrahentes. Ainda affim concorda-
vaô aquelles Theologos , que fe podiaô feguramen
'•si 40 '.- . "Tentativa Théologîca

te fagrar os Bifpos, ainda que lhes faltafíe a con


firmaçao do Papa: e ifto porque aífentavao , que
nao fendo a confirmaçao Pontificia neceilaria íe nao
por Direito humano, era o Papa irracionavelmente
invito , fe, nao a querendo elle dar, os Bifpos a
deíTem h uns aos outros , como fe fazia antigam en
te. Eftavao logo os noífos Theologos e os de Fran-
ça no Principio , de que quando o Papa refervou
para fi a confirmaçao dos Bifpos , derao eftes o feu
confentimento dependente da condiçao , de que no
cazo de Sua Santidade ou nao poder ou nao que
rer raciona vel mente dar a confirmaçao , fe devol-
veífe aos mefmos Bifpos o poder dalla , como Jhes
permittiao os Cañones antigos.
Pela mefma rezao eníinava o Bifpo de Cam-
bray Pedro de Ailly pelos annos de 140p. e con-
cordavaô com elle todos os Theologos amigos da
paz ; que fe podia no tempo do grande ciíma con
vocar e celebrar Concilio Gejal , ainda que nao
houveíle Papa : porque os Direitos poíitivos que re-
íervavao ao Papa eíta facilidades, todos ceflavao
no cazo em que a Tgreja fe achava fem Papa , por
caufa do cifma que a opprimia. Veja-fe o Diícurfo
-de Ailly , que defcreve Martene no Tom. II. dos
Anecdôtos pag. 1409.
IX. Se me diíTerem que no tempo do Se-
nhor Rey D. Joao IV. era o Papa o que nao que-
j-ia confirmar os Bifpos : e agora he EIRey o que
nao quer as difpenfas de Roma v por onde nao he
muito
Parte I. Conclufaö defies Princip. гцд

muito , que agora duvidem do feu poder para dif-


penfar os meimos , que no cazo das confirm açoens
o concedem. Digo que para a noíTa queftao impor
ta pouco que feja о Papa , ou que leja ElRey , о
, que impede o Recurfo : huma vez que nem os Bif-
pos nem os fubditos tern culpa no impedimento Por
que affim como os Theologos delRey D. Joao IV.
huma vez que elle fora acclamado pelos Eftados do
Reyno em virtude do direito que á Coroa tinha
a Sereniffima Caza de Bragança ¿ nao íe embaraça-
rao com que o Papa preoccupado dos direitos de
Caftella difputaíTe a D. Joao IV. a legitima pofle
defta Coroa , e em confequencia delta preoccupa-
çao negaíTe a confirmaçao aos Bifpos nomeados
pelo meímo Rey : affim taobem nos nao devemos
nos agora embaraçar , fobre quai tem juftiça na
• prefente Rotura. Porque em hum e outro cazo , ou
a falta de Recurfo procedeífe do Papa, ou proce-
deíTe delRey : o fació he , que o Recurfo eftá em-
baraçado fem culpa alguma dos VaíTallos , e que
em todo o Reyno fe experimenta graviffima necef-
íidade das diípenfas : e o direito he, que aos Bif
pos como Vaflallos nao toca fe nao obedecer a feus
Soberanos , e prover como Paftores ñas neceffida-
des efpirituaes do feu rebanho. Logo affim como os
Theologos no tempo delRey D. Joao IV. fó atten-
diao a que elle eftava reconhecido e era feu Rey le-
» gitímoj e a que era grande o daño, que todo o Reyno
padecía com a falta dos Bifpos : affim agora devem os
I heo
¡242 Tentativa Theologíca

Theologos , e Bifpos attender fomente , a que prohb


bindo EIRey noíTo Senhor o commercio de Roma,
devem todos abfterfe defte commercio , e prefumir
juila a prohibiçao : e a que em confequencia defta
Rotura experimenta o Reyno grandes danos na fal
ta das difpenfas , fern que efteja na mao dos Vaf-
fallos o impedilla , ou evitalla. Porque como já
affima moftrâmos , ñas coufas que nao fao intrin-
fecamente más , nao toca aos fubditos averiguar as
caufas do preceito, mas fim obedecer; prefumin-
do fempre o melhor daquelles que no mundo fa-
zem a figura de Déos , que íao os Reys e Princi
pes Soberanos ; e fazendo pelo contrario graviffi-
mo efcrupulo de culpar ainda por penfamento as ac-
çoens e ordens de humas Pelfoas , a quern as Leys
divinas e humanas chamao Sacrofantas : e lembran-
donos fempre daquella admiravel fentença de S.
Cyrillo fob re o Píalmo 50. Impius efl qui Regí di
ch , Impie agis.
X. Para que nao haja difficuldade alguma ,
que fique por dilfolver : proporemos em quarto e
ultimo lugar outro argumento contra o noiîo fyfte-
ma , com cuja foluçaô ficará completamente ilJuf-
trada e confirmada toda a doutrina dos Principios
antecedentes. O argumento he : que todos os Bif
pos daChriftandade eftao na intelligencia , deque
do Papa Ihes vem immediatamente todo o poder que
tem : e que fó tem ou podem ter o que elle Ihes
dá. Porque todos fe intitulaÖ Bifpos de tal e tal par
te,
Partei. Conclufao deftesPriiicip. 243

te , por graça de Déos e da Santa Sé Apoßolica.


Donde parece que fe conclue efficazmente , que fe
o Papa nao quizer que no tempo do Recurfo im
pedido pelos Reys cüfpenfem os Bifpos nos impe
dimentos do Matrimonio ; nao podem eítes licita
mente , e nem ainda validamente difpenfar. Efpe-
ciozo argumento, que eu nao quiz diffimular : por.
que fabia que muitos preoccupados das opiniuens
Italianas , em que forao educados , fazem nelle mui-
ta força : fendo afïïm que a nao deve ter com os
que tiverem penetrado bem os Principios que te
mos eftabelecido, e o que por ultimo vamos a ob-
fervar.
Digo pois em primeiro lugar : que os fenti-
mentos particulares deftes ou daquelles Bifpos nao
devem prejudicar aos Direitos e Privilegios , quena
Ordern Epifcopal reconheceo fempre a Igreja , fun
dada tanto na amplidao com que Chrifto a inftitu-
hio no Evangelho , como ñas ideas que della nos
deixarao os primeiros feculos. Jámoftrámos por tef-
temunho dos Santos Padres e Sagrados Concilios ,
como cada Bifpo fe reputava hum Supremo Paftor
e Adminiftrador abfoluto da fuá Diocefe. Cum ha-
beat in Eccleßa adminißratione voluntatisfuá arbi-
trium liberum unusquisque Prœpofitus , dizia S. Cy-
priano na Epiftola 72. Moftrâmos como efte po
der e efta jurifdicçao lhes vinha immediatamente
de Chrifto : e como nefta intelligencia eftivera a
Igreja por doze feculos. Porque no meio do IX.
i. ..... Qji pro
244 Tentativa Theologica

proteñavao os Padres do oitavo Concilio Geral,


que depunhao e anathematizavao a Focio , PER
ВАТАМ NOBIS POTESTATEM IN SPI-
RITU SANCTO A PRIMO ET MAGNO
PONTIFICE NOSTRO LIBERATORE AC .
SALVATORE CUNCTORUM. E ainda no
meio do XII. efcrevia S. Bernardo aífim ao Papa
Eugenio III. Erras , fi ut fummam , ita folam a
Deo tuam exiflimas poteflatem. E ainda nos princi
pios do XIV. propunha Durando Bifpo de Mende ,
como huma doutrina corrente: Qubd Epifcopi pote
flatem & honorem receperunt h Deo , a quo Epifco-
pi loco Apoflolorum conflituti funt. Vierao depois os
tres famozos Dominicanos Pedro de Palude , Joao
deTorquemada , e Thomas de Vio Caietano : illuf-
tres pela Profiflaö , illuftres pela Litteratura , illuf-
tres pelas Dignidades. Eníinou o primeiro no feu
Tratado da Caufa immediata do poder Ecclefiaf-
tico : Serem os Bifpos buns meros Procuradores do
Papa , a quem como taes pode o Papa remover dos
feus officios , ou reftringir-lhes o poder , ainda que
da parte délies nao baja culpa. Eníinou o fegundo
na fuá Obra deEcclesia: Que de todas as jurifdic-
çoens que ha na Igreja,Jó a Pontificia vem imme
diatamente deCbrifio: de forte que até o poder eju-
risdiccao dos Apofiolos procederá immediatamente de
Pedro. Doutrina que até ao mefmo Bellarmino pa-
receo abfona e contraria ao Evangelho : e que a
Faculdade de Pariz qualificou de Herética , como
atteíla
Partei. Conclufao defies Princip. 24 J

áttefta Joao Maior. Eñíinou o terceiro no feu Tra


tado da Autoridade do Papa e do Concio Geral :
fer a Igreja a refpeito do Papa , como huma efcra-
va a refpeito de feu Senhor : Ecclefia ferva nata
, Romani Pontificis. ExprefTao que cauía horror a to-
dos os que tem algum gofto da Antiguidade.
XI. Oppuzerao-íe fempre a eftas e outras fe-
melhantes novidades os Theologos da Univerfida-
de de Pariz. Oppuzerao-fe no Concilio deTrento
<rom os Bifpos de França os Bifpos e Theologos de
Heípanha, em que entrava o noíTo Arcebifpo Pri
maz de Braga D. Fr. Bartholomeo dos Martyres,
e o Doutor Diogo de Payva de Andrade , Theo-
logo delRey D. Sebaftiao. Mas por huma parte
começou a Curia a moftrar-fe pouco goftoza de to
das as doutrinas , que fe oppunhaô ao feu Difpo-
tifmo : e por outra tomarao os Jefuitas poiTe de
quail todas as Efcolas : veio a flcar refirióla aos li
mites de França , e caracleriftica da Sorbona , a
doutrina antiga , e que por tantos feculos fora a
«nica que fe conhecera na Igreja.
Que devemos logo julgar ? que errao hoje
todos os Biípos , quando fe intitulao Bifpos por
graga da Santa Se Apoßolica ? de nenhuma forte :
лет apiedade Catholica fofreria tal expreffao. Di
go logo em fegundo lugar : que nao he o mefmo ín-
titularem-fe os Bifpos Bifpos por graça da Sé Apof-
. tölica , que confeílarem vi ílhes immediatamente da
Sé Apoßolica e паб de Chrifto a fuá jurifdicçao e рсн
». C^iii der.
lúfi Tentativa Theologica

der. Porque do mefmo modo fe intitulavaó osBif-


pos no tempo do Concilio deTrento: e nelíe , co
mo refere Pallavicini e Sarpi , defenderao os de
França e Hefpanha vigorozamente , fer immedia
tamente dado por Chrifto o poder dos Bifpos. Mais :
no Livro I. Epiítola 36. a Pedro Subdiacono , ef-
Tom. Il: pag. crevé o Papa S. Gregorio Magno, que por libera-
5"20, hdade de S. Pedro fao Paftores os Bifpos : Ex
Petri largitate PafloresJunt. E com tudo o meímo
Papa no Livro VIH. Epiftola 30. reprehende a Eu
logio de Alexandria por Ihe ter dado na íua Carta
o titulo de Bifpo univerfal. E a rezao que dá o San
to he: porque chamar- íe o Papa Bifpo univerfal,
he offender os Direitos dos outros Bifpos , moftran-
do que todo o poder eftá no Papa : quando eíte
pelo contrario deve em tudo moftrar , que o mef
mo Chrifto que conftituhio a Pedro Primaz da Igre-
ja , еЯе mefmo conftituhio Bifpos aos Apollólos,
e os fez a todos irmáos e companheiros no poder ,
ainda que por diverfo modo. Donde conclue o gran
de Gregorio, que de nenhuma forte o torne a cha
mar Eulogio Bifpo univerfal: que he hum titulo de
foberba , e que oífende a autoridade dos mais Bit-
pos , que elle tem e deve ter na conta de irmaos.
Tom. II. pag. ïSuperba appellationis verbum univerfalem , me Pa-
pam dicentes , imprimere curaflis. Quodpeto dulcif-
fima mihi fanclitas ve/Ira ultra nonfaciat. QUIA
VOBIS SUBTRAHITUR , QUOD ALTERI
PLUSQUAM RATIO EXIGIT PRUEBE-
TUR.
Parte I. Concluíao defies Princip. 247

TUR. E logo : Scio qui /urn , qui eßis : loco enim


mihifratres eßis , moribus patres. Nec honorem ejfè
deputo , in quo fratres meos honorem Juum perderé
cognofco.
XII. Pela mefma rezao definindo o Papa
Eugenio IV. no Concilio Gérai de Florença as pre-
rogativas annexas por Chriíb ao Primado do Papa ,
e definindo-as por huns termos os mais honoríficos
e mais ampios, que já mais fe ouvirao : comofaÖ,
Komanum Pontificem Succejforem ejfe Beat i Petri
à* verum Chrifli Ficarium, totiujque Ecclefiœ Caput ,
& omnium Chriflianorum Patrem ac DoSiorem ex-
ißere : eique pa/cendi, regendi tac gubernandi univer*
falem Ecclefiam a Domino- noßro JefuChriflople-
nam poteßatem traditam eße. Ainda affim para quer
nao julgaííemos que todo o poder que Chrifto
inftituhio eftava fomente no Papa : concluio Euge
nio o Decreto com efta claufula : Salvis privilegiis
Patriarcharum , & jfuribus eorum. Pode logo muito
bem eftar o Primado do Papa com os Direitos dos
Biípos : pode ter o Papa por Direito divino hum
poder pleniffimo , e caber aos Bifpos taobem dada
por Chrifto a fuá parte. Porque o mefmo Chrifto
que diíTe a Pedro : Quodcumque ¡igaveris , &c.
Pafce oves meas, &c. ilfo mefmo dille aos Aportó
los todos : Quodcumque alltgaveritis , &c. lte ... .
docete ficut mißt me Pater , à* ego mitto vos.
XIII. Refta fó ver e explicar o fentido , com
que os Biípos fem offenfa deftes feus Direitos po-
„ .j QJy dem
248 Tentativa TJieoIogíca

dem intitular-fe e louvavelmente íe intitula б Bifpoá


por graca da Sé Apoflolica. Digo pois em terceiro
lugar : que por militas rezoens podem os Bifpos at-,
tribuir á Sé Apoftolica a fuá autoridade , fem que
por iflb neguem vir o feu poder tâo immediataraen-
te de Chriílo , como o poder do Papa. Primeira:
por fer a Sé Apoftolica o centro da unidade Ca-^
thoüca , fegimdo aquelle dito do grande Cypriano
na Epiftola a Cornelio : Navigare audent ad Petri
catbedram atque ad Eccleßam principalem , UNDE
UNITAS SACERDOTALIS EXORTAEST.
Segunda: porque como he doutrina confiante dos
Padres , em S. Pedro te ve principio o Epifcopado ,
que em toda a Igreja he hum fó dividido por mui-
tos : nao porque fó Pedro foíTe Bifpo, mas porque
foi o pnmeiro a quem Chriílo deo o poder , e o que
em nome de toda a Igreja o recebeo. Ouçamos por
todos a Agoítinho no Tratado LXVIII. fobre S.
Tom. HI. P.Joaô, num. 4. Cum omnes eßent interrogati , folus
II. pag. 800. petrus refpondit . TU ES CHRISTUS. Et et di

chиг, TIBI DABO, &c. tamquam ligandi ac/o/-


vendi folus aeeeperit poteßatem : cum & illud units
pro omnibus dixerit , & hoc cum omnibus , tamquam
perfonam gerens unitatis aeeeperit, Terceira : por-
tjue como advertio o Papa Innocencio I. na Epik
Edicaö de {ola a Decencio Bifpo de Eugubio , da Igreja Ro-
IL pag. 50. mana he que as lgrejas do Occidente receberao com.
a luz da Fe os primeiros Biípos. Donde fe fegue ,
lerem hoje todos os Bifpos da Igreja Latina filhos
dos
Partei. Conclufaö defies Priricip. 249

dos outros antigos Bifpos, que os Romanos Pon


tífices mandarao 110 principio a Africa , Franca ,^
Hefpanha , Italia , e Alemanha.
- XIV. Se alguem todavía inftar dizendo , que
. ao menos pelo titulo da confirmaçao fao hoje ti-
dos os Bifpos immediatos ao Papa , e que aflím fó
do Papa he que recebem immediatamente todo о
poder que tern : refpondo primeiramente , que efta
mefma confirmaçao he huma das Refervas , que о
Papa fó tern por confentimento dos Biípos. Por
que ainda que o Papa , além da qualidade de Primaz
Supremo de toda a Igreja , goze taobem a de fer
Patriarca do Occidente : a confirmaçao dos Bifpos
iempre antes das Refervas pertenceo ao Metropo
litano ou ao Synodo da Provincia : como confia
dos Cañones de Nicea, de Antioquia, deLaodi-
♦ cea , de Carthago , de Arles , e de outros Docu
mentos que allega Dupin na DiiTertaçao I. §. 12. Dupinp.63.

E ainda pelo novo Direito das Decretaes de Gre


gorio IX. competía ao Metropolitano a confirma
çao dos Suffraganeos , como já moftrámos no prin
cipio defta Obra : e o confirma o Illuftriffimo D.
Rodrigo da Cunha , quando na Hiftoria de Braga Cunha pag.
cap. 9. pelos annos de и 14. refere as contendas ^,e*°*

de D. Mauricio Arcebifpo de Braga com o Arce-


bífpo de Toledo D. Bernardo , por efte fe intro-
metter na confirmaçao dos Bifpos de Lugo , privan
do de a fazer ao Arcebifpo D. Mauricio , cuja de
direito era , por fer Metropolitano daquella Cidar
250 Tentativa Tlieologica

de. E no cap. 1 2. como o Arcebifpo D. Payo , no


anno 1124. confirmou a eleicao do Bifpo de Coim-
bra, como de Prelado feu Sufragáneo.
Refpondo mais : que do Summo Pontífice
confirmar osBifpos, nao fe fegue nem fe pode ar
güir , que o poder que recebem os mefmos Bifpos
lho dá immediatamente o Papa , e nao Chrifto.
Porque fuppofta a aceitaçao da eleiçaÔ ( que iíTo
he que chamamos confirmar) do mefmo modo que
fe difcorre do Papa aceito pela Igreja , fe deve
difcorrer dos Bifpos aceitos pelo Papa. Aceita a Igre
ja por Papa aquelle que os Cardiaes elegem : e fup
poíla efta aceitaçao , todos dizem e devem dizer ,
que fica o eleito por Direito divino Primaz de toda
a Igreja, eque de Chrifto recebe immediatamente
a plenitud do poder Papal. Aílim taobem aceita
pelo Papa a eleiçao dos Bifpos , devemos aflentar ,
que de Chrifto he que os Bifpos recebem o feu
poder, e nao do Papa.
A rezao difto he : porque tanto no Papa
como nos Bifpos, huma coufa he a jurifdicçao an
nexa ao íeu officio , outra a deíignacao da peífoa
que o ha de exercitar. A defignaçao do Bifpo fim
vem do Papa , como condiçao extrinfeca : mas a
jurifdicçao he immediatamente dada por Chrifto,
como qualidade intrinfeca da Ordern Epiícopal.
Aílim como a defignaçao do Papa lhe vem da elei-
Çao da Igreja : mas a jurifdicçao todos confeífao
virlhe immediatamente do meímo Chrifto, como,
de
Partei. Conclufaö defies Princip. 251

de único Autor do Primado. De outra forte diría-»


mos , que quando o Metropolitano era о que con-
firmava os Suffraganeos , e eftes lhes davao jura
mento de obediencia : era o Metropolitano e nao
Chrifto , o que dava a jurifdicçao aos Suffraga
neos : о que he contra a intelligencia de toda a
Antiguidade, como já moftrâmos.

SEGUN-
3J3

SEGUNDA PARTE.

CONTE'M OS DOCUMENTOS,
e Exemplos , que em diverfos tempos derao os
Theologos , os Bifpos , e as Univerfidades Ca-
tholicas : em prova de que , impedido o Recurfo
a Roma ou por caufa de cifmas, ou por caufa
de guerras e peftilencias , ou por Decreto dos
Principes Soberanos ; fe devolve aos Bifpos a fa-
culdade de poderem prover e difpenfar em todos
os cafos Papáes , quando affim o pedir a neceffida-
de ou utilidade dos fubditos.

DOCUMENTO I.

СЛ Uilherme Occam , da Ordern dos Menores , Ediça6 de


■y e Principe dos Nominaes , no Livro II. dos Goidafto T.
* feus Dialogos de Potefiate Papa & Oeri ^^P3*

cap. 28. Alius cafus effet , fi Сatholici per bella in-


teßina vel per infideles aut fchismaticos , aut aliter
taliter fremerentur , quod ad Apoftolicum verum non
pojfent habere RecurJum. Et tunc diverfa Provincia
pojfent convenire ad praficiendum fibi unum caput.
Tunc enim liceret quibuscumque Provinciis ( qua
pojfent ¿7- vellent ) fibi conflituere unum Primatem.
Et ita pojfent aliqua Provincia in una parte тип-
1 dt unum , alia in alia parte mundi alium fibi con
fiituere Primatem. Logo oppondo a ii os Cañones
ge rae s
25+ Tentativa Theologica

geraes em contrarío , refponde defte modo : Re-


fpondetur quoi guando potefl baberi Recurfus ad Pa
pam , non efl nova dignitas conflituenda ahfque ¡i-
centia Papa : in quo cafu loquuntur Cañones facri.
Sed quando non poteß baberi Recurfus ad Papam
Catbolicum , tunc pro utiïttate commuai licet no
vum conßituere dignitatem , duraturam faltem us-
quequo pojfit baberi ad Papam Recurfus.

D О С U M E N T О IL

Gerfon.T.lI. TOao Gerfon Cancellario da Univeríldade de


pag. 6. с 7. Pariz , no Tratado De Modo fe habendi tempo

re fcbijmatis , junto ao fim : Tertium documentum


efl de cafibus refervatis Papa , de Difpenfationi-
bus , & aliis in foro confcientia vel publico. Neu
trales videntur habere fufßcientem Recurfum ad Or
dinarios , apud quos fecundum eorum opinionem com-
muniter loquendo efl poteflas devoluta.

DOCUMENTO III.

Bofluet Tom. (~*\ Illuftriffimo BoiTuet Bifpo de Mos na Defen-
1. pag. i99- \J fa da Declaraçao do Clero Livro V. cap. 8.
SubtraSlâ femel obediential quid aliud fieret , quam
ut Epifcopali regimine tant'tfper componeretur Èccle-
fia , donee Summus Pontifex crearetur ?

DO
Parte II. Documented. 255

DOCUMENTO IV.

LUiz Thomaffino Presbytero da Congregaçao Tom. п.


do Oratorio de França na Segunda Parte da Ю^/",
Dijciplina fibre os Beneficios Livro III. cap. 28. anz 1 9I*

num. 10. Avenionenfi fcbifmate conflagrante , cum


fe regna quadam tarnquam in interregno facro ab
omni fubtraxerint Summorum Pontificum obedientid,
earn fibi vifi funt recuperare Epifcopi potefiatem dif- A
pensandi amplifßmam , qua quondam potiebantur:
atque in Pifano Concilio anno 1409. ratum babuit )
Alexander V. Papa , quiàquid ab Ulis interim fuis-
fit äispensatum.

DOCUMENTO V.

PEdro da Marca Arcebifpo de Pariz no Livro


III. de Concordia Sacerdotii & Imperii cap. 6.
num. 6. Sane diffimulandum non efl9 earn qua Jure РагГера^е*
divino Epifcopis quafita efl Ecclefia adminifiratio- {^o.
пет , nullts Decretal/bus ablatam fuijfe , quamvis po-
teflatis illius exercenda modus variis Confiitutioni-
bus varie pro temporum ratione prafcriptus fuerit.
Itaquefi ea témpora incidant , ut regenda Ecclefia ne-
cejfitas Epifcopos a regulis recentioribus difcederé co-
gat., nib'tl vetat quo minus jus naturale & divinum ,
. omijfis formulis qua jure novo prafcriptaJunt , lo
cum babeot. Exempli caufa : fi Sedis Romana va-
catio
256 Tentativa Theologica

catio per inultos annos protraheretur , fi boßium


armis obfeffa tenerentur itinera , ita ut fecure Ro-
manus Pontifèx adiri non poffet : aut fi qui alii fi-
miles aut graviores cafus inciderent : Jure divino aut
antiquo illo Jure ecclefiafiico adminifiranda effet Re
deña.
DOCUMENTO VI.

Citado por "R Arthelio moderniffimo Canonifta de Alema-


Febronio de XJ nha , e Vice-Cancellario da Univerfidade de
Statu Eccle- Vviceburg na Franconia , ñas fuas Addiçoens ao

"§*6.3pàg. Direito Canónico , Livro I. Tit. 33. Impedimenta


430. Bullioni matrimonii ex mera conjuetudine funt refervata.
I763* Quia tarnen in remotis partibus nimis dein fump-

tuofum difficile erat recurrere Romam , cœperunt


Epifcopi iterum uti fuá poteßate , fi nempe Recur-
fus vel nimis difficilis , vel nimisfumptuofusfieret ,
vel effet periculum in mora. Et boc cafu DoSlores
dicunt y ex cafu Papali fieri Epifcopalem. De quo
obfervandum , in praxi non oportere quemquam effe
fcrupulosum ex Papali faceré cafum Episcopalem,
fi сaufa Canónica fubfit , cum redeat primigenia fa-
cultas Episcoporum, quam confuetudine tantum fibi
) Pontifex refervavit.

DOCUMENTO VII.

Оаб Gerbais Doutor infigne da Univeriidade

J de Pariz , que florecía nos fins do feculo paf-


fado,
Parte II. Documentos; ¿57

fado Y na Orática dos Impedimentos do Matri


monio , que anda no fi m do feu Tratado do Po
der da Igreja e dos Principes fobre os Impedimen
tos Matrimoniaes : fallando dos Impedimentos pu^
bhcos , e das difpenfas para poder contrahir en)
graos prohibidos , difcorre aílim. Nao ba Texto PaS;
algum no Direito Canónico , que referve a facul- ar

dade de difpenfar em graos prohibidos fomente ao Pa


pa, com exclu]ao dos Вi/pos. E certamenté porque
nao bao de os Bifpos poder difpenfar ? E porque fe
Ibes ha de difputar efie poder , ao menos quando as
Partes Jao pobres , e a difamia dos lugares excef
fiva , e as caufas urgentes ? Accrefcenta , que fen-
Ao confultada fobre efta materia a Sagrada Con<-
gregaçao do Concilio, no anno de 1673. Fut di
avis que les Difpenjes que les Evefques donnent dans
les cas propofez , fon valables.
Paila logo a propor o argumento em con
trario , que he , que nao eftando os Bifpos na
polie de difpenfar nos impedimentos públicos pro
contrahendo , parece ufurpaçao o intentar al gum
dar eítas diípenfas. Ao que Gerbais refponde fuCr
cíntamente dizendo , que quando a jurisdicçao be ¿
ordinaria , nao fe prefcreve contra ella pelo nao uzo. **
Por ultimo conclue , que ainda que a praxe geral
da Igreja tem refervado ao Summo Pontifice eftas
difpenfas, e que ailim o melhor he recorrer a Ro
ma : elle todavia fe nao atreve a affirmar , que as
difpenfas dadas pelos Bifpos ñas occafioens referidas
•C\ К foffem
2j8 Tentativa Theologica

fojfem absolutamente nullas. Quem affim difcorre


eltando o Recurfo deiimpedido , nenhuma duvida
teria de dar por validas as difpenfas que os Bilpos
conccdeffem , eftando о Recurfo de todo embara-
çado , como agora eftá.

I DOCUMENTO VIH.

Richer pag. Demundo Richer Syndico e Doutor da Uni-


94* J iveríidade de Pariz na Hiftona dos Concilios
Livro IV. Parte II. Cap. V. num. 7. Quando
igitur Epifcopi fuam immediate dérivant auiïurita?
tern h Deo , ficut ipfe Papa : isque fupra illos nihil
divinitus prater primum gradum Sacerdotii <b° po-
teflatis miniflerialis obtinet : certe Epifcopi jure hu
mano ea poteßate quam divinitus habent a Deo ,
privari nequeunt. Et fi quando huic privationi per
■vim & errorem ajfenjum prœbuerunt , hoc non va
let ,juxta Regulam : Qui errat , non confentit. Ad-
de res facras & сalitus conflitutas diutlimitâtetem-
poris non prœfcribi ab ufurpatoribus , fient tempora-
Jia.ITAQUE EPISCOPL QUOTIESCUMQUE
rOLUERINT, PO SSVNT IN INTEGRUM
RESTITUI, SI AD JURIS Qü JESTIONEM
ATTENDAMUS: de vi autem & faclonondis-
putamus.

DO
Parte I. Documentos/ 259

DOCUMENTO IX. •
■-
Praxe da Igreja de França no tempo do Cismt
grande, pelos annos de Chriflo 1398.

NO anno de 139З. reinando em França Car-*


los VI. fe jimtarao por ordern do mefmo Rey/
em Pariz os Prelados e Doutores da Igreja Galli-
cana , a fim de fe defeobrir algum meio decente,
e efficaz para a extineçao do Cisma , que havia
já 20. annos opprimia о Chriftianismo. Affiftiraö Collecça6 de

doze Arcebifpos , feflenta Bifpos , fetenta Abba- preLcça6 "do


des , os Reitores e Theologos e Canoniftas das Tomo vu.
Uni verlî dades de Pariz, de Tolofa, de Orleans 3 ^f-z^IV*
de Angers , e de Magalona. De 300. votos que anz I7^*

erao j concordarao e aífentarao os 247. que о rae-


lhor meio para a extineçao de tao funefto Cisma
era a fubtracçao de obediencia a ambos os Con
tendores do Pontificado , Benediclo e Bonifacio : e
que entre tanto que nao havia Papa certo , os
Bifpos do Reino proveíTem efpiritualmente em to
dos os cazos neceiTarios de collacoens de Benefi
cios , eleiçoens , abfolviçoens , difpenfas , e em to
dos os mais refervados até allí á Sé Apoftolica'i
como quem na falta do Papa erao os legítimos
Juizes e Supremos Paftores de cada Dioceze. In Dupin ñas
its cafibus qui Domino Pontifici refervati funt , Ab- ^xíV.An-
folutionem peti poj/e ab Epifcopo Diœcejeos. Cir- merp. /702.
R 11 ca
z6o Tentativa Theological

ca difpenfationes ad Matrimonia in graâïbus probi-


w bit/s contrahenda , fi gravis neceßtas urgeat , has
Preuves des ab Ordinario concedí poffè. O mefmo acordarao á
Libertez pag. imitaçao de Fiança os Reinos de Inglaterra , Si-
705. t-joj. ^ Jerufalem , Caftella , Navarra : o Duque de

Baviera , a República de Genova , os Eftados de


Flandes , e o Sagrado Collegio dos Cardeaes , que
erao 18.
Em confequencia defta refoluçao mandou
EIRey Chriftianilfimo intimar a todos os Prelados
juntos outra vez em Palacio por boca do Chan
celier Mor , que a fuá vontade e intençao era ,
r que a Igreja de França gozaíTe inteiramente de
todas as fuas antigás Liberdades , fazendo os Bis-
pos as vezes do Papa.
As Acias defte Concilio ou Junta de Pariz
andao no Tomo XV. dos Concilios de Coleti da
moderna ediçao de Veneza , pag. 100$., e tambern
as defereve Jacques ^Lenfant na Hiftoria do Con
cilio de Pifa Tomo Г. pag. ni. O Real Decre
to de fubtracçao de Obediencia defereve-o Pitheo
• ñas Provas das Liberdades da Igreja Gallicana, cap.
XX. pag. 691. da ediçao de Pariz de 1651.., e Bu-
leo na Hiftoria defta Univerfidade Tomo IV. pag.
853. da ediçao de Pariz de 1668.
Com eíFeito no dia 8. de Agofto do mes-
mo anno de 1398. em que fe fez a Junta , fe ti-
rou della hum Inftrumento em publica fórma ,
que defereve Pitheo na pag. 707. aonde lemos o
. - feguia
Parte II. Documentos. 261

feguinte : Attenta denegatione totius obedientia nu-


per faSla per pradt Sium dominum noßrum Regem
dominosque Prälatos & alios fupradt clos , ¿7- ut
Ecclefiœ feu Monafteria diSli Regni Paßoribus fuis
deßituta , propter diuturnam vacationem non pati-
antur dtfpendia Jeu jaSluras : declaratum fuit ас
etiam ordinatum , ut fequitur : videlicet quod au-
Sí or itäte prœfentis CondIii univerfalem Ecclefiam
diSIi Regni reprafent antis , eleSliones quorumcum-
que Monafieriorum tarn exemptorum quàm non
exemptorum , dum vacationes eorundem evenerint ,
per Dominos Epifcopos locorum Diœcefanos confir-
mabuntur , &c. E no dia 1 2. do mefmo mez e
anno , vagando a Abbadia de S. Dionyfio , o Bis-
po de Pariz confirmou о novo Abbade Filippe de
Viíleta : e diz о Inftrumento que délia traz Pitheo
pag. 706. ¡¡¡fia rite peraSla Summits Pontifex
propter fubtraSlionem obedientia non poterat confir
mare : de peritorum in jure divtno & canónico con
fino äecretum efi , ut hoc Diœcefani auSloritate fieret ,
ficut à* per Prœlatos Ecclefia Gallicana provifum
fuerat , &c.

DOCUMENTO X.

COntinuaçao da mefma Praxe no Reino de


França pelos annos de Chrifto 1408. cornos
Arcigos que le delibcrarao e concluirao no Con
cilio Nacional celebrado por ordern do meímo
K R iü Rey
. 2Ö2 Tentativa Theologica

Rey Carlos VI. em Pariz a 22. de Outubro.


ir Defcreve-os Martene no Tomo II. dos
Anecdotos pag. 1398. da ediçao de Pariz de 1717.
e parte délies tem tambem Dachery no Tomo I.
do Spicilegio pag 800. da ediçao de Pariz era
fol. de 1723. e Caleti no Tom. XV. dos Conci
lios da referida ediçao noviílima de Veneza de
1731. pag. 1079. Muito antes os tinha publicado
todos Pitheo ñas Provas das Liberdades Gallicanas
pag- 743;
Avifamenta fuper modo regiminis Ecclefiœ GaU
licana durante neutralitate délibérâta & conclufaper
Concilium diSla Ecclefia , XXII. OSlobris , anno
1408.

De fententits a Jure latís.

1?а2м Anee- TT ^ Prtm0 quantum ad peccata , & fententias a

dotos pag. J àjure latas , quorum , aut quarum abjolutioeß


1398. Pitheo Sedi Apofiolicœ refervata , abfolvere poteß pœniten-
Paß- 743- tiartus Sedis Apoßolica in foro confeientia , tarn

exemptos , quam non exemptos.


Item ß abfolvendus nunc , vel inpoßerum ba
beat impedimentum perpetuum , aut temporale, vel
forte fuperveniret caufa , propter quam non deberet
ad dictum pœnitentiarium haberi recurfus : talis fi
fuerit non exemptus , per proprium epifсорит pote-
rit abfolvi , dye. Si autem fuerit exemptus , qui
babeatfuperiorem in eumpotefiatem epifcopalem exert
% * .. centem ,
Parte II. Documentos. 263

centem , per illum : fi autem non habuerit , per epis-


copum ordinarium abfolvipoterit.
Item fi fuerit fententia excommunicationis a
Papa lata , five exemptas , five non exemptus , hoc
tempore durante , per loci ordinarium abjolvi poterit
in foro con/cien ti œ , &c. In foro vero content tofo
fiet abfolutio per ordinarium quoad non exemptos >

De difpenfationibus fiendis.

ITem fuper àefeSlu atatis quoad ordines facros


citra epifcopatum , & quoad dignitates , & bene
ficia curata , citra tarnen maiores Dignitates in Ca*
thedralibus : difpenfent Epifcopi cum graduatis &
nobilibus de duobus annis tantummodo , &c.
Item fuper defeSlu natalium quoad ofdines fa
cros , dignitates , & beneficia curata , &c. fatis to-
lerandum videtur , quod Epifcopi pro utilitate Ec-
clefia cum nobilibus , & graduatis difpenjare valeant ,
&c.
Item fuper irregularitate propter violationem
cenfura ecclefiafiica , dum tarnen non fuerit ex con-
temptu , difpenfent Epifcopi , &c.
Item quoad impedimenta matrimonii ufque ad
quartum gradum confanguinitatis , vel affinitatis ;
fi magna reipublica utilitas exegerit forte cum ali-
quo rege , vel principe difpen/andum fuper hoc :
tunc caufa cognitione pramijfa , concilium provin
ciale citra tarnen cafus divina lege probibitos , va-
*■ R IV leat
2Ö4 Tentativa Theologica

hat difpenfare , à* etiam de quarto gradu cum Ulis ,


quibus viderit difpenfandum , &c.
Item circa impedimenta matrimonii proveni-
entia propter cognationem fpiritualem , videturfat/s
tolerahile hoc tempore durante , quod concilium pro
vinciale cum magnis nobilibus inter fujceptum é° fi-
lium fufcipientis valeat difpenfare, &c.
Item de impedimento proveniente propter pu-
Hic œ honefiatisjufiitiam , fatis tolerandum videtur ,
quod concilium provinciale valet dijpenfare in tertio
■& quarto gradu.
Item elecliones epifcoporum per fuos archi-
epifcopos poffunt de jure confirmari : fie eleSliones
archiepifcoporum per fuum primatem , fi habeant :
alias fi non habeant , per fuffraganeos provincia con-
gregatos poterunt confirmari , &c.
Os mais artigos podem-fe ver ou em Pitheo ,
ou em Martene. Eu íó advirto , que em confe-
quencia defta Affemblea começarao os Metropoli
tanos de França a confirmar as eleiçoens dos Bis-
pos feus Suffraganeos : como fez o Arcebifpo de
Leáo Filippe de Turey , .que como Primaz de
França coniirmou em Arcebifpo de Ruao a Luiz
de Harcuria , como Iemos no Tomo IV. da Gallia
Chrifiiana pag. 174. E he efta huma praxe , que
Monf. de Thout teftiflca fer ordinaria em França
no tempo de Rotura : Legitimum remedium infeißti
ra h maioribus nojlris ujurpar't Jolitum.

DO
Parte II. Documentos. 265

DOCUMENTO XL

PRaxe da Igreja de Hefpanha no tempo do


mefmo ciíma e neutralidade , pelos annos de
Chrifto 1398. tirada da Hifloria de las Ciudadesy
Iglefias Catedrales de He/paña , por Gil Gonfalves
Davila , tratando do Bifpo de Salamanca D. Diogo
de Annaya Maldonado , no Livro HI. cap. 14.
pag. 105. da ediçao de Salamanca de 1 6 1 8.
Por los anos 1308. fe celebro en Alcalá de
Henares una jenalada Junta , donde fe bailaron
todos los Prelados de los Reynos Jugetos al Key
Henrique III. y el mifmo Henrique con ellos. Y en
efla Junta quitaron la obediencia al Papa Benedi
cto XIII. acordando de camino lo que fe havia de
guardar en eftos Reynos , mientras no huviejfe verda
dero Pontífice en la lglefia.
Primeramente fue ordenado , que todos los
beneficios que vacan o vacaren de aqui adelante , re-
fervados o devolutos , o en qualquiera manera que
vaguen , que proveyan dellos los Arçobifpos e Obis
pos y Jegun que Dios Ies diere meior a entender.
Otrofi que qualesquier defcomulgados por de
recho , o por qualesquier juezes , la abjolucion de los
quales pertenece a la Sede Apofiolica , que los ab-
fuelvan fus Diocejanos , &c.
Otrofi que los pleytos pendientes por appela-
cion y o eu otra manera } que toque a los Dioceja
nos y
266 Tentativa Theologica

nos ; e fi el phyto fuere contra los Obi/pos , o con


tra cofas fuyas , que vayan a los Arçobifpos : e fi
atannere a los Arçobifpos , que fean fechas delega
ciones a perfonas no Jofpecbojas , baßa que Jean da
das tres fentencias uniformes : entonces no aya mas
querella ni queflion.

Arcbiepifcopus Toletanus.

Doclor jfoannes Alfonfus,

Os outros artigos vejao-fe no referido Hiílo-


riador.

DOCUMENTO XII.

DEcreto de Henrique III. Rey de Caftella , e


Leáo , palTado a 12. de Dezembrode 1398.
em prefença do Infante D. Fernando , do Cardeal
de Hefpanha , do Arcebifpo de Toledo , do Mes-
tre de Santiago , e de outros mimos Grandes do
Reino. Defcreve-o em parte Odorico Raynaído
na Continuaçao dos Annaes de Baronio no referi
do anno : inteiro o illuílre Benedictino Edmundo
Martene no Tomo VIL da Collecçao dos Amigos
Monumentos pag. 613. da ediçao de Pariz de 1733.
Neíte Decreto depois de expor ElRey as
caufas , que tinha para fe fubtrahir da obediencia
do chamado Benedicto XIII. depois de mandar , que
viito
Parte IT. Documentos. 267

vifto terem-lho affim aconfelhado os Prelados , e


Doutores do Reino , nenhum Vaflallo feu record Щ
ra por qualquer negocio que feja , efpiritual ou
temporal , a valerfe das graças Pontificias : con
clue , que todos os feus Vaflallos reconheçao , ^
tenhao nefte meio tempo por feus Pontífices e Su
premos Paitares aos Bifpos e Arcebifpos. jfube-
mus infuper , quod omnes & finguli noßri regnico-
la plenarie pareant fuis arcbiepifcopis , epifcopis, et- 9
terisque pralatis , habentes eos infuos veros pontífi
ces & paßores.

DOCUMENTO XIII.

N O Concilio Gérai de Pifa celebrado no annd Tom. XV.


de 1400. ratificou e deo o verdadeiro Sum- dos Conc'llos

mo Pontífice Alexandre V. por bem feitas todas м!ггепе To


as difpenfas , abfolviçoens , e provizoens dadas pe- mo VII. pag.
los Bifpos no tempo da neutralidade : declarando 1IID*

tambem que nao era fua tençao derogar em nada


nos artigos concluidos na Aífemblea do Clero de
Franca do anno antecedente de 1408. Tudo cons
ta das Aftas do Concilio na Seflao XXII. que fe
podem 1er em qualquer Collecçaô ou de Binio>
ou de Labbé , ou de Harduino , ou de Cole-
ti. Tambem as publicou Martene no Tom. VIL
da fua Collecçaô dos Monumentos Amigos , pag.
il 10. ainda que elte reduz á SeflaÖ XXI. о que
os outros trazem na XXII. As pala v ras forma es do
Papa
аб8 Tentativa Theologica

Papa fa б eftas : Per pramijfa feu aliquot pramiffo-


rum non intendimus derogare ordinatiombus arca
pramißos artículos faSl'ts in ultima congregatione
pralatorum , & aliorum virorum eccleßaßicorum ,
facía Parifiis , &c.

DOCUMENTO XIV.

COncerto ou Tratado entre Francifco I. de Fran-


ça , e Henrique VIH. de Inglaterra ( íendo
efte ainda Catholico Romano ) feito no anno de
1527. no quai fe aíTentou , que durante a guerra
que o Emperador Carlos V. trazia na Italia , e o
cativeiro do Papa Clemente VIL a adminiftraçao
total das coizas Ecdefiafticas correría por mao dos
Prelados Ordinarios de hum e outro Reino. Re-
fere-o Pitheo ñas Provas Cap. XX. pag. 778.

DOCUMENTO XV.

POr occafíao das Guerras de Italia , que emba-


raçavao o Recurfo a Roma , íuppre o Car-
deal de Givry Bifpo de Langres com autondade
Ordi naria as Bullas da confirmaçao do Abbade
nomeado das Sete Fontes da Ordern dos Premons-
trateníes , no día 22. de Setembro de 1551. As
palavras do Inítrumento que traz Pitheo pag. 788.
dizem afíim : Sed quia тс commode , пес ita matu
re , ßcut rei necejßtas paßиlabat , tuarum Bullarum
expe-
Parte II. Documented, 269

expeditionem curare , ab ipfaque Romana Curia ar-


cejfere , propter temporum difficultatem , viarumque !
impedimenta , tibi non liceret : Nos tibi quantum
nobis perjus licet , & noßra Epifcopalis auSloritatis
intereß , curam & adminißrattonem prœfati mo~
naßerii prafentium tenore committimus , &c.

DOCUMENTO XVI.
r

NO dia 27. de Julho de I59°* ordenou a Preuves des


Corte de Pariz , que vifto nao haver Recur- L'bertez P3&

fo fácil a Roma , valefíe na falta do Bifpo de •


Poitiers Ordinario do Lugar a Vifa ou Atteftaça6
do Arcebifpo de Turs , neceflaria para fe collar
Pedro Jourdin em hum Beneficio aícanfado antes
na Corte de Roma In forma dignum.

DOCUMENTO XVII.

DEcreto do Parlamento deProvença a 30. de Ibid.


Outubro de 1591. para que o Cabido da
Igreja Cathedral de Cifteron eleja e conftitua na
forma coftumada hum Vigario Geral , que gover-
ne e adminiílre no efpiritual e temporal aquella
Diocefe , durante a rebelliao do feu Bifpo Anto-
лю de Coupes , declarado reo de Leza Mageftade.

DO~
270 Tentativa Theologica

DOCUMENTO XVIII.

NO dia 5. de Dezembro do feguinte anno de


1592. era que ainda dura va a Rotura do
Reino de França com a Corte de Roma, no tenb
po de Henrique IV. , e demente VIII. ordenou a
mefma Corte por bum Decreto paflado em Cha-
loens , que vifta a rebeldía dos Prelados das tres
Diocefes de Sens , Mós , e Soi lions ; fofíe o Deao
do Bifpado de Troyes Guilherme de Tais , о que
fizeiTe as collaçoens de todos os Beneficios da-
quellas Diocefes , e nao os Bifpos délias.

DOCUMENTO XIX.

PElos annos de Chrifto 1 186. eftimulado o Em


perador Friderico I. dos máos termos , com
que o tratava o Papa Urbano III. embaraçou pur
meio das fuas Tropas a paiTagem dos Alpes , e
prohibió a feus fubditos todo o commercio com os
Romanos ¿ acordando ao mefmo tempo , que o
Arcebifpo de Colonia , como Legado do Papa , e
Primaz de Alemanha , fentenciaíTe todas as Cau-
fas , que occorreíTem interinamente. Amoldo de
Lubeca no Livro III. da Hiftoria de Sclavonia
cap. 17. Fridericus I. uidens TJrhani III. obflïna-
tum erga fe animum , claufit omnes vías Alpium ,
& omnium circumquaque regionum , ut nemo pro
quo
Parte IT. Documentos. 271

quolibet negotio adiré poffet Sedem Apoßolicam. De-


inde convocavit Pbilippum Colonienfem , cut Papa
Legatiotiem Romanœ Ecclefia de'der at , à" Primar-
tum , ut ipfe vice Apoßolicifingulorum Cau/as dis
cuteret , ncc propterea magis ah Reclefia Dei jußi-
tia deficeret.

DOCUMENTO XX.

NO Concilio de Turs Nacional de toda a Fran-


ça , celebrado no anno de 1510. por ordem
de Luiz XII. refolvem os Prelados, e Theologos
8. Artigos , cuja fubftancia era : que fuppofto ter-
fe declarado o Papa Julio IL inimigo delRey , po
dia elte , e todo o Reino íubtrahirfe por aígum
tempo da obediencia e communicaçaô de Roma :
e que entre tanto governalTem os Bifpos no efpi-
ntual ¡ecundum Jus commune antiquum ¿7° Pragma-
ticam SanSlionem Regni. Andao em todas as Col-
lecçoens dos Concilios: e tambem os traz Goldas-
to no Tomo IL Parte II. pag. 1651. Defte Con
cilio fe Iembra tambem Pedro da Marca no Livro
VI. de Concordia, Cap. 35". e Monfacon nos Mo~
numentos de Franca Tom. IV. pag. 117. Ne-
nhum Papa atégora o declarou Conciliábulo , fen-
do grandes as diligencias que para iíTo fez no Con
cilio Lateranenfe V. o Emperador Maximiliano
. emulo de Luiz XII.
As Acias pois defta illuílre AíTembJea á'ir-
t . zera
nyi Tentativa Theologíca

Tomo XIX. zem affim : Concilium hoc habit um eft jußu regh
àrs Concil.de Ltí(¡0V'fCi XII. dielt patris patria s occaßom bello-
Colea pag. . r i- t Л1 i r i-
557. rum Itancorum tnter Juttum & Alphonfum rer
rarla ducem , a quo ducatum amoveré volebat , licet
protegeretur à rege Ludovico ejusque exercitu pro
pter ajfinitatem. Cum enim Julius diris devovijfet
pradiftum ducem , omnesque ei adhérentes ö'fuven-
tes , à> fpQcialiter omnes militantes in exercitu Gal-
lico ; ut Jais rex profpiccret contra pontificem male
erga fe affectum, turn ut fuos milites confirmarèt\
vî . tum etiam ne è Gallia Komam pecunia tranfportar
rentur , qu'tbus ipfa Gallia impugnaretur , hunc con-
■ venturn ееclefta Galiiсana & doSlißmorum quorum-
cumque virorum fieri mandav'tt , in quo propofuit
patribus oSlo quafiiones magni momenti per eos dis-
cutiendas & dijfolvendas. Sunt autem ha fequentes ,
qua ad temporis negotta difficillimafpecJabant.
jin liceat Papa bellum inferre Principibus
temporalibus , in terris qua non funt de patrimonio
Ecclefia , &c. Conclufum fuit unanimiter per con
cilium , Papain nec pofle , nec deberé. Quod for
fait intelltgendum de Papa in propria perJona , ut
facicbat Julius , dicens fe uti gladto divi Pauli ,
cum pradecejfores fatis иfi fuijfent clavibus divj
Petri.
Лn liceat principi défendenti fe , fuaque,
,non folum propulfare armis ejusmodi injuriam , fed
etiam invadere terras ecclefia poffejfas a Papa notor ^
rio hofie fuo : non tarnen ea intentione ut iUas reti-
-, neat y
Parte II. Documentos. 273

neat , fed tantum ut impedíat , neper eas Papa ilie


fortior & potentior fit ad offendendum diSlumprin-
cipem & fuos. Conclufum eft per concilium , prin-
cjpem hoc poíTe fub conditionibus & qualitatibus ia
articulo propoíitis.
An ob tale odium notormm <¿y aggrejjionem
injufiam, liceat tali principi fe fubtrabere ab obedi
entia hujusmodi Pontificis , attento etiam quod Ponti-
fex concitavit alios quosdam principes & communi-
i ates , imb iy tentavit cogeré adinvadendas terras
¿b* dominia ejusdem principis , qui potius benevolent
tid Sedis Apofiolica digitus fuit. Conclufum per con
cilium , prineipem ab obedientiâ Papse fe íubdu-
cere ас fubtrahere : non tarnen in totum & indis
tincte , fed pro tuitione tantum ac defenfione jurium
fuorum temporalium.
Tali JubtraSlione licite facta, quid agendum
fit tum principi ipfiacfubditis ejus , tum etiam Prœ-
latis <¡y Ecclefiafiicis perjonis regni fui in rebus de
quibus ad Sedem Apoflolicam antea requiri folebat.
Conclufum eft per Concilium , SERVAN DUM
ESSE JUS COMMUNE ANTIQUUM ET
PRAGMATICAM SANCTIONEM REGNI,
EX DECRETIS SACRO-SANCTI CONCILII
BASILEENSIS DESUMPTAM.
An liceat hujusmodi principi Chriftiano armis
tueri ac defenderé ahum principem fibi confœdera-
tum , dy cujus proteclionem legitime fufcepit , dye.
Conclufum fuit per Concilium , licere.
S Si
274 Tentativa Theologica

Si quod jus Pontifex ad fe pertinere conten-


dat , ut patrimonii Sánela Ecclefiœ Romana par
tem contra Princeps Imperii , juris Jui ejfe dicat ?
é* de ea controverfia paratиsfit & offeratfiare arbi
trio , ve/judicio bonorum virorumper compromijjum
prout dejure : an eo ca/u liceat Pontifici absque alia
caufa cognitione bellum inferre diclo principi : fi
fecerit , an liceat principi armis refifiere , ¿7» aliis
etiam principibus in bujusmodi diffîdio et adejfe , eum-
que defenderé : maxime Ulis qui ei cognâtione vel affi-
nitate conjunbli funt , cum etiam per centum annos
próximos Ecclefia Romana in ejus juris controverfi
pojfeffione nonfuerit. Conclufum eft per Concilium ,
Jicere principi hoc cafu refiílere de faclo , & aliis ei
adefle in jure iuo tuendo.
Quid fi Papa nolit acceptare quodprincepsju-
ridice & honefie offert , fed contra non obfervatoju
ris ordine, contra talem principem pronuntiat Jen-
tentiam aliquant , an ei obtemperandum fit , maxi
me cum non efl integrum ac tutum tali principi ad
Sedem Romanam ire , vel mittere , & jus fuum via
juris civilis , ¿7- rationibus defenderé. Ccnclufum
per Concilium , non teneri talem principem parère
tali fententiae.
Si Pontifex injufie , ordinejuris non fervato ,
procedens de faclo , & manu armata , pronunciet ac
publicet aliquas cenfuras contra principes fibi refi-
fientes eorumque Jubditos & confeederatos , an eipa-
rendum fit , & quod remedium adhibendum. Con
clufum.
Parte II. Documentos. 275

clufum eft unanimiter per Concilium , talem fenten-


tiam nullam eíTe , пес de jure vel alio quocumque
modo Jigare.

DOCUMENTO XXL

DEu-o o Emperador Carlos V. aconfelhado fern


duvida dos feus Theologos , quando pelos
annos de Chrifto 1526. rompeo com o Papa Cle
mente VIL pelos termos , que defcreve Monf. de
Thout na Hiftoria do feu tempo Livro I. pag. 33.
da ediçao noviííima : Cafar Carolus , ut injuriant
fihi a Clemente Vil. illatam ulcifceretur , nominis
Pontificii auSloritatem per отпет Hifpaniam abolet :
exemplo ab Hi[pañis pofieritati relíelo , poffe Eccle-
fiaßicam Difciplinam citra nominis Pontificii auSlo
ritatem ad tempus confervari.

DOCUMENTO XXII.

SA6 os Votos das Univeriidades de Hefpanha , e


FJandes , que confultadas por Filippe II. no anno
de 1556. fob re o modo licito de rebater a furiofa , e
ouzada política do Papa Paulo IV. contra efta Co-
roa, forao de acordó, que rompeiïe S. Mageíla-
de com o Papa , mandando fahir de Roma os
Hefpanhoes : e que entretanto proveífem os Bis
pos em todo o neceíTario , aun en las cofas por
derecho al Pontífice refervadas. Refere-os D.
S ii Luiz
2j6 Tentativa Theologica'

Luiz Cabrera na Vida do mefmo Rev Liv. II.


j* cap. 6. , e delle os aponta , e nao defaprova o noí-
fo Leitao no Tratado Analytico Propoí. V. De-
monftr. IV. pag. 053.
Cabrera To- Moftrabafe quanta mas podia enemigo el Poti-
mol. pag. 00. jin /-»"\ V , j r • /? ; 7) •
pee del Key Católico , Jegunao ßgntßco a la rrtn-
cefa doña Juana Gobernadora de los Rejnos de Es
paña por carta fecha en Brújeles a diez de Julio
aßt : Defpues de lo que eferivi del proceder del
rotifice i del avifo que fe tenia de Roma , fe à en
tendido de nuevo , quiere excomulgar al Enpera-
dor mi Señor i a mi , i poner entredicho i cefa-
cion a divinis en nueftros Reynos i Eftados. A-
viédo comunicado el cafo con honores doclos i
graves , pareció feria no folo fuerça , i no tener
fúdamento , i eftar tan juftificado por nueftra par
te , i proceder Su Sátidad en nueftras cofas со ш>
toria paillon i rancor ; pero q no feriamos obliga
dos a guardar lo q cerca defto proveyefe > por el
gra efcádalo q feria hazernos culpados no lo fiêdo ,
i pecaríamos grávemete. Por efto queda determi
nado , q no me devo abftener de lo q los exco
mulgados fuelen , auque végan las céfuras o algu
na délias , como no dudo vendrán fegun la inté-
cion de Su Sátidad. Pues aviendo apartado defte
Rey no la fectas , i reduzidole a la obediencia de
la Igleíia , i aviendo ido íiépre en acrecentamien
to со el caftigo de Jos Ereges ta fin cotradiciones
como fe haze en Inglaterra lo à querido i quiere
: noto
Parte II. Documentos. ¿77

notoriamente deílruir i alterar ¿ fin tener ningu


refpeto de lo q deve a fu dignidad. I foi cierto
faldra con fu perteníion , 11 fe lo confintiefemos ,
porque revoco ya todas las legacías q el Cardenal
rolo tenia en eile Reyno , de que fe à feguido
tanto fruto. I por todas eílas caufas i otras mui
fuficientes que ai , i por prevenir con tiépo , i pa
ra mayor cautela i fatisfacio de las gétes , fe à he
cho en nobre de fu Mageílad i mia una recufa-
cion , proteílacion i fupltcacio mui en forma , cuya
copia quiíiera enbiar con eile correo ¿ i por fer en
la efcritura larga , i partir por Francia , no fe à
podido hazer : mas el correo , q irá brevemente por
el mar , la llevara. Entonces efcrivirè a los Prela
dos , Grandes , Ciudades , Vniverfidades i Cabe-
ças de las Ordenes de efos Reynos , para q eilen
informados de lo q pafa : i les mädareis q no
guarde entredicho , ni cefacion , ni otras cenfu-
ras j porque todas fon i fera di ningü valor , nu
las , injuílas , fin fundaméto , pues tengo tomados
pareceres de lo q puedo i devo hazer. Si porven-
tura entretanto viniefe de Roma algo q tocafe a
eílo , coviene proveer que no fe guarde ni cúpla ,
ni fe de lugar a ello. I para no venir a eílo ,
mandar conforme a lo que tenemos efcrito , aya
gran cuenta i recato en los puertos de mar i tier
ra , para q no fe pueda intimar , que para en lo
de aqui fe haze la misma diligencia : i que fe ha
ga grade i exemplar caftigo en las períonas que
S iii " las
2j% Tentativa Theologica

las truxeren , que ya no es tienpo de mas difimu-


Jar. Si no fe acertafe a tomar ( como podria fer )
i vbiefe alguno que quiíiefe vfar de las dichas cen-
furas , proveafe que no fe guarden , pues yo que-
do en efta determinación i con tan gran razón i
juílificacion , i tanbienen los Reynos de Aragon;
fobre lo quai entonces fe les efcnvirà en eíla сб-
formidad. Defpues fe à fabido q en la Bula q fe
publica en el Iueves de la Cena , pulieron que
defcomulgava el Pontífice a todos los que vbieíen
tomado i tuviefen tierras de la Iglefia ? aunque
fuefen Reys o Enperadores , aunque no declara
mas defto. I que en el Viernes fanto mando que
dexafen la oración em que ruegan allí por fu Ma-
geílad , aunque las demás de allí adelante fon
por los ludios , Moros , Ereges , i Cismáticos.
De manera que cada dia fe puede efperar mayor
mal : e aílí tanto mas íe deve hazer lo que arriba
fe dize fobre eftas cofas , i tabien deílo fe dará ra
zón a fu Mageftad Cefarea.
Efcrivio afß mismo al Padre Frai Melchior
Cano Dominicano de fingular religion i letras , de
quien como de oráculo confultado tomaba fu confejo i
refpueßas. Communicadas las diferencias con Paulo
ULI. en diverfos Claußros rejpondio : Se ofendian
no remediando ellos danos i riesgos de los Rey-
nos , que por la reverencia del juramento del nobre
de Dios devia defender ( pues eftan debaxo de fu
gobierno i tutela ) de quien los quifiere ofender ,
como
Parte II. Documentos. 279

como tutor de pupilos por leys i fidelidad de tu


toría , aunque fueíe contra fu padre natural , pues
el temor de inconvenientes i efcádalos cefa por la
defenfa juila. Covenia mucho viefe el Mundo en
tienpo de tantos Ereges avia fuerças i esfuerço pa
ra la protección , guarda de fus Reynos , autori
dad , hazer fu oficio ; pues lo que dexafe de ha
zer, no dirían fue por Criftádad i piedad , fino
poquedad. Si fe entendiefe fu flaqueza de animo
i poder en Roma , fe defvergonçaria los Ereges i
Católicos со agravios mas exorbitates : i affi inpor
taba a la Igleíia la defenfa i remedio de los ma
les , pues dexandola eftaba el bien dudofo , mui
cierto el increíble mal. I porque no fe à de efpe-
rar a que tire flechas quié pone laços , baftava que
hiziefe gente el Pontífice , con que amenazaba ,
para fer jufta caufa de tomar las armas el acome
tido injuftamente. El principio i ropimiéto de una
guerra fe juzgaba por la razo i jufticia que el de
una violencia particular , en que podia el ofendi
do fienpre acometer al que iníifte en hazer la fu-
erça , fin fer obligado a efperar mas , entrando
contra el agrefor dentro de los limites de la defen
fa inculpada : no por eílo fe dizia ferio de la fu-
erça aunque fuefe de la pelea , pues juftamente
podía mover las armas defendiendo a fi i a fus co
fas. I el cobatir o guerrear no fe avia de referir
a la culpa del acometimiento ( que no le avia )
mas a la jufticia de la necefidad de la defenfa por-
S iv que
á8o Tentativa Theologica

que acometía. Si era jufticia el acometer al ene


migo para alcançar la paz fin de la guerra , aclo
de fortaleza i valentía era , no odioío por razón i
ley Divina i antigua , donde confortaba Dios a fu
Pueblo i daba reglas para pelear juftamente , i le
amoneítaba diefe la batalla. Por eílo el acometi
miento i agrefion contra el enemigo era necefaria ,
jufta , i au podia fer fanta, como era licito por
Derecho Civil i Publico , i por el Canónico , que
mueftra que en todos los cafos fe le puede ofen
der i acometer como a enemigo ; poi que fe el ha-
zer la guerra e íuftétarla por necefidad fe atribuía
a la virtud i mérito de la fortaleza , el pelear i aco
meter era acto deíla. Eftando en el palenque dos
cavalleros para conbatir por defafio , el defafiado
podía por neceffidad de fu defenfa acometer i со-
mençar la lid íin efperar a que el provocador ofen
da. Tanbien íiendo en continua ofenfa enemigo,
en canpo abierto , en celada , en todo tienpo de
guerra , podia ofender , prender , matar al enemi
go ; i li puede afaltarle por afechanças , mejor lla
marle a la batalla , i acometerfe como mejor pu
diere. La vengaça de la injuria i fuerça hecha
con buena intecion era licita , i en el Principe por
caufa publica tenia nonbre de caridad , i entonces
era miniftro de Dios i vengador en la ira contra
quien haze mal. Pufiefe ya Su Mageftad los me
dios confultando foldados , no letrados , para calfr-
gar la injuíticia que fe le hazia con las armas , co-
. ._ brando
Parte II. Documentos. 281

brando del Pontífice i de fus vafallos todos los


gaitas. Mas advirtiefe era el caftigado nueftro pu ■
dre i fuperior , Vicario de Dios , que reprefenta la
períona de Jefu Chriíta , i maltratado abria puer
ta al vituperio de la Fè Católica , i difprecio de
la autoridad Eccleíiaftica. Los fabios Reyes con
vertieron efto caftigo en facar para fus Igleíias i
Reynos algunas cofas convenientes , juilas , fantas ,
con que no quedafe defacatado , fino efcarmenta-
do i curado. Tal feria el facar por concierto de
la paz , que todos los beneficios de Efpaña fuefen
patrimoniales ; uviefe tribunal de Su Santidad en
ella para concluir Jas caufas ordinarias fin ir a Ro
ma : donde folaméte avia de ir ( fi razón i Evan
gelio fe guardaíen ) Jas mui graves e inportantes
a la Igleíia , como lo confeso Innocecio Pontifice
en el capitulo Maiores , de Baptifino , i lo confiefan
otros Pontífices i Concilios : los efpolios i frutos
de fedevacantes de los Obifpos no Uevafe en eftos
Reynos , como antiguamente , i aü la lucbiofa. I
affi el Rey don Alonfo el Sabio que ganó a Al
mería en la Era de mil e dozientos i novienta i
tres , concedió a la Igleíia de Obiedo el fpolio de
fus Obifpos difuntos : i el Rey don Alonío VIL
i Conftança íu muger auian antes hecho donación
dellos , i entonces gozaban de los diezmos. Que
el Nuncio defpache de gracia, como en Fracia ,
o alómenos con Afefor feñalado por el Rey , con
tafacion moderada 3 que no ecediefe de cómoda
fuílen
2$2 Tentât. Theolog. Parte II. Docum.

fuftentacion para el. Mandàfe falir de Roma los


Prelados i negociantes defies Reynos. ROMPIEN
DOSE LA GUERRA, ESTABA EN EL DERE
CHO CANONICO ESTABLECIDO QUAN-
DO AI PELIGRO INPEDIMIENTO O TAR-
DANC,A EN IR A ROMA , LOS OBISPOS
PROVEI EN SUS OBISPADOS EN SU BUE
NA GOBERNACION ECCLESIASTIC A I
SALUD DE LAS ALMAS , AUN EN LAS
COSAS POR DERECHO AL PONTIFICE
RESERVADAS POR LA INMINENTE NE
CESIDAD. SI QUERIA PROCEDER LIBRE
SU AUTORIDAD REAL I SIN DEPENDEN
CIA , DEXASE LOS SUBSIDIOS DE LA
IGLESIA , QUE LUEGO LE BUSCARIAN
SUS MINISTROS , I SUS ESTADOS LE
DARIAN MAS QUE LE CONCEDERIA LA
CURIA ROMANA.
Eíla doutrina do grande Cano adoptarao e
puzerao muitas vezes em praxe os Reys , os Parla
mentos , e os Bifpos de França nos muitos cazos de
Rotura que aquella Corte teve com a de Roma , em
tempo dos tres Henriques , II. III. e IV. como fe
pode ver no Tomo X. das Memorias do Clero de
Franca, impreílo em Pariz no anno de 1722. des-
deaPag-555- até 572.

ЕРЬ
a8j

EPILOGO

DE TODA A OBRA.

TUdo о que nas dims Partes defta Tentativa


diflemos , e provámos das Sagradas Efcriptu-
ras , dos Concilios , dos Santos Padres 5
dos Theologos e Canoniftas : tudo , digo , fe vem
a reduzir a eftes Pontos. Primeiro : que a autori-
dade , e jurisdicçao Epifcopal , coníiderada na fua
inftituiçao feita por Chrifto , he de fi abfoluta e
illimitada por ordern a cada Dioceze. Segundo ;
que na pofle defta jurisdicçao , abfoluta e fem limi
tes , fe confervarao os Bifpos por mnitos feculos ,
difpenfando até nas Leys dos Concilios Geraes , e
dos Romanos Pontífices , quando aflim o pedia a
neceffidade ou utilidade dos feus fubditos : até que
pouco a pouco fe forao introduzindo as Reíervas
Apoftolicas , паб fem contradiçao de muitos , e
mui autorizados e fantos Bifpos. Terceiro : que
quando os Bifpos confentiraô ou foffrerao as Re-
fervas do Papa , foi logo debaixo da condiçao,
que embaraçado por qualquer via , e fem culpa iua
o Recurfo a Roma , tornaíTe para elles a antiga
jurisdicçao e autoridade , que Chrifto annexou ao
feu carácter : e que fem o coníentimento dos
meímos Bifpos os nao podia defpojar della total
mente y
284 Epilogo de toda a Obra.

mente, e muito menos para fempre o Papa. Af-


íim porque паб pode o Papa privar de íéu moto
proprio aos Biípos de hum poder , que Chriíto e
os Apoftolos , e a Igreja lhes concederao : como
porque o officio Paftoral , que he por inftituiçao
Divina efíencial aos Bifpos , nao permitte que eftes
fe deixem privar em prejuizo de feus Rebanhos
do tal poder, que por attençao ás ovelhas e nao
aos Paftores he que lhes foi dado por Chrifto. Quar
to : Que eftando prefentemente embaraçado íem
culpa alguma dos Bifpos de Portugal o Recurfo á
Sé Apoftolica : e ha vendo como ha tanta , e tao
geral neceífidade de difpenfas principalmente Ma-
trimoniaes : ( que fem eífa grave e urgente neceífi
dade tanto nao pode difpenfar o Papa , como os
Bifpos ) podem e devem os mefmos Bifpos difpenfar
com os feus íubditos nos Impedimentos aínda pú
blicos do Matrimonio , e em todos os mais cazos
refervados á Sé Apoftolica , que nao foífrem demo
ra fem prejuizo , e damno grave das almas. Quin
to : que nao pode nem deve o Summo Pontífice
levar a mal , que achando-fe as Ovelhas de Por
tugal impedidas fem culpa fuá para recorrerem ao
Supremo Paftor ; fupprao os Bifpos do Reino as
fuas vezes , como Paftores Ordinarios que fao
délias por direito Divino : e que em concederem
limilhantes difpenfas nao exercitao poder ou ju-
risdicçao alguma , que nao caiba nos limites que
Chrifto demarcou , quando na inftituicaó , e mif-
Габ
Epilogo de toda a Obra. 285

fao dos Apollólos fundou a Ordern Epifcopal ,


e conftituhio em feus Succeflbres , que fao os
Bifpos , huns Difpenfeiros abfolutos , e fupremos
de todos os Myfterios divinos ; e huns como Ple
nipotenciarios da fuá Igreja , para em tudo , e por
tudo proverem no bem efpiritual das fuas ove-
lhas , fem oífenfa do Primado de S. Pedro. Pois
efte Primado nao diz mais fobre o Epifcopado ,
que huma fuperioridade de Infpecçaô ou Intenden
cia fobre cada hum dos Bifpos , fem violar entre
tanto os Direitos , e Privilegios de cada hum. Sex
to : Que em confequencia deftas doutrinas , fem-
pre nos Reinos Catholicos reaífumirao os Bifpos
a fuá antiga , e primigenia autoridade de prover,
e difpenfar geralmente em todos os cazos de ne-
ceífidade urgente , todas as vezes que por algum
incidente fe viao os feus fubditos imposibilitados
a recorrer a Roma , e a receber os influxos do
Paftor fupremo , que he o Romano Pontifice. San
to Agoftinho fobre o Pfalmo XLIV. num. 32. fal
lando com a Igreja : Pro Apoßolis conßituti funt
Epifcopi. Non ergo te putes defertom , quia non vi
des Petrum , quia non vides Paulum , quia non vi
des tilos per quos nata es. De prole tua tibi crevit pa-
Umitas.

S. Су-
286 Epilogo de toda a Obra.

S. Cypriano na E pifióla a Quin

to » que he a LXXI.

jDtffetf unusquisque 3 non pro eo quod femel


ebiberat \3tenebat-> pertinaciter congredi:

fed fiquid melius & utilius extiterit , //-


benter ampletti. NON EN1M VINCI-

MUR QUANDO OFFERUNTUR

NOBIS MELIORA , SED INSTRUI-

MUR.

CEN-
CENSURAS DOS TRIBUNAES

Com que efla Obra fabio a publico da primeira , e


Jegunda vez , antes de inflituida a Real Meza
Cenforia.

LICENÇAS DO SANTO OFFICIO.

Cenfura do Reverendiffimo Padre M. Fr. Ignacio de S. Caetar


no , da Sagrada Ordern dos Carmelitas Defcalços , Confejfof
da Princeza noffa Seniora , e das Senboras Infantas , e Qtta-
lificador do Santo Officio , e depois Deptttado Extraordina
rio da Real Meza Cenforia.

EXCELLENTISSIMOS , E REVERENDISIMOS SENHORES.

OBedecendo ás ordens de VoíTas Excellencias


lí com a devida attençao a Tentativa Theo-
lógica , que compoz , e quer dar ao Prelo o Padre
Antonio Pereira da Congregaçao do Oratorio delta
Corte. Ella queílao, que he de pura difciplina , e
. nao pertence ao dogma , he muito grave , e invol
ve quaíi toda a Hiíloria Ecclefiaítica , e Conciliar.
Eu para confeflar a VolTas Excellencias a verdade ,
há muitos tempos , que me inclino á mefma opi-
niao , que neíta Tentativa pertende perfuadir o fa-
pientiffimo Theologo , que a compoz. Neíla Ten
tativa vejo a face do Minifteno Epiícopal , como
a conheço na Sagrada Eícriptura , e na Tradiçao
de mais de dez leculos da Igreja : o que me nao
fuccede , quando o conlidero nos Retratos , que
delle fazem os Theologos , e Canoniftas Italianos ,
. e de outras Naçoens defies últimos leculos , que
nada fe parecem com os originaes , que temos na
Efcri
Efcriptura, e Tradiçao. Na Efcriptura Sagrada, e
na Tradiçao dos primeiros dez feculos , vejo eu que
os Bifpos uzavao a refpeito das fuas ovelhas res
pectivas do poder , que immediatamente Jhes foi
dado por Chriílo em tudo quantojulgavao neceíTa-
rio para o bem efpiritual das mefmas ovelhas , tan
to ñas difpenfas das Leys da lgreja , ainda que fof-
fem de Concilios Geraes , como dos impedimen
tos do Matrimonio , fern que lhes vieífem á ima-
ginaçao eftes Recurfos a Roma defeonhecidos a
toda a veneravel antiguidade. Aílim o praticavao
os Cyprianos , os Agoíbnhos , os Ambrofios , e as
mais fantiffimas Mytras dos feculos mais felizes da
lgreja. Ifto he o que eu leio nos Faílos do Chris-
tianifmo , e o meímo vejo demonftrado nefta fapi-
entiffima Tentativa com a mefma Efcriptura , Tra
diçao , e com os Principios mais folidos do Direi-
to. Pelo que me confirmo mais na minha opi*
niao.
Nao perderao os Bifpos eile poder dimana
do de Chrifto , porque lho tiraífe algum Canon da
lgreja univerfal , nem outro Direito eferipto , por
que nao o ha ; nem o ultimo Concilio Geral de
Trento diz huma fó palavra , que íeja contra o po
der dos Bifpos nefte ponto. Forao os Biípospou-
co , e pouco perdendo efta faculdade por coftu-
me introduzido , já pela ignorancia de muitos , já
por deferença , e obfequio ao Summo Paítor , já
finalmente por illufao das faifas Decretaes de Iíi-
doro , everfivas de toda a diíciplina Ecclefiaítica. Po-
rém , ainda que a diíciplina prefente fundada no
coftu
coflume de alguns feculos feja contraria Ï nao pode
impedir , que em cazo de urgentiflima neceflîdade
e nao havendo Recurfo , como no cazo prefente ,
poffao os Bifpos uzar a refpeito das fuas ovelhas
do poder , que tem por Direrto divino , e por Di--
reito publico Ecclefiaftico antigo ; e difpenfar com
ellas em tudo , о que difpenfavao nos primeiros fe
culos , que he , о que prova óptimamente o fapi-
entiffimo Theologo Autor defta Tentativa,
Por iíTo julgo , que he digniffima , que fe
publique pelo beneficio do Prelo , nao fó para il-
luminar os Theologos mediocres , e ao Povo defte
florentiffimo Reino , que tanta neceífidade tem de
luzesnefte, e outros pontos femelhantes; mas tao-
bem a muitos dos fenhores Bifpos , que nao fei , fe
comprehendem bem , o que he o Minifterio Epis
copal na Igreja de Déos; e poriíTo os vemos re
correr a Roma a pedir licença para 1er Livros pro
hibidos , benzer Imagens , e Ornamentos fagrados ,
e outras militas coifas , de que fe riem os Sabios ,
applaudem os ignorantes , e fe aproveitao muito
bem os Curiaes de Roma , para os hirem fubjei-
tando mais , e mais á fuá jurisdicçao.
Neíla feliz Epoca , na qual pelo patroci
nio que o noífo Clementiífimo , e amabiliíTimo
Monarca , que Déos nos conferve por dilatadiíTimos
annos , dá ás letras , as vemos hir reflorecendo ;
he neceíTario , que fe publiquem Livros , para diffi-
par as trevas das preoccupaçoens , em que efta-
vamos , e que communiquem as verdadeiras lu-
zes , de que carecíamos : e tudo iíb fe faz nefta
" 1 ~ T Tmtfh
Tentativa : e fendo â fuá doütrina multo prova-
vel , he utiliílimo , que fe publique. Efte he o
meu parecer , que fujeito ao mais acertado de
Voífas Excellencias. Carnide, 5 de Julho de 1766.

De vojfas Excellencias

Subdito e mais humilde Orador»


:

Fr. Ignacio de S. Caetano.

Cenfura
Cenfura do Rever endißmo Padre M. Fr. Lutz do
Monte Carmelo , Religiozo da mefina Ordern , e
Qualißcador do Santo Officio, e depots Deputado
Ordinario da Real Meza Cenforia.

EXCELLENTISSIMOS , E REVERENDISIMOS SENHORES.

LI com grande attença6 , e maior gofto , о ex


cellente Ори[culo , que com o Titulo de Ten
tativa Tbeologica pertende imprimir о R. P. M.
Antonio Pereira , Presbytero , e Theologo Lisbo-
nenfe..
He efta Obra digniflimo Fruclo do louvavel
zelo , e iîngulariilima inftrucçao na Hiftoria Ecle-
fiaftica , Sagrados Cañones , e verdadeira Theolo-
gia , com que o fapientiffimo Autor juftamente ad-
quire hum nobiliffimo lugar entre os Varoens mais
fabios defte feculo , e fe faz recommendavel para
toda a pofteridade. Efte preclariflimo Padre he cer-
tamente femelhante áquelle bom e fiel fervo Evan
gélico , mais privilegiado do que outros , о quai
nao ib cuidadozo no (eu lucro efpiritual , quer tao-
bem por fua eftimavel induftria fer a outros muito
Util com feus preciofos Talentos. ( i ) Elle exécu
ta felizmente nefte Opufculo as funçoens de lingu
lar Efcritor no Reino dos Ceos , ou na Igreja ; por
que zelofo do Bem-commum , como hum bom Pay
de familias , profère de feu riquiflimo Thefouro
preciofidades novas , e antigás , illuftradas profi-
T ii cuamente

(i) Matth, cap. 25-. v. 16. & feq.


cuamente com os Documentos mais folidos da vef-
dade. ( 2 )
Nada mais encerra efte Ори/culo fuperior a
muitos Livros , do que Doutrinas as mais brilhan-
tes , conducentes , e efficazes para mover , e per««
fuadir os Sagrados Principes da Igreja ( 3 ) a hum
prudente , e já neceiïario exercicio do Apoftolico
Minifterio , que Jefu Chrifto , fuá e nofía Divina
Cabeça , Eterno Sacerdote , Bifpo , e Pontífice ,
Ihes confiou , e actualmente conferva , para que
fielmente o difpenfaíTem com proveito efpiritual das
fuas ovelhas , para a paz publica , confervaçao , e
Bem-commum dos feus Rebanhos.
Bern fabem aquelles SucceíTores dos Aportó
los , que , ainda que nolfo amabiliffimo Redemptor ,
e indefeclivel Paftor , inftituio entre elles todos feus
Vigarios a hum Sagrado Primaz , Summo efpiri
tual Infpe&or , Chefe vifivel , ou Minifterial da
Igreja Militante , e Supremo Vigario do mefmo
Chrifto ; com tudo efte Senhor a todos effecliva-
mente difle : Quœcunque alligaveritis fuper terram ,
erunt ¡¡gata à* in cœlo : ¿7- quœcunque folveritis fu-
fer terram 9 erunt foluta à* in cœlo. ( 4 ) A todos
di/Te ;

(г) Omnis/criba doctas in Regno ccelorum fimilis efl homini


patri familias , qui proferí de thefaurofuo nova , & Vetera. Matth,
cap. 13. v.$.
Bonus homo de bono thefauro proferí bona. Matth, cap. 12. v.jf.
( 3 ) Pro Patribus tuts nati funt tibi Filii : conßitues eos Prin
cipes fuper отпет terram. Pfalm. 44. v. 17.
Patres miffi fuñí Apofloli Pro Apojlolis conflitutifunt
Epifcopi. D. Auguíl. relatus in cap. Quorum Yices 6. Dift. 68.
(4) Matth, cap. 18. Y. 18.
di fie : Acápite Spiritum Santlum : quorum remife-
ritis peccata , remittuntur eis ; à" quorum retinue-
ritis , retenta funt. (5 ) A todos diife : Data efl
mihi omnis poteßas in cœlo , & in terra : emites er
go predicate Evangelium omni ereatura , baptizan
tes eos .... docentes eos fervare omnia , quœcunque
mandavi vobisl ( 6 ) A todos diífe : Sicut mißt me
Pater y à- ego mitto vos. ( 7 ) A todos diíle fi
nalmente : Ego elegi vos , ut eatis , & fruSium
afferatis , & fruSlus veßer maneat. ( 8 )
Bern fabem , que ( fuppofto efte feu Aporto-
lico Mmifterio , communicado pelo eípiritual e Di
vino Monarca, aclual Paílor, Efpoíb, e Cabeça
da Igreja , mas confignado depois pela mefma Igre-
ja para determinadas ovelhas , em quanto nao pe
dir o contrario o caritativo zelo do Bem-commum )
o primeiro , e Beatiííimo Primaz, a todos , e a ca
da hum deftes Irmaos advertía , e ainda hoje ad
verte as juftas funçoens do Exercicio : Pafcite , qui
in vobis eß , Gregem Dei , providentes non coacîè ,
fed fpontanee fecundùm Deum. ( 9 ) Bern fabem,
que о feu grande Predeceiîor o Aportólo S. Paulo
a todos exhortava , e fempre exhorta para о mes-
m о fa grado ufo : Attendite vobis , & univerfo Gre-
giy in quo vos Spiritus SanSlus pofuit Epifcopos re
gere Eccleßam Dei , quam acquißvit fanguine fuo.
T iii ( 10) E

( $ ) Joan. cap. 20. v. 22. & 23.


(6) Matth, cap. 28. v. 18. 19. 20.
(7) Joan. cap. 20. v. 21.
( 8 ) Joan. cap. 15-. v. 16.
(9) i. Petri cap. 5. v. 2, & cap. 4. v. 10.
( io ) E finalmente bem fabem , о que de fi mes-
mo , e de todos eJles enfinava o melmo Aportólo :
Sic nos exißimet homo , tit Mlnïflros Chr'tßi , à*
Difpenfatores Myßeriorum Dei. ( 1 1 )
Mas com tudo as fingidas Decretaes de Iii-
doro Mercador , e a Difciplina Ecclefiaftica , que
talvez inculpavelmente fe eftribou nellas , de tal
forte perturbou , e confundió a Economia da Igre-
ja , que nefta materia nao he fácil muitas vezes
concordar com os modernos Direitos nem os Sacro-
fantos Evangelhos , e todo o Novo Teftamento ,
nem os Concilios Ecuménicos e particulares, nem
os Efcritos dos Padres até o oitavo feculo da Igre-
ja. Por efta caufa os Excellentiffimos e Reveren-
difíimos Bifpos da lgreja Lufitana , como tao pios
e obfervantes do Direito , e Difciplina , com que
foraö educados , e tao religiofamente affedos á San
ta Sede Apoftolica , podem innocentemente du vi-
dar do vigor do Exercicio da fuá intrinfeca Juris-
dicçao a refpeito do AíTumpto , de que trata efta
Obra.
Ora todos elles reconhecem , que fomente
pelo motivo , ou caufa final da maior decencia e
fantidade , com que fe deve celebrar o Sacramen
to do Matrimonio , do maior proveito das Almas,
publica paz , e Bem-commum das fuas Igrejas j ce-
deraö , como todos os mais Aportólos feus Ir-
maos ( e nao podiao ceder por outro fim , ) ao íeu
Bea^

(10) Aft. Apoftol. cap. 20. v. 28.


(11) i. Ad Corindi. cap. 4. v. 1«
Beatiflîmo Primaz , iflo he , ao Romano Pontífice ,
a Facuidade , ou Ufo , frequentiílimas vezes neces-
fario , para difpenfar nos Impedimentos dirimentes
do Matrimonio , eftabelecidos por humano Direi-
to Eccleliaftico. Mas nao havendo agora Recurfo
por modo algum ao meímo Sagrado Chefe viíivel
da Igreja Militante , nem podendo eñe , ( que fo
pode, oque ferve de efpiritual edificaçao , ( 12 )
promover, ou mandar á execuçao aquelle Hm ; nem
prevenindo ate agora o remedio de tantos males ,
o que antes podia , e devia precaver , como eu juU
go: parece indubitavel , que nao pode fubfiítir,
nem pode permanecer o effeito da referida ceíTao ,
já porque feria agora fuperflua , e nociva ; e já
porque céífa totalmente a fuá cauía final , e ceffan-
te caufa , cejfat effeSlus , como bem clama o Direi-
to in cap. Cum ceßante. 60. de Appellat.
A'lem difto nao ha Cañones , ou Lei expres-
fa , que referve aquella Jurisdicçao , 011 o feu Exer-
cicio , ao Santiílimo e Supremo Vigario de Jeíu
Chriílo : mas ío coftume geralmente admittido com
mais , ou menos amplidao. Mas ainda que houves-
fe Lei humana Ecclefiaftica , expreíFa e gravemen
te obligatoria para tal Refervaçao ; e ainda que
foíTe Divina de Direito poíitivo ; com tudo haven
do grave , e urgente neceffidade , como realmente
agora exifte ; a Difpenfaçao íerá licita , e virtuo-
T i? fa,

(12) De poteftate noflra , quam âeàit nolis Dominus in *di-


ßcationem , &■ non in ckfiruftionem. г. Ad Corinth, cap. 10. v. 8.
Ad Eplief. cap.4. v.u. 12.
fa , e por iíTb taobem válida , porque certamente
ceíTaria de obrigar a mefma Lei , como claramen
te fe collige ex Regula 4. in 5. Decretal. Qubd
non eß licitum in lege , neceßhas fach licitum ; e co
mo taobem fe infere da infallivel Reporta , com que
Chriíto nodo Senhor confutou a calumnia e igno
rancia dos Farifeus : Nmiquam legißis , quidfecerit
David , guando neceffitatem habuit , efuriit ipfe ,
à" qui cum eo erant ? Introivit in domum Dei , ....
Ъ* panes propoßtionis manducavit , quos non Ucebat
( Por Direiio divino ) manducare , nifi Sacerdoti-
bus j & dedit eis , qui cum eo erant. (13)
Tudo ifto prova exuberantiifimamente para
utilidade publica o doutiííimo Padre Mettre Anto
nio Pereira ; e nada efcreve , que pofla offender a
verdadeira Piedade , ou Theologia , e muito me
nos a pureza de nofla fanta Fé , ou coftumes or-
thodoxos. Pelo que efte infigne Efcritor nao fó he
digno da Faculdade , que pede ; mas ainda me pa
rece , que deve fer obrigado a imprimir com brevi-
dade efta Obra utiliffima.
He verdade , que para maior clareza , ou pa
ra evitar algum efcrupulo de pelToas menos inftrub
das , me parece , que , ( fe for poffivel ) fe orde
ne ao fapientiifimo Autor , que explique mais о
Concilio Agathenfe referido no feu Terceiro Prin
cipio , prope ßnem, onde vai huma cruz á margem ;
e que no fim dos Documentos fizelTe o louvado
Theologo hum breviflimo Epílogo do AíTumpto da
mefma

( 13 ) Marc. cap. a. y. ay. »6.


mefma Obra , para que efía fique mais peifeita ,
terminante , e perfuaíiva , fe acafo pode receber
mais perfeiçao.
Jilo he , о que me parece : mas efle Reclis-
íimo e Supremo Tribunal ordenará , о que for fér
vido. Convento de Carmelitas Defcalços de S. Joaô
da Cruz de Carnide em ю de Junho de ij66.

Fk. Lutz do Mente Carmelo.

POde-fe imprimir a Tentativa Theologica , viflas


as informaçoens , e depois conferida tornará
para fe dar 1 icen ça que corra , e fem ella паб córre
la. Lisboa, 17 de Junho de 1766.

Mello. Tboreh

DO
DO ORDINARIO.

Сенfura do Reverendijfimo P. M. Fr, Manoel da


Refurreiçao , da Sagrada Ordern de S. Francifco
da Obfervancia , Lente Jubilado em Tbeologia da
Provincia de Portugal , e depois Deputado Ex
traordinario da Real Meza Сeuforia.

EXCELLENTISSIMO , E REVERENDISIMO SENHOR.

ESta Tentativa Thcologica , que VoíTa Excel


encia me manda ver, e dar o meu fentimen—
to ; para fe fazer digna da Eílampa nao Ihe he pre-
•cizo mais , que íer Obra , e produeçao da coníum-
fliada Iitteratura , e relevante engenho do M. R. P.
M. Antonio Pereira , gloria interminavel da Illus
tre , e Sagrada Congregaçao do Oratorio , e hura
dos majores Theologos defte florentiffimo feculo.
Porém tendo as íuae innumeraveis , e proveitofas
Obras efte jufto mereeimento , a prezente Tentati
va excede por muitos motivos a todas as mais : por
que illuftrando todos os entendimentos dos maiores
Sabios , efta julgo que hade mover as vontades ,
dos que por capricho nao querem até agora íeguir
efta refoluçao : pois capacitando-os o fapientifíimo
Theologo com os Principios , Provas , e Documen
tos defta Tentativa , nenhum ficará no feu amigo
fyftema , antes adquirirá Iuzes para fe afaftar das
denfas trevas, em que vivia.
Ninguem pode negar , que a jurisdicçaô
Epifcopal , que Jefus Chrifto inftituio , he abfolu-
ta , je illímitada a refpeito de cada huma das Dio-
« - cefes :
cefes : por iflo nos primeiros fecuíos da Tgreja os
Bifpos nos feus Synodos eflabe.'eciao impedimen
tos , formavao Leys , e as difpenfavao , Como tao-
bem ñas dos Concilios Geraes , e nos referidos im
pedimentos. E dinda hoje em todo o Corpo do Di-
reito Canónico , ou Concilio Tridentino nao adia
mos texto algum , que tire aos Bifpos o poder de
difpenfar nos impedimentos do Matrimonio , e mais
Leys Canónicas : e nem o Papa os podia privar des-
te legitimo poder fem confentimento dos mefmos
Bifpos ; e confentindo eftes na refervaçao dos Pa
pas, he evidente, que embaraçando-fe o Recurfo á
Sé Apoftolica , recaía logo inteiramente nelles a
Jurisdicçao , e poder , que voluntariamente cede-
raö a o Pontifíce Romano. Ifto fuppofto , fegue-fe
legítimamente , que cortado pelos Reys , e Prin
cipes Soberanos o Recurfo a Roma , nao devem
os Bifpos ventilar a juftiça da caufa , mas fim obe
decer por Ley natural , e Divina nos feus refpecli-
vos Soberanos , e prover no tempo da Rotura tu-
do quanto for neceííario para bem efpiritual , e aín
da temporal do rebanho , que Jeíus Chrifto imme
diatamente Ihes entregou.
Deila folida doutrina , que enílna o Dou-
tiflimo Pereira nefta Tentativa , eftava eu bem per-
fuadido desde o tempo do jufto rompimento defta
Corte com a de Roma : porém vendo a cega pre-
occupaçao , em que muitos eftavao com as doutri-
nas dos Theologos Italianos, que querem de jufti
ça , e por herança а Ту a ra Pontificia , e de alguns
de outras naçoens , que os transcreverao : enten
di , que nao haveria no noífo Reino quem fe
attreveíTe a fahir a publico com verdades , que nos
illuftraíTem , .e convenceflem ; poique hunscom os
olhos fechados permaneciao no fyftema contrario,
e os mais eruditos temiao eníinar a doutrina verda-
deira , para que os nao reputaíTem fcismaticos. Po-
rém agora com efta nobre Tentativa me refolvo ,
nao fó a publicar o que ella affirma, mas taôbem
julgo , que os Senhores Bifpos defte Reino no
tempo das Roturas com a Corte de Roma devem
em conciencia difpenfar os referidos impedimentos,
havendo as condiçoens , que fao precifas : e que
feguindo a opiniao contraria nao enchem a obriga-
çaô , em que Jefus Chrifto os poz , nem obede-
cem ao preceito de S. Paulo : Attendite vobis , &
univerfo Gregí , in quo vos Spiritus SanSius pofuit
regere Eccleßam Dei. Efte he o meu parecer; que
fugeito ao de Voila Excellencia , que como Pre/a
do zelozo , illuftrado , e vigilantiílimo ordenará о
que for férvido. Real Convento de S. Francifco
da Cidade de Lisboa em 26 de Junho de 17Ó6.

Fr. Manoel da RefurreiçaÔ,

VIfta ainformaçao, póde-fe imprimir oLivro,


de que fe trata , e depois voltará conferido ,
para fe dar licença , fe n a quai паб correrá. Lis
boa , 27 de Junho de ij66.
Coßa.
. j
DO
DO DESEMBARGO DO PAÇÔ.
* "

Cenfura do Reverendißmo Padre Meßre Fr. jfoao


Baptißa de S. Caetano , Procurador Geral da Sa
grada Ordern de S. Bento , Doutor ein Theo-
logia pela Univerßdade de Coimbra , e depots De-
putado Ordinario da Real Meza Cenforia.
• >

SENHOR.

NA6 poflo deixar de approvar hum Livro , e


expor na prefença de Vofla Mageftade o me-
recimento de huma Obra , que toda he em gloria
da fua Real Coroa , e em beneficio dos feus Vaí-
fallos. Efte he o Livro Tentativa Tbeologica , que
com crédito feu, daNaçao, e do feculo efcreveo,
e quer dar i imprenfa o Sabio Padre Antonio Pe-
reira , da Illuftriffima Congregaça6 do Oratorio.
He em gloria da fua Real Coroa : pois fen*
do VoíTa Mageftade Protector da Jgreja do feu
Reyno , Ihe quer confervâr as Regalias , para que
nao perca por effeito de huma omiflao , ou de al-
guma ufurpaçao aquelles poderes , que Jefus Chris
to lhe concedeo a ella ( i ) , e de que os Conci
lios commetterao a protecçao a VolTa Magefta-
de.

(i) Claves Eccleßt datas : diz o Trid. feíT. 14. Cart. 15% Po-
teßas Eccleß* conceffa cap. ai.: Aug. lib. de AgoneChriftia-
no cap. 30. lluic ergo Ecclefu claves Regni coelorum dat& funt.
Gerfon. trad:, de Poreft. Ecclef. conüd.4. torn. a. col. 231. Toll, in
cap. 13. Num. Quseft. 48., e 49.
de. ( 2 ) Se os feus Predece flores fe occupaflem
deita gloriofa idea , com que Voila Mageftade fe
anima, e nos felicita, ainda hoje teriamos Bifpos,
que nos governaílem como o faziao os dos primei-
ros, e felices feculos da Igreja : nao permittinao,
que fe bufcafle fóra do Reino , á cufta de difpen-
diofas jornadas , e de negociaçoens prolongadas , e
cavillofas , o que nelle fe podia , e devia haver , fe-
gundo o efpiiito do Evangelho , fem cufto , e fem
enfado. ( 3 ) Mas 011 nao prevenirao as confequen-
cias , que boje experimentamos, ou fe enganarao
com huma apparencia de faifa piedade , e ficou a
nofla Igreja em lugar de Bifpos , que foífem Suc-
ceíTores dos Aportólos , com huns Miniftros delega
dos , ou Offkiaes da Curia Romana , ( 4 ) que ho
je fó lhe permitte huma tenue porçao do feu anti-
go , e folido minifterio ; com huns ( feja-me lici
to dizello com palavras do Grande Gerfon ) íímula-
cros pintados ( 5 ) dos amigos Bifpos feus Prede
ce íTores. * r.
Nao confiíle a gloria dos Sagrados Prelados
da Igreja no faufto , na pompa , na grandeza : tu*
do

( 2 ) Concil. Trid. fefT.2 j. cap. 20. Quos Deusfantftfidei , Ec-


clefuque protectores ejj'e voluit. O Can. Principes íbeculi 23. q. J.
S. Lea6 Magno efcrcvendo ao Imperador lhe diz : Debes incun-
çianter advertere regiam poteflatem tibi non folum ad mundi re-
gimen , fed maxime ad Eccleß.* prxßdium ejfe collât am. Epift. 125.
(3) Gratis accepiflis , gratis date. S. Matth. 10. 8.
( 4 ) Omnes Epifcopi , Archiepiscopi , & Patriarch* funt ejus
( Pap* ) officiaks : diz o Cardeal de Luca Relat. cur. Difc. 4. n. io.
(У) Д?' "; Primitiva Eccleßa ¿qualis poteßatis cum Papa
erant , jam in Eccleßa non videantur ejfe niß ßmulacra depiaa,
Gerfon tom. 2. pag, 171.
do iflo faltou a Jefus Chrifto Í e aos primeiros Bis-
pos : deve fer contemplada fo na confervaçao , e
exercicio daquelles grandes poderes , com que Jefus
Chrifto os eftabeleceo na Igreja , para que lhe fi-
zeilem as fuas vezes , criaflem , amparaíTem , e acu-
diffem aos filhos , que elle gerára com a fua graça,
e remira com о feu fangue. Eftes poderes conferio-os
Jefus Chrifto immediatamente a todos : aquelle
melmo fopro, com que infundio o Efpirito Santo a
S. Pedro , e aos feus SucceiTores , foi о fopro com
que taobem o infundio aos Apoftolos , e aos que
lhe haviao a elles de fazer as vezes, e fucceder,
que fao os Bifpos. ( 6 ) Os Concilios, os Papas,
e o ufo da Igreja nao lhe derao poder algum ; de-
clararao-lho , ou regularaô-lho por huma economía ,
toda a bem , e utilidade dos Fiéis , e que fó fe po
de mudar por outra economia de igual , ou maior
utilidade. Elle he hum morgado inftituido por Jefus
Chrifto , que паб prefcreve para todos os adminis
tradores. ( 7 ) Pode foffrer coarclaçao em algum
defcuidado , ou prodigo , que o deixe , ou faça ar
ruinar ; mas nao extincçaô em todos. O adminiftra-
dor que o pertender gozar com todos os feus foros ,
o deve confeguir , em fazendo certo á Igreja , que
сеЯаб

( 6 ) Refpondemus virtutem in omites promanajfe , & fcopum


largientis implrjfe : de.dit autem Cbrißus non aliqu'tbus feorftm , fed
vmverjis Difcipuiis. Quapropter earn accipiunt , tametji quídam
non aderant , dantis liheralitate non ad prdfentes folum contra-
' tía, fed in отпет Santforum Apoflolorum Chorum permeante. S.
Cyrilio Alexand. lib. 12. fup. Joan. v. 22. e 23.
( 7 ) Cerium у & terra tranßbunt , verba autem mea поп pro-
tertbunt. Matth, cap. гг. e 33.
ceíTao os motivos das refervas , e que elle nao abu-
fará do que lhe foi dado. Elle he poffuido por mui-
tos , mas fegundo a expreflao de S Cypriano , que
paíTou a axioma na Theologia , ( 8 ) cada hum o
poífue em folido, fegundo a parte que lhe toca;
ou como explica o Papa Symaco , ( 9 ) que nao
duvidou comparallo a tudo , o que ha de mais fa-
grado , de mais veneravel : tanta he a fuá grande
za ! He como huma Trindade , cuja eíTencia eftá
toda em todos , e toda em cada hum. Efteja eJle
na grande Roma, ou na pequeña Gubio, fempre he
o mefmo Epifcopado. (10)
Quem defde efte ponto lançar a vifta para
onde eftao os noílos Bifpos , que verá ? Ainda me
nos que humas imagens pintadas. E aonde eftá
aquelle fagrado depofito , que elles deviao guardar
com o maior cuidado , com a mais exaéta vigilan
cia i para o transmittirem illezo aos feus Succeflo-
res , como faziaö os Cyprianos , os Agoftinhos ,
os Ignacios , os Hilarios , e outros ? Elles nao егаб
Bifpos para fi ; erao Bifpos para nos , como diz
Santo Agoftinho ; para acudir ás noíTas necesida
des ; para nos remediarem a tempo , e fem di/pen-
dio. A perca do feu poder quando para elles tiveíTe
o mo-

(H) Epifcopatus unus efi!, cujus à fingulis pars infolidum te


netur. S. Cypr. relatus сацГ. 24. qugeft. i. Canon. 1 6.
(9) Dum ad Trinitatis inflar , cut una efi atque individua
poteflas , unum Jit per diverfos Antifiites Sacerdotium. Epift. ad
jEonium Arelat.
( i о ) Ubicunquefuerit Epifcopus ,ßve Roma , five Eugubii , ß-
ve Confiantinopoli , five Regii , five Alexandria , five Tannis , ejus-
dem merit/, ejusdem efi ф Saçerdotti. S.Jer.Üpift. adbvagriuin,
o motivo da humildade , ou abatimento, que nun
ca he licito contemplar em femelhanfes cazos , pa
ra nós torna-fe em vexaçao, em ruina , em defam-
paro. Elles fe difculpao que a ignorancia de alguns
íeculos , e o exceífivo poder da Curia os defpojou.
Sim a ignorancia dos tempos fez attribuir tu-
do a hum fó , e defconhecer os mais. Hum que
nha a Primazia , e que dévia dirigir, fuftentar, e
confirmar os outros , por intereífes dos feus Minis
tros , por conveniencias da fuá Corte , e na efcuri-
dao das trevas de alguns feculos , parece que con-
íentio , que efles Miniftros chamaílem a elle, eá
fuá Curia , quanto no Chriftianifmo havia de gran
de , de intereíTante , e de util. Tevehomens, teve
'Autores , ( 1 1 ) que efcreveflem , ou que inundas-
fem a Igreja com livros , nos quaes ao mefmo
tempo , que fe dava ao primeiro dos Bifpos, ao Pri
maz de toda a Chriftandade hum poder que elle
nao tinha , nem dévia ter ; quai por exemplo o dis-
penfar contra a Efcriptura , ( 12 ) e os Apoílolos,
( 13 ) contra o Direito natural , ( 14 ) e que ape
nas fe lhe ifentavao do feu poder os mefmos arti-
V gos

(11 ) Prodierunt DD. qui docersnt Pontificem ejfe Dominum


omnium beneficiorum : quod voluntas Pontificis , qua/iscuvque eafue-
rit , Jit regula , qua ejus oper at iones , ¿7* actiones dirigantur :
ex quo procul dubio effici ut quidquid libeat etiam liceat. Diflli-
raô os Cardiaes confultados por Paulo III. para a reforma da Igreja.
- (12) AGloifa ao Сап. Presbyter. 8г.
(13) AGlofla ao Can. Leftor. 34.
(14) A Glofla aoCan. Siquando 15. quœft. 6. Dico enhn quod
contra jus naturale potefl dijpenfare: tamen non contra Evange
lium , vel contra artículos fidei : tarnen contra Apoßolum difpen*
... : . M,
gos da Fe ; íe negava aos Bifpos o ferem Juizes
deffa meiVna Fe , ( 15 ) e outras iguaes qualidades,
com o que os defpojavao de tudo о que Jefus ChriC-
to lhes dera. Tiverao eftas opinioens principio nas
faifas Decretaes , que derao о maior , e mais fundo
golpe á pura , e saa Difciplina da Igreja : ( 16 ) as
trevas do feculo em que ellas fe forjaraô , e appa-
recerao nao as deixarao conhecer bem , e examinar
como era devido : a conveniencia das ifençoens as
fez fuftentar por muito tempo , e ainda hoje fe inter-
eíla em lhes dar valor.
O poder da Curia , ou o genio daquella Ci-
dade , que fó ella quiz governar o Mundo , quando
gentia , e fazer dos Reys de toda a terra huns feus
delegados ; pertendeo quando Chriftaa ter hum ar
bitrio abfoluto , e a que nada refiftiffe , em toda a
ïgreja ¿ nao duvidando dizer pela boca das fuas crea-
turas , pelas pennas dos feus Efcriptores , que a Igre-
: • ja

fat. Alguns Autores nao guardaraó efta medida, e accrefcentarao :


Papa contra Evangelium , ¿r Apofiolum difpenfare potefi , & con
tra jus naturale.
Eß maior ( Papa ) Apoßolo : пес Pauli > пес Petri prtceptis
«dflringitur : diz Fagnano ao cap. SupeT eodeBigamis n. 16. 17.
Em outra parte accrcicenta : Omnia pot efi extra jus , fupra jus,
contra jus.
Rubeo na deciza6 105. num. 5. diz : Potefi tolkrejus civile
quod ei famulari foiet.
( lf ) Jacobus Naclantus , Clogienfis Epifсориs trafi. 9. de
Conciliorum autforitate , Romano Pontifici , exclufis Epi/copis , ¿r
Concihis y auBoritatem judicandi de controverfiis fidei afferens ,
Epifcopos meros effe confultores , non judices , commentus : quem
ttiam in errorem Profper Fagnanus impegit. Nat. Alex, torn,
S. fsecul. 13. diflerr. 12.
1x6) Fleuri Difcurfo 4. num. §¿
ja era huma ferva nata do feu Pontífice : ( 17 ) que
efte tinha íiiperioridade nao fó , como Ihe confes-
faô todos, a cada hum dos Bifpos em particular;
mas taobem a todos juntos , e congregados no Ef-
pírito Santo na occaíiao dos Concilios Geraes ; e que
as decifoens defies nada valiaó , a nada obrigavaó
fem a approvaçao , e confirmaçaa delle.
Confervou-fe efte poder fempre dirigido por
hum fyftema feguido em alguns feculos , em que fe
aproveitarao todas as circunftancias favoraveis , e
que nunca faltao a quern as fabe bufcar, eacharj
e augmentou-fe pelas riquezas , que huns Eftados do
melhor valor da Europa Ihe produziraÔ , e fe foube-»
rao empregar ; e refultou de tudo ifto ficarem 0$
•Bifpos, pobres já por inftituto como os deixou Je*

fus Chrifto , ou os primeiros dos pobres , como os


contempla a Igreja , taobem pobres em o poder.
Tirou-íe-ihes o darem os Bifpados aos feus compro-
vinciaes; refervou-fe-lhes o conferirem a maior parte
das Igrejas das fuas Diocefes a peíToas , que tives-
fem educado , a quem premiaflem o merecimento,
ede quem confiaflem o feu Minifterio : ifentarao-fe»
Jhes aquellas ovelhas que Ihe tinhao nafcido filhas, e
íogeitas : dividiraofe-lhes nos Cabidos os membros ,
que Ihe formavao o corpo ; e finalmente até neffes
poucos fubditos que lhes reftarao , fe Ihes limitou o
poder , para os difpenfar nos feus impedimentos.,, e
V ii' para

(17) Eccleßam fervani natam ejfe , prhcipandi jure ca-


rere. DiíTe o Cardeal Caetano e rctere Launoi Epift. ad Loduvi-
cum Maraeíium lib. 4. Epift. 1. Sltva non ejfe filium , fed Domi
num. Ibidem.
para os livrar de muitas culpas , em que talvez i
inadvertencia , ou certamente a mizeria , e flaque
za humana os faz cahir. O poder , ou o remedio pa
ra tudo ifto eftao ellas obrigadas a bufcar longe , á
Cufia de muiros trabalhos , e numerofos dinheiros ,
паб achando nos feus Bifpos Pays , Protectores , e
Medicos que os amparem , que os foccorrao , que
os eurem.
Nao cauzou ifto toda a eítranheza que deve
ra aos Bifpos ; porque no mefmo tempo , que o ex
perimenta rao , virao que as mefmas teftas Coroadas
apenas efeaparao de igual , ou ainda maior fatali-
dade , que Hie maquinava a Curia : chegando a
pertender alguns Papas uzurparlhe os Cetros , tirar-
íhe as Coroas alienarlhe inteiramente os Vaífal-
los , fazendo perder a alguns Reys na fuá defeza a
propria vida, e querendo finalmente todos, e ain
da aquelles que os Romanos julgao mais modera
dos Principes da Curia , defpojallos de grande par
te da regalia , que o Ceo Ihe concedeo , para pro-
teeçao dos VaíTalIos beneméritos , e do poder da
efpada , que Déos lhes entregou para caftigo dos
difcolos , perturbadores , máos. Nao era muito ,
quando ifto fuccedia aos Monarcas da terra , fenho-
res das riquezas del la , e arbitros das forças de feus
vaflallos , que padeceflem os Principes da Igreja ;
Principes da humildade , defacompanhados huns de
todo o meio , que nao feja o das fuas oraçoens , e
conduzidos pelo eípirito de manfidao , e abatimen-
to em que os eftabeleceo Jefus Chrifto : outros obri-
gados pela dependencia das Bullas de que fe Jhe ne-
gavaôj
gava6 , ou demorava6 as expediçoens , como fue-
cedeo ao grande Pedro da Marca : ( 18) outros
efperançados com a mudança de Bifpados tenues
para Bifpados pingues , de Bifpados para Arcebis-
pados , e deftes para as Purpuras , ao que França at
tribue grande parte das alteraçoens , e ruinas que
padece.
Efte he j Senhor , o eftado dos Bifpos do nos-
fo Paiz , que o Autor do prezente Livro me faz
deferever , e mo authoriza com as fuas doutrinas :
mas , Senhor, nao fei fe efte , que pretendi dizer , he
ainda o peior eftado a que eftao reduzidos os noflos
Bifpos: nao fei fe elles pela larga habituaçao nefte
eftado , pela falta de bons livros que ha em Por
tugal , onde até agora tinhamos huns meftres que
nos tyrannizavaotaôbem osentendimentos,e nao nos
davaô mais que aquelles livros , que ferviao aos
feus intentos , conhecem já toda a falta a que eftao
reduzidos. Eu fei, que huma grande parte dos nos-
fos Theologos , e Canoniftas ainda defeonheeem
efte eftado , e talvez que muitos o defeonheceráo ,
em quanto Iho nao deferever algum Del-Bene ,
Caftro Palao , Sanches , Salmaticenfes , Ligorio ,
Mazzota , ou outro daquelles , de quem nem ainda
me devo lembrar. Mas nao ferá bem que fuppo-
nha , que os Bifpos , a quem Jefus Chrifto , que
vigia fempre fobre a fua Igreja , affifte corn efpecia-
lidade , o nao tenhao já conhecido pelo meyo da
leitura da fagrada Efcriptura , dos Santos Padres , e
V iii exem-

C 18 ) Dupin na Bibliotheca faecul. 17. part. 2.


exemptas da Difciplina da Igreja ; em que feria ain»
da mais que temeridade nao os reconhecer ver fa
dos ; principalmente em hum tempo em que tanto
fe trabalha neftas materias , e que fe julgao indis-
penfaveis á folida inftrucçao de hum digno Prelado
da Igreja.
Supponho que o conhecem , e que terao a
bem , que o fabio Efcritor defte Livro lhes vindique
o feu poder. Elle compoz a fuá Obra de tudo o que
achou folido na Hiftoria da Igreja : as Efcripturas, a
Tradiçao , as Sentenças dos Padres , as acçoens dos
Santos , as autoridades dos maiores Theologos , e
Canoniftas do Chriftianifmo , formao todo o feu
corpo : o condemnalla , o reprovalla , feria con-
demnar nos feus ufos a Igreja , defde que Jefus
Chrifto a inftituio até o fim dos feus melhores fe-
culos : o reprovalla Valeria o mefmo , que reprovar
Papas, Cardiaes, Bifpos, Abbades, Theoíogos,
e Canoniftas , que em todos os feculos ornaraó a
Igreja com as fuas letras , e virtudes ; e feria tao-
bem querermos nos continuar ñas antigás trevas,
quando pelos Livros que já nos vem de todos os
Reynos da Europa , e dizem o mefmo que efte,
fabemos que toda ella fe tem illuminado. Nefte pla
no pois , forma o Autor a fuá Obra , e infallivel-
mente a havia de compor com o acertó com que a
efcreveo , ufando dos Livros que confultou : todos
fini fao pela maior parte incognitos aos noílos Ca
noniftas , e Theologos ; mas fao familiares a todos
os fabios , que hoje tem o mundo Chriftao : bafta
olhar as margens das obras de Bento XIV., para en
contrar
contrat" numerofos catálogos délies : talvez que eile
Pontifice os efcrevefle para nos dar a ver os homens
de que nos havíamos de aproveitar , pois elle era
fabio de hum caraéter , que рог fi mefmo dava pe-
zo, e legalidade ao que dizia. Sem eftes Livros he
fruftrado o efperar verdadeiro progreflo nas feien«
cias : entre tanto que os nao tivermos ferao os nos-
fos Canoniftas tao bons Canoniftas , como já fe co-
nhece , que os chamados Filofofos Peripatéticos
eraô verdadeiros Filofofos. Em quanto elles nao to-
marem efte caminho , bem longe de termos como
em França Marca , Gerbais , Gibert , Hericourt,
como em Flandes Van-Efpen , em Alemanha Bar-
thes , e outros ; teremos muitos Decretäliftas , que
fem diftinguirem entre Decretal , e Decretal , ven
do-as todas em hum fó Corpo , julgando-as todas ,
como alguns diziao , próximas á Fe' , darao igual
valor , reputarao do mefmo merecimento aquellas
que fazem o horror dos fabios , e as outras que rae»
recem toda a veneraçao do mundo : ferá o mefmo
para elles hum capit. Novit, de Judiáis , hum cap.
2. de Sentent. & re judicata in 6. do que hum cap.
i. de Summ. Trinit. & fid. Cathol. : terá a mefma
veneraçao a refpofta de hum Papa fundada na dou-
trina dos Apoftolos , na tradiçao da Igreja , Defi-
niçoens dos Concilios , Direito Natural ; ou eftri-
bada nas fieçoens de Iíidoro Mercador , e nas con
veniencias da Curia , que multas vezes fao oppoftas
ao bem das Diocefes , ao focego das Repúblicas , e
á paz Chriftáa. Para паб cahir neftes abfurdos he
neceflario imitar o fabio Autor defte Livro, de quem
V iv , direi
direi agora о principal intento, e o meu parecer
fobre elle,
Depois que elle relata os poderes dos Bifpos ,
e Ihos eftabelece com os argumentos mais fortes ,
em que elles fe fundao ; moftra que aos Bifpos era
a quem pertencia tambem o difpenfar nos impedi
mentos do Matrimonio. Derivalhes efte poder , de
Direito divino , e confîrmalho com as declaraçoens
da Igreja : fuppofto porém , que o mefmo poder
efteja fufpenfo , ou préoccupa do no tempo do li
vre Recurfo a Roma , tenta fe ao menos na occa-
fiao da Rotura com a Curia , em que fe nao po
de recorrer a ella , podem os Bifpos difpen
far nos taes impedimentos : o que me parece fer
o mefmo do que perguntar : fe havendo neceífida-
de , podem os Bifpos uzar do poder que Déos Ihes
deo , e que lhes mandou exercitar , quando os en-
viou , elhesdiífe, que folTem , porque elle os man-
dava , affim como feu Pay o tinha mandado a elle ;
( io ) e que tudo о que ligaífem ficaria ligado , e
о que livraiTem ficaria livre. ( 20 ) Ora eu nao poíTo
deixar de dizer a V. Mageftade о que faria , fe ti-
veíTe de tratar igual queftao : mudarlhe-hia os ter
mos ; daria por conclufao certa , que no tempo da
Rotura era evidente que os Bifpos conílituidos em
huma efpecie de poftliminio podiao , e deviao dis-
penfar, tanto pelas razoens que allega efte erudi-
tiffimo

( 19 ) Sicut mißt me Pater , ¿r ego mitto vos. Joan. ao. v. г r.


( 20 ) Qu&cunque alligaveritis juper terrant , erunt Hgata ¿r in
calo : quACunque folveritis Juper terrain , erunt foluta & in coció.
S. Matth. 18. 18. V
tiflimo Autor , como por algumas que taobem apon-
tarei ; e faria huma Tentativa fobre elles poderem
difpenfar ainda no tempo da liberdade doRecurfo,
pelas razoens que vou a expor.
Já affima diiTe , que o poder dos Bifpos era
hum depofito fagrado que Déos entregara nas maos
délies , e todo deftinado para bem dos Fiéis : que
elle conftituia hum morgado de Direito divino ; e que
Jefus Chrifto o eítabelecera por hum modo , que
era indivifivelmente pofluido por todos , e por ca
da hum dos Bifpos em folido. Ora quem conhecerá
eíla idea , que do Epifcopado nos formao os Padres,
e os Papas , fe os nodos Bifpos podem tao pouco ,
como ordinariamente fe fuppoem ? como he de Di
reito divino o morgado, fe prefcreve , ainda pela
falta de ufo , ou por deixar de exercitar huns poucos
de aclos facultativos , em que até fe finge que lhe
tiraraö o animo de poíTuir ? Ou quando muito eftri-
bado em hum confentimento , que talvez foi dado
por quem nao fabia o que dava , ( 2 1 ) e que por
iíTo nada vale , nem pode valer ? Como poíTuem
todos , e cada hum dos Bifpos em folido a digni-
dade do Epifcopado , fe huns podem tudo , e ou-
tros pouco mais de nada ? Nao tem reípofta ella
per-

( 21 ) Quia nullus Pr&latorum . . . reclamavit , feu contradixit ,


aut propter impotenttarn , out ignorantiam , aut utilitatein pro-
priam : ideojam quafi per centum annos ( quia tandiu duraverunt )
dicunt Papa , ¿7* Cardinales pr&dicias refervationes jam in vim
SanStißimijuriy Canonis tranfiviffe ргл/cripfiße , пес poße
generale Concilium eas immutare : quodfalfum eft. Gerfon traft, de
Reformatione Eccleiise, in Concil. univerfali cap. 17.
Ignari
pergunta ; mas teria talvez juftiça a praxe que vou
a expor , e juntamente a tirar della hum novo ar
gumento.
Aquella harmonia, que deve haver entre os
membros da Igreja , faz muitas vezes lufpender о
exercicio de hum , quando he mais conveniente que
o outro obre ; ou já porque efle membro , que devia
obrar, faltou á fuá obrigaçao, ou porque o outro,
que entra em exercicio, o fará com mais eficacia , e
menos perigo : fern que por iíTo comtudo fe poíTa
dizer , que tica nefte cafo paralytico o tal membro.
Por huma convençao geral que fe funda prin
cipal , e neceíTariamente nos motivos que aponta-
rei , convierao os Bifpos em que as Difpenías ma»
trimoniaes fe deíTem em Roma. Era a Sede Apos
tólica fummamente difficultofa em difpenfar impe
dimentos matrimoniaes ; os exemplos , que temos
em Portugal , e Caftella de Rainhas, que tora б
mandadas ièparar de feus Reaes Confortes, nos паб
deixao duvidar nefta materia : os Bifpos o eraö ta6-
bem igualmente: para que pois efte negocio fe fi-
zeífe com maior difficuldade , remetiao os Bifpos
ao Papa aquillo mefmo que elles podiao fazer : pa
ra que o trabalho da jornada á Italia , ou o enfa
do da negociaçao na Curia , defviafíe do feu inten
to

Jgnari Epifcopi , nefcientes quam pukbra jus Canonicum eis


tribuí[fet privilegia , paulatim ex confuetuáine , flylo Curia Ro
mans, dirogari Ulis paß funt , & jus j'uum neglexerunt : verun-
ta-nen adhuc jure pojfent ex pr&fata necejfltatis caufa difpenfare.
Et ifla efl canvnunis Jententia. Rebuf. in Praxi Beneficiorum i ib
de DiíVcm'.u. ad plura Beneficia n. 3z,
to os importunos pertendentes , ou os deixafle bem
eícarmentados quando о formaíTem fem caufa , he
que eftas difpenfas fe commetterao a Roma. Efta
foi huma das razoens que efteve da parte dos Bis
pos , para remetterem a Roma as Difpenfas : fem
precaverem comtudo as confequencias que ifto ti-
nha , e que agora expérimentai) ; e efquecidos tao-
bem que eraô elles a quem Jefus Chrifto tinha con
fiado o poder , e entregue as ovelhas com quem elle
fe havia de exercitar , e que elles , melhor que nin-
guem , conheciao a neceffidade , e deviao dar o re
medio com brevidade , e de graça , como o tinhaó
recebido.
A outra caufa efteve pela parte dos Papas :
tínha-Ihes o Concilio de Sardica , para honrar a me
moria de S. Pedro , e para evitar as cabalas dos
Arianos , dado poder de mandar julgar algumas
cauías maiores que os Bifpos lhes quizeíTem relatar,
( 22 ) e daqui procedeo o entrarem elles a conhe-
cer por appellaçao das caufas maiores. Ellas ao
principio eraô raras ; mas ao depois entraraö nefte
numero

( 22 ) Quod ß aliquïs Epifcориs judieatus fuerit in a hqua caU'


fa > & putatfe bonam caufam habere , ut iterum Concilium rénove-
tur, fi vobis placet, San¿íi Petri Apofloli memoriam honoremus ,
ut feribatur ab bis qui caufam examinarunt Julio Romano Epis-
copo i ф\Лjudicaverit renovandum effe judicium , renovetur. Can.
g. e o mefmo fe acha no Can. 5. e mais expresamente na Carta
do mefmo Synodo ao Papa : Optimum , &> valde congruentiffimum
tjfe , fi ad Petri Apofloli fedem de fingulis quibus que Provineiis
• Domini référant Sacerdotes. A' quai Carta muitos Autores enten-
dem fe refere Innocencio I. na Epiftola a Vi&ricio , em que fera
attençaô ás limitaçoens dos Cañones ampliou o Concilio a todas
as caufas maiores.
numero quafí todas as que fe moviao entre os Ca-
tholicos ; e tiverao taöbem lugar as Difpenfas ma-
trimoniaes por conduzirem para hum Sacramento,
ou pelos impedimentos ferem eftabelecidos em al-
gum Concilio. Quizerao os Papas tomar conheci-
mento dos motivos para a Difpenfa , e decidir a
fuá legalidade. Nada pareceria naquelles tempos
mais jufto , do que efta economia : fe ella paraífe
nefte ponto , fe nao excedeíTe eftes limites , fe ri
ve íTe fó o fim , que fe fuppoem , deveriao os Bis-
pos reverenciar efta providencia ; e nao fó confola-
rem-fe de terem fufpenfos os feus poderes , mas ale-
grarem-fe de elles eftarem taobem exercitados. A
corrupçao porém do mundo , os intereses da Curia
tem mudado tudo , e tem dado a entender , que os
motivos de Roma паб erao os que elles Bifpos fup-
punhao. Que difficuldade ha hoje em diípenfar ?
Que conhecimento fe toma em Roma na caufa das
Difpenfas ? Eu me vejo obrigado a dizer tudo a
V. Mageftade.
Pertende alguem cazar ; nada importa , que
feja nobre , ou mecánico , que tenha caufa , ou que
nao tenha caufa para a Difpenfa , porque dinheiros
já entraö no numero dos motivos della , como diz
Concina-( 23 )• que eícreveo em Roma > e he tes-
temunha fem fufpeita. Pede a Difpenfa , e tao de-
preíTa envia a remeíTa , como vem a expediçao;
por-

( 23 ) Non coficeduntur fine caufa , quia conceduntur propter


pecuniam. Qua non blaterabunt Lutherani , Proteßantes ? Au
non effutiant leges ifias ejft crumenifecas? No Epitome lib. 13. de
Matrim. dilï. г. cap. 3. n. io.
porque fe o Banqueiro.aviza , que ha difficuidade ,
ji a praxe tem eníinado , que eílas palavras na fra*> j
ze daquelles Contratadores , fignificaó : que vá mais
dinheiro. Vem o Breve. Mas em que fórma ? Vk
lá a caufa julgada , averiguados os motivos , e fei- j
ta a graça ? Nada menos : ha já muitos annos , que
o eítilo da Curia eílá em paífar eíles Breves em
fórma commiíToria , e nao em fórma graciofa : e
he o mefmo que vir licença , para que o Bifpo
difpenfe fendo a caufa certa. Nada fe averigua *
em Roma : todo o conhecimento defta caufa ma- \
ior torna para o Bifpo , a quem fe ordena que dis-
penfe: em Roma fica rao os dinheirqs, ecá hao^íe /
de fazerjos procejfos ; e fó fe confeguio huma de
mora no tempo em que fe recorreo a Roma , e
provelTe a Déos , que nao houveíle nefte meímo
tempo muitos peccados, com que fe offendeíTe gra
vemente a Mageftade Divina , e de que talvez. fe
tome conta aos Bifpos. E que fe faz a efte Breve?
Aprezenta-fe ao Bifpo , e elle como todos tem cau-
fas juilas , como todas as piemilTas fe juílificao ,
dá a Graça por feita : commette finí o Breve a al-
gum Miniftro feu ; efte íuppoem-fe arbitro fd de
huma pequeña condiçao ,, de huma formalidade es
téril : o Impetrante aprezenta humas poucas de tes-
temtinhas da fuá mefma condiçao , que naö ha
nenhuma que nao as tenha , e fica a Graça com
pleta , porque fobre eftas teftemunhas íe profère a
Sentença.
Efta he toda a difficuidade que ha na eco- I
nomia prezente : eile he o methodo por onde fe 1
julga !
julga efta caufa maior : economía bem différente
da que levou as Difpenfas a Roma , e que parece
as devia reftituir ao feu antigo eftado para que
precedendo verdadeiro conhecimento dos motivos Ге
procedefle á conceiîao délias com aquella pondera-
çao , de que devem ier acompanhadas para ferem
juilas , e validas ; e para que os Bifpos façaô о que
devem , e podem : fe a caufa elU tirada , taôbem
o effeito fe deve fufpender : a economía , que lhe
fufpendeo o exercicio do poder, eftá taö longe de
os juftificar na fua inacçao , que parece os obriga
em confciencia a obrar. ( 24 ) Em outro Reino
poderia haver mais efcrupulo do que em Portugal,
como vou a moftrar , accrefcentando outra rezaó as
que tenho ponderado.
Querem os nolTos Bifpos que todas as deci-
zoens de Difciplina do Concilio de Trento eftejao
em Portugal em todo о feu vigor : nada mais fre*
quente na boca délies do que eita allegaçao : eu nao
a impugno ; mas infiro délia, e da íua verdade,
que taôbem as decizoens de Difciplina a refpeito
dos impedimentos do Matrimonio , e fuas difpen*
fas eftao em feu vigor. Ora diz o Concilio Triden-
tino na SeíTao vinte e quatro capitulo quinto da Re-
formaçao

(24) Exur;a»t Prdati Ecclefix oferentes Deo facrificiumju'


fiiti&^ & has rapims , furta , & latrocinio Romanл Curia dig*
tientur penitus amoveré. Quia non pojfunt in detrimentum , &
damnum univerJ'dis Ecclcjixfi.irc , aut prxfcribi , cum fint contra
Katuram propriam corporis miflici Ecclefis. , & contra отпет or-
dinem juftitit , ¿r« decrementum omnium bonorum fpirituaüum Ec-
clefu : diz o S.ibio , e pio Geribn traft, de Reíorm. Ecckf. in
Cone. Univerf. cap. 17.
formaçao do Matrimonio ( 25 ) que para fe contra-
birem os Matrimonios , ou nenhuma , ou rara diffen-
fa fe conceda; e fe fe conceder , feja сет сaufa , e de
graca : no fegstndo grao nunca fe difpenfe , fe nao e?i-
tre grandes Principes^ e por caufa publica. A quem
pois diz ou manda o Concilio ifto ? com quem fal
la elle aqui prohibindo-lhe o fazer humas difpenfas,
e dando-lhe as regias por onde fe ha de governar pa
ra fazer outras? com o Papa ? Parece que nao:
quandoem outros cazos quer que fó o Papa difpen
fe , declara-o : ( 26 ) manda que fe recorra ao Pa
pa , e aqui nada difto faz. Para o Papa difpenfar
nao era neceífario na opiniao dos Ultramontanos,
que o Concilio lhe défle eíTa faculdade : eile dis-
penía em outros muiros Decretos , em que o Con
cilio nenhuma mençao faz de Difpenfar. O dizerfe
que foi para lhe regular o methodo, taobem nao tern
lugar ; elle difpenfa , e fem fer entre grandes Prin
cipes , naquelles graos em que o Concilio ío para
eftes faculta * licença : os dinheiros fao já caufe
da difpenfa , quando na expreííao , e na mente do
Concilio o deveriaö fer da negaçao délia ( 27 ) : nao
falla pois com 0 Papa. Emendo , que viráo fácil
mente nifto todos os Ultramontanos : pois álem do
que

( г? ) In contrahendi* Matrimonüs , vel nulla omnino detur dis-


fenfatto , vel raro : idque ex caufa & gratis conccdatur : in fe
cundo gradu nunquam ekfpenfetur niß inter magnos Principes , ¿r
«b publicum сaufam.
(26) Como rta SeíTa6 12. a economía fobre o ufo do Calix ,
ou da communhaö em ambas efpecies , e em outras muitas pane?.
( 27 ) Octava ( Caufa ) fubminißratio fecunu in fubßdium
Eccleßa. Concilia ubi fupra num. о-
que ficadito, o Concilio falla de hum torn que hè
de fuperior pai a inferior : prohibe, e prefcreve ; о
que nenhum menor fe atreve a fazer a refpeico do
maior , e elles juigao , que o Papa he fuperior ao
Concilio ; que nao eftá obrigado ás decizoens dél
ie , e como de fació nao as exécuta nefta materia de
difpenfas de impedimentos, como ácima referí. Tao-
bem faço juftiça aos noílos Bifpos em fuppor , que
me concedem como poftulado geométrico , que o
Concilio nao falla aqui com os Papas , e que falla
com elles t porque fabe qualquer Canonifta , nao
fó que os Bifpos difpenfavao antigamente , mas que
ainda hoje podem difpenfarem tudo aquillo que lhes
nao he prohibido expresamente : ( 28 ) e que com
caufa ( fem ella ninguem o deve ( 20 ) fazer ) po
dem difpenfar nos Decretos do Concilio Geral : (30)
e que quando os Concilios dizem , que íe difpenfe >
ou facultao a licença para difpenfar, fem determi-
narem por quem ha de fer feita a difpenfa , efta fe
devolve aos Ordinarios (31): dalhes pois o Conci
lio o poder para difpenfar, ou, para me explicar
melhor,

( 28 ) Epifcopos poffe difpenjare ubi Jptcialiter dijpenfatio non


eft prohibita : diz я GlolT. ao cap. Nuper de Senr. excom.
( 29 ) Poteftatem noftram dédit nobis Dominus in ¿edificatienem,
non in deflrutlionen. 2. ad Cor. то. 8.
Non enim poffumus aliquid a.iverfus veritatem , fed pro Ve
ritäte. Idem 13. 8.
( 30 ) Et quod ex caufa poffit etiam difpenfare ( Epijcopus )
contra Concilia generalia , eß C. Vacante , С. Expofuijii de
prdbandis. Rebufo ubi fupra num. 31.
(31) Juxta regulam a Canonifiis communiter probatam , quaw-
do dijpenfandi auctoritas a Canone concedítur , пес exprimitur ,
.... a quo
melhor, tiralhe a duvida da chamada prefcripçaô.
(3a) Ora o Concilio em todas as fuas determina-
çoens difciplinares eftá em feu rigor era Portugal :
tem logo os Bifpos de Portugal o poder de difpen-
iàr, e nao Ihe obfta a prefcripçao, pois lha tira о
Concilio. X Ainda

a quo difpenfhndum fit , cenfeatur Epifcopo data difpenfandi facul


tas. Van-Efpen tom. 1. p. 2. feél. 1. tic. de Difpenl. cap. 1. pag. 595*.
da Ediçao de Lovaina. Nao deve fazer duvida a opiniao daquelles
Autores, que fundados na GloíTa dizem confuzamente , e fem dis-
tinguirem as tres Epocas de Direiro Canónico , que os Bifpos nao
podem difpenfar nos Decretos do Concilio Geral ; porque eíla re-
zolucao quando muiro procede , quando паб ha caufa , e fó no cazo
do Concilio formar o Decreto abl'oluto, e nada eflabelecer fobre a
difpenfa delle. . ••
(32) Ainda que, fegundo diz Van-Efpen ( que паб fei em que
fe funda ) o contexto deíle Capitulo pareça fallar com o Papa ;
comtudo como liouve efpecial queíh6 fobre o artigo da difpenfa,
e no Concilio , como refere Fr. Paulo lib. 8. da Hift. do ConciÜQ
quizerao os Bifpos de Hefpanha, e Franca que fe decía raffe que as
difpenfas pertenciaö aos Bifpos, e fe Ihe oppuzeraö os Italianos ; Ia-
vrou-fe o Decreto fem expreffar claramente o poder dos Bifpos; mas
cm termos communs , e que favorecem aos Bifpos, como ácima,
diffe , e parece fe deve julgar nefta materia como na de ferem ou
nao de Dircito divino as rezidencias , em que houve tantas difputas
no dito Concilio , e porque eile em muitas partes fe explica por ter
mos que favorecem a opinia6 dos Cifmontanos , com elle confir-
inaö elles a fuá opinia6 , interpretando o a feu favor \ fern que os
detertha a Congregaçao do Concilio , cuja autoridade nao he a mes-
ma , e igual era Roma , e nos mais Paizes. »
In Trident ino Concilio , cumfermo eft de danda in gradibus
prohibitif venia contrahendi Matrimonii , banc uni Scdi ApoftolicA
refervatam eJJ'e Patres minime dicunt : dicendi certe locus fuit , fi
vera cum ratione dici potui[fet: in contrahendi Matrimonii vel
nulla omnino detur diipenfatio , vel raro: idque ex caufa , & gra
tis concedatur : \л fecundo gradu nusquam difpenfetur, niíi inter
magnos Principes , & ob publicam canfam. Concilii verba funt щ
Sejjio-nis 24, cap. 5. ubi nulla eft mentio difpenjationis Summo Pon-
tifiei y vel pedí' Ápoftoljc&refervatx, Launoy na repolla .a Domin
gos Gajefio cap. 18. num. 3.
Ainda fóra deftas circumftancias fe deveriao
contemplar muito os poderes dos Bifpos , para Ihos
nao fuppor perdidos com qualquer lapfo de tempo:
de outra forte já alguem poderia dizer que elles nao
devem fer Juizes ñas caufas da Fé em Portugal y on
de , depois do tempo do Concilio , ou já de antes >
nao tern julgado caufa alguma defte genero , e о
coftumao fazer os Inquizidores que fao Delegados
do Papa nefta paree : menos pois o podcrá dizer das
difpenfas matrimoniaes , ainda que nao as tenhao
concedido desde o tempo do Concilio ; pois eile
lhas faculta , e eftá em todo o feu vigor. Concluo
deftas rezoens , que a Tentativa que eu d i fíe fe po
dia fazer acerca dos Bifpos poderem dilpenfar ain
da no tempo da liberdade da Curia , nao era integ
ramente detiftituida de fundamentos. Mas já he
bailante para huma Cenfura y vou a ultimarme cora,
o cazo da Tentativa do Autor.
DiíTe eu que elle punha efta parte por Ten»
tativa; mas que eu a julgava por conclufao demons
trada, tanto pelas rezoens em que elle aeftabele-
ce , como pelas que vou agora a expor. Primera
mente : fe os Bifpos podem no tempo da liberdade
do Recurfo y difpenfar , como tentei moftrar , mui
to mais o podem fazer no tempo da Rotura : dei-
xando porém efte fundamento , be neceflario dizer
que coufa he a Igreja de Portugal ainda na circum-
ftancia de que , unida fempre ao centro da uniao
Catholica , tenha Rotura com a Curia de Roma ,
e embaraço com o feu minifterio politico.
Jefus Chrifto inteiramente providente deixou
remedio na fuá Igreja para todos os tempos, para
todos os cazos , e para todas as circumftancias : ío
Ihe negará á Igreja efta graça do feu Efpozo quem
primeiro negar a Déos a Bondade , aComprehen-
fao , e a Providencia : feria fuppor a Igreja manca ,
fe ficafíe fem poder para fe conduzir em alguns ca
zos : teria já acabado , fe nao eftiveíTe prevenida de
remedio para todo o acontecimento. Todo o Cor*
po, que em fi nao tem força, poder, emeios pa
ra a fuá confervaçao , e proveito , he defe&uozo »
he fraco , he debi! , e nao fe pode confervar para
fempre. Ora a Igreja he o Corpo myftico da Efpo-
za de Jeíiis Chriíto , e ha de viver até o fiordos fe-
culos ( 33 ): e Jeíus Chrifto, que Ihe deixou taó
francos poderes , como vemos exercitar em Roma
no tempo de toda a liberdade do Recurfo em que a
Curia liberaliza , ou nao fei fe pródigamente con
cede as difpenfas de que fe trata ; para o tempo da
Rotura, em que os Fiéis nao tem culpa, e a que
Roma deu toda a caufa , nao havia de prevenir de
remedio para as fuas neceífidades a de Portugal ?
Penfe-o quem лаб tiver o conhecimento , que fe
deve ter de Déos , e da Piedade com que elle nos
trata; perfuada-fe a iíTo о que for inteiramente extra-
nho na Hiftoria da Igreja ; oque лаб fouber о со»
mo elle a eílabeleceo ; е entretanto aquelles que
conhecerem a djfferença que ha entre os imprescripr
tiveis poderes dos Bifpos , e os uíos modernos , e
X ii alte-

•( 3.$ ) Ecce ego wbiscum fum usque ad iotifummatiouemfAcult.


Matth. z8. 20. •- . 1
alteraveis de huma difciplina que ío deve fer regu
lada pela caridade , adoraráo em filencio a Provi
dencia , e fe compadecerlo de feus próximos
A opiniao de alguns Canoniftas , e Theolo-
gos , que fe le em Van-Efpen , e Gerbais, e que
affirma poderem os Bifpos difpenfar nos impedimen
tos occulcos , fendo o Matrimonio publico , funda-
fe na caridade, ou neceffidade do proximo (34)
que faz ceífar a rezervaçao. Suppofta efta opiniao,
pergunta o mefmo Van-Efpen ; porque nao dire
mos nos que céífa geralmente efta rezervaçao , e que
tem os Bifpos livre autoridade de difpenfar , fe o pe
de a falvaçao das almas , a caridade , ou a neceffida
de do proximo? (35 ) Eu nao fei a reporta a efta
pergunta; nem fácilmente a dará quem tiver idea
clara da Conftituiçao da Igreja , da caridade em que
Jefus Chrifto a fundou , do muito que elle rraba-
lhou para que os feus Difcipulos nao imita ffem a
Conduela dos Farizeos , os quaes efquecidos de toda
a condefeendencia , e de toda attençaô á neceffida
de do proximo , faziao confiftir o ponto da perfei«
çao da Ley em humas , para elles indifpenfaveis, for
malidades exteriores , e extranhas ao efpirito de be
neficencia , que elle queria deixar por herança aos
feus Vigarios ; quem finalmente fouber a praxe das
difpen-
r ——— .
( 34 ) Dum Charitas , auf neeeßitas proximi id exigit.
( 35 ) Qyidni igitur dtcamus generaliter banc refervatto-
nem cejare , atque Epifcopis líberam ejfe difpetifandi auЯorito
tem , ß fa/us aaimarum , feu Charitas , aut necejjitas proximi id
requiratï Van-Efpen torn. i. p. 2. tir. 14. cap. 10. 17. falla nefte
• ли mero dos impediments dirimentes em que le fuppoem arezer-
vaja6. . 1
difpenfas, que os Apoftolos concediao rio tempo,
em que governarao a Igreja ; já defobrigando os
Fiéis ; já tornando-os a mandar obfervar о rigor dos
legaes , fegundo a caridade dos filhos o pedia.
Nao feria difficultozo argumentar ( 36 ) do
exemplo das difpenfas nos Beneficios curados , em
que a reíidencia parece fer nao fó de Direito natu
ral , mas taobem Divino , para as difpenfas dos inv»
pedimentos matrimoniaes,principalmente para os que
a Igreja adoptou de direito Civil ( 37 ) e que pa
rece nao tem tanto vigor , como outros : e moftran-
do que naquelles* havendo neceffidade, ou eviden
te.

(36) Вопит efl argumentum de Matrimonio carnalt ad fpi-


rituale , ¿rvice ver/a. Cap. Inter. Corporalin. de Transí. Epifc,
(37) Le Merre Juflification des ufages de France furies Ma-
riages des Enfans de famile.
Launoy Puiffanfe Roíate fur le Mariage : e principalmente
ло Tratado : Regia in Matrimonium poteßas.
Gerbais Traite pacifique du pouuoir de Г Eglife , e des Prin
ces fur les empechemens du Mariage.
Boileau Defence de Launoy. Todos moftraä a origem dos im
pedimentos, e quem nos primeiros feculos da Igreja os eftabele-
ceo , e o como efta doutrina em nada fe oppocm ao Concilio de
Trenro.
ließ a remarquer que le recours a Rome pour obtenir des dis-
penfes efl nouveau , celtes qui concernent le Mariage ne sr accordai
ent autrefois , que par le Prince , comme on le voit par pluficurs
loix du Code. Chaque Eveque dans fon Diocefe accordaient toutes
les autres , quand il le jugoient a propos. Ce droit lui apportenoit
comme un apanage , ¿7» unefuite de l'autorité quil tenoit de Jefus
Chrifi pour gouverner fon Diocefe , & ce droit étant de fa natu
refi inprefcritible toutes les referves que les Papes , en ont pout faire,
ne peuvent empêcher quil nefubfifle , & que les Eveques ne puiffent
^exercer lors qui'ls lejugeront necejfaire au bieu de leurs Diocefes*
Memoire iur les Libertes de l'Egliie Gallicane cap. 3. . .
te utüidade , podem os Bifpos difpenfar ( 38) ó
mefmo fe entendería neftes : mas eu faço huma
Cenfura e nao hum Tratado.
Nada pode aqui fazer a prefcripçao nafeida
de falta de uzo , e menos o confentimento fuppos-
to. Naó tem íido tantas as Roturas , nao tem ellas
durado tantos annos que cheguem a completar o nu
mero , que he neceífario para prefcripçao tao relé-
Vante , ainda quando a materia a foffreffe. (39)
O confentimento nao pode fer raciona vel quando
he contra a caridade , e todas as vezes que he cora-
batido da neceílidade. Nunca os nodos Bifpos o da
ríaб para o tempo da Rotura. Se elles nefle tempo ,
e no cazo,e circumftancias,em que Ihe eftá prohibido,
quizeíTem que as fuas ovelhas recorrefTem a Ro
ma , feria o mefmo que moftraremíe direitamente
rebeldes ; ainda fó o confentimento tácito os con-
ílituhiria fufpeitos de infléis aos Reys , de quem erao
Vaífallos: e o quererem que em alguns cazos nao
haja difpenfas he crueldade, que o Concilio affis-
tido pelo Efpirito Santo precaveo e prevenio : nem
finalmente podiaö dar eile confentimento fendo Bis-
pos para os Fiéis , e nao para íi , prejudicando com
eíTa data ás fuas ovelhas , á fuá Igreja , e ao Eftado.
Nao deve taobem demorar os Bifpos a con
fide-

( 38 ) Archidiaconus in cap. licet Canon collât. 3. de ЕШ. lib.


6. ampliat Episcopos etiam pojfe dijpenfare ex magna caufa ne-
cej/ítatis , vel evidentis utilitatts ad plura quoqut turata , necnon
dignitates , & contra Concilia , per C. tali & C. exigitis &c*
apud Rebuftim de Difpcnf. ad plura Ben. n. 30.
(39) Contra commoda publica Cbrißiani orbis mn prescribí-
tur.
fideraçao , de que fè Ihe eftranhará na Curia eile
procedimento. O Primado do Papa he hum Pri
mado jufto , recio , fanto ; he para vigiar fobre os
abuzos , nao para tolher os uzos ; para manter , con-
fervar , e паб para deftruir , arruinar , e defpojar :
( 40 ) feria fazerlhe injuria o fuppor que nas cir-
cumííancias prezentes quizeíTe opprimir os Bifpos que
fao feus lrmaös no Epi (copado , e tirarlhes aquelles
poderes , que Deos Ihes eonferio , e que fó o maior
bem da Igreja Ihes fez fufpender por algum tempo :
feria finalmente confundir toda a armonia da Jerar
quía Ecclefiaftica : o Autor do prezente Livro dá a
conhecer com a autorktade do grande , fabio , e pió
Gerfon y o vaíor que teria feme I liante procedimento :
nao fica licito o fuppollo.
Menos attençaô merece ainda a autoridade
de alguns Efcriptores , que eftao pela parte negati
va : huns deftes tendo eftabelecido os verdadeiros
principios da Jurisdieçao Epifcopal , parece fe es-
quecerao deduzir délies as juftas coníequencias : ou-
tros , e fao os mais y procedem no falfo fuppofto
de que todo o poder dos Bifpos dimana do Papa r
<jue os Ordinarios fao Vigarios fubdelegados da
primeiro Vignrio dejefus Chrifto : que elles nao tem
outro poder mais , do que aquelfe , que o Papa 1 he*
faculta ; nefta hypotefe hao de ir conformes aos
feus principios : fe o Papa nao quizer que os Bis-
pos

( 40 ) Si fuá unicuique Episcopo jurisâiffîo nonfervalur , quid


aliud agitur , nifi ut per nos , per quoi Ecclefiafikus cußodiri dé
fait ordo , confundatur. Diz S. Gregorio Magno.
pos exercitem o poder , que elle Ihes conferio , nao
o podem exercitar : aíTim como efbve , fegundo
fuppoem , no feu arbitrio o darlho , affim eftaria o
tirarlho ; mas ainda nefte cazo a materia he mais fe*
ria , do que pede hum arbitrio regulado fó pela von-
tade.
Em igual fentido fe devem entender as res-
poftas das Congregaçoens de Roma, cujos mem-
bros coftumaó eílar altamente perfuadidos das opi-
nioens Ultramontanas : ( 41 ) como taóbem o efta-
rá algum Papa daquellas com que Ifidoro Mercador
lhe dilatou a Primazia¿ mas deíle Efcrinio nao devem
fahir as Confultas , e refpoftas , que fazem decizao
na Igreja.
Devo aqui dizer finalmente, que nem todos os
Romanos eftaô tao perfuadidos das opinioens Ultra
montanas , como fe penfa. Trasladarei as palavras
de hum delies na queftao de que fe trata , e com el
las concluhirei o meu parecer. O Padre Concina y
que efcreveo em Roma á vifta de Bento XIV. diz
no Epitome da fuá Theologia Moral Liv. 13. Dis-
fertaçao 2. cap. 3. (42 ) Nenhuma Ley exprejfa ,
nenbum Canon declara , que os Bifpos naö podem fa-
zer

(41) As decizoens da Rota o teftificaö.


( 42) An Epifcopi urgente necejfítate difpenfare ab aliquo im
pedimenta dirimente ante Matrimonium conlrafium valeant } . ...
nullt exprefia Lex, nullus Canon déclarât EpiJcopes non pojfein
Diœcefi ea peragere in bis cafibus , qua &tern& ovium faluti ne-
cejfaria funt. Ex fola confuetudine , 0- ufu Pontífices Summt in
bujus modi impediment is difpenfant. Ergo cejfiat , dum talis urget
neccjjitas , аил impedit dijpeujatiomn a Pontífice feti , ¿r aliun
zer no feu Bifpado о que he necejfario para a falva*
fao das fuas ovelbas : fó por coßume , e uzo he que
os Summos Pontífices dijpenfao nefies impedimentos :
logo céjffa о coßume quando ha necejfidade tal que im*
pede o pedir a /icença ao Papa , e por outra parte fe
pode conceder pelo Bifpo. Dois extremos fe bao de evi
tar neßa materia ; a demaziada faälidade de difpen-
far fem caufa , e a nimia feveridade de coarSlar a au
toridade dos Bifpos , que por fuá natureza he ampia,
e fó por hem commum da Igreja fe refringe pelos
Summos Pontífices. Ifto he o que diz o Padre Con
cilia , a quem citei por fazer juftiça aos Romanos :
referirá outros Autores , fe Voífa Mageílade aíTirn
como me manda que lhe diga o meu pirecer fobre
o Livro , me determinara que lhe dilleíTe ó que el
les efcrevem fobre a materia delle. Concluo que o
Livro he digno da Real attençao de VoíTi Magefta-
de, e que me parece fe deve premiar taobem com à
licença para que faia a luz. VoíTa Mageílade deter
minará o que for férvido. Lisboa no Collegio de'
Noífa Senhora da Eftrella, 7 dejulhode 1766.

Fr. Joao Baptifta de S. Caetano.

Que

de concedí ab Epifcopo potefl. Duo extrema in bac , ßcutin сAteris ,


declinanda funt : nimia difpenjandi facilitas absque legitima
caufa , ¿r nimia Jeveritas coarffandi Epifсорогum aufîoritatem ,
qu& natura fuá ampia eft , ¿7" folum in bouum commune Ecc'efix a
Pont ißcibus Summit rejlritfa.
QUe fe poffa imprimir viítas às licenças do San
to Officio , e Ordinario ; e depois de impres-
fo , tornará á Meza conferido para fe dar li-
cença para correr, e íem ella nao correrá. Lisboa,
lo de Julho de ij66.

Carvalbo. Affonfeca, Caßro. Craesbek.

jPo'de correr. Lisboa, 14 de Outubrode 1766.

Carvalbo, Mello. Lima»

J O'de correr Lisboa, 15 de Oütubro de 1766.

Coßa.

X^ßUe poffa correr: e taxao em oi tocen tos reis.


Lisboa, 16* de Outubro de 1766.

Carvalbo, Affonfeca, Pacbeco. Cbraesbeck.

RE
REPOSTA

APOLOGETICA

DE

ANTONIO PEREIRA
Presbytero da Congregaçao do Oratorio de Lis
boa , e Deputado Ordinario da Real Meza
Cenforia ,

AO PADRE

GABRIEL GALINDO

Theologo de Madrid,

Ou á Cenfura que eíle fez á iba Tenta


tiva Theologica impreña em Lisboa

fobre o Poder dos Bifpos em tem

po de Rotura.

Tanto a Cenfura como a fuá Repoßa traduzio do


Latimem Portuguez o mefmo Autor da
Tentativa.
Se alguem fufpeitar mal da tua Fe,

nao o joffras : pois eße he o cazo , em que

паб aeve haver paciencia. S. Jeronymo

eícrevendo contra Joaô de Jerufalem.


CARTA

DO.

PADRE GABRIEL GALINDO.


Madrid y dia 17 de Julbo , anno do Senbor 1767.

i,. i. i,, i ■ i mmi

AO R.M0 P. M. ANTONIO PEREIRA

Presbytero da Congregaçao do Oratorio e Sapien-


tiffimo Theologo Lisbonenfe , &c.

Dezeja faude e religioza amizade em Chrifto

О P. GABRIEL GALINDO
Dos Clérigos Regulares Menores , Lente Jubilado na Sagrada Theolo»
gia , na Caza do Efpirito Santo de Madrid.

REVERENDISSIMO PADRE MESTRE.

i Ж I com attençao a Tentativa Tbeolo-


I gica que Voila Reverendiíííma dou-
■ ^ tiífimamente trabalhou , digna рог
certo do feo eftudo e litteratura , e
que como tal hao de receber com approvaçao to
dos os Sagrados Paftores do rebanho do Senhor :
pois nella com igual eíficacia e erudiçao deduz VoA
fa Reverendifllma do mefmo primeiro Paftor Noflb
Senhor JESU Chrifto a dignidade da fua Ordern,
e Ihes moftra о .çaminho de poderem dar ás fuas
ovelhas faudaveis paitos. О que eu creio que Vof-
ùl Reverendifllma faria com mais facilidade , e
Y iii com
Carta do Padre

com maior aceitaçao , e louvor diante de Déos e


dos homens ; fe tirado todo о tropeço á piedade ,
compuzeíre o feo fyítema a gofio do Supremo Pas
tor de todos , confultando-o com o Angélico Dou-
tor Principe dos Theologos que feguem o caminho
da falvaçao; ao qual VoíTa Reverendiffima pare
ce que quer adherir, quando delle fe aparta. Foi
a Theologia deíle Doutor da verdade approvada
tres vezes pelo mefmo Autor da verdadeira fcien-
cia -, e approvada da Cruz , como de cadeira de
Meílre que eníinava , e de Pontífice que definía.
Оь que íao feus Difcipulos , reconhecem nos BiC
pos faculdade ou jurisdicçao , para nos cazos de
urgente neceffidade difpenfarem nos impedimentos
dirimentes do Matrimonio ainda públicos , e aínda
antes de contrahido o Matrimonio ; quando o Sum-
mo Pontífice o nao pode executar , por caufa de
algum embaraço , que na verdade haja ; eem que
o mefmo Summo Pontífice difpenfaria, viílaajus-
tiça do requerí mentó , fe a elle fe pudefle recor
rer : fern que para eftabelecerem eile poder dos
Biípos recorrao a outro principio , que ao da jufta
Epikeia , com que fe pre fume , que a Sé Apofto-
Jica tácitamente commette aos Bifpos o exercicio
das difpenfas em todos e para todos os cazos , em
que alguma grave neceffidade aperta , e pede que
fe removao inconvenientes efpirituaes ou efcanda-
los; e o Recurfo á Sé Apoílolica ou l e mui dif-
ficultozo , ou fem culpa alguma tanto dos Paílores
como
Gabriel Galindo. 3

como das ovelhas , eftá inteiramente fechado. Se-


guindo os paflbs do feu Angélico Director , pro-
cedem eftes Theologos nos termos deíle claro dif*
curfo ( A ) .
2 Nao he crivel , que o Summo Pontifice
queira reíervar а Я a tal difpenfa , no cazo de fe
íeguirem os referidos inconvenientes. Porque como
a Refervaçao , e do mefmo modo quaesquer outras
Leys , todas fe ordenao á edificaçao , e nao á deí-
truiçao das almas : ( o que Voffa Reverendiílima
excellente e opportunamente moftra bem do Apos
tólo ) ninguem nos pode períuadir , que em tal
cazo , e debaixo de taes circumílancias , ñas quaes
eftando em pé a Refervaçao , fe feguiria prejui-
zo ás almas ; queira o Summo Pontífice Pay de
todos os Fiéis , que a tal Refervaçao fe obferve.
3 Tambem fazem outro argumento bailante-
mente efficaz , para perfuadirem fer efta a vontade
tacita da Sé Apoílolica : e he em breves termos o
feguinte. Quando o Superior vê, que huma fen-
tença , que joga com a Difciplina da Igreja , nao
fomente he enfinada publicamente por efcrito por
muitos e mui celebres Profeflbres , mas tambem
pofta em praxe pelos Prelados Ecclefiafticos ; e ain-
Y iv da

( A ) OR. P. Thomaz Hurtado luzido Aftro da minha Religiaó,


e ¡Huftrc Sequáz do Doucor Angélico , no Tomo t. Sobre a Reßdencia ,
Refoluçaô v. п. 4., e ícgg. pag. 258.
Joaô Dicaftilho CanccUano da Univerfidadc de Deünga , na Difp.
viü. Sobre o Matrimonio. Duvida íy. , « outros.
4 Carta do Padre

da affim nao a reclama nem contradiz о Superior:


he fignal manifefto , que ao menos tácitamente ар.
prova elle Superior a tal doutnna e a tal praxe.
Ora a Sé Apoftolica , que he huma Atalaia de to*
da a Igreja , nao podia ignorar fer efta doutrina
commua e a mais bem recebida desde o feo prin
cipio : nem os Pontífices , que nefte meio tempo go-
vernarao , podiao deixar de faber , que os Bifpos
effeclivamente uzavao daquella faculdade : e com
tudo nenhum deíTes Pontífices reclamou ou fallou
contra eñe procedimento : he logo íignal , que ap-
provarao ao menos tácitamente tanto a doutrina,
como a praxe : e que inflammados no fogo da ca-
ridade he fuá vontade , que em femelhantes ne-
ceífidades appliquem todos os Bifpos do mundo eile
remedio ás fuas ovelhas.
4 Nefte fyftema confeguiria VoíTa Reve-
rendiffima fem duvida , que o Summo Pontífice nao
fó nao relucía ífe , mas verofimelmente approvaífe ,
que na occafiao prefente pudeíTem e deveíTem de
caridade os mefmos Bifpos do Reino de Portugal
difpenfar licita e validamente nos impedimentos do
Matrimonio ; e dar a feus amados filhos o reme
dio , que lhes nao he pofíivel confeguir da Sé A-
poftolica. E entao creio eu tambem , que a expe
rimentaría VoíTa ReverendiíTima muito favoravel ,
quando por íeguir o contrario pre fumo que a ex
perimentará immiga ; íe VoíTa Reverendiííima (no
cazo que о роДа fazer) nao refponder completa
mente
Gabriel G alindo. y

mente a huma fortifïima objecça6 , que a qualquer


homem medianamente verfado na Theologia Mo
ral logo occorre : e que fe tira da condemnaçao
da Propofiçao xxix entre as trinta e huma , que'
o Papa Alexandre VIII. de feliz memoria condem-
nou a 20 de Dezembro do anno doSenhor 1600.
a quai dizia affim : He fútil e por militas vezes
convellida a doutrina dos que feguem , fer o Roma
no Pontífice Superior ao Concilio Geral , e fer in-
fallivel o feu Juizo ñas Quefioens que jogao com
a Fé. Condemnada. Contra a qual fe levanta ó
Doutor Angélico ( В ) . Nem para evadir a con
demnaçao defta Propofiçao , a qual Vofía Reve-
rendiffima clara e alertamente funda no grande P.
Santo Agoftinho , lhe pode fervir alguma doutri
na : porque no mefmo Decreto vem tambem ex-
prelTamente condemnada eftoutra Propofiçao , que
he em numero a trigefima : Todas as vezes que al-
guem achar huma doutrina claramente fundada em
jlgoflinho , pode abfolutamente eßar por ella e enfi-
nalla , fem attender a Bulla alguma do Pontífice.
Condemnada.
5" Sobre o que como experimento a Voíía
Reverendiílima cheio de erudiçaô , nao me he li
cito duvidar , que lhe he prefente , que femelhan-
tes

( В ) S. Thomaz Queft. x. Sobre a Potencia art. iv. na reporta


ao i j.
Parte I. Queft. xxxri. art. ii. ao a. Na Segunda da Segunda Quefh
i. art. x. ao 2.
б Carta do Padre

tes Decretos етапаб immediatamente da infalli-


vel Cadeira de S. Pedro , depois de feito maduro
exame e diligentiffima difcuiTao das doutrinas : о
quai exame e difcuiTao he hum aclo meramente
preparatorio para a Definiçao da condemnaçaô.
Com elles Decretos confirma vigilante , e défen
de dos Lobos as ovelhas de Chriíto o Supremo
Paftor ; moftrando-lhes os paitos falutiferos, que
como alimento da verdade Ihes fortaleçao as al
mas , e fe regalem ñas delicias eternas. Tambem
Vofla Reverendiffima fabe , que femelhantes De
cretos declarativos da doutrina fobre os coítumes ,
tem força que obnga á fuá obfervancia por todo o
mundo os Fiéis de Chrifto , tanto pelo que con
tení de preceito , como pelo que involvem de pe
na, até naquelles lugares, em que os taes Decre
tos nao foíTem promulgados ; com tanto que fot-
fem fixados em Roma nos litios , onde he coftume
fixaremfe : como he fentenfa a mais commua dos
Theologos , e em huma materia de tanto pezo nao
fd a mais fegura , mas tambem a mais provavel.
De forte que incorrerá pena de excommunhaó ma-
ior lata fententia , e de excommunhaó refervada
ao Summo Pontífice , todo aquelle que ou por pa-
lavra ou por efcrito eníinar ou tratar em publico
ou em particular a doutrina , que nos taes Decre
tos fe condemna. Mas advertir ifto a hum Doutor
tao illuminado , julgo eu fer tao fuperfluo , como
feria fe hum morcego pretendefle moftrar á aguia
Gabriel Galindo. 7

o caminho do Sol , quando efte no feo Zenith eftá


mais brilhante.
6 Pelo que , Reverendiílimo e Sapientiffimo
Padre e Senhor , fummamente dezejei que Vofla
Reverendiffima me tiraiTe delta para mim certa-
mente grande difficuldade : e que removidos eftes
fortiffimos obftaculos , (que eu me admiro ejufta-
mente me admiro os paffafíe em claro o Santiffi-
mo e fummamente refpeitavel Tribunal da Inqui-
fiçao de Portugal ) defembaraçafîe Vofîa Reveren
diffima о caminho , para a fuá Tentativa diícorrer
livre por toda a parte : a fim de que affim o mun
do Chnftao , como a fuá Metropole , vejao , leiao ,
e celebrem a Vofîa Reverendiffima como hum con-
fummado Meftre. E Vofîa Reverendiffima iirva-fe
de honrar com as fuas liçoens e preceitos , a quem
dezeja apprender de Voiia Reverendiffima alguma
coiza : que eu em obfequio de tao illuitre Doutor
os executarei de muito boamente. Déos todo po-
derozo conferve a Vofîa Reverendiffima com fau-
de até huma dilatada velhice, para nos enfinar a
verdade -, e por ultimo o leve ao Ceo para nelle a
comprehender : como fincéramente lhe pede

Reverendiílimo e Eftimabilirttmo Padre Meftre.

De Vofla Paternidade muito Reverenda

Criado muito obfequiozo.

Aflima nomeado.

RE
8

REPOSTA

D O

PADRE PEREIRA.

AO R.MO P. GABRIEL GALINDO

Da Sagrada Ordern dos Clérigos Regulares Menores , Léate


Jubilado na Sagrada Theologia na Corte de Madrid ,

Dezeja faude

ANTONIO PEREIRA,
Presbytero da Congregaçaô do Oratorio de S. Filippe Neri da Corte
de Lisboa.

UANTO foi o gofto , doutiffimo


Padre , com que entrei a 1er a Car
ta de VoíTa Reverendiffima , tanto
^ foi o diíTabor com que a li. Porque
quando eu efperava , que VoíTa Reverendiffima
nos participa (Ге alguma noticia , por donde os Por-
tuguezes vieflemos em claro conhecimento de que
com a expulfao dos Jefuitas fe tinhao tambem des
terrado de Hefpanha as Máximas , ou, para me-
lhor dizer , as tyrannias Ultramontanas ; as quaes
elles vigorozamente coftumavao defender nao por
utilidade da Igreja , mas por intereíTe da fuá So-
ciedade : achei pela liçao da Carta , que todo o
aflumpto de Voífa Reverendiffima era introduzir-
nos
Antonio Pereira. 9

hos em Portugal como Dogmas Catholicos os me£


miífimos Axiomas Romanos , para cuja extinçao
fe deviao unir aos Portuguezes fervorozamente to
dos os Theologos de Hefpanha , que quizeíTem fer
e parecer Theologos. Porque no meo juizo nao
he Theologo quem propoem por Dogmas i rre-
fragaveis e recebidos da Igreja Catholica as opi-
nioens particulares e novas da Curia Romana. Opi-
nioens particulares porém chamo eu aquellas , que
entre os Catholicos fenao feguem em toda a par
te : novas , as que forao defconhecidas nos primei-
ros feculos da Igreja. Porque ninguem ignora o
dito de Vicente de Lerins , dando a noçao do que
he Catholico : O que em todos os tempos , o que em
todos os lugares , o que por todos os Fiéis fot cri
do. Ninguem ignora o outro de Tertulliano : Ver-
dadeiro be tudo o que foi no principio : falfo tudo o
que depots fobreveio.
2 Ora quem nao fabe , que no florentiflímo
Reino de Fran ça ( que he fem du vida a maior e
a mais illuftre porçao da Chriftandade ) fenao ad-
mitte nem foffre a doutrina da infallibilidade do
Papa , e de fer elle Superior ao Concilio Gérai ?
O dizer porém , que para as Leys Pontificias obri-
garem á fuá obfervancia por toda a Igreja , nao he
neceífario que ellas fe promulguem folemnemente
ñas Provincias , mas que baila que em Roma ap-
pareçao fixadas ñas portas da Baíilica de S. Pedro
e S. Paulo : Efta fem duvida he huma Jurispruden
Io Reporta do Padre

çia nao fomente contraria ao Direito Natural , mas


tambem oppofta á perpetua e confiante Difciplina
de doze Seculos , e que até tem contra fi as De-
cretaes de Gregorio IX. que he o Corpo do Direi
to Publico Eccleíiaftico.
3 Da mefma forte terem os Bifpos a fuá Ju-
risdicçao immediatamente do Papa , e nao imme
diatamente de Chrifto ; he ponto igualmente inau
dito em toda a Antiguidade. E he para fentir, que
os Hefpanhoes impugnem hoje , ou ponhao em du-
vida huma doutrina , que ha duzentos annos defen-
derao no Concilio de Trento com maravilhoza
conftancia e uniformidade tantos Bifpos famozifli-
mos de Hefpanha , e tantos Theologos doutiffimos
feos Nacionaes : como claramente teftifícao nao fó
as Hiftonas de Sarpi e de Pallavicini , mas tam
bem os Annaes de Odorico Raynaldo. O cazo he ,
que por aquelles tempos ai nda em Hefpanha e Por
tugal nao tinha engroíTado muito o Partido dos Je-
fuitas : ainda ñas nofTas Efcolas nao tinha entrado
ella Naçao inimiga dos Bifpos e da veneravel An-,
tiguidade. Como affim veio depois a fucceder , por
iflo começarao entre nos a ter mais fequito as dou-
trinas de Laines , que as de Soto.
4 Ora he verdade , que Vofla Reverendif-
fima me faz a honra de confeílar , ter eu deduzi-
do douta e eficazmente de Chrifto a Jurisdicçao
dos Bifpos. Mas como Vofla Reverendifíima paila
logo a querernos perfuadir, que toda eflaJurisdic- ,
Antonio Pereira. íi

ça6 dos Bifpos efíá dependente da vontade do Pa


pa ; e ao mefmo tempo fe moftra VoíTa Reveren-
diífima tao inclinado a todos os Axiomas da Curia
Romana : parece eftar de opiniao , que o Epifco-
pado fim vem de Chrifto , mas que a fuá Jurisdic
çao toda emana immediatamente do Papa. Que he
o mefmo que dizer , que Chrifto fim inftituira o
Epifcopado , mas que o inftituira manco e defei-
tuozo , de forte que neceílitafle de que os homeñs
lhe deíTem a ultima perfeiçao. He o mefmo que
dizer , que os mais Apoftolos , de quem os Bifpos
fao Succeífores , nao forao Collegas de S. Pedro ,
mas fim huns feus Procuradores : que nao forao
ornados por Chrißo da mejma dignidade e do mef
mo poder , ( como enfina S. Cypriano ) mas que to
da a fuá Jurisdicçao era huma Jurisdicçao partici
pada e dependente para todos os aclos da vontade
de Pedro. Ifto porém he o que affima difle , fér in->
teiramente novo em toda a Antiguidade : ifto o que
no Concilio de Trento nunca puderao approvar os
Bifpos de Hefpanha. Porque quando os Italianos fe-
guindo as Inftrucçoens da Curia pretendiao períua-
dir , que fe definiífe , terem os Bifpos na Igreja o
pr¡metro lugar , mas com dependencia do Papa : os
Hefpanhoes julgando aquelle termo com' dependen-1
cia do Papa , pouco decente á fuá Ordern , infiftiaÖ ,
que fe declarafíe , terem os Bifpos o primeiro lu
gar na Igreja y nao com dependencia do Papa , mas
abaixo do Papa. Sobre o que manifeftava o gran
12 Reporta do Padre

de e fabio Arcebifpo de Granada D. Pedro Guer*


reiro os feus fentimentos dizendo : Eufou o Bifpo
de Granada , e o Papa be o Arcebifpo. Dando-nos
aflim a entender , que a autoridade do Papa fobre
toda a Igreja , he como a autoridade do Metropo
litano fobre toda a Provincia : fó com a differença ,
que a fuperioridade do Papa em toda a Igreja he
de Direito divino , e a fuperioridade do Metropo
litano cm toda a Provincia he de Direito humano.
Quem nao fabe porém , que dentro da fuá Dioceíi
exercita qualquer Bifpo a fuá Jurisdicçao fubordi-
nado em certos cazos ao Metropolitano , mas fem
receber do Metropolitano eíTa Jurisdicçao ?
5" Quando leio pois a Carta de VoíTa Re-
verendiffima naö poíTo deixar de me magoar da trifte
forte de alguns Theologos de Hefpanha , ( digo de
alguns , porque de muitos fei eu que naö devem os
feus eftudos caufar Jaftima , mas inveja ) que aban
donando a doutrina de feus Maiores abraçao e per-
fuadem aos eftranhos nao já como opinioens livres
da Efcola , mas como Dogmas Catholicos , as Ma
ximas Ultramontanas. Porque nao fer o Romano
Pontífice ñas fuas Definiçoens infallivel , nem Su
perior ao Concilio Geral ; he doutrina que no [e-
culo XV. nos derao Joao de Segovia , Arcediago de
Oviedo , que no Concilio de Baíllea fez huma das
primeiras figuras ; e Affonfo Toftado Bifpo de Avi
la > cuja Obra intitulada Defenforio dezejara eu que
os noíTos tomaífem frequentemente ñas maos , e
Jeflem
Antonio Pereira. *3

feflem com attençao. E no Seculo xvi. qualificarao


de indifferente , ifto he , diiferao que nem huma
nem outra parte da QueftaÖ pertencia á Fé , tres
nobiliffimos e afamadifíimos Theologos voflos : a
faber, Francifco de Victoria Dominicano na Rela-
çao [obre o Poder do Papa e do Concilio : AfFonfo de
Caftro Francifcano no Livro primeiro da excellente
Obra contra as Hereßas , capitulo fegundo : Mar-
tinho Navarro nos Commentaries ao capitulo No
vit , de jfudieiis , e no Tratado /obre a Penitencia.
Aos quaes fe pode ajuntar em quarto lugar Hadria-
no Florencio , que depois foi Papa Hadriano VI.
que ainda que era de naçao Flamengo , com tudo
pelo titulo do domicilio e da fujeiçao deve-fe repu
tar Hefpanhol. Deíte he bem fabido o feguinte dito,
quando no Livro iv. das Sentenças tratando do Sa
cramento da Confirmaçaô efereve affim : Ao fegun
do argumento principal , tirado do fació de S. Gre
gorio Magno re/pondo ; que fe por lgreja Romana
je entende a Jua Cabeça , i/lo be , o Pontífice ; be cer-
to que pode errar ainda ñas materias quejogao com a
Fé, enfinando asertivamente ñas fuas Définiçoens ou
Decretos coizas heréticas. E efta doutrina dos ami
gos Hefpanhoes he a que os Italianos feguindo o feu
Bellarmino no Livro iv. fobre o Romano Pontífice ,
capitulo 2. qualifícao de errónea e próxima a herejía :
quando pelo contrario o cenfurar aflim huma doutri
na taö antiga e autorizada , he o que outros Theolo-
gos mais fizudos fora de Italia qualifícao de temeri-
Z dade
14 Repofta do Padre

dade reprehenfivel. Pelo menos eile heojuizodos


dois Irmaos de Walemburck , Bifpos de Adrianopo-
li , e de Myíia , feguindo ao outro igualmente ce
lebre Controve ríifta Francifco de Veron na fuá Re-
gra da Fé Catholica.
6 Mas paflemos já a examinar cada hum
dos capítulos da fuá Carta. Primeiramente efereve
Vofla Reverendiffima que feria muito mais para de-
zejar e para louvar , fe eu , attendendo á minha re-
putaçao e fegurança , quando entrei a demonílrar e
defender o Poder dos Bifpos fobre os impedimen
tos do Matrimonio, nao recorreße jenao ao Princi
po da jufla Eptteia, fegundo a qual fe prefumefer
vontade tacita da Sé jipoßolica , que os Bifpos , nao
obßante a Rcfervaçao , exercitem efie Poder em to
dos os cazos , em que inßa qualquer grave neeeßda-
4e , e ao mefmo tempo ou he mui difficult ozo , ou he
abfolutamenté impoßvel o Recurfo à tnefma Sé JL*
poßolica. Diz Voilà Reverendiffima excelentemen
te , e como amigo. Quería logo VoíTa Reverendif
fima que deduzifíe eu a Jurisdicçao dos Bifpos nao
da razao intrinfeca do Epifcopado , masíimdaau-
toridade extrinfeca de Dicaftilho e Hurtado. Que
eftes fao os Autores que VoíTa Reverendiífima al-
Jega á margem para eu os feguir ; e confeguinte-
inente pelo juizo defies he que VoíTa Reverendif
fima quer que eu repute o poder dos Bifpos : como
fe nos паб foubeflemos claramente pelo Evangelho
•e pelas ideas que do Epifcopado nos deixou a An
Antonio Pereira. 15

tiguidade , a quanto fe pode eilender a divina au-


toridade dos Bi/pos , como lhe chamou hum dos an-
tigos Concilios de Toledo.
7 Eu porém que nao ignorava o claro Difi
curfo (comoVoíTa ReverendiíTima lhe chama) de
Dicaftilho e Hurtado : de propoíito deixei de me
aproveitar delle por muitas razoens. Primeira : por
que de tudo o que íao Cafuiftas modernos vivo tao
enfaftiado , e me cauza tal rubor allegar com feme-
Ihantes Autores ; que tanto que me refolvi a pegar
da penna para efcrever do Poder dos Biípos , logo
aíTentei nao me valer já mais das fuas doutrinas.
Porque he inexphcavel o damno e eftrago que nos
bons coftumes tem feito a liçao de taes Theologos :
Theologos, que quando tratao dos Preceitos do De
cálogo , que fao os dez Mandamentos da Ley de
Déos ; tudo he darem largas á ira , á avareza , á
fenfualidade , á cubiça , á foberba, á deíobedien-
cia , á rebelliao , á mentira , aos dolos , aos per
jurios , e a todos os appetites e defordens de huma
natureza corrupta. Mas quando chegao a tratar do
Poder do Papa , tudo fao peccados mortaes , tudo
excommunhoens , tudo maldiçoens , tudo cifmas ,
tudo efcandalos , tudo infernos , contra os que du-
vidao reconhecer no Papa hum Poder fem limites,
e o dezejaó ver reduzido aos termos da equidade ,
da moderaçao , e da prudencia , que antes de Gre
gorio VIL confervou a Sé Apoftolica refpeitada até
dos Principes e Povos mais barbaros. Hum deíles
Z ii Theo
Iб Repolla do Padre

Theologos era о que ( fegundo nos informa Anto


nio Arnaldo nas fuas Cartas) gritava em Panz nos
fins do feculo paflado dizendo : Arruine-fe muito
embora o mundo todo , com tanto que fique em pe a
autoridade do Papa. Dito, que eu nao fei fe tem mais
de ridiculo , íe de louco. Deftes Theologos fe pode
dizer o que Chrifto dizia dos Farizeos : Que Ibes
fazta ajeo beber na agua hum mofquito , e ao mefmo
tempo nao duvidavao engolir hum camelo. Conheço
que Thomaz Hurtado ( como mais verfado nos an-
tigos Concilios e Santos Padres , do que coítumavao
fer entao os feus Nacionaes ) he entre os Caíuiftas
o que tratou com mais alguma candura e pureza a
Theologia Moral. Mas hum hörnern como elle,
preoecupado ao mefmo tempo de todos os prejuizos
da fuá Patiia ; iito he , de todas as Máximas Uirra-
montanas : hum hörnern , que tudo quanto encon-
trava no Decreto de Graciano ou nas Decretaes de
Gregorio IX. qualifícava por hum Dogma irrefra-
gavel : nao podía verdadeiramente íubminiftrarnos
foccorio de doutrina , que , confervando illeza a Au
toridade Epifcopal , remediaíle plenamente a neceA
íidade dos tempos.
8 Segunda: porque, como eu advertí na In-
trodueçao da Tentativa Theologica , a experiencia
de fete annos tinha moíhado , que para os Senho-
res Bifpos fe moverem a difpenfar , nao baílavao
os Principios da pretenfa Epikeia , que elles todos
muito bem fabiao¿ e que, ainda admittidos , nao
tira-
Antonio Pereira. 17

tiravao toda a fuá duvida. Porque na verdade a Epi-


keia nao tem lugar , quando a mente e vontade do
Supremo Legislador eftá expreílamente requerendo
a obfervancia da Ley. E no cazoprezente tinhao
Summo Pontifice manifeftado por vezes a fuá men
te e a fuá vontade , que era que íe eíhvefíe peía
Reiervaçao ; como confta das repetidas Declara-
çoens que por ordern do Papa Alexandre VIL de-
raô os Cardeais Interpretes do Concilio , fegundo
as defcreve Rigancio, e fegundo eu as propuzna
Tentativa. As quaes Decía raçoens o Papa Bene
dicto XIV. na fuá Obra do Synodo Diocefano poz
diante dos olhos aos Bifpos , para os retrahir de
difpenfarem aínda no cazo de urgent'tjjima necejßda-
de. Confta tambem , e he fació bem moderno era
Hefpanha : que quando no anno de 1709 prohi
bió Filippe V. Rey Catholico a íeus VaíTalIos o
Recurfo a Roma : eftranhou o Papa Clemente XI.
por termos mui fortes aos Bifpos de Hefpanha , o
terem elles arrogado a lî a adminiftraçao de varios
pontos alias refervados á Sé Apoftohca ; nao obftan-
te que elles o tinhao feito obrigados em parte das
Inftrucçoens del Rey , em parte da neceílidade dos
tempos. Pelo menos eu tenho por inteiramente hof-
pede ñas Maximas e coftumes da Curia Romana,
quem fe perfuade, que alguma vez hao de os Pa
pas levar a bem , que os Bifpos entrem a adminis
trar algum dos pontos de Difciplina , em cuja Re
fervaçaô tem a Curia tanto
Z iii
interefíe. . 9 Ter-
18 Repoítá do Padre

9 Terceira : porque a nofla queflaö паб he ,


fe os Bifpos podem difpenfar nos impedimentos ос-
cultos , e antes de contrahido o matrimonio , e iílo
cm hum ou outro cazo rariílimo , e no foro da con-
fciencia: mas fe podem difpenfar nos impedimen
tos públicos , e antes do matrimonio contrahido, e
ifto por ley certa , ou regra gérai , e no foro ex
terno com conhecimento juridico da caufa , e em to
dos os cazos em que o Papa difpenfaria? Nopri-
meiro cazo nao ha duvida , que quafi todos os Theo-
Jogos reconhecem nos Bjfpos eile poder, fundado
na vontade prefumpta do Papa. No fegundo porém
apenas achara Voíía Reverendifíima entre os Ca-
fuiítas , quem Ihe dé o feo voto. Pelo menos nao
lho dá Dicaílilho , cuja autoridade VoíTa Reveren
difíima me oppoem , e cujo claro Difcurfo tran/cre-
ve quafi por palavras formaes. Porque naquelle me£
mo lugar, que Voíía Revé rendí flima cita da Dif-
puta viii. fobre o Matrimonio , Duvida iv. nos adV
verte elle claramente , que a íua doutnna fe deve
entender no cazo , em que o impedimento be occulto ,
e o Matrimonio publico , e confeguintementejá con
trahido. He verdadade que hum pouco mais adiante
accrefcenta Dicaílilho , poder o Bifpo iflo mejmo an
tes de contrahido o Matrimonio em algum cazo de m-
ceßdade. Mas do feu contexto fe colhe manifefta-
mente , que falla dos impedimentos occultos. Por
que o que únicamente impugna no Padre Averfa
negar he , eile , que ainda fendo occultos os impe
dí men
Antonio Pereira. 19

dimentos pofla o Biípo difpenfar nos dirimentes.


10 Ora 1 homaz Hurtado por iíTo mefmo que
fe funda todo na doutrina de Dicaflilho , e para el
la nos remette : clariífimamente nos dá a entender ,
que a doutrina que propoem he na mefma fuppoíi-
çao e debaixo das mefmas circumftancias. £ para
que a ninguem venha á cabeça fufpeitar , que alle
go de falfo : ouçamos o mefmo Hurtado ñas fuas
mefmas palavras , e no mefmo lugar da Obra [obre
a Refidencia, que Voíla Reverendiffima defcreve.
Z)efie principio , diz elle , fe poder» tirar outros co
ronarios pertencentes a diverfas materias : como da
difpenfa nos impedimentos tanto dirimentes , como nao
dirimentes , da qual trata Sanches no Livro viii. do
Matrimonio , e jfoao Dicaßilbo Cancellario da Uni-
verfidade de Dilingben , na Difputa viii. do Sacra
mento do Matrimonio : aonde diz , que por huma con-
ceffao tacita do Pontífice pode o Bifpo difpenjar nos
impedimentos dirimentes , que nao fao de Direito na
tural , no foro da con/ciencia , e quando o impedi
mento be occulto : ou quando be publico , fe nao be
fácil o Recurfo ao Pontífice , ( o que eu entendo dos
Bifpos das Indias e de outras Regioens mui remo
tas ) e os conjuges nao podem fepararfe Jem grande
efcándalo : e efla fentença diz elle com razao fer fen-
tença commua. Ouve VoíTa Reverendiffima : Nofo
ro da confciencia , e quando o impedimento be occul
to} E logo : Ou quando nao be fácil o Recurfo ao
Pontífice y e os conjuges fenao podem feparar fem
Z iv gran
2d Repoftà do Padre

grande, efcándalo ? E que tem eíla doutrina com a


que Voíía Reverendiffima me propoem , como de
Dicaílilho e Hurtado ?
i r E daqui fe convence tambem , que o ou>
tro argumento tirado do íilencio da Sé Apoílolica
em pontos de Difciplina que jogao com os coílu-
mes , o qual Vofía ReverendiíTima chama baflan-
temente efficaz ¿ he na verdade hum argumento de
nenhuma força , porque fe funda em principios fal-
fos. Porque em primeiro lugar: quantas praxes e
doutrinas eílá vendo a Sé Apoílolica em filencio ,
fem que com eile filencio as approve ? Por apon-
tarmos algum exemplo entre tantos , ahi lern V.
Reverendiffima eífe monílro do ProbabiJifmo ali
mentado por innumeraveis Theologos , favorecido
de innumeraveis Bifpos. Sabe-o muito bem a Se
Apoílolica : cala-fe com tudo , nao reclama. E ha
de Voíía Reverendiffima dizer por iíTo , que a Sé
Apoílolica approva o Probabilifmo ? fóra com tal
approvaçao. Longe da Igreja de Déos femelhantes
argumentos : os quaes admittidos huma vez , nao
haverá já novidade alguma , que lenao glorie de
ter por Patrona a Sé Apoílolica : pois nenhuma
ha , que ella nao tolere por algum tempo. E fe he
licito defendermo-nos com eile genero de Epikeias ,
poífo eu com o mefmo argumento provar , que a
Sé Apoílolica approva a minha doutrina. Porque
ella íabe muito bem , que a defendem muitos e gra*
"viflimos Theologos , e que alguns Bifpos a puzerao
. . . em
Antonio Pereira. üi

em praxe. Entre tanto naô cmanou até agora da Sé


Apoíblica algum Decreto ou Declaraçao , que nao
comprehenda igualmente hum e outro fy flema.
12 Depois difto o accrefcentar V. Reveren-
diffima fer commua e a mais bem recebida entre os
Theologos a fentença que diz , que nos cazos de
urgente neceßdade , quando o Recurfo à Sè Apoßo'
liea ou he mut difficult ozo , ou totalmente eßa impedid
do ; podem os Bijpos difpenfar nos impedimentos di-
rimentes do Matrimonio , ainda que eßes fejao públi
cos , e o Matrimonio nao eßeja ainda contrábido : eflá
tao longe da verdade , como o primeiro. Porque
já aflima moftrei , fer hum engaño manifefto , que
tal doutrina feja corrente entre os Theologos. O
que agora de novo me confirma com o feo teftimu-
nho Thomaz Sanchesno Livro II. do Matrimonio ,
Difputa 40. Porque depois de ter moftrado no §.
2. fer doutrina de muitos Theologos , que elle cita
e fegue , que concorrendo as circumflancias do Ma
trimonio (er publico e o impedimento occulto , e de
temerle efeándalo da feparacao dos confortes , e de
nao fe poder recorrer ao Papa , pode o Bijpo dijpen-
far : ( e eisaqui a doutrina commua e geralmente
recebida, da qual nao ha entre nos duvida ) profe-
gue logo no §. 8. dizendo affim : E atrevome a di-
zer , ainda que [em o patrocinio de algum Autor ,
que algumas vezes pode o Bijpo difpenfar no impe
dimento dirimente , antes de contrahido o Matrimo
nio y quando aßm o pedijfe alguma urgentißma m*
22 Repoíla do Padre

ceßdade. Ponhamos exemplo. Cbega huma mulber л


confeffarfe de manhaa , e pela confijfao fe acba que
tem impedimento dirimente , o qual fe fe defcobrir,
refultará dabi notavel infamia ; e tudo eflájá pre
parado para fe celebrarem as nupcias na tarde daque/-
le dia : e tentados todos os meios nao fe defcobre ca-
minbo algum de evitar o damno ; e fe o Matrimonia
fe desfizer ou fe fu/pender para outro tempo , em
quanta fe alcanfa difpenfa do Papa , bavera fufpei-
ta vehemente de algum crime defcuberto na confijfao.
DiJ/e , tentados todos os meios : porquefe commoda-
mente fe defcobrir algum caminbo de evadir o perigo ,
de nenbuma forte poderà o Bifpo difpenfar.
13 Bem vé VoíTa Reverendísima nefte lu
gar , como o Principe dos Cafuiftas Hefpanhoes nos
vende por huma grande empi eza , e por huma gran
de novidade , que nao achando elle Autor por íí ,
fe atreve todavía a affirmar do Poder dos Biípos,
o que ainda agora ouvimos. Signal he logo, que
íendo innumeraveis os que elle tinha lido , nenhum
achou Sanches , que eníinafle , que ainda quando o
impedimento ío era fabido por confiflao , podía o
Bifpo difpenfar nelle antes do Matrimonio contra-
hido por caufa da neceffidade urgente. E quem af-
íim falla com tanta reftricçao , e com tanto receio ,
de hum impedimento de que fó havia noticia no fo
ro penitencial ¿ que diria , fe o impedimento diri
mente foífe tao publico , como íao os de confangui-
nidade , que prezentemente prohibem os noflbs Fi
Antonio Pereira. 25

dalgos a cazar com íuas Tias , Sobrinhas , e Pri


mas ? Que diria , fe as coizas em Portugal nao efti-
veíTem no aperto , em que elle confiderava as do
cazo propoílo, de fe revelar o íigillo facramental ,
e de fe incorrer grave infamia ?
14 Ainda neftes termos confefíou Baíilio Poi-
ce a novidade defta doutrina. Porque noLivroviii.
do Matrimonio, cap. xiii. §. 6. depois de advenir,
que nao fôra Sanches о primeiro nem o único que
a feguira ; produzio únicamente por mais amigo a
Vafques , que nos feus Commentaries fobre a Se
gunda da Segunda de S. Thomaz , Queftao 78. cap.
2. tocou de paflagem e com alguma ambiguidade
efle ponto : e por mais moderno únicamente a Salas
na Difputa x. do Tratado das Leys , Secça6 iii.
Bern fei que dos mefmos Jefuitas derao depois efta
mefma doutrina Rebello e Hurtado , citados por
Peres na Difputa xiv. do Matrimonio , Secçao vi.
$. if. Mas ainda quando foíTem innumeraveis os
que Sanches ou Peres allegalTe , ninguem deixa de
conhecer a grande differença que ha entre huma e
outra hypothefe , entre a délies Autores e a noiTa.
Porque todos elles contrahem a fua doutrina a hum
cazo lingular , extraordinario , e do ultimo riíco ,
em que ainda aífim íe fuppoem occulto o impedi
mento , e de nenhuma forte deduzido ao foro exter
no. Que por ilTo Jacques de Saint-Beuve , fa mozo
Doutor da Univeríidade de Pariz , no Tomo I. das
Refoluçoens Morues , Cazo 67. efereve naô fem
a4 Reporta do Padre

fundamento , que guando o impedimento dirimente be


publico , confpirao todos os Tbeologos , que nao pode
o Bifpo difpenfar пет antes , пет depots de contra-
bido o Matrimonio. Pelo contrario em Portugal eí-
tao as coizas em tal iituaçao , que a nao fe conce
der aos Senhores Bifpos hum Poder abfoluto , pe
renne j e eftendido no foro externo a todo genero
de caufas ; he impoflivel fatisfazer plenamente o
embaraço das confciencias nos plebeos , e acudir á
confervaçao do efplendor ñas Cazas dos Grandes.
Queira pois ou nao queira , deve V. R.ma confeíTar,

que ou fe ha de uzar dos meus principios , ou fe ha


de carecer dedifpenfas. E tambem deve conceder ,
que feria em mim huma loucura , fe em hum Livro
em que eu promettia domonftrar e defender os Di-
reitos Epifcopaes ; me puzeífe eu a expor nao o que
os Bifpos podiao fazer por autoridade propria , mas
o que podia fazer o Papa por meio dos Bifpos.
15 Continúa Voira Reverendiífima , e diz,
que receia muito que eu por ter defendido do mo
do que o fiz o Poder dos Bifpos , me faça odiozo
á Se Apoílolica : como fe podeíTe fer odiozo á Sé
Apoftolica , quem todo o feu cuidado poem em que
ella a ninguem feja odioza. Poderá a minha dou-
trina fer mal recebida do Summo Pontífice ve dos
que o lizongeiao : mas da Sé Apoílolica , ou da Ca-
deira de S. Pedro , creio que nunca o íerá. Admi
ra-fe VoíTa Reverendiffima defta minha diftincçao?
Ouça ao Papa S. Leáo Magno efcrevendo a Anato-,
Antonio Pereira. 2y

lio de Conitàntinopla : Huma coiza fao as Ses ou


as Cadeiras , outra os que preßdem nellas. He excel
lente neile particular a feguinte paiTagem de Gbri-
ftiano Lupo nos feus Efcolios aos Dictados de Gre
gorio VII. He coiza manifeßa , diz eile famozo
Eremita de Santo Agoíbnho , que huma coiza he
qualquer Igreja , outra о feu Bifpo. Por ijfo eße
DiSlado faz differença entre Igreja Romana e Pon
tífice Romano. Antes pela me]ma razao huma coiza
he o Bifpo , outra a Jua Cadeira : huma coiza he a
Se Apofiolica , outra o Romano Pontífice. S. Leáff
Magno na Carta a Anatolio : Huma coiza fao as
Sés , outra os que nellas preßdem. E aßm efia di-
ßinccao he bem fundada , e be antiquijfima , e co
mo tal necejfaria para a explicaçao de muitos pon
tos.
16 Ouça ao celebre Dominicano Hefpanhol ,
o Cardeal Joao de Torquemada na Summa Jobre a
Igreja, Livro ii. cap. 112. Depois de Iouvarare-
flexao que faz o Arcediago ao cap. Sic , quando
diz : Com muita circumfpeccao fe explica o Papa
¿Igathao pelas palavras t= Decretos da Sé Apoílo-
lica =3 e nao ¡= Decretos do Apoftolico =з , profe-
gue immediatamente concluindo aífim : Nao fe de
cern logo reputar Decretos da Sé Apoßolica , ou Sen-
tenças dadas em jfuizo pelo Romano Pontífice aquel
las , que o Pontífice Romano dá elandeßinamenté ,
сот malicia , e fem confideraçao por fi mefmo , ou
aínda com alguns poneos dos que o lizongeao ; defpre-
zando
20 Repoíla do Padre

zando com fraude os mais , e nao os chamando , mas


procedendo furtivamente e à farte : masfim aquellas ,
que o Romano Pontífice profère com maduro e gra
ve confelbo dos homens fabios , e principalmente com
o dos Senbores Cardeaes.
17 Ouça ao outro Hefpanhol AíFonfo de
Caftro da Ordern Francifcana , Theologo Sapien-
tiflimo do Concilio de Trento , e que pela illuftre
fama de probidade e de litteratura foi eleito Arce-
bifpo de Compoftella pelo Emperador Carlos V.
No Livro I. do Juflo cafligo dos Hereges , cap. 4.
depois de citar a autoridade de Torquemada que a-
cabamos de referir , profegue aílim : Se algumavez
fuccedeu errar algum Pontífice Romano ñas Defini-
çoens da Fé, podia fera cauza , ou porque nao exa-
minou o ponto com a circumfpeccao que pedia a fuá
gravidade ¿ ou porque nao confultou a quem devia
confultar. Nefie cazo errou o hörnern que eflava fett-
tado na Sé Apoflolica : mas nao errou a Sé Apoflo-
lica. Vê Voila Reverendiífima como no juizo dos
feus Maiores huma coiza he a Sé Apoftolica , ou*
tra o Pontífice Romano ?
18 E iílo mefmo cem annos antes de Caftro
tinha eníinado aos feus Alemaens aquel le grande
Cardeal Nicolao de Cufa , contemporáneo àe Tor
quemada. Pois que no Livro I. da Concordia Ca-
t botica, cap. 14. difcorria defte modo: Aindaque
alguns dos que occupavao a Cadeira de S. Pedro ,
como Liberio , Honorio , e outros , cabirao por en
gaño
Antonio Perdra. 27

gano no erro : пет por iffo Je deve reputar mancha


da a Se ApoßoYtca. He importantifßmo eße ponto ,
e todos o devem trazer fempre na memoria : porque
be Regra infallivel e doutrina inconcusa , que todas
as Ses que tiverao Jua origern da Se Apoflolica , e
com ella, vivem unidas como fuas Filhas ¿ fe reputao
huma única Sé , ou huma única Cadeira ; aínda quan-
do tanto na fuccejfao direSla e linha recia dos Pon
tífices Romanos , como na dos feus Collateraes , fe
achao alguns precipitados na herezia. Porque afjim
como de]de Abraham até Chriflo foi S. Mattheus dc-
duzindo pela linha da fuccejfao todas as geraçoens ,
aínda que пет todos os que entravao na linha fojfem
fantos : aßim na Igreja , da qual eßa fuccef/'aö era
figura , fempre na linha recia dos Pontífices fe vem
a dar em Chrifio , aínda que alguns dos Prelados
que medeiaó fojfem máos. Pois ate o fim do mundo
ba de durar indefeclivelmente efia linha ou Cadeira
fanta até vir Chriflo. E outra vez no Livro II. cap.
1 1 . Na Vida de Hildebrando , que foi o Papa Gre
gorio VII. fe le o quefeJegue : c= He privilegio da
Sé de Roma affiftir fempre por meio dos feus Car-
deaes Presbyteros e Diáconos ao mefmo Summo
Pontífice , ou Vigario da mefma Sé : iíto he , áquel-
le que a mefma Sacrofanta Sé conftitue orgao dos
feus fentimenios , por meio do quai e com o qual
prega ; por meio do qual adminiftra os Sacramen
tos ; por meio do qual e com o qual confirma o que
fe deve confirmar , e annulla o que fe deve annul-
lar :
з8 Reporta do Padre

lar : de forte que fem о feu confentimento , ne-


nhum vigor tem a Sentença do Summo Pontífice,
я Aqu't temos , que de tempo antïgo foi nullà a /en
teriza do Romano Pontífice , a que os Cardeaes nao
Jobfcreviao ; e que o Papa era Jómente bum como or-
gaö ou bocea , por ondefallava a Sé Apoflolica. Até-
qui o Cardeal de Cufa com tanta folidez como
agudeza.
io Admittida porém efta diftineçao , que V.
Revé rendí íli ma nao pode negar ter por fi o voto dos
mefmos Summos Pontífices : replicará aínda affim
V. Reverendiffima , que ao menos devo eu temer
as excommunhoens e imprecaçoens do Papa. Con-
feflb que eu e todos os mais Catholicos as devemos
temer : mas hao de fer aquellas que o Papa vibrar
fegundo o efpirito da Sé Apoftoíica, e nao as que
únicamente fe fundarem na fuggeítao de alguns pou-
cos Theologos dos que lizongeiao a Curia. Sabi
do he aquelle dito de S. Leáo Magno : Em tanto
dura o Privilegio de Pedro , em quanto o Jeu mizo
tem por baze a equidade. Sabido tambem o de xíinc-
mâro Arcebifpo de Rems : Daqui fe Jegue que ,
faltando a equidade aos Juizos de Pedro , céjfa
tambem o privilegio de Pedro.
20 A doutrina que eu publiqueí na Tentati
va Theologica fobre o Poder dos Bifpos e Conci
lios , ninguem pode duvidar, que ao menos he hu
ma doutrina provavel. E que razao permitte , que
o Summo Pontífice excommungue a hum Eícritor
fem
' Antonio Pereira.' 29

fem mais cauza , que a de feguir huma opiniaó pro-


vavel , e que , por iflo mefmo que he provavel , tem
por ñ fundamentos de grande pezo ? Nao feria hu
ma acçao indigna da equidade e mageftade Pontifi
cia , lançar-fe fóra da Igreja hum hörnern , fó por
que era Thomifta ou Scotifta ? Porque o nao íerá
logo lançar-fe fóra da Igreja outro , por fer Au-
guftiniano ? Prohibem os Summos Pontiíices fob pe
na de excommunhao , que alguem cenfure as opi-
nioens de S. Thomaz e de Scoto , que como taes fe
fuppoem introduzidas na Igreja fó depois que eftes
dois Grandes Doutores vieraó ao mundo no feculo
XIII. Porque haó de logo julgar os Summos Pon-r
tifices digno de excommunhao a quem defender
huma doutrina contemporánea dos mefmos Apolló
los e de feus Difcipulos , inculcada e praticada nos
primeiros feculos por tantos Bifpos e Doutores San-
tiffimos ? Pois he fem duvida , que muito antes de
haver Thomiftas ou Scotiftas , houve hum Policrar
tes Arcebifpo de Efefo, e Primaz de todaavaftii-
íima Diocefe da Afia Proconfular ; о quai vendo-fe
ameaçado pelo Papa Victor com excommunhoens ,
íe na celebraçao da Pafcoa fe nao conformalfe com
o rito e coftume da Igreja Romana , refpondeu in-*
trepido о que depois de Eufebio refere S. Jerony-
mp no Livro dos Efcritores Eccleíiaílicos : Que elle
thera por Meßres da Fe e da Religiad a muitos
Bifpos e Doutores de todo o mundo : que averigua-
w Aa ra
3o Repofta do Padre

ra tudo о que na materia diziao as Sagradas Efcri-


turas : e que ajjlm nenbum terror Ihe mettiao as Cen-
furas de Roma : pois fempre aprenderá de feus Aiaiо-
res , que primeiro eßava obedecer a Déos , que aos
bomens. Nas quaes palavras queria dar a einender
efte valorozo efpirito , que tanto excediao os Decre
tos da Igreja aos Decretos do Summo Pontífice ,
<juanto vai da autoridade Divina á autoridade hu
mana. Muito antes de haver Thomiftas ou Scoti/ras ,
houve hum S. Cypriano Arcebifpo de Carthago , e
Primaz de toda a Africa ; о quai vendo que o Papa
S. Eítevao o pretendía obl igar com cxcommunhoens
a obfervar о feu Decreto contra a Rebaptizaçao
dos que fe convertiaô da heieíia ou do Cifma ; aber-
tamente proteftava na prezença de hum numerozo
Concilio de 87. Bifpos feus SurTraganeos ; que em
quanto a Igreja UniverfaI Ihe nao moftraiTe que e//e
íe engañara na íua opiniao , nao era bailante o ]ui-
zo de Roma para elle fe julgar obrigado a cativar
o entendimento em obfequio das íuas Decizoens ,
ainda quando efte Juizo vinha armado de Cen-
iuras contra os transgreiTores. Segue-Je , ( âizia
Cypriano aos feus Collegas, notando tácitamente
a conduela do Papa ) fegue-Je expor cada bum de
nós 0 que fente na materia , Jem fe metter a jenten-
ciar os mais , e fem remover da fuá communicaçao
os que forem de parecer contrario. Pois nenbum de
nos fe deve covßituir Bifpo dos Bifpos } nenbum de-
ve
Antonio Pereira. 31

ve conßranger com terrores de tyranno os feus Col-


legas ao affenfo das fuas Deßnicoens. Ainda nao ha-
via Thomiitas ou Scotiftas , quando S. Agoftinho
tratando muitas vezes defte faclo de S. Cypriano ,
clara e confia ntem ente nos eniînava ; que ainda
quando Cypriano fe oppunha vigorozamente aos
Decretos e preceitos do rapa Eftevao ; ainda quan*
do fem fazer cazo das fuas ameaças continuava em
tornar a baptizar os que fe convertiao ; fora Cy
priano tao Catholico como Eftevao , e ambos fe
conferva rao na Unidade da Igreja. Erao dois Bif-
pos ( diz Agoílinho ) de duas grandes Igrejas , Ef
tevao da Romana, Cypriano da de Carthago, am
bos confervando a Unidade Catbolica. Eßevaö era
de parecer , que o Baptifmo de Cbrißo nunca fe dé
via reiterar , e ameaçava com graves penas os que o
reiteravao. Cypriano porém eflava de acordó , que os
que fe convertiao da berezia ou do Cifma , nao ti-
nbao o Baptifmo de Cbrißo , e por ijfo os tornava a
baptizar dentro da verdadeira Igreja. Seguiao mui-
tos a Eßevao : a/guns feguiao tambem a Cypriano :
buns e outros permaneciao na Unidade. Clara e con-
ftantemente enfinava , que fe S. Pedro contra a Re-
gra da verdade , que a Igreja depois obfcrvou , pode
cahir no erro de obrigar à Ley da Circumcizaó os
que fe convertiao do Gentilismo', nao foi muitoque
tambem S. Cypriano contra a Regra da verdade, que
depois abraçou a Igreja , cabiffe no erro de tornar a
Aa ii ba
32 Repoíla do Padre

baptizar os que fe convertiao da berezia. Clara e


conftantemente enfinava , que elle Agoflinbofe nao
ütrever'ta a afirmar o que o Papa Eßevao affirma-
va , fe o nao obrigaffe a ißо о unanime confenfo da
Igreja Univerfal; com o quai fe accommodariatam-
bem Jem duvida o mefmo Cypriane , fe já nofeu tem
po eßivejfe decidida por aigum Concilio Gérai a ver-
dade defla queftao. Donde veio a dizer difcretamen-
te o Bifpo de Tornay Gilberto de Choyfeul na fua
celebre Repofta a Martinho Steyaert Doutor de
Lovaina : que Déos Senhor noílo , como quem coí-
tuma fazer das trévas luz ( como diz o Apoftolo )
quizera que do erro de Cypriano naíceíle a verda-
de Catholica , facilitando Agoftinho efte parto com
os feus raciocinios. E efta verdade Catholica he ,
que ñas Queftoens da Fé ninguem deve fer rido
por ethnico e publicano ; ifto he , nenhum deve fer
Jançado fóra da Igreja pela excommunhao , fe nao
o que nao quizer dar ouvidos á voz da Igreja : a
ual como no tempo de Cypriano nao tinha ainda
eclarado aos Fiéis os feus fentimentos fobre o Ba-
ptifmo dos hereges ; por íflb Agoftinho affirma , que
íem offender a paz e Unidade Catholica, pode Cy
priano licitamente nao fó nao obedecer aos Decre
tos do Papa Eftevao , mas tambem impúgnanos de
palavra e contradizellos por obra. Por ilfo confef-
fando Agoftinho que nao fabia fe Cypriano fe
retratara antes de morrer ; ninguem toda via nega
ou
Antonio Pereîrâi 33

oil duvida , que Cypriano fora hum Bifpo Catho-


lico , e que mórrera gloriofo Martyr de Chrifto.
Ainda nao havia Thomiftas , nem Scotiftas , quan-
do o Papa S. Leáo Magno, nao obftante fer ze-
Joziffimo e tenaciffimo da fua autoridade , efcre-
vendo ao Emperador Theodozio fobre a convoca-
çao de hum novo Concilio Ge ral , aonde fe refar-
ciíTem os damnos que á Igreja cauzarao as turbu
lencias de Diofcoro no Conciliábulo de Efefo , di
zia affim : Como alguns poucos fe oppoem à verda-
de do myßerio da Encarnaçao , todas as Igrejas do
Occidente , e todos os feus Bifpos fupplicao com ge*
midos e lagrimas a Vojfa Mageßade , quefaçajun
tar em Italia Concilio Geral , com cuja Decizaofe
componhao tantas dijfenfoens , e nao baja mais du
vida na Fe , e ce'Jfe tudo o que pode vtolar a cari-
dade. Ainda nao havia Thomiftas , ou Scotiftas ,
quando S. Gregorio Magno , vendo que Joao Pa
triarca de Conftantinopla continuava na fua defo-
bediencia aos mandados do mefmo Papa , o amear-
çava eile por ultimo com o Juizo da Igreja , a quem
dizia o havia de denunciar. Eu tenho feito ( dizia
S. Gregorio ) tudo o que devia fazer para abran-
dar e vencer a tua dureza : como ainda perfever as
iiella , nao me reßa outro meio , que denunciarte à
Igreja. Ainda nao havia Thomiftas , ou Scotiftas ,
-quando Eugenio III. para dar fim á controveríia
<le Gilberto de Porret , agitada já antes em pre-
Aa íii zença
gj, Reporta do Padre

zença do mefmo Papa no Concilio de Pa riz , de-


terminou movido da difficuldade da Queítao re-
mettella ao Juizo de hum Concilio Gérai. Affim
o attefta Othao Bifpo de Frifingen Autor coevo ,
no Livro I. da Vida de Friderico Barbaroxa , Cap.
54. dizendo ; O Papa como hörnern prudente e re
itgiozo , femindo a difßculdade da cattza ,julgou que
a fuá decizao Je devia demorar até fe celebrar Con
cilio Univerfal. Finalmente ainda nao ha via Tho-
-miftas , nem Scotiftas , quando Innocencio III. pe-
dindo-Jhe Filippe Augufto Rey de França , que
declarafle nullo o íeu matrimonio, o Papalhe ref-
•pondia affim : Se eu fem confultar os votos e ouvtr

a Deliberaçao do Concilio Geral , me arrojajfe a de


terminar por mim efle ponto , além de me expor a
offender gravemente a Déos e a perder o crédito ,
tambem arrifcaria a autoridade do lugar que осей- .
po. Confesemos logo , Reverendiífimo Padre , que
por hum Fiel nao ter por infalliveis as Definiçoens
do Papa , nao pode o feu diíTenfo reputarfe con
tumacia e rebeldia aos divinos preceitos ; fem que
ao mefmo tempo fe declarem incurfos no me/mo
crime hum Cypriano a quem veneramos por Mar
tyr, e hum Agoftinho honra dos Doutores da Igre-
ja. ConfeíTemos tambem , que fem lançar fóra da
Igreja a muitos dos feus Predeceífores mais refpei-
taveis , nao pode o Summo Pontífice excommun-
■gar os que preferem as Definicoens do Concilio .

Ge-
Antonio Pereira. 35

Gérai ás Definiçoens do Papa : porque forao muitos


e dos mais celebres os Romanos Pontífices que
por obra e por efcrito fe confeiïarao inferiores aos
Concilios Geraes.
21 Averiguando agora a caufa que Vofla
Reverendiffima tem para temer , que incorra eu na
indignaçao do Summo Pontífice ; acho que nenhu-
ma outra aponta Volía Reverendiffima fenao que
a minha doutrina tem contra fi hum argumentofor-
tijpmo , e ao me[mo tempo obvio a qualquer bomem
amela fó medianamente verjado na Tbeologia Moral:
qual he o que fe tira da Cenfura de trima e huma
Propofiçoens condemnadas а го de Dezembro de
1690. pelo Papa Alexandre VIII. entre as quaes
a vigefima nona era ejla : ~ A doutrina que défen
de fer o Papa fuperior ao Concilio Geral , e fer
ñas Queíloens de Fé infallivel o feu Juizo , he hu
ma doutrina fútil , e por muitas vezes convelli
da я . Oh mizeravel e ignorante eu , que por nao
fer пет ainda medianamente in irruido na Theolo-
gia Moral , nao foube que tal Propofiçao eftava
condemnada por^Alexandre VIII. E ditozo muitas
vezes Voífa Reverendiffima , que com a fuá gran
de perfpicacia defeobrio e fez patente a todo o flo-
rentiffimo e üpientiffimo Reino de França , ou , pa
ra melhor dizer, a toda a Igreja Catholica , hum
novo e até agora defconhecido myfterio da nolTa
Fé ! Mas dígame Voíía Reverendiffima ¿ or fuá
Aa iv vida;
36 Repoíla do Padre

vida : em que fe parece a doutrina do meu Livra


com a defta Propoiiçao condemnada ? Vamos a ex-
aminaila , e averigue-fe qual he о feu fentido natu
ral e obvio. Ou eu nada fei da Lingua Latina ¿ ou
о fentido da Propofiçao he efte : A doutrina que
défende fer o Papa Superior ao Concilio Geral , è
fer ms Qucßoens de Fé infallivel о feu Juizo , hé
buma doutrina fútil , ifto he, vaa e de nenhum mo~
mentó y e por multas vezes convellida , ifto he , e
por muitas vezes convencida decifivamente de faifas
Ora aonde achou VoíTa Reverendiffima no meu
Livro fimilhante aflerçao ? Afligne o Jugar , e eu
me darei por vencido. He verdade que em varias
partes impugnei a doutrina da Supeiioridade do
rapa ao Concilio Geral , e da fuá infallibilidade
ñas Queftoens de Fé 5 deferevendo os lugares de
muitos Theologos , que da mefma forte a tinhao
impugnado. Mas ifto nao he o que Alexandre ViYL
condemna. Porque a condemnaçao deve cahir fo-
bre o fentido que as palavras da Propoiiçao natu
ralmente nos offerecem : e as palavras da Propoii
çao nao tem outro fentido natural e obvio , fenao
o que affima propuz : ifto he , dizer que a doutri--
na da fuperioridade do Papa , e da fuá infallibiii-
dade ñas Queftoens de Fé , he huma doutrina fem
fundamento , huma doutrina já por muitas vezes
convencida de faifa por hum Juizo decretorio. E
ifto nunca eu affirmei na Tentativa Theologica :
antes
Antonio Pereirä, 37

antes no fîm do Principio Quinto dei de confellio


aos Theologos da Curia , que imitaffem nefte par
ticular a modeftia e moderaçao dos Hefpanhoes ,
ifto he , de Victoria , Cordova , Soto , e Navar
ro : os quaes ainda que defendem a fuperioridade
e infallibilidade do Papa , nao a defendem como
Dogma Catholico , mas íim como opiniao da Et
cola.
22 Mas eu creio que VoíTa Reverendísima
eftá perfuadido , de que na condenaçao daquella
Propoiiçao fe involve por força de confequencia a
doutrina de França. E nao tern VofTa Reveren
diilima por huma coiza infolita e inaudita , que o
Romano Pontifice fem Concilio Geral condemne
huma doutrina tao antiga , tao conforme ás Sagra
das Letras e Tradiçao dos Padres ? huma doutri
na approvada por tantas Univerfidades celebres ,
por tantos Douto res graviílimos, e, o que he mais,
por dois Concilios Ecuménicos , quai foi o de Con-
ftança , e o de Bafilea ? Nos fabemos , que no>
Concilio de Trento fuccedeo muitas vezes , abíle-
remfe os Padres delle de cenfurarem algumas Pro-
poiîçoens que íe Ihes delatarao , humas de Caeta-
no , outras de outros Autores Catholicos , e ifta
meramente por attençao e reverencia a taes ho»
mens. E VoíTa Reverendiífima julga , que o Ro
mano Pontifice nao fazendo cazo algum de tantos
Concilios , de tantas Univeríidades ? de tantos Theo-
logos ,
38 Reporta do Pädre

logos , quantos feguem a doutrina de Franca ; fo


ra fua tençao condemnar e reprovar por hum Jui-
zo folemne , a doutrina dos que fazem o Conci
lio Geral Superior ao Papa , e nao tem por infal-
liveis os feus Decretos ? Acazo ignora Voífa Re-
verendiílima o Axioma vulgar : O que a todos to-
ca , deve fer approvado por todos ? E o outro que
diz : Ninguem pode fer Juiz em caufa propria ? A
Decizao deíla e de outras fimilhantes Controver-
fias nao toca menos com os Bifpos , que com o
Papa. Que razao logo pode haver , para as propor
á noíla crença , fem ter antes ouvido o Corpo dos
Bifpos i ou o Concilio Geral ?
13 Mas demos , que a mente do Papa Ale
xandre VIH. foi a que VoíTa Reverendiffima fin
ge. Pergunto : Ou a Igreja Univerfal aceitou a fua
Definiçao , ou nao ? Se diz que a Igreja Univer-
£il a aceitou, opponho eu a Igreja de F ra nça, que
he fem duvida a maior e melhor porçao da Igreja
Catholica : a qual ainda depois de publicado o De
creto de Alexandre perfevera hoje em dia era de
fender conítantemente a doutrina de feus Maiores.
Do que he argumento certiffimöe ineluétavel , pri-
meiramente a Defenfa da Declarabas do Clero
Qallkano feita pelo Illüftriffimó BoíTuet Bifpo de
Meaux depois do anno de 1690. (em que o Papa
condemnou aquella Propofiçao ) e iraprelfa a pri-
meira vez em Luxemburg no anno de 1730. Ou-
V • tro
Antonio Pereira. 39

tro argumento tambem certiflimo e de força inven-


civel , fao as Initrucçoens Paftoraes , e AppelJa-
^aô para o futuro Concilio Gérai , que contra a
Bulla TJnigenitus entrepuzeraô no anno de 1717.
o Cardeal de Noailhes Arcebifpo de Pariz , Col
bert Bifpo de Mompilher , Soanen Bifpo de Se-
nez, Caylus Bifpo de Auxene, e outros quatorze
Prelados de França : a cuja Appellaçao adherirao
com a Univerfidade de Pariz innumeraveis Douto-
res Regulares de diverfas Ordens. Se diz que a
Igreja Univerfal nao aceitou aquella DefiniçaÔ ,
torno a perguntar : porque quer logo Voila Reve-
rendiffima obligarme a ter e crer о que a Igreja
Catholica me nao obnga ? porque no juizo de V.
Reverendiffima nao íerá licito a hum Portuguez,
о que no Juizo da Igreja Univerfal he licito a qual
quer Francez ? ( fupponho que Voiïa Reverendií-
fima nao tem efta Naçao por here ja ou cifmatica )
Conceda logo , que ou a mente de Alexandre VIH.
foi outra ; ou que nao obílante о feu Decreto , fe
pode defender em Hefpanha e Portugal a doutri-
na de Fiança.
24 Dirá Voífa Reverendiffima que eíTa he
a fingular Prerogativa da Sé Romana , que tanto
que o Papa define folemnemente qualquer ponto,
deve logo cada Fiel abraçar a íua Denniçao , fem
efperar pelo confenfo ou aceitaçao da Igreja Uni
verfal. lib he o que os Lógicos chamaô Petiçao
d&
4<э Reporta do Padre

de Principio : porque quem affîm argumenta ] t<£


ma por fundamento da Queílao a mefma Queílao.
Supponhamos que o Summo Pontífice define, que
çlle por autoridade Apoftolica pode extinguir toda
a Ordern e Jerarquia Epifcopal , e por confeguitv-
te , que os Bifpos ío podem o que o Papa quer
que poífao. Porque fe o Summo Pontífice conful-
tar os feus Theologos , nao faltará na Curia , quem
imbuido da doutrina de Pedro de Palude edejoao
de Torquemada , vote que pode. Supponhamos
que define , que o Poder das chaves dado por Chris-
to a S. Pedro e feus SucceíTores , fe eftende a de-
pôr os Reys , que ou fe moftrarem rebeldes á
Igreja , ou contrarios ao mefmo Pontifice , ou in-
habeis para o governo dos Povos : que ifto he o
que depois de Gregorio VII. pretendeo definir Bo
nifacio VIII. na Extravagante Unam SanSlam , e
depois de Bonifacio VIII. Paulo IV. na Bulla Cum
ex Apoßolatus officio. Supponhamos que define ,
que a intelligencia daquelle Texto do Evangelho,
Dai a Cezar о que he de Çezar ; he que fe deve
íim pagar tributo e render obediencia ao Empera
dor , em quanto for Emperador : mas que eñe fó
he Emperador, em quanto o Papa quer que о feja.
Qiie efte diz Bellarmino que he o verdadero fen-
tido do Texto : de forte que no Livro contra Bar
cia i о en fin a fer huma temeridade , bum ejcándalo,
1цта berezia fentir о contrario. Supponhamos que
• л défi-
Antonio Pereirai 41

define , que fobre o Clero nenhum Direito tem os


Principes Seculares : que iílo foi o que Innocen-
cio III. quiz já perfuadir ao Emperador Grego r
como lemos no Capitulo Sólita , De maioritate &
Obedientia. Supponhamos finalmente que define ,
que íem preceder o beneplácito da Sé Apoñolica ,
nao era licito aos Reys de França , Hefpanha ■>

Portugal, e Ñapóles, expulfar de feus Dominios


os Jefuitas. Porque fe os mefmos Jefuitas fe empe-
nharem , e com elles os feus Alliados na Curia ;
que difficuldade pode haver , para fe nao definirem
e mandarem crer eftes e outros novos Dogmas?
Pergunto agora : e fe o Papa definiíTe algum def-
tes pontos , eftaria VoíTa Reverendiffima por tal
Definiçao ? Se diz que íim , digo que de nenhuns
inimigos fe devem refguardar com mais cautela os
Reys e os Bifpos > que de fimilhantes Theologos :
os quaes , por iíTo mefmo que fazem o Papa Se-
nhor abfoluto nao fó do Efpiritual , mas tambem
da Temporat j e que por necefiaria confequencia
reduzem toda a Jurisdicçao humana a huma Juris-
dicçao precaria e dependente : pretendem que os
Reys nao fejao Reys , mas huns Beneficiados do
Papa $ e que os Biípos nao fejao Bifpos , mas huns
Procuradores do mefmo Papa. ( Com effeito ja
houve Pontífice, que chamou Beneficio íeu o Im
perio Germánico ; que foi Adriano IV. efcrevendo
a Fnderico J. E Pedro de Paludc nenhuma duvw
: . . : da
42 Repoíla do Padre

da poz em chamar os Bifpos Procuradores do Pa


pa. ) Se diz que nao , replico eu : aonde eftá lo
go aquella obediencia devida ás Decizoens Ponti
ficias, que Vofla Reverendiflima tanto inculca?
25 Por ultimo adverte VoíTa Reverendifli
ma que aonde fe trata da autoridade do Papa e
do Concilio , de nada me pode fervir o patrocinio
de Santo Agoftinho. Porque no mefmo Decreto
aífima referido condemnou o mefmo Alexandre
VIH. eftoutra Propofiçao que dizia : Em alguem
acbando qualquer doutrina que feja exprejfa em San
to Agoflinbo , pode logo eflar por ella e enfinalla ,
fem attender a Bullas algumas do Papa. E aqui de-
zejava eu em VoíTa Reverendiflima mais íincenda-
de para comigo : nem me parece que Vofla Re
verendiflima comprehendeo plenamente o fentido
da Definiçao Pontificia. Dezejava em VoíTa Re
verendiflima mais íinceridade : porque do modo
com que falla , parece quer dar a entender , que
fó me fundei em Santo Agoftinho , e que no meu
juizo nenhum cazo fe deve fazer das Bullas dos
Summos Pontífices. E a fallar a verdade , eu nao
me fundei fomente em Santo Agoftinho : a/Jeguei
de mais a mais os dois Summos Pontífices S. Gre
gorio Magno e Innocencio III. alleguei os dois
Concilios Geraes de Conftança , e de Baíilea : al
leguei as finco famozas Univerfidades de Pariz ,
de Vienna , de Colonia , de Erford , de Craco
via :
Antonio Pereira. 45

via : alleguei os tres Cardeaes Zabarella , de Ailly ,


e de Cuza : alleguei a Toftado Bifpo de Avila ,
a Gerfon Cancellario de Pariz , о Gloflador de
Graciano , o Abbade de Palermo , a Dionyfio Car-
thufiano , a Joao Driedo , e a outros muitos 1 neó
logos da primeira plana : a cuja doutrina íerve de
baze firmiflima o celebre Texto do Evangelho : Se
te nao ouvtr, d/ze-o à Igreja. Aonde Chrifto or
dena ao mefmo Pedro , Chefe dos Aportólos e de
todos os Omítaos , que reconheça por íupremo e
ultimo o Tribunal da Igreja : Tradiçaô que na de
Roma fe confervou conftantemente até o Pontifi
cado de Clemente VIII. como atteftao os Miííaes
e Breviarios daquelle tempo no Evangelho da Ter-
ça Feira depois da Terceira Dominga da Quaref-
ma.
Ncm fe pode dizer , que nao fiz cazo das
Bullas Pontificias : pois todos fabem , que na Ten
tativa Theologica me puz muito de eipaço a ex
plicar as Bullas de Eugenio IV. de Leáo X. , e de
outros.
25 Tambem parece que Voíla Reverendif-
fima nao penetrou bem a mente do Summo Pon
tífice na condemnaçao da referida Propofiçao. Por
que quando Alexandie VIII. a condemnou , nao
foi tençaô fuá definir, que nos nao era licito que
rer cjue os Summos Pontifices regulalfem as íuas
Decizoens pela doutrina de Santo Agoftinho. Poiá
fabe
44 Reporta do Padre

íabemos , que quando elles pretendem definir al-


gum ponto , todo o feu cuidado he que Ihes nao
efcape na Definiçao coiza alguma, que fe opponha
aos verdadeiros e indubitaveis principios daqueííe
Santo Doutor ; cujos principios conhecem os Sum-
mos Pontífices muito bem , que fao os mefmos r •

approvarao feus Predeceílores , os mefmos que


da a Tgreja Catholica canonizou. O que Alex
dre VIII. pois cenfurou juftamente naquelía Pro-
poiiçao , foi em primeiro lugar ; o dar nella a en
tender feu Autor , que na Decizao das Controver-
íias da Fé fe devia reputar a autoridade de Santo
Agoílinho de maior pezo , que a autoridade do
Papa. O que he falfiífimo , como devem confeí-
far , e com efFeito confefíao até aquelles mefmos ,
que negao fer o Papa infallivel nos feus Juizo
dogmáticos , antes da Igreja Univerfal os confír

concorda toda a Sagrada Faculdade de Pariz, Por


que ainda que quando fe trata de defcobrir a ver-
dade , poiTa talvez fucceder , que hum Agoib'nho ,
ou outro qualquer Doutor particular a defcubra
com mais certeza e felicidade , que o mefmo Sum-
mo Pontifice : ( pois até os Doutores que eícre-
vem para lá dos Alpes , eníinao com Sylveftre na
fuá Summa, Que nos pontos que concernent áF¿,
fe
Antonio Pereira. 45

fe deve preferir o dito de quaiquer Prelado ao dito


do Papa , Je aquelle fe fundar em melhores razoens
e autoridades ) com tudo quando fe vai a propôr
aos Fiéis o que hao de crer , he fem duvida , que
•a autoridade do Papa he maior que a de qualquer
outro Bifpo. Maior nao fó extenfivamente , em
quanto a Definido do Papa fe eilende a todas e
a cada huma das Igrejas , quando a do Bifpo nao
ра!Га da fuá Diocefe particular ; mas tambem in
tensivamente , em quanto a Definiçao do Papa pe
lo titulo e dignidade de Primaz tem de íi maior
pezo , que a do Biípo ; aínda que nem huma nem
outra requer por íi o noíTo aífenío interno , fenao
depois que a Igreja Univerfal a confirma com a
fuá aceitaçao. Nefte fentido efcrevia o mefmo A-
goítinho rallando com os Donatiftas : Ninguem
ignora , que quem be Principe entre os Apofiolos ,
deve preferir a qualquer outro Bifpo. Mas ouça-
mos a Gerfon no lugar citado. Nao be boa conje-
quencia , o Papa pode errar ñas Juas Définiçoens ;
logo nao be jfuiz idóneo. Défit principio com tudo
Je concluem duas verdades. Primeira : que a Defi
niçao do Papa ñas materias de Fe , em quanto pre-
cizamente he Definiçao do Papa , nao nos obriga a
crer : que a fer ajfim , poderia haver cazo , em que
efiivejfemos obrigados a crer dois contradictorios 9
ou a crer alguma falfidade oppoßa à Fé. Segunda :
'que a Sentença do Papa liga todos os Fiéis , em or
46 . : Repoíla dó Padre

dem a nao Ibes fer licito dogmatizarem o contrario ,


fenaS por aquelles ou diante daquelles , que 4ШГа1
Definicao acbao algum erro claro contra a Fé?*fa-
hem que , calando-fe , [era de grande efcandalo contra
a Fe o feu ßlencio. Donde fe conclue , que abai-
xo do Juizo da Igreja Univerfal ou do CobcÜío
Geral , nao de vemos reconhecer Juirzo maion ou
mais autorizado que o do Papa.
17 Outra coiza condemnou tambem naqueí-
la Propofiçao com igual jufliça o Papa Alexandre
VIII. E foi, que nella pareciadar o Autor a San
to Agoítinho preferencia fobre todas e quaesquer
Bullas Pontificias fem diihncçao alguma ¿ pois di-
zia em termos geraes que , em fe achando expreí-
fa em Santo Agoftinho qualquer doutrina , atpodia
cada hum feguir e inculcar fem attender a alptma
Bulla do Papa. E nefte fentido tambem aquella
Propofiçao era impia e deteftavel. Porque comef-
feito , por grande que feja a autoridade de Ago&t*
nho, fempre com tudo he menor- que a aúteiidar
de da Igreja. Ora he certo , que ha muitas Bullas
Pontificias , ás quaes o confenfo e aceitaçaô cía Jgre-
ja elevou ao alto grao de Definiçoens inaltera.veis
einconcuíías. Tal he a Bulla de S. Leáo Magno di
rigida a Flaviano de Coníbntinopla contra os Euty-
quanos : tal a de S. Agathao contra os Monothelitas:
tal a de Leáo X. contra Luthero : tal a de S. Pió V.
contra Baio : tal a de Innocencio X. contraJanfen. He
. Antonio Pereira; i 47
verdade `que nos
coiza' alguma efcritoseſtas'e
oppoſtacta de Agoſt'inho naõ ſegeral
outras Bullas acha
mente recebidas pela Igreja: naõ condemnou a Igre
ja alguma doutrina indubitavelmente ſua , nem creio
ue .a eondemnarájá mais. Mas ſe houveffe alguem
taõV indíſcretamente addícto ás doutrinas .ide Agofli.
nho , ¿que [em fazer cazo nem attender deïípodo al.
gum' o juizo da Igreja , toda a ſua crença puzeffe de;—
pendente do voto de A goflinho: eſte ſem duvida er
rava gravemente, e neſta adhefaõ fazia tanta inju
ria a Agoſtinho ,- como á meſma Igreja.- Ppísfan’
teppnha a autoridade do Santo Doutor á autoridaz
de da Igreja: quando no juizo do meſmo Agoſtia
nho he taõ4 grande a autoridade da Igreja, que até
o darmos credito ao Evangelho , he porque a [gre
ja~ngs.obriga a darlho. Bem ſabido he aquelle ſeu
dito: Eu naõ creria no Evangelho, ,/è me naõ ¡no-.
'vcjffc a iflo a Igreja com a ſha autoridade. E nou:~
tro lugar: Eu me naõ atrevería a afflrmar 0 que o
Papa Eƒle'uaö mandou que je ere¶e , ſe o naõ' acbaffè
confirinado pelo unanime conſenſo da Igreja. - ~
28 A’s ſobreditas razoens da condemnagaö
daquellaattendivel.
menos Propoliçaõ ſe deve
E..v_em a ſerajuntar
, que oterceiranaõ
Autorrdel-fA
la páraaconhecer \qual foffe a mente de SAgoſtiT
nhoz naõ recorría ao_..Juizo da Igreja , mas á ſua
interpretaçaõ ¡particular, 'E bem ſe vê , ’que tam-_
bemineſteg termos era a Propoſiçaó muito ªbſurdª
tn! Bb ii e pe
48 Repoíla do Padre

e perigoza : tao abíurda e perigoza , como in fe


lizmente nos moítraraó com laíhmozas experiêiÂ$aè
tintos Efcritores, quantos fabemos que fe engaite?,
rao na intelligencia daquelle grande Doutor : poí¿
<rendo ou fingindo que as fuas doutrinas erao de
Agoítinho , moíbou depois a Igreja^yftfrtirfflít té-
*lw6 -dé Agoftinho. Ninguem ignora1 ffe re
cular á infelicidade de Janfen Bifpo de Yptes, pbr
nao fallarmos na de Luthero , de Baio , e de oir-
<tofe Líf-ill v ü'-<i 7 „•■•[/ л:ьа втэ

thompjiD Wo he о que: na referida Propâfi£àd>i#-


tentou condemnar Alexandre VIII. E compàïàn-
do huma com outra doutrina , ninguem livre de
paixao deixa de ver , que a minha he mui diverfa
da que condemnou o Papa. Póde logo eftar mtnto
bem a jufta condemnaçao daquelk Thefe ^^fét
licito a todos defender debaixo da conduela de S»
Agoftinho a doutrina de França. i;'ljCI

30 О que VoíTa Reverendiffima 0Ь(ейчП!е


Famo Thomaz , confeíTo que me паб
fao alguma. Nao porque nao Teja para mim rm№
to refpeitavel a fua doutrina : (que provera a Deos
a abraçaiîem todos os Theologos , principalmen
te ñas materias da Graça , dá JuftincaçaÔ , e> da
Moral ) mas porque o mefmo DouWr-Atag#fteô>fè
confeífava e gloriava Difcipulo de Santo Agoíti
nho. Se Voíía Reverendiffima pois dá a entender j
que o nao aterrao as autoridades de ^S: Agoílmho >
■*— - .« JX como
Antonio íereirá. .. 49

como quer que me aterrem as de Santo Thomaz ?


Dig* Уо fia Reverendiffima que a doutrinadefte fo
ra canonizada рог Chrifto defde a Cadeira da
Cruz. Bern vejo que allude á vizao que o Santo
teve em Ñapóles : quando depois de ter compofto
a fiift.admiravel Summa, eílando em oraçao dian
te & Chrifto crucificado lhe difîe o Senhor: Bem
efer çvefle de mim , Tbomaz : que queres por pre*
into ? Mas para efte argumento fer convincente ,
era песеЯапо que VoíTa Reverendiffima moftraíTe ,
quo; eftavamös de tal forte obrigados a crer nefta
vizao , que nos nao era licito duvidar della fem fa<-
erilegio , e que affim todos deviamos fer Thomií-
tas. Era de mais a mais neeeífario moítrar , que o
mefmo foi dizer Chrifto indefinidamente , Ветер-
crevefle de mim\ que dizer com toda ageneralida-
de , Tudo quanto efcreveße de mim , eflá bem efcrl*
to. Pelo fagrado Concilio de Efefo nos diíTe o Eí-
pirjto Santo , que S. Cyrillo de Alexandria efcre-
vero bem: e íegue-fe daqui por ventura, que em
tudo e por tudo devemos feguir a S. Cyrillo ? Pe
la fuá Igreja nos diíTe Chriíto , que tambem efc.
crèvera bem Santo Agoíi in ho : o que nao obftan-
f pretende Vofla Reverendiflima que na noíTa
Queftaô me nao pode valer Santo Agoftinho.
3 1 Accrefce a eftas razoens outra , que he ,..
nao fer de todo certo , que Santo Thomaz reco-
nJieceíTe no Summo Pontífice o Privilegio da In-
и: ... Bb Iii falK
Repoíla do Padre

fallibil.iclade e o da Superioridade a refpcito do Con-

balito ihomaz, que a Voila Keverendillima) no


Sermaö de Santo Antaó Abbade pié*
ja em preze
[417. nega iff
Revere nna. rórque
referir o celebre Decreto da Sellaó V. em quí
Padres declararao o Papa inferior a eile e ato
os mais Concilios Geraes : profegue immédiat
mente , e diz : Todo o que de propoßto contradiß
eßa verdade definida em Coufiança , e fundada
bre a pedra da Sagrada Efcritura , cabe em huma
berezia já condemnada , que minea teve porfi a Dou-
tor algum de Pariz e Doutor Santo. Ha pouco qut
Ji a Santo Tbomaz e a S. Boaventura : ( nao te-
fibo aqai os Livros dos outros ) concedem ao Sum-
mo Pontífice bum Poder fupremo e completo ñas
materias Ecckfiafticas : jufiamenté Jbo cor-
ifio be compai o Papa com cada L
ш , e com cada huma das lgrejas empi
Nos fins do feculo pallado Joao Launo/' ,
hörnern de huma licao quafi infinita , eferevendo
a Chriftovao Faveu , na fetima Carta do Livro
HI. tomou por empreza moílrar com varios argu
mentos nada futeis , que fem razao contara Bel
la rmino a Santo Thomaz entre os Theologos lib
fflu
•Antonio Pèreira. Aoq<. 51

fallib . E em outras duas Cartas (a


a лптощо1
Antonio Fau-

pii rrrmeiro Li
entrou Lauhoy a provaf , que quafi tudo, o qu
Santo Thomaz efcrevera das Grandezas do Papa ,
tirara o Santo de paflagens iuppofiticias âàs^CSti
¿pos , e, de Jugares falfamente ättribuidos'.aofc San
tos Padres. Todos fabem , que o Seculo XIII. cm
que floreceo o Doutor Angélico , teve por genui-

f 1 3epois "VI e/fkq , ?dè kóh río férém Tup^oílosl


:ÍIe tempo quaíi tudo, quanto citavao os "
era do Decreto de Graciano, cheio de
zretaes dos Summos Pontífices , cheio de
■ attribuidos a eile e áqueJIe P;

élle fe funda no feu Opufculo contra os erros dos


Gregos. Deíle genero he a Carta de S. Jeronymo
efcre vendo ao Papa S. Damafo , de que 0 meímo
Angélico Doutor fe vale na Segunda da Segunda ,
QueihÔ XI. Artigo 2. ° tV
t^Dfi^i ofij^^gjjgj o Anorrym'ó^qu^HIuftrou

ivrof-I. diz áffimV


Tfcwwz fe âet)èl% Ш

¡tronos da InfalimUuâe do
ХЙШОПА OÎFIfcC £ OnUHlßl

БЬ IV 32 rsem
52 Repoda do РШ

*, i, jjîj i, "> î*fem osj logando Saoto tDputor^ que


Vdffir pésete iKHfïbrtal apon& эар margjèmi ;d¿ <&âi
€TU-tiaTp"<»nvencem :íhteirymffítí2ei.jáí pducst. c2?biíjUé
o da Primejra Parte , Queftao 1ХХЗСУГ. ArtigœLL
ao fegundo : e o da Segunda da Segunda Queftao
J;sArtîgQ X. ao fegunda : (honKcceiid t$ïe Wwábp
Reverendtffima cita da ^^éilmiXcbfobresianPqteae,
cía i Artigo IV. confeflb que o nao pude асЬяк^р
паб contém coiza , por onde fe pofla provar.stín-'
fallibilidade Pontificia. Porque o único iràentavde
Santo Thomaz em ambos os ¡1 ufares y he moftraan;
que ao Summo Pontifice he que toca a publicaçaa
do Symbolo ; porque a elle he que toca convocar
e confirmar os Concilios, aonde fe coftumao for
mar os Symbolos ou Formulas da hoíTa Santa Fé.
Ora até aqui nem ainda os mefmos Theologoside
França duvidao das Prerogativas do Papa : pois
todos elles dao por principio certo e fixo , Que
ñas Quefioens da Fé goza o Summo Pontífice Aa
autoridade de Primeira Figura , : ainda que antes da
Jgreja Univerfal confirmar corn a fuá aceitaçao as
JJefiniçoens do Papa,, nao podem eftas fubir aoakü
grao de Definiçoens irrefragaveis : que affim fe ex-
piiea ria< fuá Declaraçaô á Aflembleia de ió&a.
Nem porque o Papa he quem regularmente deve
convocar e confirmar os Concilios, fe fegue dahi,
que do Papa he que os Concilios tomao toda a fuá
autoridade e. firmeza. > ■ ^v.,u «//." }

34 Mas
Antonio Perdra. 53

>''р^.л\нМа$>1Ш^олсе<Ь> de boa mente a Уго{Га


Reveréndiffimau qñe ¿Sanos 'Ihomaz efláj jielaTlbí/
faüibriífladeitdüJ Summo Pontífice y)eooncecpnbecè^
fuperior aos Concilios Geraes. Acazo рог ifloriaâ)
ioe:ferá licito, tef e fegui г o contrario ? .1До,!пге;
qiièjWoflja. R&verendiÛÎma infinuiar^ qaanx^ï; Lûgd
гшмрйпшрн&оШ/1иа iGaïjta япе :tra»i aímfemorób ii
Canonizaçaô? da doutrina de Thomaz. fiitâ pelo
Summo Sacerdàte Jefu Ghrißo, defininda Ja< Cruz
como >ik Cadßira <e quanclb no mefmo Jugar cha
mará i ífíiosé az # JfyvkeipeiriósiiTbeeíog&r¡ tpàifegmm.
o carmnho da falvaçao. Mas pelo que toca aquella
Canonizaçaô feita por Chriíto , já affima dei a en
tender , íer efta Hiítoria na verdade hum digne*
objecto da hofíai {)ia credulidade ; mas objecto me
ramente: humano, e que, nao obftante andarnid
Breviario Romano , carece daquella autoridade ¿
que he neceflaria para terminar deciíivamente Que-
ftoens Theologicas. Pois he principio certo e no*
torio entre;, os Sagrados Profeûores , ^quö a -noíTa
Fé nao fe eftriba ñas Revelaçoens de Agoílinho ,
nem ñas de Thomaz , nem das de Brizida , nem
ñas de Te reza , nem nos de outro alguna Doutor
particular 011 Miilher íanta; mas; flm ñas Jfcexelá|
çoehs dos Priofetas ж Abortólos \ cm cuja? monté
le fechou^è -completou rîor huma vez o DepoJSto
dos Dogmas J2atJroIicosv. f l'jiM »/L mu

35 № a«n° de 1387. fuccedeo, quejoaô


a- f v. » r de
54 Repofla do Padre

de Montefono Dominicano defendeo emÇàrfe àua-


to^^oifelÔ^h^V^W^f ^âbcWèrh eífrheas e
efôàndâl'ôps Т for'àô -rirîrhëiraraente еШеШШ$
pela Uñiveríidade , depors pelo Bifpö. Ap|Jeilqu
Joao de Montefono defta Sentençât (эага' Clemen-

reputado4; £or Verdadeiro Pontifîcë' lem' França , e

Hefpantia. Mandou a Uhiverfídadé por feus Pro-

nas a feu favor : entre ellas a que dizia


declarar , cenfurar , e reprovar crao auños p
vos di Sé Apofiolica. E a otáti^ flúe^ffim
то Pontífice tocava o exame e decizao das màïèriâs
concernentes á Fé. E perfuadido que Santo Thó-
raaz eftava por elle , oü fingindo quVlbjeftaÍ^T

pretendía tambern Montefono cubrirle сот лтИ


autoridade , dizendo : Que o Summo Pontífice Ur
bano V, na Bulla que e[crevera à XJniverfidadë dt
Toloza , différa e mandara ao^ffîléis'e Profesores ,
TgkffîèB S Hfipafh'àjfem ЩШНр'раШЪ Thú
do mefino Santo 9 conw bèmdiia ecatMlcâlhh

Que refpqnderia Pedro de Ailíy á ëftas~

Ti teña va
teftay^drçnje cfojum^ltotyifoe Я W Ыщт

p'Qvar, j Jaq.tfffos,) фгЩуяз da Sé Jlpoßofica,:


Ite& r/-f[uf Jpi ао,$цщрю Pontífice toca о ехащ^

ouirpí , erras y bafifiva efie para a Igreja Romana a


obrigàr a retratarfe. Porque por aquellas palavras
exffaßyps , desque uza a refyeito da Sé Apoßolica
e
erfil que arreprefenta-i о que be herético : porque
nas Çaufas da Fe pôde-fe appellar do Papa para о

, . H ao que Joao de Monteiono oppunha


do^jËÇiritos, djà Santo Thomaz , a iflo refpondia
cm duas palavras o meímo Procurador da Univer-
fidade dizendo : Refponde-fe , que da dita Bulla do
öenpo

qifk л доищпа de Santo Tbomaz fora approvada


em îude > como claramente moßrarei no Capitulo
tercetro défie .Tratado,^ E com effeito aflim o moí-
AiUy ^dpuuraente , como os çuriozos po-
dçmver na ifua läpologia da Sagrada paculâade
de Pariz [obre a condemnaçao de Joao de Monte-
fono , que anda no fim do Primeiro Tomo das
ÇbWb^awfo A b^isao de Dupin pag.
v^ jí 37 Cor"
56 Repofta do Padre

37 Corria entao о anno cento e quatorze


depois da morte de Santo Thomaz : eftava confe-
guintemente frefca , e dévia fer vulgar na Univers
lidade de Pariz a memoria daquella vizao , em que
fe diz que Chrifto defde a Cruz approvara a fua
doutrina. Eftava tambem frefca e dévia fer vulgar
a memoria dos elogios , que aos feus Efcritos ikr
nhao feito os dois Summos Pontifices Joao ХХШ
ue o canonizou , e Urbano V. de quem fe pro-*
uzia a referida Bulla. Ainda aífim nenhum efcru-
pulo fez aquella Univerfidade tao cetebftcyg'-.tití»
prudente , de condemnar as 1 befes de Montefc*
no , ao mefmo tempo que efte fe defendía com a
autoridade de Santo Thomaz.
38 Outro fació igualmente memoravel pa
ra o noíTo cazo , he o que fuccedeo no anno 'dß
15 1 2. Tinha Caietano atacado as doutrinas da
Sorbona fobre o poder e infallibilidade do Papa,
oppondo varios argumentos , entre os quaes vinha
em oitavo lugar efte : Santo Thomaz с mutton ou*
tros Theologos feguirao , que 0 Papa era fuperior
ao Concilio : logo nao he feguro ter o contrario.
Nomeou a Sorbona por Antagoniftas de Caieta
no aos dois celebres Doutores Jacques Almain, e
a feu Meftre Joao Maior. De Almain he efcuza-
do fallar. O modo porém com que Maior refpon-
deo áquelle oitavo argumento de Caietano , foi
eile: Ao oitavo re/ponde-fe 9 que Santo Thomaz fot
A ntonio Perelra. 57

de parecer que a ärgern Maria fora concebida em


peccado originalerfirm parecer , que a materia nao
рШ^е^г ^Ш^ ^огта^ 'аШа de poder abjoluto da
Omnipotencia Divina : foi de parecer , que Déos
pode agora crear dois ¿¡njos da mefma efpecie efpe
ctalijjima e ínfima : e enfinou outras muitas coizas ,
que bou? fe reputad ñas Efcolas por inteiramenté im*
promovéis, Dos Theologos fao muitos mais os que
feguirao o contrario, jfd afftma moflrei que Santo
Agoftinbo e outros Doutores eflao por nos. O mef-
то feguirao varios Cardeaes , como o Patriarca de
Arithquia , Pedro de Ailly , Nicolao de Cufa :
Joao Gerfon Camellario de Pariz , que , por mais
que fe louve , todos os louvores fao poucos para o
Jeu merecimento : e a noffa Faculdade defde o tempo
do Concilio de Conftanca , ( Faculdade aonde acha
ras mais Tbeologos e mais bem exercitados , que em
dois ou tres Reinos ) a quai défende tao religioza-
tnentv efta parte , que a nenhum dos feus Profeffo
rts foi licito ter a contraria. ¿< * чг -

39 Do que tenbo dito fe conclue tambem


com toda a evidencia , que VoíTa Reverendiffima
fe houve com menos circumfpecéao quando, tra-
tando-íe da autoridade do Papa e do Concilio ,
áúYé ф*е Santo Thomàz era o Principe dos Theo-*
logos que feguem 0 caminbo da falvaçao. E ifto que
quer dizer, fe nao que vivem fóra docaminhoda
falvaçao os que , apartando-fe da doutrina de San^
to
58 Repofta do Padre

to Thomaz , poem o Concilio fobre o Papa ? Se


VoíTa Reverendiflima efcrevë ifto r Teñamente , dL-
ga-nos , aonde julga que vao parar os Theoíogos
de Pariz , aos quaes prohibe a Univeríidade deí-
xarem a doutrina de feus Maiores ? Aonde julga
que va6 parar os Difcipulos de Scoto , entre os
quaes mette Bellarmino a Affonío de Caftro no
numero dos que impugnarao a ínfalhbilidade e fu-
perioridade do Papa ¿ e o outro feu Socio Anto
nio de Cordova, já na Tentativa Theologica mo!U
trei , que dera ella Queílao por huma das que íe
devem reputar adiaforas ou livres ? Aonde julga
que vao parar aquelles Thomiftas, que ainda que
reconhecem o Papa fuperior ao Concilio Geral ;
nao deixao com tudo de dar por provavel e ca-
tholica a parte contraria ? Como quando Francis
co de Victoria na Relecçao do Poder do Papa e
do Concilio efcreve aííim : Sobre a comparaçao da
Papa ha ditas fentenças : huma de Santo Tbomaz e
de muitos Difcipulos feus , e de outros Doutoter
ajjtm de Tbeologia como de Direito Canónico , que o
Papa he /obre o Concilio : Outra be fentença com-'
mua da Ünivcrßdade de Pariz , e de muitos outros
Doutores em Tbeologia e Cañones , como do АЬЬа^
de de Palermo , e de outros , que o Concilio he /о»
bre o Papa. Ve VoíTa Reverendiflima como Victo
ria reputa Catholicos os Authores de huma e ou*
Ira fentença , fem fazer niflo diflferença ? Julgava
logo
Antonio Pereira. . 59

logo eile fapientiffimo Thomifta , que nem hune


nem outros eftavao fóra do caminho da falvaçao.
Com igual equidade expoz Martinho Navarro e£
tas duas opinioens de Francezes e Romanos , tan
to по Commentario ao Capitulo Novit , De Ju
diáis , como no Commentario Sobre a Penitencia.
Chamé-iè logo multo embora Santo Thomaz Prin
cipe dos Theologos , mas Principe de huns e ou
tros Theologos. Diga-fe que a fuá doutrina fora
approvada por Chrifto , mas approvada do mefmo
modo que o foi a de Agoftinho , a de Jeronymo ,
a de Chryfoítomo , a de Cyrillo , e a dos mais
Santos Doutores : nem por alguem fe apartar dos
principios de Santo Thomaz , he bem que o con-
íideremos fóra do caminho da falvaçao. »
40 Segundo o que tenho difcorrido e mof-
trado , julgo , Reverendiílimo Padre , que deve V.
Reverendiflima depôr todo o receio , em que eíU ,
de que o Papa me excommunge , ou de que íeja
mal fuccèdido o meu Livro. A juftiça da Caufa me
dá toda a fegurança de que nao hao de cahir fo»
bre mim os raios do Vaticano , que ío fe devem
fulminar contra os que impugnao os Dogmas rece-
bidos e inconcuíTos da Fé Catholica , ou difputao
ao Papa os indubitaveis direitos da Primazia. Do
Livro nao deve Voffa Revercndiífima temer e fen-
tir , que nao corra com applauzo e aceitaçao. Por
que lhe feguro , que de todos quantos o tern lido ,
бо Repolla do Padre

foi Vofla Reverendiffima o primeiro , que о repre-


hendeo e cenfurou. As Cartas de Rçiraa,) ^¿Ña
póles , de Veneza , de Torim jià$iPâlîztfciifitML2L-
drid , que eu tenho vifto eicritas pelo? §аШод';с!а I
primeira reputaçao} todas me mandaô dar q$ pa-
rabens pela felicidade da Tentati.ta>#l^O|ia5^t»¿ra
nas nuveris a Tua doutrina. Dentro ;<k iti&mik&ta-
lia , huma República tao civilizada e catholic $$со
то a de Veneza , a honrou publicamente com a
fua approvaçao e eftampa , mandando-a imprimir
traduzida no idioma do Paiz. E para que. ^¿ain-
guem venha á cabeça , que andei mendigantlope-
Jos Paizes Eftrangeiros os votos da República Liu
teraria ; protefto que nenhum defies Sabios conhe-
ço , a nenhum efcievi , a nenhum fiz beneficio ou gra-
ça , que o puzefl'e para comigo em alguma obrigaçao.
Nao julgo por iíío o meu Livro izento de todo о
erro. Sou hörnern , ( diz o Cómico ) e como hörnern ^fu-
jeito a faltas. Mas nao poífo deixar <de.:rae¿i|E.fen-
tir gravemente de que VoíTa Reveréndiffiins^rne
queira fazer Reo de doutnnas condemnadas r efun
do todo o meu cuidado he , que quando eferevo
me nao efeape coiza, que poíTa parecer où menos
bpm¡ fundada , ou pouco catbolicasr Л с*^$_Ь
>■ íj^ti t к E muito mais me eftimula affirmít V^fl'a
Reverendiffima no fím da Carta , que fe aâtftira
jußamentey como o Sanio Officio de Portugal paffou
4e falto por taes doutr'was : üto Itë^^âs^ue; V.
j Rêve-
Antonio Pereirà. 61

Reverendiffima fuppunha no meu Livro condem-


nadas como erróneas pelos Summos Pontífices. Mas
emenda VoíTa Reverendifíima que para Cenfores
defle Livro nomeou áquelle Recliílimo Tribunal
muito de propolito ddis Religiozos Carmelitas Def-
calços , efcolhidos para iflo como Homens da mais
diíuncla probidade , e de juizo mais fao. Ajuntou-
fe agora novamente outro da Ordern de S. Bento
de igual piedade e htteratura , que por mandado
do mefmo Tribunal examinou fegunda vez a Ten
tativa Theologica , traduzida por mim em Latim
para fe dar qualquer dia á Eftampa. Pelo que com
mais razaô me admiro eu de que VoíTa Reveren
diflima nao efcrupulizafíe de íazer da Inquiziçao
de Portugal hum juizo tao lîniitro e tao temera
rio ; que a julgou capaz de confiar a Revizao de
pontos taÔ graves , a quem ou os lefle de falto,
ou os approvafle com precipitaçao , como fe os Por-
tuguezes nao foubeíTem fer Catholicos , como os He£
panhoes. Mas fe a Regra da Fé( como diz Tertullia-
no) he huma fó , e ejfa invar iave! ; por efta Regra da
Fé única e invariavel eftamos todos os Portuguezes ;
por efta eftamos promptos a dar a vida. Nem he
o mefmo , ferem os nofíbs fentimentos ou efcritos
talvez contrarios ao que de nos queriaö ouvir os
Romanos , que deixarmos por iífo de fer Catholi
cos. Pois fabemos muito bem , que quem confti-
tue a Fé Catholica , nao fao as opinioens da Cu-
Cc ria,
6i Reporta do P. Antonio Pereira.

ria , mas fim as Revelaçoens diyinas depofitadas


na Sagrada Efcritura , e na Tradrçaô dos Aportó
los. ' ' '* • '"'^ « ß.biiijj ,

42 Por tanto , Reverendifíimo Padre , depo-


nha Vofla Reverendiflima o cuidado em que e~
da fortuna do meu Livro 1 deponha eíTas in juilas
temerarias íufpeitas contra os Cen fores de Portu
gal. Pois todos por graça de Déos fomos Catholi-
cos , como o fao os Hefpanhoes : todos réconhe-
cemos a Igreja Romana por centro da unidade
Chriftaa : todos tributamos ao Summo Pontífice ,
fucceflor de S. Pedro, e Vigario de Chrifto да ter
ra, verdadeira e íincéra obediencia, ainda quan-
do defendemos vigorozamente os Direitos dos nof-
fos Reys e dos noflbs Bifpos. Déos guarde a V.
Reverendiflima : e perdoe , fe em alguma coiza o
offendi. Lisboa , Real Caza de nofla Senhora das
Neceffidades da Congregaçao do Oratorio , 15 de
■t
Agofto de 1767.
c< s
Ï *»*.' '; Hif,

: .

LI-
L I С E N Ç A >

imprima-fe com a Carta , e torne a confe-

Arceb'tfpo Regedor P.

t. ., .tl ... .
Coeibo. Va]concellos Pereira.

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Ode correr. Meza, 23 de Onibro de 176p.

Arcebifpo Regedor P.

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