Sunteți pe pagina 1din 4

UMA CARTA AO ARTISTA

Vinciane Despret1

O ato do monumento não é a memória, mas a fabulação.


Gilles Deleuze e Félix Guattari, O que é a filosofia?

Caro Alexis Rockman,

Ultimamente venho lendo muito do que tem sido escrito sobre você; deixei as
palavras que descrevem suas cores e luz e retraçam seus gestos infiltrar-se em minha
mente; deixei-me ser guiada pelas histórias que conectam você a seus predecessores;
algumas vezes li coisas que você mesmo disse ou escreveu. Também revi A vida de
Pi. Seus catálogos estão abertos mais ou menos por todo o canto na sala mais clara da
casa na qual eu trabalho, e eu caminho entre suas imagens.
Uma memória estranhamente insistente voltou a mim durante essa exploração,
uma memória que parece ter sido despertada pelo seu trabalho e cuja conexão com ele
eu deveria tentar entender. Alguns anos atrás eu vi uma série de fotografias de Nancy
Wilson-Pajic, de sua série Still Life. Na época eu não sabia que a frase em inglês
significava “natureza morta” na minha língua. E em minha ignorância, eu a traduzi
transformando o adjetivo em um advérbio – Still Life: “Ainda há vida.” Graças a este
engano feliz, cada foto adquiriu um poder imaginativo: natureza morta, ainda há vida.
Eu poderia, claro, responder ao impulso de interpretar a razão de evocar essa
memória, mas isso seria trair, eu receio, o enigma mesmo dessa associação. Tudo o
que posso dizer, sem traí-lo, é que um composto semântico teve o poder de fazer o
sentido disparar em duas direções. E provavelmente não é coincidência que esta
meditação sobre o tema de uma bifurcação inesperada retornou a mim enquanto eu
estava em minha sala grande e ensolarada, cheia de imagens e palavras que me
lembravam você.
Natureza-morta-ainda-há-vida. Tudo o que posso dizer neste ponto é que a
presença da morte despertou os poderes imaginativos da vida.
E ainda assim, com cada espécie que morre, com cada desaparecimento, esses
poderes imaginativos murcham. Isso contribuiu, eu creio, para um dos objetivos do

1
Texto publicado originalmente em http://www.publicbooks.org/artmedia/alexis-rockman-drawings-
from-life-of-pi-with-a-letter-to-the-artist, com tradução para o inglês de Pascale Torracinta. Tradução
provisória para o português de Juliana Fausto.
seu trabalho: resistir, criar, nutrir esses poderes imaginativos. E mais, me parece que é
isso que está em jogo nas metamorfoses que você explora: uma tentativa de resistir à
perda do real pelo cultivo de uma expertise da máxima atenção dentro da criação;
resistir à perda e à indiferença pelo cultivo, à maneira do oxímoro, de uma arte da
intimidade que aliena.
Alimentar passados míticos, herdar um legado no qual aquilo que uma vez foi,
aquilo que é, aquilo que não é mais e aquilo que poderia ter sido se misturam e
coexistem – algumas vezes em alianças antinaturais, em colisões temporais, em
relações de vida e morte – e recompor isso. Herdar é re-memorar2.
Hoje, você segue nos dizendo, cada momento marca o fim de um mundo. Com
cada espécie que desaparece, um mundo more. De fato, Aldo Leopold, comentando a
respeito do monumento erguido para lembrar da morte do último pombo-passageiro,
já havia escrito isso, de um modo inteiramente novo, uma espécie faz luto de outra:
“Nós lamentamos porque nenhum homem vivo verá de novo a falange de pássaros
vitoriosos avançando, varrendo um caminho para a primavera através dos céus de
março, perseguindo o inverno derrotado desde todas as florestas e pradarias do
Wisconsin.”3
Mas a sentença de Leopold poderia tomar um sentido inteiramente novo hoje.
“Nenhum humano vivo verá” poderia se referir não apenas ao desaparecimento do
povo mas ao desaparecimento da humanidade. Talvez não haverá mais humanos para
ver que não há mais pombos. Nenhuma espécie fará luto por nós – podemos ter
certeza disso –, e, de fato, essa pode ser a nossa única reinvindicação legítima de
excepcionalidade.
Então, a questão não é mais o lamento ou o luto que poderemos experimentar
com cada perda, mas o que este mundo está perdendo. Porque se a realidade mesma
dste mundo é composta de múltiplos pontos de vista sobre ele, de diferentes maneiras
de vivê-lo e habitá-lo, de todos os usos, invenções e percepções que o fazem existir e
dão a ele sua espessura e densidade, então, com cada extinção, uma pequena parte

2
O metaplasma “re-memorar” foi-me sugerido por Donna Haraway, que deu a essa palavra o suplo
sentido de “re-compor” e “rememorar”. Pode ser encontrado em sua descrição da morte de seu pai em
When Species Meet (University of Minnesota Press, 2008), p. 163.
3
Aldo Leopold, “On a Monumento to the Pigeon”, in A Sand County Almanac: And Sketches Here and
There (Oxford University Press, 1949).
daquela realidade se perde. Quem persegue o inverno desde as pradarias do
Wisconsin hoje em dia? Quem varre um caminho para a primavera?
Com cada extinção, algo da realidade do mundo desaparece. Essa é a intuição
que Éric Chevillard descreveu em uma bela passagem na qual ele imaginou a morte
do último dos orangotangos:
O ponto de vista do orangotango, que não significou pouca coisa na invenção do
mundo e que segurava o ar no globo terráqueo, com suas frutas carnudas, seus cupins
e seus elefantes, esse ponto de vista único ao qual se deve a percepção dos trinados de
tantos pássaros cantores e aquela das primeiras gotas de orvalho sobre as folhas, esse
ponto de vista não existe mais, você se dá conta […] o mundo de repente encolheu
[...]. É todo um aspecto da realidade que colapsou, uma concepção completa e
articulada dos fenômenos que fará falta doravante à nossa filosofia.4

Inventar fábulas de modo a lutar contra um progressivo e incurável déficit


ontológico, esse é um dos caminhos que deu trabalho seguiu. Você disse isso
repetidamente: você está cansado de tentar sensibilizar, alarmar, de tentar e falhar em
mudar nossa maneira de fazer e pensar; melhor inventar metamorfoses, passados
lendários, outros modos para o mundo. E futuros sombrios também, usos abomináveis
e experimentos irrefletidos, mas nunca cessando de criar histórias – inventando os
lugares políticos do luto e da raiva.
E hoje, entre essas fábulas, há aquelas que criaram, com a história de Pi, as
imagens de uma jornada alucinatória compartilhada entre um animal e um ser
humano. Juntos, o jovem homem e o tigre inventam um conto comum. E assim eles
rompem com as velhas (e altamente previsíveis) alternativas que teriam condenado Pi
a ou perceber no animal apenas a expressão de sua própria subjetividade (como seu
pai o reprova), ou a alcançar o acesso genuinamente objetivo à realidade do que o
tigre percebe, pensa ou sente. Ao contrário, somos convidados a uma versão única e
poética do Umwelt.5 O jovem rapaz se permite ser levado pelo poder mitopoiético do
animal. Dois mundos de percepção e sensação que são usualmente separados e
apartados se sobrepõem por um momento para formar um único mundo.

4
Éric Chevillard, Sans l’orang-outan (Éditions de Minuit, 2007), p. 18.
5
Literalmente, “ambiente” ou “entorno”. De acordo com o teórico do Umwelt, Jakob von Uexküll, o
mundo de cada animal é composto daquilo que ele pode perceber. O que não é percebido não existe, e
o que é percebido existe apenas na medida em que tem um sentido. Assim, cada animal é o criador de
um mundo e nós podemos fazer um inventário desses mundos ao observar tudo o que faz cada ser vivo
agir ou reagir. Ver Jakob von Uexküll, “A Stroll Through the Worlds of Animals and Men: A Picture
Book of Invisible Worlds,” in Instinctive Behavior: The Development of a Modern Concept, edited and
translated by Claire H. Schiller (International Universities Press, Inc., 1957).
Nós sabemos que humanos e animais podem por vezes compartilhar as
mesmas emoções, se interessar pelas mesmas coisas e se encontrar em caminhos de
invenção ou de amor. Sabemos, também, que os animais veem coisas que não
podemos ver,, que eles sonham e nos fazem sonhar. É provável que essa história tenha
cruzado seu caminho exploratório nessa junção, caro Alexis Rockman. Assim como o
tigre ensinou Pi, esses animais nos ensinam a ver e a sentir contigo o que nós não
podemos ver nem sentir: o humor fantástico de uma involução criadora.6
Aguardo com expectativa o nosso encontro.

Com grande admiração,


Vinciane Despret

6
A ideia de involução me foi sugerida pelo trabalho de Carla Hustak and Natasha Myers
(“Involutionary Momentum: Affective Ecologies and the Sciences of Plant/Insect
Encounters,” Differences, vol. 23, no. 3, pp. 74–118). Seguindo as teorias da ecologista da
microbiologia Lynn Margulis, e inspiradas pelas propostas de Deleuze de pensar sobre a involução
criadora, elas insistem no fato de que no termo evolução devemos ouvir o “e”, que indica o fato de ir a
outro lugar, e em particular no caso de teorias biológicas da história das formas de vida, da ideia de
separação e de divergência que retraçam o nascimento de uma nova espécie. Daí o modelo da árvore,
feito de separações e bifurcações em cada galho, modelado segundo a filiação. Involução, longe de
implicar uma ideia de regressão (um sentido que pode ter em outros contextos), indica antes o fato de
várias espécies voltam-se uma em direção a outras, recriam novas relações, novas trocas que as
modificam e contribuem para a história da vida e para a invenção de formas de viver. Enquanto a
evolução implica filiação e separação, a involução reflete um regime de relações, de retornos ao outro,
de co-evolução e de afinidade. Núpcias contra a natureza, como Deleuze certa vez escreveu. Esse
regime particular me parece infundir o trabalho de Rockman – nesse caso, no duplo sentido que a
palavra “involução” pode tomar, seja nas formas bem-humoradas de “ligações romântias”, nas colisões
temporais e nos anacronismos no que diz respeito ao calendário da evolução, na obra Ecoturista, e
especialmente nas recorrentes “núpcias contra a natureza” de diferentes ordens.

S-ar putea să vă placă și