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atitudes sociais
se tornam Arte
Trabalho escrito coletivamente por José Lucas Albuquerque da Silva, Mateus
A. Krustx, Ana Clara Simões Lopes, Naima Bibas Silva Vieira, Lucas Sousa, Rayssa
de Oliveira Ruiz, Aline Beatriz Seixas de Souza, Marlon Cesar Merly de Paz, Karla
Gama, Ana Clara Schubert, Caio Couto, Amanda Rezende de França Pizani
Domiciano, Racquel Fontenele Crespo, Emmanuele Russel Salvador, Tayná de
Oliveira Ribeiro, Bruno Awful , Mayara Velozo, Giselle Liberato, Heloize Amaro,
Amanda Accioly Videira Gabriel Caires(coloque seu nome conforme acrescenta
algo).
O tema maior desse artigo do qual o meu se inscreve remete, com seu título,
à exposição “Quando as atitudes se tornam forma”, realizada na Kunsthalle de Berna
por Harald Szeemann em 1969, sendo uma das primeiras exposições a exibir
artistas minimalistas e conceituais em uma instituição. Ali, Szeeman discutia o
caráter gestual e processual que uma obra poderia assumir para além de sua
configuração material, imutável e comercial. Além disso, a figura do curador
enquanto propositor de experiências começava a aparecer, despindo-se da figura do
conservador enquanto zelador das obras.
1
Entretanto, antes de pensarmos sobre como essa exposição se mostra
relevante na contemporaneidade e, ainda, pensar em novas articulações e
alterações que a mesma deve passar para abarcar um novo campo artístico que
desponta (seja no fazer do artista, no curador independente que propõe exposições,
ou ainda no pesquisador de arte, campo que se expande no Brasil com a
consolidação dos cursos de história da arte), penso ser fundamental delimitar o que
chamamos de forma para, após, pensarmos arte e sociedade. A palavra tem sido
usada de forma diferente por vários teóricos da imagem, filósofos e artistas ao longo
da história, provando ser um desafio discutir sobre o mesmo sem uma consideração
prévia de suas utilizações. Pretendo aqui estabelecer uma reflexão com alguns usos
que o termo já abarcou, de forma a problematizar sua funcionalidade.
A palavra vem do latim forma, que serve para designar todo objeto feito na
fôrma, ou uma configuração que determinada coisa assume. Em concomitância, o
pensamento oriental que vem atrelado à palavra forma (que tem como escrita o
caractere 形) apresenta pontos de contato com a noção proposta pelo latim. Os
compostos semânticos que formam o caractere são 刑, que denota moldura,
estrutura, enquadramento, e 彡, que denota padrão, corpo, matriz. Apesar da
distância que a cultura oriental e ocidental apresenta nas mais diversas áreas de
pensamento e práticas, fica claro que o termo propõe em ambos uma categoria de
forma como um modelo de enquadramento para determinada matéria.
2
como uma mediação entre o espectador e a obra, tendo a abstração como instância
articuladora dessa ordem de relação. Portanto, uma visão essencialista e cartesiana
de uma obra torna-se incompleta, já que sempre é necessário pensar sobre a
relação que a forma propõe com a percepção do espectador.
Henri Bergson, filósofo francês do século da transição para o século XX,
utiliza a palavra forma para propor um lugar onde se cristaliza o devir: "Forma é um
instantâneo de uma transição” (1971). Seu conceito se torna muito caro para os
pensadores da fotografia e do cinema, como o francês Deleuze, que articula grande
parte de sua obra a partir de experiências cinematográficas. Estabelecendo uma
relação desse pensamento com o título deste artigo, podemos utilizar como exemplo
a obra “Poder”, da série “Carnaval” realizada por Carlos Vergara entre 1972 e 1976.
Tomando como forma a definição proposta por Bergson, podemos inferir que
a forma-fotografia de Vergara condensa uma série de transições – estas de cunho
social, político e estético – em uma configuração imagética que apresenta três
homens negros fotografados no bloco carnavalesco Cacique de Ramos, ostentando
a palavra “PODER” marcada em seus peitos por uma tinta branca. Os três olham
para o espectador de forma impositiva, recusando a posição de meros objetos da
fotografia, e tomando lugar na imagem como protagonista.
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protagonista da fotografia; um Brasil que atravessava um período de ditadura
repressivo, onde já havia sido instaurado o ato mais tirânico de sua constituição, o
AI-5; o período do carnaval como lugar de afirmação étnica e de liberação de corpos
explorados pelo sistema social e econômico, etc.
4
Fotos que demonstram a expografia da exposição “O Rio do Samba - resistência e
reinvenção”. Fonte: TV Brasil e Revista Istoé.
5
Quando atitudes se tornam forma: mas e quando
representatividade se torna arte?
Mateus A. Krustx
Como dito por José Lucas Albuquerque da Silva ao início deste artigo;
Szeemann, ao tentar discutir o caráter gestual e processual em algum momento
propôs “Quando as atitudes se tornam forma”, que previa novas possibilidades para
as proposições expositivas. Hoje, no século XXI vemos que as atitudes sociais são
tomadas como novas formas de arte, mas quais são os parâmetros éticos e morais
que permitem este abraçar da arte contemporânea.
2 “Berna Reale (Belém, Pará, 1965). Artista e perita criminal. Licencia-se em artes pela
Universidade Federal do Pará em 1996. [...] Por meio de ações e performances minuciosamente
concebidas, Berna Reale desvenda aspectos ocultos das relações de poder, de caráter individual ou
social.” (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURA. Berna reale. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa26879/berna-reale>. Acesso em: 14 ago. 2018)
6
o lugar de fala”, propõe à transcrevê-lo afirmando sua origem como vinda do
feminismo negro, deixando claro que este termo surge para afirmar o
posicionamento desta minoria na injustiça dos privilégios concedidos às classes,
gênero e etnias dominantes (2007), a escritora faz de seu livro uma ferramenta de
seu próprio lugar fala. Mas qual a relação do lugar de fala com a atitude social se
tornando forma?
7
Em minha pesquisa a Mitologia do Indivíduo: Autobiografia, relato e outras
ficções5, toma a mesma vertente que a proposta por Szeemann, mas para alcançar
seus significados passei por outras referências como O Herói de mil faces6 de
Joseph Campbell e O homem e seus símbolos7 de Carl G. Jung. Agora vendo que
Szeemann e eu partilhamos deste assunto, posso afirmar que assim como ele
descreve o trabalho de Etienne-Martin, posso afirmar as propostas de Matheusa
Passareli como pertencentes de sua busca pela automitologia e representatividade.
6 CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. 14a ed. São Paulo: Pensamento, 1989.
7 Publicado pela primeira vez em 1964 pela Aldus Books Limited em Londres, onde não
constava o capítulo “Os Mitos Antigos e o Homem Moderno”. O livro começou a ser organizado por
Carl G. Jung e após seu falecimento foi finalizado por M. -L. von Franz, com intuito de reunir os temas
principais de suas pesquisas e de seus colegas publicando-os com uma linguagem mais objetiva.
(JUNG et al., 2016.)
8
Quando atitudes se tornam forma: mas e quando se tornam
representatividade? Outras perspectivas da ação.
Alÿs chegou a essa ideia depois de visitar Lima no final do ano 2000, em meio
a um contexto político singular e inescapável: eram os últimos meses da ditadura
Fujimori8; Lima estava tumultuada com combates nas ruas e um movimento de
8 Alberto Fujimori ocupou a presidência do Peru de 1990 até 2000. Durante seu
governo, o Congresso foi dissolvido, o Poder Judiciário, Ministério Público e Tribunal
Constitucional fechados. É acusado de perseguir, sequestrar e matar opositores com o
9
resistência emergente. “Era uma situação desesperada que pedia uma resposta
épica: organizar uma alegoria social para se adequar às circunstâncias parecia mais
apropriado do que se engajar em um exercício escultural”9. Retorna, portanto, em
2002, para realizar quando a fé move montanhas.
auxílio do aparato militar e uma rede de veículos de imprensa sensacionalistas], além de ser
responsável pela esterilização sem consentimento de mais de 300 mil mulheres peruanas,
em sua maioria indígenas.
9 (Alÿs n.d.)
10 (Alÿs n.d.)
11 (TATE n.d.)
10
Naima Bibas Silva Vieira
11
Detalhe do desfile “Ratos e Urubus, Larguem a
minha fantasia” da Beija Flor de Nilópolis, 1989
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A narrativa de “do lixo ao luxo”, como denominou, chocou primeiramente ao
divulgar o convite dizendo: “ATENÇÃO Mendigos, desocupados, pivetes, meretrizes,
loucos, profetas, esfomeados e povo de rua: tirem dos lixos deste imenso país restos
de luxos...Façam suas fantasias e venham participar deste grandioso BAL
MASQUÉ.”, a qual convocava os moradores de rua para inaugurarem a passarela do
samba em seu abre-alas. Segundo Helio Oiticica (1967) uma ação como estas
poderia “introduzir o espectador ingênuo no processo criador fenomenológico da
obra (...) como uma proposição aberta à sua participação total.”, enaltecendo a
Os outros carros traziam ainda a ideia do “lixo ao luxo” ao lidar com questões
como imprensa, política, igreja, lixo produzido desde os brinquedos até no sexo.
Esteticamente, as cores e figurinos das alas ficariam cada vez mais alegres,
simbolizando essa transição. A Beija-Flor de Nilópolis foi uma das últimas escolas a
desfilarem, então, excepcionalmente, o portão foi aberto e o público pôde se juntar
as arquibancadas para participar da folia que entrou para a memória do carnaval do
Rio e de todos na Sapucaí.
14
15
Uma aproximação entre o gesto e o sensível:
Lucas Sousa
As transições entre gesto e nome, descritas por Agamben, ainda que sob
linguagens distintas, se aproximam em muito do que é proposto como revolução
estética por Jacques Rancière. Nos textos em que analisa a transição da estética
como valor das maneiras de fazer para a “realização sensível de uma humanidade
comum”14 o autor desconstrói a relação entre o sábio e o ignorante—onde o sábio
detém o conhecimento ausente nos ignorantes— ao questionar o valor estético
como o reflexo de um povo e não como o valor da obra em si. Esse questionamento
se torna explícito no livro “O espectador emancipado”, onde Rancière se apropria do
conceito de emancipação intelectual de Joseph Jacotot. Para ambos a emancipação
intelectual é a comprovação da igualdade das inteligências. Portanto, os diversos
saberes dispostos na sociedade passam a ocupar lugar de relevância semelhante ao
se tornarem cruciais para a legitimação dos territórios políticos.
13
AGAMBEN, Giorgio. Magia e Felicidade; Pág.25
14
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo:
EXO experimental org.; Editora 34, 2009. Capítulo 2, pg. 39
15 Jacques Ranciere aborda o sensível de diversas maneiras. No livro “A partilha do
sensível”, o autor aproxima a estética da política para conceituar o sensível, partindo de
diversos outros conceitos, como uma nova relação do objeto com o meio.
16RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2012.
17
marginalizados e revelar os mesmos possuidores desses conhecimentos como
proprietários de um espaço elitizado ressignifica o espaço e a proposta de carnaval
que foram tomados dessas mesmas pessoas. É nesse ato que o artista se
assemelha em muito a Paracelso. Da mesma forma que o alquimista traduz a rosa
das cinzas, o carnavalesco faz renascer o carnaval com as palavras: “Mendigos, A
Sapucaí é Vossa”.
“É um resgate que através disso nós estamos fazendo uma recuperação das
histórias. Muitas histórias se perderam aqui na Vila e a preocupação é justamente
essa, para que não se perca todas as histórias.” (Informação Verbal – Trecho
retirado do vídeo “O que é o Museu das Remoções?”)17
19
todo o processo de remoção e destacou o estado da vila atualmente. Tudo isto
somado a força, luta, perseverança e resistência de seus moradores.
instrumento de luta.
Imagem retirada do site RioOnWatch Relatos das Favelas Cariocas. Disponível em:
<http://rioonwatch.org.br/?p=28438#prettyPhoto>. Acesso em: 28 julho 2017.
20
Sandra Maria de Souza Teixeira. Conferência de Encerramento do II Seminário de
Práticas em Arte e Educação: Para que Arte e Educação em tempos hostis?. Imagem
retirada do arquivo da COEXPA/UERJ.
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Quando representatividade faz-se imagem.
18 BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: Magia e Técnica, Arte e Política.
Obras Escolhidas Vol.1. Editora Basiliense, 2012, p. 226.
22
Focou, também, na vida dos trabalhadores migrantes, sendo sua fotografia mais
icônica “Migrant Mother” de 1936, em que registrou uma mãe com três de seus
vários filhos em uma área rural de Nipomo, Califórnia, estabelecidos ali
temporariamente antes de seguir o rumo para o Oeste, em busca de melhores
oportunidades de trabalho.
/ Figura 5: ARBUS, Diane. Identical Twins, Roselle, New Jersey, 1967 / Figura
6: ARBUS, Diane. Stripper with bare breasts sitting in her dressing room, Atlantic
City, N.J., 1961.
24
Figura 7: ERRÁZURIZ, Paz. Evelyn, 1981 / Figura 8: ERRÁZURIZ, Paz. La
Palmera, Santiago, 1983 / Figura 9: ERRÁZURIZ, Paz. Coral, bordel La Carina,
Santiago, déc. 1980.
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26
Marlon Cesar Merly de Paz
Quando falamos de arte, não podemos esquecer o contexto social em que ela
é produzida ou, até, onde foi produzida. Nesse contexto vislumbramos que ao longo
da história da arte, artistas vêm criando e produzindo uma arte intimamente
vinculada à realidade social que os cerca. De acordo com o Filósofo Adorno é
impossível controlar os efeitos sociais de uma obra de arte, seja ela autônoma, livre
de críticas sociais, ou engajada, com críticas sociais.
Arte é um fenômeno social, e isso significa que é praticamente impossível situar
uma obra de arte sem estabelecer um vínculo entre ela e determinada sociedade.
Essa relação entre arte e o social está em constante transformação ao longo da
história. Podemos dizer que o artista é um ser social e que existe uma influência
recíproca entre ele e a sociedade, além disso uma obra de arte é percebida
socialmente pelo público tornando-se um elemento social de comunicação, onde seu
criador pode transmitir uma ideia. Queiram ou não queiram os artistas, tenham ou
não disso consciência, toda a arte, todas as obras de arte, estão impregnadas de
significações sociais.
A presença de um conteúdo não estético em toda a obra de arte contrária em
muitos casos as declaradas intenções do artista. A história da arte está cheia de
exemplos desta divergência entre o tema e o conteúdo. Tomemos o exemplo da
Pintura Renascentista que documenta a vitória do ideal profano sobre o ideal
monástico, pois o tema religioso era apenas um pretexto para retratar as
preocupações e problemas de seu tempo e o amor pela vida terrena, cultivado pela
burguesia ascendente, como na imagem abaixo.
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O Nascimento de Venus, Botticelli,1483.
Para Adorno, a Estética é a única forma que nos resta para criticar o sistema
social e seus agentes, uma vez que o sistema como um todo está dominado pela
falsidade, expressão de uma pretensa harmonia que a ideologia burguesa finge
existir: “é aqui na obra de arte, que se preserva uma pequena área de verdade, aqui
a crítica ainda é possível e é aqui que ela precisa ser feita” (Freitag, 1998: 81).
Um dos exemplos mais marcantes dessa crítica social através da Arte foi Pablo
Picasso e uma de suas mais importantes obras: Guernica.
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Outro exemplo é Cândido Portinari (1903-1962), que produziu em 1944, um
quadro à tinta óleo, chamado Retirantes, com o objetivo de retratar o sofrimento do
povo nordestino. Este que era afetado pela seca, pela desnutrição e pelos altos
índices de mortalidade infantil, representado na obra por pessoas com olhar triste,
partes do corpo à mostra, parecendo não ter pele, apenas ossos e músculos
provavelmente fracos e frágeis, estando à roupa rasgada, vivenciando um momento
de fome e miséria.
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Portanto, é impossível separar Arte e o social, sendo que este último sempre
estará influenciando a produção artística, dentro de seu contexto histórico.
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Quando movimentos se tornam arte.
Pussy Riot
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Pussy Riot é um coletivo feminista russo, pertencente ao movimento citado
acima, sediado em Moscovo, na Rússia, um país que repreende e persegue
indivíduos que vão contra a ordem do estado, as pessoas são proibidas de propagar
e protestar contra o regime opressor. Composto por um grupo, anteriormente apenas
de mulheres, hoje já se tem homens participando, que organiza “Guerrilla gigs” 21 não
autorizados. Essas manifestações artísticas são gravadas, editadas, transformadas
em clipes e disponibilizadas na internet. As letras abordam o feminismo, os direitos
LGBT e o estado patriarcal suscitado pela política de Vladmir Putin e suas
relações com os líderes da Igreja Russa Ortodoxa, Apesar do teor de deboche e da
crítica mordaz à intromissão da Igreja em assuntos do Estado – daí a expressão holy
shit (santa merda!) –, não há uma crítica herética ao sacro, isso fica claro quando o
grupo se refere à Virgem Maria, clamando a ela como intercessora, para que rompa
aquela condição: “Santa Maria, enxote Putin!”, ou clamando-a para que a mãe de
Cristo junte-se a sua luta: “Santa Maria, Virgem, torne-se feminista! Torne-se uma
feminista!”.
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O poder performativo da voz múltipla das Pussy Riot, a gritar canções punk nos
telhados das casas e na catedral, é o que lhes permite agir sobre esse espaço,
reconfigurando significativamente o ato de abrir a boca em público. A negociação do
espaço público promovida pelo grupo envolve uma modificação da paisagem
auditiva e visual, é uma ação política, pois contribui para uma transformação da
forma como se olha o corpo feminino subitamente reposicionado na esfera pública,
cria uma dependência entre quem se manifesta e quem assiste, e é essa
dependência que vai produzir o gatilho para a transformação do real. Por outras
palavras, o espaço da aparição (que é também o espaço da mudança e da
revolução) depende de uma simultaneidade: a simultaneidade do espaço a agir
sobre os corpos e dos corpos a agirem sobre o espaço.
Neste ponto, é bastante claro o fato de que a luta política feminista instituída
pela cena musical constituída pelas Pussy Riot difere essencialmente dos
parâmetros postos pelo feminismo tradicional e esta diferença se alicerça, entre
outros aspectos, pelos mecanismos de identificação coletiva postos em uma esfera
pública alternativa de crítica musical. A expressão punk, poderíamos dizer que a
estética punk é marcada por uma atitude de contestação e de transformação. Dito
em outras palavras, pode ser definido como uma atitude de contestação ao sistema
vigente em contraposição ao princípio da submissão ao sistema capitalista. Não à
toa, era marcado pelo princípio de autonomia, do faça você mesmo – do it yourself –
que compreendia muito mais que uma simples apologia ao espontâneo ou ao mero
individualismo das soluções simples. O punk procura desvelar uma nova lógica do
pensar, marcada essencialmente pelo risco, pela abertura de caminhos cognitivos e
estéticos de maneira particular, com ingredientes peculiares. Além de veicular as
suas ideias por meio da música, esses grupos conseguiram constituir uma esfera
pública alternativa de crítica de rock, cujos mecanismos de identificação se
alicerçam, entre outros aspectos, na ênfase do empoderamento feminino e na
adoção de uma estética própria. As identidades coletivas, engajadas no
reconhecimento de um mundo em comum, alocando a identidade enquanto ato
performativo.
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O lugar da curiosidade na curadoria de arte
Ana Clara Schubert
“Nunca pensei que isso fosse arte. Vejo isso como um jogo", diz Maycon Souza de
Oliveira, integrante do projeto há quase uma década - e ele diz se sentir incomodado com o
título de "artista". Assim como para os outros integrantes do projeto, Maycon acredita que
tudo começou com um jogo, como a construção de uma casa de bonecas para recriar a vida
que eles observam ao seu redor.” Agencia Estado, 14 Junho 2007
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As relações entre uma arte participante, que tem a necessidade de tomada de
posição em relação à problemas políticos, sociais, éticos etc acentuada e uma
escolha curatorial de inserir uma produção marginal dentro do sistema permeiam a
questão do social se tornar arte. Hoje, onde o contexto do meio não persiste quanto
ao caráter social, a arte pode não resolver, mas intermediar até que a subalternidade
esteja inserida.
O grau simbólico é o âmbito onde, por exemplo, Robert Storr chega ao
convocar o Morrinho para a bienal. Ele alcança esse lugar enquanto personagem de
uma perplexidade, porém, em Veneza, o motivo de curiosidade diante da realidade
daquelas casinhas ainda estava vinculada aos gabinetes de curiosidade.
Ranieri e Nelcirlan
O lugar da afetividade como cura
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Entre o final dos anos 1970 e início dos 1980, a artista mineira Lygia Clark
deflagra em sua obra o ponto ápice de seu gesto artístico, que também é social:
neste período, por intermédio dos “Objetos relacionais”, a artista se transmuta ao
papel de psicoterapeuta ocupacional, tratando pessoas. Através do conceito de obra
de arte relacional, a artista põe o espectador, agora paciente, em contato com uma
dimensão ‘total’ da realidade. Contato pessoal: através da consciência corporal,
estimulando os sentidos, geralmente deixados de lado no contato com as obras de
arte, em favorecimento à visão. Contato social: muitas vezes, como nas aulas
ministradas pela artista em Sorbonne, na França, em que a ‘terapia’ se dava em
grupo, o participante trocava, de modo extremamente corporal, com os outros
participantes, experiências absolutamente íntimas, como no caso da baba
antropofágica. Lygia cria deste modo um espaço favorável às afetividades. Brígida
Baltar cita Maurizio Catelan, em “Passagem Secreta”, dizendo: “Lembrei novamente
do Maurizio Cattelan, quando ele diz ao que trabalhar de forma instintiva,
respondendo a uma determinada situação de forma pessoal, você pode no final
obter resultados coletivos e afetar o mundo…”
Em um tráfego ambivalente, o que cada paciente troca são particularidades,
que somadas socialmente, resultam em coletividades. E é este exatamente o ponto
de ‘cura’ presente nesta fase de sua obra.
baba cura
gostaria de te dar agora um objeto, simples, cotidiano e banal, para segurar. talvez
então a gente possa compartilhar algo, como uma baba. botar uma interioridade
minha, particular, para fora. e engolir a sua. gostaria que, com a ajuda de algum
objeto, algo como uma roupa, pudéssemos nos tocar. abraçar o encontro. não só
conceitualmente. não só ver. tocar, sentir, cheirar. gostaria de, ao mesmo tempo,
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com esse objeto que me toca, conectar-me à parte de dentro. como se, a partir da
ativação de todos os sentidos, chegasse a ser completa.
partindo de objetos, para experimentação dos olhos, passa a incluir o tato. bichos. o
sentido, na obra de lygia, aponta para uma certa completude. foi preciso incorporar o
corpo inteiro. o ser inteiro. o ser inteiro e o mundo inteiro. a obra aqui, agora, é um
filtro para a experiência no mundo. são os olhos livres das imagens. a imagem, em
sua obra, se dilui. como um ziguezague, um movimento intenso de reflexos. interior
e exterior abandonam seus limites. binarismo, bilateralismo, significados únicos,
devem volatilizar, neste fluxo orgânico.
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participam. é uma cura: o ser, fragmentado, recolhe-se, recoloca-se, reconstitui-se,
partilha-se.
39
Arte para além do objeto artístico
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alertar a população sobre uma performance nos jornais, alterar a fachada do museu,
entre outros.
Esse trabalho trouxe a possibilidade de fazer uma ação incisiva na sociedade,
ela aconteceu na vivência do cotidiano do espectador, dando uma oportunidade de
atingir de fato, o sistema. Uma performance que participou de uma prática artística
provocando o social.
No Brasil a Arte Conceitual tem seu período marcante na ditadura militar, nos
anos 60. Os artistas desse momento possuíam uma pesquisa mais voltada a
reflexão da materialidade da arte, como Cildo Meireles que teve seus processos
focados no questionamento da arte pela arte e não do contexto local, como o grupo
CADA.
Cildo tem um processo artístico que pensa a arte como ação e ideia,
propondo atividades que diminuem o espaço entre arte e vida. Como por exemplo no
trabalho Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola se apropriando de
garrafas de Coca-Cola, impregnadas de significados. Esta operação confronta o
espaço do capitalismo com a realidade política e social do país influenciada
marcantemente pela ideologia americana. Se enfatiza aqui, questões que abordam o
aspecto formal da linguagem, produzindo um objeto que provoque questionamentos
no modo de pensar criticamente e inspirados nos ready-mades do Duchamp mas
partindo do princípio do objeto de arte que atua no meio industrial.
Dessa forma, Cildo aproximou a arte da vida, não só pelo tema que aborda o
consumismo questionando problemas e o contexto qual se inseria, tornando a arte
mais política. Mas por usar de objetos do cotidiano e também por deslocar o local do
espectador, que é retirado do lugar de apreciação e colocado para interagir.
Aqui possui uma relação com o grupo CADA, quando ambos propõem ações
que visam o social, são práticas para além dos objetos artísticos. A diferença entre
os dois, são suas conotações e os lugares que procuram atingir. Cildo Meireles está
pensando no consumo da sociedade brasileira nessa época, abordando de certa
forma a linguagem. Já o CADA está pensando no político a partir da população
marginalizada do Chile. Essas são as diferenças mais marcantes entre as obras
produzidas nesse período do Conceitualismo.
A relação entre os dois é uma forma de resistir através da arte. A arte desse
período foi atravessada pela situação política e econômica de cada país, seja a
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relação com o regime ditatorial ou com a condição social de parte da população. Os
artistas encontraram aqui, uma forma de se expressar num período que a
comunicação não era bem livre. Tornando, dessa forma, o contra discurso possível.
Os trabalhos possuíam temas próximos a realidade, dessa forma fez com que as
práticas artísticas se tornassem uma vontade de discursar, se comunicar e se
expressar de uma maneira que não se era possível naquele momento político.
Com isso, Luis Camnitzer elabora o pensamento que o conceitualismo latino
americano absorveu como estratégia, o clima político do local em que moravam,
citando exemplos de alguns artistas. Para o autor, a divisão de narrativa e forma se
torna menos importante nesse momento, com a arte e a política pensada em
estética. Sendo assim, esses artistas tencionaram os limites do que é considerado
arte. Tornando então necessário pensar em outros modos de entender essas
práticas, já que a produção na América Latina se separa das formas disponíveis que
existem para entender o conceitualismo nesse momento, e nesse aspecto Camnitzer
se torna importante, por pensar a arte latino-americana a partir de experiências não
dissociáveis de arte e política, como antes eram pensadas.
O artista passa a tratar de temas que estabelecem contato com o mundo do
expectador, os trabalhos saem do circuito da galeria e vão para as ruas, não
conseguindo mais distinguir o que é arte do que é objeto do cotidiano, com isso
também termina essa áurea que paira sobre objetos de arte.
Com a arte contemporânea, a arte passa a se aproximar do cotidiano e a
distinção entre o que será objeto de arte ou não, não estava mais pautado apenas
no estético. Não se tratava mais da forma como representar o mundo, mas como
expressar nos trabalhos questões pessoais ou política.
Uma busca por um discurso que não se fazia possível, foi o ponto de partida
do grupo CADA que produz suas ações para além de objetos artísticos, produzindo
impacto social, e foram em primeiro momento pensadas como espécies de ações
sociais, o discurso político que através da arte encontra maneira de existir. Já o
Cildo Meireles, aproxima a arte da vida ao colocar seus objetos de fato no mercado,
questionando a interferência dos Estados Unidos no Brasil, naquele momento.
Então, ao propor pensar nesses trabalhos, é entender como eles tencionam a arte, a
vida e a política.
42
Quando a curadoria repensa a história.
43
1 Fred Wilson, Cabinet Making 1820–1910, Mining the Museum, 1992.
44
2 Installation view: Pedestals, Globe, and busts
45
3 Fred Wilson, Metalwork 1723–1880, Mining the Museum, 1992.
Referências:
Bibliografia
JUNG, Carl G., and M.-L. von Franz. O Homem e seus símbolos. Rio de
Janeiro: Harper Collins, 2016.
47
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. 14a ed. São Paulo: Pensamento,
1989.
1989: “Luxo” gresilense supera o “lixo” nilopolitano no ano que não acabou.
2016
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reinava-no-sambodromo-11406236 Acesso em: 27/07/2018
Samba Enredo 1989 - Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia
48
GARROCHO, Luiz Carlos de Almeida. Lugar e convívio como prática
espacial e tessitura cênica: as performances urbanas do Coletivo Contraponto
(MG). Universidade Federal de Minas Gerais, 2015.
49
INTERNACIONAIS. Relações Internacionais no Mundo Atual, v. 1, n. 21, p. 8-44,
2016.
http://avessa.org/2012/03/21/free-pussy-riot
PAVAM, Rosane. Busca o meu rosto: Paz Errázuriz. In: Revista ZUM #13. Rio de
Janeiro: IMS, out. 2017.
<https://oglobo.globo.com/cultura/favela-em-miniatura-destaque-na-bienal-de-
veneza-4183585>
<https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,bienal-de-veneza-traz-a-arte-do-
presente-e-favela-carioca,10467>
<https://www.projetomorrinho.org/>
50
RAMÍRES, Mari Carmen. Táticas para viver da adversidade. O Conceitualismo na
América Latina.
51
Ainda que proveniente de dois focos distintos e autônomos é
inegável que a fronteira entre atitudes sociais e Arte é muito facilmente
transposta. Em alguns artistas essa mescla ocorre com tanta naturalidade
que é difícil destilar o caráter ativista da sua produção artística. O circuito
de Arte ocidental por si só, já compõe uma instituição social com seus
próprios indivíduos e questões específicas: Artistas, curadores,
mediadores, museólogos, colecionadores. Questões estéticas e criativas.
Entretanto o mesmo circuito tende a buscar para si questões de outros
campos sociais que vão levantar críticas que transbordam além do circuito
artísticos.
52
TRONCOS (Amazônia). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e
CulturBrasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018.
53
Referências
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10730/frans-krajcberg, acesso em 15 de
agosto.
54
Arte como um veículo de grito e escuta
55
espécie de colcha-cartaz com diferentes relatos e visões sobre a cor rosa e posteriormente
impressos e espalhados por toda cidade de Los Angeles.
Referências
ARTE Conceitual. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São
Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3187/arte-conceitual>. Acesso em: 15 de Ago.
2018. Verbete da Enciclopédia.
Na Bolívia dos anos noventa, nasce o Mujeres Creando - movimento que age com
criatividade contra o sistema patriarcal, colonizador. Para a sociedade boliviana é um
corpo que legitima o ativismo político com intervenção artística e pedagogia
feminista.
O grupo liderado por Maria Galindo utiliza principalmente grafite e performance como
expressão. Com duas casas de autogestão, nascente onde desenvolvem suas
atividades políticas e culturais, além de oferecer serviços de alimentação e
hospedagem.
Em uma sociedade extremamente sexista e conservadora como a sociedade
boliviana, para a Mujeres Creando, a arte deve ser feminista e atuar no campo
público. A expressão consolidada desde o princípio o grafite foi/é usado como arma
subversiva, irritante, desconfortável e acima de tudo provocante. Para este grupo de
mulheres polimórficas o poder da linguagem ainda é o poder de revelar as que são
invisíveis, desmascara a aparência. Com essa expressão denunciaram a violência
sexual e institucional, o racismo e o estado. Grafite como forma pacífica e natural de
expressão com capacidade de revolucionar as consciências femininas ao passar
uma mensagem feminista e clara.
As mulheres bolivianas agora possuíam um lugar que respondia as suas
necessidades, um espaço social no qual podiam e eram acolhidas ao buscarem
seus direitos e transgredir as normas que as condenava.
Nos seus 26 anos de existência, o movimento tem a proposta definida como "a luta
criativa através de expressões pacíficas". Com oportunidades para expor sua arte
em diferentes áreas da criação artística em todo mundo assumiu uma evolução que
sociedade homofóbica.
Durante todos esses anos, as intervenções das Mujeres Creando não deixaram
ninguém indiferente. Como, por exemplo, na abertura da da 31ª Bienal de Arte
Moderna de São Paulo, em setembro de 2014. Mary, instalou o "Espaço Abort" que
57
possuía diversos ventres gigantes para exigir o aborto livre, enquanto rodava um dos
seis curtas-metragens que estão no filme de Maria, 13 horas de rebelião,
incessantemente projetado. O grupo considerou que o trabalho sofreu censura pela
direção da amostra quando a mesma qualificou a instalação como não adequada
para menos de 18 anos.
Mujeres Creando soube como reverter uma situação que parecia imutável. Fez com
que a mulher boliviana, extremamente reprimida pelos papéis patriarcais, em sua
própria existência se erguesse e saísse para a rua. Julieta, Maria e Monica
estabeleceram uma forma provocativa e transgressiva de suas ideias sociais, éticas
e estéticas. Ensinaram as mulheres de seu país a descobrir e exercer sua autonomia
e com isso decidir em cada uma das questões de que eram protagonistas. A luta
continua.
Referências
Álvarez Virreira, Helen. Mujeres Creando, un feminismo de luchas concretas. 2004.
Disponível em:
<http://www.mujerescreando.org/pag_columna/quienesomos/quienessomos.html>
Acesso em: 18 de julho de 2018.
Mujeres Creando forma al feminismo boliviano de cara a sus múltiples luchas. 2017.
Disponível em: <https://www.elnuevodiario.com.ni/internacionales/449107-mujeres-
creando-forma-feminismo-boliviano-cara-sus/> Acesso em: 05 de agosto de 2018.
58
O espaço, lugar, a convivência mútua. Pensar atitudes curatoriais como uma
dão-se, além disso, tornando-se agentes de ligação dos trabalhos com o público.
E esse espaço de convivência deve ser concebido além do seu tema expositivo, e
o local físico que o circunda, como na história que culmina à sua criação – zona
esse tipo de comunicação. E não só por meio dos artistas está a responsabilidade
59
contato, onde entra a monitoria e a mediação. Em geral, um ambiente
formalizado (um cubo branco) carrega esta manta de local sagrado, e cabe aos
local e pessoa.
não paira sobre um local, que através de seu posicionamento independente frente
às investigações”.
Outra atitude, agora artística, pensou sua ação um rebote a condição social e
pelos os altos valores locatários, passa para a vontade de ser um espaço nem
público e nem privado, um espaço que deveria ser um ateliê de produção. Torna-
60
se um local de encontros. “mas 1m2, por 14 reais ao mês seria viável”, diz a
artista Maíra das Neves. Ele se define geograficamente dentro da antiga fábrica
Diversas outras ações são descritas no livro entre curatoriais e artísticas, e que
61
mayara velozo
Por meio de oficinas de crochê, os alunos produziram mais de 30 peças que que
passaram na abertura da semana de moda de São Paulo (SPFW ediçao2018) e
depois ficarão expostas no Museu da Resistência dentro da Estação Pinacoteca,
também em São Paulo.
O projeto Ponto Firme foi idealizado em 2015 pelo designer e artesão Gustavo
Silvestre, embaixador da marca de fios para trabalhos manuais Círculo S/A, e
despertou a curiosidade dos detentos para as atividades manuais.
“Para os alunos do projeto, o crochê significa uma janela dentro da prisão, que traz
cor e autonomia. O processo criativo foi conduzido sempre pela visão que eles têm
do mundo”, conta Silvestre, lembrando que a estilista Karlla Girotto deu deu um
workshop sobre criação para os detentos, antes de começarem a produção das
peças.
A mistura alegre de cores, por exemplo, representa a luz e as pessoas que vêm de
fora da prisão, como as mulheres, pais, mães, filhos e amigos. Já a música
disruptiva, com cortes bruscos e zunidos estridentes, causava um desconforto
proposital -- tocou ainda um trecho de Diário de Um Detento, um clássico dos
Racionais MCs. “As composições são 100% dos alunos, que são verdadeiros
artesãos e coloristas. Tudo foi feito de maneira bem autoral” - silvestre
62
convivência com os demais encarcerados, a quebra de preconceito,
responsabilidade, empreendedorismo e até autoestima", explica o diretor técnico do
Centro de Trabalho e Educação da penitenciária, Valdinei Freitas – fundador
A arte pode ser considerada uma linguagem universal. Essa linguagem artística
atravessando séculos e milênios, fronteiras geográficas e culturas das mais diversas
consegue preservar significados para os que viverão amanhã. A arte surge com
como uma linguagem natural dos homens. Todos nós dispomos das potencialidades
dessa linguagem e, sem nos darmos conta disso, usamos seus elementos com a
maior espontaneidade ao nós comunicarmos uns com os outros. Partindo disso,
podemos afirmar que esse projeto não só impulsionou os detentos a uma nova
ativiade como teve fator de transformacao social não somente fora, mas dentro do
presidio.São sempre as formas que se tornam não-verbais da comunicação artística
que constituem o motivo concreto da arte ser tão acessível e não exigir a erudição
das pessoas para ser entendida. Exige-se inteligência, sim e sempre sensibilidade. E
a arte continua sendo uma necessidade para os homens, caminho essencial de
conhecimento e realização de vida.
& huffpostbrasil.com.br
A arte deve ser crítica, de diversas formas, em diversos espaços. Um desses espaços, a cidade,
é palco para diversas manifestações artísticas que envolvem discursos sociais e políticos.
Repensar a cidade é repensar um organismo vivo e suas complexidades. É um espaço que
possibilita diversas formas de interação. Um organismo por onde transitam diversos seres
vivos, sempre apressados para chegar a algum lugar. O coletivo Poro busca, através de
63
elementos simples do cotidiano do cidadão, quebrar esse ritmo apressado, mesclando poesia e
crítica política em seus trabalhos.
O coletivo Poro existe desde 2002 e é formado por dois artistas, Brígida Campbell e Marcelo
Terça-Nada!. O coletivo procura poetizar a cidade e o cotidiano, se utilizando assim de meios
de comunicação populares (como faixas, por exemplo) e fazendo intervenções em lugares
específicos, criando imagens poéticas. Algumas de suas intervenções têm caráter cômico,
outras embelezam a cidade com sua coloração. Defendem uma melhor qualidade do tempo
que se é gasto, de prestar mais atenção a diversidade da cidade como um espaço criativo e um
espaço artístico amplo, são contra a mídia manipuladora, contra o consumismo, defendem a
educação do olhar do espectador, entre outros discursos políticos.
1. Faixas anti-sinalização
Dois trabalhos são interessantes para serem discutidos. Um deles se chama Faixas de anti-
sinalização, onde o coletivo espalha diversas frases pela cidade que causam estranhamento e
reflexão nos transeuntes. São frases que fazem enxergar além da aparência da cidade, além da
correria, da demanda da cidade e que criam um discurso totalmente diferente para o lugar em
que estão sendo inseridas. É o ressignificar do local, trazendo uma nova percepção da cidade,
para o cidadão que vive correndo para atender a demanda capitalista. Uma das frases,
“Enterre a sua TV” seria uma reflexão sobre a mídia e tudo o que é colocado sobre os
espectadores através dela, desde mentiras à verdades parciais. Quase todas as faixas estão
penduradas em postes da cidade, em esquinas. É possível observar que o local e a frase são
64
um só. Não há um texto explicativo enorme acompanhando a obra, a própria frase já explica
tudo, ao mesmo tempo em que ela participa daquele momento de troca de experiências
plásticas com o observador. Não é um texto formal e cerimonioso, onde o texto explicativo
respeita o espaço da obra e roda ao redor dela. É um texto que sai da formalidade e se reduz a
uma frase simples com o objetivo de causar esse impacto no observador e levá-lo a reflexão.
E o discurso de uma das faixas é tão forte que se desdobra em uma intervenção. Se em Faixas
de anti-sinalização eram diversas frases, em Perca tempo se resume a uma. Uma frase que se
tornou um discurso significativamente enorme, que ao invés de ser somente a frase e o local,
o artista passa a estar presente também performando ao distribuir panfletos, broches e explicar
a quem quisesse ouvir como se perde tempo. Na parte traseira do panfleto, há um texto
chamado “10 maneiras incríveis de perder tempo”, fazendo com que mesmo que a pessoa não
pare para ouvir o artista, ela tenha acesso a essa informação depois. A faixa Perca tempo,
chama atenção justamente para o fato da correria do dia a dia, chama a atenção para o quanto
se tem gasto o tempo com algo de qualidade, algo que faça bem para a alma, fazendo com que
as pessoas que perguntavam percebessem que o tempo gasto, na verdade é um tempo ganho.
65
interações. Os artistas convidam o espectador a se atentar para questões até então
desconsideradas pelos mesmos. Segundo Adorno, a estética seria o único meio viável para se
fazer críticas sociais, já que o sistema como um todo estaria corrompido e interessado em
mostrar uma harmonia inexistente. Adorno ainda afirma que a arte deve ser crítica, deve ser
protesto contra a sociedade, possibilitando que a mesma continue existindo.
Diversas possibilidades de interpretação e fruição se abrem diante dessas obras, mas no
presente momento, nos interessa uma: o discurso social sendo integrado a obra de formas
simples e sutis. Nas obras do coletivo Poro, podemos observar claramente discursos sociais
ganhando força. Eles atravessam a obra e por ela são atravessados. O que estava somente no
papel se difunde com a paisagem, com o meio em que ela é colocada. E assim, o discurso
social, também se torna criação.
Bibliografia
66
ARTE COMO INSTRUMENTO DE EMANCIPAÇÃO SÓCIO-COMPORTAMENTAL
Por Carolina Nunes
A arte, que é tida como um modo de expressão das apreensões subjetivas da
realidade vivida pelos sujeitos, apresenta-se como uma possibilidade do ser social
experienciar sua sensibilidade, captada através dos sentidos, e materializá-la
através da construção artística. Ao ser identificada como um modo de refinar a
reflexão e o pensamento, a arte pode representar também a realidade social,
geográfica e política do artista, expressando processos como opressão, violência,
desigualdade social, que fazem parte da vida objetiva.
As profissões que tratam desse tipo de demanda social são estimuladas a
cotidianamente multiplicar os instrumentais de atuação e análise, uma vez que as
múltiplas expressões da questão social se solidificam cada vez mais na realidade do
indivíduo. Seja através da dissolução de vínculos afetivos e familiares ou expressa
nas relações precárias de trabalho, na violência urbana e rural, no enfraquecimento
contínuo da ideia de pertencimento dos locais de origem, violência doméstica, de
gênero, homofobia, racismo, entre tantas outras, geram uma opressão exponencial e
ao mesmo tempo um potente gatilho para as mais diversas formas de resistência.
Mais um aspecto merece destaque: antes de procurarmos
estabelecer as conexões sobre o que vimos refletindo e a arte,
trata-se do processo de formação. Se reconhecermos que o
contexto atual exige o trabalho interdisciplinar e o uso de
estratégias alternativas e criativas, lembremos que criatividade
é um dos critérios de cientificidade. Diante disso, devemos
garantir que estes processos permeiem, de forma cada vez
mais significativa, a formação profissional. Logo, mediações
que exercitem a sensibilidade e a criação podem propiciar o
desenvolvimento de habilidades necessárias ao exercício de
algumas atribuições ou competências que precisam ser
solidificadas na formação [1]
67
Conforme afirma Tolstoi (2002)[2], a Arte é a atividade humana que consiste
em um homem comunicar conscientemente a outros, por certos sinais exteriores os
sentimentos que vivenciou. É correto afirma que a arte é fundamental durante toda
a história da humanidade, uma vez que repassa as informações de transformação
das sociedades, com parâmetros que estão para além de determinações temporais.
Ou seja, pega o fenômeno, propriamente dito e o imprime na história. Essa
característica universal que a arte pode alcançar, extrapola limites culturais e pode
representar uma possibilidade de transição intercultural, em termos de classe,
geração, gênero ou etnia. Por isso, o artista (mesmo que não tenha essa intenção
explícita ou pensada para isso), quando expressa/ executa sua arte, também
comunica traços da sua realidade social, política e identitária.
Ou seja, quando um profissional da área das ciências sociais e humanas
utiliza de uma expressão artística como ferramenta de transformação social, ele vai
poder identificar dados da subjetividade daquele indivíduo, possibilitando transformar
na expressão arte em si como um elemento de transformação daquela realidade.
Por exemplo, uma assistente social que trabalha numa instituição
socioeducativa para menores infratores e promove um slam de rimas de hip hop com
os adolescentes apenados, vai ter ali uma representação da realidade de origem
daquele indivíduo e abrir também um campo de crítica e abstração para que o
jovem, que naquele momento está recluso e cumprindo pena, possa identificar
novas possibilidades dentro da sua realidade, que devido à condição de sua pena, já
conta com o cerceamento do direito fundamental da liberdade, e que muitas vezes
em sua vida, teve seu princípio legal de igualdade ignorado[3].
Nise da Silveira, uma psiquiatra alagoana, discípula de Carl Jung,
revolucionou o tratamento de pacientes psiquiátricos no Brasil e no mundo foi de
uma linha de Terapia Ocupacional que utilizava a arte como elemento de expressão
dos conflitos internos experimentados por pacientes psiquiátricos (mais
especificamente, em pacientes acometidos por esquizofrenia) no Hospital de
Engenho de Dentro na década de 50.
Costuma-se dizer que o Museu de Imagens do Inconsciente se
constituiu desde o princípio como um núcleo de pesquisa da
esquizofrenia – núcleo liderado por sua criadora que, em última
análise, utilizou a expressão plástica como um meio de acesso
à interioridade dos esquizofrênicos e levou ao conhecimento do
grande público as obras de seus pacientes. Essa
caracterização é realista. No entanto, é bastante acanhada se
68
quisermos apreender a complexidade simbólica do campo que
esse museu inaugura, complexidade que surge se tomadas em
consideração as milhares de imagens que aí foram elaboradas,
desde a sua fundação, em 1952. Nessa direção, a trilogia do
cineasta Leon Hirszman intitulada Imagens do inconsciente faz
uma apresentação sintética e muito sensível desse campo de
sentidos que abre a passagem entre o hospício e o mundo das
imagens, campo que articula psicologia, arte e política numa
única trama cultural.[4]
[1] Prates, J. C. A arte como matéria-prima e instrumento de trabalho para o assistente social.
Revista Textos & Contextos Porto Alegre v. 6 n. 2 p. 221-232. jul./dez. 2007
[2] TOLSTOI, L. O que é arte? São Paulo: Ediouro. 2002
[3] Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. BRASIL
[4] FRAYZE-PEREIRA, João A.. Nise da Silveira: imagens do inconsciente entre
psicologia, arte e política. Estud. av., São Paulo , v. 17, n. 49, p. 197-208, Dec.
2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142003000300012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 10/08/18
69
Quando atitudes sociais se tornam arte: Tucuman Arde e o problema do
pretexto
Heloize Amaro
70
não ser exibido em museus ou galerias. Um terceiro ponto era não se dirigir apenas a um
público de elite, e, finalmente, devia desafiar a sociedade e receber resultados similares as
ações políticas, porém de uma maneira mais duradoura e em um nível cultural mais
profundo[3].
A ocupação interdisciplinar em Rosário ocorreu em quatro pisos de um edifício CGT
que recebeu a contribuição de 40 pessoas. O material exibido incluía trechos de entrevistas
com moradores de Tucumán que combatiam o discurso midiático do governo sobre estruturas
na região que era responsável pela maior produção de açúcar do país. Também apresentava
fotografias que denunciavam o acúmulo de riqueza de famílias ricas, além de servirem café
tucumano nas salas em intervalos de 10 minutos, representando a taxa de mortalidade das
crianças na província[4].
Em Rosário, Tucumán Arde durou duas semanas, já em Buenos Aires foi fechada em
dois dias. Ocorreu uma forte repressão policial, responsável pela curta duração do evento.
Luis Camnitzer descreve como um sucesso e um fracasso: mesmo sendo tão curta, criou um
modelo paradigmático para uma ação política/social integral, mas por ter sido planejada
apenas para uma ação específica, não desenvolveu um pensamento ideológico capaz de
provocar outras manifestações. Além disso, os organizadores foram perseguidos após a
finalização do evento, crescendo o sentimento de impotência[5].
Este texto insere-se na proposição em dois aspectos: práticas artísticas mobilizadas por
ações sociais e a concepção de uma exposição em um espaço que fuja da lógica do cubo
71
branco. Os artistas e ativistas que idealizaram o Tucumán Arde reconheciam a necessidade de
envolvimento coletivo, além de um discurso de comunicação clara. Destituíram as relações
que reverberavam a manipulação política do momento, e ainda que tenha sido proposto para o
grande público, afetou diretamente a elite. Importante ressaltar que embates ideológicos entre
os integrantes destruiu o núcleo e gerou ações controversas e uma futura contaminação de
discurso da elite.
Além do grande problema se, na realidade, as produções artísticas foram apenas um
pano de fundo ou pretexto para a denúncia política - como alguns estudiosos de arte
conceitual latino-americana apontam - incluo aqui, a fala de um dos integrantes do Tucumán
Arde, Juan Pablo Renzi que afirma que não havia interesse na formulação dos trabalhos em si,
mas sim um meio para denunciar a exploração[6]. Entretanto, acho relevante analisar esse
episódio, nem que seja para revelar falhas e problemas nas fronteiras entre: arte, sociedade e
política.
72
ENCONTRANDO HOMBRIDADE NO TRABALHO INÚTIL
AMANDA ACCIOLY VIDEIRA
Tenho total consciência que questionar a demanda pela função social – mesmo que social –
enquanto uma demanda em si, pode causar bastante desconforto. A própria palavra ‘função’
nos assombrou por aqui algumas vezes: função da arte, função da universidade, função da
vida. Pensando inclusive sob a própria ótica marxista – que vislumbra a libertação da
sociedade mediante a irradicação do trabalho –, a palavra ‘função’ também deveria ser
repensada. A busca pela função aniquila o desejo. O desejo como pulsão de si mesmo.
Penso sobre matemática aplicada; Benoît B. Mandelbrot, por exemplo, um matemático já
morto que pesquisava a geometria natural e a forma geométrica de formas como nuvens,
galhos de árvores e relâmpagos. Anos de pesquisa e trabalho para resolver um problema que,
em si, não tem nenhuma aplicabilidade ou função.
Trago a imagem do Mito de Sísifo para pensá-la através de dois vieses. O mito, bastante
conhecido, trata de um homem que foi castigado a empurrar uma rocha montanha acima. A
montanha era tão íngreme que toda vez que a rocha chegava em seu topo, rolava ladeira
abaixo e assim o trabalho de Sísifo começava todo de novo. Alguns autores como Camus vão
discorrer sobre esse mito fazendo uma alusão aos trabalhadores que ignoram a falta de função
da existência porque são absorvidos pela lógica produtiva de trabalho. Para certas pessoas, se
deparar com a evidente e incontestável falta de função da vida necessariamente significaria a
morte. A morte em diferentes camadas. A morte em si, da matéria. O suicídio. Ou a morte a
nível simbólico, para aqueles que não teriam coragem de tirar a própria vida – essa sendo pior
que a anterior.
A questão que fica: é possível desejar – qualquer coisa – partindo do princípio de que a
existência não tem nenhum sentido ou função? É possível que o ser humano, algum dia, se
veja como um pequenino grão de areia, sem missão de vida, sem destino pré-determinado,
sem sentido de ser e continue de pé? Desejando? É possível desejar uma arte que não tenha
sentido ou função? Uma arte que mesmo tratando de questões da vida, ainda dê conta de
questões da arte? E essa arte, é possível dentro da universidade?
Contudo, esta hipótese sobre a instituição é ainda muito “pesada”; ela parte de uma visão
“coisista” do instituído. Hoje, sabemos que o limite que a instituição opõe ao potencial da
linguagem em “lances” nunca é estabelecido (mesmo quando ele o é formalmente).“ Ele
mesmo é, antes, o resultado provisório e a disputa de estratégias de linguagem travadas dentro
e fora da instituição. Exemplos: o jogo de experimentação sobre a linguagem (a poética) terá
seu lugar em uma universidade? Pode-se contar histórias no conselho de ministros?
Reivindicar numa caserna? As respostas são claras: sim, se a universidade abrir seus ateliers
73
de criação; sim, se os superiores aceitarem deliberar com os soldados. Dito de outro modo:
sim, se os limites da antiga instituição forem ultrapassados. Reciprocamente, dir-se-á que eles
não se estabilizam a não ser que deixem de ser um desafio. Acreditamos que é neste espírito
que convém abordar as instituições contemporâneas do saber (LYOTARD, 2009, p. 32).
O peso da pedra que rola montanha abaixo é o peso da realidade; não posso deixar de lembrar
a célebre frase de Ferreira Gullar de que a arte existe, pois a vida não basta. E que mesmo
tratando-se de ArteVida, que a vida nesse caso seja um sopro de calor no coração, um alento
como quem diz “eu sei como você se sente’’ e que nesse movimento se cura o espectador e o
artista.
Penso inclusive que o maior beneficiado é sempre o artista, que, no fazer, cicatriza algum tipo
de ferida; o espectador vem a rebote, depois, caso a ferida seja comum para ambos. E assim
sendo, antes de o artista se propor a salvar o mundo, que ele salve primeiro a si mesmo.
O Rio do Funk
Waleska Cristina Conceição Oliveira
O fotógrafo francês Vincent Rosenblatt é autor de uma ampla série de fotografias intitulada
Rio Baile Funk! Favela Rap. Nela, exibe uma coleção que já soma mais de quatro
centenas de bailes percorridos, uma verdadeira maratona que teve início em 2005 e não
possui previsão de término.
Sua série apresenta importantes contrapontos aos estereótipos produzidos pelos discursos
hegemônicos, além de subverter o horror das imagens de violência, dor e sofrimento que
operam constantemente em uma redução do real ao surreal.
74
A naturalização da violência reforça cotidianamente uma representação estereotipada dos
aspectos negativos das favelas e demais territórios periféricos. Em contraposição, a
produção do fotógrafo evoca uma pulsão de vida capaz de desestabilizar imagens e
discursos que autorizam simbolicamente a polit́ ica de extermin ́ io em curso no Rio de
Janeiro, que se volta prioritariamente contra jovens pretos, habitantes de favelas e
periferias. Não por acaso, o mesmo perfil sociológico da maioria de encarcerados que
habitam as prisões brasileiras.
Territórios complexos de serem analisados, as favelas ocupam espaço crucial na formação
do imaginário simbólico sobre o Rio de Janeiro e nas diferentes formas de representação do
costumes cariocas. Exatamente por isso, as narrativas a respeito destes espaços são
constantemente disputadas, alternando também os atores que compõem o debate sobre os
diferentes aspectos de construção destes territórios.
Retomamos que a partir da década de 1980, houve uma mudança muito significativa na
conjuntura da cidade. A expansão da cocain ́ a no varejo de drogas ilícitas impactou
significativamente o modelo de vendas, aumentando rendimentos e provocando um
crescente armamento entre os envolvidos nesse comércio. Essa nova conjuntura repercutiu,
principalmente a partir da década de 1990, na construção simbólica das favelas como o
território da violência na cidade, reforçando as estruturas de segregação. Nesse mesmo
período, os bailes que aconteciam nos clubes do “asfalto” foram sendo extintos e os bailes
de favela passaram a ter centralidade na cultura funk.
75
Cheia de percursos e reviravoltas, a historiografia do funk carioca viu o ano de 1995 se
consagrar como um marco para o movimento. Além do sucesso de Endereço dos bailes e
do Rap do Borel, foi nesse mesmo ano que uma dupla de MCs da Cidade de Deus, Cidinho
e Doca, explodiu com o seu Rap da felicidade. Cidinho e Doca cantavam os versos que se
tornariam uma espécie de cartão-postal do movimento funk: “Eu só quero é ser feliz / Andar
tranquilamente na favela onde eu nasci / É! / E poder me orgulhar / E ter a consciência que
o pobre tem seu lugar”.
O funk vinha enfrentando uma sucessão de ataques na imprensa e na opinião pública.
Entretanto, em outubro de 1994, a revista Domingo, do Jornal do Brasil, publicava a matéria
Funk também é cultura, um indić io de que as coisas pareciam mudar. É importante destacar
que, em outubro de 1992, o mesmo jornal havia publicado uma matéria com o tit́ ulo
Movimento funk leva desesperança. Nela, os funkeiros eram apresentados como hordas de
adolescentes desassistidos, alienados politicamente e que tinham como seus heróis outros
artistas do funk e traficantes das comunidades onde moravam.
O funk está inserido em uma ampla rede de tradições afro-diaspóricas capazes de romper
com um imaginário racista e classista de subalternidade dos sujeitos negros, através de um
confronto que desestabiliza a violência do regime de verdade do empreendimento colonial e
sua perspectiva monológica. Na história do Brasil, manifestações culturais populares –
sobretudo aquelas ligadas à tradição afro-brasileira – sempre foram alvo de perseguição do
Estado. Da Festa da Penha (no inić io do século XX) ao Baile da Chatuba, a cultura popular
sempre foi tratada como uma questão de polić ia.
Vincent Rosenblatt assume uma inspiração que vem da tradição do fotojornalismo, mas faz
questão de afirmar que situa seu trabalho com o funk carioca em um espaço intermediário
76
entre o registro documental e o fazer artiś tico. De fato, é inegável sua enorme contribuição
para a construção de uma memória social da cultura do Rio de Janeiro.
77
Mas e quando atitudes sociais não deveriam se tornar arte? Falar o que a arte deveria ou não
ser é demasiado ultrapassado, no entanto, talvez isso não se aplique as atitudes sociais. De
acordo com Allan Kaprow qualquer um que entenda minimamente de arte verá que qualquer
coisa tem o potencial de se tornar arte
“Em meio aos que disso entendem (e praticamente qualquer estudante de graduação e/ou pós se qualificaria),
todos os gestos, pensamentos e feitos podem tornar-se arte a um capricho do mundo artístico. Até mesmo
assassinato, rejeitado na prática, poderia ser uma proposta artística admissível.”. (KAPROW, 1971, p. 13)
Será que não há nenhum limite? Ainda pensando na fala de Kaprow, a resposta é que não, não
há limites para o que pode vir a ser arte, todavia, é imprescindível refletirmos sobre o que é
que se pretende com isso. Em relação a essa pretensão (e toda arte pretende alguma coisa,
ainda que seja justamente não pretender nada) analisemos o trabalho de Ducha, “Tatuagem
sobre homem mal remunerado” de 2002.
O artista pagou a quantia de 1500 reais fornecida pelo banco Itaú para a produção de sua obra,
no contexto do Projeto Rumos para jovens artistas, para que uma pessoa tatuasse a logomarca
do banco em sua cabeça e que a mesma andasse pela galeria em que o trabalho seria exposto.
Esse trabalho é extremamente interessante, suscita várias questões, é uma crítica sensacional
ao banco, ao sistema de arte, a arte em si, à quanto um artista pode ser mal remunerado e etc.
etc. Porém, se faz necessário aqui o uso da primeira pessoa: eu acho interessante por ser uma
estudante de História da Arte prestes a me graduar, conheço os mecanismos, códigos e
meandros. O que esse trabalho suscita a quem não conhece, ou ainda, a própria pessoa que
teve sua cabeça tatuada? Talvez uma das questões do trabalho seja essa, quem usufrui ou não
da arte, quem a realiza ou não, no entanto, obras como essa tem muito mais chances de
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reforçar o sistema como ele está do que realmente modifica-lo. Pensando nisso uma pergunta
pode ser feita: será que a arte existe para quem está sobrevivendo? A resposta, pura e simples
é que não, não existe. Quem está sobrevivendo não quer saber de arte, quer uma saída, quer
deixar de sobreviver e passar a viver de verdade. Talvez a arte possa se prestar a ser essa saída
e a oferecer algo semelhante a vida, mas a realidade é que tanto artistas quanto o sistema em
que esses se inserem não têm interesse nisso. Talvez por isso mesmo suas questões estejam,
em um certo sentido, se limitando a mesmice:
“As artes, pelo menos até o presente, têm sido lições pobres, exceto possivelmente para artistas e seus reduzidos
públicos. Apenas esses grupos de interessados alguma vez fizeram qualquer grande reivindicação para a arte. O
resto do mundo não poderia importar-se menos.” (KAPROW, 1971, p. 4)
Voltando a questão do que deveria ou não se tornar arte, dessa vez entrando na problemática
dos valores que a arte assume, Lorenzo Mammì irá dizer que “A permanência de valores na
arte assume assim a figura patológica de bloqueio que esconde um trauma. Tenho a impressão
de que o mundo da arte está recortando para si, a partir disso, um espaço de sobrevida.
Continua existindo enquanto estorvo necessário.” (MAMMÌ, 2012, p. 15). A sobrevida a qual
Mammì se refere está em usar problemáticas das “minorias culturais, políticas e sexuais”
(MAMMÌ, 2012, p. 14) como arte, algo que o autor critica veemente: “Nesse caso, a arte já
não é vista como um fim ou como um meio, mas como sinal de status. Regride à função pré-
renascentista de carregar questões, sem ser, ela mesma, uma questão.” (MAMMÌ, 2012, p.
14). Ainda que essa crítica seja válida na medida em que muitos trabalhos serão feitos nesse
sentido de forma completamente vazia e supérflua muitas vezes por indivíduos que nem ao
menos se interessam verdadeiramente por essas questões; por outro lado, temáticas relacionas
a vida-sociedade já não podem mais deixar de fazer parte do âmbito da arte, e as minorias as
quais Mammì se refere fazem sim parte da vida-sociedade é não serão mais ignoradas; e ainda
trabalhos como o “Poder” de Vergara, que unem questões restritas a imagem mas trazem o
copo negro como presente dentro dessa problemática, e até mesmo a obra supracitada do
artista Ducha nos lembram que pode haver uma junção entre o ‘carregar questões’ e ‘ser uma
questão’. Não obstante, para quem são essas questões todas? A realidade é que a pessoa que
recebeu um pagamento para ter uma tatuagem em sua cabeça (que ficará com ela por toda sua
vida ainda que o cabelo vá cobrir posteriormente) era negro (de pele clara mas negro) e pobre,
e como dito por Kaprow ele não poderia importar-se menos com os problemas trazidos por
Ducha.
Como resposta a esse trabalho é válido e talvez imprescindível que outra obra seja citada, o
conto “Trabalhadores do Brasil” do livro “Contos negreiros” (2005) de Marcelino Freire:
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Enquanto Zumbi trabalha cortando cana na zona da mata
pernambucana Olorô-Quê vende carne de segunda a segunda ninguém vive aqui
com a bunda preta pra cima tá me ouvindo bem?
Enquanto a gente dança no bico da garrafinha Odé trabalha de
segurança pega ladrão que não respeita quem ganha o pão que o Tição amassou
honestamente enquanto Obatalá faz serviço pra muita gente que não levanta um
saco de cimento tá me ouvindo bem?
Enquanto Olorum trabalha como cobrador de ônibus naquele transe
infernal de trânsito Ossonhe sonha com um novo amor pra ganhar 1 passe ou 2
na praça turbulenta do Pelô fazer sexo oral anal seja lá com quem for tá me
ouvindo bem?
Enquanto Rainha Quelé limpa fossa de banheiro Sambongo bungo na
lama e isso parece que dá grana porque o povo se junta e aplaude Sambongo na
merda pulando de cima da ponte tá me ouvindo bem?
Hein seu branco safado?
Ninguém aqui é escravo de ninguém. (FREIRE, 2005, p. 6)
Tendo em vista o conto de Freire e à obra de Ducha a pergunta principal passa a ser: até
quando corpos negros periféricos serão utilizados como se fossem objetos? Embora Ducha
possa ter pensado em inúmeras questões muito pertinentes para o seu trabalho, é certo que não
pensou nesse último questionamento, pois se assim o fosse não teria feito esse trabalho.
REFERÊNCIAS
MAMMÌ, Lorenzo. O que resta – Arte e crítica de arte. Cap. 1: A arte depois da arte. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012
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menos injusta, menos malvada, mais democrática,
menos discriminatória, menos racista, menos sexista.
(Freire)
A proposta desse trabalho tem como marco, a atitude de alguns sujeitos sociais que,
assumiram a responsabilidade de / pela arte, provocar reflexões sobre a valorização étnica
racial, adotando no teatro narrativas, elenco e repertórios de empoderamento de uma”
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minoria” não reconhecida e legitimada na sociedade brasileira, através do espetáculo teatral
O Pequeno Príncipe Preto.
Quando a atitude vira arte, defendemos que vira também representatividade, pois de
uma forma ou, de outra, se desloca, ou melhor, flutua entre campos, podendo estar na
militância ou na arte. No caso em tela, a tensão que envolve as identidades se deslocou para
as Artes, parece-me que um desvio foi criado, ou seja, surge uma nova possibilidade de
articular as vozes que clamam por representação no circuito artístico.
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Pequeno Príncipe Preto que para além da reaproriação também cria, num contexto
marcadamente, desigual. “Em vez de ideias de pertencimento que ignoram ou que excluem o
diferente, impõe-se uma noção que não somente o reconheça e o incorpore, mas que dele
dependa para criar, a partir desse contato que confunde conflito e troca (ANJOS, 2005, p.
46). O que seria a atitude como arte, um deslocamento de movimento, que flutua entre
lugares?
Referências
ANJOS, Moacir dos. Local/global: arte em trânsito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
CANEN, Ana. O multiculturalismo e seus dilemas: implicações na educação. Comunicação
e política, v.25, nº 2, p. 091-107, 2007.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da
Silva e Guaraciara Lopes Louro.11.ªed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
_______,Da diáspora: identidades e mediações culturais. Organização: Liv Sovik.
Tradução: Adelaine La Guardia Resende. [et. al.]. Belo Horizonte: Editora UFMG, Brasil,
2003.
KAPROW, Allan. A Educação do Não-Artista, Parte I (1971).
[1]A palavra Arte está grafada com inicial maiúscula, tendo por referência a discussão
apresentada em A Educação do Não-Artista, Parte I (1971) A Educação do Não-Artista, parte
I Allan Kaprow.
O imaginário terceiro-mundista
Gabriel Caires
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Mas e quando atitudes sociais ditam a arte? E Quando um Estado observa o
veículo artístico como forma de consolidação hegemônica, convocando uma minoria
privilegiada para exercer o papel de “messias” de uma nova produção artística, com
a pretensão de assumir uma posição de centro artístico mundial? Nesses termos
que se formara a 1ª Bienal de Veneza. Uma arte a partir da perspectiva dos
“vencedores”, voltada para dentro. Mesmo que naquele espaço a fala seja
intrinsecamente autocentrada, o título da Bienal ainda continha “internacional” no
nome. Acredito que faça sentido a partir de uma visão imperialista, de dentro pra
fora, não de fora para dentro, afinal.
É a partir de Veneza, da experiência italiana de produção, que o termo
“Bienal” assumiu essa função de catalogar a produção artística em nível global. Por
consequente, a criação da “Bienal” mostrou ser um dos meios mais fáceis de
inserção no circuito político, artístico, crítico e turístico. Cuba, ao criar uma “Bienal
de terceiro mundo”, aponta uma produção negligenciada até então. Uma nova
narrativa em desentendimento e contato direto com aquela oficializada. A criação
dessa nova perspectiva do circuito de arte tinha intenção não só na formação de um
público local, mas também na projeção internacional, pretendendo por vez se
emancipar progressivamente da tutela ocidental. Cuba buscava renovar os modelos
de intercâmbio cultural herdados da experiência colonial e, posteriormente, da
Guerra Fria.
No contexto Brasil, a primeira Bienal fora criada nos moldes da Bienal de
Veneza, na fala de Lourival Machado, diretor da 1ª Bienal de São Paulo: “Por sua
própria definição, a Bienal deveria cumprir duas tarefas principais, colocar a arte
moderna do Brasil, não em simples confronto, mas em vivo contato com a arte do
mundo, ao mesmo tempo em que, para São Paulo, se buscaria conquistar a posição
de centro artístico mundial. Era inevitável a referência à Veneza, longe de fugir-se
dela, procurou-se tê-la como uma lição digna de estudo e, também como um
estímulo encorajador.” Se a bienal de Havana se opunha a de Veneza, a bienal da
Bahia era uma resposta direta a bienal de São Paulo, como aponta Frederico
Morais, em “O Vazio, a construção ,o salto”: “Adentrar o fora, integrar o marginal,
preencher os vazios. Multiplicar os centros ou os pólos de atração econômica e
cultural. Após a redução crítica canibal, antropofágica que leva de volta ao zero, ao
nada, dar o salto marcusiano, prospectivo. O problema brasileiro não é o nada dos
países saturados culturalmente ou a coisificação das sociedades afluentes, mas o
tudo por fazer, resolver transformar. A bienal da Bahia é uma reflexão sobre o vazio
brasileiro. É uma proposta de integração cultural”
A formação da Bienal da Bahia vinha no campo do contra discurso. Já que a bienal
de São Paulo se via como receptora de uma produção internacional de arte, do
ponto de vista baiano, a intenção era formar outra estratégia: se colocar como
emissora, privilegiando a arte, os artistas e o pensamento brasileiros, se opondo ao
discurso dominante de qualquer centro local ou internacional. Esse movimento
significou uma tentativa de pensar, imaginar e problematizar o universal a partir de
uma experiência e perspectiva baiana e regional. O nordeste como condição
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geográfica, construção histórica e ainda como potente peça do imaginário. Bahia
tendo que se reafirmar, tornar-se evidente, demonstrar resistência perante a
hegemonia do próximo. A bienal deve partir dessa ação conjunta com aqueles que
lhe cercam para decifrar essa nova região em que nós compartilhamos. O que é
Nordeste? O Nordeste de hoje é o mesmo do de uns 20 anos atrás? A arte
produzida aqui, nesse chão, seria uma arte Nordestina ou uma arte Brasileira? Se
São Paulo reflete a arte do cheio, a Bahia a do vazio, mas à medida que o fora for
sendo adentrado, o os claros preenchidos, as duas bienais deixaram de serem dois
polos opostos e contraditórios.
Referências:
LLANES, Llilian. Memorias: Bienales de la Habana 1984-1999. Havana: Arte Cubano
Ediciones ; Consejo Nacional Artes Plásticas, 2012.
MOURA, Sabrina. Entre o afro-cubanismo e a Diáspora, Deslocamentos nos
discursos expositivos.
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