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O tema que nos foi proposto conduz a uma análise numa perspectiva
operacional. O nosso contributo pode consequentemente vir a ser
entendido como a tradução de uma visão «técnica» da lei.
Assim, e desde início, gostaríamos de deixar claro que estamos
cientes que legislar é uma decisão política, é um processo político, e
que portanto a lei está sujeita a condicionalismos políticos, sociais e
económicos.
O debate em torno da lei é amplo, e o desenvolvimento da Teoria da
Legislação, em particular da Legística, surge como uma das respostas
à denominada «crise da lei».
Temos presente que surgem tendências que vêm colocar o problema
noutra perspectiva, sustentando que a lei está em crise por razões
ligadas à sua preparação, mas também, e principalmente, por outras
razões, que estão para além dos problemas da elaboração da lei, em
sentido material e formal.
Sem desenvolver esta temática que nos levaria muito longe, e que
não é o propósito da nossa intervenção, fazemos apenas menção a
duas correntes significativas sobre a problemática da lei. Para alguns
autores a «crise do paradigma legalista» é analisada na perspectiva
da crise de legitimação do Estado – os diferentes actores sociais
questionando a legitimidade do Estado não se reconhecem na
legislação aprovada pelo Legislativo e pelo Executivo - . Para outros,
a «crise da lei» tem que ser entendida por referência à problemática
da falência ou das dificuldades do Estado Social – que conduziu a um
excesso de regulação que veio dificultar a comunicação entre o
legislador e os destinatários da lei.1
No entanto, em qualquer das análises mencionadas, é sublinhada a
importância da Lei nos Estados Democráticos. Assim, importa analisar
os contributos da Teoria da Legislação para a compreensão do
fenómeno legislativo.
O nosso objectivo é pois o de evidenciar como os princípios e
métodos propostos pela Teoria da Legislação podem influenciar o
desenvolvimento de uma política legislativa de qualidade.
1
Para mais desenvolvimentos ver António Hespanha Panorama Histórico da Cultura Jurídica
Europeia , Publicações Europa América , 1997.
1
1. Teoria da Legislação – ciência normativa e ciência de acção
2
Ulrich Karpen « Zum gegenwärtigen Stand der Gesetzgebungslehre in der Bundesrepublik
Deutschland», in Zeitschrift für Gesetzgebung ,(1), 1986, p.7 e ss.
2
Assinale-se que, no que respeita à Metódica da Legislação e à Técnica
da Legislação, esta terminologia foi actualizada, pelo que hoje fala-se
da Legística Material e Formal, integrando ambas a designação mais
genérica de Legística.3, que adoptamos na nossa apresentação.
Nos últimos tempos, afirma-se o termo Legisprudência4, como
designação da Ciência que se ocupa dos estudos da lei. Esta nova
proposta, que se pretende mais ajustada ao desenvolvimento da
análise dos aspectos teóricos (ciência na elaboração da lei) e também dos
aspectos práticos da legislação (arte na elaboração da lei), reformula a
classificação anterior e inclui dois novos domínios de estudo: Gestão
de Projectos Legislativos e Sociologia da Legislação.5
3
Charles Albert Morand , « Éléments de Légistique Formelle et Matérielle » in Légistique formelle et
matérielle- Formal and Material Legistic, Presses Universitaires D`Aix-Marseille,1999, p.17 a 45.
4
Luzius Mader «Avaliação prospectiva e análise do impacto legislativo : tornam as leis melhores?» in
Legiislação. Cadernos de Ciência de Legislação,(42/43),2006, p.178 e ss.
5
Idem p.179 a 181- No âmbito da Legisprudência são assim identificados sete domínios, a saber:
Metodologia Legislativa (analisa as questões do conteúdo da lei, propõe a monitorização da lei e a sua
avaliação), Técnica Legislativa ou Legística Formal ( analisa em particular as questões derivadas da
transmissão da vontade do legislador - selecção do acto legislativo, definição da estrutura do acto
legislativo, determinação da densidade normativa), Formulação legislativa ou aspectos linguísticos e
comunicacionais ( aborda as questões da redacção, da linguística e da comunicação legislativa) ,
Procedimento Legislativo ( analisa as questões do procedimento externo da lei),Gestão de Projectos
Legislativos ( considera as questões da gestão dos projectos legislativos, nomeadamente : os recursos, o
tempo de preparação do projecto, a recolha de informação ao nível interno e externo), Sociologia da
Legislação ( aborda as questões da implementação da lei, dos efeitos da lei-- com particular atenção às
consequências da lei na realidade social), Teoria da Legislação (estudo do conceito e evolução das leis).
3
indirectamente participantes no procedimento de criação de normas
legislativas»6.
Importa assim considerar os seguintes momentos do procedimento
legislativo externo:
Os impulsos legislativos
Configuram os motivos (políticos, jurídicos, sociais) que podem
justificar o início do procedimento legislativo. Por essa razão, e
apesar de antecederem o procedimento legislativo, de serem
exteriores ao mesmo, são objecto de estudo no âmbito da Táctica
Legislativa.
A decisão de legislar
É uma questão central no procedimento legislativo, envolvendo
problemas de natureza constitucional, mas também problemas da
agendagem da lei e da agenda política, que nos fornecem elementos
muito importantes para a compreensão da lei.
A agendagem da lei é entendida como «a inscrição na ordem do dia dos
órgãos legiferantes de um determinado problema carecido de decisão
legislativa», enquanto a agenda política é entendida em sentido mais
amplo como o «conjunto de problemas impulsionantes de um debate
público ou de uma intervenção activa das autoridades legítimas»7
4
reconhecer que a qualidade da decisão não é o único factor a
considerar para o êxito de uma política pública. Afasta-se a ideia, até
então dominante, de uma separação entre o político que decide e a
administração que executa, com total separação de poderes e
responsabilidades. Passa assim a considerar-se que «a execução
surge como um processo de interacção entre os objectivos e os
resultados»10. Com efeito, há múltiplas variáveis que é necessário
ponderar, discutir com os decisores políticos para uma efectiva
execução de uma política pública.
Esta abordagem metodológica (das políticas públicas) é actualmente
sugerida para a monitorização da execução da lei numa relação
constante entre os objectivos definidos pelo legislador e os resultados
a alcançar.
10
Rafael Bañon y Ernesto Carrillo (editores) La nueva Administración Pública,Alianza, Madrid,
1997,p.300.
11
J.J. Gomes Canotilho, Ibidem, Parte I, ponto 5.
12
Jacques Chevallier, «La rationalisation de la production juridique», in L`État Propulsif- Contribution à
l`´étude des instruments d`action de l`État, PUBLISUD,p.32.
5
norma e também da sua capacidade de se integrar em programas de
acção.
13
Não entramos no desenvolvimento da problemática da avaliação legislativa, pois esta questão é
abordada noutro painel do Congresso.
14
Montesquieu publica , em 1748, De l`Esprit des Lois , obra na qual para além de uma preocupação
filosófica, aborda aspectos muito concretos quanto à redacção da lei. Assim no Livro XXIX Sobre a
maneira de elaborar as leis, Capítulo XVI Coisas a observar na composição das leis, refere que: O
estilo deve ser conciso; o estilo deve ser simples; a lei não deve conter expressões vagas; as leis não
devem ser subtis, elas são feitas para as pessoas de entendimento médio; as leis inúteis enfraquecem as
leis necessárias.
6
A importância dos programas de formação específica em redacção
legislativa é reconhecida para a melhoria dos padrões de qualidade
formal da lei, defenda-se ou não a existência de redactores
profissionais, à semelhança do Reino Unido e demais países da
Commonwealth15.
E a Legística Formal surge, hoje, já, como componente dos currículos
dos programas de ensino universitário na área da Teoria da
Legislação, para além da sua inclusão em programas de formação ou
reciclagem ao nível profissional.
O outro elemento importante neste domínio foi a aprovação, em
diversos países, de Directrizes ou Regras de Legística16.
Estas Directrizes de Legística formal, estabelecem regras quanto à
sistematização, composição e redacção das leis que, como factor de
harmonização e uniformização, contribuem para a qualidade da
legislação, facilitam a sua aplicação e o entendimento da lei pelos
seus destinatários.
15
Keith Patchett, « Legislação e redacção legislativa no Reino Unido», in Legislação. Cadernos de
Ciência de Legislação, (2), 1991, pp. 29 a 69.
16
Rodolfo Pagano, Le Direttive di Tecnica Legislativa in Europa, Vol I e II, Camera dei Deputati,
Quaderni di Documentazione,Roma, 1997.
17
Ao nível federal mencione-se o Manual de Redacção da Presidência da República, 2º edição, revista e
actualizada de 2002. Ao nível estadual, mencione-se o Manual de Redacção Parlamentar –Assembléia
Legislativa do Estado de Minas Gerais , 2ªedição de 2007.
7
alcançados nos diversos domínios, em diferentes países e por
especialistas oriundos de áreas diversificadas.
18
The 1995 Recommendation of the Council of the OECD on Improving the Quality of Government
Regulation
19
The 1997 OECD Report to Ministers ( Plan for Action on Regulatory Quality and Performance)
The 2005 OECD Guiding Principles for Regulatory Quality and Performance
Remetemos o desenvolvimento sobre estes textos para o site da OCDE - www.oecd.org
8
2.2 As recomendações da OCDE estão na base da política de
regulação, que começa a ser desenhada na União Europeia, no
âmbito do Conselho Europeu, que decorreu em Lisboa em 2000.
Neste Conselho, estabelecem-se metas ambiciosas de
desenvolvimento económico para a Europa, e sublinha-se a
importância de uma legislação de qualidade no quadro de uma
economia competitiva. Foi mandatado, por este Conselho, um Grupo
de Trabalho, o denominado Grupo Mandelkern, que apresentou um
relatório, em 2001,no qual se enunciam os princípios considerados
fundamentais para a melhoria da qualidade legislativa na União
Europeia e nos Estados-Membros20.
20
Relatório Mandelkern- Melhoria da Qualidade Legislativa, Legislação.Cadernos de Ciência de
Legislação,(29), 2000.
21
Idem, p.13.
9
2.3 Em 2005, a Estratégia de Lisboa foi reavaliada, e reforçando-se a
importância da qualidade da legislação para o bom desempenho das
economias europeias, foi aprovado o programa Better Regulation
(que podemos traduzir como Programa Legislar Melhor) que tem
como subtítulo – Legislar Melhor para o Crescimento e o Emprego na
União Europeia22.
22
Legislar melhor para o crescimento e o emprego na Uniâo Europeia,16.3.2005, COM(2005) 97 final
23
Idem , p.3
24
Impact Assessment Guidelines , 15 June 2005 (with March 2006 update), SEC (2005) 791.
25
Annex to the Communication on Better Regulation for Growth and Jobs in the European Union-
Minimising administrative costs imposed by legislation; Detailed outline of a possible EU Net
Administrative Cost Model, 16.3.2005, SEC (2005)175.
26
O método comum que se propõe é o Standard Cost Model, modelo adoptado na Holanda , desde 2002,
e que implica a recolha de dados sobre o tempo e os custos salariais necessários para satisfazer cada
obrigação em matéria de comunicação imposta por um acto legislativo. Bem como recolha de dados sobre
o número de entidades envolvidas e a frequência com que as informações são solicitadas.
10
Estes custos são diferentes dos custos do cumprimento da lei - por
ex.: investimentos em processos de produção mais seguros ou na
aquisição de tecnologia menos poluente.
Os custos administrativos - constituem apenas um elemento dos
custos da legislação, pelo que devem ser analisados num contexto
mais vasto, que englobe os custos e os benefícios económicos ,
sociais e ambientais da legislação em causa.
Em artigo recente27, Claudio Radaelli, professor e investigador no
Departamento de Políticas da Universidade de Exeter, Reino Unido,
questiona a política de redução de custos administrativos delineada
pela União Europeia e já adoptada por alguns Estados Membros.
Considera que parece ter, até à data, mais efeitos simbólicos do que
ganhos reais a nível de eficiência, o que pode explicar, em seu
entender, que a redução dos custos administrativos não tenha ainda
sido «adoptada» no meio empresarial. Assim, propõe que a nível
comunitário se centre, de forma prioritária, a atenção nas questões
da qualidade da regulação, e não em aspectos «quantitativos» que
entende como menos relevantes.
27
Cláudio Radaelli, «Reflections on the political economy of the “war on red tape”», in Legislação,
Cadernos de Ciência de Legislação, 46, Jan.-Março 2007
28
Ibidem Legislar melhor para o crescimento e o emprego na União Europeia, p.11.
29
Claudio Radaelli and Fabrizio De Francesco, Regulatory Quality in Europe- Concepts, measures and
policy processes, Manchester, Manchester University Press, 2007.
11
Como vão ser adaptados os princípios da Better Regulation à situação
concreta – jurídica, política, institucional – dos diferentes países?
30
A nível internacional, observámos que no Relatório Mandelkern e no programa Better Regulation são
enunciados princípios para uma política legislativa. A nível nacional , alguns países enunciaram já os
princípios que consideram que devem orientar uma política legislativa de qualidade. Assim, refere
Cláudio Radelli na obra citada, pág. 32 e 33:
No Reino Unido « A Better Regulation Task Force(2003) […….] com o total apoio do primeiro ministro
adoptou os seguintes princípios: proporcionalidade ; responsabilidade, consistência; transparência ;
definição de objectivos»
No Canadá , o Guia Assessing Regulatory Alternatives (Government of Canada, 1994) estabelece uma
distinção entre diferentes tipos de princípios, tais como princípios práticos e estratégicos. O “ melhor
sistema de regulação” de acordo com o Governo do Canadá é aquele que: respeita os requisitos
constitucionais e legais; oferece a melhor protecção legal ao mais baixo custo tanto quer ao sector privado
quer ao governo; promove uma cultura de transparência e responsabilidade; aprova legislação baseada
nos impulsos dos destinatários da lei; é amigável, acessível e compreensível; mantem a legislação
continuamente actualizada e melhorada.
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2º- O respeito dos princípios fundamentais do direito
7º - A partilha de saber
13
Em conclusão
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