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HIST~RIA

do TRABALHO
do DIREITO do TRABALHO
e da JUSTIÇA do TRABALHO

Homenagem a
Armando Casimiro Costa
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

I Ferrari, Irany, 1928-


História do trabalho, do direito do trabalho e da
justiça do trabalho / Irany Ferrari, Amauri Mascaro Nasci-
mento, Ives Gandra da Silva Martins Filho. - 2. ed. - São
Pai10 : LTr, 2002.
"Homenagem a Armando Casimi:~Costa".
ISBN 85-361-0267-5 A trajetória de sucessos alcançada pela LTR,desde maio
1. Costa, Armando Casimiro, 1918- 2. Direito do tra- de 1937 quando foi fundada por um pequeno grupo de idealis-
balho - Historia 3. Justiça do trabalho - História 4. Tra-
balho -História I. Nascimento, Amauri Mascaro, 1932- 11. tas, formado pelos advogados Vasco de Andrade, Carolino de
Martins Filho, Ives Gandra da Silva. III. Titulo. Campos Salles, Ruy de Mello Junqueira, José Domingos Ruiz
e José Carlos Macedo Soares Affonseca, vincula-se, na sua
02-281 1 CDU-34:331(091) plenitude, com a de Armando Casimiro Costa, numa relação
de interdependência direta e de quase total identificação.
índices para catálogo sistemático:
1. Direito do trabalho : Historia 34:331(091)
Foi muito feliz a idéia de José Carlos, de nesse mesmo
2. Trabalho : Direito : História 34:331(091) ano, levar Armando Casimiro Costa para a Revista, na quali-
dade de gerente e revisor, para preparar os textos a serem
publicados, principalmente os relativos a transcrição da legis-
lação pertinente, publicada no Diário Oficial, pacientemente
recortados pelo jovem empregado, que mal sabia usar a velha
máquina de datilografia na qual eram completados.
A publicação tinha o nome de Revista "Legislação do Traba-
lho" e o subtítulo "Mensário Paulista de Legislação Social, Doutri-
na e Jurisprudência", mais tarde, quando simplificado para "Re-
vista Legislação do Trabalho" e em 1963, com a Súmula da Juris-
prudência do Supremo Tribunal Federal referindo-se a "LTR",este
(Cód. 2533.5) ficou sendo o seu nome oficial.
@Todos o s direitos reservados Ao se tornar proprietário da LTR,Armando ampliou os seus
objetivos, cercou-se de colaboradores nacionais e internacio-
nais, deu nova dimensão a Revista e em 1968 lançou-se na
bem sucedida edição de livros, dos quais os primeiros, em
Direito do Trabalho, foram os de Cássio Mesquita Barros Jú-
EDITORA LTDA. nior, sobre a "Lei dos Engenheiros" e o "O Salário" de Amauri
Rua@, 165-CEP01207-~-Fõne(11)3b12G2788-Fax(l1)38269180 Mascaro Nascimento, seguidos por uma série de valiosas pu-
São Paulo, SP - Brasil blicações que atualmente representam cerca de 2.500 títulos
editados, façanha inédita e não conseguida por nenhuma ou-
Setembro, 2002 tra editora do gênero.
A Revista é fonte de consulta obrigatória de professores,
magistrados, procuradores, inspetores do trabalho, advogados
e especialistas em Direito do Trabalho, citada nos acórdãos
das nossas mais altas Cortes Judiciais, texto obrigatório de
estudos das mais atuais e expressivas questões.
A LTR iem outro galardão: os Cong[essos que promove
em São Paulo, e que até esta data foram 18 de Direito Coletivo
e Individual do Trabalho, 16 de Previdência Social, 15 de Direito
Processual do Trabalho, 11 de Direito do Trabalho, 4 de Segu-
rança e Saúde do Trabalho e 3 de Previdência Complementar,
concomitante com inúmeros seminários e cursos, além da edi-
ção dos Suplementos de Direito do Trabalho, de Direito Tribu-
tário e a Revista de Previdência Social.
Essas referências sobre a LTR são, como dissemos, a
consubstanciação das atividades comandadas pela vontade e
inteligência do homenageado, Armando Casimiro Costa e são
uma eloqüente evidência da plena justificativa deste livro de-
dicado a quem já homenageou tanta gente, já difundiu tantos
nomes que se notabilizaram do Direito do Trabalho, vem per-
mitindo, aos estudiosos do tema, divulgar as suas idéias e aos
novos valores que se lançam uma porta que se abre para que
se tornem conhecidos.
É uma bela e duradoura obra, sem dúvida, a LTR, que
muito dignifica o nosso País, marco da nossa história editorial, ARMANDO CASIMIRO COSTA
fruto da iluminada tarefa a que se dedicou um homem que
conseguiu a realização das metas que traçou para a sua vida,
em beneficio de todos nós.
Os Autores Filho de João Casimiro Costa e Eulália de Mendonça
Costa.
Nasceu em São Paulo, no dia 18 de fevereiro de 1918.
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, Turma de 1943.
Advogado Militante; Conselheiro e Membro da Diretoria:
do Instituto dos Advogados de São Paulo; da Ordem dos Ad-
vogados do Brasil - Secção de São Paulo; e da Academia
Nacional de Direito do Trabalho.
Membro do Instituto de Direito Social "Cesarino Junior";
da Academia Iberoamericana de Direito do Trabalho e do Ins-
tituto Latino-Americano de Direito do Trabalho e Previdência
Social.
Juiz-Contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas do Es-
tado de São' Paulo.
Irmão-Mesário da Santa Casa de Misericórdia de São
Paulo.
Agraciado com a Ordem do Mérito Judiciário pelo Tribu-
nal Superior do Trabalho no grau de Comendador e pelos Tri-
bunais Regionais do Trabalho - 8% 21 Wegiões.
Agraciado pelo Presidente da República com a Ordem do
Mérito do Trabalho.
Admitido em maio de 1937, como primeiro empregado da
Revista LTR, então chamada Revista Legislação do Trabalho
- Mensário Paulista de Legislação Social, Doutrina e Juris-
prudência.
Jornalista Profissional; Sócio da Associação Paulista de
Imprensa; Diretor Responsável da Revista LTR - Legislação
do Trabalho.
Presidente da LTR Editora, da LTR Desenvolvimento Pro-
fissional e da Livraria LTR.
HISTÓRIA DO TRABALHO

Irany Ferrari

1. Sentido etimológico do trabalho

Claro que nosso estudo se vinculará ao trabalho humano,


e, para isso, iremos a sua origem, que é também sua fonte
histórica, para tentarmos ficar no seu sentido etimológico.
Como nos diz o Prof. Evaristo de Moraes Filho, esse con-
ceito "é assunto discutido e obscuro até hoje".'
Segundo alguns historiadores, o trabalho foi concebido,
no início, como um castigo e como uma dor. O Prof. Evaristo
lembra que o termo grego que significa trabalho, tem a mes-
ma raiz que a palavra latina " p ~ e n a " . ~
Para Lucien Febvre, citado pelo Prof. Evaristo, "a palavra
veio do sentido tortura - tripaliare, torturar com tripalium, má-
quina de três ponta^.^
Pedro Felipe Monlau, em citação também do Prof. Evaris-
to de Moraes Filho, entende que a etimologia geralmente ad-
mitida é a do latim trabs, trabis, viga, de onde se originou em
primeiro lugar um tipo trabare, que deu no castelhano trabbr,
etimologicamente obstruir o caminho por meio de uma viga
(como embaraçar de barra); e logo depois outro tipo diminuti-
vo de trabaculare, que produziu trabalhar.4 E Monlau enumera
outras conjecturas a respeito do trabalho.
São do Prof. Evaristo de Moraes Filho, sobre essa maté-
ria específica, as seguintes palavras:
"A quase totalidade dessas hipóteses já se encontra
ultrapassada. Merece ser fixada unicamente a primeira,
* Advogado. Consultor Jurídico. Juiz aposentado doTRT da 15Wegia0,Campi-
naslSP.
e 3 "Introdução ao Direito do Trabalho", Evaristo de Moraes Filho, 1-01. Revista
Forense, págs. 59/62.
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16 IRANY FERRARI HISTORIA DO TRABALHO 17

Friedmann, G & Naville, em "Tratado de Sociologia de1 Ambos, portanto, integram o mesmo processo produtivo
Trabajo, México, FCE, 1963", considera uma série de aspec- e, ambos estarão sujeitos as regras (capitalistas, sim), do al-
tos sobre o trabalho, classificados do seguinte modo: a) o tra- cance da maior produtividade, tanto no aspecto qualitativo,
balho em seu aspecto técnico, implicando toda a problemática quanto no quantitativo.
em torno do lugar de trabalho e as questões de adaptação Não é exato, ademais, que a classe média seja improdu-
fisiológica e-sociológica; b) o trabalho em seu aspecto fisioló- tiva, porque se situariam entre os trabalhadores, de um lado, e
gico: a questão fundamental é o grau de'adaptação homem- os capitalistas e latifundiários, de outro, e que, na sua maior
lugar de trabalho-meio físico e o problema da fadiga; c) o tra- parte, vive de renda. Pode ser até que ao tempo em que Marx
balho em seu aspecto moral; d) o trabalho em seu aspecto so- escreveu "O Capital", fosse este o retrato da época. Todavia,
cial; e) o trabalho em seu aspecto econômico, como fator de pro- de um bom tempo a esta parte, a classe média é a que vive
dução de riqueza".' quase toda de seu trabalho intelectual, em condição de subor-
Trabalho produtivo é aquele que resulta da maior eficiên- dinação aos que solicitam serviços, já se equiparando a clas-
cia da energia dispendida com vistas a uma melhor qualidade se trabalhadora, porque manual ou intelectual, o trabalho há
ou, como no mais comum das vezes, na consecução de maior de ter a mesma proteção eis que ambos existem para dar vez
quantidade de bens ou serviços. a vida, sem dúvida o maior bem do ser humano. Essa identifi-
cação de todas as categorias do trabalho é um pressuposto
A produtividade é hoje considerada como a única forma sobre o qual a doutrina capitalista e a doutrina socialista con-
de se conquistar melhoria salarial por parte dos trabalhado- cordam plenamente.
res, porque ela, sem dúvida, eleva a lucratividade dos empre-
gadores.
2. Significado filosófico do trabalho
Por isso, quando se fala em participação nos resultados,
a meta é a produtividade. Aprendi com o Professor Van Acker, da Faculdade Paulista
A economia do País resolveu o impasse do salário x infla- de Direito, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
ção, apostando na produtividade. que a filosofia estuda "a essência da existência das coisas".
Para Karl Marx o trabalho do assalariado é o produtor de No caso, a coisa é o trabalho, cuja existência será vista
mais-valia. Será, pois, nesta visão, diretamente produtivo o tra- em sua essência.
balho assalariado produtor de mercadorias; indiretamente pro- Para esse elevado mistér faltam-me as qualidades neces-
dutivo o que é gasto na circulação de capital; e improdutivo, o sárias.
trabalho dedicado a funções políticas ou ideológicas. Essa distin- Daí por que valer-me-ei de estudo já feito pelo Prof. Luigi
ção, embora teórica, guarda em sí, algo próximo da realidade. Bagolini, em seu livro "Filosofia do Trabalho", 2"dição LTr, 1997.
Por ser teoria, contudo, não é cem por cento correta. Como'bem dito pelo Prof. Miguel Reale, no prefácio da
Assim, não se pode falar, por exemplo, que o trabalho de 1"dição dessa obra "nenhum assunto, como este do traba-
um soldador seja produtivo e o do vendedor não. O primeiro, lho, exige maior aderência ao concreto, ao que se põe no
seria o produtor propriamente dito. O segundo, o circulador do plano experimental, não bastando o exame da questão vi-
bem produzido, tendo em vista a auferição do trabalho acres- sando sua determinação conceitual, ou procurando as suas
cido da mais valia. raízes históricas".
É, neste contexto, que Bagolini sustenta que o lazer é
Apud Dicionário das Ciências Sociais, ob. citada, pág.1.249. necessário. Não como uma simples pausa entre dois momen-
18 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 19

tos de trabalho, porque o ato de não trabalhar tem validade criador de valores. Ele já é, por si mesmo, um valor, como uma
por si mesmo. O ato de trabalhar e o de não trabalhar não das formas fundamentais de objetivação do espírito enquanto
são atos homogêneos, mas, sim, heterogêneos, cada qual transformador da realidade física e social, visto como o ho-
valendo por si mesmo, merecendo ambos o mesmo grau de mem não trabalha porque quer, mas sim por uma exigência
respeitabilidade. indeclinável de seu ser social, que é um "ser pessoal de rela-
ção", assim como não se pensa porque se quer, mas por ser o
É valiosi a colocação do Prof. Miguel Reale a esse respei-
pensamento um elemento intrínseco ao homem, no seu pro-
to, no aludido prefácio, cuja transcrição vale a pena, a saber: cesso existencial, que se traduz em sucessivas "formas de
"Não foi por acaso que a díade valor-trabalho Marx foi objetivação". Trabalho e valor, bem como, por via de conse-
buscar nos ensinamentos do liberalismo econômico de Adam qüência, trabalho e cultura, afiguram-se termos regidos por
Smith e David Ricardo, numa linha congruente de exaltação essencial dialética de complementaridade".
do trabalho, visto em sua dominante instrumentalidade social, O ponto alto, a nosso ver, dessa excelente obra do Prof.
materializando-se cada vez mais o seu conceito. A festiva re- Bagolini reside nos capítulos em que trata da tese da partici-
conquista do lazer vem, agora, reespiritualizar o trabalho, re- pação, em confronto com o ordenamento jurídico fundado na
velando o seu real significado e alcance, a sua função criado- tecnoestrutura, para enfatizar a mediação entre a liberdade e
ra, nos limites da finitude humana, que se enriquece com ou- a igualdade.
tros horizontes, na vertente não menos essencial do "não
fazervou do "não produzir", até a sublimação contemplativa". A propósito, vale a transcrição que segue:
Que delícia: filósofo falando de filósofo, em devaneios Iíri- "Esta minha insistência sobre o ideal do Estado ético
cos, tudo a nos elevar a transcendência da realidade humana, e sobre o ideal da justiça, implicado necessariamente no
numa sublimação divina e extra-corpórea! ideal do Estado ético (que enquanto ético é também Es-
Outro ponto a ser destacado da obra de Bagolini, que é tado de justiça), poderia parecer uma alienação em rela-
doutor honoris causa da Faculdade de Direito de São Paulo, é ção aos problemas atuais e concretos concernentes a crise
sua exposição sobre a tese de Marx Scheler, no sentido de econômica contemporânea. Mas isto não é verdade. Os
que o trabalho não é criador de valores. problemas morais se impõem hoje mais do que nunca no
âmago dos próprios problemas econômicos".
Scheler sustenta fundamentalmente que o imperativo "de-
ves trabalhar", tomado em si mesmo e sem outras indicações Filosoficamente, portanto, o trabalho há de ser o centro
que o condicionem, não pode constituir por si só uma lei moral. dos valores numa visão ideal do Estado Moral, nele ínsito o
Para ele, a qualidade moral do trabalho não está no pró- Estado de Justiça, valores estes que, embora estejam no cen-
prio trabalho, mas depende dos sistemas de fins e de organi- tro dos problemas econômicos, deveriam constituir"^ progresso
zação moral e jurídica nos quais o trabalho está inserido. geral da força complexiva de trabalho, derivada do total de-
Para Scheler, Igreja, Estado, Família, são associações de senvolvimento de suas potenciais capacidades", de modo a
vários gêneros que constituem sistemas de finalidades fundamen- permitir a todos os trabalhadores de "participar do aperfeiçoa-
tais, ou, por outra, de valores que não derivam do trabalho, mas mento geral da produtividade, da satisfação profissional, da
que constituem a base e ao mesmo tempo o horizonte circunscri- segurança e do tempo livre". (apud AA.VV. "I1 dilemma
to de cada sistema social em cujo âmbito o trabalho realiza. inflazione - desoccupazione", pág. 86).
A esse pensamento insólito valham-nos as palavras sábi- A conclusão de Bagolini, é a de que para além das consi-
as do Prof. Miguel Reale, no prefácio mencionado, quando diz: derações de eficiência econômica, está sobretudo a preocu-
"Não entendo como se possa dizer que o trabalho não seja pação com a equidade e com a dignidade humana, que justifi-
20 IRANY FERRARI HISTORIA DO TRABALHO 21

ca o investimento de recursos coletivos na solução de proble- Contudo, o problema central na análise dos grupos talvez
mas fundamentais, como os ligados a saúde do trabalhador, a seja a natureza das relações existentes entre seus membros,
sua qualificação, as suas motivações psicológicas como tam- levando-nos a indagação sobre, por exemplo, que forças con-
bém os problemas concernentes aos programas de assistên- duzem uma categoria social a formar associações ou sindica-
cia aos deficientes e incapazes". tos para a proteção de seus interesses?
Tais forças, no campo do trabalho, devem ser as da "soli-
3. Significado sociológico do trabalho dariedade de interesses econômicos dos que empreendem ati-
A Sociologia incumbe, como se sabe, a tarefa de distinguir vidades idênticas, similares ou conexas" elou "da similitude de
os diversos tipos de coletividades humanas para estabelecer condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum",
uma linguagem precisa tendo em vista a análise respectiva. a teor dos conceitos dados pelo art. 51 1, §§ 1% e2",da CLT.

Segundo Ely Chinoy, deve o sociólogo proceder a dis- Há, portanto, neste contexto, a aplicação da sociologia
tinção entre grupos sociais, categorias sociais e agregados com enfoque no trabalho.
estatísti~os.~ A organização do trabalho, por outro lado, e a demonstra-
Explica, em seguida: "O grupo social consiste em certo ção insofismável da aplicação da sociologia ao trabalho, tendo
número de pessoas cujas relações se fundam numa série de em vista, sobretudo, o que decorreu e o que decorre do deter-
papéis e status entreligados. O grupo social identifica-se por minismo tecnológico, com suas implicações no número de
três atributos: interação padronizada, crenças e valores parti- empregos de trabalhadores.
lhados ou semelhantes e, para usarmos a expressão de Há a considerar, ainda, a especialização profissional em
Franblin H. Giddings, consciência da espécie". face da multiplicidade de papéis sociais diferenciados que re-
Já a categoria social, para Ely Chinoy, "consiste em pes- querem técnicas e habilidades, valores e atitudes sociais.
soas que possuem status semelhante e, nesse sentido, de- Como nos diz Ely Chinoy, "a proporção que os homens
sempenham o mesmo papel social - por exemplo, eletricis- exercem ocupações diferentes, com valores e interesses di-
tas, adolescentes, banqueiros ou vagabundos. versos, os laços que os unem tornam-se mais e mais tênues.
Essas tendências são visíveis não só nas diferenças entre
Os agregados estatísticos são constituídos por "pessoas
que possuem um atributo social semelhante em virtude do qual operários e administradores, ou entre lavradores e operários
podem ser logicamente consideradas em conjunto - os leito- industriais, mas também entre profissionais liberais ou entre
res de histórias em quadrinhos, os adeptos do rock and roll, as fileiras de diretores, ou ainda no seio dela^".^
os admiradores de Brigitte Bardot, devotos de jazz, etc." É preciso, contudo, ater-se aos fatos da cooperação e da
solidariedade, esta baseada na necessidade mútua e na con-
A sociologia do trabalho, que é a que nos interessa no tribuição de cada homem a construção de uma vida coletiva
mornento, interessa-se pelos grupos e pelas categorias so-
melhor, tendo o trabalho como epicentro.
ciais, estas interligadas aqueles, pelas crenças e valores a ser
defendidos. Esta a grande visão do Papa João Paulo 11, quando, a
entrada deste ano de 1998, enfatizou que a globalização há
Essa distinção sociológica conduz o sociólogo a ordena- de ser feita tendo em vista a solidariedade, que haverá de se
ção e classificação de coletividades humanas. organizar em torno do trabalho.
Chinoy, Ely, in "Sociedade - Uma Introdução a Sociologia", Cultrix, pág 75 Chinoy, Ely, ob. citada, pág. 431.
IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 23
22

Isto porque, sejam quais forem os valores que lhe atribuam que a conservem e perpetuem, ainda se converte em labora-
gradante ou enobrecedor), o trabalho sempre ocupou o lu- tório de experiências coletivas, de noções, de idéias, de co-
(d$ central em volta do qual as pessoas organizaram suas vidas. nhecimentos com os quais o poder inventivo do homem ja-
aa
" mais teria alcançado tão alta e surpreendente e x p r e s ~ ã o " . ~ ~
Não se pode sequer imaginar que o trabalho venha a per-
Ao
r esse lugar na cultura dos povos. Sociologicamente, o que prevalece, é o fato da existência
uw
A Sociologia tem grande importância' no estudo porque
de seres humanos ou da sociedade.
se funda em dois fatos básicos: o comportamento dos se- O trabalho tem sido, no desenrolar dos séculos, o grande
humanos e a certeza de que os seres humanos são ani- fator de estabilidade e do progresso do homem e dos grupos
re,#s sociais e não criaturas isoladas. sociais.
m
...
A relação social que há entre os homens baseia-se no A solidariedade é uma das marcas do trabalho e da coo-
o de que o comportamento humano orienta-se de múltiplas peração que deve existir entre os que trabalham numa mesma
fa' neiras tendo em vista outras pessoas. comunidade ou na sociedade, em termos mais amplos.
ma
Esse relacionamento existe no seio dos grupos sociais Tem razão A. Bochard quando escreve que "o estado das
g s associações, dos sindicatos, das empresas), relaciona- civilizações depende não somente das condições que se cri-
(danto esse que deu origem a uma ciência (mercê da consta- am para o trabalho, mas ainda as lutas sociais não são mais
m áo de padrões verificáveis), que se chama relações huma- do que a expressão da maneira incompleta como se tem com-
dentro de todo o quadro de pessoal de uma empresa ou preendido a idéia de trabalho. O grande movimento das
n* qualquer outro grupo social. comunas na Idade Média, por exemplo, nasceu da necessida-
-f?
d
de que tinha o trabalho de emancipar-se do jugo da feudalidade.
Uma relação social, como se tem dito, consiste num pa-
$0 de interação humana, que é o que pretende todo gerente Foi ainda o trabalho que deu a idéia das corporações das
df quais saíram as sociedades secretas que exerceram uma
A
u-B relações humanas ou de RH. ação poderosa sobre a emancipação das classes operárias
Daí a importância da sociologia que será jurídica enquanto e que prepararam".ll
guladora de relações sociais, para o trabalho.
r@ O trabalho sempre preservou o homem de sua própria des-
Por outro lado, não constitui segredo para ninguém que o
balho sempre foi uma área de observações e buscas, co- truição e o impeliu a interagir, unindo-se a outro ou a outros.
trliJm ao sociólogo e ao economista. Seja na caça, seja na pesca, seja na fabricação de instru-
fl
Não se confundem. Contudo, entrelaçam-se. mentos para execução de serviços, o trabalho sempre foi um
fator individual de conquista e também um fator social de coo-
Interessa-nos, neste passo, a sociologia, no que toca a peração na busca de idênticos ideais.
~alizaçáodo trabalho em função do meio social em que é
f4estado e tendo em vista as relações humanas que ele propi- A espécie humana, de geração a geração, mantem-se viva
Pia, como já mencionado. pelo trabalho, sob a forma de cooperação ou trabalho coletivo,
Gp determinando entre os indivíduos participantes, relações so-
No dizer do jurista e sociólogo Joaquim Pimenta, "se o ciais que são de ordem econômica, pela produção, distribui-
to econômico ou a técnica da produção realiza o milagre do
fBnsformismo social, como pretendem os marxistas, esta 'O Pimenta, Joaquim - Sociologia Jurídica do Trabalho. Ed. Max Lirnonad, 1944,
$sma técnica pressupõe sempre um meio social, um grupo pág. 45.
mano que, além de a submeter a regras e a normas rituais " Apud Pimenta, Joaquim, ob. cit., págs. 46/47.
HISTORIA DO TRABALHO 25
24 IRANY FERRARI

XIII, teceu o Papa João Paulo 11, o profeta do Ano 2.000, co-
ção e troca de produtos; de ordem ética, por normas religio- mentários sobre o trabalho humano, "em vésperas de novos
sas, morais e jurídicas e que regulam a vida de cada um em adiantamentos nas condições tecnológicas, econômicas e po-
meio a corporação, classe ou sociedade. líticas, o que na opinião de muitos peritos - irá influir no mun-
O trabalho, nos primórdios, deu-se pela cooperação de do do trabalho e da produção, em não menor escala do que o
marido e mulher - cooperação social no clã, nas famílias pa- fez a revolução industrial do século passado".
triarcais, reunindo sob o mesmo teto, parentes, escravos ou
Efetivamente, o trabalho, como uma manifestação exis-
servos, para desenvolver-se entre clãs da mesma tribo ou de
tencial do homem, ocupa o centro da questão social, para o
tribos diferentes.
qual se tem voltado o ensino da Igreja, como nos últimos 90
Formaram-se, então, as primeiras classes a medida em anos, a partir da Rerum Novarum, as Encíclicas Quadragésimo
que a sociedade se transmuta atingindo uma organização mais Anno, de Pio XI, Mater et Magistra, de João XXIII, Populorium
ampla de cidade (pólis, na Grécia, civitas, em Roma e comuna, Progressio, de Paulo VI e a Constituição Pastoral Gaudium et
na Idade Média). Spes do II Concílio do Vaticano.
O ofício e a profissão passam a ser o centro das corpora- Se, no passado, o centro da questão social era a "classe",
ções, como um fenômeno espontâneo na sociologia econômi- em épocas mais recentes, o problema colocado é o "mundo",
ca do trabalho. para exame das desigualdades e injustiças.
Daí saber-se que as Corporações de Ofício não nasce- I
ram apenas na Idade Média, eis que Roma e Grécia já as Essa preocupação da Igreja com a questão social, deno-
conheciam. minada de doutrina social da Igreja, tem sua fonte na Sagrada
Escritura, desde o Livro do Gênesis, passando pelo Evange-
Como afirmou Toutain: "o verdadeiro papel dessas asso- lho, até os escritos dos tempos apostólicos.
ciações foi o de dar maior força aos trabalhadores para a defe-
sa de seus interesses comuns, assegurar-lhes o que, havia I Para João Paulo 11, "a Igreja vai encontrar logo nas pri-
muito Ihes faltava, a consideração e a estima que Ihes eram meiras páginas do Livro do Gênesis a fonte dessa sua convic-
devidas pelos serviços que prestavam a comunidade".12 ção, de que o trabalho constitui uma dimensão fundamental
O aniquilamento das Corporações, não extinguiu, contu- da existência humana sobre a terra".
do, o espírito associativo dos trabalhadores, porque o movi- Assim, quando o homem, criado a imagem de Deus...
mento de solidariedade e de cooperação continuam a existir, varão e mulher, ouve as palavras "Crescei e multiplicai-vos,
para a defesa de seus interesses. enchei a terra e submetei-a", mesmo que estas palavras não
Desse movimento posterior, nasceu o Sindicato, já se tor- se refiram direta e explicitamente ao trabalho, indiretamente já
nando uma elaboração espontânea do direito do trabalho, com indicam, e isso fora de quaisquer dúvidas, como uma ativida-
seus ideais e reivindicações. de a desempenhar no mundo".
A igreja, segundo João Paulo 11, está convencida de que
4. O trabalho visto pela Igreja o trabalho constitui uma dimensão fundamental da existên-
cia do homem sobre a terra. E ela tem sua origem também
Na Encíclica Laborem Exercens, de 14.09.81, para co- no patrimônio das múltiplas ciências centralizadas no homem:
memorar o 90Vniversário da Rerum Novarum, do Papa Leão a antropologia, a palentologia, a história, a sociologia, a ps-
cicologia, etc., porque todas elas parecem testemunhar essa
l2 Apud Pimenta, Joaquim, in ob.cit., pág. 52.
realidade.
26 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 27

Contudo, é na palavra revelada de Deus, que a igreja vai gressio, os que dedicaram uma atenção maior a tais proble-
buscar sua convicção que a par de ser da inteligência é tam- mas éticos e sociais, que tanto o comunismo, como o capita-
bém da fé, porque a Igreja acredita no homem feito a imagem lismo acabaram por engendrar.
e semelhança de Deus. Foi na esteira da Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII,
O homem, como imagem de Deus, recebeu mandato de em 1891, e dos numerosos documentos que se lhe seguiram,
seu Criador p i r a dominar a terra, refletindaa própria ação do do Magistério da Igreja, que surgiu uma reação contra o siste-
Criador do Universo. E, o Papa João Paulo 11, também popu- ma de danos e injustiças que pesava sobre o homem do traba-
larmente chamado no Brasil, de João de Deus, explica que lho nesse longo período de transformação da indústria.
"sob a designação terrande que fala o texto bíblico, deve en- A solidariedade em torno do trabalho, mercê da organiza-
tender-se primeiro que tudo, aquela parcela do universo visí- ção dos trabalhadores, foi fator importante na busca de me-
vel em que o homem habita; por extensão, porém, pode enten-
lhores condições de vida.
der-se todo o mundo visível na medida em que este se encon-
tra dentro do raio de influência do homem e da sua procura de Essa solidariedade deve sempre estar presente onde hou-
prover as próprias necessidades. A expressão "submeter a ver degradação social do homem sujeito do trabalho ou quan-
terra" tem um alcance imenso. Ela indica todos os recursos do ocorrer a exploração dos trabalhadores com a crescente
que a mesma terra (indiretamente o mundo visível) tem es- miséria ou fome.
condidos em si e que, mediante a atividade consciente do ho- A Igreja sempre esteve vivamente empenhada nesta cau-
mem, podem ser descobertas e oportunamente usadas por sa, vendo e estudando os direitos dos trabalhadores no vasto
ele. Assim, tais palavras, postas logo no princípio da Bíblia, conjunto dos direitos humanos, com início na Encíclica Rerum
jamais cessam de ter atualidade". Novarum, lançada sobre as bases do reerguimento moral e
Analisa o Papa João Paulo 11, ainda o lado subjetivo do material do proletariado, como um verdadeiro Código da Dou-
trabalho, porque o homem é o sujeito do trabalho, e, como tal, trina Social da Igreja.
não se pode dele separar seu valor ético, o qual, "sem meios Daí por que João XXIII, em sua Mater et Magistra teve
termos, permanece diretamente ligado ao fato de aquele que
ensejo de proclamar que Leão Xlll formulara uma síntese or-
o realiza ser uma pessoa, um sujeito consciente e livre, isto é,
gânica dos princípios, desenhando na Rerum Novarum uma
um sujeito que decide sobre si mesmo". E nessa dimensão
subjetiva que devem ser procuradas as fontes da dignidade do síntese perfeita do catolicismo no campo econômico.
trabalho, porque não se deve levar em conta apenas o gênero Essas duas Encíclicas são as vigas mestras do socialis-
do trabalho que se realiza, mas, sobretudo, o fato de quem o mo católico, guardadas as perspectivas do período de tempo
executa é uma pessoa. em que foram editadas, porém, ambas tratando da necessida-
Esclarece o Papa João Paulo 11, também, que, na época de da intervenção do Estado nas relações sociais.
modsrna, a doutrina cristã sobre o trabalho teve de contrapor- Foram 70 anos entre uma e outra, em que o Estado usou
se as correntes do pensamento materialista e economicista, e abusou do intervencionismo em nome da proteção do fraco
ora considerando o trabalho como uma espécie de "mercado- em face do forte, do pobre em face do rico, para estabelecer o
rianqueo trabalhador vendia, ora considerando o trabalho como equilibrio que falta em nome da justiça social.
um meio de produção dando azo ao desenvolvimento de di- O princípio da adequação lançado também por Leão XIII
versas formas de capitalismo. é da mais alta importância. Por ele, a Igreja deve adequar as
Foram o Papa João XXIII, com sua Encíclica Mater et "coisas novas" na sociedade moderna, "aos princípios pere-
Magistra e o Paulo VI, depois, com a Encíclica Populorum Pro- nes da lei natural e da lei divina".
28 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 29

Nessa Encíclica, de 1891, em que é feita referência a cas, intelectuais e morais; do contrário, como uma planta ain-
anteriores (Diunturnum, 1831, Immortale Dei, 1885 e "Liber- da tenra, ver-se-á murchar com um trabalho demasiado pre-
tas", 1888), trata Leão XIII de vários temas, dos quais e para coce, e dar-se-á cabo da sua educação. Trabalhos há também
este estudo, há que se fazer destaque para o que se relaciona que se não adaptam tanto a mulher, a qual a natureza destina
com a "Condição dos Operários". de preferência aos arranjos domésticos, que, por outro lado
oportuia, pois, a transcrição da Rerum Novarum, sobre salvaguardam admiravelmente a honestidade do sexo, e cor-
respondem melhor, pela sua natureza, ao que pede a boa edu-
a "Proteção do Trabalho dos Operários", "O quantitativo do
cação dos filhos e a prosperidade da família. Em geral, a dura-
salário aos Operários'le "A economia como meio de concilia-
ção das classes", a saber: ção do descanso deve medir-se pelo dispêndio das forças que
ele deve restituir. O direito ao descanso de cada dia assim
Proteção do trabalho dos operários, das mulheres e das como a cessação do trabalho no dia do Senhor, deve ser a
crianças condição expressa ou tácita de todo o contrato feito entre pa-
trões e operários. Onde esta condição não entrar, o contrato
No que diz respeito aos bens naturais e exteriores, pri- não será probo, pois ninguém pode exigir ou prometer a viola-
meiro que tudo é um dever da autoridade pública subtrair o ção dos deveres do homem para com Deus e para consigo
pobre operário a desumanidade de ávidos especuladores, que mesmo.
abusam, sem nenhuma discrição, das pessoas como das coi-
sas. Não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho O quantitativo do salário dos operários
a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito
e enfraquecer o corpo. A atividade do homem, restrita como a Passemos agora a outro ponto da questão e de não me-
sua natureza, tem limites que se não podem ultrapassar. O nor importância, que, para evitar os extremos, demanda uma
exercício e o uso aperfeiçoam-na, mas é preciso que de quan- definição precisa. Referimo-nos a fixação do salário. Uma vez
do em quando se suspenda para dar lugar ao repouso. Não livremente aceito o salário por uma e outra parte, assim se
deve, portanto, o trabalho prolongar-se por mais tempo do que raciocina, o patrão cumpre todos os seus compromissos des-
as forças permitem. Assim, o número de horas de trabalho de que o pague e não é obrigado a mais nada. Em tal hipóte-
diário não deve exceder a força dos trabalhadores, e a quanti- se, a justiça só seria lesada, se ele se recusasse a saldar a
dade do repouso deve ser proporcionada a qualidade do tra- dívida ou o operário a concluir todo o seu trabalho, e a satisfa-
balho, as circunstâncias do tempo e do lugar, a compleição e zer as suas condições; e neste caso, com exclusão de qual-
saúde dos operários. O trabalho, por exemplo, de extrair pe- quer outro, é que o poder público teria que intervir para fazer
dra, ferro, chumbo e outros materiais escondidos, de baixo da valer o direito de qualquer deles.
terra, sendo mais pesado e nocivo a saúde, deve ser compen- Semelhante raciocínio não encontrará um juiz equitativo
sado com uma duração mais curta. Deve-se também atender que consinta em o abraçar sem reserva, pois não abrange to-
as estações, porque não poucas vezes um trabalho que facil- dos os lados da questão e omite um, deveras importante. Tra-
mente se suportaria numa estação, noutra é de fato insuportá- balhar é exercer a atividade com o fim de procurar o que re-
vel ou somente se vence com dificuldade. querem as diversas necessidades do homem, mas principal-
Enfim, o que um homem válido e na força da idade pode mente a sustentação da própria vida. "Comerás o teu pão com
fazer, não será equitativo exigi-lo duma mulher ou duma crian- o suor do teu rosto" (Gên. 3, 19). Eis a razão porque o trabalho
ça. Especialmente a infância, - e isto deve ser estritamente recebeu da natureza como um duplo cunho: é pessoal, porque
observado, - não deve entrar na oficina senão quando a sua a força ativa é inerente a pessoa, e porque é propriedade da-
idade tenha suficientemente desenvolvido nela as forças físi- quele que a exerce e a recebeu para sua utilidade; e é ne-
HISTÓRIA DO TRABALHO 31
30 IRANY FERRARI

cessário, porque o homem precisa da sua existência, e por- Segundo o princípio da Criação, Deus deseja que cada
que a deve conservar para obedecer as ordens irrefragáveis vez mais a sociedade alcance formas mais humanas que dêem
da natureza. Ora, se não se encarar o trabalho senão pelo seu mais facilidades ao homem para o domínio da natureza e sua
lado pessoal, não há dúvida de que o operário pode a seu trajetória até a eternidade. E por isso que a sociedade deve
talante restringir a taxa do salário. A mesma vontade que dá o estar sempre a serviço do homem, 'que é o sujeito e o ator da
trabalho, pode contentar-se com uma pequena remuneração história, criado por Deus para festejar sua Glória no uso de
ou mesmo não exigir nenhuma. Mas já é outra coisa, se ao sua liberdade.
caráter de personalidade se juntar o de necessidade, que o "O trabalho é a afirmação do homem como criatura. Qual-
pensamento pode abstrair, mas que na realidade não se pode quer que seja o trabalho que realize, intelectual ou manual,
separar. Efetivamente, conservar a existência é um dever im- em relação de dependência ou não, coloca-o em uma tarefa
posto a todos os homens e ao qual se não podem subtrair sem de cooperação com a obra Divina. Esta concepção destaca
crime. Deste dever nasce necessariamente o direito de procu- que não existe trabalho que não tenha dignidade, já que faz do
rar as coisas necessárias a subsistência, e que o pobre as trabalho uma ação de colaboração com Deus.13
não procure senão mediante o salário do seu trabalho. A partir de Cristo, o trabalho humano adquiriu um novo
Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções valor, eis que Cristo o elevou e o santificou.
que Ihes aprouver, cheguem inclusive a acordar na cifra do
A santificação do trabalho é a magnífica obra a que se
salário; acima da sua livre vontade está uma lei de justiça
dedicou o Padre Escrivá, desde 1928, na Espanha, criando
natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário
um movimento denominado Opus Dei e espalhado por grande
não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do
parte do mundo de fé católica.
operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela neces-
sidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condi- Essa santificação valeu a Escrivá sua beatificação, agora
ções duras que por outro lado lhe não seria permitido recu- propugnando-se por sua qualidade de santo, tantas e tão fru-
sar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz ofer- tíferas foram suas ações junto a inúmeras pessoas.
ta do trabalho, então é isto sofrer uma violência contra a qual a O trabalho para o Opus Dei, não é só digno, é também
justiça protesta. fruto da santificação, porque por meio dele se pode chegar
Mas, sendo de temer que nestes casos e em outros aná- mais próximo de Deus.
logos, como no que diz respeito as horas diárias de trabalho e Cada homem, em seu labor diário, há de ter a possibilida-
a saúde dos operários, a intervenção dos poderes públicos de de oferecer ao Pai, o sacrifício de seu trabalho, realizado
seja importuna, sobretudo por causa da variedade das circuns- em seu ambiente de trabalho, buscando, com isso, sua pró-
tâncias, dos tempos e dos lugares, será preferível que a solu- pria redenção. As conquistas serão mais fáceis e os frutos serão
ção seja confiada as corporações ou sindicatos de que falare- o resultado da cooperação entre o Criador e a Criatura.
mos mais adiante ou que se recorra a outros meios de defen-
der os interesses dos operários, mesmo com o auxílio e apoio 5. Evolução do trabalho, a partir da escravidão
do Estado, se a questão o reclamar".
Por tais transcrições, observa-se, claramente que, já em Diziam os romanos que "os escravos nascem ou são fei-
1891, muitas das preocupações atuais existiam. tos". Claro o aforismo; sem necessidade de explicações adicio-
A Carta Encíclica "Laborem Exercens", ao ensejo do 90" nais porque intuitivo.
aniversário da Rerum Novarum, ditada por João Paulo 11, em
1981, trata do Trabalho Humano, e sobre ela nos manifesta- l 3 Vásquez Vialard, Antonio L.R - "E1 Trabajo Humano", Ed. Universitária de Buenos

mos no início deste capítulo. Aires, 1970 - pág. 22.


32 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 33

Comte entendia que a escravidão além de "radicalmen- A influência do Cristianismo foi ponderável para essa tran-
te indispensável a economia social da antiguidade", constituia sição sobre a concepção romana da "humanitas" pelo reco-
"um imenso progresso..., posto que sucedeu a antropofagia nhecimento "do que convém ao homem segundo sua indivi-
ou a imolação dos prisioneiros". (apud Manoel Alonso Olea, dualidade".14
em "lntrodução ao Direito do Trabalho", Genesis, pág.145). Depois dessa fase, segue-se a do colonato, no qual o
De fato, com a escravidão deu-se a fixação do escravo a colonus era o "arrendatário de prédio rústico, figura fundamental
territórios determinados, logo após a domesticação dos ani- do trabalhador não servil".15
mais e a introdução da agricultura, tornando o homem, ainda A partir daí começa o processo de ruralização, com as
que escravo, um produtor dos alimentos que consumia, eis "villas", unidades de população campesina semilivre, autôno-
que anteriormente a esse estágio o homem caçava, pescava mas frente as cidades, e os grandes colonatos, ambos pro-
e recolhia frutos que nem sequer plantava. cessos que ruralizam o Baixo Império, favorecidos pela fuga
"O mundo antigo teve na escravidão uma instituição uni- do incremento da pressão fiscal nos municípios urbanos, in-
versal", conforme constatação de Manoel Alonso Olea, na obra cluídos os primeiros domínios territoriais constituídos em seu
citada. seio pelos invasores germânicos, ou povoados por estes, an-
tecipam o tipo de relação que seria característica da época
No século I, A.C a terça parte de Atenas e, em igual nú- medieval (nesta , após as grandes invasões, os traços do do-
mero, Roma, formava a população escrava. mínio romano aparecem reproduzidos, quase linha por linha,
ao render a reunir-se ao grande proprietário e, por tal condi-
A "comida é a recompensa do escravo", é outra constata- ção, uma multiplicidade de poderes)".16
ção plena de veracidade com essa paga, com a qual o escravo
obtinha o necessário para sobreviver, e o seu dono, proprietá- O trabalho, depois disso, passou a ser objeto de locações
rio da terra, tinha a certeza de que subsistiria fisicamente. de obras e serviços. Na locação de obra (locatio condutio
operis), havia a execução de uma obra m e a i a n í g m e n n ,
A remuneração que consistia basicamente na sobrevivên- de um resultado. Configura-se, de certa forma, como o traba-
cia do escravo, mantinha, por outro lado, a rentabilidade da lho autônomo ou por conta própria.
terra do seu dono.
Na locação de serviços (locatio operarum) existia uma
Como bem acentuado por Manoel Alonso Olea, na obra cessão do próprio trabalho, como objeto do contrato. Deu ori-
citada, "o trabalho do escravo era desde o início, um trabalho gem ao trabalho contratado ou subordinado.
por conta alheia, no sentido de que a titularidade dos frutos do "Ante a subsistência, pelo menos colonial, de situações de
trabalho do escravo correspondiam imediatamente ao dono e escravidão, no próprio pais de relações de servidão e na pró-
não ao próprio escravo. pria casa de servidores aos que são dadas ordens e sobre os
O trabalho escravo, como é evidente, não era voluntário, que exercitam poderes gerais e diferenciados, existe um verda-
mas sim forçado. deiro afã de separar e caracterizar o arrendamento de serviços
do que depois se chamaria contrato de trabalho. Por isso se
A passagem da escravidão para a servidão foi lenta e ra- insiste sobre a liberdade de um pacto~constitutivode uma rela- ,
cional. A relação de domínio debilita-se para que o servo dei- ção obrigatória de origem contratuaí pura. A liberdade pessoal
xe de ser coisa e passe a ser visto como pessoa e, portanto,
com capacidade de ser sujeito de relações jurídicas, ligadas l4 Manoel Alonso Olea. "lntrodução ao Direito do Trabalho", Genesis, pág. 160.
as glebas. l6 Manoel Alonso Olea, ob. cit., pág. 166.
34 IRANY FERRARI HISTORIA DO TRABALHO 35

de subsistir ao longo da execução do contrato: por um lado, Concluindo sua excelente obra, da qual não pude deixar
pressupõe limites a duração indefinida do pacto, seja porque de fazer tantas citações, porque totalmente corretas e perti-
esta traz a mente a idéia mais ou menos clara de que uma ces- nentes a história do trabalho, como proposta deste estudo,
são perpétua lembra a escravidão ou servidão, seja porque como esclarece Emília Viotti da Costa, $página 467:
efetivamente o é, como se vê em Hegel, com clareza meridia-
na, as promulgações normativas declaram, com efeito, que o
"A abolição representou uma etapa apenas na liqui-
arrendamento de serviços feito por toda à vida é nulo.''
dação da estrutura colonial. A classe senhorial direta-
Continua Alonso Olea, dizendo: "por outro lado, pressupõe mente relacionada com o modo tradicional de produção
limites a potestade de dar ordens e, com isso, a dependência e que constituia o alicerce da Monarquia foi profunda-
ou subordinação de quem arrendou os seus serviços. A concisa mente atingida. A Colônia perdeu suas bases. Uma nova
expressão de Suárez - a obediência só - "...ao obrigado em classe dirigente formava-se nas zonas pioneiras e dinâ-
razão do ofícioWabreuma linha evolutiva de longo alcance que, micas. A nova oligarquia, ainda predominantemente agrá-
para falar em termos estritamente jurídicos, o que quer é dar ao ria, assumiu a liderança com a proclamação da Repúbli-
contrato de trabalho o "objeto certo", a "coisa determinada quanto
ca Federativa que veio atender aos seus anseios de au-
a sua espéciel'de que falam os artigos 1.261 e 1.273 do Código
tonomia, que o sistema monárquico unitário e centrali-
Civil -classificar o trabalhador profissionalmente, diríamos hoje
- das obrigações assumidas pelas partes que permita sua
zado não era capaz de satisfazer. A história da Primeira
estrita classificação como tal c o n t r a t ~ . ' ~ República estará desde suas origens até 1930 marcada
pela sua atuação. Abolição e República significam, de
No Brasil, a escravidão foi um marco no seu destino, não uma certa forma, a repercussão, no nível institucional,
só naquilo de humilhante para aqueles que a encetaram, de das mudanças que ocorreram na estrutura econômica e
forma negativa, como no que deixou de positivo no tocante a
social do país na segunda metade do século XIX, pre-
herança da cultura negra e dos fatores sociológicos da misci-
nunciando a transição da sociedade senhorial para a
genação tão bem descritos e cultuados por Gilberto Freyre em
Casa Grande e Senzala. empresarial".
Com a abolição, exigiu-se a elaboração "de uma nova
autoconcepção de status e papéis sociais por parte dos ne- Não de forma racional ou civilizada, mas de forma opres-
gros e mestiços, a formação de novos ideais e padrões de sora, porque o trabalhador era apenas uma "coisa"e não um
comportamento. Ela implicava também na mudança de com- ser humano.
portamento do homem livre e branco diante do liberto, do ne- E por quê a escravidão, no Brasil? Exatamente porque
gro não mais escravo. Impunha-se um novo ajustamento inter- esta foi a maneira encontrada pelos colonizadores portugue-
racial. A súbita equiparação legal entre negros e brancos, em ses para o usufruto econômico das terras descobertas. Isto, a
1888, não destruiu de imediato o conjunto de valores que se partir do século XVI, até o XIX.
elaborara durante todo o período colonial. Econômica, social e
psicologicamente, os ajustamentos foram lentos. O negro per- Negros trazidos e índios nativos tiveram que suportar esse
maneceu na condição de dependência econômica ..."Ig. tipo de exploração econômica, ainda uma vez, fazendo vistas
grossas para o social, até que chegasse ao fim o sistema co-
l 7 Alonso Olea, Manoel. "Da escravidão ao Contrato de Trabalho", Juruá, 1990.
lonial, pela independência das colônias inglesas e das demais,
pág.143. paulatinamente.
'' Alonso Olea, Manoel, ob.cit., pág. 144.
'' Emilia Viotti da Costa, "Da Senzala a Colônia, Difusáo Européia do Livro", 1966, Interessante a colocação a respeito da Emília Viotti da
nota da Introdução a obra, pág. 07. Costa, ao dizer que: "A liquidação do sistema colonial na Amé-
36 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 37

rica é um longo processo que sob certos aspectos prossegue Por quê não equalizá-los? Eis o grande dilema que ainda,
ainda em nossos dias. O desaparecimento do sistema escra- nos dias atuais, espicaça inteligências e dilacera sentimentos.
vista é uma das etapas desse processo".z0 Nos canaviais, por primeiro. Nas minas, ao depois. Nas
Foi o grande surto cafeeiro que trouxe um recrudescimento cidades e nas fazendas, a seguir, foi o escravo-negro o grande
da escravidão, no Centro e Oeste Paulista, eis que do Norte e instrumento de trabalho.
Nordeste do país, vêm escravos para as fazendas de café. Ainda no dizer feliz de Viotti da Costa, "foi mais do que
O trabalho, dura reflexão, nesse período, sofreu profunda mão-de-obra, foi sinal de abastança. Época houve em que a
desmoralização, porque oriundo ou fruto da opressão e da importância do cidadão era avaliada pelo séquito de escravos
exploração do homem pelo homem, gerador de tantos estu- que o acompanhava a rua. A legislação e o costume consa-
dos sociológicos. gravam esse significado. Concediam-se datas e sesmarias a
quem tivesse certo número de negros. A posse de escravos
Já se viu, inclusive, nas Encíclicas, que o trabalho manual conferia distinção social; ele representava o capital investido,
era aviltante e, portanto, como obrigação das classes inferio- a possibilidade de produzir".z3
res. No caso dos escravos, o pagamento com alimentos era o
que mantinha o produtor da riqueza com relação ao seu dono. Durante esse período de escravidão, em que o índio e,
Mas não era só isso. O trabalho do escravo era penoso e se mais ainda, o negro foram os principais artífices do trabalho
confundia com o cativeiro, em nome da produção. no Brasil, é de se notar não só o trabalho anarquista, na Colô-
nia Cecília, no Paraná, e o trabalho sob o regime do colonato,
"Num regime escravista, o respeito mútuo necessário a mercê da imigração de trabalhadores europeus.
verdadeira coesão social não existe. A lei consagra as distin-
ções sociais, legitima-as e, quando excepcionalmente procura A menção a ser feita em primeiro lugar é a destes últi-
garantir a classe oprimida, torna-se letra morta, ineficaz, bur- mos, com tomadas feitas de excelente obra escrita por um suíço
lada pelos interesses dominante^".^' Thomas Davatz, intitulada "Memórias de um Colono no Bra-
sil", e publicada, na sua 1-dição, pela Livraria Martins, em
Afora outras implicações ocasionadas pela escravidão 1941, em apenas 150 exemplares.
(desorganização da vida familiar) e da permanência na igno-
rância mesmo, após a abolição, o fato importante a anotar é Ao que se sabe, os Estados, então Províncias, do Rio
que havia dois mundos, o dos senhores e o dos escravos que Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná receberam colonos
se interpenetravam nas funções necessárias, mas sem que na expressão da palavra, como sendo os que tomavam posse
uns compreendessem os outros. O trabalho apenas os unia. da terra, nela plantavam ou criavam, e, portanto, viviam dela.
Pode-se dizer, com Viotti da Costazz,que durante todo o Em São Paulo, tal não ocorreu, porque não chegou a ha-
período colonial a história do trabalho é, sobretudo, a histó- ver, pelo menos no início, colonização, mas simples importa-
ria do escravo. Daí a importância deste Capítulo, numa em- ção de braços para a lavoura.
preitada como esta em que o trabalho há de aparecer em O resultado dessa diferença é que nos Estados do Sul há
todas as suas nuances, ainda que um tanto triste pela cons- proprietários rurais ainda que pequenos e, em São Paulo, um
tatação de que, desde então, o Econômico se superpôs ao proletariado rural mutante.
Social quando se sabe que um não sobrevive sem o outro. "A explicação que se dava ao malogro dos esforços su-
cessivos para a colonização, não apenas nessa época como
20 E. Viotti da Costa, Id., Ib., pág. 12.
2' E.Viotti da Costa, Id., Ib., pág. 09.
22 Emília Viotti Costa, Obra Citada, pág. 08. 23 Idem. ibidem.
38 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 39

ainda mais tarde, foi a circunstância de se engajarem geral- O Capítulo II dessa obra cuida do "tratamento dos colo-
mente os colonos entre o proletariado urbano da Europa Cen- nos na província brasileira de São Paulo", referindo-se, no iní-
tral mais do que entre camponeses. A alegação parece real- cio, as obrigações que os colonos assumiram por contrato e
mente fundada e Tschudi, em documento no qual relata suas quais aos direitos que, ao mesmo,tempo, julgaram ter-se as-
observações sobre os colonos em São Paulo, no ano de 1858, segurado. Ao fim do volume está estampada uma cópia do
refere esta coisa surpreendente: de uma lista de 87 pretensos contrato firmado com os colonos que chegaram ao Brasil em
lavradores, como tais contratados no Velho Mundo para os 1853 e mais tarde.
estabelecimentos de parcerias, apenas 13 se tinham dedica- O que se lê nesta cópia é que os colonos recebiam di-
do a atividades agrícolas em suas terras de origem. nheiro adiantado para a viagem de Hamburgo a Santos e des-
Dos restantes, 42 eram operários de fábricas, 6 sapatei- te porto a fazenda Ibicaba, no Município de Limeira, de pro-
ros, 4 carpinteiros, 9 alfaiates, 3 soldados, 2 pedreiros, 2 fer- priedade de Vergueiro & Cia. Esse adiantamento já era o co-
reiros, 2 vidraceiros, 2 tanoeiros, 2 músicos ambulantes, 1 jor- meço de uma dívida que deveria ser reembolsada, acrescida
naleiro, 1 confeteiro, 1 pintor, 1 serrador, e 1 mestre escola".24 dos juros legais.
Um fato a registrar é que, enquanto em outras províncias A essa primeira dívida acrescentava-se uma segunda,
a colonização foi fruto da iniciativa oficial originariamente, em relativa a comissão que tinham os colonos, suas mulheres e
São Paulo ela se instalou por iniciativa e Ônus de particulares. seus filhos que pagar pelo contrato e pelo que nem sequer
constava do contrato. Consta que tal comissão se destinava a
"O emprego de imigrantes europeus na grande lavoura pagar os agentes da empresa, na Europa.
em lugar de negros envolvia uma verdadeira revolução nos
métodos de trabalho vigentes no país e, mais do que isso, nas Ao desembarcarem, eram trancados em um pátio enor-
concepções predominantes em todo território do Império acerca me. Depois de paga ou garantida a dívida dos colonos (dinhei-
do trabalho livre. Um exemplo típico de tais concepções, é o ro da passagem mais a comissão), o colono era destinado a
caso lembrado por Kidder, dos alemães contratados em 1839 outro proprietário, caso não ficasse para trabalhar na firma
para a construção de pontes e calçadas em Pernambuco; tan- Vergueiro & Cia. Aí, então, compreendia que tinha sido com-
tas e tais eram as zombarias a esses 'escravos brancos', que prado, como se fosse uma mercadoria. E quando o colono era
eles não conseguiram levar a bom termo a obra c o m e ~ a d a " . ~ ~ destinado a outro proprietário? Exatamente quando não tinha
podido saldar sua dívida com Vergueiro & Cia.
"O sistema Vergueiro, que em certo momento chegou a
ser adotado por quase todos os principais fazendeiros de café Deixando-se de lado estes aspectos pouco recomendá-
err São Paulo, tornando-se, por assim dizer a forma peculiar veis, examinemos de que forma se desenvolvia o trabalho des-
d( emprego do braço livre na grande lavoura dessa província, ses colonos, por meio do contrato de parceria padronizado
r 30 nasceu como novidade aparatosa, capaz de triunfar de entre referidos trabalhadores e Vergueiro & Cia., que se acha
dos os obstáculos que enfrentava a sua vida econômica. publicado no livro citado?'
Surgiu sob a pressão de duras necessidades e ante a pers- 1 - Comportamento pacífico;
pectiva de condições alarmante^".^^
2 - Cultivar e colher cafeeiros recebidos, depositando o
24 Sérgio Buarque de Holanda, no Prefácio a Obra "Memória de um Colono no Bra- café colhido no lugar marcado no cafezal;
sil", pág. 07.
25 Sérgio Buarque de Holanda, ob. cit., pág. 17.
27"Memórias de um Colono no Brasil (1 850)" - Thomas Davatz, Livraria Martins -
26 Sérgio Buarque de Holanda, ob. cit., págs. 17 e 18. SP, pag. 233 e segs.
HISTÓRIA DO TRABALHO 41
40 IRANY FERRARI

3 - Pagar quatrocentos réis por arroba de café - cor- 6. O Trabalho segundo a evolução histórica dos regimes
respondente a 3 alqueires rasos de café em cereja - até que produtivos
o trabalho em comum tenha tido seu curso normal;
A evolução econômica dos povos constitui-se das seguin-
4 - Replantar as faltas que ocorrerem; tes fases: a) economia doméstica ou familial; b) economia ur-
5 - Pagar a Vergueiro & Cia. o montante da passagem, bana; c) economia nacional; d) economia mundial, segundo o
sustento e auxílios recebidos, que vencerão juros legais de Prof. J. Pinto Ant~nes2~. Como a preocupação desse professor
6% contados da data em que for feita a despesa - pelo que se dirigia a "produção sob o regime de empresa", não incluiu
ficarão os colonos solidariamente responsáveis; ele, na aludida escola de evolução econômica, a economia
agrária, nesta compreendida a agrícola e a pastoril.
6 - Os colonos terão que respeitar os regulamentos es-
tabelecidos na colônia; O que se nota é que, na economia doméstica ou familial,
a vida econômica se caracteriza pelo fato de ser uma econo-
7 - Vendido o café por Vergueiro & Cia. pertencerá a mia sem troca, unindo-se produção e consumo, sem a figura
estes a metade de seu produto líquido; do intermediário.
8 - Nos gêneros alimentares produzidos pelos colonos, Neste primeiro estágio da vida econômica, o trabalho era
terão Vergueiro & Cia. a metade das sobras alienadas; prestado no âmbito da família, sendo os escravos os trabalha-
9 - E livre o colono para retirar-se depois de satisfazer o dores por excelência, sob a direção do PATER, que a exercia
que estiver devendo, participando-lhe com um ano de ante- também sobre todos os membros da família.
cedência e por escrito a intenção de se retirar sob pena de O trabalho servil era uma derivação do trabalho escravo
multa de 50$000 por pessoa no caso de abandonar a colônia mudando apenas o eixo do domínio, eis que enquanto no tra-
antes de pagar a dívida ou sem antecipar a declaração de balho escravo era o senhor o seu dono, no trabalho servil, o
sua intenção. trabalhador era o servo da gleba.
10 - Vergueiro & Cia. poderão transferir o contrato para Nesse estágio da vida econômica, não há moeda e a
qualquer outro fazendeiro. economia era feita pelas trocas, sem o comércio como foi instituí-
do posteriormente.
Esse trabalho em regime de parceria era o adotado e que Essa economia, chamada de familial, não girava, no en-
foi tão combatido pelos colonos, a ponto de causar uma revol- tanto, em torno da família tal qual é concebida hoje. O "pater
ta em bloco contra o sistema adotado. familias" exercia autoridade paternal, marital e de chefe abso-
Contudo, como nos diz o consagrado historiador pátrio, luto de dependentes, parentes ou até estranhos, porque essa
Sérgio Buarque de Holanda, no prefácio a obra em questão, família abrangia não apenas pessoas ligadas por laços de con-
"por pessimista que seja nosso julgamento acerca de regime sanguinidade.
de parceria, tal como fora concebido por Vergueiro, uma coisa Ainda nos dias que correm se observa em muitos países
é certa: foi principalmente por seu intermédio que se tornou a economia da família camponesa, na qual os seus membros
possível a lavoura paulista admitir o trabalho livre sem passar consomem quase tudo o que produzem sobrando muito pouco
pelas crises que essa transição iria provocar em outras regiões para a aquisição de bens não produzidos por eles e para a
do Brasil". reprodução.
E verdadeira a constatação. Apenas, dizemos nós, esse
trabalho livre não precisaria passar pela vergonha por que 28J. Pinto Antunes. "A Produção sob o Regime da Empresa", Ed. Saraiva, 1964,
passou. pág. 37.
42 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 43

Após esse período da vida econômica começa a surgir o Os mestres, que eram os artesãos, depois de algum tem-
trabalho ambulante, que oferece, como ainda agora, aqui e po tiveram que se unir e o fizeram através das chamadas "cor-
alhures, o seu trabalho intermediário entre o que produz bens porações de ofício". Tiveram que criar uma disciplina do grupo
e o que consome os bens produzidos. e, tendo passado a exercer um papel político importante no
governo das cidades medievais poique eram os "mestres", as
É livre. Não tem patrão. Trabalha para clientela sua. Si- corporações passaram a ser autoritárias, com regimes regula-
tua-se entre a economia familial e a agrária e urbana. mentares bastante rígidos.
Alguns se cansam desse mister e fixam-se num estabele- Em resposta a tais regimes, autodisciplinados por Estatu-
cimento, onde trabalham com seus instrumentos, com maté- tos, Boileau, no século XIII, teve a seguinte iniciativa: "Aquele
ria-prima comprada, mas por conta própria. que for capaz e tenha os meios de exercer determinado ofício,
São, em geral, os artesãos, identificados como os traba- é livre de o e m ~ r e e n d e r " . ~ ~
lhadores autônomos de hoje em dia. Considerando que a economia agrária, nela compreendi-
Enquanto o ambulante, no setor da agricultura e da pecu- da a agrícola e a pastoril, se organizava sob o regime da es-
ária, continua sendo livre, autônomo, de propriedade em pro- cravidão, depois da servidão, frise-se que a economia urbana
priedade, o artesão adentra numa configuração de especiali- girava em torno dos ofícios, que centrados nas Corporações
zação de suas atividades, com pequeno capital, e contando já não atendiam as necessidades que a economia exigia.
com a variedade dos desejos dos consumidores. Passou-se, então, a regulamentação da produção, como
força determinante do mercado, confundindo-se, quase sem-
O artesanato constituiu, assim, um fenômeno da econo-
pre, o poder econômico com o poder político, já que eram os
mia urbana e acompanhou a formação das cidades, sendo em
mestres os que governavam as cidades, pelo seu saber des-
grande parte, o regime de produção da Idade Média, com o
tacado dos demais. Como conseqüência, o Poder Público era,
corporativismo em face do trabalho.
nesta fase, o regulamentador do trabalho e das atividades eco-
Surgiram os ofícios, distintos daqueles de que se ocupa- nômicas, vez que os interesses não eram só dos produtores,
vam os ambulantes. O produto vendido era o fabricado, com mas também dos consumidores.
instrumentos próprios do produtor. O trabalho profissional só podia ser exercido pelos mem-
O aumento da clientela exige do artesão, livre, autonômo, bros da Corporação, que tinha número limitado de membros.
a contratar auxiliares, para um trabalho sob suas ordens. Os O trabalho tinha que passar obrigatoriamente pelas fases cor-
ofícios, no entanto, exigiam um tempo de aprendizado. Ao tér- porativas, ou seja, como aprendiz, como companheiro e, como
mino da aprendizagem, passavam todos a ser tratados como mestre, que era a hierarquia na profissão.
companheiros, fechando, assim, um ciclo de trabalho entre o A liberdade de trabalho, portanto, era muito limitada.
artesão, os aprendizes e os companheiros. Estes são os pri-
O salário, como custo da produção, começou a ser regu-
meiros assalariados, vez que percebiam uma paga pelos tra-
lamentado quanto aos aprendizes e companheiros, para au-
balhos que executavam, após o período de aprendizagem dos
of icios. mentar a parte que cabia aos mestres. No caso de conflitos, o
tribunal que os julgava era composto apenas pelos mestres,
Tais auxiliares obedeciam ordens e não participavam da que eram os patrões. Os salários eram sempre os máximos,
direção do negócio. ao contrário do que existe hoje.
A essa época não se falava ainda do poder econômico do
capital fazendo o desequilíbrio das partes contratantes. 29 J. Pinto Antunes. "A Produção sob o Regime da Empresa", Saraiva, 1964, pág. 44.
44 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 45

Uma curiosidade da regulamentação desse trabalho era Sobre esse regime o Prof. Evaristo de Moraes Filho dedi-
que deveria ser executado, obrigatoriamente, em público para cou sua atenção em obra recentemente relançada pela LTr, na
que tudo fosse fiscalizado pelos interessados. qual consigna a seguinte conceituação:
Pinto Antunes, conclui vir daí "o hábito imemorial das ofi- "O trabalho a domicílio típico,.como o caracterizamos, é
cinas com entrada franca em muitas cidades do interior, e o um contrato de trabalho ou uma locatio operarum, constituído
costume dos alfaiates executarem seus ~erviçosnas calçadas dos seguintes elementos:
ou a luz das janelas, nessas vilas centenárias perdidas pelo a) O trabalhador a domicílio trabalha para um ou mais
interior de nosso País.30 empregadores, recebendo salário, não para o público. Se tra-
No século XVI toda a atividade produtiva era coberta pe- balha diretamente para o mercado, correndo todos os riscos
las corporações de ofício, fazendo desaparecer a liberdade de da produção, trata-se de um produtor autônomo ou artesão;
indústria e de comércio e passando a constituir um problema
de ordem social, porque também um problema dos governos b) Poder do empregador de dar ordens sobre os critérios
das cidades, como vimos. técnicos do trabalho; orientar e controlar a produção a vonta-
de, suscitando ou interrompendo a atividade do seu empregado;
Agravando-se a disciplina, pelos entraves criados pelos
mestres, governantes das cidades, o trabalho passou a ser c) Depender o empregado economicamente da retribui-
regalista, ou seja, só podia trabalhar quem o Poder autorizas- ção que lhe é paga, em troca dos serviços prestados;
se, depois de rigoroso exame profissional feito pelos mestres, d) Prestação de obra continuativa, no sentido que há uma
não interessados em abrir mão de suas regalias. série de prestações, e não uma única prestação. Não é neces-
Começam, então, os companheiros a abandonar as cor- sário, contudo, que a relação assuma o caráter de estabilida-
porações, procurando as cidades onde havia liberdade de pro- de ou de exclusividade;
dução. As cidades começam a tratar de forma melhor esse e) Fornecimento da matéria-prima, em geral, pelo empre-
trabalho despertando uma grande rivalidade entre elas. gador. Pode, porém, o trabalhador fornecê-la, sem que por isso
O regime corporativo passou ao declínio, constituindo sério desapareça a sua figura de tarbalhador a domicílio;
obstáculo ao progresso econômico e social, dando origem ao
liberalismo. f) Irrelevância jurídica do fato que o trabalhador a domicí-
lio se faça coadjuvar por outros trabalhadores, geralmente seus
As restrições ao trabalho já não mais se justificavam e a familiares, sempre que tal fato não assuma, pela sua exten-
lei que aboliu o corporativismo já o encontrou proscrito pelos são, ou por outras circunstâncias, importância tal capaz de
próprios interessados, produtores e consumidores. modificar a natureza jurídica da relação, que é relação de tra-
O artesanato que ainda existe entre nós é fruto de um balho, na qual a prestação característica e essencial consiste
regime totalmente livre e excepcional de produção. na obra pessoal do trabalhad~r".~'
Trabalho domiciliar, assalariado Antes, porém, de chegar a estas conclusões, Evaristo de
Moraes Filho trata dos períodos históricos da produção eco-
Esta indústria que preparou a seguinte, ainda hoje existe, nômica, comentando, inicialmente, a "Indústria de família ou
sobretudo nas grandes casas de modas quando se utilizam do doméstica", por ser esta a mais antiga das formas industriais
trabalho em domicílio, de forma assalariada, conforme dispõe que se conhece".
o art. 7% letra a da CLT.
3'Evaristo de Moraes Filho, in "Trabalho a Domicílio e Contrato de Trabalho", ed. fac-
30 J. Pinto Antunes, ob. cit., pág. 46. similada, LTr., pág. 178.
46 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 47

Esta forma de produção fechada, na qual o produto se A diferença entre ambos é que, enquanto na fábrica o
desenvolve dentro do mesmo círculo social (a família), desde trabalho era feito em grande escala junto as máquinas a vapor
a aquisição da matéria prima até o seu consumo, chega até a ou qualquer outra, na manufatura o trabalho era manual e, se
Idade Média. Mas a família de que se trata nada tem de co- com máquina, esta era movida pelo próprio trabalhador.
mum com a que conhecemos nos tempos modernos, ou em Aos poucos a manufatura foi perdendo terreno para a
pleno século XX, e sim uma organização mais ampla, consti- máquina, que o substituía, dando origem a indústria mecâni-
tuída, nos tempos primitivos pela "geris", mais tarde, pelas ca, e o trabalho tal qual hoje se conhece, com alterações pou-
tribus. Na antiguidade greco-romana, englobava a família em co diferentes, no que toca ao seu aspecto material ou físico.
seu interior não somente os parentes propriamente ditos, como
também pessoas estranhas, os escravos, os servos, os inú- Há quem entenda que as fábricas surgiram contempora-
meros serviçais em geral, e assim por diante ... neamente com a manufatura na história econômica européia.34
O mais curioso é que ainda hoje sobrexiste esta forma Manufatura era a indústria têxtil e fábrica era a metalúrgica.
econômica em algumas tribus da Africa, entre os povos caça- Como nos diz Evaristo de Moraes Filho, "a força de traba-
dores e pescadores da América, e mesmo na velha Europa lho na manufatura e o meio de trabalho na produção mecânica
são os pontos de partida da revolução industrial, nos últimos
Manufatura anos do século XVIII, mais ou menos em torno da Revolução
Francesa".
A manufatura, é sem dúvida, a precursora da grande in-
dústria e data dos séculos XVI e XVII, só se transformando Passou-se, assim, do trabalho humano para o trabalho
após a Revolução Industrial, do século XVIII, porque foi esta da máquina, ou do trabalhador junto a ela.
que modificou radicalmente a técnica da produção. Em resumo, o início foi o trabalho em família, depois sur-
giu o trabalho ambulante, em seguida, o artesanato, depois a
A manufatura foi contemporânea do regime corporativo, indústria em domicílio, o trabalho na manufatura, o trabalho
quando se fez necessária a organização de grandes empresas. na fábrica, tudo isso para se chegar ao regime livre da produ-
A indústria capitalista a domicílio foi a ponte natural entre ção onde a empresa assumiu posição de destaque no proces-
a pequena produção e o capitalismo industrial. so produtivo, definindo o regime capitalista.
Como enfatiza Evaristo de Moraes Filho, "o artesão ou o Duas revoluções representaram um papel muito impor-
camponês, que já haviam perdido inteiramente a sua indepen- tante para o surgimento da liberdade econômica, a Industrial
dência econômica e que se achavam na realidade subordina- e a Política.
dos a vontade do capitalismo mercantil e eram por ele explo- Na realidade, na sociedade capitalista, o homem desper-
rados, caíram por completo na categoria de operários assala- tou para o trabalho produtivo quando percebeu que sem o ca-
riados na empresa do capitalista industrial ... Assistimos, as- pital as chances seriam pequenas.
sim, ao nascimento da manufatura. Nesta, trabalham os arte-
sãos arruinados com os meios de produção pertencentes ao Isso ocorria com o trabalho de colheita, de caça, de pes-
capitalista, subordinados por completo a sua a ~ t o r i d a d e " . ~ ~ ca, da apanha de frutos apenas com a agilidade física, indivi-
dual dos componentes de uma família, até inventa uma pedra,
A fábrica e a manufatura coexistiram. constrói uma vara, construindo instrumentos para a produção,
ainda individual, e depois associativa.
32 Evaristo de Moraes Filho, ob. cit., pág. 10.
33 Evaristo de Moraes Filho, ob. cit., págs. 31 e 32 34 Sombart (apud Evaristo de Moraes Filho, ob. cit., pág. 37).
48 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 49

Em seguida surge o trabalhador-subordinado, o que se Passa a ser exigência social, pelo bem que faz também a
sujeita a um empregador, que é o titular dos instrumentos da sociedade, e, por tudo isso, passa a ser um direito-dever, por-
produção, mediante salário que, no dizer de J. Pinto Antunes, que não só individualmente ele é importante, mas, sobretudo,
é o preço da s u b ~ r d i n a ç ã o . ~ ~ no seio da família e da comunidade de que faz parte.
A empresa, como regime produtivo, não é outra coisa se O trabalho deixou para trás todas as maledicências que o
não a entidade (pessoa física ou jurídica), que pela via contra- impregnavam para adquirir status social, pelo que pode con-
tua1 (expressa ou tácita), utiliza os fatores da produção os quais, tribuir para melhorar o nível de vida.
tecnicamente, são: natureza, trabalho e capital.
Com tal status passa a agir politicamente, após exigir uma
Vê-se, pois, que sem o trabalho não há possibilidade de atenção maior a saúde e a educação.
produção, nem individual, nem associativa.
Melhora sua participação junto aos sindicatos e aos par-
tidos políticos, se estes forem seus pendores naturais.
7. Modificações produzidas em torno do trabalho
Solidariza-se. Deixa de ser menos pessoa isolada.
O trabalho, se por um lado, deu ao homem algum poder, No mundo moderno já não trabalha apenas o trabalha-
por outro, tornou-o impotente diante de um enorme instrumental dor, mas todos os homens.36
que o obriga a pensar em por a salvo a própria existência hu- I
Anteriormente, o status social, que geralmente levava ao
I

mana. De uma parte eleva, libera e civiliza o homem para o


mundo; de outra, reduz o homem a tarefas que o embrutecem, político, ou de influência nessa área, era a propriedade, o nú-
pela rotina desgastante. mero de escravos ou o nascimento em berço respeitado pelos
mencionados motivos.
O artesanato quase não existe.
Substituiu-o o labor mecânico e rotineiro, que não desen- O trabalho começa a se expandir tanto na esfera do indi-
volve a inteligência. víduo, como no da organização global, da sociedade civil ou
O homem, contudo, foi encontrando os meios para seu I das sociedades em termos comerciais, industriais ou agrícolas.
desenvolvimento pessoal e social, de forma mais ou menos Começa a melhorar as rendas de quem se dedica ao tra-
estandartizada. Deixado de lado seu aspectos negativos, o tra- balho executivo, que pressupõe numerosas atividades para sua
balho passou a oferecer ao trabalhador possibilidades maio- manutenção, como direção, supervisão, investigação, progra-
res de uma vida condigna. Além disso, passou a ser maior mação, etc.
dominador das várias situações que a vida invariavelmente lhe O trabalho intelectual assume papel relevante no meio
coloca a frente. empresarial, sem deixar de ter sua evidente e reconhecida
A fábrica, com suas variedades e especializações, produ- notoriedade, mesmo se e quando produzido individualmente.
ziu também uma divisão do trabalho para facilitar a produção. Mesmo a máquina, antes dominada pelo trabalhador, pas-
O trabalho passa a ser uma honra ao mesmo tempo em sa a ser automática e com isso desaloja a produção, que era
que se confere segurança ao homem que trabalha. só do homem, enquanto força física, para o homem da inteli-
Já não é mais castigo, nem apenas necessidade passa- gência e da intelecção.
geira. Começa a ficar em jogo o bem-estar do trabalhador, se- Como nos diz Vázquez Vialard, "o homem, atualmente,
guido do de sua família. não fala mais de seu trabalho, mas de "nosso trabalho", fazen-

35 J. Pinto Antunes, ob. cit. pág. 61 3 V a s q u e z Vialard, Antonio C.R., ob. cit., pág. 242
50 IRANY FERRARI

do com que a antiga distinção entre o produtivo e o improduti- ção pública, direta, indireta, ou fundacional de qualquer dos
vo perdesse o sentido, com a emergência da e s p e c i a l i ~ a ç ã o . ~ ~ poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-
nicípios. Tais servidores, após a CFl88, só podem ser contra-
O trabalhador não é mais um fator abstrato. Quer participar.
tados mediante concurso público de provas ou de provas e
O trabalho é hoje, sem dúvida, a oportunidade para se títulos, ressalvadas as nomeações para cargos em comissão
ser feliz, parlicipando da organização social de forma criativa. declarados em lei, e que poderão ser livremente nomeados e
Sem essa participação, na gestão da empresa, na repre- exonerados.
sentação dos empregados dessa empresa ou de sua catego- Outro tipo de trabalho humano além do subordinado a
ria, e, sobretudo, nos lucros ou nos resultados do empreendi- empregador; do autônomo porque labora por sua própria con-
mento do qual faz parte, numa atuação ativa, o trabalhador ta; do servidor público porque quem toma seus serviços é uma
continuará com satisfações meramente aparentes, contentan- administração pública; do doméstico porque presta serviços
do-se com o sucesso de seus patrões. no âmbito domiciliar de uma família, há o avulso, mais comum
A solidariedade na realização do trabalho e, além disso, na atividade portuária.
na participação do seu resultado, são as vigas mestras do tra- Com relação a este tipo de trabalho, registre-se o que
balho moderno, nesta fase em que se encontra depois de pas- segue:
sados tantos anos e tantas agruras, seja pela onipotência do
Estado, tido como o grande produtor do bem-estar social, seja O trabalho chamado avulso até 16.4.71, data em que foi
pela exploração da atividade privada com vistas ao lucro ape- publicada a Portaria n. 3.107, de 7.4.71, com força de Prejul-
nas do lado do detentor do poder econômico, a custa do traba- gado da Previdência Social, não tinh? uma conceituação clara
lho subordinado. no ordenamento jurídico brasileiro.
Para livrar-se de tais grilhões, do Estado e do patrão, é Avulso era, por vezes, tido como o trabalh'o Eventual, e
de notar-se o trabalho por conta própria, em regime de plena por outras vezes, considerado como, A u t ô n ~ m o . ~ ~
autonomia, quando se tem, obviamente, qualidades suficien- Tal confusão de conceitos se beu, em parte, porque o
tes para sua realização. Decreto n. 22.367, de 27.12.46, que regulamentou o IAPETC
Em todos os países, há sempre os que não querem se (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em
submeter as ordens de outrem, no trabalho. Estes, podem tra- Transportes e Cargas), no seu art. 4% estabelecia:
balhar sozinhos, na condição de autônomos, ou em sociedade "Para efeitos deste Regulamento, os segurados do Institu-
civil ou comercial com outra ou outras pessoas. São os em- to são classificados em trabalhadores.fixo, avulso e autônomo.
preendedores, os que têm iniciativa e os que, normalmente, 5 1" Trabalhador fixo é o vinculado por contrato ao
vencem na vida, pelo menos no sentido material, porque acu- empregador;
mulam bens e desfrutam melhor a vida, dando mais conforto a
si próprios e aos seus familiares. 5 2" Trabalhador avulso é o que presta serviço, sem
continuidade, a diversos empregadores; e
Mas, nem todos têm essa vocação ou esse espírito, as
vezes com sabor de verdadeira aventura. 5 3" Trabalhador autônomo é o que presta serviço por
conta própria".
Outro tipo de trabalho que costumeiramente ocupa gran-
de número de pessoas é o chamado serviço público, que é o Essa conceituação simples casava-se, inclusive, com nos-
executado por trabalhadores (servidores) junto a administra- so Direito do Trabalho, do qual a Previdência Social é e sem-

37 Ob. cit., pág. 243. V. O Trabalhador Avulso e o Trabalhador Autônomo, de Irany Ferrari, LTr, 1971
52 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 53

pre foi, ao menos no que concerne aos trabalhadores-empre- A citada LOPS, em seu artigo 55 declara que são segura-
gados, sua subsidiária, para criar meios de sustento aos que dos obrigatórios da Previdência Social:
se aposentam nessa condição. I - os que trabalham, como empregados, no território
Essa conceituação partiu, por outro lado, do que dispõe o nacional;
artigo 3"a CLT, quando define o que é trabalhador-emprega- II - ...;
do como sèndo "toda pessoa física que. prestar serviços de 111 - ...;
natureza não eventual a empregador, sob a dependência des- IV - os trabalhadores avulsos e os autônomos.
te e mediante salário".
Como já dissemos, foi a Portaria n. 3.1 07, de 7.4.71, pu-
A natureza do trabalho, portanto, sempre foi um dado muito blicada no DOU de 16.4.93, que definiu o Avulso, com força de
importante para a caracterização do trabalho subordinado Prejulgado previdenciário, nos seguintes termos:
mediante contrato de emprego, na expressão do jurista insig-
ne J. Martins Catharino. "Entende-se como trabalhador avulso, no âmbito do sis-
tema geral da previdência social, todo trabalhador sem víncu-
Daí passar-se a chamar de trabalho eventual, e, mais ain- lo empregatício que, sindicalizado ou não, tenha a concessão
da, de trabalhador eventual, aquele que presta serviços aos de direitos trabalhistas executada por intermédio da respecti-
tomadores destes, sob sua dependência econômica, porém, va entidade sindical".
sem a subordinação jurídica entre eles. E, assim era, porque diversas normas legais atribuíram
Que tipo de trabalho seria esse? aos Avulsos, de 1963 a 1970, diversos direitos de natureza
Como exemplo, cita-se o trabalhador que, por conta pró- trabalhista, tais como: 13Q~alári0, salário-família, repouso se-
pria, coloca vidros em janelas, portas, etc. Ele será um auto- manal remunerado, FGTS, tudo a ser gerido e pago pelos sin-
nomo a praticar serviços em fábricas, escritórios, escolas, etc. dicatos de trabalhadores avulsos.
sem que tais estabelecimentos tenham por tarefas-fim esse O trabalho avulso, porque é de trabalho que estamos tra-
tipo de trabalho. tando, acabou por receber uma nova normatização com o ad-
O trabalho, nesses casos, terá natureza eventual em re- vento da Lei n. 8.630, de 25.2.93, que dispõe sobre o regime
lação aos citados estabelecimentos. Portanto, não será fixo, jurídico da exploração dos portos organizados e das instala-
ções portuárias.
nem vinculado.
Esse Eventual prestará, pelo direito, um trabalho autônomo. Com esta lei procura-se privatizar os portos pelos cha-
mados Operadores Portuários, podendo o trabalho a ser pres-
Nesse passo, é bom lembrar que esse tipo de trabalho tado nas atividades respectivas, por meio de trabalhadores
poderia ser também o chamado Avulso, porque prestado sem vinculados ou avulsos, trabalho esse que será administrado
continuidade a diversos estabelecimentos ou empresas. por um Orgão Gestor de Mão-de-obra (OGMO), nos casos de
Ocorre, porém, que tanto o Eventual, gênero, como o Avul- inexistir acordos coletivos, convenções coletivas ou, senten-
so e Autônomo, espécies daquele, estavam praticamente na ças normativas, cujas normas deverão ser observadas pelas
informalidade não só com relação a direitos trabalhistas, como partes contratantes.
também com referência a direitos previdenciários. Registre-se, também, que a Lei n. 8.213, de 24.7.91, concei-
Daí por que, com a LOPS (Lei Orgânica da Previdência tua, genericamente, o trabalhador avulso nos seguintes termos:
Social) de n. 3.807, de 26.8.1 960, procurou-se atingir a unifor- Art. 11. IV - "como trabalhador avulso: quem presta, a
mização de tratamento que seria dispensado a quase todas diversas empresas, sem vínculo empregatício, serviços de
as categorias de trabalhadores. natureza urbana ou rural definidos no regulamento".
54 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 55

8. O trabalho nas Constituições brasileiras A Constituição Republicana, de 1891, na Seção de De-


claração de Direitos, artigo 72, inciso 24, estabeleceu que:
Comecemos pela Constituição de 25.3.1 824, a chamada "E garantido o livre exercício de qualquer profissão mo-
"Constituição Política do Império do Brasil". ral, intelectual e industrial".
Esta, ?o artigo 179, garantia a liberdade, a segurança in- A Constituição de 16.7.1934, originária do Governo Pro-
dividual e a propriedade, de diversas ma~eiras,inclusive esta- visório instalado no País em 11.1 1.1930, teve a primazia de
belecendo no item 24, que "nenhum gênero de trabalho, de introduzir um capítulo dedicado a Ordem Econômica e Social,
cultura, indústria ou comércio pode ser proibido, uma vez que em nossas Constituições.
não se oponha aos costumes públicos, a segurança e saúde No Capítulo II, reservado aos Direitos e Garantias Indivi-
dos cida dãos". duais, escreveu-se, no item 12:
O item 25, do mesmo artigo 179 estava assim expresso: "E garantida a liberdade de associação para fins lícitos.
"Ficam abolidas as corporações de ofícios, seus juí- Nenhuma associação será compulsoriamente dissolvida se-
zes, escrivães e mestres", numa alusão clara que referi- não por sentença judiciária", e no item 13:
das corporações existiam, e que, portanto, haviam cum- "É livre o exercício de qualquer profissão, observa-
prido seu papel histórico. das as condições de capacidade técnica e outras que a
Lei de 1?10.1828, que criou em cada cidade e vila lei estabelecer, ditadas pelo interesse público".
do Império Câmaras Municipais, estabeleceu que "Ao elei-
to não aproveitará motivo de excusa, salvo: I - Enfermi- Já no Título IV, que trata da "Ordem Econômica e Social",
dade grave ou prolongada; e II - Emprego Civil, Eclesi- está dito em seu primeiro dispositivo, artigo 115, que:
ástico ou Militar, cujas obrigações, sejam incompatíveis
de se exercerem conjuntamente". "A ordem econômica e social deve ser organizada
conforme os princípios da justiça e as necessidades da
Essa mesma lei, no Título IV, artigos 79 e seguintes, tra- vida nacional de modo que possibilite a todos existên-
ta "Dos Empregados", chamando por esta denominação, o cia digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade
Secretário que receberia "uma gratificação anual paga pelas econômica".
rendas do Concelho" e que seria conservado enquanto bem O parágrafo único desse artigo 115, estabelecia que:
servisse.
"Os poderes públicos verificarão, periodicamente, o pa-
A Câmara deveria nomear também um Procurador, que drão de vida nas várias regiões do País".
deveria ser afiançado por ela ou por fiador idôneo na proporção
das rendas que tiver de arrecadar, para servir por quatro anos. O artigo 120, disciplinava matéria sindical, expressando-
se da seguinte forma:
A Camâra deveria nomear também, um Porteiro e Aju-
dantes, bem como Fiscais e Suplentes, e Juízes de Paz. "Os sindicatos e as associações profissionais serão reco-
nhecidos de conformidade com a lei".
Tem-se a impressão que as mordomias e o nepotismo já
vindos de Portugal, começaram a se oficializar pelas cidades O artigo 121, assim estava redigido:
e vilas, para depois passarem para outras hierarquias, como a "A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá
que constou da lei de 12.8.1834, que alterou a constituição as condições de trabalho, na cidade e nos campos, tendo em
das Assembléias Legislativas, com 36 membros nas principais vista a proteção social do trabalhador e os interesses econô-
províncias (hoje Estados) e com 20, em todas as outras. micos do País".
56 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 57

O parágrafo 1 V e s s e dispositivo passou a ser pratica- meios normais de preservação e de defesa da paz, da segu-
mente seguido pelas demais Constituições, ao estabelecer que: rança e do bem-estar do povo, e, com o apoio das Forças Ar-
madas e cedendo as inspirações da opinião nacional, foi edi-
"A legislação do trabalho observara os seguintes precei-
tada pelo então Presidente da República Getúlio Vargas, cujo
tos, além de outros que colimem melhorar as condições do
Ministro da Justiça era o jurista Francisco Campos.
trabalhador:
Era o Estado Novo, nitidamente intervencionista, princi-
a) proibição de diferença de salário para o mesmo traba- palmente na Ordem Econômica e Social.
lho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;
Inspirado no faccio, pelo qual "tudo é o Estado, tudo con-
b) salário mínimo capaz de satisfazer, conforme as condi- forme o Estado e nada contra o Estado, organizou-se a eco-
ções de cada região, as necessidades normais do trabalhador; nomia de produção de forma corporativa a ponto de serem as
c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, corporações concebidas como órgãos do próprio Estado e
mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei; contando com sua proteção.
d) proibição de trabalhos a menores de 14 anos; de tra- A greve foi proibida, por ser nociva a produção e, portan-
balho noturno a menores de 16; e em indústrias insalubres, a to, anti-social.
menores de 18 anos e a mulheres; O Sindicato passou a ser assistencial com funções dele-
e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos; gadas até para impor contribuições a seus filiados, publici-
zando-se.
f) férias anuais remuneradas;
Fixou-se o princípio do sindicato único, com a reserva le-
g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa; gal de que só o Estado poderia reconhecer-lhe a legitimidade,
h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e a ges- mediante Carta Sindical.
tante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, Criou-se o Conselho da Economia Nacional (art. 57), com
sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previ- representantes de vários ramos da produção nacional, garantida
dência, mediante contribuição igual da União, do empregador a igualdade de representação entre empregadores e emprega-
e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da materni- dos, conforme cinco seções: 1) da indústria e do artesanato;
dade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte; 2) da agricultura; 3) do comercio; 4) dos transportes; e 5) do crédito.
i) regulamentação do exercício de todas as profissóes; O capítulo dedicado a Ordem Econômica retirou de sua
j) reconhecimento das convenções coletivas de trabalho. denominação, a expressão Social, estabelecendo, contudo,
nessa área que
O parágrafo 2Wesse artigo 121, de suma importância
para a época, quando ainda não tinhamos a CLT, mas apenas "Art. 136 - O trabalho é um dever social. O trabalho
algumas leis tímidas e esparsas sobre o trabalho, determina- intelectual, técnico e manual tem direito a proteção e so-
va a proibição de distinção entre o trabalho manual e o intelec- licitude especiais do Estado. A todos é garantido o direito
tual ou técnico, nem entre os profissionais respectivos. de subsistir mediante o seu trabalho honesto e este, como
O artigo 123 equiparava aos trabalhadores, para todos os meio de subsistência do indivíduo, constitui um bem que
efeitos das garantias e dos benefícios da legislação social, os é dever do Estado proteger, assegurando-lhe condições
que exerciam profissões liberais. favoráveis e meios de defesa".
A Constituição, de 10.1 1.1937, sob a justificativa de que Este dispositivo contém a concepção mais correta, a nos-
o Estado, sob as instituições existentes, não dispunha de so ver, do que deveria ser o trabalho no contexto da socieda-
58 IRANY F E R R A R I

de. Não como um dever-obrigação, mas como um dever-direi- vos obrigatórios para os associados; e) imposição de con-
to. E certo que para o Brasil da época, sob a influência do tribuições; e f ) exercer funções delegadas de poder público.
Estado Novo, este por sua vez influenciado pelo fascismo ita- A Constituição de 18.9.46, votada por Assembléia Cons-
liano, o dever ali se inseriu para ser obrigação, tanto assim, tituinte legalmente convocada, reorganizou o País nos moldes
que o Código Penal Brasileiro, de 1940, sob a mesma inspira- democráticos, incluiu a Justiça do Trabalho como órgão do
ção, tipifico'u como crime, a vadiagem. Sinais dos tempos de Poder Judiciário, com a mesma Constituição que existe até
concepções da época em que se sonhava com um mundo igua- hoje, hierarquicamente.
litário, inclusive quanto as obrigações de cada um, e nesse No título reservado a Ordem Econômica e Social, está
diapasão, de trabalhar, como um dever, de não fazer greve, dito que ela deve ser organizada conforme os princípios da
por ser ato anti-social, de ser passível de prisão quem não justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valo-
trabalhasse. rização do trabalho humano. A todos deve ser assegurado tra-
De nada disso seria preciso, como coerção estatal, se o balho que possibilite existência digna, e o trabalho continuou
trabalho antes da obrigação fosse um direito de todo o cida- sendo obrigação social, neste passo entendida a parêmia como
dão, como veremos no capítulo dedicado ao direito do traba- sendo uma necessidade social pelo que dele é gerado em ter-
lho, e se o Governo da época se dispusesse a tomar medidas mos de reflexos positivos para toda a sociedade.
concretas para que nenhum brasileiro ficasse sem o trabalho, O artigo 157 trata da legislação do trabalho e da previ-
como também era a filosofia reinante, tanto que o trabalho dência social, praticamente repetindo o que anteriormente
honesto deveria ser um dever a ser protegido pelo Estado as- existia, tanto na Constituição de 34, como na de 37, porém
segurando-lhe condições favoráveis e meios de defesa. acrescentando: estabilidade ao trabalhador rural; assistência
Era a época do paternalismo do Estado, num socialismo aos desempregados; obrigatoriedade de seguro pelo empre-
incipiente, no qual a iniciativa individual era o poder de criação gador contra acidentes do trabalho; reconhecimento do direito
de organização e de invenção do indivíduo, porém exercido de greve; fixação de percentagens de empregados brasileiros
nos limites do bem-público, com a intervenção do Estado para nos serviços públicos dados em concessão e nos estabeleci-
suprir as deficiências individuais e para coordenar os fatores mentos de determinados ramos do comércio e da indústria; e
da produção (art. 135). Esta, todavia, gerida por um Conselho a participação nos lucros.
de Economia Nacional (art. 57), integrados por associações A Constituição de 1967 foi promulgada no período em que
profissionais ou sindicatos reconhecidos, num sistema corpo- o Brasil se encontrava sob regime militar instaurado com a
rativista que era da essência do chamado Estado Novo. Revolução de 30.3.1 964, para combater a inflação que atingia
Quanto ao trabalho, a legislação deveria observar, dentre limites alarmantes e para prevenir o País do comando da es-
outros, os direitos anteriormente assegurados pela CF/34, com querda política que crescia a olhos vistos.
ênfase nos contratos coletivos concluídos pelas associações Sua justificativa maior foi a de garantir a harmonia e a
legalmente reconhecidas, e, com a advertência de que "a mo- solidariedade entre os fatores da produção, bem como a valo-
dalidade do salário será a mais apropriada as exigências do rização do trabalho humano.
operário e da empresa" (art. 137). Praticamente, manteve os direitos dos trabalhadores, in-
O art. 138 continha as linhas mestras do sindicalismo que dividuais e coletivos, da CF/46, restringindo, porém, o direito a
deveria imperar a época, a saber: a) associação profissional greve, proibindo-a nas atividades essenciais e nos serviços
ou sindical livre; b) sindicalização sujeita a reconhecimento pelo públicos. Enfatizou-se a integração do trabalhador na vida e
Estado; c) defesa pelos sindicatos de direitos perante o Esta- no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros
do e as outras associações; d) estipulação de contratos coleti- e, excepcionalmente, na gestão da empresa.
60 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 61

Dessa inovação surgiu o PIS, depois o PASEP, e, poste- Aqui, novamente, não há referência apenas ao trabalho
riormente, a união dos dois, um gerido pela Caixa Econômica sob contrato de emprego, porque todo o trabalho representa
Federal e, o segundo, pelo Banco do Brasil. um conjunto de valores sociais, pela sua utilidade junto ao meio
em que é desenvolvido.
A idade mínima para o trabalho passou a ser de 12 anos,
contrariando, inclusive, Recomendações Internacionais. A livre iniciativa, então, é o coroamento de que o homem
que trabalha pode escolher, livremente, o que gostaria de fa-
A principal alteração, quanto ao trabalho, foi sem dúvida, zer, para si próprio e para os próximos. Não é por outra razão
a introdução do FGTS, em substituição, ao menos parcial, do que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profis-
direito a indenização, que, somente com CFl88, teve seu gol- são, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabe-
pe de morte finalmente dado. lecer" (art. 55 1,11, da CFl88).
O trabalho, na CFl88, faz parte dos princípios fundamen- Só no artigo 7" a Constituição, nos seus vários incisos,
tais da República Brasileira, ao lado da soberania, da cidada- trata do trabalho sob regime de emprego, porque esta tem sido
nia, do pluralismo político, eis que alí estão, no artigo 1 W a a maior preocupação do legislador quando se trata de traba-
Carta Magna, "a dignidade da pessoa humana", e, "os valores lho em que o trabalhador empresta seu esforço físico, ou inte-
sociais do trabalho e da livre iniciativa". lectual, ao poder econômico, devendo haver, nessa desigual-
dade de forças, um equilíbrio de ordem legal.
Quanto aos direitos do trabalho, o Prof. Amauri Mascaro
Nascimento, discorrerá do alto de sua inteligência e compe- Neste ponto, tenho um pensamento mais amplo, fora das
tência, porque a ele coube esta tarefa, nesta merecida home- restrições do emprego com suas pequenas garantias, no sen-
nagem ao Dr. Armando Casimiro Costa. tido de que todo tipo de trabalho há de merecer tratamento
jurídico adequado, porque está em jogo o direito ao trabalho,
A CFl88, ao enumerar os fundamentos do Estado Demo- muito mais do que o direito do trabalho, que só protege quem
crático de Direito, da República Federativa do Brasil, aponta, tem vínculo empregatício.
dentre eles, 1) a dignidade da pessoa humana, e, 2) os valo-
Todo esse trabalho, considerado como informal porque
res sociais do trabalho e da livre iniciativa.
não enquadrado no formalismo do contrato de emprego, terá
É bem de ver que a dignidade da pessoa humana é gené- que ter proteção legal e terá que ser chamado ao convívio dos
rica, ou seja, toda a pessoa, deve ser digna e, para tanto, deve que contribuem para a previdência Social e para o Imposto
ter os meios necessários para uma sobrevivência a altura dos sobre a Renda, a fim de que não só empregados e servidores
padrões morais, culturais e econômicos no meio social em que públicos o façam, de forma muito mais penosa do que deveria.
vive.Tais meios necessários são obtidos, obviamente, pelo tra- Hão que existir meios e formas para esse chamamento sob
balho honesto e digno, qualquer que ele seja, a saber: como pena de não se constatarem, nesses tipos de trabalho, os va-
empregado, como autônomo, como avulso, como empresário, lores sociais que devem ter, porque em nada contribuirão para
como servidor público. a sociedade, nem para si próprios, em termos de futuro.
De notar-se, pois, que o trabalho honesto, realizado por Vem, pois, do Direito ao Trabalho, que possibilita o direito
pessoa digna, pode ser qualquer um dentre as inúmeras ativi- a sobrevivência, o maior bem da vida, trabalho que há de ser
dades em que o homem pode atuar, livremente. digno, escolhido livremente, e que se revista dos valores so-
Daí, o segundo fundamento acima mencionado, que é o ciais inerentes a toda e qualquer pessoa humana.
da consagração dos valores sociais do trabalho e da livre O Direito do Trabalho não deve ficar mais no campo res-
iniciativa. trito de uma de suas formas, que é a do empregado.
HISTÓRIA DO TRABALHO 63
62 IRANY FERRARI

Por via de consequência, a Justiça do Trabalho também O trabalho produtivo é o que se realiza, também com a
não deve ficar julgando apenas relações jurídicas decorrentes criação ou com a invenção, além daquele que é o esforço para
do emprego. obtenção pura e simples de bens.
O trabalho intelectual é o criativo, por excelência, tornan-
Essa a grande reforma que se espera seja feita no Brasil, do-se difícil sua equiparação com outro prestado por outra
sem muita dificuldade, porque a tendência está a demonstrar pessoa.
sua necessidade.
Não há necessidade de que esse trabalho seja sempre
artístico, porque nas artes, além da marca pessoal do artista,
9. O direito ao trabalho e o direito ao lazer - Desemprego há, também, sem dúvida, um dom que pode ser divino ou pró-
prio da personalidade, da cultura, da maneira de ver e sentir o
O trabalho tem por finalidade fazer com que o homem, mundo.
mercê dele, se esforce para obter os bens necessários a sua Um,jornalista, por exemplo, não é, necessariamente, um
subsistência, eis que dela depende o bem maior do ser huma- artista. E porém, um criador de formas e modos de expressão,
no, que é o bem da vida. dependendo, é claro, de seu grau de cultura e de inteligência.
Não é por outro motivo que as Constituições dos Países O direito a qualquer tipo de trabalho é assegurado pela
Civilizados têm dado, regularmente, garantia a inviolabilidade Constituição e, se não o fosse por ela, se-10-ia pela necessi-
do direito a vida, em primeiro lugar, seguida dos direitos a li- dade de viver, como imperiosidade do direito a vida. Não há
berdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, como de- direito mais natural que este e, por via de consequência, aquele.
corre do disposto no artigo 5 Q a CFl88.
O direito ao trabalho está, por outro lado, ligado ao direito
A vida, como se sabe, não subsiste sem os bens neces- ao lazer, porém enquanto aquele é normalmente exercitado.
sários a existência do homem, se não por meio do trabalho, Explico melhor: O direito ao lazer só se justifica quando o
que há de ser honesto e digno, para que não atente contra os direito ao trabalho está sendo exercido, porque o descanso com
interesses maiores não só de sua sobrevivência como a de a diversão só tem sentido quando se trabalha, para reposição e
todos os que fazem parte de sua comunidade. refazimento do desgaste físico elou intelectual que ele produz.
Esse é o direito ao trabalho que todo o cidadão deve ter, De outra forma, ou seja, a se dar guarida ao direito ao
eis que, em resumo, desse direito decorre o próprio direito a lazer, pura e simplesmente, estaríamos dando justificativa ao
vida. nada fazer, de forma permanente.
Por outro lado, é através do trabalho que o homem se O trabalho que realmente conta é o produtivo. Sua razão
auto-realiza e se auto-define, não significando isso que só o de ser reside no fato de que o homem que trabalha utiliza seu
homem que realiza tarefas como afazeres biológicos seja o esforço tendo por objetivo a obtenção de bens materias para
trabalhador porque não se deve esquecer, no homem, tam- sua subsistência.
bém, sua dimensão intelectual, como trabalho para obtenção
dos bens necessários a sua existência. No campo da produtividade, Manoel Alonso Olea distin-
gue o trabalho em individual e social.
Esse é o chamado trabalho produtivo, embora o trabalho
intelectual nem sempre o seja, porque pode decorrer de mero O individual "está na finalidade que o homem mesmo, cada
exercício de inteligência ou de diversão, como problemas de homem, atribui a seu trabalho".39
lógica, de matemática, ou diante de uma mesa de xadrez ou
qualquer outra tarefa Iúdica. 39 Alonso Olea, Manoel. "lntroduçao ao Direito do Trabalho", Genesis, 1997. pág. 49.
64 IRANY FERRARI HISTÓRIA DO TRABALHO 65

O social "depende dos bens e serviços que gera; que, por mo tempo constitui uma medida contra o desemprego e uma
certo, pode não guardar relação com a estima social que se sobra de tempo para o ócio ou lazer, eis que não fazer nada
outorga a quem os produz ou presta, como, com agudeza e lendo ou ouvindo música é relaxante e ajuda a viver.
ironia, ressaltou recentemente Galbraith".39 Como nos diz Manoel Alonso Olea, "no sistema atual de
O direito ao trabalho, bem como o direito ao lazer são, necessidades e de meios para sua satisfação é incoerente
pois, duas premissas básicas e funaamentais para o ser hu- pensar na sustentação de empregos, ou na criação de empre-
mano que trabalha para que o trabalho seja um meio de vida e gos novos que garantam um emprego global geral de quaren-
não de penosidade ou de angústia. ta horas semanais, quarenta e seis ou quarenta e oito sema-
Não foi por outro motivo que após muita luta, as 24 horas nas ao ano".42
do dia e da noite foram subdivididas em 8 horas para o traba- Realmente, este é o quadro nada simpático que se nos
lho, 8 horas para o descanso e 8 horas para o lazer. apresenta em termos de trabalho sob o regime de emprego.
A tendência atual, no entanto, seja em razão do desem- Oportuno, a respeito, transcrever o que nos diz George-
prego, seja em razão de um melhor nível de vida para o traba- nor de Sousa Franco Filho: "O papel do Estado interventor há
lhador, é o da redução das horas de trabalho em benefício do que ser revisto. Tanto é preciso flexibilizar a legislação, con-
descanso e do lazer. servando-se apenas o mínimo de proteção ao trabalhador,
Desse direito ao lazer pode surgir o que Alonso Olea cha- como é preciso incentivar a negociação entre patrões e em-
ma de trabalho benévolo, "assim contemplado, de natureza pregados, sobretudo a nível de empresa, quando as peculiari-
ociosa, uma atividade altruísta ou uma consagração do ócio, dades de cada atividade pode ser melhor dimensionada. A
que se articula juridicamente através de instituições de natu- reeducação do trabalhador, a fim de que possa se adaptar ao
reza similar a doação.40 novo mercado de trabalho e enfrentar os avanços tecnológi-
cos, igualmente é necessária ...43
Como é notório, o que está em evidência no mundo todo
é o desemprego, que traz atrás dele, um enorme e angustian- Também de Aríon Sayáo Romita, colhemos o que segue:
te espectro que ele produz. "Aí está: a economia globalizada é uma realidade. De nada
vale a lamentação. Cumpre tomar consciência da necessida-
O trabalho está se tornando escasso, se o considerar- de de combater seus nefastos efeitos. Tais efeitos se produ-
mos no campo do emprego. zem no lado mais fraco da corrente da economia: a classe
A angústia da falta de trabalho sob esse regime reside, trabalhadora. Gerou-se um fosso em nível mundial entre os
obviamente, no fato de que o trabalho é o ingrediente essenci- "ganhadores"e os "perdedores" no processo de globalização.
al a vida. Esse fosso precisa ser eliminado. A propósito do tema, o Pre-
Disso resultam medidas para controlar o vazio gerado pelo sidente da República francês, Jacques Chirac, no discurso que
desemprego, como a redução da jornada de trabalho, não ape- proferiu perante os delegados a 83"eunião da Conferência
nas como alguma coisa individual, mas algo coletivamente Internacional do Trabalho que se realizou em Genebra, em
desejado. 1996, disse:
Reage-se, assim, ao pluriemprego, as horas extraordiná- "Para que a mundialização traga benefícios para todos, é
rias, propondo-se o trabalho em tempo parcial, o que, ao mes- preciso por a economia a serviço do ser humano, e não o ser

40 Alonso Olea, Manoel. Ob. cit., pág. 63 42 Olea, Manoel Alonso. Ob.cit., pág. 78.
4'Alonso Olea, Manoel. Ob.cit., pág 63. 43 Sousa Franco Filho, Georgenor. 'Desemprego...",Ed. LTr, pág. 131.
66 IRANY FERRARI H I S T ~ R I ADO TRABALHO 67

humano a serviço da economia (...) A mundialização não se Os profissionais liberais: engenheiros, médicos, advoga-
faz sem desacordos nem dificuldades. Nos países industriali- dos, dentistas, etc. que trabalham como autônomos (por conta
zados, este processo exige reestruturações rápidas e portan- própria) e que podem ter a seus serviços pessoas físicas con-
to dolorosas, cujas conseqüências agravam a situação do tratadas pela CLT.
emprego. Nos países mais pobres, pode ampliar as desigual- A administração pública, direta ou indireta ou fundacional
dades, aumentando assim o risco de marginalizar certas regi- pode ter empregados regidos pela CLT ou servidores regidos
ões do mundo. Precisamos controlar melhor o processo de por Estatuto próprio.
mundialização (...) Temos que reunir as condições propícias São essas, enfim, as pessoas físicas que trabalham no
para um crescimento sustentado e gerador de empregos e chamado mercado formal porque, como já dito, têm as garanti-
aproveitar ao máximo as possibilidades que nos oferecem as as que as leis que os tutelam Ihes concedem, e porque os man-
novas tecnologias, especialmente no âmbito da informação (...) tém sob dependência econômica e subordinação jurídica.
Também temos que incentivar as atividades de serviços e de- São pessoas que, com tais garantias, ainda que mínimas,
finir novas modalidades de organização do trabalho, que sa- têm a tranquilidade de possuir meios lícitos de sobrevivência,
tisfaçam tanto as necessidades das empresas quanto as aspi- embora nem sempre de forma muito digna pelo padrão de re-
rações dos trabalhadores. Sobretudo, temos que investir nas muneração ou por outras circunstâncias.
pessoas, para que cada trabalhador possa ter acesso a for-
Quando essas pessoas perdem seus postos de trabalho,
mação profissional ao longo da vida (...) A noção de emprego
deixando de ter ocupação, acontece o que se chama desem-
por toda a vida deve ser substituída pela de "empregabilida-
prego, o qual, num sentido amplo, é a perda involuntária da
de". Este vocábulo, ainda não cunhado, designa uma nova or-
ocupação pública ou privada que lhe garantia o sustento, bem
ganização da sociedade, que os governos, os empregadores como o de sua família.
e os sindicatos devem ter em mira, a fim de que todos os tra-
balhadores, durante sua vida ativa, possam passar de um Não é por outra razão que o desemprego involuntário,
emprego a outro, recebendo uma formação apropriada e con- corta as aspirações e mata os sonhos do ser humano, em meio
servando sua proteção quase sempre a uma quantidade enorme de compromissos
pessoais e familiares assumidos em razão do trabalho formal
que vinha realizando.
10. O trabalho formal e o trabalho informal Não é também por outro motivo, que o desemprego cons-
titui uma ameaça aos que trabalham e um mal social enorme
O trabalho formal, como se sabe, é o que é realizado de quando ocorre, involuntariamente.
conformidade com o formalismo das leis que integram nosso O lado social, que envolve desde a mendicância até o
ordenamento jurídico. crime e a violência, não pode ser deixado de lado como se o
Formal é, pois, o trabalho executado pelo titular de uma desemprego fosse uma fatalidade.
empresa individual e por seus empregados devidamente É exatamente porque não pode ser assim considerado,
registrados. que deve ser extirpado do seio social, dai, sim, como punição
É, também, o executado por sócios de qualquer tipo de até para os que precisam e podem trabalhar e não trabalham.
sociedade comercial ou civil e por seus respectivos emprega- O desemprego, por outro lado, quase sempre leva o tra-
dos com registro em Carteira. balhador que deixa do trabalho formal para o trabalho que
constitui a economia informal também chamada de economia
" Romita, Arion Sayáo. "Globalização da Economia e Direito doTrabalhon, LTr. pag. 52. invisível.
68 IRANY FERRARI HISTORIA DO TRABALHO 69

Esse trabalho informal é assim chamado porque não tem de uma sistemática bem construída, institutos definidos, uma
nenhuma adequação com aquelas modalidades de trabalho processualística simples e um sistema judiciário aparelhado
formal anteriormente apontadas e que contam com o formalis- para aplicá-la. Enfim, aí estão todos os elementos necessári-
mo da legislação brasileira. os a existência de uma proteção ao trabalho avançada e
O informalismo, por ser, por vezes, até mais vantajoso, modelar.
pelo menos de maneira direta, leva o homem a trabalhar inici- Se isso é verdade, então o que faltou? Como se poderá
almente por conta própria sem, con'tudo, revestir-se da cre-
explicar o problema crítico da economia invisível que é o tra-
dencial de trabalhador autônomo, porque este recolhe INSS,
balho informal? Eis, nessas indagações retóricas, a evidência
paga IRF, e contribui para o ISS, ficando, portanto,
"legalizado"para com a Prefeitura, para com Fisco Federal e do aflitivo paradoxo que devemos superar depois de meio sé-
para com a Previdência Social . culo: temos um Direito do Trabalho de alto nível ético e técnico
que é, não obstante, descumprido na maioria das relações la-
Não é desse autônomo que estamos mencionando, que é borais que se travam no País".45
o autônomo formal, mas do autônomo informal (daquele que
faz corretagens, que faz e vende gravatas, que faz e vende Mais adiante, Ney Prado, faz a constatação de uma reali-
perfumes, que faz compra e venda de pequenos objetos, etc), dade insofismável:
que tem sua remuneração auferida sem nenhum Ônus. "Alguns indivíduos e empresas fizeram a opção pela in-
Esse trabalho informal só dá prejuízos para as institui- formalidade por vontade própria; a grande maioria, no entan-
ções do País. Contudo, tem um aspecto bom para quem dele to, permaneceu a margem da legislação, porque, se tivessem
se serve. que cumprí-Ia, integralmente, seus negócios se tornariam
inviávei~".~~
A preocupação social maior, no entanto, não é de quem
trabalha da forma apontada, por conta própria, só dando pre- Dessa realidade surge a luta dos que combatem o elevado
juízos aos órgãos do Governo, embora sob este aspecto haja Ônus que incide sobre a mão-de-obra, com destaque para José
I Pastore, que tem conhecido trabalho a respeito da matéria.47
igualmente um dado social coletivo, mas não de pessoa para
pessoa ou individualmente.
A preocupação maior - repetimos -, é com aqueles que
trabalham para outras pessoas, na economia informal, quan-
~ Para o objetivo desta obra, basta, segundo entendemos,
a constatação dessa preocupante realidade, porque a finali-
dade desta parte, a mim confiada, é apenas de vivenciar a
do prestador e tomador de serviços estão a margem do for- história do trabalho.
malismo e, portanto, da legislação protetora.
A sustentação dessa situação é a dos custos do trabalho 1 1. O trabalho em tempos futuros
para estes, e a de que a liberdade de trabalho e a garantia da I

livre iniciativa são assegurados pela Constituição, e de que o Chefes de Empresas, Sociólogos, Economistas, Filóso-
bem da vida suplanta todos os outros. fos, Historiadores, Demógrafos e Juristas reuniram-se na Fran-
Vale a pena, neste ponto, transcrevermos a opinião sen- ça, no Comissariado Geral do Plano organizado para tratarem
sata de Ney Prado, a saber:
45 Prado, Ney. "Economia Informal e o Direito no Brasil", LTr, 1991, págs. 1041105.
"Realmente, sob um ponto de vista absoluto, e, por isso, 46 Prado, Ney. Ob. cit., pág.105.
eminentemente formal, o ufanismo quanto a legislação tra- 4 7 Pastore, José. "Encargos Sociais, Implicaçoes para o salário, emprego e compe-
balhista no Brasil é justificável: ninguém denega a existência titividade"; LTr, 1997.
70 IRANY FERRARI 71
HISTÓRIA DO TRABALHO

do tema em questão, sob a Presidência de Jean Boissonnat,


A segunda função que é de distribuição, diz respeito a
tendo em vista o que tiver sido feito ou deixado de fazer, com
a indagação de que a França continuará tendo milhões de de- remuneração do trabalhador, e esta também tem passado por
sempregados ou os franceses estarão trabalhando de forma várias transformações no sentido de seu rebaixamento. Por
diferente? outro lado, a escolha do trabalho pelo não trabalho deixou de
ser uma opção satisfatória, porque a alternativa atual é a do
O Relator Geral do Plano foi René Mabit, que assina uma trabalho e a do desemprego.
excelerite publicação, já traduzida para o vernáculo sob a re-
visão técnica do Prof. Amauri Mascaro Nascimento, que será O trabalho muda de sentido quando gera a liberdade para
editada pela LTr Editora com o título: "O trabalho em vinte o trabalhador-consumidor sem a preocupação apenas com a
anos". subsistência ou com a segurança.
As respostas como se pode desde logo imaginar, não são Os benefícios em espécie deverão representar parcela
simples. importante nas rendas "1ivres"de quem trabalha sob contrato
A reflexão prospectiva feita pela Comissão encarregada de emprego, ficando tais benefícios não relacionados com o
de estudar o plano está fincada no trabalho e no emprego. trabalho, de forma direta.
A conclusão a que se chegou foi a de que "o trabalho A terceira função, qual seja a da inserção social e da rea-
pode ser garantido a cada um e continuar sendo uma força lização pessoal do trabalhador tem a ver com a dignidade atri-
motriz na sociedade, desde que sejamos capazes de mudá-lo buída ao homem pelo trabalho. E o sentimento de que existe e
e de mudar as relações que mantemos com ele" (apresenta- de que é útil a sociedade a que pertence.
ção feita a obra por Jean-Baptiste Foucauld). Em verdade, "as grandes funções do trabalho vão conti-
Já no Prefácio desta interessante obra diz-nos Jean Bois- nuar evoluindo sob os efeitos de fortes tendências de nossas
sonnat que não é trabalho que falta. O que nos falta é clarivi- sociedades".
dência para compreender que o trabalho está mudando radi- Há, ainda, no prefácio em questão, uma preocupante in-
calmente e que não temos imaginação bastante para organi- dagação que tanto serve a França como ao Brasil e outros
zá-lo de outra forma. países: "O que fazer de centenas de milhares de jovens deten-
O tema em verdade, foi "O trabalho e o emprego, na Fran- tores de títulos universitários? Estamos fabricando uma bom-
ça, no horizonte 201 5". ba de efeito retardado no próprio coração da sociedade fran-
Nesse mesmo prefácio, adverte Boissonnat que, "esque- cesa. Chegou o momento de explicar que o diploma não ga-
matizando-se, podem-se distinguir atualmente, três funções rante emprego e que a escola não é o único meio de uma
de trabalho: função de produção, função de distribuição e fun- formação eficaz".
ção de inserção". A primeira é transformada pelo desenvolvi- A duração do trabalho deverá ser reduzida, com todas as
mento econômico, verificando-se que, na agricultura a produ- espécies de adaptações particulares, numa base contratual,
ção caiu pela metade; na indústria, passou de 38% para 28% especialmente coletiva.
e, na de serviços, subiu de 56 para 70°h, transformação essa
que se reflete diretamente no emprego. Assim, na França, no O contrato de emprego está se desfigurando.
fim da década de 60, os executivos eram em maior número Apregoa-se, então, o contrato de atividade, para a prote-
que os trabalhadores rurais; os técnicos e os executivos em ção do trabalho e não mais do emprego.
maior número que os operários. Enquanto isso, a área de ser- Esse contrato de atividade implicaria, como todo contra-
viços aumentara significativamente ampliando o número de
empregos. to, direitos e obrigações para cada uma das partes. Teria um
tempo amplo (se possível 5 ou 6 anos) pela frente e cobriria
72 IRANY FERRAR1 HISTÓRIA DO TRABALHO
73

não só os períodos de trabalho produtivo das empresas, como de Campos Cooper, no II Congresso de Direito do Traba-
também o trabalho em formação e licenças de utilidade social. lho e Direito Processual do Trabalho do Tribunal Regional
Durante todo o tempo do contrato as garantias seriam manti- do Trabalho da 15Wegiáo).
das embora a remuneração possa variar de forma sensível.
A proposta vai mais longe: o contrato seria concluído en- A seguir, aduz
tre o ativo e um coletivo, compreendendo uma rede de empre- "De todas as definições que li, a que me parece mais ade-
sas a fim de que uma, se privada temporariamente, de um quada e abrangente é a proposta por agentes do Ministério do
certo volume de encomendas, possa emprestar trabalhadores Trabalho italiano, no livro "I contratti atipici" (Contratos atípi-
a outra, ainda que em tempo parcial ou em formacão, forne- COS)em que o teletrabalho como contrato atípico, do tipo flexí-
cendo-lhe também a possibilidade do exercício de uma ativi- vel, possui 4 características:
dade autônoma durante algum tempo.
Enfim, os tempos futuros, a partir dos atuais, são uma a) a distância: o trabalhador, o tomador dos servi-
grande incógnita e, por isso mesmo, uma grande preocupação ços, o cliente, sujeitos envolvidos no contrato. se agitam
no que concerne ao trabalho, principalmente, quando sob o em seus espaços tecnológicos, sem contato físico;
ângulo do emprego. b) a interdependência funcional entre tais sujeitos,
Reflitamos e rapidamente sobre o trabalho como um todo que delimita o contexto organizacional da empresa para
considerando os problemas da atualidade e sobretudo os de fora de seu ambiente tradicional;
um futuro próximo! c) emprego de tecnologia;
d) flexibilidade na organização, na forma de empre-
12. Teletrabalho go e subordinação.
O trabalho a distância é, na atualidade, um fenômeno re- Quanto as espécies de teletrabalho, são três:
sultante da informática, do Personal Computer e da Internet,
abrangendo milhões de pessoas no mundo todo. 1) aquele realizado em escritório satélite ou centro avan-
Outras expressões são utilizadas para dizerem a mesma çado, com maquinário de propriedade do empregador;
coisa, como, por exemplo, o "empregado cibernética" é o "tra-
balho virtual". 2) aquele realizado no próprio domicílio do trabalha-
dor, ou outro local, com maquinário de sua propriedade;
Nos Estados Unidos, há uma designação conhecida como
TELECOMMUTINE. 3) o prestado em estabelecimento de terceiro ou de
acidente da empresa, por cuja conta o obreiro trabalha.
Para o Direito do Trabalho importam 3 coisas:
O primeiro caso é exemplificado por postos telefônicos
1" definir o conteúdo jurídico desse contrato; de vendas, em que o consentimento gravado do cliente, aper-
2" estudar as formas pelas quais ele aparece; feiçoa a venda da mercadoria. São também exemplos dessa
3" ponderar, como querem alguns, se o sistema veio espécie os disk-serviços.
para destruir a subordinação que caracteriza o emprego. No segundo caso, ilustram os serviços de teletrabalho
(conforme Novas Formas de Trabalho e Emprego - Tele prestados no domicílio do trabalhador a empresa distantes,
Trabalho - Palestra proferida pelo Juiz Fábio Allegretti inclusive no exterior.
74 IRANY FERRARI 75
HISTÓRIA DO TRABALHO

Na terceira hipótese, o empregador poderia colocar por


sua conta, tele-empregado no escritório de consultoria ou as- "XXII - Todo homem, como membro da sociedade, tem
sessoria, seja contábil, administrativa, fiscal ou comercial. Po- direito a segurança social, e a realização pelo esforço nacio-
deria até manter empregados na empresa cliente. nal, pela cooperação internacional e de acordo com a organi-
zação e recursos de cada estado, dos direitos econômicos,
Por fim, mesmo no trabalho a domicílio com maquinário sociais e culturais indispensáveis a sua dignidade e ao livre
do trabalhador pode existir vínculo de emprego, a teor do art. desenvolvimento da sua personalidade".
65 da CLT, bastando pensar nas feições modernas da subor-
dinação, como ordens virtuais; trabalho com "know-how" da "XXIII -Todo homem tem direito ao trabalho, a livre es-
empresa; guarda das informações seguindo instruções, man- colha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho
tendo-as no cofre-forte eletrônico protegido por senhas; com- e a proteção contra o desemprego".
putador ligado ao sistema central da empresa, permitindo in- Esses princípios da Declaração Universal dos Direitos Hu-
terferência patronal e até fiscalização". manos do Homem, com fulcro na Corte das Nações, estão
inscritos também para que não ficasse o Brasil alheio a tão
nobres e indiscutíveis propósitos, na Carta Política de 1988,
13. O trabalho em face da globalização econômica logo no seu art. lP, quando declara que a República Federati-
va do Brasil tem como fundamento, dentre outros, "a dignida-
Sobre este tema é bom lembrar, de inicio, conquistas an- de da pessoa humana" e os valores sociais do trabalho e da
tigas por vezes esquecidas. livre iniciativa.
,Uma delas, e das mais importantes, é todo o conteúdo da A mesma Carta Política, em seu art. 3" estatui que cons-
Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em tituem objetivos fundamentais da República Federativa, den-
10 de dezembro de 1948 pela Assembléia Geral das Nações tre outros, construir uma sociedade livre, justa e solidária "bem
Unidas (ONU), figurando o Brasil entre seus signatários. como erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as de-
Sua primeira justificativa foi acordada no preâmbulo, con- sigualdades sociais e regionais".
siderando que o reconhecimento da dignidade inerente a to- Veja-se que tanto a ordem internacional, como também a
dos os membros da família humana e de seus direitos inalie- nacional, procura as mesmas vertentes na solução dos pro-
náveis é o fundamento da liberdade da justiça e da paz no blemas que estamos enfrentando, relativo a dignidade do ho-
mundo, sendo oportuno o registro de que os direitos do ho- mem que precisa trabalhar para outrem, e que, ostentando
mem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem um direito ao trabalho, não tem como obtê-lo e que, mesmo
não seja compelido, como último recurso, a rebelião contra a detentor de direitos sociais, pode a qualquer momento ir en-
tirania e a opressão. grossar as já gordas fileiras dos desempregados.
Estribada nestes e em outros princípios, a Assembléia Geral Quando se está diante do irreversível processo de globa-
da ONU, proclamou a citada Declaração de Direitos Humanos, lização, como determinação de regras imperiosas e impedio-
com trinta artigos, todos da maior importância com o intuito de sas, há que se deter não apenas sobre seus aspectos positi-
salvaguardar o que há de mais precioso no homem, qual seja, vos, que os há, em termos da Economia, mas também sobre
sua dignidade pessoal, profissional e de cidadão. seus evidentes aspectos negativos, que igualmente os há, em
termos de direitos sociais.
Para ficarmos restritos ao ponto que nos leva a estas
reflexões, cingir-nos-emos aos artigos XXII e XXIII, assim Efetivamente, a tarefa é para gigantes e precisaria, sem
concebidos: dúvida, em primeiro lugar, de vontade política, ou mais clara-
mente, da classe política como um todo, num esforço conjuga-
76 IRANY FERRARI

do, tendo em vista o bem-comum que é o aspecto de maior


significação para a Política, com "P" maiúsculo, sem coopora-
tivismos e sem privilégios.
Essa vontade política, além da tomada de decisões fir-
mes no âmbito nacional interno, teria que procurar organis-
mos internacionais, como a ONU e sobretudo a OIT, para um
trabalho eficaz e urgente de globalização dos direitos sociais,
diante da globalização econômica visando sua equalização, e
sobretudo, o atendimento a dignidade do trabalhador.
Não será a única solução, mas é uma das mais eficazes,
para que trabalhadores dos países pobres deixem de ficar a
margem, recebendo salários injustos e ficando privados de ins-
trução, de atendimento médico, crédito, etc., e sem possibili-
dade, a não ser pela pressão coletiva, de se libertar destas
graves e terríveis situações.
Uma das saídas para a reposição da dignidade perdida
pelo trabalhador, sem nenhuma culpa sua é esta, em nosso
modesto entendimento a respeito de tão preocupantes proble-
mas sociais.
Não se pode ficar escrevendo, falando e repetindo o que
todos sabem porque notórios os efeitos negativos da globali-
zação econômica no campo social. O de que se precisa é de
ação pronta e urgente para que seja eficaz, sob pena de ter-
mos que suportar a insegurança social, diante da grande mas-
sa de oprimidos hoje chamados excluídos, reivindicando não
só a terra, como hoje é evidente, e, pior ainda, o direito ao
trabalho, que lhe vem sendo negado por fatores conjunturais
que precisam ser debelados com a máxima urgência.
O reconhecimento deste direito ao trabalho, que é o direi-
to a própria vida, evidencia o quanto ele é fundamental e, por-
tanto, absolutamente prioritário.
Não será exagero se se disser que o trabalho é o maior
bem do ser humano porque dele depende a sua existência.
Por isso, como um bem indispensável, há de ser digno
para que não sucumba o homem diante dos frutos que ele
pode dar.
HISTÓRIA DO DIREITÓ DO TRABALHO
NO BRASIL

Amauri Mascaro Nascimento*

I - HISTÓRIA DO DIREITO COLETIVO


1. Período precursor
A. As primeiras formas associativas
No Brasil também existiram corporações de ofício, não
idênticas as medievais, como assinala José Martins Cathari-
no, em "Tratado Elementar de Direito Sindical" (1977), na Ba-
hia, em Salvador, com as corporações de oficiais mecânicos e
de ourives, em 1699, quando os ofícios mecânicos eram agru-
pados por similitude ou conexão profissional. Por exemplo, os
carpinteiros reuniam-se com torneiros, marceneiros, entalha-
dores, etc. Essas corporações tinham caráter administrativo e
religioso, conseguiram ter representantes eleitos na Câmara
Municipal, juízes do povo e mestres.
Com o Liberalismo, as idéias que se expandiram na Europa,
de supressão das corporações de ofício por serem consideradas
organismos limitativos da liberdade individual e contrários aos
novos princípios políticos da Revolução Francesa de 1789, in-
fluíram entre nós expressando-se na Constituição de 1824.
Proibidas pela lei, as poucas corporações de oficio foram
extintas, desintegrando-se a estrutura associativa existente,
sem que fosse imediatamente substituída por outra forma de
associação. Todavia, na mesma ocasião, em que em outros
países surgiram iniciativas isoladas de coalizão dos trabalha-
dores, com reflexos também entre nós, apareceram alguns ti-
pos de associação, com diversas formas e nomes, com fins nem
sempre coincidentes com aqueles que hoje têm os sindicatos,
ProfessorTitular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universi-
dade de Sáo Paulo e Advogado.
80 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 81

diversificando, portanto, a fisionomia desses agrupamentos sob A expressão "sindicato" foi generalizada a partir de 1903,
a influência de fatores constitutivos de ordem trabalhista, mas, porém, ao lado dos sindicatos, as associações continuaram
também, de natureza étnica e ideológica. conservando os seus nomes anteriores: uniões, ligas, socie-
Algumas denominavam-se ligas operárias e tinham cará- dades, etc.
ter reivindicativo de melhores salários e redução da jornada Para Segadas Vianna, no seu livro "Direito Coletivo do
de trabalho, cumprindo também funções assistenciais. E o caso Trabalho" (1972),as entidades pioneiras foram, dentre outras,
da Liga Operária de Socorros Mútuos (1872),Liga de Resis- a Liga Operária (1870),a União Operária (1880)e a União dos
tência dos Trabalhadores em Madeira (1gol),Liga dos Operá- Estivadores (1903).Azis Simão fez um levantamento amplo,
rios em Couro (1901),Liga de Resistência das Costureiras indicando a Liga Operária de Socorros Mútuos (1872)como
(1 906),de cuja existência nos dá notícia Azis Simão, em "Sin- primeira associação de auxílio mútuo do Estado de São Paulo.
dicato e Estado" (1966),além de outras. Outras tinham o nome Na sua pesquisa, o primeiro nome de sindicato que aparece,
de sociedades de resistência e, segundo Edgard Carone, como no mesmo Estado, é o Sindicato dos Trabalhadores em Már-
relata em "A República Velha", eram unidades mais homogê- more, Pedra e Granito (1906).Para Júlio Lobos, em "Sindica-
neas que surgiram em virtude da transformação dos primeiros lismo e Negociação" (1985),o surgimento, pela primeira vez,
centros ou ligas, como uniões de ofícios que, ao se desen- de organizações denominadas sindicatos, sindicatos operári-
volverem, fundaram pelo País sucursais ou filiais diretamente os ou sindicatos de resistência deu-se após o l ~ o n g r e s s o
dependentes da central estabelecida na grande cidade. Ou- Operário Brasileiro, em 1906.
tras, ainda, eram as sociedades de socorros mútuos destina- Observam-se, como traços que marcam o primeiro movi-
das a ajuda material dos operários, comuns até 1930,como a mento sindical brasileiro, e que seriam modificados, entre ou-
Sociedade de Socorros Mútuos dos Empregados no Comércio tros, o pluralismo, uma vez que as associações criadas não
(1906),a Sociedade Operária Italiana Mútuo Socorro "Ettore estavam submetidas a restrições quanto ao seu número em
Fierarnosca" (1 912),a Societa Mutuo Socorro "Galileo Galilei" uma base territorial, já que nem mesmo esta era disciplinada
(1914),etc. pelo Estado; depois, a influência étnica determinante da deli-
Havia, também, câmaras ou bolsas de trabalho que equiva- mitação do âmbito pessoal de inúmeras entidades agrupando
liam a uma primeira forma das hoje denominadas agências de pessoas da mesma nacionalidade, centralizados os italianos
colocação, destinadas a pesquisa ou cadastramento das colo- em São Paulo e os portugueses no Rio de Janeiro e em San-
cações e mão-de-obra disponíveis, bem como a algumas inicia- tos; havia também associaçÓes que reuniam pessoas de ou-
tivas correlatas a preparação da força de trabalho para o exer- tras nacionalidades. Outra nota é a diversificação de critérios
cício profissional. de reunião uma vez que havia associações de pessoas da
mesma profissão e outras de pessoas de diversas profissões
Incluam-se as caixas beneficentes que, mediante descon- mas pertencentes a um mesmo setor de atividade econômica,
tos nos salários dos empregados, formavam fundos para a as- ficando a escolha do critério confiada aos próprios interessa-
sistência dos trabalhadores doentes e as sociedades coope- dos. Acrescente-se, também, a finalidade assisténcial, de tal
rativas, como a Sociedade Cooperativa Beneficente Paulista modo predominante que muitos dos órgãos existentes tinham
(1896).a Sociedade Cooperativa Tipográfica Operária (1904), natureza mais previdenciária, de mutualidade e de socorros,
etc. Finalmente, as uniões como a União dos Trabalhadores do que, propriamente, de reivindicação trabalhista. A instabili-
em Fábricas de Tecidos (1907),a União dos Empregados no dade é outro aspecto, já que muitas das associações tiveram
Comércio (1903),a União Geral dos Chapeleiros (1904).a existência efêmera, desapareceram, algumas ressurgindo de-
União dos Trabalhadores Gráficos (1904)e outras. pois. Havia também centralização em grau superior, uma vez
82 AMAURI MASCARO NASCIMENTO 83
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

que, além das células menores, outras de nível maior foram salários e diminuição de horas, e pouca coisa realizaram por-
fundadas e um sindicato da capital podia ser uma central para que Ihes faltava a força necessária mercê do amorfismo que
diversos sindicatos de cidades do interior. as caracterizava. Mais tarde apareceram as sociedades de
resistência que já eram núcleos mais homogêneos surgidos
B. As leis sindicais de 1903 e 1907
dos primeiros centros ou ligas. São uniões de ofícios que, ao
NoWBrasilsempre foi assegurad~o direito de associação. se desenvolverem, fundam pelo País sucursais ou filiais, dire-
A Constituição republicana de 1891 (art. 72, 5 8" dispunha tamente dependentes da central estabelecida na grande cida-
que "a todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente, de. Ao lado destas existem uniões autônomas mais ou menos
sem armas", as Constituições de 1934, 1937 e de 1946 manti- beneficentes, ora apoiando greves, ora fazendo manifestações
veram o princípio, e a Constituição de 1967, com a Emenda políticas".
Constitucional de 1969 (art. 153, § 27), bem como a Constitui- O Decreto n. 979 (1903) permitiu a reunião dos profissio-
ção de 1988, em vigor (art. 5" XVII e XVIII) também assegu- nais da agricultura e das indústrias rurais, tanto pequenos pro-
ram o mesmo direito. dutores como empregados e empregadores, com liberdade de
A história do movimento sindical no Brasil e marcada por escolha das formas de sindicalização, tanto assim que, para
uma tradição legislativa que se inicia em 1903, com a regula- que o sindicato tivesse personalidade jurídica bastava o regis-
mentação dos sindicatos rurais, em 1907, com a legislação tro de dois exemplares dos estatutos, da ata de instalação e da
sobre sindicatos urbanos, prosseguiu com a Revolução de 1930 lista de sócios no Cartório do Registro de Hipotecas do Distrito.
e a incorporação dos sindicatos no Estado considerados, daí O número mínimo de sete sócios bastava para a consti-
por diante, órgãos de colaboração com o .poder público e foi tuição de um sindicato; respeitou-se o direito de cada indiví-
apenas formal o princípio da Constituição de 1934 ao declarar duo ingressar ou não e sair de um sindicato.
que "a lei assegurará a pluralidade sindical e a completa auto-
nomia dos sindicatos" não implementado na prática. Como função do sindicato ganhou destaque o caráter
assistencial, com a criação de caixas para os sócios e coope-
Inicia-se, como se disse, o período de disciplina legal dos rativas de crédito e de vendas dos seus produtos.
sindicatos rurais em 1903, e dos urbanos em 1907. Azis Si-
mão, sustenta que as mutuais contribuíram para a emergên- O Decreto n. 1.637 (1907) organizou o sindicalismo urba-
cia do movimento operário, de um modo geral, mas não deram no reunindo profissionais de profissões similares ou conexas.
origem ao sindicalismo que apareceu quase na mesma época. Estabeleceu, como função do sindicato, o estudo, a defe-
De fato, no arrolamento feito das sociedades de trabalhadores sa e o desenvolvimento dos interesses gerais da profissão e
apenas quatro grêmios daquela espécie precederam ao surgi- dos interesses individuais dos seus membros, previu a cria-
mento das ligas operárias propriamente ditas. Estas já devem ção de Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem,
ter-se formado como primeiras e tímidas reproduções de mo- destinados a dirimir as controvérsias entre o capital e o traba-
delos associativos elaborados no sindicalismo europeu. O lho e preservou a liberdade de constituição dos sindicatos,
mesmo insígne Autor transcreve trecho do jornal "A Plebe" (1" exigindo, para esse fim, simples depósito de cópia dos estatu-
abr. 1922, ano V, n. 178, pág. I ) , que publica: "as primeiras tos na repartição competente.
organizações operárias no Brasil foram por certo as ligas ope-
rárias que reuniram quase sempre indistintamente os operári- Pode-se dizer que esses dois decretos assinalam a pri-
os de diversos ofícios e indústrias e tinham como objetivo, fora meira fase do nosso sindicalismo em 1900. Afirma Segadas
uma ou outra de caráter beneficente, a defesa dos interesses Vianna, em "Instituições de Direito do Trabalho", em co-auto-
imediatos e comuns, a todas as classes, isto é, a melhoria de ria com Sussekind e Délio Maranhão (1981 ) que "as organiza-
ções que surgiram, de sindicato apenas possuíam o rótulo.
84 AMAURI MASCARO NASCIMENTO

Entre os trabalhadores do campo não existia uma base inte- As razões maiores da sua influência ligam-se ao núcleo
lectual que Ihes assegurasse capacidade para se organizar e, de pessoas no qual encontrou o meio de sustentação; os tra-
além disso, estavam economicamente subjugados aos senho- balhadores europeus vindos para o Brasil, aqui considerados
res da terra, que não hesitavam em mandar liquidar os que de forma especial, sobrepondo-se aos nacionais, uma vez que
tivessem coragem de reclamar qualquer medida em seu bene- a sua condição técnica era superior. Não se pode dizer que
fício, já que direitos não existiam consagrados em textos de lei". tenha sido um movimento do trabalhador brasileiro. No entan-
C. O anarcossindicalismo to, foi o inspirador do elevado número de greves, em especial
em 1919. Não unificou o movimento operário, quando era ne-
O anarcossindicalismo é uma doutrina sindical e política cessária a sua unificação, e deu causa a uma campanha
que influiria, poderosamente, no sindicalismo denominado re- anti-sindicalista, de reflexos que se prolongaram no tempo.
volucionário. Teve larga divulgação no Brasil, no início do mo-
vimento sindical, desde 1890, desaparecendo por volta de
1920. Para Sheldon Leslie Maram, em "Anarquistas, imigran-
O.A ação sindical
tes e o movimento operário brasileiro" (1979), foi a força ideo- A prática da greve adquiriu acentuada dimensão no pe-
lógica mais influente no movimento operário brasileiro. ríodo precursor contribuindo, para que tal ocorresse, diversos
A mensagem anarquista centralizava-se em alguns pon- fatores dentre os quais a falta de leis que a regulamentassem,
tos conhecidos: a idéia do combate ao capitalismo, a evanes- com o que o seu exercício foi favorecido pela ausência de limi-
cência do Estado, a desnecessidade da existência de leis jurí- tações, apesar de um curtíssimo período de proibição pelo Códi-
dicas para governar a sociedade, o combate ao governo e a go Penal, logo descartada.
autoridade, a ação direta como meio de luta; enfim, uma radi-
cal crítica a tudo quanto existe na ordem jurídica, política e O pensamento socialista, predominante no 1Wongresso
social. Suas primeiras fontes são identificadas com os escri- Operário de 1906, enfatizou propostas de resistência ao pa-
tos mutualistas de Pierre Joseph Proudhon, com o coletivismo tronato e de defesa da ação direta dos trabalhadores, coinci-
propagado por Michail Bakunin e com o anarco-comunismo dentes com a ideologia anarcossindicalista e com as doutri-
de Kroptkin e seus seguidores. Propagou-se nos meios traba- nas reformistas em geral.
lhistas brasileiros trazido pelos imigrantes, em especial italia- Sheldon Leslie Maram afirma que o fato diferencial entre
nos, através dos panfletos que aqui publicaram para divulgação trabalhadores imigrantes e trabalhadores brasileiros era, de
das suas idéias. Preconizou um sindicalismo apolítico, voltado um modo geral, que os primeiros ocupavam os cargos qualifi-
apenas para a melhoria das condições dos trabalhadores, com cados e semiqualificados, cargos esses de muito mais peso
o emprego de táticas como a sabotagem, a greve geral, etc. para a continuidade do sindicalismo. Outra diferença é o fato
A União Geral da Construção Civil e o Centro Cosmopoli- de existir, nas comunidades de imigrantes, homens que já ha-
ta, dois importantes sindicatos, foram movidos pelos anarcos- viam participado em lutas operárias, na Europa, antes, de ha-
sindicalistas. Assim também o 1Wongresso Operário (1906), verem migrado. Esses homens constituíram o corpo de orga-
do qual resultou a criação da Confederação Operária Brasilei- nizadores do movimento na década de 1890 e começo do sé-
ra - CO, que não chegou a funcionar senão por período pou- culo XX. Trabalhando muitas vezes em suas próprias comuni-
co superior a um mês. dades étnicas, espalhavam os ideais e táticas dos movimen-
Seu declínio foi vertiginoso, não só pela reação contrária, tos operários europeus.
culminando com a expulsão dos estrangeiros de 1907 a 1921, Uma atmosfera altamente reivindicativa apoderou-se do
mas porque o anarcossindicalismo sofreu esvaziamento re- operariado, incentivado pela orientação dos líderes que esta-
sultante de conflitos étnicos. vam entre os imigrantes europeus, cuja influência é marcante
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88 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO 00 TRABALHO NO BRASIL

alteração de governo com o poder político nas mãos de Getú- Ainda em 1930, foi promulgada a Lei dos Dois Terços vol-
lio Vargas, iniciando-se longo período durante o qual foi ativa- tada para a nacionalização do trabalho, com a qual ficou res-
da uma política trabalhista exercida em amplitude até então tringida a possibilidade de admissão de estrangeiros em nos-
desconhecida entre nós; as preocupações correlatas com a sas empresas, a não ser em um certo número, isto é, na pro-
agitação trabalhista que se vinha acentuando nos grandes porção fixada pela lei.
centros,. com incontável número de greves que levavam as Finalmente, o Estado expediu a Lei dos Sindicatos, o De-
empresas a perda de horas de produção em detrimento da creto n. 19.770 (1931), fiel aos princípios acima enumerados.
economia que vinha de uma crise em 1929; o convencimento Assim, o referido decreto introduz na ordem jurídica uma linha
do governo de que deveria diminuir a influência do trabalhador sindical marcadamente intervencionista, de um sindicalismo
estrangeiro sobre o movimento operário brasileiro, em especi- apolitico e voltado para a integração das classes produtoras.
al o estrangeiro anarcossindicalista, socialista, comunista ou As modificações introduzidas foram substanciais, com o
trotskista, cuja ação sindical se fazia livremente e de modo Decreto n. 19.770, de 1931.
intenso, desviando, muitas vezes, a reivindicação trabalhista
O pensamento revolucionário sempre proclamou, como
para o plano político, e fazendo da greve geral um lema que
disse Oliveira Viana, em "Problemas de Direito Sindical", obra
poderia atingir proporções alarmantes; o aparecimento de filo-
clássica desse período, "o propósito de chamar o sindicato para
sofias políticas de direita, dentre as quais o fascismo, que flo-
rescia na Itália, e o integralíssimo, além de outras forças do junto do Estado, tirando-o da penumbra da vida privada, em
que vivia, para as responsabilidades da vida pública. Neste
pensamento, propugnando pela introdução de medidas enér- intuito, deu-lhe a representação da categoria e lha deu dupla-
gicas e de um governo forte o suficiente para impedir o cresci- mente: para efeitos jurídicos e para efeitos políticos. Mais que
mento, no meio operário, das ideologias revolucionárias. isto: investiu-o de poderes de autoridade pública, transferin-
Diante desse quadro, ao qual poderiam ser acrescenta- do-lhe prerrogativas próprias da pessoa do Estado".
dos outros fatores, o Estado resolveu adotar uma política de A influência maior que se fez sentir foi a do corporativis-
substituição da ideologia dos conflitos pela filosofia da inte- mo italiano e sua forma autoritária de organização da vida sin-
gração das classes trabalhistas e empresariais que, para esse dical, contrastando com os princípios que até 1930 serviram
fim, seriam organizadas pelo Estado sob a forma de categori- de base para o nosso sistema.
as por ele delimitadas segundo um plano denominado enqua- Antes, os sindicatos eram pessoas jurídicas de direito pri-
dramento sindical. vado. Depois, a sua publicização foi manifesta. Antes, os sindi-
Seguindo essa linha, o Estado atribuiu aos sindicatos fun- catos eram livremente criados pelos interessados, com admi-
ções de colaboração com o Poder Público, a partir de um prin- nistração e estatutos próprios. Depois, sob a custódia do Mi-
cípio de publicização dos sindicatos para que, controlados pelo nistério do Trabalho, Indústria e Comércio, concebidos como
Estado, não atirassem em luta o capital e o trabalho. órgãos de colaboração do governo e com estatutos padroni-
zados, perderam a sua autonomia, dependendo do reconheci-
O governo criou em 1930 o Ministério do Trabalho, Indús- mento do Estado, que deles exigia a apresentação de relatóri-
tria e Comércio, com a função de pôr em prática a sua política os da sua atividade.
trabalhista e administrar o procedimento de formação do pro-
letariado como força orgânica de cooperação com o Estado. Para melhor consecuçáo desses fins, adotou-se a estru-
tura do sindicato único em cada base territorial, de modo que
Passou a elaborar leis disciplinando os direitos especifi- ficou comprometida a liberdade de constituição de sindicatos.
cos de cada tipo de profissão; para esse fim, foram expedidos O critério de agrupamento foi o de profissões idênticas, simi-
seguidos decretos. lares e conexas em bases territoriais municipais.
91
90 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

Proibiu-se a sindicalização de funcionários públicos, de da Revoluçáo de 1930, do sindicato sob controle do Estado e
empregados domésticos, a filiação do sindicato a entidades sem luta de classes; outra propondo a pluralidade sindical, o
internacionais sem autorização do Ministério, ordenando-se-lhe sindicato livre e sem controle estatal.
a abstenção de toda e qualquer atividade política e propagan- Coerente com a heteronomia,do sistema, o Estado apro-
da de ideologias consideradas sectárias, de caráter social ou vou lei (Dec. n. 21.761) em 1932 instituindo o direito de contra-
religioso. Deram-se-lhe funções assistenciais com o direito de tação coletiva do trabalho, apesar do contraste entre a regula-
constituição e administração de caixas beneficentes, agênci- mentação jurídica ampla que se efetivava e a idéia da
as de colocação, cooperativas, serviços hospitalares e escolas. auto-elaboração das normas pelos próprios interlocutores so-
Para a organização de um sindicato estipulou-se o núme- ciais, inerente a negociação coletiva das condições de traba-
ro mínimo de trinta sócios, observada a regra dos 213, fiel ao lho pelos sindicatos.
nacionalismo da Revolução. Não é difícil concluir que não havia espaço maior para essa
Permitiu-se a criação de associações sindicais de grau negociação diante da seguida expedição de decretos, pelo Po-
superior, uma vez que três sindicatos podiam formar uma fe- der Público, disciplinando as relações entre os trabalhadores e
deração, e cinco federações tinham o direito de criar uma os empregadores com a atribuição de direitos e deveres recí-
confederação. procos, fixados para cada tipo de atividade e profissão.
Deu-se inamovibilidade aos diretores do sindicato, com a O decreto de 1931 previa a criação de Conselhos Mistos
proibição da sua transferência para outra localidade de serviço. e Permanentes de Conciliação para a composição dos confli-
Criou-se uma indenização correspondente ao valor de seis tos coletivos, precedendo a lei de contratos coletivos. Esta é
meses de salários para o empregado desped.ido por causa da uma conseqüência daquele, uma vez que não é concebida a
sua ação sindical. existência de sindicatos, coarctada a sua atividade negocial.
Diz Joaquim Pimenta, em "Sociologia Jurídica do Traba- A concepção observada pelo Decreto n. 21.761 foi a
lho" (1944) sobre o decreto de 1931: "se bem que tivesse sido contratual, como resulta do nome atribuído ao instituto que
uma lei de experiência, que o momento, ainda tumultuoso, re- disciplinou - contrato coletivo de trabalho -, atribuída a legi-
clamava, se defeitos tinha, não eram estes de molde a justifi- timidade para negociar, diretamente, aos empregados e em-
car a critica com que foi veementemente alvejado; de uns, que pregadores, aos sindicatos ou a qualquer outro agrupamento
o consideravam uma cópia da lei fascista italiana, de outros, de trabalhadores ou patrões, solução, como se vê, diferente
um modelo que se inspirava na ideologia comunista. Nem uma da do modelo posteriormente adotado, de monopólio sindical.
coisa nem outra. Fora, ao contrário, elaborado tendo-se em
conta a situação das classes trabalhadoras no Brasil, os obs- Os níveis de negociação fixados foram também mais
táculos que se antepunham a sua organização e a uma políti- amplos que os atuais, a saber, os níveis de categoria, de em-
ca social que fosse a expressão de interesses que teriam de presa ou qualquer outro grupo não-sindical de trabalhadores e
ser ritmados por um regime legal que resultasse de uma aproxi- empregadores.
mação dessas classes com o Poder; mas, de modo que essa Observe-se também que o procedimento das negociações
aproximação se fizesse mediante um compromisso por parte podia ser traçado pelos estatutos deliberados em assembléia
do Estado, de reconhecer no sindicato, mais do que uma sim- dos interessados.
ples sociedade civil, um órgão necessário ao equilíbrio da or- Apesar dessas características, a contratação coletiva não
dem jurídica na economia nacional". prosperou, inibida pela estrutura legal extensa e detalhada,
Não há dúvida sobre a existência de mais de uma corren- que já começava a ganhar corpo, na qual a presença do Esta-
te de pensamento na época: uma propugnando pelo sistema do sempre foi a principal marca.
92 AMAURI MASCARO NASCIMENTO 93
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

B. O pluralismo de 1934 presas ou pelos interesses políticos. Há, portanto, contesta-


Foi um hiato, meramente formal e curto, no período inter- ções ao sistema de 1934. Porém, não há dúvida de que a li-
vencionista. A Constituição de 1934, no art. 120, declarou, como berdade sindical é, em outros países, o valor fundante dos
princípio, a pluralidade sindical e a autonomia dos sindicatos, sistemas sindicais, princípio da Organização Internacional do
aceitando, assim, proposta formulada por parte do pensamen- Trabalho inspirador do modelo sindical democrático.
to brasileiro, em especial o pensamevto católico. Antecipando-se a Constituição, foi promulgado o Decreto
O sindicato passou a ser, teoricamente, compreendido n. 24.694, de 1934, sobre sindicatos profissionais, cujo estudo
como pessoa jurídica de direito privado, dotado de liberdade mostra um quadro no qual não se vislumbra a unicidade sindi-
de ação, de constituição e de administração. cal compreendida como proibição legal da criação, na mesma
Há objeções a essa interpretação. base territorial e categoria, de mais de um sindicato, diante da
regra, já prevista na Constituição, permitindo a 1/3 dos empre-
A exigência de que o sindicato deveria reunir no mínimo gados, da mesma profissão e na mesma localidade, a funda-
113 dos empregados da mesma profissão no mesmo local fez ção de uma entidade. Apesar de aprovado dias antes da Cons-
com que em cada localidade só pudesse existir um número tituição, consubstanciou os princípios nela consagrados.
limitado e não um número ilimitado de sindicatos, como seria
cabível num sistema genuinamente pluralista. Esse aspecto Todavia, foi um decreto bastante detalhista, interferente,
leva Geraldo Bezerra de Menezes, em "Política sindical brasi- que relacionou tipos de organizações sindicais denominando-
leira", a dizer que não é esse regime nem de unidade nem de as sindicatos, federações e confederações; autorizou os sindi-
pluralidade sindical. catos, com sede no mesmo Município, a formar uniões desti-
nadas a coordenar os interesses gerais das profissões; deter-
Observe-se, ainda, que não é possível aceitar que foi res- minou as funções das entidades sindicais; fixou os requisitos
peitada a plena autonomia sindical. Houve restrições a liber- exigidos para a criação das organizações; proibiu a sindicali-
dade de administração do sindicato, tanto assim que nas as- zação de funcionários públicos; determinou a obrigatoriedade
sembléias sindicais havia a presença permanente de um dele- do pedido de reconhecimento dos sindicatos pelo Estado; enu-
gado do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Não é merou certas exigências a serem observadas na elaboração
possivel, também, concluir que havia autonomia de organiza- dos estatutos; exigiu algumas condições essenciais para o fun-
ção sindical, quando se sabe que foi elaborado um plano de cionamento do sindicato e deliberações da assembléia para
confederações, segundo o setor de atividade econômica cor- eleições; fixou garantias aos empregados sindicalizados e pe-
respondente, especificando o número de confederações e suas nalidades, estas previstas para a hipótese de inobservância
respectivas áreas. dos seus dispositivos, com o que, pela dimensão dessa regu-
Esses fatores, somados a falta de condições da classe lamentação legal, não é possível situá-la entre os ordenamen-
trabalhadora para um sindicalismo totalmente liberto do Esta- tos nos quais as leis sobre organização sindical permitem maior
do, fizeram da experiência de 1934 algo que não repercutiu. espontaneidade na formação natural do modelo.
Segundo a opinião de Oliveira Viana, em "Problemas de Direi-
to Sindical", a Constituição de 1934 criou uma situação que C. O corporativismo de 1937
qualifica de lamentável e, para Segadas Vianna, em "lnstitui-
ções de Direito do Trabalho" (co-autoria Sussekind e Délio Ma- Em 1937, o Estado restabeleceu as diretrizes de 1931, liqui-
ranhão) (1981), "suas conseqüências foram extraordinariamen- dou o modelo do pluralismo de 1934 e aumentou o dirigismo
te nocivas para o sindicalismo", com o enfraquecimento dos na ordem sindical. Acentuaram-se as influências que o Brasil
sindicatos e a opressão dos trabalhadores divididos pelas em- sofreu do regime político imperante na Itália e outros países
94 AMAURI MASCARO NASCIMENTO 95
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

que tinham uma ditadura de direita. Foi, realmente, muito gran-


de a transposição da figura do corporativismo peninsular para sembocaria na corporação, para que esta pudesse exercer um
poder regulamentar sobre toda a categoria, ditando normas
o nosso País.
de trabalho aplicáveis a todos os seus integrantes, associados
Ressaltaremos as principais características desse período. ou não dos sindicatos, tal como na,Itália.
Primeira, a Carta Constitucional de 1937, que instituiu a Com essas medidas, procurou o Estado ter em suas mãos
organizaQão corporativa da nossa ordem econômica, a qual o controle da economia nacional para melhor desenvolver os
foi vinculada a organização sindical. "A economia da produ- seus programas. Para esse fim julgou imprescindível evitar a
ção" - dispunha o art. 140 -"será organizada em corporações luta de classes; daí a integração das forças produtivas: os tra-
e estas, como entidades representativas das forças do traba- balhadores, empresários e profissionais liberais, numa unida-
lho nacional, colocadas sob a existência e proteção do Estado, de monolítica e não em grupos fracionados com possibilida-
são órgãos e exercem funções delegadas de poder público". des estruturais conflitivas. Mostra-se, assim, possível, também,
que, embora oficialmente visando esses fins não-políticos, o sis-
Centralizou no Conselho de Economia Nacional, órgão tema levou em consideração interesses de dominação política.
composto de representantes dos ramos da produção nacional
designados pelas associações profissionais ou sindicatos re- A proibição de mais de um sindicato na mesma categoria
conhecidos em lei, as funções de promover a organização cor- e base territorial, fortíssima restrição a liberdade de organiza-
porativa da economia nacional, bem como de estabelecer nor- ção do sistema sindical, na teoria jurídica, tem como maior
mas reguladoras dos contratos coletivos de trabalho (art. 57). argumento apresentado para a tentativa da sua justificação,
como mostra Oliveira Viana na obra já citada - "Problemas
Curiosamente, apesar de tudo isso, dispunha a mesma de Direito Sindical" - a contradição entre representação do
Carta de 1937 que "a associação profissional ou sindical é li- interesse coletivo da categoria e pluralismo sindical. O inte-
vre" e, ao mesmo tempo e contraditoriamente que "somente o resse coletivo é concebido como um só todo infracionável e
sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito identificado como interesse da categoria, sendo esse um
de representação legal dos que participarem da categoria de equivoco doutrinário da época, sabido hoje que o interesse co-
produção para a qual foi constituído, e de defender-lhes os letivo tem várias esferas e dimensões, confundindo-se as ve-
direitos perante o Estado e as outras associações profissio- zes, mas nem sempre, com o interesse de uma categoria, uma
nais, estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para vez que será também coletivo o interesse de grupos menores
todos os seus associados, impor-lhes contribuições e exercer em dentro da categoria.
relação a eles funções delegadas de poder público" (art. 138).
Quanto as convenções coletivas de trabalho, a Constitui-
Como se vê, a declaração de liberdade sindical sofreu ção de 1937, apesar de alguma imprecisão do texto, ordenou
restrições e acabou por se tornar destituída de conteúdo real. a sua aplicação a toda a categoria, portanto o efeito erga om-
Além disso, como o princípio adotado foi o do sindicato nes. Não limitou a sua eficácia aos associados do sindicato
Cnico na mesma base territorial, não houve liberdade de cria- (art. 137). Nessa altura, o nosso sistema de negociação cole-
ção de sindicatos. De outro lado, conferido aos reconhecidos tiva, embora prejudicado pela extensa legislação que se
o poder de impor contribuições sindicais, as funções do sindi- avolumava desde 1930, ganhava espaço, pequeno é verdade,
cato foram consideradas semipúblicas. Tanto assim, que Ihes mostrando-se, também, fortemente centralizado no âmbito da
cabia o exercício de funções delegadas pelo Poder Público. categoria. Em outros níveis, não.
Depois da Carta de 1937, foi promulgado o Decreto-lei n.
O modelo sindical desenhado pôs os sindicatos, federa- 1.402, de 5 de julho de 1939, que a complementou no plano
ções e confederações como degraus de uma escada que de-
da legislação ordinária.
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HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 99
98 AMAURI MASCARO NASCIMENTO

dramento sindical, o imposto sindical, o sistema da unicidade Para que os sindicatos contassem com recursos para o
sindical imposta por lei, o poder de intervenção do Ministério custeio das suas atividades, foi criado o imposto sindical, pre-
do Trabalho nas entidades sindicais, a determinação, pela lei, visto em lei e padronizado para todo o País, segundo os crité-
dos órgãos e números de diretores do sindicato, o controle rios que o Estado estabeleceu através da legislação.
orçamentário dos sindicatos pelo Ministério do Trabalho e as As negociações coletivas foram muito limitadas, e não só
penalidades de suspensão e destituição dos direitos dos sin- pelo excesso da legislação. O expediente adotado pelo Esta-
dicalistas, inclusive a extinção de entldades sindicais median- do foi restringir a legitimidade de negociação dos sindicatos
te cassação da carta de reconhecimento, documento que ha- as suas bases territoriais e negar o mesmo poder as federa-
bilitava o sindicato a ter existência legal. ções e confederações sindicais. Ao Estado não interessava
Esses aspectos passam a ser detalhados. que as cúpulas sindicais pudessem negociar diretamente. As-
sim, somente em se tratando de categorias inorganizadas em
O enquadramento sindical oficial, iniciado em 1940 pelo sindicato é que as entidades de grau superior podiam valida-
então Ministério do Trabalho, consistiu na relação das catego- mente negociar, situação prolongada por muito tempo.
rias profissionais e econòmicas julgadas existentes no País,
A greve foi proibida pela Constituição de 1937, que a con-
segundo a Comissão de Enquadramento Sindical do mesmo
siderou um recurso nocivo a economia e anti-social.
órgão, extinta em decorrência da Constituição Federal de 1988.
Tomou por base as categorias econômicas e profissionais mais Essas regras jurídicas foram recolhidas pela Consolida-
gerais e suas respectivas confederações, em seguida os gru- ção das Leis do Trabalho (1943) e seguidas de diversas outras
pos de atividades por setores, e assim por diante. O critério de normas estatais de igual sentido, institucionalizando-se um tipo
agrupamento adotado foi o de atividades sim/lares e conexas. de estrutura sindical semelhante a dos períodos corporativis-
Esse enquadramento comportou uma restrição a liberdade sin- tas da Itália, Espanha e Portugal, países que já o afastaram.
dical, impedindo o livre impulso associativo, e suas origens
corporativas de organização da economia sofreram críticas da D. Os impactos da Consolidaçáo das Leis do Trabalho
maioria dos doutrinadores. Impediu o desenvolvimento natural ( 1 943)
dos sindicatos, substituído por uma conformação artificial re-
sultante das conclusões do Governo. Como texto básico unificador das normas existentes, a
publicação da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada
O quadro de atividades e profissões passou a ser o pres- pelo Decreto-lei n. 5.453, de 1"e maio de 1943, tem um sig-
suposto da organização dos sindicatos, de modo que esses, nificado que não pode ser desconhecido; porém, vista como
bem como as federações e confederações, só poderiam exis- meio de aperfeiçoamento do sistema legal sobre relações co-
tir desde que se enquadrassem numa das diversas categorias letivas de trabalho, em nada contribuiu, não passando de mera
previstas. Periodicamente, a Comissão de Enquadramento Sin- reunião de textos já existentes com algumas pinceladas pou-
dical, do Ministério do Trabalho, fazia a revisão do quadro, cri- co ou em quase nada inovadoras.
ando categorias novas ou efetuando o desdobramento das já
existentes, tudo por resolução, que é um ato do Estado e não A CLT, em organização sindical, é a reunião de três textos
dos interessados. Para que se tenha idéia mais próxima de legais antes existentes. Não há como deixar de ver que a Con-
como o enquadramento sindical dificultou a criação de no- solidação das Leis do Trabalho incorporou, quanto a organiza-
vas entidades sindicais, basta dizer que, para ser constituída ção sindical, a Lei n. 1.402, de 1939. O enquadramento sindi-
uma nova confederação, era necessária uma lei aprovada cal foi o do Decreto-lei n. 2.381, de 1940. A contribuição sin-
pelo Congresso Nacional resultante de proposta do presi- dical, a prevista no Decreto-lei n. 2.377, de 1940. A negocia-
dente da República. ção coletiva em nada se alterou, a não ser para ficar explícita
1O 0 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTORIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 101

a sua aplicação em nível de categoria, como convenção entre 3. A fase de abertura


sindicatos, não previsto o acordo coletivo em nível de empre-
sa e que só mais tarde, em 1967, foi admitido. A. O movimento sindical espontâneo
Mereceria um destaque a Constituição Federal de
1946, pela nova concepção da greve, passando a ser um Com a Nova República (1985):teve início, no plano jurídi-
direitoreconhecido pela Carta Magna, ao contrário da proi- co, a liberalização dos sindicatos. As centrais sindicais, antes
bição da Constituição de 1937. Porém a organização sindi- proibidas por uma portaria do Ministério do Trabalho passa-
cal não foi modificada, nem mesmo a concepção corpora- ram a ser admitidas com a revogação, em 1985, desse ato
tivista de sindicato exercente de funções delegadas pelo proibitivo pelo Ministro do Trabalho. Surgiram, assim, três cen-
Poder Público, próprio do intervencionismo e contrário a trais sindicais, passo importante na ruptura do modelo repres-
liberdade sindical que, contraditoriamente, a Constituição sivo mantido pelos governos militares: a CGT Central Geral
proclamava. dos Trabalhadores, a CUT - Central Única dos Trabalhadores
A impressão de Evaristo de Moraes Filho, em "O pro- e a USI -União Sindical Independente, as quais, mais tarde,
blema do sindicato único no Brasil" (1952), tese de cátedra, se somariam outras duas, a Força Sindical - FS e a nova
de todo procedente, é a seguinte: "E isso constitui um fato CGT - Confederação Geral dos Trabalhadores. O governo pro-
deveras curioso: a sobrevivência de uma lei, promulgada moveu a reabilitação de sindicalista-punidos. Não houve mais
para um regime corporativo fascistizante, em pleno quadro intervenção em sindicatos. Aos sindicatos foi permitido1 apro-
democrático de uma nação". Acrescenta o ilustre professor: var os próprios estatutos eleitorais antes submetidos a um
"Embora em muitos pontos siga a Constituição de 46 os estatuto-padrão elaborado pelo Ministério do Trabalho. Abriu-se
mesmos princípios adotados pela de 1934, neste particular um prazo de seis meses para que os sindicatos pudessem
é menos precisa que a sua antecessora. Naquela se garan- criar os próprios sistemas de eleições internas. Curiosamen-
tia, desde logo, a mais completa autonomia sindical e se te, o prazo foi aproveitado por poucos sindicatos. O Ministério
impunha a pluralidade sindical. Tal coisa já não se dá com o do Trabalho, espontaneamente, passou a assumir uma postu-
mandamento constitucional de 1946. Aqui declara-se que é ra não-intervencionista na organização sindical, suspendendo
livre a associação profissional ou sindical, mas deixa-se para as intervenções em diretorias de entidades sindicais, antes
a lei ordinária a quase-totalidade da regulamentação desse comuns, de modo que aos poucos a administração dos sindi-8
assunto. Por isso mesmo é que puderam ser julgados como catos voltou a ser entregue aos seus legítimos diretores.
constitucionais os cânones da sindicalização do Estado Algumas modificações de ordem legal, sinalizantes de
Novo". perspectivas políticas no sentido de uma abertura das rela-
Para concluir, registre-se a aprovação da primeira lei ções entre o Estado e o sindicato, ocorreram até a Constitui-
de greve (Dec.-lei n. 9.070, de 1946) dias antes da vigência ção de 1988, resumindo-se a Portaria n. 3.1 00/85, revogando
da Constituição de 1946, por tal motivo de duvidosa consti- a Portaria n. 3.337178, que proibia centrais sindicais; a Reso-
tucionalidade, diante da proibição da greve pela Carta de lução, de 1985, pela qual o Governo promoveu a reabilitação
1937, mas que os Tribunais resolveram aplicar. Foi minucio- de sindicalistas punidos; e a Portaria n. 3.1 17/85, que abriu
sa, detalhista, regulando a greve de modo excessivo, nem prazo para que os sindicatos dispusessem nos estatutos so-
sempre acatado pelos sindicatos. O Decreto-lei n. 1.632 bre eleições sindicais, bem como a uma nova visão do Minis-
(1978) a completou, dispondo sobre greve nas atividades tério do Trabalho sobre o problema sindical.
essenciais que vieram a ser, pela Constituição de 1967 (art.
162), proibidas. ' Portaria n. 3.1 17/85 do Ministério do Trabalho.
102 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 103

Foi remetido pelo Poder Executivo ao Congresso Nacio- Federações


nal o Projeto de Lei n. 164, de 22 de junho de 1987, dispondo
sobre organização sindical, negociação coletiva e greve, com Econômicas 69 23
a finalidade de revogar não só o Titulo V da Consolidação das Profissionais 139 22
Leis do Trabalho, que disciplinava as duas primeiras questões, 17 -
Liberais
como t m b é m a Lei n. 4.060, de 1964, segunda lei de greve, Autônomas O8 -
elaborada em consonância com printípios por alguns consi-
derados ainda restritivos do livre exercício do direito de parali- 233 45
sação, mas, de algum modo, introduzindo alterações que con- Sindicatos
tribuíram para o aperfeiçoamento das disposições jurídicas a Econômicos 1.442
respeito do tema.
Profissionais 2.587
Essa nova postura oficial foi decorrência do processo de
abertura política e redemocratização do País, iniciado com a Liberais 31O
-
Nova República, no final dos governos militares. A demo- Autônomos 357
cratização das relações sindicais passou a ser parte do proce- 4.696 4.466
dimento maior de renovação política. O Ministério do Trabalho
incentivou a negociação coletiva como forma primeira de solu- Total 4.940 4.513
ção dos conflitos trabalhistas.
Total Geral 9.453
Paralelamente a organização sindical delineada pelo Es-
tado surgiram, sem previsão legal, três centrais sindicais, a Nos centros de maior densidade trabalhista do País, como
CUT - Central Única dos Trabalhadores, a CGT - Central o Estado de São Paulo e, mais precisamente, na região deno-
Geral dos Trabalhadores, e a USI - União Sindical Indepen- minada "ABC", por reunir as cidades de Santo André, São Ber-
dente, de modo que, acima do sistema confederativo fixado nardo do Campo e São Caetano do Sul, altamente industriali-
pela legislação anterior, institucionalizou-se uma estrutura es- zadas, em especial com a indústria automobilística, ergueu-se
pontânea, com centrais, sem personalidade juridica legal, bas- um movimento sindical reivindicativo, ao mesmo tempo em que
tante atuantes, conseguindo desempenho de realce na articu- cresceu o Partido dos Trabalhadores, nova agremiação políti-
lação das demais entidades integrantes do quadro oficial - ca, combinando-se a ação política com a ação sindical, do que
sindicatos, federações e confederações. resultou uma nova atuação dos trabalhadores no relaciona-
O número de entidades sindicais, urbanas e rurais, exis- mento com as empresas.
tentes, até março de 1977, foi o seguinte: Como conseqüência dessa postura, valendo-se da liber-
dade que o Estado deu e vivendo uma fase de corrosão dos
Categorias Urbanas Rurais salários pela inflação, o movimento sindical promoveu gre-
Confederações ves com uma constância que há muito não se verificava. A
conflitividade atingiu também o setor público, até com maior
Econômicas 03 01 intensidade.
Profissionais 07 01 Essa concepção sindical que parecia absorvente sofreu
Liberais um impacto com a nova atitude assumida, também em São
Paulo, pelos metalúrgicos, que passaram a desenvolver outro
tipo de sindicalismo, diverso daquele que surgiu no elo sindi-
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 105
104 AMAURI MASCARO NASCIMENTO

cal entre o Partido dos Trabalhadores e a CUT - Central Úni- B. A Constituição Federal de 1988
ca dos Trabalhadores, que foi denominado sindicalismo de re-
sultados, pragmático, não-contestativo do Estado, voltado mais O início da alteração do modelo corporativista que se ini-
para a obtenção de bons contratos coletivos de trabalho. Des- ciara no final dos governos militares e com a eclosão do movi-

caram -
se modo, ficaram claras as ideologias sindicais que se desta-
a revolucionária, seguida pela CUT, e a reformista,
dos metalúrgicos da Força Sindical de' São Paulo, estes termi-
mento sindical do ABC sob a liderança de Lula, ganhou maior
consistência com a Constituição Federal de 1988 que não só
formalizou algumas experiências que já vinham ocorrendo -
nando depois por fundar a Confederação Nacional dos Meta- ainda que em desacordo com a lei -, mas, também, introdu-
Iúrgicos, presidida por Luiz Medeiros. ziu modificações.
Contrastando com a realidade que se observava de fato, A instalação da Assembléia Nacional constituinte foi um
a lei se mantinha nos mesmos moldes anteriores, com os su- acontecimento significativo como avanço na reforma política e
perados princípios corporativistas, totalmente em desuso e em jurídica do País, com reflexos diretos na ordem econômica e
desacordo com o que acontecia, não aplicados mais pelo Es- social e na regulamentação do trabalho.
tado, com a sua decisão de preservar a liberdade sindical e de Uma Constituição não deve ser uma listagem completa e
não intervir na vida das organizações sindicais. detalhada de todos os anseios e pretensões, ainda que justifi-
Nesse quadro é que houve uma tentativa de ratificação cados. Deve restringir-se as questões básicas da estrutura do
da Convenção n. 87 da Organização Internacional do Traba- Estado e dos direitos fundamentais, deixando para a legisla-
lho, agilizando-se o seu trâmite pelo Congresso Nacional no ção ordinária e outras normas jurídicas de menor hierarquia a
qual uma das casas, a Câmara dos Deputados, já a aprovara disciplina da maioria dos direitos e deveres das pessoas e dos
há muito tempo, restando, no entanto, o aval do Senado. Toda- grupos. Mas não foi assim que se fez.
via, parte do movimento sindical se opôs a aprovação da Con- O procedimento de adoção das decisões que o Regimen-
venção n. 87, por achar que poderia promover o fracionamen- to Interno da Assembléia aprovou, teoricamente mais demo-
to da unidade dos trabalhadores com as facilidades que asse- crático, mostrou que é muito difícil um trabalho de elaboração
gurava para a criação de sindicatos, e porque poderia incenti- da Constituição da forma como estabeleceu. Foram criadas
var a fundação de sindicatos ideológicos. Com esses argu- diversas subcomissões, divididas por matéria, no caso traba-
mentos, os sindicalistas que assim se posicionaram consegui- lhista a Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servi-
ram impressionar os parlamentares para que, como aconte- dores Públicos integrada, em expressivo número, por dirigen-
ceu, paralisassem novamente a tramitação do processo de rati- tes sindicais de trabalhadores eleitos deputados federais que
ficação da Convenção n. 87. apresentaram teses consideradas progressistas, articuladas,
Ao mesmo tempo desenvolveram-se os trabalhos da As- sob o prisma técnico, pelo DIAP - Departamento Intersindi-
sembléia Nacional Constituinte destinados a elaborar a Cons- cal de Assessoria Parlamentar, órgão que tem dentre suas fun-
tituição de 1988, e os sindicatos conseguiram, de algum modo, ções a de controlar as votações dos parlamentares como evi-
influir nas suas deliberações, em especial na manutenção de dencia a publicação "Quem é Quem" na qual são relaciona-
dois princípios que consideraram inatacáveis, e cuja conti- dos, nominalmente, com a divulgação de fotos, os parlamen-
nuidade pretenderam - a unicidade sindical, ou seja, a proibi- tares que votaram contra ou a favor das teses apresentadas
ção, por lei, da existência de mais de um sindicato da mesma pelos trabalhadores. Do lado oposto, constituiu-se um grupo
categoria na mesma base territorial, e a contribuição sindical parlamentar, a que se atribuiu o nome "Centrão", para comba-
compulsória, fixada por lei - e que vinham do início da fase ter uma das propostas, a estabilidade no emprego desde o
intervencionista. início do vínculo.
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7 08 AMAURI MASCARO NASCIMENTO I HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL
I
Segunda, a aquisição da personalidade jurídica pelos sin- dicais limitadas ao número máximo previsto em convenção
dicatos como entidades de direito privado mediante depósito coletiva e a inamovibilidade desses dirigentes (arts. 19 e 20).
do estatuto e registro pelos órgãos competentes do Ministé-
Nem em todos os pontos houve compatibilização entre
rio do Trabalho (art. 7";
essas propostas e a Constituição Federal de 1988 que tem um
Terceira, a organização sindical por categoria, profissão, significado relevante, como instrumento de efetivação do pro-
empresa ou estabelecimento, adotada ou não a unicidade vo- cesso democrático e de reordenamento jurídico da Nação, além
s
luntária, segundo os próprios interessados (art. 7P, 2"; de representar, em alguns aspectos, avanço voltado para a
Quarta, a filiação sindical facultativa não sendo permiti- melhoria da condição social dos trabalhadores.
do impedir o trabalhador de se filiar em um sindicato (art. I?, Reconheça-se, no entanto, que o sistema de organização
§ lQ); sindical que definiu é contraditório; tenta combinar, de um lado
Quinta, o direito dos sindicatos de criar federações e con- a liberdade sindical, de outro lado a unicidade sindical impos-
federações e estas de constituir uniões ou centrais sindicais ta por lei e a contribuição sindical oficial. Estabelece o direito
(art. 24); de criar sindicatos sem autorização prévia do Estado, mas
mantém o sistema confederativo que define rigidamente ba-
Sexta, a responsabilidade civil dos sindicatos pelos da- ses territoriais, representação por categorias e tipos de enti-
nos que causarem resultantes de atos ilícitos, dispondo que
dades sindicais.
pelos excessos praticados no exercício das atividades ineren-
tes a vida sindical, as entidades sindicais incorrerão em res- Os princípios da Constituição de 1988 (arts. 10 a 12) são,
ponsabilidade civil e os dirigentes sindicais em responsabili- em resumo, os seguintes:
dade civil e criminal (art. 49; a) o direito de organização sindical e a liberdade sindical;
Sétima, a legitimação do Ministério Público, por determi- b) a manutenção do sistema confederativo com os sindi-
nação do Ministério da Justiça ou de ofício. para representar catos, federações e confederações, sem menção as centrais
contra entidades sindicais ou seus dirigentes, sempre que se sindicais;
fizesse necessária a prevenção ou o restabelecimento da es-
tabilidade política, social ou econômica ameaçadas por exces- c) a unicidade sindical com a autodeterminação das ba-
sos ou abusos no exercício de atividade sindical (art. 5"; ses territoriais, não sendo, todavia, admitida a criação de um
sindicato se já existente outro na mesma base e categoria; a
Oitava, a proibição de intervenção, suspensão, dissolu- base territorial fixada pelos trabalhadores não poderá ser infe-
ção de sindicatos, destituição ou afastamento de dirigentes rior a área de um Município;
sindicais por ato direto da Administração Publica, sem prejui-
zo da via judicial (art. 3"; d) a livre criação de sindicatos sem autorização previa do
Nona, a livre administração do sindicato mediante a valo- Estado;
rização das assembléias sindicais de modo que as suas deli- e) a livre administração dos sindicatos, vedada interfe-
berações fossem irrecorríveis para o Ministério do Trabalho, rência ou intervenção do Estado;
restando, aos que se sentissem prejudicados, a via judicial (art. f ) a livre estipulação, pelas assembléias sindicais, da
10 parágrafo único), ocupando-se a lei de regras mínimas es- contribuição devida pela categoria, a ser descontada em folha
tatutárias e de interferência nas eleições sindicais; de pagamento e recolhida pela empresa aos sindicatos, man-
Décima, manutenção das garantias destinadas ao livre tida, no entanto, e além dela, a contribuição sindical imposta
exercício dos cargos de direção ou representação sindical ou por lei;
de associação profissional, da estabilidade dos dirigentes sin- g) a liberdade individual de filiação e desfiliação em sindicato;
11 1
110 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

h) a unificação do modelo urbano, rural, e de colônias de Manteve a unicidade sindical e estrutura confederativa,
pescadores; com a autodeterminação das bases territoriais pelos próprios
trabalhadores e empregadores interessados, sendo permiti-
i) o direito dos aposentados, filiados ao sindicato, de vo- da, como base mínima, a de um município.
tar nas eleições e de serem votados;
Transformou a função dos sindicatos, antes fundamental-
j) a adoção de garantias aos dirigentes sindicais, vedada
mente assistencial, passando a centralizar-se na defesa dos
a dispensa imotivada desde o regist'ro da candidatura até um
ano após o término do mandato; direitos e interesses coletivos da categoria e dos direitos indi-
viduais dos seus membros, inclusive em questões judiciais ou
I) o direito de negociação coletiva; administrativas.
m) o direito de greve, com maior flexibilidade; Permitiu a livre criação de sindicatos sem a necessidade
n) o direito de representação dos trabalhadores nas em- de autorização prévia do Estado, desaparecendo a antiga car-
presas a partir de um certo número de empregados por ta de reconhecimento, que era o documento atribuído, geral-
empresa. mente com critérios políticos, pelo Ministro do Trabalho para
Essas disposições constitucionais, base para a nova es- que uma associação não-sindical pudesse transformar-se em
trutura sindical, respalda, em alguns pontos, a livre organiza- sindicato e ter as prerrogativas deste, dentre as quais a legiti-
ção e a ação sindical; em outros, é restritiva. Porém as limita- midade para negociar, para aprovar greves e para ingressar
ções foram defendidas por parte do movimento sindical, de com dissídios coletivos na Justiça do Trabalho.
modo que representam a vontade dos próprios interessados. Facultou a livre administração dos sindicatos, vedada qual-
Não foram impostas pelo governo. É possível sustentar que as quer interferência do poder público nas diretorias das entida-
restrições expressam uma legalidade consentida. As restrições des sindicais, com o que ficou eliminado, definitivamente, o
do modelo sindical contrárias a sua plena autonomia não fo- expediente da intervenção do Ministério do Trabalho para afas-
ram insculpidas na lei por decisão do governo e contra a pre- tar dirigentes cuja militância fosse considerada contrária aos
tensão dos sindicatos, mas resultaram de livre deliberação do interesses do Estado.
Congresso Nacional, representante do povo, no qual atuaram
com destaque diversos sindicalistas que se elegeram deputa- Assegurou a livre deliberação, pelas assembléias dos sin-
dos e que respaldaram essas limitações. Portanto, não é pos- dicatos, de uma contribuição destinada ao custeio do sistema
sível dizer que se trata de medidas de finalidade coativa e des- confederativo sindical, que ficou conhecida como contribui-
tinadas a permitir o controle dos sindicatos pelo Estado, uma ção confederativa, descontada em folha de pagamento pelos em-
vez que expressaram fielmente a vontade dos dirigentes sindi- pregadores, mantendo-se, no entanto, o antigo imposto sindical.
cais que conseguiram atuar com força política no Congresso Garantiu a liberdade sindical individual de filiação e desfi-
Nacional. liação, significando o direito, já existente, de uma pessoa de
Como se vê, a Constituição de 1988 instituiu um novo mo- ingressar ou não como sócia do sindicato da sua categoria
delo de organização sindical e relações coletivas de trabalho. profissional ou econômica.
Reafirmou o direito de organização sindical, postulado Unificou o modelo urbano, rural e de colônias de pesca-
básico do processo de consolidação democrática desenvolvi- dores, que, desse modo, foram aproximados.
do pelo País, reconhecido o livre direito de associação profis-
sional e sindical como um dos direitos fundamentais dos tra- Manteve o direito dos aposentados filiados ao sindicato
balhadores e empregadores. de votar e serem votados nas eleições sindicais.
112 AMAURI MASCARO NASCIMENTO 113
HISTORIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

Preservou as garantias conferidas ao dirigente sindical, No entanto, a visão intrínseca do modelo continua pauta-
dentre as quais a proibição da dispensa imotivada, direito que a da pela contradição do texto constitucional, que declara que é
CLT já assegurava, ou seja, a estabilidade do dirigente sindical. livre a associação sindical e, ao mesmo tempo, que não pode-
Esses são os princípios constitucionais informadores da rá haver mais de um sindicato da mesma categoria na mesma
organização sindical, em alguns aspectos inovadores como o base territorial, critérios que, pela 'natureza, são incompará-
poder deferido aos sindicatos para que indiquem as suas ba- veis entre si, já que podendo existir só um sindicato numa de-
ses e representação, a desnecessidade de autorização prévia terminada área de representação em um grupo, é dado que a
do Ministério do Trabalho para a criação de entidades sindi- organização sindical não é livre. Seria livre se os interessados
cais, a proibição de intervenção do Estado nos sindicatos e o tivessem o direito de constituir ou não um sindicato, mas, ocu-
poder, conferido aos próprios sindicatos, de fixar a contribui- pada a área territorial por uma entidade, esta exercerá nela o
ção dos seus associados, além da contribuição legal. No en- monopólio, com exclusão de qualquer concorrência. Esse pro-
tanto, outros princípios, de inegável feição limitativa, foram man- blema veio a constituir uma dificuldade para que o Brasil pu-
tidos, como a unicidade sindical, que significa a proibição da desse ratificar a Convenção 87 da Organização Internacional
criação de mais de um sindicato, profissional ou econômico, do Trabalho (OIT) reconhecidamente um marco jurídico da de-
da mesma categoria, na mesma base territorial, a continuida- fesa do desatrelamento dos sindicatos perante o Estado.
de da imposição dos tipos de organizações sindicais admiti- O novo sistema continuou ferindo a liberdade sindical na
das, com a preservação do modelo confederativo, mantidas, medida em que a unicidade constitucional é uma forma de im-
além dos sindicatos no primeiro grau, as confederações e fe- posição do Estado, embora como expressão de uma legalida-
derações no segundo grau, e o imposto sindical. O voto dos de consentida pelo movimento sindical. Os sindicatos são, em
aposentados é uma questão cuja especificidade de modo al- parte, responsáveis pela manutenção do princípio da unicida-
gum poderia ter a preocupação constitucional e mais próprio de sindical imposta por lei.
seria restringi-la aos estatutos de cada sindicato.
O governo enviou ao Congresso Nacional em 1987 proje-
Pode-se questionar, após uma visão geral do modelo to de lei com algumas das diretrizes da Convenção 87,
redefinido pela Constituição de 1988, o seu enquadramento mostrou-se propenso a alterar o sistema. Se a Constituição de
ou não entre os sistemas de liberdade sindical. Certamente, 1988 seguiu o princípio da unicidade é porque os parlamenta-
a estrutura constitucional que se apresentou pode suscitar res foram sensíveis as ponderações dos dirigentes sindicais
divergências, porque mesclou alguns elementos de autono- de trabalhadores que o defenderam. Logo, o Estado não impe-
mia com outros de heteronomia. Houve significativo avanço diu, ao contrário, sempre defendeu a liberdade sindical. O
no sentido da liberdade sindical quanto as relações entre o movimento sindical que se fez ouvir na Assembléia Constituin-
Estado e o sindicato. Sublinhe-se, nessa diretriz, o direito de te foi o mesmo que impediu em 1987 a ratificação da Conven-
livre criação e administração das entidades sindicais, a proi- ção 87, e que julgou melhor, com o propósito declarado de
bição de interferência do governo nos sindicatos e a livre es- evitar o fracionamento dos sindicatos, manter a estrutura anti-
tipulação de contribuição confederativa pelas respectivas as- ga, contrária a Convenção 87.
sembléias dos sindicatos, medidas que se situam numa linha A regulamentação legal que define a organização sindi-
apreciável de liberalização dos sindicatos, uma vez que se cal não teve o escopo de inviabilizar a liberdade dos sindica-
permite a estes expressar-se como entes que não mais de- tos e deve ser interpretada não como regra estatal restritiva,
pendem do Ministério do Trabalho e que poderão conduzir-se mas ordenatória, como expressão da vontade dos interlocuto-
pelos seus próprios passos, como é comum nos modelos de res sociais que concluíram ser essa a melhor forma de dar
autonomia. atendimento as suas pretensões de um sindicalismo presumi-
114 AMAURI MASCARO NASCIMENTO
HISTORIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 115

damente bem estruturado, mas que necessita da lei para se


manter. A melhor forma de unicidade sindical é a dos países retrospecto histórico no qual sempre houve sindicatos de
nos quais há liberdade sindical, exatamente para que as asso- categorias diferenciadas, suporte dos sindicatos por profissão.
ciações que resolverem unir-se ou separar-se possam fazê-lo O que a Constituição exigiu é que a pirâmide de organi-
com plena autonomia. Todavia, há diferença de contexto entre zações não afastasse, acima dos 'sindicatos, as federações e
a unicidade de 1937, desejada pelo Estado e fruto da concep- confederações por categorias, como está expresso no texto
ção autoritária sobre o movimento sindical e a unicidade de da Carta Magna e como já é tradição em nossa ordem jurídi-
1988, não imposta pelo Estado, votada pelo Congresso Nacio- ca. Esses entraves que burocratizam a organização sindical
nal ao aprovar a nova Constituição, com apoio de parte dos foram em parte afastados com a Constituição de 1988, segun-
sindicatos, portanto após diálogo livre e democrático dos sin- do a qual é vedada ao poder público qualquer interferência na
dicatos e entre estes e a classe política. Em 1937, o Estado organização sindical.
ditatorial impôs unilateralmente a unicidade como forma de Outra modificação refere-se a base territorial, assim en-
dominação sobre os sindicatos. tendido o espaço geográfico no qual o sindicato atua e exerce
Desse modo, os pressupostos e as razões determinantes a sua representação. Antes da Constituição a base territorial
não se identificam: ao contrário, acham-se marcados pela di- vinha sendo fixada pelo Ministério do Trabalho, que, ao conce-
ferença dos acontecimentos políticos e sociais que os infor- der a personalidade jurídica ao sindicato, através da carta de
maram. Mas a unicidade imposta por lei com a exclusão de reconhecimento, procedia a delimitação dessa base, que po-
qualquer outro sindicato na mesma base territorial por dispo- deria ser municipal, intermunicipal, estadual, interestadual ou,
sição legal traz sempre um traço de monopólio. Ressalve-se, excepcionalmente, nacional, sempre segundo o critério do
no entanto, um tipo de unicidade, em nível de.empresa e quan- governo. Cabia igualmente ao governo proceder a ampliação
do deliberado democraticamente pelos empregados da mes- ou ao desdobramento da base, fazendo-o não só segundo cri-
ma. Mas não foi esse o sistema brasileiro. A lei vedou o sindi- térios técnicos, mas, as vezes, também políticos. Como se vê,
cato em nível de empresa, o que provocou propostas de modi- o sistema altamente regulamentado contrariou a dinâmica na-
ficação de reforma constitucional. tural da vida dos sindicatos, em desacordo com o princípio da
liberdade sindical.
A unicidade adotada é tão-somente de base ou de cate-
goria, impedindo a existência de sindicatos múltiplos numa A Constituição conferiu aos trabalhadores o direito de
categoria, além da proibição da existência de sindicatos por definir sua base territorial com o que essa tarefa não mais
empresa. É que, sendo o município, por força da norma cons- coube ao Estado. Tudo levou a crer que as então bases seriam
titucional, a unidade mínima permitida para a atuação de um desfeitas somente mediante uma luta sindical muito forte, in-
sindicato, fica, em conseqüência, afastada a possibilidade de clusive judicial. É difícil imaginar, no entanto, um sindicato que
unidades menores, como a empresa ou o estabelecimento. por sua iniciativa queira reduzir a sua área. Problemas surgi-
ram porque a definição das bases pelos próprios interessados
Nada impede a pluralidade de centrais sindicais, por- é corretivo da rigidez da unicidade sindical, igualmente previs-
que a unicidade a que se refere a Constituição é na cate- ta pela Constituição.
goria e não fora ou acima dela. Fica, assim, traçado um
modelo ambíguo de pluralidade de cúpula e unidade de A rigor, a autodefinição das bases e representatividade é
base. Resta saber se a unicidade impede a existência de medida que se enquadra dentre as compatíveis com os siste-
sindicatos por profissão. Não há proibição expressa ou im- mas de liberdade sindical ou, mais precisamente, de pluralida-
plícita na Constituição quanto a existência desse tipo de de sindical, como ocorre em todos os países democráticos eu-
sindicato nem seria de se concluir nesse sentido diante do ropeus. Nestes, é um direito dos trabalhadores e dos empre-
gadores constituir as organizações que estimem convenien-
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118 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

livremente os seus representantes. Há legislações que regula- político pelo qual possa ser utilizado como instrumento dos
mentam de modo bastante detalhado os estatutos dos sindi- seus fins, mas nada impede que, ao contrário, faça o sindicato
catos. Impor por lei certas exigências para os estatutos não uso do partido político para a consecução dos seus objetivos
infringe a liberdade sindical, sob a condição de que essas exi- profissionais ou econômicos. A sua,principal função é a nego-
gências sejam só de forma e de que a aprovação dos estatu- ciação coletiva para a obtenção de melhores condições de tra-
tos não-seja deixada a discrição das autoridades públicas. A balho e, se possível, de vida para os trabalhadores, não fican-
mesma liberdade de administração compreende ainda o direi- do excluída a hipótese da negociação com o empregador como
to dos sindicatos de não serem dissolvidos ou terem as suas instrumento de administração de crises.
atividades suspensas por via administrativa, porque esta não Segundo a Constituição, a lei não pode obrigar ninguém
oferece todas as garantias que unicamente pode assegurar a filiar-se a um sindicato ou a manter a sua filiação, com o que
um procedimento judicial normal. assegura a liberdade sindical individual, que consiste exata-
Como se vê, profundos são aqui os reflexos dos novos mente na faculdade de filiação ou desfiliação de um sindicato.
princípios constitucionais sobre a legislação vigente e que se A liberdade sindical individual é princípio declarado pela Con-
manifestaram sobre inúmeros dispositivos da Consolidação das venção 87 da OIT (art. I"), ao dispor que os trabalhadores e
Leis do Trabalho: todos os que dispõem sobre órgãos dos sin- empregadores têm o direito de filiar-se as organizações que
dicatos, uma vez que a sua determinação é matéria estatutá- estimarem convenientes, com a única condição de observar-
ria; número de diretores, por igual motivo; funções do sindica- Ihes os estatutos.
to, já que a liberdade de administração pressupõe que o sindi-
cato fixe o seu programa de ação, assistencial ou não; contro- Essa faculdade compreende o direito de ingressar, de
le orçamentário sobre o sindicato; intervenção nos sindicatos; desenvolver atividades sindicais e de deixar as entidades em
suspensão dos diretores; cassação da carta sindical; penali- que se inscreveram, num sentido amplo, uma vez que sua ple-
dades; recurso das decisões da assembléia geral para o Mi- na realização pressupõe mecanismos de apoio suficientes para
nistério do Trabalho, questões todas que passaram a ter um que cada pessoa possa exercer uma ação coerente com a sua
tratamento diferente em nossa ordem jurídica. condição de associada de um sindicato, problema não encon-
trado no Brasil, mas com que se deparam alguns sistemas
Tradicionalmente, o sindicato brasileiro tem cumprido o jurídicos, com as cláusulas sindicais, as vezes inseridas nos
exercício de funções assistenciais, ultimamente acrescidas da contratos coletivos, e que são disposições que têm por finali-
ampliação da função de negociação, que é na verdade a mais dade forçar o ingresso de alguém num sindicato, atuando as-
importante, para ajustar convenções e acordos coletivos. A Cons- sim como um mecanismo de compulsão.
tituição dispõe que a entidade sindical cabe a defesa dos direi-
A Constituição de 1988 permitiu a sindicalização no setor
tos e interesses da categoria, individuais ou coletivos, com o
público civil, proibindo-a apenas no militar, com o que as re-
que fixa as atribuições constitucionais do sindicato, fazendo-o
gras a que se submeterão os interessados passaram a ser as
de modo técnico. Os sindicatos têm por função cuidar dos direi-
mesmas fixadas para o setor privado, com evidente tendência
tos e interesses de toda a categoria em razão da qual exercem
imediata de transformação das associações representativas
a sua representação e também dos direitos individuais dos seus
dos servidores públicos civis em sindicatos de categorias pro-
membros. Depreende-se do texto constitucional que esses in-
fissionais com base territorial mínima municipal. Todavia, di-
teresses são os profissionais; no entanto, as vezes se confun-
ante do princípio da unicidade, surgiram problemas de repre-
dem com outro tipo de interesses, como os de natureza política.
sentatividade nos casos de identidade de atividades, pela ad-
O sindicato é um ente político porque participa da vida da ministração publica, de iniciativas econômicas concorrentes
polis, o que não quer dizer que deva submeter-se a um partido com outras, de natureza privada e igual fim, já existentes na
120 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 121

mesma localidade. O princípio primeiro para a solução de pro- Não são praticadas cláusulas, ao contrário das previstas
blemas dessa natureza tornou-se o do consenso dos interes- em contratos coletivos de trabalho de outros países, restriti-
sados. No caso de impugnações ao pedido de registro, a vas da liberdade sindical individual como a closed shop, cuja
pendência passou a ser resolvida definitivamente pelo Poder finalidade é fazer com que o empregador só admita em sua
Judiciário. empresa os não-filiados; a union shop, através da qual o em-
A negociação é a tarefa maior 40s sindicatos, a tal ponto pregador só admitirá trabalhadores não associados ao sindi-
que sua existência só se justificará na proporção da sua capa- cato desde que aceitem a condição de se filiarem num certo
cidade de negociar. Um sindicato sem força ou condição para prazo; a maintenence of membership, pela qual alguém se
conseguir contratos coletivos de trabalho razoáveis não tem compromete a manter a sua filiação sindical; a preferentialshop
nenhuma expressão, porque a sua presença na vida das rela- ou cláusula de preferência para sindicalizados; a check off ou
ções de trabalho seria figurativa. Os interesses que segundo a cláusula de retenção de contribuições; a agency shop ou con-
Constituição devem ser defendidos pelo sindicato são os cole- tribuição sindical obrigatória, e outras.
tivos e os individuais, cabendo aqui, ainda que de modo su- O sindicato brasileiro não condiciona alguém a nele in-
mário, uma referência a cada um desses dois tipos. O interes- gressar através de cláusulas como as existentes em outros
se coletivo situa-se entre o interesse público e o individual, países. Embora inexistente essa prática, os resultados são
com eles não se confundindo. semelhantes em face do sistema da unicidade sindical, adota-
O corporativismo incorreu no equívoco de não fazer a dis- do pela Constituição, porque, embora ninguém seja constran-
tinção entre o público e o coletivo. Identificou-os. Com isso, gido a se filiar a um sindicato, se resolver fazê-lo, não terá
publicizou os sindicatos. Se há tal identificação, o interesse da opções e só poderá entrar como sócio no sindicato único per-
categoria profissional ou econômica será sempre a vontade mitido na sua categoria.
do Estado representando o interesse público, o que leva a
estatização das relações coletivas de trabalho, em desacordo Em conclusão, as transformações operadas no plano cons-
com o princípio da liberdade sindical. O interesse coletivo não titucional criaram condições para o desenvolvimento, mas não
se identifica com o interesse público: ambos são separados e a plena realização, do princípio da liberdade sindical. Ao lado
independentes. Podem eventualmente coincidir, como também de significativos avanços, foram mantidos mecanismos incom-
se contrapor, sempre que a pretensão do grupo profissional patíveis com os propósitos maiores da garantia de um sistema
afastar-se do interesse público. fundado na autonomia privada coletiva e capaz de permitir o
Não foi outro o sentido do princípio da autonomia privada pleno desenvolvimento da ação sindical. O nosso modelo tor-
coletiva, como característica de uma sociedade pluralista na nou-se híbrido e contraditório em alguns pontos essenciais, e
qual, entre o indivíduo e o Estado, há também os grupos so- dessas contradições têm resultado problemas que afastam a
ciais, como tais dotados de direito de expressão e de ação. normalidade das relações coletivas de trabalho, só alcançável
Interesse coletivo é, portanto, o de um grupo de pessoas não na medida em que venham a ser removidos, retirando-se, do
nominadas mas integradas numa única força de pretensão que plano normativo, algumas limitações que impedem a ratifica-
é comum a todos. Interesse individual é o de uma pessoa sin- ção da Convenção 87 da OIT e a prática plena do contrato
gularmente considerada, e como a Constituição confere ao coletivo de trabalho.
sindicato a função de defender o interesse individual, não limi-
tando essa defesa a esfera das pessoas que estejam filiadas C. A estrutura constituída
ao sindicato, é possível concluir que também os interesses
individuais dos não-sócios do sindicato, mas membros da ca- Em linhas gerais, a estrutura sindical consolidou-se nas
tegoria, possam ser por este defendidos. seguintes bases.
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 123
122 AMAURI MASCARO NASCIMENTO

Em primeiro nível, os entes que existem são os sindica- Maranhão ............................................... 405
tos que são os órgãos de representação dos trabalhadores de Mato Grosso do Sul .............................. 378
toda uma categoria numa determinada base territorial, haven- Espírito Santo ........................................ 334
do sindicatos de trabalhadores e sindicatos de empregadores;
há sindicatos de trabalhadores empregados, de trabalhadores Rio Grande do Norte ......:...................... 31 9
autônomos, de profissionais liberais, de trabalhadores rurais e Piauí ....................................................... 289
de trabalhadores domésticos. Os sindicatos não se confun- Mato Grosso ......................-.................*.288
dem com os Conselhos de Fiscalização do Exercício Profis- Alagoas .................................................. 232
sional que são autarquias corporativas ou ordens profissio-
nais, não integrantes da organização sindical, destinadas ao Sergipe ................................................... 21 4
exercício da fiscalização da profissão como a ordem dos ad- Amazonas .............................................. 21 2
vogados, a ordem dos músicos, a ordem dos economistas e Distrito Federal (Brasília) ...................... 206
outras.
Tocantins ................................................ 145
Os sindicatos de trabalhadores representam, por força de
lei, todos os trabalhadores que integram a categoria, sócios Rondônia ................................................ 142
ou não, e esta é um setor da atividade econômica. Os sindica- Acre .......................................................... 55
tos patronais representam as empresas e instituições que fa-
zem parte do respectivo setor de atividade.
Roraima ................................................... 40
No período de maio de 1942 a agosto de 1996 o número
total de sindicatos registrados no Ministério do Trabalho foi de Total geral ........................................ 15.972
15.972(quinze mil novecentos e setenta e dois), incluindo tan-
to os sindicatos de trabalhadores como de empregadores, as- O número de entidades sindicais registradas por setores
sim distribuídos por unidade de Estados da Federação: gerais até agosto de 1996 é o seguinte: 1) Urbanas: emprega-
dores 2.790;empregados 5.621; profissionais liberais: 461 ; tra-
São Paulo .......................................... 2.365 balhadores autônomos: 572;servidores públicos: 1.335 num
total de 10.779;2) Rurais: empregadores: 2.095;empregados
Minas Gerais ..................................... 1.930 3.098 num total de 5.193.
Rio Grande do Sul ............................. 1 .641 Continuou a crescer o número de sindicatos, o número
Paraná ................................................ 1 ,340 total não é rigoroso porque não há dados levantados e atuali-
Santa Catarina .................................. 1 .I23 z a d o ~ estimando-se,
, em 2001,cerca de 19.000,somados os
patronais e de trabalhadores registrados no Ministério do Tra-
Rio de Janeiro ................................... 1 .O21 balho e Emprego.
Bahia ..................................................... .888 O sindicato tem como órgãos internos a diretoria, a as-
Ceará ..................................................... 531 sembléia e o conselho fiscal. Diretoria é órgão colegiado que
Pernambuco .......................................... 502 tem por função administrar o sindicato e é integrado por um
presidente e diversos diretores, competindo-lhe a represen-
Goiás ...................................................... 471 tação judicial e extrajudicial do sindicato. Podem ser instituí-
Paraíba ...................................................427 das delegacias sindicais descentralizadas. A lei veda a dis-
Pará ........................................................ 423 pensa do dirigente sindical a partir do registro da candidatu-
124 AMAURI MASCARO NASCIMENTO 125
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

ra a cargo eletivo de direção ou representação sindical, in- sociados e obrigatória para os sócios do sindicato, em quanti-
clusive como suplente, até um ano após o término da gestão, as e periodicidade variável, subordinando-se o seu desconto
não podendo ser desligado do emprego sem justa causa2, bem a não oposição do trabalhador, manifestada perante a empre-
como proíbe a sua transferência para localidade que impossibi- sa, até dez dias antes do primeiro pagamento reajustado. Quar-
lite ou dificulte o desempenho das suas atribuições sindicais3. to, a mensalidade devida pelos as'sociados do sindicato, nos
As~assembléiassão de dois tipqs, as ordinárias e as ex- valores estabelecidos pelas assembléias.
traordinárias, de acordo com o estatuto de cada sindicato. Po- Acima dos sindicatos, há, como segundo grau de asso-
dem votar os associados mas há estatutos que ampliam a ca- ciação sindical, federações que são criadas pelos sindicatos
pacidade para votar a aposentados e a membros da categoria I da correspondente categoria numa base territorial, via de re-
não sócios do sindicato. Para a negociação coletiva ou para gra a de um Estado-membro da União. Por exceção, uma Fe-
l
ingressar com processo judicial a diretoria necessita de apro- deração pode ter base territorial mais ampla abrangendo mais
vação da assembléia. Quando se trata de questão de interes- de um Estado-membo. As federações são associações inte-
se restrito a trabalhadores da empresa, somente estes, como gradas pelos sindicatos da categoria. Há federações patronais,
associados, é que terão capacidade de votar. como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, e
O sindicato, além da negociação coletiva, presta aos seus federações de trabalhadores como a Federação dos Trabalha-
representados funções assistenciais como educação, saúde, co- dores nas Indústrias do Estado de São Paulo. O mesmo acon-
locação em outros empregos, lazer e serviços jurídicos dentre os tece em diversos outros setores da atividade econômica.
quais a assistência judiciária gratuita a todo membro da catego- Para que na categoria seja criada uma federação é condi-
ria cujo salário tenha o valor de até duas vezes o mínimo legal e ção a existência de pelo menos cinco sindicatos. As federa-
a homologação dos pagamentos que as empresas são obriga- ções não têm legitimidade para negociar dependendo, para
das a efetuar ao empregado na extinção dos contratos indivi- esse fim, dos sindicatos aos quais compete essa atribuição.
duais de trabalho cujo emprego tenha a duração superior a um ano. Nesse ponto, o sistema brasileiro não coincide com o de ou-
Outra função do sindicato é a arrecadação de contribui- tros países nos quais as entidades de segundo grau têm legi-
ções aprovadas pela assembléia geral e as fixadas pela lei, timidade direta para negociar uma vez que restringe o seu papel
além das mensalidades devidas pelos associados. A receita a coordenação dos sindicatos.
proveniente de contribuições sindicais é de quatro tipos. Pri- Além das federações há órgãos sindicais de terceiro
meiro, a contribuição confederativa na conformidade das dire- grau, as confederações, entidades sindicais que têm base
trizes aprovadas pelas respectivas assembléias sindicais, em territorial nacional. As confederações são criadas por um
valores e periodicidade variáveis em função de cada sindicato determinado número de federações da categoria. Existem
que a institui. Segundo, a contribuição sindical obrigatória e confederações de trabalhadores, de que são exemplos a
devida por todo membro da categoria, prevista em lei, cobra- Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio-
da uma vez por ano em valor correspondente, para o empre- CNTC, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na In-
gado, ao salário do dia 31 de março de cada ano, e para o dústria - CNTI, a Confederação Nacional dos Trabalhado-
empregador em valor proporcional ao capital social. Terceiro, res em Comunicações e Publicidade - CONTCOP, a Con-
o desconto assistencial previsto em convenções coletivas de federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Ter-
trabalho ou em sentenças judiciais, facultativa para os não as- restres - CNTTT, a Confederação Nacional dos Trabalha-
dores em Transportes Marítimos, Fluviais e Aéreos -
Consolidação das Leis do Trabalho, art. 543. CNTTMFA, a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas
*Constituição Federal, art. 85 VIII. Empresas de Crédito - CONTEC, a Confederação Nacio-
126 AMAURI MASCARO NASCIMENTO 127
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

na1 dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e


Cultura- CNTEEC e outras; e há confederações de empre- migrações, qualificação profissional e formação profissio-
nal; 3) saúde, segurança, inspeção do trabalho e segurida-
gadores como a Confederação Nacional do Comércio, a
de social.
Confederação Nacional da Agricultura, a Confederação Na-
cional da Indústria, a Confederação Nacional de Transpor- A Resolução n. 115.96 aprovou pauta de negociação do
tes Marítimos, Fluviais e Aéreos, a Confederação Nacional Subgrupo 10 do Mercosul, incluindo o projeto de Carta dos
de Transportes Terrestres, a Confederação Nacional de Co- Direitos Fundamentais do Mercosul, a Declaração sociolaboral
municações e Publicidade, a Confederação Nacional das do Mercosul, assinada pelos Chefes de Estado da Argentina,
Empresas de Crédito, a Confederação Nacional de Educação Brasil, Paraguai e Uruguai. Dedica, ao direito sindical, seis ar-
e Cultura e outras. tigos. São os seguintes:
As Confederações são em número menor do que as Fe- "Direitos Coletivos. Liberdade de associação.
derações, têm base territorial mais ampla uma vez que são
nacionais e é condição para a sua criação a existência, no Art. 8" Todos os empregadores e trabalhadores têm o
País, de pelo menos três federações na categoria. Como ocor- direito de constituir as organizações que considerarem con-
re com as federações, não têm legitimidade direta para a ne- venientes, assim como de afiliar-se a essas organizações,
gociação coletiva. Desse modo, são órgãos consultivos, de co- em conformidade com as legislações nacionais vigentes.
ordenação das federações e opinativos nos casos de impug- Os Estados Partes comprometem-se a assegurar,
nação ao registro de novos sindicatos na categoria. As im- mediante dispositivos legais, o direito a livre associação,
pugnações têm como causa a proibição legal de mais de um abstendo-se de qualquer ingerência na criação e gestão
sindicato da mesma categoria na mesma base territorial. das organizações constituídas, além de reconhecer sua
Acima das Confederações estão situadas as Centrais Sin- legitimidade na representação e na defesa dos interes-
dicais. Não representam categorias. Estão acima das catego- ses de seus membros.
rias. Podem representar diversas entidades sindicais de qual-
quer categoria. Tanto sindicatos como federações e também Liberdade sindical.
confederações podem associar-se a uma Central Sindical. As Art. 9" Os trabalhadores deverão gozar de ade-
duas maiores centrais sindicais são a CUT-Central Unica dos quada proteção contra todo ato de discriminação ten-
Trabalhadores e a FS-Força Sindical, ambas sediadas no Es- dente a menoscabar a liberdade sindical com relação a
tado de São Paulo, a primeira de tendência ideológica revolu- seu emprego.
cionária e a segunda reformista e gradativa. Deverá garantir-se:
Outras Centrais sindicais surgiram, a CGT - Central a) liberdade de filiação, de não filiação e desfiliação,
Geral dos Trabalhadores, a USI - União Sindical Indepen- sem que isto comprometa o ingresso em um emprego ou
dente, a CGT - Confederação Geral dos Trabalhadores, a sua continuidade no mesmo;
CAT - Coordenação Autônoma dos Trabalhadores, a CSD
b) evitar demissões ou prejuízos a um trabalhador
- Central Social Democrática, a CCT - Coordenação Con-
por causa de sua filiação, acordos e convenções coleti-
federativa de Trabalhadores e a SDS - Social Democracia
vas de trabalho em vigor nos Estados Partes.
Sindica I.
A Resolução n. 115/96 restabeleceu as comissões per- Negociação coletiva.
manentes, reduzindo-as a 3, segundo os temas da compe-
Art. 10. Os empregadores ou suas organizações e
tência de cada uma: 1) relações trabalhistas; 2) emprego,
as organizações ou representações de trabalhadores têm
128 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTORIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 129

direito de negociar e celebrar convenções e acordos co- um conjunto de princípios, aos quais esses ordenamentos
letivos para regular as condições de trabalho, em confor- devem adequar-se, numa perspectiva de harmonização do di-
midade com as legislações e práticas nacionais. reito do trabalho no Mercosul.
Quanto aos Direitos Coletivos, defende a liberdade de as-
Greve sociação, assegurando, aos empregadores e trabalhadores, o
Art. 1 1. Todos os trabalhadores e as organizações direito de constituir as organizações que considerarem conve-
sindicais têm garantido o exercício do direito de greve, nientes, assim como de afiliar-se a essas organizações, em
conforme as disposições nacionais vigentes. Os meca- conformidade com as legislações nacionais vigentes, ressal-
nismos de prevenção ou solução de conflitos ou a regula- va, esta, que permite compatibilizar o direito interno brasileiro
ção deste direito não poderão impedir seu exercício ou com o princípio de liberdade sindical da Declaração.
desvirtuar a sua finalidade. O compromisso, que o Brasil assumiu, pela Declaração,
de assegurar, mediante dispositivos legais, o direito a livre as-
Promoção e desenvolvimento de procedimentos pre- sociação, abstendo-se de qualquer ingerência na criação e ges-
ventivos e de autocomposição de conflitos. tão das organizações sindicais, além de reconhecer sua legiti-
Art. 12. Os Estados Partes comprometem-se a pro- midade na representação e na defesa dos interesses de seus
piciar e desenvolver formas preventivas e alternativas de membros, só em parte pode ser cumprido. Discutível é a sua
autocomposição dos conflitos individuais e coletivos de harmonização com o princípio constitucional que veda a cria-
trabalho, fomentando a utilização de procedimentos inde- ção de mais de um sindicato, em qualquer nível, na mesma
pendentes e imparciais de solução de controvérsias. categoria econômica e profissional.
A Declaração propõe a adequada proteção, dos trabalha-
Diálogo social. dores, contra todo ato de discriminação tendente a menoscabar
a liberdade sindical com relação a seu emprego. A lei brasilei-
Art. 13. Os Estados Partes comprometem-se a fo- ra atende a essa exigência, com a estabilidade e a inamovibi-
mentar o diálogo social nos âmbitos nacional e regional, lidade do dirigente sindical.
instituindo mecanismos efetivos de consulta permanente
entre representantes dos governos, dos empregadores e É, pelo nosso direito, assegurada a liberdade de filiação,
dos trabalhadores, a fim de garantir, mediante o consen- de não filiação e desfiliação, sem que isto comprometa o in-
so social, condições favoráveis ao crescimento econômi- gresso em um emprego ou sua continuidade no mesmo. Quanto
co sustentável e com justiça social da região e a melhoria a defesa, do trabalhador, contra demissões ou prejuízos por
das condições de vida de seus povos". causa de sua filiação sindical, a lei brasileira não regulamen-
tou, até fins de 1999, o princípio constitucional da proteção
A Declaração tem por finalidade mostrar uma preocupa- contra dispensa arbitrária, de modo que a defesa atual, é re-
ção com a dimensão social, e não meramente econômica, que paratória, indenizatória, nos mesmos padrões de todo empre-
deve ser dada ao Mercosul, condição fundamental para acele- gado despedido sem justa causa.
rar os processos de desenvolvimento econômico com justiça Atendidas são as garantias da negociação coletiva e do
social. direito de greve, previstos em nosso país, que dispõe de um
Tem efeitos programáticos. Vale dizer que não tem valida- sistema de formas preventivas e alternativas de autocomposi-
de jurídica no sentido de incorporar-se aos ordenamentos jurí- ção dos conflitos coletivos de trabalho, com a utilização de
dicos internos de cada país. Porém, adquire a dimensão de procedimentos independentes e imparciais de solução de con-
130 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTORIA DO DIREITO DOTRABALHO NO BRASIL 131

trovérsias, como são os jurisdicionais, precedidos da tentativa com a prática negocia1 pelos sindicatos, sendo esse o contex-
da negociação coletiva e da mediação do Ministério do Traba- to no qual surgiu a legislação sobre negociação coletiva em
lho e Emprego e Procuradoria da Justiça do Trabalho. nosso país.
Estaremos, portanto, relendo dados já conhecidos vistos
D. A negociação coletiva agora sob uma nova perspectiva que põe com maior clareza a
dialética das transformações.
A negociação coletiva é compreendida como uma forma
de desenvolvimento do poder normativo dos grupos sociais Dois são os períodos do desenvolvimento da negociação
segundo uma concepção pluralista que não reduz a formação coletiva em nosso país.
do direito positivo a elaboração do Estado. E destinada a for- O primeiro de t 932 a 1988 que levou Orlando Gomes, em
mação consensual de normas e condições de trabalho que se- "A Convenção Coletiva de Trabalho" (1936), a dizer que na
rão aplicadas a um grupo de trabalhadores e empregadores. época, não havia no Brasil, com a indústria incipiente e a sin-
dicalização recente, "clima mui propício ao desenvolvimento
A negociação coletiva está na base da formação do direi-
do fenómeno" e que "devido ao demorado desenvolvimento
to do trabalho como uma das suas fontes de produção. As nor-
dos fatos que condicionam a evolução da convenção coletiva,
mas jurídicas trabalhistas não se esgotam com as normas ju-
a lei, aqui, se antecipou ao fato"; Oliveira Viana, em "Proble-
rídicas estatais. Há o direito positivo trabalhista não estatal. A
mas de Direito Corporativo" (1938), a afirmar que a conven-
negociação coletiva é a sua principal fonte, nem sempre foi
ção coletiva de trabalho é um fecundo instrumento jurídico como
importante no direito brasileiro, mas a partir de 1988 intensifi-
fonte do direito positivo, "pela sua generalidade, pela sua obri-
cou-se, como decorrência da modificação do modelo altamen-
gatoriedade e pela extensão cada vez mais larga do seu cam-
te legislado. É maior o seu grau de desenvolvimento como re-
po de ação, partilhando dos atributos da lei formal" que, mes-
sultado da transformação de um sistema de que antes era de
mo na sua forma mais elementar e primitiva, de acordo entre
dirigismo estatal e passou a ser de economia de mercado e
os empregados de um determinado estabelecimento com o
com tendências de menor regulamentação estatal das condi-
seu patrão, surgiu justamente como meio de estabelecer uma
ções de trabalho.
norma comum e geral, a vigorar dentro de uma pequena área;
As bases legais em que foi fundamentada no Brasil a a área de uma fábrica ou de uma empresa, vendo, na conven-
negociação coletiva situam-se no ordenamento jurídico in- ção coletiva, um instrumento que fixa normas - e não que
tervencionista do corporativismo estatal. Essa concepção contrata serviços - pelas quais se deverão reger os futuros
prestigia a lei em detrimento da autonomia coletiva dos parti- contratos de trabalho; o período é marcado pela ausência de
culares. É marcada pelo contraste entre o controle do sindi- uma preocupação maior com a negociação coletiva, fruto do
calismo, pelo Governo (Decreto n. 19.770, de 1931) e o reco- contexto no qual for instituída, o corporativismo do Estado, a
nhecimento, meramente formal, das convenções coletivas de lei como instrumento para resolver o problema do trabalhador,
trabalho (Decreto n. 21.764, de 1932), em manifesta contra- a concepção das funções do sindicato como órgão que exerce
posição, como se fossem harmonizáveis a intervenção do funções delegadas de Poder Público e de colaboração com o
Estado na organização sindical e a liberdade de negociação Governo.
coletiva dos sindicatos. O retrospecto da legislação brasileira nos leva ao quadro
O propósito inicial do Estado, de transformar o proletaria- que passa a ser descrito: o Decreto n. 21.761, de 23.8.1 932; a
do numa força de cooperação com o Poder Público segundo Constituição Federal de 1934, art. 121 5 1 j que reconhece
Q,

uma diretriz voltada para a integração das classes produtivas as convenções coletivas; a Constituição Federal de 1937, art.
própria do pensamento político da época, não se coadunou 137, a que estende os efeitos dos contratos coletivos a sócios
132 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 133

e não sócios dos sindicatos estipulantes e fixa um conteúdo Não é demais observar que das características da nego-
obrigatório mínimo para os mesmos seguida pelo Decreto-lei ciação coletiva em cada país depende a sua classificação nos
n. 1.237, de 2.5.1939, art. 28, d, que organiza a Justiça do modelos jurídicos trabalhistas, daí falar-se em modelos abs-
Trabalho e investe o Conselho Nacional do Trabalho de pode- tencionistas, que são os desregulamentados, o que significa
res para estender a toda a categoria, nos casos previstos em mais negociação, e em modelos fegulamentados, que são
lei, os contratos coletivos de trabalho; a Consolidação das Leis aqueles em que há menos negociação e mais legislação. De
do Trabalho, de 1943, que regulou,. de modo mais amplo, a qualquer modo, a negociação sempre está presente na forma-
convenção coletiva de trabalho como instrumento normativo ção do direito positivo, desempenhando papel da maior rele-
de efeitos erga omnes sobre toda a categoria representada vância, como parte do processo de elaboração do qual resul-
pelo sindicato único; a Constituição Federal de 1946, art. 157, tam as regras aplicáveis as relações individuais de trabalho,
XIII, que mantém o reconhecimento das convenções coleti- com o que fica ressaltada a sua relação direta com o proble-
vas; o Decreto-lei n. 229, de 28.2.1967, aprovado quando foi ma das fontes formais do direito do trabalho. Melhor seria di-
Ministro do Trabalho Arnaldo Sussekind, que criou os acordos zer que essa relação é com as fontes de produção, conside-
coletivos entre sindicato e uma ou mais empresas, com os rando-se a negociação como procedimento inconfundível com
quais os níveis de negociação passaram a ser dois, um, a ca- os demais que atuam nesse ramo especializado do Direito,
tegoria, único até então existente, outro, a empresa, ambos dentre os quais evidentemente o processo legislativo tem
passando, necessariamente, pelo sindicato profissional deten- preponderância, como expressão da vontade maior do Estado
tor exclusivo da legitimidade para negociar nos dois casos; encontrando o seu fundamento na teoria da autonomia coletiva
a Constituição de 1988, que atribuiu a negociação coletiva, a dos particulares, cada vez mais aceita, expressão do pluralismo
função de administrar crises na empresa, ao admitir a redu- dos grupos sociais.
ção dos salários e da jornada por acordos e convenções cole- Está cada vez mais clara a noção de que ao Estado cabe
tivas (CF, art. 7" VI e Xlll) e condicionar, a propositura de dis- a elaboração das leis pelas vias próprias indicadas pelo Direi-
sídios coletivos, a prévia tentativa de negociação (art. 114); to Constitucional, competindo aos sindicatos e demais grupos
agora, a lei que pretende flexibilizar a CLT dando força maior econômico-profissionais a atuação, de igual sentido, para a
as estipulações dos acordos e convenções coletivas de traba- instauração de liames que muito se aproximam dos negócios
lho para sobreporem-se ao texto da lei infraconstitucional, com jurídicos que a teoria do Direito admite e confere a iniciativa
as reservas algumas que estabeleceu. particular. Observe-se, também, que as fontes privadas não
O segundo período com a Constituição de 1988 e a re- são reduzidas a negociação coletiva porque ao lado delas se
dução do salário e da jornada de trabalho por acordos e con- situam as consuetudinárias, como processo de formação de
venções coletivas (art. 7" VI), o Plano Real (Lei n. 8.880, de normas jurídicas trabalhistas que positivam através dos usos
1994) e a desindexação dos salários, a participação obriga- e costumes. Acrescente-se, ainda, como resultado da mesma
tória dos sindicatos na negociação coletiva (art. 8" VI), a proi- atividade regulamentar privada, a que se desenvolve no âmbi-
bição da redução, pelos Tribunais do Trabalho, de vantagens to da empresa, sob a forma de negociação, como é melhor, ou
previstas em convenção coletiva, o condicionamento da pro- como atuação unilateral do empregador, da qual resultam os
positura de dissídio coletivo a prévia tentativa de negocia- regulamentos de empresas, reconhecidamente outra impor-
ção, a ampliação, para mais de 6 horas, da duração diária do tante forma de produção de direitos e deveres no âmbito do
trabalho em turnos ininterruptos de revezamento por acordo Direito do Trabalho.
ou convenção coletiva e diversas leis flexibilizadoras que fo- A negociação visa suprir a insuficiência do contrato indi-
ram sendo gradativamente aprovadas, ao lado de algumas vidual de trabalho, não sendo essa, no entanto, a sua única
medidas tutelares. finalidade. Mas é uma das suas principais finalidades, talvez
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136 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 137

submete-se a regras estabelecidas pela lei dispondo sobre um Internacional do Trabalho prevê a livre negociação em todos
conjunto de atos praticados progressivamente sob a forma de os níveis. No entanto, no Direito brasileiro não é assim. As
procedimentos previstos na Consolidação das Leis do Traba- negociações restringem-se ao nível dos sindicatos. Estes de-
lho (art. 61 1 e seguintes) e que foram assim resumidos: têm a exclusividade, o monopólio dg negociação. A federação
a) assembléia do sindicato de trabalhadores para autori- sindical não tem legitimidade para negociar e assinar os ins-
zar a di'retoria a iniciar as negociações; trumentos normativos onde há sindicatos. Apenas onde a ca-
b) discussões entre os dirigentes dos sindicatos de empre- tegoria não e organizada em sindicatos.
gados e de empregadores no caso de convenção e entre aque- As confederações não podem negociar diretamente en-
les e os diretores da empresa no caso de acordo coletivo; tre si. O mesmo ocorre com as centrais. Sem a participação
c) possibilidade de mediação do Delegado Regional do do sindicato, as cláusulas negociadas por entidades de grau
Trabalho visando a aproximação entre as partes e com pode- superior não se aplicam na sua base territorial. Se uma central
res de convocação compulsória destas para o diálogo, ato que sindical quiser negociar em conjunto para todos os sindicatos,
tem o nome de mesa-redonda; o instrumento negociado terá de receber a anuência de cada
sindicato em cuja base territorial as cláusulas serão aplicadas.
d) havendo acordo segue-se a redação do documento com No entanto, essas entidades de grau superior desenvolvem a
as cláusulas objeto da negociação, e que é feita pelos advoga- articulação política da negociação e, de modo complementar,
dos das partes, segundo a praxe; assinam, em conjunto com os sindicatos, os respectivos ins-
e) aprovação do acordo pelas assembléias dos dois sin- trumentos. Essas restrições da lei têm criado problemas práti-
dicatos convenentes o patronal e o dos trabalhadores; cos. Impedem que entidades de grau superior, diretamente,
f) depósito do documento na Delegacia Regional do Tra- negociem assinem os contratos coletivos de trabalho sem a
balho no prazo de 8 dias da sua assinatura pelos representan- presença dos sindicatos, municipais, intermunicipais ou esta-
tes dos sindicatos ou empresas; duais, para que nas respectivas bases a norma possa ser exi-
gível e validamente aplicada.
g) publicidade do documento mediante afixação, de modo
visível, nas sedes dos sindicatos ou empresas, dentro de 5 A Organização Internacional do Trabalho incentiva a práti-
dias da data do depósito; ca da negociação coletiva por considerá-la a melhor forma de
composição dos interesses nas relações de trabalho. O Brasil
h) início da vigência após 3 dias do depósito;
ratificou a Convenção n. 98 da OIT que dispõe sobre medidas
i) duração máxima de 2 anos, podendo ser prorrogada, adequadas as condições de cada país, para incentivar a fixa-
revista ou denunciada, significando prorrogação o ato pelo qual ção das normas e condições de trabalho através de contratos
as partes, antes do término da duração da convenção ou acor- coletivos.
do, resolvem reapreciar as suas cláusulas e denuncia a comu-
nicação de uma parte a outra, da sua intenção de pôr fim an- A Constituição Federal reconheceu as convenções coleti-
tecipadamente a convenção, o que só ocorrerá também bila- vas, considerou obrigatória a participação dos sindicatos ne-
teralmente, isto é, com o consentimento da outra parte. las e a Consolidação das Leis do Trabalho as definiu e indicou
os seus efeitos. Segundo o art. 61 1, da CLT, convenção coleti-
Deveria haver mais de um nível de negociação coletiva va de trabalho é o "acordo de caráter normativo pelo qual dois
porque há mais de um grau de entidades sindicais. Há sindica- ou mais sindicatos estipulam condições de trabalho aplicáveis,
tos, federações, confederações e centrais sindicais. São orga- no âmbito das respectivas representações, as relações indivi-
nizações sobrepostas. Formam uma grande pirâmide de as- duais de trabalho". A legitimidade para negociar é dos sindica-
sociações sindicais. A Recomendação n. 163 da Organização tos, do lado dos trabalhadores o sindicato profissional e do
138 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 139

lado dos empregadores o sindicato patronal. Os sindicatos le- res e no lado patronal pelo Sindicato dos Bancos. É uma forma
gitimados são os que atuam na respectiva base territorial. Não espontânea de redução da presença do Estado nas relações de
pode um sindicato negociar fora da sua base territorial. A con- trabalho. A lei não define contrato coletivo de trabalho. E um ins-
venção coletiva é instrumento normativo em nível de catego- trumento normativo negociado. Porém, mais amplo. E negociado
ria. Projeta os seus efeitos sobre todas as empresas repre- pelas cúpulas sindicais e empresariais, as centrais, as confede-
sentadas pelo sindicato patronal. A I~gitimidadedo sindicato rações, as federações, etc. Nesse ponto, não se confunde com a
exclui a das federações. Estas só podem negociar nas catego- convenção coletiva e o acordo coletivo, que são instrumentos
rias inorganizadas em sindicato. O mesmo ocorre com as con- normativos das bases sindicais e não das cúpulas.
federações sindicais quanto as federações e sindicatos.
O Plano Real (Lei n. 8.880,de 1994),devolveu os reajus-
Em nível diferente das convenções coletivas, a lei passou tes dos salários a livre negociação.
a prever os acordos coletivos de trabalho (CLT, art. 61 I),ajus-
tes entre o sindicato dos trabalhadores e uma ou mais em- Em conclusão, é possível dizer houve a ampliação da con-
presas. Não se aplicam a toda a categoria mas só a(s) empre- tratação coletiva, mas alguns fatores a inibiram em nosso país.
s a ( ~ estipulante(s).
) A diferença entre convenção coletiva e Primeiro, a fragilidade dos sindicatos, para a qual contribuiu o
acordo coletivo resulta dos sujeitos, do pelo nível de negocia- sistema de unicidade sindical, irnpeditivo da liberdade sindi-
ção e do âmbito de aplicação das cláusulas instituídas. Nos cal. Segundo, as restrições impostas pelo sistema legal de con-
acordos coletivos os entendimentos são feitos diretamente tratação coletiva quanto a legitimidade para negociar e aos
entre o sindicato dos trabalhadores com um empregador ou níveis de contratação. O monopólio, das entidades sindicais
com dois ou mais empregadores. O acordo coletivo não é um de primeiro grau, de 1937,tornou-se uma regra, recolhida pelo
ajuste intersindical, porque num dos lados, o patronal, não atua art. 61 1 da CLT, segundo o qual compete aos sindicatos nego-
o sindicato. Em conseqüência, o âmbito de aplicação das con- ciar, e não as federações e confederações, a estas permitido
venções coletivas é maior que o dos acordos coletivos refle- negociar nos casos de categorias não organizadas em sindi-
tindo-se sobre todos os membros da categoria enquanto os cato. Terceiro, a unicidade sindical imposta por lei, contrária a
acordos coletivos envolvem apenas o pessoal da empresa liberdade sindical prevista pela Convenção n. 87,da Organi-
que o fez com o sindicato dos trabalhadores. A convenção é zação Internacional do Trabalho, e que concentra a negocia-
destinada a matéria mais geral, e o acordo a matéria mais ção ao nível de categoria, e ao sindicato único o seu agente
específica. Como se vê, uma é instrumento normativo de efei- exclusivo, em detrimento de outras opções que os interlocuto-
tos sobre a categoria, e outra sobre uma ou mais de uma em- res sociais queiram seguir. Quarta, o poder normativo da Jus-
presa da categoria, mas não sobre toda a categoria. O acor- tiça do Trabalho, ao qual recorrem os sindicatos, transferindo
do coletivo destina-se a resolver problemas na empresa. A para o Estado, pela via do dissídio coletivo, a fixação das re;
convenção coletiva, na categoria. gras a serem observadas a falta de conclusão consenso. E
Nos últimos anos surgiu uma discussão sobre contrato uma proteção aos sindicatos frágeis, mas, ao mesmo tempo,
coletivo de trabalho. A Lei n. 8.542192 usa essa expressão dis- institui uma cultura de intervenção do Estado que não favore-
pondo que as normas e condições de trabalho serão fixadas, ce a autonomia coletiva dos particulares.
entre outros meios, através de contratos coletivos. A Lei dos O sistema legal brasileiro de negociação foi bastante limi-
Portuários de 1993 (Lei n. 8.630/93),prevê o contrato coletivo tado ao restringir a legitimidade para negociar ao sindicato da
nacional dos portuários substitutivo da lei. No setor financeiro há base territorial mas a prática vem descumprindo a lei com van-
uma prática reiterada, um acordo nacional dos bancários firma- tagens para os interlocutores sociais como no caso de uma
do, pelos trabalhadores, em conjunto pelas Centrais Sindicais e empresa com diversos estabelecimentos localizados em Mu-
cada sindicato de base territorial que representa os trabalhado- nicípios que têm sindicatos diferentes e que teria que fazer um
140 AMAURI MASCARO NASCIMENTO 141
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

acordo coletivo com cada sindicato, o que está sendo evitado da convenção coletiva de trabalho cessam, automaticamente,
com o desenvolvimento de uma só negociação direta com uma todos os efeitos das suas cláusulas, de modo que aquelas que
Central Sindical visando um instrumento normativo abrangen- não forem renegociadas e não constarem do instrumento nor-
te de todos os Municípios. É o contrato coletivo. mativo subseqüente desaparecerãg. De acordo com a segun-
As questões que foram sendo suscitadas em torno do con- da, essas cláusulas permanecem em vigor nos contratos in-
trato cbletivo de trabalho são jurídicas e não econômicas. A dividuais de trabalho, ainda que não renovadas, uma vez que
primeiro, é a matéria objeto do mesmo, se apenas trabalhista se inserem, automaticamente, nos mesmos e estes passam a
ou, também, política social, política de saúde, política previ- ser a fonte do direito, e não mais a convenção coletiva. Para a
denciária, etc. O segundo é o efeito que teria sobre a lei, para terceira, há cláusulas que se incorporam e há outras que não.
alguns a substituição e para outros a cumulatividade, portanto É necessário distinguir entre cláusulas obrigacionais e cláusu-
o afastamento ou a soma as vantagens previstas na lei. O ter- las normativas. Aquelas não se incorporam pela sua natureza
ceiro, é a hierarquia entre os instrumentos normativos nego- e estas sim.
ciados, se a prevalência da norma favorável ao trabalhador ou Coube ao Ministério do Trabalho e Emprego desenvolver
se outro critério. Quarto, é a questão do contrato coletivo in estudos destinados a alterar o art. 75 da Constituição Federal.
pejus, com disposições menos favoráveis ao trabalhador. Quin- Não é demais lembrar que esse dispositivo relaciona condi-
to, é a possibilidade ou não de afetar o direito adquirido. ções de trabalho elevadas, pelo Constituinte de 1988, ao nível
Quanto aos efeitos das cláusulas normativas das conven- de direitos constitucionais. Há, no referido texto constitucio-
ções e acordos coletivos a lei os considerou um acordo de nal, a enumeração de direitos e, em alguns casos, a enumera-
caráter normativo. São normas jurídicas, portanto, parte inte- ção e a quantificação do direito como 50% de adicional de
grante da ordem jurídica. As convenções coletivas aplicam- horas extras e 113 de acréscimo de remuneração das férias.
se não apenas sobre os sócios dos sindicatos, mas sobre Essa idéia niio prosperou consideradas as dificuldades
todos os membros da categoria. Obrigam a todas as empre- naturais de toda reforma constitucional por motivos políticos,
sas, que nelas encontram uma série de deveres a serem cum- pelas pressões sindicais e tendo em vista a exigência legal da
pridos nas relações individuais de trabalho. Beneficiam inú- presença de maior número de congressistas pára votar apro-
meros empregados, que trabalham nessas empresas, pelo vando as modificações - quorum maior de deputados e se-
simples fato de integrarem o setor de atividade econômica a nadores -, o que nem sempre é possível alcançar.
que pertence o seu sindicato. Em sua origem aproximam-se Pensou-se, daí por diante, em modificar a CLT e para esse
dos contratos, mas, em seus efeitos, pendem mais para o fim foram desenvolvidos novos estudos, agora com a finalida-
lado da lei porque da mesma maneira que esta têm eficácia de de mudar a lei infraconstitucional. Cogitou-se, inicialmente,
geral no âmbito do grupo para o qual se destinam. Um juiz, em acrescentar ao art. 468 uma ressalva. Esse texto dispõe
ao decidir um processo na Justiça do Trabalho, pode aplicar que "nos contratos individuais de trabalho só é lícita a altera-
uma convenção coletiva. Um empregado quando ingressa com ção das respectivas condições, por mútuo consentimento, e,
um processo judicial pode pedir a aplicação da convenção ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamen-
do seu sindicato. te, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula
Há um debate doutrinário não solucionado sobre a incor- infringente desta garantia". A proposta residia em incluir na
poração ou não das cláusulas dos acordos e convenções co- parte final desse dispositivo o seguinte: salvo acordo ou con-
letivas, cessada a sua vigência, nos contratos individuais de venção coletiva de trabalho.
trabalho havendo três diferentes posições com reflexos na ju- Esse caminho foi abandonado e em seu lugar chegou-se
risprudência. Para a primeira, terminado o prazo da vigência a conclusão de que seria melhor mudar o art. 618 da CLT,
142 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 143

texto que tinha a seguinte redação: "As empresas e institui- 9 1"A Convenção ou acordo coletivo, respeitados os
ções que não estiverem incluídas no enquadramento sindical direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, não
a que se refere o art. 577 desta Consolidação poderão cele- podem contrariar lei complementar, as Leis n. 632 1, de
brar Acordos Coletivos de Trabalho com os Sindicatos repre- 14 de abril de 1976, e n. 7.4[8, de 16 de dezembro de
sentativos dos respectivos empregados, nos termos deste Tí- 1985, a legislação tributária, a previdenciária e a relativa
tulo". Esse dispositivo desatualizou-e. Com a extinção da Co- ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, bem
missão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho como as normas de segurança e saúde do trabalho.
e Emprego tornou-se inútil. O aproveitamento do numero do
artigo - 61 8 - foi uma questão meramente prática de conti- 5 2"s sindicatos poderão solicitar o acompanha-
nuidade de textos da CLT incluídos no Título "Das Conven- mento da central sindical, de confederação ou federação
ções coletivas de trabalho" para preservar a sua seqüência. a que estiverem filiados quando da negociação de con-
venção ou acordo coletivo previstos no presente artigo".
A proposta de modificação do texto em questão foi a
seguinte:
E. O direito de greve
''Art. 618. As condições de trabalho ajustadas me- Quanto a greve, a partir de 1900, quando o sistema polí-
diante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o tico caracterizava-se pela idéia liberal, exerceu-se como uma
disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição liberdade dos trabalhadores, sem leis que a restringissem ou
Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho". a disciplinassem.
No meio sindical e parlamentar houve 'apoios e críticas Como já foi mostrado, nos primeiros anos da República
chegando quase a uma situação de confronto. Na Câmara dos as greves eram esporádicas, visando, na maioria das vezes,
Deputados o texto passou por modificações com a introdução melhores salários e redução da jornada diária de trabalho. Po-
de novas limitações opostas a liberdade de negociação coleti- rém, no começo do século acentuaram-se, inclusive no Rio de
va que oferecia. Janeiro.
Foi aprovada a seguinte proposta, enviada para o Sena- A partir de 1937 foi declarada, pela Constituição, recurso
do Federal: nocivo ao interesse social e prejudicial a economia, como nas
concepções que consideram a greve como delito. Com a Consti-
"Projeto'de lei n. 5.483-De, de 2001. Altera o art. 618 tuição de 1946 foi reconhecida como direito dos trabalhadores.
da Consolidação das Leis do Trabalho. A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de
O Congresso Nacional decreta: 1969 seguiram essa diretriz, porém introduzindo limitações,
em especial quanto a paralisação das atividades essenciais e
Art. 1: O art. 618 da Consolidação das Leis do Tra- serviços públicos. A Constituição Federal de 1988, art. 95 é
balho, aprovada pelo Decreto-lei n. 5.452, de 10 de maio mais liberal e declara: "É assegurado o direito de greve, com-
de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação: petindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de
'Nrt. 618. Na ausência de convenção ou acordo co- exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele de-
letivo firmados por manifestação expressa da vontade fender". Por outro lado, o art. 9QispÕe: "A lei definirá os servi-
das partes e observadas as demais disposições do Títu- ços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento de
lo V1 desta Consolidação, a lei regulará as condições de necessidades inadiáveis da comunidade" e, também, que "os
trabalho. abusos cometidos sujeitam os responsáveis as penas da lei".
144 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 145

Desse modo, a greve é uma garantia coletiva constitucio- a empresa, manterá em atividade equipes de empregados com
nal; a oportunidade do seu exercício e os interesses através o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultar
dela defendidos são aqueles definidos pelos trabalhadores, que em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens,
devem fazê-lo de modo abusivo, mantendo, nas atividades máquinas e equipamentos, bem camo a manutenção daque-
essenciais, o atendimento das necessidades inadiáveis da les essenciais a retomada das atividades da empresa quando
comunidade. Regulando o preceito .constitucional, a Lei n. da cessação do movimento. Não havendo acordo, é assegura-
7.783, de 24.6.89, estabeleceu as disposições que passaram do ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de
a garantir o exercício do direito de greve e a coibir o abuso, contratar diretamente os serviços necessários para esse fim.
fixando um procedimento que exige dos sindicatos: Nos serviços essenciais a greve não é proibida. É subme-
a) a obrigatória tentativa de negociação, uma vez que a tida a algumas regras especiais.
lei não autoriza o início da paralisação a não ser depois de Esses serviços são os seguintes:
frustrada a negociação;
a) tratamento e abastecimento de água, produção e dis-
b) a deliberação em assembléia geral convocada pela tribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
entidade sindical e a falta de entidade sindical a assembléia
dos trabalhadores interessados que constituirão uma comis- b) assistência médica e hospitalar;
são para representá-los, inclusive, se for o caso, perante a c) distribuição e comercialização de medicamentos e
Justiça do Trabalho; alimentos;
c) o aviso ao empregador, com antecedência mínima de d) serviços funerários;
48 horas ampliadas para 72 horas nas atividades essenciais e) transporte coletivo;
sendo, nestas, obrigatório o anúncio da greve para conhecimento
dos usuários desses serviços com a mesma antecedência. f) captação e tratamento de esgoto e lixo;
Durante a greve, são assegurados aos grevistas: g) telecomunicação;
a) o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir h) guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equi-
ou aliciar os trabalhadores a aderirem a greve, de modo que o pamentos e materiais nucleares;
piquete é permitido quando não violento; i) processamento de dados ligados a serviços essenciais;
b) a arrecadação de fundos e a livre divulgação do j) controle de tráfego aéreo;
movimento. I) compensação bancária.
E vedado a empresa adotar meios para forçar o empre- Nesses serviços, o aviso prévio ao empregador é de 72
gado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de horas e é obrigatório aos sindicatos, de comum acordo com o
frustrar a divulgação do movimento. Os grevistas não podem empregador, garantir a prestação dos serviços indispensáveis
proibir o acesso ao trabalho daqueles que quiserem fazê-lo. É ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade
vedada a rescisão do contrato de trabalho durante a greve não assim consideradas aquelas que, se não atendidas, coloquem
abusiva, bem como a contratação de trabalhadores substitu- em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança
tos. Os salários e demais obrigações trabalhistas serão regu- da população
lados por acordo com o empregador. A greve é um direito, mas o abuso desse direito sujeita os
Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negocia- responsáveis as penas da lei. O conceito de abuso identifica-
ção, mediante acordo com a organização sindical patronal ou se, por força da lei, com o de descumprimento de exigência da
146 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTORIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 147

lei, bem como a manutenção da greve após acordo ou decisão Há, isto sim, princípios fundamentais diferentes que ins-
judicial, salvo se a finalidade da paralisação é exigir o cumpri- piram os dois organismos. Os órgãos não sindicais de traba-
mento de norma legal convencional ou quando a superveniên- lhadores na empresa podem conduzir as suas ações segundo
cia de fato novo venha modificar substancialmente a relação uma ideologia de harmonia e colaboração com o empregador.
de trabalho. A responsabilidade pelos atos abusivos é apura- Já o sindicato sofre uma natural tendência para agir de acordo
da segundo a lei trabalhista, civil e penal. com uma ideologia de conflitos, de oposição e de luta perma-
O Ministério Público pode requisitar a abertura de inquéri- nente através de seguidas confrontações com a empresa. Es-
to e processar criminalmente aqueles que praticaram ilícitos pe- tamos diante de duas concepções fundamentais básicas, das
nais. O empregador pode, no caso de abuso, despedir por justa quais resultam dois tipos diferentes de experiências, compatí-
causa. O sindicato é passível de responder por perdas e danos. veis que são.
O locaute, que é a paralisação das atividades pelo empregador Sob esse prisma, são observadas as diretrizes com o ob-
para frustrar negociação coletiva ou dificultar o atendimento de jetivo de dar cumprimento a Convenção n. 135 (1971) e a Re-
reivindicações dos trabalhadores, é vedado pela lei. comendação n. 143, (1971), ambas da organização Interna-
Diminuiu o número de greves no Brasil em 1997 estiman- cional do Trabalho - OIT, sobre a proteção dos trabalhadores
do-se o declínio em cerca de 35% e as causas relacionaram- na empresa.
se com o desemprego, a atitude defensiva dos sindicatos na Em linhas gerais, as normas aprovadas referem-se aos
defesa dos postos de trabalho, a estabilização da economia temas a seguir enumerados:
com reflexos no ganho do trabalhador e ao aumento das ne-
gociações coletivas embora não se disponha de um número a) a garantia de uma proteção eficaz aos representantes
exato do seu total no País. dos trabalhadores na empresa, contra todo ato que possa pre-
judicá-los, compreendendo a dispensa motivada por sua con-
E A representação dos trabalhadores no local de trabalho dição de representante, sua filiação sindical ou sua participação
em atividades sindicais pautadas pela observância da lei;
Além do sindicato, outras formas de representação dos
trabalhadores podem existir. Há representações não sindicais b) a preservação dos meios necessários para que na
dos trabalhadores nas respectivas empresas, com ou sem a empresa os representantes dos trabalhadores possam desem-
participação sindical. As bases da representação dos traba- penhar sem embaraços as suas normais atribuições, rápida e
lhadores na empresa foram introduzidas pela Constituição Fe- eficazmente;
deral, art. 11, segundo o qual, "nas empresas de mais de du- c) a observação de que, quando há representantes sindi-
zentos empregados é assegurada a eleição de um represen- cais e não sindicais, devem ser tomadas medidas para que a
tante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o presença destes últimos não se exercite de forma a debilitar a
entendimento direto com os empregadores". situação dos sindicatos interessados ou de seus representan-
Não há uma incompatibilidade estrutural capaz de desau- tes e se desenvolva de modo a fomentar a colaboração entre
torizar a representação dos trabalhadores de uma empresa, os dois tipos de representantes.
eleita pelos interessados diretos e com alguns poderes peran- O sindicato, mesmo quando interfere diretamente na re-
te a direção da companhia. Esse organismo não significou o presentação não sindical dos trabalhadores, mantém os seus
esvaziamento do sindicato, mesmo porque a tendência mani- mecanismos próprios de penetração na empresa. Não há, no
festa é a da dualidade de representações na empresa com sistema brasileiro, sindicato de trabalhadores de uma deter-
uma adequada divisão de competências que se reúnem para minada empresa uma vez que a base territorial mínima é o
alguns fins maiores. Município. Mas sempre houve, nos estabelecimentos, mesmo
148 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 149

antes de 1988, trabalhadores exercendo uma liderança inter- Representação e participação dos trabalhadores na em-
na e com influência do sindicato. A representação dos traba- presa são conceitos correlatos mas não identificáveis, porque
lhadores desempenhou quatro funções bem definidas. Primeiro, pode haver participação sem representação. A participação
pleitear salários e melhores condições de trabalho em nome se faz através de três modos básicos. Primeiro, a participação
daqueles que representa, embora somente ao sindicato e atri- dos trabalhadores na gestão da empresa, também denomina-
buída a aktorização legal para assinar. os acordos salariais e da co-gestão, que é a participação na administração da em-
não salariais mesmo em nível de empresa; segundo, promo- presa, prevista pela Constituição Federal. Segundo, a partici-
ver a filiação dos trabalhadores no sindicato; terceiro, ajudar a pação dos trabalhadores nos lucros da empresa, igualmente
cobrar as contribuições sindicais; e quarto, manter a comuni- princípio constitucional. Terceiro, a participação dos trabalha-
cação entre o sindicato e seus associados. dores no capital da empresa, que se faz mediante o acionaria-
A representação dos trabalhadores na empresa tem como do, isto é, a distribuição de ações. O acionariado é individual
principal finalidade promover o entendimento entre os empre- quando as ações são individualmente distribuídas aos empre-
gados e a empresa. Estudo de Efrén Córdova e Julio Lobos gados; coletivo quando as ações são confiadas ao grupo como
mostra que há razões de ordem ética inspiradoras da sua con- um todo; e de sociedade quando há uma sociedade de trabalha-
cepção, a interpretação e plena realização do trabalhador na dores que adquire as ações da empresa. Há uma outra forma
organização para a qual presta serviços; de ordem econômi- que leva também a participação: a formação de cooperativas.
ca, o aumento de produtividade possível com o clima harmo- Há representações especiais, para determinados fins.
nioso em que se desenvolvam as relações trabalhistas; e de Além da CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Aciden-
natureza sociopolítica, a participação das pessoas no proces- tes a lei prevê Comissões Mistas de Consulta e Colaboração
so de decisões sobre as coisas que as afetam. no plano da empresa- pouco encontradas - e, de modo es-
As formas de representação dos trabalhadores na em- pontâneo, CCQS - Círculos de Controle de Qualidade que
presa são tanto coletivas como individuais. Quanto ao tipo de têm por finalidade canalizar a força de trabalho na direção da
órgão, a representação é colegiada, quando estruturada como melhoria da qualidade dos produtos.
conselhos, comissões ou comitês de empresa; e individual,
A representação dos trabalhadores na empresa, embora
quando se faz através de delegados ou, simplesmente,
não muito difundida, tem produzido efeitos de várias ordens e
representantes.
que são enumerados em seguida:
Quanto aos representados, há representações sindicais
- ex.: seções sindicais -, representações não sindicais e a) sobre a Justiça do Trabalho, reduzindo o número de
representações mistas, conforme dela façam parte sindicali- processos judiciais, uma vez que permite a solução de ques-
zados e não sindicalizados. tões na própria empresa;
Quanto a natureza da representação, a mais ampla for- b) sobre os conflitos coletivos, atuando como forma de
ma, a co-gestão, que é a participação dos trabalhadores na diálogo na empresa para impedir a repercussão do conflito na
administração da empresa, é prevista pela Constituição Fede- vida da sociedade;
ral mas não há correspondência prática com tal disposição c) sobre a estrutura da empresa, tornando-a democrática
legal nem lei regulamentadora do preceito constitucional; há e social;
outras formas participativas menos amplas, como a participa-
ção em órgãos destinados a proteção da vida, saúde e integri- d) sobre a fiscalização trabalhista pela Delegacia Regio-
dade física do trabalhador, como as Comissões Internas de nal do Trabalho, uma vez que os órgãos de representação na
Prevenção de Acidentes do Trabalho - CIPAs no Brasil. empresa mantêm-se atentos contra o descumprimento da lei;
150 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 151

e) sobre os contratos individuais de trabalho, podendo A política econômica-salarial da época tinha por base dois
cumprir importante função normativa e disciplinadora de direi- princípios fundamentais. Primeiro, a correção salarial periódi-
tos e deveres recíprocos dos seus sujeitos; ca segundo a qual o valor dos salários sofreria atualizações
f) sobre o sindicato, o meio de que se vale o sindicato destinadas a acompanhar a elevação do custo de vida. Se-
para penetrar na empresa foi a representação dos trabalhado- gundo, o princípio da fixação oficial de um índice básico de
res, com o que ficou valorizada a lib'erdade sindical e foram reajustamento - denominado inicialmente INPC - índice Na-
criados mecanismos jurídicos de sua defesa contra os com- cional de Preços ao Consumidor substituído por outros índi-
portamentos considerados anti-sindicais; ces ao longo de trinta anos4 -, de modo que as negociações
coletivas salariais tinham por objetivo principal unicamente a
g) sobre o ambiente de trabalho, uma vez que a repre- formalização do índice oficial para efeito de aplicação nos sa-
sentação dos trabalhadores vela melhor pela vida, integridade lários de todos os empregados da empresa ou da categoria. A
física, saúde dos trabalhadores e prevenção contra acidentes falta do instrumento formal da convenção coletiva, cabia ao
de trabalho; sindicato ingressar com ação coletiva perante a Justiça do Tra-
h) sobre as condições salariais, porque os problemas de balho, representando todos os membros da categoria profis-
salários são mais bem resolvidos quando as partes levam em sional, sócios ou não do sindicato, que através de sentença
consideração, mediante negociação, entendimentos depois for- promovia a mesma aplicação. Em ações individuais -, pro-
malizados pelo sindicato, as peculiaridades de cada empresa movidas quer pelo sindicato como pelo trabalhador interessa-
e sua suficiência econômica. do - eram cobradas as diferenças salariais devidas pelas em-
presas descumpridoras dos reajustes automáticos.
G. O atual contexto econômico e histórico Em 1964 o INPC foi de 92,9% acentuando-se grande ten-
O Brasil é uma República Federativa constituída da União, são de aumentos de salários, mais fortes em algumas catego-
dos Estados-membros e dos Municípios com uma população, rias profissionais como as dos portuários, ferroviários, maríti-
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti- mos e bancários o que levou o Estado, através do Programa
ca (1997) de 159.636.413 (cento e cinqüenta e nove milhões de Ação Econômica do Governo - PAEG a promover uma
seiscentos e trinta e seis mil e quatrocentos e treze) habitan- política intervencionista e disciplinadora objetivando a manu-
tes e uma força de trabalho de 73.120.101 (setenta e três mi- tenção do salário real médio iniciando-se uma série de leis e
lhões cento e vinte mil e cento e uma) pessoas economica- de Planos Econômicos5 que não alcançaram o objetivo da va-
mente ativas das quais 68.040.206 (sessenta e oito milhões lorização dos salários reais e promoveram elevado número de
quarenta mil e duzentas e seis) pessoas ocupadas e 5.079.895 processos judiciais de cobrança de diferenças salariais nos
(cinco milhões setenta e nove mil e oitocentas e noventa e mesmos previstas refletindo-se nos Tribunais de Trabalho que
cinco) desocupadas. ficaram congestionados com a grande demanda sindical sem
Em sua economia iniciou-se em 1964 um período de in- maior proveito para os assalariados tendo em vista que os au-
dexação salarial caracterizado pela intervenção do Estado com mentos salariais concedidos eram em poucos meses desvalori-
a fixação de diretrizes legais de recomposição do salário real zados pela elevação dos preços e o aumento da inflação.
médio através de Decretos do Poder Executivo nos quais fo-
ram estabelecidos índices obrigatoriamente aplicáveis aos IPCA - índice de Preços ao Consumidor Ampliado; IPC - índice de Preços ao
Consumidor e outros.
salários de todos os trabalhadores no País, em períodos má- Plano Cruzado (1 986), Decretos-leis ns. 2.283, 2.284 e 2.302; Plano Bresser (1987),
ximos anuais, coincidentes com a data-base de cada catego- Decreto-lei n. 2.425; Plano Veráo (1988), Decreto-lei n. 7.730 e Lei n. 7.788; Plano
ria profissional. Collor (1990), Lei n. 8.030.
153
152 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HIsTÓRIA DO DIREITO 00 TRABALHO NO BRASIL

Como ocorreu em toda a América Latina passou por trans- eleições para escolha dos governantes e a intervenção nos
formações, principalmente a partir de 1994, assinaladas pela sindicatos, muitos dos quais tiveram suas diretorias destituí-
redução considerável da inflação depois que foram modifica- das e substituídas por agentes do Governo que passaram a
das as políticas adotadas pelo Governo inclusive quanto as exercer a sua administração, quadro que só mudou depois de
relações de trabalho e sindicais com os efeitos do Plano Real6 1985 e com o gradativo retorno de políticas democráticas e
que trollke queda de inflação e aumento do poder aquisitivo eleições para escolha dos governantes, processo atualmente
da população, especialmente de baixa renda. De 1981 a 1993 consolidado e que redefiniram a história do País.
a renda per capita havia caído 5% e nos últimos três anos Da abertura político-econômica e com o crescimento da
aumentou 9% em decorrência de um crescimento anual mé- internacionalização, solidificou-se a integração regional como
dio de 4,4%. A venda de eletrodomésticos elevou-se em 66% decorrência de idéias que já existiam desde Simón Bolivar, as
de 1994 a 1997. O Produto Interno Bruto cresceu 13% nos discussões na Conferência de Punta de1 Leste (1961), a Alian-
últimos três anos e a inflação mensal caiu de 40% para 0,55°/0 ça para o Progresso, o documento "Proposiciones para Ia Crea-
de junho de 1995 para maio de 1997'. ción de1 Mercado Comum Latinoamericano" (1964), o Tratado
O Plano Real baseou-se em três pontos: equilíbrio fiscal, de Montevidéu (1960), e que depois de longa evolução torna-
desindexação geral e âncora cambial, o primeiro ainda não ram possível o Mercosul - Mercado Comum do Sul, fruto do
atingido embora crescentes os esforços nesse sentido, em es- Tratado de Assunção firmado em 26 de março de 1991 entre
pecial após a crise dos Países asiáticos em fins de 1997 e que Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e que entrou em vigor
levou o Governo a adotar medidas de contenção de gastos e em 29 de novembro do mesmo ano, inserindo dentro das ex-
elevação dos impostos, o segundo conseguido com a libera- periências latino-americanas anteriores como a Associação
ção dos preços e salários e a introdução de uma economia de Latinoamericana de Livre Comércio - ALALC e a Associa-
competição entre as empresas com abertura das importações ção Latinoamericana de Integração - ALADI, sendo o Merco-
como forma de contenção das altas dos preços internos dos sul hoje realidade inafastável como processo de formação e
produtos, a terceira com uma política de aproximação do real consolidação de um mercado comum em fase de união adua-
ao dólar americano com certos cuidados dentre os quais a ado- neira implicando na adoção de políticas de livre comércio e
ção de patamares máximos e mínimos para a variação cam- estabelecimento de uma tarifa externa comum. O Mercosul es-
bial com a gradativa desvalorização do real diante do dólar timulará a atuação sindical em níveis geográficos mais am-
como forma de evitar a supervalorização artificial da moeda. plos do que os restritos ao espaço territorial de cada País que
Essas modificações resultaram não apenas das medidas o integra com um movimento sindical unificado em nível regio-
econômicas instituídas mas, também, das transformações nal com o objetivo de discutir os problemas trabalhistas co-
políticas. A partir de 1964 instaurou-se um período de gover- muns resultantes da integração econômica regional.
nos militares que abalaram a normalidade democrática com a Desenvolveu-se o Programa Nacional de Privatização das
centralização do poder político no Executivo, o funcionamento empresas estatais iniciado já em 1981 quando foi criada uma
debilitado do Legislativo e a edição de atos institucionais e Comissão de Privatização, ampliada para Comissão Interminis-
outras normas impostas a nação, com fortes características teria1 tornando-se, em 1990, um programa efetivo e estruturado
autoritárias, a suspensão de direitos políticos, a supressão das para cumprimento a longo prazo. Houve um fenômeno de grande
crescimento de empresas estatais de 1973 a 1981 durante os
Lei n. 8.880, de 1994 que dispõe sobre o Programa de Estabilização Econõmica e governos militares, paradigma de centralização da economia no
o Sistema Monetário Nacional.
' Fontes: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e FGV - Fundação Estado. Entre as quinhentas maiores empresas brasileiras, em
Getúlio Vargas. 1981, as estatais representavam 33,6% do total de vendas, per-
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 155
154 AMAURI MASCARO NASCIMENTO

centual que baixou para 24,8. O crescimento das empresas esta- clusive no setor automobilístico, mas que não conta com a
tais refletiu-se não apenas sobre a economia do País mas, tam- representação dos funcionários públicos, mantém uma posi-
bém, sobre as relações de trabalho e o movimento sindical. ção de neutralidade perante o Governo, apoiando-o ou criti-
cando-o de acordo com a natureza de cada iniciativa governa-
As administrações rotatórias das empresas estatais nem
sempre resistiram aos pleitos internos dos trabalhadores que mental segundo uma política sindical de cooperação e não de
invariável contestação.
conquistkram níveis de condições de.trabalho acima do mer-
cado, pela negociação coletiva em nível de empresa e através Em 1996, embora tendo a economia crescido 2,9% o País
do uso dos regulamentos internos de pessoal como forma de perdeu 1,6 milhão de empregos no ano. Desde que o Brasil
oficialização dessas vantagens. Muitas empresas tornaram- voltou a ter presidentes civis - março de 1985 - foram cria-
se economicamente inviáveis e com obrigações acima dos dos 2,569 milhões de empregos formais. Nesse período a PEA
padrões de equilíbrio em comparação com as empresas pri- - População Economicamente Ativa teve acréscimo de 15
vadas. O sindicalismo de operários transformou-se em corpo- milhões de pessoas o que importa em um número total de
rativista de defesa dessas conquistas o que provocou dissen- 75 milhões de pessoas consideradas integrantes da força
ções dentro do próprio movimento sindical diante da diversi- de trabalho em 19978.
dade de interesses dos operários e empregados das empresas A taxa de desemprego brasileira está abaixo de 6% ao
privadas e dos funcionários das estatais. ano, o mercado de trabalho tem alto nível de informalidade e o
A privatização das empresas estatais, federais e dos Es- setor no qual é acusada a maior queda do número de empre-
tados-membros, foi a política adotada pelo Governo para en- gos e a indústria, principalmente em São Paulo. Os sindicatos
frentar problemas dessa natureza, entre outros de desequilí- passaram a ter uma política defensiva dos empregos e uma
brio orçamentário entre receita e despesas, atingindo grandes central sindical, a Força Sindical, negociou no setor da indús-
empresas públicas de diversos setores dentre as quais a Cosipa tria de automóveis, a redução da jornada e trabalho e dos sa-
e Açominas do setor siderúrgico ampliando-se, entre outros, lários em troca da preservação dos empregos mediante um
para o setor energético, o setor de telecomunicações e seg- acordo-padrão com adesões descentralizadas por empresas
mentos do setor financeiro, com implicações nas relações de e sindicatos aderentes. A mesma Central propôs ao Governo
trabalho e sindicais resultantes da transferência da proprieda- projeto de lei pelo mesmo enviado ao Congresso Nacional,
de das empresas, corte de pessoal excedente, defesa da situ- para instituição de um tipo especial de contrato de trabalho
ação antes existente pelos órgãos de representação dos tra- temporário pelo prazo máximo de dois anos com redução de
balhadores, as vezes até com protestos violentos que, toda- algumas vantagens trabalhistas, permitido apenas para a ad-
via, não impediram a continuidade do programa. missão de um percentual de 20% do total dos trabalhadores
de cada empresa, acima do seu quadro fixo, portanto um com-
Há uma certa relação entre forças políticas e movimento trato de trabalho para aproveitar desocupados que vierem a
sindical na medida em que a oposição ao Governo é feita prin- ser admitidos pelas empresas e que o Congresso Nacional
cipalmente pelo Partidos dos Trabalhadores que tem como bra- transformou em lei.
ço sindical a CUT- Central Única dos Trabalhadores, funda- O custo do trabalho industrial médio na indústria corres-
da em 28 de agosto de 1983 no setor das empresas de auto- ponde a US$5,90/hora e na indústria química US$25,90/hora.
móveis da Grande São Paulo e que desde a sua fundação Cerca de 20% dos nossos trabalhadores ganham menos de
contou com o apoio de setores do funcionalismo público hoje um salário mínimo que equivale a cerca de US$ 105 mensais.
afetado pelas reformas da economia e as privatizações das
empresas estatais. Por outro lado, a FS - Força Sindical, que Fonte: PNAD - Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicilios e Ministério do
divide com a CUT a hegemonia da representação sindical, in- Trabalho.
156 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 157

Outros 20% recebem entre US$ 106 e US$ 210.0utros 13% A organização sindical brasileira está passando por sen-
ganham entre US$211 e US$315 mensais. Portanto, mais da síveis modificações que se destinam a dotá-la de maior auto-
metade dos brasileiros percebem salários abaixo de US$ 320 nomia perante o Estado, segundo o princípio da liberdade sin-
mensais. Os salários variam entre as regiões. Nas regiões me- dical preconizado pela Convenção n. 87, da Organização In-
tropolitanas a média salarial é de US$ 668 o que com os en- ternacional do Trabalho e parcialmente absorvido pela Consti-
cargos sociais se transforma em custo de US$ 1.1 80 mensais. tuição Federal de 1988, art. 8" Dentre esses princípios desta-
Na indústria de transformações o cusfo é mais elevado - cer- cam-se a liberdade de fundação de sindicatos, respeitada a
ca de 10%. O salário médio dos horistas da Volkswagen com regra do sindicato único por categoria e base territorial e, de
OS encargos sociais se eleva para um custo de US$2.400 men- modo mais amplo, a proibição constitucional de interferência
sais por trabalhador. O valor médio geral dos salários em to- ou intervenção do Poder Público na organização sindical, limi-
dos os setores econômicos corresponde a US$ 2,801hora se- tativa, portanto, da ingerência estatal na administração das
gundo o Dieese - Departamento Intersindical de Estatísticas entidades sindicais.
e Estudos Sócio-Econômicos - órgão dos sindicatos. Apesar das alterações que foram introduzidas na Lei Maior,
Um dos efeitos do Plano Real foi a modificação do siste- a Consolidação das Leis do Trabalho não foi modificada para
ma de reajustes salariais coletivos, antes, como se viu, inde- adequar-se ao novo modelo instituído a partir de 1988, o que
xado aos índices oficiais promulgados pelo Governo. Esses somente será possível com a revogação expressa de diversos
reajustes passaram a resultar da livre negociação de salários dos seus dispositivos que não foram recepcionados ou são
entre os sindicatos e as empresas e não mais de uma escala incompatíveis com as novas regras constitucionais, vigentes
automática e geral, prática ainda recente havendo divergênci- apesar da sua total ineficácia. Com efeito, a organização sin-
as quanto aos seus efeitos no salário real, para alguns dical brasileira tal como é regida pela Consolidação, remonta
impactado por algumas perdas, para outros valorizado com a ao ano de 1939 - imposta que foi pelo Decreto-lei n. 1.402 -
queda da inflação. As negociações coletivas direcionaram-se salvo derrogações secundárias, é a mesma do período corpo-
menos para o aumento dos salários e mais para a participa- rativista no qual foi visível a fisionomia publicística dos sindi-
ção dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas catos e evidente a autoritária forma pela qual o Ministério do
e para esse fim muito contribuiu a Constituição Federal de 1988 Trabalho com os mesmos se relacionava, com o respaldo da
que desvinculou esses valores dos salários. Desse modo, com legislação, a mesma que agora se quer ver revogada.
os pagamentos efetuados a esse título sem as incidências dos Os pontos que estão sendo analisados para substituição,
encargos que pesam sobre os salários, houve vantagens, tan- são os seguintes:
to para as empresas como para os assalariados, na negocia-
ção de planos com esse objetivo que cresceram em 1997 e 1) registro, reconhecimento, pelo Ministério do Trabalho
1998, em especial nas cidades de maior concentração indus- e requisitos para funcionamento de associações profissionais,
trial como São Paulo. transmissão de bens e sua transformação em sindicatos;
2) deveres dos sindicatos impostos por lei ;
O período contemporâneo (1998) é de transformações na
organização sindical brasileira para o fim de afastar o resíduo 3) base territorial de sindicatos;
legislativo corporativista que ainda pesa no sistema, apesar 4) atribuição, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, de
dos avanços promovidos pela Constituição de 1988. investidura sindical, ainda prevista em lei embora não mais
Para esse fim, é necessária a atuação do Congresso Na- desempenhada pelo Estado;
cional para revogar ou derrogar a Consolidação das Leis do 5) concessão e cassação de carta sindical pelo Ministro
Trabalho - Decreto-lei n. 5.452, de 1o de maio de 1943 -, em do Trabalho, igualmente prevista na legislação mas não prati-
especial quanto a diversos pontos. cada pelo Estado;
158 AMAURI MASCARO NASCIMENTO 159
HISTORIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

6) condições para funcionamento dos sindicatos; 24) sindicatos de empresas industriais do tipo artesanal;
7) orgãos internos, administração de sindicatos e numero 25) sindicalização de servidores do Estado e entes para-
de diretores e membros do Conselho Fiscal; estatais, permitida pela Constituição Federal mas não regula-
8) eleições sindicais; mentada pela legislação ordinária. .
9) assembléias sindicais e recurso contra deliberações Uma das proibições da Constituição Federal de 1988, art.
das mesmas, das diretorias e do conselho fiscal para o Minis- 8" I, a da exigência de autorização do Estado para a fundação
tro do Trabalho, atualmente submetidas diretamente a solução de sindicatos, revoga as regras consolidadas sobre a matéria,
jurisdicional; segundo as quais cabia ao Ministério do Trabalho autorizar,
10) livro de registro do sindicato; mediante pedido de reconhecimento e concessão de carta sin-
dical, a investidura sindical, inclusive a transformação de as-
11) intervenção do Ministro do Trabalho em entidades sin- sociações profissionais em sindicatos desde que preenchidos
dicais ainda admitida pela lei embora não mais efetivada pelo determinados requisitos exigidos pela legislação, o que não
Estado; mais se justifica. As associações profissionais, que eram um
12) tipos de entidades sindicais de segundo grau uma vez estágio prévio obrigatório a ser cumprido por uma associação
que as Centrais sindicais não são previstas pelo sistema legal; profissional que pretendesse ser reconhecida futuramente
como sindicato, não são mais uma condição para que o sindi-
13) requisitos para criação de confederações; cato venha a ser criado. A lei não pode exigir essa autorização
14) pedido de reconhecimento das confederações; que, no entanto, é mantida, bastando, desde logo, para que o
15) CES - Comissão de Enquadramento Sindical, desa- sindicato passe a ter existência legal, o registro no órgão com-
tivada pelo Ministério do Trabalho e que tinha a incumbência petente, com o que perderam a eficácia todos os dispositivos
de rever o quadro das categorias econômicas e profissionais; consolidados sobre as referidas associaçóes não sindicais.
16) isenções tributárias para sindicalizados; Dispondo a Constituição, art. 87 I1 que cabe aos trabalha-
dores definir a base territorial do seu sindicato, que será no
17) aplicação da receita do sindicato; mínimo municipal, não pode a Consolidação atribuir ao Mi-
18) alienação de imóveis, instruções do Ministério do Tra- nistério do Trabalho essa função, bem como é inoperante a
balho sobre elaboração de orçamento e escrituração das ope- autorização, pela lei, de sindicatos distritais uma vez que a
rações de ordem financeira de entidades sindicais; base mínima permitida pela Carta Magna é a municipal.
19) tipificações, como peculato, da malversação e dilapi- Dentre os princípios que tiveram maiores reflexos e im-
daçáo de bens das entidades sindicais ; pactos na Consolidação está a proibição de interferência e in-
tervenção do Poder Público na organização sindical, declara-
20) penalidades, afastamento e destituição de dirigentes
sindicais pelo Ministério do Trabalho, não mais efetivada pelo do pelo art. 8" I, que afeta a ingerência do Ministério do Traba-
Ministério do Trabalho; lho não só na definição das modalidades e níveis de entidades
sindicais que podem existir, mas, também, nos tipos de ór-
21) proibição de atividades econômicas exercidas pelas gãos internos que cada entidade pode ter, temas que se tor-
entidades sindicais; naram da alçada de cada sindicato, na conformidade dos res-
22) proibição da filiação de entidades sindicais a organi- pectivos estatutos, e que não podem mais ser padronizados
zações internacionais; pelo Estado, inclusive quanto aos processos eleitorais inter-
nos, também, agora atribuídos ao nível exclusivo dos sindica-
23) criação de federação; tos de acordo com as regras aprovadas pelas suas assembléias.
160 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 161

O mesmo ocorre com o número de dirigentes dos órgãos inte- Enfim, as propostas, em estudos no Ministério do Traba-
grantes da administração sindical, tema que não deve ser con- lho e Emprego e apresentadas pelas entidades sindicais, des-
fundido com o número de dirigentes com estabilidade sindical. tinam-se a afastar do sistema legal o atrelamento do sindicato
O mesmo princípio afasta a possibilidade de aplicação, ao Estado para que se completem as modificações espontâ-
pelo Ministro do Trabalho, de penalidades sobre sindicatos, neas e que em parte contaram com'o respaldo da Constitui-
seus dirigentes e representantes, c o p o fechamento de sindi- ção Federal de 1988, mas ainda não completadas, visando
catos, federações e cassação de cartas de confederações, sus- dar ao Brasil um sindicalismo democrático, de negociação co-
pensão e destituição de dirigentes sindicais, nomeação de letiva e atento as transformações decorrentes do avanço tec-
Junta Interventoras para administrar entidades sindicais cujos nológico, da economia de mercado e em defesa do aumento
dirigentes foram destituídos. do número de postos de trabalho.
Impede, também, a intervenção do Ministério do Trabalho
na gestão financeira, administração orçamentária, aplicação II - HISTÓRIA DO DIREITO INDIVIDUAL
da receita e alienação de bens das entidades sindicais, como,
ainda, a proibição do exercício de atividades econômicas pe- 1. A fase inicial
las mesmas.
Não mais se justifica a tipificação, como peculato, dos atos A. O período liberal
de malversação e dilapidação do patrimônio do sindicato pe- Abolida a escravidão e proclamada a República, iniciou-se
los seus dirigentes. Pressupõe um sindicalismo de direito pú- o período liberal do direito do trabalho, caracterizado por algu-
blico e os dirigentes sindicais como funcionários da Adminis- mas iniciativas que, embora sem maior realce, contribuíram
tração Pública já que a referida infração penal é privativa de para o ulterior desenvolvimento da nossa legislação.
funcionários públicos.
Finalmente, como outro efeito da Constituição de 1988, A capital federal tinha uma população de 522.000 habi-
já implementado pelo Ministério do Trabalho, é a extinção da tantes em 1890 e São Paulo, 65.000, cifra que, em 1900, atin-
CES - Comissão de Enquadramento Sindical que tinha a seu giu 240.000. Em 1907 concentravam-se no Rio de Janeiro 30%
cargo a revisão periódica do quadro de atividades econômicas das indústrias nacionais, e em São Paulo, 16%. Não era pe-
e profissões, atuação que está prejudicada e já não mais é queno o número de oficinas e manufaturas de calçados, ves-
exercida, uma vez que não podendo o Poder Público interferir tuário, móveis, tintas, fundições etc., geralmente mal instala-
na organização sindical ficaram prejudicadas as atribuições das em galpões ou fundos de armazéns e locais não alcança-
desse órgão. dos por qualquer tipo de fiscalização.
O Ministério do Trabalho e Emprego deixou de exercer o Notava-se a influência da imigração, principalmente itali-
controle sobre os sindicatos como pessoas jurídicas de direito ana. No Estado de São Paulo, em 1901, dos 50.000 operários
privado que são e as suas antigas funções, que não podem existentes, os brasileiros eram menos de 10%. Na capital pau-
mais ser exercidas, não significam que o movimento sindical é lista, entre 7.962 operários, 4.999 eram imigrantes, sendo a
autônomo a ponto de não estar submetido a nenhum tipo de maioria absoluta de italianos.
controle. Ao contrário, como qualquer outra pessoa jurídica, Pelo recenseamento de 1906 do Rio de Janeiro, numa
responderá pelos seus atos abusivos perante a jurisdição exer- população de 81 1.443 habitantes, 118.770 eram operários e a
cida pelo Poder Judiciário perante o qual todas os conflitos de maioria estrangeiros, principalmente portugueses e espa-
direitos e interesses e deliberações de assembléias sindicais nhóis. No Relatório do Departamento Estadual do Trabalho
antes decididos pelo Ministro do Trabalho agora solucionados. de São Paulo, de 1912, consta que nas 31 fábricas de teci-
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164 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 165

Pode-se, entretanto, interpretar a Constituição como fa- limitação da jornada diária de trabalho a 8 horas, criação de
vorável a liberdade de associação e a liberdade profissional conciliação e arbitragem obrigatórias, regulando o trabalho das
uma vez que dispunha no art. 72,3 8" que "a todos é lícito mulheres, criando creches, fixando a idade mínima de 14 anos
associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas" e no para a admissão de menores empregados, estabelecendo nor-
art. 72, 3 24, que "é garantido o livre exercício de qualquer mas sobre contrato de aprendizagem, além de outras propostas.
profissão moral, intelectual e industrial".
C. A doutrina reivindicatória
B. Os primeiros projetos Há um traço fundamental que caracteriza a doutrina jurí-
dica da época, o seu cunho marcadamente reivindicatório. As
No período liberal surgiram isoladas mas frequentes inici-
idéias ventiladas revelam a preocupação dos pensadores pela
ativas parlamentares destinadas a obter tratamento jurídico
questão social e o desejo de ver, em nosso País, legislação
para as relações de trabalho, como atestam os diversos proje-
adequada, a exemplo de outros povos. Nota-se, também, a for-
tos de lei que foram apresentados.
te influência que foi exercida pelo crescente movimento legisla-
Registrem-se, dentre os principais, os seguintes: 1) de tivo europeu sobre nossos doutrinadores, dos quais destacare-
Leovigildo Filgueiras (1893),propondo, no Brasil, o homestead mos aqueles que deixaram as mais definidas contribuições.
americano pelo qual a casa do trabalhador rural ficaria ex- Antônio Evaristo de Moraes, que se assinava Evaristo de
cluída da penhora; 2) de Costa Machado (1893)sobre contrato Moraes, passou a sua existência de 67 anos no Rio de Janei-
de trabalho, cópia da legislação monarquista e que não pas- ro, cidade onde nasceu, na Rua Larga de São Joaquim, em 26
sou pela comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos de outubro de 1871,dia de São Evaristo, daí o seu nome. Es-
Deputados; 3) de Moraes e Barros (1895)sobre contrato de tudou dos 12 aos 15 anos no Colégio São Bento, dos frades
trabalho agrícola com ligeiras modificações feitas a Lei n. 2.827, beneditinos. De 1887 a 1889, no mesmo colégio, auxiliou a
de 15 de março de 1879;4)de Chagas Lobato (1895)também cadeira de Português, Geografia e História. Foi jornalista da
sobre homestead; 5) de Moraes e Barros (1899)sobre presta- Gazeta Nacional e outros jornais. Em 1894,com 23 anos, es-
ção de serviços agrícolas; 6)de Lacerda Franco (1900)sobre treou no Júri; a partir de 1894 integrou o Partido Operário, de
crédito rural e agrícola e sociedades cooperativas; 7) de Ber- orientação sindicalista, e até 1916 foi rábula, quando se ba-
nardino de Campos (1901) instituindo privilégio para o paga- charelou em Direito pela Faculdade de Direito Teixeira de Frei-
mento de dívidas, do qual resultou o Decreto n. 1 .I50 sobre tas, de Niterói, sendo orador da sua turma. Participou da cam-
salários do trabalhador rural; 8)de Francisco Malta (1903)so- panha política de Rui Barbosa, orientando-o para a conferên-
bre hamestead; 9) de Medeiros e Albuquerque (1904) sobre cia do Teatro Lírico, na qual o ilustre brasileiro pronunciou-se
acidentes do trabalho; 10) de Gracho Cardoso e Wenceslau sobre a questão social. Foi consultor jurídico do Ministério do
Escobar (1908) também sobre a mesma matéria; 11) de Trabalho, em 1930,com Lindolfo Collor, até 1932.Escreveu so-
Nicanor do Nascimento (191 1)sobre horário mínimo de traba- bre direito penal, trabalhista, psicologia criminal, sociologia, etc.
lho e funcionamento dos estabelecimentos comerciais prevendo
hipóteses configuradoras de acidentes de trabalho; 12)de Fi- Reunindo artigos publicados pela imprensa e que tiveram
gueiredo Rocha e Rogério de Miranda (1912) sobre trabalho a maior ressonância, escreveu Apontamentos de direito ope-
operário em geral e limitação da jornada diária de trabalho em rário (1 905),obra pioneira no Brasil. O livro tem 150 páginas e
8 horas e pagamento de diárias de dois terços para o operário 9 capítulos, em estilo leve, informativo e crítico. O tema é fruto
que ficasse inutilizado no trabalho; 13)de Adolpho Gordo (191 5) das observações do Autor quando o problema trabalhista era
sobre acidentes do trabalho; 14)de Maurício de Lacerda (191 7) mais intensamente sentido nas indústrias e os operários urba-
propondo a criação do Departamento Nacional do Trabalho, nos pediam medidas estatais de proteção. Denunciou a utili-
166 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL 167

zação abusiva de menores; mostrou, com base em estudos de Eis um dos seus textos:
medicina do trabalho, os inconvenientes da fadiga, quer para
os trabalhadores, quer para os interesses da produção; con- "Os menores de 12 a 14 anos só poderão trabalhar,
denou a insuficiência e a inadequação do Código Civil para no máximo, 7 horas por dia, não consecutivas, de modo
solucionar o problema social; soube sentir, enfim, como ninguém, que nunca exceda de 4 horas o trabalho contínuo; e os de
a realidade da sua época e os desequilíbrios existentes. sexo masculino de 14 a 15 anos até 9 horas por dia, nas
Preconizou a intervenção do Estado na ordem econômi- mesmas condições. Os menores aprendizes - que nas
ca e social e o direito operário, estruturado sobre as seguintes fábricas de tecidos podem ser admitidos desde 8 anos -
principais bases: 1) fixação da jornada diária máxima de tra- só poderão trabalhar 3 horas. Se tiverem mais de 10 até
balho; 2) animação dos sindicatos profissionais concebidos 12 anos poderão trabalhar 4 horas, havendo um descan-
como órgãos de colaboração do Poder Público na colossal obra so de meia hora para os primeiros e de uma hora para os
de harmonização das forças em luta; 3) as convenções coleti- segundos. É proibido empregar menores no serviço de
vas de trabalho como instrumentos de contratação coletiva, limpeza de máquinas em movimento; bem como dar-lhes
em substituição a contratação individual; 4) os Tribunais Tra- ocupação junto a rodas, volantes, engrenagens e correi-
balhistas, integrados por patrões e operários, para evitar a as em ação, pondo em risco sua vida. Não é admissível o
explosão de greves e resolver as controvérsias oriundas dos trabalho dos menores em depósitos de carvão, fábricas
conflitos trabalhistas; 5) o cooperativismo, em especial de con- de ácidos, algodão-pólvora, nitroglicerina, fulminatos; nem
sumo, como meio de emancipação econômica dos desprote- empregá-los em manipulações diretas de fumo, chumbo,
gidos, baseado no princípio da solidariedade e da harmonia fósforos, etc. ".
de interesses; 6) a reparação dos acidentes'de trabalho sob o
princípio da responsabilidade objetiva ou sem culpa e não mais Quanto a salários, o Decreto n. 1.150, de 1904, que insti-
da responsabilidade subjetiva. tuiu a caderneta agrícola, conferiu privilégios para o pagamento
de dívida proveniente de salário dos trabalhadores rurais.
Igualmente valiosa é a contribuição de Sampaio Dória,
com o livro "A questão social" (1922) a de Carvalho Netto, com O advento do Código Civil, aprovado pela Lei n. 3.071, de
"Legislação do trabalho" (1926) e a de Francisco Alexandre, 1"e janeiro de 1916, com as correções ordenadas pela Lei n.
com "Estudos de legislação social" (1930). 3.725, de 15 de janeiro de 1919, iniciou a fase civilista do pe-
ríodo liberal com os dispositivos legais sobre locação de servi-
ços, antecedente histórico do contrato de trabalho da legisla-
2. As primeiras leis ção posterior e especializada.
O Código Civil, sustentando-se ainda nas idéias da épo-
Em 1891 passou a ser dispensada proteção aos menores
ca, não atendia as exigências principais da evolução social,
nas fábricas da capital federal. O Decreto n. 1.313, de 1891, mas alguns institutos dentre os contidos nas normas sobre
instituiu fiscalização permanente nos estabelecimentos fabrís locação de serviços serviram de base para a ulterior elabora-
onde trabalhasse um número avultado de menores. Foi proibi- ção do direito do trabalho. Citem-se os seguintes: a) o arbitra-
do o trabalho noturno de menores de 15 anos e limitada a 7 mento para as controvérsias sobre o valor da retribuição devi-
horas, prorrogáveis até 9, a duração da jornada diária dos da, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e a sua
menores, além de vedado o trabalho de menores de 12 anos. qualidade (art. 1.218); b) a fixação de um prazo máximo - 4
Essa lei é considerada por Evaristo de Moraes "de cunho anos - para os contratos de duração determinada (art. 1.220);
verdadeiramente social". c) o aviso prévio de 8 dias para mensalistas, de 4 dias para
168 AMAURI MASCARO NASCIMENTO 169
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

semanalistas e quinzenalistas, e de véspera "quando se tenha 6 horas ao trabalho dos menores aprendizes em certos esta-
contrato por menos de sete dias" (art. 1.221); d) a enumera- belecimentos; f) proibição do trabalho noturno; g) restrições
ção de alguns tipos de justa causa para rescisão do contrato ao trabalho do menor em espetáculos artísticos; h) obrigato-
(art. 1.226); e) alguns critérios de reparação decorrentes da riedade da fixação de quadro de trabalho dos menores; i) obri-
rescisão sem justa causa (arts. 1.225 a 1.231 ). gatoriedade da remessa periódica da relação de menores
Doas normas significativas surgem em 1923, a Lei n. empregados; j) carteira de trabalho de menores.
4.682, de 29 de janeiro, denominada Lei Elói Chaves, que cria
a caixa de aposentadoria e pensões para ferroviários, bem
como estabilidade para os mesmos trabalhadores ao comple- 3. A Revoluçáo de 1930
tarem 10 anos de emprego, salvo falta grave ou força maior,
A partir de 1930 deu-se a expansão do direito do traba-
sendo a rescisão contratual, nos casos permitidos, precedida
lho em nosso País como resultado de vários fatores, dentre os
de inquérito para apuração da falta, submetido ao engenheiro
de fiscalização das ferrovias; e o Decreto n. 16.027, de 30 de quais o prosseguimento das conquistas que já foram assinala-
abril, que cria o Conselho Nacional do Trabalho, "órgão con- das, porém com um novo impulso quer no campo político, quer
sultivo dos poderes públicos em assuntos referentes a organi- no legislativo.
zação do trabalho e da previdência social" (art.Q
,)l composto Passaram a ter, com a política trabalhista de Getú!io Var-
de doze membros escolhidos pelo Presidente da República, gas, maior aceitação as idéias da intervenção nas relações de
sendo dois entre operários, dois entre patrões, dois entre al- trabalho, com o Estado desempenhando papel central, grande-
tos funcionários do Ministério da Agricultura, Indústria e Co- mente influenciado pelo modelo corporativista italiano de 1927.
mércio e seis entre pessoas de reconhecida'competência. Sem discutir aqui se os fins visados por Vargas foram de
Sobre férias, a Lei n. 4.982, de 25 de dezembro de 1925, dominação ou de elevação das classes trabalhadoras, o certo é
- uma das seis primeiras do mundo sobre a matéria - dis- que nesse período foi reestruturada a ordem jurídica trabalhis-
põe o seguinte: "Aos empregados e operários de estabeleci- ta, adquirindo fisionomia que em parte até hoje se mantém.
mentos comerciais, industriais e bancários e de instituições Em 1930 foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Co-
de caridade e beneficência do Distrito Federal e dos Estados, mércio (Dec. n. 19.433) e é dispensável ressaltar a sua função.
serão anualmente concedidos 15 dias de férias, sem prejuízo
dos respectivos ordenados, diárias, vencimentos e gratificações". Foi valorizada a nacionalização do trabalho com medidas
de proteção ao trabalhador nacional, dentre as quais a lei que
Mais tarde, o Decreto n. 17.934-A, de 21 de outubro de ficou conhecida como Lei dos Dois Terços (Decs. ns. 19.482,
1927, o Código de Menores, de propósitos mais amplos além de 1930, e 19.740, de 1931).
dos propriamente trabalhistas, introduziu medidas de assis- Instituiu-se a Carteira Profissional (Dec. n. 21.175, de
tência e proteção aos menores de 18 anos. No capítulo IX dis-
1932), disciplinou-se a duração da jornada de trabalho no co-
põe sobre o trabalho do menor para: a) proibir, em todo o ter-
mércio (Dec. n. 21.1 86, de 1932) e na indústria (Dec. n. 21.364,
ritório da República, o trabalho dos menores de 12 anos; b)
de 1932), nas farmácias (Dec. n. 23.084, de 1933), nas casas
vedar o trabalho de menores de 14 anos que não tiverem com-
de diversões (Dec. n. 23.152, de 1933), nas casas de penho-
pletado instrução primária; c) proibir o trabalho de menores de
res (Dec. n. 23.316, de 1933), nos bancos e casas bancárias
14 anos em algumas atividades, especialmente aquelas peri-
(Dec. n. 23.322, de 1933), nos transportes terrestres (Dec. n.
gosas a saúde, a vida, a moralidade, excessivamente fatigan-
23.766, de 1934), nos hotéis (Dec. n. 24.696, de 1934) etc.
tes ou que excederam suas forças; d) exigência de certificado
Observou-se sempre a mesma técnica legislativa, ou seja,
de aptidão física para a admissão de menores; e) limitação de
essas normas jurídicas foram decretos do Poder Executivo.
170 AMAURI MASCARO NASCIMENTO 171
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

O trabalho das mulheres nos estabelecimentos industri-


ais e comerciais mereceu texto especial (Dec. n. 21.41 7-A, de 5, A consolidação da legislaçáo esparsa
1932), o mesmo ocorrendo com o dos menores (Dec. n. 22.042, O Governo resolveu, então, reunir os textos legais num
de 1932) e os serviços de estiva (Dec. n. 20.521, de 1931). só diploma, porém foi mais além de uma simples compilação
A ação dos trabalhadores e os movimentos sociais já des- porque, embora denominada Consolidaçáo, a publicação acres-
critos levaram o Estado a tomar posição, facilitada pelas no- centou inovações, aproximando-se de um verdadeiro Código.
vas idéias inspiradas nos ideais que se difundiam nos outros Não obstante, a matéria de previdência social e de acidentes
países, voltados para a melhoria das condições dos trabalha- do trabalho permaneceu separada em outras leis. Foram reu-
dores e para a realização da justiça social. nidas as leis sobre o direito individual do trabalho, direito cole-
tivo do trabalho e direito processual do trabalho. Surgiu, por-
tanto, promulgada pelo Decreto-lei n. 5.452, de 1"e maio de
4. A primeira lei geral para industriários e comerciários
1943, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, unindo em
onze títulos essa matéria, resultado do trabalho de uma co-
As leis trabalhistas cresceram de forma desordenada; eram missão presidida pelo Min. Alexandre Marcondes Filho, que,
esparsas, de modo que cada profissão tinha uma norma espe- depois de quase um ano de estudos, remeteu as suas conclu-
cifica, critério que, além de prejudicar muitas outras profissões
sões ao Presidente da República em 19 de abril de 1943, com
que ficaram fora da proteção legal, pecava pela falta de sistema sugestões de juristas, magistrados, entidades públicas, em-
e pelos inconvenientes naturais dessa fragmentação. presas privadas, associações culturais, etc.
O primeiro diploma geral foi a Lei n. 62, de 1935, apli- O relatório da comissão ressalta que "a Consolidação
cável a industriários e comerciários e que assegurou diver- representa, portanto, em sua substancia normativa e em seu
sos direitos: a) indenização de dispensa sem justa causa título, neste ano de 1943, não um ponto de partida nem uma
(art. i G ) ;b) garantia da contagem do tempo de serviço na adesão recente a uma doutrina, mas a maturidade de uma
sucessão de empresas (art. 3") ou na alteração da sua es- ordem social há mais de decênio instituída, que já se consa-
trutura jurídica; c) privilégio dos créditos trabalhistas na fa- grou pelos benefícios distribuídos, como também pelo julga-
lência (art. 4 5 2); d) enumeração das figuras de justa causa mento da opinião pública consciente, e sob cujo espírito de
(art. 5"); e) efeitos da força maior nos créditos trabalhistas eqüidade confraternizaram as classes na vida econômica, ins-
(art. 5% 55 lo e 2"; f) transferência, para o Governo, da taurando nesse ambiente, antes instável e incerto, os mesmos
responsabilidade de indenizar quando der causa a cessa- sentimentos de humanismo cristão que encheram de generosi-
ção da atividade (art. 51, § 3P); g) aviso prévio (art. 6°); dade e de nobreza os anais da nossa vida pública e social".
h) rescisão antecipada de contratos a prazo (art. 7P);i) sus- Não seria, no entanto, a CLT o instrumento de cristaliza-
pensão do contrato (art. gP);j) estabilidade decenal (art. 10); ção dos direitos trabalhistas que se esperava. A mutabilidade
I) redução do salário (art. 11); m) nulidade das estipulações e a dinâmica da ordem trabalhista exigiam constantes modifi-
contratuais contrárias as normas legais (art. 14); n) exclu- cações legais, como fica certo pelo numero de decretos,
são dos aprendizes da proteção legal (art. 15); o) responsa- decretos-leis e leis que depois foram elaborados, alterando-a.
bilidade solidária do sindicato ou associação que der causa Além desses fatores, operou-se uma substancial modificação
ao inadimplemento das obrigações contratuais, pelas res- na filosofia que presidiu a evolução das normas constitucionais,
pectivas indenizações (art. 16); p) prescrição de um ano para com a Constituição Federal de 1946, de cunho social-de-
reclamar indenização. mocrático, com medidas de natureza neoliberalista, porém
A Lei n. 185, de 14 de janeiro de 1936, instituiu o salário respeitando a liberdade em dimensão maior, confrontada com
mínimo, sendo publicada a primeira tabela em 1940. o pensamento corporativista que pesou na edificação dos prin-
cipais pontos da CLT.
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174 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

normativos referentes as matérias que devem compor a nova As idéias que cresceram foram no sentido de dar maior
CLT; b) clarificar normas e solucionar duvidas surgidas na apli- espaço a autonomia privada coletiva, para que, sem prejuízo
cação das disposições legais vigentes; c) aprimorar concei- da função tutelar reservada a lei, mostre-se possível maior
tos, tendo em vista a doutrina contemporânea prevalente, com- atuação das organizações sindicais. Para esse fim, a autocom-
patível com o sistema jurídico consubstanciado na Constitui- posição entre os interlocutores sociais é priorizada para que
ção brasileira; d) introduzir disposir;ões inseridas em con- através da mesma promovam os enlaces jurídicos com base
venções internacionais ratificadas pelo Brasil; e) aperfeiçoar nos quais regerão as relações de trabalho. A falta de norma
regimes e instituições juridico-trabalhistas, alterando para esse autocomposta, aplicam-se os dispositivos previstos pela lei.
fim, em caráter excepcional, disposições legais em vigor". Essa modificação permitiu o desenvolvimento de um sistema
modelado pelos próprios interlocutores sociais, em condições
A Lei n. 6.514, de 1977, modificou o Cap. V do Tít. II da de se aproximar da realidade multiforme e cambiante sobre a
CLT sobre Segurança e Medicina do Trabalho, acompanhada qual atua, o que não foi possível alcançar através da rigidez e
de ampla regulamentação, e o Decreto-lei n. 1.535, de 1977, da artificialidade da lei.
alterou o regime de férias.
8. A Constituição Federal de 1988 9. A tendência flexibilizadora
Como decorrência do processo político favorável a Os avanços na tecnologia com a informatização de inú-
democratização do País, a Assembléia Nacional Constituinte meras atividades, o aumento do desemprego e a internacio-
aprovou, em 5 de outubro de 1988, uma nova Constituição nalização da economia e da competitividade entre as empre-
Federal, que modificou, em alguns aspectos; o sistema jurídi- sas, criou condições para que se refletissem no Brasil as ten-
co de relações de trabalho.
dências de flexibilização do mercado de trabalho e a abertura
Modificações expressivas foram, entre outras : a redução de portas para a redução da rigidez das leis trabalhistas.
da jornada semanal de 48 para 44 horas; a generalização do
regime do fundo de garantia com a conseqüente supressão da As tendências do direito brasileiro voltam-se para a prá-
estabilidade decenal; a criação de uma indenização prevista para tica da negociação coletiva como amplo e efetivo processo de
os casos de dispensa arbitrária; a elevação do adicional de ho- autocomposição de interesses entre trabalhadores e empre-
ras extras para o mínimo de 50%; o aumento em 1/3 da remu- gadores, visando fixar condições de trabalho bem como regu-
neração das férias; a ampliação da licença da gestante para lar as relações entre as partes estipulantes, possibilitando,
120 dias; a criação da licença-paternidade, de 5 dias; a eleva- assim, o ajuste não só de cláusulas normativas destinadas a
ção da idade mínima de admissão no emprego para 14 anos; a estabelecer direitos e deveres entre as partes que figuram no
descaracterização, como forma destinada a incentivar a iniciati- contrato individual de trabalho como, também, de cláusu-
va patronal, da natureza salarial da participação nos lucros; a las obrigacionais que vincularão as entidades e sujeitos
obrigatoriedade de creches e préescolas; e a inclusão, agora estipulantes.
em nível constitucional, de três estabilidades especiais, a do Dentre as modificações ocorridas, a Constituição de 1988
dirigente sindical, a do dirigente das Comissões Internas de já havia previsto o princípio da irredutibilidade dos salários,
Prevenção de Acidentes e a das empregadas gestantes salvo acordo ou convenção coletiva; o artigo 442 da CLT foi
Surgiram a lei sobre política salarial (Lei n. 7.788, de acrescido de parágrafo declarando que qualquer que seja o
3.7.1 989). a lei sobre salário mínimo (Lei n. 7.789, de 3.7.1 989) ramo da atividade da sociedade cooperativa, não existe víncu-
e a lei sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (Lei n. lo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes
8.036, de 11.5.1990). e os tomadores de serviços daquela; o Tribunal Superior do
177
176 AMAURI MASCARO NASCIMENTO HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

Trabalho, para regulamentar a terceirização dessas atividades Mas seria engano supor que todas as novas leis são flexi-
empresariais, aprovou o Enunciado 331 autorizando-a nas ati- bilizadoras. Algumas leis novas tiveram a finalidade clara tute-
vidades-meio e vedando-a nas atividades-fim da empresa; por lar do trabalhador, como as de acesso da mulher ao mercado
iniciativa da Força Sindical o Governo aprovou (Lei n. 9.601/98) de trabalho contra atos discriminatórios especialmente diante
lei sobre contrato de trabalho a prazo determinado com redu- da maternidade (Leis ns. 9.029, de 1'995 e 9.799. de 1999), a
ção de encargos e obrigações trabalhistas as empresas; e o reserva obrigatória de vagas, nas empresas com mais de 100
artigo '59 da CLT foi alterado para permitir compensação empregados, para portadores de deficiência física (Lei n. 7.853,
quadrimestral de horas quando antes a limitava a semana. O de 1989, Lei n. 8.21 3, de 1991, Dec. n. 3.298, de 1999); a
modelo de relações de trabalho passou a ser visto como ana- penalizaçáo criminal da sonegação de contribuição previden-
crônico, necessitando de reformas profundas e destinadas a ciária (Lei n. 9.983, de 2000 que alterou o art. 337-A do CP), a
reduzir a amplitude da legislação e o combate ao desemprego autorização aos Estados para instituir piso salarial a que se
tornou-se a principal meta visada pelo Governo, sindicatos e refere o inc. V do art. 70 da CF (LC n. 103, de 2000) e a refor-
trabalhadores, o que alterou as negociações salariais que se ma da aprendizagem (Lei n. 10.09712000).
deslocaram para a participação nos lucros ou resultados da
empresa, desvinculada dos salários.
Há um movimento flexibilizador das leis trabalhistas em
nosso pais, e que não está sendo iniciado, agora. Flexibiliza-
doras das condições de trabalho foram as leis sobre Contrato
por prazo determinado para admissão de pessoal acima do
quadro fixo da empresa (Lei n. 9.601, de 1988), compensação
anual das horas normais de trabalho (MP n. 2.1 64-39, de 2001
alterou a redação do Cj 2° do art. 59 da CLT), regime de tempo
parcial (MP n. 1.879-17, de 1999 que acrescentou o art. 58-A
a CLT), dispensa de inclusão na jornada de trabalho para fins
de registro nos cartões de ponto e pagamento de horas extras
das variações de horário de cinco minutos e tempo in itinere
(art. 59 §Cj 1% e2"da CLT com a redação da Lei n. 10.243, de
2001), utilidades não incluídas no salário (vestuário, educa-
ção, transporte, assistência médica, hospitalar, odontologica,
seguro-saúde, seguro de vida, seguro de acidentes pessoais,
previdência privada, Lei n. 10.243, de 2001 que alterou o art.
458 da CLT) e suspensão temporária coletiva do contrato de
trabalho, de 2 a 5 meses, diante de causas econômicas, de
reorganização ou crise da empresa com manutenção dos di-
reitos previdenciários, bolsa de requalificação e vantagens
voluntariamente ajustadas pelo empregador por acordo ou
convenção coletiva (MP n. 2.1 64-39, de 2001 que acrescentou
o art. 476-A a CLT), o que demonstra a nova lei não está co-
meçando um novo período, mas consolidando um caminho que
já vem sendo percorrido.
BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Ives Gandra da Silva Martins Filho*

Por que escrever sobre História? Qual o interesse em se


estudar a História da Justiça do Trabalho? São perguntas que
surgem naturalmente diante de um estudo como este. Será
mero saudosismo ou diletantismo? Podemos responder que
não, porque a História tem um serviço fundamental a nos pres-
tar: trazer-nos a experiência do passado, para melhor enfren-
tarmos o futuro1. Percorrendo a História da Justiça do Traba-
lho, poderemos ver as várias tentativas de se estruturar um
aparelhamento estatal de solução dos conflitos trabalhistas,
compreendendo melhor por quê determinados modelos foram
consagrados e por quê outros não devem ser adotados, já que
demonstraram sua ineficácia ou deficiências no passado.
Assim, vemos que o presente somente se compreende a
luz do passado. Daí a necessidade de um conhecimento histó-
rico para a perfeita compreensão do mundo atual, com suas
instituições e sistemas sociais, econômicos e políticos. Ade-
mais, o passado, de certa forma, "condiciona" o futuro. A ação
recebe a carga do passado e prepara a rota do futuro. As op-
ções feitas no passado em relação as possibilidades existen-
tes condicionam as escolhas futuras. O presente são as possi-
bilidade reais herdadas do passado. Assim, o passado ofere-

Ministro do Tribunal Superior do Trabalho.


I "A História pode representar aqui seu papel. De fato, por sua própria natureza, ela
narra o passado. Não poderia resolver nenhum problema e, menos ainda, aquele
cuja solução deve ser criada pelos povos de hoje; mas nenhum problema é absolu-
tamente novo, e nem há problema cujos dados não possam melhor ser apreciados
mediante uma reflexão sobre o passado. E o único serviço que lhe pedimos" (Etienne
Gilson, "Evolução da Cidade de Deus", Herder, 1965, São Paulo, pág. 16).
BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 183
182 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

mos referir as principais cosmovisões da História, que procu-


ce as possibilidades do futuro, sem, no entanto, determinar
ram encontrar um sentido ou direção para o suceder dos acon-
sua evolução posterior, já que característica do ser humano é
tecimentos:
a liberdade de escolha2.
a) gregos - concepção cíclica, com eterno retorno de
Captada a importância do estudo histórico, podemos pas- todas as coisas (Tucídides e P ~ l í b i o )levando
~, a conclusão de
sar a uma segunda questão de relevância: Quem é o sujeito que as experiências se repetem, sem que haja uma efetiva
da História? Quem faz a História: os homens ou as estrutu- evolução e aperfeiçoamento das pessoas e instituições;
ras? A importância da questão se coloca no momento em que
determinadas concepções ideológicas buscaram despersona- b) idealismo e marxismo - luta dialética de classes até o
surgimento do Estado Prussiano (Hegel) ou da sociedade sem
lizar a História, reduzindo-a a alternância de estruturas de
classes mar^)^, onde o motor da História é o contínuo con-
poder3. Na verdade, não há um sujeito coletivo da História,
fronto, com superação sistemática de um modelo por outro, na
mas são as pessoas concretas que,, no seu agir, vão cons-
truindo e dando vida as instituições. E, portanto, o homem em eterna esperança de se chegar a uma solução ideal, que, na
sociedade, com um fim comum, que faz a História4. prática, nunca se alcança;
c) positivismo e materialismo - progresso contínuo
Nesse sentido, a narração histórica é narração de ações (Comte)', até se alcançar o Wellfare State (Estado do Bem-
humanas, com personagens concretos que as realizaram. Os Estar Social), em que se acredita que o modelo ou sistema
modelos estruturais vivenciados foram, antes de mais, con- mais moderno é sempre melhor que o antigo, pelo simples
cebidos por mentes quem têm nome e sobrenome, ainda que, fato de ser mais novo;
muitas vezes, seja impossível detectar a causalidade espe-
cífica que cada indivíduo ou grupo exerceu. Se, por um lado, d) existencialismo - ausência total de sentido, sendo o
no presente estudo, buscamos descrever as participações homem uma "paixão inútil" (Sartre) e o Estado a sistematiza-
destacadas que tiveram alguns homens na conformação da ção da violência, transformada em força ( B ~ r c k h a r d t )o~que
,
atual estrutura da Justiça do Trabalho, por outro, os atores leva a uma total descrença nas instituições; e
desconhecidos são, muitas vezes, os que mais contribuíram e) cristianismo - mundo criado por Deus e entregue ao
para a efetivação do modelo atual. Só Deus poderá avaliar a homem, com um fim sobrenatural (tempo de merecer, para
contribuição de cada um. Daí a impossibilidade de mencio- receber um prêmio e t e r n ~ ) onde
~ , se verificam avanços e re-
nar todos os que tiveram essa influência decisiva nas várias trocessos, grandezas e misérias de homens e instituições, não
etapas do processo histórico de desenvolvimento da Justiça se podendo aquilatar neste mundo a real eficácia e valor das
do Trabalho. ações dos protagonistas da Historia.
Outra questão propedêutica que se coloca, mormente De todas essas várias concepções, partimos de uma vi-
diante do tema da Justiça Social é o do seu sentido e direção são cristã da História, em que a busca da Justiça Social não é
como concretização histórica: Qual o sentido da História?Terá apenas a construção de um paraíso terreno, como fruto da
a evolução histórica que procuraremos descrever no presente composição da luta dialética de classes, mas a condição bási-
estudo uma direção concreta? Em termos mais amplos, pode- ca para a promoção humana em todas as suas dimensões.
Cfr. Luis Suárez Fernández, "Corrientes de1 Pensamiento Histórico", EUNSA, 1996,
Cfr. Henri Irenée Marrou, "De Ia Connaissance Historique". Ed. du Seuil, 1954, Paris. Pamplona, págs. 21-44.
Verificamos, por exemplo, em livros de História do Brasil, de inspiração marxista. Cfr. Suárez Fernández, op. cit., págs. 159-200.
como toda a história e narrada em função dos ciclos de atividade econõmica (ciclo ' Cfr. Suárez Fernández, op. cit., págs. 137-155.
do pau-brasil, do açúcar, do ouro, da borracha, do café, etc.), deixando-se de men- Cfr. Suárez Fernández, op. cit., págs. 237-246.
cionar os atores concretos que forjaram os rumos de nossa pátria.
Cfr. Henrklrénée Marrou, "Teologia de Ia Historia", Rialp, 1978, Madrid, págs. 25-72.
A Cfr. Juan Cruz, "Filosofia de Ia Historia", EUNSA, 1995, Pamplona, págs. 209-226.
BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 185
184 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

Nesse sentido, cabe formular uma última pergunta prope-


Também não vislumbramos a evolução da Justiça do Trabalho dêutica: Qual o papel do historiador? A importância da ques-
como repetição cíclica dos mesmos erros ou acertos ou uma
tão decorre da necessidade de se verificar o caráter de objeti-
evolução positiva perene. Muito menos admitimos a ausência vidade que tem o estudo histórico. A função básica do historia-
de sentido nessa evolução. Acreditamos em que a instituição dor é a de descobrir e selecionar os Tatos, com base nos docu-
"Justiça do Trabalho",como qualquer obra humana, é um amal- mentos e vestígios deixados pelos mesmos. Diante da quanti-
gama de sucessos e fracassos na implementação de instru- dade enorme de dados existentes, a seleção daqueles que se
mentos que tornem realidade a Justiça Social. considera mais relevantes não deixará de ser influenciada pela
A própria visão do trabalho que albergamos é uma visão visão pessoal do historiador. Para Benedetto Croce, a História
otimista. O trabalho, segundo as Escrituras, não é um castigo seria inseparável do historiador13.O historiador pode se deixar
de Deus pelo pecado original, mas uma participação humana levar por seus preconceitos e cosmovisão pessoal para escre-
na obra criadora de Deus: transformar e implementar todas as ver a História: tanto pelo desejo de que seja de uma forma,
potencialidades que Deus colocou originariamente na Nature- como pela crítica por ser de outra forma (Paul Ricoeur), estan-
za. Apenas o esforço que o trabalho implica é fruto daquela do a História ligada a memória cultural do historiador (Hans
queda original. Daí a meta de realização plena do homem atra- Georg Gadamer)14.
vés do trabalho, tanto natural como sobrenatural, que deve Nesse sentido, não estamos isentos dessas contingên-
ser buscada, não importando a espécie de trabalho que se cias ao tentar relatar a evolução histórica da Justiça do Traba-
realiza, mas o modo como se realiza: para servir a Deus e aos lho, supervalorizando determinados acontecimentos ou silen-
homenslo. ciando sobre outros. As falhas humanas nesse campo, espe-
Outra questão preliminar que se coloca é esta: Com o ramos, sejam relevadas, uma vez que se buscou, sinceramen-
que se faz a história? E a resposta é simples: com documen- te, retratar da forma mais objetiva e sintética possível os prin-
tos. São o combustível da História, sem o qual não vai longe. cipais acontecimentos que marcaram a conformação histórica
No conceito amplo de "documentos" entram tanto a tradição da Justiça do Trabalho.
oral, quanto a escrita e monumental: Tudo o que possa dar Só intentamos realizar essa tarefa investigatória e descri-
notícia do passadol1. Procuramos, pois, basear nossa narrati- tiva por acreditamos que o conhecimento histórico é verdadei-
va nos depoimentos deixados por escrito por aqueles que fo- ro, no sentido de uma aproximação do ocorrido, que sempre
ram protagonistas e testemunhas diretas dos fatos. Sintetiza- pode crescer. Mais do que um afastamento do erro (critério da
mos o que a Revista LTr, desde 1936, recolheu como fatos falseabilidade de Karl Popper15),a explicação histórica dos fa-
mais destacados da evolução da Justiça do Trabalho e de sua tos é uma aproximação da verdade. Essa verdade histórica é
atuação na composição dos conflitos sociais. Em relação aos que procuramos perseguir, ao tentar reconstituir, em suas li-
anos mais recentes, a própria seleção e menção dos fatos nhas mais gerais, detectando causas e conseqüências, a evo-
deveu-se a nossa própria experiência pessoal12. lução histórica da Justiça do Trabalho no Brasil.
l0 Cfr. Josemaria Escrivá, "Trabalho de Deus", Quadrante. 1984, São Paulo; José
Realizamos os trabalhos de estudo, pesquisa e redação
Luis Illanes, "A Santificaçáo do Trabalho", Quadrante, 1982, São Paulo. da presente resenha histórica como uma homenagem de sin-
" Cfr. Juan Cruz Cruz, op. cit., págs. 29-39. cero reconhecimento ao Dr. Armando Casimiro Costa, Diretor-
l 2 A dificuldade. no entanto, de se valorar a relevância dos fatos vivenciados direta-
mente, dada a ausência de perspectiva do tempo para depurar quais efetivamente l 3 Cfr. Dario Antiseri e Giovanni Reale, "História da Filosofia", Paulinas, 1991, São

influirão na conformação da sociedade futura é bem destacada por Eric Hobsbawm Paulo, Volume III, págs. 532-534.
em sua conferência "O Presente Como História: Escrever a História de Seu Próprio l4 Cfr. nosso "Manual Esquernático de História da Filosofia", LTr, 1997, São Paulo,
Tempo", publicada na Revista "Novos Estudos" n. 43 (CEBRAP, novembro de 1995, págs. 306-308.
págs. 103-112). Essa deficiência é inerente a narração dos acontecimentos nos quais Cfr. também nosso "Manual Esquemáticode História da Filosofia", op. cit., págs. 322-324.
o historiador está envolvido, da qual não pudemos escapar.
BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 187
186 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

Presidente e membro fundador da LTr Editora, pela notável Originariamente, os organismos jurisdicionais trabalhis-
contribuição que, desde as origens da "Revista de Legislação tas foram compostos por juízes letrados, conhecedores tanto
Trabalhista", em 1936, vem dando para a divulgação e desen- do direito como das questões laborais (juízos monocráticos).
volvimento do Direito do Trabalho em nosso país. Com seu Seguiu-se a sistemática da representação paritária, em que
labor de tantos anos a frente de iniciativa tão relevante, tem as comissões de conciliação dos oonflitos trabalhistas eram
conseguido aglutinar esforços da intelectualidade jurídica na- compostas por um representante do empregador e outro dos
cional na busca de soluções para os problemas surgidos nas empregados, indicado pelo sindicato profissional. Finalmente,
cada vez mais complexas relações laborais. Nos últimos 10 surgiu o modelo de juízo tripartite, onde, aos representantes
anos, tenho tido a sorte de privar do convívio e amizade do Dr. das categorias econômica e profissional se somava, como ele-
Armando, compartilhando os mesmos ideais e vivenciando os mento de desempate, o representante estatal17. Atualmente,
mesmos esforços por dar continuidade a uma iniciativa que, diante das insuficiências dos juízes leigos representantes das
como a semente da parábola, cresceu e fez-se árvore frondosa, categorias profissionais, muitos países que haviam adotado
onde as aves do céu vêm se aninhar. A ele, oferecemos, com originariamente o modelo paritário, vão retornando a jurisdi-
gratidão e amizade, o fruto deste trabalho. ção técnica do magistrado letrado, como são os casos da Es-
panha e da Itália18.
II - A JUSTIÇA DO TRABALHO NO MUNDO FUNCIONAMENTO DAS CORTES TRABALHISTAS'9
SEM REPRESENTAÇAO CLASSISTA COM REPRESENTAÇAO CLASSISTA
É unânime o reconhecimento de que os primeiros orga-
nismos especializados na solução dos conflitos entre patrões Bolívia Alemanha
e empregados a respeito do contrato de trabalho surgiram na Costa Rica Brasil
França: foram os Conseils de Prud'hommes, em 180616. Chile Camarões
Espanha Costa do Marfim
Diante da experiência bem sucedida, outros países euro- Itália Grã-Bretanha
peus foram seguindo o exemplo, instituindo organismos inde- Paraguai Madagascar
pendentes do Poder Judiciário, inseridos como órgãos espe- Peru República Dominicana
cializado~do mesmo, para a apreciação das causas trabalhis- Uruguai Senegal
tas, buscando, primariamente, a conciliação, mais do que a
imposição de uma solução pelo Estado. Isto porque se verificou que, na prática, o modelo ideali-
zado de funcionamento da Justiça do Trabalho em que os re-
SURGIMENTO DA JUSTIÇA DOTRABALHO NO MUNDO
presentantes das categorias trariam para os órgãos julgado-
ANO I PA~S I ORGANISMOJURISDICIONAL res a experiência prática que teriam das relações laborais
1806 1 França I Conseils de Prud'hommes mostrou que a premissa na qual se baseava era falsa. A exi-
1893
..- 1 Itália I . - - . .,. ,
.Prohiviri

1919 Inglaterra Industrial Tribunais


gência do conhecimento jurídico não pode ser dispensada,
1926 Alemanha Arbeitgerichts mormente no exercício da jurisdição, que supõe um processo.
1926 Espanha Comites Paritarios para Conciliación y Reglamentación de1 Por outro lado, a atuação diária em ramo especializado do Ju-
I Trabajo diciário, com apreciação reiterada de questões fáticas concer-
1931 1 Portugal I Tribunais de Arbitros Avindores
j7 Amauri Mascaro Nascimento, op. cit., pag. 1018.
l6Cfr. Amauri Mascaro Nascimento, "Conceito e Modelos de Jurisdição Trabalhista" Ia Amauri Mascaro Nascimento, op. cit., pág. 1023.
(in LTr 61-08/1018). Atualmente, na França, esses são os únicos organismos espe-
l9 Fonte: Amauri Mascaro Nascimento, "Conceito e Modelos de Jurisdição Trabalhis-
cializados de jurisdição trabalhista, uma vez que de suas decisões cabe apenas
recurso para as Cortes de Apelaçáo da Justiça Comum. ta" (in LTr 61-08/1017-25).
188 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 189

nentes aos problemas que surgem no mundo do trabalho e


das relações entre empregados e empregadores vai dando ao II COMO RAMO DA
JUSTIÇA COMUM
II
JUSTIÇA DOTRABALHO JUSTIÇA DO TRABALHO
COMO JUSTICA
ESPECIAL'
magistrado trabalhista com formação jurídica essa experiên- Paraguai I
Madagascar
cia prática que os juízes leigos teoricamente trariam para o Peru Nova ~ e l â n d i a
processo. Assim, a tendência moderna segue no sentido da República Dominlcana Senegal
supressão da representação classista nos órgãos jurisdicio- Uruguai Venezuela
nais trabalhistas, podendo remanescer em conselhos de con-
ciliação e arbitragem, dada a natureza distinta que possuem Os países que adotam o sistema de atribuir a um dos
ramos da Justiça Comum a apreciação das questões laborais
em relação aos órgãos jurisdicionais.
funcionam, em primeira instância, em juízos monocráticos, de
Os objetivos da criação de uma jurisdição trabalhista inde- caráter estritamente técnico-jurídico.
pendente foram os de possibilitar uma solução mais rápida, sim-
ples e barata dos conflitos laborais, a par de propiciar métodos
mais eficazes de composição tanto dos dissídios individuais
SISTEMAS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS COLETIVOS2'
I
como, principalmente, dos coletivos. Assim, os elementos que ARBITRAGEM ARBITRAGEM PODER NORMATIVO
se comporão, ao longo da História da Justiça do Trabalho, para VOLUNTÁRIA OBRIGAT~RIA
a constituição de organismos jurisdicionais que tornem realida-
Argentina Chile Austrália
de esse ideal de Justiça Social serão basicamente, os mesmos:
Estados Unidos Colômbia Brasil
a) existência, ou não, de uma representação classista; Grã-Bretanha Egito México
b) mecanismos de simplificação do processo; Japão Espanha Nova Zelândia
c) sistemática recursal mais simples e concentrada; Panamá Itália Peru

d) outorga, ou não, de poder normativo aos tribunais traba- Malásia


lhistas para a composição dos conflitos coletivos de trabalho; etc. República Dorninicana
Paquistão
A título de exemplo, referimos, nos quadros gráficos abai-
Senegal
xo, alguns países e seu enquadramento quando a situação da
Venezuela
Justiça do Trabalho e a forma de atuação.
POR QUEM SÃO DIRIMIDOS OS CONFLITOS TRABALHISTAS20
JUSTIÇA COMUM OU JUSTIÇA DOTRABALHO JUSTIÇA DOTRABALHO
ADMINISTRATIVA COMO RAMO DA COMO JUSTIÇA
JUSTIÇA COMUM ESPECIAL
Estados Unidos Argentina Alemanha
França Bolívia Austrália
India Colômbia Brasil
México Costa Rica Camarôes
Suíça Chile Costa do Marfim
Espanha Egito
Itália Grã-Bretanha
Panamá Israel

2oFonte: Amauri Mascaro Nascimento, "Conceito e Modelos de Jurisdição Trabalhis-


ta" ( i n LTr 61-0811017-25); nosso "Manual Esquemático de Direito e Processo do
Trabalho" (Saraiva, 1997, São Paulo, págs. 159-227). 2' Fonte: nosso "Processo Coletivo do Trabalho" (LTr, 1995, São Paulo, págs. 26-35).
ESTRUTURA DA JUSTIÇA DOTRABALHO
PAíS lC
INSTÂNCIA 2' INSTÂNCIA CORTE SUPERIOR

Alemanha Arbeitgerichts Landsarbeitgericht Bundesarbeitgericht

Argentina Juez de1 Trabajo Sala Social de Ia Corte Distrital Sala Social de Ia Corte Su-
prema de Justicia

Chile Juzgado de Letras de1 Trabajo Corte de Apelación Suprema Corte de Justicia

Costa Rica Juzgado de1 Trabajo Tribunal Superior de Trabajo Sala de Cassación de Ia Cor-
te Suprema

Espanha Jueces de 10 Social Salas de 10 Social de 10s tribuna- Sala de 10 Social de Ia Audien-
les Superiores de Justicia de Ias cia nacional
Comunidades Autonomas

França Conseil de Prud'hommes Court d'appel Court de Cassation

Grã-Bretanha Industrial Tribunais Employment Appeals Tribunals Civil Division of the Court of
Appeals

Itália Pretore Tribunale Comune di Apelazione Corte di Cassazione

Paraguai Juez de Primera lnstancia en Tribunal de Apelación de1 Trabajo Corte Suprema de Justicia
10 Labora;

Uruguai Juzgado Letrado de Primera Tribunal de Apelación de1 Trabajo Suprema Corte de Justicia
Instancia de1 Trabajo
192 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 193

se, assim, o reconhecimento de que as questões trabalhistas Antes da revisão constitucional de 1926, que retirou dos
demandavam um processo mais célere e simplificado. No en- Estados membros a competência legislativa em matéria tra-
tanto, os primeiros ensaios de se criar organismos indepen- balhista (CF 1891, art. 34, XXVIII), tivemos duas experiências
dentes para a solução dessas demandas apenas se verifica- de instituição de organismos especializados para solução de
ram nos começos da República. conflitos trabalhistas no campo, no âmbito do Estado de São
Paulo:
~ e n d ' oo Brasil, nos seus primórdios, um país agrícola, o
protecionismo estatal dirigiu-se basicamente ao trabalhador a) instituição, em 191 1, do Patronato Agrícola, inspirado
manual do campo, especialmente o imigrante. O Decreto n. nos Conseils de Proud'hommes (precursores, na França, dos
979, de 6 de janeiro de 1903 facultou aos trabalhadores do organismos com jurisdição especial para solucionar questões
campo a organização de sindicatos para defesa de seus inte- trabalhistas, com composição paritária), através da Lei Esta-
resses, mas com objetivos mais amplos: intermediação de cré- dual n. 1.299-A, regulamentada pelo Decreto Estadual n. 2.215,
dito agrícola, aquisição de equipamento e venda da produção de 15 de março de 1912, cujo objetivo era prestar assistência
do pequeno agricultor. Sua feição era mais econômica do que jurídica ao trabalhador agrícola, mormente imigrante, na co-
política ou jurídicaz3. brança de salários através de advogados-patronos, execução
de contratos agrícolas e defesa contra aliciamento de colo-
Seguindo nessa direção, a mais antiga tentativa de cons- nosz6;e
tituição de órgãos jurisdicionais trabalhistas no Brasil data de
1907, quando foram instituídos, no início do governo de Afon- 6) funcionamento dos Tribunais Rurais, criados em 1922
so Pena, os Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitra- pelo Presidente do Estado de São Paulo Washington Luiz Pe-
gem, pelo Decreto n. 1.637. Deveriam ser constituídos no âm- reira de Souza (que governaria o Brasil de 1926 a 1930, como
bito dos sindicatos, mormente rurais, para "dirimir as diver- último presidente da "República Velha" e cuja plataforma de
gências e contestações entre o capital e o trabalho" (art. 89. A campanha contemplou, entre outros itens, o de implementar
experiência acabou não saindo do papel, na medida em que órgãos jurisdicionais trabalhistas técnicos e céleres2') através
nenhum sindicato foi organizado de acordo com essa previsão da Lei Estadual 1.869, com a finalidade específica de julgar as
legalz4. questões originárias da interpretação e execução de contratos
de locação de serviços agrícolas com colonos estrangeiros,
Em 1920, Augusto Viveiros de Castro, que viria a ser o fixando-se a alçada em 500 mil réis, equivalente a 2 salários
primeiro presidente do Conselho Nacional do Trabalho, propu- mínimos (o 1"salário mínimo fixado no Brasil foi em 1940, de
nha a criação de Juntas Industriais dentro das fábricas, for- 240 mil r é i ~ )Tais
~ ~ questões
. vinham sendo apreciadas pelos
madas por representantes de patrões e empregados, sob a juízes de paz. O novo sistema constituía o juiz de paz em pre-
presidência de um delegado do governo, com a finalidade de sidente de um órgão colegiado, composto do locador e do lo-
organizarem o trabalho nas indústrias, disciplinando questões catário, para a solução desses conflitos. A dificuldade de im-
relativas ao salário mínimo, jornada de trabalho, admissão e dis- plementação desses tribunais, cujo procedimento seria oral,
pensa de empregados, as penas disciplinares, etc. ("A Questão célere e econômico, deveu-se ao fato de que os juízes classis-
Social"). Tal proposta, considerada imprescindível por seu ideali- tas deveriam ser indicados pelas partes antes do início da au-
zador, também não chegou a ser implementada na práticaz5.
26 Cfr. Luiz Roberto de Rezende Puech, "A Justiça do Trabalho - Breve Análise de
23 Cfr. Waldemar Martins Ferreira, "Princípios de Legislação Social e Direito Judiciá- sua Evolução no Brasil", in Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 2Wegiãa",
rio do Trabalho" (São Paulo Editora Ltda, 1938, São Paulo, págs. 28-30). LTr, Sao Paulo, pag. 11; Waldermar Ferreira, op. cit., págs. 41 -45.
24 Cfr. Francisca Rita Alencar Albuquerque, "A Justiça do Trabalho na Ordem Judiciá- 27 Cfr. Evaristo de Moraes Filho, "Há 40 Anos Inaugurava-se a Justiça do Trabalho",

ria Brasileira" (LTr. 1993, São Paulo, págs. 81-82). in LTr 45-41391.
25 Cfr. Francisca Albuquerque, op. cit., págs. 82-83. 28 Cfr. Evaristo de Moraes Filho, op. cit., pág. 392.
194 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 195

diência, o que se tornava extremamente dificultoso para os va como Procurador-Geral junto a esse Conselho o Dr. Joa-
locatários operários, cuja situação de inferioridade econômica quim Leonel de Resende Alvim, sendo seus adjuntos o Dr.
e social frente ao patrão locador acabava impedindo a forma- Geraldo Augusto Faria Batista e a Dra. Natércia Silveira Pinto
ção do colegiado que deveria apreciar a causa29. da
QUADRO DOS PRESIDENTES DO CONSELHO NACIONAL DOTRABALHO
IV IO CONSELHO NACIONAL. DO TRABALHO
Augusto Viveiros de Castro
Ataulpho Nápoles de Paiva
Em 1923, surgia, no âmbito do então Ministério da Agri-
Mário de Andrade Ramos
cultura, Indústria e Comércio, o Conselho Nacional do Traba-
Cassiano Tavares Bastos
lho (núcleo do futuro TST)30,instituído pelo Decreto n. 16.027,
Francisco Barbosa Rezende
com tríplice finalidade:
Silvestre Péricles de Gois Monteiro
a) ser órgão consultivo do Ministério em matéria traba- Filinto Muller
lhista; Geraldo Montedonio Bezerra de Menezes
b) funcionar como instância recursal em matéria previ-
denciária; e Com a Revolução de 1930, subia ao poder Getúlio Var-
c) atuar como órgão autorizador das demissões dos em- gas, que se notabilizaria por sua tutela paternalista ao traba-
pregados que, no serviço público, gozavam de estabilidade, lhador. Já de inicio, criou, através do Decreto n. 19.433, de
através de inquérito administrativo3'. 26 de novembro de 1930, o Ministério do Trabalho, separando-
o do Ministério da Agricultura, mas mantendo-o ainda unido
Esta última função limitava-se, na prática, aos ferroviá- ao da Indústria e Comércio. Sua organização se deu através do
rios, cuja Caixa de Previdência havia sido criada pela Lei Elói Decreto n. 19.667, de 4 de fevereiro de 1931, que criou o De-
Chaves (Lei n. 4.682/23), e que passavam a gozar de estabili- partamento Nacional do Trabalho. Com o Decreto n. 20.886,
dade após 2 anos de serviço. Assim, apenas por inquérito ad- de 30 de dezembro de 1931, atribuía-se a Procuradoria do
ministrativo podiam ser demitidos, competindo ao CNTa auto- DNT, que atuava junto ao CNT, a competência para opinar em
rização da demissão. Com a Lei n. 5.109126, o benefício foi matéria contenciosa e c o n s ~ l t i v a ~ ~ .
estendido aos marítimos e, em 1931, pelo Decreto n. 20.465,
No campo da solução dos conflitos trabalhistas, o Gover-
a todas as empresas de serviço público.
no Provisório de Vargas tomou a iniciativa de instituir dois or-
Junto ao Conselho funcionava um Procurador-Gerale Pro- ganismos básicos:
curadores Adjuntos, cuja função básica consistia em emitir pa- 1) As Comissões Mistas de Conciliação (Decreto n. 21.396,
receres nos processos em tramitação. Desde 1923, funciona- de 12 de maio de 1932), para os conflitos coletivos; e
z9 Cfr. Francisca Albuquerque, op. cit., págs. 83-85; Geraldo Bezerra de Menezes,
2) As Juntas de Conciliaçãoe Julgamento (Decreto n. 22.132,
"Conferência Inaugural do Seminário Comemorativo dos 40 anos do TST", in Revis- de 25 de novembro de 1932), para os conflitos individuais.
ta do TST. LTr, 1986, São Paulo. pág. 94; Waldemar Ferreira, op. cit., págs. 46-56.
30 Albergava, inicialmente, 12 membros, cuja primeira composição foi a seguinte: 32 Cfr. nosso "Um POUCO de História do Ministério Público do Trabalho", in Revista do
Augusto Viveiros de Castro, Carlos de Campos, Antonio Andrade Bezerra, Miguel Ministério Público do Trabalho n. 13, LTr, março de 1997, São Paulo, pág. 25.
Osório de Almeida, Afrânio Peixoto, Raymundo de Araújo Castro, Carlos Gomes de 33 Na época de sua criação, tivemos Lindolfo Collorcomo primeiro Ministro do Traba-
Almeida, Libânio da Rocha Vaz, Gustavo Francisco Leite, Affonso Toledo Bandeira lho, sendo Consultor Jurídico do Ministério o Prof. Evaristo e Moraes e tendo como
de Mello, Afrânio de Mello Franco e Dulphe Pinheiro Machado. principais assessores os procuradores do CNTJoaquim Pimenta e Agripino Nazareth.
3' Cfr. Arnaldo Lopes Sussekind, "A Justiça do Trabalho 55 Anos Depois", in LTr 60- O Procurador-Geral do Departamento Nacional do Trabalho passou a ser o Dr. Deo-
071875-882, dato da Silva Maia Júnior.
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198 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

"Art. 122 - Para dirimir questões entre empregado- vismo, sendo aquele contrário a representação classista e a
res e empregados, regidas pela legislação social, fica ins- outorga de poder normativo a Justiça do Trabalho, teses de-
tituída a Justiça do Trabalho, a qual não se aplica o dis- fendidas no projeto deste4'.
posto no Capítulo IV do Título I. Sustentava o Prof. Waldemar Eerreira que o fato da Cons-
Parágrafo único - A constituição dos Tribunais do tituição de 1934 falar em Tribunais do Trabalho e Comissões
Trabalho e das Comissões de Cogciliação obedecerá sem- de Conciliação não impedida que existissem juízes singulares
pre ao princípio da eleição de seus membros, metade em lvnstância, de formação técnico-jurídica, para preparar e
pelas associações representativas dos empregados, e me- julgar as causas trabalhistas. Dava como uma das razões da
tade pelas dos empregadores, sendo o presidente de li- exclusão da representação classista a onerosidade excessiva
vre nomeação do governo, escolhido dentre pessoas de que traria aos cofres públicos o pagamento de 3 juízes para
experiência e notória capacidade moral e intelectual" apreciarem em Iqnstância as causas laborais. E se a partici-
(grifos nossos). pação fosse em caráter gratuito, não haveria interesse dos sin-
dicatos em colocar empregados a disposição da J u ~ t i ç aOs ~~.
Tal como prevista na nova Constituição, a Justiça do Tra- representantes classistas funcionariam apenas nas Comissões
balho não seria independente, já que ligada ao Poder Executi- de Conciliação, para a composição dos conflitos coletivos, e
vo, com seus juízes não gozando das garantias da magistratu- nos Tribunais do Trabalho, de instância superior.
ra nacional (conforme estabelecido no final do caput do artigo
em tela). Ademais, nascia a Justiça do Trabalho com a marca Quanto ao poder normativo, sustentava o Prof. Waldemar
da representação classista paritária. Ferreira que o Poder Legislativo não poderia delegar competên-
cia ao Judiciário para estabelecer normas de caráter geral, dada
Antecipando-se a promulgação da nova'Constituição, que a tripartição clássica dos Poderes do Estado, não estando o Judi-
se deu a 16 de julho, o Presidente Getúlio Vargas editava, em ciário Trabalhista em condições de funcionar com poder legife-
14 de julho, o Decreto n. 24.784, para já adaptar os órgãos rante. Entendia o eminente mestre paulista que a Constituição de
judicantes trabalhistas ao novo modelo previsto na Constitui- 1934 só havia dado a Justiça do Trabalho brasileira, diferente-
ção de 34. Assim, o CNT passava a funcionar como órgão mente da italiana, poder jurisdicional e não leg~slativo~~.
deliberativo de cúpula do sistema judicante l a b ~ r a l ~ ~ .
O Prof. Oliveira Viana rebateu as críticas do relator ao
Faltava, no entanto, a legislação infraconstitucional que seu projeto, numa série de 6 artigos publicados no "Jornal do
desse estrutura efetiva a nova Justiça do Trabalho que surgia. Commercio" do Rio de Janeiro, que deram origem a sua obra
Assim, em dezembro de 1935, o Presidente Getúlio Vargas "Problemas de Direito Corporativo"; cujo título Alberto Venân-
encaminhava ao Congresso Nacional anteprojeto de lei, ela- cio Filho lastima, em sua introdução a reedição de 1983, por
borado sob a supervisão de Francisco José Oliveira Viana, ter afastado muitos de seu uso e consulta44.
quando era Ministro do Trabalho o pernambucano Agamenon
Magalhães, tendo sido designado relator na Comissão de Cons- Oliveira Vianna sustentou a outorga de poder normativo a
tituição e Justiça o deputado e professor paulista Waldemar Justiça do Trabalho na doutrina anglo-americana da delegação
Ferreira40. de poderes, calcada no princípio da "eficiência do serviço públi-
Travaram-se, então, os célebres debates entre o Prof. Wal- 41 Cfr. Waldemar Marfins Ferreira, "Princípios de Legislação Social e Direito Judiciá-
rio do Trabalho" (São Paulo Editora Ltda, 1938, São Paulo); Oliveira Viana, "Proble-
demar Ferreira, de tendências neo-liberais e formação jurídi- mas de Direito Corporativo" (José Olimpio Editor, 1938, Rio).
ca, e o Prof. Oliveira Viana, sociólogo e defensor do corporati- 42 Cfr. Waldemar Ferreira, op. cit., vol. I, págs. 9-10, 165 e 224-228.

43 Cfr. Waldemar Ferreira, op. cit., vol. I , págs. 21 8-221.


39 Cfr. Francisca Albuquerque, op. cif., pag. 90.
44 Cfr. Centro de Documentação e Informaçáo da Câmara dos Deputados, 1983,
40 Cfr. Arnaldo Sussekind, "O Cinquentenário...", pág. 16
Brasília, pág. 1 1.
BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 20 1
200 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

co'""Todas as vezes que a experiência mostra que esta eficiên- curador-Geral da Justiça do Trabalho), Geraldo Augusto Faria
cia é mais bem assegurada por uma legislação delegada do Baptista, Deodato Maia, Oscar Saraiva e Helvécio Xavier Lo-
que por uma legislação direta do Poder Legislativo, a delegação pes, cujo trabalho resultou nos Decretos-Lei ns. 1.237 e 1.3461
se processa, investindo-se a autoridade administrativa de po- 39, que institucionalizaram a Justiça do Trabalho e reorganiza-
deres que não estão nem no texto, nem no pensamento da lei"45. ram o CNT (regulamentados, respectivamente, pelos Decre-
tos 6.596 e 6.597/40)5'.
O que se pretendia era a instituição de uma Justiça rápi-
da e barata, norteada pela oralidade processual e avessa ao Para a instalação da nove1Justiça do Trabalho, foi designa-
formalismo jurídico, contrabalançando a desigualdade social da comissão presidida pelo Presidente do CNT, Dr. Francisco
e econômica das partes litigantes. Nos conflitos coletivos, do- Barbosa de Rezende e coordenada efetivamente pelo procura-
tada de poder normativo, cujas decisões teriam corpo de sen- dor Faria Baptista, cujo trabalho permitiu que no dia 1"de maio
tença e alma de lei4=. de 194 1, quando o Presidente Vargas,em pleno campo de fute-
bol do Vasco da Gama na Capital Federal, declarava instalada a
O motivo principal do retardamento na tramitação do pro-
Justiça do Trabalhd2,esta já pudesse, no dia seguinte, estar
jeto governamental de 1935 no Congresso foi justamente a pre-
efetivamente funcionando, com seu Conselho Nacional do Tra-
visão da competência normativa da Justiça do T r a b a l h ~Ten-
~~.
balho, seus 8 Conselhos Regionais do Trabalho e suas 36 Jun-
do sido aprovado em 8 de junho de 1937 pela Comissão de
tas de Conciliação e Julgamentd3,compostas por magistrados
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, com várias
idealistas cuja média etária não atingia os 30 anos54.
emendas, que tornavam inviável o modelo pretendido pelo go-

\2/,
v e r n ~ o~ projeto
~, foi encaminhado a Comissão de Legislação
Social quando, em 10 de novembro desse mes.mo ano, com o

li
apoio das Forças Armadas, Getúlio Vargas dava o golpe que
criava o Estado Novo, outorgando a Constituição de 1937. Em
sua mensagem a Nação, para justificar o fechamento do Con- 2WRT
gresso e a adoção das medidas de exceção, dava, entre outros
argumentos, o da resistência do Poder Legislativo a aprovação
do projeto de lei referente a Justiça do Trabalhdg.
Com isso, além de ser mantida a previsão da Justiça do
Trabalho na nova Constituição (art. 139), ficavam os partidári-
os do corporativismo de mãos livres para a estruturação, atra-
vés da legislação infraconstitucional, de uma Justiça do Traba-
lho calcada no modelo facista italiano50.O Ministro Waldemar
Falcão designou então comissão presidida pelo Consultor Ju-
rídico do Ministério, Prof. Oliveira Viana, e composta pelos pro-
curadores do CNT Luiz Augusto do Rego Monteiro (futuro Pro- 2 JCJs 3 JCJs 4 JCJs 3 JCJs

45 Cfr. Op. cit., edição 1983, pág. 47. 51 Cfr. Arnaldo Sussekind, "O Cinquentenário...", pág. 16.
46 Cfr. Evaristo de Moraes Filho, op. cit. págs. 391 -393. 52 Cfr. Evaristo de Moraes Filho, op. cit., pág. 389. Compuseram a comissão, dentre
47 Cfr. Arnaldo Sussekind, op. cit., pág. 20. outros, os Drs. Moacyr Ribeiro Briggs, Joaquim Leonel de Rezende Alvim e Moacyr
48 Cfr. Luiz Roberto de Rezende Puech. op. cit., pág. 13. Velloso Cardoso de Oliveira. (Publicação do TST de 1975).
4g Cfr. Arnaldo Sussekind, "O Cinqüentenário ...", pág. 16. 53 Cfr. Arnaldo Sussekind, "O Cinqüentenário ...", pág. 17.

50 Cfr. Luiz Roberto de Rezende Puech, op. cit., pág. 13. 54 Cfr. Evaristo de Moraes Filho, op. cit., pág. 389
202 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 203

Nessa época, mais precisamente em maio de 1936, sur- a colaboração de mais de 100 especialistas em suas 8 subco-
gia em São Paulo a Revista de Legislação do Trabalho, futura missões, nas quais se debateram e aprovaram 115 teses, com
Revista LTr, com o objetivo de divulgar não apenas a legisla- a participação, dentre tantos nomes ilustres, dos Profs. Elson
ção laboral editada, como também as decisões judiciais sobre Gottschalk, José Martins Catharino, Pinho Pedreira, Arnaldo
as questões sociais, buscando contribuir para a própria con- Sussekind, Oscar Saraiva, Rego Monteiro e do notável pensa-
formação do ordenamento jurídico-laboral. O propósito de seus dor brasileiro Alceu de Amoroso Lima. A Subcomissão que tra-
idealizadores, cujo grupo inicial contòu como diretores com tou da Justiça do Trabalho teve como seu relator geral um dos
Vasco de Andrade e José Macedo Soares Affonseca, tendo editorialistas da LTr, Dr. Francisco de Andrade e Souza Neto,
como redatores José Domingos Ruiz, Ruy de Mel10 Junqueira, aprovando basicamente duas teses mais destacadas: a utili-
Francisco de Andrade e Souza Neto e Carolino de Campos zação da representação classista em caráter mais consultivo
Salles, e sendo o gerente-geral o Dr. Armando Casimiro Cos- do que judicante; e a admissão, no Processo Trabalhista, do
ta, era o de promover o estudo do Direito do Trabalho a luz da litisconsórcio, já previsto no Processo Comum.
Doutrina Social da A Revista, que começou "paulista",
A sessão de encerramento do Congresso, que se deu no
alcançou dimensão nacional e internacional, albergando estu-
Rio de Janeiro a 22 de maio de 1941, presidida pelo próprio
dos de autores nacionais e estrangeiros, como principal veí-
Getúlio Vargas, contou com os discursos do Prof. Cesarino Jú-
culo de informação de legislação, doutrina e jurisprudência tra-
nior, louvando a obra legislativa de Vargas no campo do Direi-
balhista em nosso país. Sua estrutura originária era dividida
to Social, que teria sido o marco do Direito do Trabalho no
em 6 seções, retratando a situação da Justiça do Trabalho no
Brasil, enquanto o Pe. Leonel Franca, Reitor da PUC-RJ, fe-
Brasil: as Glosas, como editoral; a Legislação, incluindo ape-
chava o conclave, destacando que a encíclica papal continua-
nas os atos do Poder Legislativo; as Colaborações, com os
artigos de juristas e redatores da revista; a Jurisprudência, que va a fecundar as legislações sociais de tantos países, dentre
os quais o Brasil, na medida em que o Sumo Pontífice havia
incluía apenas as decisões do Supremo Tribunal Federal e da
Justiça Comum sobre matéria trabalhista; a Doutrina, que en- conseguido traçar, com firmeza, as vias da transformação pro-
globava os atos do Poder Executivo e as decisões do CNT; e gressista da vida social, sem resvalar entre o liberalismo eco-
finalmente o Noticiário. nômico individualista, impotente para enfrentar os problemas
econômicos globais, e o socialismo desumanizante, que pre-
Instalada a Justiça do Trabalho em 1"e maio de 1941, tendia reconstruir a sociedade sobre pilares contrários aos
era iniciado em 15 de maio desse mesmo ano, em São Paulo, valores cristãos5'.
justamente no dia em que se comemorava o cinquentenário
da Encíclica "Rerum Novarum", do Papa Leão XIII, o 1" Con-
gresso Brasileiro de Direito Social, justamente para celebrar a VI - A JUSTIÇA DOTRABALHO
data, tão significativa, uma vez que o documento pontifício DENTRO DO PODER JUDICIÁRIO
constituiu a Carta Magna da Justiça Social5" que veio a nortear
as legislações sociais dos países de tradição cristã, ou seja, O art. 139 da Constituição de 1937, que manteve a Justi-
de todo o mundo ocidental. ça do Trabalho como instituição responsável pela solução dos
Presidido pelo Prof. Antonio de Cesarino Júnior, o Con- conflitos trabalhistas no Brasil, silenciou sobre a representa-
gresso contou com a presença de mais de 500 participantes e ção classista, mas conservou a privação de garantias da ma-
gistratura para os juízes trabalhistas. O dispositivo ficou assim
55 Cfr. nota introdutória a publicação das Enciclicas do Papa João Paulo I1 (LTr, 1996, redigido:
São Paulo).
56 Cfr. Haroldo Valladão, "A Encíclica Rerum Novarum, Lei Magna da Justiça Social", 57Cfr. "I0 Congresso Brasileiro de Direito Social", in Revista LTr de junho de 1941,
in LTr de Novembro de 1941, págs. 480-482. págs. 259-266.
BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 205
204 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

"Art. 139 - Para dirimir os conflitos oriundos das rela- 2 ) Composição (arts. 6" 17) :
ções entre empregadores e empregados, reguladas na le- a) JCJ - 1 juiz presidente (nomeado pelo Presidente da
gislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será República por 2 anos, dentre juízes de direito ou bacharéis,
regulada em lei e a qual não se aplicam as disposições podendo ser reconduzido) e 2 vogais (escolhidos pelos Presi-
desta Constituição relativas a competência, ao recrutamen- dentes dos CRTs, dentre os nomes constantes das listas for-
t a e as prerrogativas da Justiça ComumJJ (grifos nossos). necidas pelos sindicatos obreiros e patronais, para mandato
de 2 anos, com garantias próprias de jurado);
Acirrada polêmica se travou, então, sobre se o dispositivo
constitucional retirava, ou não, o caráter jurisdicional da insti- b) CRT - 1 juiz presidente (nomeado pelo Presidente da
tuição. Os que defenderam a função judicante da Justiça do República por 2 anos, dentre desembargadores ou juristas tra-
Trabalho argumentaram que as garantias poderiam ser outor- balhistas, podendo ser reconduzido) e 4 vogais (1 represen-
gadas pela lei, ainda que distintas da magistratura comum, já tante dos empregados, 1 representante dos empregadores, e
que constituiria uma Justiça Especializada, com suas caracte- 2 especialistas em questões sociais e econômicas, alheios aos
rísticas próprias, dentre as quais não deixaria de ser a menor interesses profissionais, todos nomeados pelo Presidente da
o fato de dirimir controvérsias, aplicando o direito ao caso con- República, sendo os 2 primeiros dentre os nomes constantes
c r e t ~O~ Supremo
~. Tribunal Federal viria a reconhecer o cará- das listas oferecidas pelas federações, para mandato de 2
ter jurisdicional das cortes trabalhistas ao admitir recurso ex- anos); e
traordinário contra decisão do CNT que estaria ferindo precei- c) CNT - composto de 19 membros (4 bacharéis em di-
to constitucional, considerando-o órgão judicante (STF-RE reito, 4 representantes dos empregados, 4 representantes dos
6.31 0, in DJU de 30.9.43)59. empregadores, 3 pessoas de reconhecido saber, 2 funcioná-
A nova estrutura da Justiça do Trabalho, tal como ~ r e v i s t a rios do Ministério do Trabalho e 2 funcionários de Instituições
no Decreto-Lei n. 1.237, de 2 d e maio de 193gB0,resto'u assim de Seguro Social), dividido numa Câmara de Justiça do Traba-
definida: lho e numa Câmara de Previdência Social (cada uma com 9
1) Órgãos (art. 2P):Juntas de Conciliação e JulgamentoB1; membros, presidida por 1 vice-presidente), havendo o Pleno
como órgão consultivo e de uniformização de jurisprudência
Conselhos Regionais do Trabalhd2;e (presidido pelo Presidente do C ~ n s e l h o ) ~ ~ .
Conselho Nacional do Trabalho. 3) Competência (arts. 24-29):
Cfr. Pontes de Miranda, "Comentários a Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 a) JCJ - conciliar e julgar os dissídios individuais, as re-
de 1969" (Forense, 1987, Rio, Tomo IV, pág. 270).
clamatórias de reconhecimento de estabilidade e executarsuas
s9 Cfr. Arnaldo Sussekind, op. cit., pág. 17. O notável Ministro Orozimbo Nonato, em
processo de execução de sentença trabalhista, foi relator da Apelação Cível n. 7.21 9, próprias decisões;
julgada em 21 de setembro de 1943, prolatando acórdão assim ementado: "A natu- 6 ) CRT- conciliar e julgar os dissídios coletivos de âm-
reza da atividade dos Tribunais do Trabalho não é administrativa, mas sim, e essen-
cialmente, jurisdicional. O juiz do trabalho, embora sem as prerrogativas do magis- bito regional, aprecia r os inquéritos administrativos contra
trado comum, é juiz, proferindo verdadeiros julgamentos na solução de determina- empregados estáveis e os recursos ordinários em dissídios
dos litígios" (Revista LTr de dezembro de 1943, págs. 475-480). individuais superiores a alçada legal e em reclamatórias sobre
60 OS Comentários aos dispositivos do referido diploma legal compõem o Volume I1
da obra de Waldemar Ferreira "Princípios de Legislaçáo Social e Direito Judiciário estabilidade; e
do Trabalho" (Freitas Bastos, 1939, Rio, 580 páginas).
Onde não houvesse JCJ, a competência para apreciar as questões laborais seria e Goiás), 4 W e g i ã o (Rio Grande do Sul e Santa Catarina), 5 W e g i ã o (Bahia e Ser-
exercida pelo Juiz de Direito da Comarca (art. 59). gipe), 6"egião (Alagoas, Pernambuco, Paraiba e Rio Grande do Norte), 7 V e g i a o
62 OS 8 Conselhos originariamente criados foram: l-egião (Rio de Janeiro e Espi- (Ceará, Piaui e Maranhão) e 8 W e g i á o (Amazonas, Pará e Território do Acre).
rito Santo), 2Wegião (São Paulo, Paraná e Mato Grosso), 3Wegião (Minas Gerais 63 Decreto-Lei n. 1.346, de 15 de junho de 1939.
206 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 207

c) CNT: * CJT- conciliar e julgar os dissídios coletivos 56), emitir parecer (art. 60, 5 19, deflagar o processo de exe-
de âmbito nacional e os recursos ordinários em inquéritos ad- cução das decisões da Justiça do Trabalho (art. 68), recorrer
ministrativos e dissídios coletivos regionaisM; das decisões proferidas em dissídios coletivos que afetassem
* Pleno - apreciar os recursos ordinários em dissídios empresas de serviço público (art. 77), promover a revisão das
coletivos nacionais, recursos extraordinários contra decisões sentenças proferidas em dissídios coletivos após um ano de
dos CRts, em dissídios individuais, que contrariem jurispru- vigência (art. 78, 5 1" e pedir a aplicação das penalidades
dência do plenário do CNT. Manteve função consultiva do Mi- previstas no referido decreto-lei (art. 86). O Decreto-Lei n.
nistério, sobre Legislação Social e Previdenciária, opinando 1.346139, definia a Procuradoria do Trabalho como órgão de
sobre os projetos do governo e propondo medidasM. coordenação entre a Justiça do Trabalho e o Ministério do Tra-
balho, Indústria e Comércio, além de prever a existência de
4) Processo (arts. 30-79), com as características seguin- uma Procuradoria-Geral e de Procuradorias Regionais atuan-
tes, que o diferenciariam do Processo Comum e que seriam do junto aos CRTs (art. 14).
incorporadas na CLT:
Verifica-se do rol de funções que lhe eram atribuídas
a) atuação fundamentalmente conciliatória (fala-se em que a Procuradoria do Trabalho tinha, desde as suas ori-
conversão em juízo arbitra1 quando não alcançado o acordo); gens, feição de Ministério Público, na medida em que seu
b) ampla liberdade de direção do processo dada ao juiz; objetivo era a defesa do interesse público, podendo, para
c) celeridade processual; tanto, "quebrar a inércia" do Poder Judiciário, mormente nos
casos de greve, além de emitir parecer nos conflitos coleti-
d) possibilidade da reclamação verbal; vos de trabalhow.
e) citação por via de registro postal; Nos seus alvores, o Ministério Público junto a Justiça do
f) concentração em uma única audiência (defesa, instru- Trabalho contou com figuras ímpares para o elevado mister
ção e julgamento); que lhe era conferido, ao ponto de terem sido Procuradores do
g) outorga de jus postulandias próprias partes litigantes; Trabalho os feitores da CLT. A atividade ministerial, na visão
de Vasco de Andrade, seria ainda mais valiosa para a socie-
h) outorga de poder normativo aos Tribunais em conflitos dade do que a dos julgadores, uma vez que a atividade do juiz
coletivos. seria passiva, aguardando provocação para julgar, enquanto a
Na nova estrutura figurava a Procuradoria do Trabalho do procurador é sumamente ativa, ao tomar a iniciativa do pro-
como oriunda do Departamento Nacional do Trabalho. Com a cesso, deflagrando, em nome do interesse público, ações ou
divisão do CNTem duas Câmaras, o Dr. Deodato Maia passa- recorrendo de decisões que considere atentatórias da legali-
va a ser o Procurador-Geral do Trabalho, oficiando perante a dade. Chamava, no entanto, a atenção, o ilustre fundador da
Câmara de Justiça do Trabalho, enquanto o Dr. Joaquim Leo- Revista LTr, para o perigo que poderia ocorrer em relação ao
nel passava a Procurador-Geral da Previdência Social, funcio- Ministério Público, no sentido de, com o passar do tempo, per-
nando perante a Câmara de Previdência". O Decreto-Lei n. der seu vigor originário: transformar-se em mero órgão buro-
1.237139 estabelecia as funções básicas da Procuradoria do crático, restrito a elaboração de ligeiros pareceres, sem inicia-
Trabalho, que eram: encaminhar reclamação trabalhista as JCJs
(art. 40, 5 1y),ajuizar dissídio coletivo em caso de greve (art. Cfr. nosso "Um POUCOde História...", págs. 27-28. A Revista LTr, durante seus
primeiros anos de publicação, até meados de 1950, recolhia em seus números, além
64 Art. 8Gdo Decreto-Lei n. 1.346139. de artigos, acórdaos e legislação, pareceres de membros do Ministério Público do
Trabalho, mostrando a importância e profundidade que tinham. Em relação aos acór-
65 Art. 7° do Decreto-Lei n. 1.346139. dãos, que não eram muitos, seguiam-se os comentários da redação sobre essas
Cfr. nosso "Um POUCO de História...", págs. 26-27 decisões judiciais, sua importância e reflexos.
208 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 209

tiva e zelo fiscalizador pelo respeito a ordem j u r í d i c o - l a b ~ r a l ~ ~ , dade das sentenças e acórdãos prolatados, em comparação
o que, em alguns momentos da História do Parquet Laboral com as decisões da Justiça Comum, ao ponto de ter havido
veio, efetivamente, a ocorrer. sugestão de edição de normas regulamentadoras da forma
de redação das decisões t r a b a l h i ~ t a spois
~ ~ , sequer traziam
Funcionando a Justiça do Trabalho com sua nova estrutu- os nomes dos juízes que haviam participado dos julgamen-
ra orgânica, verificou-se a necessidade de que houvesse uma tos nos colegiados e as posições sustentadas (se vencidos
consolid~çãoda legislação laboral, que se avolumava de for- ou vencedores).
ma d e ~ o r d e n a d a Para
~ ~ . tanto, o então Ministro do Trabalho
Alexandre Marcondes Filho nomeou comissão presidida pelo E assim seguia a Justiça do Trabalho, quando os reflexos
Consultor Jurídico do Ministério, Dr. Oscar Saraiva e compos- da Guerra Mundial na Europa se fizeram sentir no Brasil, que
ta por quatro Procuradores do Trabalho: Arnaldo Sussekind, acabou alinhando-se ao lado das potências aliadas contra as
Rego Monteiro, Segadas Vianna e Dorval Lacerda. O projeto Forças do Eixo, o que representou, em termos trabalhistas, na
final foi preparado apenas pelos procuradores, uma vez que o discriminação de caráter legal quanto a contrafação e manu-
consultor jurídico havia sido deslocado para imprimir maior tenção de empregos para os nacionais dos países inimigos,
rapidez ao projeto de idêntico objetivo levado a cabo em rela- ou seja, alemães, italianos e japoneses, obrigando os órgãos
ção as leis da Previdência Socia170.Getúlio Vargas escolheu o judicantes trabalhistas a confirmarem, na aplicação da lei,
dia 1"e maio de 1943, celebração da data mundial do traba- posturas que, muitas vezes, se mostravam de caráter suma-
lho, para editar a CLT, através do Decreto-Lei n. 5.452, que, no mente injusto.
tocante a Justiça do Trabalho, aproveitou basicamente a legis- No campo dos dissídios coletivos, a guerra levou o gover-
lação de 1939, com as seguintes alterações de destaque: no a editar o Decreto-Lei n. 5.821, de 16 de setembro de 1943,
a) atribuir as JCJs a competência originária para aprecia- obrigando os sindicatos profissionais ou econômicos a pedi-
ção dos inquéritos administrativos; e rem a autorização do Ministro do Trabalho para instaurarem
instância na Justiça do Trabalho, uma vez que qualquer confli-
b) estabelecer os prejulgados do CNT com força vincu- to coletivo de trabalho afetaria sobremaneira uma economia
lante sobre as instâncias inferiores no que concerne a inter- debilitada pelo estado de guerra. Assim, havendo a autoriza-
pretação do ordenamento jurídico-trabalhista7'.
A ausência, nos alvores da Justiça do Trabalho, de qual- 72 Cfr. "Redação das Decisões Trabalhistas", artigo de redação da Revista LTr de
março de 1943, págs. 51-52, da qual extraimos os seguintes excertos:
quer processo seletivo de caráter técnico para a escolha dos "Para aqueles que, como nós, e por dever de oficio, sofrem a dura pena de ler,
magistrados do trabalho comprometia sobremaneira a quali- compreender e anotar os julgados e acórdãos de nossos tribunais do trabalho, in-
vestindo permanentemente contra a dureza do estilo ou contra a impropriedade de
argumentação ou contra a ingênua vaidade das citações descabidas e infundáveis
Cfr. "Ministério Público do Trabalho", in Revista LTr de setembro de 1943, págs.
de muitos desses arestos, seria um alivio, a tão grande sofrimento, que o Estado
329-330.
resolvesse baixar instruções, em regulamento ou portaria, dispondo sobre a forma
69 A quantidade de leis trabalhistas esparças era tal, que foi preciso que o STF
suposta mais conveniente a uma redação elegante e amena de tais atos judiciários.
definisse o conceito e alcance da "Legislação Social" a ser aplicada pela Justiça do (...) Embora não tenha sido nosso auxilio invocado como o de grandes sabedores
Trabalho, em acórdão da lavra do Min. Castro Nunes, assim ementado: "Em falta de da língua, sentimo-nos inteiramente a vontade para pontificar no assunto, já que o
lei trabalhista, podem os tribunais do trabalho aplicar códigos comuns, quando invo- fazemos não como mestres, mas como vítimas. Sofrendo a leitura de tais arestos é
cados como normas de proteção do trabalhador, no caráter de normas sociais. A que aprendemos - imaginando como sofreríamos menos, se fossem eles escritos
competência da Justiça do Trabalho pode ser estendida aos trabalhadores rurais de maneira diferente. (...) 1" decisão deve ser redigida normalmente, procurando
não obstante limitada aos trabalhadores urbanos a aplicação da maior parte das leis convencer a quem a lê, vasada em tantos períodos quantos forem necessários, e
trabalhistas" (CJ n. 1.378. julgado em 26 de agosto de 1942, publicado em LTr de nunca num só periodo, com as orações separadas por ponto e virgula. (...) 2 V a r a
janeirolfevereiro de 1943, págs. 19-27. cada ponto, não devem ser citados mais do que dois autores, sendo um de primeira
70 Cfr. nosso "Um Pouco de História...", pág. 28. e outro de segunda categoria. (...) 3" sentença ou acórdão deve ser um transunto
7 ' Cfr. Francisca Albuquerque, op. cit., pág. 104. do que ocorreu no julgamento.
210 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 21 1

ção, o próprio Ministério do Trabalho encaminhava o dissídio Assim, a nova estrutura passava a ter os seguintes traços
ao Tribunal competente. No caso de se considerar inoportuna de novidade:
a instauração da instância, o pedido era encaminhado ao Tri- a) Conversão do Conselho Nacional do Trabalho em tri-
bunal, mas para arquivamento. bunal superior do trabalho, com redução de seus membros de
Com o final da 2"uerra Mundial em 1945 e a conse- 18 para 11~ u í z e sem
~ ~face
, do desmembramento da Câmara
qüente Berrocada dos regimes totalitários de direita e fortale- de Previdência Social, convertida que foi no Conselho Supe-
cimento das democracias ocidentais, houve a queda da dita- rior de Previdência Social (CSPS); e
dura de Getúlio Vargas com a convocação da Assembléia 2 ) Transformação dos Conselhos Regionais do Trabalho
Constituite de 1946 que representou, para a Justiça do Traba- em Tribunais Regionais do Trabalho, com autonomia adminis-
lho, sua oficial e definitiva incorporação ao Poder Judiciário, trativa e poder de elaboração de seus próprios regimentos in-
uma vez que expressamente incluída entre os órgãos deste ternos (que antes eram elaborados pelo CNT)75;
(art. 94, V). 3) Formação de uma carreira dentro da judicatura togada
Antes mesmo da promulgação da nova Constituição, que da Justiça Trabalhista, com o estabelecimento do concurso
se deu a 18 de setembro de 1946, dois diplomas legais eram público como forma de provimento dos cargos iniciais e pro-
editados antecipando as alterações que seriam introduzidas moção pelos critérios de antigüidade e merecimento;
pela Constituição vindoura: 4) Outorga das garantias próprias da magistratura, con-
1) Decreto-Lei n. 8.737, de 19 de janeiro de 1946, editado sistentes na vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de
pelo então presidente interino José Linhares (que, como Pre- vencimento para os juízes togados; e
sidente do Supremo Tribunal Federal, substituíra Vargas, de- 5) Elevação para 3 anos do mandato dos juízes classistas.
posto pelos militares), que excluía do CNTas questões previ- O Decreto-Lei n. 9.797146, a par de instituir a carreira da
denciárias, permitindo a criação do Conselho Superior da Pre- magistratura trabalhista, provida inicialmente por concurso,
vidência Social, vinculado ao Ministério, mas separado do CNT, previu a existência, fora do âmbito da 1h2: Regiões, da figu-
o que tornava este um Órgão eminentemente judicante; e ra do suplente de Presidente de Junta (redação dada ao 5 1"
2 ) Decreto-Lei n. 9.797, de 9 de setembro de 1946, edita- do art. 654 da CLT), que não necessitaria de fazer concurso
do pelo Presidente eleito Eurico Gaspar Dutra, que já dava a publico, mas que, em contrapartida, não teria acesso a pro-
Justiça do Trabalho sua estrutura judicial, tal como seria con- moção na carreira. Seriam nomeados diretamente pelo Presi-
sagrada na Constituição de 1946, o que o tornava inconstitu- dente da República, dentre advogados militantes no foro tra-
cional em face da Carta de 37. balhista, para substituírem os presidentes de Juntas em seus
afastamentos e impedimentos.
Para essa transformação, empenhou-se de especial ma-
Ora, se o suplente fosse reconduzido, passava a integrar
neira o então presidente do CNT, Ministro Geraldo Montedônio
o quadro da Magistratura Trabalhista em caráter permanente,
Bezerra de Menezes, que deixou registro de suas conversas
com o Presidente Dutra e com o Senador Atílio Viváqua na 74 A primeira composição do TST foi a seguinte: Geraldo Bezerra de Menezes (Pre-
defesa da juridicização da Justiça do Trabalho, obtendo o des- sidente), Manuel Alves Caldeira Neto (Vice-presidente), Júlio Barata, Delfim Morei-
locamento dos dispositivos relativos a Justiça do Trabalho, do ra Jr.. Astolfo Serra, Edgard de Oliveira Lima e Edgard Ribeiro Sanches (togados), e
Ozéas Mota, Waldemar Ferreira Marques, Percival Godoi Ilha e Antonio Francisco
capítulo relativo a "Ordem Social e Econômica" para o relativo Carvalhal (classistas). O Procurador-Geral do Trabalho era o Dr. Américo Ferreira
ao "Poder Judiciário" da nova Carta Magna73. Lopes.
75 OS TRTs das 1% e2"Regiões passavam a ser compostos de 7 juizes, dos quais 2
73 Cfr. Geraldo Bezerra de Menezes, op. cit., págs. 96-97. classistas; as demais regiões permaneciam com o mesmo quadro de 5 juízes cada.
21 2 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 213

mesmo sem concurso público. No entanto, se não reconduzi- dução, pautarem seus julgamentos não tanto pela consciência
dos, voltavam a advocacia, o que constituía uma forma anô- do justo quanto pelos interesses da categoria da qual provi-
mala de exercício de judicatura, pois o suplente, muitas vezes, nham. Propôs-se, a época, restrições legais a sua recondu-
mantinha sua banca advocatícia, o que é incompatível com o ç ã ~O ~que
~ acabou
, não vingando.
exercício da função de juiz7'j. Tal figura só veio a ser extinta
com a Lei n. 7.221/84, que estabeleceu a disjuntiva para os Desde os seus começos, a Justiça do Trabalho viu-se as-
juízes suplentes permanentes: fazer Concurso para ingresso soberbada pela quantidade enorme de demandas que lhe eram
na carreira ou, caso contrário, permanecerem nessa função trazidas para solução. A sobrecarga de trabalho tanto nas Jun-
sem acesso aos graus hierárquicos superiores, extinguindo- tas como nos TRTs e especialmente no TST levavam a que o
se tais cargos a medida em que fossem vagando. modelo idealizado, de uma Justiça célere e simples, com a
Mesmo com a inserção expressa dos juízes e tribunais concentração da instrução e julgamento numa única audiên-
do trabalho no capítulo relativo ao Poder Judiciário, houve quem cia e a redução das vias recursais se tornasse um ideal nunca
sustentasse, com base no § 5 V o art. 122 da Constituição de atingido79.
46, que os magistrados trabalhistas não gozavam das mes- A situação mais difícil era a enfrentada pelo TST, que,
mas garantias dos magistrados da Justiça Comum. Isto por- funcionando apenas em plenário de 11 ministros, tornava ex-
que o referido dispositivo constitucional remetia a regulaçáo tremamente lenta a apreciação dos recursos que lhe eram ofe-
através de lei, da constituição, investidura, jurisdição, compe- recidos, a par de afunilar a solução dos processos nas ses-
tência, garantias e condições do exercício dos órgãos da Jus- sões de julgamento do colegiado. Já no ano de 1952 chegou a
tiça Especializada. Foi necessário que os Ministros togados ter 4.000 processos aguardando pauta para julgamento, com
do TST recorressem ao STF para dirimir a questão, tendo a mais de 700 processos só de um dos ministros esperando ser
Suprema Corte reconhecido os direitos e garantias outorga- relatadosa0,o que ocasionava o inconformismo das partes e
dos aos magistrados brasileiros aos juízes togados da Justiça de seus advogados contra a morosidade do sistemaa1.
do T r a b a l h ~ ~ ~ .
Diante de tal quadro, o Deputado Lúcio Bittencourt apre-
Em relação aos juízes classistas, problema que se colo-
sentou, em 1953, o projeto de emenda constitucional n. 10,
cava então era o da sua recondução. O fato de serem repre-
propondo a extinçáo do TST, uma vez que estava se mostran-
sentantes classistas não os despia da condição de juízes, cuja
característica básica deve ser a imparcialidade. Se a função do incapaz de atender as finalidades pelas quais existia. Argu-
do classista é a de trazer a sua experiência prática para os mentava-se que a função uniformizadora da interpretação da
órgãos judicantes da Justiça do Trabalho, não pode ser, con- legislação federal já era mister do Supremo Tribunal Federal,
comitantemente, a de favorecer, nas demandas que lhe são não se justificando uma etapa intermediária, com idêntica fi-
submetidas a apreciação, as categorias profissional ou eco- nalidade, que só contribuía para a delonga na solução final
nômica que representam. Assim, o fato de serem eleitos pelas das questões trabalhistas. A proposta, no entanto, não vingou,
referidas categorias representava perigo de, visando a recon- diante da atuação doTST também em dissídios coletivos, como
instância originária ou recursal, e pelo fato de que a extinção
76 Cfr. também Beresford Martins Moreira, "O Suplente de Presidente de Junta de
Conciliação e Julgamento é Magistrado", in LTr de setembro11950, págs. 395-397. Cfr. Mozart Victor Russomano, "A Recondução dos Juizes Classistas", in LTr de
77 Cfr. Geraldo Bezerra de Menezes, op. cit., págs. 99-100. Em artigo de abertura da setembro de 1949, págs. 41 7-41 8.
Revista LTr de abril de 1942, já se levantava o problema, no sentido de que a inves- 79 Cfr. "A Morosidade na Justiça do Trabalho" (LTr 15-121545-546 - editorial).
tidura de juizes leigos, a semelhança dos tribunais de júri, não permitiriam que os 80 Cfr. "A Demora na Justiça do Trabalho" (LTr 16-81309-310 - editorial).
integrantes da Justiça do Trabalho fossem considerados magistrados ("Magistratura Cfr. "Desproteção do Trabalho no Tribunal Superior do Trabalho" (LTr 15-41133 -
do Trabalho", págs. 145-146). editorial).
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 21 5
21 4

do Tribunal só contribuiria para fazer desaguar diretamente no alçada do Reino, como também na Constituição Imperial, que
Supremo Tribunal Federal toda essa avalanche de recursos previa o recurso de revista das decisões de 2a. instância para
em processos trabalhistas. o Supremo Tribunal de Justiça (arts. 163-164)84.Seus pressu-
postos específicos e limitados de gdmissibilidade seriam fixa-
A Lei n. 2.244154 veio dar solução em parte ao proble- dos pelo Decreto-Lei n. 229167, deixando clara a natureza ex-
ma, ao permitir a divisão em Turmas do Tribunal Superior do traordinária do mesmo.
Trabalho, para fazer frente ao crescimento do número de pro-
cessos que chegavam a última instância trabalhista. Com a Se, por um lado, as medidas legais adotadas permitiram
Emenda Constitucional n. 16165, que alterou o 5 1 V o art. um certo desafogo no órgão de cúpula da Justiça Laboral, por
122 da Constituição de 1946, estabeleceu-se a irrecorribili- outro, o problema crucial do excesso de demandas trabalhis-
dade das decisões do TST, salvo as que contrariassem a tas continuava a se verificar nos órgãos de base da instituição.
Constituição da República, o que representava o reconheci- A tentativa de solução, pela elaboração de pautas incluindo
mento do TST como intérprete máximo do ordenamento jurí- até 20 audiências de conciliaçáo e julgamento no mesmo dia,
dico-laboral infraconstitucional, evitando-se, dessarte, a du- na ilusão de dar vazão as reclamatórias que iam sendo ajuiza-
plicidade de funções entre TST e STF na conformação exe- das, mostrou-se contraproducente, uma vez que, a partir de
gética da ordem legal trabalhista. então, passou a audiência a ser fragmentada, fugindo do mo-
delo idealizado pela CLT, de composição do conflito em au-
Já em 1943, diante da inexistência de previsão expressa diência única.
de recurso extraordinário da Justiça do Trabalho para o STF, a Assim, ao invés de incluir em pauta número de processos
Suprema Corte reconhecia a necessidade de se admitir o re- que poderiam, efetivamente, ser apreciados integralmente na
curso, pois do contrário poderia haver afronta a dispositivo cons- mesma audiência, optou-se pela acumulação de processos
titucional sem que o Supremo Tribunal Federal pudesse exercer num mesmo dia, limitando-se a audiência inaugural ao recebi-
o controle de constitucionalidade das decisões judiciais traba- mento da defesa e imediato adiamento da fase instrutória, uma
Ihistasa2.Com isso, criou-se a duplicidade terminológica em re- vez rejeitada a proposta conciliatória. Isso só obrigava o tra-
lação aos recursos para o TST e para o STF, de vez que o apelo balhador a ter de voltar várias vezes a juízo, não proporcio-
dos TRTs para o TST era o recurso extraordinárid3. nando a pretendida celeridade processuala5.
O problema veio a ser resolvido com a instituição do re- A grande reforma da CLT, levada a cabo pelo Decreto-Lei
curso de revista como apelo próprio dos TRTs para o TST, n. 229167, antes mesmo da promulgação da Carta Política de
através da Lei n. 861, de 13 de outubro de 1949, fazendo res- 1967, incluiu a previsão de novas fórmulas recursais no âmbi-
surgir a nomenclatura de velha tradição colonial e imperial da to da Justiça do Trabalho:
"revista" prevista nas Ordenações Afonsinas como apelo que
se interpunha ao Príncipe, em relação as sentenças de maior a) o recurso de embargos para as JCJs, nos processos de
alçada, encerrando-se nas Juntas a jurisdição nessas causas;
82 Cfr. Revista LTr de janeirolfevereiro de 1944, págs. 19-24, que transcreve o acór- 6) o recurso ordinário para os TRTs, quando o dissídio
dão proferido em Reclamação dirigida ao STF sobre a denegação de recurso extra- individual ultrapassasse a alçada legal;
ordinário contra decisão de JCJ, da qual foi relator o ilustre Ministro José Linhares.
83 O CNT já havia definido, desde 1942, que o recurso extraordinário adotado na c) o recurso de revista para as Turmas do TST, limitados
Justiça do Trabalho, tal como previsto no art. 203 do Decreto n. 6.596, visava a as hipóteses de:
uniformização da jurisprudência dos CRTs, não servindo de paradigmas decisóes
anteriores a 1"e maio de 1941, data da instalação da Justiça do Trabalho, uma vez
84 Cfr. "0 Recurso Extraordinário na Legislação Trabalhista", artigo de redação da
que até essa data a verdadeira interpretação da legislação do trabalho estava a
Revista LTr de junho de 1949, págs. 245-246.
cargo do Ministro do Trabalho (cfr. Processo n. 3.522142, Rel. Joao Duarte Filho, in
LTr de junho de 1942, págs. 272-273). 85 Cfr. LTr 25-113 (ns. 2811282).
21 6 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

* divergência na interpretação de dispositivo legal, salvo Com a edição da Lei Orgânica da Magistratura Nacional
se a decisão recorrida estivesse em consonância com prejul- (Lei Complementar n. 35/79), fruto mediato do Pacote de Abril
gado ou jurisprudência pacífica do TST; e de 1977, quando o Presidente Ernesto Geisel fechou o Con-
gresso Nacional e editou a Emenda,Constitucional n. 7/77, cria-
* violação de "norma jurídica" (o que incluía todas as fon- ram-se sérios empecilhos ao pleno funcionamentos dos Tribu-
tes de di~eito,autônomas e heterônomas). nais Regionais: as convocações de juízes para substituírem
d) o recurso de embargos para ò Pleno do TST, como os membros dos Tribunais não se poderiam fazer senão para
instrumento de uniformização interna corporis do TST. composição do quorum dos tribunais, impedidos, no entanto,
Com a Revolução de 1964, seguida da Constituição de de funcionarem como relatores e revisores de processos. Com
1967 e da Emenda Constitucional n. 1/69, previa-se expres- isso, o entulhamento de processos continuariam nos TRTs,
samente na Carta Constitucional o número de juízes do TST, mormente pelo fato da Lei Orgânica só não prever para os
que passava a contar com 17 membros, denominados agora Tribunais Regionais do Trabalho as férias coletivas. Assim, com
de ministros. Previa-se na nova Carta Política a necessidade os afastamentos de seus membros para férias individuais ou
de aprovação do Senado Federal para a nomeação dos mi- licenças, os processos deveriam ser redistribuídos entre os
nistros do TST. Previa-se, outrossim, a integração de mem- próprios integrantes do Tribunal, complicando ainda mais seu
bros do Ministério Público e da Advocacia nos quadros da funcionamentoB6.
Magistratura Laboral, através do que se denominou ser o Na tentativa de ultrapassar os sérios inconvenientes que
quinto constitucional. a LOMAN trazia para os TRTs, para efeito do gozo de férias de
A Constituição de 196711969 trouxe para a. esfera da Justi- seus membros, os TRTs de São Paulo e Rio de Janeiro, se-
ça Federal as questões trabalhistas dos servidores da União, guindo na esteira da interpretação dada pelo depois Ministro
regidos pela CLT, inclusive de autarquias e empresas públicas Antonio Lamarca aos dispositivos da lei complementar atinen-
federais, gerando a duplicidade de interpretação de normas tra- tes as férias, substituições e funcionamento das Turmas, pas-
balhistas, conforme o ramo do Judiciário que as apreciasse. saram a convocar, durante as férias de seus titulares, juízes
do trabalho de 1"instância, com possibilidade de atuarem como
Em 1" de maio de 1971, cumprindo preceito constitucio- relatores e revisores. O TST acabou editando a Resolução n.
nal que determinava ser sede do Tribunal Superior do Traba- 46/80, em sentido contrário a interpretação dada aos arts. 66,
lho a capital da República, era instalada em Brasília a mais 5 1" e 67, § 1" da LOMAN pelos 1% e2"TRTs, sendo conside-
alta Corte Trabalhista do país, em cerimônia que contou com a rados nulos os julgamentos proferidos pelas Turmas Regio-
presença do Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, do Presidente nais com a composição integrada de juízes de 1"instânciaB7.
do Supremo Tribunal Federal, Ministro Aliomar Baleeiro, e do
Bispo de Brasília, D. José Newton, que fez a entronização, no Assim se explica que até hoje sejam os TRTs os únicos
Plenário da Corte, da imagem do Cristo Crucificado, oferecida tribunais no país a funcionarem normalmente nos meses de
pelo então Presidente do TRT baiano, Carlos Coqueijo Costa, janeiro e julho, dada a ausência de férias coletivas de seus
em nome de todos os Tribunais Regionais do Trabalho. membros nesse período.
Também visando descongestionar a Justiça do Trabalho,
Em março de 1976 surgia novo periódico a divulgar a foi proposta pelo Ministro Arnaldo Sussekind, acolhendo su-
legislação, doutrina e jurisprudência trabalhistas: a Revista
gestão do Prof. Loiz José de Mesquita, a criação das comis-
de Direito do Trabalho, da Editora Revista dos Tribunais, con-
tando entre seu conselho editorial, com nomes ilustres como a6Cfr. LTr 431405-406.
os do Ministro Vantuil Abdala e do juiz Floriano Corrêa Vaz Cfr. LTr 44-71805-806 e Marcelo Pimentel, "Nulos os Últimos Julgamentos dos
da Silva. TRTs de São Paulo e Rio" (in LTr 44-71807-808).
218 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

ção de 1988, do regime único no âmbito da administração pú-


sões paritárias de empresa, que seriam instâncias conciliató-
blica, de caráter estatutário, e com a criação do Superior Tribu-
rias pré-judiciais, evitando a necessidade de recurso ao Judi-
nal de Justiça, como instância superior da Justiça Comum, em
ciário para solução de todos os conflitos trabalhistas surgidos
no âmbito das empresas. Dessa iniciativa surgiu o Projeto de pé de igualdade com o TST na interpretação última do ordena-
Lei n. 2.81 9/80, apresentado pelo então Deputado Carlos Al- mento jurídico infra-constitucional.'
berto Chi'arelli, o qual, no entanto, não logrou êxitoaa. Em 1982, deixavam de existir os prejulgados do TST, trans-
Exemplo de medida de exceção para solução de ques- formados em Súmulas. Contra o sistema havia se insurgido o
tões trabalhistas cuja processualística vigente tornariam inó- Ministro Coqueijo Costa, que entendia não poder a jurispru-
cuas as medidas tópicas adotadas foi a avocatória de proces- dência do TST ter maior força vinculante do que a própria leig1.
sos de execução contra a Santa Casa de Misericórdia de Belém, Tal controvérsia volta a tona, atualmente, com a discussão em
torno da atribuição de efeito vinculante as Súmulas dos Tribu-
levada a cabo pelo Juiz Presidente do TRT da 8 V e g i ã 0 , Dr.
Roberto Araújo de Oliveira Santos, que, no exercício da fun- nais Superiores como medida de urgência para evitar a subida
ção corregedora, promoveu intervenção direta na própria ad- de milhares de processos de igual teor, quando as instâncias
ministração da entidade, concentrando todas as penhoras nos superiores já fixaram entendimento sobre a questão.
vários processos contra a entidade numa única penhora, que Em 1983, com o aumento assustador de recursos, tanto
passou a recair sobre a totalidade dos bens e direitos da enti- para os TRTs como para o TST, recomendando a limitação de
dade. Constitui-se o despacho do Presidente do TRT paraen- recursos no âmbito do TSTg2e O aumento de magistrados nos
se em característico exemplo de promoção da Justiça Social TRTs, levou a edição da Lei n. 7.1 19/83, ampliando as Turmas
por vias excepcionais não ortodoxas, em notá,vel desejo de se dos TRTs carioca, paulista, mineiro, gaúcho e pernambucano.
tornar realidade a revolução social em nosso paísag. A partir de então, sucessivas leis vêm ampliando, periodica-
Sob a égide da Constituição de 1967, que admitia o hibri- mente, a composição dos TRTs, para fazer frente ao aumento
dismo de regimes dentro do serviço público (estatutário e cele- de recursos que vêm assolando a Justiça do Trabalho desde o
tista) e remetia para a Justiça Federal todas as causas em que seu nascedouro.
a administração direta ou indireta fosse parte, passou a haver o Em novembro de 1986, para comemorar seu jubileu de
conflito de decisões entre TST e TRF na interpretação dos dis- ouro, a LTr promovia o 1" Congresso Brasileiro de Direito Co-
positivos da CLT. Como os recursos extraordinários oriundos da letivo do Trabalho, coordenado pelo Prof. Amauri Mascaro Nas-
Justiça do Trabalho apenas poderiam ser alçados ao Supremo cimento, dando início aos conclaves anuais que se tornariam
por ofensa a Constituição, esses conflitos exegéticos não tinham tradicionais (surgiriam depois o Congresso de Direito Proces-
como ser solucionados. Foi, por exemplo, o caso da questão sual e o de Direito Individual), promovendo o melhor estudo e
relativa a base de cálculo do adicional de insalubridade: TST debate dos temas mais atuais do Direito do Trabalho.
considerava que seria o salário-mínimo profissional, enquanto
o TFR entendia ser o salário-mínimo geral. Verificava-se a ten- VI1 - A JUSTIÇA DO TRABALHO SOB A
dência protetiva de cada uma das Justiças: a Trabalhista ampa- ÉGIDE DA CONSTITUIÇÁO DE 1988
rando o trabalhador e a Federal protegendo os interesses da
União. E isso na interpretação do mesmo dispositivo legal!g0.Tal Com o fim do Regime Militar instalado em 1964 e início
conflito só veio a ser sanado com a instituição, pela Constitui- da Nova República, uma das plataformas do Presidente eleito
88 Cfr. LTr 45-21133-136 e "Reforma da Justiça do Trabalho", in LTr 47-41391-396
Cfr. "A Morte do Prejulgado Trabalhista", in LTr 46-1 111297-1298.
Cfr. LTr 47 (abertura) e despacho (47-41448-450).
92 Cfr. Ildélio Martins,"A Justiça do Trabalho e Suas Dificuldades", in LTr 47-1211433-1440.
Cfr. LTr 46-21133-134.
220 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 221

Tancredo Neves (que faleceu antes de assumir o cargo) era a O impasse criado em plenário, com a formação do cha-
da convocação de uma nova Assembléia Nacional Constituin- mado "Centrão" (bloco de partidos de direita), enfrentando-se
te. Para facilitar seus trabalhos, foi elaborado um anteprojeto com os partidos de esquerda, mormente em questões relati-
pela Comissão Affonso Arinos, que, em relação a Justiça do vas a estabilidade no emprego e reforma agráriag4,conjugada
Trabalho, previa a extinção dos classistas nos TRTs e TST, a incompatibilidade de dispositivos tópicos, numa Constitui-
figurando apenas nas Juntas de Conciliação e Julgamento. O ção em que se enfrentavam as tendências parlamentaristas e
projeto, no entanto, foi rejeitado em 61oco pela Constituinte, presidencialistas, ocasionou o oferecimento, por parte do sis-
que decidiu começar do zero seus trabalhos, o que deu a Cons- tematizador e relator em Plenário, Deputado Bernardo Cabral,
tituição de 1988 seu caráter de colcha de retalhos, pela falta de um substitutivo do Projeto geral, em setembro de 1987,
de uma sistematização global de seus vários capítulos e divi- que aumentava para 23 o número de ministros do TST, afasta-
sões, albergando, assim, contradições tópicas entre suas cen- va os acidentes do trabalho da competência da Justiça do
tenas de dispositivos. Trabalho, mas incluía os litígios da administração pública dire-
Na Subcomissão temática referente ao Poder Judiciário e ta em matéria trabalhista, além de retirar a remissão a lei como
Ministério Público, o anteprojeto aprovado em maio de 1987, instituidora das hipóteses de exercício do poder normativo da
cujo relator foi o Deputado Plínio de Arruda Sampaio, previa a Justiça do Trabalho. Após um ano de debates em torno desse
competência da Justiça do Trabalho para a apreciação das con- projeto, com destaques, emendas e subemendas, era promul-
trovérsias referentes a acidentes de trabalho, além de tratar da gada, em 5 de outubro de 1988 a "Constituição CidadãJ',no
arbitragem em matéria de conflitos coletivos, cujo laudo arbitra1 dizer do presidente da Constituinte, Deputado Ulysses Gui-
não poderia estabelecer condições de trabalho menos favorá- marães. O democratismo próprio de uma Nação que acabava
veis do que a proposta patronal rejeitada. Mantinha a represen- de sair de um regime ditatorial militar ensejou a constituição
tação classista, cujo lobby foi dos mais fortes de toda a Consti- prolixa que ora temos, trazendo, no âmbito trabalhista, verda-
tuinte, como também o número de 17 ministros para o TST. deira constitucionalização da legislação ordinária.
Na Comissão temática de Organização dos Poderes e Sis- A Constituição de 1988, ao estabelecer em seu art. 114 a
tema de Governo, o anteprojeto aprovado em junho de 1987 competência da Justiça do Trabalho, incluía nela as deman-
mantinha mais ou menos a mesma linha do que aprovado na das em que fosse parte a União, Estados, Municípios, inclusi-
Subcomissão, no que concerne a Justiça do Trabalho, mas re- ve suas autarquias e empresas públicas. Como, de outra par-
metendo a lei, como na Constituição de 1967, a previsão das te, o art. 37 instituía o regime jurídico único no âmbito da ad-
hipóteses de exercício de poder normativo pela Justiça do Tra- ministração pública direta, autárquica e fundacional, debateu-
balho. Seu relator foi o Deputado Egídio Ferreira Lima. se muito sobre a competência da Justiça do Trabalho para di-
Debate que se travou, com forte pressão sindical nesse rimir as questões relativas aos servidores públicos estatuta-
sentido, foi o da extinção do TST como instância uniformiza- rios. Os órgãos jurisdicionais trabalhistas deram-se por com-
dora dos TRTs. Pretendia-se esvaziar sua competência, para petentes para apreciar a questão, até que o STF decidisse,
que não houvesse revisão das decisões dos TRTs, ao argu- como decidiu, que tais questões deveriam continuar sob o pá-
mento de que havia se tornado uma Instância "procrastinatória" lio da Justiça Federalg5.
nos dissídios individuais e "conservadora" nos dissídios coleti- O mesmo ocorreu em relação a competência normativa
vosg3.Tal tendência extintiva, no entanto, acabou por não pre- relativa a dissídios coletivos de servidores públicos. O STFcon-
valecer, deixando a Carta Política de tratar especificamente
da competência hierárquica das Cortes e juízos trabalhistas. 94 Desde a Subcornissão tematica ate o substitutivo do relator em plenário, oriundo
da comissão de sistematização, era prevista uma Justiça Agrária especializada.
93 Cfr. LTr 51 -71773-774. 95 Cfr. LTr 56-1 111287 e 1211413.
222 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

siderou que os servidores públicos poderiam, como previsto na


H BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

do em que integrou a Corte Suprema Trabalhista o Min. Marco


223

Constituição, formar sindicatos e fazer greves, mas não teriam Aurélio Mendes de Farias Mello, que promoveu, até sua as-
direito a negociação coletiva e aos dissídios coletivos. Ademais, censão ao Supremo Tribunal Federal em junho de 1990, como
diante das greves ocorridas, especialmente da Polícia Federal, primeiro magistrado trabalhista na,mais alta Corte do país, a
o STF considerou que o direito de greve do servidor público só instituição de considerável número de novos verbetes sumula-
poderia ser exercido quando editada a lei complementar que o dosg9,alterando-lhes a própria nomenclatura para enuncia-
regulamentasseg? Assim, os servidorès públicos, em matéria doslOO,ao ponto de transformar enunciado em fonte formal de
de direitos coletivos, ficaram, na prática, despidos dos direitos direito, na medida em que o Enunciado n. 291, sobre integra-
que a Carta Política Ihes outorgou, sendo que seus sindicatos çáo de horas extras, ao rever o enunciado de n. 76, veio a criar
não passam de lobbies reconhecidos, de vez que só podem indenização não prevista em lei, a par de não representar cris-
agir como grupos de pressão para alteração da legislação, já talização de jurisprudência anterior.
que não podem negociar ou ajuizar dissidios coletivos. E a pró- Notabilizaram-se, também os enunciados sobre trabalho
pria pressão não pode chegar ao extremo da paralisação dos bancário, especificando todas as espécies de cargos que po-
serviços, o que retira muito de sua força persuasória. deriam ser considerados como de confiança, para efeito de
Questão que também colocou em confronto TST e STF exclusão do direito as horas extras além da 8 V d i r i a (Súmulas
foi a relativa aos resíduos inflacionários suprimidos pelos pla- ns. 232, 233, 234, 237, 238, 239 e 240). Em matéria proces-
nos econômicos editados pelo governo para estabilização da sual, estreitou-se a via de acesso ao TST (SDI e Turmas), não
economia. A Justiça do Trabalho, em peso, considerou incons- permitindo o cabimento de recurso em decisões proferidas em
titucionais, por ferirem direito adquirido do trabalhador, a su- agravo de instrumento ou agravo regimental (Súmulas ns. 183,
pressão dos resíduos inflacionários correspondentes ao IPC 195 e 21 8), ao fundamento de que o estreitamento da via, em
de junho187 (Plano Bresser) e março190 (Plano Collor) e das recurso não submetido a revisor e sem direito a sustentação
URPs de abril e maio188 e fevereiro189 (Plano Verão), ao pon- oral, não admitiria novo alargamento, devendo ser definitiva-
to do TST editar suas Súmulas ns. 316, 31 7 e 323. Só depois mente vedada a via já estreitada.
de pacificada a questão no âmbito trabalhista é que o Supre-
mo veio a se pronunciar sobre a matéria, entendendo não con-
1 Questão polêmica que a nova Constituição trouxe sobre
a atuação da Justiça do Trabalho foi a relativa ao jus postulan-
figurada a ofensa ao direito adquirido, o que levou o TST a di direto das partes, uma das características diferenciadoras
cancelar os referidos enunciadosg7e editar a Súmula n. 315 I
do Processo do Trabalho, e que passou a ser negado, em face
sobre o Plano Collor, como também ocasionou uma dupla ava- do art. 133 da Constituição, que fala da imprescindibilidade do
lanche de processos: a maioria dos trabalhadores recorreu ao advogado para a administração da Justiça. A orientação final
Judiciário para obter os resíduos inflacionários suprimidos pelo da Justiça Laboral sobre a matéria, reconhecendo a perma-
governo (mormente em reclamatórias plúrimas) e, com a orien- nência da garantia processual das partes, foi dada por deci-
tação fixada pelo STF, a maioria das empresas voltou a briga são do TST em processo relatado pelo Min. Orlando Teixeira
(através de ações rescisórias). da Costa, defensor da garantia de acesso fácil do empregado
O Direito Sumular, desenvolvido pelo TST, a partir de seus ao Judiciário TrabalhistalO1.
prejulgad09~,teve especial desenvolvimento durante o perío- 99 De 180 a 301, no período de 1983 a 1989. Colaborou especialmente nesse mister,
sua então assessora, Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge (atualmente, Procuradora
96 Cfr. LTr 58-061646. Regional da República). Nova promoçao conjunta de edição de enunciados só se
97 Cfr. LTr 58-12/1419. dará a partir de 1992.
9B Transformados em Súmulas pela Resolução Administrativa n. 102182, passando a 'O0 Resoluçao Administrativa n. 44/85.

Enunciados de 130 a 179. 'O' Cfr. TST-RO-AR 468184, in LTr 54-41387-388,


224 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 225

A Nova Carta Política previa a existência de pelo menos TRTs, possibilitando, através dos recursos em matéria admi-
um TRTpor Estado (art. 112), o que resultou na criação e ins- nistrativa, a preservação da legalidade e moralidade das Cor-
talação dos TRTs do Espírito Santo (17Wegião), Maranhão tes trabalhistas.
(18Wegião), Alagoas (19Wegião), Sergipe (20Wegião), Rio Com a Lei n. 7.701/88, o Pleno do TST viu-se dividido em
Grande do Norte (21Wegião), Piauí (22Wegião), Mato Gros- duas seções especializadas, uma para apreciação de dissí-
so (23Wegião) e Mato Grosso do Sul (24Wegião) entre os dios coletivos (SDC) e outra para dissídios individuais (SDI). A
anos de 1989 e 1992, pelo empenho'do então Presidente do mesma lei permitiu que os Tribunais Regionais de maior porte
Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Luiz José Guimarães se subdividissem também, com a criação dos Grupos de Tur-
Falcão. mas para dissídios individuais e o Grupo Normativo, para os
A experiência de se ter um TRT por Estado, no entanto, dissídios coletivos. Em relação ao recurso de revista para o
não se mostrou salutar, uma vez que vários dos Estados pe- TST, introduziu a possibilidade de discussão em torno da in-
quenos não possuem um número de demandas trabalhistas terpretação de norma interna de empresa, o que era vedado
que justifique a manutenção de uma aparelho estatal tão dis- em face da natureza extraordinária do recurso (Súmula n. 208
pendioso como é um Tribunal. Nesse sentido, deixou-se de im- do TST). O Ministério Público do Trabalho se insurgiu contra o
plementar integralmente o dispositivo constitucional em tela, dispositivo da lei que dava nova redação a alínea b do art. 896
com a não aprovação, pelo Orgão Especial do TST, da criação da CLT, em face também do desrespeito ao princípio da isono-
do TRT do Acre, postulada por seu governador. Também os mia (de vez que limitava o acesso ao TST as grandes empre-
Estados recém criados do Amapá, Roraima e Tocantins esta- sas quanto as normas internas, pois apenas as normas de
riam a reclamar seus TRTs. vigência no âmbito jurisdicional de mais de um TRT poderia
ser objeto de exame). O TST rejeitou a argüição de inconstitu-
Fato que levou o TSTa cogitar, inclusive, sobre a possibi- cionalidade, editando a Súmula n. 312.
lidade de reduzir o número de TRTs, ao ensejo da reforma do
Poder Judiciário que ora tramita no Congresso foi o dos es- Passando do TST para os Tribunais Regionais do Traba-
cândalos de corrupção e nepotismo verificados no TRT da Pa- lholo3,podemos referir como nomes de primeira grandeza, que
raíba, que levaram ao afastamento de todos os juízes do Tri- se destacaram como magistrados e doutrinadores, Délio Ma-
bunal, por disposição do Corregedor-Geral da Justiça do Tra- ranhão, Pinho Pedreira, Wilson de Souza Campos Batalha, Ma-
balho, Min. Almir Pazzianotto Pinto, com respaldo do próprio noel Antonio Teixeira Filho, Valentin Carrion, Antonio Álvares
STF, que reconheceu poderes ao TST para exercer supervi- da Silva e Irany Ferrari.
são administrativa sobre os regionaislo2. Délio Maranhão, foi juiz do 2Wonselho Regional do Tra-
balho e notabilizou-se por suas obras "Direito do Trabalho" e
Nesse campo, a evolução que se viu foi da orientação
"lnstituições de Direito do Trabalho", em co-autoria com Arnal-
inicial do TST no sentido de preservar a total autonomia em
do Sussekind e Segadas Vianna, verdadeira Bíblia do Jusla-
matéria administrativa (Súmula n. 302), passando para a ad-
boralismo Brasileiro. Pinho Pedreira é exemplo de dedicação
missão do controle de legalidade dos atos administrativos dos
ao Judiciário Trabalhista, tendo sido Presidente do 5"RT, pro-
tribunais regionais (Súmula n. 321) até o recente reconheci-
fessor, doutrinador e conferencista que fez Escola.
mento da necessidade de uma supervisão administrativa do
TST sobre os TRTs, que é exercida especialmente com a in- Wilson Batalha, como juiz classista do TRT de São Paulo,
dispensável ajuda do Ministério Público, órgão que tem levado destacou-se por sua profunda formação técnico-jurídica, in-
ao conhecimento do TST alguns desmandos ocorridos nos 'O3 Fazemos uma menção expressa a alguns magistrados de 1% e2"instância traba-
lhistas, tendo em vista que, em relação aos ministros do TST, suas participações
'O2 Cfr. LTr 61-071870-674. mais destacadas foram sendo referidas ao longo do estudo.
BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 227
226 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

comum num magistrado classista, contribuindo com obras de Dentre tantos nomes de envergadura dos Colegiados La-
peso para a literatura jurídico-trabalhista pátria. Em face de sua borais de 1% e2"Instância, destacamos apenas os magistra-
origem classista, foi sempre defensor da representação paritá- dos supra-referidos, tendo em vista a extensão e profundida-
ria na Justiça do Trabalho. Teixeira Filho é doutrinador de escol, de de sua produção literária, paralela a sua atividade judican-
versando com profundidade e extensão praticamente todos os te, que muito contribuiram para a'própria conformação do or-
temas do processo trabalhista em suas dezenas de obras publi- denamento jurídico-laboral que ora vivenciamos.
cadas.Tendo optado claramente pela sua vertente literária, com No campo legislativo, desde 1949foram realizadas tentati-
certo comprometimento de suas atividades judicantes, acabou vas de se elaborar um Código Processual do Trabalho, com a
sendo preterido sistematicamente nas promoções para o TRT nomeação de comissão especial pelo Ministro do Trabalho Ho-
paranaense, onde chegou por antiguidade, enriquecendo, a partir nório Monteiro, cujo anteprojeto restou pronto em 1952, sem
de então, aquele sodalício com sua cultura e rigor técnico. lograr aprovação. Em 1961, cabia ao Ministro Mozart Victor Rus-
somano elaborar seu projeto de Código Judiciário do Trabalho,
Valentin Carrion, como juiz do TRT da 2Wegiã0, tornou- revisado por Evaristo de Moraes Filho e Arnaldo Sussekind, mas
se nacionalmente conhecido através de seus "Comentários a que também não foi adiantelo4.Em 1991 o TSTdesignava co-
CLT", qu,e desde sua primeira edição, anualmente atualizada, missão formada pelo Min. José Luiz Vasconcellos e pelo Minis-
vai formando as várias gerações de estudantes e militantes do tro aposentado Carlos Alberto Barata Silva para elaborar um
ramo trabalhista do Direito. O que impressiona no Prof. Car- anteprojeto de reforma da legislação processual trabalhista, que
rion é a capacidade de coordenar simultaneamente multiface- resultou num verdadeiro Código de Processo do Trabalho. No
tadas atividades literárias, coordenando as revistas "Syntesis" entanto, como as tentativas anteriores, o projeto não vingou105.
do TRT paulista (que resume os principais artigos publicados
na imprensa especializada trabalhista), bem como a revista Com a previsão expressa, na Constituição de 1988, da
atuação do Ministério Público do Trabalho na defesa dos inte-
"Trabalho & Doutrina", publicada pela editora Saraiva, com alto
resses difusos e coletivos de caráter trabalhista, através da
padrão acadêmico e literário. Antonio Álvares, cuja erudição,
ação civil pública e do inquérito civil público, iniciou-se nova
decorrente de seus estudos na Alemanha, é invejável, desta-
fase de atuação do Parquet Laboral. Em 1993, com a edição
ca-se pelo arrojo em propor novos instrumentos e métodos
da Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC n. 75/93),
para a composição das lides trabalhistas, muitos dos quais, essa atuação ganhou maior impulso, criando-se as Coordena-
no entanto, têm despertado acirrada polêmica, pela radicali- dorias da Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos (CODIN),
dade da solução proposta. responsáveis pelos inquéritos e ações civis públicas. Passou
Finalmente, Irany Ferrari, advogado que veio integrar, pelo o MPT a não ter de dar parecer em todos os processos que
quinto constitucional, o TRT de Campinas, chegando a funcio- eram julgados pelos Tribunais trabalhistas, mas apenas na-
nar como juiz convocado no TST, tem contribuído notavelmen- queles em que ficasse refletido o interesse público. Mas pas-
te para as letras jurídicas nacionais como integrante do Con- sava a atuar com maior ênfase como órgão agente e promotor
selho Editorial da Revista LTr e com sua já consagrada obra da Justiça Social, nas demandas de caráter coletivo.
"Julgados Selecionados Trabalhistas".
'O4Cfr. Francisca Albuquerque, op. cit., pag. 113.
Tendo se aposentado ainda como Presidente de Junta de 'O5Colaboramos com o Min. José Luiz, preparando a minuta da parte relativa aos
Conciliação e Julgamento, para se dedicar com maior profun- dissidios coletivos. Colaboraram também com a comissão os Drs José Luciano de
didade a sua atividade acadêmica, figura ímpar é a do Prof. Castilho Pereira (atualmente, Ministro do TST), Lélia Bentes Corrêa (Procurador
Regional do Trabalho), Oswaldo Florêncio Neme (Juiz do 1 0 T R T ) e Sonise Lopes
Amauri Mascaro Nascimento, que notabilizou-se pela sua ex- Figueiredo Vasconcellos (Assessora de Ministro do TST). Foi objeto de amplos de-
tensa obra literária e como professor catedrático da USP e bates na imprensa especializada (cfr. LTr 56-021133-210). O projeto foi editado na
coordenador de inúmeros congressos. integra pela LTr em 1991 (edição própria).
228 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 229

De início, o Judiciário Laboral, como era de se esperar, e) supressão do poder normativo da Justiça do Trabalho,
mostrou-se um pouco refratário a nova atuação. O TST, como que atuaria apenas nos dissídios coletivos de natureza jurídi-
também os Tribunais da 1" 22",10% 12WegiÕes, foram os ca e na conciliação dos de natureza
que menos entusiasmo mostraram pelo novo instrumento pro- Nenhuma delas, no entanto, chegou a ser implementada,
cessual. No entanto, as JCJs de todo o país foram firmando uma vez que a parte relativa a reforma do Judiciário não che-
sua posição no sentido da grande envergadura de solução de gou a ser apreciada dentro dos prazos em que o Congresso
conflitos sociais que trazia a ação civil publica, resolvendo pela Revisional poderia funcionar.
raiz inúmeros conflitos que, se não fossem os termos de ajus-
te de conduta firmados nos inquéritos civis públicos, desem- Com a continuidade do sistema de representação clas-
bocariam fatalmente nas portas do Judiciário. E, quando não sista, o que se tem verificado é a atuação efetiva, nos Tribu-
compostos administrativamente, tais inquéritos desaguavam nais Regionais e também no TST, dos assessores dos juízes
em ação de caráter coletivo, concentradora de ações, evitan- classistas, que Ihes preparam os votos e dos quais os classis-
do a pulverização de demandas. tas acabam sendo dependentes, segundo a antiga tradição
A Constituição de 1988 previa, no art. 3"o ADCT, a sua lusitana de exigir o assessoramento de um bacharel aos juí-
revisão após transcorridos 5 anos de sua vigência, com a rea- zes leigos (Lei de 13 de janeiro de 1539 e Decreto de 31 de
lização prévia de um plebiscito para a definição da forma (re- agosto de 1723)lo7.
pública ou monarquia) e do sistema (presidencialismo ou par- Na realidade, a experiência de relações do trabalho dos
lamentarismo) de governo. Em 1993, instalou-se o Congresso juízes classistas não é suficiente para auxiliá-los nas lides
Revisor, onde não se avançou quase nada na reformulação do processuais. Isto porque, para se adentrar na matéria pro-
modelo que, reconhecidamente, não estava mostrando sua efi- priamente de mérito das demandas laborais, ligadas ao di-
cácia. A ausência de acordo entre as tendências conflitantes reito material em disputa, é necessário verificar se a causa
no Congresso levou a aprovação de pouquíssimas emendas a atende aos pressupostos processuais. E matéria processual
Constituição. exige profundo conhecimento técnico-jurídico, não exigido aos
No que tange a Justiça do Trabalho, o parecer do Relator juízes classistas. Daí sua limitação existencial de atuação em
da Revisão Constitucional, o então Deputado Nelson Jobim, 2% e3"instâncias. O modelo idealizado acaba não funcionan-
apresentava as seguintes inovações: do na prática.
a) competência originária dos Tribunais, para apreciação Nos dias atuais, a Justiça do Trabalho tem sido chamada
das ações civis públicas (arts. 105, 1, i, II, d; 108, I, f; 114, !j 29; a resolver problemas que ultrapassam os modelos tradicionais,
b) supressão da representação classista na Justiça do uma vez que a realidade social se transformou profundamente
Trabalho, passando os Tribunais do Trabalho a serem compos- neste final de século e de milênio, mormente em decorrência
tos de 213 de juízes provenientes da magistratura trabalhista e da chamada globalização da economia. Fenômeno congemi-
113 de membros do Ministério Público e advogados (art. 111, nado a globalização, que tem exigido a redução dos encargos
parágrafo único, I e 11; 115); trabalhistas para tornar competitivas as empresas, é o da ter-
c) primeira instância composta apenas pelos juízes do tra- ceirização, cuja utilização indiscriminada sob a forma de loca-
balho, sem a atuação em colegiados (art. 1 11, 111); ção de mão-de-obra tem levado a exploração do trabalhador
d) abrangência da competência da Justiça do Trabalho 'O6 Cfr. "Relatoria da Revisão Constitucional - Pareceres Produzidos - Histórico"
para apreciar os litígios sobre representação sindical, bem (Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, 1994, Brasilia, Tomo II,
como os habeas corpus contra autoridades judiciárias traba- págs. 7-88).
lhistas (art. 114, Il e VII); e 'O7 Cfr. W~lson de Souza Campos Batalha, op. cit., pág. 266.
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232 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTORIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 233

cura do trabalhador pelos seus direitos, sendo, dos ramos do Trabalho - poderá justificar racionalmente a especialização
Judiciário Brasileiro, aquele que representa mais da metade das duas Justiças. E, para tanto, o Processo do Trabalho não
de toda a demanda judicial. pode deixar de aproveitar as inovações modernizadoras do
No entanto, nos últimos anos, a evolução do Processo Processo Comum, a par de implementar suas próprias inova-
Civil não foi acompanhada pelo Processo do Trabalho, fazen- ções, que dinamizem, simplifiquem, barateiem e ampliem o
do com que aquele passasse a frente deste, com inovações acesso do trabalhador a Justiça.
que modernizaram a Justiça Comum, equipando-a com pro-
cedimentos próprios da Justiça do Trabalho (notificaçãopostal 1. Extinçáo da Representaçáo Classista
e juizados especiais de pequenas causas com busca prepon-
derante da conciliação) e dotando-a de outros que não chega- A grande mudança ocorrida com a Justiça do Trabalho nos
ram a ser aproveitados pela Justiça Laboral e que a fariam últimos dias de 1999 foi a extinção da representação classista.
mais dinâmica (provimento por despacho dos recursos em ma-
térias pacificadas). A necessidade de se terminar com a representação pari-
tária das categorias na Justiça do Trabalho, através de juízes
Essa paralisação evolutiva temporária do Processo Labo- leigos, já era um consenso social, só não logrando êxito antes
ral, fazendo com que o Processo Comum o alcançasse e com em face da pressão extraordinária exercida pelos juízes clas-
ele se assemelhasse, foi uma das responsáveis pela propos- sistas sobre parlamentares, impedindo e retardando a vota-
ta, na Reforma do Judiciário, da extinção da Justiça do Traba- ção da matéria pelo Congresso Nacional.
lho, com sua assimilação pela Justiça Federa1114.
A instituição da representação classista, que prestou seus
Sustentou-se, no início de 1999, que a extinção da repre- serviços nos primórdios da Justiça do Trabalho, mostrou-se,
sentação classista e do poder normativo da Justiça do Traba- ao longo do tempo, incapaz de plasmar na realidade cotidiana
lho retirariam desta as notas distintivaspróprias que justificas- das lides trabalhistas o ideal pelo qual foi instituída, permitin-
sem sua existência como ramo especializado e autônomo do do que nela se alojassem distorções que terminaram por
Poder Judiciário. No entanto, o que se verificou, no debate par- desfigurá-la e mostrar suas deficiências e limitações:
lamentar que ocasionou a extinção dos juízes classistas, foi a
articulação de um poderosíssimo lobbye dos representantes a) O fato do juiz classista ser leigo, sem ter necessidade
classistas, que não descartou esgrimir a extinção da Justiça de formação acadêmica jurídica, faz com que, principalmente
do Trabalho se seus próprios interesses corporativos fossem nos Tribunais, não tenha os conhecimentos jurídicos necessá-
contrariados: après moi, le deluge! rios para enfrentar as questões processuais, antecedentes as
questões de direito material do trabalho, as quais estariam mais
No entanto, prevaleceu a razão frente a pressão, tendo
sido aprovada a Emenda Constitucional n. 24/99, que extin- afeitos, ficando a mercê de suas assessorias, que Ihes prepa-
guiu a representação classista, sem que isso representasse a ram os votos, dos quais, salvo honrosas exceções, são ape-
extinção da Justiça do Trabalho, uma vez que foi mantida na nas locutores em sessão;
proposta de Reforma do Judiciário que ora tramita na Câmara b) A propalada contribuição da experiência profissional
dos Deputados115. de seu ramo produtivo, que o classista traria para auxiliar na
A batalha, porém, não está ganha, uma vez que apenas a conciliação e solução dos conflitos trabalhistas, na verdade
diferenciação efetiva de ambos os processos - Comum e do acaba sendo mínima, uma vez que, em relação aos demais
setores produtivos, sua experiência não difere da que o juiz
'I4 Cfr. Relatório do Dep. Aloysio Nunes Ferreira togado possa ter adquirido ao longo de sua carreira (ex.: Qual
'I5 Cfr. Relatório da Dep. Zulaiê cobra. o conhecimento prático e específico que um comerciário po-
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IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 237
236

em 2Qturno no dia 1 V e dezembro, sendo promulgada como Revisão Constitucional de 1994, que previa a prorrogação de
Emenda Constitucional n. 24/99 no dia 9 de dezembro. No mandato de representante de uma categoria, até o término do
dia 10 de dezembro era publicada a emenda e realizada a mandato do representante da categoria oposta, de forma a
primeira sessão do Tribunal Pleno do TST, onde se aprovou a preservar a paridade de representação, verificou-se, já no mo-
Resolução n. 665/99, disciplinando a atuação dos classistas mento da promulgação da emenda', a disparidade em muitas
remanescentes, até sua completa extinção, pelo término dos Juntas, Tribunais Regionais e no próprio TST, que só possuía
mandatos em curso. 2 ministros classistas, representantes dos empregados.
O problema que a EC n. 24/99 trouxe, pelo seu laconismo Se, por um lado, o art. l Q d aEC n. 24/99, ao modificar os
na regra de transição, foi o de se saber como funcionariam os dispositivos da Constituição de 1988, extinguindo a repre-
órgãos da Justiça do Trabalho na medida em que os mandatos sentação classista e criando as varas do trabalho como ór-
dos representantes classistas fossem se encerrando. gãos de primeira instância, acabou com o conceito de pari-
dade nos órgãos judiciários trabalhistas, por outro, não há
O art. 2" da EC 24/99, ao estabelecer que seriam garan- como esquecer que a preservação dos mandatos dos atuais
tidos, aos atuais ministros e juízes classistas, o término de juízes classistas não os transformou, por isso, em togados,
seus mandatos, sem qualquer outra especificação de forma remanescendo sua origem classista, cuja atuação é, natural-
ou modo, impôs a necessidade da interpretação integrativa do mente, parcial.
texto, para se verificar como proceder a transição do sistema
da representação classista, para uma Justiça do Trabalho com Assim, a solução adotada pelo TST na supracitada reso-
feição inteiramente técnica. Isto porque os mandatos, não sen- lução administrativa teve em conta a inviabilidade da preser-
do coincidentes em suas datas de conclusão, gerariam, fatal- vação da função judicante do classista no órgão em que não
mente, quebra da paridade pela conclusão de mandato de re- pudesse haver a paridade de representação. Nesses casos,
presentante de empregador, sem a correspondente conclusão para evitar o desequilíbrio que haveria nos órgãos judicantes
do mandato do correspondente representante do trabalhador. trabalhistas, com a permanência de um juiz já tendencialmen-
As soluções que se propuseram para o problema, nos deba- te favorável a uma das partes, optou-se por considerar em
tes interna corporis do TST, foram as mais variadas: disponibilidade remunerada os juízes classistas dos órgãos em
que, pelo término dos mandatos de parte dos representantes
a) Colocar em imediata disponibilidade remunerada to- classistas, não fosse possível restabelecer, através de rema-
dos os representantes classistas com mandato a concluir; nejamento, a paridade de representação das categorias pro-
b) Garantir jurisdição ampla aos classistas onde fosse fissional e econômica.
possível manter a paridade de representação, adotando a ju-
Discutiu-se, na ocasião, se a disponibilidade seria com
risdição restrita, limitada a matéria administrativa nos Tribu-
proventos integrais ou proporcionais, tendo em vista que EC
nais e a atividade conciliatória nas Juntas, quando quebrada a
n. 19/98 admite apenas a disponibilidade com remuneração
paridade pelo término do mandato do correspondente repre-
sentante da categoria oposta; proporcional ao tempo de serviço. Ocorre, no entanto, que o §
3" do art. 4 1 da Constituição Federal, quando fala em disponi-
c) Garantir jurisdição integral aos classistas, onde fosse bilidade, admite-a apenas para as hipóteses de extinção do
possível manter a paridade de representação, e colocar em cargo ou declaração de sua desnecessidade. Ora, a hipótese
disponibilidade os classistas, onde essa paridade estivesse concreta da EC n. 24/99 não era de extinção imediata dos car-
quebrada. gos, nem de declaração de desnecessidade dos mesmos, o
Como a EC n. 24/99 não adotou regra de transição seme- que afastava o enquadramento da hipótese no referido pará-
lhante a do parecer do então Dep. Nelson Jobim, referente a grafo. A situação concreta é a da impossibilidade da atuação
238 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO 239
BREVE HISTORIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

do classista em regime não paritário, por quebra da imparcia- 2. Provimento de Recursos por Despacho
lidade que deve nortear a atuação do Poder Judiciário em to-
dos os seus órgãos. Assim, a disponibilidade com proventos No início de 1998, o governo havia enviado ao Congresso
integrais, que Ihes foi assegurada pela Resolução n. 665199
Nacional, para apreciação, o Projeto de Lei n. 4.070/98, que
do TST, decorreu do direito assegurado de forma simples e
agilizava a tramitação dos processos nos tribunais superiores.
categórica aos juízes classistas, de término de seus manda-
O projeto previa a possibilidade do ministro-relator dar provi-
tos, ainda que sem poder exercê-los:por circunstâncias alea-
mento por despacho ao recurso extraordinário no STF, ao re-
tórias, decorrentes da disparidade cronológica na conclusão
do mandato dos vários representantes classistas ainda em curso especial no STJ e ao recurso de revista no TST, decidin-
atividade. do de imediato a questão, quando a matéria já estivesse paci-
ficada nas Cortes Superiores. Isso simplificaria sobremaneira
Outra questão que se levantou, em face da reunião do o julgamento das matérias repetitivas nos órgãos de cúpula
Colégio de Presidentes dos TRTs, em Belém, dias antes da do Poder Judiciário, desafogando a pauta das sessões desses
promulgação da EC n. 24/99, foi a relativa a possibilidade de Tribunais.
preenchimento das vagas dos classistas por juizes togados
nos tribunais, reivindicação incisiva dos Presidentes dos TRTs. Ao mesmo tempo em que o Presidente do STJ, Min. An-
Ora, a proposta inicial da emenda dos classistas previa, efeti- tônio de Pádua Ribeiro, pedia que se ampliasse a faculdade,
vamente, a extinção pura e simples dos classistas nas Juntas para conferi-la também aos juízes relatores nos Tribunais Re-
e a substituição dos mesmos por juízes togados nos tribunais. gionais Federais e Tribunais de Justiça, o Presidente do TST
No entanto, tal proposta acabou sendo alterada quando apro- na época, Min. Ermes Pedrassani, pedia justamente o contrá-
vada pelo Senado Federal, estabelecendo a pura e simples ex- rio em relação a Justiça do Trabalho: que a faculdade não fos-
tinção dos cargos de juízes classistas, sem substituição por to- se sequer conferida aos ministros do TST, em face da existên-
gados, como contributo para a redução de despesas estatais. cia de classistas, que poderiam abusar da faculdade, sem que
houvesse possibilidade de um controle efetivo pelo colegiado.
Nesse sentido, num primeiro momento, através da Reso-
lução n. 665198, entendeu o TST que a EC N. 24/98, ao extin- Assim, atendendo as ponderações de ambos os Presi-
guir os cargos de juízes classistas, não permitiria preencher dentes dessas Cortes Superiores, o governo, através do Dep.
com juízes togados cargos que já não existiriam, quando ter- Djalma de Almeida César, relator do Projeto, apresentou subs-
minados os mandatos de seus atuais ocupantes. No entanto, titutivo ao texto original, ampliando a faculdade em relação a
diante do elevado número de processos que restavam para Justiça Comum e retirando da CLT o dispositivo que permitiria
serem julgados nos TRTs e a ausência de menção expressa o uso da faculdade no TST.
da EC n. 24/98 sobre a extinção dos cargos, uma vez termina- O Projeto foi aprovado no final de 1998, transformando-se
dos os mandatos dos juízes classistas, o TST editou a Resolu- na Lei n. 9.756/98, que, seguindo a nova orientação traçada
ção Administrativa n. 752, em 7 de dezembro de 2000, admi- pela Lei Complementar n. 95/98, inseriu os novos dispositivos
tindo a nomeação de togados em vagas de classistas cujos processuais no CPC e na CLT, ao invés de ser lei extravagante.
mandatos fossem terminando, o que começou a ocorrer a par-
tir do final de 2000. Como o novo art. 557 do CPC, com seu 5 7"-A, poderia
ser utilizado subsidiariamente no Processo do Trabalho, uma
Assim, o novo perfil da Justiça do Trabalho, mais técnico
vez que fala, genericamente, em tribunais superiores, incluin-
e jurídico, já se faz notar, com o término do mandato dos últi-
mos remanescentes da representação classista e substituição do, obviamente, o TST, alguns ministros dessa Corte passa-
destes por magistrados togados. ram a fazer uso da faculdade desde sua instituição, como foi o
caso do Min. Armando de Brito.
24 1
240 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Agora que a representação classista se encontra extinta 852-8, III), podendo dilatar-se para no máximo 45 dias (CLT,
e, em relação ao TST, os únicos dois classistas foram coloca- art. 852-H, § 79, em caso de haver necessidade da produção
dos em disponibilidade, por não ser possível estabelecer a pa- de prova pericial (CLT, art. 852-H, § 4";
ridade de representação, não há qualquerjustificativa para que b) Possibilidade da lavrafura. dos acórdaos nos tribunais
a faculdade não seja amplamente utilizada no âmbito do TST, pela simples certidão de julgamento, consignando-se que a sen-
desafogando as pautas de julgamento das sessões e dando tença foi mantida pelos seus próprios fundamentos, quando a
celerida'de a solução das questões já pacificadas nessa Corte. mesma for confirmada pelo Tribunal (CLT, art. 895, § 1" IV);
Assim, a Instrução Normativa n. 17/99 previu a adoção da nova
sistemática para o Processo do Trabalho, dinamizando-a. c) Limitação do recurso de revista, nas causas sujeitas
ao rito sumaríssimo, as hipóteses de violação a Constituição
É, pois, de fundamental importância que o uso da facul- ou contrariedade a súmula do TST (CLT, art. 896, § 6 9 .
dade conferida pelo art. 557 do CPC seja generalizado no âm-
bito da Justiça do Trabalho, como um dos instrumentos de mo- O projeto previa ainda, para o recurso ordinário, a mesma
dernização e simplificação do processo do Trabalho, dando- feição do recurso de revista, limitando as questões jurídicas
lhe maior celeridade: a celeridade que a Justiça Comum vem sua abrangência. No entanto, por acordo com a CNI, cuja ban-
alcançando a frente da Justiça do Trabalho e que deve ser cada na Câmara dos Deputados não admitia a aprovação do
apanágio exclusivo daquela. projeto sem a possibilidade de revisão da matéria fática em 2"
instância, o inciso I do 5 1"o art. 895 da CLT, acrescentado
pelo projeto, acabou sendo vetado. de modo a garantir o duplo
3. Procedimento Sumaríssimo grau de jurisdição em questões de fato.
Este e outros vetos decorreram do acordo firmado no Se-
Importante conquista para a modernização do Processo nado Federal, com o Senador Moreira Mendes, relator do pro-
do Trabalho foi a aprovação, no final de 1999, do PL n. 4.693/ jeto, para sua aprovação imediata, sem que houvesse neces-
98 (PLC n. 28/99 no Senado), relativo a instituição do procedi- sidade de alterações de redação que, mesmo que pudessem
mento sumarissimo para as pequenas causas trabalhistas. O supor um aperfeiçoamento do texto original, comprometeriam
projeto, de autoria do Tribunal Superior do Trabalho, foi en- sua pronta entrada em vigor, por carecer de reexame das
campado pelo governo, que se empenhou para sua aDrova- modificações pela Câmara dos Deputados.
çao, como contribuição concreta para a modernização da Jus-
tiça do Trabalho. O novo rito sumarissimo no Processo do Trabalho repre-
senta um significativo avanço na pronta solução das peque-
A nova Lei n. 9.957, de 12 de janeiro de 2000, represen- nas causas laborais, ofertando ao trabalhador um instrumento
ta elemento de suma importância para o desafogamento dos célere e efetivo de obtenção do respeito aos seus direitos fun-
Tribunais do Trabalho e a simplificação procedimental na 13 damentais no campo trabalhista.
instância.
Com efeito, pela nova lei, as causas de valor até 40 salá- 4. Comissões de Conciliação Prévia11B
rios mínimos terão tratamento procedimental mais célere, atra-
vés do rito sumarissimo (CLT, art. 852-A), que corresponde O PL n. 4.694/98, enviado pelo governo e também elabo-
aos juizados de pequenas causas na Justiça Comum. Com rado originariamente pelo TST, concernente as comissões de
ela, teremos:
a) Solução das demandas trabalhistas em audiência úni- '''
Arnaldo Lopes Süssekind ("Comissóes de Conciliação Prévia", in LTr. 56-021165)
nos relata que já em 1982 a Academia Nacional de Direito do Trabalho apresentava
ca (CLT, art. 852-C), no prazo máximo de 15 dias (CLT, art. um substitutivo ao Projeto de Lei n. 2.219180, de autoria do deputado Carlos Alberto
242 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

conciliação prévia, foi alvo de acentuados debates, sendo con- ternativa era aceita pelo setor patronal, especialmente pela
sideravelmente alterado até a sua aprovação final, para se CNI, que não desejava de forma alguma que o referido dispo-
transformar na Lei n. 9.958, de 12 de janeiro de 2000119. sitivo constitucional fosse regulamentado.
A idéia original era a de que as referidas comissões fos- Assim, o impasse só foi superado e o projeto de lei pôde
sem obrigatoriamente instituídas nas empresas com mais de
ser votado e aprovado pela Câmara dos Deputados, quando
50 empregados, como forma de se qbter, impositivamente, a
foi reformulado, tornando facultativa a criação das comissões,
adoção do modelo de composição autônoma dos conflitos in-
tanto nas empresas quanto nos sindicatos (CLT, art. 625-A).
dividuais de trabalho.
O modelo facultativo tem, contra si, a fragilidade que traz
Nas reuniões promovidas pelo Min. Francisco Dornelles
ao sistema, pois se não houver uma generalização na institui-
no Ministério do Trabalho para discutir o projeto com as 4
ção espontânea das comissões de conciliação previa, o desa-
Centrais Sindicais (CUT, CGT, Força Sindical e SDS) e nas
fogamento do Judiciário Laboral não poderá ocorrer, o que com-
consultas formuladas informalmente a 4 das principais Con-
prometerá a eficácia do recém-aprovado rito sumarissimo para
federações Patronais (CNI, CNC, CNA e FENABAN), dois
pontos se destacaram como pomos de discórdia entre pa- as pequenas causas trabalhistas.
trões e empregados: Ciente das implicações do insucesso do modelo, a CNI,
a) O setor obreiro insistia na garantia de estabilidade aos principal responsável pela mitigação do projeto, comprome-
empregados que fossem eleitos para as comissões de concilia- teu-se com o governo a envidar todos os esforços para, num
ção prévia, como forma de assegurar sua atuação imparcial e prazo de 6 meses da publicação da lei, conseguir que as co-
autônoma (o projeto original não contemplava a estabilidade); missões de conciliação prévia sejam criadas de forma gene-
ralizada em todos os setores produtivos, quer no âmbito das
b) O setor patronal rejeitava o modelo impositivo das co- empresas, quer nos sindicatos ou mediante acordos inter-
missões nas fábricas, mormente em face da criação de mais sindicais. Em caso de não obtenção desse objetivo, o gover-
uma modalidade de estabilidade. no adotaria, por medida provisória, a fórmula impositiva das
Solução alternativa, ventilada nas discussões, foi a de comissões de conciliação prévia, de modo a desafogar a Jus-
ancorar as comissões no art. I I da Constituição Federal, uma tiça do Trabalho, que ficaria impossibilitada de dar vazão. no
vez que a estabilidade estaria assegurada constitucionalmen- procedimento sumarissimo, ao volume desproporcionado de
te para os representantes dos empregados eleitos nas empre- reclamatórias que lhe chegam anualmente (mais de dois mi-
sas com mais de 200 empregados. No entanto, nem essa al- lhões e meio).
A grande vantagem para os empregadores com a adoção
Chiarelli, propondo a Câmara dos Deputados acolher os projetos que dispunham
sobre as comissões paritárias de conciliação nas empresas com mais de cem em- das comissões de conciliação prévia nas empresas é a de não
pregados. A proposta. elaborado por comissao presidida por Arnaido Sussekind e serem surpreendidos na Justiça, com a propositura de recla-
integrada por juristas como José de Segadas Vianna e Eugênio Roberto de Haddock mação trabalhista, cuja citação postal, as vezes deficiente, pode
Lobo, foi acolhida pelo Conselho Consultivo da Academia e, em 1984, pelo Fórum
da Justiça do Trabalho, realizado na cidade de Gramado. gerar revelia em matéria fática, de difícil reparação. Além dis-
'I9 Em 1991 o TST constituiu comissáo para elaborar um anteprojeto de reforma da so, a nova lei prevê que pelo acordo, o empregado dará quita-
legislação processual trabalhista, composta pelos Ministros José Luiz Vasconcellos ção geral sobre a demanda que tiver (podendo, no entanto,
e Carlos Alberto Barata Silva (aposentado). cujo trabalho final foi publicado pela LTr
(1991, ediçáo própria). No Título VI foi sugerida a criação das Comissões de Conci- fazer ressalvas específicas sobre títulos não conciliados - CLT,
liaçao Previa, destinadas a compor os conflitos individuais no âmbito das empresas. art. 625-E, parágrafo único), o que evitará futuras ações sobre
Era obrigatória para empresas com mais de 200 empregados e o ajuste deveria ser questões já discutidas no momento da dispensa ou da solu-
ratificado perante o juiz.
ção da pendência na vigência do contraio.
244 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

A vantagem para os empregados é a solução mais rápida liação prévia representar um elemento de pacificação dos con-
e satisfatória de suas pendências trabalhistas, com recebimento frontos entre patrões e empregados, a par de contribuir para
imediato das parcelas que lhe são devidas. A lei estabelece desafogar a 1"instância, como um dique de contenção dos
que o termo de conciliação firmado perante as comissões de dissídios individuais, permitindo uma análise consciente e pon-
conciliação prévia valem como título executivo extra-judicial, derada das demandas que escaparem a conciliação voluntá-
podends o empregado, caso não receba a parcela que lhe foi ria das partes. Hoje, já há em todo o Brasil mais de 1.000 co-
reconhecida como devida no prazo fiiado no termo, promover missões de conciliaçáo prévia constituídas, sendo responsá-
a imediata execução do termo. O dispositivo incluiu também, vel pela redução em cerca de 200.000 o número de novas ações
de forma expressa, os termos de ajuste de conduta firmados que são anualmente ajuizadas na Justiça do Trabalho.
perante o Ministério Público do Trabalho como títulos executi-
vos extrajudiciais a serem executados perante a Justiça do 5. Poder Normativo e Ações Coletivas
Trabalho, findando, assim, com a controvérsia sobre a compe-
tência para a execução de tais termos de compromisso (CLT, Desde a proposta de revisão constitucional de 1994, tem-
art. 876). se discutido sobre a conveniência de se manter o poder norma-
Assim, a nova lei exige que, nas localidades ou empresas tivo da Justiça do Trabalho. O relator da revisão, Min. Nelson
onde houver comissão de conciliação prévia instituída, o em- Jobim, calcado na experiência do Direito Comparado, defendeu
pregado apresente sua demanda a comissão, para aprecia- a extínção do Poder Normativo, como forma de se prestigiar a
ção prévia (CLT, art. 625-D), constituindo a exigência pressu- negociação coletiva e acabar com o paternalismo estatal, do
posto processual para o ajuizamento de ação trabalhista, caso qual as partes em litígio esperavam a solução de todos os con-
não seja bem sucedida a conciliação. A negociação prévia flitos e a concessão de benefícios não previstos em lei.
passará a ser exigida tanto para os dissídios coletivos quanto A questão veio a tona novamente com a Reforma do Judi-
para os dissídios individuais, como forma de se prestigiar as ciário, tendo o Dep. Aloysio Nunes, em seu parecer, proposto
soluções autônomas dos conflitos trabalhistas. a extinção do Poder Normativo, enquanto que o texto aprova-
Com a extinção da representação classista, a tão propa- do pela Câmara dos Deputados, na esteira do parecer da Dep.
lada vocação conciliatória natural dos vogais poderá ser satis- Zulaiê Cobra, apresentava solução menos drástica, admitindo
fatoriamente canalizada para a atuação nas comissões de con- o exercício de poder normativo apenas nas hipóteses de gre-
ciliação prévia, onde exercerão função conciliatória de confli- ve em serviços essenciais, devendo ser proposto apenas pelo
tos do setor específico a que estão ligados e, por isso, com Ministério Público do Trabalho. Foi admitida também a hipóte-
conhecimento preciso dos problemas próprios do setor. Serão se de as partes, em comum acordo, ajuizarem dissídio coleti-
bancários compondo conflitos de bancários e portuários re- vo de natureza econômica perante a Justiça do Trabalho, em
solvendo questões portuárias, com soluções mais satisfató- verdadeira arbitragem. Essa foi também a orientação seguida
rias do que aquelas passíveis de imposição pela Justiça do pelo Sem. Bernardo Cabral, ao manter o texto aprovado pela
Trabalho. Câmara dos Deputados para o Poder Normativo da Justiça do
Assim, espera-se que, na esteira da terceira onda de re- Trabalho (PEC n. 29/00, art. 30, que altera o art. 115, incluindo
formas no processo, tão propalada por Mauro C a p e l l e t t ~que
~~~, os 55 2% e4",da Constituição Federal).
prestigia especialmente as formas alternativas de composição Assim, a CCJ do Senado Federal, como também a Câ-
dos conflitos em sociedade, possam as comissões de conci- mara dos deputados, tiveram o discernimento de perceber duas
Cfr. Mauro Cappelletti e Bryant Garth, "Acesso a Justiça", Ed. S.A. Fabris, 1988,
realidades que se contrapõem no campo dos dissídios coleti-
Porto Alegre. vos de trabalho:
246 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 247

1) A possibilidade de recurso fácil ao Poder Judiciário, Assim, os dissídios coletivos de natureza econômica po-
quando as negociações diretas entre as partes não evoluem, deriam ser continuar a ser apreciados pela Justiça do Traba-
ou mesmo quando uma delas não está disposta a negociar, lho, mas apenas em duas hipóteses:
constituem um desestímulo a que os agentes sociais resol-
a) dissídio coletivo de greve; quando afetado o interesse
vam diretamente suas controvérsias coletivas, fazendo com
público, pela falta de atendimento as necessidades inadiáveis
que o país tenha sempre um sindicalismo fraco e um setor
empresarial avesso ao diálogo; e da população quanto aos serviços essenciais definidos em lei,
facultando-se a propositura do dissídio não apenas ao Minis-
2) A extinção pura e simples do poder normativo da Justi- tério Público, mas também as partes em litígio; e
ça do Trabalho deixaria a sociedade sem um meio de solução
para os impasses na negociação, quando deflagradas greves b) dissídio coletivo de mútuo acordo, quando ambas as
em serviços essenciais, em relação aos quais o interesse pú- partes concordam em submeter a Justiça do Trabalho a solu-
blico na manutenção dos serviços exigiria uma intervenção ção da questão, caso em que o Judiciário Laboral atuaria como
estatal. juízo arbitra/.
Nesse sentido, pode-se reduzir o poder normativo da Jus- A limitação do poder normativo da Justiça do Trabalho,
tiça do Trabalho as hipóteses em que greve em serviço es- diminuindo o volume de processos a serem apreciados pela
sencial começa a afetar diretamente o atendimento as ne- SDC do TST e pelos Grupos Normativos dos TRTs, poderá ser
cessidades inadiáveis da população. A intransigência das compensada pela elevação da competência originária para
partes em litígio - empresa e sindicato - não pode trans- apreciação das ações civis públicas.
formar a população em refém, pela carência dos serviços De fato, o futuro aponta para a coletivização do processo,
básicos (energia, transporte, saúde, comunicação, etc.). A
pela concentração de ações semelhantes em processos úni-
intervenção estatal, através do Ministério Público, para pos-
cos, onde a solução, que deve ser a mesma para todos os
tular em juízo a composição do litígio ou, ao menos, a garan-
afetados, fica garantida pelo julgamento por órgão judicial com
tia do atendimento mínimo as necessidades inadiáveis da
jurisdição sobre todo o território em que se estende a lesão ao
população durante a greve, faz-se necessária. Daí a previsão
dos dissídios coletivos de greve como matéria de competên- direito.
cia da J I J S ~ do
~ ÇTrabalho.
~ Ora, a edição da Lei n. 9.494/97, que alterou a redação
No entanto, se, até o momento, a Justiça do Trabalho pres- do art. 16 da Lei n. 7.347/85, limitando a eficácia das senten-
tou relevantes serviços a sociedade, resolvendo, através de ças prolatadas em ações civis públicas a competência territo-
seu poder normativo, os conflitos coletivos de trabalho, fixan- ria1 do órgão prolator, veio a trazer novamente a tona o debate
do condições e normas de trabalho consentâneas com a rea- a respeito da competência originária para a apreciação das
lidade de cada setor produtivo, não se deve desprezar esse ações civis públicas. Em fevereiro de 2000, o Pleno do TST
arcabouço judicial de composição dos dissídios coletivos. Se aprovou a Resolução Administrativa n. 686/00, prevendo a
o intuito maior da extinção do poder normativo é o de estimu- competência originária do TST para as ações civis públicas de
lar as formas alternativas de composição de conflitos, entre as âmbito nacional e a competência recursal para as de âmbito
quais se destacam a negociação coletiva, a mediação e a ar- regional, a cargo da Seção Especializada em Dissídios Coleti-
bitragem, parece conveniente aproveitar a experiência da Jus- vos1*'. No entanto, acabou por revogá-la, a pedido do Ministé-
tiça do Trabalho na apreciação dessas questões, fazendo com
12' Propugnávamos por essa solução desde as primeiras ações civis publicas que
que sua estrutura possa ser utilizada para a arbitragem dos ajuizamos perante o TST, conforme registrado em nosso "Processo Coletivo do Tra-
dissídios coletivos. balho" (LTr, 1996, São Paulo, págs. 220-221 ).
248 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 249

rio Público do Trabalho, por considerar que a previsão do CDC carga de processos nos Tribunais Superiores não é a de ele-
já atendia convenientemente a questão das demandas de var o número de seus membros, mas a de restringir a subida
âmbito nacional (art. 93, 11). de recursos, através da adoção da súmula vinculante, a ser
observada pelas instâncias inferiores.
6. Súmulas Vinculantes Sem a súmula vinculante, a realidade vivenciada na prá-
tica pelos tribunais superiores é a da desobservância de dois
O TST, como também o STF e o STJ, têm quebrado, a pilares básicos sobre os quais se fundamenta o duplo grau de
cada ano, seus próprios recordes em matéria de número de jurisdição:
julgamentos realizados. Em 1999, o TSTjulgou mais de 121.000
processos, numa média de 3.270 processos julgados por mi- a) Príncipio da indelega bilidade da jurisdição - O sistema
nistro (considerando-se 17 ministros togados, 10 ministros clas- confere apenas ao juiz o exercício da jurisdição, devendo exa-
sistas e 10 juízes convocados)122. minar com cuidado e consciência todas as questões que lhe
são trazidas. Ora, levando-se em conta o número de processos
O art. 106, $ 15 da LOMAN permite a proposta de majora- julgados em 1999, em 40 semanas úteis de trabalho (desconta-
ção do número de membros de um tribunal quando o número das as férias e recesso forense), temos uma média de mais de
total de processos distribuídos e julgados, durante o ano ante- 80 processos examinados como relator por semana, além de
rior, superar o índice de 300 feitos por juiz. Ora, o TST já ultra- mais de 40 como revisor, num total de mais de 120 processos
passou mais de 10 vezes esse limite, o que mostra a carga semanais (24 processos a serem examinados por dia útil, além
sobre-humana de processos que pesa sobre seus integrantes. de 3 dias de sessão por semana). É humanamente impossível
A prática tem demonstrado que a simples elevação do para um único juiz dar vazão a essa carga de processos. Assim,
número de julgadores (com a convocação permanente de 10 a assessoria de cada gabinete prepara as minutas de votos e
juízes de TRTs) não tem servido para debelar a massa de re- despachos, mas a revisão final deve ser do ministro, o que é
cursos que chegam diariamente ao TST. Não obstante todo o difícil diante desse volume de processos. Verifica-se, então, que
esforço realizado no ano de 2001, cada ministro do TST termi- o exame efetivo de muitos processos acaba sendo da assesso-
nou o ano com um saldo de cerca de 10.000 processos no ria e não do ministro: pessoas, em muitos casos, recém-forma-
gabinete (dividindo com o juiz convocado que o auxilia). das e que não têm a experiência necessária para decidir em
última instância sobre as questões que chegam até o TST.
A verificação de que quase 90% das questões são repeti-
b) Princípio da Colegialidade- A revisão da decisão mo-
tivas, com recursos discutindo matérias já pacificadas, con-
duz a conclusão de que a solução para o problema da sobre- nocrática ou colegiada da instância inferior se dá por um cole-
giado, o que, em tese, propiciaria uma maior probabilidade de
l z 2 NO ano de 2001, o TST bateu todos os recordes de produção individual de pro-
acerto. No entanto, a prática tem sido bem distinta: os 121.O00
cessos por ministro, chegando aos seguintes escores (dos ministros que participa- processos julgados num total de 361 sessóes do TST resulta
ram da distribuição durante todo o ano): numa média de 335 processos julgados por sessão; durando
Ministro N. de Processos Ministro N. de Processos em média 4 horas cada sessão, temos uma média de 42 se-
Barros Levenhagen 6.255 Brito Pereira 4.055 gundos por processo, o que mostra que há um arremedo de
Ives Gandra 5.598 Rider Brito 3.997 julgamento. Assim, para determinados tipos de processos
Carlos Alberto 5.257 Wagner Pimenta 3.466 (agravos de instrumento e embargos declaratorios) ou para
Milton França 4.51 1 Gelson Azevedo 3.402 matérias repetitivas (planos econômicos), os processos são
João Oreste Dalazen 4.459 Ronaldo Leal 3.367
Luciano Castilho 4.346
julgados por lote: o secretário da seção ou turma enumera os
processos e o relator limita-se a dizer que, em relação a todos
250 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 25 1

eles, está, ou não, conhecendo do recurso e negando ou dan- ral, a extensão, para o TST; da regra instituidora da súmula
do provimento. E, no final, o presidente da seção ou turma vinculante no âmbito do STF (PEC n. 29/00, art. 27, incluindo
pergunta aos membros do órgão: "Há divergência?". Ora, como o art. 1 1 1-A na Constituição Federal).
se pode divergir do que não se conhece .o teor? O julgamento
acaba sendo, efetivamente, monocrático.
7. Critério d e Transcendência n o Recurso d e Revista
Nesse sentido, o volume extraordinário de recursos nos
tribunais superiores acaba gerando a necessidade de que seus A par da súmula vinculante, outra técnica a ser adotada
membros tenham que confiar inteiramente em suas assesso- para o desafogamento dos Tribunais Superiores, simplificação
rias e nos seus colegas, pois não conseguirão examinar com dos recursos e caracterização dessas Cortes como instâncias
rigor todos os processos, nem terão ciência efetiva das ques- extraordinárias é a da demonstração da relevância ou trans-
tões que estão sendo esgrimidas em todos os processos que cendência política, social, econômica ou jurídica das causas
se incluem nas pautas de julgamento. que merecerão a apreciação pelos Tribunais Superiores.
Ora, o defeito que leva a essa realidade está na necessi- As Supremas Cortes Americana e Argentina, bem como
dade de que os tribunais superiores tenham que rever uma as Cortes Constitucionais Alemã e Espanhola adotam tal téc-
série de decisóes nas quais se insiste em julgar em desacordo nica, ao escolher os processos que irão julgar, conforme sua
com a jurisprudência pacificada das Cortes Superiores. A sú- relevância. Uma vez decidida a questão, com a formação do
mula vinculante, ao exigir que as instâncias inferiores apliquem precedente, a jurisprudência formada passa a ser aplicada
as soluções que se tornaram jurisprudência pacífica nas ins- pelos juízes e cortes inferiores, podendo ser revista apenas se
tâncias superiores, traz duplo benefício para o jurisdicionado: a Suprema Corte considerar que surgiram novos argumentos
a) Democratização do acesso a Justiça - uma vez que que justifiquem uma revisão de sua decisão originária.
estende, de forma imediata, a todos os cidadãos que tenham Sob o império da Carta Política de 196711969, o Supremo
casos judiciais semelhantes, a solução adotada pela Corte Su- Tribunal Federal, como instância uniformizadora da jurispru-
perior, desonerando-os de terem que enfrentar os custos e dência em torno da interpretação da Constituição e da lei fe-
delongas de recursos intermináveis para obterem o que já sa- deral, funcionou com técnica semelhante, consistente na ar-
bem que será a decisão final para suas demandas; güição de relevância da questão federal, que deveria ser de-
b) Maior perfeição técnica das decisóes - uma vez que monstrada no recurso extraordinário, para que este pudesse
os tribunais superiores, tendo menor número de processos para transitar pelo STF (CF 67/69, art. 119, 111 e 5 1".
julgar, poderão fazê-lo com maior consciência, enfrentando e O insucesso do sistema da argüição de relevância no Su-
debatendo de forma mais efetiva as questões novas com as
premo Tribunal Federal deveu-se a necessidade de se justifi-
quais vão se deparar.
car motivadamente a não apreciação meritória de todos os
Nesse sentido, a adoção da súmula vinculante, especial- processos que deixassem de ser julgados pelo tribunal. As-
mente em matéria trabalhista, é de suma importância para que sim, não havia efetiva diminuição de processos, continuando o
tanto empregados como patrões possam contar com maior es- STF com a sobrecarga inviabilizadora de uma apreciação mais
tabilidade, segurança e celeridade na solução dos conflitos que acurada dos processos que efetivamente fossem julgados, pela
têm entre si, diminuindo também o custo das demandas judi- sua relevância.
ciais nas quais se envolvam.
O texto da Reforma do Judiciário aprovado pela Câmara
Atendendo a reivindicação do TST, o Sen. Bernardo Cabra1 dos Deputados e pela CCJ do Senado Federal contempla um
incluiu em seu relatório, aprovado pela CCJ do Senado Fede- certo retorno do sistema, pela inclusão de pressuposto de ad-
252 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO BREVE HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 253

missibilidade para o recurso extraordinário, consistente na ne- pelas Cortes Superiores. E caberá a essas Cortes, com seu
cessidade de se demonstrar a repercussão geral das ques- poder discricionário, estabelecer esses critérios de transcen-
tões tratadas, para que mereçam ser apreciadas (PEC n. 291 dência e aplicá-los aos casos concretos. Do contrário, conti-
00, art. 16, que acrescenta o 3 4%0 art..l02 da Constituição nuarão os tribunais superiores a, funcionarem como 3 % ~4"
Federal). A novidade ficou por conta da extensão do requisito instância ordinária, julgando de forma sumária os processos
para os rgcursos especial e de revista, que nunca contaram que Ihes chegam, em sistema que apresenta maior discricio-
com tal orientação. nariedade do que o que se adotaria explicitamente.
A inserção de tal requisito para a admissibilidade dos re- Com a adoção do critério de relevância ou de transcen-
cursos de natureza extraordinária é de suma importância para dência das questões federais, poderão os tribunais superio-
não vulgarizar os tribunais superiores. Se todos os processos res ter condigões de apreciar com tranqüilidade, segurança,
acabarem desembocando nas Cortes Superiores, o que era consciência e precisão as causas que Ihes forem dirigidas,
extraordinário passa a ser o ordinário, com a desenganada dedicando seu escasso tempo aquelas que, efetivamente,
intenção das partes de rediscutir indefinidamente as questões terão uma repercussão tal na comunidade, que exigem uma
nas quais litigam. detida análise de todos os aspectos que a envolvam, de modo
No entanto, tal proposta foi suprimida quando da votação a que a solução seja a que melhor atenda aos interesses da
em Plena da Câmara dos Deputados, admitindo-se a "reper- sociedade.
cussão geral" apenas para o recurso extraordinário. Fora enviado ao Congresso Nacional, com pedido de ur-
gência constitucional, o Projeto de Lei n. 3.26 7/00, de iniciati-
Consideramos, no entanto, que uma fórmula mais coe- va do Poder Executivo, que introduzia o critério de transcen-
rente de se atribuir poder discricionário para os tribunais su- dência como pré-condição de admissibilidade do recurso de
periores escolherem as causas que julgarão seria a de Ihes revista no Tribunal Superior do Trabalho, especificando as hi-
permitir estabelecer critérios de transcendência política, so- póteses de transcendência política, econômica, jurídica e so-
cial, econômica ou jurídica para a apreciação das causas que cial. Após a renovação, por 3 vezes do pedido de urgência,
Ihes subam para análise. sem que a Câmara dos deputados houvesse votado a maté-
E por quê "critérios de transcendência"? Porque, em nos- ria, decidiu o Presidente da república editar, em 4 de setem-
so sistema jurídico, o duplo grau de jurisdição já assegura as bro de 2001, a Medida Provisória n. 2.226/01, instituindo de
partes a revisão, por um colegiado, da decisão proferida pelo forma genérica, o critério de transcendência para o recurso de
juiz singular, obtendo-se rejulgamento integral da causa, com revista (CLT, art. 896-A), mas atribuindo ao TST a regulamen-
reexame de fatos e provas e do direito aplicável a hipótese. Os tação do seu procedimento, garantidas a publicidade da ses-
tribunais superiores não têm a missão de fazer justiça, no sen- são, a fundamentação da decisão e a sustentação oral.
tido de reexaminar a causa, mas de garantir a aplicação uni- A OAB contestou a medida através da ADln 2.527-9, cuja
forme do direito federal em todo o território nacional. Assim, relatora é a Min. Ellen Gracie Northfleet. Dentro do próprio TST,
sua missão transcende o interesse das partes, ligando-se a manifestaram publicamente sua posição quanto a matéria 8
defesa dos interesse do Estado Federado, de que suas nor- ministros, 5 a favor e 3 contrário^'^^. Aguarda-se o pronuncia-
mas não sejam desobservadas por alguma das unidades que
compõem a Federação. I 2 j Milton de Moura França e Antonio José de Barros Levenhagen em "A Transcen-

dência da Cidadania" (Folha de São Paulo de 17.9.01); João Oreste Dalazen e Ives
Daí que apenas as questões que transcenderem o inte- Gandra da Silva Martins Filho em "O TST e a Medida Provisória n. 2226101" (Cor-
resse das partes, para afetar o próprio interesse da sociedade reio Braziliense de 24.9.01);e Wagner Antonio Pimenta em "O Critério de Transcen-
dência" (Jornal do Brasil de 27.9.01) posicionando-se favoravelmente ao critério; e
organizada em Estado Federal, é que merecerão ser julgadas Almir Pazzianotto Pinto em "Morosidade, Transcendéncia, Relevância" (Correio Bra-
BREVE HISTORIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 255
254 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

mento do STF e a regulamentação do dispositivo consolidado 2. Questão predial


para se conseguir desafogar o TST e oferecer ao jurisdiciona-
do uma mais rápida solução definitiva dos processos que ora Com o crescimento da demanda processual na Justiça
tramitam na Superior Instância Trabalhista. do Trabalho, as instalações de.vários de seus Tribunais se
mostraram precárias para atendê-la satisfatoriamente. No en-
IX - OS EMBATES ADMINISTRATIVOS tanto, a solução do problema acabou ganhando as manche-
tes dos jornais, em face da descoberta do superfaturamento
Nos últimos anos, os problemas da Justiça do Trabalho das obras de alguns deles, como foi principalmente o caso
não se limitaram as questões judiciais. O gerenciamento ad- do fórum trabalhista de São Paulo, onde o ex-Presidente
ministrativo dos Tribunais Trabalhistas, tanto em relação as Nicolau dos Santos Neto, então presidente do TRT Paulista,
sedes materiais das Cortes Laborais, quanto em relação a re- teria participado de esquema de desvio de R$200.000.000,00
muneração de seus membros, ganharam relevo especial, re- da referida obra. Com a instauração de inquérito e ação pe-
cebendo especial destaque na mídia. nal, o juiz acabou fugindo, permanecendo foragido por mais
de 7 meses (25 de abril até 8 de dezembro de 2000), o que
só contribuiu para denegrir a imagem de todos os membros
1. Questão remuneratória
do Judiciário, muitas vezes comparados ao "Lalau", apelativo
que ganhou na mídia, com foto de "procurado" estampada
Com o impasse criado entre os 3 Poderes na regulamenta-
em aeroportos de todo o país, ao velho estilo do Faroeste
ção da Emenda Constitucional n. 20198, que estabeleceria o
americano. A posterior prisão do magistrado fez com que não
teto remuneratório no âmbito da administração.pública, a defa-
se lhe concedesse habeas corpus, até que seja concluído o
sagem crescente entre a remuneração percebida pela rnagis-
tratura federal, praticamente congelada, e a inflação contida, processo pelo qual responde.
mas paulatinamente crescente, fez com que surgisse no seio Semelhante acusação sofreram os dirigentes do TRT de
da judicatura de lvnstância forte movimento de pressão, co- Rondônia, com condenação pelo Tribunal de Contas da União,
mandado pelas associaçóes de classe, tanto da Justiça do Tra- o que determinou a abertura de sindicância no âmbito do TST
balho quanto da Justiça Federal, no sentido da deflagração de e, inclusive, o encaminhamento de projeto de lei postulando
uma greve nacional, com paralisação de todo o Judiciário de a extinção daquela Corte. É que se via repetir o ocorrido no
âmbito federal, até que fosse regulamentada a referida emenda. TRT da Paraíba, que, diante de investigação semelhante, re-
A superação do impasse acabou se dando através de ferente a superfaturamento na compra do terreno do prédio
solução tipicamente brasileira: concessão, no bojo de uma ação do tribunal, percepção indevida de diárias, prática ilegal de
originária que tramitava no Supremo Tribunal Federal, de limi- nepotismo, etc., teve 2 dos magistrados envolvidos no es-
nar concessiva da parcela de equivalência de vencimentos dos cândalo com sua aposentadoria compulsória decretada pelo
membros da magistratura com o Legislativo, em face da per- TST, após conclusão do processo disciplinar, no curso do qual
cepção, por este último, de auxílio-moradia com feição remu- haviam sido afastados todos os integrantes da Corte, sendo
neratória e não indenizatórialZ4.A greve foi superada, mas a que 2, antes do fim do processo, acabaram pedindo a apo-
questão ainda pende de uma regulamentação definitiva. sentadoria espontânea125.

ziliense de 6.10.01); Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e José Simpliciano Fontes de l Z S Cfr. TST-MA 303.107/96, Rel. Min. Gelson de Azevedo, O STF reconheceu a com-

Faria Fernandes em "O Recurso de Revista e a Transcendência" (Correio Brazilien- petência do TST para apreciar a matéria, entendendo que lhe cabia a função de
se de 22.10.01) posicionando-se contrariamente ao referido critério. órgão supervisor de todo o sistema, abrangendo todos os TRTs (STF-PET 1.193-7-
Cfr. STF-AORMC 630-DF, Rel. Min. Nelson Jobim. in DJU de 8.3.00. DF, Rel. Moreira Alves, in DJU de 26.6.97).
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BREVE HISTORIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO 259
258 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

sem afastar seu rigor técnico (eliminação dos juízes leigos),


onde aos dissídios coletivos de natureza econômica (substi-
tuídos pela negociação direta entre as partes e estímulo a ar-
A Justiça do Trabalho entra no Terceiro Milênio com nova bitragem) deverão suceder as ações coletivas de natureza ju-
cara, mais técnica, célere e barata, com o que sai ganhando o rídica (ações civis públicas), como manifestação proeminente
jurisdjcionado. A extinção da representação classista constitui do fenômeno da coletivização do processo, através da con-
marco histórico do aperfeiçoamento deste ramo especializado centração de demandas individuais.
do Judiciário brasileiro. As novas leis que instituíram o rito su-
Contemplando, pois, o passado histórico da Justiça do
maríssimo, as comissões de conciliação prévia, o provimento Trabalho, podemos compreender a realidade presente na qual
de recurso por despacho e o critério de transcendência para o se insere, o que nos permite melhor perceber quais os rumos
recurso de revista vieram a dinamizar e dar rapidez a solução que lhe estão destinados para o futuro próximo, que está em
dos conflitos individuais de trabalho. nossas mãos modelar, almejando uma Justiça Social mais efe-
60 anos depois, temos hoje, dos 8 TRTs e 36 JCJs origi- tiva e abrangente.
nárias, em 1941, julgando respectivamente 1.790 e 8.086 pro-
cessos, os 24 Regionais e as 1.109 Varas do Trabalho, soluci- QUADRO DOS PRESIDENTES DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
onando respectivamente 478.050 e 1.799.931 processos 1946-1953 Geraldo M. Bezerra de Menezes
(2001). O TST passou dos originários 148 processos, para os 1954-1955 Manoel Alves Caldeira Neto
121.247 julgados em 1999 (recorde ainda não superado). No 1955-1960 Delfim Moreira Júnior
entanto, as soluções adotadas até o momento acabam sendo 1960-1964 Júlio de Carvalho Barata
apenas um paliativo, já que o resíduo de processos aguardan- 1964-1966 Astolfo Henrique Serra
do julgamento pelo TST no final de 2001 era de 163.148. Veri- -
1966-1968 Hildebrando Bisaglia
fica-se que há necessidade urgente de reformulação no siste- 1968-1971 Thélio da Costa Monteiro
ma recursal, pois do contrário não se conseguirá vencer essa 1971-1972 Hildebrando Bisaglia
avalanche de processos que assola a Justiça do Trabalho. 1972-1974 Mozart Victor Russomano
I 1974-1975 I Luiz Roberto de Rezende Puech I
Assim, as inovações adotadas ainda não são suficientes. 1976-1978 Renato Machado
A implementação das súmula,~vinculantes e do critério de 1978-1979 Joao de Lima Teixeira
transcendência para apreciação do recurso de revista são 1979-1980 Geraldo Starlinq Soares
mediadas que se fazem imprescindíveis, sob pena de se invia- 1980- 1982 Raymundo de Souza Moura
bilizar, pelo excesso de processos, a eficaz, satisfatória e cé- 1982-1984 Carlos Alberto Barata Silva
lere prestação jurisdicional. Só assim poderemos adentrar no 1984-1986 Carlos Coqueijo Torreao da Costa
Terceiro Milênio com uma Justiça do Trabalho capaz de aten- I 1986-1988 I Marcelo Pimentel 1
der aos reclamos de pacificação dos conflitos laborais numa 1988-1991 Marco Aurélio Prates de Macedo
sociedade globalizada. 1991-1993 Luiz José Guimarães Falcão
1993-1994 Orlando Teixeira da Costa
Em conclusão, o panorama que se vislumbra para o Ter-
I 1994-1996 1 José Aiuricaba da Costa e Silva I
ceiro Milênio é o de uma Justiça do Trabalho cada vez mais 1 1996-1998 1 Ermes Pedro Pedrassani 1
exigida pela sociedade (crescimento constante das demandas), 1998-2000 Wagner Antônio Pimenta
razão pela qual deverá ter um processo mais simplificado (re- 2000-2002 Almir Pazzianotto Pinto
dução de recursos) e seguro (efeito vinculante das súmulas),
260 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

Irany Ferrari

1. Sentido etimológico do trabalho ........................................................


2 . Significado filosófico do trabalho......................................................
3 . Significado sociológio do trabalho ....................................................
4 . O trabalho visto pela Igreja ...............................................................
5 . Evolução do trabalho a partir da escravidão ..................................
6 . O trabalho segundo a evolução histórica dos regimes produtivos ...
7 . Modificações produzidas em torno do trabalho ...............................
8 . O trabalho nas Constituições brasileiras ..........................................
9 . O direito ao trabalho e o direito ao lazer - desemprego ...............
10. O trabalho formal e o trabalho informal ..........................................
11. 0 trabalho em tempos futuros .........................................................

Amauri Mascaro Nascimento

1. Período precursor ................................................................... 79


A . As primeiras formas associativas ....................................... 79
Fonte: Relatórios Gerais da Justiça do Trabalho. de 1951 a 2001 .
B. As leis sindicais de 1903 e 1907 ........................................ 82
C . O anarcossindicalismo ........................................................ 84
D. A ação sindical ..................................................................... 85
2 . A intervenção do Estado .......................................................... 87
A . As bases do sistema intervencionista ................................ 87
B. O pluralismo de 1934 .......................................................... 92
C . O corporativismo de 1937 ................................................... 93
D. O s impactos da CLT (1 943) ................................................ 99
3 . A fase de abertura ............................................................... 101
A . O movimento sindical espontâneo ..................................... 101
B. A Constituição Federal de 1988 ......................................... 105
C . A estrutura constituída ........................................................ 121
. -
D. A negociaçao coletiva ......................................................... 130
E. O direito de greve ................................................................ 143
F. A representação dos trabalhdores n'o local de trabalho ... 146
G . O atual contexto econômico e histórico ............................ 150
II .HISTÓRIA DO DIREITO INDIVIDUAL
. . .
1. A fase inicial ..............................................................................
A . O período liberal ..................................................................
B. Os primeiros projetos ..........................................................
C . A doutrina reivindicatória ....................................................
2 . As primeiras leis .....................................................................
3 . A Revolução de 1930 ...............................................................
4 . A primeira lei geral para industriários e comerciários ...........
5 . A consolidação da legislação esparsa ....................................
6 . As leis esparsas posteriores a CLT .........................................
7 . Os efeitos da política econômica de 1964 ..............................
8 . A Constituição Federal de 1988 ..............................................
9 . A tendência flexibilizadora .......................................................

BREVE H I S T ~ R I ADA JUSTIÇA DO TRABALHO


Ives Gandra da Silva Martins Filho

I.Introdução ................................................................................... 181


II. A Justiça do Trabalho no mundo ............................................. 186
III . A Justiça do Trabalho no Brasil - Fase embrionária ........... 191
IV. O Conselho Nacional do Trabalho .......................................... 194
V. Surgimento da Justiça do Trabalho ......................................... 197
VI . A Justiça do Trabalho dentro do Poder Judiciário ................ 203
VI1. A Justiça do Trabalho sob a égide da Constituição de 1988 21 9

Editoração Eletrônica: LINOTEC


Capa: FLÁVIO AUGUSTO VIEIRA
Impressão: BOOK-RJ

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