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RESUMO ABSTRACT
Na iminência da Segunda Guerra Mundial, o On the eve of World War II, King George
rei George VI da Inglaterra fazia a toda a VI of England made to the whole Britain his
nação britânica o seu pronunciamento que foi speech that was broadcasted on BBC radio.
transmitido pela rede radiofônica da BBC. This remarkable historical fact of the
Esse marcante fato histórico do século XX twentieth century has been showed in the
foi abordado no cinema com o filme “O cinema through the movie "The King's
Discurso do Rei”, lançado no ano de 2010. Speech," released in 2010. Thus, this article
Assim, este artigo, fundamentado na teoria aims to analyze the resources used in the
da Retórica, analisa os recursos empregados Royal speech based on the rhetoric theory.
nesse discurso real. Para isso, será In order to do so it will be used PATHOS’
demonstrada a importância do PATHOS e do and ETHOS’ importance in the persuasion
ETHOS na persuasão do auditório, a partir of the audience, from the writings of
dos escritos de Aristóteles, Olivier Reboul e Aristotle, Olivier Reboul and Perelman,
Perelman, entre outros. Este artigo foi among others. This article was developed in
desenvolvido na linha de pesquisa the research line “Literature, Language and
“Literatura, Linguagem e Sociedade”, do Society”, of the specialization course on
curso de especialização em “Literatura, “Literature, Cultural Memory and Society”
Memória Cultural e Sociedade” do IF of IF Fluminense Campos dos Goytacazes.
Fluminense Campos dos Goytacazes.
INTRODUÇÃO
Como conquistar a confiança de um povo e ainda convencê-lo a manter-se
calmo e unido, na iminência de uma guerra?
Esse foi o maior desafio enfrentado por George VI, na condição de rei da
Inglaterra, além de tentar superar um problema de gagueira e a insegurança ao discursar
publicamente.
Conquanto o tema “gagueira” tenha sido considerado em outros trabalhos a
partir do filme, o objetivo deste artigo é demonstrar a importância da arte de
argumentar, sobretudo da Retórica como geradora de persuasão.
Remonta à Antiguidade Clássica a preocupação com o domínio da expressão
verbal. Essa inquietação surgiu com os gregos, a partir da necessidade de justificarem
publicamente seus ideais de democracia.
Seja na política, na área do Direito ou em qualquer contexto de discurso público,
“vivemos sempre uma situação polêmica, em que as armas
mais eficazes são as da palavra, visto que só ela – e não a
força física – define o justo e o injusto, o útil e o nocivo, o
nobre e o desprezível. A Retórica, arte ou técnica da
palavra, é, portanto, indispensável. E aí está o que a
legitima”. (REBOUL, 2000, 25)
Córax, discípulo do filósofo Empédocles, foi quem deu a primeira definição para
o termo Retórica. Para o discípulo, ela é “criadora de persuasão”. Já Aristóteles define a
Retórica como “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de
gerar a persuasão”. (ARISTÓTELES, Nd, 33). Olivier Reboul, por sua vez, afirma que a
“Retórica é a arte de persuadir pelo discurso”. (2000, xiv)
Destarte, fundamentado na teoria da Retórica, este artigo pretende apontar, no
discurso do rei George VI, os recursos que foram utilizados com o objetivo de persuadir
os ouvintes, principalmente para incitar a paixão neles.
Em sentido geral de instrumentos de persuasão, Aristóteles define três pilares da
boa argumentação: pathos e ethos que são voltados para a afetividade, e logos, para a
racionalidade.
No discurso real, objeto de análise deste artigo, é possível perceber, entre outros
recursos, a importância dos argumentos de ordem afetiva, sobretudo do pathos.
Segundo Aristóteles, as paixões (pathos) “são todos aqueles sentimentos que, causando
mudança nas pessoas, fazem variar seus julgamentos”. (ARISTÓTELES, 2000, 5)
No primeiro capítulo deste artigo, serão abordadas a origem da Retórica e sua
importância para a persuasão de um auditório. O capítulo seguinte apresentará
transcrição e tradução do discurso do rei George VI, versará sobre o contexto no qual
foi elaborado e apresentará a questão mais importante desta pesquisa: a sua análise
retórica.
Nessa análise, foi feita uma revisão bibliográfica de autores como Aristóteles,
Olivier Reboul e Perelman, entre outros, que serviram de base para este trabalho.
Assim, pode-se dizer que “a Retórica é anterior à sua história, e mesmo a qualquer
história, pois é inconcebível que os homens não tenham utilizado a linguagem para
persuadir”. (REBOUL, 2000,1)
Do ponto de vista histórico, a Retórica surgiu na Grécia. Foi por volta de 465
que os gregos inventaram a “técnica retórica”, cuja origem não é literária, mas
judiciária. Tudo começou na Sicília grega, após a expulsão de tiranos.
No filme “O Discurso do Rei”, escrito por David Seidler e dirigido por Tom
Hooper, a dificuldade de discursar em público devido a uma gagueira é o tema central
abordado. Baseado na história da Família Real Inglesa do século XX, a produção
cinematográfica conta a trajetória do Príncipe Albert, Bertie para os mais íntimos,
interpretado pelo ator Colin Firth. Bertie era o segundo na linha de sucessão. Devido à
imaturidade de seu irmão mais velho David (Guy Pierce), sucessor natural ao trono, vê-
se no compromisso de assumir o reinado que perdurou de 1936 até 1952, ano de sua
morte. Por ser gago, é submetido a diversos tratamentos, todos com insucesso. Diante
disso, sua esposa Elizabeth (Helena Bonham Carter) chega ao Lionel Logue (Geoffrey
Rush), especialista em problemas de fala. Após alguma resistência, ele inicia o
tratamento.
Para alcançar êxito, o terapeuta da fala, com seus métodos pouco convencionais,
procurou ganhar a confiança de Bertie (como príncipe e depois como rei). O terapeuta
empenhou-se a fim de estabelecer uma relação de igualdade e de amizade com seu
paciente. Assim, com o tratamento e apoio de Lionel Logue, gradativamente, Bertie foi
resgatando a segurança necessária para discursar publicamente.
Já na condição de George VI, após muita terapia e com a iminência da Segunda
Guerra Mundial, chega o momento do tão esperado discurso real, proferido a toda a
nação britânica, pela rede radiofônica da BBC.
Esse discurso, proclamado num contexto crítico da história, deveria ser dotado
de elementos que realmente conseguissem alcançar o auditório, ou seja, um povo de
princípios bastante conservadores. Destarte, o discurso do rei George VI foi elaborado
de forma a provocar a paixão (pathos) nos ouvintes, bem como credibilidade (ethos).
Para isso, foram empregados variados recursos retóricos que serão detalhados no
decorrer deste trabalho.
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TEXTO ORIGINAL
In this grave hour, perhaps the most fateful in our history, I send to every
household of my peoples, both at home and overseas, this message spoken with the
same depth of feeling for each one of you as if I were able to cross your threshold and
speak to you myself.
For the second time in the lives of most of us we are at war. Over and over again
we have tried to find a peaceful way out of the differences between
ourselves and those who are now our enemies. But it has been in vain.
We have been forced into a conflict. For we are called, with our allies, to meet
the challenge of a principle which, if it were to prevail, would be fatal to any civilized
order in the world. Such a principle, stripped of all disguise, is surely the mere
primitive doctrine that might is right.
For the sake of all that we ourselves hold dear, and of the world’s order and
peace, it is unthinkable that we should refuse to meet the challenge. It is to this high
purpose that I now call my people at home and my peoples across the seas, who will
make our cause their own.
I ask them to stand calm and firm, and united in this time of trial. The task will
be hard. There may be dark days ahead, and war can no longer be confined to the
battlefield. But we can only do the right as we see the right and reverently commit our
cause to God.
If one and all we keep resolutely faithful to it, then, with God’s help, we shall
prevail.
TRADUÇÃO
Neste grave momento, talvez o mais decisivo de nossa história, eu envio para
cada família de meu povo, tanto aqui como em outras terras, esta mensagem, dita com
a mesma profundidade de sentimento para cada um de vocês como se eu fosse capaz de
passar pela soleira de suas casas e falar-lhes pessoalmente.
Pela segunda vez na vida da grande maioria de nós, nós estamos em
guerra. Muitas e muitas vezes tentamos encontrar uma saída pacífica para as
diferenças entre nós e aqueles que são agora nossos inimigos. Mas tudo foi em vão.
Nós fomos forçados a um conflito. Porque nós somos chamados, com nossos
aliados, a enfrentar o desafio de um princípio que, se fosse prevalecer, seria fatal para
qualquer ordem civilizada no mundo. Tal princípio, despojado de qualquer disfarce, é
seguramente a mera doutrina primitiva de que a força está com a razão.
Em nome de tudo aquilo que nós mesmos valorizamos, e da ordem e paz
mundial, é impensável que nós nos recusássemos a enfrentar este desafio. É por causa
1
O discurso do rei George VI foi adaptado para o filme.
2
A tradução foi feita pela autora deste artigo.
8
deste elevado propósito que eu agora conclamo meu povo em minha terra e meus povos
em terras de além-mar a fazer da nossa causa a sua própria causa.
Peço-lhes então que se mantenham calmos e firmes, e unidos neste momento de
provação. A tarefa será difícil. Poderão vir dias sombrios pela frente, e a guerra
poderá não ficar confinada aos campos de batalha. Mas só podemos fazer o certo da
maneira como vemos o certo e, reverentemente, confiar nossa causa a Deus.
Se cada um e todos nós continuarmos resolutamente fiéis a ela, então, com a
ajuda de Deus, nós prevaleceremos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do filme “O Discurso do Rei” foi possível o acesso ao discurso que
norteou todo o trabalho desenvolvido neste artigo cujo objetivo era confirmar a
importância da Retórica na função persuasiva.
A análise desse discurso demonstrou que os argumentos de ordem afetiva
(principalmente, os baseados no pathos) definidos por Aristóteles tiveram relevante
contribuição para que o rei George VI da Inglaterra pudesse alcançar seu propósito que
era ganhar a confiança e o apoio da nação britânica na iminência da Segunda Guerra
Mundial. As figuras retóricas, entre outros recursos, tiveram papel essencial para se
alcançar a persuasão pretendida.
O conhecimento da Retórica é algo valioso, pois possibilita a fruição dessa arte
de argumentar, seja empregando os recursos retóricos, seja identificando-os em
qualquer discurso que tenha como objetivo primordial a persuasão.
Tudo isso incita-nos à reflexão da importância de se saber argumentar, de se
fazer bom uso da língua como forma, inclusive, de exercer a cidadania.
Considerando que cada vez mais o domínio das palavras é sinônimo de poder e
de ascensão social, fica evidente a necessidade de as pessoas conhecerem os recursos
retóricos e de bem empregá-los nas mais variadas situações argumentativas que são
enfrentadas cotidianamente.
Que todos nós sintamos o desejo de busca e de aprofundamento nos
conhecimentos retóricos e que a Retórica, como “arte de persuadir pelo discurso”, seja,
assim, mais um meio de inclusão social e de conquista do auditório conforme foi
demonstrado pelo discurso do rei George VI!
REFERÊNCIAS
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(Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2008.
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BRETON, Philippe. A argumentação na comunicação. Tradução: Viviane Ribeiro.
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FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 6ed. São Paulo: Contexto, 1997.
GERALDI, João Wanderley & ILARI, Rodolfo. Semântica. 10ed. São Paulo: Ática,
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GUIMARÃES, Eduardo. Texto e Argumentação: um estudo de conjunções do
Português. 2ed. São Paulo, Campinas: Pontes, 2001a.
KOCH, I. G. V. Argumentação e Linguagem. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da Argumentação: a nova
Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
THE KING’S SPEECH (2010) Reino Unido. Roteiro: David Seidler. Direção: Tom
Hooper. Gênero: Histórico, Biografia, Drama.
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