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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
Cuiabá – MT
2007
JOSENIR SANTOS DE ALMEIDA GOMES
Cuiabá - MT
2
FICHA CATALOGRÁFICA
3
BANCA EXAMINADORA
EXAMINADORA EXTERNA
EXAMINADORA INTERNA
4
DEDICAÇÃO
Ao Deus Todo-Poderoso que é "vivo e para sempre permanente, e o seu reino não se
pode destruir; o seu domínio é até ao fim. Ele livra e salva, e opera sinais e maravilhas no
céu e na terra (...)", (DANIEL 6: 26,27) dedico esse trabalho.
5
AGRADECIMENTOS
6
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
À professora Drª Lázara Nanci de Barros Amâncio, minha orientadora pelo trabalho
árduo que desempenhou junto a esta pesquisa, dirimindo dúvidas, revisando escritos,
criticando, sugerindo, desde os primeiros momentos do mestrado, fazendo comentários
fundamentais em sessões de orientação exigentes ou por e-mails, para que eu pudesse
atingir os meus intentos. Sua competência e segurança me foram bastante úteis nessa
caminhada. A ela minha profunda gratidão e respeito.
7
RESUMO
8
ABSTRACT
In the past two decades, there have occurred many changes in the Brazilian educational
system under the new conceptions introduced by constructivism and socio-constructivism.
A large number of educational proposal interventions have been implemented at state and
national levels. However, despite all this, there are still many children who do not know
how to read. This study aims at contributing to the understanding of the conceptions and
practices of teachers of reading in the state of Mato Grosso by means of analyzing official
documents of the 90’s such as the LDB 9.394/96 (Law of Threshold Guidelines), and the
PCNs (New Curriculum Parameters/1997), among others, and also by examining teachers’
accounts. The research was guided by the qualitative approach and historical background. It
involved analysis of documents, participant observation and interviews with teachers who
have been teaching reading to children for more that 10 years. It drew on theoretical studies
developed by Roger Chartier, Maria do Rosário Mortatti, Berta Braslavsky, Emíla Ferreiro ,
Ana Luíza Smolka , and Magda Soares , all authors related to the areas of Cultural History,
and School Culture and Language. These authors have influenced greatly the work of
teachers of reading in Brazil as well as in Mato Grosso since the 80’s. The study indicated
that the teachers under investigation have been touched by some of the constructivist and
interactional perspectives showing some degree of changes in their theoretical conceptions
and classroom practices, allied with a reflective attitude. This seems to be a result of their
engagement in continuous professional education as well as their relationships with their
colleagues.
Keywords: literacy practice, the teaching of reading and writing, reading methods, reading
textbook.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................12
10
3.8 – O Uso dos PCNs em Sala de Aula.......................................................................113
3.9 – Pontos em Destaque: Cognitivos e Motivação....................................................116
3.10 – A Questão da Avaliação......................................................................................119
REFERÊNCIAS................................................................................................................196
ANEXOS............................................................................................................................205
11
INTRODUÇÃO
O ensino da leitura e da escrita tem sido alvo de estudo durante séculos em vários
países, todavia, o ato de pensar e repensar a alfabetização atualmente continua em pauta.
Considerando o período de transição que estamos vivendo no nosso país, no
contexto da complexidade desse assunto, enfatizo que os estudos sobre a alfabetização nas
últimas décadas ganharam amplos enfoques e a produção acadêmica tem enriquecido as
diferentes perspectivas em torno do tema.
As pesquisas têm buscado compreender as várias facetas como frisou Soares (1985),
subjacentes ao processo de ensino-aprendizagem, para servir de auxílio no ensino de
alfabetização e elucidar o fenômeno do fracasso escolar; mas ainda existem lacunas que
permanecem abertas e estão pendentes para serem preenchidas, como diz Amâncio (2002).
Hoje, o alfabetizador depara-se com conceitos que facilitam a sua compreensão da
construção de conhecimento nesse processo de ensino inicial da escolarização, como
exemplo: os erros da escrita em crianças, em especial, são considerados construtivos, o
“novo” deve ser encarado sem preconceitos para a apropriação dos acertos já conquistados.
E nesse âmbito, as concepções teóricas não se esgotam no sentido de uma contribuição à
revisão, auxílio, reflexão e possivelmente a uma renovação da prática pedagógica em sala
de aula.
Em razão desse aspecto observei as práticas docentes em algumas escolas públicas
na fase inicial do ensino de alfabetização, em Cuiabá (duas) e Rondonópolis (uma), para
compreender como as alfabetizadoras têm desenvolvido, ou não, processos de intervenção
que assegurem o avanço das aprendizagens dos alunos.
Nessa perspectiva, considero importante lançar luz ao passado para compreender o
presente, e assim introduzi alguns registros das minhas lembranças do tempo de
12
alfabetização de minha infância, para compreender as mudanças na alfabetização,
atualmente, provindas das concepções teóricas do sociointeracionismo e construtivismo.
Essa situação indica que ainda existem questões a serem analisadas e desveladas, de
modo a permitir maior compreensão desse fenômeno. E para alcançar a esse e a outros
objetivos concernentes à alfabetização abordarei o percurso que me trouxe a essa
investigação.
A ênfase e o interesse pelo envolvimento com a leitura surgiram-me há catorze
anos atrás no âmbito da teologia, minha primeira graduação, quando senti necessidade em
aprofundar-me no estudo das Sagradas Escrituras e dos livros teológicos. Nesse aspecto,
ocorre o que diz Martins (2001) “para a leitura se efetivar, deve preencher uma lacuna em
nossa vida, precisa vir ao encontro de uma necessidade, de um desejo de expansão
sensorial, emocional ou racional, de uma vontade de conhecer mais” (2001, p.82).
Ao ingressar no curso de Letras (1999) o assunto leitura continuava sendo objeto de
estudo, e finalizei essa graduação com uma pesquisa sobre os aspectos cognitivos que
auxiliam a leitura (2003). Esse curso conduziu-me à reflexão, à concentração, ao
desenvolvimento do espírito de análise e à extensão prática de leitura. E nas observações do
estágio de ensino fundamental e médio, pelas aulas dadas por diferentes professores,
observei que poucos estão entusiasmados com a sua profissão; não há muito interesse em
compartilhar com os alunos novidades, informações e enfim, algo que os motive a estudar.
Nesse contexto, percebo que a prática do professor se baseia no ritual sagrado, onde o
professor segue um roteiro mecânico diário, para dar conta do seu conteúdo programático.
Porém, deveria ser o contrário, Lima (1999) diz que o ensino deveria estar articulado a uma
aprendizagem significativa para facilitar o desenvolvimento intelectual dos educandos, que
demanda, obviamente a preparação do professor .
Ao refletir sobre essas questões, recorro a Piaget (apud SALVADOR, 2000) ao
afirmar que o indivíduo não pode adquirir as estruturas mentais necessárias sem a
contribuição externa; ou seja, o apoio intelectual à formação continuada docente é
imprescindível, e também uma reflexão sobre os aspectos cognitivos pode nos alertar de
maneira eficaz contra práticas pedagógicas que inibem o seu desenvolvimento.
Ao ingressar no curso de especialização em Linguagens e o Ensino da Língua:
Redação e Leitura (2003) continuei a me interessar pela questão da leitura e aperfeiçoar o
13
projeto da pesquisa anterior, mas o tempo não foi suficiente para a concretização dos
objetivos a alcançar.
No ingresso ao curso de mestrado em Educação (2005), com o intuito de enfrentar os
desafios propostos no ensino da leitura, decidi direcionar o meu foco de atenção agora, para
a prática de leitura nos primeiros anos de escolaridade da criança, com base em estudos a
respeito da alfabetização, visando compreender, em especial, esse fenômeno no estado de
Mato Grosso. Desse modo, em referência aos métodos de ensino, tenho a intenção de
compreender as atuais práticas de alfabetização, mediante a análise das concepções de
linguagens difundidas nas últimas décadas, que colocaram em questão os métodos de
alfabetização e a utilização de cartilhas.
Souza [1]1 (1996) reflete sobre o processo de alfabetização em crianças na fase
inicial de escolarização2, e percebe que o fio condutor de qualquer proposta para o ensino
da língua se embasa em concepções de educação, linguagem e o processo de ensino e
aprendizagem da língua a ela subjacente. Embora não sendo alfabetizadora, e com a tarefa
de ensinar e contribuir para a formação de futuros professores alfabetizadores, a autora
reconheceu que não são pelas “receitas”, “modelos”, e “roteiros” de “como” trabalhar a
língua que surgem as respostas (SOUZA, 1996, p.19,20). Contudo, os variados textos
trabalhados em sala de aula sobre as novas concepções de linguagem, respaldadas em
Geraldi (1997), Smolka (1993) e Vygotsky (1991,1993), em primeira instância, não
sensibilizaram os seus alunos que, todavia, buscavam “modelos” para a preparação de aulas
no estágio de alfabetização. No entanto, mediante a compreensão que a “mudança” não era
fácil, demandava estudos e reflexões, entendeu que as mudanças didático-pedagógicas
necessárias à melhoria qualitativa dessa formação não se restringia na aplicação de
“inovações” relativa ao processo de alfabetização, e sim a um aprofundamento teórico-
conceitual ao auxílio da prática de ensino e a exploração da mesma, para alcançar uma
visão crítica à sua formação profissional (SOUZA, 1996, p.23,24).
1
A categoria Souza [1] difere da outra pesquisadora, neste trabalho, que utiliza o mesmo sobrenome: Souza
[2].
2
Trata-se da pesquisa intitulada A formação do alfabetizador no CEFAN de Três Lagoas/MS: entre a tarefa
de ensinar a aplicar o novo e a mudança nas relações de ensino; tese de mestrado: UNESP, 1996.
14
Consciente dessas reflexões anteriores por Souza [1] (1996) tenho refletido sobre
esse processo e venho buscando estudos sobre questões que envolvem a alfabetização e
seus problemas.
A ansiedade de um confronto com os desafios propostos quanto ao fracasso escolar
levou-me a verificar que, para descrever os problemas embutidos nesse sentido, seria
necessário um olhar para a trajetória histórica em alfabetização. As questões a serem
averiguadas e desveladas, na compreensão do “fenômeno da alfabetização”, exigem um
procedimento metodológico para o desenvolvimento dessa investigação, descrição dos fatos
envolvidos e uma possível discussão a seu respeito.
Em particular, o meu objetivo é compreender as atuais práticas de alfabetização em
vigor, mediante a análise de concepções explícitas em documentos oficiais das duas últimas
décadas e em depoimentos de alfabetizadores, com foco na questão dos métodos de
alfabetização.
O problema que tem me preocupado pode ser traduzido nessas questões:
Tendo em vista a instauração oficial do paradigma sócio-interacionista, como
alfabetizadores que acompanharam a transição de propostas embasadas em um
novo referencial encaminham suas práticas?
Esses profissionais continuam a recorrer a metodologias e cartilhas consideradas
“tradicionais”?
Como se configuram as práticas atuais de alfabetização?
15
Para compreender as práticas pedagógicas atualmente, em Mato Grosso, essa
retrospectiva das recordações de alfabetização da minha época, fez-me analisar que,
independentemente do contexto histórico, o ensino inicial de escolarização dependerá do
quanto o educador se envolva no processo, da busca de compreensão do que se lê e se
escreve, onde se encontra o sentido do ensino-aprendizagem da leitura e escrita, e até
mesmo de todo o contexto escolar envolvido nesse processo. Considerando também, que
hoje há mais liberdade nos sistemas de ensino, mais pesquisas e teorias envolvidas no
âmbito da alfabetização, contribuindo no sentido de desvelar a complexidade do assunto,
como afirmam muitos estudiosos.
Uma retrospectiva dos fatos relembrados do ensino em alfabetização, também
direciona a buscar novos significados, e a uma nova compreensão do próprio passado, do
presente e uma postura crítica perante o futuro.
Nesse trabalho, exponho o plano de metas que envolveu o ensino da rede pública
em Mato Grosso, desde 1998, segundo a proposta metodológica do Ciclo Básico de
Aprendizagem – CBA – com ênfase na escola democrática, visando a priorização da
educação básica, auxílio ao trabalho pedagógico, redução do índice do fracasso escolar e a
formação continuada dos professores, fatores que ajudam a encaminhar o processo de
aprendizagem da leitura e da escrita de forma eficaz; mas, compreendendo que essa
proposta depende do envolvimento do docente.
Na busca de conhecer e compreender a prática docente dos alfabetizadores no Mato
Grosso esquematizo esse trabalho em três capítulos e os resumo a seguir.
No primeiro capítulo esboço um percurso metodológico direcionando os rumos da
pesquisa com pressupostos teóricos, nos quais, se procederá a análise embasada em autores
como Chartier (1990), Le Goff (1992); Soares (1985; 1991), Mortatti (2000; 2004), Smolka
(1993) entre outros. Apresento o perfil dos sujeitos entrevistados e os percursos que
ocorreram nas escolas de Cuiabá e Rondonópolis.
No segundo capítulo exponho o título: Uma trajetória teórico-metodológica sobre o
objeto – alfabetização, caracterizado pela revisão bibliográfica que trata do assunto
referente à alfabetização. Desenvolvo um rastreamento histórico, para situar-me no
presente e compreender o passado; relato os marcos importantes que aconteceram no
16
período delimitado às minhas investigações, desde 1996 - com base na LDB 9.394/96 –
nos PCNs (1997) - CBA (1997) de Mato Grosso até 2006, e outros.
No terceiro capítulo apresento aspectos das práticas de treze professoras
alfabetizadoras; e dialogo com teorias de pesquisadores envolvidos na área de alfabetização
para um possível esclarecimento da prática docente em sala de aula.
No quarto capítulo apresento análise de dados coletados em observações nas salas
de aulas de sete alfabetizadoras, que cooperaram para uma maior elucidação das minhas
investigações. Com base teórica de estudiosos da área, também dialogo nesse capítulo, e
averiguo os procedimentos pedagógicos das alfabetizadoras, desde a formação profissional,
suas dificuldades, propostas, métodos de ensino, e outros; com ênfase especial em duas
professoras alfabetizadoras da seção de entrevistas, por serem as únicas disponíveis à
gravação de suas falas, e sendo assim, faço as considerações finais respaldadas em seus
argumentos.
17
Memórias da Minha Alfabetização
Foto do Pré-Escolar – Escola Santa Ângela (Ilhéus-BA) – Josenir Santos de Almeida Gomes – Primeira criança sentada no
balanço ao lado esquerdo da professora estagiária em pé. A professora sentada é a “tia Jan”.
A u-va O o-vo
va ve vi vo vu
via viu vão
3
Cartilha do Povo, de M. B. Lourenço Filho. São Paulo: Melhoramentos, 1928, p. 15. (Fonte: Mortatti -
Cadernos Cedes, ano XX, n. 52, novembro, 2000, p.45,46).
18
va-la vi-va va-le
ve-la vo-vô va-ca
vi-la vi-via ve-a-do
vo-a va-lia vi-da
vo-a-va vi-ú-va
ca-va-lo ca-va-le-te
Aos cinco anos de idade entrei na Pré-Escola da Escola Santa Ângela, instituição
pública anexada ao Instituto Nossa Senhora da Piedade, em Ilhéus4 no estado da Bahia
(Brasil); o terreno do instituto engloba todo o quarteirão, onde há um amplo espaço que
abriga uma roça aos fundos. A área do instituto também abriga uma igreja católica, uma
universidade, um museu, um ginásio de esportes, vários pátios de lazer, um parque de
diversões, uma escola infantil particular, um auditório, etc.
O método utilizado no ensino da leitura e escrita era o misto ou eclético, através da
Cartilha do Povo, onde estudávamos os elementos da escrita em análises e sínteses, ou vice
versa, como se observa no exemplo acima. O caderno de caligrafia e as histórias infantis
eram presentes em sala de aula, e não me lembro do exercício exagerado (ou não) das
famílias silábicas oralmente, porém, minha mãe sempre dizia que aos cinco anos eu já lia
quase tudo e escrevia corretamente as palavras; sendo que, em casa ela me auxiliava na
caligrafia, na gramática, contava histórias, e eu já escrevia pequenos bilhetes. Nas aulas de
gramática quase sempre havia uma música que acompanhava o ensino da leitura e da
escrita, e como exemplo, citarei um trecho que me lembro: “Atenção muita atenção (...)
antes do ‘p’ e do ‘b’ só ‘m’ vamos usar”; e assim a professora escrevia exemplos de
vocábulos em harmonia à música – tambor, tempero, campo, etc. A música viria no
momento da exposição de algum assunto, seja religioso, popular, que enfatizavam os bons
4
Cidade cacaueira e marítima, fundada em 1534, cuja distância da capital - Salvador - é de aproximadamente
170 km e com a estimativa de 220 mil habitantes – em 2006.
19
hábitos exercitados diante das pessoas, e músicas antes dos lanches. Em especial, além da
alfabetizadora que a chamávamos de “tia” 5, havia algumas freiras que nos ensinavam
quase todas as semanas. Das aulas ministradas por elas, a de ciências era uma aventura à
“rocinha” para conhecer os tipos de plantas, das árvores, das folhas, e das frutas existentes
ali. Nas aulas com slides aprendíamos sobre as boas atitudes, religião e histórias infantis.
Lembro-me que sempre íamos ao teatro assistir alguma peça ou apresentações populares.
O uniforme da Pré-Escola se destacava dos outros; era uma jardineira quadriculada
com cores azul claro e branco, acompanhada de uma camiseta de tergal com o distintivo da
escola, e o dos meninos era um short azul; não me lembro da presença dos meninos na
minha sala de aula.
Lembro-me dos relacionamentos com os padres e com as freiras, que nos momentos
religiosos conversavam com os alunos.
Nas horas de lazer éramos incentivados com brincadeiras do tipo “amarelinhas”,
“jogo do elástico”, etc., ou íamos ao parque e brincávamos nas gangorras, balanços,
escorregadiças e carrosséis, administradas pelas freiras e pela alfabetizadora que exigiam a
obediência, caso contrário, os alunos ficavam “de castigo” por algum tempo.
Minha mãe não trabalhava fora de casa e dedicava todas as tardes me auxiliando nas
lições da escola e contava histórias infantis. Foram tempos inesquecíveis, maravilhosos e
deixaram saudades.
5
“Tia Jan” era a alfabetizadora da época. Seu nome completo é Jancy M. Midley, e reside perto de minha
família.
20
1. EXPLICITANDO OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
21
democrática com um ensino de qualidade. Esse empreendimento está condicionado a
esforços em conjunto com a SEDUC – Secretaria do Estado de Educação, as escolas e os
professores. A SEDUC, que vem criando propostas alternativas e incentivando ao acesso do
direito constitucional, desde 1996, instituiu a Educação Básica como prioridade e elabora
programas inovadores no sentido de intervir na evasão e reprovação escolar. Surge, então, a
proposta da Escola Ciclada, no ano 2000, com o objetivo de promover uma nova forma de
trabalho pedagógico no Ensino Fundamental (MATO GROSSO, 2001 / SEDUC, 1998).
Chizzotti (2000), argumentando sobre a abordagem qualitativa diz o seguinte:
22
ampliar o foco de atenção e o interesse em compreender o percurso dos homens que vivem
em suas práticas sociais interligadas a várias dimensões. Assim, compreendo que,
(...) Fazer história como conhecimento e como vivência é recuperar a ação dos
diferentes grupos que nela atuam, procurando entender por que o processo tomou
um dado rumo e não outro; significa resgatar as injunções que permitiram a
concretização de uma possibilidade e não de outras (VIEIRA, PEIXOTO E
KHOURY, 1995, p. 11).
Le Goff (1992) cita seis tipos de problemas que o conceito de história parece
apontar para as relações entre a “história vivida” e a “história natural” nas sociedades
humanas, e o esforço científico para investigá-las, mas, argumenta que a “história é incapaz
de prever e de predizer o futuro”, e a intenção de explicação, narração através do “retorno
do evento” faz-se importante a noção do fato histórico, “que não é um objeto dado e
acabado, pois resulta da construção do historiador” (LE GOFF, 1992, p. 8-9).
Nesse sentido, Le Goff (1992, p. 13,14) afirma que a “visão de um mesmo passado
muda segundo as épocas e que o historiador está submetido ao tempo em que vive (...).
Com efeito, o interesse do passado está em esclarecer o presente; o passado é atingido a
partir do presente”. O autor contempla o vocábulo “história” no grego – historein, que dá
um sentido de “procurar saber”, e “informar-se”, isso inclui o “estudo do homem, enquanto
integrado num grupo social”, e considera que o presente pode ser compreendido pelo
passado e o passado pelo presente. Essa questão está explícita ao que proponho nessa
pesquisa, na busca de uma série de acontecimentos importantes no âmbito da educação,
entre os alfabetizadores, que envolveu o ensino da leitura e escrita (LE GOFF, 1992, p. 23).
23
Le Goff ao exemplificar características da modernidade inclui também o perfil
histórico e acrescenta que:
Devemos interessar-nos pelo antigo, tal como pela arte pura, a lógica, o método
em geral! Quanto ao resto, devemos manter a “memória do presente” e estudar
cuidadosamente tudo o que constitui a vida exterior de um século (LE GOFF,
1992, p. 189).
Para Chartier (2002, p.85-86) “a história pode, ao mesmo tempo, ser diferenciada da
fábula ou ficção e ser validada como reconstituição objectiva do passado conhecido através
de indícios, isto é, da realidade reconhecida a partir dos seus vestígios”, se no caso, a
análise dos materiais históricos forem feitos com técnicas, pois, os conhecimentos
históricos possuem alicerces que são baseados por “operações controláveis, verificáveis,
renováveis” garantindo assim a “verdade”. E ao considerar “às incertezas das reconstruções
hipotéticas ou arbitrárias do trabalho sobre indícios”, enfatiza o seguinte:
24
Devem ser analisadas as práticas culturais que se apoderam de modo diferenciado
da matéria escrita. Por exemplo, numa sociedade familiarizada com a leitura
silenciosa, quais as razões em que é ainda necessária a leitura pública, em voz
alta, dos textos emanados do Estado? Trata-se de fazer a escolha dos dados que
podem indicar evoluções importantes nas taxas de alfabetização, bem como
diferenças geográficas que não deixam de ter efeitos nas possibilidades e nas
modalidades da acção do Estado (CHARTIER, 2002, p. 220).
6
Uso, neste trabalho, os conceitos de tematização, concretização e normatização de acordo com Mortatti
(2000), por tematizações entende-se os conteúdos que circulam em artigos, conferências, simpósios,...;
concretizações com o que se refere à práxis; e normatizações com o que é oficializado e determinado pelos
órgãos públicos ou sistemas de ensino.
7
Fenômeno que, por sua vez se observa primeiramente em São Paulo e em outros estados brasileiros.
25
de alfabetização, na tentativa de compreender sua historicidade e as possíveis raízes que
originam e determinam o movimento que hoje lhe é peculiar.
Em pesquisa sobre o tema em pauta Amâncio (2002) enfoca a questão do
“fenômeno da alfabetização” como um desafio que suscita indagações. “Estas permanecem
em aberto à espera de novas investigações que (...) contemplem aspectos embutidos nas
relações de ensino que possam auxiliar na elucidação dos determinantes do processo”
(AMÂNCIO, 2002, p.13).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (1997), a alfabetização
escolar, em conseqüência de esforços pioneiros, efetivou-se ao longo de uma década em
práticas de ensino, pelo enfoque das propostas políticas educacionais no ensino do uso da
linguagem.
Do ponto de vista das normatizações vivemos um momento em que se difunde uma
concepção sócio-interacionista de linguagem que, em princípio, teria alterado a prática de
alfabetização na medida em que a ênfase dessa perspectiva deixa de ser o método de ensino
para a atenção no processo das práticas sociais, numa nova concepção de língua assentado
em um novo paradigma a ser assumido. As práticas de alfabetização, nesse raciocínio,
teriam adquirido uma nova configuração, e, por conseguinte, deveriam ultrapassar o
simples objetivo de ler e escrever de modo mecânico dirigindo-se ao exercício do
raciocínio crítico e criativo por meio da linguagem como atividade mediadora.
Nesse sentido, o papel do professor seria o de criar oportunidades que permitam ao
aluno, em situações didáticas, pensar sobre a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-
la adequadamente, considerando que “a razão de ser das propostas de leitura e escrita é a
compreensão ativa e não a decodificação e o silêncio, (...) por meio de textos e não a
avaliação da correção do produto” ( PCN ,1997, p. 22).
26
1.1 O Perfil dos Sujeitos Entrevistados
8
A definição por professores dessas cidades se deve ao fato de que embora curse o Programa de Mestrado, na
UFMT em Cuiabá, mantenho residência fixa em Rondonópolis o que facilita o enriquecimento do presente estudo
com dados que contemplem melhor a realidade da prática alfabetizadora.
9
Professoras Mary, Rose e Lu. Ocorreu na sala dos professores. A professora substituta (Lia) não respondeu
as perguntas por falta de tempo, que ela alegou, mas, conversávamos nas aulas.
10
Rondonópolis é um município localizado ao sul do estado de Mato Grosso que fica há 210 km da capital,
Cuiabá, com a população estimada em 180 mil habitantes.
27
Dentre as treze alfabetizadoras, sete colocaram à disposição as suas salas de aulas
para as minhas observações, duas em Rondonópolis e cinco em Cuiabá. Devido o
constrangimento visível de uma maioria delas, quanto à escrita ou na exposição dos seus
conhecimentos, não citarei os seus nomes verdadeiros e sim os fictícios.
As professoras entrevistadas, na maioria, possuem formação profissional –
Licenciatura em Pedagogia, e algumas com especialização: Psicopedagogia, Gestão Escolar
na Educação Básica e Metodologia do Planejamento. Referente à formação acadêmica, os
dados revelam competências na prática docente, e o tempo que alfabetizam se situa entre
dez a trinta anos de experiências no magistério. A quantidade de alunos varia entre treze a
trinta e seis em sala de aula. Boa parte das entrevistadas alega não usar cartilhas,
recorrendo a vários métodos ao mesmo tempo; diz enfatizar o construtivismo e o
sociointeracionismo como concepção teórica, e argumenta que acompanha propostas de
alfabetização de formas diversas. Eis um quadro abaixo ilustrando de forma sintetizada a
participação dos sujeitos na coleta de dados:
28
Professora 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Joe Marí Ema Dona Ida Mary Rose Sol 1ª Lu Val Bete Léa Mel
2a Lia
Tempo que 26 30 20 25 10 14 18 10 22 22 10 17 16
alfabetiza anos anos anos anos Anos Anos anos anos anos anos anos anos anos
(ambas)
Número de 26 26 23 18 23 24 36 28 25 25 20 18 13
Alunos
Formação Peda- Magisté Peda- Pedago- Pedagogia Pedago- Pedago- Peda- Peda- Peda- Pedago- Pedago- Peda-
gogia -rio de go gia e e Esp. em gia e gia gogia Gogia gogia Gia gia e Esp. gogia
II grau gia Esp. em Gestão Esp. em (ambas) em Met.
(Ensino Psicope Escolar na Psicope do
Médio) dagogia Educação dagogia Planejame
Básica nto
Método Misto Vários Vários Silábico Global Silábico Misto Vários Misto Misto Vários Vários Vários
(ambas)
Concepção Cons- Constru- Socio- Socioin Construti- Constru Socioin- Cons- Constrruti Sociointe- Constru- Constru- Cons-
Teórica truti- tivismo intera teracio vismo tivismo teracio trutivis vismo racionismo Tivismo tivismo tru
vismo cionis nismo nismo mo (ambas) tivis
mo mo
Cartilha Cons- Não usa Não Alegria Não usa Alegria Não usa Não usa Não usam Não usa Não usa Não usa Não
trução usa do Saber do Saber usa
na * *
Pré-
Escola
Proposta de Ciclo TV Experi Projeto Ciclo de Ciclo de Experi Escola Experiên- Experi- Proposta Profa – Escola
Alfabetiza- de Escola, -ência Gestar Alfabetiza Aprendi Ência Cicla- cias ência Educar Progra Cicla-
Ção que Apren Revista Pró- ção za- Própria da Próprias e Própria na ma de da
acompanha diza- do pria Cidadã de gem Proposta Diversi Forma
gem Profes Várzea de Paulo Dade ção de Alf.
Sor Grande Freire ( MEC)
(ambas)
Quadro - Síntese exemplificando a participação dos sujeitos entrevistados. Obs: Com relação à coluna
vertical de número 09 dos sujeitos, cujo os nomes são fictícios, houve uma mudança de professoras.
29
coletados, que foram obtidos anteriormente pelas entrevistas semi-estruturadas e conversas
informais ao processo de uma possível interpretação dos fenômenos adjacentes.
Parti então, do pressuposto embasado por Chizzotti (2000, p.79) na certeza que a
fonte direta dos dados, sendo a escola, minha “ferramenta principal”, deveria fazer parte da
minha experiência para poder analisar a “interdependência viva entre sujeito e o objeto”; na
busca de uma melhor compreensão ao tema desse estudo, e atribuição de significados mais
concretos nas ações dos sujeitos no seu “ambiente natural”.
Nesse contexto, algumas dúvidas pairavam no ar: Que tipo de estudo abraçar?
Como responder a indagações ainda não satisfeitas sobre as concepções e práticas docentes
de alfabetizadoras em Mato Grosso? Em outras palavras, uma única escola ou até mesmo
duas não seriam suficientes para um possível resultado satisfatório. Percebi esse fato
quando no início das observações11 senti necessidade de registrar dados de outras escolas
públicas em outra cidade, no sentido de averiguar os fatos para se chegar a uma possível
compreensão. A pesquisação seria interessante (THIOLLENT, 1997), mas o tempo poderia
ser insuficiente se caso me envolvesse em compartilhar diretamente no ambiente natural,
com sugestões significativas aos sujeitos no locus.
Todos esses aspectos fluíam em minha mente na ansiedade de colocá-los em prática,
todavia, analisando a situação limitada encontrei uma saída para o meu estudo: utilizar a
técnica de observação, entrevistas e conversas informais. Segundo Lüdke e André (1986), o
estudo na abordagem qualitativa é adequado para investigar um determinado problema e o
pesquisador “depara ainda com uma série de decisões quanto ao seu grau de participação no
trabalho, quanto à explicitação do seu papel e dos propósitos da pesquisa junto aos sujeitos
e quanto à forma da sua inserção na realidade” (LÜDKE E ANDRÉ, 1986, p.27).
Assim, esse método foi o mais flexível para se adaptar à minha realidade, e tendo
em mãos o planejamento para alcançar as metas delineadas, desde já descrevo as
observações feitas nas escolas seguindo cada passo seqüencialmente nessa trajetória.
De início, passo a denominar as escolas na categoria de numeral ordinal (Primeira,
Segunda...) com relação à proporção da conquista alcançada no espaço escolar para a
pesquisa, que por sinal não foi fácil devido o constrangimento da maioria dos sujeitos, e
alguns terem alegado ter medo de críticas e da falta de privacidade. As salas
11
Segundo o protocolo de n. 31/05/2006.
30
correspondentes a essas escolas seguiram o mesmo esquema de conquista e foram
designadas de modo alfabético (A, B, C...).
Os sujeitos disponíveis para as observações foram sete, ao todo, dentre as
entrevistas12, que foram realizadas no início da pesquisa; são elas: professoras Mary, Rose,
Lu, Lia, Val, Léa e Mel13 - são as de números 06, 07, 0914, 10, 12 e 13 do quadro acima.
Lembrando também, que somente consegui espaço para as entrevistas gravadas15 com a
colaboração das professoras Léa e Mel, e isso se deu nas duas últimas observações em salas
de aula, devido o envolvimento das alfabetizadoras com os preparativos para as
apresentações do tema gerador “folclore” durante as observações anteriores.
Foram trinta e três protocolos, ao todo, resultado das observações nas escolas de
Mato Grosso, durante o período de 31 de maio à 23 de novembro de 2006, em duas escolas
de Cuiabá e uma de Rondonópolis.
Para um maior esclarecimento do capítulo quatro, explico que, a opção em utilizar
as categorias Concepção Tradicional, Concepção Sociointeracionista e Concepção
Sociointeracionista e Construtivista, correspondentes às práticas de alfabetização das
docentes, surgiu pelas observações desenvolvidas em sala de aula, que evidenciam
determinadas tendências. Percebe-se que cada alfabetizadora direciona a sua prática
pedagógica segundo seus parâmetros pessoais, isso inclui, provavelmente, a aptidão natural,
os conhecimentos, as orientações e até os recursos materiais disponíveis.
Para elucidar a ordem das escolas observadas criei o quadro abaixo, que está
esquematizado cronologicamente para indicar o percurso dos relatos:
12
A professora Lia não participou das entrevistas porque foi a substituta da professora Lu , e preferiu se
dispor somente às conversas.
13
Nomes fictícios.
14
O número nove representa as duas professoras: Lu e Lia.
15
Foram duas tardes totalmente disponíveis às gravações, inseridas nos contextos das aulas dessas
alfabetizadoras, e nestes dias foram poucos alunos. As outras alfabetizadoras conversavam comigo em salas
de aulas, ou em momentos oportunos, mas não se dispuseram a gravações.
31
ESCOLA/ Local OBSERVAÇÃO
CUIABÁ
RONDONÓPOLIS
Período: 02 de agosto a 07 de agosto de 2006
Terceira Escola (salas A e B) Período: 13 de setembro a 29 de setembro de 2006
Período: 22 e 23 de novembro de 2006
32
2. UMA TRAJETÓRIA TEÓRICO-METODOLÓGICA DO OBJETO –
ALFABETIZAÇÃO
33
(...) uma multiplicidade de perspectivas, resultante da colaboração de diferentes
áreas de conhecimento, e de uma pluralidade de enfoques, exigida pela natureza
do fenômeno, que envolve atores (professores e alunos) e seus contextos
culturais, métodos, material e meios (SOARES, 1985, p. 20).
Os aspectos mais antigos e talvez mais ricos sobre a alfabetização podem ter vindo
do antigo Egito. Textos antigos revelam que a educação e as letras do alfabeto vieram de lá.
A relação pedagógica educacional era mnemônica, repetitiva, baseada na escrita, e se
processava de pai para filho com autoridade. A educação tinha como meta o falar bem,
antes de tudo, em seguida, a obediência para a formação da personalidade como temas
34
pedagógicos fundamentais. O falar bem tinha como objetivo o preparo do orador político e
o escrever era considerado uma técnica material, instrumento de registro dos atos oficiais
usados por peritos não necessariamente governantes. Esse aspecto do ensino se referia aos
filhos do rei e aos nobres da corte. Era a relação intrínseca entre domínio-produção, cultura-
trabalho das classes dominantes, que já aparecia nos textos antigos (MANACORDA, 1996,
p. 14).
Quanto à instituição educacional, o ensino era realizado num local isolado onde as
crianças não imitavam diretamente os adultos que trabalhavam, mas aprendiam a imitá-los.
A educação na Europa da Alta Idade Média (século VI), chamada de nova cultura
escolástica, se destacou por um ensino mantido a partir dos primeiros elementos literários,
“(o bê-á-bá ou o alfabeto), e da aprendizagem mnemônica dos nomes das letras,
organizadas em versos (...), para passar depois à formação das sílabas (...) antes de chegar à
leitura dos textos” (MANACORDA,1996, p. 123). Para a escrita era usada uma espécie de
tabuinha em que eram traçadas as letras para a criança copiar. E a aprendizagem pelo
método global era resultado da leitura e da escrita sem conhecer antes o alfabeto ou a
ordem das letras, pela observação da escrituras, ou as representações sob as imagens
sagradas – esse método tinha grande importância.
A alfabetização na Baixa Idade Média (século XII) na Itália, também revelou
antiquíssimos procedimentos didáticos:
16
Nome dado ao movimento renovador da Igreja, iniciado por Lutero.
17
João Amós Coménio, tcheco (1592 – 1670). Defensor da reforma, e foi também renovador da pedagogia.
35
línguas, como exemplo: latim, de maneira mais fácil de aprendizagem. E em 1637 editou
um livro que facilitou a explicação do sentido das palavras às crianças – o ORBIS PICTUS.
Esse livro facilitou a aprendizagem tanto do latim como da língua materna, graças a
inúmeras ilustrações que proporcionaram os significados dos nomes respectivos. Comênio
foi o precursor das cartilhas, que passaram a ter palavras acompanhadas de figuras para
facilitar o entendimento (COMÊNIO, 1957).
Outro personagem em destaque é Jean-Jacques Rousseau18, que revolucionou a
abordagem pedagógica enfatizando o sujeito a ser formado. Rejeitou o método
catequético19 que vigorava então, e outros, do tipo de uma transmissão como um todo já
pronto. A sua atenção se dirige para aquilo que a criança tem condições para aprender, e
construir pessoalmente. Ainda nesse período, sob expectativas de uma instrução pública aos
cuidados estatais, se percebe a metodologia de antigos procedimentos didáticos, com a
seqüência de silabar e soletrar.
Na seqüência aos princípios de Rousseau, Pestalozzi20 direciona a instrução a
crianças pobres, destaca a força do amor materno, sugere um ensino não-repressivo,
evidencia a linguagem como um instrumento de valor, incentiva a importância da música, e
enfim, dá relevo aos aspectos físico e intelectual simultaneamente. Um exemplo se deu na
França, quando, a partir de 1920, Freinet (1896-1966) iniciou as suas atividades de
professor primário e criou o método natural21 em conseqüência da sua prática pedagógica e
da inspiração pelos escritos de Rousseau e, sobretudo de Pestalozzi. Inconformado com as
práticas educacionais vigentes, criticou a presença das cartilhas ressaltando que as crianças
aprendiam as letras, harmonizando com outras letras, formavam palavras, frases, mas não
chegavam a compreendê-las. Em particular, usava textos que tinham significados para a
criança, e que elas conheciam. “Freinet conseguia que crianças de até cinco anos
chegassem a compor, rapidamente e sem erros, linhas com até 20 caracteres e, ainda
18
Escritor suíço de língua francesa (1712- 1778). Renovou idéias na política e na educação, propôs novos
temas em literatura, preparou as grandes mudanças políticas da Revolução Francesa e o advento do
romantismo.
19
Ensino baseado na memorização mecânica em relação com o ensino religioso, pois o catecúmeno não podia
desenvolver suas idéias sob risco de heresias.
20
Pedagogo suíço (1746-1795). Discípulo de J.J. Rousseau, esforçou-se por melhorar a educação e instrução
das crianças pobres.
21
Método natural da escrita e da leitura que partia exclusivamente da expressão da vida da criança e envolvia
a correspondência interescolar.
36
sozinhas (...) Era preciso ter confiança na criança e acreditar na sua capacidade”, dizia ele
(SAMPAIO, 1994, p. 38).
22
Jean Piaget (1896- 1980), psicólogo e pedagogo suíço, autor de trabalhos sobre o desenvolvimento do
pensamento e da linguagem na criança e sobre a epistemologia genética.
23
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), russo, formado em Direito, se especializou em Literatura e
Filosofia, fez Medicina, buscou entender os processos mentais humanos, e escreveu A Formação Social da
Mente e Pensamento e Linguagem.
24
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - agência educativa das Nações Unidas
com sede em Paris, criada em 1945 com a principal diretriz de Educação para Todos; o Brasil faz parte do E-9
37
Frago (1993) faz referência à evolução da história da alfabetização quando houve
uma mudança de enfoque, em que o centro da atenção se deslocou do analfabetismo ao
processo de alfabetização, iniciada na década dos sessenta e que alcançou seu auge na dos
setenta, no século XX. Ele expôs o seguinte:
- grupo dos países mais populosos do mundo onde a UNESCO promove ações prioritárias de
desenvolvimento no Setor de Educação.
25
Movimento de renovação educacional, originado em países europeus no final do século XIX e difundido no
Brasil, de modo programático e institucional, a partir de meados da década de 1920. Dentre as principais
inovações desse movimento estavam os métodos ativos; centrados no interesse do educando.
38
É a partir da década de 70, no século XX, que o discurso científico começou a se
impor no que se refere ao processo de escolarização, que até então se construíra espelhado
pelas nações européias, e as suas formas já eram consideradas arcaicas no final do século
XIX. A preocupação estava na mudança de modelos, nas formas de escolarização que
instrumentalizassem à tendência moderna (SOUZA, [2] 1998). A escolha dos modelos
norte-americanos ou ingleses viria de encontro aos objetivos educacionais, segundo os
professores, uma idéia feliz em relação às técnicas capazes de solucionar todos os
problemas educativos, entretanto, as primeiras percepções em Psicologia foram confusas
(SOUZA, [2] 1998).
Nos anos 80, esboça-se então um “discurso de restauração” que diz respeito também
à justificação cultural da escola. É o pensamento pedagógico contemporâneo refletindo
sobre a questão da cultura e dos elementos culturais dos diferentes tipos de escolhas
educativas.
Chartier (2002) considera complexo conceituar a cultura, por ser esta comum ao
conjunto de uma sociedade ou própria de um determinado grupo. Eis o seu argumento:
39
2.2. Aspectos do Ensino da Alfabetização no Brasil
Nessa época, a leitura era entendida, de maneira geral, como uma atividade de
pensamento do “outro”, expresso pela escrita; saber ler em letras maiúsculas e minúsculas;
domínio das “especialidades acessórias” da leitura –“escrita” (caligrafia), ortografia, e a
28
questão da “higiene” . Os brasileiros analfabetos eram proibidos do voto como um
incentivo para eles saírem do estado de ignorância, todavia, houve discórdias, e no contexto
26
Maneira de se iniciar ensino da leitura pelas partes ou elementos das palavras; no método alfabético ou
método da soletração inicia-se esse ensino com a identificação das letras do alfabeto pelo seus nomes,
formando-se depois sílabas e, com elas, palavras, até se chegar à leitura de sentenças ou histórias; no método
fônico, enfatizam-se, inicialmente, as relações entre sons e símbolos gráficos, completando-se com a
seqüência anteriormente descrita.
27
Maneira de se iniciar o ensino da leitura com unidades completas de linguagem, para posterior divisão em
partes ou elementos menores; no método da palavração inicia-se esse ensino com palavras, que depois são
divididas em sílabas e letras; no método da sentenciação inicia-se com sentenças inteiras, que são divididas
em palavras, e estas, em sílabas e letras; no método das histórias (ou de contos ou da historieta inicia-se com
histórias completas para depois se orientar a atenção para sentenças, palavras, sílabas, letras; no método
global, enfatiza-se inicialmente o imediato reconhecimento de palavras ou sentenças inteiras, e,
ocasionalmente, pode ser identificado com os métodos da palavração, da sentenciação ou das histórias.
28
Hábitos no sentido da higiene, modos, postura física dos alunos, etc.
40
de discussões entre “analfabeto e analfabetismo” surgiu ao longo das duas primeiras
décadas do século XX a expansão do aparelho escolar, em especial, da “instrução (pública)
elementar” e a oficialização do método analítico para o ensino da leitura (MORTATTI,
2004, p.56,57).
O diretor geral da instrução pública do Estado de São Paulo, Oscar Thompson,
oficializou o método analítico e buscou sugestões sobre como resolver o problema do
analfabetismo, pois, sua meta era a de uma escola moderna. Utilizou o termo
“alphabetização” para referir-se “oficialmente” ao ensino inicial da leitura (e escrita), sendo
que, o “analphabetismo” era considerado como um “monstro canceroso”, o “maior mal do
Brasil”, que impedia o progresso (MORTATTI, 2004, p. 60).
Nesse contexto houve muitas reformas e intensa campanha contra o analfabetismo,
e a noção de “educação popular” despontou com a necessidade de uma eficiência escolar, e
isso, também em outros estados brasileiros. E em 1924, fruto de debates entre profissionais
da educação, as reformas testemunharam o ideário da Escola Nova. Para Lourenço Filho29 a
escola deveria ser capaz de ajustar “os homens a novas condições de vida, pela pertinácia
da obra de cultura, que a todas as atividades impregne, dando sentido e direção à
organização de cada povo” (MORTATTI, 2004, p.61,62).
A dificuldade na aquisição da escrita, a expressão do pensamento e o domínio das
competências variavam por parte dos alunos. No período da década de 1880 à de 1940, de
acordo com Vidal e Esteves (2003), a ênfase era a dos modelos caligráficos, e a pedagogia
aliada à psicologia buscava razões para questões de aprendizagens em andamento, e a
situação era conduzida pelo “desenvolvimento de testes de inteligência com Binet, seja à
profusão do debate sobre métodos, tanto no que concerne ao desenho da letra (caligrafia),
quanto no que se refere à redação correta (alfabetização, ortografia e gramática)”. Mas, no
fim desse período surge nos países desenvolvidos a rejeição desse modelo devido à
insuficiência das práticas sociais de leitura, prejudicando assim a exteriorização das idéias
pelos alunos. Nesse contexto deixa-se de lado a caligrafia, abandona-se a cópia e dá-se
ênfase à composição (VIDAL E ESTEVES, 2003, p. 118).
Com a promulgação da Lei 4024 em 1961, a primeira LDB, estendeu-se a gratuidade e
obrigatoriedade do ensino para oito anos, equivalendo ao ensino de 1o grau, e observou-se a
29
Reformador da instrução pública do Ceará e diretor da instrução pública paulista: 1930 –1931.
41
taxa de escolaridade da população - 67% (de 7 a 14 anos). E com a ditadura militar30, em
1964, constatou-se outros fenômenos, e as discussões e análises dos problemas brasileiros
abrangeram áreas de conhecimento, em especial: Sociologia, Filosofia, História e
Educação. Os manifestos se dirigiram contra o tecnicismo do ideário escolanovista,
sistematizado e oficializado na Lei n.5692/71 imposto pelo golpe militar de 1964, e em
síntese, verificou-se o fracasso escolar das camadas populares na passagem da “1a para a 2a
série do ensino do 1o grau”; os “altos índices de repetência”, evasão escolar, e o fracasso na
alfabetização entendidos como “produzidos pela escola reprodutora” (MORTATTI, 2004,
p. 70,71).
Por causa da “abertura política”, no final dos anos 70, as instituições e relações
sociais começaram a reorganizar-se, e os profissionais da educação envolveram-se em torno
de “associações de caráter sindical ou educacional”, como a “Associação dos Professores
do Estado de São Paulo” (APEOESP), o “Centro de Estudos de Educação e Sociedade”
(CEDES), a “Associação Nacional de Educação” (ANDES), a “Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Educação” (ANPED), e o “Centro de Estudos de Cultura
Contemporânea” (CEDEC). A ênfase agora é relacionada à perspectiva de uma “escola
redentora”, em aversão ao ideário da escolanovista, de acordo com Mortatti (2000,
p.257,258).
Nesse sentido, há uma grande revolução no meio escolar, e em especial, na
alfabetização a estrutura curricular é reorganizada em ciclos junto com a proposta do Ciclo
Básico31, e embasada nas concepções didático-pedagógicas do construtivismo, que enfatiza
o processo de aprendizagem da criança com relação à escrita, e isso, por haver, na época,
um clima favorável a mudanças.
Esse discurso do construtivismo é oficializado pela Secretaria de Educação de São
Paulo que passou a divulgar estratégias de capacitação docente, como exemplo: os “Centros
de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério” (CEFAMs) e outros. E nesse clima de
“fase heróica” da nova proposta, outros estudiosos e textos vão sendo acrescentados no
30
Nesse contexto é destruído o estado de direito. As manifestações políticas são vigorosamente contidas. A
doutrina de segurança nacional justifica todo tipo de repressão, desde censura até prisão, tortura, exílio e
assassinato.
31
É um sistema implantado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em meados de 1983, que
favoreceu mudanças estruturais, administrativas, visando à reorganização do ensino de 1o grau da rede pública
estadual paulista.
42
final da década de 1980, surgia então, a perspectiva denominada “interacionista”; aquela
que viria preencher a lacuna pouco enfatizada pelo construtivismo – o “social”
(MORTATTI, 2000, p.268, 272).
A partir da década de 80 (século XX), especialmente, se difundiram trabalhos em
prol da prática docente no sentido de um aprofundamento na compreensão da problemática
educativa central na América Latina, sendo que por volta de 1970 a quarta parte da
população maior de 15 anos era dada como analfabeta pelos censos populacionais, com
exceções, por exemplo, de alguns países: Argentina, Chile, Costa Rica e Uruguai
(TEDESCO, 1983).
Expandiu-se então, a pós-graduação e as pesquisas acadêmicas começaram a
esboçar balanços críticos da produção, em particular, da alfabetização. Exemplo: As muitas
facetas da Alfabetização de Magda B. Soares, publicado em 1985 em Cadernos de
Pesquisa. Por outro lado, Smolka (1989) apresentou um discurso sob a perspectiva
interacionista. Mereceu destaque, também, as tematizações de João Wanderley Geraldi, que
anteriormente, de forma pioneira divulgou e produziu reflexões e propostas para o ensino
da língua (MORTATTI, 2000).
Historicamente, até os anos de 1980, as discussões sobre a alfabetização escolar, no
Brasil, se centraram na eficácia de processos e métodos, mas, foram abandonadas pela
abordagem de grande impacto conceitual no campo de alfabetização, sistematizada por
Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) e vários outros teóricos e pesquisadores.
Conhecida como “Construtivista” essa concepção reverteu a ênfase anterior no método de
ensino para o processo de aprendizagem da criança que se alfabetiza e a sua representação
progressiva sobre a escrita. “Além disso, passou-se a valorizar o diagnóstico dos
conhecimentos prévios dos alunos e a análise de seus erros como indicadores construtivos
de seus processos cognitivos e hipóteses de aprendizagem” (BREGUNCI, 2004, p.1,2).
A teoria construtivista de Emília Ferreiro32 foi apropriada pelo discurso oficial da
Secretaria de Educação de São Paulo, e passou a ser divulgada no âmbito das estratégias de
32
Doutora pela Universidade de Genebra, orientanda e colaboradora de Jean Piaget, desenvolveu a teoria
construtivista a partir de pesquisas desenvolvidas na Argentina e no México.
43
capacitação docente, a partir de 1984, para preencher a lacuna na proposta política do Ciclo
Básico33.
A pesquisadora desenvolve a teoria com a colaboração de Ana Teberosky, que
busca explicar de uma perspectiva psicolingüística, como resultado do entrecruzamento de
dois marcos conceituais: a teoria da linguagem (de N. Chomsky) e a teoria da inteligência
(de J. Piaget). Nesse contexto, a aquisição da língua escrita pela criança é vista como um
processo psicogenético, que se inicia antes da escolarização e que “segue uma linha de
evolução surpreendentemente regular, através de diversos meios culturais, de diversas
situações educativas e de diversas línguas” (FERREIRO, 1985, p. 19), numa relação direta
entre ontogênese34 e filogênese35.
Com o predomínio da perspectiva construtivista, aos poucos, o espaço no discurso
com o interacionismo e letramento se evidenciava:
33
O Ciclo Básico de Alfabetização (CB) foi a principal medida de um elemento de projeto pedagógicos
voltados para a melhoria da qualidade do ensino, ampliação das oportunidades de acesso e permanência na
escola pública e busca de maior aproveitamento da comunidade escolar (pais, professores e alunos) no
sistema educacional.
34
Série de transformações por que passa o indivíduo, desde a fecundação do ovo até o ser perfeito.
35
Estudo científico da evolução das espécies, que vão ao longo do tempo, passando de simples e inferiores a
complexas e superiores
44
fundamentada em Jean Piaget e nas pesquisas de Emília Ferreiro, no âmbito da perspectiva
psicológica, assinalou como base histórica ajustada à perspectiva política que contribuiu
para as iniciativas oficiais da década de 90, como a elaboração da LDB 9.394/96, fenômeno
que, por sua vez, se observou primeiramente em São Paulo e em outros estados brasileiros.
Mas os resultados não conseguiram dar conta do fracasso escolar. Buscou-se então
compreender o processo de construção, por parte da criança, do conhecimento sobre a
língua escrita, para o encontro de procedimentos didático-pedagógicos adequados a esse
processo (MORTATTI, 2000).
Nesse sentido, pode-se observar o artigo sobre a precariedade do ensino, divulgado por
Weinberg36 (2006), que envolve a leitura e a escrita em nível nacional e internacional.
Com o tema “Querem mudar o á-bê-cê” Weinberg (2006, p.116) menciona o Ministério de
Educação (MEC), envolvido no debate quanto à questão dos métodos de ensino. Comenta
que o assunto poderá resultar numa mudança de diretrizes nos currículos das escolas, ou
seja, um regresso ao tradicional método fônico37; e questiona a eficiência do modelo de
alfabetização – o construtivismo, hoje, em vigor em nosso país. Esse argumento baseia-se
em pesquisas internacionais que afirmam a eficácia deste método, e os estudos foram
conduzidos em centros europeus e americanos que chegaram a duas conclusões:
36
Mônica Weinberg é jornalista brasileira.
37
Método sintético que explora os sons, dando ênfase à menor unidade da fala, o fonema, e sua representação
na escrita.
38
Estatística segundo a jornalista.
45
Em seqüência, diante do aspecto complexo do ensino, Castro39 (2006) ao comentar
a precariedade na educação brasileira evidenciou o resultado de um exame ocorrido na
Alemanha em 2002, que colocou o nosso país em último lugar. Esse exame teve como meta
medir a capacidade de leitura e o aprendizado de matemática e ciências, entre jovens de 15
anos.
Em face desse assunto, o educador se depara com certa angústia que o incomoda e
o impulsiona a uma possível solução para essa crise. As entrevistas e observações coletadas
nessa pesquisa denunciam essa angústia que sentem as professoras quanto aos alunos que
não estão aprendendo, e muitas vezes não sabem o que fazer. Relaciono essa situação com
as sugestões de Mortatti (2006), que ao refletir sobre a alfabetização orienta à possibilidade
de encaminhamento para mudanças necessárias.
Nesse contexto, por achar emblemático o ponto de vista de Castro (2006) destaco o
que me despertou a atenção:
Pousar nas terras onde a educação funciona e ver como se faz lá (...) Convergir
todo o foco do esforço para os primeiros anos (...) A emoção, o afeto, o amor e a
auto-estima não são objetivos em si, mas condições necessárias para acontecer o
ensino sério (...)
Os professores (...) que tiverem êxito na missão devem ser festejados e premiados
(...) (CASTRO, 2006, p.23).
39
Economista brasileiro
40
Pertence ao Instituto de Estudos de Educação de Ontário – Toronto (Canadá)
46
para nove anos a duração do Ensino Fundamental na rede pública do país, e deveria ser
“universal e obrigatoriamente ofertado pelo Estado”. Em conseqüência, reflexões e
interrogações surgiram entre docentes, especialistas e gestores de escolas, mas, já podemos
constatar alguns avanços na educação ao contemplar um debate da primeira conferência do
Ceale, com Antônio Augusto Batista41 (2006), ao tratar da avaliação do desenvolvimento
dos alunos que ingressaram nas escolas de Minas Gerais, em 2004, aos seis anos de idade
no ensino fundamental de nove anos.
Esse debate levou-me à reflexão e a compreensão de que a criança aos seis anos de
idade no Ensino Fundamental tem mais oportunidade, tempo e condições para vencer as
etapas necessárias à aprendizagem da leitura e da escrita, e oferece ao professor
alfabetizador condições para refletir sobre sua prática pedagógica, e assim ele poderá
“desenvolver processos de intervenção que assegurem o avanço das aprendizagens dos
alunos” (SILVA, 2005, p.1).
41
Professor da Faculdade de Educação da UFMG e diretor do Centro de Alfabetização Leitura e Escrita
47
2.3 Alfabetização em Mato Grosso: 1996 - 2006
(Ceale)
48
Há quatro momentos cruciais nesse período de disputas entre os métodos, (de 1876
a 1890) 1º- “A metodização do ensino da leitura”, e o de “marcha sintética”
predominaram (soletração, silabação e o fônico), sendo que, as primeiras cartilhas
baseavam-se nesse sentido; 2º- “A institucionalização do método analítico” (de
1890 até meados de 1920) disseminado por meio de “missões” de professores
paulistas e a cartilha é baseada nesse método, sob um clima de disputas entre
métodos; 3º- “A alfabetização sob medida” (meados de 1920 a 1970), se resume na
utilização de métodos mistos ou ecléticos, mas continua a disputa, e as cartilhas sob
os moldes mistos ou ecléticos; 4º- “Alfabetização: construtivismo e
desmetodização” é o resultado na busca de soluções e continua a disputa que
envolve os métodos mistos, as cartilhas “tradicionais” e os testes psicológicos. A
ênfase é voltada para a criança na construção do conhecimento e o interacionismo
na alfabetização (de 1980 até o momento atual). As cartilhas são produzidas
segundo esse paradigma.
A alfabetização, no presente, encontra-se em processo e há uma interrogação
subjacente: Falta uma didática? Nesse sentido, resta a espera de “projetos políticos
e sociais decorrentes de urgências de cada época”.
Um método não pode resolver o problema da alfabetização: O que fazer? O
processo é “multifacetado”. É importante conhecer o passado que envolve a leitura
e escrita, considerar a complexidade do problema e, no entanto, conscientizar-se
quanto ao avanço científico presente. Assim poderá haver “possibilidades de
encaminhamento das mudanças necessárias, em defesa do direito de nossas crianças
ingressarem no mundo novo da cultura letrada (...)” (MORTATTI, 2006).
49
Aprendizagem, pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em dezembro de
1983, que em conseqüência, incorporou “uma nova teoria como base para as opções
didático-pedagógicas: o construtivismo” (MORTATTI, 2004, p.74).
Por essa época é importante ressaltar os estudos em Lingüística42 e
Psicolingüística43 que contribuíram ao destaque de outros aspectos para compreender e
praticar a “alfabetização” quanto à necessidade de “revolução conceitual” proposta por
Ferreiro. Além dessas duas perspectivas, possíveis na abordagem da alfabetização,
verificou-se a tendência de uma perspectiva histórica e sociológica, quase isenta nos
estudos acadêmicos brasileiros, e que contribuíram na ampliação de reflexões sobre os
limites e possibilidades de compreensão dos fenômenos pertinentes (MORTATTI, 2004, p.
76).
Ainda no clima de democratização, em 1985, foram disseminados estudos e
pesquisas oferecendo subsídios ao livro didático, para melhoria e qualidade do ensino. E
paralelamente, durante a gestão de José Sarney na Presidência da República e de Hugo
Napoleão no Ministério da Educação, foi instituído o Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) – MEC/FAE, com o objetivo de distribuir livros didáticos aos alunos. Esses livros
vinham com manuais para orientar os professores de acordo com a nova perspectiva.
Dentre os esforços empregados à melhoria do ensino no processo da alfabetização,
ainda há questões pendentes:
Dentre elas, a que ocupa professores e intelectuais brasileiros desde, pelo menos,
o final do século XIX: a busca do todo, onde se encontra o sentido do que se lê e
se escreve, onde se encontra o sentido do ensino-aprendizagem da leitura e escrita
na fase inicial de escolarização de crianças (MORTATTI, 2000, p.288).
42
Estudo científico da natureza e estrutura da linguagem humana e das línguas particulares.
43
Área interdisciplinar da psicologia e da lingüística que investiga o comportamento lingüístico e estuda as
conexões entre linguagem e mente.
50
segundo o IBGE – em 2004, 30% de mato-grossenses com até 17 anos não estavam
matriculados, e alguns dos motivos são: a falta de vontade de estudar até a falta de vagas ou
transportes; afazeres domésticos ou procura de ocupação remunerada.
44
Inglês < > português = cálculo, conta, computação, escrituração mercantil.
45
Diretrizes denotando normas de procedimento, e Bases, fundamentos ou alicerces.
51
terminal do ciclo pleno da educação escolar. Essa lei estabeleceu, também, novas formas de
organização da Educação Básica:
52
O artigo 32, inciso primeiro da nova lei, remete aos sistemas de ensino uma
inovação facultativa que tem funcionado na prática: o sistema em ciclos, adotado por vários
estados brasileiros.
A LDB anterior restringia-se à educação formal e era omissa quanto à inclusão da
Educação Infantil. Atualmente, a abrangência da lei ampliou-se de modo a comportar uma
multiplicidade de conceitos de educação como: educação formal, educação não-formal,
educação continuada, educação à distância, educação ambiental, etc., e quanto ao conceito
de educação básica, com a Lei 9.394/96 houve avanços importantes e indícios de
responsabilidades públicas:
46
A partir de 1988, com o advento da Constituição Federal, o novo ordenamento jurídico do País estabeleceu
normas e previu – em suas disposições transitórias - leis que permitiram imprimir mudanças ao avanço no
ensino no Brasil.
47
Proposta alternativa na qual o Ensino Fundamental era estruturado em Ciclos de Formação, que atendia 22
escolas rurais e urbanas de seis municípios.
53
Nessa perspectiva, a Secretaria de Estado da Educação de Mato Grosso (SEDUC),
vem desde 1996 criando propostas alternativas e incentivando ao acesso do direito
constitucional, de modo a garantir a continuidade e a terminalidade dos estudos escolares.
Através da proposta da Escola Ciclada foi instituída uma organização do ensino que propôs
uma nova forma de trabalho pedagógico na Educação de Mato Grosso, buscando imprimir
uma mudança significativa no Ensino Fundamental. Publicações como o livro da Escola
Ciclada (MATO GROSSO, 2001), a Série Subsídios com temas como “Enfrentando os
Desafios” (MATO GROSSO, 2002) e outros, foram criados para o auxílio da nova
proposta, assim, gradativamente, as escolas públicas são orientadas na implantação dos
Ciclos de Formação e a extinção do sistema seriado.
A Escola Ciclada no Mato Grosso é, de certo modo, continuidade do Projeto Terra
(1996) e do Ciclo Básico de Aprendizagem CBA (1997) cujo objetivo era mudar o Sistema
Seriado do Ensino para o Sistema Ciclado, devido a índices elevados (34,4%) do fracasso
escolar. Surgiu então a necessidade de mudanças, no sentido de diminuir esses altos índices
de evasão e repetência escolar; e principalmente transformar a escola num espaço propício
à aprendizagem, evitando um ensino fragmentado, como era anteriormente, e sem
discriminações, admitindo uma pedagogia da inclusão social.
54
Secretaria de Estado de Educação, via suas Assessorias Pedagógicas, promoveu discussões
com educadores em várias regiões do estado, seminários realizados com professores,
diretores e coordenadores pedagógicos da rede pública de diferentes municípios. Surge
uma proposta curricular com conteúdos e sugestões de trabalho em cada área do
conhecimento. Dois eixos foram viabilizados para a implantação do projeto do CBA para o
Mato Grosso – a proposta curricular e a capacitação docente. A proposta metodológica do
CBA era simples, mas a sua eficácia dependeria do envolvimento do docente (MATO
GROSSO, 1998, p. 7).
As metas do ensino no Mato Grosso, nessa perspectiva, são as seguintes:
priorização da educação básica; auxílio ao trabalho pedagógico; redução do índice do
fracasso escolar; e a formação continuada dos professores.
A opção pela ênfase no ensino da linguagem é dada pelo papel que ela representa
no meio social e interação entre os sujeitos, e para a formação da consciência e o respeito
da variedade lingüística utilizada pelos discentes. Lembrando que, no Mato Grosso abriga-
se pessoas de quase todas as regiões do Brasil, é “um Estado onde a riqueza dos falares
pode servir na sala de aula, para o estudo das variações lingüísticas” (MATO GROSSO,
1998, p. 10).
Essa questão se direciona à mudança que se espera obter na educação e na rede
pública estadual de ensino. E como toda mudança profunda rende debates e polêmicas entre
os educadores de todo o mundo, o ensino no Mato Grosso continua sendo, ainda, mais que
um desafio – uma conquista, e percebe-se que:
55
Concebendo a alfabetização como um processo contínuo, no Ciclo Básico haverá
para a criança a garantia da continuidade desse processo. “Ela terá um tempo de dois anos
para adquirir e estruturar seu conhecimento acerca da leitura e da escrita, sem que haja
quebra na continuidade” (MATO GROSSO, 1998, p.12).
Segundo Braslavsky (1993) o ensino no primeiro ciclo tem como objetivo levar a
criança a produzir textos significativos acessíveis à compreensão. Mesmo de modo
imperfeito “a experiência mostra que os alunos descobrem um grande interesse pela
leitura”, quando são incentivados e orientados a criarem seus textos e expressarem, sem
restrições, todos os seus pensamentos através da escrita para os receptores lerem
(BRASLAVSKY, 1993, p. 37). Para isso, há atividades em sala de aula, classificadas como
“motivacionais”, “cognitivas”, “lingüísticas”, e “funcionais”, pois, o propósito é manter o
professor alerta em seus planejamentos (BRASLAVSKY,1993: p.48), e estas, não são
consideradas separadamente como eixos curriculares.
Nesse âmbito, a linguagem verbal nas formas oral e escrita se caracterizou de forma
imprescindível na interação social, sem esquecer outras formas de linguagem como a
linguagem não-verbal, enriquecendo assim diferentes áreas do currículo. Dentre os
representantes teóricos adotados pelo CBA que contribuíram, temos – o psicólogo soviético
Vygotsky (1991 1988); Soares (1996); Smolka (1985, 1989, 1988,1993); Geraldi
(1984,1991), Coll (1996) e outros.
O professor deverá adaptar cada atividade ao plano de aula, adequando à série, ou à
fase que irá trabalhar, conhecendo a sua turma ele saberá escolher a estratégia de leitura
certa para o procedimento em classe. Mas, nem sempre as expectativas correspondem ao
esperado, por isso mesmo, deverá levar em consideração, sobretudo, que a deficiência na
leitura poderá afetar toda a vida do indivíduo, todas as carreiras, nas artes, nas ciências ou
em qualquer profissão. A leitura eficiente amplia as faculdades intelectuais, desenvolve a
compreensão mais rápida e mais precisa, em um maior número de assuntos, e o
conhecimento gera segurança para aprender mais.
Nesse sentido, os teóricos cognitivos ressaltam que a forma como pensamos sobre
situações, mediante tudo o que nos envolve e o ambiente, influencia como e o que
aprendemos. Como o publicitário toma de empréstimo ao psicólogo sobre o funcionamento
do campo sensorial e perceptivo, a escola deveria fazer o mesmo, apelar para os sentidos
56
com a intenção de motivar os seus alunos. O que cativa os olhos? A motivação influencia a
percepção, um estímulo afeta a nossa habilidade de percepção e o que queremos saber ou
fazer também tem o efeito de realização ou não (Bandura, 1986; Piaget, 1963 Anderson
1995; Farnham-Diggory, 1994 apud WOOLFOLK, 2000).
Nesse contexto, ao considerar a importância dos conhecimentos da psicologia na
sala de aula, a ludicidade, e as linguagens não-verbais como instrumentos de auxílio ao
ensino, itens em destaque no CBA, as crianças também devem estar em estreito contato
com a linguagem verbal – oral e escrita, porque na faixa etária de seis a sete anos sentem
necessidade de simbolizar, ou seja, falar ou escrever de alguma forma. Para isso, usam o
seu corpo e o corpo das outras crianças.
O CBA propõe dois eixos norteadores para as aulas de Língua Portuguesa – usos
da linguagem oral e escrita e leitura e a análise lingüística, inspirados nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental
(1997), e na concepção sociointeracionista de linguagem.
Na linguagem oral é enfatizada a prática da fala no envolvimento a contextos
comunicativos para o desenvolvimento da língua materna, para ser inserida paralelamente
à língua escrita. Mesmo esse aspecto ser considerado um processo complexo na
alfabetização, poderá fazer parte no contexto da aprendizagem.
A linguagem escrita deve ser considerada no contexto de interação para a
caracterização da língua, e isso, deve estar presente desde o início do processo da
alfabetização. Considerando que, “(...) quanto mais rico for o ambiente de leitura, maior
domínio da criança e maiores as possibilidades de levantamento das hipóteses que ela tem
sobre a leitura e a escrita, o que vai contribuir para a formação do leitor crítico” (PCN,
1997, p. 25).
O professor deverá saber o que fazer de fato em sala de aula. É importante que a
atividade não dependa da ‘inspiração’ dos alunos, mas, a partir das leituras e debates
trabalhados em aula como o resultado de uma pesquisa, um teatro, uma música, uma carta,
uma excursão, etc..
A análise lingüística “(...) possibilita a discussão sobre diferentes sentidos atribuídos
aos textos e sobre os elementos discursivos implícitos”. Assim sendo, a linguagem escrita é
realizada sob a prática da reflexão que auxilia nas atividades mentais dos alunos no que se
57
refere à adequação da fala à escrita, e vice-versa, e desse modo os ajuda na produção de
textos. Nesse sentido, os objetivos e os conteúdos de Língua Portuguesa no Ciclo Básico de
Aprendizagem – CBA se resumem em conseqüência da dinamicidade produzida em sala de
aula. Requer do educador “flexibilidade e reflexão constantes sobre a organização do seu
trabalho em sala de aula” (MATO GROSSO, 1998, p.26,27).
O Ciclo Básico de Aprendizagem (CBA) funcionou de 1998 a 1999 e, em 2000, foi
implantada a Escola Ciclada que vigora até hoje. O CBA era um projeto que enfatizava a
importância da alfabetização e, como tal, entendia que era necessário permitir que a criança
tivesse dois anos nesse processo de aprendizagem. Ao final, a criança deveria ser
matriculada na 3ª série. Em 2000 foi implantada a Escola Ciclada e as crianças que foram
do CBA podiam dar continuidade à sua escolaridade, agora, nos ciclos seguintes.
O três quadros abaixo poderão mostrar com mais clareza a estrutura da Escola
Ciclada no Mato Grosso. Sendo que, o primeiro quadro tem como objetivo mostrar a
enturmação segundo as idades aproximadas, o segundo, o número de alunos por turma, e o
terceiro mostrar o esquema com relação ao regime seriado.
Fase de Turma de
Ciclos
Fases Agrupamentos Desenvolvimento Superação
I Ciclo 1a Fase 6 a 7 anos
a
2 Fase 7 a 8 anos Infância Maiores de 9 anos
a
3 Fase 8 a 9 anos
58
Quadro no. 2 – Número de alunos por turma
59
A alfabetização é o destaque especial das práticas pedagógicas nessa pesquisa. É
tarefa do primeiro ciclo da Escola Ciclada de Mato Grosso (2001), que abriga o discurso do
ensino da linguagem nas relações humanas e o aspecto de atividades lúdicas ao
desenvolvimento da criança – período em que ela está se embrenhando no desafio de
conhecer a escrita. Vygotsky (1993) considerava o ato de pensar e usar a linguagem como
elementos principais para explicar essas relações humanas com bases nas pesquisas, no
entanto, as crianças se apropriam passo a passo nesse processo de internalização através das
interações sociais, sendo assim, percebe-se de forma explícita a ênfase no ensino de Mato
Grosso:
Uma investida pelo campo da História da Educação Brasileira rumo à nossa pesquisa
sobre o ensino dos métodos de leitura e escrita em alfabetização, evidenciou um quadro em
60
que as decisões políticas, desde a década de 1960, eram baseadas em “comparações
internacionais” e o sistema educacional deveria contribuir com esse esquema, do mesmo
modo como um produto no mercado competitivo. Ou seja, um país se ordenava de acordo
com um índice de desenvolvimento que correlacionava dados econômicos, sociais e
educacionais; e “para alcançar os níveis de crescimento dos países avançados, era preciso
também alcançar seus níveis educacionais”, correlacionando
“produtividade, qualificação e anos de estudo”. Por um lado esse método atraía
fundamentalmente na rentabilidade dos investimentos educacionais, mas por outro aspecto,
supunha-se que os indivíduos se comportariam diante da educação num clima de
concorrência como um produto no mercado (TEDESCO, 1983, p.68,69).
As propostas de reformas surgiram ao sistema educacional após essas proposições
economicistas, quando se acentuou a idéia de que a educação formal é um direito do
indivíduo – sua formação para uma vida democrática, como resultado da ação pedagógica.
Tedesco (1983) diz o seguinte:
Essas idéias reformistas não tiveram êxito, e rumo às questões, então, seguiu-se o
sentido externo do sistema formal de ensino, ou seja, a reflexão a respeito do próprio
conteúdo das propostas foi observada e entendeu-se que a realidade da América Latina é
diferente da dos países mais avançados; “os padrões de crescimento econômico é limitado”;
a “marginalidade social é um fenômeno generalizado”; e a “superoferta de mão-de-obra, é
salvo algumas exceções, regra geral no mercado latino-americano”. Em vista desse assunto
é considerada a seguinte reflexão:
61
Entretanto, a escolarização do ensino da leitura e da escrita no Brasil se destacou
desde a proclamação da República, em 1889, um marco que promoveu a intervenção
institucional na formação dos cidadãos. Em conseqüência dos esforços republicanos ao
implante de um novo regime político, “foi demandado um conjunto de tematizações,
normatizações e concretizações relacionadas com o ensino da leitura (e escrita)(...)” , as
funções da leitura e da escrita foram ganhando novas configurações (MORTATTI, 2004, p
55).
Para se entender como se processou o ensino dos métodos de leitura no país,
averigua-se que após 1930, no contexto sócio-político, “a educação e o desenvolvimento
em nosso país se acham vinculados às contradições políticas causadas pela luta entre as
várias facções das camadas dominantes na estrutura do poder. Essa vinculação se evidencia
pela organização do ensino que essas facções conseguiram impor à sociedade, através da
legislação do ensino”. O sistema educacional a partir daí segue a direção a favor das
correntes conservadoras que refletem contradições (ROMANELLI, 1999, p. 127).
A história dos métodos de ensino de leitura e de escrita, ao longo do tempo,
caracterizou-se por acirradas disputas, sendo necessário uma ordem cronológica para a
compreensão dessa trajetória.
Cagliari (1998) faz menção da cartilha da língua portuguesa mais antiga, publicada
em 1540, a Cartinha48, por João de Barros (1496 – 1571); e em 1876 é publicada a Cartilha
Maternal, na língua portuguesa, do poeta português João de Deus. O “método João de
Deus” contido nessa cartilha foi o mais difundido no Brasil na década de 1880, e é baseado
na palavração, divulgado sistemática e programaticamente no Brasil por Antonio da Silva
Jardim49.
Anterior a década de 1950, com o método sintético, o estudo do alfabeto é iniciado
pela soletração e silabação, seguindo uma ordem crescente de dificuldades desde a letra até
o texto. Como exemplo: a Cartilha da Infância (189?) (CAGLIARI, 1998).
Nesse período surgiram as primeiras cartilhas nacionais (MORTATTI, 2000); e
depois da grande influência da Cartilha Maternal, apareceram muitas outras. Porém, com
a:
48
É um outro diminutivo de “carta”, ao lado de “cartilha”. O nome “cartinha” ou “cartilha” tem a ver com
“carta”, no sentido de esquema, mapa de orientação.
49
Positivista militante e professor de Português da Escola Normal de São Paulo.
62
(...) Cartilha maternal começa o método analítico, que vai assumir importância
maior na década de 30, quando a psicologia passa a fazer testes de maturidade
psicológica e a condicionar o processo a resultados obtidos nesses estudos. Um
exemplo típico desse caso é a Cartilha do povo (1928), de Lourenço Filho, e o
famoso teste ABC (1934), do mesmo autor (CAGLIARI, 1998, p. 25 – grifo do
autor).
63
da capacidade do aluno a que se destina”. Foi constatado, que a cartilha apresentava uma
linguagem “simples”, “fácil”, ou seja, as unidades lingüísticas (oração, período, parágrafo,
texto) eram reduzidas ao mínimo possível, revelando assim, uma característica negativa e
não-natural, não condizente com a fala das crianças que foram entrevistadas (MACEDO,
1985, p. 47).
A autora concluiu que a cartilha tem sido um empecilho ao desenvolvimento
lingüístico e cognitivo, pela tendência observada, ou seja, a predominância da criança
imitar a cartilha que apresenta uma linguagem artificial. E acrescenta ainda: “A língua é
algo muito ‘versátil’, às vezes ‘podemos usá-la para expressar nossos pensamentos’, outras
vezes podemos usá-la só para fixar sílabas e palavras... Sem qualquer compromisso com o
significado” (MACEDO, 1985, p.56).
Ao observar o Método do ensino de leitura, antigo, Carvalho (1934), mencionava as
seguintes denominações: “antiga soletração ou alfabético; moderna soletração ou fônico; e
o método por articulação ou de emissão de sons” (CARVALHO, 1934, p.10). As opiniões
quanto a esses métodos são variadas, porém, ressalto que no método da antiga soletração o
trabalho era longo, cansativo, envolvendo repetição à força Pedagogicamente, o ensino da
leitura e escrita se processava da seguinte forma:
50
Profa adjunta da UFMT
64
1. No méthodo da antiga soletração dão-se às consoantes, não um nome
designativo da articulação que elas exercem nas palavras, mas o nome da letra;
assim, k, r, s, pronunciam-se: cá, érre, ésse; e para formar as sílabas por êste
método, dir-se-á: cá...i...ki (qui); érre...á...rá; ésse...ó...só.
2. O méthodo de soletração moderna, fônico, e também chamado de Port-
Royal, difere do antecedente em nele se atribue às consoantes um nome que
muito se aproxima do seu valor na organização da palavra: êle faz seguir de um e
quasi insensível o som da consoante; assim: k, r, s, poder-se-ão representar por:
ke, re, se, pronunciando-se ligeiramente a letra e.
3. O méthodo da emissão de sons mostra ao menino não as letras isoladas,
como na escrita, mas sons e articulações como na palavra falada.
Assim por qualquer dos dois primeiros métodos, mas antes processos, a palavra –
chocalho – seria pelo menino analisada da seguinte fórma, désse êle às
consoantes êste ou aquele nome: c,h,o,- c,a - l,h,o .
O méthodo da emissão de sons decomporia a palavra do seguinte modo: cho-ca-
lho. (CARVALHO, 1934, p. 10).
Quanto à atividade de leitura cinco passos eram seguidos: Primeiro, com a lição prevista
pronunciava-se as vogais com seus diversos sons; segundo, unia-se a consoante ao processo
de silabação e enunciava a palavra; terceiro, o professor escrevia no quadro as letras e as
palavras e depois o aluno copiava; quarto, o aluno copiava as palavras do exercício ditadas
pelo professor; quinto, o aluno copiava as palavras feitas por ele no quadro (CARVALHO,
1934).
Para compreender melhor a trajetória dos métodos de ensino da leitura em
alfabetização, destaco a evolução histórica que cada método herdou. Um mapeamento
histórico é imprescindível à interpretação dos fatos que envolveram esses métodos, e
identificar as raízes que originaram e determinaram o movimento que repercute até os dias
atuais.
Apresento, resumidamente, as três concepções consoante ao percurso destes
métodos de alfabetização, até aos nossos dias.
65
questões”. Seguidamente, estabeleceu-se “tipologias de métodos, opondo inovação e
tradição, ou ainda, tomando como critérios os princípios explícita ou implicitamente
subjacentes a cada um dos métodos utilizados nas classes” (CHARTIER & HÉBRARD,
2001: p. 142,143). Argumentos positivos e negativos entraram em cena, no palco das
disputas entre métodos sintéticos e analíticos. O relatório da XII Conferência da UNESCO
(p. 26) diz:
51
Teoria psicológica e filosófica, de autoria de Köhler, Wertheimer e Koffka, pela qual se nega que os
fenômenos possam ser isolados entre si para fins de explicação e se considera que sejam conjuntos estruturais
inseparáveis (formas).
66
(...) O que estas experiências demonstram é que a criança percebe o conjunto, o
todo antes das partes, a percepção dos objetos complexos se faz como que em
bloco, sem decomposição deliberada ou consciente; as imagens se fixam, se
conservam, são identificadas e reconhecidas, enquanto que os detalhes, não foram
percebidos de uma maneira sistemática nem em uma sucessão determinada, nem
de uma maneira completa. Em resumo, as crianças globalizam. (SEGERS apud
MICOTTI, 1970, p.75).
52
Ovídio Decroly - médico, psicólogo, pedagogo, belga (Ronse, 1871 – Uccle, 1932) , fundou uma escola
para aplicação de uma pedagogia baseada na noção do “Centro de interesse”; um dos maiores representantes
da pedagogia do século XX. Um dos pivôs da Escola Nova.
67
época, de pesquisadores como Gelb e Goldstein, Vygotsky e outros, que estudaram a
influência da linguagem e do pensamento em geral, e comprovaram pelas experiências que
as funções receptoras não só modificavam o pensamento infantil, como também,
influenciavam o caráter, todavia, com respeito ao método apresentavam problemas
(BRASLAVSKY, 1971).
A UNESCO (07/1948) na Conferência Internacional de Instrução Pública – em
Genebra, resumiu que o “global” conformava com os interesses espontâneos das crianças,
mas, o mestre necessitaria preparar-se.
Os métodos globais foram classificados por Decroly como ideo-visual e global
natural, pelo enfoque da leitura no aspecto visual e mental, sem a intervenção dos sons da
língua oral; e cada palavra é apresentada como uma entidade. Valorizavam o material
didático e são designados analíticos porque partiam do princípio do complexo ao simples,
do mais concreto ao mais abstrato (MICOTTI, 1996).
Chartier e Hébrard (2001) ilustraram o método global com o trabalho de uma
professora primária francesa por nome C. Rouquié, diretora de uma escola maternal, que
desenvolveu uma nova técnica de aprendizagem baseada nas idéias psicológicas de
Decroly. Idéias globalizantes que visavam o ensino da leitura às crianças deficientes que
não conseguiam aprender por métodos comuns. Para ele, a leitura é uma atividade ideo-
visual que, por privar-se da linguagem oral, pode ser um poderoso instrumento de
desenvolvimento para crianças com dificuldades de linguagem – como as surdas-mudas.
Em síntese, o método se destacou pela fixação dos caracteres gráficos na memória; adquiria
o conhecimento global de dezenas de palavras; e em seguida decifrava palavras
desconhecidas por analogias com as que já eram conhecidas.
É notório verificar que cada método respondia às “orientações psicológicas
dominantes na época de seu surgimento, como também às interpretações que
respectivamente faziam do processo de aprendizagem”. O método global, por exemplo,
respondia pelas formas imediatas de conhecimento, aos conceitos do século XX
(BRASLAVSKY, 1971, p.37).
Para resolver o problema da “discussão dos métodos”, a autora citada comentou o
seguinte:
68
A maior eficiência não se radicaria no método, na decisão por um ou por outro,
senão na soma de condições que se devem colocar em jogo para facilitar a sua
aquisição, (...) a solução definitiva do problema e a decisão pelo método têm
profunda conexão com o sistema de ensino, (...) o valor que tal sistema confere à
aprendizagem (...) (BRASLAVSKY, 1971, p.39).
Esse aspecto diz respeito aos esforços conscientes que se obtém, ou deva ter, pela
instrução infantil ao processo educacional.
Quanto à classificação dos métodos, existiram variadas e muitas inúmeras
categorias, como diz Micotti (1996), porém, Braslavsky (1971) tomou como ponto de
partida a proposta de J. Ghilhaume (1911), porque se adaptou à evolução histórica dos
métodos, e achou-se justificada por Th. Simon (1924) em sua Pedagogia Experimental, na
França: “Apesar das aparências, não existem verdadeiramente mais que dois métodos de
leitura. Ambos tratam de fazer compreender a criança que existe certa correspondência
entre os sinais da língua escrita e os sons da língua falada (...)” (apud BRASLAVSKY,
1971, p.43).
Nesse contexto as críticas foram direcionadas a Simon pela falta de correspondência
entre a língua escrita e a língua falada, e dentre os métodos, o fonético era o único que
sobressaía quanto a essa correspondência. Sendo assim, Braslavsky (1971) recomendou
algumas sugestões da senhora Granjon (1958) para a elaboração do esquema dos métodos
de leitura. Eis a classificação na íntegra: (BRASLAVSKY, 1971, p.45,45).
69
b) “Global”: parte da palavra, a frase ou o parágrafo. O professor deve saber
dirigir a análise. Em qualquer caso, a criança deve chegar espontaneamente a
ele.
70
décadas, que se centralizavam exclusivamente no comportamento do professor, agora a
importância é concedida às contribuições do aluno, ou seja, à interação entre os alunos e os
conteúdos de aprendizagem, deixando em segundo plano as intervenções do professor.
Este, agora tem uma função de intermediário entre os processos construtivos dos alunos e
os conteúdos sobre os quais essa construção se materializa.
Por volta de 1840, ainda, outro método se evidenciou, pelos representantes Huey e
Stinckner, o da Historieta, ou do Conto – consistia numa seqüência de frases formadas
pelas crianças por sugestões do professor a propósito de algum fato interessante, ou de um
passeio. O professor desenhava cenas no quadro e escrevia a frase criada pelas crianças, e
assim eles liam em ordem. Os autores baseavam-se no interesse universal dos meninos
pelos contos, e na tendência para aprender de memória o que liam (BRASLAVSKY, 1971).
Braslavsky (1971) citou a pesquisadora Katrina Hirsch, que em 1953, na
comunicação ao XII Congresso de Psicotécnicos de Paris, expôs as dificuldades do aluno
com a leitura, e argumentou que muitos casos “são de natureza secundária, não específica,
(...) pode provir de muitas causas: transtornos físicos, mau ensino, mudanças freqüentes de
escola, patologia do meio” (apud BRASLAVSKY, 1971, p.148); e além desses, a autora
assinala especialmente os sensoriais, que podem trazer conseqüências para a aprendizagem
da leitura e escrita, e da necessidade de incorporar o exame audiométrico53, e desse modo,
se atribui a importância paralelamente à visão. Há também os transtornos de caráter
explicitado por Braslavsky:
(...) Crianças astênicas, fatigáveis, que carecem do tono psíquico necessário para
superar as dificuldades; outras que apresentam comportamento obsessivo e
demonstram, passivamente , sua hostilidade ao meio, negando-se a ler; outras,
que vivem em um mundo de sonho, que lhes tira a energia psíquica necessária
para o trabalho mental que a leitura exige, etc. (BRASLAVSKY, 1971, p.150).
53
Exame que mede a acuidade auditiva e estabelece o resultado pelo audiograma.
71
superlotada, ou um professor incapaz”, sendo assim, as dificuldades para aprender a ler e
escrever na fase inicial escolar suas causas são inúmeras, necessitaria explorá-las em uma
pesquisa específica (BRASLAVSKY, 1971, p.151).
Para a autora, o método deveria ser utilizado como instrumento de incentivo ao
aluno, para o desenvolvimento intelectual abstrato que começa a integrar no início da
leitura. Essa explicação é baseada especialmente nas experiências do investigador Ananiev
(1959) que via a necessidade de preparar o terreno para a leitura com a influência da
linguagem oral; envolvia o vocabulário e o ensino da gramática como tarefas principais.
Mesmo assim, a autora reconhecia que só o tempo responderá do que se pode aproveitar da
experiência de descobrir o método que ensina a ler e a pensar, e de outras, dentro do
contexto escolar, e assim beneficiar a todos na escola democrática.
Essa concepção surgiu em meados da década de 70, no século XX, mas ganha corpo
no Brasil nas décadas subseqüentes; acompanhada das obras denominadas construtivistas,
apoiadas em propostas oriundas das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita de
Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), processo de alfabetização, na elaboração
conceitual que a criança constrói. Entre os conceitos que caracterizaram essa concepção,
um deles é mencionado como crucial: o conflito cognitivo.
72
excluído. Refere-se, todavia, à construção do real, uma espécie de reestruturação do já
construído, envolve processo de reconstrução, coordenação, integração, diferenciação, etc..
A aprendizagem não é formada na criança aleatoriamente, o desenvolvimento é um
processo e não uma série de etapas que são seguidas quase que automaticamente.
Do que foi dito fica claro, do nosso ponto de vista, que as mudanças necessárias
para enfrentar, sobre novas bases, a alfabetização inicial não se resolvem com um
novo método de ensino nem com novos testes de prontidão nem com novos
materiais didáticos (particularmente novos livros de leitura).
É preciso mudar os pontos por onde nós fazemos passar o eixo central das nossas
discussões. (...)
Em alguns momentos da história faz falta uma revolução conceitual. Acreditamos
ter chegado o momento de fazê-la a respeito da alfabetização. (FERREIRO, 1991,
p 40-41,).
73
Com base na teoria de Piaget, segundo a Epistemologia Genética, 54 a aprendizagem
é vista como um processo de transformação ativa, onde os mecanismos cognitivos internos,
dos processos estruturais mentais regulam e orientam a construção do conhecimento.
54
Estudo filosófico e científico da origem e desenvolvimento do conhecimento. Obs.: O termo está
intimamente identificado com o psicólogo Jean Piaget.
74
A autora cita alguns textos oriundos de aprendizes, ao discutir As Novas
Perspectivas do Ensino da Língua Portuguesa no 1o grau, e denuncia o ensino respaldado
em “modelos” e não à construção de conhecimentos, pela ausência da aquisição de um
senso crítico e criativo em sala, que é conseqüente da interação social. Em contrapartida,
faz observações aos textos produzidos espontaneamente ao serem exemplificados, e
menciona que estes apresentam um alto grau de informação e com unidade temática –
coerência e coesão.
Morais (2006) argumenta sobre a presença de opositores dos métodos tradicionais
que assumem a perspectiva construtivista, mas adotam uma “proposta ortodoxa de
didatização da linguagem escrita e da notação”, ou negam resultados científicos de outros
aspectos teóricos. O autor considera certa ignorância no setor educacional crer que existam
métodos milagrosos ou que por si só resolvam os problemas dos alfabetizandos.
Considerando as pesquisas pertinentes ao ensino da leitura e da escrita, se
evidenciam uma complexidade de fatores que indicam sucesso ou fracasso no início da
alfabetização. Todavia, contemplando o assunto numa visão mais abrangente, percebe-se,
no âmago do nosso contexto atual, uma multiplicidade de estudos científicos e da
complexidade em questão, comenta Morais (2006):
75
aprendizagem mais fácil, mesmo ao esquecê-la; e a terceira, ao esquecê-la, a
reaprendizagem tornava-se mais fácil (AUSUBEL apud SALVADOR, 2000).
Essas reflexões me levam a pensar que o modelo de mente para o século XXI deve
ser flexível, pensar as diferentes teorias para diferentes dimensões do processo de
aprendizagem, e do modelo mental em evolução. Pensadas em conjunto, poderiam trazer
contribuições importantes para a nossa compreensão, em especial, para a alfabetização no
ato da aprendizagem e entender como funciona a complexa cognição humana.
76
Fundamental, a implantação do Ciclo Básico de Aprendizagem (CBA), foi inaugurada uma
medida político-pedagógica que teve como ponto de partida uma concepção socio-
interacionista de aprendizagem e o referencial para a alfabetização se fundamentam
principalmente nas concepções de Smolka (1980), Geraldi (1991) e outros.
Em correlação com o sociointeracionismo, observo nas investigações de Smolka
(1993), que na aquisição da linguagem escrita em crianças na fase de alfabetização, se
evidencia uma progressão em termos de desenvolvimento de noções infantis sobre a escrita,
e ela é “alterada e transformada em função dos contextos de interação, informação e ensino
nas escolas” (SMOLKA, 1993, p. 25).
A autora também denuncia a falta de flexibilidade no processo de avaliação quanto
a linguagem escrita por parte da criança, devido a rigidez ao “cumprimento do programa,
cujo parâmetro é o término da cartilha” (SMOLKA, 1993, p.27).
77
_ O quê?
_ Eu estou escrevendo o que a gente está falando.
_ Você quer que eu leia para você?
_Quero.
O adulto faz, então, a leitura do diálogo. A criança ainda surpresa, pergunta:
_ Como é que sai igualzinho, tia?
O adulto faz uma nova leitura, acompanhando com o dedo o que está escrito, e
vai mostrando os travessões (...). A criança pega a folha entusiasmada, e vai
“lendo”, mostrando e explicando para os colegas o que está escrito na folha
(SMOLKA, 1993, p. 44,45).
A criança imersa nas relações sociais, já tem uma história e uma cultura. A
cultura é a produção humana. Então, ela participa dessa produção aprendendo a
ler e escrever, que é um modo de participação. Tanto as formas de ensinar quanto
a apropriação das formas de linguagem oral e escrita vão marcando e constituindo
o psiquismo da criança, num nível individual (SMOLKA, 2005, p. 1).
78
“fala egocêntrica” via soletração ou silabação, instaura uma perspectiva discursiva na
análise, quando é tomada como objeto e lugar de investigação. A ênfase é o registro da fala
marcado pela criança no papel, um movimento simultâneo de produção com respaldo nos
estudos de Ferreiro e Teberosky (1979). Nesse movimento é percebido uma
“construção/objetivação do texto (...) parecem dissolver-se na análise da dinâmica
discursiva”. Da apropriação teórica da dialogia e da “fala egocêntrica” à construção do
texto, no período inicial, ainda há questões a serem exploradas (SMOLKA, 2003, p.51,58).
Cardoso (2002) salienta que as marcas registradas da linguagem escrita, em
crianças na fase inicial de alfabetização, são produzidas pelas suas experiências e
perpassadas pelas situações de produção em que o discurso é realizado, ou seja, o texto é
construído em situação interativa muito peculiar. Eis o seu parecer:
Nesse prisma, a autora dar ênfase a esse assunto e comenta: “De qualquer modo, essa
reflexão sugere a convivência de estratégias diferenciadas ou de esquemas variados, nas
tentativas de organização do discurso escrito para o outro”. E assim, exemplifica em sua
pesquisa, experiências decorrentes de registros textuais infantis, sobre os sinais de
pontuação, e enfatiza que a necessidade do discurso manifesta-se mais efetiva do que
critérios de ordem sintática (CARDOSO, 2002, p. 137).
79
do indivíduo que constrói seu conhecimento. Assim, nesse mesmo aspecto, o referencial
para a alfabetização se fundamenta em autores como Smolka (1987), Geraldi (1991) e
outros, que desenvolvem no Brasil reflexões significativas sobre o ensino da língua
materna.
Os aspectos particulares da existência humana refletem-se na cognição humana: nas
interações o indivíduo se expressa e compartilha com outro que ele tem da experiência com
o próprio grupo. São os processos das funções superiores pela internalização do processo de
conhecimento.
Vygotsky denominava esses processos de Processos Psicológicos Superiores55
PPS. Estes se originam na vida social, na participação do sujeito em atividades
compartilhadas com outros sujeitos, que se dá a partir da internalização de práticas sociais
específicas, cuja aprendizagem em contextos de ensino se torna fundamental. Enfatiza que
as funções mentais devem ser amadurecidas por encorajamento, medido pela colaboração e
não por atividades independentes ou isoladas; o que se pode fazer hoje com assistência
poderá ser realizado amanhã, com independência e competência (BAQUEIRO, 1998).
A relação entre o aprendizado e o desenvolvimento em crianças na idade escolar
ainda está sendo um assunto complexo para as teorias dos processos educacionais. Alguns
teóricos cognitivos crêem que os ciclos de desenvolvimento antecedem os ciclos de
aprendizagem. Outros concordam que o processo é simultâneo.
Vygotsky concorda, de fato, que a aprendizagem e o desenvolvimento estão inter-
relacionados desde o primeiro dia de vida da criança, e menciona dois níveis de
desenvolvimento, “o real”, quando a função mental da criança foi “completada” pela
viabilidade dos ciclos em desenvolvimento que indica que a criança consegue resolver
questões por si mesmas; e a “zona de desenvolvimento proximal”, quando as funções
mentais ainda não foram amadurecidas, mas, estão em processo. Daí surge a questão de se
entender o curso interno do desenvolvimento. Vygotsky acredita que o estado de
desenvolvimento mental da criança é revelado quando esses dois níveis são detectados
(VYGOTSKY, 1994, p.110,111).
55
Para Vygotsky os P.P.S., Processos Psicológicos Superiores são intrinsecamente sociais, da linha cultural,
processos de apropriação, domínio dos recursos e instrumentos que a cultura dispõe, sobrepostos aos
processos de crescimento, maturação e desenvolvimento orgânico da criança.
80
A aquisição de linguagem, para ele, resulta da relação entre o aprendizado e
desenvolvimento que pode ser um exemplo para solucionar problemas:
No entanto, conclui que a relação é dinâmica e complexa, e não pode ser englobada
por uma formulação hipotética.
Piaget e Vygotsky são vistos em geral, pelos pesquisadores da atualidade, mais em
semelhanças do que em oposições. Embora eles se vinculem à psicologia do
desenvolvimento, o segundo desenvolveu questões a respeito do processo educativo.
Davis (2005)56 ao abordar as propostas de Piaget e Vygotsky, explana essa questão
ressaltando, em primeiro lugar, que Piaget se dedicou ao sujeito epistêmico – o sujeito que
conhece, não exclusivamente a processos educacionais, mas, pelo procedimento de
perguntas inusitadas com a conclusão que: “As idéias das crianças e dos adolescentes são
construções que envolvem tanto estruturas mentais como experiência, a qual não é
aprendida de forma direta e linear, mas sim, de maneira organizada, pela inteligência”
(DAVIS, 2005, p. 40).
Por outro lado, a autora evidencia Vygotsky e seu aspecto sociohistórico,
conseqüente das interações do sujeito com o objeto, apontando que a ação entre ambos
requer necessariamente a mediação social. Daí a proposta ser conhecida como socio-
interacionista, o adjetivo “sócio” qualifica a natureza do interacionismo por ele adotado.
Em resumo:
(...) Piaget – informado por Kant, Husserl, Bergson, a corrente estruturalista e
pelo campo da biologia – constrói uma teoria universalista, com acentuada ênfase
na interação indivíduo/meio, no pólo do sujeito. Já Vygotsky, partindo dos
pressupostos de Spinoza, Hegel, Engels, Marx e Lênin, não chega a constituir
uma escola de psicologia: sua contribuição está em ter esboçado, suas linhas
gerais, o caminho para alcançar uma psicologia com inspiração no materialismo
dialético, que encara o desenvolvimento humano como sendo constituído pelas (e
56
Cláudia Davis é professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação da PUC-
SP, e pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas. Este ensaio “Piaget e Vygotsky, uma Falsa Questão” é
uma versão ampliada e atualizada de texto publicado nos Anais do Seminário Internacional de Alfabetização
e Educação Científica da Universidade Regional de Ijuí (1993).
81
constituinte das) circunstâncias – sempre cambiantes – do ambiente físico e social
em que se dá ( DAVIS, 2005: p. 40) .
82
2.7 A Alfabetização: Concepção de Língua na Perspectiva Sociointeracionista
57
Método de ensino que se baseia essencialmente na idéia de atividade, ou auto-atividade, do aluno; envolve
métodos de trabalho coletivo e individual e é característico do ideário da Escola Nova.
83
crianças cresciam, não ofereciam estimulação verbal e impedia ou bloqueava o
desenvolvimento cognitivo, em conseqüência dessa falta de exposição lingüística.
Cook-Gumperz (1991) relatou que a partir dos estudos etnográficos a interação
social em sala de aula era obtida sem uma instrução manifesta explícita. Os próprios
participantes orientavam o fluxo de uma interação e as condições de interpretação:
84
Os estudos mostraram a idéia de que a criança precisava saber “ler”, precisava ser
ensinada e não deixada sozinha, era preciso despertá-la ao “gosto de ler”. A situação de
crise aguda, nesse contexto era de “resistências” a inovações, as posições e as opções de
urgência recaíram, então, em trabalhos de pesquisas comprovadas por universitários, na
tentativa de reconciliar a escola com o presente e o futuro (CHARTIER, 1995, p. 516,517).
85
3. NO CONTEXTO DAS ENTREVISTAS COM AS ALFABETIZADORAS
Nesse capítulo exponho uma análise dos dados das entrevistas com as
alfabetizadoras, e dialogo com teorias de pesquisadores envolvidos na área de alfabetização
para um possível esclarecimento da prática docente em sala de aula.
Os pontos a serem discutidos surgem na medida em que são registrados os
depoimentos das professoras entrevistadas, em respostas das questões apresentadas a elas.
86
dos alunos, mas propiciar as condições afetivas que contribuam para o
estabelecimento de vínculos positivos entre os alunos e os conteúdos escolares
(LEITE, 2002, p.137,137).
(...) Pesquisas recentes têm apontado que, em histórias de sucesso entre sujeitos e
objetos de conhecimento, geralmente identificam-se mediadores (freqüentemente
parentes e/ou professores) que desenvolveram uma mediação afetiva, com
resultados também profundamente afetivos, determinando processos de
constituições individuais duradouros e importantes para os indivíduos (LEITE,
2002, p.136).
Sim. No início do ano a maioria das crianças não sabem nem como segurar o
lápis corretamente, e no final do ano já são capazes de produzir pequenos textos.
É muito trabalho, porém, muito gratificante ( professora Ema).
Sim. Apesar de ser desgastante, exige doação total e muito amor ao que você faz.
Mas é maravilhoso caminhar junto com o aluno e contribuir para o seu
crescimento e desenvolvimento de suas habilidades (professora Dona).
Sim. Pode ser difícil, dar mais trabalho como costumamos dizer, mas ninguém
pode negar a emoção, a satisfação de ver a maioria dos alunos começando a
tomar consciência da linguagem como forma de representação e mais
especificamente – o que muito me entusiasma – a perceber a língua escrita como
87
uma forma de registro da língua oral, ou seja, como mais um instrumento de dizer
sem falar (professora Ida).
Sim, alfabetizar é como um presente que alguém te dá e que nunca ninguém vai
tomar (professora Mary).
Sou dura com eles, um pouco tradicional mas trato-os com carinho também, ao
fim do ano já escrevem pequenos textos e isso é gratificante (professora Val).
Adoro, pois a emoção de ver a criança descobrindo as letras e leitura, não tem
igual (professora Bete).
Tento fazer o melhor que eu posso em nome dos meus alunos. Eu sou uma
profissional da Educação como qualquer um outro, cheio de limitações, mas, ao
mesmo tempo com muita vontade de vencer, e a minha preocupação maior é o
aluno (...) (Professora Léa).
A idade da turma é de cinco a seis anos. O interesse é conforme você chama a atenção
para cada assunto. O nível de aprendizagem deles é diferente (professora Marí).
Tenho alunos de cinco até sete anos. Alguns são interessados, outros, menos. A maior
dificuldade na aprendizagem é a falta de acompanhamento dos pais. As crianças
gostam mais de atividades variadas como: cantinhos, pinturas, joguinhos
recreativos...(professora Ema).
Meus alunos estão em nível silábico, tendo dificuldade de concentração o que vem
prejudicando grandemente o aprendizado (professora Ema).
88
O desinteresse de alguns alunos e dos pais em não ajudá-los (professora Val).
Alguns alunos são interessados, outros não, e poucos são os pais que se ocupam com
a educação dos filhos (professora Bete).
Recebo orientação teórica dos coordenadores, nas reuniões das fases ou séries e nas
trocas de experiências entre colegas (professora Marí).
89
Como tenho vários anos como alfabetizadora, desenvolvo sem problemas o meu
planejamento (professora Ema).
Recebo orientação na escola desde o ano 2000 com o projeto Gestar, da Língua
Portuguesa e da Matemática (professora Dona).
Sim, participo das reuniões da escola mas na prática, dependendo do problema, ouço
a voz da experiência (professora Val).
A orientação que recebo é construída com meu interesse, e sendo assim participo do
Profa – Programa de Formação de Alfabetizadores do MEC (professora Léa).
90
c) O Projeto Gestar – Orienta os professores sobre a gestão pedagógica de suas
aulas, e é planejado com foco nas habilidades que os alunos devem desenvolver
durante o ano58.
d) O PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, criado pela
doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo, Telma Weisz, e lançado
em 2001 pelo Ministério da Educação. É um curso de 180 horas que oferece ao
professor oportunidade de relacionar a teoria e a prática, e tendo como
laboratório a sala de aula. Alinhado com as diretrizes dos PCNs, e em muitos
casos são ministrados pelas Instituições de Ensino Superiores locais, sempre
seguindo a mesma orientação.
e) Projeto Inovador – É um projeto proposto pela secretaria municipal para
capacitação das práticas docentes, que acontece por meio de organizações de
palestras com estudiosos de renome para subsidiar os cursos.
f) Educar na Diversidade - É um programa de capacitação de professores que
tem como objetivo promover a inclusão de alunos portadores de necessidades
especiais ou considerados indisciplinados.
Esses dados parecem indicar o compromisso que as alfabetizadoras têm com relação
ao planejamento das aulas, por meio de reflexões e ao cumprimento de seus objetivos a
serem atingidos, pois o alvo é o bom desempenho do aluno.
Com relação à prática docente, Nóvoa (2006) enfatiza o paradigma que é
dominante hoje em dia na área de formação de professores – o do professor reflexivo. É
aquele que reflete a sua prática, “quem compreende o conhecimento”. Eis o seu argumento:
58
Segundo a assessora pedagógica Maria de Lourdes Rodrigues, de Rondonópolis-MT, os professores
afirmam que o interesse e a participação dos alunos têm aumentado nesse projeto.
91
Além da importância dessa compreensão do conhecimento enfatizada por Nóvoa
(2006), a experiência também segue essa trajetória, mas no entender do autor citado a
“experiência por si só, pode ser uma mera repetição, uma mera rotina, não é ela que é
formadora. Formadora é a reflexão sobre essa experiência, ou a pesquisa sobre essa
experiência” (NÓVOA, 2006, p. 3).
59
Embora Freire se preocupe com a alfabetização de adultos, evoco esse educador pela sua importância na
história da educação brasileira.
60
Estado da África ocidental; língua oficial: português.
92
Numa conversa informal, ao perguntar a uma das professoras sobre o envolvimento
do educador na condução do educando à descoberta por si próprio, e do desempenho e
competência na aprendizagem, o comentário foi o seguinte:
O ensino precisa ter um significado, não há uma fórmula, mas deverá partir do
contexto vivido pela criança. O trabalho do professor deverá partir da
compreensão chegando a memorização, e existe aí neste caminho um processo
que cada professor leva o aluno a construir. Por exemplo: pauto o meu trabalho
na metodologia de Paulo Freire, mas enriqueço-o com o nome da criança,
músicas, brincadeiras, rótulos de embalagens, etc. (professora Lu).61
Uso o método silábico junto com as fichas de leitura, cartazes das sílabas
estudadas, livros de histórias – relatadas e/ou escritas pelos alunos, recortes de
jornais, revistas, panfletos, jogos, livros didáticos, e material do Gestar. Dialogo
muito com o aluno para desenvolver a linguagem oral. Apresento a sílaba
(família) e a palavra-chave (discriminação auditiva e visual) nas atividades
diárias (professora Dona)
61
Analiso a metodologia dessa professora no capítulo quatro das observações deste trabalho.
93
Uso o método global (...) Os materiais acompanhados são os pequenos textos que
as crianças sabem de memória, como por exemplo: parlendas, quadrinhas,
músicas, etc. . O encaminhamento da aula é o seguinte: 1o. Canto (se for música),
ou leio o texto para a criança; 2o Convido-as para fazer a leitura comigo ( o texto
deve estar escrito em um cartaz ou na lousa), e durante a leitura vou apontando
cada palavra lida; 3o Convido uma criança para ir apontando as palavras enquanto
lemos; 4o Faço comentários e questionamentos sobre o texto (é importante o
professor escrever as respostas dos alunos no quadro); 5o Começamos com as
atividades escritas utilizando palavras do texto como por exemplo: cruzadinhas,
caça-palavras, etc.. São vários outros encaminhamentos até que os alunos
consigam ler e escrever o texto ou algumas palavras, mas considero essencial que
nos primeiros dias, a atividade central seja a estimulação da oralidade entre
professor/aluno, aluno/aluno, tomada como o meio conveniente para assegurar as
primeiras atividades escritas num contexto comunicativo, significativo e
contextualizado. Não uso cartilha (professora Ida).
Uso o silábico e historieta junto com cartazes, músicas, jogos, etc. (professora
Rose)
Uso vários métodos (...) Penso como irei atingir a aprendizagem do aluno. Não
me prendo a este ou aquele método de ensino. Adoto estratégias que favoreça a
aprendizagem, e para tal, incluo vários métodos de ensino (...) Os materiais são:
vários livros, inúmeros gêneros literários, construo porta-textos diversos, etc.. (...)
Uso inúmeras cartilhas (...) Sempre faço as minhas adaptações, descartes, ou seja,
o que serve uso (...). A cartilha vem em um suporte do livro (objeto cultural) que
para muitas crianças é o único objeto que conhecem e manipulam na sua vida
escolar. É imprescindível que o professor utilize outros suportes além da cartilha
(professora Sol).
Uso o silábico. Na palavra tema geradora, depois a divido em sílabas nas quais
trabalho as famílias (professora Lu).
Uso o silábico seguindo uma ordem alfabética e vários métodos com todas as
letras ao mesmo tempo (professora Val).
Uso vários métodos mas trabalho mais com os nomes das crianças junto com
recortes de jornais, fichas e livros de histórias e didáticos (professora Bete).
Uso vários métodos de acordo com o nível de aprendizagem da turma, junto com
cartazes, o retroprojetor, jogos, e outros (professora Mel).
94
são verdadeiros livros de alfabetização e não “cartilha” em si. Para ela, as cartilhas eram
menores e bastante resumidas, mas os livros são recheados com diversas atividades, textos,
exercícios, etc.
Os vários métodos, de acordo com a perspectiva construtivista, segundo a
professora Marí, baseiam-se numa teoria que encara o aprendizado como um processo de
construção, que se origina no interior do indivíduo e que é construído pela modificação de
idéias correlacionadas. O alvo desta educação é a autonomia do aluno.
Um método pode ser considerado eficiente, mas não suficiente no ato da
alfabetização; um exemplo a ser observado é o método fônico, pois, “tem-se a exigência de
um nível de consciência metafonológica exagerado e antinatural, além de descuidar-se do
ensino da linguagem própria dos diferentes textos escritos”, por outro lado, o
construtivismo negligencia essa questão e não garante um ensino sistemático das
correspondências de som. Para Morais (2006), no processo ensino-aprendizagem o objetivo
ideal seria o “aliar um ensino sistemático da notação alfabética com a vivência cotidiana de
práticas letradas, que permitam ao estudante se apropriar das características e finalidades
dos gêneros escritos que circulam socialmente (MORAIS, 2006, p. 12).
Considerando os depoimentos das professoras percebo uma certa perspectiva que se
harmoniza à concepção construtivista e interacionista – pontos de vista teóricos divulgados
nos documentos e orientações oficiais, que visaram mudanças nas concepções de práticas
docentes em alfabetização, desde a década de 1980 no Brasil. Nesse sentido, buscou-se
“conciliar” as novas idéias, como exemplo: “as fases de construção, pela criança, do
conhecimento sobre a língua escrita e o trabalho com textos” (MORTATTI, 2006, p. 2).
Essa “conciliação” entre construtivismo e interacionismo é analisada como
equivocada por Mortatti (2006) que enfatiza a necessidade de os professores optarem por
uma ou outra perspectiva, para desenvolverem uma “atividade didática rigorosa, coerente e
responsável”. Essa orientação se dá pelo fato da “relação ao ofício de ensinar, à própria
função e atribuição docentes”, que o construtivismo não oferece:
95
Ao mesmo tempo, a pesquisadora Mortatti defende o interacionismo:
As propostas estão aí, mas nós temos que correr atrás para darmos o melhor (...)
Formação continuada, trocas de informações com outros professores mais experientes
e treinados.(...) Aqueles alunos que não estão acompanhando a turma o trabalho deve
ser dobrado (...) (professora Rose).
96
Em síntese, neste quarto momento, o ensino-aprendizagem da leitura e escrita
vem-se sedimentando como um objeto de estudo e pesquisa acadêmicos integrado
a um campo de conhecimento específico – ensino da língua - , no qual
entrecruzam-se as contribuições apontadas (MORTATTI, 2000, p. 288).
97
No âmbito das discussões que envolveram os métodos de alfabetização, em
conseqüência das mudanças conceituais pela abordagem construtivista, Bregunci (2004)
aconselha:
De início a maior dificuldade é por ainda não saberem ler e escrever, mas
representam através do desenho (professora Marí).
As dificuldades são diversas, um exemplo são os fonemas que podem ser escritos
de diversas formas (professora Ida).
98
Os escassos materiais impressos, ausência de biblioteca, e de outras vivências
sociais letradas com o texto (professora Sol).
Quando o som não condiz com a sílaba, as falsas gêmeas (g/j – x/ch /sc...) A
associação ler e dominar a escrita. A criança não pode queimar etapas neste
momento e só escrever, porque ficará difícil depois esta construção (professora
Lu).
99
uma pós-graduação, e/ou não se preocupam com uma formação continuada, e/ou não têm
tempo para tal.
Percebi por um lado, dificuldades no processo no ensino-aprendizagem pelos
depoimentos das alfabetizadoras referente a aquelas que têm menor nível de instrução. Ao
argumentarem sobre a falta de concentração dos alunos, esse aspecto reflete numa falta de
didática e até mesmo de uma estratégia motivacional. Sem uma certa ênfase na busca de
uma melhor formação respondem de forma restrita:
100
trabalho, de busca prática de soluções para a sua atividade de ensino (...)
(ANDRADE, 2001, p. 286-289).
Diariamente penso, reavalio meu trabalho e vou propondo novas estratégias. (...)
Penso como irei atingir a aprendizagem do aluno. Não me prendo a este ou aquele
modelo de ensino. Adoto estratégias que favoreçam à aprendizagem, e para tal
incluo vários métodos de ensino (...) Não há homogeneidade em nada na vida,
somos seres diferentes, por isso busco conhecer cada aluno, seu modo de pensar,
sua vivência, desejo, sonho, dificuldades... E isso me auxilia a ter êxito no
trabalho (professora Sol).
Os alunos não ficam quietos, gostam de atividades que mexam com o corpo, mas
eu fico muito em cima, faço de tudo para aprenderem e até o final do ano já
fazem pequenos textinhos (professora Val).
Meus alunos estão entre 7 e 8 anos, e a sala tem 20 alunos e só 5 ainda não sabem
ler, mas acredito que até o final do ano irão despertar essas habilidades, pois a
proposta que sigo é exigente e cada aluno tem seu tempo (professora Bete).
101
Meus alunos têm dificuldades com a aquisição da leitura e escrita, mas o que me
ajuda é a prática diária, a troca de experiências e a proposta que abracei
recentemente: Profa: Programa de Formação de Alfabetização do MEC
(professora Léa).
Os alunos têm dificuldades com a leitura e escrita, e às vezes a gente fica com
dúvidas, ainda, mas, através das músicas de recortes, de produção, as crianças
mesmo produzem, até as historinhas chegam no final do ano (professora Mel).
Esses dados parecem revelar, que as alfabetizadoras têm consciência que o aluno
está ali para aprender, e está implícito nas suas práticas concepções de aprendizagem e de
linguagem que levam em conta o processo de construção e interlocução das crianças no
processo de ensino.
As professoras que possuem um maior nível de instrução, explicitam as situações
complexas, em sala de aula, de forma natural. Ou seja, estão seguras quanto ao
planejamento de suas aulas e do modo como proceder a metodologia adotada para atrair a
atenção do aluno, e além disso, sabem que cada criança possui um ritmo de aprendizagem
e precisa ser respeitada em termos de conhecimentos.
Tomando-se por base a cartilha, o discurso das professoras observado na coleta dos
dados da pesquisa indica que este não é um material fundamental em sala de aula, e sim,
somente de apoio. Em razão da intensa divulgação dos pensamentos construtivista e
interacionista sobre a alfabetização, a cartilha sofreu mudanças relativas ao método e teve
aprimorados e atualizados vários de seus aspectos. Mortatti (2000) expõe essa questão e
indaga:
102
Um percentual de 23,07 % de alfabetizadoras afirma utilizar as cartilhas simplesmente
como um material de apoio, ou, como diz Mortatti um mal necessário. Numa conversa informal
uma professora afirma que “há uma cobrança dos pais para o seu uso ser diário” (professora 9).
E quanto as que a usam em sala de aula dizem o seguinte:
A cartilha contribui, mas deve ser usada como apoio; a criança deve aprender a
pensar, agir, refletir...Observar que existem vários materiais à sua volta que podem
contribuir para a sua aprendizagem (professora Dona).
O uso de cartilha em sala de aula é um assunto discutido por Amâncio (2002), que
em estudo realizado na década de 199062 confirmava que esse recurso era usado largamente
em nossa região, sendo considerado por alfabetizadoras como imprescindível, ainda que se
refiram a ‘apoio’, ‘auxílio’, ou um ‘material secundário’ (AMÂNCIO, 2002, p. 49). Sobre
esse tema, o que dizem as professoras com relação a utilização de cartilhas? Que aspectos
são importantes? Vejamos:
As crianças gostam das atividades de recortes e de leitura (...) muitas não têm
nem revistas em casa (professora Mary).
Geralmente ela se prende a língua padrão (...) mas sempre faço minhas
adaptações (...) Para muitas crianças é o único objeto que conhece e manipula na
sua vida escolar (...) Não uso uma específica mas não vejo razão de não usar
(professora Sol).
62
Refletindo sobre o espaço da cartilha na sala de aula, essa pesquisadora constatou o excessivo uso desse
recurso didático nos primeiros anos da década de 1990, concluiu que sua utilização preenchia espaços
importantes que deveriam ser ocupados pelo professor, pelo aluno e pela linguagem usual. O foco na
linguagem da cartilha e seus exercícios, de acordo com a autora, desloca as dimensões interativas,
instauradoras e constituidoras do conhecimento secundarizando o papel das interações interpessoais em sala
de aula.
103
A cartilha eu uso só para tarefa de casa como material de apoio (professora Léa).
Esses dados refletem uma pequena porcentagem das entrevistadas que evidencia a
importância do uso desse material em sala de aula, e da necessidade das professoras
esclarecerem pontos imprescindíveis nessa escolha. Amâncio (2002) comenta o papel do
professor alfabetizador e seu compromisso com o planejamento de seu trabalho, alertando
para a necessidade de os docentes assumirem posições que evidenciem independência e
autonomia pedagógicas nas suas tomadas de decisões. Amâncio (2002) explicita sua
afirmação:
(...) Tenho defendido a postura de que somente com argumentos consistentes, que
evidenciam compromisso e competência, é que os professores poderão resgatar
diante da sociedade o seu direito legítimo de organizar, planejar e conduzir o
processo ensino-aprendizagem da forma que consideram adequada, mesmo
contrariando práticas cristalizadas, obsoletas (tradicionais ou não), que não mais
se justificam (AMÂNCIO, 2002, p. 63).
Nesse sentido, percebo também, ainda nos registros dos sujeitos, elementos
convincentes quanto ao ensino de alfabetização na primeira fase de escolaridade, uma
configuração do processo de ensino em mudança pelas práticas pedagógicas, e reflito sobre
esse quadro tomando de empréstimo as palavras de Ferreiro (2003):
(...) Considero a alfabetização não um estado, mas um processo. Ele tem início
bem cedo não termina nunca. Nós não somos igualmente alfabetizados para
qualquer situação de uso da língua escrita. Temos mais facilidade para ler
determinados textos e evitamos outros. O conceito também muda de acordo com
as épocas, as culturas e a chegada da tecnologia (FERREIRO, 2003, p.1).
104
símbolos, sons – entre palavras escritas e faladas, prossegue na ampliação de competências
como: conhecer o léxico, a semântica, a sintaxe, e outros.
Ainda que lentamente, se observa vestígios de grandes avanços no ensino de
alfabetização, por exemplo, um amplo conceito que extrapola o domínio das primeiras
“letras”, abrangendo o envolvimento do uso da língua escrita nas situações em que esta é
necessária, lendo e produzindo textos, que se cunhou pelo termo: letramento.
O letramento, por ser um termo recente, surgido há pouco mais de duas décadas no
âmbito da Educação, é interpretado no sentido de representar a necessidade da
manifestação dinâmica da leitura e escrita na prática social; um processo de inclusão e
participação na cultura escrita que ultrapassa o domínio do sistema alfabético e ortográfico.
Soares (2004) aponta o caminho para a superação dos problemas no ensino de
alfabetização: “Alfabetizar letrando, ou letrar alfabetizando, pela integração e pela
articulação das várias facetas do processo de aprendizagem inicial da língua escrita”;
explicita e privilegia essas facetas, nesse processo e as representam como um ponto
fundamental:
105
A alfabetização significa saber ler, escrever, contar, ou seja, preparar o aluno para
a vida. E ele nunca está pronto, a alfabetização, é contínua (professora Marí).
106
pesquisa está manifestando o que Andrade (2001) já havia explicitado quanto ao registro do
conhecimento das práticas docentes no auxílio à formação de outros professores.
De fato, mesmo não sendo produtores, os professores são efetivamente lidos pelos
pesquisadores que investem na disseminação de conhecimentos específicos aos professores.
Eles utilizam a tecnologia da produção dos conhecimentos curriculares transmitindo-os e
verificando a aprendizagem dos alunos, sem ser o autor. E nesse sentido, é um material rico
de auxílio para a desejável interlocução na pesquisa científica. Eis o que as professoras
argumentam sobre a aprendizagem dos alunos em alfabetização:
107
apropriação e compreensão do sistema escrito, na alfabetização, e não a um investimento às
práticas sociais.
Fui alfabetizada com cinco a seis anos de idade na zona rural. Passei por várias
professoras mas não tive nenhuma dificuldade (professora Ema).
Fui alfabetizada quando tinha sete anos em 1972. A cartilha usada foi a Caminho
Suave, as leituras eram na base da “decoreba”, ou seja, a professora lia uma vez a
lição e mandava decorar em casa para o dia seguinte ler individualmente para ela.
O único material escrito que era permitido em sala de aula era a cartilha, mas
apesar disso eu gostava da escola, minha professora, irmã Ivone, era legal eu
gostava muito dela e também dos colegas e ainda tenho fotografias... (professora
Ida).
108
Foi em uma escola pública, sem nenhum atrativo, sem sabor e com reprovação.
Uso exclusivo de cartilha com muita repetição de sílabas, e sem nenhuma
compreensão do texto (professora Sol).
Não me lembro direito, mas foi pelo método silábico e a cartilha usada foi a
Caminho Suave (professora Val).
Fui alfabetizada com a cartilha Caminho Suave e nunca tive dificuldades. Era
estudiosa e meus professores eram maravilhosos (professora Bete).
Fui alfabetizada pelo método silábico e a cartilha foi Ada e Edu, memorização e
repeteco mesmo. A tabuada aprendi no festival da escola e quem errava apanhava
com palmatória (...) O professor brincava com a gente com responsabilidade (...)
(professora Léa).
109
Apresentei algumas questões às alfabetizadoras, para compreender os seus
percursos em sala, como os exemplos a seguir: – Qual é a sua concepção com relação aos
alunos que demoram um pouco mais na apropriação da língua escrita e como procura
resolver? Apóia-se em alguma teoria pedagógica além das implícitas na proposta
pedagógica?
Cada aluno tem seu próprio ritmo de aprendizagem que deve ser respeitado, por
isso é importante o planejamento do professor, pois, certamente esse aluno
precisará de metodologias diferenciadas para a sua aprendizagem (professora
Ida).
Sim, é preciso avaliar suas dificuldades, entrar em contato com a família e saber
um pouco sobre a vida escolar do aluno. Em seguida, alguns estudos podem
subsidiar estratégias e abordagens para a proposta de um trabalho mais
personalizado (professora Sol).
Dedico mais a esses alunos, fico mais em cima, de frente com o problema até
resolver pois eles têm que aprender. Conheço e participo nas reuniões que
mencionam o auxílio dos PCN, mas acho melhor seguir a voz da experiência
prática (a minha) (professora Val).
Aluno que demora mais a interagir no mundo da escrita e leitura é levado para a
aula de apoio no período oposto e trabalhado com os recursos necessários
(professor Mel)
110
presença do apoio docente é uma realidade. Assim, observo a dinamicidade que
demonstram essas alfabetizadoras na busca de soluções para amenizarem a situação,
sempre procurando um meio simples ou complexo para encarar a dificuldade, mediante
orientações dos colegas, diretores, coordenadores ou até mesmo através de estudos e
estratégias intensificando o trabalho com esses alunos.
Temos que ajudar o aluno a construir conhecimentos através das suas próprias
experiências. O projeto de folclore desenvolvido no ano passado garantiu a troca
de experiências entre professor e aluno. O professor avaliou o aluno e este
também se avaliou. Essa avaliação ocorreu na culminância do projeto com a
apresentação feita pelas crianças envolvendo pais e professores. Partiu do
princípio que o conhecimento não é algo pronto e acabado (professora Mary).
111
Quanto aos depoimentos das alfabetizadoras com relação à construção do
conhecimento pelo aluno, as informações se assemelham na evidência ao uso do raciocínio,
não no sentido de uma memorização superficial, mas de relacionar, criticar, conscientizar...;
relação social, que abrange a necessidade de convivência e relação com outras pessoas. Na
atividade oral e verbal o professor pode conhecer cada aluno, se possível, para auxiliá-lo.
Estes são itens importantes ao assunto em pauta e que se repetem nos dados. Vejamos:
Sendo crítico, expondo suas idéias, sabendo ouvir para pensar e refletir
(professora Marí).
Através da interação com seus pares e com a devida intervenção do professor que
deve mediar a aprendizagem do aluno (professora Ida).
Percebendo que o som falado é representado por sinais e estes são chamados de
letras (professora Mary).
Todos os dias nas observações dos cadernos percebo quando estão acertando ou
não (professora Val)
112
lerem e escreverem juntos na sala de aula, manifestam assim o paradigma
sociointeracionista
Ao considerar que o período entre 4 a 7 anos de idade é denominado por Piaget o
estágio do Pensamento Intuitivo, que caracteriza o organismo infantil como sendo lento na
compreensão auditiva e perceptiva, a interferência de um adulto é fundamental. Se
convergirmos esse fenômeno da construção a um aluno, por exemplo, inserido na primeira
fase do ensino organizado em ciclos de formação na aprendizagem da leitura e escrita, o
professor terá, ou deverá ter, muita paciência na relação causa e efeito no contexto do
ensino. Em razão disso, ele continua sendo aquele que guia, direciona, incentiva o aluno em
sala de aula na apropriação da linguagem escrita e oral, sem a qual o processo educativo
não teria sentido. Subtende-se que o mestre da sala tem conhecimentos e é hábil na
condução do educando ao processo ensino-aprendizagem, e conseqüentemente a construção
do conhecimento por parte do aluno (PIAGET apud CHARLES,1975).
Nesse âmbito também se enquadra o processo de aquisição da linguagem, e se
percebe a importância dos estudos de Vygotsky (1993) consoante ao aprendizado das
pessoas na interação interpessoal, e a constatação que o desempenho das crianças aumenta
quando ajudadas por adultos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) foram criados pelo MEC com o fim
de orientar metas ao ensino brasileiro, e como um instrumento de apoio às discussões
pedagógicas na escola. São vistos por uma grande parcela das entrevistadas como um
material importante, e até mesmo fundamental aos planejamentos didáticos, preparação
para concursos, na formação continuada, apresentados em seminários e reuniões escolares,
todos esses itens aparecem nos dados:
Já fizemos o estudo dos PCNs, os nossos planejamentos são com base neles
(professora Marí).
113
Conheço, sempre através de estudos de grupos entre os profissionais (professora
Ema).
Conheço a proposta dos PCNs que são mais usados para a preparação aos
concursos (professora Bete).
Nesse sentido, o objetivo do ensino no primeiro ciclo, em que está o foco de atenção
desta pesquisa, é levar a criança à produzir textos significativos acessíveis à compreensão,
mesmo de modo imperfeito, “a experiência mostra que os alunos descobrem um grande
interesse pela leitura” quando são orientados e incentivados a criarem seus textos e
114
expressarem, sem restrições, todos os seus pensamentos através da escrita para os
receptores lerem.
Nesse processo de ensino-aprendizagem, entrarão em jogo tanto as estruturas
sintáticas da fala que a criança já possui e desenvolve, quanto às estruturas mais rigorosas
da língua escrita que começa a aprender (BRASLAVSKY, 1993, p. 37).
Seguindo a ênfase ressaltada pela autora citada, quanto a relação do aluno no
processo do ensino da língua oral e escrita, o educador se depara com o objetivo de
preparar esse espaço cultural em que a convivência entre os alunos se transforme num
ambiente saudável, onde os relacionamentos sejam recíprocos e possa haver trocas de
experiências e conhecimentos, e conseqüentemente ao aprendizado da escrita, ou vice-
versa. O que dizem os sujeitos desta pesquisa com relação a interação social no ensino
escolar? Observemos:
Gosto de incentivá-los a conversar sobre a família deles, sobre como foi o dia, os
passeios para os coleguinhas ouvirem, e como eles prestam atenção e trocam
experiências...! (professora Val).
115
Com base na visão teórica de Vygotsky, Smolka (2003) vê esse movimento
interativo, necessariamente como uma relação “sujeito-sujeito-objeto”; estabelecimento
entre sujeitos com objetos de conhecimento, ou seja, “a elaboração cognitiva se funda na
relação com o outro” (...) “no espaço da intersubjetividade” (SMOLKA, 2003, p.7).
Smolka (2005) ao evidenciar a linguagem e a cultura, que estão permeadas nas
relações humanas, enfatiza também a cognição, que é a forma de operar mentalmente. E
esse processamento envolve a aquisição e representação de informação, resultado dessa
relação humana.
Assim, para a autora, a linguagem, a cultura, e a cognição mantêm relações
recíprocas, pois, supõe-se que a criança imersa nas interações sociais, já tem uma história e
uma cultura. Ela participa dessa produção humana e aprende a leitura e escrita, que vai
constituindo seu psiquismo. Então, a relação entre a linguagem, a escrita e o mundo será
utilizada pela criança como resultado de interações e práticas sociais
Um aspecto interessante ao exercício da linguagem, verifica-se nas propostas de
Ausubel (1968), que tentam explicar a aprendizagem escolar e o ensino observando a
importância que os processos mentais têm nesse desenvolvimento sobre a aprendizagem
significativa, já mencionada nessa pesquisa (apud SALVADOR, 2000).
116
não podem ser assimilados aos seus esquemas63, surgem desequilíbrio, dúvidas e conflitos.
Surge então a pergunta: Como ler? Como ensinar a uma turma na primeira fase do primeiro
ciclo no Ensino Fundamental com eficácia? Que métodos e técnicas devem ser
desenvolvidos? Como interagir no espaço cultural em pauta?
Compreendo que na realidade não há um método fixado e predeterminado, melhor
que o outro, os procedimentos metodológicos dependem da sua operacionalização - da
dinâmica de cada objeto lido, creio que o segredo é criar estratégias e formas específicas
para a orientação da leitura e escrita em sala de aula.
Nesse sentido, Vygotsky (1994) também afirma que a criança tem muito pouca
motivação para aprender a escrever quando começa a ser ensinada. Não sente a necessidade
de fazê-lo e tem apenas uma idéia vaga de sua utilidade; é necessário motivá-la para que ela
entenda o sentido da escrita. “O primeiro lugar deve ser dado a atenção”, afirma Vygotsky,
e embasado em vários estudiosos salienta que a “capacidade ou incapacidade de focalizar a
própria atenção é um determinante essencial do sucesso ou não de qualquer operação
prática”. O autor citado orienta o seguinte: “Novas motivações, socialmente enraizadas e
intensas, dão direção à criança. (...) A sua inclusão em qualquer tarefa leva a uma
reorganização de todo o sistema voluntário e afetivo da criança” (VYGOTSKY, 1994, p
47,49).
Os depoimentos demonstram, na sua maioria, que as professoras buscam captar e
manter a atenção dos alunos, de uma maneira ou outra, pela necessidade de atraí-los ao
ensino, talvez, também, de desenvolver aspectos cognitivos, mesmo através de cartilhas ou
outros materiais didáticos, vejamos o que dizem os sujeitos da pesquisa:
Sem dúvidas, eles gostam de observar cores, formas, disposições das gravuras,
ouvir histórias infantis, de preferência fábulas (professora Joe)
Eles gostam de pintar, manusearem a cartilha mas não se satisfazem só com esse
material, sempre sugerem algo diferente... (professora Dona).
63
São estruturas de conhecimentos abstrato que organizam várias quantidades de informação
117
Eles gostam quando comento sobre notícias dos jornais, e quando são histórias
clássicas eles complementam (professora Mary).
Eles gostam muito quando canto com eles, e adivinhações... (professora Val).
Uso sempre CDs, filmes, livros, gibis, adivinhações, músicas, trava-línguas etc.
(professora Léa).
Uso sempre livros de histórias, panfletos, receitas, cantigas de roda e outros, para
atraí-los ao assunto (professora Mel).
118
aquisição e representação de informação; retenção de informação ou armazenamento; e
resgate da informação quando necessário ou recuperação, e os estímulos em sala de aula
são importantes aos receptores dos alunos. Sendo assim, observo que a forma como
pensamos sobre situações, mediante a tudo o que nos envolve e o ambiente, influenciam
como e o que aprendemos (BANDURA, 1986; PIAGET, 1963; ANDERSON, 1995;
FARHAM-DIGORRY, 1994 apud WOOLFOLK, 2000).
Essa avaliação marcada pela idéia da reflexão, que alguns de nós temos chamado
de avaliação como uma prática de investigação, ela é parte do processo ensino-
aprendizagem, principalmente como um processo que vai tentar compreender
melhor esse processo ensino-aprendizagem, compreender melhor a multiplicidade
que atravessa uma sala de aula, multiplicidade de culturas, de conhecimentos, de
formas de aprender, de processos de aprendizagem, de resultados. (...) É preciso
que a gente vá realizando essa prática, coletando informações, tendo dados
durante toda a realização do processo (ESTEBAN, 2006, p. 3,5).
119
Avalio o aluno pelo interesse, participação, desenvolvimento das atividades
propostas no dia-a-dia escolar (professora Ema).
Todos os dias observo o interesse deles, e vejo nos cadernos se estão aprendendo
ou não (professora Val).
Por enquanto as avaliações tem sido superficiais, ainda não consegui fazer uma
mais profunda (professora Bete).
A avaliação escolar é vista por Leite (2002) como um dos grandes problemas do
ensino, e também um dos principais fatores responsáveis pelo fracasso escolar. E isso
acontece, em primeira instância, quando o aluno percebe que é discriminado no processo de
ensino. O equilíbrio deve ser um fator preponderante em questão, e os resultados da
avaliação convergidos à favor do aluno, “no sentido de rever e alterar as condições de
ensino, visando ao aprimoramento do processo de apropriação do conhecimento pelo
aluno” (LEITE, 2002, p. 135).
O processo de avaliação na escola contemporânea é uma questão complexa.
Geralmente, dependerá como o professor percebe o mundo e de como ele utilizará este ou
aquele modelo didático.
Loch (2001) comenta que o processo de inclusão, interação e de promoção dos
sujeitos envolvidos na educação, tem sido um dos grandes desafios da escola atual. Uma
120
avaliação mais condizente com os princípios de uma escola mais democrática e inclusiva
teria que caracterizar-se como:
121
4. PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO EM MATO GROSSO
64
Escola Estadual Pe. Wanir D. César situada no bairro Novo Terceiro.
65
A coordenadora me explicou que essa proposta ainda está em andamento e com muita dificuldade devido à
falta de tempo para trabalhar com os professores, mas, vai insistir. A proposta Paulo Freire, segundo ela, é
trabalhada com um tema gerador “folclore”, “água”, como exemplos, que visa explorar o assunto e identificar
122
1-Separar a as sílabas:
2-Escreva o alfabeto.
Esse procedimento se deu sem intervalos para explicações, ou alguma interação social e
não havia um texto específico. O objetivo do dia era “testar” os conhecimentos das crianças
sem auxílio nas respostas como foi me explicado, e o resultado foi lamentável. A professora
gritou com um aluno, o beliscou e o mandou se “virar” para responder um exercício; mas o
aluno não sabia como fazer, e então se debruçou na carteira e pôs-se a chorar. Esse aspecto
indica a falta de leitura e de uma formação continuada profissional, e em não compreender
o seguinte:
O trabalho docente deve ter em vista a ajuda aos alunos nas suas tarefas (...). O
controle sem ajuda pode provocar insegurança nos alunos, que às vezes se sentem
cobrados a um desempenho para o qual não foram suficientemente preparados
(...). Por outro lado, a ajuda sem controle não estimula os alunos a progredir a
vencer as dificuldades (LIBÂNEO, 1994, p. 253).
Perguntei por que chorava, o aluno respondeu que foi por causa da “tia”, e em poucos
minutos ele fugiu da sala, brigou com um colega lá fora, pegou uma pedra e feriu a testa
dele, tendo o mesmo que ser levado às pressas ao posto de saúde mais próximo para dar
com a realidade do aluno, assim como Freire trabalhava o alfabeto assemelhando às experiências dos
123
alguns pontos, devido o grande corte causado na testa daquele colega66. Nesse intervalo de
tempo a professora lamentou muito a situação, mas serviu como uma experiência a ser
analisada para não fazer o mesmo. A professora parecia estar estressada, pois, dizia que
aquela turma era desobediente e ninguém queria trocar alguns alunos para amenizar a
situação 67. Esse quadro se assemelha ao que Libâneo (1994) diz:
No clima tenso em sala de aula consegui ajudar alguns alunos que pediam explicações, e foi
gratificante para a professora também.
A atividade acima, orientada pela alfabetizadora, indica a influência da concepção
tradicional presente na sua prática. Embora afirme não usar a cartilha em sala de aula, adota
o método contido nela, que é percebido pelo exemplo clássico do exercício – vocabulário e
o ensino da gramática, ou seja, a mesma estrutura de uma cartilha.
Nesse sentido, o processo pedagógico se assemelha à tendência que foi observada
por Macedo (1985), no primeiro capítulo dessa pesquisa, onde se verifica a predominância
do aluno imitar a estrutura da cartilha, sem um compromisso com o significado e o
desenvolvimento lingüístico.
Leite (2002) com base em suas pesquisas salienta que, a forma como o professor se
expressa, o que ele diz, como diz, em que momento diz, etc., pode afetar positiva ou
negativamente a sua relação com o aluno, e conseqüentemente o processo do ensino-
aprendizagem. Sem exageros, tal mediação observada nessa sala influenciou negativamente
o comportamento daquela criança que agiu compulsivamente; posso afirmar nesse contexto
que o professor deverá, sim, ter o cuidado de filtrar as palavras ao interagir com o aluno.
124
Ao ajudá-los, percebi a falta de cartazes didáticos além das letras do alfabeto, que
incentivassem os alunos no processo da aprendizagem. Braslavsky ressalta essa questão:
125
questões sem orientá-los como fazer; na maior parte do tempo grita com eles, e em duas
horas seguidas de aulas com atividades apenas de exercícios sem nenhuma motivação.
“Nessa situação, o ato de ensinar se caracteriza e se reduz ao falar e ao apontar o erro; o ato
de aprender se caracteriza pelo tentar copiar e pelo calar” (SMOLKA. 1993, p.36).
A professora dessa sala, em pauta, manifesta compromisso e interesse no seu ofício
de educadora, mas enfrenta situações com alguns alunos que ela suspeita ser de “ordem
espiritual”. Meninos que se “transformam” em seres “insuportáveis” em sala, e “sem
nenhum temor aos mais velhos”. Observei o comportamento de alguns e constatei a
seriedade do fato como sendo mais um dos itens a serem averiguados para entender a
questão. Inúmeros são os professores que reclamam de alunos insubordinados, e
infelizmente, se detecta desde a fase de alfabetização; situações que demandam mais
pesquisas na área além das já existentes, mais debates para um possível esclarecimento no
âmbito escolar. Reflito esse quadro da seguinte maneira:
Muitos fatores podem estar envolvidos nesse contexto que envolve o ensino, desde
práticas pedagógicas e aspectos como: salas antididáticas, superpopulosas, lei da quietude,
da imobilidade, mecanismos que induzem o mestre a optar para sobreviver, onde as
condições são mínimas de tempo e de aquisição de conhecimentos.
Após o recreio, encontrei um clima diferente. Lembrando também que a sala é
pequena e os alunos não têm espaço para uma atividade extra, como: colagem ao chão,
pintura, etc. No entanto, ao passar pela sala para ver os exercícios nos cadernos, as crianças
me pediam para ajudá-las e a professora alegremente consentia. Ao ajudá-las continuei
usando algumas estratégias para incentivá-las a responderem as tarefas. Quanto às letras,
pronunciava a letra “b” apontando a posição dos lábios para entenderem como era o som
produzido, e logo após, a figura da borboleta na parede para a correspondência, e assim
126
sucedeu com algumas letras do alfabeto. A professora, por sua vez, agradeceu a minha
cooperação em sala de aula e demonstrava interesse com a minha presença na classe.
(Protocolo n. 01, de 31/05/2006).
(...) Apesar de ser desgastante, exige doação total e muito amor ao que você faz. Mas
é maravilhoso caminhar junto com o aluno e contribuir para o seu crescimento e
desenvolvimento de suas habilidades (professora Dona).
Em outro dia, a professora Lu inicia a aula fazendo uma oração a Deus, e a turma
repetia as palavras, para aprenderem a ler e a escrever. Era lembrado que precisamos da
ajuda de Deus nas nossas dificuldades e eles consentiam.
Percebi nesse dia de aula que a minha presença animou a professora, porque o seu
semblante estava mais alegre e me pedia para auxiliar na correção de alguns exercícios do
dia anterior, e ajudar os alunos com dificuldades na linguagem escrita. Assim, em seguida
fixou um grande cartaz, na parede lateral da sala, com várias figuras coladas para eles
identificarem as embalagens dos produtos de mercado, pronunciarem com ênfase cada
palavra e a contagem das sílabas com palmas. Várias famílias das letras foram estudadas de
forma silábica, e todos participavam dando exemplos e pronunciando as que sabiam. Uma
aula totalmente oposta a anterior. Prossegue escrevendo no quadro o seguinte exercício:
127
1.Leia e copie o texto:
A festa na escola.
Estela vai a uma festa.
A festa é na escola.
Ela vestiu o vestido,
passou uma escova nos cabelos
olhou no espelho e disse:
Estou linda!
Nesse contexto, lembro Ferreiro (1999) que enfatiza que se aprende em função da
atividade da criança através de estímulos ao raciocínio e a criatividade, e não da
memorização da repetição, cópia e mecanização. “A escrita é importante na escola porque é
importante fora da escola, e não o inverso”. É fundamental o incentivo à linguagem oral na
sala de aula, que envolva os alunos a pensar sobre a língua escrita, sua importância no
cotidiano – preservando a mente de preocupações e aliviando a memória, como por
exemplo: ir com os pais ao supermercado e registrar a lista de compras; dizer ou escrever
algo de alguém que está longe, ou a pessoa não presente; e enfim, as crianças chegam a
compreender as funções da língua onde a atividade de leitura e escrita é cotidiana em suas
vidas, através de informações subjacentes em atos sociais (FERREIRO 1999, p.21).
128
Em outro dia de aula, encontrei a professora Lia68 na sala de aula, porque a
professora Lu estava com licença médica. A atual, então, continua sendo representada pelo
número 09 nas entrevistas, que não mudou muito as suas características por serem
semelhantes em quase todos os aspectos. As únicas diferenças que pude perceber é que a
primeira gritava mais em sala de aula, usava o método fônico, e parece possuir uma idade
mais avançada.
A professora Lia é mais tranqüila e dá continuidade ao trabalho da colega. Os
alunos estudam a família silábica do “fá” e do “cá” e não seguem uma cartilha também. As
atividades são mimeografadas e coladas no caderno. Eles deveriam desenhar também uma
figura simbolizando as palavras: faca, café, casa, e outros (anexo 03).
Após esse exercício é estudado o assunto de conjunto da matemática, das unidades,
dezenas e copiados vários exemplos no quadro. O exercício anterior é corrigido e entregue
um outro para os alunos responderem. O exercício seria recortado e colado no caderno para
separar as sílabas e copiar as palavras novamente (anexo 04) (Protocolo 09, de 10/08/2006).
No outro dia, a professora Lia enfatiza a correção dos exercícios nos cadernos e vai
ao quadro para exemplificar como queria as respostas das palavras: bo+ca =boca, fa+ca =
faca, bo+fe = bofe, da+do= dado. Em meio a correções dos exercícios pede para os alunos
cantarem uma cantiga de roda para não ficarem dispersos, e aqueles que já terminavam
deveriam ajudar os que não conseguiram, e assim sucedeu o resto da tarde (Protocolo n. 11,
de 16/08/2006).
Ao treinar a escrita do alfabeto pelo método silábico a professora enfatiza seu
método de ensino, e se percebe que a atividade proposta se reduz ao que Ferreiro já havia
comentado: “Está ali para ser copiado, reproduzido, porém, não compreendido, nem
recriado” (FERREIRO, 1999, p. 18).
Outro dia de aula, os alunos respondem a um exercício mimeografado para fixarem
as famílias silábicas já estudadas (anexo 05), enquanto a professora Lia atende outros
alunos com dificuldades e pronuncia os vocábulos para aprenderem a correspondência entre
grafema e fonema; e o resto da aula se processa em correções nos cadernos. (Protocolo n.
14, de 23/08/2006).
68
A professora Lia continua sendo representada pelo número 09, no quadro do perfil das alfabetizadoras – no
capítulo primeiro deste trabalho, por ser substituta na mesma sala de aula e não se dispor a preencher o
questionário das entrevistas.
129
A quantidade de sílabas pronunciadas era medida pela abertura da boca, e assim a
professora fazia com os vocábulos. Observei também que ela conseguia transmitir afeição
aos alunos e desenvolver o seu plano de aula com certa dificuldade, devido a maior parte de
o tempo ser resumido a correções de exercícios. De carteira em carteira ela corrigia-os, ou
na sua carteira, e ia ao quadro para enfatizar os erros encontrados para todos verem e não
errarem.
Observo nessas aulas a falta de flexibilidade no processo de ensino quanto à
linguagem escrita devido ao cumprimento do programa, e nesse aspecto, a alfabetizadora
havia me dito que não gostava de trabalhar com as séries iniciais, “por dar muito trabalho, e
aquela turma era desobediente”, e continua explicando que: “leciono em dois períodos e
não sobra tempo para levar os cadernos dos alunos para serem corrigidos em casa, então
dou um jeito pra fazer na classe mesmo”. Considerando esse contexto, percebe-se que a
“realidade cotidiana escolar e acadêmica e as inúmeras situações de sala de aula como esta,
são hoje, resultados ou produtos de um complexo conjunto de condições e circunstâncias
em que pesam, obviamente, fatores sócio-econômicos, políticos e ideológicos” (SMOLKA,
1993, p.37).
A segunda escola69 foi alcançada pela conversa com a professora Mary e respaldada
pela coordenadora, seguindo um roteiro de observações semanais.
Nessa sala, a alfabetizadora aceitou-me a fazer somente algumas observações, e
advertiu-me que a presença de outra pessoa em sala “atrapalha a rotina dos alunos”.
Alfabetiza há 14 anos, em dois períodos70 e nessa escola, especificamente, possui 24 alunos
em sala se aula. Cursou Pedagogia, fez especialização em Psicopedagogia, afirma que
trabalha como aprendeu e acrescenta sugestões de outras colegas. Quanto às orientações
didáticas participa de todas as reuniões docentes quando acontecem na escola. Usa a
69
Escola Municipal de Ensino Básico Francisval de Brito situada no bairro Coophamil.
70
O outro período da tarde trabalha numa escola particular.
130
cartilha, mas sempre cria alguns exercícios para complementar. Afirma que trabalha com o
método silábico sob a concepção teórica construtivista da escola ciclada em Mato Grosso, e
a maior parte de suas atividades retira do livro “Alfabetização, um processo em construção”
de Maria de Fátima Russo e Maria Inês Aguiar Vian71, por achar prático. Quanto à
produção escrita, as crianças “ainda não conseguem escrever textinhos sozinhas, só
copiam”, responde a alfabetizadora explicando que é com o tempo.
Na aula, os alunos gozavam de um ambiente tranqüilo e estavam estudando os
sinais de matemática – igual ou diferente; algumas continhas de somar, e os números antes
e depois. Vejamos o exercício:
b) 8____________6 d) 2____________2
2- Efetue:
D U D U
4 6 3 9 2 7
3 1 + 2 4 + 1 4-
________ ________ ____
a) ________24_______
b) ________17_______
c) ________19_______
d) ________25_______
e) ________13_______
No intervalo a alfabetizadora me diz que segue uma ordem alfabética no ensino das
letras pelo método silábico, e trabalha outras letras se precisar. Já trabalhou o alfabeto pelo
nome das crianças no início do ano, e afirma que “já aprenderam as letras e estavam em
fase de apropriação da linguagem escrita”. Está trabalhando também com o “Caderno do
71
Referência: RUSSO, Maria de Fátima, e VIAN, Maria Inês Aguiar. Alfabetização, um processo em
131
Futuro72” com o objetivo de auxiliar o aluno na caligrafia e noções de gramática de forma
simples e prática.
Ao observar não presenciei dificuldades nos alunos, que respondiam as questões do
Caderno do Futuro (anexo 13), e correspondiam facilmente ao ensino, mas, na maior parte
do tempo em cópias.
A estratégia usada da alfabetizadora é atrair a atenção dos pais no auxilio em casa e
à continuação ao processo para que haja uma maior rapidez na aprendizagem. Também diz
que, “para amenizar as dificuldades no ensino-aprendizagem o professor e o aluno devem
ser os sujeitos da construção, levando em consideração as experiências e as contribuições
que a criança tem a oferecer”, e ainda acrescenta que “o objetivo é desenvolver habilidades
necessárias”.
Todavia, o ritual “sagrado” da sala era uma constante e não presenciei um ambiente
de interação social, somente a responsabilidade dos alunos quanto às respostas dos
exercícios, nos momentos de irem à mesa da professora para tirarem as dúvidas. Os
exercícios dos alunos com dificuldades são corrigidos individualmente e chamados pelo
nome. Retornando no outro dia de aula, a professora Mary inicia a aula escrevendo o
seguinte exercício:
E assim os alunos copiam nos cadernos, respondem as questões e entregam à “tia” para
corrigir.
132
Os exercícios nessa sala de aula são característicos aos de uma cartilha, e não há
ênfase a interações sociais ou alguma estratégia específica pedagógica como diálogos,
perguntas, músicas, jogos ou brincadeiras. Não há cartazes nas paredes devido às reformas
recentes. A predominância é o método silábico em aula seguido do estudo alfabético por
ordem. A questão implícita nessa sala e em algumas outras salas de aulas reside no fato de a
professora lecionar em dois períodos e não sobrar tempo para um planejamento melhor; foi
a possível conclusão que tive segundo as conversas informais, transformando assim o
ambiente segundo o ritual sagrado, ou seja, as aulas se processam no mesmo modelo de
sempre – exercícios mecânicos e correções.
Apesar de sua afirmação de que trabalha na perspectiva construtivista, sua prática é
uma denúncia de um trabalho tradicional, em que as crianças são sujeitos passivos que se
submetem ao ensino transmissivo e sem criatividade, não sendo respeitadas como sujeito
ativo e construtivo.
Para Smolka (1993), é necessário considerar a “concepção transformadora da
linguagem, uma vez que não se pode pensar a elaboração cognitiva da escrita
independentemente da sua função, do seu funcionamento, da sua constituição e da sua
constitutividade na interação social”. A autora ainda diz que o processo de construção se dá
na interdiscursividade, isto é, numa prática dialógica discursiva. A escritura adquire novas
configurações quando as crianças escrevem espontaneamente, (SMOLKA, 1993, p.60).
Nessa escola, a coordenadora levou-me a uma outra sala, a “B” para eu observar;
em sua opinião essa sala era melhor do que a anterior.
Realmente, essa sala atraiu-me a atenção, por ser a alfabetizadora a mais enérgica e
caprichosa de todas as que eu observei, e com “muita experiência em alfabetização” como
133
disse a coordenadora, e as próprias colegas sempre lhe pediam auxílios nas horas vagas. A
professora Val cursou Pedagogia e não leciona em outro período; não continuou os estudos
“devido o trabalho com a família, mas quando tiver oportunidade farei um curso de
alfabetização, por enquanto faço o que posso”, prossegue: “tenho 25 alunos matriculados, e
trabalho o sociointeracionismo porque gosto de me relacionar com as crianças”. “Trabalho
com o método silábico e com vários ao mesmo tempo, e não uso a cartilha em sala se aula
porque gosto de atividades diversificadas”. “A escola está trabalhando com o Projeto
Inovador, mas não consegui me adaptar a ele ainda”, comenta a alfabetizadora.
A professora firma que a prática de ditado deve ser repetida inúmeras vezes com
ênfase na ortografia para ensinar a criança desde cedo as noções da linguagem escrita. “Em
vários anos de alfabetização essa estratégia tem funcionado como um meio de observação,
se os alunos estão aprendendo a escrever ou não”, diz a alfabetizadora, e ela se considera
“tradicional” por não “abrir mão” de métodos antigos, como, ainda trabalhar com ditados,
as famílias silábicas e a ênfase na ortografia e caligrafia. E de fato, “a turma que tem a sorte
de estudar com essa professora sai da primeira fase escrevendo pequenos textos, é
impressionante!”, comenta a coordenadora a mim em horário livre.
Nessa perspectiva, Sinclair (1990) afirma que a ação da repetição no processo
ensino-aprendizagem é importante na aquisição cognitiva. Em certo sentido as duas
atividades – a leitura e a escrita - são diferentes, como por exemplo: é lógico pensarmos
que o foco visual é mais instantâneo, no caso da leitura, do que no perceptivo-motor na
escrita, ou seja, a atividade perceptivo-motor exige mais movimentos como assinala o autor
citado: “Na escrita, os movimentos da mão produzem uma letra de cada vez, inclusive traço
a traço. Assim a escrita parece ser muito mais do que a leitura, um processo contínuo e
seqüencial, o que parece implicar a existência de mais formas paralelas de processamento”
(SINCLAIR, 1990, p. 83).
A aula é iniciada na exploração das letras do alfabeto. Canta-se uma música em que
a letra é o próprio alfabeto. O aspecto físico da sala é razoável, com vários cartazes
coloridos com as letras em maiúsculas e minúsculas, fixadas em cima do quadro de giz;
outros, nas paredes laterais, e ao fundo da sala alguns desenhos de paisagens e animais.
A professora ensina a família silábica do “fá” e destaca a palavra “fada” que é
pronunciada várias vezes com muita ênfase para eles copiarem nos cadernos, e em seguida
134
passa em todas as carteiras corrigindo a escrita dos alunos e exigindo uma melhor letra. A
próxima palavra é “fubá” e assim por diante sucedia o ditado seguido com adivinhações.
Alguns alunos com dificuldades ficavam na carteira da “tia” até aprenderem a escrever as
palavras.
Em certo momento uma criança de cinco anos se aproxima e me mostra as palavras
“faca” e “fadas” escritas corretamente, e já lia algumas palavras estudadas sem
dificuldades. A maioria da classe não tem problema com a escrita e sim com a leitura, ou
seja, escrevia o que ouvia (dimensão fonêmica), ou copiava do quadro (dimensão gráfica)
sem dificuldades, porém, o ato da linguagem verbal era mais lento devido a não
apropriação ainda da correspondência entre grafema e fonema.
Eesse aspecto refletiu no impacto produzido no ensino pelo envolvimento da
professora, que, em algum momento da aula, dizia que “a turma está num bom nível, e
daqui pra frente será mais fácil para ler e escrever pequenos textinhos” (FREIRE, 1990). E
o fenômeno da construção do conhecimento parecia acontecer.
A próxima palavra é “bife”, a professora pergunta quem gosta de carne e todos
respondem que sim. Em seguida, num clima muito agradável e descontraído faz
adivinhações do tipo: “O que é o que é? Descubra a adivinhação!”, diz a professora. Faz
algumas mímicas para os alunos entenderem que a próxima palavra é “fofoca”. Com um
suspense no ar eles refletem e respondem corretamente para em seguida copiarem. Outra
questão é: “Quem já foi a um mercado? Quando a gente compra uma coisa no mercado e
deve, como se chama isso?” Respondem: “Fiado”. “É correto a gente comprar fiado?”
Alguns dizem sim, outros, não. E assim vão copiando as palavras ditadas nesse clima de
expectativa, e a professora, por ter uma possante voz, atrai a atenção deles. Após ditar
várias palavras a professora escreve-as no quadro para corrigirem, e enfatiza a margem do
caderno para aqueles que estavam errando.
A professora ao se aproximar de mim diz que a “linguagem escrita na sala é logo
assimilada, mas falta aperfeiçoamento no ato da leitura, o decodificar”. “Não há como
discriminar a criança se ela tem uma habilidade na linguagem oral e outra na escrita, varia
de aluno a outro”, dizia ela, que insiste também na correção dos sinais ortográficos –
acentos agudos, no caso: “café”, “fubá” e outros.
135
Segue então a outra palavra: “O que é o que é uma coisinha muito macia”
mostrando um bichinho de pelúcia costurado na pasta de um aluno, e é a palavra “fofo”.
Observo que a turma tem um carinho muito especial pela professora, mesmo sendo
rígida demonstra um cuidado especial com cada aluno; é a afetividade presente nas
decisões de ensino assumidas pela professora, constituindo-se como um fator
imprescindível nas relações estabelecidas entre os alunos e os conteúdos escolares. Leite
(2002) afirma que as pesquisas recentes têm apontado uma história de sucesso quando os
sujeitos e objetos de conhecimento desenvolvem uma mediação afetiva, e os resultados são
positivos, pois determinam processos de constituições individuais duradouros e importantes
para os indivíduos.
Em seguida escreve algumas palavras no quadro espontaneamente para eles lerem:
“girafa”, “escova”, “carteira”, “lápis”, e outros; e desenha um quadro e linhas para ensinar
caligrafia em formato de letras maiúsculas e minúsculas (letras de fôrma e cursiva). Nesse
momento, a alfabetizadora passa em revista as carteiras dos alunos para observar se fizeram
certo, e corrige a letra de alguns que ultrapassavam as linhas no caderno.
O interessante é que em toda a aula a professora caminha e corrige nas carteiras dos
alunos as palavras copiadas erradas. Perto de bater o sino, escreve no quadro novamente as
palavras, para eles copiarem novamente e estudarem. Frases de incentivos como “fofinho”
“muito bom” “parabéns” são faladas no ato das correções e registradas também nos
cadernos, mas é corrigido na cor vermelha da caneta. Não havia um texto específico, as
palavras eram escolhidas espontaneamente, e a professora havia dito que seguia uma ordem
alfabética, mas era flexível e usava todas as letras se possível na hora do ditado.
Percebo nessas escolas pouca importância à caligrafia, e isso deve ter ocorrido pela
influência dos países desenvolvidos quando a ênfase se deu ao conteúdo e ao processo de
ensino, abandonando a cópia e aos modelos caligráficos (VIDAL e ESTEVES, 2003).
(Protocolo n. 10, de 16/08/2006).
No dia seguinte, a professora Val saúda as crianças e copia no quadro a palavra
“higiene”. É uma retomada da aula anterior. “Como a gente faz com a higiene do corpo? Os
dentes? Que horas?” Pergunta aos alunos incentivando-os às respostas, e uma série de
questões é enfatizada envolvendo a higiene (cabelos, unhas, dentes...). “Além destas existe
a higiene mental. Como fazer? Na leitura de bons livros, passeios, praticar coisas boas,
136
esportes, brincar e estudar...”, e assim interage com os alunos envolvendo-os ao assunto
para refletirem e comentarem. Muitas respostas são dadas e a atenção é geral na classe num
clima divertido e até engraçado ao evidenciar a higiene do corpo, como exemplo: “Pra que
serve o papel higiênico?”, todos dão risadas.
Em seguida são organizados quatro grupos e as carteiras mudadas de posição. Todos
já nos seus lugares a professora mostra-lhes várias embalagens com marcas de produtos que
se usam na higiene do corpo e da casa. Prosseguia: “Omo”, era pronunciada a palavra,
copiada no quadro e os alunos diziam para que servia esse produto de limpeza com essa
marca, e depois eles deveriam diferenciar os que representavam a higiene do corpo e os da
casa. Assim, várias marcas foram vistas com suas embalagens: Assolam, Bombril, Kiboa,
Lux, Sorriso, Colgate, Minerva e outros. Ao escrever a palavra no quadro, a professora
aproveitava para separar sílabas e a criar novas outras palavras, como exemplo: Na palavra
COL-GA-TE a sílaba “ga” forma que palavra? E os alunos respondiam: “gato”. Houve
muitos exemplos como esse.
A proposta sociointeracionista é induzir o aluno a pensar, propiciar uma
aprendizagem significativa e não a uma resposta já pronta, aquela que já é familiar à
criança. Todavia, nesse caso, creio que o ambiente estava permeado de relações sociais,
onde favorecia a criança a pensar, sugestionar, criticar, criar, etc. favorecendo assim o
desenvolvimento cognitivo e a interação social.
Logo após, cada grupo recebe uma tesoura para recortar as palavras das embalagens
e colarem num grande cartaz de papel pardo (1 metro para cada grupo). Sendo assim, cada
equipe é responsável por um tipo de higiene: dentes, corpo, casa etc., e todos trabalhavam
sentados no chão da sala. (Protocolo n. 12, de 18/08/2006).
No outro dia a professora Val dá boas vindas aos alunos e inicia pedindo a eles para
copiarem o alfabeto. Ela articula as letras e em seguida pronuncia algumas palavras para
copiarem também, e vai de carteira em carteira corrigindo e pronunciando as palavras. É
“b” e não “d” dizia com muita ênfase para ouvirem o som corretamente, e algumas crianças
estavam trocando essas letras. Ao chegar perto da minha mesa a professora argumenta que
essa prática é a única que ela acha ser a mais eficiente na sala, para o início da linguagem
escrita, e insiste porque faz o aluno escrever corretamente. Ainda diz que “é a maneira mais
fácil para treinar a audição e a visão no ato da cópia”; o processo da aquisição da escrita
137
demanda tempo e paciência; “a metade da classe não se apropriou de certas letras, mesmo
ajudando, a quantidade de alunos impossibilita a uma melhor aprendizagem, tenho 22
alunos”, diz a mestra.
Após os cartazes prontos eles pintam uma gravura sobre a higiene (anexo 06), e em
outro momento a alfabetizadora entrega dez palitos de picolés e tampinhas de garrafa a
cada aluno para o estudo das dezenas e unidades, e assim sucede a aula (Protocolo n. 13 de
23/08/2006).
Na construção da linguagem escrita, no período silábico, Ferreiro (1999) observa
que, para cada sílaba pronunciada pela criança ao escrever um vocábulo é escrita uma letra
correspondente não segundo o convencional, mas indicando o que a criança supõe ser.
“Saber fazer” a escrita parece sugerir que deve ser reelaborado em nível oral os dados
pronunciados pelas crianças, “é redescobrir a utilidade da sílaba para resolver um problema
da escrita, para saber qual é o valor das partes de um todo em processo de construção”
(FERREIRO, 1999, p. 93).
No âmbito desse fenômeno há conflitos cognitivos a serem superados, porém “a
construção da escrita na criança não é alheia à epistemologia”, ou seja, “um processo de
construção envolve processos de reestruturação, e que os processos de coordenação,
integração, diferenciação, etc., também são processos construtivos”. A escrita, nesse
aspecto, não funciona somente como produção de marcas gráficas, mas também no sentido
de interpretação (FERREIRO, 1999, p.79).
A presença de três caracteres, como exemplo, não pode ser atribuída ao sistema dos
adultos, porque há línguas em que as palavras já vêm acopladas aos artigos, proposições...,
e assim podem identificar uma série de idéias, e assim, verifica-se que as letras para as
crianças são como partes de um todo, “uma letra é simplesmente um dos elementos para
construir essas totalidades significativas a respeito das quais se pode fazer a pergunta: o que
diz ai?” (FERREIRO, 1999, p.89). A autora complementa o seguinte:
138
Nesse dia de observação as salas A e B, da primeira escola são unidas para os
alunos assistirem a um filme da Xuxa: “Xuxa Festa” e aprenderem “os passos da dança” à
apresentação quando surgir oportunidade. E nessa aula, na conversa com as professoras Lia
e Val sobre o comportamento das crianças em sala de aula, observei a falta de compreensão
quanto o aspecto da corporeidade como menciona Gomes (2004). “Esses alunos gostam
mesmo é de dançar, e mexer muito com o corpo, não gostam de ficar quietos um minuto!”,
responde a professora Val. Outra: “É incrível como não conseguem ficar sentados um
pouco, e de vez em quando a gente tem que criar algo novo pra mudar a rotina”, diz a
professora Lia. “Remexer com o corpo é com eles mesmos!” diz a professora Val, e encena,
enquanto alguns alunos vêem e riem. (Protocolo n. 15, de 25/08/2006).
De acordo com a pesquisa etnográfica de Gomes (2004), observa-se que a escola é
um lugar de conflito entre o querer brincar da criança e o administrar do professor ou da
escola por meio da separação espírito e do corpo, ou seja, o espírito deve estar no estado de
quietude, sem movimentos ou barulhos para a apreensão dos conteúdos. As brincadeiras na
sala de aula são sempre “violentas” ao julgo dos adultos; se não for do jeito da “tia” é uma
transgressão; essas brincadeiras têm um “caráter perturbador”, “atrasa as tarefas”, “mexe
com os corpos das crianças”, “faz barulho, desarruma, desvia atenção”, e se a tia virar as
costas a sala vira “um pandemônio”. Para desvelar esse fenômeno da expressividade é
imprescindível uma sensibilidade para compreender essa espontaneidade de movimentos
corporais expressos pelas crianças e que, se não for pela “porta” expressam-se pela
“janela”, como o próprio aluno diz na pesquisa: “Elas fala, todo mundo fala que não é pra
correr (...) mas, todo mundo corre... Não tem jeito de não correr...” (GOMES, 2004,
p.98,101).
Analiso que, um ponto importante é a reflexão sobre o uso do tempo dos alunos, na
participação do resgate à cultura e procurando equilibrar a utilização desse tempo
disponível às obrigações escolares, familiares, sociais em que a alegria esteja presente. É
incluir o prazer no saber, valorizar o lúdico e a corporeidade enquanto processos de
aprendizagem, transformando-a numa conquista prazerosa, que pode ser viabilizada pelo
planejamento didático e promovendo o encontro lúdico e a corporeidade com a
139
aprendizagem em sala de aula, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser
diferente.
As conversas com as alfabetizadoras, nos horários vagos, surtiram algum efeito. O
ambiente era outro e eu já conseguia expor claramente os meus objetivos às professoras que
reagiam favoráveis à pesquisa e aos comentários de alguns resultados positivos que coletei,
como: usarem os próprios alunos para perguntas e respostas, e experimentarem a trabalhar
constantemente o alfabeto pelos nomes dos alunos e familiares deles. Sendo assim, nas
aulas posteriores observei a professora Val chamando as crianças à frente para
representarem as dezenas e as unidades e respondiam facilmente nos cadernos. E em um
momento da aula a professora enfatizou que iria explorar mais o ensino das letras com os
nomes das crianças e dos seus familiares.
Ao refletir sobre o comportamento dessa alfabetizadora, que exerce a profissão por
muitos anos (22) pude perceber o que Nóvoa (2006) já havia analisado sobre a questão da
experiência profissional, afirmando não ser somente a repetida e sim a sua reflexão para
não se transformar em uma mera rotina.
No horário do recreio as crianças me rodearam e reclamaram por não poderem
brincar no pátio ao lado, onde havia balanços, gangorras... Falaram-me que elas brincavam
esporadicamente.
Nesse contexto, compreendo que não há um planejamento pedagógico e didático
que administre esse fenômeno da expressividade em sala de aula, e nem no pátio da escola.
Vejo essa questão como mais um elemento ausente na formação inicial e, continuada,
impossibilitando o professor ao exercício de sua criatividade nessa área.
Notei nessa sala, também, que os alunos apresentaram dificuldades com os
números, e talvez, um cartaz estivesse fazendo falta no auxílio a essa aprendizagem, pois,
alguns alunos vinham à minha carteira querendo saber como se escrevia um número ou
outro. Eu então escrevia para eles o formato e pedia que copiassem o mesmo, e assim se
sucedeu.
No final da aula, a professora Val me diz que estava cansada de “repetir e explicar
as mesmas coisas”, e às vezes não sabia o que fazer. Nesse caso, no horário do recreio
conversei com ela sobre a necessidade de paciência e da continuação de repetições no
ensino, porém, poderia continuar a criar novas estratégias didáticas. Afirmei que a
140
participação dela nesse sentido seria fundamental. Após a nossa conversa percebi uma
atitude de compreensão por parte da professora. (Protocolo n. 17, de 30/08/2006).
No outro dia de aula, a professora Val canta a música do alfabeto novamente e o
assunto da higiene é retomado. Conversa com as crianças sobre o uso da escova de dentes e
dá informações quanto ao cuidado com os dentes. Cada criança diz uma resposta
preenchendo as lacunas abertas deixadas pela professora, como exemplo: “E sobre os
piolhos?”, “Quando vai fazer xixi lava as mãos?” (risos), etc. Prossegue andando pelas
carteiras apertando as cabeças dos alunos que acertavam as respostas, os outros riam, e
entregavam-lhes um exercício mimeografado para circularem os produtos de higiene
(anexo 07). E continua perguntando: Ao tomar banho vocês secam tudo direitinho? (risos)
Ao terminar as atividades os alunos são chamados para fazerem um texto ilustrado
sobre o “papai”, porque esse mês foi consagrado a ele. Mas, antes, houve um momento
muito especial entre eles, cada um contou a “história” de seu pai e alguns ficaram tristes
porque não estavam juntos deles, e a “tia” abraçou-os dizendo que todos nós brigamos e
precisamos entender e orar ao “Papai do Céu” para nos abençoar. E assim escreve o nome
de todos os pais no quadro e aproveita para estudar as letras iniciais correspondendo com
outro aluno, exemplo: “Pedro” combina com “Paula”. Enquanto desenhavam a professora
me dizia que tinha a pretensão de fazer um curso de alfabetização para aprender a explorar
melhor o ensino do alfabeto pelos nomes dos alunos e outras novidades mais (Protocolo n.
18, de 31/08/2006)
No contexto dessa aula, a alfabetizadora ao propiciar um espaço para os alunos
exercitarem a linguagem oral, segundo as experiências significativas a eles, relembro um
ponto importante relacionado ao parecer de Martins (2001) sobre a leitura. Menciona um
dos aspectos da leitura como racional, a perspectiva proposta é a da competência para criar
ou ler, que se concretiza tanto por meio de textos escritos quanto de expressão oral.
141
4.2.2 Segunda Escola - Sala A
73
Nessa mesma escola.
142
Creio que os bons modelos de textos são os que permitem a criatividade do aluno, a
uma produção imaginária e real dessa experiência estética. Nesse aspecto, a professora
Rose soube articular muito bem a letra da música escolhida e ao mesmo tempo criou
estratégias interessantes. O ato da exploração do texto cantado propiciou um ambiente
interativo entre os participantes dos discursos, e assim, vejo que é preciso desenvolver nas
crianças o gosto pela leitura, pensar sobre o que se lê, em quem somos e o que queremos
valorizar. A leitura deve ser vista, então, como um recurso intelectual que nos permite
descobrir, desenvolver, compreender, entrar em contato com sentimentos e emoções. Nessa
perspectiva de ensino Smolka (1993) ressalta a importância de pensar a alfabetização em
termos de interação e interlocução nas questões de práticas pedagógicas e enfatiza:
143
Continuando a observação, a alfabetizadora faz uma breve recapitulação das
famílias silábicas “B” e “C” e enfatiza o estudo da família “D”, diferenciando as letras
através de mímicas. Por exemplo: O “B” é de “barrigudo” – aponta com gestos uma grande
barriga (risos); e a “D” de “bundudo” aponta com gestos uma grande nádega (risos). E
assim as letras são estudadas com muita descontração e alegria na classe, todos participam
e alguns lembram que o nome de suas mães corresponde a essa letra estudada, e também
aqueles que a têm em seus nomes fazem essa associação.
De forma flexível há um esforço no entrelaçamento da linguagem oral, interação em
sala de aula e do pensamento no procedimento contextual, sendo esse aspecto importante
como nos informa Smolka (1993, p.21): “(...) Falar da relação pensamento/linguagem nos
remete às teorias do conhecimento, ao aspecto filosófico da questão; e falar no movimento
das interações humanas nos abre à dimensão política...”.
Após esse momento de interação em sala, a professora Rose os auxilia com uma
régua fazendo a margem no caderno deles para copiarem corretamente o cabeçalho, e
pergunta: No quadro precisa dessas linhas? E todos respondem “não”! (O Objetivo era
certificar-se se eles estavam compreendendo o que era margem nos cadernos). Copia então
a família silábica da letra “D” em maiúscula e minúscula e escreve os nomes das crianças
começadas com essa letra ressaltando o início em maiúscula por ser nomes próprios.
Observa as carteiras e parabeniza um aluno por diminuir o tamanho da letra e mostra o
caderno para todos verem, e depois que todos copiam do quadro a família silábica da letra
“d” recebem um exercício mimeografado para responderem algumas questões (anexo 08).
Compreendo, então, que o avanço cognitivo do aluno se percebe em classe, pelo
entusiasmo, alegria, motivação e quando a ação pedagógica é o resultado de planejamento,
organização e reflexão, num ambiente afetivo como afirma Leite (2002).
Em algum momento da aula, a professora se dirigiu a mim e lamentou a quantidade
de alunos em sala (36) e dizia da dificuldade no atendimento a todos. Sentia também a falta
de apoio da coordenação, e da falta de tempo para uma melhor formação profissional.
(Protocolo n. 02, de 01/06/2006).
Num outro dia, a aula se processa semelhante a anterior ao estudo da família
silábica “D”, mas de forma mais resumida e com mais atividades (anexo 09). O que se
acrescentou nesse período da aula foi um diálogo da professora Rose com os alunos sobre a
144
copa do mundo, se eles saberiam responder quem seria o campeão – uns respondiam que o
Brasil iria ganhar e outros não sabiam. De carteira em carteira a professora corrigia alguns
erros das crianças e se voltava ao quadro para repetir a família silábica do “d” e do “c”.
Após o recreio, enquanto as crianças continuavam a fazer os exercícios, conversei
com a professora sobre a aprendizagem da escrita pelos alunos. Ela mostrou-me alguns
cadernos para observar o desenvolvimento de alguns alunos, e ficamos alegres vendo como
estavam apropriando-se da linguagem escrita (anexos 10, 11 e 12). A professora Rose dizia:
“a cada dia me surpreendo com a aprendizagem deles, é algo imprevisível, começam com
alguns rabiscos, mas sabem o que estão querendo dizer, e aos poucos vão conseguindo
expressar graficamente as palavras, e depois, as frases”. (Protocolo n.04, de 08/06/2006).
O desenvolvimento da escrita, em crianças, foi vista até pouco tempo atrás como um
estudo de interpretação de imagens, mas não como atividades rumo à escrita. Do “ponto de
vista perceptivo-motor”, a perspectiva estava, porém, na evolução do desenho, mas com o
surgimento dos estudos psicopedagógicos evidenciou-se a relação entre o desenho e a
lectoescrita. Após intensos estudos outras disciplinas também se envolveram nessa questão;
Sinclair (1990) enfatiza o resultado citando a contribuição de lingüistas crendo na
possibilidade que a escrita se desenvolve a partir do desenho. E essa história da escrita
corresponde de alguma forma ao desenvolvimento da escrita na criança (SINCLAIR,1990,
p.75).
Alguns psicólogos acreditam que das garatujas ao desenho da criança há evolução,
mas não no contexto da escrita. Nesse sentido Wallon (1951) afirma o seguinte: “O
desenho aparece espontaneamente; seu desenvolvimento baseia-se na interpretação que a
criança dá às próprias garatujas. A escrita aparece como uma imitação das atividades do
adulto” (apud SINCLAIR, 1990, p.77). A manifestação da criança com o desenho
enquadra-se na fase de construção do conhecimento intuitivo subjacente, que ocorre em
dependência do desenvolvimento do seu pensamento. Compreendo, nesse contexto, que o
percurso da criança à apropriação da lectoescrita, ora manifestando desenhos semelhantes à
escrita, ou a objetos reais, se processa ativamente de forma gradual e somente quem escreve
as garatujas consegue ler o que escreveu, porém, Sinclair (1990) acrescenta que:
145
formal e lectoescrita, que dão o seguinte passo, ou seja, captar a idéia da
correspondência fonema-grafema, momento em que realmente penetraram no
sistema. Daqui por diante, podem ter problemas com a ortografia, porém já
recriaram o sistema (SINCLAIR, 1990, p.81).
(...) Experiência por tentativas, processa-se tanto para a linguagem como para o
desenho por intuição empírica e por comparação das relações entre as palavras,
entre os objetos e finalmente entre os elementos da ação. A ação tende a
desenvolver-se no sentido de atos conseguidos cuja repetição automatiza e fixa
em regras de vida (FREINET, 1977, p.93).
As garatujas para Freinet (1977), ou melhor, os desenhos das crianças, como ele
diz, não são exposições provisórias para serem admiradas momentaneamente, e apagadas
na memória. Para ele, constitui um testemunho de expressão pessoal que está em constante
progressão consciente e amadurecimento.
Ferreiro (1986) também considera as produções escritas das crianças em
alfabetização como algo verdadeiro e que traz significados sistemáticos, não segundo a
limitação dos rudimentos de decodificação. “As crianças podem usar letras como as nossas,
e escrever em outro sistema, assim como no início da aquisição da linguagem oral, podem
utilizar palavras da linguagem ambiental, mas com diferentes regras de combinação”
(FERREIRO, 1986, p. 88).
Quando a autora citada comenta sobre um pseudodiálogo74 ocorrido com uma
criança de quatro anos e meio, esclarece que a mesma tem o seu sistema de interpretação
para as suas produções que não é segundo a de um adulto. Sair dessa aprendizagem do
sistema da criança para o do adulto é um processo em construção, que não se adquire sem
intervenção, tanto se referindo à linguagem escrita como à linguagem oral.
A compreensão desse processo abre horizontes ao percurso do ensino-
aprendizagem, se torna mais claro e um passo a mais para novas conquistas.
74
Espécie de diálogo entre dois sistemas (o da criança e o do adulto) que não compartilham os mesmos
pressupostos, ou seja, quando a criança rompe os esquemas interpretativos do convencional, por exemplo:
diante dos vocábulos “boi” e “formiga” o “boi” pode ser a palavra maior para uma criança por ser um animal
maior do que a formiga.
146
O sistema da criança que Ferreiro (1990) menciona é aquele independente do nosso
convencional que está em fase de transição. A autora parece deixar claro que enquanto um
aluno não se apropria do sistema gráfico das letras, ele assinala o nome de alguma coisa, ou
seja, segundo o seu sistema, por exemplo, em um pseudodiálogo com uma criança a autora
observou que as “bolinhas e pauzinhos” denominavam a figura de um leão. Esse momento
está em evolução e indica que o nome está representando uma categoria do escrito diferente
de letras (FERREIRO, 1990, p. 113).
Ela aconteceu não muito diferente de muitos dos colegas, porque, na verdade,
essa não era a minha intenção – trabalhar com a Educação. Eu achava que tinha
uma queda maior pelo Direito ou Psicologia. (...) Por incentivo da minha mãe,
(...) que me disse: “eu nunca te dei nada na vida, mas uma profissão eu posso te
dar, e então você vai estudar o magistério e ser uma professora”. Foi quando eu
fui pra me matricular no “Sagrado” e lá eu comecei a freqüentar o curso de
magistério (...) Daí pra cá eu consegui então me graduar no magistério, fiz o
vestibular para a Pedagogia e me graduei pelo campus de Rondonópolis. Fiz
especialização em Metodologia do Planejamento Educacional, e a minha prática
ela tem melhorado a cada dia, graças a ajuda dos meus colegas, ao incentivo de
minha mãe, dos meus filhos, e enfim, da minha família, e graças a minha vontade
75
É a Escola Municipal situada na Vila Paulista em Rondonópolis.
147
de vencer, mas é um desafio a cada dia, e às vezes eu me sinto incapaz, e eu
chego até a comentar com os meus colegas quando eu não vejo o trabalho a
render, porque, por mais que a gente queira ajuda, por mais que a gente dê conta
do recado, nós sempre precisamos da ajuda do outro. A gente quer sempre que o
outro avalie o nosso trabalho, que coloque os pós e os contras, e que oriente, mas
isso não acontece. Então tem hora que eu fico que frustrada, querendo saber de
mim mesmo, e perguntando se a forma como eu estou trabalhando, hoje, né,
lógico, que a gente não consegue fazer tudo perfeitamente, mas busca colocar em
conjunto toda uma prática tradicional com uma prática meio inovadora para tentar
dar o melhor de si, e é assim que eu faço (...). (Professora Léa).
148
4) Alfabético - esse período a criança realiza a análise fonológica e consegue identificar a
diferença entre fonemas (som) e grafemas (letras), mas precisa enfrentar os problemas
ortográficos.
Um bom alfabetizador fará mais do que isso; ele procurará mostrar aspectos e
possibilidades da escrita não acessíveis à experiência imediata e conhecendo os
desafios cognitivos que seu aprendizado impõe à criança, tratará de dispor
procedimentos metodológicos que orientem e facilitem a sua superação
(RIBEIRO, 1993, p. 74).
A aula já tinha começado e percebi que as crianças nessa classe eram incentivadas à
prática de linguagem oral constantemente. Com a presença de uma visitante (eu, por
exemplo), cada aluno se levantava da carteira, fazia um resumo da sua vida cotidiana (nome
completo, família, residência, condução...) e sentava-se. Após as saudações, eles cantaram a
música “Cai, cai balão” e a professora retoma novamente as explicações da família silábica
da letra “C” – “ca-co-cu-cão”, e manda responderem as questões (anexo14). Essa
manifestação das crianças fez-me lembrar Freinet (1977), que em seu método natural
contempla um ensino voltado exclusivamente da expressão da vida da criança, e sua
correspondência se dava no ambiente escolar.
Para Ferreiro (1990), a criança deve ser direcionada à construção do conhecimento
na aprendizagem da linguagem oral e escrita, pois ela é “um sujeito que pensa. Um sujeito
que assimila para compreender, que deve criar a fim de poder assimilar, que transforma o
que vai conhecendo, que constrói seu próprio conhecimento para apropriar-se do
conhecimento dos outros”. Vejo nesse sentido que a apropriação do conhecimento requer
uma intervenção externa, no caso, o professor que induz a essa construção (FERREIRO,
1990, p.103).
No horário livre a professora Léa senta e conversa comigo explicando que o
enfoque adotado é o construtivista, mas, vários métodos são utilizados. A escola é
149
municipal e adota a proposta “Projeto Inovador” com o incentivo da Secretaria Municipal,
que organiza eventos e convida estudiosos de renome para darem palestras, sempre
acontecendo aos sábados, assim diz a alfabetizadora. E acrescenta:
76
O nome da cartilha é: Letra, palavra e texto – alfabetização e projetos, de Mércia Maria Silva Procópio,
Jane Maria Araújo Passos, ed. Scipione, São Paulo: 2001 (coleção Letra, palavra e texto).
77
As autoras são formadas em Pedagogia pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes.
PROCÓPIO (2001) é pós-graduada em Especialização do Pedagogo (Unimontes) e PASSOS (2001) é pós-
150
dos conteúdos. Por ser dinâmica e atenciosa consegue deixá-los ocupados na maior parte do
tempo, enquanto corrige um e outro na sua carteira.
A cartilha tem um pouco de cada coisa que possa agradar uma criança, como
exemplo: histórias em quadrinhos, textos que visam atrair a atenção da criança - sobre o
nome dela, ênfase ao mês das férias, folclore, plantas e bichos, histórias de vida, e em cada
texto há uma atividade interessante que auxilia na instauração de uma aprendizagem
significativa. As atividades seguem um projeto recheado de brincadeiras, idéias, ilustrações,
histórias, curiosidades, confecção de fantoches, receitas típicas para festas juninas,
sugestões, músicas e outros. Essa cartilha manifesta características que se apóiam nos
chamados “livros de alfabetização” como veremos a seguir.
É a partir de 1990 que os “livros de alfabetização” ou “propostas de alfabetização”
são lançados no mercado, estes “representam uma ruptura com o tradicional modelo dos
manuais didáticos voltados para o ensino-aprendizado inicial da língua escrita, como os
tradicionais pré-livros e cartilhas” (MONTEIRO, 2004, p. 201). A autora citada acrescenta:
(...) Esses novos livros didáticos renovaram a tradição desse gênero de manual,
apresentando uma nova abordagem da aquisição da língua escrita baseada em
dimensões discursivas dessa modalidade de língua, na variedade de gêneros e
tipos de textos e nos resultados das investigações científicas em torno dos
processos sociais e cognitivos com base nos quais a criança compreende o
funcionamento da escrita (MONTEIRO, 2004, p. 201).
Nesse sentido, Batista [2]78 (2004) salienta que as características do Plano Nacional
do Livro Didático – PNLD, se alteraram em 1996, mas foi criado em 1985. A avaliação dos
livros didáticos ocorreu em 1996 para serem distribuídos no território nacional em 1997,
para o ensino fundamental público brasileiro. Eis a exposição por detalhes sobre esses
livros segundo o autor citado:
151
instituições, a avaliação vem sendo desenvolvida, desde 2001, sob
responsabilidade direta de universidades públicas, sob supervisão dessa
Secretaria do Ministério (BATISTA, 2004, p. 11).
152
que ele atue por sua própria conta, ampliando seu nível de desenvolvimento real
(RIBEIRO, 1993, p. 77,78 – grifo da autora).
(Protocolo n. 5, de 02/08/2006)
Após o recreio encontrei escrito no quadro o tema: “Saci Pererê”, e a professora Léa
comenta sobre esse personagem do “Sítio do pica-pau amarelo”80, sendo “um negrinho de
uma perna só, que fumava cachimbo e era muito travesso”, e escreve no quadro para os
alunos copiarem, pronunciando cada palavra para repetirem também. Antes da cópia a
professora havia perguntado se eles sabiam sobre esse personagem, alguns respondiam que
viram na televisão e um menino o imitou pulando com uma perna só. Uma menina
perguntou a “tia” se existia saci e a professora dizia que foi criação de um autor chamado
Monteiro Lobato, e em seguida pede para copiarem logo.
A turma estava estudando a família silábica do “S” : SA- SE – SI- SO- SU - SÃO, e
a música era “Cai, cai balão!”81. Eis a letra para copiarem também:
80
Programa Infantil da Rede Globo de Televisão.
81
Cantiga folclórica
82
Essa atividade foi repetida na aula duas vezes, porém, dessa vez foi necessário o trabalho de recorte e da
colagem.
153
despacha os alunos que terminaram para o ensaio da festa junina83 e ajuda alguns com
problemas na linguagem escrita. O aluno que apresentava problemas de dicção reagiu
alegremente ao sentir que estava aprendendo a montar o nome dele e outros da família
também.
Ferreiro (1999) ao fazer um esquema sobre o processo de alfabetização cita alguns
pontos que se encaixam a aula anterior, como: “Permite-se e estimula-se que as crianças
tenham interação com a língua escrita nos mais variados textos” (...) “Não é de imediato a
aprendizagem”. (...) “É precisamente a transformação e a recriação que permitem uma real
apropriação” (FERREIRO, 1999, p. 45, 47). Em resumo, a autora salienta que os bons
resultados em alfabetização acontecem quando a criança recebe todo tipo de estímulos para
entrar em contato e interessar-se pela língua escrita
Em outra aula, as professoras Léa e Mel e as salas A e B estavam unidas nesse dia.
O propósito era reforçarem melhor ao planejamento da aula, e trabalharem com os mesmos
objetivos. E assim foi feito.
Alguns cartazes de cantigas infantis foram fixados nas paredes, como exemplo:
“Onde está a Margarida”, “Pai Francisco”, “Ai bota aqui o meu pezinho”, “Pula, pula, pula
o saci”. As carteiras são agrupadas nos cantos da sala para a turma fazer um grande círculo
e cantarem as músicas de mãos dadas. E assim, professoras e alunos cantam juntos fazendo
os gestos necessários para encenar a letra das músicas, e pulavam com uma perna só ao
representar o saci. A alegria era contagiante, mas ao perceber o cansaço de todos os alunos,
as professoras orientaram a eles respirarem fundo e expirarem devagar para descansarem
um pouco.
Logo após, a professora Mel escreve a palavra “folclore” no quadro para as
crianças falarem o que aprenderam até aquele dia, e as respostas foram várias: “É uma
dança”, “brincadeira”, “comida”, “cantigas de roda”, “roupas”, “rezas”, etc.. Nesse
contexto foram adicionadas as explicações às citações dos alunos. Em seguida, a professora
Mel escreve o título “região sudeste” com a letra bastão, e explica que é banhada pelo
83
Eles iriam apresentar tardiamente por não ter dado tempo para ensaios.
154
oceano atlântico e cita o nome dos estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Espírito Santo. A professora Léa fixa um grande mapa do Brasil ao lado do quadro de giz,
para os alunos identificarem os estados e aponta no mapa cada estado mencionado e
pergunta: “Quem nasce em São Paulo é?” Assim, todos os estados foram mencionados e os
alunos respondiam com as correções feitas pelas professoras.
Observo nessa aula a intertextualidade presente na prática pedagógica, momentos
em que a leitura e a escrita são elaboradas visando proporcionar o desenvolvimento da
expressividade, do uso funcional da linguagem, da leitura e da reflexão sobre o mundo, no
caso – geografia. A representação entre os interlocutores, na interação social, é importante
nessa fase de ensino, pois, as crianças demonstram um enorme empenho e esforço na
produção de texto. Smolka (1993) enfatiza essa questão:
155
Terminadas as adivinhações, um aparelho de som é ligado para as crianças
aprenderem à melodia da música que não sabiam ainda. Exemplos:
Pai Francisco entrou na roda, tocando seu violão, vem de lá seu delegado e Pai
Francisco foi pra prisão, como ele vem se requebrando parece um boneco
desengonçado (Cantiga de roda).
A linda rosa juvenil, juvenil, juvenil, vivia alegre no seu lar. Mas um dia veio a
feiticeira muito má, que adormeceu a rosa, bem assim, o mato cresceu em redor o
tempo passou a correr. Um dia veio um belo rei e despertou a rosa, bem assim, o
povo passou a cantar. (Cantiga de roda).
156
dedo e diz que a turma brincou no dia anterior de “chicotinho queimado” com a professora
Mel. Nesse momento a professora Léa explica a turma sobre a diferença entre brincar e
estudar, e pergunta se eles sabem o por quê; algumas crianças interferem e dizem “estudar é
aprender a ler e escrever e brincadeira é para brincar”. Um menino fala como constrói uma
“pipa”, e todos prestam à atenção, “pega uma linha e amarra no palito e no papel”. A
professora entusiasmada diz que “estudar também é conversar”. E prossegue: “a gente vem
à escola pra conviver com outras pessoas, e também com a escrita”.
Nesse momento, a coordenadora entra com as camisetas da escola, doada pelo
município de Rondonópolis, com a inscrição “Secretaria Municipal de Educação” nas
costas, e à frente “Prefeitura de Rondonópolis, Construindo Cidadania”. Após todos
vestirem as camisetas, a professora aproveita para ler o distintivo, estudar as letras com os
alunos, e dar ênfase na pronúncia e na quantidade de sílabas.
Em seguida, a professora relembra a música que os alunos aprenderam no dia
anterior “Eu sou pobre” (anexo 16) e comenta sobre a apresentação que farão na festa do
folclore, que seria no dia posterior. Para essa turma ficou a responsabilidade de estudar
sobre os estados da região sudeste: São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais, e assim, faz uma recapitulação de cada capital correspondente desses estados até
eles confirmarem que aprenderam. E a professora continua: “nesses estados existem
costumes da região, por exemplo: macarronada, lasanha em São Paulo por causa dos
imigrantes italianos; Espírito Santo e Minas usam muitos produtos de leite e muita
caipirinha”. Nesse momento um aluno levanta o dedo e diz que o irmão mais velho faz
essa bebida “com pinga, limão e gelo e depois bate”. E a explicação prossegue: “Todos nós
somos bonitos desde bebês, mas ficamos feios quando fazemos coisas erradas, como
roubar, fumar, matar, usar drogas... O que faz a gente ficar feia são as atitudes más”.
Logo após, cada aluno fala o que está entendendo ou o que deseja falar. Uns falam
que há muita violência no trânsito, falta de respeito com o próximo. Outra, fala que vê na
cidade pessoas comendo lixo. Um garoto disse que viu um bandido correndo da polícia e
viu também no jornal. Uma criança disse que deixou a sua bicicleta no quintal da sua casa e
alguém roubou. Sendo assim, a professora resume dizendo que “em todos os lugares têm
pessoas más e boas, aqui em Rondonópolis e nesses estados também”.
157
Em seguida, é feita uma retomada de todas as apresentações previstas para a festa
do folclore que seria no dia posterior, e em ordem, foi relembrado o seguinte: as
encenações do “Eu sou pobre”, “Pai Francisco”, “Ai bota aqui o meu pezinho”; a
brincadeira do boi, onde – três meninos participam um representando o cavalo, outro o boi,
e um outro o cavaleiro, que encenam o enlaçamento do “boi”; e também os pratos típicos
das regiões que foram estudadas, para os alunos trazerem para a escola (arroz doce, queijo,
doces em geral, etc..).
Em especial, a professora enfatiza a necessidade de todos participarem na festa do
folclore e explica-lhes sobre um pequeno teatro de mímicas: “A casa sonolenta”84. Depois,
coloca um grande pano no chão da sala para representar a “casa da vovó”, e convida
aqueles que não estavam incluídos nas apresentações. Uma criança se manifesta para narrar
à história enquanto outros escolhem ser os personagens da cena; e a peça é ensaiada: uma
“vovó” deita e dorme, e em seguida o “neto”, o “cachorro”, o “gato”, o “rato”, e a “pulga”;
todos encostam as cabeças uns nos outros, e a pulga “morde” o “rato” acordando um por
um até acordar a “vovó”, e assim termina a encenação.
As adivinhações são mencionadas para os alunos responderem logo após: “o que é o
que é mesmo atravessando o rio não consegue molhar”, “ponte”, alguns respondem. “O que
é o que é uma caixinha de bom parecer, e não há carpinteiro que possa fazer”, e nessa
resposta a própria professora respondeu por ser difícil, “amendoim”.
Duas crianças vão à frente para treinarem os trava-línguas, “o peito do pé do Pedro
é preto” e “o doce perguntou para o doce qual é o doce que tinha mais doce? E o doce
respondeu que é o doce de batata doce”. Outra criança vai à frente para recitar “o rato roeu
a roupa do rei de Roma”. (Protocolo n. 24, de 21/09/2006).
Em outro dia de aula, as professoras Léa e Mel unem as turmas para o ensaio geral
sobre o folclore. Várias crianças vão à frente recitar os versinhos já ensaiados, e todas as
anteriores apresentações são repassadas novamente.
Terminados os ensaios, os alunos recebem uma folha em branco para eles
desenharem a história da “casa sonolenta” e escreverem a história ao lado. Confesso que
juntamente com as professoras, surpreendemos com as atividades dos alunos (anexos 17 e
84
A Casa Sonolenta, de Audrey Wood, 8a ed., São Paulo: Editora Ática, 1994.
158
18), e compreendemos como é importante propiciar aos alunos um ambiente onde o
letramento, o lúdico e a interação social fazem parte da rotina em sala de aula.
Relaciono esses momentos com os estudos de Smolka (1993) quando diz que a
aquisição da linguagem escrita em crianças na fase de alfabetização se evidencia uma
progressão em termos de desenvolvimento de noções infantis sobre a escrita, e ela vai
sendo alterada e transformada em função dos contextos de interação, informação e ensino
no contexto escolar. (Protocolo n. 25, de 21/09/2006).
1) Conte as letras:
PÉ___________RATO_______MACACO_________BORBOLETA__________
TIO____________VIOLA______________SABONETE___________________
2) Leia e desenhe:
Peixe________________________Gato____________________Cachorro_____
________
Porco_______________________Cobra___________________Tatu__________
________
Boi_________________________Abelha__________________Ovelha________
_______
159
caranguejo peixe é”, e todos fazem os gestos da música. Em seguida a professora pergunta:
Como o cravo brigou com a rosa se ele era uma flor? Como aconteceu? E cada criança
responde de um modo, “ele tomou pinga”, “a rosa ficou desmaiada”, e a professora
comenta, “eu creio que os espinhos da rosa feriram o cravo, e ele ficou doente. Quando a
rosa foi visitá-lo ele desmaiou e ela pensou que ele morreu...”. Assim, as crianças aceitaram
essa última versão da história e continuaram a responder as atividades, enquanto a
professora troca o jogo dos dois alunos pelo alfabeto móvel para eles criarem palavras, e
em seguida explica o próximo exercício de matemática mimeografado (anexo 20)
(Protocolo n. 27, de 25/09/2006).
Em outra aula, a professora Léa havia copiado o seguinte exercício:
3- Escreva o alfabeto:
Cada questão é explicada pela professora, para continuar a treinar “a linguagem escrita,
pois a oral foi muito trabalhada nesses dias”, argumenta, e em seguida soletra e conta todas
as letras dos vocábulos juntamente com os alunos. Ainda, respondendo essas questões, a
professora arruma as carteiras no canto direito da sala e todos são chamados a sentarem no
chão para uma conversa. Chama a atenção daqueles alunos que não obedeciam, falavam
palavrões, e enfatiza a necessidade de eles levarem a sério as atividades e melhorarem os
160
comportamentos nas aulas, porque muitos ainda não conseguiam ler e escrever
corretamente; em seguida me pede ajuda para copiar nos cadernos dos alunos, uma
atividade que eles deveriam trazer memorizada no dia posterior. Eis a atividade:
NÚMEROS:
0 – 1 –2 –3 – 4 –5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 – 11 – 12 – 13 – 14 – 15 – 16 – 17 – 18 –
19 – 20
ALFABETO:
A-B-C-D-E-F-G-H-I-J-K-L-M-N-O-P-Q-R-S-T-U-V-W-X-Y-Z
VOGAIS:
A a______Ee_____ ___Ii__________Oo__________Uu___________
SEU NOME:
85
Ver anexo (22 ).
161
Que a mesma coisa é se ele escrever “pata”, se ele colocar a letra “p” e a letra “t”,
ele lê o “p” com “pa” e o “t” “ta”, é a forma como ele escreve então. O que é que
eu tenho que fazer com ele? Eu tenho que fazer intervenção, eu tenho que
começar a questionar se a letra “p” com a letra “t” realmente se lê “pata”, o que
se faz com a sílaba “pa”, que vogal eu preciso juntar com a consoante para dar
esse som, porque cada consoante tem um nome, tem um som, mas ela juntada a
uma vogal vai dar uma pronúncia diferente, então é isso (Professora Léa).
162
uma reflexão da prática pedagógica da alfabetizadora quando era baseada nessa concepção,
e a resposta foi:
163
No contexto da formação continuada, Nóvoa (2006) enfatiza a necessidade de o
professor refletir a sua experiência na sua profissão, assunto que no Brasil ainda há lacunas
a preencher ao alicerce profissional como frisou Soares (1985) há mais de vinte anos,
especialmente no que concerne a alfabetização. E ao comentar sobre a formação
continuada, perguntei a alfabetizadora Léa se percebia a diferença na sua prática em sala de
aula; se a formação dela proporcionou mudança. Eis a sua resposta:
164
tenho me colocado à disposição dessa mudança, mas eu tenho ido em busca. Só
que muitas vezes, como eu coloquei já a pouco, eu me sinto limitada, eu fico
desesperada, eu choro, quando o aluno escreve um texto, uma palavra, eu saio
gritando de porta em porta pela minha satisfação, porque eu vejo que não só eu,
mas principalmente o meu aluno alcançou um resultado, por mínimo que seja,
mas eu fico revoltada e choro, decepcionada comigo quando a coisa não tá
caminhando e aí as portas estão fechadas para você (Professora Léa).
165
criança não tenha a capacidade de compreender o mundo em que ela está
inserida, do contrário, eu tô dizendo que ela é capaz sim, e acima de tudo com
responsabilidade, mas ela é uma criança, e a criança precisa de brincar, tem
necessidade de conversar, de visitar o coleguinha na carteira, né. Ela desenvolve
o seu potencial junto com o outro, e ela precisa dessa convivência, precisa dessa
movimentação, e o lúdico, para ele ser trabalhado com as crianças na escola, não
somente dentro, mas também fora da sala de aula, ele precisa ser planejado. Eu
sou contra esse trabalho lúdico de uma forma não planejada. Agora, brincar por
brincar, pintar por pintar, copiar por copiar, ai não dá. O lúdico tem que ser como
qualquer outra atividade, planejada, dentro do contexto. (...) Tem que ter o
cuidado na escolha das brincadeiras, a forma como você trabalha o lúdico e nunca
poder ser uma atividade voltada para o individual, você não pode centrar só no
aluno, você tem que se envolver (Professora Léa).
166
responsável pelo processo de alfabetização, o professor muitas vezes fala e aponta o erro, e
até mesmo grita com o aluno, por não saber o que fazer quando há falta de controle em sala
de aula. Pergunto então à professora sobre como responderia a esta questão?
Tem que ter um controle sim, um domínio, o professor tem que saber dar
liberdade sem libertinagem. Ele tem que dar os limites, mas ele tem que impor
barreiras, isso só vai acontecer no meu ponto de vista, a partir do momento em
que houver uma relação de dependência. O professor ele depende de conhecer o
aluno, ele depende de pôr em prática todo o seu estágio emocional, todos os
aspectos de desenvolvimento, né, ele precisa se colocar como criança para
trabalhar com a criança, não trabalhar com a criança pensando que ela é um
adulto formado, né, a criança é capaz de compreender, discutir e opinar sobre
qualquer tipo de assunto, isso é comprovado, qualquer assunto abordado em sala
de aula, desde assunto relacionado a drogas, a violência, a furtos, a suicídio, a
qualquer tipo de assunto a criança consegue opinar dentro de suas limitações,
dentro do seu conhecimento, ela consegue compreender, então, isso pode ser
trabalhado de forma atrativa, mas isso vai depender da organização, da forma
como o professor vai se organizar. É igual a contar uma história, porque eu vou
contar uma história de chapeuzinho vermelho, porque é uma história infantil,
porque é uma fábula, é um conto, e que é engraçado e que mexe com a
imaginação, não, fazer isso respeitando a idade que cada um tem, respeitando as
limitações, mas saber explorar essa história para esse contexto, trazer para a vida
real, de forma que seja assim, através de uma brincadeira, sem que o aluno
perceba que está sendo cobrado (...) A criança não pode em hipótese alguma
tomar conta do adulto, que é que é isso? Às vezes ela faz por onde chama a
atenção e ela consegue né, que é dominar o comportamento do adulto, e aí, se
você não tem pulso firme não toma conta do recado, e aí não consegue fazer
absolutamente nada, por isso que tudo tem que ser planejado, organizado que tem
crianças que sabem realmente manipular (Professora Léa).
167
Sim. Em relação da aquisição da linguagem escrita da criança, eu procuro
trabalhar de forma a respeitar a individualidade de cada um. Os conhecimentos
prévios, fazendo as intervenções necessárias de acordo à necessidade de cada um.
Nós temos hoje, dentro de uma proposta de modalidade, que é a ciclada, proposta
que nós atuamos hoje, de uma forma respeitando, buscando, nós temos o apoio
pedagógico que acontece no lugar inverso do horário normal de aulas, é um
trabalho em que a gente após um diagnóstico feito no início do ano letivo, nós
procuramos detectar através de registros escritos as dificuldades de cada aluno, e
aí, então aqueles alunos que têm mais dificuldades de aprendizagem é que nós
procuramos receber nesse apoio pedagógico. São duas horas por semana, máximo
de quatro horas e aí ele vem em horário inverso com a atividade diferenciada, e a
partir do momento que ele começa a ter um avanço ele vai, eu diria, ter assim
uma alta, e assim ele vem pro lugar, então na medida que ele vai necessitando,
ele vai freqüentando as aulas de apoio em horário inverso. O que ocorre é que
essa apropriação deve ser respeitada, e de acordo os limites, os conhecimentos
prévios de cada um, vivência de cada um, trabalhando dentro da realidade dele,
mas nunca falando “fulano, sabe ou deixa de saber, ou consegue ou deixa de
conseguir”. O que eu procuro fazer sempre são trabalhos com agrupamentos, de
acordo com as hipóteses de escrita de cada um, mas sempre respeitando a questão
da idade e a questão do limite. Nunca faço trabalho muito difícil ou individual
faço sempre trabalho em grupos. Não gosto que minha sala fique organizada em
filas como se fosse um exército, eu gosto de colocá-los sempre em duplas ou em
trios ou em círculos, de forma que eles fiquem próximos, e eles são livres (...)
Mas, eu procuro primeiro trabalhar dentro do texto, né, do texto para as palavras e
aí vai. E aí com musiquinhas, conversas, procuro explorar a oral e a escrita. O
máximo possível dessas atividades interdisciplinares né, por exemplo: hoje, nós
trabalhamos a história que tem vários personagens do mundo animal, e que existe
é uma relação de comportamento entre eles, é um trabalho da questão da
localização, do tipo do animal, da espécie, como ele se alimenta. Então, a partir
da história contada ou lida, faz-se uma exploração de forma que aborde todas as
áreas do conhecimento, ou seja, a linguagem das ciências, naturais da natureza,
linguagem das ciências sociais, a linguagem das tecnologias, sem colocar: “hoje
é aula de ciências ou é aula de matemática”, mas, de forma que eles realizem as
atividades sem perceber as distinções das diversas áreas né, então, fazendo
interpretação de testos, fazendo contagens, fazendo ilustrações, distinguindo tipos
de alimento como é cada animal, as características, realizando calculo, né, e por
aí vai (Professora Léa).
168
diferente de aprender a escrita, por ser interessante, incentivando a criança a pensar,
sugestionar e treinar as palavras através da cópia”, ou seja, auxilia na correspondência entre
grafema e fonema. A leitura desse texto foi feita em coro com a classe, e no momento das
figuras a professora abria um espaço para eles refletirem sobre os animais; como eram, o
que comiam, onde viviam, etc., enfatizando a ciência, ou contagem de números referente às
patas dos animais, e assim entrava no contexto da matemática. Após a exploração do texto
escreve essas perguntas no quadro para os alunos copiarem e fazerem as atividades:
Todos os recursos que eu costumo usar são os materiais concretos né, letras
móveis, fichas móveis, cartazes, retroprojetor, utilizo de todos os recursos,
vídeos, DVDs, CDs, livros, gibis e procuro trabalhar os meus alunos. Eles não
têm cartilhas, eles têm um livro, na minha concepção a cartilha não foi banida, a
cartilha tradicional, né, a cartilha na qual fomos alfabetizadas, a Cartilha de Ada e
Edu, a Cartilha do Davi, elas têm os livros que servem de apoio para realizar
tarefas na sala e em casa. Livro de português e livro de matemática, são livros que
abordam os diversos conteúdos das áreas afins, mas, de uma forma mais
prazerosa, mais significativa, e porque não dizer inovadora. (...) Eles não usam
esses livros todo o dia, nem ficam fazendo cópias. Procuro trabalhar muito o
registro escrito, do quadro para o caderno, mas, por exemplo, a aula começa uma
hora quando eu começo a passar a primeira atividade na sala e duas horas e meia,
né, então eu trabalho muito a questão da oralidade com eles. Conversar mesmo,
cantar ou gesticular, ou desenhar, explorar o oral para então ir para o registro
escrito, e porque que eu acredito que a partir daí que eles vão começar a adquirir
espontaneamente a questão da escrita e da leitura convencional (Professora Léa).
169
que tal desenvolvimento implica em elaborações cognitivas e lingüísticas que não se
limitam ao aspecto mecânico da decifração”.
A professora Léa possui uma facilidade natural quanto ao domínio de classe, que
contribui tanto no controle da sua tarefa quanto na administração com os alunos. Então lhe
fiz uma pergunta sobre o seu comportamento profissional e como vê essa questão. Eis a sua
resposta:
Essas conversas que a gente tem, essas formas prazerosas de trabalhar, elas tem
que acontecer de uma forma organizada, planejada, sem que se perca o controle
da turma, porque se você mesmo organizando e planejando não consegue se
impor respeito e compromisso ao seu aluno, é lógico que você não vai querer
uma sala de um quartel general, como se a gente tivesse na ditadura militar, o
professor era o centro das atenções, e o aluno um mero receptor, não, hoje a
coisa acontece de forma diferente, hoje há uma reciprocidade, né, eu sei e meu
aluno sabe, e não eu finjo que sei, e meu aluno finge que aprende, ou vice-versa,
170
pelo contrário, é preciso valorizar cada indivíduo, mas é preciso respeitar ao ser e
nesse respeito o domínio de sala parte para mim em primeiro lugar do equilíbrio
pessoal. É lógico que nós somos seres limitados, mas somos capazes de mudar, e
essas mudanças têm que acontecer voltadas para o aluno (Professora Léa).
A construção de uma nova prática educativa demanda, sem dúvida, certo tempo e
paciência pedagógica. Mas precisamos compreender que essa construção se dá no
exercício da própria prática docente, no interior da escola, onde são forjadas
nossas representações sobre essa instituição e sua função social (MATO
GROSSO, 2001, p. 21).
Muitas vezes nós pecamos, então é preciso ter cuidado com as atitudes, com as
falas, com as nossas ações, e com a relação com o outro – com o nosso aluno.
Com a forma que estamos preparando as nossas aulas; se elas estão preparadas só
para cumprir com o currículo ou não. Observar como esse currículo está
organizado; é preciso verificar o que você pode estar fazendo para melhorar né,
como você vai trabalhar com o seu aluno. Se eu sou uma pessoa irresponsável,
que vivo faltando, chegando atrasada, que não imponho respeito, a minha sala vai
virar uma bagunça (Professora Léa).
Nós temos leis, e leis que vem sendo criadas, vem sendo aprovadas, mas que no
fundo, elas não vêm sendo cumpridas, e a Educação como qualquer outra
171
profissão, ela não é um “bico”, ela é uma profissão para profissionais, não é um
“bico” para se fazer volume, ela é o reflexo da nossa sociedade. É só com a
Educação que nós vamos consegui ter um mundo melhor e vida melhor, e para
que isso aconteça é preciso que haja mudanças pessoais e profissionais, mas,
ocorram urgentemente, cumprindo as leis da Educação, porque o dinheiro, você
pode ganhar dez salários mínimos ou um salário você vai viver da mesma forma,
que só passa fome quem quer, que, emprego, condições de trabalho, tem para
todo o mundo, agora, competência, compromisso são para poucos, por isso que
eu acredito na mudança potencial de cada um, se eu não quero mudar não adianta
alguém querer me mudar (Professora Léa).
Se o meu aluno tem dificuldade de aprendizagem, não adianta que ele não vai
melhorar sozinho, se eu não tentar ajuda-lo. Se hoje nós temos essa oportunidade
de trabalhar com as crianças de forma mais inovadora, de uma forma
diferenciada, através da qual nós fomos trabalhados no nosso processo de
escolarização, porque então não aproveitar essa oportunidade? É hora de
arregaçar as “mangas” e ver diferente, e esse diferente está em cada um de nós
(Professora Léa).
172
A Educação Especial não diz somente às limitações físicas, mas todos os tipos:
emocionais, psicológicos de aprendizagens. Existem inúmeros fatores né
(Professora Léa).
A professora Mel atendeu-me com muita simpatia dizendo para ficar a vontade.
Alfabetiza há 16 anos, cursou Pedagogia e participa dos cursos de formação, que é
organizada pela Secretaria Municipal, mas, quando se enquadra com o seu tempo
disponível. “Agora mesmo não posso fazer o PROFA86 porque a outra professora deixa a
sua turma comigo para poder ir, mas sempre que posso participo”, comentou. “Possuo 16
alunos e trabalho com vários métodos de ensino em sala de aula; adoto a concepção
construtivista sob a proposta do “Projeto Inovador”, que está inserida no contexto escolar
com o incentivo da Secretaria Municipal para a escola ciclada”, diz a professora. Sobre sua
trajetória da sua profissionalização, eis o seguinte:
173
Na sala B, observei que o aspecto físico era mais atraente do que na sala A. Os
cartazes mais coloridos, atraentes e didáticos. As letras maiúsculas do alfabeto bem
destacadas acima do quadro de giz87e outro destacando as letras maiúsculas e minúsculas
seguindo a categoria: A,a de amor; B,b de baixinho... Cartaz que indicava aniversariante do
mês, outro em estilo mural mencionando os meses do ano e os numerais rodeados de
figuras, e ainda outro em que os vagões do trem enfatizavam o nome dos dias da semana, e
nesta observação especificamente, havia uma figura do sol indicando – ensolarado. A
professora utiliza faixas acima de objetos para denominá-los, eis alguns: ventilador, quadro,
porta, e outros, para os alunos fixarem a linguagem escrita.
A aula, a turma e a docente são tranqüilas. Os conteúdos são relacionados ao tema
gerador “folclore”, e as letras são estudadas pelas indicações dos alunos em resposta à
professora. A música escolhida é o “Boi da cara preta” para eles copiarem do quadro e
identificarem as letras, as sílabas e cada uma das palavras da música que se repetem, e
quando não estão se sentindo seguros, tiram dúvidas com a professora.
Percebe-se a dedicação da direção e equipe da escola trabalhando em prol de um
ensino melhor, mesmo numa escola situada em rua sem asfalto. Sala ampla, arejada, clara e
com um armário, um fichário, e um grande cartaz do calendário deste ano.
No aprendizado das sílabas as crianças batem palmas para identificar a quantidade
das mesmas e a contagem de consoantes e vogais, e três alunos são chamados para
responderem as questões no quadro: Copiarem as palavras repetitivas e separarem as
sílabas. Em seguida, a professora organiza a classe em quatro grupos e entrega alguns
cartazes coloridos de propagandas comerciais para a identificação das letras da música
escolhida. O alfabeto móvel é usado em seguida para formar palavras da música e outras
que eles quiserem. Nas carteiras a professora coloca uma placa, feita de cartolina, para a
identificação dos alunos – o nome completo de cada um, e no final da aula ela retira para o
dia seguinte. Não usa cartilha em aula e sim como tarefas para casa. O texto utilizado é a
letra da música “Boi da cara preta” 88:
86
Programa de Formação de Alfabetização do MEC.
87
A professora estava preocupada porque a secretaria municipal tinha orientado a não expor cartazes do
alfabeto em cima do quadro de giz, porque o objetivo era de fixá-los ao alcance da criança, e assim estava o
alfabeto na sua sala.
174
Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Pega esse menino que tem medo de careta.
Sim. Os alunos aprendem mais rápido né, e também a gente fica com dúvida
ainda, mas, através das músicas de recortes, de produção, as crianças mesmo
produzem até as historinhas quando chegam no final do ano. As crianças da
primeira fase chegam ao final do ano já escrevendo textinhos, logo. Às vezes a
gente esquece da produção de textos e eu fico muito na leitura, e eu acho que o
mais importante é a produção da criança. O Piaget, né, o que ele ensina nos seus
livros é importante (Professora Mel).
88
Cantiga folclórica.
89
As letras copiadas são maiúsculas, pelo menos no início do ano, por ser a primeira fase, e é exigência da
secretaria municipal. Observação: os exercícios não são todos copiados de uma só vez, cada um é respondido
separadamente antes dá cópia do posterior.
175
para o recreio, e no retorno à sala ela faz um pouco de exercícios físicos com os alunos no
formato de círculo para relaxarem os músculos. Formam uma roda e cantam algumas
músicas – cantigas infantis.
Logo após, é hora de descobrir quantas patas tem o boi, assim, desenha novamente
um boi e pede para os alunos contarem. Depois das continhas, é o momento do joguinho
com as letras em sílabas, a docente, de carteira em carteira auxilia na formação das
palavras. Alunos formam novas palavras e apresentam à professora a “descoberta”. Após o
joguinho das letras as crianças se deparam com a contagem de dúzias e meia dúzias, e outro
exercício é escrito no quadro para ser copiado: “Desenhe uma dúzia de bolinhas e outra
dúzia e meia”. Para explicar o assunto, a professora utiliza doze copinhos de “danoninhos”
vazios postos enfileirados para duas crianças contarem e identificarem a dúzia e a meia
dúzia, e outras duas crianças vão à frente para constatarem.
E assim, todos respondem nos cadernos as respostas certas. Sendo já perto das
17:00 h a professora forma um círculo com a turma e brinca de roda cantando “A linda rosa
juvenil”90, uma criança manifesta-se para ser a “rosa”, outra o “príncipe” e uma outra a
“malvada” para a dramatização. Finaliza a aula do dia. Eis a letra da música:
90
Cantiga de roda.
176
sistemas de representação que a cultura lhe coloca à disposição e que com elas
pode enfrentar os desafios da leitura e da escrita (...) (RIBEIRO, 1993: p. 68,69).
No outro dia de aula, a professora Mel inicia com uma retomada dos cartazes
didáticos: aniversariante do mês; a previsão do dia: ensolarado; consulta ao calendário; e
uma criança menciona a data do aniversário de sua mãe. Em seguida escreve a letra da
mesma música do dia anterior, mas os alunos não copiam, o objetivo era pronunciar cada
palavra, contar as letras e as sílabas. Incentiva a leitura de todos os cartazes fixados,
também, em forma musical e os crachás de identificação dos alunos são postos nas
carteiras. A arrumação das carteiras é mudada em duas fileiras horizontais.
Ao escrever alguns números no quadro, pede a três crianças para irem à frente e
dizerem se os números eram pares ou ímpares, e assim procede com vários alunos. Outra
estratégia: um grupo de alunos foi formado e saía um de cada vez, para explicar que os
ímpares eram os que saíam ou os que sobravam das duplas organizadas.
Depois que todos participam, a professora faz uma revisão do assunto da dúzia e
meia dúzia semelhante à aula anterior, e logo após, distribui cartazes de cartolina com a
escritura da música “Boi da cara preta” para a turma recortarem as letras e montarem
palavras com elas. Alguns alunos chamavam a “tia” e mostravam a palavra “nova” que eles
conseguiam formar, como: “casa”, “pato”, “carro”, “boneca”, etc.
O ensino no primeiro ciclo tem como objetivo levar a criança a produzir textos
significativos acessíveis à compreensão. A experiência na sala B com o lúdico mostrou que
os alunos descobriram um grande interesse pela leitura, porque foram incentivados e
orientados a criarem vocábulos e expressarem, sem restrições, todos os seus pensamentos
através da escrita para os receptores lerem (BRASLAVSKY,1993).
Terminado esse período, a alfabetizadora escreve alguns exercícios no quadro de
continhas e números para ser postos em ordem decrescente, exemplo:
1) Somar: D U
+ 1 5
2 3
_______
177
2) Por em ordem decrescente: 6, 4,5,2,6,8.9,3,1,5,7,10
A professora, ao notar um aluno que não queria fazer a tarefa, senta ao seu lado,
abraça-o, diz que a aula já estava terminando e permanece com ele ajudando-o a fazer o
exercício.
Em outra observação, professora Mel inicia a aula conversando com os alunos e
pergunta: “Que dia é hoje?” “segunda”, respondem, e todos os cartazes são revistos como
exemplo: “O dia está:” “ensolarado”, respondem, e em seguida, ela explora o calendário do
mês de setembro escrevendo-o no quadro as letras das semanas e os números dos dias das
semanas, pela citação dos alunos.
Ferreiro (1999, p.34) diz que “para aprender a falar é necessário ter acesso a língua
oral”, mas, as cartilhas ou manuais apresentam “pseudo-enunciados” que não informam e
não abrem espaços para as crianças questionarem. Nesse sentido a aula se processa, e a
professora se dirige a mim e responde: “Preciso treiná-los não somente na língua escrita,
mas também na falada”, e assim continua explorando o calendário que foi copiado no
quadro dessa forma:
D S T Q Q S S
1 2
3 4 5 6 7 8 9
10 11 12 13 14 15 16
17 18 19 20 21 22 23
24 25 26 27 28 29 30
E pergunta: “Que dia começou o mês de setembro?”, “Quantos domingos têm o mês?”,
“Qual outro feriado que tivemos nesse mês?”, “Qual o primeiro dia da semana?”, e assim
as crianças respondiam sob o auxílio da professora quando erravam.
Depois desse estudo, as crianças recebem um papel em branco para produzirem um
texto e desenhá-lo, e para a nossa surpresa, os textos nos surpreenderam (eu e a professora).
178
Eis alguns exemplos nos anexos (23, 24,25 e 26). Ao observar os textos e os desenhos
relacionei alguns aspectos que influenciaram nessa aprendizagem a qual me alegrou. Por
um lado, porque a professora não trabalha com a cartilha em sala de aula, confirmando a
pesquisa de Macedo (1985) quando analisou e constatou que a cartilha impedia o
desenvolvimento lingüístico, pelo fato de as crianças imitarem-na, e a expressão dos
pensamentos retardava.
Por outro lado, evidencia também o que Smolka (1993) já havia observado sobre a
importância da interação e da interlocução em sala de aula juntamente com estratégias
simples e práticas, para desencadear em construção de conhecimentos eficazes à linguagem
oral e escrita, e acrescenta que a escritura adquire novas configurações quando as crianças
escrevem espontaneamente. (Protocolo n.21, de 18/09/2006).
A professora Mel após retomar a aula anterior, que enfatizou as cantigas de roda,
incentiva os alunos agora a treinar a escrita com o exercício abaixo:
3- E que é, o que é?
a) Que tem dente mas não é gente.
b) Que entra na água mas não se molha.
4- Pense e responda:
a) 2+7+9=
b) 3+5+4=
c) 6+3+8=
179
Num outro dia, as professoras Mel e Léa resolveram unir novamente as duas salas
(A e B) e iniciaram pela explicação das unidades e dezenas. A professora Mel copia os
números de 1 a 9 e canta com a turma uma música contendo estes números. Com o auxílio
de um cartaz, indica a dezena e a unidade e explica o assunto dos números até a numeração
30, e corrige um exercício (anexo 27).
Após o recreio, faz exercícios de relaxamento com as crianças, e a professora Léa
traz um retroprojetor e um telão para treinar novamente a música “Eu sou pobre” (anexo
16). Soletra a letra da música várias vezes para decorarem, e pronuncia com muita ênfase
cada sílaba.
A sala é organizada com as carteiras encostadas nas paredes para que o centro
ficasse livre. A turma é dividida assim: meninas de um lado e meninos de outro, para
encenar a cantiga “Eu sou pobre”, ou seja, “vários homens pobres” (meninos) que queriam
encontrar uma “noiva” (uma menina), e a “mãe” (outra menina) mandava o “homem” que
se manifestava, escolher dentre todas as outras filhas (meninas) que estavam com ela. Por
final, os “homens” escolheram as suas “noivas”, e a brincadeira foi contagiante.
Em seguida, recolhe os cadernos e cola um exercício de matemática para o dia
posterior (anexo 28) (Protocolo n. 23, de 20/09/2006).
A professora Mel, em outro dia, inicia a aula contando uma história às crianças com
o título “A formiguinha e a neve”91, com o seguinte relato: “um bloco de neve cai e prende
a formiguinha...”, e assim, o sol, o muro, o rato, o gato, etc., não podem salvá-la e ela
morre. Todos ficam com pena da morte da formiga, mas a professora explica-lhes que ela
foi para o céu, e aproveita para estudar a palavra “formiguinha” várias vezes, explorando
todas as letras e as sílabas com palmas para dar ênfase na quantidade, e diz: “tem um r na
primeira sílaba e o nh na última sílaba; outras palavras também possuem um r na primeira
sílaba, como ár-vo-re, car-ro, etc., e o nh também é exemplificado”. Após apagar a palavra
“formiguinha” um aluno é chamado ao quadro para escrevê-la novamente e os demais
colegas ajudam citando as letras que faltam sob a orientação da professora.
91
BARROS, Jorge João de. A Formiguinha e a Neve, ed. Moderna, São Paulo: 1999 (Literatura Infantil).
180
Em seguida, eles deveriam citar as palavras contidas na história, e um aluno diz
“muro”, outro aluno vai ao quadro escrever e assim sucede com várias palavras lembradas.
As palavras “homem” e “cachorro” foram escritas assim: “omem”, “caxorro” , e a
professora corrige-as e explica-lhes que nem sempre as palavras são escritas como
pronunciamos, e eles deveriam aprender a escrever a forma correta; sendo assim, todos
copiam no caderno.
Depois, onze crianças vão ao quadro para escrever os personagens da história, e a
primeira palavra foi: “sol”, a criança estava em dúvida quanto a letra “s”, outra criança se
levanta e aponta essa letra no cartaz da parede92 e logo a colega escreve corretamente. Na
letra “t” também houve erros quanto a escrita, e uma outra criança aponta essa letra no
cartaz para a colega; e a palavra “televisão” foi adicionada pela professora para relacionar o
fonema ao grafema “t”. Várias outras palavras foram acrescentadas para as relações entre
fonemas e grafemas no caso das dúvidas. Esse contexto da relação da alfabetizadora com os
alunos se assemelha ao que Smolka (1993) nos remete:
JOGO DE PALAVRAS
NOMES DE FRUTAS-
NOMES DE PESSOAS-
92
Antes, estes cartazes estavam acima do quadro de giz, mas a coordenação pediu para colocar as letras ao
alcance dos alunos.
181
“fru” do vocábulo “frutas”. Prosseguindo, as crianças deveriam escolher nomes de frutas
que começassem com a letra “a”; “abacaxi”, “abacate” foram escolhidas, e todos soletraram
e bateram palmas na contagem das sílabas. Nomes de pessoas escolhidas foram: “Paulo” e
“Pedro”, e o percurso da aprendizagem foi o mesmo, e em seguida era necessário copiar
nos cadernos. Enquanto isso, a professora vai a todas as carteiras corrigindo a linguagem
escrita.
Por final, os alunos recebem um papel em branco para escreverem uma história e
desenharem o que quiserem, mas antes cantam duas vezes uma música da Xuxa que contém
as letras do alfabeto, pois, o objetivo era de enfatizar a correspondência entre grafema e
fonema. Eis a letra da música:
ALFABETO DA XUXA
A de amor
B de baixinho
C de coração
D de docinho
E de escola
F de feijão
G de gente
H de humano
I de igualdade
J de juventude
L liberdade
M molecagem
N natureza
O obrigado
P de proteção
Q de quero-quero
R de riacho
S de saudade
T de terra
U de universo V de vitória
Diz: o que é o que é XUXA
Z de zum zum
(Protocolo n. 26, de 25/09/2006)
A professora Mel escreve no quadro de giz uma história com o título “O gato”. Eis a
cópia:
O GATO
ELE É PEQUENININHO
182
ELE GOSTA MUITO DE MAMAR,
MAS ELE CRESCEU E
SE CUIDOU SOZINHO.
Pense e resolva:
Na lagoa havia 11 patinhos, 6 foram embora. Quantos patinhos ficaram?
Uma aluna vai à frente, separa 11 copinhos de danoninhos vazios na carteira da professora,
que representava os patinhos, e tira 6 copinhos para contar quantos patinhos ficaram na
lagoa; e muitos alunos responderam “ 5 patinhos ficaram, tia!” , e então copiam nos seus
cadernos. (Protocolo n. 28, de 27/09/2006).
Em outro dia de aula, professora Mel inicia a aula fazendo uma oração com as
crianças pedindo ao “Papai do céu” que ajudasse elas nas atividades. Conta a “História do
Trancoso”93, diz que treinará hoje a linguagem escrita, e com um cartaz de pregas escolhe
as letras com a intervenção dos alunos para formar a palavra “TRANCOSO”. Continuando,
93
SANTOS, Joel Rufino dos . História de trancoso, 10a ed. ilus. José Flávio Teixeira, MEC – FNDE, ed.
Ática, São Paulo: 1999. (Literatura Infantil).
183
os alunos deveriam lembrar os personagens que compõem a história para colocar no quadro
de pregas, e três vocábulos foram lembrados: “fazendeiro”, “padre”, e “roceiro”. E em
seguida todos deveriam copiar nos cadernos o próximo exercício:
1- Separe as sílabas:
a) pintinho-
b) amarelinho-
c) cabe-
d) gavião-
e) bichinhos-
f) comer-
3- Faça as continhas:
a) 4+5+3= e) 7 – 4=
b) 4 + 8+ 2 = f) 8 -3=
c) 7+3+1= g) 9- 5=
d) 2+2+8= h) 7 – 2=
184
Enquanto copiam, na outra metade do quadro a professora escreve a letra da música
“Meu pintinho amarelinho” (música de Pai Francisco), e canta para ensinar a seus alunos a
melodia, enquanto copiam, e logo após estudam a correspondência entre som e letra,
pronunciando cada vocábulo contando as sílabas e as letras. Eis a letra da música:
185
A minha tia que me ensinou a escrever e a ler aos oito anos. E na escola estudei
com a cartilha Caminho suave. A aula era tradicional e não havia interação social.
Trabalhava a ortografia e a caligrafia, e quando a professora ficava brava deixava
a gente em pé virada para o quadro, de castigo, quando não acertava a tabuada.
Aprendi a alfabetização através do “ba-be-bi-bó-bu” e da família silábica, agora
hoje mudou um pouco né, através de músicas, poesias, parlendas, etc. (Professora
Mel).
Eu acho que, quanto mais a gente aprende fica mais fácil para trabalhar com as
crianças. O que eu acho difícil, que às vezes têm crianças que tem dificuldades,
não todas, porque tem as que vão embora, mas algumas crianças precisam de algo
diferente e eu não saberia o que te responder, mas a gente tem que dar conta né.
Não pode contar com os pais.
Quando eu conto uma história, se eu conto uma história todo o dia, a criança
também, ela quer inventar uma história ou escrever uma história né, se a gente
parar de contar a história a criança também para de escrever e de contar. Tem vez
que eles trazem de casa, sabe, que quer contar e às vezes escrever. Eles têm uma
facilidade de falar. Dão conta de escrever, mas faltando letras né (Professora
Mel).
Com base em Leite (2002) e em suas investigações, que salienta que a forma como
o professor se expressa o que ele diz, como diz, em que momento, etc., pode afetar positiva
ou negativamente a sua relação com o aluno, e conseqüentemente o processo de ensino-
aprendizagem; perguntei a professora como ela encarava essa questão, e ela respondeu:
Quanto mais calma a gente for, melhor a sala vai ficar. Se a gente ficar nervosa as
crianças vão ficar também. As crianças percebem quando o professor não domina
a matéria, rapidinho (Professora Mel).
De fato, o ambiente nessa sala é tranqüilo e a professora não grita com os alunos e
todos a respeitam e a obedecem, e respondem as questões sem problemas. O que a
entristece é o momento de juntar as duas salas na falta da colega de trabalho. Em seguida
explica a situação da sua turma atualmente:
186
Quando eles lêem um textinho às vezes confundem o “f” com o “v” ou o “d”
com o “t”, e os meninos pronunciam a palavra peteca “pedeca”. Todos na minha
sala já estão lendo e escrevendo, só um novato que chegou esses dias que não dá
conta. Veio de outra escola e está conhecendo as letras agora. Ele vai para a aula
de reforço que é no período oposto, das nove horas até as onze. Trabalho sílaba,
montar palavras com o alfabeto móvel, ou fazer a leitura, ou textinhos, ou até
textos de revistas para ler (Professora Mel).
Sim. Sempre que posso eu participo. A prefeitura que fornece, nós tivemos três
dias de formação no Ipê – um clube social desativado. Saímos daqui (escola) e
fomos para lá. Veio gente de Santa Catarina para ensinar a gente a contar
historinhas para as crianças. Como trabalhar só o infantil na educação infantil, né,
como tratar da criança quando chega na escola, a maneira de transmitir algo
(Professora Mel).
(...) Primeiro eu faço uma reestruturação do texto, por exemplo, no caso da “Casa
Sonolenta” que foi trabalhado, a criança escreve o texto do jeito que ela escreveu.
A gente pega o textinho e aí passa no quadro do jeito que ela escreveu, não tira
nada, depois a gente vai ler com a criança do jeito que a gente escreveu, aí do
outro lado vai corrigir. Será que é assim? (pergunta) Será que está certo? O que
que está faltando aqui? Será que você colocou o título? Qual é o nome do título?
A gente está ajudando a criança a corrigir aquele texto entendeu? As vezes, eles
mesmos percebem quando está faltando algo. A gente escreve a música do jeito
que ela é, na lousa, ou no cartaz, treina bastante, depois pode recortar essa música
ou pedir para a criança recortar e montá-la, através de sílabas, frases.. E aquelas
que estão adiantadas recortam as letrinhas para montarem a letra da música.Aí da
187
pra fazer com eles o ditado da música, pois a criança já sabe a música.. Por
exemplo: “Pirulito que bate, bate,...” aí eles já sabem escrever. Mas, primeiro a
música tem que ser conhecida deles (Professora Mel).
Protocolo de n. 33 de 23/11/2007.
A primeira razão é que produções de escrita são mais fáceis de entender, mesmo
quando a audiência não tem um conhecimento exato da língua materna das
crianças. A segunda razão é que algumas das produções de escrita constituem um
meio melhor de acesso à competência de leitura/escrita das crianças (FERREIRO,
1995, p. 25).
188
CONSIDERAÇÕES FINAIS
189
também houve muitas mudanças e propostas alternativas em incentivo ao novo paradigma
que se manifesta no território nacional, a partir de 1996.
O estudo permitiu conhecer aspectos relacionados tanto ao discurso como a práticas
de alfabetizadores em Mato Grosso, embasadas nesse contexto em que se instaura uma
nova concepção de ensino. Desse modo, ressalta-se que os sujeitos observados nessa
pesquisa, em sua maioria, acompanham as propostas embasadas no novo referencial
sociointeracionista e/ou construtivista. A maioria não utiliza cartilha em sala de aula,
porém, das sete professoras94 três estão trabalhando com atividades consideradas
mecânicas, que seguem a estrutura de uma cartilha tradicional – embora se considerem
construtivistas.
O problema comum observado em sala de aula, que suscita dúvidas às
alfabetizadoras, relaciona-se a questão quando o aluno não está aprendendo ou não
respondendo positivamente ao ensino, após os esforços das pedagogas no processo de
aprendizagem. Algumas externaram as frustrações por não alcançarem os objetivos
previstos após todos os esforços que podiam empregar.
As alfabetizadoras encontram-se em expectativas de melhores mudanças com a
nova proposta de ensino da escola ciclada. Das sete professoras observadas – Mary , Rose,
Lu, Lia, Val, Léa e Mel, duas são especialistas, três se esforçam para a capacitação
profissional através dos cursos de formação ou leituras especializadas, e duas não
manifestaram interesse em mudanças ou capacitações, talvez, devido à proximidade da
aposentadoria como haviam dito outrora, ocupações com a família, ou por preferirem um
“ritual sagrado” em suas práticas pedagógicas, como alguns estudiosos denominam.
Nesse contexto, as professoras Mary , Lu e Lia, prosseguem as suas aulas
reduzidas a cópias e correções de exercícios, e a seqüência didática é uma constante a cada
dia, sem nenhuma novidade para repartir com os alunos, e nenhuma motivação ou interação
social, segundo a concepção tradicional de ensino. O único fato observado nesse sentido é
de as professoras chamarem os alunos mais adiantados para ajudarem os que estão com
dificuldades na escrita, e as aulas se caracterizam pelo simples falar, escrever e corrigir da
professora e o copiar e responder dos alunos, como salienta Smolka (1993).
94
Considerando as alfabetizadoras Lu e Lia, que entre elas houve uma mudança em sala de aula, no percurso
das observações.
190
O que se conclui dessas alfabetizadoras é da falta de tempo que alegaram, por
lecionarem em dois períodos do dia e não sobrar tempo para uma metodologia diferenciada,
mesmo comentando estar informadas das novas propostas construtivistas.
Esses podem ser os fatores que pesam para muitos professores, que não manifestam
interesse em mudanças, e acomodam-se no ritual cotidiano no ensino de forma mecânica e
sem significado. Isso indica, também, que as novas diretrizes estão amplamente divulgadas
pelos órgãos públicos nas duas últimas décadas, e em particular, nos municípios de Mato
Grosso.
No entanto, percebe-se que falta um melhor investimento às práticas pedagógicas,
talvez, pelos órgãos públicos, ou até mesmo no interior das instituições educacionais, com
a possibilidade de encaminhamento para mudanças necessárias em sala de aula. Nesse
aspecto, festejar e premiar os professores que tiverem êxito na sua missão, seria uma boa
sugestão, como expõe Castro (2006) sobre a precariedade na educação brasileira; já
comentado neste trabalho. A realidade poderia ser outra, no que se refere a situação
semelhante das alfabetizadoras Mary, Lu e Lia.
Das sete professoras observadas em salas de aula – Rose , Val, Léa e Mel, foram as
que se destacaram em seus procedimentos de práticas pedagógicas e tipos diferentes de
trabalhar os textos. Administram diferentes formas de alfabetizar demonstrando, assim, a
importância do letramento, do interacionismo e da construção do conhecimento, e
conseqüentemente, propiciando um ambiente rico no processo de ensino-aprendizagem. E,
além disso, se observa a intervenção das professoras assegurando o avanço das
aprendizagens dos alunos, tanto no que se refere à linguagem oral quanto à escrita. Estas
professoras também enfatizam a função social de forma dinâmica, por meio da interação
entre os sujeitos – com seus pares e seus professores. Incentivam e orientam aos seus
alunos a criarem textos e expressarem-se sem restrições, oralmente e por meio da escrita.
Pode-se perceber, então, a não homogeneidade em sala de aula, pelo
entrecruzamento que há entre a diversidade de práticas de alfabetização; e ao mesmo tempo
é um rico auxílio para a desejável interlocução na pesquisa científica
Das sete alfabetizadoras observadas, duas, entre elas – Rose e Val, reagem em sala
de aula segundo a proposta sociointeracionista, e deixam claro que, optando por uma ou
outra perspectiva – construtivista ou interacionista, buscam conciliar as idéias que sejam
191
pertinentes às suas intervenções em práticas pedagógicas ao alcance do aluno. A professora
Val, por exemplo, além de abraçar o paradigma sociointeracionista de linguagem afirma
não “abrir mão” de procedimentos como a ortografia, a caligrafia, o método silábico e
vários ao mesmo tempo, e investir sempre em atividades de ditado; assim mesmo, as suas
aulas são agradáveis, multiformes, dinâmicas, onde a interação social é uma constante, e
conseqüentemente, a linguagem oral e escrita também.
A professora Rose se destaca pela historieta e a música, que envolvem os alunos a
pensarem e a relacionarem os fatos importantes da vida deles, através da leitura de mundo
que precede a palavra, expressão característica de Paulo Freire (1991). Incentiva-os a
explorarem os acontecimentos da vida diária, relacionamentos familiares, etc. com relação
ao assunto a ser estudado, e interliga as idéias em correspondência com os grafemas,
fonemas e vocábulos em pauta.
No entanto, o que se percebe nessas duas professoras é a falta de confiança na
capacidade da criança quanto ao investimento com os textos, pois, elas crêem que essa
atividade não é primordial na primeira fase, limitando-se então ao ensino de elementos de
sínteses quanto a escrita.
Esse quadro reflete as explicações de Smolka (1993) com relação da falta de
compreensão do alfabetizador quanto à escrita da criança, denominando-a muitas vezes de
ilógica, incapaz, desleixada ou com falta de atenção. Por um lado, a professora Val afirma o
seguinte: “se eu investir desde o início do ano com eles, irão escrever errado, e assim eu
não aceito, eles têm que escrever certo, por isso que eu deixo para o final do ano para
continuar no próximo”. Por outro lado, a professora Rose não acredita que as crianças têm
condições de produzirem textos desde o início do ano, acha que deveria ser investido mais
no segundo ano de escolarização.
Nesse sentido, compreendo que o investimento do professor deverá se respaldar no
seu empenho e crença que a criança é capaz de responder às expectativas, caso contrário,
irá construir fronteiras que possivelmente limitar-se-ão ao avanço da aprendizagem do
aluno. Um dos aspectos fundamentais que observo em Freinet (apud SAMPAIO, 1994) é
sobre a confiança que o professor primário deve ter em seu aluno, com relação à sua
capacidade, quando registra vários exemplos de crianças produzindo textos, rapidamente,
sem erros, e, ainda a sós.
192
Semelhantemente, as experiências das professoras Léa e Mel provam que há
possibilidades das crianças produzirem textos no decorrer do primeiro ano de alfabetização
(ver anexos 17,18, 23, 24,25, 26), e enfatizam constantemente a interação social em sala de
aula. Particularmente, experienciei essa modalidade de ensino no tempo do meu pré-
escolar, em exposição na introdução deste trabalho, como exemplo, para sinalizar que é
possível investir em crianças na primeira fase do primeiro ciclo, dependendo obviamente,
da compreensão e da intervenção do professor. E esses fatos parecem indicar um ensino
respaldado pelas concepções sociointeracionista e construtivista.
No contexto didático-pedagógico, cada aspecto do ensino da leitura e escrita na fase
inicial de alfabetização, vejo que não se reduz a um método específico. A aparência
enriquecedora de uma sala de aula, do esforço do professor alfabetizador, do contexto
escolar ou do auxílio dos pais, são como parcelas, que contribuem de forma direta ou
indiretamente no processo do ensino-aprendizagem, pois, múltiplos são os enfoques que
podem estar envolvidos nesse processo complexo no âmbito da educação, como enfatizava
Soares (1985) há mais de vinte anos. E, considerando as seis salas de aulas envolvidas na
pesquisa, percebe-se um aspecto ou outro se destacando, ora no sentido de forma positiva
ora de forma negativa.
De forma positiva destaco a expectativa presente na maioria das alfabetizadoras
para a formação continuada, e de forma negativa a falta de estrutura e apoio ao docente, e à
escola que o leva a alternativas de outros empregos prejudicando assim sua prática
pedagógica.
O meu desejo inicial era de ampliar o máximo o número das observações nas
escolas de Rondonópolis e Cuiabá, contudo, além da resistência de muitas professoras na
coleta de dados, havia grande distância de uma escola e outra95; mesmo assim, foi possível
sistematizar as investigações nas três escolas registradas nessa pesquisa, sobre as práticas e
concepções das alfabetizadoras, e em especial, a contribuição simpática das professoras Léa
e Mel que não mediram esforços para colaborarem nesse empreendimento.
Além dessas considerações acima, reflito sobre a necessidade de flexibilidade para
as diferentes teorias e para as diferentes dimensões do processo de aprendizagem já
analisadas no segundo capítulo, principalmente por estarmos em pleno século XXI com
95
Esse aparente agravante foi positivo no sentido de permitir o enriquecimento dos dados, etc..
193
contribuições oriundas do avanço da ciência, da tecnologia e da informática. Pensadas em
conjunto, diferentes teorias para diferentes dimensões do processo de aprendizagens,
podem trazer contribuições importantes e significativas para a alfabetização.
Ainda que lentamente, se observa vestígios de grandes avanços no ensino de
alfabetização, por exemplo, um amplo conceito que extrapola o domínio das primeiras
“letras”, abrangendo o envolvimento do uso da língua escrita nas situações em que esta é
necessária, lendo e produzindo textos, que se cunhou pelo termo: letramento.
Mas, há uma interrogação a analisar sobre as cartilhas. Será que, de fato, há
congruência da presença de cartilhas no contexto construtivista? Compreendo que a ênfase
construtivista é direcionada ao investimento do professor em sala de aula, não a uma
determinada cartilha, e nesse sentido não há congruência. Concordo com a alfabetizadora
Léa, ao comentar na entrevista sobre o construtivismo, ela reforça a idéia de que a teoria
veio para melhorar, e que a mudança ocorreria quando o professor se colocasse à
disposição dessa mudança.
Nesse aspecto, quanto à prática pedagógica, vejo o ensino da leitura e da escrita
como uma professora de piano focaliza o seu aluno no ato do treino no instrumento. É
importante, mas não imprescindível que ele fixe as notas musicais antes de executar uma
peça musical. E nesse percurso, se acrescenta aos poucos pequenas “doses” de ritmo,
melodia e harmonia, lentamente, até a composição ser agradável à audição.
As notas musicais são os sons e os símbolos do sistema, assim como as letras do
alfabeto, e é necessário serem apreendidas (grafemas e fonemas); o ritmo96 é como a
metodologia empregada, deve haver flexibilidade nesse percurso; a melodia97, como a
prática oral e escrita, a sua manifestação deve conter um sentido lógico que sinalize o
início, meio e o fim; e a harmonia98 como o método que dá a cobertura ao contexto
generalizado.
Por ser professora de música há mais de vinte anos, tenho percebido que há um
paralelo nesses dois processos de ensino que envolve sistemas diferentes. Ou seja, há
possibilidade de uma conexão entre os dois símbolos – notas musicais e letras do alfabeto,
96
Ritmo - É o movimento de sons regulados pela sua maior e menor duração.
97
Melodia - Consiste na sucessão dos sons formando sentido.
98
Harmonia – Consiste na execução de vários sons ouvidos ao mesmo tempo, observadas as leis que regem os
agrupamentos dos sons simultâneos.
194
no sentido de atrair a atenção do aluno a um ensino mais eficaz. Para ambos, a sua
apreensão é complexa, demanda tempo, paciência e insistência ao iniciante. Este se
envolverá a partir do momento que perceber a sua aprendizagem e a apreciação positiva
daquele que o assiste.
A afetividade em ação e a flexibilidade com a metodologia no ensino, creio que
deve ser uma constante; e sensibilidade a perceber se o aluno se apropriou ou não da teoria
e prática. Em parte, essa conclusão responde às expectativas após inúmeras apresentações
públicas dos alunos nos recitais de piano e teclado, quando se manifestam os elogios dos
pais, parentes e amigos.
Portanto, vejo primordial a flexibilidade no ensino em alfabetização, como
demonstração de uma percepção e sensibilidade relacionadas à aprendizagem do aluno, não
ficando à mercê de um método específico e único de ensino. E enfim, o que o aluno faz
hoje com assistência afetiva poderá fazer amanhã com independência e competência.
195
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204
ANEXOS
205
Anexo 01 - ROTEIRO PARA ENTREVISTA
7- Tudo que você sabe sobre Alfabetização foi aprendido em que situação (ou situações?)
(Curso de Magistério, Curso de Pedagogia ou outra licenciatura, curso de formação
continuada, com a sua própria experiência, com as trocas realizadas entre colegas na escola,
com leitura e estudos realizados por você mesmo).
9- Você conhece algum tipo de orientação sobre o planejamento de suas aulas? Quem
costuma orientar os planos de aula de alfabetização? Você considera útil essa orientação?
Posso conhecer seu caderno de planos ou seu planejamento anual?
10- Fale um pouco sobre como desenvolve suas aulas quando está iniciando a
alfabetização.
206
a) Usa algum método? ( ) sim, qual?__________________________________________
( ) não, por quê?_______________________________________
( ) vários, como?______________________________________
14- Sobre as produções escritas dos alunos, quais as maiores dificuldades apresentadas?
15- Sobre a leitura, responda: Seus alunos gostam de ler? (ou ouvir leituras?)
Sim ( ) Que tipo de material?
Não ( ) Por que será?
16- Quais são as perguntas mais freqüentes de seus alunos sobre a leitura/escrita? Eles são
bastante curiosos?
207
e) Que letra é preferível usar no início da alfabetização?
18- Você se lembra de seu processo de alfabetização? Em que ano e local você foi
alfabetizado (a)? Que idade você tinha? Que cartilha ou outro material foi usado? Você
gostava da escola naquele tempo? Quais as lembranças que ficaram mais presentes na sua
memória? Você guardou algum caderno, fotografia, cartilha ou livro daquela época? (Posso
ver? Gostaria de fazer uma doação ao Centro de Documentação sobre a Alfabetização da
nossa UFMT, campus de Rondonópolis?).
19- Cite suas últimas leituras sobre a alfabetização (ou leitura, ensino de leitura, etc.).
20- Com relação à Alfabetização cite as maiores dificuldades que você encontra ao ensinar
seus alunos.
21- Comente um pouco sobre os conteúdos que você considera mais importantes em
Alfabetação.
23- Qual é a sua concepção com relação aos alunos que demoram um pouco mais na
apropriação da língua escrita e como procura resolver? Apóia-se em alguma teoria
pedagógica além das implícitas na proposta pedagógica?
25- Você conhece/usa/tem a proposta dos PCNs? Como estão sendo estudados na escola? E
o que você acha?
208
209