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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO E LINGUAGEM

JOSENIR SANTOS DE ALMEIDA GOMES

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOCENTES EM ALFABETIZAÇÃO EM MATO


GROSSO – ÚLTIMAS DÉCADAS

Cuiabá – MT
2007
JOSENIR SANTOS DE ALMEIDA GOMES

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOCENTES EM ALFABETIZAÇÃO EM MATO


GROSSO NAS DUAS ÚLTIMAS DÉCADAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação no Instituto de Educação
da Universidade Federal de Mato Grosso, na Área
de Concentração Teorias e Práticas Pedagógicas
na Educação Escolar e Linha de Pesquisa
Educação e Linguagem, como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª Drª. Lázara Nanci de Barros


Amâncio

Cuiabá - MT

2
FICHA CATALOGRÁFICA

3
BANCA EXAMINADORA

Profª Drª. : Norma Sandra de Almeida Ferreira

EXAMINADORA EXTERNA

Profª. Drª. Ana Arlinda de Oliveira

EXAMINADORA INTERNA

Professora Drª: Lázara Nanci de Barros Amâncio


Orientadora

Cuiabá/MT: 20/04/ 2007

4
DEDICAÇÃO

Ao Deus Todo-Poderoso que é "vivo e para sempre permanente, e o seu reino não se
pode destruir; o seu domínio é até ao fim. Ele livra e salva, e opera sinais e maravilhas no
céu e na terra (...)", (DANIEL 6: 26,27) dedico esse trabalho.

5
AGRADECIMENTOS

• As companheiras de mestrado Soely Aparecida Dias Soares e Ieda Ramona


do Amaral pelos dados nas entrevistas por serem alfabetizadoras;

• A colega Luciana Vicência pelo apoio em Cuiabá quando estive cuidando


de meu pai em Ilhéus na Bahia;

• As professoras Drª Cancionila Janzkovski Cardoso e Drª Sorahia Miranda de


Lima pelas contribuições durante os momentos de definição e construção do objeto
de pesquisa;

• A minha primeira alfabetizadora Jancy M. Midley, residente em Ilhéus, na


Bahia, por ceder-me fotos e documentos de meu Pré-Escolar na Escola Santa
Ângela no Instituto Nossa Senhora da Piedade;

• A meus pais pelo apoio, força, orações e auxílio em todos os momentos;

• A minha família pela paciência e compreensão;

• Aos sujeitos desta pesquisa, professoras alfabetizadoras: Joeline, Marina,


Domingas, Maria Rita, Rosane, Emília, Vera, Maria de Lourdes, Maria Correa,
Bernadete, Emanuela, e em especial Eliene Pereira do Nascimento e Miguela
Ferreira.

• A CAPES pelo financiamento desta pesquisa;

• Aos membros da Banca Examinadora do Exame de Qualificação: Profª Drª


Norma Sandra de Almeida Ferreira, Profª Drª Ana Arlinda de Oliveira e Profª Drª
Cancionila J. Cardoso.

6
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

A Deus em primeiro lugar que ao dar-me a vida, presenteou-me também com a


saúde, a consciência e o poder do raciocínio.

À professora Drª Lázara Nanci de Barros Amâncio, minha orientadora pelo trabalho
árduo que desempenhou junto a esta pesquisa, dirimindo dúvidas, revisando escritos,
criticando, sugerindo, desde os primeiros momentos do mestrado, fazendo comentários
fundamentais em sessões de orientação exigentes ou por e-mails, para que eu pudesse
atingir os meus intentos. Sua competência e segurança me foram bastante úteis nessa
caminhada. A ela minha profunda gratidão e respeito.

7
RESUMO

O estudo objetivou contribuir para a compreensão das concepções e práticas de


alfabetizadores em Mato Grosso, mediante a análise em documentos oficiais da década de
1990, como a elaboração da LDB 9.394/96, os PCNs e outros, e depoimentos de
professoras. Nas duas últimas décadas aconteceram muitas mudanças na educação no
Brasil, especialmente em função da divulgação das concepções introduzidas pelo
construtivismo e o sociointeracionismo, e do grande número de propostas de intervenção,
que ao longo do tempo foram sendo instauradas pelos sistemas de ensino, em nível nacional
e/ou em nível estadual ou municipal. Ainda assim, o elevado número de crianças que não
consegue vencer as barreiras do aprendizado da leitura e da escrita, é um fenômeno atual
que precisa ser analisado e desvelado. A pesquisa pautou-se na abordagem qualitativa e de
fundo histórico; envolveu análise documental e observação, participação e entrevistas com
professores com, no mínimo, dez anos de docência. Dentre os pressupostos teóricos foram
destacados os que se referem à História Cultural, Cultura Escolar e Linguagem, e dentre os
autores, especialmente: Roger Chartier, Maria do Rosário Mortatti, Berta Braslavsky,
Emília Ferreiro, Ana Luíza Smolka e Magda Soares. Estes estudiosos contribuíram para a
construção de uma nova concepção de ensino e aprendizagem que tem circulado entre os
alfabetizadores, em todo o país, desde a década de 1980 e, consequentemente, em Mato
Grosso. Ao término da investigação pude perceber pelos depoimentos das professoras e
pelas observações em salas de aula, que em sua maioria, há certa apropriação das
perspectivas construtivista e interacionista, em processo de evolução que demonstra
alterações na prática docente, aliada a uma postura de avaliação reflexiva em sala de aula; e
no âmbito das concepções, exercem as suas práticas com base nos conhecimentos adquirida
pelas formações profissional e continuada, e na convivência e relação com as colegas.

Palavras chave: alfabetização – ensino da leitura e da escrita – métodos de alfabetização -


cartilhas.

8
ABSTRACT

In the past two decades, there have occurred many changes in the Brazilian educational
system under the new conceptions introduced by constructivism and socio-constructivism.
A large number of educational proposal interventions have been implemented at state and
national levels. However, despite all this, there are still many children who do not know
how to read. This study aims at contributing to the understanding of the conceptions and
practices of teachers of reading in the state of Mato Grosso by means of analyzing official
documents of the 90’s such as the LDB 9.394/96 (Law of Threshold Guidelines), and the
PCNs (New Curriculum Parameters/1997), among others, and also by examining teachers’
accounts. The research was guided by the qualitative approach and historical background. It
involved analysis of documents, participant observation and interviews with teachers who
have been teaching reading to children for more that 10 years. It drew on theoretical studies
developed by Roger Chartier, Maria do Rosário Mortatti, Berta Braslavsky, Emíla Ferreiro ,
Ana Luíza Smolka , and Magda Soares , all authors related to the areas of Cultural History,
and School Culture and Language. These authors have influenced greatly the work of
teachers of reading in Brazil as well as in Mato Grosso since the 80’s. The study indicated
that the teachers under investigation have been touched by some of the constructivist and
interactional perspectives showing some degree of changes in their theoretical conceptions
and classroom practices, allied with a reflective attitude. This seems to be a result of their
engagement in continuous professional education as well as their relationships with their
colleagues.

Keywords: literacy practice, the teaching of reading and writing, reading methods, reading
textbook.

9
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................12

Algumas Questões Preliminares.......................................................................................12


Memórias da Minha Alfabetização..................................................................................18

1. EXPLICITANDO OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS...21

1.1 - O Perfil dos Sujeitos Entrevistados.............................................................................27


1.2 - Percursos às Escolas de Cuiabá e Rondonópolis.........................................................29

2.0 – UMA TRAJETÓRIA TEÓRICO-METODOLÓGICO DO OBJETO–


ALFABETIZAÇÃO............................................................................................................33

2.1 – Percurso Histórico.................................................................................................34


2.1.1 – Um Breve Retorno ao Passado..............................................................................34
2.2 – Aspectos do Ensino da Alfabetização no Brasil.................................................. ..40
2.3 – Alfabetização em Mato Grosso; 1996 – 2006........................................................48
2.3.1 – Uma Introdução ...................................................................................................48
2.4 – Parâmetros Políticos e Educacionais......................................................................51
2.4.1 – Concepção de Ensino no Mato Grosso................................................................ 54
2.5 – Método de Alfabetização: Concepção, Polêmicas e Alternativas.........................60
2.5.1 - A Concepção Tradicional........................................................................................65
2.5.2 – A Concepção Construtivista...................................................................................72
2.5.3 – A Concepção Sociointeracionista...........................................................................76
2.6 – Dois Teóricos Marcantes: Piaget e Vygotsky.........................................................79
2.7 - A Alfabetização: Concepção de Língua na Perspectiva Sociointeracionista ........83

3.0 – NO CONTEXTO DAS ENTREVISTAS COM AS ALFABETIZADORAS.....86

3.1 – Alfabetização e Afetividade.................................................................................86


3.2 – Cotidiano Escolar e Formação Continuada............................................................89
3.3 – As Alfabetizadoras e os Métodos de Ensino...........................................................92
3.4 – Na Busca de um Equilíbrio Didático..................................................................... 99
3.5 - A Cartilha em Sala de Aula: Um Material de Apoio?..........................................102
3.6 - O Percurso da Alfabetização das Professoras.......................................................108
3.7 – Alguns Aspectos da Construção do Conhecimento.............................................111

10
3.8 – O Uso dos PCNs em Sala de Aula.......................................................................113
3.9 – Pontos em Destaque: Cognitivos e Motivação....................................................116
3.10 – A Questão da Avaliação......................................................................................119

4.0 – PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO EM MATO GROSSO...........................122

4.1 - Práticas de Alfabetização: Predomínio da Concepção Tradicional.......................122


4.1.1 - Primeira Escola - Sala A.........................................................................................122
4.1.2 - Segunda Escola - Sala B.........................................................................................130

4.2 - Práticas de Alfabetização: Predomínio da Concepção Sociointeracionista............133


4.2.1 - Primeira Escola - Sala B........................................................................................133
4.2.2 - Segunda Escola - Sala A........................................................................................142

4.3 - Práticas de Alfabetização: Predomínio da Concepção Sociointeracionista e


Construtivista......................................................................................................................147
4.3.1 - Terceira Escola - Sala A........................................................................................147
4.3.2 - Terceira Escola - Sala B........................................................................................173

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Concepções e Práticas das Alfabetizadoras................189

REFERÊNCIAS................................................................................................................196

ANEXOS............................................................................................................................205

11
INTRODUÇÃO

Algumas Questões Preliminares

O ensino da leitura e da escrita tem sido alvo de estudo durante séculos em vários
países, todavia, o ato de pensar e repensar a alfabetização atualmente continua em pauta.
Considerando o período de transição que estamos vivendo no nosso país, no
contexto da complexidade desse assunto, enfatizo que os estudos sobre a alfabetização nas
últimas décadas ganharam amplos enfoques e a produção acadêmica tem enriquecido as
diferentes perspectivas em torno do tema.
As pesquisas têm buscado compreender as várias facetas como frisou Soares (1985),
subjacentes ao processo de ensino-aprendizagem, para servir de auxílio no ensino de
alfabetização e elucidar o fenômeno do fracasso escolar; mas ainda existem lacunas que
permanecem abertas e estão pendentes para serem preenchidas, como diz Amâncio (2002).
Hoje, o alfabetizador depara-se com conceitos que facilitam a sua compreensão da
construção de conhecimento nesse processo de ensino inicial da escolarização, como
exemplo: os erros da escrita em crianças, em especial, são considerados construtivos, o
“novo” deve ser encarado sem preconceitos para a apropriação dos acertos já conquistados.
E nesse âmbito, as concepções teóricas não se esgotam no sentido de uma contribuição à
revisão, auxílio, reflexão e possivelmente a uma renovação da prática pedagógica em sala
de aula.
Em razão desse aspecto observei as práticas docentes em algumas escolas públicas
na fase inicial do ensino de alfabetização, em Cuiabá (duas) e Rondonópolis (uma), para
compreender como as alfabetizadoras têm desenvolvido, ou não, processos de intervenção
que assegurem o avanço das aprendizagens dos alunos.
Nessa perspectiva, considero importante lançar luz ao passado para compreender o
presente, e assim introduzi alguns registros das minhas lembranças do tempo de

12
alfabetização de minha infância, para compreender as mudanças na alfabetização,
atualmente, provindas das concepções teóricas do sociointeracionismo e construtivismo.
Essa situação indica que ainda existem questões a serem analisadas e desveladas, de
modo a permitir maior compreensão desse fenômeno. E para alcançar a esse e a outros
objetivos concernentes à alfabetização abordarei o percurso que me trouxe a essa
investigação.
A ênfase e o interesse pelo envolvimento com a leitura surgiram-me há catorze
anos atrás no âmbito da teologia, minha primeira graduação, quando senti necessidade em
aprofundar-me no estudo das Sagradas Escrituras e dos livros teológicos. Nesse aspecto,
ocorre o que diz Martins (2001) “para a leitura se efetivar, deve preencher uma lacuna em
nossa vida, precisa vir ao encontro de uma necessidade, de um desejo de expansão
sensorial, emocional ou racional, de uma vontade de conhecer mais” (2001, p.82).
Ao ingressar no curso de Letras (1999) o assunto leitura continuava sendo objeto de
estudo, e finalizei essa graduação com uma pesquisa sobre os aspectos cognitivos que
auxiliam a leitura (2003). Esse curso conduziu-me à reflexão, à concentração, ao
desenvolvimento do espírito de análise e à extensão prática de leitura. E nas observações do
estágio de ensino fundamental e médio, pelas aulas dadas por diferentes professores,
observei que poucos estão entusiasmados com a sua profissão; não há muito interesse em
compartilhar com os alunos novidades, informações e enfim, algo que os motive a estudar.
Nesse contexto, percebo que a prática do professor se baseia no ritual sagrado, onde o
professor segue um roteiro mecânico diário, para dar conta do seu conteúdo programático.
Porém, deveria ser o contrário, Lima (1999) diz que o ensino deveria estar articulado a uma
aprendizagem significativa para facilitar o desenvolvimento intelectual dos educandos, que
demanda, obviamente a preparação do professor .
Ao refletir sobre essas questões, recorro a Piaget (apud SALVADOR, 2000) ao
afirmar que o indivíduo não pode adquirir as estruturas mentais necessárias sem a
contribuição externa; ou seja, o apoio intelectual à formação continuada docente é
imprescindível, e também uma reflexão sobre os aspectos cognitivos pode nos alertar de
maneira eficaz contra práticas pedagógicas que inibem o seu desenvolvimento.
Ao ingressar no curso de especialização em Linguagens e o Ensino da Língua:
Redação e Leitura (2003) continuei a me interessar pela questão da leitura e aperfeiçoar o

13
projeto da pesquisa anterior, mas o tempo não foi suficiente para a concretização dos
objetivos a alcançar.
No ingresso ao curso de mestrado em Educação (2005), com o intuito de enfrentar os
desafios propostos no ensino da leitura, decidi direcionar o meu foco de atenção agora, para
a prática de leitura nos primeiros anos de escolaridade da criança, com base em estudos a
respeito da alfabetização, visando compreender, em especial, esse fenômeno no estado de
Mato Grosso. Desse modo, em referência aos métodos de ensino, tenho a intenção de
compreender as atuais práticas de alfabetização, mediante a análise das concepções de
linguagens difundidas nas últimas décadas, que colocaram em questão os métodos de
alfabetização e a utilização de cartilhas.
Souza [1]1 (1996) reflete sobre o processo de alfabetização em crianças na fase
inicial de escolarização2, e percebe que o fio condutor de qualquer proposta para o ensino
da língua se embasa em concepções de educação, linguagem e o processo de ensino e
aprendizagem da língua a ela subjacente. Embora não sendo alfabetizadora, e com a tarefa
de ensinar e contribuir para a formação de futuros professores alfabetizadores, a autora
reconheceu que não são pelas “receitas”, “modelos”, e “roteiros” de “como” trabalhar a
língua que surgem as respostas (SOUZA, 1996, p.19,20). Contudo, os variados textos
trabalhados em sala de aula sobre as novas concepções de linguagem, respaldadas em
Geraldi (1997), Smolka (1993) e Vygotsky (1991,1993), em primeira instância, não
sensibilizaram os seus alunos que, todavia, buscavam “modelos” para a preparação de aulas
no estágio de alfabetização. No entanto, mediante a compreensão que a “mudança” não era
fácil, demandava estudos e reflexões, entendeu que as mudanças didático-pedagógicas
necessárias à melhoria qualitativa dessa formação não se restringia na aplicação de
“inovações” relativa ao processo de alfabetização, e sim a um aprofundamento teórico-
conceitual ao auxílio da prática de ensino e a exploração da mesma, para alcançar uma
visão crítica à sua formação profissional (SOUZA, 1996, p.23,24).

1
A categoria Souza [1] difere da outra pesquisadora, neste trabalho, que utiliza o mesmo sobrenome: Souza
[2].
2
Trata-se da pesquisa intitulada A formação do alfabetizador no CEFAN de Três Lagoas/MS: entre a tarefa
de ensinar a aplicar o novo e a mudança nas relações de ensino; tese de mestrado: UNESP, 1996.

14
Consciente dessas reflexões anteriores por Souza [1] (1996) tenho refletido sobre
esse processo e venho buscando estudos sobre questões que envolvem a alfabetização e
seus problemas.
A ansiedade de um confronto com os desafios propostos quanto ao fracasso escolar
levou-me a verificar que, para descrever os problemas embutidos nesse sentido, seria
necessário um olhar para a trajetória histórica em alfabetização. As questões a serem
averiguadas e desveladas, na compreensão do “fenômeno da alfabetização”, exigem um
procedimento metodológico para o desenvolvimento dessa investigação, descrição dos fatos
envolvidos e uma possível discussão a seu respeito.
Em particular, o meu objetivo é compreender as atuais práticas de alfabetização em
vigor, mediante a análise de concepções explícitas em documentos oficiais das duas últimas
décadas e em depoimentos de alfabetizadores, com foco na questão dos métodos de
alfabetização.
O problema que tem me preocupado pode ser traduzido nessas questões:
 Tendo em vista a instauração oficial do paradigma sócio-interacionista, como
alfabetizadores que acompanharam a transição de propostas embasadas em um
novo referencial encaminham suas práticas?
 Esses profissionais continuam a recorrer a metodologias e cartilhas consideradas
“tradicionais”?
 Como se configuram as práticas atuais de alfabetização?

A prática pedagógica presente na minha fase de alfabetização foi recheada de


procedimentos diversificados, não somente na sala de aula, mas em todo o contexto escolar,
com a participação de outros educadores e diversos tipos de interação social. Nesse sentido,
os teóricos cognitivos ressaltam que o ambiente e tudo o que nos envolve, influenciam
como e o que aprendemos.
Mesmo naquela época, anterior às novas propostas construtivistas, respaldadas na
lei 9.394/96 e auxiliada pelos PCNs, eu gozava de um ensino na alfabetização permeado de
interação social, do letramento (em certo sentido), do lúdico, da intertextualidade e do
incentivo à linguagem oral e escrita; no período dos anos 1970 a 1971 exatamente quando o
discurso científico começava a se impor no Brasil.

15
Para compreender as práticas pedagógicas atualmente, em Mato Grosso, essa
retrospectiva das recordações de alfabetização da minha época, fez-me analisar que,
independentemente do contexto histórico, o ensino inicial de escolarização dependerá do
quanto o educador se envolva no processo, da busca de compreensão do que se lê e se
escreve, onde se encontra o sentido do ensino-aprendizagem da leitura e escrita, e até
mesmo de todo o contexto escolar envolvido nesse processo. Considerando também, que
hoje há mais liberdade nos sistemas de ensino, mais pesquisas e teorias envolvidas no
âmbito da alfabetização, contribuindo no sentido de desvelar a complexidade do assunto,
como afirmam muitos estudiosos.
Uma retrospectiva dos fatos relembrados do ensino em alfabetização, também
direciona a buscar novos significados, e a uma nova compreensão do próprio passado, do
presente e uma postura crítica perante o futuro.
Nesse trabalho, exponho o plano de metas que envolveu o ensino da rede pública
em Mato Grosso, desde 1998, segundo a proposta metodológica do Ciclo Básico de
Aprendizagem – CBA – com ênfase na escola democrática, visando a priorização da
educação básica, auxílio ao trabalho pedagógico, redução do índice do fracasso escolar e a
formação continuada dos professores, fatores que ajudam a encaminhar o processo de
aprendizagem da leitura e da escrita de forma eficaz; mas, compreendendo que essa
proposta depende do envolvimento do docente.
Na busca de conhecer e compreender a prática docente dos alfabetizadores no Mato
Grosso esquematizo esse trabalho em três capítulos e os resumo a seguir.
No primeiro capítulo esboço um percurso metodológico direcionando os rumos da
pesquisa com pressupostos teóricos, nos quais, se procederá a análise embasada em autores
como Chartier (1990), Le Goff (1992); Soares (1985; 1991), Mortatti (2000; 2004), Smolka
(1993) entre outros. Apresento o perfil dos sujeitos entrevistados e os percursos que
ocorreram nas escolas de Cuiabá e Rondonópolis.
No segundo capítulo exponho o título: Uma trajetória teórico-metodológica sobre o
objeto – alfabetização, caracterizado pela revisão bibliográfica que trata do assunto
referente à alfabetização. Desenvolvo um rastreamento histórico, para situar-me no
presente e compreender o passado; relato os marcos importantes que aconteceram no

16
período delimitado às minhas investigações, desde 1996 - com base na LDB 9.394/96 –
nos PCNs (1997) - CBA (1997) de Mato Grosso até 2006, e outros.
No terceiro capítulo apresento aspectos das práticas de treze professoras
alfabetizadoras; e dialogo com teorias de pesquisadores envolvidos na área de alfabetização
para um possível esclarecimento da prática docente em sala de aula.
No quarto capítulo apresento análise de dados coletados em observações nas salas
de aulas de sete alfabetizadoras, que cooperaram para uma maior elucidação das minhas
investigações. Com base teórica de estudiosos da área, também dialogo nesse capítulo, e
averiguo os procedimentos pedagógicos das alfabetizadoras, desde a formação profissional,
suas dificuldades, propostas, métodos de ensino, e outros; com ênfase especial em duas
professoras alfabetizadoras da seção de entrevistas, por serem as únicas disponíveis à
gravação de suas falas, e sendo assim, faço as considerações finais respaldadas em seus
argumentos.

17
Memórias da Minha Alfabetização

Foto do Pré-Escolar – Escola Santa Ângela (Ilhéus-BA) – Josenir Santos de Almeida Gomes – Primeira criança sentada no
balanço ao lado esquerdo da professora estagiária em pé. A professora sentada é a “tia Jan”.

As primeiras experiências com a alfabetização, em contato com a linguagem escrita,


além dos rabiscos feitos em casa, ocorreram na casa de uma professora particular que
ensinava as “primeiras letras” e contas de matemática. Ali, entrei aos quatro anos de idade e
os alunos aprendiam algumas noções de matemática, principalmente, operações de adição,
a soletrar e a escrever algumas palavras iniciais da “Cartilha do Povo”, de Lourenço Filho3,
que na época era usada. O método misto ou eclético era presente nessa cartilha, ou seja,
elementos de análise e síntese ao ensino da leitura e escrita. Eis um fragmento:

A u-va O o-vo
va ve vi vo vu
via viu vão

3
Cartilha do Povo, de M. B. Lourenço Filho. São Paulo: Melhoramentos, 1928, p. 15. (Fonte: Mortatti -
Cadernos Cedes, ano XX, n. 52, novembro, 2000, p.45,46).

18
va-la vi-va va-le
ve-la vo-vô va-ca
vi-la vi-via ve-a-do
vo-a va-lia vi-da
vo-a-va vi-ú-va
ca-va-lo ca-va-le-te

1. Es-te ca-va-lo é do Vi-ta-li-no.


2. Vi-ta-li-no é o meu ti-o.
3. E-le vi-ve na vi-la.
4. O ca-va-lo tem o no- me de Vu-vu.
5. É um ca-va-lo bem bom.
6. Va-mos Vu-vu! Va-mos à vi-la.
7. Va-mos, Vu-vu!

Aos cinco anos de idade entrei na Pré-Escola da Escola Santa Ângela, instituição
pública anexada ao Instituto Nossa Senhora da Piedade, em Ilhéus4 no estado da Bahia
(Brasil); o terreno do instituto engloba todo o quarteirão, onde há um amplo espaço que
abriga uma roça aos fundos. A área do instituto também abriga uma igreja católica, uma
universidade, um museu, um ginásio de esportes, vários pátios de lazer, um parque de
diversões, uma escola infantil particular, um auditório, etc.
O método utilizado no ensino da leitura e escrita era o misto ou eclético, através da
Cartilha do Povo, onde estudávamos os elementos da escrita em análises e sínteses, ou vice
versa, como se observa no exemplo acima. O caderno de caligrafia e as histórias infantis
eram presentes em sala de aula, e não me lembro do exercício exagerado (ou não) das
famílias silábicas oralmente, porém, minha mãe sempre dizia que aos cinco anos eu já lia
quase tudo e escrevia corretamente as palavras; sendo que, em casa ela me auxiliava na
caligrafia, na gramática, contava histórias, e eu já escrevia pequenos bilhetes. Nas aulas de
gramática quase sempre havia uma música que acompanhava o ensino da leitura e da
escrita, e como exemplo, citarei um trecho que me lembro: “Atenção muita atenção (...)
antes do ‘p’ e do ‘b’ só ‘m’ vamos usar”; e assim a professora escrevia exemplos de
vocábulos em harmonia à música – tambor, tempero, campo, etc. A música viria no
momento da exposição de algum assunto, seja religioso, popular, que enfatizavam os bons

4
Cidade cacaueira e marítima, fundada em 1534, cuja distância da capital - Salvador - é de aproximadamente
170 km e com a estimativa de 220 mil habitantes – em 2006.

19
hábitos exercitados diante das pessoas, e músicas antes dos lanches. Em especial, além da
alfabetizadora que a chamávamos de “tia” 5, havia algumas freiras que nos ensinavam
quase todas as semanas. Das aulas ministradas por elas, a de ciências era uma aventura à
“rocinha” para conhecer os tipos de plantas, das árvores, das folhas, e das frutas existentes
ali. Nas aulas com slides aprendíamos sobre as boas atitudes, religião e histórias infantis.
Lembro-me que sempre íamos ao teatro assistir alguma peça ou apresentações populares.
O uniforme da Pré-Escola se destacava dos outros; era uma jardineira quadriculada
com cores azul claro e branco, acompanhada de uma camiseta de tergal com o distintivo da
escola, e o dos meninos era um short azul; não me lembro da presença dos meninos na
minha sala de aula.
Lembro-me dos relacionamentos com os padres e com as freiras, que nos momentos
religiosos conversavam com os alunos.
Nas horas de lazer éramos incentivados com brincadeiras do tipo “amarelinhas”,
“jogo do elástico”, etc., ou íamos ao parque e brincávamos nas gangorras, balanços,
escorregadiças e carrosséis, administradas pelas freiras e pela alfabetizadora que exigiam a
obediência, caso contrário, os alunos ficavam “de castigo” por algum tempo.
Minha mãe não trabalhava fora de casa e dedicava todas as tardes me auxiliando nas
lições da escola e contava histórias infantis. Foram tempos inesquecíveis, maravilhosos e
deixaram saudades.

5
“Tia Jan” era a alfabetizadora da época. Seu nome completo é Jancy M. Midley, e reside perto de minha
família.

20
1. EXPLICITANDO OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

Pesquisa é técnica. É atividade científica.


Mas, sem dúvida, é também uma arte.
Como técnica não pode prescindir de
aspectos metodológicos. Porém, por ser
arte, há de apresentar também uma
preocupação criadora (DUSILEK, 1986, p.
10).

Para a compreensão do processo de construção ao tema deste trabalho, explicito


nesse capítulo os pressupostos teóricos e metodológicos adotados.
A pesquisa, ao ser uma atividade voltada para a solução de problemas, para a
análise e investigação das respostas encontradas, por meio de um método, busca também
algo “novo” no processo do conhecimento. Assim, a metodologia adotada é decorrente da
abordagem qualitativa de fundo histórico por considerá-la mais adequada à natureza do
objeto. Recorrerei aos seguintes procedimentos:
 Levantamento, reunião, seleção, organização e análise de documentos oficiais
como propostas curriculares (PCN, Ciclo Básico de Aprendizagem, Escola
Ciclada), instruções normativas e outros documentos da Secretaria Estadual de
Educação pertinentes à alfabetização,
 aplicação de questionários e realização de entrevistas com professores
alfabetizadores (utilizando roteiros semi-estruturados),
 observação de aulas de alfabetização.

Os sujeitos dessa investigação foram definidos tendo-se em conta a necessidade de


encontrar alfabetizadores que exercem sua prática pedagógica há pelo menos dez anos,
tendo vivenciado a implantação das últimas propostas oficiais. Concernente ao CBA –
Ciclo Básico de Aprendizagem, no Mato Grosso, a proposta curricular de caráter teórico-
metodológica, visa a subsidiar os alfabetizadores no desafio de construir uma escola

21
democrática com um ensino de qualidade. Esse empreendimento está condicionado a
esforços em conjunto com a SEDUC – Secretaria do Estado de Educação, as escolas e os
professores. A SEDUC, que vem criando propostas alternativas e incentivando ao acesso do
direito constitucional, desde 1996, instituiu a Educação Básica como prioridade e elabora
programas inovadores no sentido de intervir na evasão e reprovação escolar. Surge, então, a
proposta da Escola Ciclada, no ano 2000, com o objetivo de promover uma nova forma de
trabalho pedagógico no Ensino Fundamental (MATO GROSSO, 2001 / SEDUC, 1998).
Chizzotti (2000), argumentando sobre a abordagem qualitativa diz o seguinte:

(...) A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação


dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o
sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados
isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte
integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-
lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de
significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações (CHIZZOTTI,
2000, p. 79).

Bogdan e Biklen (1994, p. 47-50) discutem o conceito de pesquisa qualitativa e


apresentam cinco características básicas que configuram esse tipo de estudo, as quais são
fundamentais destacar:
1. A fonte direta de dados é o “ambiente natural”, e o pesquisador a “ferramenta
principal”;
2. Os dados coletados são realizados em “análise descritiva”;
3. O pesquisador interessa-se mais pelo “processo” do “que simplesmente pelos
resultados ou produtos”;
4. O pesquisador tende a analisar os seus dados de “forma indutiva”, ou seja, valoriza os
resultados e a relação com seus sujeitos;
5. A ênfase ao “significado, ou seja, o modo como diferentes pessoas dão sentido às suas
vidas”.
A investigação fundamenta-se também nas contribuições de Vieira, Peixoto e
Khoury (1995), Le Goff (1992) e Chartier (1990). As mais variadas formas de vestígios e
registros, como objeto do historiador, inserem-se nas atividades humanas e ajudam a

22
ampliar o foco de atenção e o interesse em compreender o percurso dos homens que vivem
em suas práticas sociais interligadas a várias dimensões. Assim, compreendo que,

(...) Fazer história como conhecimento e como vivência é recuperar a ação dos
diferentes grupos que nela atuam, procurando entender por que o processo tomou
um dado rumo e não outro; significa resgatar as injunções que permitiram a
concretização de uma possibilidade e não de outras (VIEIRA, PEIXOTO E
KHOURY, 1995, p. 11).

Em especial, é levado em conta, também, questões levantadas pelo historiador em


relação ao documento como expressão da experiência humana, para dar explicação global
dos fatos humanos, e:

Dessa maneira, a partir de interesses precisos no presente, o historiador escolhe


os materiais (documentos) com os quais irá trabalhar e formula as perguntas que
lhe parecem pertinentes. Nessa prática, progressivamente, o ponto de partida da
investigação passa do documento para o problema (VIEIRA, PEIXOTO E
KHOURY, 1995, p. 15).

Le Goff (1992) cita seis tipos de problemas que o conceito de história parece
apontar para as relações entre a “história vivida” e a “história natural” nas sociedades
humanas, e o esforço científico para investigá-las, mas, argumenta que a “história é incapaz
de prever e de predizer o futuro”, e a intenção de explicação, narração através do “retorno
do evento” faz-se importante a noção do fato histórico, “que não é um objeto dado e
acabado, pois resulta da construção do historiador” (LE GOFF, 1992, p. 8-9).
Nesse sentido, Le Goff (1992, p. 13,14) afirma que a “visão de um mesmo passado
muda segundo as épocas e que o historiador está submetido ao tempo em que vive (...).
Com efeito, o interesse do passado está em esclarecer o presente; o passado é atingido a
partir do presente”. O autor contempla o vocábulo “história” no grego – historein, que dá
um sentido de “procurar saber”, e “informar-se”, isso inclui o “estudo do homem, enquanto
integrado num grupo social”, e considera que o presente pode ser compreendido pelo
passado e o passado pelo presente. Essa questão está explícita ao que proponho nessa
pesquisa, na busca de uma série de acontecimentos importantes no âmbito da educação,
entre os alfabetizadores, que envolveu o ensino da leitura e escrita (LE GOFF, 1992, p. 23).

23
Le Goff ao exemplificar características da modernidade inclui também o perfil
histórico e acrescenta que:

Devemos interessar-nos pelo antigo, tal como pela arte pura, a lógica, o método
em geral! Quanto ao resto, devemos manter a “memória do presente” e estudar
cuidadosamente tudo o que constitui a vida exterior de um século (LE GOFF,
1992, p. 189).

Para Chartier (2002, p.85-86) “a história pode, ao mesmo tempo, ser diferenciada da
fábula ou ficção e ser validada como reconstituição objectiva do passado conhecido através
de indícios, isto é, da realidade reconhecida a partir dos seus vestígios”, se no caso, a
análise dos materiais históricos forem feitos com técnicas, pois, os conhecimentos
históricos possuem alicerces que são baseados por “operações controláveis, verificáveis,
renováveis” garantindo assim a “verdade”. E ao considerar “às incertezas das reconstruções
hipotéticas ou arbitrárias do trabalho sobre indícios”, enfatiza o seguinte:

A questão pertinente, com efeito, é a dos critérios que permitem considerar


possível a relação instituída pela escrita histórica entre o vestígio representante e
a prática representada, (...) Essa relação pode ser considerada aceitável (...) se for
plausível, coerente e explicativa (CHARTIER, 2002, p.88).

Quanto à proposta em traçar um projeto intelectual que envolve uma investigação,


Chartier (2002, p.121) exemplifica os textos, os impressos, e as leituras, ou seja, as
modalidades de ler, e diz que estão permeadas de experiências, “as quais dão formas e
sentidos aos gestos individuais, e que coloca no centro da sua interrogação os processos
quais, em face de um texto, é historicamente produzido um sentido e diferenciadamente
construída uma significação”. De forma simples, a questão em pauta se reduz ao fato de o
leitor estabelecer qualquer relação íntima ou individualizada sobre aquilo que ele lê.
Concernente ao papel que o Estado desempenha em função dos indivíduos, Chartier
(2002) chama a atenção à evolução do significado histórico medido pela produção da
escrita, mas salienta a necessidade de identificar as distribuições desiguais no contexto da
leitura e da escrita como são consideradas, pois, para ele:

24
Devem ser analisadas as práticas culturais que se apoderam de modo diferenciado
da matéria escrita. Por exemplo, numa sociedade familiarizada com a leitura
silenciosa, quais as razões em que é ainda necessária a leitura pública, em voz
alta, dos textos emanados do Estado? Trata-se de fazer a escolha dos dados que
podem indicar evoluções importantes nas taxas de alfabetização, bem como
diferenças geográficas que não deixam de ter efeitos nas possibilidades e nas
modalidades da acção do Estado (CHARTIER, 2002, p. 220).

Esse contexto em que envolve a modernidade e releva o Estado em questões a


serem discutidas, é uma alternativa para que se acompanhem as transformações que se
definem na própria forma do poder do Estado, e assim, segundo o autor, “examinar as
condições culturais do Estado Moderno (...), começar interrogar os laços existentes entre o
seu desenvolvimento e os progressos da alfabetização das populações”. A partir dessa
compreensão, vislumbro a possibilidade de buscar indícios para interpretar as experiências
históricas do ensino de alfabetização em Mato Grosso, e em especial, na primeira fase de
ensino (CHARTIER, 2002, p. 217).
A delimitação do marco histórico da pesquisa referente às práticas pedagógicas no
ensino em Mato Grosso, justifica-se por ser o período introdutório em que vigora a
legislação educacional, oficial da década de 1990, – a LDB 9.394/96, que imprimiu maior
liberdade aos sistemas de ensino, permitindo autonomia quanto à sua organização e o
aprimoramento do material didático, em função das exigências da comissão de análise do
livro didático pelo MEC; elaboração dos PCNs e outros; e também as iniciativas feitas
pelos sistemas de ensino em nível nacional e/ou em nível estadual ou municipal, não apenas
no que se refere às tematizações6 como também das normatizações e concretizações
relativas ao construtivismo e interacionismo em alfabetização7.
Considerando esse momento em que vigora uma nova concepção oficial, no caso,
uma concepção sócio-interacionista de linguagem que estamos vivendo, torna-se relevante
um rastreamento bibliográfico do ensino de alfabetização no Brasil nas duas últimas
décadas, para a compreensão da trajetória do ensino de leitura e das concepções de métodos

6
Uso, neste trabalho, os conceitos de tematização, concretização e normatização de acordo com Mortatti
(2000), por tematizações entende-se os conteúdos que circulam em artigos, conferências, simpósios,...;
concretizações com o que se refere à práxis; e normatizações com o que é oficializado e determinado pelos
órgãos públicos ou sistemas de ensino.
7
Fenômeno que, por sua vez se observa primeiramente em São Paulo e em outros estados brasileiros.

25
de alfabetização, na tentativa de compreender sua historicidade e as possíveis raízes que
originam e determinam o movimento que hoje lhe é peculiar.
Em pesquisa sobre o tema em pauta Amâncio (2002) enfoca a questão do
“fenômeno da alfabetização” como um desafio que suscita indagações. “Estas permanecem
em aberto à espera de novas investigações que (...) contemplem aspectos embutidos nas
relações de ensino que possam auxiliar na elucidação dos determinantes do processo”
(AMÂNCIO, 2002, p.13).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (1997), a alfabetização
escolar, em conseqüência de esforços pioneiros, efetivou-se ao longo de uma década em
práticas de ensino, pelo enfoque das propostas políticas educacionais no ensino do uso da
linguagem.
Do ponto de vista das normatizações vivemos um momento em que se difunde uma
concepção sócio-interacionista de linguagem que, em princípio, teria alterado a prática de
alfabetização na medida em que a ênfase dessa perspectiva deixa de ser o método de ensino
para a atenção no processo das práticas sociais, numa nova concepção de língua assentado
em um novo paradigma a ser assumido. As práticas de alfabetização, nesse raciocínio,
teriam adquirido uma nova configuração, e, por conseguinte, deveriam ultrapassar o
simples objetivo de ler e escrever de modo mecânico dirigindo-se ao exercício do
raciocínio crítico e criativo por meio da linguagem como atividade mediadora.
Nesse sentido, o papel do professor seria o de criar oportunidades que permitam ao
aluno, em situações didáticas, pensar sobre a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-
la adequadamente, considerando que “a razão de ser das propostas de leitura e escrita é a
compreensão ativa e não a decodificação e o silêncio, (...) por meio de textos e não a
avaliação da correção do produto” ( PCN ,1997, p. 22).

26
1.1 O Perfil dos Sujeitos Entrevistados

Os primeiros contatos com as doze alfabetizadoras (cinco de Cuiabá e sete de


Rondonópolis)8 aconteceram no mês de abril de 2006, quando visitei algumas escolas com
o objetivo de localizar sujeitos dispostos a participarem desta pesquisa. As primeiras
conversas ocorreram com as professoras em horários extra classe semanais. Quanto a
minha ida às escolas para as observações em salas de aula, teve início mediante uma
declaração de estudante do Mestrado em Educação na Universidade Federal de Mato
Grosso (anexo 02), e assim ocorreu por consentimento dos sujeitos.
Ao elaborar um primeiro instrumento de coleta de dados entreguei-o às professoras
na escola e, enquanto respondiam algumas questões do questionário estruturado, conversei
um pouco com elas. Superado o constrangimento inicial das apresentações comentei alguns
aspectos da pesquisa, procurando deixar as professoras à vontade. Três professoras9, além
de responderem as questões (anexo 01) se dispuseram também a conversas informais, o que
me ajudou na compreensão de suas práticas pedagógicas e acréscimo de informações
significativas em sala de aula.
De início, entreguei cinco roteiros de entrevistas nas escolas de Cuiabá (centro)e
sete em Rondonópolis10, sendo sete escolas ao todo. As doze professoras receberam roteiros
para preencherem em casa, no prazo de quinze dias devido a falta de tempo que alegaram.
Dez responderam as questões por completo, incluindo as três alfabetizadoras que me
auxiliaram nas conversas informais tirando algumas dúvidas. Porém, no mês de agosto, ao
viajar para Rondonópolis consegui um acréscimo de mais três alfabetizadoras disponíveis
para as entrevistas, que responderam o roteiro em uma semana resultando assim um total de
treze alfabetizadoras e nove escolas.

8
A definição por professores dessas cidades se deve ao fato de que embora curse o Programa de Mestrado, na
UFMT em Cuiabá, mantenho residência fixa em Rondonópolis o que facilita o enriquecimento do presente estudo
com dados que contemplem melhor a realidade da prática alfabetizadora.
9
Professoras Mary, Rose e Lu. Ocorreu na sala dos professores. A professora substituta (Lia) não respondeu
as perguntas por falta de tempo, que ela alegou, mas, conversávamos nas aulas.
10
Rondonópolis é um município localizado ao sul do estado de Mato Grosso que fica há 210 km da capital,
Cuiabá, com a população estimada em 180 mil habitantes.

27
Dentre as treze alfabetizadoras, sete colocaram à disposição as suas salas de aulas
para as minhas observações, duas em Rondonópolis e cinco em Cuiabá. Devido o
constrangimento visível de uma maioria delas, quanto à escrita ou na exposição dos seus
conhecimentos, não citarei os seus nomes verdadeiros e sim os fictícios.
As professoras entrevistadas, na maioria, possuem formação profissional –
Licenciatura em Pedagogia, e algumas com especialização: Psicopedagogia, Gestão Escolar
na Educação Básica e Metodologia do Planejamento. Referente à formação acadêmica, os
dados revelam competências na prática docente, e o tempo que alfabetizam se situa entre
dez a trinta anos de experiências no magistério. A quantidade de alunos varia entre treze a
trinta e seis em sala de aula. Boa parte das entrevistadas alega não usar cartilhas,
recorrendo a vários métodos ao mesmo tempo; diz enfatizar o construtivismo e o
sociointeracionismo como concepção teórica, e argumenta que acompanha propostas de
alfabetização de formas diversas. Eis um quadro abaixo ilustrando de forma sintetizada a
participação dos sujeitos na coleta de dados:

28
Professora 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Joe Marí Ema Dona Ida Mary Rose Sol 1ª Lu Val Bete Léa Mel
2a Lia

Tempo que 26 30 20 25 10 14 18 10 22 22 10 17 16
alfabetiza anos anos anos anos Anos Anos anos anos anos anos anos anos anos
(ambas)

Número de 26 26 23 18 23 24 36 28 25 25 20 18 13

Alunos
Formação Peda- Magisté Peda- Pedago- Pedagogia Pedago- Pedago- Peda- Peda- Peda- Pedago- Pedago- Peda-
gogia -rio de go gia e e Esp. em gia e gia gogia Gogia gogia Gia gia e Esp. gogia
II grau gia Esp. em Gestão Esp. em (ambas) em Met.
(Ensino Psicope Escolar na Psicope do
Médio) dagogia Educação dagogia Planejame
Básica nto

Método Misto Vários Vários Silábico Global Silábico Misto Vários Misto Misto Vários Vários Vários
(ambas)
Concepção Cons- Constru- Socio- Socioin Construti- Constru Socioin- Cons- Constrruti Sociointe- Constru- Constru- Cons-
Teórica truti- tivismo intera teracio vismo tivismo teracio trutivis vismo racionismo Tivismo tivismo tru
vismo cionis nismo nismo mo (ambas) tivis
mo mo

Cartilha Cons- Não usa Não Alegria Não usa Alegria Não usa Não usa Não usam Não usa Não usa Não usa Não
trução usa do Saber do Saber usa
na * *
Pré-
Escola
Proposta de Ciclo TV Experi Projeto Ciclo de Ciclo de Experi Escola Experiên- Experi- Proposta Profa – Escola
Alfabetiza- de Escola, -ência Gestar Alfabetiza Aprendi Ência Cicla- cias ência Educar Progra Cicla-
Ção que Apren Revista Pró- ção za- Própria da Próprias e Própria na ma de da
acompanha diza- do pria Cidadã de gem Proposta Diversi Forma
gem Profes Várzea de Paulo Dade ção de Alf.
Sor Grande Freire ( MEC)
(ambas)
Quadro - Síntese exemplificando a participação dos sujeitos entrevistados. Obs: Com relação à coluna
vertical de número 09 dos sujeitos, cujo os nomes são fictícios, houve uma mudança de professoras.

1.2 Percursos às Escolas de Cuiabá e Rondonópolis

Minhas questões sobre o tema da alfabetização eram muitas e as respostas estavam


pendentes; era necessário um contato mais íntimo com os sujeitos no “ambiente natural”
como destacam Bogdan e Biklen (1994, p. 79). Nesse caso, a observação direta em salas de
alfabetização seria imprescindível como parte integrante para uma compreensão dos dados

29
coletados, que foram obtidos anteriormente pelas entrevistas semi-estruturadas e conversas
informais ao processo de uma possível interpretação dos fenômenos adjacentes.
Parti então, do pressuposto embasado por Chizzotti (2000, p.79) na certeza que a
fonte direta dos dados, sendo a escola, minha “ferramenta principal”, deveria fazer parte da
minha experiência para poder analisar a “interdependência viva entre sujeito e o objeto”; na
busca de uma melhor compreensão ao tema desse estudo, e atribuição de significados mais
concretos nas ações dos sujeitos no seu “ambiente natural”.
Nesse contexto, algumas dúvidas pairavam no ar: Que tipo de estudo abraçar?
Como responder a indagações ainda não satisfeitas sobre as concepções e práticas docentes
de alfabetizadoras em Mato Grosso? Em outras palavras, uma única escola ou até mesmo
duas não seriam suficientes para um possível resultado satisfatório. Percebi esse fato
quando no início das observações11 senti necessidade de registrar dados de outras escolas
públicas em outra cidade, no sentido de averiguar os fatos para se chegar a uma possível
compreensão. A pesquisação seria interessante (THIOLLENT, 1997), mas o tempo poderia
ser insuficiente se caso me envolvesse em compartilhar diretamente no ambiente natural,
com sugestões significativas aos sujeitos no locus.
Todos esses aspectos fluíam em minha mente na ansiedade de colocá-los em prática,
todavia, analisando a situação limitada encontrei uma saída para o meu estudo: utilizar a
técnica de observação, entrevistas e conversas informais. Segundo Lüdke e André (1986), o
estudo na abordagem qualitativa é adequado para investigar um determinado problema e o
pesquisador “depara ainda com uma série de decisões quanto ao seu grau de participação no
trabalho, quanto à explicitação do seu papel e dos propósitos da pesquisa junto aos sujeitos
e quanto à forma da sua inserção na realidade” (LÜDKE E ANDRÉ, 1986, p.27).
Assim, esse método foi o mais flexível para se adaptar à minha realidade, e tendo
em mãos o planejamento para alcançar as metas delineadas, desde já descrevo as
observações feitas nas escolas seguindo cada passo seqüencialmente nessa trajetória.
De início, passo a denominar as escolas na categoria de numeral ordinal (Primeira,
Segunda...) com relação à proporção da conquista alcançada no espaço escolar para a
pesquisa, que por sinal não foi fácil devido o constrangimento da maioria dos sujeitos, e
alguns terem alegado ter medo de críticas e da falta de privacidade. As salas

11
Segundo o protocolo de n. 31/05/2006.

30
correspondentes a essas escolas seguiram o mesmo esquema de conquista e foram
designadas de modo alfabético (A, B, C...).
Os sujeitos disponíveis para as observações foram sete, ao todo, dentre as
entrevistas12, que foram realizadas no início da pesquisa; são elas: professoras Mary, Rose,
Lu, Lia, Val, Léa e Mel13 - são as de números 06, 07, 0914, 10, 12 e 13 do quadro acima.
Lembrando também, que somente consegui espaço para as entrevistas gravadas15 com a
colaboração das professoras Léa e Mel, e isso se deu nas duas últimas observações em salas
de aula, devido o envolvimento das alfabetizadoras com os preparativos para as
apresentações do tema gerador “folclore” durante as observações anteriores.
Foram trinta e três protocolos, ao todo, resultado das observações nas escolas de
Mato Grosso, durante o período de 31 de maio à 23 de novembro de 2006, em duas escolas
de Cuiabá e uma de Rondonópolis.
Para um maior esclarecimento do capítulo quatro, explico que, a opção em utilizar
as categorias Concepção Tradicional, Concepção Sociointeracionista e Concepção
Sociointeracionista e Construtivista, correspondentes às práticas de alfabetização das
docentes, surgiu pelas observações desenvolvidas em sala de aula, que evidenciam
determinadas tendências. Percebe-se que cada alfabetizadora direciona a sua prática
pedagógica segundo seus parâmetros pessoais, isso inclui, provavelmente, a aptidão natural,
os conhecimentos, as orientações e até os recursos materiais disponíveis.
Para elucidar a ordem das escolas observadas criei o quadro abaixo, que está
esquematizado cronologicamente para indicar o percurso dos relatos:

12
A professora Lia não participou das entrevistas porque foi a substituta da professora Lu , e preferiu se
dispor somente às conversas.
13
Nomes fictícios.
14
O número nove representa as duas professoras: Lu e Lia.
15
Foram duas tardes totalmente disponíveis às gravações, inseridas nos contextos das aulas dessas
alfabetizadoras, e nestes dias foram poucos alunos. As outras alfabetizadoras conversavam comigo em salas
de aulas, ou em momentos oportunos, mas não se dispuseram a gravações.

31
ESCOLA/ Local OBSERVAÇÃO

CUIABÁ

Primeira Escola (sala A) Período: 31 de maio a 30 de agosto de 2006


(sala B) Período: 11 de agosto a 01 de setembro de 2006
Segunda Escola (sala A) Período: 02 de junho a 08 de junho de 2006
(sala B) Período: 30 de agosto a 01 de setembro 2006

RONDONÓPOLIS
Período: 02 de agosto a 07 de agosto de 2006
Terceira Escola (salas A e B) Período: 13 de setembro a 29 de setembro de 2006
Período: 22 e 23 de novembro de 2006

32
2. UMA TRAJETÓRIA TEÓRICO-METODOLÓGICA DO OBJETO –
ALFABETIZAÇÃO

(...) Além do fato de que o professor agora


deve estar a par das últimas descobertas da
ciência em sua área de especialidade, deve
ele também articular estes novos
conhecimentos com outros oriundos de
diferentes áreas como a pedagogia e
psicologia.
(AMÂNCIO, 2002: p. 190)

Apesar do grande número de estudos a respeito da alfabetização e de propostas de


intervenção, instauradas pelos sistemas de ensino, as pesquisas revelam nessa área um
grande número de crianças que não consegue vencer as barreiras do aprendizado da leitura
e da escrita. Rosaura Soligo (2002) assinala que inúmeros especialistas em dificuldades de
aprendizagem afirmam que a grande maioria das crianças pode aprender, pouquíssimos
adolescentes e crianças possuem comprometimento cognitivo real; ressalta também que é a
escola que não está conseguindo cumprir o seu papel de ensinar a ler e escrever.
Teberosky e Tolchinsk (1997) citam que não há diferenças entre os indivíduos no
ato da alfabetização, há diferenças que vão além da alfabetização, associados com os
aspectos sociais e econômicos. Com exceção do fator econômico, é quase impossível
conviver em sociedade sem a escrita, pois ela está impregnada na maioria das instituições
sociais que dirigem a vida comunitária.
Soares (1985) menciona o fracasso escolar citando dados estatísticos (SEEC-MEC),
e argumenta que no Brasil esse fato está se repetindo apesar de inúmeras pesquisas em
torno do assunto. A alfabetização está envolvida em um processo complexo, no âmbito de:

33
(...) uma multiplicidade de perspectivas, resultante da colaboração de diferentes
áreas de conhecimento, e de uma pluralidade de enfoques, exigida pela natureza
do fenômeno, que envolve atores (professores e alunos) e seus contextos
culturais, métodos, material e meios (SOARES, 1985, p. 20).

A autora explica que o processo de alfabetização deveria ser respaldado numa


teoria coerente onde haja uma articulação e integração dos estudos e pesquisas daquilo que
ela chama de facetas: “as perspectivas psicológica, psicolingüística, sociolingüística e
propriamente lingüística do processo”. Para Soares (1985), a formação do professor ainda
não tem sido feita no Brasil, no sentido de levá-lo a compreender todas essas facetas, e
além dessas, acrescenta:

(...) E todos os condicionantes (sociais, culturais, políticos) do processo de


alfabetização, que o leve, a saber operacionalizar essas diversas facetas (sem
desprezar os seus condicionantes) em métodos e procedimentos de preparação
para a alfabetização e de alfabetização, em elaboração e uso adequados de
materiais didáticos, e, sobretudo, que o leve a assumir uma postura política diante
das implicações ideológicas do significado e do papel atribuídos à alfabetização
(SOARES, 1985, p. 24).

2.1 Percurso Histórico

2.1.1 Um Breve Retorno ao Passado

Os aspectos mais antigos e talvez mais ricos sobre a alfabetização podem ter vindo
do antigo Egito. Textos antigos revelam que a educação e as letras do alfabeto vieram de lá.
A relação pedagógica educacional era mnemônica, repetitiva, baseada na escrita, e se
processava de pai para filho com autoridade. A educação tinha como meta o falar bem,
antes de tudo, em seguida, a obediência para a formação da personalidade como temas

34
pedagógicos fundamentais. O falar bem tinha como objetivo o preparo do orador político e
o escrever era considerado uma técnica material, instrumento de registro dos atos oficiais
usados por peritos não necessariamente governantes. Esse aspecto do ensino se referia aos
filhos do rei e aos nobres da corte. Era a relação intrínseca entre domínio-produção, cultura-
trabalho das classes dominantes, que já aparecia nos textos antigos (MANACORDA, 1996,
p. 14).
Quanto à instituição educacional, o ensino era realizado num local isolado onde as
crianças não imitavam diretamente os adultos que trabalhavam, mas aprendiam a imitá-los.
A educação na Europa da Alta Idade Média (século VI), chamada de nova cultura
escolástica, se destacou por um ensino mantido a partir dos primeiros elementos literários,
“(o bê-á-bá ou o alfabeto), e da aprendizagem mnemônica dos nomes das letras,
organizadas em versos (...), para passar depois à formação das sílabas (...) antes de chegar à
leitura dos textos” (MANACORDA,1996, p. 123). Para a escrita era usada uma espécie de
tabuinha em que eram traçadas as letras para a criança copiar. E a aprendizagem pelo
método global era resultado da leitura e da escrita sem conhecer antes o alfabeto ou a
ordem das letras, pela observação da escrituras, ou as representações sob as imagens
sagradas – esse método tinha grande importância.
A alfabetização na Baixa Idade Média (século XII) na Itália, também revelou
antiquíssimos procedimentos didáticos:

São Boaventura nos informa sobre o primeiro ensino do alfabeto: As crianças


inicialmente aprendem a, b, c, em seguida, a pronunciar as sílabas (sillabicare) e
a ler e, enfim, a entender o sentido de cada parte do discurso {G.M., II, 172}
(MANACORDA,1996, p.155 - grifo do autor).

No século XVI, período da Reforma16, destaca-se na história da educação


personalidades marcantes como Comênio17, que se dedicou com ardor e entusiasmo à obra
de reforma pedagógica. Esboçou um plano de estudos com o objetivo de escrever sobre a
arte de ensinar. Assim, reuniu uma vasta documentação pedagógica. Em 1628,
especialmente, pensava na possibilidade de oferecer aos alunos um livro de estudos das

16
Nome dado ao movimento renovador da Igreja, iniciado por Lutero.
17
João Amós Coménio, tcheco (1592 – 1670). Defensor da reforma, e foi também renovador da pedagogia.

35
línguas, como exemplo: latim, de maneira mais fácil de aprendizagem. E em 1637 editou
um livro que facilitou a explicação do sentido das palavras às crianças – o ORBIS PICTUS.
Esse livro facilitou a aprendizagem tanto do latim como da língua materna, graças a
inúmeras ilustrações que proporcionaram os significados dos nomes respectivos. Comênio
foi o precursor das cartilhas, que passaram a ter palavras acompanhadas de figuras para
facilitar o entendimento (COMÊNIO, 1957).
Outro personagem em destaque é Jean-Jacques Rousseau18, que revolucionou a
abordagem pedagógica enfatizando o sujeito a ser formado. Rejeitou o método
catequético19 que vigorava então, e outros, do tipo de uma transmissão como um todo já
pronto. A sua atenção se dirige para aquilo que a criança tem condições para aprender, e
construir pessoalmente. Ainda nesse período, sob expectativas de uma instrução pública aos
cuidados estatais, se percebe a metodologia de antigos procedimentos didáticos, com a
seqüência de silabar e soletrar.
Na seqüência aos princípios de Rousseau, Pestalozzi20 direciona a instrução a
crianças pobres, destaca a força do amor materno, sugere um ensino não-repressivo,
evidencia a linguagem como um instrumento de valor, incentiva a importância da música, e
enfim, dá relevo aos aspectos físico e intelectual simultaneamente. Um exemplo se deu na
França, quando, a partir de 1920, Freinet (1896-1966) iniciou as suas atividades de
professor primário e criou o método natural21 em conseqüência da sua prática pedagógica e
da inspiração pelos escritos de Rousseau e, sobretudo de Pestalozzi. Inconformado com as
práticas educacionais vigentes, criticou a presença das cartilhas ressaltando que as crianças
aprendiam as letras, harmonizando com outras letras, formavam palavras, frases, mas não
chegavam a compreendê-las. Em particular, usava textos que tinham significados para a
criança, e que elas conheciam. “Freinet conseguia que crianças de até cinco anos
chegassem a compor, rapidamente e sem erros, linhas com até 20 caracteres e, ainda

18
Escritor suíço de língua francesa (1712- 1778). Renovou idéias na política e na educação, propôs novos
temas em literatura, preparou as grandes mudanças políticas da Revolução Francesa e o advento do
romantismo.
19
Ensino baseado na memorização mecânica em relação com o ensino religioso, pois o catecúmeno não podia
desenvolver suas idéias sob risco de heresias.
20
Pedagogo suíço (1746-1795). Discípulo de J.J. Rousseau, esforçou-se por melhorar a educação e instrução
das crianças pobres.
21
Método natural da escrita e da leitura que partia exclusivamente da expressão da vida da criança e envolvia
a correspondência interescolar.

36
sozinhas (...) Era preciso ter confiança na criança e acreditar na sua capacidade”, dizia ele
(SAMPAIO, 1994, p. 38).

A Pedagogia Freinet surgiu para atender a necessidade vital da criança: CHEGAR


AO SEU PLENO DESABROCHAR COMO UM INDIVÍDUO AUTÔNOMO,
UM SER SOCIAL RESPONSÁVEL, CO-DETENTOR E CO-EDIFICADOR DE
UMA CULTURA (SAMPAIO, 1994, p. 213 – grifo da autora - letras
maiúsculas).

No século XVII a instrução pública era o pensamento do século, na Europa, e a


batalha pedagógica residia em todos os níveis. Em particular, as escolas elementares na
busca de um “novo” método de ensino, se posicionavam rumo a argumentos inspirados aos
moldes dos Jesuítas, ou seja, numa educação aprendida nos livros.
Seria quase impossível definir as várias escolas, correntes, e os seus intermináveis
“ismos” (associacionismo, gestaltismo, cognitivismo, etc.) e os diferentes campos da
pesquisa. Porém, é conveniente ressaltar o desenvolvimento da psicologia e suas relações
com a pedagogia no destaque de dois nomes influentes para se entender a importância da
psicologia na pedagogia moderna: Piaget22 e Vygotsky23. Piaget sustentou a posição que a
inteligência nascia da ação do sujeito pelas fases do desenvolvimento mental per si; e
Vygotsky destacou a instrução fundamentada ao desenvolvimento potencial do sujeito, sob
a função de uma educação institucionalizada (maiores detalhes no tópico seis deste
capítulo).
Rastreando os questionamentos que fervilhavam no chamado mundo ocidental do
século XX ao XXI, percebemos várias organizações e associações privadas e estatais, no
nível de cooperação internacional que surgiram com a finalidade de promoção à educação,
em particular, a luta contra o analfabetismo, numa tomada de conscientização dos direitos e
deveres do cidadão, como exemplo - a UNESCO24.

22
Jean Piaget (1896- 1980), psicólogo e pedagogo suíço, autor de trabalhos sobre o desenvolvimento do
pensamento e da linguagem na criança e sobre a epistemologia genética.
23
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), russo, formado em Direito, se especializou em Literatura e
Filosofia, fez Medicina, buscou entender os processos mentais humanos, e escreveu A Formação Social da
Mente e Pensamento e Linguagem.
24
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - agência educativa das Nações Unidas
com sede em Paris, criada em 1945 com a principal diretriz de Educação para Todos; o Brasil faz parte do E-9

37
Frago (1993) faz referência à evolução da história da alfabetização quando houve
uma mudança de enfoque, em que o centro da atenção se deslocou do analfabetismo ao
processo de alfabetização, iniciada na década dos sessenta e que alcançou seu auge na dos
setenta, no século XX. Ele expôs o seguinte:

A inversão do objeto de análise supôs o recurso a novas fontes, sobretudo para os


períodos pré-censo, e a ampliação do campo de investigação para os fatores
ideológico-culturais, as relações oralidade-escrita, os aspectos tecnológicos, (...)
assim como mediante outras linguagens (numérica, musical, icônica, gráfica não-
alfabética, gestual...) e as análises comparadas ou transculturais (FRAGO, 1993,
p.70).

Com a emancipação das classes populares e das mulheres, a instrução se expandiu e


surgiram as escolas novas25 com o olhar pedagógico viabilizado pela descoberta dos
conhecimentos da psicologia infantil e da idade evolutiva, não se relacionando diretamente
ao desenvolvimento industrial da época. O advento do movimento chamado escola nova
caracterizou-se, por um lado, da não aceitação à modelos e sim favorecer aos desejos
naturais da criança. Mas, quais são os modelos mais representativos da cultura moderna?
Uma resposta global não poderia deixar de assinalar aspectos como a criatividade
científica, a inovação, a democratização das relações sociais, etc. (TEDESCO, 1983,
p.64,66).
Por outro lado, esse movimento de “Educação Nova”, ou “Escola Nova”, visou a
articulação dos sistemas estaduais de ensino organizados à base de um sistema nacional,
por fim, deveria levar o Governo a voltar os olhos aos problemas educacionais, mas a
“renovação do ensino” resultou em subordinação às forças opositoras que as camadas
dominantes manipulavam na estrutura do poder (ROMANELLI, 1999).
Surgiu ainda nesse período a escola norte-americana com uma nova inspiração,
onde os alunos eram treinados a encontrar, sozinhos, as verdades e resolver os problemas
científicos.

- grupo dos países mais populosos do mundo onde a UNESCO promove ações prioritárias de
desenvolvimento no Setor de Educação.
25
Movimento de renovação educacional, originado em países europeus no final do século XIX e difundido no
Brasil, de modo programático e institucional, a partir de meados da década de 1920. Dentre as principais
inovações desse movimento estavam os métodos ativos; centrados no interesse do educando.

38
É a partir da década de 70, no século XX, que o discurso científico começou a se
impor no que se refere ao processo de escolarização, que até então se construíra espelhado
pelas nações européias, e as suas formas já eram consideradas arcaicas no final do século
XIX. A preocupação estava na mudança de modelos, nas formas de escolarização que
instrumentalizassem à tendência moderna (SOUZA, [2] 1998). A escolha dos modelos
norte-americanos ou ingleses viria de encontro aos objetivos educacionais, segundo os
professores, uma idéia feliz em relação às técnicas capazes de solucionar todos os
problemas educativos, entretanto, as primeiras percepções em Psicologia foram confusas
(SOUZA, [2] 1998).
Nos anos 80, esboça-se então um “discurso de restauração” que diz respeito também
à justificação cultural da escola. É o pensamento pedagógico contemporâneo refletindo
sobre a questão da cultura e dos elementos culturais dos diferentes tipos de escolhas
educativas.
Chartier (2002) considera complexo conceituar a cultura, por ser esta comum ao
conjunto de uma sociedade ou própria de um determinado grupo. Eis o seu argumento:

(...) Pensar de outro modo a cultura, e por conseqüência o próprio campo da


história intelectual, exige concebê-la como um conjunto de significações que se
enunciam nos discursos ou nos comportamentos aparentemente menos culturais,
tal como faz C. Geertz: "o conceito de cultura ao qual adiro [...] denota um
padrão, transmitido historicamente, de significados corporizados em símbolos,
um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas, por meio
das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem o seu conhecimento
e as atitudes perante a vida" (CHARTIER, 2002, p. 66,67).

O conceito de cultura, para Chartier (2002) se restringe ao âmbito de um


investimento do campo particular de práticas ou de produções.

39
2.2. Aspectos do Ensino da Alfabetização no Brasil

A necessidade de uma intervenção institucional, por meio da educação e a instrução


primária, se evidenciou com a proclamação da República, em 1889, com o objetivo de
reverter o “atraso do império”. Sendo que, no início da década de 1890 os métodos de
ensino da leitura e escrita, considerados sintéticos, foram duramente combatidos por
estarem em desacordo com os avanços científicos, e o clima era o de uma mudança de
paradigma; propôs-se então os métodos analíticos. Porém, as disputas que envolveram os
métodos de ensino e de leitura, por educadores e autoridades educacionais no decorrer dos
anos, até a década de 1990, foram intensas. Mesmo com o fato de alguns continuarem com
a proposta de um método misto da leitura e da escrita, a discussão era acirrada. Mortatti
(2004) explica:

Por serem considerados sintéticos26, em desacordo com os avanços científicos da


época e um fator que dificultava a aprendizagem da leitura, sobretudo, os
métodos da soletração e silabação foram duramente combatidos a partir do início
da década de 1890. Para substituí-los, propuseram-se os métodos analíticos, 27
especialmente o da sentenciação o da historieta (MORTATTI, 2004, p. 55,56).

Nessa época, a leitura era entendida, de maneira geral, como uma atividade de
pensamento do “outro”, expresso pela escrita; saber ler em letras maiúsculas e minúsculas;
domínio das “especialidades acessórias” da leitura –“escrita” (caligrafia), ortografia, e a
28
questão da “higiene” . Os brasileiros analfabetos eram proibidos do voto como um
incentivo para eles saírem do estado de ignorância, todavia, houve discórdias, e no contexto

26
Maneira de se iniciar ensino da leitura pelas partes ou elementos das palavras; no método alfabético ou
método da soletração inicia-se esse ensino com a identificação das letras do alfabeto pelo seus nomes,
formando-se depois sílabas e, com elas, palavras, até se chegar à leitura de sentenças ou histórias; no método
fônico, enfatizam-se, inicialmente, as relações entre sons e símbolos gráficos, completando-se com a
seqüência anteriormente descrita.
27
Maneira de se iniciar o ensino da leitura com unidades completas de linguagem, para posterior divisão em
partes ou elementos menores; no método da palavração inicia-se esse ensino com palavras, que depois são
divididas em sílabas e letras; no método da sentenciação inicia-se com sentenças inteiras, que são divididas
em palavras, e estas, em sílabas e letras; no método das histórias (ou de contos ou da historieta inicia-se com
histórias completas para depois se orientar a atenção para sentenças, palavras, sílabas, letras; no método
global, enfatiza-se inicialmente o imediato reconhecimento de palavras ou sentenças inteiras, e,
ocasionalmente, pode ser identificado com os métodos da palavração, da sentenciação ou das histórias.
28
Hábitos no sentido da higiene, modos, postura física dos alunos, etc.

40
de discussões entre “analfabeto e analfabetismo” surgiu ao longo das duas primeiras
décadas do século XX a expansão do aparelho escolar, em especial, da “instrução (pública)
elementar” e a oficialização do método analítico para o ensino da leitura (MORTATTI,
2004, p.56,57).
O diretor geral da instrução pública do Estado de São Paulo, Oscar Thompson,
oficializou o método analítico e buscou sugestões sobre como resolver o problema do
analfabetismo, pois, sua meta era a de uma escola moderna. Utilizou o termo
“alphabetização” para referir-se “oficialmente” ao ensino inicial da leitura (e escrita), sendo
que, o “analphabetismo” era considerado como um “monstro canceroso”, o “maior mal do
Brasil”, que impedia o progresso (MORTATTI, 2004, p. 60).
Nesse contexto houve muitas reformas e intensa campanha contra o analfabetismo,
e a noção de “educação popular” despontou com a necessidade de uma eficiência escolar, e
isso, também em outros estados brasileiros. E em 1924, fruto de debates entre profissionais
da educação, as reformas testemunharam o ideário da Escola Nova. Para Lourenço Filho29 a
escola deveria ser capaz de ajustar “os homens a novas condições de vida, pela pertinácia
da obra de cultura, que a todas as atividades impregne, dando sentido e direção à
organização de cada povo” (MORTATTI, 2004, p.61,62).
A dificuldade na aquisição da escrita, a expressão do pensamento e o domínio das
competências variavam por parte dos alunos. No período da década de 1880 à de 1940, de
acordo com Vidal e Esteves (2003), a ênfase era a dos modelos caligráficos, e a pedagogia
aliada à psicologia buscava razões para questões de aprendizagens em andamento, e a
situação era conduzida pelo “desenvolvimento de testes de inteligência com Binet, seja à
profusão do debate sobre métodos, tanto no que concerne ao desenho da letra (caligrafia),
quanto no que se refere à redação correta (alfabetização, ortografia e gramática)”. Mas, no
fim desse período surge nos países desenvolvidos a rejeição desse modelo devido à
insuficiência das práticas sociais de leitura, prejudicando assim a exteriorização das idéias
pelos alunos. Nesse contexto deixa-se de lado a caligrafia, abandona-se a cópia e dá-se
ênfase à composição (VIDAL E ESTEVES, 2003, p. 118).
Com a promulgação da Lei 4024 em 1961, a primeira LDB, estendeu-se a gratuidade e
obrigatoriedade do ensino para oito anos, equivalendo ao ensino de 1o grau, e observou-se a

29
Reformador da instrução pública do Ceará e diretor da instrução pública paulista: 1930 –1931.

41
taxa de escolaridade da população - 67% (de 7 a 14 anos). E com a ditadura militar30, em
1964, constatou-se outros fenômenos, e as discussões e análises dos problemas brasileiros
abrangeram áreas de conhecimento, em especial: Sociologia, Filosofia, História e
Educação. Os manifestos se dirigiram contra o tecnicismo do ideário escolanovista,
sistematizado e oficializado na Lei n.5692/71 imposto pelo golpe militar de 1964, e em
síntese, verificou-se o fracasso escolar das camadas populares na passagem da “1a para a 2a
série do ensino do 1o grau”; os “altos índices de repetência”, evasão escolar, e o fracasso na
alfabetização entendidos como “produzidos pela escola reprodutora” (MORTATTI, 2004,
p. 70,71).
Por causa da “abertura política”, no final dos anos 70, as instituições e relações
sociais começaram a reorganizar-se, e os profissionais da educação envolveram-se em torno
de “associações de caráter sindical ou educacional”, como a “Associação dos Professores
do Estado de São Paulo” (APEOESP), o “Centro de Estudos de Educação e Sociedade”
(CEDES), a “Associação Nacional de Educação” (ANDES), a “Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Educação” (ANPED), e o “Centro de Estudos de Cultura
Contemporânea” (CEDEC). A ênfase agora é relacionada à perspectiva de uma “escola
redentora”, em aversão ao ideário da escolanovista, de acordo com Mortatti (2000,
p.257,258).
Nesse sentido, há uma grande revolução no meio escolar, e em especial, na
alfabetização a estrutura curricular é reorganizada em ciclos junto com a proposta do Ciclo
Básico31, e embasada nas concepções didático-pedagógicas do construtivismo, que enfatiza
o processo de aprendizagem da criança com relação à escrita, e isso, por haver, na época,
um clima favorável a mudanças.
Esse discurso do construtivismo é oficializado pela Secretaria de Educação de São
Paulo que passou a divulgar estratégias de capacitação docente, como exemplo: os “Centros
de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério” (CEFAMs) e outros. E nesse clima de
“fase heróica” da nova proposta, outros estudiosos e textos vão sendo acrescentados no

30
Nesse contexto é destruído o estado de direito. As manifestações políticas são vigorosamente contidas. A
doutrina de segurança nacional justifica todo tipo de repressão, desde censura até prisão, tortura, exílio e
assassinato.
31
É um sistema implantado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em meados de 1983, que
favoreceu mudanças estruturais, administrativas, visando à reorganização do ensino de 1o grau da rede pública
estadual paulista.

42
final da década de 1980, surgia então, a perspectiva denominada “interacionista”; aquela
que viria preencher a lacuna pouco enfatizada pelo construtivismo – o “social”
(MORTATTI, 2000, p.268, 272).
A partir da década de 80 (século XX), especialmente, se difundiram trabalhos em
prol da prática docente no sentido de um aprofundamento na compreensão da problemática
educativa central na América Latina, sendo que por volta de 1970 a quarta parte da
população maior de 15 anos era dada como analfabeta pelos censos populacionais, com
exceções, por exemplo, de alguns países: Argentina, Chile, Costa Rica e Uruguai
(TEDESCO, 1983).
Expandiu-se então, a pós-graduação e as pesquisas acadêmicas começaram a
esboçar balanços críticos da produção, em particular, da alfabetização. Exemplo: As muitas
facetas da Alfabetização de Magda B. Soares, publicado em 1985 em Cadernos de
Pesquisa. Por outro lado, Smolka (1989) apresentou um discurso sob a perspectiva
interacionista. Mereceu destaque, também, as tematizações de João Wanderley Geraldi, que
anteriormente, de forma pioneira divulgou e produziu reflexões e propostas para o ensino
da língua (MORTATTI, 2000).
Historicamente, até os anos de 1980, as discussões sobre a alfabetização escolar, no
Brasil, se centraram na eficácia de processos e métodos, mas, foram abandonadas pela
abordagem de grande impacto conceitual no campo de alfabetização, sistematizada por
Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) e vários outros teóricos e pesquisadores.
Conhecida como “Construtivista” essa concepção reverteu a ênfase anterior no método de
ensino para o processo de aprendizagem da criança que se alfabetiza e a sua representação
progressiva sobre a escrita. “Além disso, passou-se a valorizar o diagnóstico dos
conhecimentos prévios dos alunos e a análise de seus erros como indicadores construtivos
de seus processos cognitivos e hipóteses de aprendizagem” (BREGUNCI, 2004, p.1,2).
A teoria construtivista de Emília Ferreiro32 foi apropriada pelo discurso oficial da
Secretaria de Educação de São Paulo, e passou a ser divulgada no âmbito das estratégias de

32
Doutora pela Universidade de Genebra, orientanda e colaboradora de Jean Piaget, desenvolveu a teoria
construtivista a partir de pesquisas desenvolvidas na Argentina e no México.

43
capacitação docente, a partir de 1984, para preencher a lacuna na proposta política do Ciclo
Básico33.
A pesquisadora desenvolve a teoria com a colaboração de Ana Teberosky, que
busca explicar de uma perspectiva psicolingüística, como resultado do entrecruzamento de
dois marcos conceituais: a teoria da linguagem (de N. Chomsky) e a teoria da inteligência
(de J. Piaget). Nesse contexto, a aquisição da língua escrita pela criança é vista como um
processo psicogenético, que se inicia antes da escolarização e que “segue uma linha de
evolução surpreendentemente regular, através de diversos meios culturais, de diversas
situações educativas e de diversas línguas” (FERREIRO, 1985, p. 19), numa relação direta
entre ontogênese34 e filogênese35.
Com o predomínio da perspectiva construtivista, aos poucos, o espaço no discurso
com o interacionismo e letramento se evidenciava:

(...) O interacionismo propõe a idéia de que as crianças constróem o


conhecimento sobre a linguagem na interação com o outro e não apenas com a
língua, como defende o construtivismo. A principal contribuição do letramento é
propor que o domínio do uso da língua escrita em situações sociais faz parte do
processo de alfabetização (MAGALHÃES, 2006, p.1).

Um novo referencial teórico se uniu, então, ao construtivismo – o interacionismo,


em virtude da abordagem psicolingüística, comum a ambos, sendo apresentados pelo
discurso oficial como complementares. Dessa junção surgiram rubricas “novas” – “socio-
interacionismo”, “construtivismo-interacionista”, “socio-interacionismo”, na disputa de
preparar o futuro almejado. Instalou-se, junto com as novas rubricas, o discurso do não-
método de alfabetização.
Mortatti (2000) afirma que é difícil precisar o momento histórico ao longo do qual
predominaram as conquistas das tematizações, normatizações e concretizações relativas ao
construtivismo em alfabetização. Seja qual for esse marco, a vertente construtivista –

33
O Ciclo Básico de Alfabetização (CB) foi a principal medida de um elemento de projeto pedagógicos
voltados para a melhoria da qualidade do ensino, ampliação das oportunidades de acesso e permanência na
escola pública e busca de maior aproveitamento da comunidade escolar (pais, professores e alunos) no
sistema educacional.
34
Série de transformações por que passa o indivíduo, desde a fecundação do ovo até o ser perfeito.
35
Estudo científico da evolução das espécies, que vão ao longo do tempo, passando de simples e inferiores a
complexas e superiores

44
fundamentada em Jean Piaget e nas pesquisas de Emília Ferreiro, no âmbito da perspectiva
psicológica, assinalou como base histórica ajustada à perspectiva política que contribuiu
para as iniciativas oficiais da década de 90, como a elaboração da LDB 9.394/96, fenômeno
que, por sua vez, se observou primeiramente em São Paulo e em outros estados brasileiros.
Mas os resultados não conseguiram dar conta do fracasso escolar. Buscou-se então
compreender o processo de construção, por parte da criança, do conhecimento sobre a
língua escrita, para o encontro de procedimentos didático-pedagógicos adequados a esse
processo (MORTATTI, 2000).
Nesse sentido, pode-se observar o artigo sobre a precariedade do ensino, divulgado por
Weinberg36 (2006), que envolve a leitura e a escrita em nível nacional e internacional.
Com o tema “Querem mudar o á-bê-cê” Weinberg (2006, p.116) menciona o Ministério de
Educação (MEC), envolvido no debate quanto à questão dos métodos de ensino. Comenta
que o assunto poderá resultar numa mudança de diretrizes nos currículos das escolas, ou
seja, um regresso ao tradicional método fônico37; e questiona a eficiência do modelo de
alfabetização – o construtivismo, hoje, em vigor em nosso país. Esse argumento baseia-se
em pesquisas internacionais que afirmam a eficácia deste método, e os estudos foram
conduzidos em centros europeus e americanos que chegaram a duas conclusões:

A primeira é que os estudantes expostos ao método fônico têm as regiões do


cérebro associadas à escrita e à coordenação motora mais ativada do que as de
crianças que aprendem segundo o modelo construtivista. Em segundo lugar, as
pesquisas são categóricas em relação aos resultados: os alunos submetidos ao
método fônico são leitores mais eficientes (...) (WEINBERG, 2006, p. 117)

Em virtude desse fato, pode-se indagar se haveria chances, hoje, de um regresso ao


tradicional, aquele das velhas cartilhas que ensinavam o bê-a-bá; isso num país onde a rede
pública superlota as classes das escolas e os matriculados são os 90% dos estudantes
brasileiros38, em pleno século XXI. Diante de um ensino que envolve um processo tão
complexo, compreendo que só o tempo responderá.

36
Mônica Weinberg é jornalista brasileira.
37
Método sintético que explora os sons, dando ênfase à menor unidade da fala, o fonema, e sua representação
na escrita.
38
Estatística segundo a jornalista.

45
Em seqüência, diante do aspecto complexo do ensino, Castro39 (2006) ao comentar
a precariedade na educação brasileira evidenciou o resultado de um exame ocorrido na
Alemanha em 2002, que colocou o nosso país em último lugar. Esse exame teve como meta
medir a capacidade de leitura e o aprendizado de matemática e ciências, entre jovens de 15
anos.
Em face desse assunto, o educador se depara com certa angústia que o incomoda e
o impulsiona a uma possível solução para essa crise. As entrevistas e observações coletadas
nessa pesquisa denunciam essa angústia que sentem as professoras quanto aos alunos que
não estão aprendendo, e muitas vezes não sabem o que fazer. Relaciono essa situação com
as sugestões de Mortatti (2006), que ao refletir sobre a alfabetização orienta à possibilidade
de encaminhamento para mudanças necessárias.
Nesse contexto, por achar emblemático o ponto de vista de Castro (2006) destaco o
que me despertou a atenção:

Pousar nas terras onde a educação funciona e ver como se faz lá (...) Convergir
todo o foco do esforço para os primeiros anos (...) A emoção, o afeto, o amor e a
auto-estima não são objetivos em si, mas condições necessárias para acontecer o
ensino sério (...)
Os professores (...) que tiverem êxito na missão devem ser festejados e premiados
(...) (CASTRO, 2006, p.23).

Nesse âmbito, Wells40 (1990) esclarece sobre as condições de uma alfabetização


eficaz:

Estar alfabetizado supone disponer de um repertorio de procedimientos para


enfrentar-se con distintos tipos de textos. En primer lugar, se analiza la naturaleza
de la alfabetización. En segundo lugar, se planteam las formas en que los niños de
sociedades alfabetizadas adquirem la capacidad para realizar as práticas de
alfabetización. Finalmente, se indica el modo de crear ambientes educativos que
demuestren la importância del pensamiento letrado, tanto para el professorado
como para los alumnos (WELLS, 1990, p. 1).

Em 2004, com a opção política para a diminuição do déficit negativo, o presidente


Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, no dia 07 de fevereiro, um projeto que ampliou de oito

39
Economista brasileiro
40
Pertence ao Instituto de Estudos de Educação de Ontário – Toronto (Canadá)

46
para nove anos a duração do Ensino Fundamental na rede pública do país, e deveria ser
“universal e obrigatoriamente ofertado pelo Estado”. Em conseqüência, reflexões e
interrogações surgiram entre docentes, especialistas e gestores de escolas, mas, já podemos
constatar alguns avanços na educação ao contemplar um debate da primeira conferência do
Ceale, com Antônio Augusto Batista41 (2006), ao tratar da avaliação do desenvolvimento
dos alunos que ingressaram nas escolas de Minas Gerais, em 2004, aos seis anos de idade
no ensino fundamental de nove anos.
Esse debate levou-me à reflexão e a compreensão de que a criança aos seis anos de
idade no Ensino Fundamental tem mais oportunidade, tempo e condições para vencer as
etapas necessárias à aprendizagem da leitura e da escrita, e oferece ao professor
alfabetizador condições para refletir sobre sua prática pedagógica, e assim ele poderá
“desenvolver processos de intervenção que assegurem o avanço das aprendizagens dos
alunos” (SILVA, 2005, p.1).

41
Professor da Faculdade de Educação da UFMG e diretor do Centro de Alfabetização Leitura e Escrita

47
2.3 Alfabetização em Mato Grosso: 1996 - 2006

2.3.1 Uma Introdução

O ensino de leitura em Mato Grosso adquiriu alicerce baseado no discurso


institucional dos professores paulistas, a partir da reforma educacional realizada em 1910,
em prol da modernização e, conseqüentemente, emerge um renovo pedagógico, e assim, as
dificuldades enfrentadas no contexto educacional foram amenizadas com a presença da
reforma, seguindo proporcionalmente a criação de escolas reunidas, grupos escolares, e a
formação de professores primários (AMÂNCIO, 2000).
Contudo, com o fim de elucidar o percurso da minha investigação sobre a
alfabetização no Mato Grosso, e a buscar uma maior compreensão a respeito do ensino da
leitura e escrita na fase inicial de escolarização de crianças, ou alfabetização, destaco
alguns pontos fundamentais da pesquisa de Mortatti (2006). A pesquisadora participou de
uma conferência realizada em Brasília, com o tema Alfabetização e letramento em debate e
fez uma síntese sobre a História dos Métodos de Alfabetização no Brasil de alguns
resultados de pesquisa que vem desenvolvendo. Eis os itens de forma resumida:

 A alfabetização na escola pública, desde o final do século XIX enfrenta problemas


em torno de explicações “antigas” e “novas” na disputa entre os métodos – e que
durou quase um século.
 Essa disputa gerou uma multiplicidade de “tematizações, normatizações, e
concretizações” como “objeto de estudo/pesquisa”.
 O fracasso escolar na alfabetização demanda soluções urgentes que envolvem
administradores públicos, legisladores do ensino, intelectuais de diferentes áreas de
conhecimento, educadores e professores.

(Ceale)

48
 Há quatro momentos cruciais nesse período de disputas entre os métodos, (de 1876
a 1890) 1º- “A metodização do ensino da leitura”, e o de “marcha sintética”
predominaram (soletração, silabação e o fônico), sendo que, as primeiras cartilhas
baseavam-se nesse sentido; 2º- “A institucionalização do método analítico” (de
1890 até meados de 1920) disseminado por meio de “missões” de professores
paulistas e a cartilha é baseada nesse método, sob um clima de disputas entre
métodos; 3º- “A alfabetização sob medida” (meados de 1920 a 1970), se resume na
utilização de métodos mistos ou ecléticos, mas continua a disputa, e as cartilhas sob
os moldes mistos ou ecléticos; 4º- “Alfabetização: construtivismo e
desmetodização” é o resultado na busca de soluções e continua a disputa que
envolve os métodos mistos, as cartilhas “tradicionais” e os testes psicológicos. A
ênfase é voltada para a criança na construção do conhecimento e o interacionismo
na alfabetização (de 1980 até o momento atual). As cartilhas são produzidas
segundo esse paradigma.
 A alfabetização, no presente, encontra-se em processo e há uma interrogação
subjacente: Falta uma didática? Nesse sentido, resta a espera de “projetos políticos
e sociais decorrentes de urgências de cada época”.
 Um método não pode resolver o problema da alfabetização: O que fazer? O
processo é “multifacetado”. É importante conhecer o passado que envolve a leitura
e escrita, considerar a complexidade do problema e, no entanto, conscientizar-se
quanto ao avanço científico presente. Assim poderá haver “possibilidades de
encaminhamento das mudanças necessárias, em defesa do direito de nossas crianças
ingressarem no mundo novo da cultura letrada (...)” (MORTATTI, 2006).

No momento em que as conquistas políticas se acirraram, em 1980, era necessário a


efetivação do projeto de educação democrática, “medidas concretas, dentre as quais a opção
por teorias e práticas didático-pedagógicas que postulassem, de forma clara e precisa, o
modelo de educação, escola, ensino e alfabetização” (MORTATTI, 2004, p. 72). Nesse
clima, enfatizou-se um intenso programa de formação continuada de professores com o
objetivo de transmitir as novas teorias científicas sobre a alfabetização. E dentre as
iniciativas estaduais e nacionais, destacou-se a implantação do Ciclo Básico (CB) de

49
Aprendizagem, pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em dezembro de
1983, que em conseqüência, incorporou “uma nova teoria como base para as opções
didático-pedagógicas: o construtivismo” (MORTATTI, 2004, p.74).
Por essa época é importante ressaltar os estudos em Lingüística42 e
Psicolingüística43 que contribuíram ao destaque de outros aspectos para compreender e
praticar a “alfabetização” quanto à necessidade de “revolução conceitual” proposta por
Ferreiro. Além dessas duas perspectivas, possíveis na abordagem da alfabetização,
verificou-se a tendência de uma perspectiva histórica e sociológica, quase isenta nos
estudos acadêmicos brasileiros, e que contribuíram na ampliação de reflexões sobre os
limites e possibilidades de compreensão dos fenômenos pertinentes (MORTATTI, 2004, p.
76).
Ainda no clima de democratização, em 1985, foram disseminados estudos e
pesquisas oferecendo subsídios ao livro didático, para melhoria e qualidade do ensino. E
paralelamente, durante a gestão de José Sarney na Presidência da República e de Hugo
Napoleão no Ministério da Educação, foi instituído o Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) – MEC/FAE, com o objetivo de distribuir livros didáticos aos alunos. Esses livros
vinham com manuais para orientar os professores de acordo com a nova perspectiva.
Dentre os esforços empregados à melhoria do ensino no processo da alfabetização,
ainda há questões pendentes:

Dentre elas, a que ocupa professores e intelectuais brasileiros desde, pelo menos,
o final do século XIX: a busca do todo, onde se encontra o sentido do que se lê e
se escreve, onde se encontra o sentido do ensino-aprendizagem da leitura e escrita
na fase inicial de escolarização de crianças (MORTATTI, 2000, p.288).

Apesar de inúmeras pesquisas e debates em alfabetização, o fracasso da escola ainda


é problema que desafia a teoria e a prática pedagógica: centrando-se ora no método de
ensino, ora no sistema escolar, ora no aluno, ora no professor, conforme denunciava Soares
(1985) há mais de 20 anos. Como exemplo, há uma matéria no jornal Diário de Cuiabá
(2006) informando que trezentas mil crianças estão fora da escola em Mato Grosso,

42
Estudo científico da natureza e estrutura da linguagem humana e das línguas particulares.
43
Área interdisciplinar da psicologia e da lingüística que investiga o comportamento lingüístico e estuda as
conexões entre linguagem e mente.

50
segundo o IBGE – em 2004, 30% de mato-grossenses com até 17 anos não estavam
matriculados, e alguns dos motivos são: a falta de vontade de estudar até a falta de vagas ou
transportes; afazeres domésticos ou procura de ocupação remunerada.

2.4 Parâmetros Políticos e Educacionais

O Governo Federal, através do MEC, sancionou a Lei Darcy Ribeiro – LDB -


9.394/96, num clima tenso e polêmico em que a figura do Relator, mal compreendida, foi
alvo de uma contribuição inquestionável à Educação no Brasil (CARNEIRO, 1998). Essa
lei surgiu, e um ambiente de intranqüilidade se manifestou pelo desconforto que toda
mudança profunda traz. Todavia, diante desse quadro, eis algumas questões a serem
consideradas:

Quem é o responsável pela escola? A quem a escola pertence? Para quem a


escola existe? Para quem a escola deverá continuar a existir? O que é o básico da
educação na educação básica? (...) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação não
vai responder, definitivamente, a todas estas questões. No entanto, sem ela, as
respostas ficarão mais difíceis. Com efeito, a mudança de padrões educacionais
supõe a reestruturação dos marcos legais, instituições e políticos do
gerenciamento dos sistemas de ensino, da gestão da escola, de uma ampla
capilaridade para disseminação de conceitos e de metodologias e, relevantemente,
de um ágil e eficiente sistema de accountability44 (CARNEIRO, 1998, p. 16).

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 estabeleceu


as diretrizes e bases45 da educação nacional numa abordagem mais ampla, por exemplo, no
artigo 21, o termo educação básica visa à trajetória do aluno para a construção da cidadania
e efetividade ao meio social. Sendo a educação infantil a primeira etapa, o ensino médio
encerrando o ciclo da educação básica institucionalizada, e a educação superior como etapa

44
Inglês < > português = cálculo, conta, computação, escrituração mercantil.
45
Diretrizes denotando normas de procedimento, e Bases, fundamentos ou alicerces.

51
terminal do ciclo pleno da educação escolar. Essa lei estabeleceu, também, novas formas de
organização da Educação Básica:

Art. 23 A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, período


semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudo, grupos não seriados,
com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de
organização, sempre que a aprendizagem assim o recomendar (CARNEIRO,
1999 p.83).

No âmbito nacional, questões referentes à Educação foram tratadas pelo Ministério


de Educação e Desporto (MEC) no sentido da inclusão do cidadão ao seu meio social.
Surgiu então, em 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em conseqüência de
um longo processo de elaboração, com pesquisadores envolvidos no contexto dos discursos
pedagógicos. Esses parâmetros foram criados para serem adaptados à realidade de cada
região brasileira. Consoante ao ensino de alfabetização,

(...) não é um processo baseado em perceber e memorizar, e, para aprender a ler e


escrever, o aluno precisa construir um conhecimento de natureza conceitual: ele
precisa compreender não só o que a escrita representa, mas também de que forma
ela representa graficamente a linguagem (PCN, 1997, p.21).

Com o resultado do acúmulo de reflexões e tematizações no âmbito da educação, no


esforço de haver rupturas com o passado e a uma busca de identidade com o presente,
chegamos ao início do século XXI, a uma “nova ordem política” por meio da educação, que
demanda muito esforço do docente na formação da cidadania de seus alunos. Atualmente
há maior liberdade no sistema de ensino, maior autonomia quanto à organização e ao
aprimoramento do material didático pelo MEC, desde 1997; a elaboração e a divulgação
dos PCNs; o Programa Salto para o Futuro, da TV Escola e outros (MORTATTI, 2000,
p.295).
No Mato Grosso também houve muitas mudanças, especialmente no que concerne à
organização do ensino que passou a ser estruturado em Ciclos de Formação, e às propostas
político-pedagógicas para as escolas das redes públicas de ensino.

52
O artigo 32, inciso primeiro da nova lei, remete aos sistemas de ensino uma
inovação facultativa que tem funcionado na prática: o sistema em ciclos, adotado por vários
estados brasileiros.
A LDB anterior restringia-se à educação formal e era omissa quanto à inclusão da
Educação Infantil. Atualmente, a abrangência da lei ampliou-se de modo a comportar uma
multiplicidade de conceitos de educação como: educação formal, educação não-formal,
educação continuada, educação à distância, educação ambiental, etc., e quanto ao conceito
de educação básica, com a Lei 9.394/96 houve avanços importantes e indícios de
responsabilidades públicas:

Art. 29 A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como


finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da
família e da comunidade (CARNEIRO, 1998, p.95).

A Constituição Estadual de Mato Grosso, no que tange à Educação, acompanhou as


leis em nível nacional46 para a execução de mudanças e prioridades ao avanço no ensino
escolar; pela perspectiva da nova legislação federal detectou indícios de complexidade
nesse percurso, mas ressaltou a incumbência a todos os atores envolvidos com a Educação.
Enfatizou também, que a mudança se fará no âmbito de reflexões, estudos e interferências
dentro das escolas para o progresso da Educação Pública Democrática e de Qualidade
(MATO GROSSO, 1998).
De acordo com a avaliação da Secretaria de Educação, as pesquisas e
acompanhamentos durante o período de 1997 a 1999, que envolveu o Projeto Terra47 em
1996, e o Ciclo Básico de Aprendizagem (CBA), em 1997, no Mato Grosso, mostraram
que as bases teóricas do Sistema Ciclado favoreceram um trabalho de qualidade, eficiência
e de inclusão. E a atual conjuntura político-econômico-social demandava um novo
paradigma de escola que atendesse às reais necessidades da população, pois a perspectiva
era da construção de cidadania.

46
A partir de 1988, com o advento da Constituição Federal, o novo ordenamento jurídico do País estabeleceu
normas e previu – em suas disposições transitórias - leis que permitiram imprimir mudanças ao avanço no
ensino no Brasil.
47
Proposta alternativa na qual o Ensino Fundamental era estruturado em Ciclos de Formação, que atendia 22
escolas rurais e urbanas de seis municípios.

53
Nessa perspectiva, a Secretaria de Estado da Educação de Mato Grosso (SEDUC),
vem desde 1996 criando propostas alternativas e incentivando ao acesso do direito
constitucional, de modo a garantir a continuidade e a terminalidade dos estudos escolares.
Através da proposta da Escola Ciclada foi instituída uma organização do ensino que propôs
uma nova forma de trabalho pedagógico na Educação de Mato Grosso, buscando imprimir
uma mudança significativa no Ensino Fundamental. Publicações como o livro da Escola
Ciclada (MATO GROSSO, 2001), a Série Subsídios com temas como “Enfrentando os
Desafios” (MATO GROSSO, 2002) e outros, foram criados para o auxílio da nova
proposta, assim, gradativamente, as escolas públicas são orientadas na implantação dos
Ciclos de Formação e a extinção do sistema seriado.
A Escola Ciclada no Mato Grosso é, de certo modo, continuidade do Projeto Terra
(1996) e do Ciclo Básico de Aprendizagem CBA (1997) cujo objetivo era mudar o Sistema
Seriado do Ensino para o Sistema Ciclado, devido a índices elevados (34,4%) do fracasso
escolar. Surgiu então a necessidade de mudanças, no sentido de diminuir esses altos índices
de evasão e repetência escolar; e principalmente transformar a escola num espaço propício
à aprendizagem, evitando um ensino fragmentado, como era anteriormente, e sem
discriminações, admitindo uma pedagogia da inclusão social.

2.4.1 Concepção de Ensino no Mato Grosso

O Governo do Estado apontou no seu Plano de Metas (1996-2006) medidas


inovadoras para o ensino da rede pública no Mato Grosso, em prol de uma escola mais
democrática e de qualidade, o que deu origem a proposta de reorganização do ensino. A
nova proposta incluiu a elaboração de material escolar mais condizente com objetivos e
pressupostos da tendência sociointeracionista do Ciclo Básico de Aprendizagem - CBA.
Os pressupostos teóricos do CBA no Mato Grosso surgiram com o objetivo de
subsidiar teórico-metodologicamente o educador da rede pública do Ensino Fundamental,
do qual passou-se a exigir o desafio de assumir “uma proposta político-pedagógica mais
adequada ao nosso atual contexto sócio-histórico”. Antecipando a implantação do CBA, a

54
Secretaria de Estado de Educação, via suas Assessorias Pedagógicas, promoveu discussões
com educadores em várias regiões do estado, seminários realizados com professores,
diretores e coordenadores pedagógicos da rede pública de diferentes municípios. Surge
uma proposta curricular com conteúdos e sugestões de trabalho em cada área do
conhecimento. Dois eixos foram viabilizados para a implantação do projeto do CBA para o
Mato Grosso – a proposta curricular e a capacitação docente. A proposta metodológica do
CBA era simples, mas a sua eficácia dependeria do envolvimento do docente (MATO
GROSSO, 1998, p. 7).
As metas do ensino no Mato Grosso, nessa perspectiva, são as seguintes:
priorização da educação básica; auxílio ao trabalho pedagógico; redução do índice do
fracasso escolar; e a formação continuada dos professores.
A opção pela ênfase no ensino da linguagem é dada pelo papel que ela representa
no meio social e interação entre os sujeitos, e para a formação da consciência e o respeito
da variedade lingüística utilizada pelos discentes. Lembrando que, no Mato Grosso abriga-
se pessoas de quase todas as regiões do Brasil, é “um Estado onde a riqueza dos falares
pode servir na sala de aula, para o estudo das variações lingüísticas” (MATO GROSSO,
1998, p. 10).
Essa questão se direciona à mudança que se espera obter na educação e na rede
pública estadual de ensino. E como toda mudança profunda rende debates e polêmicas entre
os educadores de todo o mundo, o ensino no Mato Grosso continua sendo, ainda, mais que
um desafio – uma conquista, e percebe-se que:

(...) A organização da escola em Ciclos de Formação é, hoje, uma realidade


também na maioria das escolas estaduais de Mato Grosso. Ainda que, em
algumas unidades de ensino, pouca alteração tenha ocorrido, desde o início do
ano 2000, quando a proposta curricular da Escola Ciclada foi adotada pela rede
de ensino estadual, pode-se dizer que a escola mato-grossense não é mais a
mesma (AMANCIO,2002, p. 62).

Na concepção tradicional, a alfabetização se restringia ao domínio do sistema


gráfico sem nenhuma ênfase à função social. Para o Ciclo Básico a língua materna não é
um todo uniforme e acabado, mas é algo dinâmico, que exige interação entre os sujeitos
envolvidos, ou seja, a criança aprende na interação com seus pares e seus professores.

55
Concebendo a alfabetização como um processo contínuo, no Ciclo Básico haverá
para a criança a garantia da continuidade desse processo. “Ela terá um tempo de dois anos
para adquirir e estruturar seu conhecimento acerca da leitura e da escrita, sem que haja
quebra na continuidade” (MATO GROSSO, 1998, p.12).
Segundo Braslavsky (1993) o ensino no primeiro ciclo tem como objetivo levar a
criança a produzir textos significativos acessíveis à compreensão. Mesmo de modo
imperfeito “a experiência mostra que os alunos descobrem um grande interesse pela
leitura”, quando são incentivados e orientados a criarem seus textos e expressarem, sem
restrições, todos os seus pensamentos através da escrita para os receptores lerem
(BRASLAVSKY, 1993, p. 37). Para isso, há atividades em sala de aula, classificadas como
“motivacionais”, “cognitivas”, “lingüísticas”, e “funcionais”, pois, o propósito é manter o
professor alerta em seus planejamentos (BRASLAVSKY,1993: p.48), e estas, não são
consideradas separadamente como eixos curriculares.
Nesse âmbito, a linguagem verbal nas formas oral e escrita se caracterizou de forma
imprescindível na interação social, sem esquecer outras formas de linguagem como a
linguagem não-verbal, enriquecendo assim diferentes áreas do currículo. Dentre os
representantes teóricos adotados pelo CBA que contribuíram, temos – o psicólogo soviético
Vygotsky (1991 1988); Soares (1996); Smolka (1985, 1989, 1988,1993); Geraldi
(1984,1991), Coll (1996) e outros.
O professor deverá adaptar cada atividade ao plano de aula, adequando à série, ou à
fase que irá trabalhar, conhecendo a sua turma ele saberá escolher a estratégia de leitura
certa para o procedimento em classe. Mas, nem sempre as expectativas correspondem ao
esperado, por isso mesmo, deverá levar em consideração, sobretudo, que a deficiência na
leitura poderá afetar toda a vida do indivíduo, todas as carreiras, nas artes, nas ciências ou
em qualquer profissão. A leitura eficiente amplia as faculdades intelectuais, desenvolve a
compreensão mais rápida e mais precisa, em um maior número de assuntos, e o
conhecimento gera segurança para aprender mais.
Nesse sentido, os teóricos cognitivos ressaltam que a forma como pensamos sobre
situações, mediante tudo o que nos envolve e o ambiente, influencia como e o que
aprendemos. Como o publicitário toma de empréstimo ao psicólogo sobre o funcionamento
do campo sensorial e perceptivo, a escola deveria fazer o mesmo, apelar para os sentidos

56
com a intenção de motivar os seus alunos. O que cativa os olhos? A motivação influencia a
percepção, um estímulo afeta a nossa habilidade de percepção e o que queremos saber ou
fazer também tem o efeito de realização ou não (Bandura, 1986; Piaget, 1963 Anderson
1995; Farnham-Diggory, 1994 apud WOOLFOLK, 2000).
Nesse contexto, ao considerar a importância dos conhecimentos da psicologia na
sala de aula, a ludicidade, e as linguagens não-verbais como instrumentos de auxílio ao
ensino, itens em destaque no CBA, as crianças também devem estar em estreito contato
com a linguagem verbal – oral e escrita, porque na faixa etária de seis a sete anos sentem
necessidade de simbolizar, ou seja, falar ou escrever de alguma forma. Para isso, usam o
seu corpo e o corpo das outras crianças.
O CBA propõe dois eixos norteadores para as aulas de Língua Portuguesa – usos
da linguagem oral e escrita e leitura e a análise lingüística, inspirados nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental
(1997), e na concepção sociointeracionista de linguagem.
Na linguagem oral é enfatizada a prática da fala no envolvimento a contextos
comunicativos para o desenvolvimento da língua materna, para ser inserida paralelamente
à língua escrita. Mesmo esse aspecto ser considerado um processo complexo na
alfabetização, poderá fazer parte no contexto da aprendizagem.
A linguagem escrita deve ser considerada no contexto de interação para a
caracterização da língua, e isso, deve estar presente desde o início do processo da
alfabetização. Considerando que, “(...) quanto mais rico for o ambiente de leitura, maior
domínio da criança e maiores as possibilidades de levantamento das hipóteses que ela tem
sobre a leitura e a escrita, o que vai contribuir para a formação do leitor crítico” (PCN,
1997, p. 25).
O professor deverá saber o que fazer de fato em sala de aula. É importante que a
atividade não dependa da ‘inspiração’ dos alunos, mas, a partir das leituras e debates
trabalhados em aula como o resultado de uma pesquisa, um teatro, uma música, uma carta,
uma excursão, etc..
A análise lingüística “(...) possibilita a discussão sobre diferentes sentidos atribuídos
aos textos e sobre os elementos discursivos implícitos”. Assim sendo, a linguagem escrita é
realizada sob a prática da reflexão que auxilia nas atividades mentais dos alunos no que se

57
refere à adequação da fala à escrita, e vice-versa, e desse modo os ajuda na produção de
textos. Nesse sentido, os objetivos e os conteúdos de Língua Portuguesa no Ciclo Básico de
Aprendizagem – CBA se resumem em conseqüência da dinamicidade produzida em sala de
aula. Requer do educador “flexibilidade e reflexão constantes sobre a organização do seu
trabalho em sala de aula” (MATO GROSSO, 1998, p.26,27).
O Ciclo Básico de Aprendizagem (CBA) funcionou de 1998 a 1999 e, em 2000, foi
implantada a Escola Ciclada que vigora até hoje. O CBA era um projeto que enfatizava a
importância da alfabetização e, como tal, entendia que era necessário permitir que a criança
tivesse dois anos nesse processo de aprendizagem. Ao final, a criança deveria ser
matriculada na 3ª série. Em 2000 foi implantada a Escola Ciclada e as crianças que foram
do CBA podiam dar continuidade à sua escolaridade, agora, nos ciclos seguintes.
O três quadros abaixo poderão mostrar com mais clareza a estrutura da Escola
Ciclada no Mato Grosso. Sendo que, o primeiro quadro tem como objetivo mostrar a
enturmação segundo as idades aproximadas, o segundo, o número de alunos por turma, e o
terceiro mostrar o esquema com relação ao regime seriado.

Quadro nº. 1 – Enturmação

Fase de Turma de
Ciclos
Fases Agrupamentos Desenvolvimento Superação
I Ciclo 1a Fase 6 a 7 anos
a
2 Fase 7 a 8 anos Infância Maiores de 9 anos
a
3 Fase 8 a 9 anos

II Ciclo 1a Fase 9 a 10 anos


2a Fase 10 a 11 anos Pré-adolescência Maiores de 12 anos
3a Fase 11 a 12 anos

III Ciclo 1a Fase 12 a 13 anos


2a Fase 13 a 14 anos Adolescência Maiores de 15 anos
3a Fase 14 a 15 anos

Fonte: Livro da Escola Ciclada de Mato Grosso, 2001: p. 52

58
Quadro no. 2 – Número de alunos por turma

Ciclos Fases Número de Alunos

I Ciclo 1a, 2a e 3a Fase 25 a 30 alunos

II Ciclo 1a, 2a e 3a Fase 25 a 30 alunos

III Ciclo 1a, 2a e 3a Fase 25 a 30 alunos


Fonte: Livro da Escola Ciclada de Mato Grosso, 2001: p. 52

Quadro de nº. 3 - Esquema ao regime seriado

Ciclos Fases Regime Seriado


I Ciclo 1a Fase................................ Pré-Escolar
2a Fase................................ 1a Série
3a Fase............................... 2a Série
II Ciclo 1a Fase............................... 3a Série
2a Fase............................... 4a Série
3a Fase............................... 5a Série
III Ciclo 1a Fase............................... 6a Série
2a Fase............................... 7a Série
3a Fase............................... 8a Série

59
A alfabetização é o destaque especial das práticas pedagógicas nessa pesquisa. É
tarefa do primeiro ciclo da Escola Ciclada de Mato Grosso (2001), que abriga o discurso do
ensino da linguagem nas relações humanas e o aspecto de atividades lúdicas ao
desenvolvimento da criança – período em que ela está se embrenhando no desafio de
conhecer a escrita. Vygotsky (1993) considerava o ato de pensar e usar a linguagem como
elementos principais para explicar essas relações humanas com bases nas pesquisas, no
entanto, as crianças se apropriam passo a passo nesse processo de internalização através das
interações sociais, sendo assim, percebe-se de forma explícita a ênfase no ensino de Mato
Grosso:

Com o aprendizado escolar, a criança passa a apropriar-se dos conceitos


científicos, que permitem a transformação dos conceitos espontâneos, tornando-
os conscientes para a mesma (...) Entretanto, é na atividade lúdica que a parceria
da imaginação com a linguagem se torna transparente. É nas brincadeiras que a
criança vai aos poucos se liberando das impressões mais imediatas, que ainda
estão presas à percepção visual, para agir sobre a realidade a partir dos
significados e das idéias (...) (MATO GROSSO, 2001, p.43,44).

Apesar das pesquisas estarem presentes no assunto da corporeidade e do lúdico na


educação infantil, poucos conhecimentos têm chegado ao setor educacional a uma
alternativa pedagógica na sala de aula. As pesquisas etnográficas refletem esse quadro tão
carente nas escolas, entretanto, as aulas em sala continuam na atenção quieta e silenciosa ao
ritual programático.

2.5 Métodos de Alfabetização: Concepções, Polêmicas e Alternativas

Uma investida pelo campo da História da Educação Brasileira rumo à nossa pesquisa
sobre o ensino dos métodos de leitura e escrita em alfabetização, evidenciou um quadro em

60
que as decisões políticas, desde a década de 1960, eram baseadas em “comparações
internacionais” e o sistema educacional deveria contribuir com esse esquema, do mesmo
modo como um produto no mercado competitivo. Ou seja, um país se ordenava de acordo
com um índice de desenvolvimento que correlacionava dados econômicos, sociais e
educacionais; e “para alcançar os níveis de crescimento dos países avançados, era preciso
também alcançar seus níveis educacionais”, correlacionando
“produtividade, qualificação e anos de estudo”. Por um lado esse método atraía
fundamentalmente na rentabilidade dos investimentos educacionais, mas por outro aspecto,
supunha-se que os indivíduos se comportariam diante da educação num clima de
concorrência como um produto no mercado (TEDESCO, 1983, p.68,69).
As propostas de reformas surgiram ao sistema educacional após essas proposições
economicistas, quando se acentuou a idéia de que a educação formal é um direito do
indivíduo – sua formação para uma vida democrática, como resultado da ação pedagógica.
Tedesco (1983) diz o seguinte:

A partir da década de 1960 pôde-se assistir a uma verdadeira avalanche de idéias


reformistas, que acentuavam-se em todos os planos da atividade educacional (...)
As propostas reformistas abrangeram todos os aspectos do sistema educacional:
estrutura, conteúdos, métodos de ensino, formas de administração etc..
(TEDESCO, 1983, p.76).

Essas idéias reformistas não tiveram êxito, e rumo às questões, então, seguiu-se o
sentido externo do sistema formal de ensino, ou seja, a reflexão a respeito do próprio
conteúdo das propostas foi observada e entendeu-se que a realidade da América Latina é
diferente da dos países mais avançados; “os padrões de crescimento econômico é limitado”;
a “marginalidade social é um fenômeno generalizado”; e a “superoferta de mão-de-obra, é
salvo algumas exceções, regra geral no mercado latino-americano”. Em vista desse assunto
é considerada a seguinte reflexão:

Mas aqui é que entram em jogo as exigências e a recuperação de um conceito que


os estudos economicistas haviam feito desaparecer: o acesso efetivo à educação
sempre foi uma conquista, não uma dádiva (TEDESCO, 1983, p.79,80).

61
Entretanto, a escolarização do ensino da leitura e da escrita no Brasil se destacou
desde a proclamação da República, em 1889, um marco que promoveu a intervenção
institucional na formação dos cidadãos. Em conseqüência dos esforços republicanos ao
implante de um novo regime político, “foi demandado um conjunto de tematizações,
normatizações e concretizações relacionadas com o ensino da leitura (e escrita)(...)” , as
funções da leitura e da escrita foram ganhando novas configurações (MORTATTI, 2004, p
55).
Para se entender como se processou o ensino dos métodos de leitura no país,
averigua-se que após 1930, no contexto sócio-político, “a educação e o desenvolvimento
em nosso país se acham vinculados às contradições políticas causadas pela luta entre as
várias facções das camadas dominantes na estrutura do poder. Essa vinculação se evidencia
pela organização do ensino que essas facções conseguiram impor à sociedade, através da
legislação do ensino”. O sistema educacional a partir daí segue a direção a favor das
correntes conservadoras que refletem contradições (ROMANELLI, 1999, p. 127).
A história dos métodos de ensino de leitura e de escrita, ao longo do tempo,
caracterizou-se por acirradas disputas, sendo necessário uma ordem cronológica para a
compreensão dessa trajetória.
Cagliari (1998) faz menção da cartilha da língua portuguesa mais antiga, publicada
em 1540, a Cartinha48, por João de Barros (1496 – 1571); e em 1876 é publicada a Cartilha
Maternal, na língua portuguesa, do poeta português João de Deus. O “método João de
Deus” contido nessa cartilha foi o mais difundido no Brasil na década de 1880, e é baseado
na palavração, divulgado sistemática e programaticamente no Brasil por Antonio da Silva
Jardim49.
Anterior a década de 1950, com o método sintético, o estudo do alfabeto é iniciado
pela soletração e silabação, seguindo uma ordem crescente de dificuldades desde a letra até
o texto. Como exemplo: a Cartilha da Infância (189?) (CAGLIARI, 1998).
Nesse período surgiram as primeiras cartilhas nacionais (MORTATTI, 2000); e
depois da grande influência da Cartilha Maternal, apareceram muitas outras. Porém, com
a:

48
É um outro diminutivo de “carta”, ao lado de “cartilha”. O nome “cartinha” ou “cartilha” tem a ver com
“carta”, no sentido de esquema, mapa de orientação.
49
Positivista militante e professor de Português da Escola Normal de São Paulo.

62
(...) Cartilha maternal começa o método analítico, que vai assumir importância
maior na década de 30, quando a psicologia passa a fazer testes de maturidade
psicológica e a condicionar o processo a resultados obtidos nesses estudos. Um
exemplo típico desse caso é a Cartilha do povo (1928), de Lourenço Filho, e o
famoso teste ABC (1934), do mesmo autor (CAGLIARI, 1998, p. 25 – grifo do
autor).

Em seqüência surgiu o método misto, ou seja, cartilhas que misturavam estratégias


do método sintético e do analítico. Exemplo: a Cartilha Caminho suave (1948), de Branca
Alves de Lima.
Até a década de 1950, as primeiras cartilhas escolares ressaltavam a leitura com a
ênfase no abecedário, decifração, identificação de palavras entre letras e sons - seguindo a
ortografia da época, o cuidado com a pronúncia dos textos de autores famosos, muita cópia,
e a norma era a observação acentuada aos escritos dos eruditos (CAGLIARI, 1998).
Após a década de 1950, com o advento da alfabetização das camadas populares, a
ênfase era dada à produção escrita pelo aluno e não mais a leitura. O ensino foi enfatizado e
aos poucos os alunos foram libertando-se das cartilhas, que utilizavam técnicas como o “bá-
bé-bi-bó-bú”, pelo estudo de textos infantis. Porém, muitos não conseguiram seguir o
processo escolar de alfabetização e abandonaram a escola (CAGLIARI, 1998, p.26).
Diante desse quadro complexo chegava-se a conclusão que o professor necessitava
de orientação, e a Cartilha Sodré, em 1940 (Cia Editora Nacional), como exemplo, seguiria
o manual do professor, mas, a reprovação continuava na 1a série. Surgiram, então,
considerações muito vagas a respeito do valor da educação que orientava o professor a
ensinar o aluno passo a passo.
Nesse clima de insucesso escolar e o sucesso da psicologia criou-se o chamado
“período preparatório” para que as “crianças fossem treinadas nas habilidades básicas até
ficarem prontas para se alfabetizarem”. Os resultados foram equivocados; Cagliari diz que
a questão central desse problema é essencialmente lingüística e não de “deficiência” como
os acadêmicos tachavam (CAGLIARI, 1998, p. 28).
Ao observar uma pesquisa realizada por Macedo50 (1985) nas escolas públicas de
Cuiabá, em Mato Grosso, percebe-se que diante do confronto de produção lingüística com
crianças, antes e depois da alfabetização, “as exigências lingüísticas da cartilha estão aquém

63
da capacidade do aluno a que se destina”. Foi constatado, que a cartilha apresentava uma
linguagem “simples”, “fácil”, ou seja, as unidades lingüísticas (oração, período, parágrafo,
texto) eram reduzidas ao mínimo possível, revelando assim, uma característica negativa e
não-natural, não condizente com a fala das crianças que foram entrevistadas (MACEDO,
1985, p. 47).
A autora concluiu que a cartilha tem sido um empecilho ao desenvolvimento
lingüístico e cognitivo, pela tendência observada, ou seja, a predominância da criança
imitar a cartilha que apresenta uma linguagem artificial. E acrescenta ainda: “A língua é
algo muito ‘versátil’, às vezes ‘podemos usá-la para expressar nossos pensamentos’, outras
vezes podemos usá-la só para fixar sílabas e palavras... Sem qualquer compromisso com o
significado” (MACEDO, 1985, p.56).
Ao observar o Método do ensino de leitura, antigo, Carvalho (1934), mencionava as
seguintes denominações: “antiga soletração ou alfabético; moderna soletração ou fônico; e
o método por articulação ou de emissão de sons” (CARVALHO, 1934, p.10). As opiniões
quanto a esses métodos são variadas, porém, ressalto que no método da antiga soletração o
trabalho era longo, cansativo, envolvendo repetição à força Pedagogicamente, o ensino da
leitura e escrita se processava da seguinte forma:

Convém combinar a leitura com a caligrafia e a ortografia, considerando, todavia,


as duas últimas especialidades como acessórias (...) são mútuos auxiliares
naturais (...), desenvolve simultaneamente o maior número de faculdades: a
atenção, a imaginação, o juízo e a vista; exercita a mão; apressa os progressos do
aluno que aprende várias cousas ao mesmo tempo (...), torna as lições menos
monótonas e mais atraentes, com a variedade que estabelece; favorece enfim,
convenientemente a disciplina da escola e a economia do tempo, conservando
todos os alunos ocupados, e permitindo ao professor que melhor distribua seu
tempo e seus cuidados, pelas diferentes classes da escola (CARVALHO, 1934, p.
14).

Nesse sentido, observa-se um maior número de elementos no primeiro método do


que no segundo; e o método de emissão de sons foi considerado pelos estudiosos da época
como o mais eficiente; desenvolvia a audição do aluno a uma pronunciação perfeita; o
estudo era feito em menos tempo, em vez de monotonia a atividade mental; o prazer no
lugar do constrangimento. Vejamos algumas características destes métodos:

50
Profa adjunta da UFMT

64
1. No méthodo da antiga soletração dão-se às consoantes, não um nome
designativo da articulação que elas exercem nas palavras, mas o nome da letra;
assim, k, r, s, pronunciam-se: cá, érre, ésse; e para formar as sílabas por êste
método, dir-se-á: cá...i...ki (qui); érre...á...rá; ésse...ó...só.
2. O méthodo de soletração moderna, fônico, e também chamado de Port-
Royal, difere do antecedente em nele se atribue às consoantes um nome que
muito se aproxima do seu valor na organização da palavra: êle faz seguir de um e
quasi insensível o som da consoante; assim: k, r, s, poder-se-ão representar por:
ke, re, se, pronunciando-se ligeiramente a letra e.
3. O méthodo da emissão de sons mostra ao menino não as letras isoladas,
como na escrita, mas sons e articulações como na palavra falada.
Assim por qualquer dos dois primeiros métodos, mas antes processos, a palavra –
chocalho – seria pelo menino analisada da seguinte fórma, désse êle às
consoantes êste ou aquele nome: c,h,o,- c,a - l,h,o .
O méthodo da emissão de sons decomporia a palavra do seguinte modo: cho-ca-
lho. (CARVALHO, 1934, p. 10).

Quanto à atividade de leitura cinco passos eram seguidos: Primeiro, com a lição prevista
pronunciava-se as vogais com seus diversos sons; segundo, unia-se a consoante ao processo
de silabação e enunciava a palavra; terceiro, o professor escrevia no quadro as letras e as
palavras e depois o aluno copiava; quarto, o aluno copiava as palavras do exercício ditadas
pelo professor; quinto, o aluno copiava as palavras feitas por ele no quadro (CARVALHO,
1934).
Para compreender melhor a trajetória dos métodos de ensino da leitura em
alfabetização, destaco a evolução histórica que cada método herdou. Um mapeamento
histórico é imprescindível à interpretação dos fatos que envolveram esses métodos, e
identificar as raízes que originaram e determinaram o movimento que repercute até os dias
atuais.
Apresento, resumidamente, as três concepções consoante ao percurso destes
métodos de alfabetização, até aos nossos dias.

2.5.1. A Concepção Tradicional

A cada etapa da história do ensino da leitura, a oposição entre os métodos era


acirrada e se deu de forma binária, como exemplo: métodos silábicos versus métodos
globais. De acordo com Chartier e Hebrard (2001), na realidade, o que predominou nesse
assunto foi um equívoco entre os métodos e não “um exame racional das realidades e das

65
questões”. Seguidamente, estabeleceu-se “tipologias de métodos, opondo inovação e
tradição, ou ainda, tomando como critérios os princípios explícita ou implicitamente
subjacentes a cada um dos métodos utilizados nas classes” (CHARTIER & HÉBRARD,
2001: p. 142,143). Argumentos positivos e negativos entraram em cena, no palco das
disputas entre métodos sintéticos e analíticos. O relatório da XII Conferência da UNESCO
(p. 26) diz:

(...) Os partidários dos métodos sintéticos, guiados pela lógica, se preocupam


principalmente em introduzir uma sistematização na ordem dos exercícios mais
ou menos mecânicos que, suficientemente repetidos, devem conduzir à aquisição
de técnica da leitura.

O relatório também destacou que os adeptos dos métodos analíticos se basearam,


em particular, nos dados da psicologia e se relacionaram com a “gestalt”, enquanto que os
métodos sintéticos se relacionaram ao condicionamento.
No início do século XX surgiu a teoria da Gestalt51, em oposição ao
associacionismo do século XIX que serviu de paradigma aos métodos sintéticos. Os
fenômenos psíquicos, como a percepção, consistiam na estruturação de totalidades
organizadas, ou formas por princípios que regiam a nossa percepção em correspondência
entre o funcionamento do cérebro e a nossa experiência. E no tocante ao ensino da leitura
serviu de apoio aos métodos analíticos (MICOTTI, 1996).
Segundo as críticas, os métodos sintéticos não satisfaziam as exigências lógicas da
mente, e pela ênfase também, da memorização nas primeiras fases da aprendizagem e como
conseqüência uma leitura mecânica. A compreensão no ato de ler era fragmentada,
prejudicando assim a interpretação geral do texto. E, além disso, podia provocar um
retardamento ao senso crítico e criativo do aluno.
Os métodos analíticos se destacaram pela ênfase às significações e não aos
símbolos, ao exercício da inteligência e não ao da memória. Por isso, adquiriram a
vantagem no ato da reflexão da leitura. Segers em seus experimentos diz:

51
Teoria psicológica e filosófica, de autoria de Köhler, Wertheimer e Koffka, pela qual se nega que os
fenômenos possam ser isolados entre si para fins de explicação e se considera que sejam conjuntos estruturais
inseparáveis (formas).

66
(...) O que estas experiências demonstram é que a criança percebe o conjunto, o
todo antes das partes, a percepção dos objetos complexos se faz como que em
bloco, sem decomposição deliberada ou consciente; as imagens se fixam, se
conservam, são identificadas e reconhecidas, enquanto que os detalhes, não foram
percebidos de uma maneira sistemática nem em uma sucessão determinada, nem
de uma maneira completa. Em resumo, as crianças globalizam. (SEGERS apud
MICOTTI, 1970, p.75).

Micotti (1996) diz que a classificação e as denominações dos métodos de


alfabetização variavam, e a designação para os critérios é modificada em função do
referencial utilizado. Os termos analítico ou sintético se prendiam às atividades implícitas
na leitura, os global e ideo-visual faziam relação ao enfoque perceptivo, e os termos
auditivo e visual indicavam o sentido que será mais solicitado pelo ensino. Simon
reconhecia apenas duas categorias na existência dos métodos de leitura. A primeira iniciava
o estudo dos símbolos ou dos sons elementares – sintéticos (escrita e som), e a segunda
direcionava a criança ao contato com a escrita – analítica. E Gray propôs a combinação
entre os grupos: analíticos-sintéticos (apud MICOTTI, 1970/ BRASLAVSKY, 1971).
A trajetória dos métodos de ensino é extensa e complexa, Braslavsky (1971)
destacou aspectos importantes, resultado de pesquisas próprias em centros experimentais de
vários países por ela visitados.
No século XVII o método global alcançou grande repercussão, de maneira empírica
e, em meados do século XX, Decroly52 elaborou o conceito doutrinariamente, que resultou
no início da decadência do velho associacionismo, porém, houve descontentamento por
parte dos professores. O aparecimento do global se verificou em 1962, sob orientação do
mestre Decroly em conseqüência das observações sobre as funções mentais (tributo do seu
tempo); produto das associações ricas de uma criança que produz, observa, atua, discute,
etc., escreve e lê sobre essas coisas. O conceito de leitura, - para ele ideovisual ou mental -
não só remeteu à interpretação dos sinais gráficos, como também a aceitação de uma leitura
anterior à linguagem (BRASLAVSKY, 1971).
A autora citada diz que os pesquisadores recriminavam e reclamavam que não havia
uma correspondência entre língua escrita e falada pela falta de preocupação pelo método
alfabético e o global para tal. Diante desse fato, permeavam as concepções psicológicas na

52
Ovídio Decroly - médico, psicólogo, pedagogo, belga (Ronse, 1871 – Uccle, 1932) , fundou uma escola
para aplicação de uma pedagogia baseada na noção do “Centro de interesse”; um dos maiores representantes
da pedagogia do século XX. Um dos pivôs da Escola Nova.

67
época, de pesquisadores como Gelb e Goldstein, Vygotsky e outros, que estudaram a
influência da linguagem e do pensamento em geral, e comprovaram pelas experiências que
as funções receptoras não só modificavam o pensamento infantil, como também,
influenciavam o caráter, todavia, com respeito ao método apresentavam problemas
(BRASLAVSKY, 1971).
A UNESCO (07/1948) na Conferência Internacional de Instrução Pública – em
Genebra, resumiu que o “global” conformava com os interesses espontâneos das crianças,
mas, o mestre necessitaria preparar-se.
Os métodos globais foram classificados por Decroly como ideo-visual e global
natural, pelo enfoque da leitura no aspecto visual e mental, sem a intervenção dos sons da
língua oral; e cada palavra é apresentada como uma entidade. Valorizavam o material
didático e são designados analíticos porque partiam do princípio do complexo ao simples,
do mais concreto ao mais abstrato (MICOTTI, 1996).
Chartier e Hébrard (2001) ilustraram o método global com o trabalho de uma
professora primária francesa por nome C. Rouquié, diretora de uma escola maternal, que
desenvolveu uma nova técnica de aprendizagem baseada nas idéias psicológicas de
Decroly. Idéias globalizantes que visavam o ensino da leitura às crianças deficientes que
não conseguiam aprender por métodos comuns. Para ele, a leitura é uma atividade ideo-
visual que, por privar-se da linguagem oral, pode ser um poderoso instrumento de
desenvolvimento para crianças com dificuldades de linguagem – como as surdas-mudas.
Em síntese, o método se destacou pela fixação dos caracteres gráficos na memória; adquiria
o conhecimento global de dezenas de palavras; e em seguida decifrava palavras
desconhecidas por analogias com as que já eram conhecidas.
É notório verificar que cada método respondia às “orientações psicológicas
dominantes na época de seu surgimento, como também às interpretações que
respectivamente faziam do processo de aprendizagem”. O método global, por exemplo,
respondia pelas formas imediatas de conhecimento, aos conceitos do século XX
(BRASLAVSKY, 1971, p.37).
Para resolver o problema da “discussão dos métodos”, a autora citada comentou o
seguinte:

68
A maior eficiência não se radicaria no método, na decisão por um ou por outro,
senão na soma de condições que se devem colocar em jogo para facilitar a sua
aquisição, (...) a solução definitiva do problema e a decisão pelo método têm
profunda conexão com o sistema de ensino, (...) o valor que tal sistema confere à
aprendizagem (...) (BRASLAVSKY, 1971, p.39).

Esse aspecto diz respeito aos esforços conscientes que se obtém, ou deva ter, pela
instrução infantil ao processo educacional.
Quanto à classificação dos métodos, existiram variadas e muitas inúmeras
categorias, como diz Micotti (1996), porém, Braslavsky (1971) tomou como ponto de
partida a proposta de J. Ghilhaume (1911), porque se adaptou à evolução histórica dos
métodos, e achou-se justificada por Th. Simon (1924) em sua Pedagogia Experimental, na
França: “Apesar das aparências, não existem verdadeiramente mais que dois métodos de
leitura. Ambos tratam de fazer compreender a criança que existe certa correspondência
entre os sinais da língua escrita e os sons da língua falada (...)” (apud BRASLAVSKY,
1971, p.43).
Nesse contexto as críticas foram direcionadas a Simon pela falta de correspondência
entre a língua escrita e a língua falada, e dentre os métodos, o fonético era o único que
sobressaía quanto a essa correspondência. Sendo assim, Braslavsky (1971) recomendou
algumas sugestões da senhora Granjon (1958) para a elaboração do esquema dos métodos
de leitura. Eis a classificação na íntegra: (BRASLAVSKY, 1971, p.45,45).

1. Métodos de marcha sintética:


a) “Alfabético”, “da letra”, “literal” ou grafemático: parte dos sinais, letras ou
grafemas;
b) “Fonético”: parte dos sons simples ou fonemas.

2. Métodos de marcha analítica:


a) “Global analítico”: parte de sinais escritos complexos que podem ser a
palavra, a frase ou o parágrafo. O mestre dirige a análise.

69
b) “Global”: parte da palavra, a frase ou o parágrafo. O professor deve saber
dirigir a análise. Em qualquer caso, a criança deve chegar espontaneamente a
ele.

No caso da leitura, os métodos de marcha sintética não levavam em conta o


significado no ponto de partida, enquanto os de marcha analítica eram o contrário.
A vantagem desses métodos era que o esforço da criança podia ser graduado e a
desvantagem eram os ridículos, mugidos, grasnidos ao unir as consoantes no ato da leitura.
Excesso de mecanização, esses métodos sofreram de defeitos em seus fundamentos
psicológicos, e esses residiam na apreensão dos elementos gráficos à leitura da totalidade
da palavra.
Os métodos de marcha analítica, como o Global, Natural, Ideovisual e outros,
justificam-se pelos fundamentos psicológicos que os alicerça. Houve precursores anteriores
a Decroly na França (séc. XVII), Alemanha (séc. XVIII) e Estados Unidos (XIX). O
método global chegou ao século XX com perspectivas mais gerais da Nova Educação.
O modelo tradicional de alfabetização restringia-se aos métodos de leitura
(analíticos, sintéticos ou mistos). Atualmente, a prática pedagógica se baseia na concepção
da cidadania, a uma visão clara do papel social da escrita na vida dos cidadãos, a partir das
contribuições das áreas auxiliares de conhecimento, como a Lingüística e a Psicologia.
Por conseguinte, Braslavsky (1971) certificou que o primeiro método da leitura, na
origem da cultura humana foi o global, devido os hieróglifos – primeira forma da escrita –
que exigiram o reconhecimento de cada um dos seus desenhos para expressão de cada
palavra do idioma, e provavelmente assim sucederia os inventores da escrita alfabética.
Do século XIX ao XX, tanto um método quanto o outro padeciam de críticas em
seus fundamentos psicológicos, e era evidente que a Psicologia Geral, em sua forma
científica não existia, e quanto às condições necessárias para a leitura não estavam
delineadas naquele tempo.
É a partir do final da década de 50, do século XX, explica Salvador (2000) em seu
livro Psicologia do ensino, que se expande a importância dos enfoques cognitivos na
repercussão da explicação psicológica da aprendizagem dos alunos. Essa perspectiva de
ensino gerou uma revolução para a pesquisa; em reação aos trabalhos efetuados durante

70
décadas, que se centralizavam exclusivamente no comportamento do professor, agora a
importância é concedida às contribuições do aluno, ou seja, à interação entre os alunos e os
conteúdos de aprendizagem, deixando em segundo plano as intervenções do professor.
Este, agora tem uma função de intermediário entre os processos construtivos dos alunos e
os conteúdos sobre os quais essa construção se materializa.
Por volta de 1840, ainda, outro método se evidenciou, pelos representantes Huey e
Stinckner, o da Historieta, ou do Conto – consistia numa seqüência de frases formadas
pelas crianças por sugestões do professor a propósito de algum fato interessante, ou de um
passeio. O professor desenhava cenas no quadro e escrevia a frase criada pelas crianças, e
assim eles liam em ordem. Os autores baseavam-se no interesse universal dos meninos
pelos contos, e na tendência para aprender de memória o que liam (BRASLAVSKY, 1971).
Braslavsky (1971) citou a pesquisadora Katrina Hirsch, que em 1953, na
comunicação ao XII Congresso de Psicotécnicos de Paris, expôs as dificuldades do aluno
com a leitura, e argumentou que muitos casos “são de natureza secundária, não específica,
(...) pode provir de muitas causas: transtornos físicos, mau ensino, mudanças freqüentes de
escola, patologia do meio” (apud BRASLAVSKY, 1971, p.148); e além desses, a autora
assinala especialmente os sensoriais, que podem trazer conseqüências para a aprendizagem
da leitura e escrita, e da necessidade de incorporar o exame audiométrico53, e desse modo,
se atribui a importância paralelamente à visão. Há também os transtornos de caráter
explicitado por Braslavsky:

(...) Crianças astênicas, fatigáveis, que carecem do tono psíquico necessário para
superar as dificuldades; outras que apresentam comportamento obsessivo e
demonstram, passivamente , sua hostilidade ao meio, negando-se a ler; outras,
que vivem em um mundo de sonho, que lhes tira a energia psíquica necessária
para o trabalho mental que a leitura exige, etc. (BRASLAVSKY, 1971, p.150).

Wall (1954), outro investigador, destacou a família como um meio de estimular a


linguagem da criança; e nesse contexto, a autora citada enfatizou o fracasso escolar em seu
conjunto comentando que não é “conseqüência da capacidade intelectual da criança, mas de
outras causas tão diferentes, como seu temperamento, seu ambiente familiar, uma classe

53
Exame que mede a acuidade auditiva e estabelece o resultado pelo audiograma.

71
superlotada, ou um professor incapaz”, sendo assim, as dificuldades para aprender a ler e
escrever na fase inicial escolar suas causas são inúmeras, necessitaria explorá-las em uma
pesquisa específica (BRASLAVSKY, 1971, p.151).
Para a autora, o método deveria ser utilizado como instrumento de incentivo ao
aluno, para o desenvolvimento intelectual abstrato que começa a integrar no início da
leitura. Essa explicação é baseada especialmente nas experiências do investigador Ananiev
(1959) que via a necessidade de preparar o terreno para a leitura com a influência da
linguagem oral; envolvia o vocabulário e o ensino da gramática como tarefas principais.
Mesmo assim, a autora reconhecia que só o tempo responderá do que se pode aproveitar da
experiência de descobrir o método que ensina a ler e a pensar, e de outras, dentro do
contexto escolar, e assim beneficiar a todos na escola democrática.

2.5.2 A Concepção Construtivista

Essa concepção surgiu em meados da década de 70, no século XX, mas ganha corpo
no Brasil nas décadas subseqüentes; acompanhada das obras denominadas construtivistas,
apoiadas em propostas oriundas das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita de
Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), processo de alfabetização, na elaboração
conceitual que a criança constrói. Entre os conceitos que caracterizaram essa concepção,
um deles é mencionado como crucial: o conflito cognitivo.

(...) Nesse processo, evidenciam-se o papel do conflito cognitivo, como


mecanismo desencadeador do “esforço cognitivo” para a construção de hipóteses
mais bem elaboradas, e o papel do professor como facilitador do processo
(LEITE, 2005: p.37).

Esse pensamento se apresentou como uma revolução conceitual, na perspectiva de


um abandono das teorias e práticas tradicionais e desmetodização do processo de
alfabetização, sem utilizar a cartilha.
O Construtivismo, para Ferreiro (1991), na utilização técnica do termo, não é um
conjunto de práticas pedagógicas vagamente relacionadas entre si. O termo maturação está

72
excluído. Refere-se, todavia, à construção do real, uma espécie de reestruturação do já
construído, envolve processo de reconstrução, coordenação, integração, diferenciação, etc..
A aprendizagem não é formada na criança aleatoriamente, o desenvolvimento é um
processo e não uma série de etapas que são seguidas quase que automaticamente.

Do que foi dito fica claro, do nosso ponto de vista, que as mudanças necessárias
para enfrentar, sobre novas bases, a alfabetização inicial não se resolvem com um
novo método de ensino nem com novos testes de prontidão nem com novos
materiais didáticos (particularmente novos livros de leitura).
É preciso mudar os pontos por onde nós fazemos passar o eixo central das nossas
discussões. (...)
Em alguns momentos da história faz falta uma revolução conceitual. Acreditamos
ter chegado o momento de fazê-la a respeito da alfabetização. (FERREIRO, 1991,
p 40-41,).

Para Ferreiro e Teberosky (1991), segundo a perspectiva pedagógica, “o problema


da aprendizagem da leitura e da escrita tem sido exposto como uma questão de métodos” e
ressaltam que os educadores sempre buscaram o “melhor” e o “mais eficaz” método, seja
“sintético” ou “analítico”. Em reflexão às teorias de Piaget, as autoras assinalam o sujeito
da aprendizagem como o “sujeito cognoscente”, ou seja, a obtenção de conhecimento é um
resultado da própria atividade do sujeito. O ativo não é o que “faz muitas coisas” é aquele
que compara, exclui, ordena, reformula, comprova, etc., interiormente ou em ação efetiva.
Em termos práticos, no aprendizado desse sujeito, o docente não deverá introduzi-lo
em situações conflituosas e sim detectar quais os momentos cruciais nos quais o sujeito é
sensível às suas próprias contradições, para ajudá-lo a avançar no sentido de uma nova
reestruturação. O enfoque característico dessa aprendizagem é situar a criança em evidência
à escrita tal como a vê, tal qual ela a entende e os problemas que ela propõe para si; sem
testes de predição sobre a “maturidade”, e nem as provas de avaliação sobre o “rendimento
escolar” (FERREIRO & TEBEROSKY, 1991, p. 18, 26, 33).
As autoras descobriram um sujeito que reinventa a escrita para fazê-la sua, um
processo de construção efetivo e uma originalidade, graças à teoria de Piaget, pois, antes
disso não era concebida a idéia de um sujeito que contribuía, ou de haver aprendizagem
sem um ensino específico, mas, como dependente e subsidiária do método de ensino.

73
Com base na teoria de Piaget, segundo a Epistemologia Genética, 54 a aprendizagem
é vista como um processo de transformação ativa, onde os mecanismos cognitivos internos,
dos processos estruturais mentais regulam e orientam a construção do conhecimento.

(...)Essa perspectiva salienta as diferentes conexões entre as atividades do


contexto e as transformações cognitivas, ajudando-nos a compreender por que as
transferências de aprendizagem não acontecem automaticamente. Em outras
palavras, porque aprendemos determinados conteúdos de uma forma, em um
determinado contexto, e não conseguimos generalizá-los para outras situações
(DORNELES, 2005, p. 22).

Ferreiro (2001) em seu artigo Leitura, bibliotecas, alfabetização, considera que a


forma de alfabetizar, segundo as tendências inovadoras, dependerá do saber do professor e
não do livro em si. Na obra Reflexões sobre a Alfabetização a autora explicita que antes a
alfabetização inicial era considerada em função da relação entre o método utilizado e o
estado de maturidade, ou de prontidão da criança; Com todas as Letras ela argumenta que
as listas que enumeram as preparações para a leitura são muitas, como pré-requisitos,
extensas e pouco específicas, que gera um reflexo de culpabilidade como se os analfabetos
fossem os causadores da carência (FERREIRO, 1988 ,1992).
Sem dúvida, as contribuições do construtivismo são inquestionáveis para a
compreensão dos processos de aprendizagens. As deficiências ou disfunções que eram
observadas no aprendiz, pelo olhar associacionista, hoje são vistas pela perspectiva
psicogenética como erros construtivos, resultado de constantes reestruturações no processo
de construção do conhecimento da língua escrita. Como exemplo, Soares (1991)
exemplifica o texto de um aluno em alfabetização “O barquinho” e explica como avaliá-lo
segundo o pensamento construtivista:

(...) os “erros” cometidos pelo alfabetizando são indicadores do processo através


do qual ele está descobrindo e construindo as correspondências entre o sistema
fonológico e o ortográfico (...) o texto evidencia que o aluno enfrenta um conflito
cognitivo (...) (SOARES, 1991, p.120,121).

54
Estudo filosófico e científico da origem e desenvolvimento do conhecimento. Obs.: O termo está
intimamente identificado com o psicólogo Jean Piaget.

74
A autora cita alguns textos oriundos de aprendizes, ao discutir As Novas
Perspectivas do Ensino da Língua Portuguesa no 1o grau, e denuncia o ensino respaldado
em “modelos” e não à construção de conhecimentos, pela ausência da aquisição de um
senso crítico e criativo em sala, que é conseqüente da interação social. Em contrapartida,
faz observações aos textos produzidos espontaneamente ao serem exemplificados, e
menciona que estes apresentam um alto grau de informação e com unidade temática –
coerência e coesão.
Morais (2006) argumenta sobre a presença de opositores dos métodos tradicionais
que assumem a perspectiva construtivista, mas adotam uma “proposta ortodoxa de
didatização da linguagem escrita e da notação”, ou negam resultados científicos de outros
aspectos teóricos. O autor considera certa ignorância no setor educacional crer que existam
métodos milagrosos ou que por si só resolvam os problemas dos alfabetizandos.
Considerando as pesquisas pertinentes ao ensino da leitura e da escrita, se
evidenciam uma complexidade de fatores que indicam sucesso ou fracasso no início da
alfabetização. Todavia, contemplando o assunto numa visão mais abrangente, percebe-se,
no âmago do nosso contexto atual, uma multiplicidade de estudos científicos e da
complexidade em questão, comenta Morais (2006):

Se dentro do “guarda-chuva” construtivista tendemos a colocar matrizes teóricas


como a piagetiana e a vygotskiana, cabe arranjar lugar, ali também, para a teoria
de aprendizagem significativa de Ausubel, para as teorias baseadas no modelo de
processamento de informação (...) Como “elo unificador” das várias teorias
mencionadas, teríamos um princípio geral, segundo o qual o indivíduo não
aprende somente por acumular informações que lhe são dadas prontas, mas por
reorganizá-las em sua mente (MORAIS, 2006, p.2, 4 – grifo do autor).

Em razão de um maior esclarecimento, da questão em pauta, verifica-se que o


psicólogo norte-americano DP Ausubel (1968), nos anos 60, expôs propostas
psicoeducativas que tentavam explicar a aprendizagem escolar e o ensino por observação
enfatizando a importância que os processos mentais tiveram nesse desenvolvimento.
Segundo a teoria de Ausubel haveria três vantagens neste tipo de aprendizagem em relação
à aprendizagem memorística: a primeira diz respeito ao conhecimento adquirido de forma
significativa, sendo este fixado por mais tempo; segunda, a capacidade de assimilação da

75
aprendizagem mais fácil, mesmo ao esquecê-la; e a terceira, ao esquecê-la, a
reaprendizagem tornava-se mais fácil (AUSUBEL apud SALVADOR, 2000).
Essas reflexões me levam a pensar que o modelo de mente para o século XXI deve
ser flexível, pensar as diferentes teorias para diferentes dimensões do processo de
aprendizagem, e do modelo mental em evolução. Pensadas em conjunto, poderiam trazer
contribuições importantes para a nossa compreensão, em especial, para a alfabetização no
ato da aprendizagem e entender como funciona a complexa cognição humana.

2.5.3. A Concepção Sociointeracionista

A concepção sociointeracionista é fundamentada, principalmente, nos trabalhos de


Vygotsky (1979 e 1984) que são relevantes a questões educacionais modernas. Decorre
também das proposições de Geraldi (1984, 1991, 1996) que, em seus estudos dobre o
ensino de língua portuguesa na escola, a definiu como um conhecimento que devia ser mais
do que um saber técnico. Isso no sentido do aprendiz estudar, passar o tempo no
aprendizado lingüístico, e se deter naquilo que ele erra em relação a padrão, e não em
aspectos da gramática (gênero, número, concordância...) que já se apropriou. O autor
defende que se trabalhe seguindo um projeto de leitura, que pressupõe um contato cada vez
maior com a língua padrão que a escola quer que ele aprenda (GERALDI, 1984). Eis o que
o autor citado diz:

(...) Acredito que esta concepção implicará numa postura educacional


diferenciada, uma vez que situa a linguagem como o lugar de constituição de
relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos. (...) Neste sentido, a língua
só tem existência no jogo que se joga na sociedade, na interlocução, e é no
interior de seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de tal
jogo (...) (GERALDI, 1984, p. 43 – grifo do autor).

As propostas modernas (MEC, PCN, 1997) focalizam a formação do bom leitor e


produtor de textos, o domínio formal e funcional dos diversos gêneros de textos, orais e
escritos. E, particularmente em Mato Grosso, com a proposta de reorganização do Ensino

76
Fundamental, a implantação do Ciclo Básico de Aprendizagem (CBA), foi inaugurada uma
medida político-pedagógica que teve como ponto de partida uma concepção socio-
interacionista de aprendizagem e o referencial para a alfabetização se fundamentam
principalmente nas concepções de Smolka (1980), Geraldi (1991) e outros.
Em correlação com o sociointeracionismo, observo nas investigações de Smolka
(1993), que na aquisição da linguagem escrita em crianças na fase de alfabetização, se
evidencia uma progressão em termos de desenvolvimento de noções infantis sobre a escrita,
e ela é “alterada e transformada em função dos contextos de interação, informação e ensino
nas escolas” (SMOLKA, 1993, p. 25).
A autora também denuncia a falta de flexibilidade no processo de avaliação quanto
a linguagem escrita por parte da criança, devido a rigidez ao “cumprimento do programa,
cujo parâmetro é o término da cartilha” (SMOLKA, 1993, p.27).

A realidade cotidiana escolar e acadêmica e as inúmeras situações de sala de aula


(...), são hoje, resultados ou produtos de um complexo conjunto de condições e
circunstâncias em que pesam, obviamente, fatores sócio-econômicos, políticos e
ideológicos (SMOLKA, 1993, p.37).

Ao relatar o trabalho do professor em sala de aula a autora comenta:

(...) O dizer da professora é um indicador importantíssimo na medida em que


revela sua relação com as crianças e sua relação com a escrita (...) Quando a
professora soletra as palavras e mostra as letras do alfabeto, ela está destacando,
apontando e nomeando elementos do conhecimento para a criança, e indicando
uma forma de organização deste conhecimento. Quando a criança fala, pergunta
ou escreve, é ela quem aponta para a professora o seu modo de perceber e
relacionar o mundo. Nessa relação, o conhecimento se constrói (SMOLKA, 1993,
p.35,43).

Smolka (1993) evidencia, então, a importância da interação e interlocução em sala


de aula, acompanhada de estratégias simples e práticas que desencadeiam uma construção
de conhecimentos eficazes à linguagem oral e escrita. Como um exemplo, cito um
fragmento e dados de sua pesquisa quando um adulto se aproxima de um aluno e pergunta:

_ (...) Você quer saber o que eu estou escrevendo?


_ Quero.
_ Eu estou escrevendo a nossa conversa.

77
_ O quê?
_ Eu estou escrevendo o que a gente está falando.
_ Você quer que eu leia para você?
_Quero.
O adulto faz, então, a leitura do diálogo. A criança ainda surpresa, pergunta:
_ Como é que sai igualzinho, tia?
O adulto faz uma nova leitura, acompanhando com o dedo o que está escrito, e
vai mostrando os travessões (...). A criança pega a folha entusiasmada, e vai
“lendo”, mostrando e explicando para os colegas o que está escrito na folha
(SMOLKA, 1993, p. 44,45).

O contexto que envolve as relações do conhecimento é complexo, e o mundo hoje


demanda instantaneidade. Nesse sentido, Smolka (2005) enfatiza a importância da ação
conjunta entre os professores alfabetizadores e a necessidade de envolver a criança no
mundo por meio da escrita e da linguagem:

A criança imersa nas relações sociais, já tem uma história e uma cultura. A
cultura é a produção humana. Então, ela participa dessa produção aprendendo a
ler e escrever, que é um modo de participação. Tanto as formas de ensinar quanto
a apropriação das formas de linguagem oral e escrita vão marcando e constituindo
o psiquismo da criança, num nível individual (SMOLKA, 2005, p. 1).

A autora encontra apoio em suas experiências e constata que o processo de


construção se dá na interdiscursividade, isto é, numa prática dialógica discursiva. A
escritura adquire novas configurações quando as crianças escrevem espontaneamente, e
revelam também, “as marcas do discurso social internalizado” (SMOLKA, 1993, p. 75).
Do ponto de vista do “adulto”, como explica a pesquisadora, a escritura da criança
não tem explicação “lógica”, e é considerada como “incapaz”, “desleixada” ou com falta de
“atenção”. E nesse parecer, percebo a importância, a necessidade de compreensão e atenção
ao processo de construção do conhecimento da linguagem oral e escrita da criança. Creio
que há uma complexidade quase que infinita subjacente a essa questão, que pode envolver
múltiplos fatores como de ordem econômica, psicológica, social, lingüística (SMOLKA,
1993, p.84).
Nesse prisma, Smolka (2003) aborda a questão da linguagem em sala de aula com o
aporte das formulações de Vygotsky, baseadas na perspectiva histórico-cultural do
desenvolvimento humano, e constata que a leitura feita dialogicamente constrói
significados importantes. Diante da tarefa de produção escrita, a oralidade da criança como

78
“fala egocêntrica” via soletração ou silabação, instaura uma perspectiva discursiva na
análise, quando é tomada como objeto e lugar de investigação. A ênfase é o registro da fala
marcado pela criança no papel, um movimento simultâneo de produção com respaldo nos
estudos de Ferreiro e Teberosky (1979). Nesse movimento é percebido uma
“construção/objetivação do texto (...) parecem dissolver-se na análise da dinâmica
discursiva”. Da apropriação teórica da dialogia e da “fala egocêntrica” à construção do
texto, no período inicial, ainda há questões a serem exploradas (SMOLKA, 2003, p.51,58).
Cardoso (2002) salienta que as marcas registradas da linguagem escrita, em
crianças na fase inicial de alfabetização, são produzidas pelas suas experiências e
perpassadas pelas situações de produção em que o discurso é realizado, ou seja, o texto é
construído em situação interativa muito peculiar. Eis o seu parecer:

Um ensino com estas características abriria, também, novas perspectivas para a


pesquisa, pois, acredito, pode-se conceber uma progressão e uma prática e estudar
sistematicamente sua influência sobre a apropriação, pelos alunos, das formas e
das funções dos mais variados discursos (CARDOSO, 2002, p. 176)

Nesse prisma, a autora dar ênfase a esse assunto e comenta: “De qualquer modo, essa
reflexão sugere a convivência de estratégias diferenciadas ou de esquemas variados, nas
tentativas de organização do discurso escrito para o outro”. E assim, exemplifica em sua
pesquisa, experiências decorrentes de registros textuais infantis, sobre os sinais de
pontuação, e enfatiza que a necessidade do discurso manifesta-se mais efetiva do que
critérios de ordem sintática (CARDOSO, 2002, p. 137).

2.6 Dois Teóricos Marcantes: Piaget e Vygotsky

O interesse presente em expor brevemente as perspectivas desses dois teóricos é a


de buscar as contribuições de ambos.
O CBA do Mato Grosso adotou a concepção de Vygotsky, devido a ênfase
centralizada em linguagem e, simultaneamente, à ação social, pressupondo a constituição

79
do indivíduo que constrói seu conhecimento. Assim, nesse mesmo aspecto, o referencial
para a alfabetização se fundamenta em autores como Smolka (1987), Geraldi (1991) e
outros, que desenvolvem no Brasil reflexões significativas sobre o ensino da língua
materna.
Os aspectos particulares da existência humana refletem-se na cognição humana: nas
interações o indivíduo se expressa e compartilha com outro que ele tem da experiência com
o próprio grupo. São os processos das funções superiores pela internalização do processo de
conhecimento.
Vygotsky denominava esses processos de Processos Psicológicos Superiores55
PPS. Estes se originam na vida social, na participação do sujeito em atividades
compartilhadas com outros sujeitos, que se dá a partir da internalização de práticas sociais
específicas, cuja aprendizagem em contextos de ensino se torna fundamental. Enfatiza que
as funções mentais devem ser amadurecidas por encorajamento, medido pela colaboração e
não por atividades independentes ou isoladas; o que se pode fazer hoje com assistência
poderá ser realizado amanhã, com independência e competência (BAQUEIRO, 1998).
A relação entre o aprendizado e o desenvolvimento em crianças na idade escolar
ainda está sendo um assunto complexo para as teorias dos processos educacionais. Alguns
teóricos cognitivos crêem que os ciclos de desenvolvimento antecedem os ciclos de
aprendizagem. Outros concordam que o processo é simultâneo.
Vygotsky concorda, de fato, que a aprendizagem e o desenvolvimento estão inter-
relacionados desde o primeiro dia de vida da criança, e menciona dois níveis de
desenvolvimento, “o real”, quando a função mental da criança foi “completada” pela
viabilidade dos ciclos em desenvolvimento que indica que a criança consegue resolver
questões por si mesmas; e a “zona de desenvolvimento proximal”, quando as funções
mentais ainda não foram amadurecidas, mas, estão em processo. Daí surge a questão de se
entender o curso interno do desenvolvimento. Vygotsky acredita que o estado de
desenvolvimento mental da criança é revelado quando esses dois níveis são detectados
(VYGOTSKY, 1994, p.110,111).

55
Para Vygotsky os P.P.S., Processos Psicológicos Superiores são intrinsecamente sociais, da linha cultural,
processos de apropriação, domínio dos recursos e instrumentos que a cultura dispõe, sobrepostos aos
processos de crescimento, maturação e desenvolvimento orgânico da criança.

80
A aquisição de linguagem, para ele, resulta da relação entre o aprendizado e
desenvolvimento que pode ser um exemplo para solucionar problemas:

O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são


capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu
ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez
internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do
desenvolvimento independente da criança (VYGOTSKY, 1994, p. 117,118).

No entanto, conclui que a relação é dinâmica e complexa, e não pode ser englobada
por uma formulação hipotética.
Piaget e Vygotsky são vistos em geral, pelos pesquisadores da atualidade, mais em
semelhanças do que em oposições. Embora eles se vinculem à psicologia do
desenvolvimento, o segundo desenvolveu questões a respeito do processo educativo.
Davis (2005)56 ao abordar as propostas de Piaget e Vygotsky, explana essa questão
ressaltando, em primeiro lugar, que Piaget se dedicou ao sujeito epistêmico – o sujeito que
conhece, não exclusivamente a processos educacionais, mas, pelo procedimento de
perguntas inusitadas com a conclusão que: “As idéias das crianças e dos adolescentes são
construções que envolvem tanto estruturas mentais como experiência, a qual não é
aprendida de forma direta e linear, mas sim, de maneira organizada, pela inteligência”
(DAVIS, 2005, p. 40).
Por outro lado, a autora evidencia Vygotsky e seu aspecto sociohistórico,
conseqüente das interações do sujeito com o objeto, apontando que a ação entre ambos
requer necessariamente a mediação social. Daí a proposta ser conhecida como socio-
interacionista, o adjetivo “sócio” qualifica a natureza do interacionismo por ele adotado.
Em resumo:
(...) Piaget – informado por Kant, Husserl, Bergson, a corrente estruturalista e
pelo campo da biologia – constrói uma teoria universalista, com acentuada ênfase
na interação indivíduo/meio, no pólo do sujeito. Já Vygotsky, partindo dos
pressupostos de Spinoza, Hegel, Engels, Marx e Lênin, não chega a constituir
uma escola de psicologia: sua contribuição está em ter esboçado, suas linhas
gerais, o caminho para alcançar uma psicologia com inspiração no materialismo
dialético, que encara o desenvolvimento humano como sendo constituído pelas (e

56
Cláudia Davis é professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação da PUC-
SP, e pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas. Este ensaio “Piaget e Vygotsky, uma Falsa Questão” é
uma versão ampliada e atualizada de texto publicado nos Anais do Seminário Internacional de Alfabetização
e Educação Científica da Universidade Regional de Ijuí (1993).

81
constituinte das) circunstâncias – sempre cambiantes – do ambiente físico e social
em que se dá ( DAVIS, 2005: p. 40) .

A questão enfática entre os dois pesquisadores em pauta, está no sentido de elucidar


a perspectiva sociointeracionista vinculada a Vygotsky, uma vez que este diverge de Piaget
quanto às funções psicológicas. A evolução da inteligência para Vygotsky, não é da mesma
natureza que a evolução biológica; não é genética, e nem a partir da maturação como
enfatiza Piaget, mas, é acumulado sob a forma de relações sociais entre os homens.
A linguagem não é o foco de atenção para Piaget, e sim, a função simbólica, ou seja,
é na passagem da inteligência “ação” para a inteligência “pensamento”. É a representação
de algo por um sinal..., através do pensamento; nesse sentido a cognição antecede a
linguagem (até aos dois anos de idade) de um tipo particular de inteligência “a prática –
que atua sobre o real independentemente da linguagem. Quando a função simbólica é
construída a linguagem preenche”(...) ( DAVIS, 2005: p. 44).
Essa linguagem – a egocêntrica, tende a diminuir e desaparece, dando lugar à
linguagem socializada pela interação social, particularmente, com companheiros da mesma
idade, que em situações de conflitos e discussões – notadamente vai se libertando do
egocentrismo cognitivo, por forçar as crianças a reavaliações e conclusões resultantes da
interação. Ao contrário, Vygotsky vê a linguagem como um aspecto central, pois é nas e
pelas interações dos homens que os signos se originam possibilitando a troca e a
comunicação entre os indivíduos. Eis o que Davis (2005) ressalta sobre o postulado do
autor:

(...)A linguagem permite a construção de conceitos – elementos centrais do


pensamento – e a construção deste último adquire, conseqüentemente, uma
formulação lingüística, de modo que a linguagem se converte em ferramenta do
pensamento ( DAVIS, 2005, p.46).

O que resulta então, o momento mais significativo ao desenvolvimento mental de uma


criança, no aspecto prático e abstrato, acontece quando a fala e a atividade prática
convergem como resultado da interação social e a transformação na atividade prática.

82
2.7 A Alfabetização: Concepção de Língua na Perspectiva Sociointeracionista

A concepção de língua exerce um importante papel na educação formal e está ligada


em todos os tempos às idéias, aos interesses, às crenças, às concepções das pessoas, etc.. A
política educacional também reflete a situação conjuntural do país, ou seja, a corrente
ideológica que a norteia está pertinente à sua proposta, e essa proposta ocorre em
conseqüência, muitas vezes, dos resultados de pesquisas, especialmente.
A nova legislação remete-se às questões das mudanças de modo gradativo;
atualmente, visa a prática escolar à cidadania e ressalta a importância do domínio da língua
oral e escrita para a participação social efetiva.
Pela ação da linguagem o professor poderá avaliar o desempenho lingüístico do
aluno, balizar esse processo e canalizar também ao nível da escrita. Um tempo de despertar
científico, que toma a língua por objeto e presta atenção aos níveis de fala em vez de ditar a
norma única do falar correto. Esse paradigma está evidente em Freinet, nos partidários do
método ativo57, e outros, sendo que, há muito tempo atrás os filósofos Sócrates (469-399
a.C.) e Platão (426-348 a.C.) analisaram o homem por meio do diálogo constante e da troca
de idéias para compreendê-lo.
As investigações de Cook-Gumperz (1991) registraram que nos anos 60 é rastreado
a falha da aquisição educacional em nível social, e evidenciaram que as crianças pobres
provenientes de família com baixa renda representavam os maiores índices de fracassos
escolares. Apesar de o mundo inteiro, após a Segunda Guerra Mundial, envolver-se em
programas para a modernização das instituições, era necessário observar os antecedentes e
as características pessoais dessas crianças para explicar as diferenças de desempenho.
Os psicólogos e educadores, em pesquisas nos Estados Unidos, onde os testes
psicológicos eram aplicados, presumiram que a falta de capacidade lingüística era a
principal causa do fracasso na educação básica. Ou seja, o ambiente cultural em que essas

57
Método de ensino que se baseia essencialmente na idéia de atividade, ou auto-atividade, do aluno; envolve
métodos de trabalho coletivo e individual e é característico do ideário da Escola Nova.

83
crianças cresciam, não ofereciam estimulação verbal e impedia ou bloqueava o
desenvolvimento cognitivo, em conseqüência dessa falta de exposição lingüística.
Cook-Gumperz (1991) relatou que a partir dos estudos etnográficos a interação
social em sala de aula era obtida sem uma instrução manifesta explícita. Os próprios
participantes orientavam o fluxo de uma interação e as condições de interpretação:

(...) A concepção básica é que o ensino e a aprendizagem devem ser tratados


como processos interativos que exigem a participação ativa de professores e
estudantes para garantir que as informações são transmitidas como uma pré-
condição para o aprendizado. Pode-se, portanto, estudar o que é atingido na sala
de aula como uma função do que se comunica através da interação entre os
currículos, estratégias pedagógicas e o que os participantes percebem ao longo do
tempo (COOK-GUMPERZ, 1991, p.70,71).

Paralelamente, as pesquisas de Chartier (1995), na França, também apontavam,


segundo as estatísticas, os indícios do fracasso escolar em massa às crianças cujo
desempenho em linguagem era insuficiente, e estava relacionado ao fator econômico.
Chartier (1995) discutiu essa questão do ponto de vista lingüístico, e destacou que o
professor primário não terá sucesso em seu desempenho profissional no âmbito de um saber
constituído às pressas e superficial. Pois, a atividade lingüística envolvida com as leituras
devia ser desempenhada com base teórica; “como conduzi-las sem guia, sem especialista,
sem acompanhamento?” Quanto à escrita a autora suscita a necessidade do treinamento
oral, com base em situações “motivadas que dependem de fatores complexos (...) – a
psicologia individual, (...) nada de progressões sistemáticas, preestabelecidas” Contudo,
com o movimento da lingüística, no período de 1970 a 1974, o fracasso escolar ainda
apresentava índices elevados. Eis o que Braslavsky (1993) comenta nesse sentido:

Atualmente observa-se uma quase total unanimidade entre os pesquisadores e


especialistas na indicação de que, para ensinar a leitura e a escrita, devemos
recorrer à dimensão discursiva. Já há muito reconheceu-se que o ensino a partir
de elementos não-significativos da língua – sons, letras, sílabas ou palavras –
dificulta o acesso a significação, que só pode ser encontrada no contexto
(BRASLAVSKY, 1993, p. 44).

84
Os estudos mostraram a idéia de que a criança precisava saber “ler”, precisava ser
ensinada e não deixada sozinha, era preciso despertá-la ao “gosto de ler”. A situação de
crise aguda, nesse contexto era de “resistências” a inovações, as posições e as opções de
urgência recaíram, então, em trabalhos de pesquisas comprovadas por universitários, na
tentativa de reconciliar a escola com o presente e o futuro (CHARTIER, 1995, p. 516,517).

85
3. NO CONTEXTO DAS ENTREVISTAS COM AS ALFABETIZADORAS

É difícil dizer se ser professor, na atualidade é


mais complexo do que foi no passado, porque
a profissão docente sempre foi de grande
complexidade. Hoje, os professores têm que
lidar não só com alguns saberes, como era no
passado, mas também com a tecnologia e com
a complexidade social, o que não existia no
passado (NÓVOA, 2006: p. 01)

Nesse capítulo exponho uma análise dos dados das entrevistas com as
alfabetizadoras, e dialogo com teorias de pesquisadores envolvidos na área de alfabetização
para um possível esclarecimento da prática docente em sala de aula.
Os pontos a serem discutidos surgem na medida em que são registrados os
depoimentos das professoras entrevistadas, em respostas das questões apresentadas a elas.

3.1 Alfabetização e Afetividade

Leite (2002) analisa a questão da afetividade em sala de aula e sua influência no


processo de ensino-aprendizagem, e explicita de forma clara que as conquistas do plano
afetivo são utilizadas no plano cognitivo e vice-versa, quando há uma relação afetivo-
cognitiva. E esse aspecto exige o envolvimento do professor quanto ao seu planejamento de
ensino direcionado à interação em sala de aula, visando a construção de conhecimentos
pelo educando. O autor diz o seguinte:

(...) A atuação pedagógica, necessariamente, precisa ser planejada, organizada e


transformada em objeto de reflexão, no sentido de buscar não só o avanço cognitivo

86
dos alunos, mas propiciar as condições afetivas que contribuam para o
estabelecimento de vínculos positivos entre os alunos e os conteúdos escolares
(LEITE, 2002, p.137,137).

Em síntese, percebe-se que a afetividade está presente em quase todas as principais


decisões de ensino assumidas pelo professor, constituindo-se como um fator fundamental
das relações que se estabelecem entre os alunos e os conteúdos escolares. Ao considerar
essas observações, o autor citado conclui que:

(...) Pesquisas recentes têm apontado que, em histórias de sucesso entre sujeitos e
objetos de conhecimento, geralmente identificam-se mediadores (freqüentemente
parentes e/ou professores) que desenvolveram uma mediação afetiva, com
resultados também profundamente afetivos, determinando processos de
constituições individuais duradouros e importantes para os indivíduos (LEITE,
2002, p.136).

Referente ao ensino de alfabetização e da afetividade assumida nesse processo


pedagógico, os dados são promissores, ou seja, a maioria das professoras revela certo
prazer em alfabetizar, mesmo considerando o árduo esforço que a tarefa lhes impõe.
Mesmo tendo um longo tempo de experiência no magistério, as entrevistadas , no
sentido geral, manifestam certo prazer no processo do ensino em alfabetização. Vejamos o
que elas dizem:

Sim. Iniciar o processo de leitura e escrita com os alunos é gratificante


(professora Joe).

Sim. No início do ano a maioria das crianças não sabem nem como segurar o
lápis corretamente, e no final do ano já são capazes de produzir pequenos textos.
É muito trabalho, porém, muito gratificante ( professora Ema).

Sim. Apesar de ser desgastante, exige doação total e muito amor ao que você faz.
Mas é maravilhoso caminhar junto com o aluno e contribuir para o seu
crescimento e desenvolvimento de suas habilidades (professora Dona).

Sim. Pode ser difícil, dar mais trabalho como costumamos dizer, mas ninguém
pode negar a emoção, a satisfação de ver a maioria dos alunos começando a
tomar consciência da linguagem como forma de representação e mais
especificamente – o que muito me entusiasma – a perceber a língua escrita como

87
uma forma de registro da língua oral, ou seja, como mais um instrumento de dizer
sem falar (professora Ida).

Sim, alfabetizar é como um presente que alguém te dá e que nunca ninguém vai
tomar (professora Mary).

Acho como se fosse uma magia (professora Rose)

Sim, é um trabalho árduo, porém que me proporciona prazer e satisfação


(professora Sol).

Gosto muito (professora Lu).

Sou dura com eles, um pouco tradicional mas trato-os com carinho também, ao
fim do ano já escrevem pequenos textos e isso é gratificante (professora Val).

Adoro, pois a emoção de ver a criança descobrindo as letras e leitura, não tem
igual (professora Bete).

Tento fazer o melhor que eu posso em nome dos meus alunos. Eu sou uma
profissional da Educação como qualquer um outro, cheio de limitações, mas, ao
mesmo tempo com muita vontade de vencer, e a minha preocupação maior é o
aluno (...) (Professora Léa).

Sim. Principalmente daqueles que nunca tiveram contato com a escrita.


(professora Mel).

Apesar da afirmação ao prazer das professoras em alfabetizar, parece que as


dificuldades, em sala de aula, se assemelham: classe heterogênea, desinteresse de alguns
alunos, dos pais em ajudar e dificuldades na leitura e escrita são itens que se repetem,
gerando preocupações aos docentes e, além disso, em salas muitas vezes desprovidas de
recursos materiais e populosas. “Não é tarefa fácil apesar de gratificante, devemos amar e
muito o que fazemos pois somos responsáveis e responsabilizadas pelo sucesso ou fracasso
dessas crianças” (professora Dona). As outras professoras dizem o seguinte:

A turma é heterogênea em nível de aprendizagem e idade. São alunos espertos,


gostam de todas as disciplinas desde que possam colorir e relacionar (professora Joe).

A idade da turma é de cinco a seis anos. O interesse é conforme você chama a atenção
para cada assunto. O nível de aprendizagem deles é diferente (professora Marí).

Tenho alunos de cinco até sete anos. Alguns são interessados, outros, menos. A maior
dificuldade na aprendizagem é a falta de acompanhamento dos pais. As crianças
gostam mais de atividades variadas como: cantinhos, pinturas, joguinhos
recreativos...(professora Ema).

Meus alunos estão em nível silábico, tendo dificuldade de concentração o que vem
prejudicando grandemente o aprendizado (professora Ema).

88
O desinteresse de alguns alunos e dos pais em não ajudá-los (professora Val).

Alguns alunos são interessados, outros não, e poucos são os pais que se ocupam com
a educação dos filhos (professora Bete).

Os alunos são interessados e participativos mas a maior dificuldade é da aquisição da


leitura e escrita (professora Léa).

As dificuldades são as que se referem à leitura e escrita (professora Mel).

Por mais que se invista em equipamentos materiais, no âmbito escolar, o professor


ainda é o grande agente do processo educacional. Como se observa nos depoimentos
registrados até aqui, mesmo em uma situação complexa com que se deparam, essas
educadoras são capazes de darem afeto, passarem emoções e vibrarem com as conquistas
dos educandos. O papel dessas professoras além de transmitir informações e alcançar
objetivos, requer também o elaborar de seus planejamentos e o cumprimento do seu trabalho no
tempo delimitado, e ainda assim, acompanhar a aprendizagem dos alunos que se dá de forma
heterogênea. Como explicar isso? Há uma resposta? Seria a “vocação ao magistério” uma
possível resposta?

3.2 Cotidiano Escolar e Formação Continuada

Outro fator fundamental em evidência é que a maioria dessas educadoras é


graduada, mas, será que recebem atualizações, aperfeiçoamentos e propostas de ensino?
Nóvoa (2006: p.2) comenta que “são as escolas e os professores organizados nas suas
escolas que podem decidir quais são os melhores meios, os melhores métodos e as
melhores formas de assegurar esta formação continuada”. E o que as entrevistadas dizem?

Sim, recebo orientação das coordenadoras e professores experientes. Acho essas


orientações necessárias. Sempre há algo novo como subsídios (professora Joe).

Recebo orientação teórica dos coordenadores, nas reuniões das fases ou séries e nas
trocas de experiências entre colegas (professora Marí).

89
Como tenho vários anos como alfabetizadora, desenvolvo sem problemas o meu
planejamento (professora Ema).

Recebo orientação na escola desde o ano 2000 com o projeto Gestar, da Língua
Portuguesa e da Matemática (professora Dona).

Recebo orientação da coordenadora segundo a proposta do Ciclo de Alfabetização


Cidadã de Várzea Grande (professora Ida)

Somos orientadas quando há seminários de vez em quando (professora Mary).

Às vezes recebo orientações da coordenadora, amigos da escola, e acho bastante útil


(professora Rose).

Sim. Adoto a proposta da Escola Ciclada. Uma alfabetização construída na relação


ensino-aprendizagem, ela não se encontra pré-elaborada, mas deve ser construída na
relação cotidiana entre a professora e o aluno (professora Sol).

Recebo orientação da coordenadora. A escola está em processo de adaptação a


projetos ainda não confirmados. (professora Lu).

Sim, participo das reuniões da escola mas na prática, dependendo do problema, ouço
a voz da experiência (professora Val).

Recebo orientação segundo a proposta dos PCNs e de um novo projeto: Educar na


Diversidade (professora Bete).

A orientação que recebo é construída com meu interesse, e sendo assim participo do
Profa – Programa de Formação de Alfabetizadores do MEC (professora Léa).

Recebo orientação da diretora e supervisora que sempre indicam os cursos que


acontecem na cidade (professora Mel).

O planejamento das alfabetizadoras varia entre orientações fornecidas pelas


coordenadoras, colegas experientes, reuniões docentes nas escolas, propostas, projetos e
programas de formação continuada. Dentre estes itens destaco os que foram citados pelas
professoras e faço um rápido comentário:
a) Os PCNs – A proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC) auxilia o
professor na indicação de metas para a melhoria do ensino, a direcionar o aluno
para enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo,
conhecedor de seus direitos e deveres.
b) Escola Ciclada - Propõe novas alternativas pedagógicas para a educação escolar
de crianças e adolescentes na contemporaneidade, para confrontação com outros
conhecimentos e valores, permitindo, assim, uma formação humana, ética e
cultural que conteste a ordem social vigente.

90
c) O Projeto Gestar – Orienta os professores sobre a gestão pedagógica de suas
aulas, e é planejado com foco nas habilidades que os alunos devem desenvolver
durante o ano58.
d) O PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, criado pela
doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo, Telma Weisz, e lançado
em 2001 pelo Ministério da Educação. É um curso de 180 horas que oferece ao
professor oportunidade de relacionar a teoria e a prática, e tendo como
laboratório a sala de aula. Alinhado com as diretrizes dos PCNs, e em muitos
casos são ministrados pelas Instituições de Ensino Superiores locais, sempre
seguindo a mesma orientação.
e) Projeto Inovador – É um projeto proposto pela secretaria municipal para
capacitação das práticas docentes, que acontece por meio de organizações de
palestras com estudiosos de renome para subsidiar os cursos.
f) Educar na Diversidade - É um programa de capacitação de professores que
tem como objetivo promover a inclusão de alunos portadores de necessidades
especiais ou considerados indisciplinados.

Esses dados parecem indicar o compromisso que as alfabetizadoras têm com relação
ao planejamento das aulas, por meio de reflexões e ao cumprimento de seus objetivos a
serem atingidos, pois o alvo é o bom desempenho do aluno.
Com relação à prática docente, Nóvoa (2006) enfatiza o paradigma que é
dominante hoje em dia na área de formação de professores – o do professor reflexivo. É
aquele que reflete a sua prática, “quem compreende o conhecimento”. Eis o seu argumento:

Não basta deter o conhecimento para o saber transmitir a alguém, é preciso


compreender o conhecimento, ser capaz de o reorganizar, ser capaz de o reelaborar
e de transpô-lo em situação didática em sala de aula. Esta compreensão do
conhecimento é, absolutamente, essencial nas competências práticas dos
professores (NÓVOA, 2006, p.2).

58
Segundo a assessora pedagógica Maria de Lourdes Rodrigues, de Rondonópolis-MT, os professores
afirmam que o interesse e a participação dos alunos têm aumentado nesse projeto.

91
Além da importância dessa compreensão do conhecimento enfatizada por Nóvoa
(2006), a experiência também segue essa trajetória, mas no entender do autor citado a
“experiência por si só, pode ser uma mera repetição, uma mera rotina, não é ela que é
formadora. Formadora é a reflexão sobre essa experiência, ou a pesquisa sobre essa
experiência” (NÓVOA, 2006, p. 3).

3.2 As Alfabetizadoras e os Métodos de Ensino

Sobre a questão dos métodos de alfabetização, Freire (1990)59 argumenta sobre a


importância do envolvimento do educador, se houve ou não alguma significação no ato do
ensino, ou seja, até que ponto ele se embrenhou ou impactou nesse processo; o autor citado
valoriza aspectos políticos da aprendizagem e é contrário ao ensino mecânico:

(...) Uma codificação rápida e mecânica da língua portuguesa não poderia,


certamente, ter o mesmo peso que a consciência política alcançada no correr de (...)
debates sobre o aprendizado do português (...) Não há experiência pedagógica que não
seja política pela própria natureza (...) (FREIRE, 1990, p.64).

Freire (1990) enfatiza a importância do envolvimento do educador e, ao mesmo


tempo, explicita um fato importante ocorrido em suas experiências em Guiné-Bissau60. É o
caso de um homem ter confessado não saber que sabia, no processo do ensino, e por essa
razão descobriu que poderia saber muito mais. Essa questão é destacada paralelamente ao
ensino da língua, e caracterizada de forma significativa pela descoberta do educando,
representando assim um aspecto compensatório e de grande valor no processo educativo.
Nesse contexto, entendo ser um ponto fundamental, em relação ao método de ensino,
permitir que o aluno chegue à descoberta, ao desempenho e competência na aquisição de
aprendizagem e na construção de seu conhecimento, mediante interações estabelecidas no
processo ensino-aprendizagem.

59
Embora Freire se preocupe com a alfabetização de adultos, evoco esse educador pela sua importância na
história da educação brasileira.
60
Estado da África ocidental; língua oficial: português.

92
Numa conversa informal, ao perguntar a uma das professoras sobre o envolvimento
do educador na condução do educando à descoberta por si próprio, e do desempenho e
competência na aprendizagem, o comentário foi o seguinte:

O ensino precisa ter um significado, não há uma fórmula, mas deverá partir do
contexto vivido pela criança. O trabalho do professor deverá partir da
compreensão chegando a memorização, e existe aí neste caminho um processo
que cada professor leva o aluno a construir. Por exemplo: pauto o meu trabalho
na metodologia de Paulo Freire, mas enriqueço-o com o nome da criança,
músicas, brincadeiras, rótulos de embalagens, etc. (professora Lu).61

Quanto ao uso ou não de um método de alfabetização em sala de aula, os dados


indicam uma variação entre usar um método específico como o global, o silábico, o
alfabético, a palavração, e a historieta acompanhados com outras estratégias de ensino, ou o
não uso de um método. Qual é o melhor método para alfabetizar? É importante seguir um
método? O que diferencia um método de outro? Chartier sugere que “las maneras de leer no
se reducem a los grandes modelos propuestos...”, é necessário buscar evidência em cada
época e contexto (apud ROCKWELL, 2001, p. 22). Observemos os relatos dos sujeitos:

Uso o método da palavração e o silábico (...) Materiais como: fichas de leitura,


atividades fotocopiadas, cartazes, textos (parlendas, poemas, etc.), (...) encaixes,
jogos pedagógicos (...) A cartilha é um material de apoio. Existem vários outros
meios de alfabetizar sem a cartilha (professora Joe).

Uso vários métodos, seguindo a perspectiva construtivista: ouvir, observar,


pensar (...) Uso cartazes, lousa, revistas, jornais, alfabeto móvel (...) Primeiro
conheço a turma pra ver o que sabem, em seguida dou continuidade sempre
respeitando a individualidade de cada um (a) (...) Não uso cartilha, faço
atividades diferenciadas e pesquisas em vários livros didáticos (professora Marí).

Uso vários métodos, incentivando a comunicação auditiva, visual e etc.,


acompanhados sempre com o uso de fichas com as letras em estudos, cartazes,
figuras, atividades mimeografadas ou xerocadas (professora Ema).

Uso o método silábico junto com as fichas de leitura, cartazes das sílabas
estudadas, livros de histórias – relatadas e/ou escritas pelos alunos, recortes de
jornais, revistas, panfletos, jogos, livros didáticos, e material do Gestar. Dialogo
muito com o aluno para desenvolver a linguagem oral. Apresento a sílaba
(família) e a palavra-chave (discriminação auditiva e visual) nas atividades
diárias (professora Dona)

61
Analiso a metodologia dessa professora no capítulo quatro das observações deste trabalho.

93
Uso o método global (...) Os materiais acompanhados são os pequenos textos que
as crianças sabem de memória, como por exemplo: parlendas, quadrinhas,
músicas, etc. . O encaminhamento da aula é o seguinte: 1o. Canto (se for música),
ou leio o texto para a criança; 2o Convido-as para fazer a leitura comigo ( o texto
deve estar escrito em um cartaz ou na lousa), e durante a leitura vou apontando
cada palavra lida; 3o Convido uma criança para ir apontando as palavras enquanto
lemos; 4o Faço comentários e questionamentos sobre o texto (é importante o
professor escrever as respostas dos alunos no quadro); 5o Começamos com as
atividades escritas utilizando palavras do texto como por exemplo: cruzadinhas,
caça-palavras, etc.. São vários outros encaminhamentos até que os alunos
consigam ler e escrever o texto ou algumas palavras, mas considero essencial que
nos primeiros dias, a atividade central seja a estimulação da oralidade entre
professor/aluno, aluno/aluno, tomada como o meio conveniente para assegurar as
primeiras atividades escritas num contexto comunicativo, significativo e
contextualizado. Não uso cartilha (professora Ida).

Uso o método alfabético e o silábico junto com o livro Alegria do saber, de


Lucina M.M. Passos (...) Esse é um livro de alfabetização e o MEC não adota
cartilha. (...) Primeiro eu trabalho uma palavra com ênfase na mídia, exemplo: a
copa do mundo, e depois a família silábica. (...) Uso revistas, jornais, caderno do
futuro (ed. IBEP), e enfim, qualquer material escrito contribui, depende da forma
de se trabalhar (professora Mary).

Uso o silábico e historieta junto com cartazes, músicas, jogos, etc. (professora
Rose)

Uso vários métodos (...) Penso como irei atingir a aprendizagem do aluno. Não
me prendo a este ou aquele método de ensino. Adoto estratégias que favoreça a
aprendizagem, e para tal, incluo vários métodos de ensino (...) Os materiais são:
vários livros, inúmeros gêneros literários, construo porta-textos diversos, etc.. (...)
Uso inúmeras cartilhas (...) Sempre faço as minhas adaptações, descartes, ou seja,
o que serve uso (...). A cartilha vem em um suporte do livro (objeto cultural) que
para muitas crianças é o único objeto que conhecem e manipulam na sua vida
escolar. É imprescindível que o professor utilize outros suportes além da cartilha
(professora Sol).

Uso o silábico. Na palavra tema geradora, depois a divido em sílabas nas quais
trabalho as famílias (professora Lu).

Uso o silábico seguindo uma ordem alfabética e vários métodos com todas as
letras ao mesmo tempo (professora Val).

Uso vários métodos mas trabalho mais com os nomes das crianças junto com
recortes de jornais, fichas e livros de histórias e didáticos (professora Bete).

Procuro mesclar todos junto com atividades mimeografadas ou xerocopiadas, na


lousa, cartazes, transparências, fôlderes, etc. (professora Léa).

Uso vários métodos de acordo com o nível de aprendizagem da turma, junto com
cartazes, o retroprojetor, jogos, e outros (professora Mel).

A professora Mary ao comentar sobre a cartilha em sala de aula, na nossa conversa


informal, explicou-me que após as propostas construtivistas de ensino, as cartilhas adotadas

94
são verdadeiros livros de alfabetização e não “cartilha” em si. Para ela, as cartilhas eram
menores e bastante resumidas, mas os livros são recheados com diversas atividades, textos,
exercícios, etc.
Os vários métodos, de acordo com a perspectiva construtivista, segundo a
professora Marí, baseiam-se numa teoria que encara o aprendizado como um processo de
construção, que se origina no interior do indivíduo e que é construído pela modificação de
idéias correlacionadas. O alvo desta educação é a autonomia do aluno.
Um método pode ser considerado eficiente, mas não suficiente no ato da
alfabetização; um exemplo a ser observado é o método fônico, pois, “tem-se a exigência de
um nível de consciência metafonológica exagerado e antinatural, além de descuidar-se do
ensino da linguagem própria dos diferentes textos escritos”, por outro lado, o
construtivismo negligencia essa questão e não garante um ensino sistemático das
correspondências de som. Para Morais (2006), no processo ensino-aprendizagem o objetivo
ideal seria o “aliar um ensino sistemático da notação alfabética com a vivência cotidiana de
práticas letradas, que permitam ao estudante se apropriar das características e finalidades
dos gêneros escritos que circulam socialmente (MORAIS, 2006, p. 12).
Considerando os depoimentos das professoras percebo uma certa perspectiva que se
harmoniza à concepção construtivista e interacionista – pontos de vista teóricos divulgados
nos documentos e orientações oficiais, que visaram mudanças nas concepções de práticas
docentes em alfabetização, desde a década de 1980 no Brasil. Nesse sentido, buscou-se
“conciliar” as novas idéias, como exemplo: “as fases de construção, pela criança, do
conhecimento sobre a língua escrita e o trabalho com textos” (MORTATTI, 2006, p. 2).
Essa “conciliação” entre construtivismo e interacionismo é analisada como
equivocada por Mortatti (2006) que enfatiza a necessidade de os professores optarem por
uma ou outra perspectiva, para desenvolverem uma “atividade didática rigorosa, coerente e
responsável”. Essa orientação se dá pelo fato da “relação ao ofício de ensinar, à própria
função e atribuição docentes”, que o construtivismo não oferece:

(...) As informações adquiridas nessa teoria não podem implicar um modo de


ensinar. Este é o problema central do construtivismo: oferece certo tipo de
explicações para a aprendizagem, como processo de construção do conhecimento
que independe do ensino. Entendo, portanto, que se trata de uma perspectiva
"suicida” (...) (MORTATTI, 2006, p.3).

95
Ao mesmo tempo, a pesquisadora Mortatti defende o interacionismo:

Defendo a perspectiva interacionista como a mais adequada para o ensino da


língua escrita (...) penso que a perspectiva interacionista oferece mais e melhores
respostas à pergunta “Por que aprender e ensinar a ler e a escrever?”
(MORTATTI, 2006, p. 4).

Analiso que, mesmo optando por uma ou outra perspectiva, as alfabetizadoras


deixam transparecer, conscientes ou não, de uma busca de intervenções em práticas
pedagógicas ao alcance do aprendizado do aluno. Ou seja, elas não estão posicionadas
como espectadoras de observações passivas, e sim, como aquelas que agem e reagem diante
das situações que se deparam em sala de aula. Compreendo que estão se adaptando em
aspectos, no âmbito dessas concepções, que favoreçam o lado mais prático e significativo
às suas competências e, talvez, necessidades profissionais. Em outra conversa informal uma
professora diz o seguinte:

As propostas estão aí, mas nós temos que correr atrás para darmos o melhor (...)
Formação continuada, trocas de informações com outros professores mais experientes
e treinados.(...) Aqueles alunos que não estão acompanhando a turma o trabalho deve
ser dobrado (...) (professora Rose).

Penso que, esses aspectos são apreendidos particularmente e na coletividade, e a


ocorrência desse fenômeno se deve a uma busca de compreensão entre tematizações e
normatizações, ao mesmo tempo em que impulsiona ao encontro de alternativas para a
melhoria do ensino em sala de aula com ou sem cartilha, ou um método específico de
ensino.
Nesse sentido, enfatizo as palavras de Mortatti (2000) que analisou a história da
alfabetização constatando quatro momentos, sendo que o quarto momento, segundo a
autora, é o que estamos vivendo hoje desde 1980; caracterizado pela hegemonia do
construtivismo, como base teórica adequada à perspectiva política e à introdução de um
novo referencial teórico – o interacionismo. Quanto a esse momento a pesquisadora diz o
seguinte:

96
Em síntese, neste quarto momento, o ensino-aprendizagem da leitura e escrita
vem-se sedimentando como um objeto de estudo e pesquisa acadêmicos integrado
a um campo de conhecimento específico – ensino da língua - , no qual
entrecruzam-se as contribuições apontadas (MORTATTI, 2000, p. 288).

Diante das contribuições teóricas que envolvem o ensino de alfabetização, hoje -


construtivismo e sociointeracionismo, considero pertinente a reflexão que Soares (2003) esboça
em seu artigo: Alfabetização: em busca de um método? A autora explica corajosamente sobre a
necessidade de um método de alfabetização, mas, na concepção do termo método por ela
defendido como sendo “um conceito genérico sob o qual podem ser abrigadas tantas
alternativas quanto quadros conceituais existirem ou vierem a existir” e não segundo aquela
velha concepção dos métodos tradicionais (SOARES, 2003, p. 93).
Essa reflexão foi baseada em estatísticas de pesquisas acadêmicas referente à busca
de um método entre os anos 1950 a 1986, e pelo momento que estamos vivenciando, ou
seja, numa encruzilhada em que fervilham “uma perspectiva psicogenética da
aprendizagem da leitura e da escrita” com relação às “condições institucionais de ortodoxia
da escola”, há ainda questionamentos não compreendidos, sendo assim, segundo a autora:

Como permitir à criança interação livre e prolongada com a escrita, facultando-


lhe progressivas e não previsíveis nem programáveis construções e reconstruções
de estruturas cognitivas, exploração das hipóteses que vai levantando,
experimentação das estratégias que vai descobrindo, se há determinadas
habilidades cujo domínio deve ser demonstrado, em nível preestabelecido e em
tempo prefixado? (SOARES, 2003, p. 91).

A autora ainda enfatiza que esse paradigma conceitual psicogenético e método de


alfabetização são compatíveis, e também favorecem a uma possível proposta didática
segundo o conceito de método que evidenciou acima.
Como então ser discutida, atualmente, uma didática da alfabetização? Bregunci
(2004) responde que não é simplesmente uma questão de escolha de métodos, e sim de todo
o contexto escolar – o preparo da escola na organização das classes de alfabetização; e
planejamento – rotina necessária ao ambiente alfabetizador. Envolve todo um contexto e a
contribuição de diversas ciências, como já dizia Soares (1985).

97
No âmbito das discussões que envolveram os métodos de alfabetização, em
conseqüência das mudanças conceituais pela abordagem construtivista, Bregunci (2004)
aconselha:

O momento exige a busca de equilíbrio de princípios metodológicos que são


considerados permanentes, indispensáveis e indissociáveis como dimensões
constitutivas e simultâneas da alfabetização e do letramento (...) Estimular uma
reflexão em direção ao equilíbrio, à integração e à articulação de propostas
metodológicas que possam dar conta da complexidade da alfabetização e das
progressivas exigências em torno de seu ensino. Como conseqüência dessa
proposta, um segundo nível de discussão se voltou para a necessidade de
preparação efetiva da escola e da sala de aula para a alfabetização, através de um
planejamento criterioso dos ambientes de alfabetização e das rotinas necessárias
no trabalho cotidiano de professores e alunos (BREGUNCI, 2004, p.2,4,5).

Analisando a trajetória de alguns princípios permanentes, explicitada por Bregunci


(2004) à luz de dilemas detectados nos processos e métodos de alfabetização em sala de
aula, pode-se considerar que, tanto a vertente que valoriza o processo de síntese (unidades
menores) e o processo de análise (unidades maiores), quanto à questão metodológica no
ensino, estão presentes nas propostas didáticas atuais sendo, portanto, uma tendência
internacional. No âmbito dos fatores de ordem lingüística, ou de acesso ao código escrito, o
que dizem as professoras entrevistadas de suas dificuldades para ensinar a ler e escrever,
seguindo ou não essas vertentes?

De início a maior dificuldade é por ainda não saberem ler e escrever, mas
representam através do desenho (professora Marí).

São vários os fatores que interferem na aprendizagem: o fator social, falta de


interesse dos pais (...), desinteresse de nossos representantes (no governo) com a
educação (...) nós professores, ao mesmo tempo com várias funções: babá, mãe,
psicóloga, tia, e mestra ao mesmo tempo... Não é tarefa fácil apesar de
gratificante (...) Salário: não condiz com nossa realidade e necessidades (...)
Nosso conhecimento (...) nunca será suficiente, sempre teremos que nos
aperfeiçoar, modificar para crescer..., mesmo que nossos representantes não
reconheçam nosso esforço, nosso trabalho. Graças a Deus nossos alunos e
familiares (alguns) reconhecem (...), e nos incentivam a dar continuidade nessa
árdua caminhada de preparar alguém para a vida (...) (professora Dona).

As dificuldades são diversas, um exemplo são os fonemas que podem ser escritos
de diversas formas (professora Ida).

98
Os escassos materiais impressos, ausência de biblioteca, e de outras vivências
sociais letradas com o texto (professora Sol).

Quando o som não condiz com a sílaba, as falsas gêmeas (g/j – x/ch /sc...) A
associação ler e dominar a escrita. A criança não pode queimar etapas neste
momento e só escrever, porque ficará difícil depois esta construção (professora
Lu).

Ainda não produzem sozinhos, só copiam e lêem pouco (professora Val).

Articulação e assimilação dos símbolos (letras) e fonemas (sons) (professora


Bete).

A falta de tempo para a reestruturação da transcrição da oralidade junto com os


alunos (professor Léa).

Eles escrevem do jeito que falam (professora Mel).

As dificuldades apresentadas pelas alfabetizadoras são as mais variadas possíveis, e


isso revela a necessidade de atualização de conhecimentos específicos como bússolas que
as auxiliem diante de suas práticas pedagógicas. Esse aspecto se harmoniza com o que os
estudiosos afirmam sobre a complexidade da alfabetização, e que demanda uma
multiplicidade de perspectivas pela colaboração de várias áreas de conhecimentos
(SOARES, 1985).

3.3 Na Busca de um Equilíbrio Didático

Cientificamente é registrado o percurso do docente em contextos escolares, o qual


demanda do professor a atualização desse conhecimento como um suporte que o balize
diante de sua prática pedagógica. Por isso, se torna fácil perceber quando há uma falta de
didática por parte do docente no ensino de alfabetização, que o auxilie nos contextos
complexos em classe (ANDRADE, 2001). Vejo como exemplo, os sujeitos dessa pesquisa
que há mais de dez anos na sala continuam com suas dúvidas e angústias por não saberem
resolver os problemas com os quais se deparam, principalmente aqueles que não possuem

99
uma pós-graduação, e/ou não se preocupam com uma formação continuada, e/ou não têm
tempo para tal.
Percebi por um lado, dificuldades no processo no ensino-aprendizagem pelos
depoimentos das alfabetizadoras referente a aquelas que têm menor nível de instrução. Ao
argumentarem sobre a falta de concentração dos alunos, esse aspecto reflete numa falta de
didática e até mesmo de uma estratégia motivacional. Sem uma certa ênfase na busca de
uma melhor formação respondem de forma restrita:

Os alunos são espertos demais, é uma turma heterogênea em nível de dificuldade


(...) e a idade cronológica distancia da mental (professora Joe).

A falta de concentração das crianças (...) (professora Ema).

Alunos demais em sala de aula e de todos os níveis de dificuldades possíveis...


(professora Rose).

Tenho dificuldade devido à falta de concentração das crianças (...) (professora


Lu).

A falta de didática condiciona o professor à transmissão de conhecimento,


desviando assim, a atenção de analisar as situações que envolvem o ensino-aprendizagem.
Nesse sentido, supõe-se que as crianças saibam o que é para fazer, quando na verdade a
resposta ao problema é a “falta de concentração das crianças”, “alunos demais...”, “a idade
cronológica distancia...”; e o que se observa é que as crianças não correspondem às
expectativas no ensino, por não saber o que fazer, como ocorreu no incidente com a
professora Lu em sala de aula, registrado no capítulo quatro das observações dessa pesquisa
(SMOLKA, 1993).
Por outro lado, observo pelos depoimentos dados, que a formação continuada e o
acréscimo de saberes dos docentes colaboram para um equilíbrio profissional; competência
e desempenho nas questões em pauta com mais segurança e otimismo. Andrade (2001) vê
essa questão da seguinte forma:

(...) Os percursos dos profissionais são pontuados por escolhas sucessivas,


estabelecidas a partir das possibilidades oferecidas pelas instâncias difusoras de
conhecimento (...) Outros discursos se tecem não se distinguindo de outras
práticas, mas dentro do que se espera que seja um conteúdo de formação. (...) O
professor concebe a língua que ensina a partir da perspectiva adquirida em seu

100
trabalho, de busca prática de soluções para a sua atividade de ensino (...)
(ANDRADE, 2001, p. 286-289).

Sendo assim, percebo as respostas consistentes, na sua maioria, das alfabetizadoras


que possuem um maior nível de instrução na sua formação profissional, e/ou uma formação
continuada formal ou informal:

Meus alunos têm de 5 a 6 anos de idade.(...) O interesse deles é conforme chamo


a atenção para cada assunto. O nível de aprendizagem é diferenciado (...) O
mundo fora da escola é um verdadeiro dicionário para a aprendizagem
(professora Marí).

Dialogo com o aluno (desenvolver a linguagem oral é muito importante), procuro


conhecê-lo e a sua família. Respeito o tempo que cada criança precisa ter para
desenvolver e assimilar os conteúdos e/ou atividades propostas (professora
Dona).

Por meio de estudos e pesquisas me proporcionam a reflexão do meu fazer


pedagógico (...) Trabalho com agrupamentos produtivos, ou seja, grupo de alunos
que possuem hipóteses de leitura e escritas aproximadas, exemplo: pré-silábico
com silábico, silábico com silábico-alfabético, etc.. Cada aluno tem seu próprio
ritmo de aprendizagem que deve ser respeitado, por isso é importante o
planejamento do professor, porque certamente o aluno precisará de metodologias
diferenciadas para a sua aprendizagem (professora Ida).

Me especializei em alfabetização e sei que qualquer material escrito contribui no


ensino, depende da forma de se trabalhar. (...) Na aprendizagem da leitura e
escrita depende muito de cada aluno, a Psicopedagogia responde. Começo o
trabalho no início com todos, e individual parto de onde a criança está em termos
de conhecimento (...) Costumo intensificar a atividade e a atenção
individualmente (professora Mary).

Diariamente penso, reavalio meu trabalho e vou propondo novas estratégias. (...)
Penso como irei atingir a aprendizagem do aluno. Não me prendo a este ou aquele
modelo de ensino. Adoto estratégias que favoreçam à aprendizagem, e para tal
incluo vários métodos de ensino (...) Não há homogeneidade em nada na vida,
somos seres diferentes, por isso busco conhecer cada aluno, seu modo de pensar,
sua vivência, desejo, sonho, dificuldades... E isso me auxilia a ter êxito no
trabalho (professora Sol).

Os alunos não ficam quietos, gostam de atividades que mexam com o corpo, mas
eu fico muito em cima, faço de tudo para aprenderem e até o final do ano já
fazem pequenos textinhos (professora Val).

Meus alunos estão entre 7 e 8 anos, e a sala tem 20 alunos e só 5 ainda não sabem
ler, mas acredito que até o final do ano irão despertar essas habilidades, pois a
proposta que sigo é exigente e cada aluno tem seu tempo (professora Bete).

101
Meus alunos têm dificuldades com a aquisição da leitura e escrita, mas o que me
ajuda é a prática diária, a troca de experiências e a proposta que abracei
recentemente: Profa: Programa de Formação de Alfabetização do MEC
(professora Léa).

Os alunos têm dificuldades com a leitura e escrita, e às vezes a gente fica com
dúvidas, ainda, mas, através das músicas de recortes, de produção, as crianças
mesmo produzem, até as historinhas chegam no final do ano (professora Mel).

Esses dados parecem revelar, que as alfabetizadoras têm consciência que o aluno
está ali para aprender, e está implícito nas suas práticas concepções de aprendizagem e de
linguagem que levam em conta o processo de construção e interlocução das crianças no
processo de ensino.
As professoras que possuem um maior nível de instrução, explicitam as situações
complexas, em sala de aula, de forma natural. Ou seja, estão seguras quanto ao
planejamento de suas aulas e do modo como proceder a metodologia adotada para atrair a
atenção do aluno, e além disso, sabem que cada criança possui um ritmo de aprendizagem
e precisa ser respeitada em termos de conhecimentos.

3.4 A Cartilha em Sala de Aula: Um Material de Apoio?

Tomando-se por base a cartilha, o discurso das professoras observado na coleta dos
dados da pesquisa indica que este não é um material fundamental em sala de aula, e sim,
somente de apoio. Em razão da intensa divulgação dos pensamentos construtivista e
interacionista sobre a alfabetização, a cartilha sofreu mudanças relativas ao método e teve
aprimorados e atualizados vários de seus aspectos. Mortatti (2000) expõe essa questão e
indaga:

Será a cartilha de alfabetização um mal necessário, de fato? Que outras


concepções, que outras práticas, que outros conteúdos, que outras finalidades da
alfabetização, que outras formas de acesso ao mundo da cultura seriam possíveis,
no sentido de romper com esse pacto secular? (MORTATTI, 2000, p. 8).

102
Um percentual de 23,07 % de alfabetizadoras afirma utilizar as cartilhas simplesmente
como um material de apoio, ou, como diz Mortatti um mal necessário. Numa conversa informal
uma professora afirma que “há uma cobrança dos pais para o seu uso ser diário” (professora 9).
E quanto as que a usam em sala de aula dizem o seguinte:

A cartilha é um material de apoio. Existem vários meios de alfabetizar (professora


Joe).

A cartilha contribui, mas deve ser usada como apoio; a criança deve aprender a
pensar, agir, refletir...Observar que existem vários materiais à sua volta que podem
contribuir para a sua aprendizagem (professora Dona).

(...) Qualquer material escrito contribui, depende da forma de se trabalhar (professora


Mary).

O uso de cartilha em sala de aula é um assunto discutido por Amâncio (2002), que
em estudo realizado na década de 199062 confirmava que esse recurso era usado largamente
em nossa região, sendo considerado por alfabetizadoras como imprescindível, ainda que se
refiram a ‘apoio’, ‘auxílio’, ou um ‘material secundário’ (AMÂNCIO, 2002, p. 49). Sobre
esse tema, o que dizem as professoras com relação a utilização de cartilhas? Que aspectos
são importantes? Vejamos:

A linguagem é significativa (...) as crianças gostam de observar as cores, formas,


disposições das gravuras, etc.. (professora Joe).

É prática para os pais que acompanham as lições (...) (professora Dona)

As crianças gostam das atividades de recortes e de leitura (...) muitas não têm
nem revistas em casa (professora Mary).

Geralmente ela se prende a língua padrão (...) mas sempre faço minhas
adaptações (...) Para muitas crianças é o único objeto que conhece e manipula na
sua vida escolar (...) Não uso uma específica mas não vejo razão de não usar
(professora Sol).

62
Refletindo sobre o espaço da cartilha na sala de aula, essa pesquisadora constatou o excessivo uso desse
recurso didático nos primeiros anos da década de 1990, concluiu que sua utilização preenchia espaços
importantes que deveriam ser ocupados pelo professor, pelo aluno e pela linguagem usual. O foco na
linguagem da cartilha e seus exercícios, de acordo com a autora, desloca as dimensões interativas,
instauradoras e constituidoras do conhecimento secundarizando o papel das interações interpessoais em sala
de aula.

103
A cartilha eu uso só para tarefa de casa como material de apoio (professora Léa).

Às vezes mando os alunos fazerem os exercícios da cartilha como tarefa de casa,


pois os pais gostam (professora Mel).

Esses dados refletem uma pequena porcentagem das entrevistadas que evidencia a
importância do uso desse material em sala de aula, e da necessidade das professoras
esclarecerem pontos imprescindíveis nessa escolha. Amâncio (2002) comenta o papel do
professor alfabetizador e seu compromisso com o planejamento de seu trabalho, alertando
para a necessidade de os docentes assumirem posições que evidenciem independência e
autonomia pedagógicas nas suas tomadas de decisões. Amâncio (2002) explicita sua
afirmação:

(...) Tenho defendido a postura de que somente com argumentos consistentes, que
evidenciam compromisso e competência, é que os professores poderão resgatar
diante da sociedade o seu direito legítimo de organizar, planejar e conduzir o
processo ensino-aprendizagem da forma que consideram adequada, mesmo
contrariando práticas cristalizadas, obsoletas (tradicionais ou não), que não mais
se justificam (AMÂNCIO, 2002, p. 63).

Nesse sentido, percebo também, ainda nos registros dos sujeitos, elementos
convincentes quanto ao ensino de alfabetização na primeira fase de escolaridade, uma
configuração do processo de ensino em mudança pelas práticas pedagógicas, e reflito sobre
esse quadro tomando de empréstimo as palavras de Ferreiro (2003):

(...) Considero a alfabetização não um estado, mas um processo. Ele tem início
bem cedo não termina nunca. Nós não somos igualmente alfabetizados para
qualquer situação de uso da língua escrita. Temos mais facilidade para ler
determinados textos e evitamos outros. O conceito também muda de acordo com
as épocas, as culturas e a chegada da tecnologia (FERREIRO, 2003, p.1).

Esse conceito segundo a autora citada abrange um significado amplo do termo


alfabetizar, que contempla um conjunto de competências no ato da leitura e escrita. A
ênfase reside na decodificação que é fundamental, mas não finaliza o processo de
alfabetização, pois, tendo como início as letras do alfabeto e seus respectivos nomes,

104
símbolos, sons – entre palavras escritas e faladas, prossegue na ampliação de competências
como: conhecer o léxico, a semântica, a sintaxe, e outros.
Ainda que lentamente, se observa vestígios de grandes avanços no ensino de
alfabetização, por exemplo, um amplo conceito que extrapola o domínio das primeiras
“letras”, abrangendo o envolvimento do uso da língua escrita nas situações em que esta é
necessária, lendo e produzindo textos, que se cunhou pelo termo: letramento.
O letramento, por ser um termo recente, surgido há pouco mais de duas décadas no
âmbito da Educação, é interpretado no sentido de representar a necessidade da
manifestação dinâmica da leitura e escrita na prática social; um processo de inclusão e
participação na cultura escrita que ultrapassa o domínio do sistema alfabético e ortográfico.
Soares (2004) aponta o caminho para a superação dos problemas no ensino de
alfabetização: “Alfabetizar letrando, ou letrar alfabetizando, pela integração e pela
articulação das várias facetas do processo de aprendizagem inicial da língua escrita”;
explicita e privilegia essas facetas, nesse processo e as representam como um ponto
fundamental:

A faceta fônica (...), a faceta da leitura fluente (...), a faceta da leitura


compreensiva (...), a faceta da identificação (...) Cada uma dessas facetas é
fundamentada por teorias de aprendizagem, princípios fonéticos e fonológicos,
princípios lingüísticos, psicolingüísticos e sociolingüísticos, teorias da leitura,
teorias da produção textual, teorias do texto e do discurso, entre outras
(SOARES, 2004, p.21).

Notadamente, os dados abaixo mostram certa compreensão desse processo do


ensino de alfabetização em constante evolução e não como algo pronto e acabado. O
conceito de alfabetização e letramento discutido anteriormente pode ser percebido no
ensino da primeira fase do ciclo de aprendizagem, todavia, seguindo os depoimentos das
alfabetizadoras, percebe-se que as mesmas situam-se mais restritas ao conceito de
alfabetização. O termo letramento parece ainda não fazer parte do conhecimento das
professoras, segundo esses dados, pois não esboçam sequer uma noção. Vejamos:

No sentido restrito, é dar instrução ao indivíduo, ensiná-lo a ler, escrever, contar,


saber resolver as situações, e no sentido amplo significa além das situações
citadas acima, preparar o indivíduo para a vida, saber fazer leitura de mundo, etc.
(professora Joe).

105
A alfabetização significa saber ler, escrever, contar, ou seja, preparar o aluno para
a vida. E ele nunca está pronto, a alfabetização, é contínua (professora Marí).

É a tarefa de desenvolver na criança a capacidade da leitura e da escrita


(professora Ema).

Quando o aluno está habilitado a registrar graficamente um pensamento (escrita,


codificação) e compreender a idéia registrada graficamente (professora Dona).

É um processo de representação de fonemas e grafemas, mas também um


processo de compreensão e expressão de significados através do código escrito,
ou seja, não se limita a saber soletrar e a assinar, remete-nos ao conceito de
leitura como ato individual, experiência singular, interação autor/texto/leitor;
leitura e escrita como formas fundamentais de interação do homem à sociedade
permitindo-lhe ser cidadão, consciente de seu compromisso com a coletividade e
com a luta por direitos e deveres iguais para todos (professora Ida).

A alfabetização acontece quando o aluno consegue transferir para o papel seus


pensamentos e sua forma de pensar e compreender as situações diversas que está
enfrentando (coordenando as idéias) (professora Mary).

A base de tudo, ou seja compreender o que lê (professora Rose).

Decodificar dando sentido ao texto, conhecer o mundo que o cerca, percebê-lo e


saber falar sobre o que leu (professora Sol).

É aprender a dominar os signos (professora Lu).

Esse processo requer o estudo constante do alfabeto, com músicas, adivinhações


e ditados contínuos (...) (professora Val).

Despertar a satisfação em decifrar o que se vê e fala, nos livros, na TV, revistas, e


outros (professora Bete).

Preparar para vivências (professora Léa)

É propagar o ensino da leitura na construção de novos conhecimentos (professora


Mel).

Além da compreensão da natureza alfabética do sistema de escrita - alfabetização, a


proposta do letramento é possibilitar ao aluno experiências com a escrita de textos que têm
efetiva aplicação e utilidade na vida social. E para o aluno iniciante, exemplos de textos
simples como: etiquetas, selos, crachás, listas, etc. podem ser usados para proporcionar essa
aprendizagem.
Nesse aspecto, Batista (2004) faz comentários sobre os desafios da alfabetização e
do letramento no país, e ressalta que os educadores precisam ir a busca de respostas a eles.
Sendo assim, considero que esse processo se desenvolve lentamente, e a expectativa da

106
pesquisa está manifestando o que Andrade (2001) já havia explicitado quanto ao registro do
conhecimento das práticas docentes no auxílio à formação de outros professores.
De fato, mesmo não sendo produtores, os professores são efetivamente lidos pelos
pesquisadores que investem na disseminação de conhecimentos específicos aos professores.
Eles utilizam a tecnologia da produção dos conhecimentos curriculares transmitindo-os e
verificando a aprendizagem dos alunos, sem ser o autor. E nesse sentido, é um material rico
de auxílio para a desejável interlocução na pesquisa científica. Eis o que as professoras
argumentam sobre a aprendizagem dos alunos em alfabetização:

Ler e escrever ocorre simultaneamente, um depende do outro, se caso a criança


aprende primeiro a leitura, fica com defasagem na escrita porque aí já sabe ler e
não se interessa pela escrita e acaba escrevendo muitas palavras erradas
(professora Mari).

Ocorre quando o aluno é capaz de ler e escrever as palavras compostas pelas


sílabas simples em primeiro lugar (professora Ema).

No início, acontece quando ele domina as articulações: palavras e fonemas e


depois a habilidade para registrar graficamente um pensamento (escrita,
codificação) e compreender a idéia registrada graficamente (professora Dona).

Acontece quando o aluno descobre o que a leitura e a escrita representam e como


funcionam, e assim poder descobrir a importância do domínio e uso da linguagem
para a conquista de sua cidadania (professora Ida).

Quando consegue transferir para o papel seus pensamentos e compreender as


situações diversas que está enfrentando (coordenando as idéias) (professora
Mary).

Quando o aluno lê e compreende o que lê (professora Sol).

Quando domina os signos (professora Lu).

Quando vejo produzirem pequenas sentenças, frases e depois textos (professora


Val).

Quando convencionalmente registra, lê e compreende o meio (professora Léa)

Quando distingue sons e grafias (professora Mel).

Estes dados denunciam a falta de apropriação ou conhecimento, por parte das


professoras, quanto a questão do letramento. As suas concepções revelam basicamente a

107
apropriação e compreensão do sistema escrito, na alfabetização, e não a um investimento às
práticas sociais.

3.5 O Percurso da Alfabetização das Professoras

Com o objetivo de conhecer melhor as professoras colaboradoras deste estudo


procurei conversar com elas sobre seu aprendizado de leitura e escrita. Considerando o
processo de alfabetização vivido por essas professoras, parece que as lembranças ficaram
presentes nas suas memórias, ora colaborando para relembrar aspectos agradáveis, ora para
expressão de ressentimentos relacionados à profissão docente. Analisando seus
depoimentos percebi que as alfabetizadoras têm uma formação pautada em concepções
tecnicista e tradicional, mas falaram com tranqüilidade sobre essas recordações, mesmo
reproduzindo às vezes na sala de aula as práticas com as quais também aprenderam.
Vejamos alguns dados que marcaram essas professoras:

Foram terríveis, prefiro nem me lembrar (professora Marí).

Fui alfabetizada com cinco a seis anos de idade na zona rural. Passei por várias
professoras mas não tive nenhuma dificuldade (professora Ema).

Minha formação teve base sólida na família e em escola salesiana tradicional.


Cartilha: A Pata (...) Tenho ótimas lembranças daquele tempo... (professora
Dona).

Fui alfabetizada quando tinha sete anos em 1972. A cartilha usada foi a Caminho
Suave, as leituras eram na base da “decoreba”, ou seja, a professora lia uma vez a
lição e mandava decorar em casa para o dia seguinte ler individualmente para ela.
O único material escrito que era permitido em sala de aula era a cartilha, mas
apesar disso eu gostava da escola, minha professora, irmã Ivone, era legal eu
gostava muito dela e também dos colegas e ainda tenho fotografias... (professora
Ida).

Aprendi pelo método silábico na Escola Estadual de 1o grau Senador Azeredo no


ano de 1971, funcionava onde hoje é a Casa do Artesão, e eu gostava (professora
Mary).

Eu tinha sete anos quando estudei na Escola Estadual em Cárceres. Usava a


cartilha Caminho Suave (professora Rose).

108
Foi em uma escola pública, sem nenhum atrativo, sem sabor e com reprovação.
Uso exclusivo de cartilha com muita repetição de sílabas, e sem nenhuma
compreensão do texto (professora Sol).

Não me lembro direito, mas foi pelo método silábico e a cartilha usada foi a
Caminho Suave (professora Val).

Fui alfabetizada com a cartilha Caminho Suave e nunca tive dificuldades. Era
estudiosa e meus professores eram maravilhosos (professora Bete).

Fui alfabetizada pelo método silábico e a cartilha foi Ada e Edu, memorização e
repeteco mesmo. A tabuada aprendi no festival da escola e quem errava apanhava
com palmatória (...) O professor brincava com a gente com responsabilidade (...)
(professora Léa).

Foram horríveis, até castigos e palmadas eu levei. O método foi o silábico no


estilo bem tradicional, e a cartilha Caminho Suave (professora Mel).

Considerando a trajetória das alfabetizadoras, a maioria delas situa-se no âmbito dos


métodos tradicionais, que não satisfazem as exigências lógicas, e o procedimento de ensino
ocorre através da memorização e leitura mecânica.
Esse aspecto indica que a prática seria uma conseqüência dessa aprendizagem
empírica, todavia, essas alfabetizadoras experienciaram as mudanças referentes às práticas
pedagógicas no ensino em Mato Grosso, pelo menos desde 1996, quando surgiram as
propostas de uma nova forma de trabalho pedagógico na Educação no Ensino Fundamental.
Em particular, a delimitação do marco histórico nessa pesquisa justifica-se, também,
nesse sentido, de registrar dados que revelem as concepções e práticas das docentes nas
duas últimas décadas. Desde já, percebe-se que as alfabetizadoras dão importância aos seus
percursos em sala de aula, e formas singulares de lidar com a profissão na busca de um
equilíbrio entre as novas propostas construtivista e interacionista, tendo por base, ainda,
resquícios de uma concepção tradicional de ensino. Por essa razão, cada questionamento
quanto as situações adversas em sala de aula, são registradas efetivamente, como um
conhecimento do tipo prático. Chartier (1996) argumenta o seguinte:

(...) Um profissional tirará da descrição de situações reais como melhor


compreender e regular sua própria prática, mesmo sobre atividades diferentes (...)
Assim, cada um poderá tirar proveito, à sua maneira e por sua própria conta, dos
elementos de informação expostos (CHARTIER, 1996, p.12).

109
Apresentei algumas questões às alfabetizadoras, para compreender os seus
percursos em sala, como os exemplos a seguir: – Qual é a sua concepção com relação aos
alunos que demoram um pouco mais na apropriação da língua escrita e como procura
resolver? Apóia-se em alguma teoria pedagógica além das implícitas na proposta
pedagógica?

É normal isso, isto porque existe ritmo de aprendizagem (...) Eu os observo,


questiono e procuro atender as suas necessidades. Recebo orientações das
coordenadoras, colegas experientes, acho sempre algo bom, algo novo como
subsídio (professora Joe).

Temos as aulas de reforço, atendimento individualizado e o apoio pedagógico


(professora Marí).

As dificuldades existem, porém devemos ter paciência e proporcionar a esses


alunos uma especial atenção, e enfim, sanar as dificuldades (professora Ema).

Cada aluno tem seu próprio ritmo de aprendizagem que deve ser respeitado, por
isso é importante o planejamento do professor, pois, certamente esse aluno
precisará de metodologias diferenciadas para a sua aprendizagem (professora
Ida).

Intensifico a atividade e a atenção individual (professora Mary).

Envolvo o aluno nas atividades. As colegas me ajudam na troca de experiências


(professora Rose).

Sim, é preciso avaliar suas dificuldades, entrar em contato com a família e saber
um pouco sobre a vida escolar do aluno. Em seguida, alguns estudos podem
subsidiar estratégias e abordagens para a proposta de um trabalho mais
personalizado (professora Sol).

Dedico mais a esses alunos, fico mais em cima, de frente com o problema até
resolver pois eles têm que aprender. Conheço e participo nas reuniões que
mencionam o auxílio dos PCN, mas acho melhor seguir a voz da experiência
prática (a minha) (professora Val).

Apóio-me em várias teorias se preciso e procuro atender os alunos


individualmente (professora Léa).

Aluno que demora mais a interagir no mundo da escrita e leitura é levado para a
aula de apoio no período oposto e trabalhado com os recursos necessários
(professor Mel)

Na sua maioria, esses depoimentos respondem que o problema da lentidão de alguns


alunos no aprendizado da leitura e escrita é natural acontecer em sala de aula, e também a

110
presença do apoio docente é uma realidade. Assim, observo a dinamicidade que
demonstram essas alfabetizadoras na busca de soluções para amenizarem a situação,
sempre procurando um meio simples ou complexo para encarar a dificuldade, mediante
orientações dos colegas, diretores, coordenadores ou até mesmo através de estudos e
estratégias intensificando o trabalho com esses alunos.

3.6 Alguns Aspectos da Construção do Conhecimento

Outra questão para ser discutida é como o aluno constrói o conhecimento.


Braslavsky (1993) ao comentar sobre as relações entre o aprender e o ensinar na nova
dimensão do construtivismo, esclarece que o aluno em sua atividade mental, elabora os
significados, e passo a passo constrói os seus conhecimentos; e nesse âmbito, o professor é
aquele que conhece esses significados e planeja o ensino pondo em ordem
progressivamente “os sentidos e os significados construídos ininterruptamente no
transcurso das atividades ou tarefas escolares” (BRASLAVSKY, 1993, p.39). Com efeito,
numa conversa informal com uma das alfabetizadoras percebi esse fato:

Temos que ajudar o aluno a construir conhecimentos através das suas próprias
experiências. O projeto de folclore desenvolvido no ano passado garantiu a troca
de experiências entre professor e aluno. O professor avaliou o aluno e este
também se avaliou. Essa avaliação ocorreu na culminância do projeto com a
apresentação feita pelas crianças envolvendo pais e professores. Partiu do
princípio que o conhecimento não é algo pronto e acabado (professora Mary).

Ao relatar esse evento do folclore, a alfabetizadora elogiou a direção da escola em


criar esse espaço de interação social, e enfatizou a importância de uma continuidade desse
tipo de atividade no espaço escolar por causa da múltipla possibilidade de enfoques ao
desenvolvimento de diversas áreas do conhecimento, que envolve professor, aluno e os pais
nos seus contextos culturais, sociais, etc..

111
Quanto aos depoimentos das alfabetizadoras com relação à construção do
conhecimento pelo aluno, as informações se assemelham na evidência ao uso do raciocínio,
não no sentido de uma memorização superficial, mas de relacionar, criticar, conscientizar...;
relação social, que abrange a necessidade de convivência e relação com outras pessoas. Na
atividade oral e verbal o professor pode conhecer cada aluno, se possível, para auxiliá-lo.
Estes são itens importantes ao assunto em pauta e que se repetem nos dados. Vejamos:

O aluno constrói o conhecimento observando, questionando e buscando


(professora Joe)

Sendo crítico, expondo suas idéias, sabendo ouvir para pensar e refletir
(professora Marí).

Lendo, escrevendo, ouvindo, falando, expondo suas idéias, errando e acertando


(professora Ema)

Através da interação com seus pares e com a devida intervenção do professor que
deve mediar a aprendizagem do aluno (professora Ida).

Percebendo que o som falado é representado por sinais e estes são chamados de
letras (professora Mary).

Um intercâmbio mais ativo entre escola, sala e família do aluno (professora


Rose).

No cotidiano, na troca de experiência, na vivência com seus pares, pais,


professores, amigos... (professora Sol).

Todos os dias nas observações dos cadernos percebo quando estão acertando ou
não (professora Val)

Na convivência com o outro (professora Léa).

Através da oralidade, da escrita, leitura como instrumento simbólico que


repercutem no desenvolvimento mental (professora Mel).

As professoras parecem revelar que sabem que as crianças estão ativamente


envolvidas no desenvolvimento das construções da linguagem escrita. E de forma flexível,
apoiam essas construções aproveitando as muitas oportunidades de colaboração com elas
em suas experiências alfabetizadoras (GOODMAN, 1995). E através da interação social, ao

112
lerem e escreverem juntos na sala de aula, manifestam assim o paradigma
sociointeracionista
Ao considerar que o período entre 4 a 7 anos de idade é denominado por Piaget o
estágio do Pensamento Intuitivo, que caracteriza o organismo infantil como sendo lento na
compreensão auditiva e perceptiva, a interferência de um adulto é fundamental. Se
convergirmos esse fenômeno da construção a um aluno, por exemplo, inserido na primeira
fase do ensino organizado em ciclos de formação na aprendizagem da leitura e escrita, o
professor terá, ou deverá ter, muita paciência na relação causa e efeito no contexto do
ensino. Em razão disso, ele continua sendo aquele que guia, direciona, incentiva o aluno em
sala de aula na apropriação da linguagem escrita e oral, sem a qual o processo educativo
não teria sentido. Subtende-se que o mestre da sala tem conhecimentos e é hábil na
condução do educando ao processo ensino-aprendizagem, e conseqüentemente a construção
do conhecimento por parte do aluno (PIAGET apud CHARLES,1975).
Nesse âmbito também se enquadra o processo de aquisição da linguagem, e se
percebe a importância dos estudos de Vygotsky (1993) consoante ao aprendizado das
pessoas na interação interpessoal, e a constatação que o desempenho das crianças aumenta
quando ajudadas por adultos.

3.7 O Uso dos PCNs em Sala de Aula

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) foram criados pelo MEC com o fim
de orientar metas ao ensino brasileiro, e como um instrumento de apoio às discussões
pedagógicas na escola. São vistos por uma grande parcela das entrevistadas como um
material importante, e até mesmo fundamental aos planejamentos didáticos, preparação
para concursos, na formação continuada, apresentados em seminários e reuniões escolares,
todos esses itens aparecem nos dados:

Já fizemos o estudo dos PCNs, os nossos planejamentos são com base neles
(professora Marí).

113
Conheço, sempre através de estudos de grupos entre os profissionais (professora
Ema).

Sim, eu conheço e tenho os PCNs. Eles são estudados na escola através da


formação continuada. Fui coordenadora de grupo nos estudos dos PCNs e
acredito que todos os professores devem utilizá-los, não como Bíblia, mas com
suporte para o planejamento de suas ações (professora Ida).

Sim, são apresentados aqui em seminários (professora Mary).

Sim, acho bom (professora Rose).

Sim, já li alguns livros (professora Sol).

Sim, é apresentado nas reuniões docentes (professora Lu).

É interessante, sempre comentam nas reuniões (professora Val)

Conheço a proposta dos PCNs que são mais usados para a preparação aos
concursos (professora Bete).

Conheço, uso e acho fundamental para a minha prática (professora Léa).

Possui uma contribuição no processo, as várias áreas do conhecimento nos


auxiliam para o raciocínio de relação lógica (professora Mel).

Esses parâmetros servem de referencial para auxílio ao Ensino Fundamental, na


execução do trabalho escolar, e conscientização do aluno em seu papel na sociedade.
Temas como “Linguagem”, “Participação Social”, “Atividade Discursiva”,
“Textualidade”..., são enfatizados e incentivados à prática em sala de aula:

O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena


participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à
informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de
mundo, produz conhecimento.(...) A linguagem, por realizar-se na interação
verbal dos interlocutores, não pode ser compreendida sem que se considere o seu
vínculo com a situação concreta de produção. É no interior do funcionamento.
Produzindo linguagem, aprende-se linguagem (PCN, 1997, p.23,25).

Nesse sentido, o objetivo do ensino no primeiro ciclo, em que está o foco de atenção
desta pesquisa, é levar a criança à produzir textos significativos acessíveis à compreensão,
mesmo de modo imperfeito, “a experiência mostra que os alunos descobrem um grande
interesse pela leitura” quando são orientados e incentivados a criarem seus textos e

114
expressarem, sem restrições, todos os seus pensamentos através da escrita para os
receptores lerem.
Nesse processo de ensino-aprendizagem, entrarão em jogo tanto as estruturas
sintáticas da fala que a criança já possui e desenvolve, quanto às estruturas mais rigorosas
da língua escrita que começa a aprender (BRASLAVSKY, 1993, p. 37).
Seguindo a ênfase ressaltada pela autora citada, quanto a relação do aluno no
processo do ensino da língua oral e escrita, o educador se depara com o objetivo de
preparar esse espaço cultural em que a convivência entre os alunos se transforme num
ambiente saudável, onde os relacionamentos sejam recíprocos e possa haver trocas de
experiências e conhecimentos, e conseqüentemente ao aprendizado da escrita, ou vice-
versa. O que dizem os sujeitos desta pesquisa com relação a interação social no ensino
escolar? Observemos:

Primordial (professora Joe).

A interação social acontece através do conhecimento, da amizade, do convívio


entre os alunos, experiências, etc. (professora Marí).

É de suma importância, pois ninguém aprende a interagir sem o outro (professora


Ida).

Muito importante (professora Rose).

Imprescindível. É na cooperação que se aprende (professora Sol).

Importante (professora Lu)

Gosto de incentivá-los a conversar sobre a família deles, sobre como foi o dia, os
passeios para os coleguinhas ouvirem, e como eles prestam atenção e trocam
experiências...! (professora Val).

Como peça fundamental na formação do ser como cidadão (professora Léa).

Meio de interpretar informações por meio de relações (professora Mel).

Esses depoimentos das alfabetizadoras demonstram a importância da linguagem,


segundo a concepção interacionista, pelo papel que ela representa no meio social. E
também, compreensão da relação que deva haver entre os sujeitos envolvidos, ou seja, a
criança aprende na interação com seus pares e seus professores.

115
Com base na visão teórica de Vygotsky, Smolka (2003) vê esse movimento
interativo, necessariamente como uma relação “sujeito-sujeito-objeto”; estabelecimento
entre sujeitos com objetos de conhecimento, ou seja, “a elaboração cognitiva se funda na
relação com o outro” (...) “no espaço da intersubjetividade” (SMOLKA, 2003, p.7).
Smolka (2005) ao evidenciar a linguagem e a cultura, que estão permeadas nas
relações humanas, enfatiza também a cognição, que é a forma de operar mentalmente. E
esse processamento envolve a aquisição e representação de informação, resultado dessa
relação humana.
Assim, para a autora, a linguagem, a cultura, e a cognição mantêm relações
recíprocas, pois, supõe-se que a criança imersa nas interações sociais, já tem uma história e
uma cultura. Ela participa dessa produção humana e aprende a leitura e escrita, que vai
constituindo seu psiquismo. Então, a relação entre a linguagem, a escrita e o mundo será
utilizada pela criança como resultado de interações e práticas sociais
Um aspecto interessante ao exercício da linguagem, verifica-se nas propostas de
Ausubel (1968), que tentam explicar a aprendizagem escolar e o ensino observando a
importância que os processos mentais têm nesse desenvolvimento sobre a aprendizagem
significativa, já mencionada nessa pesquisa (apud SALVADOR, 2000).

3.8 Pontos em Destaque: Perspectiva Cognitiva e Motivação

Na realidade, quase todos os tópicos de interesse psicológico podem ser estudados


sob uma perspectiva cognitiva, que reflete a aquisição do conhecimento e é um dos
aspectos importantes na aprendizagem que requer atenção de nós educadores. Ângela
Kleiman (1996) enfatiza a importância do conhecimento desse aspecto psicológico
cognitivo, porque ele pode nos alertar de maneira segura contra práticas pedagógicas que
inibem o desenvolvimento de estratégias destinadas a reagrupar, organizar ou decodificar a
informação, visto que, para processar e compreender o texto, é necessário armazená-la
conscientemente. Nesse caso, quando o aluno enfrenta novos dados e novos desafios que

116
não podem ser assimilados aos seus esquemas63, surgem desequilíbrio, dúvidas e conflitos.
Surge então a pergunta: Como ler? Como ensinar a uma turma na primeira fase do primeiro
ciclo no Ensino Fundamental com eficácia? Que métodos e técnicas devem ser
desenvolvidos? Como interagir no espaço cultural em pauta?
Compreendo que na realidade não há um método fixado e predeterminado, melhor
que o outro, os procedimentos metodológicos dependem da sua operacionalização - da
dinâmica de cada objeto lido, creio que o segredo é criar estratégias e formas específicas
para a orientação da leitura e escrita em sala de aula.
Nesse sentido, Vygotsky (1994) também afirma que a criança tem muito pouca
motivação para aprender a escrever quando começa a ser ensinada. Não sente a necessidade
de fazê-lo e tem apenas uma idéia vaga de sua utilidade; é necessário motivá-la para que ela
entenda o sentido da escrita. “O primeiro lugar deve ser dado a atenção”, afirma Vygotsky,
e embasado em vários estudiosos salienta que a “capacidade ou incapacidade de focalizar a
própria atenção é um determinante essencial do sucesso ou não de qualquer operação
prática”. O autor citado orienta o seguinte: “Novas motivações, socialmente enraizadas e
intensas, dão direção à criança. (...) A sua inclusão em qualquer tarefa leva a uma
reorganização de todo o sistema voluntário e afetivo da criança” (VYGOTSKY, 1994, p
47,49).
Os depoimentos demonstram, na sua maioria, que as professoras buscam captar e
manter a atenção dos alunos, de uma maneira ou outra, pela necessidade de atraí-los ao
ensino, talvez, também, de desenvolver aspectos cognitivos, mesmo através de cartilhas ou
outros materiais didáticos, vejamos o que dizem os sujeitos da pesquisa:

Sem dúvidas, eles gostam de observar cores, formas, disposições das gravuras,
ouvir histórias infantis, de preferência fábulas (professora Joe)

Eles gostam quando conto historinhas de gibis, revistas (professora Marí)

Eles gostam de pintar, manusearem a cartilha mas não se satisfazem só com esse
material, sempre sugerem algo diferente... (professora Dona).

Meus alunos gostam de parlendas, músicas, estórias infantis, gibis, etc.


(professora Ida).

63
São estruturas de conhecimentos abstrato que organizam várias quantidades de informação

117
Eles gostam quando comento sobre notícias dos jornais, e quando são histórias
clássicas eles complementam (professora Mary).

Eles gostam sempre de atividades com músicas e ouvir histórias (professora


Rose).

Se elas forem orientadas a observarem os elementos da cartilha, que para muitas


crianças é o único objeto que conhecem, elas perceberão as gravuras e criticarão
o objeto como um todo, torna-se muito rico o contato com o livro (professor Sol).

Eles gostam muito quando canto com eles, e adivinhações... (professora Val).

Uso textos mimeografados para pintarem e histórias infantis para lerem ou


ouvirem, eles gostam muito (professora Bete).

Uso sempre CDs, filmes, livros, gibis, adivinhações, músicas, trava-línguas etc.
(professora Léa).

Uso sempre livros de histórias, panfletos, receitas, cantigas de roda e outros, para
atraí-los ao assunto (professora Mel).

A variedade de gêneros textuais apresentada pelas professoras, em sua prática


pedagógica, indica a importância dada à demanda social de cada momento, com exceção do
uso de textos mimeografados para colorir, por não acrescentar nada aos alunos
praticamente. É lamentável que essa prática ainda perdure apesar da facilidade de material
disponível hoje nas escolas.
Os textos diversificados – verbais ou não-verbais, respondem a uma prática
pedagógica que proporciona o desenvolvimento da expressividade, do uso funcional da
linguagem, da leitura e da reflexão sobre o mundo. O valor dos usos da linguagem satisfaz
a essa exigência no meio social, que tende a crescer. Envolve o indivíduo ao exercício da
cidadania, a ação efetiva do cotidiano, a transmissão e busca de informação e ao exercício
da reflexão (PCN, 1997).
Percebo, também, nos depoimentos, o interesse de um trabalho desenvolvido pela
relação de aspectos cognitivos e motivacionais ao alcance de metas previstas, dando a
entender um processo continuado na aprendizagem, porque não se dá de um dia para o
outro. O trabalho requer paciência, tempo, esforço e é diferente de uma simples
memorização.
A mente humana é como o computador, recolhe a informação, realiza operações
nela para recuperá-la quando necessário e gera respostas para ela. O processamento envolve

118
aquisição e representação de informação; retenção de informação ou armazenamento; e
resgate da informação quando necessário ou recuperação, e os estímulos em sala de aula
são importantes aos receptores dos alunos. Sendo assim, observo que a forma como
pensamos sobre situações, mediante a tudo o que nos envolve e o ambiente, influenciam
como e o que aprendemos (BANDURA, 1986; PIAGET, 1963; ANDERSON, 1995;
FARHAM-DIGORRY, 1994 apud WOOLFOLK, 2000).

3.9 A Questão da Avaliação

Ressalto também, nessa primeira etapa de análise, sobre a importância da avaliação no


processo de ensino em alfabetização. A avaliação é um dos processos fundamentais de todo
o processo educativo. Esteban (2006) entende essa questão como um processo reflexivo, e
não como práticas classificatórias que resultam em controle e seleção:

Essa avaliação marcada pela idéia da reflexão, que alguns de nós temos chamado
de avaliação como uma prática de investigação, ela é parte do processo ensino-
aprendizagem, principalmente como um processo que vai tentar compreender
melhor esse processo ensino-aprendizagem, compreender melhor a multiplicidade
que atravessa uma sala de aula, multiplicidade de culturas, de conhecimentos, de
formas de aprender, de processos de aprendizagem, de resultados. (...) É preciso
que a gente vá realizando essa prática, coletando informações, tendo dados
durante toda a realização do processo (ESTEBAN, 2006, p. 3,5).

As respostas dos sujeitos da pesquisa concernentes à avaliação em sala de aula, se


harmonizam com o parecer de Esteban (2006). Aquela que é contínua, que averigua o
sujeito como um ser que pensa, cria, participa, interfere, e enfim, que desenvolve as suas
atividades da linguagem oral e verbal na busca de uma melhor participação na relação
social, e como um cidadão que se forma e se informa. Eis os dados:

Os alunos são avaliados diariamente em tudo que fazem, a avaliação é contínua


(professora Marí).

119
Avalio o aluno pelo interesse, participação, desenvolvimento das atividades
propostas no dia-a-dia escolar (professora Ema).

A avaliação é diária. Considero o progresso de cada aluno em relação a si mesmo.


Faço intervenções quando necessário, para que os alunos avancem na direção
desejada, ou seja, na aprendizagem da leitura e da escrita. Todos são motivados a
provar e sentir que estão progredindo. Também utilizo os diagnósticos de leitura
e escrita, através deles. É possível saber as falhas de escritas cometidas pelos
alunos e aproveitá-las como evidência do patamar de saber já atingido e do ainda
por atingir e desenvolver atividades na busca da sua superação (professora Ida).

Observando a participação, o interesse, a mudança de comportamento, a


interiorização do conteúdo apreendido (professora Mary).

Avalio em todas as atividades, curiosidades, etc. (professora Rose).

Avalio todos os dias observando a linguagem oral e escrita (professora Lu).

Todos os dias observo o interesse deles, e vejo nos cadernos se estão aprendendo
ou não (professora Val).

Por enquanto as avaliações tem sido superficiais, ainda não consegui fazer uma
mais profunda (professora Bete).

Observo se estão sendo capazes de construir, criticar e agir socialmente


(professora Léa).

A avaliação é contínua (professora Mel).

A avaliação escolar é vista por Leite (2002) como um dos grandes problemas do
ensino, e também um dos principais fatores responsáveis pelo fracasso escolar. E isso
acontece, em primeira instância, quando o aluno percebe que é discriminado no processo de
ensino. O equilíbrio deve ser um fator preponderante em questão, e os resultados da
avaliação convergidos à favor do aluno, “no sentido de rever e alterar as condições de
ensino, visando ao aprimoramento do processo de apropriação do conhecimento pelo
aluno” (LEITE, 2002, p. 135).
O processo de avaliação na escola contemporânea é uma questão complexa.
Geralmente, dependerá como o professor percebe o mundo e de como ele utilizará este ou
aquele modelo didático.
Loch (2001) comenta que o processo de inclusão, interação e de promoção dos
sujeitos envolvidos na educação, tem sido um dos grandes desafios da escola atual. Uma

120
avaliação mais condizente com os princípios de uma escola mais democrática e inclusiva
teria que caracterizar-se como:

 Processual e contínua, no sentido de estar em harmonia à concepção de conhecimento


e currículo (construção histórica), ação-reflexão-ação, e durante o processo de
aprendizagem do educando;
 Participativa, que envolve todos os sujeitos (pais, aluno, professores, funcionários)
durante o processo de aprendizagem;
 Investigativa e diagnóstica, em que o aluno é o parâmetro de si mesmo, respeita o
processo, considera o erro construtivo como ponto de reflexão, busca de alternativa e
desafio para novas construções; observação, registro e a reflexão constantes são alguns
dos múltiplos instrumentos para levantar dados perceber a realidade.

A concepção de avaliação que dá suporte à maioria das falas das alfabetizadoras, é


aquela que repercute o cotidiano continuamente, considerando a ação da reflexão constante
no processo de aprendizagem dos alunos. Portanto, se caracteriza como: processual e
contínua, exemplos: “Os alunos são avaliados diariamente”, “...no dia-a-dia escolar”, “a
avaliação é diária”, “todos os dias”, “é contínua”; apesar que, parece inserir nesse processo,
também, vestígios de uma avaliação investigativa e diagnóstica, em que o aluno é o alvo da
questão, pela compreensão da construção do conhecimento visando outras alternativas e
desafios para novas construções: “avalio o aluno pelo interesse, participação”, “considero o
progresso de cada aluno”, “a mudança de comportamento, a interiorização do conteúdo
apreendido”, e outros

121
4. PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO EM MATO GROSSO

No início do ano a maioria das crianças não


sabe nem como segurar o lápis corretamente,
e no final do ano já é capaz de produzir
pequenos textos. É muito trabalho, porém,
muito gratificante.
(Professora Alfabetizadora)

4.1 Práticas de Alfabetização : Predomínio da Concepção Tradicional

4.1.1 Primeira Escola - Sala A

Antes de iniciar as observações, nessa sala, planejei junto com a coordenadora a


minha trajetória da pesquisa para essa escola em Cuiabá64. Atendeu-me com muita simpatia
e apresentou-me a professora Lu que aceitou ao meu pedido de observação de suas aulas. A
alfabetizadora leciona há 22 anos nessa área, e possui um número de 25 alunos. Cursou
Pedagogia, e não “sobra tempo pra outros cursos devido o trabalho em casa e com os
filhos”, assim diz. “Trabalho o método fonético e o silábico porque essa turma precisa
aprender a ouvir direito para responder as questões. É uma turma problemática e nenhum
professor arrisca em fazer uma permuta dos alunos comigo”. Na sala, não adota a cartilha
preferindo trabalhar segundo as suas experiências próprias; “apesar de que a escola está se
envolvendo passo a passo com a proposta de Paulo Freire65 não consegui segui-la ainda”,
respondeu a alfabetizadora em um momento da aula.
A aula nessa sala se resumiu numa tarde de exercícios de fixação:

64
Escola Estadual Pe. Wanir D. César situada no bairro Novo Terceiro.
65
A coordenadora me explicou que essa proposta ainda está em andamento e com muita dificuldade devido à
falta de tempo para trabalhar com os professores, mas, vai insistir. A proposta Paulo Freire, segundo ela, é
trabalhada com um tema gerador “folclore”, “água”, como exemplos, que visa explorar o assunto e identificar

122
1-Separar a as sílabas:

a) boneca- c) vovó- e) caderno-


b) bola- d) Rosa- f) lápis-

2-Escreva o alfabeto.

3-Juntar as sílabas das palavras:


a)ár-vo-re- b) pa-pai
c)ca-sa d) es-co-va
e)qua-dro f) gi-ra-fa

4- Junte as sílabas pela numeração:


a) ma (1) co (3) ca (2)
b) bo (2) te (4) sa(1) ne (3)
c) va (2) ca (1) lo (3)
d) ça (3) cri (1) an(2)

5- Desenhe e pinte (livre escolha)


6- Escreva de 01 a 20 .

Esse procedimento se deu sem intervalos para explicações, ou alguma interação social e
não havia um texto específico. O objetivo do dia era “testar” os conhecimentos das crianças
sem auxílio nas respostas como foi me explicado, e o resultado foi lamentável. A professora
gritou com um aluno, o beliscou e o mandou se “virar” para responder um exercício; mas o
aluno não sabia como fazer, e então se debruçou na carteira e pôs-se a chorar. Esse aspecto
indica a falta de leitura e de uma formação continuada profissional, e em não compreender
o seguinte:

O trabalho docente deve ter em vista a ajuda aos alunos nas suas tarefas (...). O
controle sem ajuda pode provocar insegurança nos alunos, que às vezes se sentem
cobrados a um desempenho para o qual não foram suficientemente preparados
(...). Por outro lado, a ajuda sem controle não estimula os alunos a progredir a
vencer as dificuldades (LIBÂNEO, 1994, p. 253).

Perguntei por que chorava, o aluno respondeu que foi por causa da “tia”, e em poucos
minutos ele fugiu da sala, brigou com um colega lá fora, pegou uma pedra e feriu a testa
dele, tendo o mesmo que ser levado às pressas ao posto de saúde mais próximo para dar

com a realidade do aluno, assim como Freire trabalhava o alfabeto assemelhando às experiências dos

123
alguns pontos, devido o grande corte causado na testa daquele colega66. Nesse intervalo de
tempo a professora lamentou muito a situação, mas serviu como uma experiência a ser
analisada para não fazer o mesmo. A professora parecia estar estressada, pois, dizia que
aquela turma era desobediente e ninguém queria trocar alguns alunos para amenizar a
situação 67. Esse quadro se assemelha ao que Libâneo (1994) diz:

Tais formas de autoritarismo – a exarcebação da autoridade – não são educativas,


pois não contribuem para o crescimento dos alunos. O professor autoritário não
exerce a autoridade a serviço do desenvolvimento da autonomia e independência
dos alunos. Transforma uma qualidade inerente à condição do profissional
professor numa atitude personalista (LIBÂNEO, 1994, p. 252).

No clima tenso em sala de aula consegui ajudar alguns alunos que pediam explicações, e foi
gratificante para a professora também.
A atividade acima, orientada pela alfabetizadora, indica a influência da concepção
tradicional presente na sua prática. Embora afirme não usar a cartilha em sala de aula, adota
o método contido nela, que é percebido pelo exemplo clássico do exercício – vocabulário e
o ensino da gramática, ou seja, a mesma estrutura de uma cartilha.
Nesse sentido, o processo pedagógico se assemelha à tendência que foi observada
por Macedo (1985), no primeiro capítulo dessa pesquisa, onde se verifica a predominância
do aluno imitar a estrutura da cartilha, sem um compromisso com o significado e o
desenvolvimento lingüístico.
Leite (2002) com base em suas pesquisas salienta que, a forma como o professor se
expressa, o que ele diz, como diz, em que momento diz, etc., pode afetar positiva ou
negativamente a sua relação com o aluno, e conseqüentemente o processo do ensino-
aprendizagem. Sem exageros, tal mediação observada nessa sala influenciou negativamente
o comportamento daquela criança que agiu compulsivamente; posso afirmar nesse contexto
que o professor deverá, sim, ter o cuidado de filtrar as palavras ao interagir com o aluno.

operários no seu trabalho.


66
Esse incidente paralisou a aula por quase uma hora.
67
Nas observações posteriores consegui entender o problema dessa professora, porque necessitou de uma
licença médica devido o estresse acometido. E na troca dessa professora a segunda substituta foi apresentada
pela coluna vertical de número 9, pelo nome fictício de Lia, no roteiro das entrevistas.

124
Ao ajudá-los, percebi a falta de cartazes didáticos além das letras do alfabeto, que
incentivassem os alunos no processo da aprendizagem. Braslavsky ressalta essa questão:

De fato, a sala de aula deve oferecer à criança um rico “ambiente de linguagem


escrita”. Deve dispor de biblioteca e de toda a sorte de materiais como revistas,
prospectos, avisos e guias a que a criança possa ter acesso. Mas tudo isso, ainda
que necessário, não é suficiente (BRASLAVSKY, 1993, p.45).

A carência de um ambiente propício à linguagem escrita, nessa sala, parece ter


dificultado a aprendizagem de alguns alunos que não conseguiam escrever os números e
fazer a correspondência entre grafemas e fonemas. Dos poucos cartazes fixados nas
paredes, alguns eram decorativos, outro expressando o cuidado com o lixo, e desenhos
indicando as letras maiúsculas e minúsculas do alfabeto, como exemplo: A, a = abacaxi; B,
b = borboleta; e assim por diante, e as letras na parede estavam fixadas desordenadamente
porque a professora dizia que os alunos já sabiam. Ao apontar as vogais e as consoantes aos
alunos percebi a complexidade de aprenderem o alfabeto – sendo que estavam ainda na
primeira fase do primeiro ciclo. O “quadro” do alfabeto na mente deles parece que foi
clareando quando resolvi contar as letras indicando os dedos das minhas mãos, e assim,
alguns contavam com os seus dedos e conseguiam seguir a seqüência completa.
A investigação de Smolka (1993) quanto ao processo de alfabetização na tarefa de
ensino da leitura e escrita, assemelha-se a essa observação em sala de aula, ou seja, a
professora faz o que sabe, mas, “a sua impaciência e irritação com as crianças acaba
provindo também do seu não saber o que fazer: a evidência da não-compreensão das
crianças ameaça e abala sua posição e torna desagradável, insuportável a tarefa de ensinar”
(SMOLKA, 1993, p.37).
A indisciplina domina a atmosfera da sala e a docente não sabe o que fazer. Ao se
aproximar de mim, diz que os alunos são, na maioria, de periferia e não obedecem aos
adultos. De fato, essa Primeira escola é diferente da Segunda em observação. Os alunos são
aparentemente “elétricos”, a briga entre eles é uma constante, gritam alto uns com os outros
e com a professora; mas, ao analisar essa situação, percebo também o despreparo da
docente na relação com as crianças, pelo fato de mandá-las “se virarem” responder certas

125
questões sem orientá-los como fazer; na maior parte do tempo grita com eles, e em duas
horas seguidas de aulas com atividades apenas de exercícios sem nenhuma motivação.
“Nessa situação, o ato de ensinar se caracteriza e se reduz ao falar e ao apontar o erro; o ato
de aprender se caracteriza pelo tentar copiar e pelo calar” (SMOLKA. 1993, p.36).
A professora dessa sala, em pauta, manifesta compromisso e interesse no seu ofício
de educadora, mas enfrenta situações com alguns alunos que ela suspeita ser de “ordem
espiritual”. Meninos que se “transformam” em seres “insuportáveis” em sala, e “sem
nenhum temor aos mais velhos”. Observei o comportamento de alguns e constatei a
seriedade do fato como sendo mais um dos itens a serem averiguados para entender a
questão. Inúmeros são os professores que reclamam de alunos insubordinados, e
infelizmente, se detecta desde a fase de alfabetização; situações que demandam mais
pesquisas na área além das já existentes, mais debates para um possível esclarecimento no
âmbito escolar. Reflito esse quadro da seguinte maneira:

“Mas o que é pedagógico e o que é patológico? Como distinguir? Como


diagnosticar? Quem faz ou pode fazer este diagnóstico? O patológico é sempre
originário na criança? Ou pode ser produzido pelas condições sociais e pela
inculcação pedagógica?” (SMOLKA, 1993, p.17).

Muitos fatores podem estar envolvidos nesse contexto que envolve o ensino, desde
práticas pedagógicas e aspectos como: salas antididáticas, superpopulosas, lei da quietude,
da imobilidade, mecanismos que induzem o mestre a optar para sobreviver, onde as
condições são mínimas de tempo e de aquisição de conhecimentos.
Após o recreio, encontrei um clima diferente. Lembrando também que a sala é
pequena e os alunos não têm espaço para uma atividade extra, como: colagem ao chão,
pintura, etc. No entanto, ao passar pela sala para ver os exercícios nos cadernos, as crianças
me pediam para ajudá-las e a professora alegremente consentia. Ao ajudá-las continuei
usando algumas estratégias para incentivá-las a responderem as tarefas. Quanto às letras,
pronunciava a letra “b” apontando a posição dos lábios para entenderem como era o som
produzido, e logo após, a figura da borboleta na parede para a correspondência, e assim

126
sucedeu com algumas letras do alfabeto. A professora, por sua vez, agradeceu a minha
cooperação em sala de aula e demonstrava interesse com a minha presença na classe.
(Protocolo n. 01, de 31/05/2006).

Souza Lima (2006) diz que “a aprendizagem do conhecimento formal ocorre se


houver, no procedimento pedagógico, previsão de trazer o novo relacionado a um
conhecimento prévio do indivíduo, o que facilita a construção de um novo significado”
(apud LEAL, 2006, p. 49), e esse aspecto assemelha-se a essa minha experiência anterior.
Algumas crianças ao relacionarem as figuras correspondentes com as letras e a maneira de
pronunciá-las labialmente iam compreendendo a linguagem escrita Nessa sala senti a falta
de interação social, onde os alunos participam, compartilham experiências e o interesse à
aprendizagem; estes deveriam “se virar sozinhos”. Ao perceber as dificuldades deles e de
alguns que espontaneamente vinham à minha carteira para receberem orientações, a
professora mudou de atitude e passou a ajudá-los, e a sensação de satisfação era manifesta
em seus rostos. Realmente, em resumo, é como diz a alfabetizadora na seção de
depoimentos, no terceiro capítulo desta pesquisa:

(...) Apesar de ser desgastante, exige doação total e muito amor ao que você faz. Mas
é maravilhoso caminhar junto com o aluno e contribuir para o seu crescimento e
desenvolvimento de suas habilidades (professora Dona).

Em outro dia, a professora Lu inicia a aula fazendo uma oração a Deus, e a turma
repetia as palavras, para aprenderem a ler e a escrever. Era lembrado que precisamos da
ajuda de Deus nas nossas dificuldades e eles consentiam.
Percebi nesse dia de aula que a minha presença animou a professora, porque o seu
semblante estava mais alegre e me pedia para auxiliar na correção de alguns exercícios do
dia anterior, e ajudar os alunos com dificuldades na linguagem escrita. Assim, em seguida
fixou um grande cartaz, na parede lateral da sala, com várias figuras coladas para eles
identificarem as embalagens dos produtos de mercado, pronunciarem com ênfase cada
palavra e a contagem das sílabas com palmas. Várias famílias das letras foram estudadas de
forma silábica, e todos participavam dando exemplos e pronunciando as que sabiam. Uma
aula totalmente oposta a anterior. Prossegue escrevendo no quadro o seguinte exercício:

127
1.Leia e copie o texto:

A festa na escola.
Estela vai a uma festa.
A festa é na escola.
Ela vestiu o vestido,
passou uma escova nos cabelos
olhou no espelho e disse:
Estou linda!

2.Onde Estela vai?


3.O que Estela faz antes de ir à festa?
4.Depois de pronta como ela ficou?

Após os alunos copiarem nos cadernos o exercício, alguns apresentavam


dificuldades, como diz a professora: “a metade da classe só consegue responder as questões
por escrito com auxílio”, no caso, “não dominam a leitura ainda”. Uma aluna me
perguntou: “Tia como eu escrevo Estela?”; outro perguntou: “Tia a onde tá escrito que vai
pra festa?”; “Tá escrito o que aqui?” (apontando para as perguntas), e assim por diante. Em
seguida, a professora responde as questões com eles e convida os alunos que precisam de
“reforço” para treinarem as famílias silábicas, e dispensa os que já sabem para o ensaio da
festa junina. (Protocolo n.3, de 07/06/2006).

Nesse contexto, lembro Ferreiro (1999) que enfatiza que se aprende em função da
atividade da criança através de estímulos ao raciocínio e a criatividade, e não da
memorização da repetição, cópia e mecanização. “A escrita é importante na escola porque é
importante fora da escola, e não o inverso”. É fundamental o incentivo à linguagem oral na
sala de aula, que envolva os alunos a pensar sobre a língua escrita, sua importância no
cotidiano – preservando a mente de preocupações e aliviando a memória, como por
exemplo: ir com os pais ao supermercado e registrar a lista de compras; dizer ou escrever
algo de alguém que está longe, ou a pessoa não presente; e enfim, as crianças chegam a
compreender as funções da língua onde a atividade de leitura e escrita é cotidiana em suas
vidas, através de informações subjacentes em atos sociais (FERREIRO 1999, p.21).

128
Em outro dia de aula, encontrei a professora Lia68 na sala de aula, porque a
professora Lu estava com licença médica. A atual, então, continua sendo representada pelo
número 09 nas entrevistas, que não mudou muito as suas características por serem
semelhantes em quase todos os aspectos. As únicas diferenças que pude perceber é que a
primeira gritava mais em sala de aula, usava o método fônico, e parece possuir uma idade
mais avançada.
A professora Lia é mais tranqüila e dá continuidade ao trabalho da colega. Os
alunos estudam a família silábica do “fá” e do “cá” e não seguem uma cartilha também. As
atividades são mimeografadas e coladas no caderno. Eles deveriam desenhar também uma
figura simbolizando as palavras: faca, café, casa, e outros (anexo 03).
Após esse exercício é estudado o assunto de conjunto da matemática, das unidades,
dezenas e copiados vários exemplos no quadro. O exercício anterior é corrigido e entregue
um outro para os alunos responderem. O exercício seria recortado e colado no caderno para
separar as sílabas e copiar as palavras novamente (anexo 04) (Protocolo 09, de 10/08/2006).
No outro dia, a professora Lia enfatiza a correção dos exercícios nos cadernos e vai
ao quadro para exemplificar como queria as respostas das palavras: bo+ca =boca, fa+ca =
faca, bo+fe = bofe, da+do= dado. Em meio a correções dos exercícios pede para os alunos
cantarem uma cantiga de roda para não ficarem dispersos, e aqueles que já terminavam
deveriam ajudar os que não conseguiram, e assim sucedeu o resto da tarde (Protocolo n. 11,
de 16/08/2006).
Ao treinar a escrita do alfabeto pelo método silábico a professora enfatiza seu
método de ensino, e se percebe que a atividade proposta se reduz ao que Ferreiro já havia
comentado: “Está ali para ser copiado, reproduzido, porém, não compreendido, nem
recriado” (FERREIRO, 1999, p. 18).
Outro dia de aula, os alunos respondem a um exercício mimeografado para fixarem
as famílias silábicas já estudadas (anexo 05), enquanto a professora Lia atende outros
alunos com dificuldades e pronuncia os vocábulos para aprenderem a correspondência entre
grafema e fonema; e o resto da aula se processa em correções nos cadernos. (Protocolo n.
14, de 23/08/2006).

68
A professora Lia continua sendo representada pelo número 09, no quadro do perfil das alfabetizadoras – no
capítulo primeiro deste trabalho, por ser substituta na mesma sala de aula e não se dispor a preencher o
questionário das entrevistas.

129
A quantidade de sílabas pronunciadas era medida pela abertura da boca, e assim a
professora fazia com os vocábulos. Observei também que ela conseguia transmitir afeição
aos alunos e desenvolver o seu plano de aula com certa dificuldade, devido a maior parte de
o tempo ser resumido a correções de exercícios. De carteira em carteira ela corrigia-os, ou
na sua carteira, e ia ao quadro para enfatizar os erros encontrados para todos verem e não
errarem.
Observo nessas aulas a falta de flexibilidade no processo de ensino quanto à
linguagem escrita devido ao cumprimento do programa, e nesse aspecto, a alfabetizadora
havia me dito que não gostava de trabalhar com as séries iniciais, “por dar muito trabalho, e
aquela turma era desobediente”, e continua explicando que: “leciono em dois períodos e
não sobra tempo para levar os cadernos dos alunos para serem corrigidos em casa, então
dou um jeito pra fazer na classe mesmo”. Considerando esse contexto, percebe-se que a
“realidade cotidiana escolar e acadêmica e as inúmeras situações de sala de aula como esta,
são hoje, resultados ou produtos de um complexo conjunto de condições e circunstâncias
em que pesam, obviamente, fatores sócio-econômicos, políticos e ideológicos” (SMOLKA,
1993, p.37).

4.1.2 Segunda Escola - Sala B

A segunda escola69 foi alcançada pela conversa com a professora Mary e respaldada
pela coordenadora, seguindo um roteiro de observações semanais.
Nessa sala, a alfabetizadora aceitou-me a fazer somente algumas observações, e
advertiu-me que a presença de outra pessoa em sala “atrapalha a rotina dos alunos”.
Alfabetiza há 14 anos, em dois períodos70 e nessa escola, especificamente, possui 24 alunos
em sala se aula. Cursou Pedagogia, fez especialização em Psicopedagogia, afirma que
trabalha como aprendeu e acrescenta sugestões de outras colegas. Quanto às orientações
didáticas participa de todas as reuniões docentes quando acontecem na escola. Usa a

69
Escola Municipal de Ensino Básico Francisval de Brito situada no bairro Coophamil.
70
O outro período da tarde trabalha numa escola particular.

130
cartilha, mas sempre cria alguns exercícios para complementar. Afirma que trabalha com o
método silábico sob a concepção teórica construtivista da escola ciclada em Mato Grosso, e
a maior parte de suas atividades retira do livro “Alfabetização, um processo em construção”
de Maria de Fátima Russo e Maria Inês Aguiar Vian71, por achar prático. Quanto à
produção escrita, as crianças “ainda não conseguem escrever textinhos sozinhas, só
copiam”, responde a alfabetizadora explicando que é com o tempo.
Na aula, os alunos gozavam de um ambiente tranqüilo e estavam estudando os
sinais de matemática – igual ou diferente; algumas continhas de somar, e os números antes
e depois. Vejamos o exercício:

1- Coloque igual (=) ou diferente ( ≠):


a) 7 ____________7 c) 5____________4

b) 8____________6 d) 2____________2

2- Efetue:

D U D U
4 6 3 9 2 7
3 1 + 2 4 + 1 4-
________ ________ ____

3) Escreva o número que vem antes e depois:

a) ________24_______
b) ________17_______
c) ________19_______
d) ________25_______
e) ________13_______

(Protocolo n. 16, de 30/08/2006).

No intervalo a alfabetizadora me diz que segue uma ordem alfabética no ensino das
letras pelo método silábico, e trabalha outras letras se precisar. Já trabalhou o alfabeto pelo
nome das crianças no início do ano, e afirma que “já aprenderam as letras e estavam em
fase de apropriação da linguagem escrita”. Está trabalhando também com o “Caderno do

71
Referência: RUSSO, Maria de Fátima, e VIAN, Maria Inês Aguiar. Alfabetização, um processo em

131
Futuro72” com o objetivo de auxiliar o aluno na caligrafia e noções de gramática de forma
simples e prática.
Ao observar não presenciei dificuldades nos alunos, que respondiam as questões do
Caderno do Futuro (anexo 13), e correspondiam facilmente ao ensino, mas, na maior parte
do tempo em cópias.
A estratégia usada da alfabetizadora é atrair a atenção dos pais no auxilio em casa e
à continuação ao processo para que haja uma maior rapidez na aprendizagem. Também diz
que, “para amenizar as dificuldades no ensino-aprendizagem o professor e o aluno devem
ser os sujeitos da construção, levando em consideração as experiências e as contribuições
que a criança tem a oferecer”, e ainda acrescenta que “o objetivo é desenvolver habilidades
necessárias”.
Todavia, o ritual “sagrado” da sala era uma constante e não presenciei um ambiente
de interação social, somente a responsabilidade dos alunos quanto às respostas dos
exercícios, nos momentos de irem à mesa da professora para tirarem as dúvidas. Os
exercícios dos alunos com dificuldades são corrigidos individualmente e chamados pelo
nome. Retornando no outro dia de aula, a professora Mary inicia a aula escrevendo o
seguinte exercício:

1) Junte e forme palavras:


La____________
Ba
Lão___________

2) Desenhe o que se pede, e copie novamente os nomes dos desenhos:


Bola Boca
Bule Bolo
Meia Bala
Lua

(Protocolo n. 19, de 01/09/2006).

E assim os alunos copiam nos cadernos, respondem as questões e entregam à “tia” para
corrigir.

construção, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.


72
Caderno do Futuro – Língua Portuguesa, 1a série, Ensino Fundamental, de Célia Passos e Zeneide Silva, 2a
ed. São Paulo: IBEP, 2003.

132
Os exercícios nessa sala de aula são característicos aos de uma cartilha, e não há
ênfase a interações sociais ou alguma estratégia específica pedagógica como diálogos,
perguntas, músicas, jogos ou brincadeiras. Não há cartazes nas paredes devido às reformas
recentes. A predominância é o método silábico em aula seguido do estudo alfabético por
ordem. A questão implícita nessa sala e em algumas outras salas de aulas reside no fato de a
professora lecionar em dois períodos e não sobrar tempo para um planejamento melhor; foi
a possível conclusão que tive segundo as conversas informais, transformando assim o
ambiente segundo o ritual sagrado, ou seja, as aulas se processam no mesmo modelo de
sempre – exercícios mecânicos e correções.
Apesar de sua afirmação de que trabalha na perspectiva construtivista, sua prática é
uma denúncia de um trabalho tradicional, em que as crianças são sujeitos passivos que se
submetem ao ensino transmissivo e sem criatividade, não sendo respeitadas como sujeito
ativo e construtivo.
Para Smolka (1993), é necessário considerar a “concepção transformadora da
linguagem, uma vez que não se pode pensar a elaboração cognitiva da escrita
independentemente da sua função, do seu funcionamento, da sua constituição e da sua
constitutividade na interação social”. A autora ainda diz que o processo de construção se dá
na interdiscursividade, isto é, numa prática dialógica discursiva. A escritura adquire novas
configurações quando as crianças escrevem espontaneamente, (SMOLKA, 1993, p.60).

4.2 Práticas de Alfabetização: Predomínio da Concepção Sociointeracionista

4.2.1 Primeira Escola - Sala B

Nessa escola, a coordenadora levou-me a uma outra sala, a “B” para eu observar;
em sua opinião essa sala era melhor do que a anterior.
Realmente, essa sala atraiu-me a atenção, por ser a alfabetizadora a mais enérgica e
caprichosa de todas as que eu observei, e com “muita experiência em alfabetização” como

133
disse a coordenadora, e as próprias colegas sempre lhe pediam auxílios nas horas vagas. A
professora Val cursou Pedagogia e não leciona em outro período; não continuou os estudos
“devido o trabalho com a família, mas quando tiver oportunidade farei um curso de
alfabetização, por enquanto faço o que posso”, prossegue: “tenho 25 alunos matriculados, e
trabalho o sociointeracionismo porque gosto de me relacionar com as crianças”. “Trabalho
com o método silábico e com vários ao mesmo tempo, e não uso a cartilha em sala se aula
porque gosto de atividades diversificadas”. “A escola está trabalhando com o Projeto
Inovador, mas não consegui me adaptar a ele ainda”, comenta a alfabetizadora.
A professora firma que a prática de ditado deve ser repetida inúmeras vezes com
ênfase na ortografia para ensinar a criança desde cedo as noções da linguagem escrita. “Em
vários anos de alfabetização essa estratégia tem funcionado como um meio de observação,
se os alunos estão aprendendo a escrever ou não”, diz a alfabetizadora, e ela se considera
“tradicional” por não “abrir mão” de métodos antigos, como, ainda trabalhar com ditados,
as famílias silábicas e a ênfase na ortografia e caligrafia. E de fato, “a turma que tem a sorte
de estudar com essa professora sai da primeira fase escrevendo pequenos textos, é
impressionante!”, comenta a coordenadora a mim em horário livre.
Nessa perspectiva, Sinclair (1990) afirma que a ação da repetição no processo
ensino-aprendizagem é importante na aquisição cognitiva. Em certo sentido as duas
atividades – a leitura e a escrita - são diferentes, como por exemplo: é lógico pensarmos
que o foco visual é mais instantâneo, no caso da leitura, do que no perceptivo-motor na
escrita, ou seja, a atividade perceptivo-motor exige mais movimentos como assinala o autor
citado: “Na escrita, os movimentos da mão produzem uma letra de cada vez, inclusive traço
a traço. Assim a escrita parece ser muito mais do que a leitura, um processo contínuo e
seqüencial, o que parece implicar a existência de mais formas paralelas de processamento”
(SINCLAIR, 1990, p. 83).
A aula é iniciada na exploração das letras do alfabeto. Canta-se uma música em que
a letra é o próprio alfabeto. O aspecto físico da sala é razoável, com vários cartazes
coloridos com as letras em maiúsculas e minúsculas, fixadas em cima do quadro de giz;
outros, nas paredes laterais, e ao fundo da sala alguns desenhos de paisagens e animais.
A professora ensina a família silábica do “fá” e destaca a palavra “fada” que é
pronunciada várias vezes com muita ênfase para eles copiarem nos cadernos, e em seguida

134
passa em todas as carteiras corrigindo a escrita dos alunos e exigindo uma melhor letra. A
próxima palavra é “fubá” e assim por diante sucedia o ditado seguido com adivinhações.
Alguns alunos com dificuldades ficavam na carteira da “tia” até aprenderem a escrever as
palavras.
Em certo momento uma criança de cinco anos se aproxima e me mostra as palavras
“faca” e “fadas” escritas corretamente, e já lia algumas palavras estudadas sem
dificuldades. A maioria da classe não tem problema com a escrita e sim com a leitura, ou
seja, escrevia o que ouvia (dimensão fonêmica), ou copiava do quadro (dimensão gráfica)
sem dificuldades, porém, o ato da linguagem verbal era mais lento devido a não
apropriação ainda da correspondência entre grafema e fonema.
Eesse aspecto refletiu no impacto produzido no ensino pelo envolvimento da
professora, que, em algum momento da aula, dizia que “a turma está num bom nível, e
daqui pra frente será mais fácil para ler e escrever pequenos textinhos” (FREIRE, 1990). E
o fenômeno da construção do conhecimento parecia acontecer.
A próxima palavra é “bife”, a professora pergunta quem gosta de carne e todos
respondem que sim. Em seguida, num clima muito agradável e descontraído faz
adivinhações do tipo: “O que é o que é? Descubra a adivinhação!”, diz a professora. Faz
algumas mímicas para os alunos entenderem que a próxima palavra é “fofoca”. Com um
suspense no ar eles refletem e respondem corretamente para em seguida copiarem. Outra
questão é: “Quem já foi a um mercado? Quando a gente compra uma coisa no mercado e
deve, como se chama isso?” Respondem: “Fiado”. “É correto a gente comprar fiado?”
Alguns dizem sim, outros, não. E assim vão copiando as palavras ditadas nesse clima de
expectativa, e a professora, por ter uma possante voz, atrai a atenção deles. Após ditar
várias palavras a professora escreve-as no quadro para corrigirem, e enfatiza a margem do
caderno para aqueles que estavam errando.
A professora ao se aproximar de mim diz que a “linguagem escrita na sala é logo
assimilada, mas falta aperfeiçoamento no ato da leitura, o decodificar”. “Não há como
discriminar a criança se ela tem uma habilidade na linguagem oral e outra na escrita, varia
de aluno a outro”, dizia ela, que insiste também na correção dos sinais ortográficos –
acentos agudos, no caso: “café”, “fubá” e outros.

135
Segue então a outra palavra: “O que é o que é uma coisinha muito macia”
mostrando um bichinho de pelúcia costurado na pasta de um aluno, e é a palavra “fofo”.
Observo que a turma tem um carinho muito especial pela professora, mesmo sendo
rígida demonstra um cuidado especial com cada aluno; é a afetividade presente nas
decisões de ensino assumidas pela professora, constituindo-se como um fator
imprescindível nas relações estabelecidas entre os alunos e os conteúdos escolares. Leite
(2002) afirma que as pesquisas recentes têm apontado uma história de sucesso quando os
sujeitos e objetos de conhecimento desenvolvem uma mediação afetiva, e os resultados são
positivos, pois determinam processos de constituições individuais duradouros e importantes
para os indivíduos.
Em seguida escreve algumas palavras no quadro espontaneamente para eles lerem:
“girafa”, “escova”, “carteira”, “lápis”, e outros; e desenha um quadro e linhas para ensinar
caligrafia em formato de letras maiúsculas e minúsculas (letras de fôrma e cursiva). Nesse
momento, a alfabetizadora passa em revista as carteiras dos alunos para observar se fizeram
certo, e corrige a letra de alguns que ultrapassavam as linhas no caderno.
O interessante é que em toda a aula a professora caminha e corrige nas carteiras dos
alunos as palavras copiadas erradas. Perto de bater o sino, escreve no quadro novamente as
palavras, para eles copiarem novamente e estudarem. Frases de incentivos como “fofinho”
“muito bom” “parabéns” são faladas no ato das correções e registradas também nos
cadernos, mas é corrigido na cor vermelha da caneta. Não havia um texto específico, as
palavras eram escolhidas espontaneamente, e a professora havia dito que seguia uma ordem
alfabética, mas era flexível e usava todas as letras se possível na hora do ditado.
Percebo nessas escolas pouca importância à caligrafia, e isso deve ter ocorrido pela
influência dos países desenvolvidos quando a ênfase se deu ao conteúdo e ao processo de
ensino, abandonando a cópia e aos modelos caligráficos (VIDAL e ESTEVES, 2003).
(Protocolo n. 10, de 16/08/2006).
No dia seguinte, a professora Val saúda as crianças e copia no quadro a palavra
“higiene”. É uma retomada da aula anterior. “Como a gente faz com a higiene do corpo? Os
dentes? Que horas?” Pergunta aos alunos incentivando-os às respostas, e uma série de
questões é enfatizada envolvendo a higiene (cabelos, unhas, dentes...). “Além destas existe
a higiene mental. Como fazer? Na leitura de bons livros, passeios, praticar coisas boas,

136
esportes, brincar e estudar...”, e assim interage com os alunos envolvendo-os ao assunto
para refletirem e comentarem. Muitas respostas são dadas e a atenção é geral na classe num
clima divertido e até engraçado ao evidenciar a higiene do corpo, como exemplo: “Pra que
serve o papel higiênico?”, todos dão risadas.
Em seguida são organizados quatro grupos e as carteiras mudadas de posição. Todos
já nos seus lugares a professora mostra-lhes várias embalagens com marcas de produtos que
se usam na higiene do corpo e da casa. Prosseguia: “Omo”, era pronunciada a palavra,
copiada no quadro e os alunos diziam para que servia esse produto de limpeza com essa
marca, e depois eles deveriam diferenciar os que representavam a higiene do corpo e os da
casa. Assim, várias marcas foram vistas com suas embalagens: Assolam, Bombril, Kiboa,
Lux, Sorriso, Colgate, Minerva e outros. Ao escrever a palavra no quadro, a professora
aproveitava para separar sílabas e a criar novas outras palavras, como exemplo: Na palavra
COL-GA-TE a sílaba “ga” forma que palavra? E os alunos respondiam: “gato”. Houve
muitos exemplos como esse.
A proposta sociointeracionista é induzir o aluno a pensar, propiciar uma
aprendizagem significativa e não a uma resposta já pronta, aquela que já é familiar à
criança. Todavia, nesse caso, creio que o ambiente estava permeado de relações sociais,
onde favorecia a criança a pensar, sugestionar, criticar, criar, etc. favorecendo assim o
desenvolvimento cognitivo e a interação social.
Logo após, cada grupo recebe uma tesoura para recortar as palavras das embalagens
e colarem num grande cartaz de papel pardo (1 metro para cada grupo). Sendo assim, cada
equipe é responsável por um tipo de higiene: dentes, corpo, casa etc., e todos trabalhavam
sentados no chão da sala. (Protocolo n. 12, de 18/08/2006).
No outro dia a professora Val dá boas vindas aos alunos e inicia pedindo a eles para
copiarem o alfabeto. Ela articula as letras e em seguida pronuncia algumas palavras para
copiarem também, e vai de carteira em carteira corrigindo e pronunciando as palavras. É
“b” e não “d” dizia com muita ênfase para ouvirem o som corretamente, e algumas crianças
estavam trocando essas letras. Ao chegar perto da minha mesa a professora argumenta que
essa prática é a única que ela acha ser a mais eficiente na sala, para o início da linguagem
escrita, e insiste porque faz o aluno escrever corretamente. Ainda diz que “é a maneira mais
fácil para treinar a audição e a visão no ato da cópia”; o processo da aquisição da escrita

137
demanda tempo e paciência; “a metade da classe não se apropriou de certas letras, mesmo
ajudando, a quantidade de alunos impossibilita a uma melhor aprendizagem, tenho 22
alunos”, diz a mestra.
Após os cartazes prontos eles pintam uma gravura sobre a higiene (anexo 06), e em
outro momento a alfabetizadora entrega dez palitos de picolés e tampinhas de garrafa a
cada aluno para o estudo das dezenas e unidades, e assim sucede a aula (Protocolo n. 13 de
23/08/2006).
Na construção da linguagem escrita, no período silábico, Ferreiro (1999) observa
que, para cada sílaba pronunciada pela criança ao escrever um vocábulo é escrita uma letra
correspondente não segundo o convencional, mas indicando o que a criança supõe ser.
“Saber fazer” a escrita parece sugerir que deve ser reelaborado em nível oral os dados
pronunciados pelas crianças, “é redescobrir a utilidade da sílaba para resolver um problema
da escrita, para saber qual é o valor das partes de um todo em processo de construção”
(FERREIRO, 1999, p. 93).
No âmbito desse fenômeno há conflitos cognitivos a serem superados, porém “a
construção da escrita na criança não é alheia à epistemologia”, ou seja, “um processo de
construção envolve processos de reestruturação, e que os processos de coordenação,
integração, diferenciação, etc., também são processos construtivos”. A escrita, nesse
aspecto, não funciona somente como produção de marcas gráficas, mas também no sentido
de interpretação (FERREIRO, 1999, p.79).
A presença de três caracteres, como exemplo, não pode ser atribuída ao sistema dos
adultos, porque há línguas em que as palavras já vêm acopladas aos artigos, proposições...,
e assim podem identificar uma série de idéias, e assim, verifica-se que as letras para as
crianças são como partes de um todo, “uma letra é simplesmente um dos elementos para
construir essas totalidades significativas a respeito das quais se pode fazer a pergunta: o que
diz ai?” (FERREIRO, 1999, p.89). A autora complementa o seguinte:

Estes momentos de transição são essenciais para a reconstrução teórica da gênese


em questão.
(...). Se compreendermos que o problema da criança não consiste em identificar
esta ou aquela grafia em particular (...) senão em compreender a estrutura própria
do sistema, a “pré-história da escrita” adquire de imediato relevos
epistemológicos (FERREIRO, 1990: p.112,123).

138
Nesse dia de observação as salas A e B, da primeira escola são unidas para os
alunos assistirem a um filme da Xuxa: “Xuxa Festa” e aprenderem “os passos da dança” à
apresentação quando surgir oportunidade. E nessa aula, na conversa com as professoras Lia
e Val sobre o comportamento das crianças em sala de aula, observei a falta de compreensão
quanto o aspecto da corporeidade como menciona Gomes (2004). “Esses alunos gostam
mesmo é de dançar, e mexer muito com o corpo, não gostam de ficar quietos um minuto!”,
responde a professora Val. Outra: “É incrível como não conseguem ficar sentados um
pouco, e de vez em quando a gente tem que criar algo novo pra mudar a rotina”, diz a
professora Lia. “Remexer com o corpo é com eles mesmos!” diz a professora Val, e encena,
enquanto alguns alunos vêem e riem. (Protocolo n. 15, de 25/08/2006).
De acordo com a pesquisa etnográfica de Gomes (2004), observa-se que a escola é
um lugar de conflito entre o querer brincar da criança e o administrar do professor ou da
escola por meio da separação espírito e do corpo, ou seja, o espírito deve estar no estado de
quietude, sem movimentos ou barulhos para a apreensão dos conteúdos. As brincadeiras na
sala de aula são sempre “violentas” ao julgo dos adultos; se não for do jeito da “tia” é uma
transgressão; essas brincadeiras têm um “caráter perturbador”, “atrasa as tarefas”, “mexe
com os corpos das crianças”, “faz barulho, desarruma, desvia atenção”, e se a tia virar as
costas a sala vira “um pandemônio”. Para desvelar esse fenômeno da expressividade é
imprescindível uma sensibilidade para compreender essa espontaneidade de movimentos
corporais expressos pelas crianças e que, se não for pela “porta” expressam-se pela
“janela”, como o próprio aluno diz na pesquisa: “Elas fala, todo mundo fala que não é pra
correr (...) mas, todo mundo corre... Não tem jeito de não correr...” (GOMES, 2004,
p.98,101).
Analiso que, um ponto importante é a reflexão sobre o uso do tempo dos alunos, na
participação do resgate à cultura e procurando equilibrar a utilização desse tempo
disponível às obrigações escolares, familiares, sociais em que a alegria esteja presente. É
incluir o prazer no saber, valorizar o lúdico e a corporeidade enquanto processos de
aprendizagem, transformando-a numa conquista prazerosa, que pode ser viabilizada pelo
planejamento didático e promovendo o encontro lúdico e a corporeidade com a

139
aprendizagem em sala de aula, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser
diferente.
As conversas com as alfabetizadoras, nos horários vagos, surtiram algum efeito. O
ambiente era outro e eu já conseguia expor claramente os meus objetivos às professoras que
reagiam favoráveis à pesquisa e aos comentários de alguns resultados positivos que coletei,
como: usarem os próprios alunos para perguntas e respostas, e experimentarem a trabalhar
constantemente o alfabeto pelos nomes dos alunos e familiares deles. Sendo assim, nas
aulas posteriores observei a professora Val chamando as crianças à frente para
representarem as dezenas e as unidades e respondiam facilmente nos cadernos. E em um
momento da aula a professora enfatizou que iria explorar mais o ensino das letras com os
nomes das crianças e dos seus familiares.
Ao refletir sobre o comportamento dessa alfabetizadora, que exerce a profissão por
muitos anos (22) pude perceber o que Nóvoa (2006) já havia analisado sobre a questão da
experiência profissional, afirmando não ser somente a repetida e sim a sua reflexão para
não se transformar em uma mera rotina.
No horário do recreio as crianças me rodearam e reclamaram por não poderem
brincar no pátio ao lado, onde havia balanços, gangorras... Falaram-me que elas brincavam
esporadicamente.
Nesse contexto, compreendo que não há um planejamento pedagógico e didático
que administre esse fenômeno da expressividade em sala de aula, e nem no pátio da escola.
Vejo essa questão como mais um elemento ausente na formação inicial e, continuada,
impossibilitando o professor ao exercício de sua criatividade nessa área.
Notei nessa sala, também, que os alunos apresentaram dificuldades com os
números, e talvez, um cartaz estivesse fazendo falta no auxílio a essa aprendizagem, pois,
alguns alunos vinham à minha carteira querendo saber como se escrevia um número ou
outro. Eu então escrevia para eles o formato e pedia que copiassem o mesmo, e assim se
sucedeu.
No final da aula, a professora Val me diz que estava cansada de “repetir e explicar
as mesmas coisas”, e às vezes não sabia o que fazer. Nesse caso, no horário do recreio
conversei com ela sobre a necessidade de paciência e da continuação de repetições no
ensino, porém, poderia continuar a criar novas estratégias didáticas. Afirmei que a

140
participação dela nesse sentido seria fundamental. Após a nossa conversa percebi uma
atitude de compreensão por parte da professora. (Protocolo n. 17, de 30/08/2006).
No outro dia de aula, a professora Val canta a música do alfabeto novamente e o
assunto da higiene é retomado. Conversa com as crianças sobre o uso da escova de dentes e
dá informações quanto ao cuidado com os dentes. Cada criança diz uma resposta
preenchendo as lacunas abertas deixadas pela professora, como exemplo: “E sobre os
piolhos?”, “Quando vai fazer xixi lava as mãos?” (risos), etc. Prossegue andando pelas
carteiras apertando as cabeças dos alunos que acertavam as respostas, os outros riam, e
entregavam-lhes um exercício mimeografado para circularem os produtos de higiene
(anexo 07). E continua perguntando: Ao tomar banho vocês secam tudo direitinho? (risos)
Ao terminar as atividades os alunos são chamados para fazerem um texto ilustrado
sobre o “papai”, porque esse mês foi consagrado a ele. Mas, antes, houve um momento
muito especial entre eles, cada um contou a “história” de seu pai e alguns ficaram tristes
porque não estavam juntos deles, e a “tia” abraçou-os dizendo que todos nós brigamos e
precisamos entender e orar ao “Papai do Céu” para nos abençoar. E assim escreve o nome
de todos os pais no quadro e aproveita para estudar as letras iniciais correspondendo com
outro aluno, exemplo: “Pedro” combina com “Paula”. Enquanto desenhavam a professora
me dizia que tinha a pretensão de fazer um curso de alfabetização para aprender a explorar
melhor o ensino do alfabeto pelos nomes dos alunos e outras novidades mais (Protocolo n.
18, de 31/08/2006)
No contexto dessa aula, a alfabetizadora ao propiciar um espaço para os alunos
exercitarem a linguagem oral, segundo as experiências significativas a eles, relembro um
ponto importante relacionado ao parecer de Martins (2001) sobre a leitura. Menciona um
dos aspectos da leitura como racional, a perspectiva proposta é a da competência para criar
ou ler, que se concretiza tanto por meio de textos escritos quanto de expressão oral.

141
4.2.2 Segunda Escola - Sala A

Na sala “A”, dessa escola, a situação é tranqüila no que se refere ao comportamento


dos alunos, que são 36 ao todo. A alfabetizadora Rose atendeu-me com muita simpatia.
Leciona na área há 18 anos, fez Pedagogia, mas, devido o tempo, envolvida com “muitas
atividades e trabalhar com deficientes mentais73 não sobra espaço pra especialização e
formação continuada”, como afirma. Quanto ao método de ensino usa a historieta e o
silábico ao mesmo tempo. Adota o “sociointeracionismo por gostar muito de se relacionar
com as crianças”, e não usa a cartilha em sala de aula. Gosta muito de participar das
reuniões docentes, para renovar as idéias e aprender com outras colegas, pois, se “cansa da
rotina”, mas, “considero a coordenação distante, e por enquanto vou trabalhando segundo
as minhas experiências próprias”, diz a professora. Quanto à aprendizagem deles “uns dez
alunos estão de vento em polpa, lendo e escrevendo algo e os outros estão se apropriando
da fase alfabética aos poucos, e a cada dia é um milagre”.
O aspecto físico da sala de aula revela um ambiente propício à aprendizagem –
paredes recheadas de cartazes didáticos, com todas as letras do alfabeto ordenadas em
negrito e em maiúsculas e minúsculas, representadas por figuras correspondentes; estante
com livros, revistas, jornais, etc.; armários que guardam vários brinquedos didáticos,
projetos pedagógicos e mesinhas ao fundo da sala para as atividades artísticas.
No início da aula há um diálogo da alfabetizadora com as crianças perguntando
sobre o dia, a saúde de cada uma delas; incentiva-as ao estudo da letra “d”e canta a música
dos “dedinhos, eles se saúdam e se vão...”; conta uma historieta baseada no texto da música
com a participação das crianças, que sugerem nomes de parentes sobre a letra “d”, e logo
após a simboliza pelos nomes específicos dos dedos das mãos – polegares, indicadores,
médios, anulares e mínimos. As crianças reagem ao ensino articulando os dedos,
respondendo algumas perguntas da “tia” e interagem em sala com assuntos relacionados a
acontecimentos ocorridos com as famílias.

73
Nessa mesma escola.

142
Creio que os bons modelos de textos são os que permitem a criatividade do aluno, a
uma produção imaginária e real dessa experiência estética. Nesse aspecto, a professora
Rose soube articular muito bem a letra da música escolhida e ao mesmo tempo criou
estratégias interessantes. O ato da exploração do texto cantado propiciou um ambiente
interativo entre os participantes dos discursos, e assim, vejo que é preciso desenvolver nas
crianças o gosto pela leitura, pensar sobre o que se lê, em quem somos e o que queremos
valorizar. A leitura deve ser vista, então, como um recurso intelectual que nos permite
descobrir, desenvolver, compreender, entrar em contato com sentimentos e emoções. Nessa
perspectiva de ensino Smolka (1993) ressalta a importância de pensar a alfabetização em
termos de interação e interlocução nas questões de práticas pedagógicas e enfatiza:

(...) A alfabetização implica leitura e escritura que vejo como momentos


discursivos. Segundo, porque o próprio processo de aquisição também vai se
dando numa sucessão de momentos discursivos, de interlocução, de interação
(SMOLKA, 1993, p.29),

Nessa perspectiva, a elaboração de conceitos pela criança irá depender da


diversidade, não só quantitativa, mas, especialmente, qualitativa, das experiências de
interação social que vivenciam nos espaços escolares. A função do adulto perante a criança
não é apenas de cuidar e proteger, mas, principalmente a de torná-la gradativamente
independente, com valores, crenças, hábitos, etc. Para que isso possa ser concretizado, se
faz necessário a intervenção do professor para possibilitar essas situações em sala.
A alfabetizadora em pauta parece considerar importante a interlocução com os
alunos e prossegue suas atividades conversando informalmente com a classe, corpo-a-
corpo, olhando nos olhos das crianças e perguntando sobre aqueles que não vieram,
pedindo para pensarem sobre o que deveria ter acontecido.
Apesar de a professora dar ênfase à interação social no processo pedagógico, e
seguindo uma proposta sociointeracionista, ainda segue alguns resquícios de ensino
considerados mecânicos, que se revelam pelo estudo do alfabeto pelo método silábico e
exercícios que imitam a estrutura de uma cartilha.

143
Continuando a observação, a alfabetizadora faz uma breve recapitulação das
famílias silábicas “B” e “C” e enfatiza o estudo da família “D”, diferenciando as letras
através de mímicas. Por exemplo: O “B” é de “barrigudo” – aponta com gestos uma grande
barriga (risos); e a “D” de “bundudo” aponta com gestos uma grande nádega (risos). E
assim as letras são estudadas com muita descontração e alegria na classe, todos participam
e alguns lembram que o nome de suas mães corresponde a essa letra estudada, e também
aqueles que a têm em seus nomes fazem essa associação.
De forma flexível há um esforço no entrelaçamento da linguagem oral, interação em
sala de aula e do pensamento no procedimento contextual, sendo esse aspecto importante
como nos informa Smolka (1993, p.21): “(...) Falar da relação pensamento/linguagem nos
remete às teorias do conhecimento, ao aspecto filosófico da questão; e falar no movimento
das interações humanas nos abre à dimensão política...”.
Após esse momento de interação em sala, a professora Rose os auxilia com uma
régua fazendo a margem no caderno deles para copiarem corretamente o cabeçalho, e
pergunta: No quadro precisa dessas linhas? E todos respondem “não”! (O Objetivo era
certificar-se se eles estavam compreendendo o que era margem nos cadernos). Copia então
a família silábica da letra “D” em maiúscula e minúscula e escreve os nomes das crianças
começadas com essa letra ressaltando o início em maiúscula por ser nomes próprios.
Observa as carteiras e parabeniza um aluno por diminuir o tamanho da letra e mostra o
caderno para todos verem, e depois que todos copiam do quadro a família silábica da letra
“d” recebem um exercício mimeografado para responderem algumas questões (anexo 08).
Compreendo, então, que o avanço cognitivo do aluno se percebe em classe, pelo
entusiasmo, alegria, motivação e quando a ação pedagógica é o resultado de planejamento,
organização e reflexão, num ambiente afetivo como afirma Leite (2002).
Em algum momento da aula, a professora se dirigiu a mim e lamentou a quantidade
de alunos em sala (36) e dizia da dificuldade no atendimento a todos. Sentia também a falta
de apoio da coordenação, e da falta de tempo para uma melhor formação profissional.
(Protocolo n. 02, de 01/06/2006).
Num outro dia, a aula se processa semelhante a anterior ao estudo da família
silábica “D”, mas de forma mais resumida e com mais atividades (anexo 09). O que se
acrescentou nesse período da aula foi um diálogo da professora Rose com os alunos sobre a

144
copa do mundo, se eles saberiam responder quem seria o campeão – uns respondiam que o
Brasil iria ganhar e outros não sabiam. De carteira em carteira a professora corrigia alguns
erros das crianças e se voltava ao quadro para repetir a família silábica do “d” e do “c”.
Após o recreio, enquanto as crianças continuavam a fazer os exercícios, conversei
com a professora sobre a aprendizagem da escrita pelos alunos. Ela mostrou-me alguns
cadernos para observar o desenvolvimento de alguns alunos, e ficamos alegres vendo como
estavam apropriando-se da linguagem escrita (anexos 10, 11 e 12). A professora Rose dizia:
“a cada dia me surpreendo com a aprendizagem deles, é algo imprevisível, começam com
alguns rabiscos, mas sabem o que estão querendo dizer, e aos poucos vão conseguindo
expressar graficamente as palavras, e depois, as frases”. (Protocolo n.04, de 08/06/2006).
O desenvolvimento da escrita, em crianças, foi vista até pouco tempo atrás como um
estudo de interpretação de imagens, mas não como atividades rumo à escrita. Do “ponto de
vista perceptivo-motor”, a perspectiva estava, porém, na evolução do desenho, mas com o
surgimento dos estudos psicopedagógicos evidenciou-se a relação entre o desenho e a
lectoescrita. Após intensos estudos outras disciplinas também se envolveram nessa questão;
Sinclair (1990) enfatiza o resultado citando a contribuição de lingüistas crendo na
possibilidade que a escrita se desenvolve a partir do desenho. E essa história da escrita
corresponde de alguma forma ao desenvolvimento da escrita na criança (SINCLAIR,1990,
p.75).
Alguns psicólogos acreditam que das garatujas ao desenho da criança há evolução,
mas não no contexto da escrita. Nesse sentido Wallon (1951) afirma o seguinte: “O
desenho aparece espontaneamente; seu desenvolvimento baseia-se na interpretação que a
criança dá às próprias garatujas. A escrita aparece como uma imitação das atividades do
adulto” (apud SINCLAIR, 1990, p.77). A manifestação da criança com o desenho
enquadra-se na fase de construção do conhecimento intuitivo subjacente, que ocorre em
dependência do desenvolvimento do seu pensamento. Compreendo, nesse contexto, que o
percurso da criança à apropriação da lectoescrita, ora manifestando desenhos semelhantes à
escrita, ou a objetos reais, se processa ativamente de forma gradual e somente quem escreve
as garatujas consegue ler o que escreveu, porém, Sinclair (1990) acrescenta que:

(...) É somente depois de um prolongado conflito, e muitas vezes até que as


crianças já estejam no primeiro ano da escola primária e recebendo instrução

145
formal e lectoescrita, que dão o seguinte passo, ou seja, captar a idéia da
correspondência fonema-grafema, momento em que realmente penetraram no
sistema. Daqui por diante, podem ter problemas com a ortografia, porém já
recriaram o sistema (SINCLAIR, 1990, p.81).

Freinet (1977) enfatiza a possibilidade de uma comparação do desenho da criança à


evolução de sua expressão oral, como sendo tão simples e natural como a vida. Para ele, é o
resultado da:

(...) Experiência por tentativas, processa-se tanto para a linguagem como para o
desenho por intuição empírica e por comparação das relações entre as palavras,
entre os objetos e finalmente entre os elementos da ação. A ação tende a
desenvolver-se no sentido de atos conseguidos cuja repetição automatiza e fixa
em regras de vida (FREINET, 1977, p.93).

As garatujas para Freinet (1977), ou melhor, os desenhos das crianças, como ele
diz, não são exposições provisórias para serem admiradas momentaneamente, e apagadas
na memória. Para ele, constitui um testemunho de expressão pessoal que está em constante
progressão consciente e amadurecimento.
Ferreiro (1986) também considera as produções escritas das crianças em
alfabetização como algo verdadeiro e que traz significados sistemáticos, não segundo a
limitação dos rudimentos de decodificação. “As crianças podem usar letras como as nossas,
e escrever em outro sistema, assim como no início da aquisição da linguagem oral, podem
utilizar palavras da linguagem ambiental, mas com diferentes regras de combinação”
(FERREIRO, 1986, p. 88).
Quando a autora citada comenta sobre um pseudodiálogo74 ocorrido com uma
criança de quatro anos e meio, esclarece que a mesma tem o seu sistema de interpretação
para as suas produções que não é segundo a de um adulto. Sair dessa aprendizagem do
sistema da criança para o do adulto é um processo em construção, que não se adquire sem
intervenção, tanto se referindo à linguagem escrita como à linguagem oral.
A compreensão desse processo abre horizontes ao percurso do ensino-
aprendizagem, se torna mais claro e um passo a mais para novas conquistas.

74
Espécie de diálogo entre dois sistemas (o da criança e o do adulto) que não compartilham os mesmos
pressupostos, ou seja, quando a criança rompe os esquemas interpretativos do convencional, por exemplo:
diante dos vocábulos “boi” e “formiga” o “boi” pode ser a palavra maior para uma criança por ser um animal
maior do que a formiga.

146
O sistema da criança que Ferreiro (1990) menciona é aquele independente do nosso
convencional que está em fase de transição. A autora parece deixar claro que enquanto um
aluno não se apropria do sistema gráfico das letras, ele assinala o nome de alguma coisa, ou
seja, segundo o seu sistema, por exemplo, em um pseudodiálogo com uma criança a autora
observou que as “bolinhas e pauzinhos” denominavam a figura de um leão. Esse momento
está em evolução e indica que o nome está representando uma categoria do escrito diferente
de letras (FERREIRO, 1990, p. 113).

4.3 Práticas de Alfabetização: Predomínio da Concepção Sociointeracionista e


Construtivista

4.3.1 Terceira Escola - Sala A

Primeiramente me apresentei na coordenação para explicar o objetivo da pesquisa, e


sendo bem recebida introduziu-me na sala A dessa terceira escola75, com a quantidade de
18 alunos. A professora Léa é formada em Pedagogia com especialização em Metodologia
do Planejamento, e atualmente faz o curso do PROFA (Programa de Formação de
Professores alfabetizadores do MEC). Alfabetiza há 17 anos e diz usar vários métodos no
ensino de leitura e escrita. A sua trajetória profissional, em resumo, foi o seguinte:

Ela aconteceu não muito diferente de muitos dos colegas, porque, na verdade,
essa não era a minha intenção – trabalhar com a Educação. Eu achava que tinha
uma queda maior pelo Direito ou Psicologia. (...) Por incentivo da minha mãe,
(...) que me disse: “eu nunca te dei nada na vida, mas uma profissão eu posso te
dar, e então você vai estudar o magistério e ser uma professora”. Foi quando eu
fui pra me matricular no “Sagrado” e lá eu comecei a freqüentar o curso de
magistério (...) Daí pra cá eu consegui então me graduar no magistério, fiz o
vestibular para a Pedagogia e me graduei pelo campus de Rondonópolis. Fiz
especialização em Metodologia do Planejamento Educacional, e a minha prática
ela tem melhorado a cada dia, graças a ajuda dos meus colegas, ao incentivo de
minha mãe, dos meus filhos, e enfim, da minha família, e graças a minha vontade

75
É a Escola Municipal situada na Vila Paulista em Rondonópolis.

147
de vencer, mas é um desafio a cada dia, e às vezes eu me sinto incapaz, e eu
chego até a comentar com os meus colegas quando eu não vejo o trabalho a
render, porque, por mais que a gente queira ajuda, por mais que a gente dê conta
do recado, nós sempre precisamos da ajuda do outro. A gente quer sempre que o
outro avalie o nosso trabalho, que coloque os pós e os contras, e que oriente, mas
isso não acontece. Então tem hora que eu fico que frustrada, querendo saber de
mim mesmo, e perguntando se a forma como eu estou trabalhando, hoje, né,
lógico, que a gente não consegue fazer tudo perfeitamente, mas busca colocar em
conjunto toda uma prática tradicional com uma prática meio inovadora para tentar
dar o melhor de si, e é assim que eu faço (...). (Professora Léa).

A alfabetizadora diz que adota a concepção teórica do construtivismo e não usa a


cartilha em sala e, sim, algumas vezes, escolhe alguns exercícios para os alunos fazerem em
casa devido à cobrança dos pais em tê-la. “Uns sete alunos estão na fase alfabética, outros
na silábica e dois pré-silábicos, por enquanto, por isso mesmo preciso investir mais na
escrita; esses dias trabalharam muito a linguagem oral”, respondeu a professora quando
perguntei sobre o nível de aprendizagem da turma na construção da escrita, e como
avaliava o seu trabalho.
Ferreiro (1988) formula quatro estágios no percurso de construção do princípio
alfabético, de acordo com as hipóteses feitas pelas crianças no sistema da escrita, e em
resumo temos o seguinte:

1) Pré-silábico - esse período se caracteriza enquanto a criança não estabelece a


correspondência entre os fonemas e grafemas, pois o seu critério indica as formas de
representação simbólica. O seu nome e outras palavras significativas para ela são
prováveis a memorização.
2) Silábico - esse período é denominado silábico pela compreensão que a criança tem das
palavras pela constituição do número de sílabas, por exemplo, “mcc” podendo referir-se
ao vocábulo “macaco”, e se apenas as vogais foram exemplificadas seria “aao”.
Estabelece hipóteses pela compreensão dos fonemas já significativos a ela.
3) Silábico-alfabético - é o estágio intermediário entre o silábico e o alfabético, onde a
criança analisa a palavra em termos de sílaba e fonemas.

148
4) Alfabético - esse período a criança realiza a análise fonológica e consegue identificar a
diferença entre fonemas (som) e grafemas (letras), mas precisa enfrentar os problemas
ortográficos.

A professora tem como foco principal, várias opções metodológicas no sentido de


direcionar o aspecto significativo da linguagem oral e escrita, para facilitar o
desenvolvimento da criança. O parecer de Ribeiro (1993) se harmoniza a essa questão:

Um bom alfabetizador fará mais do que isso; ele procurará mostrar aspectos e
possibilidades da escrita não acessíveis à experiência imediata e conhecendo os
desafios cognitivos que seu aprendizado impõe à criança, tratará de dispor
procedimentos metodológicos que orientem e facilitem a sua superação
(RIBEIRO, 1993, p. 74).

A aula já tinha começado e percebi que as crianças nessa classe eram incentivadas à
prática de linguagem oral constantemente. Com a presença de uma visitante (eu, por
exemplo), cada aluno se levantava da carteira, fazia um resumo da sua vida cotidiana (nome
completo, família, residência, condução...) e sentava-se. Após as saudações, eles cantaram a
música “Cai, cai balão” e a professora retoma novamente as explicações da família silábica
da letra “C” – “ca-co-cu-cão”, e manda responderem as questões (anexo14). Essa
manifestação das crianças fez-me lembrar Freinet (1977), que em seu método natural
contempla um ensino voltado exclusivamente da expressão da vida da criança, e sua
correspondência se dava no ambiente escolar.
Para Ferreiro (1990), a criança deve ser direcionada à construção do conhecimento
na aprendizagem da linguagem oral e escrita, pois ela é “um sujeito que pensa. Um sujeito
que assimila para compreender, que deve criar a fim de poder assimilar, que transforma o
que vai conhecendo, que constrói seu próprio conhecimento para apropriar-se do
conhecimento dos outros”. Vejo nesse sentido que a apropriação do conhecimento requer
uma intervenção externa, no caso, o professor que induz a essa construção (FERREIRO,
1990, p.103).
No horário livre a professora Léa senta e conversa comigo explicando que o
enfoque adotado é o construtivista, mas, vários métodos são utilizados. A escola é

149
municipal e adota a proposta “Projeto Inovador” com o incentivo da Secretaria Municipal,
que organiza eventos e convida estudiosos de renome para darem palestras, sempre
acontecendo aos sábados, assim diz a alfabetizadora. E acrescenta:

O Projeto Inovador se baseia em um tema gerador, como exemplo: Folclore -


onde é estudado desde o ensino bíblico, localização no mapa, quando e como
aconteceu, e o que é; através de aulas expositivas especificando aquilo que faz
parte de um folclore inclusive as comidas. As crianças são incentivadas a lembrar
os nomes dessas comidas típicas, e nesse percurso as atividades pedagógicas são
inseridas no aprendizado da leitura e escrita. A cada aula é registrado o
diagnóstico do dia, em que os alunos escrevem num papel em branco um resumo
das atividades, e entregam a mim para detectar as deficiências e orientá-los à
correção (Professora Léa).

Essa conversa ocorreu em aula e os alunos ainda estavam respondendo as questões


no caderno. Percebi então que a cartilha não era utilizada pelos alunos em classe, e sim
como exercícios para casa76. Diz a professora: “A maioria já possui, somente dois alunos
novatos ainda não, porque aqui na vila sempre há entradas e saídas de alunos, e eles levam
a cartilha, e alguns ficam sem”.
Na introdução dessa cartilha, as autoras77 fazem uma apresentação convidando a
criança a ler e a escrever, a brincar, a conhecer os textos e autores variados, a desenhar e a
pintar, e a conhecer o universo da escrita; possui também indicações de leituras para alunos
e as alunas e sugestões de leituras para o professor (a). Eis os pontos principais: oficinas de
idéias, de linguagem oral, de linguagem escrita, oficina divertida e roda de avaliação. A
linguagem escrita da cartilha adotada é bem sugestiva e atraente. A professora não segue a
cartilha por achar a decodificação difícil para o nível da classe, que sofre constantemente a
entrada e saída de alunos devido a escola situar-se na periferia da cidade e a maioria dos
pais não possuírem residência fixa.
Sendo assim, um bom número de alunos não acompanha o ensino-aprendizagem
linearmente, mas de modo fragmentado, exigindo da professora uma retomada constante

76
O nome da cartilha é: Letra, palavra e texto – alfabetização e projetos, de Mércia Maria Silva Procópio,
Jane Maria Araújo Passos, ed. Scipione, São Paulo: 2001 (coleção Letra, palavra e texto).
77
As autoras são formadas em Pedagogia pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes.
PROCÓPIO (2001) é pós-graduada em Especialização do Pedagogo (Unimontes) e PASSOS (2001) é pós-

150
dos conteúdos. Por ser dinâmica e atenciosa consegue deixá-los ocupados na maior parte do
tempo, enquanto corrige um e outro na sua carteira.
A cartilha tem um pouco de cada coisa que possa agradar uma criança, como
exemplo: histórias em quadrinhos, textos que visam atrair a atenção da criança - sobre o
nome dela, ênfase ao mês das férias, folclore, plantas e bichos, histórias de vida, e em cada
texto há uma atividade interessante que auxilia na instauração de uma aprendizagem
significativa. As atividades seguem um projeto recheado de brincadeiras, idéias, ilustrações,
histórias, curiosidades, confecção de fantoches, receitas típicas para festas juninas,
sugestões, músicas e outros. Essa cartilha manifesta características que se apóiam nos
chamados “livros de alfabetização” como veremos a seguir.
É a partir de 1990 que os “livros de alfabetização” ou “propostas de alfabetização”
são lançados no mercado, estes “representam uma ruptura com o tradicional modelo dos
manuais didáticos voltados para o ensino-aprendizado inicial da língua escrita, como os
tradicionais pré-livros e cartilhas” (MONTEIRO, 2004, p. 201). A autora citada acrescenta:

(...) Esses novos livros didáticos renovaram a tradição desse gênero de manual,
apresentando uma nova abordagem da aquisição da língua escrita baseada em
dimensões discursivas dessa modalidade de língua, na variedade de gêneros e
tipos de textos e nos resultados das investigações científicas em torno dos
processos sociais e cognitivos com base nos quais a criança compreende o
funcionamento da escrita (MONTEIRO, 2004, p. 201).

Nesse sentido, Batista [2]78 (2004) salienta que as características do Plano Nacional
do Livro Didático – PNLD, se alteraram em 1996, mas foi criado em 1985. A avaliação dos
livros didáticos ocorreu em 1996 para serem distribuídos no território nacional em 1997,
para o ensino fundamental público brasileiro. Eis a exposição por detalhes sobre esses
livros segundo o autor citado:

As obras devem propiciar situações de ensino-aprendizagem adequadas,


coerentes e que envolvam o desenvolvimento e o emprego de diferentes
procedimentos cognitivos (como a observação, a análise, a elaboração de
hipóteses, a memorização). Realizada, inicialmente, pela SEF79, com a
coordenação de docentes universitários e contando com equipes ligadas a essas

graduada em Psicopedagogia e pós-graduada em Alfabetização pela Pontifícia Universidade Católica de Belo


Horizonte- MG (PUC-BH).
78
A categoria Batista [2] (2004) se refere ao autor em uma outra obra com a mesma data.
79
Secretaria de Educação Fundamental.

151
instituições, a avaliação vem sendo desenvolvida, desde 2001, sob
responsabilidade direta de universidades públicas, sob supervisão dessa
Secretaria do Ministério (BATISTA, 2004, p. 11).

As gravuras de enfeites, na sala em observação, são de incentivos aos cartazes


didáticos, atraindo a atenção às letras do alfabeto coladas acima do quadro de giz. São
coloridas e maiúsculas além de outras gravuras de letras em formato maiúsculo e
minúsculo, acompanhadas com figuras correspondentes e as famílias silábicas, que estão
fixadas na parede lateral. Paralelamente, há cartazes grandes de números de zero a dez, em
tamanho grande, e um outro escrito em vinte vagões de um grande trem colado na parede.
O exercício escrito pela professora no quadro, e ao mesmo tempo mimeografada
para os alunos, é a continuação da palavra geradora “Folclore”. Há questões para os alunos
que não conseguiram apropriar-se da escrita, que estão em fase de “construção da escrita”,
ou seja, na fase pré-silábica, e para esses é dado algumas revistas para recortarem as letras
que estavam sendo estudadas. Ao todo são dez alunos na classe (8 faltaram) e eles são bem
comportados.
As letras são estudadas no projeto da palavra geradora, e o “diagnóstico” é para todo
o dia – uma retomada ao ensino das famílias silábicas, contas de matemática e daquilo que
o aluno apropriou naquele dia de aula; toda a classe tinha que apresentá-lo individualmente
à professora para averiguar o que aprendeu no dia.
Confesso que fiquei impressionada com essa terceira escola por ser de periferia,
numa Vila afastada de Rondonópolis, mas que possui uma equipe coesa e disposta para
oferecer aos alunos um ambiente agradável, atraente e didático, dentro dos limites cabíveis.
Contemplo esse quadro considerando as contribuições de Vygotsky (1994), ao mencionar
que, quanto ao nível de desenvolvimento real a criança consegue resolver questões por si
mesmas; mas, quanto à zona de desenvolvimento proximal as funções mentais ainda não
foram amadurecidas, e para isso, é necessário um ambiente propício à interação social,
exatamente como se percebe nas duas salas de aulas nessa escola: A e B. Ribeiro (1993)
enfatiza essa questão:

(...) O “bom ensino” implica trabalho nos dois extremos da zona de


desenvolvimento proximal: implica tanto indicar caminhos e oferecer modelos
que orientem a atividade cognitiva de aprendiz quanto criar situações que exijam

152
que ele atue por sua própria conta, ampliando seu nível de desenvolvimento real
(RIBEIRO, 1993, p. 77,78 – grifo da autora).

(Protocolo n. 5, de 02/08/2006)

Após o recreio encontrei escrito no quadro o tema: “Saci Pererê”, e a professora Léa
comenta sobre esse personagem do “Sítio do pica-pau amarelo”80, sendo “um negrinho de
uma perna só, que fumava cachimbo e era muito travesso”, e escreve no quadro para os
alunos copiarem, pronunciando cada palavra para repetirem também. Antes da cópia a
professora havia perguntado se eles sabiam sobre esse personagem, alguns respondiam que
viram na televisão e um menino o imitou pulando com uma perna só. Uma menina
perguntou a “tia” se existia saci e a professora dizia que foi criação de um autor chamado
Monteiro Lobato, e em seguida pede para copiarem logo.
A turma estava estudando a família silábica do “S” : SA- SE – SI- SO- SU - SÃO, e
a música era “Cai, cai balão!”81. Eis a letra para copiarem também:

Cai cai balão


Cai cai balão
Na rua do sabão
Não cai não
Não cai não
Não cai não
Cai aqui na minha mão.

Explica sobre os fonemas semelhantes ao “ÃO”, e exemplifica vários vocábulos que


rimam com “balão” (mão, são, sabão...). Em seguida, entrega uma folha mimeografada82
(anexo 14) para eles recortarem e colarem nos cadernos antes de responderem. Nesse
momento, a professora descobre que um aluno tem problemas com a dicção (é um aluno
novato) e não consegue responder o exercício. Chama-o para a sua carteira e orienta-o a
cortar as letras do nome dele de umas revistas e colá-las no papel em branco. Enquanto isso

80
Programa Infantil da Rede Globo de Televisão.
81
Cantiga folclórica
82
Essa atividade foi repetida na aula duas vezes, porém, dessa vez foi necessário o trabalho de recorte e da
colagem.

153
despacha os alunos que terminaram para o ensaio da festa junina83 e ajuda alguns com
problemas na linguagem escrita. O aluno que apresentava problemas de dicção reagiu
alegremente ao sentir que estava aprendendo a montar o nome dele e outros da família
também.
Ferreiro (1999) ao fazer um esquema sobre o processo de alfabetização cita alguns
pontos que se encaixam a aula anterior, como: “Permite-se e estimula-se que as crianças
tenham interação com a língua escrita nos mais variados textos” (...) “Não é de imediato a
aprendizagem”. (...) “É precisamente a transformação e a recriação que permitem uma real
apropriação” (FERREIRO, 1999, p. 45, 47). Em resumo, a autora salienta que os bons
resultados em alfabetização acontecem quando a criança recebe todo tipo de estímulos para
entrar em contato e interessar-se pela língua escrita

(Protocolo n. 08, de 07/08/2006).

Em outra aula, as professoras Léa e Mel e as salas A e B estavam unidas nesse dia.
O propósito era reforçarem melhor ao planejamento da aula, e trabalharem com os mesmos
objetivos. E assim foi feito.
Alguns cartazes de cantigas infantis foram fixados nas paredes, como exemplo:
“Onde está a Margarida”, “Pai Francisco”, “Ai bota aqui o meu pezinho”, “Pula, pula, pula
o saci”. As carteiras são agrupadas nos cantos da sala para a turma fazer um grande círculo
e cantarem as músicas de mãos dadas. E assim, professoras e alunos cantam juntos fazendo
os gestos necessários para encenar a letra das músicas, e pulavam com uma perna só ao
representar o saci. A alegria era contagiante, mas ao perceber o cansaço de todos os alunos,
as professoras orientaram a eles respirarem fundo e expirarem devagar para descansarem
um pouco.
Logo após, a professora Mel escreve a palavra “folclore” no quadro para as
crianças falarem o que aprenderam até aquele dia, e as respostas foram várias: “É uma
dança”, “brincadeira”, “comida”, “cantigas de roda”, “roupas”, “rezas”, etc.. Nesse
contexto foram adicionadas as explicações às citações dos alunos. Em seguida, a professora
Mel escreve o título “região sudeste” com a letra bastão, e explica que é banhada pelo

83
Eles iriam apresentar tardiamente por não ter dado tempo para ensaios.

154
oceano atlântico e cita o nome dos estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Espírito Santo. A professora Léa fixa um grande mapa do Brasil ao lado do quadro de giz,
para os alunos identificarem os estados e aponta no mapa cada estado mencionado e
pergunta: “Quem nasce em São Paulo é?” Assim, todos os estados foram mencionados e os
alunos respondiam com as correções feitas pelas professoras.
Observo nessa aula a intertextualidade presente na prática pedagógica, momentos
em que a leitura e a escrita são elaboradas visando proporcionar o desenvolvimento da
expressividade, do uso funcional da linguagem, da leitura e da reflexão sobre o mundo, no
caso – geografia. A representação entre os interlocutores, na interação social, é importante
nessa fase de ensino, pois, as crianças demonstram um enorme empenho e esforço na
produção de texto. Smolka (1993) enfatiza essa questão:

O que a análise dessas instâncias começa a nos apontar é a dimensão


interdiscursiva, a importância da relação dialógica no trabalho simbólico da
escritura. É a emergência da escritura como prática discursiva. Enquanto
internaliza a “dialogia” falando com os outros, a criança vai também elaborando a
escrita como uma forma de diálogo (SMOLKA, 1993, p. 74).

Após o período das perguntas, a classe é organizada em dez grupos e a professora


Léa traz uma caixinha com fichinhas contendo perguntas de adivinhações para os alunos
lerem e responderem em equipe, e todos se unem para ler e descobrir as adivinhações.
Percebi o esforço que a turma fazia para tentar ler o enigma, porém, alguns alunos não
dominavam a leitura e se concentravam em soletrar as sílabas das palavras juntamente com
os outros que já sabiam.
Passado alguns minutos de leitura, a professora Léa mostra a caixinha novamente e
explica-lhes que cada fichinha tem um número que seria mencionado por ordem, para que a
equipe sorteada viesse ao centro da sala se apresentar. E assim, perguntou a primeira
equipe: “O que é o que é que tem escama e não é peixe, tem coroa e não é rei?” A equipe
lia em coro e alguns alunos sentados respondiam: “abacaxi”. E a professora Mel escrevia
no quadro a palavra, soletrava e batia palmas em cada sílaba pronunciada; enfatizava a
pronúncia várias vezes e perguntava a quantidade de letras e de sílabas da palavra soletrada.
A próxima: “Enche uma casa, mas não enche uma mão?”, “botão”, respondem. E assim
sucedeu com cada pergunta sorteada nas equipes.

155
Terminadas as adivinhações, um aparelho de som é ligado para as crianças
aprenderem à melodia da música que não sabiam ainda. Exemplos:

Pai Francisco entrou na roda, tocando seu violão, vem de lá seu delegado e Pai
Francisco foi pra prisão, como ele vem se requebrando parece um boneco
desengonçado (Cantiga de roda).

A linda rosa juvenil, juvenil, juvenil, vivia alegre no seu lar. Mas um dia veio a
feiticeira muito má, que adormeceu a rosa, bem assim, o mato cresceu em redor o
tempo passou a correr. Um dia veio um belo rei e despertou a rosa, bem assim, o
povo passou a cantar. (Cantiga de roda).

Ao dominarem as músicas, as professoras fazem um círculo com os alunos e


brincam de “roda”, com um aluno representando o “Francisco” e um outro o “delegado”.
Foi muito engraçada a encenação; logo em seguida cantam “A linda rosa juvenil” e
encenam também, fazendo o mesmo com as cantigas: “Onde está a Margarida” e “Ai, bota
aqui o meu pezinho”.
As equipes retornam aos seus lugares e a professora Léa mostra novamente a
caixinha para o próximo sorteio que continha os “trava-línguas” e os “provérbios” para eles
estudarem, copiarem na cartolina e fixarem nas paredes para apresentarem depois. Alguns
exemplos: “O rato roeu a roupa do rei de Roma” (trava-língua), “Dei com o rabo na cerca”,
“Fábio lavou a égua” (provérbios). Depois da leitura em grupo, cada frase é fixada na
parede pelo próprio grupo, apresentada em coro, e logo após deveria ser caracterizada
através de um desenho no caderno, individualmente.
Em seguida, um exercício mimeografado – contas de matemática - é colado nos
cadernos e entregue aos alunos para fazerem em casa (anexo 15).
Essas duas salas de aula apresentam um quadro variado de procedimentos no
ambiente escolar, propício ao desenvolvimento cognitivo, afetivo, lingüístico e a uma
avaliação reflexiva das realizações dos alunos. Como diz Wells (1990), o ambiente em que
se instauram práticas de alfabetização numa demonstração do pensamento letrado, capacita
os alunos a enfrentar diferentes tipos de textos. (Protocolo de n. 20, de 13/09/2006).
Em outro dia de aula, a professora Léa arruma as carteiras, juntamente com os
alunos, de forma a deixar o centro da sala livre. Convida-os a sentarem no chão e a
conversarem com ela sobre a aula anterior. Sobre a educação física, um aluno levanta o

156
dedo e diz que a turma brincou no dia anterior de “chicotinho queimado” com a professora
Mel. Nesse momento a professora Léa explica a turma sobre a diferença entre brincar e
estudar, e pergunta se eles sabem o por quê; algumas crianças interferem e dizem “estudar é
aprender a ler e escrever e brincadeira é para brincar”. Um menino fala como constrói uma
“pipa”, e todos prestam à atenção, “pega uma linha e amarra no palito e no papel”. A
professora entusiasmada diz que “estudar também é conversar”. E prossegue: “a gente vem
à escola pra conviver com outras pessoas, e também com a escrita”.
Nesse momento, a coordenadora entra com as camisetas da escola, doada pelo
município de Rondonópolis, com a inscrição “Secretaria Municipal de Educação” nas
costas, e à frente “Prefeitura de Rondonópolis, Construindo Cidadania”. Após todos
vestirem as camisetas, a professora aproveita para ler o distintivo, estudar as letras com os
alunos, e dar ênfase na pronúncia e na quantidade de sílabas.
Em seguida, a professora relembra a música que os alunos aprenderam no dia
anterior “Eu sou pobre” (anexo 16) e comenta sobre a apresentação que farão na festa do
folclore, que seria no dia posterior. Para essa turma ficou a responsabilidade de estudar
sobre os estados da região sudeste: São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais, e assim, faz uma recapitulação de cada capital correspondente desses estados até
eles confirmarem que aprenderam. E a professora continua: “nesses estados existem
costumes da região, por exemplo: macarronada, lasanha em São Paulo por causa dos
imigrantes italianos; Espírito Santo e Minas usam muitos produtos de leite e muita
caipirinha”. Nesse momento um aluno levanta o dedo e diz que o irmão mais velho faz
essa bebida “com pinga, limão e gelo e depois bate”. E a explicação prossegue: “Todos nós
somos bonitos desde bebês, mas ficamos feios quando fazemos coisas erradas, como
roubar, fumar, matar, usar drogas... O que faz a gente ficar feia são as atitudes más”.
Logo após, cada aluno fala o que está entendendo ou o que deseja falar. Uns falam
que há muita violência no trânsito, falta de respeito com o próximo. Outra, fala que vê na
cidade pessoas comendo lixo. Um garoto disse que viu um bandido correndo da polícia e
viu também no jornal. Uma criança disse que deixou a sua bicicleta no quintal da sua casa e
alguém roubou. Sendo assim, a professora resume dizendo que “em todos os lugares têm
pessoas más e boas, aqui em Rondonópolis e nesses estados também”.

157
Em seguida, é feita uma retomada de todas as apresentações previstas para a festa
do folclore que seria no dia posterior, e em ordem, foi relembrado o seguinte: as
encenações do “Eu sou pobre”, “Pai Francisco”, “Ai bota aqui o meu pezinho”; a
brincadeira do boi, onde – três meninos participam um representando o cavalo, outro o boi,
e um outro o cavaleiro, que encenam o enlaçamento do “boi”; e também os pratos típicos
das regiões que foram estudadas, para os alunos trazerem para a escola (arroz doce, queijo,
doces em geral, etc..).
Em especial, a professora enfatiza a necessidade de todos participarem na festa do
folclore e explica-lhes sobre um pequeno teatro de mímicas: “A casa sonolenta”84. Depois,
coloca um grande pano no chão da sala para representar a “casa da vovó”, e convida
aqueles que não estavam incluídos nas apresentações. Uma criança se manifesta para narrar
à história enquanto outros escolhem ser os personagens da cena; e a peça é ensaiada: uma
“vovó” deita e dorme, e em seguida o “neto”, o “cachorro”, o “gato”, o “rato”, e a “pulga”;
todos encostam as cabeças uns nos outros, e a pulga “morde” o “rato” acordando um por
um até acordar a “vovó”, e assim termina a encenação.
As adivinhações são mencionadas para os alunos responderem logo após: “o que é o
que é mesmo atravessando o rio não consegue molhar”, “ponte”, alguns respondem. “O que
é o que é uma caixinha de bom parecer, e não há carpinteiro que possa fazer”, e nessa
resposta a própria professora respondeu por ser difícil, “amendoim”.
Duas crianças vão à frente para treinarem os trava-línguas, “o peito do pé do Pedro
é preto” e “o doce perguntou para o doce qual é o doce que tinha mais doce? E o doce
respondeu que é o doce de batata doce”. Outra criança vai à frente para recitar “o rato roeu
a roupa do rei de Roma”. (Protocolo n. 24, de 21/09/2006).
Em outro dia de aula, as professoras Léa e Mel unem as turmas para o ensaio geral
sobre o folclore. Várias crianças vão à frente recitar os versinhos já ensaiados, e todas as
anteriores apresentações são repassadas novamente.
Terminados os ensaios, os alunos recebem uma folha em branco para eles
desenharem a história da “casa sonolenta” e escreverem a história ao lado. Confesso que
juntamente com as professoras, surpreendemos com as atividades dos alunos (anexos 17 e

84
A Casa Sonolenta, de Audrey Wood, 8a ed., São Paulo: Editora Ática, 1994.

158
18), e compreendemos como é importante propiciar aos alunos um ambiente onde o
letramento, o lúdico e a interação social fazem parte da rotina em sala de aula.
Relaciono esses momentos com os estudos de Smolka (1993) quando diz que a
aquisição da linguagem escrita em crianças na fase de alfabetização se evidencia uma
progressão em termos de desenvolvimento de noções infantis sobre a escrita, e ela vai
sendo alterada e transformada em função dos contextos de interação, informação e ensino
no contexto escolar. (Protocolo n. 25, de 21/09/2006).

Na aula seguinte, a professora Léa escreve um exercício no quadro para os alunos


copiarem, pois, “é preciso treinar mais a linguagem escrita”, afirma ao explicar sobre o
empenho da linguagem oral nesses dias com as duas classes. Eis o exercício:

1) Conte as letras:
PÉ___________RATO_______MACACO_________BORBOLETA__________
TIO____________VIOLA______________SABONETE___________________

2) Leia e desenhe:

Peixe________________________Gato____________________Cachorro_____
________
Porco_______________________Cobra___________________Tatu__________
________
Boi_________________________Abelha__________________Ovelha________
_______

3) Leia e desenhe a música (anexo 19)


4) Junte as sílabas:
Pei-xe_________________________Ca-chor-ro____________________
Ga-to__________________________E-le-fan-te_____________________

Enquanto os alunos respondem esses exercícios, a professora auxilia os dois que


estão na fase pré-silábica e senta no chão com eles. Estuda o alfabeto através de um jogo de
quebra-cabeças para montar palavras juntando as figuras às letras correspondentes,
exemplo: “L” de “leão” (figura). Enquanto eles armam esse jogo, ela vai à frente da sala e
canta uma música “o cravo brigou com a rosa” e explica-lhes o significado de algumas
palavras desconhecidas como “sacada”, e canta-se a música novamente. Logo após,
continua cantando o trecho não escrito: “palma, palma, palma, pé, pé, pé, roda, roda, roda,

159
caranguejo peixe é”, e todos fazem os gestos da música. Em seguida a professora pergunta:
Como o cravo brigou com a rosa se ele era uma flor? Como aconteceu? E cada criança
responde de um modo, “ele tomou pinga”, “a rosa ficou desmaiada”, e a professora
comenta, “eu creio que os espinhos da rosa feriram o cravo, e ele ficou doente. Quando a
rosa foi visitá-lo ele desmaiou e ela pensou que ele morreu...”. Assim, as crianças aceitaram
essa última versão da história e continuaram a responder as atividades, enquanto a
professora troca o jogo dos dois alunos pelo alfabeto móvel para eles criarem palavras, e
em seguida explica o próximo exercício de matemática mimeografado (anexo 20)
(Protocolo n. 27, de 25/09/2006).
Em outra aula, a professora Léa havia copiado o seguinte exercício:

1- Veja esse quadro das vogais e circule-as no folder das casas


Pernambucanas (anexo 21 )
A a_________ E e__________I i___________O o_________ U u
A a _______E e _______I i ________O o_______ U u

2- Qual é a letra que começa?

2- Leia, desenhe e conte as letras:


Estrela_________Olho__________Um _____Ilha_______Anel________

3- Escreva o alfabeto:

Cada questão é explicada pela professora, para continuar a treinar “a linguagem escrita,
pois a oral foi muito trabalhada nesses dias”, argumenta, e em seguida soletra e conta todas
as letras dos vocábulos juntamente com os alunos. Ainda, respondendo essas questões, a
professora arruma as carteiras no canto direito da sala e todos são chamados a sentarem no
chão para uma conversa. Chama a atenção daqueles alunos que não obedeciam, falavam
palavrões, e enfatiza a necessidade de eles levarem a sério as atividades e melhorarem os

160
comportamentos nas aulas, porque muitos ainda não conseguiam ler e escrever
corretamente; em seguida me pede ajuda para copiar nos cadernos dos alunos, uma
atividade que eles deveriam trazer memorizada no dia posterior. Eis a atividade:

NÚMEROS:

0 – 1 –2 –3 – 4 –5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 – 11 – 12 – 13 – 14 – 15 – 16 – 17 – 18 –
19 – 20

ALFABETO:

A-B-C-D-E-F-G-H-I-J-K-L-M-N-O-P-Q-R-S-T-U-V-W-X-Y-Z

VOGAIS:

A a______Ee_____ ___Ii__________Oo__________Uu___________

SEU NOME:

(Protocolo n. 29, de 27/09/2006).

Em todas as observações anteriores, a professora estava muito envolvida com o


projeto Inovador, e não sobrava tempo para a gravação da sua fala, então escolhemos uma
tarde específica, mais tranqüila, após o término do projeto. Nesse dia, havia dez alunos na
sala, estavam em um número bastante reduzido, o qual facilitou as gravações com a
professora. Logo abaixo enfatizo o desenvolvimento da entrevista nesse dia. A professora
havia explicado sobre a sua formação profissional, e estava entusiasmada com o PROFA,
então lhe pedi que explicasse sobre esse curso, comentasse sobre a sua importância e de
novas direções em como trabalhar a alfabetização quanto à leitura e a escrita:

No PROFA a gente aprende muita coisa em relação à questão da leitura e da


escrita convencional e não convencional da criança. Aprendemos também a
distinguir os vários níveis de escrita, né, as hipóteses silábicas, não silábica com
valor sonoro, fazer a análise escrita do aluno, tipo assim, a criança quer escrever
“gato”, então nessa atividade que estamos fazendo hoje85, são alunos da primeira
fase, de repente pode até achar que a gente ta fazendo que é um texto, onde eles
vão ter que substituir o desenho pelo nome, reescrevendo o que está escrito, tal
qual, e no lugar do desenho ele colocar o nome. Se ele lê lá “bode” o desenho é o
bode e ele escrever o “b” e a letra “d”, então, bode começa com a letra “b”, então
ele já sabe que a família silábica, (...) que a letra “b” é associada á vogal “o” daí
esse som, e se ele coloca a letra “b” e a letra “d”, e lê “bode”, ele ta num
determinado nível de escrita. Ele já está começando a cumprir as suas hipóteses.

85
Ver anexo (22 ).

161
Que a mesma coisa é se ele escrever “pata”, se ele colocar a letra “p” e a letra “t”,
ele lê o “p” com “pa” e o “t” “ta”, é a forma como ele escreve então. O que é que
eu tenho que fazer com ele? Eu tenho que fazer intervenção, eu tenho que
começar a questionar se a letra “p” com a letra “t” realmente se lê “pata”, o que
se faz com a sílaba “pa”, que vogal eu preciso juntar com a consoante para dar
esse som, porque cada consoante tem um nome, tem um som, mas ela juntada a
uma vogal vai dar uma pronúncia diferente, então é isso (Professora Léa).

Quanto às intervenções realizadas no ato correção na construção da escrita na


criança, a alfabetizadora esclarece que antes era tudo mais complexo, e não entendia como
corrigir corretamente o aluno, hoje, a sua prática pedagógica mudou muito, vejamos:

No começo da minha prática eu não fazia a intervenção, eu simplesmente


corrigiria como errado. É como se fizesse um ditado e a criança no lugar de
escrever bola , escrevesse “bl”, eu escrevia errado. Eu fui orientada dessa forma
lá no magistério, lá na faculdade, na pós-graduação a gente não aprende isso. O
quê que aconteceu? De lá pra cá, o que a gente vem, é tendo oportunidades de
refletir a prática de uma forma diferente que é relacionar a teoria e prática. Que
uma coisa é você lê as teorias e ficar com elas para você e muitas vezes não
compreender e ficar por isso mesmo, outra coisa é trazer essa teoria para a
prática. E o PROFA nos proporcionou exatamente isso (Professora Léa).

A alfabetizadora comenta que na sua concepção tradicional, na ânsia de ensinar as


respostas certas aos alunos para as tarefas previstas, não tinha compreensão do processo de
construção mental dos conceitos que ocorria neles, corrigia-os de forma característica à
uma avaliação que reprova e não inclinada à reflexão do processo de aprendizagem
segundo os princípios do construtivismo.
Ao contemplar o ensino associacionista, hoje considerado “tradicional” por muitos
estudiosos, Ferreiro (1979) menciona que este modelo era baseado em estudos que se
ocupavam predominantemente do léxico, a quantidade e variedade de palavras utilizadas
pela criança eram classificadas segundo as categorias da linguagem adulta (verbos,
substantivos, adjetivos, etc.). Essa questão é analisada pela autora concluindo que: “(...)
Ningún conjunto de palabras, por vasto que sea, constituye de por si un lenguaje: mientras
no tengamos reglas precisas para combinar esos elementos, produciendo oraciones
aceptables, no tenemos aun un lenguage” (FERREIRO,1979, p.21). Nesse âmbito, busco

162
uma reflexão da prática pedagógica da alfabetizadora quando era baseada nessa concepção,
e a resposta foi:

Trabalhando de uma forma tradicional com a cartilha debaixo do braço né.


Atividades tradicionais com a cartilha Alegria do saber, livro de matemática1,
mas eram aquelas cartilhas bem tradicionais mesmo de repetição e de
memorização, então não tinha inovação na nossa prática. O que a gente fazia
muito era brincar com os alunos, mas brincar com os alunos de uma forma não
muito próxima né, porque a gente não tinha o conhecimento de hoje. Apesar do
incentivo, porque a gente tinha na época, na escola, uma coordenação muito boa,
mas mesmo assim aquela prática tradicional que a gente pela qual nós passamos,
enquanto alunos, a gente acabou colocando em prática na nossa profissão.
Também no início daí pra cá (Professora Léa).
Protocolo n. 32, de 22/11/2006

A alfabetizadora está consciente do ensino que empregava em sala de aula, pelo


qual recebeu orientações enquanto aluna. Uma forma mecânica de prática pedagógica que
induzia à memorização sem compreensão, mas que deixa claro a falta de inovação.
Entre as alfabetizadoras nessa pesquisa, há menções aos PCNs de caráter muito
geral quanto às orientações, voltadas para aspectos formais como a carga horária ou a
distribuição de disciplinas, concursos, etc. São itens genéricos, não detalhando
conhecimentos e competências específicas. Quando perguntei a professora sobre a
formação continuada, ela respondeu o seguinte:

As formações, elas são imprescindíveis, porque com o MEC nós somos


preparadas para que? Para a competitividade e é para isso que a gente prepara o
nosso aluno, para a vida social, familiar, social no trabalho, no lazer, mas a gente
enquanto profissional, nós temos que pensar no aluno nessa forma como cidadão
capaz de desenvolver suas habilidades críticas, criativas e viver no meio
diferenciado do meio familiar. E em relação à questão da competitividade, (...)
nós fizemos um curso de alfabetização organizado pelo MEC, que é o PROFA –
Programa de Formação de Alfabetizadoras, que é um curso de 180 horas, um ano
de curso. Foi um curso muito bom (...) nós acabamos revendo, refletindo,
analisando a nossa prática, discutindo realmente com os colegas da rede (...) foi
um estágio fora da sala de aula, e foi um curso que nos deu a oportunidade de
relacionar a teoria e a prática, fazer essa relação, essa ponte (...) porque lá éramos
alunos (...) e as tarefas tinham que ser desenvolvidas na sala de aula. Então, o
nosso laboratório era a sala de aula (...) Então, a formação continuada ela é
imprescindível na área da Educação (...) porque ou você se prepara mesmo,
continua se atualizando, né, (...) ou você ta fora porque infelizmente vivemos
num mundo competitivo, seja em qualquer área (...). (Professora Léa).

163
No contexto da formação continuada, Nóvoa (2006) enfatiza a necessidade de o
professor refletir a sua experiência na sua profissão, assunto que no Brasil ainda há lacunas
a preencher ao alicerce profissional como frisou Soares (1985) há mais de vinte anos,
especialmente no que concerne a alfabetização. E ao comentar sobre a formação
continuada, perguntei a alfabetizadora Léa se percebia a diferença na sua prática em sala de
aula; se a formação dela proporcionou mudança. Eis a sua resposta:

Proporcionou. Existe uma diferença entre proporcionar essa condição, e aí você


aprender e colocar em prática, e você pegar essa experiência e ficar com ela pra
você. É como você pegar uma receita de bolo, lê e não saber executar. A minha
professora Soraiha, uma vez, ela colocou numa atividade minha o seguinte: “Seu
aluno é uma mala de viagem?” Isso me marcou, porque eu coloquei “bagagem”
no meu texto. Então eu não sou uma mala de viagem, né, porque é uma
experiência cheia de bagagem, mas que bagagens são essas? Será que eu tô dando
conta pra botar em prática toda essa bagagem que eu tenho nessa “mala”? Eu tô
me perguntando porque eu acho que eu preciso de ajuda (...) Eu preciso de ajuda
para ajudar meus colegas e quem pode me ajudar? Não adianta você falar pra
mim, eu posso te ajudar se você só me escuta, ou se você dizer eu posso te ajudar
e diz: leia esse livro. E daí? Eu leio. Mas, como é que eu vou executar tudo isso?
E a mesma dificuldade que eu tenho, eu creio que os outros colegas também têm,
com uma diferença, eu falo pra qualquer uma porque eu sou limitada. Então toda
essa experiência que eu tenho, só tem me feito refletir (Professora Léa).

Continuando, perguntei-lhe se tinha percebido mudanças da sua prática do antes e


depois, no contexto das novas concepções de conceber a linguagem escrita e falada, e como
lidava com essa questão que se insere na perspectiva de procedimentos didático-
pedagógicos segundo a teoria construtivista. A alfabetizadora responde:

Eu tenho percebido mudanças, e sim para melhor, mas quando eu vejo, ou eu


penso que já fiz de tudo com o aluno e aí ele não tem progresso eu chamo a
família, e a família não observa a tarefa, não comparece na escola, menino falta
na escola, você manda saber por que, não retorna, tira o menino da escola e não
conversa com a gente, entendeu?
Eu acho que a família, quando ela colabora a criança vai, e a minha sala é como
você viu, os pais entram e saem a hora que quer e entra dentro da sala e ajuda os
filhos, eu não to nem aí, eu quero que eles façam isso mesmo, se pudesse vim
todo o dia seria uma boa, mas não acontece com todos, e a criança que tem
acompanhamento da família, mesmo que seja uma vez por semana a cada cinco
minutos, ela rende.
A teoria construtivista ela veio para melhorar, veio para ajudar a quem quer,
porque precisar, todos nós precisamos, mas vai de cada um de nós, é preciso ter
compromisso, responsabilidade, atividade, e acima de tudo querer. Há
profissionais e há aqueles que se propõem mudanças, buscas, e aqueles que
sonham a mudança e ficam parados. Eu acho que até o presente momento eu

164
tenho me colocado à disposição dessa mudança, mas eu tenho ido em busca. Só
que muitas vezes, como eu coloquei já a pouco, eu me sinto limitada, eu fico
desesperada, eu choro, quando o aluno escreve um texto, uma palavra, eu saio
gritando de porta em porta pela minha satisfação, porque eu vejo que não só eu,
mas principalmente o meu aluno alcançou um resultado, por mínimo que seja,
mas eu fico revoltada e choro, decepcionada comigo quando a coisa não tá
caminhando e aí as portas estão fechadas para você (Professora Léa).

Em algum momento da explanação, a professora Léa desabafou comigo quando


expressou que “os pais entram e saem a hora que quer e entra dentro da sala e ajuda os
filhos, eu não to nem aí, eu quero que eles façam isso mesmo, se pudesse vim todo o dia
seria uma boa, mas não acontece com todos...”; na realidade, o seu desejo era de que os
pais se esforçassem a acompanhar os filhos, mas na verdade, ela exigia hora marcada para
que todos os alunos fossem visitados por eles. Por ser muito extrovertida, não media muito
as palavras na entrevista, simplesmente as corrigia pedindo desculpas se “falou até
demais”; porém, nos momentos de dificuldades, buscava sim, apoio dos pais, por senti-los
muito distantes dos filhos e até mesmo sem compromisso com a educação deles. E o seu
desejo era de vê-los acompanhando-os nem que fosse por alguns minutos, pois, pelas
experiências já obtidas com alguns pais, descobriu que esses alunos progrediam com mais
facilidade do que os que não recebiam visitas.
Ao comentar sobre uma pesquisa etnográfica de Gomes (2004), que relata fatos
interessantes ocorridos numa escola em Londrina no Paraná sobre a corporeidade e o
lúdico, apresentei à professora Léa uma sugestão e lhe fiz uma pergunta: O setor
educacional deveria convergir mais atenção a essa área, condizente com a necessidade
corporal da criança e não somente espiritual. Como você concebe a atividade lúdica na sala
de aula, considerando que essa prática é inusitada na maioria das escolas?

Na realidade, o que ocorre é assim, a preocupação no meu ponto de vista, nesse


sentido, de não trabalhar o lúdico com as crianças é pela questão do medo, não
dominar, perder o domínio e o controle do comportamento, né. Então se nós, já
adultos, é difícil manter o controle do nosso emocional de forma rigorosa, né,
sem conseguir mexer na cadeira, ficar sem conversa, sem fazer uma piadinha, se
para nós que somos adultos e conscientes isso é difícil, imagine para uma criança
que está em plena fase de desenvolvimento, e que não tem a preocupação que nós
adultos temos da vida particular, né: contas a pagar, família para sustentar, o
horário a cumprir, né, todo uma preocupação mais do adulto mesmo. A criança
não tem nada disso, e isso não significa que estou dizendo no sentido de que a

165
criança não tenha a capacidade de compreender o mundo em que ela está
inserida, do contrário, eu tô dizendo que ela é capaz sim, e acima de tudo com
responsabilidade, mas ela é uma criança, e a criança precisa de brincar, tem
necessidade de conversar, de visitar o coleguinha na carteira, né. Ela desenvolve
o seu potencial junto com o outro, e ela precisa dessa convivência, precisa dessa
movimentação, e o lúdico, para ele ser trabalhado com as crianças na escola, não
somente dentro, mas também fora da sala de aula, ele precisa ser planejado. Eu
sou contra esse trabalho lúdico de uma forma não planejada. Agora, brincar por
brincar, pintar por pintar, copiar por copiar, ai não dá. O lúdico tem que ser como
qualquer outra atividade, planejada, dentro do contexto. (...) Tem que ter o
cuidado na escolha das brincadeiras, a forma como você trabalha o lúdico e nunca
poder ser uma atividade voltada para o individual, você não pode centrar só no
aluno, você tem que se envolver (Professora Léa).

Os argumentos da professora, se relacionam com a abordagem de Vygotsky (1993)


sobre o aprendizado ser processado de forma organizada, para que haja na criança um
desenvolvimento mental correto, ou seja, ao mencionar a atividade lúdica na sala de aula,
afirma que deverá ser planejada seguindo regras estabelecidas como o é a realidade social
como um todo; por considerar que a criança observa a conduta do adulto, e apropria-se de
valores e significados permeados nos diversos papéis sociais. Como ilustração, pode-se
perceber um exemplo – o brinquedo, que transforma a imaginação em ação – a criança vê
um bebê, mas não pode segurá-lo, é satisfeita ao segurar o seu bebê brinquedo. Esta ação é
baseada em regras quando se está em situação imaginária – ela reproduzirá o
comportamento materno.
É evidente que essa compreensão no processo de alfabetização, demanda a
capacitação docente para que o professor crie alternativas pedagógicas condizentes às
atividades lúdicas em sala de aula; incluir o prazer no saber, e valorizar o lúdico enquanto
processo de aprendizagem, transformando-a numa conquista prazerosa, que pode ser
viabilizada pelo planejamento didático.
Nóvoa (2006: p.2) comenta sobre as competências que o professor necessita para a
sua prática em sala de aula. Em resumo cita duas; “a competência de organização” sendo
aquela que as aprendizagens são organizadas pela ou via informática, numa dimensão mais
ampla do trabalho escolar, que são essenciais. E a segunda refere-se com a compreensão
do conhecimento, segundo o autor conclui “quem sabe faz, quem não sabe ensina” (...), “e
essa compreensão do conhecimento é, absolutamente, essencial nas competências práticas
dos professores”. Quanto a essa compreensão do conhecimento do ato de ensinar, por ser

166
responsável pelo processo de alfabetização, o professor muitas vezes fala e aponta o erro, e
até mesmo grita com o aluno, por não saber o que fazer quando há falta de controle em sala
de aula. Pergunto então à professora sobre como responderia a esta questão?

Tem que ter um controle sim, um domínio, o professor tem que saber dar
liberdade sem libertinagem. Ele tem que dar os limites, mas ele tem que impor
barreiras, isso só vai acontecer no meu ponto de vista, a partir do momento em
que houver uma relação de dependência. O professor ele depende de conhecer o
aluno, ele depende de pôr em prática todo o seu estágio emocional, todos os
aspectos de desenvolvimento, né, ele precisa se colocar como criança para
trabalhar com a criança, não trabalhar com a criança pensando que ela é um
adulto formado, né, a criança é capaz de compreender, discutir e opinar sobre
qualquer tipo de assunto, isso é comprovado, qualquer assunto abordado em sala
de aula, desde assunto relacionado a drogas, a violência, a furtos, a suicídio, a
qualquer tipo de assunto a criança consegue opinar dentro de suas limitações,
dentro do seu conhecimento, ela consegue compreender, então, isso pode ser
trabalhado de forma atrativa, mas isso vai depender da organização, da forma
como o professor vai se organizar. É igual a contar uma história, porque eu vou
contar uma história de chapeuzinho vermelho, porque é uma história infantil,
porque é uma fábula, é um conto, e que é engraçado e que mexe com a
imaginação, não, fazer isso respeitando a idade que cada um tem, respeitando as
limitações, mas saber explorar essa história para esse contexto, trazer para a vida
real, de forma que seja assim, através de uma brincadeira, sem que o aluno
perceba que está sendo cobrado (...) A criança não pode em hipótese alguma
tomar conta do adulto, que é que é isso? Às vezes ela faz por onde chama a
atenção e ela consegue né, que é dominar o comportamento do adulto, e aí, se
você não tem pulso firme não toma conta do recado, e aí não consegue fazer
absolutamente nada, por isso que tudo tem que ser planejado, organizado que tem
crianças que sabem realmente manipular (Professora Léa).

O comentário da professora se adequa à sua postura em sala de aula, para manter o


domínio da classe conseqüentemente. Esse item, quanto a questão do controle da sala,
costuma ser uma das dificuldades mais comuns que o professor enfrenta. Libâneo (1994)
comenta que essa habilidade é fruto de qualidades intelectuais, morais e técnicas.
Um ponto interessante enfatizado pela professora, segundo suas experiências, é a
necessidade de conhecer os alunos para saber como atingir os objetivos didáticos,
envolvendo-os em um compromisso sério – planejamento , organização e “pulso firme”.
A questão da aquisição da linguagem, no processo de alfabetização, é analisada por
Smolka (1993) como uma função transformadora quando permeada na forma de interação
social no contexto escolar. Perguntei então a alfabetizadora: Você concorda com esse
parecer? Como trabalha essa questão da linguagem em sala de aula? E ela responde:

167
Sim. Em relação da aquisição da linguagem escrita da criança, eu procuro
trabalhar de forma a respeitar a individualidade de cada um. Os conhecimentos
prévios, fazendo as intervenções necessárias de acordo à necessidade de cada um.
Nós temos hoje, dentro de uma proposta de modalidade, que é a ciclada, proposta
que nós atuamos hoje, de uma forma respeitando, buscando, nós temos o apoio
pedagógico que acontece no lugar inverso do horário normal de aulas, é um
trabalho em que a gente após um diagnóstico feito no início do ano letivo, nós
procuramos detectar através de registros escritos as dificuldades de cada aluno, e
aí, então aqueles alunos que têm mais dificuldades de aprendizagem é que nós
procuramos receber nesse apoio pedagógico. São duas horas por semana, máximo
de quatro horas e aí ele vem em horário inverso com a atividade diferenciada, e a
partir do momento que ele começa a ter um avanço ele vai, eu diria, ter assim
uma alta, e assim ele vem pro lugar, então na medida que ele vai necessitando,
ele vai freqüentando as aulas de apoio em horário inverso. O que ocorre é que
essa apropriação deve ser respeitada, e de acordo os limites, os conhecimentos
prévios de cada um, vivência de cada um, trabalhando dentro da realidade dele,
mas nunca falando “fulano, sabe ou deixa de saber, ou consegue ou deixa de
conseguir”. O que eu procuro fazer sempre são trabalhos com agrupamentos, de
acordo com as hipóteses de escrita de cada um, mas sempre respeitando a questão
da idade e a questão do limite. Nunca faço trabalho muito difícil ou individual
faço sempre trabalho em grupos. Não gosto que minha sala fique organizada em
filas como se fosse um exército, eu gosto de colocá-los sempre em duplas ou em
trios ou em círculos, de forma que eles fiquem próximos, e eles são livres (...)
Mas, eu procuro primeiro trabalhar dentro do texto, né, do texto para as palavras e
aí vai. E aí com musiquinhas, conversas, procuro explorar a oral e a escrita. O
máximo possível dessas atividades interdisciplinares né, por exemplo: hoje, nós
trabalhamos a história que tem vários personagens do mundo animal, e que existe
é uma relação de comportamento entre eles, é um trabalho da questão da
localização, do tipo do animal, da espécie, como ele se alimenta. Então, a partir
da história contada ou lida, faz-se uma exploração de forma que aborde todas as
áreas do conhecimento, ou seja, a linguagem das ciências, naturais da natureza,
linguagem das ciências sociais, a linguagem das tecnologias, sem colocar: “hoje
é aula de ciências ou é aula de matemática”, mas, de forma que eles realizem as
atividades sem perceber as distinções das diversas áreas né, então, fazendo
interpretação de testos, fazendo contagens, fazendo ilustrações, distinguindo tipos
de alimento como é cada animal, as características, realizando calculo, né, e por
aí vai (Professora Léa).

Esses dados revelam a presença da concepção sociointeracionista e construtivista


em articulação com objetivos e propósitos da alfabetizadora. Parece conceber a educação
como totalidade e a linguagem como parte fundamental e constituinte da realidade histórica
do educando. É a atenção voltada ao respeito e ao desenvolvimento do aprendiz. Pensar e
viver sua dimensão humana, para relacionar com os outros seres humanos nas mais
diferentes formas de linguagem.
Nesse dia, a professora trabalhou o texto “Epa! Mais alguém chegou atrasado!”
(anexo 22) adquirido pela Secretaria Municipal de Educação, e explicou que é um “modo

168
diferente de aprender a escrita, por ser interessante, incentivando a criança a pensar,
sugestionar e treinar as palavras através da cópia”, ou seja, auxilia na correspondência entre
grafema e fonema. A leitura desse texto foi feita em coro com a classe, e no momento das
figuras a professora abria um espaço para eles refletirem sobre os animais; como eram, o
que comiam, onde viviam, etc., enfatizando a ciência, ou contagem de números referente às
patas dos animais, e assim entrava no contexto da matemática. Após a exploração do texto
escreve essas perguntas no quadro para os alunos copiarem e fazerem as atividades:

1. Dê um título para esse texto.


2. Quem primeiro viu a bota?
3. Copie novamente a história escrevendo o nome das figuras.
4. Quem ficou com a bota no final da história?

Perguntei a professora sobre os recursos materiais que ela costumava a utilizar em


sala de aula e como procurava trabalhá-los, e ela respondeu:

Todos os recursos que eu costumo usar são os materiais concretos né, letras
móveis, fichas móveis, cartazes, retroprojetor, utilizo de todos os recursos,
vídeos, DVDs, CDs, livros, gibis e procuro trabalhar os meus alunos. Eles não
têm cartilhas, eles têm um livro, na minha concepção a cartilha não foi banida, a
cartilha tradicional, né, a cartilha na qual fomos alfabetizadas, a Cartilha de Ada e
Edu, a Cartilha do Davi, elas têm os livros que servem de apoio para realizar
tarefas na sala e em casa. Livro de português e livro de matemática, são livros que
abordam os diversos conteúdos das áreas afins, mas, de uma forma mais
prazerosa, mais significativa, e porque não dizer inovadora. (...) Eles não usam
esses livros todo o dia, nem ficam fazendo cópias. Procuro trabalhar muito o
registro escrito, do quadro para o caderno, mas, por exemplo, a aula começa uma
hora quando eu começo a passar a primeira atividade na sala e duas horas e meia,
né, então eu trabalho muito a questão da oralidade com eles. Conversar mesmo,
cantar ou gesticular, ou desenhar, explorar o oral para então ir para o registro
escrito, e porque que eu acredito que a partir daí que eles vão começar a adquirir
espontaneamente a questão da escrita e da leitura convencional (Professora Léa).

A resposta da alfabetizadora revela compromisso a um ensino significativo em sala


de aula. A sua preocupação constante é a de oferecer oportunidades aos alunos para o
desenvolvimento e enriquecimento da linguagem oral e escrita. Compartilho essa situação
com base na argumentação de Ribeiro (1993: p. 67): “A sua principal contribuição é a
própria comprovação da existência de um desenvolvimento natural da escrita e do fato de

169
que tal desenvolvimento implica em elaborações cognitivas e lingüísticas que não se
limitam ao aspecto mecânico da decifração”.
A professora Léa possui uma facilidade natural quanto ao domínio de classe, que
contribui tanto no controle da sua tarefa quanto na administração com os alunos. Então lhe
fiz uma pergunta sobre o seu comportamento profissional e como vê essa questão. Eis a sua
resposta:

As atitudes do domínio de sala para mim, é fundamental salientar que o


professor, ele tem que estar preparado, eu já disse antes que todas as atividades
mesmo sendo voltadas para o lúdico, e para mim quando se trata da infância, eu
trabalho com alunos de primeira fase de alfabetização da modalidade ciclada,
primeiro ciclo então do Ensino Fundamental. Para mim as atividades devem ser
trabalhadas de forma dinâmica, mas esse dinamismo ele tem que ser organizado
de forma a envolver, tem que ter prazer, tem que ser significativa tanto para
professor quanto para o aluno, mas esses resultados só vão acontecer na medida
em que propor ao aluno qualquer tipo de atividade, antes de qualquer coisa, que
ele esteja preparado, ele pesquise, ele busque, para que ele possa oferecer ao
aluno possibilidade de curso diferenciado de pesquisa, porque a primeira coisa
que ele vai fazer é esperar oralmente o conhecimento prévio do aluno, para
depois então ele partir para as atividades escritas (...). Eu acredito que
desenvolvendo a oralidade desenvolve também a escrita, mas sempre, uma parte
seria da família (Professora Léa).

As conversas em sala de aula são uma constante, e mesmo, porque a professora é


extrovertida e gosta de falar, porém, enfatiza sempre a organização em tudo o que vai fazer.
Smolka (1993) comenta que “a professora sabe o que faz e acredita no que faz: ela foi
formada dentro de uma concepção de aprendizagem e de linguagem que é tida como
pressuposta (...)”, então, ao aproveitar também mais outra habilidade da alfabetizadora,
relaciono as conversas pertinentes a aspectos importantes no ensino-aprendizagem. E
assim, quis saber como a professora se sente nesse contexto, e como acontecem esses
momentos. Vejamos:

Essas conversas que a gente tem, essas formas prazerosas de trabalhar, elas tem
que acontecer de uma forma organizada, planejada, sem que se perca o controle
da turma, porque se você mesmo organizando e planejando não consegue se
impor respeito e compromisso ao seu aluno, é lógico que você não vai querer
uma sala de um quartel general, como se a gente tivesse na ditadura militar, o
professor era o centro das atenções, e o aluno um mero receptor, não, hoje a
coisa acontece de forma diferente, hoje há uma reciprocidade, né, eu sei e meu
aluno sabe, e não eu finjo que sei, e meu aluno finge que aprende, ou vice-versa,

170
pelo contrário, é preciso valorizar cada indivíduo, mas é preciso respeitar ao ser e
nesse respeito o domínio de sala parte para mim em primeiro lugar do equilíbrio
pessoal. É lógico que nós somos seres limitados, mas somos capazes de mudar, e
essas mudanças têm que acontecer voltadas para o aluno (Professora Léa).

A alfabetizadora, consciente que há mais liberdade nos sistemas de ensino, hoje,


mais pesquisas e teorias envolvidas no âmbito da alfabetização, compreende que deva
haver mais espaços para diálogos no sentido de acreditarmos no avanço de uma prática
educativa mais eficiente, como menciona no livro da Escola Ciclada:

A construção de uma nova prática educativa demanda, sem dúvida, certo tempo e
paciência pedagógica. Mas precisamos compreender que essa construção se dá no
exercício da própria prática docente, no interior da escola, onde são forjadas
nossas representações sobre essa instituição e sua função social (MATO
GROSSO, 2001, p. 21).

E nesse contexto, a professora menciona alguns aspectos negativos que prejudicam as


práticas pedagógicas, no cotidiano, e denomina-os de “pecados” que os professores
cometem; e fala sobre os cuidados que precisam ter para evitá-los. Por achar interessante
registrei a sua fala explicando-os:

Muitas vezes nós pecamos, então é preciso ter cuidado com as atitudes, com as
falas, com as nossas ações, e com a relação com o outro – com o nosso aluno.
Com a forma que estamos preparando as nossas aulas; se elas estão preparadas só
para cumprir com o currículo ou não. Observar como esse currículo está
organizado; é preciso verificar o que você pode estar fazendo para melhorar né,
como você vai trabalhar com o seu aluno. Se eu sou uma pessoa irresponsável,
que vivo faltando, chegando atrasada, que não imponho respeito, a minha sala vai
virar uma bagunça (Professora Léa).

Os comentários no âmbito das práticas pedagógicas da alfabetizadora, foram


segundo o seu parecer, que respondeu assuntos dos quais aprendeu e experimentou na sua
trajetória profissional em alfabetização. Com relação às leis oficiais de ensino e a
Educação, responde:

Nós temos leis, e leis que vem sendo criadas, vem sendo aprovadas, mas que no
fundo, elas não vêm sendo cumpridas, e a Educação como qualquer outra

171
profissão, ela não é um “bico”, ela é uma profissão para profissionais, não é um
“bico” para se fazer volume, ela é o reflexo da nossa sociedade. É só com a
Educação que nós vamos consegui ter um mundo melhor e vida melhor, e para
que isso aconteça é preciso que haja mudanças pessoais e profissionais, mas,
ocorram urgentemente, cumprindo as leis da Educação, porque o dinheiro, você
pode ganhar dez salários mínimos ou um salário você vai viver da mesma forma,
que só passa fome quem quer, que, emprego, condições de trabalho, tem para
todo o mundo, agora, competência, compromisso são para poucos, por isso que
eu acredito na mudança potencial de cada um, se eu não quero mudar não adianta
alguém querer me mudar (Professora Léa).

As dificuldades dos alunos provocam as preocupações e indagações não satisfeitas


pela professora, e uma delas é não compreender quando o aluno não está aprendendo
depois de tantos esforços para tal, que gera até “frustração”, segundo responde a mestra e
acrescenta:

Se o meu aluno tem dificuldade de aprendizagem, não adianta que ele não vai
melhorar sozinho, se eu não tentar ajuda-lo. Se hoje nós temos essa oportunidade
de trabalhar com as crianças de forma mais inovadora, de uma forma
diferenciada, através da qual nós fomos trabalhados no nosso processo de
escolarização, porque então não aproveitar essa oportunidade? É hora de
arregaçar as “mangas” e ver diferente, e esse diferente está em cada um de nós
(Professora Léa).

No Mato Grosso houve muitas mudanças quanto à organização do ensino, em prol


da proposta da Escola Ciclada (MATO GROSSO, 2001) como é mencionada no segundo
capítulo desse trabalho. Observa-se que essas metas estão em andamento, uma delas em
destaque é a continuação da formação dos professores, e os cursos de formação estão
acontecendo e oferecidos pela Secretaria Municipal, como explica a professora:

Os cursos oferecidos pela Secretaria Municipal são gratuitos, agora, existem os


particulares, porque daí não tem nada a ver com a rede, que geralmente ocorrem
no decorrer do ano, e existe uma data “X”, agora mesmo nós acabamos sexta
feira passada, que foi no dia 17/11, encerramos o último módulo do curso de
Educação Especial. Foi um curso de dois anos, né, foi oferecido 80 vagas em toda
a rede, mas a escola tinha que selecionar e as pessoas tinham que se dispor e daí
assumir o compromisso. (...) Tinha semanas que eram 3 dias de aulas, outra
semana 4 dias, (...) e sempre no período contrário ao período que trabalhamos.
Quando se fala de Educação Especial pensa-se na pessoa com deficiência, né, na
questão da limitação física (...). A questão da educação antes (...) na antiguidade
as pessoas que nasciam com deficiência elas eram sacrificadas, a história é assim.
Hoje em dia a gente vê que esses temas estão superados, você realmente tem que
começar a aceitar, ver de uma outra forma e acabar com a questão do preconceito.

172
A Educação Especial não diz somente às limitações físicas, mas todos os tipos:
emocionais, psicológicos de aprendizagens. Existem inúmeros fatores né
(Professora Léa).

Ao mencionar a Educação Especial, a professora Léa enfatiza o paradigma da


inclusão social, que está relacionada também aos ideais democráticos, no âmbito da Escola
Ciclada de Mato Grosso. Elemento integrante e indistinto do sistema educacional, a ser
realizado em todos os níveis de ensino, considerando também, que as necessidades
especiais dos alunos devem estar previstas no Projeto Pedagógico da Escola, e não por
meio de um currículo novo (Mato Grosso, 2001).

4.3.2 Terceira Escola - Sala B

A professora Mel atendeu-me com muita simpatia dizendo para ficar a vontade.
Alfabetiza há 16 anos, cursou Pedagogia e participa dos cursos de formação, que é
organizada pela Secretaria Municipal, mas, quando se enquadra com o seu tempo
disponível. “Agora mesmo não posso fazer o PROFA86 porque a outra professora deixa a
sua turma comigo para poder ir, mas sempre que posso participo”, comentou. “Possuo 16
alunos e trabalho com vários métodos de ensino em sala de aula; adoto a concepção
construtivista sob a proposta do “Projeto Inovador”, que está inserida no contexto escolar
com o incentivo da Secretaria Municipal para a escola ciclada”, diz a professora. Sobre sua
trajetória da sua profissionalização, eis o seguinte:

Quando iniciei a trabalhar com a alfabetização, na 1ª fase, eu não tinha


magistério, e depois que concluir o magistério mais tarde, fiz a Pedagogia e agora
estou trabalhando com a 1ª fase, do 1º ciclo. Eu tive bastante curso que
aprofundou bastante os conhecimentos, porque antes, eu não tinha
conhecimentos; mas é através dos cursos que a Secretaria de Educação fornece.
Aí tive um progresso grande em meu trabalho (Professora Mel).

173
Na sala B, observei que o aspecto físico era mais atraente do que na sala A. Os
cartazes mais coloridos, atraentes e didáticos. As letras maiúsculas do alfabeto bem
destacadas acima do quadro de giz87e outro destacando as letras maiúsculas e minúsculas
seguindo a categoria: A,a de amor; B,b de baixinho... Cartaz que indicava aniversariante do
mês, outro em estilo mural mencionando os meses do ano e os numerais rodeados de
figuras, e ainda outro em que os vagões do trem enfatizavam o nome dos dias da semana, e
nesta observação especificamente, havia uma figura do sol indicando – ensolarado. A
professora utiliza faixas acima de objetos para denominá-los, eis alguns: ventilador, quadro,
porta, e outros, para os alunos fixarem a linguagem escrita.
A aula, a turma e a docente são tranqüilas. Os conteúdos são relacionados ao tema
gerador “folclore”, e as letras são estudadas pelas indicações dos alunos em resposta à
professora. A música escolhida é o “Boi da cara preta” para eles copiarem do quadro e
identificarem as letras, as sílabas e cada uma das palavras da música que se repetem, e
quando não estão se sentindo seguros, tiram dúvidas com a professora.
Percebe-se a dedicação da direção e equipe da escola trabalhando em prol de um
ensino melhor, mesmo numa escola situada em rua sem asfalto. Sala ampla, arejada, clara e
com um armário, um fichário, e um grande cartaz do calendário deste ano.
No aprendizado das sílabas as crianças batem palmas para identificar a quantidade
das mesmas e a contagem de consoantes e vogais, e três alunos são chamados para
responderem as questões no quadro: Copiarem as palavras repetitivas e separarem as
sílabas. Em seguida, a professora organiza a classe em quatro grupos e entrega alguns
cartazes coloridos de propagandas comerciais para a identificação das letras da música
escolhida. O alfabeto móvel é usado em seguida para formar palavras da música e outras
que eles quiserem. Nas carteiras a professora coloca uma placa, feita de cartolina, para a
identificação dos alunos – o nome completo de cada um, e no final da aula ela retira para o
dia seguinte. Não usa cartilha em aula e sim como tarefas para casa. O texto utilizado é a
letra da música “Boi da cara preta” 88:

86
Programa de Formação de Alfabetização do MEC.
87
A professora estava preocupada porque a secretaria municipal tinha orientado a não expor cartazes do
alfabeto em cima do quadro de giz, porque o objetivo era de fixá-los ao alcance da criança, e assim estava o
alfabeto na sua sala.

174
Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Pega esse menino que tem medo de careta.

No percurso da aula a professora se aproxima e me diz que a direção sempre


reclama da falta de trabalho com textos, e ela respondeu que está providenciando meios e
possibilidades de os alunos ampliarem o domínio da escrita, e garantiu que está trabalhando
passo a passo. Diz a professora “Na sua maioria, lêem e escrevem, mas, falta à habilidade
da linguagem escrita”. E quando perguntei sobre o trabalho na nova proposta construtivista,
se ela notava diferenças em sua prática pedagógica do antes e depois nesse contexto da
escola ciclada, ela respondeu:

Sim. Os alunos aprendem mais rápido né, e também a gente fica com dúvida
ainda, mas, através das músicas de recortes, de produção, as crianças mesmo
produzem até as historinhas quando chegam no final do ano. As crianças da
primeira fase chegam ao final do ano já escrevendo textinhos, logo. Às vezes a
gente esquece da produção de textos e eu fico muito na leitura, e eu acho que o
mais importante é a produção da criança. O Piaget, né, o que ele ensina nos seus
livros é importante (Professora Mel).

A professora Mel, apesar de participar de alguns cursos oferecidos pela secretaria


municipal, sente dificuldade quanto ao aprendizado dos alunos. Comentou na entrevista
que, às vezes, não sabia o que fazer quando um ou outro aluno não aprendia, e é nesse
sentido que sente falta de um melhor conhecimento à sua formação profissional. Contudo, a
professora revela satisfação com relação à sua turma por estarem correspondendo às suas
expectativas referente à produção de textos como se observa nos anexos (23, 24, 25 e 26).
Ao continuar a sua aula, na aprendizagem da contagem dos números, a professora
escreve a questão no quadro89 e pergunta: “Quantos bois a música menciona?”, para os
alunos refletirem e darem à resposta, alguns tentam, mas é preciso somar e pôr no caderno.
Depois, desenha quatro bois no quadro (a sua maneira) para eles contarem. Há uma pausa

88
Cantiga folclórica.
89
As letras copiadas são maiúsculas, pelo menos no início do ano, por ser a primeira fase, e é exigência da
secretaria municipal. Observação: os exercícios não são todos copiados de uma só vez, cada um é respondido
separadamente antes dá cópia do posterior.

175
para o recreio, e no retorno à sala ela faz um pouco de exercícios físicos com os alunos no
formato de círculo para relaxarem os músculos. Formam uma roda e cantam algumas
músicas – cantigas infantis.
Logo após, é hora de descobrir quantas patas tem o boi, assim, desenha novamente
um boi e pede para os alunos contarem. Depois das continhas, é o momento do joguinho
com as letras em sílabas, a docente, de carteira em carteira auxilia na formação das
palavras. Alunos formam novas palavras e apresentam à professora a “descoberta”. Após o
joguinho das letras as crianças se deparam com a contagem de dúzias e meia dúzias, e outro
exercício é escrito no quadro para ser copiado: “Desenhe uma dúzia de bolinhas e outra
dúzia e meia”. Para explicar o assunto, a professora utiliza doze copinhos de “danoninhos”
vazios postos enfileirados para duas crianças contarem e identificarem a dúzia e a meia
dúzia, e outras duas crianças vão à frente para constatarem.
E assim, todos respondem nos cadernos as respostas certas. Sendo já perto das
17:00 h a professora forma um círculo com a turma e brinca de roda cantando “A linda rosa
juvenil”90, uma criança manifesta-se para ser a “rosa”, outra o “príncipe” e uma outra a
“malvada” para a dramatização. Finaliza a aula do dia. Eis a letra da música:

A linda rosa juvenil, juvenil, juvenil,


Vivia alegre no seu lar.
Mas um dia veio a feiticeira muito má,
Que adormeceu a Rosa, bem assim.
O mato cresceu em redor
O tempo passou a correr.
Um dia veio um belo rei,
E despertou a rosa, bem assim,
O povo passou a cantar.

(Protocolo n. 06, de 03/08/2006)


Percebe-se na praticidade dessa professora uma tendência de conduzir as crianças de
forma natural, ou seja, direcionando-as a responderem as questões por si próprias, fazendo-
as a externar os seus conhecimentos de forma espontânea. Ribeiro (1993) explana essa
questão:

A pesquisa sobre o desenvolvimento espontâneo da escrita já tem em si uma


importante significação pedagógica. (...) A psicogênese de Ferreiro revela que a
criança espontaneamente, elabora estratégias para utilizar e interpretar os

90
Cantiga de roda.

176
sistemas de representação que a cultura lhe coloca à disposição e que com elas
pode enfrentar os desafios da leitura e da escrita (...) (RIBEIRO, 1993: p. 68,69).

No outro dia de aula, a professora Mel inicia com uma retomada dos cartazes
didáticos: aniversariante do mês; a previsão do dia: ensolarado; consulta ao calendário; e
uma criança menciona a data do aniversário de sua mãe. Em seguida escreve a letra da
mesma música do dia anterior, mas os alunos não copiam, o objetivo era pronunciar cada
palavra, contar as letras e as sílabas. Incentiva a leitura de todos os cartazes fixados,
também, em forma musical e os crachás de identificação dos alunos são postos nas
carteiras. A arrumação das carteiras é mudada em duas fileiras horizontais.
Ao escrever alguns números no quadro, pede a três crianças para irem à frente e
dizerem se os números eram pares ou ímpares, e assim procede com vários alunos. Outra
estratégia: um grupo de alunos foi formado e saía um de cada vez, para explicar que os
ímpares eram os que saíam ou os que sobravam das duplas organizadas.
Depois que todos participam, a professora faz uma revisão do assunto da dúzia e
meia dúzia semelhante à aula anterior, e logo após, distribui cartazes de cartolina com a
escritura da música “Boi da cara preta” para a turma recortarem as letras e montarem
palavras com elas. Alguns alunos chamavam a “tia” e mostravam a palavra “nova” que eles
conseguiam formar, como: “casa”, “pato”, “carro”, “boneca”, etc.
O ensino no primeiro ciclo tem como objetivo levar a criança a produzir textos
significativos acessíveis à compreensão. A experiência na sala B com o lúdico mostrou que
os alunos descobriram um grande interesse pela leitura, porque foram incentivados e
orientados a criarem vocábulos e expressarem, sem restrições, todos os seus pensamentos
através da escrita para os receptores lerem (BRASLAVSKY,1993).
Terminado esse período, a alfabetizadora escreve alguns exercícios no quadro de
continhas e números para ser postos em ordem decrescente, exemplo:

1) Somar: D U
+ 1 5
2 3
_______

177
2) Por em ordem decrescente: 6, 4,5,2,6,8.9,3,1,5,7,10

(Protocolo n. 07, de 07/08/2006).

A professora, ao notar um aluno que não queria fazer a tarefa, senta ao seu lado,
abraça-o, diz que a aula já estava terminando e permanece com ele ajudando-o a fazer o
exercício.
Em outra observação, professora Mel inicia a aula conversando com os alunos e
pergunta: “Que dia é hoje?” “segunda”, respondem, e todos os cartazes são revistos como
exemplo: “O dia está:” “ensolarado”, respondem, e em seguida, ela explora o calendário do
mês de setembro escrevendo-o no quadro as letras das semanas e os números dos dias das
semanas, pela citação dos alunos.
Ferreiro (1999, p.34) diz que “para aprender a falar é necessário ter acesso a língua
oral”, mas, as cartilhas ou manuais apresentam “pseudo-enunciados” que não informam e
não abrem espaços para as crianças questionarem. Nesse sentido a aula se processa, e a
professora se dirige a mim e responde: “Preciso treiná-los não somente na língua escrita,
mas também na falada”, e assim continua explorando o calendário que foi copiado no
quadro dessa forma:

D S T Q Q S S
1 2
3 4 5 6 7 8 9
10 11 12 13 14 15 16
17 18 19 20 21 22 23
24 25 26 27 28 29 30

E pergunta: “Que dia começou o mês de setembro?”, “Quantos domingos têm o mês?”,
“Qual outro feriado que tivemos nesse mês?”, “Qual o primeiro dia da semana?”, e assim
as crianças respondiam sob o auxílio da professora quando erravam.
Depois desse estudo, as crianças recebem um papel em branco para produzirem um
texto e desenhá-lo, e para a nossa surpresa, os textos nos surpreenderam (eu e a professora).

178
Eis alguns exemplos nos anexos (23, 24,25 e 26). Ao observar os textos e os desenhos
relacionei alguns aspectos que influenciaram nessa aprendizagem a qual me alegrou. Por
um lado, porque a professora não trabalha com a cartilha em sala de aula, confirmando a
pesquisa de Macedo (1985) quando analisou e constatou que a cartilha impedia o
desenvolvimento lingüístico, pelo fato de as crianças imitarem-na, e a expressão dos
pensamentos retardava.
Por outro lado, evidencia também o que Smolka (1993) já havia observado sobre a
importância da interação e da interlocução em sala de aula juntamente com estratégias
simples e práticas, para desencadear em construção de conhecimentos eficazes à linguagem
oral e escrita, e acrescenta que a escritura adquire novas configurações quando as crianças
escrevem espontaneamente. (Protocolo n.21, de 18/09/2006).
A professora Mel após retomar a aula anterior, que enfatizou as cantigas de roda,
incentiva os alunos agora a treinar a escrita com o exercício abaixo:

1- Leia os nomes e desenhe:


a) boi e) lua i) pé
b) sacola f) meia j) cocada
c) caju g) faca l) violão
d) queijo h) sofá m) janela

2- Copie, leia e desenhe a música:

Ai bota aqui, ai bota ali


O teu pezinho, bem juntinho igual ao meu
E depois não vá dizer que você já me esqueceu

3- E que é, o que é?
a) Que tem dente mas não é gente.
b) Que entra na água mas não se molha.

4- Pense e responda:

a) 2+7+9=
b) 3+5+4=
c) 6+3+8=

Após a correção desse exercício, a coordenadora entrou na sala e avisou que no


outro dia não haveria aula por ser a reunião com os pais, e que iriam tratar de reformas para
a melhoria do sistema de educação. E nesse dia a aula se resumiu na correção de exercícios.
(Protocolo n. 22, de 18/09/2006).

179
Num outro dia, as professoras Mel e Léa resolveram unir novamente as duas salas
(A e B) e iniciaram pela explicação das unidades e dezenas. A professora Mel copia os
números de 1 a 9 e canta com a turma uma música contendo estes números. Com o auxílio
de um cartaz, indica a dezena e a unidade e explica o assunto dos números até a numeração
30, e corrige um exercício (anexo 27).
Após o recreio, faz exercícios de relaxamento com as crianças, e a professora Léa
traz um retroprojetor e um telão para treinar novamente a música “Eu sou pobre” (anexo
16). Soletra a letra da música várias vezes para decorarem, e pronuncia com muita ênfase
cada sílaba.
A sala é organizada com as carteiras encostadas nas paredes para que o centro
ficasse livre. A turma é dividida assim: meninas de um lado e meninos de outro, para
encenar a cantiga “Eu sou pobre”, ou seja, “vários homens pobres” (meninos) que queriam
encontrar uma “noiva” (uma menina), e a “mãe” (outra menina) mandava o “homem” que
se manifestava, escolher dentre todas as outras filhas (meninas) que estavam com ela. Por
final, os “homens” escolheram as suas “noivas”, e a brincadeira foi contagiante.
Em seguida, recolhe os cadernos e cola um exercício de matemática para o dia
posterior (anexo 28) (Protocolo n. 23, de 20/09/2006).

A professora Mel, em outro dia, inicia a aula contando uma história às crianças com
o título “A formiguinha e a neve”91, com o seguinte relato: “um bloco de neve cai e prende
a formiguinha...”, e assim, o sol, o muro, o rato, o gato, etc., não podem salvá-la e ela
morre. Todos ficam com pena da morte da formiga, mas a professora explica-lhes que ela
foi para o céu, e aproveita para estudar a palavra “formiguinha” várias vezes, explorando
todas as letras e as sílabas com palmas para dar ênfase na quantidade, e diz: “tem um r na
primeira sílaba e o nh na última sílaba; outras palavras também possuem um r na primeira
sílaba, como ár-vo-re, car-ro, etc., e o nh também é exemplificado”. Após apagar a palavra
“formiguinha” um aluno é chamado ao quadro para escrevê-la novamente e os demais
colegas ajudam citando as letras que faltam sob a orientação da professora.

91
BARROS, Jorge João de. A Formiguinha e a Neve, ed. Moderna, São Paulo: 1999 (Literatura Infantil).

180
Em seguida, eles deveriam citar as palavras contidas na história, e um aluno diz
“muro”, outro aluno vai ao quadro escrever e assim sucede com várias palavras lembradas.
As palavras “homem” e “cachorro” foram escritas assim: “omem”, “caxorro” , e a
professora corrige-as e explica-lhes que nem sempre as palavras são escritas como
pronunciamos, e eles deveriam aprender a escrever a forma correta; sendo assim, todos
copiam no caderno.
Depois, onze crianças vão ao quadro para escrever os personagens da história, e a
primeira palavra foi: “sol”, a criança estava em dúvida quanto a letra “s”, outra criança se
levanta e aponta essa letra no cartaz da parede92 e logo a colega escreve corretamente. Na
letra “t” também houve erros quanto a escrita, e uma outra criança aponta essa letra no
cartaz para a colega; e a palavra “televisão” foi adicionada pela professora para relacionar o
fonema ao grafema “t”. Várias outras palavras foram acrescentadas para as relações entre
fonemas e grafemas no caso das dúvidas. Esse contexto da relação da alfabetizadora com os
alunos se assemelha ao que Smolka (1993) nos remete:

Nesse momento, além de interlocutora das crianças, ela é também catalizadora


das opiniões e articuladora das idéias. Trabalhando problemas vitais dentro da
sala de aula – formas de interação entre pessoas e alternativas de soluções de
problemas – a professora aproveita a oportunidade e lança mão de um recurso
fundamental para registro das experiências e idéias das crianças. Ela se torna
escriba, e vai organizando na lousa o que as crianças falam (SMOLKA, 1993,
p.95).

Após tirarem as dúvidas, um exercício é copiado ao quadro:

JOGO DE PALAVRAS

NOMES DE FRUTAS-
NOMES DE PESSOAS-

Na explicação, a professora pronuncia o “pa” e “pra” perguntando-lhes o que é


preciso para ocorrer essa mudança na pronúncia, e um aluno diz que falta o “r”. Em
seguida, soletra cada vocábulo escrito no quadro e estuda mais a sílaba que deu trabalho: a

92
Antes, estes cartazes estavam acima do quadro de giz, mas a coordenação pediu para colocar as letras ao
alcance dos alunos.

181
“fru” do vocábulo “frutas”. Prosseguindo, as crianças deveriam escolher nomes de frutas
que começassem com a letra “a”; “abacaxi”, “abacate” foram escolhidas, e todos soletraram
e bateram palmas na contagem das sílabas. Nomes de pessoas escolhidas foram: “Paulo” e
“Pedro”, e o percurso da aprendizagem foi o mesmo, e em seguida era necessário copiar
nos cadernos. Enquanto isso, a professora vai a todas as carteiras corrigindo a linguagem
escrita.
Por final, os alunos recebem um papel em branco para escreverem uma história e
desenharem o que quiserem, mas antes cantam duas vezes uma música da Xuxa que contém
as letras do alfabeto, pois, o objetivo era de enfatizar a correspondência entre grafema e
fonema. Eis a letra da música:

ALFABETO DA XUXA

A de amor
B de baixinho
C de coração
D de docinho
E de escola
F de feijão
G de gente
H de humano
I de igualdade
J de juventude
L liberdade
M molecagem
N natureza
O obrigado
P de proteção
Q de quero-quero
R de riacho
S de saudade
T de terra
U de universo V de vitória
Diz: o que é o que é XUXA
Z de zum zum
(Protocolo n. 26, de 25/09/2006)

A professora Mel escreve no quadro de giz uma história com o título “O gato”. Eis a
cópia:

O GATO

ELE É PEQUENININHO

182
ELE GOSTA MUITO DE MAMAR,
MAS ELE CRESCEU E
SE CUIDOU SOZINHO.

O GATO FOI PARA A CASA VER O PAI CARPIR,


NÃO ENCONTROU A MÃE,
E FOI NA CASA DA TIA.

Os alunos a copiam e lêem em uníssono. Em seguida, cada palavra é soletrada com


palmas para a contagem de sílabas, e intercaladas com perguntas como: “Quantas letras têm
essa palavra?”, “Quantas sílabas têm?”; todos respondem sob a orientação da professora,
que em continuação convida três alunos de cada vez para copiar uma dessas palavras
estudadas sem olhar no caderno, e assim sucede com os demais ao quadro de giz. Alguns
com dificuldades recebem instruções de outros colegas que já acertaram, pelo
consentimento da educadora.
E assim, “existem inúmeras formas de se trabalhar a leitura, a escritura, a autoria
com as crianças (...)”, são variados os procedimentos realizados nessa sala com relação ao
aprendizado da leitura e escrita (SMOLKA, 1993, p. 95). Há sempre algo diferente, e
continuando, a professora escreve no quadro a seguinte questão:

Pense e resolva:
Na lagoa havia 11 patinhos, 6 foram embora. Quantos patinhos ficaram?

Uma aluna vai à frente, separa 11 copinhos de danoninhos vazios na carteira da professora,
que representava os patinhos, e tira 6 copinhos para contar quantos patinhos ficaram na
lagoa; e muitos alunos responderam “ 5 patinhos ficaram, tia!” , e então copiam nos seus
cadernos. (Protocolo n. 28, de 27/09/2006).

Em outro dia de aula, professora Mel inicia a aula fazendo uma oração com as
crianças pedindo ao “Papai do céu” que ajudasse elas nas atividades. Conta a “História do
Trancoso”93, diz que treinará hoje a linguagem escrita, e com um cartaz de pregas escolhe
as letras com a intervenção dos alunos para formar a palavra “TRANCOSO”. Continuando,

93
SANTOS, Joel Rufino dos . História de trancoso, 10a ed. ilus. José Flávio Teixeira, MEC – FNDE, ed.
Ática, São Paulo: 1999. (Literatura Infantil).

183
os alunos deveriam lembrar os personagens que compõem a história para colocar no quadro
de pregas, e três vocábulos foram lembrados: “fazendeiro”, “padre”, e “roceiro”. E em
seguida todos deveriam copiar nos cadernos o próximo exercício:

1-Coloque os nomes nas figuras:

2-Circule as consoantes no folders (anexo 29).


3-Ache o antecessor e o sucessor de:
______8_____ , _______9_______, ______2_______, ______6______,
______7______,

(Protocolo n. 30, de 29/09/2006).

A experiência sobre as gravações com a professora Léa foi idêntica com a


professora Mel, pois as duas estavam envolvidas com o projeto da escola que
impossibilitou as gravações nas aulas anteriores. Sendo assim, ocorreu o dia propício, mas
havia muitos alunos da outra sala com dificuldades, sendo que, os alunos dessa sala já
“liam e escreviam sem problemas” como a alfabetizadora havia dito. Para amenizar a
situação, a professora me diz que precisa passar um exercício do tipo mecânico para esses
alunos, “para eles se aquietarem” e escreve no quadro:

1- Separe as sílabas:
a) pintinho-
b) amarelinho-
c) cabe-
d) gavião-
e) bichinhos-
f) comer-

3- Faça as continhas:
a) 4+5+3= e) 7 – 4=
b) 4 + 8+ 2 = f) 8 -3=
c) 7+3+1= g) 9- 5=
d) 2+2+8= h) 7 – 2=

184
Enquanto copiam, na outra metade do quadro a professora escreve a letra da música
“Meu pintinho amarelinho” (música de Pai Francisco), e canta para ensinar a seus alunos a
melodia, enquanto copiam, e logo após estudam a correspondência entre som e letra,
pronunciando cada vocábulo contando as sílabas e as letras. Eis a letra da música:

Meu pintinho amarelinho


Cabe aqui na minha mão, na minha mão
Quando quer comer bichinhos
Com seus pezinhos ele cisca o chão
Ele bate as asas, ele faz piu, piu
Mas tem muito medo do gavião.

Percebe-se a complexidade da alfabetização em sala de aula e de inúmeros fatores


que pesam ao alfabetizador, como esse exemplo acima. Nesse sentido vejo a importância
do livro didático que se insere no contexto das políticas públicas do país, quanto ao
incentivo e distribuição como expõe Lerner (2004). Para a autora há três tipos de
considerações importantes mesmo considerando essa questão controvertida. Vejamos em
resumo:
1- Aproveitar a oportunidade de que, ao menos, cada aluno tenha um livro;
2- Há algumas vantagens: promove exercícios para o professor que facilita os alunos
resolverem sozinhos; e o manual didático orienta o professor no processo
pedagógico;
3- Pode ser o ponto de partida para introduzir outros livros.
As considerações feitas pela autora dizem respeito a uma ampliação da prática de
leitura dos alunos, auxílio ao professor e não a um sistema mecânico ou retorno ao passado.
O que está em evidência é:

(...) a necessidade de que os alunos interajam permanentemente com os livros


(com os verdadeiros livros), e não só com um livro. Como na prática tradicional
as portas da sala de aula se abrem para um livro por ano, nosso esforço tem sido
direcionado na tentativa de abri-las para a entrada de maior quantidade possível
de livros, isto é, de livros para a leitura; não de livros especialmente feitos para
ensino da leitura (LERNER, 2004: p. 115 – grifos da autora).

No intervalo, a alfabetizadora se dispôs para as gravações e, por ser tímida, as suas


respostas foram muito reduzidas e pouco exploradas, mas registro logo abaixo o que foi
possível. Perguntei-lhe sobre como foi a sua alfabetização na infância e ela respondeu:

185
A minha tia que me ensinou a escrever e a ler aos oito anos. E na escola estudei
com a cartilha Caminho suave. A aula era tradicional e não havia interação social.
Trabalhava a ortografia e a caligrafia, e quando a professora ficava brava deixava
a gente em pé virada para o quadro, de castigo, quando não acertava a tabuada.
Aprendi a alfabetização através do “ba-be-bi-bó-bu” e da família silábica, agora
hoje mudou um pouco né, através de músicas, poesias, parlendas, etc. (Professora
Mel).

Os seus alunos não apresentavam dificuldades na leitura e escrita. A alfabetizadora


havia dito que gostava muito de trabalhar com a escrita, e sobre a linguagem oral “eles já
eram muito espertos”, comentava. Então, respondeu sobre as dificuldades que estava
enfrentando e como trabalhava a linguagem oral e escrita:

Eu acho que, quanto mais a gente aprende fica mais fácil para trabalhar com as
crianças. O que eu acho difícil, que às vezes têm crianças que tem dificuldades,
não todas, porque tem as que vão embora, mas algumas crianças precisam de algo
diferente e eu não saberia o que te responder, mas a gente tem que dar conta né.
Não pode contar com os pais.
Quando eu conto uma história, se eu conto uma história todo o dia, a criança
também, ela quer inventar uma história ou escrever uma história né, se a gente
parar de contar a história a criança também para de escrever e de contar. Tem vez
que eles trazem de casa, sabe, que quer contar e às vezes escrever. Eles têm uma
facilidade de falar. Dão conta de escrever, mas faltando letras né (Professora
Mel).

Com base em Leite (2002) e em suas investigações, que salienta que a forma como
o professor se expressa o que ele diz, como diz, em que momento, etc., pode afetar positiva
ou negativamente a sua relação com o aluno, e conseqüentemente o processo de ensino-
aprendizagem; perguntei a professora como ela encarava essa questão, e ela respondeu:

Quanto mais calma a gente for, melhor a sala vai ficar. Se a gente ficar nervosa as
crianças vão ficar também. As crianças percebem quando o professor não domina
a matéria, rapidinho (Professora Mel).

De fato, o ambiente nessa sala é tranqüilo e a professora não grita com os alunos e
todos a respeitam e a obedecem, e respondem as questões sem problemas. O que a
entristece é o momento de juntar as duas salas na falta da colega de trabalho. Em seguida
explica a situação da sua turma atualmente:

186
Quando eles lêem um textinho às vezes confundem o “f” com o “v” ou o “d”
com o “t”, e os meninos pronunciam a palavra peteca “pedeca”. Todos na minha
sala já estão lendo e escrevendo, só um novato que chegou esses dias que não dá
conta. Veio de outra escola e está conhecendo as letras agora. Ele vai para a aula
de reforço que é no período oposto, das nove horas até as onze. Trabalho sílaba,
montar palavras com o alfabeto móvel, ou fazer a leitura, ou textinhos, ou até
textos de revistas para ler (Professora Mel).

Nessa sala a professora usa diferentes metodologias em diferentes momentos de


acordo com a habilidade que se quer desenvolver. Ela vê a relação fonema-grafema
fundamental em cada leitura realizada e acha interessante o método fônico no sentido de
transmitir a idéia de que é preciso induzir o aluno a dirigir sua atenção à dimensão sonora
da linguagem, e isso é percebido em sua praticidade. Questionei então sobre se ela
participava de cursos de formação continuada, como e quando acontecia. Eis a resposta:

Sim. Sempre que posso eu participo. A prefeitura que fornece, nós tivemos três
dias de formação no Ipê – um clube social desativado. Saímos daqui (escola) e
fomos para lá. Veio gente de Santa Catarina para ensinar a gente a contar
historinhas para as crianças. Como trabalhar só o infantil na educação infantil, né,
como tratar da criança quando chega na escola, a maneira de transmitir algo
(Professora Mel).

A aquisição da linguagem escrita para professora é a sua ênfase fundamental,


principalmente na questão da produção textual, cotidianamente; sempre que há
oportunidades abre espaços para a interação social, crianças com seus pares ou em relação a
ela, mas, seu interesse em trabalhar a linguagem escrita é percebido desde o início das
observações, e a alfabetizadora está satisfeita com a sua turma por observar que os seus
objetivos estão sendo alcançados, e quanto a produção de textos (anexos 23,24,25,26)
explica detalhadamente como trabalha:

(...) Primeiro eu faço uma reestruturação do texto, por exemplo, no caso da “Casa
Sonolenta” que foi trabalhado, a criança escreve o texto do jeito que ela escreveu.
A gente pega o textinho e aí passa no quadro do jeito que ela escreveu, não tira
nada, depois a gente vai ler com a criança do jeito que a gente escreveu, aí do
outro lado vai corrigir. Será que é assim? (pergunta) Será que está certo? O que
que está faltando aqui? Será que você colocou o título? Qual é o nome do título?
A gente está ajudando a criança a corrigir aquele texto entendeu? As vezes, eles
mesmos percebem quando está faltando algo. A gente escreve a música do jeito
que ela é, na lousa, ou no cartaz, treina bastante, depois pode recortar essa música
ou pedir para a criança recortar e montá-la, através de sílabas, frases.. E aquelas
que estão adiantadas recortam as letrinhas para montarem a letra da música.Aí da

187
pra fazer com eles o ditado da música, pois a criança já sabe a música.. Por
exemplo: “Pirulito que bate, bate,...” aí eles já sabem escrever. Mas, primeiro a
música tem que ser conhecida deles (Professora Mel).

Protocolo de n. 33 de 23/11/2007.

A opção da professora Mel em trabalhar enfaticamente a leitura e escrita nas suas


aulas, é por acreditar na competência das crianças na produção de textos. E esse quadro
assemelha-se às duas razões esboçadas por Ferreiro (1995) ao desenvolvimento dessa
competência. Vejamos:

A primeira razão é que produções de escrita são mais fáceis de entender, mesmo
quando a audiência não tem um conhecimento exato da língua materna das
crianças. A segunda razão é que algumas das produções de escrita constituem um
meio melhor de acesso à competência de leitura/escrita das crianças (FERREIRO,
1995, p. 25).

Notadamente, a alfabetizadora considera a produção textual da criança como um


meio prático de compreender a sua aprendizagem, e na entrevista comentou que a partir
desse instrumento ela avaliava o aluno. Verificava se havia apropriação da correspondência
entre grafemas e fonemas, noções de gramática, e saberia se expressavam seus pensamentos
criativamente e criticamente. As marcas escritas produzidas pelas crianças, são incluídas no
processo de construção e interpretadas por elas, proporcionando assim a construção do
conhecimento.

188
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concepções e Práticas das Alfabetizadoras

Ao analisar essas duas décadas passadas já se pode notar avanços no campo de


teoria e prática da alfabetização. Políticas públicas, conhecimentos científicos, técnicas,
métodos, instrumentos de diagnósticos e avaliação têm sido desenvolvidos e testados. A
alfabetização percorre o caminho do empirismo e penetra no domínio da ciência.
A multiplicidade de conhecimentos, hoje, instaura-se num saber científico
consolidado, mas, ainda há muito que fazer e saber. Assim, o ensino de alfabetização no
Brasil adquiriu uma nova concepção oficial – uma concepção sociointeracionista de
linguagem, em que a ênfase dessa perspectiva deixa de ser o método de ensino para a
atenção no processo das práticas sociais, por meio da lei 9.394/96, que imprimiu maior
liberdade aos sistemas de ensino, maior autonomia à organização e o aprimoramento do
material didático por meio do MEC; elaboração dos PCNs, e outros.
A prática de ensino, nesse raciocínio, ganha uma nova configuração e ultrapassa o
objetivo da leitura e escrita de forma mecânica para o exercício do pensamento crítico e
criativo por meio da linguagem como atividade mediadora. Nesse sentido, o papel do
professor seria de propor situações didáticas que permitam ao aluno pensar sobre a
linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la adequadamente.
Nesse âmbito educacional faz parte também, a nova forma de compreender o
processo de alfabetização, cuja ênfase, antes dos anos 80, no século XX, estava no ensino e,
após os estudos de Ferreiro (1979/ 1991) e colaboradores, evidencia-se o aluno que aprende
por ser um ser que pensa ativamente e constrói o conhecimento; o seu trabalho,
especialmente a “Psicogênese da língua escrita”, trouxe um grande impacto sobre como
aprender a língua escrita.
Considerando, então, esse momento em que vigora uma nova concepção do ensino
no Brasil, em que as conquistas políticas se destacaram desde 1980, no Mato Grosso

189
também houve muitas mudanças e propostas alternativas em incentivo ao novo paradigma
que se manifesta no território nacional, a partir de 1996.
O estudo permitiu conhecer aspectos relacionados tanto ao discurso como a práticas
de alfabetizadores em Mato Grosso, embasadas nesse contexto em que se instaura uma
nova concepção de ensino. Desse modo, ressalta-se que os sujeitos observados nessa
pesquisa, em sua maioria, acompanham as propostas embasadas no novo referencial
sociointeracionista e/ou construtivista. A maioria não utiliza cartilha em sala de aula,
porém, das sete professoras94 três estão trabalhando com atividades consideradas
mecânicas, que seguem a estrutura de uma cartilha tradicional – embora se considerem
construtivistas.
O problema comum observado em sala de aula, que suscita dúvidas às
alfabetizadoras, relaciona-se a questão quando o aluno não está aprendendo ou não
respondendo positivamente ao ensino, após os esforços das pedagogas no processo de
aprendizagem. Algumas externaram as frustrações por não alcançarem os objetivos
previstos após todos os esforços que podiam empregar.
As alfabetizadoras encontram-se em expectativas de melhores mudanças com a
nova proposta de ensino da escola ciclada. Das sete professoras observadas – Mary , Rose,
Lu, Lia, Val, Léa e Mel, duas são especialistas, três se esforçam para a capacitação
profissional através dos cursos de formação ou leituras especializadas, e duas não
manifestaram interesse em mudanças ou capacitações, talvez, devido à proximidade da
aposentadoria como haviam dito outrora, ocupações com a família, ou por preferirem um
“ritual sagrado” em suas práticas pedagógicas, como alguns estudiosos denominam.
Nesse contexto, as professoras Mary , Lu e Lia, prosseguem as suas aulas
reduzidas a cópias e correções de exercícios, e a seqüência didática é uma constante a cada
dia, sem nenhuma novidade para repartir com os alunos, e nenhuma motivação ou interação
social, segundo a concepção tradicional de ensino. O único fato observado nesse sentido é
de as professoras chamarem os alunos mais adiantados para ajudarem os que estão com
dificuldades na escrita, e as aulas se caracterizam pelo simples falar, escrever e corrigir da
professora e o copiar e responder dos alunos, como salienta Smolka (1993).

94
Considerando as alfabetizadoras Lu e Lia, que entre elas houve uma mudança em sala de aula, no percurso
das observações.

190
O que se conclui dessas alfabetizadoras é da falta de tempo que alegaram, por
lecionarem em dois períodos do dia e não sobrar tempo para uma metodologia diferenciada,
mesmo comentando estar informadas das novas propostas construtivistas.
Esses podem ser os fatores que pesam para muitos professores, que não manifestam
interesse em mudanças, e acomodam-se no ritual cotidiano no ensino de forma mecânica e
sem significado. Isso indica, também, que as novas diretrizes estão amplamente divulgadas
pelos órgãos públicos nas duas últimas décadas, e em particular, nos municípios de Mato
Grosso.
No entanto, percebe-se que falta um melhor investimento às práticas pedagógicas,
talvez, pelos órgãos públicos, ou até mesmo no interior das instituições educacionais, com
a possibilidade de encaminhamento para mudanças necessárias em sala de aula. Nesse
aspecto, festejar e premiar os professores que tiverem êxito na sua missão, seria uma boa
sugestão, como expõe Castro (2006) sobre a precariedade na educação brasileira; já
comentado neste trabalho. A realidade poderia ser outra, no que se refere a situação
semelhante das alfabetizadoras Mary, Lu e Lia.
Das sete professoras observadas em salas de aula – Rose , Val, Léa e Mel, foram as
que se destacaram em seus procedimentos de práticas pedagógicas e tipos diferentes de
trabalhar os textos. Administram diferentes formas de alfabetizar demonstrando, assim, a
importância do letramento, do interacionismo e da construção do conhecimento, e
conseqüentemente, propiciando um ambiente rico no processo de ensino-aprendizagem. E,
além disso, se observa a intervenção das professoras assegurando o avanço das
aprendizagens dos alunos, tanto no que se refere à linguagem oral quanto à escrita. Estas
professoras também enfatizam a função social de forma dinâmica, por meio da interação
entre os sujeitos – com seus pares e seus professores. Incentivam e orientam aos seus
alunos a criarem textos e expressarem-se sem restrições, oralmente e por meio da escrita.
Pode-se perceber, então, a não homogeneidade em sala de aula, pelo
entrecruzamento que há entre a diversidade de práticas de alfabetização; e ao mesmo tempo
é um rico auxílio para a desejável interlocução na pesquisa científica
Das sete alfabetizadoras observadas, duas, entre elas – Rose e Val, reagem em sala
de aula segundo a proposta sociointeracionista, e deixam claro que, optando por uma ou
outra perspectiva – construtivista ou interacionista, buscam conciliar as idéias que sejam

191
pertinentes às suas intervenções em práticas pedagógicas ao alcance do aluno. A professora
Val, por exemplo, além de abraçar o paradigma sociointeracionista de linguagem afirma
não “abrir mão” de procedimentos como a ortografia, a caligrafia, o método silábico e
vários ao mesmo tempo, e investir sempre em atividades de ditado; assim mesmo, as suas
aulas são agradáveis, multiformes, dinâmicas, onde a interação social é uma constante, e
conseqüentemente, a linguagem oral e escrita também.
A professora Rose se destaca pela historieta e a música, que envolvem os alunos a
pensarem e a relacionarem os fatos importantes da vida deles, através da leitura de mundo
que precede a palavra, expressão característica de Paulo Freire (1991). Incentiva-os a
explorarem os acontecimentos da vida diária, relacionamentos familiares, etc. com relação
ao assunto a ser estudado, e interliga as idéias em correspondência com os grafemas,
fonemas e vocábulos em pauta.
No entanto, o que se percebe nessas duas professoras é a falta de confiança na
capacidade da criança quanto ao investimento com os textos, pois, elas crêem que essa
atividade não é primordial na primeira fase, limitando-se então ao ensino de elementos de
sínteses quanto a escrita.
Esse quadro reflete as explicações de Smolka (1993) com relação da falta de
compreensão do alfabetizador quanto à escrita da criança, denominando-a muitas vezes de
ilógica, incapaz, desleixada ou com falta de atenção. Por um lado, a professora Val afirma o
seguinte: “se eu investir desde o início do ano com eles, irão escrever errado, e assim eu
não aceito, eles têm que escrever certo, por isso que eu deixo para o final do ano para
continuar no próximo”. Por outro lado, a professora Rose não acredita que as crianças têm
condições de produzirem textos desde o início do ano, acha que deveria ser investido mais
no segundo ano de escolarização.
Nesse sentido, compreendo que o investimento do professor deverá se respaldar no
seu empenho e crença que a criança é capaz de responder às expectativas, caso contrário,
irá construir fronteiras que possivelmente limitar-se-ão ao avanço da aprendizagem do
aluno. Um dos aspectos fundamentais que observo em Freinet (apud SAMPAIO, 1994) é
sobre a confiança que o professor primário deve ter em seu aluno, com relação à sua
capacidade, quando registra vários exemplos de crianças produzindo textos, rapidamente,
sem erros, e, ainda a sós.

192
Semelhantemente, as experiências das professoras Léa e Mel provam que há
possibilidades das crianças produzirem textos no decorrer do primeiro ano de alfabetização
(ver anexos 17,18, 23, 24,25, 26), e enfatizam constantemente a interação social em sala de
aula. Particularmente, experienciei essa modalidade de ensino no tempo do meu pré-
escolar, em exposição na introdução deste trabalho, como exemplo, para sinalizar que é
possível investir em crianças na primeira fase do primeiro ciclo, dependendo obviamente,
da compreensão e da intervenção do professor. E esses fatos parecem indicar um ensino
respaldado pelas concepções sociointeracionista e construtivista.
No contexto didático-pedagógico, cada aspecto do ensino da leitura e escrita na fase
inicial de alfabetização, vejo que não se reduz a um método específico. A aparência
enriquecedora de uma sala de aula, do esforço do professor alfabetizador, do contexto
escolar ou do auxílio dos pais, são como parcelas, que contribuem de forma direta ou
indiretamente no processo do ensino-aprendizagem, pois, múltiplos são os enfoques que
podem estar envolvidos nesse processo complexo no âmbito da educação, como enfatizava
Soares (1985) há mais de vinte anos. E, considerando as seis salas de aulas envolvidas na
pesquisa, percebe-se um aspecto ou outro se destacando, ora no sentido de forma positiva
ora de forma negativa.
De forma positiva destaco a expectativa presente na maioria das alfabetizadoras
para a formação continuada, e de forma negativa a falta de estrutura e apoio ao docente, e à
escola que o leva a alternativas de outros empregos prejudicando assim sua prática
pedagógica.
O meu desejo inicial era de ampliar o máximo o número das observações nas
escolas de Rondonópolis e Cuiabá, contudo, além da resistência de muitas professoras na
coleta de dados, havia grande distância de uma escola e outra95; mesmo assim, foi possível
sistematizar as investigações nas três escolas registradas nessa pesquisa, sobre as práticas e
concepções das alfabetizadoras, e em especial, a contribuição simpática das professoras Léa
e Mel que não mediram esforços para colaborarem nesse empreendimento.
Além dessas considerações acima, reflito sobre a necessidade de flexibilidade para
as diferentes teorias e para as diferentes dimensões do processo de aprendizagem já
analisadas no segundo capítulo, principalmente por estarmos em pleno século XXI com

95
Esse aparente agravante foi positivo no sentido de permitir o enriquecimento dos dados, etc..

193
contribuições oriundas do avanço da ciência, da tecnologia e da informática. Pensadas em
conjunto, diferentes teorias para diferentes dimensões do processo de aprendizagens,
podem trazer contribuições importantes e significativas para a alfabetização.
Ainda que lentamente, se observa vestígios de grandes avanços no ensino de
alfabetização, por exemplo, um amplo conceito que extrapola o domínio das primeiras
“letras”, abrangendo o envolvimento do uso da língua escrita nas situações em que esta é
necessária, lendo e produzindo textos, que se cunhou pelo termo: letramento.
Mas, há uma interrogação a analisar sobre as cartilhas. Será que, de fato, há
congruência da presença de cartilhas no contexto construtivista? Compreendo que a ênfase
construtivista é direcionada ao investimento do professor em sala de aula, não a uma
determinada cartilha, e nesse sentido não há congruência. Concordo com a alfabetizadora
Léa, ao comentar na entrevista sobre o construtivismo, ela reforça a idéia de que a teoria
veio para melhorar, e que a mudança ocorreria quando o professor se colocasse à
disposição dessa mudança.
Nesse aspecto, quanto à prática pedagógica, vejo o ensino da leitura e da escrita
como uma professora de piano focaliza o seu aluno no ato do treino no instrumento. É
importante, mas não imprescindível que ele fixe as notas musicais antes de executar uma
peça musical. E nesse percurso, se acrescenta aos poucos pequenas “doses” de ritmo,
melodia e harmonia, lentamente, até a composição ser agradável à audição.
As notas musicais são os sons e os símbolos do sistema, assim como as letras do
alfabeto, e é necessário serem apreendidas (grafemas e fonemas); o ritmo96 é como a
metodologia empregada, deve haver flexibilidade nesse percurso; a melodia97, como a
prática oral e escrita, a sua manifestação deve conter um sentido lógico que sinalize o
início, meio e o fim; e a harmonia98 como o método que dá a cobertura ao contexto
generalizado.
Por ser professora de música há mais de vinte anos, tenho percebido que há um
paralelo nesses dois processos de ensino que envolve sistemas diferentes. Ou seja, há
possibilidade de uma conexão entre os dois símbolos – notas musicais e letras do alfabeto,

96
Ritmo - É o movimento de sons regulados pela sua maior e menor duração.
97
Melodia - Consiste na sucessão dos sons formando sentido.
98
Harmonia – Consiste na execução de vários sons ouvidos ao mesmo tempo, observadas as leis que regem os
agrupamentos dos sons simultâneos.

194
no sentido de atrair a atenção do aluno a um ensino mais eficaz. Para ambos, a sua
apreensão é complexa, demanda tempo, paciência e insistência ao iniciante. Este se
envolverá a partir do momento que perceber a sua aprendizagem e a apreciação positiva
daquele que o assiste.
A afetividade em ação e a flexibilidade com a metodologia no ensino, creio que
deve ser uma constante; e sensibilidade a perceber se o aluno se apropriou ou não da teoria
e prática. Em parte, essa conclusão responde às expectativas após inúmeras apresentações
públicas dos alunos nos recitais de piano e teclado, quando se manifestam os elogios dos
pais, parentes e amigos.
Portanto, vejo primordial a flexibilidade no ensino em alfabetização, como
demonstração de uma percepção e sensibilidade relacionadas à aprendizagem do aluno, não
ficando à mercê de um método específico e único de ensino. E enfim, o que o aluno faz
hoje com assistência afetiva poderá fazer amanhã com independência e competência.

195
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204
ANEXOS

205
Anexo 01 - ROTEIRO PARA ENTREVISTA

PROFESSOR (a) ENTREVISTADOR (a)______________________________________


ESCOLA________________________________________________________________
Educação Infantil – 1ª fase ( )_______________________________________________

1- Qual a sua formação escolar? (magistério, licenciatura, etc.)

2- Tempo de experiência no Magistério ( anos )

3- Há quanto tempo você alfabetiza? ( anos)

4- Quantos alunos tem atualmente? ( )

5- Descreva um pouco a sua turma (idade, interesses, nível de aprendizagem, dificuldades


maiores, de que disciplinas ou atividades gostam mais).

6- Você gosta de alfabetizar? (comente)

7- Tudo que você sabe sobre Alfabetização foi aprendido em que situação (ou situações?)
(Curso de Magistério, Curso de Pedagogia ou outra licenciatura, curso de formação
continuada, com a sua própria experiência, com as trocas realizadas entre colegas na escola,
com leitura e estudos realizados por você mesmo).

8- Você conhece/acompanha alguma proposta de Alfabetização? Qual?

9- Você conhece algum tipo de orientação sobre o planejamento de suas aulas? Quem
costuma orientar os planos de aula de alfabetização? Você considera útil essa orientação?
Posso conhecer seu caderno de planos ou seu planejamento anual?

10- Fale um pouco sobre como desenvolve suas aulas quando está iniciando a
alfabetização.

206
a) Usa algum método? ( ) sim, qual?__________________________________________
( ) não, por quê?_______________________________________
( ) vários, como?______________________________________

b)Que material escrito você usa?

c) Descreva os encaminhamentos que você dá (primeiro passo, segundo, etc.)

11- Você usa cartilha para alfabetizar?

Sim ( ). Cite o título______________________________________________________

Não ( ). Diga então como faz _______________________________________________

12- Se você responder sim à pergunta anterior, responda:

a) Além da cartilha você usa outros materiais? Quais?


b) Como você avalia a linguagem usada na/pela cartilha?
c) Como você avalia as atividades/exercícios que acompanham as lições?
d) Você considera que a cartilha contribui para a alfabetização das crianças?
e) As crianças gostam de trabalhar/manusear a cartilha? Como isso se evidencia?
f) E os pais? Eles acham importante que os filhos tenham/usem esse material?

13- Quais as maiores dificuldades para ensinar a ler e escrever?

14- Sobre as produções escritas dos alunos, quais as maiores dificuldades apresentadas?

15- Sobre a leitura, responda: Seus alunos gostam de ler? (ou ouvir leituras?)
Sim ( ) Que tipo de material?
Não ( ) Por que será?

16- Quais são as perguntas mais freqüentes de seus alunos sobre a leitura/escrita? Eles são
bastante curiosos?

17- Na sua opinião:

a) O que significa “alfabetização”?


b) Quando um aluno (a) pode ser considerado (a) alfabetizado (a)?
c) É mais fácil aprender a ler ou aprender a escrever?
d) Deve-se ensinar a ler antes de escrever? Escrever antes de ler? Ou os dois processos
simultaneamente?

207
e) Que letra é preferível usar no início da alfabetização?

18- Você se lembra de seu processo de alfabetização? Em que ano e local você foi
alfabetizado (a)? Que idade você tinha? Que cartilha ou outro material foi usado? Você
gostava da escola naquele tempo? Quais as lembranças que ficaram mais presentes na sua
memória? Você guardou algum caderno, fotografia, cartilha ou livro daquela época? (Posso
ver? Gostaria de fazer uma doação ao Centro de Documentação sobre a Alfabetização da
nossa UFMT, campus de Rondonópolis?).

19- Cite suas últimas leituras sobre a alfabetização (ou leitura, ensino de leitura, etc.).

20- Com relação à Alfabetização cite as maiores dificuldades que você encontra ao ensinar
seus alunos.

21- Comente um pouco sobre os conteúdos que você considera mais importantes em
Alfabetação.

22- Existe heterogeneidade quanto à idade de seus alunos? Aproveitamento de


aprendizagem, defasagem? Como você trabalha esta questão?

23- Qual é a sua concepção com relação aos alunos que demoram um pouco mais na
apropriação da língua escrita e como procura resolver? Apóia-se em alguma teoria
pedagógica além das implícitas na proposta pedagógica?

24- Como o aluno constrói o seu conhecimento na sua opinião?

25- Você conhece/usa/tem a proposta dos PCNs? Como estão sendo estudados na escola? E
o que você acha?

26- Como você concebe a interação social na aprendizagem?

27- Como você avalia os seus alunos?

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