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Maria do Carmo Alvarenga de Andrade Gomes

MAPAS E MAPEAMENTOS: DIMENSÕES HISTÓRICAS;

as políticas cartográficas em Minas Gerais (1850-1930)

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em


História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito
para a obtenção do título de Doutor em História.
Linha de Pesquisa: História e Culturas Políticas
Orientadora: Prof. Dra. Eliana de Freitas Dutra

Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas UFMG
2005
Gomes, Maria do Carmo Alvarenga de Andrade.
G633d Mapas e mapeamentos: dimensões históricas; as políticas
cartográficas em Minas Gerais – 1850-1930 /Maria do Carmo
Alvarenga de Andrade Gomes – Belo Horizonte, 2005.
434 p.: il.

Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Minas Gerais,


Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Orientadora: Eliana de Freitas Dutra.

1. História da Cartografia – Minas Gerais. 2. Cartografia – Minas Gerais.


3. História – Minas Gerais. 4. 1850-1930. 5. Primeira República. I. Dutra,
Eliana de Freitas. II. Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDU: 912(091)(815.1)”1850/1930”
Dedico este trabalho à memória da minha muito querida amiga,
a historiadora Moema Moreira Gontijo.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, à professora Eliana de Freitas Dutra, minha orientadora,


que desde a primeira hora depositou em mim total confiança, além do respeito e
carinho pessoal com que me tratou em todo o meu percurso do doutorado. Do muito
que aprendi em suas aulas, em nossas conversas e com o seu exemplo, sublinho com
admiração o vigor intelectual e a generosidade das idéias.
Ao professor Hervé Théry, meu orientador em Paris, cuja disponibilidade,
confiança e respeito foram fundamentais no meu séjour.
Às professoras Júnia Ferreira Furtado e Regina Horta Duarte pelas sugestões
e críticas no exame de qualificação.
Às professoras Elisa de Linhares Borges e Regina Helena Alves da Silva pela
leitura crítica do projeto e outras sugestões valiosas.
Ao professor David Márcio Santos Rodrigues, diretor-geral do IGA, e aos
funcionários Eugênio Arreguy Amado e Rita Maria Tolentino Cruz Reis por me
franquearem o acesso aos preciosos documentos daquela instituição.
Aos professores Paulo Knauss e Silvia Figueirôa, pelas indicações seguras
quanto a autores, livros e bibliotecas de interesse.
Aos professores Alice Ingold, Marie-Vic Ozouf-Marignier, Cláudia Fonseca
Damasceno, Enali De Biaggi e Christian Jacob, por me receberem com generosidade
e respeito em Paris e pelo muito que aprendi com cada um deles.
Aos meus estagiários Bruno Vorcaro e Bruno Sales, pela atitude respeitosa e o
cuidado com a pesquisa arquivística.
Às minhas colegas e amigas da Fundação João Pinheiro, Fádua Gustin,
Luciana Murari, Marta Araújo, Mônica Starling e Helena Schrim; cada uma, a seu
modo, me ajudou em certo momento e todas sempre foram para mim exemplo de
competência e seriedade profissional.
À minha amiga Ivana Parrela, pela leitura cuidadosa de diversos textos e o
carinho e estímulo constantes.
Às colegas da biblioteca da Fundação João Pinheiro, pela tolerância nos
empréstimos especiais.
Aos amigos Emile Albert Scharlé Júnior, Ataliba Coelho e Adalson de Oliveira
pela colaboração na produção das imagens.
Ao Claude, Nikky, Adna e Graziela, que fizeram de minha passagem por Paris
também um aprendizado sobre o calor da amizade.
A Sylvana Pessoa e Joyce Piló que me ofereceram um pouso seguro e
confortável em minhas pesquisas no Rio de Janeiro.
Ao Felicíssimo Pereira Marques Neto, por generosamente me ceder por um
longo período seus preciosos mapas.
Aos amigos Augusto, pela estimulante companhia em visitas a antigas
bibliotecas e Vareta, pelo socorro de última hora na tradução.
Agradeço à Capes, pela bolsa-sanduiche, e à Fundação João Pinheiro, pelas
licenças a mim concedidas durante o doutoramento.

Agradeço à minha família, por me tolerarem durante esse longo período de


indisponibilidade.
Agradeço, enfim, aos dois amores da minha vida, minhas fontes cotidianas de
inspiração e afeto: Luisa, que sempre acreditou em mim, e Beethoven, meu geógrafo
bem-amado, pela compreensão e pela ajuda imensa.
RESUMO

O trabalho tem como tema as políticas cartográficas implementadas em Minas


Gerais, entre a segunda metade do século XIX e o fim da Primeira República. O
objeto central da investigação é a Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais
e seu ambicioso programa cartográfico, levado a cabo pelo governo estadual entre os
anos de 1891 e 1930. O programa resultou na produção de textos e imagens
fundadas na representação cientificista, matematizada e pragmática do território.
Esta iniciativa foi investigada em articulação com outras séries cartográficas
produzidas em outros momentos e com objetivos diferenciados. Foram destacadas as
sucessivas iniciativas do governo provincial mineiro que resultaram na construção
articulada entre território e representação cartográfica, e o programa de
mapeamento da Comissão Mineira do Centenário, elaborado em meio à crise da
República nos anos vinte. Buscou-se conhecer como se tecia a rede de saberes,
técnicas, interesses geopolíticos e percursos dos atores sociais, em torno dos
programas cartográficos, patrocinados pelo poder público em um momento de
afirmação da identidade regional e política do estado.
A pesquisa abordou os diferentes conjuntos de mapas como produtos
diferenciados de um mesmo processo histórico, de contínua formulação e ensaio de
políticas cartográficas pelos governos mineiros, entendidas como estratégias de
controle, uso e representação do território. As políticas cartográficas respondiam e
instrumentalizavam o jogo político na busca pela afirmação e identidade de Minas
Gerais frente ao governo federal, aos outros estados e à sua própria população. Por
outro lado, eram eficazes ferramentas de esquadrinhamento dos recursos do estado,
fossem eles naturais, populacionais ou econômicos. Mas a atividade cartográfica
própria do período e do espaço geográfico e político – Minas Gerais na Primeira
República – , só se constituiu como resposta significativa às demandas e imposições
do momento histórico na medida em que sua própria linguagem oferecia respostas
às questões em jogo.
ABSTRACT

This work studies the cartographic policies implemented in Minas Gerais between
the second half of the nineteenth century and the end of the First Republic. The
central object of the investigation is the Geographic and Geologic Commission of
Minas Gerais and its ambitious cartographic program, put in effect by the state
government between the years 1891 and 1930. The program resulted in the
production of texts and images with scientific, mathematical and pragmatic
representation. This initiative was investigated in connection with other
cartographic series produced in other times and with different objectives. The
successive initiatives of the provincial government which resulted in the articulated
construction between territory and cartographic representation and the mapping
program of the Minas Gerais Centennial Commission, elaborated amidst the
Republican crisis in the 1920s, were highlighted. The goal was to find out how the
web of knowledge, techniques, geopolitical interests and the proceedings of the social
actors was spun around cartographic programs sponsored by the administration in a
time of affirmation of the regional and political identity of the state.

The research studied the different groups of maps as differentiated products of the
same historical process, of continuous formulation and rehearsal of cartographic
policies by the Minas Gerais administrations, regarded as territory control, use and
representation strategies. The cartographic policies both answered and
instrumentalized the political game, in search of the affirmation and identity of
Minas Gerais in relation to the federal government, the other states and even the
population. On the other hand, they were effective tools for the investigation of the
state resources, be they natural, populational or economic. However, the distinctive
cartographic activity of the time and political and geographic space – Minas Gerais
in the First Republic – only became a significant response to the demands and
impositions of the historical moment as far as its own language offered answers to
the questions posed.
LISTA DE FIGU RAS

Figura 1. Carta corográfica da província de Minas Gerais, F. Wagner (1855)


Figura 2. Carta da província brasileira de Minas Gerais, F. Halfeld e F. Wagner
(1836-1855)
Figura 3. Carta da Província de Minas Gerais, H. Gerber (1862)
Figura 4. Detalhe do mapa de H. Gerber (1862)
Figura 5. Carta da província de Minas Gerais (1867)
Figura 6. Folha n.1 do Atlas do rio São Francisco, F. Halfeld (1860)
Figura 7. Mapa do Estado de Minas Gerais, J. Chrockatt de Sá (1893? )
Figura 8. Esboço da triangulada, CGG/MG (1893-4)
Figura 9. Specimem de uma folha da carta do Estado de Minas, CGG/MG (1893)
Figura 10. Esboço da zona explorada de 1891 a 1893, CGG/MG
Figura 11. Estado de Minas, CGG/MG (1893)
Figura 12. Folha Barbacena (1895)
Figura 13. Esboço dos trabalhos de 1894 e 1895, Comissão Geográfica de Limites
Figura 14. Esboço dos trabalhos na zona limítrofe com o Estado do Rio, Comissão
Geográfica de Limites
Figura 15. Mapa da Viação Férrea do Estado de Minas Gerais (1916)
Figura 16. Folha Oliveira (1922)
Figura 17. Redes de triangulação da Comissão Geográfica e Geológica (1921)
Figura 18. Folha Bocaina (1923)
Figura 19. Folha Carangola (1927)
Figura 20. Geologia da folha de São João Del-Rei (1927)
Figura 21. Croquis de Yves Leloup, reproduzido por WIRTH (1982)
Figura 22. Detalhe da folha Aimorés (1931)
Figura 23. Carta do Estado de Minas: avanço do mapeamento (1895-1951)
Figura 24. Esboço do horizonte visto do sinal de Santa Rita (1894)
Figura 25. Detalhe da folha São João Del-Rei (1895)
Figura 26. Sinal da serrinha do Ibitipoca (1894)
Figura 27. Croquis de uma caderneta de campo da CGG/MG (1896)
Figura 28. Detalhe da folha Bocaina (1923)
Figura 29. Detalhe da folha Baependi (1897)
Figura 30. Detalhe da folha Lima Duarte (1899)
Figura 31. Detalhe do Esboço dos trabalhos na zona limítrofe com o estado do Rio
(189-)
Figura 32. Detalhe do Esboço da zona explorada entre 1891 e 1893
Figura 33. Detalhe da folha Barbacena (1895)
Figura 34. Detalhe da folha Oliveira (1922)
Figura 35. Detalhe da folha Juiz de Fora (1924)
Figura 36. Folha índice do mapeamento topográfico do estado de Massachussets (s/d)
Figura 37. Detalhe da folha São João Del-Rei (1895)
Figura 38. Detalhe da folha Barbacena (1895)
Figura 39. Quadro reproduzido no verso da folha Muzambinho (1939)
Figura 40 Detalhe da legenda da folha São João Del-Rei (1895)
Figura 41. Detalhe da legenda da folha São João Del-Rei (1895)
Figura 42. Detalhe do mapa de Chrockatt de Sá (1893)
Figura 43. Detalhe da folha Luminárias (1897)
Figura 44. Detalhe do Esboço dos trabalhos de 1894 e 1895, Comissão Geográfica de
Limites (1897)
Figura 45. Detalhe da folha Baependi (1897)
Figura 46. Detalhe da folha Baependi (1897)
Figura 47. Detalhe da folha São João Del-Rei (1895)
Figura 48. Detalhe da folha São João Del-Rei (1895)
Figura 49. Detalhe da folha Carrancas (1895)
Figura 50. Detalhe da folha São João Del-Rei (1895)
Figura 51. Detalhe da folha São João Del-Rei (1895)
Figura 52: Carta Física e Política de Minas Gerais (1930)
Figura 53. Mapa de Nova Lima (1921-5)
Figura 54. Mapa do município de Botelhos (1923)
Figura 55. Mapa Adams County, Pensilvânia (1858)
Figura 56. Prancha do Departamento de Ille et Vilaine, do Atlas National Illustre,
de V. Levasseur e A. M. Perrot (1861)
Figura 57. Mapa do município de Januária (1923)
Figura 58. Detalhe do mapa do município de Januária (1923)
Figura 59. Mapa do município de Poços de Caldas (1921-25)
Figura 60. Detalhe do mapa do município de Nova Lima (1921-1925)
Figura 61. Detalhe do mapa do município de Poços de Caldas (1921-1925)
Figura 62. Detalhe do mapa do município de Ouro Preto (1921-1925)
Figura 63. Mapa do município de Araxá (1923)
Figura 64. Detalhe do mapa de Araxá (1923).
Figura 65. Detalhe do mapa de Araxá (1923)
Figura 66. Mapa do município de Frutal (1923)
Figura 67. Mapa (e detalhes) do município de Turvo (1922-25)

.
LISTA DE ABREVIATURAS

AN - Arquivo Nacional
APM - Arquivo Público Mineiro
APCBH - Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte
CCNC - Comissão Construtora da Nova Capital
CGG - Comissão Geográfica e Geológica
Cx - Caixa
Doc - Documento
IGA - Instituto de Geociências Aplicadas de Minas Gerais
OP - Obras Públicas
SGMB - Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil
SI - Secretaria do Interior
SUMÁRIO

1 Introdução 13

2 Gênese e linhagens das representações cartográficas em Minas


Gerais no século XIX ................................................................................ 39

2.1 Territórios de papel: a cartografia de gabinete do governo


provincial .................................................................................................. 40
2.2 Caminhos de terra, água e ferro: mapas a serviço do progresso ..... 71
2.3 O sonho de Gorceix: a ciência e a cartografia de recursos ............... 95

3 O programa cartográfico da Comissão Geográfica e Geológica de


Minas Gerais: as dimensões físicas da pátria mineira .......................... 115

3.1 Políticas territoriais em jogo: a pequena pátria mineira ................. 115


3.2 O arcabouço legal e a emergência dos atores ................................... 129
3.3 Modelos e escolhas técnicas: um meio termo feliz ............................ 150

4 A ciência em ação: a primeira fase da Comissão Geográfica e


Geológica de Minas Gerais ...................................................................... 162

4.1 A primeira fase da Comissão Geográfica e Geológica: um mapa


útil, fecundo e oneroso ............................................................................. 162
4.2 A Comissão Geográfica de Limites e a função performativa dos
mapas ....................................................................................................... 189

5 A ciência em ação: a segunda fase da Comissão Geográfica e


Geológica de Minas Gerais 210

5.1 Polêmicas cartográficas: Bhering, Derby e coadjuvantes ................ 210


5.2 O ruralismo e a cartografia burocrática da política dos
governadores ............................................................................................ 224
5.3 A segunda fase da Comissão Geográfica e Geológica:
modernização na revolução branca ......................................................... 248

6 Mapas e percursos: a produção imagética e textual da Comissão


Geográfica e Geológica ............................................................................. 275

6.1 O mapa fabricado entre o campo e o gabinete .................................. 275


6.2 Publicações, periódicos: as relações entre o texto e a imagem ........ 308

7 O programa cartográfico-estatístico da Comissão Mineira do


Centenário: as dimensões imaginárias da pátria mineira ................... 335
7.1 O Centenário da Independência: uma cartografia monumental ..... 335
7.2 A Comissão Mineira do Centenário e o programa cartográfico e
estatístico da revolução branca ............................................................... 344
7.3 As pequenas crônicas da civilização e do progresso: o Atlas
Corográfico Municipal .............................................................................. 365

8 Considerações finais: um mapa sempre inacabado ............................. 386

9 Referências ............................................................................................ 396

10 Apêndice: Quadro dos engenheiros e técnicos das Comissões de 1891 a 1930


1 INTRO DUÇÃO

[...] o mapa tornou-se um objeto opaco, que retém o olhar sobre ele
mesmo. O mapa entrou na era da suspeita. Ele perdeu sua inocência. Não se
pode mais, atualmente, considerar a história da cartografia sem uma
dimensão antropológica, atenta à especificidade dos contextos culturais, e
teórica, que reflita sobre a sua natureza de objeto e os seus poderes
intelectuais e imaginários.
(Christian Jacob, 1992)

U m objeto e muitas perg untas

O trabalho que ora se apresenta tem como tema as políticas cartográficas


implementadas em Minas Gerais, entre a segunda metade do século XIX e o fim
da Primeira República. O objeto central da investigação histórica é a Comissão
Geográfica e Geológica de Minas Gerais e seu ambicioso programa cartográfico,
levado a cabo pelo governo estadual entre os anos de 1891 e 1930. O programa
resultou na produção de uma série de textos e imagens fundadas na
representação cientificista, matematizada e pragmática do território. A Comissão
surgiu em um momento inaugural da República no Brasil (1891) e seus objetivos
traduziam, no plano estadual, o otimismo do projeto político e técnico em curso:
conhecimento sistemático e totalizante do território e de sua população,
identificação e avaliação das riquezas e potenciais naturais como recursos
econômicos, redefinição e consagração dos limites das unidades federativas.1 O
programa compreendia a produção e divulgação de folhas seriadas e articuladas,
definidas por um recorte quadricular superposto à superfície cartografada que
deveria resultar em minuciosos mapas regionais, a serem publicados
gradativamente. Em um horizonte temporal de pelo menos cinqüenta anos de
atividade cartográfica, previsto para a realização do mapeamento de todo o
estado, o programa ambicionava a produção e divulgação de um conhecimento

1A atuação da CGG deu-se em dois momentos: entre os anos de 1891 e 1898, quando foi extinta, e
entre os anos de 1921 e 1931, quando é transformada no Departamento Geográfico do Estado de
Minas Gerais. O Departamento ainda seguiu publicando as folhas da Comissão até o ano de 1934.

13
sistemático sobre as regiões mapeadas, a partir de uma leitura da paisagem a um
só tempo científica e pragmática. Entre 1895 e 1934 a CGG publicou 34 folhas,
abarcando em torno de um terço do território do estado, em um ritmo que oscilou
ao sabor da disponibilidade dos recursos oficiais e dos interesses políticos em jogo.

Esta iniciativa foi investigada em articulação com outras séries


cartográficas produzidas com objetivos diferenciados, em momentos anteriores,
em iniciativas paralelas, em outras escalas. Entre essas, foram particularmente
destacadas as sucessivas iniciativas do governo provincial mineiro que
resultaram na construção articulada de um território e de sua representação
cartográfica, e o programa de mapeamento da Comissão Mineira do Centenário,
que logrou produzir, já em meio à crise da República nos anos vinte, uma
cartografia em pleno uso de sua dupla autoridade de memoração e cientificidade.
Buscou-se conhecer como se tecia a rede de saberes, técnicas, interesses
geopolíticos e percursos dos atores sociais, em torno dos programas cartográficos,
patrocinados pelo poder público em um momento de construção e representação
do território mineiro e de afirmação da identidade regional e política do estado de
Minas Gerais.

A pesquisa deslocou-se da proposição inicial de uma análise comparativa,


abordagem que enfatizava a dicotomia e o antagonismo entre dois conjuntos
cartográficos – o conjunto de mapas produzidos pela Comissão Geográfica e
Geológica de Minas Gerais e a produção cartográfica da Comissão Mineira do
Centenário, particularmente o Atlas Corográfico Municipal – para o seu
entendimento como produtos diferenciados de um mesmo processo histórico,qual
seja, o processo de contínua formulação e ensaio de políticas cartográficas pelos
governos mineiros, entendidas como estratégias do controle, uso e representação
do território. As políticas cartográficas respondiam e instrumentalizavam o jogo
político na busca pela afirmação e identidade de Minas Gerais frente ao governo
federal, aos outros estados e à sua própria população. Por outro lado, eram
eficazes ferramentas de reordenamento territorial e de esquadrinhamento dos
recursos do estado, fossem eles naturais, populacionais ou econômicos. Mas a
atividade cartográfica própria do período e do espaço geográfico e político – Minas
Gerais na Primeira República – , da qual nossos conjuntos de mapas podem ser

14
considerados como expressões privilegiadas, só se constituiu como resposta
significativa às demandas e imposições do momento histórico (fossem elas de
natureza simbólica, política ou científica) na medida em que sua linguagem
própria oferecia respostas às questões em jogo.

Delineado nosso objeto de pesquisa, podemos enumerar algumas questões


que se impuseram como eixos da investigação. Como se articulavam, no contexto
das políticas públicas da província e do estado, os interesses estratégicos e os
projetos técnico-científicos que permitiam a emergência do saber cartográfico?
Como se articulavam os saberes e as práticas científicas e os interesses
geopolíticos na produção de uma cartografia oficial? Como eram negociados os
interesses das elites técnicas e políticas em torno dos mapeamentos? Como a
pretensa universalidade e racionalidade da prática cartográfica se adaptava às
contingências de um poder político local, hesitante e quase sempre desprovido de
recursos financeiros? Em que as práticas de mapeamento e produção de um saber
geográfico na escala local contribuíram para a afirmação de uma ciência nacional
e mesmo de uma identidade regional e nacional? Qual o papel efetivamente
exercido pelos diferentes atores sociais – geólogos, engenheiros, topógrafos,
cartógrafos, estatísticos, governantes e diletantes na produção de um saber
cartográfico e de um repertório de imagens sobre a território? Como as técnicas e
os saberes circulavam entre os atores sociais? Como eram fabricados os mapas?
Em que circuitos se inseriam e a que usos se prestavam?

Para fazer frente a tais questões, a presente pesquisa terminou por


encerrar um quadro temporal amplo. A baliza cronológica que marca o fim do
período estudado – 1930 – mostrou-se apropriada, por encerrar claramente o ciclo
institucional e político que propiciou as condições históricas de emergência das
políticas cartográficas investigadas. Já o marco cronológico inicial, definido no
projeto como os anos de 1870, seguia uma periodização já madura e cristalizada
na historiografia brasileira quanto à importância dos processos políticos e
intelectuais desses anos, em especial a campanha republicana, o abolicionismo e
a afirmação de um movimento intelectual de bases renovadoras, a chamada
geração 1870. Para os nossos objetivos, no entanto, um recuo cronológico para a
segunda metade do século XIX se impôs, pois os anos 50 e 60 do século XIX foram

15
mais relevantes no tocante ao nosso objeto de estudo. Interessava a genealogia
das experiências significativas para o entendimento do contexto e do processo de
criação da Comissão Geográfica e Geológica e de uma cartografia que se
pretendia renovada em bases científicas. Aqueles foram anos de investimento
público no reconhecimento do território e dos primeiros mapeamentos de bases
cientificistas, que só no final do século seriam retomados. A chamada
modernização do aparato administrativo, no tocante às políticas de exploração e
de representação do território, que era o que nos interessava entender, teria
ocorrido a partir dos anos 50-60. Esse recuo também se impunha pelo quadro
internacional, pois foi durante o século XIX que se estabeleceram as bases
metodológicas e os debates em torno da emergência da cartografia com disciplina,
a relação entre território e nação, temas que sustentavam nossa discussão e que
seriam pertinentes até os anos 20 do século XX.

Um recorte temático foi efetuado no universo multifacetado das produções


cartográficas, para abarcar essencialmente as iniciativas públicas e, entre essas,
aquelas de caráter geral, que pensavam e intervinham na configuração e na
representação do território mineiro na sua totalidade, mesmo quando a atividade
cartográfica era circunscrita a um elemento ou recorte territorial específico.

A presente pesquisa, considerada a peculiaridade do tema e a escassez de


estudos similares na produção historiográfica brasileira, foi realizada como um
processo, um percurso empírico e inventivo, orientado sobretudo pelo estatuto
particular dessa fonte/objeto que é o mapa: partiu-se do fascínio, do amor ao
mapa, para uma inquietação teórica e metodológica sobre o seu estatuto de
documento histórico e para a busca de compreensão dos processos de
mapeamento, como práticas sociais condicionadas e condicionadoras de contextos
históricos de sua produção. Um caminho em direção à historicidade desses
documentos.

16
Da his tória dos ma pa s à história dos mapeamentos

Esse percurso na construção do objeto da tese, repercutiu, na escala


individual, o movimento amplo e multifacetado de renovação epistemológica e
metodológica que atingiu o campo disciplinar da história da cartografia nas três
últimas décadas.

O geógrafo inglês J. Brian Harley2, um dos principais autores desse


movimento, em um dos seus ensaios seminais, mostrou como esse campo
disciplinar consolidou-se ao longo da segunda metade do século XIX, decorrente
da emergência e institucionalização da geografia enquanto ciência, aliado ao
crescimento dos acervos cartográficos das nações em formação e ao
desenvolvimento, na Europa e nos Estados Unidos, de um mercado antiquário de
mapas. Considerada como um campo auxiliar da história da geografia, a história
da cartografia tradicional permaneceu marcada por essa origem e
epistemologicamente condicionada pela idéia de que deveria servir
primeiramente para tornar os documentos cartográficos acessíveis a outros
campos do conhecimento.

O domínio propriamente da história da cartografia, mais praticada por


geógrafos do que por historiadores, foi por um longo tempo dominado pela visão
tradicional de uma história evolucionista e linear. Nesta abordagem, todo um
aparato de erudição sobre técnicas cartográficas, cartógrafos e dados geográficos
era acionada para a construção de uma trajetória da cartografia que partia das
primeiras representações distorcidas para o progressivo desvendamento do
mundo físico, marcado pelo avanço cumulativo do conhecimento geográfico aliado
ao gradativo aprimoramento das técnicas de levantamento de campo e de
reprodução das imagens.

Brian Harley mostrou como a história da cartografia afirmou-se como um


campo de estudos específico, em consonância com a autonomização da cartografia

2 HARLEY, J. B.; WOODWARD, David (Ed.). The history of cartography; cartography in


prehistoric, ancient and medieval Europe and the Mediterranean. Chicago, London: The
University of Chicago, 1987.

17
como disciplina e como prática, oferecendo novas bases filosóficas e teóricas, além
de uma gama de técnicas próprias para os estudos das linguagens cartográficas
ao longo do tempo. As mudanças em curso na história da cartografia nos últimos
cinqüenta anos são decorrentes do moderno pensamento cartográfico: o interesse
na (re)significação das palavras mapa e cartografia, ou seja, na discussão
conceitual; a abordagem dos mapas como artefatos e a ênfase nos processos
técnicos de sua produção; e a abordagem dos mapas como meios de comunicação.

Com o questionamento do conceito e do estatuto de objetividade dos mapas,


o processo de renovação, ou mais propriamente, o alargamento dos horizontes
teóricos e metodológicos da história da cartografia, aprofundou-se entre as
décadas de 1980 e 19903, com desdobramentos no momento atual.

Historiador da geografia e da cartografia, a produção teórica de Brian


Harley permanece como uma forte influencia intelectual no campo da história da
cartografia desde os anos oitenta4. Em seus trabalhos, criticou as abordagens
tradicionais, as quais considerava fundadas em três paradigmas: o darwiniano, o
old-is-beautiful e o nacionalista. A partir de leituras de autores como Erwin
Panofsky, Roland Barthes, Michel Foucault e Jacques Derrida, Harley formulou
um novo programa para a história da cartografia. Convidou os pesquisadores a
adotarem os conceitos e as posturas analíticas dos filósofos franceses na análise
dos mapas (como o desconstrucionismo), a ver os mapas como imagens carregadas
de juízo de valor, como um modo de imaginar, articular e estruturar o mundo dos

3 Podemos identificar duas obras monumentais que, mesmo em suas diferenças, foram igualmente
férteis na proposição de caminhos: de um lado, a exposição cartográfica promovida pelo Centro
Georges Pompidou e seu respectivo catálogo, denominado Cartes et figures de la Terre, publicado
na França em 1980; de outro, o projeto enciclopédico iniciado em 1982 na Universidade de
Chicago, sob o título The History of Cartography Project.
HARLEY; WOODWARD, 1987.
CENTRE GEORGES POMPIDOU. Centre de Création Industrielle. Cartes et figures de la terre.
Paris, 1980. Catalogue de l'exposition présentée au Centre Georges Pompidou du 24 mai au 17
novembre 1980.
4 Harley não estava sozinho nessa empreitada e suas idéias inovadoras provocaram intenso

debate acadêmico, produziram muitos adversários e um maior número de seguidores. Autor


prolífico, Harley publicou, até a sua morte prematura em 1991, mais de 140 artigos e ensaios,
além de dezenas de resenhas e contribuições em obras coletivas. Para conhecer um pouco dessa
obra, ver as coletâneas:
GOULD, Peter; BAILLY, Antoine. Le pouvoir des cartes; Brian Harley et la cartographie. Paris:
Antrophos, 1995.
HARLEY, J. B. The new nature of maps; essays on the history of cartography. Baltimore, London:
Johns Hopkins University, 2001.

18
homens. Harley foi um incansável divulgador de uma concepção alargada de
mapa. Não menosprezava a sua dimensão técnica, mas recusava-se a ver toda a
cartografia e, conseqüentemente, a sua história, reduzida a esta questão. Nesse
sentido, apontou para as diferentes formas de traduzir as imagens cartográficas
como representações culturais carregadas de mensagens políticas, seja nos seus
conteúdos explícitos, nas distorções e ausências, nos signos convencionais ou no
claro simbolismo das decorações de suas margens, cartuchos e vinhetas.5

Harley sublinhou a necessidade de estudos mais aprofundados sobre cada


contexto histórico específico, para se compreender como o poder opera através do
discurso cartográfico e os efeitos desse poder na sociedade. Isto porque a
especificidade da produção cartográfica no universo dos símbolos e dos discursos
do saber fundava-se na sua quase exclusiva vinculação aos poderes instituídos,
fossem elites econômicas, grupos políticos e mais propriamente o Estado-nação.
Para Harley, seria preciso aprofundar cada contexto específico para
compreendermos como o poder opera através do discurso cartográfico e os efeitos
desse poder na sociedade. O interesse da presente pesquisa na abordagem desse
autor converge especialmente para estes dois pontos: o seu programa
metodológico, que implica uma leitura desconstrutivista dos mapas e a relação
por ele enfatizada entre poder político, saber cartográfico e constituição da nação.

Na vaga de reflexões epistemológicas sobre a história da cartografia nas


últimas décadas, uma outra obra de enorme relevância para o nosso trabalho foi o
ensaio erudito e inovador livro do helenista francês Christian Jacob, L´empire des
cartes6. Jacob considerou que o novo programa da história da cartografia somava

5 Como frisou o historiador P. Knauss, a identificação da cartografia ao campo do simbólico


permitiu a sua incorporação ao domínio dos historiadores: Tomada assim, a produção cartográfica
revela-se fonte do imaginário social. A consagração da importância do imaginário social como uma
dimensão central do mundo social permite esta nova abordagem dos mapas também como objetos
da história social e cultural, entendidos como artefatos carregados de historicidade, subjetividade
e força simbólica.
KNAUSS, Paulo. Imagem do espaço, imagem da história; a representação espacial da cidade de
Rio de Janeiro. Tempo, Rio de Janeiro, v. 2, n.3, 1997. p.137.
6 JACOB, Christian. L´empire des cartes: approche théorique de la cartographie à travers

l`histoire. Paris: Albin Michel, 1992.


Uma outra obra também relevante foi editada no mesmo ano, o livro The Power of Maps, do
americano Denis Wood. Não se trata propriamente de um trabalho sobre a história da cartografia,
e sim um contundente ensaio sobre as bases epistemológicas da própria cartografia em fins do
século XX. Mas a perspectiva crítica de Wood, que apontou diretamente para a relação entre

19
aos seus objetos tradicionais – descobertas progressivas das partes do globo,
fontes de informação e dos modelos, datação e atribuição de documentos – um
especial interesse pela dimensão técnica da carta e pelo contexto social – meio dos
cartógrafos, dos gravadores, dos impressores, das livrarias, dos encomendantes e
dos usuários. Jacob desenvolveu largo esforço teórico na conceituação do mapa,
percebido como um artefato resultante de um conjunto de operações e escolhas
gráficas (geometria, traços, imagens figurativas, ornamentos, escrita), que
acionam códigos de representação organizados em uma verdadeira linguagem.
Mais do que suporte de uma representação, Jacob sublinha o papel de mediação
dos mapas, de materialização de uma operação intelectual que constrói uma
imagem do espaço. Esse artefato é um meio de comunicação que permite a
transmissão visual de informações que se prestam também a manipulações
retóricas (persuasão, engano, sedução, decisão).

Como artefatos técnicos, os mapas são construídos na convergência de três


variantes: o suporte (espaço da representação), o referente (espaço representado)
e o olhar do usuário ou espectador. A conjugação destas variáveis, definidas por
Jacob como a pragmática de consulta dos mapas, configura diferentes maneiras
de olhar, compreender e utilizar os mapas. A pragmática de consulta, noção
muito próxima, a nosso ver, do conceito de protocolo de leitura proposto por Roger
Chartier7, revela-se nas escolhas que moldam os suportes materiais e as
características técnicas dos mapas.

mapa e poder, pode ser largamente aplicada às produções e práticas cartográficas mais antigas.
Questionando a pretensa neutralidade dos cartógrafos, o autor mostrou como a naturalização dos
mapas na cultura ocidental, ou seja, a aceitação de sua autoridade como perfeita representação do
território e fonte de informação objetiva, foi uma construção social e histórica. Para Wood, o mapa
não registra silenciosa e inocentemente uma paisagem, mas responde a atos deliberados de
identificação, seleção e nomeação do que é observado, mostrando ou escondendo elementos de
acordo com os interesses em jogo no projeto cartográfico.
WOOD, Denis. The power of maps. London: Routledge, 1992.
7 As noções de apropriação e de práticas de leitura – entendidas como práticas culturais histórica

e socialmente variadas que produzem um sentido não intrínseco ao texto mas forjado no
cruzamento entre leitores dotados de competências específicas e textos cujo significado se
encontra sempre dependente dos dispositivos discursivos e formais [...], são devedoras das
proposições teóricas e metodológicas de Roger Chartier, tecidas no campo da história cultural. A
natureza e extensão desse processo de apropriação criadora do texto cartográfico obedecem ao que
Chartier chamou de protocolo de leitura. Deslocamos os conceitos pensados originalmente para os
livros e a leitura impressa para as imagens cartográficas e para uma prática específica de leitura
que passa por uma fruição estética do olhar – o mapa dado a ver –, pela decifração técnica – o
mapa dado a ler e pela decodificação semiológica, comum a todos os tipos de mapas.

20
Tanto por sua complexidade semiótica como pelas instâncias sociais que o
produzem, utilizam ou controlam, o mapa é um instrumento de duplo poder, no
qual a eficácia não se reduz à representação objetiva de um fragmento da
superfície. Como acontece com a linguagem escrita e falada, não se presta
atenção à carta no seu uso cotidiano ou técnico e a condição de sua eficácia
intelectual está precisamente nessa suposta transparência.
O interesse dos estudiosos pelos processos de fabricação e pelas práticas
sociais de uso e circulação dos mapas conduziu a uma produção historiográfica
atenta à relação do saber e da prática cartográfica com outros campos
disciplinares e outros veículos de leitura, produção e representação da paisagem e
do território.8 Os mapas são inseridos em uma rede intertextual, entre relatórios
técnicos, narrativas de viagem, desenhos e pinturas, um conjunto articulado de
práticas discursivas que, em cada contexto específico, configura uma dada
produção cartográfica que não é apenas representação do espaço físico ou do
território, mas reveladora e configuradora da ordem social.

O alargamento do objeto da história da cartografia não se produziu isolada


ou internamente à disciplina, mas constitui uma resposta a um processo de trocas
e empréstimos com outros campos disciplinares correlatos. Entre essas interações
disciplinares nos interessa sublinhar aquelas propostas nos campos da sociologia
e da história da ciência, que têm se voltado para a dimensão material, técnica,
econômica e discursiva das produções científicas. Em artigo sobre a nova história
social e cultural da ciência, Dominique Pestre 9 inventariou novos objetos e

CHARTIER, Roger. Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. p.96.
8 Citam-se nessa confluência de temas os estudos de:

EDNEY, Matthew H. Reconsidering enlightenment geography and map making: reconnaissance,


mapping, archive. In: LIVINGSTONE, David N.; WITHERS, Charles W. J. Geography and
enlightenment. Chicago: The University of Chicago, 1999.
BURNETT, D. Graham. Masters of all they surveyed. Chicago: University of Chicago, 2000.
SHORT, John Rennie. Representing the republic; mapping the United States, 1600-1900. London:
Reaktin Books, 2001.
SAFIER, Neil Franklin. Writing the Andes, reading the Amazon: voyages for exploration and the
itineraries of scientific knowledge in the eighteenth century. 2003. Dissertation (Doctorate of
Philosophy) - The Johns Hopkins University, Baltimore, 2003.
SURUN, Isabelle. Géographies de l´exploration ; la carte, le terrain et le texte (Afrique
occidentale 1780-1880). 2003. Thèse (Doctorat en Histoire). École des Hautes Études en Sciences
Sociales, Paris, 2003.
9
PESTRE, Dominique. Pour une histoire sociale et culturelle des sciences; nouvelles définitions,
nouveaux objets, nouvelles pratiques. Annales HSS, Paris, n.3, p.487-522, mai/juin 1995.

21
abordagens com os quais podemos relacionar trabalhos específicos de história da
cartografia, como a história dos instrumentos, das instituições, das práticas
científicas e dos protocolos de prova.10 Os estudos se voltam para as redes de
interação e validação dos saberes, em suas múltiplas escalas, e para as práticas e
os procedimentos de legitimação científicas sob aspectos antes não contemplados
como as controvérsias científicas, a relação com os instrumentos e as hierarquias
institucionais, os aspectos retóricos e literários da produção científica.11

O interesse renovado pelos mapas também guarda sintonia com o que a


pesquisadora francesa Marie-Vic Ozouf-Marignier chamou de vaga de estudos
sobre o território 12, movimento que, a partir dos anos oitenta, marcou a produção
francesa e se caracterizou pela reintrodução do sujeito/ator social e da dimensão
temporal nos estudos geográficos. Isto significou conceber e estudar o território, e,
conseqüentemente suas representações gráficas como os mapas, como construções
sociais, como produtos de práticas sociais e políticas, ou como espaços
institucionalizados pela ação da sociedade civil e das políticas públicas.

Contribuições importantes para o presente trabalho originaram-se da


reflexão acadêmica sobre as relações entre mapeamento e nacionalismo, entre
cartografia e Estado-nação, e seus desdobramento nos estudos do colonialismo e
imperialismo, os chamados estudos pós-coloniais. Nessas produções revisionistas,
os empreendimentos cartográficos são analisados como processos estratégicos do
estado-nação moderno que visavam a invenção de seus territórios e de suas
colônias, além do controle sobre seus recursos, fossem populacionais ou

10Citam-se como exemplos de trabalhos que exploram essas dimensões:


BOURGUET, M. N., LICOPPE, C., SIBUM, O. Instruments, travel and science: itineraries of
precision from the seventeenth to the twentieth centuries. London: Routledge, 2002.
LICOPPE, Christian. La formation de la pratique scientifique: le discours de l´expérience en
France et en Anglaterre, 1630-1820. Paris: La Découverte, 1996.
11 Para Bruno Latour, que recomendou seguir cientistas e engenheiros sociedade afora, a

cartografia é uma tecnociência exemplar na constituição das redes de troca e mobilização do


conhecimento e o mapa um dos mais eficientes instrumentos de síntese, estabilização e permuta
de conhecimento, o chamado móvel imutável que permitiria as trocas e a expansão das redes
científicas. O mapa é utilizado no interior de uma comunidade de especialistas como instrumento
de capitalização de conhecimentos, de arquivo de resultados adquiridos, de verificação de
hipóteses. O mapa se presta ao enriquecimento coletivo do conhecimento e é um bom revelador
das redes de comunicação, de trocas, de cooperação no interior de uma comunidade científica.
LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São
Paulo: Unesp, 2000.
12 Em seminário ministrado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 13/11/2003.

22
naturais.13 Uma primeira e fundamental referência nesse campo é Benedict
Anderson, cujo livro Imagined Communities14 aportou uma reflexão sobre as
estratégias cartográficas dos estados coloniais e o surgimento dos nacionalismos
no Sudeste Asiático. Anderson demonstrou como a empresa cartográfica, aliada
ao enquadramento estatístico, empreendida pelas nações coloniais no Sudeste
Asiático no século XIX, pretendeu submeter o espaço e a realidade social das
colônias a uma grade de representação espacial homogênea, alinhando o
território ao poder político instituído. Anderson constatou o poder do mapa em
antecipar a realidade espacial ainda em gestação, transformando-se de
representação em modelo na construção do território.15 Esse entendimento da
cartografia e da estatística como domínios do conhecimento que,
instrumentalizados e articulados aos programas oficiais, emergiram no contexto
da formação e modernização dos estados-nação, é comum a diversos autores. 16
Citamos a historiadora francesa Morganne Labbé (2003) que, em estudo sobre a
carta etnográfica austro-húngara, uma empresa oficial que buscou construir uma
representação ideológica do império, mostrou como os mapas produzidos nesse
momento – meados do século XIX – estavam ligados ao projeto de unificação

13 O livro de Jeremy BLACK, Maps and history (2000), insere-se nessa gama de estudos que

tomam a cartografia como instrumento político, estratégico no processo de expansão do


nacionalismo e seu desdobramento, o imperialismo. O livro trata dos atlas históricos, ou seja, do
mapeamento e da mapeabilidade do passado. Usualmente considerados como obras de referência,
na obra de Black os atlas históricos ganham estatuto de fonte documental. São analisados como
imagens visuais que concorreram na criação e sustentação de determinadas situações históricas,
como na emergência das nações modernas como comunidades políticas imaginadas.
14
ANDERSON, Benedict. Imagined communities: reflections on the origins and spread of
nationalism. London: Verso, 1991.
15 O livro de M. Edney, Mapping an empire, pode ser citado como outra obra exemplar dessas

novas abordagens. Em resenha na revista Imago Mundi, Christian Jacob considerou o trabalho
como um modelo metodológico, pela amplidão das fontes utilizadas e das interpretações que a
pesquisa suscita. Três fios condutores estruturam o trabalho: uma reflexão sobre o poder e a
natureza dos mapas no lento processo de transição das técnicas da cartografia de gabinete para
uma cartografia baseada na triangulação sistemática do território; uma interrogação ampliada
sobre os atores, individuais ou coletivos, que intervêm no processo cartográfico; e, por fim, uma
reflexão sobre o lugar da cartografia na política colonial e no projeto de construção de um espaço
imperial.
JACOB, Christian. Book review of Mapping an empire. Imago Mundi, v.50, p.213-214, 1998.
16 Entre outros, ver:

REVEL, Jacques. A invenção da sociedade. Lisboa: Difel, 1989.


DESROSIÈRES, Alain. La politique des grands nombres. Paris: La Découverte/Poche, 2000.
PALSKY, Gilles. Des chiffres et des cartes, naissance et developpement de la cartographie
quantitative française au XIXe siècle. Paris: Comité des Travaux Historiques et Scientifiques,
1996. (Mémoires de la section de géographie, n. 19).
RONCAYOLO, Marcel. Le paisage du savant. In: NORA, Pierre (Dir.). Les lieux de mémoire.
Paris: Gallimard, 1997. Quarto 1.

23
nacional. A relação entre saber e poder político foi sublinhada nesse processo,
quando certas atividades científicas tornaram-se gradativamente autônomas
dentro do estado, como a estatística e cartografia, engendrando uma dupla
autoridade para tais atividades: a autoridade científica e a autoridade oficial.

A historiadora francesa Alice Ingold forneceu importantes aportes para


esta tese ao introduzir o conceito de cartografia de recursos, instrumento das
políticas de reconhecimento, administração e reordenamento do acesso aos
recursos naturais.17 A identificação dos recursos naturais de um dado território
recobriu um triplo processo: um certo recorte da natureza, que se apóia nos
saberes científicos e na transformação e mobilização dos instrumentos jurídicos; o
conhecimento do território por meio de sua mensuração e freqüentemente de sua
cartografia; uma nova regulamentação do acesso a esses recursos e o
reconhecimento dos atores legítimos a participar da sua implantação. A
implantação de uma política de recursos implicou a construção simultânea de
objetos de saber, territórios e atores, e de diferentes formas contribuiu para a
construção dos estados-nações nos séculos XIX e XX.18

Tais estudos foram essenciais para a análise das iniciativas similares


patrocinadas pelo governo mineiro e brasileiro e pesquisadas nesse trabalho. As
perspectivas de análise permitiram trazer a discussão sobre a construção política
e simbólica do território como instrumento de afirmação da nacionalidade para o

17 Em seminário na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), outubro-2003/março-


2004.
18 Os estudos de Ingold podem ser relacionados a outros estudos recentes que começam a

caracterizar um novo movimento historiográfico, dedicado a levar os mapas a sério, ou seja, a


retomar sobre novas bases a sua capacidade informativa e de descrição do mundo físico e dos
processos sociais. Essas novas reflexões, desde os anos noventa, têm produzido estudos ligados à
ecologia histórica e à formação territorial em países como a Itália e a França, promovendo uma
retomada da abordagem realista das fontes cartográficas, em contraponto à ótica essencialmente
cultural e simbólica prevalecente. Não se trata de uma volta ao uso dos mapas como fontes
transparentes, ou espelhos do mundo físico, mas de uma reconstrução histórica das práticas
sociais e dos fatos apresentados pelas fontes escritas e figurativas, reconstrução apoiada no
trabalho heurístico que busca estudar as cartas inseridas no contexto das práticas
administrativas que as produziram.
RAGGIO, O. Immagini e verità: pratiche sociali, fatti giuridici e tecniche cartografiche. Quaderni
Storici, v.108, ano 36, n.3, p.843-876, 2001.
MORENO, Diego. Une source pour l’ histoire et l’ archéologie des ressources végétales: les cartes
topographiques de la montagne ligure (Italie). In: BOUSQUET-BRESSOLIER, Catherine. L’ oeil
du cartographe et la représentation géographique du Moyen Âge à nos jours. [Paris]: Comité des
Travaux Historiques et Scientifiques, 1995.

24
caso brasileiro, onde o êxito na manutenção de uma unidade territorial vasta e
pródiga em recursos naturais foi um dos pontos fortes nesta positivação do
nacional.

Pouco se tem produzido nesse campo no Brasil, quase intocado pelos


debates e movimentos de renovação teórica aqui comentados. De forma esparsa,
alguns trabalhos acadêmicos pioneiros têm surgido em consonância com o
movimento de renovação e alargamento do campo da história da cartografia ao
qual vimos nos referindo.19 Um trabalho voltado para a produção cartográfica
brasileira merece ser citado como referência importante neste trabalho.

A tese da geógrafa brasileira Enali De Biaggi20, ao conceber os mapas como


construções sociais e enfatizar sua dimensão discursiva, mostra-se devedora das
proposições teóricas e epistemológicas de B. Harley e C. Jacob. A autora
apresenta um painel histórico da produção cartográfica no e sobre o Brasil, a
partir de uma preocupação essencialmente geográfica, qual seja a de revelar a
contribuição da cartografia na construção desse grande território. Mas De Biaggi
empreende também uma investigação histórica sobre os contextos científicos e
políticos que conduziram à realização das cartas geográficas, pondo em evidência
os atores sociais envolvidos e as relações entre a produção cartográfica
internacional e a produção local. A envergadura temporal da pesquisa, que
percorre os quinhentos anos da história brasileira, necessariamente conduziu a
uma abordagem muito geral, mas permitiu, por outro lado, construir uma
primeira periodização do tema e equilibrar sua análise entre os diferentes
períodos, escapando à forte tradição dos estudos da cartografia brasileira de
privilegiar o período colonial. A importância do trabalho de De Biaggi reside
essencialmente no ponto de visada de sua análise: a trajetória da cartografia
brasileira nos seus processos específicos, processos que engendram as
representações próprias do território brasileiro. Tais representações têm,

19 Ver, entre outros:


BORGES, Maria Eliza Linhares. Viagem através do Brasil: o Atlas do Império do Brazil. [s.n]:
2004..:
ARRUDA, Gilmar. Cidades e sertões; entre a história e a memória. Bauru: EDUSC, 2000.
20 DE BIAGGI, Enali Maria. La cartographie et les representations du territoire au Brésil. 2000.

Thèse (Doctorat en Géographie, Aménegment et Urbanisme) - Université de Paris III, Institut des
Hautes Études de l’ Amérique Latine, Paris, 2000.

25
evidentemente, origem na cartografia européia, mas são construídas em um
contexto específico, no qual a tradição ocidental é confrontada com uma nova
paisagem, um outro contexto social, diferentes relações de poder e padrões
culturais.

Dessa constelação de abordagens e definições conceituais, é importante


reter particularmente a constatação recorrente entre os diversos autores sobre a
dupla autoridade, ou duplo poder, que os mapas encerram em sua complexa
linguagem, que funde e transcende os recursos de uma imagem transparente,
icônica e fidedigna ao real com aqueles de uma imagem opaca, carregada de
aparatos retóricos, discursivos e simbólicos. Duplicidade implícita nos quadros de
sua própria identidade visual, pois o mapa retira todo o seu poder desta
convenção sobre sua autoridade, uma convenção que se assenta numa vasta
tradição cartográfica mas que tem que ser afirmada em cada contexto histórico, a
cada processo de sua fabricação: o poder performativo do mapa, seja enquanto
registro de uma dada representação do espaço, seja enquanto instrumento de
definição ou negociação das práticas sobre esse espaço, advém da complexa rede
de saberes e poderes que se articulam no ato do mapeamento, desde as escolhas
técnicas do processo de levantamento até os circuitos de uso e divulgação das
imagens acabadas, que vão além do contexto de sua produção imediata para
constituir outras redes mais amplas no espaço, mais contínuas no tempo.

Enquanto a dupla autoridade configura-se e afirma-se em cada contexto de


produção dos mapas, outra de suas qualidades atravessa os tempos e as
conjunturas, pois é própria de sua natureza visual e da relação dinâmica que
guarda com o seu referente, o território, do qual se aproximam e se afastam
simultaneamente: a sua dupla condição de documento transparente e opaco. O
mapa dá a ver a paisagem física que lhe serviu de modelo, mas ao mesmo tempo
interpõe a ela seus próprios elementos. Na perspectiva mais radical de seu
entendimento como representação, os mapas nunca são falsos ou verdadeiros. A
complexidade da imagem cartográfica não obscureceu sua autoridade
convencional nem a naturalização do seu conteúdo, como se de fato ali estivesse
contido uma parcela do território.

26
O programa metodológico proposto atualmente pelos novos historiadores
que se voltam para os mapas como testemunhos históricos pode ser resumido na
expressão levar os mapas a sério. A nosso ver, significa ir e voltar na idéia de
transparência e opacidade do documento cartográfico, sua condição de espelho e
texto, entender essas duas dimensões de sua leitura: é possível ler através do
mapa desde que se conheça e se considere as condições de sua produção; os dados,
a realidade que estaria além do mapa, podem ser exploradas desde que nos
limites claros do processo de representação que é o mapa e dos limites materiais e
cognitivos da sua fabricação. Se a ambivalência da imagem cartográfica é a razão
de seu fascínio e popularidade, a decifração dessa condição deverá ser o desafio
hermenêutico do historiador.

U ma reflexão sobr e as fontes: o mapa e sua herança distorcida

[...] a memória, e a história, precisamente na medida em que é construída


sobre farrapos de memória, são obrigatoriamente seletivas. Os vestígios de
que falamos não estão uniformemente repartidos. Há buracos nos tecidos,
mas esses buracos nem todos são acidentais, nem todos são o efeito de uma
degradação, da usura do tempo; existem lacunas, porque certos elementos
do passado deixaram vestígios menos duradouros que outros.
Georges Duby,1989.

Esta passagem de Duby tem a clareza de mostrar que a História, enquanto


disciplina, é construída sobre vestígios dispersos, e que essa herança documental
esgarçada no tempo pode ser ainda mais frágil, como parece ser o caso do
patrimônio cartográfico, não só quanto aos mapas propriamente ditos, mas a todo
registro documental relativo aos mesmos, sejam públicos ou privados.

Em função dos novos temas e abordagens históricas, tem crescido a


preocupação com as fontes disponíveis para a história da cartografia, que não
pode mais se contentar com acervos monumentais seletivos, compostos pelas
obras de grande apelo geográfico ou artístico, desconectados de seus contextos
documentais de origem. É uma herança distorcida, na expressão de Denis

27
Cosgrove21, distorção histórica que sempre privilegiou os mapas trabalhados
artisticamente ou de importância estratégica, enquanto os mapas de uso
cotidiano, a everyday cartography, foram sistematicamente descartados. A
preservação fortemente seletiva foi um fator determinante na composição de um
acervo fragmentado, que tendeu a subestimar as qualidades abertas, parciais e
contingenciais do mapa enquanto objeto em favor daquelas fechadas, assertivas e
estetizantes.22

Entendidos como objetos técnicos, utilitários, os mapas sempre estiveram


sujeitos ao crivo impiedoso da obsolescência e, em desuso, tinham prazo de
validade vencido e eram sistematicamente descartados. Especialmente aqueles
que, a partir do século XIX, foram despojados de seus atributos ornamentais e,
sem o antigo apelo artístico para colecionadores e antiquários, não sustentavam
mais o interesse dos seus produtores e usuários imediatos, como administradores,
planejadores urbanos e geógrafos, sempre ávidos por informações atualizadas.
Christian Jacob mostrou que a obsolescência cada vez mais rápida dos mapas é
um fenômeno geral e resultante da própria historicidade do objeto cartográfico,
indicativo da dimensão temporal do mapa.

Outra dificuldade está associada aos processos históricos de guarda e


acumulação dos mapas, processos que sempre se caracterizaram pela separação
dos documentos visuais e textuais. Em termos da constituição dos acervos, essa
clivagem significou a separação dos mapas dos contextos de sua produção
documental – correspondências, processos jurídicos, relatórios técnicos – seja pelo
seu alto valor no mercado antiquário, seja pela estratégia de sigilo de estado ou
mesmo pelas políticas de preservação de arquivos, museus e bibliotecas, pela
tradicional prática (ainda hoje em uso) da museologização da imagem
cartográfica em detrimento do seu valor documental.

Seja pela clivagem entre imagem e texto, seja pela acelerada obsolescência
ou pela seletividade monumentalizante, os acervos cartográficos hoje constituídos
nos mais diversos países não dão conta das exigências documentais de uma nova
historiografia.

21 COSGROVE, Denis. (Org.). Mappings. London: Reaktion Books, 2002.


22 COSGROVE, 2002, p.14.

28
Um dos desafios da pesquisa aqui apresentada foi, portanto, buscar a
restituição, a ligação do mapa com a descrição verbal que está sempre na sua
origem documental, (seja ela testemunhal, administrativa, judiciária, científica
ou discursivo-comemorativa). Nosso propósito foi reunir intelectualmente imagem
e texto para recompor o contexto histórico de sua produção, reconstruindo a série
documentária da qual o mapa faz efetivamente parte e na qual adquire valor
histórico, performativo, como vetor transformador e não apenas atestador de uma
ordem social. Reconstruir uma relação orgânica que estava na origem da
produção do documento cartográfico, produzida na escala do problema que lhe
deu origem, com o mesmo estatuto de outros documentos e de outras práticas.

Esta tarefa foi em parte realizada, em especial no tocante aos relatórios


técnicos sobre as atividades de campo e de gabinete da Comissão Geográfica e
Geológica de Minas Gerais. Uma série cronológica muito significativa desses
relatórios manuscritos, produzidos pelos atores sociais diretamente envolvidos na
fabricação dos mapas ainda encontrava-se preservada na instituição herdeira da
Comissão Geográfica e Geológica, o Instituto de Geociências Aplicadas, quando
foram consultados em 2003.23

Tais documentos, mais do que servir para prestar contas burocráticas do


trabalho exercido, tinham a ambição de um verdadeiro inventário dos elementos
naturais e humanos observados no campo. Desiguais na qualidade técnica, tendo
em vista uma diferença de capacidade entre os funcionários da Comissão, estes
relatórios em sua maioria eram concebidos como minuciosos itinerários das
viagens empreendidas ano a ano, nos quais eram descritos os métodos de
levantamento, quantificadas as áreas percorridas, elencados todos os elementos
passíveis de representação no mapa e realizado um diagnóstico, de cunho mais
impressionista do que sistemático, de cada região percorrida. São documentos que
encerram diversas ordens de testemunhos e informações, desde os conteúdos
objetivos das condições da vida rural e urbana por todos os cantos por onde
passavam até o valor discursivo do próprio testemunho do cartógrafo, em pleno
trabalho de transformar observação de campo em linguagem cartográfica, em

23
Além dos relatórios, a documentação do IGA reúne fragmentos de correspondência, documentos contábeis,
fotos, croquis de trabalhos de campo e alguns mapas.

29
versões textuais e imagéticas.

A essa série documental aberta, narrativa e contingencial, contrapomos


outros conjuntos documentais, fabricados em sucessivos níveis de mediação que
iam desses testemunhos construídos ao rés do chão aos discursos políticos e
científicos conclusivos e acabados, como os relatórios oficiais das autoridades
administrativas e técnicas, e as publicações científicas.

Nesse sentido, a série dos relatórios técnicos veio a ser complementada por
tipologias documentais semelhantes preservadas no Arquivo Público Mineiro: os
relatórios das Secretarias de Agricultura e do Interior, que descreviam
sinteticamente as atividades da secretaria e dos órgãos subalternos. Desses
documentos oficiais foi preservada uma série significativa, o que permite um
acompanhamento cronológico das continuidades e rupturas das políticas
implementadas e dos respectivos discursos do governo ao longo do período.

Outros relatórios de cunho oficial sistematicamente consultados foram os


relatórios dos presidentes da província e as mensagens anuais do governo ao
congresso mineiro. Séries documentais de formato muito padronizado, seus
conteúdos informativos sobre as atividades do ano administrativo são como peças
que se encaixam para construir o discurso político de cada governador e justificar
as virtudes e fraquezas de sua gestão, razão de toda crítica e riqueza desta
tipologia documental. Seguindo-se as falas dos governantes ao longo do período
em estudo (1850-1930) foi possível distinguir o lugar – e o não-lugar – ocupado
pelas políticas de representação e conhecimento do território mineiro nos
discursos políticos.

Para o necessário contraponto ao discurso propagandístico próprio das


mensagens e relatórios oriundos do poder executivo, foram realizadas pesquisas
na legislação e nos anais do Congresso Mineiro, cobrindo o período
imediatamente posterior à proclamação da República até o final da década de 20,
quando um reordenamento político foi imposto pela revolução de 1930. Na
legislação interessou sobretudo o corpo de instruções técnicas que sempre
acompanhavam as leis ou decretos definidores das políticas cartográficas e
estatísticas, produtos de um compromisso historicamente determinado entre as

30
exigências técnicas e científicas e os interesses de estado – políticos, econômicos,
estratégicos – que propiciaram a sua implementação. No caso específico dos
conjuntos cartográficos que são objeto da pesquisa, o caráter estatal,
governamental das iniciativas deve ser ressaltado, daí a necessidade do
levantamento sistemático da legislação pela qual eram regidas.

Embora os congressos estaduais não tivessem, durante a Primeira


República, o efetivo poder de definição de políticas públicas, quase sempre
concentradas no poder executivo, eram uma arena de disputas de interesses
regionais e de debates políticos sobre medidas governamentais de interesse para
o nosso trabalho, como a questão das terras devolutas, dos limites, da autonomia
municipal, da exploração do subsolo, dos recenseamentos, da participação e
representação do estado em feiras e exposições, entre outros temas. A tribuna
parlamentar era também cenário apropriado para o surgimento de outros
discursos, afinados ou discordantes em relação ao discurso oficial dos relatórios e
mensagens.

Em poucas ocasiões a questão especifica de produção ou veiculação de


mapas foi objeto de debate no legislativo ou proposição de lei e, como em quase
todos as demais fontes de consultas, a estratégia de pesquisa foi identificar nos
discursos e resoluções dos parlamentares os elementos que conformavam as
políticas cartográficas e estatísticas e, no sentido inverso, como uma dada
tradição ou produção cartográfica concorria para um determinado entendimento
sobre o território, a paisagem e o(s) espaço(s) geográfico(s) em jogo no debate
parlamentar e na elaboração da legislação. Nos anais parlamentares,
destacaram-se as discussões e deliberações do Congresso Constituinte de 1891,
que lançou as bases normativas de um novo ordenamento territorial e
administrativo do estado, e no curso das legislaturas posteriores, os debates sobre
os orçamentos anuais do estado, estrutura e atribuições das secretarias e
regulamentação de profissões.

Um tema no qual a questão cartográfica foi diretamente debatida no


congresso mineiro foi o dos limites, especialmente os limites interestaduais. Não
só no âmbito do poder legislativo, mas também em comissões executivas e

31
missões cartográficas, os problemas de limites entre os estados ensejaram a
produção de diversos documentos técnicos, acordos políticos, livros e artigos, que
tem sido objeto de consulta da pesquisa dada a instrumentalização política do
documento cartográfico. A bibliografia e os documentos oficiais sobre os limites
dos estados mostram que nesta arena de conflitos exacerbavam-se as funções
comunicativas dos mapas, funções sobretudo retóricas mas travestidas em provas
jurídicas, como no recurso às tradições cartográficas para fazer valer uma versão
do processo histórico de produção das fronteiras.

Parte do esforço pelo levantamento bibliográfico e documental foi


concentrado na produção sobre as comemorações do centenário da independência
do Brasil em 1922. Dois fundos arquivísticos interessaram particularmente à
investigação histórica sobre as comemorações do centenário e a produção do Atlas
Corográfico Municipal. O fundo Comissão do Centenário da Independência,
preservado no Arquivo Nacional, no qual se conserva, entre os documentos, a
correspondência entre a comissão nacional e a comissão mineira, os regulamentos
para participação na Exposição Internacional Comemorativa do Centenário,
premiações, diplomas e medalhas concedidas no evento. O outro fundo
importante foi o arquivo privado de Mário Augusto Teixeira de Freitas, também
preservado no Arquivo Nacional e consultado em sua totalidade. No fundo
Teixeira de Freitas foi possível conhecer a formação e a trajetória profissional e
intelectual deste que foi o estatístico responsável pela elaboração do Atlas
Corográfico Municipal, da Carta Geral de Minas Comemorativa do Centenário e
por toda a produção estatístico-cartográfica oficial de Minas na década de vinte. O
acervo guarda diversos documentos sobre as atividades de Teixeira de Freitas em
Minas Gerais, como planos de trabalho, relatórios técnicos, correspondência
oficial, conferências e diversos recortes de artigos e entrevistas em jornais,
reveladores do seu empenho em divulgar os trabalhos estatísticos e cartográficos
a seu cargo e participar dos debates relativos ao seu campo de atuação.

Dado o pressuposto da pesquisa de que toda a produção cartográfica em


estudo era produto de uma rede de conhecimento e de produtos técnicos e
científicos, gerados neste trânsito de tradições, influências e apropriações de
modelos, uma outra vertente do levantamento documental considera como fontes

32
primárias os livros, periódicos ou boletins institucionais de divulgação ou
científicos, publicados no período e que tratassem dos temas correlatos ao objeto
de estudo. Frente às dificuldades de se promover um levantamento sistemático,
sob o risco de se ampliar enormemente o espectro das fontes e inviabilizar a
pesquisa, foram priorizadas as publicações geradas pelas comissões (CGG,
Comissão de Limites e Comissão do Centenário) e seus respectivos membros, seus
artigos publicados na imprensa e as publicações e periódicos relativos aos temas
produzidos em Minas Gerais. É importante salientar que durante a pesquisa foi
possível constatar a existência de um número maior de canais de divulgação e
intercâmbio entre os profissionais e cientistas do que se supunha
preliminarmente, como anais e revistas de escolas técnicas, boletins das
instituições científicas, revistas de associações e entidades, periódicos
estrangeiros, entre outros.

Além do conhecimento geral sobre os mecanismos de transmissão e de


formação das elites técnicas do período, buscou-se um conhecimento mais
aprofundado sobre a formação, trajetória profissional e produção dos atores
envolvidos diretamente nos empreendimentos cartográficos, etapa importante na
conformação e discussão sobre as autorias intelectuais dos projetos cartográficos
em curso e sua relação com as correntes de pensamento científico e político então
em voga como o positivismo ou o ruralismo. Foram pesquisados os trabalhos de
Henri Gorceix, Orville Derby, Augusto de Abreu Lacerda, Álvaro da Silveira e
Mário Augusto Teixeira de Freitas, considerados como personagens-chave nos
seus campos de atuação e em relação aos conjuntos cartográficos em estudo.

Uma última palavra deve ser endereçada ao trabalho com as imagens. A


aventura de se pesquisar antigos mapas em Minas Gerais foi bastante arriscada,
devido à precariedades dos acervos existentes e da falta de uma cultura de
preservação e de acesso a essas imagens entre as instituições de produção e
guarda desses documentos. O trabalho de reproduzi-las neste texto, sem as quais
o exercício da presente pesquisa perderia todo o sentido, foi ainda mais
acidentado. Algumas imagens consultadas não puderam ser reproduzidas por
absoluta falta de condições operacionais de sua reprodução; outras têm
reproduções sofríveis devido ao seu estado de conservação ou às dificuldades

33
técnicas de reprodução. Privilegiando sempre o valor documental da imagem,
optamos por reproduzir, poderíamos dizer citar, mesmo aquelas que não tinham
boa legibilidade ou qualidade estética. Algumas informações importantes, como a
escala ou o tamanho de alguns mapas, não puderam ser obtidas, por não
constarem nos originais ou nas reproduções a que tivemos acesso.

Por outro lado, sabemos que a maior parte das imagens aqui reproduzidas
nunca foram pesquisadas e que pouquíssimos pesquisadores já se debruçaram
sobre elas. Alguns mapas de grandes formatos e fabricados em folhas
desdobráveis, como o mapa de Chrockatt de Sá, nunca haviam sido reproduzidos
em sua integridade, como se apresenta neste texto. Sabermos que essas ricas
imagens estão sendo agora oferecidas ao olhar meticuloso do historiador e ao
crivo semiológico dos pesquisadores de imagens, e que poderão gerar outros
estudos que se apropriem do potencial documental destes registros visuais, já
sugere que o esforço terá valido a pena.

Plano da tese e e strutura da s seções

A segunda seção trata das políticas cartográficas e de agenciamento do


território mineiro, desenvolvidas ao longo da segunda metade do século XIX.
Buscou-se o entendimento das diferentes linhagens ou tradições cartográficas
que, ao final do período imperial, resultaram na criação das condições políticas e
técnicas para a implementação do grande programa cartográfico da Comissão
Geográfica e Geológica de Minas Gerais. No âmbito do poder público provincial,
foram identificadas três grandes linhas de atuação relativas às políticas
cartográficas: a lenta, gradativa, hesitante, e muitas vezes burocrática produção
de gabinete de uma imagem síntese, oficial, a chamada carta geral da província;
as iniciativas geopolíticas de mapeamentos específicos, pensados como
ferramentas técnicas de conhecimento, intervenção e reordenamento da ocupação
e dos fluxos do território, em especial, os grandes projetos de mapeamento das
bacias do rio das Velhas e do rio São Francisco; a emergência de uma rede e de
um discurso técnico-científico, propiciada pela criação da Escola de Minas de

34
Ouro Preto e particularmente pela atuação de seu diretor, Henri Gorceix,
capacitando as elites técnicas locais a se constituírem e a postularem o papel de
atores principais na elaboração do projeto cartográfico mineiro em bases
científicas.

Os avanços e recuos destas três instâncias de atuação regional foram


investigados no quadro geral da consolidação da grande unidade político-
territorial do Império brasileiro, da emergência da chamada modernização
brasileira e da expansão da capacidade administrativa do estado, em especial
através da formulação de políticas territoriais e cientificas, como a criação de
comissões cientificas, a reforma do ensino e a criação das escolas politécnicas,
entre outros fatores.

A terceira seção trata do momento de reordenamento político da República


e da emergência das condições históricas de constituição de um discurso, de um
saber e de uma prática cartográfica como nunca antes havia sido possível. A
formulação e implementação do ambicioso programa científico e cartográfico da
Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais foi estudado no quadro do
projeto geopolítico das elites republicanas, projeto de aparelhamento técnico e de
modernização da administração pública, de implementação de políticas de
controle e reconhecimento do território e de seus recursos naturais, populacionais
e econômicos. Momento de afirmação simbólica da unidade e da identidade
regional da nova unidade federada, traduzida no reforço da idéia de pátria
mineira, a despeito da diversidade e das forças centrípetas que atuavam neste
primeiro momento da implantação da república.

São estudadas as condições de formulação do programa cartográfico da


CGG, fundado nas idéias de racionalidade, cientificidade, progresso e de leitura
sinóptica do território. Discutem-se os modelos de mapeamento, as apropriações e
as escolhas técnicas do programa assim como a formação e o perfil desses novos
atores sociais, em especial os engenheiros, e sua atuação na arena pública.

A quarta seção dá seqüência e materialidade aos temas apresentados na


sessão anterior com a investigação sobre as práticas implementadas nos oito anos
de intensa atividade da CGG, discutindo os avanços do mapeamento sobre o

35
terreno e os recuos políticos e financeiros que levaram ao abandono do programa
em 1898. A implementação do programa é inserida no contexto mais amplo das
mudanças ocorridas na história da cartografia entre o final do século XIX e inícios
do século XX, fase de abandono das técnicas pictóricas, substituídas pela
mensuração por instrumentos e pela representação matemática do espaço.

A força e a fragilidade do projeto cartográfico são expostas nessa trajetória,


assim como o seu desdobramento técnico, institucional e político, que foi a
Comissão de Limites. Na produção de uma cartografia de limites aguçam-se as
condições para a instrumentalização política de uma memória e de um saber
técnico a serviço das estratégias de controle e demarcação do território. Emergem
também as contradições inerentes às posições das lideranças dos programas,
atores sociais premidos entre o discurso pela autonomização do saber e a força
das motivações políticas.

A quinta seção trata da segunda fase de atuação da Comissão Geográfica e


Geológica, mas retoma a principio todo o período histórico entre as duas fases,
período marcado por iniciativas cartográficas pontuais e específicas e por uma
produção de mapas de função sintetizadora e administrativa, nos moldes da
cartografia praticada no período provincial. Mas as intensas controvérsias sobre
os empreendimentos cartográficos, os conflitos de fronteiras e as crescentes
demandas pelo conhecimento do território e de seus recursos naturais mantêm
aceso o debate sobre as políticas públicas de mapeamento e conduzem ao lento
amadurecimento das condições políticas para a retomada dos trabalhos da CGG.
Essas condições se dão em um momento de renovação das elites políticas
mineiras, e de sua identificação com as idéias-força sustentadas nos discursos das
elites técnicas como a necessidade do mapeamento geológico, do inventário das
quedas d’água, da agricultura de bases científicas. São pesquisadas as
descontinuidades e as permanências entre um momento e outro nas operações de
mapeamento da CGG. Buscou-se mostrar a trajetória ascendente da CGG e como
essa terminou interrompida pela crise política de 1929, em seu momento de
maior produtividade.

A sexta seção descola-se da narrativa cronológica para pensar o conjunto

36
das operações de mapeamento e da produção textual e cartográfica da comissão
geográfica, a partir das descrições verbais e dos documentos visuais produzidos
pela mesma. Buscou-se desvendar os procedimentos técnicos e as condições
materiais de fabricação dos mapas, no cotidiano dos trabalhos de campo e de
gabinete, desde os processos de triangulação e levantamento topográfico, ao
inventário seletivo dos elementos cartografados e as escolhas gráficas do desenho
das cartas. São explorados os aspectos do trabalho dos técnicos da comissão, tanto
nas rotinas de campo e de gabinete, como na produção intelectual, disseminadas
nos relatórios técnicos, nos artigos de imprensa e nas publicações científicas. As
dimensões discursivas dessa produção e as relações que se estabelecem entre
texto e imagem são exploradas. Dos testemunhos dos técnicos sobre suas práticas
de campo emergiram algumas observações sobre as formas de interação e
condições de inteligibilidade entre as populações locais e o ato oficial de
mapeamento.

A sétima e última seção analisa um outro programa cartográfico


implementado pelo governo mineiro de forma paralela e articulada ao programa
desenvolvido pela CGG em sua segunda fase, qual seja o projeto estatístico-
cartográfico da Comissão Mineira do Centenário e em especial o Atlas
Corográfico.

São estudadas as motivações políticas para implementação dessa outra


produção cartográfica e estatística dentro do conjunto das estratégias de poder
das elites mineiras. Buscou-se mostrar como as comemorações do centenário da
independência do Brasil ensejaram a produção de uma cartografia celebrativa,
simbólica que se desvia das bases conceituais e técnicas do projeto da CGG sem
no entanto abrir mão do discurso cientificizante e de uma outra leitura
matemática do espaço.

O Atlas Corográfico Municipal foi analisado em dois planos cruzados: no


conjunto das produções cartográficas e estatísticas do período, que respondiam a
um projeto modernizante iniciado no governo Artur Bernardes; no conjunto das
produções relativas às comemorações do Centenário, onde o predomínio das
técnicas pictóricas e dos elementos estéticos revela a dimensão simbólica da

37
representação do estado e dos municípios. À luz dessas considerações alguns
mapas são analisados.

38
2 GÊNESE E LINHAGENS DAS REPRESENTAÇÕES CARTOGRÁFICAS EM
MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX

Em janeiro de 1886, o engenheiro João Chrockatt de Sá encaminhava, em


ofício, uma relação dos documentos cartográficos que se encontravam em seu
poder e que haviam sido reclamados pelo Diretor Geral de Obras Públicas, José
de Castro Teixeira de Gouveia. Visivelmente contrariado com a cobrança,
Chrockatt de Sá lembrava ao diretor que tais documentos lhe haviam sido
confiados para a importante tarefa de organizar a Carta de Minas, para a qual
ele havia reunido muitos outros documentos generosamente cedidos por diversos
ministérios, arquivos e bibliotecas públicas, e indagava, provocador: Só a
província de Minas, tão interessada em ter uma carta, quanto possível exata,
será avara de seus documentos?1
O ofício de Chrockatt de Sá parece ter surtido o efeito desejado. Em breve
despacho, o diretor Gouvea consentia que os documentos continuassem em seu
poder até a conclusão do trabalho que tem em sua mão. A relação anexa
discriminava treze mapas de variada natureza e conteúdos aparentemente
desconexos: plantas de estradas de ferro e de rodagem, plantas de rios, mapas de
municípios e de partes da província. Emergiria dessa miscelânea, acrescida, a
crer-se nas palavras do engenheiro, dos muitos outros mapas de origens
igualmente variadas, uma carta de Minas, quanto possível exata?
Em torno dessa dúvida gira o tema desse capítulo. Se, de uma maneira
geral, no século XVIII, toda representação cartográfica do território da capitania
de Minas necessariamente era produto da investigação de campo, uma vez que
não havia documentos prévios para serem compilados, no século XIX, os
trabalhos de campo se tornaram rarefeitos e pontuais, e a feição gráfica do
território da província se reduziu a sucessivas colagens e reinterpretações de
cartógrafos de gabinete, como o próprio Chrockatt de Sá. Essa cartografia de

1OFÍCIO de João Chrockatt de Sá Pereira e Castro para o Diretor Geral de Obras Públicas Dr.
José Teixeira de Castro Gouvêa. 27 de janeiro de 1886. APM. Fundo Obras Públicas.
Documentação não encadernada. Série Documentação Recebida.

39
gabinete dominaria praticamente toda a produção cartográfica da província
mineira no período do Império.

2.1 Territórios de papel: a car tografia d e gabinete do período


provincial

Ainda em 1825, quando os primeiros passos eram dados no sentido de se


construir uma ordem político-administrativa para a nação recém-independente, o
Conselho da província de Minas Gerais incumbiu o seu secretário de governo,
Luiz Maria da Silva Pinto, de organizar um plano para a sua nova organização
civil, o que significava redistribuir espacialmente as hierarquias civis,
eclesiásticas e judiciárias herdadas do período colonial. Imensa tarefa que
pressupunha, de um lado, o esforço intelectual de compilação e confrontação de
dados populacionais e territoriais, e, de outro, o gesto político, fundado na
autoridade técnica, de redimensionar a estrutura existente, criando novas
unidades, desmembrando ou suprimindo as antigas. Silva Pinto aceitou a
incumbência consciente da carência dos dados e do exíguo prazo concedido,
[...]tropeçando a cada passo, forçado a presumir ou adivinhar a população, limites
ou a situação de muitos distritos [para, ao final], depois de grande sacrifício e
vigílias [...]2, apresentar o seu plano: uma série de quadros estatísticos nos quais
a situação dos distritos e freguesias, com seu número de fogos e população, era
contraposta à nova ordenação proposta. Os quadros eram diretamente conjugados
à sua representação espacial, construída sobre uma cópia do melhor mapa de
Minas então existente, o do Barão de Eschwege3, elaborado em 1821, o qual
sofreu as [...] atualizações necessárias para a espacialização de sua proposta.4

2 Correspondência de Luiz Maria da Silva Pinto para o Conselho do Governo em 10 de março de


1826. CARVALHO, José Murilo de. A Escola de Minas de Ouro Preto; o peso da glória. Belo
Horizonte: UFMG, 2002. p.97-98.
3 NOVO MAPA da capitania de Minas Gerais levantado por Guilherme, barão de Eschwege,

tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros. 1821. Gabinete de Estudos Arqueológicos de


Engenharia Militar, Lisboa.
Esse mapa foi elaborado pelo mineralogista e metalurgista alemão W. L. Eschwege como produto
de suas viagens e observações na então capitania de Minas. Entregue ao príncipe D. Pedro I em

40
O trabalho de Silva Pinto pode ser entendido como o primeiro de uma série
de produtos cartográficos que, ao longo do século XIX, resultariam do esforço
permanente do poder público para construir a sua carta geral ou corográfica, ou
seja, uma representação geral da província, em uma escala mediana, propícia a
um só tempo à visualização integral do seu corpo físico, com o delineamento de
seus limites, e à identificação de seus principais componentes, no caso, as sedes
urbanas, as redes hidrográficas e os marcos orográficos. O mapa de Silva Pinto5
iniciou uma linhagem de mapas cujo método característico de produção era
recobrir uma base pré-existente (no caso, o mapa de Eschwege) com novos dados,
coligidos de diferentes formas (relatos de viagens, documentos antigos,
informações de campo) e cujo fundamento era sempre a posição estratégica do
gabinete do cartógrafo oficial, que funcionava como uma força centrípeta a
aglutinar informações.
Instrumento administrativo inúmeras vezes reclamado pelas autoridades
provinciais por todo o período do Império, e mesmo no período republicano, por
diversas vezes os aspectos simbólicos inerentes à representações cartográficas -
como a afirmação de uma identidade físico-espacial ou a demonstração de um
domínio sobre o território e a população frente a outras unidades concorrentes -
também motivavam políticos e técnicos envolvidos na sua elaboração. É o que
podemos depreender do teor discursivo com que Silva Pinto concluiu o ofício em
que encaminhava o seu plano:

Reconheço que este trabalho contem inúmeros defeitos, mas parece assim
mesmo poderá ombrear com idênticos relativos a outras províncias, e
mostrará que na central de Minas Gerais também há verdadeiros amantes
da Estatística e da Geografia.6

1821, quando do retorno de Eschwege à Alemanha, permaneceu inédito mas foi em parte
publicado em outras obras.
4 COSTA, Antônio Gilberto. Cartografia da conquista do território das Minas. Belo Horizonte:

UFMG; Lisboa: Kapa, 2004.p.128.


5 MAPA da Província de Minas Gerais, levantado pelo coronel Barão d’ Eschwege em 1821,

aumentado com a costa de leste, limites das dioceses, comarcas eclesiásticas, termos, julgados,
freguesias, e distritos, e comparativo da atual com uma nova organização civil, por Luiz Maria da
Silva Pinto em 1826. [Ouro Preto]: s.n., 1826.
6 Correspondência de Luiz Maria da Silva Pinto para o Conselho do Governo em 10 de março de

1826. CARVALHO, 1922, p.97-98.

41
Em 1836, a Assembléia Legislativa Provincial esboçou o que poderíamos
chamar de a primeira política pública voltada diretamente para a questão
territorial e a representação cartográfica de Minas Gerais.7 Uma lei provincial8
determinou que fosse levantada

[...] a carta geográfica e topográfica da província, para o que se devia


nomear um geógrafo, e subministrar-lhe instrumentos e coadjuvadores
quantos fossem precisos para as observações astronômicas e operações
geodésicas.9

O governo deu prosseguimento ao estabelecido em lei com a contratação do


engenheiro de minas alemão Fernando Halfeld e a criação de uma comissão de
geografia. Instalada em 1837, a comissão era composta pelo jornalista, professor e
então secretário de governo Herculano Ferreira Pena e o ex-secretário de governo
e funcionário Luis Maria da Silva Pinto, também jornalista e estatístico, ambos
liderados pelo engenheiro e geógrafo Fernando Halfeld10. Halfeld fora contratado
em 1836 para assumir todas as funções dos engenheiros de estradas, além da
tarefa de [...] levantar a carta topográfica e geográfica da província, e copiar e
corrigir quaisquer cartas, mapas ou plantas, segundo as ordens superiores11.
Para auxiliá-lo em tão desmesurada tarefa, foi contratado no ano seguinte

7 A iniciativa ocorreu no breve período de autonomia administrativa das províncias,


desdobramento das medidas descentralizadoras implementadas pelo Ato Adicional de 1834 e logo
suprimidas em 1837.
8 Lei n.18, de 1º de abril de 1836.
9 MINAS GERAIS. Presidente (Francisco José de Souza Soares de Andréa 1843-1844). Fala

dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais na abertura da sessão ordinária do


ano de 1844 pelo presidente da província Francisco José de Souza Soares de Andréa. Rio de
Janeiro: J. Villeneuve, 1844. p.47.
10 A composição da comissão é sugestiva na medida que fez convergir para esse primeiro esboço de

formulação de uma política territorial da administração provincial três homens cujas carreiras
profissionais seriam marcadas por importantes iniciativas no campo público e privado. Henrique
Guilherme Fernando Halfeld, engenheiro de minas alemão, tinha trabalhado junto às diversas
mineradoras estrangeiras em Minas e, a partir de sua contratação em 1836, daria início a uma
longa trajetória de serviços prestados aos governos provincial e imperial, como ainda veremos.
Herculano Ferreira Pena foi secretário de governo e posteriormente ocupou a Presidência da
Província de Minas e de outras regiões do Império, além de seguir a carreira parlamentar,
chegando a senador. Luiz Maria da Silva Pinto teve formação militar, foi jornalista e
parlamentar, mas destacou-se pela sua longa e diversificada atuação na administração provincial,
em especial nos campos da estatística e da cartografia.
CUNHA MATOS, Raimundo José da. Corografia histórica da província de Minas Gerais; 1837.
Belo Horizonte: Arquivo Público Mineiro, 1979. 2v.
MORAIS, Geraldo Dutra de. Luiz Maria da Silva Pinto, escorço biográfico. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, n.190, p.73-76, jan./mar. 1946.
11 MINAS GERAIS, 1844, p.47.

42
Frederico Wagner12, cujas atividades, tanto de gabinete como de campo, incluíam
desenhos e cópias de plantas, medições e exames de localidades e confrontações
de mapas, essa última a tarefa então mais usual para a produção de um mapa
novo.
Em documento com instruções para o trabalho de Wagner, Halfeld
explicitou a metodologia a ser adotada na produção do mapa, já distanciada das
pretendidas observações astronômicas e operações geodésicas previstas na lei: a
partir de um inventário de todos os mapas então existentes, Wagner deveria
desenhar, separadamente e em escala grande, cartas dos municípios, sobre as
quais iria acrescentando as medições e exames que os engenheiros fizerem na
ocasião das viagens em comissões do governo, ou por informação, ou por qualquer
auxílio à mão [grifo nosso]13. Essas cartas de recortes locais deveriam servir, se
possível, para a correção da carta geográfica então existente, mas sempre em
uma nova cópia, o que resultaria na confecção de uma nova carta.

Por tal método, o mapa geral da província era gradativa e permanentemente


construído a partir de dados coletados de diferentes fontes, fundidos sobre uma
base que se recompunha de tempos em tempos. Assim, fabricada nos intervalos
de outras atividades mais urgentes da administração, e continuamente
recomposta a cada dado novo colhido de forma circunstancial no terreno, a carta
geográfica da província, como a teia de Penélope14, estava sempre concluída e era
sempre uma promessa.

A esse processo vicioso, contrapunha-se o lento avanço do (re)conhecimento


do território pelas atividades esquadrinhadoras da administração provincial e

12 Segundo Martins, Frederico Wagner nasceu na Boêmia e teria vindo para Minas Gerais após a
independência, onde desenvolveu pesquisas minerais. Apesar de ser mencionado em diversas
ocasiões como engenheiro, geógrafo, cartógrafo, naturalista e mineralogista, tudo indica que não
tinha formação superior. [...] Nos documentos dos anos 40 e 50 Wagner nunca aparece relacionado
entre os engenheiros da província. É sempre mencionado à parte, como desenhador...
MARTINS, Roberto Borges. Tschudi, Halfeld, Wagner e a geografia de Minas Gerais no século
XIX. In: HALFELD, H.G.F., TSCHUDI, J. J. von. A província brasileira de Minas Gerais. Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro; Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1998. p.33-4.
13MANUSCRITO de F. Halfeld. APM. Fundo Obras Públicas. Documentação não encadernada.

Série Documentação Interna. Subsérie Seção Técnica. Cx. 1. Doc.61.


14 O uso da metáfora da teia de Penélope foi inspirada na crítica elaborada pelo Visconde de

Uruguai, Paulino José Soares de Sousa, quanto à constante instabilidade e eterno recomeço das
atividades administrativas no Império. No seu livro Ensaio sobre o Direito Administrativo, citado
por: MATTOS, Ilmar R. de. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec; Brasília: INL, 1987. p. 208.

43
imperial e pelo olhar estrangeiro. Embora o ritmo e o escopo desse
esquadrinhamento do território fossem definidos pelas marchas e contramarchas
da vida política e dos interesses econômicos, o processo seguia o curso mais amplo
da formação de um estado imperial supervisor e burocrático15 que, a partir da
Conciliação e especialmente do Segundo Reinado, se tornaria o projeto
hegemônico das elites brasileiras no século XIX.
Nesse quadro inserem-se outras iniciativas e outros discursos
governamentais, como o relatório dirigido à Assembléia Provincial pelo tenente-
general Francisco José de Souza Soares de Andréa, primeiro presidente da
província mineira após a chamada revolução liberal de 1842, no qual se pregava a
necessidade de um reconhecimento cartográfico sistemático do território, medida
pragmática em estreita relação com as estratégias de apaziguamento e controle
da população.16 Retomava os termos da lei de 1837, que mandou construir uma
carta geral, mas que não foi além

[...] de dar grandes dimensões às cartas conhecidas até agora, sem que
tenhamos a certeza de que as que giram impressas, ou desenhadas,
tenham sido formadas debaixo de métodos convenientes e seguros.
Não me consta que haja uma coleção de observações astronômicas, que
segurem a posição de certos lugares para em relação a eles se corrigirem
pela estimativa outros. Não sei que haja plantas topográficas de terrenos
parciais, e em tão grande número que possam dar elementos para a Carta
Geral da Província; e não vejo que as hoje existentes sejam outra coisa, que
a tradição sucessiva de diversas cartas de curiosos que, pouco e pouco vão
aumentando de nomes postos à vontade, e por informações, e assim a
maior parte dos trabalhos com que se conta, e de cartas levantadas no
Gabinete, e cujos autores nunca viram esses terrenos. [...]
Não devemos desprezar o trabalho, que está feito, mas devemos cuidar em
ter a Carta Geral da Província por modos mais diretos. 17

15 DUARTE, Regina H. Noites circenses; espetáculos de circo e teatro em Minas Gerais no século
XIX. Campinas: UNICAMP, 1995. p.45.
16Português, Andréa veio para o Brasil com a Corte em 1808. Militar com formação em navegação

e engenharia, era também cartógrafo. Alem de servir no Arquivo Militar e em campanhas


militares, foi presidente de várias províncias. Faleceu durante trabalho de campo, chefiando a
comissão de demarcação de limites entre o Império e a República do Uruguai. Quando assumiu a
presidência da província em Minas Gerais, vinha da campanha de pacificação da revolução
Farroupilha, onde atuou entre 1839 e 1840.
17 MINAS GERAIS. Presidente (Francisco José de Souza Soares de Andréa 1843-1844). Fala

dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais na abertura da sessão ordinária do


ano de 1843 pelo presidente da província Francisco José de Souza Soares de Andréa. Ouro Preto:
Correio de Minas. p.74.

44
Os modos mais diretos preconizados por Andréa eram os trabalhos de
campo, a coleta de observações astronômicas nos lugares mais notáveis da
província, os quais, no seu julgamento, compreendiam, além dos núcleos urbanos,
todos os pontos de cruzamento entre rios, estradas e cumeadas de serras.
Latitude e longitude aferidas no terreno, a reunião desses dados deveria resultar
na tessitura da grade de coordenadas e da amarração geométrica do território,
um trabalho que deveria ser feito pelo Arquivo Militar, a ser criado como o centro
de um sistema de administração provincial.
Embora o presidente Andréa julgasse muito hábil o estrangeiro Wagner,
responsável pelos desenhos de todos os trabalhos relativos às obras da província,
especialmente estradas, ele reiterou a necessidade da criação de uma verdadeira
comissão de geografia e de um arquivo geográfico e militar, cuja condução deveria
ficar a cargo de um oficial hábil do imperial corpo de engenheiros. Andréa
desdobrou sua proposta para apreender as muitas faces do trabalho cartográfico.
Detentor de um domínio técnico do assunto, devido à sua formação militar,
Andréa desceu a detalhes sobre as escolhas práticas para a produção e o uso dos
mapas no cotidiano dos serviços de governo, além de solicitar recursos para a
aquisição de instrumentos e sugerir a organização de uma pequena oficina para
impressão das imagens.
Até a década de 1850, o desenho da carta corográfica de Minas continuou
arrastado, e na sua feitura dividiam-se Frederico Wagner e o alferes João José da
Silva Teodoro. Coligindo e transportando dados de plantas municipais, estradas e
rios para o grande mapa, Wagner e Teodoro eram também encarregados de
outras missões, de que o governo precisa.18 Em 1853, eram aguardadas as
informações provenientes do levantamento de Fernando Halfeld no rio São
Francisco para enriquecer a carta topográfica da província, para que seja das
mais exatas.19 Até ali a carta continuava sendo construída com as informações
fragmentadas recolhidas no cotidiano dos engenheiros e com eventuais

18 MINAS GERAIS. Presidente (Luiz Antônio Barbosa 1852-1853). Relatório que à Assembléia
Provincial da província de Minas Gerais apresentou na sessão ordinária de 1852, o doutor Luiz
Antonio Barboza, presidente da mesma província. Ouro Preto: Bom Senso, 1852. p.23.
19 MINAS GERAIS. Presidente (Luiz Antônio Barbosa 1852-1853). Relatório que à Assembléia

Provincial da província de Minas Gerais apresentou na sessão ordinária de 1853 o doutor Luiz
Antonio Barboza, presidente da mesma província. Ouro Preto: Bom Senso, 1853. p.13.

45
contribuições mais substanciais, resultantes de missões mais importantes, como o
levantamento da comarca do Jequitinhonha realizado por Teodoro. Apesar das
constantes demandas das autoridades sobre a urgente necessidade do mapa geral
da província, a sua finalização parecia depender, acima de tudo, de uma decisão
política, já que o método da compilação incessante de dados, continuamente
alimentada, ainda que de forma dispersa e fragmentada, parecia não ter fim.
A produção de uma carta geral da província, até esse momento, parecia
destinar-se sobretudo à construção de uma representação gráfica das hierarquias
administrativas que se superpunham no território: limites intermunicipais,
eclesiásticos, judiciários e militares. Daí a pouca ênfase no quadro topográfico ou
nas amarrações geodésicas, em contraste com o interesse na compilação da
toponímia, na visibilidade da rede urbana e de suas conexões viárias e
hidroviárias. Mas, a partir de meados do século XIX, é possível perceber uma
inflexão nos discursos oficiais, expressos nos relatórios dos presidentes e nas
práticas administrativas, no sentido do incremento do interesse e empenho
oficiais na busca de soluções para as questões territoriais e geopolíticas da
província. Questões que envolviam a atuação do estado, como colonização,
incentivo à navegação e abertura de estradas, ganham maior ênfase e temas
como demarcação de limites, ameaças de desmembramento da província e mesmo
a mudança da capital surgem nos relatórios oficiais.
Era o momento de construção do estado-nação, em que se forjava a idéia de
um interesse público, materializado e promovido por intermédio do
aparelhamento e da modernização da administração pública. Ás administrações
provinciais, pouco mais do que agências a serviço do poder central, competia
reproduzir na escala regional as medidas do governo imperial. A produção de
uma carta da província forneceria uma base de representação da integridade
física e da visibilidade simbólica do território ao nível provincial, como parte do
projeto político mais amplo de integração e afirmação nacional levado a cabo no
período.
Nesse contexto amadureceu a vontade política de dar materialidade à
representação cartográfica da província, tantas vezes refeita e adiada.
Finalmente, em 1855, na administração do presidente Francisco Diogo Pereira de

46
Vasconcelos, o primeiro mapa geral da província mineira seria concluído, após
quase vinte anos de trabalho, e em cuja tarefa parece ter se consumido o
desenhador Frederico Wagner, já em idade avançada quando do seu término.
Duas versões desse mesmo mapa, com algumas diferenças, foram publicadas nos
anos seguintes: uma em Gotha, na Alemanha, em 1862, assinada por Fernando
Halfeld e Frederico Wagner20; outra em 1863, litografada no Arquivo Militar no
Rio de Janeiro, assinada integralmente por Frederico Wagner21. Sendo o mapa
produto de sucessivas compilações, ao qual foram gradativamente incorporadas
as informações resultantes dos levantamentos hidrográficos, municipais,
limítrofes e outros, a questão da sua autoria é controversa e deve ser entendida
no contexto da tradição cartográfica do século XIX e das práticas locais. A grande
maioria dos mapas eram então construções cumulativas e coletivas, como
observou Martins22, para quem a carta deve ser creditada a uma co-autoria entre
Wagner e Halfeld.
A escala de 1:2.000.000, definida na carta gravada em Gotha, era
apropriada para a produção de uma carta de tamanho médio, manipulável e de
visualização integral do corpo físico da província, sem detalhamentos.23
Comparando-se os dois mapas impressos, é evidente o tratamento gráfico
superior da litografia alemã24, cuja maior legibilidade foi proporcionada pela
padronização dos tipos e pela adoção das hachuras para delineamento da

20 KARTE der brasilian provinz Minas Gerais, aufgenommen auf Befehl der Provinzialregierung
in den Jahren 1836-1855, mit Benutzung alterer Karten u. neuerer Vermessungen u.
Beobachtungen, unter specieller Leitung des civil-ingenieurs H. G. F. Halfeld entworfen u.
gezeichnet von Friedrich Wagner. Gotha: Justus Perthes, Lit. Anst. v. C. Hellfarth, 1862. Escala
1:2.000.000. [Carta da província brasileira de Minas Gerais, levantada por ordem do governo
provincial nos anos 1836-1855, utilizando mapas anteriores e levantamentos e observações
recentes, sob a supervisão especial do engenheiro civil H. G. Halfeld, organizado e desenhado por
F. Wagner].
21 CARTA corográfica da província de Minas Gerais, coordenada e desenhada em vista dos mapas

corográficos antigos e das observações mais recentes de vários engenheiros, por ordem do Ilmo. e
Exmo. Sr. Doutor Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, presidente desta província, por
Frederico Wagner. Ouro Preto, 1855. Rio de Janeiro: Arquivo Militar, 1863. Escala gráfica em
léguas. 67,6x76,5cm.
22 MARTINS, 1998, p.37.
23 A carta litografada no Rio de Janeiro só contém a escala gráfica em léguas. Como não foi

possível o acesso ao original, o que possibilitaria a precisa conversão para a escala numérica,
presume-se que ambas tivessem a mesma escala.
24 Gotha era um grande centro tipográfico no século XIX, responsável pela publicação de

importantes obras como o Atlas de Stieler, símbolo de todo o avanço alemão em matéria
cartográfica. PALSKY, G. Um monde fini, un monde couvert. In: POUTRIN, I. (Dir.) Le XIXe
siècle; science, politique et tradition. Paris: Berger-Levrault, 1995. p.140.

47
orografia. Em termos do conteúdo, os elementos cartografados são os mesmos nas
duas cartas: rios, serras, caminhos, a hierarquia da rede urbana entrelaçada à
eclesiástica, aldeias indígenas, quartéis, registros. A esse inventário clássico dos
componentes corográficos somou-se a identificação de um único elemento
econômico, as minas de ouro em trabalho.

Figura 1: Carta corográfica da província de Minas Gerais, de Frederico Wagner (1855)


Fonte: COSTA, 2004

A carta impressa no Rio de Janeiro tem enquadramento mais amplo,


representando parte das redes hidrográficas e das nucleações urbanas das
províncias limítrofes. Apesar de uma linha colorida (presumivelmente uma
aquarela superposta à litografia) demarcar os limites da província, a

48
representação avança sobre amplas regiões limítrofes, especialmente na direção
das cidades costeiras de Campos (Rio de Janeiro) e Itapemirim (Espírito Santo),
como a reivindicar a sempre almejada posse de territórios que garantissem a
saída da província para o mar25. Nesse aspecto, a maior diferenciação entre as
duas cartas se dá nos contornos ocidentais da província, uma vez que a carta
impressa em Gotha, presumivelmente para manter um padrão quadrangular,
apresentou a região do triângulo mineiro como um encarte. Essa solução,
curiosamente, remetia às antigas representações de Minas dos mapas coloniais,
sem o seu característico “nariz” e, nesse sentido, não conferia ao mapa o mesmo
poder de fixação da imagem de Minas da carta gravada no Arquivo Militar, a
despeito do acabamento gráfico mais rudimentar dessa última.
Uma vez pronta, a carta de Wagner de imediato passou a ser criticada por
suas incorreções e deficiências, como a escala reduzida, o que certamente
ocasionou o atraso em sua publicação e acendeu o desejo das autoridades
provinciais de refazer o trabalho. Mas a elaboração de uma nova carta da
província, ou seja, a retomada do processo de sua construção, pressupunha a
viabilização de crescentes exigências técnicas que o campo da engenharia e em
especial da cartografia impunham em toda parte. Pessoal qualificado e
instrumentos precisos eram cada vez mais demandados e as autoridades
debatiam sobre as vantagens e desvantagens desses investimentos num quadro
orçamentário de permanente penúria.

25
Infelizmente, na imagem aqui reproduzida não é possível distinguir essa linha.

49
Figura 2: Carta de Halfeld e Wagner, de 1855. Impresso segundo padrões europeus, o
mapa privilegiou o enquadramento em detrimento da imagem integral da província.
Fonte: MARTINS, 1998.

Mas se uma nova carta só teria sentido se produzida em um outro patamar


de qualidade técnica e, conseqüentemente, com uma maior disponibilidade de
recursos, a publicação da carta de Wagner impunha-se pelas necessidades
cotidianas da administração, como afirmava o presidente Carneiro de Campos em
1859:

50
Conquanto seja imperfeita e delineada em pequena escala a carta que
possuímos, conviria mesmo assim mandá-la litografar para que,
vulgarizada, suprisse do modo possível a necessidade que geralmente se
sente de trabalhos desta ordem para solução de questões administrativas e
outras que a todo momento se apresentam.26

Do ponto de vista técnico, a publicação também foi defendida pelo então


Inspetor Geral de Obras, José Rodrigues Duarte, uma vez que a sua utilização
extensiva e intensiva seria um meio de identificação de suas incorreções. Duarte
defendia ainda a venda dos exemplares como medida para compensar as despesas
com a publicação, o que nos permite concluir pela existência de um mercado
consumidor que se expandia para além da administração provincial.27
Assim, entre fins da década de 1850 e início dos anos 1860, as autoridades
provinciais entrelaçaram iniciativas destinadas, de um lado, à publicação da já
ultrapassada carta de Halfeld e Wagner, e, de outro, à elaboração de um novo
mapa, para o qual convergiam as ambições totalizantes que comumente cercavam
esse tipo de representação.28
Muito lenta e irregularmente, emergiam as condições para o
enfrentamento da empresa de se mapear um território tão amplo e mal conhecido
como eram as Minas Gerais em meados do século XIX. Uma incipiente rede de
profissionais começava a se formar em torno dos projetos oficiais relacionados ao
campo da engenharia e da cartografia. As autoridades provinciais enfrentavam
dificuldades na contratação de engenheiros, e alegavam o alto custo do pessoal
qualificado então disponível, quase sempre estrangeiros ou militares. Os
profissionais eram recrutados entre os empregados nas companhias de mineração
e na corte do Rio de Janeiro, onde então funcionava a Escola Militar, única

26 MINAS GERAIS. Presidente (Carlos Carneiro de Campos 1858-1859). Relatório que ao Ilmo. e
Exmo. Sr. Dr. Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, 1º vice-presidente da província, entregou o Ilmo. e
Exmo. Sr. Dr. Conselheiro Carlos Carneiro de Campos em o dia 6 de abril de 1859. Ouro Preto:
Provincial, 1859. p. 25-6.
27 O estudo mais aprofundado da recepção dos mapas foge aos objetivos do presente trabalho,

restrição determinada sobretudo pela dificuldade de identificação de fontes. No âmbito do aparato


governamental e dos projetos privados a ele relacionados, buscaremos sempre identificar esses
usos, dada a importância dessa dimensão do documento cartográfico.
28 Estamos falando mais propriamente do mapa impresso no Rio de Janeiro, pois o mapa

publicado na Alemanha resultou de uma iniciativa pessoal de Fernando Halfeld, que teria
enviado o manuscrito para a editora Justus Perthes em 1860. Segundo Martins, essa informação
foi fornecida por J. J. Tschudi, o naturalista e diplomata suíço, autor do tratado A província
brasileira de Minas Gerais, publicado juntamente com o mapa de Halfeld e Wagner. MARTINS,
1998.

51
instituição de ensino do país destinada a formar bacharéis em ciências
matemáticas e físicas e engenheiros civis e militares.29
Entre 1853 e 1854, novas contratações foram feitas, ampliando-se o quadro
de engenheiros provinciais, composto majoritariamente de estrangeiros30. Em
torno de 1857, a equipe de engenheiros e a questão da mão-de-obra qualificada
para os serviços de obras públicas ganhou maior atenção, com a criação da
Repartição de Obras Públicas, que, no seu breve período de existência (foi extinta
dois anos depois) chegou a ter oito técnicos, entre engenheiros e desenhadores,
brasileiros e estrangeiros. Seguindo os relatos oficiais, muitas dificuldades
cercavam esse momento de formulação de políticas territoriais e de formação de
uma mão-de-obra técnica qualificada, expressas nas hesitações e incertezas com a
criação e extinção de órgãos e as sucessivas contratações e exonerações dos
engenheiros. Esses profissionais ainda não tinham alcançado o respeito técnico e
o prestígio social que lhes seriam conferidos nas últimas décadas do século, e
ainda era preciso defender e provar a sua necessidade nos quadros do governo,
como mostra a argumentação do Inspetor Geral de Obras Públicas, José
Rodrigues Duarte, ao defender a frágil estrutura de sua repartição:

Parece a alguns excessivo o número de engenheiros que temos; muitos


julgam exagerada a despesa que com eles se faz; e não falta também quem
diga que deles não precisamos; mas a experiência tem me convencido de
que um engenheiro diligente, hábil e bem pago, é uma verdadeira
economia, porque estudando, e desenvolvendo a parte técnica das obras
que se empreendem, não só pelo lado material como pelo moral, habilita a
Administração para resolver sobre pontos de importância muito subida, ou

29 O regime misto de formação civil e militar dessa escola seria alterado em 1858, com a criação da
Escola Central, início do processo de separação das carreiras civil e militar, que culminaria com a
criação da Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1873) e da Escola de Minas de Ouro Preto, em
1876. DIAS, 1994.
30 O quadro anexo ao relatório do presidente em 1853 mostra que a província contava com apenas

quatro engenheiros, sendo três de origem estrangeira (dois alemães e um inglês) e um brasileiro,
militar (Silva Teodoro). MINAS GERAIS, 1853.
Em 1854 a equipe era composta por um engenheiro inglês, dois franceses, um alemão e um
brasileiro, Francisco Eduardo de Paula. Os antigos funcionários Frederico Wagner e Silva
Teodoro não aparecem mais nos quadros dos engenheiros mas como empregados nos trabalhos
geográficos e Wagner é definido como desenhador,esboço de uma hierarquização e diferenciação
dos profissionais.
MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos 1853-1855). Relatório que
ao ilustríssimo e excelentíssimo Sr. Doutor Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, muito digno
presidente desta província, apresentou, ao passar-lhe a administração, o 1º. vice-presidente
desembargador José Lopes da Silva Vianna. Ouro Preto: Bom Senso, 1854. p.14.

52
recuando diante de despesas inúteis ou infrutíferas, ou decretando-as,
porém de modo acertado, econômico e produtivo.31

Mas em meio às demissões e aos cortes orçamentários que cercaram a


extinção da Repartição de Obras Públicas, passos importantes foram dados para o
reforço do programa de obras públicas e para a produção cartográfica oficial da
província, como a contratação de novos profissionais e a compra de instrumentos
técnicos. O projeto de confecção de uma nova carta geral da província tinha no
inspetor geral José Raimundo Duarte seu maior defensor. Em relatório já citado,
Duarte defendeu a publicação da carta de Wagner e, ao mesmo tempo, deteve-se
na enunciação das condições ideais para a realização do novo mapa: a montagem
de uma equipe especialmente dedicada ao mapeamento, o trabalho de campo para
coleta das observações astronômicas e geodésicas e o inventário dos elementos
corográficos (estradas, serras, rios, culturas etc). Uma novidade em relação aos
projetos anteriores era a recomendação de ajuste do futuro mapa de Minas ao
meridiano do Pão de Açúcar, que estava sendo levantado para a carta do Rio de
Janeiro pelo brigadeiro Pedro de Alcântara Bellegarde.32 Recomendava Duarte
que o mapa de Minas fosse confeccionado na mesma escala da carta do Rio de
Janeiro, de forma a dar continuidade ao tecido cartografado dentro de uma
representação padrão, que, seguida pelas demais províncias, poderia resultar na
base para produção da carta geral do Império33, então ainda em projeto.
Em 1857, o engenheiro alemão Henrique Gerber34 foi contratado,
juntamente com o seu ajudante, o engenheiro Francisco Mariano Halfeld, filho de

31 MINAS GERAIS. Presidente (Carlos Carneiro de Campos 1858-1859). Relatório sobre o estado
das Obras Públicas na província de Minas Gerais que ao Ilmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Carlos
Carneiro de Campos apresentou o Inspetor Geral das mesmas obras José Rodrigues Duarte em 10
de março de 1859. Anexo. In:. MINAS GERAIS, 1859. p.4.
Sobre o prestígio alcançado pela profissão de engenheiro nos quadros das profissões do Império,
ver: COELHO, Edmundo Campos. As profissões imperiais: medicina, engenharia e advocacia no
Rio de Janeiro- 1822-190. Rio de Janeiro: Record, 1999.
32 Pedro de Alcântara Bellegarde já havia colaborado, em 1842, na confecção de uma primeira

carta da província do Rio de Janeiro, a cargo do coronel Conrado Jacob de Niemeyer, seu tio.
Exemplos de uma elite bem sucedida na carreira de engenheiros militares, ambos foram membros
do Corpo Imperial de engenheiros do Império e sócios fundadores do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. No curso de suas carreiras, produziram diversos mapas importantes e
ocuparam cargos de projeção.
33 MINAS GERAIS, 1859, p.4.
34 Muito pouco se sabe sobre a vida e as atividades de Gerber em Minas ou no Brasil. Os

documentos pesquisados iluminam apenas os dez anos em que esse engenheiro alemão

53
Fernando Halfeld. Oficialmente, Gerber foi contratado para atuar em comissões
especiais, como a inspeção e os estudos morais35 para construções de estradas,
mas é certo que, desde o início, estava nos planos das autoridades o seu
aproveitamento para a produção da nova carta geral da província e para a
elaboração de um estudo corográfico da região mineira, tarefas que só foram
formalizadas por contrato em dezembro de 1861. Nesse sentido, uma das
primeiras iniciativas de Gerber foi colaborar com o inspetor geral na sugestão dos
novos instrumentos de medição, observação e desenho, que deveriam ser
adquiridos pelo governo provincial e que se destinavam, em sua maioria, a
garantir o almejado estatuto de cientificidade do mapeamento.36
A representação física da província deveria responder a uma nova
conjuntura técnica e geopolítica que se desenhava nesses anos, no âmbito
regional e nacional. Em consonância com o quadro nacional, a administração
provincial traduzia, na escala regional, a mesma busca por soluções para o

naturalizado brasileiro serviu ao governo mineiro (1857-1867), inicialmente em comissões


especiais e depois como chefe da Seção Técnica da Diretoria Geral de Obras Públicas, sempre à
frente de projetos técnicos como construção de estradas, estudos de navegabilidade e viação. Além
do seu mapa de Minas Gerais e do texto corográfico que publicou em 1862, um trabalho
particularmente interessante de sua autoria foi o projeto do monumento em memória dos
inconfidentes, edificado no Paço da Câmara Municipal de Ouro Preto, hoje Praça Tiradentes. O
evento de lançamento da pedra fundamental, em 1867, contou com a presença de Gerber, então
engenheiro-chefe da província, ao lado do presidente da província, Joaquim Saldanha Marinho,
futuro chefe do partido republicano no Rio. Foi, presumivelmente, a primeira iniciativa oficial no
processo de reabilitação do movimento de 1789 e de construção do mito de Tiradentes, forte
componente do imaginário nacionalista e republicano. Segundo Xavier da Veiga, era um singelo
monumento – modesta coluna de granito, onde foram gravados os nomes dos inconfidentes. A
coluna foi desmanchada em 1894 para dar lugar ao monumento a Tiradentes.
VEIGA, J. P. Xavier da. Efemérides mineiras. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1897. v.1. p.353.
BLAKE, A. V. A. Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1895. p.221.
35 A expressão usada pelo presidente da província refere-se à natureza do trabalho desenvolvido

por Gerber nessas comissões - um julgamento dos projetos fundado na sua experiência, sem o
recurso a detalhamentos técnicos – e demonstra que o engenheiro era considerado uma
autoridade no seu domínio técnico.
36 Entre 1857 e 1858 foram encomendados novos instrumentos destinados à carta corográfica e

aos trabalhos de obras públicas. Eram instrumentos de medição, geodesia, observação


astronômica e desenho, parte encomendada na Europa por intermédio de uma casa comercial do
Rio de Janeiro e outra diretamente encomendada em lojas e ateliês franceses pelo engenheiro
Henrique Dumont. Somente três anos depois, em 1861, esses instrumentos chegariam a Minas.
LISTA de instrumentos de engenharia e astronomia. APM. Fundo OP. Documentação não
encadernada. Série Documentação Interna. Subsérie Seção Técnica. Cx. 1. Doc. 22.
MINAS GERAIS. Presidente (Vicente Pires da Mota 1861). Relatório que à Assembléia
Legislativa Provincial de Minas Gerais apresentou na abertura da sessão ordinari [sic] de 1861 o
Ilmo. e Exmo. Sr. conselheiro Vicente Pires da Motta, presidente da mesma província. Ouro Preto:
Provincial, 1861. p.13.

54
enfrentamento dos novos e velhos problemas ligados à gestão do território e à
organização espacial, como a inexistência de uma rede de transportes e
comunicações, o acirramento de questões de limites com outras províncias, o
contínuo desmembramento das municipalidades, as exigências de medição de
terras como prevista na lei de 1850. A chamada Lei de Terras previa o registro de
todas as terras efetivamente ocupadas por quaisquer meios até aquela data e
impedia o acesso às terras públicas livres – as terras devolutas – a não ser por
meio da sua compra ou em projetos de colonização.37 Segundo estudiosos do
período, com a lei de terras, cabia ao Estado estabelecer a política de venda das
terras devolutas e o ordenamento da propriedade territorial. Na prática pouco
mais foi feito do que cercear o acesso às terras à população livre e aos imigrantes,
criando uma reserva de mão-de-obra disponível para a lavoura do café.38
Evidentemente, a carta geral da província, como todos os mapas gerais
desenhados em pequenas escalas, não seria instrumento de tradução ou de
observação visual direta de nenhum desses problemas. Ela responderia
fundamentalmente à necessidade do poder público de dar visibilidade e
transparência ao território administrado, de tornar identificáveis e conexos, por
intermédio de uma imagem síntese, os espaços desarticulados, impenetráveis,
litigiosos. Mas a província era pouco mais do que uma circunscrição
administrativa do Império, dado o centralismo político de regime monárquico
brasileiro, e a integridade e articulação pretendidas no nível regional respondiam
sobretudo ao mesmo processo em curso na escala do país.
A acomodação política e social do Segundo Reinado dava fôlego ao governo
imperial para buscar efetivar, tanto no sentido simbólico como pragmático, a
integridade territorial, cuja unidade e indivisibilidade constituíam, nas palavras

37 Em 1858 o governo provincial criou a Repartição Especial das Terras Públicas, destinada à
execução do registro geral de terras. A Repartição deveria proceder à medição e demarcação das
terras com o conseqüente julgamento e legitimação de posse e a discriminação das terras públicas
e privadas. Entretanto, entre muitas dificuldades, a Repartição, que durou apenas dois anos,
enfrentou a carência de agrimensores, o que comprometia todo o andamento dos trabalhos.
Segundo as autoridades, a premente questão da regularização das terras não podia ser
empreendida pois não havia na província pessoas tecnicamente qualificadas para o exercício da
atividade de agrimensura, o que dá uma dimensão das imensas dificuldades que cercavam
qualquer iniciativa relativa ao cadastro e à organização territorial.
38
MATTOS, 1897; DUARTE, 1995.

55
de Mattos39, o corpo político do Império. Em um quadro sempre tensionado pela
fratura social imposta pela escravidão, o Estado imperial, as elites políticas e as
oligarquias regionais articularam-se em torno da construção de um projeto
nacional de feição conservadora, através de iniciativas como a criação do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (1838), que tinha como um dos seus
fundamentos, ao lado da formulação de uma tradição historiográfica
comprometida com a gênese da nação brasileira, a ênfase no conhecimento e no
reconhecimento do território nacional como plataforma fundamental na
construção de um projeto de nacionalidade.40
Como mostrou Botelho, parte da historiografia brasileira,

Ao se tratar do período imperial brasileiro, tende-se a vê-lo como um


momento em que a necessidade de consolidar um centro de poder em um
território tão vasto quanto a colônia portuguesa na América tornou o
imperativo da construção do Estado muito mais relevante do que o da
nacionalidade. Como, porém, a construção da nação é um processo contínuo
e articulado com a construção do Estado, não deixa de ser relevante
identificar os momentos em que esta interação se evidencia. Assim, se a
nação é construída a partir de uma ação positiva do Estado, ela interage
com o processo de construção do Estado, reforçando-o e consolidando-o.41
[grifos nossos]

Foi nesse contexto de consolidação do chamado Estado-nação, quando essas


duas faces da sociedade política compartilharam práticas e representações, que os
programas de mapeamento e seus produtos cartográficos assumiram um papel
duplo e articulado na produção e representação do território brasileiro: de um
lado, como instrumentos pragmáticos das ações do Estado, na centralização, no
controle, no esquadrinhamento e na delimitação territorial e no planejamento de

39MATTOS, 1987, p.83.


40Nada é mais sacralizado que o território da nação, constatou Jacques Revel no seu estudo sobre
a produção do território na França, afirmação pertinente a outros contextos, pois a espacialização
da soberania política, a adoção e identificação de um corpo físico com uma pretensa alma do povo,
constituíram, em maior ou menor grau, as bases mais sólidas da empresa nacionalista moderna,
seja no plano geopolítico seja como construção simbólica. Para o autor, o território foi um símbolo
forte da nacionalidade, construído através de práticas e representações historicamente diferentes,
nas quais o conhecimento do território era sempre uma produção de território. Nessa perspectiva
de análise, a construção simbólica do território foi um instrumento de afirmação da nacionalidade
também no caso brasileiro, onde o êxito na manutenção de uma vasta unidade territorial foi um
dos pontos fortes nesta positivação do nacional.
REVEL, Jacques. A invenção da sociedade. Lisboa: Difel, 1989. p.101.
41 BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e nação no Brasil do século XIX. 1999. Tese

(Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. p.158.

56
ações de intervenção no espaço; de outro, como formas expressivas de construção
simbólica do corpo da pátria, através das imagens sínteses que, dada a
identificação entre Estado e território, alcançavam a força emblemática de outros
símbolos como o hino e a bandeira nacionais. Porém, mais do que acentuar a
oposição entre funções simbólicas e pragmáticas, interessa-nos aqui destacar a
sua articulação dentro do processo histórico, articulação sobre a qual se funda a
eficácia das imagens cartográficas.
Se, como apontou Magnoli, [...] foi a partir de meados do século XIX que a
cartografia brasileira produziu uma série de representações, bastantes precisas,
do território nacional42, foi também o momento de surgimento das cartas gerais e
dos primeiros atlas nacionais, essas narrativas visuais que agem como poderosos
recursos pedagógicos de comunicação e divulgação de uma dada imagem do
país43. Como bem frisou De Biaggi,

Se o Império soube criar um grande número de representações da nova


nação [...] ele também tentou, mesmo que de forma intermitente, dar uma
imagem cartográfica oficial do território, como um dos exemplos dessa
afirmação emblemática.44

Para tanto, emergiu no seio da administração imperial, com o decisivo


apoio pessoal e político do imperador D. Pedro II, um aparato institucional e
técnico fundado na relação entre o poder político e determinados saberes técnicos
e científicos que, gradativamente, assumiram funções e espaços importantes no
governo, como no caso da cartografia e da estatística.
No que toca à produção do território, os maiores esforços oficiais foram
direcionados para a cartografia de limites, sempre de cunho oficial, que logrou
produzir um vasto conjunto de cartas fundamentais no êxito da política de

42 MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil


(1808-1912). São Paulo: UNESP: Moderna, 1997. p.110-111.
43 Ver a este propósito o estudo de Borges sobre o primeiro atlas brasileiro, publicado por Cândido

Mendes em 1868. BORGES, Maria Eliza Linhares. Viagem através do Brasil: o Atlas do Império
do Brazil. [s.n]: 2004.
44 DE BIAGGI, Enali Maria. La cartographie et les representations du territoire au Brésil. 2000.

Thèse (Doctorat en Géographie, Aménegment et Urbanisme) - Université de Paris III, Institut des
Hautes Études de l’ Amérique Latine, Paris, 2000. p.127.

57
fronteiras do Império45. Mas o governo imperial também investiu na produção
das cartas gerais, as chamadas cartas em pequena escala, que nos interessam
mais de perto. Nesse momento, a fabricação desses mapas, de uma maneira geral,
era muito semelhante ao que vinha ocorrendo na província mineira e
provavelmente era esse o processo comum a todo o país: a compilação das
sucessivas cartas anteriores, revistas à luz das contribuições das cartas locais,
das explorações geográficas mais recentes, das pontuais medições geodésicas e
astronômicas e das tímidas inovações tecnológicas.
Em 1846 foi publicada a Carta Corográfica do Império do Brasil, que vinha
coroar a carreira do coronel reformado Conrado Jacob de Niemeyer como
engenheiro militar e cartógrafo. Considerada pelo autor como um esboço que
deveria ser aperfeiçoado no futuro, a carta serviu como base para diversas
reconstruções cartográficas da segunda metade do século XIX. Tendo como
meridiano central o Rio de Janeiro, o conteúdo propriamente corográfico do mapa
resumia-se, segundo De Biaggi, a mostrar os principais rios do país rodeados por
cadeias de montanhas geometricamente dispostas46 e torna-se mais esquemático
à medida que se interioriza, deixando grandes brancos, em especial nos limites
ocidentais ao norte. Para reforço da sua função comunicativa, a imagem principal
conjugava-se a uma tabela com dados econômicos do Império e um encarte
destacando a capital federal. Segundo alguns autores, o maior feito da carta de
Niemeyer foi apresentar pela primeira vez os dados estimados da superfície do
país e das suas províncias.47
Um dos colaboradores na confecção da carta de Niemeyer, Pedro de
Alcântara Bellegarde, quando ministro da Agricultura em 1862, defendeu a
elaboração de uma nova carta geral, destinada à visualização e à articulação dos
programas de obras públicas em curso no ministério, como telégrafos, correios,

45 Impulso importante na produção da cartografia de limites decorreu da guerra do Paraguai. Um


momento decisivo na produção e consagração do que poderíamos denominar cartografia
diplomática, se dará com o trabalho liderado pelo Barão do Rio Branco, conduzido entre os
períodos monárquico e republicano. MAGNOLI, 1997.
MOURA, Cristina Patriota de. Rio Branco; a Monarquia e a República. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 2003.
46DE BIAGGI, 2000, p.122.
47 Ver: DE BIAGGI, 2000.

PEREIRA, José Veríssimo da Costa. A geografia no Brasil. In: AZEVEDO, Fernando de. As
ciências do Brasil. [Rio de Janeiro]: Melhoramentos, [195-].

58
navegação. Como no caso mineiro, repetiam-se na escala do governo geral os
argumentos em defesa da utilidade imediata de uma produção improvisada, de
um esboço geral48, ainda que imperfeito. Foi nesses termos que a Carta Geral do
Império começou a ser elaborada em 1864, e teve os seus trabalhos prolongados
por décadas, mas nunca chegou a ser finalizada.49 Era mais um trabalho de
colagem e síntese, nos moldes que vimos descrevendo até o momento, com
eventuais trabalhos de campo originados de outras iniciativas oficiais como
exploração de rios, delimitação de fronteiras ou, no caso do município do Rio de
Janeiro, de trabalhos de triangulação.
Em meados dos anos de 1870, o Ministério da Agricultura investia de
forma intensa mas desorganizada na produção cartográfica do país, patrocinando
quatro grandes iniciativas de mapeamento diferentes e, em muitos aspectos,
concorrentes: a continuidade da Carta Geral do Império, a produção de uma
Carta Itinerária destinada ao estudo e à representação das vias de comunicação,
a elaboração da Carta Geológica, voltada para o mapeamento científico dos
recursos minerais e das condições do solo, e a comissão astronômica, que deveria
determinar algumas posições geográficas importantes e medir o meridiano do
território nacional. Tal dispersão de esforços e recursos não permitiu a finalização
de nenhum dos projetos de mapeamento e, em poucos anos, todos os trabalhos
foram abandonados, devido a dificuldades orçamentárias e alteração na
composição política do governo.
Única exceção foi a Carta Geral, publicada em uma versão reduzida para
ser exibida na exposição do centenário da independência dos Estados Unidos, na
Filadélfia, em 1876.50 Ao descolar-se das necessidades pragmáticas e rotineiras
da administração e ganhar estatuto de monumento, a Carta Geral do Império

48 BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório que devia ser presente à Assembléia Geral
Legislativa na 3ª. sessão da 11ª. legislatura pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas Pedro de Alcântara Bellegarde. Rio de Janeiro: Tipografia
Perseverança, 1863. p.20.
49 O projeto original foi concebido pelos engenheiros Santos Werneck e Carlos Krauss em 1866.

Instituída como comissão, a carta geral teve diversos diretores e colaboradores até que os
trabalhos foram coordenados pelo marechal de campo Henrique de Beaurepaire-Rohan, em 1874.
Foi elaborada na escala de 1:742.440, em 42 folhas articuladas.
50 BRASIL. Comissão da Carta Geral do Império. Carta do Império do Brasil organizada pela

Comissão da Carta Geral sob a presidência do general Henrique de Beaurepaire Rohan com a
coadjuvação de Barão da Ponte Ribeiro. [Rio de Janeiro]: Inst. Heliográfico A. Henschel, 1875.
Escala 1:3.710.220.

59
garantiu investimentos que permitiram sua finalização, mesmo que em versão
reduzida. Para tanto, foi preciso que a Carta Geral fosse considerada como um
dos produtos dignos de serem apresentados nas sucessivas exposições
internacionais que o país passou a participar na segunda metade do século. Essas
participações contavam com o apoio entusiástico de d. Pedro II, como frisou De
Biaggi:

Mais do que realizar exposições nacionais, o imperador tinha uma atenção


especial com a participação do Brasil nas exposições universais [...],
consideradas com uma oportunidade única de mudar a imagem que o país
tinha no estrangeiro e mostrar um comportamento civilizado. Desde sua
primeira participação em 1862, em Londres, o país apresentava tanto seus
produtos naturais como os testemunhos da indústria nacional. Os mapas
faziam parte desse segundo grupo de objetos, considerados como signos de
desenvolvimento.51

No meio técnico e científico, porém, pode-se presumir que o abandono do


projeto original da carta geral tenha gerado críticas e polêmicas. Aparentemente
conformado com o fim da comissão e com a instituição da chamada carta-arquivo
– uma solução para que não se perdessem os dados acumulados em mais de dez
anos – , o coordenador dos trabalhos em 1877, Beaurepaire-Rohan, justificou, em
artigo publicado52, as deficiências técnicas do documento cartográfico pela
impossibilidade de se aplicar no país a chamada geodesia de precisão ou mesmo
sua versão simplificada, a geodesia expedita. Comparou o Brasil à França, que
teria levado em torno de cinqüenta anos (1818-1868) para realizar o
levantamento geodésico, em um território 16 vezes menor do que o Brasil. Ao
gigantismo territorial do país somava-se sua impenetrabilidade, em extensões
que entremeavam imensas florestas – refúgio de tribos selvagens – e desertos –

51DE BIAGGI, 2000, p.129.


52 Após a extinção da comissão em 1877, Beaurepaire-Rohan publicou uma memória sobre a
organização da carta junto a um estudo físico e político do país. Um resumo da mesma memória,
presumivelmente uma palestra, foi publicado na Revista do Instituto Politécnico Brasileiro,
primeira agremiação de engenheiros do Brasil e espaço por onde circulava no período o debate
teórico e prático sobre os campos de interesse da engenharia e das ciências a ela associadas.
COELHO, 1999.
BEAUREPAIRE-ROHAN, Henrique de. Estudos acerca da organização da carta geográfica e da
história física e política do Brasil. Revista do Instituto Politécnico Brasileiro e das Obras Públicas
do Brasil, t.8, 1. trim 1877.

60
vastas solidões.53 Para viabilização em um futuro próximo de uma carta geral,
Beaurepaire-Rohan insistia nos métodos tradicionais de compilação de
documentos e nos reconhecimentos de campo apoiados nas observações
astronômicas, para as quais bastavam os instrumentos básicos de todo
engenheiro.54
Naquele mesmo ano de 1857, quando era reeditada a carta corográfica do
Império, Henrique Gerber dava início às suas atividades como engenheiro na
província mineira e à tarefa de compor seus dois trabalhos de síntese sobre Minas
Gerais: o mapa e o tratado descritivo. Como as condições financeiras e técnicas da
província haviam sido pouco alteradas, o projeto de produção de uma carta sobre
novas bases metodológicas foi abandonado em favor da correção da carta
existente, segundo os mesmos procedimentos até então empregados.
Para edificar a sua carta55 sobre um canevas o mais ajustado possível a
uma grade geodésica, mas impossibilitado de proceder à triangulação sobre o
terreno, Gerber recorreu ao arquivo de obras públicas da província (que contava
então com 215 mapas e plantas) e aos dados oriundos de diferentes trabalhos que
efetivamente determinaram coordenadas geográficas em diferentes pontos do
território brasileiro e mineiro, como os levantamentos da costa e a exploração de
rios. Esses dados, denominados de primeira ordem, permitiram o ajuste de uma
base preexistente, muito possivelmente a carta de Halfeld e Wagner. Tecida a
rede das quadrículas, foram sendo intercalados os elementos de segunda ordem,
quais sejam, as informações provenientes de fontes textuais e orais, além
daquelas colhidas pelo autor, como engenheiro da província, a respeito dos cursos
de água secundários, das posições das povoações e das serras, entre outros.

53 BEAUREPAIRE-ROHAN, 1877, p.8.


54 Essa questão da escolha do tipo de levantamento a ser realizado em campo foi objeto de
acirradas polêmicas entre as autoridades em cartografia no país, como veremos.
55 CARTA da província de Minas Gerais coordenada por ordem do Exmo. Sr. Conselheiro José

Bento da Cunha Figueiredo presidente da província, segundo os dados oficiais existentes e muitas
próprias observações por Henrique Gerber, engenheiro da mesma província. [Glogau: C. Fleming],
1862. Escala 1:1.500.000.

61
Figura 3: Carta da Província de Minas Gerais, de Henrique Gerber (1862)
Fonte: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1997.

Gerber seguiu o programa cartográfico da carta de Wagner de 1855 em


fundamentos importantes, como o enquadramento: para além dos limites
administrativos da província, vêem-se representadas em sua totalidade, mas com
menos detalhamento, as províncias vizinhas do Rio de Janeiro e Espírito Santo, e
parte das de São Paulo, Bahia e Goiás. Como na carta anterior, uma linha
colorida destaca os limites da província interior. Também os conteúdos
selecionados, tanto elementos físicos como humanos, são basicamente os mesmos;
no primeiro caso, restritos às redes hidrográfica e orográfica, no segundo,
apresentando todas as povoações e elementos econômicos e administrativos como
minas, fazendas, quartéis, recebedorias. Surpreendente é a ausência da
representação das estradas, quando se sabe que a indicação de rotas e caminhos
sempre foi um dos principais elementos de qualquer mapa. Como Gerber já
trabalhava em um plano de viação para a província, pode-se presumir que ele
concebia essa carta como uma base territorial sobre a qual seriam, num segundo
62
momento, superpostas tanto as estradas existentes como aquelas concebidas em
seu projeto.
Podemos observar no mapa de Gerber - ainda desprovido do recurso da cor
- uma maior iconicidade da representação, ou seja, uma maior qualidade do
desenho que permite sua identificação com os elementos reais. Dessa forma, o
dimensionamento e a hierarquização entre os rios e seus afluentes, assim como
entre vilas e arraiais, são mais nítidos devido ao recurso gráfico à espessura da
linha que traça o curso do rio ou inscreve o nome do lugar. O mesmo se pode dizer
do uso das hachuras para simular as elevações do terreno, como serras e picos,
mais bem feitas na carta de Gerber.

Figura 4: Detalhe do mapa de Henrique Gerber, no qual se visualizam as hachuras que


representam os acidentes orográficos mais destacados na paisagem.
Fonte: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1997.

Desenhado numa escala que permitia a discriminação pontual ou linear


dos componentes, mas sem maiores detalhamentos, o mapa de Gerber era
particularmente desigual na localização desses elementos, misturando precisão e
imprecisão, como destacaram, mais de trinta anos depois, os engenheiros
Lombard e Menezes, quando se debruçaram sobre os mapas antigos de Minas:

É assim que se notam no mapa de Gerber pequenos rios e ribeirões com


uma aproximação muito feliz, atendendo-se ao sistema de confecção da
obra. A escala de 1:1.500.000 não permitia o traçado dos córregos e outros

63
acidentes de feição topográfica menos saliente, mas por vezes mais
interessantes. As cidades, vilas, sedes de distritos, e algumas povoações
mais importantes, assim como vários aldeamentos de índios, foram
marcados por suas distâncias respectivas em léguas, distâncias apreciadas
com aproximação bem grosseira. O sistema orográfico está apenas esboçado
pelas direções das serras principais e a indicação dos picos mais elevados, e
nem se compreende de outro modo não tendo sido feita uma triangulação
retangular. Entretanto quem conhece o interior de Minas, fica admirado de
aproximação relativa das indicações fornecidas pelo mapa, se atender para
com os elementos com que foram fixadas as posições relativas de seus
pontos: informações colhidas de todas as fontes, por vezes ministradas por
pessoas incompetentes.56 (grifos nossos).

Por contrato, em 1861, coube a Gerber mandar litografar em um dos


estabelecimentos mais acreditados da Europa a carta geográfica da província,
juntamente com as noções geográficas e estatísticas, que devem acompanhar a
carta.57 Conforme detalhava ainda o relatório do presidente da província, 300
exemplares do mapa e do livro deveriam ser entregues ao governo provincial,
sendo que 100 exemplares da carta deveriam ser colados em panos e
acondicionados em estojos. O restante (não está especificada a tiragem) era
propriedade intelectual do autor.
A carta de Gerber foi litografada por C. Fleming, em Glogau, Silésia58, e
publicada em 1862 [...] sob o signo, finalmente, de documento oficial da
província.59 Já no ano seguinte, os exemplares impressos do mapa e do livro de
Gerber eram distribuídos entre as câmaras municipais e outras autoridades da
província. Certamente os mapas acondicionados em estojos, adequados ao
transporte individual, destinavam-se a servir como roteiros de viagem ou
ferramentas técnicas dos trabalhos de campo; em ambos os casos facilitando o
reconhecimento dos espaços habitados e a penetração nos territórios
desconhecidos.

56 MENEZES, Belarmino Martins de; LOMBARD, Luiz. A cartografia no Estado de Minas: a carta
de Gerber. Estado de Minas, Ouro Preto, ano 5, n. 383, 30 mar. 1894. p.3.
57 MINAS GERAIS. Terceiro vice-presidente (Joaquim Camilo Teixeira da Mota 1862). Relatório

que a Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais apresentou no ato da abertura da sessão
ordinária de 1862 o coronel Joaquim Camilo Teixeira da Mota, terceiro vice-presidente da mesma
província. Ouro Preto: Provincial, 1862. p.33.
58 Região limítrofe entre a Alemanha e a Polônia.
59 COSTA, 2004, p.130.

64
Por outro lado, a destinação dos dois trabalhos às autoridades provinciais e
municipais comprovava o interesse oficial na disseminação de uma imagem-
síntese do conhecimento sobre a província. Particularmente interessante é
constatar que o governo provincial não resumiu sua encomenda ao engenheiro
Gerber à tão reclamada carta geral, mas patrocinou igualmente o seu estudo
geográfico. Como esse estudo não havia sido objeto de nenhuma demanda oficial
anterior – pelo menos não nas fontes oficiais que temos pesquisado, os relatórios
da presidência da província –, podemos supor que sua contratação deveu-se ao
interesse e empenho pessoal do próprio autor, o que revelaria uma significativa
margem de ação de um ator social, especialmente no campo ainda embrionário da
pesquisa científica.
O pequeno livro de Gerber encobria sob o discreto título de Noções
geográficas e administrativas da província de Minas Gerais60, uma apurada
síntese do conhecimento geográfico sobre Minas Gerais em meados do século XIX.
Alternando uma narrativa descritiva com trechos mais analíticos e escorços
históricos, o texto contemplava, ainda que de forma geral, um largo espectro de
temas relativos à vida e à paisagem na província, como a sua geografia (extensão,
limites, orografia, hidrografia, meteorologia, configuração geológica, produtos
minerais, vegetais e animais), a etnografia, a estrutura produtiva e as atividades
econômicas, a administração e as instituições provinciais. Trazia em anexo uma
carta da cidade de Ouro Preto do mesmo autor, contemplando a topografia e o
casario da capital.
Distinguem-se no texto características que o aproximam dos procedimentos
cartográficos, demonstrando a articulação texto/mapa que deveria estar na base
do projeto de Gerber. Há uma preocupação com a nomeação – dos lugares, das
ordens científicas de minerais, vegetais –, com a classificação – as informações
são organizadas em tabelas e os elementos hierarquizados em sistemas e grupos
–, e com a medição – altitudes, distâncias. Da mesma forma, uma preocupação
com a origem das informações revela a rede de cartógrafos, viajantes e

60GERBER, Henrique. Noções geográficas e administrativas da província de Minas Gerais. Rio de


Janeiro: Georges Leuzinger, 1863.

65
engenheiros acionados por Gerber para compor e conferir credibilidade a sua
síntese.61
Mas o texto avança também sobre aspectos emudecidos na representação
cartográfica, e o cartógrafo cede lugar ao engenheiro ilustrado, como na avaliação
da navegabilidade dos rios, no destaque aos minerais de importância econômica,
na valorização das matas e da fauna. No quadro da população, Gerber confere
valor etnográfico às populações indígenas, construindo uma genealogia das tribos.
O tom opinativo e recomendatório acentua-se nas partes relativas à produção
econômica e à carência dos meios de transportes, e uma ênfase especial é dada à
questão do fluxo do comércio e das vias de comunicação. Diz Gerber estar
privilegiando as vias de comunicação pelos rios navegáveis e revela seu projeto
maior de esboçar aqui o esqueleto do futuro sistema de viação mineiro segundo a
configuração topográfica do país62, buscando então estabelecer as futuras
conexões entre os rios e as estradas de ferro D. Pedro II e de rodagem da
Companhia União e Indústria. Essa é sem dúvida uma das partes mais
elaboradas e críticas do texto, denotando o crescente interesse pela questão dos
transportes entre as elites técnicas e as autoridades públicas.
Tornada imagem oficial da província e distribuída como tal, a carta de
Gerber, assim como seu texto, atingiram outros círculos de recepção: mapa e texto
foram incorporados na embrionária rede de referências e citações técnico-
científicas que ganharia densidade ao longo da segunda metade do século XIX,
envolvendo viajantes e naturalistas estrangeiros e brasileiros. E, diferentemente
da carta de Halfeld e Wagner, o documento cartográfico produzido por Gerber
teve uma longa vida útil, como posteriormente comprovaram outros geógrafos e
cartógrafos de Minas. Nas palavras de Menezes e Lombard,

Os serviços prestados pela carta de Gerber à pública administração, ao


comércio e à indústria mineiras, não podem ser postos em dúvida; basta

61 A exemplo, numa tabela sobre as altitudes de diferentes pontos da província, são citados os
autores das medições, que são: o próprio autor (14), o engenheiro Francisco Aroeira (18),
Eschwege (26), Spix e Martius (12), Monlevade (1), Halfeld (5), Liais (2) e engenheiros das
estradas de ferro (5). O mesmo é feito para o sistema hidrográfico, no qual se destacam as
medições de Eschwege e Halfeld. Gerber cita com familiaridade os trabalhos paleontológicos de
Peter Lund e recorre aos quadros estatísticos de Luiz Maria da Silva Pinto.
62 GERBER, 1863, p.45.

66
lembrar que durante um período de trinta anos, de 1862 a 1892, ela pode
satisfazer as necessidades administrativas que a criaram. Mesmo a
instrução muito teria aproveitado da obra de Gerber, caso cogitasse com
mais seriedade aprender e ensinar a nossa geografia. 63

Estudioso da cartografia mineira, Nelson de Senna, em texto de 1911


relativo à produção de um novo mapa de Minas, refere-se à carta de 1862 como a
melhor produzida no período provincial, [...] superior, nas linhas gerais do seu
traçado e na localização detalhada dos povoados e acidentes, aos trabalhos
congêneres que depois dele têm aparecido.64 O elogio de Senna vai de encontro
àqueles que acusaram Gerber de haver plagiado a carta de Halfeld, como
Sacramento Blake, que afirmou ser a carta de Halfeld a mesma que o engenheiro
Henrique Gerber publicou como sua, dando-lhe maior escala, e sendo por isso
agraciado com o título de cavaleiro da Ordem da Rosa. 65

Martins, em seu estudo sobre a carta de Halfeld e Wagner66, deteve-se


nessa polêmica para acertadamente esvaziar as acusações contra Gerber e inseri-
lo, como todos os cartógrafos da sua época, na tradição sucessiva de que vimos
tratando como a característica dos trabalhos cartográficos de gabinete no período:
a compilação sistemática dos mapas anteriores, os quais eram corrigidos e
acrescentados, recorrendo-se a novas contribuições geográficas de variada origem.

No ano de 1866, foi criada a Diretoria Geral de Obras Públicas, uma


resposta às constantes queixas das autoridades quanto à necessidade de um
maior dimensionamento do setor. A seção técnica foi confiada a Henrique Gerber,
e novos engenheiros foram contratados, como solução para a sensível desarmonia
entre o número do pessoal científico empregado e a extensão do território
provincial.67 Configurava-se um momento de fortalecimento das políticas públicas
no setor, e a carta geral da província tornou-se a base cartográfica para os

63 MENEZES, LOMBARD, 1895, p.3.


64 SENA, Nelson de. Contribuições para um futuro mapa do Estado de Minas Gerais. Revista do
Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, ano 16, p.307-329, 1911. p.308
65BLAKE, 1895, v.3, p.224.
66 MARTINS, 1998.
67 MINAS GERAIS. Quarto vice-presidente (Fidelis de Andrade Botelho 1864). Relatório que à

Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais apresentou no ato da abertura da sessão


extraordinária de 1863 o doutor Fidelis de Andrade Botelho, quarto vice-presidente da mesma
província. Ouro Preto: Tip. do Minas Gerais. p.18.

67
estudos e os traçados de diferentes projetos oficiais. A partir da década de
sessenta, concentrou-se cada vez mais nas questões territoriais ligadas aos meios
de comunicação (correio, telégrafos) e de transporte (viação férrea, navegação),
tendo como questão política de fundo, conduzida na escala do governo imperial, a
permanente preocupação com a integração do território.

Figura 5: Carta da província de Minas Gerais, com indicação das atuais


estradas e das despesas com elas feitas. Mapa anexo ao relatório do
presidente da província Joaquim Saldanha Marinho, de 1867. Outros croquis
instrumentais como esse foram desenhados sobre a base cartográfica
fornecida pela carta geral de 1862.
Fonte: MINAS GERAIS, 1867a.

Em curto prazo, são traçados sobre a nova carta o plano geral de viação
(1864), a carta das recebedorias, coletorias, linhas de correio e pontos de
extravios68, a carta das estradas existentes e suas despesas69 e a carta das

68MAPA das coletorias, recebedorias e seus extravios, linhas de correios e suas ramificações, da
Província de Minas Gerais, coordenada pela carta geográfica da mesma província e documentos
obtidos nas respectivas repartições por João R. Duarte, desenhador copista da Diretoria Geral de
Obras Públicas sob a imediata inspeção do Sr. Engenheiro Aroeira, em junho de 1866. Ouro Preto:

68
comunicações postais da província.70 Esses trabalhos cartográficos eram, na
verdade, croquis manuscritos de natureza administrativa, destinados à
visualização imediata e espacialmente referenciada das atividades, problemas e
projetos em curso, a fim de que de um golpe de vista se possa formar um juízo
sobre qualquer questão.71
O regulamento da Diretoria de Obras Públicas era um extenso e bem
montado documento que definia com clareza certas prioridades dos serviços
públicos, como o imediato levantamento de um plano de viação. Interessa-nos
aqui destacar o artigo que, entre as competências do engenheiro-chefe, mandava

Fazer as retificações e os aperfeiçoamento necessários à carta corográfica


da província, devendo por si e pelos engenheiros encarregados de obras nos
diversos pontos da mesma província, proceder às convenientes observações
astronômicas e operações geodésicas indispensáveis ao aperfeiçoamento da
mesma carta.72

Menos de dez anos haviam se passado desde a proposição de uma nova


carta e apenas quatro da publicação do mapa de Gerber, e já se reiniciava o
processo de crítica e correção do mesmo. Para cumprimento do estabelecido no
regulamento, Gerber decidiu investir em um programa cartográfico um pouco
mais ambicioso do que o rotineiro aperfeiçoamento de sua carta. Definiu uma

Diretoria Geral de Obras Públicas, [1866]. Escala 1:2.250.000. APM. OP.013. MAP 1/9. Env. 1.
Doc.2.
69 CARTA da província de Minas Gerais com indicação das atuais estradas e das despesas com

elas feitas durante o decênio de 1855 a 1865, organizada pelo engenheiro Henrique Gerber,
mandada levantar pelo Exmo. Sr. Presidente da mesma província Conselheiro Joaquim Saldanha
Marinho, em janeiro de 1867. [Ouro Preto, 1867]. Escala gráfica. In: MINAS GERAIS. Presidente
(Joaquim Saldanha Marinho 1867). Relatório que ao Exmo. Sr. vice-presidente da província de
Minas Gerais Dr. Elias Pinto de Carvalho apresentou por ocasião de lhe passar a administração
em 30 de junho de 1867 o conselheiro Joaquim Saldanha Marinho, presidente da província. Rio de
Janeiro: Perseverança, 1867a.
70 CARTA das comunicações postais da província de Minas Gerais, projetada pelo engenheiro H.

Gerber e desenhada por João Duarte, em fevereiro de 1867. Escala 1:1.000.000. APM. OP. 015.
MAP.1/9. Env.1.
71 Palavras do presidente da província Fidelis Andrade Botelho. MINAS GERAIS, 1864, p.10/11.

A carta de Gerber teria sido ainda a base da elaboração do mapa Província de Minas Gerais, de
origem e autoria desconhecidas, também chamado de Mapa do Censo, por conter dados
estatísticos atribuídos ao censo realizado em 1873. COSTA, 2004, p.130.
72MINAS GERAIS. Presidente (Joaquim Saldanha Marinho 1867). Regulamento n. 53. In: ____.

Relatório que ao Exmo. Sr. vice-presidente da província de Minas Gerais Dr. Elias Pinto de
Carvalho apresentou por ocasião de lhe passar a administração em 30 de junho de 1867 o
conselheiro Joaquim Saldanha Marinho, presidente da província. Rio de Janeiro: Perseverança,
1867b. Anexo AA6. p.4.

69
nova escala, menor que a metade da anterior (1:1.000.000), uma projeção
(Flamsteed)73 e organizou em quatro folhas uma nova rede de meridianos e
paralelos, para onde deveriam ser transferidos os dados topográficos confiáveis
existentes no arquivo. Trata-se, ainda aqui, de uma solução de compromisso, pois
buscava refazer o canevas sob novas bases cartográficas, mas persistia na
transferência dos dados preexistentes.
Durante licença concedida ao engenheiro-chefe, o interino Martiniano da
Fonseca Reis Brandão prosseguiu nos trabalhos de preenchimento da quadrícula
traçada por Gerber, demonstrando, entretanto, quase absoluta descrença no êxito
da empreitada que, segundo ele, necessitaria de 40 engenheiros para que fosse
realizada num prazo de quatro anos. Como muitos outros antes dele, Brandão
utilizou o relatório anual como um espaço de discussão técnica e de
convencimento dos seus superiores sobre a necessidade de se estabelecerem novas
bases operacionais para a produção de uma carta completa da província. À
sugestão de Brandão de que os engenheiros tivessem mais tempo para
observações diretas durante seus trabalhos rotineiros no terreno e, munidos de
novos e mais adequados instrumentos, fossem levantando longitudes e latitudes
de pontos eqüidistantes em diversas direções do território, a resposta lacônica do
diretor de Obras Públicas é por si suficiente: Reconheço a importância de
semelhante trabalho, mas tal é a afluência de afazeres para os engenheiros que
não é possível fazê-lo com a presteza desejável .74
Assim, tanto as inovações propostas por Gerber75 como as sugestões de seu
sucessor não encontraram eco junto às autoridades, e o projeto de uma nova carta
da província seria abandonado por muitos anos.
Como destacamos desde o começo desta seção, se o processo de construção
da carta geral era permanente, em determinados momentos, uma imagem síntese
era gerada e publicada. Enquanto a divulgação da imagem síntese reificava a

73.Projeção criada pelo astrônomo inglês, John Flamsteed, fundador do Observatório de


Greenwich. Os sistemas de projeção cartográficos são métodos utilizados para representar a
superfície de uma esfera (ou um elipsóide), no todo ou em parte, sobre uma superfície plana
74 RELATÓRIO de Martiniano da Fonseca Reis Brandão, de 28 de junho de 1867. APM. Fundo

OP. Doc. não encadernada. Série Doc. Interna. Subsérie Seção Técnica. Caixa 4. Doc. 27.
75 Gerber retirou-se da administração do governo provincial como licenciado, mas não há, a partir

do ano de 1867, qualquer outra notícia desse engenheiro, fechando um ciclo de atividades que
marcaram definitivamente sua passagem pela província.

70
configuração espacial da província, consagrando seus limites e reforçando a
unidade das diferentes regiões, a imagem instrumento, nos bastidores da
administração pública, era de imediato objeto de crítica pelos seus usuários e
pelos próprios autores. Esse descompasso entre o mapa concluído nos gabinetes e
o fluxo de novos dados que emergiam do trabalho no terreno e vinham contradizê-
lo tendia a aumentar com a multiplicação das expedições e trabalhos de campo,
com o aperfeiçoamento das técnicas cartográficas, com o efetivo aumento das
iniciativas particulares e públicas envolvendo o controle e o agenciamento dos
espaços, com a manipulação dos recursos naturais e, sobretudo, com a aceleração
da mobilidade das mercadorias e das pessoas. De fato, nos anos posteriores à
publicação da carta de Gerber, as eventuais queixas das autoridades em relação à
falta de um mapa da província estariam sempre relacionadas à necessidade de
elaboração de um plano de viação, mais especialmente para estradas de ferro.
Uma outra linhagem de mapas teria sua origem nessas demandas, que
impulsionaram a fabricação de imagens mais localizadas e detalhadas,
instrumentos de reconhecimento e de intervenção sobre os espaços.

2.2 Ca minhos de ter ra, água e fer ro: mapas a serviço do prog ress o

A partir de meados do século XIX, a estabilidade política alcançada pelo


governo imperial configurou um quadro propício ao desenvolvimento de
estratégias oficiais de enquadramento territorial e direcionamento espacial das
atividades econômicas. A acomodação política inaugurada com o Segundo
Reinado permitiu a emergência de projetos geopolíticos de maior lastro e
envergadura, sempre voltados para o reforço da questão da integração territorial,
em termos da escala nacional. Mas no âmbito do governo imperial e dos seus
representantes nomeados, os presidentes de província, essa integração não
passava exclusivamente pela manutenção da divisão administrativa então
vigente, mas alimentava-se também de propostas de desmembramentos e criação
de novas unidades provinciais. Projetos de criação de novas províncias e
discussão de limites passaram a ordem do dia no âmbito parlamentar e forçaram

71
os governos a se debruçarem sobre seus territórios. Por toda a segunda metade do
século XIX, uma preocupação com a integração marcou as políticas territoriais e
Minas Gerais era particularmente sensível nesse ponto, devido à sua
insularidade e diversidade regional.
Por outro lado, a exploração do interior do país através do reconhecimento
das suas condições e potencialidades naturais passou a ser outra prioridade
claramente definida pelo governo imperial, materializada em investimentos em
expedições, nacionais e estrangeiras, cujos programas podiam envolver diferentes
objetivos. Tanto os levantamentos dos recursos naturais (solos, riquezas
minerais, flora) como os estudos topográficos e hidrográficos conjugavam, em
maior ou menor grau, interesses científicos, econômicos e políticos.
Particular interesse foi destinado aos estudos sobre a navegabilidade dos
rios, considerados meios naturais de transporte e comunicação. Num segundo
momento, com a introdução da rede ferroviária e as conexões das vias navegáveis
com as estradas de rodagem e de ferro, a constituição de uma rede articulada de
diferentes meios de transporte configurava-se como o caminho seguro para o
desenvolvimento, a integração e a modernização do país.
Todo esse processo em curso pressupunha novos usos para os mapas e
impulsionava a produção cartográfica no país, de uma maneira diferente da
produção das cartas gerais, as imagens sínteses que analisamos na seção
anterior, onde o mapa era o produto final e conclusivo de um processo de
compilação e fusão de dados. No caso dos empreendimentos voltados para a
exploração de rios, delimitação de territórios ou construção de estradas, os
recursos gráficos não eram resultados ou fins em si, mas meios de observação e
instrumentos do reconhecimento do objeto em estudo. Diferentemente das cartas
de gabinete, eram frutos diretos das observações de campo e das intervenções
sobre o meio natural ou das projeções de intervenção.
Novos atores passam a integrar a rede de usuários e produtores de mapas,
com destaque para os empreendedores privados e os homens de ciência, como
botânicos e geólogos. A partir dos anos 50, todas as expedições que percorreram o
país, fossem de viajantes estrangeiros ou comissões de exploração comandadas

72
por militares, engenheiros e naturalistas brasileiros, tinham entre seus objetivos
a produção de mapas, algumas como prioridade.
No contexto regional, ainda nos anos 40, uma das primeiras autoridades
públicas a destacar-se no quadro da administração mineira pelo seu discurso e
pelas iniciativas de cunho geopolítico foi, como apontamos no item anterior, o
presidente da província Francisco José de Souza Soares de Andréa. Engenheiro
militar e cartógrafo, Andréa considerava a questão dos meios de transporte,
especialmente estradas, o ponto mais importante das políticas públicas pois, em
suas palavras, as estradas reduziam a corpo orgânico qualquer porção do
terreno.76 Ambicionando estabelecer uma ligação do centro da província com o
litoral pelo vale do rio Doce, Andréa viajou pela região e propôs a abertura de
estradas e picadas entre pontos estratégicos, utilizando-se de material
cartográfico para a demonstração de suas propostas. Tratou ainda de outra
questão que seria alvo de investimentos e debates por décadas: a viabilidade da
navegação fluvial. Nesse período, os técnicos da província, como Silva Teodoro e
Frederico Wagner, ambos cartógrafos, eram enviados a diferentes regiões para
estudos e trabalhos cartográficos específicos, como a confecção de cartas
corográficas de municípios de regiões limítrofes, estudos de divisas entre Minas e
outros estados e exploração de rios como o Mucuri e o Jequitinhonha.
Já nos anos 50, a província mineira, juntamente com Bahia, Pernambuco e
Sergipe, seria palco de expressivos investimentos do governo imperial, pelo
interesse estratégico no projeto de navegação do rio São Francisco, levado a frente
pelo Imperador e concebido como uma iniciativa destinada à integração de parte
significativa do espaço continente, como um vetor de ligação entre o sul e o norte
do país. O maior interesse, no âmbito do governo imperial, era na viabilização de
uma rede ferroviária, que pressupunha uma conexão com as vias navegáveis.
Para as autoridades, o objetivo era conectar a capital do império a Minas Gerais e
ao nordeste, e o São Francisco era o rio da unidade nacional, imagem recorrente e
poderosa da extensão da comunicação e potencialidade de fluxo desse grande rio
continental. A implementação de uma rede integrada de caminhos era condição

76 MINAS GERAIS, 1844, p.35.

73
de entrada do progresso e da civilização, também imagens-força que conduziam
discursos e práticas de construção da nação imperial brasileira.77
Ao longo da história colonial brasileira, a busca pelas grandes vias
naturais de penetração do interior – as bacias hidrográficas – motivou diferentes
viagens, mas, em meados do século XIX, as expedições ganharam a dimensão de
uma política oficial que buscava a interiorização do país sob bases científicas e
com objetivos estratégicos. Muitas são as expedições científicas promovidas nesse
momento, marcado pela estabilidade política da Conciliação e pela relativa
prosperidade econômica decorrente do fim do tráfico negreiro.78
O presidente da província, Luis Antônio Barbosa, ao anunciar o projeto de
mapeamento do rio São Francisco em 1851, expressou vivamente os nexos entre a
paz imperial e a emergência das condições políticas para viabilização de projetos
modernizadores:

Na época em que a paz interna vai-se firmando, e o furor político cedendo


visivelmente lugar à tendência para os verdadeiros e sólidos interesses,
não era possível que o rio São Francisco, parecendo destinado a servir de
canal ao comércio de tantas províncias, ficasse esquecido.79

Claro exemplo da estreita relação entre políticas públicas e saber


cartográfico, o investimento do governo imperial na exploração do rio São
Francisco concentrou-se prioritariamente no seu mapeamento, entendido como o
primeiro passo na viabilização do projeto viário e seus desdobramentos
econômicos (comércio e agricultura) e geopolíticos (controle dos recursos naturais,
integração territorial). Dois grandes empreendimentos cartográficos foram então
implementados: o mapeamento do baixo curso do rio, por Fernando Halfeld,

77 Segundo Domingues, as explorações e a navegação para o interior brasileiro eram motivadas


pelo interesse oficial na expansão da base territorial da agricultura brasileira, que pressupunha o
reconhecimento da natureza física e social, especialmente das regiões dos rios São Francisco e
Amazonas. Daí que o plano ferroviário publicado por Cristiano Benedito Otoni quando da criação
da primeira empresa ferroviária oficial, a Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1854, já
previa as ligações entre rotas terrestres e fluviais dessas duas bacias hidrográficas, eixos naturais
de expansão e integração do sul com o norte brasileiro.
DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. Ciência, um caso de política: as relações entre as ciências
naturais e a agricultura no Brasil Império. 1995. Tese (Doutorado em História Social) –
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. p.161-162.
78 FREITAS, Marcus Vinícius de. Charles Frederick Hartt, um naturalista no Império de Pedro II.

Belo Horizonte: UFMG, 2002. p.26-29.


79MINAS GERAIS, 1853, p.21.

74
envolvendo o trecho entre Pirapora e a sua foz; o mapeamento do alto curso do rio
São Francisco e do rio das Velhas, pelo astrônomo francês Emmanuel Liais e sua
equipe. Concomitantemente, o governo provincial também investiria na
exploração do rio das Velhas, principal afluente do São Francisco nos limites do
território mineiro.
Quando, em 1851, o Ministério do Império delegou-lhe a missão de realizar
o levantamento do rio São Francisco, Fernando Halfeld desligou-se do governo
provincial e dedicou os anos seguintes à elaboração do monumental trabalho. O
programa cartográfico e geográfico encomendado a Fernando Halfeld tinha a
ambição de ser uma completa descrição física e humana, não só do rio, mas de
toda a região, conforme revelam as instruções do governo imperial.80 Ficavam
contratados os serviços de levantamento e planta de uma estrada ligando a
estrada real à barra do rio das Velhas no São Francisco, a topografia minuciosa
das margens do rio, em toda a sua sinuosidade, e o curso de cada um de seus
afluentes em sua extensão navegável. Deveriam ser anotados e representados no
mapa todos os obstáculos à navegação, e nessa categoria pragmática cabiam todos
os elementos naturais do rio: cachoeiras, ilhas, bancos de areia, rochedos ou
pedras soltas, correntezas. O registro cartográfico deveria abarcar outros
elementos, como profundidade das águas, qualidade do solo nas suas margens e
velocidade do fluxo. O produto final deveria conter ainda textos com descrições
dos aspectos físicos, dos núcleos urbanos ribeirinhos, com dados estatísticos e um
prognóstico quanto à viabilidade do futuro empreendimento pois, [...] além da
navegabilidade do rio, o governo queria povoar a região para explorar tanto a
agricultura como a mineração.81 As instruções que regiam a empresa não
deixavam dúvidas quanto ao caráter prático e aplicado da exploração contratada.
Urgência, rigor e precisão eram demandados na exata medida das necessidades
de viabilização da navegação do rio, cujas feições naturais eram vistas como

80BRASIL. Ministério do Império. Instruções para os trabalhos de exploração e reconhecimento do


rio São Francisco em todo o seu longo curso. In: ____. Relatório apresentado à Assembléia Geral
Legislativa pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império Visconde de Monte
Alegre. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1852. Anexo 5.
81 DOMINGUES, Heloisa M. Bertol. As ciências naturais e a construção da nação brasileira.

Revista de História, n.135, 1996. p.47.

75
elementos facilitadores ou impeditivos ao projeto, e como tal deveriam ser
identificados e representados no mapa.
O atlas e o relatório de Halfeld resultaram de trabalho de campo de três
anos (1852 a 1854) e de outros quatro anos de trabalho de gabinete, na produção
das cartas, textos e tabelas. Mais dois anos se passariam até a sua publicação em
1860, resultando em uma obra que levou quase dez anos para ser concretizada.82
No relatório, presumivelmente uma síntese dos dados levantados, não há
detalhes sobre as viagens que foram realizadas pelo grupo familiar ou sobre as
escolhas técnicas no mapeamento e na descrição geográfica da região. Mas,
apesar do discurso eminentemente técnico e da descrição que segue
rigorosamente dentro da visão pragmática para o qual foi concebida, a obra, em
sua totalidade, mais do que um relato de viagem, é a viagem em texto e imagem.
A primeira parte é um pequeno ensaio sobre as embarcações no rio São Francisco.
Em seguida o relatório estrutura-se em trechos que descrevem, légua por légua, a
paisagem física e humana do rio. A segunda parte da obra, o atlas, contém trinta
pranchas seriadas e articuladas em seqüência, na escala de 1:71.250, que
representam o curso do rio, de Pirapora até a sua foz, seus acidentes naturais,
serras próximas e traços da ocupação humana como fazendas, engenhos e vilas. A
qualidade técnica do Atlas de Halfeld foi sustentada sobretudo pela precisão do
desenho, dada a ausência da quadrícula de coordenadas. Uma outra série de
cartas complementa o conjunto com uma planta geral do rio, plantas das
cachoeiras do Sobradinho e de Paulo Afonso, cortes e perfis, além de duas
gravuras.
O resultado de sua viagem exploratória e do seu minucioso trabalho
cartográfico, publicado em 1860, rendeu grande prestígio ao engenheiro Halfeld,
citado e consultado por viajantes, cientistas e autoridades, como D. Pedro II,
Louis Agassiz e Richard Burton.83 A publicação do mapeamento do médio e baixo

82 Segundo Bastos, para consecução de sua monumental tarefa, Halfeld teria contado com a ajuda
de dois dos seus filhos - Francisco Mariano e Fernando Feliciano. Considerando que os traços
biográficos de Halfeld compõem uma figura patriarcal, a montagem desse grupo de apoio de base
familiar permite considerar o Atlas como uma obra autoral. BASTOS, Wilson de L. Engenheiro
Henrique Halfeld: sua vida, sua obra, sua descendência. Juiz de Fora: Paraibuna, 1975.
83 HALFELD, Henrique G. Fernando. Atlas e relatório concernente à exploração do Rio São

Francisco desde a cachoeira da Pirapora até ao Oceano Atlântico, levantado por ordem do governo
de S. M. I., o senhor Dom Pedro II pelo engenheiro civil Henrique Guilherme Fernando Halfeld

76
curso do rio São Francisco, entre outras coisas, inseriu o seu autor e seu objeto na
rede de conhecimentos, influências, contatos científicos e políticos que
constituíam a cultura científica e intelectual da época.84

Figura 6: Folha n.1 do Atlas do Rio São Francisco (1860).


Fonte: HALFELD, 1860.

em 1852, 1853 e 1854, e mandado litografar na Litografia Imperial de Eduardo Rensburg. Rio de
Janeiro: Eduardo Rensburg, 1860.
84 Tendo seu trabalho consagrado no IHGB, Halfeld foi agraciado com a Ordem da Rosa pelo

Imperador. Assim como a casa de outros cientistas estabelecidos na província mineira no século
XIX, como Peter Lund e Henri Gorceix, a visita a Halfeld em Juiz de Fora passou a ser um ponto
de passagem referencial nos percursos dos viajantes por Minas Gerais.

77
Apesar do reconhecimento técnico e do seu caráter monumental, o trabalho
de Halfeld não contribuiu de forma efetiva para a política oficial de incremento à
navegação do rio São Francisco. O julgamento do engenheiro quanto ao alto custo
das obras para conectar o trecho navegável do rio ao litoral era um prognóstico
das dificuldades que cercariam as futuras tentativas, mesmo quando outros
estudos também financiados pelo governo imperial apresentaram soluções
técnicas mais compatíveis com os orçamentos públicos.85
Se o estudo levado a cabo por Halfeld não atingiu os resultados práticos
esperados no curto prazo, o êxito do empreendimento cartográfico e editorial foi
inegável, revelando neste caso uma sugestiva clivagem entre a atividade
exploratória de cunho prático e oficial e a produção do conhecimento geográfico e
cartográfico. Os programas cartográficos, apesar de patrocinados e/ou fortemente
enquadrados nos objetivos estratégicos do governo, mais do que a maioria dos
saberes, também eram respostas a processos e demandas técnicas de um campo
disciplinar em formação naquele momento, qual seja o da geografia e mais
propriamente da cartografia. Segundo Roncayolo86, no século XIX, a leitura
científica dos lugares passa a ser condição de apreensão e conhecimento do
território e os saberes sobre a paisagem – a geografia, a cartografia, a geologia,
até mesmo a estatística e a história – destacam-se da nebulosa enciclopédica para
adquirirem crescente autonomia e identidade disciplinar.87

85 Trata-se dos estudos dos engenheiros Carlos Krauss em 1868 e William Milnor Roberts em
1879. O engenheiro americano Roberts chefiava então a chamada Comissão Hidráulica do
Império. Um estudo mais aprofundado sobre as motivações, os processos e as escolhas políticas
em torno da questão do rio São Francisco fogem aos objetivos deste trabalho que, neste caso,
limitam-se a sublinhar as interações entre as formulações geopolíticas do governo imperial e
provincial e os conseqüentes mapeamentos e explorações geográficas em Minas Gerais.
86 RONCAYOLO, Marcel. Le paisage du savant. In: NORA, Pierre (Dir.). Les lieux de mémoire.

Paris: Gallimard, 1997. Quarto 1.


87
Foge aos objetivos desse trabalho tecer uma análise específica sobre a emergência da geografia
enquanto disciplina, embora a cartografia esteja convencional e historicamente a ela vinculada.
No período aqui estudado, cumpre citar que o discurso geográfico estava amplamente disseminado
mas a profissão e a autonomização cientifica da disciplina só ocorrerão ao final da década de 1930.
Por outro lado, buscamos demonstrar como os métodos cartográficos nesse momento eram
instrumentalizados em função da afirmação de múltiplos saberes que buscavam alcançar o
estatuto de cientificidade, como a própria geografia, a geologia, a astronomia. No campo das
pesquisas aplicadas, tanto o saber geográfico como o cartográfico eram praticados
majoritariamente pelos engenheiros, nas suas variações como engenheiros-topógrafos,
engenheiros-geógrafos e engenheiros de minas . Para uma discussão sobre a institucionalização
da geografia, ver: MORAES, Antônio Carlos Robert de. Notas sobre identidade nacional e
institucionalização da geografia no Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.4, n.8, p.166-176,
1991.

78
Por outro lado, se bons mapas não eram suficientes para a tomada de
decisões quanto à construção de um canal ou o desenvolvimento de uma via
navegável, as políticas públicas voltadas para a gestão do território, como no caso
da navegação do São Francisco, não podiam mais prescindir deles. Os
investimentos nos mapeamentos e na exploração do rio como uma via potencial
de comunicação e transportes continuaram por toda a segunda metade do século
XIX.
Mesmo antes da contratação de Liais, o alto curso do São Francisco e o rio
das Velhas foram objeto de investimento do governo provincial mineiro com o
apoio do Ministério do Império e da Câmara Municipal de Sabará. Como
colocamos, conexões entre redes viárias e rios navegáveis visando a colonização e
a exploração comercial já vinham motivando diferentes expedições de
reconhecimento e mapeamento hidrográfico na escala da província. Envolvendo
engenheiros brasileiros e estrangeiros, iniciativas públicas e privadas, eram
direcionadas especialmente para os rios São Francisco, Velhas, Doce,
Jequitinhonha e Mucuri.88 Enquanto os demais rios corriam para além dos
limites provinciais, em direção à costa, o rio das Velhas guardava a especificidade
de ter o curso inteiramente na região mineira e, ao mesmo tempo, ser potencial
articulador de uma extensa rota entre o norte e o sul, por surgir no coração da
região mineradora e desaguar no rio São Francisco, conectando-se assim com o
nordeste e o litoral. Em um momento em que se discutia a criação de uma nova
província na região do rio São Francisco89, esses levantamentos físicos e humanos
da região adquiriam ainda maior valor estratégico.
Foi nesse contexto que o engenheiro civil francês E. de la Martinière foi
contratado, em 1854, e encarregado do levantamento das condições de
navegabilidade do rio das Velhas, no trecho entre Sabará e a confluência com o

CASTRO, Iná Elias de et all (Org.). Geografia: conceito e temas. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil,
1995.
88 Os projetos estavam relacionados também aos programas de colonização, como no caso do vale

do rio Mucuri, iniciativa de Teófilo Otoni e seu irmão Honório Benedito Otoni.
89 O presidente da província Luis Antônio Barbosa posicionou-se contrariamente à proposta

parlamentar de criação de uma província no rio São Francisco, abarcando municípios da Bahia e
Minas Gerais (Paracatu, Januária e São Romão). Alegando a pobreza dos municípios em questão e
a dispersão dos habitantes, Barbosa sugere, entre outras medidas para o fortalecimento da região,
o incremento dos transportes e das comunicações especialmente com a navegação comercial do rio
São Francisco. MINAS GERAIS, 1853. Anexo 2. p.1-4.

79
rio São Francisco, além do detalhamento das obras de engenharia e dos custos de
sua implementação.
Em seu relatório parcial de 1855, Martinière apresentou as informações
demandadas e um estudo para [...] desenvolver a importância comercial destes
lugares90, o que demonstrava o interesse no desenvolvimento da região como
outro argumento motivador da exploração. O engenheiro detalhou também os
métodos por ele utilizados para a montagem da rede geodésica sobre a qual
desenvolveria seu plano de obras. Trata-se do primeiro documento que descreve
as operações cartográficas destinadas à montagem de uma base geodésica em
território mineiro, para a qual diz o engenheiro ter utilizado diversos métodos
diferentes. Pelo seu texto, conclui-se que Martinière trabalhou praticamente
sozinho, utilizando equipamentos de medição oferecidos pelo governo provincial.
Partindo das únicas coordenadas geográficas seguras existentes na região,
localizadas na cidade de Sabará, Martinière desenvolveu fórmulas matemáticas e
estabeleceu as coordenadas das diferentes estações, medindo latitude e longitude
por observações astronômicas, segundo o plano de projeção modificada de
Flamsteed, que é a empregada para a grande Carta da França publicada pelo
arquivo da Guerra.91

90 MINAS GERAIS, 1854, p.21. Pouco se sabe sobre a vida e a atuação de Martinière em Minas ou
no Brasil. Sua passagem pelos quadros da administração provincial mineira deu-se entre os anos
de 1853 e 1857.
91 MARTINIÈRE, E. de la. Rio das Velhas. Relatório apresentado pelo engenheiro E. de la

Martinière. In: MINAS GERAIS. Relatório que à Assembléia Legislativa Provincial de Minas
Gerais apresentou na 2ª. sessão ordinária da 10ª. legislatura de 1855 o presidente da província,
Francisco Diogo Pereira de Vasconcellos. Ouro Preto: Bom Senso, 1855. Anexo.
Trata-se da mesma opção de projeção sugerida alguns anos depois por Gerber para a carta geral
da província. A carta da França a que se refere Martinière é também conhecida como Carta do
Estado Maior (Carte de l’ État Major), pois foi realizada pelos militares. As diretrizes originais
para o mapeamento foram estabelecidas por uma comissão topográfica militar em 1802 e
gradativamente incorporadas até a formulação final e início do programa em 1817. Segundo
autores franceses, as diretrizes da comissão marcaram uma nova era para a cartografia mundial,
com o estabelecimento de regras que seriam generalizadamente adotadas: a linguagem
topográfica codificada através de um sistema de signos, a correspondência entre as escalas, a
representação do relevo através de curvas de nível ou hachuras, a definitiva separação entre a
projeção geométrica e as visadas do caminhamento (perspective cavalière). A carta do Estado
Maior da França adotou três escalas: uma para a carta geral (1:80.000) e outras para os
levantamentos de campo e croquis (1:20.000 e 1:40.000). As folhas seriadas e articuladas foram
sendo gradativamente publicadas até 1880. PALSKY, 1996. RONCAYOLO, 1997.
PELLETIER, Monique. Les cartes de Cassini, la science au service de l´État e des regions. Paris:
Comité des Travaux Historiques et Scientifiques, 2002.

80
No relatório final, apresentado em 1856, Martinière foi além e apresentou
um extenso tratado técnico em favor do projeto da navegação do rio das Velhas e
da colonização das regiões ribeirinhas, com um diagnóstico das condições
econômicas e das riquezas vegetais e minerais. O engenheiro ressaltava a
importância dos meios de transporte para o desenvolvimento da região e do país,
a atitude patriótica dos governantes que investiam em estudos e programas de
navegação interior e o valor estratégico da empreitada,

reunindo destarte Norte e Sul desta magnífica província, e preparando


para um futuro próximo a junção interior do Norte e Sul deste riquíssimo
Império, cujos inúmeros produtos são destinados a encher um dia os
mercados do mundo inteiro.92

Evocando antigos mitos geográficos e utopias do progresso avant la lettre, o


engenheiro concluía pela pertinência do investimento para a viabilização da
artéria fluvial, inserindo-a numa vastíssima rede de estradas de ferro e rodagem
que, combinadas com a navegação fluvial, cruzariam de norte a sul e de leste a
oeste todo o Brasil central.
No tocante à questão propriamente cartográfica, Martinière apresentou
uma extensa lista das coordenadas geográficas por ele levantadas ao longo do
curso do rio das Velhas. Entretanto, contrariamente ao que sugeria todo o seu
trabalho de campo, Martinière não anexou um mapa ao texto nem fez referência
a sua futura elaboração93. Tratava-se, presumivelmente, de um manuscrito de
uso interno, jamais publicado. Ao contrário dos trabalhos de Halfeld e de Liais,
valorizados e perpetuados em primorosas produções cartográficas, a exploração
geográfica e os estudos geodésicos de Martinière foram bem menos divulgados e
citados, certamente em razão da ausência da sua ferramenta visual.

92 MARTINIÈRE, E. de la. O rio das Velhas; descrição dos trabalhos, orçamento, cálculos
geodésicos. In: MINAS GERAIS. Relatório que à Assembléia Legislativa Provincial de Minas
Gerais apresentou na abertura da sessão ordinária de 1856, o conselheiro Herculano Ferreira
Pena, presidente da mesma província. Anexo 5. Ouro Preto, Tip. do Bom Senso, 1856. p.1.
93 Inexistem referências desse possível documento cartográfico, à exceção de um mapa do rio das

Velhas, de sua autoria, que foi inventariado no arquivo da Diretoria Geral de Obras Públicas em
1882. Nada mais pudemos identificar da produção de Martinière, além de um outro mapa sobre a
província do Espírito Santo, também depositado no arquivo da Diretoria Geral de Obras Públicas.
Nenhum dos dois mapas foi localizado no acervo do APM, que foi o depositário da documentação
da antiga Diretoria. APM. Fundo OP. Documentação encadernada. Série Documentação Interna.
v.243.

81
A descontinuidade que marcava as administrações provinciais também
seria responsável pelo pouco aproveitamento dos estudos de Martinière. Já em
1857, o presidente Herculano Ferreira Pena considerava onerosas as obras
necessárias para a navegação do rio das Velhas, tais como haviam sido estimadas
por Martinière, e preconizava novos exames. As iniciativas no âmbito provincial
só seriam retomadas efetivamente uma década depois, no contexto do
fortalecimento dos serviços de obras públicas.
Mantido, por outro lado, o interesse do governo imperial, uma terceira
grande exploração geográfica e cartográfica relativa à navegação dos rios São
Francisco e Velhas foi confiada a outro especialista francês, o astrônomo
Emmanuel Liais, que veio para o Brasil em 1858 acompanhando uma missão
científica de seu país. Era um cientista maduro, astrônomo titular do
Observatório de Paris, com trabalhos publicados no campo da astronomia, da
meteorologia e da climatologia. Convidado pelo Imperador para realizar o
mapeamento do alto rio São Francisco, Liais permaneceu no Brasil por mais treze
anos e desenvolveu uma bem sucedida carreira.94 A missão a ele confiada foi
concebida como uma continuação e tinha exatamente a mesma ambição, do ponto
de vista científico e prático, daquela realizada por Halfeld.
Mas, apesar das instruções oficiais definirem como escopo da missão de
Liais o reconhecimento e exploração do alto curso do rio São Francisco (de
Pirapora até as suas nascentes), o trabalho desenvolvido consistiu também, e
sobretudo, no mapeamento do rio das Velhas. No texto introdutório de seu estudo,
Liais afirmava que sua missão consistia na definição de uma [...] grande via de
comunicação entre o Rio de Janeiro e a Barra do Rio das Velhas de maneira a
ligar o norte e o sul do império do Brasil pelo interior.95 Liais exerceu sua

94 Antes de partir para o Brasil, Liais escreveu na França várias obras técnicas no campo da
astronomia e da geodesia. No Brasil, durante a realização dos trabalhos relativos aos rios São
Francisco e Velhas, realizou estudos em diversas áreas, como geologia, botânica, zoologia,
meteorologia, além da astronomia, sua especialidade. Acompanhava-o nas viagens sua esposa,
Margaretha Liais, responsável por escrever um diário e realizar esboços artísticos. Amigo próximo
do Imperador, Liais foi diretor do Observatório Imperial do Brasil entre 1870 e 1881. Retornou à
França onde foi prefeito de sua cidade natal, Cherbourg, e prosseguiu na sua carreira científica.
Além dos trabalhos relativos à exploração dos rios São Francisco e Velhas, Liais publicou um
tratado de astronomia, e três livros sobre o país, todos em francês e ainda inéditos no Brasil.
95 LIAIS, Emm. Exploração científica do Alto São Francisco e do Rio das Velhas. Paris: Garnier

Frères; Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1865. Tradução anônima, gentilmente cedida por Augusto
Auler.

82
autonomia e autoridade técnica ao julgar mais racional começar pelo afluente do
rio São Francisco, por ter um curso mais fácil de ser melhorado, e por atravessar
regiões mais populosas e mais ricas.
Para o cumprimento de sua missão, Liais acionou todo o conhecimento
técnico e a tradição prática de gerações de cartógrafos, astrônomos e engenheiros
franceses que, desde o século XVIII, vinham ditando as inovações científicas e as
aplicações práticas que tinham feito da França o centro da cartografia mundial
por mais de um século. Como demonstrou o historiador Konvitz96, os cientistas,
engenheiros e outras autoridades técnicas francesas foram os responsáveis pelas
maiores inovações na cartografia por todo o século XVIII. No século XIX, embora
as diferenças qualitativas em relação a outros países europeus tenham
diminuído, a França continuou a inovar e influir internacionalmente, em especial
na cartografia de usos aplicados e na constituição das redes institucionais e
públicas que sustentavam os grandes projetos de mapeamento. Konvitz mostrou
como o desenvolvimento da cartografia aplicada na França foi um meio essencial
para dispor informações e definir políticas relativas ao transporte, especialmente
por se tratar de um processo e de um produto no qual se imbricavam a
representação cientificista das condições físicas do meio (topografia, hidrografia)
e os projetos públicos de intervenção sobre o espaço natural.
No diagnóstico que traçou do quadro mineiro e do país no tocante às
questões territoriais e geográficas, Liais fundiu, como era próprio do seu tempo e
do seu métier, preocupações científicas e soluções práticas, e considerou o
despreparo técnico para a elaboração dos mapas um ponto crítico do projeto
estratégico em jogo. A partir de suas próprias explorações no interior de Minas
Gerais, buscou difundir pedagogicamente seus conhecimentos em diferentes
textos, como enunciou no Traité d´astronomie, um manual concebido para
divulgar entre a elite técnica do Brasil os modernos métodos cartográficos:

Vias de comunicação, isto é o que falta para o Brasil valorizar suas


riquezas minerais e agrícolas [...] Múltiplas explorações do território do
império permitirão, pelo conhecimento dos obstáculos a vencer para melhor
aproveitar as vias já traçadas pela natureza, dar uma direção geral ao

96KONVITZ, Joseph W. Cartography en France, 1660-1848: science, engineering and statecraft.


Chicago: University of Chicago, 1987.

83
conjunto dos trabalhos que no futuro certamente se executará neste imenso
território. Para isso é preciso aperfeiçoar as cartas geográficas, para evitar
de conduzir as estradas para regiões onde os obstáculos quase invencíveis
reduzirão a nada os grandes sacrifícios já feitos.
A astronomia aplicada à geografia e a geodesia prática são as ciências que
devem se tornar habituais entre engenheiros nas regiões onde, como no
Brasil, os mapas são ainda imperfeitos.97

Como outros viajantes em missão científica no Brasil, Liais formou uma


comissão com auxiliares brasileiros para empreender sua viagem e os
levantamentos de campo: o engenheiro militar Eduardo José Morais, encarregado
dos levantamentos topográficos e Ladislau de Souza Neto que, como botânico da
expedição, foi responsável pela produção de um herbário. Os trabalhos
cartográficos adotaram pela primeira vez o processo da triangulação geodésica98,
conjugada com as medições seguras das posições geográficas pela observação
astronômica. A operação cartográfica consistiu na determinação da latitude de
diversos pontos ao longo do curso dos dois rios, na construção da rede de
triângulos a partir de definição de pontos proeminentes da paisagem (fossem
naturais como palmeiras e rochedos ou humanos como cruzeiros ou torres de
igrejas) e no levantamento topográfico de todo o terreno percorrido. O trabalho de
campo abrangia ainda estudos sobre a navegabilidade, proposições e orçamentos
de obras e um diagnóstico das condições econômicas e sociais da região.
Passaram-se quatro anos entre a contratação de Liais e a publicação do grande
atlas intitulado Hydrographie du Haut San-Francisco et du rio das Velhas99, que
contou com a colaboração dos seus dois assistentes. Liais terminou a preparação
do trabalho em Paris, onde o mesmo foi publicado, em francês.
O trabalho de Liais, como o de Halfeld, era uma obra de grande formato e
apurada edição, gravada em cobre e contendo 19 cartas articuladas dos dois rios,

97 LIAIS, Emm. Traité d´astronomie appliquée et de géodésie pratique comprenant des méthodes
suivies dans l´exploration du rio de S. Francisco et précédé d´un rapport au gouvernement
impérial du Brésil. Paris: Garnier Frères, 1867. p.XXIII.
98 A triangulação consiste basicamente numa operação de fixação de pontos topográficos ou

geodésicos de um terreno a partir das medições dos vértices dos triângulos formados entre esses
pontos, construindo uma rede de linhas que amarra uma dada superfície em uma rede
matematicamente calculada.
99 LIAIS, Emm. Explorations scientifiques au Brésil: hidrographie du haut San-Francisco et du

Rio das Velhas; résultats au point de vue hydrographique d´un voyage effectué dans la province
de Minas Gerais ; avec la collaboration de MM. Eduardo José de Moraes et Ladislao de Souza
Neto. Paris: Garnier Frères; Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1865.

84
além de uma carta geral. Liais teve maior preocupação em demonstrar a
cientificidade de seu método cartográfico, indicando a projeção utilizada
(Mercator), a escolha das escalas e as deficiências encontradas nos mapas
anteriores (as cartas de Wagner, Gerber e Niemeyer), especialmente quanto à
posição de cidades como Barbacena e Sabará, estratégicas para a definição das
rotas de ligação com a Corte. O texto descritivo das pranchas era acompanhado
por croquis que representavam os acidentes do curso dos rios de interesse para a
sua navegação. Um relatório final continha um arrazoado sobre os trabalhos de
engenharia que deveriam ser feitos e sobre as condições econômicas da região.
Ainda que restrito aos dois vales dos rios Velhas e São Francisco, o
mapeamento conduzido por Liais pode ser considerado um marco devido à
introdução, em Minas Gerais, das novas técnicas matemáticas e astronômicas de
construção dos mapas. Em meados do século XIX, na Europa, Estados Unidos e
em algumas partes do mundo colonial, o processo de triangulação avançava para
cobrir grandes territórios e amarrar numa única rede geométrica cada uma das
emergentes nações-estado do mundo moderno (como o caso pioneiro da França).
Como apontou o historiador M. Edney100, mesmo avançando desigualmente, em
virtude das condições técnicas e políticas de cada país, a introdução do processo
de mapeamento por triangulação ampliou dramaticamente a extensão do poder
dos estados, pela capacidade da técnica de ajuste a qualquer paisagem e de
funcionamento em grandes ou pequenas escalas, podendo cobrir todo o território
com uma eficácia e precisão que os antigos sistemas de coordenadas jamais
tiveram.
No Brasil o método seria introduzido lenta e pontualmente, a partir de
explorações específicas e em mapeamentos de grandes escalas, como nesse caso
da navegação do rio São Francisco. Por muitas décadas, os mapas no país seriam
resultado de uma conjugação de técnicas mais ou menos precisas, que utilizavam
determinados pontos ou pequenas áreas mapeadas segundo as técnicas
consideradas seguras como balizas para a construção das representações mais
gerais. Os atlas de Halfeld e de Liais tiveram essa dimensão referencial no

100 EDNEY, Matthew H. Reconsidering enlightenment geography and map making:


reconnaissance, mapping, archive. In: LIVINGSTONE, D. N.; WITHERS, C. W. J. Geography and
enlightenment. Chicago: The University of Chicago, 1999.

85
conjunto das produções cartográficas de Minas por toda a segunda metade do
século XIX. Mas, ainda que cumprissem os mesmos objetivos estratégicos ditados
pelo governos imperial – as instruções que regeram os mapeamentos eram
essencialmente as mesmas – as duas iniciativas tinham paradigmas técnicos
diferentes. Enquanto o trabalho de Halfeld baseou-se no processo de
reconhecimento em campo e descrição gráfica de uma paisagem sensorialmente
observada, sem ancoragem em localizações muito precisas, Liais construiu suas
cartas a partir de uma série de localizações previamente determinadas
astronomicamente e estruturadas sobre uma rede de triangulação que modelava
uma paisagem geometricamente medida.
Juntos, em sua envergadura e qualidade, os dois mapeamentos mereceram
a atenção e a análise de especialistas brasileiros e europeus. Em uma resenha
sobre os dois mapas publicada em uma revista alemã em 1866, o trabalho de
Liais foi considerado, do ponto de vista da [...] correta caracterização da
Província101, muito mais preciso que o de Halfeld. Essa não parece ter sido uma
avaliação consensual entre os especialistas que, posteriormente, foram
incumbidos de novos estudos sobre a navegabilidade dos rios e que utilizaram
sistematicamente ambos os trabalhos102, ou mesmo entre os estudiosos brasileiros
como Mello-Leitão103, ou Pereira104, que criticaram o trabalho de Liais como
inferior ao de Halfeld, sobretudo do ponto de vista cartográfico. Essas

101 LIAIS, E. Die Aufnahme des oberen San Francisco und des Rio das Velhas in Brasilien. Gotha:

Peterman´s Geogr. Mitt., Jg,. 1866. p.412-414. (Descrição do Alto São Francisco e do rio das
Velhas no Brasil).
102 Referimo-nos especificamente aos trabalhos do engenheiro norte-americano William Milnor

Roberts, chefe da Comissão Hidráulica do Império, que realizou novos estudos de navegabilidade
de rio São Francisco em 1879, no seu curso a jusante de Pirapora. Entre os membros da sua
equipe, destacamos os nomes do engenheiro Teodoro Sampaio e do geólogo norte-americano
Orville Derby, que também se dedicaram ao mapeamento e estudos geológicos do vale do rio São
Francisco. Outro trabalho que utilizou intensamente os mapas de Liais foi o do engenheiro da
Estrada de Ferro D. Pedro II, Benjamim Franklin, em seu estudo sobre de navegabilidade e
mapeamento do rio das Velhas, em 1882.
RELATÓRIO de W. Milnor Roberts, engenheiro chefe da Comissão Hidráulica sobre o exame do
rio São Francisco desde o mar até a cachoeira de Pirapora. Rio de Janeiro: Nacional, 1880.
RELATÓRIO dos estudos feitos no rio das Velhas, de Macaúbas até a barra no S. Francisco, pelo
engenheiro Benjamim Franklin. Rio de Janeiro: Nacional, 1882. Em anexo a esse relatório:
Reconhecimento geológico dos vales dos rios das Velhas e Alto São Francisco. Rio de Janeiro, 29
de março de 1882. Orville Derby.
103 MELLO-LEITÃO, C. de. História das expedições científicas no Brasil. São Paulo: Nacional,

1941.
104 PEREIRA, 195–, p. 352.

86
interpretações negativas do trabalho de Liais sugerem um juízo xenófobo, como
ecos de um nacionalismo caro ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que
viu no trabalho de Halfeld

[...] a perfeita aliança da ciência com o desenho... que ... se pode comparar
com os mais belos trabalhos que apresenta a Europa naquele gênero. Esta
obra admirável é um diploma das altas habilitações deste engenheiro
brasileiro.105

Como projetos territoriais, entretanto, nenhum desses grandes


mapeamentos logrou atingir seus objetivos e, até o final do período provincial, os
trechos navegáveis de muitos rios mineiros permaneceram praticamente
inaproveitados, à exceção de um trecho do rio São Francisco, onde funcionava
uma companhia regular. Como pouco se fez também no tocante às conexões por
estradas de rodagem e de ferro,

...esses levantamentos e outros de menor envergadura sobre a hidrografia


de Minas Gerais foram mais importantes para o conhecimento do seu
território, com repercussões muito positivas para a cartografia da região do
que propriamente para a melhoria das comunicações ou do sistema de
transportes da província.106

Os sucessivos governos provinciais queixavam-se das precárias condições


de transporte e comunicação na província e da sua desarticulação territorial, o
que impossibilitava a ligação física e comercial entre as diferentes regiões do
estado. Se isso motivava discussões e projetos de ordem espacial, seguindo,
algumas vezes, caminhos opostos – como a proposição de mudança da capital107

105 Discurso do Sr. Visconde de Porto Alegre, em 1858, no IHGB, quando do recebimento do Atlas
e relatório de Halfeld. Citado por: BASTOS, 1975, p.15/16.
106 COSTA, 2004, p. 131.
107 Como mostrou SALGUEIRO, em 1868 foi apresentado à Assembléia Provincial um projeto de

mudança da capital baseado no conceito de centralidade e no estabelecimento de um ponto de


comunicação entre o norte e o sul, o nascente e o poente, em favor de uma cidade que estaria
situada em algum dos vales férteis das margens dos rios navegáveis, próprios à circulação
comercial dos produtos. Como os engenheiros e cartógrafos que vimos analisando, o autor do
projeto, o padre Paraíso, sonhava com uma capital que pudesse redistribuir as rotas comerciais e
dinamizar uma região marginal, o norte de Minas. Isso parecia possível em 1868, demonstrando
que os notáveis locais eram conscientes da desestruturação do território e da ineficácia de Ouro
Preto como ponto de ligação dos diversos centros física e economicamente distanciados uns dos
outros.
SALGUEIRO, Heliana Angotti. La Casaque d’ Arlequim; Belo Horizonte, une capitale éclectique
du 19e. siècle. Paris: École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1997b.

87
ou a divisão do território com a criação de novas províncias - , na prática quase
nada foi feito até o final do século XIX.
As crescentes demandas de informações espaciais, essenciais para
definição de traçados de estradas de ferro e concessão de privilégios a companhias
interessadas, vinculavam-se ao avanço da cultura cafeeira pelo sul e sudeste de
Minas no último quartel do século XIX. O surto econômico exigia e propiciava a
construção de um sistema viário, especialmente de linhas de ferro, que permitisse
o escoamento do produto.
Somente na década de 1880, uma incipiente rede de estradas de ferro se
formaria no território mineiro, em ramificações da estrada de ferro D. Pedro II
que, partindo do Rio de Janeiro, avançava sobre o sudeste da província. Em
função do avanço dessa rede, mapas foram produzidos pelas companhias de
estrada de ferro, representando a região em um recorte espacial que transgredia
os limites administrativos entre as províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais. Avaliando um dos mais importantes desses documentos, a Planta
Geral da Estrada de Ferro D. Pedro II, confeccionada pelo engenheiro inglês
James Wells a pedido do governo brasileiro, fica clara a pouca penetração das
linhas na província mineira: embora, em projeto, uma linha avançasse até
Macaúbas, às margens do rio das Velhas (certamente em consonância com o
antigo projeto de conexão dos trens que começavam a cortar a região sul com a
via navegável a caminho do norte), a conexão com a capital Ouro Preto não era
nem digna ainda de figurar em projeto.108
Ainda que muito precária até o advento da República, a rarefeita rede
ferroviária mineira marcaria decisivamente a inflexão dos projetos geopolíticos, e
conseqüentemente cartográficos, dos governos provincial e imperial em direção ao
sul e sudeste da província.
Enquanto os minuciosos mapeamentos em grande escala dos cursos dos
rios eram objeto de investimento dos governos, por viabilizarem estudos de
navegabilidade, para a questão do plano viário da província, permanecia a

108PLANTA geral da Estrada de Ferro D. Pedro II e das outras estradas de ferro das províncias
do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais do Império do Brasil. [Rio de Janeiro]: Ângelo e
Robin, 1879. Escala 1:1.000.000. In: COSTA, Antônio Gilberto. Cartografia da conquista do
território das Minas. Belo Horizonte: UFMG; Lisboa: Kapa, 2004. p.132-133.

88
necessidade do mapa geral, mas agora a demanda era pela sua elaboração em
uma escala capaz de permitir a visualização das condições topográficas dos
terrenos. A partir dos anos setenta, as autoridades técnicas provinciais voltam a
pleitear a confecção de um novo mapa. Em relatório anexo à mensagem provincial
de 1875, o então diretor de Obras Públicas, Luiz Antônio de Souza Pitanga,
reafirmava que as dificuldades da província eram causadas pela ausência dos
meios de transporte, especialmente das linhas de ferro. Tendo como modelo
cartográfico a carta da França e como desafio prático as exigências técnicas da
engenharia de estradas de ferro, que ultrapassavam em muito as informações
contidas no mapa de Gerber, lamentava o diretor que a escolha dos terrenos para
os diversos traçados não poderia ser determinada à vista desse mapa imperfeito e
na escala em que está desenhado.109 No mesmo sentido foram as recomendações
do diretor de obras em 1882, para quem, na falta de um mapa exato e completo
que solucionasse os problemas relativos à implantação das estradas de ferro, o
presidente deveria prestar esse serviço à província, encarregando para tanto [...]
um pessoal de distintos engenheiros, dirigidos por profissional habilíssimo e
conhecido com prática em semelhantes serviços.110
Nomeado diretor de obras públicas em 1883, o engenheiro civil João
Chrockatt de Sá Pereira de Castro111 engrossou o coro dos agentes públicos que

109 MINAS GERAIS. Presidente (Pedro Vicente de Azevedo 1875). Anexo da Diretoria Geral de
Obras Públicas. In: ___. Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial de Minas
Gerais, por ocasião de sua instalação em 9 de setembro de 1875, pelo Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Pedro
Vicente de Azevedo, presidente da província. Ouro Preto: J. F. de Paula Castro, 1875. p.4.
110 MINAS GERAIS. Presidente (Teófilo Otoni 1882). Anexo da Diretoria Geral de Obras
Públicas. In: ___. Fala que o Exmo. Sr. Dr. Teófilo Otoni dirigiu à Assembléia Provincial de Minas
Gerais, ao instalar-se a 1ª. sessão da 24ª. legislatura em o 1º. de agosto de 1882. Ouro Preto:
Carlos Andrade, 1882. p.5-6.
111 Chrockatt de Sá havia sido nomeado naquele mesmo ano professor da Escola de Minas, mas

não chegou a assumir o posto por incompatibilidade com o cargo de Diretor de Obras Públicas. A
exemplar carreira desse engenheiro e cartógrafo, que transitou sem dificuldades pelos altos cargos
da elite técnica brasileira, tanto no período imperial como republicano, merece ser aqui
sintetizada. Nascido no Rio de Janeiro em 1851, Chrockatt de Sá iniciou os seus estudos no
Colégio Pedro II e, ainda estudante, trabalhou na Comissão da Carta Cadastral. Formou-se, em
1871, como bacharel em ciências físicas e matemáticas pela Escola Central e posteriormente como
engenheiro civil. Trabalhou na Repartição Geral dos Telégrafos, na Estrada de Ferro D. Pedro II,
e dirigiu uma seção da E. F. Paulo Afonso. Foi em seguida fiscal da estrada União Indústria até
ser nomeado Diretor Geral de Obras Públicas em Minas Gerais, de onde saiu para assumir a
comissão particular de confeccionar a carta de Minas Gerais. Com a República, ocupou cargos de
direção em companhias de estradas de ferro do norte e nordeste até alcançar o cargo mais elevado
da engenharia nacional, diretor da E. F. Central do Brasil, a antiga Pedro II. Foi ainda Inspetor
Geral de Estradas de Ferro e consultor de autoridades públicas e companhias privadas. Coroando

89
colocavam a questão do mapeamento da província como condição incontornável
para a montagem de uma infra-estrutura de transportes em Minas. Ele
considerava, entretanto, inviável economicamente a execução das grandes
operações geodésicas que o imenso território exigiria, no caso de se produzir uma
carta condizente com os novos paradigmas técnicos. A solução permanecia sendo
o lento e gradativo aprimoramento da carta existente, a ser feito, segundo
Chrockatt de Sá, no trabalho rotineiro de seus engenheiros. Para o diretor, o
ponto mais crítico dessa tarefa era a precariedade dos instrumentos técnicos
indispensáveis para as operações mais simples, como levantamentos topográficos
ou determinação de coordenadas geográficas: faltavam bússolas, níveis, trenas,
miras, sextantes, cronômetros.112
Frente às demandas e ao surgimento de uma rede ferroviária
desarticulada, o governo provincial optou por uma solução intermediária, que não

sua carreira, foi presidente do Clube de Engenharia, entidade cujo foco de atuação era a união da
engenharia com a indústria.
112 Percorrendo os documentos oficiais, relativos aos trabalhos de obras públicas e mapeamentos,

fica evidente a crônica e precária condição dos instrumentos técnicos que, ao longo do século XIX,
adquiriram importância cada vez maior na execução dos serviços. Quase todo o material era
importado dos EUA e especialmente da França, e os técnicos lidavam cotidianamente com
problemas como os altos custos de importação, demora ou prazos indeterminados na compra, na
entrega e nos consertos, danos causados pelas longas viagens e pelo clima tropical, despreparo no
manuseio, dependência de intermediários, entre outros.
Tradicionalmente relegada a um segundo plano, atualmente a história das técnicas e mais
precisamente dos instrumentos vem adquirindo o estatuto de um campo de estudos essencial para
o conhecimento e a interpretação dos processos históricos ligados às práticas científicas e à
cultura material. Estudos renovadores mostraram, por exemplo, o caráter central dos processos
de aquisição e escolha dos equipamentos e instrumentos na produção, circulação e validação dos
saberes científicos. Como mostrou o historiador das ciências Dominique Pestre, a maneira como
são adquiridos os equipamentos não era objeto de pesquisa, pois se partia da idéia de que os
cientistas definiam racionalmente seus equipamentos, com uma solução ótima emergindo dessas
escolhas. As pesquisas mais recentes têm mostrado o caráter ilusório destas descrições, pois as
soluções técnicas surgem a partir dos meios disponíveis e as decisões e escolhas se fazem dentro
de um processo, condicionado pelo fato das práticas científicas serem atividades coletivas,
organizadas em lugares e instituições determinados.
Podemos melhor apreender a validade desta abordagem contextual se pensamos na complexidade
das situações históricas, como em Minas Gerais, em meados do século XIX, uma região em
demasiado afastada dos centros produtores das novas técnicas e instrumentos e das escolas
formadoras dos técnicos, engenheiros ou cientistas, onde, por outro lado, o padrão de uma
cartografia matematizada, que se desdobrava pelo mundo, já alcançava a distante província e
deflagrava, de forma ainda embrionária mas definitiva, as demandas pela mais exata cobertura
cartográfica do seu território.Embora não seja objetivo deste trabalho desenvolver uma história
das técnicas e dos instrumentos cartográficos, abordaremos a questão na medida das
possibilidades abertas pelas próprias fontes consultadas, que comumente mencionam as grandes
dificuldades financeiras e técnicas na importação dos equipamentos, as necessárias adaptações e
eventuais invenções de instrumentos. PESTRE, Dominique. Pour une histoire sociale et culturelle
des sciences; nouvelles définitions, nouveaux objets, nouvelles pratiques. Annales HSS, Paris, n.3,
p.487-522, mai/juin 1995.

90
foi nem a lenta e burocrática revisão da carta de Gerber, a cargo dos engenheiros
já sobrecarregados e desprovidos dos equipamentos básicos, nem a onerosa e
longa empresa de confecção de um mapa em bases geodésicas. Em 1886,
procedeu-se à contratação do mesmo Chrockatt de Sá, agora na função de
engenheiro e cartógrafo, para

[...] construir a planta e fazer imprimir a carta geográfica da província, na


escala de um por um milhão, de acordo com todos os trabalhos recentes e
com aqueles que venham mesmo a se executar até a entrada do trabalho no
prelo. 113

Entre os elementos que deveriam obrigatoriamente ser representados no


documento, as condições do contrato só se referem às estradas de ferro –
construídas, a serem construídas e em projeto –, estradas de rodagem e linhas
telegráficas, o que demonstra que a iniciativa cartográfica era uma medida
governamental claramente direcionada ao atendimento das necessidades da
cafeicultura e das empresas ferroviárias.
Após mais de vinte anos da publicação da carta de Gerber, o governo
provincial mostrava sinais de urgência na elaboração da nova carta, pois,
segundo o contrato, em um ano o mapa deveria estar publicado, cabendo ao
governo a cota de quinhentos exemplares. Em texto de 1893, o antigo diretor da
Escola de Minas, Henri Gorceix, ressaltou o caráter utilitário do mapa de
Chrockatt de Sá que, embora não pudesse ser considerado uma verdadeira carta
geográfica, devido à ausência dos trabalhos geodésicos e topográficos, respondia a
uma demanda há muito represada, pois, segundo suas palavras, naquele período
[...] não se passava dia, por assim dizer, em que exploradores, engenheiros ou
simples viajantes viessem perguntar onde e como se podia conseguir alguma
carta-roteiro de Minas Gerais.114

Segundo podemos deduzir de um relatório do governo de 1892, Chrockatt


de Sá trabalhou por mais de seis anos no mapa, gastando três vezes mais do que

113 MINAS GERAIS. Presidente (Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo 1887). Fala que o Exmo.
Sr. Dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo dirigiu à Assembléia Provincial de Minas Gerais na
segunda sessão da vigésima sexta legislatura em 5 de julho de 1887. Ouro Preto: J.F. de Paula
Castro, 1887. Anexo 1. p.8.
114 A CARTA de Minas. Minas Gerais, Ouro Preto, ano 2, n.242, 7 set 1893. p.4.

91
o previsto e sem prestar contas do andamento dos trabalhos, fosse técnica ou
financeiramente.115 Como mostramos no início dessa seção, seu programa
cartográfico foi reunir e sintetizar graficamente o maior número de documentos
produzidos nas diferentes instâncias do poder público e na iniciativa privada. Um
encarte do mapa menciona os documentos fornecidos pelos ministérios e
diretorias provinciais, inspetorias de terras, companhias ferroviárias, além dos
trabalhos de engenheiros, geólogos, astrônomos e acadêmicos, fornecendo uma
espécie de genealogia da produção cartográfica mineira e brasileira no século
XIX.116

Enquadrado e assentado sobre a grade das coordenadas, o mapa foi


concebido na escala de 1:1.000.000, em grandes dimensões (chamado mapa
mural), e montado sobre uma tela de linho em folhas dobráveis que facilitavam o
seu manuseio e transporte.117 Foi o primeiro e último mapa geral impresso a
cores pelo governo provincial mineiro, gravado em Leipsig, na Alemanha, para
onde Chrockatt de Sá viajou em 1889 a fim de acompanhar pessoalmente o
trabalho. O recurso da cor foi utilizado basicamente como elemento para
distinguir os territórios e ressaltar as fronteiras dos estados e para destacar, sem
definir com precisão, os sistemas orográficos e hidrográficos mais importantes.

115 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório apresentado

pelo Diretor da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas ao vice-governador do


estado de Minas Gerais para ser enviado ao Congresso por ocasião da sua reunião em 1892. Ouro
Preto: O Mineiro, 1891b. p. 23.
116 MAPA do Estado de Minas Gerais, contendo os do Rio de Janeiro, Espírito Santo e S. Paulo,

organizado por J. Chrockatt de Sá, engenheiro civil, ex-Diretor Geral das Obras Públicas do
mesmo Estado, com a colaboração de Eduardo A. G. Thompson. Rio de Janeiro: Laemmert, [1893].
Escala 1:1.000.000.
117 Segundo Jacob, a dobradura era a técnica mais utilizada para reduzir os mapas a uma forma

manipulável, consultável durante o trabalho de campo. Freqüentemente essa solução já era


prevista desde a sua concepção. A carta dobrável permitia uma maior liberdade de consulta,
operando diferentes formas de leitura; pelas suas possibilidades materiais e visuais de
manipulação, introduzia uma dimensão tátil, gestual, ao processo intelectual de seu deciframento.
JACOB, Christian. L´empire des cartes: approche théorique de la cartographie à travers
l`histoire. Paris: Albin Michel, 1992. p.117-119.

92
Figura 7: Mapa do Estado de Minas Gerais, de J. Chrockatt de Sá (1893 presum.). Publicado já no
período republicano, o mapa constituía uma síntese do conhecimento acumulado sobre o território
da província no século XIX.
Fonte: APM.

Em seu conteúdo, o mapa mostra uma sensível concentração de elementos


representados na parte central e sudeste do estado, elementos esses que são a
rede urbana em sua hierarquia (cidade, vila, freguesia e povoação), estradas de
ferro (projetadas, em construção e em uso), trechos navegáveis de rios, linhas
telegráficas e alguns elementos econômicos como fábricas de tecidos e de ferro,
engenhos e minas. Além da ênfase na informação sobre as estradas, a carta é
pródiga na identificação da toponímia, tanto dos núcleos urbanos quanto da
hidrografia e da orografia, cuja densa escritura confere à representação o peso de
um inventário dos lugares habitados e dos traços físicos reconhecidos.

O trabalho sofreu severo atraso, apesar das cobranças do governo e das


demandas de um público crescente, tendo sido publicado presumivelmente em
93
princípios de 1893. Terminou atropelado pelos acontecimentos políticos que
resultaram no advento do regime republicano e na emergência de um projeto
geopolítico e cartográfico mais ambicioso, materializado na criação da Comissão
Geográfica e Geológica de Minas Gerais. O mapa de Chrockatt de Sá surgiu,
portanto, em um ambiente diferente daquele em que fora concebido e,
especialmente devido às atividades da CGG, foi objeto de comparação e análise
por autores direta ou indiretamente envolvidos nas novas atividades
cartográficas em curso: por Henri Gorceix, em conferência realizada na Société de
Géographie de Paris, quando apresentou, não sem reservas, o mapa de Sá como
digno de compor o acervo cartográfico daquela sociedade118; e por dois membros
da CGG, Belarmino Menezes e Luiz Lombard, em um dos artigos por eles
publicados na imprensa local numa série de divulgação dos seus trabalhos.
Nos dois textos, o mapa de Chrockatt de Sá foi descrito como o melhor
produto possível de um método de elaborar mapas já defasado, em termos das
novas tecnologias de mapeamento e das exigências técnicas. Seu caráter utilitário
como depositário de informações espaciais foi enfatizado, mas foram também
apontadas as suas muitas falhas mesmo quanto à qualidade dos dados
inventariados. Gorceix considerou o trabalho muito completo quanto à figuração
das estradas de ferro (mesmo daquelas ainda em estudo) e apontou suas lacunas
no inventário das minas, das fábricas de ferro e das culturas agrícolas. Menezes e
Lombard chegam a citar povoações de relativa importância que não constavam no
mapa. Mas as críticas concentraram-se especialmente na chamada geografia de
posição119, ou seja, na imprecisão da localização dos elementos representados, na
inexatidão das distâncias, na distorção topográfica das serras e rios. Na crítica
aos improvisados e rudimentares processos de levantamento em campo, que
estariam na origem de todos os erros apontados, Gorceix chegou a usar de certa
ironia ao afirmar que

[...] poderá acontecer que mais de um viajante, servindo-se


desta carta, sobretudo para as partes menos conhecidas do norte e
nordeste, seja surpreendido à noite de ter empregado muitas horas a

118 A CARTA...,1893, p.4.


119 Expressão tomada de PALSKY, 1996.

94
percorrer algumas léguas e admirado dos rodeios seguidos por um
caminho figurado na carta em linha reta.
Que não se acuse o autor por estes erros, mas a lentidão de sua
montaria ou seu pouco hábito da marcha e a orientação pouco
científica dos viajantes que contribuíram para aquele trabalho,
porque as distâncias foram, pela maior parte, avaliadas em horas de
percurso de cavalgada e as direções muitas vezes estimadas pela
inspeção do sol.120

Se enquanto inventário geográfico o mapa de Chrockatt de Sá ainda era


útil e suficiente, como imagem geométrica do mundo, ajustada em cálculos
matemáticos e instrumentos precisos, surgira já obsoleto, associado a um mundo
e um regime já extintos, dos quais emergia como sua última e tardia expressão
cartográfica.

2.3 O sonho de Gorceix: ci ência e ca rtog rafia de recurso s naturais

No mesmo relatório de 1875, em que o diretor de obras públicas da


província preconizava, desanimado, a suspensão dos projetos e das concessões
para estradas de ferro, o presidente da província anunciava a chegada a Minas do
professor H. Gorceix, encarregado de determinar nesta província o ponto mais
apropriado para o estabelecimento de uma escola mineralógica, bem como de
formar coleções geológicas e de minerais.121 Esse ano pode ser considerado como
marco inicial de um novo tempo para as ciências naturais, a geologia e a
engenharia em Minas Gerais e no Brasil, pois foi o ano da criação da Escola de
Minas e também da Comissão Geológica do Império, cuja breve existência não
impediu que ela se tornasse um modelo para futuras iniciativas similares.

A criação de uma escola de mineralogia em Minas Gerais era um projeto


antigo, remontando aos debates constituintes de 1823. Quando, em 1832, a
Assembléia Provincial promulgou uma lei para sua criação, tratava-se de uma
tentativa de superar os insucessos das primeiras experiências siderúrgicas

120 A CARTA..., 1893, p.4.


121 MINAS GERAIS, 1875, p.14.

95
realizadas em Minas, creditados à falta da capacitação técnica do pessoal
envolvido. A vocação natural da região para as atividades de exploração mineral,
a despeito do esgotamento do modelo de exploração colonial, concorreu para que
em Minas os estudos geológicos e mineralógicos e experiências de siderurgia
fossem estimulados pelas autoridades, desde a instalação da corte portuguesa no
Rio de Janeiro.

A maior parte dos estudos empreendidos desde então compõe a extensa,


diversificada e desigual literatura dos naturalistas e viajantes estrangeiros. As
expedições de naturalistas e viajantes em Minas no século XIX eram parte de um
movimento mais amplo que, a partir da abertura dos portos brasileiros,
transformou o Brasil em um vasto campo de interesse para a investigação das
ciências naturais. Impulsionadas pelo universalismo ilustrado de fins do século
XVIII e posteriormente fortalecidas pelo movimento romântico de redescoberta da
natureza, as viagens dos naturalistas tinham, no entanto, forte ancoragem nos
interesses econômicos das grandes nações européias, que patrocinavam as
expedições como instrumentos na identificação dos recursos naturais das jovens
nações.122 Essas também buscavam estimular e promover as excursões e
descobertas das riquezas naturais de seu próprio território, fosse por estrangeiros
ou estudiosos locais como, no caso do Brasil, por instituições como o IHGB.

Essa intrincada rede de interesses e olhares sobre a natureza e os recursos


naturais do país era composta ainda por estrangeiros que, a convite das
autoridades públicas e dos empresários, eram contratados como mão-de-obra

122 Novas abordagens da historiografia das ciências vêm demonstrando que a introdução das
ciências naturais no Brasil não foi produto exclusivo dessas contribuições estrangeiras
(pressuposto da maioria das interpretações tradicionais), mas resultaram igualmente de
iniciativas das elites locais, especialmente no tocante à institucionalização das práticas
científicas, através da criação de escolas, museus, organização de exposições e associações. Ver:
FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. As ciências geológicas no Brasil: uma história social
e institucional, 1875-1934. São Paulo: Hucitec, 1997.
LOPES, Maria Margaret. O local musealizado em nacional – aspectos da cultura das ciências
naturais no século XIX, no Brasil. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antônio Augusto Passos (Org.).
Ciência, civilização e império nos trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001.
FREITAS retoma a questão no sentido de equilibrar as abordagens, ao afirmar que [...] mesmo
sendo muito importante considerar a existência de um certo nível de independência no
pensamento brasileiro do século XIX, já sob outro ponto de vista, o da inserção cultural do
discurso das ciências, o peso da palavra e do olhar dos viajantes – em sua relação com os
cientistas locais – constitui uma baliza definidora e deve fazer parte do campo da análise.
FREITAS, 2002, p.37.

96
qualificada, como fizeram as companhias inglesas de mineração com os
engenheiros da Europa central, de países como Alemanha, Áustria, que tinham
forte tradição em escolas de minas. O próprio Fernando Halfeld teria sido assim
recrutado.

Foi como alto funcionário da corte portuguesa que o metalurgista e


mineralogista alemão Wilhelm von Eschwege, juntamente com Friedrich von
Varnhagen, veio para o Brasil em 1810, chamado por D. João VI para tentar
reanimar a decadente atividade mineratória e fazer surgir a siderúrgica.
Permaneceu por onze anos no país, especialmente em Minas Gerais, e produziu
diversificada obra como viajante, naturalista e especialmente como geólogo e
mineralogista. Seus relatos de viagem, estudos orográficos e petrográficos, mapas
e perfis de interesse geológico e mineralógico inauguraram a literatura técnica
que aliava aos interesses das ciências naturais, os interesses empíricos da
agricultura e da mineração.123

A mineralogia e a geologia, especialmente da região de Minas Gerais,


foram objeto de interesse e de produção de muitos outros cientistas estrangeiros
como John Mawe, Johann E. Pohl, Aimé Pissis, Peter Claussen, Peter Lund e
Virgil von Helmreichen. A produção técnica desses naturalistas, desigual em
qualidade e conteúdo, sempre incluía um ou mais mapas, fossem cartas gerais
com as rotas de seus itinerários ou registros gráficos de suas pesquisas de
campo.124 Estes últimos apresentaram uma nova forma de construir cartas, tanto
por seus conteúdos mais interpretativos da realidade física – não apenas
descritivos – como por suas escalas maiores, recortes arbitrários e técnicas mais
sofisticadas de representação, especialmente o uso da cor. Essas representações
mais detalhadas ou especializadas, entretanto, tiveram pouca penetração no

123 Eschwege elaborou também um mapa geral da então capitania de Minas, ainda hoje inédito. A
parte central desse mapa, que representa quase toda a província, foi publicada originalmente no
seu livro, Pluto Brasiliensis. A contribuição de Eschwege para a geografia e a geologia mineiras
já foi objeto de estudo de diversos autores, enquanto sua contribuição cartográfica permanece sem
qualquer estudo específico, à exceção do breve texto do livro Cartografia da Conquista do
Território das Minas Gerais. COSTA, 2004.
124 Uma outra pesquisa seria necessária para dar conta de toda a cartografia dos viajantes.

Restringimo-nos aqui àqueles autores e documentos cartográficos que julgamos importantes na


produção de uma cartografia de recursos minerais, uma das linhagens decisivas nos rumos da
cartografia em Minas Gerais.

97
ambiente técnico ou científico brasileiro, circunscritas aos círculos acadêmicos
europeus, onde eram publicadas, ou a uma pequena elite ilustrada brasileira.
Não constituíram uma tradição cartográfica ou uma influência técnica
significativa no país, que só a partir dos anos sessenta, nos novos espaços
institucionais, começaria a produzir uma cartografia de base geológica fundada e
promovida pelos interesses nacionais.

Em termos do Brasil, a expedição mais importante nesse campo, pelos seus


desdobramentos futuros, foi a chamada expedição Thayer, ocorrida entre 1865 e
1866 e liderada pelo geólogo e naturalista americano Louis Agassiz. A expedição
Thayer introduziu no país os modelos e as práticas científicas americanas, que se
tornaram paradigmas não só no campo da geologia mas também da cartografia.
Mais do que isso, a expedição tornou-se um marco na transição entre uma ciência
natural profundamente atrelada aos interesses e desafios científicos dos
cientistas estrangeiros e uma nova fase, caracterizada pelas comissões nacionais
que conjugavam brasileiros e estrangeiros, mas voltavam-se para os interesses do
país. O lastro deixado por Agassiz e sua equipe explica-se em grande parte pelo
momento histórico em que se deram seus trabalhos, um período de trânsito entre
a estabilidade política da Conciliação e o movimento de construção de uma
identidade nacional e a crise gerada com a guerra do Paraguai. Ponto de inflexão
do Império brasileiro, a partir desse momento, o projeto nacional se recompõe
com a prosperidade econômica propiciada pela cafeicultura e sob o paradigma da
modernização, quando a ciência e a técnica ocuparão um lugar central.

Um dos assistentes de Agassiz na expedição era o geólogo e naturalista


Charles Frederik Hartt. Ambos eram professores de geologia na universidade
americana de Cornell, onde tinham como discípulos os geólogos Orville A. Derby e
John Casper Branner, e onde se formou uma geração de estudantes brasileiros,
patrocinados pelo governo imperial. A partir de sua primeira viagem, Hartt
elegeu o Brasil como o objeto de suas pesquisas e retornou ao país em três
expedições sucessivas até fixar-se definitivamente no Rio de Janeiro em 1874. Os
dados de suas observações e experiências vividas no Brasil resultaram, em 1870,

98
no livro Geologia e Geografia no Brasil, considerado um marco no caminho da
institucionalização das ciências naturais no Brasil. 125

Interessado em desenvolver de forma duradoura suas pesquisas no Brasil,


Hartt construiu, desde suas primeiras viagens, estratégias de divulgação dos
trabalhos e de inserção pessoal nas redes de poder e de saber do país. Num
primeiro momento visou convencer autoridades e empresários brasileiros e
americanos a patrocinar suas expedições e, num segundo momento, [...] convencer
o governo brasileiro acerca da relevância e da necessidade de criação de um
survey geológico no país.126 Ainda nesse aspecto Hartt mostrava-se um
competente discípulo de Agassiz, que, entre outras estratégias políticas para
alavancar sua carreira, argumentava quanto à aplicabilidade da geologia,
especialmente na agricultura, para levantar fundos e promover seus projetos.

Figueirôa demonstrou como esses discursos em prol de uma ciência


geológica aplicada tiveram impacto no Brasil:

Diferentemente de outras tradições geocientíficas já presentes no Brasil ao


longo do século XIX, mais diretamente vinculadas, do ponto de vista de
suas aplicações, à mineração (germânica) ou às obras públicas (francesas),
essa vertente norte-americana valorizava, ao lado dos estudos
estratigráficos e paleontológicos, as relações com a investigação dos solos e
as ciências agronômicas. Adequava-se, desse modo, a parte das
necessidades já citadas do quadro econômico brasileiro das últimas décadas
do século passado.127

Por outro lado, o governo imperial, através do Ministério da Agricultura, e


as elites intelectuais do país, organizadas em instituições como o IHGB, o Museu
Nacional ou a Sociedade Velosiana, consideravam o apoio a essas iniciativas de
grupos estrangeiros como parte do projeto de construção da nação, pelas
oportunidades abertas para o devassamento e integração do território brasileiro e
o inventário dos recursos naturais, especialmente botânicos e minerais, que
interessavam de perto à agricultura, mas com um acento marcadamente prático,
aplicado. Além da participação de elementos nacionais nas comissões

125 FREITAS, 2002, p.77.


126 FIGUEIRÔA, 1997, p.154.
127 FIGUEIRÔA, 1997, p.153.

99
estrangeiras, foram organizadas comissões científicas nacionais, como a Comissão
Científica de Exploração, organizada pelo IHGB em 1856, e as diversas comissões
promovidas pelo governo imperial na década de 1870. Em todas as iniciativas,
fossem estrangeiras ou nacionais, o mapeamento das regiões visitadas era
considerado estratégico, tanto para o aprimoramento dos dados de posição e
dimensão geográfica (localização, latitude e longitude), base para o planejamento
das ligações e comunicações no interior do país, como no inventário dos recursos
hídricos, botânicos e especialmente minerais.128

A historiografia brasileira comporta um debate que, grosso modo, divide-se


entre uma visão de continuidade e outra de ruptura sobre o desenvolvimento
científico do Brasil no século XIX, período balizado pelo movimento iluminista de
fins do século XVIII e inícios do XIX e a chamada ilustração brasileira iniciada
com a década de 1870. Do nosso ponto de partida - a questão geográfica, mais
propriamente cartográfica – a idéia de uma ruptura ou de uma clara estagnação
não corresponderia às evidências dos testemunhos, especialmente se atenuamos
as barreiras entre os discursos científicos e aqueles políticos, intelectuais ou
técnicos, postura conceitualmente mais adequada quando nos propomos a
abordar historicamente as produções cartográficas. Como vimos nos itens
precedentes, investimentos públicos nas iniciativas de devassamento e
reconhecimento do território e dos recursos naturais do país foram constantes,
ainda que tímidos e permanentemente insuficientes do ponto de visto dos aportes
financeiros, aliás, uma característica que se perpetuaria mesmo nos momentos
considerados mais significativos, como o último quartel do século XIX. Desde os
anos 1840, um movimento intelectual e cultural não deixaria de perseguir os
ideais iluministas de civilização e progresso, como melhor exemplificam os
trabalhos do IHGB. Mesmo priorizando a história, cuja leitura do país era mais

128 A organização da Comissão Científica de 1856, que se dirigiu à região norte do país, foi
exemplar nesse aspecto. Dividia-se em cinco partes: botânica, geológica e mineralógica, zoológica,
etnográfica, geográfica e astronômica. Essa última seção, segundo as instruções da comissão,
deveria desenvolver um amplo programa cartográfico, que incluía [...] observações astronômicas e
operações topográficas concernentes à determinação da posição geográfica dos pontos mais
importantes do território explorado [...], trabalhos de mera investigação, que interessam
imediatamente a física geral do globo e os que tiverem por objeto a sugestão de importantes
melhoramentos de que careçam as províncias visitadas [...]. DOMINGUES, 1995, p.166.
Estes trabalhos tinham forte direcionamento prático e incluíam ainda estudos meteorológicos
voltados para a busca de uma solução para a seca das regiões do nordeste.

100
propícia à construção de uma dada identidade nacional brasileira, o IHGB tinha
também um claro projeto no campo da geografia e das ciências naturais, que
passava tanto pela construção do retrato físico da Nação em construção129, como
pela interpretação do nosso meio físico como mecanismo de afirmação da
nacionalidade.130

Mas é evidente que, a partir dos anos 1870, embalada pelo crescimento
econômico, uma política mais sistemática e efetiva de institucionalização das
ciências e do ensino ocorreu a par da maior divulgação e aceitação das novas
idéias, especialmente o positivismo e o republicanismo. Na historiografia
brasileira, a década de 1870 é caracterizada como marco inicial no processo de
institucionalização das ciências e de modernização das práticas científicas, por
concentrar diferentes medidas governamentais nesse sentido: as reformas
modernizantes do Colégio Pedro II e do Museu Nacional, a autonomia do
Observatório Imperial, a transformação da Escola Central em Politécnica, a
criação do Museu Paraense e, especialmente, da Escola de Minas e da Comissão
Geológica do Império. Tais medidas inscreviam-se, por sua vez, num contexto de
frágil equilíbrio político, como colocou Freitas:

Os anos que vão de 1871, com a subida do [gabinete] Rio Branco, a 1878,
com a ascensão dos Liberais – depois de dez anos fora do governo -, foram
marcados por essas pressões vindas de dois flancos. Por um lado, o
Imperador tentando imprimir sua marca política, expressa sobretudo na
construção do ideário nacional; por outro, o crescente desejo de reformas,
expresso pelos novos segmentos urbanos, sejam os ideólogos da república,
os abolicionistas, os jovens oficiais do exército, os profissionais liberais ou
os cientistas.131

O contexto político tensionado ganha complexidade quando observamos


que grande parte dos chamados cientistas identificados e comprometidos com as
mudanças institucionais e a modernização científica eram, ao mesmo tempo,
próximos ou protegidos do Imperador, como Liais, Agassiz, Ladislau Neto, Hartt

129 GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileira e o projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
n.1, 1988. p.19.
130 FIGUEIRÔA,1997, p.84.
131 FREITAS, 2002, p.185.

101
e Gorceix. Como mostrou Freitas, a inserção de Hartt no sistema político de
patronagem que permeava toda a sociedade do Império132 permite entender a
trajetória da Comissão Geológica do Império, criada em 1875.

Do ponto do vista da presente pesquisa, a Comissão Geológica foi uma das


mais relevantes empresas do período: sem dúvida, conseguiu reuniu os objetivos
científicos e pessoais de C. F. Hartt aos interesses geopolíticos do governo
imperial. A comissão durou poucos anos e não chegou a cumprir seu principal
objetivo, a produção da carta geológica do Império, mas introduziu
definitivamente no país a modalidade americana dos estudos e mapeamentos
geológicos, os geological surveys, que se tornariam a influência mais importante
nos futuros empreendimentos nacionais nesse campo.

Os serviços geológicos, como ficaram conhecidos no Brasil os surveys


ingleses e americanos, tornaram-se a forma mais difundida e consagrada de
realizar pesquisas geológicas em todo o mundo durante o século XIX. Seu
fundamento metodológico era o mapeamento, considerado ao mesmo tempo como
a principal ferramenta de pesquisa e a melhor forma de apresentação dos
resultados. Alcançaram grande prestígio científico, mas preservaram sempre um
acentuado caráter prático, que mudava de um país a outro, de acordo com os
interesses geopolíticos e econômicos em jogo.
Quando Hartt iniciou seus trabalhos para o mapeamento geológico do
Brasil, os Estados Unidos ainda não possuíam um serviço semelhante, ao nível
nacional. Como mostrou Figueirôa,

Embora o U.S. Geological Survey só tenha sido criado em 1879, os estados


da federação possuíam seus surveys geológicos atuando como auxiliares na
ocupação e exploração econômica do país, principalmente para fins de
agricultura e mineração: praticamente todos os surveys incluíram
levantamentos e análises de solos entre suas atividades. [...] Tais surveys
eram encarregados de realizar desde os levantamentos topográficos e
respectivos mapas até o mapeamento das rochas, solos e ocorrências
minerais e estiveram intimamente associados às políticas de ocupação dos
territórios conquistados no oeste.133

132FREITAS, 2002, p.211.


133FIGUEIRÔA, 1992, p.122-123. É interessante observar que os mapeamentos geológicos nos
Estados Unidos estiveram sempre diretamente relacionados à política de mapeamento,

102
Após a guerra civil de 1865, os surveys voltaram-se para o oeste e
transformaram-se em complexas ferramentas de exploração e integração do
território americano. Estudo de John Short134 mostrou como, nos EUA, esses
surveys foram percebidos como importantes inventários dos recursos econômicos,
que resultavam de uma combinação única entre os interesses privados de
agricultores, mineradores e especuladores imobiliários, as políticas públicas dos
governos estaduais e federal e a emergente comunidade científica. Como a
geografia, também a geologia era, naquele momento, um campo disciplinar muito
difuso e abrangente e os geological surveys não ficavam restritos à geologia, mas
incluíam botânica, ciências do solo, arqueologia e antropologia .135 Conduzidos por
fortes lideranças individuais, militares ou civis, os produtos desses grandes
empreendimentos americanos eram impressos em numerosos volumes contendo
estudos científicos, fotos, desenhos e séries articuladas de mapas, em variada
escala. Publicados em formato de atlas, continham os mapeamentos topográficos
e geológicos, fundados em levantamentos geodésicos. O historiador Lloyd Brown
observou como os geological surveys americanos, especialmente alguns trabalhos
realizados no âmbito dos estados, caracterizaram-se pela ambição cartográfica de
seus projetos, que davam igual peso às observações astronômicas, geodésicas,
topográficas, além de incluir representações dos meios de comunicação, feições
naturais, artificiais e econômicas da paisagem.136
Quando o serviço geológico federal americano foi criado em 1879,
praticamente todo o oeste do EUA estava mapeado, fotografado, descrito

classificação e concessão de terras públicas. A Land Ordinance de 1785, uma das leis fundadoras
da nação americana, forneceu a base do método cartográfico a ser seguido posteriormente nos
mapeamentos e também a base de classificação das terras. A sua insuficiência no tocante à
classificação das terras minerais e de recursos como minérios e mesmo água, fez surgir a
necessidade do mapeamento geológico. Estes levantamentos cadastrais, topográficos e geológicos
eram de inteira responsabilidade dos estados federados, mas a conquista do oeste americano e a
crescente incorporação de imensos territórios ao domínio público, de responsabilidade do governo
federal, levaram à criação do serviço nacional em 1879.
RABBITT, Mary C. The United States Geological Survey; 1879-1989. Disponível em:
<http://pubs.usgs.gov/circ/c1050/index.html>. Acesso em: 20 jun. 2003.
134 SHORT, John Rennie. Representing the republic; mapping the United States, 1600-1900.

London: Reaktin Books, 2001.


135 SHORT, 2001, p.178.
136 Brown cita especificamente os trabalhos empreendidos pelo Geological Exploration of the 40th

Parallel, e, sobretudo, o Geographical Survey of the Territory West of the 100h Meridian.
BROWN, 1979, p.278.

103
geograficamente e representado artisticamente, definitivamente incorporado ao
leste como território nacional. O chamado United States Geological Survey foi
criado para unificar e suplantar os programas regionais e promover o
mapeamento de todo o país sobre a base legitimadora da estreita colaboração
entre o governo federal e de uma ciência definitivamente reconhecida e
institucionalizada – a geologia. Inicialmente dedicou-se às pesquisas geológicas,
considerando o mapeamento topográfico uma atividade subsidiária. Mas a
crescente demanda da sociedade por mapas topográficos, ou seja, mapas que
representassem um conjunto maior de feições dos territórios, determinou a
canalização dos recursos públicos para esse fim e o U.S. Geological Survey passou
a produzir mapas topográficos em proporção muito maior do que outras cartas de
uso geológico.

Toda essa experiência histórica compunha a bagagem com a qual o geólogo


Hartt aportou no Brasil. O panorama intelectual e científico brasileiro naquele
momento era promissor, embora não em termos comparáveis à realidade
americana. O programa inicialmente proposto por Hartt era bastante amplo, nos
moldes dos surveys americanos: estudos geológicos e mineralógicos com avaliação
dos recursos minerais para a indústria e a agricultura, paleontologia e
paleobotânica, avaliação da fertilidade dos solos, determinação de altitudes,
estudos aplicados sobre clima, fauna e flora, avaliação da agricultura, estudos
arqueológicos e etnológicos. Considerado amplo e oneroso demais, o programa
sofreu restrições por parte do governo para ser aprovado. As instruções baixadas
em 1875 revelavam o claro interesse do poder público no levantamento de
recursos minerais (bacias carboníferas e jazidas auríferas) e nos estudos dos
terrenos próprios para a implantação de estradas. Mas investigações
arqueológicas e etnográficas, que não consistiam objeto dos surveys americanos,
eram, entretanto, áreas de interesse pessoal de Hartt, e foram mantidas,
comprovando a sua capacidade de manter quase intactos, nesse primeiro
momento, parte de seus objetivos puramente científicos.137

137A comissão compunha-se majoritariamente de americanos, como os geólogos Orville Derby,


Richard Rathbun e, num segundo momento, John Casper Branner e Herbert Smith. O engenheiro
brasileiro Elias Fausto Pacheco Jordão foi substituído por Luther Wagoner e em seguida por
Frank Carpenter. Compunha ainda a comissão, entre outros, o fotógrafo Marc Ferrez.

104
Os trabalhos da comissão cobriram o curto período entre julho de 1875 e
junho de 1877 e consistiram em campanhas de campo que percorreram grande
parte das províncias brasileiras. Quando o produto intelectual das observações de
campo e as enormes coleções zoológicas, geológicas e etnográficas começaram a
ser organizados pela equipe no Rio de Janeiro, os trabalhos foram suspensos.
Apesar das tentativas de convencimento de Hartt quanto à futura aplicabilidade
dos estudos, a extinção da Comissão Geológica ocorreu, como mencionamos em
outra parte deste texto, num momento de cortes orçamentários que, por motivos
econômicos e novas orientações políticas (a ascensão do gabinete do conselheiro
Cansanção de Sinimbu), desfizeram uma série de outras iniciativas de cunho
cartográfico que ocorriam simultaneamente, com patrocínio do Ministério da
Agricultura.

Mas algumas questões importantes podem ser colocadas para se entender


a curta trajetória da comissão geológica. Se, por um lado, a sua extinção pode ser
atribuída a [...] um certo descompasso entre o que foi produzido pela CGB e o que
dela esperava o governo imperial 138, por outro, a identificação entre a comissão e
o Imperador, fragilizado politicamente, conduz o problema para o campo das
negociações políticas, como bem mostrou Freitas:

[...] além de primeiro-ministro, Sinimbu acumulava no Gabinete


exatamente a pasta da Agricultura, à qual estava filiada a Comissão
Geológica. Desde que pudesse agir livremente nessa área, o ministro seria
indiferente às outras. [...] Fica fácil concluir que a orientação purista da
Comissão perdera o seu aliado, o Imperador, e fora entregue, como moeda
política, à mercê de um Ministro da Agricultura que tinha o olhar
completamente voltado para a aplicação imediata dos conhecimentos
geológicos. 139

Estava em jogo a questão da aplicabilidade dos novos saberes e sua relação


com o poder. Figueirôa chamou a atenção para o fato de que, nos relatórios
oficiais, os trabalhos da comissão foram sempre enquadrados sob o título de Carta
Geológica, o que demonstraria o caráter aplicado e provisório com que os mesmos
eram vistos pelas autoridades. A nosso ver, mais do que isso, a designação dava

138 FIGUEIRÔA, 1992, p.160.


139 FREITAS, 2002, p.223.

105
conta de um objetivo político, comum às demais campanhas cartográficas que
ocorriam naquele momento: produzir esses mapas na escala nacional era parte do
projeto de construção do estado-nação, um projeto do governo imperial que
passava pela montagem de uma política centralizada de gestão dos recursos
naturais que recobrisse o território e se legitimasse no saber científico. Dadas a
capacidade enunciativa dos documentos cartográficos e a sua inerente autoridade
técnica e até mesmo jurídica, os mapas deveriam ser os produtos por excelência
dessas empreitadas, muito mais do que densos volumes de memórias técnicas ou
vitrines repletas de fósseis, espécies botânicas ou objetos etnográficos.

Segundo Freitas, não fosse a prematura morte de Hartt em 1878, a


Comissão Geológica do Império poderia ter sido retomada sob novas bases. Mas,
apesar da sua curta existência e do malogrado mapeamento geológico, a comissão
deixou um vasto e duradouro legado científico no país: os produtos intelectuais e
materiais dos trabalhos, com as coleções zoológicas, geológicas e etnográficas, as
memórias técnicas e os artigos publicados, os registros fotográficos e os desenhos
das regiões exploradas; o modelo metodológico do survey geológico americano,
que seria adotado em mais de uma experiência científica e institucional do país;
e, finalmente, o legado humano, personificado na figura do geólogo americano
Orville Derby, único integrante da comissão a permanecer no país e que mais
tarde seria considerado como o principal ator histórico no processo de
institucionalização da ciência geológica no Brasil.

Como discípulo de Hartt, Derby herdou a paixão pelo Brasil e a ambição de


implantar no país as condições institucionais para o desenvolvimento das
pesquisas e do mapeamento geológico140. Deu continuidade imediata ao trabalho
de Hartt, ao ser contratado pelo Museu Nacional para organizar e classificar as
coleções da Comissão Geológica, que foram ali guardadas. Entre os anos de 1878
e 1890, participou de diversas expedições pelo interior do país, particularmente
em Minas Gerais, como integrante das comissões encarregadas dos estudos de

140Orville Derby nasceu nos Estados Unidos em 1851 e formou-se em História Natural pela
Universidade de Cornell. Como assistente de Hartt, esteve no Brasil como membro das duas
expedições Morgan, anteriores à sua mudança definitiva em 1875. Paralelamente à sua atuação
no Museu Nacional e nas comissões geológicas do Império e de São Paulo, Derby desenvolveu
extensa produção científica e manteve permanente contato com a comunidade científica
internacional.

106
navegabilidade dos rios São Francisco e das Velhas. Permaneceu como chefe da
Seção de Mineralogia do Museu até 1890, quando decidiu dedicar-se
integralmente à Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, sob sua liderança
desde a criação em 1886. Geólogo, naturalista e hábil cartógrafo, Derby
imprimiria à comissão paulista um perfil científico ambicioso, o qual buscou
conciliar com os objetivos pragmáticos e as demandas imediatistas dos seus
promotores – governo e cafeicultores paulistas. Como modelo metodológico e
experiência concreta, a atuação da comissão paulista seria decisiva para os
rumos da cartografia mineira.

A outra medida governamental de fundamental importância para o


desenvolvimento das atividades cartográficas em Minas Gerais foi a criação da
Escola de Minas, responsável pela formação da primeira geração de engenheiros,
geólogos e topógrafos mineiros e pela disseminação de uma cultura a um só tempo
científica e aplicada. Juntamente com a transformação da Escola Central em
Escola Politécnica141, que ocorrera um ano antes, a criação da Escola de Minas foi
decisiva na ampliação do ensino técnico superior no Brasil, promovendo uma
maior especialização e profissionalização de engenheiros e cientistas que se
contrapunha à tradição bacharelesca das elites intelectuais e burocráticas e
respondia às novas demandas colocadas pelo desenvolvimento tecnológico do país.
A transformação da Escola Central em Politécnica significou a separação
definitiva entre ensino civil e militar e o fim da hegemonia dos militares no
campo da engenharia e, conseqüentemente, nas disciplinas e competências
técnicas a ela associadas naquele momento, como a geografia e a topografia.
Entretanto, a adoção do modelo politécnico não alterou significativamente a
formação dos engenheiros, que permaneceu ainda generalista e teórica, com
pouca ênfase no ensino prático. Um outro modelo de ensino e formação, mais
especializado e prático, estaria na origem da Escola de Minas.

A iniciativa é atribuída a D. Pedro II que, em viagem à França em 1872,


teria se aconselhado com o futuro diretor da École des Mines de Paris, Auguste

141A estrutura curricular contemplava a formação de bacharéis e doutores em ciências físicas e


naturais e ciências físicas e matemáticas, engenheiros geógrafos, civis, de minas e de artes e
manufaturas. Todos se formavam aptos a elaborar mapas e plantas.

107
Daubrée, sobre a [...] melhor maneira de conhecer e explorar as riquezas minerais
no Brasil.142 Já nesse primeiro momento, Daubrée teria sugerido a elaboração da
carta geológica do país e o ensino da geologia, que deveria ser feito por
professores e estrangeiros ou por brasileiros formados no exterior. A idéia da
escola ganhou no Brasil um aliado importante, o então ministro do Império João
Alfredo Correa de Oliveira. Daubrée, impossibilitado de conduzir ele mesmo o
projeto, buscou na França um outro nome e, em 1873, indicou o jovem Claude-
Henri Gorceix, que chegou ao Brasil em meados de 1874.143

Um ano e algumas viagens depois, Gorceix apresentava o seu plano para a


criação da escola, com a definição do local, Ouro Preto, e o regulamento que
deveria reger o estabelecimento. Segundo Carvalho, Gorceix buscou sempre se
manter fiel aos objetivos expostos nesse documento inaugural, do qual só se
afastou por motivos econômicos e políticos alheios à sua vontade: formar
engenheiros de minas, aptos a dirigir estabelecimentos mineradores e
metalúrgicos e a realizar explorações geológicas destinadas à mineração e à
siderurgia. Desde a escolha de uma localidade que ainda era o centro da região
mineradora, até a convicção da necessidade de um ensino rápido e prático,
Gorceix teria se inspirado na École de Mineurs de Saint-Etiènne, uma escola
voltada para a formação de quadros técnicos destinados à administração de
minas e explorações metalúrgicas, cujo ensino aplicado não pressupunha
ausência de espírito científico, cultivado de forma empírica em trabalhos de
campo e de laboratório.144

142 CARVALHO, 2002, p.46.


143 Claude-Henri Gorceix nasceu na França em 1843. Foi bolsista na École Normale Supérieure
onde licenciou-se em ciências físicas e matemáticas em 1866. Recebeu também formação como
químico. Foi nomeado professor agregado de geologia e mineralogia da École Normale, fixando
seus interesses nesse campo. Foi também professor da Escola Francesa de Atenas, onde
desenvolveu seus estudos e suas práticas de campo. Gorceix recebeu uma formação científica
sólida, pois formou-se e lecionou na mais prestigiosa escola francesa de seu tempo, onde aprendeu
e conviveu com grandes cientistas franceses como Louis Pasteur. LISBOA, Miguel Arrojado. A
Escola de Minas e Henrique Gorceix. Revista da Escola de Minas de Ouro Preto, Ouro Preto, ano
13, n.4, p.19-36, out 1948.
144 Segundo estudo de Thépot, a escola de Saint-Etiènne foi criada em 1816 pra cumprir um papel

diferente da École de Mines de Paris, a qual arregimentava os melhores alunos das escolas
politécnicas para formar uma elite de engenheiros, altos funcionários públicos ou dirigentes da
indústria francesa. Mas ao longo do século XIX, a escola de Saint-Etiènne tendeu a elevar o nível
de seu ensino, aumentando os seus programas e o nível de exigência para a admissão e
aproximando-se do modelo da escola de Paris.

108
Não cabe no escopo desta pesquisa reescrever a história da Escola de
Minas, já bem explorada em estudos anteriores.145 Interessa-nos frisar como esse
sentido prático e aplicado do ensino, aliado a um gosto pelo trabalho de campo,
proposto e ministrado na instituição, concorreu para que mapas, planos técnicos e
perfis diagramáticos constituíssem parte importante da produção de alunos e
professores, fossem encarados como ferramentas de campo ou sínteses gráficas de
seus trabalhos. Por outro lado, desde a primeira recomendação de Daubrée146,
passando pelo programa proposto por Gorceix em 1875 até os seus inúmeros
apelos lançados em outros textos e discursos, foi a carta geológica colocada como
parte essencial de um projeto mais amplo, que era o de contribuir para o
desenvolvimento material da sociedade brasileira e mineira.

Já nos primeiros relatos anuais dirigidos ao governo mineiro, como em


1879, Gorceix falava das riquezas minerais da província e do seu potencial para a
indústria e a agricultura, mas creditou à falta de transportes o principal
obstáculo ao crescimento econômico. Defendendo-se daqueles que criticavam a
escola, Gorceix enumerou as vantagens do ensino da Escola de Minas para a
economia regional e nacional e da produção da carta geológica e do estudo dos
solos como fundamentais para a agricultura, a indústria e a colonização. O
mestre francês apelava para um presumível sentimento nacionalista dos
governantes ao defender que tais estudos deveriam ser feitos por brasileiros e não
somente por estrangeiros como era o caso em Minas. Gorceix chegou a citar o
exemplo dos Estados Unidos, onde os geólogos estariam à frente desses trabalhos,
fazendo a sua fortuna científica e assegurando a prosperidade do país.

A referência aos trabalhos dos norte-americanos demonstra que Gorceix


estava a par do gigantesco empreendimento em curso naquele país e que
considerava a possibilidade de adoção do modelo dos surveys para a realidade
brasileira. Por outro lado, é certo que Gorceix tinha como legado e horizonte

THÉPOT, André. Les ingénieurs des mines du XIXème siècle: histoire d´un corps technique
d´État - 1810-1914. Paris: Eska, 1998.
145 Além da obra de Carvalho, já citada, ver também:

LIMA, Margarida Rosa de. D. Pedro II e Gorceix; a fundação da Escola de Minas de Ouro Preto.
São Paulo: Loyola; Ouro Preto: Fundação Gorceix, 1977.
146 Daubrée chegou a sugerir ao Imperador que Gorceix fosse associado à Comissão Geológica do

Império e encarregado da parte relativa ao mapeamento da província de Minas (LIMA, p.133).

109
pessoal a tradição e a experiência francesas, com as quais certamente guardava
maior identidade. Na França o mapeamento geológico foi uma iniciativa do
Estado, a cargo de uma elite, os engenheiros de minas reunidos no Corps de
Mines e formados nas escolas de minas de Paris ou Saint-Etiènne. De fato, logo
após a criação da École de Mines, foi aprovado o projeto de mapeamento geológico
do país, realizado entre 1822 e 1842, embora durante esse período cartas parciais
tenham sido impressas.147 O empenho na atualização dos dados fez com que, em
1868, fosse criado um serviço permanente dentro do aparato administrativo
francês. Enquanto o fundamento científico era o mesmo dos trabalhos
americanos, qual seja, a classificação e o mapeamento geológico ingleses, a
produção cartográfica francesa se ateve ao conteúdo geológico e às informações de
interesse econômico, como jazidas minerais, perímetros de concessão de minas,
estabelecimentos industriais e terrenos propícios à instalação das vias de
comunicação. Nisto diferenciava-se da produção dos surveys americanos que,
como vimos, contemplavam uma vasta gama de conteúdos, linguagens e suportes.

Em diversos testemunhos e momentos, Gorceix deixou entrever que a


aventura de mapear a região lhe era mais atraente do que as atividades
rotineiras da escola. Como Hartt, Gorceix desenvolveu estratégias para
convencimento das autoridades, em argumentos que se dirigiam ora ao governo
provincial, ora ao Ministério do Império, ao qual estava subordinada a escola, e
por vezes ao próprio Imperador ou a seu filho, Pedro Augusto, com os quais
mantinha relações de amizade e regular correspondência.

Em 1880, relatava a D. Pedro que havia iniciado o mapa geológico da


região de Ouro Preto, no qual pretendia representar [...]todos os detalhes do
terreno, todas as minas e depósitos metalíferos.148 Gorceix criticava as obras de
Hartt e Liais como [...]simples mapas nos quais as próprias linhas principais são
mal indicadas, e, dada a complexidade da tarefa de realizar um mapa desse tipo
para toda a província, pretendia seguir um plano de realizar pequenas
monografias regionais, com seguras observações de campo. Para uma futura

147THÉPOT, 1998.
148Carta de Henri Gorceix a D. Pedro II. Ouro Preto, 1 mar 1880. Reproduzida em: LIMA, 1977,
p.180.

110
síntese desses estudos, confidenciava Gorceix a seu amigo, deixando clara a sua
descrença na capacidade dos cientistas brasileiros: precisaremos de um Elie de
Beaumont ou de um Lyell, grandes nomes, respectivamente, da geologia francesa
e inglesa de seu tempo.

Nos primeiros anos da década de 1880, não bastassem as dificuldades


financeiras, a Escola tornara-se objeto de críticas e ameaças de extinção,
especialmente pela falta de alunos e a dificuldade de se conseguir empregos para
os formandos. Mas Gorceix continuava a utilizar os espaços dos relatórios oficiais
para defender a especialização e o ensino prático da Escola de Minas, ao afirmar:
acabou-se o tempo dos enciclopédicos, e a especialização nos estudos superiores é
tão indispensável ao homem como a divisão do trabalho o é à sociedade.149 Uma
reforma do currículo terminou por ser aceita por Gorceix, e um curso para
formação de engenheiros civis foi implantado em 1885, devido em grande parte ao
governo mineiro, que concorreu com um auxílio financeiro irrecusável em troca da
efetivação dessa modalidade de engenharia na Escola.150 Ressaltamos que entre
as disciplinas propostas para a formação dos novos profissionais, especialmente
engenheiros civis e agrimensores, Gorceix opôs-se à implantação da cadeira de
astronomia e geodesia, por julgar que eram disciplinas não aplicadas e que ao
engenheiro bastava as noções fornecidas pelo curso de topografia, onde se
aprendia a determinar uma meridiana, uma longitude e uma latitude.

Aproveitando a oportunidade oferecida pela reestruturação da escola,


quando sua opinião foi ouvida pelas autoridades provinciais, Gorceix reintroduziu
a discussão sobre a urgente necessidade de produção de uma carta geológica da
província e colocou em cena o seu programa cartográfico, cultivado em dez anos
de observação e estudos:

Há uma obra verdadeiramente patriótica, tão útil ao país quão


gloriosa para aqueles que ligarem seus nomes à sua realização; é a
carta geológica da província de Minas Gerais.

149 MINAS GERAIS. Presidente (Antônio Gonçalves Chaves 1883-1884). Fala que o Exmo. Sr. Dr.

Antônio Gonçalves Chaves dirigiu à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais na 1ª.
sessão da 25ª. legislatura em 1º. de agosto de 1884. Ouro Preto: Liberal Mineiro, 1884. p.34.
150 FIGUEIRÔA, 1992, p.127.

111
Desde que estou em Minas, é uma idéia que tenho estudado
debaixo de todos os pontos de vista, e cuja realização empreenderei,
custe o que custar. Estou, porem, bem persuadido que, entregue
somente às minhas forças, me é materialmente impossível levá-la a
bom êxito.
É um trabalho que interessa altamente à agricultura, à
indústria, à colonização; trabalho muitíssimo reclamado e que, por
causa de projetos mal apresentados, com despesas exageradas e idéias
de especulação, tem sido julgado difícil e de onerosa execução.
Por certo, não se trata aqui de uma obra completa e tão
minuciosa, como ela se tornará pouco a pouco, mas bastante exata
para o fim a que se destina.151

Como na idealização e condução da Escola de Minas, também no seu


programa cartográfico Gorceix buscou ser pragmático, demonstrando a
viabilidade técnica e econômica da proposta. Retomou o projeto abandonado da
revisão da carta de Gerber, a qual, em escala quadruplicada, deveria sofrer as
correções impostas pelos novos conhecimentos advindos dos estudos de solo,
traçados de estradas de ferro e levantamentos topográficos, mas abandonando-se
qualquer pretensão de realizar levantamentos geodésicos ou planos cadastrais,
por serem onerosos e demorados.152 Sobre essa base, seriam indicadas a natureza
geológica dos terrenos, rochas, minerais, combustíveis, minas descobertas e
atividades de exploração, fundindo na mesma representação o inventário dos
recursos minerais e o diagnóstico de seu aproveitamento. O mapa seria
acompanhado de uma descrição física e geológica, uma obra para ser consultada
por todos aqueles que quisessem empreender na província uma exploração de
qualquer natureza que fosse.153

Na defesa de seu programa, Gorceix afirmou que documentos como esses já


eram comuns em todos os países da Europa e, em ex-colônias como Argentina,
Peru, Austrália e especialmente os Estados Unidos, eram poderosos instrumentos
para o êxito das experiências de imigração e colonização.

151 MINAS GERAIS, 1884, p.41.


152 Gorceix presumivelmente pretendia seguir os conselhos que recebera quando de sua visita à
França em 1882: empreender o levantamento da carta geológica [...] com o auxílio de
levantamentos rápidos pelos métodos que o sábio Sr. d’Abbadie empregou na África, e cujo
emprego ele mesmo me recomendou. MINAS GERAIS, 1882, p.5.
153 MINAS GERAIS, 1884, p.42.

112
Gorceix sugeriu inicialmente o geólogo Orville Derby como provável
membro de sua equipe, mas, ao tomar conhecimento do início dos trabalhos da
Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, propôs uma comissão liderada por
ele e formada por três engenheiros, com a colaboração dos seus auxiliares e de
alunos da Escola de Minas. Com o capital de conhecimentos acumulado por ele e
outros estudiosos como Eschwege, Hartt e Derby, e todas as informações já
disponíveis, considerava que o trabalho poderia ser feito em cinco anos e com
poucos recursos. O modesto projeto era apresentado por Gorceix como um desafio
pessoal, para o qual não exigia pagamentos pessoais, e como prova cabal da
competência técnica e do espírito público da Escola de Minas.

Gorceix argumentava junto às autoridades provinciais que, mesmo tendo


aceitado a reforma curricular e a ampliação dos cursos, considerava que a Escola
de Minas não deveria desviar-se de seus objetivos iniciais de contribuir de forma
prática para o avanço do conhecimento geológico e mineralógico do país, e que,
nesse sentido, parte dos recursos disponibilizados pelo governo provincial seriam
mais bem empregados na criação de uma comissão encarregada da carta
topográfica e geológica da província de Minas.154

Presumimos que a criação da Comissão Geográfica e Geológica de São


Paulo em 1886 possa ter gerado um clima favorável à iniciativa em Minas, vistos
os persistentes esforços de Gorceix até o final dos anos 1880, já eminente o fim do
regime monárquico com o qual encontrava-se identificado. Junto ao Ministério do
Império, Gorceix apresentou, em 1888, o mesmo plano e acrescentou aos
argumentos de ordem econômica os apelos pelo desenvolvimento científico do
país, promovendo a geologia à condição da ciência que deve, senão resolver, ao
menos estudar os problemas que mais importam à história da humanidade.155 O

154MINAS GERAIS. [Relatório do presidente Machado Portela]. [Ouro Preto: s.n.], 1886. p.107.
155BRASIL. Ministério do Império. Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 4ª.
sessão da 20ª. legislatura pelo ministro e secretário de estado dos Negócios do Império Antônio
Ferreira Viana. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. p.56.
De fato, na Europa, especialmente em países como a França, a Inglaterra e a Áustria, a geologia
tornara-se durante o século XIX a primeira das big sciences da modernidade, adquirindo um
estatuto de disciplina científica autônoma, em grande parte fundamentada na produção
cartográfica, visto o expressivo aparato gráfico (mapas, diagramas, perfis estratigráficos) que era
acionado em todos os trabalhos, fossem eles resultantes de investimentos públicos em explorações
minerais, de expedições de caráter essencialmente científico ou, em grande parte dos casos, um
produto conjugado dessas duas motivações.

113
mesmo plano foi ainda apresentado ao Ministério da Agricultura e, nessa altura
do processo, Gorceix utilizou sua maior arma: um pedido de proteção do
Imperador.156

Apesar do silêncio oficial em resposta aos seus apelos, relatórios dos


governos federal e provincial atestam que Gorceix e seu auxiliar, o professor da
escola Antônio Olinto dos Santos Pires157, chegaram a iniciar, em 1887, alguns
trabalhos de mapeamento. Mas esses trabalhos, que compreendiam breves
explorações em campo e o recolhimento de documentos para a elaboração da carta
topográfica e geológica do município de Ouro Preto e regiões vizinhas, com
indicação das jazidas de ouro e ferro ali existentes, pareciam retomar os mesmos
passos esboçados por Gorceix em 1880, como se quase uma década de esforços não
tivessem alcançado nenhum resultado.

Todo o empenho de Gorceix para liderar o mapeamento geológico de Minas


seria em vão, e foi preciso esperar pelo advento do regime republicano para que
amadurecessem as condições políticas para a grande empresa cartográfica que há
tanto se anunciava. Em 3 de novembro de 1888, em carta ao mestre e amigo
francês158, o príncipe D. Pedro Augusto lamentava não ter conseguido sensibilizar
as autoridades para a iniciativa e dava a exata imagem do sonho de Gorceix:

O mapa geológico é como no Barba Azul: irmã Ana, não vê nada chegando?

CORSI, Pietro. Géologie et pouvoir dans l’ Italie du XIXe siècle. In: CENTRE DES
RECHERCHES EN HISTOIRE DES SCIENCES ET DES TECHNIQUES. Rapport d’ activité du
CRHST : du 1er. janvier 2000 au 15 novembre 2002.
156 Carta de Henri Gorceix a D. Pedro II. Ouro Preto, 20 agosto de 1888. LIMA, 1977. p.234.
157 MINAS GERAIS. Vice-presidente (Barão de Camargos 1889). Fala que à Assembléia

Legislativa Provincial de Minas Gerais dirigiu por ocasião da instalação da 2ª. sessão da 27ª.
legislatura em 4 de junho de 1889 o 1º. vice-presidente da província, Dr. Barão de Camargos. Ouro
Preto: J. F. de Paula Castro, 1889. p.23.
BRASIL. Ministério do Império. Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa pelo
ministro e secretário dos Negócios do Império José Fernandes da Costa Pereira Junior. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1888. p.64.
158 Carta de D. Pedro Augusto a Henri Gorceix. Rio de Janeiro, 3 novembro de 1888. LIMA, 1977,

p.245.

114
3 O PROGRA MA CAR TOGRÁFICO DA COMISSÃO GEOGRÁFI CA E
GEOLÓG ICA DE MINAS GERA IS: AS D IMENSÕES FÍSI CAS DA
PÁTRIA MINEIRA

3.1 Políti cas territoriais em jogo: a “pequena pátria” mineira

Cercada de terra por todos os lados1, dependente de outros estados para


escoamento de seus produtos e ameaçada em sua unidade pela desarticulação e
desenvolvimento desigual das suas regiões, em função sobretudo do surto
cafeeiro, Minas Gerais era, no alvorecer da República, um estado no qual a
questão geopolítica impunha-se como uma das prioridades no programa mais
amplo de construção da ordem republicana. A mudança da capital foi a realização
mais grandiosa e bem-sucedida desse projeto das elites mineiras para o
reordenamento espacial do estado, propiciado pela emergência de um novo olhar,
um olhar técnico e científico sobre a paisagem, o território e a população. E não
faltou às elites políticas e intelectuais a consciência da eficácia simbólica desses
gestos, desde a concretização do sonho dos inconfidentes na mudança da capital
até a propaganda das riquezas naturais do estado como forma de atração de
imigrantes.

Como mostram os analistas, o advento da República foi marcado pelas


lutas políticas pelo controle do estado, lutas que ocorriam numa arena tensionada
pelas rivalidades entre republicanos históricos, adesistas e monarquistas, tanto
no plano federal como no estadual, sobre as quais se sobrepunham os embates
pelos interesses regionais. Em Minas essa instabilidade política pode ser
verificada na rápida sucessão de lideranças no comando do governo estadual nos
primeiros meses, e pelas marchas e contramarchas de seus programas de
governo.2

1 Expressão tomada de: WIRTH, John D. O fiel da balança: Minas Gerais na federação brasileira,
1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.83.
2 Entre 15 de novembro de 1889, data da proclamação da República, e 30 de maio de 1892, quando

115
Mas, como mostrou John Wirth, a despeito dos conflitos regionais e da
instabilidade política, os primeiros anos da República em Minas também foram
marcados por um otimismo e por uma confiança no futuro que se traduziram no
efetivo investimento do estado em programas ferroviários, imigração e na nova
capital, além de outros projetos subsidiados pelo governo, entre os quais nos
interessam mais de perto as políticas de reconhecimento e representação do
território, que se concretizaram na criação de programas estatísticos e
cartográficos.

O período pós-proclamação da República caracterizou-se pela indefinição


das regras políticas ao nível federal e conseqüente favorecimento dos grandes
estados exportadores, que detinham o controle dos instrumentos políticos no nível
dos estados.3 O federalismo, nos moldes implantados pela constituição federal de
1891, dotou os estados de uma autonomia nunca experimentada e tornou a
instância estadual uma arena de poder efetivo, na qual emergiram projetos
políticos regionais e locais e deu-se a experiência de construção de um aparato
governamental à altura da nova dimensão política do estado.

O federalismo apresentava-se como solução para os problemas das elites


regionais, posto que a autonomia regional seria, por si mesma, capaz de produzir
crescimento econômico, uma vez assegurada a independência orçamentária dos
estados pela retenção, no interior dos estados exportadores [d]a maior parte da
renda/tributo lançada sobre a produção estadual .4

Em Minas, foram anos marcados pela tensão resultante entre a


concorrência dos interesses regionais e a conciliação dos novos atores políticos,
divididos entre republicanos históricos, liberais e monarquistas adesistas. A

é empossado o primeiro governador eleito, Afonso Pena, sete diferentes administrações


sucederam-se no governo de Minas, o que dá uma dimensão da intensa luta política então travada
pelo poder no Estado. Foram eles: Antônio Olinto dos Santos Pires, governador interino nomeado
pelo governo provisório federal (de 16/11 a 24/11 de 1889); José Cesário de Faria Alvim
(25/11/1889 a 10/2/1890; 18/6/1891 a 17/2/1892); João Pinheiro da Silva (11/2 a 19/7 de 1890);
Domingos José da Rocha (20 a 23/7, 6 a 13/8, 4 a 17/10 de 1890); Crispim Jacques Bias Fortes
(22/7 a 3/10, 18/10 a 27/12 de 1890, 7/1 a 11/2 de 1891); Frederico Augusto Alvares da Silva
(28/12/1890 a 5/1 de 1891, 12/2 a 17/3 de 1891); Antônio Augusto de Lima (18/3 a 17/6 de 1891);
Eduardo Ernesto da Gama Cerqueira (16 a 18/6/1891).
3 MELO, Ciro Flávio de Castro Bandeira de. Pois tudo é assim...educação, política e trabalho em

Minas Gerais (1889-1907). 1990. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Educação,


Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1990.
4 MELO, 1990, p.72.

116
desintegração política e econômica do território do estado era então o grande
desafio a ser enfrentado pelos novos governantes. Fragilizado internamente, o
poder estadual não poderia enfrentar, na escala do governo federal, o perigo
igualmente desagregador do federalismo recém-implantado. Mas a forte
diversidade interna impediu, por outro lado, que a disputas regionais,
especialmente entre as regiões da mata, do centro e do sul, lograssem impor a
hegemonia de qualquer uma delas, e a ampla conciliação empreendida por
políticos como Cesário Alvim, João Pinheiro e Afonso Pena terminou por se
sobrepor às forças centrípetas. Segundo estudiosos como Faria5, o amálgama das
forças políticas mineiras nos primeiros anos da República não foi uma identidade
ideológica ou programática, mas sobretudo a cultura política da ordem e a
invenção da tradição de um patriotismo mineiro, recurso simbólico fundado em
um sentimento natural de pertencimento ao território de nascimento ou vivência
mas que ligava suas origens míticas à riqueza e singularidade da antiga região
mineradora, à Inconfidência e especialmente à figura de Tiradentes.

O recurso ao patriotismo regional como fundamento do discurso federalista


não foi exclusividade das elites mineiras. Já em 1870 o principal ideólogo do
separatismo paulista, Alberto Sales, havia publicado o seu opúsculo A pátria
paulista, no qual evocava uma história diferenciada, um território e uma
população superior para defender a radical separação de São Paulo do restante do
Império Brasileiro. No quadro de desarticulação e decadência do Império, a
afirmação regionalista de uma província como São Paulo encontrava na idéia da
pequena pátria o recurso na defesa de uma ruptura radical, como queria Sales.
Na organização da jovem República, consagrada na constituição de 1891,
separatismo, regionalismo e federalismo eram armas retóricas na luta pelo poder
entre os estados, suas diferentes regiões e os grupos políticos interessados na
manifestação de seus interesses. Como mostrou Melo,

5FARIA, Maria Auxiliadora. A política da gleba; as classes conservadoras mineiras: discurso e


prática na Primeira República. 1992. Tese (Doutorado em História Social). Universidade de São
Paulo. São Paulo, 1992.

117
[...]a constituição de 1891, ao instituir o federalismo, abria caminho para
que interesses estaduais buscassem no discurso da “pátria estadual” o
esfacelamento da União.6

A nova ordem constitucional terminou por emancipar política,


administrativa e juridicamente os estados, dotando-lhes especialmente de
autonomia financeira pela discriminação das rendas. Apesar do êxito do
federalismo na montagem da nova ordem jurídica, administrativa e política da
República, a questão territorial recebeu pouca atenção na constituição federal,
que manteve inalteradas as dimensões e contornos físicos das antigas províncias,
preservando, com algumas alterações localizadas, o mosaico de divisões de
natureza orgânica e histórica, cujas raízes remontavam à ocupação colonial. A
manutenção do status quo territorial do Império carregou para a nova ordem os
antigos litígios de limites e, sobretudo, a desigualdade demográfica e territorial
entre as novas unidades federativas, o que, entre muitos outros fatores,
consolidaria a médio prazo o peso da representação política dos estados mais
populosos como Minas Gerais e São Paulo. Para o historiador mineiro Oliveira
Torres, defensor entusiasta do patriotismo local, a manutenção dos recortes
territoriais das antigas províncias foi prova de que o federalismo defendido e
vitorioso na constituição federal foi aquele que se fundava no amor-próprio
estadual, no provincialismo, ou seja, na preservação das antigas circunscrições
regionais como [...]realidades históricas distintas, definidas e constituídas pelo
tempo.7 Segundo o mesmo autor, na constituinte ocorreu um debate, ainda que
rarefeito, com alguns adeptos do federalismo que também propunham uma
revisão territorial nos moldes da experiência francesa dos departamentos ou da
constituição dos territórios norte-americanos8. Mas tais propostas, que

6 MELO, 1990, p.70. Mas a idéia da petite patrie ,entendida como um sentimento de identidade e
de pertencimento a um território reconhecido pelas práticas sociais, mais do que pelo nascimento,
fixou-se na segunda metade do século XIX em alguns países europeus, com a França e a Itália,
não como contraponto às identidades nacionais, mas em articulação com as mesmas, com um
duplo sentimento que permitiu a cercadura das identidades regionais em torno da construção dos
Estados-nação modernos. No Brasil, essa articulação entre duas ideologias identitárias terá maior
força no momento em que a questão nacional se sobrepuser à afirmação regional, como veremos.
7 TORRES, João C. de Oliveira. A formação do federalismo no Brasil. São Paulo: s.n., 1961. p.168.
8 Marie-Vic Ozouf-Marignier demonstrou que a pretensa arbitrariedade e artificialidade com que

foram definidos os departamentos franceses na constituinte de 1790, não teria correspondido à


realidade. A divisão territorial da França em departamentos mais ou menos uniformes decorreu
de uma fina negociação entre os constituintes imbuídos dos ideais revolucionários de

118
pressupunham a aceitação de um poder central e de uma racionalidade supra-
regional, foram repelidas em favor da afirmação da autonomia das circunscrições
então existentes.

Fórum privilegiado para entendimento dessas questões políticas e


territoriais em jogo foram, na escala do estado mineiro, os debates do Congresso
Mineiro Constituinte, instalado em 7 de abril de 1891. Ali foram discutidas
importantes questões relacionadas aos levantamentos estatísticos, ao
ordenamento, domínio, uso e representação do território mineiro. Iniciativas
paralelas que guardavam íntima relação, se as pensamos como desdobramentos
diretos das prerrogativas de construção de uma nova ordem ao nível dos estados,
determinada especialmente pela consagração do federalismo na constituição
federal de 1891.

Na esteira dos processos em curso no governo federal, e a partir de um


anteprojeto constitucional preparado por uma comissão nomeada pelo governo
provisório mineiro9, ocorreram os debates e as decisões dos constituintes
mineiros, cuja composição resultou na absorção dos progressistas frente à vitória
das forças mais conservadoras, agrupadas em torno de lideranças como João
Pinheiro, Afonso Pena e Bias Fortes, comprometidas sobretudo com a
manutenção da ordem e a construção de uma República possível.10 Mas se a
constituinte mineira terminou marcada pela continuidade social, nem por isso
seus debates deixam de apresentar interesse para o entendimento do momento no
qual foram viabilizadas, como nunca antes, políticas cartográficas e estatísticas
no estado.

Entre os constituintes mineiros, os debates sobre a autonomia e a


organização municipal deram-se como parte essencial do federalismo em

centralização democrática e racionalidade geométrica e os poderes locais engajados nos interesses


específicos de cada região. Conclui a autora que [...] a imagem empírica que se pode guardar desta
articulação entre plano parlamentar e desejos locais é portanto aquela de um compromisso entre
várias racionalidades. OZOUF-MARIGNIER, Marie-Vic. La formation des départements ; la
représentation du territoire français à la fin du XVIIIème siècle. Paris: École des Hautes Études
en Sciences Sociales, 1989. p.294.
9 No governo de Crispim Jacques Bias Fortes.
10 A CONSTITUINTE de 1891. In: AS CONSTITUINTES mineiras de 1891, 1935 e 1947; uma

análise histórica. Belo Horizonte: Assembléia Legislativa, Conselho de Informação e Pesquisa:


1989. p.50.

119
implementação. É através das clivagens regionalistas que podemos entender a
grande polêmica travada em torno das deliberações mais significativas desse
Congresso, como a autonomia municipal e a mudança da capital.11

O separatismo era eficiente arma retórica dos representantes das regiões


mais dinâmicas economicamente, como a mata e o sul do estado. Diferentemente
da constituinte federal, onde as questões de remanejamento territorial
permaneceram intocadas, a base territorial do estado mineiro estava sendo
colocada em jogo, e as possibilidades de uma reordenação territorial foram
levantadas em diversas ocasiões. No jogo argumentativo, o separatismo, embora
sempre indesejável e impatriótico, era apresentado como uma experiência em
curso e como solução natural frente às tentativas de uma centralização
autoritária. O deputado Olinto Magalhães12, ao defender seu projeto alternativo
de organização do estado em cantões, discriminou as múltiplas zonas em perigo e
apontou os vetores desse desmembramento que se anunciava:
Adotar, por conseguinte, para o governo do estado o princípio da unidade
administrativa, seria preparar o território para o desmembramento,
auxiliando essa propaganda de ingratidão patriótica que vive sonhando
com a anexação da mata do sul de Minas Gerais ao estado do Rio de
Janeiro.
É assim que, se lançarmos as nossas vistas para o sudoeste do estado,
veremos que a zona conhecida pelo nome de triângulo mineiro tem todos os
seus interesses, todas as suas relações econômicas e naturais dirigidas
para o estado de São Paulo; por conseguinte, não estando a viação férrea
distribuída de modo que pudéssemos concentrar os interesses dos mineiros,
é bem claro que se adotássemos o princípio da unidade administrativa, o
triângulo mineiro teria o direito de pedir a sua anexação ao estado de São

11 Segundo Viscardi, em artigo sobre as elites políticas mineiras na primeira República, dois
grandes grupos políticos atuaram na constituinte: os republicanos históricos concentrados nas
regiões cafeicultoras da mata e do sul do estado, e os monarquistas e adesistas, ligados à região
mineradora central. Ainda que pouco representados na Constituinte, os republicanos obtiveram
êxitos como a consagração da autonomia municipal, que conferiu poder político aos coronéis e
garantiu a retenção de recursos financeiros nos municípios cafeicultores, os mais ricos
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. Elites políticas em Minas Gerais na Primeira República.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.8, n.15, p. 39-56, 1995.
Estudo específico sobre a Constituinte interpõe a essa forte dicotomia o grupo dos chamados
evolucionistas, nem monarquistas nem adesistas de última hora, mas liberais que cedo
incorporaram o discurso republicano, esvaziando-o do sentido revolucionário e imprimindo-lhe
forte pragmatismo. Expoente desse grupo seria João Pinheiro. A CONSTITUINTE..., 1989.
12 Republicano radical, Olinto Máximo de Magalhães era natural de Barbacena, Minas Gerais.

Diplomou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e realizou estudos científicos na


Europa. Seu anteprojeto, inspirado no sistema de cantões da Suíça, foi recusado pelos
constituintes. A CONSTITUINTE..., 1989, p.71 e 300.

120
Paulo, ou então constituir-se em um estado diferente.
Neste caso, o norte e o centro do nosso estado, perdendo as duas zonas mais
ricas, ver-se-iam forçados a procurar outro recurso para reviver-lhe a
importância, e esse seria necessariamente a sua anexação ao sul da Bahia,
formando por exemplo um novo estado marítimo, servido pelo porto de
Caravelas, desaparecendo assim o glorioso estado de Minas das cartas
geográficas para reviver na história pelas suas inolvidáveis tradições.13
(grifo nosso).

A longa citação justifica-se por demonstrar como Magalhães construiu seu


argumento. Aos diversos elementos de ordem prática, como interesses econômicos
atrelados a outros estados, insatisfação com a definição das rotas essenciais da
viação férrea e o desejo do porto marítimo, apresentados como potenciais forças
centrífugas, o parlamentar interpôs o apelo aos elementos simbólicos do
patriotismo mineiro e da tradição identitária. É a esta ameaça maior que ele
apela para defender sua proposta: o perigo de que a centralização proposta no
anteprojeto apresentado pelo governo resultasse no desmembramento do estado,
tornando o texto constitucional [...] a mortalha indigna de um povo que viesse a
sucumbir exatamente na hora histórica em que o ideal dos mártires mineiros de
1792 se corporizava numa realidade prática – a República. 14

A superação do perigo de perda da integridade do território do estado pelo


ordenamento de sua divisão administrativa em cantões, como defendia
Magalhães, não teve maior repercussão no parlamento. Os constituintes
concentraram suas preocupações e discussões em torno da questão da autonomia
municipal e dos limites interestaduais, duas questões que teriam desdobramentos
para muito além da aprovação do texto constitucional, especialmente a questão
dos limites, que irá condicionar diretamente a política cartográfica, como veremos
mais adiante.

O deputado constituinte David Campista15 retomou o debate sobre a


integridade física do estado mineiro quando defendeu a necessidade da

13CONGRESSO CONSTITUINTE. Anais Do Congresso Constituinte Do Estado De Minas Gerais;


1891. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1896, p.46.
14CONGRESSO CONSTITUINTE, 1896, p.46.
15 Político originário da zona da mata, era advogado. Foi deputado mineiro constituinte (1891),

secretário da Agricultura no governo Afonso Pena, secretário de Finanças no governo Silviano


Brandão (1898-1902), deputado federal, ministro das Finanças (1906-1909).

121
constituição estadual prever a possibilidade de desmembramento ou aquisição de
territórios, em acordo com a constituição federal. O texto constitucional federal,
dadas as pendências históricas em diversos pontos do território nacional,
permitia o desmembramento ou subdivisão dos territórios dos estados, em
negociações que, em última instância, só seriam concretizadas com a aprovação
do governo federal. Em Minas, ocorriam litígios em pontos diferentes das
fronteiras com todos os estados vizinhos - múltiplas tensões consideradas como
conflitos localizados, de pequena escala. Mas legislar sobre possibilidades de
desmembramento ou subdivisão levantava mais uma vez a ameaça sempre
presente do retalhamento do estado em grande escala. Na Constituinte, e mesmo
depois dela, tratar do tema dos limites interestaduais significava abrir o debate
novamente sobre a fragilidade do corpo físico em relação à construção simbólica
do patriotismo mineiro, como frisou Campista:

Ao que parece temos receio de tocar nesta questão, como se uma simples
referência ao disposto na Constituição Federal pudesse despertar idéia de
separação ou de retalhamento da pátria mineira, para o qual nenhum de
nós quer concorrer.16

Um ponto ainda mais delicado relacionado ao debate sobre os limites do


estado era o da soberania popular, ou seja, da possibilidade de consulta à
população local sobre o destino do território em litígio. Isso porque a possibilidade
de desmembramento poderia tornar-se, como os debates constituintes
mostravam, um instrumento de pressão para as populações locais. É ainda David
Campista quem sugere o risco, para o qual alerta e recomenda diretamente:

É necessário que meditem os meus nobres colegas em que, se a idéia de


separação surgiu em alguma zona, essa idéia foi o grito de desespero de
municípios oprimidos e muitas vezes perseguidos pelo governo [...]
Nenhum perigo correrá a integridade de nosso território, se dermos toda
autonomia aos municípios, se a federação for sincera e lealmente
praticada.17

Seja na defesa de interesses regionais imediatos, seja na disputa pelo


ideário próprio ao projeto de desenvolvimento em longo prazo, muitas das

16 CONGRESSO CONSTITUINTE, 1896, p.118.


17 CONGRESSO CONSTITUINTE, 1896, p.118-119.

122
questões levantadas pelos parlamentares de 1891 pressupunham o investimento
no conhecimento da base física da unidade federativa como iniciativa estratégica
do novo governo. A fragilidade dos dados estatísticos e geográficos foi por mais de
uma vez assinalada no debate parlamentar em questões essenciais para o
reordenamento administrativo e jurídico do estado, como na definição dos
critérios para a divisão municipal. O critério censitário18, que constava na
proposta em discussão, foi criticado pela insegurança dos dados demográficos e
geográficos então existentes e a desconsideração de outros fatores de
fortalecimento dos municípios, como a relação entre receita e despesa e a
existência de riquezas naturais. A falta de dados seguros poderia levar ao
atendimento de interesses de ocasião ou mesmo à sua declarada manipulação,
como afirmou o deputado Ildefonso Alvim, um defensor da autonomia municipal,
ao comentar sobre o recenseamento geral então em curso, promovido pelo governo
federal:

Não temos um bom recenseamento, não dispomos de uma boa carta


geográfica do estado; como pois, fazer uma boa divisão dos municípios?
[...] o critério da população é perigoso porque, se é verdade que já
desapareceram muitos municípios, por ocasião do novo recenseamento
veremos a população do estado aumentar talvez de cinqüenta por cento,
por isso que as localidades que tiverem pretensão à categoria de municípios
terão o necessário cuidado de ‘preparar’ devidamente o recenseamento.19

Aprofundando na mesma linha de argumentação, o deputado Bernardino


de Lima20 defendia que ao critério populacional e das rendas deveriam somar-se
as bases territoriais da localidade, como sua extensão, as condições de suas
estradas e de suas forças produtivas, enfim, os elementos essenciais à autonomia
dos municípios.21 O deputado enfatizou a necessária relação entre população e
território na formação e autonomia do estado e estendeu essa condição essencial à

18 Por esse critério, um distrito só poderia ser elevado a município se contasse com uma população
superior a 30.000 habitantes.
19CONGRESSO CONSTITUINTE, 1896, p.144.
20 Bernardino Augusto de Lima era bacharel em Direito, natural de Nova Lima, Minas Gerais.

Professor de Direito na Escola de Minas e um dos fundadores da Faculdade de Direito de Belo


Horizonte, onde também lecionou. Ocupou diversos cargos públicos na área financeira e
fazendária do governo estadual, e foi deputado e senador no Congresso Mineiro. Publicou na
imprensa diversos artigos sobre modernização agrícola, posteriormente reunidos no volume A
Economia Rural.
21 CONGRESSO CONSTITUINTE, 1896, p.375.

123
administração dos municípios e das comarcas. Afirmou ainda Bernardino de
Lima que os constituintes eram pródigos na defesa teórica das municipalidades,
mas que a aplicação desses princípios esbarrava no desconhecimento empírico dos
elementos que constituíam o objeto da estatística – o território, a população e a
administração:

[...] no Brasil há como que uma tábua rasa em matéria de estatística.


Não temos, srs., uma estatística de território, considerando o território em
todas as subdivisões; não temos uma estatística quanto à população, ao
menos uma estatística que se aproxime da verdade, nem muito menos,
temos uma estatística relativa ao governo.
Se assim é, sr. presidente, o que nos cumpre fazer, desde que tratamos de
uma organização de acordo com os princípios democráticos, é lançarmos
mão de medidas de estatística que nos habilitem em um futuro não remoto
a estabelecermos as bases de uma divisão judiciária, municipal e
administrativa.22

Para os defensores do critério de discriminação de rendas não existiria


nenhuma dúvida quanto à positividade dos dados financeiros, que demonstravam
cabalmente que a arrecadação centralizada era prejudicial aos municípios da
mata e do sul, e que a manutenção da centralização da arrecadação, entendida
como uma injustiça, levaria inevitavelmente ao separatismo. O intenso debate em
torno desse ponto nodal da organização do estado proporcionou duelos retóricos
como aquele travado entre Octávio Otoni e Camilo Prates. O primeiro a defender
a discriminação de rendas como critério positivo, o segundo a combatê-la, ambos
tensionam seus discursos pela ameaça de desintegração do território e a
eminência de dissolução do patriotismo mineiro. Se a constatação da fragilidade
dos dados objetivos sobre população, recursos econômicos e rendas pode ser
entendida no nível das disputas políticas da Constituinte como mais uma
alegação dos deputados da região central que pretendiam o adiamento dessa
decisão para as leis ordinárias, certo é que o impasse teve solução favorável aos
defensores da autonomia municipal e do seu direito de legislarem e arrecadarem
impostos. Mas tal direito ficou restrito aos impostos sobre os quais se tinha de
fato um conhecimento maior, como indústrias, profissões e imóveis urbanos23.

22CONGRESSO CONSTITUINTE, 1896, p.376.


23 A CONSTITUINTE..., 1989, p.44.

124
Se armas retóricas ou possibilidades históricas, talvez ambas as coisas, os
debates sobre o separatismo regional e a fragilidade das fronteiras, bem como
sobre a credibilidade dos dados estatísticos e territoriais para o reordenamento
administrativo e jurídico do estado fizeram emergir no Congresso Constituinte,
com desdobramentos nas legislaturas posteriores, as preocupações relativas ao
conhecimento geográfico, estatístico e cartográfico do estado.

No mesmo sentido, duas outras questões de fundamental importância na


formulação das políticas territoriais seriam objeto de discussão e deliberação do
Congresso mineiro: a regulamentação do regime das terras devolutas e da
exploração mineral24 e a construção da nova capital.

A constituição federal transferiu para os estados a propriedade e o direito


de legislar sobre as terras devolutas e sobre as minas, retendo apenas a mínima
parcela necessária à questões de segurança, como fronteiras e equipamentos
militares, ou de infra-estrutura, como estradas de ferro federais. Para Torres
essas medidas foram frutos do [...] estadualismo levado às últimas
conseqüências.25

Os debates na constituinte pela mudança da capital aconteceram em meio


ao recrudescimento retórico e efetivo das ameaças separatistas. Como colocou
Melo, [...] as reivindicações separatistas não eram novas, principalmente no sul
de Minas.26 Ao longo da segunda metade do século XIX, o desmembramento e a
criação de novas unidades administrativas foram colocados em diferentes
momentos como solução para problemas de isolamento e estagnação em regiões
distantes, como o vale do São Francisco, ou como saída para a emancipação

24Pouco antes da instalação da Constituinte, o governador Augusto de Lima nomeou uma


comissão para estudar a questão e apresentar um projeto ao Congresso. Era formada por Camilo
Augusto Maria de Brito, Modesto de Faria Belo, Francisco de Paula Rocha Lagoa, Otávio Esteves
Otoni, Augusto Barbosa da Silva e Severiano Nunes Cardoso de Resende. MINAS GERAIS.
Governador (Antônio Augusto de Lima 1891). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. José
Cesário de Faria Alvim, presidente do Estado de Minas Gerais, em 15 de junho de 1891, pelo Dr.
Antônio Augusto de Lima, ex-governador do mesmo estado. Ouro Preto: J. F. de Paula Castro,
1892b. p.48.
25 TORRES, 1961, p.164.
26 MELO, 1990, p.94.

125
econômica e fiscal de regiões prósperas, como o sul ou a mata. Mas refletiram
também as pressões limítrofes e os interesses de outros estados.27

A decretação da mudança da capital, estabelecida nas disposições


transitórias da constituição mineira sem, entretanto, a definição do sítio para sua
implantação, foi o compromisso possível entre os representantes das diferentes
regiões naquele momento. Na ampla historiografia que discute a questão da
mudança da capital e as razões para o seu inequívoco êxito, parece consensual
que a decisão da mudança foi o passo decisivo na política conciliadora que desde o
advento da República vinha sendo engendrada pelos políticos mineiros. Após os
acirrados debates políticos e técnicos sobre a pertinência e viabilidade da
mudança, prevaleceu o impulso à unidade, ancorado no patriotismo mineiro, que
se sobrepôs aos interesses separatistas numa solução que costurou conciliação
política e anseios de modernização e racionalidade. A coesão interna era condição
para que se viabilizasse no plano estadual as prerrogativas de autonomia política
e financeira que a nova ordem constitucional garantira. Coesão e unidade que se
concretizaram na idéia da nova capital, locus e símbolo da centralidade política e
geográfica almejada, mas não foram, entretanto, suficientes para traduzi-la
espacialmente, através da escolha do local de sua implantação. Com o impasse
político na definição do sítio, uma lei adicional à constituição, promulgada quatro
meses depois, levou a matéria para outra instância de deliberação, a arena do
debate técnico-científico:

Decidiu-se deixar a tarefa a cargo de técnicos, que avaliariam regiões pre-


estabelecidas e dariam um parecer favorável àquela que reunisse melhores
condições ambientais, de fornecimento de materiais, de comunicações. 28

27A expressão mais radical desses movimentos seria o separatismo republicano do sul de minas,
em plena emergência durante os debates constituintes Em 1892 desaguaria no movimento pela
criação da Minas do Sul, com capital em Campanha. O separatismo recrudesceu com o advento da
República, mas perdeu ímpeto com a construção da nova capital, que enfraqueceu definitivamente
os antigos anseios por uma nova configuração territorial. Tornou-se cada vez mais uma moeda de
troca para obtenção de recursos e concessões do poder executivo estadual (WIRTH, 1982,p.67;
MELO, 1990, p.94-95).
28FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estudos Históricos e Culturais. Saneamento básico

em Belo Horizonte: trajetória em 100 anos; os serviços de água e esgoto. Belo Horizonte, 1996.
Fascículo 3: A Comissão Construtora e o Saneamento da Nova Capital. p.14.

126
Uma vez promulgada a constituição mineira, parlamentares e governo
voltaram-se para as questões que a constituição federal de 1891 havia delegado
aos estados e que a constituição estadual deixara como matéria para
regulamentação, como o uso e propriedade das terras devolutas e a propriedade
do solo e do subsolo. A questão das imensas tarefas atribuídas à recém-criada
Secretaria de Agricultura e da sua exeqüibilidade foi motivo de debates nas
sessões que antecederam a promulgação da lei que regulamentava o uso das
terras devolutas e das minas e criava a repartição de terras e colonização.29

Essas matérias foram intensamente debatidas na primeira legislatura do


congresso mineiro, e nos interessam sob dois importantes aspectos: como
portadores da discussão sobre a necessidade e a amplitude do programa de
mapeamento que o estado deveria empreender e como cenário de um curioso
duelo de argumentos técnicos e políticos entre bacharéis e engenheiros. Essa
clivagem das elites políticas na formulação do projeto modernizador do estado,
guardadas as reservas contra todo antagonismo reducionista, era a expressão da
emergência do discurso dos engenheiros enquanto agentes políticos e
protagonistas das mudanças ensejadas com o novo regime.

O senador estadual e bacharel em direito Virgílio de Melo Franco duvidava


da capacidade de uma mera seção da Secretaria de Agricultura de levar à frente
tão ambiciosos programas como o eram a imigração, o registro geral das terras e
a organização da carta geográfica. Questionava, por exemplo, a viabilidade da
adoção do chamado sistema Torrens de registro de terras, estabelecido na lei
federal30, pelas exigências estabelecidas para o referido registro, como a confecção
de plantas dos terrenos, a cargo do estado. Tais plantas, segundo Melo Franco,
exigiriam muitos engenheiros, bons instrumentos e uma despesa colossal não
prevista no orçamento do estado; concluía que tais procedimentos eram para
[...]um futuro remoto, depois que tivermos uma carta geológica completa e outros

29Lei n. 27, de 25 de junho de 1892.


30O decreto n. 451 B, de 31 de maio de 1891, estabeleceu o sistema Torrens para o registro
obrigatório das terras públicas e facultativo para os proprietários de terras da Capital Federal,
mas deixou a cargo de cada estado a opção pela sua adoção em seus territórios.
MINAS GERAIS. Coleção de leis e decretos do estado de Minas Gerais. Ouro Preto: Imprensa
Oficial, 1891.

127
melhoramentos.31 Posições contrárias à de Melo Franco eram defendidas por
senadores estaduais como Joaquim Candido Costa Sena e Francisco de Paula
Rocha Lagoa, membros da comissão que apresentara a proposta de lei, e também
engenheiros, ex-alunos e professores da Escola de Minas, o que lhes conferia
grande autoridade sobre o assunto. Segundo esses parlamentares, cabia ao
governo demarcar as terras a serem vendidas e, nesse sentido, o registro Torrens
era necessário e suas exigências plenamente exeqüíveis:

É verdade que ai se fala em plantas segundo o verdadeiro meridiano, é


verdade que se fala na necessidade de conhecer-se a declinação magnética
etc., mas, todas essas questões assim representadas por palavras tão
retumbantes se reduzem, na realidade, a questões que não são senão de
pura topografia e agrimensura.32

Reduzindo assim as exigências técnicas do registro a minudências técnicas


de um campo de conhecimento que dominava, Costa Sena chamou a atenção para
um desafio maior que deveria ser enfrentado pelo governo: a produção da carta
geológica. Enquanto alguns parlamentares argumentavam ser impossível a sua
produção, Costa Sena defendeu sua viabilidade, demonstrando que não se
pretendia levantar uma carta nos moldes da carta francesa:

A carta da França foi levantada com todo o esmero e luxo científico. [...]
Guardemos esta tarefa para o futuro, quando outros forem os nossos
elementos e outras as nossas circunstâncias.
Por enquanto só devemos pensar em uma carta geológica que satisfaça as
primeiras necessidades da agricultura, e esta os alunos da Escola de Minas
estão nas condições de levantar, até mesmo com particularidades que
ainda não se tornam necessárias.33

Podemos ouvir nesse discurso pragmático de Costa Sena os ecos dos


argumentos de seu mestre Henri Gorceix, empenhados ambos na convencimento
sobre a viabilidade e aplicabilidade do mapeamento geológico. Nessas questões
relativas ao registro de terras e ao mapeamento geológico, as posições de Costa

31 CONGRESSO MINEIRO. Anais do Senado; primeira sessão da primeira legislatura nos anos de
1891 e 1892. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1911. p.1049.
32 CONGRESSO MINEIRO, 1911, p.1052.
33 CONGRESSO MINEIRO, 1911, p.1052.

128
Sena e Rocha Lagoa terminaram por se impor, como demonstram a lei n.27, que
regulamentou a medição e demarcação das terras devolutas de acordo com o
sistema Torrens, e o decreto n.597, que aprovou o regulamento da comissão
geográfica e geológica, introduzindo, entre outras modificações, o mapeamento
geológico.34

Não que essas questões já não estivessem sendo objeto de preocupações dos
governos desde o Império. O que desejamos mostrar é como, nesse momento
histórico, todas essas questões, assim como o processo de escolha do sítio natural
para sede da nova capital foram desafios que ocorreram simultaneamente e
influenciaram grandemente a implementação das políticas estatísticas e
cartográficas em Minas Gerais, dando-lhes um escopo técnico, científico e
administrativo como nunca havia sido experimentado antes.

3.2 O a rcabouço legal e a emergência dos a to res

Separados pelo curto período de pouco mais de dois meses, mais


precisamente 67 dias, dois decretos deixam entrever os desafios e dilemas com
que então se debatia de imediato o governo provisório na formulação de uma
política estatística e cartográfica para o novo estado de Minas Gerais. Data de 21
de janeiro de 1890 o decreto que criava uma diretoria de estatística no aparato
administrativo do estado. Foi assinado pelo então governador José Cesário de
Faria Alvim35, que exerceria o cargo também por pouco mais de dois meses,

34 Um duelo ainda mais acirrado entre bacharéis e engenheiros seria travado em torno da questão
da propriedade das minas, cuja principal argumento em jogo era a separação da propriedade do
solo e do subsolo. A questão transitava do campo do direito para o campo da geologia e os debates
foram protagonizados especialmente pelo engenheiro Costa Sena e os bacharéis João Gomes
Rebello Horta e Camilo Augusto Maria de Brito. Os debates perduraram por anos e a lei
regulamentadora da matéria só foi aprovada em 1899 (lei n. 285 de 18 de setembro de 1899).
35 José Cesário de Faria Alvim nasceu em Pinheiro, arraial do município de Mariana em 1839 e

faleceu em 1903. Bacharel em Direito em São Paulo, aderiu ao Partido liberal, tendo sido
deputado provincial e da Câmara Geral. Declarou-se republicano em julho de 1889. Foi nomeado
pelo presidente Deodoro para o governo provisório de Minas após a proclamação da República,
posto no qual procurou a conciliação entre as facções políticas, inclusive monarquistas. Foi
ministro do Interior de Deodoro. Foi eleito senador por Minas para o Congresso Constituinte e
primeiro presidente constitucional do Estado. Enfrentou a oposição dos republicanos históricos,
perdendo prestígio com a renúncia de Deodoro. No seu governo ocorreu o movimento separatista

129
vítima da volatibilidade política que caracterizou todo o governo provisório pós-
proclamação da República e mais, avançando por toda a última década dos
oitocentos.

Pelo teor discursivo do decreto 10, de 21 de janeiro de 1890, segue-se sua


reprodução na íntegra:

O doutor Governador de Minas Gerais:


Considerando que é de urgente necessidade organizar com a
perfeição possível a estatística do estado, para que a respectiva
administração tenha um campo conhecido e balizado para determinar
os seus movimentos no sentido do bem comum;
Considerando que sem o conhecimento exato da sua geografia,
viação e qualidade de terras, não pode o Governador do estado
resolver com vantagem o momentoso problema de seu povoamento,
pois as variadas aptidões dos que forem convidados a se fixarem nele
cumpre indicar com precisão onde podem proveitosamente disputar a
sua fortuna, da qual decorrerá a fortuna do estado;
Considerando que é também de imprescindível necessidade
conhecer o que já existe em matéria de indústrias, artes, ofícios,
agricultura e comércio, de modo a que o poder público possa nessas
largas áreas de manifestação da atividade humana saber o que deve
amparar e dirigir;
Considerando que a população do estado deve ser conhecida no
seu algarismo quanto possível aproximada da verdade absoluta,
assim como o seu crescimento ou diminuição e causas que o
determinem;
Considerando que cumpre ser averiguado o que há feito, por
fazer-se ou melhorar-se em matéria de Instrução Pública, Justiça,
Finanças, Polícia etc.;
Considerando, finalmente, que as verbas de despesas inúteis e
improfícuas, de que já se acha o estado subtraído, permitem com toda
folga o iniciamento e conclusão dos serviços apontados;
Resolve criar na sede do Governo do Estado de Minas Gerais
uma Diretoria da Estatística do Estado de Minas Gerais, compondo-se
de três seções, que terão a seu cargo:
1a. seção: geografia, viação e análise de terras;
2a. seção: indústrias, artes, ofícios, agricultura e comércio;
3a. seção: população, instrução pública, justiça, finanças e
polícia.
Palácio do Governo, em Ouro Preto, 21 de janeiro de 1890. José

que visava a criação do estado Minas do Sul, liderado pelo município de Campanha, o que levou à
sua renúncia em fevereiro de 1892.

130
Cesário de Faria Alvim.36 [grifos nossos] .

Como se vê, o decreto inaugural da política estatística e cartográfica do


governo republicano já expressava todo o complexo de preocupações técnicas e
políticas que cercariam as medidas nesse campo: o reconhecimento do terreno no
qual se travariam as disputas pelo controle do estado e do direcionamento técnico
e político de seu desenvolvimento. De início é constatada a necessidade de se
conhecer igualmente geografia, viação e qualidade de terras, fatores que,
conjugados, norteariam a política de povoamento do estado, mais especialmente a
imigração. Da qualidade do meio natural, de suas estradas e do potencial de
cultivo agrícola dependeria o êxito de política de imigração.

A criação da Diretoria de Estatística justificava-se ainda pela vontade do


governo de promover um vasto reconhecimento da instrução pública, finanças,
indústrias, artes, ofícios, justiça, comércio, polícia, agricultura. Um inventário de
quase tudo, expresso, quanto aos mistérios de crescimento ou diminuição da
população, no desejo de alcançar um algarismo próximo da verdade absoluta.

Um último ponto ainda chama a atenção no decreto: afirmava ele haver


recursos públicos para tão grande empreendimento, entre as verbas liberadas das
despesas inúteis e improfícuas, acenando para uma mudança de prioridades nas
dotações orçamentárias.

Mas, já em 29 de março do mesmo ano, novo decreto vinha modificar a


medida, transformando o que seria uma diretoria em três comissões, o que
significava conferir caráter temporário aos serviços originalmente pensados como
estruturadores da ação administrativa. Promulgado no período do governo de
João Pinheiro37, o decreto n.33, de 29 de março de 1890, justificava a modificação

36 MINAS GERAIS. Coleção de leis e decretos do estado de Minas Gerais. Ouro Preto: Imprensa

Oficial, 1889-1890.
37 João Pinheiro da Silva nasceu no Serro em 1860, e faleceu em 1909. Estudou na Escola de

Direito em São Paulo, onde foi aluno de Cipriano José de Carvalho e Antônio da Silva Jardim,
notórios partidários do positivismo e do republicanismo. Liberal no tempo do Império, cedo
incorporou o discurso republicano, imprimindo-lhe um caráter mais pragmático e conservador. Foi
um dos organizadores do Clube Republicano de Ouro Preto. No governo provisório foi secretário
de estado, vice-governador, tendo passado para o exercício interino do governo de Minas, com a
saída de Cesário Alvim, no momento de confrontação entre republicanos históricos, os chamados
evolucionistas (como o próprio Pinheiro), e os monarquistas adesistas, momento que antecede a
convocação da Assembléia Constituinte estadual. Deputado constituinte, renuncia ao mandato

131
pela necessidade [...]de se observar a mais severa economia dos dinheiros públicos
[...] e assinalava o caráter transitório dos serviços, em especial aquele referente
ao conhecimento do solo, que poderia ser extinto após a conclusão dos trabalhos.
Considerava ainda que os levantamentos estatísticos sobre a população também
seriam reduzidos assim que se colhessem os dados, e que todo o trabalho teria
prosseguimento pela repartição existente à época.38

Se o novo decreto conferia natureza transitória aos serviços estatísticos,


mantinha e reafirmava, entretanto, a mesma ambição totalizante do primeiro. As
instruções que acompanhavam o decreto ofereceram as bases técnicas para o
efetivo desenvolvimento dos trabalhos, e tamanha é a sua importância que os
próprios atores envolvidos no processo, como os engenheiros Augusto de Abreu
Lacerda e Carlos Nunes Rabello apontaram João Pinheiro como o verdadeiro
criador das comissões e principal formulador, no âmbito político, das políticas
cartográficas e estatísticas em implementação.

Segundo as instruções, os trabalhos cobririam três classes de serviços


estatísticos. A primeira classe compreendia os dados relativos ao território, como
a divisão administrativa e judiciária, a delimitação do estado, dos municípios e
dos distritos, sua extensão, posição, clima, direção de suas montanhas, rios e
estradas, estudos mineralógicos e pedológicos39, determinação de altitudes e, por
fim, a correção da carta geográfica do estado. A segunda classe estatística
consistia no estudo da população, seu estado político, intelectual e moral.40 A
última classe reuniria os estudos relativos à agricultura, indústria e comércio,
consistindo em toda sorte de dados sobre cultivo, consumo e produção agrícola e

com a deposição de Deodoro. Industrial, foi também senador e presidente de Minas, sob a égide da
política da conciliação.
38 O decreto não é muito claro quanto à vinculação das comissões à estrutura administrativa do

governo, mesmo porque o estado passava por uma reestruturação que resultaria na promulgação
dos regulamentos das três secretarias do estado em 1892 (Interior, Finanças e Agricultura,
Comércio e Obras Públicas).
39 Relativos à composição e fertilidade das terras e suas culturas.
40 Em cujo conceito cabiam os levantamentos sobre volume populacional nos diferentes níveis de

organização, sexo, nacionalidade, idade, estado, domicílios, religião e fluxo, número de eleitores,
dívida do estado, imóveis públicos, funcionalismo, força pública, escolas públicas e particulares em
todos os níveis, número de alunos, sociedades científicas, literárias e de outra natureza, hospitais,
cadeias, crimes, detentos e processos criminais.

132
pecuária, inventário das indústrias, artes e ofícios, estrutura, fluxos e valor das
atividades comerciais.

Concebidas assim como partes constitutivas de um programa estatístico, as


atividades geográficas e cartográficas tinham como objetivo, mais do que um
inventário quantitativo do meio natural, voltado para o diagnóstico das riquezas
minerais e do potencial agrícola das terras, a consolidação das bases físicas da
unidade federativa, pela definição de seus limites internos e externos, jurídicos e
administrativos, a serem estabelecidos com base na autoridade técnica da
comissão. Os trabalhos de campo seriam feitos na escala de cada município,
objetivando [...]retificar e completar os mapas existentes e formar uma idéia
suficientemente exata de sua geografia, o que compreendia limites, [...]direção de
montanhas, dos rios, das estradas de ferro e de rodagem e as posições dos
principais centros de população; também seriam observados clima, conservação
das estradas e navegabilidade dos rios. Amostras de terras e rochas coletadas
seriam objeto de exames em laboratórios do estado.

Quanto ao recenseamento demográfico e econômico do estado, as instruções


do decreto n.33, fortemente normativas, previam dois grandes levantamentos a
serem imediatamente iniciados, e para os quais já estabelecia as bases
metodológicas gerais: um levantamento comercial e industrial que deveria ocorrer
em agosto de 1890 e que, a partir de então, seria anualmente promovido;41 e o
primeiro recenseamento da população, marcado para ocorrer simultaneamente
em todo o estado em setembro de 1890.42

Para o comando das comissões foram nomeados, segundo ainda o relatório


de Augusto de Lima, os engenheiros Joaquim Júlio Proença (primeira comissão) e

41 Comissões municipais nomeadas pelo governador seriam compostas especialmente para


implementar o levantamento nas sedes e distritos, convocando funcionários públicos a participar
da empreitada e nomeando-os agentes de levantamento. Boletins distribuídos pelos agentes
seriam o instrumento de coleta de dados junto aos proprietários dos estabelecimentos comerciais,
agrícolas ou industriais, unidades-base do levantamento.
42 O recenseamento baseava-se em metodologia semelhante à acima descrita, com comissões

municipais convocando agentes recenseadores para distribuição e recolhimento de boletins. Tendo


como unidade-base do levantamento a família, o recenseamento convocaria autoridades
municipais para presidi-lo e funcionários públicos para sua execução. As instruções tornavam
obrigatórios os trabalhos dos agentes públicos convocados e o fornecimento de informações por
partes dos proprietários e chefes de família. Multas e outras penas eram previstas para a recusa
de qualquer das obrigações estabelecidas.

133
José Cupertino de Siqueira (segunda comissão), além do bacharel Levindo
Ferreira Lopes (terceira comissão)43. Podemos presumir que muitas disputas
cercavam essas nomeações, envolvendo uma rede complexa na qual
entrelaçavam-se interesses distintos de cientistas e engenheiros, funcionários
públicos e políticos, professores e alunos, republicanos de primeira ou de última
hora. E nos embates travados nesses anos entrópicos44, em todos os níveis,
emergiam rivalidades nascidas ainda no Império, concorrentes no espaço político
ou pela concretização de antigos projetos técnicos e científicos, como o eram o
plano de viação, o mapeamento geológico ou a condução da Escola de Minas.

Uma dessas disputas foi travada na arena igualmente disputada da


direção da Escola de Minas, na qual resistia aos novos tempos

[...] o sábio diretor da Escola de Minas, o francês Henri Gorceix, amigo de


D. Pedro II e infenso à nova ordem, um homem perplexo diante da rapidez
com que se mudara o regime – comme on change de chemise.45

Para alguns autores46, João Pinheiro teria convidado Gorceix para dirigir
os trabalhos das comissões, como parte da política conciliadora iniciada por
Alvim. Essa versão não pode ser confirmada pelos documentos consultados,
embora pareça certo que, para além da estratégia política, um convite a Gorceix
poderia corresponder a uma escolha motivada pelo mérito técnico, pela
persistência com que Gorceix perseguira esse objetivo desde a fundação da Escola
de Minas. Por outro lado, as instruções que acompanhavam o decreto n.33, pelo
seu caráter eminentemente técnico e estratégico, eram certamente resultado de
maduras reflexões e discussões anteriores, ocorridas no seio das elites

43 MINAS GERAIS, 1892b, p.54.


Joaquim Júlio de Proença era engenheiro civil, formado presumivelmente na Escola Politécnica
do Rio de Janeiro. José Cupertino de Siqueira formou-se em engenharia de minas e civil em 1890
pela Escola de Minas. Levindo F. Lopes era advogado, foi um dos fundadores da Faculdade de
Direito de Minas Gerais (1892) e da Ordem dos Advogados Mineiros em 1915.
44 Renato Lessa empregou a expressão para qualificar a experiência política brasileira da

primeira década republicana, caracterizada, além da ausência de mecanismos institucionais


minimamente rotinizadores,pelo comportamento errático dos atores, que no tratamento das fontes
de instabilidade, acabaram por introduzir ainda mais incerteza e confusão.
LESSA, Renato. A invenção republicana. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. p.27.
45 BARBOSA, Francisco de Assis. Minas e a constituinte de 1890. In: SEMINÁRIO DE ESTUDOS

MINEIROS, 5., Belo Horizonte, 1982. A República Velha em Minas. Belo Horizonte:
UFMG/PROED, 1982. p.98.
46 BARBOSA, 1982.

TAMM, Paulo. João Pinheiro. Belo Horizonte: Livraria Veloso, 1947.

134
modernizadoras – fossem monarquistas ou republicanas. O senso político de
Alvim e Pinheiro buscou captar e dar encaminhamento institucional a essas
demandas, no seu visível esforço para conferir modernidade e eficiência à
administração, ainda nos primeiros meses da era republicana. Nesse sentido
invertemos a interpretação de Tamm, quando esse afirma que Pinheiro teria
convocado [...]Gorceix, Costa Sena e os mais afamados professores da Escola de
Minas [para lhes comunicar o seu plano] de levantar a carta de Minas [e] realizar
o censo completo do estado.47 Acreditamos que o trânsito das idéias teria se dado
no sentido oposto, ou seja, das proposições técnicas lideradas por Gorceix e o
grupo da Escola de Minas para os novos gabinetes republicanos.

Mas nessa primeiríssima hora do regime republicano, a posição de Gorceix,


segundo seus próprios depoimentos posteriores, parecia ser de um certo
distanciamento crítico. Considerou ele que a criação das comissões era um projeto
útil, mas prematuro, fruto daqueles [...] primeiros momentos de efervescência e
entusiasmo, em que o futuro se antolhava cheio de promessas, que não foram
realizadas, pelo menos o tanto quanto se esperava.48

Após a proclamação da República, Gorceix manteve-se no cargo de diretor


da escola, a despeito de sua forte identificação com a figura do Imperador, mas
numa posição fragilizada pelo seu isolamento político em relação à comunidade
da Escola, na qual todos os alunos [...] manifestaram-se publicamente a favor da
República, assim como a maioria dos professores.49 Em meio às intensas lutas
travadas no cenário político da velha capital, e no qual a Escola terminou por ser
envolvida enquanto instituição, entre abril e outubro de 1890, Gorceix viajou
para a França e a vice-direção da casa tornou-se objeto de disputa entre os
professores Domingos José da Rocha, apoiado por João Pinheiro, e Leônidas
Botelho Damásio, que contava com o apoio de Antônio Olinto dos Santos Pires. Os
engenheiros Domingos José da Rocha e Antônio Olinto haviam sido alunos de
Gorceix e eram seus colegas de ofício na Escola de Minas. Assim como Leônidas
Damásio, eram parte do seleto corpo de professores imbuídos do que se chamava

47 TAMM, 1947, p.89-90.


48 A CARTA de Minas. Minas Gerais, Ouro Preto, ano 2, n.242, 7 set 1893. p.4.
49 LIMA, Margarida Rosa de. D. Pedro II e Gorceix; a fundação da Escola de Minas de Ouro Preto.

São Paulo: Loyola; Ouro Preto: Fundação Gorceix, 1977. p.135.

135
espírito de Gorceix, marcado pelo rigor científico, pela estabilidade, e por um
estilo homogêneo de trabalho, e que, sob a liderança do mestre francês, tinham
mantido, durante todo o período do Império, a política fora da Escola.50 Mas as
disputas pelo poder local pós-15 de novembro opunham agora esses republicanos
históricos. Rocha era então o vice-governador do estado, tendo assumido o
governo por breves períodos entre julho e outubro de 1890, e Antônio Olinto era
uma das principais lideranças entre os republicanos históricos. Sentindo-se
desautorizado pelo Ministro da Instrução Pública pela nomeação de Leônidas
Damásio sem que sua opinião fosse considerada, João Pinheiro renunciou à
presidência do estado e tornou-se candidato à Assembléia Constituinte.51

Se algum recuo pode ser percebido nesses atropelos políticos e na


transformação da Diretoria de Estatística em trabalhos comissionados, as amplas
e rigorosas instruções publicadas com o decreto n.33 não deixam dúvida que
estava em pauta no governo provisório, mesmo em sua fragilidade política, a
consecução de um amplo programa estatístico e cartográfico para o estado de
Minas. Fundamentalmente estatístico, pois nesse decreto inaugural os trabalhos
cartográficos ainda eram bastante restritos, destinados a completar ou corrigir
cartas já existentes, sem um programa técnico claramente definido como o das
comissões recenseadoras. Como apontou tempos depois Teixeira de Freitas,
responsável pela criação do Serviço de Estatística de Minas em 1921, as
instruções conjugaram interesse científico com pragmatismo e anteciparam
[...]com uma aproximação muito notável, o programa que, trinta anos depois,
conseguimos executar.52 Mas um bom começo parecia não viabilizar um
empreendimento que exigiria mínima estabilidade e continuidade política para
seu êxito. O recenseamento previsto para setembro foi adiado para outubro, e em

50 Para uma maior compreensão do chamado espírito de Gorceix na condução da Escola de Minas,

ver: CARVALHO, José Murilo de. A Escola de Minas de Ouro Preto; o peso da glória. Belo
Horizonte: UFMG, 2002.
51 As versões sobre o episódio são pouco esclarecedoras e não nos permitem muitas conclusões

sobre o mesmo. Considerado talvez como um evento menor, insignificantíssimo na expressão do


próprio João Pinheiro, em um momento de bruscas mudanças de rumo e sentido, especialmente
na vida política, é mencionado de passagem por alguns estudiosos do período. Ainda assim, para o
nosso objeto de investigação, guarda particular interesse por dizer respeito à rede de interesses
que cercavam o empreendimento estatístico e cartográfico em curso.
52 FREITAS, M. A. Teixeira de. Os serviços de estatística do estado de Minas Gerais. Separata de:

Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, ano 4, n.13, p.107-130, jan./mar. 1943. p.110.

136
seguida para época que oportunamente será designada53, não chegando
efetivamente a ocorrer senão, como relatou Teixeira de Freitas, trinta anos
depois.

Durante o ano de 1890, o programa estatístico estadual caminhou


timidamente, revelando uma série de dificuldades que seriam recorrentes em
todos os relatos posteriores sobre a atividade. Fundamentalmente, as autoridades
queixavam-se das dificuldades encontradas tanto pela irremovível desconfiança
da população, que resistia ao fornecimento dos dados, como dos funcionários
públicos encarregados de sua coleta, [...]os quais esquivam-se, exonerando-se dos
cargos que ocupam.54 O censo programado no decreto mineiro foi adiado sem
prazo, em função de um acordo entre o governo estadual e o federal para execução
do recenseamento geral da República, implementado pelo Ministério do Interior
entre 1890 e 1891.

No âmbito federal, o governo provisório, apesar de sua condução errática,


na expressão de LESSA55, ou talvez por isso mesmo, concebeu esse primeiro censo
nacional como um instrumento privilegiado para a instauração da nova ordem.
Uma de suas primeiras iniciativas foi restaurar, ainda em janeiro de 1890, a
Diretora Geral de Estatística, cuja extinção em 1879 foi apontada pelo seu novo
diretor, Manoel Timotheo da Costa como um grave erro administrativo56, que
teria interrompido um surto crescente de informações estatísticas sobre o país.57

53 Decretos n.163, de 18 de agosto de 1890 e n. 208, de 16 de outubro de 1890.


54 MINAS GERAIS, 1892b, p.55.
55 LESSA, 1999, p.27.
56 BRASIL. Ministério do Interior. Relatório da Diretoria Geral de Estatística. In: ____. Relatório

apresentado ao Presidente da República pelo Dr. João Barbalho Uchoa Cavalcanti, Ministro de
Estado dos Negócios do Interior, em maio de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.
Anexo. p.10.
57 A Diretoria Geral de Estatística foi criada em 1870, no Ministério do Império, cujo titular era

então João Alfredo Correa de Oliveira. Como um dos eixos investigativos de nossa pesquisa é a
noção de rede, cumpre sempre salientar a presença dos atores que significativamente a
compuseram. Um deles certamente é o bacharel em Direito de origem pernambucana João Alfredo
Correa de Oliveira. De sua ampla atuação política durante toda a segunda metade do século XIX,
podemos assinalar diversas ações que o colocam com um articulador e implementador de políticas
científicas, estatísticas e cartográficas, em suas versões “ilustradas”, ou seja, aquelas devedoras
das novas idéias disseminadas a partir dos anos setenta. Como nos informa Figueirôa: João
Alfredo teve praticamente toda a sua carreira ligada à administração pública do Segundo Império,
ocupando cargos de destaque. Foi deputado provincial (1858 a 1861) e deputado geral (1861, 1869
e 1877). Presidiu a província do Pará (1869) e também a Assembléia Legislativa de Pernambuco
(1876). Foi ministro do Império e da Agricultura no Gabinete do Marquês de São Vicente e
Ministro do Império no Gabinete Rio Branco (1871 a 1875) [...] presidiu São Paulo de outubro a

137
No relatório apresentado ao então ministro do Interior Cesário Alvim, Manoel
Timoteo fez entusiástico elogio à medida do governo:

De fato, o conhecimento da estatística e a sua prática como instrumento do


progresso e civilização impunha-se ao país, porquanto, decretada a
liberdade de todos os brasileiros pela lei de 13 de maio e conseguida a
autonomia do cidadão pelo glorioso 15 de novembro, era preciso estabelecer
a positividade de uma nova política, generosa, franca e verdadeiramente
americana, a qual se destinasse e tivesse por único objetivo a liberdade e o
bem-estar do povo.[...]
Não há nação no mundo civilizado que não recorra aos dados estatísticos,
desde que pretenda melhorar a administração pública ou formar um
governo adaptado às necessidades populares.
É na estatística de um país que todos os cidadãos refletidos e interessados
nos negócios públicos encontram os documentos e as indicações que lhes
permitem fixar um juízo e adotar um plano metódico, natural e
proveitoso.58

Assim, a positividade da nova ordem passava pela investigação estatística,


fundamento para a ação governamental e para o controle legal da população.59 As
iniciativas oficiais coetâneas, nos níveis federal e estadual, mais do que revelar as
superposições naturais numa ordem política que ainda estava por definir seus

abril de 1886. Envolveu-se ativamente na promulgação da Lei do Ventre Livre e da Lei Áurea (em
1888 era Ministro da fazenda e Presidente do Conselho de Ministros), além de ter, paralelamente
ao esforço abolicionista, incentivado a imigração. Ainda no Liceu de Artes e Ofícios estabeleceu os
gabinetes para o ensino de ciências naturais e deu-lhes outros melhoramentos. Foi quem concebeu
o projeto da Escola de Minas de Ouro Preto, para a qual contratou Henrique Gorceix (seu diretor)
e outros professores estrangeiros. Também contratou professores estrangeiros, para as cadeiras
novas da Escola Politécnica do Rio de Janeiro [...] mandou fazer o primeiro exame científico das
águas de Caxambu, Lambari e Poços de Caldas e ainda criou a Comissão Geológica do Império em
1875, quando era Ministro. (grifos nossos)
FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. As ciências geológicas no Brasil: uma história social
e institucional, 1875-1934. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 38-9.
Resta acrescentar aqui seu feito mais significativo no que toca à presente pesquisa, que foi a
criação da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, durante seu curto período como
presidente daquela província.
58 BRASIL. Ministério do Interior. Relatório da Diretoria Geral de Estatística. In: ____. Relatório

apresentado ao Presidente da República pelo Dr. João Barbalho Uchoa Cavalcanti, Ministro de
Estado dos Negócios do Interior, em maio de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.
Anexo. p.4.
59 Abordagens contemporâneas da história da estatística, tem demonstrado como esse saber se

expandiu como um procedimento administrativo fundamental na formação dos estados modernos.


Não se trata, entretanto, de uma relação simplesmente funcional, como o fornecimento de dados
descritivos da população e das atividades econômicas. Respaldadas na autoridade de um saber
científico, as atividades estatísticas dos organismo públicos tornavam “objetivas” categorias
sociais nascidas de contextos políticos, ocasionando uma complexa (e por vezes conflituosa)
relação entre ciência e poder. Ver: DESROSIÈRES, Alain. La politique des grands nombres.
Paris: La Découverte/Poche, 2000.

138
contornos federalistas, dizem muito sobre essa busca de identidade nas duas
escalas. Melhor seria falar em três escalas, pois a esfera local, a das
municipalidades, também disputaria, no domínio da estatística, a identificação e
descrição de suas respectivas realidades, para concorrerem armadas ao embate
da formulação da nova ordem municipal.60

Ainda em 1890, as lideranças dos trabalhos estatísticos e cartográficos


sofreriam novas baixas. Com a saída de Levindo Lopes, a terceira comissão foi
suprimida e seus trabalhos reunidos na segunda comissão, destinada aos
trabalhos de recenseamento, sob o comando de José Cupertino de Siqueira. Essa
recomposição das comissões, decidida durante o breve governo de Crispim
Jacques Bias Fortes61, era a terceira mudança em apenas um ano de existência
dos serviços, reflexo do caráter embrionário e ainda incipiente do projeto, a
despeito da ambição técnica expressa nas instruções.

As modificações nas comissões levaram também à saída de Joaquim Júlio


Proença, que se exonerou do cargo após seis meses à frente da primeira comissão,
aquela voltada para o reconhecimento físico do território. Proença dera início aos
trabalhos de campo, tendo sido o responsável pela escolha de Barbacena para
sede dos trabalhos.62

Foi substituído pelo seu primeiro ajudante, Augusto Abreu Lacerda,


engenheiro de minas e civil, formado na Escola de Minas em 1887. Segundo seu
próprio relato, Lacerda apresentou ao então governador Bias Fortes razões
poderosas para a separação das comissões estatística e geográfica e para o
investimento específico no estudo da geografia e no levantamento de um novo
mapa geográfico do estado, por meio de uma exploração pelos processos da

60 O discurso inaugural de Manoel Timóteo nos sugere ainda uma questão sobre a identidade, por
um deslizamento de sentido que podemos propor entre identificar elementos de uma população ou
território e conferir identidade a uma população ou a um território. Conhecer seria construir a
identidade do espaço e da população em diversas instâncias e por múltiplos meios, sendo a
estatística uma delas. Não se tratava simplesmente de selecionar elementos estratégicos e coletar
dados numéricos que descrevessem uma realidade social e econômica, mas de definir quais os
cruzamentos entre esses elementos seriam capazes de traduzir uma identidade nacional, regional
e mesmo local.
61 Decreto n.285, de 12 de dezembro de 1890.
62LACERDA, Augusto de Abreu. Organização e trabalhos da Comissão Geográfica e Geológica do

Estado de Minas Gerais. Boletim, Rio de Janeiro, Comissão Geográfica e Geológica do Estado de
Minas Gerais, n.1, 1894. p.3.

139
geodesia expedita.63 As proposições de Lacerda foram aceitas, e em fevereiro de
1891, novo decreto criava a Comissão de Exploração Geográfica do Estado de
Minas Gerais, dissociada do programa estatístico e dotada de projeto técnico-
científico próprio. 64

Esse processo sinuoso em direção à formulação do programa cartográfico,


mesclou e pôs em choque atores e idéias. No epicentro das controvérsias,
novamente o diretor da Escola de Minas, Henri Gorceix. Conforme seu próprio
relato, em carta endereçada a Orville Derby, que então dirigia a Comissão
Geográfica e Geológica de São Paulo, Gorceix queixava-se de ter sido convidado
para dirigir os trabalhos da nova comissão como uma forma de afastá-lo da
direção da Escola de Minas. Para ele, a proposta de se elaborar o mapa
topográfico e geológico do estado em apenas três anos, como estava sendo
discutido e proposto por um aluno do terceiro ano da Escola65, envolvido na
organização das comissões, era totalmente inviável. Gorceix apontava as futuras
dificuldades decorrentes de um prazo tão curto, usando como modelo o trabalho
desenvolvido por Derby em São Paulo, onde um [...] pessoal experimentado e com
recursos mais amplos, só conseguira, em prazo mais longo, preparar apenas umas
poucas folhas de sua carta.66 Apesar de soar como um episódio muito localizado e
de motivações subjetivas, as objeções formuladas por Gorceix e defendidas pelo
seu aluno e desafeto quanto à exequibilidade de um mapeamento em prazos mais
ou menos curtos eram questões fundamentais na formulação de uma política
cartográfica governamental, e opunham poderosos contendores do campo
disciplinar, entre eles o próprio Derby, como ainda veremos.

Mais que uma norma legal, o decreto e as instruções que regulamentaram


a comissão geográfica traduziam um projeto intelectual e técnico que,
seguramente, devia muito às experiências anteriores, no nível do governo federal

63LACERDA, 1894, p.4.


64 Decreto n.369, de 12 de fevereiro de 1891.
65 MORAES, Luciano Jacques de. Gorceix, sua vida e sua obra. Revista da Escola de Minas, Ouro

Preto, ano 19, n.2-6, p. IX-XXVI, maio/dez. 1954. p.XXIII.


66 MORAES, 1954, p. XXIII. Devido às suas críticas, Gorceix teve ainda problemas com o referido

aluno, que teria desafiado sua autoridade técnica no assunto. Esse desentendimento teria sido um
dos motivos da saída definitiva de Gorceix da Escola, ocorrida em outubro de 1891. O mesmo
episódio, com pequenas diferenças, é narrado também por: LIMA, 1977, p.136. Ambos baseiam-se
na citada correspondência de Gorceix a Derby.

140
e especialmente da comissão paulista, da qual acabava de chegar o engenheiro
Abreu Lacerda, responsável pela inflexão observada entre os dois dispositivos
legais que vimos analisando. A posse definitiva de Lacerda na presidência da
comissão geográfica pode ser considerada como um marco na implementação de
uma política de cunho propriamente cartográfico no estado. De origem
fluminense, Lacerda não teve participação registrada nas disputas acadêmicas e
políticas que se travavam na Escola de Minas e em Ouro Preto naquele momento.
Por dois anos fora membro da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, o
que lhe conferiria certamente prestígio e credibilidade.67 Ex-aluno de Gorceix e
auxiliar de Derby, Lacerda reunia qualidades herdadas das duas linhagens
técnicas que conformariam o modelo da Comissão mineira.

Segundo as instruções que passaram a reger a nova comissão, seus


trabalhos compreendiam

§O levantamento geográfico e topográfico do território do estado.


§A delimitação de todo o território e de cada município.
§O estudo dos cursos d’ água, sua navegabilidade e força motora.
§O estudo da climatologia do estado.
§A organização da carta geral do estado.68

Definia-se claramente o plano de uma exploração de natureza geográfica,


da qual deveria resultar a produção da carta geral do estado, não mais as
correções de mapas anteriores, grosseiramente feitas pelo ajustamento de plantas
de estradas e rios e de roteiros de viajantes69, como fora toda a experiência do
século XIX. O método de mapeamento a ser seguido consagrava finalmente a
triangulação, em processo [...] idêntico ao da Comissão Geográfica do Estado de
São Paulo, salvo as modificações necessárias para o melhoramento do trabalho.

67 Não foi possível, dentro da documentação consultada, compreender as razões que teriam levado
Gorceix a recusar a direção da comissão, ou se seu nome teria sido vetado. Pouco depois, em
outubro de 1891, Gorceix se desligaria definitivamente da Escola de Minas. Em depoimentos
posteriores, Gorceix viria a apoiar o nome e o trabalho de Lacerda, alguém a quem considerava
um discípulo e que valorizava pela sua experiência com os hábeis mestres da comissão paulista,
Orville Derby e Theodoro Sampaio. A CARTA de Minas. Minas Gerais, Ouro Preto, ano 2, n.242, 7
set 1893. p.4.
68 Decreto n.369, de 12 de fevereiro de 1891.
69LACERDA, 1894, p.4.

141
A definição das coordenadas geográficas seria tarefa a ser realizada por
astrônomo do Observatório do Rio de Janeiro, pago pela comissão. O
levantamento topográfico também seguiria o método da comissão paulista,
compreendendo a determinação dos centros populosos, a direção das estradas de
ferro e rodagem e dos cursos d’ água, assim como a determinação barométrica da
altitude dos pontos percorridos. Limites do estado e dos municípios seriam
determinados por caminhamentos e visadas, e seriam estudadas a
navegabilidade dos rios e sua força motora para utilização industrial. O clima
seria estudado por intermédio das estações meteorológicas a serem espalhadas
pelo estado. As instruções traziam ainda os componentes técnicos para construção
da carta geográfica definitiva: sua escala (1:100.000) e elementos a serem
representados (limites, curvas de nível, relevo, rede fluvial, centros populosos,
estradas de ferro e de rodagem). O programa buscava reforço técnico na
autoridade de outras instituições, como o bem-sucedido processo da CGG em São
Paulo e a credibilidade das medições astronômicas do Observatório Nacional.

Decorrido apenas um ano de trabalho segundo as instruções acima, as


mudanças impostas pelo novo regime constitucional implicaram na revisão dos
objetivos da política cartográfica em curso. Para dar conta da gestão do novo
regime de terras estabelecido na constituição federal de 1891, o governo estadual,
em junho de 1892, sancionou a lei n.27, que regulava a medição e demarcação das
terras devolutas no estado. Dentro da ampla estrutura da Secretaria de
Agricultura , foi criado um serviço próprio, que abrangia também a colonização e
a imigração. Ao mesmo serviço, denominado Repartição de Terras e Colonização,
ficou também atribuído o trabalho de [...]organizar o levantamento da carta
geográfica, geológica e cadastral do estado.70 O poder público retomava, com esse
novo dispositivo legal e burocrático, a intenção de promover o mapeamento
geológico, ao qual somava ainda a do mapeamento cadastral, ambição esta que
jamais saiu do papel.

Podemos presumir que o surgimento da demanda pelo mapeamento


cadastral veio responder às necessidades de reconhecimento do território para o

70Lei n.27, de 25 de junho de 1892. Artigo 25.

142
trabalho de demarcação das terras devolutas. Apesar da lei n.27, em seu primeiro
capítulo, conter uma conceituação relativamente precisa do que seriam essas
terras devolutas, na prática não se conheciam as dimensões dessas zonas
despovoadas ou de domínio impreciso. Desde meados do século XIX, com a
contínua expansão da cultura cafeeira e da rede de transporte, especialmente as
estradas de ferro, grandes extensões de terras antes despovoadas passaram a ser
disputadas e valorizadas, sem que para isso os governos tivessem mecanismos de
controle eficazes para regularizar o acesso e impedir sua posse de forma
indiscriminada, fraudulenta e especulativa. Mas a transferência do domínio das
terras ditas públicas para os estados em nada modificou o regime das terras, pela
incapacidade dos mesmos de empreender uma política efetiva nesse sentido.
Como observou W. Dean, mesmo São Paulo, esse governo estadual bem
burocratizado furtava-se à responsabilidade de realizar um levantamento
cadastral de suas terras.71

Não é difícil de se entender as dificuldades que cercariam qualquer


tentativa de se produzir um mapa cadastral das zonas rurais brasileiras. O
mapeamento cadastral pode ser definido como o mais ambicioso dos
empreendimentos cartográficos, cuja viabilidade depende de um governo
fortemente legitimado e capacitado técnica e financeiramente. Historicamente
associados ao nascimento dos estados modernos, os levantamentos cadastrais
buscavam a representação no nível do detalhe das divisões e subdivisões de uma
dada unidade territorial, desde as fronteiras externas até os limites distritais e
propriedades rurais. Mais do que representar uma hierarquia espacial herdada,
os levantamentos cadastrais, como ocorreu nos casos clássicos da França e,
sobretudo, dos Estados Unidos, ambos datados do final do século XVIII,
projetaram sobre os seus territórios nacionais em gestação uma grade de linhas
formadas pela determinação geodésica de certos meridianos e paralelos, e, sobre
essa grade, que subdividia o país em unidades retangulares, propuseram um
sistema de controle com diferentes propósitos administrativos, entre os quais
podemos destacar o controle das terras públicas. Nos EUA, grande parte das

71DEAN, Warren. A ferro e fogo; a história e a devastação da mata atlântica brasileira. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.229.

143
divisas políticas e das propriedades rurais foi estabelecida ou redefinida por essa
grade geométrica, como podemos observar com um simples olhar sobre seu
mapa72. Como nos mostra Harvey73, esses grandes mapeamentos, frutos das
utopias iluministas, obedeciam a estratégias espaciais que, mais ou menos bem
sucedidas em seus propósitos concretos, consagraram a representação
matematizada e racionalista do espaço.

Muito longe dessa possibilidade de produção territorial racionalista


estavam as terras mineiras, cujo mosaico de subdivisões mesclavam hierarquias
eclesiástica, jurídica e administrativa, com nenhuma alteração estrutural desde
sua conformação colonial.74 O recurso aos marcos físicos da paisagem,
especialmente os rios e as montanhas, como elementos definidores dos limites
tanto intermunicipais como interestaduais, tradição do povoamento e organização
territorial do período colonial, configurou uma malha administrativa de feições
orgânicas, colada às formas do terreno. Invertendo a imagem construída por
Thrower para descrever o processo nos Estados Unidos, em Minas, como ademais
em todo o Brasil, a configuração espacial das divisões administrativas, em suas
múltiplas escalas, resultava do triunfo da geografia sobre a geometria.

72 Norman Thrower explica que, nos EUA, com a criação do United States Public Land Survey e a
promulgação da Land Ordinance de 1785, não desapareceram as antigas divisões não
sistemáticas das terras. Os dois regimes conviveram, sendo que, no oeste, para onde avançariam
as fronteiras no século XIX, predominaria o método sistemático, com fronteiras, estradas e
propriedades divididas segundo a orientação das linhas geodésicas. THROWER, Norman J. W.
The triumph of geometry over geography. Mercator’s World, v.7, n.4, jul./ago. 2002.
73 HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1994.
74 Em tese sobre a gênese e a representação dos espaços urbanos em Minas Gerais, Cláudia

Damasceno mostrou como evoluíram no período colonial os critérios de avaliação das unidades
político-administrativas, que definiram as divisões territoriais e a conformação das circunscrições
administrativas. Dos direitos históricos assentados sobre a tradição das primeiras possessões e a
defesa da continuidade do status quo, as demandas entre as diferentes localidades evoluíram em
resposta às exigências da administração da justiça. Surgiu então uma geometria de circunscrições
baseada na centralidade e equilíbrio de distâncias entre as sedes dos concelhos e das comarcas. Os
marcos naturais mais determinantes da paisagem física, as montanhas e os grandes rios,
percebidos como obstáculos, foram considerados como os elementos mais apropriados para a
definição dos limites entre os municípios, pelo seu caráter perene e incontestável. O critério
demográfico apareceria muito timidamente no fim do período colonial, devido à precariedade das
estatísticas existentes. Uma nova proposta de reestruturação da malha administrativa da
província, já em bases demográficas, seria empreendida em 1826 pelo secretário do governo Luiz
Maria da Silva Pinto. DAMASCENO, Cláudia. Pouvoirs, villes et territoires; genèse et
représentations des espaces urbains dans le Minas Gerais (Brésil), XVIIIe - début du XIXe siècle.
2001. Thèse (Doctorat en Histoire et Civilisations) - École des Hautes Études en Sciences Sociales,
Paris, 2001.

144
E se reduzimos a escala para a representação do regime de propriedade da
terra, ou seja, se buscamos averiguar a existência ou a possibilidade de
elaboração de um ou mais mapas sobre limites de propriedades ou pelo menos
sobre as fronteiras entre as terras de domínio privado, as de domínio público e as
chamadas devolutas, entramos em terreno inteiramente desconhecido. Pelo texto
da lei n. 27 podemos observar que a estratégia do estado para reduzir
minimamente essa deficiência foi regulamentar as atividades de mapeamentos
em duas escalas, a serem desenvolvidas paralelamente, mas de maneira
autônoma: de um lado, o mapeamento gradativo das terras devolutas através de
sua medição, demarcação, divisão e descrição; de outro, a ampliação das
atribuições da comissão de exploração geográfica.

De acordo com as instruções técnicas da legislação, toda a atividade


cartográfica ligada ao serviço de medição de terras tinha caráter eminentemente
prático, pois os terrenos medidos e demarcados seriam cedidos ou postos à venda,
e seu valor em grande parte determinado pelas condições topográficas e pela
existência de água, elementos que deveriam constar das plantas produzidas.
Tanto a seleção dos elementos a serem representados, como a demarcação e a
elaboração das plantas topográficas dos terrenos deveriam servir de base ao
projeto de colonização e imigração do estado. A demarcação buscava também
certa regularidade cartográfica, à maneira da Ordinance Land americana,
preconizando que

sempre que a topografia do terreno e a distribuição das águas o


permitirem, a medições efetuar-se-ão por linhas que corram de norte a sul,
conforme o verdadeiro meridiano, e por outras de leste a oeste, conforme as
paralelas, formando territórios de 10 quilômetros de lado.75

Essas bases cartográficas concorriam para o estabelecimento de um


programa de reconhecimento e racionalização do mercado de terras disponíveis e
disponibilizáveis sob responsabilidade do estado e somavam-se a outras
disposições regulamentadoras definidas na mesma lei, como a organização do

75 Lei n.27, de 25 de junho de 1892. Artigo 5.

145
registro geral das terras do estado, em conformidade com o decreto de 1891 do
governo provisório, conhecido como Lei Torrens.76

De outro lado, a ampliação das atribuições da comissão de exploração


geográfica77 apontava para o fortalecimento do projeto cientifico que estava na
base da criação da mesma comissão. Abandonada a efêmera miragem do
mapeamento cadastral, as novas instruções, formuladas por Abreu Lacerda e
assinadas pelo secretário de Agricultura, David Campista, detalhavam todas as
escolhas técnicas para o levantamento da carta geográfica e retomavam o projeto
da carta geológica, concebida como um documento diferenciado. O abandono
temporário do projeto de mapeamento geológico em Minas, estado onde as
riquezas minerais eram por demais evidentes, fora um recuo em relação a toda a
discussão travada desde o final do Império e na qual empenhara-se fortemente
Henri Gorceix. A produção da carta geológica da província, defendida e
reivindicada por Gorceix durante anos, foi proposta na qual jogara em vão todo o
peso de sua argumentação técnica e influência política. Agora, sob o comando de
Lacerda, e após o avanço da exploração de campo durante um ano de trabalho,
abarcando a zona efetivamente triangulada cerca de 600 léguas quadradas,
estavam dadas as condições políticas para a proposição dos estudos geológicos,
[...] idéia abraçada pelos dignos deputados do Congresso Mineiro, Camilo Prates e
Dr. Henrique Diniz.78

Quanto aos métodos definidos para o levantamento da carta geográfica,


evidenciava-se no texto legal uma relativa emancipação em relação ao modelo
utilizado pela comissão paulista. Enquanto nas primeiras instruções fora apenas
dito que o método a ser seguido seria idêntico ao da CGG paulista, agora, pouco
mais de um ano depois, os procedimentos técnicos eram descritos passo a passo:
as especificidades do trabalho de triangulação e da topografia, a natureza e ajuste
dos equipamentos, as distâncias e ângulos da triangulação, as fórmulas de cálculo

76 O decreto n. 451 B, de 31 de maio de 1891 estabeleceu o sistema Torrens para os proprietários


de terras da Capital Federal, mas deixou a cargo de cada estado a opção pela sua adoção em seus
territórios. A lei n.27 do governo mineiro tornou obrigatório o uso deste sistema de registro para
as terras públicas.
77 Previstas na lei n.27 e regulamentadas pelo decreto n.597 de 9 de novembro de 1892.
78 LACERDA, 1894, p.5.

146
de nivelamentos. Parte essencial do processo de elaboração de uma carta, especial
ênfase era dada à seleção dos elementos a serem observados no campo:

De cada lado da linha percorrida pelo topógrafo, serão determinados a


direção dos rios, ribeirões e córregos, os acidentes notáveis do terreno, como
grutas, desbarrancados, etc; a vegetação natural e cultura, a planta dos
povoados, a posição das fazendas, fábricas, engenhos e casas isoladas, as
vargens, brejos, lagos e lagoas, enfim, tudo que, tendo um caráter
permanente, possa figurar na carta definitiva.79

A observação de campo incluía ainda a determinação do relevo do solo por


meio de aparelhos, o levantamento dos maiores rios e a determinação de sua
descarga [...] não só para avaliar a força motora, como também para o estudo do
regime de suas águas.80

A próxima etapa, descrita com igual rigor nas instruções, tratava do


desenho da carta: confirmava a escala proposta anteriormente (1:100.000),
definia sua projeção (desenvolvimento policônico), a dimensão das suas folhas
(0,50m por 0,60m). E foram elencados os componentes da representação, os quais
resultavam da elaboração intelectual e gráfica dos elementos observados em
campo e consolidados no trabalho de escritório:

A carta conterá os limites com os estados vizinhos, e os dos


municípios; os rios, ribeirões e córregos; as estradas gerais, municipais e
vicinais; as fazendas, casas, engenhos e fábricas à beira dos caminhos e
estradas; o traçado das estradas de ferro; as estações telegráficas; o bloco
das cidades, vilas, arraiais e povoações; a vegetação natural e culturas; o
relevo do solo, por meio de curvas de nível de 50 em 50 metros; a altitude
dos picos notáveis; enfim, tudo quanto possa ser de auxílio à administração
do estado.81 (grifo nosso)

Continha também o decreto n.597 a preocupação com uma divulgação ágil


dos trabalhos, expressa na recomendação para que as folhas da carta fossem
publicadas na medida em que se desenvolvesse a exploração e que os relatórios de
campo, nos quais os topógrafos deveriam [...] fazer a maior coleção possível de

79 Decreto n. 597, de 9 de novembro de 1892. Artigo 2º.


80 Decreto n. 597, de 9 de novembro de 1892. Artigo 2º.
81 Decreto n. 597, de 9 de novembro de 1892. Artigo 6º.

147
dados sobre a geografia geral das zonas percorridas, deveriam resultar na
publicação de boletins.

O capítulo terceiro do decreto tratava do levantamento da carta geológica.


Descrevia um método denominado exploração geológica, dissociado do
mapeamento geográfico mas que pressupunha uma base topográfica sobre a qual
seriam anotados os caracteres geológicos gerais do terreno. Particular atenção era
recomendada para a identificação e estudo das jazidas minerais e, nesse
particular, o decreto deixava claro todo o pragmatismo inerente ao processo de
(re)conhecimento em curso: as jazidas minerais deveriam ser analisadas na
medida de sua importância e os estudos deveriam resultar em verdadeiros
diagnósticos das condições de seu aproveitamento, avaliando e propondo soluções
para a disponibilidade de energia e transporte, [...]enfim, tudo quanto seja
necessário para figurar em boletins especiais, com o fim de chamar a atenção dos
industriais.82 O interesse oficial na divulgação das informações é muito
enfatizado por intermédio da recomendação da publicação das cartas geológicas,
de boletins com descrições geológicas gerais e [...] monografias sobre assuntos que
interessem principalmente à indústria agrícola e à das minas.83

Julgamos de interesse uma análise detida do texto desse decreto n.597, que
pode ser considerado, depois das idas e vindas nas formulações legais entre 1890
e 1892, como o dispositivo que definitivamente norteará os trabalhos da comissão,
mesmo quando parte significativa dos objetivos foram abandonados. O programa
geográfico, geológico e cartográfico estipulado no decreto foi respeitado mesmo
depois de a comissão ficar desativada por mais de vinte anos. O texto legal
demonstra clara preocupação com a precisão e o rigor técnico em todas as etapas
do processo cartográfico, descrevendo os procedimentos para a triangulação, o
levantamento topográfico e o desenho da carta, e discriminando todos elementos
da representação. No tocante aos estudos geológico e meteorológico, deixa
expresso o interesse na sua aplicabilidade econômica, seja na agricultura ou na
mineração. E para todo o conjunto de produções recomendava-se com ênfase a sua
divulgação quase imediata, uma urgência na divulgação dos resultados que

82 Decreto n. 597, de 9 de novembro de 1892. Artigo 12º.


83 Decreto n. 597, de 9 de novembro de 1892. Artigo 12º.

148
certamente buscava dar retorno a um investimento oficial oneroso e de lentas
respostas práticas.

Como vimos, os atores sociais envolvidos na formulação desse ambicioso


programa cartográfico constituíram uma rede local formada predominantemente
pelas primeiras gerações de engenheiros e geólogos da Escola de Minas, que não
só estiveram à frente nas formulações técnicas e estratégicas como ocuparam
efetivamente diversos cargos políticos. A emergência dessa rede de atores
respondia de um lado ao processo mais amplo de afirmação e à dinâmica própria
do campo disciplinar da cartografia, melhor seria dizer dos campos disciplinares
que se conjugavam na empresa cartográfica: engenharia, estatística, geografia,
geologia, astronomia, botânica, meteorologia e outros. Novos recortes
disciplinares que consagravam uma nova autoridade: a leitura científica do
território e a classificação dos seus recursos naturais.

Por outro lado, essa nova elite técnica regional conquistou espaço no
aparato administrativo e nas redes de poder do governo republicano pela
conjunção dos interesses políticos e científicos nesse momento da história
mineira, numa articulação entre poderes e saberes que sempre está na base dos
investimentos públicos nos programas científicos e técnicos.

Para além do interesse no reconhecimento e controle das riquezas naturais


que visavam a racionalização das atividades agrícolas, minerárias e a construção
de uma infra-estrutura de suporte às atividades econômicas, buscava-se a
consolidação da unidade territorial do estado. E em torno desse mesmo objetivo,
que era enfim o maior desafio político do governo republicano em Minas, o
programa geográfico e cartográfico defendido e implementado pela elite técnica do
grupo da Escola de Minas iria conviver de perto com um outro grupo, aquele
reunido em torno de um projeto estratégico ainda mais ambicioso: a construção
da nova capital. Esses dois grupos técnicos atuaram no mesmo período, sob os
mesmos comandos políticos, numa relação técnica por vezes solidária e por outras
concorrente. A coexistência desses dois grandes projetos geopolíticos resultou e
respondeu ao esforço de mudança e modernização dos primeiros governantes

149
mineiros do período republicano. Suas crises, êxitos e fracassos também dão conta
dos limites desse processo modernizador84.

3.3 Modelos e escolhas técnicas: u m meio ter mo feliz

Com a inauguração da República, as mudanças de ordem científica,


técnica e cultural ligadas à modernização da sociedade brasileira ganharam novo
fôlego e ritmo. Aprofundou-se o processo modernizador, cujas raízes prendiam-se
ao movimento intelectual e científico centralizado na figura de Pedro II e na corte
imperial do Rio de Janeiro, mas que dele se afastava, entre outros fatores, pela
descentralização proporcionada pelo regime federativo e pelo deslocamento do
centro irradiador para São Paulo.
No conjunto das novas idéias e correntes de pensamento de origem
européia, amplamente disseminadas e apropriadas pela elite intelectual do país,
como o darwinismo, o spencenrismo e o positivismo, interessa-nos sublinhar a
ênfase na força transformadora da ciência e da técnica, o chamado cientificismo,
na sua aplicabilidade como instrumento de transformação da sociedade e da
natureza.

O período foi marcado pela criação de muitas instituições científicas e de


ensino85, nas quais prevaleceu a tendência à ciência aplicada

mais fácil de se materializar e a que contava com maior apoio, levando à


criação de centros de pesquisa e institutos dedicados à Agricultura,
Biologia aplicada, Medicina tropical, Geologia e Engenharia.86

Figueirôa caracterizou o processo como o quadro da institucionalização


das ciências no Brasil, no qual a constituição de grupos, instituições e lideranças

84 Embora não seja objetivo desta pesquisa desenvolver de forma sistemática um estudo
comparativo entre a atuação da Comissão Geográfica e da Comissão Construtora, serão apontados
alguns dos pontos de contato e as muitas diferenças entre essas duas trajetórias.
85 Entre as muitas instituições então criadas destacamos: Instituto Agronômico de Campinas

(1887), Escola Politécnica de São Paulo (1893), Museu Paulista (1894), Museu Paraense (1894) e
as diversas escolas de engenharia por todo o país.
86 SCHWARCZMAN, Simon. Um espaço para a ciência; a formação da comunidade científica no

Brasil. Brasília: MCT/CEE, 2001. p.92.

150
científicas deu-se por apropriação e ajuste dos modelos institucionais e científicos
da ciência mundial às realidades e sociedades locais.87 Nessas instituições de
pesquisa ou de ensino, a atividade científica de cunho acadêmico era praticada,
muitas vezes, de forma clandestina ou se impunha pela força do prestígio pessoal
de algum cientista, geralmente estrangeiro. Foram instituições marcadas
sobretudo pela produção de um conhecimento pragmático, que respondia às
necessidades sociais como o saneamento urbano e a saúde pública, ou às
exigências econômicas de racionalização e modernização da agricultura e da
exploração dos recursos minerais.
Um perfil profissional destacou-se claramente nesse quadro de demandas e
desafios que conjugavam poder público, saber aplicado e agenciamento territorial:
o engenheiro. A formação abrangente fazia do engenheiro o profissional de
múltiplas atribuições, apto a comandar os projetos nas muitas áreas que se
abriam com a modernização do país. À engenharia, misto de ciência e técnica,
caberia traçar os projetos mais ambiciosos destinados [...] a superar os males do
território – suas condições geográficas, suas distâncias, a barbárie da natureza
selvagem – e transformar os elementos naturais em fontes de riqueza.88
Na escala mais ampla do fortalecimento dos estados nacionais e do
desenvolvimento do capitalismo internacional, no qual o Brasil se inseria como
fornecedor de matérias primas para as nações em processo de industrialização, o
inventário da natureza e a descrição de seus recursos não eram mais
empreendimentos impulsionados pela geografia romântica do pleno conhecimento
do mundo (preencher os brancos do mapa – qualquer mapa - havia sido o grande
desafio cartográfico do século XIX para as nações européias). Tratava-se agora de
sistematizar todo esse conhecimento, de forma a reordenar o acesso aos recursos
naturais, estabelecer uma política de recursos e definir quais eram os atores
legítimos a participar de sua implantação.

87 FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda Mendonça. Ciência na busca do Eldorado; a institucionalização

das ciências geológicas no Brasil, 1808-1907. 1992. Tese (Doutorado em História) - Universidade
de São Paulo, São Paulo, 1992.
88 MURARI, Luciana. Tudo mais é paisagem: representações da natureza na cultura brasileira.

2002. Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. p.400.

151
Uma política que implicava a articulação de três fatores: uma atuação mais
direta dos poderes públicos (os estados e suas estruturas de administração),
instrumentalizadas pelos saberes científicos organizados em instituições e
programas, sobre os novos recortes e agenciamentos territoriais.
Nesse contexto inseriram-se as novas políticas cartográficas e os novos
programas de explorações geológicas e geográficas, como a comissão mineira. Mas
a quais modelos metodológicos, no conjunto das experiências mais avançadas dos
países estrangeiros e de outras iniciativas brasileiras, podemos nos reportar para
compreender as escolhas técnicas dos formuladores da política cartográfica da
comissão mineira?

Toda uma linhagem de projetos e experiências pode ser invocada para


compreender a montagem do aparato legal e técnico nas primeiras horas da
invenção republicana em Minas. Uma resposta pode ser alcançada pela discussão
sobre a autoria intelectual do projeto, como no caso de outras comissões
semelhantes que antecederam a comissão de Minas: a Comissão Geológica do
Império, concebida pelo geólogo americano Charles Frederic Hartt, ou a Comissão
Geográfica e Geológica de São Paulo, formulada pelo geólogo-naturalista89 Orville
Derby que, por sua vez, fora assistente e discípulo de Hartt.

Pelo seu próprio testemunho, divulgado no primeiro boletim da Comissão, o


engenheiro de minas Augusto Abreu Lacerda anunciava sua efetiva participação
nas formulações, embora seja difícil conferir-lhe a mesma autonomia e autoridade
intelectual dos experientes cientistas americanos acima citados. Lacerda era
então um jovem engenheiro cuja experiência profissional deu-se justamente com
a sua participação nos trabalhos da comissão paulista. Na seqüência da linhagem
de Hartt e Derby torna-se natural, portanto, incluirmos Lacerda, e considerar o
modelo americano, adotado por aqueles como a principal matriz metodológica da
comissão mineira.

Esta constatação permite-nos apontar para uma particularidade das


políticas cartográficas das comissões no conjunto da chamada ilustração
brasileira, que foi a apropriação das experiências norte-americanas de forma

89 Expressão tomada de: FIGUEIRÔA, 1992, p.133.

152
muito mais marcante do que as experiências européias. Se é evidente que em
grande parte essa ligação se deve ao perfil dos responsáveis (Hartt e Derby eram
americanos), a própria escolha desses atores implicou uma opção anterior à
atividade dos mesmos no Brasil. Até mesmo o francês Gorceix defendia o modelo
americano para os mapeamentos no Brasil e em Minas. Mas esse modelo seria
permanentemente discutido e adaptado entre os protagonistas dos mapeamentos
em curso, revelando uma recepção crítica das idéias e dos modelos e uma
permanente busca de soluções próprias, nem sempre enfatizada pela
historiografia das ciências no Brasil. Por outro lado, essa apropriação de modelos
deu-se sobretudo no campo dos métodos de mapeamento, das técnicas de
levantamento de campo e dos instrumentos científicos, posto que os programas
brasileiros, em suas crônicas dificuldades orçamentárias, terminariam por
restringir fortemente seus objetivos científicos.

Como demonstrou Figueirôa, em São Paulo a Comissão Geográfica e


Geológica, criada em 1886, foi fruto de amadurecidas articulações entre, de um
lado, os políticos à frente do governo90 e os interesses econômicos dos cafeicultores
na execução de um inventário do meio físico voltado para a solução dos seus
problemas relativos à terra e à infra-estrutura de produção do café; de outro lado,
o fortalecimento de uma noção instrumental da ciência mas que respaldava a
criação de uma instituição

alicerçada em bases do naturalismo científico. Isto é, uma instituição que


coletasse, analisasse, catalogasse e fornecesse informações sobre
praticamente todos os campos da história natural. Instituição capaz,
inclusive, de indicar a utilidade prática e a aplicação econômica da
variedade de recursos naturais que seria encontrada no decorrer dos
levantamentos.91

Ressaltamos que a clara noção da ciência como instrumento auxiliar da


administração pública, registrada nos documentos técnicos e os discursos
políticos que forjaram a CGG paulista, não foi, nesse primeiro momento,
incompatível com a ambição e envergadura propriamente científica imprimida ao

90 A principal figura política é sem dúvida o então presidente da província de São Paulo, João
Alfredo Correa de Oliveira.
91 FIGUEIRÔA, 1987, p.49.

153
projeto pelo seu dirigente, Orville Derby. Comparando-se os textos fundadores do
trabalho das duas comissões (os instrumentos legais de criação e os primeiros
boletins), separados por curto período, mas durante os quais a experiência
histórica acelerou-se em função de eventos como a abolição da escravidão e a
proclamação da República, observamos que os projetos tinham as mesmas
ambições em termos científicos, como o recolhimento de coleções de objetos,
indicativos de um projeto de museologização da história natural no estado.92

Segundo Lacerda, as suas escolhas técnicas basearam-se em duas fontes. A


primeira era o livro do engenheiro civil americano Frank Carpenter, membro da
comissão de Hartt, traduzido para o português como Explorações Geográficas pelo
também engenheiro José Américo Santos. Uma vez constatada por Hartt a
necessidade de estudos geográficos e topográficos que antecedessem os seus
estudos geológicos, Carpenter foi incumbido da elaboração desse manual, no qual
são recomendados métodos baseados nas comissões de exploração geográfica
americanas, desde que adaptados à realidade brasileira.93 Essa teria sido a fonte
dos processos aplicados em São Paulo, os quais Lacerda afirma ter adaptado ao
trabalho em Minas, defendendo um processo de mapeamento mais rigoroso do
que aquele praticado pelos paulistas. Lacerda afirmava que esse tipo de
levantamento mais detalhado era aconselhado pela leitura dos Relatórios das W.
S. Survey94, sua segunda fonte de orientação.

Duas experiências diferentes de surveys, ambas de origem americana,


foram citadas por Figueirôa como matrizes do programa científico das
comissões95: o método adotado pelo U. S. Coast & Geodetic Survey, serviço

92 Para discussão sobre a museologização das ciências naturais, ver: LOPES, Maria Margaret. O
local musealizado em nacional – aspectos da cultura das ciências naturais no século XIX, no
Brasil. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antônio Augusto Passos (Org.). Ciência, civilização e império
nos trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001.
93 O próprio Carpenter havia trabalhado numa dessas explorações geográficas, comandada pelo

tenente George M. Wheeler. Durante dez anos, até a criação em 1879 do organismo federal U.S.
Geological Survey, Wheeler realizou um mapeamento topográfico sistemático de grande parte do
oeste americano, tendo publicado diversos mapas em escalas articuladas. Concebidas para
propósitos militares, de transportes e planejamento, tais cartas foram a base para posteriores
estudos cadastrais e geológicos.
94LACERDA, 1894, p.7.
95 Segundo Figueirôa, esses métodos são citados nos dois documentos que explicitaram a proposta

da CGG paulista, quais sejam, o relatório do presidente da província de São Paulo João Alfredo
Correa de Oliveira no ano de 1886 para a Assembléia Provincial e o Esboço de um plano para

154
especificamente cartográfico, criado pelo governo americano em 1807 para
realizar um mapeamento preciso, em bases geodésicas, da costa leste do país e
estabelecer coordenadas seguras para a navegação96; e o modelo dos geological
surveys.

No primeiro boletim publicado pela comissão paulista, Orville Derby


explicitou essas opções técnicas e defendeu a necessidade de adaptação dos
modelos à realidade brasileira. Especialmente no campo da exploração geográfica,
um conhecimento gerado pelos traços da paisagem e da história do país, essa
adaptação se fazia mais necessária. Nas palavras de Derby:

Cada país, é certo, tem suas feições peculiares, a que os trabalhos de


geografia têm de se amoldar; adotado que seja um processo para os estudos
da geografia de uma região, tem este de passar por alterações ou
modificações tais que, com o andamento dos trabalhos, não raro se torna
em um novo e diferente processo.97 (grifo nosso)

A consciência das necessidades específicas do país era partilhada por


Hartt, Derby, Lacerda, e certamente por outros colaboradores dos planos; uma
consciência de que adaptações dos modelos estrangeiros deveriam gerar
experiências felizes, desde que coladas às necessidades e demandas de seus
usuários e patrocinadores.

Para o caso brasileiro, essa apropriação dos modelos estrangeiros de


mapeamento significou antes de tudo a opção pelo aproveitamento múltiplo da
empresa cartográfica que se iniciava, e a priorização do levantamento geográfico
em detrimento do mapeamento geológico. Tal medida já fora defendida por Hartt,
ainda em 1874:

A necessidade de mapas suficientemente exatos representando a geografia


brasileira era então, como ainda hoje, geralmente reconhecida, e como o
trabalho do geólogo tem de ser necessariamente precedido pelo do

exploração geográfica e geológica da província de São Paulo, apresentado por Derby ao mesmo
João Alfredo. FIGUEIRÔA, 1987, p.50.
96 Voltado fundamentalmente para o incremento da navegação comercial, esse serviço, ao longo do

século XIX, ampliou suas tarefas para o estabelecimento de marcos geodésicos de forma a
embasar com precisão o avanço do método da triangulação por todo o país.
97 DERBY, Orville A. Retrospecto histórico dos trabalhos geográficos e geológicos efetuados na

província de S. Paulo. Boletim da Comissão Geográfica e Geológica da Província de S. Paulo, São


Paulo, n.1, 1889. p.15.

155
topógrafo ou os dois devem prosseguir ao lado um do outro, a comissão
geológica tinha pois que efetuar também estudos geográficos. A geografia e
a geologia são ciências da mais íntima e recíproca dependência: uma indica
e representa fenômenos da crosta terrestre que a outra explica e
demonstra, e não raro surgem problemas daquela que só esta pode e sabe
resolver.98

Se para os homens de ciência de fins do século XIX, como Hartt, Derby e


Gorceix, o mapeamento geológico deveria ser o fundamento da leitura científica
da paisagem e do reconhecimento dos recursos minerais de um território, como
eram o pensamento e as práticas em curso entre europeus e americanos99, sua
viabilização dependia, no Brasil, do incremento prévio, ou paralelo, da exploração
geográfica e, sobretudo, do levantamento topográfico do território.

A prioridade da exploração topográfica era clara não só para os dirigentes


das comissões. Artigo divulgado em 1894 pelos membros da comissão mineira,
Belarmino de Menezes100 e Luiz Lombard101, demonstrava a afinidade intelectual
que unia o grupo original em torno do programa cartográfico. Admitindo a
importância dos estudos geológicos para a prosperidade do país, os autores
afirmavam:

Mas para fazer-se este estudo em um dado país, faz-se necessário o


conhecimento prévio de sua geografia física e é neste ponto que a geologia
se acha intimamente ligada à geografia.
Sem um carta exata onde se possa delimitar os terrenos de tal ou tal
natureza, sem o aspecto do relevo que permita criticar a posição das
camadas de terreno e dar a explicação deste relevo, sem o plano do sistema
fluvial para determinar a colocação dos depósitos interessantíssimos que
formam os cursos de água, etc... poder-se-ia apenas conseguir uma geologia
de informações que possuímos hoje e que reconhecemos como insuficiente
para as nossas necessidades atuais.102

98 Citado por: DERBY, 1889, p.14.


99 Como mostrou Roncayolo, a respeito da emergência de uma cultura científica da paisagem
francesa do século XIX, a geologia, então em suas origens, postulava-se como a sua leitura
científica por excelência, por permitir ultrapassar a visão superficial e descritiva da topografia e
alcançar os afloramentos geológicos, onde de fato se originavam as diferenças do meio físico.
RONCAYOLO, Marcel. Le paisage du savant. In: NORA, Pierre (Dir.). Les lieux de mémoire.
Paris: Gallimard, 1997. Quarto 1.
100 Belarmino Martins de Menezes era agrimensor formado pela Escola de Minas e topógrafo da

CGG desde a sua primeira formação em 1891.


101 Luiz Lombard era francês, engenheiro e geólogo formado na École des Mines de Saint-Etiènne,

geólogo da CGG desde 1891.


102 MENEZES, Belarmino Martins de; LOMBARD, Luiz. A cartografia no Estado de Minas:

156
Esse coro afinado trazia de volta à cena a necessidade da carta exata,
tantas vezes demandada pelas autoridades ao longo do século XIX: a cobertura
topográfica do país, assim como a amarração de uma rede geodésica, eram um
passivo do Império que a República teria que enfrentar. Como mostrou Palsky103,
nos países europeus, os grandes empreendimentos topográficos haviam sido
realizados durante os séculos XVIII e XIX. As operações de mapeamento
topográfico, articuladas com a cobertura da triangulação, multiplicaram-se pelo
mundo, embasadas no desenvolvimento técnico - melhoria dos instrumentos e dos
procedimentos de levantamento no campo, novas tecnologias de impressão e
bases astronômicas e geodésicas mais seguras – e impulsionadas pelas crescentes
demandas e exigências do usuários – estados, militares, industriais. Em fins do
século XIX, o conjunto da Europa, além dos Estados Unidos e mesmo estados
coloniais como a Índia, estava topografado, em linguagens e métodos diferentes,
mas sempre em escalas iguais ou superiores a 1:100.000, a mesma escala
escolhida pelos formuladores dos programas cartográficos paulista e mineiro. A
escala de 1:100.000 era considerada como a escala mínima na qual o mapeamento
podia ser feito sem prejuízo da representação dos principais elementos previstos
numa cobertura topográfica, como as redes hidrográficas e seus acidentes mais
relevantes, a direção das serras e os marcos orográficos, as estradas, as manchas
dos cultivos agrícolas, o mosaico da vegetação, a locação de jazidas minerais e
registros da presença humana como fazendas, a distribuição da rede urbana e os
limites administrativos, entre outros passíveis de representação.

Discorrendo sobre as escolhas dos cartógrafos, Rémi Caron chama a


atenção para o desafio intelectual que significa o desenho da carta topográfica,
pois, na proposição de uma representação geral da paisagem, todos os elementos
são representáveis e cabe ao cartógrafo decidir aqueles que comporão seu sistema
de descrição e organização do mundo. Mas, na sua subjetividade, o cartógrafo se
torna [...]um instrumento, um intérprete de toda uma sociedade, pois são as

relações da geografia com a geologia. Estado de Minas, Ouro Preto, ano 5, n.389, 30 abr. 1894. p.3.
103 PALSKY, Gilles. Um monde fini, un monde couvert. In: POUTRIN, Isabelle (Dir.) Le XIXe

siècle; science, politique et tradition. Paris: Berger-Levrault, 1995. p.140-141.

157
chamadas cartas de base as que mais refletem as necessidades e demandas de
uma sociedade, a orientação de suas ferramentas intelectuais, a forma de suas
ambições.104.

Reunir em um mesmo empreendimento cartográfico diferentes leituras da


paisagem e do território - geográfica, geológica, topográfica e geodésica – e
representá-las em uma escala suficiente para tornar o produto final, a imagem
cartográfica, legível e instrumentalizável, foram os principais desafios
intelectuais e técnicos das comissões. Além da urgência e envergadura da tarefa,
da escassez de dados nos diferentes campos, da vastidão do território e da
natureza rarefeita da sua ocupação, os dirigentes das comissões tinham de
solucionar a delicada equação entre ambição técnica, capacitação dos recursos
humanos e disponibilidade financeira. Nos textos formuladores dos programas,
tal solução passava pelo reforço do pragmatismo dos resultados a serem
alcançados e do meio termo na condução dos procedimentos cartográficos.

Os resultados práticos prometidos expressavam os vínculos entre os


objetivos do programa cartográfico e os interesses públicos e/ou privados que o
sustentavam. Em relação à agricultura e à mineração, esses vínculos foram
claramente apontados por Figueirôa para o caso paulista. Em Minas, essa
articulação aconteceu pela mediação do estado, que considerava o mapeamento
como um meio de conhecimento e divulgação das riquezas naturais do seu
território. Basta atentar para as palavras incisivas de Lacerda, para quem a
exploração geológica deveria limitar-se à caracterização dos solos e dos minerais
neles existente:
Para um Estado como o de Minas, ainda novo, e que procura chamar a
atenção dos capitalistas para a riqueza de seu solo, uma exploração
geológica deve ter um ponto de vista mais prático. [...]
No geólogo deve transparecer o engenheiro de minas. Estudando as jazidas
de minerais, deve sempre ter em vista o meio de explorá-los. [...] E nem se
diga que a contribuição é pequena para a ciência, pois, desses estudos
resultam fatos bem interessantes.105 (grifo nosso)

104 CARON, Rémi. Les choix du cartographe. In: CENTRE GEORGES POMPIDOU. Centre de
Création Industrielle. Cartes et figures de la terre. Paris, 1980. Catalogue de l'exposition
présentée au Centre Georges Pompidou du 24 mai au 17 novembre 1980. p.9.
105 LACERDA, 1894, p.34. As instruções prescreviam que os estudos climatológicos e quaisquer

outras informações colhidas nos diversos ramos da história natural, como a zoologia ou a botânica,
deveriam guardar relação prática e econômica com a indústria e a agricultura, no combater às

158
No caso de Minas, a vocação pragmática deveu-se ainda à tradição técnica
e científica da Escola de Minas, de onde saiu a maioria dos componentes da
comissão.106 Concebida como uma escola especializada na formação de geólogos e
engenheiros de minas, desde seu currículo inicial e progressivamente nas grades
curriculares posteriores, os cursos forneciam uma formação teórica e prática em
topografia e agrimensura, além de noções básicas de astronomia e geodesia. Mais
do que essa base curricular, contava a formação de uma mentalidade prática,
voltada para a solução dos problemas da realidade mineira, como sempre
defendeu Gorceix.

Por outro lado, a utilização do mapeamento como instrumento de conquista


e ocupação de novos territórios, traço comum dos surveys americanos com a
comissão paulista, não pode ser facilmente relacionada aos interesses mineiros e
não explicam as escolhas quanto às regiões a serem prioritariamente mapeadas.
Essa distinção sugere uma outra especificidade da comissão mineira. No projeto
paulista, Derby buscou equilibrar as explorações geográficas e geológicas no
conjunto das informações de interesse de mapeamento no quadro da expansão da
fronteira agrícola para o oeste, em semelhança com o processo vivido nos Estados
Unidos, onde a incorporação de novos territórios passava necessariamente pelo
seu mapeamento.

Mas em Minas não havia uma fronteira de terras despovoadas a ser


explorada pelo avanço agrícola, embora talvez algumas regiões, como o vale do rio
Doce, possam ser assim caracterizadas. Os argumentos em favor dos
mapeamentos como instrumentos de conquista e expansão territorial não dão
conta das escolhas realizadas no plano cartográfico mineiro, no momento de sua
concepção. Certo é que, em Minas, outros fatores relacionados ao agenciamento
do território, como a busca de um reequilíbrio geopolítico entre as regiões e a
montagem de uma infra-estrutura modernizante nas áreas mais dinâmicas do

pragas agrícolas ou no combate às doenças dos animais. LACERDA, 1894, p.66-67.


106 Ao longo de sua trajetória, a CGG teve sua composição técnica inúmeras vezes alterada,

revelando grande instabilidade e dificuldades na manutenção de seus membros. Interessa aqui


registrar que os três dirigentes da comissão geográfica eram egressos da Escola de Minas. Dos 86
nomes relacionados nas comissões geográfica e de limites, foi possível identificar a escola de
formação de 45, e desses 32 eram ex-alunos de Escola de Minas

159
estado, pesaram na definição de aspectos técnicos do programa cartográfico, como
a decisão sobre a região por onde se iniciou o mapeamento e a direção de seu
desenvolvimento (do centro para o sul do estado). As tensões geopolíticas internas
e a ausência de um grupo econômico hegemônico, como no caso dos cafeicultores
em São Paulo, tornaram o programa cartográfico mineiro, em sua origem, uma
iniciativa oficial não diretamente atrelada aos interesses expansionistas de um
grupo econômico ou regional. Em um segundo momento, a instabilidade dos
limites externos do estado, especialmente com São Paulo, será um argumento e
um ardil no acirramento da concorrência política entre os dois estados, e o
programa cartográfico exercerá então esse papel de instrumento expansionista do
território, ainda que restrito às pequenas margens territoriais de intensa disputa,
como são quase todas as zonas de fronteira.107

O outro lado do pragmatismo recomendado tanto no plano paulista como no


mineiro dizia respeito diretamente ao campo da cartografia. Ambas as comissões
adotaram os sistemas expeditos, tanto no levantamento geodésico como no
topográfico. Nem os esboços grosseiros dos levantamentos anteriormente
realizados no país, nem os cadastros minuciosos em curso em países europeus;
nem a medição rigorosa de um arco de meridiano, nem a imprecisão das
distâncias medidas por relógios mal regulados: todos os argumentos técnicos dos
formuladores e divulgadores dos programas (Derby, Lacerda, Lombard e
Menezes) preconizavam o meio termo feliz108 entre os dois extremos.

A adoção dos métodos expeditos significava uma simplificação dos


procedimentos de campo, embora não exista uma exata medida de rigor e
densidade nos levantamentos cartográficos. No caso de geodesia expedita,
consistia na construção de uma rede de triângulos mais rarefeita, a partir de uma
única base, mas sempre ajustada pela aferição constante dos instrumentos. O
maior ou menor detalhamento topográfico em campo, realizado por
caminhamentos, também era medida de difícil precisão. O erro inerente aos

107O tema será tratado na seção 4.


108Expressão empregada por Menezes e Lombard em artigo de divulgação dos trabalhos da
comissão geográfica. MENEZES, Belarmino Martins de; LOMBARD, Luiz. A cartografia no
Estado de Minas: enumeração dos defeitos dos mapas existentes. Estado de Minas, Ouro Preto,
ano 5, n. 384, 5 abr, 1894b. p.3.

160
procedimentos de campo, fosse nas medições ou nos desajustes dos instrumentos,
seria compensado pelos cálculos no escritório, onde de fato a imagem cartográfica
era construída. Em todas as etapas, o recurso aos instrumentos era a chave do
controle de qualidade dos trabalhos, embora coubesse à personalidade109 de cada
topógrafo a descrição da paisagem e a generalização de elementos muitas vezes
invisíveis no campo.

Os dirigentes das comissões tinham consciência de que uma metodologia


mais simplificada poderia garantir a marcha dos serviços e a apresentação, a
médio prazo, de resultados concretos, garantindo a continuidade dos trabalhos.
Em Minas, Abreu Lacerda manteve e aprofundou o discurso pragmático, mesmo
tendo defendido um levantamento de campo mais rigoroso do que a comissão
paulista.110 O êxito do trabalho encontrava-se a meio caminho entre a ambição
técnica da carta exata, tantas vezes frustrada no passado, e as escolhas técnicas
que a garantissem na prática, o que significava poupar recursos e ganhar tempo.
No artigo já citado de Menezes e Lombard, a defesa dessas opções da comissão
vinha embalada pelas certezas e o otimismo próprios dos engenheiros do seu
tempo:

Não será mais com um relógio mal regulado ou a “casco de cavalo”, como se
diz vulgarmente, que mediremos as distâncias de um ponto a outro, nem
usaremos da trena como num cadastro, mas empregaremos o podômetro
bem regulado, o odômetro ou stadia. [...]
Nosso método será, por conseguinte geométrico, como o dos melhores
mapas, mas a medida das linhas será menos rigorosa: o que perdemos em
exatidão ser-nos-á largamente recompensado em rapidez e economia,
obtendo resultado muito superior aos trabalhos atuais, sem base
geométrica. [...]
Não haverá mais lugar para as informações, incertas por natureza; tudo
será percorrido, explorado, medido; mas – repetímo-lo – com aproximação
perfeitamente determinada e previamente estabelecida.
Será esse trabalho uma verdadeira exploração geográfica e marcará o
primeiro passo para a geografia exata do futuro de Minas.111

109 DERBY, 1889, p.19.


110 Uma exploração prévia do terreno e a topografia mais detalhada do que o previsto no referido
manual foram modificações introduzidas no mapeamento mineiro, que preconizava uma rede de
triângulos mais densa para um estado como o de Minas, onde o terreno se vai valorizando com o
aumento da população. LACERDA, 1894, p.7.
111 MENEZES, 1894b, p.3.

161
4 A CIÊNCIA EM AÇÃO: A PRIMEI RA FASE DA COMISSÃO
GEOGRÁ FIC A E GEOLÓG ICA DE MINAS GERAIS – 1890-1898

4.1 A pri meira fa se da Comissão Geog ráfica e Geológi ca: um mapa


útil, fecundo e oneroso

Para lançar luz sobre a trajetória da Comissão Geográfica e Geológica de


Minas Gerais, podemos começar esboçando o percurso de uma outra comissão,
também ela de natureza fundamentalmente geopolítica e cartográfica. Em maio
de 1892 o governo federal criou a Comissão de Exploração do Planalto Central do
Brasil e nomeou o astrônomo Luiz Cruls, então diretor do Observatório Nacional,
para chefiá-la. A iniciativa dava prosseguimento ao estabelecido na constituição
federal de 1890, relativamente à definição de um sítio no planalto central da
república para instalação da nova capital.

A missão tinha forte sentido simbólico e envolveu uma equipe


interdisciplinar, para a qual foram convocados civis e militares, cientistas e
engenheiros, que deviam dedicar-se a estudos sistemáticos sobre a região, desde a
delimitação cartográfica, a determinação astronômica de sua localização, até os
estudos da paisagem física (topografia, geologia, hidrografia, clima, botânica) e
dos condicionantes para a instalação de uma grande cidade, como materiais de
construção e volume das águas disponíveis. A comissão viajou para o interior de
Goiás escoltada por militares e carregada de toneladas de carga, especialmente
instrumentos. Foram seguidas as modernas técnicas de levantamento geodésico e
topográfico utilizados nos surveys e a mesma metodologia utilizada no oeste
norte-americano para recorte dos novos territórios, com a delimitação da zona
através da figura geométrica de um quadrilátero formado por meridianos e
paralelos. Ao cabo de dois anos de trabalho, a comissão apresentou um relatório
geral, que posteriormente mereceu uma rica publicação, com a zona demarcada
de 14.400 quilômetros, seus percursos, as medições astronômicas de diversos
pontos, estudos geológicos, plantas das principais cidades da região e fotos. Em
1894 a comissão voltou a campo para definir o local exato para a construção da
162
nova capital, iniciar o trabalho de triangulação geodésica da região e estudar os
itinerários para a construção de uma estrada de ferro para o Rio de Janeiro.

No seu terceiro ano de atividade, a comissão prosseguia nos estudos


geológicos, botânicos e hidrográficos de interesse aplicados à construção de uma
grande cidade e na determinação de medidas astronômicas para a construção da
rede geodésica. Entretanto, as verbas foram subitamente cortadas no orçamento e
atingiu a equipe em pleno trabalho de campo, espalhado como se achava em
longínquo interior.1 Os equipamentos e materiais foram então recolhidos pelos
militares e a equipe civil dispensada dos serviços. Somente sessenta anos depois,
aquele quadrilátero inscrito no interior do estado de Goiás em todos os mapas
brasileiros deixaria de ser uma figura geométrica artificialmente superposta às
linhas sinuosas dos rios, montanhas, curvas de nível e limites. A trajetória da
comissão exploradora, breve e inconclusa, porém fértil em seus resultados, é
paradigmática. Nos primeiros anos do regime republicano, configurou-se um
contexto favorável para a retomada ou a invenção de projetos geopolíticos
afirmativos de uma nacionalidade fundada na unidade e riqueza territorial e
natural. Em sua grande maioria efêmeros, tais projetos deixaram frutos,
lançaram bases, teceram redes que sobreviveram às limitações do período e ainda
têm o que dizer. A trajetória da comissão mineira é um desses produtos.

Em 1891, a comissão geográfica e geológica instalou seu escritório em


Barbacena e os trabalhos de campo tiveram início, com a medição da primeira
base geodésica2 em Várzea do Marçal. Mas por que Barbacena para sede do
escritório original? E por que Várzea do Marçal como o primeiro ponto da
armação da triangulação? Por que, ainda, o sul como direção da área a ser
efetivamente mapeada?

1 BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e obras Públicas. Relatório apresentado ao Presidente

da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Indústria,
Viação e Obras Públicas, engenheiro Antônio Olinto dos Santos Pires, em maio de 1896. Rio de
Janeiro: Imprensa Oficial, 1896. p.216.
2 A base geodésica é uma linha marcada sobre um terreno previamente escolhido, cuja distância

entre os dois pontos extremos é definida e rigorosamente medida pelos cartógrafos. Uma vez
estabelecida as coordenadas geográficas dessa extensão, ela se torna um dos lados do primeiro
triângulo medido para composição da rede trigonométrica que se espalhará gradativamente sobre
o terreno escolhido.

163
Prolíficos no que se refere à descrição dos procedimentos de levantamento e
aferição das medidas no terreno, os documentos técnicos produzidos pelos
membros da CGG são lacônicos quanto às escolhas relativas ao ponto zero e às
rotas seguidas pelo mapeamento. Segundo Gorceix, para se medir uma grande
base os vastos platôs do norte e nordeste mineiros eram as regiões ideais, mas
esses quase desertos encontravam-se afastados das estradas de ferro e dos
centros de população3, ou seja, distantes dos eixos do progresso para onde deveria
se dirigir a ação governamental. Por outro lado, Barbacena e Juiz de Fora eram
centros urbanos importantes e, por serem também estações da Estrada de Ferro
Central do Brasil, suas coordenadas geográficas haviam sido determinadas
recentemente pelo Observatório Nacional4. A precisão e o caráter oficial das
medições dos astrônomos do Observatório permitiu a extensão das medidas pelas
regiões vizinhas, como o engenheiro-chefe Lacerda afirmou ter feito.5

É certo, porém, que tais decisões tinham fundamentos geopolíticos óbvios.


Consideramos a hipótese de que a definição do marco zero estava relacionado às
acirradas disputas políticas e ao jogo de interesses econômicos e clivagens
regionais que marcaram o período, quando a instauração da República, iniciada
em um quadro de desequilíbrio interno, na expressão de Resende6, caminhou
para a reordenação das forças políticas do estado. Não é por mero acaso que
Várzea do Marçal e Barbacena estavam também entre as localidades indicadas
para sede da futura capital do estado, e foram objeto de diferentes relatórios
técnicos a esse respeito, produzidos paralelamente à formulação e implantação do
programa cartográfico. Várzea do Marçal era uma pequena localidade próxima a
São João del-Rei, cidades que, juntamente com Barbacena, podem ser
consideradas os dois principais centros urbanos da chamada região central de

3 A CARTA de Minas. Minas Gerais, Ouro Preto, ano 2, n.242, 7 set 1893. p.4.
4 DETERMINAÇÃO das posições geográficas de Rodeio, Entre-Rios, Juiz de Fora, João Gomes e
Barbacena, publicada por L. Cruls, diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: H. Lombaerts, 1894.
5 MINAS GERAIS. Secretaria do Interior. Relatório apresentado pelo secretário interino do

Interior ao Exmo. Sr. Vice-presidente do Estado de Minas Gerais: trabalhos da Comissão


Geográfica do Estado de Minas Gerais, 1891. Minas Gerais, Ouro Preto, ano 1, n.74, 7 jul. 1892c.
6 RESENDE, Maria Efigênia Lage de. Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais: o

novo PRM - 1889-1906. Belo Horizonte: UFMG, 1982. p.51.

164
Minas a não apresentarem os índices de decadência dos demais centros urbanos
mineradores.7

Parece-nos claro que a escolha desses dois sítios para o início dos trabalhos
da comissão mineira dão conta de uma opção negociada para manter os trabalhos
na região central do estado, ainda a mais forte politicamente, especialmente no
tocante ao controle do aparato político e administrativo, e, ao mesmo tempo,
apontar para um deslocamento espacial dos serviços públicos em direção às suas
zonas mais dinâmicas, no caso em direção ao sul. É também sugestivo que o vetor
de expansão do tecido a ser cartografado a partir dos trabalhos da CGG
apontasse na direção centro-sul, expressão de uma aliança entre os interesses
dessas regiões que, em diferentes momentos da intricada trama de interesses do
período, prevaleceu sobre a aliança sul-mata, mais representativa dos interesses
hegemônicos dos cafeicultores.

Essas primeiras escolhas espaciais demonstram, enfim, que o programa


cartográfico mineiro adiantou-se às discussões inerentes a uma geopolítica
regional como elas terminaram por ser explicitadas na luta pela mudança da
capital e na disputa pela fixação do sítio onde a mesma seria edificada. Se a
constituinte não logrou definir o local devido às divergências entre os
representantes das diferentes regiões do estado, o presidente eleito Afonso Pena
teve suficiente força política para indicar o engenheiro politécnico Aarão Reis, sua
escolha pessoal, para presidir a comissão de estudos das localidades indicadas
para nova capital. Já em fins de 1892 Aarão Reis estabeleceu o seu escritório na
mesma Barbacena de onde Lacerda comandara sua equipe por mais de um ano.

Não resta dúvida que tanto o programa cartográfico consubstanciado na


comissão geográfica como a decisão da mudança da capital e sua efetiva
construção foram medidas resultantes do impulso reformista e modernizador dos
primeiros anos da República em Minas, cada medida respondendo de sua parte às
demandas por uma reconfiguração do espaço que estava na base do projeto
político de criação da nova unidade federativa. Segundo Faria8, a aventura

7 WIRTH, John D. O fiel da balança: Minas Gerais na federação brasileira, 1889-1937. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.64.
8 FARIA, Maria Auxiliadora. A política da gleba; as classes conservadoras mineiras: discurso e

165
modernizante da República iniciou-se em Minas pela abertura de duas frentes
que buscavam superar uma dicotomia histórica (dicotomia discursiva e mítica,
segundo a autora) entre o campo e a cidade, entre as minas e as gerais: a
valorização científica da agricultura e da pecuária e a mudança da capital.

Ambas iniciativas eram respostas a questões de poder sobre o território do


estado, já debatidas há décadas, e que, no quadro instável mas favorável do
governo provisório, adquiriram a força simbólica de vetores de um futuro de
progresso fundado na racionalidade e na técnica.9 Lideradas e executadas por
engenheiros, as equipes de ambas as comissões promoveram as primeiras leituras
sistemáticas da paisagem natural, rural e urbana do estado, produzindo
documentos científicos para instrumentalizar a ação racionalizadora dos
governantes.

Essas observações são em parte devedoras da análise empreendida por


Heliana Salgueiro, quanto à atuação da comissão de estudos das localidades, mas
permitimo-nos discordar da autora quando afirma que o relatório final de Reis
com os estudos realizados pela referida comissão, entregue ao governador Afonso
Pena em 1893, seria o primeiro estudo sistemático e quantificado de diferentes
sítios em um estado como Minas Gerais, onde, no fim do século XIX, ainda não se
contava com memórias descritivas do território, tão comuns na França do
Iluminismo.10 Tanto a primazia como a amplitude do projeto de conhecimento do
território sob bases científicas cabem, a nosso ver, ao programa da CGG, que já
vinha trabalhando desde 1891 e produzindo diversos estudos sistemáticos, fossem
mapas, tabelas, relatórios de viagem ou artigos.11

É fora de dúvida que as comissões lideradas por Aarão Reis, tanto aquela
destinada aos estudos das localidades como a construtora da capital, foram
cercadas de maior prestígio técnico e força política do que a comissão geográfica.

prática na Primeira República. 1992. Tese (Doutorado em História Social). Universidade de São
Paulo. São Paulo, 1992.
9 É sugestivo que as instruções técnicas que regulamentaram ambas as comissões tenham sido

promulgadas no mesmo dia (9 de novembro de 1892).


10 SALGUEIRO, Heliana Angotti. La Casaque d’ Arlequim; Belo Horizonte, une capitale

éclectique du 19e. siècle. Paris: École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1997b. p.38.
11 Parte dessa produção, como recomendavam as instruções, começaria a ser divulgada em 1894,

nos boletins da comissão ou em revistas especializadas ou de divulgação, enquanto outros


registros de grande valor documental, os relatórios de campo, jamais foram divulgados.

166
A maior parte da equipe foi montada com profissionais recrutados por Aarão Reis
entre seus colegas da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Oriundos da capital
federal, e egressos da prestigiosa escola, os membros da CCNC distinguiam-se
dos seus colegas da comissão geográfica especialmente pelo distanciamento das
rivalidades e dos interesses locais, e pelo poder de condução de um projeto
modernizador essencialmente intervencionista e normalizador. Embora os textos
produzidos por ambas as comissões e outras fontes documentais não permitam
uma comprovação, podemos considerar que o desempenho de cada uma das
comissões correspondia a projetos políticos senão concorrentes, ao menos
diferenciados, e embora o método cartográfico fosse praticamente o mesmo, a
diferença de escala, muito maior e mais detalhada no sítio da nova capital,
conduzia a procedimentos igualmente diferentes. Os pontos de contato
documentados entre as duas comissões, no nível da relação entre os atores, deixa
entrever, entretanto, na rotina dos trabalhos e nas busca de soluções técnicas, um
respeito e uma solidariedade tática.

Mais significativa nos parece a possibilidade aberta no período para o


efetivo engajamento dos profissionais técnicos nos quadros da administração
pública como importantes agentes do processo de modernização ensaiado pelas
elites mineiras. O amplo recrutamento dos profissionais engenheiros para o
cumprimento de missões técnicas importantes, ainda que datadas e provisórias,
parecia romper com um passado de poucos investimentos públicos na infra-
estrutura do estado e de tradição bacharelesca na condução do governo. Os
destinos de cada uma das comissões mostraram, entretanto, o limite dessas
mudanças e da capacidade de expansão e de sustentação de [...]um projeto de
direção técnica do Estado.12

Empossado em fevereiro de 1891, o engenheiro-chefe Abreu Lacerda de


imediato se defrontou com duas ordens de problemas para viabilização do
programa, muito ambicioso em termos técnicos e científicos frente à precariedade
dos elementos disponíveis na antiga capital: de um lado, a aquisição de

12DIAS, José Luciano de Mattos. Os engenheiros do Brasil. In: GOMES, Ângela de Castro
(Coord.). Engenheiros e economistas; novas elites burocráticas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1994. p.18.

167
equipamentos, que não existiam nem mesmo na movimentada praça do Rio de
Janeiro e foram encomendados nos Estados Unidos; de outro, a falta de pessoal
técnico qualificado.

A equipe formou-se inicialmente pela transferência de membros da


Comissão de Estatística, como o engenheiro-chefe Abreu Lacerda, os engenheiros
Augusto César de Vasconcellos (primeiro ajudante), Antônio Carlos Rodrigues
Lima (ajudante), Belarmino de Menezes (ajudante) e o desenhista José Thomaz
da Silva Coelho.13 Nos anos seguintes, até a sua extinção em 1898, a equipe foi
continuamente composta e recomposta, mas conseguiu agregar um núcleo
relativamente estável, formado por engenheiros, agrimensores e geólogos, em sua
maior parte egressos da Escola de Minas.14

Desde o início e durante toda a trajetória da Comissão, seus responsáveis


lamentariam a intensa rotatividade de seu corpo técnico. Testemunhos de
engenheiros da própria comissão mostraram as dificuldades na montagem das
equipes pela escassez do elemento técnico, fossem engenheiros ou agrimensores.
Apesar da existência da Escola de Minas e outras escolas técnicas agrícolas que
formavam pessoal adequado aos trabalhos da Comissão, esses profissionais eram
constantemente demandados e muito sensíveis às perspectivas de empregos mais
rendosos.15 A inconstância dos técnicos, muitas vezes atraídos por outras ofertas
de trabalhos, também era motivada pelo desgaste decorrente do pesado serviço de
campo, que durava em média seis meses.

13 Vasconcellos era engenheiro mecânico formado pela Universidade de Nova York. Os


documentos consultados não esclarecem sua procedência ou como se deu sua escolha para esse
papel chave na comissão. Menezes era agrimensor e Lima engenheiro, ambos formados na Escola
de Minas. Também não encontramos dados biográficos ou profissionais que esclareçam a formação
de Silva Coelho, que na função de desenhista foi o responsável pelas soluções gráficas e estéticas
de oito das dez folhas publicadas pela comissão nessa sua primeira fase.
14 Segundo os relatórios técnicos e os créditos autorais atribuídos nas folhas publicadas pela

comissão entre 1895 e 1899, esse núcleo principal era formado por técnicos formados na Escola de
Minas (os engenheiros civis e de minas Afonso Monteiro de Barros, Carlos Nunes Rabelo,
Henrique Carlos de Magalhães Gomes e Antônio Dias Tavares; os agrimensores Ernesto Pedro da
Silva Carvalho, Antônio Dias Ferraz da Luz, Efraim do Prado Seixas, Antônio Nogueira
Jaguaribe e Francisco de Paula Figueiredo Brandão). Compunham ainda a equipe Luiz Lombard,
engenheiro formado pela Escola de Minas de Saint-Etiènne, na França, e Álvaro Astolfo da
Silveira e Esdras do Prado Seixas, que acumulavam os títulos de engenheiro civil, de minas e
geólogo, também egressos da Escola de Minas (ver quadro anexo).
15 RABELO, Carlos Nunes. Notícia sobre a Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas

Gerais. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, v.5, n.25, p.4-5, jun. 1897b. p.4

168
Em Várzea do Marçal os trabalhos de campo da comissão geográfica
iniciaram-se com a medição de uma base geodésica, a partir da qual foi iniciada a
triangulação. Em dois anos de trabalho a rede de triângulos avançou sobre uma
área de 600 léguas quadradas16, seguindo na direção de Carrancas (sul) e da
estação da estrada de ferro Central do Brasil em Limoeiro, atual Goianá (zona da
mata), próxima à Juiz de Fora. Em julho de 1892 o escritório foi transferido para
Lavras, cidade ainda mais ao sul do estado. Segundo o relatório anual do
engenheiro-chefe Abreu Lacerda, as dificuldades com a composição da equipe e a
falta de instrumentos precisos forçavam a dependência da colaboração do
Observatório Astronômico do Rio de Janeiro para estabelecer coordenadas
geográficas dos pontos da malha de triangulação.

Os trabalhos da Seção Meteorológica também sofriam pela carência de


pessoal, pois para obtenção de séries cronológicas de dados meteorológicos, como
previsto no programa, era exigida a observação sistemática dos aparelhos das
estações. Lacerda enfrentou desde o início a crônica carência de pessoal como
uma tarefa que exigia um apelo cívico:

Procurarei, visto ser escassa a verba da comissão, encontrar cavalheiros


que se prestem a fazer gentilmente tais observações, prestando assim
grande serviço ao Estado, consagrando parte de seu tempo à ciência em
uma das suas fases úteis.17

16MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório apresentado

ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr. David Moretzhon Campista no ano de 1893. Ouro
Preto: Imprensa Oficial, 1893b. p.3.
17 MINAS GERAIS, 1892c, n.74.

169
Figura 8: A rede de triangulação fabricada entre os anos de 1891 e 1894: um
esquema matemático que presidia a observação de campo e estruturava o desenho
de gabinete.
Fonte: LACERDA, 1894.

A comissão instalou estações em diferentes cidades do estado, mas a


designação do responsável pelo trabalho de observação em cada uma delas revela
a precariedade da equipe e o improviso de soluções: em Barbacena, o telegrafista
da República18 fazia as observações em cumprimento de promessa feita ao
engenheiro Lacerda; em Juiz de Fora e Sabará, os dados eram observados pelos
farmacêuticos da cada localidade, que enviavam os mapas mensais com toda a
pontualidade; de Uberaba, enviava pontualmente os dados um ilustrado membro
do Instituto Histórico. A todos esses senhores mostrava-se Lacerda muito

18MINAS GERAIS, 1893b, p.6.

170
agradecido, enquanto esperava regularizar as informações ainda não obtidas em
Oliveira, a cargo do diretor do Sanatório, e em Ubá, também sobre
responsabilidade do farmacêutico local e que ficara impossibilitado de cumprir a
promessa devido às febres que ali grassaram. O otimismo dos primeiros relatórios
deu lugar à constante enumeração das dificuldades geradas pelos poucos recursos
disponíveis e a diminuta equipe. Em pouco tempo, Lacerda concluiu que apelos ao
patriotismo não manteriam com a regularidade esperada os observadores nos
postos de meteorologia, admitindo a necessidade de remunerá-los.

Em princípios de 1893, o engenheiro-chefe insistia na necessidade de


ampliação do pessoal da comissão e na instalação de um escritório central em
Ouro Preto. Para cumprir as novas finalidades da comissão, ampliadas pelas
instruções de novembro de 1892, Lacerda propunha redimensionar os trabalhos
de campo e de escritório e garantir maior estabilidade ao pessoal em serviço.
Mostrava-se especialmente preocupado em justificar a ampliação da comissão
para cumprir o grandioso objetivo que se propunha, pois, com o pessoal de que
dispunha naquele momento, seriam necessários cinqüenta anos para se elaborar
a carta do estado.19 O engenheiro-chefe parecia prever uma reação desfavorável
dos deputados frente às novas demandas e aos longos prazos necessários para
mapeamento na escala planejada, mas concluía, com a carga de racionalidade e
otimismo própria dos engenheiros de seu tempo:

Se forem aceitas as minhas propostas tão úteis para os fins desta comissão,
terei a honra de apresentar-vos as bases do serviço.
O aumento das despesas não deve embaraçar o poder legislativo, porque
essas despesas são fatais, quer a comissão levante a carta de Minas em 16
quer em 50 anos.
Apenas, é lógico, vê-se que a maior utilidade consiste em obter tal trabalho
no menor tempo possível.
Além disso, o tempo não deve espantar ninguém; comecemos hoje ou
amanhã, ele se imporá fatalmente.20

19 A proposta de Lacerda ampliava de uma para três as turmas de engenheiros em levantamento


de campo, o que reduziria em um terço o tempo de confecção da carta. Solicitava o aumento das
estações meteorológicas e a concessão de gratificações a professores públicos para realizarem as
observações.
20 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório do chefe da

Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas, engenheiro Augusto de Abreu Lacerda. In:
____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do estado de Minas Gerais pelo Secretário de estado
dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano

171
Lacerda não estava só na defesa do fortalecimento da comissão. Em sua
primeira mensagem anual ao Congresso, o novo presidente da província, Afonso
Pena, considerava e defendia o aumento da comissão geográfica e geológica como
uma das medidas do conjunto de iniciativas destinadas ao incremento agrícola e à
colonização do estado:

Lembro-vos a conveniência de alargar o quadro do pessoal da Comissão


geográfica e geológica do estado, a fim de ser dado maior impulso aos
trabalhos respectivos.
Compreendei que certas despesas em tais Comissões são de caráter geral,
qualquer que seja o número de empregados, e que, encurtando o prazo da
terminação desses trabalhos, colhe-se sensível economia.
Aumenta-se durante alguns anos a despesa, mas findando a comissão
dentro de menor prazo, obtém-se, além da vantagem referente à economia,
a de ficar o estado dotado de uma boa carta geográfica e geológica quanto
antes.
A relação direta que existe entre o termo geológico e o terreno agrícola,
assinalado pelos competentes, demonstra quão proveitoso será, para guiar
os agricultores, a terminação da nossa carta geológica, que servirá de base
à carta agronômica.
Obtida uma boa carta, poderemos fazer bem conhecido o nosso estado nos
países emigrantistas, tornando destarte saliente as abundantes riquezas
naturais, que só dependem do trabalho humano para serem aproveitadas.21

Este trecho do discurso inaugural de Pena revela como o programa


cartográfico era parte central no projeto de modernização agrícola em curso, não
só pela relação direta entre conhecimento geológico e aproveitamento agrícola,
mas também pela necessidade de fixação de uma determinada imagem do estado,
imagem essa a ser difundida como peça de propaganda das suas riquezas
naturais. Por outro lado, é significativo também por apontar para os problemas
que, a médio prazo, poriam em cheque a continuidade do programa, como a
preocupação com a impossibilidade de se obter respostas rápidas ao investimento
público. O mapeamento sistemático não poderia fornecer um produto imediato, à
altura da urgência dos problemas do estado. Seu processo era necessariamente

de 1893. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1893c. Anexo A. p.9.


21MINAS GERAIS. Mensagem dirigida pelo presidente do estado de Minas Gerais Dr. Afonso

Augusto Moreira Pena ao Congresso Mineiro em sua sessão ordinária da 1a. legislatura. Ouro
Preto: Imprensa Oficial, 1893. p.25.

172
lento, minucioso, mesmo se as condições operacionais fossem otimizadas, como
reivindicavam Lacerda, Pena e outros defensores do programa. Mais que isso, o
projeto intelectual e científico que informava o mapeamento não estava
diretamente atrelado e não se subordinava às pressões oriundas das demandas
regionais ou dos grupos políticos. Mesmo que se orientasse para regiões política e
economicamente mais fortes ou dinâmicas, como foi o caso, pressupunha uma
distribuição espacial gradativa e uniforme do mapeamento, pois os limites e
recortes das folhas obedeciam a uma progressão sobre uma grade geométrica que
havia recortado a priori o território, quadriculado pelas linhas virtuais dos
paralelos e meridianos.

Com a ampliação das atribuições da comissão decretada nas instruções,


foram contratados dois geólogos mas, segundo Lacerda, os trabalhos continuaram
sofrendo grandes perturbações pelas entradas e saídas de engenheiros por
exonerações ou constantes licenças. Os geólogos contratados para dar início aos
trabalhos da carta geológica – o francês Luiz Lombard e o ex-aluno da escola de
Minas, Álvaro da Silveira – eram deslocados para cobrir os claros deixados nos
trabalhos de campo dos topógrafos. Em 1893, enquanto os trabalhos geológicos
eram iniciados, a comissão desistia dos estudos relativos à avaliação das terras
agrícolas, reconhecendo a impossibilidade de manter laboratórios especiais e
considerando que esses trabalhos seriam desenvolvidos pelas estações
agronômicas e laboratórios agrícolas que o governo planejava criar no estado.
Mas também os estudos geológicos exigiam um aparato técnico – montagem de
laboratório, compra de equipamentos importados – que as verbas disponíveis não
comportavam. Luiz Lombard, em seu primeiro relatório como geólogo da
comissão, voltou a acentuar o caráter incompleto de suas descrições pela
impossibilidade de analisar as rochas em laboratório.

Frente à carência de recursos, o esforço da comissão concentrou-se no


avanço do mapeamento, na construção da rede de estações de observação
meteorológica e na publicação das cartas e boletins. Apesar das dificuldades, o
trabalho prosseguia com regularidade e, ao final de 1893, já era possível

173
apresentar as duas primeiras imagens cartográficas produzidas pela CGG22, que
buscavam testar e dar visibilidade aos primeiros resultados dos trabalhos de
campo e de gabinete.

Figura 9: Specimem de uma folha da carta do Estado de Minas (1893). O primeiro produto
cartográfico visava testar as escolhas gráficas e a capacidade técnica dos impressores
franceses. Embora esboço, continha praticamente todas as características das futuras folhas
definitivas, demonstrando a maturidade técnica do programa
Fonte: APM.

22 Segundo o engenheiro Vasconcellos, durante a temporada do ano de 1893, a rede de


triangulação avançou um grau quadrado a oeste da primeira zona explorada. Já em 1894 a
triangulação, a cargo de Belarmino de Menezes, partiu decisivamente para o sul, em direção aos
limites com o estado do Rio de Janeiro e em complementação à nova frente aberta nos limites com
São Paulo. Para lá convergiam também os interesses estratégicos e as verbas públicas do
programa de mapeamento.

174
A primeira era um esboço de uma das folhas em produção na escala de
1:100.000, uma specimem inacabada, assim descrita por Lacerda, em relatório de
1894:

Além de serem traçados os meridianos por grosseira observação de


azimute, faltam-lhe pela escassez do tempo a indicação da vegetação e
também a discriminação das estradas gerais e municipais, além dos limites
dos municípios, por ser impossível obter os respectivos dados, apesar de
reiterados pedidos meus às autoridades competentes.23

O outro produto era um mapa regional demonstrando o avanço da rede de


triangulação e da topografia, desenhado na escala de 1:500.000, gravado e
publicado no Rio de Janeiro pela litografia H. Lombaerts.24

Figura 10: Esboço da zona explorada de 1891 a 1893. O primeiro mapa regional
produzido pela Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais, no qual se observa o
preenchimento da rede geométrica da triangulação pelo desenho orgânico e sinuoso da
hidrografia e do relevo, descrição em imagem das etapas consecutivas do mapeamento.
Fonte: APM.

23 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório apresentado


ao Dr. Presidente do estado de Minas Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano de 1894. Anexo B.
Relatório da Comissão Geográfica e Geológica de Minas. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1894b. p.5.
24 COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Esboço da zona

explorada de 1891 a 1893. Rio de Janeiro: H. Lombaerts: [1893]. Escala 1:500.000.

175
O mesmo relatório trazia ainda um pequeno documento cartográfico que
reproduzia o antigo mapa de Henrique Gerber em suas principais linhas
(contornos do estado, rios e principais núcleos urbanos), e sobre ele demarcava a
mancha da zona explorada pela comissão e as localidades que sediavam as
estações meteorológicas25.

Os primeiros resultados da CGG foram saudados por um importante


aliado, Henri Gorceix. Discursando para o que se poderia chamar de o público
mais exigente na matéria em todo o mundo, a Sociedade de Geografia de Paris,
Gorceix descreveu o método adotado por Lacerda como o mais rigoroso possível
dentro das condições adversas do seu trabalho e solicitou o apoio da Sociedade
para o seu ex-aluno:

Não dispondo a comissão, no começo, senão de um pessoal muito pequeno e


inexperiente, não pode senão proceder lentamente.
Apesar desta condição desfavorável, em cerca de dois anos de trabalho,
contrariados quase a metade do ano por chuvas continuadas, o sr. Lacerda
pode reunir os documentos necessários para a projeção, com uma escala de
1:100.000 com as coordenadas retangulares, de 10 em 10 minutos, de uma
área compreendida entre 20° e 23° graus de latitude sul e 3 graus para
cada lado do meridiano.
Espero ter ocasião de apresentar estes trabalhos à Sociedade de Geografia.
Entrando nestes detalhes tenho um duplo fim: fazer conhecer a marcha
seguida pelo sr. Augusto de Lacerda para que ele possa ter a crítica de
homens competentes, dos quais este engenheiro estará feliz de receber os
conselhos, de ouvir as observações, e mostrar que não se dissimulando
pelas dificuldades do empreendimento que assumiu, tem a fazer um
trabalho sério, tão exato quanto o comportam as condições em que opera.26

25 ESTADO DE MINAS: H. Gerber. [Ouro Preto: s.n., 1893]. Escala: 1: 6.000.000. In: MINAS
GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório apresentado ao Dr.
Presidente do estado de Minas Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano de 1894. Anexo B. Relatório da
Comissão Geográfica e Geológica de Minas. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1894b.
26 A CARTA...,1893. p.4.

176
Figura 11: Estado de Minas. Sobre o mapa de Gerber, ainda a melhor carta
construída, foi plotada a mancha da zona explorada pela CGG nos dois primeiros
anos de trabalho: preocupação com a divulgação de resultados como mecanismo
para garantir a continuidade dos investimentos.
Fonte: MINAS GERAIS, 1894b.

Sob os aplausos de Gorceix, já a comissão enfrentava duas frentes de


oposição aos seus trabalhos. Uma de ordem técnica que, embora não possamos
apontar os argumentos dos seus opositores pela falta de fontes documentais, foi
suficientemente forte para motivar o engenheiro-chefe a publicar no primeiro
boletim da comissão os [...] processos de exploração geográfica que seguimos, tão
mal compreendidos e acremente criticados, mesmo por nossos engenheiros.27
Outra de ordem orçamentária, ou seja, de ordem política, uma vez que na
definição das prioridades orçamentárias estava em jogo as escolhas estratégicas

27 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório apresentado

ao Dr. Presidente do estado de Minas Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano de 1894. Anexo B.
Relatório da Comissão Geográfica e Geológica de Minas. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1894b. p.8.

177
do governo. Nesse caso, Lacerda defendeu veementemente os trabalhos da
comissão, sustentando seus argumentos na economia de seus gastos em função
dos resultados já alcançados:

Quanto às despesas gerais da comissão, terá ela despendido sem resultado


as quantias votadas pelo Congresso desde sua organização, como
assoalham o espírito perverso dos oposicionistas sistemáticos e inimigos
cegos dos grandes melhoramentos? Vou provar que não.28

Nessa defesa, Lacerda buscou conciliar os argumentos que comprovavam a


economia feita, expondo o preço de cada quilômetro mapeado, em relação à
precisão e importância do trabalho desenvolvido:

Tenho, pois, orgulho em afirmar que ao lado do criterioso trabalho, feito


com a necessária precisão, tem sempre marchado a economia.
Afirmo que a pequena carta anexa a este relatório não poderia ser
levantada, com a precisão que tem, por quantia inferior a 100 contos de
réis.
A sua publicação já traz grandes vantagens à respectiva zona e ela vem
mostrar quão erradas são as cartas geográficas existentes.29 (grifos nossos).

Decorridos apenas três anos do começo do mapeamento, fração mínima de


um prazo medido em décadas, esses primeiros indícios de críticas técnicas e de
oposição política ao projeto ganham nova dimensão com a criação de uma turma
especial destinada ao mapeamento da região limítrofe com São Paulo em 1893.
Com essa medida, o governo estadual claramente sinalizava para uma mudança
de prioridade do programa cartográfico, embora Lacerda mantivesse sua posição
de defesa da CGG e julgasse possível conjugar as duas frentes de trabalho,
considerando que os dois programas eram não só compatíveis mas
complementares.

28MINAS GERAIS, 1894b, p.12.


29MINAS GERAIS, 1894b, p.12. Nesse ponto de sua argumentação, Lacerda lança algumas pistas
sobre um presumível debate técnico em curso entre programas de exploração concorrentes. Essa
controvérsia cartográfica (ver seção 5), poderia estar na raiz da crítica que Lacerda lançou nesse
relatório ao afirmar que a carta de Gerber, fabricada havia mais de trinta anos, era superior ao
mapa de Chrockatt de Sá, publicado no ano de 1893. Seria Chrockatt de Sá um dos opositores dos
métodos de exploração da CGG? As fontes consultadas não nos permitem avançar muito nesse
campo, mas as palavras de Lacerda, assim como o artigo que Belarmino de Menezes e Luiz
Lombard lançariam em março de 1894 e no qual reforçam a opinião sobre a superioridade da
carta de Gerber, permitem-nos sugerir um ataque orquestrado ao trabalho cartográfico do
poderoso engenheiro Chrockatt de Sá.

178
Na verdade, o governo estadual abriu nesses anos não duas, mas diversas
frentes de mapeamento no território, se considerarmos os trabalhos da Comissão
Construtora da Nova Capital e as comissões de exploração geográfica para
medição de terras que a Repartição de Obras Públicas mantinha em cada um dos
cinco distritos do estado.30 De 1894 até o final da década, as verbas votadas para
investimentos nos programas cartográficos cresceriam substancialmente, mas
distribuindo-se entre a CGG, a comissão de limites e as comissões de medição de
terras.31 Esse fortalecimento dos investimentos públicos decorria do crescimento
das receitas orçamentárias do estado com a transferências dos impostos de
exportação, antes recolhidos pelo governo federal. Por outro lado, um surto de
desenvolvimento foi experimentado no período32, no qual o secretário de
Agricultura do novo governo Bias Fortes, Francisco Sá33, via, em inícios de 1895,
o rejuvenescimento de todas as forças vivas do estado. Para Sá, se o resultado
tangível desse crescimento eram as obras públicas em curso, o seu sentido maior
seria fazer de Minas o exemplo da paz, da liberdade e do trabalho.34

30 Cada distrito tinha uma comissão liderada por um engenheiro e composta por agrimensores e
escriturário, dedicados ao trabalho de produzir uma cartografia aplicada na escala dos
mapeamentos cadastrais. O trabalho de medição de terras fez surgir no âmbito da Secretaria de
Agricultura um interessante debate sobre o valor das terras públicas, que dependia de decisão do
Congresso estadual. Os engenheiros dos distritos reivindicavam a adoção de critérios técnicos
baseados nas condições geológicas, topográficas e meteorológicas dos terrenos, além do critério
econômico de avaliação das benfeitorias. MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo
Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr, Francisco Sá
em o ano de 1895. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1895b.
31 Os investimentos também eram direcionados para a criação de institutos agronômicos, cujos

cursos técnicos formavam muitos dos agrimensores empregados nas diferentes comissões.
32 O crescimento das receitas do estado de Minas resultou da conjuntura favorável do mercado

internacional ao café, cuja alta dos preços entre 1885 e 1890 teve conseqüências duradouras até
1894. Conjugada com o crescimento das lavouras, que permitiu a maior participação da
cafeicultura mineira na exportação nacional, a prosperidade persistiu até aproximadamente 1897,
quando não conseguiu mais compensar a baixa dos preços e expôs toda a fragilidade e
dependência do estado em relação à atividade cafeicultora (RESENDE, 1982, p.24-30).
33 Francisco Sá (1862-1936) pode ser considerado como mais um ator social a compor a rede

técnico-científica que enredava a CGG e os quadros políticos-administrativos do estado.


Engenheiro formado na Escola de Minas em 1884, foi engenheiro fiscal da estrada de ferro
Mogiana, Inspetor de Terras e Colonização do governo Afonso Pena, Secretário de Agricultura do
governo Bis Fortes. Deixou esse cargo para ingressar na política como deputado estadual pelo
Ceará, estado pelo qual foi também senador. Foi ministro da Viação e Obras Públicas no governo
Nilo Peçanha.
MONTEIRO, Norma de Góes. Dicionário biográfico de Minas Gerais: período republicano-
1889/1991. Belo Horizonte: Alemg, UFMG/ Centro de Estudos Mineiros,1994. v.2. p.603.
34 MINAS GERAIS, 1895b.

179
Em 1894, com a criação da turma de limites, inicialmente subordinada à
comissão geográfica, a liderança técnica da CGG é alterada, com a saída do
engenheiro Augusto de Vasconcellos, primeiro ajudante e triangulador, que passa
a liderar a nova turma. Belarmino de Menezes ocupou o seu posto e novos nomes
passam a compor a equipe de engenheiros e agrimensores. Os nomes recrutados
para a turma de limites e as mudanças nos quadros da CGG, entretanto, não
alteraram o perfil de formação técnica da maioria de seus componentes, que
continuavam sendo os ex-alunos da Escola de Minas.

Mudança mais substantiva na condução dos trabalhos ocorreria em janeiro


de 1895, com a substituição do engenheiro Augusto de Abreu Lacerda por Álvaro
da Silveira na chefia da CGG e a emancipação da turma especial de limites, que
se tornou uma comissão autônoma. A saída do engenheiro Abreu Lacerda
certamente estava ligada as negociações que ocorreram durante o ano de 1894 em
torno da necessidade de implementação de políticas cartográficas conjugadas
entre os estados limítrofes para dar cabo dos conflitos de fronteira. Logo após
desligar-se da CGG, Lacerda assumiu a Secretaria de Obras Públicas do Estado
do Rio de Janeiro, pasta à qual estava subordinada a recém criada comissão da
carta corográfica do Rio de Janeiro.35 Certamente Lacerda carregou para o seu
novo cargo público toda a sua experiência e interesse na questão, o que seria
comprovado pelo seu envolvimento direto na regulamentação dos trabalhos
cartográficos daquele estado. A conjugação e proximidade das medidas pode
sugerir, por outro lado, uma insatisfação de Lacerda com os rumos da política
cartográfica em Minas e a busca de outros espaços para sua atuação. O episódio
ganha maior interesse quando situado no enredo mais amplo das políticas
territoriais convergentes implementadas pelos estados da federação e no
movimento estratégico de seus atores-chaves, como Abreu Lacerda.

Apesar de as novas medidas contemplarem finalmente a tão demandada


ampliação da equipe da CGG, era indiscutível que as mudanças favoreciam o
programa de mapeamento dos limites do estado. A nova comissão surgia com

35A Comissão da Carta Corográfica do Rio de Janeiro e demarcação dos limites como os estados
de Espírito Santo, Minas e São Paulo foi criada pelo governo fluminense pelo decreto n.142 de 23
de novembro de 1894.

180
uma equipe maior do que a CGG e com mais recursos votados pelo Congresso.36
Comparando-se as duas comissões, percebe-se que a CGG manteve uma equipe
menor e mais diversificada para dar conta dos objetivos mais amplos da carta
geográfica e geológica e dos estudos meteorológicos. Por outro lado, a comissão de
limites foi composta por uma equipe de engenheiros e agrimensores
exclusivamente voltada para a produção imediata das cartas topográficas das
zonas limítrofes em litígio.

Já decidida a sua saída, Lacerda conferiu ao seu último relatório anual,


escrito em janeiro de 1895, o tom de uma despedida, promovendo um balanço dos
trabalhos desenvolvidos. Acenou mais uma vez com a importância e utilidade do
programa, pois sobre a carta geográfica poderiam debruçar-se os governantes
para resolver os muitos problemas do estado: o delineamento dos limites externos
e intermunicipais, do plano de viação e das estradas de ferro, a identificação das
terras e das minas, o conhecimento do clima.

Quanto aos rumos do trabalho que deixava, vaticinou o avanço para o sul e
sudoeste, em direção às zonas limítrofes. Por certo o futuro da CGG dependeria
da sua fusão com as redes de trianguladas que agora envolviam também a
comissão de São Paulo, pelo acordo para definição de limites que os respectivos
governos buscavam ajustar. Mantendo a tradição do discurso otimista e
tecnicamente coerente, Lacerda apontou vantagens técnicas nessa orientação dos
trabalhos, pela possibilidade de ligar a rede iniciada pela medição da base
geodésica em Várzea do Marçal à base paulista de Roseira, medida em conjunto
pelas duas comissões: [...] assim computados os triângulos, de seus lados partirão
outros, que formarão a malha da rede que cobre toda a zona explorada.37

36 A comissão geográfica e geológica passou a contar com a seguinte equipe: engenheiro-chefe, um


chefe de seção, dois geólogos, dois ajudantes de primeira classe, dois ajudantes de segunda classe
(os chamados ajudantes eram sempre engenheiros ou agrimensores), um desenhista e um
meteorologista (dez técnicos). Já a comissão de limites compunha-se de um engenheiro-chefe, dois
chefes de seção, quatro ajudantes de primeira classe e quatro de segunda classe, dois desenhistas
(treze técnicos). Os vencimentos da equipe da CGG somavam 73.800 contos de réis, enquanto os
da comissão de limites subiram para 91.000 contos de réis. (Decretos n. 804 e 805 de 19 de janeiro
de 1895).
37 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório da Comissão

Geográfica e Geológica.In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas


Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr,
Francisco Sá em o ano de 1895. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1895c. Anexo 3. p.5.

181
O novo dirigente da comissão, Álvaro da Silveira, deu continuidade aos
trabalhos, imprimindo desde logo algumas mudanças para acelerar o ritmo dos
trabalhos, como a priorização do avanço da triangulação que, ao longo dos anos,
tendeu a ficar atrasada em relação ao levantamento topográfico.38 Por outro lado,
introduziu os estudos botânicos e a formação de um herbário entre os objetivos da
comissão. Silveira buscou justificar tecnicamente a abertura dessa nova frente de
trabalhos, que era um campo de seu particular interesse, discorrendo sobre a
importância da relação entre botânica e geologia e citando teoria de Emmanuel
Liais sobre a antiga junção das bacias dos rios Paraopeba e Grande pela
distribuição de espécie Illex congonhas:

Este exemplo mostra que a geografia botânica ou fitogeografia de Minas é


uma matéria para a qual esta comissão deve voltar o mais possível a sua
atenção, já pelo fim industrial descobrindo plantas que tenham aplicação
na tinturaria, na marcenaria ou em outro ramo da industria, já pelo fim
geológico propriamente dito.39

Apesar das limitações de recursos e pessoal e das pressões por resultados,


Silveira não teve, aparentemente, dificuldade de levar adiante suas pesquisas
botânicas dentro do espaço institucional da comissão. Em 1896 o herbário já
contava com 2.200 espécies, e Silveira empenhava-se na aquisição de toda a Flora
Brasiliensis, de Martius, uma vez recebida em doação da Biblioteca Nacional uma
parte significativa da coleção.40 Contava inclusive com o apoio do seu chefe
imediato, Carlos Prates41, então à frente da Repartição de Terras e Colonização.
Prates julgava úteis as pesquisas desenvolvidas por Silveira e não hesitou em

38 Certamente Silveira foi motivado pelos próprios números da comissão, pois, pela média da
quilometragem já realizada pela equipe, calculava-se em cerca de 162 anos o prazo para terminar
os trabalhos. Silveira propôs às autoridades que a equipe fosse multiplicada por cinco, para
reduzir esse prazo para 32 anos.
39 MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Relatório da Comissão Geográfica e Geológica. In: ____.

Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Estado da Agricultura do Estado de Minas Gerais pelo
Inspetor de Terras e Colonização, dr. Carlos Prates em 1896. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1896c.
Anexo A. p.115.
40 Como Orville Derby e outros membros da comissão paulista, Álvaro da Silveira tinha

seguramente ambições de construir uma carreira científica, especialmente no campo da botânica,


e buscou construir na CGG um espaço para esse exercício.
41 Carlos Leopoldo Prates era natural de Montes Claros. Formou-se em engenharia de minas e

civil na Escola de Minas em 1890. Começou sua carreira na administração pública como químico
da Comissão de Estatística. Engenheiro do Estado, exerceu, entre outros, os cargos de chefe da
Seção Técnica da Repartição de Terras, Inspetor Geral de Terras e Diretor de Agricultura e
Comércio. Foi um dos fundadores da Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte, 1911.

182
pleitear em seu relatório anual um lugar de botânico na comissão. Fez ainda
ressurgir a idéia, insinuada nas instruções de 1892, da criação de um Museu de
Minas, o qual considerava

[...] uma necessidade científica e industrial de que é tempo cogitarem os


poderes públicos, tão patrioticamente interessados na verificação e
divulgação das imensas riquezas naturais que esta terra entesoura.42

Coube a Silveira definir parte significativa das convenções cartográficas


das cartas, coordenar a finalização dos trabalhos de desenho das quatro primeiras
folhas produzidas pelo programa – Barbacena, São João Del Rei, Ibertioga, e
Carrancas, assim numeradas – e mandar publicá-las em Paris, com uma tiragem
de 2.000 exemplares. Em 1896 essas folhas estavam franqueadas para aquisição
pública, e seus originais em cobre foram conservados para qualquer tiragem
futura.43

A partir dessa data e até a interrupção dos trabalhos em 1898, o gabinete


da comissão dedicou-se à finalização gradativa das folhas preparadas, que foram
publicadas na seguinte ordem: Aiuruoca, Luminárias e Baependi em 1897;
Lavras em 1898; Lima Duarte e Rio Preto em 1899, já extinta a comissão.44
Silveira demonstrou especial preocupação com a divulgação das folhas recém-
publicadas, que eram vendidas a baixo custo mas mediante procedimentos
burocráticos que dificultavam a compra, causando prejuízo ao público por
desconhecer a existência das mesmas. Sugeriu que as folhas fossem vendidas em
livrarias pois [...] desse modo a venda seria muito maior e a carta preencheria um
de seus principais fins – o de servir ao público.45 Essa preocupação com a
vulgarização das folhas decorria certamente de uma estratégia de dar maior
visibilidade ao trabalho da comissão. No mesmo sentido foi confeccionado em

42 MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Estado da


Agricultura do Estado de Minas Gerais pelo Inspetor de Terras e Colonização, dr. Carlos Prates
em 1897. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1897b. p.164.
43 MINAS GERAIS, 1897b, p.70.
44 A data que consta nas folhas corresponde ao ano de finalização dos trabalhos, e não a da sua

impressão.
45MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Anexo da Comissão Geográfica e Geológica. In: ____.

Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Estado da Agricultura do Estado de Minas Gerais pelo
Inspetor de Terras e Colonização, Dr. Carlos Prates em 1898. Ouro Preto: Imprensa Oficial,
1898b. Anexo A. p.116.

183
1897 um novo mapa parcial com a representação da área já coberta pelo
mapeamento.46

Figura 12: Folha de Barbacena (1895), considerada ainda hoje pelos cartógrafos como o
primeiro mapa realizado em Minas Gerais.
Fonte: APM.

A questão da representação dos limites intermunicipais nos mapas lança


luz sobre essa preocupação dos responsáveis pelos mapeamentos quanto à
necessidade de torná-los mais instrumentais, oferecendo à leitura dados
considerados úteis a um público maior. Uma primeira divisão administrativa do
estado havia sido feita por Cesário Alvim em 189147, mas um dispositivo da
constituição mineira, naquele mesmo ano, congelou por um prazo de dez anos

46 Segundo Silveira, o mapa foi desenhado na escala de 1:500.000 e continha a rede de triângulos,
as curvas de nível, os cursos d´água e as principais povoações, além dos recortes das folhas e a
diferenciação dos municípios por cor. Não foram encontrados exemplares desse mapa nos arquivos
consultados.
47 Lei n.11 de 13 de novembro de 1891.

184
qualquer outra tentativa de reformulação do mosaico territorial, como forma de
prevenir as tendências de fazer política através de reforma da divisão
administrativa.48 Tanto Lacerda como Silveira lamentaram que as folhas viessem
a público sem que os limites intermunicipais fossem demarcados com o necessário
rigor, mas posicionaram-se em pólos opostos quanto à solução cartográfica para
superação da questão. Para Lacerda, o problema provinha de caos em que se
encontrava a delimitação territorial dos municípios e seus inúmeros conflitos
locais, e julgava conveniente que a comissão publicasse suas cartas não
assinalando limite algum.49 Mas Silveira atribuía parte das dificuldades à
indiferença das câmaras quanto à utilidade das cartas e argumentava em favor
da sua representação:

As desvantagens que de semelhante medida advirão são óbvias: imagine-se


um mapa do Brasil sem os limites de seus atuais estados!!!...
A razão que muitas câmaras dão, de não poderem dar informações sobre
limites de seus municípios pelo fato de serem estes ainda contestados, não
procede, porque todos sabemos que entre quase todos os Estados da União
há duvidas ainda sobre limites. E quem poderá negar a utilidade de
semelhante representação, mesmo nessas condições? Sem ela não se
poderia ajuizar da extensão de cada Estado, não se poderia pois ter uma
idéia da condensação da população, das necessidades que dizem respeito à
imigração, do progresso enfim encarado sob vários pontos de vista. Demais,
mesmo havendo contestação, não será melhor ter uma linha para se
contestar do que não ter nenhuma?50

É curioso observar, neste caso, como o entendimento que cada cartógrafo


tinha da questão política em jogo conduzia a uma posição diferente quanto à sua
representação cartográfica. É certo, porém, que terminou por prevalecer a norma
estabelecida nas instruções de 1892, e os limites dos municípios se fizeram
representar nas folhas, independentemente de seu grau de precisão ou
legitimidade.

Todo o período em que Álvaro da Silveira esteve à frente da comissão, entre

48RESENDE, 1982, p.195.


49MINAS GERAIS, 1893c. p.6.
50MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Relatório da Comissão Geográfica e Geológica. In: ____.

Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Estado da Agricultura do Estado de Minas Gerais pelo
Inspetor de Terras e Colonização, dr. Carlos Prates em 1897. Anexo A. Ouro Preto: Imprensa
Oficial, 1897c. p.5.

185
1895 e 1898, foram anos de crescentes dificuldades econômicas para o estado, com
o aprofundamento da sua dependência em relação à cafeicultura. Para o governo
do estado a crise culminou com o colapso da receita orçamentária advinda da
queda dos preços do café e da desvalorização do câmbio. A eleição do novo
presidente Silviano Brandão deu-se nesse contexto de crise e forçou a adoção de
um programa de governo que conjugava a centralização política com drásticas
medidas de cortes orçamentários. Segundo Wirth51, Silviano Brandão fechou
quase quatrocentas escolas durante a depressão de 1898, o que dá uma dimensão
da amplitude dos cortes então realizados. Suprimiram-se serviços dispensáveis,
suspenderam-se outros adiáveis, e reorganizaram-se diversos outros, dizia o
relatório de Brandão em 1899.52

O novo secretário da Agricultura, Américo Werneck, criticou duramente os


programas dos governos passados, acusando o estado de atraso e desânimo em
que se acha a lavoura53, a falta de resultados do ensino agrícola e a ausência de
um progresso sensível na pecuária. No primeiro ano da sua administração,
impelido a solver o débito a qualquer custo, Werneck promoveu cortes
generalizados de pessoal e de investimentos na imigração e na construção da
nova capital, e julgou dispensáveis – ou adiáveis - os programas de mapeamento
da CGG e da comissão de limites. Segundo suas palavras,

Ninguém contesta a utilidade de um mapa exato e minucioso, como aquele


que estava sendo organizado com o mais escrupuloso cuidado, mas a
necessidade de adiar para épocas melhores a realização desse ideal
impunha-se de um modo irresistível, e a administração pública não teria
tido a compreensão de sua responsabilidade se houvesse vacilado na
adoção de medidas radicais, que aliviassem o tesouro de encargos
superiores às suas forças.54

51 WIRTH, 1982, p.142.


52 MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Silviano de Almeida Brandão 1899-1901). Mensagem
dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr.Francisco Silviano de Almeida Brandão ao
Congresso Mineiro em sua 1a. sessão ordinária da 3a. legislatura no ano de 1899. Ouro Preto:
Imprensa Oficial, 1899a. p.62.
53 MINAS GERAIS. Secretaria de Agricultura. Relatório apresentado ao Presidente do Estado de

Minas Gerais pelo secretário dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Sr.
Américo Werneck, em o ano de 1899. Cidade de Minas: Imprensa Oficial, 1899b. p.18.
54 MINAS GERAIS, 1899b. p.46.

186
A comissão geográfica e geológica e a comissão de limites foram assim
extintas em outubro de 1898 e, mais uma vez, adiava-se a fabricação do mapa
exato. A interrupção dos trabalhos cartográficos, pelo que se conclui dos relatórios
anuais dos chefes e técnicos, colheu de surpresa as equipes, em ambas as
comissões, apesar das constantes reclamações sobre a exigüidade dos recursos e
de pessoal por todo o período. Na CGG, os trabalhos se desenvolviam dentro de
uma metodologia que seguramente não previa a possibilidade de sua brusca
paralisação. Como extratos, os trabalhos corriam paralelamente em muitas
frentes, com seus ritmos próprios: triangulação, topografia, desenho, impressão,
mapeamento geológico, observações meteorológicas. A extinção da comissão
deixou todas as etapas inacabadas, forçando procedimentos diferenciados para
salvar os resultados e produtos e garantir a sua possível continuidade no futuro.

No campo, os sinais da triangulação das zonas fronteiriças, de onde


partiria a continuidade de rede, foram assinalados de um modo duradouro55 e
foram detalhadamente descritos no relatório final, como forma de assegurar o seu
uso futuro. No gabinete, suspendeu-se o desenho antes que se completasse a
representação de todos os levantamentos topográficos realizados, e muitas folhas
ficaram inacabadas.56 Apresentado o balanço do trabalho da CGG até 1898, dez
folhas haviam sido concluídas, sete impressas, uma imprimindo-se em Paris e
duas desenhadas apenas nas folhas borrão.57 Para a finalização do desenho
dessas folhas, o governo contratou Álvaro da Silveira, que realizou o trabalho em
1899 e assinou as duas últimas folhas, de Lima Duarte e Rio Preto. Álvaro da
Silveira conseguiu ainda publicar o boletim n.5, composto por diversos estudos de
sua autoria, relativos à taxonomia botânica e ao clima das regiões mapeadas.

Carlos Prates, mantido no cargo de chefe da Repartição de Terras, realizou

55 MINAS GERAIS. Secretaria de Agricultura. Relatório do Comissão Geográfica e Geológica. In;


____. Relatório apresentado ao Presidente do Estado de Minas gerais pelo secretário dos Negócios
da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, sr. Américo Werneck, em o ano de 1899. Anexo C.
Cidade de Minas: Imprensa Oficial, 1899c. p.270. Feito importante foi a ligação dos trabalhos de
triangulação da CGG e da comissão de limites.
56 Ficaram inacabadas, por ordem de quilometragem coberta, as folhas de Oliveira, Lagoa

Dourada, São Tiago, Juiz de Fora, Bocaina, Remédios, Varginha, Cristais, Palmira, Itapecerica,
Campanha e Pouso Alto. MINAS GERAIS, 1899c, p.272.
57 MINAS GERAIS, 1899c, p.272. As dez folhas finalizadas encobriam uma área de 22.182

quilômetros quadrados.

187
um balanço do trabalho da CGG no seu relatório anual, no qual considerou que a
exploração geológica pouco tinha avançado e que os estudos meteorológicos
mantiveram-se com a previsível regularidade. Mas Prates não poupou elogios à
figura e ao trabalho de Silveira, especialmente aos seus estudos botânicos e à
montagem do herbário,

que deve mais tarde fazer parte do museu do estado e onde figurará com o
nome do laborioso naturalista que o organizou [...] sem verbas especiais,
graças aos esforços perseverantes do sr. engenheiro-chefe que, mais uma
vez, revelou neste trabalho, consagrado pelas apreciações de sábios
estrangeiros, a sua competência e particular dedicação e amor ao progresso
científico de seu estado natal. Com a organização deste herbário, prestou o
sr. Engenheiro chefe valiosa contribuição para o estudo completo da flora
mineira, até hoje mal conhecida e estudada.58

Curiosamente, os trabalhos da comissão geográfica e geológica eram


interrompidos com especiais elogios aos resultados obtidos em um campo não
contemplado nas instruções de 1892, a botânica. Ainda que esses trabalhos não
tenham sido prioritários, o investimento pessoal de engenheiro-chefe e o apoio
explícito de seu chefe imediato na produção de um conhecimento que se desviava
claramente do caráter aplicado que estava na origem do programa de
mapeamento, certamente corroboraram para a sua condenação, em um momento
de crise e definição de prioridades no governo.

Se a crise instalada no estado forçou os dirigentes recém-eleitos a


articularem novas estratégias e discursos que justificassem os cortes profundos
nos programas em andamento, a comissão geográfica não poderia ser salva nem
pelas suas realizações, nem pelos elogios do meio científico.59 Em sua mensagem
anual ao Congresso, Silviano Brandão recorreu ao patriotismo dos parlamentares
para se fazer compreender quanto aos drásticos cortes que havia realizado e ao
regime de austeridade com que pretendia continuar seu governo:

58MINAS GERAIS, 1899c, p.272.


59 Dizia o relatório de Prates que o valor científico de tais trabalhos [da CGG] tem sido apreciado e
reconhecido por pessoas e associações nacionais e estrangeiras, de alto valor, algumas das quais
cita o sr. Engenheiro-chefe no final do seu bem elaborado relatório, a este anexo. MINAS
GERAIS, 1899c, p.273.
Infelizmente não conseguimos encontrar qualquer exemplar do referido relatório.

188
O nosso Estado foi organizado não como um simples Estado, mas antes
como uma grande nação; os seus serviços ordinários, em geral aparatosos,
foram generosa e largamente dotados, e os de caráter extraordinário,
embora representando empreendimentos úteis e fecundos, não podiam
deixar de pesar fortemente sobre os orçamentos, onerando
consideravelmente os cofres públicos.60

Certamente a fabricação do mapa geral do estado, nos moldes ambiciosos


da CGG, era parte desse programa de construção de uma grande nação mineira,
agora adiado. Embora útil e fecundo, o aparatoso programa cartográfico deveria
esperar por melhores tempos.

4.2 A c omissão geog ráfica de li mi tes e a função performa tiva dos


ma pas

A autonomia conquistada com a constituição federal de 1891 – a grande


nação de que falou Silviano Brandão - implicou na construção de um aparato
jurídico e administrativo no nível dos estados federados, assim como na afirmação
de sua identidade territorial e na invenção das tradições que conferiam
legitimidade à unidade política e espacial. Para Silveira, os estados foram os
grandes vencedores na questão territorial em aspectos importantes como a
transferência de impostos, das terras devolutas e das minas, mas a divisão
territorial foi um aspecto pouco debatido na constituinte federal,que incorporou
pura e simplesmente as províncias e as transformou em estados.61 Com isso
deixou-se a cargo dos estados a decisão sobre um aspecto decisivo na afirmação
territorial de qualquer unidade política: a delimitação de suas fronteiras.

Como mostrou Magnoli, a configuração do território implica a produção das


fronteiras políticas que o delimitam.62 A delimitação física do território e a

60 MINAS GERAIS, 1899a, p.62.


61 SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Republicanismo e federalismo; 1889-1902; um estudo da
implantação da República no Brasil. Brasília: Senado Federal, 1978. p.69.
62 MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil

(1808-1912). São Paulo: UNESP: Moderna, 1997. p.31.

189
chamada linearização das fronteiras foram próprias dos Estados modernos, e esse
empreendimento pode ser considerado como um dos principais fatores dos
avanços técnicos e da capacidade performativa da cartografia moderna.63 No
Brasil essa operação ocorreu em sua maior parte durante a segunda metade do
século XIX e na chamada era Rio Branco; nos estados federados, consagrados
como pequenas nações, foi desafio interposto com o regime republicano.

Não faltou às elites políticas mineiras a exata compreensão dessa


necessidade. Nas primeiras sessões parlamentares após a promulgação da
constituição mineira, já o senador estadual Virgílio Melo Franco solicitava a
criação de uma comissão para estudos dos limites do estado por considerar a
questão prioritária, como frisou no seu discurso:

Na reorganização de todos os serviços que estamos fazendo, v. exc. sabe


que, em matéria de administração e jurisdição, o elemento territorial é
indispensável e entra em todas estas organizações, e, assim sendo, não é
possível que tenhamos uma organização perfeita, quer policial, quer
judiciária ou administrativa sem ter o conhecimento exato, preciso e
incontestado do território do Estado.64

Ainda em 1891 começam a surgir notícias de invasões de autoridades


judiciárias em pontos limítrofes entre Minas e São Paulo e Rio de Janeiro. Os
conflitos não eram uma novidade do regime republicano, mas originavam-se de
antigas disputas por jurisdição entre autoridades e por cobranças de impostos em
diferentes pontos das regiões fronteiriças, concentrados sobretudo nos limites com
São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro, embora ocorressem também com a
Bahia e Goiás. A legislação em vigor datava dos anos 1840 e tinha sido decidida
em acordos provisórios que agora, com a independência dos estados, vinham à
tona como conflitos localizados, mas de forte intensidade.

Entre as autoridades e parlamentares mineiros, o tom dos discursos era

63 A linearização das fronteiras entre as monarquias européias, ou seja, a redução das múltiplas e
fluidas zonas de transição a um limite linear demarcado no terreno foi empreendimento que
durou séculos e só atingiu a precisão de sua representação nas cartas em grande escala no século
XIX. Sobre a questão, ver: MAGNOLI, 1997.
NORDMAN, Daniel. Frontières de France; de l´espace au territoire. Paris: Gallimard, 1998.
64 CONGRESSO MINEIRO. Anais do Senado: primeira sessão da primeira legislatura nos anos de

1891 e 1892. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1911. p. 490. Sessão de 16 de setembro de 1891.

190
sempre de combate a uma ameaça externa, defesa contra ataques que eram fruto
da cobiça dos estado limítrofes frente à vasta e fertilíssima zona do território
mineiro.65 Mas os discursos traziam também implícita a idéia de uma
insatisfação das populações locais com o tratamento a elas dispensado pelo
governo mineiro, transparecendo veladas ameaças separatistas66.

Ao avaliar o material enviado pelo governo ao Congresso em resposta à


solicitação de informações sobre os limites do estado, o deputado Melo Franco,
membro da comissão mista de limites, expressou um total desapontamento com a
documentação existente:

[...] grande foi a minha surpresa, quando em vez de receber os dados de que
a comissão tinha necessidade, para estudar e resolver as questões de
limites, não vi mais do que a reprodução dos limites que se encontram
nesses papéis pintados que ai correm com o pomposo nome de mapas
geográficos da antiga província de Minas.67 (grifo nosso)

Melo Franco desqualificou a documentação cartográfica existente como


material de prova, pois que não passariam de descrições de limites pintados no
papel68 sem fundamento em leis ou atos oficiais. Julgando-se despreparadas para
o embate, as autoridades buscaram armar-se das informações necessárias. O
presidente Afonso Pena, em relatório relativo ao ano de 1892, afirmava que já
havia incumbido a comissão geográfica e geológica de reunir dados para a solução
das questões de limites e cobrava do Congresso medidas nesse sentido.

Em maio de 1893, a partir de um atentado à integridade do território

65 CONGRESSO MINEIRO, 1911b, p. 685. Palavras do senador estadual Silviano Brandão que,

embora ante-separatista, era um político de Campanha, sede de mais importante movimento


separatista do período.
66 Para além das ameaças separatistas advindas da insatisfação das populações, cumpre salientar

um processo mais amplo, em curso por toda a região e que se agravou nos anos 1890, qual seja, o
esgotamento das possibilidades de expansão das áreas férteis agrícolas ao sul do estado mineiro
para o cultivo do café. Combinado com o fracasso dos programas de imigração patrocinados pelo
poder público e a liberação do contingentes de ex-escravos após a abolição da escravidão, esse
fechamento de fronteiras agrícolas gerou uma população fluida e nômade que transitava pela
região à procura de trabalho e na maior parte das vezes evadia-se para as áreas mais promissoras
do estado de São Paulo. O combate a essa mobilidade da mão-de-obra, a qual gerava incertezas
nos produtores, pode ser considerada como uma motivação a mais para o investimento nos
processos de reconhecimento formal e mapeamento das limites entre os estados.
67 CONGRESSO MINEIRO, 1911b, p.686.
68 CONGRESSO MINEIRO, 1911b, p.687.

191
mineiro cometido por São Paulo, segundo as palavras de Wenceslau Brás69, os
deputados voltaram a cobrar do governo documentos relativos aos limites deste
Estado com o de S. Paulo70 e retomaram projeto do deputado Camilo Prates, que
no ano anterior havia proposto um projeto de lei destinado a aviventar e fixar os
limites entre Minas e os estados limítrofes, conferindo ao tema um caráter de
urgência. Certamente as informações recolhidas nos arquivos e na desacreditada
cartografia existente foram consideradas insuficientes, e o Congresso decidiu pelo
investimento direto na questão, concedendo crédito especial ao governo para
executar os serviços de demarcação.71 Em julho do mesmo ano, lei estadual
permitia ao governo [...] entrar em ajustes com os governos dos estados limítrofes
com o de Minas para proceder a fixação dos limites72, podendo contratar pessoal
especialmente para esses estudos. O convite oficial do governo mineiro para o
estabelecimento de comissões mistas foi aceito inicialmente pelo estado de São
Paulo, e os estados definiram que os trabalhos seriam feitos pelas suas
respectivas comissões geográficas.

Essa decisão oficial terminou por reformular o programa de mapeamento


em curso pela Comissão Geográfica e Geológica, criando em fevereiro de 1894 a
chamada turma especial de limites, com instruções específicas para atuar na
zona limítrofe com São Paulo.

Articulada aos debates e às medidas tomadas na esfera oficial, uma outra


negociação tinha curso na escala do trabalho desenvolvido pelos técnicos das
comissões paulista e mineira. Poucos meses após a sua posse à frente da CGG em
1891, Abreu Lacerda estabeleceu contatos com o seu colega Orville Derby, chefe
da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, para buscar informações sobre
os limites entre os dois estados. A resposta foi elaborada pelo engenheiro Teodoro
Sampaio73, que em 1889 havia trabalhado em parte de região limítrofe [...]

69 O congresso paulista estaria solicitando ao Congresso Nacional o desmembramento de alguns


municípios do sul de Minas para serem incorporados ao estado paulista, alegando dúvidas
quantos aos limites então vigentes entre os dois estados. Uma vez definidos os limites entre os
estados, os mesmos deveriam ser aprovados pelo Congresso Nacional.
70CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados: terceira sessão da primeira

legislatura no ano de 1893. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1893. p.90.


71 Discurso do deputado Elói Reis. CONGRESSO MINEIRO, 1893, p. 133.
72 Lei n.66, de 26 de julho de 1893.
73 O engenheiro baiano Teodoro Fernandes Sampaio formou-se em 1877 pela Escola Politécnica do

192
fixando alguns pontos da rede de triângulos para a carta geográfica de São
Paulo.74 Para Sampaio, a questão apresentava-se como das mais melindrosas, por
não haver nem documentos legais nem demarcações no terreno que permitissem
fixar os limites sem um ajuste político entre os estados. Sampaio lamentava a
natureza arbitrária da delimitação existente:

A linha de limites entre São Paulo e Minas Gerais é a mais ante-natural


que se pode imaginar. Em algumas partes toma por divisa a cumeada das
serras, mas abandona-a por vezes arbitrariamente para salvar terrenos
que foram outrora colonizados por este ou por aquele Estado. Em outros
lugares abandona o curso dos grandes rios, verdadeiros limites naturais, e
passa a cortar serras e contrafortes sem a menor razão de ordem
econômica, sem a menor justificação de caráter topográfico. Toda a linha de
fronteira desde o Morro do Lopo até a margem do rio Grande nas
proximidades do Jaguara, é uma linha absurda que não tem razão de ser e
que ambos os Estados devem modificar em seu próprio interesse, em bem
da paz e da boa vizinhança.75

O argumento de Sampaio, o qual podemos por extensão considerar como


predominante no seio da elite intelectual ao qual ele pertencia, apoiava-se na
idéia consagrada em sua época de que existiam fronteiras naturais inscritas na
realidade física, as quais seriam os elementos por excelência a justificar a
demarcação de limites entre duas unidades políticas diferentes e contíguas.
Caberia aos cartógrafos (ou engenheiros, topógrafos, ou quem estivesse à frente
da tarefa de construir as linhas demarcatórias) lançar seu olhar técnico sobre
essa paisagem e nela apontar cientificamente quais seriam esses balizadores e
essas linhas naturais.

No entanto, a idéia de fronteira natural foi uma construção conceitual que


teve origem no século XVIII e firmou-se no século XIX como arma retórica na

Rio de Janeiro. Ainda estudante, trabalhou no Museu Nacional com Orville Derby, de quem se
tornaria amigo e parceiro profissional. Integrou a Comissão Hidráulica do Império, quando
participou de grande expedição ao rio São Francisco, sobre a qual escreveria posteriormente dois
livros. Após se dedicar a outros trabalhos, aceitou o convite de Derby para integrar a Comissão
Geográfica e Geológica de São Paulo, como primeiro engenheiro e chefe dos serviços de topografia.
Permaneceu na comissão entre 1886 e 1892. Teodoro Sampaio tornou-se um intelectual respeitado
no seu tempo, como engenheiro e como geógrafo.
74 CARTA de Teodoro Sampaio. São Paulo, 25 setembro de 1891. APM. Fundo SI. Série Limites

com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Doc. 25. Cx. 1.
75 CARTA..., 1891.

193
expansão dos territórios das potências imperiais e na afirmação nacionalista de
paises como a Alemanha, França e mesmo os EUA. Como mostrou Nordman76,
nenhuma fronteira é natural em si, pois sempre é necessária uma convenção,
uma decisão, comum ou não aos vizinhos, para que uma fronteira perceptível na
paisagem seja enfim aceita como tal.

Negando a historicidade e o caráter negociado de todo limite ou fronteira, o


argumento da fronteira natural defendido por Sampaio fundava-se na tradição
naturalista que conformava parte do pensamento geográfico em fins do século
XIX. Por outro lado, a tradição naturalista contrariava a abordagem
matematizada e geometrizante do espaço pela qual se afirmava a cartografia de
bases geodésicas praticada pelas comissões, seja paulista ou mineira. Emergia
aqui uma contradição de pensamento e de ação quanto à abordagem do problema
dos limites que, ao nosso ver, vai acompanhar os discursos e as práticas dos
membros de ambas as comissões, na busca por justificar em bases científicas os
recortes históricos e políticos dos territórios em processo de mapeamento.
O aprofundamento dos conflitos levou a que, em janeiro de 1893, Orville
Derby convidasse Abreu Lacerda para estudarem juntos a zona litigiosa na
fronteira dos dois estados. A proposta de Derby enfatizava o caráter técnico dos
estudos, que serviriam como elementos para uma solução futura dessa questão
litigiosa. Derby havia concluído que

[...] a linha que serve de fronteira e que se acha representada por modo
diverso em cada carta que se publique, não tem existência legal, sendo
baseada apenas em uma convenção tácita entre o povo dos municípios
limítrofes.77

As informações foram então buscadas junto aos próprios municípios, únicos


conhecedores dos balizamentos em vigor.78 Derby sugeria que o mesmo inquérito
fosse feito nos municípios mineiros de forma a se confrontar as respostas e se

76 NORDMAN, 1998.
77 CÓPIA DE OFÍCIO de Orville Derby para Augusto Lacerda. 31 de janeiro de 1893. APM. Fundo
SI. Série Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Cx.1.Doc. 27.
78 As informações solicitadas aos municípios diziam respeito à existência de uma linha de limite

reconhecida, à existência de marcos naturais ou artificiais dessa linha, ao processo histórico de


sua determinação e respectiva documentação, ao movimento comercial e fiscal das estradas que
cortavam a divisa.

194
conhecer os pontos pacíficos e litigiosos de toda a região. Propunha ainda que
cada comissão seguisse com o mapeamento até a linha de fronteira, sem publicar
qualquer carta parcial até que os elementos colhidos pudessem ser discutidos e os
limites fixados por acordo legal entre os estados. Para que o mapeamento
alcançasse tais regiões era preciso que a triangulação avançasse sobre o território
do outro estado, daí a proposta de Derby de que o trabalho fosse realizado em
conjunto, oferecendo à comissão mineira a possibilidade de auxílios mútuos nas
zonas onde os trabalhos das comissões se encontram.79 Sua proposta era que as
duas comissões realizassem o levantamento topográfico dando preferência às
zonas limítrofes não determinadas pelas referidas feições naturais, e que este
trabalho fosse sustentado por um acordo oficial entre os dois estados.

Com o apoio do secretário de Agricultura de Minas, Lacerda respondeu a


Derby expressando seu pleno acordo com as idéias e propostas de seu antigo
chefe:

Será para nós motivo de júbilo concorrermos para a solução pacífica desta
melindrosa e secular questão, para o que faço votos, pois são mais que
suficientes os fermentos existentes para a estabilidade desta cara pátria.80

Conjugados os interesses políticos e técnicos, a abertura da nova frente de


mapeamento recebeu, como vimos acima, apoio legal e financeiro e teve início em
fevereiro de 1894 com a criação da turma de limites, subordinada à CGG.81 As
instruções que regulamentaram os trabalhos cartográficos, definidas em comum
acordo entre os chefes das comissões paulista e mineira, definiram o seu objeto - o
mapeamento topográfico das zonas limítrofes - e o método, que deveria ser o

79 Analisando a linha de fronteira então existente Derby entendeu que as regiões não contestadas
eram aquelas cujos limites eram definidos por feições topográficas de fácil conhecimento (cumeada
da Serra da Mantiqueira e leito do rio Grande). No restante a linha era irregular e descontínua,
antes uma série de pontos do que uma linha, pontos esses que seriam os antigos registros
mineiros do período colonial. Como chefe da CGG paulista, Derby justificava também o seu
interesse na solução da questão pois julgava que o programa cartográfico em curso não poderia
dar publicidade a uma carta oficial cujas linhas divisórias pudessem ser objeto de contestação.
CÓPIA DE OFÍCIO..., 1893.
80 CÓPIA DE OFÍCIO de Augusto Lacerda para Orville Derby. 3 de março de 1893. APM. Fundo

SI. Série Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Cx.1. Doc. 27.
81O chefe da turma de limites era o engenheiro Augusto Cesar de Vasconcelos, transferido do

cargo de primeiro ajudante da CGG. Os demais membros da nova comissão conservavam o mesmo
perfil técnico da CGG, sendo em sua maioria antigos alunos da Escola de Minas (ver quadro
anexo)

195
mesmo adotado nas comissões geográficas. Ressalvava-se, porém, que as cartas
parciais produzidas não deveriam ser publicadas antes do pretendido acordo
entre os estados.

As instruções deram especial ênfase ao caráter equânime com que


deveriam ser conduzidos os trabalhos entre as equipes paulista e mineira. O
primeiro trabalho em conjunto foi a medição de uma nova base geodésica, que
seria o ponto de partida da triangulação de toda a zona limítrofe. A medição das
bases geodésicas era sempre um momento muito especial no processo de
mapeamento, pois de sua máxima precisão dependia todo o trabalho futuro de
amarração dos ângulos. No presente caso, o estabelecimento da base comum para
as duas comissões revestiu-se ainda de maior rigor, formalidade e publicidade. O
próprio Abreu Lacerda narrou à imprensa o procedimento, ocorrido em maio de
1894, descrevendo em detalhe a medição da fita, os instrumentos utilizados e os
passos ensaiados, em muito semelhantes a um ritual:

Em frente à estação da Roseira [...] acaba de ser medida a verificada uma


base com o comprimento superior a 6.600 metros, primeiro lado da malha
de triângulos que há de cobrir a fronteira dos dois estados [...]
Durante a medição assistiram ao cravamento dos marcos externos os
chefes das respectivas comissões, acompanhando mesmo algumas
trenadas.
No extremo avante da fita, o engenheiro Horácio Williams, topógrafo-chefe
da comissão de São Paulo marcava o extremo com a ponta de uma agulha
sobre a estaca-mesa. A ré no outro extremo, o primeiro engenheiro da
comissão deste estado, Augusto César de Vasconcelos, fazia a coincidência
do extremo da fita com o traço da estaca-mesa.[...]
Na verificação, os lugares foram trocados pelos engenheiros, de modo a
serem eliminadas as equações pessoais.82

No relatório das atividades a seu cargo relativos ao ano de 1894, Lacerda


demonstrou a semelhança dos procedimentos cartográficos da turma de limites
com os da CGG, com exceção do uso de um novo instrumento em campo – o
taqueômetro – e da recomendação do absoluto silêncio dos técnicos quanto às
informações colhidas e as opiniões formadas sobre [...] pertencerem a este ou ao
de S. Paulo tal ou tal território, o que poderia levantar questões perturbadoras do

82 LIMITES de São Paulo e Minas. Minas Gerais, Ouro Preto, n.148, 3 jun 1894. p.5.

196
serviço.83

Apesar da reiterada interação dos trabalhos, a turma de limites foi


emancipada após um ano de trabalho, transformando-se na Comissão de
Exploração Geográfica de Limites, com equipe e recursos próprios, ampliados com
a criação de duas seções, uma destinada aos trabalhos nos limites com São Paulo
e outra com o Rio de Janeiro. Em termos técnicos, as instruções reguladoras da
comissão de limites mantinham os mesmos procedimentos, de forma a manter a
padronização cartográfica que poderia, em um segundo momento, permitir a
fusão de todas as folhas na carta geral do estado. Entretanto, esse crescimento
dos investimentos públicos na comissão de limites sinalizava para uma
priorização dos mapeamentos da fronteira, presumivelmente em função da
permanência e mesmo do recrudescimento dos conflitos.84

A comissão de limites passou a sediar dois escritórios. Para os trabalhos


com São Paulo, chefiados pelo engenheiro transferido da CGG Belarmino de
Meneses, foi primeiramente instalado na cidade paulista de Taubaté e depois
transferido para Pouso Alegre. Para a seção fluminense da comissão foi escolhida
a localidade de Miracema, de onde era chefiada pelo agrimensor Carlos Lindgren,
outro ex-aluno da Escola de Minas.85 Os trabalhos de triangulação na zona
limítrofe com o Rio de Janeiro foram iniciados em conjunto com a comissão

83 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Seção de Limites. In:
____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de
Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr, Francisco Sá em o ano de
1895. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1895d. Anexo 4. p.40.
84 No mesmo ano de 1894, Afonso Pena realizou contatos também com o governo do estado do

Espírito Santo, ao qual fez a mesma proposta de um acordo para a criação de uma comissão mista
de limites, mas rejeitando duramente qualquer possibilidade de negociação dos limites então
vigentes.
OFÍCIO de Afonso Pena. 4 de agosto de 1894. APM. Fundo SI. Série Estatística Geral do Estado e
diversos. Registros de correspondência. Encadernado 1139.
85 O episódio da escolha da sede do escritório da seção fluminense, narrado por Lindgren, mostra

em parte as condições em que trabalhavam esses técnicos. Lindgren relatou sobre suas dúvidas
quanto a sede do escritório e sua primeira opção por Palma, por considerar Miracema mais
insalubre e onde os aluguéis eram exorbitantes: Resolvi ficar em Palma, como uma cidade
notoriamente saudável, não só por minha causa como lembrando-me o dever de não obrigar
colegas com família, quando o serviço não exige, morarem em lugares pouco saudáveis. Em pouco
tempo tudo seria mudado, devido a uma epidemia que grassou em Palma, a varíola, e continuou
na região nos anos seguintes, obrigando a comissão a mudar o escritório para Morro Alto e em
seguida para Resende.
MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Estado da
Agricultura do Estado de Minas Gerais pelo Inspetor de Terras e Colonização, dr. Carlos Prates
em 1896. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1896b, p.195.

197
daquele estado, e grandes dificuldades foram apontadas para o desenvolvimento
do trabalho de campo, devido à ausência de um mapa merecedor de confiança86,
às doenças e à acidentada topografia da região. As mesmas dificuldades de
extensão da triangulação por sobre uma região muito montanhosa era
experimentada pela equipe que atuava na região limítrofe com São Paulo.87

Figura 13: Esboço dos trabalhos de 1894 e 1895. Enquadrado pela moldura em graus de
latitude e longitude, o mapa mostra em cores as zonas reservadas a cada técnico e a fusão
dos elementos das duas comissões. Sobre o rio Paraíba uma densa rede de linhas
paralelas e transversais demonstram a cobertura sistemática da região entre Taubaté e
Lorena, em torno da base da Roseira, inclusive pela comissão mineira. As linhas dos
caminhamentos não coincidem com as linhas retas da triangulação, são sinuosidades que
costuram outros pontos, entre as bases da triangulação, pousos em cidades e povoados.
Fonte: APM.

86 MINAS GERAIS, 1896b, p.197.


87 Como mostrou o relatório técnico de Vasconcellos, [...] a comissão da Carta Corográfica do
estado do Rio adotou para o levantamento da mesma os mesmos métodos e processos que tem sido
usados pelas Comissões de Minas, de sorte que os trabalhos na zona limítrofe são feitos com um
só sistema de triângulos. (RESUMO DO RELATÓRIO do chefe da Comissão de Limites. 1895.
APM. Fundo SI. Série Limites com os estados. Subsérie Diversos. Caixa 11). Não só os
procedimentos de campo, mas todo o projeto intelectual da carta do Rio de Janeiro seguia de perto
a experiência mineira, como na triangulação, no levantamento topográfico pelo método expedito,
na escala de 1:100.000 ou na a projeção policônica. Os demais saberes complementares à
fabricação da carta, como os estudos climáticos, geológicos e agrícolas, também compunham o
projeto da carta fluminense que, sem dúvida, trazia a assinatura de Abreu Lacerda, engenheiro
que havia trabalhado tanto na comissão paulista como na mineira. As instruções da carta do Rio
já traziam entre os seus objetivos finais os estudos para delimitação das fronteiras com os estados
vizinhos.

198
Apesar da proibição da publicação das folhas parciais, dois esboços da
comissão de limites foram publicados como anexos aos relatórios técnicos da
Repartição de Terras, demonstrativos dos trabalhos desenvolvidos entre 1894 e
1895. O primeiro foi produzido pela seção de Meneses e apresentava o estado
geral dos trabalhos nas duas frentes de mapeamento, representando a rede de
triangulação, os caminhamentos e a ligação com os trabalhos da comissão
geográfica e geológica de Minas. Pelo mapa é possível verificar o andamento dos
trabalhos em cada zona delimitada dos técnicos, algumas já cortadas pela
triangulação, outras cruzadas pelos caminhamentos.88

O segundo circunscrevia a zona explorada pela seção de Lindgren nos


limites com o estado do Rio de Janeiro e trazia basicamente os mesmos
elementos, embora sobre uma base topográfica diferente, na medida em que usou
como base um mapa já existente, do qual foi recortada a referida zona.89 Muitos
outros esboços manuscritos foram produzidos ao longo do tempo, como informam
os relatórios, mas não chegaram a ser publicados.

Segundo os relatos oficiais, os trabalhos empreendidos pelas comissões de


limites não fizeram cessar os incidentes nas áreas litigiosas, que continuaram
ocorrendo ao longo dos anos. Por outro lado, uma outra dimensão do conflito
surgiu no âmbito do programa cartográfico e foi protagonizado pelos líderes das
comissões técnicas.

88COMISSÃO GEOGRÁFICA DE LIMITES DO ESTADO DE MINAS COM S. PAULO E RIO DE


JANEIRO. Esboço dos trabalhos de 1894 e 1895. [Juiz de Fora: Pedro Biancoville], 1897. Escala
1:400.000.
89COMISSÃO GEOGRÁFICA DE LIMITES DO ESTADO DE MINAS. Esboço dos trabalhos na

zona limítrofe com o Estado do Rio. 1896. Escala 1:400.000.

199
Figura 14: Esboço dos trabalhos na zona limítrofe com o
Estado do Rio.
Fonte: APM.

Após um ano de vigência das instruções para o trabalho de comissão


mineira de limites, em fevereiro de 1896 o engenheiro chefe da comissão mineira
Augusto de Vasconcelos propôs ao governo novas regulamentações que definissem
claramente as opções técnicas do trabalho comum, consideradas muito vagas na
legislação vigente. Enquanto as negociações com a comissão do Rio de Janeiro
foram bem sucedidas e resultaram na promulgação das instruções comuns em
agosto do mesmo ano, muitas dificuldades foram encontradas para aprovar um
documento comum com a comissão paulista.

Um primeiro problema, segundo a opinião expressa por Vasconcelos em

200
ofício ao secretário de Agricultura, era a imprecisão da chamada zona limítrofe.
Vasconcelos propunha que essa se restringisse aos pontos ou regiões que então
apresentavam atritos de jurisdição e acusava a comissão paulista de pretender
alargar o conceito para abarcar zonas onde o estado de Minas já exercia direito de
posse, através do levantamento de conflitos históricos, [...] em vista da publicação
dos documentos antigos colhidos e dados à publicidade pelo Dr. Orville Derby
[...].90 Outro ponto levantado pelo engenheiro dizia respeito à incompatibilidade
técnica encontrada na adoção de um sistema de triangulação comum às duas
comissões, pois embora os modelos e princípios metodológicos fossem os mesmos,
o sistema mineiro, segundo Vasconcelos, era mais rigoroso e a adoção do sistema
paulista acarretaria a perda da uniformidade de precisão com que estavam sendo
fixadas as demais regiões mineiras na carta geral do estado.91 Para superação do
impasse, Vasconcelos solicitava a solução política da questão, a ser enfrentada
pelos dois governos com um acordo que fixasse a zona sobre a qual terá de versar
a questão de limites e pusesse fim a um estado de incerteza que vinha
dificultando a [...] execução da parte técnica da questão, cuja parte é a única que
atualmente me cabe desempenhar.92 A posição de Vasconcelos era, entretanto,
bastante dúbia e terminava por confundir os termos técnicos e políticos, pois ele
próprio forneceu elementos que reforçavam o embate:

Este acordo traria grandes vantagens para a solução definitiva da questão


de limites, e punha fora de discussão outras zonas aonde os dois estados
podem alegar direitos baseados em documentos antigos; sim porque se o
estado de São Paulo alega ter direitos no vale do rio Sapucaí-guaçu, Minas
também por sua vez pode alegar direitos que vão além da posse atual, no

90 OFÍCIO DO CHEFE DA COMISSÃO de Limites ao Secretário de Estado de Obras Públicas de


Minas. 6/2/1896. APM. Fundo SI. Série Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas
Gerais. Cx. 1. Doc.35.
Presume-se que Vasconcelos estivesse se referindo às publicações de Derby dedicadas à questão
de limites, especialmente ao volume de 1896 da coleção Documentos Interessante para a história
de São Paulo DERBY, Orville Adelbert. Limites entre São Paulo e Minas Gerais. São Paulo,
Arquivo do Estado, 1896. Documentos interessantes, v.11.
91 Já em outubro de 1895, Orville Derby denunciava as dificuldades técnicas geradas pelas

diferenças entre os projetos, tanto no sistema de triangulação e no uso dos instrumentos como na
concepção final das cartas, cujo formato e tamanho diferentes impediam a publicação conjunta
das folhas. CÓPIA DE OFÍCIO de Orville Derby. 31 de outubro de 1895. APM. Fundo SI. Série
Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Cx. 1. Doc. 30.
92 OFÍCIO DO CHEFE da Comissão de Limites ao Secretário de Estado de Obras Públicas de

Minas. 6 de fevereiro de 1896. APM. Fundo SI. Série Limites com os estados. Subsérie São Paulo e
Minas Gerais. Cx. 1. Doc. 35.

201
vale do rio Pardo, visto existirem mapas antigos aonde se vê a divisa entre
Minas e S. Paulo pelo rio Pardo.93

As negociações pela aprovação das novas instruções esbarraram, nas


negativas de Orville Derby, presumidamente corroboradas pelo governo paulista,
em priorizar o mapeamento da fronteira no conjunto dos trabalhos cartográficos
executados pela comissão geográfica paulista, fato que ocorrera em Minas e no
Rio de Janeiro. De fato, Derby, desde o início dos trabalhos comuns, sempre
deixou claro em seus documentos que seu interesse maior era o preenchimento
das folhas da carta geral de São Paulo que abarcassem a região limítrofe. O
trabalho em comum com a comissão mineira oferecia uma solução, mesmo que
provisória, e fornecia, secundariamente, elementos para a equação política da
questão e só nesta medida deveriam ser levados a cabo:

Na minha opinião a conclusão destas folhas da fronteira para pronta


publicação é o objeto principal do trabalho em comum nesta região e se isto
não é assim considerado pelo lado de Minas, e o trabalho distribuído de
modo a não ser levado a efeito o que penso, sem a desnecessária demora,
ver-me-ei obrigado a pedir ao governo de S. Paulo para dar-me permissão
para dirigir os trabalhos da Comissão para outras regiões.94

Segundo o discurso de Derby, os estudos da zona fronteira não poderiam


ser priorizados em função da celebração de um acordo entre os estados, pois isso
configuraria uma ingerência política quando as instruções deveriam ser
exclusivamente técnicas .95

Aprofundando-se as divergências ao longo do tempo, as referidas instruções


técnicas foram objeto de negociação e adiamento por quase dois anos. Em fins de
1897, Vasconcelos cobrou do governo mineiro o esperado acordo com o governo
paulista de forma a, segundo suas palavras, obrigar a comissão paulista a
trabalhar na fronteira e acatar as instruções técnicas para o trabalho comum. A
questão envolveu os secretários de estado, e Derby, pressionado, admitiu que a
questão dos estudos de limites não constituía [...] um fim especial mas sim um

93 OFÍCIO DO CHEFE..., 1896.


94 CÓPIA DE OFÍCIO..., 1895.
95 CÓPIA DE OFÍCIO de Orville Derby. 27 de dezembro de 1897. APM. Fundo SI. Série Limites

com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Cx. 2. Doc. 41.

202
incidente da sua tarefa principal que é o levantamento do mapa geral do estado.96
Por fim, somente em fevereiro de 1898 as instruções técnicas foram aprovadas
pelos governos, mas foram publicadas com uma diferença de redação e conteúdo
que era a exata expressão das dificuldades nunca superadas. Essa diferença foi a
supressão, pelas instruções da comissão paulista, do artigo n. 9, que definia que o
[...] fim especial das comissões mineira e paulista era fornecer elementos
necessários para a fixação definitiva de limites.97

Como forma de tecer uma rede de apoio em torno de sua posição, Derby
escreveu para o então deputado federal João Pandiá Calógeras98, engenheiro de
minas de grande prestígio e autoridade e colaborador técnico da Secretaria de
Agricultura de Minas. Em sua resposta, Calógeras produziu um arrazoado sobre
a questão, buscando equilibrar-se entre os argumentos técnicos e políticos, entre
as posições paulista e mineira, entre o parecer isento e o conselho amigável. Sua
carta pode ser considerada como uma síntese das ambigüidades que cercavam os
argumentos dos técnicos e mantinham o impasse. De início, Calógeras expressou
a sua opinião de que as divisas deveriam apenas ser retificadas – o que
correspondia inteiramente às pretensões políticas do governo mineiro –, para em
seguida afirmar:

Seja esta [divisa] qual for, não há dúvida entretanto que comissões técnicas
nada tem que ver ou intrometer na discussão de pretensões legítimas ou
tentativas injustificadas de ocupação do território de qualquer dos estados.
A sua única missão é fazer um levantamento da região, tão completo e
tecnicamente perfeito quanto possível, a fim de obter-se um mapa exato da
zona contestada e assim permitir a fixação da fronteira sobre e de acordo
com os mapas por essa forma obtidos e desenhados.99 (grifo do autor)

96 CÓPIA DE OFÍCIO..., 1897.


97 MINAS GERAIS. Secretaria de Agricultura. Relatório apresentado ao Presidente do Estado de
Minas Gerais pelo secretário dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Sr.
Américo Werneck, em o ano de 1899. Cidade de Minas: Imprensa Oficial, 1899b. p.273.
98 O carioca João Pandiá Calógeras foi mais um ex-aluno da Escola de Minas e de Henri Gorceix a

figurar na rede técnica e política tecida em torno dos mapeamentos mineiros. Quando respondeu à
carta de Derby, estava inaugurando o primeiro dos três mandatos que exerceu como deputado
federal e já tinha ocupado o cargo de consultor técnico da Secretaria da Agricultura de Minas
entre 1895 e 1896. Também já havia publicado diversos trabalhos geológicos e mineralógicos, o
que lhe conferia autoridade técnica para dialogar com a eminente figura de Orville Derby. A
ESCOLA DE MINAS: 1876-1976; 1o Centenário. Ouro Preto: Universidade Federal de Ouro Preto,
1976. p.121.
99 CÓPIA DA CARTA de João Pandiá Calógeras a Orville Derby. 27 de fevereiro de 1898. APM.

Fundo SI. Série Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Cx.1. Doc.41.

203
A inexistência de instruções técnicas padronizadoras de um mapeamento
irremediavelmente comum às duas comissões foi criticada por Calógeras como
uma fonte de ilegitimidade dos futuros mapas, uma vez que o [...] trabalho técnico
deve ser colocado fora desses termos incandescentes; é obra impessoal a executar;
nenhuma paixão pode alterar a medição das bases ou dos ângulos de um
triângulo [...]100

Considerava Calógeras que o mapeamento só poderia ser incontestável se


elaborado por comissões mistas, como no caso dos trabalhos com a comissão do
Rio de Janeiro101, pois entre Minas e São Paulo o único trabalho executado em
comum foi a medição da base da Roseira. Por fim, Calógeras lamentou que as
instruções aprovadas por cada governo não combinassem inteiramente em seus
termos e embora considerasse a questão sem importância, ainda assim não
deixou a apoiar a posição do governo mineiro.

Uma comparação entre as instruções partilhadas com o Rio de Janeiro e


com São Paulo mostra como as divergências e as afinidades pessoais, políticas e
técnicas terminavam por conformar o trabalho cartográfico das diferentes
comissões. No Rio de Janeiro, estava à frente das negociações o ex-chefe da
comissão mineira Abreu Lacerda, o que certamente foi fator determinante para
que se ajustassem tecnicamente as instruções. O documento concedia autonomia
técnica para que os membros das comissões definissem qual a zona deveria ser
estudada em comum e representada numa carta geral. Seu conteúdo era
essencialmente técnico, detendo-se nos elementos definidores do projeto
cartográfico, e seguindo as mesmas escolhas da comissão mineira em relação a
escala, projeção, tamanho e processo de medição dos triângulos, procedimentos de
exploração topográfica, espaçamento das curvas de nível, entre outros.

Quanto à frente de trabalho com a comissão paulista, as tardias instruções


trataram sobretudo de separar formalmente os trabalhos, tanto em relação a
cada uma das comissões como em relação a qualquer acordo político sobre a

100 CÓPIADA CARTA..., 1898.


101 Os relatórios técnicos não comprovam essa informação de que as comissões mineira e
fluminense trabalhassem juntas. São relatados casos de repetições e confrontações dos trabalhos
de campo, mas sem registros de atritos ou divergências.

204
delimitação definitiva da zona. Mais próximas de um acordo de convivência do
que de um roteiro técnico para o trabalho comum, as instruções resguardavam a
autonomia de cada comissão e o seu direito de prosseguir com suas escolhas
técnicas, seu ritmo de trabalho e suas prioridades de publicação, com as ressalvas
necessárias quanto aos pontos de ligação dos dois mapeamentos, quando só então
as operações seriam comuns.

Por fim, a crise econômica-financeira de 1898, que fizera desaparecer,


entre muitos outros serviços, a comissão geográfica e geológica, atingiu também a
comissão de limites, apesar de todo um investimento crescente que se vinha
fazendo no mapeamento de fronteira. A política oficial mostrou-se por um
momento oscilante, pois durante o mesmo ano de 1898 a comissão teve o seu
quadro de pessoal aumentado para, pouco depois, sofrer drástica redução e ser
extinta em fevereiro de 1899102. Ainda de forma mais acentuada do que na CGG,
os trabalhos de campo e de gabinete foram interrompidos em suas múltiplas
etapas, sem resultados aparentes, restando aos técnicos a última tarefa de
demarcar no terreno os sinais necessários a um prosseguimento futuro.

Mas o recrudescimento dos conflitos devido a episódios na fronteira com o


Rio de Janeiro forçou o governo mineiro a buscar novas frentes de ação mais
imediatas, como os acordos de natureza política-jurídica, que conduzissem as
questões sob o viés diplomático. Um acordo foi celebrado com o governo
fluminense em setembro de 1897, pelo qual se mantinha o status quo dos limites
até que a questão fosse definitivamente resolvida103, ou seja, até que emergisse
dos trabalhos de mapeamento uma solução técnica. Não havendo, entretanto,
uma interpretação comum de qual seria este status quo, prevaleceu o desacordo
entre os dois estados. O governo mineiro decidiu conferir maior valor simbólico ao
episódio e recrutou o então diretor do recém-criado Arquivo Público Mineiro, José
Pedro Xavier da Veiga104, para incumbir-se, com seu patriotismo e saber, da

102 Decreto n.1131, de 2 de fevereiro de 1898. Decreto n.1194 de 7 de outubro de 1898.


103 MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Silviano de Almeida Brandão 1899-1901). Mensagem
dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr.Francisco Silviano de Almeida Brandão ao
Congresso Mineiro em sua 1a. sessão ordinária da 3a. legislatura no ano de 1899. Ouro Preto:
Imprensa Oficial, 1899ª. p.10.
104 Mineiro de Campanha, José Pedro Xavier da Veiga foi jornalista e deputado, mas destacou-se

sobretudo como o fundador do Arquivo Público Mineiro (1895), editor da sua revista (1896) e autor

205
missão de definir os termos de um novo acordo. Xavier da Veiga não conseguiu o
novo acordo, mas produziu um relatório e uma memória histórica sobre os limites
de Minas que se tornou uma arma diplomática e jurídica por robustecer as
posições defendidas pelo governo mineiro, à maneira que fazia Orville Derby em
São Paulo. No relatório de Xavier da Veiga, como nos estudos de Derby e de
muitos outros, todo um esforço de pesquisa é realizado para justificar pretensões
territoriais à luz da continuidade ou da reparação de uma injustiça histórica.
Nesses trabalhos técnicos assim como em outros arrazoados jurídicos que seriam
produzidos ao longo dos anos, documentos históricos e mapas antigos eram
acionados no embate pela legitimação de uma dada linha de fronteira, sendo, no
caso de Minas, comumente citados os esboços de João José da Silva Teodoro e
Francisco Eduardo de Paula Aroeira, executados entre os anos de 1840 e 1860, o
mapa de Chrockatt de Sá (1893) e, particularmente, o sempre elogiado mapa de
Henrique Gerber (1861).105

De uma maneira mais aguda do que ocorreu na trajetória da CGG, a


comissão de limites não conseguiu conciliar a urgência com que o governo contava
obter informações espaciais aplicáveis a uma disputa territorial em curso com a
ambição técnica e científica com que fora engendrada originalmente, como
subproduto da CGG. A divergência com Orville Derby, que se negou a conferir ao
trabalho da comissão paulista a prioridade da demarcação de limites, expôs os
termos da contradição vivida por Vasconcelos e sua equipe: prosseguir com o
programa de mapeamento geodésico e topográfico, de forma a construir cartas

das Efemérides Mineiras (1897). Xavier da Veiga publicou a sua memória sobre os limites com o
Rio de Janeiro na Revista do Arquivo Público Mineiro em 1899, espaço editorial no qual o tema de
limites era freqüente. Como mostraram Carneiro e Neves, toda a obra de Xavier da Veiga,
inclusive a citada memória, inseria-se no conjunto de iniciativas oficiais que buscavam a
valoração da história como instância política e cultural legitimadora das ações governamentais
mineiras (p.31), e mais além, no [...] projeto de definição do Estado como instância política, social
e juridicamente organizadora, mas acrescido de uma nova nuança, a de que aquele projeto
implicava também a consolidação do Estado como instância territorial fisicamente demarcada,
num mecanismo de enquadramento capaz de garantir a caracterização peculiar de um povo
geograficamente determinado, culturalmente reconhecido e historicamente identificado: o povo
mineiro. (grifo nosso). CARNEIRO, Edilane de Almeida; NEVES, Marta Eloísa Melgaço.
Introdução. In: VEIGA, José Pedro Xavier da. Efemérides mineiras. Belo Horizonte: Centro de
Estudos Históricos Culturais, Fundação João Pinheiro, 1998. p.31.
105 É importante ressalvar que a própria comissão geográfica de limites reproduziu diversos

mapas antigos de Minas Gerais, desde mapas gerais do período colonial até esboços de grande
escala de limites locais que reproduziam antigos conflitos de jurisdição entre fazendas e
municípios.

206
parciais compatíveis com o rigor geométrico, o detalhamento topográfico e a
qualidade do desenho nos padrões definidos pela CGG e, ao mesmo tempo,
produzir a curto prazo os documentos cartográficos que, por si, pudessem
responder por cortes e disputas territoriais que se prendiam a ações e escolhas
históricas que não estavam inscritas na paisagem, mesmo quando se recorria à
retórica dos limites naturais.

O dilema da comissão de limites devia muito às posições ambivalentes de


lideranças científicas como Derby e Calógeras, para usar dois exemplos claros,
que, ao mesmo tempo que defendiam um mapeamento cuja base conceitual era a
exatidão matemática, a precisão técnico-instrumental e a observação objetivada,
produziam discursos históricos e políticos que alimentavam posições de posse e
conquista territorial. Defendiam o distanciamento das comissões frente a uma
cartografia de fronteiras, cuja tradição era produzir mapas para compor processos
diplomáticos (o exemplo mais bem sucedido entre nós foi o Barão do Rio Branco),
mas pessoal e intelectualmente se posicionavam fortemente por um dos lados da
contenda. Mas, para além de qualquer contradição pessoal, esses homens eram
atores sociais empenhados na construção e autonomização de um saber
cartográfico que, por natureza, se colava estreitamente ao poder e ao estado,
origem e razão de sua complexidade e ambigüidade.106

Em torno da cartografia de limites, duas importantes questões podem ser


colocadas. Uma diz respeito à importância que passou a ter toda a herança
cartográfica e, de uma maneira mais geral, ao uso que se fez do passado no
contexto dos litígios de limites. Os contendores de ambos os lados empreenderam
pesquisas com o objetivo de levantar e utilizar a seu favor todos os mapas
existentes que, em suas interpretações, confirmavam a posse sobre determinado

106O que chamamos aqui de contradição nos discursos desses cientistas não pode ser, entretanto,
percebido de uma forma reducionista, como se os mesmos adotassem explicitamente condutas
opostas no trânsito entre uma atuação e outra. A exemplo de Derby, que no período começou a
realizar pesquisas em arquivos e bibliotecas, exumando antigos mapas e documentos e produzindo
extensos trabalhos históricos sobre limites, cartografia e povoamento em São Paulo e no Brasil.
Certamente Derby carregou para sua prática como historiador todo o rigor técnico e aparato de
erudição que sustentava na condução dos trabalhos cartográficos e geológicos da comissão
paulista. O que buscamos frisar, entretanto, são os limites da pretendida objetividade e
imparcialidade científica na condução dos trabalhos sob sua responsabilidade, fossem eles
cartográficos, geológicos ou históricos.

207
território. Grande parte da argumentação técnica e jurídica passa a depender da
existência desses documentos e da sua interpretação, pois muitas vezes os
mesmos mapas eram utilizados para defender posições antagônicas. Antigos
testemunhos cartográficos eram evocados num conjunto mais amplo de provas,
reunidas por cada lado, composto de leis, acordos, tratados geográficos, relatos de
viajantes, informações locais, entre outros. Dessas práticas emergiam outras
contradições, pois a natureza de prova jurídica conferida aos mapas antigos,
atributo também dos mapas produzidos pelas comissões demarcadoras, escapava
totalmente aos argumentos e objetivos estabelecidos para a fabricação dos mapas
das comissões geográficas, que, por inaugurarem o novo, desqualificavam
cientificamente os produtos cartográficos anteriores.
Nesses embates, onde imperava a força do discurso, prevalecia a função
enunciativa dos mapas, cuja força emanava do consenso sobre a objetividade
científica da representação. Nas palavras de Jacob:

Na comunicação social, o mapa exerce seu papel de mediação, objeto


político que serve de suporte às negociações, à memória coletiva. Por sua
eficácia retórica, a carta participa de uma função geral da imagem
científica: melhorar a posição do locutor nos seus esforços por convencer.107

Outra idéia-força é a constatação do ato de cartografar limites como um ato


de apropriação, como um processo performativo que, ao lado de outras práticas,
configura um território e determina uma forma de acesso aos recursos naturais,
humanos e materiais nele inclusos. Essa cartografia buscava assegurar, através
da demarcação do território em disputa e sua representação coincidente nos
mapas, quais seriam os atores sociais, fossem eles governos, elites regionais ou
populações locais, que partilhariam de seus recursos.108 Um exemplo da
capacidade performativa dos mapas no caso do mapeamento de fronteira é o uso
da toponímia. Uma nomeação de acidente natural que não levasse em conta o

107 JACOB, Christian. L´empire des cartes: approche théorique de la cartographie à travers
l`histoire. Paris: Albin Michel, 1992.
108 Esse argumento é devedor das análises da professora e historiadora francesa Alice Ingold a

respeito das práticas cartográficas dos nascentes estados europeus na segunda metade do século
XIX. Tivemos o privilégio de seguir seu seminário intitulado Ressources, communautés,
territoires; administrer les ressources naturelles, XIX-XX siècles, ano 2003-2004, na École des
Hautes Études en Sciences Sociales.

208
nome local e a tradição cartográfica anterior ou deslocasse o mesmo topônimo
para outro marco vizinho podia gerar uma representação e conseqüentemente
uma leitura diferente da configuração da região, corroborando uma interpretação
particular que certamente teria implicações e geraria conflitos na fixação dos
limites.109 Christian Jacob refletiu de maneira profunda sobre essa capacidade
enunciativa do ato de nomear o espaço e, no caso do cartógrafo, de fazer coincidir
o nome com o seu lugar autorizado na carta. Assim como a maior parte das linhas
de fronteiras, os topônimos não existem na paisagem, mas na memória coletiva
colhida no trabalho de campo, nas descrições geográficas e nas cartografias
anteriores que registram os processos sucessivos de nominação. Traços culturais
inscritos na superfície dos mapas, neles introduzem uma dimensão temporal e
genealógica ainda mais aguda quando relativa às zonas de limites imprecisos e
aos territórios disputados.

Talvez mais do que em outras operações cartográficas, no mapeamento de


fronteiras ficava clara a função performativa dos mapas, ao cristalizar uma ação
do poder sobre o espaço, conferindo teor oficial e peso jurídico a uma linha que
costurava uma seqüência de pequenos acordos locais surgidos das práticas sociais
e enraizados na história. Se a zona fronteira era assim fruto do tempo, sua
linearização foi exigida como parte da modernização administrativa e da
afirmação da identidade e da autoridade dos estados. Mas essa missão mais
política do que científica escaparia à comissão geográfica de limites de Minas
Gerais.110 Outros atores sociais seriam recrutados, como o bacharel Xavier da
Veiga; outras armas seriam empunhadas, como a retórica diplomática, os acordos
políticos e, em alguns casos extremos, a força das armas. O locus das decisões
também seria deslocado das encostas íngremes e nevoentas da Mantiqueira para
as tribunas dos parlamentos e as mesas dos gabinetes.

109 Escutar os moradores dos lugares quanto à toponímia foi regra defendida por Vasconcellos
como meio de se evitar os equívocos e injustiças que poderiam advir de um método cartográfico
que consistia sobretudo em ligar graficamente elementos que se acham esparsos em cadernetas de
diversos topógrafos.
MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Anexo da Comissão Geográfica e Geológica. In: ____.
Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Estado da Agricultura do Estado de Minas Gerais pelo
Inspetor de Terras e Colonização, Dr. Carlos Prates em 1898. Anexo A. Ouro Preto: Imprensa
Oficial, 1898b. p.167.
110 Como também o seriam as suas congêneres em São Paulo e no Rio de Janeiro.

209
5 A C IÊ NC IA EM AÇÃO II: A SEGUNDA FASE DA CO MISSÃO
GEO GRÁFICA E G EOLÓGICA DE MINAS GE RAIS

5.1 Polêmicas car tográfi cas: Bhering , Derby e coadjuv antes

O último ano do século XIX viu extinguir-se a comissão geográfica de


limites de Minas Gerais e com ela fechar-se o primeiro ciclo dos programas
cartográficos mineiros cujo modelo e inspiração maior havia sido a comissão
geológica do Império. Nesse mesmo ano de 1899 eram publicadas mais duas
folhas parciais de um total de três que, deixadas inacabadas pela extinção da
CGG, foram finalizadas pessoalmente por Álvaro da Silveira.111 Sua congênere
paulista, mais antiga e mais poderosa, permaneceu atuante, mas só nesse mesmo
ano publicou suas três primeiras folhas topográficas na mesma escala dos mapas
mineiros.

A publicação das primeiras cartas paulistas expôs o produto de mais de


uma década de trabalho e suscitou uma vigorosa polêmica científica. Embora
tenha ocorrido no período após a extinção da comissão mineira, os termos dessa
intensa controvérsia guarda interesse na medida em que contribui para o
entendimento do contexto em que se desenvolveram os mapeamentos e
circularam os saberes técnicos, e como se deram as escolhas práticas, jogando luz
sobre as semelhanças e as particularidades do trabalho e da trajetória de cada
comissão.112

As polêmicas de que tratamos aqui ocorreram no seio da elite científica do


país, e situaram em campos opostos contendores poderosos, cuja atuação
perduraria ainda por muitos anos, e seria determinante nos rumos das políticas

111 São as folhas de Lavras (1898), Lima Duarte e Rio Preto (1899).
112 As controvérsias científicas são momentos privilegiados para se compreender como se organiza
um campo científico, ou seja, como se constroem e se confrontam as estratégias dos atores sociais
na luta pela autoridade científica, posição esta que funde indissociavelmente a competência
técnica e o poder social. Pierre Bourdieu desdobrou os conceitos de rede e campo científico da sua
teoria geral de campo social, e desenvolveu um estudo específico para determinar a estrutura e o
funcionamento desse campo particular.
BOURDIEU, Pierre. La spécificité du champs scientifique et les conditions sociales du progrès de
la raison. Sociologie et Sociétés, v.7, n.1, p.91-118, 1975.

210
cartográficas do país na Primeira República. Os dois pólos do debate foram o
próprio Orville Derby, na defesa dos trabalhos da comissão geográfica e geológica
de São Paulo, e o engenheiro Francisco Bhering, então professor na Escola
Politécnica de São Paulo113, criada em 1894, que empunhava a crítica à
orientação metodológica dos mapeamentos e à atuação e personalidade de
Derby.114

É importante ressaltar que esse debate só ocorreu devido a um quadro


geral favorável, impulsionado pela expansão econômica de São Paulo, e marcado
pelo fortalecimento das pesquisas na área de geociências, com o trabalho das
comissões, e pela ampliação dos quadros técnicos oriundos das escolas de nível
superior, nas quais as técnicas de mapeamento e exploração de campo eram
difundidas segundo diferentes modelos. Neste contexto, a controvérsia não era
fruto de uma crise, mas de um momento de vitalidade científica e de alargamento
dos espaços institucionais pelas quais se cruzavam os antagonismos e discutiam-
se as escolhas metodológicas realizadas. Os protagonistas dos programas de
mapeamento em Minas Gerais, com a extinção de suas comissões, não
participariam da contenda, embora o trabalho da CGG mineira fosse comumente
citado nos debates.

Por outro lado, a polêmica entre Bhering e Derby ecoava e mantinha acesa
uma polêmica mais longa e mais antiga, que envolvia o campo da astronomia
brasileira desde o último quartel do século XIX. Tanto a gestão de E. Liais como
de seu sucessor L. Cruls à frente do Observatório Imperial (Nacional, com a
República) caracterizaram-se pela busca de um equilíbrio entre a manutenção

113 Francisco Bhering formou-se em engenharia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e realizou
estágio no Observatório de Paris. Participou do levantamento cartográfico do Distrito Federal e,
por ocasião da polêmica com Derby, acumulava suas atividades de professor com a de engenheiro
da Repartição Geral dos Telégrafos. Segundo Figueirôa, [...] sua ligação pessoal com Benjamin
Constant, a manifesta veneração que nutria por Pereira Barreto e, principalmente, seu próprio
discurso, evidenciam que Bhering era notório positivista. FIGUEIRÔA, Silvia F. M. Modernos
bandeirantes; a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo e a exploração científica do
território paulista (1866-1931). 1987. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1987. p.85.
114 Silvia Figueirôa dedicou-se em mais de um trabalho a relatar de forma competente os termos

dessa polêmica. Além do trabalho acima citado, ver: FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça.
As ciências geológicas no Brasil: uma história social e institucional, 1875-1934. São Paulo:
Hucitec, 1997.

211
das tradições da instituição – a astronomia de posição e o ensino prático – e a
introdução de atividades de pesquisa e divulgação científica.115 A astronomia de
posição era particularmente importante para o desenvolvimento das atividades
de mapeamento, pois era através do seu método de observação da movimentação
dos astros e estrelas e da matemática que se podia determinar as posições
relativas ao espaço e ao tempo, ou seja, a determinação das latitudes e longitudes
de portos, estradas de ferro e pontos essenciais na construção das redes
geodésicas. Com a República, cresceram significativamente as demandas por
esses serviços práticos oferecidos pelo Observatório e pela formação de novos
contingentes de engenheiros-geógrafos e militares, que deveriam servir nas
muitas missões que se inauguravam para a construção da nova nação e a
modernização do estado.

Foi nesse contexto de pressão pelo aprofundamento do caráter utilitário do


conhecimento produzido pelo Observatório, em fins da década de 1880, que se
iniciou o conflito de idéias e de modelos de medição astronômica que opunha os
dirigentes do Observatório, Emanuel Liais e seu sucessor Luis Cruls, ambos
astrônomos de origem estrangeira, ao engenheiro e professor da Politécnica do
Rio de Janeiro, Manoel Pereira Reis, ao qual se aliou o colega Francisco Bhering,
entre outros. Positivistas convictos, Pereira Reis e Bhering, por diversos meios e
ao longo de muitos anos, desqualificaram tecnicamente os trabalhos
desenvolvidos pelo Observatório – especialmente a medição do Meridiano de Rio
de Janeiro. Essa controvérsia durou mais de vinte anos e permaneceu
tecnicamente inconclusa, embora tenha pesado na saída de Liais em 1881 e no
adiamento da mudança do Observatório Nacional por décadas.116

115 Ver, a propósito:


TOLMASQUIN, Alfedo Tiommo; BARBOZA, Christina Helena da Motta. Ciência e tradição; o
Observatório Nacional e as resistências à implantação da astrofísica. In: HAMBURGER, Amélia
Império et al. (Org.). A ciência nas relações Brasil-França; 1850-1950. São Paulo: Edusp/Fapesp,
1996.
VIDEIRA, Antônio Augusto Passos. Henrique Morize e o ideal de ciência pura na República
Velha. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003.
116 Segundo Oliveira e Videira (2003), as críticas de Pereira Reis eram mais de natureza pessoal

do que científica, e resultavam sobretudo do seu desejo nunca alcançado de ser o diretor do
Observatório. A nosso ver, todo processo de construção e consolidação do conhecimento e das
práticas científicas é marcado por essa concorrência articulada entre estratégias pessoais e
profissionais para alcançar e manter a direção de centros institucionais de produção e difusão da
ciência – como era o Observatório Nacional – e estratégias discursivas e persuasórias para fazer

212
Com os ataques à comissão geográfica e geológica de São Paulo, Bhering
inaugurava um novo momento dentro desse processo mais amplo de confronto
pela autoridade técnica, confronto que recorria às representações dicotômicas
entre uma ciência pura e uma ciência aplicada. As críticas de Bhering foram
veiculadas em dois opúsculos de sua autoria117 e, embora se articulassem para
desferir um ataque frontal ao trabalho e à pessoa de Derby, consistiam em uma
severa crítica e uma proposição mais ampla sobre a cartografia brasileira. No
texto intitulado Contribuição para o estudo do problema cartográfico no Brasil, o
engenheiro buscou demonstrar a falta de uma verdadeira tradição cartográfica no
país, que não tinha uma carta que retratasse o seu território, pois todas as
tentativas anteriores, desde o Império, eram frutos dos trabalhos de gabinete:

Essas cartas, ou melhor, essas pinturas, representam apenas novas


incorreções que se superpõem aos erros existentes; representam o
desperdício da atividade daqueles que as desenharam e que poderia com
mais vantagem ser aproveitada na colheita de dados de campo, certamente
penosa, não proporcionando, além disto, o que é mais grave, o gozo pronto
de efêmeras gloríolas.118

Sua crítica avançava pelo período republicano, e não poupava os trabalhos


desenvolvidos no serviço telegráfico – o desenho esquemático da rede telegráfica
não passa de uma pintura destinada a dar uma idéia de suas ramificações119 –
nem nas estradas de ferro ou rodagem, nem mesmo no Exército ou na Marinha.

valer um enunciado ou um método. Na perspectiva da história da ciência que pretendemos adotar,


as disputas pessoais pelo poder dentro de um campo disciplinar não são nem dissociadas nem
dissimuladas, mas parte integrante do processo de constituição das ciências.
OLIVEIRA, Januária Teive; VIDEIRA, Antônio Augusto Passos. As polêmicas entre Manoel
Pereira Reis, Emmanuel Liais e Luis Cruls na passagem do século XIX para o século XX. Revista
da SBHC, ano 1, p.42-52, 2003.
PESTRE, Dominique. Pour une histoire sociale et culturelle des sciences; nouvelles définitions,
nouveaux objets, nouvelles pratiques. Annales HSS, Paris, n.3, p.487-522, mai/juin 1995.
LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São
Paulo: Unesp, 2000.
BOURDIEU, 1975.
117 BHERING, Francisco. A geografia no Brasil; contribuição para o estudo do problema

cartográfico no Brasil. São Paulo: [s.n.], 1901.


BHERING, Francisco. Serviço Geográfico e Geológico de São Paulo. São Paulo: Carlos Gerke,
1900.
Além dessas pequenas publicações especialmente destinadas ao ataque ou defesa dos adversários,
o espaço por excelência de veiculação das idéias era a imprensa.
118 BHERING, 1901, p.6.
119 BHERING, 1901, p.8.

213
À desqualificação técnica dos mapeamentos aplicados então existentes,
Bhering somava um duro questionamento sobre a importância e utilidade real, ou
seja, sobre a pertinência e aplicabilidade do conhecimento e do trabalho
cartográfico de cientistas e estrangeiros, a exemplo de E. Liais, cuja maior
preocupação seria [...] produzir interessantes memórias, em geral sobre detalhes
astronômicos, geodésicos e geológicos, destinadas às academias européias.120

Para Bhering, considerando um país em que tudo está por fazer sob o
ponto de vista geográfico, trabalhos como os realizados por Liais à frente do
Observatório Nacional, de alta precisão geodésica e de investigação astronômica,
eram morosos e dispendiosos, além de impraticáveis e inoportunos. Nessa mesma
tradição de ciência a ser combatida, Bhering inseria os trabalhos de Derby e das
comissões paulista e mineira, embora mantivesse uma postura mais ambígua em
relação a esta última, valendo-se por vezes de suas diferenças – como a sua maior
produtividade – para aprofundar a crítica à CGG paulista, seu alvo predileto.

Defendendo a causa da uma carta geral para o país que fosse exeqüível e
compatível com a ânsia de progresso do Brasil121, Bhering combatia a adoção,
pelos programas de mapeamento brasileiros, das operações geodésicas, cujo
objetivo maior não seria a produção de cartas topográficas mas a determinação da
forma e da grandeza do globo terrestre. Em seu tempo, a medição dos meridianos
pelas grandes redes de triangulação internacionais prosseguia na Europa e nos
Estados Unidos, e a finalização dessas operações poderia resultar em
modificações das medidas geodésicas já em uso, alterando os mapeamentos de
alta precisão em todo mundo. Para Bhering, entretanto, o Brasil não deveria se
empenhar nessas operações e realizar o sonho do Sr. Liais, pois tais alterações
não teriam efeitos apreciáveis sobre os trabalhos geográficos, o que significaria
abandonar o necessário para conseguir o supérfluo.122

O método preconizado por Bhering era descrito como geográfico, resultado


da aliança entre medições astronômicas e processos topográficos, aos quais

120 BHERING, 1901, p.15.


121 CLUBE DE ENGENHARIA; INSTITUTO POLITÉCNICO BRASILEIRO. A T. S. F. e os
cartógrafos. Rio de Janeiro: Esperança, 1914. Conferências feitas pelo engenheiro Francisco
Bhering, professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. p.17.
122 BHERING, 1901, p.19.

214
somava ainda o uso do telégrafo. Esse sentimento de urgência que transparece no
discurso de Bhering quanto à necessidade de obter em um curto prazo uma
descrição cartográfica do país parece estar em parte relacionado à sua
experiência enquanto diretor da Repartição Geral de Telégrafos. Bhering pregava
a necessidade de integração do território brasileiro como uma missão patriótica
que visava salvaguardar a própria República, e cujo ponto de partida era a
construção das linhas telegráficas.123 Falava em termos da integridade territorial
pensando particularmente no oeste e norte, nos vastos sertões brasileiros, para
onde dirigiria seus estudos nos anos seguintes.124 Os mapeamentos deveriam
integrar esse plano maior de defesa e integração do território e caminhar
paralelamente à construção das redes telegráficas, e servir-se delas, [...] pois o
processo mais seguro, preciso e rápido para a determinação das longitudes é o que
se baseia na troca de sinais telegráficos.125 Tal método seria suficiente para se
obter o resultado esperado, o qual seria uma carta [...] destinada a servir de base
a estudos meteorológicos, geológicos, etc, assim como a estudos de questões de
limites de territórios, projetos de obras, etc.126

Criticava a hegemonia do ponto de vista geodesista, que imperava também


na França, e considerava que o sucesso dessas operações em países estrangeiros
não justificaria seu emprego em um país como o nosso, de grandes extensões,
muitas florestas, grandes superfícies desprovidas de culturas.127 O propalado
rigor e precisão do método geodésico também era questionado pelo engenheiro,
que acusava a possibilidade de acúmulo de erros nas medições das trianguladas.
Bhering criticava Derby por não realizar com freqüência a verificação
astronômica de sua rede de triângulos:

123 MACIEL, Laura Antunes. A nação por um fio: caminhos, práticas e imagens da Comissão
Rondon. São Paulo: EDUC, 1998.
124 Nos anos posteriores a 1901, Bhering produziu estudos sobre o Amazonas e o Pará, tendo

publicado outro opúsculo em que propôs o emprego do processo expedito para o mapeamento do
vale amazônico, com prioridade para o plano de linhas telegráficas. Maciel insere o pensamento
de Bhering entre as concepções de outros eminentes engenheiros e militares que como Euclides da
Cunha e o marechal Cândido Rondon, [...] defendiam para o telégrafo o papel de “sonda” que
deveria acompanhar o trabalho do explorador que ousava devassar regiões distantes e desertas ou
o “precursor do progresso” – um instrumento auxiliar da produção e do comércio. MACIEL, 1998,
p.99.
125 CLUBE DE ENGENHARIA; INSTITUTO POLITÉCNICO BRASILEIRO, 1914, p.20.
126 BHERING, 1901, p.20.
127 BHERING, 1901, p.27.

215
Só quem trabalha, só quem pertence ao grupo dos imperfeitos que fazem,
que operam, é que está no caso de saber quão facilmente se erra.[...]
Os governantes precisam, portanto, nas operações com destino prático,
desconfiar um pouco dos sábios processos: dadas as condições do problema,
eles muitas vezes, apenas encarecem e demoram os trabalhos sem
conseguir a exatidão que se poderia imaginar [...]128

Na crítica aos resultados dos trabalhos das comissões, Bhering incluiu


também a produção da comissão mineira, cujos dados considerava questionáveis,
como as publicações botânicas e meteorológicas, estas [...]estatísticas meramente
locais, ineficazes para qualquer previsão, que constitui o fim que almejariam os
governantes, conduzidos pelo bom senso, ao criarem tais serviços [...]129 Censurou
particularmente a pobreza dos dados geológicos e das coordenadas astronômicas,
e referindo-se ao relatório de Abreu Lacerda, pôs em dúvida a competência dos
seus topógrafos:

Pelo que precede, vê-se que a Comissão Mineira fazia depender a simples
orientação, a simples determinação de um azimute, de convite a astrônomo
do Observatório. Ora, é claro que essa operação está na alçada de qualquer
viajante geógrafo, de qualquer agrimensor; o processo é o mesmo, quer se
opere com o Casella que dá 20”, quer se opere com o Bamberg ou
Wannschaff que dão 2” [...]. Não estamos aqui no caso das Grandes
Comissões geodésicas, em que devem existir astrônomos e topógrafos, em
que aqueles só se absorviam com as suas operações delicadíssimas, em que
aqueles abandonavam a conseqüência prática de seus trabalhos a
construção da carta – a estes - aos topógrafos, estamos tratando de uma
Comissão simplesmente geográfica, e neste caso os topógrafos devem
absorver a totalidade das funções que se tornam então elementares.130

Bhering estende seus comentários ao domínio das políticas públicas, ao


apontar, com uma dose de ironia, as causas da extinção da comissão geográfica de
Minas Gerais:

A comissão mineira foi extinta no ano passado; a quem devemos atribuir


mais este desastre geográfico? Exclusivamente aos governantes?
Esta comissão tinha a dotação orçamentária de cerca de 60 contos anuais;
como resultados deixou algumas folhas topográficas e as seguintes

128 BHERING, 1901, p.23.


129 BHERING, 1901, p.32.
130 BHERING, 1901, p.40.

216
publicações [...]. Pelo simples títulos destas publicações, vê-se que pouco
progresso houve quanto à aquisição de resultados definitivos geográficos:
neste sentido houve uma certa estagnação. Os engenheiros parece que
deixaram-se conduzir pela amenidade dos estudos meteorológicos,
botânicos, geológicos, etc, sobre os quais (é certo que obedecendo à praxe)
encontram-se escritos em latim, confirmando assim o gosto que têm os
nossos coestaduanos por essa língua mãe.
Entretanto, o destino fundamental da Comissão era geográfico; parece-nos,
portanto, que o bom senso dos governantes, pesando de um lado a
necessidade de reduzir despesas, e do outro lado os magros elementos que
a Comissão poderia fornecer para os estudos das importantes questões
estaduais de diversas ordens, as de limites, por exemplo, resolveu adiar
para melhores tempos esse trabalho indispensável e urgente. 131

Com essas críticas, Bhering claramente legitimava a posição do governo em


extinguir a CGG mineira e, ao estender o mesmo ataque aos trabalhos conduzidos
por Orville Derby, parecia preconizar o mesmo fim para a comissão paulista.
Bhering finalizou seu libelo defendendo uma entente entre governos e comissões
geográficas, para que seus responsáveis deixassem de se distrair com a
meteorologia, a botânica e a geologia e cuidassem dos serviços a elas
demandados.

Em resposta às críticas, Orville Derby também publicou um pequeno


folheto, no qual conduziu a discussão para a defesa da sua escolha em relação à
escala, ou seja, daquilo que se desejava fosse representado no mapeamento. Essa
questão programática, anterior à definição do método, estaria atrelada aos
objetivos aplicados do mapeamento, no caso, a descrição topográfica em escala
suficiente para se conhecer o terreno. Derby afirmava ser consenso internacional
que a escala em torno de 1:100.000 era a mais apropriada para a representação
do relevo, uma informação essencial para um mapa do estado de São Paulo, onde

[...] cada paulista sabe de cor e salteado, a sua principal indústria – a


cultura do café – depende essencialmente desse relevo, isto é, da altura
relativa, que faz com que um terreno dado seja ou não apropriado para
essa cultura.132

Para Derby era essa a questão em jogo: o método preconizado por Bhering

BHERING, 1901, p.43-4.


131

COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE SÃO PAULO. Resposta de Orville Derby a


132

uma crítica feita à referida Comissão. São Paulo: Diário Oficial, 1901. p.6.

217
adequava-se a mapas em escala menor, representações que não exigiam o nível
de definição e o número de elementos que estavam na base do projeto da comissão
paulista (e mineira). Para essas cartas de pequena escala, os métodos
astronômicos eram suficientes, mas a triangulação permanecia, na opinião de
Derby e de outros autores estrangeiros por ele recrutados, mais confiável para a
produção dos mapas topográficos.
Embora tenha formulado uma resposta estritamente técnica, Derby não
deixou de dirigir uma crítica aos seus contendores, pois reconhecia na posição de
Bhering toda a Escola Politécnica de São Paulo. Recusou-se a concordar que os
mapas topográficos que a CGG paulista elaborava fossem bom demais para São
Paulo e lamentava que a crítica tivesse partido

da mais alta corporação técnica do Estado e da classe de profissionais que,


além de ser a que mais deve utilizar e apreciar os mapas topográficos, é a
que tem necessariamente de ser encarregada da sua confecção.133

De fato, Bhering contava com o apoio de outros professores, tanto da


Politécnica de São Paulo, como Rogério Fajardo, quanto do Rio de Janeiro, como o
seu professor e companheiro de antigas contendas, Manoel Pereira Reis. Segundo
Figueirôa, travava-se paralelamente uma disputa interna na Politécnica de São
Paulo, na qual se opunham positivistas, como Bhering, e defensores da ciência
pura:

Desta forma, ambas disputas se juntaram, e talvez mesmo estivessem


unidas desde sempre, separadas tão somente na aparência. Em torno de
Bhering e contra a CGG aglutinou o mesmo grupo positivista da polêmica
interna à Politécnica. Em torno de Derby e da defesa da comissão, o grupo
da oposição, não positivista.134

Em 1902 dois outros folhetos repercutiriam a polêmica, nos quais aflorava


uma outra modalidade de crítica ao trabalho da CGG paulista, agora eivada de
sentimentos nativistas por parte de seus críticos. O engenheiro e professor da
Politécnica de São Paulo Rogério Fajardo pleiteou uma reforma dos serviços
geográficos do estado, criticando a CGG paulista e preconizando uma ciência

133 COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE SÃO PAULO, 1901, p.8.


134 FIGUEIRÔA, 1987, p.86.

218
prática e local.135 Em resposta, o engenheiro Miguel Arrojado Lisboa criticou
Fajardo pelo seu xenofobismo e pela inconsistência técnica de seus argumentos.
Arrojado Lisboa defendeu os estudos geológicos aprofundados realizados por
Derby, e os muitos estudos de outros integrantes de sua equipe, como Eugen
Hussak e Guilherme Florence, que publicavam artigos científicos em periódicos
brasileiros e de língua inglesa e alemã, merecedores de muitos elogios da
comunidade científica.

Figuras eminentes do meio técnico-científico posicionaram-se a favor da


atuação dos chamados estrangeiros, como o Barão de Capanema136, que em carta
de apoio a Derby lamentava a crise da ciência paulista e elogiava a contribuição
dos estrangeiros em muitos campos do conhecimento: a ciência é cosmopolita e
tem suas portas abertas a quem quiser sinceramente dedicar-se a ela.

Bhering voltaria à cena em uma outra carta ao jornal Comércio de São


Paulo de agosto de 1902. Sua defesa das idéias e proposições de Fajardo, discípulo
de Gorceix e de Costa Sena137, aprofundava o discurso nativista – contra os sábios
complicados e insociáveis –, e utilitarista, buscando demonstrar a utilidade da
geologia para a indústria e a agricultura. É curioso como uma controvérsia como
essa expõe as múltiplas relações que nesse momento configuravam o campo da
ciência e da técnica no Brasil, e como eram intrincadas e difusas as idéias e as
articulações entre engenheiros e geólogos, brasileiros e estrangeiros, positivistas
e não positivistas. Nesse caso exemplar, Bhering, politécnico e positivista,
evocava a herança de Gorceix para defender seu colega Fajardo contra Derby, o
estrangeiro de formação naturalista. Sabemos, entretanto, que a defesa de um
saber especializado e aplicado, próprio do pensamento de Gorceix e de todo o
espírito de Escola de Minas, não foi permeável às idéias positivistas, que pouca

135 LISBOA, Miguel Arrojado Ribeiro. Um caso de crítica científica. São Paulo: Vanorden, 1902.

p.22.
136 Guilherme Schuch Capanema (1824-1908), o barão de Capanema, era doutor em matemática e

ciências físicas pela Escola Militar do Rio de Janeiro, e engenheiro pela Escola de Viena. Foi chefe
da seção geológica e mineralógica da Comissão Científica de Exploração e professor das Escolas
Militar e Politécnica do Rio de Janeiro. Entre 1855 e 1889, dirigiu a Repartição Geral dos
Telégrafos.
137 LISBOA,1902, p.58. Rogério Fajardo era engenheiro de minas e civil formado pela Escola de

Minas em 1893. Foi engenheiro da Comissão Construtora da Nova Capital, na qual trabalhou no
levantamento geodésico, e chefe da Repartição de Terras e Colonização em Minas Gerais. Mudou-
se em agosto de 1901 para São Paulo, tornando-se professor da Politécnica.

219
penetração tiveram naquela escola. Para Arrojado Lisboa, outro ator dessa
controvérsia e ex-aluno da Escola de Minas (ele próprio se dizia discípulo de
Gorceix), era exatamente a feição prática do ensino138 que oferecia resistência à
propagação dos ideais evolucionistas e positivistas naquela escola. Por outro lado,
vimos como Gorceix e Derby defenderam programas de mapeamento muito
parecidos, e como essas afinidades não se restringiam ao conteúdo das propostas,
mas também às proposições práticas, o que terminou por gerar os programas
semelhantes das comissões mineira e paulista.

O papel do positivismo em suas diferentes vertentes na construção da


ciência no Brasil ainda é muito pouco estudado do ponto de vista da recepção
dessas idéias. O tema adquire complexidade devido à forma com que as idéias
matrizes do pensamento europeu eram aqui apropriadas, de maneira que no
pensamento e na prática profissional de um mesmo ator era possível conjugar
idéias iluministas, românticas e positivistas.139 Sabemos um pouco mais sobre o
papel que notórios positivistas tiveram nas instituições científicas brasileiras e
nas agências do Estado do que propriamente no campo dos saberes. Os
engenheiros em geral foram particularmente sensíveis ao ideal de uma ciência
aplicada como defendida por Comte e outros pensadores positivistas, que
advogavam por uma atuação destacada do engenheiro como um funcionário
público a serviço do estado. Mas, se esse papel de [...] elite profissional capaz de
responder ao imperativo de fazer progredir o país140 era reservado
particularmente àqueles de formação politécnica, no interior desse modelo, os
engenheiros diferenciavam-se entre os enciclopédicos, como Pereira Reis e
Francisco Bhering, formados na Escola Politécnica do Rio de Janeiro (a
Politécnica do São Paulo estaria no mesmo caso), e os especialistas como Abreu
Lacerda e Álvaro da Silveira, egressos da Escola de Minas. Essa diferenciação

138 LISBOA, Miguel Arrojado. A Escola de Minas e Henrique Gorceix. Revista da Escola de Minas

de Ouro Preto, Ouro Preto, ano 13, n.4, p.19-36, out 1948. p.4.
139 Essas são idéias defendidas por Salgueiro na biografia intelectual do engenheiro Aarão Reis.

Para a autora, a noção que permite convergir essas diferentes correntes de pensamento e dar
unidade ao pensamento de Reis e outros engenheiros de seu tempo é o cientismo, ou seja, a crença
na razão e na ciência como os meios de progresso da humanidade.
SALGUEIRO, Heliana Angotti. Engenheiro Aarão Reis: o progresso como missão. Belo Horizonte:
Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1997a.p.33.
140 SALGUEIRO, 1997a, p.33.

220
ainda não é suficiente para abarcar a complexidade e as contradições dos
alinhamentos teóricos. Figueirôa mostrou como mesmo dentro da Politécnica de
São Paulo, e certamente no interior de cada instituição científica ou de ensino,
travava-se em diferentes escalas e intensidades a disputa que de forma
simplificada opunha ciência pura e aplicada.

Na concepção de um programa cartográfico, entretanto, outros saberes,


como a astronomia, a meteorologia e a geologia, eram acionados e, nesses campos,
torna-se ainda mais difícil identificar uma possível influência de ordem
positivista. Nesses domínios, como demonstram as trajetórias de homens como
Liais, Cruls, Gorceix e Derby, a permanente tensão entre, de um lado, o ideal de
uma ciência desvinculada dos interesses imediatos do estado e da sociedade, e o
atendimento de tais demandas pela construção de um saber aplicado e operatório,
não correspondia nem conduzia a uma adesão ou rejeição ao pensamento
positivista. As tensões e contradições que cercavam as instituições e comissões
científicas eram próprias das condições de seu nascimento e de suas práticas,
atreladas como eram ao estado.

A polêmica travada mostra a repercussão desse embate geral nas práticas


cartográficas. Bhering acusava Derby e sua equipe de não apresentar, no campo
da geologia, quaisquer resultados práticos de seu trabalho – sábios que pensam
sempre, mas não fazem nunca.141 Não considerava justo que tais regalias fossem
estendidas ao campo da cartografia, e nesse ponto deixava claro que também
estava em jogo uma disputa pelo mercado de trabalho que se abria, ao defender
que [...] os domínios da topografia e da geografia matemática [...] são os mais
simples assuntos da alçada dos engenheiros.142

Na defesa de Derby, por outro lado, Arrojado Lisboa reinseria o trabalho


cartográfico no conjunto maior das iniciativas científicas da CGG: a montagem do
serviço meteorológico, a introdução dos estudos botânicos e geológicos, a pesquisa
documental e a produção de memórias, e a formação de uma geração de
brasileiros instruídos nos métodos topográficos e geográficos da comissão, [...]
brasileiros que se tornaram ilustres, [a] inspirar esses métodos de trabalho a

141 LISBOA, 1902, p.58.


142 LISBOA, 1902, p.58.

221
outros estados, que organizaram o seu serviço, calcando-o pelo de São Paulo
[...]143

Para Figueirôa, as atitudes xenófobas de Bhering eram contraditórias, pois


ele mesmo orgulhava-se de sua formação e experiência francesa no Observatório
de Paris. Seus ataques pessoais à Derby teriam origem na sua intenção de
substituí-lo no comando da CGG, tendo inclusive proposto um novo projeto de
mapeamento para São Paulo, perfeitamente exeqüível e com processos mais
modernos.144

Entre os últimos lances dessa polêmica, deu-se a intervenção do velho


aliado de Bhering, Manoel Pereira Reis, a qual só conhecemos por intermédio da
resposta de Derby, publicada em um jornal paulista em setembro de 1902. Derby
rebateu com desprezo as críticas ao fato de não documentar por escrito todas as
suas ações e escolhas técnicas: [...] no entender de alguns, a comissão paulista
merece ser exterminada por não ter apresentado mapa magro e relatório gordo
[...]145

Embora Derby tenha mantido sua postura de desqualificar as opiniões


técnicas de seus adversários, moderníssimos cartógrafos de gabinete,
mediocremente ensinados na matéria146, a disputa travada entre a escola da
complexidade e o apostolado da simplicidade, nas expressões irônicas de Bhering
e Arrojado Lisboa, levou ao desgaste da sua liderança na comissão e à criação das
condições políticas para uma reorientação dos trabalhos. Com a mudança do
governo estadual em 1904, Derby, abalado em sua autoridade técnica, foi
afastado da direção da comissão e convidado a ocupar um cargo de gabinete,
eminentemente científico, enquanto era substituído na liderança da CGG pelo
engenheiro João Pedro Cardoso, em janeiro de 1905. Derby preferiu demitir-se, e
sua saída reacendeu nas páginas dos jornais paulistas a mesma polêmica com o
grupo de Bhering e a Politécnica.147 As mudanças da CGG foram significativas,

143 LISBOA, 1902, p. 63-4.


144 FIGUEIRÔA, 1987, p.88.
145 DERBY, Orville. O serviço cartográfico do estado de São Paulo e o seu último crítico. O Estado

de São Paulo, São Paulo, 24 set. 1902b.


146 DERBY, 1902b.
147 Com seu prestígio científico e técnico, Derby superou de imediato as vicissitudes de seu

trabalho em São Paulo. Em 1905 Derby foi convidado pelo então secretário da Agricultura da

222
mas eram mais de grau do que de procedimentos148, pois representaram o
aprofundamento, ou mesmo a retomada, do caráter pragmático e estratégico com
que a CGG paulista fora criada.149

Conteúdo e contexto confundem-se nessa controvérsia. As disputas


reveladas pelas polêmicas cartográficas eram parte do processo de afirmação e
autonomização dos saberes, das práticas cientificas e dos postos de trabalho a
elas conjugados, ou seja, da formação de um campo científico, para usar o conceito
esclarecedor de Bourdieu.150 Os programas cartográficos das comissões
geográficas foram momentos excelentes para expor esse processo, pois, se de um
lado, os produtos almejados, os mapas, eram artefatos técnicos de inequívoca
aplicação prática, fazendo convergir sobre eles a discussão sobre a sua utilidade e
capacidade performativa, em estreita ligação com os interesses econômicos e

Bahia Miguel Calmon du Pin e Almeida para a chefia do Serviço de Terras e Minas daquele
estado. Já no ano seguinte, quando o mesmo Miguel Calmon se tornou ministro da Agricultura do
governo Afonso Pena, Derby foi encarregado da criação do Serviço Geológico e Mineralógico do
Brasil, instituição herdeira do programa inaugurado com a Comissão Geológica do Império e na
qual o mesmo Derby havia começado sua carreira no Brasil. Derby tinha abertas muitas
possibilidades para continuar divulgando suas idéias e pesquisas, para além de sua atividade nos
organismos oficiais, como na palestra que proferiu no IHGB, de que era sócio. Intitulada A
cartografia no Brasil, e publicada na revista do Instituto e também no Almanaque Garnier, a
palestra fazia um balanço crítico da produção cartográfica brasileira, mas em tom mais ameno do
que o empregado por Bhering em seus textos beligerantes. Derby constatava na oportunidade o
crescimento da produção cartográfica no país, dividida entre os trabalhos oficiais de mapeamento
geral e os trabalhos parciais, definidos pelas exigências mais imediatas e localizadas. Defensor do
mapeamento sistemático – mapas definitivos, em sua acepção, Derby reconhecia os avanços
advindos dos trabalhos cartográficos restritos a determinadas linhas ou feições do território, a
despeito da dispersão e incompletude dos dados. Para uma análise da conferência e das posições
de Derby no conjunto intertextual do Almanaque Garnier, ver:
DUTRA, Eliana de Freitas. Rebeldes literários da República; história e identidade nacional no
Almanaque Brasileiro Garnier – 1903-1914. Belo Horizonte: UFMG, 2005. p.152-159.
148 ARRUDA, Gilmar. Cidades e sertões; entre a história e a memória. Bauru: EDUSC, 2000.
149 Bhering parece ter alcançado somente parte de seus objetivos. Logo em seguida à nomeação de

João Pedro Cardoso, ele se desligaria da Politécnica de São Paulo e se mudaria da cidade.
Segundo Figueirôa, essa mudança reforçaria [...] a suspeita de que ele, pessoalmente, alimentar
esperanças de dirigir a instituição (FIGUEIRÔA, 1987, p.88). Com a direção de João Pedro
Cardoso, além da adoção dos levantamentos mais expeditos, como queria Bhering, os
mapeamentos foram direcionados para as regiões menos povoadas do estado, os chamados
terrenos desconhecidos, considerados estratégicos devido ao interesse dos cafeicultores em
desbravar novas fronteiras de expansão agrícola e colonização. Já Mendonça insere as mudanças
da comissão geográfica paulista no contexto mais amplo de implantação, em São Paulo, do modelo
mais emblemático de modernização da agricultura. O novo secretário da Agricultura, Carlos
Botelho, readequou a secretaria em direção à diversificação agrícola, pregada pelos defensores da
vocação agrícola do país, os chamados ruralistas, pautando-se pelo subsídio à pesquisa científica,
aplicada ao desenvolvimento de culturas tão rentáveis como a do café. MENDONÇA, Sônia. O
ruralismo brasileiro. 1888-1931. São Paulo: Hucitec, 1997. p.35.
150 BOURDIEU, 1975.

223
políticos do momento, por outro lado, os mapeamentos eram mais do que seus
produtos, eram longos processos de trabalho nos quais se articulavam múltiplos
campos disciplinares (geografia, topografia, astronomia, geologia, botânica,
meteorologia), cada qual lutando pelo seu próprio reconhecimento. Na sua
construção trabalhavam atores sociais que também buscavam a identidade
profissional, em especial os engenheiros que, por sua formação em sua maior
parte politécnica, afirmavam-se em contradição aos saberes que se
autonomizavam. No embate retórico, as representações das diferenças e dos
conflitos se fizeram presentes, como aquelas que opunham ciência pura e
aplicada, estrangeiros e nativistas, positivistas e não positivistas, enciclopédicos e
especializados.

Essas polêmicas surgiram ainda como respostas diferenciadas a exigências


e desafios postos pelo momento. Se uma parte dizia respeito às escolhas internas
que deveriam ser feitas entre programas de bases mais científicas ou mais
pragmáticas, outra parte remetia às escolhas que vinham das demandas
externas, por um engajamento da produção cartográfica brasileira na rede
geodésica internacional, que gradualmente expandia sua amarração pelas mais
diversas partes do globo. Interrompidas as experiências das comissões
geográficas, o estado de Minas Gerais inauguraria o século XX conservando-se
distante desses novos desafios técnicos e das novas campanhas cartográficas,
atrelado a uma rotina de produção burocrática de mapas.

5.2 O rurali smo e a ca rtografia bu rocrá tica da política d os


g overna dores

Passada uma década da proclamação da República, em plena vigência da


crise econômico-financeira que varrera boa parte dos programas e estratégias do
começo do regime, uma reconfiguração das políticas territoriais tomou curso.
Terminava o que Viscardi denominou, em recente estudo, de primeira fase da
República Velha, período de tumultuada vida política e de ensaios de construção
de uma nova ordem econômica e social. Seguiu-se um período de maior

224
acomodamento e equilíbrio das forças políticas, tanto entre os estados federados
como na política interna mineira, período tradicionalmente conhecido como o da
política do café-com-leite, que se estenderia até o fim da primeira grande
guerra.151

Por toda a última década do século XIX os parlamentares discutiram os


projetos de lei relativos à exploração das minas e à regularização das terras
devolutas. A partir de 1899, uma série de medidas legais e administrativas do
governo permitem entrever a estruturação de novas políticas públicas relativas
às questões territoriais, que culminaram na reordenação do quadro físico e
político dos municípios do estado em 1901.152 Nesse período, os núcleos coloniais
foram regulamentados e procedeu-se a uma estatística territorial, que antecedeu
a implantação do imposto territorial em setembro de 1899.

Em janeiro de 1900 foi aprovado o regulamento de terras, que definiu as


terras devolutas e os procedimentos técnicos para sua medição, baseados na
produção de plantas topográficas de cada área para seu respectivo loteamento e
venda. Estava implícito nesse projeto a produção de uma cartografia de grande
escala, próxima das plantas cadastrais, em extensas porções do território do
estado. Paradoxalmente, uma tarefa de tal envergadura foi prevista para ser
executada na rotina do trabalho dos engenheiros agrimensores do estado, e em
um quadro de redução do pessoal.

Esse conjunto de medidas de ordem jurídica e legal foi adotado apesar do


quadro geral de desestruturação do projeto modernizador implementado nos
primeiros anos da República, que, ao final do governo de Silviano Brandão,

151 Nas periodização da política mineira estabelecida por Viscardi, o século XX inaugurou a
segunda fase da República Velha, a qual, em suas palavras, se prolongava até o início da década
de 1920, [e] foi um período de consolidação do regime republicano, marcado pela relativa
estabilização dos conflitos. O país, governado por alianças políticas travadas entre os estados mais
hegemônicos, parecia encontrar o seu eixo de sustentação, malgrado às divergências políticas que
brotavam a cada sucessão presidencial, mas que não ameaçavam a estabilidade tão duramente
conquistada. Minas Gerais, neste mesmo período, vivenciou um clima de conciliação interna sob
hegemonia dos políticos sul-mineiros.Minas Gerais, neste mesmo período, vivenciou um clima de
conciliação interna sob hegemonia dos políticos sul-mineiros. VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro.
Estudo crítico. In: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estudos Históricos e Culturais.
Memória política de Minas Gerais: Raul Soares. Belo Horizonte. no prelo.
152 A lei n.319, de 16 de setembro de 1901, criou novos municípios e alterou as divisas

intermunicipais.

225
devido ao seu regime de severíssimas economias153, culminou com a extinção da
Secretaria de Agricultura em 1901. Suas atribuições e serviços foram absorvidos
pela Secretaria do Interior, sob a qual ficou subordinada a Repartição de Terras,
o recém-criado Serviço de Estatística e a Seção de Limites. Na Secretaria de
Finanças ficaram os demais serviços, relativos às obras públicas e viação. Em
1903, já no governo de Francisco Sales, ocorreram novas mudanças, ou correções
de rumos como reconheceram as autoridades, constatada a impropriedade de se
dividir pela metade os serviços e o corpo de engenheiros do estado. Foi então
criada a Diretoria de Obras Públicas, subordinada à Secretaria de Finanças, para
onde foram transferidos todos os serviços, à exceção da estatística.154

O ano de 1903 é considerado pelos estudiosos da Primeira República em


Minas como particularmente importante devido à realização do Congresso
Agrícola, Comercial e Industrial, quando foram lançadas as bases de um projeto
de desenvolvimento econômico que unia estrategicamente as classes produtoras e
o estado em trono da superação da crise do café e da promoção da agropecuária e
do ensino agrícola como alternativas frente à fragilidade do setor agro-exportador
mineiro. Fundado na idéia-força da união na diversidade, o evento marcou o
retorno de João Pinheiro à vida política, o qual pregava a unidade política e
geográfica do território em torno de uma política protecionista e agrarista.155 As
teses do congresso que orientaram a política do governo e a atuação dos grupos
econômicos até os anos vinte, foram a diversificação da produção e o ensino
agrícola como prioridades. Como mostrou Faria, o movimento ruralista teve
nuanças regionais e, no caso mineiro, significou a precoce adoção de um projeto de
desenvolvimento baseado no estímulo à diversificação agrícola que não se opunha
aos investimentos na indústria extrativa, especialmente a mineração. Um virtual

153 Palavras do secretário do Interior em 1900, Wenceslau Brás. MINAS GERAIS. Secretaria do
Interior. Relatório apresentado ao Presidente do Estado de Minas pelo secretário de Estado dos
Negócios do Interior Dr. Wenceslau Brás Pereira Gomes em o ano de 1900. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1901.
154 Decreto n.1653, de 15 de dezembro de 1903.
155 Segundo Mendonça, os termos agrarismo ou ruralismo, mais do que um conjunto de

representações e práticas sobre o mundo rural brasileiro, resumem um movimento político de


organização e institucionalização dos interesses agrários diferenciados em relação à classe
cafeicultora, ou seja, daqueles setores não cafeeiros que disputavam o poder tanto no nível federal
como nos estados. Em Minas a adoção de muitas dessas idéias e práticas ainda em 1903 é
considerada pelos estudiosos como precoce em relação ao resto do país. MENDONÇA, 1997.

226
antagonismo entre a priorização da agricultura, como comandavam as chamadas
classes conservadoras e o incremento da indústria siderúrgica não chegou a se
delinear, pois [...] a tradição mineira era de uma industrialização cujas raízes se
fincavam na agricultura e na pecuária.156 No projeto mineiro, entretanto, a
ênfase na modernização e na valorização científica da lavoura e da pecuária não
implicou, como em São Paulo, no reforço e direcionamento dos grandes
mapeamentos científicos comandados pelo estado.157
O pouco investimento das políticas públicas numa produção cartográfica
dirigiu-se para as zonas fronteiriças do estado. Com as diversas mudanças nas
atribuições das secretarias, as questões relativas aos limites do estado oscilaram
nesse período do âmbito dos estudos e definições técnicas e estratégicas – como
foram iniciadas na Secretaria da Agricultura – para a arena das negociações
jurídico-políticas, próprias da pasta do Interior. Situações agudas de conflito
eram remetidas ao Supremo Tribunal Federal, como no caso com o Rio de Janeiro
em 1900, após a malograda missão diplomática de Xavier da Veiga.158 O
engenheiro de minas Joaquim Cândido de Costa Sena, quando assumiu a
presidência do estado em substituição a Silviano Brandão, voltou à carga com a
demanda de recomposição da comissão de limites como forma de por termo às
antigas pendências com os estados limítrofes. Mais sensível à questão da gestão e
do conhecimento do território, Costa Sena lamentava a extinção da comissão
devido às dificuldades financeiras:

156 FARIA, Maria Auxiliadora. A política da gleba; as classes conservadoras mineiras: discurso e
prática na Primeira República. 1992. Tese (Doutorado em História Social). Universidade de São
Paulo. São Paulo, 1992. p. 318
157 FARIA, 1992, p.102. A natureza instável desse projeto de apoio técnico e científico às

atividades agrícolas pode ser observada em Minas pela trajetória intermitente da Revista
Agrícola, Comercial e Industrial Mineira. Criada pela Diretoria Geral de Obras Públicas e
impressa na Imprensa Oficial, circularam apenas dois volumes, entre 1904 e 1905. Em 1911 a
revista voltou à circulação, sob o patrocínio da Sociedade Mineira de Agricultura, para novamente
desaparecer em 1912, após a publicação de dois outros volumes. Uma terceira e última tentativa
deu-se em 1923, da qual só conhecemos os volumes publicados em setembro e dezembro daquele
ano. Nas suas duas primeiras versões reunia em sua maior parte pequenos artigos didáticos sobre
as mais diferentes culturas agrícolas, mas também sobre atividades extrativas ou pecuárias. A
maior parte dos artigos era assinada pelos técnicos da Diretoria, como Álvaro da Silveira,
Josaphat Belo e Carlos Prates. Nos anos em que esteve sob a direção da SMA, trazia artigos de
autoridades do pensamento ruralista como Fidelis Reis.
158 MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Silviano de Almeida Brandão 1899-1901). Mensagem

dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Francisco Silviano de Almeida Brandão ao
Congresso Mineiro em sua 2a. sessão ordinária da 3a. legislatura no ano de 1900. Cidade de
Minas: Imprensa Oficial, 1900. p.5-6.

227
A reorganização desse serviço [...] se impõe, logo que o permitam as rendas
estaduais, porque se os levantamentos topográficos não criam nem
destroem direitos, constituem, entretanto, um elemento essencial para a
demarcação da verdadeira linha divisória.159

Os pontos litigiosos da fronteira entre os estados eram tratados em longas


correspondências entre as autoridades, como nos casos do Espírito Santo e Goiás,
nas quais mapas e documentos antigos eram sistematicamente apresentados e
interpretados para a defesa das posições. Recorria-se aos antigos textos de
viajantes e estudiosos como Cunha Matos, Eschwege, Spix, Martius ou Saint-
Hilaire, aos mapas por eles produzidos ou de outros cartógrafos como Candido
Mendes, Jacob Niemeyer e o ilustre Gerber. O lócus das pesquisas relativas aos
limites passou a ser o Arquivo Público Mineiro, entendido como o depositório dos
documentos probatórios e das memórias legitimadoras das pretensões territoriais
mineiras.160 Como disse o presidente do estado Francisco Sales, os trabalhos do
APM voltavam-se em grande parte para os estudos e pesquisas históricas
relativas ao nosso domínio territorial, trazendo a mais importante contribuição e
fornecendo as mais completas informações para a elucidação das nossas seculares
questões de limites.161

Os litígios de limites ocorriam na primeira década do século XX em


determinados pontos das fronteiras com todos os estados limítrofes, sendo mais
agudos no Espírito Santo. Em relação a São Paulo, os procedimentos foram mais
técnicos, devido à continuidade dos trabalhos da comissão geográfica e geológica
paulista, que pretendia publicar as folhas relativas à parte fronteira entre os dois
estados. O governo mineiro nomeou em 1903 o antigo chefe da comissão de

159 MINAS GERAIS. Vice-presidente (Joaquim Candido da Costa Sena 1902). Mensagem dirigida
pelo vice-presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Joaquim Cândido da Costa Sena ao Congresso
Mineiro em sua 3a. sessão ordinária da 3a. legislatura no ano de 1902. Belo Horizonte: Imprensa
Oficial, 1902b. p.8.
160 Entre as prioridades do Arquivo Público Mineiro estava a pesquisa de documentos históricos

sobre a questão de limites. Em 1901 Antônio Augusto de Lima, então diretor do APM, solicitou ao
cônsul geral do Brasil em Lisboa cópia de documentos que guardavam relação com limites, como
mapas coloniais. PARECER de Augusto de Lima. APM. Fundo SI. Série Limites com os estados.
Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Caixa 2. Doc. 46.
161 MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Antônio de Sales 1902-1906). Mensagem dirigida pelo

presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Francisco Antônio de Sales ao Congresso Mineiro em
sua 2a. sessão ordinária da 4a. legislatura no ano de 1904. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1904b. p.44.

228
limites, Augusto César de Vasconcelos, como representante mineiro para
acompanhar os trabalhos de mapeamento e definição da linha de limites. De volta
ao trabalho, a primeira tarefa de Vasconcellos foi recuperar o acervo da extinta
comissão de limites e o respectivo registro de todo trabalho então realizado,

[...] serviço este que depois da extinta comissão esteve por mais de quatro
anos sem aproveitamento, e não estaria longe o tempo de ficar
completamente perdido se a resolução do governo de Minas não o viesse
arrancar da ação destruidora do tempo e do esquecimento a que quase
sempre ficam entregues os trabalhos desta natureza, uma vez
interrompidos.162

Como nos procedimentos anteriores, foram organizadas instruções para


reger o trabalho, que agora se limitavam a estabelecer os critérios de
representação gráfica da linha de limites nas zonas onde permanecia o litígio,
sem pretensões de criar ou tirar direitos territoriais. Vasconcellos trabalhou no
terreno com a comissão paulista na verificação da rede de triangulação e na
ligação dos trabalhos das extintas comissão de limites e comissão geográfica.
Porém, seu trabalho de campo agora incorporava também a pesquisa com as
autoridades locais, pois as instruções preconizavam o respeito pelos possíveis
acordos entre as municipalidades limítrofes e a situação fundiária das
propriedades rurais.163 Em relatório relativo às atividades do ano de 1904,
Vasconcelos descreveu procedimentos de campo que nunca haviam constado nos
relatórios das comissões anteriores:

Para levar a efeito a discriminação das propriedades rurais, tenho viajado


pela fronteira em companhia do engenheiro da comissão paulista, sr, Gentil
Assis Moura. Visitando juntos as propriedades e os cartórios torna-se assim
mais rápido o serviço, porque obtemos em comum as informações
necessárias [...] Assim, de propriedade em propriedade, examinamos juntos
os títulos que nos podem ser apresentados, e tomamos nota daqueles que

162 MINAS GERAIS. Diretoria Geral de Agricultura, Viação e Indústria. Relatório apresentado ao
Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, secretário das Finanças pelo engenheiro Artur
da Costa Guimarães, diretor geral da Agricultura, Viação e Indústria, em 1904. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1904. Relatório anexo de Augusto de Vasconcelos. p.225.
163 As instruções preconizavam a manutenção do status quo existente em 1889, entendido como

[...] a simples constatação daquilo que é, na localidade, tido como limite entre os dois estados.
INSTRUÇÕES de Luiz Ferraz. APM. Fundo SI. Série Limites. Subsérie São Paulo e Minas
Gerais. Caixa 2. Doc. 45. (grifo nosso)

229
precisam ser procurados em cartório.164

Percorrer fazendas e cartórios, ouvir autoridades e habitantes locais,


recolher documentos e examinar em conjunto com os paulistas os dados
disponíveis eram de fato procedimentos diferentes das antigas práticas do
membros das comissões mineiras. O resultado foi a constatação da diversidade
das situações históricas que conformavam cada propriedade sob a caprichosa
linha divisória e de que a instância de sua solução era a negociação política entre
os estados. Apesar disso, os trabalhos prosseguiram e, em princípios de 1904, sete
folhas que compreendiam grande parte da zona fronteira estavam quase todas
concluídas. Vasconcellos anexou ao seu relatório um mapa geral com a
discriminação da linha limítrofe, cheia quando mostrava a divisa já consagrada,
pontuada nas zonas passíveis de acordo.

Tais iniciativas não eram, entretanto, sustentadas por um projeto técnico-


científico mais amplo, como fora o caso das comissões geográfica e geológica e
mesmo a comissão de limites. Surgiam ao sabor das conveniências políticas e do
senso de urgência que cada conflito de fronteira suscitava. Assim, em pleno
trabalho junto à fronteira paulista, Vasconcelos interrompeu essa frente para
responder a uma nova convocação do governo mineiro, dessa vez para tratar de
serviço urgente na fronteira com o estado do Rio165, que apresentava um grau de
incerteza maior. Dando prosseguimento a um acordo político entre os dois
estados, em 1905 Vasconcelos passou a examinar, em conjunto com um
engenheiro nomeado pelo governo do Rio de Janeiro, uma proposta de linha
divisória naquela região, cuja origem era um decreto de 1843. Procedimento
semelhante foi adotado em acordo com o estado do Espírito Santo, no qual o
exame topográfico, sempre local e pontual, passou a ser um entre outros
elementos nos debates e negociações em curso.166

164 MINAS GERAIS. Diretoria Geral de Agricultura, Viação e Indústria. Relatório anexo de
Augusto de Vasconcelos.In: ___. Relatório referente ao ano de 1904 apresentado ao Exmo. Sr. Dr.
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, secretário das Finanças pelo engenheiro Artur da Costa
Guimarães, diretor geral da Agricultura, Viação e Obras Públicas. Belo Horizonte: Imprensa
Oficial, 1905c. p.263.
165 MINAS GERAIS, 1905c, p.264.
166 O representante mineiro nessa negociação era o diretor do Arquivo Público Mineiro, Antônio

Augusto de Lima.

230
Os mapas produzidos nessas missões eram peças gráficas anexadas aos
relatórios, desenhados em escala suficiente para representar o regime de
propriedade da terra ao longo da linha divisória e demais elementos necessários
às negociações. Os relatórios, correspondências e acordos entre os estados
produzidos nesse período eram antes de tudo armas retóricas que articulavam as
informações colhidas e as descrições produzidas in sito com a hermenêutica dos
textos e mapas antigos.167 Em correspondências trocadas entre os governadores
de Goiás e de Minas entre os anos de 1902 e 1906 sobre uma região limítrofe
entre os dois estados, todo um aparato de erudição e interpretação de textos e
especialmente mapas foi acionado para fundamentar os argumentos opostos. Os
governadores, certamente bem assessorados, exibiam, em cartas e telegramas,
um conhecimento enciclopédico sobre tudo o que já fora escrito, representado e
legislado sobre a região, travando um duelo que opunha pesquisadores e
cartógrafos como Cunha Matos, Cândido Mendes, Henrique Gerber, Saint-
Hilaire, Saint-Adolphe, o próprio Barão do Rio Branco.

Enquanto o engenheiro Vasconcelos esteve ocupado com a proposta de


fixação de uma linha divisória entre Minas e o Rio de Janeiro, a frente paulista
sofreu significativas mudanças. Com a ausência de Vasconcelos, os trabalhos de
campo na fronteira Minas-São Paulo foram suspensos, e a comissão partiu para o
mapeamento de outras regiões. Em relatório de 1906, o engenheiro informou que
sua ausência coincidiu com a substituição da direção da equipe, com a saída de
Orville Derby e de parte significativa da equipe de topografia. A partir de então, a
maior parte da equipe paulista foi direcionada para o trabalho no extremo oeste
do estado, as chamadas turmas do sertão. O trabalho na fronteira de Minas ficou
restrito a um só engenheiro, e outras dificuldades surgiram com a inexperiência
dos novos contratados. A solução encontrada para garantir a conclusão do mapa
foi a alteração das instruções que regiam o trabalho, no sentido de reduzir do

167Entre esses, cumpre observar a permanência da autoridade técnica do mapa de Henrique


Gerber, louvado e contestado segundo a posição do exegeta beligerante, mas sempre invocado. É o
caso do governador José Xavier de Almeida, ao contestar a divisa entre Minas e o seu estado,
Goiás, definida pelo cartógrafo como sendo o rio São Marcos, e descrita como a fantasia de Gerber.
CORRESPONDÊNCIA trocada entre os governos de Minas e Goiás. In: MINAS GERAIS.
Presidente (Francisco Antônio de Sales 1902-1906). Mensagem dirigida pelo presidente do Estado
de Minas Gerais Dr. Francisco Antônio de Sales ao Congresso Mineiro em sua 4a. sessão ordinária
da 4a. legislatura no ano de 1906. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1906. p.43.

231
espaço a ser mapeado ao mínimo necessário para se representar a linha oscilante
de limites.168

As dificuldades para estabelecimento da linha limítrofe eram ainda


maiores na escala da definição do regime das propriedades distribuídas ao longo
da faixa. Vasconcelos queixava-se em 1906 da lentidão das respostas das
autoridades locais no fornecimento dos documentos e informações, mas pregava o
prosseguimento do trabalho como um dever patriótico, embora sua fala deixasse
entrever ao final a motivação maior que movia os governos:

A despeito de todas as dificuldades com que tenhamos de enfrentar para


estabelecer a linha de status quo, não devemos esmorecer porque o
estabelecimento dessa linha torna-se de absoluta necessidade e só assim
cessarão de uma vez para sempre os conflitos de jurisdição, os
contrabandos e as discórdias de que é teatro a zona limítrofe e os
recalcitrantes dos impostos não aliciarão mais prosélitos.169 (grifo nosso)

As dificuldades na reunião dos documentos comprobatórios foi tão grande


que os dois governos concordaram em reformar as instruções, retirando a
cláusula que exigia os documentos relativos aos impostos. No ano de 1907 os
trabalhos na fronteira com São Paulo foram acelerados, pois as chamadas turmas
do sertão da CGG paulista transferiram-se inteiramente para a zona limítrofe.
Sob esse novo impulso, os trabalhos de triangulação estenderam-se pelo terreno,
uma nova base geodésica foi medida, em Vargem Grande, e novas folhas
topográficas foram aprontadas nos gabinetes paulistas. Esse momento favorável,
que retomava o ritmo e os procedimentos desde sempre preconizados pelas
comissões geográficas, foi, entretanto, subitamente interrompido com a morte
prematura do engenheiro Vasconcellos, em 1908. No mesmo ano foi nomeado
para substituí-lo o antigo chefe da CGG mineira, Álvaro da Silveira, que assim

168 Vasconcelos decidiu produzir dois mapas da região da região em escalas menores, destinados a
cobrir toda a zona limítrofe e servir de base para o planejamento em campo. O engenheiro
constatou em campo as dificuldades de prosseguir com a triangulação iniciada pelos topógrafos
paulistas, que não tinham o hábito de assinalar os vértices dos triângulos nem de nomeá-los.
Decorridos doze anos da implantação do marcos extremos da base da Roseira, Vasconcelos
conseguiu identificá-los no terreno e reiniciar a triangulação a partir deles.
169 MINAS GERAIS, Diretoria Geral de Agricultura, Viação e Indústria. Relatório de Augusto de

Vasconcelos. In: ____. Relatório referente ao ano de 1906 apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Manoel
Thomas de Carvalho Brito, secretário das Finanças pelo engenheiro Artur da Costa Guimarães,
diretor geral da Agricultura, Viação e Obras Públicas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1907a.
Anexo. p.362.

232
retomava suas funções como cartógrafo oficial do governo de Minas, exercendo
sua autoridade técnica no terreno acidentado dos litígios de limites. De imediato
criticou fortemente o acordo vigente e propôs mudanças nas instruções e a
celebração de um novo acordo entre os estados. Mais uma vez seriam
abandonados nos campos os marcos da triangulação e com eles o trabalho de
mapeamento sistemático da região fronteira.

Álvaro da Silveira foi um dos poucos membros das extintas comissões a


permanecer nos quadros da administração pública mineira. Era um profissional
de muitas aptidões e de vocação para o serviço público. Desde a extinção da CGG
em 1898, vinha assumindo, no âmbito da Diretoria de Agricultura e mesmo fora
dela170, diferentes responsabilidades. Em 1901 era engenheiro fiscal das colônias
em Minas, dedicando-se às análises e orientações técnicas sobre as plantações de
videiras e outros produtos agrícolas.171 Foi também editor e assíduo colaborador
da Revista Agrícola, Industrial e Comercial Mineira, entre 1904 e 1905. Em 1907
assumiu a chefia da Seção Técnica de Agricultura, que compreendia trabalhos
topográficos para estabelecimento de colônias agrícolas, perfuração de poços,
estatística agrícola e meteorologia, entre outros serviços.172 As experiências
acumuladas por Silveira em sua trajetória no serviço público apontavam para o
fortalecimento de seu perfil como um engenheiro voltado para as questões
agrícolas, com um trânsito seguro entre a botânica aplicada à agricultura e os
saberes técnicos da produção agrícola e pecuária. Suas atividades nesse período
adequavam-se às prioridades que se delineavam nas políticas públicas do governo

170 A exemplo, ocupou, por um período entre 1902 e 1907, o cargo de diretor da Imprensa Oficial
do estado. Nesse posto, entre maio e agosto de 1906, Silveira acompanhou a comitiva do recém-
eleito presidente da República, Afonso Pena, em uma viagem cujo objetivo era conhecer o país que
iria governar. Silveira escreveu um diário dessa grande viagem, que percorreu toda a costa do
nordeste, a Amazônia e depois se dirigiu para o sul do país, chegando a Porto Alegre.
SILVEIRA, Álvaro A. da. Viagem pelo Brasil; notas e impressões colhidas na viagem do Sr. Dr.
Afonso Pena. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1906.
171 MINAS GERAIS. Secretaria do Interior. Relatório de Álvaro da Silveira. In: ___. Relatório

apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas pelo secretário de estado dos Negócios do
Interior Dr. Wenceslau Brás Pereira Gomes em o ano de 1901. [Belo Horizonte: Imprensa Oficial],
1902a. Anexo.
172 Silveira criou em 1907 um serviço de informações destinado a orientar os agricultores quanto

ao uso de máquinas, aos remédios contra pragas agrícolas, ao emprego de adubos e à classificação
botânica de plantas para fins industriais, entre outros. MINAS GERAIS. Diretoria de
Agricultura, Comércio, Terras e Colonização. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Manoel
Thomaz de Carvalho Brito, secretário interino das Finanças pelo engenheiro Carlos Prates,
referente ao ano de 1907. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1908ª. p.72).

233
mineiro, restringindo temporariamente suas ambições científicas, exibidas
quando da condução da CGG mineira, especialmente como botânico, à esfera das
iniciativas privadas ou paralelas.
No âmbito da atuação na sociedade civil, Silveira foi um dos fundadores,
em 1909, da Sociedade Mineira de Agricultura, entidade que reunia e
representava os interesses do ruralismo, em sua versão regional.173 Dirigiu a
entidade entre 1910 e 1911 e foi seu consultor técnico até 1916. Como mostrou
Faria, a SMA entrelaçava e dissolvia diferenças entre as elites políticas, técnicas
e econômicas, pois a entidade agregava entre seus diretores

[...] grupo considerável de políticos-empresários que transitava com


desenvoltura entre as esferas dos setores público e privado. Foi esta
intelligentsia que mediatizou as relações entre o mundo da produção e o
Estado, colaborando decisivamente com este na elaboração do projeto de
desenvolvimento. [...] Nota-se a crescente participação de engenheiros no
interior da ‘elite política’ e da direção da SMA. Entre os quinze diretores
com escolaridade superior, cinco deles eram engenheiros, quatro dos quais
formados pela Escola de Minas de Ouro Preto. 174

A Sociedade Mineira de Agricultura foi uma das forças responsáveis pela


recriação da Secretaria de Agricultura em 1910, cujas prioridades passaram a ser
a assistência ao produtor rural e o ensino agrícola. As iniciativas cartográficas da
administração pública nesse período restringiam-se aos trabalhos topográficos de
grande escala relativos à medição de terras devolutas e ao estabelecimento de
colônias agrícolas. Especificamente na Diretoria de Viação e Obras Públicas, os
serviços demandavam uma rotineira atualização de um mapa geral do estado,
atividade que era desenvolvida nos mesmos moldes da cartografia de gabinete do
período imperial: mapas gerais anteriores eram usados como um canevas, sobre o
qual eram continuamente ajustados e completados dados, em especial aqueles
relativos à viação, seja estradas de rodagem ou de ferro.

Uma dessas bases era o grande mapa geral de Chrockatt de Sá, publicado
em 1893. O bacharel e deputado Nelson de Sena, em estudo de 1909, citou outros
dois mapas gerais produzidos na Secretaria de Agricultura no período: um de

173 Segundo Faria, essa nuança regional, no caso de Minas, seria a inexistência de antagonismo
com os setores agro-exportador e industrial. FARIA, 1992.
174 FARIA, 1992, p.135.

234
autoria de Wilhelm Brosenius, datado de 1895, e outro deixado inacabado pelo
engenheiro Josaphat Belo, falecido em 1906. Crítico em relação aos mapas de
Chrockatt de Sá e Brosenius, em sua opinião inferiores ao sempre elogiado mapa
de Gerber, Sena sugeria o aproveitamento do esboço de Belo:

Oxalá! que o governo mineiro o aproveite e amplie, organizando de vez a


necessária Carta Geral de Minas, tão perfeita quanto possível. [...] A
verdade é que na atualidade, já sobram os materiais, os dados e as fontes
de consulta para a carta física e política de Minas.175

Apesar de constar entre os fins da Secretaria de Agricultura, estabelecidos


no artigo primeiro do novo regulamento, o levantamento da carta geográfica e
geológica do estado, essa atribuição não apareceu nos demais artigos, não
competindo portanto a nenhuma de suas diretorias. A fabricação de um mapa do
estado foi definida com uma competência da seção técnica da Diretoria de Viação,
nos seguintes termos:

[...] desenhar o mapa do Estado com suas vias férreas e estradas de


rodagem, assinalando no mesmo as quedas d’ água e respectivas potências,
servindo-se, para isso, dos dados existentes e dos que deverão ser colhidos e
fornecidos pelos engenheiros e condutores.176

O mero exame dos termos do artigo revelam o caráter simplificado, mesmo


rudimentar, do mapa planejado: um desenho, onde constassem assinalados
alguns poucos elementos estratégicos como estradas e quedas d’ água, cujo
levantamento retomava os velhos métodos de compilação de dados em gabinete. A
cartografia oficial de estado voltava aos procedimentos burocráticos utilizados
desde o Império.177

No governo de Júlio Bueno Brandão (1911-1914), as pendentes questões de

175 SENA, Nelson de. Contribuições para um futuro mapa do Estado de Minas Gerais. Revista do

Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, ano 16, p.307-329, 1911b. p.311.
Nenhum dos dois mapas foi encontrado nos arquivos consultados.
176 Decreto n. 3160, de 17 de abril de 1911. Capítulo XIII, artigo 84.
177 Nesse mesmo ano de 1910, a Diretoria de Viação publicou um mapa geral do estado, na escala

de 1:1.000.000. Realizado pelo engenheiro Benedito José dos Santos, foi presumivelmente baseado
no esboço deixado por Josaphat Belo.
MAPA do Estado de Minas Gerais organizado por ordem da Dir. da Viação, O. Públicas e
Indústria, pelo eng. Benedito José dos Santos, sendo presidente do estado o Exmo. Sr. Wenceslau
Brás Pereira Gomes e secretário das Finanças Dr. Juscelino Barbosa. Rio de Janeiro: [s.n.], 1910.
Escala 1:1.000.000.

235
limites, que não tinham sido priorizadas nos governos anteriores de João
Pinheiro e Wenceslau Brás, foram retomadas e passaram a ser objeto exclusivo
da Secretaria do Interior. Com maior apoio parlamentar178 e reforço
orçamentário, foram conduzidas pelo advogado Francisco Mendes Pimentel,
fossem negociações políticas e judiciárias, como no caso do Espírito Santo179,
fossem acordos diretos para condução de trabalhos técnicos, como no caso de São
Paulo. Em ambos os casos os levantamentos cartográficos eram realizados por
comissões mistas entre os estados.180 Curiosamente, enquanto o acordo arbitral
com o Espírito Santo fundava-se no trabalho de campo, enviando os cartógrafos
comissários para a zona contestada, a partir de um roteiro prévio da linha
divisória e dos elementos a serem representados nos mapas, o acordo pacífico com
São Paulo preconizava a pesquisa histórico-documental e a consulta às folhas
topográficas já produzidas pelas comissões mineira e paulista, restando a
verificação sobre o terreno apenas como medida eventual.

178 Em agosto de 1909, o deputado estadual Aristóteles Dutra, representante do município


limítrofe de Manhuaçú, pronunciou um discurso parlamentar cobrando do estado uma solução
para a questão de limites com o estado do Espírito Santo. Segundo seu argumento, a origem de
todos os litígios era o desconhecimento do território em disputa, expresso na imprecisão e nos
erros dos mapas existentes. Na visão engajada do deputado, bastaria a produção de um mapa da
região para fazer emergir o direito de Minas aos territórios em litígio: O que se deve fazer
urgentemente é um levantamento topográfico de toda essa vasta extensão territorial afim de que
se fique conhecendo o relevo do solo, os cursos d’ água, sua riqueza, enfim, sua geografia. É um
trabalho barato, preciso, indispensável. Do cotejo dos documentos com a carta geral da zona ver-
se-á que o direito de Minas é incontestável. Mas sem um mapa especial desta zona, o problema
tão claro para quem a conhece por tê-la percorrido, torna-se de difícil exposição, dando mesmo
causa a soluções desfavoráveis. CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados:
sessões extraordinária e ordinária no ano de 1909. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1910. p.255-
6.
179 Em 1911, Silveira foi nomeado para compor a comissão mista que deveria proceder ao

levantamento topográfico do terreno contestado entre os estados de Minas e Espírito Santo, que
passaram para a instância da arbitragem judicial. O Arquivo Público Mineiro guarda dois mapas
produzidos por essa comissão, composta por Álvaro da Silveira e Ceciliano Abel de Almeida.
180 O novo acordo com o estado de São Paulo, também refeito por sugestão de Silveira, foi assinado

em maio de 1912. Deu-se início então a um amplo e sistemático levantamento das informações
existentes sobre a situação das propriedades na fronteira Minas-São Paulo em 15 de novembro de
1889.

236
Figura 15: Mapa da Viação Férrea do Estado de Minas Gerais (1916). A produção e
contínua atualização desses documentos cartográficos era atividade rotineira do corpo de
engenheiros da Diretoria de Viação. Como não eram considerados instrumentos de um
efetivo planejamento viário mas espelhos de um processo em curso, rapidamente
tornavam-se obsoletos. Apenas aqueles eventualmente publicados não desapareceram dos
arquivos.
Fonte: O VALE..., 2002.

As questões haviam de se decidir na calma dos gabinetes181, diria em 1916


o novo delegado do governo de Minas no serviço de coleta de documentos, Daniel
de Carvalho. No entanto, apesar das reiteradas manifestações de interesse na
ratificação dos limites e definitivo traçado dos confins de sua extremação
territorial182, as divergências entre paulistas e mineiros continuariam. Mesmo a
assinatura de um novo acordo em 1919, que delegava amplos poderes à comissão
para resolver as questões e definir uma linha natural, marcada por acidentes

181 OFÍCIO de Daniel de Carvalho para o Secretário da Agricultura, Raul Soares de Moura. APM.
Fundo SI. Série Limites. Subsérie Limites Minas e São Paulo. Cx. 07. Doc.219.
182 FRONTEIRAS Interestaduais. O convênio entre Minas Gerais - São Paulo e sua interpretação

pelo Dr. Daniel de Carvalho, auxiliar do advogado de Minas. 1916. APM. Fundo SI. Série Limites.
Subsérie Limites Minas e São Paulo. Cx. 07. Doc.227.

237
geográficos destacados na paisagem, não logrou superar a desinteligência entre
os estados. Na zona contestada com o Espírito Santo, apesar da sentença
favorável a Minas Gerais dada pelo tribunal em 1914, o governo do estado vizinho
não acatou a decisão, e o litígio permaneceu, com uma paz sustentada pela
ocupação militar do governo mineiro. Disputas e pendências mais ou menos
graves se arrastariam sem solução definitiva também com os estados do Rio de
Janeiro, Goiás e Bahia.
Mas em termos da produção de uma cartografia oficial, a questão de
limites se esgotava na representação de territórios cada vez menores em razão do
próprio aprofundamento e localização dos conflitos. Nesses anos de plena vigência
da política dos governadores, a administração do estado reduziu as atividades
cartográficas à produção residual dos mapeamentos localizados nos pontos de
litígio das fronteiras e à cartografia burocrática dos planos viários. A estabilidade
e acomodação política do pacto oligárquico parece ter refreado as forças
dinamizadoras e modernizadoras na gestão territorial e dos recursos naturais do
estado, as quais impulsionavam as políticas cartográficas. Poucas iniciativas
podem ser registradas fora desse quadro.

A iniciativa mais significativa do ponto de vista da produção de uma


cartografia de bases científicas deveu-se à atuação do governo federal, que, desde
1907, com criação do Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro, vinha
realizando diversos mapeamentos em Minas Gerais. O Serviço Geológico foi
criado no Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas a partir de um
anteprojeto encomendado a Orville Derby, recém-saído da Comissão Geográfica e
Geológica de São Paulo. O novo serviço, organizado nos moldes dos geological
surveys americanos, tinha como uma de suas atribuições a produção de mapas,
plantas, diagramas e fotografias ilustrativos e reveladores dos seus trabalhos e
pesquisas. Era, portanto, sucedâneo das diversas comissões geológicas que já
analisamos. Como mostra a análise de Figueirôa,

Trinta e um anos após a criação da Comissão Geológica do Império e vinte


e um após a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, a mesma
ênfase na aplicação e na utilidade prática dos trabalhos se mantinha, e os
pontos a serem atacados pelo novo Serviço permaneciam em linhas gerais
os mesmos: levantamento de recursos minerais, problemas da agricultura
238
(as secas) e vias de comunicação.183.

Criado em um momento de forte hegemonia do cafeicultura na pauta


econômica do país, o serviço nasceu embasado em argumentos técnicos e políticos
que o justificavam: a necessidade da propaganda dos recursos minerais do país
para atrair investimentos estrangeiros, a ênfase na aplicabilidade dos
conhecimentos a serem produzidos e a abertura de um mercado de trabalho para
os profissionais brasileiros; uma resposta, segundo Figueirôa, às críticas e
pressões dos engenheiros nacionais. Na verdade, os quadros técnicos do novo
serviço seriam preenchidos quase integralmente pelas primeiras gerações dos
engenheiros de minas oriundos da Escola de Minas de Ouro Preto184, e os estudos
realizados no estado, ainda no ano de 1907, inequivocamente buscavam dar
continuidade aos pioneiros trabalhos de Gorceix e seus alunos no desvelamento
das potencialidades científicas e econômicas da região [..] na serra do Espinhaço,
entre Lafaiete e Sabará, considerada inquestionavelmente como a mais extensa e
quiçá a mais rica de todo o território da República.185

De imediato, a constatação da inexistência de mapas topográficos da região


direcionou os trabalhos do SGMB na região mineira para o mapeamento
sistemático de uma área de 2000 quilômetros, por onde os técnicos estenderam
uma rede de triangulação que unia [...] o território explorado pela extinta
Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais e o que figura na carta da
Comissão Construtora da Nova Capital.186 Curiosa ligação entre dois
mapeamentos que em sua época de produção correram paralelos e não se
propuseram a unificar esforços. O primeiro relatório oficial do Serviço Geológico,
cujas palavras eram presumivelmente de autoria de Orville Derby, concluía com
a demanda às autoridades estaduais pela retomada do mapeamento topográfico
no estado.

183 FIGUEIRÔA, 1997, p.219.


184 Como Francisco de Paula Oliveira, Luis Felipe Gonzaga de Campos, Miguel Arrojado Lisboa,
Benedito José dos Santos, Eusébio Paulo de Oliveira e Cícero de Campos.
185 BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Relatório apresentado ao

presidente dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de estado da Indústria, Viação e Obras
Públicas Miguel Calmon du Pin e Almeida no ano de 1908. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1908. v.1. p.151.
186 BRASIL, 1908, p.151.

239
Paralelo ao mapeamento topográfico e geológico, foram iniciados em 1908
os estudos geológicos de campo, que tinham como principal objetivo a avaliação
do potencial das reservas de ferro e manganês de Minas Gerais. O SGMB
perseguia seu objetivo de produzir um saber aplicado e, nesse caso específico, de
avaliar o potencial das reservas minerais que fomentassem a indústria
siderúrgica nacional. As pesquisas foram conduzidas pelo primeiro engenheiro
Luis Felipe Gonzaga de Campos187 e, segundo especialistas, configuraram um
conjunto de informações muito bem estruturado e fundamentado tecnicamente.
Em 1909, outro discípulo de Gorceix e Derby, o engenheiro e geólogo Francisco de
Paula Oliveira188, iniciou o mapeamento topográfico e geológico de outra região de
potencial minerário do estado, a zona diamantina das cidades de Diamantina e
Grão Mogol. Os resultados das pesquisas de Gonzaga de Campos e do próprio
Derby apontavam para o grande potencial das jazidas ferríferas mineiras e foram
divulgados por Derby no Congresso Internacional de Geologia de Estocolmo, em
1910. No relatório então apresentado, as jazidas foram nominalmente citadas,
potencialmente avaliadas e cuidadosamente localizadas no mapa de Minas de
Gerais.189. Essa propaganda levou ao crescente interesse de grupos estrangeiros
pelas terras minerais do estado e à compra de importantes propriedades que
mantiveram, entretanto, sem exploração, como reservas. Segundo análise de
Figueirôa (1997), um grande debate sobre a siderurgia foi iniciado a partir desse
processo, mas interessa-nos reter aqui particularmente a constatação da
consolidação de um saber técnico-científico de forte impacto econômico, e o
amadurecimento institucional e profissional de uma geração de engenheiros-
geólogos que, desde Gorceix, vinha construindo um discurso técnico competente e
a serviço do estado.190

187 Ex-aluno da Escola de Minas, Gonzaga de Campos foi sempre um grande colaborador de
Derby. Foi engenheiro da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, na qual realizava
pesquisas geológicas. Sucedeu Derby na direção do SGMB, cargo que ocupou entre 1915 e 1922.
188 Francisco de Paula Oliveira foi aluno da Escola de Minas, formando-se na primeira turma em

1878. Engenheiro de minas e geólogo, participou da CGG paulista e da Comissão Construtora da


Nova Capital de Minas, entre outras participações em comissões do governo. Publicou muitos
artigos científicos e de divulgação em revistas técnicas e jornais. Terminou a sua carreira como
geólogo do SGMB.
189 A MINERAÇÃO no Brasil e a Companhia Vale do rio Doce. Rio de Janeiro: 1992. p.153
190 Apesar da crescente diferenciação entre os saberes e as respectivas profissões, ainda eram

pouco nítidas as fronteiras disciplinares entre a geologia, a geografia ou a engenharia,

240
Nos anos seguintes, o Serviço Geológico passou a sofrer gradativos cortes
orçamentários, em função de crise gerada com a deflagração da grande guerra,
mas Derby e seus auxiliares prosseguiram com os estudos em diferentes partes
do país. Em Minas, outro antigo colaborador de Derby, o geólogo Horace
Williams, abriu uma nova frente de mapeamento na serra da Canastra, ligando-a
ao trecho cartografado por Gonzaga de Campos na serra do Espinhaço. Reunindo
ainda outros mapeamentos realizados por pesquisadores e empresas estrangeiras
na região, Derby anunciava a fabricação de

um mapa bastante detalhado de uma área de cerca de 1250 quilômetros


quadrados, na qual se acha incluída grande parte das jazidas de minério de
ferro, manganês e ouro que, sob o ponto de vista da riqueza mineral,
tornam aquele distrito o mais importante do Brasil.191

Em seguida, Derby lançava dúvidas sobre o futuro do trabalho, já ciente


das dificuldades financeiras que se avizinhavam com a primeira grande guerra:

É muito para se desejar que se possa completar esse trabalho com o


dilatamento da área levantada e a inclusão nela de outras partes do mesmo
distrito que, por falta de tempo e de pessoal, carecem ainda de ser
estudadas com a mesma minudência.192

Segundo tais relatos, é interessante observar que, embora o grande plano


do mapeamento sistemático iniciado pela CGG mineira tenha sido abortado, de
uma forma fragmentada e pontual persistia o modelo de mapeamento e de
pesquisa inaugurado com as comissões, modelo cuja linhagem remetia às
iniciativas pioneiras dos anos 1870 e à geração de engenheiros, naturalistas e
geólogos como Hartt e Gorceix. Esta linha tortuosa e pontilhada que unia
diversas iniciativas diferentes tinha como seu elo de ligação a figura e a obra de

especialmente quando as investigações ocorriam em áreas desprovidas de estudos e mapeamentos


anteriores e com pequenas equipes encarregadas de todo o levantamento. Como tudo estava por se
fazer, esses pioneiros, como os engenheiros-geólogos do SGMB praticavam as amáveis invasões de
que falou Pereira em seu ensaio sobre a geografia brasileira.
PEREIRA, José Veríssimo da Costa. A geografia no Brasil. In: AZEVEDO, Fernando de. As
ciências do Brasil. [Rio de Janeiro]: Melhoramentos, [195-]. p.368.
191 BRASIL. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Relatório apresentado ao presidente

dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. Manoel Edwiges de Queirós Vieira, ministro de estado da
Agricultura, Indústria e Comércio, no ano de 1913. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio, 1913. v.1. p.139.
192 BRASIL, 1913, p.139.

241
Orville Derby, sempre a buscar o frágil equilíbrio entre a sua inequívoca vocação
para a pesquisa científica e o comando de instituições, programas e operações
técnicas voltadas para a produção de um conhecimento prático e aplicado. Em sua
trajetória tal equilíbrio sempre tendia a dissolver-se com a crônica falta de
recursos das instituições públicas, agravadas pelos momentos de crise, como essa
que se anunciava em 1913. Os cortes orçamentários e a pressão do Ministério da
Agricultura por mais resultados práticos culminaram com a promulgação de um
novo regulamento em 1915 no qual era explicitamente determinado

[...] evitar que a investigação se norteie por alvos exclusivamente


científicos, tendo-se em vista que [...] o lado econômico, utilitário, deve
preponderar em todos os esforços [...]193

Mais uma vez o conflito entre um saber aplicado e uma ciência pura
marcava a ruptura de um trabalho comandado por Derby, que, dessa vez, pareceu
não encontrar outra saída senão o suicídio.194 Com sua morte, o SGMB
aprofundou sua vocação para os estudos de aproveitamento econômico dos
minerais e de fontes de energia como o petróleo, o carvão e as quedas d’água.
Interromperam-se os trabalhos de mapeamento sistemático e aqueles já
realizados não foram publicados. Em Minas, as pesquisas mais localizadas para
aproveitamento dos recursos energéticos prosseguiriam, especialmente quanto à
força hidráulica.
O regime de economia das despesas públicas, imposto pelos efeitos
econômicos nocivos da primeira grande guerra impôs, no âmbito do governo
estadual, uma outra reforma da Secretaria de Agricultura, efetuada em 1915.

193FIGUEIRÔA, 1997, p.226.


194A morte de Derby interrompeu não só seu trabalho como geólogo mas também sua crescente
produção em um campo em que foi pioneiro: a história da cartografia brasileira. Nas palavras de
um dos seus biógrafos: A par de suas habilidades também de geólogo, Derby conciliava as de hábil
cartógrafo, matéria em que se tornou autor de trabalhos incontestavelmente valiosos com idéias
tão inovadoras que, por vezes, teriam que esperar algumas décadas para serem plenamente
executadas, como a da “Campanha de Coordenadas” e a criação do Arquivo Corográfico. Mas o
assunto tanto o entusiasmava que Derby resolveu apresentar no 1o. Congresso de História
Nacional, promovido pelo IHGB em 1914, a memória “Estudos Cartográficos da Primeira Fase dos
Descobrimentos da América” [...] Hoje a memória tem conhecimento do quanto Derby se dedicou
ao exame dos primeiros documentos cartográficos relacionados ao Brasil. No seu tempo não
existiam, em português, ensaios que pudessem comparar-se aos seus que se tornaram fontes de
referência e consulta fundamentais para os que, ulteriormente, abordassem o tema. TOSATTO, P.
Luigi. Orville Derby, o pai da geologia do Brasil. Rio de Janeiro: CPRM/DNPM, 2001. p.43-44.

242
Como em 1910, manteve-se entre os fins da secretaria a produção da carta
geográfica e geológica do estado, mas na exposição de motivos do secretário, Raul
Soares, ficava claro que todo o esforço de mudança era destinado à diminuição de
custos e à priorização de alguns poucos serviços, como o ensino agrícola. Nesse
contexto de corte de gastos, Raul Soares foi capaz, entretanto, de redistribuir os
serviços e, mantendo as antigas diretorias de Agricultura e de Viação, criar uma
nova Diretoria, de Comércio e Indústria, que seria o centro de ação do governo,
destinada ao incremento da pecuária. Nessa mesma diretoria foi formalmente
criada uma seção denominada Indústria, responsável pelo incremento da
indústria mineral, especialmente siderúrgica, estâncias hidrominerais e quedas
d´água. Raul Soares, ciente da impossibilidade financeira do governo de promover
quaisquer um desses serviços, justificava sua criação projetando para o futuro a
retomada da vocação minerária do estado:

Não é talvez para os nossos dias que as privilegiadas e ricas jazidas de


ferro do Estado serão elemento eficiente da nossa economia. Mas é nelas
que está o futuro, no conceito dos homens de ciência, que têm recenseado
as reservas de ferro do mundo.195

Como notou Faria196, embora predominasse em Minas o programa


ruralista, esse tinha nuanças que se ligavam à forte vocação minerária e
extrativa do estado. Se a primeira guerra fez crescer a necessidade de se retomar
as atividades da indústria extrativa, o crescente interesse dos grupos privados,
especialmente estrangeiros, nos depósitos ferríferos do estado também faziam
convergir para o centro das preocupações do governo o uso dos recursos naturais
para incrementar as bases de uma futura indústria siderúrgica.

Os serviços de mineração e das quedas d’ água no estado haviam sido


regulamentados em 1912, o que significou a montagem de uma estrutura legal
para a utilização de recursos naturais não diretamente ligados à agropecuária,
mas ao incremento da atividade industrial. A regulamentação da força
hidráulica, a chamada hulha branca, fora projeto do então deputado Raul Soares,

195 MOURA, Raul Soares. Exposição de motivos. In: MINAS GERAIS. Coleção de leis e decretos do

estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1915. p.69.


196 FARIA, 1992.

243
que, em discurso otimista e pontuado de imagens, apontou os traços de uma nova
paisagem que se insinuava no estado, onde

[...] todos sentimos que é chegado o momento do surto definitivo da nossa


atividade industrial e o problema da hulha branca, que é a base da
indústria moderna, bate às nossas portas [...] concessões e privilégios, do
mais considerável valor, estão se outorgando neste momento; contratos os
mais avultados vão se celebrando pelo nosso Estado; instalações
hidráulicas, que representam grandes capitais, vão se construindo nas
quedas dos nossos rios e cabos transmissores de energia elétrica vão se
distendendo por todos os pontos do território mineiro[...]197

Ao fazer o elogio da eletricidade e da indústria, Raul Soares punha em jogo


a posse e o aproveitamento dos recursos naturais, especialmente o regime dos rios
e das quedas d´água – a energia hidroelétrica – o solo e o subsolo – jazidas de
ferro e manganês – e as florestas – reservas de carvão vegetal. O regime de
propriedade e de uso desse bens naturais era nesse momento objeto de debate e
avaliação, e dois importantes instrumentos então utilizados eram os
mapeamentos e as estatísticas, também consideradas prioridades pelos governos
estadual e federal. O conhecimento sistemático desse potencial demandava a
retomada da cartografia de recursos, nos moldes ambiciosos da CGG ou na versão
mais temática e aplicada do Serviço Geológico.
Nesse período, as demandas pela implementação de um programa de
mapeamento no estado emergiram pela convergência das duas motivações
históricas que vinham amadurecendo paralelamente: o acirramento das questões
de limites e as crescentes exigências de (re)conhecimento dos recursos naturais do
estado. A necessidade da recriação da comissão geográfica passou a pontuar os
discursos de diferentes autoridades técnicas e políticas do estado. Uma dessas
vozes foi a do deputado Nelson de Sena, que da tribuna do Congresso Mineiro
defendeu em 1913 o restabelecimento da comissão geográfica e de limites:

[...] estou seguramente convencido de que nenhuma outra esfera de


conhecimentos pode sobrelevar neste momento o nosso dever primário de
defender os limites matemáticos com que, sabiamente, os antigos geógrafos
balisaram a nossa terra natal; estou cada vez mais convencido, Sr.

197Discurso do deputado Raul Soares de Moura sobre regulamentação da força hidráulica, em 24


de julho de 1911. CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1911a. p.126.

244
Presidente, de que nenhum problema é superior a esse de bem sabermos
qual é a área territorial de nosso estado, de bem sabermos até onde se
alinham as fronteiras da terra mineira [...]198

Esse discurso de Sena tinha como recurso maior de convencimento o apelo


ao patriotismo mineiro, tanto por considerar que os conflitos de fronteira eram
ameaças concretas à integridade do território como por entender como um
vexame patriótico o fato da comissão geográfica de São Paulo estudar os
territórios mineiros limítrofes com aquele estado. Mas argumentos de ordem mais
técnica também apareceram na fala de Sena, como a necessidade do mapeamento
para fins de conhecimento do volume e da situação geográfica das terras
devolutas do estado e a excelência do trabalho cartográfico anteriormente
realizado.

Advogado e intelectual engajado na pesquisa sobre história e a geografia


mineira, Nelson de Sena era mais um dos atores sociais a transitar com
desenvoltura entre o campo dos debates técnicos das academias e congressos
científicos e a arena das disputas políticas das atividades parlamentares. Sua
produção técnica e atuação política o autorizavam a diagnosticar a necessidade
da recriação da comissão geográfica como uma das principais medidas
administrativas a serem implementadas de forma permanente para o progresso
econômico e para a afirmação da identidade territorial e política do estado. Em
seus livros, relatórios e discursos parlamentares, Sena mostrou-se partidário das
políticas públicas que, em seu conjunto, fortaleciam a idéia de um estado
fomentador da economia, com forte embasamento em políticas territoriais como o
fortalecimento das fronteiras, o mapeamento e a defesa dos recursos naturais, o
povoamento e a formação de colônias agrícolas, a superação do isolamento físico
das regiões pelo incremento da viação, a implementação da estatística
populacional e econômica.199 Espírito pragmático, Sena reconhecia a importância

198 Discurso proferido pelo deputado Nelson de Sena em 19 de agosto de 1913. CONGRESSO
MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1913. p.260.
199 Da extensa obra de Sena, dedicada a temas como a toponímia, a geografia, a história e a

etnologia mineiras, cumpre destacar a série corográfica Anuários de Minas Gerais, publicados
entre 1909 e 1918 e especialmente a publicação do livro sobre o potencial hidráulico de Minas
Gerais, denominado A hulha branca, em 1911. Na segunda edição do mesmo livro, em 1914, Sena
ampliou e reviu o inventário de quedas d’água realizado anteriormente e chamou especial atenção
para o mapeamento topográfico que a CGG paulista vinha realizando na fronteira paulista-

245
da agropecuária para o estado, mas buscou demonstrar em diversos estudos a
importância da atividade minerária, da siderurgia e do potencial hidráulico como
vetores do futuro desenvolvimento do estado. Seu ideário afinava-se com o da
nova geração de políticos que, a partir da década de 1910, se aproximavam do
centro do poder em Minas, como Raul Soares200 e Artur Bernardes.

Em 1919, quando se realizou em Belo Horizonte o VI Congresso Brasileiro


de Geografia, [...] sendo um dos seus fins principais o encaminhar a solução das
questões de limites interestaduais201, Minas Gerais era um estado relativamente
coeso territorialmente, mas com pendências dispersas por todas as suas
fronteiras. O congresso fora convocado pelo Instituto Histórico e Geográfico de
Minas Gerais202 e patrocinado pelo governo estadual, dando ressonância ao
movimento patriótico promovido nacionalmente pela Liga de Defesa Nacional.203
Nesse evento, revestido de caráter oficial e patriótico, a busca de soluções para as
questões de limites deslocou-se da escala regional para a federal e do terreno
pedregoso e acidentado das disputas locais por impostos e terras para o campo
aberto das representações políticas e das negociações simbólicas. Como apontou

mineira delimitada pelo rio Grande. Tratava-se, nesse caso, de um levantamento que fundia
numa mesma operação cartográfica dois interesses estratégicos dos governos estaduais: a
delimitação do território e a avaliação do potencial hidráulico. Para um estudo mais aprofundado
da obra e do pensamento de Nelson de Sena, ver:
ARQUIVO Público da Cidade de Belo Horizonte. Inventário do arquivo pessoal Nelson Coelho de
Senna (1876-1952). Belo Horizonte: APCBH, 2000.
CARDOSO, Vera Alice. Nelson de Senna: idéias e ideais de um republicano conservador. In:
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estudos Históricos e Culturais. Memória política de
Minas Gerais: Nelson Coelho de Senna. Belo Horizonte. no prelo.
200 Quando secretário da Agricultura do governo Delfim Moreira, Raul Soares pleiteou a volta da

comissão geográfica, nos seguintes termos: Não possui o estado uma carta suficientemente exata
de seu território, o que é uma lacuna deplorável [...] as gerações futuras, quando se encontrarem
desarmadas destes elementos tão essenciais no ponto de vista científico, prático e industrial, para
o aproveitamento das nossas riquezas, não nos perdoarão esta indefinida interrupção. MINAS
GERAIS. Secretaria da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas. Relatório
apresentado ao Exmo. Sr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Dr. Raul Soares de Moura
no ano de 1915. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1915. p.30.
201 MINAS GERAIS. Presidente (Artur da Silva Bernardes 1919-1922). Mensagem dirigida pelo

presidente do estado, Dr. Artur da Silva Bernardes, ao Congresso Mineiro em sua primeira sessão
ordinária da 8ª. legislatura do ano de 1919. [Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1919a]. p.22.
202 O Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais foi fundado em 1907 pelo então presidente

do estado João Pinheiro.


203 A Liga de Defesa Nacional foi um movimento criado em 1916, em pleno cenário da primeira

grande guerra e da campanha nacional pelo serviço militar obrigatório. Sob a liderança de Olavo
Bilac, abrigava um ideário ligado à defesa da nação pelo fortalecimento da instrução pública e do
ensino cívico. Em Minas, a Liga reunia a elite política e econômica do estado, membros de
agremiações como a Sociedade Mineira de Agricultura e a Associação Comercial, e deu origem a
uma versão regional, a Junta de Defesa Econômica. FARIA, 1992.

246
Arruda para o caso da comissão geográfica e geológica de São Paulo, a
delimitação e a representação cartográfica dos territórios estaduais eram
necessidades estratégicas dos governos e das elites que extrapolavam as
demandas pelo controle interno e dos recorrentes ou eventuais pontos de conflito
para se tornarem armas simbólicas de afirmação frente aos outros estados,
estendendo-se na luta pelo poder nacional . 204

As palavras de saudação do presidente de Minas, Artur Bernardes


demonstram o empenho das autoridades em transformar o evento num momento
de fortalecimento da federação:

Trazendo o lema da unidade do Brasil, sobrepondo aos seus estudos


científicos a preocupação cívica de estreitar os laços federativos pela
solução dos litígios das fronteiras entre os estado da União, essa
Assembléia destacou-se das anteriores pelo generoso relevo nacionalista de
seus desígnios [...]. Se é certo que ela não conseguiu extinguir de vez as
irritantes contendas territoriais, tão nocivas à nossa civilização, à
fraternidade dos estados e à boa ordem administrativa, não há negar que
encaminhou aproximações e convênios felizes, criou para toda a nação
uma viva e saudável atmosfera de simpatia brasileira [...]205

Essa atmosfera de simpatia não foi, entretanto, capaz de fazer prosperar


concretamente as negociações em determinadas zonas limítrofes em forte
disputa. O próprio Bernardes relatou no mesmo documento a continuação dos
impasses em cada uma das frentes de litígio. Do congresso em Belo Horizonte as
questões de limites foram transferidas para a Conferência de Limites
Interestaduais, realizada no Rio de Janeiro no ano de 1920, sob a égide do
governo federal. Congresso e conferência pareciam anunciar um novo momento
no tratamento das questões territoriais, inserindo-as no movimento mais amplo
de construção das idéias de integridade e paz territorial como base da
nacionalidade, tendo como horizonte as comemorações oficiais do centenário da
independência que se aproximava.
A crônica falta de uma mapa geral, as pendências dos litígios de fronteiras,
as demandas pelo conhecimento sistematizado do potencial hidrelétrico e
geológico do estado: ao cabo de vinte anos da extinção das comissões geográficas e

204 ARRUDA, 2000, p.126.


205 MINAS GERAIS, 1919a, p.16.

247
de limites, velhos problemas e novas demandas da gestão territorial do estado
emergiram em um contexto favorável à sua retomada. Essa seria tarefa para as
novas lideranças, como Artur Bernardes e Raul Soares de Moura, que
ascenderam ao poder em um quadro de renovação das elites políticas mineiras,
mais identificadas com as mudanças sociais e econômicas em curso.

5.2 A segunda fase da Comissã o Geog ráfi ca e Geológica:


moderniza ção na revoluçã o branca

A terceira e última fase da Primeira República, na periodização de


Viscardi206, inaugurou-se no país com o fim da primeira guerra e foi marcada pelo
espírito de renovação. A busca de alternativas econômicas e os processos de
industrialização e urbanização conduziam a uma mudança do modelo econômico
da política dos governadores e faziam emergir novos atores sociais na cena
política. Ao longo da década de 1920, essas mudanças levariam a uma crise de
legitimidade do regime republicano e do pacto político de suas elites, até a sua
ruptura em 1930.

Em Minas Gerais, a eleição de Artur Bernardes para a presidência do


estado em 1918 é considerada pelos especialistas como um marco no processo de
renovação da política mineira, quando [...] ascende ao poder uma nova geração de
políticos que não tinham estado comprometidos diretamente com a implantação
do regime republicano.207 Bernardes promoveu uma renovação política do partido
oficial, o PRM, e uma concentração do poder de decisão no executivo, em ação
articulada com o seu aliado mais próximo e futuro sucessor no comando do
estado, Raul Soares, que qualificou o processo como uma revolução branca.

Esse seria o contexto no qual se forjariam as condições para a volta da


comissão geográfica e geológica de Minas Gerais. Como ocorrera na criação da
CGG, a construção dos argumentos técnicos e políticos que culminaram nessa
medida deu-se tanto no campo da práticas administrativas do novo governo
Bernardes como nos debates parlamentares.

206 VISCARDI, 2003, s/p.


207 VISCARDI, 2003, s/p.

248
No relatório anual do secretário da Agricultura Clodomiro de Oliveira208,
sobre as atividades da sua pasta no primeiro ano do governo Bernardes, o
engenheiro resumiu suas inúmeras atribuições, retiradas do plano de governo, à
determinação dos elementos para fomentar a produção agropecuária, tarefa que
poderia ser realizada desde que o estado possuísse uma carta geográfica,
geológica e agrológica.209 Para Oliveira, a solução perfeita e acabada era a volta
da comissão, mas os impeditivos orçamentários levaram o engenheiro a buscar
uma solução alternativa e implementar uma outra estratégia: a distribuição
geográfica dos engenheiros da secretaria, antes lotados na capital, pelas
circunscrições de obras espalhadas pelo território do estado, com a incumbência
de, em suas horas ociosas, promover o levantamento topográfico e, por serem
quase todos engenheiros de minas, a classificação geológica dos terrenos dos
municípios sob sua responsabilidade. Para Oliveira, o mapa geológico era
complemento natural do mapa geográfico, e essencial para a agricultura e a
exploração mineral. Os engenheiros fariam suas observações em campo, durante
suas viagens, recolhendo amostras e procedendo ainda à coleta de dados
estatísticos e corográficos sobre os diversos municípios.

A proposta de Oliveira tratava de reunir dois procedimentos de


mapeamentos e observação geográfica diferentes: o antigo método de compilação
assistemática de dados como resultado secundário de outras atividades dos
engenheiros, com o método de observação de campo generalista e totalizador, tal
qual era empregado na comissão geográfica. Ambicioso e otimista, Oliveira
acreditava poder construir através das circunscrições regionais uma carta
geográfica que servisse ainda de base para a construção de um plano geral de

208 Clodomiro Augusto de Oliveira era engenheiro de minas e civil formado pela Escola de Minas,
onde era professor, chegando a ser diretor nos anos de 1930 e 1931. Quando assumiu a pasta da
Agricultura, aliava sua experiência acadêmica com a iniciativa privada, pois fora gerente de uma
das primeiras siderúrgicas de Minas, a Usina Wigg. Escreveu uma memória sobre a metalurgia
do ferro em Minas Oliveira integrava o grupo de engenheiros, políticos e empresários
nacionalistas que, liderados por Artur Bernardes, se opuseram à empresa Itabira Iron e suas
pretensões monopolísticas na extração e exportação do minério de ferro.
A ESCOLA DE MINAS: 1876-1976; 1º. Centenário. Ouro Preto: Universidade Federal de Ouro
Preto, 1976. p.88.
209 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas.

Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Artur Bernardes, presidente do Estado, pelo Dr.
Clodomiro Augusto de Oliveira, secretário da Agricultura; exercício de 1918. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1919b. p.6.

249
viação, outra prioridade do programa de Bernardes, e para o mapeamento
cadastral das terras devolutas do estado. Os engenheiros poderiam ainda ser
utilizados como topógrafos auxiliares, caso o governo federal decidisse por criar
no estado uma comissão geológica, aprofundando o trabalho que vinha sendo feito
pelo Serviço Geológico.

Oliveira traçou em seu relatório um amplo diagnóstico dos problemas


econômicos e sociais do estado que advinham da falta de estudos geológicos,
especialmente quanto à venda por particulares ou concessão pública
indiscriminada de terras minerais aos caçadores de jazidas de minérios de
ferro.210 A demanda do novo governo de Bernardes para que a Secretaria
procedesse ao levantamento dos terrenos devolutos do estado esbarrava mais
uma vez, segundo Oliveira, na necessidade de

sistematizar o trabalho, de modo que, no fim de alguns anos, possa o


governo ter uma carta geográfica, geológica e agrológica desse seu rico
patrimônio que, dia a dia, vai sendo invadido por intrusos.211

As terras devolutas eram consideradas por Oliveira como um importante


patrimônio territorial do estado, fonte de riqueza adormecida cujo despertar
resultaria do levantamento topográfico e do estudo geológico. O valor estratégico
das terras devolutas também era determinado pela sua localização, em sua maior
parte nas regiões limítrofes com outros estados, o que fazia do seu levantamento
topográfico um instrumento fiscalizador e integrador. As medições não
sistemáticas, que vinham sendo feitas durante todo o regime republicano, teriam
sido responsáveis pelos problemas nas regiões de fronteira, como afirmava o
secretário:

210 Esses caçadores eram na verdade as grandes empresas européias que, desde a divulgação das
riquezas minerais do estado no congresso de Estocolmo, vinham adquirindo grandes reservas
desse minério por baixos preços, devido ao desconhecimento do seu valor pelos proprietários.
Oliveira apontou em seu relatório um problema ainda mais agudo desse processo histórico, que
definiu em grande parte o regime de terras e de propriedade das lavras de minério de ferro. Além
das jazidas conhecidas, os investidores estrangeiros, desde o começo da década, vinham
adquirindo grandes extensões de terras não demarcadas, os chamados campos em comum,
utilizados como pastagens coletivas pelos pequenos agricultores, que desconheciam inteiramente o
potencial minerário das mesmas. Desconhecimento que não era privilégio dos pequenos
proprietários, pois o próprio governo concedia terras devolutas, sem o conhecimento prévio da
riqueza mineral das mesmas. MINAS GERAIS, 1919b, p.10.
211 MINAS GERAIS, 1919b, p.11.

250
Acresce que, achando-se os terrenos devolutos , em sua maior parte, nas
regiões limítrofes de outros estados, o levantamento sem solução de
continuidade já teria facultado ao governo uma carta geográfica dessas
regiões, com as linhas de limites fixadas com o rigor necessário, o que
obstaria a que a soberania do estado fosse eventualmente afetada com já
tem acontecido.212

O arsenal de argumentos de Oliveira ainda apresentava outras vantagens


do mapeamento, como a proteção das florestas (entendidas como reservas de
combustíveis vegetais) e a viabilização do cadastro imobiliário e conseqüente
fixação do imposto territorial em bases seguras.

Assim, a argumentação técnica desenvolvida por Oliveira na defesa do


mapeamento sistemático do estado, se trazia fortes ecos do pensamento de
Gorceix e de toda uma geração de geólogos e engenheiros de minas que vinham se
batendo pelo mapeamento topográfico e geológico, acrescentava preocupações
novas oriundas da experiência republicana de gestão do território, como os
problemas os mapeamentos assistemáticos e mesmo burocráticos das terras
devolutas e dos limites interestaduais.

O interesse pela proposição de Oliveira prende-se ao seu conjunto de


argumentos e ao diagnóstico que traçou da política territorial então em curso. Na
prática da administração, em pouco tempo sua tentativa de promover o
mapeamento com os engenheiros do estado atuando em cada circunscrição e
ampliando suas funções de rotina se revelaria inviável. Nos relatórios dos anos
seguintes, de 1919 e 1920, o então responsável pela Diretoria de Agricultura, o
veterano Álvaro da Silveira, anunciava as dificuldades de fixação de engenheiros
e agrimensores nos respectivos distritos, com sucessivos pedidos de licença e
mesmo demissões, acarretando a sua substituição por práticos contratados.

O programa de mapeamento no estado era visto e entendido como tarefa


essencial do poder público estadual, e sua implementação teve êxito quando seus
adeptos no Congresso Mineiro conseguiram transformar seus discursos em leis e
dotações orçamentárias. Em 1920 o deputado Francisco de Paula Rocha Lagoa
Filho apresentou, entre outras medidas que propunha para a defesa das riquezas

212 MINAS GERAIS, 1919b, p.82.

251
minerais do estado, o projeto de restabelecimento da comissão geográfica, cuja
supressão teria sido

um dos maiores erros cometidos pela administração republicana em Minas


[...] Não fora a supressão imprópria dessa comissão e talvez já tivéssemos
hoje o levantamento da carta topográfica do Estado, que para vergonha
nossa ainda não existe.213 (grifo nosso)

O projeto de lei proposto atribuía à comissão as tarefas de levantar a carta


geográfica do Estado, realizar estudos sobre a geologia, as questões de limites –
na parte puramente topográfica ou geodésica –, o clima e os cursos d’água.
Especial ênfase deu Rocha Lagoa ao estudo da força hidráulica, demonstrando
suas vantagens enquanto potencial energético e deixando ver que estava em
curso uma corrida pelo mapeamento desse recurso estratégico ao sublinhar uma
suposta ameaça do poderoso estado vizinho:

Não insisto nas vantagens da nossa hulha branca: apenas lembro o


exemplo do estado de São Paulo, que não satisfeito em estudar as suas
quedas d’água manda sua comissão geológica estudar as cachoeiras, os
saltos d’água dos outros estados, como fez com as cachoeiras do rio Grande
em território mineiro [...] 214

Como membro da comissão de orçamento da Câmara de Deputados,


responsável por votar a verba necessária para o restabelecimento da CGG,
Nelson de Sena aproveitou a oportunidade para pronunciar um entusiástico
discurso a favor da medida. Traçando a trajetória da CGG, Sena lamentava a
decisão de Américo Werneck de extingui-la em 1898, quando Minas Gerais teria
desistido do seu mapeamento enquanto outros estados, como São Paulo, Rio de
Janeiro e Rio Grande do Sul, prosseguiram ou iniciaram esse movimento

213 Discurso proferido pelo deputado Francisco de Paula Rocha Lagoa Filho em 03 de agosto de
1920. CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados: 2ª. sessão da oitava legislatura.
Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1921. p.254.
214 CONGRESSO MINEIRO, 1921, p.257. Caudaloso e acidentado, o rio Grande, cujo percurso em

grande parte definia o limite entre os estados de Minas Gerais e São Paulo, era nesse momento
um dos principais objetos das pesquisas sobre o potencial hidráulico de toda a região, o que o
tornava conseqüentemente alvo de interesse estratégico dos dois estados e mesmo do governo
federal. Além dos mapeamentos da comissão geográfica de São Paulo, também o Serviço Geológico
elaborou em 1919 um plano de aproveitamento da força hidráulica que incluía pesquisas na bacia
do rio Grande, com mapeamento geodésico, medição de volumes de quedas e cálculos de seu
aproveitamento, estudos de navegabilidade e até planos para construção de uma barragem.

252
estratégico. Preconizou a continuidade dos serviços públicos de grande utilidade
para o estado, arrolando toda a ordem de benefícios de que o estado se encontrava
privado pela sua extinção, como os problemas fiscais, divisão dos municípios,
fixação de fronteiras e outros.

Os discursos de Rocha Lagoa e de Sena, em sua forte crítica às gestões


anteriores, descortinam um novo momento no qual a conjugação dos interesses
políticos propiciou a volta do programa de mapeamento, sempre defendido e
demandado pelas elites técnicas. Em setembro de 1920, a CGG era restabelecida,
nas bases legais do projeto de Rocha Lagoa.215

Comparando-se o novo regulamento da comissão, publicado em março de


1921, com as instruções originais datadas de 30 anos antes, constata-se que, fora
as alterações de redação e um maior detalhamento de alguns procedimentos,
nenhuma mudança substantiva foi introduzida no projeto intelectual de
mapeamento. Única exceção foi a emancipação do trabalho de observação
astronômica, que não estava mais atrelado à determinação do Observatório
Nacional e podia ser feito pelos membros da comissão. A composição da equipe
mostrou uma maior distribuição das funções técnicas, especialmente no trabalho
de campo, diferenciando-se as tarefas do triangulador e dos topógrafos. Em todo o
resto, tratava-se efetivamente de uma retomada do programa original, mantido o
mesmo método expedito de mapeamento em campo, as mesmas medidas e
proporções de escala, da rede de triangulação e da representação das curvas de
nível, o mesmo formato e enquadramento das folhas. A eleição dos elementos a
serem representados e mesmo os instrumentos preconizados para uso (teodolitos,
bússolas, podômetros e barômetros) permaneceram inalterados. Mas o que
conferiu o sentido maior de continuidade ao projeto foi a recondução de Álvaro da
Silveira para o cargo de chefia da comissão, cuja trajetória nesses anos parecia
destinada a reconduzi-lo ao posto em que começara sua carreira pública e sua
atividade científica, marcadas ambas por saberes e práticas a um só tempo
múltiplos e coesos.216

215Lei 789, de 19 de setembro de 1920.


216 Álvaro da Silveira permaneceu na Diretoria de Agricultura, Terras e Colonização desde a
criação da Secretaria de Agricultura, em 1906, até ser nomeado para a CGG. Nessa Diretoria

253
É preciso observar que a retomada do programa de mapeamento, embora
carregasse consigo todo o aparato técnico, legal e mesmo humano da experiência
passada, ocorria em um outro momento, quando os discursos pela modernização
econômica e pela eficácia do saber técnico e científico aplicado às políticas do
estado aprofundavam-se em duas direções só aparentemente opostas: no sentido
de um maior pragmatismo e na construção de um novo ideário para a República.
As comemorações do centenário da independência eram o horizonte político com
que trabalhavam as lideranças políticas para construir um discurso renovado
sobre a República, que se antepusesse à crescente crise de legitimidade do regime
e às novas forças que se arregimentavam nos centros urbanos e nas classes
médias.

O governo de Artur Bernardes reabilitou a comissão geográfica no conjunto


de outras iniciativas de caráter técnico-científico, como a construção do Instituto
do Rádio e do Instituto de Química Industrial. O programa de mapeamento
articulava-se sobretudo com as medidas implementadas em um outro campo em
tudo a ele relacionado: o campo das estatísticas públicas. Em seu relatório anual
de 1920, Bernardes reintroduziu o discurso que articulava estatística e
cartografia, discurso esse que estava na origem da criação da comissão geográfica
em 1890:

Não se pode governar sem o conhecimento exato do território, da


população, e dos vários ramos da atividade desta na exploração dos
recursos oferecidos pelo meio.
É este milagre de empirismo que os dirigentes de Minas Gerais vinham
fazendo, com abnegado esforço, pois não temos um mapa exato do Estado,
nem censo da população nem estatística agropecuária e industrial.217

ocupou os cargos de Chefe da Seção Técnica, até 1913, e de diretor, entre 1914 e 1920. Acumulou
suas atividades no serviço público com muitas outras, como o magistério. Foi um dos fundadores
da Escola de Engenharia de Belo Horizonte, em 1912, onde lecionava topografia e da Escola
Mineira de Agronomia e Veterinária, em 1914. Além da atuação na Sociedade Mineira de
Agricultura, de que falamos anteriormente, foi membro fundador da Academia Mineira de Letras
e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Nesse período, publicou diversos livros e
artigos sobre temas muito variados, desde experiências e aconselhamentos agrícolas a estudos de
botânica, clima, limites e outros. Esses estudos mesclavam as reflexões e os dados resultantes de
suas viagens e expedições particulares com as atividades à frente dos cargos que assumiu.
217 MINAS GERAIS. Presidente (Artur da Silva Bernardes 1919-1922). Mensagem dirigida pelo

presidente do Estado, Dr. Artur da Silva Bernardes, ao Congresso Mineiro em sua primeira
sessão ordinária da 8ª. legislatura do ano de 1920. [Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1920]. p.82.

254
Ao conhecimento sistemático e organizado do estado em seus aspectos
físicos, humanos e econômicos que adviria do trabalho de longo prazo da comissão
geográfica, o novo governo somou uma outra demanda também de natureza
estatístico-cartográfica: a atualização da carta geral do estado para fins de
representação do estado nas festas do centenário de 1922. Essa carta, por ser
concebida como de outra natureza, foi por isso delegada a um outro grupo, e
produzida paralela e separadamente do programa de mapeamento da CGG. Por
motivos estratégicos, promovia-se então uma diferenciação entre dois programas
cartográficos, o que ocorria pela primeira vez na administração do estado.
Enquanto à CGG caberia prosseguir com o mapeamento sistemático, conectando
gradativamente cada parte do território em sua malha de triangulação e
revelando com detalhe e rigor em cada folha impressa os componentes da
paisagem física e econômica do estado, a uma outra instância, organizada como
Comissão Mineira do Centenário, caberia produzir em curto prazo uma imagem-
síntese, de feição monumental, desse mesmo estado. Em algumas situações
concretas as duas iniciativas se entrelaçaram, pois ambas foram empreendidas
no quadro da administração pública do estado e partilharam recursos humanos e
informações técnicas comuns. Por outro lado, suas trajetórias mantiveram-se
paralelas, pois se a carta geral do centenário exigia um movimento centrípeto, de
fusão e síntese dos dados numa imagem unificadora, o mapeamento sistemático
da CGG realizava o movimento inverso, de alargamento progressivo de seu
campo de observação e de desdobramento da sua representação gráfica.218

A comissão iniciou suas atividades pelo resgate dos trabalhos das antigas
comissões geográficas e de limites. Segundo um biógrafo de Silveira219, o diligente
chefe da CGG havia recolhido e guardado todas as cadernetas de campo e demais
documentos produzidos na primeira fase da comissão e, a partir dessa

218 De forma diferente ocorreu na comissão geográfica e geológica de São Paulo, que logrou
conciliar as duas frentes de mapeamento, produzindo diversos mapas-síntese temáticos do estado,
a fim de servir a múltiplos fins (FIGUEIRÔA, 1997, p.204). A carta geral, na escala de
1:1.000.000, foi publicada e atualizada em seis versões, entre os anos de 1914 e 1928. A pujança
econômica de São Paulo permitiu ao estado desenvolver um programa cartográfico mais
diversificado, como no caso da publicação das chamadas cartas dos excursionistas, destinadas à
orientação em viagens pelas estradas de rodagem. Esse tipo de carta, gênese do consagrado guia
rodoviário, transformou-se em um gênero cartográfico típico da produção norte-americana.
219 CORREA FILHO, Virgílio. Vultos da geografia do Brasil: Álvaro Astolfo da Silveira. Revista

Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, ano 9, n.2, 1947. p.116.

255
documentação e dos antigos marcos da triangulação que resistiram no campo,
deu-se seqüência ao mapeamento interrompido naquele momento. Os
procedimentos técnicos, de campo e de gabinete, eram basicamente os mesmos.
As folhas inacabadas foram retomadas, mantendo-se a preferência pela expansão
da frente sudeste do mapeamento, à exceção da primeira folha a ser finalizada,
Oliveira, que se encontrava muito adiantada quando da interrupção dos
trabalhos em 1898. De início, a triangulação buscou fechar as áreas abertas para
complementação da folha de Bocaina, ao sul, e na zona limítrofe com os estados
do Rio de Janeiro e São Paulo, no rastro dos trabalhos efetuados pela comissão de
limites.

F
i
g
u
r
a

1
6
:

F
o
l
h
a

O
l
i
v
e
i
r
a

Figura 16: Folha Oliveira (1922), o primeiro mapa a ser publicado na segunda fase da
CGG, apresentava o mesmo padrão gráfico e o mesmo repertório de elementos
representados.
Fonte: Coleção particular.

Nos anos seguintes o avanço foi mais acentuado em direção à zona da


mata. A cobertura topográfica se fazia nesses primeiros anos preenchendo os

256
claros deixados pelos caminhamentos das comissões anteriores, dividindo o ciclo
anual no campo entre a frente ao sul – folhas de Bocaina, Pouso Alto, Soledade –
e a leste, folhas de Juiz de Fora e Palmira.

Em 1922 funcionavam anexos ao programa de mapeamento os serviços de


meteorologia e o de perfuração de poços. Se a meteorologia e o estudo do clima
guardavam histórica relação com os mapeamentos anteriormente realizados, a
perfuração de poços em busca de alternativas de fornecimento de água, um
serviço eminentemente de obras públicas, não apresentava qualquer relação
direta com os objetivos e métodos que norteavam os trabalhos da CGG, e expunha
os improvisos e acomodações que cercavam o programa.220 O Serviço de
Meteorologia foi reorganizado em 1922, mas já no ano seguinte seu responsável
discorria sobre problemas como falta de funcionários, atrasos nos dados e pouca
divulgação da importância das informações ali produzidas. Contava com uma
rede de 46 estações, de onde chegavam as observações (temperatura, chuvas,
pressão barométrica, umidade, ventos) que alimentavam os estudos de
climatologia e meteorologia agrícola. Os dados eram continuamente processados
em mapas, diagramas e estatísticas publicadas em boletins cujo público principal
eram os produtores rurais.221

Já os estudos sobre a força hidráulica do estado foram enfatizados no


programa da CGG em cumprimento ao novo regulamento das quedas d’água, que

220 Desde as instruções da CGG em sua primeira fase, os estudos de clima e a montagem de uma
rede meteorológica no estado eram consideradas prioridades dentro do escopo geral do programa
da comissão, embora não fosse um campo de investigação tecnicamente associado ao mapeamento,
assim como o era a geologia. Já em 1907 tanto a meteorologia como a perfuração de poços
apareciam como atribuições da Seção Técnica, então chefiada por Álvaro da Silveira. Em 1911,
quando da reorganização da Secretaria de Agricultura, o novo regulamento manteve a atividade
de perfuração de poços na Seção Técnica e conferiu à atividade, eminentemente prática, o teor de
pesquisa, ao defini-la como sondagem de lençóis da água subterrânea e seu aproveitamento. No
mesmo ano foi criado o Serviço de Meteorologia na Diretoria de Agricultura que, em 1915, tinha
uma rede dispersa pelo estado que somava 30 estações de observação. Ambos os serviços sempre
estiveram sob a condução de Silveira, fato que presumivelmente foi determinante para que fossem
reunidos aos trabalhos da CGG.
221 Tanto a meteorologia como a botânica podem ser consideradas, no contexto das políticas

públicas aqui estudadas, como saberes instrumentais, pois o interesse dos governos prendia-se
diretamente à possibilidade da instrumentalização de seus dados em favor da modernização
agrícola. Já a estatística e os mapeamentos topográfico e geológico eram saberes estratégicos, no
sentido não só do fornecimento de informações técnicas de interesse econômico, mas também e
principalmente pela capacidade desses estudos e dessas imagens, pelas suas escolhas técnicas e
formas de ordenação e apresentação dos dados, em construir e revelar um cenário de
possibilidades, ou mesmo de antecipar uma realidade sobre a qual desejavam intervir.

257
transferiu para a comissão a atribuição de sua avaliação, em decorrência da
crescente demanda pelo conhecimento do seu potencial de aproveitamento. Desde
o início dos anos 1910, toda uma rede de políticos, administradores públicos,
técnicos, cientistas e engenheiros vinha produzindo estudos e engrossando uma
campanha pela adoção de uma política pública no setor, o que envolvia
fundamentalmente o mapeamento das bacias e cachoeiras e a medição de sua
capacidade de gerar energia elétrica. Tarefa de grande envergadura que,
incorporada ao já amplo leque de atribuições da CGG, não poderia se realizar na
extensão e presteza esperadas pelo governo. Em 1922 o secretário da Agricultura
Clodomiro de Oliveira falava da necessidade de se implementar um plano
específico para a avaliação das quedas d’água, cuja crescente importância vinha
deslocar o sentido da riqueza dos rios de sua navegabilidade para a sua carga
potencial de eletricidade: [...] certamente desaparecendo o reinado do vapor para
dar lugar ao reinado da eletricidade, os rios não voltarão a ser caminhos que
marcham [...]222

Os relatórios dos trabalhos de campo dos topógrafos, em sua preocupação


de descrever física e economicamente a zona percorrida, são os melhores
indicadores da ordem de prioridades dos elementos a serem mapeados e avaliados
e da relação que estabeleciam entre si. Em comparação com os relatórios
elaborados na primeira fase da CGG, uma mudança substantiva foi a constante
preocupação com a identificação e avaliação das quedas d’água, da rede de
eletricidade e das reservas combustíveis dispersas pelo território. Como sintetiza
o pequeno trecho abaixo, do relato dos trabalhos de campo do topógrafo Newton
Fonseca, encarregado também da medição da força hidráulica:

Esta cachoeira [...] começa logo abaixo da estação de Carlos Euler e

continua por uma série de saltos, dos quais destaquei os três principais, no

222MINAS GERAIS. Secretaria dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.


Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Artur da Silva Bernardes, presidente do Estado, pelo Dr.
Clodomiro Augusto de Oliveira, secretário da Agricultura, referente ao exercício de 1922. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1923. p.198.

258
nivelamento. Está naturalmente indicada para a eletricidade da Oeste de

Minas, naquele difícil trecho, onde já escasseia o combustível vegetal.223

Olhar atento e operatório, o topógrafo, ao identificar e medir as cachoeiras


em termos de volume, vazão, velocidade e potência em cavalos, já sugeria as
obras possíveis para o seu aproveitamento e baseava sua proposição numa
avaliação regional da questão dos combustíveis.

Dando curso ao projeto modernizador inaugurado por Artur Bernardes, o


novo presidente do estado, Raul Soares, previu em sua plataforma e buscou
implementar em seu governo a idéia de um grande programa geopolítico que
integrasse os estudos para aproveitamento da energia hidráulica e eletrificação
das estradas de ferro ao plano geral de viação. Desse largo escopo, Soares logrou
efetivar o plano geral de viação, elaborado por uma comissão de engenheiros
notáveis, que teria início nos anos seguintes. Como mostrou Wirth224, Minas
Gerais seguiu embalada nos anos vinte por um programa de crescimento
econômico que passava pela modernização dos serviços públicos. Mesmo com o
enfraquecimento do projeto político personificado em Bernardes e Soares,
causada pela morte precoce desse último, a condução modernizante do estado
prosseguiu no mandato tampão de Fernando Melo Viana e no governo de Antonio
Carlos Ribeiro de Andrada.

O regulamento que reinstalou a CGG previa uma equipe muito pequena,


que se mostrou incompatível com as gigantescas tarefas a ela atribuídas. Logo
nos primeiros anos de funcionamento sofreu significativa ampliação até ter seu
número duplicado em 1924, quando então contava com três trianguladores, nove
topógrafos e dois desenhistas, além do pessoal encarregado dos estudos
meteorológicos e da perfuração de poços. Essa composição numérica, mantida ao

223 RELATÓRIO apresentado pelo engenheiro chefe da Comissão ao senhor Secretário da

Agricultura, Indústria, Viação e Obras Públicas; exercício de 1923. IGA. Setor de Limites.

Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais. p.46v.

224WIRTH, John D. O fiel da balança: Minas Gerais na federação brasileira, 1889-1937. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982.

259
longo de toda a década, não foi o único fator diferenciador em relação à equipe da
primeira fase. Também a formação dos técnicos tornou-se mais diversificada, com
profissionais originários das novas escolas de engenharia e agronomia abertas no
estado, diferentemente da antiga hegemonia dos engenheiros de minas da Escola
de Minas de Ouro Preto. 225 Entretanto, a emergência desses novos atores
profissionais não resultou, segundo nossa análise, em novas práticas, idéias,
métodos ou produtos, que permaneceram herdeiros diretos do projeto intelectual
da geração de Derby e Gorceix, solidamente conduzidos pelo veterano Álvaro da
Silveira, o obstinado construtor da ponte entre os dois momentos da CGG.

Os trabalhos retomaram o ciclo campo-gabinete de cada ano, delimitado


pelas estações da seca e da chuva. Os topógrafos rumavam para as regiões
definidas com seus mapas de campo e iam fechando os polígonos e preenchendo os
claros, costurando o mosaico do futuro mapa. Em seus percursos o contato com as
populações era, na maior parte das vezes, marcado pelo preconceito e pela
desconfiança de ambas as partes. Os relatórios dos topógrafos e dos
trianguladores permitem avaliar o quanto o projeto de mapeamento e a própria
atuação do poder público eram inteiramente desconhecidos das populações,
fossem fazendeiros abastados, pequenos agricultores ou comerciantes. Os
topógrafos terminavam por conferir aos seus relatos um teor de testemunho
subjetivo e crítico das situações concretas que vivenciavam em suas longas
explorações, como mostram as palavras do topógrafo Heldomiro Fonseca:

Para uns queríamos saber o número exato de alqueires que tinha cada
fazenda para poder o governo cobrar mais impostos; para outros, íamos
praticar por ordem do governo, o puro comunismo bolchevista, dividindo
com os que não as possuíam as terras dos fazendeiros.Verdade é que
possuidores há de vastos latifúndios incultos e improdutivos que bem
mereciam fossem eles divididos com os que quisessem cultivá-los.226

225 Cumpre ressaltar que a documentação consultada não forneceu dados sobre a maioria dos
trianguladores e topógrafos empregados na comissão. (quadro 1). Entre as formações citadas,
encontram-se engenheiros civis, engenheiros civis e eletrotécnicos, geógrafos e engenheiros
agrônomos. Além da incorporação desse novo ator profissional que era o agrônomo, em 1928
surgia pela primeira vez nos créditos oficiais das folhas publicadas a expressão cartógrafo,
atribuída a Alarico Torres, até então designado como desenhista.
226 RELATÓRIO anual do topógrafo Heldomiro Fonseca. 1924. IGA. Setor de Limites.

Documentação da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas Gerais. p.88v/89.

260
Em outra passagem narrada por Alacrino Monteiro, a desconfiança quanto
às reais intenções dos topógrafos e conseqüentemente sobre a transparência das
ações do governo é percebida no contato com os comerciantes:

É incrível, mas é pura verdade, falar sobre o preço exorbitante de forragem


para animais e gêneros alimentícios, pois, na minha zona de trabalho e nas
circunvizinhanças os vendedores exploram de uma maneira revoltante não
só os moradores do local como principalmente os forasteiros. Tive ocasião
de ouvir de inúmeras pessoas o seguinte: Se é para engenheiros a serviço
do governo vamos aproveitar, tudo deve ser mais caro e se ele, engenheiro,
quiser, pois tudo isso é ora nós pagarmos mais novos impostos! 227

Em 1926, Silveira começou a criticar a manutenção do serviço de


perfuração de poços entre as atribuições da CGG, uma vez que tal serviço estava
se direcionando para o atendimento do abastecimento da água em centros
urbanos, distorcendo sua função original que seria o apoio à agricultura,
especialmente nas zonas mais secas. A partir da nova divisão administrativa em
1923, que reordenou as circunscrições e hierarquias territoriais do estado, a CGG
passou também a ser consultada sobre conflitos de limites intermunicipais, o que
demonstrava a autoridade técnica conquistada com o programa de mapeamento.
Na sua origem, era a comissão geográfica quem consultava os municípios sobre
seus limites; com o avanço do mapeamento, passou a ser não só uma fonte de
informações mas sobretudo uma instância deliberativa, emitindo juízo sobre cada
conflito local.

Entre os anos de 1923 e 1926, a seqüência de mapeamento, desenho e


publicação das folhas revela a manutenção da expansão da frente sul, com a
publicação das folhas de Pouso Alto, Soledade e Itajubá, e a medição da base de
Pouso Alegre, em continuidade ao mapeamento definitivo da zona fronteira com
São Paulo. Mas é clara e acentuada a predileção pelas folhas da zona da mata,
quais sejam Juiz de Fora, Palmira, Alem Paraíba, Palma, Cataguazes, Remédios,
Ubá, Muriaé e Carangola.228 Além da evidente associação com as regiões de

227 RELATÓRIO do topógrafo Alacrino Monteiro. In: Relatório anual apresentado pelo engenheiro-

chefe da Comissão Geográfica ao Exmo. Sr. Secretário da Agricultura. 1926. IGA. Setor de
Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas Gerais. s/p.
228 Raul Soares e Artur Bernardes eram originários da zona da mata, respectivamente de Ubá e

Viçosa, municípios que foram contemplados pelo mapeamento.

261
origem das principais lideranças políticas do período, Raul Soares e Artur
Bernardes, esse direcionamento ia ao encontro dos interesses de delimitação das
zonas litigiosas com o estado do Espírito Santo. Esse último serviço foi muito
facilitado pelo fato de a comissão ter encontrado intactos os antigos marcos da
base de Itacoatiara, medida em 1898 pela comissão de limites.

Figura 17: Redes de triangulação da Comissão Geográfica e Geológica (1921) mostram o


avanço da malha imaginária sobre o território mineiro. Na elaboração das folhas
articuladas do grande mapa, a CGG produzia esses croquis de trabalho, expressões do
método e do plano a ser seguido. Espécie de memória e projeção do programa cartográfico,
esses traçados, que desapareciam na imagem oficial impressa, por vezes eram também
impressos, como testemunhos do processo de fabricação do mapa.
Fonte: IGG (SP)

Ao longo da década de 1920, a CGG fortaleceu-se dentro do aparato


administrativo do governo, o que pode ser observado pelo crescimento de seu
orçamento e a estabilização de sua equipe. A partir de 1926, a fabricação em série
das folhas alcançou um ritmo mais acelerado, com a cobertura topográfica e o
desenho das folhas prosseguindo nos vetores extremo sul e leste do estado, mas

262
agora com um acento também para o norte, alcançando a região central do estado
em municípios como Ponte Nova, Ouro Preto e Sabará. O vetor norte buscava
acercar-se da capital, Belo Horizonte, que, segundo diversos estudos, somente nos
anos vinte afirmou-se econômica e politicamente como o centro do estado.

Por outro lado, a triangulação lançou sua rede para direções extremas e
opostas, com a medição de duas novas bases geodésicas, uma em Pouso Alegre, no
sudeste, para dar continuidade ao mapeamento da região limítrofe com São
Paulo, e outra em Gonçalves Ferreira, estação da estrada de ferro Oeste de Minas
no município de Itapecerica, a noroeste do tecido cartografado. Em 1928 o
mapeamento já estendia suas operações para regiões tão distantes como o
município de Extrema, última fronteira ao sul, a Serra do Caparaó, limite com o
Espírito Santo, e a capital Belo Horizonte, ao norte. Três frentes que certamente
obedeciam aos interesses geoestratégicos de riscar de maneira definitiva a linha
divisória nos limites mais contenciosos, propiciar o mapeamento das regiões mais
prósperas do estado (sul e mata) e avançar em direção à conexão com a capital.

Embora a questão dos limites nunca tenha deixado de ser um objetivo claro
do programa, uma frente específica de trabalhos de delimitação foi reaberta em
1928 para a execução de levantamentos topográficos em pontos das linhas
divisórias com São Paulo, Espírito Santo e Bahia, resultantes de uma nova onda
de acordos que foram encaminhados pelo presidente Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada. Uma equipe especial, com recursos próprios e liderada pelo incansável
Álvaro da Silveira, dedicou-se ao levantamento topográfico ao norte do rio Doce,
fixando com marcos de pedra o limite ao longo da serra dos Aimorés. Nos limites
com São Paulo, as equipes conseguiram minimizar os conflitos que perduravam,
possibilitando a elaboração, em 1930, de um mapa da zona fronteira assinado
pelas duas comissões, onde vinham assinaladas as pretensões locais de cada
estado.229

O ritmo intenso de produção da CGG a partir de meados da década pode


ser medido pela sua necessidade de diversificar o leque de empresas para dar
conta da gravação e publicação das folhas acabadas. Uma mudança significativa

229 Não localizamos esse mapa na documentação consultada.

263
foi a possibilidade de impressão no país: as dez primeiras folhas publicadas foram
litografadas pela empresa paulista Companhia Melhoramentos. Uma exceção foi
a folha Bocaina, publicada pela Casa Hartmann, em Juiz de Fora, cujo trabalho
foi considerado insatisfatório por Álvaro da Silveira.230

Figura 18: Folha Bocaina (1923), a única folha da CGG a ser litografada em Minas.
Fonte: Coleção particular.

Em 1926, a Companhia Ipiranga, com sede em São Paulo e no Rio de


Janeiro, passa a ser uma outra opção para a impressão das folhas. Outras
companhias foram consultadas e seus trabalhos testados nesse período, como o
Institut Cartographique de Paris, empresa sucessora do antigo estabelecimento
dos Irmãos Erhard, que havia litografado e impresso as primeiras folhas da CGG

230A tiragem dessa folha foi de 2000 exemplares. OFÍCIO da Litografia Hartmann. 4 de abril de
1923. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais.

264
no final do século XIX, o Serviço Geográfico Militar, no Rio de Janeiro, e o
Instituto Cartográfico do Ministério da Guerra da Bélgica.231 Ao cabo das
consultas e testes, somente o instituto francês chegou a publicar quatro folhas
(Carangola, Viçosa, Piranga e Lagoa Dourada), mas, como o preço foi considerado
muito alto e as folhas entregues com atraso232, não foram mais encomendados os
serviços da casa francesa.

Figura 19: Folha Carangola (1927), uma das quatro cartas que foram impressas na França na
segunda fase da CGG.
Fonte: APM (MG)

O ritmo da produção cresceu ainda mais ao final da década, forçando o


engenheiro-chefe a encomendar as cartas a diversas frentes, embora muitas vezes
não conseguisse a qualidade e o prazo desejado, como no caso da Imprensa Oficial
de Minas. Apesar disso, as últimas folhas publicadas com o nome da Comissão

231 Exemplares das folhas já impressas eram enviadas às empresas para elaboração de orçamento.
A impressão deveria seguir o padrão estabelecido, que implicava na gravura em pedra em cinco
cores. Esse padrão foi seguido em todas as folhas gravadas durante a existência da CGG.
232 Na seqüência de numeração das folhas da carta, que seguiam passo a passo o processo

cronológico de sua fabricação, as três últimas folhas publicadas pela casa francesa constituíram
um descompasso, pois foram publicadas anos depois de sua efetiva data de conclusão.

265
Geográfica – Bomfim, Laginha e Aimorés –, impressas entre 1930 e 1931,
inauguraram o novo serviço da Imprensa Oficial, a Seção de Cartografia, que a
partir de então seria a responsável pela impressão de todas as folhas da carta do
estado.

Nesse mesmo período, alguns documentos permitem conhecer um pouco


mais do aspecto mais obscuro de todo o programa de mapeamento: o seu uso para
além das demandas consagradas pelo poder público. Se ocorriam tiragens de 2000
exemplares, certamente havia um público para essas imagens, a despeito do
silêncio dos relatórios oficiais sobre a questão. Em 1925 Silveira comunicava ao
Diretor de Agricultura que o secretário Daniel de Carvalho havia autorizado a
venda das folhas publicadas, devido a uma constante demanda, mostrando o
interesse que tem sido tomado pelo referido trabalho.233 Nos arquivos da CGG
acumulavam-se muitos exemplares das quinze cartas já publicadas, mas até
então nenhuma política havia sido estabelecida para a sua venda. Como exemplo
das demandas, Silveira anexou pedido do engenheiro de minas Carlos Sarmento,
da Companhia Fiação e Tecelagem Moraes Sarmento, que desejava adquirir a
folha de Juiz de Fora. Outros pedidos de compra das publicações da CGG
mostram uma clientela diversificada, como a Pan American Petroleum &
Transport Company, de Nova York (interessada em informações sobre geologia e
petróleo) e o British Museum (interessado nos boletins técnicos).

Apesar da ampliação dos serviços prestados e do fortalecimento do


programa cartográfico ao longo dos anos vinte, e até a sua transformação em
Departamento em 1932, quando se fecha o ciclo que aqui estudamos, a CGG não
logrou alcançar um dos seus objetivos principais, e que sempre esteve na base de
toda argumentação pela sua existência: o mapeamento geológico, continuamente
adiado por todos os governos.

Quando da retomada dos trabalhos da CGG, o Serviço Geológico e


Mineralógico do Brasil (SGMB) saudou a iniciativa como uma medida
progressista do governo mineiro e como etapa essencial na construção gradativa

233OFÍCIO do engenheiro-chefe de 12 de dezembro de 1925. IGA. Setor de Limites. Documentação


da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais.

266
do mapa geológico do território nacional.234 Mas seria o próprio SGMB, no
entanto, o responsável pela única frente de mapeamento geológico do estado por
todo o período da Primeira República. Minas foi um dos estados que mais atenção
recebeu do serviço federal, seja em virtude das riquezas minerais e dos recursos
hidráulicos do território, seja pelo perfil de seus técnicos e dirigentes, quase
sempre oriundos da Escola de Minas. Eram, em sua maior parte, estudos
pragmáticos próprios de geologia econômica que caracterizava a produção do
SGMB, e que resultaram em reconhecimentos topográficos e geológicos em áreas
determinadas, quase sempre fora do território recortado pelo mapeamento da
CGG.235

O trabalho cartográfico mais importante realizado pelo SGMB em Minas


nesse período foi a produção das cartas geológicas relativas às duas primeiras
folhas da comissão geográfica, as de Barbacena e São João Del-Rei. Sobre a base
topográfica realizada na primeira fase da CGG, os geólogos Alberto Ildefonso
Erichsen e Aníbal Bastos fizeram representar as formações geológicas, caráter
das rochas, jazidas metalíferas e minerais (ouro, manganês, calcário, argilas,
entre outros) e outros elementos. Ambos os mapas foram produzidos na mesma
escala das folhas topográficas e foram descritos em memórias técnicas que
ressaltavam os elementos minerais úteis da região. As folhas, juntamente com a
descrição e resenha econômica, foram publicadas nos boletins do SGMB nos anos
de 1927 (Folha de Barbacena) e 1929 (São João Del-Rei) na escala reduzida de
1:100.000.236 Segundo estudo de Glycon de Paiva237 sobre a produção técnica do
SGMB nos anos vinte, os levantamentos geológicos das folhas de Barbacena e São

234 BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Relatório apresentado ao exmo.

Presidente da República pelo ministro de estado da Agricultura, Indústria e Comércio Ildefonso


Simões Lopes. Rio de Janeiro: Vilas Boas, 1921. p.414/15.
235 Os estudos e mapas concentraram-se em regiões como a serra do Espinhaço, ao norte de

Diamantina, a serra da Canastra e região das nascentes do rio São Francisco e a bacia do rio
Grande. A partir de 1924 o SGMB passou a ser presidido por um outro mineiro, o engenheiro civil
e de minas, formado na Escola de Minas, Euzébio Paulo de Oliveira.
236 BOLETIM, Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, Serviço Geológico

e Mineralógico do Brasil, n.25, 1927.


BOLETIM, Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, Serviço Geológico e
Mineralógico do Brasil, n.36, 1929.
237 Glycon de Paiva foi diretor do SGMB entre 1939 e 1940. PAIVA, Glycon de. Sentido da obra do

Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, entre 1920 e 1930. BOLETIM, Rio de Janeiro,
Ministério da Agricultura, Departamento Nacional da Produção Mineral, Serviço Geológico e
Mineralógico do Brasil, n.100, 1946.

267
João Del Rei representaram um dos poucos investimentos da agência nos
chamados estudos de detalhe, ou seja, em levantamentos minuciosos de pontos
selecionados do território nacional, nos quais fosse possível aprofundar e corrigir
conceitos e interpretações decorrentes dos levantamentos mais extensivos e
superficiais. As folhas geológicas de Minas eram, na opinião de Paiva, produtos
do método proposto por Hartt havia mais de cinqüenta anos, na Comissão
Geológica do Império, o qual recomendava o equilíbrio entre os levantamentos
extensivos e os de detalhe. Se representavam, de um lado, uma exceção na
produção geral do SGMB, voltada para o atendimento das demandas mais
imediatas da nascente indústria nacional, por outro lado, eram testemunhos da
rede de idéias e de atores que, desde Hartt, Gorceix e Derby, vinha articulando as
ações de gerações de engenheiros oriundos da Escola de Minas de Ouro Preto.

Figura 20: Geologia da folha de São João Del-Rei (1927). Produto do trabalho paralelo do
Serviço Geológico do Brasil, a folha mantinha a mesma escala, enquadramento e articulação da
folha correspondente na CGG. Conteúdo e forma, entretanto, eram diferentes: as zonas de cor

268
circunscreviam os domínios geológicos.
Fonte: BOLETIM, 1927.

À exceção desses trabalhos do órgão federal, o mapeamento geológico em


Minas só começaria a ser efetivamente realizado nos anos trinta, em outro
contexto político e institucional.238 O quadro delineado apresenta-se com um
paradoxo: de um lado toda uma sólida argumentação técnica e econômica sobre a
necessidade do mapa geológico; de outro, um recorrente insucesso em sua
implementação. Essa interdição ao mapeamento geológico sistemático tem
certamente uma relação estrutural com a dificuldade de implantação de uma
legislação sobre minas no Brasil, e talvez possa ser explicada, na escala regional,
por uma decisão estratégica do governo em não promover pesquisas que
revelassem suas riquezas minerais. Tratava-se de um momento marcado pelo
discurso nacionalista e protecionista que os sucessivos presidentes mineiros dos
anos vinte – Artur Bernardes, Raul Soares e Fernando Mello Vianna –
imprimiram à questão da siderurgia e da exploração do minério de ferro, vetando
a exportação livre do minério de ferro e forçando a implantação de usinas
siderúrgicas no estado (VISCARDI, 2003, p.27-9).239

Parte das conclusões de Figueirôa (1997), ao analisar o fim da Comissão


Geográfica e Geológica de São Paulo, são pertinentes para o entendimento da
trajetória da comissão mineira. A autora comprovou que também em São Paulo
as pesquisas e o mapeamento geológico foram sempre secundários, pois somente
em 1929, 43 anos após a criação da CGG, publicou-se o primeiro mapa geológico

238 Cumpre ressaltar que, em 1928, decorridos oito anos da retomada dos trabalhos da comissão
geográfica, ensaiou-se a criação de um serviço geológico e mineralógico subordinado à uma nova
Diretoria, denominada Minas, Geologia e Indústria, e dissociado da CGG, que pertencia à
Diretoria de Agricultura. Pretendia-se que os serviços gerassem estudos científicos e econômicos
sobre as riquezas minerais do estado e que se levantasse uma carta geológica, aproveitando-se os
trabalhos da Comissão Geográfica. A proposta não teve prosseguimento, embora permita entrever
um possível jogo de forças entre as autoridades técnicas das áreas da indústria e da agricultura,
pelo comando do mapeamento geológico. MINAS GERAIS. Secretaria de Agricultura. Diretoria de
Indústria e Comércio e Diretoria de Agricultura, Terras e Colonização. Relatórios apresentados ao
Exmo Sr. Dr. Djalma Pinheiro Chagas, secretário da Agricultura, sobre os trabalhos referentes ao
ano de 1927, executados pelas Diretorias de Indústria, Comércio e de Agricultura, Terras e
Colonização, pelos diretores engenheiros Benedito José dos Santos e Ernesto von Sperling. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1928c. v.III. p.10.
239 VISCARDI, 2003, p.27-9. Trata-se de uma questão complexa e pouca estudada, que envolveu

muitos atores e interesses, e não pode ser plenamente respondida nos limites do presente
trabalho.

269
do estado paulista. Outro dado levantado pela autora foi a composição da equipe,
constatando o pequeno número de dois geólogos em serviço para um média de
quinze engenheiros dedicados ao mapeamento topográfico e outros serviços. Se
secundário em São Paulo, em Minas podemos afirmar que o título geológico,
presente na denominação da comissão mineira, nunca passou de uma promessa.

Em 1930, a CGG prosseguia com suas intensas atividades, cujas


perspectivas eram de um crescimento ainda maior, pois em 1929 o presidente
Antônio Carlos, em seu relatório anual ao legislativo, já havia feito a defesa de
mais recursos financeiros e melhores condições operacionais para a comissão.
Estavam em andamento os levantamentos topográficos e de triangulação das
folhas de Santa Rita, Pouso Alegre, Itauna, Itapecerica e Belo Horizonte quando
os trabalhos foram interrompidos pela chamada revolução de outubro, a crise
sucessória que levou ao poder Getúlio Vargas e inaugurou um novo momento
político no país. A crise política atingiu em cheio a comissão, desorientando a
condução dos trabalhos. Em seus relatórios anuais, alguns técnicos narraram as
dificuldades operacionais enfrentadas pela conseqüente paralisia do governo,
como a suspensão dos pagamentos. Como mostram as palavras do topógrafo
Xenophonte Renault,

Não fosse a situação financeira do estado, podíamos ter produzido


normalmente. Além dessa situação a questão política entravou os trabalhos
de campo, visto estarmos de ânimo exaltado e com a preocupação com a
causa revolucionária. Essa preocupação tornou-se realidade com o
movimento de 30 de outubro, época em que nos afastamos do escritório
para servir na linha de frente.
Esses motivos são o bastante para desorganizar qualquer serviço e de
preferência o nosso pela condição de nos vermos afastados dos meios de
comunicação com os centros oficiais.240

Seus relatos são ainda mais expressivos por fazerem emergir as paixões
políticas em meio às falas essencialmente técnicas e muitas vezes burocráticas
dos relatórios. Segundo o relatório do triangulador Otávio Pinto da Silva, redigido
em dezembro daquele ano, ao descrever o início da temporada dos trabalhos de
campo, que nesse ano parecem ter se dado em torno do mês de outubro, é possível

240RELATÓRIO do topógrafo Xenophonte Renault. [192-]. IGA. Setor de Limites. Documentação


da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas Gerais. p. 27.

270
identificar um clima de insegurança social e de envolvimento político que parecia
contaminar os membros da comissão, que pela primeira vez apresentavam-se
como sujeitos de uma ação política:
A presente temporada serviços de campo, como muito bem o sabeis, foi
talvez a mais irregular de toda a existência da Comissão. Marchamos para
as montanhas já com a impressão espantante do insucesso, com a previsão
segura de que todos os serviços públicos, mormente os da Comissão
Geográfica, estariam fadados ao fracasso, pois, na capital de nosso estado,
nos nossos lares desassossegados com a ocupação militar, sujeitos de um
momento a outro às patas vandálicas dos ocupantes que, para humilhar
Minas e seu governo não poupariam sequer as nossas famílias, na ausência
de seus chefes.
Neste estado de espírito, digníssimo chefe, de um lado, os nossos filhos com
a ignorância nos seus sorrisos; de outro, para os majestosos picos de nossas
serras, o dedo do dever e este mais forte, abriu-se-nos a estrada do dever.
Assim iniciamos os nossos serviços.241

Um novo modelo de estado e de gestão pública começou a ser desenhado no


período pós-30 em todo o país. No âmbito das administrações estaduais, mesmo
em Minas, onde o presidente Olegário Maciel conseguiu equilibrar-se no poder
durante e após a crise, as mudanças fizeram-se sentir logo nos primeiros meses.
Mais uma vez as palavras de Figueirôa relativas ao movimento similar vivido
pela comissão paulista nos servem para descrever o processo em curso em Minas:

A extinção da Comissão Geográfica e Geológica significou não o


esgotamento da função de uma instituição de pesquisa no âmbito das
Geociências, mas sim uma reforma administrativa (entendida como
necessária) apressada pelo momento de crise e de transição. A história da
CGG nos permite considerá-la como uma instituição da Primeira
República.242

Em grandes linhas, o programa cartográfico da CGG foi mantido, mas com


uma nova forma de gestão, institucionalizada na criação do Departamento dos
Serviços Geográfico e Geológico, em 1932. Um sentido de continuidade pode ser
observado, apesar da substituição do velho chefe Álvaro da Silveira pelo seu
funcionário Benedito Quintino dos Santos, que assina o projeto de criação do novo

241 RELATÓRIO do triangulador Otávio Pinto da Silva. 1930. In: Relatório apresentado ao

Excelentíssimo senhor Secretário da Agricultura, pelo engenheiro-chefe da Comissão Geográfica


do Estado de Minas Gerais no ano de 1930. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão
Geográfica e Geológica de Minas Gerais. p.11/2.
242 FIGUEIRÔA, 1997, p.213-4.

271
departamento. As folhas parcialmente elaboradas pela CGG seriam publicadas
pelo Departamento Geográfico, com créditos para a comissão, entre os anos de
1932 e 1934.243 Por outro lado, a mudança do modelo de comissão para o de um
departamento sugere uma perspectiva mais estável, mas também mais
burocratizada do trabalho de produção dos mapas.244

No âmbito federal, o período pós-30 daria início a uma política de


superação das chamadas clivagens regionais que marcaram o sistema federativo
na Primeira República. A unificação econômica e territorial do país avançou em
função da crescente intervenção do estado e da centralização administrativa. Com
o Estado Novo, essa política de integração territorial efetivou-se com criação de
um aparato técnico-burocrático formado pelo Instituto Nacional de Estatística,
criado em 1934 mas transformado em Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) em 1938, o Conselho Nacional de Estatística, criado em 1934 e
o Conselho Brasileiro de Geografia, de 1937. Tais instâncias foram criadas para
centralizar, racionalizar e uniformizar todos os trabalhos estatísticos, geográficos
e cartográficos do país, inaugurando um período considerado pelos autores como o
da institucionalização da geografia no Brasil, caracterizado pela [...] intensa
formulação oficial de políticas territoriais explicitas e [...] rico no que tange à
formulação de representações do espaço.245

É muito significativo que a última folha a ser publicada diretamente pela


comissão geográfica e geológica de Minas Gerais tenha sido a de Aimóres,
justamente aquela que alcançou o paralelo 19, considerado por alguns estudiosos
como a linha de latitude que dividia, como um espelho invertido das duas Franças
ancestrais, o estado de Minas Gerais entre o Norte atrasado e o Sul
desenvolvido.246

243 São as folhas de Belo Horizonte, Itapecerica, Santa Rita do Sapucaí, Pouso Alegre e Itauna. O
Departamento prosseguiria com o trabalho, publicando as demais folhas já iniciadas pela CGG,
outras de sua própria lavra e as últimas, já entre os anos de 1939 e 1951, em parceria com o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE.
244 Foge aos objetivos desse trabalho a análise desse outro momento histórico.
245 MORAES, Antônio Carlos Robert de. Notas sobre identidade nacional e institucionalização da

geografia no Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.4, n.8, p.166-176, 1991. p.172.
246 WIRTH, 1982, p.61.

272
Figura 21: Croquis de Yves Leloup, busca mostrar a concentração
da população e do sistema viário do estado na zona ao sul do
paralelo 19. Este corte tornou-se paradigmático nas
interpretações geográficas sobre Minas Gerais.
Fonte: WIRTH,1982.

Figura 22: Detalhe da folha Aimorés (1931), com o extremo norte do mapeamento: o rio Doce, o
paralelo 19.
Fonte: APM (MG)

Mesmo nos anos seguintes, as demais folhas publicadas não


ultrapassariam essa linha imaginária, a comprovar que todo o investimento
público em mais de cinqüenta anos na produção da carta topográfica resultariam
efetivamente na cobertura das regiões mais ricas e influentes do estado. Ao final,
a dimensão física representada nos mapas da CGG cortava ao meio o corpo da
pátria mineira. Será preciso uma outra cartografia para representar a totalidade
territorial e política imaginada e sob a qual se construíram as estratégias
políticas que sustentaram o discurso da unidade e da identidade mineira por toda
a Primeira República. Essa outra cartografia seria produzida no âmbito das
comemorações do centenário da Independência do Brasil.
273
274
6 MAPAS E PERCURSOS: A PRODUÇ ÃO IMAGÉTICA E TE XTUAL

DA COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA

Abandonamos nesta seção a perspectiva diacrônica que vem orientando a


narrativa para tratar de dois aspectos dos processos de mapeamentos: a
fabricação intelectual e operacional dos mapas e as relações possíveis entre texto
e imagem na produção da CGG.247 Esses aspectos dos mapeamentos apresentam
uma coerência em suas práticas, formas e conteúdos que ultrapassa a
historicidade das conjunturas distintas das duas fases de existência da comissão
(final do século XIX e anos 20) para emergirem numa outra temporalidade, afeta
ao tempo mais longo da construção dos saberes técnico-científicos, especialmente
do saber cartográfico. No arco temporal de quarenta anos que cobriu em justa
medida o período consagrado pela historiografia como da Primeira República, a
comissão viu partidas as suas atividades por um intervalo de mais de vinte anos,
mas manteve uma relativa homogeneidade de procedimentos e de produtos –
sejam textos técnicos, relatórios ou mapas – que permite uma análise do conjunto
das operações e da produção. A coesão do conjunto não impede, entretanto, que
por vezes o presente histórico vivido e a subjetividade do ator que o inscreve
surjam em sua especificidade, enrugando o tecido liso da narrativa ou da imagem
técnica.

6.1 O mapa fabricad o entre o ca mpo e o gab inete

A cada ano, os trabalhos repetiam uma rotina predeterminada e ajustada


ao método de mapeamento. A atividade em campo cobria os seis meses da estação
seca, entre abril e setembro, e consistia numa frente de trabalho que avançava
com a definição dos vértices, a medição dos ângulos e a extensão da chamada
triangulada, sendo seguida pelos trabalhos de topografia, os chamados

Para os fins da presente análise, incluímos na designação de CGG tanto a Comissão Geográfica
247

e Geológica de Minas como a Comissão Geográfica de Limites, por entendermos que as duas
comissões eram parte do mesmo programa de mapeamento.

275
caminhamentos, mais lentos e detalhados. A rede trigonométrica era tecida pelo
conjunto dos técnicos, pois enquanto os trianguladores determinavam e mediam
os triângulos de primeira ordem, os topógrafos percorriam a mesma região
demarcando os triângulos de segunda e terceira ordem, de forma a
gradativamente irem adensando a malha de linhas imaginárias que, reproduzida
nos croquis de campo, permitia, pelos cálculos matemáticos, a representação da
paisagem sobre o papel.

Desde esse primeiro momento do mapeamento, já os técnicos se


confrontavam com as escolhas que deveriam ser feitas sobre quais elementos
apreendidos sensorialmente no espaço investigado seriam recortados para compor
a paisagem gráfica em fabricação. Isso porque a determinação dos pontos, ou
vértices, da triangulação era uma escolha dos trianguladores e topógrafos, que
elegiam no terreno aqueles elementos que nela ganhavam destaque, fossem
marcos naturais como picos ou cumes de serras, ou culturais, como torres de
igrejas, cruzeiros ou mesmo fazendas. A localização dos pontos das trianguladas
era fundamental para a posterior representação do relevo, pois então eram
medidas as cotas de altitude. Muitas vezes esses pontos eram totalmente
artificiais, estruturas de madeira erguidas na paisagem a balizar o avanço da
triangulação.248

O engenheiro-chefe Augusto de Abreu Lacerda era particularmente


rigoroso com a armadura dessa teia de triângulos, para a qual preconizava um
balizamento prévio e instruía seus subordinados:

Do alto de cada pico proeminente, o topógrafo faz o giro do horizonte,


visando cumes longínquos, as árvores e pedras isoladas, as torres, etc [...]
Nessa primeira visita ao sinal, que em certas circunstâncias pode ser a
única, o engenheiro procede à leitura repetida do barômetro e psicômetro,
e, com o teodolito, lendo os dois verniers, visa os pontos notáveis do terreno

248 Dada a instabilidade das políticas públicas de mapeamento, que começavam e eram suspensas
ao sabor das conveniências políticas e/ou econômicas dos governos, esses marcos eram
abandonados na paisagem, destruídos pelo tempo ou pela ação dos homens. Quando um
mapeamento era reiniciado numa determinada área, a procura pelos marcos originais da
triangulação era o primeiro desafio das equipes em campo, cujo êxito ou fracasso poderia ser
determinante no ritmo e qualidade da nova operação cartográfica.

276
por onde possa passar o topógrafo, que delineia a vasta topografia dos
terrenos.249

O procedimento da triangulação consistia então no estabelecimento das


distâncias entre os marcos e na tessitura de uma primeira rede de triângulos,
denominada de primeira ordem, seguida pela redivisão dos triângulos pela
definição de pontos internos, que definiam uma rede mais apertada, a de
segunda ordem. Os pontos de visada eram os marcos onde essas medições eram
efetuadas. Enquanto o triangulador definia a rede de primeira ordem, cabia ao
topógrafo, cuja campanha sucedia à da triangulação, o desenvolvimento da
segunda rede, sempre que o seu caminhamento pela região lhe permitia
visualizar três marcos.

Figura 24: Esboço do horizonte visto do sinal de Santa Rita (1894). Um croqui de campo
mostra o giro de observação do topógrafo, que nomeava e hierarquizava os marcos físicos e
culturais da paisagem.
Fonte: BOLETIM, 1894.

LACERDA, Augusto de Abreu. A bacia do rio das Mortes. Boletim, Belo Horizonte, Comissão
249

Geográfica e Geológica do Estado de Minas Gerais, n.3, 1895. p. 20.

277
Figura 25: Detalhe da folha São João Del-Rei (1895), com o sinal de
triangulação da serra de Santa Rita (triângulo com a cota de altitude), de onde
foi observada a linha de horizonte representada no esboço acima
Fonte: IGA.

Figura 26: Sinal da serrinha do Ibitipoca (1894). Nomeação, medição e esboço


gráfico complementam-se na escolha dos pontos nodais da rede triangulada.
Fonte: BOLETIM, 1894.

278
Figura 27: Croquis de uma caderneta de campo da CGG (1896). Elementos
destacados na paisagem para se configurarem como pontos de visada e de
amarração da rede de triangulação: fazenda, cruzeiro, capela, árvore ou pico
rochoso. Uma eleição que não discriminava a natureza física ou cultural do
marco.
Fonte: SILVEIRA, [1927].

A tessitura da malha de triângulos e o bordado do desenho topográfico


progrediam de ano para ano no sentido espacial – avançando em graus pelo
território – e no sentido do controle e refinamento da representação. Lacunas da
triangulação deixadas no ano anterior eram cobertas, e refeitos os
caminhamentos, às vezes percorrendo-se a região por outros caminhos e fazendo
visadas e observações por diferentes ângulos.

Definida a região a ser mapeada naquele ano, as equipes eram divididas no


campo entre os trianguladores e os topógrafos. Entre a primeira e a segunda fase
da CGG houve um expressivo aumento do número de participantes, mas a divisão
das tarefas permaneceu basicamente a mesma.250 Cada um dos técnicos –
engenheiros, agrimensores ou topógrafos – formava então sua pequena equipe, a

250No ano de 1928, a equipe chegou a contar com seis trianguladores e dezessete topógrafos.
RELATÓRIO anual apresentado ao Exmo. Sr. Secretário da Agricultura Dr. Djalma Pinheiro
Chagas pelo engenheiro chefe da Comissão Geográfica do Estado de Minas Gerais. [Belo
Horizonte]: 1928. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de
Minas Gerais.

279
turma, e partia para o campo com seu arsenal, assim descrito por Lacerda em
1891:

Os instrumentos da turma de um engenheiro-ajudante compõem-se de um


teodolito, barômetro de Fortin, termômetro livre, bússola, aneróide de
algibeira e podômetro. Dois animais de carga e dois camaradas
transportam a bagagem – barraca, instrumentos, mantimentos e trem de
cozinha.251

Trinta anos depois, outro documento descrevia toda a bagagem do


triangulador Antônio Tavares, um pouco menos escassa, mas por si mesma
reveladora das mesmas necessidades técnicas e condições de trabalho de campo
nos dois períodos, uma mistura de instrumentos técnico-científicos de medição e
desenho, equipamentos para romper trilhas e sobreviver no campo e a força
motriz dos animais:

[...] duas caixas contendo o teodolito de Casela, um tripé do mesmo,


encapado, uma bússola de mão, um aneróide pequeno, um podômetro, uma
escala, um transferidor, dois pares de canastras pretas, duas barracas,
grande e pequena, uma trena, um machado, uma foice, uma machadinha,
um puxavante, uma torquês, um martelo de ferrar animais, um martelo
grande, um binóculo maior, outro menor para o ajudante, uma cavadeira,
três animais de carga associados.252

Em sua longa itinerância, os técnicos terminavam por viver acampados por


meses, longe de suas famílias, e seus relatórios técnicos expunham, por vezes, nas

251 MINAS GERAIS. Secretaria do Interior. Relatório apresentado pelo secretário interino do
Interior ao Exmo. Sr. Vice-presidente do Estado de Minas Gerais: trabalhos da Comissão
Geográfica do Estado de Minas Gerais, 1891. Minas Gerais, Ouro Preto, ano 1, n.74, 7 jul. 1892c.
252 RELAÇÃO dos objetos em poder do triangulador. [Manuscrito assinado por Antônio Tavares

em 8/6/1922]. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas


Gerais.
Parte da documentação de ordem administrativa e contábil preservada, apesar de muito
fragmentada, revela traços dos trabalhos cotidianos da CGG. Alguns desses documentos, relativos
aos anos 1920, tratam de um dos elementos mais importantes na infra-estrutura do trabalho de
mapeamento: a manutenção da tropa de burros e os problemas com os animais em campo. Meio de
transporte e de carga nos serviços de campo, essencial na condução dos aparelhos e apetrechos de
abarracamento, o rebanho de burros ocupava boa parte da correspondência interna entre
membros e dirigentes, tratando da sua aquisição, alimentação, condições de pastagem ou
demandas de selaria. A documentação consultada é pródiga na revelação dos inúmeros produtos e
equipamentos necessários à manutenção da tropa: cangalhas, cangalhetas, canastras, arreios,
selas, ferraduras, sacos de milho, ferros de marcar, raspadeiras, bruacas, embornais, alforjes, sal
grosso. A manutenção da tropa era item relevante entre as despesas do programa, e para sua
manutenção o governo do estado doou à comissão um terreno nos subúrbios da capital, a fazenda
Bom Sucesso.

280
justificativas por atrasos no cumprimento de metas, as muitas dificuldades
experimentadas na procura por um sítio para o acampamento, na fuga ou morte
do animal, nos descaminhos pelas regiões desertas, nos perigos das epidemias.
Tratava-se de um trabalho áspero, admitia Lacerda em 1893, a justificar a
instabilidade da equipe pelo constante abandono do emprego pelos engenheiros
quando outros mais vantajosos lhes [eram] oferecidos.253 A instabilidade
estendia-se aos camaradas, ajudantes e guias recrutados entre a gente do lugar,
uma das raras faces permeáveis do trabalho oficial em relação ás populações das
regiões mapeadas.

As dificuldades e desafios no levantamento no terreno estavam longe de se


restringir aos problemas de conforto e segurança. O uso, transporte e manutenção
dos instrumentos era um permanente desafio na produção de um saber fundado
na precisão da leitura da paisagem. Alguns instrumentos quebravam durante a
viagem, outros eram danificados pela inabilidade de seus operadores. Nos
relatórios, a referência à origem e à marca dos instrumentos – quase sempre
americanos – conferia rigor à descrição dos procedimentos. A posse de um
instrumento de qualidade superior era um diferencial entre os grupos e as
equipes; há diversos relatos de troca, empréstimos e acordos para medições em
conjunto em função dessa vantagem técnica, especialmente entre as equipes que
trabalhavam nos mapeamentos de fronteira.

Particularmente interessantes foram as trocas praticadas entre a


Comissão Geográfica e a Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC).
Premida por um cronograma apertado e pelo compromisso com a instauração da
modernidade e da racionalidade em todos os seus procedimentos, a comissão
construtora encarou os trabalhos cartográficos – que compreendiam a
triangulação geodésica e o mapeamento topográfico e cadastral do sítio escolhido
– como um verdadeiro tour de force, segundo as palavras do engenheiro Samuel

253MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório do chefe da


Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas, engenheiro Augusto de Abreu Lacerda. In:
____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do estado de Minas Gerais pelo Secretário de estado
dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano
de 1893. Anexo A. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1893c. p.9.

281
Gomes Pereira254, repetidas pelo chefe da comissão, o engenheiro politécnico
Aarão Reis. De forma mais acentuada do que na CGG, os relatos dos engenheiros
da CCNC deixam entrever uma preocupação com o controle das medições, a
revelar que, em mapeamentos de grande escala, a angústia do erro assaltava
permanentemente os responsáveis pela produção cartográfica.255 A minimização
dos erros passava pela adoção dos métodos mais precisos e de compensação, mas
especialmente pelo controle dos instrumentos, motivo das constantes reclamações
dos engenheiros: atrasos nas compras no Rio de Janeiro e no exterior, inabilidade
no uso, inexistência de material para pequenos consertos. De forma aguda, a
comissão construtora expunha os problemas técnicos que eram parte do cotidiano
das comissões geográficas. O improviso e a criatividade passavam, nessas
condições, a garantir a continuidade das operações, e a circulação dessas soluções
era parte de uma solidariedade tática a proteger as equipes técnicas [...]da
ignorância daqueles que pressionavam e que não conheciam os métodos da
ciência.256

Discorrendo sobre os procedimentos para medição da base geodésica que


daria início à rede de triangulação, o engenheiro responsável pelos trabalhos,
Eugênio Raja Gabaglia, em relatório de 1895, informava ter adotado o mesmo
método da CGG, assimilado pelo primeiro boletim da mesma e por instruções
orais fornecidas pelo engenheiro Abreu Lacerda. A cooperação passou ainda pelo
empréstimo da fita de aço importada, utilizada na medição, e pela adoção do

254 Engenheiro chefe da Divisão de Estudos do Solo da CCNC.


255 Por ser fundada na precisão matemática e geométrica das medidas de campo, a triangulação,
método inventado ainda no século XVII na Holanda, só muito lentamente foi sendo adotada entre
os países que praticavam os grandes levantamentos topográficos de seus territórios. O avanço do
método no século XIX ocorreu paralelamente ao aprimoramento dos instrumentos e à construção
de uma teoria dos erros, fórmula matemática para modelizar e controlar os erros, criada por C. F.
Gauss. Esses processos de controle dos erros passaram a ser adotados por todos os países que
tinham seus territórios cobertos por redes de triangulação, os quais tinham que repartir entre si
os erros das medidas mesmo que os processos nacionais fossem diferentes. A construção de uma
rede geodésica internacional foi uma das primeiras iniciativas dentro do movimento mais amplo
de internacionalização das ciências e das técnicas no século XIX. A Associação Geodésica
Internacional, criada em 1864, foi a primeira associação científica internacional.
JOZEAU, Marie-Françoise. La mesure de la Terre au XIXe siècle: nouveaux instruments,
nouvelles méthodes. In: BEAUNE, Jean-Claude (Dir). La mesure; instruments et philosophes.
Mayenne: Champ Vallon, 1994.
256 RELATÓRIO com justificativa pelo atraso na execução dos trabalhos. S/l: 189-. APCBH. Fundo

Comissão Construtora da Nova Capital de Minas. Trata-se presumivelmente de relato do


engenheiro Eugênio Raja Gabaglia, chefe da seção de Geodesia da CCNC.

282
modelo de base de apoio da mesma fita, as cruzetas movediças, de invenção do Sr.
Lacerda.257

Operação inaugural de todo o processo de construção das redes de


triangulação, a medição das bases geodésicas envolvia sempre uma certa
ritualística, certos protocolos devotados à minimização do erro. Homens e
instrumentos conjugavam-se para garantir a exatitude da medida inaugural,
como foi particularmente perceptível na solene medição da base da Roseira, que
envolveu a participação de duas comissões geográficas, a mineira e a paulista. A
aferição dessa fita, que se fazia pela comparação com outras fitas semelhantes,
era motivo de permanente preocupação e investimento, e um dos principais
pontos de contato entre os grupos dedicados aos mapeamentos geodésicos no país.
O engenheiro chefe da comissão de limites de Minas Gerais, Augusto de
Vasconcellos, narrava em 1898 um processo de aferição que conjugou as
comissões mineira e paulista, a Escola Politécnica de São Paulo e a comissão da
carta cadastral do Rio de Janeiro. Esses esforços não lograram, entretanto,
constituir uma verdadeira rede entre os protagonistas dos mapeamentos. A
superação do problema com a aferição das fitas de aço se deu no campo das
inovações técnicas, com a invenção do chamado fio invar, adotado
internacionalmente a partir de 1905. Quando da reinstalação da CGG nos anos
vinte, uma compra de equipamentos franceses garantiria o aparelhamento
suficiente para as suas medições, superando as dificuldades do passado.258 Os
relatos da CGG nessa segunda fase praticamente não citam mais as dificuldades
oriundas da precariedade dos instrumentos, o que parece indicar uma
estabilização e consagração dos procedimentos e dos instrumentos utilizados
nesse período.

Retornando às condições de fabricação dos mapas no campo, cumpre


ressaltar que o trabalho de triangulação pressupunha, além da acuidade dos
instrumentos e do olhar do triangulador e do topógrafo, a ocorrência de condições
atmosféricas satisfatórias para as grandes visadas e a medição das cotas de

257 RELATÓRIO encaminhado ao Chefe da 4ª. Divisão da CCNCM pelo Chefe da 1ª. Seção. S/l:
1895. APCBH. Fundo Comissão Construtora da Nova Capital de Minas.
258 SILVEIRA, Álvaro da. Topografia. São Paulo: Melhoramentos, [1927]. p.155.

283
altitude pela pressão atmosférica. Essa exigência condicionava fortemente o
trabalho, e os relatos narram as muitas situações de atraso ou interrupção dos
trabalhos devidos às chuvas, aos nevoeiros, ou à fumaça proveniente das
queimadas das matas. A vegetação cerrada também era vista em determinadas
situações como um obstáculo, tanto para a expansão do horizonte e da observação
visual como para a colocação dos marcos, embora, na maior parte das vezes, os
relatos condenem a constante derrubada e queima indiscriminada das matas.259
Em 1923, o triangulador Antônio Tavares narrou o fato de ter despendido quinze
dias para colocação do marco de um sinal, devido à vegetação encontrada na sua
região, a zona da mata,

[...] onde a lavoura de café e de cereais é muito antiga e constante, era de


se supor que já houvesse falta de mato. Pelo contrário, é o mato o maior
obstáculo à triangulação. Nas serras ou nos morros mais altos, procurados
para os vértices dos triângulos, há quase sempre mato fechado, mato de
machado, ainda que nas encostas haja lavoura de café ou cereais. Nem
sempre se pode evitar o alto coberto de mato, colocando o vértice do
triângulo em outro lugar descoberto nas proximidades [...]
Comumente o mato obriga a uma exploração mais demorada e cuidadosa,
mas também cansativa. Todavia o estímulo da esperança de encontrar o
ponto favorável e o prazer sentido depois de encontrá-lo, é suficiente
compensação para o triangulador.260

A adversidade desses fatores climáticos ou humanos eram exponenciados


segundo a fisionomia da paisagem, outro elemento que forçava a mudança do
ritmo ou da direção da rede de triângulos. Isso ocorreu particularmente nos
trabalhos da comissão de limites, cujos primeiros triângulos foram determinados
em meio à fumaça das queimadas, às chuvas copiosas e à sombra dos picos das
montanhas mais altas, constantemente envoltos em denso nevoeiro.261

259 As observações críticas sobre queimadas e derrubadas de matas, vistas no conjunto dos
relatórios de campo produzidos pelas comissões, constituem um consistente inventário dessas
práticas por toda a região mapeada. São, por outro lado, um rico testemunho da existência de uma
mentalidade preservacionista e racionalizadora do uso dos recursos vegetais presente entre os
engenheiros das comissões, categoria social a meio caminho entre uma elite científica e letrada e
as camadas médias do funcionalismo público.
260 RELATÓRIO apresentado pelo engenheiro chefe da Comissão ao senhor Secretário da

Agricultura, Indústria, Viação e Obras Públicas; exercício de 1923. IGA. Setor de Limites.
Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais. p.28-9.
261 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Seção de Limites. In:

____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de

284
A serra da Mantiqueira foi uma das regiões mais desafiadoras para o
trabalho cartográfico empreendido pela comissão de limites, como relatou o chefe
Augusto de Vasconcellos em 1895:

A serra da Mantiqueira tem oferecido grande dificuldade no


desenvolvimento da rede de triângulos; os nevoeiros tão freqüentes
naquela serra, os picos escarpados e difíceis de subir, os péssimos caminhos
e a vegetação que se encontra em muitos lugares onde é forçoso colocar
sinais, tudo isso tem sido a causa da morosidade deste importante
serviço.262

O mesmo engenheiro detalhou, em outro documento do mesmo ano, os


motivos do atraso da triangulação na região da Mantiqueira,

[...] uma zona que não pode ser pior, – quase todos os altos cobertos de
mato; picos escarpados aonde com dificuldades se sobe; precipícios a cada
momento aonde um descuido qualquer pode ser fatal!
É nestes lugares onde o explorador gasta tempo e cansa-se à procura de
pontos que satisfaçam as exigências de uma boa rede de triângulos. Sobe
um pico aonde chega depois de penoso trajeto por caminhos ínvios,
saltando aqui agarrando acolá; e muitas vezes todo o sacrifício é perdido!
Para colocar ali um sinal que se possa ligar a outro, aparecem logo
embaraços: são precisas derrubadas em tais e tais pontos, e uma aberta
acolá; e para evitar trabalho, o que atrasaria muito e para fazer o serviço
com economia lá se vai o explorador caprichoso em demanda de outro
ponto.263

É importante ressaltar que, no caso dos mapeamentos das comissões de


limites, as dificuldades do terreno não poderiam ser contornadas com uma
mudança de direção ou região, uma vez que era a própria serra da Mantiqueira,
pela sua expressiva projeção na paisagem, o objeto principal do mapeamento,
traçando uma linha que, passando por sua cumeada e seus principais picos,
riscava a fronteira natural, consensual entre as partes beligerantes dos estados

Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr, Francisco Sá em o ano de
1895. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1895d. Anexo 4. p.43.
262 RELATÓRIO dos engenheiros da Comissão Geográfica de Limites com São Paulo e Rio de

Janeiro. Resumo do relatório do chefe da Comissão de Limites. 1895. APM. Fundo SI. Série
Limites. Subsérie Diversos. Cx. 11. p.2.
263 RELATÓRIO sumário dos trabalhos e negócios da Comissão Geográfica de Limites do Estado

de Minas com S. Paulo e Rio de Janeiro durante o 2º. trimestre, 1895, apresentado ao Sr. Dr.
Secretário de Estado da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. APM. Fundo SI. Série Limites.
Subsérie Diversos. Cx. 11. p.3.

285
federados. Uma landmark, no conceito estabelecido por Burnett: uma construção
geográfica que elegia entre os traços físicos de uma dada paisagem aquele capaz
de gerar enclausuramentos, fronteiras e, por força desse mecanismo, gerar
territórios e situações de posse.264
Explorar, medir e mapear uma landmark era desafio constante a que não
se furtavam os membros das comissões. Alguns dos marcos físicos mais
destacados, especialmente picos de grande altitude, eram objeto de atenção
especial, como ocorreu com o maciço do Itatiaia (ou Pico das Agulhas Negras), que
recebeu a visita da comissão de limites em 1895 e da comissão geográfica em
1922. Ambas as equipes buscavam mapear a linha divisória entre os estados por
sobre essa região montanhosa de grande beleza paisagística, que despertava o
interesse exploratório e científico de seus membros. A expedição de 1895 contou
com a prestigiada presença de Orville Derby que, segundo o chefe da equipe,
Augusto de Vasconcellos, [...] desejava colher amostras para os estudos geológicos
desta zona que em grande parte já lhe era conhecida. Em seu relatório,
Vasconcellos mostrou não ter sido possível alcançar o pico, concluindo otimista:
Não direi que as agulhas sejam incessíveis – é questão de tempo, boa vontade e
coragem.265
A retomada do mapeamento dos limites, já na segunda fase da CGG,
ensejou a oportunidade para que fossem refeitos os trajetos da zona montanhosa
das divisas entre Minas, Rio e São Paulo, para onde o topógrafo Benedito
Quintino dos Santos se dirigiu em 1922, explorando as serras de Aiuruoca,
Itatiaia e o Pico das Agulhas Negras. Seu relato, espécie de narrativa de viagem
e roteiro de explorações, mesclava a descrição dos perigos na subida do pico, o
encantamento romântico com a paisagem, o cientismo das notas técnicas

264 BURNETT, D. Graham. Masters of all they surveyed. Chicago: University of Chicago, 2000.
Segundo Burnett, as landmarks permitiam ao explorador em trânsito, na produção do seu mapa,
fixar pontos que possibilitavam a reconciliação do mapa com o terreno, ou seja, que projetavam
sobre a grade homogênea de latitudes e longitudes do mapa os traços do lugar, sua fisionomia
particular. A construção de landmarks eram cruciais na construção de fronteiras e na delimitação
de territórios. No caso da zona fronteira de Minas com os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, a
fixação da serra da Mantiqueira com uma landmark fora trabalho efetuado no tempo longo, desde
os primeiros cartógrafos que percorreram e mapearam a região no século XVIII.
265 RELATÓRIO sumario dos trabalhos e negócios da Comissão Geográfica de Limites do Estado

de Minas com S. Paulo e Rio de Janeiro durante o 4º. trimestre, 1895, apresentado ao Sr. Dr.
Secretário de Estado da Agricultura, Comércio e Obras públicas. APM. Fundo SI. Série Limites.
Subsérie Diversos. Cx. 11. s/p.

286
explicativas das formações rochosas e o pragmatismo da descrição dos seus
procedimentos na fixação de uma linha de limites na cumeada da serra, em
discordância com o trabalho feito anteriormente tanto pela comissão mineira
como pela fluminense.266

Ao longo dos caminhamentos, que se faziam comumente pelas estradas e


trilhas existentes, os topógrafos (e muitas vezes também os trianguladores) iam
levantando toda uma série de dados que, grosso modo, podemos dividir entre
aqueles relativos à fabricação do mapa propriamente dito (toponímia, hidrografia,
relevo, vegetação, estradas e toda uma série de outros elementos físicos e
humanos observados na paisagem) e aqueles relativos à produção de uma
corografia dos lugares visitados (dados sobre a economia local, gado, mineração,
população, condição das estradas, das fazendas, das culturas, dos núcleos
urbanos e muito mais). Enquanto o primeiro grupo de dados foi sempre norteado
pelas instruções legais, que discriminavam os principais elementos a serem
registrados nos mapas, o segundo subordinava-se à maior ou menor percepção e
capacidade crítica do explorador em campo e também à sua competência em
organizar e expor tais dados nos relatórios.267

266 O trecho é interessante pois mostra o argumento do topógrafo que, segundo suas palavras, se
baseou apenas nas suas observações em campo e somente teve acesso às opiniões divergentes após
as suas próprias conclusões. Santos faz referência ao mapa de Silveira, a quem é dirigido seu
relatório, mostrando como as informações circulavam entre a esfera restrita dos relatórios
administrativos para o campo aberto das publicações técnicas. O referido mapa era um croquis de
localização que foi publicado no livro Memórias Corográficas, no qual Silveira narrou a sua
ascensão aos picos mais altos do Brasil naquela época, o da Bandeira e das Agulhas Negras.
267 O extenso repertório de elementos anotados e de processos observados na relação entre o

conjunto dos mapas e dos textos produzidos será objeto da análise da seção 6.2.

287
Figura 28: Trecho da folha Bocaina (1923), relativo à região da Serra do Itatiaia. Dali
galgamos a serra Negra, passando pelo retiro do Bueno e Pedra Grande, apanhando
novamente o Aiuruoca junto de sua magnífica cachoeira que despenha de cerca de 80 m e
com uma potência aproximada de 500HP. Lutamos com as maiores dificuldades nesta
viagem até atingirmos a belíssima Vargem do Aiuruoca onde nasce o rio deste nome
[...]268
Fonte: APM.

O olhar do observador e a medida do instrumento parecem ter sido as duas


principais fontes dos dados obtidos em campo, às quais podemos acrescentar uma
terceira, menos citada nos relatos e por isso mais difícil de avaliar na sua efetiva
importância: as informações colhidas entre as pessoas do lugar, entre os saberes e
as memórias locais. Se todos os elementos eram posteriormente filtrados,
organizados e hierarquizados na representação gráfica, no trabalho de campo eles
eram apreendidos em sua totalidade, mas é certo que o desenho do relevo e o
detalhamento da hidrografia ocupavam a maior parte do tempo de exploração.

268 RELATÓRIO apresentado pelo engenheiro chefe da Comissão Geográfica e Geológica do Estado
de Minas Gerais ao senhor Secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas.
1922. Relatório do topógrafo Benedito Quintino dos Santos. IGA Setor de Limites. Documentação
da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais. p. 70.

288
Um procedimento importante na fabricação do mapa em campo, e um dos
poucos permeáveis ao conhecimento das populações locais e a um saber anterior,
era a fixação da toponímia. Percorrendo diferentes regiões, topógrafos e
trianguladores deparavam-se com uma rede toponomástica que poderia ser mais
ou menos rarefeita, de acordo com a densidade de sua ocupação.269 Aos olhos
estrangeiros dos topógrafos, preocupados com o registro de um vocabulário
toponímico passível de universalização através da carta, a toponímia fixada entre
as populações era precisa e consensual na nomeação dos grandes rios e marcos
orográficos, mas muito fluida e inexata no tocante aos afluentes de médio ou
pequeno porte, às serras e aos morros. Essa nomeação praticada na escala local,
entre a gente familiarizada com a paisagem, era entendida como um obstáculo ao
trabalho, como relatou o topógrafo Carlos Lindgren:

Para achar as denominações dos pontos geográficos, como altos, córregos


etc. também encontrei dificuldades; porque o povo do lugar ignora muitas
vezes o nome próprio, mas trata estes pontos com um diminutivo carinhoso
como: Ribeirãozinho, Serrinha, Morrinho, etc. como também em geral as
fazendas, só são conhecidas pelo nome do proprietário.270

A nomeação das fazendas era de fato uma preocupação constante dos


topógrafos no seu trabalho de campo, pois nas extensas superfícies formadas
pelas grandes propriedades rurais e pelas terras devolutas configurava-se um
deserto toponímico, apenas pontuado pela inscrição dos nomes dessas mesmas
propriedades e, na maior parte das vezes, de seus proprietários.

269 Para além de toda sua capacidade performativa de inventar (ou reinventar) um lugar, a
atividade cartográfica necessita de um vocabulário que permita a inscrição desses lugares no
mapa, constituído na maior parte das vezes pelos topônimos consagrados pela tradição ou pelo ato
de nomeação praticado pelo próprio cartógrafo. Na seção 3, ao abordar o mapeamento de limites,
discorremos sobre a importância da atividade toponímica no processo cartográfico, seguindo as
idéias de C. Jacob.
JACOB, Christian. L´empire des cartes: approche théorique de la cartographie à travers
l`histoire. Paris: Albin Michel, 1992.
270 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório do topógrafo

Carlos Lindgren. In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais
pelo Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr, Francisco
Sá em o ano de 1895. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1895e. Anexo B. p.52.

289
Figuras 29 e 30: Trechos das folhas Baependi (1897) e Lima Duarte (1899). A
escala definida para o mapeamento topográfico permitiu o inventário das
propriedades rurais, inscrevendo nos mapas uma rede toponímica repleta de
nomes de fazendas e de seus proprietários.
Fonte: APM.

290
O desenho da futura folha do mapa geral começava a ser elaborado ainda
no campo, o chamado mapa de campo, muitas vezes mencionado pelos
exploradores. Esse esboço, que trazia rascunhados os principais elementos
observados, era confeccionado à noite, na barraca, ou em dias especialmente
reservados para isso. O topógrafo Harold Hermeto indicou alguns desses
elementos que constavam

[...] no mapa de campo, por mim confeccionado na barraca, durante os


serviços. Neste mesmo “mapa” se acham traçados, embora grosseiramente,
os limites municipais, conforme me foram dadas informações pelos
presidentes das Câmaras que procurei, e pelo povo mais entendido do lugar
[...] No “mapa de campo” estão assinaladas as estradas, de grande trânsito
e particulares, assim como as de automóveis, por meio de convenções
adotadas, o que facilitará ao desenhista colocá-las na folha
definitiva.271(grifos do autor)

Todos os frutos das operações de campo, anotadas em inscrições textuais,


medidas e croquis, eram traduzidos, já no escritório, em imagens codificadas,
reduzidas em escala e padronizadas segundo convenções gerais e escolhas
específicas do programa de mapeamento em curso. Orville Derby chamou essa
etapa de coordenação ou generalização dos dados topográficos, a qual dependia da
capacidade pessoal e da subjetividade de cada topógrafo:

[...]é nessa parte do trabalho topográfico, mais do que em qualquer outra,


que se faz sentir a personalidade do topógrafo.
Como é impossível a dois indivíduos generalizarem em topografia uma
mesma área territorial sem que discrepem no modo de fazer desta
generalização, raramente um mapa assim obtido deixa de ser mais ou
menos idealizado. Salvo os pontos fixados trigonometricamente, os quais
aliás devem ser escrupulosamente multiplicados, o resto do desenho há de
ser sempre uma representação gráfica ao caráter e grau de apreciação de
cada um. Não obstante é este processo de trabalhar em topografia dos mais
eficientes, pois que sem ele, máxime em países imperfeitamente ocupados,
a cartografia seria altamente custosa, senão impossível.272

271 RELATÓRIO apresentado pelo engenheiro chefe da Comissão ao senhor Secretário da


Agricultura, Indústria, Viação e Obras Públicas; exercício de 1923. IGA. Setor de Limites.
Documentação da Geográfica e Geológica de Minas Gerais. p.52-6.
272 DERBY, Orville A. Retrospecto histórico dos trabalhos geográficos e geológicos efetuados na

província de S. Paulo. Boletim da Comissão Geográfica e Geológica da Província de S. Paulo, São


Paulo, n.1, 1889. p.19.

291
Os trabalhos de escritório iniciavam-se em torno de outubro e prosseguiam
até março, reunindo no escritório central os técnicos que exploraram o terreno
para a construção gráfica da rede de triângulos sobre a qual era feito o desenho
dos caminhamentos, na escala de 1:20.000. Em seguida esses desenhos eram
reduzidos para a escala final de 1:100.000, [...] esboçando-se o relevo do solo por
meio de curvas de nível espaçadas de 50 metros. 273 Ao engenheiro cabia ainda a
redução dos diversos desenhos à escala única através do uso do pantógrafo e o
traçado gráfico. Grande parte do trabalho de gabinete era dedicado à conferência
das medições dos ângulos, cálculos de altitude dos vértices, de coordenadas e das
tabelas necessárias à projeção das folhas no sistema policônico.274 Como no antigo
método de gabinete, certos dados ainda eram colhidos ou corrigidos a partir de
outras fontes e incorporados às imagens em construção, como os limites dos
municípios e o traçados de algumas estradas.

273 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório da


Comissão Geográfica e Geológica de Minas In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do
estado de Minas Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano de 1894. Anexo B. Ouro Preto: Imprensa Oficial,
1894c. p.4.
Cada uma das características técnicas dos mapas fabricados pela comissão trazia em si a herança
de experiências passadas e a aposta numa escolha entre possíveis modelos. Ao definir que a
representação do relevo seria feita em curvas de nível, a comissão inaugurava em Minas Gerais
um método de representação que só muito gradual e recentemente fora incorporado à produção
cartográfica, mesmo nos paises europeus e nos EUA. Segundo Norman Thrower, o método das
curvas de nível, embora precisasse com mais clareza os intervalos entre as cotas de altitude,
exigia uma leitura mais técnica e menos inteligível para os usuários devido à sua abstrata forma
de simbolização, diferentemente das hachuras, que buscavam representar mimética e
artisticamente o relevo. THROWER, Norman J. W. Maps and civilization; cartography in culture
and society. Chicago: Chicago University, 1996.
274 O método de projeção, assim como todos os procedimentos para a fabricação de uma carta, é

uma escolha entre muitas possibilidades. A projeção policônica, adotada pelo US Geological
Survey em todos os seus mapeamentos, desde sua criação em 1897, foi mais uma apropriação do
modelo americano pelas comissões geográficas brasileiras.

292
Figura 31: Detalhe do Esboço dos trabalhos na zona limítrofe com o estado do Rio
(1896). Comandada pela urgência no mapeamento da zona limítrofe, a comissão de
limites fez uso de uma base topográfica anterior na qual o relevo era representado
pelo método tradicional das hachuras.
Fonte: APM.

Figura 32: Detalhe do Esboço da zona explorada entre 1891 e 1893. Nesse primeiro
mapa produzido pela CGG, cuja finalidade era apresentar os primeiros resultados
regionais do mapeamento, as hachuras são utilizadas para realçar os marcos
altimétricos mais destacados, em especial aqueles que serviam de pontos nodais da
rede triangulada.
Fonte: APM.

293
Figuras 33 e 34: Detalhe das folhas Barbacena (1895) e Oliveira (1922). Entre a primeira e a
segunda fase da CGG observam-se poucas mudanças no projeto intelectual do mapeamento,
embora se observe um certo empobrecimento visual das imagens. O uso de hachuras para
destacar um elemento orográfico na paisagem, em conjugação com a leitura técnica da
topografia proporcionada pelas curvas de nível, aparece nas folhas da CGG nas duas fases de
produção, demonstrando a manutenção de um recurso visual tradicional que se baseava na
identificação icônica do elemento e na qualidade artística do desenho.
Fonte: APM.

Uma opção técnica importante mas quase nunca citada nos documentos
legais ou nos relatórios foi a adoção do meridiano do Rio de Janeiro, medido pelo
Observatório Nacional no Morro do Castelo, como o marco zero na grade de
longitude. A comissão poderia optar por outros meridianos internacionais, já
nessa época mais conhecidos e consagrados, como Paris ou Greenwich. O fato de
não tornar explícita ou debater as razões dessa decisão, que depende de uma
tradição ou convenção para ser adotada, parece sugerir um consenso na escala do
país pela adoção do meridiano do Rio de Janeiro. Essa decisão responderia,
assim, a uma tradição nacionalista de manter determinadas convenções
cartográficas como afirmações próprias de cada nação ou estado, tendência que só
ao final de século XIX começaria a ser substituída por uma maior
estandardização e internacionalização dos formatos e dos conteúdos
cartográficos.275 Enquanto o grau zero de latitude é o equador, ou seja, a posição a

275 Para o historiador da cartografia John N. Wilford, o primeiro passo no sentido do


estabelecimento de uma convenção internacional que permitisse a uniformização das regras
cartográficas – o que conduziria ao projeto do primeiro mapa do mundo, como ainda veremos – foi
a adoção da Convenção do Metro. Realizada em Paris em 1875, implicou na adoção, por diversos

294
meio caminho entre os dois pólos do planeta, o grau zero da longitude pode estar
em qualquer lugar, e por isso exige o arbítrio da autoridade cartográfica.276 Para
além das convenções nacionalistas, a opção pelo meridiano do Rio de Janeiro
permitiu um ajuste mais preciso da grade das folhas ao posicionamento
geodésico, pois, ao transportar o grau zero do meridiano do Rio de Janeiro para as
folhas da CGG, uma linha com o 1º grau a ocidente cortou o território a ser
cartografado em uma posição central, tanto em relação ao conjunto das primeiras
folhas produzidas como a todo o conjunto cartografado até o final dos anos
quarenta (ver fig.39).

Definido o meridiano, era possível construir a grade ortogonal das


coordenadas, sobre a qual se superpunha a teia poligonal da triangulação, para
enfim receber as linhas sinuosas e aleatórias dos elementos naturais e culturais,
como as curvas de nível, os leitos dos rios e os entalhes das estradas. Seguindo
uma ordem de cores predefinida, a imagem era então completada com a
distribuição, na superfície da carta, da representação dos elementos
inventariados (fazendas, povoações, minas, vegetação), e da inscrição das
medidas e da toponímia. Geometria, policromia, desenho, matemática e escritura:
a articulação dessas diferentes ordens de elementos dava forma e conteúdo aos
mapas.

A representação da maior parte desses elementos respondia a duas ordens


conjugadas de informações: a natureza do objeto e sua qualificação ou
hierarquização, segundo critérios estabelecidos no programa. A exemplo, as

países europeus e os Estados Unidos, do sistema métrico francês, criado no conjunto das reformas
da Revolução Francesa, como o sistema internacional de medidas. O impacto mais imediato na
cartografia foi [...] a introdução de uma linguagem mais simples e universal para a expressão da
escala dos mapas, que era o sistema representado em fração, a exemplo, 1/100.000 ou 1:50.000.
Por esse sistema de expressão de escala, qualquer medida da unidade, como 1 centímetro,
representaria 100.000 ou 50.000 unidades no terreno.
WILFORD, John Noble. The mapmakers; the story of the great pioneers in cartography – from
antiquity to the space age. New York: Vintage Books, 2002. p. 257.
276 Wilford (2002) mostrou como o meridiano zero foi objeto da escolha de cartógrafos e nações ao

longo da história. No século XIX, a uniformização começou a ser projetada com a Conferência
Internacional do Meridiano, realizada em 1884 nos Estados Unidos, a qual consagrou o
Observatório de Greenwich, na Inglaterra, como o lócus do meridiano zero internacional. O
estabelecimento do meridiano trouxe consigo a solução para o problema da convenção
internacional da hora, ao dividir o mundo em 24 zonas de tempo correlacionadas às longitudes. As
zonas e fronteiras do tempo, assim como a hora internacional, eram convenções que respondiam
às demandas oriundas da aceleração dos meios de transporte e de comunicações, como as estradas
de ferro, os telégrafos e a telefonia.

295
estradas eram desenhadas segundo seu potencial de trânsito; as povoações,
segundo seu tamanho; as bacias hidrográficas, em toda a sua hierarquia natural.
Todo um código visual era acionado para converter em recursos gráficos essa
diversidade de elementos, seja por traços icônicos ou símbolos convencionais. Se o
programa cartográfico tinha a ambição totalizante de tudo registrar e representar
no mapa, desde que compatível com a escala escolhida, particularmente
interessante foi o uso da distorção da escala, artificialmente diminuída, para
possibilitar a representação das plantas urbanas das povoações. Segundo
Silveira, buscou-se [...] indicar um esboço bastante aproximado, mostrando as
ruas e largos mais importantes [...] para ter-se uma exata idéia da conformação
dessas povoações.277 A exata idéia defendida por Silveira, antes que uma
distorção da realidade, era mais um artifício de exacerbação do efeito do real
sobre a carta.

Figura 35: Detalhe da folha Juiz de Fora (1924). As representações das plantas
urbanas foram propositalmente aumentadas a ponto de se tornarem visíveis na carta.
Fonte: Coleção particular.

277SILVEIRA, Álvaro da. As folhas da carta de 1/100.000 do estado de Minas. Revista Industrial
de Minas Gerais, Ouro Preto, ano 5, n. 27, p.40, 20 ago.1897.

296
O primeiro chefe da comissão geográfica e geológica, Augusto de
Vasconcellos, foi quem iniciou os estudos para a definição em detalhe do projeto
gráfico das folhas. Mas coube ao seu sucessor, Álvaro da Silveira, as decisões
finais sobre as primeiras folhas impressas, com as quais ficou definido, em suas
principais linhas, a linguagem visual de todo o conjunto posteriormente
elaborado. A concepção do formato final das folhas a serem produzidas e
impressas era o momento determinante na concretização do projeto intelectual
que promovera o mapeamento, pois significava a fusão de todos os elementos
inventariados e fabricados nas operações de campo e a sua tradução em um
suporte visual legível e utilizável pelo público. Tratava-se agora, nos termos de
Jacob, de dar concretude à pragmática da carta, ou seja, de estabelecer, através
das escolhas gráficas que condicionavam o seu formato, as possibilidades e
limites de sua leitura e de seu uso prático.
O conceito de pragmática da carta aproxima-se do conceito de protocolo de
leitura, como definido por Roger Chartier em seus estudos sobre as práticas de
leitura. Partindo do entendimento da leitura como uma prática criadora que
agrega novos significados ao texto proposto pelo autor, Chartier propôs o retorno
ao objeto impresso, para descobrir nele os vestígios da leitura e dos
condicionantes materiais de sua produção:

um tal estudo [...] não considera o impresso como um suporte neutro [...] mas
como um objeto cujos elementos e estruturas remetem, de um lado, a um
processo de fabricação [...] e, de outro, a um processo de leitura ajudado ou
derrotado pelas próprias formas dos materiais que lhe é dado a ler. 278

Tais elementos condicionantes da leitura/consulta aos mapas são múltiplos


e variáveis, compreendendo desde o tamanho e o formato, até legendas, títulos,

278 CHARTIER, Roger. Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. p.95. É a esse
processo de fabricação e às práticas de leituras, ou, podemos dizer, às modalidades de consulta dos
mapas, que remete o conceito de Jacob. Jean-Marie Goulemot é outro autor cujos escritos sobre as
possibilidades de produção de sentido da leitura concorrem para o entendimento das modalidades
de consultas das imagens cartográficas. Goulemot ressalta a multiplicidade dos fatores que agem
no processo de leitura, especialmente as experiências anteriores, a memória do leitor, pois os
saberes anteriores são agentes no deciframento do material oferecido à leitura. Jacob tratou desta
dimensão coletiva e intertextual do deciframento dos mapas ao analisar os topônimos, quando
afirma:Na carta podem coexistir estados de conhecimentos pertencentes a épocas diferentes da
história da geografia. Há uma capitalização de um saber enciclopédico, sem aparecer os estratos
que o constituíram. JACOB, 1992, p. 309.

297
inscrições de créditos de autorias ou datas, códigos de articulação das folhas e
outros. No caso das folhas do mapa da CGG, o formato geral já havia sido
estabelecido desde que a concepção original do mapeamento se fundara nos
modelos dos grandes mapeamentos topográficos seriados, em especial os surveys
americanos. Concebidas em uma escala que não admitia a visualização integral
do território cartografado, as folhas seriadas e articuladas priorizavam a
legibilidade do detalhe topográfico e o manuseio do suporte modulável, embora
exigissem do usuário o exercício intelectual de reintegração de um território
recortado, deixando aberta a possibilidade teórica de cicatrizar o corte colando as
margens e restaurando a integridade do espaço.279

Figura 36: Folha índice do mapeamento topográfico do estado de Massachussets, Estados


Unidos, mostra o procedimento que serviu de modelo ao plano da CGG: a partir da grade
de meridianos e paralelos, a representação do território é recortada para ser recomposta
como um mosaico geométrico, presidido pelo objetivo de tornar as folhas manipuláveis
sem comprometimento da legibilidade.

279 JACOB, 1992, p.110.

298
Dirigindo-se ao futuro público usuário dos mapas da CGG, Álvaro da
Silveira descreveu, em artigos publicados em 1896 e 1897280, os recursos gráficos
que possibilitavam o processo de reintegração das partes recortadas e a
continuidade da leitura dos elementos que cruzavam de uma folha a outra: a
inscrição dos títulos das folhas contíguas nas molduras laterais da imagem, um
número por ele codificado e inscrito à esquerda do título, e a reprodução no seu
verso de um quadro que unificava as diversas partes.

Mas se o modelo das cartas moduláveis, que foi o mais largamente adotado
nos mapeamentos topográficos em todo mundo, interditava ao usuário a visão em
completude e impedia que os limites reconhecíveis, as formas familiares de uma
determinada área fossem visualizados, uma outra modalidade de consulta era
então acionada. O trecho abaixo citado, de C. Jacob, é particularmente claro na
descrição dessa nova legibilidade dos mapas que foi introduzida com os mapas
seriados de grande escala:

Paradoxalmente [...] o recorte e a uniformidade geométrica da imagem


quadrada ou retangular que delimita cada uma das cartas topográficas
suprimem todas os traços que tornam a forma de um país familiar: esta
forma se dilui nas porções de espaços abstratos, recortados segundo o
arbítrio de uma convenção geométrica, anônima, porque não correspondem
[...] a nenhuma região nominada. [...] A carta topográfica é tão detalhada
que conduz à experiência intelectual do deslocamento (dépaysement), da
exploração e da redescoberta de um espaço no entanto familiar. Reunir o
conjunto, restabelecer as continuidades e as contigüidades, é ver o regional
emergir do local, e o nacional reconstituir suas formas pouco a pouco. 281

280 SILVEIRA,Álvaro da. Geografia: informações sobre as folhas da carta geográfica do Estado de
Minas Gerais. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, ano 3, n.18/19, 15 jun./ 15 jul.
1896.
SILVEIRA, 1897.
281 JACOB, 1992, p.113.

299
Figuras 37 e 38: Detalhes das folhas contíguas São João Del-Rei e Barbacena: para uma leitura
contínua dos espaços recortados, a pragmática da carta prescrevia a observação dos títulos nas laterais
de cada imagem.
Fonte: APM.

Figura 39: Quadro reproduzido no verso da folha Muzambinho (1939), uma das
últimas a serem publicadas, mostra todas as folhas que foram produzidas pelo
mapeamento topográfico concebido pela CGG. Além de permitir a localização de cada
folha no conjunto, esses quadros – chamados cartas-índices – forneciam a chave de
conexão entre as partes e a única visão, ainda que esquemática, da totalidade da
área representada cartograficamente.
Fonte: Coleção particular.

300
Como cada folha continha uma parcela anônima do território, ou seja, sem
forma, limite ou nominação próprias, o título também era parte dessa seqüência
de arbitramentos a cargo dos autores intelectuais do mapeamento. Decisão em
nada simples ou óbvia, pois o título é o lugar privilegiado de enunciação do objeto
cartografado e de seu uso; a eleição do nome do mapa diz muito sobre seu
significado. Entretanto, no caso da CGG mineira, Álvaro da Silveira, em geral
mais prolixo, não conferiu em seus textos qualquer sentido especial às escolhas
realizadas: [...] cada folha tem um título que corresponde a um dos nomes das
povoações nela figuradas.282 Mas porquê uma povoação e não outra? Do exame do
nomes escolhidos, é possível saber que o título consagrava em geral as povoações
maiores ou mais ricas de cada circunscrição, mas sem lastro numa centralidade
geométrica, política ou de qualquer natureza, pois as áreas recortadas não
configuravam regiões orgânicas e articuladas. Os nomes das localidades
escolhidas, ao migrarem para o título da folha, não carregavam consigo uma
aspiração de domínio ou representatividade sobre o espaço cartografado.
Referências espaciais pouco precisas, os títulos das folhas da CGG eram nomes
neutros, discretos, pouco mais do que os números com que muitos mapeamentos
topográficos seriados da mesma natureza reduziam cada folha em particular.

Outro componente da pragmática das folhas eram as legendas. Como


mostrou Jacob, a legenda diz muito sobre a finalidade das cartas na medida em
que traduz e hierarquiza elementos ininteligíveis visualmente e introduz um
espaço de consulta para o usuário, no trânsito entre os signos e símbolos
convencionais e a linguagem verbal. Os elementos discriminados na legenda
obedeceram a um padrão que perdurou em quase todas as folhas publicadas pela
CGG ao longo dos anos, com variações de elementos pontuais em função de
particularidades locais. Como uma característica das folhas da CGG é a pouca
hierarquização visual dos elementos283, dispersos de forma homogênea pela
superfície do mapa, a legenda exercia esse papel mediador.

282SILVEIRA, 1896, p.167.


283Por hierarquia visual queremos sugerir o uso de soluções gráficas como destaque nas cores ou
no tamanho dos símbolos que concorresse para o destaque de determinados elementos ou
fenômenos.

301
Figura 40 e 41: Detalhes da legenda da folha São João Del-Rei (1895). Observa-se o uso
articulado de diferentes códigos visuais – signos miméticos ou convencionais, cores, caligrafia
– para a discriminação e hierarquização dos elementos e processos cartografados: além dos
elementos descritivos da paisagem física (vegetação, relevo, hidrografia) e cultural (limites,
rede urbana), clara ênfase foi dada aos meios de transporte e comunicação e aos recursos
naturais.
Fonte: APM.

Em sua concepção original, as folhas, em uma tiragem de mil exemplares


cada uma, seriam impressas em quatro cores. Como expôs em seu relatório de
1896, Silveira elevou a tiragem para dois mil exemplares, e refinou o uso da cor,
assim descrito:

Cada folha é tirada em cinco cores: preta, azul, vermelha, verde e sépia. O
preto é utilizado para todos os nomes à exceção de cursos d’água; para a
representação de casas, igrejas, cemitérios, fábricas, explorações de minas,
estradas de ferro, estradas de rodagem de importância secundaria, limites
de municípios, etc.
O azul para representar cursos d’água e para os nomes destes, grotas
secas, lagoas, brejos e acidentes que tiverem relação com esse gênero de
fatos naturais.O vermelho para representar estrada de rodagem de grande
trânsito, estradas de ferro em construção, estações de estradas de ferro,
navegação fluvial, etc.
O verde para representar tudo o que se relacionar com a vegetação. O sépia

302
para a representação do relevo.284

Essa paleta de cores correspondia ao processo geral de padronização da


linguagem cartográfica a partir dos modelos criados em países como os EUA. Nos
surveys americanos, observa-se o mesmo uso do preto para os traços culturais, do
azul na rede hidrográfica ou do sépia nos traços do relevo. Por outro lado, esse
padrão de cores seguia o que o historiador da cartografia P. Harvey285 chamou de
herança pictórica, uma longa tradição que permanecia, ainda que como resíduo,
no mais realista dos mapas topográficos elaborados no período.

Figura 42: Detalhe do mapa de Chrockatt de Sá (1893?), o primeiro mapa oficial do


estado a ser publicado em cores. O uso convencional das cores preto (inscrições
textuais), vermelho (estradas) e azul (rede hidrográfica) para os elementos
definidos como linhas ou pontos convive com as zonas de cor, que representam, de
forma genérica e imprecisa, regiões limítrofes ou marcos orográficos.
Fonte: APM.

284 MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Estado da

Agricultura do Estado de Minas Gerais pelo Inspetor de Terras e Colonização, Dr. Carlos Prates
em 1896. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1896b. p.112.
285 HARVEY, P. D. A. The history of topographical maps; symbols, pictures and surveys. London:

Thames Hudson, 1980.

303
Figura 43: Detalhe da folha Luminárias (1897). Fiel á concepção de uma carta
inventário, nas folhas da comissão geográfica, a cor é um componente a distinguir com
precisão os elementos selecionados na paisagem topografada, sem o recurso às
manchas coloridas que fundem elementos.
Fonte: IGA.

Figura 44: Detalhe do Esboço dos trabalhos entre 1894 e 1895, Comissão de Limites
(1897). Devido ao seu objetivo principal de relatar em imagem o andamento dos
trabalhos de campo, esta carta recorre á cor em manchas, linhas e pontos para fazer
realçar os elementos essenciais da representação: as linhas de limites definidos, os
caminhamentos realizados, as zonas fronteiriças em processo de diferenciação.
Fonte: APM.

304
A discriminação da complexa cobertura vegetal foi simplificada para
apontar apenas duas categorias – campo e mato – que, segundo o chefe da
comissão Álvaro da Silveira, ele próprio um botânico, apenas poderiam contribuir
no futuro inventário das áreas desflorestadas:

Certo é que a grande categoria de vegetação natural denominada


mato, principalmente entre nós, onde os diversos ramos da lavoura atual
devastam-no desapiedadamente, sem se importar com o que daí provirá e
se fará sentir pelo menos em certas regiões, em futuro não muito remoto,
não constitui um acidente de caráter permanente ou ao menos estável por
longo tempo, e portanto, as indicações da carta, sob este ponto de vista,
podem falhar algumas vezes, isto é, os lugares em que ela indica haver
mato podem apresentar no fim de algum tempo apenas os destroços dessa
vegetação - pastos, carrascais, samambaiais, etc. Porém, mesmo nestas
condições não se pode negar a utilidade dessa indicação, pois que ao menos
servirá para mostrar a região onde o mato em certa época era mais
abundante, portanto, a região que em qualquer tempo será a que mais
probabilidade tem de ser mais fértil em relação as outras que são
desprovidas dessa categoria de vegetação natural.286

Uma vez reduzidas todas as informações à escala de 1:100.000, e


estabelecidas as convenções que estruturavam a linguagem gráfica das cartas,
cabia ao desenhista preparar os originais para a impressão. Quase nada foi
possível apurar sobre a formação desses técnicos e em que medida seu trabalho
pesava nas escolhas gráficas e semiológicas dos produtos cartográficos. Os
documentos normativos das atividades das comissões e os relatórios anuais, tão
detalhados nos aspectos do levantamento, são lacônicos quanto aos
procedimentos para o acabamento gráfico final das cartas. No entanto, a
assinatura do desenhista constava em todas as folhas publicadas, em lugar
destacado das equipes de levantamento de campo. Dos sete nomes que aparecem,
ao longo do tempo, inscritos nas folhas das comissões geográfica e de limites ou
citados nos documentos, três eram engenheiros (Álvaro da Silveira, José de
Marins Freire e Antônio Gomes Monteiro Júnior), três foram citados apenas como
desenhistas (Achiles de Montalvão, José Thomaz da Silva Coelho e Otávio
Roscoe) e somente um, curiosamente, foi merecedor do título de cartógrafo
(Alarico José Torres), concedido já nos últimos anos de existência da comissão

286 MINAS GERAIS, 1896b, p.113.

305
(1928-30) e certamente indicativo da emergência de novo momento na
autonomização da profissão.

Figuras 45 e 46: Detalhes da folha Baependi (1897), com as inscrições dos créditos
técnicos, dispostos em cantos opostos do mapa. Produto de um trabalho coletivo por
definição, no seu formato final os mapas repartiam sua complexa autoria entre o campo
(levantamento) e o gabinete (desenho).
Fonte: APM.

A publicação das cartas parciais, segundo um plano concebido para,


gradativamente, trazê-las a público, foi objeto de especial empenho desde o início
dos trabalhos. Lacerda relatou ter sido objeto de muito estudo e reflexão a escolha
do método de gravação e impressão, bem como dos profissionais responsáveis pela
tarefa, em especial na França e na Alemanha.

O desafio era conseguir que esse procedimento final estivesse à altura da


harmonia e precisão287 com que o conjunto das cartas havia sido fabricado desde
seu primeiro momento. Apesar do método litográfico já estar à época bastante
difundido entre os produtores de mapas, na primeira fase da CGG a escolha
recaiu sobre um processo híbrido de gravação em pedra, para a impressão, e na

287 MINAS GERAIS, 1893c, p.7.

306
gravação do desenho em chapas de cobre, que garantiriam futuras reimpressões e
o seu transporte para o Brasil, já que as impressões seriam feitas na Europa.
Lacerda expressou as razões que o fizeram optar pela casa francesa dos Irmãos
Erhardt:

Estes senhores têm feito muitos trabalhos geográficos que denotam de sua
parte grande proficiência. Entre eles conheço as 600 folhas da carta da
França, mandada imprimir pelo ministro do Interior, as folhas da carta do
México, as do Peru, etc.288

Na segunda fase da CGG, as impressões foram entregues às companhias


brasileiras e o método de gravação e impressão passou a ser a litografia.

Assim descritos, os trabalhos de mapeamento e de fabricação da imagem


assemelhavam-se a um processo fabril, em que muitas etapas eram realizadas ao
mesmo tempo com vistas à produção simultânea de diversas folhas. Todo o
processo era cadenciado pela divisão entre os trabalhos de campo e de gabinete,
que cortava o ano em duas estações: a estação seca para os trabalhos de campo, a
estação chuvosa para o escritório. Essa divisão pendular ao longo do ano, com
pequenas alterações, persistiu por todo o período de trabalho da comissão, em
suas duas fases, e foi o mesmo também na comissão de limites. Mas se no
calendário das tarefas a divisão entre campo e gabinete era clara, na produção da
carta campo e gabinete se cruzavam e superpunham. Para ser realizado, um
mapeamento de bases geométricas exige um projeto intelectual e gráfico anterior
à atividade no terreno, que conduzia a observação em campo, traçava sobre ele as
linhas imaginárias da grade de coordenadas e da rede de triangulação. Por sobre
a primeira rede de triângulos, uma outra malha se adensava com novas medições
e visadas e, por fim, bordava-se o sinuoso desenho topográfico, colado às
ondulações do terreno. Por vezes o trabalho topográfico em campo adiantava-se e
mesmo desviava-se do plano determinado pela rede triangulada e pelos recortes
das folhas parciais, em função dos obstáculos ou facilidades experimentados no
terreno. Esse material era então reservado, à espera de sua publicação segundo a
seqüência das folhas parciais.

288 MINAS GERAIS, 1894c, p.9.

307
Com a publicação, impunha-se a finalização do programa: construir uma
representação autorizada científica e politicamente, fazer desaparecer da
superfície da imagem os traços de sua fabricação, enquadrar o conteúdo nas
convenções da linguagem cartográfica e nos protocolos de consulta. Com a
finalização e a publicação das folhas, processava-se um divórcio quase definitivo
entre o mapa e o mapeamento que o construiu. Pronta a imagem, sua
autonomização era regra: vendida ou distribuída, a imagem seguia só. Interesses,
juízos, esboços, tabelas, instrumentos, marcos, barracas, burros e homens: essas
dimensões do mapeamento restavam no campo ou no gabinete para, em geral,
serem esquecidas. Um pouco da intencionalidade, da materialidade e da
historicidade dos mapas permaneceu, entretanto, na produção textual das
comissões e de seus técnicos.

6.2 Publicações, periódi cos: relações en tre o tex to e a imagem

A dimensão discursiva e literária dos textos técnicos e científicos tem sido


objeto de interesse e estudo dos historiadores da ciência contemporâneos. Muitos
têm sublinhado a importância de se abordar a produção científica – sejam textos,
mapas, desenhos – como dispositivos estratégicos de validação, convencimento e
inserção de seus autores nas redes de circulação dos saberes que envolvem, em
diferentes níveis, seja local, nacional ou internacional, os atores e instituições
sociais, protagonistas dos processos de produção de um dado conhecimento e de
suas práticas.289

289 Entre os autores que, em diferentes abordagens, tratam de objetos cartográficos, citamos
Christian Licoppe, que se dedicou a acompanhar o desenvolvimento das estratégias discursivas
que foram mobilizadas, entre os séculos XVII e XIX, para a construção do fato empírico e a
credibilidade da prova experimental. Graham Burnett, em livro sobre a construção geográfica da
Guina Inglesa, considerou o conjunto da produção dos exploradores como textos-chave na
fundação deste território colonial do século XIX. Neil Safier, em estudo sobre a produção textual e
gráfica da expedição franco-espanhola a Quito (1735-1744), liderada por Charles La Condamine,
focalizou os processos pelos quais os dados científicos eram coletados, comunicados, legitimados e
defendidos, e as estratégias narrativas e editoriais da literatura de viagens para influenciar a
recepção dos textos em seus contextos específicos. Citamos particularmente a tese de Isabelle
Surun, na qual se discute a interdependência, no contexto da exploração geográfica do continente
africano no século XIX, entre o mapa, o campo e o texto, no processo de constituição do saber.
LICOPPE, Christian. La formation de la pratique scientifique: le discours de l´expérience en

308
Analisando os pressupostos dessas novas produções, Pestre290 serviu-se do
conceito de tecnologias literárias para mostrar como o texto científico é um objeto
construído segundo regras variáveis no tempo e no espaço social, como as
sucessivas traduções dos saberes, desde os rascunhos, os relatórios, as
correspondências, os croquis, até os tratados, manuais, apresentações para o
grande público demonstram que o status de evidência e de lógica dos resultados
modifica-se em cada contexto, e como diferentes modos retóricos podem ser
mobilizados no trabalho de convencimento de audiências específicas.

Podemos falar de uma estratégia discursiva no contexto da atuação e da


produção da comissão geográfica e geológica de Minas Gerais? A despeito da
fragilidade do meio editorial e científico no qual atuou, acreditamos que sim. A
comissão geográfica, desde o início de seus trabalhos e ao longo de toda a sua
trajetória, conferiu importância à produção textual, desdobrada em relatórios de
campo, exposições técnicas dirigidas às autoridades, folhetos, boletins, artigos em
periódicos ou de divulgação na imprensa. Essa produção envolvia a maior parte
dos responsáveis pela fabricação dos documentos cartográficos e dizia respeito a
quase todas as suas diferentes fases, à exceção dos trabalhos de desenho do
mapa, etapa pouquíssimo comentada nos registros textuais. Isso porque a
descrição (ou a explicação) textual acompanhava o trabalho até o limite da
fabricação da imagem, terreno no qual passavam a valer os códigos semióticos, os
valores e as escolhas estéticas, a sensibilidade plástica do chamado desenhista.
Nesse momento, os textos escritos emudeciam para deixar falar a linguagem
cartográfica.

Já o projeto técnico que embasou a decisão administrativa de promover o


mapeamento topográfico e geológico do estado prescrevia a produção textual

France et en Anglaterre, 1630-1820. Paris: La Découverte, 1996.


BURNETT, 2000.
SAFIER, Neil Franklin. Writing the Andes, reading the Amazon: voyages for exploration and the
itineraries of scientific knowledge in the eighteenth century. 2003. Dissertation (Doctorate of
Philosophy) - The Johns Hopkins University, Baltimore, 2003.
SURUN, Isabelle. Géographies de l´exploration ; la carte, le terrain et le texte (Afrique
occidentale 1780-1880). 2003. Thèse (Doctorat en Histoire). École des Hautes Études en Sciences
Sociales, Paris, 2003.
290 PESTRE, Dominique. Pour une histoire sociale et culturelle des sciences; nouvelles définitions,

nouveaux objets, nouvelles pratiques. Annales HSS, Paris, n.3, p.487-522, mai/juin 1995.

309
sobre a exploração, cujo horizonte de propósitos era, de um lado, a produção de
uma memória do empreendimento, e, de outro, a produção de dados para a
construção de um quadro geográfico do estado. Essa dimensão intelectual do
projeto já estava expressa nas instruções de 1892:

Art 8º. Os topógrafos deverão, em cadernos especiais, fazer a maior coleção


possível de dados sobre a geografia geral das zonas percorridas,
apresentando no fim de cada campanha, ao chefe da comissão, um relatório
dos seus trabalhos.
Art. 9º. Deverá ser publicada pela comissão, em forma de boletins, a
descrição geográfica das zonas definitivamente exploradas.291

Cumpre ressaltar que essas instruções preconizavam diversos outros


procedimentos e trabalhos que, no conjunto, resultavam em um programa de
bases científicas muito mais amplo do que o que foi efetivamente realizado: o
mapeamento geológico, a coleção de amostras, o estudo das jazidas minerais e da
geologia econômica, coleções de objetos para uma história natural. Efetivamente,
apenas foram concretizados os boletins da primeira fase da CGG, e, de forma
sistemática por toda a sua trajetória, os relatórios técnicos de trianguladores e
topógrafos.

A idéia de que esses relatórios se constituiriam em fontes para uma futura


geografia do estado é reiterada pelo dirigente da comissão, Augusto Lacerda, em
seu próprio relato de 1893. De imediato, as práticas de mapeamento e os dados
colhidos no campo já permitiam a formulação de um programa editorial
envolvendo a publicação de boletins e folhetos com instruções técnicas para as
estações meteorológicas.

A publicação dos boletins obedeceu a outros fatores, pois não buscava ser,
como os relatórios, um espelho das atividades desenvolvidas, mas tinha a
ambição de produzir novos conhecimentos a partir dos trabalhos em curso. O
plano para a publicação dos boletins também já estava delineado, em tudo
semelhante ao plano de publicações da comissão paulista292: o primeiro boletim

Decreto n. 597, de 9 de novembro de 1892.


291

Ver: FIGUEIRÔA, Silvia F. M. Modernos bandeirantes; a Comissão Geográfica e Geológica de


292

São Paulo e a exploração científica do território paulista (1866-1931). 1987. Dissertação (Mestrado
em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987.

310
dedicado à organização da comissão e seus métodos; o segundo, aos dados
climatológicos, e o terceiro a uma descrição geográfica da bacia do rio das Mortes,
por onde efetivamente se iniciaram os trabalhos de campo.

Na seqüência da publicação de seus cincos números, observa-se um


distanciamento do conteúdo didático e vulgarizador do trabalho cartográfico
contido no primeiro volume para uma apropriação do espaço editorial do boletim
com a divulgação dos trabalhos científicos dos seus membros. Melhor dizendo, dos
seus diretores, que foram os únicos autores a publicar nos boletins.

Como no caso da CGG paulista, o primeiro boletim, impresso no Rio de


Janeiro em 1894293, foi destinado à divulgação do programa cartográfico da CGG,
e à defesa do método adotado que era motivo de controvérsia entre os ainda
poucos protagonistas dos mapeamentos no país. Para cumprir esse duplo objetivo,
o boletim oscilou entre um diário das práticas adotadas e um manual de
procedimentos, conjugando textos explicativos e normativos, tabelas e fórmulas
de medição e correção das coordenadas e dos triângulos, reproduções dos croquis
de campo. Publicações desse tipo tinham também a expectativa de difundir o
trabalho na rede de contatos do campo científico em formação, como demonstram
as palavras de Lacerda: Remetido espontaneamente e a pedido, a associações
científicas estrangeiras, já temos recebido em troca excelentes e interessantes
publicações.294

O segundo boletim da CGG, publicado em 1895, apresentou os primeiros


resultados dos estudos climatológicos, o que certamente era uma forte demanda
do patrocinador do projeto, ou seja, o governo do estado. O primeiro folheto,
publicado no ano de 1894, destinava-se a instruir os colaboradores da CGG que se
encontravam dispersos pelos estados e assumiam responsabilidades técnicas de
controle e registro de dados meteorológicos para os quais não tinham formação
especializada. O boletim de 1895, intitulado Subsídios para o estudo do clima do

293LACERDA, Augusto de Abreu. Organização e trabalhos da Comissão Geográfica e Geológica do


Estado de Minas Gerais. Boletim, Rio de Janeiro, Comissão Geográfica e Geológica do Estado de
Minas Gerais, n.1, 1894.
294 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório da

Comissão Geográfica e Geológica.In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de


Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas,
Dr, Francisco Sá em o ano de 1895. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1895c. Anexo 3. v.2. p. 10.

311
Estado de Minas Gerais, tratava-se, na verdade, de um primeiro esboço dos
resultados, sem entrar em grandes e aprofundadas considerações, sobre o clima
de apenas duas localidades até então estudadas, Barbacena e Queluz. Lacerda,
que assinava pessoalmente este e o boletim anterior, buscou acentuar o caráter
preliminar dos dados aferidos em apenas três anos de atividades, quando se sabia
que [...] eram necessários, em Climatologia, dezenas de anos de observações
sistemáticas para se deduzir fatores climáticos.295 Porque, então, publicar dados
ainda pouco sistematizados? A urgência numa publicação desse tipo sugere que a
meteorologia e a climatologia eram campos sujeitos a uma pressão maior por
resultados, pois seus dados poderiam contribuir de forma mais imediata para o
estabelecimento do que se convencionou chamar lavoura científica, que Faria
(1992) apontou como uma das frentes programáticas do projeto de modernização
republicana. O próprio Lacerda acena nesse sentido ao considerar que a
publicação dos dados, ainda que prematuros, [...] poderia contribuir para a ciência
em geral, e para a agricultura e higiene, em particular.296 O chefe da CGG,
consciente do amadorismo e a improvisação que cercavam a atividade e que
contrastavam com o rigor técnico das outras frentes do programa, veiculou no
boletim a sugestão de que o governo promovesse mais investimentos no ensino e
na profissionalização desse campo técnico, [...] cuja utilidade não é preciso
encarecer, principalmente tratando-se atualmente de levantar da rotina a
Lavoura e a Criação dos animais úteis ao homem.297 O boletim continha ensaios
assinados pelo próprio Lacerda sobre o clima de Queluz e de Barbacena e uma
série de observações meteorológicas de outras localidades como Juiz de Fora,
Lavras, Oliveira e Uberaba, nas quais haviam sido instaladas as estações
meteorológicas. Além de se instalar em cidades inseridas nos limites do
mapeamento, a rede meteorológica alcançava outros pontos do estados,
desenvolvendo uma outra lógica espacial, que buscava cobrir de forma mais
sistemática todo o território do estado. O aparato construído para disponibilizar
os dados incluía textos, tabelas e gráficos que continham dados sobre

295 LACERDA, Augusto de Abreu. Subsídios para o estudo do clima do Estado de Minas Gerais.
Boletim, Rio de Janeiro, Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas Gerais, n.2, 1895b.
p.3.
296 LACERDA, 1895b, p.3.
297 LACERDA, 1895b, p.6.

312
temperatura, pluviosidade, oscilações barométricas, distribuição dos ventos e
geadas.

Para Álvaro da Silveira, sucessor de Lacerda na condução dos trabalhos da


CGG e no programa editorial da mesma, no boletim n.2 havia sido publicado o
que era possível sobre os dados meteorológicos colhidos em condições tão
precárias. Silveira deu continuidade ao modelo de publicação iniciado por
Lacerda: apresentação dos resultados parciais dos levantamentos em ensaios
assinados por ele (o mesmo fizera Lacerda).

O boletim n. 3 trazia texto de Lacerda sobre a bacia do Rio das Mortes e de


Silveira sobre os calcáreos e a vegetação na mesma região. O artigo de Lacerda
era uma corografia completa da região, descrevendo relevo, hidrografia, clima,
caracterização geológica e aspectos econômicos. O tema mais significativo do texto
situa-se no chamado Estudo agrológico, no qual o autor estuda as condições da
agricultura na região e apresenta o que seria praticamente um manual para a
cultura agrícola e pecuária, definindo os solos aráveis a diferentes produtos, a
composição e o uso de adubos, e outras recomendações. Texto crítico,
recomendativo, a apontar para a posição de dupla autoridade em que se
encontravam esses engenheiros, entre a crítica científica e a avaliação técnica a
serviço do estado: Como se vê, no esboçar os processos de criação, na zona que
descrevo, não sou lisongeiro, nem quero sê-lo, pois, é melhor a verdade em toda a
sua nudez.298

O boletim n.4, publicado em 1896, retomou o tema dos estudos


meteorológicos, agora restritos ao município de São João Del-Rei.299 O texto de
Silveira é bastante descritivo, relatando as mudanças ocorridas no clima da
localidade, em sua variações de temperatura, umidade e pressão, ocorrências de
chuvas, geadas, ventos e outros fenômenos atmosféricos. Sustentado por um
quadro de referências técnico-científicas como citações de autores especialistas,
aferições dos instrumentos, emprego de fórmulas matemáticas, relatos de
experiências e demonstrações em tabelas e diagramas, o estudo de Silveira

298 LACERDA, Augusto de Abreu. A bacia do rio das Mortes. Boletim, Rio de Janeiro, Comissão

Geográfica e Geológica do Estado de Minas Gerais, n.3, 1895a. p.80.


299 ESTUDO meteorológico relativo a S. João Del-Rei, Minas Gerais. Boletim, Belo Horizonte,

Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas Gerais, n.4, 1896.

313
voltava-se, entretanto, em suas conclusões, para possíveis aplicabilidades de seus
dados e observações empíricas, buscando localizar os fenômenos no calendário
anual e apontar suas conseqüências sobre a vegetação natural e as plantações, a
qualidade das águas, as enchentes e a salubridade da região de uma maneira
geral.

Além do texto sobre a meteorologia, Silveira introduziu no volume outros


dois ensaios. No primeiro, ao discorrer sobre as geadas e seus efeitos nocivos
sobre as plantas, Silveira avança sobre o domínio da botânica, saber de sua
preferência e, abandonando o modelo descritivo, constrói um texto carregado de
juízos técnicos e relatos de observações em campo, sempre na primeira pessoa.
Seu texto não perde entretanto o tom didático e termina com recomendações
sobre os métodos improvisados de proteger as plantas das geadas. O segundo
ensaio, definido pelo autor como um estudo de geografia botânica, trata de duas
espécies vegetais de grande ocorrência nas regiões mapeadas – o pinheiro e a
candeia – e suas relações com as condições do meio físico onde as mesmas
florescem. Buscando estabelecer, a partir de dados reconhecidamente frágeis,
algumas leis gerais sobre essas relações, Silveira reafirmava sua intenção de
servir debaixo de um ponto de vista prático:

Tais estudos são pois de utilidade prática e devem merecer a atenção de


quem quer que se dedique à observação da natureza com o intuito de,
admirando-a, reconhecer a relação que existe entre fenômenos
aparentemente sem conexão alguma.
Dia virá em que o agricultor brasileiro deverá fazer uso do resultado a que
conduzem as observações metódicas dos fatos naturais e nessa ocasião o
conhecimento de leis análogas àquelas que precedentemente deixei
indicadas, prestará talvez um valioso auxílio. 300

Concluindo o ensaio, Silveira citou o botânico C. F. von Martius sobre a


riqueza e complexidade da flora brasileira para justificar, a um só tempo, a
fragilidade de seus apontamentos e a sua correção de publicá-las como uma
contribuição pontual aos estudos de geografia botânica no Brasil.

Silveira aprofundou essa mesma linha de argumentação para justificar a


publicação, no quinto e último boletim impresso, da descrição de novas espécies

300 ESTUDO, 1896, p.111.

314
botânicas por ele identificadas e respectivos estudos sobre o meio físico onde
floresciam (clima, geologia, vegetação), circunscrito às regiões mapeadas pela
CGG. Silveira apresenta o volume como uma contribuição para o mundo científico
e um avanço em relação aos estudos anteriores produzidos por naturalistas
estrangeiros. O aparato técnico acionado por Silveira incluía a nomeação e a
descrição das novas espécies em latim, segundo a linguagem botânica
internacional, a citação de autores consagrados, a crítica dos estudos botânicos
anteriores e descrições geológicas, topográficas e botânicas de seu habitat. O texto
mesclava essa ambição erudita a conteúdos mais anedóticos, narrados na
primeira pessoa, como na literatura dos viajantes, passagens sobre a exploração
do terreno em muito semelhantes àqueles dos relatórios técnicos produzidos pelos
demais membros da CGG, certamente de onde se originaram. O boletim n.5 era
complementado por mais três ensaios também assinados por Silveira: um relativo
ao clima das montanhas e de algumas povoações mineiras, outro sobre as chuvas
no estado e um terceiro mais específico e aplicado sobre a relação das chuvas com
a recém-introduzida viticultura.

Com a extinção da CGG em 1898, a série editorial dos boletins foi


definitivamente cancelada. Esses boletins e os relatórios anuais constituíram o
corpus oficial da documentação escrita da CGG, embora seus membros tenham
produzido outros textos também significativos, dispersos em livros, artigos de
jornais e revistas. Na primeira fase da CGG, muitos desses documentos foram
publicados na imprensa e sugerem uma estratégia articulada para difundir os
trabalhos recém-implantados, defender as escolhas técnicas realizadas e inserir
seus protagonistas tanto nos debates técnico-científicos de seu tempo como nas
instâncias locais de deliberação das políticas públicas.301 Entre os diversos textos
reproduzidos nos jornais, destaca-se a série de artigos publicados em 1894 e
assinados pelos engenheiros e técnicos da comissão geográfica, Belarmino de
Menezes e Luiz Lombard, em um jornal de grande circulação no período, o Estado
de Minas. Com o artigo intitulado Enumeração dos defeitos dos mapas

301Na segunda fase de sua existência, a CGG não desenvolveu nenhum programa de publicação
de seus trabalhos ou do conhecimento produzido, que ficou restrito à produção individual do seu
chefe Álvaro da Silveira.

315
existentes302, a série iniciou-se com uma severa crítica a toda a tradição
cartográfica anterior, crítica que atacava a produção mas sempre louvava os
esforços individuais dos seus autores. Lombard e Menezes ressaltaram a
oportunidade que se abria com as mudanças políticas trazidas com o memorável
15 de novembro e anunciavam um novo tempo para a cartografia mineira com a
criação da comissão geografia e geológica. No artigo O melhor método de
exploração, os engenheiros, antecipando-se às críticas que seriam formuladas por
personagens como Francisco Bhering, esforçaram-se em defender a opção pelo
topografia expedita de base geodésica, que resultava em uma solução de meio
termo entre a cartografia de gabinete até então praticada e os minuciosos
levantamentos levados a cabo em países europeus:

[...] ele [o mapeamento] deve ser uma média judiciosa entre os trabalhos
resultantes da compilação dos elementos fornecidos pelos roteiros
primitivos e os que serviram para a construção da carta do Ordenance
Survey da Grã-Bretanha e do Estado Maior da França.303

O último artigo da série publicada por Menezes e Lombard – Relações da


geografia com a geologia304 – engrossava o coro dos defensores do mapeamento
geológico integrado ao topográfico, na tradição dos argumentos construídos por
Gorceix e que, naquele momento, pareciam suficientemente fortes para viabilizar
a iniciativa que, como vimos, terminaria por ser abandonada pelo projeto da
CGG.

Outro espaço editorial aberto às produções dos membros da CGG, ainda


durante a sua primeira fase, foi a Revista Industrial de Minas Gerais, publicação
que teve início em 1893 com subsídios do novo governo republicano.305 De curta
existência, pois deixou de circular em 1897, a revista tinha inicialmente um
programa editorial claramente voltado para a difusão dos saberes e práticas
ligadas às atividades industriais e minerais. O editorial do primeiro volume
traduzia claramente o programa modernizador das elites intelectuais e

302 MENEZES, Belarmino M. de; LOMBARD, Luiz. A cartografia no estado de Minas: a carta de
Gerber. Estado de Minas, Ouro Preto, ano 5, n. 383, 30 mar. 1894a. p.3.
303 MENEZES,1894a, p.3.
304 MENEZES, Belarmino M. de; LOMBARD, Luiz. A cartografia no Estado de Minas: relações da

geografia com a geologia. Estado de Minas, Ouro Preto, ano 5, n.389, 30 abr. 1894. p.3
305 A coordenação editorial era de Alcides Medrado, então bibliotecário da Escola de Minas.

316
econômicas do estado que, com a República, pretendiam fazer renascer a vocação
minerária do estado através das pesquisas e da propaganda de suas riquezas:

O seu subsolo é tão rico quanto fecunda é a sua superfície: a variedade de


seus terrenos, a natureza das suas diferentes rochas [...] Entretanto,
permanecemos na passividade lamentosa, relativamente à exploração
dessas riquezas, que estão à espera do esforço intelectual do homem e dos
atuais processos científicos para serem revelados e entregues ao seu
destino social.306

Muitos dos autores publicavam em francês, e nas páginas da revista


dominavam os artigos dos professores da Escola de Minas e de outros autoridades
técnicas das áreas de mineralogia, metalurgia e disciplinas afins, como Orville
Derby. Também circulavam notícias sobre exposições minerais, legislação e
experiências econômicas relativas à mineração e à indústria mineral. Assuntos
relacionados a vias de comunicação, agricultura, colonização e imigração também
eram publicados por terem com a mineração um íntima aliança. Tratava-se,
portanto, de um espaço de expressão e de circulação das idéias das elites técnicas
do estado, e dessa forma qualificado para a publicação dos artigos dos membros
de CGG, seja no sentido de divulgar os trabalhos de mapeamento e os seus
primeiros resultados seja como espaço de debate de seus próprios projetos e
trabalhos.

Augusto de Abreu Lacerda foi um desses colaboradores que usou a revista


para divulgar a comissão geográfica, mas em especial os seus conhecimentos e
interesses no campo da agricultura e do ensino agrícola.307 Louis Lombard, o
engenheiro-geólogo francês da CGG, publicou diversos artigos que eram frutos

306 NOSSO programa. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, ano 1, n. 1, p.1, 15 out.
1893.
307 LACERDA, Augusto de Abreu. As ocras. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, ano

1, n. 5, p.106-107, 15 fev. 1894.


___________________________. O cafeeiro e a geada. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro
Preto, ano 1, n. 6, 15 mar. 1894.
___________________________. Museu em Minas. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto,
ano 1, n. 8, 15 maio 1894.
___________________________. Considerações sobre a organização dos centros agrícolas. Revista
Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, ano 3, n. 17, 15 maio 1896.
___________________________. Estrumes químicos e seu emprego. Revista Industrial de Minas
Gerais, Ouro Preto, ano 3, n. 18, 15 jun./ 15 jul. 1896.

317
diretos de seu trabalho na comissão308, assim como o eram os artigos de Carlos
Rabello309 e Álvaro da Silveira.310 É curioso notar que os três autores exerceram
no período as funções de geólogo da CGG, o que sugere que suas observações e
anotações do trabalho de campo tinham ambições cientificas maiores do que
aquelas dos topógrafos e trianguladores, a sugerir uma possível hierarquia entre
os saberes ou entre os atores no seio da comissão.

Analisados em conjunto, os artigos são desiguais e não sugerem um plano


articulado. Entre os textos dedicados especificamente a CGG, o texto de Rabello,
de junho de 1897, era um dispositivo de propaganda da comissão, pois trazia um
pequeno histórico dos trabalhos e uma breve descrição das folhas já publicadas,
dedicando-se sobretudo a estabelecer uma relação direta entre os conteúdos
representados nas folhas já publicadas e as necessidades administrativas e
econômicas do estado. Em outro extremo, o texto em francês de Lombard era
bastante especializado e inteiramente voltado para a defesa da introdução de
uma inovação técnica entre os procedimentos cartográficos em curso: a chamada
telefotografia, técnica que consistia em combinar a fotografia de longa distância,
com teleobjetivas, com os levantamentos geodésicos e topográficos de campo.
Lombard exibia seguros conhecimentos da nova técnica e, na defesa da inovação,
deteve-se em detalhadas explicações sobre os procedimentos de triangulação e

308 LOMBARD, Louis. Mines: sur les exploitations des mines d´or anciennes aux environs de S.
João Del-Rei, Tiradentes et Prados. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, ano 1, n. 6,
15 mar. 1894.
________________. Laboratório de análises da CGG. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro
Preto, ano 1, n. 9, 15 jun. 1894.
________________. A mineração nos municípios de S. João Del-Rei, Tiradentes e Prados. Revista
Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, ano 1, n.10, 15 jul. 1894.
________________. Mineração na serra de São José. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro
Preto, ano 1, n.11, 15 ago. 1894.
________________.Sciencias: une application de la téléphotographie. Revista Industrial de Minas
Gerais, Ouro Preto, ano 1, n.10, 15 de jul. 1894.
________________.Indústria nos estados: exploração mineralógica de Garanhuns a Buíque e zona
salitrosa de Buíque. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, ano 4, n.24, 10 jun. 1897.
________________. Exploração mineralógica de Garanhuns a Buíque e zona salitrosa de Buíque.
Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, ano 5, n.25, 20 jun. 1897.
309 RABELLO, Carlos. Sciencias: notícia sobre a Comissão Geográfica e Geológica de Minas

Gerais. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, ano 5, n.25, p.4-5, 20 jun. 1897.
_________________. Serra da Treituba: rochas, minerais e flora. Revista Industrial de Minas
Gerais, Ouro Preto, ano 5, n.29, p.57-58, 30 out. 1897.
_________________. Laboratório da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas Gerais.
Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, ano 4, n.22, p.284, 30 mar. 1897.
310 SILVEIRA, 1896 e 1897.

318
topografia então empregados311. Muito técnico era também o texto de Silveira,
publicado em 1896, no qual descrevia o método de projeção adotado pela CGG e
as bases da quadrícula de coordenadas que enquadrava e sustentava o desenho
das folhas.

Em outro artigo, de 1897, às vésperas da extinção da CGG, Silveira


anunciava a publicação das quatro folhas e descrevia seu conteúdo em uma
linguagem menos técnica, mais didática e cativante, como que a buscar o público
que poderia sustentar a vigência do programa já então ameaçado. Para valorizar
os mapas produzidos como documentos científicos, Silveira descolou seu texto da
descrição formal da imagem para expor certas escolhas e interpretações dos
elementos cartografados, cujos juízos eram fundados na auto-proclamada
autoridade técnica de seus produtores. Seguem-se dois trechos do artigo de
Silveira sugestivos dessa estratégia narrativa e dos juízos subjetivos que
cercavam a atividade de eleição dos elementos cartografados: o primeiro busca a
afirmação de um saber e de uma racionalidade técnico-científica que despojava os
elementos naturais das crenças e memórias locais; e o segundo, num sentido
inverso, louvava a inscrição da memória e da história míticas na paisagem
cartografada, através de inserção de um elemento cultural.

Figura 47: Detalhe da folha São João Del-Rei (1895), onde se vê localizada a Gruta
Casa de Pedra.
Fonte: APM.

311 A introdução da fotografia como um instrumento de levantamento de campo não seria


viabilizada pela CGG, mesmo na sua segunda fase. Embora em alguns relatórios a sua adoção
fosse defendida, nunca chegou a ser introduzida no programa cartográfico.

319
Na folha de São João Del-Rei, acha-se indicado o local da Gruta da Casa de
Pedra [...] Dessa gruta natural, fiz o levantamento topográfico e dei uma
descrição bastante detalhada no boletim n.3 [...] Muitas descrições mais ou
menos fantásticas têm sido dadas dessa gruta, em algumas das quais se
afirma que aí há despenhadeiros e abismos insondáveis, galerias cujo fim
ninguém ainda atingiu e outras asserções de cérebros fantasistas.312 (grifo
nosso)

Figura 48: Detalhe da folha São João Del-Rei (1895), onde se vê localizada a fazenda do
Pombal.
Fonte: APM.

Para terminar e para fechar com chave de ouro estas informações, direi
que na folha de S. João Del-Rei está indicado o lugar onde nasceu o mais
saliente dos mártires da Inconfidência Mineira – o alferes Joaquim José da
Silva Xavier, o Tiradentes. Segundo as informações colhidas, o local da
antiga fazenda do Pombal, berço desse herói mineiro, é o que se acha
indicado à margem direita do rio das Mortes, com o mesmo nome de
Pombal.313

É importante ressaltar aqui a numerosa produção cientifica e ensaística


que Álvaro da Silveira desenvolveu ao longo de sua vida, paralelamente às
diferentes atividades e cargos que ocupou na administração pública. Silveira foi
testemunha e personagem atuante das duas fases da CGG, além de ter atuado na
comissão de limites e em muitas outras frentes associadas aos programas de
mapeamento e à gestão do território e de seus recursos naturais. De maneira
semelhante a Orville Derby314, Silveira era um fértil autor, que continuou

312SILVEIRA,1897, p.41-2.
313SILVEIRA,1897, p.41.
314 A comparação tem pertinência desde que observada a maior envergadura intelectual e

científica de Derby, cuja produção representou um lastro, um sentido de continuidade e de


permanência de uma reflexão e de uma prática sobre a cartografia que ultrapassava a própria

320
realizando pesquisas de campo e publicando intensamente até os final dos anos
vinte. Sua produção constitui-se em sua maior parte por inúmeros ensaios
reunidos em livros, que versavam sobre uma imensa variedade de assuntos como
agricultura, pecuária, geologia, e clima.315 Silveira utilizava suas obras ou
espaços na imprensa para provocar e alimentar diversas polêmicas, como era de
seu gosto, desde uma crítica à introdução do gado zebu até a correta altitude dos
picos da Bandeira ou das Agulhas Negras.316 Algumas das mais importantes
dessas coletâneas foram publicadas quando Silveira estava à frente da CGG, nos
anos vinte, e assinava como seu engenheiro-chefe.317

Curiosamente, o prolífico Silveira pouco publicou sobre o tema da


cartografia, registrando-se apenas o manual Topografia318, no qual o experiente
cartógrafo e então professor da disciplina na Escola de Engenharia de Minas
Gerais discorria de forma técnica e didática sobre os procedimentos para
fabricação de um mapa. Talvez porque sua maior ambição científica tenha
permanecido sempre no campo da botânica, foi nesse campo que Silveira adquiriu

existência das comissões, e por isso mesmo permitia situar melhor a produção das mesmas, no
contexto mais amplo da institucionalização dos diversos saberes que se cruzavam sobre o mapa: a
geografia, a geologia, a engenharia. A historiadora E. Dutra analisou os artigos de Derby sobre a
cartografia brasileira publicados no Almanaque Garnier e mostrou a importância e
contemporaneidade de suas reflexões no amplo debate sobre o papel da geografia e da formação
do território no projeto de construção da nação brasileira.
DUTRA, Eliana de Freitas. Rebeldes literários da República; história e identidade nacional no
Almanaque Brasileiro Garnier – 1903-1914. Belo Horizonte: UFMG, 2005.
315 A diversidade dos temas tocados pela produção de Silveira vai muito além desses amplos

domínios. A exemplo, na coletânea Memórias Corográficas, publicada em 1922, há ensaios sobre a


língua dos botocudos, a cultura dos vinhedos, a mordedura de cobras, o fabrico de esteiras, o
quilombo do Ambrósio, e muito mais.
316 A maior delas ocorreu em torno de 1911, quando Silveira explorou a serra do Caparaó e

determinou ser o Pico da Bandeira o mais alto do país, rebaixando o consagrado pico das Agulhas
Negras ao segundo lugar. Frente às críticas de outros geógrafos, Silveira, um explorador devotado
à pesquisa de campo, desafiou a comunidade de geógrafos brasileiros a abandonar os gabinetes:
Quem quiser prestar esse serviço de aprimorar os nossos conhecimentos geográficos, não tem
outra coisa a fazer senão lançar mão da observação – vá viajar, vá subir morros, vá explorar rios e
sertões, vá, enfim, desenvolver esforços semelhantes, conforme o ramo geográfico que desejar
seguir, que tiver em vista elucidar. A geografia é tal que não permite invenção nos seus domínios.
A inteligência humana fica adstrita ao que já existe; compete-lhe somente observar, medir e
depois narrar os resultados. (SILVEIRA, Álvaro da. Memórias corográficas. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1922. p.71-72). Em 1924, através das páginas da Revista da Sociedade de
Geografia do Rio de Janeiro, protagonizou um duro ataque a Nelson de Sena, desqualificando
tecnicamente os trabalhos geográficos do antigo aliado político dos programas de mapeamento no
estado.
317 Referimo-nos aos livros Memórias Corográficas (1922), Fontes, Chuvas e Florestas (1923) e

Narrativas e Memórias (1924).


318 SILVEIRA, Álvaro da. Topografia. São Paulo: Melhoramentos, [1927].

321
credibilidade científica, ao conciliar o seu trabalho de cartógrafo, geólogo e
botânico, a coleta e a observação em campo, unindo a taxonomia das espécies com
a sua distribuição no espaço na chamada geografia botânica.319

A terceira modalidade de registro textual produzida pela CGG, e também


pela comissão de limites, foram os relatórios técnicos oficiais, redigidos
sistematicamente por todos os técnicos que realizavam as operações de campo. Os
relatórios técnicos eram produzidos anualmente320 e constituíram a única série de
documentos textuais dos programas de mapeamento que teve lastro e
continuidade, a despeito da interrupção dos trabalhos por mais de vinte anos.
Mas enquanto nos anos 1890 os relatórios individuais dos técnicos eram
condensados nos relatórios do engenheiro-chefe e todo o conjunto era publicado
como anexo nos relatórios anuais da Secretaria de Agricultura, nos anos vinte
nenhum dos relatórios chegou a ser publicado.321 A despeito dessa diferença
fundamental no destino das produções da primeira e da segunda fase, enquanto
estrutura formal os relatórios eram todos muito semelhantes: uma apresentação
inicial dos resultados das campanhas de campo (identificação da região mapeada,
quilometragem percorrida, avanços da triangulação ou dos caminhamentos da
topografia, procedimentos técnicos com os instrumentos), seguida por uma
descrição dos aspectos geográficos e econômicos da região (hidrografia, orografia,
condições urbanas, estradas, indústrias, principais cultivos, pecuária etc). Essas
pequenas corografias regionais constituíam verdadeiros diagnósticos dos
territórios mapeados, apesar de fragmentados e desiguais, pois variavam
substancialmente em função da capacidade de observação e senso crítico de cada
técnico. Como expressou o engenheiro Vasconcelos a respeito dos relatórios dos
engenheiros ajudantes que realizavam o levantamento topográfico,

319 Segundo Surun, a geografia botânica era uma das novas modalidades de apreensão do mundo
natural que se consolidou a partir das grandes explorações do continente africano no século XIX.
Assim como a geologia, a geografia botânica priorizava a distribuição e a repartição espacial,
classificando as espécies no interior de uma série ligada ao lugar observado. A nova construção
intelectual era associar estreitamente lugar e fenômeno observado, definindo zonas climáticas
pela sua latitude e novos limites espaciais pela tipologia botânica ou geológica (SURUN, 2003).
320 Na verdade a periodicidade dos originais podia variar – na comissão de limites foram

registrados relatórios trimestrais - mas a versão acabada era produzida anualmente.


321 Boa parte desses originais únicos, manuscritos ou datilografados, ainda se encontravam

preservados no Setor de Limites do IGA até 2003, quando foram consultados.

322
eles devem ser a fiel descrição do aspecto físico do terreno por onde
passaram; e usando um pouco de rigor na expressão, bem poderíamos
dizer, referindo-nos aos caminhamentos à estadia e odômetro, do terreno
que pisaram palmo a palmo.322 (grifo nosso)

Os relatórios não eram produtos formalmente acabados, como os artigos e


boletins publicados, pois situavam-se a meio caminho entre a elaboração de um
futuro quadro geográfico do estado e a prestação de contas, muitas vezes rotineira
e burocrática, das atividades exercidas no cotidiano do trabalho de campo. A
historiadora I. Surun323 introduziu a idéia de que a escrita da experiência do
trabalho de campo era como que uma tradução em linguagem científica dos fatos
observados no terreno, procedimento filiado a toda uma tradição de narrativas de
viagens e de explorações de campo que remontavam ao século XVIII e que
considerava o ato de descrição textual dos espaços como uma parte tão
importante da sua configuração como a sua tradução gráfica, da qual resultava a
produção dos mapas.

Nesse sentido, guardadas as proporções e escalas, nossos topógrafos e


trianguladores, ao reconstruir seus percursos na escala do terreno e as
modalidades de interação que praticavam com o espaço geográfico e o elemento
humano que o habitava, conferiam à sua experiência de campo e ao saber ali
fabricado uma materialidade e uma subjetividade que a imagem cartográfica
terminava por obscurecer.

Se os relatórios se apresentavam bastante homogêneos na sua estrutura


formal, uma análise mais detida das formas narrativas e dos conteúdos permite
observar como topógrafos e trianguladores desenvolveram abordagens bastante
diferentes do território que percorriam e da paisagem que descreviam. O
triangulador concentrava seus esforços na descrição matemática do espaço, na
medição e conferência dos dados numéricos que possibilitavam a construção de
uma rede fechada de pontos e ângulos. Os textos detinham-se na busca pelo
melhor ponto para observação e aferição dos dados, do melhor posicionamento dos

322 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Seção de Limites. In:
____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de
Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr, Francisco Sá em o ano de
1895. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1895d. Anexo 4. p.45.
323 SURUN, 2003.

323
marcos, na apreensão da topografia do terreno e da vegetação como elementos
facilitadores ou como obstáculos à construção da rede de triângulos. Sua visão
seletiva incidia de cima para baixo, como um vôo.

Já os topógrafos percorriam o terreno como um viajante que inventaria a


cada passo uma grande quantidade de elementos diferentes: descreviam, no
limite de sua capacidade técnica, a estrutura geológica, o relevo, os solos, a
vegetação, a hidrografia, mas também a presença humana, o nome de cada
localidade ou lugar, dos proprietários e de suas fazendas, as culturas agrícolas, a
pecuária, os principais produtos. O relatório do topógrafo elencava os elementos
das paisagens rural e urbana que indicavam as condições de progresso local, como
as estradas de acesso, os postos de correios, o número de habitantes, as escolas.
Seu olhar, colado à superfície, tinha a ambição totalizante de uma pesquisa
estatística, mas oscilava, segundo a sensibilidade ou preparo de cada topógrafo,
entre o detalhe descritivo e a narrativa anedótica ou de cunho histórico. Na
nomeação dos lugares em seu relatório, o topógrafo autorizava a toponímia que
figuraria no mapa, ou seja, legitimava a rede onomástica e a inseria em uma
outra dimensão, a dimensão do espaço institucionalizado da folha da CGG.

Figura 49: Detalhe da folha Carrancas (1895).


Fonte: IGA.

324
[...] As serras extensas foram divididas pelos habitantes que lhe deram diversos
nomes para assim designarem aproximadamente a que parte da serra se referem:
por exemplo, a serra de Carrancas, propriamente dita está dividida em três
partes tendo cada uma o respectivo nome, que quase sempre dá idéia do aspecto
do lugar, ou comemora um acidente ou fenômeno natural: assim é que sendo a
ponta desta serra do lado de leste um lugar onde quase sempre venta com
intensidade, deram-lhe um nome que a decência manda calar; à parte central
chamam Cruz das Almas, talvez porque ali existe à beira do caminho uma cruz e
uma caixa das almas; e finalmente deram o nome de Salto ao lugar aonde a serra
apresenta um enorme paredão talhado a prumo.324

Conscientes do poder de nomear os espaços por eles explorados, a fixação


do nome no mapa era um ato de autoridade que os cartógrafos da comissão
exerciam com austeridade. Respeitar a tradição toponomástica local, uma prática
usual, não significava adotar nomes que a decência manda calar, nem
congestionar a imagem com a diversidade e superposição de nomes locais, pois
também a toponímia obedecia à regra da escala. Empenhados em inscrever uma
toponomástica a menos ambivalente possível, os cartógrafos reservavam aos
textos escritos a tarefa de registrar os juízos, as diferenças, as minudências, os
processos dinâmicos e as origens históricas da rede toponímica colhida ao rés do
chão.

Figura 50: Detalhe da folha São João Del-Rei, com a localização


da povoação de Vitória.
Fonte: APM.

Vitória: - pequena povoação no alto de uma lombada. Perto da


povoação está a arvore da Vitória, que serve como sinal da
triangulada e é visível de quase todos os pontos desta zona. Aí dizem

324 MINAS GERAIS, 1894c, p.17.

325
que teve lugar o desfecho das lutas travadas entre paulistas e
mineiros nas margens do rio das Mortes, fato que deu origem às
denominações: rio das Mortes e Vitória.325

Mais ou menos técnicos, mais ou menos quantitativos, narrados sempre na


primeira pessoa, os relatórios variavam bastante em função do estilo e
sensibilidade de cada autor, embora fosse atitude comum o exercício da
autoridade técnica tanto na descrição dos procedimentos cartográficos como no
julgamento das condições sócio-econômicas dos lugares percorridos. Esses juízos,
cujos parâmetros eram sempre as noções dicotômicas de atraso e progresso,
muitas vezes eram proferidos em poucas linhas, nas quais o topógrafo buscava
resumir a diversidade de elementos que observava. Como na dimensão estatística
do relato do topógrafo José da Costa Carvalho sobre a povoação de Santo Antônio
dos Silvérios:

A população é calculada em 4.500 almas, tem 12 casas de comércio, sendo 5


de turcos; 2 escolas públicas, uma para cada sexo; 1 clube literário - Padre
Camillo -, com pequena biblioteca, agência de correio; oitenta e cinco
prédios, 2 farmácias. Não havia padre e nem médicos residentes - 428
eleitores, água canalizada, uma igreja regular e poucas esperanças de
progresso rápido.326 (grifo nosso)

Ou no relato impressionista de Luiz Felipe de Salles, topógrafo da comissão


de limites:

São João da Sapucaia, povoação pequeníssima [...] Se acha


edificada em um chapadão. O seu comércio é diminuto. É muito
desprovida de recursos e também de adiantamento. [...] Divino,
povoação antiqüíssima [...] É escassa em comércio e bem atrasada [...]
As suas construções antiqüíssimas fazem lembrar uma Jerusalém.327

325 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório de


Belarmino de Menezes. In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do estado de Minas
Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, dr.
David Moretzhon Campista no ano de 1893. Anexo D. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1893d. p.21.
326 RELATÓRIO apresentado pelo engenheiro chefe da Comissão ao senhor Secretário da

Agricultura, Indústria, Viação e Obras Públicas; exercício de 1923. IGA. Setor de Limites.
Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais. p.144.
327 MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Relatório da Comissão de Limites. In: ____. Relatório

apresentado ao Dr. Secretário de Estado da Agricultura do Estado de Minas Gerais pelo Inspetor
de Terras e Colonização, dr. Carlos Prates em 1896. Anexo B. Ouro Preto: Imprensa Oficial,
1896d. p.201-2.

326
Figura 51: Detalhe da folha São João Del-Rei (1895). Mapa
e legenda articulam-se para registrar a ocorrência de uma
exploração de ouro. Refletindo suas observações sobre o
terreno, o relatório do geólogo Luiz Lombard registrou a
atividade na sua dimensão diacrônica.
Fonte: APM.

O quartzo é branco, leitoso e fendilhado, o que permite a sua separação em


seixos angulosos espalhados por todos os caminhos que atravessam esses
terrenos. Muitas dessas veias foram reconhecidas como auríferas e
exploradas pelos antigos. Atualmente está-se explorando uma delas perto
do arraial de Cajuru, nas proximidades da fazenda do Cedro, num dos
córregos afluentes do ribeirão Barba de Lobo. A exploração faz-se do
mesmo modo que no tempo dos primeiros exploradores que a descobriram.
[...] Devido à sua altitude, essa lavra não tem presentemente grande
desenvolvimento visto as dificuldades de para aí levar a água necessária a
uma exploração em maior escala. Ela é interessante por ser a reprodução
mais fiel possível da exploração de um veeiro pelos processos antigos.328

Os comentários dos topógrafos eram recorrentes quanto à condenação dos


processos de desmatamento e queimadas das matas, assim como suas avaliações,
quase sempre negativas e preconceituosas, sobre os costumes, crenças, saberes e
memórias das populações visitadas. Os relatórios quase sempre expunham um
diagnóstico negativo das condições da agricultura, pecuária ou indústria das

328MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório de Luis


Lombard. In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do estado de Minas Gerais pelo
Secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, dr. David
Moretzhon Campista no ano de 1894. Anexo B. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1894d. p.30-1.

327
regiões visitadas, para as quais o engenheiro, munido de seu saber técnico e
imbuído de sua missão modernizadora, não se furtava de preconizar soluções, em
especial o ensino agrícola e a melhoria das estradas. O topógrafo Afonso Monteiro
de Barros, ainda no ano de 1892, critica o tradicional costume dos fazendeiros de
queimar as matas para fertilizar as terras com as cinzas:

[...] não considero o fazendeiro sem razão neste modo de pensar, mas,
condeno-o por acabar com as matas sem haver necessidade e muito ao
contrário só pode dali resultar-lhe inconveniente, porque a derrubada
exagerada das matas modifica as condições climatéricas [sic] do lugar. [...]
Não quer dizer que se exija do agricultor um conhecimento pleno de
agricultura em um país como o nosso, mas ele pode perfeitamente aprender
a conhecer certas propriedades gerais de modo a poder escolher as terras
segundo as condições climatológicas e a espécie do vegetal a cultivar, isto é:
fazer aplicação racional de tal ou tal cultura para tal ou tal espécie de terra
em um clima dado, para assim forçar o terreno e dar o maior produto
possível. E tudo isto se pode conseguir com a criação de escolas práticas
adequadas ao nosso estado de atraso.329

Para explicar as situações específicas de decadência ou dinamismo


econômico, os técnicos por vezes recorriam às análises diacrônicas, remetendo aos
processos históricos como a introdução das estradas de ferro, do gado zebu ou do
cultivo do café, ou ao fim da escravidão. Álvaro da Silveira, em seu primeiro
relatório em 1894, tratou da indústria agrícola da região por ele mapeada e,
inaugurando o seu estilo contundente e polêmico, condenou o costume dos
fazendeiros de arrendar terras férteis a ex-escravos, incapazes de cultivá-las
eficientemente:

O fazendeiro deve, portanto, abandonar este sistema antipatriótico da


lavoura, pois que encarando apenas os resultados do presente, vai deixando
às vindouras gerações terrenos esgotados ou cuja força produtora vai se
transformando em alimentar carrascais ou outras inutilidades vegetativas;
e o verdadeiro patriotismo quer a riqueza da pátria, que provem da lavoura
e de toda a indústria em geral.330

329 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório do topógrafo
Afonso Monteiro de Barros. In: ___. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do estado de Minas
Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, dr.
David Moretzhon Campista no ano de 1893. Anexo C. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1893e. p.18.
330 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório do

engenheiro Álvaro da Silveira. In: ___. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do estado de

328
Essa pretensa autoridade com que muitas vezes eram sustentados os
comentários dos cartógrafos mesclava-se com trechos mais prosaicos,
despretensiosos, nos quais muitas vezes a visão ao rés do chão do topógrafo
incorporava o elemento humano na paisagem abstrata dos croquis. Nessa escala
da descrição, o leitor via surgir de corpo inteiro os colonos italianos, cruzava um
cemitério metade paulista, metade mineiro, colhia palmitos ou bebia vinho com
um certo coronel Oliveira. Mas, em geral, no tocante às narrativas sobre as
populações habitantes do espaço mapeado as opiniões e julgamentos dos membros
da CGG expunham de forma aguda as dificuldades que desde sempre marcaram
suas relações pelo nível de desconfiança e preconceito com que as duas partes
estabeleciam suas interações.

As observações sobre aspectos mais subjetivos como as práticas religiosas e


as tradições locais são carregadas de forte crítica à superstição e ignorância das
populações rurais. Engenheiros por formação, treinados para exercer em campo a
leitura científica e racionalizadora da paisagem física e humana, os topógrafos
não raro se detinham no relato das lendas e crenças, povoando suas narrativas
técnicas com almas de outro mundo, lobisomens, bênçãos para fechar o corpo e
rezas para espantar as cobras. Imersos por meses na realidade rural mas sempre
forasteiros, os topógrafos, em muitas passagens de seus relatos, expressavam sua
experiência pessoal e seu estranhamento, como no seguinte trecho:

Em Belizário, o espiritismo invadiu. Abarracado entre a igreja e uma


casa de sessões espíritas, pude observar uma noite como o praticavam.
Urros, convulsões, gemidos, gritos dilacerantes dos congregados. Era, a
meu ver, o caminho da loucura.331

Em outros situações, a missão civilizadora que embasava o programa de


mapeamento falava mais alto e o engenheiro contrapunha à narração dos

Minas Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas,
dr. David Moretzhon Campista no ano de 1894. Anexo B. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1894e.
p.55.
331 RELATÓRIO anual do topógrafo José da Costa Carvalho. Relatório da Comissão Geográfica e

Geológica. 1924. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de


Minas Gerais. p.65v.

329
costumes tradicionais e da exuberância natural do lugar a retórica
racionalizadora da solução pelo progresso:

Foi com grande admiração que contemplei do alto da serra do Brigadeiro a


gigantesca mata que cobre o cimo e as encostas das serras da Grama e do
Brigadeiro. [...] Os moradores vizinhos contam mil histórias daquela mata.
O interior daquela mata, dizem eles, encerra muitos mistérios. Lá no seu
interior, aonde nasce o córrego do Ouro e aonde a criciúma está trançada
como esteira, deve ser o esconderijo dos fantasmas e das feras que fazem
todo o mundo voltar de lá horrorizado [...] Por estes fatos, pode-se avaliar o
quanto é supersticioso aquele povo. Não obstante serem os terrenos de uma
fertilidade prodigiosa, achando-se, na quase totalidade abandonadas. [...]
Ali o clima é magnífico, além disso a água cristalina do córrego do Ouro
deve ter muitas propriedades medicinais [...] Um sanatório naquele lugar
seria, por certo, um grande e proveitoso empreendimento.332

Surun chamou a atenção para o fato da natureza das interações do viajante


ou explorador com os habitantes das regiões percorridas jogar um papel
considerável na qualidade dos seus produtos formais, pois tais interações
autorizavam ou interditavam os percursos e a qualidade das informações obtidas
localmente. No caso da CGG e das comissões de limites, os relatórios deixam
claramente entrever o rastro de uma relação senão conflituosa, sempre
desconfiada de ambos os lados. Seja nos levantamentos da primeira ou da
segunda fase da comissão geográfica, seja no trabalho nas regiões de conflito por
limites, entre populações mais propensas a atitudes de hostilidade ou
desconfiança, os relatos eram pontuados por comentários sobre as dificuldades
enfrentadas nas campanhas devidas ao atraso da gente rural e à natureza do
serviço muito desconhecido ainda e incompreendido.333

Poucas vezes a avaliação sobre o contato era positiva, como na fala do


topógrafo Antônio Fernandes Lobato:

O povo é em geral atrasado, notando-se entretanto ser um povo bom,

332 RELATÓRIO anual do topógrafo Antônio Fernandes Lobato. Relatório da Comissão Geográfica
e Geológica. 1926. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de
Minas Gerais. s/p.
333 RELATÓRIO do triangulador Benedito Quintino dos Santos. Relatório da Comissão Geográfica

e Geológica. 1925. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de


Minas Gerais. p. 16.

330
hospitaleiro e dotado de bons costumes. Ao chegar em S. Vicente, tive
muito bom acolhimento por parte das autoridades locais, que tudo me
facilitaram para a melhor execução dos meus trabalhos.334

Em sua maior parte, os relatos denotam a relação conflituosa com a


população local, como as dificuldades do triangulador Gil Moraes para fixar os
marcos geodésicos:

Os sinais geodésicos, de construção sólida, com escoras, foram, por várias


vezes, propositalmente derrubados por mãos desconhecidas de indivíduos
ignorantes, que viam, certamente, nos seis metros de americano ordinário
no alto da pirâmide, um excelente pano, próprio à confecção de suas roupas
de vestir [...]335

Mapeando a região fronteiriça de Minas com São Paulo, o topógrafo Carlos


Lindgren construiu uma narrativa perpassada pelo seu próprio juízo sobre as
situações que encontrava, como o desalinho das casas e das igrejas, o intenso
movimento das estradas que ligavam Minas e São Paulo, o mosaico das lavouras,
as queixas da população quanto aos impostos e a falta de boas estradas. Trecho
interessante mostra as dificuldades geradas pela desconfiança da população
quanto ao trabalho do cartógrafo:

O povo que encontrei durante o meu trajeto mostrou-se em geral muito


bom com poucas exceções; como por exemplo, no caminho do S. Bento a
Jaguari, onde o serviço passou por trilhos pouco freqüentados. Aqui
reinava uma desconfiança extrema qual chegou ao ponto de pessoas me
indicarem caminhos errados para o serviço não passar sobre os terrenos do
interrogado.
Mais tarde descobri que este fato foi originado por um boato dizendo que a
minha medição tinha por fim dividir as terras entre todos os moradores do
lugar e esta espécie de comunismo prático assustou não pouco os
proprietários. Embora me tenha esforçado para convencer o povo que o
meu trabalho não tinha nada com divisão de terrenos, sou obrigado a
confessar que deixei atrás de mim nestas paragens uma certa desconfiança
por que a utilidade ou idéia de gastar dinheiro com uma planta geográfica
não parecia para eles bem plausível.336 [grifo nosso]

334 RELATÓRIO anual do topógrafo Antônio Fernandes Lobato. Relatório da Comissão Geográfica
e Geológica. 1926. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de
Minas Gerais. p. 61v.
335 RELATÓRIO apresentado pelo triangulador Gil Moraes de Lemos ao Sr. Eng. Chefe. 1924.

IGA Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais. p. 4.


336 MINAS GERAIS, 1895d, p.52.

331
Outras passagens são igualmente ilustrativas desse estranhamento que
cercava a atividade dos cartógrafos em campo. Como ocorria freqüentemente nas
coletas estatísticas, a atividade de mensuração dos espaços e de inventário de
quase tudo, como buscavam realizar os diligentes engenheiros das comissões, fora
decidida nos gabinetes dos políticos e dos técnicos e era exercida como um
programa oficial de governo, descolado das demandas e necessidades da grande
maioria das populações e praticado sobre um território cujo regime de terras era
marcado pela irregularidade, a injustiça e a violência. Gerava medo, desconfiança
e uma resistência cotidiana ao trabalho, fosse quando o povo do lugar arrancava
os marcos geodésicos, quando aumentava os preços de víveres ou quando indicava
caminhos errados.

Essas minúsculas guerras travadas contra o forasteiro a serviço do estado,


armado de instrumentos e de um saber técnico cujos propósitos permaneciam
ininteligíveis, eram sempre atribuídas pelos topógrafos à ignorância das
populações rurais. Certos relatos, mais descolados dos formalismos ou dos
tecnicismos – traços comuns à maioria – e por isso fortemente marcados pelo
estilo e mentalidade do autor, jogam luz sobre a as barreiras culturais que, em
posturas extremas, interditavam qualquer interação e isolavam as práticas de
mapeamento. Como mostra a seguinte passagem de Alacrino Monteiro:

A presença de um estrangeiro nessas localidades é olhada com suspeita e


desconfiança e o forasteiro corre o risco da sua própria vida. A única pessoa
infalível para essas almas ínvias que vivem afastadas do lufa-lufa dos
grandes centros é um feiticeiro curandeiro, este sim, ele prega que as
estradas de ferro, a luz elétrica, o automóvel devem ser condenados e
combatidos porque são obras do demônio. Creio que os pobres entes que
vivem nesses meios ou não têm cérebro ou quando muito, se o têm, este
acha-se entorpecido ou atrofiado por falta de exercício.
Em uma ocasião, um indivíduo vendo-me com uma bússola e um
podômetro, achou tais instrumentos uma cousa extraordinária e na sua
ingenuidade perguntou-me se eu era um estrangeiro; diante da minha
negação ele disse-me que era difícil ver um brasileiro de Belo Horizonte
que não fosse estrangeiro.337

337RELATÓRIO anual apresentado ao Exmo. Sr. Secretário da Agricultura Dr. Djalma Pinheiro
Chagas pelo engenheiro chefe da Comissão Geográfica do Estado de Minas Gerais. 1928. IGA.
Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais. p.5.

332
Mas nem tudo era preconceito e conflito e nem todos os testemunhos dos
membros das comissões expressavam um comportamento único em campo. Uma
atitude mais didática pode ser observada, ainda que sustentada pela implícita
afirmação da autoridade técnica do engenheiro. Entre suas observações, colhidas
quase de passagem, o topógrafo Waldemar Alves Baeta narra um raro diálogo
travado com os homens da pequena povoação de Mojiana, quando ele e sua equipe
buscavam um lugar para acampar depois de um dia de trabalho:

Dirigimo-nos para uma capelinha e ali então descarregamos os


animais e em breve estendíamos as nossas barraquinhas no solo
inclinado.
Grande número de curiosos nos contemplam. Admiram as
cangalhas, os arreios e um comenta baixinho: “Com certeza é algum
viajante vendedô de arreio”. Pouco adiante da capela um grupo de
meninos jogava debaixo de enorme algazarra a peteca. A aproximação
dos homens fez cessar o jogo e também se acercaram de nós.
Estabeleceu-se um silêncio prolongado somente interrompido pelo
entrechocar da água na rocha viva do rio e por dois monjolos que no
Corguinho próximo trabalhavam fazendo ouvir a sua cantiga
monótona e entristecedora. Parecia que todos aqueles homens eram
mudos. Por nossa vez, cansados com a viagem, tratávamos de armar a
nossa tenda de trabalho em silêncio. Auxilio o tropeiro no
levantamento dos pequenos mastros das barrancas. O círculo de
homens vai se apertando mais e mais até que um deles, mais bem
vestido, calçado com botins de couro cru, mais loquaz, dirigiu-me a
palavra, depois do clássico:
“Inda que mal pergunte ... O que é que o senhô tá fazendo ou
vendendo?
– Nada vendo, meu amigo, faço o mapa do estado de Minas aqui
nesta zona.
E um “ah” geral se fez ouvir. Novo silêncio, seguido de nova
pergunta:
– Mas isto não é nada de mal pr’os pobres não?
– Ao contrário, só pode trazer-lhes benefícios, pois que
tornaremos conhecida esta área do nosso estado.
– Mas o senhô então não está medindo as terras?
– Não, simplesmente faço o desenho das estradas, dos córregos,
das serras, etc, para termos um mapa que nos dê indicações úteis,
para as nossas viagens pelo interior. Servirá também para a
instrução, para as escolas, etc .338 (grifo do autor)

338RELATÓRIO do topógrafo Waldemar Alves Baeta. Relatório apresentado pelo engenheiro-


chefe da Comissão Geográfica e Geológica do estado de Minas Gerais ao senhor secretário da
Agricultura, Indústria, Terra, Viação e obras Públicas. 1922. IGA. Setor de Limites.
Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais. p.37-39.

333
As duas últimas passagens citadas encerram nossos comentários sobre os
relatórios, esses testemunhos de bastidor que muito dizem sobre as atividades
cartográficas e especialmente sobre os personagens que as praticavam. Da
relação conflituosa entre os engenheiros cartógrafos e os habitantes dos espaços
percorridos, conclui-se pela caracterização da empresa como uma medida oficial
concebida no âmbito das elites políticas e técnicas e dissociada dos problemas
sociais e territoriais vivenciados na escala local, aquela das práticas das
populações rurais. Estavam de fato errados os camponeses e fazendeiros quando
desconfiavam das atividades dos cartógrafos? A mensuração dos espaços e sua
exata representação não eram parte de uma estratégia maior do poder público de
esquadrinhar e controlar o território? Não se inscreviam no projeto mais amplo
de inventariar as riquezas naturais do estado – terras, minérios, vegetação,
águas – e produzir instrumentos técnico-científicos que permitissem rediscutir,
longe dos campos, nos gabinetes e nas tribunas, no lufa-lufa dos grandes centros,
os regimes legais de concessão e apropriação desses mesmos recursos? Não estava
de fato em curso a emergência de novos atores sociais que vinham disputar a
propriedade das terras e dos recursos naturais?
O que os engenheiros apontavam como uma prova da ignorância dos habitantes
locais por se julgarem ameaçados pelos avanços dos mapeamentos sobre suas terras não
deixava de ser, em uma outra perspectiva, um entendimento acertado em vista do
sentido maior de apropriação e controle do espaço, implícitos no ato de mapeamento.
Na hierarquia oficial da documentação textual produzida durante todo o programa
de mapeamento, os relatórios dos trianguladores e topógrafos poderiam ser considerados
como os mais desimportantes. Quanto ao teor oficial, prevaleceriam as informações
sintetizadas nos relatórios das autoridades superiores, como o presidente do estado, o
secretário da agricultura ou o chefe da comissão, nos quais se traduziam em números os
quilômetros percorridos ou áreas mapeadas, os municípios contemplados e os recursos
despendidos. Mas foram os relatórios dos engenheiros, especialmente dos topógrafos,
quase todos obscuros funcionários do estado, as fontes mais expressivas das práticas
cotidianas, dos juízos e valores, das subjetividades e da materialidade do ato de fabricação
dos mapas.

334
7 O PROGR AMA CA RTOGRÁFICO-ES TATÍSTICO DA COMISSÃO
MINEIRA DO CENTENÁRIO: AS DIMENSÕES IMA GINÁ RIAS DA
PÁTRIA MINEIRA

7.1 O centená rio da independência: uma car tog rafia monumental

A comemoração do centenário da independência em 1922 foi um momento


privilegiado para a afirmação da nacionalidade brasileira pela elite republicana,
uma elite que começava a vivenciar os sinais de instabilidade do regime
federativo nos moldes implantados na Primeira República. Autores como José
Murilo de Carvalho339 demonstram de que forma o regime republicano, que não
fora capaz de forjar um imaginário coletivo que o legitimasse, terminou por
incorporar estratégias políticas e recursos simbólicos que já vinham sendo
disseminados desde o Império. O argumento a legitimar essa pretensa
continuidade era a crença no progresso e na civilização, processos a ligar Império
e República em sua marcha linear e inexorável, deixando para trás o atraso
herdado da situação colonial. Comemorava-se a nação independente e sua
inserção no mundo moderno, revalorizando o advento da República como etapa
necessária nessa marcha.

Essa pedagogia da nacionalidade emergia em um momento crítico para o


regime republicano. Era ainda o último ano do governo de Epitácio Pessoa,
imerso em profunda crise econômica e fiscal340 e sob séria ameaça de ruptura do
pacto federativo e oligárquico. O ano de 1922 concentrou diversos movimentos e
acontecimentos contrastantes na vida brasileira, expondo de forma emblemática
algumas contradições do país. Para a historiadora Marly de Souza Mota341, o
centenário da independência ocorreu em um ano paradigmático, no qual se

339 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
340 FRITSCH, Winston. 1922: a crise econômica. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.6, n.11, p.3-

8, 1993
341 MOTA, Marli de Souza. A nação faz cem anos: questão nacional no Centenário da

Independência. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1992.

335
concentraram acontecimentos consagrados pela historiografia como marcos
fundadores de um novo tempo para o país, como a fundação do Partido
Comunista Brasileiro, a Semana de Arte Moderna e a primeira manifestação do
movimento tenentista.

Mas se um novo Brasil parecia emergir dos acontecimentos de 22, as


comemorações do Centenário sugerem ainda uma disputa pelo patrimônio
simbólico construído no passado que pudesse dar corpo e sentido à frágil
identidade nacional. Segundo Mônica Veloso,

Enquanto a Semana recorria à data como ocasião para efetuar um balanço


crítico da nossa história político-cultural, a Exposição convertia a data em
momento apologético da nacionalidade. Civilização, ordem, progresso,
ciência, trabalho, racionalidade foram alguns dos epítetos usados na
construção dessa ordem discursiva destinada a enaltecer o nacional. Mas
essa visão não era consensual.342

A dimensão aguda da crise e os acontecimentos contraditórios de 1922


conferem aos eventos e produtos do centenário da independência um significado
simbólico ainda maior, por proporcionar oportunidade para a reencenação do
debate sempre inconcluso sobre a nação brasileira, debate que desde o Império
dividia e aglutinava a um só tempo as elites políticas e a intelectualidade do país.
Um cenário propício à invenção das tradições, no conceito clássico de Eric
Hobsbawn343, no caso, à ritualização cívica e à produção de discursos sobre um
passado e um destino comuns, providencial e compartilhado por todos.

O maior empreendimento oficial destinado à celebração do centenário foi a


Exposição Internacional do Rio de Janeiro, em 1922, evento que, segundo
Margarida Neves344, representou a culminância de um processo de promoção
oficial de grandes exposições no país que buscavam a celebração do progresso e da
civilização inaugurados com a República. Mas as raízes dessa escolha podem ser

342 VELOSO, Mônica Pimenta. Comê, morá? Descobrimento, comemoração e nacionalidade nas
revistas humorísticas ilustradas. Projeto História: revista do Programa de Estudos Pós-
Graduados em História e do Departamento de Historia da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo, n.20, abr. 2000. p.131.
343 HOBSBAWN, Eric. Introdução: a invenção das tradições. In: HOBSBAWN, Eric; RANGER,

Terence (Org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p.9-23.
344 NEVES, Margarida de Souza. As vitrines do progresso. Rio de Janeiro:1986. Relatório de

Pesquisa.PUC/RJ. Departamento de Historia/FINEP.

336
buscadas mais longe no tempo e no espaço, se consideramos que a promoção de
grandes exposições foi fenômeno internacional, que balizou a segunda metade do
século XIX com grandiosos eventos de que são exemplos paradigmáticos a
Exposição Universal da Filadélfia, em 1876, comemorativa do centenário da
independência americana, e a Exposição Internacional de Paris de 1889,
comemorativa do centenário da revolução francesa. A chamada era dos
centenários produziu esses grandiosos eventos que amalgamavam, em maior ou
menor medida, a promoção dos interesses comerciais, a celebração do progresso
técnico e, sobretudo, a afirmação das identidades nacionais.

Desde o Império, o Brasil vinha participando de diferentes exposições


internacionais, mas o primeiro grande investimento nacional ocorreu em 1908,
com a exposição comemorativa do centenário da abertura dos portos às nações
estrangeiras. Exibindo os traços de modernidade da nação, e associando o atraso
à nossa condição de colônia de uma metrópole atrasada, o conjunto da mostra
buscava expor as riquezas naturais do país e o potencial dinâmico da nova
sociedade, fundada na industrialização e no trabalho livre.345

Em 1922, a efeméride do centenário da independência ensejou a produção


desse espaço de teatralização da nação independente, entendida e festejada como
uma nação moderna. A Exposição Internacional configurou-se em uma vitrine do
progresso, arena pública na qual foram reificadas as idéias e imagens de
nacionalidade e identidade nacional e tornadas tangíveis as esperanças e a ilusão
de um progresso perseguido desde a superação da condição colonial e finalmente
alcançado com o advento da República.

A mostra consistia em um grande espaço dramatizado pela


monumentalidade dos pavilhões de cada país e de cada estado, entre os quais a
nação brasileira se apresentava como uma promessa de civilização e
modernidade, fundada nas imensas riquezas naturais do país, no saber técnico e
na instrução pública. Como expressou claramente o texto do guia oficial da

345Nessa mesma exposição, foi divulgado o trabalho desenvolvido pela Diretoria Geral de
Estatística, trabalho que consistia na apresentação, sob a capa de cientificidade das estatísticas,
de quadros que buscavam descrever e ilustrar por números a grandiosidade da nação. Segundo
Neves, o órgão buscava também afirmar a sua eficiência como cérebro científico da moderna
republica brasileira. NEVES, 1986, p.56.

337
exposição, buscava-se construir a [...] imagem resumida do progresso que o país
tem realizado nestes cem anos de vida livre, em todos os ramos de sua
atividade.346 Esta imagem resumida consistia, na verdade, em um monumental
espaço onde 6013 expositores brasileiros, representantes de todos os estados da
federação, compunham o espetáculo orquestrado pelo poder oficial.

O então deputado federal por Minas Gerais, Nelson de Sena, em discurso


na Câmara Federal em setembro de 1922, enfatizou os objetivos dos festejos e das
iniciativas em torno do centenário, [...] um balanço rigoroso do que temos feito, do
que somos e valemos como nação.347 O discurso de Sena era uma peça laudatória
dos grandes vultos, dos progressos materiais, da crescente exploração das
riquezas naturais do território, enfim, dos aparelhamentos civilizatórios que
teriam assegurado, naquele primeiro século de independência, a afirmação de
uma nacionalidade brasileira que se apresentava ao mundo por ocasião da
efeméride. Sena enumerou títulos e serviços com os quais o país poderia pleitear
seu lugar em face da Civilização: a unidade lingüística, política e religiosa do
vasto território coberto pela mesma auriverde e sagrada bandeira da Pátria, o
maior rio do mundo, a primeira catarata, a maior reserva de ferro do globo... Por
fim, Sena anunciava o sentido simbólico do evento mais importante das
comemorações, a Exposição Internacional:

As naves pacíficas, que ora trazem tantas embaixadas de nações amigas,


aqui vão assistir a um certame internacional das Artes e Indústrias,
melhor forma comemorativa das Festas Pátrias, em uma terra nova e fértil
como a nossa [...] E nós, os Brasileiros, gratos à cativante homenagem de
tantas potências mundiais e de tantos países irmãos, conservaremos, para
a memória das futuras gerações, o rumor festivo desta comemoração de
Setembro de 1922 [...].348

O historiador francês Pascal Ory, em estudo sobre as comemorações do


centenário da revolução francesa349, cunhou a expressão comemoração

346 Guia Oficial da Exposição Internacional do Centenário. Citado por: NEVES,1986, p.63.
347 SENA, Nelson de. Primeiro centenário da Independência do Brasil: discurso comemorativo
proferido na Câmara Federal. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922. p.5.
348 SENA,1922, p.33.
349 Trata-se do artigo intitulado Le centenaire de la Révolution Française, publicado na

emblemática obra francesa Les lieux de mémoire, ela própria produto das comemorações do
bicentenário da Revolução Francesa. NORA, Pierre (Dir.). Les lieux de mémoire. Paris:

338
historiográfica para englobar todo o conjunto de iniciativas e produtos de cunho
histórico que ocorreram em função da efeméride, como a criação de comitês,
sociedades e revistas dedicadas à pesquisa histórica (com artigos e edições de
documentos) e à vulgarização do evento (abertura de museus, difusão de
brochuras e estampas). Essa comemoração historiográfica também foi parte das
comemorações brasileiras em torno do centenário da independência. Todo um
conjunto de obras, eventos e mesmo instituições, particularmente voltadas para a
geografia e a história, foram produzidas naquele momento em todo o país;
algumas iniciativas de agremiações civis mas, sobretudo, orquestrações do poder
federal e dos estados.

Entre os muitos eventos e produtos de natureza historiográfica, destacam-


se as iniciativas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Articulado ao
calendário oficial e ao conjunto de narrativas e representações que compunham
as comemorações historiográficas do centenário, o IHGB implementou o seu
próprio programa: a realização do Congresso Internacional de História da
América, a promoção de conferências e o grande projeto editorial do Dicionário
Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil.350 O centenário ensejou sobretudo a
oportunidade para o IHGB, reduto dos monarquistas, convictos ou nostálgicos,
reafirmar as conquistas do período do Império na construção da nação brasileira:
o lastro de continuidade entre a colonização portuguesa, a condução do processo
de independência, o progresso e a modernização do país, o êxito na integração e
consolidação do vasto território. No conjunto dos textos editados, o Dicionário de
1922 condensava uma bem articulada teia de saberes e discursos cientificistas, na
qual a história era entendida em sua marcha linear e progressista, e os estudos
geográficos buscavam estabelecer [...]uma conveniente relação metonímica entre
as partes e o todo, de modo a se poder perceber, por trás de cada descrição de uma
região específica, a figura do “todos como um” da pedagogia nacionalista.351

Especial ênfase foi concedida aos trabalhos geográficos. Entre aqueles

Gallimard, 1997. Quarto 1.


350 INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO. Dicionário histórico, geográfico e

etnográfico do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922.


351 MURARI, Luciana. Brasil, ficção geográfica; ciência e nacionalidade n’Os Sertões. 1995.

Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade


Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1995. p.42.

339
publicados na ocasião, destaca-se a Geografia do Brasil352, iniciativa da Sociedade
de Geografia do Rio de Janeiro que reuniu colaboradores de todos os estados. No
programa da obra, a comissão criada para sua edição enfatizou seu caráter
didático, visando divulgar um conhecimento sintético e totalizante sobre a
realidade brasileira, todo ele subordinado a um só ponto de vista doutrinário.353 O
fio condutor dessa clara estratégia de disseminar elementos para composição de
um imaginário social a respeito de nossa condição como nação – a feição do livro
deve ser essencialmente brasileira354 – foi explicitada nos pontos do programa: a
valorização dos aspectos regionais, a conservação das tradições toponímicas
locais, as especificidades da relação do homem com o meio natural.

A aproximação do centenário forjou finalmente a oportunidade de


retomada do projeto tantas vezes adiado da construção da grande carta geral do
país, confeccionada na escala de 1: 1.000.000, a imagem-síntese do corpo da nação
a ser solenemente inaugurada na exposição internacional. A consecução desse
programa cartográfico buscou responder a duas grandes motivações geopolíticas:
de um lado, à tradição de apresentação de cartas gerais dos países em suas
exposições ou datas comemorativas como artefatos políticos de afirmação da
unidade e da identidade territorial da nação; de outro, ao ingresso do Brasil, ao
lado das grandes nações civilizadas, no programa internacional de confecção do
Mapa Internacional do Mundo.

A apresentação dos mapas nacionais de grande formato, muitos deles


coloridos e em relevo, era grande atração nas exposições internacionais na
Europa e nos Estados Unidos. Esses mapas, especialmente quando solenemente
expostos ou publicados em edições luxuosas, comemorativas de datas simbólicas,
tinham a capacidade de fazer desaparecer, ao olhar imediato dos observadores,
todo o seu longo e complexo processo de fabricação e provocar um sentimento
instantâneo de identificação entre a imagem e o objeto representado, no caso o

352 GEOGRAFIA do Brasil comemorativa do 1o. Centenário da Independência: 1822-1922. Rio de


Janeiro: Pimenta de Mello, [1923]. Planejada para ser editada em dez volumes, apenas quatro
foram publicados, dentre eles o volume dedicado a Minas Gerais, obra de Nelson de Sena,
publicado com o título de A terra mineira.
353 SOCIEDADE de Geografia do Rio de Janeiro. Indicações gerais sobre a confecção da geografia

do Brasil comemorativa do Centenário da Independência: 1919. Rio de Janeiro: Rohe, 1920. p.9.
354 SOCIEDADE, 1920, p.22.

340
espaço político da nação.355 Nos Estados Unidos, o centenário da independência
foi comemorado com a produção de um número significativo e diversificado de
trabalhos cartográficos: uma cartografia explicitamente comemorativa, com
mapas murais de natureza educativa, ilustrados com cenas de eventos da história
americana e atlas produzidos no mesmo estilo, com cenas de batalha e lugares
patrióticos; uma cartografia da base científica, com atlas produzidos pelos
surveys geográficos e geológicos do oeste americano, mas de igual apuro estético e
apelo patriótico, uma vez que os mapas buscavam, simbolizar a conquista
científica da última grande fronteira natural da América.356

Por outro lado, a construção do mapa geral do Brasil na escala de


1:1000.000 foi produto de um outro processo histórico, relacionado à progressiva
internacionalização e padronização dos procedimentos cartográficos, que levaram
ao projeto de produção do Mapa Internacional do Mundo. Em 1908 foi iniciado
um programa internacional sem precedentes para mapear topograficamente todo
o planeta numa escala única (1:1.000.000) e em um único estilo, a partir da
proposta original do geógrafo alemão Albrecht Penck, lançado no Congresso
Internacional de Geografia de Berne em 1891.357 Concebido em um tempo de
crescente concorrência entre as nações européias, a qual resultou na primeira
grande guerra, o projeto avançou muito lenta e desigualmente, segundo as
especificidades da cada país. Mas a despeito das dificuldades políticas, a
internacionalização da linguagem cartográfica era uma realidade que decorria da
expansão das redes técnicas e científicas, da aceleração na circulação dos saberes
e dos instrumentos, e da adoção consentida de métodos e linguagens comuns. Foi
assim que, de forma irregular mas gradativa, foram adotados o sistema métrico
francês (que permitiu a introdução de uma forma universal de expressão da
escala), o meridiano de Greenwich e a convenção da hora, universalmente aceitos

355 LABBÉ, Morgane. Compte-rendus. Annales HSS, Paris, v.58, n.1, 2003. p.264.
356 EHRENBERG, Ralph E. Mapping and expanding nation. In: SCHWARTZ, Seymor I.;
EHRENBERG, Ralph E. The mapping of America. Edison: Wellfleet, 2001. p.305.
Foi na exposição do centenário dos Estados Unidos, na Filadélfia, que o império brasileiro expôs a
primeira carta geral do país (ver seção 2).
357 Segundo historiadores da cartografia, a proposta de Penck marcou o início do período moderno

da cartografia. EHRENBERG, 2001.


THROWER, Norman J. W. Maps and civilization; cartography in culture and society. Chicago:
Chicago University, 1996.

341
na convenção internacional de 1884. Governos e entidades civis passaram a
produzir mapas que, mesmo se não fossem oficialmente folhas articuladas do
mapa internacional, buscavam obedecer aos parâmetros convencionados para o
mesmo.

Foi a essa ordem de condicionantes que obedeceu o programa de elaboração


da Carta Geográfica Comemorativa do Centenário, empreendimento a cargo do
Clube de Engenharia do Rio de Janeiro e que produziu 52 folhas impressas em
Berlim.358 Esse trabalho monumental foi entregue ao veterano engenheiro
Francisco Bhering, protagonista de antigas controvérsias e severo crítico dos
rumos da cartografia oficial do país e que tinha agora a sua maior oportunidade
no campo.359 O trabalho teve início ainda no ano de 1916, quando Bhering
organizou as instruções para a produção da carta em conformidade com a
resolução da Comissão Internacional do Mapa do Mundo.360 Foi adotado o método
de levantamento expedito, sempre defendido por Bhering, o que significou a
retomada da tradicional compilação dos resultados obtidos em campo por outros
trabalhos cartográficos. Apesar de considerada por alguns autores como a melhor

358 CLUBE DE ENGENHARIA. Carta Internacional do Mundo ao 1.000.000. Berlim: Dietrich


Reimer- Ernst Vohsen, 7 set. 1922. Escala: 1:000.000. Presume-se que neste conjunto de 52 cartas
estavam incluídas as cartas gerais de cada uma das unidades federadas, como foi o caso de Minas
Gerais. Como desdobramento do trabalho, o Clube de Engenharia produziu muitas outras cartas,
em diferentes escalas e impressas em outras litografias.
359 Sobre as controvérsias entre Bhering de Orville Derby, ver seção 4. Em 1900, o antigo

programa da Comissão da Carta Geral do Império foi retomado pelo Exército Brasileiro, que para
sua execução elaborou um projeto técnico, publicado em 1901 com o título de Memória do Estado
Maior do Exército sobre a Carta Geral da República, no qual se explicitava as escolhas quanto ao
método de levantamento, projeção escala, pessoal necessário à sua execução. O projeto, que
preconizava o método geodésico e foi aprovado por diversas autoridades no campo da cartografia,
como Henrique Morize, então diretor do Observatório Nacional, previa a produção da carta
topográfica em folhas na escala de 1:100.000 e da carta geográfica na escala de 1:1.000.000. O
mapeamento iniciou-se pelo Rio Grande do Sul em 1903, mas não chegou a resultados
satisfatórios. Em 1911, Francisco Bhering criticou duramente a adoção do método geodésico pelo
Exército, assim como já havia feito no ataque que desferiu aos trabalhos das comissões
geográficas de São Paulo e Minas Gerais. O engenheiro seguia em sua defesa do método expedito,
[...] processo por mim preferido e preconizado para a representação gráfica, num plano, da figura
geométrica do nosso país [...]. Para Bhering, somente o método expedito poderia ser viável e útil
diante da desmesurada extensão territorial, população exígua, escassos meios de transporte,
diminutos recursos quanto a pessoal com a precisa idoneidade, e, sobretudo, diante da
necessidade premente da descrição cartográfica do país.
CLUBE DE ENGENHARIA; INSTITUTO POLITÉCNICO BRASILEIRO. A T. S. F. e os
cartógrafos. Rio de Janeiro: Esperança, 1914. p.17. Conferências feitas pelo engenheiro Francisco
Bhering, professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. p.19.
360 PEREIRA, José Veríssimo da Costa. A geografia no Brasil. In: AZEVEDO, Fernando de. As

ciências do Brasil. [Rio de Janeiro]: Melhoramentos, [195-]. p.389.

342
carta geográfica do Brasil361, o mapa foi objeto de inúmeras críticas [...] pela
descontinuidade das bases realizadas numa escala mais detalhada do território,
assim como a ausência de controle uniforme sobre o conjunto do terreno.362 Mais
uma vez, terá prevalecido na produção da carta do centenário o sentido de
urgência na produção da imagem-síntese, que foi em certa medida a premissa
básica das grandes iniciativas do centenário, como o dicionário, a exposição e o
recenseamento geral de 1920.

O empreendimento estatístico pode ser considerado como a atividade mais


bem estruturada e de maior lastro no tempo, entre tantas que foram
impulsionadas com o centenário. O grande censo nacional realizou-se em 1919,
cercado por um aparato publicitário e por procedimentos técnicos na coleta que
visavam garantir, talvez pela primeira vez no país, a credibilidade dos resultados
estatísticos apurados. O recenseamento concentrou-se no levantamento da
população e das atividades econômicas, cujos resultados foram divulgados em
diversas publicações e na grande mostra montada na Exposição Internacional.
Na organização dos dados demográficos e econômicos para a exposição, a
Diretoria Geral de Estatística terminou por criar uma seção cartográfica e
divulgar no país um gênero de imagens técnico-científicas que vinha se
difundindo na Europa e nos Estados Unidos, a cartografia estatística:

Numerosos diagramas e cartogramas de diversas espécies e sobre


diferentes assuntos foram também rapidamente executados para serem
exibidos no Pavilhão de Estatística da Exposição do Centenário, [...] O
concurso da cartografia muito contribuiu para a eficiente representação da
Diretoria Geral de Estatística no certame comemorativo do centenário da
independência nacional.363

O recurso aos dispositivos gráficos e a fusão do referente geográfico ao dado


numérico – demográfico, econômico ou qualquer outro campo do conhecimento –

361 PEREIRA, [195-], p.389.


362 DE BIAGGI, Enali Maria. La cartographie et les representations du territoire au Brésil. 2000.
Thèse (Doctorat en Géographie, Aménegment et Urbanisme) - Université de Paris III, Institut des
Hautes Études de l’ Amérique Latine, Paris, 2000. p.156.
363 BRASIL. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Relatório apresentado ao presidente

dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de estado da Agricultura, Indústria e Comércio Miguel
Calmon de Pin e Almeida; ano de 1922. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925. Diretoria Geral
de Estatística. p. 161-162.

343
foram grandes inovações que uniram a cartografia e a estatística na virada do
século XX, ao construir uma linguagem visual própria para tradução desses
saberes técnico-científicos. Tanto na Europa como nos Estados Unidos as
oportunidades de divulgação visual dos censos estatísticos geradas pelas
publicações de cunho comemorativo e pelas grandes exposições nacionais e
intencionais foram determinantes nos avanços da cartografia estatística.364

7.2 A Comi ssão Mineira d o C entenário e o pr ogra ma car tográfico e


esta tís tico da rev olução b ranca

As comemorações nacionais do centenário foram desdobradas nos diversos


estados, que buscavam afirmar sua identidade regional como um contraponto ao
discurso nacionalista, entendido não como uma contradição mas como um reforço
ao pacto federalista do regime republicano. Como mostrou Anne-Marie Thiesse
para o caso francês, longe de se oporem, o nacional e o local desenhavam-se como
solidários e compunham os dois lados da pedagogia republicana: conhecer a petite
patrie para melhor aprender a grande patrie.365 Em maior ou menor grau a
depender de cada país ou estado, foi a articulação desse sentimento de duplo
pertencimento que permitiu o êxito das empresas nacionalistas no século XIX.

No nível das unidades da federação brasileira, as iniciativas oficiais


desdobravam-se para, ao mesmo tempo, dar e evocar sentido a um regionalismo
que concorresse para o reforço do sentido de nacionalidade.366 No caso de Minas

364 EHRENBERG, 2001.


PALSKY, Gilles. Des chiffres et des cartes, naissance et developpement de la cartographie
quantitative française au XIXe siècle. Paris: Comité des Travaux Historiques et Scientifiques,
1996.
365 THIESSE, Anne-Marie. Ils apprenaient le France : l’exaltation des régions dans le discours

patriotique. Paris: Maison des Sciences de l´Homme, 1999.


366 Um caso exemplar é o paulista, em que as iniciativas comandadas pelo historiador Affonso E.

de Taunay, na direção do Museu Paulista, buscavam celebrar personagens e fatos associados à


história paulista, em especial o bandeirismo, dando-lhes o estatuto histórico de uma epopéia
nacional. A reinauguração das salas e galerias do Museu Paulista deu-se exatamente no sete de
setembro de 22. A museografia comemorativa reservou ainda uma sala para a cartografia colonial
e para a exposição do grande mapa concebido por Taunay Ensaio da carta geral das bandeiras
paulistas. Essa historiografia comemorativa produzida por Taunay à frente do Museu Paulista
resultou ainda na publicação dessa coleção de mapas coloniais. TAUNAY, Affonso D’Escragnolle.
Coletânea de Mapas da Cartografia Paulista Antiga. São Paulo: Caieiras, Rio de Janeiro:

344
Gerais, no conjunto de representações regionalistas que se convencionou chamar
de mineiridade, foram então ressaltados os aspectos relacionados à moderação, ao
espírito de ordem e de conciliação, características que projetavam o estado como
base segura de sustentação da República, em um momento de crise e de busca de
identidade.367 Nas palavras de Mário Augusto Teixeira de Freitas, um dos
protagonistas do programa mineiro para o centenário, o estado de Minas era
então [...] a inamovível e insubstituível coluna mestra da arquitetônica social,
econômica e política da nacionalidade pátria.368

Como colocou Wirth (1982), após a primeira guerra mundial, a maior


integração entre os estados federados tornou-se um objetivo político para as elites
políticas brasileiras. Um dos mecanismos dessa integração foram os constantes
encontros e congressos que ocorreram no período, oportunidades nas quais os [...]
grupos de elite compartilhavam informações e símbolos, demonstravam suas
intenções, e faziam contatos sociais.369 Assim é que, no Congresso de Geografia
realizado em Belo Horizonte em 1919, o então presidente do estado Artur
Bernardes saudou a aproximação do centenário da independência como um
momento de celebração da nação brasileira para o qual todos os estados deveriam
se preparar.

A primeira grande iniciativa oficial em Minas para os festejos do


centenário foi o preparo do recenseamento geral de 1920. Buscava-se saudar uma
dívida antiga da administração pública, pois até então o estado era
absolutamente carente de trabalhos estatísticos. Vale aqui um retrospecto das
iniciativas oficiais no campo da formulação e implementação de campanhas
estatísticas em Minas Gerais.

Quase nada havia sido implementado desde que os debates na constituinte

Melhoramentos, 1922.
Para uma análise das representações regionalistas de São Paulo e Rio de Janeiro no contexto das
comemorações do centenário, ver: MOTA, 1992.
367 Muitos são os trabalhos dedicados à discussão sobre a mineiridade. Para uma análise que

insere as diferentes abordagens do tema no contexto das comemorações do centenário, ver: MOTA
(1992).
368 FREITAS, M. A. Teixeira de. Os serviços de estatística do estado de Minas Gerais. Separata

de: Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, ano 4, n.13, jan./mar. 1943. p.112.
369 WIRTH, John D. O fiel da balança: Minas Gerais na federação brasileira, 1889-1937. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.264-265.

345
mineira de 1891 haviam sublinhado a carência dos dados censitários sobre a
população e a economia do estado. Os programas estatístico e cartográfico do
estado surgiram unidos numa só política pública em 1890 para serem
definitivamente separados no ano seguinte com a criação da Comissão
Geográfica.

Em dezembro de 1900, o governo do estado criou o serviço de estatística do


estado, na Secretaria do Interior, transferida, em 1903, para a Diretoria Geral de
Agricultura.370 Nesse mesmo ano, o engenheiro Carlos Prates, responsável pelos
serviços, descrevia em seu relatório anual como se davam os procedimentos para
coleta dos dados nos mais diferentes campos: boletins impressos eram
distribuídos às agências executivas municipais para serem preenchidos e
devolvidos, mas as respostas eram sempre insatisfatórias.371

Outra instância governamental que tentava desenvolver trabalhos


estatísticos no estado era a Diretoria Geral de Estatística, incumbida do
recenseamento populacional. Mas as autoridades estaduais isentavam-se de
qualquer compromisso com a metodologia, e os resultados do censo federal e os
relatórios oficiais deixavam entrever as dificuldades no cumprimento do acordo
entre as duas instâncias.

Em 1907, no governo João Pinheiro, os discursos oficiais passaram a dar


ênfase à necessidade de uma estatística agropecuária como instrumento do
programa de modernização agrícola, embora permanecesse o mesmo quadro de
queixas sobre a ausência de recursos. Uma Seção Técnica de Agricultura foi então
criada, incumbida da estatística agrícola do estado. À sua frente, o já veterano
Álvaro da Silveira, que em relatório de 1908, após narrar as dificuldades de se
obter os dados dos relatórios enviados à municipalidades, concluía:

370 Esse serviço compreendia em tese todos os ramos da estatística oficial – desde população,
imigração e colonização, dados econômicos, fiscais, prediais e outros – até a divisão judiciária e
administrativa, limites, registro civil e o Arquivo Público Mineiro. Quando da transferência para
a Diretoria de Agricultura, a Secretaria do Interior manteve alguns dos serviços, como o Arquivo
Público Mineiro e o Setor de limites.
371 MINAS GERAIS. Diretoria Geral de Agricultura, Viação e Indústria. Relatório apresentado ao

Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, secretário das Finanças pelo engenheiro Artur
da Costa Guimarães, diretor geral da Agricultura, Viação e Indústria, em 1904. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1904a.

346
É porém lamentável a obstinada desatenção senão mesmo formal
repugnância, com que se luta nos municípios para efetuar a coleta de
elementos estatísticos, ainda os mais simples. O funcionalismo público em
geral só aceita as incumbências dessa ordem por uma ou outra vez: elas lhe
são onerosas de trabalho e não são remuneradas, como deviam ser. Os
particulares vêm com maus olhos o encarregado de tais investigações.
Muitos protestam não crer na efetividade, na veracidade, na utilidade
delas; outros estão inabalavelmente convencidos que a administração só
tem intuitos fiscais e a grande multidão hesita ou dissimula o interesse
individual com o pressuposto de que a “alma do negócio é o segredo”.372

Além das dificuldades na coleta dos dados, a carência de recursos


orçamentários para investimento nos serviços estatísticos era problema comum
aos governos federal e estadual. Os pedidos constantes foram enfim acatados em
1912 com a dotação de uma verba própria que permitiu o início de um sofrível
inquérito sobre pontos essenciais de nossa situação econômica.373 A partir de
então, as estatísticas estaduais passaram a se desdobrar em diferentes campos,
como a estatística demográfica-sanitária, a criminal, ou sobre quedas d’água. Em
1918 o presidente do estado anunciava o aparecimento de uma utilíssima
publicação com uma curiosa miscelânea de dados como a estatística de distâncias
entre municípios e corografias municipais com variados dados como datas de
criação, população, número de reses, principais lavouras, indústrias, serras e rios.

Os discursos das autoridades do estado durante todo o período carregavam


a ambigüidade de anunciar dados estatísticos disponíveis mas sempre se
acautelando quanto à sua credibilidade. Já no primeiro momento de implantação
do serviço estatístico, eram feitas muitas reservas às qualidades dos dados,
embora a manutenção dos serviços, ainda que precariamente, fosse entendida
como um dever do estado. Delfim Moreira, quando secretário do Interior em 1903,
já havia caracterizado o empreendimento estatístico no estado como um
tormento, tal a penúria dos meios de ação.374 O método de coleta de dados por

372 MINAS GERAIS. Diretoria Geral de Agricultura, Viação e Indústria. Relatório apresentado ao
Exmo. Sr. Dr.Juscelino Barbosa, secretário das Finanças, pelo engenheiro Carlos Prates,
referente ao ano de 1908. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1909a. p.59.
373 MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão 1911-1914). Mensagem dirigida pelo

presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Júlio Bueno Brandão ao Congresso Mineiro em sua 2a.
sessão ordinária da 6a. legislatura no ano de 1912. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1912. p.47.
374 MINAS GERAIS. Secretaria do Interior. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de

Minas pelo secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Delfim Moreira da Costa Ribeiro em

347
boletins enviados aos municípios mostrava-se falho, pois as respostas, quando
vinham, eram consideradas deficientes, exageradas e mesmo inverossímeis.375 A
sistemática recusa em responder aos questionários por parte dos lavradores e
criadores configura o que se poderia chamar de um silêncio eloqüente, por
expressar claramente o sentimento de desconfiança que nutriam os interpelados
pelas iniciativas do governo. A estatística oficial parecia então relegada ao olvido,
como notou o chefe da seção Fausto Alvim, em 1911.

Em 1916 o secretário da agricultura Raul Soares promoveu reforma


administrativa e aprovou novo regulamento para o Serviço de Estatística, que
deveria investigar os dados sobre as atividades agrícolas, industriais e comerciais
do estado, o que incluía ainda o ensino profissional, telégrafos e telefonia. Um
levantamento agropecuário foi então iniciado, sob outras bases metodológicas:
agentes e funcionários especialmente designados para a tarefa passaram a
percorrer o estado na coleta dos dados, que pela primeira vez alcançaria a
maioria dos municípios. Em 1918, o presidente do estado Delfim Ribeiro
apresentava o resultado de dois anos de coleta de dados agropecuários, mas cuja
apuração ele mesmo colocava sob suspeita ao enumerar as causas de suas
deficiências, como a baixa remuneração dos agentes, a má qualidade das
estradas, a indiferença ou má-vontade dos fazendeiros. E concluía:

[...] a ausência de educação estatística do povo, eis a causa primordial dos


insucessos comuns aos empreendimentos de inquéritos numéricos no país.
Por isto é que precisamos manter incessantemente esse serviço, embora
não haja muito o que esperar dos primeiros tentâmens.376 (grifo do autor)

Entretanto, nos relatórios oficiais, a cada ano, cresciam em número os


quadros e tabelas estatísticas relativos a agropecuária e outros dados econômicos

o ano de 1903. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1903b. v.3. v.3. Diretoria de Arquivo e
Estatística. p.18.
375 Relatório de 1907 mostrou que apenas 5% dos boletins distribuídos às Câmaras Municipais

tinham sido recolhidos à Seção. MINAS GERAIS. Diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e
Colonização. Relatório apresentado ao exmo. Sr. Dr. Manoel Thomaz de Carvalho Brito, secretário
interino das Finanças pelo engenheiro Carlos Prates, referente ao ano de 1907. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1908a.
376 MINAS GERAIS. Presidente (Delfim Moreira da Costa Ribeiro 1915-1918). Mensagem dirigida

pelo presidente do estado, Dr. Delfim Moreira da Costa Ribeiro ao Congresso Mineiro em sua
4ª. sessão ordinária da 7ª. legislatura do ano de 1918. [Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1918].
p.111.

348
do estado. Uma evolução sensível nas formas de apresentação e manipulação dos
dados também pode ser notada com o recursos a diagramas e gráficos que
ocupavam dezenas de páginas dos documentos.
No governo de Artur Bernardes, as atividades cartográfica e estatística
voltariam a ser consideradas como partes integrantes de um mesmo programa de
conhecimento sistemático do estado. Em sua mensagem de governo de 1920,
Bernardes anunciou o começo de um grande censo da população que seria
implementado com vistas às comemorações do centenário da independência.
Comandado pela Diretoria Geral de Estatística, o recenseamento geral só seria
viável pela articulação dos serviços estatísticos e levantamentos já em curso, o
que o discurso de Bernardes vinha reforçar. Todas as frentes de investigação
estatística do estado foram então articuladas para fornecer dados ao
recenseamento, quais sejam, os trabalhos pouco sistemáticos das Secretarias de
Finanças e Interior, além do censo agropecuário da Secretaria de Agricultura.
Malgrado todas as críticas à qualidade dos dados, a iniciativa federal de
compilação das diferentes fontes era saudada por Bernardes, pois o delineamento
de um quadro geral e comparativo de uma realidade medida em números para o
país e para o estado era a evidente e benéfica conseqüência de

[...] um perfeito entendimento, solidamente estabelecido, entre o governo


do Estado e a Diretoria Geral de Estatística, em benefício do êxito do
recenseamento geral e dos serviços de estatística em geral.377

Com o discurso de Bernardes no Sexto Congresso de Geografia e a fala


acima citada em sua mensagem anual ao congresso, estava dada a partida a uma
série de discursos laudatórios e congraçadores que marcariam toda a conjuntura
de festejos de efeméride do centenário. A antiga desarmonia entre as esferas
federal, estadual e municipal, entrevista na condução das atividades estatísticas
ao longo de décadas, era agora superada em função do propósito maior de
garantir o êxito das iniciativas, fosse no plano discursivo, fosse na efetiva
implementação das novas políticas. Amadureciam as condições políticas para as

377MINAS GERAIS. Presidente (Artur da Silva Bernardes 1919-1922). Mensagem dirigida pelo
presidente do Estado, Dr. Artur da Silva Bernardes, ao Congresso Mineiro em sua primeira
sessão ordinária da 8ª. legislatura do ano de 1920. [Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1920].
p.84-85.

349
iniciativas como a retomada do mapeamento, ou a implantação do sempre adiado
programa estatístico do estado.

Dessa conjuntura favorável tirou proveito particular o delegado regional


incumbido de iniciar os trabalhos do recenseamento em Minas, o advogado baiano
Mário Augusto Teixeira de Freitas. Segundo suas próprias palavras, ao chegar a
Belo Horizonte em 1919, encontrou [...] um campo ideal para uma tentativa de
larga envergadura tendo por objetivo a criação da estatística geral de caráter
regional.378 O jovem profissional, antevendo as condições favoráveis,
especialmente pela identificação com a nova geração de políticos que alcançava
naquele momento os cargos mais altos da administração pública, desenvolveu um
ambicioso plano para desdobrar os trabalhos do recenseamento em um serviço
estatístico permanente e no qual a cartografia ocupava papel relevante. Hábil na
condução de sua trajetória profissional, Teixeira de Freitas, de imediato, tornou-
se colaborador do jornal Estado de Minas, veículo no qual expunha com
regularidade suas idéias políticas e projetos técnicos, quase sempre relacionados
à política de gestão territorial, como a defesa do imposto territorial, de um
sistema federativo adotado na escala dos estados e de uma nova divisão das
unidades federativas do país.

Por ocasião do Congresso de Geografia realizado em Belo Horizonte,


Teixeira de Freitas saudou a elaboração da Carta Geral da República pelo Clube
de Engenharia,

[...] trabalho por muitos títulos memorável – pela sua amplitude e


complexidade, pelo seu método e rigor científico, pelo seu elevado escopo de
servir à Pátria servindo à Ciência.379

378 FREITAS, 1943, p.112.


Nascido em 1890, Mario Augusto Teixeira de Freitas ingressou na Diretoria Geral de Estatística
em 1908. Diplomou-se em Direito no Rio de Janeiro em 1911. Desde sua chegada a Belo
Horizonte, demonstrou grande habilidade em integrar-se ao meio político e técnico-científico
mineiro e construir uma trajetória de êxitos que culminariam, nos anos 1930, com a criação do
IBGE. Nos meses que antecederam o início do recenseamento em Minas, Teixeira de Freitas
dedicou-se à intensa propaganda da iniciativa, publicando diversos artigos na imprensa mineira
dedicados ao elogio da estatística como instrumento primordial da modernização e racionalização
da administração pública e a uma convocação cívica para que todos os mineiros apoiassem o
censo. Os discursos de Freitas, pelo seu caráter pedagógico, podem ser considerados como os seus
primeiros ensaios na sua trajetória como educador.
379 FREITAS, Mário Augusto Teixeira de. Em torno do Congresso de Geografia: limites e áreas

municipais. Estado de Minas, ano 1, n.52, 12 set. 1919.

350
No mesmo artigo anunciou o recenseamento geral que se organizava e que
deveria, por felicíssima coincidência, servir ao mesmo objetivo da carta, pois,

[...] sendo dado ao Brasil, em 1922, apresentar simultaneamente, os dois


monumentos representativos desses vultuosos empreendimentos, será
como se oferecesse à civilização uma nítida fotografia do que ele é, da sua
portentosa geografia e política no limiar do seu segundo século de vida
nacional.380

Somando a esse discurso em tudo afinado com o proferido pelo presidente


mineiro Artur Bernardes, Teixeira de Freitas afirmou sua opção municipalista,
ao defender a demarcação e a representação dos limites dos municípios na carta
do centenário e o cálculo das suas superfícies no censo. Para Teixeira de Freitas,
os municípios eram as unidades geográficas e políticas mais importantes, e sua
definição na carta era essencial para que o mapa não repetisse a vaga trama
formada pela indicação dos nomes dos municípios.381 Pelo texto de Freitas, é
possível perceber que o congresso de Belo Horizonte serviu de palco para
sugestões e críticas ao programa cartográfico monumental do centenário,
conduzido pelo Clube de Engenharia do Rio de Janeiro.

Quanto à questão cartográfica, Teixeira de Freitas encarnava uma postura


em muito distinta daquela representada pelos discursos e as práticas das
comissões geográficas, como os de Álvaro da Silveira. Pisando o solo
municipalista, mas projetando sua visão para a representação unificadora da
carta-síntese, da carta-imagem, Teixeira de Freitas antepunha a estrutura
político-administrativa ao canevas geométrico das coordenadas e das
triangulações: o esqueleto do mapa geral deveria ser o mosaico sinuoso das
divisas municipais e não a rede poligonal do mapeamento sistemático.

Foi com esse regime de idéias e pretensões técnicas e políticas que Teixeira
de Freitas conduziu o recenseamento geral, entre os anos de 1920 e 1921. Pela
primeira vez a parceria dos órgãos federais e estaduais foi efetiva, animada pelo
estreitamento de objetivos e identidade de propósitos que os discursos de Teixeira

380 FREITAS, 1919.


381 FREITAS, 1919.

351
de Freitas e Artur Bernardes, em diversas ocasiões e por diferentes meios,
deixavam entrever.382 Assim, em 1921, Artur Bernardes louvava o êxito do
recenseamento populacional e econômico levado a cabo pela Diretoria Geral de
Estatística, com o apoio político e operacional das instituições do estado. Com a
parceria, segundo Bernardes, fora possível introduzir no levantamento certas
questões de interesse da administração estadual, entre elas as informações sobre
os limites administrativos dos municípios e distritos e outros dados tendentes a
compor uma descrição corográfica das municipalidades.383 Já estava em curso o
plano do governo de redesenhar a carta política do estado e assegurar que o
programa estatístico não se esgotasse na comemoração do centenário, mas se
tornasse um serviço regular. Essas eram também as pretensões do delegado
Teixeira de Freitas, de forma que o recenseamento cuidou de levantar mais
informações do que as pretendidas pelo censo oficial – população, atividades
agrícolas, pecuárias e industriais –, resultando em um material que seria o
fundamento da chamada sistematização cartográfica-estatística-corográfica de
Minas, levada a cabo nos anos seguintes.

Nesse quadro conjuntural, os arranjos administrativo-financeiros para


garantir a participação mineira na festa nacional do centenário articulavam-se
com os interesses da cúpula política mineira, buscando conjugar as celebrações e
a campanha eleitoral de Bernardes à presidência da República. Em agosto de
1921, Nelson de Sena lançou das tribunas da Câmara dos Deputados um
programa comemorativo tão amplo que conjugava iniciativas comparáveis a um
programa de governo (criação e instalação de diversas instituições públicas de
caráter cultural e científico, além de hospitais regionais, colônias agrícolas e

382 A sintonia de interesses entre o governo estadual e o delegado regional do recenseamento


gerou críticas e desconfianças entre as raras vozes oposicionistas. O governo estadual indicara os
nomes dos colaboradores de Teixeira de Freitas que, na prática, agia como um dos quadros da
elite da administração pública estadual, como de fato chegaria a ser na condução do Serviço de
Estatística a partir de 1921.
383 Já em 1920 um primeiro produto cartográfico desdobrado do recenseamento foi publicado.

Tratava-se de um mapa elaborado por José Ximenes César, com os limites administrativos dos
municípios mineiros, e articulado a um cartograma com a densidade demográfica de cada
município. Vale a pena assinalar que esse foi provavelmente o primeiro mapa estatístico a ser
produzido sobre o estado.
ESTADO DE MINAS GERAIS. Esboço da Divisão Municipal vigente em 01 de setembro de 1920 e
Cartograma da Respectiva Densidade Demográfica. Belo Horizonte: Imprensa Oficial Minas –
Lit., 1920.

352
penitenciárias) à produção de uma miscelânea de signos – objetos e atos –
comemorativos (publicações, mapas, estátuas, medalhas, patronos, retratos).
Interessa ressaltar aqui o plano para [...] a reedição, refundida e completada, da
última carta ou Mapa Geral do Estado de Minas384, que ia ao encontro das
intenções já anunciadas no mesmo sentido pelo presidente Bernardes em sua
mensagem de governo.

Boa parte das proposições de Sena foi efetivamente levada a cabo. O poder
legislativo aprovou verbas especiais destinadas à viabilização do programa
comemorativo, criando um crédito especial para a representação do Estado na
Exposição Internacional do Centenário, a realizar-se no Rio de Janeiro. No
mesmo conjunto de decretos promulgados em janeiro de 1922, foi também aberto
crédito especial para a organização do serviço de estatística do estado385, que
ficou a cargo de Teixeira de Freitas.

Para condução do programa oficial das comemorações do centenário em


Minas foi criada a Comissão Mineira do Centenário, cujo presidente era Afonso
Vaz de Mello (então prefeito de Belo Horizonte)386, e o secretário-geral, Daniel de
Carvalho. Essa comissão passou a trabalhar em articulação como a comissão
nomeada pelo Ministério da Agricultura para a organização da Exposição
Internacional do Centenário, cuja liderança foi entregue a Antônio Olinto dos
Santos Pires e cujo representante em Minas Gerais era outro funcionário do
estado, Justino Carneiro.

À Comissão Mineira do Centenário cabia sobretudo promover a

384 CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados: terceira sessão da oitava

legislatura. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1922. p.155.


385 Decreto n. 5843, de 25 de janeiro de 1922. O crédito conferido pelo decreto n. 5842, de 25 de

janeiro de 1922, era destinado à representação de Minas na Exposição Internacional e à


construção de um edifício especialmente destinado à mostra. Ao longo de 1922, novos créditos
foram abertos para cobrir as despesas com a programação oficial (decreto n. 6099, de 30 de maio
de 1922; decreto n. 6153, de 4 de agosto de 1922; decreto n. 6238 de 30 de dezembro de 1922).
386 Compunham essa comissão executiva o secretário geral Alfredo Sá (depois substituído por

Milton Prates) e os membros Joaquim Francisco de Paula, Gustavo Pena e Pedro Mata Machado.
Segundo Artur Bernardes, a comissão contava com um grupo mais numeroso de colaboradores,
[...] formado por elementos representativos das classes sociais do estado, com o mesmo fim
patriótico.
TELEGRAMA de Artur Bernardes a Antônio Olinto dos Santos Pires. AN. Fundo Comissão
Executiva da Comemoração do Centenário da Independência. Cx. 2418. Comissão Organizadora
Minas Gerais.

353
representação de Minas na exposição internacional do Rio de Janeiro, o que
significava expor no cenário do pavilhão que seria especialmente construído para
o evento todos os produtos e objetos simbólicos cuja reunião permitisse a
construção de uma narrativa articulada sobre a tradição, a riqueza e a
prosperidade do estado. Minas precisa brilhar; Minas há de brilhar387, concluía o
discurso de Gustavo Pena, membro da comissão mineira, quando de sua
apresentação à comissão geral no Rio de Janeiro. E um dos produtos privilegiados
na formulação desse discurso identitário da pátria mineira seria a representação
cartográfica do estado, que a comissão buscou viabilizar através da promoção de
um programa

[...] em escala e plano tais, que pudesse representar não só o estado atual
da nossa cartografia, mas ainda a organização administrativa, as condições
de progresso e a situação econômica de cada circunscrição municipal.388

Os trabalhos deveriam resultar na publicação dos seguintes documentos


comemorativos: a carta física e política de Minas Gerais, um anuário estatístico e
um boletim estatístico-corográfico com mapas de todos os municípios mineiros.
Esse programa articulado entre estatística e cartografia já havia sido iniciado
com o recenseamento e seu desdobramento na programação do centenário foi
decorrência natural da conjugação de interesses das diferentes instâncias nele
envolvidas, como o Escritório de Representação da Diretoria Geral de Estatística,
o governo do estado e a Comissão Construtora da Carta Geral do Brasil, a cargo
do Clube de Engenharia.

É interessante ressaltar que o Clube de Engenharia, nesse mesmo período,


empenhava-se na finalização da carta geográfica de Minas Gerais, construída na
escala de 1:1.000.000, parte integrante da grande compilação então realizada
para elaboração da carta geral do centenário. A carta do estado concebida no
programa da Comissão Mineira seria a expressão regional da Carta Geral do

387 PENA, Gustavo. Pela representação de Minas Gerais na Exposição do Centenário da


Independência. Discurso lido perante a Comissão geral em outubro de 1921. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, [1921]. p.19.
388 MINAS GERAIS. Presidente (Artur da Silva Bernardes 1919-1922). Mensagem dirigida pelo

presidente do Estado Dr. Arthur da Silva Bernardes, ao Congresso Mineiro, em sua 4ª. sessão
ordinária da 8ª. legislatura no ano de 1922. [Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1922]. p.54.

354
Centenário, seu desdobramento e complemento, mas desenvolvido em uma escala
ainda mais detalhada (1:500.000, metade da escala da carta geral do país).

Todo o programa estatístico e cartográfico concebido para o centenário foi


comandado por Teixeira de Freitas, que tinha a exata compreensão do caráter
monumental dos documentos produzidos, tanto no sentido de marcar a presença
de Minas no concerto das nações e dos estados como na demonstração da
natureza modernizadora dos serviços públicos que a nova geração de políticos
mineiros implementava no estado. A mudança do comando do governo, com a
eleição de Raul Soares para o estado e de Bernardes para a presidência da
República, não alterou as relações de poder favoráveis ao empreendimento. Ao
contrário, fortaleceu politicamente a empresa pelo sentido de continuidade e
afinidade que caracterizava as atuações dos dois líderes. A crise política que
marcou a eleição de Bernardes conduziu a um reforço das ações de governo que
promovessem os discursos nacionalistas e patrióticos e as imagem de coesão,
estabilidade e progresso, discursos que deveriam reverberar no cenário festivo do
centenário da independência.

Foi na dimensão de sua construção material que o programa cartográfico-


estatístico encontrou maiores dificuldades para se implementar por inteiro e no
curto prazo previsto. A despeito do apoio oficial, a empresa se confrontava com a
dispersão e fragilidade dos dados e a rarefeita herança cartográfica do estado –
segundo as palavras de Freitas, os admiráveis trabalhos de Comissão Geográfica
só abrangiam até aquele momento uma área relativamente insignificante do
território do Estado.389 Particularmente deficientes, para os fins de elaboração de
um mapa político como se pretendia, eram os dados relativos à extensão, limites e
posição geográfica dos municípios.

Com base nos dados levantados no censo, a estratégia foi conjugar as


técnicas dos trabalhos de gabinete e campo: compilação, inquéritos por

389FREITAS, 1943, p.113. Diferentemente da herança documental da CGG, cuja diversificada e


numerosa produção textual nos permitiu cruzar olhares e experiências dos diferentes atores, no
caso do programa estatístico-cartográfico do centenário, poucos testemunhos são disponíveis, e os
discursos articulados de Teixeira de Freitas constituem praticamente a única fonte sobre a
fabricação dos mapas. Especialmente ricos e sugestivos quanto aos aspectos políticos e simbólicos
do empreendimento, as falas de Freitas são bastante econômicas na descrição das práticas, das
escolhas, dos personagens envolvidos no trabalho técnico.

355
correspondência e pesquisa sobre o terreno. Freitas afirmava ter movimentado
um adestrado corpo de agentes de estatística e de topógrafos incumbidos de [...]
levantamentos expeditos, necessários à melhoria dos esboços cartográficos
demasiado vagos e imprecisos.390 A direção dos trabalhos cartográficos foi
entregue a um modesto professor de Ouro Fino, José Ximenes César, cujas
habilidades como desenhista e cartógrafo amador haviam sido descobertas
durante os trabalhos do censo. Freitas mencionou ainda a colaboração efetiva da
Comissão Geográfica e Geológica, do seu chefe Álvaro da Silveira e de Benedito
José dos Santos, então diretor de Indústria e Comércio da Secretaria de
Agricultura e autor do último mapa geral do estado, elaborado em 1910.

Em 7 setembro de 1922, inaugurou-se a grande mostra do Rio de Janeiro.


O discurso então proferido pelo organizador da mostra mineira, o jornalista Mário
de Lima, era uma peça retórica de afirmação da lealdade histórica de Minas à
unidade política e territorial do país e ao regime federativo. A representação
mineira foi aberta efetivamente em novembro do mesmo ano, e privilegiava a
exposição das riquezas naturais e industriais do estado e dos serviços de
instrução e higiene públicas. Apenas parte dos produtos do programa estatístico-
cartográfico originalmente concebido estavam prontos, o que não impediu que a
comitiva mineira alcançasse sucesso, especialmente com os mapas municipais,
merecedores do Grande Prêmio da mostra cartográfica da Exposição
Internacional do Centenário, a maior das recompensas conferidas.391 O conjunto
exposto por Minas manteve o espírito do centenário de autodescoberta392: a
primeira versão, manuscrita, da chamada carta física e política; uma reprodução
do mapa da província de Minas de 1821, de autoria de Eschwege; uma coleção de
mapas municipais.

Em setembro de 1923, finalizada a exposição internacional, a mesma


mostra cartográfica foi montada em Belo Horizonte, no edifício do então Conselho
Deliberativo, em meio às saudações das autoridades e da imprensa. Na solene
abertura da exposição, os discursos oficiais reafirmaram o êxito dos trabalhos

390 FREITAS, 1943, p.113.


391 FREITAS, 1943, p.116.
392 WIRTH,1982, p.267.

356
conjuntos do governo do estado e da Diretoria Geral de Estatística e o impulso
modernizador que tais atividades conferiam à administração pública, a tríplice
definição estatística, corográfica e cartográfica do estado, como a definiria Raul
Soares. Teixeira de Freitas, sem deixar de citar as dificuldades que vinham
atrasando a finalização dos trabalhos previstos, deteve-se na apresentação
elogiosa dos documentos cartográficos. O mapa geral do estado não pretendia ser,
segundo suas palavras,

[...] a cartografia definitiva do Estado. O que nele se quis realizar foi o


traçado metódico do conhecimento atual do território mineiro, a
representação gráfica da organização administrativa vigente e o registro de
dados estatísticos e históricos capazes de dar, resumida e
esquematicamente, uma satisfatória idéia de conjunto da situação atual do
Estado.393

O mapa traduzia uma totalidade territorial e histórica que era o estado de


Minas Gerais, instrumento político e pedagógico de afirmação da identidade
regional. Concebido na escala de 1:500.000, tratava-se de um documento
manuscrito de grande formato e linguagem híbrida, pois conjugava a
representação gráfica do estado com outras imagens e textos: o mapa do
município de Belo Horizonte e sua planta urbana, textos explicativos e históricos,
tabelas estatísticas. 394 Apesar de ter sido construído sobre a projeção polifônica,
como a Comissão Geográfica, o mapa não teve uma base geométrica baseada na
triangulação, mas recorreu ao método tradicional de construção de uma
quadrícula cujos pontos eram as coordenadas astronômicas e sobre a qual eram
compiladas as informações das mais diversas fontes. Assim, a parte propriamente
cartográfica foi constituída pelos elementos básicos de um mapeamento de função
política-administrativa: rede hidrográfica, relevo (definido pelas cotas de
altitude), sistemas de comunicação (estradas, telégrafos, correios, telefonia),
divisão territorial (judiciária e administrativa), rede urbana identificada e

393FREITAS, 1943, p.115.


394Presumimos que o documento exposto e descrito por Teixeira era um manuscrito aquarelado,
exemplar único hoje desaparecido. As representações cartográficas relativas a Belo Horizonte –
mapa do município e planta urbana – foram presumivelmente elaboradas no âmbito do poder
municipal. Para maiores informações sobre a cartografia urbana de Belo Horizonte, ver:
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estudos Históricos e Culturais. Panorama de Belo
Horizonte; atlas histórico. Belo Horizonte, 1997.

357
hierarquizada. Entre os quadros laterais, a chamada resenha histórica traçava
em síntese o que seria a construção da unidade física, política e cultural da pátria
mineira:

A parte histórica faz o escorço primeiro do descobrimento, devassamento,


conquista e fixação de limites do atual território do Estado, e, depois, da
formação social, econômica, administrativa e política da comunhão
mineira.395

Na sinopse estatística perfilavam os resultados numéricos das coletas de


dados na escala do estado e dos municípios, dispostos em categorias descritivas
que traduziam um esforço vertiginoso de totalização: dados sobre superfície,
clima, população, transportes, religião, finanças públicas, impostos territoriais,
receitas públicas, eleitorado, ensino, comércio e muito mais.

O documento cartográfico trazia ainda os créditos de responsabilidade,


distribuídos entre as autoridades da Comissão Mineira do Centenário e da
Diretoria Geral de Estatística, e das autorias técnicas, entre Teixeira de Freitas e
o cartógrafo José Ximenes César, assistido por Benedito José dos Santos. A rede
de contribuições e influências que cerca toda produção cartográfica era evocada
como parte do significado técnico do documento e, no caso, remetia aos trabalhos
contemporâneos das CGG mineira e paulista e do Clube de Engenharia, às
contribuições históricas das mais variadas fontes como os mapas das estradas de
ferro e de rodagem, os levantamentos dos grandes rios e das zonas litigiosas e à
linhagem dos principais cartógrafos do estado: Eschwege, Gerber, Halfeld,
Chrockatt de Sá, Homem de Melo e Benedito dos Santos.

Todos esses conteúdos estavam inscritos na grande carta mural, cujo


aspecto monumental completava-se no seu ostentoso suporte material, como
descreve essa reportagem de época:

A carta de Minas se acha emoldurada num retângulo de 4 por 3 metros, de


imbuia do Paraná, apoiada em dois eixos presos a um retângulo exterior,
este encaixado em duas colunas estilizadas, nas quais realçam as ranhuras
e os capitéis, encimados por esferas armilares. No entablamento do
retângulo externo sobressaem ao centro as armas de Minas entalhadas em

395 FREITAS, 1943, p.116.

358
peroba branca, as armas do Brasil Império e do Brasil República.396

Assim, o conteúdo simbólico das imagens e textos inscritos na carta era


reforçado e ampliado pela linguagem artística de sua moldura.

Outro documento a compor a mostra era o Mapa da Província de Minas


Gerais, uma versão artística e livremente modificada do mapa original de 1821,
executado pelo cartógrafo e desenhista Afonso de Guaira Heberle. No seu título
eram explicitadas as intenções que promoveram a sua fabricação: uma cópia do
que seria o primeiro mapa de Minas, elaborado por Eschwege e posteriormente
ampliado por Luiz Maria da Silva Pinto, e mandada [...] copiar e adaptar em 1922
pela Comissão Mineira do Centenário para confronto com o mapa do
centenário.397

Completava a exposição um mapa da viação férrea e a premiada coleção


dos mapas municipais, destinada ao Boletim Estatístico Corográfico de Minas
Gerais, ainda em fase de preparação. Eram 72 mapas, sendo que 60 deles
impressos pela Litografia Hartmann, em Juiz de Fora. Eram trabalhos creditados
ao mesmo desenhista Guaira Heberle, ao engenheiro geógrafo Odilon Loureiro e
ao agrimensor Teodoro Barbosa.

O discurso de Freitas, posteriormente reproduzido na imprensa e em mais


de uma publicação oficial, enfatizou o caráter monumental do conjunto,
ressaltando suas qualidades de síntese, de descrição coesa, de fixação e
memorização da entidade política mineira em um momento que é verdadeiro
marco secular da história pátria. Toda a obra era apresentada como um esforço
abnegado de quantos haviam dela participado, desde

[...] o modesto membro do magistério público do estado, o professor José


Ximenes César, [à] ... legião de esforçados brasileiros dos mais obscuros
amadores de cartografia e geografia aos mais competentes profissionais,

396 A CARTA física e política comemorativa do Centenário da Independência. Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2 set. 1923.
397 MAPA da Província de Minas Gerais, levantado pelo Coronel Barão de Eschwege em 1921,

aumentado por Luiz Maria da Silva Pinto em 1826, mandado copiar e adaptar em 1922 pela
Comissão Mineira do Centenário para Confronto com o Mapa do Centenário. [S.n.]. Sem escala.
O único exemplar encontrado desse mapa, preservado no Arquivo Público Mineiro, recebeu uma
camada de verniz que escureceu quase totalmente o documento, dificultando sua leitura e
impossibilitando a sua reprodução.

359
todos desinteressados e patriotas[...].398

E Freitas coroou seu elogio rendendo mais uma vez homenagem aos
presidentes de estado Artur Bernardes e Raul Soares, as duas másculas figuras
de estadistas que vinham sustentando o programa estatístico e cartográfico sob
sua responsabilidade. Em resposta, o secretário de Agricultura Daniel de
Carvalho também louvou a todos, sustentando ser aquela apenas uma primeira
etapa do grande programa pretendido [...]de abandonar o empirismo do passado e
estudar todos os problemas a luz de dados positivos, de fatos concretos e de
algarismos obtidos pelos processos científicos.399

Exposto à visitação, o conjunto cartográfico impressionou o público pela


monumentalidade formal, o aparato erudito, a sedução do detalhismo técnico,
como mostraram as diversas reportagens que se seguiram à inauguração da
mostra. Público diversificado, do qual se viam

[...] debruçados sobre os mapas, em paciente leitura, professores,


estudantes, funcionários, ou pessoas outras a quem mais de perto o
trabalho possa atrair, senão também crianças, senhoras e senhorinhas,
operários e modestos empregados do comércio.400

A imprensa, quase toda oficial ou oficiosa, ecoava o potencial simbólico da


exposição ao descrever a reação do público frente à carta geral e aos demais
documentos cartográficos como expressões de orgulho e identidade dos mineiros;
obra útil de propaganda, fotografia de todos nós, porta-voz desta geração, entre
outras expressões.

Se a exposição de setembro de 1923 em Belo Horizonte fechava o ciclo das


comemorações do centenário, por outro lado, o trabalho cartográfico e estatístico
do estado prosseguiria durante e após os festejos da efeméride, e de forma mais
estreitamente vinculada às políticas públicas do governo. A Comissão Mineira do
Centenário foi extinta, mas o governo estadual manteve a parceria com a
Diretoria Geral de Estatística, projetando a criação do Serviço de Estatística

398 FREITAS, M. A. Teixeira de. A carta de Minas comemorativa do centenário: discurso. Belo

Horizonte: Imprensa Oficial, 1924. p.20-21.


399 A CARTA..., 1923.
400 A EXPOSIÇÃO da carta do centenário. Minas Gerais, Belo Horizonte, 5 set. 1923.

360
Geral do estado sob a direção do mesmo Teixeira de Freitas. No ano de 1923,
tanto a promoção do Congresso das Municipalidades como a nova divisão
territorial e administrativa do estado foram medidas oficiais para as quais os
trabalhos corográficos e estatísticos concorreram significativamente. Durante o
congresso, foi lançada uma publicação com a síntese dos resultados do
recenseamento do centenário, dando prosseguimento a uma série de publicações
que, a partir de 1921 e por toda a década, buscariam traduzir em números a
realidade física, econômica, social e cultural do estado e consolidar o modelo de
investigação estatística como instrumento técnico-científico de ação e decisão do
governo. Segundo o prefácio de Daniel de Carvalho, a publicação dava um
balanço da situação geral do estado expresso em algarismos obtidos por meio de
rigoroso processo estatístico.401 Para o secretário, a nova geração de políticos
mineiros402 sustentava suas políticas em aparatos científicos e modernizadores,
fechando a era do empirismo e inaugurando a nova fase de soluções positivas,
baseadas na exatidão matemática e no rigor científico próprios dos saberes
cartográficos e estatísticos.

A despeito dos discursos otimistas e da proclamada harmonização dos


interesses científicos e administrativos na formulação do plano de estatísticas
oficiais do estado, a regulamentação do Serviço foi adiada e só foi efetivada em
setembro de 1926. Por outro lado, as mudanças na organização territorial do
estado, ocorridas em função da nova divisão administrativa, comprometeram a
finalização do grande plano de pesquisas estatístico-cartográficas, e os ambiciosos
produtos editoriais propostos pela Comissão do Centenário foram revistos,
embora o governo tenha mantido um ritmo intenso de publicações estatísticas no
período. Segundo o presidente Fernando Melo Viana, a vasta literatura
estatística já publicada ou em processo de elaboração era então distribuída

401 O ESTADO DE MINAS GERAIS: fatos e números coordenados para a Carta Comemorativa do
1º. Centenário da Independência Nacional. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1923.
Ao longo dos anos vinte, muitas foram as publicações do Serviço de Estatística, a maior parte
delas como desdobramento do grande censo de 1920. Além de um Anuário estatístico, publicado
em três volumes, foram organizadas obras relativas à nova divisão administrativa e judiciária do
estado, anuários demográficos, anuário relativo a Belo Horizonte, folhetos com temas econômicos
ou demográficos, entre outros trabalhos.
402 Fernando Melo Viana completaria o mandato do presidente Raul Soares, morto
prematuramente em 1924.

361
gratuitamente e vinha provocando uma crescente demanda entre o público.

Figura 52: A Carta Física e Política de Minas Gerais, na forma em que terminou por ser
publicada em 1930: o plano cartográfico principal circundado por dados estatísticos e
textos explicativos que buscam cristalizar na imagem a totalidade territorial e política do
estado. Solução híbrida, a monumentalidade do mapa funda-se nessa profusão de
imagens, textos e dados numéricos, nessa gigantesca síntese dada a ler e a ver
simultaneamente.
Fonte: APCBH.

A Carta Geral do Estado, originalmente na escala de 1:500.000, foi


redesenhada na escala de 1:1.000.000 para possibilitar a sua publicação. Ao longo
de toda a década, sofreu contínuos trabalhos de revisão, executados pelo mesmo
cartógrafo José Ximenes César, até a sua publicação em setembro de 1930.403

403 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas.
Serviço de Estatística Geral. Carta física e política. [São Paulo: Companhia Litográfica Ipiranga,
1930]. Escala 1:1.000.000.
A impressão do mapa foi inicialmente entregue à imprensa oficial do estado, que contava com
uma seção de cartografia e vinha imprimindo todos os trabalhos do serviço de estatística. Mas o
órgão não teve capacidade operacional para realizar a tarefa, como já havia ocorrido com os
mapas da Comissão Geográfica. Ao longo do período, o Serviço de Estatística produziu alguns
mapas ilustrativos e didáticos, dentro de uma outra linguagem cartográfica a cartografia
estatística, como cartogramas e diagramas de produção, de densidade demográfica e itinerários.

362
Era, enfim, o resultado de dez anos de trabalhos, que atravessaram cinco
governos diferentes e duas revisões da divisão administrativa do território, desde
a sua concepção original até a publicação definitiva.

O Boletim Estatístico Corográfico de Minas Gerais, previsto originalmente


para compor-se de cinco ou seis grossos volumes contando para cada município
uma desenvolvida notícia estatístico-corográfica, teve seu projeto simplificado e
foi publicado apenas em parte, com a denominação de Atlas Corográfico
Municipal, em 1926. Continha a coletânea dos 178 mapas e as respectivas tabelas
estatísticas, mas as minuciosas monografias municipais, previstas no plano
original, jamais foram terminadas.

Na introdução do Atlas, os responsáveis pela sua publicação apresentaram


a publicação como um subproduto da primeira etapa de um trabalho mais amplo
e ambicioso que seria a efetiva implantação do programa estatístico e cartográfico
no estado. Nas palavras de Daniel de Carvalho, secretário da Agricultura,
secretaria à qual estava subordinado o recém-regulamentado Serviço de
Estatística, o Atlas Municipal seria a talagarça sobre a qual se tecerá a fina
urdidura da Corografia Mineira, iniciativa pioneira entre os estados do país que
anunciaria o advento da futura Geografia do Brasil, calcada em observações e
estudos verdadeiramente científicos.404 A introdução de Teixeira de Freitas,
embora denote um relativo desconforto com a publicação pelo seu caráter parcial
e pelas dificuldades que deixa transparecer na consecução do programa como
planejado – escassez de prazo, de recursos e de pessoal – confirmava o seu caráter
de síntese descritiva e visual do estado:

Mas [...] não obstante todos os defeitos cuja possibilidade era de prever [...],
o conjunto orgânico das informações gráfica e numericamente resumidas
nesta obra define, de modo bastante aproximado, a situação do Estado, e
não apenas em indicações de ordem geral e por meio de cifras globais, mas
particularizadamente às condições de constituição e de vida de cada uma
das unidades celulares do seu organismo político.405

Elevado à categoria de Diretoria em 1928, o serviço de estatística

404 MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura. Serviço de Estatística Geral. Atlas corográfico

municipal. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1926. v.1. p.VI.


405 MINAS GERAIS, 1926, p.VIII.

363
continuou ampliando seus trabalhos até abarcar estudos de uma grande
variedade de temas, publicados em diferentes tamanhos e formatos, evoluindo
para tornar-se um órgão que conjugava estatística oficial e publicidade do
governo. De fato, no novo regulamento da Secretaria da Agricultura, promulgado
em 1931, foi criado o Departamento de Estatística e Publicidade, em grande parte
baseado em projeto proposto por Teixeira de Freitas, que já então deixara o cargo
no governo de Minas.

Em carta dirigida em 1930 ao secretário da Agricultura, Alaor Prata, na


qual enumerava as condições em que aceitaria permanecer no novo governo,
Teixeira de Freitas exprimiu uma opinião crítica diferente daquela que havia
sustentado durante os onze anos em que estivera à frente dos trabalhos de
estatística em Minas Gerais, e que ele mesmo consagraria nos seus textos
posteriores, quando se dedicou a tecer, em versão retrospectiva, uma memória
pessoal plenamente positiva de sua passagem pelo administração pública em
Minas Gerais. Segundo o referido documento, desde os primeiros trabalhos, o
serviço a seu encargo havia-se incumbido de tarefas que não eram seu objetivo
fundamental – a estatística geral –, como a cartografia geográfica e os estudos
corográficos, além dos trabalhos relativos a limites e informações de toda ordem
que serviam sobretudo para a vulgarização de dados e propaganda do governo.
Freitas buscou demonstrar que tantos e tão alargados objetivos haviam sido
cumpridos sem as necessárias condições orçamentárias e operacionais, mas com
apoio político e autonomia técnica, condições que julgava imprescindíveis para a
continuidade do seu trabalho no novo governo.406 Certamente por um rompimento
do pacto político que havia sustentado sua posição nos últimos quatro governos
mineiros, a carta de Freitas enumerava as exigências para sua permanência –
que abarcavam desde a manutenção do orçamento previsto, a autonomia na
nomeação dos colaboradores e agentes, a instalação de uma nova sede em Belo
Horizonte e de um escritório no Rio de Janeiro – e ao mesmo tempo apresentava
seu pedido de exoneração. Conclui-se que suas condições não foram atendidas,

406A correspondência de Teixeira de Freitas com autoridades mineiras na década de 1920 mostra
que, em mais de uma ocasião, ele chegou a pedir sua exoneração por ver ameaçada a sua
autonomia técnica na condução dos trabalhos. FUNDO Mário Augusto Teixeira de Freitas.
Arquivo Nacional/ RJ.

364
pois Freitas retornou ao seu posto na Diretoria Geral de Estatística no Ministério
da Agricultura, mas não sem antes fazer seu sucessor, o discípulo e colaborador
Hildebrando Clark.407

7.3 As pequenas crônica s da civiliza ção e do progr ess o: o A tlas


Corográfi co Municipal

Ainda que o programa cartográfico concebido no ensejo das comemorações


do centenário da independência tenha sido interrompido e fragmentado, ou talvez
por isso mesmo, a publicação do Atlas Corográfico Municipal restou como fonte
preciosa para a compreensão do sentido dado e compartilhado pela celebração da
efeméride e do papel nele exercido pelos mapas enquanto meios de comunicação e
instrumentos de convencimento e de maravilhamento.

Uma primeira consideração deve ser dirigida à própria escolha do veículo


de publicação, o gênero atlas, ou livro de mapas, definido sinteticamente por
Tucci408 como uma coleção de mapas dispostos de modo sistemático para oferecer
uma visão de conjunto de mundo. Como já observamos em outra parte deste
trabalho, o formato dos mapas é um elemento determinante da sua pragmática,
ou seja, das formas de ver, pensar e dos usos a que eles se prestam. Como
mostrou Jacob409, o formato de um atlas traduz uma determinada pragmática de
leitura, pois seu dispositivo gráfico permite conciliar a totalidade com o detalhe,
conduzido por uma lógica cumulativa e analítica que leva das imagens parciais à

407 A experiência e o êxito de seu trabalho em Minas Gerais foram importantes na trajetória
profissional de Teixeira de Freitas, que se tornaria um intelectual e um administrador público de
peso no cenário pós-30 no Brasil. Seu feito mais notável foi, sem dúvida, a participação decisiva
na criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Baseado em seu plano de cooperação
entre as três esferas governamentais - federal, estadual e municipal -, foi criado em 1934 e
instalado em 1936 o Instituto Nacional de Estatística, que a partir de 1938 passou a denominar-
se Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Neste instituto foram definitivamente
associadas as atividades estatísticas e geográficas, tornando-se o centro administrativo destinado
a formular e executar de forma centralizada as políticas territoriais para todo o país. Entre 1936 a
1948, Teixeira de Freitas esteve à frente da organização estatística brasileira como secretário-
geral do Conselho Nacional de Estatística, órgão do IBGE.
408 TUCCI, Ugo. Atlas. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Porto: Imprensa Nacional, Casa da Moeda,

1984.
409 JACOB, Christian. L´empire des cartes: approche théorique de la cartographie à travers

l`histoire. Paris: Albin Michel, 1992.

365
visão global. Sua manipulação em folhas seriadas alia o desejo de completude e
totalidade próprio da cartografia científica à possibilidade da viagem imaginária,
como nos roteiros de viajantes.

O Atlas Corográfico surgiu como um produto fundado na dupla autoridade,


científica e de estado, do conhecimento veiculado em suas tabelas e imagens.
Conhecimento e representação eram otimizados pela qualidade da linguagem
formal. Sua publicação repercutiu favoravelmente na imprensa local, sempre
elogiosa no que tocava às ações do governo estadual. Numa série de artigos do
Diário de Minas, destinada a descrever o trabalho, o Atlas Corográfico era citado
como o mais belo trabalho de todos entre aqueles produzidos pelo serviço de
estatística. Entretanto, sua significação maior estaria na sua contribuição
científica, por se tratar de

[...] um farto e honesto repositório de informações sobre a terra mineira


que [diz] da nossa energia construtora e [fala] das nossas riquezas
materiais sem exagero nem deficiências: prestando culto à verdade.410

Significativamente, nesse artigo, os comentários deslocaram-se da questões


estatística, administrativa ou estética, para enfatizar a contribuição
propriamente geográfica do Atlas, seu caráter científico. Tratava-se de

[...] uma reação contra a geografia dos poetas que era e continua
infelizmente a ser [...] a geografia do Brasil ensinada nas escolas e
ginásios. Com efeito, nada mais miserável do que esse conjunto de noções
fantasiosas e artificiosas que se vê servindo às nossas inteligências moças
sob o rótulo de ciência geográfica.411

Foi Daniel de Carvalho quem denominou de geografia de poetas os estudos


geográficos então existentes, um misto de fantasias e realidades, às quais
contrapunha os conhecimentos positivos que iniciativas como o recenseamento
geral e o serviço de estatística do estado vinham produzindo para constituir, como
exemplificava o Atlas Corográfico, a base física da nacionalidade. Mais
compromissado com os resultados efetivos então levados a público, Teixeira de

410 SUBSÍDIOS para a verdadeira geografia do Brasil; o que é o Atlas Corográfico Municipal.
Diário de Minas, Belo Horizonte, 19 jan. 1927.
411 SUBSÍDIOS, 1927.

366
Freitas não dissimulou a condição inacabada e mesmo provisória que creditava
aos dois volumes do Atlas. Seus discursos mostravam que o núcleo principal do
projeto original, as corografias municipais originalmente concebidas, não
puderam ser elaboradas nas condições de trabalho e de coleta de dados de que
dispunha, e que os resultados estatísticos agora publicados eram aproximativos e
esquemáticos. Restava, portanto, como razão exclusiva para o projeto editorial a
divulgação das imagens cartográficas já elaboradas.

De fato, uma primeira análise da estrutura do objeto impresso e da


apresentação dos conteúdos mostra um incontornável desequilíbrio entre a
informação estatística e a cartográfica. Os dois volumes eram estruturados por
municípios, que estavam dispostos em ordem alfabética e intercalavam as tabelas
e as imagens. Os conteúdos estatísticos resumiam-se às totalizações de dados
numéricos absolutos relativos às grandes classes descritivas estabelecidas no
censo como território, população, dados da estrutura e produção econômica,
indicadores das condições de infra-estrutura como transportes, melhoramentos
urbanos e finanças públicas, entre outros.412 Nenhum texto ou comentário
acompanhava a frieza dos números apresentados em simples esquemas gráficos.
Por outro lado, as imagens articulavam diferentes conteúdos e linguagens – carta
do município, planta da sede, desenhos, legenda, tabelas – de grande riqueza
visual e unidade estilística e documental. Enquadrados por molduras bem
demarcadas, os mapas municipais eram documentos dotados de autonomia visual
e discursiva.413 Cartas e esquemas harmonizam-se, completam-se, formando um
todo de fácil assimilação, descrevia o artigo de imprensa acima citado.

412 Eram as seguintes as classes básicas: território, demografia, agricultura, indústria, meios de
transporte e comunicação, comércio, crédito e previdência, propriedade imóvel, ensino público e
particular, divulgação, diversões, religião, administração pública, representação política.
413 Essa parece ter sido a constatação dos próprios organizadores dos volumes pois no ano

seguinte uma nova versão do trabalho, intitulada Álbum corográfico do Estado de Minas Gerais,
foi publicada apenas com os mapas.

367
Figura 53: Mapa de Nova Lima (1921-25). Articulados pela composição estética, a
concorrência de diferentes linguagens e os múltiplos pontos de vista não comprometiam a
unidade visual do documento.
Fonte: Atlas corográfico municipal.

Entretanto, uma observação em detalhe dos dois conteúdos permite


estabelecer determinadas relações que, presumivelmente, estavam na base do
projeto de articulação das duas linguagens. Embora a linguagem matemática não
predomine na composição dos mapas municipais, o registro de dados numéricos
espalha-se sobre a superfície da imagem: na quadratura das coordenadas, nas
escalas, na exibição das tabelas com as áreas dos distritos e respectiva população.
Alguns elementos destacados na descrição estatística e que se inscreviam na
paisagem física eram, portanto, passíveis de representação na paisagem gráfica e
são enfatizados nas cartas, como as linhas das estradas de ferro ou de
automóveis, dos telégrafos e dos telefones. As ilustrações incrustadas nas
margens da composição também destacavam elementos em comum com a
investigação estatística, como as escolas e muito especialmente as quedas d’água

368
(descritas nas tabelas estatísticas como riqueza em hulha branca).

Figura 54: Mapa do município de Botelhos (1923). Uma representação


recorrente eram as fachadas das escolas, especialmente do ensino fundamental,
os chamados grupos escolares. A existência de escolas, da instrução pública, era
condição primeira de ingresso do lugar na civilização. Neste mapa a reprodução
da fachada da escola foi emoldurada por símbolos do saber e da ciência (globo,
livro, mapa, régua e compasso e uma chama).
Fonte: Atlas corográfico municipal.

Desde o início da sua produção, que se estendeu entre os anos de 1921 e


1925, as imagens cartográficas do Atlas carregaram esse duplo compromisso:
serem fiéis ao projeto técnico-científico de implantação da corografia estatística
no estado e traduzirem em sua linguagem formal uma síntese de cada município
para, no conjunto, construírem um monumento cartográfico dedicado à
identidade regional do estado. Mais uma vez, o artigo publicado no Diário de
Minas em 1927 exprimia e fazia repercutir o efeito desejado junto ao público:

Cada um desses mapas fala particularmente a um filho deste ou daquele

369
município. Reunidos, produzem todos uma impressão profunda em
qualquer mineiro. [...] Impressos em cores, em bom papel, os 89 mapas do
Atlas Corográfico Municipal falam diretamente à sensibilidade mineira e,
contemplando-os, a gente fica satisfeita de haver nascido em Minas e de
viver nesta grande terra de Minas.414

Na concepção do Atlas Corográfico Municipal, é interessante observar que


a composição das imagens seguiu basicamente o mesmo programa preconizado
pelos editores da obra Geografia do Brasil415, quando se apropriam do potencial
didático e persuasivo das imagens e preconizam o seu uso:

[...] a obra deve ser ilustrada, trazendo plantas de detalhe, cartas das
regiões de maior interesse corográfico e fotografias de aspectos dos
principais centros povoados ou das regiões mais características da
natureza da país.416

Mas é possível ampliar essa linhagem de influências e detectar nas


diferentes tradições cartográficas de outros países certos modelos e fórmulas que
teriam sido apropriados e reelaborados para a concepção dos documentos
cartográficos. Duas tradições cartográficas de produção de atlas puderam ser
identificadas, ambas muito difundidas nas últimas décadas do século XIX: a dos
atlas regionais franceses e a dos county maps e county atlas americanos.417

Os chamados county maps, ou mapas do condado418, eram mapas locais de


grande escala que, produzidos ao longo do século XIX, constituíram-se em
importantes instrumentos na construção da identidade das comunidades locais
americanas. A unidade geopolítica dos county, base da organização territorial e
política dos EUA, e o regime de propriedade das suas terras eram representados

414 SUBSÍDIOS, 1927.


415 Referida na seção 7.1.
416 SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DO RIO DE JANEIRO, 1923, p.8.
417 Cumpre ressaltar que a eleição dessas duas tradições cartográficas não tem qualquer caráter

excludente, ou seja, que desconsidere tipologias ou produções de outros países europeus e ou


próprio Brasil. A intenção é alçá-las à condição de produções paradigmáticas para efeito de
análise.
418 Menor unidade político-administrativa e territorial em países como a Inglaterra e os Estados

Unidos, o county (condado, em tradução literal para o português) abarcava uma porção do
território em torno de um ou mais núcleos urbanos, mais próximo do distrito do que do município
brasileiro. Para os fins do presente trabalho, entretanto, consideramos válida a aproximação entre
os county maps e os mapas municipais brasileiros.

370
nesses mapas murais, vendidos comercialmente ou fabricados por encomenda
entre os habitantes das comunidades que nele reconheciam o seu lugar, literal e
metaforicamente.419 O processo intensificou-se ao final da guerra civil, com o
surgimento de um largo mercado consumidor desses documentos nas versões
ricamente ilustradas dos county maps e dos county atlas. Esses últimos incluíam
não só a carta ilustrada, mas também esboços biográficos e retratos dos
proprietários locais, empresários, políticos, assim como caprichosas vistas dos
prédios públicos, privados e comerciais.

Figura 55: Mapa Adams County, Pensilvânia (1858), considerado um típico exemplar dos
clássicos mapas murais dos condados americanos. Observa-se a semelhança dos
dispositivos formais com os mapas do Atlas Corográfico: o mapa ao centro da composição,
circundado por fotos, tabelas e plantas.
Fonte: EHRENBERG, 2001.

Na escala regional, surgiram no mesmo período os state atlas, que podiam


ser mapas regionais temáticos sobre meteorologia, geologia ou estradas, mas
também coletâneas dos mapas de condados, igualmente ilustrados com plantas

419SHORT, John Rennie. Representing the republic; mapping the United States, 1600-1900.
London: Reaktin Books, 2001. p.202.

371
urbanas, retratos e vistas panorâmicas. Certamente era dessa última tipologia
que mais se aproximou o Atlas Corográfico Municipal de Minas Gerais.

Entretanto, é importante ressaltar que as semelhanças formais não devem


obscurecer uma diferença fundamental, que estava na origem da produção desses
documentos cartográficos. Os county maps ou os state maps americanos foram
produzidos no âmbito da sociedade civil americana, tanto como propaganda cívica
das comunidades locais como por interesses comerciais na divulgação de seus
negócios, já que em suas páginas eram veiculadas endereços e anúncios.
Movimentou um comércio de imagens que logrou associar a publicidade de
comerciantes, industriais e produtores rurais à representação de um território
ordenado e controlado e à evocação de uma paisagem rural e próspera.

Na tradição dos atlas departamentais franceses da segunda metade do


século XIX, essa evocação de uma paisagem idealizada, pitoresca,
monumentalizada era tão forte que as relações entre o mapa, os textos e as
ilustrações marginais não poderiam ser estabelecidas em termos de hierarquia ou
prioridade visual. Como mostrou Alain Delissen, a dimensão estética da carta não
é apenas ilustração ou decoração, pois a carta joga com a aliança de todos os seus
elementos para produzir uma síntese de diversas linguagens.420 Produtos de uma
geografia romântica, esses atlas ilustrados mesclavam textos corográficos, dados
estatísticos, mapas, retratos de celebridades locais e elaborados desenhos de
paisagens e cenas idílicas.

420DELISSEN, Alain. Géographie romantique: la cartographie illustrée de la France au XIXème


siècle. 1985. Travail de maîtrise - Université de Paris IV, Paris, 1985. p.41.

372
Figura 56: Prancha do Departamento de Ille et Vilaine, do Atlas National Illustre, de Victor
Levasseur e Aristide Michel Perrot, 1861. Mais do que qualquer filiação direta a este ou outro
modelo, importa assinalar a existência de uma forte tradição cartográfica de fusão entre a
representação cartográfica, a descrição textual ou estatística e um cenário de paisagens
idealizadas; uma pedagogia geográfica, que acionava múltiplos pontos de vista a partir de uma
estética do maravilhamento.
Fonte: <http://davyec.free//ileetvilaine.jpg>

Como os county maps, alcançaram grande popularidade, e eram vendidos


para um público que consumia os signos de identidade nacional e local veiculados
nesses documentos. Eram um apelo ao patriotismo, como expressou o geógrafo
Malte-Brun421 ao anunciar o seu próprio atlas, em discurso em tudo semelhante
ao que citamos acima sobre o Atlas Corográfico:

Os subscritores de La France Illustrée, [...] são recrutados em todas as


classes da sociedade. De fato, não existe um cidadão francês, seja
comerciante, industrial, militar, artista, empregado, magistrado,
funcionário público, etc, que não tenha necessidade da França ilustrada,
para conhecer seu país. Sorte de espelho mágico refletindo aspectos os mais
variados de nossa bela pátria, ele tem seu lugar guardado no seio de todas

421Victor Adolphe Malte-Brun (1816-1889), geógrafo e cartógrafo francês, autor do atlas La


France Illustrée (1882).

373
as famílias francesas.422

Apesar de afinados com o discurso nacionalista do tempo, essas produções


cartográficas carregadas de forte conteúdo simbólico ocorriam na contramão do
processo em curso de matematização e geometrização da cartografia, processo de
divórcio entre as linguagens artística e técnica e de afirmação da cartografia
como disciplina autônoma e científica. Mas o abandono das linguagens híbridas
tradicionais e das técnicas pictóricas na cartografia, substituídas pela retórica da
exatidão e pela representação matemática do espaço, não ocorreria de maneira
evolutiva e linear, mas em complexos arranjos que respondiam às necessidade
sociais, políticas e culturais de que é exemplo o surgimento do Atlas Corográfico
Municipal.

Os 178 mapas que compunham o Atlas eram reproduções impressas de


quadros aquarelados, em sua maioria com grande número de ilustrações a bico de
pena que retratavam cenas urbanas, paisagens naturais e outros marcos
identificadores da localidade cartografada. Embora dentro de um padrão geral, o
tratamento estético dispensado aos mapas era desigual, assim como o volume das
informações. Como explicou Teixeira de Freitas, todas as ilustrações foram feitas
a partir de fotos enviadas pelas próprias autoridades municipais convocadas a
colaborar, as quais forneceram também as plantas urbanas de suas sedes. Esse
procedimento de recolha explica a desequilíbrio nas informações e no tratamento
ilustrativo dos mapas, mas ao mesmo tempo confere um sentido mais simbólico
ao conteúdo, uma vez que, sendo as próprias localidades que escolhiam suas fotos,
certamente guardavam com elas uma maior identificação.

O principal fator de diferenciação estética entre os mapas foi sem dúvida a


sua autoria, pela qualidade superior dos trabalhos assinados pelo alemão Afonso
de Guaira Heberle.423 O cartógrafo foi o responsável por 80 mapas, além de ser o

422 Victor
Malte-Brun, citado por: DELISSEN, 1985, p.18.
423 Enquanto a autoria dos mapas foi dividida com os cartógrafos Odilon Loureiro e Joaquim
Moreira Barbosa, todos os desenhos e ilustrações podem ser atribuídos a Affonso de Guaíra
Heberle. Cartógrafo e paisagista, Guaíra Heberle nasceu em Ulm, Alemanha, em fins do século
XIX, tendo emigrado para o Brasil após a primeira grande guerra. Naturalizou-se brasileiro,
fixando residência na capital Belo Horizonte. Era hábil desenhista, tendo trabalhado para o
Serviço de Estatística de Minas Gerais e posteriormente para o Conselho Nacional de Geografia.
Faleceu em 1942, em campanha de campo para o IBGE. Além da elaboração de mapas de Minas e

374
autor de todas as ilustrações dos mapas assinados pelos dois outros cartógrafos
do conjunto, Odilon Loureiro e Joaquim Moreira Barbosa. Em síntese, coube a
Guaira Heberle o forte apelo artístico do Atlas, pois, não fosse ele o responsável
pelas reproduções em bico de pena das fotografias encaminhadas ao Serviço de
Estatística, o próprio desenho do mapa já assegurava a superioridade do seu
traço.

A composição de cada mapa mostra um enquadramento retangular


definido pelas coordenadas (latitude e longitude), dispondo em cores os contornos
do município, ao centro, circundado por diferentes quadros: estatísticas de
população e extensão territorial, posição do município no estado, planta da
cidade-sede distrital, legenda, posições geográficas conhecidas e reproduções a
bico de pena de fotografias. As escalas dos mapas oscilam consideravelmente de
acordo com a extensão de cada município424, pois o que está em jogo é a
centralidade e a visibilidade da representação em um quadro emoldurado e de
tamanho relativamente fixo. A escala submetia-se ao projeto estético do mapa.

Apesar da larga oscilação das escalas, os conteúdos inventariados no


interior de cada mapa não apresentavam grande diferenciação. As legendas
repetem praticamente os mesmos elementos. Os limites das circunscrições
administrativas eram definidos por linhas e tracejados, e reforçados pela
diferenciação cromática. Entre os elementos da paisagem física e humana
representada, objetos de uma seleção consciente, como apontou Harley,
destacavam-se as linhas de caminhos, fossem estradas de ferro, construídas ou
em construção, fossem as de automóveis ou de carroças, tecidas sobre a superfície
do município, e superpostas às linhas dos rios, dos telefones e dos telégrafos. Dois
outros ícones distribuíam-se pelas cartas e guardavam estreita relação com a
rede de caminhos: aqueles relativos aos correios e à navegação. A imagem do
território municipal assim estruturada enfatizava a existência de uma rede de
transportes e de comunicações que traduzia e generalizava a idéia, ainda que

de Belo Horizonte, Heberle também colaborou com ilustrações em livros e artigos diversos. Sua
produção aliou o rigor na representação das paisagens gráficas – característica da cartografia que
se tornava mais e mais matemática – à fruição estética alcançada nos delicados desenhos que
ilustravam as cartas, em bico de pena e aquarela.
424 Enquanto a maior parte das escalas oscilaram entre 1:300.000 e 1:600.000, há diversos mapas

nas escalas extremas de 1:100.000 ou até dez vezes menos (1:1000.000).

375
desigual entre os diversos municípios, de um território unificado, coeso, acessível.
Transportes e comunicações certamente significavam o progresso a caminho.

Figura 57: Mapa do município de Januária (1923). Neste mapa, o elemento


predominante provinha do cenário natural do lugar: o rio São Francisco domina
a representação, cortando o município com uma larga faixa azul claramente
fora da escala. Elemento da paisagem, o mapa faz prevalecer a força
integradora e civilizatória do grande rio – os topônimos revelam uma rede
urbana que se estende ao longo de suas margens, compondo um outro rio de
pequenos núcleos cujas margens revelam os sertões desabitados, distantes do
progresso: a região deserta semi-árida de um lado, os cerradões do Mangabeira,
de outro.
Fonte: Atlas corográfico municipal.

376
Figura 58: Detalhe do mapa do município de Januária, cujas ilustrações
reforçavam a idéia de uma civilização ancorada no rio.
Fonte: Atlas corográfico municipal.

Figura 59: Mapa do município de Poços de Caldas (1922-24): um


deserto toponímico. O Atlas Corográfico apresentava grande riqueza visual e
unidade plástica, mas era bastante desigual em relação aos conteúdos

377
propriamente geográficos, como demonstra esse mapa, significativamente
desprovido de toponímia.
Fonte: Atlas corográfico municipal.

Os pontos nodais da rede dos caminhos eram formados pelos núcleos


urbanos. Expressão do sentido descritivo dos mapas, a rede toponímica inscrita
no interior do mapa era hierarquizada pelo efeito visual dos tamanhos e
espessura dos nomes, valorizando fortemente as sedes urbanas de cada
circunscrição em relação à toponímia dos rios e serras. No conjunto eram os
elementos da ordem administrativa e os equipamentos humanos do progresso que
eram destacados. Além da rede hidrográfica os únicos elementos da paisagem
natural que surgiam nas imagens eram algumas serras e os números indicativos
de altitudes.

Na multiplicidade de planos e pontos de vista que o Atlas oferecia, uma


outra série cartográfica foi constituída: são 71 plantas urbanas, em sua maioria
das sedes municipais, em diversas escalas e níveis distintos de informação, desde
croquis esquemáticos do arruamento até planos detalhados da morfologia urbana,
com legendas próprias indicando os equipamentos principais. Essa cartografia
urbana inscrita marginalmente nos mapas municipais, se somada às cenas
urbanas e vistas panorâmicas das cidades, que totalizavam mais de uma centena
de imagens, permitem concluir que, para os organizadores do Atlas, era no
cenário urbano que se inscreviam os principais símbolos de identidade, de
progresso e de civilidade, nos termos então propostos.

No cenário urbano localizavam-se os principais equipamentos que povoam


as ilustrações: igrejas, escolas, edifícios-sede das câmaras municipais, hospitais,
praças e jardins. São significativas as imagens dos equipamentos relativos ao
conforto, ao progresso e à modernidade urbana como captação de água,
iluminação elétrica, estações de bondes e agências de correios. Entre as cenas
urbanas perfilam teatros, fóruns, cadeias e, sobretudo, são enfatizadas as
imagens das escolas, verdadeiros símbolos de um processo de civilização em
curso.

378
Figuras 60, 61 e 62: Detalhes dos mapas dos municípios de Nova Lima, Poços de Caldas e Ouro
Preto. Essas plantas, a exemplo de muitas outras presentes no Atlas, são representativas da
natureza do processo de seleção dos elementos que compõem o território urbano cartografado.
No caso de Ouro Preto, como aspecto singular da velha capital, inscrevem-se alguns dos seus
marcos monumentais: a Casa dos Contos, as Casas de Marília de Dirceu e de Bernardo
Guimarães.
Fonte: Atlas corográfico municipal.

379
Figura 63: O mapa de Araxá (1923) traz ilustrações de dois serviços urbanos diretamente
relacionados às idéias de progresso e civilização: a eletricidade (representações da sub-
estação de energia e da usina hidrelétrica) e a salubridade da água (representação do
sistema de captação de água potável).
Fonte: Atlas corográfico municipal.

Figuras 64 e 65: Detalhes do mapa de Araxá (1923). A imagem da subestação de eletricidade


permitem observar que mesmo os motivos ornamentais que emolduram a imagem são sugestivos da
idéia de iluminação elétrica, por simularem postes ou lustres acesos, numa composição que joga
criativamente com os postes representados no desenho da cena urbana.
Fonte: Atlas corográfico municipal.

Mas as narrativas contidas no Atlas também incluíam elementos


significativos das paisagens natural e rural, em estreita conexão com os aspectos
em foco nos cenários urbanos. Os elementos da paisagem física mais comuns nas
imagens eram apresentados ora como monumentos naturais a balizar territórios
380
e fronteiras – as landmarks – ora como recursos naturais passíveis de
aproveitamento pelo homem como os rios – para sua navegação – e muito
especialmente as cachoeiras e saltos, fontes preciosas para a captação da energia
elétrica.

Como vimos na seção 5, a questão do aproveitamento do potencial


hidroelétrico estava em pauta desde os anos 1910, e o mapeamento sistemático
desse recurso natural estratégico chegou a ser ensaiado pela CGG quando de sua
reestruturação nos anos vinte. A bacia do rio Grande, com seus diversos saltos,
era considerada a área do estado mais rica em hulha branca, como afirmou o
deputado Nelson de Sena em livro de 1911 dedicado ao assunto e, dez anos
depois, em debate parlamentar na Câmara do Deputados.425 Ainda nos anos
1910, toda a bacia do rio Grande, divisa com o estado de São Paulo, foi mapeada
pela Comissão Geográfica de São Paulo, revelando que, na disputa pelo
conhecimento estratégico que esse mapeamento significava, o estado vizinho
saíra à frente.

Nesse contexto de valorização estratégica das riquezas potenciais dos


diferentes regiões do estado, pode-se compreender como determinados mapas
municipais do Atlas, que retratavam por vezes pequenos e inexpressivos
municípios, como era o caso de Frutal, destacavam-se por sua exuberância
plástica, entrelaçando os conteúdos informativos e os motivos simbólicos em suas
composições. A concorrência entre a linguagem artística (ornatos, molduras e
estilemas de inspiração geométrica) e os conteúdos técnico-científicos (plantas
baixas dos saltos, diagramas) chega a reduzir a expressão visual do próprio mapa.
No seu conjunto, a carta de Frutal traduzia um significado maior: a forte relação
entre o seu quadro natural, dominado pelo rio Grande e suas cachoeiras, e as
múltiplas possibilidades de seu aproveitamento, entre a pesca, a navegação e
sobretudo a captação de energia hidráulica.

425 SENA, Nelson de. A hulha branca em Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1911a.

CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados: 2ª. sessão da oitava legislatura. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1921. p.356. Discurso proferido pelo deputado Nelson de Sena em 3
de setembro de 1921.
Em ambas as ocasiões Sena citou especialmente o município de Frutal.

381
Figura 66: Mapa do município de Frutal (1923). O mapa traduzia em imagens a
certeza do progresso que o potencial hidrelétrico inspirava. Como na fala otimista
de Nelson de Sena: Quantos tramways, quantas fábricas novas e quantas
indústrias; que cidades, que ondas radiantes de luz, que de maravilhas esplêndidas;
não abrolharão elas, as poderosas quedas do rio Grande, neste município de
Frutal?426
Fonte: Atlas corográfico municipal.

Mas o Atlas Corográfico não poderia deixar de encerrar um tributo à


economia e ao modo de vida rural, base da economia do estado e da maioria dos
municípios. Apesar das políticas públicas de incremento à indústria e à
siderurgia nos anos vinte, o ruralismo permanecia como instância programática
dos sucessivos governos do período, consubstanciada em discursos e práticas que
buscavam a superação da crise do café com base numa renovação de bases
científicas de que foi a maior realização a criação da Escola Superior de
Agronomia e Veterinária, em Viçosa.

Em muitos mapas, as paisagens e cenas rurais dos mapas municipais


surgem como imagens-clichês de fazendas ou pequenas habitações rurais, de
valor mais ilustrativo e compositivo. Em outros casos, as ilustrações carregam
mais significados, como registros documentais precisos a retratar aspectos da
cultura cafeeira e da pecuária mais modernizada. Em diferentes municípios são

426 SENA, 1911a. p.XL.

382
retratados em close exemplares das raças nobres dos rebanhos bovinos, como
nelore e guzerat.

Um exemplo sugestivo é o mapa de Turvo, que mostrou ainda um aspecto


muito pouco explorado entre os temas do Atlas: o trabalho.

Figura 67: Mapa (e detalhes) do município de Turvo (1922-25). O documento cartográfico inserido
numa crônica visual da ordem e da civilidade do mundo rural: a natureza domesticada, o trabalho
no terreiro de café e no trato com o gado, o conforto de um jardim numa bem-sucedida propriedade
do sul de Minas.
Fonte: Atlas corográfico municipal.

383
Ainda mais escassas foram as representações ligadas às atividades
industriais e especialmente minerárias. Nesse aspecto o Atlas silencia quase
totalmente: uma única ilustração de uma mina de ouro, no município de Nova
Lima; uma única identificação de mina, Passagem, no mapa de Ouro Preto.
Houve nesse ponto uma exata correspondência entre a representação cartográfica
e a descrição estatística: o mapa acompanhou os resultados da investigação
censitária, ou seja, passou ao largo dos recursos minerais e das atividades
minerárias do estado.

Na concepção do Atlas, desde sua origem um subproduto do programa


estatístico, a imagem cartográfica estava subordinada ao plano geral de descrição
corográfica dos municípios, apresentados como entidades político-administrativas
autônomas cujo conjunto harmonioso compunha o mosaico do estado. A
subordinação do mapeamento ao plano mais amplo de construção de imagens que
apelassem ao patriotismo e ao orgulho de ser mineiro e brasileiro imprimiu ao
Atlas Corográfico Municipal, na forma como terminou por ser publicado, seu
caráter marcadamente monumental, de construção gráfica concebida para revelar
e perpetuar aquela determinada imagem do quadro territorial.

Em detrimento do caráter mais enciclopédico e funcional com que fora


concebido no programa original da Comissão Mineira do Centenário, no Atlas
estatístico-cartográfico prevaleceram as funções retóricas de maravilhamento,
convencimento e sedução, conduzindo à contemplação e imediata identificação do
observador com o território cartografado.

Entendendo a representação como um meio de intensificar ou redobrar


uma presença427, que se efetua por meio de imagens, símbolos ou signos, podemos
concluir que o Atlas, em seu conjunto, traduzia uma representação dos
municípios e do estado de Minas Gerais na qual eram enfatizados os elementos
do progresso técnico, da civilização, da construção de uma rede regional de
transportes e comunicações que assegurava a ocupação e coesão do território.

A participação exitosa dos mapas no certame do Centenário no Rio de

427JOURDAN, Annie. L´écriture de l´image; représentation politique et révolution. In: Histoire,


images, imaginaries. Actes du colloque international des 21-22-23 mars 1996. Maine: Université
du Maine, 1998.

384
Janeiro sugere um rito que celebrava mais do que a excelência informativa ou
estética do conjunto. Os mapas participaram e venceram o concurso nacional
porque os elementos nele inscritos davam conta, em sua eficácia simbólica, de
unir a medida e o conhecimento do território ao encantamento com sua paisagem.
Ao provocar, no olhar e no sentimento do observador, confusão entre a beleza da
carta e da paisagem cartografada, o Atlas disseminava e perpetuava as idéias
veiculadas por todo o programa oficial das Comemorações: as idéias de um país
rico e unido, de um território coeso, de uma sociedade no rumo do progresso e da
civilização.

385
8 CONSIDER AÇÕES FINA IS

U m mapa semp re inacab ado

Em 1940, passada uma década do fim do ciclo dos mapeamentos aqui


investigados, teve lugar um grande evento cartográfico, orquestrado pelo IBGE: a
exposição nacional dos mapas municipais. Era o resultado monumental de uma
campanha nacional, realizada entre os anos de 1938 e 1940 e programada como
um grande empreendimento patriótico que objetivava, através do reforço a um
municipalismo uniformizador, conhecer e controlar as realidades locais e
fortalecer a união federal através da conformação de um tecido cartográfico
homogeneizador. Como colocou Moraes, estava em curso a construção de [...] uma
nova geografia material do país, e esta se fazia acompanhar de uma nova
construção simbólica da identidade nacional: o nacional agora claramente
expresso como estatal e oficial.428

Sob ameaça de perderem sua autonomia, as prefeituras municipais foram


convocadas a participar do programa, apresentando, no prazo de um ano, o mapa
do seu território e suas plantas urbanas, juntamente com uma memória técnica
de sua confecção e fotografias dos principais aspectos urbanos e geográficos do
município.429 As maiores exigências diziam respeito à coerência da representação
cartográfica em relação ao texto da lei que fixava os limites municipais e divisas
interdistritais. Seguiam-se recomendações destinadas à homogeneização das
cartas, como padronização da nomenclatura, discriminação e precisão da posição
dos elementos caracterizadores do território.430 Quanto à linguagem formal dos
mapas, uma resolução do Conselho Nacional de Geografia determinava em
minúcias o tamanho e as possíveis variações de escala, cores e símbolos.

Ao final da campanha nacional, foram produzidos 1574 mapas e relatórios

428
MORAES, Antônio Carlos Robert. Notas sobre identidade nacional e institucionalização da geografia no
Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.4, n.8, 1991. p.172.
429
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística e o Município. Rio de Janeiro, 1941. p.45. Em diversos estados, entre eles Minas Gerais, coube ao
órgão estadual, no caso o Serviço Geográfico do Estado, a confecção de quase todas as cartas municipais.
430
INSTITUTO, 1941, p.46.

386
municipais, os quais foram reunidos em uma grande mostra na capital federal,
por ocasião do quarto aniversário do IBGE.431 A Exposição Nacional de Mapas
Municipais apresentou uma encenação nacionalista própria daquele momento
autoritário: na presença de Getúlio Vargas, o presidente do IBGE convocava os
municípios a apresentarem sua imagem cartográfica a mais perfeita [...], a
indumentária civilizada com que compareciam à mostra da mais completa
documentação cartográfica já reunida no país, senão em todo mundo.432

A campanha dos mapas municipais de 1940, definida por De Biaggi como a


base do edifício geográfico construído pelo IBGE, e, como tal, peça importante na
panóplia propagandista do presidente Vargas433, mereceu esta breve menção nas
conclusões por contribuir para a compreensão dos processos analisados. Exibe
com clareza como os mapas podem, uma vez criadas as condições sociais e
políticas para tal, fundir com êxito os poderes de representação, enunciação e
maravilhamento através de sua complexa linguagem cartográfica. Por outro lado,
o evento, produto do rígido programa cartográfico fundado nas idéias de
completude, homogeneidade e hierarquia, expõe o caráter ordenador que em geral
acompanha tais produções oficiais. Por fim, evidencia o estatuto de dupla
autoridade do documento cartográfico que, como já foi sublinhado, é engendrado
pela posição soberana do saber técnico-científico e pelo poder assertivo do
instrumento administrativo.

Uma outra questão importante aportada com a referência ao evento de


1940 é o obscurecimento das unidades federadas, em favor da identificação
imediata entre o município e a nação. Um novo desenho geopolítico do país estava
em curso, já distante do programa federalista da Primeira República. Como
vimos, desde meados do século XIX, a construção da imagem-síntese de Minas
Gerais era um projeto continuamente interrompido, atropelado pelas
descontinuidades administrativas dos governos e pelas próprias condições de

431
O evento foi inaugurado em 29 de maio de 1940. Fora precedido em um mês por diversas exposições
estaduais, orquestradas para serem inauguradas ao mesmo tempo em cada capital. Em Belo Horizonte o evento
ocorreu na antiga Feira de Amostras, onde foram expostos 288 mapas municipais, em sua maior parte elaborados
pelo Serviço Geográfico do Estado, órgão sucessor da Comissão Geográfica e Geológica.
432
INSTITUTO, 1941, p.46.
433
DE BIAGGI, E. M. La cartographie et les representations du territoire au Brésil. Paris: Université de Paris
III, Institut des Hautes Études de l’ Amérique Latine, 2000. p.177/178.

387
fragmentação e desarticulação do território. Os chamados mapas gerais, fossem
da província ou do estado, ou eram continuamente refeitos, como teia de
Penélope, ou eram tardiamente concluídos, já distantes no tempo em relação à
situação histórica de sua concepção e das demandas de uso, como o foram os
mapas de Chrockatt de Sá de 1893 e a carta física e política de 1930. No entanto,
em todos os empreendimentos cartográficos levados a cabo no período, fosse a
cartografia de recursos, de fronteiras ou de celebração, estava em jogo os
interesses das elites estaduais na representação do corpo físico da pequena pátria
mineira, no esquadrinhamento e delimitação de seu território.

Devido ao seu caráter estratégico e pragmático e à complexa articulação de


múltiplos saberes na sua elaboração, os programas cartográficos sempre
estiveram no centro das decisões políticas e das controvérsias científicas que
discutiam sua aplicabilidade nos diferentes contextos e para diferentes demandas
– conhecimento do território, representação e memoração da unidade federativa,
estabelecimento de limites, inventário dos recursos naturais, planejamento de
estradas e de outras intervenções sobre o espaço, integração a mapeamentos
nacionais e internacionais, entre outros.

As respostas que os mapeamentos ou as imagens cartográficas deram a


cada situação histórica particular foram diferentes. Nas imagens da Comissão
Geográfica e Geológica de Minas Gerais, o território de Minas foi apresentado em
folhas retangulares, dado a ver em figuras geométricas que obedeciam a uma
lógica exterior, deixando em segundo plano as divisões administrativas e políticas
existentes, modeladas nas práticas sociais e nos processos históricos de ocupação
ao nível local. Um recorte abstrato, que pressupunha um contínuo, gradativo e
sistemático mapeamento, e a produção de um espaço cartografado igualmente
contínuo, um tecido saturado de informações, pouco hierarquizado.

Rapidez, unidade e síntese visual não eram compatíveis com o


mapeamento proposto e levado a cabo pela Comissão. As autoridade públicas, e
também as técnicas, se debateram entre as vantagens e desvantagens desse
investimento de longo prazo, que resultavam em imagens complexas, de
trabalhosa leitura. Os ciclos de vida da CGG surgiram nos momentos em que a

388
elite política decidiu investir em um processo de modernização e racionalização
administrativa que passava necessariamente pela afirmação da unidade
territorial do estado e pela identificação e controle sobre os recursos nela
existentes, ou seja, na exata conjunção entre a capacidade performativa e
enunciadora dos mapas. Foi o caso na geração de João Pinheiro e Afonso Pena,
quando do primeiro ciclo da CGG, e de Artur Bernardes e Raul Soares, no
segundo ciclo. Mas o longo, intermitente e inconcluso processo de mapeamento
sistemático promovido pela comissão geográfica, a despeito de toda a pretensa
racionalidade e objetividade das escolhas técnicas, terminou por cobrir somente
as regiões mais ricas e mais fortes politicamente no estado, o sul e a mata.

No caso dos mapeamentos de limites, que de início exigiam uma


cartografia colada ao território, desenhada na escala dos processos de ocupação,
uma metodologia diferente daquela da CGG teve que ser adotada. Buscava-se
representar um cenário de conflitos cujas soluções não estavam no terreno e
foram se revelar, afinal, nos retrospectos históricos propiciados pela exumação
dos mapas antigos, articulados à retórica jurídica. Perseguindo a produção dessa
cartografia de limites, percebe-se como ela descolou-se dos discursos
racionalizadores e pretensamente neutros dos técnicos, enredando-os no embate
pela posse de territórios e revelando a ambigüidade do argumento de
neutralidade de uma atividade colada aos interesses geoestratégicos dos
governos. A cartografia de limites emergiu do discurso científico para concorrer,
enquanto arma jurídica, no campo das disputas territoriais. Os mapas, utilizados
para justificar pretensões territoriais de ordem histórica e política sob a sua capa
de neutralidade científica, tinham efetivamente o poder de construir fronteiras,
desde que articulados a uma série de outros discursos e recursos jurídicos,
diplomáticos e, em situações extremas, bélicos.

O ciclo dos mapeamentos estudados sugere que a ambição técnica que


estava na origem dos programas cartográficos resultava na incompletude e no
contingenciamento dos produtos finais. Mas no caso da Comissão Mineira do
Centenário e o seu programa estatístico-cartográfico, seus produtos cartográficos,
em especial o Atlas Corográfico Municipal, lograram traduzir a sempre buscada
imagem da unidade política do território mineiro. Foi o ensejo do centenário da

389
independência, em meio a uma crise política que anunciava os primeiros abalos
da política dos governadores, o contexto que viabilizou o projeto
monumentalizante da pátria mineira, concretizado nas imagens cuidadosamente
trabalhadas do Atlas Corográfico Municipal.

Apesar de individualizar cada município em um mapa, cada um com sua


autonomia visual, o Atlas Corográfico foi mais eficiente em criar graficamente
uma unidade mineira, pois o projeto intelectual que regia a fabricação das
imagens já havia, a priori, definido os elementos da composição e sua forma de
apresentação, fortemente hierarquizada. Daí sua grande unidade estilística e
conteudística, que propiciava a percepção de uma harmonia na integração das
partes, pressuposto da totalidade. Dispostos em fila na ordem de visualização e
de consulta ao atlas impresso, os mapas municipais costuravam o mosaico e
restauravam a unidade do estado pela padronização dos conteúdos e pela unidade
formal. E, com uma antecipação de vinte anos, apresentavam a indumentária
civilizada que lhes seria exigida na exposição de 1940.

Também os elementos inventariados e representados nos mapeamentos


resultavam de uma negociação entre os argumentos técnicos, as necessidades
econômicas e as conveniências políticas, como nos casos opostos do
aprofundamento do interesse no mapeamento das quedas d’água e da interdição
das pesquisas geológicas. Se o aproveitamento da energia hidráulica e a
expansão do uso da eletricidade tornou-se ao longo do período mais que uma
necessidade efetiva, uma imagem literalmente reluzente do progresso alcançado,
como revelaram os mapas municipais do Atlas Corográfico, a revelação das
riquezas ocultas nos extratos geológicos teriam que esperar por outro período. As
razões desse descompasso entre a riqueza real e a imaginada, nas palavras de
Figueirôa434, estavam ligadas ao fato de a geologia ter sido sempre um saber a
serviço da atividade agrícola, e mais particularmente da cafeicultura. No âmbito
do estado mineiro, a ausência dos mapeamentos geológicos em um território de
forte tradição e vocação minerária encontra explicação na resistência
generalizada dos grandes proprietários de terra, que dominavam a vida política

FIGUEIRÔA, Silvia F. M. As ciências geológicas no Brasil: uma história social e institucional,


434

1875-1934. São Paulo: Hucitec, 1997.p.242/3.

390
mineira, em rever o padrão de propriedade e distribuição das terras e,
conseqüentemente, em definir o estatuto da exploração mineral, especialmente da
propriedade das minas. Desta indefinição surgiu um discurso nacionalista e
protecionista das riquezas minerais do estado, adiando para outro momento a
exploração mineral. Assim, a cartografia de recursos da comissão geográfica e
geológica não privilegiou a maior riqueza natural do estado, assim como a
cartografia memorativa do Atlas não celebrou em imagens as jazidas e minas de
ferro, ouro e diamantes encontradas em tantos municípios.

É importante destacar que todas as escolhas políticas e estratégicas que


envolveram os programas cartográficos só foram possíveis devido ao processo que,
desde as últimas décadas do século XIX, vinha promovendo o fortalecimento de
uma elite técnico-científica e do alargamento do campo institucional de produção
de novos saberes. Saberes que surgiam em meio aos debates sobre a
aplicabilidade do conhecimento científico ao projeto modernizador e à superação
dos grandes problemas do país e se cristalizavam nas muitas polêmicas. O
protagonista social que melhor sintetizou a emergência desses novos atores e
cenários foi o engenheiro e, particularmente no caso de Minas Gerais, o
engenheiro de minas.

A criação da Escola de Minas, sob a liderança de Henri Gorceix, foi


determinante na formação de uma elite técnica em Minas Gerais e para o
entendimento sobre a possibilidade de produção de um saber a um só tempo
técnico-científico e pragmático sobre o território e suas riquezas naturais. Essa foi
a estratégia perseguida por Gorceix, exemplo de uma trajetória profissional cujos
sucessos e insucessos dependeram do equilíbrio entre sua performance no campo
científico e suas relações com o poder instituído. Sua projeção intelectual na
formação de novas gerações de engenheiros de minas e na formulação dos
argumentos a favor do mapeamento sistemático do estado foram determinantes
na criação da comissão geográfica e geológica, mas sua vinculação com o antigo
regime foi um obstáculo para que, uma vez criada a comissão, seu nome fosse
aceito para a condução do empreendimento.

Outra questão a ser ressaltada foi a emergência, no período estudado, de

391
uma rede técnica a articular atores e instituições em torno dos programas
cartográficos e das muitas atividades a eles correlatas. Redes que conectavam,
em maior ou menor grau de eficiência, os programas geopolíticos e científicos dos
governos às trajetórias profissionais individuais, como no caso de Orville Derby,
Henry Gorceix, Álvaro da Silveira e Teixeira de Freitas; às instituições de ensino
como as escolas politécnicas e a Escola de Minas; às instituições públicas como o
Observatório Nacional e o Serviço Geológico; às associações de classe e seus
instrumentos de expressão, como a Sociedade Mineira de Agricultura e a Revista
Industrial. Particularmente destacadas nessas redes foram as trajetórias de
Álvaro da Silveira e Mário Augusto Teixeira de Freitas, esses protagonistas que
lograram fundir suas trajetórias pessoais e sua produção intelectual a toda uma
estratégia de aproximação com o poder instituído e as autoridades públicas, no
sentido de viabilizar os programas técnico-científicos. Acompanhando o percurso
profissional desses atores sociais, entre outros, foi possível entender um pouco
mais sobre a capacidade de ação dessas elites técnicas, que transitavam entre o
aparato administrativo e os espaços institucionalizados dos saberes técnicos, e
cujos maiores êxitos ocorriam na medida da possibilidade de fusão dessas
instâncias, como foram o programa de mapeamento da Comissão Geográfica e
Geológica e o programa cartográfico-estatístico da Comissão Mineira do
Centenário.

Rede que cruzava outras redes, estendendo-se em outras escalas, a abarcar


as iniciativas internacionais, os atores e modelos estrangeiros, os intercâmbios de
idéias, o comércio dos instrumentos. Numa escala mais geral, as iniciativas aqui
estudadas inserem-se nesse movimento amplo, nessa gigantesca rede que, como
mostrou Surun435, originou-se no Iluminismo, e avançou no tempo e no espaço
para abarcar o mundo e reduzir o desconhecido ao conhecido, pela exploração
geográfica e pelos grandes mapeamentos sistemáticos e uniformizadores.

Mas outra dimensão do trabalho cartográfico também foi fundamental na


compreensão das suas condições de produção e uso: o cotidiano material e

435 SURUN, Isabelle. Géographies de l´exploration ; la carte, le terrain et le texte (Afrique


occidentale 1780-1880). 2003. Thèse (Doctorat en Histoire). École des Hautes Études en Sciences
Sociales, Paris, 2003.

392
humano de sua fabricação. Nesse sentido, a presente pesquisa se valeu dos ricos
testemunhos dos dirigentes e obscuros funcionários da CGG, que por intermédio
de suas narrativas desvendaram a materialidade das práticas de campo e
gabinete, a subjetividade das escolhas, as barreiras culturais interpostas às
relações com as populações dos territórios mapeados. Na escritura desses
relatórios, mais ou menos burocráticos, mais ou menos técnicos, mas sempre
insuflados pela vitalidade do testemunho do ator social, revelaram-se outras
dimensões do trabalho cartográfico e das possibilidades de leitura dos mapas.
Essa oportunidade de (re)ver as imagens à luz das narrativas de seus produtores
mais imediatos permitiu observar o que Cosgrove436 chamou de qualidade
abertas, parciais e contingenciais dos mapas. Apesar de os documentos
cartográficos se apresentarem como imagens soberanas, fundadas em sua dupla
autoridade de documento científico e estatal, as imagens aqui estudadas eram
sempre inacabadas. Inacabadas como respostas imcompletas ou tardias às
demandas pela síntese visual e simbólica da unidade política, como inventário
parcial e seletivo dos recursos naturais do território, como produto fabricado por
homens e instrumentos sujeitos aos limites e às contingências de seu tempo.
As políticas públicas de produção dos mapeamentos, tanto na escala
regional como na nacional, conduziram a uma série de produtos cartográficos nos
quais a incompletude foi uma constante, a revelar as fragilidades do estado em
promover, e mais do que isso, em sustentar nos prazos alargados e nos altos
custos exigidos os mapeamentos sistemáticos em bases técnico-científicas. Nesse
sentido, o mapa inacabado é também metáfora da incompletude do projeto
nacional de modernização, da missão civilizadora e do alcance do progresso
técnico-científico que as operações cartográficas buscavam e prometiam. Em
termos mais amplos, é metáfora da própria incompletude do projeto de construção
do estado- nação.

O período aqui estudado foi, em grandes linhas, consagrado pelo avanço da


modernidade, embalado pelos lucros da cafeicultura e pelos investimentos
estrangeiros, pelas mudanças sociais com a extinção da escravidão a instauração
da ordem republicana e a experiência do federalismo. É o período de afirmação

436 COSGROVE, Denis. (Org.). Mappings. London: Reaktion Books, 2002.

393
dos saberes e discursos científicos como armas do progresso, do espírito das
missões civilizatórias, e da busca e afirmação de uma identidade nacional no país.
Na confluência desses processos transformadores afirmava-se o saber e as
práticas cartográficas, como instrumento efetivo de gestão e controle dos
territórios nacionais e estaduais em gestação e, ao mesmo tempo, como imagens
cristalizadas do corpo físico da nação em construção437.

Mas o período foi também marcado pelas reações conservadoras a tais


transformações, pelas resistências dos poderosos que se opunham às mudanças,
pela defensividade das populações rurais e urbanas que, alijadas do processo
social e político, viam com desconfiança os procedimentos de avanço e
regulamentação do estado. A força da tradição estava contida ainda nas
ambivalências do discurso modernizador e modernista e nas contradições de um
regime socialmente excludente. Vimos quão ambíguos podiam ser os nossos
protagonistas do progresso e da civilização, quando, em suas missões
cartográficas ao interior, confrontavam-se com a resistências das populações
rurais.

Essencialmente ligado à formação do estado e à formulação das políticas


públicas, o saber cartográfico não tinha, no período estudado, como
institucionalizar-se e autonomizar-se em relação à trajetória desse mesmo estado.
Produtos desse processo intervalar de modernização a meio caminho, os
programas de mapeamento foram interrompidos e os mapas restaram
inacabados.

Em que exata medida mapas e mapeamentos serviram para a construção


do território mineiro e brasileiro e para a representação da nação? Acreditamos
que o sentido maior alcançado pelos programas cartográficos, mesmo em sua
incompletude, foi dar aos territórios mapeados uma visibilidade, uma apreensão
visual da totalidade, integridade e ordem aos espaços. Se na escala da percepção
sensorial e cotidiana os espaços eram desordenados, desconhecidos e
desestruturados, na imagem cartográfica eles surgiam ordenados, iluminados e

437 Essas idéias são devedoras da análise desenvolvida por Carvalho sobre o que ele chamou de
modernização conservadora.CARVALHO, José Murilo de. Brasil 1870-1914; a força da tradição.
In. ____. Pontos e bordados, escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

394
hierarquizados. Todo o poder performativo e simbólico dos mapas produzidos
advinham dessa transmutação da percepção do espaço natural e social: a
visibilidade proporcionada pela linguagem cartográfica, fosse ela a da superfície
“transparente” e saturada de informação das imagens científicas da comissão
geográfica ou fosse aquela das imagens-síntese, opacas porque tecidas e contidas
em seu próprio código visual. Esta visibilidade descortinava-se ao olhar e
carregava consigo tanto as funções instrumentais de conhecimento e controle
coercitivos dos espaços demandados pelo estado como as possibilidades
identitárias da imaginação e da memória, que fazem com que de imediato uma
dada imagem seja identificada: isto é Minas Gerais. Um vez visível, esse corpo
físico e também político que era Minas Gerais emergia integrando suas partes e
integrando um todo maior, a coletividade territorial da nação.

395
9. REFERÊNCI AS

9.1 Ace rvo s arqu ivísti cos


ARQUIVO NACIONAL (RJ). Fundo Comissão Executiva da Comemoração do Centenário
da Independência.
ARQUIVO NACIONAL (RJ). Fundo Francisco Bhering.
ARQUIVO NACIONAL (RJ). Fundo Mário Augusto Teixeira de Freitas.
ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE (BH). Subfundo Comissão
Construtora da Nova Capital.
ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE (BH). Fundo Nelson de
Sena.
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (MG). Documentação cartográfica.
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (MG). Fundo Obras Públicas.
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (MG). Fundo Secretaria de Agricultura.
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (MG). Fundo Secretaria do Interior.
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS APLICADAS (MG). Setor de Limites. Documentação
da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais.
INSTITUTO GEOLÓGICO (SP). Acervo Comissão Geográfica e Geológica do Estado de
São Paulo.

9.2 Fontes manus cr ita s


CARTA de Teodoro Sampaio. São Paulo, 25 setembro de 1891. APM. Fundo SI. Série
Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Doc. 25. Cx. 1.
CÓPIA DA CARTA de João Pandiá Calógeras a Orville Derby. 27 de fevereiro de 1898.
APM. Fundo SI. Série Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Cx.1.
Doc.41.
CÓPIA DE OFÍCIO de Orville Derby para Augusto Lacerda. 31 de janeiro de 1893. APM.
Fundo SI. Série Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Cx.1. Doc.
27.
CÓPIA DE OFÍCIO de Orville Derby. 27 de dezembro de 1897. APM. Fundo SI. Série
Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Cx. 2. Doc. 41.
CÓPIA DE OFÍCIO de Orville Derby. 31 de outubro de 1895. APM. Fundo SI. Série
Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Cx. 1. Doc. 30.
FRONTEIRAS Interestaduais. O convênio entre Minas Gerais - São Paulo e sua
interpretação pelo Dr. Daniel de Carvalho, auxiliar do advogado de Minas. 1916. APM.
Fundo SI. Série Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Cx. 7.
Doc.227.
LISTA de instrumentos de engenharia e astronomia. APM. Fundo Obras Públicas.
Documentação não encadernada. Série Documentação Interna. Subsérie Seção Técnica.
Cx. 1. Doc. 22.
MANUSCRITO de F. Halfeld. APM. Fundo Obras Públicas. Série Documentação não
encadernada. Documentação Interna. Subsérie Seção Técnica. Cx. 1. Doc.61.

396
OFÍCIO da Litografia Hartmann. 4 de abril de 1923. IGA. Setor de Limites.
Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais.
OFÍCIO de Afonso Pena. 4 de agosto de 1894. APM. Fundo SI. Série Estatística Geral do
Estado e diversos. Registros de correspondência. Encadernado 1139.
OFÍCIO de Daniel de Carvalho para o Secretário da Agricultura, Raul Soares de Moura.
APM. Fundo SI. Série Limites com os estados. Subsérie São Paulo e Minas Gerais. Cx.7.
Doc.219.
OFÍCIO de João Chrockatt de Sá Pereira e Castro para o Diretor Geral de Obras
Públicas Dr. José Teixeira de Castro Gouvêa. 27 de janeiro de 1886. APM. Fundo Obras
Públicas. Documentação não encadernada. Série Documentação Recebida.
OFÍCIO DO CHEFE da Comissão de Limites ao Secretário de Estado de Obras Públicas
de Minas. 6/2/1896. APM. Fundo SI. Série Limites com os estados. Subsérie São Paulo e
Minas Gerais. Cx. 1. Doc.35.
OFÍCIO DO CHEFE da Comissão de Limites ao Secretário de Estado de Obras Públicas
de Minas. 6 de fevereiro de 1896. APM. Fundo SI. Série Limites com os estados. Subsérie
São Paulo e Minas Gerais. Cx. 1. Doc.35.
OFÍCIO do engenheiro-chefe de 12 de dezembro de 1925. IGA. Setor de Limites.
Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais.
PARECER de Augusto de Lima. APM. Fundo SI. Série Limites com os estados. Subsérie
São Paulo e Minas Gerais. Cx 2. Doc. 46.
RELAÇÃO dos objetos em poder do triangulador. [Manuscrito assinado por Antônio
Tavares em 8/6/1922]. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e
Geológica de Minas Gerais
RELATÓRIO anual apresentado ao Exmo. Sr. Secretário da Agricultura Dr. Djalma
Pinheiro Chagas pelo engenheiro chefe da Comissão Geográfica do Estado de Minas
Gerais. 1928. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica
de Minas Gerais.
RELATÓRIO anual do topógrafo Antônio Fernandes Lobato. Relatório da Comissão
Geográfica e Geológica. 1926. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão
Geográfica e Geológica de Minas Gerais.
RELATÓRIO anual do topógrafo Heldomiro Fonseca. 1924. IGA. Setor de Limites.
Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais.
RELATÓRIO anual do topógrafo José da Costa Carvalho. Relatório da Comissão
Geográfica e Geológica. 1924. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão
Geográfica e Geológica de Minas Gerais.
RELATÓRIO apresentado pelo engenheiro chefe da Comissão ao senhor Secretário da
Agricultura, Indústria, Viação e Obras Públicas; exercício de 1923. IGA. Setor de
Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais.
RELATÓRIO apresentado pelo engenheiro chefe da Comissão Geográfica e Geológica do
Estado de Minas Gerais ao senhor Secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e
Obras Públicas. 1922. Relatório do topógrafo Benedito Quintino dos Santos. IGA Setor de
Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais.
RELATÓRIO apresentado pelo triangulador Gil Moraes de Lemos ao Sr. Eng. Chefe.
1924. IGA Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de
Minas Gerais.

397
RELATÓRIO com justificativa pelo atraso na execução dos trabalhos. S/l: 189-. APCBH.
Subfundo Comissão Construtora da Nova Capital de Minas.
RELATÓRIO do topógrafo Alacrino Monteiro. In: Relatório anual apresentado pelo
engenheiro-chefe da Comissão Geográfica ao Exmo. Sr. Secretário da Agricultura. 1926.
IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas
Gerais.
RELATÓRIO do topógrafo Waldemar Alves Baeta. Relatório apresentado pelo
engenheiro-chefe da Comissão Geográfica e Geológica do estado de Minas Gerais ao
senhor secretário da Agricultura, Indústria, Terra, Viação e obras Públicas. 1922. IGA.
Setor de Limites. Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais.
RELATÓRIO do topógrafo Xenophonte Renault. [192-]. IGA. Setor de Limites.
Documentação da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas Gerais.
RELATÓRIO do triangulador Benedito Quintino dos Santos. Relatório da Comissão
Geográfica e Geológica. 1925. IGA. Setor de Limites. Documentação da Comissão
Geográfica e Geológica de Minas Gerais.
RELATÓRIO do triangulador Otávio Pinto da Silva. 1930. In: Relatório apresentado ao
Excelentíssimo senhor Secretário da Agricultura, pelo engenheiro-chefe da Comissão
Geográfica do Estado de Minas Gerais no ano de 1930. IGA. Setor de Limites.
Documentação da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais. p.11/2.
RELATÓRIO dos engenheiros da Comissão Geográfica de Limites com São Paulo e Rio
de Janeiro. Resumo do relatório do chefe da Comissão de Limites. 1895. APM. Fundo SI.
Série Limites. Subsérie Diversos. Cx. 11.
RELATÓRIO encaminhado ao Chefe da 4ª. Divisão da CCNCM pelo Chefe da 1ª. Seção.
S/l: 1895. APCBH. Subfundo Comissão Construtora da Nova Capital de Minas.
RELATÓRIO sumario dos trabalhos e negócios da Comissão Geográfica de Limites do
Estado de Minas com S. Paulo e Rio de Janeiro durante o 4º. trimestre, 1895,
apresentado ao Sr. Dr. Secretário de Estado da Agricultura, Comércio e Obras públicas.
APM. Fundo SI. Série Limites. Subsérie Diversos. Cx. 11.
RELATÓRIO sumário dos trabalhos e negócios da Comissão Geográfica de Limites do
Estado de Minas com S. Paulo e Rio de Janeiro durante o 2º. trimestre, 1895,
apresentado ao Sr. Dr. Secretário de Estado da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
APM. Fundo SI. Série Limites. Subsérie Diversos. Cx. 11.
RESUMO do relatório do chefe da Comissão de Limites. 1895. APM. Fundo SI. Série
Limites com os estados. Subsérie Diversos. Cx 11.
TELEGRAMA de Artur Bernardes a Antônio Olinto dos Santos Pires. AN. Fundo
Comissão Executiva da Comemoração do Centenário da Independência. Cx. 2418.
Comissão Organizadora Minas Gerais.

9.2 Legisla ção , re lató rio s de gov ern o, anai s par lamentare s

BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório que devia ser presente à Assembléia Geral
Legislativa na 3ª. sessão da 11ª. legislatura pelo ministro e secretário de Estado dos
Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas Pedro de Alcântara Bellegarde. Rio
de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1863.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Relatório apresentado ao

398
Presidente dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. Manoel Edwiges de Queirós Vieira,
ministro de Estado da Agricultura, Indústria e Comércio, no ano de 1914. Rio de
Janeiro: Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, 1913. v.1. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2005/000180.html>. Acesso em: 24 set. 2005.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Relatório apresentado ao
Presidente dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura,
Indústria e Comércio Miguel Calmon de Pin e Almeida; ano de 1922. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1925. Diretoria Geral de Estatística. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2018/000002.html>. Acessado em 23/05/2005.
BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Relatório apresentado ao
Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos
Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas, engenheiro Antônio Olinto dos Santos
Pires, em maio de 1896. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1896. Disponível em:
<http:brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1981/000215.html>. Acesso em: 12 abr. 2005.
BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Relatório apresentado ao
presidente dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Indústria, Viação e
Obras Públicas Miguel Calmon du Pin e Almeida no ano de 1908. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1908. v.1. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2275/000209.html>. Acesso em: 24 set. 2005.
BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Relatório apresentado ao
Exmo. Presidente da República pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria e
Comércio Ildefonso Simões Lopes. Rio de Janeiro: Vilas Boas, 1921. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2017/000422.html>. Acesso em: 24 set. 2005.
BRASIL. Ministério da Justiça. Exposição Internacional do Centenário do Rio de
Janeiro: relatório dos trabalhos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926. 2v.
BRASIL. Ministério do Império. Instruções para os trabalhos de exploração e
reconhecimento do rio São Francisco em todo o seu longo curso. In: ____. Relatório
apresentado à Assembléia Geral Legislativa pelo ministro e secretário de Estado dos
Negócios do Império Visconde de Monte Alegre. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional,
1852. Anexo 5. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1723/index.html>. Acesso
em: 16 dez. 2004.
BRASIL. Ministério do Império. Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa
pelo ministro e secretário dos Negócios do Império José Fernandes da Costa Pereira
Junior. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1888. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1373/000002.html>. Acesso em: 28 set. 2005.
BRASIL. Ministério do Império. Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa
na 4ª. sessão da 20ª. legislatura pelo ministro e secretário de estado dos Negócios do
Império Antônio Ferreira Viana. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. Disponível
em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1374/000060.html>. Acesso em: 28 set. 2005.
BRASIL. Ministério do Interior. Relatório da Diretoria Geral de Estatística. In: ____.
Relatório apresentado ao Presidente da República pelo Dr. João Barbalho Uchoa
Cavalcanti, Ministro de Estado dos Negócios do Interior, em maio de 1891. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. Anexo.
CONGRESSO CONSTITUINTE. Anais do Congresso Constituinte do Estado de Minas
Gerais; 1891. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1896.
CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados. Belo Horizonte: Imprensa
Oficial, 1911a.

399
CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados. Belo Horizonte: Imprensa
Oficial, 1913.
CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados: 2ª. sessão da oitava
legislatura. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1921.
CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados: quarta sessão da primeira
legislatura - ano de 1894. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1894.
CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados: terceira sessão da primeira
legislatura no ano de 1893. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1893.
CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados: terceira sessão da oitava
legislatura. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1922.
CONGRESSO MINEIRO. Anais da Câmara dos Deputados:sessões extraordinária e
ordinária no ano de 1909. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1910.
CONGRESSO MINEIRO. Anais do Senado: primeira sessão da primeira legislatura nos
anos de 1891 e 1892. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1911b.
MINAS GERAIS. Coleção de leis e decretos do estado de Minas Gerais. Ouro Preto:
Imprensa Oficial, 1889-1890.
MINAS GERAIS. Coleção de leis e decretos do estado de Minas Gerais. Ouro Preto:
Imprensa Oficial, 1891a.
MINAS GERAIS. Coleção de leis e decretos do estado de Minas Gerais. Ouro Preto:
Imprensa Oficial, 1892a.
MINAS GERAIS. [Relatório do presidente Machado Portela]. [Ouro Preto: s.n.], 1886.
Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u286/000090.html>. Acesso em: 28 maio
2005.
MINAS GERAIS. Diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização. Relatório
apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Manoel Thomaz de Carvalho Brito, secretário interino das
Finanças pelo engenheiro Carlos Prates, referente ao ano de 1907. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1908a.
MINAS GERAIS. Diretoria Geral de Agricultura, Viação e Indústria. Relatório
apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, secretário das
Finanças pelo engenheiro Artur da Costa Guimarães, diretor geral da Agricultura,
Viação e Indústria, em 1904. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1904a.
MINAS GERAIS. Diretoria Geral de Agricultura, Viação e Indústria. Relatório
apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Juscelino Barbosa, secretário das Finanças, pelo
engenheiro Carlos Prates, referente ao ano de 1908. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1909a.
MINAS GERAIS, Diretoria Geral de Agricultura, Viação e Indústria. Relatório de
Augusto de Vasconcelos. In: ____. Relatório referente ao ano de 1906 apresentado ao
Exmo. Sr. Dr. Manoel Thomas de Carvalho Brito, secretário das Finanças pelo
engenheiro Artur da Costa Guimarães, diretor geral da Agricultura, Viação e Obras
Públicas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1907a. Anexo.
MINAS GERAIS. Diretoria Geral de Agricultura, Viação e Indústria. Relatório referente
ao ano de 1904 apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada,
secretário das Finanças pelo engenheiro Artur da Costa Guimarães, diretor geral da
Agricultura, Viação e Obras Públicas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1905a.

400
MINAS GERAIS. Diretoria Geral de Agricultura, Viação e Indústria. Relatório anexo de
Augusto de Vasconcelos.In: ___. Relatório referente ao ano de 1904 apresentado ao
Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, secretário das Finanças pelo
engenheiro Artur da Costa Guimarães, diretor geral da Agricultura, Viação e Obras
Públicas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1905b.
MINAS GERAIS. Governador (Antônio Augusto de Lima 1891). Relatório apresentado ao
Exmo. Sr. Dr. José Cesário de Faria Alvim, presidente do Estado de Minas Gerais, em 15
de junho de 1891, pelo Dr. Antônio Augusto de Lima, ex-governador do mesmo estado.
Ouro Preto: J. F. de Paula Castro, 1892b. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2400/000002.html>. Acesso em: 10 out. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Afonso Augusto Moreira Pena 1892-1894). Mensagem
dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Afonso Augusto Moreira Pena ao
Congresso Mineiro em sua quarta sessão da 1a. legislatura. Ouro Preto: Imprensa
Oficial, 1894a.
MINAS GERAIS. Presidente (Afonso Augusto Moreira Pena 1892-1894). Mensagem
dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Afonso Augusto Moreira Pena ao
Congresso Mineiro em sua sessão ordinária da 1a. legislatura. Ouro Preto: Imprensa
Oficial, 1893a.
MINAS GERAIS. Presidente (Antônio Gonçalves Chaves 1883-1884). Fala que o Exmo.
Sr. Dr. Antônio Gonçalves Chaves dirigiu àAssembléia Legislativa Provincial de Minas
Gerais na 1ª. sessão da 25ª. legislatura em 1º. de agosto de 1884. Ouro Preto: Liberal
Mineiro, 1884. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/491/000034.html>. Acesso
em: 28 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Artur da Silva Bernardes 1919-1922). Mensagem dirigida
pelo presidente do estado, Dr. Artur da Silva Bernardes, ao Congresso Mineiro em
sua primeira sessão ordinária da 8ª. legislatura do ano de 1919. [Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1919a]. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u303/000022.html>. Acesso em: 24 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Artur da Silva Bernardes 1919-1922). Mensagem dirigida
pelo presidente do Estado, Dr. Artur da Silva Bernardes, ao Congresso Mineiro em
sua primeira sessão ordinária da 8ª. legislatura do ano de 1920. [Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1920]. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u304/000002.html>. Acesso em: 24 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Artur da Silva Bernardes 1919-1922). Mensagem dirigida
pelo presidente do Estado Dr. Arthur da Silva Bernardes, ao Congresso Mineiro, em sua
4ª. sessão ordinária da 8ª. legislatura no ano de 1922. [Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1922]. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u306/000054.html>. Acesso em: 4
out. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo 1887). Fala que o
Exmo. Sr. Dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo dirigiu à Assembléia Provincial de
Minas Gerais na segunda sessão da vigésima sexta legislatura em 5 de julho de 1887.
Ouro Preto: J.F. de Paula Castro, 1887. Anexo 1. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/494/000193.html>. Acesso em: 28 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Carlos Carneiro de Campos 1858-1859). Relatório que ao
Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, 1º vice-presidente da província,
entregou o Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Conselheiro Carlos Carneiro de Campos em o dia 6
de abril de 1859. Ouro Preto: Provincial, 1859. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u257/000002.html>. Acesso em: 22 set. 2005.

401
MINAS GERAIS. Presidente (Crispim Jacques Bias Fortes 1895-1898). Mensagem
dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr.Crispim Jacques Bias Fortes ao
Congresso Mineiro em sua 1 a. sessão ordinária da 2a. legislatura no ano de 1895. Ouro
Preto: Imprensa Oficial, 1895a.
MINAS GERAIS. Presidente (Crispim Jacques Bias Fortes 1895-1898). Mensagem
dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Crispim Jacques Bias Fortes ao
Congresso Mineiro em sua 2 a. sessão ordinária da 2a. legislatura no ano de 1896. Ouro
Preto: Imprensa Oficial, 1896a.
MINAS GERAIS. Presidente (Crispim Jacques Bias Fortes 1895-1898). Mensagem
dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Crispim Jacques Bias Fortes ao
Congresso Mineiro em sua 3 a. sessão ordinária da 2a. legislatura no ano de 1897. Ouro
Preto: Imprensa Oficial, 1897a.
MINAS GERAIS. Presidente (Crispim Jacques Bias Fortes 1895-1898). Mensagem
dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Crispim Jacques Bias Fortes ao
Congresso Mineiro em sua 4 a. sessão ordinária da 2a. legislatura no ano de 1898. Ouro
Preto: Imprensa Oficial, 1898a.
MINAS GERAIS. Presidente (Delfim Moreira da Costa Ribeiro 1915-1918). Mensagem
dirigida pelo presidente do estado, Dr. Delfim Moreira da Costa Ribeiro ao Congresso
Mineiro em sua 4ª. sessão ordinária da 7ª. legislatura do ano de 1918. [Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1918]. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u302/000105.html>. Acesso em: 04 out. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Antônio de Sales 1902-1906). Mensagem dirigida
pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Francisco Antônio de Sales ao Congresso
Mineiro em sua 1a. sessão ordinária da 4a. legislatura no ano de 1903. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1903a.
MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Antônio de Sales 1902-1906). Mensagem dirigida
pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Francisco Antônio de Sales ao Congresso
Mineiro em sua 2a. sessão ordinária da 4a. legislatura no ano de 1904. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1904b. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2413/000042.html>. Acesso em: 24 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Antônio de Sales 1902-1906). Mensagem dirigida
pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Francisco Antônio de Sales ao Congresso
Mineiro em sua 3a. sessão ordinária da 4a. legislatura no ano de 1905. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1905c.
MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Antônio de Sales 1902-1906). Mensagem dirigida
pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Francisco Antônio de Sales ao Congresso
Mineiro em sua 4a. sessão ordinária da 4a. legislatura no ano de 1906. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1906. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u290/000138.html>.
Acesso em: 23 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos 1853-1855).
Relatório que ao ilustríssimo e excelentíssimo Sr. Doutor Francisco Diogo Pereira de
Vasconcelos, muito digno presidente desta província, apresentou, ao passar-lhe a
administração, o 1º. vice-presidente desembargador José Lopes da Silva Vianna. Ouro
Preto: Bom Senso, 1854. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u254/index.html>.
Acesso em: 22 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Francisco José de Souza Soares de Andréa 1843-1844).
Fala dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais na abertura da sessão
ordinária do ano de 1843 pelo presidente da província Francisco José de Souza Soares de

402
Andréa. Ouro Preto: Correio de Minas, 1843. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/447/index.html>. Acesso em 12 out. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Francisco José de Souza Soares de Andréa 1843-1844).
Fala dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais na abertura da sessão
ordinária do ano de 1844 pelo presidente da província Francisco José de Souza Soares
de Andréa. Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1844. Disponível em
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/448/index.html>. Acesso em: 22 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Silviano de Almeida Brandão 1899-1901).
Mensagem dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr.Francisco Silviano de
Almeida Brandão ao Congresso Mineiro em sua 1a. sessão ordinária da 3a. legislatura no
ano de 1899. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1899a.
MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Silviano de Almeida Brandão 1899-1901).
Mensagem dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Francisco Silviano de
Almeida Brandão ao Congresso Mineiro em sua 2a. sessão ordinária da 3a. legislatura no
ano de 1900. Cidade de Minas: Imprensa Oficial, 1900.
MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Silviano de Almeida Brandão 1899-1901).
Mensagem dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Francisco Silviano de
Almeida Brandão ao Congresso Mineiro em sua 3a. sessão ordinária da 3a. legislatura no
ano de 1901. Cidade de Minas: Imprensa Oficial, 1901.
MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro da Silva 1906-1908). Mensagem dirigida
pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. João Pinheiro da Silva ao Congresso
Mineiro em sua 1a. sessão ordinária da 5a. legislatura no ano de 1907. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1907b.
MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro da Silva 1906-1908). Mensagem dirigida
pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. João Pinheiro da Silva ao Congresso
Mineiro em sua 2a. sessão ordinária da 5a. legislatura no ano de 1908. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1908b.
MINAS GERAIS. Presidente (Joaquim Saldanha Marinho 1867). Regulamento n. 53. In:
____. Relatório que ao Exmo. Sr. vice-presidente da província de Minas Gerais Dr. Elias
Pinto de Carvalho apresentou por ocasião de lhe passar a administração em 30 de junho
de 1867 o conselheiro Joaquim Saldanha Marinho, presidente da província. Rio de
Janeiro: Perseverança, 1867. Anexo AA6. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u265/000002.html>. Acesso em: 23 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão 1911-1914). Mensagem dirigida pelo
presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Júlio Bueno Brandão ao Congresso Mineiro
em sua 2a. sessão ordinária da 6a. legislatura no ano de 1912. Belo Horizonte: Imprensa
Oficial, 1912. Disponível em: <http://wwwcrl.uchicago.edu/content/Brazil/mina.htm>.
Acesso em: 4 out. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Luiz Antônio Barbosa 1852-1853). Relatório que à
Assembléia Provincial da província de Minas Gerais apresentou na sessão ordinária de
1852, o doutor Luiz Antonio Barboza, presidente da mesma província. Ouro Preto: Bom
Senso, 1852. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/456/index.html>. Acesso em:
22 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Luiz Antônio Barbosa 1852-1853). Relatório que à
Assembléia Provincial da província de Minas Gerais apresentou na sessão ordinária de
1853 o doutor Luiz Antonio Barboza, presidente da mesma província. Ouro Preto: Bom
Senso, 1853. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/457/index.html>. Acesso em:
22 set. 2005.

403
MINAS GERAIS. Presidente (Pedro Vicente de Azevedo 1875). Anexo da Diretoria Geral
de Obras Públicas. In: ___. Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial de
Minas Gerais, por ocasião de sua instalação em 9 de setembro de 1875, pelo Ilmo. e
Exmo. Sr. Dr. Pedro Vicente de Azevedo, presidente da província. Ouro Preto: J. F. de
Paula Castro, 1875. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/482/000120.html>
Acesso em: 24 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Teófilo Otoni 1882). Anexo da Diretoria Geral de Obras
Públicas. In: ___. Fala que o Exmo. Sr. Dr. Teófilo Otoni dirigiu à Assembléia Provincial
de Minas Gerais, ao instalar-se a 1ª. sessão da 24ª. legislatura em o 1º. de agosto de
1882. Ouro Preto: Carlos Andrade, 1882. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/489/000191.html>. Acesso em: 28 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Vicente Pires da Mota 1861). Relatório que à Assembléia
Legislativa Provincial de Minas Gerais apresentou na abertura da sessão ordinari [sic]
de 1861 o Ilmo. e Exmo. Sr. conselheiro Vicente Pires da Motta, presidente da mesma
província. Ouro Preto: Provincial, 1861. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/466/index.html>. Acesso em: 23 set. 2005.
MINAS GERAIS. Presidente (Wenceslau Brás Pereira Gomes 1909-1910). Mensagem
dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Wenceslau Bras Pereira Gomes
ao Congresso Mineiro em sua 3a. sessão ordinária da 5a. legislatura no ano de 1909. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1909b.
MINAS GERAIS. Presidente (Wenceslau Brás Pereira Gomes 1909-1910). Mensagem
dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Wenceslau Bras Pereira Gomes
ao Congresso Mineiro em sua 4a. sessão ordinária da 5a. legislatura no ano de 1910. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1910.
MINAS GERAIS. Quarto vice-presidente (Fidelis de Andrade Botelho 1864). Relatório
que à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais apresentou no ato da abertura
da sessão extraordinária de 1863 o doutor Fidelis de Andrade Botelho, quarto vice-
presidente da mesma província. Ouro Preto: Tip. do Minas Gerais, 1864. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/470/index.html>. Acesso em: 23 set. 2005.
MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Anexo da Comissão Geográfica e Geológica. In:
____. Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Estado da Agricultura do Estado de
Minas Gerais pelo Inspetor de Terras e Colonização, Dr. Carlos Prates em 1898. Anexo
A. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1898b.
MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Relatório apresentado ao Dr. Secretário de
Estado da Agricultura do Estado de Minas Gerais pelo Inspetor de Terras e Colonização,
Dr. Carlos Prates em 1896. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1896b.
MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Relatório da Comissão Geográfica e Geológica.
In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Estado da Agricultura do Estado de
Minas Gerais pelo Inspetor de Terras e Colonização, dr. Carlos Prates em 1896. Ouro
Preto: Imprensa Oficial, 1896c. Anexo A.
MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Relatório da Comissão de Limites. In: ____.
Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Estado da Agricultura do Estado de Minas
Gerais pelo Inspetor de Terras e Colonização, dr. Carlos Prates em 1896. Anexo B. Ouro
Preto: Imprensa Oficial, 1896d.
MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Relatório apresentado ao Dr. Secretário de
Estado da Agricultura do Estado de Minas Gerais pelo Inspetor de Terras e Colonização,
Dr. Carlos Prates em 1897. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1897b.

404
MINAS GERAIS. Repartição de Terras. Relatório da Comissão Geográfica e Geológica.
In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Estado da Agricultura do Estado de
Minas Gerais pelo Inspetor de Terras e Colonização, dr. Carlos Prates em 1897. Anexo A.
Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1897c.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura. A nova divisão administrativa do estado de
Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1924.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura. A viação férrea no estado de Minas Gerais.
Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1927a.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura. Serviço de Estatística Geral. A indústria da
criação em Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,1928a.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura. Serviço de Estatística Geral. Divisão
administrativa e judiciária do estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1927b.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura. Serviço de Estatística Geral. Minas Gerais
através dos números. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1927c.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura. Serviço de Estatística Geral. Minas segundo
o recenseamento de 1920: principais resultados censitários sobre a população, a
agricultura, a pecuária e a indústria. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1921.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura. Serviço de Estatística Geral. Sinopse das
principais riquezas minerais conhecidas no território mineiro. Belo Horizonte: Imprensa
Oficial, 1928b.
MINAS GERAIS. Secretaria das Finanças. O estado de Minas Gerais; sua evolução. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial,1922b.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas.
Relatório apresentado alo Exmo. Sr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Dr. Raul
Soares de Moura no ano de 1915. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1915.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório
apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos
Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr. David Moretzhon Campista no
ano de 1893. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1893b.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório do
chefe da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas, engenheiro Augusto de
Abreu Lacerda. In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do estado de Minas
Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano de 1893. Anexo A. Ouro Preto: Imprensa
Oficial, 1893c.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório de
Belarmino de Menezes. In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do estado de
Minas Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano de 1893. Anexo D. Ouro Preto: Imprensa
Oficial, 1893d.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório do
topógrafo Afonso Monteiro de Barros. In: ___. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do
estado de Minas Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio
e Obras Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano de 1893. Anexo C. Ouro Preto:
Imprensa Oficial, 1893e.

405
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório
apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos
Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr. David Moretzhon Campista no
ano de 1894. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1894b.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório da
Comissão Geográfica e Geológica de Minas In: ____. Relatório apresentado ao Dr.
Presidente do estado de Minas Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano de 1894.
Anexo B.. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1894c.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório de
Luis Lombard. In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do estado de Minas
Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano de 1894. Anexo B. Ouro Preto: Imprensa
Oficial, 1894d.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório do
engenheiro Álvaro da Silveira. In: ___. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do estado
de Minas Gerais pelo Secretário de estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas, dr. David Moretzhon Campista no ano de 1894. Anexo B. Ouro Preto:
Imprensa Oficial, 1894e.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório
apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de estado dos
Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr. Francisco Sá no ano de 1895.
Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1895b.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório da
Comissão Geográfica e Geológica.In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do
Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio
e Obras Públicas, Dr, Francisco Sá em o ano de 1895. Ouro Preto: Imprensa Oficial,
1895c. Anexo 3.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Seção de
Limites. In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais
pelo Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr,
Francisco Sá em o ano de 1895. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1895d. Anexo 4.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório do
topógrafo Carlos Lindgren. In: ____. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado
de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas, Dr, Francisco Sá em o ano de 1895. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1895e.
Anexo B.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas.
Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Artur Bernardes, presidente do Estado, pelo Dr.
Clodomiro Augusto de Oliveira, secretário da Agricultura; exercício de 1918. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1919b.
MINAS GERAIS. Secretaria de Agricultura. Relatório apresentado ao Presidente do
Estado de Minas Gerais pelo secretário dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas, Sr. Américo Werneck, em o ano de 1899. Cidade de Minas: Imprensa Oficial,
1899b.
MINAS GERAIS. Secretaria de Agricultura. Relatório do Comissão Geográfica e
Geológica. In; ____. Relatório apresentado ao Presidente do Estado de Minas gerais pelo

406
secretário dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, sr. Américo Werneck,
em o ano de 1899. Anexo C. Cidade de Minas: Imprensa Oficial, 1899c.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura. Diretoria de Indústria e Comércio e
Diretoria de Agricultura, Terras e Colonização. Relatórios apresentados ao Exmo. Sr. Dr.
Djalma Pinheiro Chagas, secretário da Agricultura, sobre os trabalhos referentes ao ano
de 1927, executados pelas Diretorias de Indústria, Comércio e de Agricultura, Terras e
Colonização, pelos diretores engenheiros Benedito José dos Santos e Ernesto von
Sperling. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1928c.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatório
apresentado pelo Diretor da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas ao
vice-governador do estado de Minas Gerais para ser enviado ao Congresso por ocasião da
sua reunião em 1892. Ouro Preto: O Mineiro, 1891b.
MINAS GERAIS. Secretaria do Interior. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do
Estado de Minas pelo secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Delfim Moreira
da Costa Ribeiro em o ano de 1903. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1903b. v.3.
MINAS GERAIS. Secretaria do Interior. Relatório apresentado ao Presidente do Estado
de Minas pelo secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Wenceslau Brás Pereira
Gomes em o ano de 1900. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1901.
MINAS GERAIS. Secretaria do Interior. Relatório apresentado pelo secretário interino
do Interior ao Exmo. Sr. Vice-presidente do Estado de Minas Gerais: trabalhos da
Comissão Geográfica do Estado de Minas Gerais, 1891. Minas Gerais, Ouro Preto, ano 1,
n.74, 7 jul. 1892c.
MINAS GERAIS. Secretaria do Interior. Relatório de Álvaro da Silveira. In: ___.
Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas pelo secretário de estado
dos Negócios do Interior Dr. Wenceslau Brás Pereira Gomes em o ano de 1901. [Belo
Horizonte: Imprensa Oficial], 1902a.Anexo.
MINAS GERAIS. Secretaria dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Artur da Silva Bernardes, presidente do Estado,
pelo Dr. Clodomiro Augusto de Oliveira, secretário da Agricultura, referente ao exercício
de 1922. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1923.
MINAS GERAIS. Terceiro vice-presidente (Joaquim Camilo Teixeira da Mota 1862).
Relatório que a Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais apresentou no ato da
abertura da sessão ordinária de 1862 o coronel Joaquim Camilo Teixeira da Mota,
terceiro vice-presidente da mesma província. Ouro Preto: Provincial, 1862. Disponível
em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/467/index.html>. Acesso em: 23 set. 2005.
MINAS GERAIS. Vice-presidente (Barão de Camargos 1889). Fala que à Assembléia
Legislativa Provincial de Minas Gerais dirigiu por ocasião da instalação da 2ª. sessão da
27ª. legislatura em 4 de junho de 1889 o 1º. vice-presidente da província, Dr. Barão de
Camargos. Ouro Preto: J. F. de Paula Castro, 1889. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/496/index.html>. Acesso em: 28 set. 2005.
MINAS GERAIS. Vice-presidente (Eduardo Ernesto da Gama Cerqueira 1892).
Mensagem apresentada ao Congresso Mineiro pelo vice- presidente do Estado de Minas
Gerais Dr. Eduardo Ernesto da Gama Cerqueira. Ouro Preto: Imprensa do estado de
Minas Gerais, 1892d.
MINAS GERAIS. Vice-presidente (Joaquim Candido da Costa Sena 1902). Mensagem
dirigida pelo vice-presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Joaquim Cândido da Costa

407
Sena ao Congresso Mineiro em sua 3a. sessão ordinária da 3a. legislatura no ano de 1902.
Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1902b.

9.3 D isc ur sos, ediç ões co mem ora tiv as, pub li caçõe s té cn ic o- cient íf ica s,
art igos de pe rió dico s

A CARTA de Minas comemorativa do centenário. Revista Agrícola, Industrial e


Comercial Mineira. Belo Horizonte, v.1, fasc. 3, p.239, set. 1923.
A CARTA de Minas. Minas Gerais, Ouro Preto, ano 2, n.242, 7 set 1893. p.4.
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SILVEIRA, Álvaro da. A matemática na música e na linguagem. Belo Horizonte:
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SILVEIRA, Álvaro da. A mineração em Ouro Preto. Revista da Sociedade Brasileira de
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SILVEIRA, Álvaro da. As florestas e as chuvas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1916.
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SILVEIRA, Álvaro da. Contribuição para as eriocaulaceas brasileiras. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional,1918.
SILVEIRA, Álvaro da. Flora e serras mineiras. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1908.
SILVEIRA, Álvaro da. Fontes, chuvas e florestas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
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SILVEIRA, Álvaro da. Geografia do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Oliveira
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SILVEIRA, Álvaro da. Geografia: informações sobre as folhas da carta geográfica do
Estado de Minas Gerais. Revista Industrial de Minas Gerais, Ouro Preto, ano 3, n.18/19,
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SILVEIRA, Álvaro da. Memórias corográficas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1922.
SILVEIRA, Álvaro da. Mineralogia. São Paulo: Melhoramentos, Caieiras, s/d.
SILVEIRA, Álvaro da. Narrativas e memórias. Belo Horizonte: Imprensa oficial, 1924.
SILVEIRA, Álvaro da. Os tremores de terra em Bom Sucesso. Belo Horizonte: Imprensa
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SILVEIRA, Álvaro da. Topografia. São Paulo: Melhoramentos, [1927].

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SILVEIRA, Álvaro da. Viagem pelo Brasil: notas e impressões colhidas na viagem do Sr.
Dr. Afonso Pena. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1906.
SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DO RIO DE JANEIRO. Geografia do Brasil
comemorativa do 1° Centenário da Independência: 1822-1922. Rio de Janeiro: Pimenta
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SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DO RIO DE JANEIRO. Indicações gerais sobre a
confecção da geografia do Brasil comemorativa do Centenário da Independência: 1919.
Rio de Janeiro: Rohe, 1920.
SUBSÍDIOS para a verdadeira geografia do Brasil; o que é o Atlas Corográfico
Municipal. Diário de Minas, Belo Horizonte, 19 jan. 1927.
TAUNAY, Affonso D’Escragnolle. Coletânea de Mapas da Cartografia Paulista Antiga.
São Paulo: Caieiras, Rio de Janeiro: Melhoramentos, 1922.
VEIGA, José Pedro Xavier da. Efemérides mineiras. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1897.
VEIGA, José Pedro Xavier da. Minas Gerais e Rio de Janeiro (questão de limites):
relatório apresentado ao governo mineiro. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo
Horizonte, v.4, p.317-376, 1889.

9.4 Do cum ento s cartog ráfi co s

9.4.1 Manuscritos
CARTA da província de Minas Gerais com indicação das atuais estradas e das despesas
com elas feitas durante o decênio de 1855 a 1865, organizada pelo engenheiro Henrique
Gerber, mandada levantar pelo Exmo. Sr. Presidente da mesma província Conselheiro
Joaquim Saldanha Marinho, em janeiro de 1867. [Ouro Preto, 1867]. Escala gráfica. In:
MINAS GERAIS. Presidente (Joaquim Saldanha Marinho 1867). Relatório que ao Exmo.
Sr. vice-presidente da província de Minas Gerais Dr. Elias Pinto de Carvalho apresentou
por ocasião de lhe passar a administração em 30 de junho de 1867 o conselheiro Joaquim
Saldanha Marinho, presidente da província. Rio de Janeiro: Perseverança, 1867a.
Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u265/000002.html>. Acesso em: 23 set.
2005.
CARTA das comunicações postais da província de Minas Gerais, projetada pelo
engenheiro H. Gerber e desenhada por João Duarte, em fevereiro de 1867b. Escala
1:1.000.000. APM. OP. 015. MAP.1/9. Env.1.
MAPA da Província de Minas Gerais, levantado pelo coronel Barão d’ Eschwege em 1821,
aumentado com a costa de leste, limites das dioceses, comarcas eclesiásticas, termos,
julgados, freguesias, e distritos, e comparativo da atual com uma nova organização civil,
por Luiz Maria da Silva Pinto em 1826. [Ouro Preto]: s.n., 1826. Biblioteca Nacional (Rio
de Janeiro)
MAPA das coletorias, recebedorias e seus extravios, linhas de correios e suas
ramificações, da Província de Minas Gerais, coordenada pela carta geográfica da mesma
província e documentos obtidos nas respectivas repartições por João R. Duarte,
desenhador copista da Diretoria Geral de Obras Públicas sob a imediata inspeção do Sr.
Engenheiro Aroeira, em junho de 1866. Ouro Preto: Diretoria Geral de Obras Públicas,
[1866]. Escala 1:2.250.000. 63x63 cm. APM.OP.013. MAP 1/9. Env. 1. Doc.2.
NOVO mapa da capitania de Minas Gerais levantado por Guilherme, barão de
Eschwege, tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros. [S.l.: s.n]. 1821. Gabinete de

414
Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar (Lisboa).

9.4 .2. Im pre ss os


BRASIL. Comissão da Carta Geral do Império. Carta do Império do Brasil organizada
pela Comissão da Carta Geral sob a presidência do general Henrique de Beaurepaire
Rohan com a coadjuvação de Barão da Ponte Ribeiro. [Rio de Janeiro]: Inst. Heliográfico
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mapas corográficos antigos e das observações mais recentes de vários engenheiros, por
ordem do Ilmo. e Exmo. Sr. Doutor Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, presidente
desta província, por Frederico Wagner. Ouro Preto, 1855. Rio de Janeiro: Arquivo
Militar, 1863. Escala gráfica em léguas. 67,6x76,5cm.
CARTA da província de Minas Gerais coordenada por ordem do Exmo. Sr. Conselheiro
José Bento da Cunha Figueiredo presidente da província, segundo os dados oficiais
existentes e muitas próprias observações por Henrique Gerber, engenheiro da mesma
província. [Glogau: C. Fleming], 1862. Escala 1:1.500.000.
CLUBE DE ENGENHARIA DO RIO DE JANEIRO. Carta do Estado de Minas Gerais
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Berlim: Dietrich Reimer (Ernest Vohsen), 1922. Escala 1:1.000.000.
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Horizonte: Seção de Cartografia da Imprensa Oficial,1931. Escala 1:100.000. 74x58 cm.
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COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Alem Paraíba. [São
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COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Baependi. [Paris:
Erhard Frères], 1897. Escala 1:100.000. 56x73 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Barbacena. [Paris:
Erhard Frères], 1895. Escala 1:100.000. 56x72 cm.

415
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Belo Horizonte. São
Paulo: Melhoramentos, 1932. Escala 1:100.000. 53x71 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Bocaina. Juiz de Fora:
Hartmann, 1923. Escala 1:100.000. 54x71 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Bomfim. [Belo
Horizonte: Seção de Cartografia da Imprensa Oficial,1930. Escala 1:100.000.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Cambuí. São Paulo:
Melhoramentos, 1930. Escala 1:100.000. 55x72 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Caparaó. S. Paulo:
Melhoramentos, 1929. Escala 1:100.000. 56x72 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Carangola. [Paris:
Institut Cartographique de Paris], 1927. Escala 1:100.000. 57x86 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Carrancas. [Paris:
Erhard Frères], 1897. Escala 1:100.000. 56x73 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Cataguazes. [São
Paulo: Melhoramentos], 1926. Escala 1:100.000. 57x75 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Esboço da zona
explorada de 1891 a 1893. Rio de Janeiro: H. Lombaerts, [189-]. Escala 1:500.000.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Extrema. [São Paulo,
Caieiras, Rio de Janeiro]: Melhoramentos, 1929. Escala 1:100.000. 56x72 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Ibertioga. [Paris:
Erhard Frères], 1895. Escala 1:100.000. 56x73 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Itabirito. [Rio de
Janeiro]: Melhoramentos, 1929. Escala 1:100.000. 54x73 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Itajubá. [São Paulo:
Melhoramentos], 1926. Escala 1:100.000. 72x75 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Itapecerica. Belo
Horizonte: Seção de Cartografia da Imprensa Oficial, 1932. Escala 1:100.000. 56x72 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Itaúna. Belo
Horizonte: Seção Cartográfica da Imprensa Oficial, 1934. Escala 1:100.000. . 56x73 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Juiz de Fora. São
Paulo: Melhoramentos, 1924. Escala 1:100.000. 64x71 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Laginha. Belo
Horizonte: Seção de Cartografia da Imprensa Oficial, 1931. Escala 1:100.000. 58x74 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Lagoa Dourada.
[Paris]: Institut Cartographique de Paris, 1930. Escala 1:100.000. 55x80 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Lavras. [Paris:
Erhard Frères], 1898. Escala 1:100.000. 55x72 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Lima Duarte. [Paris:
Erhard Frères], 1899. Escala 1:100.000. 53x57 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Luminárias. [Paris:
Erhard Frères], 1897. Escala 1:100.000. 57x73 cm.

416
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Manhuaçu. São
Paulo: Ipiranga, 1929. Escala 1:100.000. 54x68 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Muriaé. [São Paulo]:
Ipiranga, 1927. Escala 1:100.000. 56x72 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Oliveira. [São Paulo:
Melhoramentos], 1922. Escala 1:100.000. 55x75 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Ouro Preto. [Rio de
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COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Palma. [São Paulo:
Melhoramentos], 1926. Escala 1:100.000. 73x53 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Palmira. [São Paulo]:
Melhoramentos, 1924. Escala 1:100.000. 57x74 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Piranga. [Paris:
Institut Cartographique de Paris], 1930. Escala 1:100.000. 56x85 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Ponte Nova. [São
Paulo, Rio de Janeiro]: Ipiranga, 1928. Escala 1:100.000. 55x72 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Pouso Alegre. Belo
Horizonte: Seção de Cartografia da Imprensa Oficial, 1933. Escala 1:100.000. 56x72 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Pouso Alto. [São
Paulo: Melhoramentos], 1923. Escala 1:100.000. 55x74 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Redes de
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COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. Remédios. [São Paulo:
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Sapucaí. Belo Horizonte: Seção de Cartografia da Imprensa Oficial, 1933. Escala
1:100.000. 56x71 cm.
COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA DE MINAS GERAIS. São Tiago. São Paulo:
Melhoramentos, 1929. Escala 1:100.000. 55x72 cm.
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Institut Cartographique de Paris], 1930. Escala 1:100.000. 56x85 cm.
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da zona explorada de 1891 a 1893. Rio de Janeiro: H. Lombaerts: [1893]. Escala

417
1:500.000. 35x52 cm.
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governo de S. M. I., o senhor Dom Pedro II pelo engenheiro civil Henrique Guilherme
Fernando Halfeld em 1852, 1853 e 1854, e mandado litografar na Litografia Imperial de
Eduardo Rensburg. Rio de Janeiro: Eduardo Rensburg, 1860.
KARTE der brasilian provinz Minas Gerais, aufgenommen auf Befehl der
Provinzialregierung in den Jahren 1836-1855, mit Benutzung alterer Karten u. neuerer
Vermessungen u. Beobachtungen, unter specieller Leitung des civil-ingenieurs H. G. F.
Halfeld entworfen u. gezeichnet von Friedrich Wagner. Gotha: Justus Perthes, Lit. Anst.
v. C. Hellfarth, 1862. Escala 1:2.000.000.
LIAIS, Emm. Explorations scientifiques au Brésil: hidrographie du haut San-Francisco
et du Rio das Velhas; résultats au point de vue hydrographique d´un voyage effectué
dans la province de Minas Gerais ; avec la collaboration de MM. Eduardo José de Moraes
et Ladislao de Souza Neto. Paris: Garnier Frères; Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1865.
MAPA da Província de Minas Gerais, levantado pelo Coronel Barão de Eschwege em
1921, aumentado por Luiz Maria da Silva Pinto em 1826, mandado copiar e adaptar em
1922 pela Comissão Mineira do Centenário para Confronto com o Mapa do Centenário.
[S.n.]. Sem escala.
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MAPA do Estado de Minas Gerais organizado por ordem da Dir. da Viação, O. Públicas e
Indústria, pelo eng. Benedito José dos Santos, sendo presidente do Estado o Exmo. Sr.

418
Wenceslau Brás Pereira Gomes e secretário das Finanças Dr. Juscelino Barbosa. Rio de
Janeiro: [s.n.], 1910. Escala 1:1.000.000.
MAPA do Estado de Minas Gerais, contendo os do Rio de Janeiro, Espírito Santo e S.
Paulo, organizado por J. Chrockatt de Sá, engenheiro civil, ex-Diretor Geral das Obras
Públicas do mesmo Estado, com a colaboração de Eduardo A. G. Thompson. Rio de
Janeiro: Laemmert, [1893]. Escala 1:1.000.000.
MINAS GERAIS. Secretaria da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas.
Serviço de Estatística Geral. Carta física e política. [São Paulo: Companhia Litográfica
Ipiranga, 1930]. Escala 1:1.000.000.
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Geológico. Serviço Geológico. Mapa geológico do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte:
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Quadro I - Enge nhe iros e técnicos das Co missõ es - 1891-1930

Co mis sã o G e og rá f ic a e Geo ló g i ca de Min a s G er ais – Co mi s s ão Ge og rá f ica de L imi tes

Nome Profissão Formação Cargos Período


Local Ano
Joaquim Júlio de Proença Engenheiro civil com Escola Politécnica Presidente da Comissão de Estatística 1890
registro no MA em 1888 (presum.)
José Cupertino de Siqueira Engenheiro de minas e Escola de Minas 1890 Presidente da comissão de estatística 1890
civil
Pres. da Comissão de estatística 1891

Augusto Abreu Lacerda Engenheiro de minas e Escola de Minas 1887 Chefe da Comissão de Exploração 1892
civil
Chefe da CGG

Membro da Comissão de Estatística 1891

1º.Ajudante da CGG/ triangulador 1894

Augusto César de Vasconcellos Engenheiro mecânico Univ. do estado de Primeiro ajudante/Turma de Limites 1895-98
Nova York
Chefe da Comissão de Limites 1902

Representante CGG paulista

Antônio Carlos Rodrigues Engenheiro Membro da Comissão de estatística 1891-92


Lima agrimensor com registro Ajudante da CGG
no MA em 1888
Ajudante 1891
Primeiro ajudante da CGG 1894
Belarmino Martins de Engenheiro agrimensor Escola de Minas 1893
Menezes Chefe de seção/Comissão de Limites 1895

Engenheiro agrimensor da Rep. de 1900


Terras
Nome Profissão Formação Cargos Período
Local Ano
Gabriel Carlos Álvares da Desenhista da 1ª. Comissão de estatística 1890
Costa
Membro da Com. de Estatística
Jose Thomas da Silva Coelho Desenhista 1891
Desenhista da CGG 1893
Luiz Lombard Engenheiro de minas Escola de Minas de Engenheiro ajudante 1891
Saint-Etienne/FR Geólogo 1893
Engenheiro de minas Escola de Minas 1887 Ajudante 1892
Esdras do Prado Seixas com registro no MA em Geólogo 1893
1888 Responsável por estudos de indústria 1911
Geólogo mineral no governo mineiro
Afonso Monteiro de Barros Engenheiro de minas e Escola de Minas 1891 Ajudante 1891/92
civil
Ajudante 1893
Álvaro Astolfo da Silveira Engenheiro de minas e Escola de Minas 1892 Geólogo 1893
civil; Geólogo Chefe da CGG 1895/98
1921/30
Antônio Dias Ferraz da Luz Agrimensor Escola de Minas 1893 Ajudante/topógrafo 1893/96
Ernesto Pedro da Silva Agrimensor Escola de Minas 1893 Ajudante/ topógrafo 1893/96
Carvalho
Ephraim do Prado Seixas Agrimensor registro no Ajudante 1893
MA em 1888
Antônio Nogueira Jaguaribe Agrimensor Escola de Minas 1887 Ajudante/topógrafo 1893/96
Domingos Jaguaribe Ajudante/CGG 1894
Ajudante/CGG 1894
João Isidoro Magalhães Agrimensor Escola de Minas 1894
Drumond Ajudante Turma de Limites 1896/98

José Caetano Barcelos de Engenheiro de minas, Escola de Minas Chefe da Seção de Limites 1898/99
Carvalho metalurgia e civil
Nome Profissão Formação Cargos Período
Local Ano
Engenheiro de minas com
Carlos Nunes Rabello regalias de civil Escola de Minas 1893 Geólogo da CGG 1896
Geólogo

Ajudante da CGG/topógrafo 1895/96


Henrique Carlos de Engenheiro de minas e Escola de Minas 1895
Magalhães Gomes civil Geólogo da CGG 1896/98
Ajudante da Turma de Limites 1894

Chefe de seção CGG/triangulador 1896


Antônio Pedro Tavares Engenheiro de minas e Escola de Minas 1889
civil Triangulador CGG 1921

Topógrafo 1923

Francisco de Paula Figueiredo Agrimensor Escola de Minas 1895 Ajudante da CGG 1896/99
Brandão
Ajudante da turma de limites 1894
Carlos Lindegren Agrimensor Escola de Minas 1892
Chefe da Seção de Limites 1895-56
Ajudante da Turma de Limites 1894
Luis Felipe de Salles Engenheiro de minas Escola de Minas 1892
Comissão de Limites 1895/96
/agrimensor
Francisco de Paula Cunha Ajudante da CGG 1893
Nicator Phamphiro Engenheiro de minas Escola de Minas 1893 Ajudante CGG 1893-94
Escriturário 1893
Edigar de Castro
Meteorologista 1893
Meteorologista da CGG 1893

Achilles de Montalvão Meteorologista


Desenhista Desenhista da Turma de Limites 1894

Desenhista de 1ª. Classe? Comissão de 1895


limites
Nome Profissão Formação Cargos Período
Local Ano
Teófilo Benedito Otoni Engenheiro civil com Escola de Minas Membro da CGG (?)
registro no MA em 1888
Engenheiro ajudante da turma de limites 1894
Francisco Nogueira Viotti Engenheiro de minas Escola de Minas 1894
Comissão de Limites 1895/96

Armando de Miranda Lima Engenheiro/ Agrimensor Escola de Minas 1894 Ajudante Turma de Limites
Joaquim de Almeida Lustosa Engenheiro de minas e Escola de Minas 1894 Ajudante de primeira classe/limites 1896
civil
Antônio Pinheiro Campos Agrimensor Escola de Minas 1897
Alfredo Cajado de Lemos Engenheiro Escola de Minas 1895 Ajudante 2ª. Classe/CGG 1896
Alexandre Alfredo Capelache Engenheiro Ajudante de 1ª. Classe/Comissão de 1895/96
de Gusbert Limites
Gabriel Candido de Figueiredo Agrimensor Escola de Minas 1894 Comissão de Limites 1895
Cortes
Julianette de C. Cabral Agrimensor Escola de Minas 1894 Comissão de Limites 1895
Augusto Bagnani Engenheiro Ajudante de 1ª. Classe/limites 1895
Arnoldo Junqueira da Silva Agrimensor Ajudante de 2ª. Classe/limites 1895
João de Freitas Castro Engenheiro Ajudante de 1ª. Classe/limites 1896
Tito Canessa Engenheiro Ajudante/limites 1896
Waldemar Alves Baeta Engenheiro Escola de Minas 1921 Topógrafo 1921
1923
Harold Hermeto C. da Costa Engenheiro Topógrafo 1922/23
Topógrafo 1922

Benedito Quintino dos Santos Engenheiro civil Escola de Engenharia 1916 Triangulador 1923/28
de BH
Chefe da CGG 1931

Antônio Gomes Monteiro Jr Engenheiro Escola de Minas Desenhista 1921/26

Gil Moraes de Lemos Engenheiro Triangulador 1923/24


Nome Profissão Formação Cargos Período
Local Ano
Topógrafo 1921
Newton Fonseca Engenheiro Encarregado da medição da força 1923
hidráulica
Topógrafo
Otávio Pinto da Silva Agrimensor Escola de Minas Topógrafo/triangulador 1923/30
Engenheiro Esc. de Engenharia de
Minas Gerais
E. Engenharia de Juiz Topógrafo 1923/28
Waldemar Lobato Eng. civil e eletrotécnico de Fora
Triangulador 1930
José da Costa Carvalho Engenheiro Topógrafo 1923/30
Oswaldo Freitas Engenheiro civil Esc. Politécnica Rio Topógrafo 1923
Triangulador 1924
Silvio Álvares da Silva Engenheiro Topógrafo 1923
Sady Leite Ribeiro Engenheiro Topógrafo 1923/26
Heldomiro Fonseca Topógrafo 1923/28
Triangulador 1930
Dilermano do C. e Silva Topógrafo 1923
Alberto Fernando Torres Topógrafo 1923
Josué Cardoso da Fonseca Topógrafo 1923
Carlos Bolívar Moreira Topógrafo 1923
José de Martins Freire Engenheiro Desenhista 1923/30
Antônio Fernandes Lobato Eng. civil e eletrotécnico E.Engenharia de Juiz Topógrafo 1924/30
de Fora
Severino Belttemmuller Engenheiro geógrafo Escola de Minas 1924 Topógrafo 1926/30
Francisco Tarquínio Pereira Engenheiro geógrafo Escola de Minas 1924 Topógrafo 1926/30
Alacrino Monteiro Engenheiro geógrafo Escola de Minas 1923 Topógrafo 1926/31
Octávio Roscoe Desenhista 1926/34
João Paulo de Vasconcellos Eng. civil Esc. Engenharia MG Triangulador/Topógrafo 1928/30
Xenophonte Renault de Lima Eng. civil e eletrotécnico E. Engenharia Juiz de Triangulador/Topógrafo 1928/30
Fora
Copérnico Pinto Coelho Engenheiro agrônomo E. Agronomia de BH 1927 Topógrafo 1928/30
Ignacio Murta Junior Agrimensor E.Engenharia BH Topógrafo 1928/30
Ataliba Sales Eng. topógrafo e Esc. Min.Agronomia Topógrafo 1928/30
Agrimensor
Nome Profissão Formação Cargos Período
Local Ano
Altivo Almeida Agrimensor E. Engenharia BH 1930
Alarico José Torres Desenhista/ Cartógrafo 1928/30
Archimedes de Araújo Dória Topógrafo 1928
Olavo Chagas Ribeiro Topógrafo 1928
1931
José de O. Duarte Topógrafo 1928
Eduardo Schmidt Monteiro de Topógrafo 1928/30
Castro
Manuel G. Vieira Topógrafo 1928
Ettel Nogueira de Sá Topógrafo 1928/30
José Antônio Cardoso Topógrafo 1928
1931
José Aleixo Ribeiro Topógrafo 1928
1931
José dos Santos Saraiva Topógrafo 1928/30
Luis Palhano Cadaval Topógrafo 1928
José de Campos Continentino 1931
Roberto Souza Dias 1931
Henrique A Andrade Topógrafo 1930
Benedito de Carvalho Santos Topógrafo 1930
Evaristo Nogueira de Sá Topógrafo 1930

Comissão Mineira do Centenário

Nome Profissão Formação Cargos Período


Local Ano
Affonso de Guaira Heberle Cartógrafo/ Desenhista
Odilon Loureiro Engenheiro-geógrafo Escola de Minas 1919 Cartógrafo
Joaquim Moreira Barbosa Engenheiro agrônomo Esc. Min. de Agro. e
Veterinária
José Ximenes César Professor Cartógrafo/Desenhista

Teodoro Barbosa Agrimensor

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